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REFERÊNCIAS CULTURAIS E PATRIMÔNIO CULTURAL: precedentes, práticas e perspectivas para a diversidade

Fernanda Rocha de Oliveira1 João Amaral2

RESUMO

A atual Constituição Federal define patrimônio cultural como bens materiais e imateriais referenciais para os diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. A partir da atuação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), refletimos sobre a apropriação da noção de Referência Cultural na preservação dos bens materiais, sobre os quais se consagraram critérios estético-estilísticos eurocêntricos. Por fim, apontamos as ideias de Alöis Riegl como promissoras para uma reflexão sobre a construção de patrimônios culturais representativos da diversidade cultural do país.

Palavras-Chave: referência cultural, diversidade cultural, patrimônio cultural.

AbSTRACT

The current Federal Constitution defines cultural heritage as tangible and intangible bearers of cultural references to the various groups of Brazilian society. From the IPHAN performance (Historic and Artistic Heritage Institute), we reflect on the appropriation of Cultural Reference notion in the preservation of material heritage, on which are consecrated aesthetic and stylistic eurocentric criteria. Finally we point out the Alöis Riegl ideas as promising for a reflection on the construction of representative cultural heritage of the country’s cultural diversity.

Keywords: cultural reference, cultural diversity, cultural heritage.

1 Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade Federal da Paraíba (2011), bolsista do Mestrado Profissional em Preser-vação do Patrimônio Cultural - PEP/MP, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. E-mail: [email protected]; [email protected] Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

A cronologia da constituição do campo do patrimônio denuncia seu caráter eminentemente material e sempre envolto por uma atmosfera de poder. Desde a antiguidade, os monumentos eram construtos propositais para garantir que fatos e pessoas ficassem registrados na memória coletiva. Mas foi após a Revolução Francesa que o Estado organizou, pela primeira vez, um aparelho administrativo para proceder ao recolhimento e inventário dos monumentos e da produção artística herdados do clero e nobreza (SANT’ANNA, 1995, p. 2).

No âmbito nacional, o modelo francês de proteção ao patrimônio com ênfase ao monumento foi bastante referencial. A institucionalização da prática da preservação no Brasil teve como cenário a década de 30 do século passado, que foi palco de uma ampla reforma do Estado brasileiro e cujo ápice foi a instauração do regime autoritário, em 1937. Neste contexto, o Ministério da Educação e Saúde (MES), sob o comando de Gustavo Capanema, de 1934 a 1945, tem lugar de destaque. Entre as diversas instituições culturais criadas, estava o Serviço de Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) - hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) -, responsável por forjar uma unidade à nação através da construção de uma identidade brasileira, representada por seu patrimônio edificado.

Considerando-se, por outro lado, os estudos de Chuva (2009), Rubino (1996) e Motta (2000), pode-se dizer que a atuação inicial do SPHAN foi o período mais significativo na construção e disseminação de uma imagem e de uma significação sobre o patrimônio histórico e artístico nacional. Também que, em sua gestão, não houve alteração nos critérios e na tipologia de bens tombados por longos anos. Segundo a síntese proposta por Falcão (1984 apud Chagas, 2009), ao analisar os bens tombados em nível federal nas primeiras décadas de atuação do órgão,

indica tratar-se de: a) monumento vinculado à experiência vitoriosa branca; b) monumento vinculado à experiência vitoriosa da religião católica; c) monumento vinculado à experiência vitoriosa do Estado (palácios, fortes, fóruns, etc) e na sociedade (sedes de grandes fazendas, sobrados urbanos etc) da elite política e econômica do país. (FALCÃO, 1984, p. 28 apud Chagas, 2009, p. 106).

Em decorrência desta prática, Motta (2000) aponta que o patrimônio construído pelo IPHAN ao longo de suas primeiras décadas de atuação formou um quadro social da memória em relação à noção de patrimônio cultural, fixando a imagem do que foi preservado. Esse quadro consolidou uma referência, com seus padrões estético-estilísticos eruditos e de excepcionalidade, que foi se incorporando à memória social como definição de patrimônio cultural no seu sentido mais amplo, sendo modelo das práticas de seleção e preservação nos anos subsequentes e em instituições análogas.

