princÍpio da moralidade na adm pÚblica-nÃo efetivaÇÃo

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  • 7/29/2019 PRINCPIO DA MORALIDADE NA ADM PBLICA-NO EFETIVAO

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    DA NO-EFETIVIDADE DO PRINCPIOCONSTITUCIONAL DA MORALIDADE NA

    ADMINISTRAO PBLICA

    SUMRIO: 1. Normas jurdicas, sociais e morais - distino. 2. Natureza dasnormas jurdico-constitucionais. 3. Eficcia jurdica das normasconstitucionais. 4 Efetividade das normas constitucionais. 5. Princpio damoralidade na Constituio: norma jurdica de eficcia plena, que

    juridicizou a moralidade na administrao pblica. 6. No-efetividade doprincpio da moralidade na administrao pblica. 7. Corrupo eimoralidade: como combat-la, dando efetividade ao princpio damoralidade.

    1. Normas jurdicas, sociais e morais - distino.

    A norma jurdica se diferencia das normas moral e social, sendo que a doutrina,

    comumente, se utiliza de trs critrios para diferenci-las: o contedo, o criador da norma e

    o seu destinatrio (QUEIROZ, 1988:13/15).

    Na norma jurdica o contedo a conduta intersubjetiva, o criador o poder

    legislativo, que a institui de forma concentrada (de forma simplificada consideramos olegislativo como criador da norma jurdica e desprezamos a participao dos outros poderes

    na elaborao das leis), e o destinatrio toda a coletividade.

    Na norma social o contedo e o destinatrio se igualam ao da norma jurdica

    (no convvio social, as pessoas tambm elaboram normas destinadas a toda a coletividade,

    cujo contedo a regulao da conduta entre as pessoas), mas o criador diferente, posto que

    a norma social instituda de forma difusa, por todos os membros da coletividade.

    Quanto norma moral, se diferencia da jurdica e da social tanto no contedo

    (regular a conduta interna, ao invs da externa ou intersubjetiva) quanto no criador e no

    destinatrio. o prprio indivduo que a cria e a si prprio impe, enquanto nas normas

    jurdica e social o criador um terceiro (o legislativo ou todos os membros da coletividade) e

    os destinatrios so, na grande maioria, terceiros.

    Num Estado Democrtico de Direito, como o Brasil, as normas jurdicas e

    sociais devem regular tambm as condutas daqueles que as elaboram. Se em determinada

    coletividade uma norma social pode ser destinada somente aos outros, a exemplo do que

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    acontece na novela A Revoluo dos bichos, de George Orwel - em que os porcos, aps

    tomarem o poder dos humanos, passam a elaborar leis destinadas a todos os bichos com

    exceo dos prprios porcos -, nas democracias modernas a norma jurdica se destina a todos,que so iguais perante a lei.

    Destacamos que nem a norma moral nem a social possui a coercibilidade (no

    sentido de o que coercvel, o que pode ser reprimido, mas no necessariamente o ), que

    exercida de forma organizada pelo Estado. Como observa Miguel Reale, a coao no existe

    no mundo moral, que requer sempre a adeso espontnea do sujeito e no possibilita a

    execuo forada (REALE, 1990:685). A norma social, por sua vez, se descumprida pode

    ensejar apenas uma outra coercitividade (coao efetiva, em concreto), quase sempre

    desorganizada, que nem est a cargo do Estado nem institucionalizada.

    Como na prtica o Direito nem sempre se utiliza da coero, no a efetiva

    necessariamente, seja porque a norma jurdica cumprida espontaneamente, seja porque

    quando do seu descumprimento o Estado-juiz no atua (por falta de ao dos titulares do

    direito, por impossibilidade ftica etc.), o Direito, embora sempre coercvel, no

    necessariamente coercitivo. De igual modo, a norma jurdica.

