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PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-SOCIAIS DA CIDADANIA OCIDENTAL SOCIAL-HISTORICAL ASSUMPTIONS OF WESTERN CITIZENSHIP Fernanda Cristina Covolan RESUMO O presente trabalho busca, inicialmente, apontar as origens históricas do conceito cidadania, partindo primeiramente do mundo grego antigo, com suas limitações e peculiaridades, e apontando como, no que respeita ao período medieval, há controversas quanto à existência de elementos de exercício cidadão. A seguir abordam-se três marcos histórico-sociais antecessores das grandes revoluções modernas, que tiveram impacto na organização social, refletindo assim na forma do homem entender-se dentro da sociedade: a peste negra, que dizimou 1/3 da população europeia de seu tempo, ocasionando falta de mão de obra e afetando indistintamente as classes sociais, o que atingiu a percepção das relações feudais de dependência econômica bem como as hierarquias baseadas em pressupostos religiosos; o renascimento e suas mudanças de pensar e ver a cultura e o próprio homem, dando espaço ainda a modificações na ciência e no domínio da natureza e; a reforma protestante que, modificando dogmas, serviu também para dar espaço a uma reformulação política, econômica e consequentemente social, sendo um dos elementos sociais precursores das mudanças do porvir. O artigo procura analisar, então, as modificações sociais na Europa e na América que serviram de mola propulsora às revoluções, dando lugar para o fortalecimento de um grupo social antes secundário, chamado de burguesia, sendo que tal grupo social, com o intuito de conquistar direitos legais, formulou uma nova concepção de Direito, em que se resgatou o conceito de cidadania. Esta nova cidadania moderna veio em forma mais ampliada, agora baseada no indivíduo e suas prerrogativas. Por fim, o presente artigo considera que a concepção de cidadania, conforme sua formulação presente, tem suas origens nas mudanças sociais ocorridas a partir da Idade Média e nos reflexos destas mudanças na organização cultural ocidental, sendo relevante a consideração do passado para a avaliação do andar do presente e da construção do futuro. PALAVRAS-CHAVES: HISTÓRIA SOCIAL; CIDADANIA; REFORMA PROTESTANTE; REVOLUÇÕES MODERNAS ABSTRACT This paper presents initially, the historical origins of citizenship concept, starting from the old Greek world with its limitations and peculiarities, and pointing controversy about the existence of elements of exercise citizen, regarding the medieval period. The following deals with three social-historic facts predecessors to the great modern revolutions, which had impact on social organization, as reflected in the way of man is understood in society: the bubonic plague (Black Death), which killed 1/3 of the 4998

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PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-SOCIAIS DA CIDADANIA OCIDENTAL

SOCIAL-HISTORICAL ASSUMPTIONS OF WESTERN CITIZENSHIP

Fernanda Cristina Covolan

RESUMO

O presente trabalho busca, inicialmente, apontar as origens históricas do conceito cidadania, partindo primeiramente do mundo grego antigo, com suas limitações e peculiaridades, e apontando como, no que respeita ao período medieval, há controversas quanto à existência de elementos de exercício cidadão. A seguir abordam-se três marcos histórico-sociais antecessores das grandes revoluções modernas, que tiveram impacto na organização social, refletindo assim na forma do homem entender-se dentro da sociedade: a peste negra, que dizimou 1/3 da população europeia de seu tempo, ocasionando falta de mão de obra e afetando indistintamente as classes sociais, o que atingiu a percepção das relações feudais de dependência econômica bem como as hierarquias baseadas em pressupostos religiosos; o renascimento e suas mudanças de pensar e ver a cultura e o próprio homem, dando espaço ainda a modificações na ciência e no domínio da natureza e; a reforma protestante que, modificando dogmas, serviu também para dar espaço a uma reformulação política, econômica e consequentemente social, sendo um dos elementos sociais precursores das mudanças do porvir. O artigo procura analisar, então, as modificações sociais na Europa e na América que serviram de mola propulsora às revoluções, dando lugar para o fortalecimento de um grupo social antes secundário, chamado de burguesia, sendo que tal grupo social, com o intuito de conquistar direitos legais, formulou uma nova concepção de Direito, em que se resgatou o conceito de cidadania. Esta nova cidadania moderna veio em forma mais ampliada, agora baseada no indivíduo e suas prerrogativas. Por fim, o presente artigo considera que a concepção de cidadania, conforme sua formulação presente, tem suas origens nas mudanças sociais ocorridas a partir da Idade Média e nos reflexos destas mudanças na organização cultural ocidental, sendo relevante a consideração do passado para a avaliação do andar do presente e da construção do futuro.

PALAVRAS-CHAVES: HISTÓRIA SOCIAL; CIDADANIA; REFORMA PROTESTANTE; REVOLUÇÕES MODERNAS

ABSTRACT

This paper presents initially, the historical origins of citizenship concept, starting from the old Greek world with its limitations and peculiarities, and pointing controversy about the existence of elements of exercise citizen, regarding the medieval period. The following deals with three social-historic facts predecessors to the great modern revolutions, which had impact on social organization, as reflected in the way of man is understood in society: the bubonic plague (Black Death), which killed 1/3 of the

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European population of their time, causing a lack of manpower and affecting social class indistinctly, which reached the perception of feudal relations of economic dependence and the hierarchies based on religious assumptions; the Renaissance and its changes in thinking and see the culture and the man himself, giving space also to changes in science and the nature domain and; the Protestant Reformation, changing dogma, also served to make a political and economic recasting and consequently social changes, being one of the precursor social elements of modern revolutions. So, this paper attempts to analyze the social changes in Europe and America that served as the springboard for the revolutions, giving place to the strengthening of a social group before secondary, called the bourgeoisie. This social group in order to get legal rights, made a new conception of Right, which rescued the concept of citizenship. This new modern citizenship came in a more extended context, now based on the individual and their prerogatives. Finally, this work considers the concept of citizenship, as it stands now, has its origins in the social changes occurring from the Middle Ages and the consequences of these changes in Western cultural organization, and it is relevant to consideration of the past to assess the present and the building the future.

