princípios aplicáveis ao registro de títulos e documentos - bruno francisco prado rocha

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL Registro de Títulos e Documentos Prof.: Vanuza de Cássia Arruda Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos BRUNO FRANCISCO PRADO ROCHA Nova Lima, 2012

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Nas linhas que se seguem, pretendemos analisar, em breve síntese, alguns princípios aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos.Serão considerados, nesta empreitada, os Princípios da Publicidade, da Autenticidade da data, da Conservação, da Segurança, da Prioridade, da Territorialidade, da Fé Pública e da Rogação, bem com os Princípios do Direito Público e sua correlação com a função notarial e registral. Ocasionalmente, poderá surgir menção a outros princípios ou subprincípios que não os acima relacionados, de forma a enriquecer e facilitar a devida absorção do tema ora abordado.Para este propósito, analisaremos aspectos históricos sobre o tema, doutrinas e alguns posicionamentos jurisprudenciais, não dispensando conhecimentos já absorvidos em toda extensão de nosso aprendizado jurídico.

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Page 1: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

Registro de Títulos e Documentos

Prof.: Vanuza de Cássia Arruda

Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos

BRUNO FRANCISCO PRADO ROCHA

Nova Lima, 2012

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I

BRUNO FRANCISCO PRADO ROCHA

Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos

Trabalho apresentado à cadeira de Registro de Títulos e Documentos da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção do título de Especialização – Pós-Graduação Lato Sensu – em Direito Notarial e Registral.

Nova Lima, 2012

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II

Sumário

1. Introdução ............................................................................................................................ 3

2. Aspectos históricos do Registro de Títulos e Documentos ........................................... 3

3. Princípios do Direito Público e sua correlação com a função notarial e registral ....... 8

3.1 – Autoridade pública ........................................................................................................... 8

3.2 – Submissão do Estado à ordem jurídica ......................................................................... 10

3.3 – Função ........................................................................................................................... 10

3.4 – Igualdade dos particulares perante o Estado ................................................................ 11

3.5 – Devido processo ............................................................................................................ 12

3.6 – Publicidade ..................................................................................................................... 13

3.7 – Responsabilidade objetiva ............................................................................................. 14

3.9 – Igualdade das pessoas políticas .................................................................................... 15

3.10 – Dignidade da pessoa humana ..................................................................................... 16

4. Princípios aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos ........................................ 17

4.1 – Publicidade ..................................................................................................................... 18

4.2 – Autenticidade da data .................................................................................................... 19

4.3 – Conservação ............................................................................................ 24

4.4 – Segurança ...................................................................................................................... 25

4.5 – Prioridade ....................................................................................................................... 26

4.5 – Territorialidade ............................................................................................................... 27

4.6 – Fé Pública ...................................................................................................................... 30

4.7 – Rogação ......................................................................................................................... 31

5. BIBLIOBRAFIA ................................................................................................................... 32

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3

1. Introdução

Nas linhas que se seguem, pretendemos analisar, em breve síntese,

alguns princípios aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos.

Serão considerados, nesta empreitada, os Princípios da Publicidade, da

Autenticidade da data, da Conservação, da Segurança, da Prioridade, da

Territorialidade, da Fé Pública e da Rogação, bem com os Princípios do

Direito Público e sua correlação com a função notarial e registral.

Ocasionalmente, poderá surgir menção a outros princípios ou

subprincípios que não os acima relacionados, de forma a enriquecer e facilitar

a devida absorção do tema ora abordado.

Para este propósito, analisaremos aspectos históricos sobre o tema,

doutrinas e alguns posicionamentos jurisprudenciais, não dispensando

conhecimentos já absorvidos em toda extensão de nosso aprendizado jurídico.

2. Aspectos históricos do Registro de Títulos e Documentos

Segundo nos reporta FILHO1, a origem efetiva do Registro de Títulos e

Documentos no país se deu pela regulamentação da disposição contida no art.

135 do CC/16, que assim dispunha:

Art. 135 - O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por 2 (duas) testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (Art. 1.067), antes de transcrito no Registro Público. Parágrafo único - A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal.

Disposição similar a esta foi mantida no CC/02, versando:

Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.

1 FILHO, 1977, p. 18.

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Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal.

A origem desse Registro está intrinsecamente relacionada ao instituto

das “Provas”, disciplinada tanto no direito material como no direito processual,

sendo sua natureza jurídica um pouco controversa na doutrina, por este motivo.

A importância das “provas” pode se resumir conforme bem observou

Washington de Barros Monteiro, “aquilo que se não prova equivale ao que não

existe”. (MONTEIRO, Curso de direito civil, 2000, pag. 288, apud FARIAS,

2011, pag. 773).

O combate às fraudes em documentos, principalmente particulares,

sempre foi uma preocupação de Estado, notadamente quanto à prática comum,

que ainda se observa hodiernamente, de antedatar os mesmos.

BEVILACQUA nos ensina que cabia aos Tabeliães de Notas a função de

autenticar os documentos particulares para que os mesmos tivessem validade

perante terceiros.

Somente após a edição da Lei nº 973, de 2 de janeiro de 1903, é que foi

instituído o registro de instrumentos particulares, inicialmente, adstrito à então

Capital Federal Rio de Janeiro.

2 – O escripto particular assignado faz prova entre as partes. Para valer contra terceiros, quer dizer contra os que não tomam parte do acto, não basta que esteja assignado, deve ser transcripto no registro publico. Este registro é o creado pela lei n. 973, de 2 de Janeiro de 1903, para autenticar, conservar ou perpetuar documentos, e para os efeitos do art. 3º da lei n. 79, de 23 de Agosto de 1892, isto é, para imprimir, ao instrumento particular, validade a respeito de terceiros. A lei de 2 de Janeiro de 1903 instituiu o registro dos títulos particulares para a Capital da Republica. Alguns Estados, tomando por modelo o serviço estabelecido no Rio de Janeiro, já organizaram o officio do registro especial, nos respectivos territórios. Actualmente, esta matéria está disciplinada pela Lei n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1934 e dec. n. 4.830, de 9 de Novembro de 1939, arts. 237 e 238. 3 – A lei n. 79, de 23 de Agosto de 1892, art. 3º, declarava que o instrumento particular valeria, contra terceiros, “desde a data do reconhecimento da firma, do registro em notas de tabelião, da apresentação em juízo ou repartições publicas, ou do falecimento de algum dos signatários”. (...) O Projecto primitivo, art. 146, 2ª parte, e o Revisto, 156, 2ª parte, consolidaram, nesta matéria, o direito vigente. Porém, por emenda do Conselheiro ANDRADE FIGUEIRA, aceita pela Camara, o citado artigo do Projecto revisto foi substituído pelo que agora se lê no Codigo, tendo desaparecido as referencias ao reconhecimento da firma, à apresentação do instrumento em juízo ou repartição publica e à morte de um dos signatários. A consequencia é que, somente o

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registro attribue ao instrumento particular efeito a respeito do terceiro, resalva feita das procurações. Foi intenção da maior latitude, e decisiva importância ao registro, para tornar mais frequente o uso deste meio de publicidade e garantia dos actos jurídicos. (...) (grifamos) 7 – A data do instrumento particular é a que nelle se achar exarada; mas para a validade a respeito de terceiros, o que importa é a data do registro. Foi com este efeito do registro que se preocupou o art. 135. A determinação da data foi deixada à apreciação dos interessados, segundo o que constar do acto. (BEVILACQUA, 1940, p. 395-398, passim). (grifamos)

Neste mesmo sentido é a doutrina de PHILADELPHO AZEVEDO, que

assim nos ensina:

“Se as próprias escrituras públicas, apesar da distribuição, buscas e certidões, não representam às vezes a plena publicidade, que o legislador teve em mira, reconhecia-o o grande Lafayette (Direito das Coisas, § 50), quanto mais os escritos particulares, que podem afetar a terceiros, máxime nas liquidações, inventários, concursos de credores, divórcios, falência etc. “Para obviar aos possíveis inconvenientes que daí advinham, a lei 79, de 23 de agosto de 1892, determinou no art. 3º que os escritos particulares só valessem contra terceiros, desde a data do reconhecimento da firma, do registro em notas do tabelião, da apresentação em juízo ou repartições públicas ou do falecimento dos signatários. “O registro de documentos já era feito pelos tabeliães em livros próprios (Ord. do livro 3, tít. 60 e reg. 4.824, de 1871), quando não os incorporavam às escrituras a que se referissem, bem como dos papéis avulsos apresentados pelas partes para o registro, verdadeira pública forma feita em livro de notas públicas com as solenidades do estilo; a dispensa de concerto era objeto de dúvida, ex-vi do disposto no art. 153 do Reg. 737, mas indispensável se fazia o prévio reconhecimento das firmas. “A lei n.° 973, de 2 de janeiro de 1903, transferiu para um cartório especialmente criado no Rio de Janeiro, e seguido nos Estados, o registro de títulos, documentos e outros papéis para a sua autenticidade, conservação e perpetuidade, ficando a cargo dos tabeliães de notas apenas o registro das procurações e documentos a que se referissem as escrituras e nestas não incorporadas. “Esse ato, oriundo do projeto do então senador Martinho Garcez, tinha por intuito principal evitar as fraudes que o sistema de simples reconhecimento avulso dominante na prática, permitia, por meio de antedatas; assim se determinou a inscrição de um registro sujeito à colocação em ordem ininterrupta pela data da apresentação, de modo a prevenir as fraudes contra terceiros interessados; a falta do registro acarretaria a inanidade do documento em relação a terceiros. (grifamos) “Mas a lei, embora denominando registro facultativo, cogitou de duas hipóteses diversas – a da transcrição integral dos documentos para sua perpetuação e autenticidade, propriamente facultativa, e a da simples averbação desses documentos para autenticação da data em

