português - fascículo 02 - gramática e literatura

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Português Fascículo 02 Carlos Alberto C. Minchillo Izeti Fragata Torralvo Marcia Maísa Pelachin

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Page 1: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

PortuguêsFascículo 02

Carlos Alberto C. MinchilloIzeti Fragata Torralvo

Marcia Maísa Pelachin

Page 2: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

Índice

Gramática

Resumo teórico ..................................................................................................................................1

Exercícios............................................................................................................................................3

Gabarito.............................................................................................................................................4

Literatura

Carlos Drummond de Andrade – Alguma poesia .................................................................................6

Exercícios..........................................................................................................................................13

Gabarito...........................................................................................................................................16

Page 3: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

Gramática

Objetivo: treinar conhecimento lexical

Resumo teórico

Conteúdo do resumo teórico

Léxico� Polissemia� Contexto� Variações lingüísticas� Conotação (a metáfora)

Léxico

O léxico é formado pelo conjunto de vocábulos da língua, mas pode-se usar o termofazendo referência ao conjunto de vocábulos de um texto.

Por apresentarem características distintas, as palavras da língua podem ser separadas emdois grupos: as de natureza gramatical (preposições, conjunções, artigos); as de natureza lexical(substantivos, adjetivos, verbos...). As palavras gramaticais formam um grupo fechado, ao qualdificilmente se acrescentam palavras “novas”(talvez apenas por derivação imprópria), ao contrário daslexicais, que são alvo de criação.

O estudo do léxico, em geral, não é feito de modo sistemático, sua aprendizagem é feitaconstantemente, com o próprio uso da língua, durante diálogos, na leitura de textos etc.

O que se espera de um falante de nível médio é que não domine apenas o léxicocaracterístico da linguagem coloquial, mas que reconheça o léxico da norma culta (literária, algo dacientífica) e principalmente saiba identificar sentidos a partir de situações concretas de uso, queapreenda o sentido figurado, que saiba distinguir entre a norma culta e outras variantes, como apopular.

Polissemia

É comum que uma palavra possua mais de um sentido – que seja polissêmica (ouapresente polissemia). Em geral, são os termos de natureza técnica que apresentam um únicosignificado.

Do falante, espera-se que, ao ler, reconheça o sentido em que, dentro de um contextoespecífico, a palavra foi empregada. Exemplo:

Comentando a atuação do presidente Fernando Henrique Cardoso quanto às mudançasda estrutura agrária do país, o economista Celso Furtado disse a Mair Pena Neto, jornalista do Jornaldo Brasil (12/ 11/ 98): “Ele poderia até concordar com o que dissemos, mas uma coisa é a razãosubstantiva, outra é a razão operacional”.

“Substantiva”, na frase de Celso Furtado, é um adjetivo empregado para caracterizar“razão” e significa “definidora, característica”. Não se trata, com certeza, do termo da nomenclaturagramatical, que identifica uma classe de palavras.

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Contexto

Se cada palavra é composta por uma gama (mais ou menos restrita), somente em umcontexto lingüístico, um texto qualquer, que pode ser uma frase ou todo um livro, concretizam-se(atualizam-se) acepções, sentidos. Ou seja, somente em um contexto específico pode-se determinarexatamente o significado de uma palavra (Há mesmo os estudiosos que, de modo algo exagerado,acreditam que uma palavra — o significado de uma palavra — só existe dentro de um contexto).

Como, para um falante qualquer, é impossível conhecer todo o léxico da língua e, alémdisso, durante as leituras que se fazem muitas vezes se precisa resolver questões vocabulares sempoder lançar mão de um dicionário, mas relacionando uma palavra ao todo, espera-se que o falante –mesmo não dominando os possíveis sentidos de uma palavra determinada – possa, a partir decontextos específicos, identificar o significado adequado.

