PREFÁCIO

VALDOMIRO PIRES DE OLIVEIRA – Paranaense, de Arapongas, nascido em 10-11-1946, criando num sítio na Água da Maria Caçadeira. Como todas as crianças da época trabalhou desde os 6 anos de idade para ajudar a família. Nas noites de luar, seus familiares se juntavam no terreiro com os vizinhos para cantar músicas e contar causos. Sua imaginação de menino foi despertada pela eloquência poética do sertão e alimentada pelos exemplos do tio Quirino, um afamado contador de histórias e causos e pelo seu pai, um animado orador evangélico que gostava de política.

Sua pré-adolescência foi marcada pela experiência religiosa de conversão a Cristo na Igreja Missionária e chamado para o ministério pastoral. Passou Pelo Instituto e Seminário Bíblico de Londrina, serviço militar em Curitiba, em 1966. Tornou-se membro da Igreja Presbiteriana Independente, a convite do amigo Leonildo Silveira Campos e, em l971, foi encaminhado para o Seminário da denominação pelo Rev. Herculano Sampaio.

Pastoreou várias Igrejas, entre elas, serviu na equipe pastoral da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo. Foi fundador e coordenador do “Grupo Café”, que gravou dois LPs, sendo um o “Café” e o outro “Mutirões” pelas Edições Paulinas. Prestou relevantes serviços como Secretário Executivo da Comissão de Diaconia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.

Ao refletir sobre sua vocação de pastor e profeta de Deus, Valdomiro diz: “Sou poeta e profeta em vias de cotovia...”. (Cotovia é o pássaro que em no folclore denuncia o mal e também anuncia dias melhores). É uma pessoa preocupada com a cultura brasileira e com a devastação ecológica feita em nome do desenvolvimento econômico. Muitos de seus poemas denotam inspiração popular da mais autêntica, outros trazem a marca de sua percepção cristã da imensa e complexa realidade do Brasil de hoje. Mas todos os seus poemas se caracterizam por uma rara intuição poética e religiosa.

Rev. Ricardo W. Irwin

Este livro do Valdomiro vai chamar a atenção de muita gente desejosa de expressar os sentimentos do cotidiano e a esperança de uma vida melhor. Convém prestar a atenção ao que ele mesmo diz: “Olha eu aqui”. Prestar atenção nas imagens... “Olha eu aqui, ouça o meu cantar”. É bom parar um pouco e sentir com ele, o poeta, os desejos de vida... “Cheguei prenhe de esperança, cheguei pra verdejar”. Nós, os leitores, também queremos as coisas boas que ele quer. Nós também desejamos “viva cada fonte” e esperamos “comer coisa pura”.

Jaci Maraschin

Prof. do Programa Ecumênico de Pós-graduação em Ciência da Religião.

Está chegando o dia das mães - Poesia que faz parte do meu livro “Aquarelando - Um novo tempo começa pela poesia”, l986, Edições Liberdade da Igreja Metodista e CEBEP.

ADEUS MAÃ E Mãe Estou indo embora carreador acima, meio sem rumo, meio sem rima... Vou dize adeus pro meu cachorro valente, pra Maria Caçadeira, vou pegar a jardineira e um lugar no canto, vou fechar a janela e esconder meu pranto. Mãe Estou indo embora, me perdoe os desamores e qualquer destrato. Vou levar o essencial: meu canivete “corneta”, um par de pé-de-gato, duas mudas de roupas e o cobertor corta-febre que você remendou. Mãe Vou abraçá-la agora, com muito sentimento, vou pegar os documentos que você me confiou: a fraqueza com que falo, o meu sotaque caipira, a coragem para agir, as mãos cheias de calos e só daí posso partir. Adeus mãe! Adeus...

