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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AVALIATIVAS NAS TURMAS DE
ALFABETIZAÇÃO: CONFRONTOS NA RELAÇÃO DA APRENDIZAGEM
COM A TEORIA E A PRÁTICA
Por Elaine Constant (UFRJ)
RESUMO
Este trabalho apresenta uma investigação sobre como os professores apreendem as
propostas de alfabetização e avaliação oriundas das políticas oficiais de âmbito nacional
e seu desdobramento em nível municipal, em especial, na cidade do Rio de Janeiro. Para
analisar essa questão foram importantes os depoimentos orais dos professores, a partir
da implantação dos Ciclos de Formação, momento em que se fez a exigência de novas
maneiras para ensinar. Com esse estudo, pretende-se contribuir para o debate sobre as
rupturas nas práticas pedagógicas e as mudanças na sistemática de avaliação escolar,
pois os professores consideram, ao receber a nova proposta, suas concepções anteriores,
baseando-se em seus conhecimentos específicos e crenças docentes, recusando a
obsolescência e o desperdício de sua experiência, bem como as estratégias de uma
reprofissionalização constante oriundas de uma política educacional.
Palavras-chave: Práticas pedagógicas; avaliação escolar; crenças docentes.
1. Folheando a história de algumas práticas pedagógicas: Onde os professores
“aprenderam” a alfabetizar?
[...] Primeira turma de alfabetização foi há três anos. Quando
cheguei, peguei uma turma de 1º ano do Ciclo. Fiquei meio
apavorada [...]. me surpreendi quando um aluno falou comigo, assim
que eles começaram dominar a escrita, [...] „tia, hoje a saída foi um
pouco mais cedo e eu escrevi um bilhete para minha mãe e deixei na
geladeira escrito: mãe, hoje eu vou sair cedo‟. S. começou a utilizar
mesmo a escrita! Fiquei bastante feliz com isso [...]. Concluí que não
há uma receita para alfabetizar a sua turma [...]. O que desperta mais
a atenção deles, o que eles gostam mais é o que importa, e aí vou
utilizando no dia-a-dia [...] Procurei a coordenadora e disse: não sei
alfabetizar e nem sei por onde começar! Então resolvi partir do
princípio daquilo que sabia e que me dava segurança e comecei com
músicas. Eu pegava a palavra que as crianças gostavam e dali, na
música, começava a desenvolver até chegar na silabação e tomava
leitura todo dia [...]. Acredito que eu uso um pouco do construtivismo,
a partir daquilo que interessa aos alunos. Procuro ver como eles
estão, em que fase [...] e como o conhecimento está se formando
(Professora da rede municipal da cidade do Rio de Janeiro).
Este é um depoimento de uma professora da rede municipal de Educação da
cidade do
Rio de Janeiro em 2003. Neste período, algumas professoras alfabetizadoras
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de uma escola na Zona Oeste foram convidadas para uma entrevista sobre a prática
docente, em virtude de uma pesquisa sobre os Ciclos de Formação. Esse trabalho foi
desenvolvido por alguns coordenadores pedagógicos dessa secretaria de ensino. Ele
objetivava contribuir com uma formação profissional mais adequada às novas propostas
pedagógicas, implementadas nas escolas da rede municipal carioca.
Para a Secretaria Municipal de Educação (2000), o teor do Ciclo de Formação
caracteriza-se como “uma forma diferente de conceber o tempo e a organização
curricular, que se fundamenta nos princípios de respeito às singularidades, aos
diferentes ritmos de aprender de cada aluno, e do direito à comunidade do processo de
desenvolvimento de todos os alunos, sem interrupção, nem retrocessos” (p.4).
De acordo com a professora entrevistada acima, a ação de “escrever um bilhete”
e “dominar a escrita” traduzem o êxito na prática docente. Para ela, não importa a
metodologia utilizada para ensinar, pois o objetivo fundamental é a apropriação da
leitura e da escrita como instrumento de comunicação. Para resolver os impasses com a
alfabetização, a docente opta pelos caminhos já conhecidos na experiência pessoal e
profissional para dar conta dos desafios oriundos de novas exigências no mundo do
trabalho. Também se observa que há diferentes alternativas no “fazer pedagógico”, pois
há certo desconhecimento sobre as transformações conceituais e atuais nas práticas
alfabetizadoras, visto que a professora mostra incerteza no “uso do construtivismo” para
ensinar.
