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149 RESUMO POSIÇÕES E DIVISÕES NA CIÊNCIA POLÍTICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA: EXPLICANDO SUA PRODUÇÃO ACADÊMICA Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 149-182, out. 2010 Recebido em 3 de fevereiro de 2010. Aprovado em 3 de junho de 2010. Fernando Baptista Leite O artigo é um estudo preliminar, exploratório, da história da Ciência Política brasileira. Buscamos fornecer subsídios para identificar as razões históricas por trás dos dois princípios de divisão da produção acadêmica da Ciência Política contemporânea: o contínuo teórico-empírico e o contínuo politicismo-societalismo. Em primeiro lugar, apresentamos o esquema teórico utilizado para interpretar a história da Ciência Política brasileira. Aproveitamos tal apresentação para discutir algumas questões teóricas importantes, especialmente de ordem conceitual. Em segundo lugar, apresentamos a hipótese de pesquisa, construída à luz daquele esquema, a fim de fornecer uma direção para a elaboração da explicação histórica. Enfim, com essa hipótese em mãos e utilizando algumas evidências bibliográficas, antecipamos uma interpretação provisória. Essa interpretação baseia-se nos seguintes eixos: o processo de institucionalização e o processo de autonomização do campo da Ciência Política, dividido em dois tipos, a autonomização cultural (de valores, teorias, métodos etc.) e a institucional (que se refere ao processo de institucionalização da disciplina), que envolvem um conflito mais ou menos explícito entre distintas visões de ciência política. PALAVRAS-CHAVE: Ciência Política brasileira; história da Ciência Política; intelectuais; princípios de divisão; visões de ciência política. I. INTRODUÇÃO Este trabalho é parte de uma pesquisa que tem por objetivo fazer uma “radiografia” do campo da Ciência Política brasileira contemporânea, identificando sua estrutura, e elaborar uma explicação desta, identificando fatores responsáveis por gerá-la. Tratando-se de um longo e complexo empreendimento, dividimo-lo em duas etapas: a primeira, de caráter predominantemente descritivo, consiste em identificar e descrever estatisticamente a estrutura da ‘fração superior’ da produção acadêmica 1 da Ciência Política brasileira contemporânea 2 ; a segunda, de caráter predominantemente explicativo, além de expandir o alcance descritivo da primeira, incluindo as principais instituições acadêmicas, propõe uma explicação para a situação identificada. Concluímos, no presente momento, a primeira etapa. Utilizando métodos estatísticos, codificamos e mapeamos a produção acadêmica e, neste processo, identificamos a existência de correspondências e correlações entre periódicos, abordagens teórico-metodológicas e áreas temáticas (entre outros elementos). Os dados assim sugeriram-nos que a produção acadêmica da Ciência Política brasileira segue padrões de proximidade e distanciamento, a partir dos quais inferimos a existência de divisões e oposições entre seus elementos culturais 3 . O gráfico a seguir é um fragmento especialmente ilustrativo desse 1 “Produção acadêmica” é uma forma específica de produção cultural (BOURDIEU, 2004, p. 105), própria dos campos acadêmicos. Há vários meios por meio dos quais tal produção é difundida, em especial, livros, artigos e trabalhos apresentados em congressos. Por limitações operacionais, restringimo-nos, na primeira etapa, aos artigos publicados em periódicos. 2 “Contemporâneo” refere-se ao período que vai do início de 2004 ao fim de 2008. 3 Os resultados completos, acompanhados de seu desenvolvimento, ainda serão publicados. Até que isso ocorra, eles podem ser conferidos em minha dissertação de mestrado (LEITE, 2010). Nesta, assim como no futuro trabalho, mostramos como a produção organiza-se e provamos a hipótese dos contínuos “teórico-empírico” e “politicismo-societalismo”, que mencionaremos a seguir.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 149-182 OUT. 2010

RESUMO

POSIÇÕES E DIVISÕES NA CIÊNCIA POLÍTICABRASILEIRA CONTEMPORÂNEA:

EXPLICANDO SUA PRODUÇÃO ACADÊMICA

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 149-182, out. 2010Recebido em 3 de fevereiro de 2010.Aprovado em 3 de junho de 2010.

Fernando Baptista Leite

O artigo é um estudo preliminar, exploratório, da história da Ciência Política brasileira. Buscamos fornecersubsídios para identificar as razões históricas por trás dos dois princípios de divisão da produção acadêmicada Ciência Política contemporânea: o contínuo teórico-empírico e o contínuo politicismo-societalismo. Emprimeiro lugar, apresentamos o esquema teórico utilizado para interpretar a história da Ciência Políticabrasileira. Aproveitamos tal apresentação para discutir algumas questões teóricas importantes,especialmente de ordem conceitual. Em segundo lugar, apresentamos a hipótese de pesquisa, construída àluz daquele esquema, a fim de fornecer uma direção para a elaboração da explicação histórica. Enfim, comessa hipótese em mãos e utilizando algumas evidências bibliográficas, antecipamos uma interpretaçãoprovisória. Essa interpretação baseia-se nos seguintes eixos: o processo de institucionalização e o processode autonomização do campo da Ciência Política, dividido em dois tipos, a autonomização cultural (devalores, teorias, métodos etc.) e a institucional (que se refere ao processo de institucionalização da disciplina),que envolvem um conflito mais ou menos explícito entre distintas visões de ciência política.

PALAVRAS-CHAVE: Ciência Política brasileira; história da Ciência Política; intelectuais; princípios dedivisão; visões de ciência política.

I. INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte de uma pesquisa que tempor objetivo fazer uma “radiografia” do campo daCiência Política brasileira contemporânea,identificando sua estrutura, e elaborar umaexplicação desta, identificando fatoresresponsáveis por gerá-la. Tratando-se de um longoe complexo empreendimento, dividimo-lo em duasetapas: a primeira, de caráter predominantementedescritivo, consiste em identificar e descreverestatisticamente a estrutura da ‘fração superior’da produção acadêmica1 da Ciência Políticabrasileira contemporânea2; a segunda, de caráterpredominantemente explicativo, além de expandir

o alcance descritivo da primeira, incluindo asprincipais instituições acadêmicas, propõe umaexplicação para a situação identificada.

Concluímos, no presente momento, a primeiraetapa. Utilizando métodos estatísticos,codificamos e mapeamos a produção acadêmicae, neste processo, identificamos a existência decorrespondências e correlações entre periódicos,abordagens teórico-metodológicas e áreastemáticas (entre outros elementos). Os dados assimsugeriram-nos que a produção acadêmica daCiência Política brasileira segue padrões deproximidade e distanciamento, a partir dos quaisinferimos a existência de divisões e oposições entreseus elementos culturais3. O gráfico a seguir éum fragmento especialmente ilustrativo desse

1 “Produção acadêmica” é uma forma específica deprodução cultural (BOURDIEU, 2004, p. 105), própriados campos acadêmicos. Há vários meios por meio dosquais tal produção é difundida, em especial, livros, artigose trabalhos apresentados em congressos. Por limitaçõesoperacionais, restringimo-nos, na primeira etapa, aos artigospublicados em periódicos.2 “Contemporâneo” refere-se ao período que vai do iníciode 2004 ao fim de 2008.

3 Os resultados completos, acompanhados de seudesenvolvimento, ainda serão publicados. Até que issoocorra, eles podem ser conferidos em minha dissertação demestrado (LEITE, 2010). Nesta, assim como no futurotrabalho, mostramos como a produção organiza-se eprovamos a hipótese dos contínuos “teórico-empírico” e“politicismo-societalismo”, que mencionaremos a seguir.

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mapeamento. Nele, confere-se o grau decorrespondência entre periódicos, abordagens e

áreas temáticas, representada por meio dedistâncias em um plano cartesiano.

FONTE: O autor.

NOTAS:

1. Alfa de Cronbach de 0,819 para a primeira dimensão e 0,779 para a segunda; inércia de 0,734 e 0,694, respectivamente.

2. Significado das siglas: a) Periódicos: LN = Lua Nova; OP = Opinião Pública; RSP = Revista de Sociologia e Política; RBCS= Revista Brasileira de Ciências Sociais; b) Áreas temáticas: TP-HI = Teoria política, análise de conceitos e história dasidéias; VAP-P = Valores, atitudes, participação e política; CPD-PE = Comunicação política, democracia e processoseleitorais; ES-PG = Estado, sociedade e políticas de governo; DIP = desempenho das instituições políticas e sua influênciasobre a qualidade da democracia e dos processos de governo; RI = Relações internacionais; c) Abordagens: t. pol. mod.= teoria política moderna; comportam. = comportamentalismo; an. elites = análise/teoria de elites; hist.-instit. = histórico-institucionalismo; neo-instit. ER = neo-institucionalismo de escolha racional.

GRÁFICO 1 – DISTÂNCIAS (CORRESPONDÊNCIA) ENTRE PERIÓDICOS, ABORDAGENS E ÁREASTEMÁTICAS

4 O contínuo “teórico-empírico” é formado pelas seguintesvariáveis: (1) a natureza do objeto estudado (que pode ser

empírico, no caso de o objeto consistir em um “observáveldireto” ou “indireto” (KAPLAN, 1964, p. 54-55) ousimbólico, no caso de consistir em constructos mentais ouidéias); (2) a natureza das evidências apresentadas (quepodem ser bibliográficas (textos ou idéias de outros autores)

Investigando esses padrões, inferimos que asdimensões da produção acadêmica da CiênciaPolítica brasileira sejam (1) o contínuo “teórico-empírico” e (2) o contínuo “politicismo-societalismo”4, sendo estes, pois, entre outros

possíveis, os fatores responsáveis por organizara produção.

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5 Refere-se ao conjunto de campos, em uma determinadasociedade, que se orientam para a produção de benspropriamente simbólicos, sendo regidos por uma lógicanão econômica (em relação à lógica do campo econômico)(BOURDIEU, 1996, p. 168-198; 2004).6 Um sistema de relações, de trocas de bens simbólicos e/ou materiais e de competição entre agentes que determinamposições e valores em jogo e que condicionam a práticadesses agentes. Entendemos o termo como um sinônimo de“campo”.

Tal constatação é precisamente o ponto departida do presente trabalho. Ele consiste em umestudo exploratório da história da Ciência Políticabrasileira. Temos o intuito de fornecer alicercespara uma interpretação que identifique as causase motivos que deram forma à sua produçãoacadêmica contemporânea, isto é, os fatoreshistóricos responsáveis por produzir os contínuos-dimensões que estão efetivamente organizando aprodução contemporânea em Ciência Política.Quais os principais agentes, visões e circunstânciasobjetivas responsáveis pelas dimensões atuais daprodução da Ciência Política brasileira?

Para isso, em primeiro lugar apresentamos oesquema teórico utilizado para interpretar a históriada Ciência Política brasileira; a “lente” utilizadapara decodificar os documentos consultados eatribuir significado a eles. Aproveitamos talapresentação para discutir algumas questõesteóricas importantes, especialmente de ordemconceitual. Em segundo lugar, apresentamos ahipótese de pesquisa, construída à luz daqueleesquema, a fim de fornecer uma direção para aelaboração de uma explicação histórica. Enfim,com essa hipótese em mãos e utilizando algumasevidências bibliográficas, antecipamos umainterpretação provisória. Essa interpretação baseia-se nos seguintes eixos: o processo deautonomização do campo da ciência política,dividido em dois tipos, a autonomização cultural(de valores, teorias, métodos etc.) e a institucional(que se refere ao processo de institucionalizaçãoda disciplina), que envolve um conflito mais oumenos declarado entre distintas visões de ciênciapolítica.

II. REFERENCIAIS TEÓRICOS

II.1. Elementos fundamentais

Jean Leca (1982) fornece-nos um referencialteórico geral para estabelecer quais fatos sãorelevantes e reconstruir os fatores determinantes.Em seu trabalho, Leca aplica um esquema teóricode inspiração bourdiesiana no intuito de descobrira dinâmica social que rege a produção acadêmicada ciência política francesa e que determina sua

situação no “campo de produção cultural”5. Assim,seu artigo estrutura-se sobre três pilares: 1) aaplicação do conceito de “mercado”6 para analisara situação da ciência política francesa; 2) adescrição de elementos de sua história,considerados importantes para esclarecer suasituação no “campo intelectual” francês; 3) umabreve análise de sua situação, feita a partir deconsiderações sobre sua dinâmica interna eexterna.

É essa idéia de “dinâmica interna e externa”que nos é fundamental. Grosso modo, analisar adinâmica interna consiste em analisar o arranjoinstitucional sobre o qual o campo se sustenta, aestrutura de agentes que o povoam e o conteúdodos bens simbólicos (valores; constructos sociais)correntes. Analisar a dinâmica externa, por suavez, consiste em analisar as relações com outroscampos – relações que podem ser de dependência(heteronomia) ou de independência (autonomia).Dá-se atenção àqueles campos que, acredita-se,relacionam-se com o campo em questão (e. g., oda ciência política), potencialmente influenciando-o. O terceiro passo consiste em articular a dinâmicainterna com a externa, no intuito de reproduzirteoricamente os movimentos que ocorrem nointerior dessas divisões sociais. Supõe-se que oque ocorre “dentro” depende do que ocorre “fora”,em função do grau de autonomia (ou heteronomia)do campo em questão.

Assim, Leca defende que uma análise adequadada ciência política francesa precisaria consideraras relações entre esta (seu “mercado” e sua“produção cultural”) e (1) o campo da ciênciapolítica internacional; (2) o “sistema nacional depesquisa” do qual depende (por meio de vínculose constrangimentos institucionais); (3) os “bensculturais gerais”, especialmente o “campointelectual” e (4) o campo político propriamentedito.

ou empíricas (quantitativas e/ou qualitativas)). Rotulamosde teoricista o trabalho que apresentar evidênciasbibliográficas e abordar um objeto simbólico e de empiristaaquele que apresentar evidências empíricas e abordar umobjeto, também, empírico.

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POSIÇÕES E DIVISÕES NA CIÊNCIA POLÍTICA BRASILEIRA

7 Quando usamos o termo “Ciência Política”, em caixaalta, referimo-nos à disciplina institucionalizada com estenome. Quando aplicamos o termo “ciência política”, emcaixa baixa, referimo-nos ao estudo acadêmico do “político”,que pode abarcar várias disciplinas. Assim, o primeirorefere-se ao que existe e ocorre dentro de fronteirasinstitucionais explícitas e o segundo a uma práticageneralizada que possui algo em comum (o estudo do“político”). Utilizamos também as expressões pensamentopolítico e reflexão política para indicar uma práticageneralizada de abordagem erudita do “político”, mas nãoacadêmica. O mesmo vale para qualquer outra disciplina:Sociologia para a disciplina institucionalizada, sociologiapara a prática acadêmica dedicada ao estudo da “sociedade”ou dos fenômenos sociais e pensamento social para aabordagem erudita generalizada e não acadêmica destes.Quando aplicamos aspas em nomes de disciplinas,ressaltamos o sentido de “o que se chama de”. Essasdistinções são importantes, pois, como se verá no própriocaso brasileiro, um campo de ciência política nem semprecorresponde ao campo de Ciência Política, pois este limita-se aos produtos vinculados ao arranjo institucionalacadêmico que leva esse nome.

8 Farr (1988) apresenta fortes indícios da relação entremaior profissionalização acadêmica e menor influênciapolítica na Ciência Política.

O raciocínio por trás da proposta de Leca podeser aplicado ao caso brasileiro. Pensa ele existirum “mercado” de ciência política, que este possuiuma lógica (“economia”) específica, e que esta,por sua vez, está ligada a outros mercados que ainfluenciam, podendo, no limite, depender deles.Acreditamos que esses princípios também seapliquem ao caso da ciência política7 brasileira,variando, obviamente, a configuração de camposcom os quais ela relaciona-se (ou relacionou-se)e, possivelmente, a forma que essas relaçõestomam (ou tomaram) ao decorrer do tempo.Variação esta que se daria historicamente.

Uma tarefa dessa magnitude supera os recursosda primeira etapa. Por isso, utilizamos a propostade Leca para construir hipóteses de alcance maislimitado. Buscamos pensar nos campos com osquais se relacionou a Ciência Política brasileira,em suas circunstâncias específicas, e quecontribuíram de alguma forma para determinar oque ela é hoje. Assim, prestamos atenção (1) àsrelações entre frações estratégicas da CiênciaPolítica, à luz das influências de outras disciplinasacadêmicas, e (2) às influências propriamentepolíticas, manifestadas por aquelas frações em seusposicionamentos intelectuais e acadêmicos.

Ao analisar essas relações e influências,pensamos em termos de relações de autonomia eheteronomia entre a Ciência Política e outroscampos. Ou seja, reconstruímos a história da

Ciência Política brasileira nos termos de umprocesso de autonomização social, que supõe, emparalelo, um processo de institucionalização.

II.1.1. Institucionalização, autonomização eprofissionalização

Uma palavra quanto ao sentido em queempregamos esses termos. Institucionalização éo processo de estabelecimento de regularidadessociais, isto é, procedimentos tácitos ou explícitos(codificados) que orientam a ação dos indivíduos,tais como regras, normas e valores sociais. Emuma linguagem mais técnica, “princípios de visão”e de “divisão” (BOURDIEU, 2003, p. 229-231).As organizações (corpos hierarquizados defuncionários especializados) são formasburocratizadas de instituições. Autonomização é oprocesso de institucionalização, adicionado dascaracterísticas da especificidade e irredutibilidade:instituições que passam progressivamente aobedecer a uma lógica específica. E outraspalavras, que passam, progressivamente, a‘refratar’, ‘reprocessar’ constrangimentos,influências ou estímulos de campos externos.

No que se refere à relação entreinstitucionalização, profissionalização e grau deautonomia: institucionalização e profissionalizaçãosão fenômenos necessários para que o campo daCiência Política seja relativamente autônomo emrelação a outros campos, em especial o campopolítico8, aos outros campos acadêmicos e aocampo intelectual. Também não estabelecemos,em princípio, qualquer relação causal entreinstitucionalização e profissionalização, massupomos (1) que a ciência política não podeprofissionalizar-se sem institucionalizar-se emdeterminado grau e (2) que a profissionalizaçãocontribui para a institucionalização da disciplina.Ambos são necessários para aprofundar oprocesso de autonomização da Ciência Política,ou melhor, para aumentar sua autonomia emrelação a outros campos.