KEYWORDS: SOCIAL HISTORY; CITIZENSHIP; PROTESTANT REFORM; MODERN REVOLUTIONS.

Introdução

O conceito de cidadania vem sendo discutido e reconstruído ao longo dos anos, suscetível da história social da cultura ocidental. A construção da sociedade, seus andares e revezes, permitem que novos elementos e concepções sejam acrescidos à medida que se verifica experimentalmente a necessidade de revisões no conceito anteriormente posto.

Em que pese a existência prévia da cidadania na Grécia antiga e mesmo nos períodos Romano e Feudal, é inegável que o alcance jurídico do conceito estava limitado a um grupo específico de pessoas, deixando tantos outros à margem.

O fim do período feudal fez ressurgir a ideia de cidadania, agora ampliando o conceito para abarcar um número maior de indivíduos da sociedade, em bases tais que permitiram a extensão do conceito, atualmente, para todos, apesar de tal extensão ser ainda mais teórica do efetiva.

A compreensão dos fatos e mudanças sociais do fim do período medieval permite compreender que as reconstruções de conceitos jurídicos, filosóficos, políticos, sociais e econômicos estão intrinsecamente relacionados, afetando-se continuamente.

Em face do exposto, o presente trabalho se propôs a considerar alguns elementos histórico-sociais que estiveram relacionados com o ressurgimento da cidadania, analisando fatos como: a influência da cidadania grega, sua diferença com a cidadania moderna, fatos históricos de ordem social como a Peste Negra, o Renascimento e a Reforma Protestante, e finalmente refletindo em como se deu a reconstrução histórico-social do modo de ser ocidental, inclusive em sua constituição jurídica, com a eclosão das chamadas Revoluções Modernas.

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1. CIDADANIA NASCENTE: DA GRÉCIA PARA O MUNDO OCIDENTAL MODERNO

O mundo grego antigo foi a fonte primeira da ideia de cidadania, que naquele tempo e lugar teve um significado tanto civil quanto político, muito embora as prerrogativas não fossem acessíveis a todos os membros da sociedade, já que mantinha-se a escravidão, e não se reconheciam pobres ou alguns profissionais de carreiras menos dignas, como artesãos ou comerciantes.[1]

Dentro da concepção atual de cidadania, essas limitações ao acesso da condição de cidadão significam uma não cidadania civil. De todo modo, a cidadania grega, para ser plena, deveria incluir, entre os direitos do cidadão, a interferência nas decisões da polis. Esta participação também só se daria caso o cidadão atendesse a condições específicas de nascimento[2] e condições sociais, sendo passível de veto ou consentimento especial por decisões políticas. Tais limitações significaram o acesso restrito de uma classe oligárquica à condição de cidadania.

Diodoro da Sicília assim referiu essas circunstâncias:

O povo, que não era suficientemente forte para continuar a guerra, foi obrigado a dar plenos poderes governamentais a Antípatro... Este tratou-os com humanidade: permitiu-lhes conservar a sua cidade, os seus bens e tudo o resto. Mas modificou a constituição, anulou a democracia e ordenou a instauração de um regime censitário: os que possuíam mais de dois mil dracmas tinham direito de tomar parte na vida política e de votar. Em contrapartida, excluiu da vida política todos os que não atingiam o censo, bem como os agitadores e os desordeiros da guerra; aos voluntários foi atribuído um território para colonizar, na Trácia. Assim, estas pessoas – que eram mais de doze mil – abandonaram a sua pátria, enquanto os que possuíam o censo estabelecido (à volta de nove mil pessoas) receberam plena e inteira soberania na cidade e no campo: governaram-se segundo as leis de Sólon.[3]

A participação dos cidadãos na organização e desenvolvimento social se davam no âmbito legislativo e judicial, de forma direta, ou seja, sem que fossem eleitos representantes: cada cidadão comparecia pessoalmente ao fórum para discutir e deliberar.[4]

Nesta concepção inicial de cidadania, inexistiam os direitos-liberdades, prevalecendo o público sobre o privado, o coletivo sobre o individual. Jaeger afirma que a polis “impõe-se aos indivíduos de modo vigoroso e implacável e neles imprime seu caráter. (...) O valor do homem e da sua conduta mede-se exclusivamente pelo bem ou pelo mal que acarretam à cidade.”[5]

Quanto à Idade Média, há divergência entre autores sobre o exercício da cidadania. Para exemplificar, uma das correntes entende que este exercício desapareceu, somente ressurgindo no século XI, nas cidades-Estado italianas, de predomínio burguês, numa forma assemelhada ao modelo dos tempos antigos, também exercida por uma minoria. [6]

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Para Sérgio Resende de Barros, contrariamente, no período feudal/medieval a sociedade organizou-se sobre relações de direitos e deveres entre vassalos e senhores, muitos embora a força de deveres se sobrepusesse aos direitos para os pertencentes às camadas da base piramidal em que se organizava a sociedade.