Convém ressaltar que, atualmente, a preocupação com metodologias ou práticas
pedagógicas ainda se mantém entre os professores da rede municipal carioca, pois em
um curso de formação proporcionado em 2010 pela Secretaria de Educação desta
cidade, eles sugeriram, por meio de relatórios, algumas possibilidades de ajuda para o
trabalho com as turmas em processo de alfabetização, como por exemplo, cursos e
palestras; atividades práticas para o processo de apropriação da língua portuguesa; troca
de experiências e avaliação da aprendizagem. Ao que parece os docentes indicam o
desejo de aprimoramento profissional, mas que contemple uma formação mais prática e
menos teórica. Considerando que a metodologia para ensinar a ler e escrever está em
debate, eis que algumas indagações se fazem: Os professores “desaprenderam” a
ensinar? Como estão se constituindo a aprendizagem e a avaliação no contexto escolar?
Este estudo é inspirado em inquietações sobre os motivos pelos quais o
surgimento de novas práticas pedagógicas e avaliativas na alfabetização acontecem no
cotidiano de escolas públicas advindas de reformas no cenário educacional carioca que
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intencionaram inibir reprovações e fatores de exclusão social via novos processos de
alfabetização e de avaliação discente. Pretende-se discutir o surgimento de novas
concepções para a prática dos professores, bem como as formas de avaliação
implementadas a partir do surgimento de inovações pedagógicas.
Portanto, o objetivo deste estudo é investigar como os professores apreendem as
propostas de alfabetização e avaliação oriundas das políticas oficiais de âmbito nacional
e seu desdobramento em nível municipal. Trata-se de uma busca por elementos que
possam contribuir para o desenvolvimento de ações políticas e pedagógicas cotidianas,
comprometidas com a democratização interna das escolas e as práticas pedagógicas e
avaliativas.
Para Tardif (2002), os “saberes docentes” são constituídos em processos
oriundos da experiência profissional e da própria formação profissional. Assim, a
natureza dos conhecimentos profissionais pode ser essencialmente pragmática, sem se
fundamentar nos conhecimentos científicos.
Pode-se aprender que o saber dos professores não compreende o que é de foro
íntimo relacionado somente às representações mentais, mas “um saber sempre ligado a
uma situação de trabalho com outros (alunos, colegas, pais etc.), um saber ancorado
numa tarefa complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala de aula, a
escola), enraizado numa instituição e numa sociedade” (op.cit, p. 15). Ainda de acordo
com Tardif (idem), “as relações dos professores com os saberes nunca são relações
estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que lhes fornecem
princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas” (idem, p. 17). A atividade
profissional docente está, de certo modo, na confluência com acontecimentos que
exigem conhecimentos oriundos da sociedade à sua volta, da própria instituição escolar
e de outras instâncias educacionais.
Neste sentido, as inovações pedagógicas podem desmobilizar os professores,
gerando sentimentos de incapacidades, levando-os a duvidar de suas competências. O
recomeço profissional, melhor dizendo, o “começar tudo de novo”, contribui para o
entendimento de que se é incapaz de lidar com as novas perspectivas na aprendizagem
dos alunos.
O “não-saber” sobre as atuais concepções pedagógicas, apresentadas no ano de
2003, já citado anteriormente neste trabalho, como novas orientações para a formação
docente, parece ser um movimento comum entre os professores. Trago aqui, mais um
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depoimento de outra professora de uma escola da rede municipal do ano de 2003.
Segundo esta profissional:
Eu não tenho um método específico, mas vários. Depende da turma.
Eu trabalho com o fônico dependendo da turma, trabalho palavração
e de repente trabalho com o misto. Faço miscelâneas! Misturo um
pouquinho de cada método, depende da turma. [...] O construtivismo
é maravilhoso, muito bom, eu aprovo, mas depois da criança
alfabetizada, porque ela vai construir textos com apresentação de
gravura ou sem elas. Depois que estão dominando a leitura e a
escrita, eu trabalho plenamente com o texto (MD.).
Nota-se que para a docente, há a necessidade de criar uma proposta eclética de
aprendizagem, baseada nas concepções tradicionais, como tentativa de lidar com a
alfabetização dos alunos. Para a professora, as inovações proposta pelo construtivismo
só poderão ser traduzidas em práticas pedagógicas, após a assimilação do processo de
leitura e escrita. Percebe-se que a docente considera que a perspectiva construtivista não
está relacionada ao processo de aprendizagem da alfabetização, pois não se constituem
de maneira simultânea, pois um é requisito para o outro.
