por que precisamos usar a tecnologia na escola (2)

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Por que precisamos usar a tecnologia na escola? As relações entre a escola, a tecnologia e a sociedade Por Edla Ramos (2006) Se este texto estivesse sendo lido por você a vinte e tantos anos atrás, uma questão que provavelmente apareceria seria se deveríamos ou não usar as novas (nem tanto mais) tecnologias na educação. No início da década de 80, havia o anseio de que essa tecnologia poderia produzir a massificação do ensino, descartando a necessidade do professor, ou que pudesse levar à aceleração perigosa de estágios de aprendizagem com conseqüências graves. Argumentava-se também sobre o disparate de usar microcomputadores em escolas que eram carentes de outros tantos recursos. Hoje em dia, no entanto, já há bastante concordância sobre o fato de que a informática deva ser incorporada ao processo educacional. Permanecem, contudo, as dúvidas sobre por que (ou sob qual perspectiva) e sobre como essa incorporação deve acontecer. Se você também não se contenta com esse argumento, está convidado (a) para uma reflexão mais ampla acerca do tema! Neste texto, apresento diversos argumentos para demonstrar que a superação das exclusões não vai se dar pela via da empregabilidade apenas. A crise que estamos vivendo vai muito além do desemprego, pois estar empregado é condição necessária, mas cada vez menos suficiente, para a cidadania. É preciso superar a lógica da empregabilidade, PROGRAMA NACIONAL DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL

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Por que precisamos usar a tecnologia na escola?

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Por que precisamos usar a tecnologia na escola?

As relaes entre a escola, a tecnologia e a sociedade

Por Edla Ramos (2006)Se este texto estivesse sendo lido por voc a vinte e tantos anos atrs, uma questo que provavelmente apareceria seria se deveramos ou no usar as novas (nem tanto mais) tecnologias na educao. No incio da dcada de 80, havia o anseio de que essa tecnologia poderia produzir a massificao do ensino, descartando a necessidade do professor, ou que pudesse levar acelerao perigosa de estgios de aprendizagem com conseqncias graves. Argumentava-se tambm sobre o disparate de usar microcomputadores em escolas que eram carentes de outros tantos recursos. Hoje em dia, no entanto, j h bastante concordncia sobre o fato de que a informtica deva ser incorporada ao processo educacional. Permanecem, contudo, as dvidas sobre por que (ou sob qual perspectiva) e sobre como essa incorporao deve acontecer.

Se voc tambm no se contenta com esse argumento, est convidado (a) para uma reflexo mais ampla acerca do tema! Neste texto, apresento diversos argumentos para demonstrar que a superao das excluses no vai se dar pela via da empregabilidade apenas. A crise que estamos vivendo vai muito alm do desemprego, pois estar empregado condio necessria, mas cada vez menos suficiente, para a cidadania. preciso superar a lgica da empregabilidade, pois esta no d conta da sutileza e da complexidade da relao entre escola, tecnologia e sociedade. No contribui tambm para a construo de uma educao para a solidariedade, para a equidade, para o consumo ecologicamente sustentvel. Est impregnada por um conceito de desenvolvimento predatrio e dependente. Em sntese, como diz Hugo Assmann (1998), no basta educar a massa trabalhadora para alimentar a mquina produtiva, preciso educar para provocar indignao frente aceitao conformista da relao tecnologia X excluso. preciso formar cidados aptos a construir uma sociedade solidria, principalmente quando se considera que uma sociedade sensivelmente solidria precisa ser permanentemente reconstruda. Cada gerao precisa aprender a dar valor solidariedade.

O uso ou a incorporao das Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC) nos processos educativos tem implicaes que ultrapassam de longe os muros de uma sala de aula ou de uma escola. Afinal, estas tecnologias favoreceram grandes mudanas neste perodo que est sendo chamado de revolucionrio. Analisando a histria da nossa civilizao, percebemos que em vrios momentos ocorreram mudanas revolucionrias no modo como o homem vivia. Aprofundando a nossa anlise destas revolues histricas, percebemos que entre seus motivos estava sempre a inveno de alguma ferramenta que expandiu a nossa capacidade de ao sobre o mundo (ou sobre a nossa realidade), ou, que expandiu a nossa capacidade de comunicao e de expresso. Tomemos como exemplo a revoluo industrial com seus inventos principais: a mquina a vapor e a criao da imprensa. As novas tecnologias ampliam essas capacidades de modo extraordinrio, e, por isso, a dimenso das mudanas que elas esto produzindo vem gerando profundas crises e desequilbrios. O mercado de trabalho, que afeta a vida de todos, tambm vem se transformando continuamente: muitas profisses e postos de trabalho foram extintos; novos produtos so criados constantemente; h desemprego em muitos setores e falta de trabalhadores noutros.