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Maria Cecília Londres Fonseca (1996), por sua vez, analisando a trajetória do IPHAN desde a saída de Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 1967, até 1990, distingue-a em dois momentos: um ao longo da década de 1970, marcado pela apresentação da atividade preservacionista sobre os patrimônios culturais como compatível com o desenvolvimento do país; e outro pari pasu à chamada “distensão” no regime civil-militar, marcado pela atuação de Aloísio Magalhães e que buscaria nas ideias de participação da comunidade “os recursos para legitimar uma política cultural que se queria democrática” (FONSECA, 1996, p. 154). Ainda segundo a autora, a atuação do órgão era considerada inadequada aos novos tempos pretendidos pela administração federal, em que deviam ser compatibilizadas a gestão patrimonial e o desenvolvimento socioeconômico do país. Por outro lado, também parte da intelectualidade da época via a atuação do órgão como sendo “elitista, pouco representativa da pluralidade cultural brasileira, e alienada em relação aos problemas fundamentais do desenvolvimento nacional” (FONSECA, 1996, p. 155).

É neste contexto que, em 1975, é criado o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), no Ministério da Indústria e Comércio. Segundo Márcia Chuva (2012) o Centro, sob a liderança do designer Aloisio Magalhães, não trabalhava com a noção de patrimônio cultural, mas de bem cultural. O CNRC propunha, segundo Fonseca (1996), uma associação entre cultura e desenvolvimento que se coadunava aos parâmetros fornecidos pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento dos governos militares e trazia consigo a proposta de identificar um “sistema referencial básico a ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural brasileira” (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 23).

O CNRC promoveu levantamentos socioculturais, inventários de padrões de tecelagem manual e de trançado indígena, debates sobre a questão da propriedade intelectual de processos culturais coletivos, a discussão sobre legislação e políticas públicas sobre produtos artesanais e programas de fomento à atividade. Essa movimentação ao longo dos anos produziu a ampliação da concepção sobre os patrimônios e bens culturais e a complexidade da atuação do Estado na sua proteção. É neste contexto de ampliação conceitual e política que, em 1985, o IPHAN tombou a Serra da Barriga, em Alagoas, onde se localizaram os quilombos de Palmares e, em 1986, foi tombado o Terreiro da Casa Branca, na Bahia, um dos mais importantes e antigos do candomblé.

Segundo Cecília Londres Fonseca (2000), a perspectiva das referências culturais veio deslocar o foco dos bens em si e seus atributos estéticos e estilísticos para a dinâmica de atribuição de sentidos e valores, marcando uma nova postura em relação à noção de patrimônio cultural.

Levada às últimas consequências, essa perspectiva afirma a relatividade de qualquer processo de atribuição de valor - seja valor histórico, artístico, nacional, etc. - a bens, e põe em questão os critérios até então adotados para a constituição de ‘patrimônios culturais’, legitimados por disciplinas como a história, a história da arte, a arqueologia, a etnografia, etc. Relativizando o

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critério do saber, chamava-se a atenção para o papel do poder. (FONSECA, 2000, pp. 11).

A autora lembrará ainda que a noção de referência cultural será utilizada, sobretudo, numa perspectiva que enfatiza a diversidade cultural do país, tanto da produção material quanto dos sentidos e valores atribuídos pelos diferentes segmentos formadores da sociedade brasileira. Assim, os emblemáticos tombamentos do terreiro de Casa Branca e da Serra da Barriga, além das ações do CNRC, somadas a uma efetiva articulação dos movimentos sociais ao longo do processo de redemocratização do país, contribuíram para que, na Constituição Federal de 1988, o artigo 215 estabelecesse que: “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. Já no artigo seguinte lemos que:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico.

