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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
CURSO DE DOUTORADO
Por que os atores mudaram as regras do jogo? A Emenda
da reeleição e os efeitos na condução do poder presidencial na
arena legislativa
Kelly Cristina Costa Soares
Recife/PE
Março 2010
KELLY CRISTINA COSTA SOARES
Por que os atores mudaram as regras do jogo? A Emenda
da reeleição e os efeitos na condução do poder presidencial na
arena legislativa
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade Federal de Pernambuco, sob a
orientação do Prof. Dr. Ernani de Carvalho,
para obtenção do título de doutor.
Recife/PE
Março 2010
Soares, Kelly Cristina Costa
Por que os atores mudaram as regras do jogo? : a emenda
da reeleição e os efeitos na condução do poder presidencial na arena
legislativa / Kelly Cristina Costa Soares. – Recife: O Autor, 2010.
170 folhas : il., fig., tab.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco.
CFCH. Ciência política, 2010.
Inclui bibliografia.
1. Ciência política. 2. Reeleição. 3. Poder executivo. 4.
Presidente – agenda. I. Título.
32
320
CDU
(2. ed.)
CDD (22.
ed.)
UFPE
BCFCH2010/16
Agradecimentos
Ao longo da minha trajetória acadêmica recebi contribuições valiosas que me
conduziram a esse momento. Sem dúvida, a identidade com as Ciências Sociais
despertada no curso de graduação foi o primeiro passo para a continuidade dos meus
estudos na Pós-Graduação. Sempre me senti dividida entre a Sociologia e a Ciência
Política, de forma que hoje me sinto fazendo partes das duas. Não obstante, no
decorrer desse curso de doutorado tive oportunidade de adentrar e afinar uma
discussão acerca de uma das principais preocupações dos cientistas políticos, a
questão da mudança institucional. Para tanto tive que realizar uma grande jornada,
primeiro por contar com confiança do meu orientador Dr. Ernani Carvalho que pegou
o bonde andando, mas conseguiu me ajudar a voltar à estação e seguir outro trilho, e
hoje o reconheço com muita admiração. Agradeço a Bolsa de estudos da PROPESQ
que me permitiu investir em fontes necessárias à pesquisa. A Andréia Freitas,
pesquisadora do CEBRAP que me forneceu todas as informações que necessitava.
Tenho muito a agradecer a pessoas que fazem parte da minha história: a Dacier, um
grande homem que sempre foi meu esteio pessoal e acadêmico, sem ele não teria
confirmado a minha vocação docente, porque sempre foi a minha referência. A minha
família que sempre me apoiou, mesmo sentindo a minha ausência, entendeu a minha
opção em morar distante da minha querida Natal. Aos meus amigos de turma Allison,
Armando, Erinaldo, Marcelo, Saulo que vivenciamos e dividimos as angústias de
pesquisadores neuróticos, em especial, a Adaílton que mesmo com muitas atribuições
de sua pesquisa, despendeu seu precioso tempo comigo organizando o Banco de
Dados e Clóvis que me orientou diversas vezes sobre os rumos que deveria tomar no
encaminhamento dos dados. A querida Leonor que fez o meu abstract com muito
carinho. Aos Professores Ricardo Borges e Enivaldo Rocha que tiveram a
disponibilidade de me orientar para tratamento e discernimento dos dados e aos
demais professores do Programa que me deram a oportunidade de construir uma
base teórica e metodológica para execução da pesquisa. As funcionárias Amariles e
Zezinha que participaram também, cada uma ao seu modo, desta etapa da minha
carreira. E enfim, a todos os meus amigos que me deram força, principalmente, na
reta final quando fiquei prisioneira em domicílio e recebi inúmeras mensagens de
carinho e apoio que me foram fortificando para chegar ao ponto final.
Epígrafe
No mundo da política, as pessoas
nunca tentam restringir a si próprias, mas
apenas aos outros (Jens Arup Seip);
Cada geração quer ser livre para
restringir suas sucessoras, mas não quer
sofrer restrições por parte de suas
predecessoras (Jon Elster)
RESUMO
As análises sobre o formato do presidencialismo têm ocupado lugar considerável na
produção científica brasileira, o que vem possibilitando a definição de importantes
referenciais téorico-metodológicos nesse campo de investigação. O desenho institucional,
neste caso, ganha atenção especial porque se leva em conta o pressuposto de que as regras
exercem papel significativo na condução das ações dos atores e vão definir a dinâmica do
processo político-democrático. A interação entre as regras e as ações dos atores tem sido
objeto de investigação sobre as mudanças institucionais e tem contribuído para ampliar as
explicações sobre o sistema político. Nesse sentido, a pesquisa tratou da mudança
constitucional que permitiu a reeleição dos cargos do poder Executivo no Brasil. Os objetivos
propostos foram analisar as razões pelas quais os atores mudaram as regras do jogo eleitoral e
de que forma essa mudança produziu efeitos na condução da agenda legislativa do presidente
da República. A pesquisa foi realizada através de informações do processo legislativo,
disponíveis no Banco de dados do Cebrap, do Sistema de Informações Legislativas – SILEG,
e do Diário da Câmara dos Deputados. A análise chama atenção para os encaminhamentos
dados à aprovação da nova regra e às expectativas de continuidade da agenda governamental
que formaram um novo cenário do jogo político-estratégico. Constatou-se que a estrutura de
oportunidades à disposição dos atores políticos, como a participação na coalizão do governo,
foi significativa para a formação da ação coletiva que rompeu com o pré-compromisso e as
restrições do texto constitucional. Destarte, a partir desse contexto da aprovação da Emenda
da reeleição, mensuramos o poder presidencial proativo e identificamos que há indicação de
que a mudança da regra do jogo e o seu resultado de renovação do mandato do presidente
reduziram o impacto que algumas variáveis tinham de explicar a condução da agenda
legislativa do presidente.
Palavras chaves: reeleição; estratégias; agenda presidencial.
ABSTRACT
The analysis on the presidencialism format have been placed considerably in the Brazilian
scientific production, which has enabled the definition of important theoretical and
methodological references in this investigation field. The institutional sketch, in this case,
gets special attention because it takes into consideration the assumption that the rules play a
significant role in the conduction of the political actors performance and this will define the
dynamics of the political – democratic process. The interaction between the rules and the
political actors performance have been the aim of the investigation on institutional changes
and have contributed to amplify the explanations in the political system. In this sense, this
research is about the constitutional changes that allowed the reelection of the charges of the
Executive Power in Brazil. The objectives proposed here were to analyze the reasons why the
political actors changed the dispute of the electoral rules and in what way that changing
produced effects in driving the legislative diary of the republic president. The research was
done with information from the legislative process, available in the data base of the
CEBRAP, from the legislative information system – SILEG , and from the Congress Diary.
The analysis draws attention to the references taken to the approval of the new rule and to the
expectations continuity of the governmental agenda that formed a new scenario of the
political and strategical dispute. It was found that the structure of the opportunities available
to political actors, such as participation in the coalition government, were significant for the
formation of collective action that broke with the pre-commitment and the restrictions of the
constitutional text. Thus, within this context from the approval of the reelection Amendment,
it was evaluated the presidential proactive power and identified that there is an indication that
the change in the rule dispute and its results of renewing the mandate of the president, reduced
the impact that some variables had to explain to the conduction of the legislative diary of the
president.
Key words: reelection; strategies; presidential agenda.
Lista de Figuras
Figura 1- Electoral Time Line: President, Representatives, Senators ....................... 25
Figura 2 - Linha do Tempo Eleitoral: Presidente, Deputados Federais e Senadores .. 28
Figura 3 - Linha do Tempo Eleitoral: Governador e Deputados Estaduais ................ 28
Figura 4 - Avaliação do Presidente Fernando Henrique Cardoso .............................. 36
Figura 5 - Voto do Deputado por Coalizão do Governo Federal ............................... 124
Figura 6 - Voto do Deputado por apoio ao Governador ....................................... 12513
Figura 7 – Voto do Deputado por Espectro Ideológico ............................................ 126
Figura 8 - Voto do Deputado por Migração .................................................................. 127
Figura 9- Voto do Deputado por Disciplina ............................................................. 130
Figura 10 - Poder Presidencial Proativo por Coalizão .............................................. 146
Figura 11- Panorama da Produção Legislativa do Executivo - 1995 a 2002 .............. 151
Figura 12 - Panorama da Produção Legislativa do Executivo - 2003 a 2007 ............ 154
Lista de Quadros
Quadro 1 - Opinião dos Brasileiros em relação ao Instituto da Reeleição dos Cargos do
Poder Executivo........................................................................................................ 68
Quadro 2 - Panorama Teórico sobre a relação Executivo-Legislativo ........................ 84
Quadro 3 - Cronologia da tramitação da PEC nº1/1995 (Emenda da Reeleição) no
Congresso Nacional (1995-1997) ............................................................................... 90
Quadro 4 - Expectativas do comportamento das variáveis (X) sobre as variáveis (Y) -
votação do substitutivo e segundo turno - PEC 01/1995 .......................................... 121
Quadro 5 - Índice de Rice na Votação da PEC 01/1995 por Partido ......................... 128
Quadro 6 - Índice de Rice Médio por Espectro Ideológico....................................... 129
Quadro 7- Coalizões de Governo ............................................................................. 144
Quadro 8 - Medidas Provisórias nos Governos FHC I e II ....................................... 152
Quadro 9 - Expectativas do comportamento das variáveis (X) sobre a variável (Y) -
Poder Presidencial Proativo .................................................................................... 160
Lista de Tabelas
Tabela 1 - Votação do Substitutivo da Comissão - PEC 01/1995 ................................ 94
Tabela 2 - Votação de Destaque da Emenda nº 4 - PEC 01/1995 ............................... 97
Tabela 3 - Votação de Destaque da expressão "ou eleitos para" - PEC 01/1995 ......... 98
Tabela 4 - Votação de Destaque da expressão "e concorrer no exercício" - PEC 01/1995
................................................................................................................................. 99
Tabela 5 - Votação de Destaque da emenda nº 8 - PEC 01/1995 ............................... 99
Tabela 6 - Votação da Emenda aglutinativa nº 1 - PEC 01/1995 .............................. 100
Tabela 7 - Votação da Emenda nº 11 - PEC 01/1995 ................................................ 113
Tabela 8 - Votação PEC 01/1995 - Projeto Segundo Turno ...................................... 118
Tabela 9 - Regressão Logística, VD = voto do Deputado ......................................... 122
Tabela 10 - Regressão Logística, VD = voto do Deputado ........................................ 123
Tabela 11 - Coalizão Apresentação por Coalizão Sanção .......................................... 145
Tabela 12 - Poder Presidencial Proativo por Coalizão .............................................. 147
Tabela 13 - Poder Presidencial Proativo por Coalescência - Sarney a Itamar ........... 158
Tabela 14 - Poder Presidencial Proativo por Coalescência ....................................... 158
Tabela 15 - Modelo 1 - Poder Presidencial Proativo (Presidentes irreelegíveis Sarney a
Itamar) ................................................................................................................... 160
Tabela 16 - Modelo 2 - Poder Presidencial Proativo (Reelegível após a Emenda) .... 161
Tabela 17 - Modelo 3 - Poder Presidencial Proativo (Irreelegíveis após a Emenda) . 161
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11
Capitulo I .................................................................................................................................. 17
1. Sistema Político e as principais questões em debate ........................................................... 17
1.1 O presidente e a relação entre os poderes ........................................................................ 17
1.2 Mandato presidencial e Agenda governamental ............................................................... 22
1.3 A reeleição do Presidente e o aperfeiçoamento do presidencialismo? ............................. 29
Capítulo II ................................................................................................................................. 41
2. Instituições importam .......................................................................................................... 41
2.1 As regras do jogo político e atores em interação ............................................................... 41
2.2 Arena política: uma versão da escolha racional ................................................................ 48
2.3 Mudança das regras: entre constitucionalismo e democracia .......................................... 56
Capitulo III ................................................................................................................................ 62
3. Emenda da reeleição e arena política: discussão e negociação ........................................... 62
Capítulo IV ............................................................................................................................... 76
4. Separação de poderes como enfoque analítico: a evidência do problema da pesquisa ..... 76
Capítulo V ................................................................................................................................. 88
5. Mudança da regra na arena legislativa e custo de transação .............................................. 88
5.1 O percurso da PEC nº 01/1995 (Emenda da reeleição) na Câmara dos Deputados .......... 88
5.2 Construção e Descrição das variáveis do modelo ............................................................ 109
Capítulo VI .............................................................................................................................. 133
6. A Emenda da Reeleição e o Processo Decisório ................................................................. 133
6.1 A dinâmica do processo legislativo brasileiro .................................................................. 133
6.2 A emenda da reeleição e efeitos no processo decisório .............................................. 14129
6.3 Construção e Descrição das variáveis dos modelos.........................................................144
Conclusões .............................................................................................................................. 167
Bibliografia .............................................................................................................................. 173
INTRODUÇÃO
O presidencialismo vem sendo constituído como sistema de governo, no qual funciona
a separação de poderes, cujos limites postos às ações dos governantes são o segredo para o
bom funcionamento das instituições democráticas. Nesse sentido, a literatura que trata das
vantagens do presidencialismo aborda o controle democrático dos mecanismos de check and
balance como marca inestimável para assegurar a democracia e preservar os fundamentos da
escolha eleitoral. Nesses termos, a eleição presidencial ganha evidência, porque está em jogo
o principal cargo no campo da disputa, pois o presidente assume a posição de ator de grande
relevância em nível nacional.
Destarte, a disposição e a força do candidato ao cargo de presidente nas democracias
presidencialistas dão aos partidos políticos maior evidência no cenário da competição. Assim,
os esforços para constituir e emplacar uma liderança de aceitação nacional torna-se a grande
estratégia dos partidos para ocupar o principal posto do Poder Executivo.
O poder presidencial em muitos desenhos institucionais tem peso significativo no
processo decisório; isso faz com que o mandato do presidente seja tomado por estratégias de
negociação com o Congresso para comandar os resultados políticos da arena legislativa. De
quanto mais prerrogativas constitucionais o presidente dispõe, maior passa a ser o seu poder
de interferir nesses resultados políticos da arena legislativa. Os recursos disponíveis à
presidência e ao Poder Executivo Federal, em modelos federalistas, são incentivos valiosos
para a luta pela manutenção de grupos no governo. O poder do presidente de comandar os
recursos da máquina pública e a estrutura de oportunidades gera incentivos para prorrogar o
tempo no exercício do cargo presidencial. Assim, o instituto da reeleição, em sistemas
presidencialistas, assume essa característica de permitir, ao chefe do Executivo, a
possibilidade de dar continuidade as suas políticas, através de mecanismo eleitoral, bem como
traduz a avaliação do seu desempenho. Com a reeleição, o presidente dispõe de segurança
para formar sua rede de apoio, a qual vai garantir a estabilidade do governo. Por outro lado,
esse amparo político só se torna possível quando estão disponíveis os incentivos para
negociação e constituição de forças de apoio ao governo.
No presidencialismo brasileiro, a disputa presidencial ganhou um novo marco
institucional a partir de 1997, com a introdução da reeleição para cargos do Poder Executivo.
Desde então, as disputas têm sido polarizadas e acirradas entre os dois principais partidos:
PSDB e PT, que figuram o quadro político-partidário nacional. Esses partidos testaram o
instituto da reeleição, porque tiveram dois presidentes que conseguiram a renovação dos seus
mandatos.
Para explorar o contexto da mudança da regra e as consequências no sistema político
brasileiro, analisamos a introdução do instituto da reeleição do presidente e os seus efeitos na
agenda legislativa. O estudo tem sua relevância, porque levanta uma questão ainda não
tratada devidamente nas investigações da ciência política brasileira. Embora exista
preocupação exaustiva em construir explicações para elucidar os problemas inerentes ao
formato do presidencialismo e ao padrão da relação Executivo-Legislativo, ainda carecem
estudos que abordem a reeleição como um novo jogo estratégico, pelo qual as expectativas do
presidente de aproveitar, da melhor forma possível, a estrutura de oportunidades ao seu
alcance para prorrogar o seu mandato e influir no processo decisório, torna-se crucial definir
os rumos dos sistemas presidencialistas, bem como tornar compreensíveis as articulações que
existem entre a arena eleitoral e a arena legislativa.
Nesse contexto, não só o Brasil, mas outros países da América Latina, introduziram a
reeleição presidencial num cenário de preocupação com a capacidade de governar
democraticamente através de sistema de separação de poderes. Esses países vivenciaram
graves crises econômicas ao longo do século XX, as quais afetaram, significativamente, o
funcionamento das instituições do Estado. Para corrigir as distorções econômicas, foram
implementados modelos de desenvolvimento econômico que deram sinais de esgotamento nos
anos 90. Ademais, ficou configurado o desequilíbrio fiscal e a desordem das contas públicas,
cujo resultado foi uma inflação em processo cada vez mais crescente (Castro Santos, 1997;
Faucher, 1998). Como alternativa para virada de página, os governos tiveram que assumir
novos rumos econômicos, políticos e sociais.
Em meados dos anos 90, o Brasil vivia um cenário que, segundo planos e ações no
governo de Itamar Franco, exigia reformas estruturais urgentes. Por isso, o governo buscou
desempenhar uma missão não muito fácil de ser resolvida, pois se deparavam com uma única
alternativa possível: a de ajustar a economia e encontrar saídas para a crise que atingia o
Estado (O‟DONNELL, 1993).
A sociedade brasileira, após muitas situações de desajustes, instabilidade econômica e
fragilidade política pôde criar expectativas sobre um governo que viesse elaborar sua agenda,
com vistas ao problema mais evidente: o controle da inflação. Assegurado pela estabilização
econômica iniciada em 1994, no governo Itamar Franco, o Plano Real deu aporte ao Ministro
da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, de se credenciar como o presidenciável que trazia
um confiável programa de governo recheado de reformas estruturais. Assim, constituiu-se o
governo que, advindo de uma coalizão democrática, parecia ter acertado o ponteiro da agenda
de prioridades do país. As principais iniciativas governamentais foram assegurar medidas que
garantissem o ajuste econômico para, assim, dar prosseguimento às reformas estruturais que
redefiniriam as competências do Estado.
Para isso, o programa governamental das reformas ao demarcar os seus matizes que
mudaria a forma de atuação do aparelho estatal tinha que fazer valer sua coalizão, afinando-se
bem com o poder Legislativo. Teria, então, que assegurar uma maioria estável no Congresso
Nacional para, assim, viabilizar as proposições que redefiniriam essas competências,
repelindo o status quo da velha estrutura burocrática do Estado. O primeiro propósito do
Executivo deveu-se à criação de caminhos para romper o impasse político que tanto
inviabilizava o projeto de desenvolvimento do país1.
A perspectiva do governo de modernizar o aparelho estatal tinha por base mudanças
na Constituição de 1988. As chamadas reformas constitucionais vinham sendo configuradas
como condição inexorável para o país entrar no cenário da economia de mercado e na nova
ordem do mundo globalizado. Entre as discussões postas pelos atores políticos, na arena
decisória, avaliava-se que a reforma política era condição sine qua non para resolver impasses
entre o Executivo e o Legislativo, sendo, então, condição necessária para aprovação das
demais reformas constitucionais. Isso porque a consolidação democrática seria fundamento
básico para o desenvolvimento do país, uma vez que o fortalecimento dos partidos políticos
deveria ser tido como possibilidade concreta de sustentação das políticas governamentais.
Todavia, no que tange à mudança significativa das instituições políticas, vale salientar
que a posição da base governista de conduzir esforços para reforma política foi arrefecida
diante de interesses imediatos que vislumbravam um segundo mandato para o Presidente da
República e para demais cargos do Poder Executivo. Isso fez com que aparecesse no
Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº1/1995) que permitia a reeleição
dos ocupantes de cargos do poder Executivo, a qual foi posta em curso de forma solitária, isto
é, não sendo condicionada a ampla mudança do funcionamento da democracia política, como
aquelas que propõem nova configuração para os sistemas partidário e eleitoral. Dessa forma,
a PEC que permitiu a reeleição dos cargos do Executivo foi apresentada por parlamentar do
PFL2, partido aliado do governo, e tornou-se apanágio do cenário político-partidário do Brasil,
1 Ver discussão em Diniz, Eli e Azevedo, Sérgio (Orgs.). Reforma do Estado e Democracia no Brasil. Brasília:
Editora da Universidade de Brasília, 1997. 2 Em 24 de abril de 2007, o PFL mudou o nome para Democratas.
na segunda metade dos anos 90. Sua aprovação, aparentemente, parecia trazer novas
expectativas para encaminhamento da agenda governamental e para o comportamento dos
atores no jogo político-estratégico.
Para Melo (2002), a aprovação da emenda da reeleição dos ocupantes de cargos
Executivos significou mudança na regra do jogo político, ao longo do processo de reformas
constitucionais e que teve impactos decisivos em termos de resultados políticos, uma vez que
redefiniu a estrutura de incentivos dos atores envolvidos.
Nesse sentido, esta pesquisa buscou analisar como as regras do jogo político-eleitoral
foram alteradas pelos atores e como a mudança constitucional, que viabilizou a reeleição do
Presidente da República, impactou a agenda legislativa do Executivo. A questão central foi
observar e explicar os mecanismos estratégicos que viabilizaram a relação do poder Executivo
com o poder Legislativo para mudar as regras do jogo político-democrático, constituindo um
novo cenário de articulação do Presidente com o Congresso.
Embora os fundamentos da política democrática fossem o pano de fundo das
mudanças constitucionais, no âmbito das discussões da PEC da reeleição, levantaram-se
problemas relativos aos efeitos perversos que poderiam advir com a alteração das regras do
jogo político-eleitoral, uma vez que favorecia os governantes que ocupavam o poder. As
atenções se voltaram para os caminhos que se abriam em negociações no Congresso,
enquanto que as questões que se debatiam colocavam em evidência preocupações com a
estabilidade das instituições políticas, pois estava em pauta a alteração das regras com o jogo
em andamento. Nesse caso, o problema em foco traduzia argumentos por parte da literatura
que estuda o sistema político brasileiro e enfatiza as condições precárias de funcionamento
das instituições políticas. Por outro lado, outra parte da literatura sobre o presidencialismo
aborda o instituto da reeleição como uma boa medida para preservar e fortalecer o sistema
político. Nesse caso, tornava-se justificável a alteração das regras para pôr em funcionamento
o controle democrático através do processo eleitoral.
Assim sendo, a problematização acerca da reeleição do Presidente na democracia
brasileira requer uma discussão teórico-metodológica que explore e defina as condições
possíveis da relação do Presidente com o Congresso. Outrossim, a questão será tratada,
levando em conta o formato do sistema de separação de poderes existente no desenho
constitucional do país. Por isso, nas sessões seguintes apresentamos os aspectos mais
evidentes a esse respeito.
A tese está estruturada em seis capítulos. O capítulo I aborda as questões sobre o
sistema político e as principais questões teóricas que dão sustentação à problemática, as quais
conduziram a pesquisa, e está organizado em três partes. No que concerne à primeira parte,
será apresentada uma discussão sobre as principais questões inerentes ao formato do sistema
político brasileiro, enfatizando, principalmente, a relevância das teses sobre o
presidencialismo e a relação Executivo-Legislativo. Em relação à segunda parte, está o
achado da literatura que aborda a discussão sobre o mandato presidencial, agenda
governamental e o impacto na reeleição do Presidente. E, por fim, na última parte desse
capítulo, estão reunidas algumas questões sobre o instituto da reeleição em sistemas
presidencialistas, apresentando os principais aspectos positivos e negativos nas regras da
reelegibilidade do cargo presidencial.
No capítulo II, apresentamos um panorama da discussão sobre mudança institucional,
a partir dos pressupostos do neo-institucionalismo, e da teoria da escolha racional. Nesta
discussão, também abordamos as questões chaves que envolvem o constitucionalismo e
democracia, levantando a discussão sobre o pré-compromisso e as restrições à luz do prisma
da relação entre as regras e a racionalidade.
No capítulo III, tratamos da arena política em que se desenvolveu a discussão e
negociação para viabilizar a PEC da reeleição. Problematizamos o contexto em que a
proposta foi gerada e enfatizamos os principais questionamentos dos atores políticos na arena
decisória, acerca do efeito da mudança da regra eleitoral no presidencialismo.
No capítulo IV, apresentamos as principais questões da pesquisa, a construção das
hipóteses, operacionalização das variáveis e a metodologia. Vale ressaltar que
fundamentamos a construção das hipóteses a partir da definição de um quadro teórico que
aborda os aspectos mais relevantes das relações entre os poderes Executivo-Legislativos em
sistema presidencialista com multipartidarismo que, resulta em governos de coalizão, caso
específico do modelo brasileiro.
No capítulo V, analisamos o processo de tramitação e votação da PEC nº 1/1995
(Emenda da Reeleição) na arena legislativa, observando a estrutura de oportunidades,
incentivos e os custos de transação para os atores envolvidos. Analisamos os resultados das
votações da matéria nos dois turnos na Câmara dos Deputados, buscando identificar os
determinantes do comportamento individual dos parlamentares como membros das coalizões
governamentais, federal e regionais e sua força eleitoral individual. Essa parte da discussão dá
conta das questões teóricas e empíricas sobre as regras do jogo político e o papel que os atores
desempenharam na alteração de tais regras.
No capítulo VI, mostramos o efeito da Emenda da reeleição na agenda legislativa do
Executivo, buscando demonstrar de que forma a perspectiva do segundo mandato ampliou o
sucesso do Presidente, contribuindo para torná-lo, ainda mais, como o ator principal do
processo legislativo. Analisamos o desempenho do Presidente no primeiro e no segundo
mandatos, verificando como o seu poder de comandar a agenda legislativa passou a ser
utilizado e quais variáveis foram relevantes para conduzir o sucesso presidencial na produção
legislativa. Explicamos os resultados legislativos, tomando como referência o novo cenário de
vigência da Emenda da reeleição e os seus efeitos à capacidade decisória. Para tanto, levou-se
em conta, sobretudo, a capacidade de o Presidente conduzir sua agenda legislativa fazendo
uso estratégico de seus poderes constitucionais. Consideramos que os encaminhamentos para
aprovação da Emenda da reeleição formaram novas expectativas de articulação da agenda
governamental, compondo um novo cenário para o jogo político-estratégico entre o Executivo
e o Legislativo.
Capitulo I
1. Sistema Político e as principais questões em debate
1.1 O presidente e a relação entre os poderes
A agenda de pesquisa da ciência política contemporânea vem enfatizando diversas
tendências de análise do sistema político, dentre as quais vêm se destacando as explicações
sobre a qualidade da democracia, a partir da discussão sobre os mecanismos efetivos que
constituem e fundamentam a representação e as relações entre os poderes. Seguindo a vasta
literatura norte-americana, são muitas as vertentes que explicam os fundamentos do
presidencialismo e sua caracterização como sistema de separação dos poderes (HAMILTON,
JAY e MADSON, 2003); (JONES, 2005); (CAREY e SHUGART, 1992); (MAINWARING e
SHUGART, 2002); (PREZWORSKI et alii, 2002) entre outras.
Os estudos sobre o presidencialismo norte-americano centralizam suas abordagens em
explicações que exploram a forma de operacionalização das relações do Presidente com o
Congresso (CAMERON, 2000), (PETERSON, 1994), (JONES, 2005), bem como, o cenário
de possibilidades estratégicas às escolhas públicas (BARON e FEREJOHN, 1989),
(SHEPSLE e WEINGAST, 1994), (KREHBIEL, 1988). A ênfase na dinâmica do processo
decisório tem sido particularmente importante para avaliar o sucesso ou fracasso da agenda
governamental (DINIZ, 2005). Nesse sentido, na produção científica norte-americana, duas
linhas de análise destacam-se e tornam-se norteadoras das explicações acerca das
possibilidades de interação da Presidência com o Congresso: uma primeira, que enfatiza o
poder pessoal do Presidente para conduzir de forma persuasiva sua agenda no Legislativo
(NEUSTADT, 1990); e uma segunda, que enfatiza a interação entre as regras e as estratégias
adotadas pelos atores no processo decisório (CAMERON, 2000). A essas duas vertentes
explicativas, Diniz (2005) considera, respectivamente, como perspectiva centrada na
presidência e perspectiva centrada no sistema político. Considerando estas duas linhas de
análises acerca da relação Executivo-Legislativo, toma-se como ponto de convergência o
reconhecimento de que a relação entre os poderes aglutina determinados mecanismos de
barganha. Enquanto para perspectiva centrada na presidência, a barganha é resultado da
habilidade pessoal de persuadir as lideranças no Legislativo, permitindo ao presidente
conduzir a agenda legislativa. A perspectiva institucional considera que o poder presidencial,
entendido como capacidade de definir as políticas públicas, não pode estar no âmbito
exclusivo das habilidades ou qualidades pessoais, mas, principalmente, das regras e das
circunstâncias estratégicas do jogo político. Nesse sentido, a compreensão do poder
presidencial pressupõe considerar os jogos estratégicos em que os atores políticos estão
envolvidos, e, para isso, é necessário identificar os instrumentos de barganha que
operacionalizam esse jogo (PETERSON, 1993; CAMERON, 2000 apud DINIZ, 2005).
As análises sobre o formato do presidencialismo têm ocupado lugar considerável na
produção científica brasileira, o que vem possibilitando a definição de importantes
referenciais téorico-metodológicos nesse campo de investigação. As questões mais discutidas
dizem respeito às considerações sobre o modelo das instituições políticas e os seus reflexos no
padrão das relações Executivo-Legislativo. O desenho institucional, nesses casos, ganha
atenção especial, porque se leva em conta o pressuposto de que as regras exercem o papel
significativo de conduzir as ações dos atores e, assim, vão definindo a dinâmica do processo
democrático.
A definição, presidencialismo de coalizão, cunhada por Abranches (1988) para
explicar, em grande parte, os dilemas da governabilidade do sistema de governo brasileiro,
tornou-se a tônica da discussão acerca do resultado da difícil combinação entre
multipartidarismo, representação proporcional e presidencialismo. Não obstante, a
constituição de um entendimento consensual acerca da operacionalização desse típico sistema
de coalizão vem sendo ponto de divergências de algumas linhas de abordagens da relação
Executivo-Legislativo na democracia brasileira (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999;
SANTOS, 2003, AMORIM NETO, 2006; AMORIM NETO et allii, 2003; AMES, 2003;
MAINWARING, 2001; PEREIRA e MULER, 2002).
O trabalho de Figueiredo e Limongi (1999) passou a ser um demarcador na literatura
sobre relação entre o Executivo e o Legislativo, porque vai afirmar serem as determinantes
institucionais do processo decisório que vão explicar o grau de cooperação e conflito entre os
poderes. A concentração de prerrogativas constitucionais como os poderes pró-ativo
(decreto), reativo (veto) e o poder de conduzir a pauta legislativa é a marca da dominação da
agenda governamental pelo Presidente. Os autores acima citados põem em xeque as teses
sobre o individualismo da arena eleitoral como consequência do modelo de lista aberta e
representação proporcional, o qual é tido como fator preponderante de entraves para
aprovação da agenda das políticas apresentadas pelo poder Executivo. Os esforços dos
autores, nesse sentido, vêm sendo reconhecidos por refutar as considerações sobre a
existência de um modelo distributivista no sistema político brasileiro e na relação do
Presidente com o Congresso. Como atestam Mainwaring, 2001 e Ames, 2003, o sistema
político brasileiro é marcado pela predominância do comportamento atomizado no legislativo,
em que o processo decisório passa a ser determinado pelo voto pessoal. Figueiredo e Limongi
rechaçam tais assertivas, pois definem o sistema político brasileiro por constituir um processo
legislativo, cujas etapas decisórias são centralizadas pelas lideranças partidárias. Daí, serem
os líderes elementos centrais na articulação do apoio majoritário às políticas públicas que
fazem parte da agenda do Executivo. O modus operandi da arena decisória é resultado de
determinantes institucionais que asseguram a predominância do Executivo na formação e
implementação da agenda legislativa. A tese desses autores é cética em relação às conclusões
que alegam o caráter não cooperativo do legislativo e a presumida paralisia decisória,
comumente interpretados como crises de governabilidade por parte da literatura que estuda o
Congresso brasileiro.
Figueiredo e Limongi (1999; 2002; 2006) consideram que o desenho constitucional
brasileiro, após 1988, configura-se num padrão particular de altas prerrogativas presidenciais
combinado a um Legislativo que exerce um papel conivente, pautado em possibilidades
estratégicas. Suas análises chegam a resultados curiosos acerca da constituição de maiorias no
Parlamento Brasileiro. Tais resultados opõem-se às concepções de Ames e Mainwaring, que
afirmam a existência de um atomismo exacerbado no comportamento dos políticos no
Congresso. A principal observação de Figueiredo e Limongi pauta-se na distinção entre a
lógica do comportamento na arena eleitoral e na arena parlamentar. Se na arena eleitoral cabe,
ao político, desfrutar das regras eleitorais que garantem certa autonomia individual, na arena
parlamentar, as regras do processo decisório e o comportamento dos políticos seguem uma
lógica que conduz a disciplina partidária e entendimentos na base de apoio ao Executivo. A
tese da predominância dos interesses individuais dos políticos, quando se observam as
votações nominais, mostra-se controversa, na medida em que vai se delineando um padrão de
disciplina partidária. Figueiredo e Limongi vêm batendo nessa tecla, suas conclusões
demonstram que há, no sistema político brasileiro, um modelo de governança, cujas maiorias
são resultados de acordos de coalizão entre presidentes e líderes partidários.
A nova análise de Limongi (2006) corrobora ainda mais a esse postulado analítico,
pois considera que o governo não só controla a produção legislativa, mas esse controle é
resultado da interação entre poder de agenda e apoio da maioria. Maioria reunida por uma
coalizão partidária pura e simples. Nada muito diverso do que se passa nos governos
parlamentaristas (p. 25).
Por outro lado, Ames (2003) e Mainwaring (2001) concluíram que o desenho
institucional da democracia do Brasil é exemplo de entraves para capacidade resolutiva de
governo. Os achados de Ames permitem concluir que há sérias dificuldades de o governo
federal adotar novos programas e novas ações, devido ao excesso de veto player. Esse é um
aspecto que o autor considera importante para explicar o problema institucional da
democracia brasileira. A importância atribuída às explicações de Ames e Mainwaring, sobre
o funcionamento das instituições políticas no Brasil, deve-se à reflexão acerca das relações
entre governo e partidos, as quais são, freqüentemente, interpretadas por acentuadas crises de
governabilidade; disto deriva traços marcantes nos últimos governos democráticos no Brasil.
Entretanto, as conclusões desses autores vêm sendo alvo de críticas por parte significativa da
produção da ciência política brasileira.
Por sua vez, Amorim Neto et alii (2003) e Amorim Neto (2006) propõem fazer o
balizamento dos pontos críticos destas duas abordagens – Mainwaring & Ames e Figueiredo
& Limongi – para construir uma terceira alternativa de análise. Desse modo, as explicações
sobre a posição do Legislativo em relação ao Executivo, na democracia brasileira, tornaram-
se possíveis a partir da compreensão da estabilidade do presidencialismo de coalizão. Ao
considerar que as regras do jogo eleitoral da democracia brasileira possibilitam um quadro de
fragmentação partidária na arena parlamentar, a vertente analítica desses autores centraliza
suas discussões, observando quais alternativas as ações presidenciais possuem para constituir
os apoios necessários à implementação do programa de governo. Tratam da articulação entre
a composição dos gabinetes ministeriais e o apoio que os partidos dão ao Executivo no
Congresso, cuja principal característica do presidencialismo de coalizão é a partilha do poder
entre os partidos.
Os autores acima citados concluíram, então, que a relação entre composição partidária
e a taxa de apoio dada ao Executivo pelos partidos que integram o primeiro escalão
ministerial é medida pela taxa de coalescência; esta, portanto, é deduzida da relação entre as
quotas de participação ministerial e o peso legislativo dos partidos. Esse tem sido o caminho
alternativo para resolver o problema crítico nas análises sobre a relação dos presidentes com o
Congresso. Nesse sentido, os pontos que podem convergir para elucidar o problema da
governança na democracia brasileira merecem melhor articulação entre arena eleitoral, que
vai definir o peso dos partidos no Congresso e a arena parlamentar, que vai definir como as
atividades no parlamento estão associadas ao peso dos partidos nos cargos do governo.
Conforme observaram esses autores, um governo de coalizão de partidos constitui um cartel
legislativo, quando controla parte da agenda-setting e decide a agenda legislativa, na medida
em que cada membro da coalizão possa vetar os projetos da agenda em plenário. No que
concerne à definição governo majoritário e cartel legislativo, para explicar o formato e o
funcionamento do presidencialismo de coalizão, Amorim Neto et alii (2003) concluíram que,
no período de 1985-1999, somente o segundo gabinete ministerial do Presidente Fernando
Henrique Cardoso constituiu-se o governo majoritário identificado por manter cartel
legislativo, uma vez que o Presidente comandou, estrategicamente, a agenda, articulando com
os líderes partidários os apoios necessários, ao acomodar os interesses dos partidos nos
escalões do governo. Nesse sentido, a conclusão dos autores toma um caminho alternativo,
pois questiona a tese atomística defendida por Ames & Mainwaring e a tese parlamentarista
atestada por Figueiredo & Limongi.
Por sua vez, Diniz (2005) apresenta alternativa inovadora ao explorar os mecanismos
que permitem avaliar o sucesso ou fracasso presidencial para viabilizar a agenda legislativa.
Se for verdadeira a proposição que o Executivo comanda a agenda legislativa ao considerar os
projetos aprovados e arquivados, a autora sugere que a observação da agenda não aprovada
passa a ser satisfatória para averiguar em que medida ela toma parte na denominação de
sucesso ou fracasso presidencial. O enfoque da análise da autora permite, também, questionar
a tese que enfatiza o caráter não cooperativo do Congresso. Assim, explora os resultados
estratégicos da relação Executivo-Legislativo, levando em conta a incidência de agendas não
aprovadas.
Para testar os mecanismos de avaliação do sucesso ou fracasso dos presidentes no
comando da agenda legislativa, as considerações de Diniz tomam as seguintes premissas: são
inerentes aos sistemas de separação de poderes os processos de negociação como modus
operandi do exercício de governar; a possibilidade do uso de ações estratégicas e de
determinados instrumentos para a formação da legislação não devem ser desconsiderados.
Nesse caso, entende-se como uma conjugação os objetivos e as estratégias dos atores
envolvidos no processo decisório. Levando-se em conta o papel central do Executivo na
formação e aprovação da agenda legislativa, a autora considera que, se o Executivo deseja,
realmente, aprovar uma determinada matéria, pode se valer das seguintes estratégias: 1)
radicalizar no conteúdo da proposta para, na negociação, ceder em determinados aspectos; e
2) utilizar todos os meios institucionais para neutralizar possíveis instâncias de veto (DINIZ,
2005, pp 339-340). Por isso, para Diniz, o acompanhamento da tramitação das proposições
apresentadas pelo Executivo e não aprovadas evidencia que a sua mera identificação não
revela toda a trama nas relações entre Executivo e Legislativo, sendo necessário levar em
consideração a não aprovação de projetos que pode, muitas vezes, não significar a existência
de bloqueio institucional do Legislativo (Idem).
Os mecanismos institucionais dos sistemas de separação de poderes e as possíveis
articulações estratégicas inerentes ao presidencialismo de coalizão ocupam espaço central no
debate sobre formação e aprovação da agenda legislativa. Nesse sentido, os trabalhos de
Inácio (2006), Pereira et alii (2006) ajudam a elucidar o problema ao explorar as interfaces
das questões que permeiam a formação e condução da agenda governamental. Conforme
observou Inácio (2006), para interpretar o sucesso legislativo, a literatura tem chamado a
atenção para efeitos das diferentes estratégias de montagem da coalizão, por parte dos
presidentes brasileiros. Para tanto, são plausíveis pontos que façam a seguinte conexão: “(a)
se, e em que direção, a montagem e as mudanças na coalizão governativa redefinem as
condições de participação do Executivo na esfera legislativa; (b) se, e como, a formação da
coalizão impacta o alinhamento entre situação e oposição; (c) se o formato e o
comportamento parlamentar das oposições afetam as decisões dos parlamentares quanto à
participação no governo” (p.03). Qualquer explicação sobre governos de coalizão não deve
deixar de considerar o grau de mobilização para operar a agenda legislativa do Executivo.
Assim sendo, a questão crucial para interpretar o sucesso presidencial na arena legislativa
implica tomar as possibilidades de diferentes agendas legislativas, os graus variados de
mobilização e o campo das articulações estratégicas da ação legislativa por parte da coalizão
governativa e das oposições (INÁCIO, 2006).
Ao considerar importante esse debate sobre a arena congressual, a proposta de análise
da mudança constitucional que possibilitou a reeleição do Presidente e os seus efeitos sobre o
processo legislativo pode ser viabilizada, problematizando a conexão entre o mandato
presidencial e a agenda governamental. Esse ponto passa a ser de extrema relevância para
elucidar o problema de pesquisa.
1.2 Mandato presidencial e Agenda governamental
De que maneira pode ser considerada a agenda do governo? Para Jones (2005) agenda
governamental remete a questões importantes acerca da capacidade dos governos de realizar
uma carga de trabalho, com base em vantagens pessoais e políticas, cuja organização
administrativa, nomeação e o apoio público são recursos direcionados a esses propósitos.
Nesse sentido, as eleições tornam-se relevantes, porque apresentaram propostas para realizar
determinadas agendas. Por isso, um bom e efetivo presidente é aquele que realiza atividade de
governo e, agressivamente, dirige o trabalho sempre de uma mesma maneira. Ele é um líder
produtivo e firme no processo de política nacional e, portanto, pode justificavelmente estar
accountable aos eleitores em períodos de eleições (JONES, 2005, p.177). Não obstante, a
compreensão sobre o mandato presidencial assume algumas direções controversas.
Embora as regras constitucionais especifiquem os termos das prerrogativas da
administração do Presidente e dos membros do Congresso, os quais foram recrutados por
eleições, elas pouco podem dizer a respeito da eminência de discussões e de crises
conjunturais. Jones propõe, assim, interpretar de que forma as eleições podem ter implicações
para agenda de governo. Essa problemática não é tão simples, pois se baseia no
questionamento sobre a definição do mandato presidencial e os termos de suas implicações às
eleições. Nesse sentido, o pressuposto a ser considerado em discussão é: de que forma as
eleições não poderiam ordinariamente ser tratadas como um teste político nacional? A
questão parece ter sentido porque eleições podem envolver mecanismos para pedir permissão
e para revelar como os eleitores endossam as propostas feitas pelo candidato vencedor, e
mecanismos para os eleitores revelarem como o Presidente vem dirigindo o seu trabalho, ou
seja, mecanismos prospectivos e retrospectivos.
Por sua vez, Jones considera comum o uso do termo agenda para se referir a diferentes
matérias relacionadas: ao conjunto de problemas de continuidade que são, mais ou menos,
afetados por eleições; à identificação de uma orientação ou preferência política dominante;
aos contextos conjunturais em que as crises ignoram ou substituem os problemas políticos
correntes, como também às iniciativas presidenciais que, variavelmente, podem ser
interpretadas como resultado de mandato, cuja definição de agenda pode ser vista em termos
dinâmicos.
Conforme observou esse autor, a revisão das análises pós-eleições, na era do pós-
guerra, sugere diversos pontos de análise sobre os resultados das urnas. Assim, o conceito de
mandato é usado por analistas para explicar efeitos políticos de uma eleição. As eleições
podem resultar: 1) mandato por mudança; 2) mandato por status quo; 3) mandato misto; 4)
sem mandato.
1) Mandato por mudanças – nem toda eleição deve ser substituída por problemas de
continuidade, pois é possível que muitos eleitores por não concordarem com
determinadas linhas de políticas do Presidente decidam não lhe conceder outro
mandato.
2) Mandato por status quo – revela algumas características típicas: quando se
realizam eleições, nas quais o Presidente é reeleito por vitória esmagadora. Não
obstante, seu partido pode perder a maioria no Congresso, cujo resultado tem sido
frequente na realidade do sistema político norte-americano, cuja implicação tem
sido os embates do governo dividido.
3) Mandato misto – diz respeito a um resultado eleitoral que fica na linha fronteiriça
entre mandato por status quo e aquele resultado que não pode ser tão discernível
como mandato, porque a margem do ganho eleitoral não correspondeu às
expectativas sobre a agenda apresentada na campanha, ou melhor, a agenda não
teve tanta importância no ato da campanha.
4) Sem mandato – existe um dispositivo constitucional na democracia norte-
americana em que a linha do tempo eleitoral desconecta o Executivo e o
Legislativo, ou seja, a eleição presidencial ocorre de quatro em quatro anos; já as
eleições da Câmara dos Deputados, de dois em dois anos. O mandato do Senado
tem duração de seis anos, com renovação de 1/3 de senadores a cada eleição
parlamentar. Assim, a performance do apoio legislativo ao Presidente pode oscilar
de positivo a negativo, pois basta que os resultados eleitorais aumentem ou
diminuam a quantidade de parlamentares da situação ou da oposição. Quando
numa eleição parlamentar, ocorre o fortalecimento da oposição, há perda de apoio
do Presidente no Congresso.