No que se refere à relação teórica entreautonomização e institucionalização, é precisosublinhar: um campo pode institucionalizar-se sem,contudo, tornar-se “autônomo”. Ainstitucionalização de um campo é uma condição

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9 “A hipótese de trabalho não é uma adivinhação a respeitodo enigma, uma conjetura a respeito de qual possa ser suaresposta. É uma idéia, não acerca do resultado dainvestigação, mas acerca dos passos que seja convenientedar em seguida. Por meio da hipótese de trabalho formula-se uma convicção quanto ao curso da investigação,convicção que, entretanto, não diz, necessariamente,respeito a seu fim último. Podemos também fazer certaspresunções – proposições que não correspondemabsolutamente a uma asserção – com referência à soluçãoou à situação problemática em si mesma. Uma presunção éafirmada com o único propósito de testar suas conseqüências(quando combinada a certos supostos e recursos). [...]Freqüentes vezes, os chamados ‘modelos’ consistem, emboa porção, de presunções neste sentido” (KAPLAN,1964, p. 88).10 “Corresponde ao que imaginamos seja a verdade no querespeita à questão em foco e, a partir daí, organizamos ainvestigação de modo a facilitar a decisão a respeito dacorreção da conjetura. [...] Quando a hipótese de pesquisa

necessária para a “autonomia” de um campo, masnão é por si só garantia disso: um campo podeautonomizar-se institucionalmente, mas manter-se culturalmente dependente de campos externos.Ademais, é impreciso dizer que um campo qualqueré “autônomo”: um campo qualquer é, sempre,relativamente autônomo. Isso significa que ocampo que julgamos ser “autônomo” é irredutívelaos valores e ao funcionamento de determinadoscampos externos, bem com resistente às suasinvestidas. Esse cuidado de nomenclatura baseia-se no pressuposto de que um campo é sempreautônomo em relação a um ou mais campos.Assim, um campo x pode ser autônomo em relaçãoao campo y, mas heterônomo em relação ao campoz; idealmente, autônomo em relação a todos oscampos exteriores. Assim, quando dizemos queum campo é autônomo, sem especificar em relaçãoa quê, sugere-se que ele parece “fechado em simesmo”, sendo altamente resistente, tanto por sua“lógica imanente” como pelas resistênciasconscientes de seus agentes, a quaisquer demandasou constrangimentos externos.

II.2.Um esquema da produção acadêmica deCiência Política

Apresentar-se-á, a seguir, um conjunto dehipóteses de trabalho9, a partir das quais norteamosa pesquisa e construímos hipóteses de pesquisa10.

II.2.1. Dimensões principais da produção

A nosso ver, há, pelo menos, duas importantesdimensões responsáveis por dar forma à produção

acadêmica da Ciência Política, sendoimprescindíveis para compreendermos suatrajetória, sua história.

A primeira é a definição do objeto de estudo,isto é, a maneira de se definir “político”. Trata-seda adesão a uma determinada visão do que deveser o objeto legítimo da ciência política. A segundaé a maneira de se abordar o objeto. Trata-se daeleição dos métodos e abordagens consideradoslegítimos.

Da segunda dimensão poderiam derivar nelementos potencialmente relevantes. No que serefere à ciência política, achamos que ela compõe-se especialmente (1) de diferenças relativas aométodo e ao estilo de pensamento e (2) da ordemde fatos mobilizada para explicar ou descrever oobjeto. No que se refere ao primeiro elemento,podemos mencionar diferenças de abordagemcomo a escolha de métodos quantitativos,qualitativos ou ambos, e, dentro deles, de técnicasespecíficas; a predileção por um determinadoreferencial teórico, um determinado autor; por umaabordagem de caráter mais empírico ou maisteórico; por um determinado estilo, como oensaístico, erístico ou formal11, para mencionar

é comprovada, diz-se que ela constitui um fato ou uma lei,conforme seja particular ou geral o seu conteúdo.Alcançamos, literalmente, uma conclusão: a investigação eo processo de deliberação que desembocam no resultadoestão concluídos” (ibidem).11 Definimos o estilo ensaístico como um subtipo do“estilo acadêmico”. Kaplan (idem, p. 259-260) caracterizaeste como um estilo mais abstrato e geral que o estilo literário.É marcado por uma preocupação com a precisão conceitual,apresentando um uso mais técnico das palavras, no qualassumem sentidos especiais e formam um vocabuláriotécnico, gerando expressões padronizadas que formam “ojargão próprio da disciplina”. Os “materiais” com que setrabalha tendem a ser “ideados”, antes de “observacionais”,sendo altamente “teórico”, senão “puramenteespeculativo”, partindo de grandes princípios aplicados acasos específicos que ilustram as generalizações. No estiloerístico (idem, p. 261), o foco de interesse consiste emprovar proposições, e não “demonstrar possibilidadescognitivas em perspectivas amplas” (que é característicado estilo acadêmico). No estilo erístico é grande aimportância de dados experimentais e da estatística. Háatenção especial com as relações de dedução, havendo,eminentemente, “derivações lógicas estabelecidas a partirde proposições previamente colocadas ou explicitamenteadmitidas” (ibidem). Tende-se a distinguir claramente entreenunciados empíricos, substantivos ou puramente lógicos,

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alguns. Considerarmos esse conjunto decaracterísticas na hipótese de pesquisa e na análisehistórica. Por enquanto, vamos ater-nos aosegundo tópico.

Entendemos uma ordem como um conjuntodeterminado de fatos, de uma determinada naturezaem comum (ou assim suposto), que produzemoutros fatos, isto é, são seus fatores determinantes(ou, que conferem a estes fatos atributosreconstruídos pelo analista). Como exemplo,poderíamos pensar nos “reinos” (biológico,psicológico e social) dos quais fala Durkheim(2004).

O fato estudado é, portanto, o objeto, enquantoo fator de explicação ou compreensão (fatoranalítico) é a ordem. Assim, pode-se dizer que aprodução da Ciência Política tem dependido deduas questões fundamentais: 1) o que se estuda e2) como se estuda. ‘O que se estuda’ refere-se aoobjeto, enquanto ‘como se estuda’, à maneiracomo ele é abordado, isto é, à ordem, emespecial12. Esses dois elementos compõem o quechamamos de visão de ciência política13.

II.2.1.1. Relação entre objeto e ordem: a questãoda autonomia do objeto

Algo muito importante para a Ciência Políticasão as relações que se estabelecem entre adefinição do objeto e a escolha da ordem mobilizadapara abordá-lo – o que nos conduz à questão da“autonomia” concedida, pelo analista, a seu objetode estudo.

Em primeiro lugar, é preciso sublinhar quetanto o objeto como a ordem são, concretamente,conjuntos de fatos de uma determinada natureza.A única – e importante – diferença reside em que,enquanto o objeto é abordado (o que se querexplicar ou compreender) a ordem é o que se utilizapara abordar (o que explica ou o que permitecompreender).

Assim, na ocasião de a natureza dos fatosmobilizados para explicar corresponder à naturezadaqueles que se quer explicar, isto é, se o objetoconstitui a própria ordem mobilizada para abordá-lo, então se diz que o objeto é autônomo. Assim, aautonomia – ou, na falta dela, heteronomia – deum objeto refere-se à localização da ordem defatos mobilizada em seu estudo: se tal ordem estáno próprio objeto ou se está fora. Daí sucede: separa um objeto x, a ordem mobilizada provém delepróprio (xx), então tal objeto é autônomo; se vemde fora (xn), seja qual for a origem, é heterônomo.

Ilustremos. Nas ciências mais tradicionais oobjeto é geralmente tratado como autônomo. Naverdade, essa condição parece ser necessária paraa própria legitimação de uma disciplina científica.Assim, por exemplo, Durkheim dedicou grandeparte de sua carreira tentando demonstrar que o“social” é um “reino” autônomo em relação aosdemais, para exatamente justificar a existência deuma ciência especializada dedicada ao seu estudo.Ademais, várias ciências naturais só se formarampor causa da separação teórica dos fenômenosnaturais da vontade divina, subtraindo osfenômenos naturais da competência da religião ejustificando, assim, a existência e a exclusividadeda ciência.

Na ciência política isso toma uma proporçãosingular, porque o objeto nem sempre é tratado,também, como a ordem por meio da qual se faz aanálise. Assim, duas frações de cientistas políticosque estudam o mesmo objeto – a políticainstitucional, por exemplo –, podem analisá-la apartir de ordens diferentes: a partir da própriapolítica institucional, tratando como “variávelindependente”, por exemplo, os arranjosinstitucionais (sendo o objeto, neste caso,autônomo) ou a partir de fatores externos(heterônomo). Neste último caso, poderíamospensar em abordagens que tratam os fatos dapolítica como manifestações de fatoreseconômicos, psicológicos ou “societais” (isto é,externos à política). Aliás, algumas visões de ciência

e as definições são freqüentes e geralmente apresentadas deforma explícita. Já o estilo formal é próprio das análises dematemática pura, apresentando um alto grau de abstração,interessado estritamente nas relações lógicas estabelecidas,em vez do conteúdo empírico das variáveis.12 Reconhecemos que a passagem de ‘maneira de abordaro objeto’ para uma ‘ordem de fatos’ não é uma passagemautomática, algo que podemos necessariamente deduzir:ora, há outras maneiras de abordar o objeto. Acreditamosque a ‘ordem’ seja o elemento principal por causa de nossapesquisa histórica, cujos resultados atuais serãoapresentados na seção IV. Rigorosamente, tal importânciadeve ser provada – o que acreditamos não ter sido feito noestágio atual da pesquisa.13 Outra forma de entender a questão, possivelmente maisesclarecedora, seja pensar no objeto como o conjunto defatos que constituem “variáveis dependentes” e na ordemmobilizada para estudá-los como as “variáveisindependentes”.

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14 Sobre a proximidade entre a problemática da “autonomiado político” e abordagens “politológicas”, cf. Forjaz (1997).15 Não se coloca, contudo, a questão de se esse objeto érealmente autônomo. Pensamos apenas em avaliarcorretamente se ele é tratado ou não como autônomo peloscientistas políticos, levando em consideração sua própriavisão de ciência política. Foge aos nossos propósitos julgarse estão certos ou errados na definição e tratamento de seuobjeto.

16 Com isso em mente, seria interessante se os cientistaspolíticos, nos conflitos acerca de sua disciplina, indagassem-se se o que estão chamando de “político” é a mesma coisa,ou seja, se não estão na verdade divergindo em torno daquestão do que é ou deveria ser o objeto de sua atenção (oque vale a pena estudar; o que interessa), em vez de estaremdiscutindo problemas teóricos ou metodológicos (como qualé o método mais adequado ou qual a ordem de fenômenos[econômicos, sociais, psicológicos etc.] mais relevante).

política referem-se explicitamente ao que chamamde “autonomia do político”, em especial aquelasíntimas de abordagens ‘politológicas’, como a neo-institucionalista14. É desta questão que trataremosagora.

II.2.1.1.1. A questão da “autonomia do político”

Para dizer se o “político” está sendo tratadocomo “autônomo”, em uma determinadaabordagem ou visão de ciência política, énecessário distinguir o objeto “político” da ordem“política”. O motivo é que, no caso da ciênciapolítica, eles não necessariamente se confundem.

Ora, a definição do objeto precede a escolhada ordem, pois esta são os fatores que o implicam.Sendo assim, a definição do objeto está, de algumaforma, contida na escolha da ordem. Não se tratade sugerir que a ordem explicativa/compreensivaescolhida pelo analista é pré-determinada quandoo objeto é definido – mas que este pode condicionara ordem mobilizada e, mesmo, influenciar amaneira como o analisa relaciona a ordem aoobjeto.

A implicação disso para avaliar a “autonomiado político” é que, sendo autônomo o objeto queconsistir em sua própria ordem, ao variar adefinição do objeto, varia automaticamente aordem que deve ser considerada para julgar seugrau de autonomia. Desse modo, a autonomia deum objeto deve ser avaliada por sua relação coma ordem.

Assim, alguém pode dizer que determinadocientista político (ou abordagem) ignora a“autonomia do político” quando tal cientista define“político” de forma diferente. Em sua definição, oobjeto “político” pode configurar também umaordem, autodeterminando-se – sendo, portanto,autônomo15. Por exemplo: se “político” for umdeterminado tipo de idéias e se o fator analíticoestiver nelas próprias (sua estrutura semântica,

por exemplo) então o objeto é autônomo, pois nãose está mobilizando uma ordem de fatores externosao fato: o fato é seu próprio fator. Analogamente,se “político” forem relações de força entre grupos,e se o fator analítico forem essas relaçõesagonísticas, então o objeto é tratado, na verdade,como autônomo. Analogamente, quem define“político” como a política institucional pode acusaresses acadêmicos de ignorarem a “autonomia dopolítico”, quando estes tratam de coisa diferenteou mesmo ignoram-na, sejam quais forem asrazões. Então, o que se estaria acusando, naverdade, seria tal desinteresse pela políticainstitucional – e o conflito referir-se-ia a umaquestão do objeto legítimo da ciência política, emvez da maneira de abordá-lo16.

Por isso, quando falamos em ‘societalista’ e‘politicista’, é preciso indicar a que nos referimos:ao objeto (e.g.: ‘societalista’ por ser exterior àpolítica institucional; ‘politicista’ por ser a políticainstitucional) ou à ordem (‘societalista’ pordesconsiderar a política institucional como fatoranalítico; ‘politicista’ por considerá-la). Portanto,a saída é (1) estabelecer o objeto referencial quedefine “político” e (2) especificar a ordem emfunção de sua posição (de influência oucausalidade) em relação ao objeto.

Tomamos a política institucional comoreferencial por acreditamos que ela desempenheum papel efetivo na organização do campo deprodução da Ciência Política brasileiracontemporânea – é elemento definidor do contínuopoliticismo-societalismo. As definições desocietalista e politicista adotadas podem ser assimsintetizadas:

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FIGURA 1 – DEFINIÇÕES DE “SOCIETALISMO” E “POLITICISMO” ADOTADAS

FONTE: O autor.

17 A definição que adotamos difere, portanto, da de Forjaz(1979), em que “politicismo” indica somente o focoexplicativo sobre o “político”, sugerindo sua autonomia,não especificando o objeto (podendo transcender ou não apolítica institucional) e não especificando a origem e adireção do fator determinante (se aponta para o próprio“político” ou para outros espaços sociais).

Assim, se o objeto é a política institucional ese ela determina a si própria, tratando-se assim deum caso de autonomia, então temos a posição“politicismo de ordem e objeto”17, tambémchamada de “politológica”. Se o objeto é a políticainstitucional, mas determinado por algum fatorexterno, tratando-se, pois, de um caso deheteronomia, temos “societalismo de ordem”.Inversamente, se o objeto não é a políticainstitucional, mas também determina a si próprio,temos “societalismo de ordem e objeto” – tambémum caso de autonomia, mas de outra definição de“político”. Se, por sua vez, o objeto é exterior àpolítica institucional mas determinado por ela,então temos “politicismo de ordem”, isto é, afinalidade não é estudar a política institucional, masela é mobilizada como fator determinante – e poresse motivo trata-se de um caso de heteronomia,ainda que a política institucional seja consideradade alguma forma. Por fim, se o objeto não é apolítica institucional e é determinado por um fatorexterno que também não é a política institucional,então temos outra coisa, a definir (e, nesse caso,tratar-se-ia de uma definição bastante exótica de

“político” e de ciência política, podendoperguntarmo-nos se não se trata, na verdade, deSociologia, Economia, Psicologia etc.).

Sintetizemos o desenvolvimento até aqui.Tendo em vista o que precede, achamos que aciência política (brasileira e americana, pelo menos)depende de dois elementos: 1) a definição de“político”, do objeto de estudo e, dentro deste, dofoco de análise; 2) a maneira de abordar o objeto.A nosso ver, esses elementos estão na base dasdimensões que organizam efetivamente a produçãoacadêmica da ciência política brasileira (oscontínuos “empírico-teórico” e “politicismo-societalismo”), ainda que a determinação de quemou o quê assumirá tal ou qual posição dependa defatores específicos, variáveis historicamente, queabordaremos nos tópicos a seguir.

A ordem mobilizada para abordar o objetoparece-nos o principal elemento do segundoelemento. Ela conduz-nos à questão da autonomiado “político”. Daí decorre uma importante divisão:aqueles que acreditam que o “político” determinaa si mesmo (autonomia) e aqueles que acreditamque ele depende de fatores externos (heteronomia).

II.2.2. Fatores determinantes dessas posições

Voltamos a amparar-nos na proposta teóricade Leca para identificar os determinantes dasquestões o que estudar e como estudar. Achamosque o posicionamento quanto a elas depende (1)da dinâmica interna do campo da Ciência Política,considerado à luz de sua relação com (2) asdisciplinas próximas e (3) o campo político

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18 O texto é de 1969.

19 Sobre a relação com a História, v. Jensen (1969); com aSociologia, Greer (1969) e Sartori (1969); com a Economia,Mitchell (1969) e Olson (1969).20 A partir deste ponto, dividiremos o conceito deautonomia-heteronomia em dois tipos: cultural einstitucional. Um campo autônomo culturalmente em relaçãoa outro é irredutível aos produtos simbólicos (valores,idéias, teorias, métodos etc.) deste. Inversamente, seheterônomo, é redutível ou altamente dependente (umimportador de idéias, teorias, métodos etc., por exemplo).Já um campo autônomo institucionalmente possui umarranjo institucional próprio – podendo, contudo, continuarheterônomo culturalmente (o inverso, isto é, autonomiacultural e heteronomia institucional, pode ser possível, masjulgamos improvável). Acreditamos que essa situaçãoacometa em larga medida a Ciência Política brasileira.21 Aplicamos o termo “método” no sentido atribuído porAbraham Kaplan: “Métodos são técnicas suficientementegerais para tornarem-se comuns a todas as ciências ou auma significativa parte delas. Alternativamente, sãoprincípios filosóficos ou lógicos suficientemente específicosa ponto de poderem estar particularmente relacionados coma ciência, distinguida de outros afazeres humanos”(KAPLAN, 1964, p. 23).

propriamente dito. As relações com outros camposacadêmicos são extremamente importantes, a nossover, para compreender-se a autonomização daciência política. As relações com o campo político(ou melhor, as possíveis influências deste,especialmente sobre a dimensão simbólica) podemter um papel central, tanto na institucionalizaçãocomo na autonomização e, a nosso ver, influenciamas tomadas de posições dos cientistas políticos, emespecial o modo como definem “político” e asordens que mobilizam para estudá-lo.