Diferentemente da concepção de política patrimonial norteada pelo interesse público entendido sob o ponto de vista do Estado – como define o Decreto 25/1937, que institui o Tombamento como forma de proteção e organiza a preservação do patrimônio histórico e artístico no país -, a Constituição de 1988 referencia a perspectiva da política patrimonial a partir dos diversos segmentos componentes da sociedade brasileira. Neste sentido, o processo de Tombamento, inaugurado com o Decreto-Lei, deve submeter-se à definição mais ampla do patrimônio cultural apresentada na atual Carta Magna.

Neste sentido, ao relacionar a patrimonialização de um determinado bem à sua vinculação a um sistema referencial, o constituinte imprimiu à atual Constituição Federal uma concepção de cultura segundo a qual os elementos (materiais ou não) produzidos pelos diversos segmentos da sociedade são indissociáveis dos significados a eles atribuídos por aqueles que os vivenciam. A concepção que se pode extrair do texto constitucional é que as produções culturais ou artísticas apresentam uma relação atávica com outras práticas e aspectos da vida social, com elas compondo (e revelando) a cosmologia, a forma de ver o mundo e se posicionar nele que

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particulariza os diferentes segmentos da população brasileira.

Assim, mais que tratarmos um artefato ou bem cultural segundo suas propriedades formais, seus elementos estilísticos e estéticos ou sua vinculação a episódios da história oficial, há que se considerar os conteúdos simbólicos, valores referenciais e vínculos entre estes elementos e dimensões estruturantes da vida social (como a memória e a identidade) para os grupos sociais que os produzam e vivenciem. Perspectiva que possibilita configurar patrimônios culturais mais representativos da diversidade cultural brasileira.

PERSPECTIVAS DE VALORAÇÃO: DA ESTÉTICA ERUDITA À CULTURA POPULAR

O entendimento do que deve ou não ser protegido enquanto patrimônio cultural está diretamente conectado aos valores considerados nos processos de identificação dos bens ao longo do tempo. Mas, conforme colocado, esses valores vêm mudando com os anos. Da valorização e do fomento das belas-artes, iniciados desde o período monárquico, herdou-se uma concepção dicotômica de cultura: por um lado a “erudita”, própria dos intelectuais e artistas da classe dominante, por outro a “popular”, própria dos trabalhadores urbanos e rurais, muitas vezes também denominada de “folclore” (CHAUI, 2006, p.13). Embora os debates ocorridos no campo do patrimônio tenham caminhado rumo à dissolução conceitual desta dicotomia, alguns ruídos parecem persistir ainda hoje nas ações de patrimonialização.

Na época das primeiras ações do IPHAN, a estética e o estilo eram palavras-chave nas operações de seleção e proteção de bens e objetos considerados de valor. Junto ao critério estético-estilístico, a vinculação a fatos memoráveis da história do país e o discurso totalizante da nação marcaram a consolidação da preservação dos patrimônios históricos e artísticos no Brasil. A estes critérios subjazem discursos e processos sociais de atribuição de valor que dão complexidade adicional ao considerarmos os limites para a construção de patrimônios culturais representativos da diversidade cultural brasileira. Em seu ensaio “Arte como Sistema Cultural” (1997), o antropólogo Clifford Geertz afirma que a abordagem que conhecemos sobre a arte se consolidou a partir do século XVIII, paralelamente à noção peculiar de “belas artes” e uma série de formalismos a priori para a sua execução.

Enrique Dussel (1997), por outro lado, nos apresenta o filósofo alemão Alexander Baumgarten como tendo desenvolvido a estética como “teoria da sensibilidade”, no século XVIII. De matriz platônica, esta ideia se desenvolveria numa concepção segundo a qual tão mais superior seria a arte quanto mais se aproximasse do belo quanto manifestação de uma ideia (eidós) abstrata de beleza.

Desde o século XVIII, especialmente a partir do Iluminismo, foi se construindo a ideia de que a Europa e os europeus constituiriam um nível mais avançado numa escala evolutiva unilinear e

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unidirecional, distinguindo-se a partir desta concepção a população mundial entre superiores e inferiores, mais ou menos racionais, mais ou menos primitivos ou civilizados, tradicionais ou modernos (QUIJANO, 2014). De acordo com esta concepção, tais distinções se manifestariam na cultura material de cada povo. Assim, tanto mais bela seria uma obra quanto mais próxima estivesse do ideal de beleza eurodescendente. Diferentes manifestações deste padrão configurariam as belas artes, distinguindo-se das artes folclóricas, populares ou étnicas.

Segundo Márcia Chuva (2003), Rodrigo Melo Franco de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Lucio Costa identificavam-se profundamente entre si pela crença na universalidade e origem comum da arte, “sendo este um ponto crucial na concepção de nação que se consagrou no Brasil a partir do SPHAN” (CHUVA, 2003, p. 315). Com esta concepção, a “arquitetura tradicional” foi classificada em tipologias segundo as manifestações de arte europeias ocorridas no Brasil. Esta tipificação, em períodos, seguiu uma cronologia de estilos específicos, “que colocava as origens da nação brasileira sincronizadas com a história do mundo ‘civilizado’”. (CHUVA, 2003, pp. 325-326).

De acordo com Paula Porta (2012), as primeiras décadas de atuação do IPHAN moldaram as concepções e ações sobre os patrimônios culturais no país e “estiveram estritamente voltadas à proteção do legado material da colonização portuguesa e do período imperial” (PORTA, 2012, p. 11).

No Brasil, os modernistas, que encabeçaram um dos principais movimentos de base artística a princípios do século XX, foram legitimados como os possuidores da capacidade de eleger os objetos que, por conterem os valores por eles considerados excepcionais e dignos de preservação, mereceriam proteção do Estado. Desde que se instituiu a categoria patrimônio, no sentido como conhecemos, tem-se assistido a uma hegemonia do objeto, do artefato material e dos padrões estéticos eurodescendentes, em torno dos quais se organizou a memória nacional em monumentos, museus e seus acervos. Este processo não só marca o modo como o patrimônio tem sido delimitado conceitualmente, mas também a própria institucionalização e sedimentação da prática da preservação ao longo do país, o que tem excluído a contribuição histórica de segmentos sociais significativos, não representados na tipologia predominante dos patrimônios culturais consagrados.

Os anos finais do século XX, porém, vieram trazer novos rumos a este panorama. Em 1985, a Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (organizada pelo Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios - ICOMOS3 - e que originaria a Declaração do México) pode ser apontada como um dos marcos da ampliação da concepção sobre os patrimônios culturais no mundo. A declaração oriunda do evento afirma que

o patrimônio cultural de um povo compreende as obras de artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade desse povo: a

3 ICOMOS - International Council of Monuments and Sites.

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língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas (ICOMOS, 1985, p. 4).

Vê-se, diante deste pensamento, a transição de uma valorização patrimonial meramente pautada em objetos e fruto da valoração de pequenos grupos de intelectuais, passando a abarcar outras formas de manifestações culturais igualmente merecedoras de proteção, como as chamadas artes populares.

No Brasil, o artigo 216 da atual Constituição Federal, como supracitado, define como patrimônio cultural os bens materiais e imateriais portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Essa perspectiva de apreender a cultura a partir de uma dimensão valorativa e referencial pode ser vista também como uma transição do conceito de patrimônio histórico e artístico para o conceito de patrimônio cultural, de forte cunho antropológico e que enfatiza a diversidade não só da produção material, como também dos sentidos e valores atribuídos pelos diferentes sujeitos a bens e práticas sociais.

A política de preservação dos patrimônios culturais organizou-se no Estado brasileiro baseada em critérios estético-estilísticos eurocêntricos ao longo dos anos. Porém, novas concepções definem os patrimônios tendo por critério as referências culturais dos diferentes segmentos que compõem a sociedade. Então, como apreender estas referências para fins de aplicação de uma política pública sobre os patrimônios culturais?

O INRC

Paralelamente às discussões que culminaram na promulgação do Decreto nº 3.551/2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial como patrimônio cultural brasileiro, o IPHAN empreendeu a elaboração de uma metodologia que fosse adequada à identificação e produção de conhecimento sobre bens culturais, agora segundo a noção de referência cultural e a concepção de patrimônio em vigor com a Constituição Federal de 1988. É nesse panorama que se encaixa o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC).