Valdomiro Pires de Oliveira

AGONIA Eu também sou o máximo da criação? ... Sou meu Deus? Eu que não moro, me abrigo, me escondo mos porões, cubículos e barracões? Eu que luto, brigo, mato e me mato nas lutas que outros são promovidos, recompensados, condecorados? Eu que não almoço, esgano um grude com o caldeirão entre as pernas, ou com a marmita fria na palma da mão. Eu também sou o máximo da criação? ... Sou meu Deus? Eu que não vivo, mas modelo a vida nas engrenagens das fábricas? Eu que não vivo, mas giro a vida nas betoneiras e catracas? Eu que não vivo, mas carrego a vida nos carros de aço? Eu que não vivo, mas escrevo a vida nas páginas dos jornais e revistas? Eu que não vivo, mas semeio a vida nos sulcos da terra? Eu também sou o máximo da criação? ... Sou meu Deus? A criação, em Cristo, nos foi reentregue, mas eu não recebi meu quinhão. O paraíso, em Cristo, nos foi reaberto, mas ainda não pisei o seu chão. A esperança em Cristo se realizou, mas eu ainda sofro com utópicas promessas. Eu também sou o máximo da criação? ... Sou meu Deus?

Valdomiro Pires de Oliveira

AGUIAMOR O amor é mutante no existir e no chegar... Cada vez que ele vem pra gente chega com um jeito que a gente não conta. Ele chega leve como um beija-flor nos tocando com pontas de dedos, sussurrando coisas que não entendemos, mas o coração entende e faz segredo. Ele chega também violento como chegam as ondas do mar... Nos derruba, nos rola na areia, nos agarra, nos afaga, nos afoga e nem permite a gente gritar. Que bom! O amor ainda chega, como água que cruza o deserto... Ele ainda vem e toca as nossas vidas, nos afronta, nos sacode, nos desaponta, e nos encanta...

AO PRIÍNCIPE DA PAZ Abaixe as armas diante do irmão: não despreze, abrace; não empurre, acolha; não marche, dance; não grite, cante e fé no coração. Glória! Glória! Mil glórias mais ao Senhor Jesus, o príncipe da paz. Vamos dar as mãos num gesto de paz: não se zangue, ore; não vingue jamais. não agrida, salve, glorifique assim... O nome de Jesus é tudo para mim.

Letra: Rev. Valdomiro Música: Emmanuel

AO MEU SILEÊ NCIO Se alguém pensar que eu morri, porque me guardei, silenciei, fugi... Engano! Sou uma árvore no inverno suportando o vento, crescendo por dentro, lançando profundas raízes, suprindo antigas carências, curando amargas cicatrizes, deixando as folhas irem de vez sem chorar a minha nudez... Se alguém rir da minha vergonha, virar o rosto e gargalhar talvez, nessa hora sou um tronco surdo. Eu sou a própria solidão Plantada na ruína dos homens... Eu sou o maior absurdo, perdi a medalhinha onde gravara o meu nome e dos meus apetites só restou a fome de mim. Se alguém ainda me quiser cheio de adereços, feito mulher, cheio de flores, feito árvore na primavera, é só esperar que voltarei... Voltarei depois das agruras com um lenço branco na cintura, um novo nome escrito na testa e o endereço na palma da mão. Será uma festa de chita e de bolas, uma ruidosa homenagem ao silêncio que sempre será a melhor escola.

BELEÍ M TOMADA Belém, Belém... Tocam os sinos... Onde vai nascer o menino? Belém recolhe os meninos a cidade vai dormir... As trancas estão nas portas, ninguém mais pode sair. Maria e José vão chegando, praças e ruas já estão desertas. A cidade está tomada, não existe porta aberta. Belém acolhe seus filhos em casas e hospedarias, mas para o santo menino só restou uma estrebaria.

CANTO VERDE Olha eu aqui, ouça o meu cantar. Cheguei prenhe de esperança, cheguei pra verdejar. Quero viva cada fonte, quero comer coisa pura. Vivo o ar que se respira e seu suspiro puro. Quero a Amazônia em pé, quero o peixe boi no rio, Oxigênio pra todas as narinas e suas brincadeiras de menina. Quero verde o pantanal, vivo o bicho-preguiça. Vivo e verde o palmital e seu olhar que atiça. Quero viva a jacutinga, quero o jacaré no lago. Vivo o mono-carvoeiro e mais do seu afago. Quero viva a gralha azul, quero as corujas vivas. O tucano colorindo vivo e mais vivo o nosso amor.

