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1 Gandhi Gandhi Gandhi Gandhi: O Revolucionário da Não : O Revolucionário da Não : O Revolucionário da Não : O Revolucionário da Não-Violência Violência Violência Violência Sua Excelência, Sr. S. M. Krishna, Ministro das Relações Exteriores da Índia, Sua Excelência, Sr. Vuk Jeremic, Presidente da Assembléia Geral, todas as autoridades presentes, Sras. e Srs.. Sinto-me muito honrado por proferir esse discurso de abertura do Dia Internacional da Não Violência, nesse mês de agosto de 2012, no fórum das Nações Unidas. Gostaria, ainda, de apresentar meus sinceros agradecimentos ao governo da Índia, por haver me feito esse convite. A instituição do Dia Internacional da Não-Violência, através da Resolução AGNU de 15 de junho de 2007, é uma contribuição significativa das Nações Unidas para o mundo, e reafirma a relevância universal do princípio da não-violência, bem como expressa o desejo de todos os povos, de garantir a construção de uma cultura de paz, tolerância, compreensão e não violência. Ela também aclama o conceito de “Ahimsa”, palavra sânscrita para não violência. Tal termo foi primeiramente concebido pelos sábios indianos há mais de quatro mil anos, tendo sido elevada ao nível de primeira virtude pelo visionário e reformador religioso Lord Mahavira, no século VI a.C., através da sua máxima “Ahimsa paramo dharma” [A não violência é a lei suprema]. Este conceito depois veio a se espalhar para o restante da Ásia e para o mundo através do budismo e, posteriormente, do cristianismo. Gandhi declarou: “A não violência é o maior poder à disposição da humanidade. É mais forte do que a mais poderosa das armas de destruição concebida pelo engenho humano”. Em sua leitura sobre o desenvolvimento histórico da Ásia, na primeira metade do século 20, o eminente historiador Will Durant escreveu: “A China, seguindo Sun Yat Sen, se valeu da espada e o seu império ruiu nos braços do Japão. A Índia, desarmada, e liderada por uma das figuras mais sui generis da história, ofereceu ao mundo um fenômeno sem precedentes, uma revolução vitoriosa, liderada por um santo e travada sem o uso de nenhuma arma”. Para avaliarmos com precisão o papel de Gandhi como revolucionário partidário da não-violência é necessário recordar o cenário nacional e internacional no qual ele viveu. Gene Sharpe descreveu bem o cenário da sua época: “Gandhi foi contemporâneo do Czar Nicolau, de Lenin, Stalin, do Kaiser Wilhelm e de Adolph Hitler, Woodrow Wilson,

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GandhiGandhiGandhiGandhi: O Revolucionário da Não: O Revolucionário da Não: O Revolucionário da Não: O Revolucionário da Não----ViolênciaViolênciaViolênciaViolência

Sua Excelência, Sr. S. M. Krishna, Ministro das Relações Exteriores da Índia, Sua

Excelência, Sr. Vuk Jeremic, Presidente da Assembléia Geral, todas as autoridades

presentes, Sras. e Srs..

Sinto-me muito honrado por proferir esse discurso de abertura do Dia

Internacional da Não Violência, nesse mês de agosto de 2012, no fórum das Nações

Unidas. Gostaria, ainda, de apresentar meus sinceros agradecimentos ao governo da

Índia, por haver me feito esse convite.

A instituição do Dia Internacional da Não-Violência, através da Resolução AGNU

de 15 de junho de 2007, é uma contribuição significativa das Nações Unidas para o

mundo, e reafirma a relevância universal do princípio da não-violência, bem como

expressa o desejo de todos os povos, de garantir a construção de uma cultura de paz,

tolerância, compreensão e não violência.

Ela também aclama o conceito de “Ahimsa”, palavra sânscrita para não violência.

Tal termo foi primeiramente concebido pelos sábios indianos há mais de quatro mil anos,

tendo sido elevada ao nível de primeira virtude pelo visionário e reformador religioso

Lord Mahavira, no século VI a.C., através da sua máxima “Ahimsa paramo dharma” [A não

violência é a lei suprema]. Este conceito depois veio a se espalhar para o restante da Ásia

e para o mundo através do budismo e, posteriormente, do cristianismo.

Gandhi declarou: “A não violência é o maior poder à disposição da humanidade. É

mais forte do que a mais poderosa das armas de destruição concebida pelo engenho

humano”.

Em sua leitura sobre o desenvolvimento histórico da Ásia, na primeira metade do

século 20, o eminente historiador Will Durant escreveu: “A China, seguindo Sun Yat Sen,

se valeu da espada e o seu império ruiu nos braços do Japão. A Índia, desarmada, e

liderada por uma das figuras mais sui generis da história, ofereceu ao mundo um

fenômeno sem precedentes, uma revolução vitoriosa, liderada por um santo e travada

sem o uso de nenhuma arma”. Para avaliarmos com precisão o papel de Gandhi

como revolucionário partidário da não-violência é necessário recordar o cenário nacional

e internacional no qual ele viveu.

Gene Sharpe descreveu bem o cenário da sua época: “Gandhi foi contemporâneo

do Czar Nicolau, de Lenin, Stalin, do Kaiser Wilhelm e de Adolph Hitler, Woodrow Wilson,

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Franklin Rooselvet, o último imperador da China, Sun Yat Sen, Chiang Kai Shek e Mao Tse

Tung. Ele viveu no período de transição entre as batalhas travadas com fuzis e as

grandes guerras nos quais se usavam as bombas atômicas. Internamente, na Índia, o

racismo não tinha limites, e nenhuma oportunidade ou dignidade eram ofertadas às

mulheres, aos “intocáveis” e a muitos outros. Esses foram os males sociais e políticos

para os quais Gandhi buscou soluções.

Entre os nacionalistas indianos pulsava um fervor revolucionário intenso. Eles

eram liderados por Bankim Chantra Chatterge, conhecido como “o romancista de

Bengali”. Sua obra mais popular, Anandamath, tornou-se um manual para as sociedades

secretas e o seu personagem heroico, Satyanand, um modelo para os revolucionários.

Aurobindo Ghosh, que foi educado em Cambridge e posteriormente selecionado para um

cobiçado cargo no Serviço Civil da Índia, abdicou de tudo para se juntar aos radicais

nacionalistas. Ele escreveu uma obra intitulada Bhabhani Mandir, uma chamada para o

combate, clamando para que a juventude da Índia se sacrificasse em nome da deusa Kali,

pela dignidade e salvação da Mãe Índia.

Em 1907 Bartaman Rananiti publicou A Moderna Arte da Guerra, que propagava a

ideia de Bakunin de que, para que fosse possível a criação de uma sociedade igualitária,

seria inevitável passar por um período de destruição. Vários oficiais britânicos foram

assassinados, tanto na Índia como na Inglaterra, entre 1905 e 1915. O Vice-Rei, Lord

Hardinge, foi atacado em uma cerimônia pública em dezembro de 1912 e escapou por

pouco de ser assassinado.

Em 1919, no Congresso de Amritsar, Gandhi falava sobre “A Verdade e a Não

Violência” quando foi bruscamente interrompido pelo líder nacionalista Bal Gangadhan

Tilak que afirmou: “Meu amigo, a verdade não tem lugar na política”. Duas décadas

depois, um outro líder importante, Subhas Chandra Bose, presidente do Congresso em

1938, discordou abertamente da estratégia de Gandhi baseada na Não Violência e

secretamente deixou a Índia indo para a Alemanha e o Japão. Com a colaboração desses

novos aliados, começou a formar o Exército Nacional Indiano, com soldados capturados

pelos japoneses no sudeste asiático e que avançava de trem através da Índia. Eles

usavam o slogan: “Dê-me sangue e eu prometo a você a liberdade”.

Como ressaltou Rajmohan Gandhi, essa era uma oferta de liberdade que opunha a

arma e a bota contra sua roca de fiar e suas sandálias de madeira. Ele ressaltou ainda

que a violência dos militares também não foi a única a desafiá-lo. Os párias estavam

nervosos com a passagem do poder da mão dos britânicos para o sistema de castas

hindu. Os príncipes indianos desconfiavam dos objetivos e das intenções do Congresso.

