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Primeiros Ensaios Econômicos Publicação do Programa de Ensino Tutorial (PET) de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná ISSN 2175-9022

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PrimeirosEnsaios

EconômicosPublicação do Programa de Ensino Tutorial (PET) de Ciências

Econômicas da Universidade Federal do Paraná

ISSN 2175-9022

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3Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR

Expediente

Editores Responsáveis:Fabiano Abranches Silva DaltoIara Vigo de Lima

Editores Associados:Alexandre Possidente TaveiraNelson Nei Granato NetoAdriana KrainskiNewton GraciaRonald Wegner NetoPaulo Roberto Liberti TippaDanielle Cristina GuizzoLeonel Toshio ClementeGuillermo José Mateo LederErick AguilarFabean Augusto Nadolny BatistaOtávio Jr. BarancelliValéria Faria dos SantosCarla Zwierzchaczewski KussDenise Ton TiussiLeonan Novaes

Revisão e editoração eletrônica:Leonel Toshio ClementeErick AguilarRonald Wegner Neto

CapaLeonel Toshio Clemente

Endereço para correspondência:PET – EconomiaAv. Prefeito Lothário Meissner, 632 – Jardim BotânicoFone: (41) 3360-4475Curitiba - ParanáEndereço eletrônico: [email protected] r Sítio eletrônico: www.pet-economia.ufpr.br/

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Dedicado à Professora Iara Vigo de Lima

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SumárioEditorial.........................................................................................................9

A queda tendencial da taxa de lucro: evidência empírica e estimação para o caso dos EUA...........................................................11Alexandre Possidente TaveiraGuilherme Hideo Assaoka HossakaLeonel Toshio Clemente

Política Monetária de Metas: a evidência chilena no período de 2001 a 2007...................................................................................................21Augusto Emanuel Laurindo

O empresário inovador: Sua importância, características e habilidades..................................................................................................37Giovanna Scheleder Ferraz

Os Efeitos “Pré-Sal” e a polêmica da regulação.............................53Danielle Cristina GuizzoMarcio José Vargas da Cruz

Inflação, dinheiro e política monetária: Uma tentativa de análise marxista.......................................................................................................65Nelson Nei Granato Neto

Entrevista Com Mario Cimoli...............................................................73

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Editorial

Estamos muito orgulhosos de apresentar a vocês o Primeiros Ensaios Econômicos, o periódico do Programa de Educação Tutorial (PET) do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná.

O Primeiros Ensaios Econômicos é dedicado à publicação de artigos, de resenhas e de outros escritos produzidos por alunos de programas PET e de graduação de Economia do Brasil. Nosso objetivo com esse projeto é o de estimular a pesquisa entre acadêmicos iniciantes e de disseminar seus resultados. Nós, sinceramente, acreditamos que este é mais um importante instrumento de formação para aqueles que constituirão a futura academia deste país.

O Primeiros Ensaios Econômicos emerge da concepção filosófica do próprio Programa PET de estimular a melhoria da qualidade acadêmica da graduação, de disseminar os conhecimentos adquiridos nas atividades e discussões desenvolvidas pelo grupo e de aumentar a interação do grupo com os demais alunos de graduação. Pretende, ainda, constituir-se num veículo facilitador de maior integração entre os alunos de graduação em economia de todo o país.

Este primeiro número resulta do esforço conjunto do grupo de estudantes e dos tutores do PET-Economia da Universidade Federal do Paraná de 2008.

Tão logo iniciamos o projeto, tivemos o apoio de vários colegas. Primeiro, de vários dos professores do Departamento de Economia da UFPR. Da mesma forma, contamos com o incentivo de tutores dos demais PET-Economia do Brasil pela iniciativa – vários, inclusive, também participaram diretamente da construção do periódico enviando artigos de seus alunos e avaliando os escritos submetidos ao periódico. Ficamos profundamente gratos a todos esses colegas pela estimulante recepção dada ao nosso projeto e a todos os que enviaram artigos.

Que o Primeiros Ensaios Econômicos seja bem-vindo e que cumpra seus objetivos!

Longa vida ao Primeiros Ensaios Econômicos!

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A queda tendencial da taxa de lucro: evidência empírica e estimação para o caso dos EUA*

Alexandre Possidente Taveira**

Guilherme Hideo Assaoka Hossaka***

Leonel Toshio Clemente****

RESUMO - O objetivo deste artigo é demonstrar a vitalidade teórica do pensamento de Marx, utilizando-se de instrumentos econométricos para estimar o poder explicativo de um modelo central em sua análise: a lei da queda tendencial da taxa de lucro. E, dessa forma, dar uma maior consistência empírica para a discussão acerca desse modelo teórico que mantém sua relevância histórica como fator explicativo de crises.

1 INTRODUÇÃOEm 1964, o expressivo economista polonês Michal Kalecki

afirmou que o modelo econométrico e o materialismo histórico são abordagens distintas, mas não irreconciliáveis. Segundo ele, “os esquemas de reprodução de Marx nada mais são do que modelos econométricos simples”(KALECKI, 1980).

Se, por um lado, é verdade que a matemática e a modelização, na ciência econômica, estiveram estreitamente ligadas à evolução da teoria neoclássica hegemônica, por outro, a abdicação por parte dos marxistas deste instrumental tornou esta corrente de pensamento ainda mais marginalizada dentro da Economia e afastou-a de vários debates econômicos. Percebendo isso, vários economistas marxistas começaram a desenvolver trabalhos utilizando mais extensivamente a análise econométrica e sem se furtarem ao debate sobre os problemas econômicos mais atuais. Esses economistas, como Anwar Shaikh e Fred Moseley, fizeram diversos estudos testando e estimando os * Agradecemos o Prof. Dr. Ademir Clemente e Prof. Dr. Claus Magno Germer, e os mestrandos Geraldo Augusto Staub Filho e Leonardo de Magalhães Leite, pelos importantes conselhos e contribuições. As pessoas e instituições aqui citadas não são responsáveis pelas opiniões dos autores.**Graduando do Curso de Ciências Econômicas da UFPR e membro do PET/Economia.***Graduando do Curso de Ciências Econômicas da UFPR, Coordenador Geral do CACE e bolsista de Iniciação Científica pela UFPR/TN.****Graduando do Curso de Ciências Econômicas da UFPR e membro da equipe técnica do Boletim Economia e Tecnologia da UFPR.

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modelos desenvolvidos por Marx que, como os esquemas de reprodução lembrados por Kalecki, são muitos em sua análise do capitalismo. Um desses modelos é a “Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro”, considerada pelo próprio Marx a mais importante da economia política, pois é a “lei” que prevê a tendência de depressão dos lucros devido à mudança tecnológica.Esse modelo, como veremos, deságua na explicação sobre as crises econômicas e esteve no centro do debate, entre os marxistas, sobre a estagnação americana da década de 80. O objetivo deste artigo, portanto, é ver como se comporta estatisticamente esse modelo teórico marxiano, tomando como amostra o período pós-guerra da economia norte-americana.

2 A QUEDA TENDENCIAL DA TAXA DE LUCROA Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro é um dos pontos

centrais da análise econômica de Marx; na realidade, é um dos corolários do seu desenvolvimento teórico, posto que pressupõe todo o desenvolvimento anterior formulado por ele e exposto ao longo de O Capital, como as teorias do valor trabalho e da mais-valia, a composição orgânica do capital e a transformação da mais-valia em lucro.

A força que anima o movimento da acumulação de capital e da sociedade capitalista como um todo é a busca pelo lucro; a “ganância e a guerra entre os gananciosos, a concorrência” (MARX, 1844). Assim, para sobreviver na “guerra”, os capitalistas buscam ampliar sua margem de lucro, aumentando a produtividade de seus operários (principalmente por meio da mecanização) e reduzindo os custos unitários de produção. Essa redução de custos, a principal arma do capitalista na concorrência, é gerada por economias de escala resultantes de avanços técnicos que demandam investimentos cada vez maiores e mais intensivos em capital fixo. Isso explica a tendência histórica no capitalismo de aumento na composição orgânica do capital, que é a razão entre o capital constante e o capital adiantado, ou seja, c/(c+v), em que c é o capital constante (meios-de-produção) e v é o capital variável (massa de salários). Dessa forma, a composição orgânica mede a proporção dos gastos em capital constante em relação aos salários.

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Naturalmente, sendo a taxa de lucro igual a l/(c+v) e sendo l a massa de lucros, um investimento cada vez maior em capital constante leva, ceteris paribus, à diminuição da taxa média de lucro. Assim a própria tecnologia, que é adotada pelo capitalista com intuito de obter mais lucro, acaba ocasionando uma queda na taxa média de lucros da economia. Pode-se objetar que um aumento na taxa de mais-valia (pelo acréscimo na produtividade do trabalhador) acarreta o efeito contrário: crescimento da taxa de lucro. Ao fim, o movimento real é definido pela relação entre a variação da composição orgânica e da taxa de mais-valia: se a primeira cresce proporcionalmente mais do que a última, a taxa de lucro cai, do inverso, ela sobe. Para Marx, a tendência dominante no desenvolvimento do capitalismo é a queda da taxa média de lucro. É precisamente essa proposição da teoria marxista que pretendemos avaliar estatisticamente neste artigo.

3 TAXA DE LUCRO, MASSA DE LUCRO E CRISE.Para o fim pretendido nesta exposição, centramos a análise ao

caso da economia dos Estados Unidos no pós-guerra. A escolha tem duas razões principais: primeiro, a facilidade com os dados e sua rigorosidade, que serão abordadas mais adiante; segundo, o período particular de 1947 até 1977 representa, para a economia americana, o desenvolvimento de toda uma “onda longa” de expansão e sua conseqüente retração e crise, que esteve no cerne dos debates marxistas sobre a taxa de lucro e sua relação com as crises.Como dissemos, a “lei da queda tendencial da taxa de lucro” é um fator central na análise econômica de Marx, isso porque ela leva, inexoravelmente, à crise. Devemos nos lembrar que sendo uma tendência, a taxa de lucro decrescente não ocorre sempre, entretanto sempre que ela predominar sobre outros fatores o resultado será uma crise. Isso porque ela tem um efeito deprimente sobre a massa de lucros, que tem o seu crescimento reduzido até estancar, quando se precipita a crise. Esta não é uma crise conjuntural de curto prazo, mas uma crise generalizada do sistema, fazendo-o entrar em uma “onda longa” recessiva. Os mecanismos de recuperação do sistema são a eliminação das empresas frágeis (concentrando e centralizando o capital) e a intensificação da exploração sobre o trabalhador. É nessa conjuntura que a intensificação da luta de classes pode levar à derrubada do sistema, caso os trabalhadores se organizem em torno

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de uma “consciência de classe” (SHAIKH, 1991). Por isso Marx a chamou de “a lei mais importante da economia política” (SHAIKH, 1991).

Baseados nesses pressupostos, muitos marxistas passaram a analisar o movimento da taxa de lucro no período pós-guerra e sucedeu-se um debate sobre a recessão americana dos anos 80 tendo como explicação a taxa de lucro decrescente. Mas as raízes da estagnação econômica são buscadas muito antes, a partir de 1965, quando a taxa de lucro começa a decair. E como observou o economista belga Ernest Mandel, “a passagem de uma onda longa ascendente para uma onda longa de crescimento descendente, a partir de 1967, é comprovada pela desaceleração na produção industrial nos países 'centrais' do capitalismo”(MANDEL 1982). A relevância atual da análise está em que como resultado da estagnação econômica da década de 80, o capitalismo parece ter entrado em um período qualitativamente novo, este, classificado e propagado em quase todos os meios como globalização (ou globalização neoliberal), em que podem ser vistos os sintomas clássicos do mecanismo de recuperação da dinâmica capitalista expostos por Marx. Assim, por exemplo, observa-se a conjunção do aumento da exploração nos países desenvolvidos (nos últimos anos, a produtividade do trabalho nos Estados Unidos tem crescido mais do que o nível dos salários reais, enquanto trava-se uma luta intensa pelo aumento da carga horária em vários países europeus) e a migração do capital para regiões de mão-de-obra e recursos naturais mais baratos, o que seria uma forma de tentar frear a queda dos lucros. Por enquanto, essas estratégias parecem ter tido sucesso, mas com a recessão mundial que se vê, talvez seja necessário mais uma vez ressuscitar o debate acerca da “lei da queda tendencial da taxa de lucro”, uma vez que alguns autores, como John Bellamy Foster afirmam que a crise desde os anos 70, ainda não acabou, e que o capitalismo estaria, na realidade em uma crise estrutural profunda.

4 VARIÁVEIS MARXIANAS E MODELIZAÇÃOUm dos economistas que se debruçaram sobre o assunto da

taxa de lucro foi Fred Moseley que, em seu trabalho intitulado The Falling Rate of Profit in the Postwar U.S. Economy, fez diversas estimativas das variáveis marxianas para o período entre 1947 e 1987. Como há enorme dificuldade em se encontrar dados agregados econômicos relativos aos conceitos marxianos (por exemplo, é quase impossível

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estimar precisamente a composição orgânica para o Brasil), utilizou-se os dados apresentados por esse autor para a economia norte-americana no pós-guerra, também porque Moseley faz um tratamento rigoroso para adequar os dados mais precisamente aos conceitos originais formulados por Marx, dando mais precisão à estimação. Porém o próprio autor reconhece que ainda restam problemas nas estimativas, em função, principalmente, da dificuldade em separar a categoria marxista de trabalho produtivo do trabalho improdutivo (somente o primeiro entra no cálculo da mais-valia). Além disso, a análise marxista somente é válida para o sistema capitalista como um todo, enquanto os dados se restringem aos Estados Unidos. Nesse sentido pensou-se que, ao menos, a economia americana é o centro dinâmico do sistema, representando melhor as suas tendências históricas. O modelo seria, provavelmente, muito problemático se aplicado à economia brasileira.

Uma vez que no, modelo marxiano, o movimento final da taxa de lucro é determinado pela relação entre a taxa de mais-valia e a composição do capital, o modelo foi estimado tendo a taxa média de lucro como variável dependente a ser explicada pelas outras duas variáveis. Utilizaram-se, como correspondentes aos conceitos teóricos de Marx, as estimativas de Moseley de RS (Rate of surplus-value), AOCC (adjusted organic composition of capital) e ARP (adjusted rate of profit) para os Estados Unidos no período de 1947 até 1977.

A primeira variável, RS, representativa da mais-valia, corresponde, em grosso modo, ao valor adicionado menos a massa de salários, o que daria a mais-valia total, que é então dividida pela mesma massa de salários para dar a taxa de mais-valia1. A composição orgânica do capital é obtida dividindo-se o estoque anual de capital constante pelo valor adicionado2. O ARP (a taxa de lucro) é dada em termos marxistas (diferentemente da taxa de lucro convencional), sendo considerada como a massa de mais-valia sobre o capital total adiantado (constante mais variável)3. Destaca-se, ainda que os dados levem em conta apenas o trabalho considerado produtivo por Marx (por exemplo, para estimar a massa salarial), o que exclui setores como o comércio. Por fim, como nós queremos relacionar as flutuações das variáveis, estimou-se o modelo em uma função logarítmica.

1 RS= (N-V)/V, sendo N, “new-value” e V, “variable capital”.2 OCC= C/N.3 S/C, em que S é a massa de mais-valia (Surplus-value= N-V).

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5 A ESTIMAÇÃO DO MODELOPara explicar ARP (Cyclically Adjusted Rate of Profit), foi

utilizada uma amostra com 31 elementos das variáveis AOCC (Cyclically Adjusted Organic Composition of Capital) e RS (Rate of Surplus-Value), em português:

ARP – Taxa Ciclicamente Ajustada de Lucro média da economia;

AOCC – Composição Orgânica do Capital Ciclicamente Ajustada da média da economia;

RS – Taxa de Mais-Valia média da economia.