Logicamente, quanto maior intimidade o falante tiver com textos escritos ou com umassunto específico, maior facilidade terá na apreensão do sentido de um vocábulo. Mas não se podenegar que, embora o contexto seja fundamental na determinação do significado, muitas vezes, apesardo contexto, uma palavra ou outra foge ao falante, o que na leitura de um livro ou de um texto podenão ser crucial. Assim, questionados sobre o significado de uma palavra em um determinadocontexto, não é impossível que alguns falantes tenham mais facilidade que outros, ou que algunsfalantes simplesmente não consigam chegar à compreensão desejada. Exemplo:

O fato de se conhecer a história do filho pródigo ou da gata borralheira e poder atémesmo formular opiniões pertinentes sobre esses textos não significa que se saiba exatamente osentido de “pródigo” ou o que seja “borralheira”.

De qualquer modo, para estabelecer o significado de uma palavra, valem regras simplescomo:

a. estabelecer o assunto geral do texto (se houver ilustrações, observar sua relação com o que é dito);b. verificar se a palavra está empregada figuradamente ou não;c. procurar estabelecer a classe gramatical à qual a palavra pertence (substantivo, adjetivo, verbo...);d. buscar, no repertório conhecido, possíveis palavras com morfemas semelhantes aos existentes na

palavra cujo significado se desconhece (radical, prefixos comuns, sufixos).

Variações lingüísticas

Uma língua pode ser caracterizada como um sistema, isto é, como um todo organizado,com elementos interdependentes que possuem regras para sua combinação. Obedecendo às regrasdesse sistema mais ou menos fechado, a língua apresenta uma série de “variações”: em função daregião, da classe social e do grau de instrução de quem a utiliza, da situação concreta decomunicação, da formalidade ou da informalidade da situação de fala, do destinatário da mensagem.

As variações lingüísticas ou níveis de linguagem podem ser reconhecidos porcaracterísticas específicas nos vários aspectos da língua: na morfologia, na sintaxe, no léxico. Nalinguagem popular, por exemplo, é comum que a concordância de número e pessoa entre verbo esujeito seja desprezada; na linguagem infantil, a conjugação verbal apresenta simplificações queresultam da generalização que a criança faz de algumas regras que consegue estabelecer.

De todos os aspectos lingüísticos, o mais revelador dos diferentes níveis de linguagem é oléxico, pela multiplicidade de variações que possibilita. Basta pensar no vocabulário dos diversosgrupos jovens que se conhecem.

Conotação (a metáfora)

Observe o emprego do adjetivo “agressivo” presente em um anúncio da Patagon.com:

“Descubra qual o seu perfil de internauta: agressivo, moderado, conservador ou que nãoabre a mão nem para segurar o mouse.”

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“Agressivo”, que, denotativamente, indica uma pessoa que agride, está empregadofiguradamente (metaforicamente), representando aquele que enfrenta e não teme (as compras, asnovidades).

A análise do exemplo mostra que o sentido figurado, a metáfora, possui um “vínculo”com a denotação. Ou seja, a metáfora não é criada aleatoriamente pelo falante, e o destinatário damensagem deve usar de seu conhecimento lingüístico para chegar ao sentido metafórico.

Assim, como na denotação, o sentido de uma metáfora explicita-se no contexto. Valeressaltar que, muitas vezes, a metáfora é “explicada” ou explicitada pela linguagem denotativapresente no próprio texto.

O que se espera do falante de nível médio é que reconheça, dentro de um contexto, asrelações entre uma expressão metafórica e outros termos do texto.

Exercícios

01. A palavra “agudo” com significado de “perspicaz” ocorre apenas em:

a. As paredes do quarto formavam um estranho ângulo agudo, revelando a construção precária,prestes a ruir.

b. Uma crise aguda dos rins levou-o a uma internação repentina na Santa Casa da cidade.c. O raciocínio agudo de Carlos surpreendeu os conferencistas e tirou-lhes elogios!d. É pequena, frágil, possui uma voz aguda que sempre perturba e incomoda os ouvintes.e. Matou-a com a ponta aguda do punhal, assustando-se e deliciando-se a cada gota de sangue que

tocava o chão.