Assim, a nosso ver, a escolha de determinadoobjeto e a escolha da maneira de abordá-lo (e,nesta, a eleição de tal ou qual ordem de fatos comofatores explicativos), do ponto de vista dasdeterminações propriamente acadêmicas,dependem da formação acadêmica (sociólogo,economista, psicólogo, jurista, cientista políticoetc.) e da posição teórica (culturalista, marxista,comportamentalista etc.) dos agentes (indivíduos,grupos, frações), consideradas inclusivediacronicamente (i. e.: suas trajetórias). Alémdesses condicionantes internos ao campoacadêmico, dependem também dosposicionamentos propriamente políticos quetomam os cientistas políticos. Assim, do ponto devista das determinações políticas, se são liberais,comunistas, socialistas, socialdemocratas,republicanos etc.

II.2.3. Elaborando uma hipótese de pesquisa. Oexemplo da Ciência Política norte-americana

No que se refere à dinâmica acadêmica,especificamente, a relação com outras disciplinas,a tese de Lipset (1969) sobre a Ciência Políticanorte-americana ajudou-nos a interpretar e aconstruir hipóteses para o caso brasileiro.

Lipset defende que, até então18, a trajetóriaacadêmica e cultural da Ciência Política dependeude sua relação com outras ciências humanas. Tudoderiva da questão da “autonomia da política”, ouseja, do próprio objeto de estudo: a política obedecea “leis” próprias, isto é, ela autodetermina-se, oudepende das leis da economia, da psicologia ou da“sociedade”? De onde deriva: deve a CiênciaPolítica desenvolver um instrumental teórico emetodológico próprio ou deve ela aplicar osmodelos e esquemas de outras ciências?

A relação entre a Ciência Política e outrasciências, especialmente as sociais, dependeria doproblema metodológico da autonomia de seupróprio objeto. A história da Ciência Política estariamarcada, então, por sucessivas aproximações dasoutras ciências e, mais recentemente, por tentativasde distanciamento de todas elas. Assim, de umlado estão os que entendem que a política dependede ordens de fatores que não se encontram naprópria política (aproximação com algumaciência), e, de outro, os que entendem que apolítica dita suas próprias regras e que defendemuma Ciência Política culturalmente (teórica emetodologicamente) autônoma, dedicada ao estudoda política (distanciamento)19.

Assim, no fim do século XIX até meados dadécada de 1920, a Ciência Política norte-americanaestaria próxima da História, da Filosofia e doDireito, em especial, alemães. Nos termos doreferencial teórico que adotamos, essa proximidadeseria de heteronomia, especialmente de tipocultural20. Havia departamentos de CiênciaPolítica, uma disciplina com esse nome e um objetoe objetivos delimitados. A visão de mundo que oscientistas políticos mobilizavam para estudar apolítica, contudo, provinha daquelas disciplinas.O método21 predominante era de caráter histórico,o estilo, o ensaístico. O foco das atenções era o

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22 Geralmente conhecido no Brasil como “comporta-mentalismo”.23 Os comportamentalistas viriam, mesmo, a recusar oconceito de “Estado” como uma abstração sem fundamentoempírico. Em seu lugar, passam a falar em “governo” e em“instituições jurídico-formais” (JENSEN, 1964).

24 Para Lipset (1969) e outros autores, como Almond(1990, p. 13-31), nenhuma abordagem logrou êxito nessaempreitada, estando a Ciência Política fragmentada emabordagens diametralmente opostas, mesmo quanto aosprincípios, o objeto e os objetivos da disciplina. Essa visãopredomina entre os cientistas políticos americanosconsultados (RICCI, 1984; EASTON, 1985; SEIDELMAN& HARPHAM, 1985; FARR, 1988; TOBIN GRANT,2004).

“Estado”. Metodologicamente, não se distinguiaentre conhecimento positivo e conhecimentonormativo. A Ciência Política, aliás, deveria tercomo finalidade educar os cidadãos, dentro dosvalores democráticos; era vista, pelos próprioscientistas políticos, como uma forma de melhorara democracia norte-americana. Posteriormente,essa “fase” ficaria conhecida como“institucionalista”.

A seguir, em busca de cientificidade, a CiênciaPolítica aproximar-se-ia de determinada área daPsicologia: trata-se do que, posteriormente, viriaa chamar-se de “behaviorist revolution”(JENSEN, 1969, p. 4-7). A nova abordagemdominante, o behariovism22, seria umamanifestação, na dimensão cultural, do novo estadoda Ciência Política, agora próxima da Psicologia(ibidem). Paralelamente, os métodos de caráterhistórico perdem força, a filosofia e o ensaísmosão combatidos, e, pelo menos explicitamente,passa-se a defender uma ciência neutra em seusvalores. Tomam seus lugares os métodosquantitativos e a linguagem técnica; a pesquisaempírica ganha mais força; os artigos e osperiódicos tornam-se os meios legítimos deprodução e difusão; o estilo de trabalho dominantepassa a ser o coletivo, baseado em redes depesquisadores, reunidos em um sistemauniversitário altamente institucionalizado. O objetoda disciplina também muda: a “política” não eramais o “Estado”, mas o comportamento doscidadãos – daí os estudos eleitorais e as pesquisasde opinião (surveys) serem o novo foco analítico.O foco desloca-se do interior das instituiçõesestatais23, do “governo”, para a “sociedade civil”.

Entre o começo da década de 1940 e o fim dade 1950, aproximadamente, o behaviorism seria aabordagem dominante (SOMIT & TANENHAUS,1967; ALMOND, 1991). Com sua crise, durantea década de 1960, a Ciência Política fragmenta-seem várias abordagens concorrentes, competindopara tomar o lugar do behaviorism e para conferiruma nova unidade à disciplina24. Assim, alguns

cientistas políticos voltam-se para a Economia(teoria da escolha racional, teoria dos jogos); paraa Sociologia (teoria sistêmica, “neo-institucionalismo” sociológico); outros voltam-senovamente à História, acusando os preconceitosde parte dos cientistas políticos em relação ao usode métodos e explicações históricas em CiênciaPolítica (“neo-institucionalismo” histórico).Outros, enfim, sustentam a idéia de que a CiênciaPolítica deveria formular seus próprios métodose teorias (neo-institucionalismo).

Assim, no caso americano, a Ciência Políticaparece oscilar, no decorrer de sua história, entre aHistória, a Filosofia, a Economia e a Sociologia(nos casos de heteronomia) e posições quedefendem o desenvolvimento de teorias e métodospróprios (no caso de autonomia).

Poderíamos adicionar à equação os efeitos deum fator propriamente político operando naCiência Política norte-americana, utilizando comoexemplo o caso do behaviorism. Os behavioristscompartilham a definição de “política” dasabordagens politológicas: “político” é a políticainstitucional. Eles deslocam seu foco para o voto,mas seu objeto mantém-se dentro das fronteirasdas instituições democráticas (JENSEN, 1969, p.3-15; ALMOND, 1991, p. 66-68). Por que, então,insistem na “sociedade civil”, evitando até mesmotomar o “governo” e seus elementos (os políticos,por exemplo), como foco de estudo? E por quetomam o processo decisório e o funcionamentodas instituições estatais como um reflexo das“preferências” dos eleitores (IMMERGUT, 1998,p. 6-7)? A nosso ver, concordando com teses comoa de Ricci (1984), porque são cientistas políticostacitamente comprometidos com a democracialiberal norte-americana. Esse comprometimentoreflete-se não somente na atenção dada à“sociedade civil”, manifestando o que merece serestudado, o que é importante, mas também namaneira de abordá-la: uma visão liberal favorece

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FIGURA 2 – ESQUEMA DOS FATORES E DOS ELEMENTOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA

FONTE: O autor.

a aceitação da tese de que o “governo” e asinstituições estatais são reflexos (ou, no máximo,traduções) das preferências individuais doseleitores. Isso não é uma hipótese a ser provada: éum pressuposto. E um pressuposto estabelecido,a nosso ver, em função de motivações políticas, enão por razões científicas. Observe-se que alguémpoderia utilizar a mesma abordagem teórica paraestudar o comportamento de políticos ou deagentes das instituições estatais, mostrando comofatores psicológicos influenciam os resultadospolíticos (as “políticas públicas”, em especial; ooutput do sistema político, para falar comoEaston). Vê-se, então, que fatores políticos podeminfluenciar as posições teórico-acadêmicas doscientistas políticos. Buscamos prestar atenção aisso em nossa interpretação da história da ciênciapolítica brasileira.

Em síntese, interpretando a tese de Lipset àluz do esquema de Leca e do desenvolvimentoteórico precedente, poderíamos especular que aprodução acadêmica da Ciência Política, organizadaem torno de visões de ciência políticaconcorrentes, dependeria de (1) sua proximidadecultural, isto é, seu grau de autonomia segundo adimensão simbólica, em relação a outras ciênciashumanas e sociais, cujos fatores seriam aformação acadêmica e a posição teórica e (2) deinfluências políticas (transmitidas pelos cientistaspolíticos).

O esquema teórico aqui esboçado é, então,apresentado a seguir. Buscaremos aplicá-lo àciência política brasileira.

A partir desse esquema, a mobilização de ordensde fatores que constituem o objeto de outrasdisciplinas, ou a importação de seus métodos,teorias e abordagens, seriam fortes indícios deheteronomia cultural em relação aos camposdessas disciplinas. A visão de ciência política emquestão estaria condicionada, pois, pelaproximidade cultural com determinada(s)disciplina(s). Os prováveis fatores por trás dissoseriam a formação acadêmica e a posição teórica

(consideradas diacronicamente). Influênciaspolíticas somam-se a esses fatores. Então, oproduto da concorrência entre as várias visões nocampo da Ciência Política (relacionando-se, assim,várias frentes de autonomia/heteronomia comoutras disciplinas, combinadas a certas posiçõespolíticas), reincide sobre os fatores determinantes,reforçando, enfraquecendo ou conservando o pesode cada um (e, eventualmente, adicionandonovos).

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25 Aliás, no caso brasileiro, a relação com outros camposacadêmicos e com o campo intelectual é especialmenteimportante, dada sua institucionalização e diferenciaçãorelativamente recentes.

26 Entendemos que as fronteiras entre grupos, frações evisões são construções teóricas, havendo na realidade umamassa de indivíduos e grupos que se assemelham,aproximam-se, distinguem-se e distanciam-se em funçãode vários fatores. Nesse caos aparente, a partir daquelesreferenciais, construímos arquétipos de visões e frações,no sentido de ressaltar alguns dos princípios de divisãocorrentes no campo.

Assim, por exemplo, a concorrência internaentre sociólogos marxistas e cientistas políticosliberais politicistas (de objeto), por exemplo, podefavorecer os últimos, enfraquecendo as posiçõesdos sociólogos marxistas. E seus métodos, seuestilo, sua forma de organizar o trabalhointelectual, enfim, sua visão de ciência e de ciênciapolítica.

Como buscaremos mostrar, a ciência políticabrasileira também se relacionou com outras áreasdo conhecimento de modo a determinar suadinâmica interna e as características de suaprodução acadêmica. Acreditamos que aheteronomia em relação às “ciências sociais”, e,especialmente, à Sociologia, em primeiro lugar, eem relação ao Direito e à Filosofia, em segundo,tenha contribuído decisivamente para fazê-la sero que é25. Acreditamos que essas relações dêem-se, aliás, dentro do próprio campo da CiênciaPolítica brasileira: os agentes que carregam etransmitem características de outras disciplinasconstituem a própria Ciência Política, por causado baixo grau de autonomia desta – ligado,provavelmente, à sua prematuridade. Achamos queessas oposições intra-acadêmicas estejam ligadasa profundas diferenças referentes às visões deciência e de ciência política de cada grupo oufração.

É a partir dessa óptica que buscamos analisara história da ciência política brasileira, na buscapelas razões da forma atual de sua produçãoacadêmica. A seguir, apresentamos a hipótese depesquisa que direciona a interpretação histórica.

III. HIPÓTESE DE PESQUISA

III.1.Visões de ciência política e organização docampo da Ciência Política brasileira

Acreditamos que a organização do campo deprodução da Ciência Política brasileiracontemporânea, apoiada nos contínuos empírico-teórico e politicismo-societalismo, tenha sidoproduzida por pelo menos três visões de ciênciapolítica concorrentes, próprias de certos “grupos”e frações de cientistas políticos e sociais também

concorrentes26, as quais se desenvolveram nointerior do campo acadêmico brasileiro, a partirde sua institucionalização, e agremiaram-seprogressivamente em um campo de CiênciaPolítica relativamente autônomo (do ponto de vistainstitucional) – algo que, inclusive, ajudaram aconstituir. Essas visões estariam condicionadaspor outras três ordens de fatores mais ou menosinter-relacionados que, por sua vez, influenciariama ação dos grupos envolvidos na construção daCiência Política. A primeira, propriamenteacadêmica, consiste nas relações (de autonomia-heteronomia) entre a Ciência Política e opensamento político e outras ciências humanas(especialmente, sociais). A segunda, propriamenteintelectual, consiste em oposições teóricas emetodológicas. A terceira, propriamente política,compõe-se pelas oposições entoadas pormotivações e constrangimentos políticos, mais oumenos transfigurados em oposições acadêmicase intelectuais.

A primeira dessas visões define-se pela figurado intelectual interessado pela política e é a nossover herdeira dos intelectuais brasileiros das décadasde 1930 e 1940 que dedicaram parte de suas vidasà reflexão de temas políticos, entre os quaispoderíamos citar Oliveira Vianna, Francisco deOliveira, Alberto Torres, Azevedo Amaral, NestorDuarte, Pontes Miranda, entre outros(LAMOUNIER, 1982, p. 413; KUMASAKA &BARROS, 1988a, p. 1-6). Apesar das profundasdiferenças políticas entre eles, eram marcados porsemelhanças relativas a seu habitus intelectual. Emvez de especialistas ou profissionais são, antes detudo, eruditos, a meio-caminho entre a filosofia,as letras e a política propriamente dita. A nossover, esses intelectuais contribuem para aconstituição da Ciência Política pelo menos emduas frentes. Em primeiro lugar, disseminam nocampo intelectual brasileiro um interesseespecífico por temas políticos, acumulando umcorpo de conhecimento que influenciaria futurosestudiosos, como os intelectuais do Instituto

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27 A influência, nesse caso, seria principalmente temática,em vez de teórica, metodológica ou político-ideológica.28 Que entendem que os fenômenos políticos são, dealguma forma, um produto de determinadas idéias, de seusefeitos, de sua ação no mundo etc. e/ou que tomam as idéiaspolíticas como objeto de estudo.

29 Sobre a proeminência do marxismo na USP, cf. Trindade(2005, p. 90) e Pécaut apud Trindade (idem, p. 109).30 Usamos a definição de Kaplan (1964, p. 259-260),sintetizada na nota 11.

Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e, por meiodestes, o grupo de mineiros formados no cursode Sociologia e Política da Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG)27, entre as décadas de1950 e 1960, influenciando, assim, futurosresponsáveis pela constituição de um campo deCiência Política institucionalmente autônomo.Podem ser vistos, portanto, como precursores daCiência Política brasileira. Nesse sentido, defendeBolívar Lamounier: “Essa tradição ou ‘estoque’anterior de pensamento político tem, a meu ver,uma importância decisiva para se compreenderas características adquiridas pela Ciência Políticaque se vai aos poucos institucionalizando. Não sóexiste entre ambas uma notável continuidadecomo, sobretudo, parece-me possível afirmar queo prestígio dessa tradição legitimou (e, talvez,exerceu certo efeito limitativo e canalizador sobre)o desenvolvimento da Ciência Política, a partir de1945. Sem esta referência histórica, parece-medifícil explicar porque a Ciência Política – aliás asCiências Sociais, de um modo geral – continuarama se expandir, após 1964, sob condições deacentuado autoritarismo político” (LAMOUNIER,1982, p. 409).

Em segundo lugar, contribuem para a formaçãode uma visão de ciência política marcada por umaposição acadêmica relativamente indiferenciada esubjetivamente próxima da filosofia, baseada nafigura do intelectual e do erudito, herdeira dohabitus intelectual dos intelectuais precursores. Aobra dos adeptos desta visão contribuiria parainstilar no campo da Ciência Política um conjuntode disposições intelectuais que favoreceriam aadoção de definições mais amplas e vagas de“político” e de abordagens eminentementeteóricas. Assim, certos elementos presentes naCiência Política contemporânea, como asabordagens idealistas28 (a hermenêutica e a teoriademocrática, por exemplo) e áreas teóricas comoa de Teoria Política teriam sido importadas para ocampo e auxiliado sua constituição, e renderiam ocapital simbólico que rendem por causa dapresença daquele conjunto de disposições ligadas

à figura do intelectual, ajustadas, por sua vez, aesses elementos. Trata-se, portando, de uma visãoque não reivindica ou estimula a autonomizaçãocultural da Ciência Política, por (1) não focar apolítica institucional e/ou (2) por considerar ordensexternas a ela para explicar ou descrever o objeto,mantendo a Ciência Política culturalmenteheterônoma em relação a outras ciências sociaisou a outras disciplinas das Humanidades – aindaque tenha contribuído para sua autonomizaçãoinstitucional.

