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Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo II Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo Universidade Anhembi-Morumbi, 2 a 4 de julho de 2015 www.abraji.org.br 1 Jornalismo Investigativo no Prêmio Imprensa Embratel/Claro: uma análise das reportagens que conquistaram o Troféu Tim Lopes 1 Investigative Journalism in Prêmio Imprensa Embratel/Claro: an analysis of the reports that won Tim Lopes Trophy Soraya Venegas Ferreira 2 Resumo: Os prêmios destinados a jornalistas fazem parte das representações sociais que, através de um conjunto de conceitos, técnicas e procedimentos, constituem a identidade profissional, evidenciando paradigmas da prática jornalística, cujos valores hoje estão em xeque visto que o ethos que configura a categoria vem sofrendo fissuras. As circunstâncias do assassinato do repórter Tim Lopes, em 2002, obrigaram a categoria a reconfigurar de algumas práticas profissionais de apuração, acelerou a discussão sobre o código de ética dos jornalistas e estimulou a criação de algumas premiações em sua homenagem. As reportagens vencedoras do Troféu Tim Lopes, entregue na categoria de Jornalismo Investigativo do Prêmio Imprensa Embratel/Claro, serão estudadas no sentido de perceber o legado de Tim Lopes para as estratégias produção de reportagens investigativas, bem como entender as especificidades do gênero investigativo no campo do Jornalismo. Palavras-Chave: Jornalismo Investigativo, Ethos Profissional, Prêmio Imprensa Embratel/Claro, Troféu Tim Lopes. 1 Trabalho apresentado no II Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo, realizado na Universidade Anhembi-Morumbi, cidade de São Paulo, entre 2 e 4 de julho de 2015. 2 Doutora em Comunicação e Cultura (ECO-UFRJ), com Pós-Doutorado em Teorias do Jornalismo (PPGCom- UFF). Pesquisadora do Programa Pesquisa Produtividade da Universidade Estácio de Sá, desenvolve pesquisas sobre a identidade profissional do jornalista/repórter -fotográfico com base nos Prêmios de Jornalismo e Fotojornalismo. Atuou como repórter-fotográfica no Jornal O Dia e no Jornal do Commercio nos anos 80/90, tendo assumido a coordenação/chefia do Departamento Fotográfico em ambos. Além de participar do NDE dos cursos da área de Comunicação e Artes, é coordenadora do Curso de Jornalismo e professora titular da Universidade Estácio de Sá nas graduações de Jornalismo e de Fotografia. Email:[email protected].

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Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

II Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo Universidade Anhembi-Morumbi, 2 a 4 de julho de 2015

www.abraji.org.br 1

Jornalismo Investigativo no Prêmio Imprensa Embratel/Claro: uma análise das reportagens que conquistaram o Troféu Tim Lopes1 Investigative Journalism in Prêmio Imprensa Embratel/Claro: an analysis of the reports that won Tim Lopes Trophy

Soraya Venegas Ferreira 2

Resumo: Os prêmios destinados a jornalistas fazem parte das representações sociais

que, através de um conjunto de conceitos, técnicas e procedimentos, constituem a

identidade profissional, evidenciando paradigmas da prática jornalística, cujos

valores hoje estão em xeque visto que o ethos que configura a categoria vem

sofrendo fissuras. As circunstâncias do assassinato do repórter Tim Lopes, em 2002,

obrigaram a categoria a reconfigurar de algumas práticas profissionais de apuração,

acelerou a discussão sobre o código de ética dos jornalistas e estimulou a criação de

algumas premiações em sua homenagem. As reportagens vencedoras do Troféu Tim

Lopes, entregue na categoria de Jornalismo Investigativo do Prêmio Imprensa

Embratel/Claro, serão estudadas no sentido de perceber o legado de Tim Lopes para

as estratégias produção de reportagens investigativas, bem como entender as

especificidades do gênero investigativo no campo do Jornalismo.

Palavras-Chave: Jornalismo Investigativo, Ethos Profissional, Prêmio Imprensa

Embratel/Claro, Troféu Tim Lopes.

1 Trabalho apresentado no II Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo, realizado na Universidade

Anhembi-Morumbi, cidade de São Paulo, entre 2 e 4 de julho de 2015. 2 Doutora em Comunicação e Cultura (ECO-UFRJ), com Pós-Doutorado em Teorias do Jornalismo (PPGCom-

UFF). Pesquisadora do Programa Pesquisa Produtividade da Universidade Estácio de Sá, desenvolve pesquisas

sobre a identidade profissional do jornalista/repórter-fotográfico com base nos Prêmios de Jornalismo e

Fotojornalismo. Atuou como repórter-fotográfica no Jornal O Dia e no Jornal do Commercio nos anos 80/90,

tendo assumido a coordenação/chefia do Departamento Fotográfico em ambos. Além de participar do NDE dos

cursos da área de Comunicação e Artes, é coordenadora do Curso de Jornalismo e professora titular da

Universidade Estácio de Sá nas graduações de Jornalismo e de Fotografia. Email:[email protected].

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Abstract: The awards for journalists are part of the social representations that

through a set of concepts, techniques and procedures, constitutes the professional

identity and shows paradigms of journalistic practice, which values are now in

check because the ethos that configures the category has been suffering cracks. The

circumstances in which the journalist Tim Lopes was murdered, in 2002, forced the

category to reconfigure some professional investigating practices, accelerated the

discussion on the code of ethics for journalists and stimulated the creation of some

awards in his honor. The winning stories of Tim Lopes Trophy, delivered to the

Investigative Journalism category of Prêmio Imprensa Embratel/Claro, will be

studied in order to understand the legacy of Tim Lopes strategies for producing

investigative reporting as well as to understand the specifics of the investigative

journalism genre in the journalistic field.

Keywords: Investigative Journalism, Professional Ethos, Prêmio Imprensa

Embratel / Claro, Tim Lopes Trophy.

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Pra começo de conversa: Jornalismo e premiações

Dentre as representações sociais que, através de um conjunto de conceitos, técnicas e

procedimentos, constituem a identidade jornalística, destacam-se os prêmios destinados a

profissionais e a estudantes de Jornalismo. Eles são praticamente incontáveis e existem

mundo a fora. Enquanto alguns não ultrapassam a primeira edição; outros, pelas

características da entidade promotora e dos profissionais envolvidos, alcançam longevidade

suficiente para gerar seu reconhecimento enquanto capital simbólico e modelo de excelência

profissional, evidenciando paradigmas da prática jornalística, cujos valores hoje estão em

xeque na medida em que o ethos profissional que configura a categoria vem sofrendo

fissuras.