A mutao das tcnicas produtivas acompanhada por novas formas de diviso do trabalho e, logo tambm, pelo surgimento de novas classes sociais, com o desaparecimento e a perda de poder das classes precedentes, por uma mudana da composio social e das prprias relaes polticas. (ROSSI apud MUSSIO, 1987, p. 20). Muitas incertezas afligem as pessoas nessa nossa poca de uso intensivo de novas tecnologias. Dentre as questes em destaque esto:

Como garantir a continuidade de sociedades democrticas e participativas?

Como garantir o acesso informao por todos e evitar o aumento das formas de controle e vigilncia da mesma?

Como conseguir eficincia econmica e evitar o desemprego em massa e mais concentrao de renda?

Como conseguir segurana pblica e evitar a instalao do terror?

Face s diferenas que se acirram como conseguir uma sociedade com respeito mtuo, com justia distributiva e sem invaso da privacidade ou massificao?

Novamente voltando, alguns anos atrs havia grandes expectativas sobre os efeitos da expanso do uso destas tecnologias. Muitos estavam bastante otimistas, mas j havia quem alertasse que no deveramos s-lo, pois nada est decidido a priori (LVY, 1993, p. 9). Lvy nos lembrava j em 1993 que teramos que inventar como gostaramos que esta nova sociedade da informao fosse, do mesmo modo que inventamos a sua tecnologia. Ele ressaltava que havia um grande descompasso e distanciamento entre a natureza dos problemas colocados coletividade humana pela situao mundial da evoluo tcnica e o estado do debate coletivo sobre o assunto. (LVY, 1993, p. 7). Hoje em dia a realidade j no nos permite mais ser otimistas. um fato bastante triste que no mundo de hoje, onde nunca tanta riqueza foi produzida, h tanto ou mais fome, doenas e injustias do que sempre houve. Logo, tanta tecnologia por enquanto no produziu os efeitos desejados. Est ficando bastante claro que a forma de uso que damos s TIC determinante nas respostas dadas a todas as questes que apresentamos acima. De modo geral, pode-se dizer que a tecnologia abre muitas possibilidades, mas a determinao do que vai se tornar realidade, dentre o que possvel, do mbito da poltica. Ento, se queremos uma tecnodemocracia, vamos precisar formar os sujeitos para isso. Precisamos pensar em alfabetizao tecnolgica para todos, pois quem no compreende a tecnologia no vai poder opinar sobre o que fazer com ela. Felizmente a sociedade est mais atenta sobre esta necessidade e tem buscado equipar as escolas; h tambm muitos projetos de incluso digital que buscam ampliar o acesso s novas tecnologias. Mas, o quadro ainda no satisfatrio. Segundo dados de 2008 do Comit Gestor da Internet, no Brasil a taxa mdia brasileira de acesso internet nos domiclios de 20%. Esse j parece ser um nmero interessante, mas no se pode esquecer que esta s a taxa mdia, h grande diferena entre as regies, sendo a regio sudoeste a mais conectada, com 26%, e as regies norte e nordeste as menos conectadas, com 9%. Essa diferena se propaga por qualquer critrio que esteja relacionado com os Indicadores econmicos e sociais. Uma rpida olhada nos dados do mapa permite concluir que o Brasil conectado essencialmente urbano, bem educado, bem alimentado e branco.