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relação a terceiros, como acabamos de ver; neste caso, o registro já tinha uma sanção pesada, embora indireta, de modo a perder o caráter de simples faculdade, salvo para os títulos já autenticados pelos demais processos – a representação em juízo ou repartição e o falecimento da parte. “O regulamento n.° 4.775, de 16 de fevereiro de 1903, cogitou minuciosamente da aplicação desses princípios e da escrituração do registro, constante, além de outros secundários, dos livros de registro, de averbações, do indicador pessoal e do protocolo, em torno do qual, como no registro hipotecário, gravitam os demais. O registro era feito pela transcrição integral com conferência e concerto do oficial e a averbação, por extrato, com a declaração do documento, do nome das partes e da data do reconhecimento feito por tabelião, notando-se no título o número e data do protocolo; determinou ainda o regulamento os meios de cancelar o registro por sentença, quitação ou exoneração; declarou a prioridade dos títulos registrados em concorrência com outros não registrados, salvo se estes constarem de livros comerciais, devidamente formalizados. (grifamos) “Os tabeliães não poderiam subscrever públicas formas de títulos não registrados, nem os oficiais do registro hipotecário admitir escritos particulares de compra e venda nessas condições. "O regulamento ainda dispôs que, em falências, liquidações e inventários, a data do aceite e promessa de pagamento nas letras e quaisquer documentos particulares de obrigações firmados por pessoas não comerciantes presumir-se-ia a do registro ou averbação (art. 79); quando comerciantes os seus portadores ou apresentantes, presumia-se igualmente a data da apresentação ou a do registro, quando não constassem da escrituração de seus livros, devidamente formalizados (art. 80). “Poderia ser irrogada ao regulamento a pecha de exorbitante, quanto à parte comercial, por isso que a lei 973 só se referiu à de n.° 79, relativa apenas a documentos civis, tanto assim que a lei paulista, instituindo o mesmo registro, exclui expressamente as obrigações comerciais (art. 4.°) (Spencer Vampré, Código Civil, Parte Geral, p. 106). “O caso mais interessante era o de títulos cambiários emitidos por devedores civis nos casos de falência e concurso de credores: por ocasião da lei n.° 973, e respectivo regulamento, vigorava a matéria de falências a lei 859, de 16 de agosto de 1902 que no art. 49, 2.ª parte, exigia as formalidades do art. 3.°, do Decreto n.° 79, de 1892 para as letras e títulos, de que fossem portadores pessoas não comerciantes, quanto à autenticidade da data, disposição devida a parecer do Instituto dos Advogados. “Justificada, assim, nesta parte a exorbitância do regulamento, qual ficou a sua situação em face da reforma operada nas matérias cambiaria e de falências pelas leis 2.044 e 2.024 de 1908? Ainda que alguns juízes, mormente de São Paulo, tenham excluído, nas falências, credores civis por promissórias não registradas, a maioria das decisões e a opinião dos doutos (v. por ex. Magarinos Torres - Nota promissória, p. 380), concluem de modo diverso, à vista da natureza desses títulos e dos amplos poderes ora confiados ao juiz para exclusão de créditos fraudulentos por sua íntima convicção, sem

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entretanto deixarem de ressaltar o inestimável valor da documentação da data em caso de concurso.” (AZEVEDO, Philadelpho – Registro Públicos. Lito-Tipo Fluminense, 1ª ed., Rio de Janeiro, 1924, p. 47. apud FILHO, 1977, p. 15-17, passim).

Sobre o campo de ação do art. 135 do Código Civil de 1916, FILHO

reproduz a explanação de M. M. SERPA LOPES, que, por sua vez, se

fundamentou em estudos anteriores elaborados por ANDRADE FIGUEIRA,

CLÓVIS BEVILACQUA, PHILADELPHO AZEVEDO e JOSÉ SOARES

ARRUDA, expondo as seguintes conclusões:

a) O registro especial de documentos não afeta o objeto da relação jurídica, não visa criar o cadastro de propriedade móvel, como sucede com o registro de bens imóveis, mesmo porque o cadastro da propriedade móvel é desconhecido em nosso Direito;

b) O registro especial, por conseguinte, afeta o título, o instrumento

do contrato, tão-somente impedindo a antedata e não a coisa, o objeto da obrigação;

c) Não é, ademais, um registro atributivo da propriedade móvel,

como se dá com o registro imobiliário no tocante aos imóveis; d) O Código Civil não fez mais do que completar a evolução iniciada

pela Lei nº 973, reduzindo apenas para o registro o meio de se fixar a data dos escritos particulares;

e) A vingar uma solução oposta, seria ampliar a órbita dos direitos

reais, para neles incluir mercadorias por acaso vendidas a prestações, quando é certo que os direitos reais são os taxativamente enumerados na lei. (FILHO, 1977, p. 25).

Sobre a ótica dos efeitos do registro podemos destacar alguns

princípios pelos quais deve se pautar o registrador de títulos e documentos.

Versando sobre este tema, FILHO destaca:

a) Autenticidade de data. Conforme tivemos oportunidade de observar, em relação aos contratos meramente obrigacionais, o único efeito do registro do instrumento particular é autenticar a data, evitando o perigo da antedata;

b) Validade contra terceiros. Embora a tradição da coisa seja o

elemento gerador da transferência do domínio mobiliário, o contrato se torna oponível a terceiros somente depois de transcrito no Registro de Títulos e Documentos. É a força que a publicidade imprime ao registro na relação erga omnes;

c) Conservação. Destina-se a conservar ou perpetuar o documento.

O efeito desse registro é assaz limitado. Seu objetivo precípuo é a conservação de um determinado documento, colaborando, quando necessário, para a reconstituição do documento original. (FILHO, 1977, p. 27-28).

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Ainda, quanto aos efeitos do registro, deve-se observar pela dicção do

art. 130 da Lei nº 6.015/73, que “a validade do registro erga omnes será ex

tunc, vale dizer, a partir da data da assinatura, se o documento tiver sido

apresentado ao registro dentro de vinte dias de sua formalização”. Após este

prazo, o efeito será ex nunc, contado a partir da data da protocolização.

(FILHO, 1977, p. 28).

Art. 130. Dentro do prazo de vinte dias da data da sua assinatura pelas partes, todos os atos enumerados nos arts. 128 e 129, serão registrados no domicílio das partes contratantes e, quando residam estas em circunscrições territoriais diversas, far-se-á o registro em todas elas. (Renumerado do art. 131 pela Lei nº 6.216, de 1975).

Parágrafo único. Os registros de documentos apresentados, depois de findo o prazo, produzirão efeitos a partir da data da apresentação.

3. Princípios do Direito Público e sua correlação com a função notarial e registral

Para este propósito, adotaremos, especialmente, as lições de Carlos Ari

Sundfeld2, valendo-nos de fartas citações de trechos de sua notável obra sobre

os Fundamentos de Direito Público3.

3.1 – Autoridade pública

O princípio da autoridade pública nos revela a necessidade do Estado

em atender aos interesses públicos – com os passos sempre guiados pelos

ditames da Lei –, vez que estes representam interesses coletivos. Os

interesses privados4, dos particulares, sujeitam-se à prioridade daqueles que,

2 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. 3 “A nosso ver, são os seguintes os princípios gerais do direito público brasileiro: a) autoridade pública;

b) submissão do Estado à ordem pública; c) função; d) igualdade dos particulares perante o Estado; e)

devido processo; f) publicidade; g) responsabilidade objetiva; h) igualdade das pessoas políticas. O

primeiro princípio (a) evidencia o fato de o direito público regular o exercício do poder político, gerando,

portanto, a outorga ao Estado de poderes especiais frente aos particulares. Todos os demais, com exceção

do último (b até g), traduzem limites à autoridade, visando controlar o exercício do poder político e

proteger seus destinatários, de modo a realizar o equilíbrio entre autoridade e liberdade. Por derradeiro, a

igualdade das pessoas políticas (h) é princípio de organização do exercício do poder”. Op. cit. p. 153. 4 Autonomia da vontade que deve ser modulada pela ótica constitucional para sua validade.

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quando em colisão – mesmo diante de suas proteções jurídicas específicas e

devidamente reconhecidas – deve prevalecer5.

Esses ditames que direcionam a ordem jurídica, como observados

acima, são os elementos que justificam a própria existência do Estado.

O poder de autoridade manifesta-se, aos menos, de duas formas distintas: a) impondo, unilateralmente, comportamentos aos particulares; b) atribuindo direitos aos particulares, através de vínculo não obrigacional. Fundamental perceber que, no Estado de Direito, poder algum é uma inerência do Estado. Os poderes estatais só se justificam para a realização de interesses públicos; são, por isso, meramente instrumentais. Assim, o Estado não exerce a autoridade pública sempre, em qualquer situação, ou na medida em que o quiser. Exerce-a se, quando e na proporção em que esta lhe tenha sido conferida pela ordem jurídica.6

Na seara do direito notarial e registral a autoridade pública pode ser

observada desde o momento em que foram determinadas as instalações das

serventias. O Estado assume para si, por imperativo legal, a missão de

organizar e regular a estrutura da vida social em suas diversas manifestações.