O servo não era escravo e o senhor não era absoluto. Na relação entre eles havia – como em todas as relações feudais – uma composição de deveres sociais com direitos sociais, ainda que mais oclusiva e opressiva do que nas demais relações com os demais vassalos, na ascensão da pirâmide social feudal.[7]

Mas foi na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, inclusive no período absolutista, com as mudanças abissais na forma do homem entender a si mesmo e ao mundo, que começou a reformulação do conceito de cidadania como exercício de direitos. As bases para tal mudança foram: o individualismo, o racionalismo, a substituição do sistema agro-pastoril para o sistema econômico do comércio, e ainda a secularização nos sistemas políticos - com o surgimento dos Estados, fundamentados no contratualismo.

De acordo com Gonzalez[8], destacam-se três correntes sobre o modo de formação da teoria dos direitos humanos no ocidente: a visão weberiana, que coloca no centro a reforma protestante; a visão marxista, que entende ter sido a mudança dos meios de produção – do sistema agro-pastoril para o sistema mercantil; e a teoria que privilegia a ascensão do individualismo jurídico no meio social, defendida, entre outros, por Bobbio.

Para a construção histórica do homem contribuem todos os fatores que constroem sua vida diária, ou seja, os aspectos psicológicos, familiares, sociais, econômicos, políticos, filosóficos, jurídicos, ou mesmo fenômenos naturais, todos se inter-relacionando. Estas inter-relações, embora em alguns momentos predomine um aspecto em detrimento de outro, não significam a ausência ou menor importância dos demais.

Desta forma, importa considerar a diversidade de elementos para uma visualização mais apurada das mudanças ocorridas no mundo ocidental que fundamentaram as mudanças na compreensão do que é cidadania, e do que é Direito.

2. Fatos anteriores - A Peste Negra, Renascimento e Reforma

Trindade, em sua obra sobre a história social dos Direitos Humanos, ressalta o papel que a peste negra teve nas alterações sociais da Idade Média.[9]

Em meados do século XIV, navios mercantes levaram a peste negra (nas três versões: bubônica, pneumônica e septicêmica) para o continente europeu, onde se disseminou rapidamente. Hoje é sabido que a doença escondia-se nas pulgas dos ratos, viajantes escondidos nos porões dos navios.

Somente nos quatro primeiros anos da doença cerca de 20 milhões de europeus dos diversos países morreram, sendo este número o equivalente a um terço da população da época.

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A peste negra, ao ocorrer, colocou algumas idéias em xeque: morriam igualmente pecadores e padres, pobres e nobres, sem distinção. A imagem de protegidos e privilegiados começou a sofrer abalo na mente dos camponeses e homens livres. Já a dizima provocada pela peste reduziu drasticamente a população, gerando necessidade de mão-de-obra para cultivar a terra.

Os camponeses, assim, adquiriram a noção do valor de seu trabalho, pelo que “sua força havia crescido na luta secular que travavam contra os senhores.”[10] Os que já se recusavam a cumprir as imposições dos senhores feudais se tornaram ainda mais renitentes, enquanto que os trabalhadores de aluguel passaram a exigir mais pelo labor. As lutas entre as duas classes, antes esporádica e local, passaram a se dar de forma mais organizada e freqüente, bem como de forma mais violenta.

Os nobres, não conhecendo outra forma, oprimiram ainda mais seus servos, impondo mais obrigações, retirando privilégios e esmagando as revoltas pela força.

Tal opressão gerou o aumento da evasão dos camponeses que, expropriados da terra, preferiam ser livres, sair para os burgos, em busca de uma nova formação como artesãos, ou buscarem outros nobres que lhes dessem melhores condições. Assim, pouco a pouco, os burgos cresciam, bem como a importância de seus habitantes.

As concepções de cidadania e de Direito, até a Idade Média, baseavam-se numa concepção de coletividade, em que os interesses dos indivíduos estavam subordinados ao interesse do todo social, e só poderiam ser entendidos na medida em que o indivíduo fazia parte deste coletivo.

As mudanças ocorridas para que o foco saísse da idéia de coletivo para a centralização no indivíduo não se deram repentinamente, mas em face de uma paulatina reformulação de pensamento, iniciada com a mudança social ocasionada pela Peste Negra, mas posteriormente marcada por outras duas alterações que se constituíram como marcos: o Renascimento e a Reforma Protestante.

O Renascimento representou um movimento cultural marcado pela ruptura com o sistema medieval, e pode ser entendido como “a celebração do humano como força autônoma e racional, desvinculada de todas as restrições transcendentais que inviabilizam a criatividade do pensamento e da liberdade da prática objetiva.”[11]

Embora movimento cultural, o renascimento atingiu “todas as dimensões da existência humana no sentido antropocêntrico, terreno, ao mesmo tempo naturalista e humanista, mas, sobretudo, profundamente individualista e racionalista.” E substituiu a sociedade teocêntrica medieval, “por uma concepção [...] voluntarista da sociedade como construção histórico-social, cultural e artificial do homem”[12]

Enquanto o Renascimento teve seu centro na Itália do século XV, a Reforma Protestante teve seu marco na Alemanha e França, expandindo-se para a Suíça.

