prêmio jovem jornalista fernando pacheco jordão

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commodities B6 mercado o Q SÁBADO, 17 DE JULHO DE 2010 ab Agrotóxicos afetam comunidade em MS Agricultores de Fátima do Sul apresentam náuseas, depressão e cometem suicídio após usarem inseticidas Jorge Araújo/Folhapress Problema se agrava porque os lavradores não têm ou não sabem usar equipamentos para se proteger do veneno MARCELLE SOUZA ESPECIAL PARA A FOLHA A tristeza aparente aponta que é dia de velório. O cheiro, que atravessa os cômodos, faz parentes e curiosos saí- rem para o quintal. O odor expõe o motivo daquela mor- te: Mauro de Souza Lucas co- meteu suicídio com veneno da lavoura de algodão. A cena, na zona rural do município de Fátima do Sul (MS), seria um caso isolado se o cheiro não fizesse parte de outros velórios ali. Lucas havia brigado com um irmão em uma festa de fim de ano e, de volta para ca- sa, foi direto para o quarto dos agrotóxicos. Escolheu um dos mais fortes e bebeu. “Um vizinho levou-o para o hospital, ele acabou de morrer lá”, diz Antônia de Souza Lucas, 64, “uns 14” fi- lhos. “Era veneno brabo, não lembro o nome, mas era ve- neno de algodão, fedido.” O episódio ocorreu há qua- se dez anos, mas o cheiro do velório ainda não saiu do na- riz de Antônia. Mauro tinha 26 anos quando morreu. Ela não sabe por que o fi- lho se matou. “Era uma ner- vosia, muita raiva, ele pôs na cabeça e se matou logo.” FALTA DE PROTEÇÃO Fátima do Sul, cidade de 18 mil habitantes a 242 km de Campo Grande, foi criada em 1943 no governo Getúlio Var- gas como polo agrícola. Predominam os sítios de três a dez hectares de imi- grantes nordestinos. Ali, fala-se dos nomes de agrotóxicos com intimidade: Barrage, Folidol, Azodrin, Tamaron, 2,4D e 3,10. A maioria desses produtos pertence à família dos inseti- cidas organofosforados, deri- vados do ácido fosfórico, e são usados para combater pragas em culturas diversas. O contato com eles alterou o conceito de saúde dos agri- cultores. Quase todos se refe- rem a dor de cabeça, náusea e coceiras, além do cheiro in- confundível. Fora os casos de intoxicação aguda em que os sintomas mais graves sur- gem logo após a exposição. Muitos lavradores não têm, não usam ou não sabem usar corretamente os equipa- mentos de proteção, como máscaras e macacão, nem têm orientação sobre como armazená-lo ou se desinfetar após aplicar o veneno. DEPRESSÃO Assim como as náuseas, sintomas de depressão to- mam conta das conversas nos sítios. Antônia lembra que o filho começou a ficar “esquisito” antes de morrer. Para Dario Xavier Pires, químico e pesquisador da Universidade Federal de Ma- to Grosso do Sul (UFMS) que há uma década estuda os ca- sos de suicídio no município, os sintomas são evidentes no contato com produtores e nas conversas informais com profissionais da saúde locais. A psiquiatra paulista Jussi- nalva Aguiar explica que “normalmente os casos de suicídio estão ligados a qua- dros depressivos” que pas- sam despercebidos na rotina do trabalhador rural. Segundo Jussinalva, o tipo de agrotóxico usado no algo- dão inibe a enzima acetil-co- linesterase, causando acú- mulo do neurotransmissor acetilcolina e a consequente superestimulação das termi- nações nervosas. “A intoxicação por agrotó- xico causa variações qualita- tivas e quantitativas nas si- napses, que agem na altera- ção do humor. Pode causar tanto sintomas depressivos como manias e agitação.” Em 2004 e 2005, um grupo de pesquisadores da UFMS —entre eles Pires— fez um le- vantamento sobre os estados depressivos e os níveis da en- zima colinesterase em 261 agricultores expostos a orga- nofosforados no município. Deles, 149 (57,1%) relata- ram algum sintoma após o uso de agrotóxicos, e 30 apre- sentaram distúrbios psiquiá- tricos menores (DPM). Três tentaram o suicídio. RANKING Em números absolutos, Mato Grosso do Sul ocupava, em 2002 (último ano disponí- vel), o quarto lugar em suicí- dios de homens e o segundo de mulheres no Brasil. No índice de morte por in- gestão intencional de agrotó- xicos mantido pela Secreta- ria de Estado de Saúde de MS, a macrorregião geográfi- ca de Dourados (Fátima do Sul mais 14 municípios) lide- ra. De 1992 a 2002, houve 203 tentativas registradas e 63 mortes por envenenamento. A cidade de Dourados tem o maior número de tentati- vas, mas há ali alta incidên- cia de suicídios entre os ín- dios guarani-kaiowá, resul- tado, sobretudo, do processo de confinamento. O segundo lugar é de Fáti- ma do Sul. Depois de Mauro, outros dois filhos de Antônia, Jonas e Luiz, também se ma- taram em um ano. Uma ter- ceira, Cecília, tentou. Levantamento da Associa- ção Nacional de Defesa Vege- tal (Andef) para a consultoria alemã Kleffman Group apon- ta o Brasil como o país que mais consome agrotóxicos. Em 2008, foram gastos U$ 7,1 bilhões, ante US$ 6,6 bilhões dos EUA, em segundo. O Serviço de Informações Tóxico-Farmacológicas do Ministério da Saúde regis- trou, em 2007, 112,4 mil casos de intoxicação. Estima-se que haja subnotificação. O Ministério da Saúde não tem estudos nem política preventiva de suicídio na zo- na rural —há divergência en- tre os pesquisadores sobre a correlação