importante tambm considerar que a escola um lugar especialmente adequado para a promoo da incluso digital, uma vez que a maioria dos jovens a freqenta num tempo em que esto bastante abertos ao aprendizado. Alm disso, o uso coletivo que ali se pode dar aos computadores torna a incluso digital a partir das escolas um investimento socialmente relevante. A melhor forma de combater o apartheid digital em longo prazo investir diretamente nas escolas, de modo que os alunos possam ter acesso desde cedo s novas tecnologias. (BAGGIO, 2003). No Brasil, o nmero de escolas com computadores e acesso internet ainda est muito longe do ideal. Resultados de 2005 indicavam que o uso da internet nas escolas ainda muito baixo. Segundo a pesquisa, apenas 5,4% da populao com 10 anos de idade ou mais declarou ter usado a internet na escola. H outro estudo mais objetivo que aponta que das 142 mil escolas brasileiras, apenas 8% dispe de Internet com velocidade superior a 512kbps. (SANTOS, 2008). Tentando mudar esta realidade, o governo Brasileiro muito recentemente lanou o Programa Banda Larga nas Escolas, em parceria com as operadoras de telefonia fixa. O programa pretende que todos os alunos das escolas pblicas do ensino fundamental e mdio situadas na rea urbana tenham acesso Internet banda larga (2 megabits) at o final de 2010. Suponhamos, ento, que, como nao tenhamos realizado um grande esforo e investimento e tenhamos chegado a promover a alfabetizao tecnolgica para todos. Ainda assim no teria sido o bastante. Vamos fazer uma comparao com a alfabetizao para a escrita e a leitura. Sabemos muito bem que o que entendido como ser alfabetizado muitas vezes apenas ter atingido a capacidade de ler uma pgina impressa e de assinar o prprio nome. Sabemos que um cidado precisa muito mais do que isso. Um cidado precisa poder decidir sobre o que quer ler e ter acesso aos materiais que lhe interessam; precisa poder escrever com competncia sobre o que desejar; e, acima de tudo, precisa, quando julgar necessrio, ter assegurado o direito de ser lido. O que queremos dizer que a massificao de competncias tcnicas necessria, mas no suficiente. preciso mais. preciso promover compreenso crtica sobre as tecnologias. Piero Mussio, abordando a questo da alfabetizao tecnolgica, destaca:

H dois nveis de compreenso de um instrumento tecnolgico. O primeiro o da compreenso tcnica, tpico dos especialistas [...] O segundo nvel o da compreenso do uso do instrumento [...] sendo capaz de avaliar, julgar o instrumento proposto no por seus mecanismos internos mas pelas suas funes (globais) externas. (MUSSIO, 1987, p. 16). Mussio lembra que preciso fazer crescer a conscincia do significado cultural do instrumento de forma a minimizar a delegao de poder aos especialistas. Nesse nvel de compreenso, o usurio passa a naturalmente ser ator do projeto de insero tecnolgica. Acontece que esta atuao para se tornar explcita exige um processo trabalhoso de aprendizado, de compreenso e de adaptao. A questo que Mussio levanta nesta problemtica :como permitir a quem quiser usar convenientemente um artefato tecnolgico informar-se, no para ser civilizado ou alfabetizado apenas, mas para melhorar a si mesmo, ativando funes crticas autnomas de avaliao de tais sistemas, por aquilo que fazem e pelo modo como fazem. (RAMOS, 1996, p. 6). Em outras palavras, j que as novas tecnologias mudam profundamente os meios de produo e de consumo, o que est em jogo o controle poltico e social desses meios. Illich (1976) lembra que as prprias caractersticas tcnicas dos meios de produo podem tornar impossvel este controle. Novamente, preciso compreender a tecnologia para poder dizer como elas devem ser. Vemos assim que, para Illich, dominar uma ferramenta muito mais do que aprender a us-la, significa a garantia da possibilidade de se definir conjuntamente o que vamos fazer com elas. A inteno com o que foi at agora dito a de sublinhar a necessidade de criar posturas autnomas e crticas de aprendizado sobre a tecnologia. Boff (2005) explicita essa idia dizendo que precisamos educar os sujeitos para que sejam crticos, criativos e cuidantes. Ser crtico, para ele, a capacidade de situar cada evento em seu contexto biogrfico, social e histrico, desvelando os interesses e as conexes ocultas entre as coisas. ser capaz de responder: quais tecnologias servem a quem? Boff (2005, p. 9) explicita que somos criativos quando vamos alm das frmulas convencionais e inventamos maneiras surpreendentes de expressar a ns mesmos [...]; quando estabelecemos conexes novas, introduzimos diferenas sutis, identificamos potencialidades da realidade e propomos inovaes e alternativas consistentes.

Enfim, ser criativo significa ser capaz de recriar-se e de recriar o mundo, ou de inventar as tecnologias que queremos. Por ltimo, e mais importante, preciso sermos cuidantes. Ser cuidante ser capaz de perceber a natureza dos valores em jogo, de estarmos atentos ao que verdadeiramente interessa, discernindo que impactos nossas idias e aes tm sobre as outras pessoas, e sobre o planeta. Sem o cuidado e a tica esvaziamos as capacidades crticas e criativas, pois, no nos esqueamos que vivemos um tempo em que nossas aes esto em vias de inviabilizar a vida no planeta.

PROGRAMA NACIONAL DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL