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PRECARIZAÇÃO E DISCRIMINAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO EM UM HOSPITAL ADMINISTRADO POR UMA ORGANIZAÇÃO SOCIAL Pedro Henrique Carinhato e Silva 1 RESUMO Esta pesquisa tem, dentre outros objetivos, estudar as relações de trabalho no interior de uma instituição administrada por uma Organização Social. Uma vez que a precarização dos trabalhadores é a marca registrada desta “inovação” baseada na parceria público-privada, resolvemos investigar como se dá esse processo, além de compreender como a discriminação - enquanto aliada do capital na divisão entre os trabalhadores da instituição - é fomentada pelos próprios trabalhadores a partir da terceirização que os separa de uma forma física e subjetiva. Palavras-chave: Precarização; Discriminação; Organizações Sociais; Terceirização ABSTRACT This research has, between another aims, to study the work’s relationships within an institution manage by a Social Organization. Since the precariousness of workers is the main feature of this “innovation” based on public-private partnership, we investigate how is this process, beyond to understand how the discrimination - as capital’s ally on the division between workers of the institution - is encouraged by the workers from the sourcing, that separate them physical and subjectively. Key-words: Precariousness; Discrimination; Social Organization; Sourcing 1 Estudante de Pós-graduação. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). [email protected]

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PRECARIZAÇÃO E DISCRIMINAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO EM UM

HOSPITAL ADMINISTRADO POR UMA ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Pedro Henrique Carinhato e Silva 1

RESUMO Esta pesquisa tem, dentre outros objetivos, estudar as relações de trabalho no interior de uma instituição administrada por uma Organização Social. Uma vez que a precarização dos trabalhadores é a marca registrada desta “inovação” baseada na parceria público-privada, resolvemos investigar como se dá esse processo, além de compreender como a discriminação - enquanto aliada do capital na divisão entre os trabalhadores da instituição - é fomentada pelos próprios trabalhadores a partir da terceirização que os separa de uma forma física e subjetiva. Palavras-chave: Precarização; Discriminação; Organizações Sociais; Terceirização

ABSTRACT This research has, between another aims, to study the work’s relationships within an institution manage by a Social Organization. Since the precariousness of workers is the main feature of this “innovation” based on public-private partnership, we investigate how is this process, beyond to understand how the discrimination - as capital’s ally on the division between workers of the institution - is encouraged by the workers from the sourcing, that separate them physical and subjectively. Key-words: Precariousness; Discrimination; Social Organization; Sourcing

1 Estudante de Pós-graduação. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). [email protected]

I. INTRODUÇÃO

O Hospital Estadual Bauru (HEB) está inserido em um novo modelo político-

administrativo implantado no Estado de São Paulo2 e em outros Estados da Federação a

partir da promulgação da Lei n° 9.637/98, que criou a figura das Organizações Sociais.

Esta é uma entidade de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo, obtém

autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim ter

direito à dotação orçamentária. Trata-se, afirmam seus proponentes, de um modo de

realizar “parcerias” entre o Estado e a Sociedade Civil, pois “se busca uma maior parceria

com a sociedade, que deverá financiar parte menor, mas significativa dos custos dos

serviços prestados” (MARE, 1995, p. 74). Nesse sentido, a OS, segundo documentos

oficiais, pode ser criada por particulares ou servidores públicos, receber recursos

públicos, porém está apta a captar recursos em outras áreas, inclusive no mercado

financeiro. Ademais, há previsão legal para as OS administrar serviços de saúde,

educação e cultura valendo-se de mecanismos típicos de empresas privadas, como a

terceirização e o estabelecimento de metas.

No caso específico desta OS, o sítio eletrônico da instituição hospitalar3, “o (novo)

modelo de gestão prevê o convênio (contrato de gestão) entre Organização Social de

Saúde (OSS) e o Estado. No HEB, a responsabilidade pelo gerenciamento da instituição e

o cumprimento de metas de produção, atendimento e qualidade, estipuladas pela

Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, ficam a cargo da Faculdade de Medicina da

UNESP e da Famesp (Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar), enquanto

ao governo cabe a manutenção financeira do hospital”.