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Os proprietários de terras agrícolas suspeitavam dos seus locatários e arrendatários, e,

se eram proprietários de pequenas culturas, temiam perder suas propriedades para os

credores das cidades. Os civis cobiçavam os empregos dos policiais e dos soldados do

exército, todos se sentiam ameaçados uns pelos outros.

Para se proteger dos rivais ou dos adversários, cada grupo, comuna, classe ou

casta se voltava para o Império Britânico, reforçando assim a hegemonia deste, por mais

que desgostasse do seu peso e da sua natureza alienígena. Conseguir reunir um grupo

de indianos para derrubar o Império Britânico seria um projeto tão demorado quanto

difícil.

Gandhi obteve sucesso no sentido de conseguir o apoio tanto do Congresso

Nacional Indiano como do povo na adoção de sua estratégia de não violência para a

liberação da nação indiana. E isso devido à sua grande identificação com a pobreza que

atingia os indianos, à sua alta estatura moral, à sua comunicação inovadora, às suas

habilidades como estrategista e administrador de conflitos e aos resultados

impressionantes que sua luta não violenta foi obtendo a partir de 1920.

Ele inovou sua estratégia de Satyagraha (compromisso inabalável com a verdade)

aliada à não violência aplicando-a na África do Sul já em 11 de setembro de 1906. E essa

foi uma grande inovação, uma vez que Verdade e a Não-Violência nunca antes haviam

sido combinadas como dois lados de uma mesma estratégia. Sua essência teórica se

baseia na crença de que os homens, criados à imagem de Deus e imbuídos de uma

centelha divina, devem ser guiados pela verdade e pelo amor e não pelo ódio e pelo

medo. O homem deve viver e, se necessário, morrer pela verdade, mas nunca machucar

ou odiar quem quer que seja.

Para Gandhi, o compromisso de Satyagraha tinha a conotação de Lei viva da Vida.

Tal Lei poderia ser equiparada à lei da gravidade, que sempre funciona, quer acreditemos

nela ou não. Do mesmo modo como um cientista consegue maravilhas aplicando as leis

da natureza, o homem que aplicar a lei do amor, com precisão científica, poderá produzir

resultados ainda mais maravilhosos do que os produzidos pela ciência.

A estrutura básica de sua crença resultava de uma composição entre as

mensagens de Krishna e Jesus Cristo. Segundo a mensagem do Bhagwat Gita, o homem,

quando confrontado com a maldade e com a injustiça, não tem outro recurso senão o

enfrentamento. Segundo a de Jesus Cristo, implícita em sua crucificação, temos que a

redenção e a conversão dos perseguidores só ocorrem através do sofrimento.

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Gandhi foi profundamente tocado pela visão da crucificação de Cristo, o que se

percebe através dessas suas palavras: “O que eu não daria pela oportunidade de curvar

minha fronte diante da imagem viva da crucificação de Cristo. Essa imagem, uma vez, me

levou a pensar que tanto os indivíduos como as nações só podem ser forjados através da

agonia da crucificação. A alegria não provém da dor que infligimos aos outros, mas da

dor que voluntariamente suportamos.

Usando sua estratégia de Satyagraha, e mobilizando milhões de indianos, ele

obteve sucesso, libertando a Índia do sofrimento a ela impingido pela opressão

colonialista. E isso em apenas três décadas após o seu retorno da África do Sul.

Sedestacaram nessa luta interna os Satyagrahas de Champaram, Kheda e Bardoli –

o movimento de não cooperação e o subsequente boicote à aquisição dos bens provindos

da Inglaterra, a Marcha do Sal e o Movimento de Agosto de 1942. Cada um desses

eventos obteve êxito no sentido de enfraquecer a economia e a política imperialista

britânica e de fortalecer o povo indiano.

Os Satyagrahas mencionados acima transformaram o Congresso, que deixou de

pertencer essencialmente à elite e de tratar apenas de debater questões urbanas, como

havia funcionado até 1915. O Congresso passou a funcionar como uma base nacional

bem estruturada e disciplinada de encontros entre os partidos políticos e se tornou uma

base também para o movimento de libertação a partir de 1925.

Patrick French escreveu: “Gandhi desviou o poder da classe alta dos Brâmanes no

Congresso ao abolir o uso da língua inglesa nos debates, uma vez que essa língua só era

compreendida por uma ínfima parcela da população”. Se 1919 fora o ano do boicote aos

produtos ingleses, o ano de 1920 foi marcado por uma revolução silenciosa. Lojas,

escolas e faculdades foram boicotadas e as roupas produzidas com tecido importado

queimadas em grandes fogueiras. A prisão se tornou um motivo de orgulho e não de

vergonha. Dentro de um brevíssimo intervalo de tempo Gandhi se tornou como que o Rei

inabalável do Congresso, tendo dado nascimento a um movimento popular massivo e

deixado à margem políticos muito tradicionais.

A Marcha do Sal, liderada por Gandhi, do modo como Louis Fisher a descreveu foi

uma “insurreição sem armas”, e segundo Judith Brow, mostrou-se “uma escolha de

engenhosidade admirável”, uma obra-prima do ponto de vista estratégico e de

comunicação social. Mais de 1000 jornais espalhados pelo mundo todo relataram esse

acontecimento.

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O New York Times redigiu um editorial dizendo que a Inglaterra havia perdido o

chá para a América e que estava perdendo o sal para a Índia. Gandhi foi capa da revista

Time na edição de 4 de janeiro de 1931, apontado como “o homem do ano”.

Quando finalmente os britânicos concederam a independência à Índia, em 1947,

eles o fizeram de modo pacífico, como amigos, justificando a afirmação de Gandhi de

que: “A revolução não violenta não é uma forma de usurpação de poder, mas um

programa baseado na transformação das relações humanas, que resulta em uma

transferência pacífica de poder”. Um dos primeiros atos oficiais da Índia independente foi

convidar o último Vice-Rei britânico, Lord Mountbatten, para ser seu primeiro

Governador Geral, para que a Comunidade Britânica se tornasse uma parceira, em pé de

igualdade no novo cenário político social.

O historiador britânico Arnold Toynbee descreveu Gandhi como sendo um

benfeitor para a Inglaterra, tanto quando para a India: “Gandhi tornou a continuidade do

domínio na Índia impossível para nós, porém, simultaneamente, tornou possível para os

ingleses abdicar do poder sem rancor e sem desonra”.

Algumas grandes contribuições de Gandhi como mediador de soluções para

problemas sociais não são tão conhecidas, mas são igualmente significativas. Sua

intervenção no cenário social interno da Índia resultou na emancipação pacífica dos

intocáveis (párias), no empoderamento das mulheres e, ainda, no fim do feudalismo

profundamente enraizado no seu país no inicio do sec. 20.

Quando retornou da África do Sul, em 1915, sentiu-se chocado pela opressão e

pela indignidade com que os chamados “intocáveis”, aqueles que pertenciam às classes

mais baixas, eram tratados no sistema vigente de castas. Essas pessoas desafortunadas,

que durante séculos foram obrigadas a viver fora dos limites das aldeias, realizavam as

tarefas mais desprezíveis. Ele lhes deu um novo nascimento, chamando-os de “filhos de

Deus” (Harijans) e colocou a meta da sua emancipação como um dos pontos básicos da

revolução pela liberação nacional indiana.

Discursando em uma Conferência sobre as classes oprimidas, em Ahmedabad, em

1920, Gandhi falou: “Os crimes pelos quais condenamos o governo atual como sendo

perverso, não somos nós também culpados por eles, em relação aos nossos irmãos, os

párias? Nós os fazemos rastejar, se curvarem a ponto de sujarem seus narizes na terra

(...) com os olhos vermelhos, cheios de ódio, os empurramos para fora dos vagões dos

trens. Nos tornamos ‘párias do império’ ao alimentarmos um sistema de castas, no qual

há párias também. Nós criamos párias em nosso meio. O proprietário de escravos é mais

digno de pena do que o escravo”.