Constata-se que a política oficial parece não ter suscitado uniformemente a
superação das exigências para a docência, pois cada professora mostra situações
diferenciadas para uma proposta. Para a primeira professora, da epígrafe deste texto,
surge uma instabilidade que a faz procurar alternativas para superar seus dilemas no
cotidiano, enquanto para outra a dimensão técnica com a alfabetização acontece
independentemente de novos arranjos. Convém considerar que o uso de métodos de
alfabetização decorre de uma concepção de sociedade, da atividade prática, do processo
de conhecimento e da compreensão da metodologia educativa numa determinada
sociedade. São ações profissionais docentes que organizam as atividades de ensino e
dos alunos para atingir objetivos em relação a um conteúdo específico.
As práticas reveladas nos depoimentos destas professoras, sobre uma sala de
aula e o cotidiano de professores e alunos, apresentam uma tensão constante entre os
conhecimentos anteriores, as propostas oficiais e a prática docente. Desta forma, a
utilização de diferentes métodos pode contribuir para elucidar quais são os motivos de
uma “negociação pedagógica” e esclarecer os sentidos dados por cada professor ao
papel da alfabetização.
É importante perceber que, no espaço escolar, há uma apropriação dos
documentos oficiais ou pessoais de forma diferenciada, revelando uma personalidade
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enredada em histórias pessoais e coletivas de um espaço-tempo de interação entre
sujeitos sociais. Isto nos leva a afirmar que, diante das estratégias do poder instituído, os
professores desenvolvem “táticas desviacionistas” (Certeau, 1994, p. 92) que
possibilitam, para a escritura, uma busca pela rapidez e funcionalidade, visto que, para
ele, uma tática
Opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as „ocasiões‟ e
delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a
propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. Este
não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas numa docilidade
aos azares do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas
por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as
conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder
proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde
ninguém espera. É astúcia. (Idem, p. 100)
Desta forma, as práticas ecléticas apresentadas pelas professoras, mostram as
“geografias de ações” (Certeau, 1994, p. 200), que se originam a partir de um campo de
linguagem e elucidam os percursos e o uso do espaço escolar “produzido pelas
operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em
unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidade contratuais” (Idem, p.
202).
Para Mortatti (2000), o “método misto”, ou eclético, baseado na alternância
entre os métodos analítico-sintético ou sintético-analítico, desponta na década de 1920 e
o uso torna-se predominante em 1970, principalmente, na cidade de São Paulo. Para a
autora, este período histórico, com a associação de métodos, está ligado ao fato de
adaptar a Educação a uma nova ordem política social idealizada pelo ideário liberal de
democratização da cultura e dos aspectos psicológicos para a aprendizagem, tanto da
leitura quanto da escrita. Desenvolvia-se assim, a função socializadora e adaptadora da
alfabetização no âmbito da educação popular. Considerava-se que era preciso criar
práticas pedagógicas mais adequadas à “natural vivacidade do espírito infantil” e
„fornecer à criança um poderoso instrumento de aquisição de idéias e pensamentos‟
(p.124).
Significa também um discurso tendente ao controle e homogeneidade das
pluralidades das práticas alfabetizadoras, visto que há a ênfase nos aspectos
psicológicos em detrimento dos lingüísticos e pedagógicos, favorecendo a
secundarização dos problemas com os métodos de ensino, visto que
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Tanto o sucesso das cartilhas baseadas no método misto quanto a
permanência das que utilizam os métodos sintéticos ou método
analítico parecem ser outros índices da tendência à rotinização dessa
opção eclética, como alternativa aos impasses gerados pela adoção
exclusiva de um método. (Idem, 213)
Ainda de acordo com Mortatti (op.cit), a implementação dos métodos ecléticos
de alfabetização ganhou significativo destaque no cenário educacional no século XX,
porque era preciso garantir formas de ensinar mais rápidas, lógicas e “perfeitas” para
boa parte dos alunos. Sintetizava os anseios do “ensino moderno” que respeitava as leis
científicas do aprendizado da leitura.
Retornando as professoras entrevistadas em 2003, a prática de metodologias
mistas para alfabetizar ainda se mostra como uma realidade pedagógica vivida na rede
municipal do Rio de Janeiro. Mas estas práticas no cenário atual informam outros
motivos diferentes daqueles mostrados entre 1920 e 1970. Para as docentes do século
XXI, há uma tensão na relação da aprendizagem com a teoria e a prática. A opção pelo
eclético, como já dito anteriormente, se justifica devido à sensação de insegurança ao ter
que ensinar utilizando teorias “desconhecidas” pelos professores, como no caso deste
estudo, o construtivismo.
