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POR UMA EDUCAÇÃO DECOLONIAL E SABERES NEGROS EM SALA DE AULA Delton Aparecido Felipe (Universidade Estadual de Maringá – PR) 1 [email protected] Resumo A Lei que outorga a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira na Educação básica, trouxe a necessidade de se discutir o jogo de poder na organização do currículo escolar, assim como a formação dos docentes e da necessidade de se organizar materiais didáticos pedagógicos que os auxilie na educação antirracista é nessa perspectiva que o presente texto apresenta algumas contribuições que construir práticas pedagógicas em uma perspectiva decolonial pode oferecer para efetivação da Lei 10.639/2003. Argumentamos que ao utilizar essa perspectiva em sala de aula é possível reconhecer que o racismo marginaliza mais da metade da população e as relações étnico-raciais construindo processos de opressões e privilégios. Concluímos que as diferentes formas de manifestação do racismo, faz se presente no cotidiano da escola por meio de currículo que privilegia os saberes eurocentrados, deixando a margem ou tratando de forma estereotipadas outros saberes formadores do Brasil Palavras-chave: Decolonialidade; ensino de história e cultura afro; Práticas pedagógicas. Introdução Em 09 de janeiro de 2003 o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a Lei Federal 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica. A luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares faz parte de uma luta 1 Professor do Mestrado Profissional de História (Profhistória) e do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá - Paraná e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros da Universidade Estadual – Paraná (NEIAB/UEM).

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POR UMA EDUCAÇÃO DECOLONIAL E SABERES NEGROS EM SALA DE AULA

Delton Aparecido Felipe (Universidade Estadual de Maringá – PR)1

[email protected]

Resumo A Lei que outorga a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira na Educação básica, trouxe a necessidade de se discutir o jogo de poder na organização do currículo escolar, assim como a formação dos docentes e da necessidade de se organizar materiais didáticos pedagógicos que os auxilie na educação antirracista é nessa perspectiva que o presente texto apresenta algumas contribuições que construir práticas pedagógicas em uma perspectiva decolonial pode oferecer para efetivação da Lei 10.639/2003. Argumentamos que ao utilizar essa perspectiva em sala de aula é possível reconhecer que o racismo marginaliza mais da metade da população e as relações étnico-raciais construindo processos de opressões e privilégios. Concluímos que as diferentes formas de manifestação do racismo, faz se presente no cotidiano da escola por meio de currículo que privilegia os saberes eurocentrados, deixando a margem ou tratando de forma estereotipadas outros saberes formadores do Brasil Palavras-chave: Decolonialidade; ensino de história e cultura afro; Práticas pedagógicas. Introdução

Em 09 de janeiro de 2003 o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou

a Lei Federal 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História

e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica. A luta pela introdução da

História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares faz parte de uma luta

1 Professor do Mestrado Profissional de História (Profhistória) e do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá - Paraná e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros da Universidade Estadual – Paraná (NEIAB/UEM).

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antirracista empreendida pelo movimento negro brasileiro de combate às

desigualdades materiais vivenciada pela população negra em seu cotidiano (Felipe,

2009).

Passado mais de quinze anos da aprovação da referida lei, se percebe que

sua efetivação no espaço escolar, demanda a elaboração de materiais didáticos e a

formação de docentes que tenham como princípio a desconstrução do preconceito

racial. Mas, para isso é necessário considerar o alerta feito por Silva (2007, p.500)

que as dificuldades para implantação da 10.639, “se devem muito mais à como foi

construída história das relações étnico-raciais no país e aos processos educativos

que delas desencadeiam, do que a procedimentos pedagógicos, ou à tão reclamada

falta de textos e materiais didático”

Devemos lembrar que um ensino das relações étnico-raciais em uma

perspectiva que sempre priorizou o colonizador europeu gerou inúmeros

estereótipos, os quais sustentam o racismo que incidem sobre população negra no

Brasil e seus ancestrais africanos. Acreditamos que uma das estratégias eficazes

em sala de aula para o ensino de saberes que colaboram para uma construção

valorativa do homens e mulheres negras é adotar práticas pedagógicas decoloniais,

como define Mignolo, [...] a descolonialidade significa, ao mesmo tempo, desvelar a lógica da colonialidade e da reprodução da matriz colonial do poder, ou seja, da economia capitalista e também desconectar-se dos efeitos totalitários das subjetividades e categorias de pensamento ocidentais (MIGNOLO, 2008, P.313, grifo nosso)

A partir da citação acima podemos afirmar que trabalhar as relações raciais

no Brasil demanda desconstruir gradativamente os ditos e não ditos de uma

colonialidade epistêmica estabelecidas pelos europeus sobre os povos colonizados

e/ou escravizados como os povos indígenas e a população negra no Brasil.