O Poder Público precisa administrar interesses públicos e garantir a

segurança e a adequação à lei dos atos privados em uma vasta extensão

territorial. Para tanto, determinou que fossem instaladas serventias registrais e

notariais em distritos e municípios por todo o país, de forma a assegurar às

pessoas, diversos serviços de suma importância para suas vidas.

Através dessas serventias, o Estado lança seus tentáculos por todas as

regiões, participando e intervindo decisivamente na autonomia da vontade da

sociedade, garantindo direitos, impondo obrigações e incluindo as pessoas

num contexto de dignidade.

Estaria, então, justificada a finalidade do Estado, existir para servir seu

povo em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência7.

5 Há teorias que buscam alcançar a prevalência destes direitos por caminhos distintos, análise esta que foge ao propósito deste trabalho.

6 ob. cit. p. 155-157. passim.

7 CF/88, art. 37 caput.

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3.2 – Submissão do Estado à ordem jurídica

Este princípio se expressa primordialmente no princípio da necessária

constitucionalidade das leis.

Por este comando, a submissão do estado à ordem jurídica tem seus

efeitos jurídicos endossados pelo princípio da legalidade que, para a

Administração Pública se manifesta pela máxima de que os particulares têm

como limite de sua liberdade, os proibitivos positivados em normas jurídicas,

enquanto a liberdade de ação do Estado se condiciona estritamente aos

preceitos legais que a justificam e a regulamentam.

Segundo o princípio da submissão do Estado ao Direito, todo ato ou comportamento do Poder Público, para ser válido e obrigar os indivíduos, deve ter fundamento em norma jurídica superior. O princípio determina não só que o Estado está proibido de agir contra a ordem jurídica como, principalmente, que todo poder por ele exercido tem sua fonte e fundamento em uma norma jurídica. Assim, o agente estatal, quando atua, não o faz para realizar sua vontade pessoal, mas para dar cumprimento a algum dever, que lhe é imposto pelo Direito8.

Notários e registradores, como delegatários de serviços públicos, têm

seus atos subordinados à estrita observância do princípio da legalidade. Agem

em nome do Estado, trabalhando como multiplicadores de práticas legais.

Não há espaço para inovações interpretativas ou exposição de vontades

íntimas na consecução de seu trabalho, vez que acarretaria generalizada

insegurança jurídica ao ordenamento estabelecido.

3.3 – Função

Sob as premissas de que o exercício de poder estatal é “um dever, não

uma faculdade do agente e de que o ato de direito público praticado com base

em poder atribuído por certa norma só será válido se alcançar a finalidade por

ela mirada”, concluiremos que a atividade pública, sobre a lente do direito

público, constitui função.

8 ob. cit. p. 158.

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Nesta ótica, os agentes dos poderes públicos, na prática de seus atos,

desempenham função, o que vale dizer que a ordem jurídica lhes impõe

exercício obrigatório dos poderes que lhes foram conferidos, com a obrigação

de alcançar a finalidade colimada pela norma.

Função, para o Direito, é o poder de agir, cujo exercício traduz verdadeiro dever jurídico, e que só se legitima quando dirigido ao atingimento da específica finalidade que gerou sua atribuição ao agente. Descendem do princípio segundo o qual as competências dos agentes estatais se ligam às finalidades públicas a exigência de razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e boa-fé na atuação estatal, especialmente relevante quando a norma jurídica concede certa margem de liberdade para o agente decidir quanto ao modo como vai exercer sua competência. Ao princípio da função, próprio do direito público, opõe-se o da autonomia da vontade, vigente no direito privado. Enquanto naquele os atos se vinculam a certo fim, que deve ser necessariamente atingido, nestes os atos são produzidos nos termos da vontade livre dos particulares9.

A atividade notarial e registral, assim como as demais atividades estatais

que se prestam ao exercício da consecução de alguma finalidade voltada ao

atendimento das necessidades dos cidadãos, constituem função, que deve se

pautar pela busca do fim colimado.

Atos de notários e registradores não devem ser vistos como meras

medidas instrumentais, mas precisam atingir os fins desejados pelas partes

com o respaldo estatal.

3.4 – Igualdade dos particulares perante o Estado10

Não há como nos furtar em mencionar o preceito, supedâneo da

isonomia – tendo a impessoalidade como uma de suas manifestações – de que

9 ob. cit. p. 163-167. passim. 10 “Dispõe o art. 5º, caput, da Constituição Federal que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza’. Trata-se da consagração do princípio da igualdade (ou isonomia). Esse princípio está na base de inúmeras outras normas, também dispostas no texto Constitucional: a) do art. 5º, I, segundo o qual ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’’; b) do art. 5º, XLI, segundo o qual ‘a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’; c) do art. 37, caput, que consagra a ‘impessoalidade’ como princípio da administração”. “Disso resulta que o princípio da isonomia é essencial a todo direito público”. ob. cit. p. 167. passim.

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os iguais devem ser tratados igualmente, e dos desiguais, desigualmente, na

medida de suas desigualdades, sempre de forma devidamente justificada.

Contudo, há inúmeras situações11 em que as funções de legislar,

administrar e julgar geram efeitos agressivos à isonomia, por não estabelecer

adequadamente uma “correlação lógica entre a diversidade do regime

estabelecido e o fator que tenha determinado o enquadramento, num ou noutro

regime, das pessoas, coisas ou situações reguladas”12.

Os delegatários, como profissionais do direito que são13, devem auxiliar

as partes propondo soluções válidas para a execução de suas necessidades,

sem, contudo, ultrapassar os limites da imparcialidade.

Sua conduta deve se pautar pela impessoalidade, moralidade, não

privilegiando pessoas íntimas ou prejudicando desafetos.

3.5 – Devido processo

O “devido processo, dotado de um complexo de características

fundamentais”, não deve ser visto com as ressalvas que se faz aos atos

morosos, burocráticos, dispendiosos, ou como um processo particular atípico

que se origina mediante provocação para obtenção de um fim colimado, mas

sim como o modo normal de agir do Estado, o exercício de função

indispensável, voltada para a produção dos atos que lhe justifica a existência.

Para SUNDFELD14, “o devido processo é garantia dos particulares frente

ao Estado. Garantia ao mesmo tempo ‘passiva’, isto é, dirigida à pessoa

enquanto ‘sofre’ o poder estatal, e ‘ativa’, destinada a propiciar o acionamento

da máquina estatal pelos membros da sociedade e a obtenção de decisões”.

No âmbito dos serviços extrajudiciais de registro e notas existem regras

procedimentais que garantem boas práticas para a execução dos atos públicos

e se mostram como uma garantia de legalidade e transparência aos cidadãos.

11 “O princípio da isonomia (...) está na base de inúmeros institutos e regras de direito público”. “o princípio se aplica, em múltiplas derivações, tanto no direito processual quanto no administrativo, tributário e penal”. ob. cit. p. 170-171. passim. 12 ob. cit. p. 169. passim. 13 Lei nº 8.935/94. 14 ob. cit. p. 174.

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A não observância do devido processo gera nulidades insanáveis, vez

que tal princípio reúne em si os elementos mais nobres de que deve se pautar

toda a administração pública.

A relação entre a administração pública e os delegatários, e entre estes

e os usuários dos serviços, deve percorrer os trâmites legais para que os atos

praticados alcancem seus fins sem o risco de transtornos futuros.

3.6 – Publicidade15

O Estado tem o dever da absoluta transparência no exercício do poder,

vez que “todo poder emana do povo” (CF, art. 1º, § 1º), e se sujeita à

fiscalização e controle dos particulares, beneficiários finais de sua atividade.

A finalidade da ação do Estado necessita indubitavelmente de

exteriorização, por não se ater a interesses, poderes e direitos íntimos.

Diante desta orientação, “qualquer pessoa atingida pelo Poder Público –

isto é, que de qualquer modo seja destinatária, prejudicada ou atendida por ato

estatal – tem o direito individual de conhecer este ato, suas razões, sua base

fática e jurídica. Em conseqüência, seja em nome da limpidez da atividade

estatal, seja para garantia de direitos individuais, o Estado tem o dever da

publicidade”.

Com raras exceções, os atos notariais e registrais são públicos, devendo

os titulares das serventias fornecer certidões e informações solicitadas por

particulares ou autoridades públicas sempre que solicitadas.

Quanto às exceções, cabe ao titular orientar aos requerentes que os

mesmos busquem perante o Poder Judiciário a devida autorização em

cumprimento às regras procedimentais determinadas por Lei.