Esta concepção, como teoria pedagógica, privilegia a noção de “construção” do
conhecimento mediante as interações entre o aluno e a aprendizagem. E isso pressupõe
a intervenção do ambiente social de quem estuda. Essa concepção não é inatista, na qual
a apropriação do conhecimento resulta de “estalos” que poderiam surgir do “nada” ou
de um “milagre”. Como teoria, partiu da Psicologia com a perspectiva interacionista.
Para os autores adeptos desta concepção, a aprendizagem humana é definida
como um esforço de construção de novas formas de apropriação do conhecimento,
melhor dizendo, a constituição de novas elaborações cognitivas, a partir da influência
mútua com diferentes contextos sociais em que está inserida. A interação ajuda uma
criança a elaborar um conjunto de classes, conceitos e relações que a possibilita
assimilar os significados.
Convém ressaltar que as perspectivas anteriores eram bem diferenciadas das
concepções interacionistas. Para a teoria inatista, as capacidades básicas do ser humano,
como por exemplo, os comportamentos e a personalidade, são inatos e determinados
biologicamente. Já para a teoria ambientalista, também chamada behaviorista ou
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comportamentalista, considera a experiência como fonte de conhecimento e de
formação de hábitos de comportamento; preocupa-se em explicar os comportamentos
observáveis do aluno, desprezando a análise de outros aspectos da conduta humana tais
como: o raciocínio, o desejo, a imaginação, os sentimentos e a fantasia, entre outros;
defende a necessidade de medir, comparar, testar, experimentar e controlar o
comportamento e desenvolvimento e a aprendizagem.
Significa, por parte dos autores da concepção interacionista, uma busca por uma
teorização sobre o desenvolvimento e a aprendizagem em diferentes contextos sociais.
Neste sentido, não se pode negar a importância dos aspectos históricos, sociais e
culturais no processo de aprendizagem e as transformações no conceito tradicional de
inteligência e do “erro” escolar.
Convém ressaltar que as novas teorizações, em especial, a correlação do
construtivismo com a alfabetização, se defrontavam com a impossibilidade de se ater a
um único referencial teórico para os professores que, pretensamente, abarcasse a
explicação da realidade física e social da escola.
Esta concepção favoreceu mudanças na formação docente e os professores
foram orientados, de acordo com os depoimentos, a incentivar seus alunos a valorizar o
recomeço constante nas atividades escolares. Representava o postulado de que aluno
deveria perder o medo de errar a cada nova aquisição na escola.
De acordo com as professoras, a “flexibilização” sobre a avaliação no processo
educativo favoreceu uma discussão sobre os conteúdos escolares e a aprendizagem,
alicerçada em uma proposta que questionasse o “erro” construtivo no percurso escolar.
Para os docentes, começou-se a enfatizar que a forma como o erro no processo de
aprendizagem era percebido no cotidiano escolar, vitimizava o aluno, que aos poucos
desenvolveria uma visão culposa extremamente grave perante a vida. A criança era
“castigada” duplamente, porque qualifica sua incompetência e por si mesmo, que ao
reiterar o erro vivencia a autopunição.
Constitui uma modificação na forma de “avaliar” os alunos, pois não se
considerava mais “erro” uma forma de “não-saber”, mas “ainda não saber” um
determinado conhecimento escolar. Este postulado ganhou maior adesão com a
transferência das teorias para a educação mediadas pela pesquisa de Emília Ferreiro.
Para a autora, o processo de entendimento das crianças sobre a noção de escrita supõe
conexões com os conceitos da Psicologia e da Lingüística, pois representava uma
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revisão sobre as aprendizagens da língua escrita, em especial, na língua espanhola e no
desenvolvimento cognitivo.
Convém ressaltar que a Psicogênese da Língua Escrita, de Emília Ferreiro é um
livro de pesquisa que documenta fatos observados pela autora de como as crianças
aprendem a escrever. O livro não propõe abandonar o uso da cartilha, não propõe a não-
correção do erro da escrita, como também não propõe o “espontaneismo” na sala de
aula. A prática construtivista não consiste na idéia de contemplar as crianças, enquanto
elas “constroem” seu próprio conhecimento. Entretanto, pode-se afirmar que
O problema é que [...] algumas interpretações equivocadas do
construtivismo têm recusado a apresentação de informações
relevantes ao avanço dos alunos, como se todos os conhecimentos
pertinentes à apropriação da língua escrita pudessem ser construídos
pelos próprios alunos, sem a contribuição e a orientação de um
adulto mais experiente. Mais um problema resultante de
interpretações errôneas do construtivismo tem sido a defesa unilateral
de interesses e hipóteses das crianças, o que acaba limitando a ação
pedagógica ao nível dos conhecimentos prévios dos alunos. Essa
limitação gera fracassos, porque compromete a proposição e a
avaliação de capacidades progressivas e acaba sendo usada, pela
própria ação pedagógica, como justificativa para o que não deu
certo. (Ministério da Educação, 2008, p.10)
Neste sentido, verificam-se ainda inúmeros problemas e rupturas nas práticas
que se consideravam construtivistas. Tornava-se necessário primeiramente um
aprofundamento lingüístico e pedagógico para os professores que demonstravam
interesse em um trabalho psicolingüístico. Mas os depoimentos dos professores
sugerem que a orientação era de que o erro apresentado pelos alunos nas atividades de
leitura e escrita passasse a ser interpretado como processo de construção de
conhecimento e o professor fosse tido como o principal mediador da aprendizagem,
realizando uma “análise clínica” das elaborações escritas discentes:
Estou desanimada com as decisões impostas pela resolução da SME.
Gostaria de ver os alunos progredindo e com chances de futuro, mas
não acredito em aprovações e sistemas de avaliação que, ao invés de
ajudar os alunos, poderão criar um novo mecanismo de
discriminação das classes mais pobres (MD, 02/05/00).
Assim, a avaliação aferida, antes por notas, passou a ser considerada como um
processo contínuo e participativo, voltado à reflexão dos resultados alcançados. Esses
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desdobramentos trouxeram algumas transformações profundas para o contexto escolar,
tais como: nova concepção metodológica para o aprendizado da leitura e da escrita e,
principalmente, os projetos para alfabetização.
Neste sentido, é importante atentar sobre a correlação das práticas das
aprendizagens está plenamente vinculada com a avaliação escolar, assim sendo, parece
que ao “desaprender” a ensinar, avaliar tornou-se uma atividade mais difícil de ser
realizada pelos professores. Eis que uma questão se colocou no cotidiano dos
professores: Era necessário desaprender a ensinar para re- aprender?
Sob certo aspecto, a mudança na sistemática de avaliação significou uma quebra
no cotidiano docente, pois o professor considerou, ao receber a nova proposta, suas
concepções anteriores, baseando-se em suas experiências e crenças docentes, a rejeição
pela nova proposta. Isto foi analisado, no caso deste estudo, pela Secretaria de
Educação, como uma atitude de resistência, que, segundo Macedo (1999), não é
desprovida de sentido:
Toda resistência tem uma historicidade que precisa ser buscada, se
pretendemos efetivamente entender o que se passa, modificar o que
existe. Desqualificar as resistências pode ser o primeiro passo para a
imposição de currículos que não serão cumpridos. As resistências são
manifestações de alternativas. Cada professor tem, construídas a
partir de suas experiências, alternativas e uma proposta estabelecida.
O currículo vivido no interior das escolas está sempre dialogando
com ela. (p. 1)
Já para Chauí (1986), a resistência pode ser entendida como uma possível
negociação da cultura popular, em que, se não contestam o estabelecido (com as várias
instituições governamentais), pelo menos assinalam suas contradições, que reformulam
o próprio espaço social. Isso pressupõe a criação de táticas – algumas brechas que se
abrem no espaço político – que podem organizar a realidade de modo a torná-la
inteligível e de maneira a tornar compreensíveis as ações realizadas, pois é importante
perceber “que as interpretações ambíguas, paradoxais, contraditórias que coexistem no
mesmo sujeito, criando a aparência de incoerência, na verdade, exprimem um processo
de conhecimento, a criação de uma cultura ou de um saber a partir de ambigüidades que
não estão na consciência dessa população, mas na realidade em que vivem” (p. 158).
É importante considerar que a noção de experiência profissional compreende um
conjunto de práticas características de cada professor. Essa noção indica a valorização
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das condutas individuais e suscita a seguinte indagação: Qual a importância da
experiência profissional para os docentes no entendimento das práticas cotidianas no
mundo atual?
Neste início do século XXI, a qualificação profissional dos trabalhadores ganha
uma elevação no cenário mundial motivada pelo “capitalismo informacional” (Castell,
2003). No caso da educação, segundo Paiva (1998) é exigida do professor uma
formação geral com base em novos conhecimentos que deverão ser adquiridos por toda
a vida e que acompanha a constatação de que estão se esvaindo as biografias
profissionais. Ainda de acordo com a autora (op.cit.), para o mundo profissional,
prevêem-se estratégias de reprofissionalização constante, pois sucessivas mudanças
serão vivenciadas com alternância entre o mercado formal, o desemprego, a
precarização - uma formação geral baseada em conhecimentos efetivos, capacidade de
utilizá-los e a flexibilidade para adaptá-los a novas condições da vida contemporânea -
são condições para enfrentar um mundo do trabalho cada vez menos regulado.
Para Paiva (2003), no mundo contemporâneo, há um “desperdício de
experiência” (p. 435), isto é, os conhecimentos prévios são desvalorizados, pois se
considera que é necessário rejeitar determinadas formas de pensar, de agir e de valorar.
A autora aponta que, no cotidiano do trabalho, há necessidade de perceber a
obsolescência de conhecimentos específicos, atualizando-se, mas alerta sobre a
importância do retorno a antigos padrões e atividades tradicionais. Assim, os
profissionais mais adultos acabam sofrendo certa desqualificação, pois, além dos
malefícios da perda da experiência acumulada, são desprezados em função da
disponibilidade de aprender novos conteúdos, novas maneiras de pensar e ver o mundo
de acordo com os interesse da nova era capitalista.
Apoiado no princípio da experiência, François Dubet (1994) atenta que a
socialização não é total, não porque o indivíduo escape ao social, mas porque a sua
experiência se inscreve em registros múltiplos e não congruentes. Para o autor (op.cit), à
dominação mais absoluta não consegue reduzir a experiência dos atores aos papéis
impostos e constitui-se, socialmente, sem dúvida, uma subjetividade própria e é a
matéria essencial de que dispõe uma “sociologia da ação”.
Para Dubet (op.cit), a experiência não se restringe somente ao sentido de
vivenciar os acontecimentos do mundo “real” por meio de emoções, mas ao mesmo
tempo na criação de uma atividade cognitiva em que os atores sociais, reinventam seus
conhecimentos e viabilizam a possibilidade de se sentirem incluídos nas reflexões
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acerca da realidade. É na ação de compartilhar idéias e sentimentos que se sentem
animados em realizar atividades de cooperação que se passa à necessidade de agir, no
fortalecimento de vínculos, assim modo no entendimento da modificação à realidade.
Significa a proposta de novos paradigmas para a compreensão sobre o
conhecimento profissional, pois se apóia na criação do sentido da experiência social
que, respaldada na descoberta da subjetividade dos atores, permite certa consciência que
eles têm do mundo e deles próprios. O autor considera que cada indivíduo pode ser
entendido como um “intelectual”, como um ator capaz de dominar conscientemente,
pelo menos em certa medida, a sua relação com o mundo.
Enfim, por tudo o que foi dito há muito ainda para se investigar, pois há questões
sem resposta. Entre elas: Como pensar em práticas de apropriação do processo de leitura
e escrita mais competente, sem compreender a cultura docente e a identidade
profissional de um docente?
Com esta preocupação, é importante atentar sobre como Antonio Viñao (2000)
chama atenção para as transformações no cotidiano da escola. O autor defende que as
reformas educativas, ao não produzirem os efeitos previstos ou desejados, não
significam movimentos de resistência ou ausência de apoio do professorado, ou ainda
no bom emprego de um ritual burocrático ou formal, mas em sua natureza não-histórica,
que desconsidera a “gramática da escola” (p. 117). Segundo esse autor, não há como
ignorar a existência e o peso de um conjunto de tradições e regularidades institucionais,
isto é, da história cotidiana das instituições educativas, sedimentadas no decurso do
tempo que direciona uma prática pedagógica.
Viñao (op.cit) também alerta para a importância dos modos de fazer e de pensar,
para os comportamentos e mentalidades transmitidos pelas diferentes gerações de
professores e aprendidos por meio da prática docente que se estabelece a partir das
ininterruptas implantações pedagógicas empregadas, desde o poder político e
administrativo. Esse processo vem permitindo organizar a atividade profissional
docente, adaptando-a e transformando-a, em decorrência das exigências que se derivam
dessa “gramática” e das pressões externas.
É nesse sentido que se pode ter outra forma de compreensão, para além da
simples constatação de falta de empenho ou resistência à mudança. Uma proposta
metodológica elaborada a partir de parâmetros que valorizam unicamente um
conhecimento supostamente dotado de validade universal nega as experiências trocadas
entre alunos e docentes.
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