princípio biocêntrico e diversidade: fazer ninhos, falar ... · mariana descreve mais ou menos...

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Venina Lígia (Niná) de Castro Princípio Biocêntrico e Diversidade: fazer ninhos, falar de amor e cuidados no cotidiano Belo Horizonte 2008

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Venina Lígia (Niná) de Castro

Princípio Biocêntrico e Diversidade:

fazer ninhos, falar de amor e cuidados no

cotidiano

Belo Horizonte

2008

INTERNATIONAL BIOCENTRIC FOUNDATION

ESCOLA DE BIODANZA SISTEMA ROLANDO TORO DE BELO HORIZONTE

DiretoraLiliana Viotti

Princípio Biocêntrico e Diversidade:

fazer ninhos, falar de amor e cuidados

no cotidiano

Monografia apresentada para obtenção do título de Professora de Biodanza

AlunaVENINA LÍGIA (NINÁ) DE CASTRO

OrientadorNiuvenius Junqueira Paoli

Facilitador Didata

Belo Horizonte – 2008

Fruto de um sonho muito sonhado esta

monografia é dedicada a mim mesma que,

amorosamente abri o coração e, de corpo e alma,

dediquei-me a ela.

AGRADECENDO

Ao Márcio Dayrell, por me levar ao encontro da Biodanza.

À Liliana, por permitir fazer crescer em mim um sonho e torná-lo realidade.

Ao Niuvenius que, como Orientador, conduziu-me de maneira brilhante desde a

formulação das primeiras idéias até a finalização desta monografia; como Colega,

compartilhou conversas e mais conversas de amor à Biodanza, mas o mais bonito de tudo,

como Facilitador sempre disponível, tomou minha mão e ensinou-me sobre amor e cuidado.

Aos funcionários da empresa PAX, participantes do programa Gestão da

Diversidade, por me favorecerem viver tanto aprendizado e beleza.

A Dennis, Camila e Geísa, pela simples paciência e convivência amorosa.

E, sobretudo a Rolando Toro, pelo presente doado à humanidade.

Todos somos um

A força que nos conduz é a mesma que acende o sol, que

anima os mares e faz florescer as cerejeiras.

A força que nos move é a mesma que estremece as sementes

com sua mensagem imemorial de vida.

A dança gera o destino sob as mesmas leis que vinculam a

flor à brisa.

Sob o girassol de harmonia todos somos um.

Rolando Toro

Princípio Biocêntrico e Diversidade:

fazer ninhos, falar de amor e cuidados no cotidiano

CONTANDO UMA HISTÓRIA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 7CAPITULO UM: COMEÇANDO A HISTÓRIA................................................................ 10CAPÍTULO DOIS: COMEÇANDO A MONOGRAFIA.....................................................17CAPITULO TRÊS: FALANDO DE DIVERSIDADE E PRINCÍPIO BIOCÊNTRICO.....20CAPITULO QUATRO – FALANDO SOBRE O CUIDADO ............................................ 30CAPITULO CINCO – FAZENDO E ACONTECENDO.................................................... 41CAPITULO SEIS - COLHENDO RESULTADOS............................................................. 47CAPITULO SETE: FINALIZANDO A HISTÓRIA...........................................................51REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................54ANEXO ................................................................................................................................55

INTRODUÇÃO

CIRANDANDO

Vou celebrando

a vida,

num encontro de muitos.

Niná Lígia

A Biodanza entrou na minha vida de maneira forte e se instalou de vez...

Logo nos primeiros contatos provocou alterações metabólicas em meu organismo.

Daí foi ampliando seu espaço de atuação: sensibilidade aflorada, percepção apurada,

consciência ampliada e, sobretudo, afetividade resgatada. Do “eu perdido” na

incredulidade, fui transformando, percebendo-me, percebendo o outro e o universo através

de um novo olhar. Aos poucos fui abrindo meu coração, desmontando minha guarda e

conhecendo a magia de um abraço, a profundeza do toque, a força do olhar, a sutileza da

troca, a multiplicidade das sensações, a força da emoção, a sacralidade da vida e o mais

bonito, a inteireza do encontro.

Assim, com todo este poder transformador, a Biodanza mostrou que chegou para

ficar. Houve idas e vindas, mas nunca o vínculo foi interrompido. Sempre se manteve na

essência. Nos meus momentos de maior fragilidade e vulnerabilidade, voltava ao grupo e lá

era acolhida num colo afetivo e restaurador. Hoje ela se instalou de vez. Num processo de

constante reaprendizagem, caminho pelo labirinto... Avançando e evoluindo. Continuar e

aprimorar-me cada vez mais é o meu desejo.

Biodanza é o caminho. Sempre!

Pela riqueza de minha vivência, desde que faço Biodanza, venho tentando também

fazer a Formação de Facilitadores, com o intuito de levar para meus grupos de trabalho esse

poderoso instrumento transformador. Agora, concluído finalmente o curso, estou em fase

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de monografia para titulação. Desde que comecei a formação tinha como tema escolhido -

“As questões éticas na Biodanza”. Por quê?

Para buscar entender a incoerência existente entre, por um lado a força e o poder da

Biodanza enquanto sistema de autoconhecimento e autodesenvolvimento, norteando a roda

da vida que gira sempre em busca de renovação de mais vida; e de outro lado os

desencontros gerados nesse mesmo sistema enquanto Instituição, oriundos de disputas

internas e práticas egóicas de alguns de seus componentes.

Pergunto-me: O que norteia as escolhas existenciais destas pessoas pela Biodanza?

Onde está a ética da vida e do coração de cada uma delas? Se a Biodanza se fundamenta no

Princípio Biocêntrico e considera como núcleo integrador a afetividade, como alguns de

seus integrantes/praticantes se deixam inflar pelo ego, pelo poder e vaidade e com isso

promovem conflitos e desencontros? Será que compreendem a missão da Biodanza no

universo?

Ruth Cavalcante – didata especialista em Educação Biocêntrica - conta que sua filha

Mariana descreve mais ou menos assim este episódio em seu livro: “Na biodanza tem amor,

tem afeto, abraços, celebração e beleza, mas tem também confusão”. Interessante é que, a

despeito de toda essa confusão, dos egos inflados e disputas internas, o movimento

Biodanza segue com a leveza que lhe é peculiar e cresce cada vez mais, expandindo-se pelo

mundo, germinando amor no coração das pessoas, promovendo a redescoberta de valores

primordiais e favorecendo encontros cada vez mais amorosos e constituintes.

Por acompanhar este movimento e deixando a vida fluir, alguns motivos me fizeram

repensar o tema da monografia. De um lado me dei conta de que não valia a pena me

ocupar disso que chamo de incoerência, pois na verdade “a confusão” não repercute nos

benefícios que a Biodanza trás às pessoas. Por um outro, por força de minhas atividades

profissionais, me encontro atualmente, envolvida nas questões sobre Diversidade. A

riqueza deste trabalho, a repercussão e o retorno obtido nas empresas onde venho atuando,

me levaram a ver aí a possibilidade de amorosamente, abraçar este tema e fazer dele minha

Monografia.

Falar de diversidade é falar da própria vida em toda sua amplitude e falar de vida é

falar do Princípio Biocêntrico. Falar de diversidade é falar da Ética da vida que é a tônica

do Princípio Biocêntrico. Portanto não mudei o tema, somente mudei o foco e escolhi falar

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sobre: “Princípio Biocêntrico e Diversidade: fazer ninhos, falar de amor e cuidados no

cotidiano”.

O objetivo deste trabalho é mostrar a importância do Princípio Biocêntrico no

entendimento e prática da Diversidade e Inclusão nas Organizações, compartilhar a minha

experiência e contribuir na construção de procedimentos de aplicação deste tema.

Que essa experiência seja acolhida por quem estiver à procura da grandeza que se

constitui quando a Diversidade encontra o Princípio Biocêntrico e juntos, conduzem a

quem quiser experimentar trilhar este novo caminho a chegar, invariavelmente ao coração –

lugar de morada do nosso Ser.

Um outro motivo me levou também a escolher este tema. É que ainda não vi

nenhuma outra monografia que abordasse o cuidado nas diferenças.

Daí pensei, por que não abraçar essa oportunidade e fazer a diferença?

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CAPITULO UM: COMEÇANDO A HISTÓRIA

AQUI

De repente me emocionei.

Não sei...

Penso ser de felicidade!

Niná Lígia

Em janeiro de 2006, dois anos depois de ter sido convidada a fazer parte do grupo

de consultores do IGB (nome fictício por questões de confidencialidade), finalmente fui

solicitada a apresentar uma proposta de trabalho para um programa cativante e envolvente:

“Gestão da Diversidade”. Seu objetivo: contribuir para o estabelecimento de um novo

paradigma no entendimento sobre questões relativas à diversidade, à necessidade de se

trabalhar a igualdade, além de ajudar na redução de preconceitos.

Este programa veio da necessidade da PAX (nome fictício), empresa cliente do IGB

se adequar ao novo contexto social e político do país que fala da importância de

desenvolver em cada um de nós a consciência igualitária para aprender sobre semelhanças e

diferenças. A partir deste novo paradigma a PAX espera contar com colaboradores cada vez

mais humanos e que saibam sobretudo respeitar as diferenças de seus pares, chefes,

colaboradores e parceiros e ajudem na construção de um país mais justo, generoso e

fraterno.

Mas dentre tantos consultores já atuantes no IGB, o que os levou a me buscar para

tal programa? Segundo eles, por constar em meu currículo, dois itens diferenciadores: ter

especialização em Pensamento Sistêmico e ser Contadora de Histórias.

Ser lembrada por ter especialização em Pensamento Sistêmico realmente faz

sentido, pois este curso foi marcante em minha trajetória de vida pessoal e profissional.

Depois que comecei a estudá-lo, além de ter sido um divisor de águas na minha vida,

passou a ser também o referencial teórico de meus trabalhos. Entender que tudo tem dois

lados; entrar em contato com a física quântica; ampliar meus horizontes de ver, sentir,

pensar e agir; saber que tudo que existe e é vivo no universo está aí por uma razão de ser;

perceber que todo mundo tem razão, inclusive o outro que pensa diferente de mim; ver que

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as relações humanas vão muito além do conceito de “certo e errado”; ir além do tempo e

espaço; entender de premissa, contexto e interação, mais e mais, fizeram com que eu desse

um salto qualitativo na vida – diria o primeiro salto na busca de uma consciência mais

ampliada.

Até então, vivia muito no aqui e agora, não por viver a intensidade do momento

presente, mas sim por viver numa dimensão de pouca ou nenhuma conexão com o sentido

maior da vida, a razão de ser de nossa existência. Vivia numa dimensão de pouca visão do

passado enquanto referência de aprendizados e muito menos uma visão de futuro projetada

dentro de minhas escolhas existenciais. O sentido de vida para mim era mais ou menos

assim: vivo porque nasci e se nasci tenho que viver. Era assim como: nascer, viver e

morrer; dormir, acordar, trabalhar e dormir novamente para recomeçar na mesmice. Esse

era para mim, o ciclo natural da vida e, permeando este ciclo, as pessoas, os ambientes e os

vários papéis exercidos por todos no grande palco existencial que é a vida. Tudo dentro do

concreto, do palpável, previsível, esperado e planejado. Nunca havia passado por grandes

privações ou provações. Nunca havia experimentado grandes desafios ou vivido grandes

experiências. Minha vida até então transcorria absolutamente dentro da “mornice”: era tudo

morno, nem altos nem baixos, nem muito nem pouco, nem muito sofrer nem muito curtir.

Tudo dentro dos padrões da normalidade imposto por uma educação cheia de exigências e

regras de “boa convivência”.

Todavia, acredito que, ainda que inconscientemente, dentro de mim alguma

inquietação já estava instalada e me garantiu estar atenta ao momento de mudança. Deve ter

sido por isso que aceitei o convite do Márcio Dayrell para começar o curso de Pensamento

Sistêmico.

FOI ASSIM...

Caminhando por dentro de mim,

descobri trilhas

de possibilidades!

Niná Lígia

Aquela velha história: Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece.

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Márcio Dayrell é meu guru, mestre, orientador, iniciante, amigo de fé e de crenças

desde meu tempo de ainda estudante de Psicologia. Na sua disponibilidade de pessoa plena

em compartilhar vida e amor, mais uma vez me tomou pelas mãos e encaminhou-me para o

contato com Zélia Nascimento no curso de Pensamento Sistêmico. No momento certo,

descortinou em mim o processo de transformação, de saber que a vida era mais... Muito

mais do que aquilo que vivia até então.

A partir daí, estar atenta aos sinais e passar a viver sob outro patamar, repensando e

absorvendo novos valores e, sobretudo assumindo novas posturas frente à vida e às pessoas,

passou a ser o meu referencial de vida. Daí para frente as mudanças foram ocorrendo

naturalmente. E assim fui evoluindo, atenta à vida e ao TODO, conhecendo coisas novas,

inclusive a Biodanza (também me apresentada pelo Márcio). Aprendendo comigo mesma,

com o outro e com a vida e ampliando meu universo de atuação, até chegar onde estou

reconhecidamente desejosa e capaz de mostrar às pessoas o descortinar de novos horizontes

e as várias possibilidades de transformação existentes em nós.