Plotando os dados, notamos facilmente uma relação negativa entre ARP e AOCC e positiva entre ARP e RS.

GRÁFICO 1 – VARIÁVEIS RS, AOCC E ARP: Variáveis em índice: 1947=100%

0

20

40

60

80

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120

140

160

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1957

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1961

1963

1965

1967

1969

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1973

1975

1977

RS AOCC ARP

Na regressão, optou-se pelo modelo log-linear com a finalidade de se evitar problemas de heterocedasticidade e multicolinearidade, e de exprimir os valores dos coeficientes angulares parciais como elasticidades.

Os dados utilizados estão na planilha seguinte:

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DADOS DE RS, AOCC E ARP NO PERÍODO DE 1947 ATÉ 1977 (MOSELEY):

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Período RS Índice AOCC Índice ARP Índice ln(ARP) ln(AOCC) ln(RS)1947 1,4 100 1,38 100 0,43 100 -0,844 0,322 0,3371948 1,35 96,429 1,42 102,899 0,41 95,349 -0,892 0,351 0,31949 1,5 107,143 1,29 93,478 0,47 109,302 -0,755 0,255 0,4061950 1,42 101,429 1,52 110,145 0,39 90,698 -0,942 0,419 0,3511951 1,44 102,857 1,48 107,246 0,4 93,023 -0,916 0,392 0,3651952 1,41 100,714 1,46 105,797 0,4 93,023 -0,916 0,378 0,3441953 1,35 96,429 1,5 108,696 0,38 88,372 -0,968 0,406 0,31954 1,46 104,286 1,42 102,899 0,42 97,674 -0,868 0,351 0,3781955 1,51 107,857 1,49 107,971 0,4 93,023 -0,916 0,399 0,4121956 1,44 102,857 1,57 113,768 0,38 88,372 -0,968 0,451 0,3651957 1,5 107,143 1,54 111,594 0,39 90,698 -0,942 0,432 0,4061958 1,59 113,571 1,46 105,797 0,42 97,674 -0,868 0,378 0,4641959 1,61 115 1,46 105,797 0,42 97,674 -0,868 0,378 0,4761960 1,62 115,714 1,42 102,899 0,44 102,326 -0,821 0,351 0,4821961 1,68 120 1,38 100 0,46 106,977 -0,777 0,322 0,5191962 1,71 122,143 1,37 99,275 0,46 106,977 -0,777 0,315 0,5371963 1,71 122,143 1,37 99,275 0,46 106,977 -0,777 0,315 0,5371964 1,73 123,571 1,37 99,275 0,46 106,977 -0,777 0,315 0,5481965 1,73 123,571 1,43 103,623 0,44 102,326 -0,821 0,358 0,5481966 1,72 122,857 1,45 105,072 0,44 102,326 -0,821 0,372 0,5421967 1,72 122,857 1,43 103,623 0,44 102,326 -0,821 0,358 0,5421968 1,69 120,714 1,45 105,072 0,43 100 -0,844 0,372 0,5251969 1,62 115,714 1,5 108,696 0,41 95,349 -0,892 0,406 0,4821970 1,61 115 1,48 107,246 0,42 97,674 -0,868 0,392 0,4761971 1,71 122,143 1,47 106,522 0,43 100 -0,844 0,385 0,5371972 1,67 119,286 1,53 110,87 0,41 95,349 -0,892 0,425 0,5131973 1,59 113,571 1,65 119,565 0,37 86,047 -0,994 0,501 0,4641974 1,55 110,714 1,9 137,681 0,32 74,419 -1,139 0,642 0,4381975 1,71 122,143 1,73 125,362 0,36 83,721 -1,022 0,548 0,5371976 1,66 118,571 1,75 126,812 0,36 83,721 -1,022 0,56 0,5071977 1,63 116,429 1,79 129,71 0,35 81,395 -1,05 0,582 0,489

Notas:AOCC: Cyclically adjusted organic composition of capitalARP: Ciclically adjusted rate of profitRS: Rate of surplus-value

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Sendo assim, a função de regressão amostral estimada foi4:∆ln(ARPt)= - 1,033360*∆ln(AOCCt) + 0.303932*∆ln(RSt)

Os parâmetros do modelo mostraram-se significativos, a 1% de significância, e com alto poder explicativo5. O modelo foi estimado sem constante, por esta mostrar-se não-significativa estatisticamente6.

Não foram detectados problemas relacionados à, heterocedasticidade e autocorrelação dos resíduos7.

6 CONCLUSÕESA regressão no formato log-linear obtida foi:

∆ln(ARPt)= - 1,033360*∆ln(AOCCt) + 0.303932*∆ln(RSt)

Como esperado, a Composição Orgânica do Capital exerce uma influência negativa sobre a Taxa de Lucro, bem como e a Taxa de Mais-Valia se relaciona positivamente com a taxa de lucro. Verificou-se que o parâmetro constante não foi significativo estatisticamente; de fato, nada é previsto na teoria e não se confirm na prática que tal parâmetro tenha alguma relevência explicativa.

Depois de realizados os testes de heterocedasticidade e autocorrelação, verificou-se que o modelo é significativo, com alto poder explicativo, dando fortes evidências empíricas da validade da “Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro”. Não se objetivou validar uma “lei” como fator absoluto, mas resgatar a sua legitimidade teórica e empírica frente à sua relevância atual. Como dito, atualmente muito se tem debatido sobre a “crise estrutural do capital” e, nesse contexto, a lei da queda tendencial pode reaver sua importância como fator explicativo da crise.

4Equação em “primeiras diferenças” dos logaritmos. Testes de Raiz Unitária confirmaram as estacionaridades das séries estatísticas.5F = 637,101; t(b1) = -21,045; e t(b2) = 4,779. R² = 0,979; R²-ajustado = 0,978.5Incluindo-se a constante, o modelo estimado continuaria significativo, com F = 637,101; t(b0) = 0,321; t(b1) = -19,421; e t(b2) = 4,296. R² = 0,979; R²-ajustado = 0,977. 6Teste de White com termos cruzados: R² = 0,1099, R²-ajustado = -0,077; F = 0,584.Aceita-se, a 1% de significância, a hipótese H0 de ausência de heterocedasticidade.Teste de Durbin-Watson: dw = 2,797, indicando ausência de correlação serial positiva de primeira ordem dos resíduos.

REFERÊNCIAS18

Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia – UFPR

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GUJARATI D. Econometria Básica. Makron Books, São Paulo, 2006.

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HOFFMAN R., Estatística Para Economistas. 3ª Ed. Thomson, São Paulo, 2006.

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Política Monetária de Metas:

a evidência chilena no período de 2001 a 2007

Augusto Emanuel Laurindo*

RESUMO – O Chile implantou o regime de metas de inflação em 1991. Sendo um dos primeiros países emergentes a fazê-lo, conseguiu baixar sua inflação a uma taxa de um dígito em três anos. Em 2001 o país inicia uma forte expansão de M1 na sua economia embora a inflação observada tenha sido baixa e enquadrada na meta de 3% a.a., vigente até hoje. Serão utilizados dados do Banco Central chileno para o mapeamento da política monetária adotada. O objetivo maior é ver como baixa inflação e expansão monetária estiveram juntas neste país e período, contrapondo a visão monetarista, e qual o instrumento que permite o Chile controlar a inflação. A pesquisa mostrará que a política monetária chilena manteve níveis baixos de inflação controlando basicamente a taxa de juros de curto prazo e de nenhuma maneira a quantidade de moeda.

1 INTRODUÇÃOO Chile adotou um regime de metas de inflação em 1991.

Mesmo com um controle da taxa de câmbio por meio de bandas cambiais, o país andino foi um dos primeiros emergentes a adotar um regime de metas de inflação para alcançar seus objetivos de estabilidade dos preços.

Como os outros países que adotaram esse sistema, o Banco Central do Chile (BCCh) determina basicamente a taxa de juros de curto prazo e deixa os agregados monetários livres do seu controle restrito. O BCCh tenta por meio da taxa de juros, e não do controle monetário, chegar aos seus objetivos.

Desde 2001 o país vivencia uma expansão do agregado M1 muito forte, porém a inflação do período permanece baixa e, de certa forma, controlada, ao contrário do que poderia imaginar a Teoria Quantitativa da Moeda (TQM). Apresentar como a política monetária chilena é conduzida no período 2001/07, bem como suas características e efeitos é o foco desta pesquisa cujo objetivo é

* Graduando em Ciências Econômicas pela UFPR.21

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entender como a baixa inflação e expansão monetária coincidem no período, contrapondo a visão da TQM, e qual o verdadeiro instrumento que o BCCh pode controlar para executar sua política monetária.

Para tanto serão utilizados os dados disponibilizados pelo BCCh e gráficos elaborados de maneira a visualizar os efeitos da política monetária. Tentar-se-á responder se o instrumento utilizado pelo BCCh garante a ele controlar a inflação sob uma elevada expansão de M1.

A seção 2 mostra como se deu a implantação do regime de metas de inflação em 1991 e quais foram as diretrizes adotadas para a manutenção da meta. Mostra também os resultados na inflação após a adoção do regime. A seção 3 aborda o objetivo da pesquisa de apresentar os efeitos da política monetária no período 2001 a 2007. Serão revisados o crescimento do PIB, as variações dos agregados monetários, a velocidade de circulação da moeda, as taxas de juros de curto prazo impostas e as taxas de câmbio constatadas. Pese o exposto, a seção 4 resume as conclusões auferidas sobre a condução da política monetária chilena e seus efeitos sobre a economia deste país no período 2001 a 2007.

2 A IMPLANTAÇÃO DO RMI (REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO)

O Chile foi uma das primeiras economias emergentes a adotar um sistema de metas de inflação como âncora para a estabilidade dos preços. O gráfico de dispersão abaixo nos mostra os países que adotaram o sistema de metas de inflação para controlar o nível de preços da economia, correlacionando o ano de adoção e a inflação vivida na época. O Chile, na verdade, adotou uma idéia que já vinha ganhando adeptos desde final dos anos 70. Segundo o conselheiro do BCCh (Banco central de Chile), José De Gregorio (2003), “as constantes inovações financeiras e a conseqüente instabilidade dos agregados financeiros deixam a moeda em um rol passivo no que diz respeito à política monetária e realçam o manejo das taxas de juros para o controle da política monetária”.

Até mesmo Milton Friedman disse em entrevista à revista Financial Times de 7 de junho de 2003 que “o uso dos agregados monetários como objetivo não tem tido êxito,... não sei se hoje

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voltaria a impulsioná-lo como fiz no passado”. (apud: GREGÓRIO, 2003).

GRÁFICO 1: METAS DE INFLAÇÃO: ANO DE ADOÇÃO E INFLAÇÃO INICIAL

FONTE: Banco Central de Chile, 2008.

O país andino em 1991, assim como o Brasil, vinha de uma década de inflação muito alta. Diferentemente deste, aquele viu que possuía as condições necessárias para a implantação do sistema de Metas para a Inflação e utilizou-o de modo a tentar controlar e reduzir as variações enormemente positivas no nível de preços.

O sistema de metas de inflação do Chile é parecido com o adotado internacionalmente, bem como o brasileiro. Segundo Joel Bogdanski, em seu artigo “A Implantação do Regime de Metas para a Inflação no Brasil de 2000”, o regime exige que as autoridades monetárias assumam uma postura prospectiva e adotem medidas antecipatórias, dada a existência de defasagens temporais entre as decisões de política e seus efeitos sobre o produto e os preços. “Há, implícita em qualquer ação ou inação de política monetária, uma expectativa de como se desdobrará o futuro, ou seja, uma projeção” (GREENSPAN, Alan, apud: BOGDANSKI et al., 2000). Os comandantes da política monetária, sejam os governos ou os bancos centrais, decidem sobre a política com base em projeções para a inflação no futuro.

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O BCCh estimou equações simplificadas que representariam os modelos estruturais utilizados para simular os mecanismos de transmissão da política monetária. Como descreve Joel Bogdanski, as equações básicas seriam uma curva IS, uma curva de Phillips, uma curva que represente uma condição de equilíbrio no mercado de câmbio e a paridade descoberta da taxa de juros.

Por outro lado, o BCCh adotou o regime de metas de inflação junto com um controle da taxa de câmbio através de bandas cambiais, bem como o Plano Real que também foi implantado com um regime de câmbio administrado,e que este foi “um instrumento muito efetivo para reduzir e manter baixa a inflação” (BOGDANSKI, et al., 2000). É por isto que Manuel Marfán afirma que o sistema de metas implementado pelo Chile em 1991 é um “sistema impuro” e que ele somente se torna pleno em 2000, com a adoção do regime de câmbio flutuante. As bandas cambiais existiram no Chile de 1984 a 1999.

O termo impuro vem à tona porque o mecanismo de transmissão da política monetária (em um RMI) passa pela da taxa de câmbio. Segundo Bogdanski:

“uma mudança na taxa de juros influi sobre a taxa de câmbio nominal imediatamente, ou seja, no mesmo trimestre, mas só afeta o hiato do produto com alguma defasagem. A taxa de cambio nominal, por sua vez, impacta a inflação importada e, portanto, a taxa de inflação, também no mesmo trimestre. Os efeitos do hiato do produto sobre a taxa de inflação só se manifestam com nova defasagem”.

Então, se a variável controlada pelo BCCh, a taxa de juros, impacta na taxa de câmbio (e conseqüentemente, na inflação importada e na taxa de inflação), o sistema irá funcionar de maneira pura ou livre quando a taxa de câmbio for livre ou, em outras palavras, flutuante. O Chile controlou ainda os fluxos financeiros de 1991 a 1998, enaltecendo ainda mais o termo impuro para o sistema de metas de 1991.

O gráfico abaixo mostra o sistema de metas de inflação e a inflação efetiva para o Chile desde 1990. A área cinza corresponde ao limite inferior e superior da meta para a inflação. A linha preta marca a inflação efetiva.

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GRÁFICO 2: METAS DE INFLAÇÃO E INFLAÇÃO EFETIVA NO CHILE (1990-2007, %AA)

FONTE: BCCh, 2008.

Este gráfico sintetiza o controle da inflação efetiva no caso chileno. A inflação que superou os 30% a.a. no segundo semestre de 1990 despenca a taxas de um dígito em três anos. Para o sucesso, o sistema de metas contou com o parcial controle da taxa de câmbio. Em 1999, o nível baixo da variação dos preços permite o BCCh abandonar o controle parcial da taxa de câmbio e atuar de maneira plena com o sistema de metas de inflação, com base no controle da taxa de juros de curto prazo.

As taxas de juros de curto prazo do BCCh são chamadas de taxas de política monetária (TPM). No período representado no gráfico acima, até 2001, elas eram indexadas a uma Unidade de Fomento (UF). A UF é uma unidade de conta utilizada no Chile desde 1967. Esta foi criada com o intuito de determinar as taxas de juros de empréstimos internacionais e acabou por servir a todos os tipos de empréstimos e bancos, ou ainda, passou a ser um fator regulador da taxa de política monetária no país andino até 2001. Neste ano, houve a mudança com respeito a TPM. A taxa deixou de ser indexada à UF e passou a ser determinada em termos nominais em peso (chileno). A UF é constante, pois a relação entre ela e o peso chileno é sempre ajustada pela inflação.

Passaremos agora para a discussão sobre a política monetária chilena após o abandono das bandas cambiais em 2000 e a “nominalização” (termo usado pelo BCCh) da taxa de política monetária a partir de 2001 e como a política se comporta desde então.

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3 O RMI APÓS 2001Após a nominalização da TPM, o controle do BCCh se mostra

eficiente com relação a uma meta baixa de inflação.

GRÁFICO 3: META DE INFLAÇÃO E INFLAÇÃO EFETIVA (2001-2007, %AA)

FONTE: BCCh, 2008.