    2. Natureza das normas jurdico-constitucionais.

    Toda e qualquer norma jurdica possui coercibilidade. Mesmo aquelas normas

    dirigidas aos legisladores e aparentemente sem sano especfica, tambm possuem

    coercibilidade. Afinal, se determinada norma constitucional desobedecida pelo legislador, a

    norma por ele produzida inconstitucional e deve ser expurgada do sistema jurdico, o que

    pode ser considerada sano. Basta no limitarmos a idia de sano a castigo, pena imposta a

    uma pessoa.

    Apesar da coercibilidade inerente a norma jurdica, comum ouvir-se,

    notadamente dos economistas, que a Constituio de 1988 est repleta de boas intenes,

    algumas delas impossveis de serem implementadas ou cumpridas. Aludem eles a

    determinadas normas de estrutura, presentes no s na nossa Constituio mas em muitas

    outras, que so dirigidas aos legisladores e no possuem uma sano especfica. A

    Constituio italiana, por exemplo, estabelece no seu art. 1 queLItalia una Repubblicademocratica, fondata sul lavoro.

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    Normas dessa espcie, ditas de estrutura ou de competncia, so dirigidas

    quase sempre ao legislador e regulam o modo como devem ser produzidas as normas de

    comportamento. Dito de outra forma: as normas de estrutura regulam o modo de produo deoutras normas (BOBBIO, 1997:45). Diferem das normas de comportamento no que estas

    estabelecem sano mais especfica e so dirigidas diretamente conduta humana, regulando-

    a numa das trs modalidades denticas (obrigatria, proibida ou permitida).

    Exemplo de norma de estrutura por alguns considerada incua a do art. 3,

    inciso IV da Constituio, segundo a qual um dos objetivos da Repblica Federativa do Brasil

    erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Se

    analisada superficialmente, essa norma parece desprovida de valor jurdico, havendo autores,

    estrangeiros e nacionais, que lhe negam o carter de imperatividade prprio do direito

    (BARROSO, 1996:77). Azzariti, segundo Jos Afonso da Silva, afirmou que normas desse

    tipo ditas diretivas, em oposio s normas preceptivas, ou diretriase mandatrias, na

    nomenclatura empregada pela doutrina norte-americana (SILVA, 1999: 79) se limitam a

    indicar uma direo e, no sendo verdadeiramente normas jurdicas, poderiam ser

    desobedecidas pelo legislador, sem violar a constituio. (AZZARITI, 1951:98, apud

    SILVA, 1999:48).

    A classificao das normas constitucionais em diretivas e preceptivas, bem

    como a tese de que somente estas seriam cogentes, mas as primeiras no, est hoje superada.

    A idia de que numa constituio podem estar contidas normas no jurdicas e que poderiam

    ser desprezadas pelo legislador no se coaduna com a grande maioria das constituies

    contemporneas, que, a exemplo da do Brasil, rgida. Somente pode ser acatada tal idia se

    mantida a concepo sociolgica de Ferdinand Lassale, para quem a constituio de uma pas

    , em essncia, a soma dos fatores reais do poder que regem nesse pais, sendo esta aconstituio real e efetiva, no passando a constituio escrita de uma folha de papel

    (SILVA, 1990:38).

    A concepo de Lassale contribui sobremaneira para a no realizao da

    segurana jurdica, pois deixa em aberto a questo de no se saber quando a constituio no

    papel coincide com a efetiva. Jos Afonso da Silva indaga: a quem cabe aferir tal

    coincidncia ao legislativo, ao executivo ou ao judicirio? (SILVA, 1990:94).

    Rejeitamos a idia de que na Constituio existam normas sem sano. O que

    se tem so normas constitucionais no-eficazes (eficcia social ou efetividade, conforme

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    veremos adiante), em que a sano no aplicada. A no aplicao, todavia, no se

    confunde com a simples inexistncia. A sano muitas vezes no aplicada porque,

    diferentemente do direito penal ou civil, por exemplo, em que as sanes so as penas ou aexecuo civil, no direito constitucional a sano tambm poltica (impeachment, perda dos

    direitos polticos, etc.) ou ento a decretao de nulidade da norma emanada do legislativo, no

    caso de incompatibilidade com a norma de estrutura constitucional. No mbito do direito

    tributrio h inmeros exemplos de decretaes de inconstitucionalidade de leis, no que se

    constituem em sano efetivamente aplicada.