A PAX investe muito no desenvolvimento comportamental de seus colaboradores e

para este programa – Gestão da Diversidade, também comportamental, a solicitação era

para uma proposta diferente de todas as outras desenvolvidas até então, com conteúdo e

dinâmicas absolutamente inovadoras. Dentro deste contexto e pautada no Pensamento

Sistêmico, desenhei uma proposta diferenciada e reflexiva, que permitisse pensar no

momento de grandes turbulências pelo qual passamos que exige ousar nos

questionamentos dos nossos repertórios de convicções, repensar a postura existencial e as

nossas crenças e atitudes. O que significa percorrer um outro caminho e adentrar em

mundos e em premissas até então desconhecidas, rompendo os limites da familiaridade, dos

hábitos e dos padrões culturalmente dominantes. Procurei também desenhar uma proposta

que levasse a uma melhor compreensão da natureza humana e, sobretudo fizesse com que

os corações batessem mais forte no peito de cada participante. A proposta foi aprovada pelo

setor de Recursos Humanos e ficamos aguardando os procedimentos legais e estruturais

para a execução do projeto.

Seis meses se passaram...

Neste intervalo, fazendo a formação em Biodanza, passei pela maratona de

Educação Biocêntrica com Ruth Cavalcante.

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NA EDUCAÇÃO BIOCÊNTRICA

Vivo eu,

trocamos nós,

pulsa o universo.

Niná Lígia

A proposta da Educação Biocêntrica nos fala em um repensar da educação que

ajude as pessoas a aprenderem e conviverem, tendo como ponto de partida o respeito à vida

e a convivência amorosa; e como método, um enfoque reflexivo e vivencial - o de se

aprender não apenas pelo cognitivo, o intelecto, mas, sobretudo através das emoções, dos

sentimentos, das sensações e da intuição. Sendo ela uma proposta de uma educação

centrada na vida, necessário se faz estar conectado com o “viver de cada dia” e “sentir a

vida com expressão existencial”. A Educação Biocêntrica objetiva a expressão da

identidade (eu me identifico através da minha relação com o outro e com a totalidade) e a

constituição da autonomia através de um processo de dentro para fora.

Neste contexto, vislumbra-se uma educação onde não cabe a competição

individualista, mas que dá espaço para todos e no qual as pessoas são reconhecidas e

valorizadas. A Educação Biocêntrica cria assim, condições para o desenvolvimento das

potencialidades instintivas, estimuladas pela vinculação com a vida, que é exatamente a

expressão do ser. Rolando Toro faz a seguinte referência à Educação Biocêntrica: “A

imagem do homem proposta pela educação biocêntrica é do homem relacional, ecológico e

cósmico. A Educação Biocêntrica parte de um novo paradigma das Ciências Humanas, que

é o Princípio Biocêntrico, cujo objetivo é a conexão com a vida e utiliza como mediação o

Sistema Biodanza, através do qual se expressam os potenciais genéticos de vitalidade,

sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência. Este sistema utiliza a integração da

música- movimento- vivência como estrutura metodológica. Creio que chegou a hora de

dar à educação uma abordagem que não seja culturalista e sim orientada para a

sobrevivência e o restabelecimento das funções originárias de vida. A partir do Princípio

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Biocêntrico, penso que a educação deve cultivar as funções que regulam o sistema vivente

humano e permitem sua evolução” (Cavalcante, R. 2001, pág.45).

Rolando Toro propõe ainda que a educação biocêntrica crie mecanismos para

desenvolver a inteligência afetiva quando afirma: “Na realidade, a inteligência forma parte

de todas as nossas funções e de nossa história existencial. Pensamos não só com o cérebro,

mas com todo o nosso corpo... Penso que o fator permanente que integra e dá estrutura à

inteligência como função global é a afetividade... A inteligência afetiva não é um tipo

especial de inteligência. Todas as formas diferenciadas de inteligência: motora, espacial,

mecânica, semântica, social, etc. têm uma fonte comum: a afetividade” (Toro R., Apostila

do módulo de Educação Biocêntrica, pág. 5).

Essa maratona de Educação Biocêntrica foi para mim outro divisor de águas. A

partir dela mudei todo o contexto existencial de minha atuação profissional e pude re-

significar meu trabalho por inteiro. Há algum tempo vinha caminhando insatisfeita e

muitas vezes até infeliz com o meu trabalho e minha forma de atuar. Questionando muito o

que vinha fazendo, em alguns momentos de angústia, senti vontade de desistir e partir para

uma coisa nova. A Educação Biocêntrica na sua proposta de desenvolvimento do indivíduo

pelo desenvolvimento de sua inteligência afetiva, trouxe-me respostas diferenciadas. Nesta

maratona, vi com clareza a necessidade de mudança de paradigma e então tudo mudou.

A prática da Educação Biocêntrica exige uma nova maneira de ver o mundo e uma

mudança existencial de paradigma onde é imprescindível abandonar os conceitos e atitudes

antropocêntricas buscando assumir a vida como valor supremo - fundamento do Princípio

Biocêntrico.

O real entendimento sobre a sacralidade da vida, sobre o desenvolvimento

otimizado dos potenciais de vida e expressão de tudo isso numa identidade relacional e

amorosa foi o “clic”, aquilo que faltava para que eu encontrasse o “sentido” em tudo o

que, profissionalmente, vinha fazendo até então.

Aqui, com certeza, dei meu segundo salto qualitativo.

Caetano Veloso foi feliz quando disse “é engraçado a força que as coisas parecem

ter quando elas precisam acontecer”. Já tinha feito a maratona de Princípio Biocêntrico há

um tempo, além de fazer Biodanza há muito mais, mas só agora, com a Educação

Biocêntrica tomei consciência do seu significado e sentido. É... Realmente a vida é sagrada

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e se manifesta nas mais variadas formas e, especialmente na hora adequada para quem sabe

respeitá-la e vivê-la.

Coincidentemente, logo após esta maratona, em Julho de 2006, saiu a aprovação

para realização da proposta “Gestão da Diversidade”. E ao ser chamada para efetivação do

trabalho, depois de toda transformação descrita acima, o que apresentei foi um programa

totalmente novo, pois o anterior já não fazia mais sentido algum. Para falar de Diversidade

e praticá-la, só mesmo, propondo uma inversão paradigmática. Este tema exige uma nova

maneira de ver e estar no mundo. Abandonar o paradigma antropocêntrico e assumir como

fundamento de vida o Princípio Biocêntrico que considera a vida como valor supremo, é a

única alternativa.

Voltando no objetivo do programa que propunha o estabelecimento de um novo

paradigma, agora sim, justificava a minha escolha pelo IGB. Poderia sim, propor algo novo

e contar uma outra história.

Para desenhar o novo programa, convidei Liliana Viotti, amiga, irmã de alma e

referência maior em Biodanza. Juntas, desenhamos o novo curso. Nele, mantendo a

proposta para uma melhor compreensão da natureza humana e o desejo de tocar o coração

de todos, escolhemos como filosofia e embasamento teórico, o Princípio Biocêntrico. A

proposta agora é de convidar a todos para viver e refletir sobre a grande cadeia amorosa que

une todos os seres diferentes, porém unidos na grande diversidade em torno da vida.

Tomando uma citação de Rolando Toro, o convite é para “desaprender os padrões culturais

antivida e restaurar as fontes primordiais de vida, que têm como função a sua conservação e

não a sua destruição”.

Dentre as novas atividades projetadas, não poderíamos deixar de fora algumas

sessões de Biodanza com sua proposta de ativar mediante a dança e a música, potenciais

afetivos de comunicação que nos conecta conosco, com os outros e com a natureza. Uma

prática onde as pessoas se igualam em um jogo social livre das armaduras e máscaras que

permeiam as relações comuns. Um convite à transformação que não é uma mera

reformulação de valores, mas sim uma reaprendizagem em nível afetivo, além de favorecer

a coerência entre nosso sentir, pensar e agir. É claro que as sessões de Biodanza propostas

foram motivo de alguma resistência por parte do RH, mas mostrando um pouco de sua

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metodologia que opera com uma vasta gama de respostas orgânicas que geram novos

comportamentos, conseguimos a aprovação para a realização de uma turma piloto.

E lá fomos as duas desenvolver um curso que para nós, também era uma novidade.

E aquilo que, mesmo não conhecendo, mas lá no fundo... lá na nossa essência já sabíamos,

se concretizou – a realização da turma piloto foi aprovada com 100% de aceitação.

Hoje, um ano depois, com 60 turmas realizadas e tendo incorporado Cláudia

Monteiro também como facilitadora do programa, o “Gestão da Diversidade” é um

programa que se consolidou e se estendeu para todos os funcionários da Empresa. E mais,

está sendo proposto como produto do IGB para ser vendido a outros clientes.

Ah! Não podia deixar de contar...

Começo o curso contando uma história, uma adaptação da “ Fábula do Cuidado” –

Leonardo Boff (Boff, L – 1999, pág. 43)

16

CAPÍTULO DOIS: COMEÇANDO A MONOGRAFIA

“O caminho é solitário. Juntos, só podemos celebrar”.

Rolando Toro

Em dezembro de 2006, com a formação concluída, todas as maratonas realizadas,

chegou a hora de começar a pensar na monografia. E agora? Pânico geral! Não é preferível

continuar a formação por mais um tempo? O que podemos fazer?... Assim criamos mais

uma maratona... A maratona do alívio! Para quê? Para falar e aprender sobre monografia!

Daí fomos todos para Trancoso/BA – casa da também aflita Iara. Sob orientação e o

cuidado amoroso de Liliana e Niuvenius, especialista no assunto, e curtindo o momento e

toda a beleza e encanto do lugar, dançamos e saboreamos mais este aprendizado.

Para alguns a idéia já era começar a monografia. Para outros, escolher o tema. Para a

grande maioria, entrar em contato com este novo desafio. Para mim, já definida no que

fazer só me restou usufruir da beleza do lugar, me deixar levar pela emoção e começar a

monografia assim:

TRANCOSO – MINHA MONOGRAFIA

Uma forma de começar na Diversidade!

Silêncio. O Todo!

Transformação! Tudo está por vir.

Quaresma! A morte, fruto da vida.

Estrela Guia.

Lua cheia refletida no mar.

Mar prateado... Ao fundo, nuvem escura.

À frente, pura luz!

Diversas cores, diversas luzes.

Luz longe, luz perto.

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Tem barulho, não tem som, tem luz, tem sombra e brisa.

Tem sutileza... Muita sutileza, tudo impregnado de natureza e de um amor diferente.

Emoção genuína, beleza, singeleza, perfume natural.

Entardecer único, especial. Privilégio de poucos!

Outras vezes estive aqui no Quadrado.

Outros tempos, outra história.

Hoje, numa nova jornada, numa nova estrada, de uma forma diferente e especial, começo

minha monografia de Biodanza!

Emoção pura e genuína!

Biodanza é a dança da vida, Trancoso dança todos os ritmos.

Trancoso é diversidade, Biodanza é vida.

Trancoso só tem cores, Biodanza é mistura de cores.

Trancoso é Quadrado, Biodanza abraça todas as formas.

O Quadrado o que é? Uma linda aquarela.

E a Biodanza? Pingos de tinta colorindo a vida. Basta imaginar!

Diversidade, o grande desafio da vida...

Biodanza, uma bela astronave que nos leva a todo lugar...

Trancoso, um grande quadrado onde, com um círculo, faz-se o mundo...

Trancoso acolhe a todos, Biodanza é um grande colo cósmico.

Trancoso é experimentar, Biodanza é nutrir e provar.

Trancoso é picada de mosquito e calor intenso,

Biodanza é viver a vida “apesar de”.

Trancoso é trocar, Biodanza é aprender sempre.

Trancoso é estar no Quadrado, Biodanza é sair e viver.

Trancoso é buscar acontecer, Biodanza é criar vínculos e cuidar.

Trancoso é ir além, Biodanza é cair em si.

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Monografia em Trancoso? É, pode ser!

Quero juntar: Diversidade, Princípio Biocêntrico e a Biodanza.

Em Trancoso?

É possível?

É! Uma linda estrada a trilhar e uma bela história para começar.

A HISTÓRIA DO AMOR POSSÍVEL!

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CAPITULO TRÊS: FALANDO DE DIVERSIDADE E PRINCÍPIO

BIOCÊNTRICO

DIVERSIDADE

“Será necessário inaugurar uma nova civilização,

criar uma estética antropológica, um sistema de

ressonância com a parte iluminada de nós mesmos e de

outras pessoas; uma espécie de chave mestre de nosso

coração, capaz de descobrir a semente de beleza

indescritível. Não somente nas pessoas agraciadas pela

perfeição externa que existe este interior iluminado, mas

também naquelas aparentemente feias ou grotescas, porque

a luz de Deus aparece por igual em todos os seres humanos”.

Rolando Toro

Reconhecer a diversidade significa perceber o modo como as diferenças e

semelhanças entre as pessoas podem ser mobilizadas para benefício dos próprios

indivíduos, da empresa e da sociedade como um todo. Portanto, gerir a diversidade,

mediante a promoção e garantia da igualdade e justiça é uma condição indispensável,

sobretudo considerando o mundo atual, onde a globalização semeia cada vez mais

conhecimento e informações e junto, a competição e a discriminação, o que dificulta cada

vez mais o entendimento entre as pessoas e as nações. Políticas de diversidade nos falam de

adoção de iniciativas e medidas que reconheçam e promovam a diferença entre pessoas ou

grupos como valor positivo a ser desenvolvido como instrumento de integração social.

Pensar na prática da diversidade é pensar na construção de um país mais fraterno, justo e

generoso. É abrir uma porta à esperança de um futuro mais promissor a todos. Praticar e

valorizar a diversidade são ações que se traduzem no combate ao preconceito e à

discriminação.