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No jornal Young India, de 25 de maio de 1921, ele escreveu: “A independência ou

Swaraj se torna sem sentido se continuarmos a manter um quinto da população da Índia

sob um sistema de sujeição perpétua. Sendo nós mesmos desumanos, como poderemos

clamar diante trono pelo fim da desumanidade dos outros?” E, posteriormente, escreveu:

“Se ficasse comprovado que o sistema de castas, que exclui os intocáveis, é parte

essencial do hinduísmo, então eu me declararia um rebelde contra o próprio hinduísmo”.

Em 1932 ele iniciou um “jejum até a morte” contra a norma da comunidade

britânica que estabelecia o eleitorado dos ‘intocáveis’ em separado, pois percebeu que

esse era um modo de perpetuar o sistema vigente de castas. O jejum também tinha como

objetivo conscientizar a classe alta indiana de que a prática da ‘intocabilidade’ era algo

vergonhoso. Quando o Pacto de Poona foi assinado (no qual o líder harijan e eminente

advogado, Dr. B. R. Ambedkar, concordou que a sua comunidade não mais iria avalizar o

sistema de eleitorado separado), ele interrompeu seu jejum e criou a Harijan Sevak Samaj

[Sociedade dos Servos dos Intocáveis]. Em seguida lançou o Harijan semanal e dedicou os

seus próximos nove meses a uma turnê intensiva na Índia, com a finalidade de promover

as suas ideias contra as regras da intocabilidade.

Na véspera da Independência, quando Nehru estava formando o seu gabinete

interino, Gandhi o aconselhou no sentido de incluir o Dr. B. R. Ambedkar na lista. Quando

Nehru hesitou, pelo fato de que ele não fazia parte do Congresso e, pelo fato de que o

havia caluniado, Gandhi, com firmeza, o fez lembrar de que o poder deveria ser para a

Índia como um todo, e não apenas para o Congresso. Assim, Ambedkar tornou-se

Ministro da Justiça e presidente da Comissão de Elaboração da Constituição. Essa

situação lhe proporcionou a oportunidade de incluir muitas salvaguardas em favor dos

grupos mais desafortunados na nova Constituição. E, mais importante, a intocabilidade

foi enfim proscrita, em todas as suas formas.

Mas foi a esmagadora maioria do partido congressista na Assembléia

Constituinte, somada à grande influencia moral de Gandhi, que garantiu de fato a

aprovação de todas essas medidas constitucionais.

O biógrafo de Ambedkar, Dhananjav Keer, registrou: “um intocável, que foi posto

para fora dos vagões do trem, segregado nas escolas e no seu bairro, insultado pelos

professores, expulso de albergues, hotéis, bares e templos e amaldiçoado como um

fantoche britânico, agora se tornou o Primeiro Ministro da Justiça de uma nação livre e

também o chefe do projeto da elaboração da nova Constituição do país. Tal fato

representa uma grande conquista, um feito incrível para a história da Índia”.

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Aqueles anteriormente chamados de “intocáveis” e depois chamados de harijans e

dalits estavam emergindo como uma classe política importante, com um partido político

próprio no início dos anos 80. Um dalit brilhante, formado em economia em uma

instituição londrina, tornou-se embaixador da Índia na Turquia, na China e nos Estados

Unidos e, depois, Ministro da Educação e da Tecnologia, vice-presidente da India e

presidente da Índia (1997 a 2002). Uma mulher dalit, a Sra. Mayawati, tornou-se

Ministra-Chefe de Uttar Pradesh, o maior estado da Índia, no período de 1998 a 2003,

em um governo de coalizão. Usando suas habilidades políticas de modo muito eficaz, ela

veio a construir uma base política forte, tornando-se novamente a Ministra-Chefe do

estado no período de junho de 2007 a abril de 2012, dessa vez conquistando a maioria

absoluta dos votos do seu próprio partido, que abrigava uma multiplicidade de castas.

Em seguida, revelou a sua pretensão política de um dia vir a se tornar a Primeira-Ministra

da Índia. KG Balakrishnan, um dalit, foi juiz e ministro do Supremo Tribunal no período

de 2007 a 2010.

Tradicionalmente, as mulheres indianas ficavam confinadas estritamente ao

ambiente familiar, às suas casas. Organizações como o “Conselho Nacional para a Mulher

Indiana” (fundado no início dos anos 90) existiam apenas para mulheres das altas classes

sociais, para a aristocracia, como Maharanis de Baroda e Bhopal, com atividades

centradas principalmente em ações de caridade, e mantendo estreitas relações com os

britânicos.

As mulheres indianas comuns, do povo, praticamente não possuíam nenhuma

expressão social, não participavam da vida pública. Já no inicio de sua revolução Gandhi

anunciara: “A mulher é a companheira do homem, dotada das mesmas capacidades

mentais. E tem o direito de compartilhar as suas atividades (...) enquanto não for

permitido à mulher participar da vida pública e purificá-la, nós não seremos capazes de

atingir o Swaraj (emancipação). E mesmo se o realizássemos, para mim ele não teria

nenhuma serventia se as mulheres não contribuírem plenamente para a sua realização”.

Ele convidou as mulheres indianas para se juntarem à sua batalha nacional não

violenta. E elas responderam ao seu apelo. Inicialmente, como voluntárias nas sessões do

Congresso, mas entre 1919 e 1920 milhares delas se engajaram ativamente no

movimento de desobediência civil.

Com sua presença gentil no movimento, doaram joias, marcharam em passeatas,

fizeram piquetes, boicotaram as lojas de bebidas e de tecidos estrangeiros, venderam

tecidos feitos manualmente em casa (kadis) e criaram santuários nos seus lares para

reverenciar os Sathyagrahis.

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Quando o Movimento de agosto de 1942 (Quit India) iniciou, em Bobaim, Gandhi

e vários outros líderes foram presos e afastados das reuniões com o povo indiano,

ninguém sabia onde eles estavam. Para protestar, uma jovem mulher, muito corajosa,

chamada Aruna Asaf Ali, rasgou a bandeira indiana. Uma outra mulher, igualmente

corajosa, chamada Usha Mehta, com a ajuda de três companheiras, criou e operou em

segredo uma rádio do Congresso, a partir de algum ponto desconhecido da Índia.

Assim, através da sua adesão ao movimento nacional pela não violência, as

mulheres, pela primeira vez na história do país, somaram às suas tarefas domésticas

como esposas e mães, o seu novo papel como ativistas sociais.

Em decorrência de todos esses acontecimentos, quando a Índia conquistou sua

independência, às mulheres foi concedida uma plena igualdade jurídica com os homens.

No primeiro gabinete da União, o ministro da saúde foi Rajkumari Amrit Kaur, uma

princesa da Kapurthala, que em 1915 havia deixado o conforto da realeza para se tornar

uma discípula de Gandhi. A Sra. Vijaya Lakshmi Pandit foi a primeira embaixadora da

Índia na União Soviética e em 1953 foi eleita Presidenta da Assembléia Geral da Onu.

Quinze anos depois, Indira Gandhi se tornou Primeira-Ministra da Índia e

continuou nesse elevado cargo oficial por 16 anos, com apenas um intervalo de dois

anos. Desde então, muitas mulheres conquistaram posições elevadas na política, na

diplomacia, nos negócios, nos bancos, na indústria, na biotecnologia, na mídia e em

diversas outras carreiras, incluindo a aviação. Entre julho de 2007 e julho de 2012 a

presidente da Índia foi a Sra. Pratiba Pratil.

Antes da independência, a Índia se caracterizava como um lugar no qual havia um

pequeno número de administradores coloniais, ricos, elegantes, poderosos e

extravagantes. E uma quantidade inumerável de camponeses pobres, desnutridos e que

sofriam os mais diversos tipos de problemas de saúde.