O ensino de história e cultura afro em perspectiva decolonial

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Ao ser aprovada como um dispositivo jurídico que tem a educação escolar

com espaço obrigatório, a Lei 10.639, faz com que o Estado e a sociedade tenham

que lidar com esse passado de marginalização de uma parcela de sua população e

lançar os olhos para os discursos de dominação disseminados, ao longo da história.

O povo negro, desde o regime escravista até a contemporaneidade, padece

prejuízos de toda ordem: danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e

educacionais. Ao considerarmos o passado de marginalização e todo tipo de

dificuldades e obstáculos que a população negra vem enfrentando para existir, toda

e qualquer ação na escola que vise implementar as diretrizes curriculares para a

educação étnico-racial estão amparadas na Lei e, portanto, são ações que ganham

o peso da legitimidade estatal, permitindo aos agentes atuarem com o respaldo

legal.

Incorporar os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

significa positivar o papel da população negra na construção da nação,

reconhecendo sua existência, reparando sua marginalização e valorizando sua

presença. A Lei 10.639/2003 é revolucionária para o sistema educacional em nosso

país, por questionar a organização do currículo escolar brasileiro. Pelo seu texto

normativo incisivo, a lei é nítida quanto aos objetivos de instituir uma educação

antirracista.

Cumpre mencionar que privilegiar uma educação antirracista no ensino da

história não significa, de nenhum modo, desprestigiar as histórias dos demais grupos

étnicos-raciais no currículo escolar ou na História do Brasil, mas, acima de tudo,

significa oferecer um contraditório, atrasado, mas ainda útil, a uma cultura,

historicamente, subalternizada e tida como coadjuvante da história mundial. Neste

sentido, Silva relatora do parecer que acompanha a Lei 10.639/03, aponta que

objetivo da referida legislação não é o de substituir o enfoque eurocêntrico dos

currículos escolares por um afrocentrado, pelo contrário, o objetivo é o de alargar o

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enfoque racial para que outros grupos étnico-raciais possam oferecer sua história

sobre os fatos que usualmente são lidos estritamente pela perspectiva dos

“vencedores” (BRASIL, 2004).

Para a construção de um ensino decolonial é fundamental o reconhecimento

da diversidade racial de nosso país e como ela foi tratada de uma forma hierárquica

e homogeneizante e nos oferece base para lidar com a multiplicidade de temas

envolvem as relações étnico-raciais. Nesta perspectiva, não podemos afirmar que

temos uma única história, cordial e, o que temos são diversas histórias do Brasil e o

currículo de história deve oferecer subsídios para pensarmos essas histórias em

relação e as dimensões de poder que elas envolvem.

Considerações finais A decolonialidade como uma estratégia em sala de aula colabora para

reconhecer que o racismo marginaliza mais da metade da população e estrutura as

relações étnico-raciais no Brasil construindo processos de opressões e privilégios.

As diferentes formas de manifestação do racismo, está presente no cotidiano da

escola, levando à produção de um currículo eurocentrado em população africana e

seus descendentes fiquem à margem ou sejam tratadas de formas estereotipadas

nas disciplinas escolares.

Reconhecer o racismo brasileiro como um dos elementos da desigualdade

material presente na sociedade permite promover uma educação que encoraje os/as

alunas/os a pensarem forma crítica e perceberem as relações de poder que

envolvem os temas escolares. Além disso, nos oferece subsídios para elaborar

práticas pedagógicas que relacionem a população negra brasileira e sua

ancestralidade africana prática essencial para problematizarmos o racismo, visto que

acreditamos que parte significativa das práticas racistas no Brasil tem relação direta

como os povos africanos foram tratados na história nacional.

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Referências

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as dire-trizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, MEC/Secad, 2004.

CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo melhor. In: CAVALLEIRO, Eliane. (Ed.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando a escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 141-60

FELIPE, Delton Aparecido (Org.). Educação para as relações étnico-raciais: estratégias para ensino de história e cultura afro-brasileira. 1ed.Maringá: Mondrian, 2019.

MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado da identidade em política. In: Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, nº 34, p. 287-324, 2008.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação. Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p. 489-506, set./dez. 2007.