15 “A publicidade, no sentido de que estamos tratando, não se resume à divulgação dos atos, que atina à existência e eficácia deles. Decerto que qualquer ato, em direito, para existir, tem de possuir uma forma, é dizer, deve se exteriorizar de algum modo. Nessa medida, qualquer ato, mesmo em direito privado, só existe se lhe for dada alguma publicidade; antes dela, pode se falar de intenção do sujeito, de vontade psicológica, não de ato jurídico. Quando a doutrina e a jurisprudência falam da publicidade dos atos estatais, normalmente fazem referência a este sentido – examinam como o ato deve ser notificado a seus destinatários: se através de publicação, se por intimação etc. No entanto – convém insistir –, essa publicidade não é algo exclusivo do direito público, mas se esparrama por todo o Direito. O que há de especial em relação ao Estado é a abrangência e a forma dessa divulgação. Nada mais”. SUNDFELD, ob. cit. p. 177-178.

Page 15: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

14

3.7 – Responsabilidade objetiva

Quanto à responsabilidade civil do Estado, a sociedade optou pela

apuração objetiva da mesma, notadamente observada pelo regramento

normativo entalhado no § 6º, do art. 37, da CR/88, regulamentador da

responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e as de direito

privado prestadoras de serviços públicos, devendo as mesmas responder

pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurando o direito de regresso contra o responsável efetivo pelo ato, nos

casos de dolo ou culpa.

(...), a responsabilidade estatal não é igual à responsabilidade comum dos particulares. Governa-se por regras próprias do direito público, que a fazem mais ampla. No direito privado a responsabilidade se liga, em geral, à idéia de culpa. (...) Daí se dizer que a responsabilidade típica do direito privado é a subjetiva. Já no direito público, a responsabilidade é objetiva, independente de culpa. O Estado é obrigado a reparar os danos que cause, quer tenha agido contra o Direito, quer tenha observado rigorosamente as normas jurídicas; em outras palavras: responde por atos lícitos e ilícitos. A responsabilidade por atos ilícitos deriva de seu dever de submissão à ordem jurídica. Já a responsabilidade por comportamentos lícitos decorre do princípio da igualdade. Pouco importa que o Estado tenha agido rigorosamente dentro dos parâmetros constitucionais e legais. Se causa um prejuízo a alguém, ao aplicar o direito, é porque este é indispensável ao atendimento de certo interesse público; seria contrário à isonomia um indivíduo suportar sozinho o prejuízo gerado no interesse de todos16.

A responsabilidade objetiva do Estado perante os atos praticados por

seus agentes foi estabelecida, primordialmente, com o fim de garantir uma

maior segurança para seus servidores na prática de seus atos, dissipando

temores dos mesmos para o regular giro da engrenagem estatal.

No que se refere às atividades notariais e registrais, há três correntes

que tentam enquadrar a responsabilidade dos delegatários pela prática de seus

atos.

A primeira versa sobre a responsabilidade objetiva dos delegatários,

devendo as vítimas do dano provar apenas o dano e o seu nexo de

causalidade com o ato praticado. 16 SUNDFELD, ob. cit. p. 181. passim.

Page 16: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

15

Uma segunda corrente entende ser tal responsabilidade subjetiva,

devendo as vítimas do evento danoso provar o dano, o seu nexo de

causalidade com o ato praticado e a culpa ou o dolo do titular responsável.

Há ainda uma terceira corrente, com a qual nos filiamos, entendendo ser

de responsabilidade objetiva do Estado o dano causado aos usuários do

serviço, devendo o mesmo ingressar obrigatoriamente com ação de regresso

contra o delegatário, com observância de sua eventual responsabilidade

subjetiva.

3.9 – Igualdade das pessoas políticas

Ao se preocupar com a organização político-administrativa do Estado

(CF, art. 18), em obediência ao princípio da isonomia, a Constituição o fez,

observando o “princípio atinente à organização espacial da estrutura de poder”,

determinando autonomia às pessoas políticas, em todas as suas esferas de

representação, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios,

outorgando-lhes uma “esfera irredutível e impenetrável de competências”.

A decorrência lógica desta organização estrutural nos conduz à certeza

de que “não há qualquer hierarquia entre leis federais, estaduais ou municipais,

feitas, respectivamente, pela União, pelos Estados e pelos Municípios. Na

pirâmide jurídica (que representa graficamente o direito) tais leis estão todas no

mesmo patamar, uma ao lado das outras – e todas se situam abaixo da

Constituição”17.

Conclui-se, pois, que não há, em princípio, supremacia da União sobre os Estados-membros e Municípios, em face dos rígidos critérios constitucionais de repartição de competências. As pessoas político-constitucionais são todas isônomas, porque são todas entidades, criaturas da Constituição. As relações entre as pessoas constitucionais são relações de coordenação e não de subordinação; de justaposição e não de superposição18.

As atividades, notarial e registral, sujeitam-se às normas estabelecidas

pelas pessoas políticas nas três esferas de governo, em todo o seu âmbito de

17 ob. cit. p. 185. 18 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar Tributária. S. Paulo, Ed. RT/EDUC, 1975. apud SUNDFELD, op. cit. p. 185-186.

Page 17: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

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representatividade, devendo os delegatários observar normas federais,

estaduais e municipais para a prática de seus atos.

Contudo, foi garantida aos delegatários a autonomia administrativa das

serventias, estando sujeitos à fiscalização do poder judiciário, conforme

regramento constitucional.

3.10 – Dignidade da pessoa humana

Pelas premissas constitucionais de “fundamentos e objetivos

fundamentais”, especialmente no que tange à fraternidade e à solidariedade, o

Texto Constitucional, conforme inscrito em seu inciso III, art. 1º, tem como

princípio normativo e fundamento, a dignidade da pessoa humana.

O que caracteriza o ser humano e o faz “dotado de dignidade especial é

que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo”19. Pelas

palavras de Kant, “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe

como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou

daquela vontade”20.

A dignidade da pessoa humana como princípio normativo e fundamento

da República Federativa do Brasil, leva-nos à conclusão de que o Estado existe

em função das pessoas, todas elas, e não estas em função do Estado.

Toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada sob o prisma da

dignidade da pessoa humana, sob pena de se mostrar inconstitucional, vez que

tal paradigma avaliativo das ações do Poder Público se mostra como “um dos

elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro”21.

No entanto, tomar o homem como fim em si mesmo e que o Estado existe em função dele, não nos conduz a uma concepção individualista da dignidade da pessoa humana. Ou seja, que num conflito indivíduo versus Estado, privilegie-se sempre aquele. Com efeito, a concepção que aqui se adota, denominada personalista,

19 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/160>. Acesso em: 22 set. 2011. 20 KANT, I., Immanuel - Fundamentação da Metafísica dos Costumes, p. 68. apud SANTOS, op. cit. 21 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996. p. 51. apud SANTOS, op. cit.

Page 18: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

17

busca a compatibilização, a interrelação entre os valores individuais e coletivos; inexiste, portanto, aprioristicamente, um predomínio do indivíduo ou o predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias, solução que pode ser tanto a compatibilização, como, também, a preeminência de um ou outro valor22.

A construção de todo o ordenamento dos registros públicos visa garantir

a observância e efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana,

desde os atos iniciais da vida, como o nascimento, passando pela fase de

participação efetiva em negócios jurídicos de toda ordem, pelo óbito e seus

efeitos.

Todos estes fatos e negócios jurídicos são tratados e conduzidos pelo

Estado através, especialmente, dos delegatários, cujo nobre mister lhes foi

confiado, tamanha a importância dos mesmos à sociedade.

4. Princípios aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos

O registro de títulos e documentos tem função suplementar ou residual,

praticando os registros não atribuídos aos demais serviços e está regulado pela

Lei nº 6.015/73, nos artigos 127 a 166.

Os princípios aplicáveis a esse Registro são encontrados na própria

legislação que rege a matéria, bem como nos próprios fundamentos de sua

existência.

Observa-se facilmente a estreita correlação entre os princípios, a forma

como se complementam e funcionam em colaboração para os fins almejados

pelo registro público.

Para a análise destes princípios, destacamos para fins de ilustração,

dispositivos legais que evidenciam a necessidade de tais registros.

Pela observação do art. 1º, da Lei nº 6.015/73, temos:

Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1974) (grifamos).

Ainda, em seu CAPÍTULO IV, nos artigos 16 e ss, encontramos

disposições expressas sobre a publicidade dos atos.

22 SANTOS, ob. cit. passim.

Page 19: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

18

Durante toda a regulamentação do Registro de Títulos e Documentos

pela Lei nº 6.015/73, encontramos menções a seus princípios norteadores,

senão vejamos:

Art. 127. No Registro de Títulos e Documentos será feita a transcrição: (Renumerado do art. 128 pela Lei nº 6.216, de 1975). VII - facultativo, de quaisquer documentos, para sua conservação. (grifamos). Parágrafo único. Caberá ao Registro de Títulos e Documentos a realização de quaisquer registros não atribuídos expressamente a outro ofício. (grifamos). Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: (Renumerado do art. 130 pela Lei nº 6.216, de 1975). (grifamos). Art. 130. Dentro do prazo de vinte dias da data da sua assinatura pelas partes, todos os atos enumerados nos arts. 128 e 129, serão registrados no domicílio das partes contratantes e, quando residam estas em circunscrições territoriais diversas, far-se-á o registro em todas elas. (Renumerado do art. 131 pela Lei nº 6.216, de 1975). (grifamos). Art. 146. Apresentado o título ou documento para registro ou averbação, serão anotados, no protocolo, a data de sua apresentação, sob o número de ordem que se seguir imediatamente, a natureza do instrumento, a espécie de lançamento a fazer (registro integral ou resumido, ou averbação), o nome do apresentante, reproduzindo-se as declarações relativas ao número de ordem, à data, e à espécie de lançamento a fazer no corpo do título, do documento ou do papel. (Renumerado do art. 147 pela Lei nº 6.216, de 1975). (grifamos). Art. 162. O fato da apresentação de um título, documento ou papel, para registro ou averbação, não constituirá, para o apresentante, direito sobre o mesmo, desde que não seja o próprio interessado. (Renumerado do art. 161 pela Lei nº 6.216, de 1975). (grifamos).