Os príncipes competiam prodigamente entre si para entreter os oficiais britânicos,

que ativamente os encorajavam a manter esse tipo de situação. Patrick French descreveu

esse grupo da seguinte maneira: “A coroação do rei George V, em 1911, foi um golpe de

propaganda espetacular, milhares de príncipes indianos e primeiros-ministros imperiais

lotaram a Abadia de Westminster para a cerimônia que durou sete horas (...) esse foi o

período do mais intenso imperialismo, no qual o uso da força bruta, em certa medida, foi

abandonado em favor de um meio de afirmação de autoridade baseado no luxo, na

pompa. Uma cerimônia similar e gigantesca foi posteriormente realizada em Delhi,

contando com a presença de todos os príncipes indianos.

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Gita Mehta destacou o estilo de vida perdulário da aristocracia indiana

descrevendo o casamento principesco de um casal de cães: “O casamento era entre dois

cães da raça Roshanara, cobertos de véus e de joias. Bobby usava um pijama vermelho de

seda (para deixar claro que ele não havia violado a noiva antes do casamento). O

acontecimento foi realizado com toda a pompa e a circunstância de um casamento real.

Um ministro da corte leu solenemente a lista de riquezas que os cães Roshanaras

estavam trazendo para o casamento, que contava, inclusive, com uma liteira de ouro. No

final da cerimônia, os ministros presentes colocaram moedas de ouro em volta dos

animais, enquanto seus auxiliares depositavam presentes em um grande cesto. A

marcha nupcial de Mendelsohn era ouvida ao fundo (...). E uma mesa retangular enorme,

posta para mais de duzentos convidados, resplendia no centro do salão de festas. No

centro da mesa, dançarinas cantavam e dançavam para os cães.”

O primeiro confronto de Gandhi com toda essa pompa e prodigalidade ocorreu

em Benares, em 1916, na inauguração da Universidade Hindu, na qual o vice-rei, Lord

Harding, e muitos outros príncipes, estavam presentes. Gandhi, corajosamente, proferiu

o seguinte discurso: “Sua alteza, o Marajá de Benares, falou sobre a pobreza da Índia.

Outros palestrantes também enfatizaram muito esse ponto em suas falas. Mas o que de

fato nós testemunhamos nessa grande comemoração? Um desfile de joias que fariam a

alegria dos olhos do mais refinado joalheiro de Paris. Comparo esses nobres tão

ricamente enfeitados com os milhões de pobres do nosso país, e digo a eles: não há

salvação para a Índia a menos que nós nos dispamos desse tipo de ostentação e doemos

essa riqueza para o bem dos nossos compatriotas”.

Até o final doa anos 30, aconselhado por Gandhi, o partido Congressista manteve

uma intervenção discreta em relação aos abusos da aristocracia indiana. Alguns

governantes, como os Marajás de Baroda e do Misore, foram tocados pelo discurso de

Gandhi e o apoiaram. Muitos outros, entretanto, pressentiram que a mensagem de

Gandhi punha em risco o seu modo de vida feudal e se opuseram a ele.

Mas logo se deram conta de que, para seu desgosto, a aspiração pela liberdade

estava aumentando de modo incontornável na Índia britânica, e que a maioria dos seus

súditos já havia despertado para essa realidade. Eles já não tinham outra opção além de

apoiar a nova situação e o então Ministro do governo provisório, Vallabhai Patel, se

posicionou firmemente quanto a essa questão.

Em 15 de agosto de 1947 todos os estados principescos da Índia (com exceção

de Hyderabad), ou que tivessem uma fronteira comum com eles (com exceção da

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Cashemira), aceitaram formalmente o novo regime. E assim, a possibilidade de

balcanização da Índia, foi evitada.

O final do regime feudal e do estilo de vida principesco e extravagante dos

aristocratas, a integração harmoniosa de quase todos os estados principescos em torno

da Índia unida, são outros resultados significativos da liderança de Gandhi no sentido de

conduzir seu povo para a realização de uma revolução não violenta, que também se deu

internamente, nas questões político-sociais nacionais, ou seja, na própria administração

interna da Índia.

Esse feito contrasta bastante com o cenário tanto das revoluções como das

guerras civis americana, francesa, italiana, alemã, russa, chinesa e etíope, nas quais

houve muito derramamento de sangue para se obter resultados como a unificação

nacional, o fim do regime feudal ou de escravidão ou até mesmo a conquista da

independência.

O Prof. Alan Brinkley escreveu: “A maioria das revoluções gera expectativas

enormes, que dificilmente são realizadas, sendo algumas até totalmente traídas. A

revolução americana rapidamente fez surgir restrições aos seus ideais de liberdade,

impondo limites e excluindo os afro-americanos, as mulheres e, em diversos níveis, até

mesmo os americanos natos. A revolução francesa produziu um frenesi de fúria

assassina, seguido por quase um século de monarquias sucessivas. As revoluções russa e

chinesa geraram uma situação de opressão, estagnação e tirania.

Gandhi foi tão mitificado depois do seu assassinato em 1948 que a sua figura

humana verdadeira quase veio a desaparecer. Mas ele merece a posição que lhe foi

conferida, de um símbolo da ressonância de um dos mais importantes fenômenos da

história moderna, vale dizer, o símbolo do enfrentamento simultâneo tanto do

colonialismo como da opressão dos indivíduos, uma realidade que passou por uma

transformação intensa no mundo do século 20”.

Embora completamente engajado na luta pela libertação da Índia, Gandhi nunca

perdeu de vista o cenário mundial como um todo, sempre se manteve profundamente

informado sobre as questões externas. Tendo estudado na Inglaterra, estava sempre

antenado em relação aos acontecimentos políticos, legais e culturais da Europa. E

mantinha grandes amizades nessa região, particularmente com os vegetarianos, os

teosofistas e os liberais.

Na África do Sul, onde viveu por 22 anos, experimentou o racismo virulento dos

chamados “British&Boer”. Nesse período, dois judeus e um clérigo britânico estavam

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entre os seus amigos mais próximos. Foi lendo a obra de Tolstoi O Reino de Deus se

encontra dentro de você que ele se deu conta de que a situação de opressão aguda

sofrida pelo povo no regime feudal na Rússia era comparável à situação da Índia.

Em 1905 ele escreveu na A Opinião Indiana: “O poder do Vice-Rei de modo

nenhum é inferior ao do Tzar. A diferença é que os britânicos são mais eficientes e

menos cruéis em sua opressão brutal. Como resultado os russos, por desespero, se

tornaram anarquistas e terroristas”.

Sobre a Revolução Russa de 1917, ele declarou em um discurso proferido em

Madras: “Eu ainda sou ignorante no que respeita ao significado exato do termo

‘Bolchevismo’. Não sei se esse movimento funcionará de um modo favorável para a

Rússia a longo prazo . Mas sei que na medida em que a revolução se baseia na violência

e na negação de Deus, eu a rejeito”.

Sobre o Tratado de Sévres, de 1920, ele escreveu (carta de 25 de maio de 1920,

endereçada à C. F. Andrews): “A posição criada pelo tratado de paz é simplesmente

intolerável. Os árabes perderam aquilo que tinham de independência sob o Sultão, eles

que já não eram mais do que um joguete nas mãos dele”. Poucos dias depois escreveu

um comentário sobre o interesse britânico no óleo de Mosul, no Young India, datado de

30 de junho de 1920. Sobre a Espanha e a China escreveu: “O destino da República

Espanhola está na balança. Do mesmo modo com a China. Se, no final, forem derrotados,

não será porque a sua causa não seja justa”.

Depois da assinatura do Acordo de Munique, em 1938, no qual a França e

Inglaterra reconheceram o direito da Alemanha anexar a Checoslováquia, ele declarou

com uma visão profética: “A Inglaterra e a França tremeram diante da combinação da

violência da Alemanha e da Itália. O acordo assinado representa uma paz que não

garante de fato a paz, tratou-se apenas de um adiamento da guerra”.

Ele elogiou a heróica resistência polonesa à invasão nazista ao declarar: “Os

poloneses sabiam que seriam reduzidos a átomos, mas mesmo assim eles resistiram às

hordas alemãs. Por isso entendo essa situação como sendo quase de uma ação do

movimento da não violência”.