direta entre de- pressão e agrotóxicos. “Os estudos feitos nessas populações não são determi- nantes e ainda não consegui- ram comprovar a relação”, diz Ângelo Zanaga Trapé, médico toxicologista e pro- fessor da Unicamp. SEM CAUSA-EFEITO A Andef ressalta que o cri- vo científico com que são avaliados todos os defensi- vos agrícolas registrados no Brasil é um dos mais restriti- vos do mundo, demonstran- do extrema preocupação com a segurança dos produ- tos utilizados nas lavouras. A Andef entende que não há relação causa-efeito entre agrotóxicos e suicídios com- provada nos estudos citados. “As colocações feitas pelo dr. Ricardo Nogueira, médico psiquiatra autor da tese de dissertação de mestrado “Promoção da Vida e Preven- ção de Suicídios no RS” são válidas, havendo a necessi- dade de estudos adicionais para se comprovar cientifica- mente essa relação”, diz. MARCELLE SOUZA é recém-formada em comunicação social com habilitação em jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e ganhadora do 1º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog. Máquina colhe algodão; trabalhadores que usam agrotóxicos na lavoura têm doenças, depressão e cometem suicídio no município de Fátima do Sul A intoxicação por agrotóxico causa variações qualitativas e quantitativas nas sinapses, que agem na alteração do humor. Pode causar tanto sintomas depressivos como manias e agitação JUSSINALVA AGUIAR, psiquiatra c AGRICULTURA ENDOLSUFAN SERÁ BANIDO A PARTIR DE 2013 O uso do inseticida endol- sufan será proibido a partir de 2013, atendendo a pedi- do da Anvisa. O agrotóxico, mais comum no cultivo de café, soja e algodão, causa- ria problemas à saúde. O uso do produto já é proibi- do em mais de 40 países. ANÁLISE AGRICULTURA Produtividade agrícola pode garantir a segurança alimentar GERALDO BARROS ESPECIAL PARA A FOLHA A alta dos preços dos ali- mentos nos últimos anos foi bastante preocupante, pois perto de 1 bilhão de pessoas (algo como pouco mais de cinco vezes a população bra- sileira) ainda defrontam-se com fome e subnutrição. O problema vinha se ate- nuando desde os anos 1970, em grande parte devido a avanços na produtividade com expressiva redução de preços. Entretanto, instituições importantes como o Banco Mundial detectaram desace- leração na produtividade da terra (“yield”) nos anos 2000, o que poderia, ao lado da forte expansão da deman- da, explicar a elevação de preços e levar a novas crises quando a economia mundial voltar a crescer. Keith O. Fuglie, do Depar- tamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), ava- liou a tendência da produti- vidade da agropecuária em escala mundial. Em vez de focar na produ- tividade da terra ou do traba- lho, ele mediu a Produtivida- de Total dos Fatores (PTF), evitando interpretações in- corretas decorrentes do uso de medidas parciais. Por exemplo, a produtivi- dade do trabalho é influen- ciada por investimentos em mecanização; a da terra, pe- los gastos com fertilizantes e corretivos. É possível aumentar a pro- dução de duas maneiras. Uma delas envolve o uso maior dos recursos produti- vos disponíveis, gastando-se mais, evidentemente. A outra se dá por mudança tecnológica, que disponibili- za insumos e máquinas de melhor qualidade, mão de obra mais qualificada e me- lhores práticas administrati- vas, sem necessariamente le- var a maiores gastos. A PTF compara o cresci- mento da produção ao do uso de terra, trabalho, capital e insumos. Se a produção crescer mais que o emprego desses recursos, a PTF au- menta e reduções de preços são factíveis. O estudo mostra que a PTF nos últimos 20 anos (1990 em diante), cresceu duas vezes mais rapidamente (1,6% ao ano) do que nas duas déca- das anteriores (1970 a 1990). Ela responde por 70% do crescimento de pouco mais de 2% ao ano da produção. O que vem se desaceleran- do são os recursos aplicados na produção agrícola, cuja taxa de crescimento caiu 60% entre os dois períodos. Na América do Norte e na Europa, desde 1980 houve redução generalizada nos re- cursos aplicados, com leve retração na produção. Profunda queda de recur- sos houve também na antiga União Soviética após o des- mantelamento do bloco. O Brasil apresentou o me- lhor desempenho em termos de PTF, que, desde 1980, vem crescendo a mais de 3% ao ano, o que explica 83% do aumento de produção. A liderança brasileira, po- rém, não é isolada: a China segue no seu calcanhar, gra- ças a reformas institucionais e a mudanças tecnológicas. O investimento na agricul- tura chinesa vem crescendo tanto quanto ou mais rapida- mente do que no Brasil. Na África, o investimento e a PTF vêm crescendo, mas não o bastante para garantir segurança alimentar. O crescimento futuro da produção deverá proceder da América Latina e da Ásia, que ainda investem no setor agrícola e mantêm sistemas eficientes de pesquisa e ex- tensão. Espera-se que haja maior cooperação entre elas e a África. Da parte dos produtores, a lição de casa vem sendo feita. Salvo por problemas climáti- cos, novas crises de commo- dities poderão ser evitadas se os governos não deixarem que a demanda dispare. GERALDO BARROS é professor titular da USP/Esalq e coordenador científico do Cepea/Esalq/USP.