No mesmo norte, a Lei nº 8.935/94 assim dispõe: Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. (grifamos).

4.1 – Publicidade

O princípio da publicidade indica que os atos da administração, que

incluem os atos das serventias extrajudiciais, devem ser públicos, disponíveis

às pessoas de forma a se evitar prejuízos jurídicos a terceiros de boa-fé.

Page 20: Princípios Aplicáveis ao Registro de Títulos e Documentos - Bruno Francisco Prado Rocha

19

PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. CONSTITUIÇÃO. REGISTRO. PUBLICIDADE. 1- O registro do contrato de alienação fiduciária não é requisito de constituição da propriedade fiduciária, mas sim da publicidade ao negócio jurídico, necessária à proteção dos direitos de terceiros. (2194636-78.2011.8.19.0021- APELACAO. QUINTA CAMARA CIVEL TJRJ. DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA - Julgamento: 09/10/2012). PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VEÍCULO AUTOMOTOR. ANOTAÇÃO NO CERTIFICADO DE REGISTRO DO VEÍCULO - CRV. DETRAN. PUBLICIDADE. REGISTRO CARTORIAL PARA EXPEDIÇÃO DO DOCUMENTO DO VEÍCULO. INEXIGIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO VERSANDO TEMA INÉDITO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O registro do contrato de alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos, previsto no inciso 5º do art. 129 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), não revela condição para a transferência da propriedade do bem, senão, procedimento tendente a emprestar publicidade e, a fortiori, efeito erga omnes ao ato translatício, evitando prejuízos jurídicos ao terceiro de boa-fé. Precedente da Corte: REsp 770315/AL, 2ª Turma, DJ 15.05.2006. (REsp 686932 / PR. Ministro LUIZ FUX. DJe 10/04/2008 - LEXSTJ vol. 226 p. 100).

Há autores, no entanto, que entendem que a publicidade registral não é

ilimitada, devendo se amoldar ao direito à intimidade e à vida privada das

pessoas. Neste sentido:

A publicidade é efeito da lavratura do ato. Ela pode ser mitigada, quando envolva a intimidade do usuário ou para proteger sua família. O fundamento legal, neste caso, não é o art. 155 do Código de Processo Civil, que somente se aplica aos processos judiciais. O direito à intimidade e à vida privada têm amparo na Constituição Federal (art. 5º, X) e também mercê guarida quando as pessoas elegem a forma pública par alcançar maior segurança jurídica para os seus interesses. Ao Estado, bem como a terceiros, estará assegurada a informação, seja pelos meios legalmente previstos, seja por ordem judicial. (FERREIRA, 2010, p. 33).

4.2 – Autenticidade da data

A preocupação com o combate às fraudes em documentos já remonta à

longa data.

Ainda no período colonial do Brasil já havia o imposto de chancelaria, os

selos criados pelo Alvará de 10 de março de 1797, que, além da finalidade

arrecadatória, tinha a função de autenticar documentos para que os mesmos

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tivessem valor jurídico perante terceiros, especialmente quanto aos órgãos

públicos, na tentativa de se criar parâmetros para se evitar as antedatas.

A autenticidade da data garante, acima de tudo, o princípio da

oponibilidade perante terceiros.

Houve outras regulamentações sobre o uso do selo e em 1809 foi

editado o Alvará de 17 de junho de 180923 que transcrevemos:

ALVARÁ - DE 17 DE JUNHO DE 1809. Estabelece os impostos do papel sellado e das heranças e

legados. Eu o Principe Regente, faço saber aos que este Alvará com

força de lei virem: que havendo crescido de dia em dia as necessidades publicas pela occurrencia de muitas despezas, que as circunstancias internas e externas teem feito necessárias, sendo preciso estabelecerem-se novos impostos para acudir às precisões do Estado; e sendo o do papel sellado um dos indirecctos, que pelos tempos e economia com que é arrecadado; pela maneira com que é exigido; pela prática da maior parte das naçoes cultas; e pelo que em outro tempo se observou nesta monarchia já mereceu a minha real aprovação: fui servido estabelecel-o pelos Alvarás de 10 de Março de 1797, de 24 de Abril de 1801, de 27 de Abril de 1802, e reduzil-o pelo Alvará de 24 de Janeiro de 1804 a que somente ficassem pagando na Chancellaria-mór a imposição do sello os Alvarás de mercê, foros cartas, padrões, titulos, patentes, privilegios, isençoes, provisões e graças de qualquer natureza, isentando os mais papéis, e regulando de pois a fórma deste recebimento pelo Decreto de 12 de Junho do mesmo anno: e considerando por uma parte, que de muitos papéis ainda mesmo dos forenses, se pode perceber toda a utilidade do imposto, sem haver embaraço na expedição dos negócios a que elles dizem respeito, e sem as despezas do fabrico e administração do sello; e por outra parte, que os impostos nas heranças e legados, que não provierem de ascendentes e descendentes, se podem estabelecer sem grave incommodo dos que as vierem a perceber, por serem um beneficio fortuito, e que lhes não é devido de rigoroso direito e obrigação e conhecido e praticado por algumas nações civilisadas antigas e modernas, e que podem facilmente arrecadar-se na repartição em que se cobram os direitos do sello, determinando-se e fazendo-se necessario que as quitaçoes que se derem em Juizo para serem os testamenteiros desobrigados, sejão selladas, pagando-se pelo sello a porção que for imposta, e dando se outras providencias para se fazer esta arrecadação com exactidão e facilidade: hei por bem, tendo ouvido o parecer de pessoas doutas e zelosa de meu real serviço e da felicidade dos meus fieis vassallos, determinar o seguinte.

Os livros denominados Diario e Mestre dos negociantes e

mercadores de retalho, bem como os documentos delle extraídos, serão nullos e de nenhum efeito em Juizo, sem que seus donos tenham pago a taxa de 20 réis por cada folha, como se acha determminado no paragrafo. Do Alvará de 27 de Abril de 1802 para

23 Disponível em http://www.quinto.com.br/leis_imperio/alvara17061809.asp. Acesso aos 17/10/2012.

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os livros de papel ordinario, pondo-se o sello de minhas Reaes Armas na ultima folha do livro com uma verba, em que se declare o pagamento que se fez, e o numero de folhas que o mesmo livro contém: recahindo a nullidade unicamente sobre as pessoas a quem semelhantes livros pertencerem, e que os não tiverem feito sellar, para nelles principiarem a sua escripturação logo depois da publicação deste Alvará, tanto nesta Corte e Provincia do Rio de Janeiro, como em todas as caoitanias deste Estado e Dominios Ultramarinos, á excepção dos da Asia; ficando porém exceptuados desta taxa todos os mais livros auxiliares, e os mesmos Diario e Mestre já principiados, que poderão ser concluídos sem sello, devendo este só ter logar quanto aos livros novos.

A mesma taxa e sello posto pelo sobredito methodo, e no

prazo de dous mezes nesta Côrte e Provincia, e de seis mezes em as Capitanias deste Estado e Dominios Ultramarinos, á excepção dos da Asia contados da publicação deste Alvará, serão sujeitos os livros das Câmaras, os de Notas de Tabeliães, Os das Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras, os dos Assentos dos Baptismos e Casamentos e Obitos de todas as Parochias; e os que nelles, findo o prazo do tempo estabelecido, escreverem, ou continuarem a escrever sem o devido pagamento do sello, incorrerão na pena de 100$000 metade para a Real Fazenda, e metade para o denunciante, além do perdimento do Officio em que ficarão incursos os escrivães das Camaras, e os Tabelliães que o contrario fizerem.

As escripturas publicas, seus traslados, as públicas fórmas,

certidões, procurações feitas judicialmente, ou por pessoas de qualquer ordem e condição, provimento de officios, passaportes, autos de posse, tombos, inquirições e justificações de genere, justificações de serviços e attestações, não poderão ser apresentados em Juizo e fóra delle, nem reputarem-se valiosos, bem como todos e quaesquer documentos com que se pretender instruir os requerimentos que me forem feitos directamente pelas Secretarias de Estado e Tribunaes Régios, ou que forem feitos a quaesquer magistrados, Governadores, Corporações, e autoridades publicas, seculares e ecclesiasticas, sem que se haja pago por meia folha de papel de taes documentos e titulos a taxa de 40 réis estabelecida no paragrafo VIII. Do dito Alvará de 27 de Abril de 1802, o que deve constar pelo sello e verba posta na ultima pagina, com declaração das meias folhas que se acham escriptas.