A linha horizontal ao centro determina a meta de longo prazo para a inflação: 3%a.a. a área tachada determina o limite inferior e superior da meta e, por fim, a linha irregular marca a inflação efetiva. Pode-se ver que a inflação chilena se manteve baixa em todo o período, porém, não necessariamente na meta. Em 2004, por exemplo, foi de 1,1%.

Quando analisamos outras variáveis e agregados macroeconômicos, o caso chileno chama a atenção. A tabela abaixo, por exemplo, mostra o crescimento do produto interno.

TABELA 1: PIB CHILENO (2001-2007)

ano

PIB anual(apc, milhões de

pesos)Crescimento

(%)2001 48.165.621 3,342002 49.209.326 2,172003 51.156.415 3,962004 54.246.819 6,042005 57.262.645 5,562006 59.748.954 4,342007 62.793.469 5,10

média 4,35FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

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O país teve um crescimento do produto compatível com outros países emergentes, a uma média de 4,35% a.a. É fácil perceber que o ano de maior crescimento do período, 2004, foi também o ano em que houve uma inflação tão baixa a partir da uma pequena deflação no começo do ano. Entretanto, há um fenômeno que merece destaque: a expansão de M1 e a inflação baixa e, em certo grau, controlada. Como O BCCh atua neste contexto? A tabela abaixo mostra os agregados monetários e suas respectivas expansões comparadas com a inflação.

TABELA 2: AGREGADOS BM, M1, M2, M3 E VARIAÇÃO IPC (ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR) (2001-2007; MIL MILHÕES DE PESOS. VARIAÇÕES EM %).

Ano Base monetária

M1 M2 M3 Var. BM

Var. M1

Var. M2

Var. M3

Inflação (var.IPC)

1 1.830,50 4.009,70 21.302,13 42.521,66 3,62 1.938,80 4.669,63 23.096,37 45.201,76 5,9 16,5 8,4 6,3 2,53 2.080,60 5.492,06 22.548,49 46.872,04 7,3 17,6 -2,4 3,7 2,84 2.370,80 6.814,66 26.769,16 51.839,85 13,9 24,1 18,7 10,6 1,15 2.915,70 7.578,93 32.520,18 57.997,65 23,0 11,2 21,5 11,9 3,16 3.504,10 8.580,14 38.195,43 64.593,74 20,2 13,2 17,5 11,4 3,47 3.660,60 10.129,84 46.031,67 74.090,94 4,5 18,1 20,5 14,7 4,4

∆(%) 99,98 152,63 116,09 74,24 Acum. 22,8FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

O que chama a atenção nesta tabela é que a variação de M1 (papel moeda em poder do público + depósitos em conta corrente do setor privado + depósitos à vista diferentes de conta corrente + depósitos de poupança à vista) no período chega aos quase 153% e que a inflação acumulada referente ao mesmo período não chega aos 23%.

Por outro lado, é fácil visualizar também que o mesmo não ocorre com os demais agregados. A Base Monetária (moeda, cheques e bilhetes emitidos pelo BCCh em poder do público + reservas monetárias dos bancos e sociedades financeiras) não chega a dobrar. Ainda, M3 não chega aos 75% de aumento. O gráfico abaixo mostra a variação positiva de M1 e do IPC (índice de preços ao consumidor).

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0

5

10

15

20

25

30

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Variação M1

Inflação

GRÁFICO 4: Variação de M1 e do IPC (2001-2007; %).

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

O gráfico mostra dois pontos da tabela anterior. O crescimento do nível de preços e de M1. A idéia principal é que M1 cresceu em todos estes anos a taxas muito superiores às taxas do IPC e que não mostra, a priori, uma correlação; ainda que se considere a defasagem temporal prevista pela TQM, que é de um ano e meio aproximadamente.

Pode-se dizer que o avanço de M1 é causado por um boom específico e que se faz necessário discutir outros agregados. Porém, independente do agregado monetário analisado, o fato é que todos eles, acima relevantes, cresceram em proporções muito maiores do que a variação do IPC, índice utilizado como base para a análise da inflação (o BBCh contabiliza ainda outros índices como o IPCX, IPCT e IPCN).

Este fato, então, cria novamente o problema que teóricos quantitativistas tentaram explicar por várias saídas. O problema da relação direta entre aumento da moeda e o aumento no nível de preços na mesma magnitude, pregada pelo monetarismo, não visualizado neste exemplo de análise.

O terceiro ponto a ser visto é a relação PIB / M1, ou ainda, a velocidade de circulação da moeda. A hipótese para a TQM é de que a velocidade de circulação da moeda seja constante1. O gráfico abaixo mostra a velocidade de circulação da moeda para o caso chileno em discussão.

1 Ver equação MV=PT28

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Velocidade de Circulação

5

7

8

10

11

13

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Velocidade deCirculação

GRÁ FICO 5: VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO M1 (2001-2007)

FONTE: BCCH, 2008, ELABORAÇÃO PRÓPRIA.

Como o próprio Nicolas Kaldor afirma: “a demanda por moeda como proporção da renda não é estável nem entre países, nem ao longo do tempo, a não ser em alguns países” (KALDOR. apud: FIOCCA, 2000, p. 94) (tal afirmação é uma crítica de Kaldor ao trabalho empírico de Friedman sobre um período de tempo nos EUA). Ainda Kaldor (1981, p. 09, tradução nossa):

“O fato de que o gasto não é limitado pela quantidade de dinheiro em circulação é às vezes mostrado pela velocidade de circulação do dinheiro. É possível demonstrar, por exemplo, estatisticamente que durante os últimos anos o volume de gasto aumentou enormemente enquanto a oferta de dinheiro dificilmente variou. A velocidade de circulação do dinheiro aumentou.”

Este gráfico mostra dois pontos muito claramente. O primeiro e mais importante é a de que a velocidade de circulação de M1, PIB / M1 decresce no período, a lógica por traz deste fenômeno depende de alguns fatores indiretos e do fator crescimento M1 muito superior ao crescimento PIB. O segundo é que esta velocidade decresce taxas menores a partir de 2004. Como pode ser visto em todos os gráficos, este ano é um marco para as decisões de política monetária chilena. Mais à frente voltar-se-á a ele.

Com base nestes dados, pode-se dizer que os teóricos quantitativistas não acertam quando o assunto se refere ao Chile. A velocidade de circulação da moeda não é constante e o aumento da quantidade de moeda não será espelhado em um aumento do nível de preços na mesma proporção. Um aumento de moeda pode inclusive,

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0

1

2

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4

5

6

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

TPM

; IP

C (V

aria

ção)

Taxa de Política MonetáriaVariação IPC

como visto na tabela T2, espelhar-se em uma redução no nível de preços.

Os teóricos pós-keynesianos horizontalistas já apontavam que a moeda não pode ser controlada pelos bancos centrais dado que vivemos em tempos em que a moeda é fluxo, não estoque, e nos valemos dos sistemas financeiros, sendo assim, ela é criada endogenamente ao sistema financeiro. Os estruturalistas, por sua vez, apontam que as inovações financeiras criadas pelos bancos e instituições financeiras em geral tentam burlar as regulamentações dos bancos centrais sobre reservas compulsórias e outros temas de modo que possam criar mais moeda com um nível dado de reservas. As duas correntes se complementam para explicar a política monetária chilena. Elas apontam para um controle da taxa de juros de curto prazo como política monetária eficiente para a inflação.

Kaldor (1981), horizontalista, já dizia que a política dos bancos centrais deve ser a de taxa de juros. “O Banco Central não tem controle direto sobre o montante de moeda mantido pelo público não-bancário..., seu poder está em determinar as taxas de juros de curto prazo...” (KALDOR. apud: FIOCCA, 2000, p. 95). Assim é a atuação do BCCh. Ele determina a TPM (objetivo direto) e assim tenta manter o nível dos preços em torno da meta de inflação (objetivo indireto). O gráfico abaixo mostra a TPM e a variação do IPC. Desse modo é política é conduzida. O gráfico abaixo mostra a TPM para o período.

GRÁFICO 6: TPM E INFLAÇÃO (2001-2007, %)

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

É possível notar que a TPM segue a inflação, sendo alta quando a inflação é alta e baixa quando a inflação é baixa. A lógica é

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clara. Uma inflação elevada indica para o BCCh que ele deve aumentar a TPM para rebater a variação no nível de preços para baixo, porém, quando a inflação absorve esse impulso, o BCCh se vê permitido a baixar a TPM (e assim estimular o investimento). É claro que esse mecanismo exige estudos aprofundados de causas e efeitos da inflação e da TPM pelo BCCh. Após o que se viu em 2004, uma deflação nominal e seguinte aumento do nível de preços, o BCCh elevou a TPM de modo a atingir a meta determinada para o ano (3% a.a.). Ele previu que esse aumento poderia não apenas levar a inflação para a média, senão ultrapassá-la; e com este pensamento se propôs a elevar a TPM.

Voltando à tabela T2, vemos que 2004 e 2007 foram os únicos anos em que a inflação efetiva não ficou dentro da meta.

Em 2004 o BCCh se viu obrigado a reverter sua política de baixa da TPM para lograr a meta de inflação predeterminada. Sua política de baixa da TPM até 2004 pode haver permitido um boom inflacionário que se inicia em 2004.

Este gráfico permite uma interpretação duvidosa. Como a taxa de juros e de inflação seguem juntas (neste caso) ou seguem a mesma tendência (casos como o brasileiro que a taxa de juros é superior à inflação) pode ser que alguém reafirme o que disse Friedman (CARNEIRO, 1997, p. 257) com relação à adoção da taxa de juros para o controle monetário:

“..., a autoridade monetária poderia assegurar taxas nominais de juros baixas – mas para fazê-lo teria de tomar o que parece ser a direção oposta, adotando uma política econômica deflacionária. Da mesma forma, ela poderia assegurar taxas nominais de juros altas adotando uma política inflacionária e admitindo um movimento temporário das taxas de juros na direção oposta”.

Entretanto, se assumimos uma moeda endógena e criada dentro do sistema bancário, o Banco Central acaba por adotar uma política para a taxa de juros e não para o controle da quantidade emitida de moeda, em um RMI é a determinação de uma taxa “X” de juros que implicará a resposta pela inflação e não o contrário. Friedman quis dizer que, de alguma maneira, a taxa de juros não é um bom meio de determinar a política monetária. Entretanto é possível ver que uma adequada manipulação do sistema em um Regime de

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500

550

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650

700

750

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Metas, a defasagem temporal entre as decisões do banco central e seus efeitos sobre a economia é minimizada.

Falta a análise da taxa de câmbio para que se possa entender mais do sistema chileno e da evidência empírica para o período 2001-2007. Como comentado no capítulo 2, uma alteração na TPM causa de imediato uma mudança no fluxo de entrada e saída de capitais e uma mudança na taxa de câmbio ainda no trimestre. Daí se tem uma variação na inflação importada e, por fim, a variação na inflação interna.

Conforme os gráficos a seguir se poderá ver como o ano de 2003 é marcante para a economia chilena. Para isto é bom lembrar que o Chile tem sua economia extremamente aberta. O país produz e exporta, grosso modo, frutas, vinhos, salmão, turismo e, o mais importante, cobre. Por outro lado importa todos os outros bens de que necessita por meio de barreiras quase inexistentes à importação. Outro fato importante é que nos últimos cinco anos a forte demanda por comida e por recursos minerais impulsionada pela China e pelos EUA jogam os preços destas mercadorias fortemente para cima.

GRÁFICO 7: TAXA DE CÂMBIO: PESO CHILENO / DÓLAR (2001-2007)

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

Como o Chile é um dos maiores exportadores de cobre do planeta, ele passou a absorver maiores entradas de divisas nos últimos 4-5 anos decorrentes do aumento do preço do cobre no mercado internacional. Devido as vários fatores, entre eles o aumento do valor das exportações de cobre, o Chile mais que duplica as suas reservas internacionais passando de US$ 14,4 bi em 2001 para US$ 35,9 bi em 2007 (BCCh). Kaldor já relatara, comentando uma passagem em seu texto “The Scourge of Monetarism” sobre os resultados presentes no

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1,5

2,5

3,5

4,5

5,5

6,5

7,5

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Tx Câmbio /100

TPM %

relatório Radcliffe, que “o comitê inesperadamente descobriu que os estoques (oferta) de commodities são extremamente insensíveis a taxas de juros”. (KALDOR, 1981, p. 07, tradução nossa). Em outras palavras, mesmo com o aumento da TPM a partir de 2004 é possível visualizar o mercado forte detido pelo cobre. Isso nos explica, em parte, porque há uma desvalorização do peso frente ao dólar estadunidense a partir de 2003. A explicação das causas para a taxa de câmbio do período serve para situar o leitor de que a valorização do peso a partir de 2003 se deve à balança de pagamentos chilena e não é efeito colateral de uma política equivocada2. Entretanto, voltando ao foco da análise, o gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio frente à taxa de política monetária.

GRÁFICO 8: TAXA DE CÂMBIO E TPM (2001-2007, TPM EM %)

FONTE: BCCh, 2008, elaboração própria.

Com este gráfico é possível observar como a TPM afeta a taxa de câmbio. A partir de 2001 a estabilização do nível de preços deu margem para a baixa da taxa de política monetária. Isto, como afirmado por Bogdanski, afeta a taxa de câmbio através da saída de capital estrangeiro e, assim, a desvalorização do peso. Em 2003 o peso começa a se valorizar frente ao dólar devido à maior entrada de divisas na economia chilena conseqüente ao aumento do preço do cobre. Com a deflação em 2004 o BCCh resolve subir a TPM. Uma TPM subindo somada a uma reserva internacional crescente faz pressão sobre a taxa de câmbio para baixo.

Voltando à questão que se refere ao por que de um aumento considerado de M1 não resultar em um aumento da inflação: com

2 Segundo Bogdanski, a política de aumento da taxa de juros causa valorização da moeda local. Entretanto, a valorização do peso anterior a 2004 se deve a outros fatores.

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respeito a este ponto se fará um breve exposto do que diz José De Gregório. Ele parte da idéia de que o crescimento acentuado é visto apenas em M1.

Ele faz referência a uma discrepância menor entre o crescimento de M4 (ou da base monetária) e o da inflação. Outro ponto é de GREGORIO (2003ª) e VERGARA (2003) (apud: Gregório, 2003b) mostrando que a demanda por M1 é muito mais sensível à taxa de juros quando esta é baixa. Sendo assim, a demanda por M1 (e a oferta de moeda, segundo a visão pós-keynesiana) é elevada neste período, influenciada pelas baixas taxas de política monetária adotadas pelo BCCh. Este estudo afirma ainda que a demanda por dinheiro apresenta elevado índice de volatilidade, o que limitaria a utilização de agregados monetários pelo Banco Central para o controle da inflação.

Não obstante, voltemos à idéia de Kaldor. Segundo Friedman, em “Lloyd’s Bank Review” (outubro, 1970), o ponto central desenvolvido por Kaldor é que as variações na oferta de dinheiro devem ser consideradas como resultado, e não a causa, das variações na atividade econômica (Kaldor, 1981, p. 33, tradução nossa). Ou seja, neste contexto, a enorme variação positiva de M1 é devido ao elevado nível de atividade econômica vivido pelo país nos anos considerados. Segundo Kaldor, o gasto não é limitado pela quantidade de moeda existente, mas é relativo à quantidade de moeda que as pessoas podem se valer, seja recebendo uma renda, seja dispondo de algum capital ou ainda emprestando (KALDOR, 1982, p. 08). Visto isso, é possível entender que há uma separação entre quantidade de agregado monetário e atividade econômica. Nessa separação reside a afirmação que a quantidade de moeda demandada pelo público depende do nível de atividade econômica e da capacidade do sistema financeiro de criar moeda e não da quantidade de moeda ofertada pelo banco central.