Valdomiro Pires de Oliveira

MARGARIDA Margarida sai de madrugada, deixa a criançada na cama e ordem para a menos criança mandar as crianças pra escola... Diz um palavrão para o frio, puxa a porta e vai embora.. O ônibus de Margarida é mesmo de amargar!... Demora toda vida e quando chega já não tem lugar pra sentar. Ela segue dependurada, qual pingente de cortina, aí xinga todo mundo pra não sair da rotina. Lá vai Margarida com seu carinho de mão, e a bendita vassoura limpando a avenida... Um dia varre sujeira subdesenvolvida outro varre xingando o salário e sua vida. Margarida quando varre poucos notam o que ela fez... Mas quando não varre, todos dizem: que sujeita outra vez! Ninguém sabe o seu nome, nem sua história sofrida, sabem apenas seu apelido: Margarida. Margarida chega tarde, em casa, cansada, sem carinho p’ras crianças. Vai fazer uma janta e sua marmita numa canseira danada... Põe o despertador na bacia pra fazer mais barulho e cai na cama desmaiada.

COTOVIA Cotovia! Cotovia!... Voz que quebra pedras, voz que rompe ferro, voz que não tem segredo, voz que não se inclina, voz que não tem medo... Cotovia! Cotovia!... Voz que não tem status, voz que não se domina, voz que não se omite, voz que ninguém silencia, voz que não tem dia. Cotovia! Cotovia!... Profeta forte e certo, voz do tempo incerto que ninguém quer ouvir, atirando pedras até matar ou até fazê-la se retirar... Cotovia! Cotovia!... Quando cotovia se vai ela vai pensando em voltar... Cotovias sempre existirão, para a injustiça denunciar, por isso é bom, cotovias, esperar.

DOÍ I VIVER Dói o grito frio do almoço e a mesa do almoço calada. Dói a flor que morre no vaso e o olhar perdido no ocaso. Dói a TV separando a família e a pilha de pratos na pia. Dói a internet dopando os filhos e o lar saindo dos trilhos. Dói a palavra que só faz magoar e a vontade de se mandar. Dói a porta, aberta na cara, nessa hora tão incerta. Dói a lágrima enxugada no braço e o quarto, único espaço. Dói a solidão dentro de casa e a alegria que vaza sem si sorrir. Dói, sim tudo dói!... Dói a saudade de quem partiu, dói partir e deixar saudade, dói esperar o que nunca chegou, dói ser esperado sem saber onde, dói a vida inútil: sem luta, sem perde, sem ganha, sem graça, sem dor... Dói sofrer, dói a vida sem sofrer. Dói viver!

E AGORA? A festa se foi... Já não é mais natal. Só resta o carnê para pagar, só resta você para lutar. A festa se foi... Já não é mais ano novo. Só restam as panelas vazias e a esperança de novos dias. As festas se foram... As carnes foram comidas, mas é nosso o osso da vida, o bagaço da fruta e a boca do poço. E nosso o dorso vergado, o combustível subido, o pão remarcado, o emprego ameaçado, a família com fome e o bolso furado.

GRAÇA Cada mulher que espera, espera feito Maria... Cada criança que nasce, chega feito Jesus. Cada mina que jorra, fala da vida que corre... Cada vitória da vida, fala da morte que morre. Cada semente que brota, é vida que não se esgota. Cada olhar de esperança, fala da fé que não cansa. C Ada braço que trabalha e qualquer ação bonita. Vem da Graça que não falha e traz alegria que fica...

Especialmente aos meus amigos petistas uma poesia que não pega no pé da Presidenta Dilma, mas acho esquisito esse tratamento Presidenta. Desculpem, desculpem....

HOMEM FLOR Eu procuro uma mulher flexível, dobrável, leve, que eu possa pegar no colo. Que se derreta como a neve quando lhe toca o sol. Que me tire do solo e o seu menor carinho me fisgue como anzol. Que essa mulher seja forte e delicada, sem fazer o meu papel. Seja voraz-felina, mas sempre mulher e cada vez mais feminina. Seja livre, bailarina para ser sempre fiel. Que essa mulher seja aquela lua que ilumina cada noite... Seja a estrela que realça todo o céu. Ah! Que eu sem perceber prefira a noite ao dia, se com ela a felicidade fizer da noite moradia. Que essa mulher saiba cultivar avencas, cravos, rosas, lírios e outras flores mais. saiba também onde estão os aís de um poeta inveterado... .................................................... Quem sabe essa mulher se dará bem com esta flor, um homem apaixonado.

