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Março 2007 JOSÉ CARLOS VIANA PORTRAZ DA VOLTA Um romance visual

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Março 2007

JOSÉ CARLOS VIANAPORTRAZ DA VOLTAUm romance visual

A eloquente figuração de José Carlos Viana

Como se poderia explicar o que aconteceu com a obra sobre papel na arte brasileira?Qual seria a origem do preconceito a respeito da fragilidade do papel? Teria este preconceito surgido por ra-zões climáticas? Seria o papel mais vulnerável a fungos, à alcalinidade? Seria o uso do vidro uma espécie deimpedimento que se impõe entre a obra, o coleccionismo e o Mercado?Ou seria isto um reflexo da história cultural do país em relação à sua memoria? Lembro aqui, por exemplo, o dia em que o então ministro da Fazenda Ruy Barbosa ordenou a queima de todos os documentos em papelreferentes à escravidão, com o objectivo de livrar o Estado de possíveis indemnizações por perdas e danos.Enfim, essas são perguntas à espera de respostas que possam justificar, pelo menos não ambito das artesplásticas, porque os avanços da arte sobre papel, no Brasil, permanecem num estado quase total de esque-cimento e abandono.Onde está, por exemplo, o recohecimento aos movimentos de gravura de São Paulo a partir da mestria do ate-lier de Lívio Abramo? De lá surgiram artistas como Evandro Carlos Jardim, Maria Bonomi. Porque não lem-brar, ainda, mestres do desenho e da gravura, como Marcelo Grassmann, Octávio Araújo, Aldemir Martins,Gerda Bretanhe, Odetto Guersoni, o extraordinário Carlos Oswald, primeiro gravador puro brasileiro, ou osmovimentos nascidos na escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, com o grande Oswaldo Goeldi, um revolu-cionário da gravura e do desenho expressionista e intimista, e os seus muitos alunos, como Adir Botelho eIvan Serpa. Ou o Atelier do Museu de Arte Moderna, de onde surgiu a grande força da renovação da gravura nacional,através de artístas como Isabel Pons, Fayga Ostrower, Anna Letícia, Rossini Perez, Roberto Delamonica.Cito ainda a turma: Marilia Rodrigues, Thereza Miranda, Edith Behi Ring, Assunção Souza, os movimentos re-gionais da Bahia, centrados nas figuras de Mario Cravo e Henrique Oswald, professores na escola de BelasArtes, de onde surgiram nomes como Juarez Paraíso, Hélio Oliveira, Sônia Castro e Calazans Neto.Também o Núcleo de Gravura de Olinda, o Clube de Gravura de Porto Alegre e Bagé, liderados por CarlosScliar, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti, Danúbio Gonçalves, ou o que se produziu no Paraná, com PotyLazzarotto. Inexplicavelmente, toda essa arte sobre papel continua no limbo do esquecimento e da falta dememória, este mal do brasileiro.Tudo isso não para explicar, mas para introduzir a obra de um rebelde pernambucano, chamado José CarlosViana. Mário de Andrade, do alto da sua lucidez, escreveu o mais belo ensaio sobre o desenho até hoje publi-cado no Brasil, onde ele diz que o desenho é por natureza o “facto aberto”. Pois a arte de José Carlos Vianaé mesmo uma obra aberta, num diálogo constante, de ponto e contraponto, com a pintura.O suporte nem sempre é o papel, já que Viana é muitas vezes um pintor sobre tela, mas ele vale-se com re-corrência da colagem como mais um meio plástico de resolver espaços e texturas, numa contemplação de no-vos meios para expressar o drama de uma linguagem. Digo drama porque o seu desenho nem sempre parte

livre da cor, mas propõe soluções plásticas para abrigar essas formas gráficas, figurativas, ora como figuraçãodramaticamente expressionista.Mas o desenho de José Carlos Viana propõe mais, como um comentário escrito, onde a figura substitui a pa-lavra, e por isso é necessário deter-se diante dele como quem busca a reciprocidade de um discurso, onde asperguntas são respondidas no silêncio plástico da obra, onde a resposta é sempre do próprio espectador.A obra de José Carlos está impregnada da sua vivência pernambucana, americana e europeia. Como pernam-bucano e homem do nordeste, certas características são-lhe peculiares, sobretudo com a tradição da artepraticada no Recife, com a imagectica de artistas modernistas, como Vicente do Rego Monteiro, Cícero Dias,Lula Cardoso Ayres, Francisco Brennand, José Cláudio – para citar alguns responsáveis pela renovação daarte em Pernambuco.Mas José Carlos pertence a uma geração intermediária, entre esta e a mais nova. Há que se notar que o ar-tísta foi um pouco negligente com a sua produção durante o tempo que esteve no serviço público ligado à arte.Talvez até esse distanciamento tenha sido responsável pela força com que a produção desta sua nova suitese revestiu, caracterizada pela multiplicidade de significados colectados na sua cultura popular e erudita dasua terra.Técnicamente, estes grandes desenhos são impecáveis, tanto pela complexidade de ideias como pelos seus efei-tos gráficos. A figura, por exemplo, ora feminina, ora masculina, aparece desenhada com certo poder de sedução,às vezes erótica, às vezes sinuosa e insinuante. É possível até detectar um certo machismo na representaçãomasculina, nítida no apelo explícito do bacanal de falos e corpos entrelaçados como uma caligrafia.O seu desenho é um frequente turbilhão de ideias, às vezes pelo realismo fantástico ou pelo lúdico erotizante,muito pouco subtil, mas finamente representado no meio dos labirintos de espaços negativos, e que parecemtornar-se janelas abertas para expressar esse turbilhão de ideias. Ideias agonizantes de um mundo que nascedo corpo de uma mulher, larga em entorso, como se dali nascesse a própria figuração, que se completa comas colagens, texturas e cores.A cor, às vezes de um pintor, corre livre e transparente, numa tentativa de abrir aqueles espaços para a suaeloquente figuração. Como bom nordestino, e consciente dessa submissão, ele faz surgir os símbolos, os mitos,a verdade e os sonhos do inconsciente banhado pelo sol ardente, com a luz e o calor da sua terra.

Feira X Milagres2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

O Labirinto X O Bêbado2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Mea culpa! X Mea friga!2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Graças X Macaíba2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

O Altar X A Criatura2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Cine Olinda X O Túnel do Cupim2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

O Mosteiro X O Ouro2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Inicianita X Chita2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

O Largo X A Festa2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Manhã de sol X Atlântico2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Rexeva2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

A Galinha morta X Nelo2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

O Portal X Céu/Inferno2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

Cirurgia X Corte2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

O Sopro X Clarim2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm

A Ilha X O Sítio2006Técnica mista sobre papel100 x 70 cm