Pese o exposto, tem-se que o Chile, através de sua política de TPM (evidenciada na política de metas de inflação), consegue controlar a estabilidade dos preços da economia mesmo com um elevado crescimento de M1. Isto é possível devido ao reconhecimento de que a oferta de moeda é endógena ao sistema bancário descartando, portanto, a tentativa de controle dos agregados monetários para os fins da política monetária.

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4 CONCLUSÕESEm 1991 o país andino adotou um regime de metas para

inflação e com isto reduziu sua taxa de inflação a taxas de países desenvolvidos. Entre 2001 e 2007 o Chile vivenciou uma expansão acentuada de M1 e uma expansão relativamente alta dos demais agregados monetários. Esta expansão, ao contrário do que diz a teoria quantitativa da moeda, não foi acompanhada de um aumento no nível dos preços da economia. Vimos que a hipótese da velocidade de circulação da TQM também foi quebrada com esse exemplo empírico. O controle da TPM, no caso chileno, foi eficiente em um cenário de crescimento da moeda na economia.

A política monetária chilena é conduzida através de uma meta para a inflação. Para tanto, o BCCh controla a TPM e descarta a hipótese de controlar agregados monetários. No período analisado, o BCCh manteve a meta em 3% a.a. e controlou a TPM de modo a atingir essa meta. Mesmo com as alterações, as taxas de juros permaneceram relativamente baixas em todo o período (gráfico G6). Somado a isto, tem-se que o Chile é um país emergente que opera abaixo do pleno emprego, ou seja, o aumento da moeda é impulsionado, de alguma maneira, pela economia que cresce mais de 4% a.a. Como mostrado, a economia chilena é bastante adepta do comércio internacional e a queda na taxa de câmbio devido às maiores entradas de divisas a partir de 2003, quando os preços dos alimentos e dos minerais no mercado mundial começaram a subir, ajudou para uma deflação nos primeiros meses de 2004. Este fato foi seguido de uma quebra da seqüência baixista da TPM de forma a se atingir a meta.

Então, por fim, é certo dizer que o caso chileno analisado pode ser considerado como uma evidência empírica do modelo endogeinista sobre a oferta de moeda ou, de outra forma, ele mostra que o controle da política monetária baseado no controle, basicamente, da taxa de juros de curto prazo, consegue ser eficiente na execução da política monetária. Por outro lado, como vimos, a economia chilena é aberta sendo a taxa de câmbio uma variável fundamental para a inflação e que, no Chile, ela é flutuante. Em outras palavras, é arriscado afirmar categoricamente que o BCCh controla a inflação por meio da TPM, sem levar em conta externalidades que afetam a inflação importada. Agora, pode ser que o BCCh e o bicho

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papão da inflação estejam brigados, o difícil é saber quando eles voltarão a fazer as pazes.

REFERÊNCIAS

BANCO CENTRAL DE CHILE (BCCh). Dados disponíveis em <http://www.bcentral.cl> Acesso em: 28/05/2008.

BOGDANSKI, J.; TOMBINI, A. A.; WERLANG, S. R. da C. A Implementação do regime de metas para inflação no Brasil - 2000.

CARNEIRO, R. Uma reafirmação e o papel da política monetária em Friedman. In: Os clássicos da economia - 1997.

FIOCCA, D. A oferta de moeda nos pós-keynesianos. In: Oferta de moeda na macroeconomia. Ed. Paz e Terra. São Paulo - 2000.

GREGORIO, J, de. Mucho dinero y poca inflación: Chile y la evidencia internacional. Documento do BCCh – setembro de 2003.

KALDOR, N. The Scourge of Monetarism. Oxford University Press - 1981.

MARFÁN, M. Tipos de cambio y metas de inflación: El caso de Chile. Apresentação montada pelo BCCh apresentada na LXXIX Reunião de Governadores dos Bancos Centrais da América Latina, Espanha e Cartagena das Índias - abril de 2005.

PARRADO, E. Metas de inflación en economías emergentes. Apresentação montada pelo BCCh apresentada em La Paz, 18 de julho de 2007.

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O empresário inovador: Sua importância, características e habilidades*

Giovanna Scheleder Ferraz**

RESUMO – A importância dada nos dias de hoje para o tema de inovação tecnológica na Ciência Econômica é cada vez maior. Mais especificamente dentro do tema, há a figura do empresário inovador, responsável diretamente pela implementação de inovações e políticas que incentivam atividades inovadoras dentro das firmas. Este indivíduo apresenta certas habilidades que o definem como inovador e que, em geral, levam tais habilidades para a firma. Este ainda deve apresentar certas características básicas que facilitam sua atuação na empresa e permitem que esta inove. O objetivo do artigo é apresentar a importância da figura do empresário inovador, mostrando ainda as habilidades e características que o formam e num sentido mais geral o que o diferencia do simples administrador. A revisão teórica mostra que algumas características são determinantes para o sucesso do referido empresário, havendo concordância entre a maior parte dos autores citados sobre o tema.

1 INTRODUÇÃO Provavelmente não exista ainda uma definição concreta e única

para o termo empresário inovador, sendo que cada autor que trata do assunto pode ter escolhido focar em um aspecto que julgue importante, mas que outros não consideram da mesma forma. O objetivo deste artigo é mostrar a importância do chamado empresário inovador para uma firma, apresentando as características deste, bem como o que diferencia o simples homem de negócios ou administrador da empresa do empresário inovador, também chamado de schumpeteriano.

O artigo será estruturado em três tópicos. A primeira parte busca tratar das habilidades e características de um empresário considerado inovador e nos principais pontos de diferenciação deste para com o administrador, fazendo uso das principais teorias que dão *Este artigo é parte da monografia de conclusão de curso defendida pela autora, sob a orientação do professor Dr. Mauricio Aguiar Serra.**Graduanda de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná e bolsista do programa de Monitoria da Universidade na matéria de Macroeconomia sob a tutela do professor Dr. Luciano Nakabashi.

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base a discussões sobre inovação tecnológica em economia, a saber, Schumpeter e seu estudo referente ao empresário e Nelson e Winter com a questão das habilidades individuais como proxy para as características de uma firma inovadora. A segunda e terceira partes apresentam a importância do empresário schumpeteriano para a firma e como se dá sua atuação.

O referencial teórico utilizado para a discussão proposta no artigo versa sobre os principais autores que trataram do tema de inovação tecnológica em termos econômicos, como Schumpeter, que é considerado o pai da inovação; Nelson e Winter e a Teoria Evolucionista formulada por estes; e Penrose, que mesmo não havendo unanimidade no tocante à sua contribuição para a inovação tecnológica, apresenta pontos bastante interessantes para a discussão específica no tangente ao presente artigo. Será ainda utilizado o trabalho de Giovanni Dosi, autor Evolucionista que comenta sobre a importância do empresário.

2 AS HABILIDADES REQUERIDAS DE UM EMPRESÁRIONesta primeira seção referente ao empresário inovador e

suas características, serão tratados dois tópicos distintos: o primeiro busca mostrar as características do empresário inovador, mais especificamente do empresário schumpeteriano como base para uma definição de empresário inovador, enquanto a segunda parte mostrará os pontos centrais das semelhanças e diferenças encontradas entre o empresário schumpeteriano apresentado no tópico anterior e o homem de negócios, também chamado de administrador da firma.

2.1 O EMPRESÁRIO SCHUMPETERIANOEm grande parte, nos estudos que abordam a inovação na

economia, o empresário inovador também pode ser chamado de empresário schumpeteriano. O empresário inovador é conhecido como empresário schumpeteriano devido ao fato de que foi Schumpeter quem inicialmente tratou do empresário e de seu papel na firma para a inovação e para promover o posterior desenvolvimento econômico.

Na análise inicial de Schumpeter (1911), este comenta que para que possa ocorrer alguma alteração que venha a ser importante para o desenvolvimento da economia, as pessoas deverão se portar como “sujeitos econômicos” ou depender de um. É a partir de tal

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constatação que o autor inicia a análise de pessoas com diferentes características, que serão capazes de inovar e assim alterar o curso da economia em vários aspectos. São as inovações que irão tirar a economia de seu estado estacionário e levá-la a atingir um estágio de desenvolvimento econômico superior, e serão os empresários os responsáveis por permitir a realização destas inovações pelas firmas.

Para Schumpeter, é o empresário na firma que deve inicialmente realizar a inovação e educar os consumidores a adquirir os produtos resultantes de tais inovações. O empresário irá realizar estas inovações a partir de combinações novas de fatores de produção que já estão presentes na empresa, o que é denominado de empreendimento. Portanto, o empresário pode ser independente ou subordinado à alguma firma, mas o que o definirá realmente como empresário inovador será o fato deste realizar as inovações, alterando o processo produtivo das firmas e conseqüentemente atingindo um nível diferente de desenvolvimento econômico. Da forma mais simples possível, o empresário schumpeteriano será aquele que inova, seja na sua empresa ou de forma independente, ou seja, aquele que realmente leva a cabo novas combinações. Muitos são aqueles que têm a possibilidade objetiva de inovar, mas são poucos os que realmente irão realizar estas inovações, muito devido ao fato de que a maioria das pessoas não gosta muito de alterar a seqüência de atividades, bem como a forma como são realizadas estas atividades que já fazem parte de sua vida há algum tempo para experimentar algo novo, até, às vezes, sabendo que esta novidade será melhor em muitos sentidos quando comparada a atividade anteriormente praticada (SCHUMPETER, 1911).

Nelson e Winter (1982) tomam como base a análise de Schumpeter na questão da inovação, mas seu tratamento do empresário é um pouco diferente do deste autor. Diferente basicamente no sentido de que Schumpeter analisou o empresário como um agente econômico imprescindível para a realização da inovação no sistema econômico, inovação esta que possibilitaria à frente um processo de desenvolvimento econômico. A Teoria Evolucionista toma um rumo diferente nesta análise, já que se baseia muito no interior das firmas, a chamada “caixa-preta”, e em como a inovação e conseqüentemente o empresário estão inseridos nestas firmas e atuam para possibilitar o processo de inovação e a posterior mudança econômica.

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Para realizar tal análise interna à firma, Nelson e Winter partem de uma analogia relativamente simples. Como são as pessoas que tomam as decisões por uma firma e que num sentido mais geral, formam a empresa e suas características, deve-se analisar estas pessoas para se ter um relato das firmas e de como estas funcionam e atuam no mercado. As habilidades individuais daqueles que formam a empresa são análogas ao processo pelo qual as firmas passam, a rotina. É por este fato que os autores decidem analisar as habilidades individuais para entender de uma forma geral as rotinas das organizações. Aqui se faz necessária uma análise um pouco mais clara do que é considerado como rotina para a Teoria Evolucionista. Nelson e Winter (1982) comentam que o termo geral para todos os padrões comportamentais regulares e previsíveis das firmas é denominado como rotina. São as rotinas de cada firma que definirão suas características básicas, desde os gastos com pessoal até os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, ou seja, características que determinam o comportamento possível de cada empresa. Da mesma forma, as habilidades individuais irão determinar os processos de seleção dos indivíduos fora e dentro das empresas. Não pode-se afirmar que as estratégias destas empresas irão se adaptar para atender as características dos empresários que as formam. Parece que neste ponto, cada caso é um caso, a adaptação ou não da empresa.

Vale destacar aqui um ponto bem interessante: Schumpeter quando escreve a "Teoria do Desenvolvimento Econômico", destaca o indivíduo com maior importância, atribuindo a este a tarefa de inovar numa empresa e conseqüentemente no sistema econômico como um todo. Já numa publicação posterior, em "Capitalismo, Socialismo e Democracia", o autor passa a dar destaque maior à própria firma. É esta que é responsável pelas inovações neste momento. É a partir desta última obra, que partem as idéias dos Evolucionistas Nelson e Winter, e até mesmo de Giovanni Dosi. Trata-se a partir daí da firma inovadora, não mais da figura individual de um empresário. Para Schumpeter (1942) é a empresa capitalista que dá o impulso fundamental para manter em funcionamento a máquina capitalista. Tanto Nelson e Winter como Dosi tentam se desvincilhar da visão de serem seguidores de Schumpeter, mas não conseguem fazê-lo por completo, justamente por seguir um pouco as idéias discutidas em "Capitalismo, Socialismo e Democracia" da importância

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da firma capitalista como um todo para a inovação de sistema econômico.

É importante neste ponto, fazer um pequeno resumo de como ocorre o processo de inovação na empresa de acordo com as idéias evolucionistas. A empresa apresenta uma série de características que se apresentam através de sua história, características estas tanto em termos empresariais quanto em termos internos de pessoal e aspectos relativos à coordenação. A partir desta história que cada empresa apresenta, existe a rotina, definida pelos autores como técnicas e processos organizacionais que mostram de que forma os bens são produzidos, desde as atividades cotidianas até as de caráter inovativo. Os mecanismos de seleção se definem como a busca, que nada mais é do que uma avaliação de todas as rotinas existentes, e a seleção propriamente dita torna capaz a acumulação do conhecimento. É a partir desta acumulação de conhecimento da firma, que irá se fazer possível o processo de inovação.

Como os autores comentam, a seleção são “escolhas incorporadas numa capacidade”, ou seja, para um bom e eficaz processo de tomada de decisão, o comportamento habilidoso por parte daqueles que tomam as decisões de caráter produtivo e de coordenação da empresa se torna fundamental.

Ainda na questão do empresário e da habilidade empresarial, a implementação ou deliberação de alguma alteração no sistema produtivo requer uma capacidade diferenciada da firma, principalmente por parte de seus empresários, no sentido de mudar o sistema anterior, o que não é tão simples como possa parecer. É função da firma e do empresário propriamente dito criar inovações que sejam importantes e possam ser inseridas no sistema econômico, e posteriormente, “ensinar” os consumidores a olhar este novo produto, por exemplo, com outros olhos, e que passem a adquiri-lo. A forma como o empresário fará com que a sociedade aceite bem o novo produto a ponto de adquiri-lo pode surgir de formas diversas. Em certos casos é a propaganda que faz toda a diferença a partir de campanhas fortes e bem-sucedidas de marketing. Vale sempre ressaltar que este “ensino” nada mais é do que um processo de convencimento, no qual a empresa que fez a inovação deverá mostrar para o mercado como um todo o porque seu produto é melhor e necessário. Esta é sem dúvida uma habilidade que um empresário inovador deve possuir. Este deve perceber as necessidades de sua firma ou do mercado de

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uma forma geral e buscar produtos ou processos inovativos que possam suprir estas necessidades de uma forma positiva, tanto para o mercado, quanto para o próprio empresário. Porém, o inovador não deve tomar suas decisões baseado somente na demanda do mercado, mas principalmente, deve ser capaz de inovar e mostrar para o mercado que seu produto novo é positivo e necessário, e que portanto, deve ser consumido.