Em se tratando de diversidade, há muito para ser dito e mais ainda a ser feito. Não

adianta só entendermos a necessidade de adaptação à diversidade, é preciso ampliarmos a

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consciência ou mesmo mudá-la para o entendimento do conceito de que somos todos

diversos, e a cada um de nós deve ser assegurado condições e ambientes para agirmos em

conformidade com nossos valores individuais e desenvolvermos nossos talentos e

potencialidades.

No Brasil, torna-se cada vez mais evidente para as empresas a importância de tratar

a diversidade com primazia em sua agenda de Responsabilidade Social e de considerá-la

um tema decisivo para seu desempenho organizacional. Nas relações externas – com

parceiros, consumidores e sociedade - a adoção da diversidade como um princípio de

atuação, agrega valor à imagem da empresa. Essa iniciativa demonstra que ela está alinhada

às expectativas e demandas da sociedade e que assume a sua missão social. Assim, para

muitas empresas, a adoção da diversidade na força de trabalho, além de ser um

compromisso ético, tem se mostrado um caminho para a competitividade. Para tanto, elas

têm investido em ações de captação, manutenção e incentivo a uma gama de profissionais

cada vez mais diversificada.

Hoje as empresas vêm ampliando sua definição de diversidade, passando a

considerar a relatividade de questões como condição socioeconômica dos empregados,

estilo de trabalho, idade, ascendência, nacionalidade, estado civil, orientação sexual,

deficiência física ou mental, entre outras diferenças. Também estão tornando-se mais

inclusivas, criando ambientes receptivos a trabalhadores tradicionalmente discriminados,

estigmatizados ou marginalizados. Praticar diversidade implica mudar comportamentos,

muito deles arraigados. Mudanças desse tipo requerem uma opção clara da direção da

empresa para que o êxito seja alcançado. Para tanto, é aconselhável que esses dirigentes

realizem um processo coletivo em que explicitem suas visões sobre o significado e a

importância social à diversidade e busquem desenvolver um entendimento comum acerca

do compromisso que pretendam assumir em termos de uma política efetiva de não-

discriminação na empresa.

As práticas de valorização da diversidade produzem impactos positivos em diversos

segmentos da empresa, dentre eles:

Clima Organizacional – o respeito às diferenças favorece a qualidade das relações e

cria um ambiente de trabalho com espaço para satisfação, expressão e pleno

desenvolvimento do potencial de cada um, com eqüidade e justiça.

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Gestão de Pessoas – a diversidade ao mesmo tempo que prepara as lideranças para

uma gestão cada vez mais centrada nas pessoas e no pleno desenvolvimento de suas

potencialidades, busca maior sinergia pela interatividade e interdependência.

Demografia Interna – a valorização da diversidade contribui para a formação de

equipes de trabalho onde a presença equilibrada de homens e mulheres, pessoas de

diferentes raças e etnias, orientação sexual, de faixas etárias diferentes, com e sem

deficiência é sempre respeitada.

Cultura Organizacional – a convivência e as interações criativas geradas num

ambiente que valoriza a diversidade produzem uma cultura aberta à inovação e a

excelência, à flexibilidade num mundo em processo de rápidas e profundas mudanças.

Relação com Diferentes Públicos – o exercício da diversidade e sua inserção nas

práticas de gestão favorecem o diálogo e as relações com o público interno, clientes,

fornecedores, comunidade, governo e a sociedade em geral.

Imagem Institucional – a valorização da diversidade produz impactos positivos na

imagem institucional da empresa, reconhecida pelo seu compromisso com a eqüidade,

combate à discriminação e promoção de práticas socialmente responsáveis e sustentáveis.

Produtos – a diversidade contribui para o clima de inovação, excelência, novas

possibilidades e perspectivas, que se expressam nos produtos, bens e serviços cada vez

mais adequados às necessidades dos clientes.

“Valorizar a diversidade é:

Contemplar muitas possibilidades, buscar outros olhares, novas perspectivas, estar

aberto à inovação, fazer diferente e fazer diferença nas nossas organizações. É investir para

termos diversidade nas nossas decisões, compreendendo que as diferenças, e não a

uniformidade pode nos levar a excelência.

Valorizar a diversidade é acolher as diferenças e considerá-las como a riqueza capaz

de gerar vida, inovação, excelência, e trazendo novas possibilidades e maneiras de realizar

nossos objetivos. Significa rever nossas lógicas, impactar a cultura organizacional para

que esta se torne cada vez mais aberta às mudanças, à inovação, à criatividade, ao

inusitado, ao novo, o que é fundamental para o diálogo e a presença num mundo também

diverso. Este é um aprendizado contínuo. A imagem do caleidoscópio é o mais próximo do

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que se busca com a valorização da diversidade. Nele, as diferenças interagem ativa e

criativamente para compor novas imagens, novas possibilidades, rearranjando

constantemente a ordem das coisas, gerando o novo, algo que não é um só, mas fruto da

soma das diferenças.

Valorização da diversidade tem foco nas relações. São as relações raciais, de

gênero, de geração, as relações humanas, enfim, que precisam receber atenção para se

tornarem sustentáveis. O problema racial não é um problema do negro, mas de todos. O

machismo não é uma questão para as mulheres resolverem, mas para todos. Precisamos, na

prática cotidiana, construir relações nas quais somos únicos e especiais, interagindo por

complementaridade e não por integração, fusão, solda ou qualquer outro esforço para sumir

com as diferenças. Para dar conta da complexidade do mundo atual, é fundamental a nossa

diversidade valorizada porque traz para o plano organizacional a visão ampliada da

realidade, melhores condições de leitura do mundo e de planejarmos os negócios

considerando as muitas visões e possibilidades. Uma organização apenas com “nós” e sem

“os outros”, ou vice-versa, não dá conta deste desafio.

Valorizar a diversidade é colocá-la como critério na hora de tomar decisões. Ela se

torna uma maneira de ser e de estar no mundo, de realizar negócios, de buscar resultados,

de fazer as coisas e de se relacionar com todos os públicos de interesse da organização.

Valorizar a diversidade significa ter um novo olhar sobre nós e os outros, rever a

construção que estabeleceu um padrão dominante ao longo de nossa história. Implica, além

de reconhecer qualidades em quem é diferente, reconhecer a própria diferença como

qualidade, como competência individual e coletiva, organizacional, porque nos ajuda a lidar

com a complexidade presente no mundo. É usar a diferença como critério para escolhas,

para desequilibrar em busca do equilíbrio, harmonia que se faz com notas diversas para

produzir música de qualidade. Valorizar a diversidade não é integrar tudo, tornando uma

coisa só. É aprender a lidar com conflitos, sem sumir com eles e com as diferenças”

(DIVERSIDADE – Guia Basf para Gestores e Equipe, 2005, pág. 24).

Ações Afirmativas a favor da diversidade não se esgotam em cotas e seu sentido é

contribuir para corrigir demografias internas caracterizadas pela homogeneidade,

garantindo condições de trabalho, realizando adaptações, investindo em gaps (Quebras

23

indesejáveis de continuidade), direcionando investimentos, observando conteúdos na

formação ou espaços de educação corporativa, entre tantas outras possibilidades. Ações

afirmativas estão a serviço da promoção da eqüidade, corrigindo possíveis distorções e

oferecendo um tratamento diferenciado a quem está numa situação de desigualdade, quem é

diferente e possui necessidades específicas para realizar os fins a que a nossa organização

se destina.

PRINCÍPIO BIOCÊNTRICO

SACRALIDADE DA VIDA

Entre o sagrado e o profano,

a dança da vida guia.

... Somente guia.

Niná Lígia

“O Princípio Biocêntrico inspira-se na intuição de um universo organizado em

função da vida e consiste numa proposta de reformulação dos nossos valores culturais que

toma como referencial o respeito pela vida. O reino da vida abarca tudo o que existe, desde

os neutrinos até os quasares, desde as pedras até os pensamentos mais sutis. Toda

expressão, todo movimento, toda dança, é uma linguagem viva e são componentes de um

Sistema Vivo maior” (Apostila do Módulo “Princípio Biocêntrico e Inconsciente Vital”,

pág 17).

O Princípio Biocêntrico põe seu interesse num universo compreendido como um

sistema vivo de grande complexidade.

Para Rolando Toro, seu idealizador, o Princípio Biocêntrico “é um estilo de sentir,

pensar e agir que toma como referência a vida como centro e não o ser humano. Trata-se de

uma percepção de si mesmo e do universo que tem implicações profundas nas escolhas e

atitudes humanas. Através dele muda-se o estilo mecânico para um modo orgânico, pode-se

dizer mais amoroso de viver”.

24

A partir do Princípio Biocêntrico se modifica a postura existencial. Os parâmetros

de nosso estilo de vida são os parâmetros da vida cósmica. Em outros termos, nosso

movimento, nossa dança, organiza-se como expressões de vida e não como meios de

alcançar fins externos. “Vivemos para criar mais vida dentro da vida. Para resgatar a vida

onde ela está oprimida”. ( Toro, 1991, pág. 34)

Assim, a partir do Princípio Biocêntrico, podemos conceber o universo como um

gigantesco holograma vivo.

Nas palavras de Rolando, "o Universo existe porque existe a Vida, e não o contrário,

e as relações de transformação matéria-energia são níveis de integração da Vida". Para ele,

“ a vida não se limitaria ao resultado de processos químicos e energéticos, mas resultaria de

um programa "implicado" que guiaria a construção do Universo”.

A desconexão dos seres humanos da matriz cósmica da vida gerou, através da

história, formas culturais destrutivas. A dissociação corpo-alma e a repressão da

experiência paradisíaca conduziram à profunda crise cultural em que vivemos.

No dizer de Feliciano Flores, “Se tomarmos como ponto de partida as propostas

intrínsecas que surgem do ato de viver e da comunicação entre os seres vivos, temos que

abandonar qualquer tipo de fundamentação cultural. Os interesses da vida nem sempre se

conjugam com as exigências da nossa cultura. Assim, por exemplo, toda forma de

discriminação ou segregação, todo o delírio jurídico do Oriente e do Ocidente, com seus

códigos e tribunais de justiça, se baseiam na propriedade privada, e não na vida. As guerras

são também a expressão dessa psicose coletiva que nega a sacralidade da vida. A cultura

deveria estar organizada em função da vida. Há milhares de anos temos vivido dentro de

um contexto cultural alienante. Mas, se o universo está vivo desde o começo, a cultura do

futuro será uma cultura da vida. Participamos do pensamento visionário de Albert

Schweitzer: “Meditando sobre a vida, sinto a obrigação de respeitar qualquer vontade de

vida ao meu redor, por ser igual à minha. A idéia fundamental do bem é, pois, que este

consiste em preservar a vida, em favorecê-la, em conduzi-la a seu valor mais alto; e que o

mal consiste em aniquilar a vida, lastimá-la, pôr entraves ao seu florescimento".

CAPRA (1997), em sua desafiante obra A Teia da Vida: uma nova compreensão

científica dos sistemas vivos, após analisar a Hipótese de Gaia em termos de sistema vivo,

experimenta ampliar seu questionamento para o Universo como um todo: "O universo seria

25

vivo?" Ainda que cerceado pela rigidez do método científico, ele arrisca-se a afirmar:

"Para muitas pessoas, inclusive para mim mesmo, é filosófica e espiritualmente mais

satisfatório supor que o cosmos como um todo é vivo. No entanto, dentro do arcabouço da

ciência, não podemos - ou, pelo menos, ainda não podemos - fazer tais afirmações. Se

aplicarmos nossos critérios científicos para a vida ao universo inteiro encontramos sérias

dificuldades conceituais" ( Flores, 1994, ).

Não obstante pautar-se em princípios e descobertas realizadas no campo da

biologia, da ciência da evolução, do estudo comparado das estruturas morfológicas, da

teoria dos sistemas, dentre outros estudos na formulação do Princípio Biocêntrico, Rolando

Toro, por sua vez, não procura, e nem julga necessário, justificar sua posição através de

métodos baseados na lógica dedutiva, através dos citados critérios científicos que algemam

Capra. Seu enfoque é o do conhecimento que nasce da intuição e da vivência da

própria vida. Ele parte corajosamente de sua sensação intuitiva de que o Universo é um

fabuloso Sistema Vivo, o Organismo Cósmico.

Para Rolando Toro “O Princípio Biocêntrico ajuda o ser humano a sentir seu

tamanho diante do cosmos: sua pequenez e sua grandeza ao mesmo tempo, e o faz

reverenciar e celebrar a vida. A partir do Princípio Biocêntrico, a vida se organiza como

convivência e coexistência com o divino. O sagrado não se dá em um espaço mandálico

ritual. O sagrado se dá em qualquer circunstância em que vida se faz presente. “Toda a

vida é sagrada”.

FALANDO DE DIVERSIDADE E PRINCÍPIO BIOCÊNTRICO

“Somos autistas no meio da multidão”.

Rolando Toro

Por que, neste trabalho, juntamos Diversidade e Princípio Biocêntrico?

Falar de Diversidade é falar de Princípio Biocêntrico, falar de Princípio Biocêntrico

é abraçar a Diversidade.

26

O programa “Gestão da Diversidade” tem como premissa que a diversidade é uma

característica do Universo, que a vida existe porque há diversidade e sem ela a vida não se

sustenta em nosso planeta. Se o ser humano é responsável por destruir o planeta, nada é

mais urgente do que possibilitar a sua reaprendizagem das funções originárias de vida.