Os creditos, obrigações, recibos, letras seguras, de cambio e

de qualquer outra natureza, poderão ser feitas como até agora, e continuar o seu gyro sem dependencia do sello e pagamento da taxa, quando porem houverem de ser ajuizados, e antes de serem autoados, deverão seus donos pagar a taxa estabelecida para cada um delles no referido Alvará de 27 de Abril de 1808. E isto se entenderá pelo que respeita às letras quando se intentar qualquer acção em Juízo, fazendo-se a competente citação para ella, e não quanto aos protestos que se deverão fazer antes do pagamento da taxa. Os testamentos da mesma forma sómente serão sujeitos ao pagamento da taxa estabelecida no parágrafo VIII. Do sobredito Alvará, quando houverem de ir a Juizo para o seu cumprimento, sem que antes disso se possam reputar nullos pela falta de sello.

Os Escrivães dos differentes Juizos seculares e

ecclesiasticos não poderão fazer conclusos os autos de qualquer natureza que sejam para sentença final, sem que se tenha pago primeiramente a taxa de 10 réis por cada meia folha de papel em que

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22

se tiver escripto quantas meias folhas contém até o termo da conclusão final, deduzindo do seu numero aquellas que já tiveram pago a taxa antes de serem incorporadas nos autos, e somente depois de constar por uma verba posta nos mesmos autos, que foi paga a competente taxa e que fica carregada ao respectivo Thesoureiro, sendo esta verba assignada pelo Escrivão deste recebimento, e sellada com as minhas Reaes Armas, é que poderão fazer conclusos os autos para final sentença; e os que o contrario praticarem, incorrerão na pena de perdimento de seus officios e do decuplo da taxa que devia ser para; e os magistrados na pena de suspensão e emprazamento, havendo proferido a final sentença sem preceder o pagamento da taxa.

Todas as cartas precatorias e de inquirição, cartas rogatorias

para os Juizos Ecclesiasticos, cartas testemunhaveis, sentenças ou formaes de partilhas, e cartas de arrematações, não poderão ser assignadas pelos Juizes e ter execução, sem que conste por uma verba e pelo sello de minhas Armas nellas posto, que foi paga a taxa de 20 réis por cada meia folha de papel. O mesmo se deverá praticar com as sentenças e mandados de preceito extrahidos do processo, declarando o Escrivão quantas maias folhas de papel contém o processo depois da sentença final, e de quantas se compoe a mesma sentença; e no mandado de preceito, quantas meias folhas contém o processo de que foi extrahido, para se fazer esta declaração a conta do pagamento da taxa, com especificação da pessoa que pagou, para se carregar na regra das custas. E os que o contrario fizerem incorrerão nas penas estabelecidas no paragrafo v.

Em todos os processos que findarerm sem que delles se

extraia sentença ou mandado de preceito, ou em que houver composição das partes, não poderão os contadores do Juizo contar as custas, nem os escrivães recebel-as, sem que primeiramente se haja pago o sello de 20 réis por cada meia folha de papel que taes processos tiverem; incorrendo os Contadores e Escrivães que o contrário fizerem, na penas declaradas no paragrafo V.

Nenhuma quitação de herdeiro ou de legatario, por effeito de

testamento, poderá ser aceita em Juizo, nem se poderá com ella haver o testamento por cumprido, sem que a quitação tenha sido primeiramente sellada, pagando-se por este sello a decima da herança ou legado que effectivamente se arrecadar, não sendo os herdeiros ou legatários descendentes ou ascendentes do testador.

Igualmente se praticarà o mesmo com os herdeiros que não

forem descendentes ou ascendentes do fallecido ab-intestato; com diferença, porém, que o herdeiro que for parente do fallecido ab-intestado até o segundo grao inclusive, contado na forma do Direito Canonico, não poderá ser empossado da herança sem que tendo feito o inventário, e constando por documento autentico a quantia liquida da herança no documento, pelo qual se lhe houver de passar mandado de entrega, tenha feito pôr o sello, e com elle pago a decima da herança que realmente arreacadar; e a quinta parte, sendo parente fóra do segundo grao. E os Ministros a quem toca, farão que os testamenteiros não sejam omissos em dar conta dos testamentos, e que de todas as heranças ab-intestado, não havendo herdeiros forçados, se proceda a inventario e entrega judicial para poderem ter logar estas providencias.

Nesta Corte se fará o recebimento destas taxas pelo sello na

Chancellaria-Mór do estado do Brazil no Real Erario, e nas Estações

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que delle forem dependentes, para prompta expedição das partes; e nas Capitanias deste Estado e Dominios Ultramarinos, pela repartição estabelecida pelas juntas da Administração e da Arrecadação da minha Real Fazenda para a cobrança do sello dos papéis designados no Alvará de 24 de Janeiro de 1804. E nas demais cidades e Villas onde houverem Juizes de Fóra, e Ordinarios, se fará o recebimento por um Thesoureiro nomeado pelos Officiaes das Camaras, a quem se fará a carga em um livro rubricado pelos Juizes de Fóra, onde os houver, e pelos Ouvidores das Comarcas onde só forem Ordinários, escrevendo nelles um dos Escrivães que mais habil for, nomeando-os os Juizes, a quem se remetterá o cunho das minhas Armas Reaes, para fazer imprimir o sello, em cujo poder se guardará. E, nenhum emolumento por isto receberão o Juiz e o Escrivão, a quem farei as remunerações que houver por bem, e somente o Thesoureiro cobrará um por cento do que arrecadar. Emquanto porém se não poderem enviar todos os cunhos de minhas Reaes Armas para as diferentes povoações, supprirá a falta do sello a verba do pagamento, sendo esta assignada pelo Juiz, pelo Thesoureiro e pelo Escrivão.

Todos os tres mezes remetterão os Juizes que se tiver

recebido, aos meus Reaes cofres das juntas da Fazenda respectivas, acompanhado do competente conhecimento, assignado pelo Escrivão e Thesoureiro, a quem se dará quitação em forma legal.

Os Ouvidores das Comarcas perguntarão nas devassas de

correição nas Villas onde houverem juizes Ordinarios, pelos descaminhos que se fizerem na minha Real Fazenda, nesta parte dos rendimentos, e pelo modo com que se houverem os empregados nesta repartição, dando em culpa aos que tiverem nella delinquido. E os sindicantes perguntarão por este artigo nas residenacias, que tirarem aos juizes de Fóra e Ouvidores das Comarcas.

Os escrivães que receberem quaesquer papeis sujeitos à

taxa e sello, sem que tenha sido paga, incorrerão na pena do perdimento do Officio, e no decuplo do valor da taxa, e os Magistrados na de suspensão e emprazamento, e os Juizes Ordinarios, além da suspensão, no pagamento do decuplo da taxa do papel, que consentirem nos autos, sem pagar o sello competente, o que se provará por haverem proferido algum despacho depois de estar inserto nos autos o papel que devera se primeiramente sellado. E todos os que falsarem o sello e as assignaturas das verbas do pagamento, incorrerão nas penas dos que falsificão o meu signal, impostas na Ord. Do Liv. V Tit.LII. E os que receberem heranças ou legados por conluios particulares perdel-os- hão com outro tanto do seu valor para a minha Real Fazenda.

Para este fim, e para serem punido todos os que

commeterrem alguma outra fraude, se admitirão denuncias, applicando-se ao denunciante a metade das penas pecuniarias e, sendo a outra para minha Real Fazenda.

E este se cumprirá como nelle se contém: pelo que mando ao

Presidente do mei Real Erario; Mesa do Desembargo do Paço, e da Consciência e Ordens; Conselho da minha Real Fazenda; Regedor da Justiça; e a todos os mais Tribunaes e pesssoas a quem pertencer o conhecimento deste Alvará, o cumpram e guardem, como nelle se contém. E valerá como Carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não há de passar, e que o se effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da Ordenação em contrário. Dado no palacio do rio de Janeiro em 17 de Junho de 1809.

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PRINCIPE com guarda Conde de Aguiar Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real é servido

ampliar o disposto no Alvará de 24 de Janeiro de 1804, e sujeitar ao sello as quitações dos herdeiros e legatarios, que não forem descendentes ou ascendentes do fallecido, e que se derem em Juizo para serem os testamenteiros desobrigados, praticando-se o mesmo com os documentos, pelos quaes se mandar passar mandado de entrega da herança aos herdeiros ab-intestado; tudo na forma acima declarada.

Para Vossa Alteza Real ver. Joaquim Antonio Lopes da Costa o fez.

Sobre o a ótica dos tributos, escreve ARAÚJO, reportando-se à obra de

LEROY-BEAULIEU, a seguinte passagem:

LEROY-BEAULIEU examina separadamente o sêlo e o imposto de registro, que oneram a transferência da propriedade. No sêlo aparece evidente caráter fiscal: trata-se de arrecadação que reverte ao Tesouro sem serviço imediato e palpável prestado pelo Estado ao particular que o paga. O registro representa, ao contrário, um serviço de grande relevância social prestado pelo Estado, que, fazendo registrar e conservar os atos jurídicos, assegura a prova fácil, se os atos se perderem; dá às transações em certa data, um cunho de autenticidade incontestável e a publicidade em muitos casos necessária e quase sempre útil. (Paul Leroy-Beaulieu, “Traité de la Science des Finances” vol. I, pág. 490. Apud ARAÚJO, 1954, P. 31-32)

4.3 – Conservação

Desejando o interessado, podem ser registrados no original os

documentos para efeito apenas de conservação ou perpetuidade.