É nesta capacidade de influenciar o mercado a seu favor, o que permite o crescimento da firma, que entra Penrose (1959). É bastante claro o tratamento e a importância que esta autora dá para o empresário como fator para o crescimento da firma. Não importa qual cargo o empresário ocupe na empresa, mas para ser considerado inovador ou schumpeteriano, deve contribuir à introdução ou aceitação de novas idéias que possam ser aproveitadas no processo produtivo e pelo mercado, não só em termos de novos produtos, mas também de revoluções no que concerne à localização ou alterações referentes à tecnologia aplicada em algum processo. (PENROSE, 1959)

Outras características colocadas como fundamentais no caráter do empresário para o crescimento da firma são chamadas pela autora de questões de versatilidade. Como ponto de partida da inovação para o crescimento da firma, está a intuição e imaginação empreendedora, principalmente quando a firma não é de grande porte e necessita de decisões acertadas. Neste caso, o papel fundamental do empresário é acertar o momento em que a firma necessita de alguma inovação e a partir desse ponto, saber tomar as decisões corretas de acordo com as oportunidades produtivas que poderão ser implementadas. Num sentido maior, é a qualificação e a capacidade do empresário que irão decidir se a firma será bem sucedida no mercado ou não. Em situações de firmas com estruturas parecidas, um empresário schumpeteriano mais versátil em uma delas, pode colocá-la numa posição de muito mais destaque quando comparada às outras. (PENROSE, 1959)

Dosi (1984), comenta que boa parte do conhecimento “tecnológico” necessário para ser aplicado em um processo de inovação além de ser bem menos articulado que o conhecimento científico, não foi escrito e está implícito na experiência e nas habilidades do empresário. Vale a pena inserir aqui algumas outras discussões tratadas por Dosi, entre elas os conceitos de trajetória e

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paradigma tecnológicos. "Definiremos o paradigma tecnológico como um "modelo" e um "padrão" de solução de problemas tecnológicos selecionados.(...) Definiremos a trajetória tecnológica como o padrão da atividade normal de resolução do problema" (DOSI, 1984, p. 40-42).

A partir de esforços tecnológicos de caráter genérico, que podem ser chamados de necessidades genéricas, surgem certas tecnologias específicas, com suas próprias "soluções" para as dificuldades, a partir da exclusão de outras tecnologias nocionalmente possíveis. Essa capacidade de exclusão apresenta-se devido aos esforços e à imaginação tecnológica dos engenheiros e de suas organizações, os quais focalizam em direções específicas. São as forças econômicas juntamente com fatores institucionais e sociais que funcionam como um dispositivo seletivo para definir as trajetórias reais a serem seguidas dentro de um conjunto bem maior de trajetórias possíveis. (DOSI, 1984)

Voltando à questão da versatilidade, está inserida nesta capacidade a habilidade de mobilizar recursos financeiros, o que para uma empresa de médio ou pequeno porte é de extrema importância no momento em que esta decidir inovar. Empresas de grande porte não apresentam esta dificuldade, visto que podem fazer uso de recursos de outros setores, ou até mesmo já apresentam um setor específico de Pesquisa e Desenvolvimento, que recebe uma determinada quantia para aplicar em desenvolvimento de inovações. Agora, é muito difícil para uma empresa pequena, com possibilidades restritas de capital, ser capaz de alocar parte deste capital em uma atividade que não irá apresentar grandes volumes de lucro no curto prazo, às vezes até mesmo não apresentando resultados positivos no longo prazo, em ocasiões que a pesquisa não resulta em produtos que possam ser aplicados no mercado. Para atrair o capital, já que o empresário não é alguém que assume riscos, este deve ser capaz de inspirar confiança dos capitalistas para investir em sua empresa.

Ainda quanto à versatilidade, há duas características que devem estar presentes nos empresários schumpeterianos, quais sejam, a ambição e o tino empresarial (PENROSE, 1959). Um empresário sem ambição não irá buscar desenvolver inovações que possam melhorar algum produto ou processo produtivo, simplesmente estará contente com o estado da empresa no momento e será relutante a fazer qualquer tipo de mudança. Já no quesito tino empresarial, é

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praticamente impossível algum indivíduo que não apresenta aptidão para os negócios ser capaz de inovar e contribuir ao crescimento de uma empresa. Alguns nascem para ser pianistas, outros para ser empresários. Não há como alterar certas características que fazem parte da formação do indivíduo de uma hora para outra.

2.2 HOMEM DE NEGÓCIOS versus EMPRESÁRIO SCHUMPETERIANO

Os empresários inovadores apresentam algumas habilidades que os tornam especiais e importantes para a firma, porque é através destes que a firma poderá realizar um processo de inovação para um posterior crescimento econômico. Portanto, este empresário, pela sua função de importância dentro das empresas, deve ser uma pessoa diferenciada e apresentar as características elencadas no tópico acima, como versatilidade, tino empresarial, ambição e conhecimento que o capacitam a tomar as decisões quanto às várias opções de alocação de recursos que lhe são apresentadas.

O conhecimento comum da população tende a se referir a qualquer homem de negócios como empresário, mas especificamente nas teorias que tratam da inovação na Teoria Econômica, esta diferença é básica para o bom entendimento do que os autores propõem. Para estes, fica bastante clara a partir do momento que uma firma começa a inovar, a diferenciação entre os grupos, dos administradores comuns e o dos empresários inovadores.

A principal diferença entre os grupos é que o primeiro, dos administradores, simplesmente está interessado em questões financeiras, econômicas ou de caráter administrativo de uma empresa, sem, no entanto, ser capaz de alterar significativamente o organização produtiva a partir da implementação de uma inovação, como a inserção de um novo produto no mercado ou alguma mudança no processo produtivo. Essas inovações são realizadas pelos legítimos empresários schumpeterianos, que a partir de suas habilidades e do conhecimento são capazes de realizar tais mudanças positivas para a empresa. Afinal de contas, toda empresa de grande porte nos dias atuais precisa inovar para ser capaz de continuar concorrendo com as demais.

No entanto, é bastante aconselhável que uma empresa, principalmente se esta for de médio ou grande porte, tenha em seus recursos humanos empresários inovadores, mas também homens de

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negócios que sejam capazes de bem administrar a empresa e seus funcionários. É necessário ter um controle sobre a produção, algo que não deve ficar nas mãos dos inovadores, que não podem ser sobrecarregados com outras tarefas que não sejam as relacionadas a questões de Pesquisa e Desenvolvimento ou conhecimento do produto, do processos de produção e do mercado. Em casos especiais, pode ocorrer que as inovações ou combinações novas, como chama Schumpeter, possam ser realizadas pela mesma pessoa que controla o processo produtivo ou o ramo comercial da empresa.

A distinção entre tais grupos para Schumpeter (1911), se faz no momento em que alguns “sujeitos econômicos” se especializam, lembrando que são estes sujeitos que irão realizar os fatos econômicos, que por sua vez irão alterar a dinâmica do desenvolvimento econômico. Ainda para o mesmo autor, a distinção se faz porque alguns indivíduos simplesmente tiram conclusões de circunstâncias conhecidas, sem fazer diferença se estes são dirigentes ou dirigidos, já que o comportamento de ambos está sujeito às mesmas regras. Neste caso, os que dirigem a empresa sem se preocupar com as inovações, somente executam o que lhes foi apontado pela demanda e pelos métodos de produção dados. Não são capazes de pensar em algo para alterar esta demanda ou esta produção e por isso não são considerados como empresários schumpeterianos.

O empresário, para realizar as inovações, não precisa necessariamente estar vinculado a uma determinada empresa, e deve-se deixar de lado aqueles indivíduos que somente operam um negócio estabelecido. Para Penrose (2006) os serviços empresariais são muito diferentes dos serviços administrativos, já que estes últimos apenas colocam em prática o que os empresários definiram como a melhor estratégia possível. Os administradores ainda são responsáveis, como já foi citado aqui, pelas tarefas de controle da produção, desde matérias-primas a funcionários, mas sua mudança se prende à rotina, não à mudança da rotina.

3 IMPORTÂNCIA DO EMPRESÁRIO INOVADOR PARA A FIRMA

Já foram apresentadas no tópico anterior as características de um empresário schumpeteriano que o fazem diferenciado quando comparado com um homem de negócios administrador de uma

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empresa. Isto posto, vale mostrar neste tópico porque uma firma necessita de um inovador.

Por qual motivo uma firma necessita de um administrador parece estar bastante claro até mesmo para o senso comum. É óbvio que um empresa necessita de um indivíduo ou em certos casos de um grupo de indivíduos coordenando-a e tomando todas as decisões cabíveis para seu bom funcionamento, resultando em ganhos que tomam forma nos lucros recebidos pela firma no mercado. Porém, foi mostrado no tópico anterior que há uma clara diferença entre estes administradores e um empresário inovador. Portanto, isso nos leva ao seguinte questionamento: por que uma empresa necessita ter em seu quadro de funcionários o chamado empresário schumpeteriano? O que este trará de positivo para a empresa que o administrador não pode proporcionar?

Agora que as questões se mostram claras, fica mais fácil tentar encontrar uma resposta que as esclareça. A partir da época de Schumpeter, e de forma cada vez maior, a concorrência entre grandes e médias empresas é cada vez mais acirrada. Devido a isso, aquelas empresas que decidem continuar auferindo ganhos no mercado devem partir para algo chamado por Schumpeter de inovação. Para Schumpeter (1988), o desenvolvimento, também entendido como uma mudança econômica viria a ocorrer através de uma iniciativa própria de pessoas capacitadas para tal ato. Estas mudanças seriam reflexos de inovações no sistema econômico e seriam trazidas para a empresa e para o sistema econômico de uma forma geral através dos chamados empresários inovadores que ficaram conhecidos também como empresários schumpeterianos. Vemos então que, para que ocorresse uma mudança no sistema produtivo que pudesse permitir um desenvolvimento de uma forma geral no sistema, uma inovação deveria partir de um empresário.

Portanto, as firmas que tivessem interesse em inovar para se tornarem capazes a ser pioneiras nestas mudanças econômicas, que seriam de toda a forma positivas de uma maneira geral, deveriam ter em seu quadro indivíduos capazes de realizar tais mudanças, ou seja, empresários inovadores.

Penrose (1959) afirma que uma firma só irá crescer se aproveitar as oportunidades produtivas que aparecerem no decorrer do percurso. Porém, são inúmeras as oportunidades que irão lhe aparecer e tomar uma decisão correta pode ser muito complicado.

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As pessoas de uma forma geral enfrentam situações parecidas no decorrer de sua vida. Um jovem, por exemplo, deve decidir aos 17 anos que profissão irá exercer no futuro antes de entrar na universidade. Para uma firma isso não é diferente e o seu futuro depende da tomada de decisão hoje. Se a firma escolher trilhar um determinado caminho e este se mostrar correto no futuro, esta irá auferir ganhos maiores e portanto, pode ultrapassar suas concorrentes e se colocar muito bem no mercado. Mas sempre há o outro lado, no caso em que a decisão tomada hoje pela firma se mostra no futuro como o caminho errado. Esta firma terá dificuldades de mercado e financeiras e não irá crescer da mesma forma que suas concorrentes, podendo até perder fatias de mercado para estas. Este é o diferencial da tomada de decisões da firma: o resultado, ou seja, saber se o caminho trilhado foi o mais correto dentre todas as oportunidades apresentadas, só irá aparecer no médio prazo, e não instantaneamente. Alguns autores comentaram sobre tal fato, de que o resultado da inovação só será percebido em um momento posterior à tomada de decisão e por isso a firma deverá considerar e pesar diversos fatores antes de definir por uma trajetória tecnológica em detrimento de outra. Como exemplo, tem-se a abordagem de Dosi e também de Nelson e Winter.

Em muitos casos, as características das firmas que concorrem no mercado são muito parecidas, em termos de custos ou processos produtivos. O que irá se mostrar como um diferencial importante são as qualidades dos empresários que estão inseridos nestas firmas. A firma que apresenta empresários capazes de inovar e portanto de diferenciá-la das demais terá ganhos de mercado, na forma de um produto novo, ou de um processo economizador de insumos ou de mão-de-obra, por exemplo. Para finalizar, é o que Penrose chama de “qualidade” da empresa, ou seja, qualidade dos tipos particulares de que uma firma dispõe, que têm uma importância estratégica na determinação de seu crescimento. Então, tem-se que o crescimento de uma firma é muitas vezes determinado por um determinado empresário inovador.

Pode-se até a relacionar tal discussão de Penrose dos tipos particulares presentes em cada firma, com a discussão de habilidades dos indivíduos como proxy para as habilidades das empresas de Nelson e Winter.

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4 O EMPRESÁRIO SCHUMPETERIANO E SUA ATUAÇÃO NA EMPRESA

No tópico anterior, foi apresentada a importância do empresário schumpeteriano para a diferenciação da empresa, o que permite seu crescimento e a dá vantagens quando comparada com suas competidoras. Mas, como se dá a atuação do empresário internamente na empresa?

É o produtor que deve iniciar a mudança econômica e posteriormente educar os consumidores para adquirir os produtos diferentes daqueles que estavam acostumados a usar, e não apenas realizar inovações devido a uma necessidade mostrada pelos consumidores. O desenvolvimento é definido pela realização de novas combinações, já que para produzir são utilizados determinados fatores produtivos, e para produzir outras coisas, ou seja, inovar, estes fatores devem ser combinados de formas diferentes. Este conceito de novas combinações para a inovação engloba cinco casos distintos: 1) introdução de um novo bem ou de uma qualidade diferente de um bem existente; 2) introdução de um novo método de produção; 3) abertura de um novo mercado; 4) conquista de uma fonte diferente de matéria-prima ou de bens semi-manufaturados que serão utilizados na produção; e 5) estabelecimento de uma organização diferente de qualquer indústria, como a criação de um monopólio por exemplo. (SCHUMPETER, 1911)

Especificamente no caso do empresário, Schumpeter (1911, p. 49) comenta que “(...) não é essencial, embora possa acontecer, que as combinações novas sejam realizadas pelas mesmas pessoas que controlam o processo produtivo ou comercial a ser deslocado pelo novo”. O autor cita que o comando sobre os meios de produção deve existir para que ocorra a realização das novas combinações que permitam a inovação. “Chamamos “empreendimento” à realização de combinações novas; chamamos “empresários” aos indivíduos cuja função é realizá-las” (SCHUMPETER, 1911, p. 54).

A partir dos cinco casos de novas combinações possíveis abordados por Schumpeter, pode-se ver que um inovador tem diversos campos para atuar, e para permitir esta inovação, uma condição sine qua non que este deve ter é o profundo conhecimento do produto. Isto porque ele pode inovar introduzindo no mercado uma qualidade diferente de um bem já existente, ou abrindo um novo mercado. Ou pode ainda mudar o método de produção ou conquistar

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uma fonte diferente de matéria-prima. Nestes dois grupos apresentados, percebe-se que no primeiro, o empresário atua no mercado, e no segundo, atua na produção do bem. Isto mostra claramente que a inovação pode surgir em diferentes áreas, e que, portanto, o empresário pode estar inserido em diversas áreas dentro da empresa. A inovação não ocorre em algum lugar específico e o empresário pode ocupar diversos cargos. Schumpeter (1911) comenta que as inovações não precisam necessariamente ser realizadas por aqueles que controlam o processo produtivo, e daí que surge a diferenciação apresentada num dos tópicos anteriores entre empresário schumpeteriano e homem de negócios. Este ainda comenta que os empresários inovadores podem ser pessoas independentes, podem ser subordinados a alguma empresa ou ainda ter controle da maioria das ações por exemplo. Por isso, o empresário inovador não necessita ocupar qualquer cargo pré-determinado na firma.

Assim como o cargo não é especificado, tem-se que sua atuação internamente também pode ser diferenciada. Como foi mostrado anteriormente, um pode atuar em termos do mercado, outro pode atuar mais especificamente no processo de produção do bem e em suas matérias-primas. Mas algo que pode ser recorrente na maioria dos casos de inovações, é o empresário atuar num setor específico, o de Pesquisa e Desenvolvimento, o qual tem por objetivo inovar em todos os sentidos, seja na matéria-prima, no mercado, ou no processo de produção.

Algo importante destacado por Penrose (2006) é que para uma firma permitir que haja investimento para o crescimento, deve investigar as oportunidades possíveis não somente através de cálculos, mas com uma análise profunda do mercado em que a firma se insere e suas possibilidades. Esta análise e a tomada de decisão que se segue é de responsabilidade do inovador e pode ser considerada como a decisão inicial, onde e como investir. A partir desta tomada de decisão, se o processo correr bem e a invenção for bem sucedida, o departamento de Pesquisa e Desenvolvimento irá aplicar juntamente com o empresário a invenção no mercado e obterá assim os resultados que ela irá proporcionar. Porém, em alguns casos, pode ocorrer da invenção não ser bem sucedida, e do empresário ter que retornar ao ponto de partida para decidir novamente onde e como reaplicar o dinheiro, de forma não rotineira.

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5 CONCLUSÃOA partir da análise apresentada até aqui, é possível perceber

uma notável relação entre as teorias de Schumpeter, Nelson e Winter e no que tange à firma e seu crescimento, que podem ser entendidas como uma seqüência da análise do empresário inovador. Primeiramente veio Schumpeter concluindo que a inovação era um aspecto de suma importância para permitir o desenvolvimento econômico, e mostrou também que o empresário teria um papel fundamental para permitir a realização desta inovação. É das discussões dele que surge o nome de empresário schumpeteriano para aqueles que buscam a inovação em suas empresas. Depois da análise inicial de Schumpeter, tem-se a discussão de Nelson e Winter, que tocou principalmente nas habilidades dos inovadores com o intuito de compreender as características das firmas inovadoras. Nelson e Winter vieram complementar a teoria schumpeteriana naquilo que ela tratou pouco, ou seja, o aspecto da inovação interna a empresa e do processo de como ocorre esta inovação.

Fazendo um apanhado geral das características citadas pelos autores que nos interessam, temos que o que não deve faltar num empresário schumpeteriano é conhecimento do produto, processo de produção e do mercado para fazer mudanças que possam ser aceitas, versatilidade para arrecadar capital, tino empresarial, ambição, intuição e imaginação empreendedora e, finalmente, habilidades para o processo de busca e seleção da melhor opção de inovação possível, com forte atenção para o setor de Pesquisa e Desenvolvimento da firma. Estes aspectos foram abordados por quase todos os autores citados até aqui de forma a destacar a importância do empresário schumpeteriano para a inovação na firma.

REFERÊNCIAS

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NELSON, Richard ; WINTER, Sidney. Uma Teoria Evolucionária da Mudança Econômica. Editora da Unicamp – Campinas, 2005.[1982]

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PENROSE, Edith. A Teoria do Crescimento da Firma. Editora da Unicamp – Campinas, 2006. [1959]

SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do Desenvolvimento Econômico. Nova Cultural, Coleção Os Economistas – São Paulo, 1988. [1911]

SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Editora Fundo de Cultura – Rio de Janeiro 1961. [1942]

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Os Efeitos “Pré-Sal” e a polêmica da regulação

Danielle Cristina Guizzo*

Marcio José Vargas da Cruz**

Para entendermos os possíveis efeitos das mega-reservas de petróleo descobertas na regulação, nos preços e na economia brasileira em si, compreender a história do mercado de petróleo e suas formas de precificação ao longo do tempo nos ajudam a analisar este fenômeno.

1 BREVE REVISÃO HISTÓRICA DO MERCADO PETROLÍFERO

O petróleo teve sua relevância destacada após a Segunda Revolução Industrial, em que substituiu, junto à eletricidade, as antigas energias dependentes do carvão e do vapor. Desde o início do século XX o petróleo já era extraído e refinado em larga escala, para atender a uma demanda mundial crescente. Após a 2ª Guerra Mundial, em que as então nações neocolonialistas saem das áreas ocupadas no Oriente Médio, iniciam-se na região movimentos nacionalistas pelo direito das nações disporem livremente de seus recursos naturais. A partir disso, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é criada em 1960 com o intuito fortalecer os principais países produtores frente às empresas cartelizadas do ocidente (“Sete Irmãs”), que exigiam cada vez mais uma redução nos preços de petróleo (MENDES, 2003)

Os choques do petróleo, em 1973 e 1979, que resultaram no aumento brutal dos preços do produto, geraram uma grave crise econômica mundial, marcando em definitivo o fim da era do combustível barato e abundante. Iniciativas foram criadas para tentar amenizar a dependência do petróleo, como o programa Pró-Álcool brasileiro durante o governo Geisel, mas a volatilidade de toda a economia estava, ainda, subordinada ao petróleo (COELHO, 2008).

Após os dois choques do petróleo, o mercado de cotação dos preços do barril passa a ser feito mediante mercados à vista (como já era feito antes dos choques) e também futuros, na tentativa de reduzir *Aluna do curso de Ciências Econômicas e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ** Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná e Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR

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a dependência mundial das enormes variações de preços, que por sua vez prejudicavam a saúde econômica da grande maioria dos países.

2 INFLUÊNCIAS NOS PREÇOSConflitos político-sociais mostram como este mercado é

sensível, indo além da influência tradicional do mecanismo “oferta-demanda”. Incertezas nos países exportadores de petróleo ou mesmo nos principais demandantes (como EUA, Japão, China) afetam negativamente os investidores e desestimulam a entrada de capitais direcionados à expansão da produção, fazendo com que o preço do petróleo varie significativamente. Dado isso, as especulações são inevitáveis, gerando ainda maior incerteza e aumentos consideráveis nos preços.

As altas excessivas nos preços do barril de petróleo desencadeiam um efeito inflacionário geral, que pode prejudicar o crescimento econômico mundial. Dessa maneira, nota-se uma expansão das fronteiras explanatórias em busca de novas reservas, como, por exemplo, a própria análise de viabilidade feita pela Petrobras na camada pré-sal e recentes pesquisas no Canadá sobre a extração de petróleo nas montanhas rochosas.

O alto custo da exploração de petróleo em locais de difícil acesso acaba gerando alguns questionamentos sobre a rentabilidade dessa exploração caso o preço do petróleo atinja patamares menores. Com o preço do barril variando significativamente devido, entre outros fatores, a perspectivas de queda na demanda dos países-chave (EUA, Japão, China, etc), cotado a US$ 147,27 em julho de 2008 e a US$ 49,62 em novembro de 2008 (France Presse, 20/11/08), a lucratividade tão esperada com as novas explorações passa a não ser mais atraente em alguns casos.

O Gráfico a seguir mostra as variações do preço do petróleo mensalmente, desde 1957 até setembro de 2008. A cotação é feita em dólares estadunidenses (US$) em valores nominais.

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GRÁFICO 1: COTAÇÃO DO BARRIL DE PETRÓLEO (BEP) MENSAL EM US$, DE JANEIRO DE 1957 A SETEMBRO DE 2008, EM VALORES NOMINAIS

Fonte: Ipeadata (Observação: Cotações em valores nominais e não-deflacionados)

É notável a partir de uma análise gráfica que os dois choques do petróleo (1973 e 1979) causaram elevações bruscas no preço do barril, e que após esse último, algumas variações ocorreram até o súbito aumento do preço, novamente, por volta de 2004. Após bater recordes em 2008, é visível uma tendência de queda nos preços.

3 PRÉ-SAL E REGULAÇÃOVoltamo-nos agora para as descobertas de novas jazidas de

petróleo na camada pré-sal pela Petrobras. Em 2005, a empresa anunciava que havia atingido a camada pré-sal, abaixo da camada pós-sal em que explora petróleo atualmente, e os primeiros estudos afirmam que existe um potencial de até 80 bilhões de barris de petróleo e gás natural na área pré-sal (ANP, 07/11/08). Se confirmadas as primeiras estimativas, o Brasil passaria a deter a 6ª maior reserva de petróleo no mundo, podendo ficar à frente de países produtores como a Venezuela e a Rússia (VEJA, 20/08/08).

Dessa forma, a polêmica da regulação entra em questão: uma vez que os lucros advindos do petróleo são repassados para a União e divididos entre os governos federal, estadual e municipal, com o início

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da exploração na camada pré-sal, apenas algumas unidades federativas seletas serão beneficiadas, caso a legislação atual permaneça.

Revisando o passado da Petrobras, após o fim do monopólio estatal do petróleo durante o governo FHC, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi criada, sendo responsável pela regulação, fiscalização e contratação das atividades do setor. Assim, a ANP promove também licitações de blocos a serem explorados, baseados em contratos de concessão. São nesses contratos que o pagamento dos royalties à União está incluído, bem como outras responsabilidades da empresa para com a ANP (FORMAN, 2002).

Após as descobertas de novas jazidas de petróleo, a legislação atual dos royalties entra em xeque: uma vez que ela parte de critérios distorcidos, caso ela permaneça em vigor, mesmo com uma mudança sensível nos lucros provenientes da exploração petrolífera em maiores proporções, essa renda paga ao setor público não será maximizada da melhor maneira, favorecendo amplamente apenas alguns estados costeiros (SERRA, 2006).

A legislação atual (“Lei do Petróleo”, n. 9478/1997) determina uma alíquota de 10% de pagamentos de royalties à União, incidentes sobre o valor bruto da produção, e também amplia as possibilidades de investimentos de tais recursos por parte das prefeituras (POSTALI, 2008). Para se ter uma idéia dos números: em 2004, o setor público brasileiro recebeu R$ 11,1 bilhões em rendas petrolíferas, e desse montante, R$ 4,3 bilhões (ou 46, 3%) foram destinados ao estado do Rio de Janeiro e seus municípios. Finalmente, 63,9% desses R$ 4,3 bilhões estão concentrados em apenas 10 cidades do estado do Rio de Janeiro (SERRA, 2006).

Nota-se que atualmente o estado mais favorecido pelas rendas advindas do petróleo é o Rio de Janeiro, pois é em seus domínios em que se encontra a área da Bacia de Campos, bem como toda a infra-estrutura industrial necessária para a exploração do petróleo, como refinarias, redes de distribuição e escritórios.

4 REFLEXOS DA LEGISLAÇÃO NA SOCIEDADEMantendo-se a legislação atual dos royalties para a exploração

das bacias na área do pré-sal, alguns impactos negativos podem surgir, como estimular os governos subnacionais que recebem os royalties a aumentar suas despesas totais, realizar gastos de menor qualidade e reduzir o esforço da arrecadação própria. Esses impactos negativos

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tendem a se agravar nos casos em que os critérios de repartição das transferências são inadequados, gerando grupos de estados e municípios sobrefinanciados, o que já ocorre atualmente no Rio de Janeiro.

As Tabelas 1A e 1B comprovam esse fato:

TABELA 1A: DISTRIBUIÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS (ROYALTIES + PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS) CORRESPONDENTE AO ANO DE 2003

Beneficiários Royalties (em R$)1 % do

TotalP.E.’s (em R$)2 % do

TotalUnião 1.186.231.731,92 27,0 % 2.498.708.400,00 50,2%

Estado do RJ 907.744.089,66 20,6% 1.961.297.000,00 39,4%

Estado do RN 140.945.914,14 3,2% 7.532.200,00 0,2%

Demais Estados 364.484.081,54 8,3% 31.644.900,00 0,6%Municípios 1.474.619.168,45 33,6% 482.970.218,89 9,7%

Fonte: ANP e Serra, R.V.

1 Royalties: se a empresa consegue retirar petróleo dos poços, paga ao governo um porcentual sobre o valor produzido. O dinheiro arrecadado é dividido entre o governo federal, o estado em que se encontra o poço e os municípios (VEJA, 20/08/08).2 Participações Especiais: é a compensação financeira que se paga nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade dos campos sob exploração (VEJA, 20/08/08).

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TABELA 1B: DISTRIBUIÇÃO DAS RENDAS PETROLÍFERAS: PARTICIPAÇÃO DE CADA BENEFICIÁRIO NO TOTAL PAGO A CADA ESFERA GOVERNAMENTAL E PARTICIPAÇÃO DAS RENDAS PETROLÍFERAS NAS RECEITAS TOTAIS DE CADA BENEFICIÁRIO, CORRESPONDENTE AO ANO DE 2003:

BeneficiáriosTotal das Rendas Petrolíferas em R$ (Royalties+P.E.’s)

% do Total Pago às Esferas Governamentais3

Receitas Totais do Beneficiário (Execução Orçamentária dos Estados e Municípios) em R$

% das Rendas petrolíferas na Receita Total do Beneficiário

Estado do RJ

2.869.041.089,66 84,1% 24.392.821.768,53 11,8%

Campos dos Goytacazes 4 475.182.177,54 24,3% 465.000.000,00 102,2%

Macaé 256.136.554,11 13,1% 528.712.592,06 48,4%Rio das Ostras

201.942.934,33 10,3% 333.766.420,03 60,5%

Cabo Frio 87.556.221,75 4,5% 225.011.293,61 38,9%Quissama 63.064.726,98 3,2% 128.316.328,13 49,1%

Armação de Búzios

36.247.341,45 1,9% 76.609.254,84 47,3%

Fonte: ANP, Secretaria do Tesouro Nacional – STN e Serra, R.V.

Não só apenas a arrecadação, financiamento e gastos dos governos são questionados, mas também qual será o efeito da distribuição dos recursos petrolíferos em termos de políticas sociais. Será que os municípios beneficiados hoje por estes recursos logram de um desempenho diferente em termos de crescimento econômico e desenvolvimento? A literatura econômica sugere que países ricos a partir de recursos naturais tendem a apresentar taxas de crescimento inferiores às dos países relativamente desprovidos. Assim, temos a chamada “maldição dos recursos naturais” (SACHS, WARNER, 1999)5.3 Porcentagem de quanto o beneficiário recebe de rendas petrolíferas em relação às outras esferas governamentais da mesma categoria (Estados ou Municípios).4 Para Campos dos Goytacazes a relação rendas petrolíferas/receita total foi maior que 1 devido aos valores subestimados de seu orçamento municipal para o ano de 2003.5A “maldição dos recursos naturais” (Dutch Disease) é um conceito que tenta explicar a aparente relação entre a exploração de recursos naturais e um declínio no crescimento

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A Tabela 2 apresenta indícios desse fato:

TABELA 2: CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL (%) DO PIB PER CAPITA MUNICIPAL, DE 2000 A 2005. MUNICÍPIOS DO RJ E RN

Montantes de royalties recebidos RJ RN RJ + RNTodos 0,95 4,00 3,06

Não recebem royalties 3,83 4,37 4,27Recebem royalties -0,02 3,69 2,28

Recebem royalties acima de R$ 10,00 per capita

-0,05 1,83 0,71

Recebem royalties acima de R$ 100,00 per capita

-1,74 1,60 -0,70

Fonte: IBGE, ANP e Postali, F.A.S.

Como se pode observar, os municípios que receberam royalties cresceram menos, em média, do que aqueles que não dispõem desse recurso. Também, os grandes receptores (acima de R$ 100,00 por habitante) apresentaram da mesma forma, taxas de crescimento menores do que a média estadual. Evidentemente, não está sendo analisado o efeito de causalidade (maiores royalties, menor crescimento), mas os dados sugerem uma forte presença da “maldição dos recursos naturais”, em que os royalties nem sempre podem ser benéficos ao município do ponto de vista do crescimento econômico e desenvolvimento.

5 POSSÍVEIS MODELOS DE REGULAÇÃO A SEREM APLICADOS

A discussão sobre uma possível mudança na legislação será realizada no governo, de acordo com recentes declarações da ministra Dilma Rousseff (Folha de São Paulo, 28/10/08). Na camada pré-sal, o risco exploratório é menor, e, portanto, o governo dá sinais de que irá aumentar a parcela dos ganhos da União, em detrimento das empresas, bem como revisar a divisão da parcela do setor público que será direcionada aos estados e municípios.

É dessa forma que a discussão atual levanta a questão dos modelos regulatórios que podem entrar em vigor com a exploração do

econômico de um país. A exploração de recursos naturais eleva a taxa de câmbio do país, fazendo com que sua indústria se torne menos competitiva, havendo assim uma desindustrialização e um menor crescimento econômico. Sachs, J., Warner, A., (1999), ‘The Big Push, Natural Resource, Booms and Growth’, p. 44-76.