A importância da Reforma para o desenvolvimento da cidadania moderna está no fato histórico-social de que, à época, a religião ultrapassava o significado contemporâneo, já que “guiava todos os movimentos dos homens: a Igreja era parte da máquina

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administrativa do governo, a Igreja defendia a ordem vigente, a Igreja desenvolvia a teoria política em linguagem religiosa etc.”[13]

A Reforma, assim, pode ser entendida como a primeira Revolução de cunho social, porque representa uma primeira mudança de paradigma, inicialmente apenas de cunho religioso, mas que foi adquirindo cunho social, político e econômico, à medida que as novas idéias foram produzindo “fundas transformações no ideário, nas instituições de organização social e na prática de vida”.[14]

Para Comparato, aliás,

Ela foi a matriz dos direitos humanos construídos sobre o fundamento da autonomia de cada indivíduo, tais como a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de expressão e de opinião, a liberdade de reunião e de associação, direitos essenciais à construção do mundo moderno.[15]

O movimento reformista resgatou o ideal de igualdade contido no cristianismo bíblico, especialmente nas cartas paulinas. Até então era reservado ao clero o papel de representante de Deus, considerando-se que os ocupantes destas funções desempenhavam-nas de acordo com a expressa ordem divina, pelo que estariam protegidos e deveriam ser obedecidos. Da mesma maneira, as funções de domínio político e social teriam sido confiadas aos nobres, já que controlavam também meios produtivos, primordialmente agrícolas. O clero, a partir do altar, ressaltava essa ideia, numa construção ideológica que legitimava o sistema vigente.

Lutero contrapôs-se à tradição eclesiástica, que dava poder inquestionável ao clero. Dizia ele que todo cristão tinha direto acesso a Deus, que não haveria intercessores entre Deus e o homem, e que a Bíblia deveria ser lida e compreendida pelo próprio cristão, que era capaz de entendê-la, discernindo o justo e o injusto, não havendo justificativas para a hierarquia eclesiástica. Defendia ainda que a salvação era ato exclusivo de Deus, alcançado pelo homem não pela prática de atos ou pela compra de indulgências.

Visto que o poder dos nobres era referendado pela igreja, e descansava no ideário social como advindo de Deus, essa quebra de paradigmas religiosos plantava também a semente para o questionamento da sociedade estratificada em que a uns cabia a pobreza e subserviência, enquanto que a outros a riqueza e o domínio.

Outro pensador reformista de vital importância foi Calvino, que entendia que o cristão deveria demonstrar sua salvação, predeterminada por Deus, sendo “instrumento da vontade de Deus”[16], o que se daria através da prática sistemática de uma conduta cristã em que desenvolvesse o máximo potencial que lhe tivesse sido concedido por Deus, fosse através de suas habilidades, fosse através de seus bens.

Assim, a mentalidade do cristão reformado mudou diametralmente: antes faziam o mínimo necessário para sobreviverem, agora a dedicação plena ao trabalho é a forma de manter-se inclusive afastado de atitudes que neguem a vocação.

A idéia de predestinação também influenciava a forma do homem ver a si mesmo e a seus semelhantes: como sua salvação não dependia da intermediação de ninguém, e o

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conhecimento da vontade de Deus apenas se daria pela interpretação da Sua Palavra, sua vida era de solidão, de profundo individualismo.[17]

Embora o pensamento reformista elevasse o indivíduo ao lugar central, e sua razão como hábil para julgamento, não via no homem a fonte precípua de lei justa, sendo esta proveniente de Deus, de tal maneira que qualquer lei humana que contradissesse a Palavra de Deus deveria ser desobedecida.

Apesar desta característica teocentrista oposta ao humanismo que gerou o Direito da modernidade, as idéias básicas de individualismo recuperadas pelo protestantismo, e a pregação da liberdade e da igualdade, bem como o questionamento do sistema milenar medieval, serviram de sustentação e embasamento para a reformulação das teorias jurídico-filosóficas.

Desta maneira, a Reforma Protestante teve papel significativo no preparo para as Revoluções Modernas, e para o surgimento do conceito moderno de cidadania, ao elevar o individualismo, o racionalismo, a relevância do trabalho, a valoração da liberdade e o incentivo ao acúmulo de capital.[18]

As novas idéias estabelecidas em conseqüência do protestantismo causaram grandes conflitos políticos na Europa, antes acostumada a uma identificação plena entre Direito, Moral e Religião, com o predomínio desta última, representada unicamente pelo catolicismo.

A partir de então, há um cisma desta unicidade, e surgem guerras entre protestantes e católicos em toda Europa, especialmente na Alemanha, França e Reino Unido, guerras entre grupos lutando pela manutenção ou obtenção do poder político, guerras entre visões de mundo diferenciadas pelas novas idéias reformistas.

Esta aparente dissensão religiosa continha muito mais que apenas teologia. O homem passa a exercer lugar preponderante, sendo agente e não mais observador ou objeto nas mãos das forças místicas, dando espaço para o desenvolvimento científico, a retomada dos métodos, desenvolvimento tecnológico, tudo voltado para o novo ideal de concretização de ganhos por meio do próprio esforço.