Assim sendo, Jones coloca em discussão as duas perspectivas para compreensão do
termo mandato no contexto do jogo político: uma primeira, relativa ao tempo em que o
político exerce o poder; uma segunda, relacionada às propostas de políticas realizadas nesse
tempo, chamada de agenda política. Por isso, os políticos, nas democracias, participam de
eleições e exercem o poder para realizar políticas, em determinado tempo, o que devem
apresentar propostas que levam em conta o tempo para realização. Para entender essa linha
dos termos e do tempo eleitoral, Jones elaborou o quadro que reproduzimos abaixo:
Figura 1- Electoral Time Line: President, Representatives, Senators
Source: Charles O. Jones, “Separating to Govern: The American Way”, in Byron E. Shafer, ed.,
Present Discontents: American Politics in the Very Late Twentieth Century (Chatham, N.J.:
Chatham House, 1997), p.54.
Jones considera que há diferenças em como as análises pós-eleitorais veem os
resultados das eleições e seus efeitos. Embora exista um acordo geral, entre os analistas, de
que os eleitores apóiam a continuidade, há sérias dúvidas sobre o que se espera que deva ser
continuado. No caso norte-americano, os resultados eleitorais, que derivam o governo
dividido, indicam, quando um presidente é reeleito, que pode estar sujeito a perder maioria no
Congresso. Ou, ainda, o Presidente pode perder a reeleição, mas seu partido pode obter
maioria no Congresso, o que leva à obstrução das políticas do novo Presidente. Sendo assim,
o governo dividido tem, como consequência, um padrão de relação do Executivo com o
Congresso que indica sérias dificuldades de o presidente fazer escolhas políticas satisfatórias
e claras a seus eleitores, devido à obstrução no processo decisório.
O Presidente pode ganhar a reeleição, mas vai lhe custar a perda das iniciativas
políticas. Nesse sentido, a reeleição do Presidente demonstraria sua força no primeiro
mandato, não obstante, o segundo mandato seria demarcado pelo enfraquecimento do poder
presidencial, devido a diversos fatores. Esse feito aconteceu com a reeleição do Presidente
Bill Clinton, cujas expectativas favoreceram o status quo, mas no que se refere à relação do
Presidente com o Congresso, o poder da presidência foi diminuído. No caso norte-americano,
tal resultado pode ser factível, porque o desenho constitucional impõe limites claros ao poder
do Presidente.
Em se tratando do presidencialismo brasileiro, as altas prerrogativas constitucionais de
que o Presidente dispõe determinam um padrão de relação Executivo-Legislativo que
favorece as ações do governo. Desse modo, as iniciativas legislativas dos presidentes
brasileiros ganham o terreno do processo decisório, como demonstraram os trabalhos de
FIGUEIREDO e LIMONGI (1999); SANTOS (2003); PESSANHA (2002); DINIZ (2005);
LAMOUNIER (2006); MOYA (2006), e tantos outros.
A articulação entre os resultados da agenda governamental e o instituto da reeleição do
presidente na democracia do Brasil pode averiguar alguns pressupostos discutidos por Jones.
O primeiro, diz respeito ao tipo de mandato que vem se constituindo no presidencialismo
brasileiro após a aprovação da Emenda nº 16 de 1997. A partir das eleições de 1998, os
presidentes que buscaram reeleição em mandatos subsequentes obtiveram sucesso, tanto
Fernando Henrique Cardoso quanto Luiz Inácio Lula da Silva renovaram seu mandato.
Conforme a denominação de Jones, as eleições passaram a constituir mandatos por status quo.
Por sua vez, o segundo pressuposto para explorar os efeitos do instituto da reeleição no
presidencialismo brasileiro deve-se a sua consonância num governo de coalizão, no qual a
agenda legislativa passa a ser articulada pelo jogo estratégico entre o Executivo e o
Legislativo.
Conforme observou Kingdon (1995), a formação da agenda e a especificação de
alternativas podem ser comandadas por processos diferentes. Enquanto a atuação dos
especialistas é imprescindível para gerar alternativas, cabe ao Presidente o poder de formação
da agenda. Nesse sentido, se os presidentes podem dominar a agenda congressual, devem ter
menos controle sobre as alternativas que os membros do Congresso podem considerar. Não
obstante, o Presidente pode articular com os líderes partidários o controle dos postos chaves
das comissões legislativas e da mesa diretora, tornando-se possível barrar as alterações do
Legislativo que não lhe convém. Esse fator pode ser relevante para observar a relação que os
congressistas têm com o Presidente na formação da agenda legislativa.
A reeleição do Presidente como fator importante na condução da agenda legislativa
tem uma justificativa teórica relevante. Segundo análise de Kingdon (1995), o processo
político tem peso considerável para o processo de policy making. Nesse sentido, o autor
considera que mudanças na agenda e no conjunto de alternativas podem ser resultado de
diversos fatores, como: mudança de administração, mudança de cadeiras nas comissões
congressuais e da rotatividade das cadeiras do Congresso. Por isso, a receptividade dos
políticos a certas idéias depende da probabilidade de constituir coalizões eleitorais, sendo
reeleito ou recorrendo aos altos escalões da administração, razão porque os grupos de
interesses competem para colocar alguém na política. Assim sendo, os eventos políticos são
entendidos como um dos processos importantes de policy making. Sem embargo, eles podem
servir como ímpeto ou como restrição. No que se refere aos eventos que servem como ímpeto
para adoção de políticas, deve-se entender que determinados itens são promovidos à escala de
mais alta importância da agenda, como por exemplo, quando se torna possível a alternância de
poder e a constituição de nova administração ou quando se leva em conta a emergência de
uma nova bateria de propostas, fruto de um novo cenário de correlação de forças na arena
eleitoral. No que se refere à restrição, deve-se entender que há itens na agenda que são
retraídos, principalmente, quando se fazem necessárias as restrições orçamentárias devido às
exigências de racionalização de gastos para obtenção de equilíbrio fiscal. Nesse caso, a
emergência de determinados itens é considerada, tendo alto custo para governança.
Para Kingdon o processo político deve ser relevante para a formação da agenda e de
alternativas às políticas públicas, porque vai definir as condições em que vão se constituindo
as interações dos jogadores na arena decisória. Desse modo, no processo de policy making,
vale destacar a importância de fatores endógenos e exógenos ao processo decisório, além de
ser observada a importância dos jogadores e a maneira pela qual se relacionam com os demais
no processo de formação da agenda. Tornam-se imprescindíveis as seguintes observações: 1)
a importância de cada participante; 2) a forma pela qual cada um é importante; 3) e os
recursos avaliáveis por participante.
A agenda governamental pode ter efeito significativo à reeleição do Presidente,
porque há políticas que requerem continuidade, muitos programas são gerados e persistem.
Nesses termos, a agenda política serve como o contexto para campanha, para votação e para
fazer escolhas, uma vez que, para se reelegerem, os políticos falam sempre nos bons
resultados da administração (Jones, 2005, p. 198). No caso da candidatura do Presidente à
reeleição, passa a ser central para maximizar a estrutura de oportunidades ao alcance do
Presidente, ampliando os incentivos à governabilidade, pois implicam justificativas para
alargar os apoios às políticas governamentais.
No que tange à formação e condução da agenda, a observação da mudança das regras
do jogo eleitoral que instituiu a reeleição dos cargos do poder Executivo na democracia
brasileira permite compreender como, a partir desse novo elemento do jogo político, as
interações entre os atores passaram a configurar e efetuar a estrutura de oportunidades e os
incentivos às escolhas políticas. Para Monteiro (2002), os efeitos de uma eleição traduzem
um dado ciclo político racional em que a trajetória das Políticas Públicas apresenta uma
ondulação que se reflete no ritmo com que foram acionadas as estratégias do governo. Nesse
sentido, ficou entendida a retórica oficial do governo Fernando Henrique Cardoso, que tornou
evidente mecanismo para reforçar a noção de que a aprovação da emenda da reeleição era
condição fundamental para o sucesso da estabilização econômica em 1997/1998. Portanto,
análise sobre a reeleição do Presidente permite, também, averiguar seus efeitos, como o
impacto no processo legislativo, a orientação da agenda, as ambições do programa de governo
e a performance legislativa do Presidente em um segundo mandato subsequente.
Diferentemente do presidencialismo norte-americano, em que há regras
constitucionais que determinam a separação das eleições para o Executivo e Legislativo em
tempos distintos (JONES, 2005), o desenho institucional brasileiro, desde as eleições de 1994,
vem assumindo a particularidade de realizar eleições gerais para o Executivo e Legislativo
nos níveis federal e estadual. Esse dispositivo pode ter efeito expressivo no sistema de
separação de poderes e pode servir de referência para avaliar as implicações da arena eleitoral
para policy making.
Assim, construímos o quadro sobre os termos dos mandatos das eleições no Brasil, a
partir do ano de 1994, adaptados de Jones (2005):
Figura 2 - Linha do Tempo Eleitoral: Presidente, Deputados Federais e Senadores
Fonte: elaboração própria adaptado de Jones (2005, p. 179)
Figura 3 - Linha do Tempo Eleitoral: Governador e Deputados Estaduais
Fonte: elaboração própria adaptado de Jones (2005, p. 179)
No contexto da reeleição do presidente, uma observação importante é que deve ser
levado em conta o desempenho das candidaturas para cargos do Legislativo e sua relação com
o Governo Federal. As candidaturas para o Legislativo podem estar, não só atreladas ao
Executivo, mas dependentes, principalmente, quando deputados ou senadores fazem parte do
alto escalão do governo. Da mesma forma se dão as eleições subnacionais, pois as
candidaturas dos deputados estaduais estão comumente atreladas às candidaturas de
governador dos estados. Esse quadro revela o modo como a relação entre os poderes
Executivo e Legislativo vai sendo articulada com o processo eleitoral, ou melhor, o modo
como no sistema político vigente no país vai sendo constituída essa dinâmica de articulação
entre arena eleitoral e arena legislativa ou o processo decisório.
Por sua vez, conforme observou Kingdon, no modelo norte-americano de governo
dividido, em que o Executivo não tem maioria no Congresso, há ainda alternativas ao
Presidente para comandar a agenda de políticas, pois existem mecanismos referentes à
administração que são exclusivos ao poder presidencial. Por isso, ao lado da formação da
agenda do governo, pode-se levar em conta a combinação de três atores: a pessoa do
Presidente, com capacidade de uso do poder pessoal, persuasão e reputação (NEUSTADT,
1990); o pessoal da administração executiva, que é de responsabilidade do Presidente; e as
nomeações políticas nos departamentos e repartições públicas, que ficam, também, a cargo do
Presidente. No caso do modelo brasileiro de presidencialismo de coalizão, o apoio do
Congresso ao Presidente é resultado da divisão dos cargos do governo entre os partidos da
base (AMORIM NETO, 2006).
1.3 A reeleição do Presidente e o aperfeiçoamento do
presidencialismo?
No que diz respeito ao exercício da reeleição no Estado democrático, a análise clássica
de Alexis Tocqueville (1998), acerca da realidade constitucional do modelo norte-americano,
aborda a questão da reeleição do Presidente como a fissura que fragilizava aquele sistema
político. Tocqueville afirma que, quando o chefe do Estado pode ser reeleito, a intriga e a
corrupção, que são vícios naturais dos governos eletivos, estendem infinitamente e
compromete a própria existência do país. Pois, se um simples candidato quisesse vencer pela
intriga, suas manobras só se exerceriam num espaço circunscrito. Mas, se ao contrário, o
próprio Chefe de Estado é um dos postulantes, toma emprestada para seu uso próprio a força
do governo. Nesse sentido, Tocqueville argumenta: o simples candidato é um homem com
seus frágeis meios; já o chefe de Estado como candidato empenha-se na sua reeleição, cujo
meio é o próprio Estado, com seus imensos recursos pode ser capaz de intrigar e corromper,
isto é, o simples cidadão que emprega manobras censuráveis para chegar ao poder só pode
prejudicar de forma indireta a prosperidade pública; mas, se o representante do Executivo
entra na luta, a atenção ao governo se torna interesse secundário, pois o interesse principal é a
sua reeleição. Daí, Tocqueville entende que as negociações, tanto como as leis, passam a ser,
para ele, apenas combinações eleitorais; os cargos tornam-se a recompensa pelos serviços
prestados, não à nação, mas ao seu chefe.
Por outro lado, Giovani Sartori (1997) propõe tratar a reelegibilidade do Presidente
observando o seu mérito. Para isso, enfraquece o contra-argumento daqueles que consideram
que a reeleição do Executivo pode abrir caminho para a ditadura. Ao contrário, para Sartori, a
reeleição pode ter efeito positivo, porque com um só mandato há o imediato enfraquecimento
do Presidente, pois ele não tem como prometer proteção futura para as forças que o apóiam.
Nesse sentido, a possibilidade de reeleição torna-se válida, devido à existência de incentivos
para o ocupante do Cargo se comprometer com ações futuras e consolidar apoios para suas
políticas, mas, sobretudo, por permitir que seja premiado ou punido por ações passadas. A
reeleição potencializa a capacidade de sucesso do Presidente e tem o efeito no jogo
estratégico entre o Executivo e o Legislativo.
Por sua vez, as considerações de Moe (1999), no que concerne ao presidencialismo
norte-americano, indicam que a limitação de dois mandatos presidenciais subsequentes reduz
os incentivos para o Executivo colocar a reeleição nos seus cálculos estratégicos. O
Presidente, no segundo mandato, não está envolvido no processo eleitoral, bem como, não
tem interesse na continuidade da plataforma política. Se comparado aos parlamentares, a
reeleição do Presidente tem menor peso estratégico, porque só tem relevância no primeiro
mandato. Para os parlamentares, a reeleição é sempre o fator preponderante e sempre
determinante do desempenho do parlamentar no processo legislativo. A manutenção de
vínculos com as bases eleitorais depende do desempenho que cada parlamentar tem no
processo de tomada de decisões, o qual venha a beneficiar seus constituencies. Tendo em
vista essa discussão controversa sobre o peso da reeleição do Presidente no processo
decisório, consideramos salutar a análise sobre as razões para mudança na engenharia
institucional e suas consequências às ações políticas; tomam-se, por isso, essas questões como
pontos norteadores da pesquisa.
Com base nas considerações de Tocqueville e Sartori sobre o presidencialismo e seus
meandros de efetividade da democracia, problematizamos o contexto do jogo político em que
se desenvolveu a implantação da reeleição do mandato imediato do Presidente na democracia
do Brasil. Para isso, fazemos também alusão aos modelos de presidencialismos vigentes na
América Latina, que tanto vêm ocupando parte significativa da agenda de pesquisa da ciência
política. Desse modo, identificamos algumas características singulares para entender as
críticas ao funcionamento da democracia latino-americana, são elas: a) o Presidente é eleito
diretamente pelo voto popular; b) o Presidente tem amplos poderes; c) há certa deficiência no
controle institucional (CARDARELLO, 2009; SHUGART e CAREY, 1992).
Desde muito tempo, uma das diferenças entre o presidencialismo norte-americano e
o dos latino-americanos esteve relacionada à existência da regra da reelegibilidade do
Presidente, pois o instituto da reeleição para cargo de Presidente sempre esteve presente na
Constituição dos Estados Unidos. Entretanto, com a Emenda Constitucional XXII, ficou
determinado que o Presidente da República somente pudesse gozar de dois mandatos
subsequentes. Vejamos:
1. Ninguém poderá ser eleito mais de duas vezes para cargo de
Presidente, e pessoa alguma que tenha sido Presidente, ou
desempenhado o cargo de Presidente por mais de dois anos de
um período para o qual outra pessoa tenha sido eleita
Presidente, poderá ser eleita para o cargo de Presidente mais
de uma vez (Constituição dos Estados Unidos da América, Art.
XXII)
Na America Latina, até o início da década de 90, do Século XX, o veto à reeleição
subsequente do mandato presidencial tornou-se um marco em alguns desenhos constitucionais
que asseguraram o retorno à democracia. Sendo assim, na redemocratização latino-americana
esse foi um mecanismo mais utilizado para “tentar reduzir o poder do Presidente e se
constituiu numa espécie de costume constitucional, adquirindo, em muitos países, uma grande
importância simbólica” (CARDARELLO, 2009). Nas experiências democráticas da região,
havia justificativas plausíveis para essa proibição. Configurados como presidencialismos
imperiais em muitos países, o Presidente sempre foi figura central do processo decisório.
Assim, o sistema político latino-americano passou a ser identificado e marcado pelo
personalismo, pelas deficiências no controle institucional e pela hipertrofia do poder
presidencial que vem dificultando o funcionamento dos mecanismos de separação de poderes,
tão caros à gênese do presidencialismo norte-americano. Em experiências históricas recentes,
as prerrogativas legislativas dos presidentes marcaram, de certo modo, o desequilíbrio entre
os poderes, razão pela qual o Poder Legislativo do Congresso tornou-se debilitado, levando-o
às diversas experiências de ruptura dos processos democráticos (O‟DONNELL,1991;
SHUGART e CAREY, 1992). Por sua vez, o instituto da reeleição subsequente do mandato
presidencial vem sendo a grande novidade de mudanças institucionais que alguns países
latino-americanos vêm adotando. Não obstante, as experiências da reeleição do Presidente
vêm suscitadas por muitos questionamentos.
Do ponto de vista teórico, conforme apresentamos acima, as controvérsias em torno
dos prognósticos sobre o instituto da reeleição presidencial e seu impacto no funcionamento
das instituições democráticas deve-se à sistematização de alguns pontos importantes quanto
aos seus aspectos positivos e negativos, são eles: a) perpetuação do poder; b) soberania do
eleitor; c) experiência política; d) preponderância da liderança em detrimento do partido; e)
importância do tempo do mandato; f) impacto no sistema partidário.
a) Perpetuação do poder
A manutenção do governante no cargo por mais tempo pode resultar em vícios que
levam à apropriação do poder. Entretanto, manter a regra que veta o governante a renovar seu
mandato pode assegurar a alternância de poder como garantia essencial para ampliar a
qualidade da democracia. A renovação da liderança seria a saída para renovação de ideias,
pois o continuísmo poderia ser um mau presságio. Tal argumento considera a necessidade de
rotatividade dos dirigentes, porque a mobilidade e circulação favorecem a inclusão e a
participação na atividade política (CARDARELLO, 2009 p. 46). Conforme o argumento de
Dahl (1997), a ampliação de mecanismos de contestação e de participação é a característica
mais evidente das poliarquias modernas. Nesse sentido, a permissão para reeleição do chefe
do Executivo somente deve ser concebida, se vier acompanhada de regras que limitem o
tempo de permanência do governante no poder.
Por outro lado, para desconstruir o argumento da perpetuação do poder, a defesa da
reeleição do chefe do Executivo sustenta-se na idéia de que, no sistema presidencialista, o
Presidente é uma liderança nacional, com forte capacidade de constituir apoio da opinião
pública, porque foi eleito pela maioria dos eleitores.
Ademais, a reeleição do Presidente também passa a ser uma alternativa para execução
de grandes projetos políticos, pois não é possível o surgimento de lideranças nacionais em
curto tempo, ou seja, não se pode, a cada eleição, inventar uma liderança. (CARDARELLO,
2009 p.46). Portanto, são muitos os argumentos que justificam os prós e os contras à reeleição
do Presidente. Para isso, apresentamos, ainda, alguns dos mais evidentes.
b) Soberania do eleitor
A permissão da reeleição do chefe do Executivo pode ser vista como a garantia que o
eleitor tem de fazer sua escolha, comparando o desempenho do governante e suas propostas
de continuidade com as propostas dos demais candidatos. Nesse caso, a proibição da reeleição
do governante é que restringiria a liberdade do eleitor. A reeleição daria oportunidade ao
cidadão eleitor de exercitar o seu voto, fazendo avaliação retrospectiva das ações dos
dirigentes. Destarte, com a permissão para concorrer à reeleição, o desempenho do governante
estaria posto em xeque e o exercício do voto atenderia a função de accountability eleitoral.
c) Experiência Política
Por sua vez, a defesa do instituto da reeleição está plasmada no argumento de que não
se pode desperdiçar a experiência dos bons governantes, proibindo sua participação na
competição eleitoral. A renovação do mandato pode ser uma boa alternativa para assegurar a
capacidade do dirigente no comando de boas políticas. Caso contrário, seria retirar da vida
pública dirigentes que tiveram bons desempenhos. Tal proibição traria, sem dúvida, prejuízos
para o aperfeiçoamento da administração pública, uma vez que se perderia a oportunidade de
recompensar os bons governantes e punir os maus. Assim, o instituto da reeleição, permitindo
o mandato subsequente, daria oportunidade aos governantes de acumular experiências, dando
continuidade as suas políticas.
d) Preponderância da liderança em detrimento do partido
A discussão sobre o funcionamento da democracia moderna passa pela importância
dos partidos políticos. Não obstante, a reeleição do chefe do Executivo em sistemas
presidencialistas levanta a discussão sobre a representação como sinônima de expressão da
liderança. Assim, um argumento contrário à reeleição do chefe do Executivo considera que a
liderança ganha preponderância em relação ao partido, isto é, a reeleição não soaria como a
continuidade das propostas do partido, mas como o fortalecimento e reconhecimento do
comando do Presidente, negligenciando a importância e o peso do partido, que, por sua vez,
ficaria enfraquecido frente ao personalismo do Presidente. Como resultado, elevarse-ia a
capacidade que o dirigente teria de angariar os apoios necessários à renovação do seu
mandato. Assim, o governante estaria, em primeiro lugar, preocupado com o seu próprio êxito
e somente no segundo plano viria a preocupação com o desempenho do seu partido no jogo
político. A reeleição, portanto, traria para a cena democrática o personalismo e apego ao
cargo, bem como a constituição de mecanismos de recompensa ou punição atribuída ao
dirigente e não ao partido. Por isso, faz diferença entre ter um candidato do partido para
substituir o governante em exercício e ter o próprio governante reivindicando tal direito de
competir para continuar governando. A reeleição se constituiria, portanto, do reconhecimento
da capacidade da liderança no comando do governo e não do partido. Nesse plano, não se
atribui as realizações do governo à plataforma do partido, mas à competência do Presidente
em comandar sua agenda de forma enérgica, assumindo a preponderância sobre sua
agremiação.
e) Importância do tempo do mandato
A controvérsia em torno do instituto da reeleição passa por inúmeras questões, dentre
elas, a avaliação sobre os efeitos do tempo do mandato nos resultados políticos. Levando em
conta os argumentos prós, a reeleição do chefe do Executivo deve ser viabilizada para
possibilitar a continuidade das políticas. Desse modo, é possível ao Presidente manter
entendimentos na arena legislativa no primeiro mandato, tendo em vista a continuidade da
plataforma no segundo. Entretanto, considerando os contras, o impedimento à reeleição tem
vantagens, porque obriga os governantes a, previamente, adotarem programas de políticas e
obras que levem em conta o limite do tempo do mandato. Tal argumento contraria a idéia de
reeleição, porque mesmo que se busque respaldo na necessidade de continuidade, não há
garantias para se crer que a prorrogação do mandato leve à conclusão de obras já iniciadas.
Para essa vertente contra a reeleição, a defesa da continuidade de políticas se esvazia, e não
pode ser justificada pela reeleição do chefe do Executivo, mesmo porque, se a questão em
foco é dar continuidade às políticas, isso poderia ser efetivado com a continuidade do partido
no poder. Entretanto, com a permissão da reeleição, o governante pode elevar sua
preocupação para com a manutenção do poder, descuidando, todavia, de suas obrigações no
exercício do cargo. A expectativa da reeleição, então, permite que o Presidente conduza seu
primeiro mandato para tal propósito, o que pode ser o motivo que o leva a buscar
compromissos com os aliados. Por sua vez, não há garantias de que o segundo mandato
constituirá experiência bem sucedida. Se a expectativa de prorrogar o tempo no governo
facilita a transação do Executivo com o Legislativo, alterando o cenário do jogo político,
certamente, no segundo mandato, sem tais incentivos, as negociações para entendimentos
entre os poderes devem ser minimizadas ou dadas por outras razões. Conforme observou
Sartori (1994), o Presidente que tem permissão para concorrer a outro mandato subsequente,
encerra o seu primeiro tempo, fazendo campanha para sua reeleição. Por outro lado, aqueles
que estão impedidos, simplesmente, devem ir até o final do mandato fazendo seu trabalho.
Para elucidar o debate sobre a reeleição do mandato imediato do Presidente, recorremos às
experiências da America Latina. Nos casos do Peru, com Alberto Fujimori (1995-2000) e da
Argentina, com Carlos Menem (1995-1999), o exercício da reeleição presidencial foi marcado
por ondas de turbulência no segundo mandato. No Peru, após usufruir o segundo mandato,
Fujimori tenta dar um golpe para permanecer no cargo; como desdobramento, resultou em sua
escapatória do país para se livrar de denúncia de fraude e corrupção. Na Argentina, também,
o segundo mandato de Menem, foi encurralado por sérios problemas econômicos e também
por uma enxurrada de denúncias de corrupção. Nesses dois casos, a experiência com a
reeleição presidencial culminou em sérios problemas no segundo mandato, de modo que, os
esforços de mudar as regras para reeleger o Presidente, parece que foram em vão. Além
desses dois exemplos de insucesso presidencial no segundo mandato, juntam-se outros casos
débeis, como os de Carlos Andrés Pérez (1989-1993) e Rafael Caldera (1993-1998), na
Venezuela, onde não concluíram o mandato, porque foram destituídos por impeachment; bem
como a renúncia de Gonzalo Sanchez de Losada, na Bolívia, em outubro de 2003, após ter
iniciado o segundo mandato, em agosto de 2002 (CARDARELLO, 2009 p. 43).
Por sua vez, na experiência brasileira a introdução do instituto da reeleição em 1997
deu tranquilidade ao governo de Fernando Henrique Cardoso, para manter a estabilidade
monetária e constituir uma maioria legislativa necessária ao encaminhamento das principais
reformas do programa de governo, que foram conduzidas no primeiro mandato. Como
resultado, houve a ampliação da base do governo, formando uma coalizão mais robusta que
permitiu a reeleição do Presidente já no primeiro turno da eleição de 1998. A Emenda da
reeleição foi inserida num contexto em que avaliação do governo estava em patamares
considerados altos. Não obstante, o segundo mandato do Presidente FHC foi marcado pela
queda significativa da avaliação do governo, o que resultou num segundo mandato
problemático, do ponto de vista de apoio da opinião pública, cujo final a taxa de reprovação
atingiu índices superiores à taxa de aprovação. Mais adiante, resolvemos as questões de
pesquisa que se propõem a entender os meandros da reeleição presidencial no Brasil,
explicando a utilização da estrutura de oportunidades e os incentivos políticos para mudança
das regras e os seus efeitos nos custos de transação da relação do Presidente com o Congresso.
Demonstramos abaixo o desempenho do presidente FHC nos dois mandatos, conforme
resultados de pesquisas de opinião sobre avaliação de governo, realizadas pelo Instituto
Datafolha.
Figura 4 - Avaliação do Presidente Fernando Henrique Cardoso
A controvérsia, em relação ao efeito do tempo para o mandato presidencial, passa
pelas seguintes asserções: quatro anos podem ser pouco para gerar bons resultados em
determinadas políticas, porém cinco ou seis anos podem ser muito para suportar os maus
governantes e suas políticas desastrosas. Por isso, propõe-se o seguinte argumento à
discussão: assegurar o bom desempenho do governante fica cada vez mais difícil se não for
ampliado o tempo do mandato via mecanismo eleitoral, porque, fazendo uso deste feito, é
possível não só deixar que as boas experiências e boas políticas continuem, mas, sobretudo,
que as experiências políticas mal sucedidas sejam encerradas. A reeleição, nesse caso, passa a
ser uma boa alternativa democrática, porque permite que a vontade do eleitor determine a
continuidade das políticas bem avaliadas ou puna os governantes pelas políticas que foram
mal avaliadas. Nesse sentido, os prós à reeleição subsequente, para o modelo de
presidencialismo da America Latina, devem-se ao argumento de que, com um só mandato, o
Presidente busca apenas adotar políticas cujos impactos são reduzidos, pois fica preocupado
somente em concluir as obras já adotadas, sem muita expectativa de constituir novas forças
para novos projetos (THIBAUT apud CARDARELLO, 2009). Por sua vez, a existência de
um segundo mandato permite que as forças políticas já constituídas continuem engajadas para
manutenção de consenso em torno do programa de governo. Então, não seria difícil considerar
que a alternância de poder, mesmo sendo imprescindível à democracia, pode ser postergada,
porque mudar a orientação das políticas, após apenas quatro anos, pode ser custoso para a
governança, uma vez que esse tempo pode ser exíguo para colher resultados políticos,
tornando difícil a implementação de muitas das promessas eleitorais. Por esse prisma, a
reeleição seria um momento para reafirmação de velhos compromissos e a renovação de
esperança à realização das expectativas da maioria dos eleitores, pois o Presidente foi eleito
por regras majoritárias.
Dentre os diversos argumentos prós à reeleição, John Carey (2001); Carey e Shugart
(1992) consideram que um Presidente quando é lame duck3 fica débil, sua capacidade
estratégica dentro do seu partido é muito diminuída. Assim, os legisladores e outros políticos
podem deixar de apoiá-lo e enfraquecer o governo. A reeleição, por sua vez, traz outro
arranjo, permite ao Presidente a habilidade para constituir e sustentar coalizões legislativas,
formando um concerto eficaz também com políticos de outros níveis de governos
subnacionais, como governadores e prefeitos. A reeleição pode ser um mecanismo eficiente
para reduzir o impacto do efeito lame duck dos governos, tendo em vista que tal situação seria
comum apenas no segundo mandato.
f) Impacto no sistema partidário
Dentre muitas das questões apresentadas sobre a reeleição no presidencialismo,
aborda-se, também, as causas e consequências no quadro partidário. Para detectar a influência
da reeleição sobre o sistema partidário, segundo Serrafero apud Cardarello 2009, deve-se
observar: a) se há maior ou menor probabilidade de instauração da reeleição, de acordo com o
sistema partidário existente; b) se há maior ou menor probabilidade de ser eleito segundo o
tipo de partidos; c) se há relação da reeleição com governabilidade. Nesse sentido, as
discussões acerca da reeleição do chefe do Executivo abordam, também, questões sobre o
3 Termo utilizado por analistas políticos norte-americanos para indicar perda de poder do Presidente no final do
mandato.
impacto na institucionalização do sistema partidário4. Uma questão premente propõe colocar
em xeque os aspectos positivos da reeleição, surgindo, daí, certa desconfiança acerca dos seus
efeitos em sistemas democráticos pouco institucionalizados. Nesse caso, a previsão é que há
efeitos deletérios à democracia, quando se introduz a reeleição em sistemas pouco
competitivos, pois a manutenção de partidos por mais tempo no poder limitaria mais ainda a
competição em sistemas pouco institucionalizados. A pressuposição é de que, com a
reeleição, a manutenção de partidos e grupos por mais tempo no poder reduziria os incentivos
para formar oposições e ampliar a competição. Em tais casos, tendo em vista a escassez de
incentivos para ampliar a competição na arena eleitoral, o sistema partidário se configuraria
com baixa fragmentação e, com isso, a dificuldade se daria, porque haveria o funcionamento
insipiente do multipartidarismo (CARDARELLO, 2009 p. 51).
Conforme observou Cardarello (2009), não há um consenso sobre os efeitos que a
reeleição provoca no sistema partidário. Existe um argumento, segundo o qual, a
probabilidade da reeleição é sentida com mais força em sistema de baixa fragmentação e com
mais dificuldades em sistemas multipartidários. Por sua vez, os efeitos de concentração e
abuso de poder se somam a outros. Isso quer dizer que, a rigor, estes efeitos podem ter
impactos reduzidos em sistemas institucionalizados de baixa fragmentação. Por outro lado,
esses efeitos podem ser bem mais acentuados em sistemas debilmente institucionalizados, os
quais apresentam maior volatilidade, desintegração partidária e com forte predisposição à
ascensão de lideranças de traços populistas.
Cardarello também resgata o argumento que diz: ao nível subnacional, a reeleição de
governadores e prefeitos pode significar redução das restrições do sistema partidário e
permitir maior representação dos interesses locais. Isso se torna possível, porque a eleição
presidencial vem vinculada às eleições dos executivos subnacionais (p. 51). A vinculação das
candidaturas à presidência aos cargos executivos subnacionais e aos cargos legislativos pode
resultar na redução do Número Efetivo de Partidos5 (NEP), porque um acordo pode ser
mantido para garantir a reeleição do Presidente e dos demais cargos do poder Executivo.
Assim, o impacto da reeleição pode ser detectado na configuração do sistema partidário,
levando-se em conta a quantidade e a importância dos partidos no exercício dos poderes
Executivo e Legislativo. Nesse sentido, já é bastante discutido nos estudos de Shugart e Carey
4 Segundo Scott Mainwaring (1992), o sistema institucionalizado caracteriza-se segundo a estabilidade dos
padrões de competição interpartidária (medida por meio da volatilidade); pelo forte enraizamento dos partidos na
sociedade; pelo alto grau de legitimidade e pela capacidade de organização. 5 Segundo Laakso e Taagepera (1979) o número de efetivos de partidos indica a relevância dos partidos na arena
eleitoral e na arena parlamentar. Para isso, os autores desenvolveram o cálculo, usando uma fórmula que
expressa a divisão do numeral 1 pela soma dos quadrados das proporções de votos que os partidos obtêm.
(1992), Mainwaring e Shugart (1997): os efeitos da concorrência nas eleições simultâneas
para Presidente e legisladores e o quanto estas afetam a performance do multipartidarismo
(CARDARELLO, 2009). Quando a disputa pela presidência acontece em simultaneidade com
a disputa para cargos legislativos, torna-se comum o entendimento para garantir a maioria
legislativa. Sendo candidato, o Presidente da República acena à possibilidade de manutenção
dos acordos para segurar sua maioria legislativa.
Destarte, a introdução da reeleição presidencial pode afetar o desenho do sistema
partidário, pois a participação do próprio Presidente na disputa contribui para uma
configuração bipolar entre situação e oposição. Nesse caso, o processo eleitoral com a
participação de incumbents rumo à reeleição, tem efeito retrospectivo e assume a imediata
conotação plebiscitária. A participação de incumbents no processo eleitoral resulta em um
efeito redutor do NEP, daí, espera-se que haja a diminuição da fragmentação partidária
(JONES, 1999 apud CARDARELLO, 2009). Jones (1999) também constatou em sua
pesquisa que a participação do Presidente no processo eleitoral para obtenção de sua
reeleição, tem, também, efeito na redução do Número Efetivo de Candidatos. Nesse caso,
quando o Presidente tem autorização para disputar sua reeleição, a competitividade pode ser
reduzida devido à escassez de incentivos para entrada de novos candidatos.
Para operacionalizar a pesquisa, consideramos o conceito de estrutura de
oportunidades a partir da discussão de Tarrow (2009), na qual as instituições são tidas como
mecanismos eficientes para fomentar ação coletiva, as quais proporcionam oportunidades para
grupos e atores sociais atuarem na arena política, isto é, são os incentivos que os atores
políticos têm para atuarem em determinados contextos constituindo ações coletivas. Mesmo
sendo a aplicação desse conceito destinada a entender e explicar o poder dos movimentos
sociais, adotamos a noção de estrutura de oportunidades usada por Tarrow, para entender a
possibilidade de ação coletiva na arena legislativa, articulando aos interesses da arena
eleitoral. Assim, assumimos que a estrutura de oportunidades são dimensões consistentes da
luta política que encorajam os atores a se engajarem em defesa de seus interesses,
conformando confronto político (TARROW, 2009 p. 38). No caso da regra que institui a
reeleição, consideramos os mecanismos que possibilitaram os atores políticos a formarem
ação coletiva para comandarem o processo da mudança constitucional que permitiu a
reeleição dos cargos do poder Executivo na democracia brasileira. Tomamos, também, o
cenário do segundo mandato como estrutura de oportunidades para os atores formarem ações
coletivas na arena legislativa com o fim de dar cabo aos seus interesses.
Conclusão
A discussão deste capítulo traz algumas questões importantes sobre o sistema político
e os mecanismos de funcionamento da separação de poderes inerentes ao presidencialismo.
Problematizamos o cenário da relação do Presidente com o Congresso na democracia do
Brasil, apresentando os principais argumentos sobre o potencial do poder presidencial de
comandar o processo decisório. Na versão de Figueiredo e Limongi (1999), o sistema político
brasileiro padece de capacidade de articulação estratégica na arena legislativa que ativa os
processos de tomada de decisões, sendo, o Presidente, ator preponderante na condução da
agenda. Na versão contraposta de Mainwaring (2002) e Ames (2005), pode-se falar em
impasses na arena decisória que dificulta a governabilidade, pois são reflexos de problemas
relativos à arena eleitoral como a baixa institucionalização dos partidos políticos. Enquanto
que a análise de Amorim Neto (2006) a boa forma para explorar a capacidade governamental
vai sendo dada pela observação da divisão de poder e dos cargos do governo, de acordo com a
configuração partidária no Congresso.
Outro ponto relevante tratou das questões sobre o mandato presidencial e a formação
da agenda governamental. Para isso, articulamos a reeleição do Presidente aos cenários de
continuidade administrativa e avaliação do governo. A reeleição, então, passa a ser
mecanismo para qualificar a boa gestão. Com o instituto da reeleição, os eleitores podem
resolver renovar ou encerrar o mandato do Presidente, fazendo uso de mecanismos de
recompensa ou de punição dos governantes. Por isso, a agenda torna-se crucial no debate
sobre os efeitos do mandato subsequente.
Ademais, a discussão sobre a capacidade que o instituto da reeleição tem de
aperfeiçoar o sistema presidencialista encontra eco no confronto de duas posições clássicas:
de um lado os prognósticos de Tocqueville, sobre as fragilidades do presidencialismo norte-
americano, que leva ao chefe de Estado a se tornar candidato, empenhando-se em sua
reeleição, fazendo uso e abuso dos recursos do cargo; do outro lado, os argumentos de Sartori,
que propõem à reeleição a condição de mecanismo estratégico para retardar o
enfraquecimento do poder do governo, pois a oportunidade de renovar o mandato permite ao
Presidente manter as negociações de apoio para continuar governando. Assim, o instituto da
reeleição teria boa serventia às peculiaridades do presidencialismo; seria mecanismo eficiente
para reduzir o impacto do efeito lame duck dos governos, tendo em vista que esta situação
seria comum somente no segundo mandato.
Capítulo II
2. Instituições importam
2.1 As regras do jogo político e atores em interação
A apreciação da introdução do instituto da reeleição no sistema presidencialista
permite problematizar as razões que os atores políticos constituíram para mudar as regras do
jogo e seus efeitos na arena legislativa. No plano teórico, significa considerar o novo cenário
institucional em que as estratégias dos atores políticos vão sendo operacionalizadas. O
pressuposto analítico escolhido leva em consideração a nova abordagem institucionalista, cujo
papel crucial não só enfatiza o impacto das instituições sobre a ação dos indivíduos, mas dá
ênfase à interação entre instituições e ações políticas. Como atestaram Hall e Taylor (2005), o
novo institucionalismo pressupõe uma análise que se pauta em dois eixos: 1) estabelecer a
relação entre instituições e comportamento dos atores; 2) explicar o processo pelo qual as
instituições surgem e se modificam. Nesse sentido, essa nova proposta de análise supera os
antigos enfoques institucionalistas, que não levava em conta essa interação.
Por isso, qualquer análise do processo decisório para ser satisfatória deve levar em
consideração o desenho institucional, as oportunidades do jogo político e as alternativas para
as preferências dos atores. Ao considerar esse prisma, propusemos, também, os mecanismos
de explicação da escolha racional para elucidar o comportamento político.
No sentido de se tornarem possíveis novas considerações sobre a definição do campo
institucional, no que se refere à estrutura do poder político, as instituições não apenas
deveriam ser entendidas como fonte da organização política, isto é, como uma estrutura inerte
à formação das escolhas dos indivíduos ou, ainda, desvinculadas das categorias tempo e
espaço. Passa, entretanto, a ser entendida como estruturas de interação significativas em
relação aos atores, os quais atuam de forma reflexiva (GIDDENS, 1991).
Então, um acordo teórico para resgatar a compreensão sobre os mecanismos de
operacionalização do poder político tem em vista a definição das instituições políticas, cujo
núcleo remete ao conjunto de regras que determinam como os atores políticos vão se
comportar no jogo político. A premissa fundamental de tal definição deve-se ao caráter
estável das relações sociais e à durabilidade das regras que asseguram certa previsibilidade à
ação política. Não obstante, a questão central no debate sobre a realidade institucional enfatiza
que as regras não só são determinantes dos comportamentos dos atores na arena política, mas
são modificadas por eles. As regras não só definem como os atores políticos devem se
comportar, mas devem ser vistas como resultados das escolhas de atores que atuaram como
forças constituídas anteriormente e que definiram, de certo modo, aquelas regras. Fala-se,
então, dos pressupostos ex ante e ex post. Assim, uma questão problemática pode ser
evocada: se a durabilidade das regras permite estabilidade, em que medida a mudança poderia
levar à instabilidade política? Esse é um velho problema enfrentado pelas Ciências Sociais
que, frequentemente, têm-se deparado com a necessidade de buscar explicações às mudanças
sociais. Para Huntington (1968), o rápido processo de modernização compreendido como
multiplicação e diversificação das forças sociais, combinado ao baixo nível de
institucionalização, tornaram-se razões principais para o esfacelamento da ordem política em
algumas realidades, principalmente, na América Latina, pois o nível da comunidade política
em uma sociedade encontra-se refletido nas relações entre as instituições políticas e as forças
sociais que as formam.
Mesmo que se deva levar em conta que toda descrição de instituições levanta o
aspecto significativo da durabilidade, pode-se elucidar também as razões que possibilitam
mudança institucional, há três possíveis perspectivas teórico-metodológicas (GOODIN, 1996
apud ROTHSTEIN, 2000):
a) Mudança por puro acidente ou circunstâncias previstas – interação de diferentes
instituições pode gerar imprevistos que determinam novos tipos de instituições.
b) Mudança evolucionária – com base nas concepções evolucionistas, as instituições de
melhor desempenho em certos estágios de desenvolvimento social, simplesmente
sobrevivem através de algum mecanismo seletivo;
c) Mudança intencional, desenhada por agentes estratégicos.
Ao considerar essas perspectivas, o desafio colocado à ciência política (deve ser
entender as implicações de mudanças nas instituições, sendo, portanto, viável a elaboração de
conhecimentos suficientes acerca dos resultados de diferentes instituições políticas.?) Nesse
caso, torna-se possível a essa disciplina obter alternativas plausíveis, quando for tratar de
questões, tais como aquelas que invocam determinadas mudanças, por exemplo, de regime
político em diversos contextos históricos.
As instituições são importantes focos de análises, porque o comportamento político é
explicado com base nas diversas variações dos arranjos institucionais. As abordagens
institucionalistas tornaram-se importantes pontos de partida para compreensão do jogo
político. Muito embora o institucionalismo venha sendo considerado objeto de inúmeras
críticas, as inovações das teorias neoinstitucionalistas são enriquecedoras e assumem a tarefa
de contribuir para o aprofundamento e viabilidades explicativas dos fenômenos sociais e
políticos.
O debate para o discernimento dos fenômenos políticos, durante muito tempo, ficou
ancorado nas tradicionais perspectivas: da escolha racional que toma a mudança institucional
como resultado exclusivamente da capacidade de cálculo racional dos atores que buscam,
sobretudo, a redução de custos e a maximização de benefícios e os pressupostos de uma
abordagem cultural ou histórica, sustentando que as instituições, na maioria dos casos, não
foram escolhidas pelos indivíduos, ou seja, nenhum agente ou grupos de agentes tiveram
como decidir a sua forma de organização. Esses dois prismas ganharam notoriedade como
campos distintos na Ciência Política. Ao considerar que são as regras institucionais e a
interação com os atores que vão definir as relações de poder, os institucionalistas da escolha
racional, segundo Rothstein (2000) elaboram tipo de análise Hard pautada em leis universais,
próprias das construções positivistas. Já as compreensões das instituições, a partir do
processo histórico e desenvolvimento cultural, realizam um tipo de análise Soft que se define
por sua posição relativista. Segundo esse autor, o grande desafio da Ciência Política
contemporânea será tomar esses dois campos numa relação frutífera para constituir análises
das instituições políticas. Essa foi uma preocupação que norteou a reflexão de Hall e Taylor
(2003) a respeito da busca de uma síntese das três vertentes do chamado neoinstitucionalismo.
Análise política no campo dessa nova abordagem chamada neoinstitucionalista vai
desempenhar papel crucial, porque não só enfatiza o impacto das instituições sobre as ações
dos indivíduos, mas vai enfatizar a interação entre as instituições e as ações políticas. Como
uma nova proposta teórica e metodológica, cujo eixo característico da abordagem passa a ser
a superação de enfoques do velho institucionalismo. Nessa nova abordagem, podemos levar
em conta as mudanças de foco, são elas: a) do velho enfoque das organizações para regras; b)
de uma concepção formal de instituições para informal; c) de uma concepção estática das
instituições para uma concepção dinâmica; d) de valores submersos para postura de valores
críticos; e) de uma concepção holística para uma concepção desagregada e contextual das
instituições; f) de independência da ação dos atores para uma concepção que enfatiza a sua
imbricação com as ações (LOWNDES, 2002, p. 97).
A perspectiva neoinstitucionalista torna-se desafiadora, porque busca explicar a
interação entre instituições e a ação política. Desse modo, o seu empenho será constituir
abordagens institucionalistas não mais como pura descrição das constituições dos sistemas
legais e estruturas de governo, conforme faziam as velhas abordagens do pensamento político,
bem como reagir às abordagens comportamentalistas de vertente da escolha racional que
minimizava as instituições, em detrimento da maximização das preferências individuais.