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pré-sal. O modelo atual (concessão) tem como característica a realização de licitações pela ANP para empresas privadas explorarem petróleo por sua conta e risco, comprometendo-se a pagarem royalties e bônus ao governo. A desvantagem dessa modelo para a exploração das jazidas no pré-sal é que as empresas ganhadoras das licitações terão ganhos certos, já que na camada pré-sal existe um óleo de excelente qualidade, e os poços estão interligados em um grande poço. Portanto, existem outros modelos em discussão (norueguês, partilha da produção e misto) que visam contornar este problema dos ganhos certos pelas empresas privadas.

A Tabela 3 mostra as vantagens e desvantagens de cada modelo regulatório possível a ser aplicado:

TABELA 3: MODELOS REGULATÓRIOS POSSÍVEIS A SEREM APLICADOS NA NOVA LEGISLAÇÃO DA EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA CAMADA PRÉ-SAL

Modelo Definição Vantagem Desvantagem

Concessão

São feitos leilões de licenças para empresas privadas explorarem petróleo por sua conta e risco. A produção é da empresa. Há pagamento de bônus, royalties e P.E.

Exemplo: EUA, Brasil (hoje).

Manutenção das bases do “jogo”; segurança institucional.

Toda produção pertence ao concessionário; ganhos certos.

Norueguês

Estatal se associa a grupo de capital aberto para investir na exploração. Sem operar os poços, auxilia com financiamento e fica com uma parcela dos lucros. Os dividendos são depositados em um fundo soberano.

Exemplo: Noruega.

O governo seria representado pela estatal que atuaria como a “administradora” das reservas.

Uma Estatal não tem como objetivo maximizar lucros; o retorno pode ser abaixo do potencial (perda de eficiência)

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Partilha da Produção

A estatal se associa a grupos privados para cuidar da prospecção.

Exemplo: Angola.

Risco reduzido para a companhia e maiores ganhos pelo governo.

O retorno não seria tão volumoso a fim de atrair grandes investidores.

Misto

Mescla do modelo de concessão com o de partilha. O Brasil caminha nesse sentido ao estudar a adoção do sistema norueguês para as reservas do pré-sal e a manutenção das concessões nas demais áreas.

Exemplo: Rússia.

Manutenção do regime de concessões em áreas fora da Camada Pré-Sal e adoção de sistema semelhante ao Norueguês.

A atração de investimentos pode ser reduzida.

Fonte: Revista VEJA, 20/08/08, elaboração própria.

De acordo com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, com a determinação de um novo modelo de exploração previsto para o ano de 2009 as rendas petrolíferas pagas à União também serão modificadas (Agência Brasil, 11/11/08). Assim, esse fato trará profundas conseqüências econômicas e sociais, de forma que é necessária uma reavaliação dos investimentos feitos a partir destes recursos na tentativa de maximizar o bem-estar da sociedade em geral (Agência Brasil, 11/11/08).

6 E COM A CRISE?Como já dito anteriormente, o preço do petróleo teve quedas

substanciais nos últimos meses após atingir patamares históricos, causado principalmente pela incerteza nos mercados e previsões de queda de demanda por parte dos grandes compradores (EUA, Japão, China, etc). Uma vez que os preços relativos do petróleo não favorecem, no curto prazo, novas explorações de petróleo e incentivos ao desenvolvimento de combustíveis alternativos, pode-se inferir que o governo e a Petrobras diminuiriam seu ritmo tanto para o início das explorações como para mudanças substanciais na legislação que recai sobre o mercado petrolífero. Porém, relatos na própria teoria neoschumpeteriana consideram que, no longo prazo, a detenção

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de novas tecnologias, como é o caso da exploração em águas profundas pela Petrobras, proporcionam ao país maior dinâmica ao longo do tempo, bem como maior independência em relação à infra-estrutura e às tecnologias desenvolvidas no próprio país.

Declarações recentes da Petrobras, da ANP e do próprio governo federal deixam claro que seguirão em frente com as explorações mesmo com o preço do barril de petróleo em níveis mais baixos. Estudos recentes da empresa afirmam que a exploração de petróleo nas novas jazidas é economicamente viável até com o preço do barril cotado a, aproximadamente, US$ 35,00 (Folha de São Paulo, 05/12/08). As explorações na camada pré-sal, até 2020, terão um custo de aproximadamente US$ 600 bilhões, mas no longo prazo as mudanças proporcionadas pela exploração de petróleo no Brasil “não só modificam o panorama da geopolítica mundial do petróleo como coloca o Brasil numa perspectiva completamente nova do ponto de vista de serviço e de base industrial”, afirmou o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima (Folha de São Paulo, 07/11/08).

REFERÊNCIAS

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FRANCE PRESSE. Disponível em: <http:// www.afp.com > Acesso em 28/11/08.

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COELHO, W. ‘História do Petróleo no Brasil: Tese mineira do petróleo’, Dissertação de Mestrado, Fundação Brasileira de Direito Econômico – 2008.

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SERRA, R.V. ‘Rendas Petrolíferas no Brasil: Critérios de distribuição distorcidos induzem ineficiência no gasto’, Revista de Desenvolvimento Econômico, vol. 8, nº 01 - 2006

VEJA, Revista (20/08/08), ‘A Exploração do Petróleo’, edição 2074.

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Inflação, dinheiro e política monetária: Uma tentativa de análise marxista

Nelson Nei Granato Neto*

1 INTRODUÇÃOA recente aceleração inflacionária que ocorreu no mundo

inteiro, com reflexos no Brasil, suscitou uma escalada de críticas ao modo como o Banco Central brasileiro conduz o seu combate à inflação, com a sua política monetária considerada muito conservadora, inclusive para padrões internacionais. O presente artigo é uma tentativa de análise da política monetária do Banco Central sob a perspectiva da teoria marxista. Este artigo pretende ser um pequeno resumo do que a teoria marxista entende sobre dinheiro, política monetária e inflação e desfazer algumas confusões que existem na comparação da teoria marxista com outras teorias sobre esses temas. Para isso os conceitos como endogeneidade da moeda, valor socialmente necessário e política monetária serão abordados e a teoria do dinheiro-extra será utilizada para explicar o surgimento da inflação. E assim este artigo contribui para novas abordagens, diferentes do mainstrem oficial, sobre os problemas econômicos como a inflação.

2 DINHEIRO: MEIO DE CIRCULAÇÃO E MEIO DE PAGAMENTO

O conceito marxista de dinheiro, de fundamental importância, é pouco conhecido e é a origem de muitas confusões acerca do marxismo. Segundo Marx, na esfera da circulação o dinheiro1 tem duas funções: meio de circulação, intermediação de trocas, como nas compras a vista, onde o dinheiro cumpre uma função transitória; e meio de pagamento, que surge na separação do ato de comprar e vender, como nas transações a prazo, quando o

* Aluno do curso de Ciências Econômicas e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) 1 Além dessas funções na esfera da circulação, o dinheiro tem outras funções importantes na teoria econômica marxista: a de medida de valores (o dinheiro como a expressão de valor para as mercadorias, ou seja, do tempo de trabalho) e a de entesouramento, que será abordada posteriormente.

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dinheiro é parte essencial da troca (HILFERDING, 1985). O esquema abaixo ilustra isso:

M – D – M (meio de circulação)M – T – M (meio de pagamento)2

A base do dinheiro é o ouro, que historicamente é a mercadoria que desempenha o papel de dinheiro, entretanto devido ao crescimento da capital mercantil e das necessidades de circulação o papel-moeda começou a ser emitido e circula no lugar do ouro desempenhando as funções do dinheiro. Isso não significa que o papel-moeda sem lastro consiga desempenhar as funções de dinheiro, pois isso levaria a perturbações constantes no processo de circulação e o comércio internacional se tornaria inviável (HILFERDING, 1985), e a própria troca ‘demonstra que e necessário ir mais adiante e admitir um equivalente universal que seja em si mesmo uma mercadoria e conseqüentemente um valor (HILFERDING, 1985).' Portanto a base do dinheiro é o ouro, como pontua o próprio Karl Marx:

[o ouro] não vendeu a sua própria sombra, mas usa a mesma para fazer compras. Por conseguinte o signo de valor [papel-moeda] só funciona na medida em que ele representa, dentro do processo, o preço de uma mercadoria em relação a outra, ou o de todo dono de mercadoria em relação ao ouro. (MARX apud HILFERDING, 1985 op. cit. p. 63.)

As necessidades de circulação dão origem ao chamado valor socialmente necessário de circulação3 dado pela razão entre o valor total das mercadorias em circulação e a velocidade de circulação do dinheiro (HILFERDING, 1985), quando há dinheiro acima do que e necessário para a circulação ele é entesourado (HILFERDING, 1985). Esses conceitos muitas vezes levam a acusar o marxismo de ter uma teoria quantitativa da moeda, mais adiante esta confusão será esclarecida.

2 O T representa um título de dívida quando o pagamento é realizado depois da compra, ou seja, uma venda a prazo. O vendedor recebe um compromisso de pagamento, o título de dívida, que é pago posteriormente. 3 Essa idéia de Hilferding vem do conceito marxista de ‘grau de saturação da esfera da circulação’ (MARX, 1983. p. 113) que determina o ‘volume de dinheiro funcionando como meio circulante’ (id. ibid. p.104). Quando o volume de dinheiro está acima desse grau de saturação, ele é entesourado; se não há dinheiro suficiente, o dinheiro é então desentesourado.

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3 ENDOGENEIDADE DA OFERTA DE DINHEIROOutro aspecto importante para ser discutido é o caráter

endógeno da oferta de dinheiro na teoria marxista. É muito comum comparar a teoria pós-keynesiana da endogeneidade da moeda com a teoria marxista, convém ressaltar as diferenças e apresentar a teoria marxista da endogeneidade do dinheiro.

A teoria pós-keynesiana, conhecida como ‘Teoria Horizontalista da Moeda’4 reconhece a oferta de moeda como endógena, e é determinada pela demanda entre três instancias: entre empresas e bancos (bancos criam moeda em resposta à demanda de crédito das empresas), entre bancos e o banco central, e entre famílias e bancos (SAAD e LAPAVISTAS, 1999). Isso implica em: empréstimos criam depósitos, depósitos criam reservas, e a oferta de moeda-crédito; fazendo com que taxa de juros e demanda por moeda tenham relação inversa; a criação de moeda-crédito permite às firmas financiar seus gastos antes que o valor seja produzido; os lucros são investidos antes de serem criados; a composição dos ativos bancários deriva de leis macroeconômicas e não da preferência pela liquidez; e a taxa de juros não é um preço de mercado, mas um fenômeno puramente monetário (SAAD e LAPAVISTAS, 1999).

Na teoria marxista, a endogeneidade do dinheiro (termo preferível ao de moeda, por ser um conceito mais amplo que um mero meio de circulação) tem um enfoque diferente. Em um artigo ainda inédito5, o Profº Claus Germer afirma que a oferta monetária é necessariamente endógena na teoria marxista porque o dinheiro é uma mercadoria por definição, por isso a chamada endogeneidade produtiva. Como já foi mencionada, a função de dinheiro como meio de circulação é muitas vezes desempenhada por títulos de dívidas (o chamado dinheiro de crédito), que não é dinheiro por definição apesar de cumprir funções de dinheiro, o que gera confusões entre as teorias não-marxistas e a marxista, uma vez que no marxismo o dinheiro é definido pela sua essência e as outras teorias o definem a partir de suas funções, o que gera confusões entre dinheiro e outras categorias que desempenham determinadas funções de dinheiro.

Essas confusões são sintetizadas na citação abaixo:

4 A oferta endógena de moeda é representada por uma curva horizontal nos gráficos juros-dinheiro, origem do seu nome.5 GERMER, Claus M. “Endogeneidade produtiva”, um enfoque alternativo da hipótese da endogeneidade da oferta monetária. (artigo inédito).

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[a incompreensão da diferença entre o dinheiro e o dinheiro de credito resulta na incompreensão] do papel do ouro como dinheiro – como base da pirâmide creditícia sobre ele erigida – uma vez que o sistema de crédito culmina em um saldo resultante das compensações finais de dividas recíprocas de todo o sistema, representados pelo dinheiro de crédito, saldo esse que deve ser coberto pelo dinheiro real, isto é, o ouro (GERMER).

Ainda sobre a oferta monetária, a sua quantidade (meios de circulação + meios de pagamento) é regulada por três fatores: valor total de mercadorias a circular (ou a pagar), velocidade da circulação de dinheiro e o valor do próprio dinheiro. Ou seja, ao contrario da teoria quantitativa da moeda, a quantidade ofertada de dinheiro é determinada por fatores intrínsecos a produção de mercadorias, e seu caráter endógeno (como mercadoria) precede o surgimento do crédito monetário e do dinheiro de crédito. E lembrando que não é a produção de ouro que determina a quantidade de dinheiro em circulação, são as reservas em dinheiro e em títulos de crédito entesourados que regulam com o entesouramento e o desentesouramento a oferta de dinheiro conforme as necessidades de circulação (ou grau de saturação da esfera da circulação).6

Assim sendo, percebe-se que também não é coerente comparar a endogeneidade da oferta monetária na teoria pós-keynesiana e na teoria marxista. Enquanto na teoria horizontalista, há uma endogeneidade, que se pode chamar de bancária, uma vez que os bancos ‘criam’ dinheiro, segundo essa teoria; no marxismo isso é considerado uma confusão uma vez que os bancos não podem criar meios de pagamento. No marxismo o papel dos bancos é, essencialmente, o de mediador nas funções monetárias, o que se cria com os depósitos bancário não é propriamente dinheiro, mas uma emissão de dinheiro de crédito representando a forma monetária do capital industrial cuja circulação passa necessariamente pelo sistema bancário7.

Ou seja, apesar de fenômenos, como a fixação do nível taxa de juros em uma economia, terem explicações semelhantes nas duas

6 Adaptado de: MARX, Karl. O Capital. Livro I. Vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.113 e 118.7 Adaptado de: GERMER, Claus M. op. cit. p. 20.

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teorias8, estas apresentam bases teóricas diferentes o que impede uma equivalência entre as análises pós-keynesiana e marxista.

4 POLÍTICA MONETÁRIASobre a política monetária, é preciso ficar claro que, do ponto de

vista marxista, a política monetária é uma ideologia de uma prática estatal que é garantir a coerção monetária (BRUNHOFF, 1978) (um exemplo disso é a função estatal de manter a moeda como equivalente-geral). Esta política tem duas frentes: 1) gestão da moeda: a cargo do Banco Central; 2) sanção da política referente à moeda: referente à tomada de decisões políticas. Como a política monetária é feita pelo Estado, que na visão marxista é um instrumento da burguesia para gerenciar seus negócios comuns, essa política não deixa de ser também um instrumento de classe, ao contrário do discurso oficial que a apresenta como de ‘interesse geral’.

As intervenções governamentais são apresentadas como política monetária de interesse geral, quando não passam de decisões que procuram tornar possível uma nova gestão da moeda, indispensável à expansão da acumulação capitalista (BRUNHOFF, 1978)O capitalismo atual tem necessidade desta noção ideologia [a política monetária] bem como da noção de inflação para exprimir sua própria relação com as condições de produção (BRUNHOFF, 1978).

Portanto, a política monetária longe de ser neutra e de interesse geral é sim uma prática estatal, orientada pela ideologia burguesa, para favorecer determinados setores da burguesia. Logo, os eventuais sucessos ou fracassos da política monetária não podem ser conceituados com noções da ideologia burguesa.

5 INFLAÇÃO SOB A PERSPECTIVA MARXISTA: A ‘TEORIA DO DINHEIRO-EXTRA’

Entendendo a visão marxista de dinheiro e política monetária, pode-se falar de inflação. Como ressalta Suzanne de Brunhoff, no discurso oficial a inflação é tratada como uma ‘força má’ que precisa ser combatida, ela é apresentada como alheia ao funcionamento

8 Em ambas as teorias o nivel da taxa de juros é determinado pela oferta e demanda por dinheiro, e sua fixação por parte do Banco Central, por exemplo, trata-se de uma decisão política.