II. O HEB E A PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

À época da realização da pesquisa de campo no hospital, isto é, ao longo dos

meses de Abril a Outubro do ano de 2010, a instituição continha 1.441 trabalhadores

2 Embora seja um dos poucos hospitais contratualizados no interior paulista, o número cresceu nos últimos três anos, posto que três outros hospitais na região de Bauru também foram terceirizados para a Famesp. Com relação aos outros Estados que contam com a gestão da saúde via OSS, Sano (2003) cita os Estados do Amazonas, Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe, além do Distrito Federal. 3 www.heb.bauru.unesp.br

contratados pelo HEB e 182 trabalhadores subcontratados4 nos chamados “setores de

apoio”. O primeiro grupo era subdividido da seguinte forma: eram 620 na enfermagem

(entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), 253 médicos de inúmeras

especialidades, 72 profissionais assistenciais e 92 técnicos assistenciais (fisioterapeutas,

terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, nutricionistas e psicólogos), 278 oficiais

administrativos (recepção, tipografia, secretarias, etc) e 122 oficiais operacionais

(refeitório, almoxarifado, lavanderia, etc). O segundo grupo era composto por 50

trabalhadores do setor de segurança e portaria, 122 no setor de limpeza interna e externa

e 10 técnicos em manutenção de equipamentos5. Desse conjunto de trabalhadores,

optamos por realizar quatro entrevistas com os seguintes grupos: médicos, enfermeiros,

oficiais administrativos e subcontratados. Além destes, entrevistamos também uma

psicóloga e uma assistente social dos funcionários, os responsáveis pelos setores de RH,

Auditoria e SAU (Serviço de Atendimento ao Usuário) e um membro da Diretoria

Administrativa.

Mediante a realização de entrevistas ao longo dos meses de maio a setembro de

2010, percebemos que as condições de trabalho são consideradas boas pelos

trabalhadores. Notamos que as argumentações apresentadas pelos entrevistados

remetem frequentemente à estrutura física da instituição. De fato, as inúmeras visitas ao

HEB nos permitem afirmar que a estrutura da hotelaria do hospital, isto é, toda a estrutura

exceto as salas de assistência médica, parece bem conservada. Não encontramos sujeira

no chão, os espaços dos setores de recepção são amplos e bem arejados e não vimos

filas demasiadamente extensas no atendimento. Na parte assistencial, embora não

tenhamos capacidade para concluir com exatidão acerca das condições de trabalho, a

impressão que nos é passada pelos trabalhadores de variados setores não nos deixa

alternativa a não ser concordar com suas afirmações. Contudo, entendemos que um

breve comentário neste ponto é necessário. Acreditamos que, dada a histórica

negligência dos governos com a saúde pública no Brasil, a expectativa de trabalhadores e

4 Embora se utilize a idéia de trabalhador terceirizado, adotamos a precaução tomada por Marcelino (2004), que prefere denominar trabalhador subcontratado, “por entender que esse termo é mais preciso. Isso porque as atividades é que são terceirizadas e não o trabalhador” (p. 10). 5 Os dados foram repassados pelo Setor de Recursos Humanos e tem por base o mês de Abril de 2010. A descrição é feita no passado por duas razões: a primeira e mais óbvia, deve-se ao fato de o texto ter sido escrito após a coleta de dados. A segunda é a intensa rotatividade de trabalhadores que ocorre no hospital, circunstância que não nos permite precisar o número de trabalhadores da instituição nos dias atuais.

pacientes é muito baixa em relação às condições do hospital que trabalham ou que são

atendidos. Ao se deparar com um hospital novo e aparentemente organizado,

surpreendem-se positivamente. Nesse sentido, entendemos que a própria condição do

HEB, de atender apenas a quantidade de pacientes que sua capacidade suporta, além da

forma de financiamento que, em um primeiro momento, nos parece mais eficiente que o

pagamento por procedimento, torna-o capaz de oferecer um atendimento razoável, além

de promover melhores condições de trabalho. Nesse sentido, ao contrário do que os

defensores do modelo das OSS sustentam, a virtude não estaria no modelo em si, mas na

própria condição de hospital referência, característica presente na maioria dos hospitais

administrados por OSS.

Aspecto próximo às condições de trabalho é o adoecimento dos trabalhadores.