Sobre a perseguição de Hitler aos judeus e sobre os seus planos de criar uma

terra para eles na Palestina, ele escreveu: “A minha simpatia vai toda para os judeus. A

perseguição que estão sofrendo parece não encontrar nenhum paralelo na história. Os

tiranos do passado nunca foram tão loucos como Hitler. E a minha simpatia não me torna

cego em relação aos requisitos da justiça, é errado e desumano impor a presença do

12

povo judeu aos árabes. O caminho mais nobre para a solução dessa questão é propiciar

um tratamento igualitário aos judeus, onde quer que eles tenham nascido ou sido

criados. Os judeus nascidos na França são franceses, do mesmo modo que os cristãos

nascidos na França o são. Cada país é a sua casa, incluindo a Palestina, não por meio da

agressão, mas pela cultura do serviço amoroso entre os povos.

Gandhi já havia advogado a ideia da resistência não violenta quando a Índia foi

ameaçada de invasão pelos japoneses em 1942. Ele escrevera: “A resistência não violenta

deveria começar no momento em que eles aterrissassem. A estratégia seria no sentido de

negar ao invasor qualquer tipo de ajuda, Nem mesmo água deveria ser oferecida a eles.

Essa sua proposta chegou a ser ridicularizada como absurda, muito embora tenha sido

posta a efeito com sucesso quando Napoleão invadiu a Rússia em 1812. Os Russos

atearam fogo à sua histórica e sagrada Moscou a fim de negar às tropas napoleônicas

qualquer tipo de abrigo que os protegesse do inverno russo. E essa estratégia funcionou

perfeitamente para eles. O grande exército de 500.000 homens com o qual Napoleão

invadiu Moscou, em 14 de setembro de 1812, foi reduzido a menos de 50.000 homens

meio congelados e famintos, que retornaram para Paris em meados de dezembro. Essa

campanha da Rússia consta como uma das operações militares mais letais na história do

mundo”.

A visão de mundo de Gandhi era tão humana quanto ampla em seus limites. Ele

escreveu: “Eu vivo para libertar a Índia e morreria por essa causa, mas o meu patriotismo

não é exclusivo. Ele é planejado para beneficiar de modo real a todos os povos do

mundo. Com a libertação da Índia eu busco libertar todos os povos, todas as raças

oprimidas do mundo. Meu patriotismo visa toda a humanidade, não é exclusivo, não

possui fronteiras. Para mim o patriotismo tem a ver com a minha própria condição

humana, com a humanidade como um todo. Eu não feriria a Alemanha ou a Inglaterra

para servir à Índia”.

A primeira classe de oprimidos que Gandhi inspirou com seu exemplo de

resistência não violenta foi a dos negros afroamericanos. Martin Luther King, adotou

essa estratégia em 1956, depois de ter ouvido um discurso sobre a história da resistência

pacífica na Índia, proferido pelo Dr. Mordecai Johnson, diretor da Universidade Howard.

Em 1959 Martin Luther King visitou a Índia para aprender com os discípulos de

Gandhi o método para planejar e implementar a resistência não violenta. Ao retornar para

os Estados Unidos, ele escreveu: “Eu deixei a Índia mais convencido do que nunca de que

a resistência pacífica é arma mais poderosa disponível para os povos oprimidos em sua

busca pela liberdade”.

13

Foi no boicote aos ônibus, em Montegomery, no ano de 1961, que Martin Luther

King tentou aplicar pela primeira vez o seu Satyagraha na luta pela igualdade racial. E

realizar essa estratégia de modo consistente, durante apenas oito anos, resultou na

obtenção de maiores benefícios para os negros americanos do que os obtidos nos cem

anos que se seguiram à guerra civil.

Ele descreveu as transformações que essa prática promoveu em seus

companheiros negros da seguinte forma: “Quando as contendas judiciais eram a única

forma de agir contra a discriminação racial, os negros se envolviam na situação apenas

como um expectador passivo. Seus interesses eram expressos, mas a sua energia

desperdiçada. As marchas que promovemos transformaram o homem negro comum em

um astro a favor de sua própria causa. O negro não se posicionava mais como um sujeito

a ser transformado, mas se tornara o próprio caminho das mudanças que aspirava, ele

era o órgão ativo dessa mudança. A dignidade que lhe era negada em seu ambiente de

trabalho ele passou a obter através de sua ação política e social”.

Para o líder Martin Luther King “Mahatma Gandhi foi a primeira pessoa, na história

humana, a elevar a ética do amor, exemplificada na história de Jesus Cristo, além da

relação entre indivíduos, foi o primeiro a transformá-la em uma poderosa força social,

um método eficaz em larga escala. Se a humanidade quer evoluir, então Gandhi é

inevitável, ignorá-lo é colocar-nos em risco.”

A década de 1980 testemunhou a vitória de várias revoluções pacíficas ao redor

do mundo. Em 1980, Lesh Walesa e seus companheiros portuários criaram o partido

Solidariedade na Polônia, em Gdansk. A sua luta, que durou sete anos, provocou o

colapso do comunismo na Polônia e acabou por levar Lesh Walesa à presidência.

Posteriormente, diversas ditaduras comunistas desmoronaram no Leste Europeu,

incluindo a da União Soviética, que se desfez em 1991. Durante o mesmo período, o

regime do Apartheid foi banido da África do Sul.

As ditaduras Marcos e Pinochet foram derrubadas em 1986 e 1989,

respectivamente, por movimentos não violentos bem organizados, pelo poder do povo.

Seus líderes reconheciam publicamente a influencia que sofreram de Gandhi e Martin

Luther King. Em ambos os casos essas revoluções pacíficas produziram chefes de estado

mulheres, como Corazon Aquino e Michelle Bachelet. Sendo que essa última havia sido

presa, torturada e exilada no regime de Pinochet.

Quando foi eleita presidente do Chile, como a primeira mulher a exercer esse alto

cargo, Michelle ecoou Gandhi em seu primeiro discurso presidencial: “A violência entrou

14

em minha vida destruindo tudo que eu amava. Eu fui uma vítima do ódio. Mas dediquei

minha vida a reverter tal estado negativo em compreensão, tolerância e amor”.

Evo Moraes, um aymara (indígena boliviano) cultivador de coca e líder do

Movimento Rumo ao Socialismo (MAS) levou alguma centenas de plantadores de coca e

de outros camponeses em uma marcha de 120 milhas de Cochabamba a La Paz em 2003

para exigir que as empresas estrangeiras fossem obrigadas a recolher royalties no valor

de 50% para o uso do gás natural que extraiam e exportavam da Bolívia. Tal revolta

derrubou o presidente Gonzalo Sanchez de Lozada. Seu sucessor, Carlos Mesa, foi

atormentado pela mesma demanda, mas por muitos outros setores da sociedade,

incluindo professores e vendedores ambulantes. E em março de 2005 o Congresso

Boliviano aprovou uma lei impondo uma taxa adicional de 32% aos 18% dos royalties que

já eram cobrados das empresas estrangeiras.

Em janeiro de 2006 Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia e se tornou o

primeiro aymara a liderar o país, pondo fim a uma situação de subjugação do povo

boliviano aos descendentes dos conquistadores espanhóis que durou 500 anos. O estilo

boliviano do Satyagraha realizou esse milagre sem precedentes!

As mudanças sociais e políticas provocadas pelo compromisso com A Verdade e A

Não-Violência são ainda mais necessários hoje do que no tempo de Gandhi, Martin

Luther King e Lech Walesa. A onda de escândalos corporativos na Enron Worldcom,

Marconi, Tyco, Parmalat, Bear Sterns, Lehman Brothers, Arthur Andersen e outras mega

empresas, que resultaram na falência e no empobrecimento de toda uma rede de

empresas e pessoas coligadas, são uma consequência calamitosa dos desvios de seus

CEOs do caminho da verdade em busca apenas do ganho pessoal, maximização de lucros

ou da dissipação ansiosa de acionistas despreparados.