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Page 1: Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão

commoditiesB6 mercadoo QSÁBADO, 17 DE JULHO DE 2010 ab

Agrotóxicos afetam comunidade em MSAgricultores de Fátima do Sul apresentam náuseas, depressão e cometem suicídio após usarem inseticidas

Jorge Araújo/Folhapress

Problema se agravaporque os lavradoresnão têm ou não sabemusar equipamentos parase proteger do veneno

MARCELLE SOUZAESPECIAL PARA A FOLHA

A tristeza aparente apontaque é dia de velório. O cheiro,que atravessa os cômodos,faz parentes e curiosos saí-rem para o quintal. O odorexpõe o motivo daquela mor-te: Mauro de Souza Lucas co-meteu suicídio com venenodalavourade algodão.

A cena, na zona rural domunicípio de Fátima do Sul(MS), seria um caso isoladose o cheiro não fizesse partede outros velórios ali.

Lucas havia brigado comum irmão em uma festa defim de ano e, de volta para ca-sa, foi direto para o quartodos agrotóxicos. Escolheuumdos mais fortes e bebeu.

“Um vizinho levou-o parao hospital, ele acabou demorrer lá”, diz Antônia deSouza Lucas, 64, “uns 14” fi-lhos. “Era veneno brabo, nãolembro o nome, mas era ve-neno de algodão, fedido.”

O episódio ocorreu há qua-se dez anos, mas o cheiro dovelório ainda não saiu do na-riz de Antônia. Mauro tinha26 anos quando morreu.

Ela não sabe por que o fi-lho se matou. “Era uma ner-vosia, muita raiva, ele pôs nacabeça e se matou logo.”

FALTA DE PROTEÇÃOFátima do Sul, cidade de

18 mil habitantes a 242 km deCampo Grande, foi criada em1943 no governo Getúlio Var-gas como polo agrícola.

Predominam os sítios detrês a dez hectares de imi-grantes nordestinos.

Ali, fala-se dos nomes deagrotóxicos com intimidade:Barrage, Folidol, Azodrin,Tamaron, 2,4De 3,10.

A maioria desses produtospertence à família dos inseti-cidas organofosforados, deri-vados do ácido fosfórico, esão usados para combaterpragasem culturasdiversas.

O contato com eles alterouo conceito de saúde dos agri-cultores. Quase todos se refe-rem a dor de cabeça, náuseae coceiras, além do cheiro in-confundível. Fora os casos deintoxicação aguda em que ossintomas mais graves sur-gem logo apósa exposição.