02. Texto:“Quem sai aos seus não degenera.”

De acordo com o ditado popular:

a. Deixar os conhecidos não implica esquecê-los.b. Sair da casa da família determina saudade constante.c. Quem segue os pais, não se perde na vida.d. Quem segue o caminho dos antepassados, não se arruína.e. Quem caminha com os parentes, não se extravia.

03. Texto:A China não é vizinha

Em matéria de comida asiática, é preciso alargar o horizonte

A cozinha chinesa cria sobre a escassez. Ingredientes bons mas esparsos, ou abundantesmas pobres, precisam render e ficar saborosos. Daí molhos, combinações diferentes, temperosousados e várias técnicas de cocção. (...)

Armando Coelho Borges – VejaSP, 10 de maio de 2000

No contexto, a palavra “cocção” seria adequadamente substituída por:

a. cozinhab. culináriac. facçãod. cozimentoe. misturas

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04. Texto:Novos jornalísticos (sic) no Canal 21

Os repórteres-abelha estão de volta à TV, no Canal 21, em SPDigital, que estréia nasegunda, na forma de boletins de 1 minuto. Seis repórteres-cinegrafistas, munidos de câmera digitalque pesa menos de 2 quilos, vão fazer reportagens e utilizar computadores portáteis e softwares paraeditar."

O Estado de S.Paulo. D4 02/08/2000

O termo metafórico empregado no texto par nomear os novos jornalistas estáidentificado corretamente em:

a. repórteres-cinegrafistasb. repórteres-abelhac. novos jornalísticosd. SPDigitale. computadores portáteis e softwares para editar

05. Texto:Que boa idéia

Empresa americana usa jatos

Que só têm primeira classe

Uma pequena companhia aérea americana abriu as portas no mês passado com umanovidade que está despertando a curiosidade dos passageiros e intrigando as empresas concorrentes.Na nova empresa, Legend Airlines, com sede em Dallas, os aviões só têm primeira classe. Todos ospassageiros que embarcam em seus vôos viajam em poltronas de couro de 75 centímetros de largura,tomam champanhe francês a bordo e assistem à TV por assinatura em monitores individuais. Tudopela tarifa econômica. (...)

Num mercado em que as companhias estão na pindaíba no mundo todo, a experiência daLegend Airlines vem sendo acompanhada com lupa, pois pode apontar um caminho de sobrevivênciapara o setor. (...)

Veja. 10 de maio de 2000

Considerando a variedade lingüística que prevalece no texto, é correto afirmar que aexpressão proveniente de variedade diversa é:

a. “a bordo”b. “champanhe francês”c. “assistem à TV”d. “estão na pindaíba”e. “Tudo pela tarifa econômica”

Gabarito

01. Alternativa c.

A palavra “agudo” significa:� (ângulo) inferior a 90o

� (antônimo de crônico) doença grave e de breve duração� fina� afiada, penetrante

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02. Alternativa d.

“Sair aos seus”, no contexto, significa “fazer como os antepassados” (pais, familiares),“seguir seus passos”; e “degenerar”, “perder-se” (do ponto de vista moral, ético).

A alternativa “c” é ambígua, podendo fazer referência tanto a uma ação física quanto auma atitude diante da vida.

03. Alternativa d.

“Cocção” é o substantivo que nomeia a ação de cozer, de cozinhar.

04. Alternativa b.

O substantivo “abelha” que compõe o substantivo “repórter-abelha” foi empregadometaforicamente para denominar esse repórter que carrega consigo os aparelhos do cinegrafista.

05. Alternativa d.

No texto, prevalece a norma culta, como revela a concordância “champanhe francês”, orespeito à regência culta “assistem à TV”. No entanto, “pindaíba”, que significa dificuldadesfinanceiras, é gíria típica da linguagem coloquial.