A morte do repórter Tim Lopes, torturado e assassinado por traficantes (2002); a alteração do

código de ética dos jornalistas, que permitiu o uso de câmeras escondidas (2007) e a queda da

exigência do diploma para obtenção de registro profissional (2009) evidenciaram

questionamentos sobre que tipo de jornalismo a sociedade demanda. A cada premiação

criada, novas diretrizes implícitas para a prática jornalística são definidas, pois apontam para

identidades profissionais específicas. Em 1999, quando surgiu o Prêmio Imprensa Embratel,

o Esso de Jornalismo já se configurava como a premiação paradigmática do campo e,

portanto, o Embratel surgiu de maneira tímida. O objetivo, contudo, era transformá-lo em um

projeto mais abrangente, criando um prêmio “atual e dinâmico”, contemplando trabalhos

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jornalísticos que se adequassem à “nova realidade sócio, econômica e cultural do povo

brasileiro”, ao mesmo tempo em que tivesse a “capacidade de estimular e disseminar o debate

coletivo sobre temas de relevância, tais como inclusão social, consciência ambiental e o

resgate dos nossos valores culturais ”3.

Quando a edição de 2014 foi lançada, o nome da premiação foi alterado para Prêmio

Imprensa Embratel/Claro4, mas o compromisso foi mantido, assim como a sequência

numérica das edições, mesmo com o intervalo de um ano sem atribuição de prêmios5. No

texto de apresentação, disponível no novo site oficial, foi possível identificar diversos valores

comumente destacados no campo jornalístico: “Agilidade, eficiência, notícia em tempo real.

A tecnologia acelerou os processos comunicacionais, ampliou os horizontes e transformou a

experiência de mundo. A informação está ao redor. Mas é preciso que tenha relevância,

coerência, veracidade”6.

Ao contrário do Prêmio Esso de Jornalismo, que faz raras alterações na estrutura de suas

categorias, donde se pode depreender uma visão mais estanque do campo; o Prêmio Imprensa

Embratel/Claro, como é enunciado no site, busca refletir as transformações do mundo e da

atividade profissional, pois “há quinze anos, acompanha o desenvolvimento do jornalismo

brasileiro e busca reconhecer os trabalhos de qualidade, que alcançam reflexão e resultados

na cobertura abrangente dos fatos sociais que marcam o País”7. Através do estudo da

evolução de suas categorias, é possível perceber a visão que a premiação tem das rotinas

produtivas, bem como seus desafios em termos de categorização da atividade. Nos últimos

quinze anos, há categorias que, uma vez extintas, são posteriormente retomadas; assim como

há fusões e desmembramento de categorias. Ressalta-se ainda a valorização do Jornalismo

enquanto uma atividade capaz de promover a transformação social.

3 www.premioimprensaembratel.com.br, acessado em 10 de abril de 2013. 4 Prioritariamente, será usada a denominação Prêmio Imprensa Embratel/Claro para tratar de aspectos atuais da

premiação, enquanto Prêmio Imprensa Embratel para todos aqueles anteriores a 15º Edição, quando a

denominação foi alterada para contemplar a fusão entre as empresas. Embratel e Claro. As empresas Embratel,

Claro e NET são controladas no Brasil pela América Móvil. 5 Em 2013, em função de limitações orçamentárias e reestruturação da companhia, não houve Prêmio Imprensa

Embratel, o que chegou a levantar dúvidas na comunidade dos jornalistas sobre a continuidade da premiação. 6 http://www.premioimprensaembratel.com.br/Premio/, acessado em 15 de junho de 2015. 7 Idem

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Nesse processo de constante atualização, em 2003, duas novas categorias foram incorporadas

ao Prêmio Imprensa Embratel, que naquele ano passou a contar com 17 premiações. A

primeira – Reportagem sobre Responsabilidade Social - levou em conta um tema

predominante da época e, a segunda - Reportagem de Jornalismo Investigativo - foi uma

homenagem ao jornalista Tim Lopes, assassinado no ano anterior. O primeiro Troféu Tim

Lopes foi entregue a Marconi de Souza e sua equipe de A Tarde, com "Grampos ilegais na

Bahia", uma série de reportagens sobre a estrutura montada por Antônio Carlos Magalhães

para, através de escutas telefônicas, espionar seus desafetos políticos e pessoais.

De lá para cá, outros dez trabalhos foram contemplados com o troféu e serão analisados no

para estabelecer pontos de convergência que permitam vislumbrar o perfil do Jornalismo

Investigativo brasileiro, segundo os critérios dessa premiação e como esse perfil se relaciona

(ou não) com as estratégias de apuração comumente utilizadas por Tim Lopes. Muito se

discute acerca do conceito de Jornalismo Investigativo e de que especificidades traria em

relação ao Jornalismo sem qualquer adjetivação. Esse aspecto também mereceu

aprofundamento, na medida em que a investigação tem deixado de ser apenas um preceito (se

é Jornalismo, por definição, há investigação) para ser uma área de especialização e

valorização crescentes.

Nota-se que o nome Tim Lopes ficou associado a diversas visões da prática do Jornalismo

Investigativo e deu origem a, pelo menos, mais duas premiações, além da categoria específica

do Prêmio Embratel/Claro: o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, idealizado em

2004, pelo Disque Denúncia, através do Instituto MOVRIO e do Instituto Brasileiro de

Combate ao Crime (IBCC) e o Concurso Tim Lopes para Projetos de Investigação

Jornalística, criado em 2002, através da parceria entre ANDI - Comunicação e Direitos,

Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Childhood Brasil, no sentido de

selecionar as melhores propostas de reportagem, oferecendo aos vencedores apoio técnico e

financeiro para a execução do trabalho.

As estratégias utilizadas por Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, nome de batismo de

Tim Lopes, sempre foram, no mínimo, pouco ortodoxas. Baseavam-se no uso de disfarces

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(mendigo, operário, dependente químico, Papai Noel, policial rodoviário, entre inúmeros

outros), identificações falsas, câmeras escondidas entre outros estratagemas em busca pela

informação exclusiva. Muitos deles foram relembrados no filme Histórias de Archanjo,

lançado em 2013, com roteiro de Bruno Quintela, filho de Tim Lopes e direção de Guilherme

Azevedo, que trabalhou seis anos com o jornalista. Portando, ao observar as reportagens

vencedoras do Troféu Tim Lopes levar-se-á ainda em conta o quanto suas estratégias

constituem um legado para a formação profissional e tornaram-se paradigmáticas para as

práticas de apuração.

Jornalismo Investigativo: uma prática adjetivada

Adjetivar ou não uma determinada prática jornalística eis a questão. “Embora consagrada,

acho redundante a expressão ‘jornalismo investigativo’. Ou ‘jornalismo de investigação’.

Porque todo jornalismo pressupõe a investigação” (NOBLAT in FORTES, 2005, p.69). É

assim que o jornalista Ricardo Noblat começa seu artigo para o livro Jornalismo

Investigativo, de Leandro Fortes. E complementa: “Então, meus caros, denunciar um

escândalo ou um erro, contar a história de um acidente de carro ou de uma eleição fraudada

exige investigação. E exaustiva, muitas vezes. Claro, se quisermos fazer bom jornalismo...”

(NOBLAT in FORTES, 2005, p.69). Para Noblat, além de desnecessário, o adjetivo

investigativo não deve estar associado à noção de tempo ou esforço necessários para

conseguir e confirmar uma determinada informação.

Já o jornalista Marcelo Beraba, ex-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo

Investigativo (Abraji), pontua, mesmo livro, que a expressão jornalismo investigativo, de

fato, causa desconforto. Mas, defende que a atividade tornou-se uma qualificação específica

para as reportagens de mais fôlego, que demandam mais tempo e paciência para pesquisas,

entrevistas, observação direta, checagem e rechecagem numa a busca obsessiva por

documentos e provas. Nesse sentido, cabe o questionamento sobre a sua diferenciação em

relação ao termo grande reportagem ou mesmo reportagem, que se configura como categoria

específica, por exemplo, no Prêmio Esso de Jornalismo.

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Enquanto o Prêmio Imprensa Embratel/Claro faz inclusão da palavra reportagem em

praticamente todas as categorias, o que indica que o concurso considera, preliminarmente,

que quase toda a atividade jornalística é uma atividade de reportagem, o Prêmio Esso de

Jornalismo nomeia suas categorias como Informação (Econômica; Científica, Tecnológica

ou Ambiental), ou de acordo com a maneira como a informação é apresentada (Fotografia,

Criação Gráfica, Primeira Página). O Prêmio Esso de Reportagem é conferido,

preferencialmente, “ao trabalho em que ficar evidenciado esforço acima do comum por parte

do repórter ou de equipe de jornalistas para obtenção das informações utilizadas na matéria”8,

o que muitas vezes, na prática, está associado à noção de Jornalismo Investigativo.

Para edição de 2015, na qual completa 60 anos, a premiação trocou de nome para atender à

empresa patrocinadora. Sendo assim, o atual regulamento disponível no site explica que o

Prêmio ExxonMobil de Reportagem objetiva reconhecer as “virtudes jornalísticas e pessoais

dos repórteres como coragem, determinação, perseverança, senso de oportunidade e isenção,

entre outras, expressas no trabalho publicado”9 e ressalta ele que poderá ser entregue a

qualquer um dos finalistas, inclusive ao vencedor da categoria Fotografia. As únicas exceções

são os trabalhos de Criação Gráfica, seja na modalidade Jornal ou Revista.

Na contramão dos que defendem que não seria necessário nem recomendável adjetivar os

termos reportagem ou o jornalismo, a professora Cleofe Monteiro Sequeira, em Jornalismo

Investigativo: o fato por trás da notícia, defende a existência de um Jornalismo Investigativo

que se diferenciaria dos demais pelo processo de trabalho dos profissionais que utilizariam

metodologias e técnicas não ortodoxas para obtenção e checagem das informações, sem,

contudo, buscar substituir as instituições oficiais cuja obrigação seria investigar os crimes que

são muitas vezes denunciados nas reportagens investigativas. Nesse aspecto, os

procedimentos usualmente utilizados por Tim Lopes desde seu início de carreira no

jornalismo impresso carioca se caracterizam pelo pouco apreço à ortodoxia.

O veterano jornalista Alberto Dines aponta que o Jornalismo Investigativo pode ser

caracterizado como um gênero, com o mesmo status daqueles tradicionalmente definidos por

8 http://www.premioexxonmobil.com.br/site/regulamentos/jornalismo.aspx, acessado em 16 de junho de 2015 9 Idem

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José Marques de Melo. Ressalta que deve ser diferenciado do sensacionalismo e do

denuncismo e que se relaciona com o Jornalismo Interpretativo, na medida em que busca

causa e origem dos fatos, bem como a ligação entre eles. Para Mark Lee Hunter e Nils

Hanson, que participaram da elaboração do Manual de Jornalismo Investigativo da Unesco,

o “jornalismo investigativo não é apenas o bom e velho jornalismo bem realizado”

(HUNTER, 2009, p. 8). Em sua perspectiva no Jornalismo, por eles denominado

convencional, é permitido acreditar na boa fé das fontes, priorizar suas declarações e mesmo

cometer pequenos erros de apuração. Já no âmbito do Jornalismo Investigativo, no que se

refere às fontes, por exemplo, a boa fé não pode ser presumida, pois qualquer fonte pode

fornecer informações falsas, o que obriga a verificação de toda e qualquer informação. O

jornalista pode desafiar ou negar explicitamente a versão oficial de uma história, com base

nas informações de fontes independentes, visto que as informações oficiais costumam ser

ocultadas, porque a sua revelação poderia comprometer os interesses de autoridades ou

instituições. Outro fato destacado é que o jornalista dispõe de mais informações do que

qualquer uma das suas fontes, que frequentemente não podem ser identificadas, em nome de

sua segurança.

Os autores ressaltam que sem um engajamento pessoal do jornalista, a história nunca será

completada e as informações não podem ser publicadas até que a sua coerência e completude

estejam garantidas. A pesquisa deve continuar até que toda história, que pode ser bastante

longa, esteja confirmada, e pode, eventualmente, continuar após a sua publicação. Hunter e

Hanson admitem que o jornalista ofereça um juízo de valor ou veredito sobre a história, que

ser caracteriza também por uma estrutura dramática essencial para o seu impacto, que leva a

uma conclusão oferecida pelo repórter ou por uma das fontes. Qualquer erro nesse processo

expõe o repórter e seu veículo a sanções formais e informais, e pode destruir a credibilidade

do jornalista e do veículo noticioso.

No jornalismo contemporâneo, no qual os processos foram fortemente acelerados no contexto

da Internet, bem como as demandas pelo “tempo real” e pela colaboração o leitor,

telespectador, internauta são crescentes, em grande parte das situações o “bom e velho

jornalismo” já não pode ser garantido nos veículos noticiosos. Eles são constantemente

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inundados por releases com informações prontas e fontes cada vez mais treinadas (algumas

em processos de media training) para oferecer aos jornalistas declarações convenientes.

Cleofe Sequeira, há mais de dez anos, já pontuava três grandes linhas de entraves para

elaboração de reportagens investigativas: o sistema de trabalho nas redações, o tamanho do

texto exigido e a edição.

Quanto ao primeiro, percebe-se que o sistema de trabalho da redação segue cada vez mais a

velocidade das novas tecnologias, o que dificulta a apuração demorada, na busca por diversas

fontes de informação e documentos capazes de sustentar a reportagem. Quanto ao texto, a

tendência é que sejam curtos e blocados em tamanhos pré-estabelecidos, o que dificulta a

reportagem investigativa, que deve fugir da padronização e costuma demandar espaço, o que

muitas vezes obriga a veiculação em forma de séries de reportagens. Quanto à edição, a

autora lamenta o privilégio da imagem em relação ao texto, sendo a primeira pouco indicada

para tratar da complexidade dos temas e utilizada normalmente para trazer leveza ao projeto

gráfico.