    Alm de sancionadoras, todas as normas assentes na constituio tm natureza

    de normas jurdicas e so cogentes, cabendo atentar para a lio de Ruy Barbosa, no sentido

    de que no h, numa Constituio, clusula a que se deva atribuir meramente o valor moral

    de conselhos, avisos ou lies. Todas tm fora imperativa de regras, ditadas pela soberania

    nacional ou popular aos seus rgos. (SILVA, 1999:75).

    3. Eficcia jurdica das normas constitucionais.

    A norma jurdica, obtida a partir da interpretao dos textos do direito positivo(enunciados prescritivos) e destes diferenciados porque a significao desses textos

    (CARVALHO, 1993:7), pode ser analisada a partir de vrios planos, seqenciados. O plano

    da existncia - a norma existe aps a publicao, antecedida do processo legislativo e da

    sano do Executivo; o da validade a norma vlida se o processo legislativo transcorreu

    dentro da legalidade e foi editada por rgo competente, nos limites de sua competncia

    (contedo material) e com obedincia aos requisitos materiais e formais pr-estabelecidos no

    ordenamento jurdico; o da vigncia norma vigente aquela que est apta a produzir efeitos,pode incidir sobre os fatos, juridicizando-os; e finalmente, o da eficcia, que a incidncia

    da norma e no se confunde com a vigncia porque esta indica a possibilidade de incidir,

    enquanto aquelaj realidade, incidncia concreta.

    At o plano da vigncia, tem-se a norma incidvelsobre o fato, este ainda no

    juridicizado; aps a eficcia tem-se a norma jincidente sobre o fato, agorajjuridicizado

    (fato jurdico). A incidncia concreta, que est ligada aplicabilidade da norma

    independentemente decomo os efeitos jurdicos se do se de forma efetiva ou no - aquitratada como eficcia jurdica. A questo de se saber como se processaram os efeitos

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    jurdicos se de forma mais efetiva, com maior realizao do Direito, mais desempenho

    concreto de sua funo social, ou no (BARROSO, 1996:83) -, diz respeito eficciasocial

    ou efetividade, tratada no tpico seguinte.

    Eficcia jurdica toda norma constitucional tem, posto que cada uma sempre

    executvel por si mesma at onde possa, at onde seja possvel sua execuo (SILVA,

    1999:76), cabendo apenas indagar quais os limites dessa execuo.

    Inicialmente a doutrina norte-americana classificou as normas constitucionais,

    quanto eficcia jurdica, em self-executing (auto-executveis, auto-aplicveis ou bastantes

    em si) e not self-executing(no auto-executveis, no auto-aplicveis ou no-bastantes em si).

    As primeiras com eficcia jurdica plena e aplicao imediata porque regulando diretamente

    as matrias, e as segundas com eficcia jurdica limitada porque dependentes de outras

    normas infraconstitucionais, pelo que de aplicao mediata.

    Jos Afonso da Silva, considerando que no h norma constitucional alguma

    destituda de eficcia (SILVA, 1999:81), julga insuficiente a diviso bipartite acima e prope

    a sua diviso tricotmica.

    Esta identifica, ao lado das normas de eficcia plena, aptas a produzirem todosos seus efeitos por si ss, j que o constituinte editou desde logo uma normatividade

    completa, mais dois grupos, aqui empregando-se a nomenclatura proposta por Maria Helena

    Diniz (DINIZ, 1998:113): o das normas constitucionais de eficcia restringvel, que podem

    ter a eficcia jurdica contida (e no necessariamente a tem, como d a entender o termo

    contida, empregado por Jos Afonso), a depender da legislao infraconstitucional

    superveniente ou ainda de determinadas circunstncias postas na prpria norma (estado de

    stio, por exemplo); e o grupo das normas constitucionais de eficcia jurdicacomplementvel ou dependente de complementao, cuja eficcia jurdica a menor de

    todas, dado que o legislador constituinte estabeleceu uma normatizao cuja eficcia plena

    depende da legislao infraconstitucional.