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Literatura

Carlos Drummond de Andrade – Alguma poesia

O Modernismo que veio de Minas

Carlos Drummond de Andrade torna-se conhecido, em 1928, pela polêmica que causaracom o poema “No meio do caminho”, impresso na “Revista de Antropofagia”, dirigida pelorevolucionário Oswald de Andrade. Dois anos depois, em 1930, aos 28 anos, o jovem poeta itabiranoestréia com Alguma poesia: reunião de 49 poemas que traduzem os ecos modernistas vindos deMinas Gerais.

A atitude de combate à tradição está evidente em Alguma poesia pela adoção do versolivre e da linguagem coloquial; da presença de micropoemas, das construções cubistas1 e sobretudopor meio do registro do cotidiano banal, tomado como motivo poético. Poucos poemas apresentam otom grave da crítica política que marcará a poesia de Drummond a partir de Sentimento do Mundo,seu terceiro livro2. É importante lembrar que Alguma poesia não é somente uma obra sintonizada comas propostas de 22, posto que nela já se enunciam o permanente humor - meio irônico, meio amargo- do poeta, assim como várias das preocupações que serão recorrentes na poesia drummondiana.

Na maturidade, depois de publicar quase vinte livros em prosa e verso, o próprio poetaelencou os temas por ele freqüentemente tratados, muitos dos quais estão presentes em Algumapoesia.

1. De modo semelhante ao pintores cubistas, o poeta registra simultaneamente vários ângulos da realidade que observa. Esseprocedimento de colagem rompe com a unidade do texto e cria versos ou estrofes que aparentemente não mantêmligação lógica entre si, sendo apenas fragmentos reunidos numa composição desarmoniosa. “Poema de sete faces” e“Casamento do Céu e do Inferno” são exemplos de construção cubista.

2. Leia os poemas “Outubro de 1930”, “O sobrevivente” e “Coração numeroso”, em que o poeta manifesta repúdio pelosregimes totalitários e pelas guerras.

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O indivíduo: “um eu todo retorcido”

De modo discreto, tímido, distante,o poeta observa a realidade e sobreela manifesta o seu desajeitamento,a sua incapacidade de adaptação.Esta condição meio marginal esolitária define o “eu retorcido”,“gauche”, apresentado no poemade abertura de Alguma poesia.

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Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida

As casa espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Cada uma das setes estrofes registra uma percepção

do “eu-gauche”, que capta aspectos da realidade multifacetada,

incompreensível em seu conjunto, como se sugerisse uma

colagem de fragmentos caoticamente reunidos ao gosto de um

pintor cubista. É curioso que neste poema também se condensam

outros temas que repetidas vezes aparecem em Drummond,

como: a referência ao erotismo (2.a estrofe); o registro seco,

breve do que vê (3.a estrofe); a incomunicabilidade com o

outro (4.a estrofe); as dúvidas existenciais (5.a estrofe); o

egocentrismo e o questionamento do valor estético da

literatura para vida humana (6.a estrofe); a contenção

emocional (7.a estrofe).

Page 10: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

A terra natal e a família

As cidadezinhas de Minas Gerais,especialmente Itabira, sãotematizadas pelo poeta. Às vezes,elas são retratadas pelo que têm demonotonia entediante; outrasvezes, pelo ambiente acolhedor quese contrapõe ao ritmo ágil dacidade; ou mesmo, celebradascomo o espaço associado ao tempoda infância do poeta.

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Sesta

A família mineira

está quentando sol

sentada no chão

calada e feliz.

O filho mais moço

olha para o céu,

para o sol não,

para o cacho de bananas.

Corta ele, pai.

O pai corta o cacho

e distribui pra todos.

A família mineira

está comendo banana.

A filha mais velha

coça uma pereba

bem acima do joelho.

A saia não esconde

a coxa morena

sólida construída,

mas ninguém repara.

Os olhos se perdem

na linha ondulada

do horizonte próximo

(a cerca da horta).

A família mineira

olha para dentro.

O filho mais velho

canta uma cantiga

nem triste nem alegre,

uma cantiga apenas

mole que adormece.

Só um mosquito rápido

mostra inquietação.

O filho mais moço

ergue o braço rude

enxota o importuno

A família mineira

está dormindo ao sol.

O cenário típico de uma cidadezinha interiorana

acolhe a família mineira que se entrega à preguiça, ao descanso,

após o almoço. É essa moldura de quietude, monotonia e tédio

que freqüentemente se identifica nos poemas que abordam os

temas relacionados à família provinciana e a lugarejos pacatos de

Minas Gerais.

Page 11: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

O tédio existencial, a “vida besta”

O poeta manifesta certainfelicidade, insatisfação existencial.Na província, certas vezes a própriapaisagem motiva o desconforto dealma; na cidade, tampouco a vidaparece ter mais sentido; os hábitose comportamentos previsíveis domundo burguês, a brutalização decostumes e as alteraçõesproduzidas pelo progressoressaltam a inutilidade daexistência3.

3. O tom de enfado permanece também no poema “A rua diferente”, em que o poeta apresenta o progresso como algoperturbador que não deve ser celebrado. “O que fizeram do Natal” e “Papai Noel às avessas” são textos que ressaltam asalterações provocadas pela ordem capitalista.

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Sweet home

Quebra-luz, aconchego,

Teu braço morno me envolvendo.

A fumaça de meu cachimbo subindo.

Como estou bem nesta poltrona de humorista inglês.

O jornal conta histórias, mentiras...

Ora afinal a vida é um bruto romance

e nós vivemos folhetins sem o saber.

Mas surge o imenso chá com torradas,

chá de minha burguesia contente.

Ó gozo de minha poltrona!

Ó doçura de folhetim!

Ó bocejo de felicidade!

Para o poeta, a vida parece mesmo destituída de

sentido: a posse de bens materiais garante a proteção e

tranqüilidade ao lar burguês; no entanto, não impede o tédio, a

sensação de inutilidade, claramente expressa no último verso do

poema. O caráter surpreendente da declaração – “Ó bocejo de

felicidade!” – equivale ao desabafo ingênuo – “Eta vida besta,

meu Deus” – que encerra o poema “Cidadezinha qualquer”. Na

província ou na cidade, não há nada de novo. Paira sempre a

carência de propósito para a vida humana.

Page 12: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

O conhecimento amoroso

O poeta nunca extravasa emoções,evita (e mesmo ridiculariza) osentimentalismo e, com certafreqüência, reduz o amor aoimpulso erótico ou associa-o àbanalidade, a um elemento docotidiano. Retira, portanto,inteiramente a aura de idealismocom que a tradição aborda o amore, com ironia e humor, trata dasrelações amorosas.

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Toada do amor

E o amor sempre nessa toada:

briga perdoa perdoa briga.

Não se deve xingar a vida,

a gente vive, depois esquece.

Só o amor volta para brigar,

para perdoar,

amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também

que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,

no teu pito está o infinito.

O sentimento amoroso é tratado como um jogo que

se constrói a partir das relações realistas do cotidiano mais

comum. O poeta aceita resignadamente e com bom humor “o

pito” (repreensão) da amada. Assim, o amor se manifesta na briga

e no perdão, revela-se por meio de contrários e é desfrutado em

situações absolutamente desprovidas de fantasias românticas.

Page 13: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

Um olhar sobre o país

O poeta descreve em “Lanternamágica” uma viagem, focalizandoem seu trajeto cidades mineiras,Nova Friburgo e a chegada ao Riode Janeiro. Nesse percurso, vaiindicando o que lhe é simpático,agradável e, de maneira discreta,aponta certo dissabor pelasalterações que o progressodetermina. Nos versos de “Europa,França e Bahia” e “Fuga”, de modomais incisivo, o poeta chama aatenção para o comportamentoquestionável do brasileiro de copiara cultura européia e ressaltaespecialmente a importância de sedescobrir a verdadeira identidadenacional.

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Sabará

“ (...)