Levando em conta as dificuldades de definição do Jornalismo Investigativo, os certames, que

se baseiam na valoração dessa prática ou que a contemplam como categoria, tentam

conceitua-la em seus regulamentos. O Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, por

exemplo, busca “reconhecer trabalhos jornalísticos de grande qualidade e incentivar a

atividade que mais dava satisfação à Tim Lopes, estimulando assim a publicação de

reportagens sobre temas de interesse da sociedade e que contribuam, de alguma forma, para a

solução de problemas”10, o que reafirma a responsabilidade social desse gênero de

jornalismo. Mas, a premiação usa o mesmo texto em que o Prêmio Exxon-Mobil define a

categoria Reportagem ao enunciar seu critério para o julgamento do Jornalismo Investigativo.

O Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo será conferido, preferencialmente,

ao trabalho que ficar evidenciado esforço acima do comum por parte do repórter

para obtenção das informações utilizadas na matéria. Este prêmio tem como

objetivo o reconhecimento público de virtudes jornalísticas e pessoais de repórteres

como coragem, determinação, senso de oportunidade, entre outras, expressas no

trabalho publicado.11

10 http://www.premiotimlopes.com.br/premiotimlopes/regulamento.php, acessado em 15 de junho de 2015 11 Idem

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Já o Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo tem a particularidade de premiar pautas

e não reportagens prontas, o que é justificado pelo seu objetivo de sensibilizar e estimular

jornalistas em relação à exploração e abuso sexual de crianças e jovens e, para tal, oferecer

condições técnicas, teóricas e financeiras para que os profissionais possam desenvolver suas

histórias, prestando apoio no aprofundamento da pauta, com aulas e conversas com

especialistas. Além da limitação temática, o concurso se propõe a capacitar os jornalistas para

o desenvolvimento do gênero investigativo.

No caso do Prêmio Imprensa Embratel/Claro, para quem o jornalismo se funda na prática da

reportagem, a categoria Reportagem de Jornalismo Investigativo possui regulamento próprio,

que orienta sobre os critérios a serem observados para que a reportagem esteja em condições

de se candidatar ao Troféu Tim Lopes. São consideradas elegíveis reportagens únicas ou em

série, independentemente do assunto e da mídia em que tenham sido veiculadas, o que

demonstra que a investigação não é exclusividade de uma área, mas de qualquer dimensão da

vida humana e social, desde que relevante em um cenário e/ou realidade regional ou nacional.

Pela visão do prêmio, a reportagem deve ser fruto da apuração/investigação do próprio

repórter ou equipe, exigindo esforço e dedicação do(s) seu(s) autor(es), com trabalho de

campo, cuja publicação deve gerar um desfecho concreto do caso abordado em suas

respectivas esfera sociais de competência. Não são consideradas reportagens investigativas as

baseadas apenas em documentos (relatórios, processos, dossiês) passados ou fornecidos por

terceiros e, para concorrer, o jornalista deve apresentar seu registro profissional e um

histórico ou descrição do processo investigativo, a ser avaliado pela Comissão Julgadora, que

no caso não entenda o material como fruto de investigação jornalística, pode redirecionar a

reportagem para outra categoria, na qual se enquadre melhor e tenha mais chances de

premiação.

Prêmios pra quê?: As premiações e o ethos profissional

A atividade jornalística é depositária de um conjunto de técnicas, práticas e normas que

orientam a competência do profissional de informar a sociedade sobre assuntos de relevância

pública, através de um relato baseado em fatos e com o maior senso de objetividade possível.

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Os manuais de redação, os profissionais renomados e a grade curricular dos cursos de

Jornalismo são exemplos da garantia da coesão desta atividade em torno de critérios que lhe

são próprios, conforme postula Nelson Traquina (2008) quando teoriza que o jornalismo tem

um “modo de ver, de falar e de agir”. Através da mobilização de profissionais, máquinas,

normas deontológicas, condutas éticas e rotinas de produção, os jornalistas se empenham em

executar suas atividades baseadas em parâmetros que o próprio campo oferece a partir de um

ethos coletivamente construído e que se concretizam no habitus da identidade profissional. É

uma prática que gera competição que, em alguns casos, visa à conquista de prêmios.

Para os que resolvem competir há implicitamente a exigência da adequação do seu trabalho

às normas da premiação cobiçada. Uma vez conquistada, tal prática vira exemplo da boa

conduta jornalística. Do ponto de vista simbólico, o reconhecimento pela conquista é a

melhor medalha que um jornalista pode receber dos seus pares. Assim, os prêmios

concedidos podem funcionar como matrizes de referência, geradoras e/ou mesmo

reforçadoras de determinadas práticas que são gradativamente incorporadas ao habitus (no

sentido empregado por Pierre Bourdieu) e funcionam como paradigmas da comunidade

interpretativa do jornalismo (TRAQUINA, 2008).

É possível perceber pelo estudo das peças premiadas em diversos certames e em várias

edições que, ao mesmo tempo em que as premiações oferecem o coroamento de uma prática

junto aos pares, também sinalizam como deve ser a conduta dos profissionais em suas

práticas cotidianas de seleção, coleta, apuração, processamento e distribuição da informação

noticiosa, que gradativamente são incorporadas àquilo que Pierre Bourdieu denominou

habitus da identidade profissional de um campo social. Ou seja, uma forma de percepção e

pensamento que perpassam as subjetividades individuais e irá se refletir nos sistemas

classificatórios da atividade profissional sobre o que é legítimo e ilegítimo. No caso do

campo jornalístico seriam, por exemplo, os parâmetros daquilo que é considerado verdade ou

mentira; o que é noticiável ou não; o que é fato e o que é opinião e assim por diante.

Outro aspecto que sustenta a hipótese que as premiações tornam-se paradigmas da atividade

jornalística baseia-se no entendimento de que a lógica produtiva do campo jornalístico é

criada pela luta concorrencial, que ocorre em uma situação institucionalizada, na qual os

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agentes desenvolvem suas ações como sendo atividades regidas por regras válidas,

especificamente, para cada campo. O maior ou menor grau de participação destes agentes

implicará na posse e na utilização, em certa medida, de vários tipos de recursos, os quais

Bourdieu denominou “capital”12. É em torno deste capital que se daria a luta concorrencial

dos agentes, como explica o autor: “Os agentes que ocupam o primeiro polo (dominante) são

justamente aqueles que possuem um máximo de capital social; em contrapartida aqueles que

se situam no polo dominado se definem pela ausência ou pela raridade do capital social”

(BOURDIEU, 1983, p. 37).