Se a diversidade, que é o conjunto de diferenças e semelhanças que geram vida, é

desprezada nas nossas organizações e sociedade, não somos sustentáveis e nem iremos

muito longe.

Para iniciar o entendimento desta questão tomo as palavras de Reinaldo Bulgarelli:

“A Diversidade está presente no mundo. É uma característica do universo ou,

melhor ainda, é o próprio segredo do universo. Em infinitas relações, combinações, arranjos

interações das mais variadas, o universo encontra soluções novas a cada partícula de tempo

considerada. Tudo que existe é fruto deste segredo e, portanto, tudo é inédito, único e

singular no seu tempo e lugar. A vida surge da diversidade. Nós mesmos somos um arranjo

do universo, uma dessas soluções encontradas para que a vida pudesse existir e se fazer

presente, o que nos torna únicos, inéditos, singulares. Só isso bastaria para que cada ser

humano valorizasse sua própria vida e toda forma de vida no planeta.

Diversidade, portanto, é o que está permanentemente aprimorando a vida numa

interdependência e complementaridade sem fim. Somos parte de uma rede de relações

naturais e culturais, construídas, que só se mantém no equilíbrio do caos, da diversidade,

desse conjunto imenso de diferenças e semelhanças que caracterizam a vida e, o que

interessa aqui, a vida humana no planeta”( Bulgarelli, R. 2002, pág 1).

Mas nós humanos, não somos só natureza. Somos também cultura, criamos e

recriamos o mundo à nossa volta, interferimos na realidade, sonhamos, desejamos,

buscando conhecer tudo e cada vez mais. Temos hábitos, costumes, valores e crenças

ligados à nossa história e ao nosso modo de vida. E vamos mais além, podemos criticar

tudo isso, questionar os costumes, podemos mudar nossas crenças e valores, estabelecer

novos hábitos e costumes que moldam nossa forma de sentir, pensar e agir, produzir

soluções e explicações sobre a vida e o mundo que nos cerca, enfim somos únicos,

mudamos e realizamos mudanças à nossa volta, a todo momento, se assim a quisermos.

Diante de tudo isso é importante lembrar que fazemos parte de uma única família –

a raça humana. Essa afirmação é fundamental para lidarmos com a diversidade que nos

27

caracteriza. E como lidar? O que fazer com tanta diversidade? Como entender que somos

todos diversos? Isso mesmo, não são apenas os outros que são diversos. Diversos não são

os outros, diferentes de um padrão dominante em torno do qual se estabelece o que é bonito

e feio, com qualidade e sem qualidade, bom e ruim, entre outros atributos que reduzem a

realidade a estereótipos e preconceitos. Diversos somos todos nós, de igual modo.

Quando perdemos a capacidade de nos vermos todos como diversos e quando

diversos passam a ser apenas os outros, construímos uma visão distorcida de nós mesmos e

desses outros. Nos baseamos nos nossos receios em relação ao desconhecido, nas relações

de poder e dominação que estabelecemos para subjugar esses outros que nos parece fugir da

regra e dos conceitos que elegemos como o certo.

A diversidade que contemplamos no mundo não é estática e intocável, mas fruto da

natureza e da cultura, da ação humana. Portanto o que fazemos com a diversidade e como

nos posicionamos diante dela é questão essencial.

Para nos conscientizarmos desta realidade é preciso que haja uma mudança de

paradigma. Aqui entra o convite a abraçar o Princípio Biocêntrico.

O Princípio Biocêntrico vem como um ponto de partida para estruturar as novas

percepções e novas posturas relativas à existência: atribuição de prioridade ao ser vivo.

Permite-nos ver o determinismo como ilusório; leva-nos ao abandono progressivo do

pensamento linear em favor da sincronicidade e da ressonância dos acontecimentos e

desqualificação das filosofias que buscam uma verdade única, pois dentro de cada verdade

se esconde outra. Que tal ver sobre um outro prisma, agir de forma diversa, trilhar

caminhos ainda não percorridos e obter resultados não imaginados? Que tal começar a

pensar com premissas advindas da parte posterior do nosso cérebro, onde está instalada

nossa capacidade de sentir?

O Princípio Biocêntrico cumpre sua função transformadora vinculando-se a todos os

seres humanos sem discriminação. Todos podem e devem elevar a qualidade de suas vidas;

crianças e idosos, mulheres e homens, negros e brancos, sábios e analfabetos, pois a espécie

humana é uma só. Vivemos em meio a uma cultura onde a patologia do ego tem sido

reforçada a um nível coletivo extremo. Estamos cada vez mais sozinhos em meio a um caos

coletivo. Há um modo de estar ausente com toda nossa presença. Olhamos e não vemos,

ouvimos mas não escutamos, estamos com o outro, porém o ignoramos, não mais o

28

tocamos e nem reconhecemos a sua presença. Esta desqualificação, consciente ou

inconsciente tem um sentido muito grande no reforço a todas as patologias do ego.

Para eliminá-la, o que o Princípio Biocêntrico propõe é um processo de integração e

desenvolvimento onde, dentro de uma estratégia existencial, cada indivíduo, consigo

mesmo, com o outro e com a vida, possa resgatar o que trás em si de potencial original de

vida, restabelecendo o saudável e o respeito à vida em toda sua sacralidade, participando

assim, de uma nova concepção de harmonia.

29

CAPITULO QUATRO – FALANDO SOBRE O CUIDADO

“Por mais longe que o riacho corra, ele nunca esquece suas raízes”.

Provérbio de origem africana – Nigéria

FÁBULA DO CUIDADO

(original de Leonardo Boff com adaptação de Marie Thérèse Pfyffer)

No início dos tempos , quando tudo era apenas uma noite e dessa noite nasceu

GAIA, surgiram de Gaia, dia e noite, nascente e poente, lua e sol, a aurora, as montanhas e

os rios, o grande mar e as areias.

Nesses tempos imemoriais um ser de luz de nome Cuidado passeava ao longo de um

rio quando percebeu que nas suas margens havia barro. Sentou-se e pegou o barro nas mãos

e o sentiu. Sentiu que o barro se moldava às suas mãos com suavidade, que era frio e

úmido. Sem pressa começou a dar forma àquela matéria informe que era apenas parte das

margens do rio. Olhava orgulhoso e feliz aquela forma em suas mãos, quando percebeu que

tinha feito uma lindíssima criatura. Nesse momento Cuidado viu Júpiter passando por perto

chamou-o e mostrou a sua bela obra, pedindo-lhe que desse a ela a vida, soprando-lhe o

espírito. Júpiter atendeu prontamente, tomou a forma e com seu poderoso sopro encheu-lhe

do espírito vivo. Cuidado vendo sua forma viva resolveu dar a ela um nome, pois tudo que

existe em Gaia precisa ser nomeado. Mas Júpiter nesse momento disse que a ele caberia dar

o nome, pois ele é que tinha dado vida à criatura. Gaia ouvindo-os protestou. Afinal a

criatura tinha sido feita do seu corpo, feita de barro, da terra úmida. A discussão foi

generalizada, todos tinham suas razões, todos argumentavam e pareciam estar certos.

Quando perceberam que não chegariam a parte alguma resolveram buscar o auxílio

do sábio Saturno, que veio como mediador e depois de estudar bem o que havia acontecido

proferiu a decisão. Júpiter, você lhe deu o espírito. Portanto, quando essa criatura morrer

você receberá essa criatura de volta. Você Gaia, você deu o corpo, quando ela morrer você

a terá de volta e ela voltará a ser barro e a te pertencer. Mas a você Cuidado, que tomou nas

mãos o barro e com a arte de suas mãos transformou a terra em criatura, a você caberá

cuidar dela durante todo o tempo que viver. O nome dou eu agora, e seu nome será

Homem, isto é aquele que foi feito do HUMUS, terra fértil.

30

Cuidado - essência da natureza humana.

É sobre essa matéria delicada – Homem -, a vida e o cuidar da vida que vamos

refletir durante esse dois dias.

FAZENDO NINHOS

“Indo e vindo, um pássaro tece seu ninho”.

Provérbio de origem africana - Gana

Na natureza, a mais bela metáfora do cuidar é o NINHO.

Beleza, proteção, cuidado, dedicação, mas, sobretudo diversidade faz parte desse

belo instinto, existente entre os pássaros com esse nome, e também entre todos os outros

animais com outras formas análogas, sempre, no entanto, tendo como objetivo último o

proteger e permitir a vida se manifestar.

Entre os pássaros, cada um deles escolhe a forma, o material, o local, o tipo de

árvore onde farão seus ninhos. Alguns são feitos apenas pela fêmea, outros pelo macho,

outros pelos dois. O ninho abriga, protege de predadores, das intempéries, permite a

alimentação e a aprendizagem do vôo.

Os ovos, símbolos vivos da vida, em geral são extremamente frágeis. Eles nos

mostram todo o tempo que a vida pede cuidado. A expressão “casquinha de ovo” nos

mostra esse fio tênue entre a possibilidade de criação e a eminente destruição. O livro

“Berços da vida” de Dante Buzzeti e Silvestre Silva – Ed. Terceiro Nome, composto de

fotos dos mais diversos ninhos nos mostra a beleza da diversidade: não há uma espécie que

faça ninhos da mesma maneira que a outra como não há, entre os pássaros de uma mesma

espécie, um ninho igual a outro, como não há um ovo igual ao outro. Alguns são exemplos

vivos da mais intrincada e perfeita arquitetura, à adequação ao local, à proteção do vento

dominante, à forma.

Na escolha de uma metáfora poderosa, que dentro da visão da Educação Biocêntrica

levasse os participantes do curso a experimentarem vivenciando o cuidar, escolhemos o ovo

como a promessa de vida - frágil, delicada, pedindo cuidado, e o ninho como a proteção, a

beleza, a estética, o ato de cuidar dessa vida.

31

O início do curso de Gestão da Diversidade se dá na natureza. Na natureza há uma

estética permanente. Olharmos a natureza nos leva a um estado de encantamento, pois a

natureza não tocada pela mão do homem é necessariamente bela. Os participantes são

chamados a se aquietar sob a sombra das árvores, onde miquinhos vêm comer os frutos e

observam, amistosos, os humanos: acredito que sentem que são amigáveis, pois não

apresentam sinal de medo.

Com base na história mítica - “Fábula do cuidado”- resgatada por Leonardo Boff em

seu livro “Saber Cuidar”, mas com as nuances dos contadores de história, passamos a

contar a fábula mencionada no início do capitulo.

Convidamos os participantes a fechar os olhos, para que possam “ver a história”,

como, posteriormente em um filme usado durante o curso – “Sempre amigos”, o

protagonista convida seu ajudado a imaginar o quadro formado pela narrativa feita por ele.

Minas Gerais tem uma tradição de contadores de história.

Na Biodanza, vários entre os facilitadores mineiros são também contadores de

história. É um jeito “mineiro” de enfeitar velhos contos.

Ao final da história os participantes são convidados a abrir os olhos e são

surpreendidos com uma cesta de ovos a seus pés: ali devem escolher um ovo e com ele

fazer uma analogia com a própria vida. Ver o que faz daquele ovo, assim como a vida,

único e diferente. Com características próprias. A partir daí, cada um vai construir com

materiais da natureza um ninho de proteção, único, singular e que tenha a sua “cara”, que

seja um exemplo da sua forma de cuidar - da vida, de si e do outro.

32

Durante todo o curso o participante é convidado a estar com seu ninho, ou tê-lo à

sua vista: assim ele o leva ao restaurante ao sair para o almoço e leva ao sair do curso até o

dia seguinte, convidado a partilhar a idéia do fazer ninhos com aqueles que cruzam seu

caminho, com sua família, colegas e trazê-lo no dia seguinte. Ao mesmo tempo é dada a

eles uma tarefa de fazer uma ação diferente do seu cotidiano, que signifique fazer ninho

para si mesmo, ou para o outro ou para a vida.

O retorno com o ninho no dia seguinte é surpreendente.

Relatos de ações emocionantes, resgate de velhos amigos, do estar com os filhos

com atenção e empatia, resgate das relações com os pais e vários insights a partir da relação

com o cuidar do seu ninho. A metáfora viva, nas mãos, no caminho de casa os leva a no dia

seguinte levar o filho na escola, dedicar-se a cuidar de sua saúde iniciando caminhadas,

estabelecer diálogos com filhos, esposa ou mesmo iniciar um programa de coleta seletiva

em sua casa. A fragilidade do ovo e muitas vezes do próprio ninho, que volta no dia

seguinte reforçado pelos filhos ou pelo cônjuge, ou pelo próprio participante, lembra a

fragilidade da própria vida, da vida das pessoas amadas, da vida sobre a terra.

No exercício da diversidade, fazer ninho é caminhar para a prática dos quatros

passos da Inclusão: ACATAR – ENTENDER – ACEITAR E CONVIVER.

1- Acatar: saber que existem infinitas realidades, independentemente do meu

querer, de conhecer, de minha aprovação, etc.

2- Entender: buscar conhecer sobre estas várias realidades, buscar informações.

Reduzo preconceitos na medida em que conheço o contexto ou a situação.

3- Aceitar: na medida em que conheço, posso escolher entre o isso e aquilo. Aqui

entra o livre arbítrio. Preparar-me para as várias realidades num exercício de humildade,

desprendimento, tolerância e mais e mais.

4- Conviver: estar aberto para o exercício da diversidade.