Assim, as instituições ganham primazia e numa nova perspectiva da escolha racional; busca-
se construir explicações para resolução do problema da ação coletiva. É possível falar em um
acordo explícito que trata de considerar as instituições políticas, sofrendo influência das
estratégias dos atores, pois oferecem as condições para seus objetivos. Elas determinam
assim: a) quem são os atores legítimos; b) o número de atores; c) ordenamento das ações; d)
quais informações os atores terão sobre cada intenção dos outros. (HALL e TAYLOR, 2003;
ROTHSTEIN, 2000; PETERS, 2000).
Desse modo, o novo instititucionalismo busca elucidar o papel desempenhado pelas
instituições na determinação de resultados sociais e políticos. Não obstante, nessa nova
perspectiva analítica configura-se em três vertentes, cujas distinções tornam-se
imprescindíveis: neoinstitucionalismo histórico, da escolha racional e o sociológico (HALL e
TAYLOR, 2003). Hall e Taylor consideram que, na ciência política contemporânea, as
perspectivas do institucionalismo histórico e da escolha racional vêm tomando espaço
significativo.
O fundamento teórico principal é responder como as instituições afetam o
comportamento dos indivíduos. Para isso, os neoinstitucionalistas históricos fazem uso de
duas perspectivas: calculadora e cultural. A primeira, dá ênfase aos aspectos do
comportamento humano, que são instrumentais orientados pelo cálculo estratégico. Já a
segunda, trata de questões sobre como o comportamento pode ser limitado pela visão de
mundo própria ao indivíduo. O significado para utilização de ambas as perspectivas deve-se à
compreensão de que, embora haja reconhecimento do comportamento humano como racional
e orientado para fins, enfatizam ainda o fato de os indivíduos recorrerem com freqüência a
protocolos estabelecidos ou a modelos de comportamentos já reconhecidos para atingir seus
objetivos (p. 197). Ao tomar essas duas perspectivas, os teóricos do institucionalismo
histórico tratam da relação entre instituições e ações em suas análises, cuja propriedade
notável consiste em enfatizar a importância das relações assimétricas de poder.
Essa visão institucionalista pauta-se na premissa do desenvolvimento histórico, uma
vez que trata, sobretudo, de defender as causalidades sociais dependentes da trajetória
percorrida, path dependent, de modo que rejeitam o postulado tradicional de que as mesmas
forças ativas produzem em todos os lugares os mesmos resultados. Tal abordagem filia-se ao
pressuposto de que “as instituições aparecem como integrantes relativamente permanentes da
passagem da história, ao mesmo tempo em que são um dos principais fatores que mantêm o
desenvolvimento histórico sobre um conjunto de „trajetos‟ ” (p.200).
O institucionalismo da escolha racional, por sua vez, segundo a síntese dos autores,
parte de uma gama de pressupostos comportamentais, os quais asseguram que os atores
pertinentes a determinadas instituições compartilham um conjunto determinado de
preferências e se comportam de modo inteiramente utilitário para maximizar a satisfação
dessas suas preferências que, geralmente, baseiam-se em um número significativo de cálculo.
A teoria da escolha racional, desse modo, toma a vida política como uma série de dilemas de
ação coletiva, definidos como situações em que os indivíduos que agem de modo a maximizar
a satisfação de suas próprias preferências o fazem com o risco de produzir um resultado sub-
ótimo para a coletividade. Geralmente, tais dilemas se produzem, porque não há arranjos
institucionais que impeçam cada ator de adotar uma linha de ação que seria preferível no
plano coletivo (p. 205).
Com base na vertente da teoria dos jogos ocultos, Tsebelis (1998) evocou o
entendimento da escolha racional como resultado de comportamentos de indivíduos como
resposta ótima às condições de seu meio e ao comportamento de outros atores. Nesse sentido,
uma explicação eficaz faz a descrição de instituições prevalecentes e os contextos existentes.
Assim, o comportamento de cada ator é uma resposta ótima para o comportamento dos outros
participantes, bem como para a estrutura institucional existente. O enfoque da escolha
racional como ferramenta para explicar a política de mudança institucional requer uma
abordagem usual das instituições, cujo fundamento é estudar os tipos de comportamento que
elas causam. Tsebelis trata as instituições como endógenas, expressas por resultados de
atividades políticas conscientes. No que concerne à mudança institucional, considera que as
modificações nos payoffs6 e modificações de regras do jogo pressupõem mudanças possíveis
que podem ser feitas num jogo (p. 97).
De acordo com sua definição de regras Tsebelis considera a possibilidade de mudança
institucional com base no seguinte corolário: 1) uma mudança no conjunto de jogadores (um
governo que escolhe entre legislar por decreto e apresentar a legislação por meio do
Parlamento); 2) uma mudança nas jogadas permitidas (uma comissão que apresenta um
projeto de lei com base em regras abertas – emendas são permitidas – ou regras fechadas –
sem emendas; 3) uma mudança na seqüência do jogo (um governo que pede um voto de
confiança à Câmara Alta do Parlamento antes de se apresentar diante da Câmara Baixa); 4)
uma mudança na avaliação disponível (um governo que declara ao Parlamento que a votação
6 O termo significa o ganho, o pagamento, o prêmio ou sanção a certa ação.
de um projeto de lei seria considerada um voto de confiança). (p. 98).
Tsebelis considera que “na distinção entre regras e normas ou costumes pressupõe-se
que as regras são formais e conhecidas pelos jogadores e que cada jogador espera que
qualquer outro jogador as siga”. Daí, as regras do jogo político ou social regulam as relações
entre: a) atores (relação entre governo e oposição); b) atores institucionalizados (relação entre
os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, relação entre governos estaduais e federais); c)
atores institucionalizados e cidadão individual (relações que envolvem leis tributárias e as
definições dos direitos constitucionais do cidadão); d) cidadãos entre si (relações entre
cidadãos baseados em direitos assegurados pelos códigos civil e penal) (p.99).
Para explicar o funcionamento das instituições e os impasses da democracia brasileira,
Ames (2003) propõe uma abordagem que busca questionar as considerações sobre a
autonomia das instituições; questiona-se, assim, de que forma podemos considerar como
tendo vida própria e como as mesmas podem ser mais do que pretendiam os atores que as
criaram. O ponto de partida da análise é alertar que as instituições não surgem do nada, mas
são criadas e recriadas por pessoas. Destarte, uma questão chave pressupõe: se as instituições
são produtos de criação consciente, porque não tratá-las simplesmente como agentes de seus
criadores? Para resolver esse impasse, o autor propôs uma reflexão sobre mudança
institucional, a partir da busca da conciliação entre os diferentes pressupostos da Teoria da
Escolha Racional e do Institucionalismo Histórico. O ponto de partida para tal conciliação diz
respeito à preocupação com o modo como as instituições modelam as estratégias e
influenciam as conseqüências políticas (p.26). Daí, pode-se dizer que, se para os teóricos da
escolha racional, as instituições importam, porque representam aspectos de um contexto
estratégico, ao impor restrições às condutas para que não busquem os interesses pessoais. Para
os defensores do institucionalismo, histórico as instituições viabilizam o contexto em que as
estratégias são construídas; exercem papel significativo, visto que moldam as preferências
individuais.
Em suma, o institucionalismo histórico adota uma perspectiva mais ampla, pois busca
respostas para questão de como as preferências são constituídas. Por sua vez, a teoria da
escolha racional trata as instituições como regras de restringem comportamentos, não se
importando em detalhar as condições subjetivas que definem as preferências individuais. Daí,
uma consideração plausível, apresentada por Ames: enquanto os teóricos da escolha racional
tendem a formular argumentos probabilísticos, ao focalizar o comportamento dos políticos ou
das organizações políticas como, por exemplo, o funcionamento do processo Legislativo e a
relação com partidos, com o Executivo e Judiciário; os teóricos do institucionalismo histórico
pautam-se em argumentos que sustentam consequências mais gerais do comportamento
estratégico dos políticos ou partidos. Portanto, a conclusão preponderante acerca dos pontos
de convergência e divergência entre as perspectivas do institucionalismo histórico e da
escolha racional deve-se à postura em que cada abordagem lida com as preferências. Para os
institucionalistas históricos, há crença de que as preferências sofrem influência não só das
instituições, mas de outros fatores, como ideologia e características pessoais das lideranças
políticas.
A premissa fundamental da abordagem institucional de Ames pauta-se no modelo de
Tsebelis (1995), no qual considera que, para tratar das condições em que as políticas de
mudanças podem obter êxito, deve-se levar em conta a existência de agentes com capacidade
de veto (veto players), cujo número e natureza dependem do contexto institucional. Assim, na
definição de Tsebelis, “um veto player é um ator individual ou coletivo, cuja concordância
(por regra de maioria no caso de atores coletivos) é requerida para tomar decisão e mudar uma
política”. Podendo, portanto, os agentes serem dois tipos: institucionais – presidentes da
República e Câmaras Legislativas, nos regimes presidencialistas; e partidários, nos sistemas
parlamentaristas. Ames, assim, conclui que “em qualquer sistema político, a adoção de uma
nova linha política de ação governamental, que se desvia do status quo, requer a concordância
de determinados atores. Quando o número absoluto desses atores com poder de obstrução de
mudança ou veto-players é grande, a inovação política torna-se muito difícil” (Ames 2003 p.
29).
Nesse caso, para Ames, uma a mudança institucional, cujos atores são instituições
democráticas, como: sistema eleitoral, Presidência da República e Legislativo estão
indissoluvelmente ligadas, pois sistema eleitoral influi, não somente nos tipos de candidatos
que participam de eleições, mas, também, atua de forma preponderante sobre as estratégias de
campanhas e na forma como os políticos são conduzidos ao poder. Nesse sentido, argumento
de muitas tradições de pesquisas de que as instituições são mais do que agentes dos seus
criadores são levadas em conta pelo o autor, sejam como organizações que têm procedimentos
operacionais rotinizados ou como arenas de luta burocrática. Assim, propomos uma análise
sobre a mudança das regras do jogo político, lançando luz sobre a introdução do instituto da
reeleição do poder Executivo na democracia do Brasil.
2.2 Arena política: uma versão da escolha racional
O comportamento político responde aos termos da racionalidade, quando os
indivíduos, movidos por estratégias, asseveram as suas tentativas para viabilizar a otimização
dos resultados políticos, aumentando, o quanto possível, as possibilidades de sucesso no
processo de disputa com outros indivíduos. Nesse sentido, a constituição da representação
nas poliarquias modernas passa a ser resultado da articulação entre regras instituídas e a
escolha de estratégias dos atores políticos para melhor se portar na competição da arena
eleitoral.
A abordagem da escolha racional, como formulou Adam Przeworski (1986), propõe a
compreensão do comportamento político como estrutura de escolhas que se constitui, a partir
de estratégias adotadas anteriormente por forças políticas. Isso quer dizer que as
oportunidades de escolhas na arena eleitoral estão condicionadas por essas forças políticas
que antes deliberaram regulamentos para assegurar a realização de objetivos. E, conforme
Tsebelis (1998), é a forma de levar os atores institucionais e individuais, ou seja, partidos e
líderes a promoverem, o quanto possível, a realização de seus objetivos (p. 12). Assim, os
comportamentos dos atores numa arena eleitoral estão moldados como ações estratégicas
orientadas para objetivos e baseadas em deliberações, ou melhor, são ações realizadas a partir
de alternativas percebidas e resultantes de decisões.
A partir de tais condições, a representação política se consolida num âmbito de disputa
em que a racionalidade dos atores responde à articulação de meios apropriados à conquista de
cargos. É um atributo do processo de escolha, pelo qual se formam as estratégias que, então,
definem o comportamento como ação racional. Assim sendo, para desígnio de tal ação, deve-
se entender que a racionalidade representa a correspondência ótima entre meios e fins. Logo,
no campo da luta política, o comportamento racional prevalece como ação individual
estratégica, cujo adjetivo é avaliado por Elster (1995), ao considerar como meios mais ou
menos eficientes para um fim ulterior. Nesses termos, a disputa política repousa na busca de
melhor atuação dos atores, fazendo, para isso, escolhas racionais que devem ser adaptadas a
determinadas circunstâncias.
É plausível considerar que a ação racional deve ser um tipo ideal de ação política, não
obstante, o que se pode colocar em evidência, é um pressuposto central presente no
argumento de Elster, ao considerar as ações, a partir das oportunidades e desejos. O sentido
dado a esse argumento deve-se ao seguinte entendimento: os desejos estão associados às
percepções de alternativas que os atores constroem, ao participarem das escolhas políticas, na
medida em que procuram a melhor forma de moldar suas ações na arena eleitoral. Por sua
vez, ações dependem das oportunidades que são expressas pela estabilidade dos arranjos
institucionais tidos como parâmetro para medir a qualidade do desenho da democracia
representativa. Nesse sentido, postula-se que o desenho institucional ganha importância
crucial, ao definir as diretrizes para o jogo político. Deve-se levar em conta a forma pela a
qual as oportunidades são fixadas, pois delas dependem a atuação dos atores, quando busca a
realização de seus desejos e sua legitimação como representação política.
A esse modo de ver, Elster propõe que as oportunidades são objetivas e independem
das vontades dos atores. Não obstante, o efeito explicativo para a ação estratégica deve ser
buscado, num sentido estrito, nos desejos e nas crenças que esses atores têm das
oportunidades. Daí, o sentido dado referir-se à crença que os indivíduos têm de determinadas
oportunidades e orientam suas ações, baseados em tais percepções. Mas, é importante
ressaltar que, no caso das oportunidades de participar da arena eleitoral para conquista de
cargos políticos, estas são fixadas com a colaboração dos atores interessados que podem
alterar as regras do jogo, as quais, definidas nas disputas eleitorais, podem ser, normalmente,
controladas pelos políticos que entram na competição, o que lhes possibilitam definir as
melhores oportunidades para otimização dos seus ganhos eleitorais. Para tal interpretação,
vale acrescentar que as instituições políticas, por sua vez, os partidos políticos, o sistema
partidário e as regras eleitorais podem ser conduzidos pelo auto-interesse. Por outro lado, a
afirmativa de Elster torna-se esclarecedora, pois considera que as instituições são cofiguradas
por duas faces: 1) parecem agir, escolher e decidir como se fora um grande indivíduo; e 2) são
também criadas e formadas por indivíduos (ELSTER, 1995, p. 174).
As instituições são definidas como mecanismos de imposição de regras, essas que
governam o comportamento de um grupo bem definido e atuam mediante sanções externas
formais (idem, ibid). No caso das instituições políticas, a formulação das regras implica na
definição das formas de atuação dos indivíduos no processo de escolhas. Os indivíduos como
atores, ao assumirem participação ativa nesse processo, esperam a maior liberdade possível
em articular suas estratégias para ganhos eleitorais. Como ainda propôs Przeworski (1986),
movidos por expectativas, os atores individuais ou coletivos quase sempre arremetem aos
cálculos estratégicos.
O desafio posto às instituições políticas, como os partidos e suas formas de
organização, é trazer à luta eleitoral a condução do processo democrático como escolhas dos
atores racionais. Daí, o tipo racional pauta-se na coerência ao basear suas decisões nos
cálculos de probabilidades, visto que se empenham para atingir os objetivos de sucesso na
arena de competição eleitoral. O comportamento político, nessas condições, atinge sua
característica máxima como racionalidade de atores individuais. Ora, no jogo político, a
abordagem da escolha racional, conforme a formulação corrente de Tsebelis (1998), adequa-
se à situação em que a identidade e os objetivos dos atores são estabelecidos, e as regras da
interação são precisas e conhecidas por todos (p. 45).
A liberdade política, a propósito do jogo democrático, passa a ser orquestrada pelas
possibilidades de escolhas, razão pela qual os atores se lançam nas disputas políticas,
apostando em suas faculdades racionais, com o intuito de alterar suas chances na arena
eleitoral, enquanto que as instituições constituem as exigências legais no âmbito da disputa
político-eleitoral. No embate de interesses, os partidos guardam a proeza de sustentar a
organização política, mas a dinâmica de suas articulações vai depender dos investimentos em
que cada ator pode fazer para aumentar a participação nos resultados eleitorais e, por
conseguinte, nos cargos do governo. Ora, mesmo que as articulações dependam da inserção
dos atores em agremiações partidárias, a expectativa sobre a racionalidade desses atores em
constituir um conjunto de forças, que ocasione êxito na competição, torna-se dimensão
significativa no campo das negociações.
O princípio da democracia representativa é condição apropriada para defesa de
interesses de grupos na sociedade. Sem dúvida, calca sua legitimidade nas organizações
partidárias, já que imputa-lhes o efeito da representação. No entanto, quando entram na
disputa política, os partidos atuam em condições puramente eleitorais. A isso se voltam as
colocações de Przeworski (1986, p.43), ao ver nas histórias de determinados partidos, diversas
reviravoltas estratégicas, resultando mudanças fundamentais de direção, cismas e cisões.
Nesses termos, o mais importante a ser anotado é que, sob regras da competição eleitoral, os
grupos, ao buscarem a representação de interesses, esforçam-se, cada vez mais, para
maximizar o apoio político. Para tanto, Przeworski considera os grupos e ou partidos de
classes, quando se encontram dispostos a lutar na arena eleitoral, fazem sempre apelo às
massas.
A oferta de candidatos à representação política, na ocasião competitiva, obedece a
estratégias direcionadas para o extenso apoio eleitoral. Isso porque os ganhos eleitorais
perseguidos pelos atores, como fins últimos, dependem de estratégias (meios) através das
quais definem os determinantes para o comportamento político dos indivíduos. Mas, o que
importa agora é conceber o sistema representativo como forma de participação em que há
organizações autônomas estratificadas em líderes e seguidores (PRZEWORSKI, 1989, p.24).
Uma consideração importante ao ver no desempenho dos líderes o empreendimento de
estratégias bem sucedidas, que são resultados das ações racionais.
A reflexão aqui proposta procura apresentar a abordagem da escolha racional como
útil para elucidar o comportamento político no âmbito dos modelos das democracias
representativas e dos sistemas políticos contemporâneos. Então, uma das principais questões
que pode ser abraçada, veementemente, assevera a compreensão de que a condução do
sistema representativo assume sua forma típica, porque as relações políticas aduzem
dispositivos para estratificação de líderes. Nesses moldes, as instituições vão tomando forma,
à medida que vão se constituindo a firmação das lideranças. Assim, o pressuposto da
representação política ostenta tal condição, porque está pautada em indivíduos.
O caráter individual da ação estratégica e sua utilidade na disputa político-eleitoral
podem ser anunciados como mecanismo explicativo que traz resultados promissores ao
enfoque da escolha racional. Não obstante, as considerações de Tsebelis (1998) devem ser
observadas: deve-se aceitar na abordagem da escolha racional a ação individual como uma
adaptação ótima a um ambiente institucional, ainda que ratifique a interação entre indivíduos
como uma resposta otimizada na relação recíproca entre ambas. As considerações que podem
ser feitas ao jogo político-democrático levam em conta a relação entre indivíduos e
instituições, pois estas últimas definem-se como regras do jogo em que atuam como
determinantes para o comportamento dos atores.
Essas observações são plausíveis, e maneira nenhuma retira do centro da discussão a
atenção expressiva que adequa escolha racional aos esforços empenhados pela ação
individual. Envolve, para tanto, as estruturas de opções que se põem aos atores, como forma
alternativa para suas ações. Nesse sentido, pode ser proveitoso apropriar-se da reflexão de
Elster, a qual se torna essencial saber que as crenças e os desejos que os atores têm das
oportunidades de conquistar a confiança do eleitorado norteiam suas escolhas. Por isso, no
jogo político, o âmbito das oportunidades para a realização das escolhas são as instituições.
Estas, por sua vez, caminham como organizações formais que realizam sua eficácia, ao
conceder aos indivíduos o reconhecimento dos seus interesses.
No ambiente institucional, devem operar organizações formais, fixadas em regras
rígidas, que condicionam as ações em torno da realização de objetivos previamente
reconhecidos pelos atores como fins a serem perseguidos. Igualmente, remete-se ao processo
de institucionalização política voltado para fins que toma validade de regras, ao fixar rigidez
para condutas individuais e coletivas. Então, a interação entre indivíduos e instituições
políticas resulta em ações intencionais (estratégicas), quando grupos como elites entram na
disputa eleitoral, unem-se e buscam conscientemente suas metas, determinando, para isso, o
comportamento maximizador do voto. O saldo positivo dessa interação, a partir dos
pressupostos da teoria da escolha racional, é apresentar à conduta política, a partir de um
legado de possibilidades para suas escolhas estratégicas.
Destarte, é fundamental atentar para as oportunidades que se criam nos arranjos
institucionais, ao dar aos atores, as chances de ajustar estratégias (meios) a objetivos políticos
(fins). O comportamento político ajusta meios aos fins, quando os atores procuram maior
participação nos resultados eleitorais e no processo de tomada de decisões. Por isso, na
relação dos atores com as instituições, formalizam-se interesses de participação no poder,
apostando-se em condições estratégicas, nas quais expressarão como conseqüências
intencionais de suas ações. Desse modo, as condições estratégicas evocam a racionalidade
dos atores em atingir objetivos que, no caso da competição eleitoral, corroboram a busca de
garantias para sua legitimação e consubstanciam como representação política de interesses.
Tal relação permite que os atores se lancem na arena eleitoral, moldando suas condutas às
crenças que têm das oportunidades de otimizar seus ganhos eleitorais, designadas a partir do
processo de institucionalização política.
Verifica-se que a democracia política se consagra, quando se definem regras e
procedimentos para a conduta dos atores, mediante um conjunto de preferências. Nesse caso,
a oportunidade que se coloca aos atores individuais e coletivos implica investimentos na
capacidade de formular objetivos e buscar articulação de forças para tal empreendimento. Por
isso, o enfoque da escolha racional invoca a definição para a ação política, baseado nessa
articulação de forças para atender objetivos previamente definidos. Para tanto, a explicação
das ações no campo da luta pelo poder político obedece às proposições de Przeworski (1988,
p.11), pois está voltada para o conhecimento da relação que existe entre condições em que se
desenvolvem as ações de alguns e as escolhas de outros.
Para resolver a problemática que envolve o comportamento político e as condições
institucionais em que se manifestam as relações na arena eleitoral, mais uma vez, enfatiza-se a
possibilidade em tomar os atores individuais, a partir de condições racionais, para conduzir
estratégias que garantam maior participação nos resultados políticos. O principal foco para
atender a esses objetivos resume a articulação de forças em que propõe à ação política a
probabilidade de melhor acomodar seus interesses.
A abordagem que se formula para explicar o comportamento político no plano da
disputa presume uma perspectiva micro. No caso dos pressupostos do individualismo
metodológico, conforme observou Przeworski (1988), são microfundamentos para
compreender os fenômenos sociais como produto da ação dos indivíduos. O ponto de partida
da ação política centra-se no ator individual que emprega um conjunto de disposições
estratégicas para atender objetivos individuais e coletivos. Assim, a principal implicação no
empenho da ação individual, para realização de metas políticas, resumir-se-ia na posição
central em que se encontram os líderes.
Vale notar que a posição de líder assegura as rédeas do conjunto das disposições
estratégicas, posto que tem garantias de contar com seguidores, dispõe de alternativas
concretas para articular forças e transita mais facilmente nos grupos de poder. As chances são
colocadas ao ator que deve realizar suas ações voltadas para a convicção de assegurar maior
número possível de seguidores, como perspectiva de ocupar posição privilegiada no grupo de
poder.
As disputas consagram-se, então, ao dar aos partidos a oportunidade de reunir adeptos
para realização dos objetivos políticos formados como representação de interesses coletivos.
Mas, cabe aos líderes a certeza de contar com disposições estratégicas para melhor
promoverem esses resultados, porquanto a condição de liderança é reconhecida pela
capacidade ativa de promover a acomodação de interesses, pois projeta e eleva os ganhos
políticos. Ora, tal condição dá a esse ator a posição fundamental que se reveste em forças
positivas para conquistar a confiança do eleitorado e garantir a ocupação de cargos. Por outro
lado, pode possibilitar, também, a esse ator a perspectiva de mover-se numa inteira liberdade
frente às organizações partidárias. Para tanto, propõe-se a essas organizações que sejam
estáveis para poderem promover a realização dos seus objetivos. Não há dúvidas de que o
motor das ações políticas seja a realização de objetivos otimizados por indivíduos, mas não se
pode perder de vista que são as organizações partidárias que formulam as metas a serem
buscadas pela conduta racional.
As definições para o comportamento político, quanto à conduta racional, podem ser
observadas na atuação de líderes, ao formar suas estratégias. Por sua vez, a tendência das
posições desses líderes pode não abraçar fortemente seus ideais políticos, devendo serem
levadas em conta como as estruturas de opções em situações históricas concretas. Nesse
sentido, Tsebelis (1998) definiu as alternativas subótimas como forma mais vantajosa de
realizar objetivos. Caso que dá aos atores individuais e coletivos chances de medir ganhos, a
partir das condições postas. Nesse sentido, Przeworski (1996) considera as condições em que
as preferências são realizadas, o que corresponde aos termos dos componentes empregados às
ações racionais.
É necessário confirmar que, no jogo político que conduz à democracia representativa,
o processo de seleção define-se por traçar pauta para ganhadores e perdedores. A perspectiva,
então, é que a participação no poder seja resultado de escolhas que definem a inclusão de uns
e a exclusão de outros. Essa é a proposição que dá à representação, atribuição de triunfar no
poder. Isso exige dos atores empenho em moldar sua conduta para seguir a formulação de
chances, a fim serem ganhadores na arena eleitoral. Por outro lado, a situação que envolve o
processo de consolidação democrática requer que os conflitos sejam tomados, a partir das
instituições adotadas se não houver ninguém controlando os resultados ex post, quando estes
não sejam determinados ex ante, e têm importância dentro dos limites previsíveis e são aceitos
pelas forças políticas relevantes (PRZEWORSKI, 1992, p. 07).
A expectativa, no entanto, é tomar o poder como fruto dessa relação de forças, as quais
dependem do conjunto de atitudes em que interagem capacidades humanas para formular
estratégias. Atores individuais e coletivos, isto é, líderes e partidos procuram sempre se
constituir em potencial de forças para atrair coalizões. A disputa se define, no entanto, para
esses atores como campo de acomodação dos interesses, ocasião em que permite aos atores
individuais e coletivos poderem contar com condições de lançarem seus investimentos
baseados no cálculo racional.
Para tanto, o que se coloca aos líderes é, então, a busca de vantagens para encampar a
luta política. Estes adquirem, pois, qualidades especiais enquanto dispõem de capacidade
para ampliar o sucesso presidencial, sendo, esta, a condição essencial de representantes de
interesses coletivos. Isso implica como cada ator procura maximizar sua participação nos
resultados políticos, concretizando tal condição.
A democracia política torna-se, portanto, condição fundamental que permite aos atores
entrar na luta pelo poder, movendo suas ações em torno da realização de vontades. A ênfase
na racionalidade das ações políticas deve-se à tomada de clareza da arena eleitoral como o
locus específico, onde se firmam escolhas voltadas para resultados. Sendo campo típico de
orientação para ação estratégica, haja vista que o processo de seleção em que ocorre a disputa
político-eleitoral envolve os atores nas relações de forças que lhes exigem assegurar
conseqüências para suas ações. A referência para atender a racionalidade instrumental da
ação é evocar os atores para boas escolhas, os quais devem ser capazes de realizar objetivos,
ao garantir lugar na estrutura de poder.
A adequação da ação estratégica à arena eleitoral toma impulso num tipo de conduta
política voltada para aplicação de objetivos que tendem a reunir forças como pólo de atração
para tomada de decisões, ou melhor, para o conjunto de atitudes no qual lança os atores à
busca do poder político através de eleições livres. Nesse caso, os traços para definir a
democracia, a partir da competição, trazem à tona competências especiais às ações políticas.
No campo de ação das disputas, as exigências que são feitas aos competidores dizem respeito
aos meandros em que se move a liberdade de aglutinar forças que viabilizam suas inserções
na estrutura do poder.
No entanto, tal condição só poderá ser adotada sob limites de regras que orientem a
vinculação dos atores em instituições políticas. No caso, a explicação para conduta política,
uma boa alternativa, considerando o prisma da escolha racional, pode ser buscar ajustar na
democracia política os arranjos institucionais aos fluxos das ações que tendem a definir
melhores alternativas para promover melhores resultados à conduta político-eleitoral.
A viabilidade de explicar as relações políticas no campo da disputa, a partir das ações
individuais, são considerações dos termos que se põem aos atores para entrarem na busca de
maximizar suas posições na estrutura do poder. Por outro lado, para que se cumpra tal
função, as exigências legais são observadas. As instituições são estáveis quando podem
acionar os seus mecanismos de controle às ações. Esses mecanismos funcionam como meios
de evitar possíveis demasias do comportamento ou das articulações dos atores e dos partidos
em disputas.
Não resta dúvida de que o enfoque dos estudos políticos sobre as democracias
contemporâneas tem somado preocupações, ao tratar a estrutura das instituições como
processo de estabilidade, pelo qual se tornam viáveis as relações políticas democráticas.
Entretanto, lançar mão de mecanismos explicativos à prática democrática, pressupõe
considerar uma alternativa plausível para os resultados políticos, ou seja, tomá-los como fruto
da interação dos atores que procuram, em condições estratégicas, ajustar os arranjos
institucionais a seus interesses para participar ou manter o poder.
Mais uma vez, faz-se necessário destacar que as explicações para as formas de atuação
das ações devem ser buscadas no relacionamento dos políticos com as regras do jogo. Dessa
maneira, a democracia política ordena os conflitos da sociedade moderna, pois é um modo
eficaz de acomodar interesses, tornando-se viável a tomada de decisões. Por seu turno, as
disputas eleitorais são ecos dessa realidade que levam à participação de líderes e partidos que,
por sua vez, vêem-nas como oportunidade positiva de buscar a realização dos interesses
imediatos. Mas, aparece, também, como uma forma alternativa para realizar interesses de
longo prazo. Para tanto, considera-se que os objetivos propostos por líderes e partidos
devem-se às escolhas de condução de suas ações para garantir a viabilidade de interesses.
Então, a ideia que se tem é de um movimento político, no qual impulsiona os atores a entrar
na disputa, tendo clareza de suas pretensões, restando somente saber de quais alternativas
dispõem para realizar tais feitos. Para isto, é possível considerar que os pressupostos da
escolha racional permitem a formulação de conjecturas sobre o comportamento dos atores e
das alternativas para realização de objetivos da arena da competição eleitoral. Desse feito
presume-se, num sentido estrito, que as ações estratégicas dos políticos são efetuadas como
intenções que devem influir de forma reflexiva nas ações dos eleitores. As regras do jogo,
mesmo definindo o campo de atuação da ação política, elas são sempre criadas e alteradas
pelos políticos, daí porque se torna possível e factível associar a conduta política à racional.
2.3 Mudança das regras: entre constitucionalismo e
democracia
Um dos principais pilares do Estado de Direito é assegurar às regras a capacidade de
prover as ações dos atores políticos. Desta feita, as democracias modernas criaram
Constituições a fim de limitar o comportamento de governantes e governados. Por isso, a
missão dada à potencialidade da racionalidade humana foi explorar mecanismos normativos
eficientes para firmar pré-compromisso e restrições, visando a conter os efeitos negativos das
paixões. Elster em Ulysses and the Sirens (1984), tinha alertado para as fraquezas da
condição humana e a busca de criar artifícios para se livrar das tentações do mundo exterior.
Nesse sentido, Ulisses propõe aos seus companheiros que lhe imponham amarras para que
possa continuar sóbrio, evitando qualquer deslize numa situação de embriaguez futura. Assim,
se pôde compreender o papel do constitucionalismo no mundo moderno, tendo as
Constituições políticas como “dispositivos de pré-compromisso ou auto-restrição, criados
pelos políticos para se proteger de suas próprias tendências previsíveis a tomar decisões pouco
sábias” (ELSTER, 2009, p. 119).
Não obstante, é a sua análise em “Ulisses Liberto” (2009) que retoma essa discussão,
revendo seu ponto de vista com base no discernimento do historiador norueguês Jens Arup
Seip, que elucidou a questão do pré-compromisso e restrições, enfatizando que na política se
dá uma razão bem específica. “No mundo político as pessoas nunca tentam restringir a si
próprio, mas apenas aos outros”.
Outrossim, Elster (1984) já havia chamado a atenção no cenário moderno das
Assembléias Constituintes para o „paradoxo da democracia‟, enfatizando que “cada geração
quer ser livre para restringir suas sucessoras, mas não quer sofrer restrições por parte de suas
predecessoras”(2009 p. 151). Para melhor compreensão desse argumento, conclui que:
Por um lado a Assembléia quer se libertar dos mandatos e
restrições que as supra-autoridades tentam lhe impor. Por
outro, quer estabelecer a lei para gerações futuras e dificultar
a sua libertação (e tornar-lhes difícil restringir as gerações
que, por sua vez, as sucederam) (Elster, 2009, p. 151).
É nesse sentido que os debates em torno das mudanças constitucionais, através dos
mecanismos de reformas e emendas, ganham evidência nos meandros das reflexões sobre a
rigidez e flexibilidade das regras do jogo e a sua articulação com a racionalidade dos atores
políticos. De acordo com esse prisma, Holmes (1988) levanta a discussão dos possíveis
vieses antidemocráticos pertinentes à auto-sustentabilidade do constitucionalismo. O ponto
de partida para levantar os argumentos que legitimam qualquer processo de mudança das
regras deve-se a essa questão do controle democrático: “os mortos não podem governar os
vivos, mas não se pode facilitar que os vivos governem a si mesmos” (Holmes, 1988 p. 26).
Para Holmes, as questões que envolvem o constitucionalismo terminam entrando em
conflito com o cerne da democracia, quando esta expressa a autêntica vontade da comunidade
ou da maioria. Se as Constituições celebram pré-compromisso e restrições, elas acabam
afastando certas decisões do processo democrático, podendo, assim, funcionar como
instrumentos para atar as mãos da comunidade. Dessa forma, aparecem as controvérsias em
torno da rigidez ou flexibilidade do texto constitucional. Isso retoma aos princípios
fundadores do contrato social, que deram margem à teoria política moderna de discutir até que
ponto se pode aceitar que a democracia seja submetida à camisa de força constitucional. Por
outro lado, há certa desconfiança quanto à capacidade de manutenção da democracia sem
aparar arestas através do texto constitucional. Assim, Holmes resume as críticas de Shapiro e
Hayek sobre os pontos e contrapontos do debate, chamando atenção para a possibilidade de
uma tensão profunda entre democracia e constitucionalismo, pois esses autores concluíram
que não se torna difícil que haja uma relação entre opostos, denominada assim de oximoro.
Não obstante, as questões em torno de um entendimento para a democracia
constitucional vão sendo dadas por algumas vertentes da teoria republicana, que mesmo
acenando à ideia de um pacto fundador realizado pelos pais, repelem qualquer possibilidade
de obstrução no futuro dos filhos. Nesse caso, as considerações sobre o direito do povo de
alterar ou abolir qualquer forma de governo que viole as liberdades, deram forma à
Declaração de Independência dos Estados Unidos na voz de Thomas Jefferson, que assim
concluiu: “Nenhuma instituição, por mais importante que seja, é inalterável; nenhuma lei por
mais fundamental que seja, é irrevogável” (JEFFERSON apud HOLMES, 1988 p. 03).
Por isso, a questão do pré-compromisso constitucional esteve sempre presente nas
inúmeras reflexões de pensadores liberais clássicos. Para Locke, deve-se atentar para outra
proibição muito mais significativa: aquela que determina o princípio de que nenhum pai pode
atar seus filhos. O cerne dessa questão encontra-se na sua própria justificativa: certo é que
qualquer compromisso ou promessa que alguém tenha feito por si mesmo se encontrará
abaixo das obrigações de outros, pois não se pode, por nenhum pacto que seja, atar os seus
filhos para posteridade (LOCKE apud HOLMES, 1988 p. 03). Essa consideração é o
fundamento do individualismo liberal que se enquadra em defesa da ampla liberdade política,
pois mesmo que exista um contrato fruto do consentimento para limitar o comportamento
político, ele foi resultado de uma posição original que permite, aos sucessores, o livre arbítrio
de poder mudar as decisões dos seus predecessores quando lhes convier. Nesse sentido, fica
patente que a política seria uma atividade para garantir o exercício da liberdade do indivíduo
por isso, mesmo havendo o pré-compromisso constitucional, Locke considera que não há
razão para os pais quererem, de maneira idiossincrática, encadernar os filhos. Essa tem sido
uma questão que justifica a defesa da flexibilidade constitucional e denota a importância do
poder reformador, como representante legítimo da vontade política livre.
Assim se fizeram os questionamentos de Paine sobre a tensão insolúvel entre
constitucionalismo e democracia. Tal tensão advém de um dilema entre a herança de um
marco legal fixo e a onipotência de cidadãos atualmente vivos (HOLMES, p. 5). Paine não
só foi capaz de perceber uma tensão entre as regras constitucionais e os infindáveis anseios
expressos na vontade da comunidade de fazer da política sua imediata realização, mas
considerou que, em toda comunidade, os vivos não podem ficar condenados pelas decisões e
erros dos mortos. Nesses termos, a democracia requer o atendimento das necessidades da
comunidade, por isso, seria plenamente justificável aos vivos romperem os pré-compromissos
firmados pelos mortos, porque ninguém deve ser condenado a viver os erros do passado.
As questões sobre auto-suficiência das gerações foram debatidas por Jefferson ao
longo do processo da Convenção Constitucional na Filadélfia. Seguindo Paine, Jefferson
argumentou que as leis devem servir aos vivos, assim como a terra serve. E, de forma bem
enfática, concluiu seu argumento, dizendo que não há como atribuir direito aos mortos, pois
não passam decomposição de matéria que em outro momento dão forma aos corpos de outros
animais, vegetais e minerais (HOLMES, 1988 p. 5).
Essa foi uma defesa do pressuposto de que uma geração não tem o direito de criar
obrigações para as gerações seguintes. Estava em Paine, bem como em Jefferson, o
argumento que considera onerosa para uma geração viver sob responsabilidades do passado,
pois não há motivos que justifiquem que as decisões de uma geração possam comprometer
outras. Não se concebe, na vida e na política, que a geração do presente esteja sujeita a reduzir
sua liberdade, porque está pagando as dívidas contraídas por seus predecessores. Esse
argumento é uma questão central do liberalismo moderno que sintetiza uma das premissas de
Kant (2007).
Nesse sentido, a discussão sobre as justificativas para mudar as regras dependem de
como os atores interpretam os contextos políticos que criaram as necessidades de constituir
impedimentos às mudanças. No que concerne ao objeto de análise da pesquisa, a mudança da
regra que proibia a reeleição dos cargos do Poder Executivo e, especialmente, do cargo
presidencial, devemos atentar às justificativas dos atores sobre as necessidades de revogação
das decisões dos seus predecessores que buscaram limitar o poder dos sucessores, ou seja, de
evitar que estes buscassem a perpetuação nos cargos. Daí, vai sendo possível conduzir os
questionamentos sobre pré-compromisso e restrições às ações dos atores políticos no processo
democrático.
Por outro lado, a questão do pré-compromisso constitucional foi alardeada por
Madison (2003), que considerou as regras como freios necessários para evitar usurpação do
poder e manter as condições favoráveis à atividade política republicana. No sistema de
separação de poderes, tanto o Presidente quanto o Parlamento, estão sujeitos às regras, pois
mesmo que possam alterá-las só o fazem sob condições constitucionais determinadas. As
emendas à Constituição tornam-se possíveis, porque são reguladas por regras que buscam
resguardar o poder majoritário do Parlamento. Assim, a indicação para defesa do
constitucionalismo advém, não somente da criação de obstáculos para emendar o texto
constitucional, mas de determinadas atribuições dadas à Suprema Corte de Justiça para manter
o controle de constitucionalidade. Sendo assim, a preservação da rigidez do texto
constitucional vai sendo defendida como meio para manter intactos os mecanismos de freios e
contrapesos existentes no sistema de separação de poderes. Desse modo, a dinâmica da arena
legislativa vai sendo também mediada por um novo ator, o Poder Judiciário, que passa a ter
poder de veto no processo legislativo (CARVALHO e PERES, 2008)
No que concerne ao processo de emendas, pode-se dizer que a exigência de maiorias
qualificadas favorece a tese em defesa da prevalência do constitucionalismo sobre a
democracia. Para Elster os maiores obstáculos às emendas constitucionais são:
A petrificação absoluta das leis;
A adoção de uma maioria qualificada no
Parlamento:
A exigência de um quórum maior do que para
uma legislação ordinária;
Os atrasos (típicos de sistemas bicamerais);
A ratificação do Estado (em sistemas federais);
A ratificação por referendo (ELSTER, 2009:135)
Nesses casos, os desenhos constitucionais resguardam mais ou menos a proeza de
garantir fidelidade à assembléia constituinte. Não obstante, as possibilidades para alteração
das regras vão sendo dadas pelos próprios mecanismos democráticos constituídos no processo
constituinte. Por outro lado, a rigidez da Constituição pressupõe que qualquer mudança só
pode ser efetivada por um processo mais complexo que o processo legislativo ordinário. Por
isso, é dita como uma forma de assegurar a estabilidade da opção eleita em Assembléia
Constituinte (COMELLA, 2000). Assim, a mudança constitucional em desenhos rígidos
pressupõe um processo complexo e requer a formação de maiorias qualificadas. Isso traduz
esforço exaustivo para conduzir estrutura de oportunidades à formação da ação coletiva rumo
à mudança.
Por sua vez, conforme o desenho constitucional brasileiro, qualquer mudança no texto
requer um amplo entendimento no Congresso, cuja exigência requer maioria qualificada de
3/5 das Casas Legislativas em votações de dois turnos em cada Casa. Portanto, a quebra do
pré-compromisso constitucional e restrições têm alto custo na arena decisória. Por isso, para
revogar tais restrições, permitindo a reeleição do chefe do Executivo, os atores políticos
tiveram que desconstruir as justificativas postas na Assembléia Constituinte que legitimaram
os limites impostos aos Executivos. Sem dúvida, o modelo institucional existente no sistema
político brasileiro, segundo a vertente do institucionalismo histórico, e é resultado de
contextos do passado que justificaram tais impedimentos e restrições. Nesse sentido, o
problema da presente pesquisa traz à tona algumas questões sobre os mecanismos
democráticos que criam e revogam impedimentos constitucionais para conter ações dos
governantes em sistemas presidencialistas. No caso da proibição da reeleição do mandato
subsequente dos cargos do poder Executivo foi o pré-compromisso e a restrição que os
constituintes assumiram na confecção dos desenhos constitucionais do Brasil em diversos
momentos de democracia. A principal questão tratada, nesse sentido, é fazer valer a discussão
de como os mecanismos da própria democracia, como as regras do jogo permitem a mudança
e quais efeitos constituem para esse próprio processo democrático.
Conclusão
Apresentamos uma síntese das questões teóricas e metodológicas sobre mudança
institucional e as interações entre os atores políticos. Nas vertentes do chamando
neoinstitucionalismo chamamos atenção para a importância das instituições, mas enfatizamos
as condições em que as regras são criadas e alteradas, considerando a articulação de interesses
dos atores. Nesse sentido, a racionalidade e as estratégias em arenas de negociações ganham
centralidade. Por fim, abordamos alguns pontos sobre os fundamentos democráticos da
mudança constitucional, apresentando os principais dilemas da relação entre democracia e
constitucionalismo. Para isso, trazemos à tona a discussão sobre racionalidade, pré-
compromisso e restrições como fundamentos para interpretar a capacidade de articulação dos
atores, para construir as regras do jogo político e as possibilidades de alteração em arenas
decisórias.
Capitulo III
3. Emenda da reeleição e arena política: discussão e
negociação
No presente capítulo analisamos, a arena política em que se desenvolveu a discussão e
negociação para confecção e viabilização da PEC 01/1995 (Emenda da reeleição).
Problematizamos o contexto em que a proposta foi gerada e as principais questões levantadas
sobre a capacidade que a mudança da regra eleitoral teria para aperfeiçoar o presidencialismo
brasileiro.