O presente vem de mansinho

de repente dá um salto:

cartaz de cinema com fita americana”

O poeta constata as transformações culturais que a

modernização capitalista impõe ao interior do país.

Explicação

“(...)

Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,

de repente ouço a voz de uma viola...

saio desanimado.

Ah, ser filho de fazendeiro!

À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer

[córrego vagabundo

é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.

E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.”

Em tom de lamento, os versos registram a dificuldade

de o brasileiro reconhecer-se através de sua cultura original,

própria. Na cidade, o poeta se sente impotente, desanimado, por

constatar que a expressão da cultura popular divide o cenário com

a presença do cinema norte-americano (“a voz de uma viola” e “a

fita de Hoot Gibson”).

Europa, França e Bahia

“ (...)

Chega!

Meus olhos brasileiros se fecham saudosos,

Minha boca procura a “Canção do Exílio”.

Como era mesmo a “Canção do Exílio”?

Eu tão esquecido de minha terra... “

Especialmente nesses versos, apresenta-se o apelo

emocionado do poeta, que deseja recuperar os aspectos mais

genuínos da cultura brasileira.

Page 14: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

A própria poesia

Ainda que discretamente, a reflexãosobre o próprio fazer poético estápresente em Alguma poesia. Nesselivro, Drummond concebe a poesiacomo sendo um estado de espírito,uma condição de alma que nãonecessita de expressão, como sefosse um fenômeno independenteque se bastasse no plano dasensação. É o que se verifica em“Poesia”. Esse não é o únicoconceito apresentado ao longo dolivro, pois o poeta tambémidentifica que a poesia é umaespécie de vício que promove alívioe alienação, cujo único objetivo épromover conforto, prazer; assimexplica: “Meu verso é minhaconsolação, / Meu verso é minhacachaça”. Afirma-se também nesseprimeiro livro a idéia de que osfatos importam, as vivênciaspessoais é que contam e, portanto,o poeta só pode escrever sobre suasexperiências concretas. O conceitode que a poesia é registro dasvivências pessoais é apresentadocom humor nos dois versos quecompõem o poema “Bahia”: “Épreciso fazer um poema sobre aBahia... / Mas eu nunca fui lá.” .Esse tipo de poesia que surge dosfatos é extraordinariamenterepresentada pelo polêmico “Nomeio do caminho”, que de formaoriginal focaliza um fatoabsolutamente corriqueiro que émotivo de poesia.

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No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

Este é o poema mais característico da poesia que

celebra o acontecimento como tema poético. A repetição

exaustiva do acontecimento cria evidentemente uma sonoridade

hipnotizante, sugerindo uma espécie de idéia fixa que mantém o

eu-lírico preso ao fato surpreendente. A estrutura do poema

colabora para que essa fixação ganhe realce visual, porque coloca

em evidência a informação “tinha uma pedra no meio do

caminho”, isolada por dois versos idênticos (primeiro e último da

1.a estrofe). Esquema semelhante se verifica na 2.a estrofe.

As insistentes repetições e a linguagem simples

constituíram motivo de muita polêmica e de diversas

interpretações. De todo modo é inegável a originalidade com que

Drummond expressa a situação de dificuldade, de impedimento,

de impasse que surpreende o homem. É interessante perceber

também o modo inventivo com que o poeta invoca e brinca com

a tradição: imita a Divina comédia, de Dante Alighieri, que assim

inicia a descida ao Inferno: “No meio do caminho da nossa vida,

tendo perdido a rota verdadeira, achei-me embaralhado em selva

tenebrosa”. De modo bem humorado, lembra também o

encontro de um grande amor, cantado por Bilac no soneto:

Nel mezzo del camin...

“Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada

E triste, e triste e fatigado eu vinha.

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha...”