Muitos lavradores nãotêm, não usam ou não sabemusar corretamente os equipa-mentos de proteção, comomáscaras e macacão, nemtêm orientação sobre como

armazená-lo ou se desinfetarapósaplicar o veneno.

DEPRESSÃOAssim como as náuseas,

sintomas de depressão to-mam conta das conversasnos sítios. Antônia lembraque o filho começou a ficar“esquisito” antes de morrer.

Para Dario Xavier Pires,químico e pesquisador daUniversidade Federal de Ma-to Grosso do Sul (UFMS) quehá uma década estuda os ca-sos de suicídio no município,os sintomas são evidentes nocontato com produtores e

nas conversas informais comprofissionais da saúde locais.

A psiquiatra paulista Jussi-nalva Aguiar explica que“normalmente os casos desuicídio estão ligados a qua-dros depressivos” que pas-sam despercebidos na rotinado trabalhadorrural.

Segundo Jussinalva, o tipode agrotóxico usado no algo-dão inibe a enzima acetil-co-linesterase, causando acú-mulo do neurotransmissoracetilcolina e a consequentesuperestimulação das termi-nações nervosas.

“A intoxicação por agrotó-xico causa variações qualita-tivas e quantitativas nas si-napses, que agem na altera-ção do humor. Pode causartanto sintomas depressivoscomo maniase agitação.”

Em 2004 e 2005, um grupode pesquisadores da UFMS—entre eles Pires— fez um le-vantamento sobre os estadosdepressivos e os níveis da en-zima colinesterase em 261agricultores expostos a orga-nofosforados no município.

Deles, 149 (57,1%) relata-ram algum sintoma após ouso de agrotóxicos, e 30 apre-sentaram distúrbios psiquiá-tricos menores (DPM). Três

tentaram o suicídio.

RANKINGEm números absolutos,

Mato Grosso do Sul ocupava,em 2002 (último ano disponí-vel), o quarto lugar em suicí-dios de homens e o segundode mulheres no Brasil.

No índice de morte por in-gestão intencional de agrotó-xicos mantido pela Secreta-ria de Estado de Saúde deMS, a macrorregião geográfi-ca de Dourados (Fátima doSul mais 14 municípios) lide-ra. De 1992 a 2002, houve 203tentativas registradas e 63mortes por envenenamento.

A cidade de Dourados temo maior número de tentati-vas, mas há ali alta incidên-cia de suicídios entre os ín-dios guarani-kaiowá, resul-tado, sobretudo, do processode confinamento.

O segundo lugar é de Fáti-ma do Sul. Depois de Mauro,outros dois filhos de Antônia,Jonas e Luiz, também se ma-taram em um ano. Uma ter-ceira, Cecília, tentou.

Levantamento da Associa-ção Nacional de Defesa Vege-tal (Andef) para a consultoriaalemã Kleffman Group apon-ta o Brasil como o país que

mais consome agrotóxicos.Em 2008, foram gastos U$ 7,1bilhões, ante US$ 6,6 bilhõesdos EUA, em segundo.

O Serviço de InformaçõesTóxico-Farmacológicas doMinistério da Saúde regis-trou, em 2007, 112,4 mil casosde intoxicação. Estima-seque haja subnotificação.

O Ministério da Saúde nãotem estudos nem políticapreventiva de suicídio na zo-na rural —há divergência en-tre os pesquisadores sobre acorrelação direta entre de-pressão e agrotóxicos.

“Os estudos feitos nessas

populações não são determi-nantes e ainda não consegui-ram comprovar a relação”,diz Ângelo Zanaga Trapé,médico toxicologista e pro-fessor da Unicamp.

SEM CAUSA-EFEITOA Andef ressalta que o cri-

vo científico com que sãoavaliados todos os defensi-vos agrícolas registrados noBrasil é um dos mais restriti-vos do mundo, demonstran-do extrema preocupaçãocom a segurança dos produ-tos utilizados nas lavouras.

A Andef entende que nãohá relação causa-efeito entreagrotóxicos e suicídios com-provada nos estudos citados.

“As colocações feitas pelodr. Ricardo Nogueira,médicopsiquiatra autor da tese dedissertação de mestrado“Promoção da Vida e Preven-ção de Suicídios no RS” sãoválidas, havendo a necessi-dade de estudos adicionaispara se comprovar cientifica-mente essa relação”, diz.

MARCELLE SOUZA é recém-formada emcomunicação social com habilitação emjornalismo pela Universidade Federal deMato Grosso do Sul e ganhadora do 1ºPrêmio Jovem Jornalista Fernando PachecoJordão, promovido pelo Instituto VladimirHerzog.