    Maria Helena Diniz emprega uma imagem que permite visualizar com clareza

    a diferena entre as normas de eficcia plena, restringvel e complementvel (DINIZ,

    1998:113). a de dois crculos para cada um dos trs grupos de normas, sendo o primeiro

    crculo correspondente ao instante da entrada em vigor da Constituio, e o segundocorrespondente a um tempo posterior, aps editadas as leis que restringem a eficcia jurdica

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    das normas do tipo restringvel ou completam a do tipo complementvel. Para o grupo das

    normas de eficcia plena o tamanho do crculo permanece o mesmo, a eficcia no se altera;

    para as normas de eficcia restringvel, o crculo decresce e aps editadas as novas leis torna-se menor, isto , a eficcia jurdica diminuiu; finalmente, no caso das normas de eficcia

    complementvel, d-se o contrrio: o crculo crescente e, aps as novas leis que

    complementam a norma constitucional, torna-se maior, representando a eficcia jurdica que

    aumentou.

    Ressaltamos que mesmo as normas de eficcia jurdica complementvel

    possuem uma eficcia mnima a partir da vigncia. Neste grupo esto inseridas as chamadas

    normas constitucionais programticas, vinculadas disciplina das relaes econmico-

    sociais, a exemplo dos art. 170, caput, e do art. 193 da Constituio, que mencionam ajustia

    social como fim a ser alcanado. Tais normas, na verdade, tm importncia, pois procuram

    dizerpara onde e como se vai, buscando atribuirfins ao Estado (SILVA, 1999:141). Assim,

    se a Constituio brasileira prescreve para a ordem econmica a justia social, e esta no pode

    se realizar com a concentrao de renda existente no Brasil, a nossa tributao no pode ser

    neutra, como advogam os arautos do neoliberalismo. Em obedincia ao ditame constitucional,

    o legislador deve (ou deveria, porque no o faz) complementar as normas constitucionaismencionadas acima com leis que permitissem obter, via tributao, uma melhor distribuio

    de renda.

    4. Efetividade das normas constitucionais.

    Na lio de Miguel Reale, sob a perspectiva da teoria tridimensional do

    Direito, a norma uma integrao de fatos segundo valores (REALE, 1993:510), ou seja, anorma valoriza fatos sociais. No se pode esquecer desta lio, sob pena de transformar-se o

    Direito numa dogmtica estril e intil. Por outro lado, o Direito existe para realizar-se

    (BARROSO, 1996:85). Mas realizar-se como? Efetivando os valores contidos nas normas,

    a resposta.

    Para a efetivao dos valores, carece que a norma tenha eficcia social,

    expresso sinnima de efetividade. Enquanto eficciajurdica diz respeito aplicabilidade

    da norma, eficciasocialrequer aplicabilidade com os resultados nela prescritos.

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    Quando determinada conduta prescrita numa norma (por exemplo: recolher

    aos cofres pblicos o imposto sobre a renda retido dos empregados) sempre observada,

    todos se conduzem conforme a prescrio, tal norma efetiva. Neste caso, a norma est sendoaplicada sem a necessidade de emprego da sano prevista para a conduta oposta (no

    exemplo, o no recolhimento do valor retido). Do mesmo modo, se, quando algum adota a

    conduta oposta (no-recolhimento do valor retido), h a aplicao da sano (cobrana de

    multa, que depois da cobrana judicial efetivamente paga), a norma mais uma vez est tendo

    efetividade. De outro modo, se o contribuinte retm o valor e no paga, a multa aplicada

    mas a cobrana judicial no logra xito (por morosidade do Fisco, por exemplo) e o valor no

    recolhido, tem-se a aplicao da norma e eficcia jurdica (a norma incidiu), mas noeficciasocial (a norma no produziu os resultados esperados).