Nesse contexto, o fato de adoecer está relacionado a causas como excesso de jornada

de trabalho, quantidade inadequada de funcionários, condições precárias para a

realização das atividades que envolvam risco de contágio, dentre outros aspectos. Nesta

questão em particular, alguns entrevistados nos relataram casos de trabalhadores

assistenciais que tiveram problemas de saúde ocasionados por contágio durante a

jornada de trabalho e foram prontamente atendidos pelo hospital. Circunstância recorrente

nas falas dos trabalhadores é o fato de o hospital tratar o trabalhador acidentado, porém

não afastá-lo. Assim, a impressão que nos é transmitida é de que a direção do hospital

está mais preocupada em manter ativo o trabalhador acidentado, de modo que sua

condição não atrapalhe o cotidiano da instituição. O adoecimento dos trabalhadores está

relacionado também com a extensão da jornada de trabalho. No setor da saúde, o tempo

diário de serviço é regulamentado por lei, sendo que no HEB, os médicos trabalham 20

horas por semana, trabalhadores da enfermagem e demais profissionais assistenciais

(fisioterapeutas, psicólogos, etc) 30 horas semanais. Os oficiais administrativos e

trabalhadores subcontratados trabalham 40 horas por semana. Embora a maioria dos

entrevistados não trabalhe em outros hospitais, observamos a existência de uma “disputa”

entre os trabalhadores assistenciais para conseguir uma vaga na escala de plantão ao

final de semana. Isto ocorre, afirma a maioria deles, por conta dos baixos salários pagos

pela instituição.

A imposição do cumprimento de metas, embora façam parte do cotidiano dos

trabalhadores assistenciais, parece não pressioná-los ou afligi-los6. A impressão que nos

foi passada é de que a cobrança pelo alcance das metas é restrita aos gerentes de cada

setor, responsáveis pelo andamento dos serviços prestados pelo hospital. O sistema de

metas a cumprir é próprio das empresas privadas e sua idéia foi trazida para os hospitais

gerenciados por Organizações Sociais. Ao lado de outros aspectos, é tido como uma das

principais “inovações” para o aumento da produtividade dos hospitais, em relação à

administração direta. Basicamente, a entidade privada que administra os hospitais acorda

um número de atendimentos e procedimentos por mês com a Secretaria da Saúde, de

sorte que se tal acordo não for cumprido ao final do período, restringe-se uma parte da

verba seguinte. Até onde pudemos verificar, a maioria dos trabalhadores pouco sabe

sobre o regime de metas, pois as metas não são individuais, e sim setorializadas. Desse

modo, parece-nos um meio de camuflar a cobrança das metas que mesmo existindo, não

são diretamente transmitidas aos trabalhadores. A questão do cumprimento de metas é

controversa. Criado em um contexto distinto – a empresa privada -, a colocação de metas

poderá ocasionar uma inversão perversa entre questões de ordens distintas, como

priorizar a quantidade em relação à qualidade dos procedimentos, precarizando tanto as

condições de trabalho quanto o atendimento ao paciente. Nesse sentido, valer-se de

metas na área assistencial pode ocasionar mais danos que benefícios, como mostram os

exemplos na nota de rodapé7. Em paralelo a essa questão, outra função das metas é seu

papel de mecanismos de exploração crescente e diária dos trabalhadores, posto que cada

vez mais se exige números maiores.

III – TRABALHADORES SUBCONTRATADOS E DISCRIMINAÇÃO

A terceirização é por nós compreendida como uma forma de precarização do

trabalho, a qual tem sua origem em um processo de reestruturação produtiva que buscou

reverter o esgotamento do modelo fordista ao final do século XX. Este processo, afirma

6 O sistema de metas é exclusivo dos setores assistenciais (enfermagem e medicina). 7 De acordo com Lima (2008): ”Um dado propagandeado pelo governo do Estado de São Paulo para justificar o modelo das OSS é o de que todas as metas estabelecidas pelo poder público estão sendo cumpridas, o que de fato ocorre. No entanto, esse desempenho é obtido à custa de uma constante pressão sobre o trabalhador da área de saúde. Sindicalistas afirmam que as OS exigem os números, mas não oferecem as condições compatíveis – como remuneração ou infra-estrutura de trabalho adequadas”.