3. As Grandes Revoluções Modernas e a Cidadania

Como visto, a passagem do período medieval para a modernidade esteve marcada por diversas mudanças: no plano espiritual, deixando a Igreja católica de ser a ideologia dominante; no plano científico, com os “grandes avanços experimentais” que suplantaram as “formas dogmáticas do saber anterior”, mas as mudanças econômicas, sociais e políticas estiveram ligadas ao surgimento da classe burguesa[19], pelo que importa referir seu aparecimento.

A sociedade medieval estava organizada nos chamados “três estados”, a saber, clero, nobreza e servos, sendo esta divisão inalterável, por ordem celestial. O Direito e a Moral estavam intrinsecamente ligados.

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Esta organização esteve de acordo com a desconstrução do Império Romano, e reorganização social em pequenas comunidades capazes de gerar meios para a própria subsistência, por via de atividades agrícolas e pastoris.

Como já não havia mais a estrutura estatal garantidora da paz social, por meio de um forte sistema jurídico, estas comunidades rurais, chamadas feudos, precisaram encontrar meios de garantir a posse da terra dos outros interessados em tomá-las.

Fora desta estrutura encontravam-se alguns homens, ocupados em profissões autônomas, tais como artesãos, mercadores, funcionários administrativos, advogados, homens livres ou fugidos dos feudos, que passaram a reunir-se nos burgos, “pequenas cidades que surgiam nos cruzamentos de rotas comerciais, ou ao longo destas rotas, às vezes fortificadas para proteger as caravanas contra salteadores que proliferavam nas estradas daquele tempo.”[20]

Com o aumento da circulação de recursos econômicos e o incremento das atividades dos burgos, alguns de seus habitantes, muitas das vezes oriundos de famílias judaicas, foram adquirindo mais bens e proeminência, e passaram a emprestar dinheiro a juros aos nobres para patrocínio de guerras bem como financiar empreendimentos de produção de bens. Em face desse desenvolvimento e crescimento, adquiriram maior proeminência em seu meio, sendo que nos séculos XV e XVI já eram relevantes socialmente. Mesmo assim, continuavam afastados tanto do poder econômico, representado pela propriedade, como do poder político, sendo ambos reservados para as duas classes superiores da sociedade, nobreza e clero.

Nos séculos seguintes, com o Renascimento, a invenção e a criatividade só fizeram permitir ainda mais a expansão de seus negócios, e os ramos de atividades em que se engajavam aumentou sobremaneira. No entanto, a mão-de-obra necessária para a expansão de seus negócios – mão-de-obra assalariada - encontrava-se no terceiro estado, ao qual também não se davam quaisquer direitos.

Chama a atenção a afirmação de Leo Huberman, de que na França de 1700, dos cerca de 22 milhões de camponeses existentes apenas um milhão ainda prestavam seus serviços na forma medieval de servidão.[21] Todos os demais haviam já alcançado outra forma de subsistir.

A esta altura, os meios de produção estavam nas mãos da burguesia, e, por conseguinte o sistema econômico, voltado para a “implementação da produtividade econômica de mercado livre, com a sistematização do comércio (...) e pela força do trabalhado assalariado”, sendo que também por suas mãos foi incentivado o desenvolvimento de idéias jusfilosóficas que pudessem legitimar essa nova organização política baseada no liberalismo e no individualismo, permitindo-lhes a ascensão política que desejavam.

Como vimos, ao longo destes últimos séculos anteriores à inauguração da Modernidade, vários pensadores foram sobrepondo uma nova concepção de mundo apta a fundamentar as Revoluções Modernas, a saber, a Revolução Inglesa, a Revolução Americana e a Revolução Francesa, que embora tenham tido bases diversas, tiveram em comum o fortalecimento da classe burguesa, o desenvolvimento das tecnologias e das atividades industriais e o anseio de uma alteração na sociedade estratificada, em que

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todos participassem, se tornassem livres e hábeis a ver respeitadas suas liberdades, bem como fossem vistos como iguais.

Há grande divergência entre os estudiosos dos processos revolucionários dos séculos XVII e XVIII, no que tange ao papel desempenhado por eles, e de se pode chamar de revolucionários todos estes processos.

Primeiramente, ressalte-se que a palavra revolução tem significado diferente a partir da modernidade e da Revolução Francesa, quando adquire a significação de mudança radical de direção, enquanto que, até então, significava retorno às idéias passadas.[22]

A Revolução Inglesa, neste sentido, desejou a recuperação dos direitos de nobreza e clero, perdidos para o absolutismo, e foi também marcada pelas divergências religiosas já que a casa dos Stuarts era católica, enquanto que a maior parte da nobreza era protestante. Com o recrudescimento das ações anti-protestantes daquela casa, começou um processo que se estendeu de 1640 a 1688, quando uma medida conciliatória entre a monarquia e os representantes do parlamento colocou no trono Guilherme III e Maria II, comprometidos com o protestantismo, e ao mesmo tempo levou-os a vincularem-se a uma Declaração de Direitos (Bill of Rights).

Com isso, pela primeira vez sepultou-se, na Europa, o sistema monárquico absolutista, deixando crescer o poder parlamentar e a separação dos poderes. Embora o Parlamento fosse constituído de membros da nobreza e do alto clero, não havia impeditivos legais para que cidadãos não provenientes destas classes tivessem assento naquele órgão, o que permitiu a paulatina modificação social na Inglaterra.