Observa-se, no entanto, que o art. 148 da Lei nº 6.015/73 exige que,

para registro no original, sejam adotados os caracteres comuns.

No entanto, em razão de vivermos em um mundo cada vez mais

globalizado, com a escalada da evolução tecnológica e o crescente uso de

meios magnéticos de gravação, há uma forte tendência de rompimento

definitivo do óbice de se admitir o registro para efeito de conservação ainda

que não utilizados os caracteres comuns.

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25

O princípio da conservação prescreve, portanto, que o Registro de

Títulos e Documentos tem a competência para conservar e perpetuar

documentos para sua reprodução futura, resguardando a memória histórica das

pessoas e seus documentos para os fins de Direito.

Por este princípio, nenhuma informação pode ser descartada ou perdida,

mas sim, preservada para utilização a posteriori.

4.4 – Segurança

Segundo CHAVES, o princípio da segurança aparece na esfera

extrajudicial com um “princípio fundamental inerente não só aos atos praticados

pelo delegado de serviço público, mas a todo o arcabouço do direito” que

envolve a matéria.

A segurança, não somente como princípio, mas também com objetivo

primordial dos registros públicos, possibilita a certeza quanto ao ato, seus

regulares efeitos jurídicos e sua almejada eficácia legal.

Nas palavras de Flávia Moreira Guimarães Pessoa24:

É a segurança jurídica que traz estabilidade às relações sociais juridicamente tuteláveis, em face da certeza a ela inerente. A segurança jurídica inibe o arbítrio e a violência e dá amparo às relações entre as pessoas e o Estado e entre as pessoas entre si.

DIREITO REGISTRAL. DÚVIDA SUSCITADA POR OFICIAL DE CARTÓRIO. RE-RATIFICAÇÃO. ALTERAÇÃO DE ATO DE DOAÇÃO. INCLUSÃO DE CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE. OFENSA À SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO DA EFICÁCIA DOS REGISTROS. DÚVIDA PROCEDENTE. A re-ratificação é o instrumento apto a corrigir imprecisões ou omissões no registro ou na averbação, não servindo, destarte, como meio de modificar negócio jurídico perfeito e acabado. Em sede de Direito Registral, deve-se observar, sempre que possível, a preservação da eficácia dos registros e o princípio da segurança jurídica. Recurso ao qual se nega provimento. (Processo: Apelação Cível 1.0024.09.593262-0/001. Câmaras Cíveis Isoladas / 3ª CÂMARA CÍVEL. Relator(a): Des.(a) Dídimo Inocêncio de Paula. Data de Julgamento: 25/02/2010. Data da publicação da súmula: 09/04/2010)

24 Disponível em www.amatra20.org.br/amatrawi/arquivos/principiosartflavia.doc. Acesso aos 17/10/2012.

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O Des. Marcelo Rodrigues, funcionando como Revisor na

APELAÇÃO CÍVEL TJMG nº 10024039950704001, em seu voto assim se

manifestou:

Veja-se ainda que, nos termos do art. 252 da Lei dos Registros Públicos, "O registro (expressão tomada em sentido amplo, abrangendo seja o registro propriamente dito, seja a averbação), enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido". E de outra forma não poderia ser, dado que um dos mais importantes objetivos dos registros públicos é exatamente assegurar a segurança jurídica (art. 1º LRP e art. 1º da LNR).

4.5 – Prioridade

Consoante ao que se depreende da ementa abaixo, o registro do

contrato de alienação fiduciária de bem móvel tem natureza jurídica constitutiva

de direito real de garantia.

Portanto, importa sobremaneira a prioridade dos títulos que são levados

ao registro.

Direito Empresarial. Recuperação Judicial. Contrato de cessão de créditos registrado após o ajuizamento da recuperação judicial. Necessidade de registro do contrato para efetivação da garantia real. No que diz respeito à natureza da cessão fiduciária de créditos, conforme orientação jurisprudencial há entendimento de que o disposto no artigo 49, § 3o, da Lei n° 11.101/2005 deve ser aplicado em conjunto com o disposto no artigo 1.361, § 1º, do Código Civil, no sentido de que a cessão fiduciária pode ter por objeto direitos de créditos, títulos de créditos recebíveis, que tem natureza jurídica de bens móveis (artigo 83, III, Código Civil), sendo necessário o registro do contrato no Cartório de Registro de Títulos e Documentos para a constituição da garantia real. A doutrina tem enfatizado que a propriedade fiduciária só se considera constituída mediante o registro do contrato de alienação fiduciária (GUILHERME GUIMARAES FELICIANO, "Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia", São Paulo, Editora LTr, 1999, pp. 362-363; Melhim Nemem Chalhub, "Negócio Fiduciário", 2ª edição, Rio de Janeiro São Paulo, Renovar, 2000, pp.169-170). Precedente da Câmara Especializada Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça Paulista. "Agravo de instrumento Recuperação judicial - Necessidade de registro do contrato para efetivação da garantia real. Não tendo sido registrado o contrato no Registro de Títulos e Documentos, não possa as cédulas de crédito bancário ser havidas como propriedade fiduciária perante os demais credores da recuperando. Agravo desprovido". (AI 994.08.048233-0, julg. 30/06/2009, v.u., Rel. José Roberto Lino Machado). Desprovimento do recurso. (Processo: 0047523-23.2011.8.19.0000 - AGRAVO DE

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INSTRUMENTO. DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 30/11/2011 - SEXTA CAMARA CIVEL).

Versando sobre a prioridade no registro imobiliário, Túlio Teixeira

Campos25 nos empresta os seguintes ensinamentos:

Tradicionalmente, o princípio da prioridade é compreendido e ganha importância quando há, na serventia, mais de um título cujos direitos reais neles contidos são contraditórios ou reflitam uma graduação de direitos. Aliás, pode conceber-se a validade deste princípio pela possibilidade da existência de dois ou mais títulos contraditórios. E esta contradição pode ser de dois tipos:

a) Porque se trata de dois (2) direitos cuja coexistência seja

impossível: por exemplo, duas vendas de um mesmo imóvel por um só titular afigura-se como hipótese de impenetrabilidade ou de “preclusão registral”;

b) Mesmo que se trate de direitos que podem coexistir, como

duas (2) hipotecas onerando um (1) mesmo imóvel, tal coexistência é juridicamente possível, só que em ordem diferente denominada de grau. Essa compreensão a respeito do princípio da prioridade é clara o suficiente para resolver conflitos ou graduação de direitos reais a serem inscritos.

4.5 – Territorialidade

O CNJ estabeleceu, em decisão com alcance nacional, tomada no dia

06 de abril de 2010, que os registradores de Títulos e Documentos de todo o

Brasil vão ter de observar o princípio da territorialidade nas notificações

extrajudiciais, praticando atos apenas dentro da sua circunscrição. Prescreveu,

ainda, que "sejam intimados os tribunais estaduais, assim como as serventias a

eles vinculadas, para dar integral cumprimento à decisão". (PP nº 0001261-

78.2010.2.00.0000).

Por certo, houve uma tentativa de uniformização quanto à observância

da regra de observância da territorialidade para a prática dos atos.

Segundo LOUREIRO, pelo que se depreende do art. 12 da Lei nº

8.935/94, o princípio da territorialidade deve se aplicar integralmente somente

aos registradores de imóveis e aos civis das pessoas naturais.

25 Disponível em http://registradores.org.br/wp-content/uploads/2010/12/Arquivo.pdf. Acesso aos 17/10/2012.

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Contudo, a jurisprudência nacional ainda não se alinhou sobre o

assunto, senão vejamos:

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. Notificação extrajudicial. Ato realizado em Cartório de outra Circunscrição que não a da residência do devedor. Circunstância que não tem o condão de invalidar a notificação, uma vez que não há delimitação de área de atuação de Cartórios de Registros de Títulos e Documentos. (0008947-63.2009.8.19.0021- APELACAO. DECIMA CAMARA CIVEL TJRJ. DES. JOSE CARLOS VARANDA - Julgamento: 26/09/2012). BUSCA E APREENSÃO. ENTREGA DA NOTIFICAÇÃO. MORA CONFIGURADA. Válida, para os fins do art. 2°, § 2°, do DL n° 911/69, a notificação extrajudicial expedida por Oficial de Registro de Títulos e Documentos de Comarca distinta da residência do devedor, posto não estar sujeito às normas definidoras de circunscrições geográficas, a teor do art. 12, da Lei n° 8.935/94. O âmbito de delegação restringe a atuação do Tabelião de Notas, não alcançando nenhum outro titular de serviço notarial e de registro, nos exatos termos do art. 9º, da Lei n° 8.935/94. O princípio da territorialidade albergado pelo art. 130, caput, da Lei de Registros Públicos (6.015/73), alcança somente os atos enumerados nos arts. 127 e 129, dos quais não se extrai a notificação extrajudicial. (Processo: Apelação Cível 1.0024.09.752941-6/001. Câmaras Cíveis Isoladas / 13ª CÂMARA CÍVEL. Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia. Data de Julgamento: 17/03/2011. Data da publicação da súmula: 25/04/2011). APELAÇÃO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. EXTRATERRITORIALIDADE. CONVERSÃO EM DEPÓSITO. CONTESTAÇÃO. DEFESA AMPLA. CONTROLE DA LEGALIDADE DO CONTRATO. DEMONSTRAÇÃO DE NÃO OCORRÊNCIA DA MORA. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO. REGRAMENTO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. - Válida, para os fins do art. 2°, § 2°, do DL n° 911/69, a notificação extrajudicial expedida por Oficial de Registro de Títulos e Documentos de Comarca distinta da residência do devedor, posto não estar sujeito às normas definidoras de circunscrições geográficas, a teor do art. 12 da Lei n° 8.935/94. O âmbito de delegação restringe a atuação do Tabelião de Notas, não alcançando nenhum outro titular de serviço notarial e de registro, nos exatos termos do art. 9º da Lei n° 8.935/94. O princípio da territorialidade albergado pelo art. 130, caput, da Lei de Registros Públicos (6.015/73), alcança somente os atos enumerados nos arts. 127 e 129, dos quais não se extrai a notificação extrajudicial. - ""Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito"" (art. 4º do Decreto-lei n° 911/1969). - A jurisprudência pacificada do STJ permite que o réu em ação de busca e apreensão questione a própria lisura do contrato e, por consequência, a configuração da mora, não apenas se limitando a comprovar o adimplemento ou a ausência de notificação extrajudicial válida. - O pacto referente à taxa de juros remuneratórios somente pode ser alterado se reconhecida sua abusividade, em cada hipótese, perante a taxa média de mercado.