O mesmo se aplica à ação de líderes políticos que invadem e ocupam outros

países com pretextos falsos, procurando impor sua vontade aos países mais fracos,

tolerando o fundamentalismo religioso e o terrorismo quando lhes convém, mas

permitindo a destruição de locais de culto religioso tradicionais através da não

intervenção, como aconteceu com o Babri Masjid, na Índia.

Os ataques terroristas em Nova York, Washington, Nairobi, Dar e Salaam em Bali,

Mumbai, Nova Delhi, Tel Aviv, Madrid, Marrocos, Moscou, Istambul, Jacarta, Londres,

Sharm e Shaik em Amman, Karachi e Islamabad, todos acontecidos apenas nos primeiros

dez anos desse novo milênio, são o trágico resultado de políticas sem compromisso com

a verdade, sem visão e iníquas em seus resultados.

15

O grandioso ataque terrorista de 11 de setembro, no World Trade Center de Nova

York, alterou dramaticamente a natureza do conflito armado. Esse foi o marco de uma

guerra assimétrica, onde o inimigo não é propriamente um Estado estrangeiro, mas um

punhado de terroristas suicidas, que golpeiam a partir de dentro e não de fora das

fronteiras do país, usando os recursos do próprio país que atacam, como aviões e

aeroportos, e causando, assim, uma compreensível devastação, do ponto de vista mental,

na população do país atingido.

Alguns analistas de segurança estão considerando agora a possibilidade de

ataques terroristas através do que denominaram um uma bomba radioativa “suja”, como

uma possibilidade real. Eles já estão escrevendo sobre armas ultra-sônicas altamente

destrutivas, carregadas por micro veículos aéreos não tripulados, do tamanho de um

beija-flor, que funcionariam controladas por uma base terrestre e que teriam capacidade

para destruir shopping centers, pontes, e até mesmo aviões, funcionando como

verdadeiras minas aéreas. Um cenário de pesadelo, como uma Pearl Harbour digital.

Um ataque como esse a uma estação de fornecimento de energia nuclear por um

psicopata, por exemplo, ou uma bomba do tipo drone pilot, em Oklahoma ou até mesmo

uma bomba nuclear passível de ser carregada em uma maleta, toda essa tecnologia nas

mãos de terroristas. Hipóteses e ameaças graves como essas são apresentadas na obra

editada por Michael Brown, A Nova Sepultura do Mundo: Os Desafios da Segurança no

século XXI.

No Comitê de Segurança Nuclear de Washington, em 13 de abril de 2010, o

presidente Barak Obama afirmou: “A possibilidade de um terrorista vir a obter uma arma

nuclear representa a única e maior ameaça para a segurança dos Estados Unidos, a curto,

médio e longo prazo”.

Nesse cenário tão horrível quanto sinistro, Jonathan Schell viu um raio de

esperança. Ele escreveu: “Como um novo século se inicia, nenhum questionamento agora

é mais importante do que esse: se o mundo atual está embarcando em um novo ciclo de

violência, se estamos condenando o século XXI a repetir ou até mesmo a superar o

derramamento de sangue ocorrido no século XX”. Ele ressaltou: “Os perigos agora são

diferentes dos antigos exércitos convencionais, massificados, e do ódio sistemático entre

grandes potências rivais. O perigo agora é a persistente e constante propagação das

armas nucleares e de outras armas de destruição em massa entre classes de demônios

insaciáveis movidos pela fúria nacionalista, ética e religiosa”.

Mas ele também asseverou que apesar do choque de 11 de setembro e da

necessidade de se adotar medidas rigorosas para fazer frente à ameaça do terrorismo

16

global, um caminho novo e promissor se abriu. Na história do século XX uma outra lição,

de cortesia, menos visível do que a primeira, mas tão importante quanto, foi se

afirmando. Trata-se das diversas formas da resistência pacífica, que foram aplicadas

eficazmente nos mais diversos níveis da atividade política em substituição à ação

violenta. Essa foi a promessa do movimento pacífico de resistência da Índia à dominação

do Império Britânico, levada a efeito por Mohandas K. Gandhi, e do movimento pacifista

de Martin Luther King pelos direitos dos civis nos Estados Unidos e dos movimentos não

violentos que aconteceram no leste da Europa e na Rússia e que acabaram por derrubar o

regime comunista da União Soviética.

Dotado de uma visão profética, Gandhi previu as crises iminentes na esfera dos

valores humanitários, na esfera da preservação ambiental e até mesmo na questão da

violência, que hoje se apresenta na forma do terrorismo, e tudo isso há mais de cem

anos atrás. Ele ressaltava a importância de adotarmos um modelo de vida simples, com

políticas, economia e estruturas sociais regionalizadas. E lamentava a produção industrial

em massa, e o modo como o Ocidente estava se militarizando. Lamentava até mesmo o

nacionalismo exacerbado de alguns nacionalistas seus compatriotas.

E muito embora a sociedade ocidental, adita a um consumismo sustentado pela

economia neoliberal, possa considerar as ideias de Gandhi sobre uma vida simples,

baseada em uma economia regional, como louca e ultrapassada, o eminente economista

alemão Ernst Schumacher escreveu: “Gandhi sempre soube, o que agora a maioria dos

países ricos está relutando em começar a perceber, vale dizer, o que a sua riqueza está

retirando em termos de recursos naturais do mundo. Os EUA, por exemplo, com apenas

5.6% da população mundial, consome 40% dos recursos do mundo, a maioria deles não

renováveis”.

E esse fato parece suficiente para demonstrar que os passageiros da primeira

classe dessa nave espacial que é o mundo, estão fazendo exigências que não poderão ser

mantidas por mais tempo, sem resultarem na destruição da própria nave em que estamos

todos navegando.

A Organização das Nações Unidas tem usado em seu programa de proteção

ambiental a seguinte máxima de Gandhi: “O mundo provê o bastante para satisfazer

todas as necessidades dos homens, mas não a sua ganância.” Esse é o primeiro slogan da

sua campanha publicitária. O serviço público de radiodifusão do EUA tem apresentado a

série “Corrida para Salvar o Planeta”, baseado em uma campanha de conscientização

semelhante.

17

Assustado com os jovens militantes revolucionários da Índia que encontrou em

Londres em 1908, Gandhi escreveu a obra: Hind Swaraj. E esclareceu que o havia escrito

como resposta à escola de violência indiana. A mensagem que buscava oferecer era a do

amor em substituição ao ódio. Era uma tentativa de disponibilizar algo realmente

revolucionário e infinitamente superior em relação à violência com a qual havia se

deparado; uma proposta de valorização do espírito de autosacrifíco e de bravura que

deveria ser adotada como uma nova base na ação dos revolucionários.

Essa oferta foi feita por Gandhi há cem anos. E contém uma previsão

extraordinária. Se pensarmos nos termos dessa proposta em relação aos problemas

atuais, com os terroristas suicidas de 11 de setembro, por exemplo, a primeira atitude

que teremos de tomar é nos colocarmos no seu lugar, ou seja, teríamos de buscar um

modo de compreender realmente o que os levou a agir como agiram.

E isso não é difícil, uma vez que a maioria dos homens bomba deixam

“declarações de despedida”, indicando o que motivou o seu ato. A maioria deles relata

indignação com a presença de tropas estrangeiras em seu país, ou revolta em relação ao

apoio incondicional dos EUA à ocupação israelense de terras na Palestina, opressão do

seu povo, ou alegam ainda, como o Islã, que estão sendo difamados no Ocidente. As

soluções para todas essas queixas precisam ser buscadas, particularmente para a

situação penosa e sem fim dos conflitos em Israel, para o imbróglio palestino.

Karen Armstrong escreveu: “O mundo mudou depois do que aconteceu em 11 de

setembro. Agora nós, os países privilegiados do Ocidente, nos demos conta de que tudo

o que acontece no restante do mundo nos diz respeito. O que está acontecendo em

Gaza, no Iraque ou no Afeganistão hoje, provavelmente terá repercussão em Nova York,

Washington e Londres amanhã e pequenos grupos, muito em breve, terão a capacidade

de cometer atos violentos massivamente, coisa que até então só era possível para as

nações muito poderosas”.