Máquina colhe algodão; trabalhadores que usam agrotóxicos na lavoura têm doenças, depressão e cometem suicídio no município de Fátima do Sul

“A intoxicaçãopor agrotóxicocausa variaçõesqualitativas equantitativas nassinapses, que agemna alteração dohumor. Pode causartanto sintomasdepressivos comomanias e agitaçãoJUSSINALVA AGUIAR, psiquiatra

c AGRICULTURAENDOLSUFANSERÁ BANIDO APARTIR DE 2013O uso do inseticida endol-sufanseráproibidoapartirde 2013, atendendo a pedi-do da Anvisa. O agrotóxico,mais comum no cultivo decafé, soja e algodão, causa-ria problemas à saúde. Ouso do produto já é proibi-doemmaisde40países.

ANÁLISE AGRICULTURA

Produtividade agrícola pode garantir a segurança alimentarGERALDO BARROSESPECIAL PARA A FOLHA

A alta dos preços dos ali-mentos nos últimos anos foibastante preocupante, poisperto de 1 bilhão de pessoas(algo como pouco mais decinco vezes a população bra-sileira) ainda defrontam-secom fome e subnutrição.

O problema vinha se ate-nuando desde os anos 1970,em grande parte devido aavanços na produtividadecom expressiva redução depreços.

Entretanto, instituiçõesimportantes como o BancoMundial detectaram desace-leração na produtividade da

terra (“yield”) nos anos2000, o que poderia, ao ladoda forte expansão da deman-da, explicar a elevação depreços e levar a novas crisesquando a economia mundialvoltar a crescer.

Keith O. Fuglie, do Depar-tamento de Agricultura dosEstados Unidos (Usda), ava-liou a tendência da produti-vidade da agropecuária emescala mundial.

Em vez de focar na produ-tividade da terra ou do traba-lho, ele mediu a Produtivida-de Total dos Fatores (PTF),evitando interpretações in-corretas decorrentes do usodemedidas parciais.

Por exemplo, a produtivi-

dade do trabalho é influen-ciada por investimentos emmecanização; a da terra, pe-los gastos com fertilizantes ecorretivos.

É possível aumentar a pro-dução de duas maneiras.Uma delas envolve o usomaior dos recursos produti-vos disponíveis, gastando-semais, evidentemente.

A outra se dá por mudançatecnológica, que disponibili-za insumos e máquinas demelhor qualidade, mão deobra mais qualificada e me-lhores práticas administrati-vas, sem necessariamente le-var a maiores gastos.

A PTF compara o cresci-mento da produção ao do

uso de terra, trabalho, capitale insumos. Se a produçãocrescer mais que o empregodesses recursos, a PTF au-menta e reduções de preçossão factíveis.

O estudo mostra que a PTFnos últimos 20 anos (1990 emdiante), cresceu duas vezesmais rapidamente (1,6% aoano) do que nas duas déca-das anteriores (1970 a1990).

Ela responde por 70% docrescimento de pouco maisde 2%ao anoda produção.

O que vem se desaceleran-do são os recursos aplicadosna produção agrícola, cujataxa de crescimento caiu60% entre os dois períodos.

Na América do Norte e na

Europa, desde 1980 houveredução generalizada nos re-cursos aplicados, com leveretraçãona produção.

Profunda queda de recur-sos houve também na antigaUnião Soviética após o des-mantelamento dobloco.

O Brasil apresentou o me-lhor desempenho em termosde PTF, que, desde 1980, vemcrescendo a mais de 3% aoano, o que explica 83% doaumentode produção.

A liderança brasileira, po-rém, não é isolada: a Chinasegue no seu calcanhar, gra-ças a reformas institucionaise amudanças tecnológicas.

O investimento na agricul-tura chinesa vem crescendo

tanto quanto ou mais rapida-mente do que no Brasil.

Na África, o investimento ea PTF vêm crescendo, masnão o bastante para garantirsegurança alimentar.

O crescimento futuro daprodução deverá proceder daAmérica Latina e da Ásia,que ainda investem no setoragrícola e mantêm sistemaseficientes de pesquisa e ex-tensão. Espera-se que hajamaior cooperação entre elase a África.

Da parte dos produtores, alição de casa vem sendo feita.Salvo por problemas climáti-cos, novas crises de commo-dities poderão ser evitadas seos governos não deixaremquea demanda dispare.GERALDO BARROS é professor titular daUSP/Esalq e coordenador científico doCepea/Esalq/USP.