Valdomiro Pires de Oliveira Do livro “Paixões de um pastor”

MAÃ E NOÍ S SOMOS ASSIM Mãe, nós somos crianças e por isso somos assim... Nós gritamos e corremos na hora errada, mas não é por mal não... É que a nossa hora não é a mesma sua! Quando queremos correr, brincar, acontece de você estar triste, atarefada... Nós não temos culpa dos seus problemas, apenas queremos brincar naquela hora. Você entende?! Por isso saímos como um bando de passarinhos voando, cantando enchendo a casa de alegria. Aí você fica mais brava ainda e pega na cinta, quando não nos pega de cinta, estragando toda festa... Aí as nossas carinhas que estavam vestidas de alegria se vestirão de tristeza e os nossos olhos vivos e brilhantes serão nublados pelas lágrimas e o vermelho da dor. Mãe, nós somos crianças e por isso somos assim. Mãe, sabemos que somos exigentes demais. Quando queremos um brinquedo, um sorvete ou um doce,batemos o pé e insistimos até!... Mas também, você não explica nada, apenas diz não. Se você nos explicar o que é inflação, que o pai está trabalhando até mais tarde pra poder comprar as caixinhas de leite, o arroz, o feijão, a carne e as latas de azeite... Nós garantimos mãe, que vamos entender. Eu pego uma camiseta velha, uma meia furada e faço uma bola pra brincar na calçada. Depois, com uma lata de óleo vazia faço um caminhão, para brincar com o João. E a Carol, com uns retalhos, pode fazer uma boneca de pano, pra gente brincar de casinha, lá no salão. Mas você quase não fala conosco, e quando fala já é de chinelo na mão!... Sabe mãe, precisamos conversar mais.

Você precisa nos contar melhor o que está acontecendo em casa. Você pensa que não, mas nós percebemos tudo. Muitas vezes não conseguimos explicar, mas sabemos quando as coisas não vão bem... Quando está faltando dinheiro em casa... Quando você está triste com o papai, ou o papai magoado com você... Nós sabemos de coisas!... Mãe, nós somos crianças, mas temos uma cabecinha!!!... Mas o melhor que sabemos, mãe... É que você nos ama. Feliz dia das mães!

Valdomiro Pires de Oliveira

MARGARIDA Margarida sais de madrugada, deixando as crianças na cama e ordem para a filha mais velha mandar a turma para escola... Diz um palavrão para o frio, puxa a porta e vai embora. O ônibus de margarida é mesmo de amargar! Demora toda a vida e quando passa não tem onde sentar. Ela acaba dependurada como pingente de cortina, daí ela xinga o “troca-dor” só pra quebrar a rotina. Lá vai margarida com seu carrinho e a bendita vassoura vai limpando a avenida. Um dia varre sorrindo, sujeira subdesenvolvida, outro varre xingando o salário e a própria vida. Margarida quando passa poucos notam o que ela fez, mas quando não passa dizem do que ela não fez. Margarida já sabe como é: ninguém sabe o seu nome, nem da sua história curtida, sabem apenas que ela é margarida. Margarida sempre chega tarde em casa, sem carinho para as crianças, sem fome de tanto cansada... nem faz a marmita do outro dia, toma seu banho apressada, põe o despertador na bacia, que é pra fazer mais barulho e cai na cama desmaiada.

MARIA CAÇADEIRA Caça, caça ... Maria Caçadeira! Caça o pato, O bicho do mato ... O pato é seu E você e do gato. Caça, caça ... Maria Caçadeira ! Você deixou a mata em pé, Salvou o gato do cão, Livrou o pato do gato, Vocês são irmãos. Caça, caça ... Maria Caçadeira ! Só não passe a foice no mato, Só não mate a pata no ninho, Não mate a onça esperando, Nem mate a ave cantando! ... Caça, caça ... Maria Caçadeira! Sua foice e seu bodoque Vão deixar a mata inteira ... Quem deixa tudo em nada È o homem maldito Da fita serradeira: Serra as árvores, Mata as aves E toma a terra! Maria Caçadeira! Agora é só Maria! Se quiserem, Maria choradeira. Esta letra foi musicada pelo meu amigo Ismar do Amaral. E foi escrita em homenagem à mulher que deu nome ao lugar onde fui criado: “Água da Maria Caçadeira”. Ângulo – Pr.