Deepak Chopra asseverou: “Mahatma Gandhi expressou uma verdade profunda

quando disse: “Não há um caminho para a paz. A paz é o caminho”. Ele acrescentou seu

entendimento de que Gandhi quis, com essa máxima, evidenciar que a guerra e a

violência não podem conduzir à paz. E, acrescentou, ainda: “Assim como a formulação de

Newton sobre a lei da gravidade significou que os seres humanos estavam, finalmente e

para sempre, à caminho de uma nova ciência, inaugurando um momento de

transformação do mundo, você e eu podemos criar um novo marco”.

A extensão das mudanças pelas quais o mundo passou nas ultimas sete décadas

através dos movimentos da revolução não violenta é evidenciada pelos seguintes fatos:

18

entre os anos de 1947, quando a Índia alcançou a sua independência, e o ano de 1980

mais de cem colônias britânicas, francesas, alemãs, belgas, espanholas e portuguesas se

tornaram livres. Entre os anos de 1980 e 2010, a revolução não violenta empoderou os

negros americanos e colocou um presidente negro na Casa Branca, pôs fim ao Apartheid

na África do Sul e se transformou em uma espécie de “Sistema Político Arco-Íris” , capaz

de derrubar a ditadura Marcos e dar às Filipinas e à Àsia a primeira mulher chefe de

Estado, de derrubar toda a ditadura comunista do Leste Europeu e de estabelecer

governos democráticos na Estônia, Latívia, Lituânia, Republica Democrática Alemã,

Checoslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia, Rússia, Servia, Geórgia e Ucrânia. O muro de

Berlim foi desmantelado, a Alemanha reunificada, o Pacto de Varsóvia foi desfeito e

muitos de seus membros formadores foram admitidos na Comunidade Européia. O

terrorismo acabou na Irlanda, a ditadura de Pinochet entrou em colapso e o Chile e a

América Latina elegeram a sua primeira mulher chefe de Estado A Bolívia pela teve

primeira vez um aymara como chefe de estado. O General Musharaf renunciou e seguiu

para o exílio, sendo a democracia restaurada no Paquistão.

No inicio de 2011, a Revolução Não Violenta depôs a ditadura opressiva e

aparentemente inexpugnável da Tunísia e do Egito. Sobre esta última revolução,

Niranjan Ramakrishnan escreveu um artigo intitulado “Gandhi no Nilo”: “O povo do Egito

erigiu um monumento político que será colocado ao lado e em pé de igualdade com seus

feitos antigos mais maravilhosos. Eles demonstraram ao mundo um modelo pacífico,

orientado e digno de exercício de poder por parte do povo. Por volta de trezentas

pessoas, ou até mais, morreram nas lutas dos últimos dezoito dias. Todos eles em sinal

de protesto e sem atacar nenhum representante do regime odiado. Ao invés do

terrorismo causado por homens bombas, pelos quais a região se tornou conhecida, o

movimento iniciou com o suicídio de um único homem. Ao invés de lançar bombas

incendiárias em algum prédio cheio de pessoas, o movimento iniciou na Tunísia com um

único homem ateando fogo ao próprio corpo. Ao invés de clamar por pão e peixe, os

manifestantes, inabaláveis na sua condição de liberdade, exigiram nada menos do que a

renúncia do ditador”.

Assim, o povo do Egito explodiu algo muito maior do que uma bomba atômica,

eles derrubaram o mito de que o mundo árabe e islâmico não pode se adequar ao

Satyagraha. O povo egípcio realizou um tipo de revolução que deixaria Gandhi orgulhoso,

mas que foi uma vitória baseada em seus próprios méritos.

O Prof. Gene Sharp escreveu: “Gandhi foi um experimentador no desenvolvimento

da ‘guerra não violenta’. Seu trabalho pioneiro nem sempre foi adequado. Mas

certamente representou um desenvolvimento histórico dos mais significativos, tanto no

19

campo da ética como da política (...) Muitas hipóteses ligadas ao campo do

enfrentamento pacífico visando a solução de conflitos ainda estão em desenvolvimento e

muitas das suas aplicações ainda permanecem em aberto. Mas tanto em palavras como

em ação, Gandhi nos apontou o que pode ser a chave para a resolução do dilema de

como permanecer pacífico, mas ativo e em franca oposição às situações de opressão e

injustiça”.

Johan Galtung fez um elogio ainda mais generoso ao declarar que “Gandhi foi um

revolucionário ainda mais revolucionário do que qualquer outro da história da civilização

ocidental, uma vez que ele revolucionou a própria revolução”.

Dado que estou oferecendo essa palestra ao Fórum de Agosto das Nações Unidas,

a pergunta que surge naturalmente é: “Qual a mensagem de Gandhi para as Nações

Unidas?” Na véspera de sua criação, em 1945, Gandhi emitiu a seguinte declaração: “Eu

reitero a minha convicção de que não haverá paz para os aliados ou para o mundo a

menos que eles abram mão da sua crença na eficácia da guerra e dos seus sucedâneos, a

saber, os enganos terríveis e as fraudes. A paz deve ser justa. E ser justa significa não ser

punitiva e nem vingativa. A Alemanha e o Japão não deveriam ser humilhados. Os frutos

da paz devem ser igualmente compartilhados. A exploração e a dominação de uma nação

sobre outra não pode ter lugar em um mundo que se esforça por dar um fim a todas as

guerras. As nações fortes devem servir às nações fracas e não operar como seus

dominadores e exploradores. A futura paz, a segurança e o progresso ordenado do

mundo devem ser de responsabilidade de uma federação mundial capaz de garantir a

liberdade de todos os seus membros“.

Com base nessa declaração, atrevo-me a questionar os membros das Nações

Unidas, particularmente o seu Conselho de Segurança – P5, se todos já abriram mão da

crença na eficácia da guerra e de seus sucedâneos, os erros terríveis e as fraudes. O

organismo internacional das Nações Unidas foi criado para, do modo como estabelece a

sua Carta “preservar as gerações futuras do flagelo da guerra”. No entanto, o corpo do

Conselho de Segurança - P5, “o principal responsável pela manutenção da paz e da

segurança internacional”, é ainda composto pelos maiores produtores e vendedores de

armas letais do mundo. E diante de muitos problemas internacionais espinhosos, de

difícil solução, alguns, com frequência, ainda parecem preferir a ação militar ao diálogo e

à diplomacia.

A guerra do Iraque, agora em seu décimo primeiro ano, iniciou uma “Coligação de

Intenções” formada e liderada por dois membros do Conselho de Segurança – P5,

desafiando abertamente o próprio Conselho de Segurança do qual fazem parte. Quase

20

um milhão de iraquianos foram mortos e quatro milhões foram retirados de suas casas

devido a essa guerra ilegal.

O Wikileaks revelou claramente os erros grosseiros, as fraudes, as injustiças e as

brutalidades que essa guerra tem perpetrado e também várias outras ações recentes de

alguns países poderosos. Um deles vetou a Resolução nº 32 da UNSC a fim de proteger

um aliado próximo da censura internacional e dos sansões decorrentes de seus ataques

frequentes e ocupação ilegal de terras de povoados vizinhos.

Na Terceira Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU sobre Desarmamento,

em fevereiro de 1988, o então primeiro ministro da Índia, Rajiv Gandhi, enunciou e pediu

urgência, em relação à adoção de um Plano de Ação em três estágios para a eliminação

de todas as armas nucleares até o ano de 2010. Ele, com razão, declarou: “As armas

nucleares ameaçam destruir a civilização e tudo que a humanidade construiu através de

milênios de esforço e trabalho contínuo. Tanto os Estados que possuem armas nucleares

como aqueles que não possuem se encontram igualmente ameaçados pelo holocausto. É

imperativo que as armas nucleares sejam eliminadas. A garantia da paz deve ser

assentada em uma base diferente desta na qual se afirma a possibilidade de uma

destruição global. Precisamos de uma ordem mundial fundada na não violência e na

coexistência pacífica”. Infelizmente, o seu assassinato três anos após esse

pronunciamento e a ausência de adoção de qualquer medida efetiva para por em prática

a sua proposta de um Plano de Ação levou a própria Índia a adquirir armas nucleares,

devido ao cenário sombrio da sua vizinhança.