33

Fazendo ninhos na dimensão dos três vínculos de Rolando Toro e no

Saber Cuidar de Leonardo Boff

Fazer ninho é abraçar a diversidade e experimentar o cuidado através do

entendimento vivencial de que somos parte de uma vida em constante interdependência e

complementaridade sem fim.

O fazer ninhos tem a ver com os 3 vínculos propostos por Rolando Toro dentro

Princípio Biocêntrico: vínculo consigo mesmo; com o outro e com a vida. Assim como tem

a ver com o Saber Cuidar proposto por Leonardo Boff em toda sua obra, mas mais

especificamente no capitulo: Natureza do cuidado.

A dimensão dos três vínculos – Rolando Toro“O homem, por um lento processo de degradação instintiva perdeu a função de

conexão à vida que se encontra quase totalmente atrofiada. Despertar esta função é a busca

do ser humano através de processos terapêuticos ou outras alternativas.

Rolando Toro nos propõe este resgate dentro de três dimensões de vínculos:

Conexão consigo mesmo:

No cuidar de si mesmo, resgata-se a identidade dando-lhe também proteção;

integra-se o sentir, pensar e agir; integra o trabalho e lazer e nos favorece ter clara nossa

missão existencial. A vivência experimentada com essa conexão gera um estado de

felicidade suprema onde se intensifica a consciência de estar vivo e de ser “único”.

Conexão com o outro:

Duas identidades diferentes transformam-se em uma identidade maior.

Nessa conexão somos convidados a criar e manter vínculos afetivos e a ampliar nosso

universo de afeto. A função de conexão com o outro alcança um estado de dualidade, de

complementação dos opostos que nos favorece o aprender com a diversidade.

34

Conexão com a vida:

O cuidado com a vida nos ensina a transformar valores anti-vida em valores pró-

vida através da ampliação da percepção e da consciência. Convida-nos a ter a ética como

atitude fundamental e nos perceber como parte integrante e fundamental na teia da vida.

Com essa conexão surge um sentimento de fluir em uma totalidade sem tempo, sem limite,

de abandonar-se à pulsação originária de vida, anterior ao nascimento do eu” (Toro – 1991,

Pág.30).

Saber cuidar – Leonardo Boff“Cuidado significa um fenômeno ontológico-existencial básico, ou seja, um

fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana, enquanto humana. Cuidar é

uma atitude de preocupação, ocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo

com o outro” (Boff). Boff relata que mais que ter cuidado, o homem é o próprio cuidado,

pois sem ele o homem deixa de ser Ser Humano. Cuidado assim pode ser representado pelo

carinho, solidariedade, perdão, cooperação com os outros. Portanto é a partir da ênfase no

emocional que o cuidado deve ser priorizado. É com sentimento que surge simpatia e

empatia, a cooperação e os resultados da solidariedade de acordo com o autor. Segundo

Boff, se não acontecer o amor, o coletivo inexiste. Sem amor, o homem não possui o

cuidado.

Uma das preocupações de Boff é a crise que afeta a humanidade pela falta de

cuidado. Para sair desta crise, segundo o autor, precisamos de uma nova ética. Ela deve

nascer de algo essencial ao ser humano e reside mais no cuidado do que na razão e vontade.

Acredita ele que é na ética que o equilíbrio deve ser alcançado, para atingir objetivos que

busquem melhoras para o planeta e os excluídos. O cuidado com os excluídos deve ser

realizado no ato do amor” ( Ferreira, H. 1999).

“Não temos cuidado, somos cuidado”.

Leonardo Boff

O Cuidado tem duas significações básicas:

- Atitude de desvelo, solicitude, atenção para o outro.

35

- Preocupação, inquietação, pois a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e

afetivamente ligada ao outro. É importante ressaltar que o cuidado, como disse Boff, surge

somente quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-

me a ele; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, sofrimentos e sucessos,

enfim, de sua vida. Será isso verdade hoje? Os homens amam e preocupam-se como mundo

e com eles próprios? Para respondermos esses questionamentos, é preciso lançar um olhar

crítico às relações interpessoais no mundo.

O Cuidado é mais do que um ato singular ou uma virtude. É um modo de ser, isto é,

a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros. Melhor

ainda: é um modo-de-ser que fundamenta as relações que se estabelecem com todas as

coisas.

Para Boff: ser-no-mundo: significa uma forma de existir de co-existir, de estar

presente, de navegar pela realidade e de relacionar-se com todas as coisas do mundo. Nessa

co-existência e com-vivência, nessa navegação e nesse jogo de relações, o ser humano vai

construindo seu próprio ser, sua autoconsciência e sua própria identidade.

Há dois modos básicos de ser-no-mundo: o trabalho e o cuidado

Modo-de-ser-trabalho:

Se dá na forma de interação e de intervenção. Intervém na natureza para tornar sua

vida mais cômoda. Pelo trabalho constrói o seu habitat, adapta o meio ao seu desejo e

conforma o seu desejo ao meio. Pelo trabalho co-pilota o processo evolutivo, fazendo com

que a natureza e a sociedade com suas organizações, sistemas e aparatos tecnológicos

entrem em simbiose e co-evoluam juntas.

A lógica do ser-no-mundo no modo de trabalho configura o situar-se sobre as coisas

para dominá-las e colocá-las a serviço dos interesses pessoais e coletivos. No centro de

tudo se coloca o ser humano, dando origem ao antropocentrismo, o qual instaura uma

atitude centrada no ser humano e as coisas têm sentido somente na medida em que a ele se

ordenam e satisfazem seus desejos. Descarta a conexão existente do humano com a

natureza e com todas as realidades, não se considerando também parte do todo.

36

Esta atitude de trabalho-poder sobre o mundo corporifica a dimensão do masculino

no homem e na mulher. É a dimensão que compartimenta a realidade para melhor conhecê-

la e subjugá-la; usa de poder e até de agressão para alcançar seus objetivos utilitaristas;

lança-se para fora de si na aventura do conhecimento e da conquista de todos os espaços da

terra e, nos dias de hoje, do espaço exterior e celeste.

O modo-de-ser-cuidado:

O cuidado não se opõe ao trabalho, mas lhe confere uma tonalidade diferente, a

relação não é sujeito-objeto, mas sim sujeito-sujeito. A relação não é de domínio sobre, mas

de con-vivência. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com

ele. A centralidade não é mais ocupada pelo logos, mas pelo pathos (sentimento). O modo-

de-ser-no-mundo-cuidado permite ao ser humano viver a experiência fundamental do valor,

daquilo que tem importância e realmente conta. A partir desse valor substantivo emerge a

dimensão de alteridade, de respeito, de sacralidade, de reciprocidade e de

complementaridade.

O modo de ser cuidado revela a dimensão do feminino no homem e na mulher.

O grande desafio para o ser humano é combinar trabalho com cuidado, eles não se

opõem, mas se compõem.

Perdeu-se a visão do ser humano como ser-de-relações ilimitadas, ser de

criatividade, de ternura, de cuidado, de espiritualidade, portador de um projeto sagrado e

infinito.

“O cuidado se encontra antes, é um a priori ontológico, está na origem da

existência do ser humano. Portanto, significa que o cuidado constitui, na existência

humana, uma energia que jorra ininterruptamente a cada momento e circunstância”.

Leonardo Boff

Ressonâncias do cuidado

O cuidado como modo-de-ser perpassa toda a existência humana e possui

ressonâncias em diversas atitudes importantes. Através dele as dimensões de céu e terra

buscam seu equilíbrio e co-existência.

Estas ressonâncias são ecos do cuidado essencial. Trata-se de vozes diferentes

cantando a mesma cantilena. É o amor, a justa medida, a ternura, a carícia, a cordialidade, a

convivialidade e a compaixão que garantem a humanidade dos seres humanos. Através

37

desses modos-de-ser, os humanos continuamente realizam sua autopoiese, vale dizer, sua

autoconstrução histórica.

Destas ressonâncias, sem desconsiderar as outras, destacamos para o trabalho de

diversidade:

• Amor como fenômeno biológico

Segundo Maturana o amor é contemplado como um fenômeno biológico, ele se dá

dentro do dinamismo da vida, desde as suas realizações mais primárias até as mais

complexas.

Existem dois tipos de acoplamento entre os seres humanos:

Um necessário para a questão da sobrevivência

Outro espontâneo: os seres interagem sem razões de sobrevivência por puro prazer,

no fluir do seu viver. É um evento original da vida em sua pura gratuidade.

“Quando um acolhe o outro e assim se realiza a co-existência, surge o amor

como fenômeno biológico”.

Leonardo Boff

O amor é o fundamento do fenômeno social e não uma conseqüência dele. O amor é

sempre uma abertura ao outro e uma con-vivência e co-munhão com o outro. Sem o

cuidado essencial, o encaixe do amor não ocorre, não se conserva, não se expande nem

permite a consorciação entre os seres. Sem o cuidado não há atmosfera que propicie o

florescimento daquilo que verdadeiramente humaniza: o sentimento profundo, a vontade de

partilha e a busca do amor.

• A regra de ouro: a justa medida

Trata-se de encontrar o ótimo relativo, o equilíbrio entre o mais e o menos. A justa

medida se alcança pelo reconhecimento realista, pela aceitação humilde e pela ótima

utilização dos limites, conferindo sustentabilidade a todos os fenômenos e processos, à

terra, à sociedade e às pessoas. O ser humano precisa sentir-se natureza.

38

• Compaixão

Não é um sentimento menor de piedade para quem sofre, é a capacidade de

compartilhar a paixão do outro e com o outro. Trata-se de sair do seu próprio círculo e

entrar na galáxia do outro enquanto outro, para sofrer com ele, alegrar-se com ele, caminhar

junto com ele e construir a vida em sinergia com ele.

A guisa de Conclusão:A Gestão da Diversidade parte da observação da natureza e da vida. Como já

dissemos anteriormente, diversa é a vida. A vida é mantida e preservada pela diversidade.

A partir do momento em que deixar de existir diversidade a vida sobre a terra desaparece.

No entanto nós humanos muitas vezes não temos claro esse entendimento. Isso se dá

porque deixamos de sermos seres da natureza e nos transformamos em seres de cultura. No

momento em que desenvolvemos a fala e a razão, nos tornamos seres desarticulados no

nosso todo, somos falta, abismo. A fala simboliza e nos afasta da emoção. A cultura é

desenhada pelo imaginário e nos afasta do desejo, que é da dimensão do Biológico.

Criamos cultura e criamos afastamento, fronteiras.

Diz Isabel Allende que a fronteira é uma espécie de medo. Definimos diferenças

pela raça, credo e cor e a diferença passou a nos atemorizar.

O terceiro milênio, ao mesmo tempo em que parece exacerbar a violência, a divisão

do mundo em partes a partir das disputas e guerras religiosas, territoriais, etc. vem nos

trazendo também uma ampliação de consciência. Já em 1987, no primeiro Congresso

Holístico Internacional em Brasília, o arquiteto mineiro Maurício Andrés apresentava o

projeto de uma CONSTITUIÇÃO PLANETÁRIA. A Declaração Universal dos Direitos

Humanos desde 1948, as metas do milênio da ONU, os movimentos ecológicos e as

terapias alternativas, os movimentos de minorias, nos mostram com clareza essa ampliação

de consciência.

Além de fazer crescer em nós essa nova consciência, que possamos também

colaborar para fazê-la despertar nas mentes ainda adormecidas. Pulsa em nós, ainda que

muitas vezes ofuscado pela cultura e seus preconceitos, uma repulsa à exclusão, à violência,

à guerra e à destruição e um desejo de união, integração, harmonia e paz.

39

Há no Ser Humano uma busca pela volta à humanidade, ao sagrado. Cada um de

nós na sua busca vai vivendo dentro da sua diferença para encontrar seu caminho. A vida é

mistério e o Princípio Biocêntrico já entra no mistério – na escolha de um olhar para ver a

vida e escolher onde colocá-la, como vivê-la e com quem vivê-la. O Princípio Biocêntrico

já tem o caminho, é a semente que já existe com todos os nutrientes e nos ajuda a lidar com

o Sagrado.

Resgatando em nós o Sagrado, essa pulsão de vida e a nossa essência de saber

cuidar, certamente estaremos acordando para o melhor de nós mesmos, abraçando a

diversidade e a partir daí iniciando uma ação transformadora no mundo em que estamos

inseridos.

40

CAPITULO CINCO – FAZENDO E ACONTECENDO

“Como é limitada a visão que exalta a operosidade da formiga acima do canto da

cigarra”.

Kalil Gibran

Baseado no Sistema Biocêntrico para Organizações, tendo por eixo norteador o

Princípio Biocêntrico, utilizamos na estruturação do programa o método ativo participativo,

cuja dinâmica subsidia o trabalho individual e grupal; permite aos participantes a vivência

de situações reais; a participação em relatos e reflexões; análise de sentimentos e reações;

bem como, a avaliação de padrões de comportamento pessoal e grupal e a inferência de

princípios que orientem a análise e a compreensão da realidade.

Dentre outras atividades vivenciais, utilizamos danças e exercícios do elenco de

Biodanza, filmes, reflexões, histórias e círculo de cultura de Paulo Freire, com

oportunidade de participação a todos.

O resultado final de cada grupo que passa pelo processo é o entendimento de suas

próprias limitações, seus preconceitos e também o reconhecimento de seu potencial de

realização e o compromisso afetivo e incorporado de “abraçar a diversidade” além de uma

mudança fundamental da visão de mundo, das crenças e valores que norteiam a própria

existência.

No desenvolvimento do programa, alguns pontos merecem destaque.

