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Entrevista Horácio Almendra POR DINA MAGALHÃES [email protected] Na educação, nem tudo está perdido Ele é “um jovem piauiense de 68 anos, nascido na Cidade Verde”, por definição própria. Mas, o Pre- sidente Executivo do Instituto de Qualidade no Ensino (IQE), o te- resinense José Horácio Gayoso e Almendra, é muito mais do que um dos maiores expoentes de incentivo a qualidade do ensino no país. Foi um dos maiores executivos da Phi- lips na América Latina. Mas, hoje o seu foco está todo voltado para a educação. Com sede em São Paulo, o IQE existe desde 1994 e é uma associa- ção mantida com o apoio de empre- sas privadas e por meio de parcerias com governos. O Instituto inves- te na capacitação e valorização de educadores para melhorar a quali- dade do aprendizado nas escolas públicas, especialmente do Ensino Básico. Nesta entrevista exclusiva às Pági- nas Verdes, Horácio Almendra ana- lisa a educação do Brasil e fala dos avanços e retrocessos do ensino, aponta saídas e faz sérias críticas ao fato de o Brasil ser um país que, apesar de ter 98% das crianças entre 6 e 14 anos com acesso à escola pú- blica, seus alunos têm um péssimo desempenho em leitura, interpreta- ção de texto e matemática. foto Assessoria Ícone

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| 09 DE SETEMBRO, 2012 | REVISTA CIDADE VERDE12

Entrevista Horácio AlmendraPOR DINA MAGALHÃES [email protected]

Na educação, nem tudo está perdido

Ele é “um jovem piauiense de 68 anos, nascido na Cidade Verde”, por definição própria. Mas, o Pre-sidente Executivo do Instituto de Qualidade no Ensino (IQE), o te-resinense José Horácio Gayoso e Almendra, é muito mais do que um dos maiores expoentes de incentivo a qualidade do ensino no país. Foi um dos maiores executivos da Phi-lips na América Latina. Mas, hoje o seu foco está todo voltado para a educação.

Com sede em São Paulo, o IQE existe desde 1994 e é uma associa-ção mantida com o apoio de empre-sas privadas e por meio de parcerias com governos. O Instituto inves-te na capacitação e valorização de educadores para melhorar a quali-dade do aprendizado nas escolas públicas, especialmente do Ensino Básico.

Nesta entrevista exclusiva às Pági-nas Verdes, Horácio Almendra ana-lisa a educação do Brasil e fala dos avanços e retrocessos do ensino, aponta saídas e faz sérias críticas ao fato de o Brasil ser um país que, apesar de ter 98% das crianças entre 6 e 14 anos com acesso à escola pú-blica, seus alunos têm um péssimo desempenho em leitura, interpreta-ção de texto e matemática.

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REVISTA CIDADE VERDE | 09 DE SETEMBRO, 2012 | 13

RCV - Como é possível garantir a toda criança brasileira o acesso à educação de qualidade?HA - É sempre importante men-cionar o fato de o Brasil ter con-seguido universalizar o ensino fundamental onde, no Piauí, es-tão matriculados (da 1ª à 9ª sé-rie) 558.000 crianças/jovens (de 6 até 14 anos, desde que não haja repetência), 89% em escola públi-ca que, no geral, oferece qualida-de de ensino inferior à particular. Isso nem sempre foi assim. Quan-do fui aluno da escola pública em Teresina, muitas das particulares eram conhecidas como PPP, ou seja, aquelas onde o papai pagou, passou. Resgatar esta qualidade é possível e necessário, na medida em que a democracia só se con-cretiza ao oferecer igualdade de oportunidades para todos, sendo a educação a única forma através da qual essa igualdade pode ser obtida. Como garanti-la? Fazendo o básico, ou seja: provendo o nú-mero mínimo de dias letivos que a lei obriga (200 dias), quatro horas/dia; propiciando formação con-tinuada em serviço do professor (entenda-se aperfeiçoamento per-manente); definindo bem os currí-culos e utilizando eficaz sistema de avaliação (que temos, Prova Brasil, por exemplo) seguido de plano de melhoria; premiação dos docentes que cumprirem as metas estabele-cidas e afastamento daqueles que, repetidamente, não entregarem o que deveriam. RCV - O IQE nasceu com a mis-são de contribuir para a melho-ria do processo do ensino e da aprendizagem nas escolas da