MENINO DE RUA Vai menino pisando em falso, menino rasgado, menino descalço, menino capeta, menino sem letra. Vai menino catando papel, vivendo sem grana, pedindo pastel, ganhando “banana”, domingo na rua, sonhando com a lua. Vai menino chutado igual bola, fugindo da escola, puxando cordão, quebrando vidraça, cheirando sua cola, fazendo fumaça... Vai menino teu hoje é um risco, teu futuro é escuro, teus pais nunca mais, teu país te esqueceu, nem ouve os teus ais. Vai menino em comício explorado, te espera o juizado, teu fim um “esquadrão”, pra matar teu irmão ou morrer em sua mão.

METANOÍ IA Conversão é a pessoa saindo do muro para sair na “Banda” saindo da sua para aceitar a Cristo e assumir a rua. E assim vamos reachando o norte refazendo amigos aceitando o novo se fazendo forte se juntando ao povo. E assim vamos restaurando os rios recriando a fauna replantando a flora retomando as asas e revivendo o agora.

PLANTADOR Dentro de cada pessoa dorme um lavrador. Um coração feito pó pulsando água de chuva: Que vive a fé de quem semeia em meio a dúvida, a esperança de quem ajuda cada semente germinar, a desilusão de quem vê morrer, pelo malvado contratempo, a esperada colheita... Dentro de cada lavrador dorme a teimosia de quem começa tudo novamente, ao raiar do outro dia... Dentro de cada retirante fracassado vai dormir um trabalhador adoecido... Que não conta mais causos, não barganha com o vizinho, E da sua viola só sai canção de dor. O descaso dos governos, a lavoura mecanizada, tiraram do lavrador, o seu melhor, a enxada da mão. Hoje nas grandes cidades O retirante reprime sua tristeza nos trens, metrôs e ônibus lotados... Mói suas mágoas nas catracas de aço, se engana ao receber o salário no fim do mês, mas fica cada dia mais amargurado... Não vê mais a semente germinar, crescer, florir... Não consegue mais sorrir vendo na roça as bonecas nos braços do milharal, como se fossem filhas do coração... Não vê mais do arrozal os cachos dourados, bailando ao vento, numa linda canção... Dentro de cada pessoa dorme um lavrador!

PRA VOCEÊ Pra você que é um pluma que a gente quer pegar... Pra você que é um lago onde a gente quer mergulhar... Seu olhar é tão leve que às nuvens vão tocar, sua voz e tão doce que as aves querem ouvir, suas palavras tão mansas que a gente quer seguir, seu coração tem tudo que a gente quer sentir... Cuidado com esse tesouro que o seu peito guardou, o temperamento é um ladrão que o zorro não alvejou, a rotina é um ave daninha que a cidade grande criou, a correria pela vida a ciência não controlou. Por isso fique esperta, cada dia se mira no espelho para não perder o seu rosto, grave o seu nome numa rocha para não esquecer jamais, passe sempre na balança para não passar do peso... Mantenha o olhar aceso, voltado para o horizonte, e para Deus a fonte de tudo.

QUERIA Eu queria ter uma venda nos olhos, uma tramela na boca e não ver além da viseira, Nem gritar a falta de eira. Queria ter um lacre no ouvido e um coração de aço para não sentir, não ouvir gemer o oprimido nem sentir o seu cansaço. Queria ter uma cabeça oca e até dormir de toca, para não entender os golpes sutis e assim viver mais feliz. Queria, mas só queria... Do Senhor ninguém escapa como a ave da gaiola Ele muda a nossa vida para que mudemos essa hora. Queria, mas só queria... O Senhor afina os sentidos e a gente afina a viola. O Senhor luta por nós ajudando a mudar a história.