A proibição de reeleição dos ocupantes de cargos do Poder Executivo, desde o
nascimento da República brasileira, foi uma marca precisa da necessidade de fazer valer
impedimentos para que ocupantes do Poder Executivo não usassem a soma de poder que
controla o Estado, em esquemas de fraudes para se perpetuar no cargo7. Destarte o período
de redemocratização, assinalado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, não
relegou essa preocupação, pois manteve em seu Artigo 14, parágrafo 5º a proibição de
reeleição dos chefes do Executivo. Não obstante, o Brasil dos meados dos anos 90, tomado
por um projeto político que visava a modernizar a esfera estatal, justifica que a premissa
fundamental para implementar políticas governamentais exitosas devia-se à necessidade
inexorável de mudanças na Constituição; inclusive, aquelas que definem as possibilidades em
que os atores possam se movimentar no jogo eleitoral, pois tornara possível a reeleição dos
chefes do Executivo. A título de exemplo desse tipo de mudança constitucional na América
Latina, a Argentina e o Peru já tinham enveredado por esse novo dispositivo do desenho
institucional do sistema presidencialista.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 01-A de 1995, que permitiu a
reeleição do Presidente da República e dos demais ocupantes de cargos Executivos foi
apresentada pelo deputado José Mendonça Bezerra Filho (PFL/PE)8, logo no início do
governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 29 de maio de 1995, a proposta
ganhou admissibilidade na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara (CCJC),
para discussão e votação em plenário. A justificativa da proposta era a de que quatro anos
eram insuficientes para qualquer governo realizar mudanças significativas na forma de
7 Nos últimos anos a justiça eleitoral vem apurando e aplicando sanções em governadores e prefeitos que usaram
poder econômico para se reeleger. 8 Embora tenha sido de autoria deste Deputado, a iniciativa de proposta de Emenda à Constituição tem que ser
subscrita por 1/3 dos deputados, nos termos do Art. 60, da Constituição Federal.
atuação do poder público. Fundamentava-se, também, no entendimento de que o Brasil devia
seguir o modelo dos sistemas democráticos modernos, cuja permissibilidade de reeleição do
Presidente da República é mecanismo indispensável para accountability democrática. Outros
argumentos tomavam fôlego, como aquele de que o Brasil devia seguir o exemplo de seus
vizinhos da América Latina, a Argentina e Peru, onde já era permitida a reeleição do
presidente. No que concerne a essas experiências latino-americanas, as mudanças nas regras
do jogo político-eleitoral foram estratégias bem sucedidas para a reeleição dos presidentes
Alberto Fujimori e Carlos Menem, no Peru e na Argentina, respectivamente9.
No Brasil, o debate sobre a emenda da reeleição ganhava novo tom, quando passou a
vislumbrar expectativas dos prefeitos que buscavam sua validade já para as eleições de 1996.
Desse modo, em noticiários de jornais do país, a Emenda ganhava destaque nas vozes de
parlamentares, tanto daqueles que se diziam favoráveis quanto dos que a criticavam,
acusando-a de casuísmo eleitoral. Para parlamentares favoráveis, a proposta de reeleição
devia ser votada até o segundo ano do governo, pois seria solução para se livrar das acusações
dos opositores que atribuíam ao casuísmo, sempre presente nas mudanças das regras do jogo
político-eleitoral. Seria, também, a saída para se conseguir apoio, em razão do desempenho
positivo da política monetária de estabilização da moeda.
Não obstante, as críticas quanto à disposição do governo de patrocinar alteração nas
regras do jogo, quando o mesmo já estava em andamento, tornavam-se contundentes. Nessa
perspectiva, os críticos da PEC da reeleição consideravam que a proposta feria um princípio
caro à democracia que era o da definição das regras do jogo político com anterioridade. Isto
sim, era o que conferia estabilidade ao sistema. Seria, desse modo, o respeito ao quarto valor
vinculante da democracia que é o da igualdade de condições entre os diversos atores e
partidos que disputam o poder.
As discussões no Congresso Nacional em torno da mudança da regra eleitoral para
viabilizar a reeleição dos chefes do poder Executivo passaram a ser vislumbradas pela
possibilidade de soar para a opinião pública por meio dos dispositivos plebiscitários, previstos
na Constituição de 1988. Seus defensores consideravam tal alternativa como legítima, pois
seria teste para avaliação dos governos, uma vez que, diante de um resultado positivo, aos
chefes do Executivo cabia a chance de ter a opinião pública reivindicando um segundo
mandato. Não obstante, embora fosse notável a expectativa na perspectiva popular de apoio à
política monetária do governo, razão pela qual se tornara possível a ascensão política do então
9 Vale salientar que a permissão para reeleição do Presidente do Peru, Alberto Fujimori foi resultado do golpe
heterodoxo de 05 de abril de 1992, em que o governo respaldado pelo poder militar dissolveu o Congresso e o
Judiciário. Em uma nova convenção Constituinte aprova-se dispositivo que viabiliza a reeleição do Presidente.
ministro Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, a preferência dos
governistas pelo plebiscito ficou logo enfraquecida. Nesse sentido, constituiu-se a avaliação
de que a arena legislativa tornava-se o terreno menos oneroso para transações e negociações
dos parlamentares.
Se por um lado, os prefeitos buscavam pressionar o Governo e o Congresso para
aprovar a Emenda da reeleição ainda em 199510
; por outro lado, as correlações de forças
evidenciavam também pressões de parlamentares que queriam postergar a votação em função
do interesse de muitos deles nas disputas eleitorais para os cargos do Executivo Municipal de
1996. Conforme a análise de Santos (2003), o desenho institucional brasileiro dispõe de
muitos incentivos para políticos perseguirem os cargos do poder Executivo. Nesse sentido,
meio a esse espaço de disputa, os parlamentares que visavam a concorrer às eleições
municipais temiam encontrar dificuldades, caso os prefeitos pudessem concorrer a mais um
mandato. Diante do contexto que se formava, acenava a necessidade de muitas negociações,
na medida em que era apresentado um cenário de muitos atores com poder de veto. Daí, o
adiantamento da votação da emenda da reeleição era a chance que os prefeitos teriam de ser
contemplados. Pois, conforme dispositivo Constitucional do artigo 16: “a lei que alterar o
processo eleitoral entrará em vigor na data de publicação, não se aplicando à eleição que
ocorra até um ano de sua vigência”11
. Nesse sentido, os esforços para assegurar a reeleição
dos cargos Executivos passavam a ter o limite do tempo legal12
. Para os prefeitos, as
possibilidades foram estreitando-se. Já para a reeleição do Presidente Fernando Henrique
Cardoso e dos governadores, o princípio do mês de outubro de 1997 era a data limite13
.
As negociações para aprovar a PEC da reeleição recebiam inúmeros incentivos14
, não
obstante, ficava evidente que posições a contento para o governo seriam difíceis. O
Presidente, para assegurar a possibilidade de outro mandato, tinha que articular bem o seu
trânsito no Congresso. Isso porque, do ponto de vista operacional de funcionamento da
institucionalização democrática, o contingente para aprovar uma PEC, depende de 3/5 dos
10
As pressões vinham, sobretudo, do então Prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, que tinha em vista a sua
reeleição e queria usar o poder de barganha, porque comandava uma bancada de 90 deputados do bloco dos
Partidos: Partido Popular Progressista (PPB) e Partido Liberal (PL). 11
Esse artigo já tinha sido alterado na Revisão Constitucional pela Emenda n. 4, de 14/09/1993. 12
Tempo este em que havia até possibilidade de alteração, pois para beneficiar os prefeitos, as forças políticas
que defendiam a Emenda da reeleição no Congresso cogitavam revogar o artigo 16, da Constituição Federal. 13
De acordo com matéria do Jornal Folha de São Paulo de 07/02/96, mediante resistência à PEC da reeleição por
parlamentares da base aliada, as cúpulas do PSDB e PFL cogitavam a possibilidade de usar a “formula Menem”.
A mudança da Constituição Argentina, que foi tida como artifício utilizado pelo Presidente Carlos Menem para
garantir sua reeleição. Assim, a sugestão era de que o governo FHC pudesse fazer o mesmo, isto é, disputar sua
própria sucessão sem se afastar do cargo. 14
Em pesquisa do Instituto Datafolha, publicada em 04/01/96, apontava-se que a proposta de reeleição era
defendida por 77% da população brasileira. Sendo, então, 49% dos entrevistados, defensores da reeleição do
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
votos em dois turnos de votação na Câmara e no Senado. Mesmo o governo tendo uma ampla
base de sustentação, não havia consenso a esse respeito, nem garantias de que a reeleição
estivesse assegurada. As discussões no Congresso Nacional em torno da proposta davam-se
na busca de entendimento que pudesse indicar boa margem de segurança às perspectivas do
governo.
Em uma primeira pesquisa, abordando o tema da reeleição, o Instituto Datafolha
publica resultados considerados positivos para a viabilização da PEC no Congresso. Assim,
dava aos aliados da idéia da reeleição, incentivos para encampar um movimento a favor de
outro mandato para o Presidente Fernando Henrique Cardoso. A principal razão para tal
empreendimento devia-se à possibilidade de levar o Congresso a vir a ser sensibilizado pelos
ecos da opinião pública. Desta feita, organizaram a defesa da reeleição do Presidente, a partir
das justificativas para manutenção do Plano Real. Fizeram-se estes, os meios para assegurar
as lideranças políticas de que a sociedade buscava a opção pela reeleição do Presidente
Cardoso como garantias para se livrar de modo peremptório do fantasma da inflação. Sem
dúvidas, essas razões foram em boa medida, a maior estratégia, uma vez que o Real tinha sido
a âncora eleitoral da eleição de 1994 e vinha sendo o ponto ótimo da avaliação do governo.
As expectativas eram, também, mais uma vez, as de que se pudesse contar com aquela
infalível arma eleitoral para o próximo pleito de 1998.
As cúpulas do PSDB e do PFL trataram logo de buscar momento oportuno para
viabilizar mais quatro anos de mandato firmado por sua união. Para tanto, precisavam
desatar o nó que tinha se formado na base de sustentação do governo, motivo pelo qual vinha
sendo postergada a votação da PEC da reeleição no Congresso Nacional. A primeira atitude
seria a remoção dos principais obstáculos, como aqueles postos por parte da bancada do
PMDB que fazia oposição à proposta, porque tinha pretensões de lançar candidato à sucessão
de FHC15
. Assim, a saída estratégica para neutralizar as pretensões do PMDB foi apresentada
pelo Secretário Nacional do PSDB, Deputado Artur Virgílio, com a proposta que tornava os
Ex-Presidentes da República em senadores vitalícios. Ficando, então, os Ex-Presidentes José
Sarney e Itamar Franco contemplados, distanciavam-se da perspectiva de voltar ao Palácio do
Planalto. Esse recurso devia ser interpretado como espaço de conveniência para afirmar a
liderança do Presidente FHC na disputa por outro mandato.
Por sua vez, a perspectiva dos promotores da reeleição era, também, contar com o
apoio dos 27 governadores para pressionar suas bancadas, pois estes seriam, da mesma
maneira, beneficiados com a Emenda. Fazia-se válido o pressuposto de que, face às
15
As pretensões de uma parte do PMDB vislumbravam a possibilidade de lançar a candidatura de um dos Ex-
Presidentes, José Sarney ou Itamar Franco, isto é, se este último resolvesse retornar ao partido.
possibilidades de escolhas, os atores racionais buscam maximizar seus objetivos (Elster,
1994; Przeworski, 1986; Tsebelis, 1998). Por outro lado, por parte do governo,
antecipadamente, estava o receio de que os custos para tal entendimento fossem por demais
elevados, isto é, resultassem na liberação de verbas para os estados, sendo um resultado que
poria em xeque o sucesso do equilíbrio fiscal e enxugamento da máquina pública, pontos
significativos que até então balizavam os feitos positivos do Plano Real. Nesse sentido, a
forma de entendimento entre o Executivo e o Legislativo para aprovação da PEC da reeleição
vinha demonstrando, desde a sua admissibilidade na CCJC, a necessidade de negociação ad
hoc, razão pela qual se pode sempre esperar conseqüências deletérias para o funcionamento
do Congresso e para consolidação de um sistema partidário estável, sendo estes, mecanismos
caros à democracia (AMES, 2003; MAINWARING, 1991).
Os esforços para aprovar a PEC da reeleição indicaram a modificação da estratégia de
aliança no Congresso. Sobretudo porque o resultado que o governo esperava nas eleições
municipais de 1996 não foi consolidado, uma vez que o PSDB, principal partido governista,
sofreu derrota no Município de São Paulo, maior colégio eleitoral do país16
. Desse modo, as
resistências à reeleição ganhavam espaço, inclusive na base de sustentação do governo,
principalmente, porque os prefeitos de fim de mandato, por não terem conseguido aprovar a
tempo a Emenda, aproveitavam para bloquear a formação de forças que dessem segurança à
votação no Legislativo, pois a reeleição não tinha mais serventia, não mais atendendo aos
interesses daqueles que ocupavam o poder Executivo Municipal. O cenário que se formava
parecia repetir as fadadas artimanhas de querer moldar o processo democrático ao “velho
estilo” de interesses particularistas.
Para os líderes que tentavam viabilizar a reeleição do Presidente FHC, restavam
recompor forças no Congresso. Para tanto, a alternativa de recorrer à legitimidade do
governo, evocando o Plano Real significava conter seus efeitos recessivos, recuperando a
idéia de compatibilidade entre a estabilização da economia e a geração de empregos, que viria
como segunda etapa num segundo mandato. A expectativa era de que o apelo à opinião
pública devia esvaziar as críticas da oposição. Não obstante, a grande dificuldade de
interlocução do Executivo com o Legislativo dava-se pela falta de clareza por parte do
Presidente que hesitava em assumir publicamente a defesa da possibilidade de mudar a
Constituição para viabilizar sua reeleição. Sem dúvida, seria tarefa espinhosa, pois assumir tal
postura podia trazer o ônus da autopromoção, cujo resultado traria, aparentemente, danos
irreversíveis a quaisquer pretensões de estadista. Então, o cenário de discussão da PEC da
16
Nas expectativas dos líderes da base de sustentação do governo o resultado das eleições municipais de 1996
era fator imponderável para a reeleição.
reeleição parecia obscuro. Mesmo em face de tamanha dificuldade, o governo teria de abrir
mão de algumas prerrogativas para priorizar a reeleição, cuja atitude buscava legitimidade no
argumento de que os esforços do Congresso, para aprovar a Emenda da reeleição eram
válidos, se entendidos como a solução para o andamento das demais reformas constitucionais.
As pressões que se formavam no Congresso atendiam a razão de que o governo
dispunha dos ministérios como recursos para fazer valer o entendimento com os partidos
políticos. Por outro lado, mesmo contando com a possibilidade de distribuição de cargos
ministeriais entre os partidos, a dificuldade de um consenso sobre a reeleição, na base de
sustentação do governo, parecia ter um custo bem mais elevado. Isso porque não se
poderiam descartar as conseqüências de um sistema partidário, cujo funcionamento de
partidos catch-all exige outros vieses de trade-off entre governo e os políticos (Mainwaring,
2001). Além disso, seria inócuo pressupor que, dentre tantos entraves, o Presidente pudesse
entrar na ofensiva para aprovar sua reeleição sem elevar os custos de funcionamento das
instituições democráticas.
Em artigos publicados pela Folha de São Paulo, acadêmicos e analistas avaliavam o
cenário econômico do país e já alertavam para os entraves da votação da emenda
constitucional da reeleição, que teriam conseqüências nocivas, pois o famoso ajuste fiscal
poderia ficar comprometido diante de determinadas possibilidades que levassem os
parlamentares a extrair, do Executivo, vantagens e concessões, principalmente, na formatação
do Orçamento de 199717
. A tomada desse caminho podia anular muito dos esforços que
justificavam a nova formatação da administração pública que a equipe econômica do PSDB
havia projetado.
A preocupação que se formava no segmento intelectual da sociedade brasileira, a qual
avaliava o cenário político que se formou, para viabilizar a PEC da reeleição, era que as
negociações pudessem alavancar dificuldades para andamento das ações de modernização do
Estado. A desconfiança que se gerava era que a modernização fosse relegada em função dos
interesses estratégicos do governo para sua manutenção no poder. O temor era que, em nome
do moderno, fosse possível colher os efeitos perversos das políticas distributivistas. Tal
proposição seria entendida pela possibilidade de o Congresso fazer emendas ao Orçamento
para realizar políticas paroquiais. Sem dúvida, é bastante controversa na literatura as questões
sobre a capacidade do Congresso brasileiro em assumir as características de formulador de
políticas pork barrel (RICCI, 2003), (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1995). Não obstante,
considerando a ênfase da literatura sobre as emendas orçamentárias que são iniciativas de
17
Folha de São Paulo, 12 de setembro de 1996. Caderno Dinheiro p. 2-2; Folha de São Paulo, 14 de setembro
de 1996. Opinião pp. 1-3.
parlamentares individuais e levando em conta o certo grau de autonomia que o sistema
permite aos políticos, Ames, (2003) e Mainwaring, (2001) compreenderam que esses são
incentivos que exercem papel relevante no trade-off da relação Executivo-Legislativo.
A celeuma que se formou em torno da mudança constitucional, que alterou as regras
do jogo democrático, movimentou diversos atores políticos e formadores de opinião. Nesse
sentido, os Institutos de Pesquisas puderam captar diversos momentos da opinião pública com
relação à reeleição do presidente FHC. Em setembro de 1996, o Instituto de Pesquisa
Datafolha publica outra pesquisa realizada por amostragem em 122 cidades de todas as 27
unidades da federação.
Quadro 1 - Opinião dos Brasileiros em relação ao Instituto da Reeleição dos Cargos do Poder Executivo
Posições %
A lei não devia mudar
46
A lei devia mudar
31
A lei devia mudar, mas com a condição de somente ganhar
validade para os próximos mandatos
16
Não sabe / Não respondeu
7
Fonte: Rodrigues, Fernando. Folha de São Paulo, 10 de outubro de 1996. Opinião pp.1-2.
Esse prenúncio da opinião pública deixava o governo diante de algumas incertezas
quanto às forças disponíveis para mudar as regras do jogo. Isso porque se tornava difícil
prever um resultado confiável, pois diferentemente do que tinha sido indicado em pesquisas
anteriores, o percentual daqueles que aprovavam a reeleição para os atuais governantes
estavam abaixo das expectativas dos governistas. Dessa maneira, a racionale política levava
a considerar a arena congressual como espaço “menos oneroso” ou de menor custo de
transação para a tomada de decisão sobre a mudança da regra para viabilizar a permissão da
reeleição subsequente do Presidente, dos Governadores e Prefeitos. Essa alternativa seria
possível, porque a Constituição Federal não obriga a convocação de plebiscito para mudar a
regra eleitoral que autoriza o poder Executivo a tentar um segundo mandato. No que se refere
às possibilidades de consulta popular, a Constituição prevê no artigo 14, mas não regulavam,
até aquele momento, as condições para a realização de plebiscitos. O texto constitucional
fazia referência a uma lei complementar que regulamentaria os plebiscitos, porém essa lei
ainda não tinha sido criada18
.
A aprovação da Emenda da reeleição arrematava as expectativas, sobretudo, dos
agentes econômicos que contavam com a afirmação da autoridade do Pesidente Cardoso em
influenciar a composição da agenda do Legislativo. Nesse sentido, a Folha de São Paulo
publica matéria em que a agência norte-americana Merrill Lynch distribui aos seus clientes
um documento, datado em 1º de outubro de 1996, no qual prevê um cronograma de como
deve ser a tramitação da emenda da reeleição. Esse documento elaborado pela agência
atribuía, indiretamente, as informações ao PFL. Fato que foi considerado inédito no Brasil,
segundo o jornal, pelo seu detalhismo, uma vez que, apresentava até as pausas na tramitação
da emenda por conta dos feriados nacionais19
.
A Comissão Especial da PEC da reeleição foi instalada em 29 de outubro de 1996, na
Câmara dos Deputados20
; composta de 30 componentes, entretanto, só os 10 parlamentares do
PFL e do PSDB tinham convicção firme a favor da reeleição, os demais membros dos
partidos da base de sustentação do governo se imbuíam da expectativa de negociar com o
Palácio do Planalto. A previsão do governo para as sessões ordinárias da Comissão seria
chegar a uma moldura final da proposta do Deputado Mendonça Filho (PFL/PE), na qual
vogava a permissão para o Presidente concorrer a mais um mandato sem o afastamento do
cargo. Não obstante, a oposição representada, especialmente, pela bancada do PT, vinha
questionando a licitude do processo e protestava contra a posição da mesa diretora da Câmara
por ter nomeado o deputado José Mucio Monteiro (PFL/PE) para assumir o cargo de relator.
O objeto da crítica referia-se ao descumprimento do Regimento Interno da Câmara (RI) que
proíbe a participação de autores de propostas na condição de relator da comissão. Tal
episódio deveu-se à constatação da assinatura do referido deputado na lista para formação do
contingente de 1/3, necessárias para apresentação da PEC. Assim, o PT ameaçava recorrer ao
STF (Supremo Tribunal Federal), se a mesa diretora não reconsiderasse a designação do nome
do relator, pois o deputado, segundo o RI, seria, também, autor da proposta.
18
Comparato, Fábio Konder, in: Natali, João Batista. Conveniência da consulta popular sobre a reeleição é
questionada: Especialistas divergem sobre a convocação do plebiscito. Folha de São Paulo, 20 de outubro de
1996. Brasil 1-12. 19
Folha de São Paulo, 09 de outubro de 1996. Editoria Brasil p. 1-8. 20 De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, Art. 34, as Comissões Especiais serão
constituídas para dar parecer sobre proposta de emenda à Constituição e projeto de código; também sobre
proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto
ao mérito.
De acordo com a deputada Sandra Starling (PT/MG), “meios condenáveis conduzem a
fins igualmente condenáveis”. A isto atribuiu a tramitação do projeto de reeleição do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, a qual começou sob o signo do atropelo ao
Regimento Interno da Câmara e à Constituição Federal. A nomeação do relator fora realizada
ignorando o impedimento que está contido no artigo 43, parágrafo único, do Regimento
Interno da Câmara: ''Nenhum deputado poderá presidir reunião de comissão quando se
debater ou votar a matéria. Parágrafo único. Não poderá o autor de proposição ser dela relator,
ainda que substituto ou parcial''. O artigo 102, do Regimento, estabelece: “a proposição de
iniciativa de deputado poderá ser apresentada individual ou coletivamente. Parágrafo 1º.
Consideram-se autores da proposição, para fins regimentais, todos os seus signatários'' (Diário
da Câmara dos Deputados 06/11/1996 p. 28874).
A oposição também prometia agitar a comissão, resgatando a proposta de realização
do referendo popular, uma vez que buscava respaldo até junto a líderes de partidos da base de
sustentação do governo. As movimentações parlamentares em torno da comissão especial da
reeleição indicavam uma enxurrada de emendas para modificar a proposta do Deputado
Mendonça Filho.
As pressões do PT em recorrer ao STF para anular a nomeação do relator da comissão
especial da reeleição surtiram efeito imediato, pois os governistas, para evitar a longa
discussão na Justiça, que poria em desgaste a votação da PEC, substituíram o deputado José
Mucio (PFL/PE) pelo deputado Vic Pires Franco (PFL/PA). Os trabalhos nas sessões
ordinárias da comissão especial foram dando seqüência, com a indicação de líderes e de
cientistas políticos para debaterem o instituto da reeleição. O então Prefeito de São Paulo,
Paulo Maluf, com pretensões de inviabilizar a reeleição do presidente FHC, conseguiu que
seu nome fosse convocado para depoimento. Sendo assim, tentou usar a capacidade
persuasiva para demonstrar que se tratava de manobra do presidente para sua manutenção no
poder.
Ademais, o prefeito paulista confiava na sua provada força política por ter conseguido
eleger o Secretário de Finanças do Município, o Sr. Celso Pitta, como seu sucessor. A
pretensão de Paulo Maluf era tomar as rédeas do seu partido, PPB, determinando que sua
bancada efetuasse voto contrário à reeleição. Não obstante, em Encontro da Executiva
Nacional do PPB, em 27 de novembro de 1996, o partido decide apenas recomendar aos seus
parlamentares voto contra a reeleição. Essa recomendação poderia ser contrariada, caso o
parlamentar vislumbrasse interesses diversos daqueles assumidos pela liderança.
Por outro lado, as movimentações no Senado Federal, para a instalação de uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito), requerida pelo senador Jader Barbalho (PMDB/PA), a
fim de investigar a emissão de títulos públicos por estados e municípios, para pagar dívidas
judiciais, os chamados precatórios, soavam em bom som aos líderes do governo que
vislumbravam como estratégia definitiva para neutralizar a posição de Maluf, pois, abafar a
CPI seria moeda de troca, uma vez que não era confortável para o prefeito que a investigação
chegasse à emissão dos títulos públicos do Município de São Paulo.
O ano de 1996 acaba sem que os trabalhos da Comissão Especial da PEC da reeleição
chegassem as suas sessões definitivas. Em janeiro de 1997, o Presidente FHC faz convocação
extraordinária do Congresso para votação do Orçamento. Imediatamente depois, os
presidentes da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL/BA) e o Senador José Sarney
(PMDB/AP), fazem outra convocação extraordinária, incluindo a Emenda da reeleição. Tais
episódios provocaram diversos questionamentos, inclusive do PPB, sobre esses
procedimentos da convocação extraordinária do Congresso que devia quebrar o recesso para
retomada das atividades parlamentares em janeiro de 1997. O principal argumento à crítica
era acusação de uma ação inconstitucional cometida pela dupla convocação do Presidente da
República e a dos Presidentes da Câmara e Senado. A perspectiva dos parlamentares, que
buscavam inviabilizar a reeleição, era considerar somente válida a convocação extraordinária
do Congresso feita pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para votação do Orçamento
de 1997 e anular a outra convocação dos presidentes da Câmara e do Senado, cuja proposta
em pauta incluía a PEC da reeleição. Os questionamentos a respeito dessa convocação
extraordinária do Congresso desaguaram em algumas reflexões sobre a constitucionalidade
das duas convocações. Juristas e formadores de opinião levantaram a discussão, expressando
suas críticas na imprensa nacional.
Por conseguinte, a Constituição Federal, no artigo 57, parágrafo 6º, determina que a
convocação extraordinária do Congresso Nacional possa ser feita da seguinte forma:
“II – pelo Presidente da República, pelos Presidentes da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ou a
requerimento da maioria dos membros de ambas as
Casas, em caso de urgência ou interesse público
relevante” (Constituição Federal Art.27 §6º).
Assim, o PPB entra com mandado de segurança no STF contra a segunda convocação
feita pelos presidentes das duas Casas Legislativas, cujo argumento base alegava que a PEC
da reeleição não se enquadrava na condição, caso de urgência, nem tampouco na condição de
interesse público relevante.
Sem dúvida, as articulações para viabilizar posições favoráveis à PEC da reeleição
dependiam dos trabalhos parlamentares para reduzir as incertezas na Comissão Especial, pois
dos 30 integrantes que a compunha, seria necessário o mínimo de 16 votos para destinar a
proposta em votação no plenário. Por sua vez, o governo assegurava previamente 11 votos: 05
de deputados do PSDB, 05 de deputados do PFL e 01 de um deputado do PSB. Restava,
então, recorrer aos votos dos 07 integrantes que se mostravam ainda indefinidos, sendo 05
deles do PMDB 21
. A previsão e as expectativas seriam chegar o final da primeira quinzena
de janeiro de 1997, na comissão especial, com os trabalhos já encerrados e com a aprovação.
No entanto, mesmo com a aprovação na Comissão Especial, a proposta só seria
submetida ao plenário para votação após duas sessões ordinárias. Desse modo, a demora na
votação devia-se à perspectiva estratégica dos oposicionistas em apresentar destaques, que
exigiam votações de parte do projeto de forma separada, conhecidos por DVSs (Destaques
para Votação em Separado). Entre esses destaques, constava o que retirava a possibilidade de
reeleição para os governantes em exercício; e, ainda, outro que retirava a possibilidade de o
chefe do Executivo concorrer à reeleição no exercício do cargo, obrigando a
desincompatibilização.
Nesse sentido, a viabilização da PEC da reeleição não só encontrava pontos de
resistências nos setores político-partidários da oposição, mas encontrava ecos nas reflexões de
acadêmicos. Para José Luis Fiori, as relações políticas em torno da proposta de reeleição, ao
se consumar como estratégia e estilo político do Presidente, podiam resultar em alto custo
para o sistema político e à democracia. Com novas regras que permitirão a reeleição de todos
os chefes do Executivo, dispensando até a sua prévia desincompatibilização, a democracia
seria tomada por uma renovada oligarquização do poder22
.
Não obstante, a Comissão Especial da PEC da reeleição votou o substitutivo do relator
Vic Pires Franco, em 15 de janeiro de 1997, cujo resultado atendeu as expectativas do
governo. O texto contemplava a permissão para reeleição do Presidente da República, dos
governadores e dos prefeitos, os quais poderiam concorrer no exercício do cargo. O resultado
de 19 votos a favor e 11 contra foi significativo para o governo, o que foi consumado após
críticas e pressões contundentes do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao PMDB. A
exigência do Presidente para que esse partido assumisse a sua postura de governo surtiu
21
De acordo com pesquisa da Folha de São Paulo, com 29 integrantes da Comissão Especial da PEC reeleição,
os resultados foram: 11 votos a favor, 11 contra e 07 não tinham votos definidos. “Decisão do PMDB define
futuro de FHC” in Folha de São Paulo, 07 de janeiro de 1997. Editoria Brasil 1-6. 22
Fiori, José Luis. “Popularidade de FHC cresce à medida que ele se ausenta do cenário político brasileiro”. in
Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 1997. Editoria: Mais pp 5-3.
efeito; o PMDB fechou com 06 votos a favor da reeleição.
Embora essa etapa tenha sido indicativa de superação de dificuldades para mudança
das regras do jogo democrático, ainda restavam incertezas quanto à realidade do plenário.
Mesmo com a posição leal dos líderes peemedebistas de conduzir os votos do partido na
Comissão Especial, a perspectiva para votação em plenário era de que havia ainda dificuldade
a ser superada. Isso porque o PMDB, que vinha sendo o motim de tantas incertezas naquela
comissão, e, sendo partido com a maior bancada no Congresso Nacional, trabalhava com a
pretensão de monopolizar as presidências da Câmara e do Senado, utilizando, então, a
reeleição como moeda de troca. Essa perspectiva acenava a necessidade de acertos difíceis
para obtenção da maioria no plenário. Isso porque a exigência do PMDB confrontava-se com
os interesses do PFL que já vinha articulando com o Presidente FHC, o cargo da presidência
do Senado para o Senador Antonio Carlos Magalhães (PFL/BA). Assim, a saída do
Presidente para assegurar um ambiente positivo no Congresso e aprovar a PEC da reeleição
era contornar o desentendimento entre os principais partidos da base: PFL e PMDB.
Numa ocasião inédita, a PEC da reeleição foi aprovada pelo Congresso Nacional,
superando todos os entraves que até então vinham estancando a reforma política. Tal episódio
caiu como luva no velho jargão brasileiro: “quando os atores políticos têm meios para prover
seus interesses, não falta combustível para manter o fogo acesso”.
Destarte, o Congresso aprovou a PEC da reeleição com 368 votos na Câmara e 62, no
Senado. Em 04 de junho de 1997, o § 5º do artigo 14 da Constituição Federal ganha nova
redação com a Emenda nº 16:
“O Presidente da República, os Governadores de Estado
e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão
ser reeleitos para um único período subseqüente”.
Nesse sentido, a eleição de 1998 foi definida com a reeleição do presidente FHC que
derrotou, já no primeiro turno, os dois “símbolos da esquerda brasileira” – Luis Inácio Lula da
Silva (PT), candidato a Presidente e Leonel Brizola (PDT), a Vice.
Por outro lado, havia razões fundamentadas para vitória expressiva do Presidente
Fernando Henrique Cardoso. O êxito do Plano Real no controle da inflação foi a principal
arma do Presidente para justificar um segundo mandato. A população brasileira atribuía esse
grande legado ao Presidente. O Plano de estabilização monetária tornava-se, mais uma vez, o
centro das realizações do Presidente sendo um forte argumento na arena eleitoral.
Entretanto, a decisão da equipe econômica do governo FHC em manter o cambio fixo
de forma artificial, até os resultados eleitorais de 1998, foi acusada pela oposição, como
estratégia para reeleger o Presidente. Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, em junho de
2004, por ocasião do episódio de comemoração dos 10 anos do Real, o Ex-Presidente
Fernando Henrique Cardoso afirma que o Plano Real foi um marco na sua ascensão política.
Na sua própria avaliação, “Não há dúvida: sem o Real, não seria possível. Nem popularizar o
meu nome”. Não obstante, Cardoso considerou pressuposições descabidas, às críticas da
oposição de que a valorização forçada do Real seria populismo cambial para garantir sua
reeleição. Para ele, as crises da economia mundial refletiram diretamente na economia
brasileira, razão pela qual sua equipe econômica teve que agir com cautela na desvalorização
da moeda23
.
Contudo, à luz de algumas análises econômicas, a decisão de manter o câmbio fixo
trouxe conseqüências desastrosas para a economia. Segundo o economista Armando Castelar
Pinheiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a adoção da âncora cambial
obrigou a prática de uma política monetária de juros altos. Isso levou a uma profunda piora da
situação externa do país, com a explosão da dívida pública24
. De acordo com Heron do
Carmo, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe (Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas), o grande mérito do plano foi manter a taxa de inflação abaixo dos
10%. Entretanto, em 1999, a forte desvalorização cambial volta a afetar os preços, e o IPC da
Fipe sai de deflação de 0,50% no quinto ano do Real (julho de 98 a junho de 99) para uma
inflação de 6,9 no sexto ano. Para esse economista, o Real deu estabilidade aos preços, mas
desestruturou parte da economia. O foco ficou centrado na queda da inflação, o que se
conseguiu, mas com pesados custos para a sociedade. "Olhando para trás, não sei se valeu a
pena esse sacrifício para reeleger Fernando Henrique Cardoso, em 98”, pois houve o controle
da inflação, mas a dívida pública disparou e o PIB teve crescimento pequeno25
.
No entanto, para um dos idealizadores do Plano Real o economista Edmar Bacha, o
plano no seu cerne de estabilização da moeda e como política monetária, esgotou-se em 1996,
devendo, portanto, ser distinguido da política econômica dele decorrente. Conforme
observou:
O Plano real se iniciou em fevereiro de 93, quando o
Congresso aprovou o Fundo Social de Emergência, que
deu partida à URV, e acabou em junho de 96, quando
terminou a indexação salarial que existia no país. A
23
“FHC credita ao Real eleição e ápice de sua carreira política. Ex-Presidente temeu fracasso, mas diz que
controle da inflação popularizou seu nome” in Folha de São Paulo, 27 de junho de 2002. Editoria: Dinheiro. 24
“Maior estabilidade não se converte em crescimento: em dez anos, economia sempre registrou expansão
menor que a dos demais emergentes” in Folha de São Paulo, 27 de junho de 2004. Editoria: Dinheiro. 25
“ Reajuste automático para preços administrados está vivo e assusta” in Folha de São , 27 de junho de 2004.
Editoria: Dinheiro.
partir daí, passou a haver uma moeda nova numa
economia desindexada que era o objetivo do plano, ou
seja, uma economia com uma inflação baixinha26
.
Conclusão
Neste capítulo, buscamos fazer uma descrição detalhada do processo de confecção da
PEC nª1/1995 (Emenda da reeleição), a fim de contextualizar o jogo político e a estrutura de
oportunidades e incentivos para escolhas estratégicas dos diversos atores relevantes que
tomaram parte no cenário das discussões e dos encaminhamentos para votações. A principal
questão aborda os embates entre, de um lado a oposição que via suas esperanças se esvaírem
com a possibilidade de reeleição do Presidente, e do outro, a base aliada que buscava negociar
seu apoio, assegurando as expectativas de mais quatro anos nos cargos do governo. Dessa
forma, a principal estratégia dos aliados da emenda da reeleição foi justificá-la, tornando
inexorável a relação entre a prorrogação do mandato presidencial aos pontos positivos da
política de estabilização monetária do Plano Real. A essa estratégia correspondia a relação
entre agenda e a reeleição presidencial que tomou força na arena legislativa para efeito de
mudança da regra. Por isso, a mudança da regra com o jogo em andamento deveu-se à
capacidade de a coalizão governista alavancar a perspectiva de continuidade da estabilização
monetária para conduzir a agenda das reformas constitucionais, contando com prazo mais
longevo em um segundo mandato presidencial.
De acordo com os pressupostos do neoinstitucionalismo, a interação entre as regras e os
interesses dos atores dão a tônica do processo de tomada de decisões. Tanto a constituição
quanto a mudança das regras, são resultados das negociações entre os atores mediante, a
estrutura de oportunidades. A formação da ação coletiva que propiciou a mudança das regras
do jogo, as quais permitiu um novo mandato presidencial foi resultado de longa discussão no
Congresso para fortalecimento da coalizão de governo.
Ademais, nas sessões que seguem, discutimos a mudança da regra para introdução do
instituto da reeleição e os seus efeitos na performance do poder presidencial e no processo
decisório. Para isso, esclarecemos no próximo capítulo as questões de pesquisas, as hipóteses
e os direcionamentos da organização dos dados e análise empírica.
26
“Plano acabou em 1996, afirma Edmar Bacha” in Folha de São Paulo, 27 de junho de 2004. Editoria:
Dinheiro.
Capítulo IV
4. Separação de poderes como enfoque analítico: a evidência
do problema da pesquisa
A definição de um novo campo de investigação, levando em conta as discussões e
reflexões analíticas acima apresentadas, permitirá ampliar o leque de compreensão do sistema
de separação de poderes e do processo decisório na democracia do Brasil. Desse modo,
colocamos em discussão os fundamentos de parte da literatura que abordam a reeleição
subsequente do chefe do Poder Executivo como o novo elemento do jogo político que muda a
dinâmica dos sistemas presidencialistas. Nesses termos, o pressuposto teórico, a partir do qual
se toma como ponto de partida, assevera que o desenho institucional passa a ser mecanismo
condicionador que permite explicar as relações entre os atores políticos e os poderes. Nesse
sentido, explicamos em quais condições foram formadas as ações estratégicas para mudar as
regras do jogo político e como essa mudança impactou a interação do Presidente com o
Congresso. Sendo assim, é possível considerar que a emenda da reeleição dos cargos do Poder
Executivo passa a ser um novo desenho de estrutura de oportunidades que o Presidente passa
a dispor para conduzir o processo decisório e comandar a agenda legislativa.
Assim, a mudança e consequências da nova regra eleitoral que viabilizou a reeleição
dos chefes do poder Executivo constituem uma nova dimensão para interpretar o formato do
presidencialismo brasileiro. Destarte, essa análise torna-se substancial, ao considerar a
premissa de que a alteração das regras do jogo eleitoral resulta um novo cenário em que o
interesse do Presidente de prorrogar o seu mandato, para dar cabo a sua agenda de políticas,
entra no jogo estratégico com a finalidade de consolidar uma ampla base de apoio. A
expectativa seria garantir um padrão estável de comportamento da coalizão governista, ou
seja, a perspectiva de renovação do mandato presidencial gera, por sua vez, expectativas entre
os atores políticos que participam da coalizão governista para continuarem cooperando com o
Presidente. A manutenção de cargos e a possibilidade de rearranjos no círculo do poder são
recursos certos, com os quais o Presidente pode contar para lançar suas estratégias à
renovação do mandato. Esses indicadores são considerados importantes para verificar de que
modo a introdução do instituto da reeleição do Executivo Federal foi articulada na arena
legislativa e quais seus efeitos nessa mesma arena.
Igualmente, é possível considerar que a nova regra que permite o Presidente enveredar
por outra disputa eleitoral, para manutenção do cargo, é um componente novo que permite
ampliar as explicações sobre o formato da relação entre os poderes Executivos e Legislativos
nos sistemas presidencialistas. As observações da mudança e efeitos da Emenda da reeleição
foram feitas com base no curso das ações dos atores políticos na arena legislativa, ou seja,
examinando de que forma foi viabilizada a aprovação da PEC nº 1/1995 (Emenda da
reeleição) e como, na perspectiva do segundo mandato presidencial, a agenda do governo
passou a ser mobilizada e viabilizada. Ao considerar factível o postulado de que a alteração
das regras eleitorais é um fator preponderante às ações estratégicas dos atores políticos,
operacionalizamos algumas questões centrais para nortear a pesquisa. Consideramos essas
questões importantes para detectar a mudança e os efeitos das regras do jogo político. O
enfoque na emenda da reeleição é uma particularidade desta pesquisa que se diferencia de
outros enfoques da literatura da ciência política brasileira, pois propomos interpretar a
articulação entre o sucesso presidencial no processo decisório e as expectativas da arena
eleitoral.
No que se refere ao contexto da reeleição, assumimos que a perspectiva de renovação
do mandato presidencial influencia os resultados do comando da agenda do governo na arena
do Congresso. Desse modo, para explorar o contexto da mudança da regra e suas
consequências na arena legislativa e, de modo geral, no sistema político brasileiro,
consideramos a análise relevante, porque a reeleição do Presidente tem um significado para os
resultados políticos das relações entre os poderes, sobretudo, no que concerne aos seus efeitos
na agenda legislativa. O estudo justifica-se, porque essa questão ainda não foi tratada
devidamente nas investigações da ciência política brasileira. Embora já existam discussões
consolidadas a respeito dos mecanismos explicativos sobre o formato do presidencialismo e
ao padrão da relação Executivo-Legislativo, conforme foi apresentado na sessão inicial deste
texto, não há estudos que explorem de que forma o instituto da reeleição desempenha seu
papel como novo jogo estratégico, pelo qual as expectativas do Presidente podem ser
concretizadas para aproveitar, da melhor forma possível, a estrutura de oportunidades ao seu
alcance no processo decisório.
Trata-se, portanto, de um desafio, porque não há ainda reflexões sobre o significado da
reeleição no sistema político brasileiro, como também é notória a escassez de análises que
tratam de uma articulação mais apurada entre as arenas eleitoral e congressual. Nesse sentido,
o instituto da reeleição possibilita agregar aos interesses da arena decisória, os interesses da
arena eleitoral e vice-versa. O desafio posto à análise reflete uma nova preocupação, a de
incorporar aos estudos das relações entre os poderes, as perspectivas que os chefes do
Executivo têm de articular apoios as suas ações devido às expectativas que dispõem na arena
eleitoral, pois os inúmeros trabalhos sobre a dinâmica do Poder Legislativo não tratam,
comumente, essa articulação de forma positiva, ou seja, não compreendem como mecanismos
funcionais em que se dá operacionalização entre as regras e o comportamento do atores
políticos. Embora exista, nos estudos legislativos, a vertente distributivista que faz alegações
aos fatores exógenos como o formato dos sistemas eleitoral e partidário, suas considerações
apresentam apenas os aspectos negativos dessa interação entre arena eleitoral e legislativa,
pois dão ênfase às características das políticas paroquiais que os parlamentares praticam.
Conforme observação de Carvalho e Peres (2008), há um elo perdido nas análises
sobre o sistema político brasileiro que incorre na tentativa de apresentar a dinâmica da arena
eleitoral e da arena legislativa sem fazer uma articulação que concilie os principais problemas
funcionais das instituições. Segundo esses autores, entender a dinâmica do legislativo requer
a interação com outras arenas institucionais. Nesse sentido, propõem entender a arena
legislativa a partir de sua articulação com as organizações partidárias que imprimem o ritmo
do jogo político. Assim, também, fazem quando consideram a importância do Poder
Judiciário que busca a preservação da ordem constitucional, adotando o controle de
constitucionalidade, tendo um peso significativo no processo decisório, pois justifica a
necessidade de resguardar e impor limites aos demais poderes, bem como se expõe como
sendo ator relevante no sistema político brasileiro. Nesse sentido, os autores propõem um
desafio aos estudos legislativos, o de incorporar essas instituições para explicar como os
resultados políticos vão sendo produzidos por elementos exógenos à organização e
funcionamento do Poder Legislativo, ou melhor, propõem outra abordagem para incluir as
organizações partidárias aos estudos legislativos, a qual se distancia das vertentes
distributivista e da partidária.
Assim, consideram que uma boa oportunidade para lapidar um novo mecanismo
explicativo sobre a dinâmica da arena decisória será afastar os efeitos deletérios do sistema
eleitoral às organizações partidárias e ao processo legislativo, como preconiza a vertente
distributivista, bem como, afastar a idéia de instituições orgânicas, como preconiza a vertente
partidária. No entanto, é possível construir caminhos explicativos que possam incorporar as
organizações partidárias aos estudos legislativos sem deixar cair na armadilha de considerar o
processo decisório como resultado da fraqueza dos partidos ou de uma significativa coesão
partidária, como dizem, respectivamente, as análises distributivistas e partidárias.
Com relação ao tema da reeleição, os trabalhos de Monteiro (2002) e Nakaguma
(2005) dão grande contribuição para levantar a discussão da re-elegibilidade, no entanto, os
caminhos trilhados por estes autores se distanciam das perspectivas apresentadas na presente
pesquisa.
Para Monteiro (2002), a emenda da reeleição fez parte das estratégias do governo FHC
para consolidar um modelo de governança, cuja característica central era renovar o
comprometimento com a estabilização econômica; daí, estaria em ação um poderoso indutor
de expectativas que condicionava a trajetória do Plano Real às chances criadas pela alteração
da regra constitucional. Nesse sentido, o autor considera que as virtudes intrínsecas da
reformulação de trechos substantivos da Constituição estavam submetidas aos interesses de
quem, transitoriamente, exercia o governo.
Nada mais transparente para evidenciar o modo obtuso e
perigoso com que se encara o significado de regras e
procedimentos constitucionais. A decorrência mais previsível
desse ambiente em que operam as instituições representativas
é o abrangente e crescente poder discricionário,
especialmente, por parte dos burocratas. Suas preferências
acabam mais cedo ou mais tarde, por se converter em
alterações do quadro legal-constitucional em que mecanismos
econômicos operam (MONTEIRO, 2002:42).
Daí, a principal ênfase nesse estudo de Monteiro foi demonstrar que a excessiva
utilização das Medidas Provisórias pelo presidente FHC produziu a usurpação do poder do
Congresso, uma vez que esvaziou a legitimidade do sistema representativo e a sua capacidade
de determinar as políticas públicas. Não obstante, mesmo entendendo as razões que levam a
essas premissas do autor, é bom ressaltar a necessidade de levantar dúvidas sobre a sua
sustentabilidade. De acordo com prognóstico de Figueiredo e Limongi (1999) a relação do
Presidente com o Congresso não é resultado da usurpação do Poder Legislativo pelo
Executivo, porém de um jogo estratégico em que os atores negociam as suas jogadas,
conforme seus interesses e poder de barganha.