A segunda visão deriva especificamente das“ciências sociais”; da Sociologia, em especial. Jáse refere a um corpo de conhecimentos produzidoem um campo acadêmico institucionalizado – maseste campo é dominado pela Sociologia, ou,simplesmente, é ela própria. Consiste na tomadade temas políticos (em especial aqueles ligados auma definição societalista) como objeto de estudopor parte de sociólogos. Como exemplo,poderíamos citar o grupo de cientistas sociais daUniversidade de São Paulo (USP), formado emtorno de Florestan Fernandes, que, no decorrerda década de 1960, em um processo paralelo aofortalecimento do marxismo29 (em que, aliás, foio agente principal), passa a tratar de temaspolíticos; além do grupo de cientistas sociais deorientação marxista que se estabeleceu naUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp),no decorrer da década de 1970 (QUIRINO, 1994;ARRUDA, 2001; PEIXOTO, 2001; TRINDADE,2005). Relativamente próxima do habitus dointelectual, favorece o estilo de pensamentoacadêmico30, abordagens mais teóricas, osmétodos qualitativos e o ensaísmo. A nosso ver,essa visão passa a constituir a ciência política pelomotivo desta ter progressivamente se afastado doDireito e se aproximado das “ciências sociais” e,a partir da década de 1960, aproximadamente, tercomeçado a destacar-se – e ainda fazê-lo –institucionalmente do campo maior das “ciênciassociais”, fortemente associado à Sociologia, emum momento em que a atenção pela política e portemas políticos aumentava nas ciências humanasno Brasil e no mundo. Assim, sociólogos deformação – ou sociólogos no pensamento –

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31 Referindo-se, neste caso, a um tipo de Sociologia próximada História ou dos métodos históricos.

32 O Iuperj tornar-se-ia mais heterogêneo com a criaçãodo mestrado em Sociologia, em 1977, e o doutorado comáreas de concentração em Ciência Política ou Sociologia,em 1980 (REIS, 1993, p. 120).

interessados em temas políticos passariam a“migrar” para a Ciência Política por meio devínculos institucionais de docência e pesquisa oua fazer parte dela por meio do reconhecimentosocialmente atribuído à sua produção cultural,dedicada a temas “políticos”, e das relações decomunicação progressivamente estabelecidas,dialogando com cientistas políticos de formação(ou assim reconhecidos). Deste modo, seja porvínculos institucionais, seja por vínculos culturaise comunicativos com a Ciência Política, essessociólogos passariam a fazer parte desta, oumelhor, contribuiriam para a formação de seucampo de produção, ao mesmo tempo em quesuas disposições mentais incliná-los-ia a adotartemas e abordagens com a marca da disciplinamãe – “societalistas”, aos olhos dos cientistaspolíticos stricto sensu, como os temas queenvolvem o Estado e as classes sociais e asabordagens elitistas, as sócio-históricas e“sociologismos” como o de Pierre Bourdieu eAnthony Giddens31, que mobilizam ordens defatores não propriamente políticos. Uma visãosolidária, portanto, com uma definição mais amplade “político” – como estruturas de dominação erelações de força, por exemplo. Implicando, assim,a manutenção de certa heteronomia cultural daCiência Política, desta vez em relação às “ciênciassociais” e à Sociologia, em particular.

A terceira visão é favorável a uma CiênciaPolítica baseada na pesquisa empírica e autônomaculturalmente, entendendo que seu objeto possuiregras e uma lógica que lhe são próprias,irredutíveis a determinantes externos. Dissemina-se a partir da ação do “grupo” de cientistaspolíticos mineiros e cariocas formados na segundametade da década de 1950, que, em sua maioria,viriam a doutorar-se nos Estados Unidos, nodecorrer da década de 1960, e a fundar osprimeiros programas de pós-graduaçãoespecificamente em Ciência Política, noDepartamento de Ciência Política da UFMG e noInstituto Universitário de Pesquisas do Rio deJaneiro (Iuperj), ambos em 1969. Influenciadospelo modelo norte-americano de Ciência Política(seu mainstream), cujas abordagens teórico-metodológicas e cuja organização divulgam, essescientistas políticos mostram-se mais sensíveis à

política institucional, inclusive como ordem defatores explicativos, além de objeto de estudo,opondo-se a orientações jurídicas,“economicistas”, filosóficas e “sociologizantes”.Sua posição teórico-metodológica distancia-se dosmétodos das humanidades e aproxima-se dométodo científico tradicional, do estilo depensamento erístico, dando-se atenção especial àpesquisa empírica e ao teste rigoroso de hipóteses,em que a estatística tem papel central. Essa visãotambém se define por privilegiar ou aderir a umadefinição de “político” em sentido estrito, isto é, apolítica institucional – uma característica que o“grupo” de mineiros e cariocas do “eixo” UFMG-Iuperj também contribuiu para constituir. É, assim,uma visão favorável a temas que focam a políticainstitucional e a abordagens “politicistas”, como,entre outros, o neo-institucionalismo e asabordagens do ator racional.

Mas como essas visões agremiar-se-iam econstituiriam o campo da Ciência Política brasileiracontemporânea, organizando-o em função doscontínuos politicismo-societalismo e empírico-teórico?

A nosso ver, a Ciência Política estabelece-seenredada com outras ciências humanas,especialmente a Sociologia, em que váriasdisciplinas e regiões interdisciplinares das “ciênciassociais” aumentavam seu interesse por assuntos“políticos”, incorporando uma tradição depensamento político que tem suas raízes nosletrados da época do Estado Novo. Estimulada pelacrescente importância desses assuntos no interiordas “ciências sociais”, no decorrer da década de1960, com a radicalização ideológica (FORJAZ,1979, p. 12; ARRUDA, 1995, p. 162-167 e p. 200-211; TRINDADE, 2005, p. 94-97), a CiênciaPolítica inicia sua institucionalização a partir dadécada de 1970 com as ações levadas a cabo pelo‘grupo’ de mineiros e cariocas do “eixo” UFMG-Iuperj que, inseridos naquele processo geral devalorização do “político”, são pioneiros na criaçãode espaços institucionais e acadêmicos dedicadosespecificamente à Ciência Política32. Forma-se,assim, um campo institucionalizado de CiênciaPolítica em torno de um grupo interessado na

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33 O periódico Brazilian Political Science Review viria aser criado em 2007; Opinião Pública, que a nosso vertambém poderia ser considerado um periódico estritamentede Ciência Política, foi criado em 1993.34 Cebrap em 1969; Ufrgs em 1973 (mestrado emSociologia e Política); USP em 1974 (mestrado e doutoradoem Ciência Política); Cedec em 1976; Idesp em 1980; UFPEem 1982 (mestrado em Ciência Política); Unicamp em 1984(mestrado em Ciência Política); UnB em 1984 (mestradoem Ciência Política); UFSC em 1985 (mestrado emSociologia Política); UFF em 1994 (mestrado emAntropologia e Ciência Política); UFMG em 1994(doutorado em Sociologia e Ciência Política); ABCP em1996; Ufrgs em 1996 (doutorado em Ciência Política); UFSCem 1999 (doutorado em Sociologia Política); UFRJ em 2001(mestrado em Ciência Política); UFPE em 2002 (doutoradoem Ciência Políitca); UFF em 2006 (doutorado em CiênciaPolítica); UFMG em 2006 (doutorado em Ciência Política);Ufscar em 2007 (mestrado em Ciência Política); UFPA em2008 (mestrado em Ciência Política); UFPR em 2009(mestrado em Ciência Política); UFPI em 2009 (mestradoem Ciência Política).

autonomia institucional e cultural dessa disciplina,que não se vincula a ela somente por empatia deobjeto e que defende (1) a pesquisa empírica, comproeminência quantitativa, (2) a institucionalizaçãode um conjunto de práticas e disposiçõescientíficas e, em menor grau, (3) a autonomia do“político”, geralmente da política institucional.

O estabelecimento de um campo disciplinardistinto, com a institucionalização, contudo, nãoconfere à Ciência Política contornos claramentedefinidos, em virtude da proximidade socioculturalem relação às “ciências sociais”. Não há periódicosespecíficos33; os temas “políticos” são abordadospor várias ciências humanas; não há consensoquanto ao que deve definir e distinguir a CiênciaPolítica (REIS & ARAÚJO, 2005; SANTOS, 1980,p. 18). Essa proximidade, associada aocrescimento da importância dos temas “políticos”na academia, durante os anos 1970, contribui paraa expansão do campo da Ciência Política, queganha corpo com a criação de novos programasde pós-graduação e de institutos privados depesquisa34. Tem-se então um crescimentoaparentemente paradoxal, em que a proximidadecom outros campos favorece a expansão daprópria Ciência Política. Nesse contexto, à medidaque cresce o campo institucional, oreconhecimento social e a legitimidade da novaárea, acadêmicos de formações das mais variadasvinculam-se a cursos, disciplinas e a programas

de Ciência Política e/ou escrevem trabalhos quecirculam em sua produção acadêmica. Assim,acadêmicos e abordagens “societalistas”, como omarxismo, assumem posições no novo espaçoacadêmico de produção sobre o “político”,passando a compor o campo e tornando comuma ocorrência de cientistas políticos vinculadosintelectualmente a estilos de pensamento maistradicionais do campo intelectual brasileiro.

Assim, acadêmicos comprometidos com aautonomia cultural e institucional, com uma visãode ciência política em sentido estrito, tipicamentenorte-americana, inscrevem-se em um campo deprodução maior, largamente vinculado ao campointelectual e ao campo acadêmico das “ciênciassociais”, ao serem obrigados a dialogar com atradição e a enfrentar as estruturas acadêmicas eintelectuais estabelecidas. Em virtude das relaçõessociais e comunicativas entre os grupos, o campoda Ciência Política encontra-se, assim, do pontode vista da produção cultural, mergulhado em umcampo maior. O que faz o espaço institucional daCiência Política não corresponder ao espaçocultural; o campo institucional sendo menor queo campo de produção. Em outras palavras, aCiência Política (a disciplina) não corresponderiaà ciência política (a prática).

Profundas diferenças políticas também viriama contribuir para essas oposições, já que o ‘grupo’mineiro-carioca abandona as posições políticas deesquerda radicais (i. e., marxistas, comunistas)em um momento em que essas posiçõesfortalecem-se (décadas de 1960 e 1970). Por outrolado, também durante as décadas de 1960 e 1970,a primeira e a segunda visões tomariam em geralposições mais radicais, favorecendo o comunismoou tipos específicos de socialismo, manifestandosua intimidade com o marxismo então em alta. Oapoio da Fundação Ford à constituição da CiênciaPolítica como disciplina específica e a incursãode um modelo “empirista” de ciência social eramvistos por grande parte do campo como“imperialismo” norte-americano (LAMOUNIER,1982, p. 423; MICELI, 1990, p. 17-28). Ofortalecimento do obscurantismo e de posiçõesanticientíficas – movimento acadêmico-intelectualcorrelato aos movimentos políticos em curso –no campo das ciências sociais só teria contribuídopara fortalecer uma oposição que é, ao mesmotempo, acadêmica, metodológica, teórica epolítica.

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35 Pasquino sugere uma oposição semelhante na CiênciaPolítica italiana, quando sugere a dependência cultural daCiência Política em relação à Sociologia como uma dasprincipais causas da fraqueza das áreas e abordagens quetratam da política institucional e quando comenta a carreirade Sartori, em que ressalta a relação entre o foco analíticosobre as instituições políticas e a autonomia da CiênciaPolítica (PASQUINO, 1982, p. 366; ARRUDA, 1995, p.167). Nesse sentido, dada a heteronomia da Ciência Política,talvez o ‘grupo’ mineiro-carioca tenha favorecido a escolhada política institucional como objeto principal e enfatizadoa autonomia desta para estimular o processo deautonomização da Ciência Política brasileira (FORJAZ,1997). Em geral, acreditamos que posições mais favoráveisà autonomia da Ciência Política tendem a tomar a políticainstitucional como seu objeto de estudo. Talvez isso tambémexplique a predileção pelo “neo-institucionalismo” poraqueles mais identificados com uma Ciência Políticaautônoma. Aliás, isso é uma possibilidade teórica de nossoesquema teórico, em que a visão da disciplina depende dadefinição do objeto e do tratamento dado a ele. Daí, comoas dimensões cultural e institucional estão interligadas narealidade, compondo elementos indissociáveis do processode autonomização, seria natural que pudessem influenciar-se.

Os determinantes de ordem propriamentepolítica talvez tenham uma importância aindamaior. Ao que parece, o processo deinstitucionalização da Ciência Política, comodisciplina específica, manteve-se relativamentelento até meados da década de 1980, acelerando-se a partir da década de 1990 – veja-se, porexemplo, a escassez de programas de pós-graduação (CAPES, 2009b) anteriormente e acriação relativamente tardia da AssociaçãoBrasileira de Ciência Política (ABCP), que passoua atuar efetivamente só a partir de 1996. Nãoachamos mera coincidência o fato de essaexpansão acadêmica ser paralela ao declínio domarxismo e do comunismo nos campos políticoe acadêmico internacionais e o correspondentefortalecimento da democracia liberal. Assim, sefor verdade a tese de alguns cientistas políticosnorte-americanos de que a Ciência Política norte-americana é estreitamente ligada à “democracialiberal” (RICCI, 1984; FARR, 1988; GUNNELL,1988) e se for verdade que a Ciência Políticabrasileira autonomiza-se largamente à imagem dairmã norte-americana, importando algumas de suascaracterísticas – entre elas, a relação entre adisciplina e regime e valores democráticos – entãoo crescimento da Ciência Política brasileira, e nãosomente o posicionamento interno dos grupos,pode estar ligado a fatores políticos: internamente,com a redemocratização e o retorno da experiênciae das esperanças democráticas; externamente, como fim da União das Repúblicas SocialistasSoviéticas (URSS) – processo que estariarelacionado à decadência do marxismo noscampos acadêmicos e a ascensão de abordagense ideologias liberais. Tais fatores políticos podemter favorecido, também, o crescimento daimportância da política institucional (e seuscomponentes) na agenda de estudos da ciênciapolítica brasileira, incidindo o foco sobre asinstituições democráticas. Trata-se de umahipótese a ser investigada com atenção em outroestudo.

Sintetizemos. Fazem parte do movimento geralde constituição do campo da Ciência Políticasociólogos (e outros cientistas sociais), intelectuaisinteressados em temas políticos e cientistaspolíticos (stricto sensu) interessados na autonomiainstitucional e cultural da Ciência Política, em geralatentos à autonomia da política institucional. Nopróprio campo institucional de Ciência Política, ealém dele, englobando todo o campo de produção

demarcado por temas “políticos”, opor-se-iam emquestões relativas à autonomia-heteronomiacultural dessa disciplina, em função de suasposições e trajetórias35. As visões a que nosreferimos formar-se-iam nessas trajetórias e nosconflitos acadêmico-intelectuais e políticos. Taisoposições históricas entre grupos e, por meio deles,entre suas visões, estariam na base, pois, das duasoposições fundamentais verificadas na produçãoacadêmica contemporânea, a saber, o contínuoempírico-teórico e o contínuo politicismo-societalismo. Estariam na base, aliás, de muitasdas correlações estatísticas identificadas entreessas dimensões propriamente teórico-acadêmicase dimensões extra-acadêmicas – a política, porexemplo, como sugerem as relações entre “tomara democracia liberal como objeto de estudo”,“politicismo” e “apresentação de evidênciasempíricas”, de um lado, e “não tomar a democracialiberal como objeto”, “societalismo” e “tendênciaa não apresentar evidências empíricas”, de outro.O campo da Ciência Política dividir-se-ia, então,(1) entre posições favoráveis à visão stricto sensude Ciência Política – institucionalmente eculturalmente autônoma – e posições que abordamo que definem por “político” a partir de abordagensde outras disciplinas, que “importam” à economiasimbólica do campo institucional da Ciência

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36 Essa divisão manifesta-se, aliás, na própria organizaçãodos programas de pós-graduação relativos ao objeto“político”, os quais se dividem entre “Ciências Sociais”,“Sociologia e Política”, “Sociologia Política” e “CiênciaPolítica”, deixando mais ou menos claro o posicionamentoda instituição e dos responsáveis pela criação dosrespectivos programas nos contínuos da Ciência Política.

37 Em geral, pela falta de atenção da primeira em relação ao“político” e à política institucional e à tendência da segundaem entender a política institucional como pouco relevante(importando a dominação de classe, em que essa não é maisque um acessório) e o “político” como uma superestrutura,submetida a “níveis” mais importantes.

Política (mais ou menos politicistas ousocietalistas); (2) entre posições mais favoráveisa abordagens e áreas empíricas e mais favoráveisa teóricas. Em um extremo do contínuo, estão asposições que associam o politicismo (de ordem ede objeto) ao empirismo, mais próximas domainstream Ciência Política norte-americana eherdeiras do “grupo” de mineiros e cariocas do“eixo UFMG-Iuperj”, no outro, as que associamo societalismo (de ordem e de objeto) aoteoricismo, mais próximas da Filosofia, da Históriae da Sociologia, próprios da tradição européia dereflexão política; havendo uma série decombinações intermediárias entre essesextremos36.

III.2. A ligação entre visões e agentes (grupos)na constituição do campo de produção

A nosso ver, tal situação deve largamente àstransformações e perturbações acadêmico-intelectuais desencadeadas pela tomada de posiçãodo ‘grupo’ mineiro-carioca, isto é, pelos intensosconflitos acadêmico-intelectuais que sedesenrolaram entre estes (pró-Ciência Política;“cientificistas”; “empiristas”) e outras frações ougrupos de cientistas sociais que abordavam (ouignoravam) temas políticos à luz de disciplinascomo a Sociologia, a Filosofia, a Economia e oDireito, em especial a chamada “Escola SociológicaPaulista” (a partir de uma visão e de abordagensanti ou pré-científicas e/ou demasiado“societalistas”, aos olhos do “grupo” mineiro-carioca e daqueles favoráveis à Ciência Políticastricto sensu). Tratar-se-ia de um conflitofundamental, envolvendo distintas visões de ciênciae de trabalho intelectual – métodos, teorias,abordagens; modos de organizar e valorizar otrabalho acadêmico etc. –, forjadas em função deposições e trajetórias acadêmicas e intelectuaisdistintas e conflituosas.