rede pública. De 1994 para cá o que foi possível transformar?HA - O ensino de qualidade só exis-te se dentro da sala de aula houver um professor adequadamente ca-pacitado, ou seja, aquele que, além de dominar o conteúdo (conhecer a disciplina), saiba como transmiti--lo, o que exige metodologia apro-priada. Ao longo destes 18 anos, o IQE efetivamente transformou a maneira através da qual os 73.202 educadores, que passaram por nos-sos programas, atuam em sala de aula. Tal transformação é constata-da não só por testemunho espon-tâneo dado por muitos deles, mas também por avaliações objetivas (feitas semestralmente ao longo dos nossos programas) de todos os seus alunos. Temos um banco de dados, aluno por aluno, que registra o his-tórico do mesmo ao longo do Qua-liescola (nosso programa básico), onde podemos constatar o progres-so do discente e relacioná-lo com o professor de cada sala de aula. A combinação do testemunho com a avaliação objetiva nos dá a certeza de que temos efetivamente contri-buído para a melhoria da qualidade do ensino fundamental em 7.427

escolas públicas onde estudam/es-tudaram 1.694.643 alunos. Isto sem falar no progresso constatado pela Prova Brasil, iniciada em 2005. RCV - Nestes anos à frente do IQE qual sua pior e melhor ex-periência no Piauí, em se tra-tando de educação?HA - A melhor foi a primeira: o projeto piloto, iniciado no segun-do semestre de 2006, concluído em 2009 e que contemplou 16.433 alu-nos, 78 escolas (sempre públicas) em quatro municípios (Parnaíba, Campo Maior, José de Freitas e Te-resina), que propiciou significativo crescimento do Ideb em pratica-mente todas as escolas (os resulta-dos estão no nosso site http://www.iqe.org.br/noticias/noticias_inter-face.php?id_noticia=83). Todos os projetos, desde então, têm apresen-tado (em maior ou menor escala) resultados positivos, embora não tão impactantes quanto o primeiro que, diga-se de passagem, foi 100% financiado pela iniciativa privada. A pior, infelizmente, é recorrente: o desinteresse de muitos dos docen-tes no seu próprio aperfeiçoamento profissional, o que se constata pela ausência de boa parte nas oficinas de formação continuada em ser-viço, mola-mestra do programa. É justo reconhecer, contudo, o pouco estímulo que recebem das Secreta-rias de Educação quanto ao com-parecimento (ausência de auxílio transporte, aperfeiçoamento pro-fissional não refletido na carreira etc.). O “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” aqui se aplica. RCV - O Instituto tem conse-guido o apoio necessário para

O ensino de qualidade só existe se dentro da sala de aula houver um professor

adequadamente capacitado.

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Sem nenhuma dúvida, Cocal dos

Alves merece todo o reconhecimento pelo

trabalho feito no ensino fundamental.

investir na formação e valoriza-ção do educador?HA - A grande dificuldade encon-trada pelo Instituto na implantação dos seus programas concentra-se na obtenção de garantia, junto às res-pectivas Secretarias de Educação, de um corpo docente assíduo e per-manente ao longo dos três anos de duração dos nossos projetos. A alta rotatividade dos professores, verifi-cada na maioria das redes de ensino, constitui-se em um obstáculo para o alcance de uma formação adequada e consequente valorização do edu-cador. RCV - Apesar de 98% de crian-ças brasileiras entre 6 e 14 anos terem acesso à escola pública, os alunos têm um pés-simo desempenho em leitura, interpretação de texto e mate-mática. Qual o principal motivo para esta triste realidade?HA - Infelizmente, ao mesmo tem-po em que alcançamos a universa-lização do ensino, observamos uma deterioração da qualidade. Certa-mente as causas são várias. O IQE não tem um estudo objetivo das mesmas. Acredita, contudo, que o principal motivo do declínio qua-litativo seja o não investimento na formação continuada do docente. Por outro lado, é opinião genera-lizada que as nossas faculdades de formação de professores não os ca-pacitam efetivamente para a chama-da prática de ensino. Isso resulta na chegada à sala de aula de um pro-fessor não adequadamente formado e ao qual não é fornecida ferramen-ta de aperfeiçoamento. E, ainda, os baixos salários oferecidos ao longo do tempo certamente fizeram com