Por sua vez, Nakaguma (2005) propôs fazer uma análise dos impactos da reeleição e
da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre os ciclos políticos orçamentários e sobre a
performance fiscal dos estados brasileiros. Suas conclusões reúnem os seguintes pontos: a
Emenda da reeleição implicou na elevação dos ciclos políticos, uma vez que foi possível
verificar manipulações oportunistas durante o período eleitoral; já em relação à Lei de
Responsabilidade Fiscal, constituiu-se instrumento efetivo para o controle de endividamento e
para a redução das despesas de custeio dos estados.
Nesse sentido, constatou-se também que a amplitude dos ciclos políticos tem
diminuído ao longo do tempo; por fim, a intensidade dos efeitos da Emenda da Reeleição e a
forma de ajustamento à Lei de Responsabilidade Fiscal variam conforme o grau de
transparência dos estados (p. 69). As questões fundamentais que podem ser extraídas do
trabalho de Nakaguma são resultados das evidências empíricas que indicam de que maneira
pode ser interpretado o impacto da Emenda da Reeleição para o federalismo fiscal brasileiro.
Por sua vez, as questões da pesquisa ora apresentada são, também, resultados de
observações controversas acerca da reeleição do Executivo no cenário político brasileiro. Se
do ponto de vista acadêmico, as análises da ciência política consideram a permissão da
reeleição do Executivo como positiva para assegurar accountability democrática (Carey e
Shugart, 1992), (Sartori, 1997), (Powell, 2000), na arena política, o debate sobre a eficiência
da reeleição levanta posições surpreendentes, haja vista que os congressistas defensores e
partidários da Emenda Constitucional nº 16/1997, que deu nova redação ao § 5º do Art,14,
permitindo a reeleição de mandatos para cargos do Executivo, vêm pondo em dúvida os
efeitos e os argumentos que sustentaram as justificativas para mudança da regra. Podemos nos
remeter à discussão no Congresso para por fim à reeleição em que parlamentares do PSDB e
PFL, partidos majoritários da coalizão, que sustentaram os governos FHC, discutiam na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a proposta de acabar com o instituto da
reeleição e prorrogar o mandato do Presidente para cinco anos.
A discussão sobre o fim da reeleição dos cargos do Poder Executivo e a tentativa de
aprovar o retorno à proibição foram encaminhadas no Congresso. Para isso, constituíram-se as
justificativas e apresentação dos pontos maléficos sobre a configuração das experiências de
re-elegibilidade dos cargos do Poder Executivo. Os questionamentos sobre a eficácia da nova
regra na democracia do Brasil já tinham sido apresentados nas longas discussões da CCJ e no
Plenário da Câmara dos Deputados, conforme demonstramos no capítulo anterior. No
próximo capítulo, tratamos com mais detalhes sobre as negociações para votação da PEC,
apresentando DVS (destaques de votação em separado) e as discussões em plenário na
Câmara dos Deputados. Embora a PEC da reeleição tenha sido aprovada por maiorias
qualificadas, 3/5 dos votos das duas Casas Legislativas, a discussão em torno da proposta se
arrastou por dois anos, devido à dificuldade de entendimento no Congresso sobre os seus
efeitos para o sistema de governo.
Para elucidar a controvérsia sobre a reeleição do Presidente, na afirmação de Sartori, o
direito de re-elegibilidade do Presidente pode ser considerado positivo à democracia, porque
amplia o sucesso presidencial do chefe de governo, sendo condição necessária à
governabilidade. Por outro lado, afirma Tocqueville, que a possibilidade de reeleição do
Presidente tem seus inconvenientes, porque afetam diretamente a qualidade da democracia
sendo inevitável o abuso do poder pelo Presidente que pleiteia a reeleição. A partir desses
referenciais, teóricos torna-se possível problematizar sobre a introdução do instituto da
reeleição no Brasil, desenvolvendo uma discussão acerca dos mecanismos institucionais que
garantem melhor qualidade à democracia.
Ao problematizar as questões sobre a sobrevivência de governantes em regimes
democráticos e desempenho econômico, Cheibub e Przeworski (1997) realizaram uma
pesquisa tomando uma amostra composta por 135 países a qual propôs instigar duas
proposições: (1) de que forma a democracia pode ser considerada um regime político que se
distingue pela responsabilidade dos governantes perante os governados; (2) de que forma
através de eleições torna-se possível a garantia dessa responsabilidade. Esses autores
chegaram a achados inusitados. Para eles então, se:
(...) a democracia é um sistema no qual os governantes são
escolhidos por eleições, e se as eleições são um mecanismo
pelo qual os eleitores premiam os governos que vão bem e
punem aqueles que vão mal, a sobrevivência de governantes
em regimes democráticos deveria ser sensível ao desempenho
econômico. Os dados sugerem que a sobrevivência de
primeiros-ministros é ligeiramente sensível ao crescimento do
emprego, mas isto é tudo o que encontramos, sendo que mesmo
este resultado é bastante tênue. A sobrevivência de presidentes,
por sua vez, parece ser completamente independente do
desempenho econômico (p. 04).
Os autores acima citados levantam dúvidas sobre a capacidade que o desempenho
econômico dos governos manteria para preservar o bom funcionamento das instituições
democráticas. Os dados apresentados na pesquisa de Cheibub e Przeworski (1997) levam a
crer que as relações entre democracia, eleições e práticas responsáveis na economia política
são muito mais complexas do que se imagina. Principalmente, quando se busca uma
explicação para sustentação de governos em sistemas presidencialistas.
Não obstante, para efeito de elucidação do impacto da mudança da regra que
implantou a reeleição dos cargos do Poder Executivo na democracia do Brasil, propomos
algumas questões para viabilizar o problema da nossa pesquisa:
Quais razões empíricas podem associar o êxito da política monetária do
governo FHC que requeria continuidade, com a força motriz para mudança da
regra do jogo eleitoral?
E de que forma a reeleição do Presidente permite modelar uma nova feição ao
presidencialismo brasileiro?
Sem dúvida, a agenda legislativa do Presidente é um indicador importante para
formação da agenda de políticas. Assim, pudemos verificar em que medida a perspectiva da
reeleição influenciou e condicionou as alternativas, através das quais as escolhas foram
efetuadas. Nesse sentido, tornou-se factível explicar os efeitos da introdução do instituto da
reeleição do Presidente sobre os resultados políticos da arena legislativa, ou, ainda, sobre a
relação do Executivo com o Congresso. A análise da mobilização e formação da agenda ou
agendas dos presidentes permitirá medir os efeitos da Emenda da reeleição à condução da
agenda e do processo legislativo. Torna-se relevante focalizar a formação da agenda em
sistemas presidencialistas, particularmente à luz do caso brasileiro; consideramos importante
porque, no sistema político do Brasil, o presidencialismo se constitui como regime em que o
Executivo possui poderes legislativos, uma vez que pode unilateralmente iniciar o processo de
alteração do status quo.
A justificativa para tomar os enfoques das regras se deve à premissa de que a
competição política se realiza por meio de instituições; assim, as regras exercem significado
expressivo para condicionar seu curso e seu desenlace. O pressuposto de que as regras do
jogo exercem um significado extremamente importante para entender as linhas possíveis das
ações dos atores políticos, tem centrado o campo de análise neo-institucionalista na ciência
política e vem ganhando terreno entre os principais arcabouços teóricos para explicar a
relação entre agência e estrutura. E mais, é uma nova perspectiva que vem sendo boa
referência para desvendar a problemática da representação democrática nas sociedades
contemporâneas.
As formas como operam os arranjos institucionais formais abrem possibilidades que
favorecem a articulação de estratégias dos atores políticos individuais e coletivos. Isso
porque eles firmam as oportunidades pelas quais esses atores participam do jogo político.
Desse prisma, o enfoque institucional permite construir explicações plausíveis sobre as
relações entre políticos e partidos e entre os poderes, principalmente, na arena da produção
legislativa em que se configura a interação entre atores importantes dos sistemas
presidencialistas: o Presidente e o Congresso.
A pesquisa foi realizada observando e analisando dois contextos: o jogo político em
que se deu a mudança da regra eleitoral, ou seja, como o instituto da reeleição foi acordado
entre os atores relevantes do processo decisório e, posteriormente, como foi produzindo
efeitos no encaminhamento da agenda legislativa presidencial.
Por sua vez, a análise dos encaminhamentos à agenda do Presidente torna-se
importante, porque se leva em conta que as ações do governo são constituídas como processo
dinâmico. Tanto fatores formais quanto conjunturais interferem na relação entre os poderes e
nas escolhas da arena das políticas públicas. Destarte, a pesquisa ora apresentada, traz uma
elucidação sobre as condições estratégicas em que os principais atores do processo decisório,
Legisladores e Presidente, fizeram suas escolhas influenciados pelo instituto da reeleição dos
cargos do Poder Executivo. Tomamos a Emenda da reeleição como novo arranjo institucional
que influenciou a orientação da agenda presidencial e do processo legislativo. Para isso,
comparamos o desempenho do Executivo no primeiro e no segundo mandatos, everiguando
como a produção legislativa da agenda do Presidente foi impactada pelo cenário da reeleição.
Explicamos os resultados legislativos, considerando o poder de agenda do Presidente,
compreendidos como iniciativas de projeto, instrumentos legais assegurados pela Constituição
de 1988. Esses mecanismos vêm sendo largamente utilizados pelos últimos governos
democráticos. Dessa forma, a pesquisa demonstrou de que forma a Emenda da reeleição
alterou a posição estratégica do Presidente no processo decisório, e que impacto produziu nos
resultados legislativos.
Destarte, as observações do contexto político em que se deu a discussão para mudança
da regra do jogo, que permitiu a reeleição do Presidente, dos Governadores e Prefeitos,
assumem importância, porque foi apresentada no debate público como assunto muito mais de
interesse político-partidário do que o interesse no aperfeiçoamento da engenharia
institucional. Essa foi uma observação feita pelo Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso
ao fazer um balanço das reformas iniciadas nos seus governos27
.
Ademais, considerando o pressuposto teórico e empírico de que o presidencialismo do
Brasil e dos demais países da America Latina têm características particulares e distintas do
modelo norte-americano, o controle da agenda é questão central para medir governabilidade,
porque deve permitir ao Executivo e aos líderes partidários controlarem o timing do processo
legislativo, uma vez que devem ser colocados em pauta os assuntos que possam formar
consenso entre os membros da base governista.
Nesse sentido, introduzimos na ciência política brasileira a preocupação em estudar a
mudança institucional, construindo mecanismos explicativos que façam um balanço da
introdução do instituto da reeleição no presidencialismo do Brasil. Para isso, consideramos a
estrutura de oportunidades que dispôs o Presidente e os incentivos para os atores envolvidos
no processo decisório (deputados e senadores) e os demais atores que se beneficiaram com a
emenda da reeleição (governadores e prefeitos). Para construir as hipóteses de pesquisa,
reunimos no quadro abaixo o que diz a literatura sobre a relação entre os poderes no sistema
político brasileiro.
27
Cardoso, F. H. A arte da Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
Quadro 2 - Panorama Teórico sobre a relação Executivo-Legislativo
Autores Linha do argumento
Figueiredo & Limongi (1999) Há uma articulação estratégica entre o
Presidente e os líderes partidários para
viabilizar os interesses do Executivo.
Ames (2003); Mainwaring (2001) As negociações dos parlamentares com o
Presidente estão determinadas pelos
interesses atomísticos desses
parlamentares que buscam benefícios
para as suas bases eleitorais (pork
parrel).
Amorim Neto (2006); Amorim Neto
et allii (2003)
Há partilha de poder entre o Executivo e
o Legislativo no governo de coalizão
considerado, sobretudo, pela distribuição
das pastas ministeriais de acordo com o
peso dos partidos no Congresso. Assim,
no presidencialismo de coalizão, a
participação de todos os partidos que
formam o governo é fundamental para
alavancar as propostas contidas no plano
de governo.
Fonte: elaboração própria
Ao considerar factível o postulado de que a alteração das regras eleitorais é um
fator preponderante nas ações estratégicas dos atores políticos, operacionalizamos
algumas questões centrais para nortearem a pesquisa. Com intuito de testar o apoio do
Legislativo ao Executivo no que concerne a aprovação da emenda da reeleição,
construímos mais estas indagações:
Qual estrutura de oportunidades e incentivos os atores políticos tiveram para mudar
as regras do jogo?
De que forma a alteração da regra eleitoral que permitiu a reeleição do Executivo
condicionou as escolhas estratégicas da presidência para comandar a agenda
legislativa?
Assim, consideramos importantes estas questões para detectar a mudança e seus
efeitos sobre as regras do jogo político. Para melhor explorar as questões acima desdobramo-
las nas seguintes:
Tendo em vista o interesse do Presidente em sua reeleição, de que forma a
estrutura de oportunidades foi utilizada para atender as expectativas dos atores
políticos envolvidos no processo de mudança da regra?
A emenda da reeleição alterou as relações da coalizão governista com o
Executivo Federal?
De que forma a continuidade das reformas que ocupavam os itens principais da
agenda foi viabilizada no segundo mandato?
Para testar o apoio do Legislativo ao Executivo no que concerne à aprovação da
emenda da reeleição, construímos as seguintes hipóteses:
H1 = A participação do parlamentar na coalizão do Governo Federal foi condicionador
do voto.
H2 = A participação do parlamentar na coalizão do governador e o apoio do Governo
Federal ao Governador foram condicionadores do voto.
H3: se o deputado foi eleito por média, o seu voto passa a ser condicionado pelo
partido, caso contrário, seu voto é independente.
Por sua vez, no que se refere aos efeitos da Emenda da reeleição nos resultados
políticos do processo decisório, construímos as seguintes hipóteses:
H1: A emenda da reeleição facilitou a viabilização da agenda governamental no
primeiro mandato, porque o Presidente passou a melhor utilizar a estrutura de
oportunidades para incentivar os parlamentares a cooperarem.
H2: A reeleição reduz o efeito LAME DUCK, pois o tempo do mandato é uma variável
que interfere nos resultados políticos do Presidente somente no segundo mandato.
Para testar as hipóteses, propomos modelos que dimensionem a posição dos atores
envolvidos e os custos políticos de transação no processo decisório. Para isso, a investigação
considerou dois cenários das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo: o primeiro,
ex-ante, problematizamos o percurso da votação da PEC 1/1995 (Emenda da Reeleição) na
Câmara dos Deputados; o segundo, ex-post, considerando os efeitos no processo decisório da
regra que permitiu a reeleição do Presidente, levando em conta os mecanismos explicativos
acerca da operacionalização do presidencialismo de coalizão existente no país.
Para levantamento dos dados, levou-se em conta os incentivos da coalizão governista
para aumentar sua ocupação nos cargos do governo; o sucesso legislativo ocorrido no decurso
do mandato presidencial, antes e depois da PEC da reeleição. Observamos e comparamos os
dois mandatos dos presidentes reeleitos. Assim, pudemos verificar de que forma a reeleição
influenciou a dinâmica legislativa; verificamos o apoio dos partidos ao governo, ou seja,
averiguamos a capacidade de articulação da coalizão na condução dos votos favoráveis aos
projetos do Executivo. Apresentamos modelos para explicar os incentivos para cooperação
entre os Poderes Executivo e Legislativo, levando em conta a eminência da emenda da
reeleição, mensurando, assim, o seu impacto à governabilidade. Por isso, verificamos de que
modo a perspectiva do segundo mandato presidencial influenciou o comportamento de
variáveis que explicam o comando do processo legislativo ou esteve relacionada ao apoio do
legislativo as agendas do Executivo.
Os modelos estatísticos apresentados mais adiante acham mecanismos explicativos
para compreensão do jogo político que resultou na mudança da regra, apresentando algumas
condicionantes do voto do deputado, bem como apresentando algumas variáveis que
impactaram no poder presidencial proativo, levando-se em conta a regra da reelegibilidade. A
interpretação que fazemos acerca da Emenda da reeleição é que possibilitou expectativas para
formação de ações coletivas que indicariam os rumos da dinâmica do comportamento da
coalizão do governo. Nesse sentido, a pesquisa procurou medir a intensidade do poder do
Presidente no comando da agenda legislativa, considerando o novo cenário de um segundo
mandato. A análise da produção legislativa do Presidente permitirá avaliar de que forma um
segundo mandato presidencial foi sendo defendido pelos atores na arena decisória e
convertido nos votos que mudaram as regras do jogo, e como, uma vez instituído, de que
maneira tais regras passaram a influenciar as negociações para viabilização da agenda
legislativa do Presidente. Assim, propusemos, como encaminhamento da pesquisa, medir o
poder proativo dos presidentes, após-Constituição de 1988, verificando quais variáveis
impactam, e observando o comportamento de algumas variáveis após a introdução do instituto
da reeleição.
Conclusão
Neste capítulo, procuramos sintetizar os problemas teóricos elaborados pela literatura
da ciência política brasileira que ajudam a explicar as principais questões acerca do
funcionamento do sistema político brasileiro. A nossa preocupação foi apresentar as nossas
questões de pesquisa como uma rota que propiciou a entrada nesse debate e a busca de uma
nova alternativa para elucidar as discussões sobre as relações entre o Presidente e o
Congresso, levando em conta a mudança das regras do jogo político. Apresentação do
contexto de discussão e votação da Emenda da reeleição permite adentrar na análise
neoinstitucionalista e explorar a interação entre as regras e os atores políticos, a partir da
disposição e criação de incentivos para cooperação, quando a pesquisa toma este cenário e faz
averiguação de como uma nova estrutura de oportunidades vai sendo criada para possibilitar
ações coletivas. Desse feito, tomamos como uma dinâmica positiva de funcionamento do
presidencialismo de coalizão. No próximo capítulo, configuramos o contexto das negociações
entre os atores para firmar a mudança institucional. Apresentamos os resultados das votações
pertinentes à PEC nº 1/1995 (Emenda da reeleição) e exploramos os mecanismos explicativos
para interpretar a decisão dos parlamentares e os condicionantes dos votos.
Capítulo V
5. Mudança da regra na arena legislativa e custo de transação
5.1 O percurso da PEC nº 01/1995 (Emenda da reeleição) na
Câmara dos Deputados
Conforme a discussão do terceiro capítulo, o contexto de discussão da PEC da
reeleição foi tomado por prolongadas controvérsias em torno das posições dos atores na arena
legislativa. Neste capítulo, retratamos essa arena e os resultados das votações na Câmara dos
Deputados, a fim de elucidar o jogo, as posições dos atores, a estrutura dos incentivos e os
caminhos para negociações que foram dando significados à introdução do instituto da
reeleição no sistema político brasileiro. A discussão central trata de responder uma
indagação sempre recorrente: por que os atores mudam as regras do jogo político? Para isso,
enfatizamos a interação entre as regras e as ações dos atores políticos como objeto de
investigação sobre as mudanças institucionais. Desse modo, analisamos o processo de
votações da matéria buscando, identificar as determinantes do comportamento individual dos
parlamentares, a partir das suas estruturas de oportunidade e os incentivos, como membros
das coalizões governamentais federais e regionais e a força eleitoral individual dos
congressistas. A primeira parte deste capítulo é um estudo descritivo, através do qual
apresentamos o contexto das discussões no Plenário da Câmara dos Deputados e a
viabilização e formação das maiorias nas votações do substitutivo da Comissão Especial e dos
Destaques de Votação em Separado (DVSs). Na segunda parte, explicamos os resultados das
votações, fazendo uso de modelos de regressão com intuito de visualizar as principais
condicionantes do jogo político para mudança da regra. Exploramos as razões que
justificaram a tomada de decisão dos parlamentares e a orientação do voto.
Quanto ao surgimento da PEC da reeleição, não restava dúvida de que a possibilidade
de ampliar o mandato do Presidente estava sustentada em razões bastante significativas e
caras a qualquer governo, assegurar a continuidade da estabilização econômica e conduzir
estratégias de combate a um problema crônico como a inflação, traduzia a prioridade da
agenda governamental. Acertar as contas com o fantasma da inflação foi o grande mérito do
Plano Real, tarefa até então fracassada pelos diversos planos econômicos e políticas
desastrosas dos governos precedentes. Nesse sentido, a defesa do instituto da reeleição parecia
ganhar legitimidade o que permitia a governadores e prefeitos tirarem proveito. Não obstante,
embora fossem inúmeras as razões que alegassem a necessidade de manutenção da política
econômica do Governo FHC, as justificativas racionais para aprovar a Emenda não ficaram
incólumes de suspeitas na arena decisória. Mesmo que os fundamentos da política
democrática fossem o pano de fundo para viabilizar as mudanças constitucionais, no âmbito
das discussões da PEC da reeleição, as controvérsias sobre a alteração das regras do jogo
político-eleitoral para favorecer os governantes resultaram em pontos de constrição, cujas
consequências foram vaivens em negociações para formação da coalizão majoritária no
Congresso.
O fato mais evidente disso pode ser observado pelo quadro de tramitação da matéria
no Congresso Nacional, pois a primeira PEC apresentada na 50ª legislatura (1995-1999),
somente teve sua votação iniciada quase um ano depois de apresentada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) para admissibilidade. O tempo de tramitação de uma proposição
legislativa pode ser um indicador importante para medir o grau de conflito entre os atores no
jogo político e sua relevância no processo decisório. No que se refere à Emenda da reeleição,
a aprovação em tempo hábil para beneficiar os ocupantes de cargos do poder Executivo
orientou as ações estratégicas e os custos de transação para os atores envolvidos. Nesse
sentido, problematizamos o processo legislativo da PEC nº1/1995, levando em conta, não só
os resultados das votações, mas os percursos que foram sendo traçados às posições e
negociações dos atores. A identificação desses atores e a contextualização dos seus interesses
são elementos cruciais para interpretação das estruturas de oportunidade e os incentivos, bem
como para mensurar as consequências dos resultados das votações.
Quadro 3 - Cronologia da tramitação da PEC nº1/1995 (Emenda da Reeleição) no Congresso Nacional (1995-1997)
Início Tramitação Duração
(em dias)
Câmara
16/02/1995 Parlamentar apresenta a PEC 1
22/02/1995 Leitura e publicação da matéria e
despacho para CCJ
6
18/04/1995 Parecer do Relator da CCJ pela
Admissibilidade
55
26/04/1995 Aprovação do parecer pelo
Plenário da CCJ
8
10/05/1995 Leitura e publicação do parecer
da CCJ, pela admissibilidade
15
23/10/1996 Ato da Presidência criando a
Comissão Especial (CESP)
destinada a proferir parecer à
Proposta no prazo de quarenta
sessões.
480
04/11/1996 Indicação do Relator - José
Múcio Monteiro
12
20/11/1996 Substituição do Relator
redistribuída ao novo Relator –
Vic Pires Franco
16
15/01/1997 Aprovação pela Comissão
Especial (CESP) do parecer do
Relator, pela admissibilidade
com substitutivo.
56
28/01/1997 Discussão em primeiro turno –
Aprovação do substitutivo da
Comissão Especial, ressalvados
os destaques.
13
29/01/1997 Plenário - Término da votação
em primeiro turno
1
26/02/1997 Plenário - Discussão em segundo
turno e votação final
28
Total 691
Início Tramitação Duração
(em dias)
Senado
26/02/1997 Proposta de Emenda à
Constituição nº4/97 (número no
Senado) – Leitura
1
06/03/1997 Despacho para CCJ – distribuída
ao Relator Francelino Pereira
8
08/04/1997 Parecer do Relator –
apresentanto relatório concluindo
pela aprovação da Proposta.
33
16/04/1997 Aprovação pelo Plenário da CCJ
– Leitura do parecer.
8
21/05/1997 Emendas, Destaques e
Requerimentos – Plenário –
Votação 1º turno
35
04/06/1997 Plenário – Votação 2º turno 14
05/06/1997 Publicação no Diário Oficial da
União (DOU) a Emenda nº
16/1997.
Total 99
Fonte: Gabinete do Deputado Mendonça Filho – Centro de Documentação e Informação da Câmara dos
Deputados; e-Camara, Sileg – Serviço de informações Legislativas.
As etapas e o tempo de tramitação da PEC no Congresso indicam alguns pontos
relevantes para elucidar o processo de discussão, negociação e custo de transação. Entre o
início dos trabalhos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) até a votação em segundo
turno, na Câmara dos Deputados, foram passados 691 dias. O tempo prolongado para votação
dessa proposição legislativa foi resultado da polêmica que reunia posições dissonantes quanto
ao mérito e ao formato da regra da reelegibilidade dos cargos do Poder Executivo e também
quanto ao contexto para sua inserção no desenho constitucional brasileiro. Conforme
observou Elster (2009) há dois níveis de pré-compromisso constitucional, atrasos e maiorias
qualificadas são evidentes. Outro ponto a considerar é o bicameralismo, que ajuda a atrasar o
processo legislativo, facilitando o funcionamento dos mecanismos de freio das paixões para
que a razão reine.
Assim, no que concerne ao objeto da pesquisa, mesmo dentro da base do Governo
Federal, as insatisfações em relação à mudança da regra e ao seu novo formato geraram
críticas que foram alvos de impasses e incertezas quanto aos resultados a sua aprovação. As
primeiras discussões da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos
Deputados foram encaminhadas pelos votos em separado dos parlamentares Paulo Delgado
PT/MG e Udson Bandeira PMDB/TO, que levantaram questionamentos sobre a atribuição da
CCJ de se pronunciar sobre matérias político-eleitorais, já que naquela Casa Legislativa tinha
sido criada a Comissão Especial (CESP) para apreciar tais assuntos. Os deputados Marconi
Perillo PSDB/GO, Sandra Starling PT/MG, Milton Mendes PT/SC, votaram contra. Não
obstante, a CCJ julgou a proposta admissível, passando, então, a discussão para a CESP –
comissão que estaria destinada a proferir parecer sobre a matéria em até 40 sessões. No
decorrer das discussões nessa Comissão Especial, a proposta original foi incorporando
emendas por DVS (Destaques de Votação em Separado), tanto que, entre as votações de
primeiro e segundo turnos na Câmara dos Deputados, constituiu-se um espaço de negociação
em que a articulação e a performance da coalizão majoritária foram ganhando novas
configurações ao buscar modificar o mérito da proposta. À medida que se criavam incentivos
para emendar a proposta, mais ficavam sendo definidas novas acomodações para o
posicionamento dos parlamentares.
O processo de tramitação da PEC 01/1995 foi constituído por um conjunto de etapas,
cuja proposta alterou, não só o parágrafo 5º do Art. 14 – título II sobre direitos políticos da
Constituição Federal, mas deu nova redação ao caput do Art. 28 e ao inciso II do Art. 29, que
tratam do tempo de mandato e da data para realização das eleições dos governadores e
prefeitos, respectivamente. A emenda deu nova redação ao caput do Art. 77 e ao Art. 82, que
tratam também da data da eleição do Presidente e do Vice, e do tempo de mandato,
respectivamente.
Santos (2007) considerou a votação da Emenda da reeleição no primeiro turno como
caso paradigmático para interpretar o funcionamento do multipartidarismo no sistema político
brasileiro. Observou que a formação da coalizão majoritária sofreu alteração em sua
composição, razão pela qual todos os partidos passaram a ocupar posição pivotal28
. Ao se
levar em conta todas as possíveis seqüências de votação, fato a ser observado na coalizão, foi
que o jogador (partido) com menos votos possuía o mesmo poder dos demais jogadores.
Significava que qualquer partido da coalizão majoritária tinha papel decisivo no resultado do
jogo, o que ampliava o custo de transação entre os atores. Para Santos, não houve paralisia
decisória, mas o travamento do processo parlamentar elevou o custo da legitimidade da
instituição.
28
O termo pivô pode ser definido como a posição em que o ator tem poder de definir o resultado do jogo.
Não obstante, considera que no sistema político brasileiro, seja qual for o número de
partidos com representação parlamentar significativa nas coalizões, é possível chegar à
governabilidade. Para isso, faz-se necessária a manutenção da vantagem numérica da situação
sobre a oposição, ou seja, que os grupos que buscam radicalizar suas posições, vejam que os
custos de sair da coalizão majoritária são maiores do que os custos de permanecerem nela. A
governabilidade deve ser entendida como capacidade de tomar decisões, para isso, deve haver
estabilidade nos custos operacionais de decisão.
A coalizão de apoio formal ao governo, a partir da legislatura iniciada em 1994, foi
constituída pelos partidos PSDB, PFL, PMDB e PTB, e somavam 377 votos da Casa, caso
não houvesse deserção ao partido e ao governo; havia margem segura para aprovação de
qualquer proposição legislativa, inclusive, aquelas que exigem maiorias qualificadas, como é
o caso das PECs, cujo limite inferior de aprovação é de 307 votos. Segundo Santos (2007), a
coalizão formal de apoio ao Governo FHC, caso os deputados eleitos em 1994 se
mantivessem fiéis às legendas e ao governo, havia margem de garantias de 120 deputados em
votações que exigiam maioria absoluta de 257 votos, e de 70 deputados em votações que
exigem maiorias qualificadas. Todavia, no contexto de votação da PEC da reeleição, as
migrações partidárias tinham redefinido o quadro da coalizão central que passou a contar com
310 votos distribuídos da seguinte forma: PFL (101); PMDB (98); PSDB (87); e PTB (24).
Com essa nova configuração, a coalizão do Governo chegava somente a 310 votos, o que
permitia aprovação de quaisquer PEC, mas em condições precárias e de alto risco. Dois votos
de margem de garantias tornavam-se bastante arriscados, pois o governo teria que contar com
98,5% de disciplina, tarefa quase fictícia para uma coalizão heterogênea, que contava com
partidos com um razoável nível de desertores, como é o caso do PMDB. E, ainda mais, não
podia contar com eventualidades que resultassem na ausência de parlamentares na votação.
Qualquer alteração nas expectativas, causaria prejuízo irreparável para viabilização da
proposta.
Segundo Santos, a votação do primeiro turno na Câmara, embora apresentando a vitória
da PEC apoiada por 335 votos contra 178 entre os ausentes, abstenções e votos contrários,
teve uma quantidade de votos inferior ao tamanho da coalizão nuclear. Haja vista que a
coalizão nuclear chegou a somar somente 266 votos, distribuídos da seguinte forma: PFL (95
votos); PSDB (85 votos); PMDB (67 votos); PTB (16 votos). Fato importante a ser
observado é que partidos fora da coalizão nuclear tiveram peso considerável para definição
dos resultados. As negociações com o PPB e com o PL foram cruciais para aprovação do
substitutivo da Comissão Especial. Embora o PPB tivesse apresentado número expressivo de
faltosos, 50% do total de suas cadeiras na Câmara dos Deputados votaram favoráveis ao
substitutivo.
Tabela 1 - Votação do Substitutivo da Comissão - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Substituti
vo da
comissão
S 0 4 95 6 67 1 44 1 7 2 85 2 0 19 1 1 335
N 0 0 3 0 4 0 3 1 3 0 2 0 0 1 0 0 17
F 10 20 1 3 26 0 40 0 0 1 0 0 51 2 0 0 154
A 0 1 2 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 2 0 0 7
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados sobre Legislativo do Cebrap; Santos (2007).
Para entender o resultado dessa votação, faz-se necessário acompanhar o percurso de
sua tramitação. A votação do substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial
repetiu a calorosa discussão já feita naquela comissão entre membros da oposição e
parlamentares da base do Governo Federal sobre fatores institucionais e políticos, os quais
ancoravam a tese da reeleição para os cargos do Poder Executivo em sistemas
presidencialistas. O resultado da votação foi a aprovação do Substitutivo que deu nova
redação ao parágrafo 5º, do artigo 14, da Constituição Federal. Não obstante, essa votação
ressalvou os DVSs, o que assegurou uma nova rodada de votação no dia seguinte para tratar
do mérito da matéria. Nesse segundo momento, as discussões corresponderam às votações de
diversas emendas. Todavia, os esforços e a força para alterar o mérito da proposta aprovada
como substitutivo, numa segunda rodada de votação, foram vencidos. O processo de
tramitação e a votação em primeiro turno resultaram ainda na rejeição da emenda nº 4, objeto
de DVS do Deputado Gerson Peres PPB/PA, que dispôs sobre a alteração do parágrafo 5º, do
artigo 14, da Constituição Federal, conforme apresentada originalmente na PEC nº 1/1995,
mas com a inclusão do inciso I que continha a seguinte redação:
I - O dispositivo de que trata o parágrafo anterior terá vigência imediata
para o cargo de presidência da República, após quatro anos para mandatos
dos Governadores de Estado e do Distrito Federal, após oito anos para os
mandatos de prefeitos ambos contados a partir do término do respectivo
mandato eletivo (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 30/02/97, p.
03126).
Portanto, os Partidos que votaram contra o substitutivo da Comissão Especial foram
favoráveis à Emenda nº4. Caso típico, foi a posição do PT que,mesmo contrário a reeleição,
votou a favor dessa Emenda. A justificativa do líder do Partido dos Trabalhadores foi que a
Emenda, ao prever o escalonamento para implantação do instituto da reeleição, podia
amenizar os seus efeitos perversos. O PT, na voz do seu líder, o Deputado José Genuíno,
considerou a Emenda da reeleição como “golpe”, mas avaliava que a Emenda nº4, em relação
às oligarquias locais, apresentava medidas preventivas à implantação do instituto da reeleição.
Evitava, assim, de imediato, o abuso do poder dos governadores e prefeitos. Como o
substitutivo da Comissão Especial já havia sido aprovado, as estratégias dos líderes de
partidos de oposição ao Governo Federal, para reduzir os custos, eram amenizar a formação
de uma rede de apoio à reeleição do Presidente, associada à reeleição dos governadores, já
que estavam previstas eleições gerais em 1998. Tal estratégia poderia ser interpretada por
duas razões:
1) evitar a articulação entre o Governo Federal e os governos estaduais, tendo em vista a
renovação dos seus mandatos, fazendo uso da grande quantidade de recursos que detém a
máquina pública em nível federal;
2) assegurar as expectativas de os parlamentares poderem concorrer aos cargos dos
Executivos estaduais em condições mais vantajosas.
Em relação à primeira razão, a articulação entre o Governo Federal e os governos
subnacionais, o trabalho de Gama Neto (2007) detectou uma situação importante acerca do
quadro das relações intergovernamentais nos Governos FHC. A contenção de gastos
assegurada pela implantação da política de estabilização monetária foi atribuída à continuação
de governos e ao apoio do governador ao Presidente da República. Nesse sentido, no que
concerne ao programa de privatizações dos bancos estaduais, a existência de um
comportamento cooperativo tornou-se possível e a Emenda da Reeleição teve um papel
importante, porque mudou o cálculo estratégico dos governadores que, incentivados pelas
expectativas de renovação dos seus mandatos, buscaram o melhor acordo possível com a
União para abastecer recursos dos seus Estados ou, até mesmo, para utilizá-los na arena
eleitoral, conforme as perspectivas dos riscos em relação aos seus concorrentes. Segundo
Gama Neto, no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ficou patente
um novo padrão das relações entre os entes federativos. Assim, foi realizada a leitura sobre a
liquidação, privatização e saneamento das instituições financeiras administradas pelas
unidades da Federação. Embora os governadores tivessem como primeira preferência o
interesse em manter os bancos estaduais, “as negociações com o governo central, as
dificuldades econômicas e as eleições alteraram a posição do ranking de preferência do
Executivo Estadual” (p. 184). Dessa forma, considera que “a mudança nas regras eleitorais,
permitindo a reeleição dos chefes dos executivos, constituíram o conjunto de incentivos que
estimulou os governadores a realizarem acordos com o Governo Federal” (p. 191).
À luz dessa discussão, Gama Neto considerou, por exemplo, que as negociações entre o
Governo Federal e os governos subnacionais para assinatura de contratos, assegurando a
entrada no PROES (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade
Bancária), tornou-se célere, porque a reeleição e o risco eleitoral entraram no cálculo das
ações dos governadores que resolveram reduzir os custos de transação. Destarte, a
visualização desse conteúdo da barganha permitiu a constituição de um novo cenário das
relações intergovernamentais, isso porque a estratégia na primeira administração de FHC foi
vincular a estabilidade econômica à agenda de reformas (Melo, 2002). Assim, a emenda da
reeleição pôde ser interpretada, considerando o seu impacto e/ou sua atuação como
mecanismo facilitador nas negociações entre o Governo Federal e os governos subnacionais,
contribuindo, até, para confecção de um novo padrão das relações federativas.
O trabalho de Souza (2008) também apresentou resultados que permitem avaliar alguns
efeitos da introdução do instituto da reeleição no sistema político brasileiro. Observando os
determinantes políticos do gasto público e do comportamento fiscal oportunista dos
governantes, o autor constatou que as regras de equilíbrio fiscal previstas na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) não impediram a ocorrência de manipulação fiscal oportunista
nas eleições estaduais de 2002 e 2006. Nas ilações de Souza, a interpretação desse resultado
traduz a dificuldade que os atores estratégicos federais tiveram de impor uma agenda fiscal
aos representantes das unidades da Federação, uma vez que “os políticos, incumbidos de
governar, conforme o interesse público, sobrepuseram a esta incumbência seus interesses
privados ao se rebelar contra as regras de equilíbrio fiscal, buscando, por esse intermédio,
aumentar suas chances de reeleição” (p. 214).
Quando estavam em xeque as oportunidades da reeleição, a percepção dos governadores
era de que a redução de custos estaria relacionada à possibilidade de aumentar os gastos
públicos, violando a LRF. O risco de perder as eleições devia ser reduzido, os esforços
caminhavam nessa direção, mesmo porque havia expectativas de que as sanções aplicadas
pelo descumprimento da LRF podiam ser neutralizadas ou plenamente minimizadas pelas
justificativas políticas do risco eleitoral.
Para voltar à discussão sobre a votação da PEC da reeleição, observamos que os
partidos que defenderam o substitutivo do parágrafo 5º, do artigo 14, para introdução da
reeleição no desenho constitucional brasileiro, mantiveram-se coerentes ao defenderem o
direito à reeleição para todos os cargos do Poder Executivo com aplicação imediata para o
pleito de 1998, votando, esses partidos, contra a DVS, que previa o escalonamento. Podemos
observar que Partidos como o PPB, cuja autoria da emenda nº 4 pertencia ao seu líder,
manteve apenas 45 votos favoráveis do seu contingente de 88 deputados. Entre os que
faltaram e os que votaram contra a emenda, representaram 46% da bancada do partido na
Casa29
.
Tabela 2 - Votação de Destaque da Emenda nº 4 - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Votação
de
destaque
da
emenda
nº 4
S 9 13 1 1 11 0 16 0 2 0 7 0 43 1 1 0 105
N 0 3 74 4 54 1 45 1 6 3 66 2 0 17 0 1 277
F 1 9 24 4 32 0 25 1 2 0 13 0 7 6 0 0 124
A 0 0 2 0 1 0 2 0 0 0 1 0 1 0 0 0 7
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
O parágrafo 5º, do Art.14, tinha sido aprovado pela Comissão Especial contendo dois
enunciados no texto original do relator: o primeiro, permissivo da reeleição dos titulares de
cargos no Poder Executivo; e o segundo, permissivo da eleição a cargo Executivo diverso
daquele que o governante ocupava, tendo em vista que o texto aprovado continha o
permissivo para concorrer no exercício do cargo. Assim, a solicitação para votação DVS pelo
Deputado Inocêncio Oliveira, PFL/PE, sobre a expressão “ou eleitos para quaisquer desses
cargos do poder Executivo”, que tinha sido resultado da Emenda do Deputado Fernando Lyra,
PSB/PE, e acatada pelo relator da PEC da reeleição, foi posta em votação. Caso tivesse sido
mantida, a expressão possibilitaria a qualquer governante do Poder Executivo, candidatar-se a
outros cargos do Executivo sem a desincompatibilização. Entretanto, a discussão e votação
sobre essa emenda foi derrotada com resultado bem superior à emenda que previa o
escalonamento para implantação da reelegibilidade dos cargos do Poder Executivo. Esse
resultado fortaleceu o argumento que postulava o instituto da reeleição como mecanismo para
29 É importante observar que o PPB foi um partido importante no fluxo migratório. Nas eleições de 1994, o
partido obteve 52 cadeiras na Câmara, de modo que, em 1997 na votação da PEC 01/1995 esse número tinha
saltado para 88. Fato curioso também foi observar a Composição da Câmara após os resultados das eleições de
1998, o partido voltou ao seu patamar obtendo 56 cadeiras. Cf. em Santos (2007), tabela 6c p. 165.
avaliação dos governos, uma vez que estava em voga a continuidade das políticas. Outrossim,
a manutenção do dispositivo da reeleição, conforme apresentado no texto substitutivo do
relator da Comissão Especial e revelado pela rejeição dessa emenda, parecia sustentar a
coerência da idéia sobre a necessidade do voto retrospectivo para recompensar ou punir os
governantes. Assim, foi justificada pelos atores político-partidários, ao apresentarem a PEC
nº01/1995, ou seja, a questão central dos argumentos para mudança das regras do jogo
político, tinha sido fortalecer os mecanismos de accountability eleitoral como o
aperfeiçoamento do sistema presidencialista. Este era o cerne da proposta original apresentada
em janeiro de 1995 à CCJ.
Tabela 3 - Votação de Destaque da expressão "ou eleitos para" - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Votação
de dvs da
expressão
"ou eleitos
para"
S 1 1 1 0 25 0 2 0 2 0 1 0 0 0 0 0 33
N 8 13 81 7 47 1 65 2 4 2 67 2 48 14 1 1 363
F 1 11 18 2 22 0 18 0 4 1 19 0 1 9 0 0 106
A 0 0 1 0 4 0 3 0 0 0 0 0 2 1 0 0 11
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados Legislativo, Cebrap.
A votação para retirada da expressão “e concorrer no exercício do cargo” foi objeto de
DVS do Deputado José Machado PT/SP. Como Deputado da oposição, buscava modificar a
redação dada pelo artigo primeiro do substitutivo da CESP ao parágrafo quinto, do artigo 14.
A discussão foi controversa porque resultaram em questionamentos acerca da utilização dos
cargos públicos para redução do risco eleitoral. A máxima de Tocqueville (1998) tinha sido
levada em conta, pois a estava posta a desconfiança contumaz sobre utilização dos recursos da
máquina pública como moeda de troca para responder a incerteza da arena eleitoral.
Na justificativa desse DVS, a autoria asseverava o princípio da desincompatibilização
como pré-requisito para se adotar e aplicar a regra da re-elegibilidade ao sistema político
brasileiro. Segundo o autor parlamentar, a desincompatibilização garantia a coerência das
regras do jogo político, posto que, para concorrerem a cargos legislativos, os Chefes de
Executivos deverão renunciar a seus cargos, ou se seus parentes próximos forem os
concorrentes. Não obstante, essa emenda foi derrotada por uma maioria significativa, tendo
em vista que a articulação para viabilizar a reeleição do Presidente, dos Governadores e
Prefeitos levou em conta a permissão para concorrer a mais um mandato no exercício do
cargo.
Tabela 4 - Votação de Destaque da expressão "e concorrer no exercício" - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
DB
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
AR
T
To
tal
PEC
01/95 -
Votação
de dvs da
expressão
"e
concorrer
no
exercício"
S 0 0 1 0 7 0 0 0 1 0 3 0 0 1 0 0 13
N 10 18 87 7 69 1 52 2 7 1 65 2 47 20 1 0 389
F 0 7 12 2 22 0 32 0 2 2 18 0 4 3 0 1 105
A 0 0 1 0 0 0 4 0 0 0 1 0 0 0 0 0 6
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
No que concerne à emenda nº8, objeto de DVS do Deputado Odelmo Leão, PPB/MG,
acrescentava à PEC nº1-A de 1995, ao Art.3º, das Disposições Constitucionais Transitórias, o
seguinte artigo:
Art. 75º A reelegibilidade dos atuais detentores de quaisquer
dos mandatos referidos no § 5º, do Art.14, da CF dependerá de
manifestação do eleitorado, mediante plebiscito a ser
convocado pelo Congresso Nacional no ano de 1997.
Esse destaque tornava a questão da reeleição dos governantes como assunto de
iniciativa da vontade popular. A legitimidade de mudança da regra do jogo seria, assim,
assegurada pelo eleitorado, que exerceria papel decisivo de criar mecanismo para julgamento
dos governos. Entretanto, o resultado dessa votação resguardou a decisão anterior da maioria
dos Deputados de garantir, ao parlamento, a exclusividade de exercer suas atribuições
legislativas, isto é, assegurava ao Congresso Nacional suas prerrogativas de mudar as regras
do jogo eleitoral.
Tabela 5 - Votação de Destaque da emenda nº 8 - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Votação
de dvs da
emenda nº
8
S 9 17 6 1 14 0 25 1 5 0 3 0 50 3 1 0 135
N 0 0 66 4 56 0 32 1 4 1 67 1 0 14 0 1 247
F 1 8 28 4 28 1 31 0 1 2 16 1 1 7 0 0 129
A 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 2
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados sobre Legislativos, Cebrap.
Como o processo de votação da PEC nº1/1995 foi bastante polêmico, os DVSs
ocuparam espaços significativos de resistência no jogo político. A votação da emenda
aglutinativa do Deputado Alexandre Cardoso, PSB/RJ, entre outros, foi, também, motivo de
embates. A emenda dispôs sobre um referendo para decidir sobre a pertinência da reeleição.