Os poderes do Parlamento seriam justamente de garantir os direitos dos súditos dos arbítrios dos monarcas, e seriam responsáveis pela aprovação de leis modificativas de tributos, sendo estes fatores ligados ao surgimento dos Direitos Humanos e da cidadania modernas, embora apenas de forma incipiente.[23]

A este tempo, a América do Norte, principal colônia britânica, já experimentava um tal progresso econômico entre seus habitantes, e entre eles vigiam já certas regras que impressionavam os povos europeus, pela supressão da indigência e miséria até então consideradas como problemas irresolúveis de qualquer sociedade. [24]

Novamente, a questão religiosa teve papel relevante na história: os protestantes dissidentes da religião anglicana oficial rumaram para as novas terras justamente fugindo das perseguições a que eram submetidos. Os quackers, que figuraram entre os primeiros imigrantes, eram “antimonarquistas, reivindicavam a posse comum das terras de lavoura e recusavam-se a tirar os chapéus perante as autoridades.”[25]

Esta nova terra surge se opondo aos costumes ingleses, já que seus novos habitantes estabeleceram uma sociedade que pregava a igualdade entre os homens, pugnando pelas decisões democráticas os destinos da sociedade. Esta igualdade, claro está, não era uma igualdade de acesso aos bens de produção, mas a igualdade perante a lei, que lhes permitia desenvolverem os princípios burgueses de livre mercado. Tais princípios vieram desde logo consolidados no acordo dos peregrinos chegados no Mayflower, em 1620:

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Em nome de Deus, Amém. Nós, cujos nomes vão subscritos, súditos fiéis de nosso respeitável soberano Senhor, Rei Jaime... havendo empreendido, para a glória de Deus e progresso da fé cristã, e honra de nosso rei e país, uma viagem para implantar a primeira colônia no nordeste da Virgínia, pelo presente, solene e mutuamente, na presença de Deus, uns perante os outros, convencionamos a nossa união num corpo político civil, para melhor ordenar, preservar e aperfeiçoar as finalidades antes mencionadas; e, em razão disso, promulgar, constituir e compor leis justas e iguais, ordenações, atos, constituições e cargos públicos de tempos em tempos, como for julgado mais adequado e conveniente ao bem geral da Colônia, ao qual prometemos todos a devida submissão e obediência.[26]

Vê-se neste primeiro texto, muito antes inclusive da Revolução Gloriosa inglesa, o surgimento do ideal de “cidadania igualitária: a defesa das liberdades individuais e a submissão dos poderes governamentais ao consentimento popular.”[27]

A colonização, portanto, foi feita por homens que buscaram construir nas novas terras uma nova pátria, fator que auxiliou a identificação desta nova terra como sua, e a formação ali de uma nova cultura, baseada em novos elementos, no caso, advindos das teorias individualistas protestantes e burguesas. Além disso, a ausência da Coroa Britânica, envolvida em suas próprias lutas internas, serviu para reforçar a tradição de liberdade.[28]

No século seguinte, as guerras entre França e Inglaterra pelo território canadense resultaram no aumento de tributos que recaíam sobre os colonos americanos, ocasionando revoltas com tais medidas, por entenderem que foram tomadas por um Parlamento que não os representava.

A controvérsia prosseguiu, com atos praticados pelos colonos, alguns recuos por parte da Coroa Britânica, para a seguir novas leis saírem do Parlamento inglês em franco prejuízo dos norte-americanos, tais como a Lei do Açúcar, a Lei do Selo, a Lei da Receita, a Lei do Chá. Todas as legislações citadas causaram insurgências na Colônia americana, coibida por meio das Leis Intoleráveis de 1774.

A esta ação do Parlamento seguiram-se congressos dos representantes das colônias, motivando entre os colonos ações afirmativas em prol da liberdade e igualdade. Neste sentido, destacou-se a Declaração de Direitos da Virgínia, fonte das demais declarações americanas e ato inaugural dos Direitos Humanos e da Cidadania moderna, como se vê em seu artigo primeiro:

Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar a sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios próprios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar obter a felicidade e a segurança.

Este primeiro artigo reflete a influência das idéias jurídico-filosóficas desenvolvidas pelos iluministas europeus, especialmente Locke, das quais se alimentaram os liberais da América: uma incipiente noção de cidadania, baseada na igualdade entre seres

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humanos, do direito inalienável de liberdade, da própria vida, e da propriedade para a consecução da felicidade e segurança.

Esta noção não comportava os direitos sociais, impensáveis dentro da lógica liberal, mas apenas os direitos civis e políticos, e mesmo estes seriam profundamente revistos nos séculos seguintes.[29]

Cerca de um ano depois, a colônia declarava sua independência, em 4 de julho de 1776, sendo que até 1883 esteve em guerra contra a Coroa Inglesa, tendo contado com o apoio da França e da Espanha. Durante este período, graças às ações fratricidas da Inglaterra, foi sendo forjado um sentimento de pertencimento à terra, uma identificação entre cada membro daquela cultura, e tal maneira que passam a pensar em si mesmos como norte-americanos, não mais como súditos de outras nações, formando-se o espírito de cidadania.[30]

Veja-se que, embora a Independência Americana e as Declarações de Direitos que lhe sucederam sejam as precursoras do conceito de cidadania moderno, embasado em prerrogativas subjetivas dos homens, não se pode falar em revolução na América, já que tais idéias vigoraram desde sua fundação. O que se observou foi um movimento de afirmação e independência.