que os jovens não tenham se sen-tido atraídos pelo exercício do ma-gistério. Existem, contudo, escolas públicas que são ilhas de excelên-cia e que proporcionam aos alunos adequado desempenho em leitura, interpretação de texto e matemáti-ca. Exemplo: a Escola Estadual Ral-dir Cavalcante Bastos, em Teresina, com a qual tivemos o privilégio de trabalhar ao longo de três anos. De um Ideb de 2,8 em 2005, ela evoluiu para 6,9 em 2011. A principal razão: eficaz gestão administrativa e peda-gógica. O diretor de uma escola faz a diferença ao liderar adequadamente os professores, envolver a comuni-dade e batalhar junto à Secretaria de Educação pelos recursos (princi-palmente humanos) apropriados ao processo ensino-aprendizagem. Na educação, nem tudo está perdido: é possível escola pública com ensino de qualidade. RCV - O Ideb –Índice de Desen-volvimento da Educação Bási-ca– mensura a qualidade da educação no Brasil. Qual sua opinião sobre este índice?HA - Muito positiva. Somos, en-quanto país, um bom exemplo de sistema de avaliação e um péssimo exemplo de sua utilização na formu-

lação de planos de melhoria. O Ideb nos diz onde estamos, metas são es-tabelecidas a partir do mesmo, ou seja, onde queremos chegar. Falta--nos um eficaz plano de implemen-tação a ser formulado e seguido. O nosso problema não está no sistema de avaliação, onde o Ideb é a sua ex-pressão mais resumida. RCV - Os resultados da Pro-va Brasil mostram o nível de aprendizado das crianças no ciclo fundamental das escolas públicas. Há uma melhora bem pequena nos anos iniciais da escola, e pouquíssima variação nas séries finais e no ensino mé-dio. Qual sua leitura destes re-sultados divulgados pelo MEC?HA - Nos anos iniciais do ensino fundamental o aluno se relaciona com um professor, que leciona ba-sicamente duas disciplinas: língua portuguesa e matemática. Já nos anos finais, há uma súbita modifi-cação e o aluno, agora pré-adoles-cente, passa a ter, simultaneamen-te, vários professores e um maior número de disciplinas. A figura da “tia” (raramente do “tio”), sempre identificada com o aluno, chaman-do-o pelo nome e, não raro, encon-trando os seus pais ou responsáveis, é substituída por vários professores, que nem sempre sabem o nome do aluno e quase nunca encontram seus pais. Além disso, há um con-siderável déficit de professores das chamadas “exatas”, reunidas como ciências nas séries finais do ensi-no fundamental e desmembradas em matemática, física e química no ensino médio. É célebre a carta que um grupo de alunos do ensino médio em Pernambuco endereçou à Secretaria de Educação, informando

que não poderia aceitar o diploma de conclusão do ensino médio por nunca ter tido aula de física ou quí-mica (não me lembro bem). A car-ta, para mim, é a ponta do iceberg, que revela o fundo do poço a que chegamos no ensino médio, onde o Piauí é exemplo de excelência na es-cola particular e, não raro, o último da fila na escola pública. Uma das causas é sempre recorrente: profes-sor não adequadamente capacitado, aqui com o agravante de número in-suficiente de professores.

RCV - O Enem foi criado como ferramenta de avaliação e apri-moramento do ensino médio. Porém, vem sofrendo mudan-ças para atender a outro fim: a seleção de estudantes para universidades públicas. Qual a avaliação do senhor a respeito?HA -A utilização do Enem, a partir de 2009, como instrumento de se-leção para o ingresso no ensino su-perior, contribui sem dúvida para a democratização do acesso às vagas oferecidas por muitas universidades públicas. Fazer, contudo, com que a mesma ferramenta contemple dois objetivos distintos é, para muitos es-pecialistas, tarefa difícil. Particular-mente, não considero esta, no mo-mento, uma discussão importante.