Druck (1999), “esteve sustentado na crescente adoção da base tecnológica

microeletrônica, nas novas políticas de gestão/organização do trabalho fundadas na

‘cultura da qualidade’ e numa estratégia patronal que visa cooptar e neutralizar todas as

formas de organização e resistência dos trabalhadores” (p. 68).

O modelo político-administrativo das OSS traria em seu bojo, sustentam seus

defensores, mais agilidade na contratação e na demissão de funcionários. Mediante a

“autonomia de gestão” concedida ao diretor do hospital, este seria capaz de suprir as

necessidades cotidianas relativas ao setor de “recursos humanos”. Como aponta Cintra

(2005), diferentemente dos hospitais públicos sob administração direta, que estariam

engessados por um sem número de leis e procedimentos legais obrigatórios, a

administração das OSS garantiria maior destreza nas contratações do corpo de

trabalhadores. Dada as semelhanças com a administração de empresas privadas,

entendemos que a terceirização tem um papel acentuado no processo de contratação de

trabalhadores.

Por mais que se busque dissimular a lógica da diminuição de custos através o

discurso da maior especialização, não é possível sustentar tal situação ao mencionarem

os exemplos da lavanderia e da limpeza. Pois ao contrário da idéia da especialização do

trabalho, o que predomina na lógica da terceirização é a redução de custos, sobretudo

relativos aos direitos trabalhistas8. Vale dizer que, no caso específico das OSS, quando

ocorre a transferência de alguns serviços realizados nos hospitais, não ocorre uma

terceirização, e sim uma quarteirização9, haja vista que a transferência da administração

das instituições já é, por si só, uma terceirização.

Se a terceirização das atividades-meio já é um fato consolidado e difundido tanto

no setor privado quanto no público, a subcontratação de trabalhadores da assistência

médica pelas OSS – também denominado de “serviços complexos” -, não está totalmente

pacificado. Embora não tenhamos dados concretos sobre a terceirização da assistência

8 Ademais, podemos afirmar que a redução de custos predomina sobre a questão da qualidade dos serviços porque existem muitas reclamações e desconfiança sobre os serviços realizados por trabalhadores subcontratados. 9 Lima (2008) nos fornece um exemplo de quarteirização: “Dos 374 médicos que trabalham no hospital Estadual Vila Alpina (administrado pela OSS SECONCI), apenas 50 integram o quadro de funcionários do próprio hospital, segundo investigação de comissão da CPI da Saúde”.

médica, o relatório da CPI da remuneração dos serviços médicos10 apontou que os treze

hospitais sob administração de OSS visitados contavam com algum tipo de

subcontratação de assistência médica.

Um dos aspectos mais evidentes no interior de uma empresa que se vale do

mecanismo da subcontratação de trabalhadores é a discriminação que ocorre entre os

próprios trabalhadores. Se em qualquer tipo de empresa privada acontece a

discriminação dos trabalhadores manuais pelos trabalhadores que executam atividades

consideradas intelectuais ou entre aqueles que ocupam cargos de chefia em relação

àqueles que recebem ordens, nos hospitais existe uma variação destas modalidades: a

discriminação feita pelos trabalhadores assistenciais – médicos, enfermeiros,

fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, psicólogos – nos trabalhadores

administrativos. Além desta, percebemos ao longo das visitas ao HEB falas e atitudes

discriminatórias dos trabalhadores contratados pelo hospital em relação aos

subcontratados. Vale dizer também que a discriminação, independente das justificativas

dadas, acontece também por conta das opções tomadas pela própria diretoria do HEB.

Como afirma Marcelino (2004), “o processo de recomposição do domínio

capitalista passa pela necessidade de minar a união entre os trabalhadores, sua

organização enquanto classe, a identidade que faz cada trabalhador enxergar no outro

um aliado”. Assim, continua a autora, “perdas sucessivas de direitos e divisão entre os

trabalhadores são processos que se alimentam um ao outro” (p. 188). O primeiro sinal de

separação entre os trabalhadores do hospital e aqueles subcontratados é o uniforme

utilizado. Se a cor branca é característica dos médicos (as) e enfermeiros (as), os oficiais

administrativos trabalham com um uniforme cinza escuro próprio da instituição, tendo o

logo da instituição estampado na parte superior da blusa. Isto, sem dúvida, é uma forma

de caracterizar e identificar os trabalhadores do HEB. No caso dos subcontratados, os

trabalhadores da limpeza utilizam uniformes verdes, os porteiros estão vestidos com

uniformes da cor preta e os técnicos da manutenção utilizam uniformes da cor marrom.