As premiações concedidas para os jornalistas fariam parte do “capital simbólico”, que, no

entendimento do autor, inclui os méritos acumulados, prestígio e reconhecimento associado à

pessoa ou posição. Assim, a luta concorrencial em torno da apropriação deste capital seria

irredutível na medida em que seus agentes demonstrassem maior ou menor grau de interesse

para lutar por ele (BOURDIEU, 1994, p. 5). O desdobramento deste capital simbólico é a

credibilidade. É da natureza do trabalho jornalístico fazer crer. Os veículos noticiosos, por

exemplo, fazem crer que sabem do mundo e das necessidades do público – que os faz crer,

por sua vez, que precisa deles para saber. O imperativo da credibilidade está atrelado à

capacidade de acúmulo de capital, tanto por parte dos profissionais quanto pelas empresas

jornalísticas (por parte do público ao manifestar suas preferências, mas também por parte dos

pares, aqueles que se destacam com honrarias, cargos de chefia, experiência profissional,

competência e acúmulo de prêmios).

Percebe-se no cotidiano profissional uma vigilância permanente sobre as atividades dos

concorrentes, a fim de tirar proveito de seus fracassos, evitando seus erros e pautando

assuntos similares, tanto para impedir os concorrentes de tê-los quanto por desejo real de

possuí-los. É por isso que Bourdieu irá dizer que a concorrência, longe de ser

automaticamente geradora de originalidade e de diversidade, tende, muitas vezes, a favorecer

a uma uniformidade da oferta (BOURDIEU, 1994, p. 108-109). No caso das matérias

inscritas na categoria de Jornalismo Investigativo nota-se uma busca pela originalidade e pela

12

Haveria três capitais: o econômico (inclui a propriedade, bens materiais e financeiros); o cultural (conhecimento,

habilidades e qualificações); e o simbólico (méritos acumulados, prestígio e reconhecimento associado à pessoa ou posição).

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exclusividade, além da credibilidade das informações baseada na apuração em profundidade.

As premiações jornalísticas em geral teriam, assim, caráter de acúmulo de capital pelo viés

do reconhecimento, pois a adesão do jornalista de procedimentos em sua prática cotidiana no

intuito de conquistar a premiação vai muito além do valor dinheiro, típico da recompensa.

Recompensa está associada ao cumprimento de uma dada tarefa e seu oposto seria a punição.

Nesse sentido, as pessoas fariam as coisas, ou deixariam de fazê-las, para obter recompensas

e, portanto, devem ser treinadas ou condicionadas. Ao contrário, a necessidade de

reconhecimento faz parte da natureza do ser humano. É bom ser reconhecido. É bom ser

estimado. O reconhecimento garantiria, assim, uma prática autorizada mediada e construída

pela formação discursiva do jornalismo, e, por isso mesmo, com potencialidade de virar

paradigma profissional.

No limite da ética: Tim Lopes e o Jornalismo Investigativo

O assassinato do repórter Tim Lopes, em junho de 2002, no Rio de Janeiro, foi um divisor de

águas para o posicionamento dos profissionais de imprensa, especialmente em relação à

prática do Jornalismo Investigativo e das coberturas cotidianas da editoria de policial. O

jornalista da TV Globo foi capturado quando fazia uma reportagem investigativa sobre bailes

funk financiados pelo tráfico no Complexo do Alemão, subúrbio carioca. Segundo dados

publicados à época pela imprensa, a morte do jornalista fora ordenada por Elias Maluco, um

dos líderes da facção Comando Vermelho. Entre as práticas utilizadas pelo repórter, estava o

uso de uma micro câmera, equipamento descoberto pelos traficantes.

O uso dessa estratégia de apuração era contumaz pelo repórter, tanto que Tim Lopes foi

agraciado com o primeiro Prêmio Esso de Telejornalismo, em 2001, pela reportagem Feira

das Drogas, exibida pelo Jornal Nacional, da TV Globo, na qual utilizou esse recurso. Suas

imagens mostravam os traficantes da mesma Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão. Na

matéria, eles desfilavam armados de fuzis, vendendo drogas na rua, fazendo ofertas à

semelhança do que pode ser observado nas feiras livres de frutas e legumes. A partir da

premiação, o rosto do jornalista tornou-se mais conhecido e, muitos colegas, à época,

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consideraram imprudente a sua volta à comunidade para uma nova reportagem de caráter

investigativo.

Em entrevista concedida a Revista Caros Amigos, por ocasião dos 10 anos do assassinato do

repórter, jornalista Percival de Souza, autor do livro Narcoditadura - O Caso Tim Lopes,

Crime Organizado e Jornalismo Investigativo no Brasil, pontua que, apesar das polêmicas, a

morte de Tim Lopes mudou a visão de muitos profissionais em relação ao trabalho em áreas

de risco, o que ele classificou como “o AT e o DT, antes de Tim, depois do Tim”. E na

reportagem de Paulo Cezar Soares, ele complementa:

AT, solidão na hora de fazer. E o retorno fatal aconteceu num domingo,

depois das 20hs. DT, cautelas mínimas obrigatórias - contatos

intermitentes, horários para contatos que garantam que tudo está

correndo bem, descrições de situações suspeitas e de perigo. Os colegas

de Tim perceberam isso quando, DT, saíam em comboios de reportagem,

num ato de precaução, e a bandidagem dos morros, postada em lugares

estratégicos, aguardava-os passar para berrar: “vai ter mais Tim, vai ter

mais Tim!" Quer dizer: “vamos matar mais repórteres”!13

Outra alteração significativa no que o jornalista classifica como DT, foi quando no Congresso

Extraordinário dos Jornalistas, em agosto de 2007, o novo texto do Código de Ética dos

Jornalistas Brasileiros admitiu o uso de câmeras escondidas. No Art. 11, ele prevê que o

jornalista não pode divulgar informações “obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com

o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de

incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de

apuração”14 (grifo nosso). Mas, essas estratégias foram usadas, muito tempo antes, por Tim

Lopes, nascido Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, gaúcho de Pelotas, mas criado no

morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, desde os oito anos.

Formado em jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso, começou a trabalhar como contínuo na

revista Domingo Ilustrado, de Samuel Wainer, responsável pelo apelido, pelo qual seria

conhecido profissionalmente. Na década de 1970, trabalhou no extinto jornal O Repórter, de

13 SOARES, Paulo Cesar. Morte de Tim Lopes completa 10 anos. Disponível em

http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano-2/2087-tim-lopes-morte-de-jornalista-completa-10-anos, acessado em

29 de junho de 2014. 14 FENAJ. http://www.fenaj.org.br/materia.php?id=1811, acessado em 28 de junho de 2014

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lá foi para O Globo, onde ficou por cerca de 10 anos, depois para o Jornal do Brasil, onde

ficou por cinco anos antes de ir para O Dia. Passou ainda pela sucursal carioca do jornal

Folha de São Paulo até chegar a Rede Globo em 1996.