Segundo os autores do DVS, um movimento suprapartidário vinha discutindo a legitimidade
da mudança da regra eleitoral, considerando, apenas, sua viabilidade pelo referendo popular.
Essa Emenda Aglutinativa nº1 destacava o artigo 2º do substitutivo e propunha a seguinte
redação:
Art. 2º A presente Emenda Constitucional será promulgada pelas
mesas da Câmara dos Deputados e do Senado, desde que
aprovada em referendo, a realizar-se em 21 de abril de 1997 ou
na data mais próxima. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá as
normas regulamentadoras deste artigo (Diário da Câmara,
30/01/97 p. 03176).
Contudo, essa emenda foi derrotada, permanecendo a prerrogativa do Congresso
Nacional de mudar as regras do jogo, ou seja, decidindo sobre a reeleição dos ocupantes dos
cargos do Poder Executivo.
Tabela 6 - Votação da Emenda aglutinativa nº 1 - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Votação
de emenda
aglutinativ
a nº 1
S 8 16 13 2 29 0 26 2 8 0 16 0 45 3 1 0 169
N 0 1 72 3 47 0 35 0 0 2 58 2 0 17 0 1 238
F 2 7 14 4 21 1 27 0 2 1 13 0 6 3 0 0 101
A 0 1 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 5
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
Por fim, a votação da emenda 11, objeto de DVS da Deputada Maria Elvira,
PMDB/MG, e outros, a qual dispôs sobre a criação de comissão para fiscalizar o processo
eleitoral e garantir lisura no funcionamento do instituto da reeleição dos cargos de Presidente
da República, Governadores de Estados e do Distrito Federal e Prefeitos. A emenda baseou-se
em observações acerca das experiências da reeleição nos sistemas presidencialistas e semi-
presidencialistas; indicava a criação de uma Comissão formada por sete integrantes para atuar
já no pleito de 1998. O cerne da proposta era permitir que a Justiça Eleitoral fosse auxiliada
por essa Comissão, para coibir quaisquer tentativas de abuso de poder no processo eleitoral.
Assim foi confeccionada a emenda:
“Acrescente-se à proposta, onde couber, parágrafo ao Art.14, da Constituição Federal,
com a seguinte redação”:
§As eleições do Presidente da República, dos Governadores de Estado e do
Distrito Federal e Prefeitos serão acompanhadas por Comissões Especiais,
constituídas, em nível nacional, estadual, municipal e distrital, por sete
membros indicados de acordo com o que dispuser a lei, entre cidadãos de
reputação ilibada e que não concorram à eleição, com a função de controlar
os gastos financeiros e coibir o uso da máquina pública e o abuso do poder
econômico (Diário da Câmara, 30/01/97 p. 03191).
Mesmo contando com apoio de parte da bancada do PMDB e dos partidos de oposição
ao Governo Federal, que vinham relutando contra a Emenda da reeleição, a rejeição dessa
emenda de destaque assegurou ainda mais a força do substitutivo apresentado pelo relator da
Comissão Especial, cuja vitória em plenário da Câmara dos Deputados tinha resguardado o
formato original da PEC nº 1/1995. A criação dessa Comissão fiscalizadora para ajudar a
coibir o abuso do poder dos governantes não tinha sido cogitada pela coalizão majoritária ao
aprovar o substitutivo, mesmo porque alegava já a existência dessa prerrogativa ao judiciário,
que devia garantir eleições limpas, coibindo o abuso do poder. O núcleo da proposta da
reeleição estava pautado na possibilidade da avaliação pública dos governantes, tendo em
vista a continuidade das políticas.
Tabela 7 - Votação da Emenda nº 11 - PEC 01/1995
Assunto Voto
PC
do
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Votação
da emenda
nº 11
S 9 16 5 0 59 0 8 2 5 0 15 1 37 2 1 0 160
N 0 0 73 3 11 0 46 0 1 2 55 1 2 5 0 1 200
F 1 9 22 6 27 1 32 0 4 1 16 0 12 17 0 0 148
A 0 0 1 0 1 0 2 0 0 0 1 0 0 0 0 0 5
Subtotal 10 25 101 9 98 1 88 2 10 3 87 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados sobre Legislativos, Cebrap.
Os destaques foram resultados de discordância a respeito de como a reelegibilidade
deveria funcionar no sistema político brasileiro. A questão mais evidente tratava da permissão
para o chefe do Poder Executivo concorrer a mais um mandato, permanecendo no cargo. Esse
assunto estava no cerne da proposta original e se espelhava no modelo vigente da democracia
dos Estados Unidos; a exceção seria porque, no presidencialismo norte-americano, além das
regras que limitam a dois mandatos presidenciais, há uma tradição que leva aos ex-
presidentes, após disputar e ou usufruir o segundo mandato, a não mais participarem de
disputas eleitorais. A PEC 01/1995, apenas, fazia menção à permissão para o chefe do
Executivo concorrer a mais um mandato subsequente.
A manutenção do Presidente como candidato justificava-se pelo argumento que,
afastá-lo do cargo, desvirtuaria a razão precípua da reelegibilidade, a qual existiria para suprir
a necessidade de viabilizar políticas econômicas duradouras ou para ajustar ao imperativo de
continuidade de políticas de médios e longos prazos ou, mesmo, para encaminhar os
mecanismos de recompensa e punição às ações governamentais através do voto retrospectivo,
já que os cargos do Poder Executivo são constituídos em eleições por regras majoritárias.
Conforme observou Powell (2001), as regras majoritárias resultam no poder concentrado e
este, por sua vez, assume uma condição importante de dar aos cidadãos maior clareza das
responsabilidades dos policy makers na implementação de políticas (Powell, 2001). No caso
brasileiro, a introdução do instituto da reeleição possibilitou ao eleitor a oportunidade de
avaliar, significativamente, o Plano Real, que vinha sendo a vitrine do governo FHC.
As questões tecidas por Powell (2001) apresentam as regras eleitorais como
constrangimentos que têm impacto na efetividade do controle do cidadão sobre os
representantes e policy makers. Permitem, assim, tratar do quão melhor pode ser
desempenhada a responsabilização. Sem embargo, as duas perspectivas que permitem tomar
as eleições como instrumentos eficazes de democracia enfatizam que os cidadãos, através de
eleições, escolhem os representantes, enquanto estes escolhem os policy makers; e, também, é
através de eleições que os cidadãos podem recompensar ou punir os incumbents.
Para tanto, a importância das instituições é vista porque, nas democracias, os desenhos
constitucionais dispõem sobre as regras para eleições e atuação do policy making. Por isso, é
possível chegar à seguinte sentença: aqueles que foram eleitos por regras majoritárias
exercem o poder de policy making, para atender interesses da maioria dos cidadãos que os
elegeram. Por sua vez, aqueles que foram eleitos por regras proporcionais exercem o poder de
policy making, para atender uma fração da sociedade, porque as eleições trazem agentes
representativos de todas as facções da sociedade para arena decisória. Isso resulta na
dispersão do poder, ou seja, o processo decisório é formado por um complexo de barganha
que dificulta o exercício do poder retrospectivo dos cidadãos, pois estes têm dificuldades em
localizar de onde partem as decisões (Powell, 2001 p.09). Powell propõe, então, o argumento
na seguinte direção: não há dúvida de que as eleições exercem papel fundamental na policy
making, uma vez que o processo de escolha, através de regras majoritárias, permite controle
prospectivo do cidadão, de vez que é possível a identificação de propostas unificadas
(mandato). Nesse sentido, o cidadão pode votar a favor ou contra o partido que vai
diretamente ser responsável por determinadas políticas, cujas eleições devem resultar um
poder concentrado em que a clareza da responsabilidade torna-se alta, e é extremamente
importante para o cidadão avaliar os policy makers, podendo, assim, exercer seu poder
retrospectivo (accountability).
Nos fundamentos da proposta da reeleição aplicada ao presidencialismo brasileiro,
estava em voga a capacidade que o eleitor teria para avaliar os governos exercendo o seu
poder retrospectivo. Esses argumentos juntavam-se a outros sempre recorrentes por aqueles
que defendem o presidencialismo e seus acertos, ao constituir caminhos da estabilidade
democrática. Por isso, concorrer a mais um mandato no exercício do cargo, seria condição
sine qua non para dar prosseguimento às políticas já encaminhadas, isto é, a expectativa que
se formava era que o processo eleitoral não devia paralisar as ações governamentais, ao
contrário, a reeleição do chefe do Executivo seria resultado das boas políticas que os eleitores
quiseram ver continuadas.
Contudo, o modelo dessa regra de reelegibilidade invocava um grande desafio à cultura
política brasileira: tornar candidato o governante, garantindo a sua idoneidade no provimento
dos bens públicos. Seria um desafio, porque a concentração de poder nas mãos do Executivo,
que é uma característica ímpar do sistema presidencialista vigente no Brasil, podia também
ser conduzida pelos interesses da arena eleitoral; os trabalhos de Gama Neto (2007) e Souza
(2008) constataram esse padrão de relação política. Embora a limitação de dois mandatos
presidenciais possa reduzir os cálculos estratégicos do Presidente, se comparados às
perspectivas de reeleição ilimitada dos parlamentares, como aponta Moe (1999), a expectativa
é que a perspectiva da reeleição do Executivo facilite a transação com o Poder Legislativo,
porque enaltece os esforços para continuidade administrativa.
Inúmeras proposições sobre a extinção do dispositivo que proibia a reeleição dos cargos
executivos já tinham sido evocadas na revisão constitucional de 1993. Se bem que a
manutenção do pré-compromisso e da restrição da reeleição dos chefes do Executivo
justificava-se pelo argumento proposto por Elster (2009), a partir da máxima de Seip30
, isto é,
os políticos buscam atar as mãos dos adversários. No caso brasileiro, como a candidatura do
líder do PT, Luís Inácio Lula da Silva à presidência, apresentava grande viabilidade, as forças
opostas lutaram para manter a proibição em função, especialmente, desse cenário31
. Por isso,
a discussão naquela arena logo tornou-se inconsistente, porque também não havia
entendimento claro quanto à funcionalidade de uma nova regra da reelegibilidade. As
discordâncias sobre a exigência da renúncia prévia e sobre a inelegibilidade dos substitutos
30
O argumento do historiador norueguês Jens Arup Seip foi o cerne da nova reflexão de Elster (2009) em seus
estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições. 31
Segundo Cardoso (2006), a matéria da reeleição estava no ar desde quando ocorreu a redução do mandato
presidencial de 5 para 4 anos. Não obstante, não foi viabilizada, devido a manobras casuísticas, pelo temor da
eleição de Lula.
marcaram os desentendimentos na revisão constitucional. Por isso, para responder a essas
questões, na justificação da PEC 01/1995, aparece o seguinte argumento:
A exigência de renuncia prévia, pode, com efeito, impedir a continuidade
administrativa. A obrigatoriedade da renúncia do substituto implica, por
outro lado, a formação de uma segunda chapa para a reeleição o que
tumultua o processo de negociação intrapartidária para a escolha de
candidaturas (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 15/03/1995, p.
3239 e 3240).
Por sua vez, as emendas apresentadas para modificar a proposta original, especialmente
aquelas advindas de parlamentares de oposição ao Governo Federal, levantava discussão, não
sobre o instituto da reeleição em tese, mas sobre efeitos negativos em sua utilização, como o
uso da máquina pública pelos governantes para promover a renovação dos seus mandatos. As
questões levantadas tratavam de situar e demarcar fronteiras sobre o entendimento do instituto
da reeleição como princípio democrático e como uma oportunidade para maximizar interesses
dos ocupantes dos cargos do Poder Executivo. As críticas avaliavam à conjuntura e às
condições para sua inserção no sistema político brasileiro. Esse foi o caso da emenda do
Deputado José Machado PT/SP.
A atitude de tentar prorrogar a discussão propunha neutralizar ou reduzir os incentivos
para mudar a regra eleitoral em tempo hábil de se tornar válida no pleito de 1998. Essa
medida contrariava os interesses de todos os governantes que ocupavam os cargos do poder
Executivo, isto é, presidente, governadores e prefeitos. Nesse sentido, a possibilidade de
reação, por outro lado, animava a disputa e vigorava as estruturas de oportunidade e os
incentivos. As alternativas para escolhas dos parlamentares seriam então:
a) aprovar a emenda da reeleição em tempo hábil para permitir a reeleição dos
postulantes dos cargos do poder Executivo;
b) prorrogar a discussão e aprovar a emenda com a limitação de ser destinada aos futuros
governantes;
c) não aprovar, mantendo proibida a reeleição dos chefes do poder Executivo.
Não obstante, o cenário que se formava não seria tão previsível considerando duas
posições: daqueles que estariam na base ou na oposição ao governo federal. Os esforços de
aprovar a Emenda para vigorar já no pleito de 1998 beneficiavam não só o presidente mais
todos os governadores. Mesmo aqueles parlamentares que faziam oposição ao governo federal
podiam ter seus incentivos revigorados para apoiar a reeleição dos governadores. Ou na
situação inversa, mesmo fazendo oposição ao governador, o parlamentar da base do governo
federal teria seus incentivos revigorados para aprovar a PEC. Na discussão do Plenário da
Câmara para votação do Substitutivo da Comissão Especial, o principal autor da PEC o
Deputado Mendonça Filho PFL/PE recorreu a uma justificativa curiosa para provar a
relevância do instituto da reeleição como mecanismo de eficácia democrática em detrimento
do chamado oportunismo para beneficiar o governo federal. Em discurso diz o Deputado:
Nunca tive o propósito de beneficiar quem quer que fosse que estivesse
atualmente o Poder nesta República. Tanto é fato o que digo que, apesar de
ser um admirador daquele que está à frente do comando principal do país,
tenho uma realidade política pessoal: um adversário à frente do governo de
Pernambuco, Estado onde está a minha principal base eleitoral (DIÁRIO
DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 29/01/97 p.02970).
Observando esse exemplo, tratamos nossas questões e hipóteses acerca de possíveis
orientações para o apoio à reeleição. Nesse sentido, o entendimento sobre o princípio
democrático da reelegibilidade passaria pela articulação dos diversos atores políticos e estaria
atrelado aos interesses nacionais e regionais. Por sua vez, a questão federativa poderia entrar
em discussão, ponderando o equilíbrio entre os interesses nacionais e regionais. Assim, os
condicionantes para o voto dos parlamentares poderiam seguir uma dessas direções. Se há
algum sentido em afirmar a existência da independência do parlamentar, em relação ao seu
partido na arena decisória, faz-se necessário verificar o direcionamento da sua escolha na
votação da PEC da reeleição. Para resolver a proposição sobre uma votação polêmica,
analisamos os determinantes dos votos dos deputados, para testar as hipóteses anteriormente
apresentadas.
Considerando as estruturas de oportunidade e os incentivos que os parlamentares da
base do Governo Federal dispunham para votar favoravelmente à proposta, julgamos
importante articular e medir o peso de suas decisões em relação a outras variáveis. Por isso,
apresentamos, mais adiante, modelos de regressão para testar as hipóteses e medir os
condicionantes das escolhas dos parlamentares na Câmara, levando em conta, principalmente,
o comportamento e as redes de apoio ao Governo Federal e aos governos estaduais. As
questões que fazemos quanto às estruturas de oportunidade e incentivos que condicionaram o
voto dos deputados permitem identificar as possibilidades que esses parlamentares teriam para
realização de seus interesses políticos, ou seja, como situar a direção do voto em relação ao
apoio ou oposição aos Governos Federal e Estaduais. Nesse sentido, tomando o caso
paradigmático dessa votação da emenda da reeleição e considerando suas peculiaridades para
atender interesses dos Governos Federal, Estaduais e Municipais, podemos detectar quais
implicações os resultados teriam para as relações políticas entre os poderes.
Tabela 8 - Votação PEC 01/1995 - Projeto Segundo Turno
Assunto Voto P
Cd
o
B
PD
T
PF
L
PL
PM
D
B
PM
N
PP
B
PP
S
PS
B
PS
D
PS
DB
PS
L
PT
PT
B
PV
S/P
A
RT
To
tal
PEC
01/95 -
Projeto
segundo
turno
S 0 1 100 7 84 1 51 1 8 3 85 2 0 23 1 1 368
N 10 19 2 1 10 0 13 1 2 0 1 0 51 1 0 0 111
F 0 4 2 1 2 0 15 0 1 0 4 0 0 0 0 0 27
A 0 0 0 0 2 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5
Subtotal 10 24 104 9 98 1 82 2 11 3 90 2 51 24 1 1 513
Fonte: Banco de Dados sobre Legislativos, Cebrap.
A discussão no plenário da Câmara dos Deputados, para votação em segundo turno,
pautou-se em alguns encaminhamentos que observamos e consideramos importantes para
entender as articulações relevantes acerca das posições favoráveis e contrárias à reeleição. O
plenário rejeita o requerimento do Deputado José Machado, PT/SP, líder do principal partido
da oposição que solicitava, conforme Art. 177, do RI, o adiamento da discussão por 10
sessões; e aprova o requerimento do Deputado Benito Gama PFL/BA, líder do Governo e
outros que solicitava encerramento da discussão, conforme Art. 178, parágrafo segundo do
mesmo regimento. Ainda na tentativa de adiar a votação, a oposição, na voz do Deputado José
Machado do PT, faz uso do Art.193 do RI e solicita o adiamento por cinco sessões, o plenário
novamente rejeita tal requerimento. Então, o encaminhamento da votação é feito pelos
Deputados Milton Temer, PT/RJ, Arthur Virgílio, PSDB/AM, Marcelo Deda, PT/SE e
Mendonça Filho, PFL/PE. Por sua vez, os líderes de partidos da oposição reclamavam à Mesa
Diretora sobre o não acolhimento dos destaques apresentados, não obstante a presidência
considera indeferido o pedido, passando, assim à designação do relator para proferir parecer
das emendas de redação em substituição à CESP, que conclui pela aprovação.
Os resultados da votação de segundo turno em relação ao primeiro demonstram
alteração nas posições dos atores. O número dos votos favoráveis à reeleição aumentou de
335 para 368, enquanto que os votos contrários passaram de 17 para 111. A razão a ser
observada é que o número de faltosos no primeiro turno foi bastante elevado, 154 e, no
segundo turno, teve uma redução significativa, passou a ser somente 27. Uma interpretação
simples pode ser então: os deputados ausentes na votação de primeiro turno representavam a
maior parte do contingente daqueles que se opunham à reeleição, expressando suas posições
votando “não”, em segundo turno da votação na Câmara.
Para explorar o contexto da votação da PEC nº 1/1995, apresentamos, de agora em
diante, os modelos de regressão que explicam por que os atores políticos mudaram as regras
do jogo. Neste momento, faz-se estudo da origem das regras a partir da correlação de forças
na arena decisória observando e comparando os resultados da votação final da PEC nº1/1995
(Emenda da reeleição) na Câmara dos Deputados. Analisamos a votação da PEC da reeleição
na arena legislativa, considerando os incentivos e os custos de transação existentes para os
atores envolvidos. Com essa análise das votações da matéria, identificamos os determinantes
do comportamento individual dos parlamentares, a partir da estruturas de oportunidade e
incentivos, como membro das coalizões governamentais federal e regionais e sua força
eleitoral individual.
Teste das hipóteses
Para avançar a análise acerca dos condicionantes que explicam a direção do voto dos
deputados na PEC nº01/1995 (Emenda da reeleição), construimos modelos de regressão
logística binomial, considerando a razão da variável dependente, votação que varia entre 0 =
não e 1 = sim. Esse é um teste estatístico que permite analisar muitas situações de dados que
envolvem predições de impacto em valores que variáveis independentes produzem sobre uma
variável dependente categórica dummy. Isso significa que um teste realizado, a partir de
observações feitas, pode predizer o quanto uma determinada variável independente pode ter
tido impacto sobre a variável dependente, observando uma relação entre os valores do
exponencial Beta, Exp(B) e o Beta B, quando houver significância estatística em relação de
causalidade entre uma variável independente e uma dependente. Podemos dizer que uma
regressão logística permite explicar o efeito que cada variável independente tem sobre a
variável dependente dicotômica. Porém, o modelo permite uma maior acurácia preditiva
quando levado em conta o conjunto de preditores, isto é, um número elevado de variáveis
independentes sem significância estatística implica na redução explicativa do modelo.
Os modelos de regressão vão permitir testar as hipóteses sobre os condicionantes do
voto dos deputados e, para visualizar com mais precisão, apresentamo-las novamente:
H1 = A participação do parlamentar na coalizão do Governo Federal foi condicionador
do voto.
H2 = O apoio do parlamentar ao governador e o apoio do Governo Federal ao
governador foram condicionadores do voto.
H4: Se o deputado foi eleito por média, o seu voto passa a ser condicionado pelo
partido, caso contrário, seu voto é independente.
5.2 Construção e Descrição das variáveis do modelo
Para explicar o desfecho do cenário da negociação para aprovar a PEC nº1/1995
(Emenda da Reeleição), construímos algumas variáveis para testar as hipóteses sobre os
condicionantes dos votos dos deputados. Isso significa que o modelo estatístico vai testar as
hipóteses indicando a força que cada variável independente teve de influenciar o resultado da
votação, ou seja, o voto do parlamentar.
Assim, para testar as hipóteses acerca da orientação e condicionantes do voto dos
deputados, em relação à votação da PEC da reeleição, a regressão logística é composta das
seguintes variáveis:
A variável Y (dependente) foi construída com base no resultado da votação, assim,
trata-se de uma dummy observando os resultados da votação final que contém as seguintes
categorias: contrário/falta/abstenção = 0; favorável = 1.
As variáveis X explicativas (independentes) foram construídas com as denominações e
categorias, respectivamente:
1) coalizão do Governo Federal → Não = 0; Sim = 1 (com essa variável, medimos o voto
do parlamentar em relação a sua participação na base do Governo Federal);
2) Apoio ao governador → Não = 0; Sim = 1 (com essa variável, medimos se os
governadores influenciaram o voto dos deputados).
3) Migração do deputado → Não = 0; Sim = 1 ( com essa variável, medimos de que
forma a migração partidária influenciou a orientação do voto do parlamentar);
4) Código da situação do deputado → suplente = 0; eleito por média = 1; eleito = 2 (com
essa variável, medimos se a força eleitoral do deputado influenciou o seu voto na PEC
da reeleição);
5) Espectro ideológico (esquerda – direita) → Esquerda = 0; Centro = 1; Direita = 2.
(medimos se o espectro ideológico direcionou o voto).
Para construir a variável espectro ideológico esquerda-direita, utilizamos a
classificação usada por Carreirão (2006), cuja configuração é a seguinte:
Esquerda: PT; PDT; PPS; PCdoB; PSB; PV; PSTU; PCO e PMN
Centro: PMDB e PSDB.
Direita: PP (PPB; PPR; PDS); PFL>DEM; PRN; PDC; PL; PTB; PSC; PSP;
PRP;PSL; PSD e PRONA.
Conforme apresentamos no quadro 02 que reúne autores e as principais linhas
de argumentos que animam o debate sobre sistema político brasileiro, construímos as
expectativas sobre o comportamento das variáveis. No que se refere à variável
coalizão do Governo Federal, o argumento principal de Figueiredo e Limongi (1999)
assenta-se nos resultados consistentes das votações nominais que têm apresentado
disciplina partidária, principalmente, em torno dos interesses da coalizão do Governo,
enquanto Amorim Neto (2006) chama a atenção para articulação do Presidente para
com o Congresso que dá sentido ao sistema chamado presidencialismo de coalizão.
Assim sendo, as votações que favorecem ao Governo teria resultado positivo de
acordo com a força da coalizão. Por sua vez, nas perspectivas de Maiwaring (2001) e
Ames (2005) o comportamento atomístico e os interesses da base eleitoral do deputado
são significativos para condicionar sua posição em votações. Também, o federalismo
teria um peso importante na orientação das votações dos deputados no Congresso.
Santos (2007) considera que a votação da emenda da reeleição se deu conforme
a configuração de uma coalizão de maioria ponderada, na qual o peso relativo de cada
partido é diferente; da mesma forma, aplicando-se a coalizão perdedora. Nesses
termos, “o número de coalizões de veto depende do peso específico de cada partido
ideologicamente distinto, e da cota necessária para a vitória, a qual costuma variar
conforme a natureza da matéria”(p. 131).
Consideramos que essas referências teóricas justificam a inclusão das variáveis
nos modelos. Assim, apresentamos, com base nessa literatura, as expectativas geradas
em torno das relações entre variáveis explicativas (X) e a variável dependente (Y).
Quadro 4 - Expectativas do comportamento das variáveis (X) sobre as variáveis (Y) - votação do substitutivo e segundo turno - PEC 01/1995
Variáveis X Impacto em Y
Clz Gov. Federal Positivo
DepApoiaGovernador Positivo
Dep. Migrou Positivo
CodSituacaoDep Negativo
Espect. Ideol. Negativo
Construímos dois modelos de regressão para testar as hipóteses: o primeiro,
trata da votação do substitutivo, e o segundo, da votação final. Buscamos observar se
houve diferença do impacto das variáveis explicativas (X) na variável explicada (Y)
nas duas votações. A razão para observar esses dois cenários das duas votações
justifica-se pela discussão que já foi apresentada na parte inicial deste capítulo, ou
seja, entre a votação do substitutivo e a votação final da PEC da reeleição configurou-
se um cenário de negociações, exatamente porque foi elevado o número de faltosos na
votação do substitutivo, conforme demonstramos na tabela 1. Por sua vez,
comparando as duas votações, segundo os dados já apresentados nas tabelas, tiveram
magnitudes diferentes, por isso testamos o comportamento das variáveis
independentes em relação à variável dependente, voto do deputado.
Tabela 9 - Regressão Logística, VD = voto do Deputado
(votação substitutivo PEC 01/1995 – Emenda da Reeleição)
Cox & Snell R² ,246
Nº Observações 512
Variáveis na Equação B Sig. Exp (B)
(Constant) -1,716 0,000*** 0,180
Clza Gov. Federal 2,086 0,000*** 8,054
DepApoiaGovernador 0,903 0,000*** 2,466
DepMIGROU94xSubstPec 0,574 0,062* 1,776
CodSituacaoDep 0,003 0,983 1,003
Espect. Ideol. 0,256 0,194 1,291
Significância estatística:***1%, **5%.
Tabela 10 - Regressão Logística, VD = voto do Deputado
(votação final PEC 01/1995 - Emenda da Reeleição)
Cox & Snell R² ,345
Nº Observações 512
Variáveis na Equação B p=.000(b) Exp (B)
(Constant) -1,612 0,000*** 0,200
Clza Gov. Federal 2,394 0,000*** 10,960
DepApoiaGovernador 1,366 0,000*** 3,919
Dep. Migrou 0,810 0,031** 2,247
CodSituacaoDep -0,279 0,160 0,757
Espect. Ideol. 0,581 0,009*** 1,291
Significância estatística:***1%, **5%.
Os resultados dos dois modelos de regressão apontam alguns caminhos para entender a
estrutura de oportunidades e os incentivos para o desfecho do processo final de formação da
ação coletiva, em função da mudança da regra. Das variáveis incluídas, a única que não teve
significância estatística foi o código da situação do deputado, cujo resultado da regressão diz
que a situação eleitoral do parlamentar não interessa para explicar o seu voto. Não obstante, as
demais tiveram significância estatística e ampliaram a capacidade explicativa dos modelos.
Os modelos indicam o quanto cada variável explica o voto dos deputados. Observando a
significância das variáveis coalizão do Governo Federal e Espectro ideológico, vemos que a
coalizão centro-direita que sustentava a força do Presidente no Congresso conseguiu manter a
consistência da votação do substitutivo à votação final PEC da reeleição, apesar de não
constituir unidade. Embora tivesse passado por longa discussão, conforme apresentada no
início do presente capítulo, a participação na coalizão do Governo Federal e a convergência
das tendências centro e da direita, em direção ao voto favorável, indica a disposição do
deputado de condicionar seus interesses à continuidade do poder. Nesse sentido, é possível
caminhar em direção ao argumento de que a estrutura de oportunidades em que os atores
políticos se encontravam é que permitiu a formação da ação coletiva para mudar as regras do
jogo. Nesse sentido, a discussão em torno do aperfeiçoamento do arranjo institucional foi
relegada ou minimizada em nome, não somente da manutenção da coalizão do presidente no
poder, mas, também, pelo peso da articulação com os governadores dos estados, pois a
variável DepApoiaGovernador entra no modelo com poder preditivo, ao apresentar
significância estatística com sinal positivo no coeficiente B, indicando que o apoio do
deputado ao governador condicionou, também, o voto do deputado, ou seja, o apoio deste ao
governador indica quase quatro vezes a possibilidade de votar favorável . O comportamento
dessa variável no modelo quer dizer que a tendência ao voto favorável entre aqueles que
apoiavam o governador e tendência ao voto contrário entre aqueles da oposição ao
governador. Não obstante, construímos os gráficos abaixo para visualizar os resultados da
equação.
Embora houvesse deputados da coalizão que resistiram à mudança da regra, votando
contrário à PEC da reeleição, bem como deputados da oposição votando favorável, conforme
demonstra o gráfico, são os resultados dos coeficientes da equação das regressões que
indicam a validade em termos estatísticos, ou seja, do poder explicativo das variáveis (X)
sobre a variável (Y). Os resultados da equação apresentam os condicionantes dos votos dos
deputados, levando em conta o erro padrão.
Situação Oposição
Coalizão do Governo Federal
400
300
200
100
0
Voto favorável
Voto desfavorável
Figura 5 - Voto do Deputado por Coalizão do Governo Federal
No entanto, a variável código da situação do candidato não apresentou significância
estatística; o resultado da equação indica que a condição eleitoral do deputado não tem poder
preditivo para explicar o voto na PEC da reeleição. Nesse caso, não se pode dizer que a força
eleitoral do deputado teve peso significativo na orientação do seu voto. Assim, nessa votação
paradigmática, o argumento de independência do parlamentar em relação ao partido não tem
uma representação quantitativa que leve a estabelecer uma causalidade. Por isso, é possível
rejeitar a hipótese H3, que considera a situação do eleito com maior probabilidade de ser mais
independente em relação ao partido na arena decisória. Essa hipótese justifica-se pela
orientação de uma parte da literatura que enfatiza problemas na institucionalização dos
partidos políticos. Consideramos a bem da verdade que estamos tomando apenas uma
votação, mas os estudos sobre disciplina partidária de Figueiredo e Limongi (1999) já
apontaram regularidades. O peso da nossa explicação deve ser tomado, porque se tratou de
uma votação em que a estrutura de oportunidades e os incentivos que os atores políticos
tiveram para formar a ação coletiva foram de importância crucial para encaminhamento do
processo político, pois significou para coalizão do governo as expectativas de mudar as regras
do jogo para se manter nele. Nesse sentido, os conflitos que se formaram terminaram por
produzir a articulação entre interesses nacionais e regionais para manutenção dos governantes
nos cargos.
Por sua vez, a variável Espectro ideológico foi classificada de forma crescente no
sentido Esquerda-Direita e, como na variável dependente o maior valor = 1 e corresponde ao
voto favorável, considerando sinal positivo do coeficiente B na equação, podemos dizer que o
voto de parte do centro e da direita foi inclinado significativamente para posição favorável à
Sim Não
200
150
100
50
0
Voto favorável
,
Voto desfavorável
Figura 6 - Voto do Deputado por apoio ao Governador
reeleição e a esquerda inclinou-se ao voto contrário. Os modelos indicam que a variável
espectro ideológico tem significância, porque houve uma bifurcação dos votos da esquerda e
de uma parte do centro para o voto desfavorável à mudança da regra e dos votos de parte do
centro e da direita para o favorável à mudança da regra.
Destarte, ficou bastante visível a articulação do centro-direita para constituir a
maioria qualificada, a fim de mudar a Constituição. Sem dúvida, esses resultados
configuraram a mudança da regra como uma questão político-partidária, ou melhor, da
articulação dos partidos da base do Governo. Todavia, esse feito pode ter negligenciado a
importância da discussão sobre a reeleição no presidencialismo como uma questão de
engenharia institucional, na qual os partidos pudessem se envolver tomando uma posição
clara a respeito do rompimento do pré-compromisso e das restrições constitucionais que os
seus predecessores constituíram. Para visualizar a distribuição dos votos, construímos o
gráfico abaixo, conforme o espectro ideológico:
Nesse sentido, a decisão do voto foi norteada pela conjuntura em que a questão foi
posta e não pelo posicionamento ou convicção que cada parlamentar tinha acerca do instituto
da reeleição como mecanismo de engenharia institucional aplicável aos sistemas
presidencialistas. Não obstante, o espectro ideológico importou, os parlamentares votaram de
DIREITA CENTRO ESQUERDA
200
150
100
50
0
Voto favorável
Voto desfavorável
Figura 7 – Voto do Deputado por Espectro Ideológico
acordo com a configuração da correlação de forças do Congresso, à esquerda oposição, à
direita situação e o centro, inclinado mais à direita e menos à esquerda.
Outra variável nos modelos que apresentou significância estatística foi a migração do
deputado, observamos o partido em que o deputado se elegeu nas eleições de 1994 e o partido
que o deputado pertencia na votação em 1997. Os resultados da regressão indicam, ainda, que
o coeficiente B tem sinal positivo com poder preditivo sobre o impacto da migração no voto
favorável à PEC. Nesse sentido, os dados apontam que a migração foi, também, um fator
positivo para garantir o voto favorável; um número significativo de deputados que migraram
foram inclinados ao voto favorável. Além disso, as migrações têm efeitos importantes nos
rearranjos de força no Congresso, pode significar o fortalecimento da base do Governo que é
uma das razões para o bom funcionamento do presidencialismo de coalizão. Ampliar a base
do Governo envolve estrutura de oportunidades para criar incentivos para formação de ações
coletivas que são traduzidas em recompensas para obtenção de resultados políticos. Nesse
sentido, a migração tem sido estratégias, comumente utilizadas no sistema político brasileiro,
através das quais políticos e coalizões mantêm a realização de seus objetivos. Para ilustrar o
quadro da migração no cenário da PEC da reeleição, apresentamos mais um gráfico:
Uma variável importante para entender o comportamento dos partidos na arena
legislativa é a disciplina partidária. Não incluímos esta variável porque causou problemas de
multicolinearidade, pois a maioria dos deputados da coalizão do Governo Federal manteve a
disciplina, segundo a indicação do seu líder. Usamos o conceito de disciplina como o grau de
Sim Não Deputado migrou (eleição94 x votação PEC)
300
250
200
150
100
50
0
Count
Voto favorável
Voto desfavorável
Figura 8 - Voto do Deputado por Migração
Figura 9 - Voto do Deputado por Migração
unidade do partido nas decisões legislativas (Tsibelis, 1997;Amorim Neto e Santos 2002). No
caso dessa votação nominal da PEC da reeleição, consideramos relevante demonstrar o
quadro da disciplina partidária representada pelo índice de Rice dos partidos32
:
Quadro 5 - Índice de Rice na Votação da PEC 01/1995 por Partido
Partidos Ri
PcdoB 100
PDT 75
PFL 77,2
PL 66,9
PMDB 75,5
PMN 100
PPB 46,4
PPS 50
PSB 54,6
PSD 100
PSDB 90
PSL 100
PT 100
PTB 91,8
PV 100
Conforme os resultados do índice de Rice, a votação da Emenda da reeleição obedeceu
ao padrão das votações no Congresso, segundo os dados de Figueiredo e Limongi (1999). Os
partidos de esquerda apresentaram forte disciplina inclinada ao voto desfavorável. Partidos
como o PT, que tinha um número de 51 deputados, votou de maneira unânime. Já os
principais partidos da coalizão do governo: PSDB, PFL, PMDB e PTB tiveram índice de Rice
médio de 80,37. A votação também apresentou um equilíbrio nos índices médios de
disciplinas dos partidos, segundo o espectro ideológico esquerda-direita. Embora esses
resultados da votação tenham apresentado elevado índice de disciplina partidária, a discussão
que fizemos no início deste capítulo permite-nos considerar que o processo de negociação que
antecedeu as votações não pode ser perdido de vista. Se tomarmos apenas o resultado final da
votação da PEC da reeleição, chegamos a constatar apenas que a coalizão do Governo
conseguiu assegurar uma elevada taxa de disciplina em mais uma votação. Não obstante, o
espaço da negociação correspondeu a trade-offs, cuja participação de partidos que não faziam
32
O índice de Rice é indicado para medir o grau de disciplina partidária em votação nominal. Varia entre zero e
100; é computado subtraindo-se a proporção de votos minoritários dos majoritários. O índice pode chegar a zero
quando o partido encontra-se dividido em uma votação, ou seja, quando 50% vota sim e 50% vota não. Da
mesma forma, quando há unanimidade, o índice atinge seu teto 100. Se chegar a 70 indica que 85% dos
membros de um partido estiveram de um lado e 15% do outro (Figueiredo e Limongi, 1999; Amorim Neto e
Santos, 2002).
parte da coalizão oficial foi essencial para formação da majoritária. Nesse sentido, partidos
como PPB, cujo resultado do índice Rice foi 46,4, apresentou a posição dividida da bancada.
Por isso, consideramos que é importante explorar os resultados das votações, levando em
consideração o que foi sendo posto no jogo e quais incentivos foram criados para obtenção de
um resultado favorável à coalizão majoritária.
Dessa forma, deve-se atentar a cada partida do jogo político, quando dadas as
movimentações para demarcar as posições dos atores, sendo extremamente necessária uma
compreensão mais apurada do resultado. Por isso, justificamos a descrição que fizemos no
capítulo 3 e na parte introdutória deste capítulo. Sem essa análise do contexto de discussão e
negociação, só poderíamos explicar uma parte do jogo político, mesmo porque o voto do
parlamentar é apenas uma reação às expectativas que foram geradas num determinado
contexto de negociação.
Assim considerando, a discussão e o resultado de uma votação nominal considerada
polêmica assumimos que a emenda da reeleição, apesar dos longos embates na arena
legislativa, que se estendeu da votação do substitutivo até a votação final, quando os partidos
da coalizão buscavam unidade para formar maioria, terminou tendo resultado positivo
também, porque deputados que não pertenciam à coalizão oficial entraram para compor a
maioria do voto favorável. Daí, no que concerne ao grau de disciplina partidária, medido pelo
índice de Rice médio dos partidos, segundo espectro ideológico, observamos um equilíbrio.
Conforme havia observado Santos (2006), a votação de primeiro turno da PEC da reeleição
demonstrou um quadro em que se configurou a dificuldade da coalizão oficial de manter a
disciplina com uma margem de segurança para formação da maioria exigida. Como
resultado, acarretou num jogo em que partidos que não pertenciam à coalizão tiveram
incentivos para entrar no jogo e compor a maioria qualificada.
Quadro 6 - Índice de Rice Médio por Espectro Ideológico
Espectro Idelógico Média Desvio-padrão
Esquerda 82,8 22,80
Centro 82,8 10,24
Direita 80,3 21,20
Com estes resultados do índice de Rice médio por espectro ideológico, podemos considerar a
margem das minorias que ficaram fora da posição majoritária do partido. No sentido já apresentado,
significa compreender o grau de indisciplina dos partidos de esquerda ao voto favorável, e dos partidos
do centro e da direita ao voto desfavorável. O gráfico abaixo demonstra maior visibilidade dos
indisciplinados ao voto desfavorável que correspondem às minorias do centro e da direita.
Portanto, o comportamento dos dados demonstrado no gráfico permite fazer uma
questão importante sobre a disciplina partidária. Primeiro, é considerável o número dos
disciplinados tanto em relação ao voto favorável quanto em relação ao voto contrário à
emenda da reeleição. Contudo, o que chamou a nossa atenção foi a tendência dos
indisciplinados ao voto desfavorável. Com essa configuração dos dados, aparentemente nos
leva a acreditar que a parcela dos indisciplinados foi motivada por outras razões, as quais
fizeram relegar os incentivos da coalizão majoritária.
Por sua vez, poderia ser factível dizer que as atribuições feitas às denúncias de compra
de votos, como fator decisivo no resultado da votação, só poderia fazer sentido se os partidos
da coalizão buscassem compor com outros partidos por causa dessa desconfiança da parcela
dos indisciplinados.
Assim, no caso analisado, é possível considerar que a estrutura de oportunidades que a
base do Governo dispunha deveria ser usada para manter os incentivos para manutenção da
disciplina. Afinal, a mudança do status quo beneficiaria os partidos da coalizão que teriam a
oportunidade de continuar governando. Não obstante, foram possíveis posições minoritárias
de parlamentares de partidos como o PMDB que se distanciaram da posição da coalizão
majoritária. Nesse sentido, conforme a classificação do espectro ideológico, é um partido de
centro em que, na votação da emenda da reeleição, a maioria votou à direita, usando a
atribuição de membro da composição da coalizão majoritária e a minoria votou à esquerda.
Como já observaram Figueiredo e Limongi (1999), há maior unidade no PMDB, quando o
partido fecha com a direita. Nos resultados da PEC da reeleição foi apenas uma minoria de
pouco mais de 1% que se rebelou e fechou com a esquerda.
Disciplinado Indisciplinado
300
250
200
150
100
50
0
Voto favorável
Voto desfavorável,
Figura 10- Voto do Deputado por Disciplina
Ademais, mesmo sendo motivo de intensas discussões no plenário da Câmara, a
votação final da PEC da reeleição configurou-se pelo equilíbrio das posições político-
partidárias e ideológicas que ajudaram a esclarecer o campo de força que estava sendo
constituído. O interesse do governo centro-direita garantiu maior unidade na condição de
situação com expectativas de continuidade, e o centro-esquerda na condição de oposição que
vislumbrava a alternância de poder.
Conclusão
O capítulo apresentou os resultados das negociações para aprovação da PEC da
reeleição. O aspecto que mais nos chamou atenção foi a força da coalizão do Governo Federal
de levar adiante a proposta original, apesar das discussões para inclusão dos DVS. A
estrutura de oportunidades em que os atores se encontravam possibilitou a formação da ação
coletiva para mudança da regra com o jogo em andamento. A expectativa da continuidade do
poder manteve os incentivos para constituir a força que a base do Governo necessitava em
todas as votações. Assim, as perspectivas para encaminhamento do programa de Governo
ganhavam tranquilidade acerca da manutenção de apoio devido às expectativas da arena
eleitoral de possibilitar ao Presidente um segundo mandato, pois esse arranjo político para
tomada de decisões na qual os atores políticos quebraram o pré-compromisso constitucional e
alteraram as suas restrições funcionou muito mais como resultado de estratégias de poder do
que como mecanismos de aperfeiçoamento da engenharia institucional. Isso significa dizer
que não era o instituto da reeleição que estava sendo colocado no jogo para mudá-lo, mas a
sustentação do Presidente, da capacidade de uma base de apoio para continuarem no jogo do
poder. Assim sendo, recorremos aos fundamentos do neoinstitucionalismo e dizemos que o
desenho das instituições vai sendo traçado no jogo do poder. As instituições importam, mas
importa também compreender em quais contextos elas foram criadas e como os atores
definiram sua importância. No caso dos resultados da PEC da reeleição, as alegações sobre o
aprimoramento da democracia e do sistema presidencialista poderiam ser até uma boa tese
para romper com o pré-compromisso e com as restrições constitucionais, no entanto, a forma
como ficaram configuradas as posições dos atores deixaram sérias dúvidas sobre o
entendimento político do que seria mais funcional à democracia. Como uma questão de
engenharia institucional não poderia ter resultado na bifurcação entre situação e oposição,
senão transformando em uma questão político-partidária para reduzir a incerteza quanto à
continuidade do grupo no poder ou a incerteza quanto à alternância do grupo que assim
pleiteava.
Por isso, faz todo sentido a idéia do historiador norueguês Jens Arup Seip: “No mundo
da política, as pessoas nunca tentam restringir a si próprias, mas apenas aos outros”. Isto
implica dizer que, a decisão de restringir ou não só faz sentido no jogo do poder, mesmo
porque as regras no jogo político não surgem do nada e muito menos se modificam por nada,
não há casualidade, e sim causalidade, há contexto para sua criação e para sua alteração.
Nesse sentido, consideramos que, o voto favorável ou desfavorável à emenda da reeleição não
significou a postura clara dos atores quanto à funcionalidade de um mecanismo de engenharia
institucional, em razão da qualidade da democracia, mas ao próprio encaminhamento do jogo
político em que as novas regras são as consequências.
Destarte, o modelo de regressão explica o voto dos deputados na PEC da reeleição,
confirmando a hipótese da participação na coalizão do Governo Federal como uma variável
explicativa que corrobora com os mecanismos de funcionamento do presidencialismo de
coalizão que coadunam com os resultados das outras variáveis: apoio ao governador, que
indica relação entre articulação entre coalizões nacionais e regionais; migração que termina
favorecendo a coalizão de governo e espectro ideológico que indicou a posição centro-direita
da coalizão. Uma coalizão robusta que reduziu o raio de ação dos veto-players, obtendo
resultado positivo na operacionalização do presidencialismo de coalizão.
Capítulo VI
6. A Emenda da Reeleição e o Processo Decisório
Ter ou não a reeleição faz diferença para encaminhamento e execução da agenda
legislativa do presidente? Tal indagação só pode se tornar pertinente, porque a agenda passa a
ser justificativa infalível para angariar os apoios que renovarão o mandato de um governante.