Assim, acreditamos que por meio das relaçõesacadêmicas do “grupo” mineiro-carioca, pode-selançar luz sobre as relações da Ciência Política,

em seu processo de autonomização, com outrasciências sociais. Sucederia, pois, uma oposição avisões e abordagens que a seu ver falhariam emperceber a especificidade do “político” (emespecial, o fato de que ele seria, também, umaordem) e que ignorariam a política institucional(não somente do ponto de vista científico, comoum objeto interessante, mas também suacapacidade de produzir efeitos sociais pertinentes).Em especial, a sociologia paulista e suasorientações “durkheimiana” e (crescentemente)“marxista” inviabilizariam, de partida, apossibilidade de uma Ciência Política autônoma37.

Na próxima seção tentamos articular visões egrupos para relacionar campos de idéias a camposde agentes, tornando-os mais inteligíveis, além deilustrar algumas características dosposicionamentos daí derivados, cujas diferenças,a nosso ver, estão na base das oposiçõesacadêmico-intelectuais do campo. Antes,contextualizaremos sucintamente a Ciência Políticabrasileira na ciência política internacional.

IV. INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA PRELIMINAR

Poderíamos dividir a história da ciência políticabrasileira em três períodos. O primeiro, da décadade 1920 a meados da década de 1940, define-sepelo estudo não acadêmico e não especializado dapolítica. Trata-se de uma época em que eruditos eletrados pensavam e escreviam sobre temaspolíticos sem estarem vinculados a uma estruturaacadêmica ou universitária. Durante esse períodonão existe, na verdade, um campo de CiênciaPolítica, mas um campo de produção que tratavade temas “políticos”. O segundo período, dadécada de 1940 a meados da de 1960,aproximadamente, define-se pelainstitucionalização do campo acadêmico brasileiroe, com ele, do estudo dos temas políticos. Oterceiro, a partir de 1969, pela criação dosprimeiros programas de pós-graduação em CiênciaPolítica, marcando o início de seu processo deautonomização institucional, em que se institui, defato, um subcampo acadêmico próprio dessa

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disciplina no interior do campo acadêmicobrasileiro.

IV.2.1. Intelectuais, visão humanística e formaçãoda Ciência Política

A visão de ciência política que chamamos de‘relativa à figura do intelectual’, têm suas raízesnos intelectuais da primeira metade do século XX,cujos trabalhos são muitas vezes referidos como“pensamento político brasileiro”. A nosso ver,vários elementos de seu habitus intelectual seriamherdados por acadêmicos de ciências sociais, e,por meio destes, transmitidos ao campo da CiênciaPolítica, à medida que se entronizava no campode produção das “ciências sociais”, favorecendoa adesão a abordagens e temas de caráter teóricoe ao estilo ensaístico no próprio campo deprodução de Ciência Política. Compreender esseselementos e como eles foram sendo transmitidos(e transformados) ao longo do tempo deve ajudar-nos a entender a presença atual de disposições evalores intelectuais, filosóficos e literários nocampo da Ciência Política. Ainda que fazê-lointegralmente supere os limites deste artigo,abordaremos a questão em um sentidoexploratório, apontando um caminho a seguir.

A abordagem dos intelectuais precursores era,como se sabe, inseparavelmente normativa eanalítica, comprometida com a modernização doBrasil, o que implicava em geral na questão da“construção do Estado-Nação”. Pode-semencionar Francisco Campos, Oliveira Vianna,Nestor Duarte, Alberto Torres e Azevedo Amaral,entre outros, como representantes doconhecimento político produzido nesse período.Bolívar Lamounier define essa “fase” da seguinteforma: “Do ponto de vista das condiçõesinstitucionais em que é produzido o conhecimentopolítico, essa fase pode ser facilmentecaracterizada como um trabalho isolado depensadores; do ponto de vista da forma, pelorecurso a amplos ensaios histórico-sociológicosque visavam substanciar propostas de reformaconstitucional. Era, pois, um trabalhoessencialmente individual, sem apoio universitárioe sem crítica acadêmica sistemática”(LAMOUNIER, 1982, p. 413; grifos no original).

No que se refere às características culturaisda produção do período, Hélgio Trindade tece osseguintes comentários: “As origens das diferentesformas de constituição dos saberes associados aocampo das ciências sociais, especialmente da

sociologia, remontam, como em outros países daAmérica Latina, à implantação dos cursos de‘ciências jurídicas e sociais’, à importação dospositivismos europeus e ao desenvolvimento do‘ensaísmo’ como estilo dominante das análisespolíticas, sociais, jurídicas e literárias”(TRINDADE, 2007, p. 73).

E quanto à situação dos “intelectuais”precursores das “ciências sociais” brasileiras: “Operíodo de 1920 a 1945 foi extremamentesignificativo para o surgimento de uma ciênciasocial avant la lettre. Os intelectuais entram nacena pública com a publicação de uma série deensaios em que propõem reformas políticas. Essageração, que transformou o papel cultural e políticodas oligarquias tradicionais, se ‘confrontou comuma república incapaz de dar corpo político àNação’” (idem, p. 74-75).

A situação desses “intelectuais” brasileirosassemelha-se a uma espécie de produtor cultural(de literatura, filosofia, historiografia etc.)politicamente engajado, à maneira do “intelectualtotal” francês, da figura do “erudito”, do pensadoreclético que se aventura em vários domínios doconhecimento; alguns, mesmo, poderiam serclassificados como membros de uma intelligentsia,no sentido reconstruído por Luciano Martins(1987). Poucos documentos são tão valiosos parareconstruir-se o habitus dessa classe depensadores como a entrevista de Evaristo deMoraes Filho concedida a Hiro Barros Kumasakae Luitgarde Barros, em 8 de março de 1988. Acerta altura, a entrevista passa a versar sobre ahistória do antigo Instituto de Ciências Sociais (ICS)da Universidade Federal do Rio de Janeiro,abordando as características, personalidade edestinos de alguns de seus quadros. Uma passagemespecialmente significativa, para nossos propósitos,é quando Evaristo é indagado sobre Rui Coelho:“Luitgarde – No caso da resposta do professorRui Coelho, trata-se então de um erudito e não deum professor. Não lhe parece?

Evaristo – Não. Nada impede que o professorseja um erudito ou que um erudito seja professor.Uma mesma pessoa pode fazer mais de um cursosuperior ou dedicar-se a mais de um campo deestudos, para não chegar àquele caso extremo doespecialista, que sabe cada vez mais de cada vezmenos... Eu próprio, para dar meu exemplo –sempre antipático, segundo Pascal... – fiz oscursos de Direito e de Filosofia. Nesses cursos

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tive oportunidade de estudar, não só filosofiapropriamente dita, como: Psicologia, Lógica,Estética, Ética, Economia, Sociologia, PsicologiaEducacional, Administração Escolar, DidáticaGeral e Especial. O universo de interesses foi bemamplo” (KUMASAKA & BARROS, 1988a, p. 26).

Evidentemente, tal estilo de trabalho acadêmicoafigura-se bastante improvável para aqueles queprecisam extrair seu sustento do trabalho intelectuale estão submetidos a exigências acadêmicas deprodução. A nosso ver, trata-se de um estilo detrabalho marcado por um ethos aristocrático e pelaliberdade econômica que garante ao indivíduo asbases materiais e a perícia cultural para dedicar-sedesinteressadamente pelas coisas intelectuais. Écompreensível, pois, que até o estabelecimento deum campo acadêmico de Ciência Política, a partirda década de 1970, os estudiosos da política fossemintelectuais em sua maioria formados em Direito,apoiados no capital (econômico, social e cultural)herdado de suas famílias e elaborado em seuscírculos sociais (KUMASAKA & BARROS, 1988a,p. 6-7 e ss.; idem, 1988b, p. 1-7; ARRUDA, 2001,p. 168-174; MICELI, 2001, p. 103-132; CASTRO& OLIVEIRA, 2005, p. 178-182; JACKSON,2007b, p. 34-37).

Hélio Jaguaribe é um caso arquetípico, já dentrodo segundo período, em que começa a formar-seum campo acadêmico de “ciências sociais”.Forma-se em Direito e, assim, inscreve-se nopadrão da geração de “cientistas sociais” daprimeira metade do século XX, de formaçãojurídica. Intelectualmente, começa marxista,assimila o culturalismo-historicismo neo-kantianoalemão e, finalmente, a “teoria crítica”, que opermite reunir o marxismo e o culturalismo neo-kantiano (KUMASAKA & BARROS, 1988b, p. 3).Representa e defende uma visão de ciência socialindiferenciada, entre a Economia, Sociologia,Filosofia, política etc. e, concomitantemente, afigura do intelectual engajado, do homemdedicado à cultura e engajado em projetos políticos.Nesse sentido, funda em 1953 o Instituto Brasileirode Economia, Sociologia e Política (Ibesp) e, em1955, o ISEB, cujo quadro de intelectuais seriaresponsável pela elaboração e difusão do“desenvolvimentismo”, além de vários estudosteóricos em várias áreas das ciências sociais e daeconomia (JAGUARIBE, 1979). Vejamos, a seguir,algumas passagens, também extraídas de entrevistaconcedida pelo autor, para ilustrar essasproposições.

“Hiro – Mas o senhor exerceu Direito, isso éque espantou nessa entrevista.

Hélio Jaguaribe – É verdade. Veja bem, acolocação é incorreta. Deveria dizer que, noperíodo que procedeu meu ingresso àUniversidade, eu ainda não tinha uma preocupaçãocom consciência social. Comecei a vida intelectualpensando que iria ser escritor e voltaria um poucopara a poesia e para a coisa literária. No final daadolescência esse interesse transformou-se eminteresse filosófico. Confesso que, no fundo, eusou um filósofo e espero voltar a uma cogitaçãofilosófica nos anos de minha velhice. Mas,circunstâncias várias, problemas no Brasil, desafioda compreensão de porque nós funcionamos mal(como quem nasce em uma família de loucos temtendência para ser psiquiatra, quem nasce emsociedade subdesenvolvida e está angustiado comisso, tem tendência à ciência social), isso me levou,a partir da minha formação jurídica – que, naqueletempo, muito mais que hoje, era muito sociológica– a entrar na ciência social. Mas eu tinha apreocupação de ter uma vida não miserável e podercombinar uma vida razoável, de classe média, comuma vida intelectual. Então, a advocacia me abriuesse caminho. Comecei minha carreira prática coma advocacia. [...] Isso me permitiu, nesse tempo,financiar meus projetos, a revista ‘Cadernos doNosso Tempo’. Isso me deu, enfim, essa entradana vida pública” (KUMASAKA & BARROS,1988b, p. 25-26).

E falando da relação do intelectual com apolítica: “Qual é a possibilidade do intelectual deser ouvido pelo militante se ele se torna umconcorrente do militante, disfarçado de intelectual?Não tem sentido. E as pessoas não são tolas etudo que é falso não vinga. Eu sustentava, então:‘Somos intelectuais, um intelectual pensa epropõe’. Propõe, defende, tal tese, mas não disputacargo, não pretende ser eleito. Ele está propondouma influência prática, mas desinteressadamente.É isso que torna possível um diálogo válido entreum político militante e um intelectual. Mas essepessoal, disfarçado de intelectual, quer serdeputado, quer ser ministro. É razoável que opretendam, mas não pensem fazê-lo como titularde uma magistratura intelectual” (idem, p. 12).

As dimensões do trabalho intelectual são a“teoria” e a “prática”, isto é, a práxis da tradiçãomarxista, a prática interessada, especialmentepolítica. O “intelectual”, então, dedica-se

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“desinteressadamente” às idéias (à “teoria”) parapropor cursos de ação – que ele, contudo, nãoleva e não deve levar a cabo.

“Luitgarde – Professor, do que eu ouvi, seriaum equívoco eu entender que toda a suaapropriação do conhecimento do mundo tem sidopela via teórica?

Hélio Jaguaribe – Bem, evidentemente oconhecimento teórico, o saber teórico, só se podeobter por via teórica. Não nos façamos ilusões.Nenhuma praticidade conduz a níveis superioresde elaboração, sem prévia armação teórica.Portanto, da praticidade corrente à teoria dosquânta existe um intervalo da cultura, da praticidadecorrente à Einstein existe um intervalo de cultura,e assim por diante. A praticidade corrente nãoconduz a níveis superiores de abstração. É umaingenuidade do pragmatismo supor isso. Mas, deoutra parte, o homem puramente teórico fica semo ‘feedback’ da experiência prática” (idem, p. 5).

Trata-se, a nosso ver, de uma posiçãocomposta essencialmente por disposiçõesfilosóficas (a “teoria”) e políticas (a “prática”; adireção da teoria), com certas pitadas de literatura.Isso fica claro nos próprios termos e qualificaçõesusados por Jaguaribe, quando se refere à suasituação, ao papel do cientista social (que chama,sempre, de “intelectual”) e quando fala sobre suasaspirações intelectuais. Seus temas prediletos são“a sociedade”, interessa-se especialmente pelafilosofia da história e tem predileção pelo grandeensaio teórico. É eminentemente ‘teoricista’ eadepto de uma visão humanística de ciência social.

“Luitgarde e Hiro – E como o senhor encarauma afirmação que tem sido feita, geralmente pelopessoal intelectual do Rio, de que era um intelectualsó com intenção de influenciar decisões, mas nãopreocupado com a institucionalização da práticacientífica?

Hélio Jaguaribe – Isso depende... O ISEB tevede tudo. Eu, pessoalmente, inclusive, souextremamente interessado em filosofia, tenho umaparcela da minha obra dedicada exclusivamente àfilosofia. Tenho um grande interesse em teoriasocial, em teoria do desenvolvimento. Meu livroDesenvolvimento político e desenvolvimentoeconômico é um livro totalmente teórico. Meuestudo Introdução à sociedade não repressiva éum livro teórico. Minha produção teórica é grande,

não sou de nenhuma maneira infenso à teoria. Mas,por outro lado, essa minha angústia de contribuirpara a modificação da sociedade me leva a acharque tem tantas pessoas que estão na vida teóricapura, que há suficiente espaço para aqueles quepensam a realidade contemporânea e aproblemática teórica com uma certa vista àtransformação social” (idem, p. 18).

Observamos, nos documentos consultados,que Jaguaribe não se refere à pesquisa empíricaem nenhum momento: o trabalho do “intelectual”é teórico, trata de teoria e gera mais teoria; o contatocom a realidade, por sua vez, é sempre “prática”,isto é, prática política, de “transformação domundo” orientada pela teoria. Prática que, aliás,não compete ao “intelectual” executar: o ‘contatocom o real’ não faz parte do trabalho do “cientistasocial”, não está dentro do âmbito do trabalhocientífico-acadêmico, já que se trata do domínioda aplicação prática, do militante, do político. Háuma divisão do trabalho intelectual-militante queconfere a este último a obrigação de lidar com ascoisas da vida. Assim, o que há de “prático” notrabalho intelectual é, simplesmente, o fato deconstituir um projeto político, em vez de orientar-se exclusivamente por razões lúdicas. Dessemodo, as questões relativas à validade doconhecimento não envolvem o teste e a verificaçãoempírica, manifestando uma confiança absolutana capacidade de abstração do analista. O trabalhopropriamente intelectual é essencialmente teórico– quando não puramente teórico, como ostrabalhos isebianos de teoria social e econômica(JAGUARIE, 1979) –, estando distante de ummodelo científico de trabalho acadêmico-intelectual. Nessa visão, as “ciências sociais”distinguir-se-iam da filosofia somente pelo objeto,a “sociedade”, e pela orientação política da “teoria”,resguardando a pureza da disciplina mãe dasmarcas grosseiras do mundo real.

A nosso ver, tal gosto aristocrático pelacultura e pelas idéias é decisivo nosposicionamentos metodológicos, epistemológicose teóricos assumidos, como, por exemplo, adistância ou mesmo desprezo pela pesquisaempírica ou pelo rigor lógico e a atração por meiosde produção mais espontâneos, individuais (teoriade fulano; estilo de sicrano) e carregados devirtudes espirituais, sendo, pois, simbolicamenterentáveis em um universo social marcado peladistinção.

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Tal visão humanística do trabalho intelectualseria “importada” para o campo acadêmico, apartir de meados da década de 1930, e iria ajustar-se progressivamente a princípios de organizaçãoe de avaliação do trabalho e a valores propriamenteacadêmicos, formando uma espécie de campoacadêmico-intelectual, próprio da área da filosofiae das ciências humanas (ARRUDA, 1995;MICELI, 2001; PEIXOTO, 2001; JACKSON,2007a; 2007b). Sendo a autonomização de umcampo acadêmico uma condição necessária parao surgimento de um campo de Ciência Políticarelativamente autônomo e, com ele, de uma formamais profissionalizada, especializada e mesmocientífica de estudo de temas políticos, do pontode vista da formação de um campo específico deCiência Política, acreditamos que essa visão daciência política tenha contribuído em pelo menosduas frentes: 1) instituindo uma forte tradição depensamento e reflexão política, que se transfereao campo acadêmico e estimula a formação denovas posições acadêmico-intelectuaisespecialmente interessadas em temas políticos; 2)a problemática do Estado-nação, forte entre 1930e 1950, colocaria o “Estado” no centro dasatenções do pensamento político brasileiro, abrindocaminho para o estatismo, manifestado emposições como os marxismos gramsciano eestruturalista (FORJAZ, 1997, p. 7), e, por meiodeles, para a “autonomia do político” e o“politicismo” (de ordem e objeto), próprio daCiência Política strictu sensu, como as abordagensneo-institucionalistas. Além disso, impinge algumasmarcas no campo de produção da Ciência Política,em função da proximidade social e cultural desteem relação ao campo acadêmico-intelectual das“ciências sociais”, no qual se cria e do qual sedestaca. Assim, do ponto de vista teórico-metodológico, tal visão também estimulariadiretamente a constituição de posições “teoricistas”e “societalistas” (de ordem e objeto) no campo deprodução da Ciência Política.