Segundo o manual para aplicação do INRC, trata-se de um instrumento de identificação configurado a partir de dois objetivos centrais: identificar e documentar bens culturais de qualquer natureza “para atender à demanda pelo reconhecimento de bens representativos da diversidade e pluralidade culturais dos grupos formadores da sociedade” e “apreender os sentidos e significados atribuídos pelos moradores de sítios tombados, tratando-os como intérpretes legítimos da cultura local e como parceiros preferenciais de sua preservação” (IPHAN, 2000, p. 8).

O objeto principal de investigação do INRC são as Referências Culturais, entendidas como

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os sentidos e valores de importância diferenciada, atribuídos pelos diversos sujeitos aos bens culturais que constituem, para eles, marcos de identidade e memória. Para Maria Cecília Londres Fonseca (2000), o INRC “tem por objetivo identificar, documentar e registrar sistematicamente os bens culturais expressivos da diversidade cultural brasileira”, incluindo-se aí Saberes, Celebrações, Linguagens e Espaços (FONSECA, 2000, p. 23). Ou seja, trata-se de um instrumento de aplicação tanto a bens materiais quanto imateriais.

Mas a prática tem deixado perguntas no ar: o INRC tem sido, de fato, uma ferramenta utilizada para apreender as referências culturais também em relação aos patrimônios materiais? As edificações e lugares apontados nos Inventários aplicados têm repercutido em processos de Tombamento?

A prática: o conceito “referência cultural” no âmbito do patrimônio material

Fonseca (2007), tratando da trajetória do IPHAN e da baixa capilaridade das políticas de patrimônio na sociedade brasileira até os dias de hoje, observa que, nas décadas de 1970 e 1980, dois fatores foram considerados essenciais para uma correção de rumos - no sentido de aproximar a sociedade brasileira do patrimônio: “buscar instrumentos para incluir no conjunto dos bens legalmente protegidos testemunhos das culturas indígenas e afro-brasileiras e abrir a prática política para a participação da sociedade” (FONSECA, 2007, p. 168). Socióloga e membro do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do IPHAN, a autora analisou a questão da participação da sociedade na preservação de seu patrimônio por meio do envolvimento dos grupos sociais e verificou que os avanços são tímidos. A participação de cidadãos em conselhos locais de apoio aos órgãos de patrimônio ou em associações civis voltadas para esse fim é ainda bastante restrita e o poder público continua sendo o protagonista das solicitações de preservação, notadamente de Tombamento (FONSECA, 2007).

Segundo dados do Relatório de Atividades do IPHAN (IPHAN, 2015), entre 2008 e 2014 foram realizadas 95 pesquisas mediante aplicação do INRC, tendo sido concluídas, até a publicação do Relatório, 56 delas. Dentre os resultados obtidos dos inventários estão: 1 lançamento de livro sobre Lugares de Culto, 3 projetos culturais relativos a memórias, cantos, saberes e resgates de cultura tradicional, 20 bens Registrados ou em processo de Registro como patrimônio imaterial, 5 bens reconhecidos pelo Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), 2 ações de salvaguarda e apenas 1 pedido de Tombamento (do Terreiro Pai Adão, em Recife - PE).

Estes dados suscitam reflexões importantes, como, por exemplo, a predominância da aplicação do INRC para levantamento e o registro de referências de natureza majoritariamente imaterial. Embora as categorias Lugares e Edificações componham o Inventário, abarcando assim suportes materiais que sejam referenciais para dado grupo social, pode se inferir que têm sido poucos os desdobramentos do INRC no que diz respeito às ações e processos de Tombamento.

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Além de uma possível limitação no uso do INRC para apreensão de referências culturais em relação a bens materiais, tais questões também permitem indagar a respeito da apropriação da noção de referência cultural para o Tombamento de Centros Históricos ou bens materiais individuais: quantos, dos 80 processos de Tombamento solicitados e deferidos entre 2006 e 2014 (IPHAN, 2015, p. 18), consideraram em suas análises, a despeito da metodologia empregada, um levantamento da significação e valores atribuídos a estes bens para a população que os vivencia?