Nas discussões sobre o sistema presidencialista, a eleição direta do chefe do governo constitui
um mecanismo direto de responsabilidade vertical, sendo atribuído a este o reconhecimento e
máxima responsabilidade pelos resultados políticos. Esta questão norteia a discussão para
averiguar os efeitos do instituto da reeleição do Poder Executivo no presidencialismo. O
ponto de partida para tal discussão é considerar o presidencialismo como sistema que permite
clareza da responsabilidade do chefe do Executivo, possibilitando, no contexto da reeleição,
que os feitos dos governos sejam colocados em xeque, ao se buscar a renovação do mandato.
Para explicar os efeitos da emenda da reeleição no processo legislativo, ou melhor, no
encaminhamento da agenda legislativa do Presidente introduzimos uma discussão sobre a
lógica do processo legislativo no sistema democrático brasileiro.
6.1 A dinâmica do processo legislativo brasileiro
O processo legislativo corresponde a uma sequência de diversos atos necessários à
produção de leis em geral. O conteúdo, a forma e a sequência desses atos obedecem a uma
série de regras próprias. A Constituição de 1988, os Regimentos Internos da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, o Regimento Comum das duas Casas e a Lei Complementar
nº 95 de 1998, são marcos institucionais que regulam o processo de criação de leis no Brasil.
Enquanto a Constituição Federal define algumas regras de âmbito geral relativas à iniciativa,
quorum para aprovação, encaminhamento de uma Casa à outra, sanção e veto, os Regimentos
Internos (RIs) respondem pela autodisciplina do Congresso; cuidam dos demais detalhes do
processo legislativo. Os trabalhos das comissões, prazos para emendamento, prazos para
emissão de pareceres, regras de votação e destaques são regulados por esses Regimentos.
O conjunto das regras do processo Legislativo, por sua vez, determina e regula as
disposições para formulação das normas jurídicas, são elas: emendas constitucionais, leis
complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e
resoluções.
O processo Legislativo bicameral dispõe de duas câmaras legislativas, as quais
cumprem a função de produzir as normas jurídicas do país. No bicameralismo brasileiro os
procedimentos, como Emendas Constitucionais, Leis Federais Complementares, Ordinárias e
Delegadas, as Medidas Provisórias, os Decretos Legislativos Federais e as Resoluções são
comuns às duas Casas do Congresso Nacional, devendo todas essas espécies normativas
serem apreciadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, de acordo com cada situação. Considerado ato complexo, a produção legal
resulta, normalmente, da concordância da vontade do Legislativo, a qual se dá pela “fusão da
vontade da Câmara com o Senado, manifestada cada uma destas por um ato continuado, com
a do Presidente da República” (Ferreira Filho, 2002). A particularidade desse ato complexo
deve-se formalmente à atribuição de pesos iguais para a vontade do Legislativo e do
Executivo.
A Constituição de 1988 e o Regimento Interno da Câmara dos Deputados de 1989, por
exemplo, são considerados desenhos institucionais que redefiniram o processo legislativo e a
dinâmica da relação dos Presidentes com o Poder Legislativo. As prerrogativas
constitucionais atribuídas aos Presidentes brasileiros e a importância da atuação das lideranças
partidárias, como resultado da criação do colégio de líderes, tornaram-se pontos significativos
no cenário das estratégias para a produção legislativa. De acordo com as regras regimentais
das Casas Legislativas, o colégio de líderes é formado pelos Líderes da Maioria, da Minoria,
dos Partidos, dos Blocos Parlamentares e do Governo. Na medida do possível esse colegiado
deve tomar decisões consensuais. Em caso contrário, prevalecerá o critério da maioria
absoluta, ponderados os votos dos líderes em função da expressão numérica de cada bancada
(Art. 20 § 2º do RI da Câmara).
O colégio de líderes, então, desempenha papel ativo na definição da pauta dos
trabalhos, pois a ordem do dia é elaborada pelo presidente da Mesa e pelos líderes. As ações
dos líderes em organizar os trabalhos legislativos passam a ser ponto central do processo
decisório, sendo, portanto, de precioso valor para viabilizar os interesses do Presidente da
República. Nesse caso, a posição estratégica dos líderes de encaminhar a pauta legislativa é
decisiva para reduzir os custos de transação do Presidente com os congressistas. Essa
centralização no colégio de líderes facilita as coisas, quando se tem que negociar qualquer
forma de payoff da ação governamental (Figueiredo e Limongi, 1999).
Nos estudos legislativos brasileiros, a ênfase dada ao desenho constitucional vigente,
somada à peculiaridade das regras do processo decisório, elucidam a dinâmica da produção
legal e a performance do sistema presidencialista. Nesse sentido, as regras que mais chamam
atenção dos analistas políticos e jurídicos, são aquelas que designam concentração de poder a
um agente externo, o Presidente, e a delegação de poder aos líderes dos partidos no
Legislativo.
Segundo o trabalho de Figueiredo e Limongi, (1999), qualquer análise sobre a relação
do Presidente com o Congresso deve levar em conta fatores institucionais endógenos à
produção legal. Segundo esses autores, “os Regimentos Internos das Casas Legislativas
consagram um padrão decisório centralizado onde o que conta são os partidos” (p. 28). Essas
regras regimentais e constitucionais definem a tônica da participação do Presidente na
produção legislativa e nos resultados da policy making, podendo, assim, definir o padrão da
relação Executivo-Legislativo.
O poder de agenda do Presidente é aspecto relevante da produção legislativa do Brasil;
é resultado de prerrogativas constitucionais que permitem ao Executivo apresentar ao Con-
gresso Nacional projetos de lei sobre assuntos em geral, dando exclusividade para legislar
sobre algumas matérias específicas, excluindo-as do poder de iniciativa legislativa dos
parlamentares. Além da iniciativa privativa em matérias relativas à administração pública,
orçamentária, tributária e aquelas que dizem respeito ao aumento do efetivo das Forças
Armadas, ao Presidente, também, cabe outros atributos, como a prerrogativa de pedir urgência
para a tramitação de seus projetos e de editar medidas provisórias, atos normativos com força
de lei, garantidos pelo Art. 62, da atual Carta (Amorim Neto, 2000). Desse modo, a
Constituição permite que atos legislativos de autoria do Executivo entrem em vigor sem
autorização prévia dos Legisladores. As Medidas Provisórias têm sido recurso amplamente
utilizado pelos presidentes brasileiros, sendo uma poderosa arma do Executivo no processo
legislativo. O poder do Executivo de editar medidas provisórias, por sua vez, possibilita dois
efeitos basilares no processo legislativo: inova a ordem jurídica de imediato e incita o
Congresso a deliberar em determinado prazo sobre uma dada matéria. A utilização excessiva
desse dispositivo, pelo Presidente, altera a produção legislativa, uma vez que tais medidas
vêm ocupando, prioritariamente, a pauta de discussão e votação, tal mecanismo provoca
lentidão no desempenho das atribuições pré-agendadas nas comissões das Casas Legislativas.
Conforme os dados de Figueiredo e Limongi, as leis originárias de medidas provisórias,
enviadas pelo Executivo e os projetos que tratam de matérias orçamentárias, no período de
1989 a 1994, equivalem a 60% das leis produzidas. Por sua vez, em matéria cuja iniciativa
também cabe ao Legislativo, observa-se que o Executivo é responsável pela iniciativa de 85%
das leis sancionadas no mesmo período. Embora exista, no Legislativo brasileiro, o modelo
descentralizado de comissões, a articulação estratégica entre os poderes presidenciais e os
interesses dos líderes no Congresso, segundo os autores acima citados, vêm enfraquecendo
esse modelo.
A Constituição de 1988 assegura ao Presidente a prerrogativa de pedir urgência para
os projetos de lei de sua iniciativa. O pedido de urgência de um projeto institui o prazo de 45
dias para as Casas Legislativas concluírem a suas apreciações; ao término desse prazo, ainda
sem a votação, o projeto ocupa o cume da agenda, tranca a pauta e impede a deliberação dos
demais assuntos.
Se a Câmara ou o Senado não se manifestarem sobre a proposição, cada qual
sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais
deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo
constitucional determinado, até que se ultime a votação (CF Art. 64 §2º).
Diante disto, no processo Legislativo brasileiro, o requerimento de urgência na
Câmara dos Deputados é, também, um dispositivo previsto nos artigos 152 a 157 do RI. Tal
dispositivo torna-se de grande utilidade nas mãos dos parlamentares e do Presidente da
República, porque permite acelerar a tramitação de um projeto de lei, abreviando a sua
chegada para deliberação no Plenário. O requerimento de tramitação de urgência de um
projeto de lei corresponde à dispensa das exigências e formalidades regimentais,
possibilitando a abreviação de discussão e deliberação. A aprovação de um requerimento de
urgência de um projeto de lei permite que a comissão responsável, examine a proposição em
até cinco sessões, enquanto a matéria nas comissões em regime de prioridade pode levar até
dez sessões, e em regime de tramitação ordinária até quarenta sessões (RI da Câmara Art. 52).
Na Câmara dos Deputados, o requerimento de urgência pode ser solicitado por um
terço de seus membros ou líderes que representem esse número, e ou por dois terços dos
membros da comissão a que competem opinar sobre a proposição. Uma vez aprovado o
requerimento de urgência, altera-se o ritmo da tramitação da matéria, esgotando o papel da
comissão responsável pela proposição e limitando a capacidade dos parlamentares de
apresentar emendas.
As possibilidades para emendar um projeto de lei atendem alguns requisitos: uma
emenda deve ser apresentada por uma das comissões permanentes; deve ser subscrita por 20%
dos deputados, ou subscrita por líderes partidários que representem esse percentual. Não são
permitidas emendas em projeto de iniciativa reservada ao Presidente da República, exceto as
matérias que tratam de questões orçamentárias e aquelas relativas à organização dos serviços
administrativos das duas Casas Legislativas, aos Tribunais Federais e ao Ministério Público.
De acordo com Figueiredo e Limongi (1999), as limitações para apresentação de
emendas e o seu controle pelos líderes partidários são exemplos claros de empecilho às ações
dos deputados, dificultando o comportamento atomístico do parlamentar para atender os
interesses específicos do seu eleitorado; são obstáculos aos tipos de políticas pork barrel. Por
isso, esses autores entendem que a atividade em plenário minimiza a possibilidade de o ator
individual influenciar os eventos significativos do processo legislativo. Por sua vez, são os
líderes que agilizam o processo de votações das matérias e das emendas que podem ser
apresentadas, enquanto o colégio de líderes exerce a incumbência de viabilizar a votação de
projetos em prazos requeridos. Assim, os mecanismos de urgência requeridos pelos líderes
servem como catalisadores na limpeza da pauta administrativa da Câmara. Qualquer análise
da produção legislativa não pode prescindir de explorar o raio das ações dos líderes. Como
observaram Figueiredo e Limongi, as regras do processo de tomada de decisões e a ocupação
de cargos de lideranças no Congresso são mecanismos explicativos de razoável alcance para
desvendar a dinâmica dos trabalhos legislativos. Outras análises corroboram a tese de que a
posição de destaque dos líderes no Congresso é resultado da interação com o Executivo para
viabilizar a agenda legislativa (Pereira e Mueller 2003); (Santos 2005). Muito embora a
Constituição de 1988 tenha assegurado ao Presidente poderes legislativos, fortaleceu o
Legislativo, transformando-o em ator relevante para aprovação da agenda governamental.
Nesses termos, o Executivo, mesmo dispondo de poderes constitucionais, necessita do apoio
do Congresso para executar seu plano de governo. Para conseguir apoio de deputados e
senadores, o Presidente faz uso estratégico das regras do Congresso Nacional, principalmente
aquelas que determinam os postos de lideranças e suas atribuições no processo legislativo. A
interação estratégica entre o Executivo e os líderes partidários torna-se a possibilidade de
reduzir os custos de transação entre os poderes.
Outro aspecto singular do poder de agenda dos presidentes brasileiros refere-se ao
requerimento de urgência, chamada urgência urgentíssima ou inadiável. Permite incluir uma
matéria automaticamente na ordem do dia para discussão e votação imediata, mesmo que a
sessão já tenha sido iniciada. De acordo com o Art.55, do Regimento Interno da Câmara, esse
tipo de urgência diz respeito a “matérias de relevante e inadiável interesse nacional”. Esse tipo
de requerimento de urgência pode ser proposto pela maioria absoluta ou líderes que
representem esse número e também deve ser aprovado pela maioria absoluta dos deputados.
A tramitação de urgência é comumente articulada pelo colégio de líderes. Nesse sentido, o
resultado traduz o peso das bancadas partidárias, a partir da representação dos seus líderes.
Em relação à tramitação de urgência no Senado Federal, o RI determina três
modalidades: 1) para “matéria que envolva perigo para a segurança nacional ou de
providência para atender a calamidade pública” e pode ser requerida pela Mesa, pela maioria
dos membros do Senado ou líderes que representem esse número; 2) para a apreciação da
matéria na segunda sessão deliberativa ordinária subsequente à aprovação do requerimento,
requerida por dois terços da composição do Senado ou líderes que representem esse número;
3) para matéria pendente incluída na ordem do dia, via parecer, pode ser requerida por um
quarto da composição do Senado ou líderes que representem esse número (Arts. 336 e 338 do
RI do Senado Federal).
O veto presidencial é também instrumento de controle do processo legislativo, uma
vez que é o Executivo quem sanciona as leis. A recusa da sanção de um projeto aprovado pelo
Congresso deve-se a duas razões: veto por inconveniência, quando ao presidente cabe a
defesa do interesse público em detrimento de interesses particulares; e veto por
inconstitucionalidade, que indica a defesa do ordenamento jurídico ou dos preceitos
constitucionais. Não obstante, esse controle presidencial do processo legislativo é apenas
suspensivo ou superável, porque não há rejeição definitiva. O Legislativo pode reexaminar o
projeto e derrubar o veto presidencial em sessão conjunta da Câmara e Senado, por maioria
absoluta de deputados e senadores, em escrutínio secreto.
Há, no desenho constitucional vigente, duas modalidades: o veto total ou parcial. É
possível o Presidente vetar todo o projeto de lei ou ainda parte dele, ou seja, parte do texto.
Essa segunda modalidade tem sido, segundo Ferreira Filho (2002), uma particularidade do
direito brasileiro, que permite a imediata entrada em vigor da parte do projeto não vetada.
Assim, se superado o veto, alguns inconvenientes jurídicos são expostos, porque a parte
vetada, geralmente, é publicada com outro número, como se fosse uma nova lei.
Figueiredo (2001) considera o modelo institucional brasileiro centralizado, porque há
prerrogativas institucionais atribuídas ao Executivo e aos líderes partidários que definem as
estratégias lançadas no processo de formalização das leis. Segundo a autora, o que caracteriza
esse modelo é a “delegação condicional, pelo Congresso, de poder institucional ao Presidente,
não uma relação incondicional e direta entre o eleitorado e o Presidente” (p. 691).
O tipo de votação em plenário e os encaminhamentos feitos pelas mesas diretoras das
Casas Legislativas são também fortes indicadores para interpretar a dinâmica da produção
legal. Conforme o Regimento Interno da Câmara, o funcionamento do plenário pode ser
efetivado, utilizando três métodos: votação simbólica, nominal e secreta. A votação simbólica
é o método mais usual e exige a presença no plenário de metade mais um do total de
deputados da Casa. Esse método de votação funciona, quando o Presidente da Mesa ou
substituto declara aberto o regime de votação, convidando os deputados ou senadores
favoráveis ao projeto a permanecerem sentados. Por sua vez, aqueles parlamentares que
ficaram de pé são os que votaram contra o projeto, oportunidade em que o Presidente da Mesa
declara a aprovação ou rejeição do projeto. O tempo entre os encaminhamentos de voto dos
líderes e a proclamação do resultado da votação é bastante exíguo, o que o torna tal método
viável em votações rotineiras do Congresso.
As votações nominais são efetuadas em três situações: 1) quando se dá apreciação de
matérias que exigem quorum especial de votação, por exemplo, nas PECs (Propostas de
Emenda Constitucional) e PLPs (Projetos de Lei Complementar); 2) após votação simbólica
em caso de questionamento do resultado; essa verificação de votação pode ser solicitada por
seis centésimos dos membros da Casa Legislativa ou por líderes partidários que representem
esse número; 3) a votação nominal pode ser resultado também de deliberação do plenário,
quando requerida por qualquer parlamentar. Essa situação propicia um debate entre os
parlamentares que poderão expor os motivos e razões de tal requerimento. Nesse molde de
votação, a atuação dos líderes partidários, antes da apreciação de tal requerimento, é
significativa para dar as coordenadas da deliberação em busca de uma unidade partidária. As
votações nominais têm recursos considerados positivos para diversos atores políticos. Tanto
os partidos da oposição quanto o governo podem fazer bom uso desse tipo de votação.
Em relação ao uso pela oposição é uma excelente oportunidade de explorar os votos
dos parlamentares governistas em matérias impopulares. Já em relação ao uso pelo governo,
as votações nominais servem para controlar sua coalizão, certificando a unidade das forças
aliadas para dar continuidade às políticas governamentais. O tipo de votação pode indicar a
importância da matéria que tramita nas Casas Legislativas, bem como a responsabilidade de
cada legislador. Por isso, na votação nominal, ao ser revelado o voto de cada parlamentar,
torna-se mais evidente à opinião pública a posição dos congressistas frente a determinado
assunto. Em caso de pedido de verificação, a averiguação de vitória ou derrota de um
determinado projeto torna-se possível, quando há dúvida acerca do resultado, situação comum
em decorrência de qualquer frustração de expectativas. Tal incerteza pode ser interpretada
pelo possível equilíbrio nas preferências dos congressistas, tornando factível certo grau de
polêmica ou conflito entre os parlamentares, apresentando, ainda, a relevância política e do
potencial de mobilização do assunto (MOYA, 2006).
Os resultados das votações nominais vêm sendo objeto de investigação de muitos
trabalhos acerca da relação do Presidente com o Congresso. Para Figueiredo e Limongi
(1994), usando os resultados das votações nominais, é possível medir a articulação estratégica
entre os líderes e o Presidente da República no comando da agenda legislativa. Desfrutando
de enormes vantagens institucionais, os líderes mantêm suas posições, ao assegurar índices
significativos de disciplina partidária. Mesmo levando-se em conta a inexistência de
mecanismo de fidelidade partidária, nas votações nominais obedecem a uma lógica partidária
que fortalece os partidos em sua articulação de apoio ao Executivo.
No que se refere às votações secretas, os Regimentos da Câmara e do Senado
determinam em casos de julgamento sobre processos de impeachment de presidentes,
parlamentares e juízes. Esse tipo de votação ainda é utilizado para deliberar sobre a criação de
comissões de inquérito e exige um quorum de dois terços.
Parte significativa da literatura sobre produção legislativa vem discutindo os fatores
que asseguram a governabilidade em sistemas pluripartidários, considerando a viabilidade de
governos de coalizão (ABRANCHES, 1988; AMORIM NETO, 1995, SANTOS, 2003).
Como padrão dominante em sistemas pluripartidários, o governo de coalizão nos sistemas
presidencialistas pode contar com a autoridade presidencial. Nesse caso, no modelo brasileiro,
a formação da agenda legislativa vem sendo engendrada, significativamente, pelo
desempenho das atribuições constitucionais do Presidente e regimentais do colégio de líderes.
Essa combinação tem efeito significativo de coordenação entre os membros da coalizão,
tornando factível a cooperação entre os poderes. A capacidade de articulação do colégio de
líderes, as possibilidades estratégicas para uso das prerrogativas constitucionais do Presidente
e as regras internas do processo decisório, passam a ser o ponto de equilíbrio entre os partidos
e o governo. Por sua vez, esse equilíbrio torna-se cada vez mais factível, quando se amplia a
capacidade de controle do Executivo sobre a coalizão governista, ou seja, quando se torna
possível a combinação dos interesses circunstanciais do Presidente com os dos parlamentares.
O equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo depende dos incentivos que foram criados para
manutenção dos partidos na coalizão do governo, ele passa a ser indicado pela disciplina
legislativa em votações de projetos de interesse do Governo.
A participação dos partidos da coalizão no Governo pode ser referência para medir o
apoio que o Executivo recebe na arena congressual (AMORIM NETO, 2000). Qualquer
dificuldade em matéria legislativa pode ser minimizada pelas estruturas de oportunidades e
recursos estratégicos ao alcance das mãos do Presidente. Isso porque a Constituição também
concede ao Executivo a liberdade para nomear e demitir seus ministros como e quando quiser.
É comum no decorrer do mandato presidencial a troca de ministros devido às novas
articulações partidárias e mudanças em posições estratégicas no Congresso. Normalmente, os
Ministérios e os demais postos da Administração Federal são negociados com partidos que
têm força expressiva no Congresso (AMORIM NETO, 1999, 1998, 2000).
Com o poder de agenda, o Executivo detém a autoridade de comandar os trabalhos
legislativos, exigindo a cooperação do Congresso. No bicameralismo brasileiro tal comando
torna-se factível devido às formas de organização das duas Casas. Apesar da indicação de
governabilidade, os poderes de agenda e controle do processo Legislativo, como resultado da
articulação estratégica do Presidente com os líderes partidários, têm alguns custos. Na medida
em que essa articulação toma as rédeas do processo de decisão, torna-se factível tomar essa
cooperação como a fusão dos poderes. Não obstante, é necessário atentar para o seu alto
custo, porque a autonomia de que o Congresso dispõe para formular políticas públicas pode
ser restringida, bem como o seu papel fiscalizador, que é condição sine qua non para efetivar
os mecanismos de check and balances (FIGUEIREDO, 2001).
6.2 A emenda da reeleição e efeitos no processo decisório
Qual o impacto da emenda da reeleição na relação Executivo-Legislativo e, mais
precisamente, na agenda legislativa do Presidente? Essa é uma questão que será analisada
neste capítulo, cujo objetivo central verifica de que forma a Emenda da reeleição condicionou
a capacidade do Presidente de comandar agenda legislativa. Para isso, testamos até que ponto
a emenda da reeleição reduziu os efeitos lame duck, observando os resultados políticos da
arena legislativa. A questão teórica proposta assevera que as mudanças nas regras do jogo, ao
permitir a reeleição do chefe do Executivo, alteraram as estruturas de oportunidade e
alternativas estratégicas de cooperação entre os poderes no processo decisório. De acordo com
a literatura trabalhada, há justificativas racionais para defesa da regra da reelegibilidade nos
sistemas presidencialistas; a principal delas diz respeito ao potencial de forças que o
Presidente dispõe para encaminhar as políticas e reformas. Nesse sentido, considerando que
no modelo do sistema político brasileiro há fortes influências do Executivo no processo
legislativo, tornando-se uma característica marcante do desenho institucional, a elucidação
sobre a dinâmica da arena legislativa, todavia, deve ser constituída por levar em conta
processos de negociação entre os poderes. Assim, deve-se entender que os resultados políticos
dependem, principalmente, da capacidade que o Presidente tem de influenciar o processo
legislativo. Para esse dispositivo, denominamos poder presidencial, isto é, a capacidade que o
Presidente tem de reduzir conflitos e ampliar as possibilidades de cooperação na arena
congressual. Para tanto, consideramos que a possibilidade de reeleição potencializa essa
capacidade de o Presidente manter a cooperação na arena decisória, ou seja, de continuar
encaminhando o sucesso legislativo, impulsionando o desgaste para o final do segundo
mandato.
Com a probabilidade de reeleição, segundo Sartori (1997), o Presidente ampliaria sua
força, podendo dar continuidade as suas políticas, potencializando, assim, o seu capital
político. Para testar o impacto da emenda da reeleição sobre o poder presidencial proativo,
utilizamos informações sobre o processo decisório dos governos Sarney a Lula I, no
encerramento do primeiro mandato, para observar se houve alteração nas variáveis que
explicam o resultado do poder presidencial proativo com a introdução do instituto da
reeleição. Os limites da pesquisa devem-se à disponibilidade dos dados armazenados no
banco sobre informações legislativas do CEBRAP, os quais estão organizados por projeto e
correspondem a um quantitativo de 3557 projetos de iniciativa do poder Executivo.
Analisamos a relação Executivo-Legislativo, observando algumas variáveis que a literatura
aponta como importantes para os resultados do processo decisório no presidencialismo de
coalizão. A partir disso, observamos de que forma a PEC da reeleição alterou o impacto
dessas variáveis sobre o poder presidencial proativo. Para isso, consideramos à análise dos
resultados legislativos do Presidente, levando em conta a formação da rede de apoio que
sustenta o presidencialismo de coalizão. Para efeito de uma compreensão mais panorâmica
sobre o poder presidencial ao longo dos mandatos, após a Constituição de 1988, apresentamos
alguns dados descritivos organizados e distribuídos pelas coalizões de governos. Todavia, na
busca de um eixo explicativo para detectar o impacto da PEC da reeleição no poder
presidencial proativo construímos três modelos de regressão, tomando a produção legislativa
dos presidentes: o primeiro, relativo aos governos de Sarney e o segundo, de FHC I a Lula I, a
partir de dois cenários: quando o presidente é reelegível e quando não é reelegível,
observando se houve alteração no comportamento das variáveis que entraram nos modelos.
Iniciamos a análise da produção legislativa asseverando a importância do poder
presidencial no processo decisório. Não obstante, demarcamos os limites da pesquisa pela
interpretação do Poder Presidencial Proativo como a capacidade que o Presidente tem de
aprovar os projetos oriundos de sua agenda legislativa. Como já havíamos anunciado nos
capítulos anteriores, o poder de iniciativa na arena legislativa é uma das características mais
importantes dos presidentes latino-americanos. No Brasil, as pesquisas sobre estudos
legislativos vêm enfatizando o poder presidencial no processo legislativo, especialmente, por
resultar na capacidade que o Presidente dispõe de desempenhar essas funções proativas de
iniciar e levar a cabo a sua agenda
Para efeito de análise e desenvolvimento da principal questão da pesquisa, observamos
o poder presidencial dos governos FHC I e II e Lula I, tendo em vista a vigência da regra que
permitiu a reeleição presidencial. Os dados desses dois governos vão de 1995 a 2006, e
correspondem a 9 coalizões; 4, nos governos FHC I e II e 5, nos governos Lula I. A definição
das coalizões está de acordo com Figueiredo (2007), cujo argumento central pressupõe que
em sistemas presidencialistas ocorrem fenômenos parecidos com os sistemas
parlamentaristas, o Presidente, após eleito, entra em negociações com os partidos para formar
o governo. A característica singular dos sistemas presidencialistas é que o Presidente tem a
última palavra, isto é, ele tem poder discricionário de nomear os ministros de acordo com as
suas estratégias de governo. Assim, líderes partidários podem tomar parte no governo sem
apoio formal do seu partido.
Por sua vez, Figueiredo considera que estudos sobre coalizões em governos
presidencialistas devem levar em conta as razões pelas quais os membros dos partidos
decidem participar do governo e, se isso se torna positivo para o governo, uma vez que se
reveste de recompensas em termos de apoio parlamentar. Desse modo, configuramos no
quadro abaixo as coalizões dos governos FHC I e II e Lula I.
Quadro 7- Coalizões de Governo
Coalizão/ Partido do
Pres. Partidos da Data da Coalizão
Presidente Coalizão Início Fim
Cardoso I 1 PSDB PSDB-PFL-PMDB-
PTB
1/1/1995 25/4/1996
Cardoso I 2 PSDB PSDB-PFL-PMDB-
PTB-PPB
26/4/1996 31/12/1998
Cardoso II
1
PSDB PSDB-PFL- PMDB
PPB-
1/1/1999 5/3/2002
Cardoso II
2
PSDB PMDB-PSDB-PPB 6/3/2002 31/12/2002
Lula I 1 PT PT-PL-PCdoB-PSB-
PTB-PDT-PPS-PV
1/1/2003 22/1/2004
Lula I 2 PT PT-PL-PCdoB-PSB-
PTB-PPSPV-PMDB
23/1/2004 31/1/2005
Lula I 3 PT PT-PL-PCdoB-PSB-
PTB-PV-PMDB
1/2/2005 19/5/2005
Lula I 4 PT PT-PL-
PCdoB-
20/5/2005 22/7/2005
PSB-PTB-
PMDB
Lula I 5 PT PT-PL-
PCdoB-PSB-PTB-PP
PMDB
23/7/2005 31/1/2007
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap
É bem verdade, também, que um projeto pode ser apresentado por um presidente e
sancionado por outro, mas, na maioria dos casos analisados, há correspondência entre
apresentação e sanção. O quadro abaixo ajuda a visualizar essa relação entre apresentação e
sanção, pois demonstra a quantidade de projetos distribuidos pelas coalizões dos governos,
indicando em quais coalizões foram apresentados e sancionados. Observamos, assim, que a
produção Legislativa do Presidente FHC é bastante elevada nas coalizões FHC I 2 e FHC II 1,
que corresponde ao final do primeiro mandato e início do segundo, uma referência importante
para testar o impacto da mudança da regra na capacidade legislativa do presidente.
Tabela 11 - Coalizão Apresentação por Coalizão Sanção
CLZS Total
FHCI
1
FHC I
2
FHC II
1
FHC II
2
Lula I
1
Lula I
2
Lula I
3
Lula I
4
Lula I
5
Lula II
1
Lula II
2
CLZA Sarney 2 10 8 6 0 0 1 0 0 0 0 0 25
Collor 1 6 2 3 0 0 0 0 0 0 0 0 11
Collor 2 1 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 3
Collor 3 47 17 13 0 1 1 0 1 2 2 0 84
Collor 4 11 5 4 0 1 1 0 0 0 1 0 23
Itamar 1 16 12 7 0 3 0 0 0 3 0 0 41
Itamar 2 12 7 5 0 0 1 1 0 0 0 1 27
Itamar 3 73 22 13 1 1 0 0 0 1 0 2 113
FHC I 1 189 105 48 5 5 0 0 0 4 2 4 362
FHC I 2 0 390 143 11 8 2 1 1 6 9 4 575
FHC II 1 0 0 550 103 62 33 8 4 31 19 37 847
FHC II 2 0 0 0 162 56 11 2 0 9 4 6 250
Lula I 1 0 0 0 0 122 42 4 8 32 4 17 229
Lula I 2 0 0 0 0 0 214 12 10 39 5 22 302
Lula I 3 0 0 0 0 0 0 0 10 19 1 7 37
Lula I 4 0 0 0 0 0 0 0 1 34 2 8 45
Lula I 5 0 0 0 0 0 0 0 0 185 22 37 244
Lula II 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 29 30
Lula II 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 146 146
Total 365 568 794 282 259 306 28 35 365 72 320 3394
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
Destarte, para um novo entendimento de como vai se processando essa força do
Presidente, nos termos da nossa pesquisa assumimos que a emenda da reeleição dos cargos
do Poder Executivo passa a fazer parte da articulação entre a arena legislativa e a arena
eleitoral. O ponto central da análise é considerá-la como uma nova estrutura de
oportunidades que deve ampliar os incentivos para o fortalecimento do poder do Presidente
na arena legislativa. Assim, há expectativa de que a manutenção dos apoios torna-se possível
por conta dos incentivos do processo eleitoral, podendo produzir impacto positivo sobre a
produção legislativa do Presidente. Ademais, podemos considerar que a característica mais
importante no novo cenário da reeleição dos cargos do Poder Executivo deve ser agregar a
um dos principais atores do processo decisório, o Presidente, uma nova posição: a de
candidato à reeleição com chances incontestáveis de obtenção de sucesso.
Para observar o impacto que a emenda da reeleição teve no comportamento do poder
proativo do Presidente, tomamos os resultados da produção legislativa ao longo dos mandatos
dos presidentes, após a Constituição de 1988, distribuídos pelas coalizões de governo.
Construímos o gráfico abaixo para observar como foi sendo processado o poder presidencial
de aprovar os seus projetos, ao longo das diversas coalizões e dos mandatos presidenciais.
Observamos as oscilações na relação entre os projetos aprovados e os não aprovados. Os
dados do gráfico demonstram o poder presidencial organizado pelas diversas coalizões dos
governos de Sarney a Lula II até final de 2007. Identificamos que há tendência de redução do
poder presidencial proativo nas últimas coalizões dos governos, exceto no primeiro mandato
de FHC e Lula. Mais adiante, exploraremos esses dados, utilizando modelos de regressão
multivariada.
Figura 11 - Poder Presidencial Proativo por Coalizão
2019Lula5
Lula4
Lula3
Lula2
Lula1
FHC ...
FHC ...
FHC I 2
FHC I 1
Itamar 3
Itamar 2
Itamar 1
Collor 4
Collor 3
Collor 2
Collor 1
Sarney 2
NCLZS
600
500
400
300
200
100
0
Cou
nt
Projetos do Executivo,aprovados
Projetos do Executivo,não aprovados
Poder PresidencialProativo
Bar Chart
Tabela 12 - Poder Presidencial Proativo por Coalizão
Projetos do Executivo, não
aprovados
Projetos do Executivo, aprovados Total
NCLZS Sarney 2 24 231 255
Collor 1 22 58 80
Collor 2 15 85 100
Collor 3 24 186 210
Collor 4 5 38 43
Itamar 1 22 182 204
Itamar 2 19 127 146
Itamar 3 17 76 93
FHC I 1 65 229 294
FHC I 2 49 423 472
FHC II 1 131 515 646
FHC II 2 48 177 225
Lula 1 51 149 200
Lula 2 37 236 273
Lula 3 9 11 20
Lula 4 14 10 24
Lula 5 52 220 272
19 36 17 53
20 126 127 253
Total 766 3097 3863
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
No que concerne à demonstração do comportamento dos dados no gráfico e na tabela,
observamos que é bastante evidente a tendência crescente do poder presidencial no Governo
FHC até a primeira coalizão do segundo mandato. Porém, essa tendência na última coalizão
do segundo mandato se inverte, isto é, há uma redução do poder presidencial, que ficou bem
configurada na coalizão FHC II 2, momento político de enfraquecimento devido à saída do
PFL, um dos principais partidos da coalizão. Esse comportamento da produção legislativa do
Executivo condiz com os prognósticos da literatura que considera o instituto da reeleição em
sistemas presidencialistas como mecanismo eficiente para reduzir o efeito lame duck porque
só aconteceria no segundo mandato. Mesmo porque, quando o Presidente é reeleito, não há
como esvaziar um programa que se pressupõe continuar, pois haverá a sua permanência no
cargo. Por isso, um dos pontos positivos apresentados pela literatura em defesa do instituto
da reeleição é considerar a perspectiva de que o Presidente dispõe em concorrer a um segundo
mandato, com probabilidade de continuar com fortes poderes, mesmo no final do mandato,
isso se daria porque teria capital para negociar a manutenção dos apoios. Tanto no final do
primeiro mandato quanto no início do segundo, o poder presidencial proativo deve ser
elevado, pois o processo eleitoral mantém o patamar da força do Presidente, devido às
expectativas geradas pela reeleição ou como diz à literatura que estuda o presidencialismo
norte-americano em período honeymoon. Todavia, observando as tendências do
encaminhamento do poder presidencial proativo nos governos FHC e Lula, podemos dizer
que essa é uma verdade que se aplica ao andamento das coalizões dos Governos Cardoso. Na
última coalizão do segundo mandato, o poder presidencial proativo vai se esvaindo e a agenda
de continuidade vai ficando sob a inércia da produção legislativa. Uma constatação que foi
colocando por terra as justificativas de continuidade da agenda reformista do governo que
asseguraram a mudança da regra. Essa foi uma lógica que ocorreu no segundo governo na
coalizão FHC II 2.
Dessa forma, a alternativa usada na presente pesquisa para interpretar esses resultados
do sucesso presidencial nos governos FHC I e II deve-se à elevação da emenda da reeleição à
condição de importância na redefinição da estrutura de oportunidades para manutenção do
poder presidencial no processo decisório. Como resultado, pode-se considerar a alta produção
legislativa no final do primeiro mandato e início do segundo, sendo essa uma evidência do
fortalecimento do Presidente. Assim, consideramos haver indicação para se crer na redução
do efeito lame duck, já que o enfraquecimento do Presidente não acontece no primeiro
mandato. Por isso, há indícios de que o instituto da reeleição vai indicando direção positiva
para robustecer o encaminhamento da agenda presidencial. Mais adiante, iremos testar com
modelos multivariados.
Ao observarmos o comportamento dos dados no gráfico, numa simples visualização,
percebemos que o poder presidencial proativo nos governos em que ainda não vigorava o
instituto da reeleição apresenta tendência decrescente nas coalizões de final do mandato.
Como os dados de que dispomos fazem referência à produção legislativa, após a Constituição
de 1988, não pudemos observar a tendência do sucesso presidencial no Governo Sarney, mas
há evidência de queda nas últimas coalizões dos governos Collor e Itamar. Salientamos,
também, o caso atípico do Governo Collor que resultou em oscilações no poder presidencial
proativo, devido a problemas nas coalizões que afetou a relação Executivo-Legislativo
(AMORIM NETO, 2006).
Por isso, consideramos que uma interpretação útil em defesa do instituto da reeleição
presidencial pode ser assegurar o argumento de que se nenhum governo consegue manter o
poder presidencial proativo em alta ao longo do tempo, num cenário com reeleição, os
governos podem, pelo menos, retardar o seu desgaste empurrando para um segundo mandato.
A expectativa da reeleição do Presidente manteria a coalizão engajada pela perspectiva de
continuidade no governo, no entanto, só mais adiante poderemos viabilizar esse argumento.
Não obstante, ao observarmos o comportamento dos dados sobre os governos Lula,
constatamos que há tendência de aumento do poder presidencial proativo nos primeiros anos
do primeiro mandato, mas esse efeito é minimizado com a crise na coalizão em 2005, ou seja,
nesse ano há uma redução da produção legislativa do Executivo; porém, com probabilidade de
um segundo mandato, há tendência crescente no último ano do primeiro mandato em 2006.
Outra diferença no comportamento das coalizões dos Governos Lula, em relação ao
comportamento das coalizões dos governos FHC, é apresentada pelo baixo desempenho da
primeira coalizão do segundo mandato em 2007. Diferentemente de FHC, que na coalizão
FHC II 1, atinge o ponto mais alto do gráfico, Lula na coalizão Lula II 1 tem queda expressiva
do poder proativo, chegando a uma redução de aprovação de projetos, pois a não aprovação
supera a aprovação. Não obstante, na coalizão seguinte, Lula II 2, consegue recuperar a
tendência crescente de aprovação, mas também há tendência crescente de projetos não
aprovados. Nesse sentido, analisando as duas experiências de reeleição presidencial na
democracia brasileira, podemos dizer que a perspectiva da reeleição fortaleceu o Presidente
FHC, que manteve em alta a sua produção legislativa no final do primeiro mandato e início do
segundo como preconiza a literatura que apresenta os feitos positivos da reeleição
presidencial. Contudo, essa é uma conclusão que ainda não podemos generalizar, em
decorrência do quadro recente das experiências de reeleições presidenciais na democracia do
Brasil. No caso do Governo Lula, ainda não se pode tirar conclusões, porque não dispomos do
cenário do final do segundo mandato. Embora isso seja um limite metodológico,
consideramos viável o esforço de captar o processo de mudança da regra e seu efeito
imediato.
Não obstante, olhando simplesmente os resultados do poder presidencial proativo nas
últimas coalizões do primeiro mandato dos presidentes FHC e Lula é possível encontrar
sentido no argumento que preconiza a reeleição presidencial como mecanismo viável de
manutenção do poder presidencial na arena legislativa até o final do primeiro mandato, pois
seu enfraquecimento só se daria no segundo mandato, conforme acredita parte da literatura.
Porém, ainda podemos dizer que esse efeito para o caso brasileiro deve ser relativizado,
porque isso é uma verdade que pudemos constatar somente nos Governos FHC.
Por conseguinte, sugerimos que o desgaste do poder presidencial no segundo mandato
de FHC foi sendo um indicativo para alternância de poder, uma vez que, a situação não teve
mais como manter a força da coalizão. Então, alguns entendimentos podem ser possíveis para
avaliar a introdução do instituto da reeleição presidencial na democracia brasileira, pois
consideramos salutar atentar para essas alterações ocorridas no poder presidencial proativo, ao
longo do tempo e da formação das coalizões. Sem dúvida, observando o comportamento das
coalizões nos Governos FHC e comparando aos Governos anteriores, o dado novo é a
tendência crescente do poder presidencial proativo no final do mandato, culminando com a
introdução do instituto da reeleição que mantém a produção legislativa do Presidente,
empurrando o efeito lame duck para o segundo mandato.
Todavia, observando os dados dos Governos Lula, há um fenômeno diferente em relação aos
Governos FHC I e II devido, à crise do mensalão em 200533
. O poder presidencial proativo
cai em meados do primeiro mandato, mas volta a subir no final do mesmo mandato, porém
apresenta tendência decrescente na primeira coalizão do segundo mandato. Não obstante,
podemos dizer, mesmo assim, que houve redução do efeito lame duck, observando o
comportamento da última coalizão do primeiro mandato do Governo Lula, há recuperação de
crescimento da produção legislativa do Executivo. Esse fenômeno de queda da produção
legislativa em meados do primeiro mandato pode ser explicado tomando outras variáveis, pois
os problemas conjunturais, advindos da falta de consistência da coalizão, resultaram numa
letargia no Congresso Nacional que empacou a produção legislativa.
Para explicar a razão da crise no Governo Lula, Amorim Neto (2005) alegou os
problemas ocorridos na formação do Governo devido a determinadas escolhas que o
Presidente fez no que concerne à sua base política. Sendo, então, uma característica do
sistema presidencialista brasileiro permitir ao presidente fazer a escolha de construir ou não
uma maioria interpartidária por meio de nomeações para o primeiro e segundo escalões do
Executivo e da negociação da agenda do Governo com seus aliados. Nesse sentido, a
escolha presidencial de compor uma coalizão com pequenos partidos de esquerda, destinando
pastas ministeriais tornou-se problemática, porque esses partidos não representavam maioria
no Congresso. Pelo contrário, os esforços dos operadores do Governo davam-se na tentativa
de promover outras estratégias para composição majoritária com outros partidos como PL e
PTB, os quais tiveram suas bancadas ampliadas devido ao intenso fluxo migratório. Amorim
Neto concluiu que:
Em 2003, o Governo Lula, apesar do enorme
número de partidos no Ministério, 8, não contavam com
maioria absoluta no Congresso. Na Câmara, comandava
somente 49% dos deputados. A maioria relativa que tinha
se deveu ao inchaço do PTB e do PL gerado pelo troca-
troca (AMORIM NETO, 2005 p. 02).
33
Mensalidades pagas a parlamentares aliados do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Contudo, a tendência de crescimento do sucesso presidencial, no início do segundo
mandato do Governo Lula, deveu-se aos encaminhamentos das reformas que tiveram
resultados positivos por conta da participação da oposição nas votações da reforma tributária e
da previdência, o que contou com apoio de partidos como PFL e PSDB. Entretanto, nenhum
governo pode se sustentar por muito tempo contando com ajuda da oposição; nesse sentido, o
Presidente percebeu que a alternativa era compor sua base com o PMDB. No entanto,
problemas ainda teriam que ser sanados; segundo Amorim Neto (2005), o Presidente Lula não
conseguiu dividir proporcionalmente o poder do Governo de acordo com a força do partido no
Congresso. Mesmo tendo um ministério amplo, no que se refere à configuração partidária, a
distribuição das pastas ministeriais resultou no desequilíbrio em termos da proporcionalidade
do peso legislativo dos partidos. O Presidente não conseguiu distribuir adequadamente os
ministérios para obtenção de apoio no legislativo, isto é, o PT que detinha 25% da base
parlamentar ocupou 60% dos ministérios.
Para entender com mais propriedade tal tendência de aumento e redução do poder
presidencial nos Governos FHC, podemos considerar outras questões dos porquês a agenda
das reformas teve tendência crescente no início do primeiro mandato e foi arrefecida no
segundo. As iniciativas legislativas do Executivo foram impulsionadas, sobretudo, pela
agenda da política monetária que se deu com a implantação do Plano Real e tomou parte
significativa da produção legislativa. Os dados abaixo representam o panorama do processo
legislativo nos governos FHC I e II:
Figura 12 - Panorama da Produção Legislativa do Executivo - 1995 a 2002
Medidas Provisórias*; ** Propostas de Emenda Constitucional apresentadas pelo Executivo e sancionadas;
*****Projetos de Lei Orçamentária apresentados pelo Executivo e sancionados; ******* Projetos de Lei do
Executivo sancionados; ********Projetos de Lei apresentados pelo Executivo com tramitação em regime de
urgência e sancionados. Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002
MPs*
PEC(AES)**
PLN (AES)*****
PLs(AES)*******
PLs(AEUS)********
Conforme já haviam demonstrado Figueiredo e Limongi (1999), a produção dos atos
legislativos do Executivo em relação à dos demais poderes é significativa. Assim sendo, para
entender o que significou a renovação do mandato do Presidente, em termos do poder
proativo da arena legislativa, decidimos explorar com mais nuanças as alterações ocorridas ao
longo dos anos. Os dados mostram que durante os anos eleitorais a produção de MPs
aumenta e, especialmente, no último ano do segundo mandato, quando o presidente é lame
duck, há aumento significativo. Em 1998, quando o Presidente concorria à reeleição o
número de MPs, tinha passado de 34, do ano anterior, para 55 e deu um salto para 82, em
2002, no final do segundo mandato. Fazendo uma simples comparação entre as médias de
edição de MPs, em três panoramas, chegamos a constatar algumas diferenças:
Quadro 8 - Medidas Provisórias nos Governos FHC I e II
Mandato
Presidencial
Edição de MPs
(Média)
Desvio Padrão
FHC I e FHC II 45,62 18,62
FHC I 39,75 11,29
FHC II 51,20 24,28
Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
A leitura desses dados permite considerar que a média de edição de MPs é maior no
segundo mandato, bem como o desvio padrão, o que permite constatar a sua concentração no
último ano de governo. Isso leva a crer que a mudança no desempenho do poder presidencial
proativo vai sendo constituída, principalmente, no final do segundo mandato presidencial,
quando as MPs ganham primazia para suprir qualquer problema de letargia no Poder
Legislativo. Isso pode ser dito do efeito lame duck, as MPs davam tranquilidade ao Governo
de continuar legislando ou, ainda, fruto de uma maior acomodação dos parlamentares de
delegar mais poderes ao executivo, deixando rolar os mecanismos para minimizar os custos e
maximizar os seus ganhos.