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- A incidência de juros capitalizados, com periodicidade inferior a um ano, é autorizada desde que observadas as seguintes condições: i) o contrato entabulado seja posterior à publicação da MP n° 1.963-17/2000, ocorrida em 30/03/2000 (STJ - AgRg no REsp n° 660.679/RS); e ii) haja expressa previsão no contrato (STJ - AgRg no Ag n° 943.353/RS). - ""É admitida a incidência da comissão de permanência desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual"" (STJ - AgRg no REsp n° 1.069.614/MS). (Processo: Apelação Cível 1.0079.09.941578-2/001. Câmaras Cíveis Isoladas / 13ª CÂMARA CÍVEL. Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia. Data de Julgamento: 24/02/2011. Data da publicação da súmula: 28/03/2011). Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. AUSÊNCIA DE FATO OU FUNDAMENTO NOVO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. 1. É correta a decisão monocrática do relator que extingue, de ofício, sem resolução de mérito, por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido do processo, a Ação de Busca e Apreensão cuja notificação extrajudicial foi realizada por cartório diverso da circunscrição do devedor, devendo, portanto, serem julgados prejudicados os recursos interpostos contra a sentença (artigo 557 do Código de Processo Civil). 2. Deve ser mantida a decisão monocrática quando o recorrente, nas razões do Agravo Regimental, não apresenta fato ou fundamento novo apto a modificar os fundamentos ali expendidos pelo relator. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Cível nº. 200892119462. 6ª Câmara Cível do TJ-GO. Relator Desembargador Camargo Neto. Publicado em 15/02/2011). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO (DEC. LEI Nº 911/69). NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DOMICÍLIO DIVERSO DO DEVEDOR. CONSTITUIÇÃO EM MORA NÃO CONFIGURADA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INICIAL. DESÍDIA DO AUTOR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. I - Em caso de inadimplência nos contratos de alienação fiduciária, o êxito da demanda vincula-se à constituição do devedor em mora através de notificação extrajudicial expedida dentro dos limites territoriais da circunscrição do cartório notificador situado no domicílio do inadimplente. Notificação feita em outra circunscrição torna sem efeito o ato, porquanto atentatório aos princípios fundamentais da atividade registral e à lei correlata (Lei nº 8.935/94). II - A juntada do contrato em sua via original não constituiu medida que não possa ser cumprida de imediato pelo autor, até porque em contratos celebrados com instituições financeiras, via de regra, ficam elas com a posse da via matriz do contrato, sendo ao devedor fornecida apenas uma segunda via do mesmo. Assim, havendo o descumprimento de ordem judicial para que o autor anexe aos autos o original do contrato, impõe-se a extinção do feito sem resolução do mérito, com indeferimento da pela exordial. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (Apelação Cível nº. 200993585205. 2ª Câmara Cível do TJ-GO. Relator Desembargador Amaral Wilson de Oliveira. Publicado em 15/02/2011)

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4.6 – Fé Pública

Nos dizeres de Flávia Moreira Guimarães Pessoa,26 o princípio da

presunção e fé pública registral encontra fundamento no art. 1.231, do Código

Civil/02, e estabelece que a propriedade se presume plena e exclusiva, até

prova em contrário, estendendo esta presunção a todas as relações jurídicas

passíveis ao registro.

Segundo Tatiane Sander27:

A fé pública atribuída aos notários se dá em decorrência de um mandamento legal, em cumprimento de algumas e sérias formalidades, bem como de especificidades naturais que regram o acolhimento do indivíduo como representante formal desse Estado para determinado labor, assim como o Estado recebeu de seu povo, mas restrita a garantir e certificar uma segurança nas relações sociais (atos jurídicos), que todos desejam como princípio de justeza e certeza daquilo quanto ao efetivamente ajustado, escriturado e trasladado. A fé pública individualizada na figura do notário é uma das mais amplas já conhecidas, pois ao detentor dessa atribuição, cabe a expressão da verdade, ou seja, vige a crença popular de ser correto e autêntico em tudo aquilo que dita e escreve, salvo incontestável prova em contrário, já que a sociedade não pode ser traída em nenhuma hipótese. Não há eleição de absolutismo nas suas ações. Permanece adstrito às investigações sociais, admite-se a possibilidade de erros ou lapsos. Contudo, a crença nesses atos do notário constitui-se no primeiro grau de hierarquia do saber e do conhecer social. Assim, ele é depositário da fé pública. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. CONFIABILIDADE E FÉ PÚBLICA DAS CERTIDÕES EMITIDAS PELOS SERVENTUÁRIOS PÚBLICOS. MULTA DO 475-J DO CPC. INCIDÊNCIA A PARTIR DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR POR NOTA DE EXPEDIENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. APLICAÇÃO DE MULTA. 1. Tendo em vista o nítido caráter infringente dos embargos de declaração e em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal, recebo-os como agravo regimental. 2. Compete ao STJ o exercício do segundo juízo de admissibilidade dos recursos especiais que lhe são dirigidos, de forma que, ultrapassada essa fase com exame do mérito recursal, afigura-se descabida qualquer impugnação nesse aspecto. 3. As certidões e documentos emitidos pelos serventuários da justiça gozam da presunção de fé pública, assim, é perfeitamente possível ao julgador o exercício do juízo de retratação para correção de erro material, a partir das informações nelas contidas.

26 Disponível em www.amatra20.org.br/amatrawi/arquivos/principiosartflavia.doc. Acesso aos 17/10/2012. 27 Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=688. Acesso aos 17/10/2012.

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4. Nos termos da jurisprudência mais recente firmada no STJ, o prazo de quinze dias para incidência da multa do artigo 475-J do CPC inicia-se da intimação, por nota de expediente publicada no nome do advogado do devedor, para o cumprimento de sentença. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento com aplicação de multa. (Processo: EDcl no AgRg no Ag 1255781 / SP. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009/0206083-2. Relator(a): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA STJ. Data do Julgamento: 15/05/2012. Data da Publicação/Fonte: DJe 18/05/2012).

4.7 – Rogação

Pelo princípio da rogação no direito registral, também conhecido como

princípio da instância, salvo algumas exceções, os procedimentos de registros

públicos somente se iniciam a pedido do interessado, geralmente verbal, e não

por ato de ofício do registrador.

A previsão desta regra se verifica pela dicção do art. 13, da Lei nº

6.015/73, vejamos:

Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro serão praticados: I - por ordem judicial; II - a requerimento verbal ou escrito dos interessados; III - a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar.

Quanto às exceções ao princípio, destacamos:

Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: (...) II - a averbação: (...) 13) ex officio, dos nomes dos logradouros, decretados pelo poder público. Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação: I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de: a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título; b) indicação ou atualização de confrontação; c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial; d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georeferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais; e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro; f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação; g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas;

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5. BIBLIOBRAFIA ARAÚJO, Petronio Baptista de. O imposto sobre a transmissão da propriedade. Trabalho realizado para o Instituto de Direito Público e Ciência Política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1954. BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado por Clovis Bevilaqua. Edição histórica. 6ª tiragem. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1940. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada: (Lei n. 8935/94) / Walter Ceneviva. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010. __________, Walter. Lei dos registros públicos comentada / Walter Ceneviva. – 20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil: teoria geral / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald. 9. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata notarial – doutrina, prática e meio de prova. São Paulo: Quartier Latin, 2010. FILHO, Nicolau Balbino. Registro de títulos e documentos: doutrina, legislação e prática. São Paulo, Atlas, 1977. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil esquematizado, volume I / Carlos Roberto Gonçalves. – São Paulo: Saraiva, 2011. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática / Luiz Guilherme Loureiro. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. REZENDE, Afonso Celso Furtado de. Tabelionato de notas e o notário perfeito / Afonso Celso F. Rezende e Carlos Fernando Brasil Chaves. – 6. ed. – Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. SIVIERO, José Maria. Títulos e documentos e pessoa jurídica – seus registros na prática. Incluindo modelos de notificações extra-judiciais. – São Paulo, Edição do Autor, 1983. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.