Os disfarces começaram no jornalismo impresso. Para uma matéria sobre as condições de

trabalho nas obras do metrô do Rio, vestiu-se de operário; para uma reportagem do JB,

passou-se por mendigo para retratar a realidade de meninos de rua. Quando trabalhou em O

Dia, disfarçou-se de peão de obra e de sem-teto. Já na Globo, fantasiou-se de Papai Noel e

ouviu crianças carentes sobre seus sonhos. Para uma matéria sobre gangues de rua, passou-se

por vendedor ambulante na Central do Brasil – e acabou gravando, com uma câmera

escondida, a morte de um bandido. Essas reportagens, bem como as estratégias pouco

ortodoxas do jornalista, foram relembradas por seus colegas, muitos deles repórteres-

fotográficos, no documentário Histórias de Archanjo, lançado em 2014.

Segundo informações disponíveis site Memória Globo, o repórter trabalhava com autonomia.

Nas palavras de William Bonner, editor-chefe do Jornal Nacional: “Tim trazia grandes

histórias, tinha autonomia total para investigar. Ele mesmo as prospectava, era um cara muito

experiente”15. As empresas onde trabalhou sempre providenciaram as condições necessárias

para que seus disfarces fossem credíveis, sejam elas de caráter estrutural (verba para compra

de material de construção, por exemplo) ou mesmo o tempo necessário para que ele fosse

aceito e se misturasse aos personagens de suas reportagens (como quando ficou internado

numa clínica de dependentes químicos como se fosse um deles).

Prêmio Imprensa Embratel/Claro: Categorias e sistemática de julgamento

Em 1999, o Prêmio Imprensa Embratel teve sua primeira edição e contemplava uma

categoria única – Telecomunicações - ligada às atividades do patrocinador e conquistada por

Nice de Paula, do jornal O Dia, com a matéria “Telebras – Amanhã o maior leilão do

mundo”. Segundo informações disponíveis no antigo site do concurso16, a premiação contou

com o apoio de diferentes instituições com sede no Rio de Janeiro, entre elas, entidades

15 MEMÓRIA GLOBO http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/tim-lopes/trajetoria.htm, acessado em 16

de junho de 2015 16 www.premioimprensaembratel.com.br. Acesso em 10 de abril de 2013, 01h48m.

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sindicais, associações de profissionais de imprensa e formadores de opinião. Embora em sua

origem o prêmio tenha sido concebido a partir de uma categoria, ele ganhou corpo no século

XXI ao definir-se como uma premiação que está sempre se atualizando, criando novas

categorias e extinguindo outras. A categoria de telejornalismo, por exemplo, criada desde a

segunda edição, demonstrava a preocupação em contemplar diferentes formas da prática

jornalística. A imagem passou a considerada em duas outras categorias: Reportagem

Fotográfica e Reportagem Cinematográfica. A mudança mais recente ocorreu em 2014, no

lançamento da 15º edição do prêmio. Além do novo nome – Prêmio Imprensa

Embratel/Claro – houve também alteração nas categorias.

No período das 14 edições anteriores, a premiação já havia criado 20 categorias, além das

regionais e do Grande Prêmio Barbosa Lima Sobrinho, na tentativa de estruturar o campo

jornalístico e acompanhar a sua evolução. Excluindo-se o primeiro ano do concurso, seis

categorias tiveram vida curta (Reportagem na Internet; Reportagem Jornal e Revista;

Reportagem de Correspondente Estrangeiro; Telecomunicações – Veículos Especializados;

Telecomunicaçãoes – Veículos não Especializados; Tecnologia da Informação,

Comunicação e Multimídia em Veículo Especializado; Tecnologia da Informação,

Comunicação e Multimídia em Veículo Não-Especializado), oito foram criadas

paulatinamente no decorrer dos anos (Reportagem Jornal, Revista e Internet; Jornalismo

Investigativo - Troféu Tim Lopes; Responsabilidade Social - Troféu Instituto Embratel,

Reportagem Cultural; Reportagem Cinematográfica; Reportagem Econômica; Reportagem

sobre Educação; Tecnologia da Informação, Comunicação e Multimídia) e quatro se

mantinham desde a segunda edição (Reportagem Esportiva; Reportagem Fotográfica;

Reportagem de TV; Reportagem de Rádio).

Com novo nome, a premiação conta com 17 premiações, sendo quatro regionais: Sul,

Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste/Norte; seis de tema livre: Reportagem

Foto/Cinematográfica – ou Imagem Jornalística, Reportagem em Jornal, Reportagem em

Revista, Reportagem em Internet/Portal de Notícias, Reportagem em emissora de TV,

Reportagem Investigativa – Troféu Tim Lopes (que pode ter sido veiculada em jornal, revista,

rádio, televisão e/ou internet); seis temáticas: Reportagem Esportiva, Reportagem Cultural,

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Reportagem Econômica, Reportagem sobre Responsabilidade Socioambiental – Troféu

Instituto Embratel/Claro, Reportagem sobre Tecnologia da Informação/Telecom,

Reportagem sobre Educação e o Grande Prêmio Imprensa Embratel/Claro – Troféu Barbosa

Lima Sobrinho.

Na história do prêmio, percebe-se a existência de uma fluidez das categorias, possivelmente

reflexo das transformações profissionais e do próprio paradigma pós-moderno. Apesar da

avassaladora entrada da atividade jornalística no universo das novas tecnologias de

comunicação e informação, a Internet nunca foi realmente entendida/resolvida, a julgar pela

inexpressiva presença enquanto categoria, desde 2004, a categoria Reportagem para Internet

esteve incorporada à categoria Reportagem para Jornais, Revistas e Internet e só agra retirna

a categoria autônoma.

Outro desdobramento das categorias do Prêmio Imprensa EmbratelClaro é em direção ao

conteúdo, objeto das reportagens aptas a serem inscritas no concurso. Elas se referem às

esferas culturais, econômicas e educacionais. Deste modo, o prêmio levanta a bandeira de

que a função do jornalismo deve estar voltada para estes aspectos da vida humana e social,

não apenas noticiando, mas promovendo o seu desenvolvimento. Tal inclinação encontra-se

explicitada no objetivo geral da premiação, que professa: “(...) reconhecer e estimular a

produção de reportagens sobre os grandes temas nacionais (…) que representem uma efetiva

contribuição para a inclusão social e a promoção do desenvolvimento sustentável, gerando

cidadania para a população e uma radiografia realista e construtiva do Brasil”17.

O reconhecimento do lugar que o trabalho investigativo deve ocupar na prática profissional

emergiu como categoria apenas em 2103, após a morte de Tim Lopes. Inicialmente foi

denominada Jornalismo Investigativo e, posteriormente, Reportagem Investigativa.

Discursivamente, as categorias de premiação são importantes porque representam a

designação de uma prática jornalística, seu reconhecimento, sua institucionalização e sua

autonomia em relação a outras práticas. Funcionam como dispositivo discursivo de

classificação da atividade jornalística, operando numa esfera microssocial e substituindo um

17www.premioimprensaembratel.com.br. Acesso em 11 de abril de 2013.