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‘normal’ do capitalismo, todos são culpados (estado, estruturas de mercado, massa monetária, consumidores) menos o próprio sistema capitalista (BRUNHOFF, 1978). Na teoria marxista a inflação não pode ser procurada em apenas algumas determinadas estruturas do capitalismo, mas como um fenômeno próprio da dinâmica capitalista.

Para formular uma teoria marxista sobre a inflação é necessário obedecer alguns pré-requisitos, como bem observam Lapavistas e Saad Filho: 1) a teoria tem que ser historicamente especifica e baseada nas características particulares da produção capitalista; 2) a moeda-crédito (dinheiro como meio de pagamento) é uma forma avançada de dinheiro e sua oferta é endógena em um sentido mais profundo e complexo que a analise pós-keynesiana; 3) apesar da oferta de dinheiro ser endógena, a quantidade ofertada não é necessariamente compatível com as necessidades de circulação (SAAD e LAPAVISTAS, 1999).

Uma teoria marxista sobre a inflação é a ‘teoria do dinheiro-extra’, apresentada pelos professores Maria de Lourdes Mollo e Alfredo Saad Filho em um artigo (2002). O seu diagnóstico parte que a inflação tem origem em conflitos distributivos endógenos ao capitalismo, sendo três os principais: 1) empresas com o poder de fixar preços; 2) repasse dos aumentos salariais por parte dos capitalistas; 3) disputa do capital financeiro e do capital industrial por parcelas de mais-valia (BRUNHOFF, 1978).

Segundo as interpretações marxistas correntes a inflação é um estudo das discrepâncias, criadas pelo circuito do capital, entre a produção de valor e a oferta de dinheiro, porque a emissão de dinheiro-extra9 (pelo setor privado – bancos comerciais, e público – Banco Central) valida preços mais altos do que o valor10, e o descompasso entre os rendimentos e a circulação do dinheiro; e como o Estado não tem como regular as variáveis de acumulação da economia (que por sua influenciam a emissão de crédito) o Estado sanciona preços que são expressões imperfeitas de valor, e a emissão contínua de dinheiro-extra produz distorções nas relações entre preços e valor e entre setores da economia (BRUNHOFF, 1978).

Tanto a teoria econômica marxista quanto a teoria quantitativa da moeda usam fórmulas matemáticas parecidas para explicar

9 Para manter a coerência com o marxismo, a emissão de dinheiro-extra por parte dos bancos trata-se de dinheiro de crédito. 10 A emissão de dinheiro de crédito e de papel-moeda pode desvalorizar o padrão de preços, o que freqüentemente ocorre.

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fenômenos monetários11, o que muitas vezes leva à conclusão precipitada de que o marxismo tem uma teoria quantitativa da moeda. Entretanto as implicações teóricas disso são diferentes: enquanto na teoria quantitativa da moeda há uma relação direta entre quantidade de dinheiro e inflação, na teoria econômica marxista há outra abordagem. A emissão de dinheiro-extra pode provocar inflação ou não, isso vai depender da capacidade produtiva dos setores da economia: em setores com capacidade ociosa o dinheiro-extra estimula o investimento e a demanda e não provoca inflação, o contrario ocorre nos setores com capacidade produtiva esgotada (BRUNHOFF, 1978); entretanto o seu efeito quanto a preço e/ ou quantidade são imprevisíveis (BRUNHOFF, 1978). Além disso, dependendo de como é emitido e como circula, o dinheiro-extra pode mudar irreversivelmente o nível e a estrutura da composição do produto nacional (BRUNHOFF, 1978).

6 CONSIDERAÇÕES Ao final desse artigo de conjuntura é possível tirar algumas

considerações acerca da política monetária do Banco Central do Brasil atualmente. Não é de hoje que a taxa de juros do Banco Central do Brasil está entre as mais altas do mundo, sempre com a justificativa de manter a inflação em um nível baixo. O que a teoria marxista tem a dizer sobre isso é que se o objetivo é controlar a inflação, o Banco Central fatalmente não terá como controlá-la com uma taxa de juros alta, uma vez que o Banco Central não tem controle sobre a oferta de dinheiro na economia e muito menos sobre as variáveis de acumulação da economia nacional, isso só seria possível se a economia fosse planejada, o que esta fora de cogitação em um sistema capitalista.

Isso não implica que o marxismo concorde com avaliações semelhantes feitas por outras teorias, os pressupostos teóricos são diferentes. Apesar de haver semelhanças entre o marxismo e o pós-keynesianismo no diagnóstico que as decisões do Banco Central

11 A teoria quantitativa da moeda usa a fórmula: MV=PQ (massa monetária*velocidade da circulação da moeda=nível de preços*nível de produção).

E Marx no Capítulo III do Livro I do Capital usou a seguinte fórmula: volume do dinheiro funcionando como meio circulante=soma dos preços das mercadorias/número de cursos das peças monetárias.

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quanto a política de juros, isso não se deve a endogeneidade bancária da moeda, mas sim devido a endogeneidade produtiva do dinheiro. Assim como a semelhança que há no diagnóstico de que emissão de dinheiro (ou moeda) pode gerar inflação tanto no marxismo quanto na teoria quantitativa da moeda, isso se deve a imprevisibilidade dos efeitos da emissão de dinheiro-extra e não a uma suposta relação direta entre quantidade de moeda e inflação.

Ou seja, sob a luz da teoria marxista, a política monetária do Banco Central com os seus juros altos que não tem efeitos sobre a inflação, só tem sentido como uma estratégia política para favorecer determinados setores da burguesia, notadamente os banqueiros. E seu discurso de combate à inflação não passa de retórica para justificar essa estratégia política.

REFERÊNCIAS

BRUNHOFF, Suzanne de. A política monetária – Um ensaio de interpretação marxista. Paz e Terra – São Paulo, 1978.

GERMER, Claus M. “Endogeneidade produtiva”, um enfoque alternativo da hipótese da endogeneidade da oferta monetária. (artigo inédito).

HILFERDING, Rudolf. O Capital Financeiro. Abril Cultural – São Paulo, 1985.

MARX, Karl. O Capital – Livro I. Vol. 1. Abril Cultural – São Paulo, 1985.

SAAD FILHO, Alfredo. LAPAVISTAS, Costas. A Teoria Horizontalista da Moeda e do Crédito. In: Revista Estudos Econômicos – Instituto de Pesquisas Econômicas da USP. Vol. 29 – nº 1 – São Paulo, 1999.

SAAD FILHO, Alfredo. MOLLO, Maria L. R.. Inflation and stabilization in Brazil: a political economy analysis. In: Review of Radical Political Economics. v.34 - 2002.

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Entrevista Com Mario Cimoli

No dia 13 de outubro, o professor Mario Cimoli, pesquisador da Cepal e professor na universidade de Veneza, esteve na UFPR a convite do Professor Gabriel Porcile para proferir um seminário intitulado “Cambio estrutural y Aprendizado en América Latina”. Cimoli é pesquisador na área de inovação tecnológica e concedeu esta entrevista, em que pudemos falar de sua trajetória profissional, da Cepal e da América Latina.

O SENHOR PODE FALAR UM POUCO SOBRE A SUA VIDA PROFISSIONAL E ACADÊMICA, SOBRE AS PESSOAS QUE TIVERAM INFLUÊNCIA NA SUA FORMAÇÃO?

Sou natural da Argentina. Iniciei meus estudos fazendo um curso técnico industrial e mais tarde estudei engenharia. E enquanto eu estudava à noite, trabalhava na empresa de meu pai, uma pequena empresa de elevadores e de máquinas, e isso tem muito a ver com o porquê eu ter me especializado na área da tecnologia, ou seja, foi porque entrei e conheci a tecnologia de uma empresa.

Pouco depois, exilei-me na Itália. Era época da ditadura e tive que partir porque os militares me procuravam. Lá comecei a estudar economia. E a pessoa que teve uma grande influência sobre a minha formação em economia, de quem tenho muitas boas lembranças, como um excelente economista, de boa formação acadêmica e humana, era o professor Paolo Sylos Labini. Paolo foi fundamental na minha carreira porque ele me ajudou transformar meu ímpeto jovem, minha vontade de mudar muitas coisas, em estudo sério da economia. Com ele entendi a importância do estudo da matemática, da história do pensamento econômico. Além disso, Paulo Sylos Labini escreveu excelentes livros. “Oligopólio e Progresso Técnico” é um livro que até hoje os manuais de história econômica e de microeconomia citam.

Outra pessoa fundamental foi o professor Giovani Dossi. Fui a um seminário seu no meu último ano na faculdade em Veneza e eu o critiquei. Ele terminou o seminário, depois das críticas e me convidou para estudar com ele em sua universidade. Ou seja, eu o critiquei, mas minhas críticas foram muito entusiásticas, eufóricas. Depois ganhei

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uma bolsa de estudos da fundação Norberto Bobbio e uma bolsa do Banco Itália para poder estudar na Inglaterra. Aí me aprofundei nos temas de estruturas, sempre pensando na América Latina.

E COMO O SENHOR CHEGOU ATÉ A CEPAL?Quando voltei da Inglaterra, comecei a lecionar na

Universidade de Veneza, onde sou professor até hoje. E bem, não que eu estivesse em desacordo, mas havia muita gente mainstream, muita gente muito ortodoxa. E o problema da universidade é de poder, se os ortodoxos têm o poder, os outros não o tem, e o mesmo acontece no caso contrário. Muitas vezes não existe respeito pelo pensamento plural na economia. A economia não é uma ciência como a física, tem um grande componente ideológico. E então fui ao México em um ano sabático e acabei ficando lá por três anos. E quando estava prestes a voltar, José Antonio Ocampo, o secretário da Cepal na época, me convidou para ir trabalhar com eles. Aceitei e aí estou há oito anos.

E SE PODE DIZER QUE A SUA VISÃO DE MUNDO, SUA VISÃO DA ECONOMIA É PRÓXIMA DAQUELA QUE TEM A CEPAL?

Evidentemente. O último documento da Cepal do qual participei em grande medida se chama “Transformación productiva 20 años después”, que trata da história da Cepal no pensamento sobre produtividade e crescimento. Sim, me identifico muito com a Cepal. Além disso, ela é uma bela instituição. É bela porque pensa, porque é provocativa, porque não tem que prestar contas ao governo. Não temos que dizer aos governos o que pensar. E às vezes nos olham mal, porque se os governos são inteligentes, preferem ter pessoas que digam o que pensam e não pessoas que o façam pelo dinheiro. E há a história da Cepal! Prebisch, Celso Furtado... eu, aos jovens brasileiros, digo que leiam “A fantasia organizada”. Se um jovem brasileiro me perguntar o que deve estudar para seguir a carreira de economia, eu digo que é um orgulho e é lindíssimo ler “A Fantasia Organizada”. O livro explica porque às vezes a gente faz o que faz, explica o porquê da Cepal e explica Celso Furtado, Cardoso, Pinto, Osvaldo Sunkel, enfim, mostra uma grande riqueza de pensamento. E a Cepal quanto a isso é linda porque se pode pensar. É um ‘Think Tank’ da América Latina, que tem boas relações com a consciência latino-americana.

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E BREVEMENTE, COMO VOCÊ DEFINIRIA A VISÃO DA CEPAL SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO?

Se alguém me pede uma definição da visão da Cepal sobre desenvolvimento, eu diria que a Cepal vê o desenvolvimento como algo integrada. Quando falamos de desenvolvimento, preocupa-nos o desenvolvimento de cada cidadão latino americano, para que ele possa ter acesso ao bem estar, aos direitos e à cidadania e que a distribuição desses direitos seja o mais equitativa possível. Mas também entendemos que isso não é possível sem crescimento, educação, uma boa condução de políticas macroeconômicas e também uma boa gestão do meio ambiente. Mas prevalece a visão integral do desenvolvimento.

E SOBRE POLÍTICAS INDUSTRIAIS, O QUE VOCÊ ACREDITA QUE ESTÁ SENDO FEITO NA AMÉRICA LATINA AGORA?

Parece-me que foi feito menos do que poderia ter sido feito e temo que se perca o rumo. O Brasil fez muito nessa área, está fazendo. Mas creio que frente à crise financeira internacional, os países que vão esquecer dos problemas industriais e tecnológicos são os que ficarão piores nos próximos 20 ou 30 anos. Quero dizer, agora com o que está acontecendo, é que se deveria pensar mais na política industrial e tecnológica.

E HÁ ALGUM PAÍS NA AMÉRICA LATINA QUE LHE PARECE SER O MAIS DESENVOLVIDO NESSE ASPECTO DE POLÍTICA INDUSTRIAL E TECNOLÓGICA?

Eu diria que é o Brasil. Não porque estou aqui, mas o Brasil é o que está na vanguarda.

E O CHILE?O Chile é um país interessante, que mudou muito, cresceu, mas

se falamos de políticas industriais, o Brasil, com todos os seus defeitos e problemas, está na frente. Tem instrumentos e uma planta tecnológica muito interessantes. O BNDES é notável, o que estão fazendo com a Petrobrás também o é. Não está perfeito, há críticas, mas o que quero dizer é que se há um exemplo regional, é o Brasil. No entanto, fazer comparações é difícil, porque o país é muito grande

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e tem muitos recursos. Os países têm que fazer suas políticas com relação ao que há disponível, de acordo com sua história, sua tecnologia.

E QUAIS OS PRINCIPAIS PROBLEMAS INSTITUCIONAIS E POLÍTICOS QUE A AMÉRICA LATINA ENFRENTE COMO IMPEDITIVO AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E INDUSTRIAL?Acredito que há várias oportunidades aqui, deve-se saber aproveitar, deve-se mostrar ao povo o que se pode fazer, o que não se pode. Acredito que o principal problema passa pela afirmação da democracia, da cidadania. Cidadania com C maiúsculo, em que todos tenham acesso à educação, que ela não seja discriminatória. Quanto a isso, a América Latina tem muito que fazer. É essa cidadania que imagino para esse lindo continente.

E SOBRE A INTEGRAÇÃO DESTE CONTINENTE, O QUE O SENHOR PENSA?

Eu estou muito contente com o que está sendo feito no Cone Sul. A Unasul é uma excelente iniciativa, a integração regional é muito importante. E deve-se fazer com que os jovens se movam. Meu sonho para a América Latina, principalmente para o Cone Sul neste momento, é poder ter jovens do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Chile se movendo, como acontece na Europa, com o programa Erasmus, em que os jovens vão fazer parte de suas graduações em outros países. Eu quero uma América Latina assim, quero que vocês possam fazer um curso na Universidade de Buenos Aires, enquanto alguém de Buenos Aires faz um curso na UFPR, e alguém da UFPR na Universidade de Chile... essa é a América Latina que eu quero.

E A AMÉRICA LATINA NO MUNDO, QUAL O SEU PAPEL?

Eu penso que a crise vai afetar a América Latina, mas estamos mais bem preparados que em outras vezes. No mundo, precisamos de mais integração política. A América Latina tem importância no mundo. O Brasil tem um grande papel, a Argentina também, mas os dois juntos seriam mais fortes. Teríamos mais importância se, sobre alguns temas, falássemos ao mundo com uma voz única.

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Mas temos que raciocinar, principalmente os jovens. Pensa-se pouco, discute-se pouco, debate-se pouco. Eu penso em uma sociedade latino-americana diferente. Pelo menos devemos começar a pensar em um acordo em que os jovens possam ir de uma universidade a outra. Por que não começar com o simples? Por que não reunimos os vinte reitores que se deve reunir para que resolvam o problema da integração acadêmica, para que os jovens possam se deslocar de uma universidade a outra? Integremos a região, essa é a América Latina que quero.

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