Não é preciso grande esforço para perceber que a colonização na América Latina deu-se sobre bases diversas, e em face disso o processo de desenvolvimento da cidadania e dos direitos humanos, nestas áreas, deu-se por vias e tempos muito diversos.

Já na França, a Revolução Francesa significou a ruptura do modo de vida estamental para a nova cosmovisão iluminista, marcada pelo liberalismo e pelo individualismo.[31]

Em face do apoio dado às colônias americanas, a dívida interna da França se elevara, e com uma forte crise agrária em 1877 e 1878, com safras mínimas, acentuaram os problemas econômicos e os abismos entre os trabalhadores e os nobres e clero, faltando, inclusive, o alimento básico, o pão.

A estes fatos somava-se o “esbanjamento ostentatório da Corte”, e a tentativa do Rei de cobrar impostos da nobreza, que, tendo falhado, deixou patente a perda de controle político. Em face desta derrota, foram convocadas as Assembléias dos “Estados Gerais” para tentar conter os problemas sociais, em cuja reunião assemblear de representação da nação estariam presentes os três estados.

Com essa convocação, o próprio rei dava mostras da fragilidade de seu poder, e o Terceiro Estado organizou-se, comandado por fortes líderes da alta burguesia, pleiteando que estes Estados Gerais, diferentemente do que ocorrera no último, em 1614, contasse com representação proporcional destas classes na sociedade.

Os confrontos entre o Terceiro Estado e as classes dominantes – clero e nobreza, apenas cresceram, até o ponto da ruptura, quando irromperam rebeliões populares, levada a cabo incontrolavelmente por uma multidão de famintos, pela pequena burguesia, causado pilhagens e incêndios, e confrontos com autoridades miliciais.

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No dia 13 de julho de 1789 formou-se um comitê popular, que criou uma milícia burguesa, armada com trinta mil fuzis tomados do arsenal real. A insurreição começa, espalhando-se pela capital, e o comitê transformou-se na Comuna de Paris, atribuindo-se poder político e civil.

Tais acontecimentos se alastram por todo o país, sendo assim extorquidas as propriedades nobiliárquicas e sendo expulsos os nobres, tudo tomando os camponeses.

Como bem diz o Trindade, o que era inicialmente uma rebelião contra o absolutismo tornou-se uma “revolução jurídica da burguesia nos Estados Gerais”, tomou Paris e posteriormente toda a França, fazendo perecer o ancient regime “com o levante de milhões de camponeses nas áreas rurais do país”[32]

O que estava em jogo na Revolução Francesa era uma total mutação da existência comunitária, uma transformação pela raiz da ordem social, das hierarquias tradicionais, das estruturas políticas e econômicas, uma redistribuição da propriedade, uma renovação dos valores psicológicos e morais, que também se afirmou na ordem da moral, da língua, do costume.[33]

Também na França da Revolução, o espírito era, “muito mais, a supressão das desigualdades estamentais do que a consagração das liberdades individuais para todos”[34], o que estava, como já visto, em consonância com o momento histórico e com os interesses predominantes da burguesia.

Com a derrubada da monarquia absolutista e da divisão da sociedade em Estados, era necessário encontrar uma força capaz de garantir as novas conquistas, mas como na França não fora construída uma tradição republicana, o resultado foi uma série de rebeliões sucessivas. As primeiras tentativas de exercício de cidadania política privavam os não proprietários e pobres do voto.

Aliás, o exercício político da cidadania era passivo, sem intervenção direta dos cidadãos no funcionamento das instituições públicas. “A soberania - quer seja ela atribuída à nação, quer ao povo – tem o seu exercício monopolizado pelos representantes eleitos”,[35] o que certamente contrariava as propostas de Rousseau, mas que se considerava o preço a pagar para o resgate das liberdades individuais.

Para este estudo, importa refletir sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, primeiro documento promulgado com o fim de garantir os ideais da revolução. Nele, afirmou-se o direito de igualdade e liberdade, o direito à propriedade como sagrado e inviolável, e ainda o direito de resistência. Nos três primeiros artigos encontrava-se o núcleo de toda a declaração, em que se identificavam as idéias já entronizadas de Rousseau e Locke.[36]

Comparato, ao colocar em relevo a importância desta Declaração para o desenvolvimento dos Direitos Humanos, refere que “o Direito vive, em última análise, na consciência humana”, querendo com isso dizer que, ainda que a Declaração Francesa fosse apenas declaratória, sem estabelecer formas de tornar eficazes seus ditames, seu papel na constituição de Direitos não pode ser negado, já que agiu no consciente social:

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Uma proclamação de direitos, mesmo quando despida de garantias efetivas de seu cumprimento, pode exercer, conforme o momento histórico em que é lançada, o efeito de um ato esclarecedor, iluminando a consciência jurídica universal e instaurando a era da maioridade histórica do homem.[37]

Também Bobbio, ao relacionar a Revolução Francesa e os Direitos Humanos, ressalta que aquela se tornou um marco de libertação, portanto de mudança social para a instauração de um novo sistema, em que a idéia de liberdade e igualdade estava plantada, pronta para gerar futuramente os sistemas democráticos e por fim um Estado Social, em que todos os indivíduos serão verdadeiramente soberanos, reivindicando, além dos direitos de liberdade, os direitos sociais, para a concretização da igualdade totalitária.[38]

O cidadão recobrava a consciência de si mesmo, de seu papel, da importância que o indivíduo ocupa na formação do corpo social, pela prevalência das idéias de “uma homem racional, emancipado e livre para decidir seu próprio destino”[39].