O caso do recente Tombamento ocorrido em Natal (provisoriamente em 2010 e homologado em 2014) é uma evidência de que ainda persiste a linha de atuação técnica e elitista do IPHAN no âmbito do patrimônio material. Os estudos que compõem o dossiê que embasa o pedido de Tombamento versam meramente sobre questões relativas a valorações técnicas, tendo como ferramentas documentos, dados, fotos, mapas e inventários que levantaram somente dados arquitetônicos e históricos das edificações e espaços livres. Se, como diz a Constituição Federal, é da sociedade que devem emanar estes valores, a utilização apenas de instrumentos técnicos para valorar os bens que merecem proteção significa manter procedimentos verticais em detrimento da apreensão dos referenciais culturais da população mais ampla.

Em última instância, a persistência de práticas implica a manutenção de tipologias consagradas, o que obstaculiza os patrimônios culturais de consagrarem referências culturais mais diversas.

A PROPOSTA DE ALOIS RIEGL

Sobre estas questões é oportuna uma reflexão acerca das proposições de Alöis Riegl (1858-1905), que estabeleceu um marco diferencial nos princípios de proteção aos monumentos da Áustria. Seus critérios não se pautavam pela classificação exclusivamente arquitetônica dos monumentos existentes, mas pela discussão dos valores que levaram à sua seleção, “mostrando que o culto ao passado parte de uma exigência cultural e artística do presente” (SANT’ANNA, 1995, p. 30).

Escrevendo o prefácio de uma tradução da obra de Riegl, “O culto moderno dos monumentos” (2006), Françoise Choay destaca a importância de não se repetir a experiência de Bologna, na qual “o postulado conservador e o imperialismo do monumento ainda reinam sob a capa de uma legitimidade social, ela também postulada e arbitrariamente confirmada.” (RIEGL, 2006, p. 14). Defende a autora, diante da recente contestação do dogmatismo do monumento frente às novas políticas de reabilitação e participação de usuários, a relevância do trabalho elaborado por Riegl que, segundo ela, foi o primeiro a “empreender o inventário dos valores não ditos e das significações não explícitas, subjacentes ao conceito de monumento histórico” (Ibid.).

Neste sentido, a supracitada obra de Riegl é ainda hoje atual por considerar, na análise do culto aos monumentos, não apenas o olhar dos intelectuais, treinados para valorar as

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características objetivas do valor de rememoração - como feito até então -, mas também o das massas, contemplando efeitos subjetivos e afetivos do monumento (RIEGL, 2006, p. 59). Na obra, o autor aponta algumas distinções essenciais entre os tipos de monumentos, para que se pondere que, havendo mais de um tipo de motivação ao culto, deverá haver também tratamentos diferenciais para estes, ainda que algumas vezes conflitantes.

Para Riegl (2006), haveria, então, três tipos principais de monumentos: o Monumento Intencional (obras comemorativas que relembram momentos específicos, construídas com essa finalidade); o Monumento Histórico (obras que remetem a momentos específicos, mas cuja escolha é determinada pelas preferências subjetivas, podendo incluir os intencionais) e o Monumento Antigo (que abarca todas as criações humanas e que testemunhem sua passagem no tempo, independente da finalidade original ou significação atribuída a posteriori).

O culto moderno aos monumentos estaria, então, atendendo basicamente a dois tipos principais de valores: os de rememoração (revivendo imagens, sentimentos e/ou informações do passado) e os valores de contemporaneidade (que atendem aos anseios do presente). Como valores de rememoração, por sua vez, o autor assinala: o “valor de antiguidade”, que valoriza as marcas do tempo nos objetos, de modo a suscitar nas pessoas “a representação do ciclo necessário do devir e da morte, da emergência do singular fora do geral e de seu progressivo e inelutável retorno ao geral” (RIEGL, 2006, p. 51); o “valor histórico”, que representa “um estado particular, de alguma forma único, no desenvolvimento de um domínio humano” (Op. Cit. p. 76); e o “valor de rememoração intencional”, que busca guardar sempre presente e vivo na consciência das gerações futuras os monumentos. “Essa terceira classe de valores de rememoração constitui assim a transição para o sentido dos valores atuais” (Op. Cit. p. 85), que seriam os de contemporaneidade. Estes, por sua vez, residem na propriedade que possuam de responder às expectativas dos sentidos (valor de uso) ou do espírito (valor de arte) tanto quanto as criações novas o fazem.