RECOLOCANDO A VOZ PRIMEIRA EM PRIMEIRO LUGAR Meu Deus a nossa hora exige o tempo de Davi: águas bem tranqüilas e pastagens verdejantes, O pão nosso de cada dia sem filas agonizantes. Meu Deus justo agora a justiça foi embora... Neste vale, vale tudo E a gene sem esperança, Espera nas loterias e sorteios a promessa que não veio. Meu Deus, nessa hora ficou fraca a nossa voz e a voz do “bom pastor” para evitar que na agonia sirvamos qualquer senhor e sigamos qualquer messias Meu Deus, aqui e agora ouviremos a voz primeira do Senhor dos evangelhos com a palavra verdadeira que renova os caminhos e cala a voz traiçoeira.

Esta letra foi musicada e gravada pelo cantor João Lucas.

REJUVENESCER Rejuvenescer... é sair com as crianças e seguir os seus projetos... É fazer de um fundo de quintal um espaço lúdico, encantado... É soltar um pipa no ar e sentir-se solto voando... É pegar uma boneca de pano, sentar e acariciar os sonhos... É fazer um tento com o gol vazio e sentir o mundo aos pés. É sair dos conflitos e guerras para fazer o céu na terra. Rejuvenescer ... É saber que a vida é namorada: Hora alegre e companheira, hora triste e indiferente; Hora delicada e carinhosa, hora áspera e irritada; Hora sensível e adocicada, hora amarga e apimentada; Hora autêntica e desarmada hora matreira e engatilhada; Hora solta, livre, sem nó, hora fria, dura, sem dó, mas sempre namorada!... Rejuvenescer... É achar na vida razão para viver... É fazer de cada criança um filho, de cada jovem um irmão, de cada idoso um querido... É fazer o mundo o seu lar, colorido pelo encanto das flores, beija-flores e sabiás cantadores. É perder o medo e acordar o riso, tirar a poeira do violão, do pandeiro, espantar a dor e dar lugar ao guizo... É beber essa vida de gole em gole... Chamar o Senhor nas horas de alegria e, na tristeza, deixar que Ele nos console.

SALMO 23 PARA HOJE (1981) O Senhor é o meu Pastor ainda com a dispensa vazia e com a previdência doentia... E a noite dizendo na janela Que está longe o novo dia. O Senhor é o meu Pastor ainda quando as pastagens viram uma queimada só e as águas de descanso uma impureza que faz dó. O Senhor é o meu Pastor ainda quando no vale das usinas nucleares um estribilho anuncia dias intranqüilos. O Senhor é o meu Pastor ainda quando o cajado não é mais consolação e os homens optaram pela força do canhão. O Senhor é o meu pastor ainda quando a injustiça corre palácios e corredores e contra o evangelho perseguem profetas, artistas e pastores. O Senhor é o meu Pastor ainda quando a mesa farta e o cálice cheio-sorridente são das multinacionais e não para a nossa gente. O Senhor é o meu Pastor e as suas misericórdias me seguirão todos os dias da minha vida pelos vales e outeiros do sertão e pela vias e vielas das cidades.

SAUDADE DA PAÍTRIA (Salmo 137) À roda dos cafezais nas praças e quintais, à roda dos currais nas capelas e catedrais nos sentados a chorar... Choramos a pensar que o tambor, a flauta-pan e a viola, que o berimbau, o pandeiro e o violão são instrumentos da cultura brasileira, mas que na hora do cântico ao Senhor, ficam no salgueiro, ficam de fora... E o nosso louvor não e a nossa canção: não é um samba, uma bossa nova, um chorinho nem um baião. Elevamos sim... Elevamos ao Senhor o cântico impingido pelos opressores com os seus ritmos, e a sua instrumentação... Não temos uma identidade nem na hora da devoção. Não somos independentes nem na hora mais pungente. Até quando?... Até quando vamos entoar ao Senhor um cântico estranho na terra brasileira? Até quando seremos povo papel-carbono? Até quando seremos uma Igreja xerocada? Quando vamos acordar desse sono, cair do berço e seguir novos versos? Se nos esquecermos de ti, Chão preto, chão roxo, chão misto, chão do coração, que de uma feita nos resseque a mão direita. Se não preferirmos a canção brotada desse chão-menino, brasileiro, latino... Que a nossa língua apegue-se ao paladar e que não possamos mais cantar.