1 - Iniciamos o trabalho contando uma história – “A fábula do Cuidado” – Leonardo Boff

que trás em seu conteúdo a importância de cada ser humano aprender sobre o cuidado com

a própria vida.

O desenvolvimento desta atividade está descrita no capítulo anterior – “Falando

sobre cuidado”. As reflexões feitas neste momento são fortes e significativas.

O significado – “fazer ninhos como forma de cuidado” segue como referência

para todo o programa, reforçado pelo Princípio Biocêntrico na dimensão dos três

vínculos, que é a grande base filosófica para todas as práticas do curso.

41

2 - Um outro ponto relevante é a constituição dos grupos. Na PAX, o número de

mulheres e negros contratados ainda é pouco expressivo considerando o quadro geral de

funcionários. Sendo assim, o perfil dos grupos é em média, uma proporção de 15 homens

para 3 mulheres. No caso de negros, o número é ainda menor. Todavia essa realidade não

limita a atuação destas pessoas nos grupos e muito menos interfere nas reflexões

pertinentes. Inclusive, como resultado dessas reflexões, algumas ações já vêem sendo

estudadas na empresa com vista a eliminar algumas práticas discriminatórias em relação às

mulheres.

3 - Mas por outro lado, um outro ponto nos chama a atenção. A forte cultura

racionalista e machista predominante na PAX gera fortes preconceitos e algumas condutas

estereotipadas. Encontramos nos grupos, de modo geral, uma grande resistência em relação

aos homossexuais. Certamente a quebra deste preconceito, dentre outros, constitui nosso

maior desafio. No programa abordamos o tema “discriminação” na sua plenitude, mas para

efeito de análise e reflexões mais específicas e aprofundadas, focamos algumas categorias

que na PAX, de uma maneira ou outra, como no caso citado acima, são alvo de maior

discriminação ou dificuldade de aceitação.

Indagamos, dentre outros aspectos:

- Que temas sobre diversidade devem ser alvo de análise na realidade PAX?

- Como se muda uma cultura?

- O que é ser normal?

- O que é fazer parte de um padrão dominante?

- Como lidamos com as diferenças?

E utilizando o “Círculo de Cultura” de Paulo Freire, metodologia baseada na

Educação Dialógica que facilita a leitura da realidade na construção coletiva de um

conhecimento, convidamos os participantes a refletirem sobre o tema: “Eliminação ou

redução de preconceitos”. Em pequenos subgrupos eles registram em tiras de cartolina

(tarjetas), palavras que, na compreensão deles, podem ajudar nesta problematização e, com

base nestas palavras, inicia-se a reflexão. Para análise, oferecemos também, em forma de

fichas e apresentação em Power Point, algumas informações e dados estatísticos relativos à

discriminação aos seguintes tópicos:

42

• Gênero

• Raça e Etnia

• Pessoas com deficiência

• Idosos

• Homossexuais

(Ver o detalhamento destes tópicos no anexo – pág. 55)

Dentre as várias atividades desenvolvidas consideramos o “Círculo de Cultura” uma

das mais ricas em termos de resultado. As sínteses geradas aí vão trazendo esclarecimentos

e criando uma atmosfera de abertura para um novo entendimento e novas práticas sobre

diversidade que em muito facilita o andamento dos trabalhos.

O Circulo de Cultura é finalizado com a criação de uma figura representativa para o

grupo, formada pelas tarjetas com palavras geradoras, cujo significado é a expressão

simbólica do compromisso de mudança firmado pelo grupo após aquela reflexão. Sobre

esta figura, cada participante escolhe um ponto onde irá colocar o seu ninho como forma de

reafirmar sua contribuição na mudança. Propomos em seguida, a formação de uma roda em

volta da figura onde cada participante, ao som da música “Imagine”, vai trazer uma

“excelência” do coração para reafirmar seu compromisso pessoal.

4 - A introdução de vivências de Biodanza no programa é outro ponto forte e de

resultados muitas vezes surpreendentes. Percebemos aqui grandes diferenças entre grupos.

Com alguns, o resultado foi de maior abertura e aceitação, todavia em outros, houve caso

até de não prosseguirmos com a atividade. A proposta é de desenvolvermos duas sessões de

biodanza com vivências básicas que incluem as rodas, o caminhar, segmentários

43

(movimentos lentos e rotatórios de partes do corpo cujo objetivo é o de distencionar áreas

com acumulo de tensão), integração dos três centros e os abraços.

Por ser algo completamente novo e inusitado na PAX, adotamos uma condução

diferenciada na sua aplicação. Antes de tudo fazemos uma exposição teórica sobre

Princípio Biocêntrico, que como já foi dito anteriormente, é o grande norteador do

programa. Nesta exposição passamos a mensagem esclarecedora e tranqüilizadora sobre o

real sentido de resgatar em nós o potencial saudável de vida perdido por força dos

mandatos e aprendizados culturais. E durante as sessões de Biodanza assumimos uma

postura de total abertura, deixando que a adesão e participação a qualquer tipo de vivência

sejam livres e espontâneas. Apesar de recomendar, não trabalhamos com o rigor de tirar os

sapatos, não falar, etc. para não criar nenhum caráter ameaçador.

Iniciamos a primeira sessão com uma seqüência de exercícios de vitalidade

pautados basicamente em movimentos de caminhar contando a história do caminhar e seu

significado em nossa vida. Falamos das várias formas de caminhar e das possibilidades de

exploração dos espaços no mundo e na vida. Aos poucos os participantes, uns mais

timidamente que outros, vão sendo contagiados pelo ritmo e, ainda que entre risos,

conversas e piadinhas, vão se soltando e o caminhar evolui para a descontração e a alegria

dentro do grupo.

Na segunda sessão trabalhamos basicamente os segmentários como convite a

dissolução das couraças que criamos como forma de sobreviver e dar conta das tensões

acumuladas no dia-a-dia e resgatar em nós a flexibilidade e a espontaneidade.

E na terceira sessão, fechamos com uma celebração do resgate do potencial de vida

e da beleza do encontro.

5 - Outro ponto de destaque: encerramos o primeiro dia de trabalho propondo trocas

de abraços como forma de celebrar e agradecer a presença de cada um nos trabalhos. Os

abraços normalmente se dão de forma rápida, com muita conversa, tapas nas costas, ou

mesmo em forma de “arremedo” de abraço. Todavia essa forma de abraçar muda bastante e

se torna mais cuidadosa e afetiva quando, na manhã seguinte damos uma “aula de abraço” –

assim passou a ser chamado por alguns, o momento que nos dedicamos a falar sobre o real

sentido do abraço. Após demonstração, convidamos a todos para troca de abraços

44

acolhedores, inteiros e afetivos e a partir daí os abraços passam a ser praticados com mais

freqüência e naturalidade.

6 - Como outro destaque apontamos o filme “Sempre Amigos”, utilizado para

reflexão em relação às várias discriminações existentes na convivência com pessoas com

deficiência, além de passar uma mensagem forte sobre a superação de limitações reais e

auto impostas. O filme aborda essas questões de maneira muito real e sensível gerando no

grupo um forte sentimento de compaixão e sensibilidade.

7 - Marcante é também a atividade onde os participantes são convidados a entrarem

em contato com os vários grupos de identidades aos quais pertencem tendo a chance de

aprender sobre as muitas semelhanças e diferenças existentes entre as pessoas. A vivência

proporciona a oportunidade para reflexões pessoais quanto a situações de discriminação

vividas por eles em qualquer época de vida. Caso queiram, relatam para o grupo este

momento que se sentiram minoria. Muitos destes depoimentos mostram marcas deixadas na

vida das pessoas. É um momento de muita interação e solidariedade. A atividade é

concluída com cada participante assumindo um compromisso pessoal de mudança de

atitudes em relação a alguma situação de discriminação observada no seu cotidiano.

8 - Encerramos o programa aprofundando a reflexão sobre o cuidado.

Cada participante busca novamente o seu ninho e, com ele nas mãos, é convidado a refletir

sobre:

- Como tenho cuidado da vida? Do meu tempo, do meu lazer, da minha saúde?

- Como venho cuidando das minhas escolhas, das mudanças que preciso fazer?

- Como tenho cuidado do meu auto conhecimento, da minha alegria, da minha relação com

o trabalho?

- Como venho cuidando das minhas relações no vínculo com o outro? Com filhos,

parceiro afetivo, colegas de trabalho?

- Que tempo dedico à família e com que qualidade?

- Como venho cuidando da ética da minha vida, do meu papel social, da minha

participação em projetos humanitários?

- Como venho cuidando da ecologia, da paz?

- Como cuido da minha missão existencial, da minha contribuição como ser humano?

- Que posso deixar para minha história?

45

Após esta reflexão, são convidados a registrar num pedaço de papel as mudanças

que precisam empreender como forma de, cada vez mais, fazer ninhos na vida. Neste

momento recebem um outro ovo, agora de argila partido ao meio. Dentro, cada um coloca

seu papel, fecha-o e, no ninho, faz a substituição do ovo natural por este de argila. E assim,

como referência ao saber cuidar, é convidado a levar este ninho para casa para compartilhar

com a família, colegas de trabalho ou com quem queira.

Levam também, como referência do curso, um kit para montagem de um

caleidoscópio.

O objetivo da construção do caleidoscópio é o de construir e refletir sobre o novo

propósito de percepção e de estar no mundo; de mudar o olhar para a vida, aprender a ver

sob os diversos ângulos e ver a realidade se desdobrando sempre.

46

CAPITULO SEIS - COLHENDO RESULTADOS

“Não se contente com as histórias, com as experiências ocorridas com outras

pessoas. Faça sua própria história”.

Rumi – Mestre Sufi

A PAX, através do IGB, vem desenvolvendo o curso Gestão da Diversidade, desde

setembro de 2006, inicialmente para 60 turmas num total de 1400 participantes e a partir

das excelentes avaliações e repercussão de seus resultados, o programa vem se estendendo

para outras empresas do Grupo, além de passar a fazer parte dos programas oferecidos pelo

IGB para outras empresas clientes.

Falar de resultados quando se trata de trabalho com seres humanos é, no mínimo,

temerário. Pessoas, comportamentos e atitudes não são mensuráveis. Todavia podemos

relatar algumas respostas, sentimentos, depoimentos e opiniões advindos de avaliações

formais realizadas ao final dos encontros e citar algumas percepções trazidas pelos próprios

participantes e outras dos contratantes.

No instrumento de avaliação utilizado, as respostas são sempre favoráveis,

permitindo-nos observar a boa aceitação do programa. Pelos relatos notam-se mudanças nas

percepções e comportamentos das pessoas.

Como já atendemos mais de 60 turmas, ouvimos pessoas que vêem fazer o curso

após a participação de alguns colegas de equipe, relatando mudanças de toda ordem

ocorridas nestes colegas: pessoas que se tornaram mais tolerantes e afetivas outras que,

assumindo a força de sua identidade, passam a exigir serem chamadas pelo nome e não

mais por apelidos, umas que assumiram a prática cotidiana da troca de abraços como forma

de desejar Bom Dia. A formação de rede de interação para troca de textos, notícias e artigos

relativos à diversidade foi outra iniciativa criada por algumas turmas.

Por parte do nosso contratante - o RH da empresa, ouvimos relatos de que a semente

está lançada. O curso é citado como referência em outros programas e sempre que se

percebe alguma prática preconceituosa ou discriminatória entre as pessoas, alguém lembra

do curso. Foi também mencionado o caso de um coordenador que, após passar pelo curso,

47

não se constrangeu em assumir a contratação de um homossexual como “Secretário” para o

seu setor.

Organizando o apreendido

Movida pelo objetivo de mostrar a importância do Princípio Biocêntrico no

entendimento e prática da Diversidade e Inclusão nas Organizações, o experienciar o

processo me foi suficiente. Mas como traduzir sensações e percepções em resultados

observáveis a outros?

Este é mais um desafio a que me dedico agora – sintetizar os resultados e

correlacioná-los à teoria que os sustentam.

O meu desejo é ser capaz de traduzir a riqueza da experiência em observações que

mostrem a possibilidade de as diferenças serem valorizadas, respeitadas e celebradas como

oportunidades de aprendizagem, reaprendizagem e, consequentemente de

autodesenvolvimento, quando o principal investimento no trabalho se pauta na vida e no

que ela traz de sagrado – postulado do Princípio Biocêntrico.

A metodologia utilizada favoreceu aos participantes a identificação dos valores

pessoais e grupais responsáveis por muitos dos comportamentos discriminatórios adotados

nos locais de trabalho e possibilitou também que estes comportamentos ficassem

“pendurados”, ainda que temporariamente, criando espaços para uma nova forma de ver e

estar no mundo. Vistos à distância, reconhecidos através de conversas coletivas, de dados

sistematizados e compreendidos na sua origem cultural, foi possível uma sensibilização, um

descongelamento que permitisse a transformação.

É grande o número de pessoas que relatam os efeitos transformadores que o

programa traz em suas atitudes e comportamentos frente à vida.

Apesar da duração do curso ser de apenas dois dias podemos notar mudanças

significativas entre os participantes. Observamos por exemplo a harmonização e

desaceleração que vai se fazendo presente no decorrer dos trabalhos; a vinculação saudável

consigo mesmo, com o outro e com a natureza é visível; comentários advindos de uma

cultura impregnada de preconceitos dando lugar a reflexões mais ponderadas; posturas

geradoras de valores anti vida transmutadas para valorização de vida; resignificação de

48

atitudes e melhoria das relações sociais; a ampliação para uma consciência mais crítica

frente ao mundo e à vida e sobretudo, a integração afetiva e a confiança no potencial de

cura do ser humano.