Esta “faceta” da discriminação se apresenta em diversos momentos, como é o

caso dos treinamentos e cursos oferecidos pela instituição. Se para os trabalhadores da

10 A Comissão Parlamentar de Inquérito foi proposta e conduzida pelo então Deputado Estadual Raul Marcelo (PSOL) no ano de 2009.

instituição existem “cursos de qualificação” – alguns obrigatórios e outros facultativos -,

aos subcontratados não são oferecidos cursos, mas apenas uma breve explicação da

função que exercerá na instituição. A discriminação institucional também está no fato de

que os trabalhadores subcontratados não podem utilizar o refeitório do hospital. Outro

local que não pode ser freqüentado pelos subcontratados é o espaço de descanso dos

funcionários do hospital, chamado “conforto dos funcionários”. Trata-se de uma sala

ampla com acesso à internet, sofás e revistas para os funcionários descansarem após

seu período de almoço. Assim, tanto o descanso dos trabalhadores subcontratados

quanto o almoço é realizado em um conjunto de salas de alvenaria que fica ao lado do

hospital. Embora próximas ao hospital, são separadas. Logo, a separação física é a

primeira dimensão da discriminação que perpassa o cotidiano da instituição11.

A discriminação que pesa sobre os subcontratados é percebida por eles. Parece-

nos uma consequência da separação imposta pela direção do hospital enquanto forma de

controlá-los. Em geral, isso acontece de ambos os lados; tanto os trabalhadores do

hospital – independente de serem médicos, enfermeiras ou outra ocupação assistencial –

quanto os subcontratados sentem a separação, embora nem sempre compreendam seus

motivos. Apesar de alguns deles se dizerem isentos dessa visão discriminatória, o fato de

não perceberam essa linha divisória material e simbólica os impedem de notar a situação

que os subcontratados se encontram.

IV – CONCLUSÃO

A forma de organizar o processo de trabalho dos subcontratados, de modo a que

não tenham contato com os trabalhadores do HEB, busca separá-los e até colocá-los a

um nível mais baixo, se pensarmos em uma “escala social” no interior da instituição.

Dessa forma, embora algumas falas possam questionar a discriminação, buscam tão

somente se solidarizar com a condição do indivíduo subcontratado, mas não o vêem

como parte de um mesmo contexto de trabalhadores, os quais poderiam se organizar com

11 Vale dizer que, entre os trabalhadores da instituição e subcontratados, as salas reservadas a estes são

conhecidas como “favelinhas”.

o objetivo de alcançar situações de igualdade entre eles. A questão da organização dos

trabalhadores para a realização de reivindicações é verdadeiramente complexa, pois se

de um lado estão os médicos, que não se vêem como trabalhadores, mas como algo

próximo de “prestadores de serviços” – enquanto forma de se verem acima dos demais

trabalhadores do hospital -, de outro lado há os trabalhadores subcontratados que não se

vêem como trabalhadores do hospital, não se sentem integrados ao seu local de trabalho

e logo não sentem que compõem o grupo de trabalhadores da instituição. Embora não

tenham explicitado em suas falas, parece-nos que se vêem como um conjunto de

“subtrabalhadores”.

V – REFERÊNCIAS

CINTRA, Wagner. Gerenciamento de hospitais estaduais paulistas: estudo comparativo

entre a administração direta e as organizações sociais de saúde. 2005.

DRUCK, Maria da G. Terceirização (des) fordizando a fábrica: um estudo do complexo

petroquímico. São Paulo: Ed. Boitempo, 1999.

LIMA, Eduardo S. “Metas são absurdas e não dialogam com o SUS”, diz enfermeira. Sítio

eletrônico do Jornal Brasil de Fato, 25/04/2008.

[http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/nacional/metas-sao-absurdas-e-nao-

dialogam-com-o-sus-denuncia-enfermeira]. Acesso em 02/05/2009.

MARCELINO, Paula R. A lógica da precarização: terceirização do trabalho na Honda do

Brasil. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2004.

MARE. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995.