IV.2.2. A proximidade com as “ciências sociais” eo societalismo

A visão “societalista” de ciência política refere-se às “ciências sociais”, mais especificamente àsociologia. Toma forma no segundo período, emespecial entre a década de 1950 e o fim da de1960, e depende da institucionalização acadêmicadas “ciências sociais” brasileiras, em que seinstitucionaliza em paralelo o estudo de temaspolíticos, cada vez mais associado àquelas. Do

início ao fim desse período, a ciência política vaigradativamente afastando-se do Direito eaproximando-se ou mesmo confundindo-se coma Sociologia, sob a rubrica das “ciências sociais”,tanto culturalmente, em suas abordagens, comoinstitucionalmente, passando a instituírem-sematérias de “política” ou de “ciência política” nascátedras de Sociologia e nas faculdades deFilosofia, nas quais os cursos de Ciências Sociais,em geral, inseriam-se (LAMOUNIER, 1982, p.409-419; QUIRINO, 1994; ALMEIDA, 2001, p.239-255; ARRUDA, 2001, p. 286-318; JACKSON,2007a, p. 119).

A reflexão política nas “ciências sociais” érelativamente tardia, vindo a surgiresporadicamente durante a década de 1950 e aestabelecer-se em meados da década de 1960,enquanto os cursos de Ciências Sociaisinstitucionalizam-se desde a década de 1930, apartir da criação, na USP, da Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras e, nesta, de duascátedras de Sociologia. Alguns autores sugeremque a causa desse “atraso” tenha sido o domíniodas orientações durkheimiana e etnológica naSociologia (que é o foco das “ciências sociais”)38

(LAMOUNIER, 1982, p. 417; QUIRINO, 1994;FORJAZ, 1997), o que pode ter contribuído paramanter os temas políticos associados ao Direito,especialmente às áreas Direito Constitucional,Público e do Trabalho. Tal situação mudariasubitamente durante a década de 1960, em funçãode dois processos relacionados: o crescimento daimportância de temas políticos no campoacadêmico (brasileiro e internacional) e aradicalização ideológica no campo político.

Assim, ainda que a Ciência Política sóaparecesse como tal na USP em 1974, temaspolíticos passam a constituir as principaispreocupações do grupo de sociólogos ligados àcátedra de Sociologia I, de Florestan Fernandes.

38 No início, o “político” era abordado (se é que o era) nacátedra de Direito Público: sucedendo-o, a cátedra de Políticaviria a ser criada em 1940 – vindo a ser ocupada por PaulArbousse-Bastide, um sociólogo durkheimiano (QUIRINO,1994, p. 339-340; TRINDADE, 2005, p. 88). A respeitoda orientação teórica de Arbousse-Bastide e da hegemoniada tradição durkhemiana na Sociologia e na Etnologiafrancesas, importada para o curso de Ciências Sociais daUSP por meio da missão francesa, cf. Quirino (1994) ePeixoto (2001, p. 497-501).

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Curiosamente, a própria trajetória intelectual deFlorestan parece retratar o movimento intelectualgeral que marcou o campo das ciências sociais:inicia a carreira próximo da sociologia francesa,do funcionalismo e do estruturalismo; interessa-se por temas etnológicos e posiciona-se como umadepto de uma sociologia rigorosamente científica;progressivamente aproxima-se de Marx e de Weberaté, finalmente, elaborar uma espécie de sociologiaaplicada, de esquerda, profundamente preocupadacom os problemas socioeconômicos que afligiamo país (ARRUDA, 1995, p. 175-181). Florestanreúne em torno de sua cátedra um grupo desociólogos que realiza estudos em regime semi-profissional (idem, p. 194). À medida quetranscorrem os estudos, o marxismo torna-se aorientação de maior influência (associado a certaspitadas de Weber) e, juntamente com os novostemas de estudo, manifesta-se um deslocamentovigoroso de uma sociologia mais gnosiológica eculturalista em direção a uma sociologia econômicae política. A formação dos projetos de pesquisa“A empresa industrial em São Paulo” e o ambicioso“Economia e sociedade no Brasil” (JACKSON,2007a, p. 122), entre outros, é um indíciosignificativo disso, bem como a produção dogrupo, subseqüente a 1961, quando FernandoHenrique Cardoso e Octávio Ianni defendem suasteses de doutorado, a qual se volta a problemasestruturais da sociedade brasileira responsáveis porseu “subdesenvolvimento” (ARRUDA, 1995, p.200-206).

Assim, no decorrer da década de 1960, achamada “escola paulista” desloca o foco deatenção a temas políticos e econômicos, masconserva uma posição teórico-metodológica“societalista” (de ordem), baseada em estruturassociais e econômicas. A sociologia política eeconômica desenvolvida, contudo, passa a comporindubitavelmente o pensamento político brasileiroe o campo de produção da Ciência Política,produzindo efeitos neste, sejam eles positivos,influenciando cientistas políticos de formação ousociólogos interessados em temas políticos aadotarem elementos de sua abordagem, sejam elesnegativos, fazendo que sociólogos e cientistaspolíticos assumam sistematicamenteposicionamentos de crítica.

Além da USP, constituiu-se um forte núcleode concentração marxista na Unicamp, nodecorrer das décadas de 1970 e 1980, com algumasfiguras de proeminência nas Ciências Sociais e na

Ciência Política, como Décio Saes, Álvaro Bianchie Armando Boito Jr., fortalecendo a tradição jáconstituída de estudos envolvendo temas políticosnas Ciências Sociais.

No Rio de Janeiro, a reflexão política ligada às“ciências sociais” é anterior à USP, talvez pelaausência da orientação sociológica acadêmica edurkhemiana, proeminente nesta até a década de1960. No bojo do processo de institucionalizaçãodas “ciências sociais”, cria-se em 1953 o InstitutoBrasileiro de Economia, Sociologia e Política(Ibesp), reformulado em 1955 quando passou ase chamar Instituto Superior de Estudos Brasileiros(ISEB). Os temas políticos propriamente ditosvigoravam no ISEB. Ainda assim, o que se faziado lado carioca lembra pouco o que se entendehoje por Ciência Política: à maneira dos pensadorespolíticos do começo do século, os isebianosproduziam ensaios de teoria social e doutrinaspolítico-econômicas, elaboradas para produzir ouorientar a ação política (JAGUARIBE, 1979).Alguns autores apontam, inclusive, para aproximidade do ISEB (e de outras instituiçõesuniversitárias cariocas, como a Universidade doBrasil) com o poder político federal, sugerindo aprimazia do comprometimento ideológico sobre aliberdade acadêmica e científica (MICELI, 2001,p. 113-114). Fato ou não, parece ser verdade queo ISEB não estava comprometido com a formaçãoe autonomização de um campo acadêmico deCiências Sociais, sendo mais uma espécie deintelligentsia39, ao contrário do que ocorreraparalelamente na USP40.

Forma-se, assim, uma tradição de pensamentoque assimila temas políticos a abordagens quemobilizam ordens das mais diversas para explicar,descrever ou interpretar fatos de natureza tambémdiversa. Tende-se a definir “político” de maneiraampla, referindo-se a formas específicas de relação

39 Sobre os objetivos do ISEB, em especial sua orientaçãode produção de estudos teóricos com vistas à aplicação porvias políticas, em vez de formar um quadro de profissionaisem ciências sociais, consultar a entrevista de Hélio Jaguaribeconcedida a Hiro Barros Kumasaka e Luitgarde Barros(KUMASAKA & BARROS, 1988b, p. 10-11, 19) e seubalanço crítico da história e da produção isebiana, emJaguaribe (1979).40 Sobre as causas da formação de uma iniciativacomprometida com a autonomização acadêmica das“ciências sociais” na USP, cf. Miceli (2001).

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ou interação entre grupos, classes ou frações do“mundo” ou da “totalidade” social, atravessadaspor forças diversas, não somente políticas. Nessesentido, quando abordada, a política institucionaltende a ser entendida como um conjunto de fatosdependentes de fatores externos, especialmentesociais, como a origem social, seu habitus, àdinâmica de classe, constrangimentos econômicosetc. Apesar disso, a visão de ciência políticavinculada à Sociologia não é necessariamente“teoricista”, havendo uma dispersão de abordagens“societalistas” no contínuo empírico-teórico,manifestando, assim, a diversidade metodológicada própria Sociologia41.

IV.2.3. O “grupo” mineiro-carioca e a auto-nomização da Ciência Política

O período que se inicia com ainstitucionalização nacional da pós-graduação nocampo acadêmico brasileiro é marcado peloaprofundamento da autonomização institucional daCiência Política, por meio da criação de programasde mestrado e doutorado específicos, em que seinstitui, de fato, um subcampo acadêmico própriodessa disciplina. A questão da autonomia cultural(teórica, metodológica, de objeto), contudo,continuaria um impasse, conservando-se posiçõesdesfavoráveis a ela, inclinadas à manutenção dosvínculos de dependência cultural com outrasciências humanas e sociais. Não havendo,portanto, consenso quanto à visão de ciênciapolítica que defina e distinga a disciplina.

A visão favorável a uma Ciência Políticaautônoma institucional e culturalmente,estabelecendo-se nas décadas de 1960 e 1970,forjou-se em grande medida na trajetória do grupode cientistas políticos e sociais mineiros que seformaram no curso de Sociologia e Política daantiga Faculdade de Ciências Econômicas daUFMG e que, juntamente com alguns cariocas,fundariam dois centros de Ciência Políticarelacionados, o Departamento de Ciência Política,na UFMG, e o Iuperj42. A principal característica

deste “grupo” é o posicionamento sistemático afavor da pesquisa empírica nos estudos da CiênciaPolítica e das ciências sociais em geral. Sãodistintivamente críticos do “teoricismo” e infensosa qualquer postura acadêmico-intelectual, emciências sociais, que não submeta abstrações aum rigoroso controle empírico. Tambémsignificativa, mas menos consensual entre oselementos do “grupo”, é o posicionamentofavorável ao “politicismo” (de objeto e, em menorgrau, de ordem e objeto). A nosso ver, sua tomadade posição no campo das ciências sociaisbrasileiras produz os seguintes efeitos: 1) são osresponsáveis diretos da autonomizaçãoinstitucional da Ciência Política, destacando-aoficialmente das “ciências sociais” e da Sociologiae demarcando um campo institucional específico;2) são os principais responsáveis pela introduçãono campo de produção das ciências sociais,especialmente na fração de Ciência Política, deáreas temáticas e abordagens de orientação“empirista” e “politicista” (de objeto), abrindo umimportante precedente para que outros elementosdessas orientações desenvolvessem-se no Brasil.Esses efeitos conjugados estimularam, a nosso ver,a autonomização institucional e cultural da CiênciaPolítica brasileira, fazendo o “grupo” mineiro-carioca e o “eixo” UFMG-Iuperj os pioneiros desseprocesso.

Tomando os mineiros como referência,acreditamos que os seguintes fatores, combinados,sejam responsáveis pelos posicionamentos do‘grupo’ e seus efeitos.

No período de graduação, em meados dadécada de 1950, os mineiros formam-se em umcurso de “Sociologia e Economia” carregado dedisciplinas jurídicas e econômicas, além dapresença da estatística e matemática, o que eraincomum nos cursos vinculados a faculdades de

41 Os dados que suportam essa proposição serãoapresentados, em breve, em um próximo trabalho, dedicadoà análise estatística da produção acadêmica da CiênciaPolítica brasileira de 2004 a 2008. Por enquanto, pode-seconsultar o primeiro capítulo de minha dissertação demestrado (LEITE, 2010).42 Os seguintes acadêmicos são as referências do “grupo”

mineiro-carioca do “eixo” UFMG-Iuperj: WanderleyGuilherme dos Santos, Fábio Wanderley Reis, BolívarLamounier, Antonio Octávio Cintra, Simon Schwartzman,Amaury de Souza, Edmundo Campos Coelho, Eli Diniz,Olavo Brasil de Lima Jr., Renato Boschi, Teotonio dosSantos, Vinicius Caldeira Brandt, Herbert José de Souza,Ivan Ribeiro, Élcio Saraiva, Maurício Cadaval, José Murilode Carvalho e Vilmar Faria. Os mineiros são maioria, emnúmero de acadêmicos.

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Filosofia43 (ARRUDA, 2001, p. 307-318). Osestudos partidários e eleitorais já eram umapreocupação importante no curso, e do ‘grupo’mineiro (OLIVEIRA, FERREIRA & CASTRO,1998, p. 364), o que, aliás, manifestava-se nosconflitos com o grupo de Orlando de Carvalho,que também estudava partidos e eleições, mas naFaculdade de Direito e sob prisma jurídico(Lamounier apud FORJAZ, 1997, p. 16). Háindícios na literatura de que esse conflito eramotivado por fatores teórico-ideológicos, em queos integrantes do “grupo” mineiro acusavam aabordagem dos juristas de “formalista” e“conservadora” (FORJAZ, 1997, p. 15-16), e porum conflito profissional oriundo da sobreposiçãode interesses de pesquisa envolvendo posiçõesacadêmicas próximas mas suficientementedistintas, engendrado, pois, pela competição porum espaço profissional (idem, p. 13 e p. 15-16,em especial as declarações de Bolívar Lamounier).A própria ocorrência de um conflito com essascaracterísticas, em torno dessas circunstâncias,indica-nos que os mineiros já se interessavam pelapolítica institucional, objeto à época tipicamentejurídico, com a diferença de que se vinculavaminstitucionalmente – e culturalmente – a disciplinasdas “ciências sociais”.

Assim, fora do eixo Rio-São Paulo e já em finsda década de 1950, algo relativamente próximode uma concepção atual de Ciência Política já erafeito nas faculdades de Direito e de Economia daUFMG. A Revista Brasileira de Estudos Políticos(RBEP), vinculada à Faculdade de Direito eliderada por Orlando de Carvalho, publicoutrabalhos de estudos eleitorais, partidários e deanálise institucional que em certa medida antecipamas abordagens “politicistas” da Ciência Políticacontemporânea, mas a partir da óptica do DireitoConstitucional (LAMOUNIER, 1982, p. 417-418;FORJAZ, 1997; ARRUDA, 2001, p. 329).

Ainda que os mineiros tenham se oposto aogrupo de Orlando44, julgamos ser provável que

essa tradição de estudos, na qual eles inseriam-se,tenha contribuído para sua predileção pela políti-ca institucional, a adesão a abordagens“politicistas” e o posicionamento favorável à Ci-ência Política autônoma, depositando predisposi-ções que floresceriam com a pós-graduação naFaculdade Latino-Americana de Ciências Sociais(Flacso) e nos Estados Unidos45. Assim, em umdos lados, temas políticos são tratados estritamenteà luz do Direito, implicando, teoricamente, uma“ciência política” totalmente dependente deste. Dooutro, a presença do Direito é menor, abrandadapela tradição sociológica, além da presença de dis-ciplinas econômicas e de administração. A nossover, essa situação manifesta, no interior de umasó instituição, a situação ambivalente da ciênciapolítica e o germe do aprofundamento de suaautonomização. Do outro lado, as influências so-ciológicas46 e o pertencimento a uma posição aca-dêmica e profissional ligada à “sociologia políti-ca” estimularia esses acadêmicos a distinguirem-se do Direito47. Processando o objeto políticooriundo de uma abordagem jurídica a partir deinfluências sociológicas e econômicas, o desenla-ce seria a inclinação a uma Ciência Política de fei-ção contemporânea e a uma visão “politicista” (deobjeto) desta, enfatizando a política institucional.

Aliás, há na literatura indícios de que durante agraduação os mineiros tinham um forte interessepolítico prático – muitos, inclusive, militavam na

43 A proeminência dessas disciplinas pode ser atribuída aoobjetivo inicial do curso, de formar elites técnicas paracompor cargos administrativos em instituições do Estado.Cf. Arruda (2001, p. 207-303).44 Sobre as afinidades entre a abordagem representada porOrlando de Carvalho e o “neo-institucionalismo”, cf.Lamounier (1982, p. 417-418). Aliás, o “acerto de contas”

de Bolívar Lamounier com a obra de Orlando de Carvalho écompreensível, já que ele seria um dos mineiros a aderir aabordagens institucionalistas (seria, mesmo, um dos seuspioneiros no Brasil) e a fazer estudos partidários einstitucionais, à medida que passasse a opor-se ao“societalismo” marxista.45 Os trabalhos publicados pelo próprio grupo de Orlando,aliás, parecem ter chamado a atenção do grupo mineiro àimportância da política institucional (ARRUDA, 2001, p.329; LAMOUNIER, 1982, p. 415-416)46 Elementos da formação sociológica dos mineiros podemser conferidos na entrevista de José Murilo de Carvalhoconcedida a Oliveira, Ferreira e Castro (1998), de GláucioAry Dillon Soares concedida a Gomes e D’Araujo (2008),e em Arruda (2001, p. 356-360).47 Bolívar Lamounier faz uma curiosa observação,sugerindo que, não fosse o conflito profissional oriundo dacompetição entre a Faculdade de Direito e a de Economia eAdministração, provavelmente o grupo de cientistaspolíticos mineiros seria um grupo de advogados (FORJAZ,1997, p. 16).

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política estudantil (OLIVEIRA, FERREIRA &CASTRO, 1998, p. 356-360) – e que esse inte-resse tenha estimulado a tomada da políticainstitucional como foco de estudo e tenha sidoum fator de aproximação entre o “grupo” mineiroe cientistas sociais cariocas deslocados ou quenão mais se encaixavam no padrão militante-inte-lectual das “ciências sociais” no Rio de Janeiro.Nesse sentido, Forjaz propõe que a forte culturapolítica de Minas Gerais e a cultura político-mili-tante dos cariocas contribuiu para que se aproxi-massem – focando temas políticos. Isso, também,estaria por trás da adesão a abordagens eposicionamentos “politicistas” (de objeto e de ob-jeto e ordem): “A inclinação para a política dosmineiros, que os transforma em atores importan-tes do processo de afirmação da Ciência Políticabrasileira, encontra eco na tradição intervencionistae militante das ciências sociais no Rio de Janeiro,imensamente marcada pela experiência isebiana [éo caso de Wanderley Guilherme dos Santos]. Ointercâmbio e a comunicação fluem facilmenteentre esses dois grupos de intelectuais ancoradosem uma concepção de ciências sociais na qual aesfera da política é extremamente valorizada”(FORJAZ, 1997, p. 12).