Esses comentários podem ser ilustrados através de alguns relatos:

- “A percepção das diferenças nos leva ao conhecimento de nós mesmos. Respeitar

o outro é antes de tudo escrever a história da própria evolução nas páginas da vida”.

- “Estar orientando sobre as diversidades que vivemos é estimulante e nos abre os

olhos para nossas relações pessoais e profissionais”.

- “O curso nos mostrou uma visão dinâmica da vida. Mostra também como lidar

com preconceitos e ainda como construir um ambiente melhor dentro da empresa e dentro

de nossas casas”.

-“O curso resgata a dimensão simples de momentos de reflexão sobre a vida”.

- “Somos ignorantes sobre o assunto e o esclarecimento nos chama à reflexão da

forma de agir e viver”.

- “Esclarecer sobre as diversas formas de se ver o mundo e ao outro para melhorar

relacionamentos é de grande valia”.

- “Reavaliação de posturas, valores e atitudes”.

- “Reflexão do que somos e como estamos encaminhando a vida. Muito bom!”.

- “Fundamental para o aprimoramento pessoal e profissional de qualquer realidade”.

- “Descansar da rotina, possibilidade de refletir sobre nossos valores, troca de

experiências e de realidades e conhecer o outro lado das pessoas que profissionalmente

estão perto”.

- “Possibilita a compreensão maior sobre o tema e agrega valores que podem ser

aplicados tanto na vida profissional quanto na vida pessoal”.

-“Cria situações que nos levam a visualizar, a avaliar valores pessoais diante da

diversidade e assim, buscarmos ser melhores”.

- “Depois desse curso as pessoas saem mais ricas de conceitos e de vida”.

- “Curso precioso e que muda a vida pessoal e profissional, transforma”.

- “Todos devem saber como é normal ser diferente”.

49

- “Estimula a romper preconceitos arraigados”.

- “Abre novos horizontes e faz enxergar a vida e as pessoas de uma forma

diferente”.

- “Provoca boas reflexões sobre nosso olhar, sobre o mundo, sobre nossos valores,

sobre realidades e contextos em que vivemos”.

-“Estimula o desejo de mudanças no sentido de melhores

vínculos/relacionamentos/harmonia na empresa”.

- “Neste momento e no mundo em que vivemos, é chegada a hora de começarmos a

mudar pelo coração e pelo sentido. Chega de técnicas, tecnologia e fórmulas mágicas”.

- “Experiência pessoal única e brilhante. Oportunidade de relacionar, trocar,

interagir, refletir sobre nós mesmos e sobre o outro”.

- “Que este curso seja repassado para todos os níveis hierárquicos da PAX”.

- “Todos têm a obrigação de ter o acesso a conteúdos de valor como este”.

- “Nunca deixe de realizar a atividade inicial que é a construção do ninho. Nada

mais adequado de relembrar-nos o quanto a vida é frágil”.

- “Oportunidade única de entender que a diversidade na raça humana é que a faz

especial”.

Através dos relatos descritos acima podemos constatar a brecha que se abre para

novos posicionamentos nas relações consigo mesmo, com o outro e com a totalidade. Isto

parece ter se iniciado. E o que fazer a partir deste ponto?

Acreditando que é possível e preciso mudar, reforçar novos comportamentos em

direção a erradicar a discriminação e promover a diversidade criativa.

E prosseguir construindo pontes de aproximação em busca de maiores vínculos,

fazendo novas descobertas em si e nos companheiros e confirmando posturas biocêntricas...

sempre!

50

CAPITULO SETE: FINALIZANDO A HISTÓRIA

DE REPENTE...

Foi assim:

Caminhei, caminhei...

Agora só me resta prosseguir!

Niná Lígia

Na realização deste trabalho, com certeza, falamos e aprendemos muito sobre

diversidade, discriminação, preconceitos, minorias, mudança de paradigma, mas, sobretudo

aprendemos sobre o AMOR.

Amor no seu significado mais simples – dar atenção.

“Amar é dar atenção.

O que as pessoas querem umas das outras?

O que os filhos mais esperam receber dos pais?

Quando um animal reconhece alguém como seu verdadeiro dono?

O que faz com que colegas de equipe entrem em competição por um trabalho?

É praticamente impossível encontrar respostas a todas essas perguntas que não contenha a

palavra atenção como resposta.

Tudo que recebe atenção recebe também um quantum de amor”(Machado, J.1997, pág.

12).

Nós, seres humanos, somos seres de amor, nascemos do amor e para o amor. Como

diz Maturana: “Não somos animais políticos, somos animais cooperativos: o amor define

nossa espécie, somos homo sapiens amans”. Portanto falar de amor é falar de vida e dar

atenção é criar a vida. Trabalhar, construir, realizar, aprender tendo como finalidade o

amor, é a nossa crença, embasada no Princípio Biocêntrico. Acreditamos assim, que

somente o amor em forma de atenção e o respeito à vida, promoverão a confiança que as

pessoas e as organizações necessitam para o exercício da diversidade como uma nova

forma de sobrevivência.

Como seres de vida, não temos receitas prontas, muito menos desenhamos caminhos

de sucesso e realização nas organizações ou para as pessoas. O que possuímos é a fé

51

inabalável no ser humano e a amorosa disponibilidade de facilitar as pessoas a fazerem

novas descobertas em si, nos companheiros, nas organizações e na vida. E a partir daí,

promover encontros, construir pontes de integração, tornando assim mais coerentes e

legítimas suas visões, escolhas, valores e missões de vida.

Assim, nessa experiência de aplicação do Princípio Biocêntrico para a Diversidade

na empresa, em forma de atenção amorosa, o que nos dedicamos a fazer foi dar a

oportunidade a cada participante de fazer renascer a força do amor que pulsa em cada um,

ainda que muitas vezes ofuscada pela cultura e seus preconceitos, e a partir daí, abraçar a

diversidade com o entendimento vivencial e visceral de que todos somos um, que somos

interdependentes e nos completamos. E deste lugar que nos coloca a todos como únicos é

que podemos buscar dentro e além de “nossos muros”, aqueles que estão nos fazendo falta

para realizarmos, em parceria, nossos sonhos, desejos e objetivos.

“Só aquele que é o outro, nos mostra quem somos nós”.

Citação extraída do filme: Perfume de mulher

E essa busca do outro não é tarefa da Empresa, do RH, da Assistência Social. É de

cada um de nós. Buscamos o outro porque ele nos completa. O outro possui aquilo que não

temos e que por isso nos completa e nos é fundamental para a performance do nosso viver.

Precisamos de amor nas empresas. Precisamos expressar nossa crença na

diversidade como valor e como vantagem competitiva, precisamos de uma nova linguagem

capaz de promover a saúde, fortalecer o vínculo com a vida, repensar o conceito de sucesso

e lucro. Sobretudo é preciso romper com os paradigmas atuais e buscar um novo olhar

sobre nossas empresas e a sociedade em que ela está inserida, percebendo que é possível e

preciso inovar.

A semente foi lançada...

Só nos resta prosseguir, acreditando na história do amor possível!

52

Caminhar e ver.

Ver e cuidar.

Cuidar e viver.

Viver e aprender.

Aprender e usufruir.

Usufruir e desfrutar do prazer de viver.

No prazer de viver, a diversidade.

Na diversidade, vive o Princípio Biocêntrico.

Motivo da minha monografia.

Beleza maior!

Niná Lígia

53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• ANDRADE, Cássia Regina X. – Educação Biocêntrica: Vivenciando o

Desenvolvimento Organizacional – Fortaleza, Edição: ASCOM – Assessoria

de Comunicação Social/ banco do Nordeste - 2003

• ARAKAKI, Hélio – Atitude Samurai para a vida – Campo Grande, Oeste –

2004.

• BOFF, Leonardo – Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra –

Petrópolis, Vozes – 1999.

• BULGARELLI, Reinaldo – Valorização, promoção e Gestão da Diversidade

– Desafios para as organizações no século 21 – Revista MARKETING, Ed.

Referência Ltda – setembro de 2002, nº 356 – Ano37.

• CARAM, Cecília e COUTINHO, Beatriz – Cuidado: se você continuar

nesse caminho. Belo Horizonte, Ed. Crescer – 2000.

• CAVALCANTE, Ruth e outros – Educação Biocêntrica: um movimento de

construção dialógica – Fortaleza, Edições CDH - 2001.

• CORREA, Marcos Ozanam e SANT’ANA, Norma Ribeiro. A plicação da

biodanza no novo contexto organizacional. Monografia apresentada na

Escola de Biodanza Rolando Toro de Minas Gerais – Belo Horizonte, 2000.

• DIVERSIDADE – Guia Basf para Gestores e Equipe.

• FERREIRA, Heraldo Simões. A Ética do saber cuidar de Leonardo Boff:

uma aplicação à Educação Física Escolar. Artigos. UECE, Fortaleza/ Ceará.

• FLORES, Feliciano E.V. Biologia, Ecologia, Biodança. Monografia

apresentada na Escola Gaúcha de Biodança, Porto Alegre, BR, 1994.

• MACHADO, Júlio César F. – Amor e Mudança. Belo Horizonte – Fênix –

1997.

• TORO, Rolando Araneda - Coletânea de Textos - Teoria da

Biodança - Tomos I e II – Fortaleza: Editora ALAB - 1991.

• VIOTTI, Liliana S. e CARVALHO, Gerson B. - A Empresa no Tempo do

Amor – Biodanza nas Organizações. Belo Horizonte, Fênix - 1997.

54

ANEXO

INFORMAÇÕES SOBRE TEMAS DISCRIMINATÓRIOS

Gênero:

Quando voltamos na história, a questão de gênero e o papel destinado às mulheres,

percebe-se que a tradição patriarcal legou ao gênero feminino uma condição de

subordinação que só nas décadas mais recentes tem sido alterada. A inferiorização das

mulheres se manifesta em diferentes esferas da vida, especialmente nas relações de

trabalho. Observamos ocupações de cargos da mesma natureza, com tratamento e

valorização diferenciados, sem razões objetivas que as justifiquem.

Segundo o IBGE, em 2006 as mulheres correspondiam a 51,3% da população,

somando 43,5% da população economicamente ativa do país. Entretanto, apesar da

participação crescente, as mulheres ainda trabalham em condições piores que as do homem

e ocupam menos funções qualificadas.

Em pesquisa nas 500 maiores empresas do Brasil em 12/2007, a participação das mulheres

em cargo executivo é de 11,5%, enquanto homens ocupam 88,5%. No quadro gerencial,

mulheres 31% e homens 69%.

Cerca de 12 milhões de mulheres trabalham em condições precárias e muitas dessas,

na ocupação informal, 4,8 milhões são empregadas domésticas. Por outro lado, cerca de

25% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres.

“Não julgue alguém antes de ter calçado seus sapatos”.

Provérbio dos índios americanos

Raça e Etnia:

A colonização européia promoveu, em larga escala, o extermínio das populações

indígenas que aqui habitavam. De um total estimado em 6 milhões de pessoas no século

XVI, os povos indígenas foram reduzidos a um contingente que hoje soma 480 mil

remanescentes que vivem em suas terras e conseguiram preservar suas línguas e costumes,

enquanto outros 120 mil encontram-se residindo em diversas capitais do país. De mil

55

povos, atualmente encontramos, no território brasileiro, 227 povos falantes de mais de 180

línguas diferentes.

A escravidão negra também deixou cicatrizes indeléveis, que ainda repercutem nas

desigualdades e preconceitos existentes. O preconceito racial persiste em nossa cultura,

ainda que de forma menos específica que a de outros povos num comportamento que já foi

denominado de “racismo cordial”.

O final da escravidão não aboliu as práticas e valores escravistas da sociedade. Após

a libertação os negros livres permaneceram, de modo geral, ocupando as posições mais

subalternas e não tiveram condições de disputar as oportunidades de trabalho oferecidas

pela economia do início da república, na maioria destinadas às novas levas de imigrantes

europeus. Esse foi um fator determinante para que no presente, os negros permaneçam

como o principal contingente das camadas pobres do país, reafirmando o estigma da

servidão do passado. O mapa da população negra do mercado do DIEESE mostrou que os

negros recebem salários menores que os brancos, ocupam a maior parte dos postos de

trabalho precários, estão mais sujeitos ao desemprego e mais distantes dos cargos de chefia.

A pesquisa foi realizada em seis regiões metropolitanas brasileiras e constatou que a taxa de

desemprego entre os negros, em relação aos brancos chega a ser 45% maior em Salvador e

41% maior em São Paulo.

Segundo a pesquisa os maiores salários ficam com os homens brancos seguidos

pelas mulheres brancas, que por sua vez recebem salários maiores que os homens negros. O

último lugar da escala salarial é das mulheres negras, vítimas de duplo preconceito.

Em pesquisa nas 500 maiores empresas do Brasil em 12/2007 a participação de

negros em cargo executivo é de 3,5%, enquanto os brancos ocupam 94.5%. No quadro

gerencial, negros 9% e brancos 89%.

Mas há dois aspectos positivos a registrar: o aumento da parcela de negros, de 2005

para 2007, dentro da mesma pesquisa, nos quadros de supervisão (de 13,5% para 17,4%) e

de gerência (de 9% para 17%) e a queda no número de não respostas ao quesito cor ou raça,

que passavam de 20% no estudo anterior e não excedem agora os 8,1% apurados a

propósito do quadro executivo.