No que concerne ao comportamento dos demais atos legislativos é importante
observar que o maior número de PECs ocorreu no primeiro ano do primeiro mandato, sendo
resultado dos encaminhamentos da agenda das reformas constitucionais. No entanto, sofre
uma redução nos demais anos, principalmente no segundo mandato do Presidente FHC. A
agenda governamental, que seria viabilizada através das PECs, sofreu inércia no segundo
mandato. Ficou praticamente estacionada no segundo mandato, especialmente, no último ano
em que a coalizão de governo vai perdendo força.
Ademais, uma das questões centrais da justificativa para viabilizar a emenda da
reeleição foi a necessidade de continuidade da agenda, porém conforme observação dos dados
a produção legislativa do Presidente tem uma queda considerável, não podendo continuar com
as reformas no segundo mandato. Nesse sentido, há razão, então, nos prognósticos de parte
da literatura que apresenta argumentos contrários à reeleição presidencial, quando diz que não
há garantias de que num segundo mandato haja continuidade das políticas. O que aconteceu
no segundo mandato do governo FHC foi uma acomodação das propostas encaminhas. A
reforma tributária não decolou, a não ser um pequeno avanço que significou a aprovação da
Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000. Da mesma forma aconteceu com a reforma da
Previdência que ficou no meio do caminho34
.
Por outro lado, observando essa tendência crescente do sucesso presidencial do
primeiro mandato de FHC, podemos dizer que a emenda da reeleição surgiu nesse contexto,
sendo, então, resultado da força da base aliada para se comprometer com a continuidade do
poder. Nesse caso, a força do Governo é que permitiu a discussão e justificação para que a
mudança da regra fosse levada adiante. Conforme vimos no capítulo anterior, a participação
do parlamentar na base do Governo foi crucial para condicionar o seu voto a favor da PEC
nº1/1995.
Em análise do comportamento dos dados relativos aos PLNs, há número elevado no
primeiro ano do primeiro mandato presidencial com tendência decrescente até o final desse
mesmo mandato. As medidas de restrições orçamentárias que coadunaram com o
encaminhamento do plano de estabilização da moeda podem ajudar a explicar essa tendência.
Da mesma forma, a crise econômica que se seguiu no segundo mandato manteve a produção
das leis orçamentárias do Executivo.
34
Para compreensão do jogo político em que se desenvolveram as reformas, ver Melo (2002).
Figura 13 - Panorama da Produção Legislativa do Executivo - 2003 a 2007
Medidas Provisórias*; ** Propostas de Emenda Constitucional apresentadas pelo Executivo e
sancionadas; *****Projetos de Lei Orçamentária apresentados pelo Executivo e sancionados; *******
Projetos de Lei do Executivo sancionados; ******** Projetos de Lei apresentados pelo Executivo com
tramitação em regime de urgência e sancionados. Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
Em relação aos atos legislativos do Presidente Lula, os dados do gráfico demonstram
elevada produção de MPs. Não obstante, em 2005, ano da crise política, há uma queda
expressiva, mas voltando a crescer em 2006 o ano eleitoral, a produção de MPs vai mantendo
tendência crescente até o fim do primeiro ano do segundo mandato em 200735
. Já as PECs têm
movimento curioso: em 2004, no segundo ano do primeiro mandato, têm queda e no ano da
crise têm taxa de aprovação nula, apesar disso, volta a tendência crescente em 2006, último
ano do primeiro mandato. Destarte, no primeiro ano do segundo mandato, mesmo com
tendência decrescente na primeira coalizão do segundo mandato, o Governo Lula recupera sua
produção legislativa, adotando nova estratégia para comandar a coalizão, como a ampliação
da participação dos partidos aliados nos cargos do Governo. O Presidente consegue
encaminhar sua produção legislativa obtendo tendência crescente em todos os atos. Há
continuidade no encaminhamento das MPs, e, principalmente, das PECs, que é retomado
depois de período de inércia. Quanto aos demais atos legislativos, há aumento significativo
de aprovação de projetos de lei que atingem o patamar mais elevado da produção do ano de
2007.
35
De acordo com o quadro das coalizões de governo demonstrado acima, observamos que no ano de 2005 o
Presidente Lula formou três coalizões denominadas como Lula 3, Lula 4 e Lula 5. Então, a produção legislativa
de 2005 contou com essas três coalizões. Já os de 2006 e 2007 corresponderam à última coalizão Lula 5.
0
20
40
60
80
100
120
140
2003 2004 2005 2006 2007
MPs*
PEC(AES)***
PLN (AES)*****
PLs(AES)*******
PLs(AEUS)********
Teste das hipóteses
Para avançar a análise sobre o efeito da mudança da regra a respeito do
encaminhamento do poder presidencial proativo, construimos três modelos de regressão
logística binomial considerando a razão da variável dependente, categórica dummy que varia
entre 0 e 1. Por sua vez, para responder ao problema da nossa pesquisa, propomos apresentar
alguns mecanismos explicativos que ajudam detectar os efeitos da emenda da reeleição na
arena legislativa. Para isso, construímos os modelos logísticos que indicam o quanto
determinadas variáveis indepentendes (X) explicam a variável dependente (Y) Agenda
Presidencial (poder proativo). Construímos as variáveis de acordo com a última ação do
processo legislativo e com base no que preconiza a literatura sobre o funcionamento do
sistema político brasileiro, sobre as relações entre os poderes Executivo e o Legislativo. Daí,
inserimos a mudança da regra, ou seja, a aprovação da emenda da reeleição para verificar seus
efeitos na performance do presidencialismo de coalizão.
Testamos diversas variáveis, mas consideramos apenas algumas que melhoram a
capacidade explicativa dos modelos. Buscamos explicar a condução da agenda presidencial
através do poder proativo, considerando o cenário da reeleição e de um segundo mandato
presidencial. Conforme vêm discutindo as análises sobre o sistema político brasileiro, a
capacidade proativa do Presidente é uma característica expressiva do desenho constitucional,
mas não se pode perder de vista que esta prerrogativa que o Presidente dispõe, precisa ser
articulada com as estratégias dos parlamentares. Nesse sentido, a formação das coalizões dos
governos permite a compreensão dessa articulação, ou seja, a iniciativa legislativa e a sanção
presidencial é mediada pela aprovação do Congresso. Nesse sentido, consideramos algumas
variáveis que a literatura aponta como condicionadores do sucesso do Presidente na arena
legislativa e buscamos verificar de que forma a reeleição alterou o impacto que essas
variáveis tiveram no poder presidencial proativo.
Desse modo, essa etapa da pesquisa testou as seguintes hipóteses:
H1: A emenda da reeleição facilitou a viabilização da agenda governamental no
primeiro mandato, porque o Presidente passou a melhor utilizar a estrutura de
oportunidades para incentivar os parlamentares a cooperarem.
H2: A reeleição reduz o efeito LAME DUCK, pois o tempo do mandato é uma
variável que interfere nos resultados políticos do Presidente somente no segundo
mandato.
6.3 Construção e Descrição das variáveis dos modelos
Para efeito da construção dos modelos para testar as hipóteses da pesquisa, utilizamos
os dados de duas formas:
1) consideramos todos os projetos oriundos do Poder Executivo, após a Constituição de 1988,
nas coalizões dos presidentes Sarney 2 a Itamar 4, denominamos Modelo 1 (Sarney a Itamar);
para observar quais variáveis podem explicar o Poder Presidencial Proativo – PPP nossa
variável dependente (Y), e para averiguar o impacto que as variáveis explicativas tiveram, isto
é, de que forma podem ser estabelecidam as relações de causalidade.
Embora exista um campo já consolidado de estudos da relação Executivo-Legislativo
que aponte os fatores institucionais endógenos como determinantes da prepoderância do poder
presidencial na arena legislativa, alegamos a importância de levantar a discussão sobre a
articulação entre arena eleitoral e arena legislativa, testando os efeitos da introdução do
instituto da reeleição nos resultados do poder presidencial proativo. Para tanto, os modelos
estatísticos permitem elaborar mecanismos explicativos, reunindo algumas variáveis que uma
parte da literatura aponta como importantes para engrenagem do presidencialismo de
coalizão. Nesse sentido, para averiguar o exercício do poder proativo no espaço de negociação
de apoios para execução da agenda do governo.
Com o intuito de construir um modelo com maior poder explicativo, reunimos algumas
variáveis que a literatura aponta como importantes, porque permitem explicar o
funcionamento do presidencialismo de coalizão e a participação do Presidente no processo
decisório. Nesse sentido, para averiguar a capacidade que o Presidente dispôs de aprovar seus
projetos na arena legislativa, definimos a variável dependente Poder Presidencial Proativo
uma dummy, que corresponde aos seguintes valores: Não = 0; Sim = 1. Isso quer dizer o
seguinte: projetos apresentados pelo Executivo e não aprovados = 0; projetos apresentados
pelo Executivo e aprovados = 1.
Em seguida, construímos outros dois modelos para testar como a emenda da reeleição
impactou nas relações entre as variáveis explicativas (X) e a variável dependente (Y).
Organizamos os dados dividindo em dois grupos, utilizando a variável categórica reelegível,
que representa os seguintes valores: Não = 0; Sim = 1, os dados foram organizados usando o
comando split file do SPSS, assim denominamos o primeiro grupo como Modelo Não-
reelegível e o segundo grupo como Modelo reelegível.
Para testar as hipóteses, os três modelos de regressão logística: modelo 1 ; modelo 2 e
modelo 3; buscamos medir o impacto que as variáveis independentes (X1, X2...Xn) causam a
variável (Y) – Poder Presidencial Proativo.
Para explicar Y, utilizamos as seguintes variáveis X:
Taxa de coalescência – medimos a estabilidade da coalizão, através da
partilha de poder do Governo entre os partidos aliados e sua influência na força
do Presidente no Congresso. Para isso, construímos essa variável com base em
Amorim Neto (2006), utilizando a fórmula do índice:
Taxa de Coalescência do Gabinete:
COAL= – (|Ci–Mi|), onde: Mi é a percentagem de ministérios
que o partido i recebe quando é formado gabinete; Ci é a percentagem de cadeiras
legislativas que o partido i detém no total de assentos comandados pelos partidos que
integram o gabinete, quando este é formado. Para calcular a COAL seguimos
Amorim Neto, assim obedecemos aos seguintes critérios:
somem-se os valores “| Mi–Ci| de todos os partidos
que participaram do gabinete – quer esses partidos detenham
ou não cadeiras legislativas – e de todos os ministros – quer
sejam membros do partido ou não – e, em seguida, divide-se o
total por dois. Subtraindo-se o resultado de 1 obtém-se a taxa
de coalescência. O índice varia entre 0 (nenhuma congruência
entre quotas de participação ministerial e cadeiras legislativas)
e 1, que define um limite superior de perfeita correspondência
entre a participação no gabinete e o peso legislativo (p. 54).
Destarte, calculamos a taxa de coalescência para as coalizões dos Governos FHC I e
II e Lula I, com base nas informações contidas no Banco de Dados Legislativos, Cebrap,
usando a variável CLZS que corresponde à coalizão em que o projeto foi votado. Conforme
já anunciamos, a definição da coalizão obedece à lógica de Figueiredo (2007).
Tabela 13 - Poder Presidencial Proativo por Coalescência - Sarney a Itamar
Presidente Coalizão Coalescência
Projetos não
aprovados
Projetos
aprovados Total
Sarney Sarney 2 0,74 24 231 255
Collor Collor 1 0,33 22 58 80
Collor 2 0,33 15 85 100
Collor 3 0,33 24 186 210
Collor 4 0,46 5 38 43
Itamar Itamar 1 0,67 22 182 204
Itamar 2 0,28 19 127 146
Itamar 3 0,28 17 76 93
Total 148 983 1131 Fonte: Elaboração própria com base no Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
Tabela 14 - Poder Presidencial Proativo por Coalescência
Presidente Coalizão Coalescência
Projetos não
aprovados
Projetos
aprovados Total
FHC FHC I 1 0,55 65 229 294
FHC I 2 0,60 49 423 472
FHC II FHC II 1 0,61 131 515 646
FHC II 2 0,34 48 177 225
Lula Lula I 1 0,59 51 149 200
Lula I 2 0,49 37 236 273
Lula I 3 0,52 9 11 20
Lula I 4 0,50 14 10 24
Lula I 5 0,57 52 220 272
Total 456 1970 2426 Fonte: Elaboração própria com base no Banco de Dados Legislativos, Cebrap.
Tempo do mandato presidencial – medimos o impacto do tempo do mandato
presidencial na variável dependente (Y) PPP; com essa variável, podemos
averiguar e testar se a introdução da emenda da reeleição no sistema político
brasileiro surtiu efeito no poder presidencial proativo e como a condição lame
duck do Presidente passou a ser configurada. Conforme assevera a literatura,
em governos reelegíveis a condição lame duck é postergada, porque o
Presidente continua forte por conta das expectativas geradas no processo
eleitoral para o segundo mandato. Trata-se de uma variável numérica que
indica o ano em que o projeto foi votado. O comportamento dessa variável
deve indicar como o poder presidencial proativo oscilou no tempo, para isso,
testamos nos Governos FHC I, II e Lula I, podendo detectar o efeito que a
emenda da reeleição teve no poder explicativo dessa variável independente
TempoAno sobre a variável dependente - Poder Presidencial Proativo.
Número Efetivo de Partidos – essa variável indica grau de dispersão dos
partidos em que N são valores, ou seja, são construtos matemáticos que
indicam o grau de dispersão partidária no Congresso. Com essa variável,
podemos comparar maiores valores com menores, considerando
respectivamente maior e menor dispersão36
. Incluímos a variável no modelo
para testar de que forma o grau de dispersão partidária impacta no poder
presidencial proativo, isto é, de que forma pode gerar maior ou menor
cooperação na relação Executivo-Legislativo. Os dados foram obtidos no
Banco de dados do LEEX- Laboratório de Estudos Eleitorais – IUPERJ.
Avaliação de governo – essa variável indica o grau de aceitação do governo
pela opinião pública que avalia o seu desempenho. Tomamos os dados do
Instituto DataFolha sobre a avaliação dos governos dos presidentes, após a
Constituição de 1988, e calculamos o saldo computado pela subtração da taxa
de aceitação e de rejeição. Justificamos a inclusão da variável no modelo para
testar de que forma a opinião pública sobre o desempenho do Presidente pode
impactar no encaminhamento para cooperação dos atores na arena legislativa.
Por sua vez, avaliação do desempenho do Governo vai possibilitar o voto
retrospectivo, seja como recompensa ou punição. Por outro lado, essa questão
parece ser uma via de mão dupla, pois os feitos do Governo só são viáveis se o
Presidente conseguir encaminhar sua agenda.
Consideramos que essas variáveis incluídas no modelo geraram algumas expectativas,
conforme os fundamentos das discussões teóricas apresentadas nos capítulos anteriores.
36
N= 1/∑pe², onde pe = percentual de cadeiras ocupadas por cada partido. In: Laakso, Markko e Teegapera, Rein. “Effective
Number of Parties: A Measure with Applications to West Europe”, Comparative Political Studies, 12, n.1 (abril, 1979);
Quadro 9 - Expectativas do comportamento das variáveis (X) sobre a variável (Y) - Poder Presidencial Proativo
Variáveis X Impacto em Y
Tempo de Mandato Negativo
Coalescência Positivo
Número Efetivo de Partidos (N) Negativo
Avaliação de governo Positivo
Tabela 15 - Modelo 1 - Poder Presidencial Proativo (Presidentes irreelegíveis Sarney a Itamar)
Variáveis independentes Coef.
Erro padrão
P-valor
Constante
0.579
0.537
0.281
COAL 1.969
0.604
0.001***
TempoAno
0.178
0.075
0.019**
NEP
0.235
0.038
0.002***
Avaliação de governo -0.579
0.537
0.281
Log likelihood -419.53883
Nºobservações 1131
R² 0,0440
Significância estatística:***1%, **5%.
Tabela 16 - Modelo 2 - Poder Presidencial Proativo (Reelegível após a Emenda)
Variáveis independentes Coef.
Erro padrão
P-valor
Constante -16.181
2.450
0.000***
COAL 6.666 2.107 0.002***
TempoAno 0.084 0.101 0.405
NEP 1.628 0.184
0.000***
Avaliação de governo 0.008
0.009
0.362
Log likelihood -458.94624
Nºobservações 1087
R² 0,0181
Significância estatística:***1%, **5%.
Tabela 17 - Modelo 3 - Poder Presidencial Proativo (Irreelegíveis após a Emenda)
Variáveis independentes Coef.
Erro padrão
P-valor
Constante 5.887 1.153 0.000***
COAL -0.405 0.890
0.649
TempoAno 0.306 0.094
0.001***
NEP -0.706 0.164
0.000***
Avaliação de governo
0.007 0.003
0.036**
Log likelihood -652.69359
Nºobservações 1339
R² 0,0944
Significância estatística:***1%, **5%.
Os modelos foram construídos para testar as hipóteses sobre os efeitos da emenda da
reeleição sobre a performance do poder presidencial proativo. Conforme já apresentamos,
verificamos de que forma os pressupostos teóricos sobre os efeitos do instituto da reeleição
em sistemas presidencialistas podem resistir aos testes empíricos tomando o caso brasileiro.
No primeiro modelo, tratamos da produção legislativa da presidência de Sarney a Itamar e
detectamos no comportamento de algumas variáveis, impactos nos resultados da agenda
legislativa do Presidente.
Entre as variáveis incluídas no modelo todas, apresentaram significância estatística
resultando impacto na variável dependente. A equação demonstra o impacto positivo das
variáveis independentes sobre a variável dependente, poder presidencial proativo, exceto a
variável avaliação do governo que apresentou impacto negativo. Isso quer dizer que, mesmo
com saldo negativo de avaliação, o Presidente conseguiu manter resultados positivos na
condução de sua agenda. Esses resultados podem corroborar os argumentos de que, em
determinadas situações, o encaminhamento da agenda legislativa pode ficar blindado em
relação a fatores exógenos, como aqueles advindos da opinião pública. Por sua vez, o
comportamento das demais variáveis, no tipo original do presidencialismo que estabelecia o
veto à reeleição presidencial, ajuda a explicar a condução do poder presidencial proativo, isto
é, quanto maior a taxa de coalescência dos gabinetes ministeriais, maior a probabilidade de
encaminhamento da agenda.
Com relação ao comportamento da variável TempoAno, podemos verificar os efeitos
do enfraquecimento do poder proativo do Presidente no fim do mandato. O resultado dessa
variável na equação indica que quanto mais tempo falta para o término do mandato, maior a
probabilidade de resultados positivos na condução da agenda presidencial; e a situação
inversa também é verdadeira, quanto menos tempo restava o mandato menor era a
probabilidade de encaminhamento da agenda. Nesse sentido, coaduna com os pressupostos da
literatura, ao afirmar que, em governos não reelegíveis, há o inexorável enfraquecimento do
Presidente, pois logo sofre o efeito lame duck.
Por sua vez, a variável NEP entra no modelo com poder explicativo, permitindo a
interpretação de que a dispersão partidária nos governos reelegíveis tem impacto positivo
sobre o poder presidencial proativo, ou seja, nos governos analisados impacta positivamente,
o que pode dito que a maior dispersão partidária implicou a probabilidade de condução da
agenda presidencial. Nesse sentido, tomando simplesmente essa indicação do efetivo número
de partidos, incluímos a variável para detectar que resultado teria na condução do poder
presidencial proativo ter maior ou menor dispersão partidária. Assim, pode-se dizer que a
dispersão partidária não resultou em entraves na arena legislativa que pudesse inviabilizar a
agenda do Presidente. A dispersão partidária na arena legislativa não surtiu o efeito de
multiplicação de veto players a ponto de inviabilizar o poder presidencial proativo, como
preconiza parte da literatura. A construção desse modelo justifica-se pela necessidade de
verificar o peso que essas variáveis independentes exerceram sobre o poder presidencial
proativo no tipo original de presidencialismo que estabelecia veto a reeleição presidencial.
Por outro lado, construímos os outros dois modelos para comparar as oscilações no
comportamento dessas mesmas variáveis explicativas, considerando a mudança no desenho
institucional com a introdução do instituto da reeleição, podendo, assim, captar os seus
possíveis efeitos. Observando os dois modelos: reelegível e ireelegível constatamos que
houve alteração no comportamento de algumas variáveis, ou melhor, quando os presidentes
são reelegíveis o comportamento de algumas variáveis reduz o impacto sobre o
encaminhamento do poder presidencial proativo. No mandato reelegível, a variável COAL
tem significância e impacto positivos sobre o poder presidencial proativo, a rede de apoio ao
Presidente passa pela partilha de poder com os partidos. Já no modelo não reelegível, essa
variável não apresenta significância.
Em relação à variável TempoAno no modelo reelegível não apresenta significância,
ou seja, o tempo de mandato não tem impacto no poder presidencial proativo. Isso permite
dizer que essa variável não importa para medir a força do poder presidencial proativo, quando
o Presidente é reelegível. Logo, essa variável não tem valor significativo e, por isso, não entra
com potencial explicativo no modelo. Contudo, quando o Presidente passa para um segundo
mandato e torna-se irreelegível, o tempo passa a apresentar impacto positivo na variável
dependente. Então, dizemos que no segundo mandato o poder presidencial vai sendo
condicionado pelo tempo. A interpretação que fazemos ao comparar o modelo reelegível e
não reelegível, é que o Presidente vai perdendo a força na arena legislativa somente no fim do
mandato não reelegível. Por isso, a significância estatística dessa variável tem algo a dizer
sobre o efeito da emenda da reeleição, pois os resultados da equação corroboram os
pressupostos da literatura que apontam a reeleição presidencial como uma alternativa para
retardar o efeito lame duck. Nesse sentido, podemos dizer que a nossa hipótese de pesquisa
torna-se factível, pois os modelos mostram em termos probabilísticos a influência de variáveis
como o tempo do mandato sobre o poder presidencial proativo quando os Presidentes não
podem ser reeleitos. Assim sendo, podemos dizer que a emenda da reeleição contribuiu para
minimizar o desgaste do poder do Presidente no primeiro mandato, porque o tempo não tem
significância como variável explicativa para o encaminhamento do poder presidencial
proativo no primeiro mandato. Esse resultado implica na possibilidade de empurrar o efeito
lame duck para o segundo mandato. Nesse sentido, entendemos que a emenda da reeleição
alterou o impacto que a variável TempoAno tinha sobre o poder presidencial proativo. Nesses
termos, consideramos que na medida em que o Presidente FHC foi gastando seu capital
político no segundo mandato, o encaminhamento do seu poder proativo foi sofrendo impacto
do tempo. Nesse caso, o resultado patente se deu pelo enfraquecimento do encaminhamento
das reformas que ficou no meio do caminho no segundo mandato. Então, as justificativas de
continuidade para obtenção de resultados políticos que legitimaram a mudança das regras
foram esmaecendo-se.
Por outro lado, os resultados da equação indicaram que, quanto mais tempo para o
término do mandato mais positivo vai sendo o encaminhamento do poder presidencial
proativo. Da mesma forma que, quanto menos tempo para o término do mandato dos
presidentes não reelegíveis, maior seria a probabilidade de sofrer o efeito lame duck, ou seja,
o enfraquecimento do poder presidencial proativo. Assim, os modelos ajudam a aceitar a
nossa hipótese de pesquisa. Ademais, dão sentido às afirmativas teóricas que apontam a
tendência de precipitação de enfraquecimento do Presidente, quando o desenho constitucional
impõe veto à reeleição. Desse modo, tornou-se plausível a defesa da reeleição presidencial
como modelo de engenharia institucional que permite reduzir os efeitos negativos do
presidencialismo. Nesse caso, torna-se possível considerar que a probabilidade da reeleição
gera estruturas de oportunidades e incentivos para os parlamentares cooperarem com o
Presidente, em vista das expectativas criadas pela arena eleitoral e continuidade do poder. Por
isso, o tempo não é uma variável que interfere no poder proativo do Presidente reelegível. Por
outro lado, ao observarmos o ritmo dos encaminhamentos das reformas no segundo mandato
podemos dizer que a continuidade do poder não significou a continuidade da agenda
reformista. Nesse caso, os pontos positivos que sustentavam a necessidade da reeleição do
Presidente terminaram sendo colocado em xeque.
Entretanto, torna-se possível considerar que a Emenda da reeleição teve o efeito de
neutralizar o impacto do tempo do mandato sobre o encaminhamento do poder presidencial,
sendo aspecto importante para dar mais estabilidade ao presidencialismo, uma vez que se
torna possível reduzir conflitos na arena legislativa. Por sua vez, o que ficou detectado foi a
manutenção da força do Presidente quando se configura a perspectiva de um segundo
mandato. Evidentemente, interpretamos esses resultados à luz das questões teóricas
apresentadas na parte inicial deste trabalho, as quais asseveram os efeitos da introdução do
Instituto da reeleição.
Além do mais, ao compararmos os modelos Reelegíveis e Irreelegíveis, após a
aprovação da PEC nº 1/1995, os resultados da regressão também apontam alteração no
comportamento de outras variáveis. A variável NEP tem sinal negativo no modelo
irreelegível, esse resultado indica que o número efetivo de partidos afetou negativamente no
encaminhamento do poder presidencial proativo, ou seja, a diminuição do número efetivo de
partidos não reduziu o poder presidencial proativo. O interessante no resultado do
comportamento dessa variável é ter apresentado significância estatística em todos os três
modelos. Não obstante, com sentidos diferentes em governos ireelegíveis antes e depois da
emenda da reeleição. É bem verdade que há muitos questionamentos acerca da capacidade
que essa variável teria de traduzir a dinâmica do legislativo, conforme as pressuposições de
Santos (2006), mas o curioso é que, ao incluir essa variável no modelo, alterou as relações
entre as demais variáveis independentes com a variável dependente, apresentando
significância estatística. Não obstante, esses resultados ajudam a pensar sobre a configuração
partidária no cenário da reelegibilidade. De acordo com a discussão que fizemos na parte
inicial sobre os prós e contras à reeleição presidencial, a discussão de Jones (1999) alega que
a participação de incumbents no processo eleitoral resulta em um efeito redutor do NEP, daí
espera-se que haja a diminuição da dispersão partidária no segundo mandato presidencial,
bem como com a participação do Presidente no processo eleitoral para obtenção de sua
reeleição, haja tendência em reduzir o Número Efetivo de Candidatos. Nesse caso, quando o
Presidente tem autorização para disputar sua reeleição, a competitividade pode ser reduzida
devido à escassez de incentivos para entrada de novos candidatos. Nesse sentido, é possível
interpretar o resultado da variável NEP no segundo mandato presidencial sofrendo uma
redução, mas tendo significância no encaminhamento do poder proativo do Presidente.
No entanto, medimos a dinâmica do multipartidarismo e a lógica da formação da
coalizão nos resultados do processo legislativo pela variável coalescência. Mesmo a variável
coalescência não tendo apresentado significância no modelo 3 reelegível, é importante frisar
que, se no primeiro mandato do Presidente FHC se firmou um conjunto de forças para
assegurar a sua reeleição, chegando ao fim do primeiro mandato e início do segundo com uma
coalizão que representava uma taxa de coalescência de 0,61, no final do segundo mandato, a
coalizão ficou enfraquecida representando uma taxa de coalescência de 0,34, por conta da
saída do PFL e à redução de cadeiras ministeriais do PMDB e PPB no final do governo (ver
tabela 14). Vale salientar que o PFL tinha 5 ministérios, mesma quantidade de cadeiras do
PSDB, partido do presidente.
Os modelos indicam também que com a possibilidade da reeleição do Presidente a
avaliação do Governo não tem significância estatística para gerar efeito explicativo no
encaminhamento do poder presidencial proativo. Não obstante, quando o Presidente não é
reelegível, o comportamento dessa variável é alterado, apresenta significância com sinal
positivo, indicando que quanto maior o saldo da avaliação sobre o desempenho do Governo
maior efeito positivo no encaminhamento da agenda. Da mesma forma que a preponderância
da avaliação negativa, gera, também, efeito negativo para encaminhamento da agenda.
Portanto, avaliação de governo pela opinião pública impacta o desempenho do Presidente no
processo decisório no fim de mandato não reelegível. Embora a avaliação de governo pela
opinião pública seja condição necessária para orientar o voto retrospectivo, o modelo
reelegível demonstra que essa variável não teve significância estatística para apontar o
impacto no encaminhamento do poder presidencial. Que dizer, não interferiu na capacidade
de prosseguimento da agenda legislativa do Presidente.
Portanto, esta etapa da pesquisa tem apontado algumas direções para construir
explicações sobre a introdução da emenda da reeleição e os seus reflexos na relação do
Presidente com o Congresso. Observando as diferenças no comportamento das variáveis nos
modelos 2 e 3, é possível considerar que, com a probabilidade de reeleição, a condução do
poder presidencial na arena legislativa vai descolando avaliação da opinião pública. Por sua
vez, vão pesar as variáveis inerentes à competição política e ao processo decisório. Por outro
lado, no modelo 3, além das variáveis políticas, outras variáveis têm efeito significativo sobre
o encaminhamento do poder proativo do Presidente. A avaliação de governo e tempo de
mandato faz diferença quando estamos medindo o desempenho legislativo do presidente no
segundo mandato. Assim, consideramos que o peso da discussão sobre a reeleição
subsequente do mandato presidencial é uma boa alternativa para articular a arena eleitoral e a
arena legislativa. Com certeza, as expectativas da reeleição presidencial, como foram
demonstradas, ampliaram os incentivos para a manutenção das forças que apoiavam o
governo, isso ficou patente, observando o encaminhamento do poder presidencial proativo no
primeiro mandato, pois algumas variáveis foram neutralizadas, não causando impacto na
manutenção da força do presidente.
Conclusões
O modelo do sistema presidencialista brasileiro tem apresentado um quadro singular
que configura o poder presidencial pela capacidade de reduzir conflitos e ampliar as
possibilidades de cooperação na arena congressual. Nesse sentido, problematizamos algumas
questões sobre o desenho institucional e as mudanças introduzidas pelas estratégias dos atores
do jogo político. Para tanto, incluímos a Emenda da reeleição como o cenário de alteração da
estrutura de oportunidades e do quadro de incentivos para formação de ações coletivas na
arena legislativa. Isso dotou o presidencialismo de mais uma característica, possibilitando
uma nova roupagem no seu funcionamento. Consideramos que a justificativa de continuidade
da agenda do Presidente FHC desencadeou a coalizão majoritária que rompeu com o pre-
compromisso constitucional e com as restrições à participação dos atores na arena eleitoral.
Ademais, a análise dos resultados das votações da PEC da reeleição e a configuração da
cooperação entre os atores em nome da manutenção da coalizão centro-direita no poder
central impingiu aos incumbent, Presidente, Governadores e Prefeitos a condição de mais
novos competidores na arena eleitoral, alterando, assim, o cenário da disputa.
Por sua vez, essa nova configuração das regras do jogo foi alardeada de controvérsias
que aventaram seus efeitos nos resultados políticos. Tomamos duas posições clássicas que
podem justificar a orientação do debate: de um lado, as proposições de Tocqueville sobre os
defeitos do presidencialismo norte-americano que asseverava a reeleição ilimitada do
Presidente, causando apropriação indevida do poder; do outro lado, as proposições de Sartori
sobre a necessidade da regra da reelegibilidade para fortalecer o Presidente e garantir o
encaminhamento da agenda de governo, porque entendia que os problemas do
presidencialismo não se encontram no Executivo, mas no Legislativo. Assim sendo,
considera a reeleição presidencial exequível para facilitar o encaminhamento do jogo político,
mantendo o peso da figura central, o chefe do Executivo. Nesse caso, o instituto da reeleição
passa a ser uma boa medida para preservar e fortalecer o sistema político, ainda mais, porque
se trata de regras que são aplicadas aos cargos mais importantes do presidencialismo,
permitindo o controle democrático via processo eleitoral.
Outrossim, se a reeleição traduz a capacidade do governante de renovar o mandato em
nome da continuidade da sua agenda bem avaliada, pode-se dizer que esse marco
significativo no sistema político brasileiro se deu no final da década de 90, no século XX. Isso
porque o veto à regra da reelegibilidade sempre esteve presente nos desenhos constitucionais
do país, atribuindo característica específica ao presidencialismo. Então, a articulação
estratégica da coalizão majoritária para alterar as regras com o jogo em andamento deveu-se,
principalmente, à avaliação sobre os resultados políticos do Governo FHC, cuja maior
evidência foi dada pela estabilidade monetária produzida pelo êxito do Plano Real. Nesses
termos, a discussão e decisão sobre a nova forma de funcionamento da engenharia
institucional foram produzidas pelo contexto de determinadas posições político-partidárias
que se configurou pela bifurcação entre os interesses de continuidade do poder da situação e o
confronto com os interesses de alternância do poder da oposição, que resistia e denunciava a
estratégia da coalizão do Governo definindo-a como golpe. Não obstante, o fato a ser
considerado é que a mudança da regra se deu dentro das regras do jogo, restando, assim,
entender como foram conduzidas as partidas e as consequências acerca do resultado.
O debate particularmente em torno da reeleição presidencial ganha corpo por
apresentar as constrições do Presidente com o Congresso para dar continuidade à agenda de
governo. A continuidade administrativa e a manutenção na estrutura do poder constituíram os
incentivos para formação da ação coletiva, que não só mudou as regras, mas também garantia
a cooperação entre o Executivo e o Legislativo no encaminhamento do poder presidencial
proativo. Com o intuito de analisar, não só a mudança da regra, mas seu efeito imediato,
observamos que, ao longo do exercício do cargo, o Presidente reelegível consegue aglutinar
apoios e termina o primeiro mandato com alta capacidade na produção legislativa. Entretanto,
mesmo iniciando o segundo mandato com a mais alta produção legislativa, não consegue
terminar o segundo mandato com as metas que foram definidas concluídas. Conforme a
apresentação do panorama da produção legislativa dos governos FHC I e II, pudemos ver que
as PECs que representavam os principais itens da agenda das reformas foram minguando ao
longo dos mandatos. Contudo, há o aumento significativo de MPs no último ano do Governo.
Isso pode indicar inércia no Poder Legislativo para encaminhar a agenda reformista do
Presidente que, por sua vez, faz uso desse instrumento legislativo para continuar governando.
Portanto, esse resultado pode indicar o controle da produção legislativa pelo Executivo, mas
não permitindo alavancar a continuidade da agenda reformista que tinha sido a grande
justificativa para mudança da regra que permitiu a reeleição. Mesmo porque faz diferença
conduzir a agenda através de MPs e conduzir através de mudanças na Constituição, as quais
implicam um longo entendimento para formação de ações coletivas que representem maiorias
qualificadas. Portanto, uma razão ficou patente: a reeleição pode ter resultado na
continuidade do poder, mas se distanciou da continuidade da agenda reformista.
Nesse caso, como a continuidade da agenda tinha sido a boa medida para justificar a
renovação do mandato presidencial, esse panorama da produção legislativa pode validar a
crítica aos resultados da reeleição presidencial. Conforme a discussão que apresentamos no
início do texto, um dos principais pontos de critica ao instituto da reeleição diz respeito à
dificuldade de garantias para continuidade de projetos no segundo mandato. Não obstante,
um dos pontos positivos seria a possibilidade de retardar o efeito lame duck, onde a nossa
pesquisa encontrou indícios.
Apresentamos, no capítulo 4, um quadro com os modelos analíticos acerca da relação
Executivo-Legislativo no sistema político brasileiro. Neste momento de conclusão,
consideramos a possibilidade de incluir dentre aqueles modelos do quadro analítico, a
problemática da reeleição presidencial como mais uma alternativa para interpretar um novo
elemento da engenharia institucional que traduz, em boa medida, a articulação entre a arena
eleitoral e a arena legislativa, tornando-se necessária para entender as relações entre os
poderes. Desse modo, através desse viés de análise, podemos elucidar com mais propriedade
os múltiplos mecanismos de funcionamento do sistema político.
Por conseguinte, para sintetizar alguns pontos em direção às conclusões da pesquisa
estamos de acordo com grande parte da literatura da ciência política brasileira sobre a
definição do sistema de governo em vigência no Brasil. Entendemos, também, que o grau de
integração do Executivo no processo legislativo está associado aos mecanismos institucionais
existentes, os quais permitem articulação estratégica entre o Presidente e o Congresso. Mas,
também, propusemos a questão da reeleição presidencial como um novo fator para
interpretação do encaminhamento dessa participação do Presidente no processo legislativo e o
seu controle da agenda legislativa. Consideramos importante atentar para os efeitos imediatos
do novo formato institucional, a partir da emenda da reeleição, sobretudo, porque redefiniu as
expectativas e a utilização de recursos disponíveis aos atores para obtenção de resultados
políticos.
Nesse sentido, a questão que se impõe, ao revelar os dados da pesquisa, indica que a
emenda da reeleição produziu alguns efeitos imediatos após a sua implantação, isto é, reduziu
o impacto que algumas variáveis tinham de explicar o encaminhamento do poder presidencial
proativo. Logo, a estrutura de oportunidades à disposição do presidente FHC possibilitou a
formação de ações coletivas para concluir o primeiro mandato com tranquilidade. Isso ficou
configurado pelo quadro eleitoral de 1998, no qual a coligação de apoio à candidatura do
Presidente saiu vitoriosa já no primeiro turno das eleições. O Presidente Cardoso, ao fazer a
avaliação dos seus governos, afirmou que não houve custo imprevisível, isto é, não se curvou
aos interesses atomísticos dos parlamentares; o curso das negociações para aprovação da PEC
da reeleição não afetou a agenda e nem o ritmo da tramitação dos projetos do Executivo no
Congresso, porque as razões para sustentar o governo de coalizão foram mantidas. No
entanto, o ritmo dos encaminhamentos para viabilizar a redefinição da estrutura de
funcionamento do Estado, que iniciara em 1995, foi visivelmente reduzido como ficou
demonstrada na figura 11 - Panorama da Produção Legislativa do Executivo.
Sem dúvida, os incentivos para manutenção da coalizão eram consideráveis, porque
havia expectativas positivas quanto à renovação do mandato do Presidente. Embora as
discussões para votação da PEC da reeleição tivesse se estendido por um longo período de
mais de dois anos, a proposta foi aprovada, conservando a sua feição original. Os resultados
das votações indicaram que, mesmo recebendo uma enxurrada de DVSs para mudar o mérito
da matéria, a coalizão manteve-se firme, preservando a questão central em defesa dos
interesses político-partidários que estavam sendo postos em jogo, isto é, garantir a alteração
da regra para permitir a reeleição do Presidente e dos demais cargos do Poder Executivo sem
a prévia desincompatibilização do cargo. Esta foi a grande negociação que a coalizão centro-
direita conseguiu manter ao longo do processo de discussão e votação. Com certeza, as
expectativas de manutenção do poder também estimularam os governadores que ajudaram a
fortalecer o campo do jogo para formação da ação coletiva, em função da mudança da regra.
Esse cenário também propiciou o entendimento entre o Governo Federal e os governadores
dos estados para encaminhar as políticas de privatizações dos bancos. Por isso, os incentivos
não faltaram, além de estarem animados pela perspectiva de uma nova disputa, os
governadores ainda tiveram as chances de encher seus cofres para entrar no processo eleitoral
em condições privilegiadas.
Nesse sentido, a estrutura de oportunidades que o Presidente, os Governadores e os
Parlamentares se encontravam manteve os incentivos para manutenção da rede de apoio à
PEC da reeleição. Afinal, a mudança do status quo beneficiaria a todos os que teriam a
oportunidade de continuar governando. Não obstante, as posições contrárias e minoritárias
ficaram por conta da oposição que via o desencanto da possibilidade de disputa eleitoral com
chances de vitória, pois não seria fácil enfrentar o governante com toda carga de recursos de
que dispõe o Estado. Essa era uma das principais razões da crítica clássica de Tocqueville ao
instituto da reeleição no presidencialismo. Para ele, a perspectiva de ter um candidato chefe
do Governo, usando todos os recursos da máquina do Estado seria um agravo aos princípios
da igualdade de condições que fundamentam a democracia moderna. Assim, as discussões
em torno do DVS que propunha a desincompatibilização do cargo tiveram essa orientação.
Entretanto, como as justificativas da proposta original assentavam-se na continuidade da
agenda, os defensores da proposta então alegavam que não fazia sentido afastar o governante,
porque iria quebrar o encaminhamento das políticas. Esse foi o entendimento da coalizão
majoritária para rejeição do destaque da desincompatibilização.
Consequentemente, o resultado final da votação da PEC manteve a reeleição não só do
Presidente, mas de Governadores e Prefeitos que foram também contemplados com a posição
privilegiada de poder competir no processo eleitoral sem a prévia desincompatibilização do
cargo. Muitas das críticas acerca da reeleição não foram fundamentadas torno das
deficiências e dos efeitos negativos desse mecanismo de engenharia institucional, mas,
sobretudo, em função dos interesses político-partidários imediatos que estavam em volta.
Quanto às expectativas de seus efeitos, também imediatos, eram dadas pelas possibilidades de
assegurar com tranquilidade a cooperação da coalizão na arena legislativa, isto é, a reeleição
do Presidente seria viável, porque havia razões para manter a cooperação da coalizão e esta
seria viável porque havia razões para renovar o mandato do Presidente.
Os dados sobre a agenda legislativa demonstram que os presidentes brasileiros
conseguem dar cabo ao encaminhamento do seu poder proativo. Assim, algumas variáveis
como o tempo do mandato têm impacto sobre esse encaminhamento nos governos não
reelegíveis. A tendência é uma relação positiva entre o tempo que resta do mandato e a
condução de projetos. Todavia, com a introdução do instituto da reeleição, esse impacto vai
sendo neutralizado, indicando que essa variável não tem significância estatística, isto é, o
tempo do mandato não importa para o Presidente reelegível conduzir os seus projetos, ou seja,
não interfere no ritmo do encaminhamento do poder presidencial proativo. Desse modo,
torna-se factível a defesa de Sartori ao instituto da reeleição, que permite o fortalecimento do
Presidente, este, podendo prometer benefícios às forças que o apoiam, criando o ambiente
propício para o segundo mandato. Por sua vez, a problematização em torno dos efeitos
imediatos do instituto da reeleição permitiu observar de que forma a condução do poder
presidencial proativo foi levada adiante no exercício de um segundo mandato. No caso, do
Presidente FHC as justificativas para mudança da regra faziam referência à continuidade da
agenda das reformas que, mesmo demonstrando a força da coalizão na reeleição para
manutenção no poder, não consegue seguir o segundo mandato, concluindo os itens do
programa de governo.
Dessa forma, levantamos algumas questões sobre mudança institucional enfatizando o
jogo político que produz esse resultado. No que concerne a Reeleição dos cargos do Poder
Executivo, observamos que a nova regra entrou no sistema político brasileiro sustentada por
expectativas de continuidade cujos efeitos imediatos não puderam consolidá-las. Todavia,
consideramos válida a premissa de que um Presidente reelegível amplia as possibilidades de
cooperação na arena decisória. Nesse aspecto, os estudos sobre o presidencialismo norte-
americano têm apresentado as experiências de reeleição, não somente como a ampliação de
incentivos para cooperação na arena congressual, mas, sobretudo, como possibilidades da
democracia presidencialista ativar os mecanismos de accountability eleitoral.
Para tanto, tomamos esse ponto como uma nova forma de funcionamento do
presidencialismo brasileiro que permite articular arena eleitoral à arena legislativa. Não
obstante, reconhecemos que os resultados apresentados no nosso estudo instigam a uma
agenda de pesquisa futura mais ambiciosa, que possa captar como esse mecanismo de
engenharia institucional ao decorrer o tempo, vai sendo capaz de produzir efeitos positivos de
aprimoramento do sistema de governo e de qualidade da democracia. Pois, a vertente norte-
americana que advoga o instituto da reeleição considera que a restrição da participação do
incumbent no processo eleitoral é que traz prejuízo à democracia. Por outro lado, indica que
em sistemas pouco institucionalizados em que os mecanismos de controle democráticos ainda
são incipientes, quando o governante entra no processo competitivo no exercício do cargo, há
possibilidade de fraude e intimidação.
Nesse sentido, vale a pena levantar a discussão sobre o funcionamento dessa
engenharia aplicada ao sistema político brasileiro, tomando não somente a reeleição do
Presidente, mas também a dos demais cargos Executivos: Governadores e Prefeitos. Por sua
vez, como vem demonstrando pesquisas econômicas e sócio-culturais, há níveis diferenciados
de desenvolvimento nas diversas regiões do país, que têm sérias implicações na performance
das instituições políticas, especialmente, no que concerne aos mecanismos de controle tão
importantes para a qualidade da democracia.
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