Page 15: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

Exercícios

Teste seus conhecimentos sobre Alguma poesia, de Carlos Drummond de Andrade

01. Refere-se corretamente a Alguma poesia, de Drummond, a seguinte afirmação:

a. A imagem de poeta gauche manifesta-se pela inadaptação, desajeitamento e certa insociabilidadede um ser que observa o mundo sob uma perspectiva egocêntrica e numa posição desuperioridade.

b. A preocupação com o trabalho poético não faz parte do livro de estréia; em Alguma poesia,somente se pode reconhecer metalinguagem nos versos de “Poesia”.

c. Na tentativa de atribuir sentido à própria existência e suportar o afastamento da província, o poetarecupera com alegria, num misto de realidade e fantasia, o próprio passado, representado pelasreferências constantes a cidadezinhas mineiras.

d. O tema do “eu retorcido”, gauche, está presente em praticamente toda a obra, exceto nos poemasem que se aborda a infância, período em que o poeta se identifica com o afeto familiar protetor.

e. A expressão bem humorada e a ironia debochada, presente em diversos poemas, não revelamexclusivamente a adesão aos ideais modernistas, mas sobretudo evidenciam um traço característicoda personalidade de Drummond.

Leia o poema a seguir para responder ao teste 02.

Política literária

O poeta municipaldiscute com o poeta estadualqual deles é capaz de bater o poeta federal

Enquanto isso o poeta federaltira ouro do nariz.

02. Considere as seguintes afirmações:

I. “Política literária”, por ser uma narrativa curta bem humorada, é exemplo de poema-piada, que seesgota na intenção de tratar de temas sérios de maneira brincalhona.

II. O poema associa a disputa de poder entre literatos à competição que se verifica nos círculospolíticos de uma federação.

III. A denúncia do enriquecimento ilícito de poetas consagrados não se oculta no tom de piada dopoema.

a. são verdadeiras as afirmações I e II.b. são verdadeiras as afirmações I e III.c. são verdadeiras as afirmações II e III.d. somente a afirmação II é correta.e. somente a afirmação III é correta.

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O poema a seguir é base para responder ao teste 03.

Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gostadesde tempos imemoriais.Eu era grego, você troiana,troiana mas não Helena.Saí do cavalo de paupara matar teu irmão.Matei, brigamos, morremos.Virei soldado romano,perseguidor de cristãos.Na porta da catacumbaencontrei-te novamente.Mas quando vi você nuacaída na areia do circoe o leão que vinha vindo,dei um pulo desesperadoe o leão comeu nós dois.Depois fui pirata mouro,flagelo da Tripolitânia.Toquei fogo na fragataonde você se escondiada fúria do meu bergantim.Mas quando ia te pegare te fazer minha escrava,você fez o sinal da cruze rasgou o peito a punhal...Me suicidei também.Depois (tempos mais amenos)fui cortesão de Versailles,espirituoso e devasso.Você cismou de ser freira...Pulei muro de conventomas complicações políticasnos levaram à guilhotina.Hoje sou moço moderno,remo, pulo, danço, boxo,tenho dinheiro no banco.Você é uma loura notável,boxa, dança, pula, rema.Seu pai é que não faz gosto.Mas depois de mil peripécias,eu, herói da Paramount,te abraço, beijo e casamos.

03. Assinale a afirmação incorreta em relação ao poema:

a. O poeta enumera casos amorosos, marcados por intensos conflitos e mortes trágicas.b. Os desencontros amorosos dos tempos imemoriais freqüentemente têm origem na nacionalidade

ou religião distintas dos amantes.c. Martírios, suicídios, tragédias, que marcam as histórias de amor do passado, são substituídos, no

mundo contemporâneo, por obstáculos previsíveis, facilmente contornáveis, e pelo ideal docasamento burguês que sela o final feliz.

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d. Desde a Antigüidade até os tempos dos reis absolutistas franceses, o amor se caracteriza pordisputas sangrentas e desfechos dramáticos.

e. As histórias de amor do mundo contemporâneo continuam marcadas por peripécias e pelo tom deaventura, no entanto, essas são mais realistas, capazes de serem vividas por seres humanos comunsque podem remar, pular, dançar, lutar boxe, por exemplo.