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possível termo genérico que venha camuflar as distintas formas de produção noticiosa e

esquemas de percepção próprios do habitus da identidade profissional jornalística.

Após a inscrição na categoria, os trabalhos concorrentes passam por sucessivos crivos, todos

de caráter jornalístico, envolvendo a checagem da autoria por jornalista com registro

profissional e a divulgação em um veículo de mídia, por exemplo. Esse destaque foi

possivelmente motivado pela atual situação em que não há mais a exigência de diploma para

o exercício da profissão, bem como por alguns protestos em relação à decisão do júri em

2006, quando este concedeu Menção Honrosa ao trabalho "Falcão - meninos do tráfico",

exibido pela TV Globo. O trabalho, aceito na inscrição, foi considerado hours concours, já

que não envolveu repórteres em sua apuração. Ele foi realizado pelo rapper MV Bill e pelo

empresário Celso Athayde. Considerou-se que o material representava “um exaustivo

trabalho de pesquisa, edição, roteirização e finalização18”.

A sistemática de julgamento é composta por três fases: Pré-Avaliação, Seleção Regional e

Julgamento Nacional. A Comissão de Pré-Avaliação é composta por sete membros, que

pouco se alteraram nas duas últimas edições19. Essa comissão avalia todos os inscritos e

seleciona cerca de dez reportagens por categoria. Nessa etapa, é possível recomendar o

remanejamento de um determinado trabalho para outra categoria que não a indicada na

inscrição, caso a comissão avalie que este não se enquadra na categoria indicada pelo seu

autor. Na etapa de seleção regional, há uma nova comissão, composta por doze jornalistas de

todas as regiões do país. Eles são indicados pelos organizadores e pelo patrocinador. A

comissão faz a avaliação das reportagens regionais, atribuindo notas aos trabalhos

selecionadas pela Comissão de Pré-Avaliação. Com base na pontuação obtida, no mínimo,

três matérias de cada região são encaminhadas para avaliação da Comissão Julgadora

Nacional.

A Comissão Julgadora Nacional é composta por 12 membros, escolhidos entre renomados

18 http://jornalistas.org.br/siteantigo/noticias.php?idn=163. Acesso em15 de março de 2013, 10h15m. 19 Nas duas últimas edições, por exemplo, ela foi composta por Luiz Freitas (organizador da premiação), Jorge

Luiz Moutinho Lima, Ilza Araújo, Júlia Selma C. Graça, Jeline Rocha, Marion Elizabeth Monteiro (substituída

por Nacif Elias Sobrinho) e Paula Cabral de Menezes.

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profissionais de imprensa20. Seus nomes devem ser aprovados pelo patrocinador,

organizadores e entidades que apoiam o projeto. Ao longo das edições houve poucas

alterações. Entre mais presentes nas comissões anteriores estão os professores, jornalistas e

escritores Arnaldo Niskier e Zuenir Ventura, que estão no Júri desde a primeira edição, além

da ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro,

Janice Caetano. A comissão é presidida por um dos seus membros, escolhido na reunião de

instauração. Ele tem o poder de decisão em caso de empate em qualquer uma das categorias

existentes.

O Júri Nacional atribui notas a cada um dos trabalhos de cada categoria e, por média, chega-

se aos vencedores. Além disso, a comissão elege a reportagem para o Grande Prêmio

Barbosa Lima Sobrinho e pode desclassificar trabalhos que não sejam adequados ao objetivo

do concurso. Nas primeiras edições do concurso, houve escritores e profissionais de

publicidade no júri. Ao contrário do Prêmio Esso, que tem uma comissão diferenciada para

analisar a imagem; no Embratel, a comissão julgadora é única para todas as categorias. Mas,

seguindo a sistemática do Esso, o Embratel informatizou os processos de inscrição, análise,

julgamento e divulgação de resultados.

Jornalismo Investigativo: E o Tróféu Tim Lopes goes to...

Ao fazer o levantamento das onze reportagens vencedoras do Troféu Tim Lopes na categoria

de Reportagem Investigativa do Prêmio Imprensa Embratel/Claro é possível confirmar o

quanto as estratégias do repórter que dá nome ao troféu tornaram-se cada vez mais

paradigmáticas para o exercício da investigação. Como pode ser constatado na Tabela de

Premiação (Tab.1) na coluna referente aos veículos premiados, sete deles foram emissoras de

TV. Por três vezes, a Rede Globo, emissora onde Tim Lopes trabalhava por ocasião de seu

assassinato. Dos quatro troféus restantes, dois foram entregues a jornais impressos, um para

site o outro para uma reportagem multimídia. Essa constatação demonstra o poder da imagem

televisiva na comprovação das investigações. Ao assistir as reportagens, é possível perceber o

20 O Juri Nacional também é pouco modificado e da 15º Edição do Prêmio participaram Alberto Jacob Filho,

Angélica Consiglio, Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni, Ethevaldo Siqueira, Janice Caetano, José Luiz Laranjo,

Maurício Menezes, Sérgio Murillo de Andrade e Zuenir Ventura

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uso crescente da câmera escondida, de disfarces ou de identidades falsas no processo de

apuração, mesmo antes da alteração do Código de Ética. Um exemplo é "Máfia dos

Salvados”, vencedor de 2004. A estratégia continuou a ser usada em “Moto Fantasma”, uma

reportagem televisiva de quase 30 minutos, vencedora de 2014.

Outro ponto a ser destacado é que o Jornalismo Investigativo, seja ele televisivo ou impresso,

é uma atividade desenvolvida em equipe. Na coluna vencedor da Tabela 1, é possível

perceber que os agraciados com o Troféu Tim Lopes trabalharam, no mínimo, em dupla.

Destaca-se que no site que detém a memória da premiação, as equipes são apresentadas com

níveis diferentes de detalhamento. Há certa depreciação em relação à importância dos

profissionais de imagem. No caso de “Órfãos da violência”, por exemplo, cujos vencedores

foram Paulo Marqueiro e Elenilce Bottari, em 2005, a reportagem é apresentada em nove

páginas com fotos de grande centimentragem creditadas a Marizilda Cruppe e Custódio

Coimbra, que não são citados como parte da equipe.

Sobre as temáticas destacadas como relevantes para o exercício do Jornalismo Investigativo,

quatro reportagens estão diretamente ligadas irregularidades associadas a políticos (“Diários

secretos – Assembleia encobre metade de seus atos em diários suspeitos”, “A farra das

passagens”, tema que é retomado em “A farra dos vereadores turistas” e "Grampos ilegais na

Bahia"); duas tratam de venda irregular de peças de carros ou motos ("Máfia dos Salvados” e

“Moto Fantasma”). As outras cinco também tratam de irregularidades, que vão do tráfico de

drogas – um dos temas preferidos de Tim Lopes - às consequências da violência urbana para

jovens e crianças, outro tema retratado pelo jornalista.