“Os nossos contatos intelectuais, queprocuravam acentuar mais a análise política, eramno Rio de Janeiro. O eixo era Minas-Rio. Asrevistas de Minas, a Brasileira de Estudos Políticose a Brasileira de Ciências Sociais tentavam publicargente do país inteiro, mas quem atraía mais aatenção era o pessoal do ISEB. Como GuerreiroRamos e Hélio Jaguaribe, que tinham muito o quedizer enquanto cientistas políticos” (Lamounierapud FORJAZ, 1997, p. 13).

A seguir, com a intensa influência intelectualdos cursos de especialização e mestrado na Flacsoe do doutoramento nos Estados Unidos,acrescidos à desilusão política com o golpe militarde 1964, deslocaria o interesse político à ciênciada política: o foco continuaria sendo a política,mas a partir de uma abordagem positiva eeminentemente empírica; esta última característica,aliás, tendo raízes na graduação.

Outro provável fator de influência sobre asposições acadêmico-intelectuais do “grupo”mineiro é o regime de bolsas de estudo no cursode Sociologia e Economia, que conferiu a este umcaráter altamente competitivo esemiprofissionalizado, exercendo um forte

estímulo para que os graduandos bolsistasprofissionalizassem-se e seguissem a carreiraacadêmica (ARRUDA, 2001, p. 304; OLIVEIRA,FERREIRA & CASTRO, 1998, p. 359-363;MICELI, 1993, p. 59). De forma semelhante aogrupo de estudantes que se formou em torno deFlorestan Fernandes, na USP, tais circunstânciasde trabalho inclinariam os mineiros à especializaçãoe à profissionalização da atividade acadêmica que,por sua vez, combinadas com o foco sobre apolítica institucional, incliná-los-ia a favorecer aespecialização da Ciência Política e mesmo, nocaso de alguns, como Simon Schwartzman,Bolívar Lamounier e Wanderley Guilherme dosSantos, a deliberadamente buscá-la.

No que se refere especificamente à posiçãoteórico-metodológica estabelecida na década de1970, o fato mais importante parece ter sido aexperiência na Flacso. Após a graduação, váriosmineiros e cariocas vão ao Chile para pós-graduarem-se nessa instituição, que então já eraum núcleo em que as ciências sociais norte-americanas exerciam forte influência. “De Minas,foram Fábio Wanderley, Bolívar Lamounier, SimonSchwartzman, Amauri de Souza. Do Rio,Wanderley Guilherme, César Guimarães, CarlosHasenbalg. Posteriormente, foram também RenatoBoschi, Elisa Reis, Olavo Brasil, os três de Minas”(José Murilo de Carvalho apud OLIVEIRA,FERREIRA & CASTRO, 1998, p. 365). Lá, sãofortemente influenciados pela ciência social norte-americana; seu empirismo, sua forte atenção àpesquisa empírica, em especial. Diz a respeitoAntonio Octávio Cintra: “E a Flacso foi,literalmente, uma lavagem cerebral... a gente jáestava predisposta... realmente era uma orientaçãomuito da Sociologia norte-americana. Então, nósvoltamos muito imbuídos daquilo tudo... Muitoneo-positivismo... essa foi uma grande influência”(Cintra apud ARRUDA, 2001, p. 321). A orientaçãometodológica paralelamente empirista e quantitativada Flacso (aliás, tipicamente norte-americana) e acontinuidade ante a formação adquirida nagraduação manifestam-se claramente nas palavrasde José Murilo de Carvalho, que reproduzimos aseguir: “Ele [Johan Galtung, discípulo de PaulLazarsfeld e professor na Flacso] vinha pararecrutar. Fui entrevistado por ele para ir para aFlacso e fui aceito, mas sem bolsa, porque nãoconsegui resolver uma equação, imagino quebastante simples, que ele me mandou resolver naentrevista. Minha álgebra não foi suficiente... Sem

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bolsa, como eu não tinha dinheiro, não pude ir.Isso já mostra o estilo de orientação deles,particularmente do Galtung: uma orientação muitomatemática, muito quantitativa, que tinha muito aver com a ciência social norte-americana. O únicogancho que esse tipo de estudo encontrou naFaculdade de Ciências Econômicas foi via estudoseleitorais. Isso já existia lá, Orlando de Carvalhotinha isso na Revista Brasileira de EstudosPolíticos, e por aí não houve um corte significativo.Mas do ponto de vista geral houve uma mudançaimportante, que na época, inclusive, gerou debate.Eu me lembro de um artigo do Antônio OctávioCintra que se chamava “Sociologia: ciência fática”.Wanderley Guilherme dos Santos, que então estavano Iseb, respondeu com muita ênfase, como lhe épróprio. Posteriormente Wanderley também foipara os Estados Unidos, mas certamente havia umconflito bastante grande entre a nova orientação eo que se praticava em São Paulo e no Rio de Janeiro,particularmente no Iseb” (Carvalho apudOLIVEIRA, FERREIRA & CASTRO, 1998, p.362).

Nesses termos, é como se a experiência naFlacso atualizasse disposições previamenteadquiridas, direcionando os cientistas sociaismineiros a orientações empíricas e, com a CiênciaPolítica norte-americana, ao ‘politicismo’ (deobjeto). O doutoramento nos Estados Unidos, demeados dos anos 1960 a meados dos 1970, seriao prolongamento natural dessa trajetória. Lá sedoutoram Fábio Wanderley Reis (University ofHarvard), Wanderley Guilherme dos Santos(Stanford University), Simon Schwartzman(University of California, Berkeley), AntonioOctávio Cintra (Massachusetts Institute ofTechnology), Bolívar Lamounier (University ofCalifornia, Los Angeles), Renato Boschi(University of Michigan), Gláucio Ary DillonSoares (Washington University St. Louis) e JoséMurilo de Carvalho (Stanford University), paramencionar alguns. Com a exceção de Gláucio, quese doutora em Sociologia, todos o fazem emCiência Política. Retornariam ao Brasil prontospara tomar uma posição entre a elite do campodas ciências sociais, combatendo as posições“anticientíficas” estabelecidas no campo – emespecial, o marxismo. A nosso ver, são asexperiências na Flacso e nos Estados Unidos,somadas ao interesse em política (em especial, apolítica institucional), que aproximariam cariocase mineiros, além da emigração de mineiros para o

Rio de Janeiro no decorrer da década de 1970 –em especial para o Iuperj – em virtude deproblemas com o estabelecimento doDepartamento de Ciência Política na UFMG(ARRUDA, 2001, p. 321 e p. 362-365),fortalecendo os laços.

A tomada de posição dos cientistas políticosmineiros e cariocas não decorre somente de suastrajetórias acadêmicas: encontram condiçõesobjetivas propícias para realizar-se. Em 1968inicia-se um extenso processo de reforma dosistema universitário brasileiro e um vigorosoprograma de expansão da pós-graduação, em queas ciências sociais, antes pouco consideradas pelasagências governamentais de fomento, passariama ganhar cada vez mais espaço, tanto no ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq), que em 1964 passara a sera instituição responsável por formular a políticacientífico-tecnológica nacional, como naCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Capes), além de outras agênciasregionais, como a Fapesp. É também na segundametade da década de 1960 que a Fundação Ford,estimulada pelo cenário político internacional deescalada da influência acadêmica e política domarxismo e do comunismo, implantaria um amploprojeto de financiamento às ciências sociais naAmérica Latina e, em particular, no Brasil(MICELI, 1990; 1993; 2001; REIS, 1993).Desconfiada das tendências ideológicas daSociologia (não por menos, dado o crescimentovigoroso do marxismo na academia latino-americana nos anos 1960), a Fundação Fordfocaria a Ciência Política e a Antropologia, emespecial por tratarem-se, então, de disciplinaspouco institucionalizadas no país. Tratou-se deuma oportunidade de exportar os padrõesamericanos de organização do trabalho acadêmicoe científico e suas abordagens teóricas emetodológicas (MICELI, 1990; 1993) a camposacadêmicos incipientes, ainda que, ao que parece,não ter exercido pressão sistemática para controlaras orientações políticas e o pensamento dos grupose instituições financiados48, em parte, como sugere

48 Veja-se, por exemplo, o caso do Centro de Estudos deCultura Contemporânea (Cedec), um centro de pensamentode caráter fortemente de esquerda, criado e sustentado como financiamento da Ford.

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Miceli, pela orientação mais “liberal” do escritóriolatino-americano, que se distinguia da matriz, mais“conservadora” e politicamente preocupada.Assim, a Ford não só financiaria osdoutoramentos de vários integrantes do ‘grupo’mineiro-carioca, como financiaria suas iniciativasno campo institucional, injetando dinheiro noprograma de mestrado em Ciência Política daUFMG (criado em 1969), no do Iuperj (tambémem 1969), além de financiar o Centro Brasileirode Análise e Planejamento (Cebrap) (criado em1969; como se vê, é uma data-chave), o Centrode Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec)(de 1976) e o Instituto de Estudos Econômicos,Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) (de1980), para mencionar os principais. Além disso,há o já mencionado processo de radicalizaçãoideológica generalizado, ancorado em fatospolíticos significativos (ditaduras de direita naAmérica Latina; golpe militar de 1964 no Brasil;Revolução Cubana; Guerra do Vietnã etc.), quecolocaria a política na ordem do dia – inclusivenos campos acadêmicos. Sem a expansão da pós-graduação, o apoio da Fundação Ford e o própriocenário político internacional (que influencia aação da Ford) não vemos como a posiçãoacadêmico-intelectual do grupo mineiro-cariocapoderia ter se convertido em posiçõesinstitucionais, sem as quais não seria possívelproduzir a influência que produziriam com o“eixo” UFMG-Iuperj.

Influenciados pelo modelo norte-americano deciência social, altamente profissionalizada eespecializada, baseada na figura do scholar e nadivisão do trabalho em redes de pesquisadoresorganizados em torno de temas comuns, naveiculação da produção a partir de periódicos,favorável à pesquisa empírica e aos métodosquantitativos, grande parte dos cientistaspolíticos mineiros e cariocas viria a acusar a faltade cientificidade das “ciências sociais” brasileirase das inconsistências que tal disposição produziriano estudo do “político”; da política institucional,em especial. Estando as “ciências sociais” (i. e.,a Sociologia) da época marcadas pela ascensãode visões e abordagens humanísticas e mesmohostis à ciência, e estando interessados napolítica, a Ciência Política tornar-se-ia, a nossover, uma espécie de “refúgio” para os cientistaspolíticos mineiros e cariocas. O que não sereduziria a uma questão metodológica,

estendendo-se também à maneira de organizar evalorizar o trabalho acadêmico (MICELI, 1990,p. 34-35).

Contudo, na inexistência de um campo deprodução autônomo, na fração do campo deprodução que abordava temas políticos haviaposições estabelecidas diametralmente contráriasàs orientações teórico-metodológicas de mineirose cariocas – na visão destes, anticientíficas edemasiado “societalistas” (de ordem e objeto).O marxismo, como praticado, seria a principaldessas abordagens. Novamente, o principal focode tensão ocorreria em relação à sociologiapaulista, que, além de marcar-se cada vez maispor uma suposta posição “anticientífica”,caracterizava-se por sua organização e estilo detrabalho à francesa, pela predominância do“ensaísmo” e da orientação “teoricista”, apesardo projeto “cientificista” de Florestan tocado nodecorrer da década de 1950 e do distanciamentorelativo de seu grupo em relação à cultura literáriaque marcara as primeiras gerações e as outrascátedras do curso de ciências sociais (ARRUDA,1995; MICELI, 2001, p. 127-133; PEIXOTO,2001; JACKSON, 2007a).

Sucederia uma intensa luta acadêmico-intelectual, demarcada em torno do tema“político”, em que se buscava fundar de umavez por todas uma ciência social positiva(especialmente por parte de Fábio Wanderley Reise Antonio Octávio Cintra) e a instituir uma CiênciaPolítica institucional e, em menor grau,culturalmente autônoma, baseando-se na idéia deautonomia das instituições políticas(especialmente por parte de Simon Schwartzmane Bolívar Lamounier). O que, por sua vez, nãoseria possível a partir das abordagens“societalistas” (de ordem e objeto), em especialo marxismo, que por princípio recusaria aespecialização profissional baseando-se na idéiade “totalidade social” (evita-se a especializaçãoporque o mundo é um “todo” integrado; aespecialização profissional do trabalho acadêmicoe a especialização dos métodos é influência dosistema de produção capitalista etc.). Embora omarxismo fosse o principal ‘alvo’, também iria-se criticar certas orientações demasiado“sociologizantes” das “ciências sociais”, emespecial a sociologia funcionalista e estruturalista,especialmente a dukheimiana, cujo “desinteressepela política” sabotaria de partida a possibilidadede uma Ciência Política.

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Essa oposição sistemática já se manifesta comclareza nos últimos números da Revista Brasileirade Ciências Sociais49, em que os mineiros, de voltados Estados Unidos, iniciam seu posicionamentono campo, passando a assumir uma posição cadavez mais cristalizada (ARRUDA, 2001, p. 338-339 e p. 354-356). Com o fim do periódico, em1966, e o relativo insucesso do Departamento deCiência Política na UFMG (idem, p. 321) muitosmineiros migram para o Iuperj50, onde já estãoimportantes cientistas políticos cariocas, comoWanderley Guilherme dos Santos, estabelecendoo “eixo” de intercâmbio de pessoal e idéias UFMG-Iuperj. No Iuperj, por sua vez, é criado o principalveículo de posicionamento acadêmico-intelectualdo “grupo” mineiro-carioca, o periódico (com osugestivo nome) Dados. O “grupo” de cientistaspolíticos mineiros e cariocas ganha assim umaexpressão institucional, além das proximidadesteórico-metodológicas e as semelhançasacadêmicas que os aproxima no campo acadêmicoe os une contra adversários comuns.

A posição de mineiros e cariocas transluz nosseguintes trechos, apontados contra o marxismo(paulista). Começando pelo “cientificismo” e o“empirismo”: “A idéia de totalidade, como aencontrarmos desenvolvida e utilizada na produçãosociológica brasileira mais recente, e na forma pelaqual tem curso nas discussões que se dão noambiente universitário ligado às ciências sociais,parece ter como fonte próxima as teses deGurvitch e/ou as teses marxistas. Haveria,também, uma certa correlação entre o recursoheurístico à ‘totalidade’, ‘método dialético’ e os‘métodos intensivos’ ou ‘qualitativos’ de coletade evidências” (Antonio Octávio Cintra apudARRUDA, 2001, p. 356).

“Conceitos como o de ‘interesse objetivo declasse’ (contraposto ao interesse empírico oufenomênico), de ‘falsa consciência de classe’ e‘alienação’, de ‘lógica do processo histórico’ etc.,podem revelar-se efetivos ou não em nível supra-científico de indagação. Não cabe aqui discuti-lo.No nível propriamente científico parecem paralisara investigação sociológica na tarefa de sempreconfirmar qualquer que seja o comportamento darealidade social, as previsões decorrentes do nívelessencial, dos inobserváveis. [...] se não se aceitao próprio método da ciência, e se foge ao âmbitodo conhecimento científico, recusando-se ocritério da auto-correção do conhecimento pelaexperiência controlada e comunicável, a soluçãosó pode vir de pressupostos mais ou menosirracionais: o argumento de autoridade, o dogmade classe ou de nação etc.” (idem, p. 356-357).

Maria Arminda do Nascimento Arruda sintetizao argumento de Antonio O. Cintra: “Osprocedimentos inerentes ao saber empírico são,assim, contrapostos a concepções, como amarxista, que pressupõem a negação daexperiência como forma mais legítima paraconstrução do conhecimento” (ARRUDA, 2001,p. 357; sem grifos no original).

Wanderley Guilherme dos Santos faz eco àsobjeções de Antonio Octavio Cintra, mas referindo-se a um “certo” marxismo: “Dada a influênciaincontestável que o marxismo exerce na produçãolatino-americana é oportuno assinalar que, entreos entraves ao conhecimento sobre política naAmérica Latina, encontra-se uma varianteescolástica do marxismo caracterizada, exatamentecomo o positivismo do século passado, peloonanismo conceitual, pela obsessão definicional,pelo fanatismo do dogma. Ao lado da produçãomarxista de boa qualidade que, juntamente comoutras correntes, tem contribuído para o avançodo conhecimento sobre a realidade política latino-americana, amontoam-se volumes e maisvolumes, ensaios, revistas e opúsculos estritamenteocupados em decifrar o verdadeiro sentido dosensinamentos do mestre, em esclarecer conceitose em distribuir passes de entrada para o círculodos iluminados e verdadeiros marxistas”(SANTOS, 1979, p. 25).

E no que se refere ao “societalismo”, WanderleyGuilherme dos Santos sugere tratar-se de umatendência das ciências sociais latino-americanas:“A busca por um entendimento mais globalizante,

49 Periódico publicado entre 1961 e 1966 pela Faculdadede Economia e Administração da UFMG. Em 1986, aAssociação de Pós-Graduação e Pesquisa em CiênciasSociais (Anpocs) passaria a publicar um periódico com omesmo nome.50 Simon Schwartzman (em 1970), José Murilo deCarvalho (em 1978), Renato Boschi (1976), Elisa Reis(1980), Olavo Brasil de Lima Jr., Bolívar Lamounier,Edmundo Campos Coelho e Eli Diniz. WanderleyGuilherme dos Santos, carioca, seria um dos maioresresponsáveis pelo estabelecimento do Iuperj, em quetambém lecionariam Carlos Alfredo Hasenbalg e GláucioAry Dillon Soares.

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menos parcelado, da realidade política é umacaracterística visível na produção latino-americana. Escassos são os trabalhos de peso que,ocupados somente com uma dimensão apenas dosistema político – seja por exemplo o sistemapartidário, o papel do legislativo ou as políticasgovernamentais –, não procurem de alguma formareferi-los à sociedade global a fim de que ganhempleno sentido e inteligibilidade” (idem, p. 18).