04. Leia o poema de Alguma poesia.

Construção

Um grito pula no ar como foguete.Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos.O sol cai sobre as coisas em placa fervendo.O sorveteiro corta a rua.E o vento brinca nos bigodes do construtor.

O poema “Construção” apresenta aspectos modernistas, exceto:

a. a técnica de colagem que cria elipses entre os versos.b. a justaposição de “flashes” que acentua o caráter absurdo, incompreensível da cena.c. a linguagem concisa, telegráfica, típica de micropoemas.d. a adoção do verso livre.e. o registro simultâneo de prismas que compõem a realidade observada.

05. Leia o poema “Quadrilha” e assinale a afirmação incorreta.

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lilique não amava ninguém.

João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandesque não tinha entrado na história.

a. O poema associa a busca amorosa à coreografia de uma dança folclórica que se caracteriza pelatroca permanente de parceiro.

b. As orações adjetivas criam um encadeamento sintático que produz um jogo sonoro, responsávelpela repetição melódica da primeira estrofe.

c. A predominância da justaposição de orações absolutas produz um ritmo caracterizado pelasinterrupções, contrastando com a musicalidade harmoniosa da primeira estrofe.

d. O tom irônico e bem humorado, que caracteriza o tratamento da temática amorosa, é substituídopelo relato conciso, insensível e desesperançado.

e. Evidencia-se a ausência de sentimentalismo por meio de orações coordenadas, posto que essaestrutura sintática aproxima, em dimensão idêntica, destinos tão diversos.

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Page 18: Português - Fascículo 02 - Gramática e Literatura

Gabarito

01. Alternativa a.

O eu gauche, expressão que revela a inadaptação, a esquisitice do poeta, traduz apostura de observador crítico que se julga superior, revelando de fato certa incapacidade desociabilização.

Estão incorretas as outras afirmações porque:

b. há outros poemas metalingüísticos em Alguma poesia, por exemplo, “Explicação” e “Poema queaconteceu”.

c. a recuperação do passado não promove alívio para as inquietudes do poeta.d. ainda que a infância possa ser lembrada como um tempo em que o poeta desfruta da companhia

da família, a sensação de isolamento está declarada, como confirmam os versos de “Infância” – “Eusozinho menino entre mangueiras / lia a história de Robinson Crusoé”.

e. os poemas-piada, existentes em Alguma poesia, revelam influência modernista; mas não hádeboche em Drummond; o que permanece em toda sua obra é o humor sutil e a ironia fina,discreta.

02. Alternativa d.

“Política literária” é um poema-piada que critica o jogo de interesses que está presenteem círculos literários, dominados por poetas consagrados (“poeta federal”), comportamentosemelhante à politicagem que se verifica entre políticos. Observe que a expressão “tira ouro do nariz”pode ser relacionada a enriquecimento, mas nada aponta para enriquecimento ilícito, condenável.

03. Alternativa e.

A última estrofe do poema evidencia certo arrefecimento dos sentimentos quecaracterizam casos amorosos. De modo irônico, o poeta critica a previsibilidade do desfecho dashistórias de amor contemporâneas, que se encerram com o “happy end”, promovido pelo casamento,ideal burguês de felicidade.

04. Alternativa b.

O poema “Construção” é composto de “flashes” que representam simultaneamentediversos prismas da realidade observada: o grito que vem do alto de uma construção; o sol intenso; osorveteiro que atravessa a rua; e o vento. Essa técnica de colagem reúne fragmentos aparentementedesconexos e traduzem o cenário frenético da urbanidade; nada se pode identificar, no entanto, deabsurdo, incompreensível no quadro descrito.

05. Alternativa a.

Em “Quadrilha”, o tom de brincadeira evidencia-se pela informalidade adotada naabordagem das frustrações amorosas, na referência aos destinos desencontrados e na ironia com queo poeta sutilmente sugere o casamento imprevisível, realizado talvez sem amor ou sofrimento, talvezfruto apenas do interesse: “...Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha entrado na história”.

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