Tabela 1 – Reportagem Investigativa – Troféu Tim Lopes

ANO TÍTULO DA REPORTAGEM

VENCEDOR VEÍCULO SOBRE

2014 Moto Fantasma Afonso Monaco e equipe

Domingo Espetacular – Rede Record

2012 Madeira Chipada Repórter Jonas Campos Cinegrafistas Carlos Rodrigues e Idemar Marcatto; Apoio técnico, Adiel Lima; Arte, Renato Mendes, Cheyla Ferraz

TV Centro América Uma área de floresta do tamanho de vinte mil campos de futebol em União do Sul, no norte de Mato Grosso, está sendo destruída por ladrões de madeira. Nossa equipe de reportagem instalou chips localizadores em algumas toras, nos principais pontos de retirada ilegal de madeira para flagrar um dos principais ladrões da floresta amazônica em Mato Grosso. Com o rastreamento o IBAMA fechou a serraria

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e Robson Ricardo Crivelli; Edição de imagem, Alexandre Castanho.

que recebeu madeira roubada e o gerente foi preso em flagrante.

2011 Fronteiras Escancaradas

César Tralli, com Pedro Mantoan e Fernando Ferro

TV Globo revela o contrabando e o tráfico, de agrotóxicos, selos do Inmetro, cigarros, eletrônicos, gasolina, armas, drogas e animais, ao traçar um raio-x da fragilidade das fronteiras terrestres do Brasil. Constata, ainda, a corrupção policial, ameaças de morte a juízes e a transformação de aldeias de índios em território de narcotraficantes.

2010 “Diários secretos – Assembleia encobre metade de seus atos em diários suspeitos”

James Alberti, Kátia Brembatti, Karlos Kohlbach, Gabriel Tabatcheik e equipe

reportagem multimídia do jornal Gazeta do Povo/impresso online/RPCTV,

revelou como a Assembleia Legislativa do Paraná escondia 56% de seus atos em diários secretos, encobrindo falsas contratações de funcionários e outras irregularidades.

2009 “A farra das passagens”

Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Eduardo Militão

www.congressemfoco.com.br

mostrou o descontrole no uso das cotas parlamentares de bilhetes aéreos, com voos feitos por parentes e amigos ou comercializados em mercado paralelo ilegal, por deputados e senadores de todos os partidos. Um único parlamentar usou 40 bilhetes para viagens internacionais, todas particulares. Até estrelas de televisão viajaram com bilhetes pagos pela Câmara. As denúncias repercutiram na grande imprensa e a Câmara restringiu as viagens internacionais, que foram proibidas pelo Senado. Os voos a passeio de parentes também foram suspensos.

2008 “Cocaína - cidade refém”

Fábio Diamante e Thiago Bruniera

Série – TV SBT conta como entra no Brasil a cocaína distribuída pelas Farc, através de Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e o Peru, onde o vaivém de carros, motos e barcos é livre, sem qualquer fiscalização e as condições de segurança são precárias. Revela ainda que a própria polícia de Tabatinga teme um ataque das Farc, já que a cadeia da cidade está lotada de traficantes.

2007 "Máfia das funerárias”

Eduardo Faustini e equipe

Fantástico – TV Globo

A reportagem denuncia o golpe do atestado de óbito comprado, que envolve agências funerárias e médicos desonestos. Constata ainda que os métodos ilegais empregados no esquema podem ser usados até mesmo para encobrir crimes como assassinatos

2006 “A farra dos vereadores turistas”

Giovani Grizotti RBSTV mostra como R$ 1 milhão foram gastos pela Câmara de Vereadores de Sapucaia do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, com diárias em hotéis, quando deveriam custear cursos de qualificação. No lugar dos cursos, os vereadores preferiam as compras no Paraguai e passeios turísticos.

2005 Órfãos da violência

Paulo Marqueiro e Elenilce Bottari

Jornal O Globo revelou, a partir de um levantamento inédito, que a violência no Rio deixou, em 2003, pelo menos 2.985 órfãos, sendo 83% crianças e adolescentes. A série conta ainda histórias dramáticas de menores cujos pais foram assassinados e que vivem sem esperanças para o futuro.

2004 "Máfia dos Salvados”

Eduardo Faustini e Frederico Neves

Fantástico – TV Globo

revela, com a utilização de uma câmera oculta, a venda irregular de carros sinistrados e denuncia o esquema que alimenta a indústria do roubo e furto de automóveis.

2003 "Grampos ilegais na Bahia"

Marconi de Souza e equipe

Jornal A Tarde revelou a escuta ilegal realizada pela Secretaria de Segurança Pública daquele estado, em 2002, totalizando 232 grampos telefônicos. A série mostrou a estrutura montada por Antônio Carlos Magalhães para espionar desafetos políticos e pessoais

Fonte: http://www.premioimprensaembratel.com.br/Linha_do_Tempo/

Ao observarmos os textos que descrevem reportagem e justificam a premiação, há uma

predominância do termo “revelar”, ou seja, é da gênese do Jornalismo Investigativo mostrar

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aquilo que estava intencionalmente escondido. Percebe-se que as reportagens são extensas e

podem ser apresentadas em série. No caso da mídia impressa podem ser apresentadas em

caderno especial ou em várias edições, como foi o caso de "Grampos ilegais na Bahia", que

rendeu diversas suítes.

Considerações Finais

O repórter Tim Lopes foi um visionário. Seus métodos pouco ortodoxos, criticados por

alguns colegas por ferirem o Código de Ética profissional em sua versão anterior a 2007,

tornaram-se paradigmáticos para o exercício do Jornalismo Investigativo. Seus disfarces,

muitas vezes prosaicos, fizeram escola e, ainda hoje, equipes de jornalistas inexperientes (ou

não) chegam a se colocar em risco ao se passarem pelo que não são: moradores de

comunidades onde impera o tráfico de drogas ou a milícia, por exemplo, embusca de

reconhecimento profissional.

O assassinato injustificável transformou Tim não apenas num mártir, mas em símbolo de um

jornalismo premiável. Algumas práticas profissionais se alteraram após a sua morte. O

jornalista profissional, antes intocável – um escudo para a sociedade -, passou à vidraça.

Sempre sob ameaça, hoje usa coletes à prova de bala, câmeras escondidas e se disfarça para

realizar o seu trabalho – seja este nomeado Jornalismo Investigativo ou Grande Reportagem,

conceito que ainda não está muito claro, pelo menos no âmbito das premiações.

Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992.

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prática profissional a partir do Prêmio Imprensa Embratel.In Brazilian Journalism Research n.9

volume 2

FORTES, L. Jornalismo Investigativo. São Paulo: Contexto, 2005

HANSON, M. A investigação a partir de histórias. Um manual para jornalistas investigativos.

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SEQUEIRA, C. Jornalismo Investigativo. São Paulo: Summus Editorial, 2005

TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo – Volume II. Santa Catarina: Insular