Os preconceitos contra negros e mulheres estão enraizados na sociedade brasileira e

deve-se sempre considerar que os preconceitos manifestam-se de muitas maneiras.

56

No Brasil, além do preconceito contra negros e outras raças, é reconhecida a

existência, por exemplo, de uma cultura discriminatória na região sudeste especialmente,

em relação a migrantes nordestinos, ou nas áreas fronteiras com o Paraguai, em relação a

trabalhadores imigrantes daquele país.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou

ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a

odiar, podem ser ensinadas a amar.”

Nelson Mandela

Pessoas com deficiência:

A discriminação contra pessoas com deficiência (PCD) remonta a Idade Antiga

onde a deficiência era comparada a um fardo ou à morte. Nessa época, às pessoas com

deficiência era atribuída a idéia de castigo ou a de possuir poderes sobrenaturais. Já na

Idade Média foram reforçadas as idéias de incapacidade e de improdutividade, restando às

pessoas com deficiência, então, as alternativas da esmola e mendicância. De modo que as

pessoas com deficiência que não se enquadrassem nessa realidade estariam,

automaticamente, excluídas. Todavia, surge nesta fase, por meio da Igreja, a assistência

social às pessoas com deficiência.

O final da II Guerra Mundial marcou o início de uma preocupação para com as

pessoas com deficiência porque, como saldo da guerra restou famílias órfãs, um caos

econômico e um grande número de indivíduos mutilados, ou seja, indivíduos com

deficiência motora, sensorial e intelectual. Nessa época surgem tecnologias assistivas e

técnicas especializadas, objetivando colaborar com a reabilitação e reintegração dos

indivíduos com alguma deficiência em todos os setores da vida.

A fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), em1945 deu início ao

processo de integração social dessas pessoas.

Em 1948, foi adotada e proclamada pela Assembléia Geral da ONU a Declaração Universal

dos Direitos Humanos que no seu art. 23 estabelece o trabalho como direito humano

fundamental. Esse foi outro grande passo na aplicação da diversidade.

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O ano de 1981 foi declarado pela ONU o Ano Internacional das Pessoas com

Deficiência. Nota-se a partir daí o início da preocupação com o bem estar e a qualidade de

vida das pessoas com deficiência. Registra-se, portanto, o começo da ruptura de um

paradigma.

No Brasil, com o governo Getúlio Vargas (1930 -1945) começou-se a pensar numa

participação mais efetiva das pessoas com deficiência na sociedade no que tange a

educação, reabilitação, profissionalização e inserção no mercado de trabalho.

Nos anos 50, quando o Brasil passa a viver uma fase de desenvolvimento pleno com uma

indústria voltada para a produção de bens de consumo duráveis, pela implantação da

indústria automobilística e a chegada das multinacionais, há o surgimento de muitos

empregos, o que, por sua vez, criou a possibilidade de compatibilizá-los às potencialidades

das pessoas com alguma deficiência.

Posteriormente, vigorou o período do asilismo. Sua marca residiu nos antigos

manicômios em que as pessoas vistas como “diferentes” (loucos, deficientes intelectuais,

indigentes, entre outros) eram excluídas, medicadas e apartadas da vida em sociedade. Era

o ícone da exclusão social através do confinamento.

Em seguida passa a se acentuar a prática do assistencialismo. As pessoas com

deficiência foram reconhecidas como seres com necessidades, porém marcadas pelo

estigma da dificuldade e da impossibilidade. Foi-lhes concedido o direito a vários serviços

de reabilitação, educação e trabalho, mas sempre em ambientes protegidos e feitos

especialmente para elas. As palavras de ordem eram “proteção” e “piedade”. O incentivo ao

assistencialismo por décadas, foi determinante na rotulação de pessoa com deficiência.

Considerados apenas pela limitação e não pela competência, são impedidos de usufruir seus

direitos e ocupar seu espaço social. Muitos deficientes são ainda mantidos isolados por

preconceitos da própria família.

Evoluindo um pouco mais, o período seguinte foi o da Integração – processo de

preparação e inserção de pessoas com deficiência na sociedade, mas somente aquelas que

fossem consideradas aptas ou capazes de conviver numa sociedade cheia de barreiras

arquitetônicas e atitudinais.

Em 1962, nos Estados Unidos e em 1979, no Brasil, surgem movimentos em defesa

dos direitos das pessoas com deficiência. Surge, a partir daí, o conceito de “equiparação de

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oportunidade” que significa tornar acessíveis para qualquer pessoa, todos os sistemas gerais

da sociedade, em contraposição à prática de construir subsistemas separados para as

pessoas com deficiência.

Na década de 90 surge o paradigma da Inclusão. Esse paradigma inspira a sociedade

nas modificações estruturais e conjunturais que ela precisa efetuar nos seus sistemas

sociais, a fim de que qualquer pessoa tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus

direitos e deveres dentro da comunidade que, cada vez mais, vai se tornando acessível, sem

barreiras de nenhuma ordem.

O período da Inclusão traz como referência o “Modelo Social” que tem como uma de suas

premissa a adaptação da sociedade aos indivíduos, com ou sem deficiência. Hoje, a

inclusão de pessoas com deficiências é um direito assegurado por um conjunto de leis no

que diz respeito não só à inserção no mercado de trabalho, mas também ao convívio social.

Entre as diversas leis criadas podem ser destacadas:

- Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989: assegura às pessoas com deficiência o pleno

exercício dos direitos individuais e sociais, os valores de igualdade, a justiça social e o

respeito à dignidade da pessoa humana, afastando as discriminações e os preconceitos.

- Lei 8.213, de 24 de julho de 1991: conhecida como a “lei de Cotas”, dispõe sobre

os planos de benefícios da Previdência Social. Determina que as empresas com mais de

cem empregados contratem pessoas com deficiência, segundo os seguintes percentuais: De

100 a 200 empregados – 2% do percentual de vagas; de 201 a 500 – 3%; de 501 a 1000 –

4% e de 1001 ou mais – 5% (este é o caso da PAX). Esta lei tem o mérito de oferecer às

pessoas com deficiência uma maior socialização, obtenção de conhecimentos, aspectos da

cidadania, proporcionando-lhes uma elevação da auto-estima e da independência.

- Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999: regulamenta a Lei 7.853, dispondo

sobre a política nacional para a integração da pessoa com deficiência.

- Decreto 5.296 de 02 de dezembro de 2004: estabelece critérios para se definir

quais são as deficiências para fins da Lei de Cotas.

Assim percebemos uma evolução do posicionamento e da participação dessas

pessoas na sociedade. Hoje estas pessoas representam um impacto considerável na

economia de qualquer país, quando estão trabalhando formalmente.

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No caso do Brasil, pesquisas revelam e comprovam os altos índices de

produtividade, assiduidade, pontualidade, companheirismo, criatividade e segurança contra

acidentes, apresentados por pessoas com deficiência em qualquer nível hierárquico e em

qualquer área funcional.

Embora a inclusão de pessoas com deficiência seja hoje uma realidade, ainda está

longe de assegurar o pleno emprego. É inegável que a força da Lei de Cotas contribui

fortemente para o preenchimento de vagas, porém este número é ainda muito pequeno

diante do contingente de pessoas com deficiência desempregadas no País. De acordo com o

Censo do IBGE, o Brasil possuía em 2000 um total de 24,6 milhões de pessoas com

deficiência, isto é, 14,5% da população. Deste contingente, 15,22 milhões tinham entre 15 e

59 anos, ou seja, estavam em idade de atuar no mercado de trabalho. Porém, apenas 51%

(7,8 milhões de pessoas) estavam trabalhando. Um outro dado revelador é de que, dentre

esta população, apenas 3,9% encontrariam trabalho se a legislação fosse cumprida

plenamente.

Em pesquisa nas 500 maiores empresas do Brasil a participação de pessoas com

deficiência em cargo executivo é de 1%, enquanto as pessoas sem deficiência ocupam 99%.

No quadro gerencial, PCD ocupam 0,4% e pessoas sem deficiência 99,6%.

“Não fosse por nossa concepção de pesos e medidas, sentiríamos o mesmo

deslumbramento ante o vagalume e o sol”.

Kalil Gibran

Idosos:

Em 2000 a população brasileira era de 14,5 milhões de pessoas. A previsão é de que

em 2020 a população idosa será superior a 30 milhões de pessoas.

A atenção para a diversidade na composição etária do quadro de funcionários pode

constituir uma oportunidade para a empresa encontrar soluções criativas na ocupação de

funções específicas. A reincorporação produtiva de idosos, normalmente sem acesso a

oportunidade de trabalho, tem forte repercussão social e permite usufruir os conhecimentos

que a experiência de trabalho e de vida lhes proporcionou. Tradicionalmente, as chances de

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emprego vão caindo de forma gradativa depois dos quarenta anos, em especial para cargos

executivos.

Em pesquisa de 12/2007 nas 500 maiores empresas do Brasil a participação de

pessoas com 56 anos ou mais em cargo executivo é de 16, 2%, enquanto as pessoas entre

46 e 55 anos é de 39,6%. No quadro gerencial, pessoas com 56 anos ou mais ocupam 5,6%

e pessoas 46 e 55 anos é de 31,4%. Observa-se aqui que houve um crescimento nestes

percentuais em relação à mesma pesquisa feita em 2005 quando o quadro executivo

correspondia a 11,9% e o quadro gerencial á 2,2% na mesma faixa etária.

“O ancião tem o direito de evocar o seu passado e de sorrir pensando em seu futuro”.

D. Paulo Evaristo Arns

Homossexuais:

Numa pesquisa feita pelo IBGE em dezembro de 2007 em 129 municípios

brasileiros, excetuando aí os maiores municípios do país, o Brasil possui 17.560 pessoas

que declararam ser homossexuais. Apesar de ser um número expressivo corresponde

somente a 0,2% da população brasileira. Estima-se que representem 6,6% da população do

país, totalizando 12 milhões de pessoas. Diversos estudos estimam que pessoas com

orientação homossexual representem 5 a 10% da população mundial. 60% dos

homossexuais declarados no Brasil têm escolaridade entre ensino médio e superior.

A parada do orgulho GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) em São

Paulo em 2007 foi responsável por 17% de todo o turismo anual da cidade. Trouxe à cidade

700 mil turistas e movimentou 240 milhões de reais. Pesquisas mostram também que

homossexuais gastam 3 vezes mais em turismo convencional.

São muitos os mitos que envolvem a homossexualidade em nossa sociedade. E é

natural que assim o seja, já que os próprios homossexuais, com medo da rejeição da

família, dos amigos e da sociedade em geral, e por se sentirem culpados pela sua

“diferença”, tendem a esconder seus verdadeiros sentimentos e desejos e levar uma vida

quase clandestina. Dessa forma, acabam reforçando as fantasias, os estereótipos e os mitos.

Também as religiões, de um modo geral, por condenarem a homossexualidade como não

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“natural”, contribuem e muito para esse isolamento e o conseqüente fortalecimento dos

preconceitos.

Desde 1973 a homossexualidade deixou de ser considerada doença ou desvio de

conduta. Trata-se apenas de uma forma diferente de manifestação da sexualidade, presente

em todas as sociedades e culturas ao longo da história da humanidade. Homossexuais têm a

orientação do desejo sexual voltada para pessoas do mesmo sexo.

Ninguém escolhe ser homossexual. O desejo emocional e sexual por pessoas do

mesmo sexo surge espontaneamente, da mesma forma que acontece com os heterossexuais.

O que as pessoas podem escolher é se irão ou não ter comportamentos homossexuais. Uma

coisa é a orientação homossexual (desejo, atração física e emocional), outra é o

comportamento homossexual (relações amorosas e/ou sexuais com parceiros do mesmo

sexo).

É importante distinguir orientação sexual (desejo/atração) de identidade sexual

(identificação psicológica com um determinado sexo) e papel sexual (comportamentos

socialmente atribuídos ao sexo). A maioria dos homossexuais sente-se perfeitamente

identificada com seu sexo biológico e não deseja trocar. Apenas sentem-se atraídos física e

emocionalmente por pessoas do mesmo sexo. Uma situação bem diferente da dos

transexuais, que se identificam psicologicamente com o sexo oposto ao seu sexo biológico.

A maior dificuldade que o homossexual enfrenta é a auto-aceitação da sua

orientação sexual. Normalmente ele cresce com muito medo de que seu “segredo” seja

descoberto, fica angustiado por não saber exatamente o motivo da sua “diferença” e

culpado por sentir desejos considerados “não naturais”. Isso é mais grave na adolescência.

Uma pesquisa feita nos Estados Unidos com 194 jovens homossexuais entre 15 e 21

anos, sendo 142 homens e 53 mulheres, revela um índice de 42% de tentativas de suicídio.

Uma vez que consiga superar essas dificuldades, aceitar sua natureza, criar vínculos com

outros homossexuais e se ajustar à sociedade, a maioria dos homossexuais é capaz de

desenvolver uma vida plena e satisfatória.

No que diz respeito à adoção de filhos por casal homossexual, há inúmeros estudos

indicando que não há nenhuma diferença significativa nos índices de ajustamento de uma

criança em função da orientação sexual dos pais. Também não há nenhuma evidência

científica da influência da orientação sexual dos pais na orientação da criança. Se isso fosse

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verdade não haveria homossexuais filhos de heterossexuais. As dificuldades relatadas por

pais homossexuais e filhos de homossexuais se referem ao preconceito e à intolerância da

sociedade.

“Se eu for como todo mundo, quem será como eu”?

Provérbio de origem judaica

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