4. Considerações Finais

A cidadania pela qual se luta nos dias atuais tem adquirido diversos matizes, muitas vezes condicionados pela concepção de conjunto de direitos, colocando-se de parte o conectivo de pertencimento social implicado no conceito.

A construção do pertencimento social se faz num processo que demanda debates, análises culturais, revisões ideológicas, todas medidas que depreendem a compreensão da história da sociedade ocidental, em todos os seus elementos, em que pese a tendência de partidarização analítica, ou seja, a tendência de análises marcadas por ênfases metodológicas.

O caldo cultural que distingue as sociedades é mais vasto que apenas um de seus elementos, e para que a cidadania do futuro se revista de maior profundidade e amplitude deve-se considerar como a sociedade moderna vivenciou o seu tempo, as mudanças naturais, religiosas, culturais, econômicas, políticas, e como o conjunto delas afetou o modo de cada indivíduo reformular sua cosmovisão.

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[1] MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa. Edições 70. 1993.

[2] Nascidos de mulher filha de cidadão e homem cidadão. A lei que condicionou a cidadania grega ao nascimento puro sofreu momentos de maior frouxidão e outros de

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implacável aplicação, mas serve para caracterizar a proximidade com os conceitos contemporâneos de nacionalidade. Cf. Claude Mossé. Op. Cit.

[3] DIODORO DA SICÍLIA apud MOSSÉ, Claude. Op. Cit. pag. 85

[4] MOSSÉ, Claude. Op. Cit. pag. 54

[5] JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo. Martins Fontes. 1986. Pag. 96.

[6] COMPARATO, Fábio Konder. A Nova Cidadania in Direito Público: Estudos e Pareceres. São Paulo. Saraiva. 1996. Pág. 05

[7] BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: Paradoxo da Civilização. Belo Horizonte. Del Rey. 2003. Pag. 199

[8]GONZALEZ, Everaldo Tadeu Quilici. Direitos Humanos e Transição: a ordem jurídica feudal e a passagem para a ordem jurídica capitalista. Os fundamentos das principais teorias dos direitos humanos no início da Idade Moderna. Aula ministrada no curso de Mestrado, Disciplina Epistemologia Jurídica: a teoria dos direitos humanos no pensamento jurídico-filosófico ocidental. 8ª aula. 10/04/2008.

[9]TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo. Peirópolis. 2002. Pag. 21 e ss.

[10] Ibid. pag. 22

[11] WOLKMER, Antonio Carlos. Síntese de uma História das Idéias Jurídicas: da antiguidade à modernidade. Florianópolis. Fundação Boiteux. 2006. pag. 110

[12] TAVARES, José A. Giusti (org.) apud WOLKMER, Antonio Carlos. Op. Cit. pag. 111

[13] MONDAINI, Marco. O Respeito aos Direitos dos Indivíduos. In História da Cidadania. PINSKI, Jaime e PINSKI, Carla Bassanezi. (orgs.) São Paulo. Contexto. 2005.

[14] COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. São Paulo. Cia das Letras. 2006. pag. 169

[15]Ibid. p. 170

[16]WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo. Martins Claret. 2001. pag. 93.

[17] WEBER, Max. Op. Cit. pag. 87

[18]WEBER, Max. Op. Cit.

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[19] WOLKMER, Antonio Carlos (org). Fundamentos do Humanismo Jurídico do Ocidente. Barueri. Manole. Florianópolis. Fundação Boiteux. 2005. Pag. 86.

[20] TRINDADE, José Damião de Lima. Op. Cit. pag. 24

[21]HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Apud TRINDADE, José Damião de Lima. Op. Cit. pag. 26

[22]ARENDT, Hannah. Da Revolução. São Paulo. Ática. 1988. Pag. 18 e COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. Op. Cit.

[23]COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo. Saraiva. 2001. Pag. 91

[24] ARENDT, Hannah. Op. Cit. pag. 19

[25]COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Op. Cit. Pag. 94

[26] COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Op. Cit. pag. 96

[27]Idem.

[28] KARNAL, Leandro. Estados Unidos, Liberdade e Cidadania. In História da Cidadania. PINSKY, Jaime e Carla Bassanezi. (orgs.) 3ª ed. São Paulo. Contexto. 2005.

[29] TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. Op. Cit. 100

[30] HITCHENS, Christopher. Os Direitos do Homem de Thomas Paine: [Uma biografia]. Rio de Janeiro. Zahar. 2007. Cap. 1

[31] TRINDADE, José Damião de Lima. Op. Cit. pag. 43 e ss.

[32] Ibid. pag. 50

[33] TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. Op. Cit. pag. 101

[34] COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Op. Cit. pag. 130

[35] COMPARATO, Fabio Konder. A Nova Cidadania. In Direito Público: Estudos e Pareceres. São Paulo. Saraiva. 1996. Pag. 10

[36] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. Pag. 107

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[37] COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Op. Cit. pag. 134

[38] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. Pag. 115

[39] VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: Uma Leitura da Jurisprudência do STF. São Paulo. Malheiros. 2006. Pag. 31

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