    Kelsen, quando trata da diferena entre vigncia (para ele igual a validade) e

    eficcia, se refere a uma norma que nunca e em parte alguma aplicada e respeitada, isto ,

    uma norma como costuma dizer-se (que) no eficaz em uma certa medida... (KELSEN,

    1987:11). Tal norma no tem efetividade, o que Kelsen chama simplesmente de eficciae

    conceitua como o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstncia de

    uma conduta humana conforme norma se verificar na ordem dos fatos. (KELSEN,1987:11).

    De modo similar, Luz Roberto Barroso afirma que a efetividade representa a

    materializao, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza e aproximao, to

    ntima quanto possvel, entre o dever-ser normativo e o serda realidade social.

    5. Princpio da moralidade na Constituio: norma jurdica de eficcia plena, quejuridicizou a moralidade na administrao pblica.

    O princpio da moralidade na administrao pblica est prescrito no art. 37 da

    Constituio Federal, cuja dico a seguinte (redao dada pela Emenda Constitucional n

    19/1998, que acrescentou o princpio da eficincia): A administrao pblica direta e indireta

    de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios

    obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia.

    Com o artigo acima, a moralidade na administrao pblica foi juridicizada, o

    que era simples norma moral passou a ser norma jurdica. Integrando o direito positivo em sua

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    lei maior, a moralidade deve ser necessariamente obedecida por todos da administrao

    pblica, no cabendo mais invocar-se a diferena entre moral e direito.

    Moral o que tico, razovel, justo; legal, o que est na lei, positivado, consta

    da legislao. Tal diferenciao no serve mais de pretexto para no se atuar com tica na

    administrao pblica brasileira. Se h desrespeito moralidade no mbito da administrao

    pblica, tem-se a no-efetividade do princpio constitucional, e no a ausncia de eficcia

    jurdica. Esta, como visto no item 3, inerente a qualquer norma jurdico-constitucional,

    enquanto a efetividade depende dos resultados concretos, a partir da aplicao (ou no) da

    norma jurdica.

    O princpio no constava das Constituies anteriores. Na de 1967, o que se

    tinha era apenas a possibilidade de lei complementar estabelecer os casos de inelegibilidade,

    considerada a vida pregressa do candidato e a moralidade para o exerccio do mandato (art.

    151, IV, com a redao da Emenda Constituio n 8, de 1977). Antes da Constituio de

    1967, a moralidade foi mencionada no texto constitucional outorgado pelo Presidente da

    Repblica Getlio Vargas em 1937, noutras circunstncias totalmente distintas da atual. Na

    Carta de 1937, estava dito que a lei pode prescrever medidas para impedir as manifestaes

    contrrias moralidade pblica e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas

    proteo da infncia e da juventude. Como se v, nada tinha a ver com a imposio da

    moralidade na administrao pblica.

    Muito diferente acontece na Constituio de 1988, que alm do art. 37, acima

    transcrito, ainda prev no seu art. 5, inciso LXXIII, que qualquer cidado parte legtima

    para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de

    que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio

    histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do

    nus da sucumbncia.

    Empregando a classificao exposta no tpico 3, retro, o princpio da

    moralidade inserido no art. 37 da Constituio de 1988 se classifica como norma jurdica de

    eficcia plena. No necessita, pois, de outra norma infraconstitucional. Cabe administrao

    pblica obedec-lo, em todos nveis da Federao (Unio, Estados, Distrito Federal e

    Municpios) e em todos os rgos pblicos, incluindo os da administrao indireta

    (autarquias, fundaes mantidas ou institudas pelo poder pblico, empresas pblicas e

    sociedades de economia mista).

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    6. No-efetividade do princpio da moralidade na administrao pblica.

    Embora certo que a administrao pblica brasileira deve obedincia

    moralidade, em face do mandamento constitucional, tambm verdade que no dia-a-dia h

    imenso desrespeito pelo princpio.

    Atitudes comuns na administrao pblica, como o emprego de parentes

    (nepotismo), o jeitinho ou o favorecimento de amigos (mediante informaes ou

    atendimentos privilegiados, por exemplo), implicam no desrespeito moralidade e nosmostram que o princpio no aplicado, ainda, com a efetividade necessria.