A necessidade imperiosa de um desarmamento nuclear mundial se tornou mais forte

hoje do que em qualquer outra época. Assim, exorto a Índia a assumir a liderança no sentido de

reavivar o Plano de Ação de Rajiv Gandhi, especialmente porque o Presidente Obama já

expressou publicamente a sua aspiração por um mundo livre das armas nucleares, tendo já dado

o primeiro passo no sentido de reduzir o arsenal nuclear dos Estados Unidos da América.

Como o Mahatma Gandhi declarou logo depois da bomba atômica ter caído sobre

Hiroshima e Nagasaki: “A moral a ser extraída da tragédia sem precedentes do lançamento de

uma bomba atômica é que tal bomba não será destruída por outras bombas. A não violência é a

única coisa que a bomba atômica não pode destruir (...). A menos que o mundo adote, nesse

momento, a não violência, ela representará o suicídio certo da humanidade.”

Albert Einstein havia feito uma afirmação semelhante: “O poder desencadeado pelo

átomo alterou tudo menos o nosso pensamento, portanto estamos à deriva, rumo a uma

catástrofe sem precedentes. Se a humanidade quiser sobreviver terá de encontrar um novo modo

de pensar”.

21

Este “novo modo de pensar” deverá emanar tanto das Nações Unidas como de ativistas

pela paz em todo mundo. Um esforço iluminado no sentido de alcançar uma nova maneira de

pensar nas Nações Unidas foi realizado pelo seu previdente e profundamente espiritualizado ex-

secretário geral U Than, em 1970, ao convidar Sri Chinmoy, um mestre espiritual indiano, para

conduzir sessões regulares de meditação nas Nações Unidas para diplomatas, delegados e

membros das equipes de trabalho representativas dos diversos países que aqui se encontram

reunidos. Mesmo depois da morte de Sri Chinmoy, em 2007, sessões de meditação, bem como

outras atividades correlatas, como palestras, seminários, apresentação de peças teatrais,

exposições artísticas e atividades esportivas continuaram a ser oferecidas, ininterruptamente

para os membros desta casa.

E, também, a partir desse primeiro marco, o fórum global indiano sobre técnicas

meditativas visando promover o autoconhecimento, tem viajado o mundo todo. Centros de

prática meditativa de Sri Chinmoy, livros, músicas e restaurantes vegetarianos foram fundados

em várias cidades e países ao redor do mundo. A bienal “World Harmony Run”, instituída por ele

em 1987, agora percorre 70.000 km em 100 países, em todos os continentes. E possuí como

adeptos atletas renomados internacionalmente e medalhistas de ouro olímpico como Carl Lewis,

Olivier Bernhard, Katrina Webb, Paul Tergat, Tatyana Lebedeva e Tegla Lourope. Após uma

dessas provas Carl Lewis declarou: “Quando eu estava segurando a tocha flamejante, me senti

absolutamente interligado com todos os povos do mundo”.

A tragédia do mundo atual é que há muitas religiões, particularmente muitas religiões

fundamentalistas, e muito pouca espiritualidade, algo extremamente necessário. A

espiritualidade, enraizada profundamente nas noções de verdade, justiça, amor e fraternidade

universal, que Gandhi encarnou tão bem, pode contribuir substancialmente para a mudança do

atormentado cenário internacional de hoje, marcado pela mentira, injustiça, ódio e violência. E

pode, ainda, oportunamente, promover o renascimento espiritual global que o nosso

reverenciado U Than acreditava ser imprescindível no caminho para a construção de uma paz real

e duradoura no mundo.

Sri Chinmoy tinha uma frase memorável sobre esse tema. Ele dizia: “A paz mundial

será obtida no dia em que, em cada pessoa, o poder do amor substituir o amor pelo poder”.

Aqueles que duvidam dessa afirmação e preferem acreditar no poder das bombas, dos mísseis,

dos aviões teleguiados e de outras armas igualmente letais, para alcançar a paz, fariam bem em

lembrar as palavras proféticas de Jesus Cristo: “Aqueles que empunham a espada, morrerão pela

espada”.

Agradeço a todos dessa distinta e estimada audiência, pela sua graciosa atenção.

22

O Embaixador Pascal Alan Nazareth possuí mestrado em Economia pela Universidade

de Madras. Foi selecionado para o Serviço Internacional Indiano em maio de 1959. Atuou em

missões diplomáticas e consulares indianas em Tóquio, Rangoon, Lima, Londres, Chigaco e Nova

York e foi do Alto Comissariado da Índia para Gana, bem como Embaixador para a Libéria, Alto

Volta, Togo, Egito, México, Guatemala, El Salvador e Belize.

Durante os anos de 1982 a 1985, quando foi o Diretor Geral do ICCR, festivais culturais

indianos, multifacetados, foram promovidos na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França.

Promoveu conferências sobre “Budismo e as Culturas Nacionais” , sobre “A Literatura da Índia e

do Mundo” e um “Festival de Poesia Mundial” em Nova Delhi. Um simpósio indiano-grego

organizado nesse período, em Delfos, resultou na publicação acadêmica “Índia e Grécia”. Na

sequência, e seguindo o mesmo molde, quando foi Embaixador no Egito e no México, surgiram

as publicações: “Índia e Egito” e “Índia e México”, logo após os simpósios acontecidos no Cairo e

na Cidade do México respectivamente.

Ele se aposentou do cargo de Embaixador em 1994 e desde então tem lecionado como

professor convidado no Instituto Nacional de Estudos Avançados e Gerenciamento de Bangalore e

National Defence College em Nova Delhi. Entre as instituições estrangeiras nas quais ele já

lecionou ou participou de seminários constam: o Gandhi Memorial Centre em Washington, as

universidades americanas de Yale, Columbia, Stonybrook, Berkeley e Stanford. Também no MIT,

no San Francisco World Affairs Council, no East West Centre, na Universidade do Hawai, no

Instituto Aspen, nos Estados Unidos, na Universidade Uppsala na Suécia, no Asian Institute of

Manegenment & Ateneo and Phillipine Universities nas Filipinas, , nas Universidades Udayana e

Shiyarif Hidayatullah islâmicas, na Indonésia, nas Universidade Trinidad&Tobago e West Indies

em Port of Spain e no Mahatma Gandhi Institute em Moka, Mauritânia.

Ele também é fundador e diretor executivo do Sarvodaya International Trust, empresa

dedicada a promover os ideais de Gandhi da não violência, da harmonia nas comunidades, do

serviço humanitário e da paz. Criada em março de 1995, possuí um website na internet cujo

endereço é: www.sarvodayatrust.org.

Escreveu o aclamado livro A Excelência da Liderança de Gandhi, que foi lançado em

Nova Delhi pelo antigo primeiro ministro da Índia, Dr. I. K. Gujral e na ONU e em Nova York pelo

Sub-Secretário Geral Shasi Taroor. Desde seu lançamento, essa obra já foi traduzida para quatro

idiomas indianos e para o português e espanhol. No início de 2013 foi publicada também em

chinês, coreano, árabe e russo.

Em 9 de outubro de 2007 ele foi agraciado com o U Than Prêmio da Paz pelo Grupo de

Meditação pela Paz Sri Chinmoy das Nações Unidas, pelo seu “Tempo de Dedicação ao Serviço

Mundial” promovendo os valores gandhianos da Verdade, da Não Violência, da Harmonia nas

23

Comunidades e do Serviço Humanitário. Entre os destinatários anteriores deste prêmio constam

o Papa João Paulo II, o Dalai Lama, Madre Tereza de Calcutá, Mikhail Gorbachev, Nelson Mandela

e Desmond Tutu.

Tradução de Brenda Costa Neves

Voluntária da Associação Palas Athena