Com esta metodologia ou perspectiva analítica, Alöis Riegl (2006) mostra que é possível aprofundarmo-nos nos estudos que analisam as motivações de preservação de bens materiais, não nos limitando a classificações pautadas em conhecimentos restritos à estética e estilo. Pondera-se, em sua proposição, não apenas diferentes valores de acordo com as intenções objetivas de se preservar, mas também aquelas intenções subjetivas, ampliando o leque de valores contemplados neste cenário.

As ideias de Alöis Riegl, assim, podem dar contornos mais objetivos à noção de referência cultural e nortear sua apreensão em relação aos bens edificados, contribuindo com uma perspectiva teórico-metodológica útil, tanto na aplicação do INRC, quanto para a eventual experimentação de metodologias que tenham por foco as referências culturais e a diversidade de sujeitos e de valores atribuídos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O patrimônio cultural construído pelo IPHAN ao longo de suas primeiras décadas de atuação formou um quadro social da memória, fixando a imagem do que foi preservado. Esse quadro consolidou uma referência, com seus padrões estético-estilísticos eruditos, foi se incorporando à memória social como definição de patrimônio cultural no seu sentido mais amplo, sendo modelo das práticas de seleção e preservação nos anos subsequentes e em instituições análogas (MOTTA, 2000). Não obstante, a trajetória conceitual e prática do IPHAN levou à ampliação não apenas do conceito de patrimônio, mas também dos sujeitos sociais que devem ser partícipes de sua delimitação e gestão. Neste processo, foi-se gerando a noção de Referência Cultural como forma de orientar a política patrimonial, deslocando o foco dos bens em si para a dinâmica de atribuição de valores, o que significa buscar formas de aproximação com o ponto de vista dos detentores dos bens ou práticas culturais patrimonializadas (FONSECA, 2000).

Se a própria concepção de um patrimônio cultural mais amplamente representativo é recente na história institucional e jurídica do país, o trânsito e absorção deste conceito pelos diversos órgãos do Estado e sua apropriação por parte dos diferentes sujeitos que se imbricam na gestão patrimonial ainda é demasiado incipiente. Quanto mais lentamente têm-se metabolizado estas concepções, mais demoradamente têm-se posto em prática políticas públicas devidamente abrangentes e que contemplem a diversidade cultural do país.

Assim, mesmo com o avanço de conceitos que tentam compatibilizar as ações de patrimonialização, ainda parece ser grande a persistência de antigas práticas. Enquanto as ações voltadas ao patrimônio imaterial seguem buscando apreender da população suas demandas, as direcionadas ao patrimônio material permanecem limitadas à valoração de poucos agentes. Neste sentido, é preciso refletir sobre o objetivo e a metodologia adotada nos processos: Para quem, de fato, são referências os objetos patrimonializados? Que valores, para além dos tradicionalmente utilizados pelos técnicos, podem classificar os diversos tipos de bens? Que instrumentos devem ser utilizados para selecionar tais objetos, seguindo os preceitos constitucionais de protagonismo social? Ainda há muito a se evoluir na busca por respostas. Mas o primeiro passo é, talvez, saber responder à primeira pergunta.

Quiçá a experiência acumulada possibilite reflexões promissoras e subsídios, tanto para um melhor entendimento das concepções e instrumentos vigentes, quanto para seu aperfeiçoamento, a fim de que as políticas públicas federais sobre os patrimônios culturais possam, efetivamente, ser mais representativas da sociedade brasileira em sua diversidade de memórias e referências culturais.

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REFERÊNCIAS:

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Revista Observatório da Diversidade CulturalVolume 2 Nº1 (2015)

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