    No meio poltico, inclusive, grassam as manobras visando driblar a moralidade.

    Como exemplo maior, que em vez de dar mais efetividade ao princpio constitucional fez foi

    mitig-lo, citamos a Lei Complementar n 64/1990, editada em razo do art. 14, 9 da

    Constituio, que informa o seguinte (negrito acrescentado):

    9 Lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os

    prazos de sua cessao, a fim de proteger a probidade administrativa, a

    moralidade para exerccio de mandato considerada vida pregressa do

    candidato, e a normalidade e legitimidade das eleies contra a influncia do

    poder econmico ou o abuso do exerccio de funo, cargo ou emprego na

    administrao direta ou indireta. (Redao dada pela Emenda Constitucional

    de Reviso n 4, de 1994)

    Pois bem: a Lei Complementar n 64/1990 s impede a candidatura daqueles

    que tm condenao criminal, cvel ou no mbito da Justia Eleitoral transitada em julgado.

    Com a exigncia de que o processo tenha findo, admite a candidatura de inmeras pessoas

    que respondem a inmeros processos. Cabe indagar, ento: ser que ao menos alguns desses

    candidatos atendem moralidade? Cremos que no! Para ns a anlise devia ser feita caso a

    caso, como tentou o Tribunal Superior Eleitoral do Rio de Janeiro, sendo que ao se constatar

    muitos processos ou a condenao em tribunais superiores devia haver o impedimento

    candidatura. Como isso, no se pretende transformar rus em condenados, mas sim zelar pela

    moralidade, cujo desrespeito nem sempre advm da prtica de crimes. Para se atuar no campo

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    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/ECR/ecr4.htm#art1http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/ECR/ecr4.htm#art1http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/ECR/ecr4.htm#art1http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/ECR/ecr4.htm#art1
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    da imoralidade, basta que haja, por exemplo, desonestidade ou defesa de interesses

    privados, em detrimento do interesse comum.

    7. Corrupo ou imoralidade: como combat-la, dando efetividade ao princpio damoralidade.

    Demonstrado que o princpio constitucional da moralidade norma de jurdica

    eficcia plena, cuja efetividade, todavia, est aqum do desejvel, se faz necessrio olhar a

    prtica da administrao pblica brasileira e propor algumas medidas que, sendoimplementadas, com certeza contribuiro reduziro a corrupo ou imoralidade.

    Corrupo o comportamento que se desvia dos deveres de uma funo

    pblica, devido a interesses privados (pessoais, familiares, de grupo social). sempre imoral

    e, muitas vezes, ilegal. Da se confundir com imoralidade. Para combat-la, ao menos as

    seguintes medidas so necessrias:

    - publicidade (inclusive prestao de contas via internet);

    - vigilncia da sociedade e denncias, quando necessrias;

    - atuao independente do ministrio pblico;

    - atuao do Judicirio com mais ateno moralidade, sem se restringie

    estrita legalidade;

    - julgamentos menos demorados;

    - avaliao peridica e objetiva de todos os servios e servidores pblicos;

    - proibio, aos servidores pblicos, de atuao ora no exerccio do cargo ou

    funo pblica, ora no setor privado, quando licenciados (so os chamados anfbios);

    - servidores concursados e estveis, valorizados em funo de mrito

    (meritocracia) e no apenas do tempo de servio, como si acontecer;

    - reduo dos comissionados;

    - auditorias internas e externas;

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    - elaborao e divulgao de cdigos de tica nos rgos pblicos e

    implantao das comisses de tica;

    - divulgao da lista suja dos candidatos a cargos eletivos;

    - vedao ao nepotismo, a comear pela fiel obedincia Smula Vinculante

    do Supremo Tribunal Federal;

    - mais discusses, debates e divulgao em torno do princpio constitucional da

    moralidade, como fez o PROJETO LEGAL.

    BIBLIOGRAFIA

    BARROSO, Lus Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Limites epossibilidades da Constituio Brasileira. Rio de Janeiro, Renovar, 1996.

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