Direcionando-se ao alvo principal, a USP, BolívarLamounier acusa a falta de atenção com a políticainstitucional. Embora a crítica também possa serdirecionada ao marxismo uspiano, tendente a ignorara política institucional, tanto como objeto quantocomo ordem, trata-se essencialmente de uma críticaà tradição sociológica francesa, baseada emDurkheim: “Não se trata aqui de discutir o acertoou não dessa orientação geral dos estudossociológicos da USP. Afirma-se apenas que ela tevecomo conseqüência um sociologismo às vezesexagerado, na medida que [sic] não dirigia a atençãoaos temas propriamente políticos, ou político-institucionais. Esta impressão é confirmada por umrápido levantamento da produção de ciências sociaisda USP. De 37 teses de doutoramento apresentadasdurante o período de 1945 a 1964, [n]o máximo13 poderiam ser classificadas como estudos deCiência Política. Dessas 13, duas tratam dosempresários; três versam sobre relações detrabalho e sindicatos; duas sobre educação emovimentos estudantis; uma sobre movimentosmessiânicos; duas sobre crescimento econômicoe intervenção estatal; três sobre a história dopensamento político. Como se vê, nenhumafocalizou os partidos políticos, em que pese ariqueza, hoje reconhecida da experiênciapluripartidária iniciada em 1945; nenhuma tratoudo sistema eleitoral então adotado, de suastransformações e implicações, ou dos padrões decomportamento eleitoral; e nem mesmo do papeldos militares ou da estrutura das instituiçõesmilitares. A leitora sobre partidos e representaçãopolítica dos anos cinqüenta foi quase todaproduzida nas escolas de Direito ou porpesquisadores isolados, freqüentemente fora doeixo São Paulo-Rio. O próprio fenômeno doademarismo e do janismo, paulista por excelência,embora chamasse imediatamente a atenção dosjornalistas e de alguns sociólogos fora de SãoPaulo, não foi abordado pela sociologia paulistaaté meados dos anos sessenta” (LAMOUNIER,1982, p. 417-418; grifos no original).

Não se trata somente de uma oposição teórico-metodológica, mas uma discordância maisprofunda, que alcança os princípios do trabalhointelectual, manifestando uma visão radicalmenteoposta da própria ciência social e, com ela, deciência política: “Por uma série de motivos quenão nos cabe agora analisar, a sociologia brasileirabusca ainda o rigor científico necessário ao seuprogresso e à sua eficácia. O gosto pelo ensaísmoe o divórcio entre a pesquisa empírica e assistematizações teóricas têm prejudicado ambosos momentos do trabalho científico. Já é hora,portanto, constatada a deficiência, de se tentarcontribuir para superá-la. No nível teórico essasuperação pode ser tentada abandonando-se apretensão de construir esquemas conceituais muitoamplos, desvinculados de toda possibilidade depesquisa empírica comprobatória, para se tentara formulação de teorias específicas sobre aspectosmais modestos da realidade social. Tecnicamente,abandonar as teorias gerais para concentraresforços na elaboração de “teorias de alcancemédio” (Vilmar Faria apud ARRUDA, 2001, p.358; sem grifos no original).

Referindo-se aos trabalhos Empresárioindustrial e desenvolvimento econômico, deFernando Henrique Cardoso, Raízes sociais dopopulismo em São Paulo, de Francisco Weffort eA crise do pensamento sociológico, de OctávioIanni, Fábio Wanderley Reis direcionaria, entreoutras, a seguinte crítica, bastante ilustrativa: “Nãose trata de guerra à dialética, não se trata sequerde defesa do funcionalismo como ‘enfoque’especial que é: trata-se de propugnar umcompromisso mais sério com padrões queorientem o trabalho dos estudiosos dos fenômenossociais em um sentido em que tal trabalho possaser fonte de conhecimentos e não reiteraçãoindefinida de princípios gerais” (Reis apudARRUDA, 2001, p. 358).

Um debate interno ao “grupo” mineiro-cariocaajuda-nos a identificar a importância da questãoda “autonomia do político” e do foco sobre apolítica institucional, manifestando também asoposições entre eles, indicando que oposicionamento no contínuo “politicismo-societalismo” não era consensual – bem menosque no contínuo “empírico-teórico” – ainda que,a nosso ver, assim como para Forjaz (1997),houvesse tendência significativa ao “politicismo”de objeto, variando mais os posicionamentos

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quanto ao “politicismo” de objeto e ordem. Nessesentido, Simon Schwartzman representa umaposição mais próxima da visão de Ciência Políticastricto sensu, autônoma institucional eculturalmente, enquanto Gláucio Ary Dillon Soaresmantém-se um sociólogo, apesar de tratar dapolítica institucional, oscilando, portanto, entre o“politicismo” de objeto e o “societalismo” deordem. Os seguintes trechos, retirados deentrevista de Gláucio a Ângela de Castro Gomese Maria Celina D’Araujo é extremamenteesclarecedora a esse respeito: “[Gomes e D’Araujo]– Sociedade e política no Brasil, ao sair, causoucerto impacto na academia. Era uma primeirasistematização do processo eleitoral no Brasildurante um longo período.

[Gláucio] – Era sociologia política.

[Gomes e D’Araujo] – E aí veio o livro daMaria do Carmo Campello de Souza, Estado epartidos políticos no Brasil, em 1976. Enquantovocê estudava partidos e eleições, ela estudavapartidos e governo.

[Gláucio] – Sim. Antes de ler, encontrei comSimon Schwartzman, e ele disse: ‘É contra agente!’ Simon também me criticava muito por serpela sociologia política. Ele tendia a privilegiar opolítico na explicação do político. Àquela altura játinha publicado São Paulo e o Estado Nacional,com a história das coalizões entre o Sul e Minascontra São Paulo. O que a Maria do Carmo diziaera: ‘Olha, vocês esqueceram os partidos. Tempartido aí’. E a verdade é que nós esquecemos ospartidos, sim. Mas ela não escreveu isso em umsentido hostil, simplesmente afirmou isso, e eraverdade. [...]

Como disse há pouco, quem foi muito críticocom o Sociedade e política no Brasil foi o próprioSimon, mas pessoalmente, verbalmente. Mandeio livro para o Antônio O[c]tavio Cintra, que é umfantástico crítico, para o Simon e para mais alguémpara que fizessem comentários, e o do Simon foique se de via explicar o político muito mais pelopolítico. ‘Pára com esse negócio de urbanização,industrialização, classe’. Acho que Simon estavanegando o passado marxista dele, uma negaçãoque começou na Flacso, porque por um tempoele se entusiasmou com a perspectiva do PeterHeintz. O problema com o Olavo foi o detalhe deque a unidade de análise não devia ser aquela,enquanto Simon dizia que o enfoque estava errado.

Não podia ser sociologia política e afirmar queera ciência política” (Soares apud GOMES &D’ARAUJO, 2008, p. 340-341).

A unidade desse “grupo” de acadêmicos énotável, mas, com efeito, não se pode dizer que o“grupo” mineiro-carioca ou o “eixo” UFMG-Iuperjera monoliticamente favorável a uma visão deCiência Política autônoma culturalmente, sendo,portanto, “politicistas” de ordem e objeto, comomostra a discussão entre Gláucio Ary Dillon Soarese Simon Schwartzman. Acreditamos serconsensual a visão favorável a uma Ciência Políticainstitucionalmente autônoma, a valorização dapesquisa empírica (sendo esta mais forte do que apredileção por métodos quantitativos, que a nossover existe, mas não é consensual51) e a importânciada política institucional. A exata medida em queesta é considerada autônoma varia de autor paraautor, variando, portanto, os posicionamentosquanto à autonomia cultural da Ciência Política.Desse modo, consideramos correta a idéia de queo “grupo” mineiro-carioca e o “eixo” UFMG-Iuperjtenha contribuído para a autonomizaçãoinstitucional da Ciência Política, por meio da criaçãode pós-graduações específicas e, em menor grau,para sua autonomia cultural, pela atenção cedida àpolítica institucional, não abordada antes pelasciências sociais, a qual, combinada com o sucessoacadêmico logrado pelo grupo, pelo Iuperj e porDados, abre um precedente que favorece oumesmo estimula o estabelecimento de abordagense áreas temáticas da Ciência Política stricto sensu,como o neo-institucionalismo, vinculadas a umavisão de autonomia total da Ciência Política – que,aliás, instituiu-se com força inclusive na USP, apartir de 1974, com um departamento e umprograma de pós-graduação especificamente deCiência Política e com importantes cientistaspolíticos vinculados a uma visão stricto sensu deciência política, como Fernando Limongi.

V. CONCLUSÕES

No intuito de direcionar a pesquisa para umaexplicação dos padrões e oposições identificadosna produção acadêmica da Ciência Políticabrasileira contemporânea, elaboramos umahipótese para identificar as causas dos contínuos

51 Ao que parece, a predileção quantitativa é mais fortenaqueles acadêmicos que se pós-graduaram na Flacso.

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“empírico-teórico” e “politicismo-societalismo”,que acreditamos serem os principais responsáveispela forma da produção acadêmica.

Essa hipótese afirma que a produção dependede um conflito entre visões de ciência política, asaber, a visão relativa à figura do “intelectual”, arelativa a cientistas sociais “societalistas” e arelativa à autonomia institucional e cultural daCiência Política. Essas oposições, por sua vez,provêm de uma combinação entre a trajetóriaacadêmica e as posições teórico-metodológicasassumidas, acrescidas a influências propriamentepolíticas. Assim, a proximidade social e culturalcom o campo intelectual ou determinado campoacadêmico, com determinada disciplina ou área,cumpre um papel central na visão assumida. Cadavisão, por sua vez, por meio da ação dos “grupos”e indivíduos que as carregam, produz efeitosdistintos sobre o processo de autonomização daCiência Política, desestimulando-o oufavorecendo-o. Neste último caso, dividindo-seentre o estímulo à autonomia institucional, culturalou ambas.

Nesse sentido, tentamos relacionar as visões adeterminados grupos acadêmicos ou intelectuais,no intuito de identificar, dentro daquele esquemateórico, os fatores determinantes. A figura do“intelectual” é responsável pelas áreas temáticas eabordagens ecléticas, dentro da orientação geraldas Humanidades. Essa visão é a principalresponsável pelo estilo ensaístico e pela tradiçãode pensamento teórico (ou “teoricista”) nas“ciências sociais” e na Ciência Política. Além disso,

estabeleceu as condições culturais para aconstituição da Ciência Política, a partir da fortetradição de pensamento político e pelo fococonferido ao Estado (tanto o fato político como oconceito). A visão “societalista”, oriunda daheteronomia cultural com o campo das “ciênciassociais” e da Sociologia, mantém as fronteirasvagas entre “sociologia política” e “ciênciapolítica”, e é responsável pela forte presença dateoria e de abordagens genuinamente sociológicasno campo de produção da Ciência Política, comoa problemática das classes, das elites sociais e desuas relações com o Estado. Já a visão relativa àautonomia da Ciência Política, forjada a partir datrajetória e da ação do “grupo” de cientistaspolíticos mineiros e cariocas pós-graduados naFlacso e nas universidades norte-americanas,separa institucionalmente a Ciência Política das“ciências sociais” e da Sociologia e contribuidecisivamente para introduzir no campo deprodução abordagens e áreas temáticas“empiristas” e “politicistas” – variando, neste caso,entre o “politicismo” de objeto e o “politicismo”de ordem e objeto.

Por fim, coloca-se uma importante questão, anosso ver ainda não resolvida: se a autonomia dadisciplina depende da autonomia do objeto, comodefinir e tratar o “político” na Ciência Política?E, caso não se acredite em sua autonomia, emque medida faz-se necessária uma ciência dapolítica institucionalmente e profissionalmentedestacada da Sociologia ou de outras ciênciashumanas?

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SOMIT, A. & TANENHAUS, J. 1967. TheDevelopment of American Political Science:From Burgess to Behavioralism. Boston: Allynand Bacon.

TOBIN GRANT, J. 2004. What Divides Us? TheImage and Organization of Political Science.The Society for Political Methodology,Working Papers, 25.May. Disponível em: http:/

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TRINDADE, H. 2005. Ciências Sociais no Brasilem perspectiva: fundação, consolidação eexpansão. In: _____. (org.). As Ciências So-ciais na América Latina em perspectivacomparada. Porto Alegre: UFRGS.

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OUTRA FONTE

CadernoAvaliacaoServlet. Acesso em :30.ago.2010.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

on the social function of this power and/or this State and its relationship to social mores that Durkheim'spolitical sociology should be understood.

KEYWORDS: Emile Durkheim; State; Political Sociology; sociological theory.

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MAX WEBER: PARLIAMENTARY OR PLEBISCITARY DEMOCRACY?

Carlos Eduardo Sell

In his last political writings, Weber engaged in intense debate around the challenges that Germanyfaced at that particular historical moment. Focusing on the end of the Second Empire and the firststeps taken by the Weimar Republic, the author examined the preference for a parliamentary modelof democracy over its plebiscitary variety. The present paper revisits this discussion up and seeks tosituate it within the context of the political evolution of Weber’s thought. At the same time, it seeksto reconstruct Weber’s argument, highlighting the role that the theme of institutions, democracy andrationality play in his evaluation of parliamentary and plebiscitary models of democracy. Finally, wereturn to the earlier issues to suggest a theoretical agenda that demonstrates the possibilities andcurrent relevance of the problems contained in the political sociology that emerges from Weber’spolitical-conjunctural writings.

KEYWORDS: Max Weber; democracy; parliamentarism; presidentialism; institutions; rationality.

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POSITIONS AND DIVISIONS WITHIN CONTEMPORARY BRAZILIAN POLITICALSCIENCE: EXPLAINING ITS ACADEMIC PRODUCTION

Fernando Baptista Leite

This article represents a preliminary, exploratory study of the history of Brazilian Political Science.We seek to aid in the identification of the historical roots underlying the two principles upon whichthe division of academic production in contemporary Political Science is based: the continuumsmarked by the relationships between theory-empirical reality and between the political- the societal.We begin with a theoretical scheme that has been used to interpret the history of Brazilian politicalscience. We then take advantage of this presentation to discuss certain important empirical issues,particularly those of a conceptual order. We then go on to present our research hypothesis, puttogether in reference to this schema, in order to provide a direction for historical explanation. Finally,through our hypothesis and making use of bibliographic evidence, we suggest a tentativeinterpretation. This interpretation turns around the following axes: the processes of institutionalizationand autonomization of the field of Political Science, divided into two types: cultural (values, theories,methods etc.) and institutional (referring to the institutionalization of the discipline) autonomization,involving a conflict that is more or less explicit between different perspectives in Political Science.

KEYWORDS: Brazilian Political Science; history of Political Science; intellectuals; dividing principles;perspectives on Political Science.

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ACCOUNTABILITY FOR OPEN LISTS

Luis Felipe Miguel

This article engages in critical discussion of the perception, common in studies on the Brazilianelectoral system, that proportional representation with open lists is an effective obstacle to

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

(en spécial, l'Etat), surgissent dans la sociologie de Durkheim. En conclusion, nous affirmons que cen’est pas à partir d’une réflexion sur la question du pouvoir (ou sur l'Etat) en soi, mais sur la fonctionsociale de ce pouvoir et/ou de cet Etat et sa relation avec la morale sociale, qu’on doit comprendrela sociologie politique de Durkheim.

MOTS-CLES : Emile Durkheim ; Etat ; Sociologie Politique ; Théorie Sociologique.

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MAX WEBER: DE LA DEMOCRATIE PARLEMENTAIRE OU PLEBISCITAIRE?

Carlos Eduardo Sell

En ses derniers écrits politiques, Weber a examiné avec intensité les défis de l’Allemagne à cemoment historique. En accompagnant la fin du II Empire et les premiers pas de la République deWeimar, l’auteur a passé de la préférence pour un modèle parlementaire de démocratie à sa varianteplébiscitaire. Le présent travail reprend cette discussion et cherche à la situer dans le contexte del’évolution politique de la logique de Weber. Au même temps, on cherche à reconstruire l’argumentation“weberienne”, en mettant l’accent sur le rôle que la thématique des institutions, de la démocratie etde la rationalité occupe dans son évaluation des modèles parlementaire et plébiscitaire de la démocratie.Dans la partie finale, le schéma précédent est repris pour suggérer un agenda théorique qui rendévidentes les possibilités et l'actualité des problématiques, contenues dans la sociologie politique quiémerge des écrits politiques et conjoncturels de Weber.

MOTS-CLES : Max Weber ; démocratie ; parlementarisme ; présidentialisme ; institutions ; rationalité.

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LES POSITIONS ET DIVISIONS DANS LA SCIENCE POLITIQUE BRESILIENNECONTEMPORAINE : EXPLICATION DE SA PRODUCTION ACADEMIQUE

Fernando Baptista Leite

L’article est une étude préliminaire, exploratoire, de l’histoire de la Science Politique brésilienne.Nous cherchons à fournir des éléments auxiliaires pour identifier les raisons historiques derrière lesdeux principes de division de la production académique de la Science Politique contemporaine : lecontinu théorique et le continu de politique et de société. Premièrement, nous présentons le schémathéorique utilisé pour interpréter l’histoire de la Science Politique brésilienne. Nous profitons de cetteprésentation pour discuter quelques questions théoriques importantes, spécialement d’ordreconceptuelle. Deuxièmement, nous présentons l’hypothèse de recherche, construite à la lumière duschéma, avec l’objectif de fournir une direction pour l’élaboration de l’explication historique. Enfin,avec cet hypothèse dans les mains et en utilisant quelques évidences bibliographiques, nous anticiponsune interprétation provisoire. Cet interprétation est basée sur les axes suivants : le processusd’institutionnalisation et le processus d’autonomisation du domaine de la Science Politique, divisé endeux types ; l’autonomisation culturelle (de valeurs, théories, méthodes etc.), et l’institutionnelle (quifait référence au processus d’institutionnalisation de la discipline), qui impliquent un conflit plus oumoins explicite entre des visions distinguées de science politique.

MOTS-CLES : Science Politique brésilienne ; histoire de la Science Politique ; intellectuels ; principesde division ; visions de Science Politique.

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L'ACCOUNTABILITY DANS DES LISTES OUVERTES

Luis Felipe Miguel

L'article discute critiquement la perception, courante dans les études sur le système électoral brésilien,que la représentation proportionnelle avec des listes ouvertes, est un obstacle pour que l’accountability