RCV - Atualmente o ensino público nacional é muito cri-ticado. Quando estudante, o senhor foi um aluno da escola pública. Como foi sua experiên-cia no Brasil do passado?HA -A minha escola primária (hoje ensino fundamental I) foi o Grupo Escolar Abdias Neves em Teresina, que ficava na Av. Antonino Freire, em frente ao Palácio de Karnak. Hoje, no mesmo local, funciona

um estacionamento. Lá, como nas demais escolas públicas da época, a sociedade se encontrava no con-vívio de alunos egressos das mais diferentes camadas sociais. A escola que funcionava, que era “puxada”, que era boa, onde todos queriam estar, era a pública. Minha profes-sora, D. Dagmar, esposa do Capitão Otávio, médico do 25º Batalhão de Caçadores, a exemplo da grande maioria das professoras, integrava um estrato social onde muitas das adolescentes das melhores famílias queriam estar. A situação atual é muito diferente: a escola pública se tornou o gueto do economicamente fraco e quase nenhuma adolescente da chamada classe média alta tem como sonho o exercício do magis-tério. Nessas condições, quem pode pagar pelo ensino de qualidade vai para a escola particular, que é hoje a porta de entrada das melhores universidades: as públicas. Do Piauí migrei para o ensino privado como aluno de um colégio marista no Rio de Janeiro, o São José, no Alto da Tijuca, de excelente reputação. Não enfrentei dificuldades, o que mais uma vez prova a boa qualidade do ensino público proporcionado. RCV - Os especialistas dizem que desde a década de 60 há um rebaixamento do nível do pessoal e a qualidade do en-sino depende essencialmente do professor. Requalificação e acompanhamento dos profes-sores é o caminho?HA - Sim, reformulação da grade curricular ministrada nas facul-dades de Pedagogia/Licenciatura, formação continuada em serviço e adequada remuneração contribui-rão para a reversão do cenário atual.

RCV - Países que tinham índi-ces educacionais semelhantes aos do Brasil hoje ostentam números respeitáveis como a Coreia do Sul, China e Chile. O que o Brasil precisa aprender com estes países?HA - Sim, sem dúvida. Antoine La-voisier, francês, considerado o Pai da Química, formulou a seguinte Lei: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Pare-ce existir no ser humano, particu-larmente em nós brasileiros, uma certa vergonha em copiar aquilo que já foi experimentado em outros países. Sou favorável a adaptar-se a Lei do sábio francês da seguinte for-ma: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se copia”, particular-mente por uma boa causa! Longe de mim estar defendendo a pirataria ou a apropriação indevida de direi-tos intelectuais. O que me parece absolutamente legítimo é seguir--se as práticas comprovadamente eficazes. Na empresa privada, onde estive por mais de 30 anos, há um processo chamado “benchmarking”, definido na Wikipedia da seguinte forma: “a busca das melhores prá-ticas na indústria, que conduzem ao desempenho superior”. Se é vá-lido para as empresas, entre elas as multinacionais, por que não para melhorar a qualidade do ensino? Os países mencionados investiram fortemente no ensino fundamental através da qualificação dos profes-sores e da formulação de um cur-rículo nacional, propiciando con-dições adequadas de infraestrutura escolar, cobrando resultados com premiação de quem fez o “dever de casa” e com o afastamento daqueles que não o fizeram. Por que não co-

piar? Não fazê-lo demonstra pouca inteligência e o acometimento da síndrome do “não inventado aqui”. RCV - Em meio a tantos desa-certos, há municípios isolados como Cocal dos Alves, no inte-rior do Piauí, fazendo a lição de casa em matéria de educação. Qual sua opinião sobre esta ex-periência?HA - Sem nenhuma dúvida, Cocal dos Alves merece todo o reconheci-mento pelo trabalho feito no ensino fundamental. O Ideb desse muni-cípio evoluiu positivamente de 3,6 em 2005 para 5,0 em 2009, isto no Ensino Fundamental I. Também no Fundamental II (ou Ginásio, como se chamava no meu tempo) a evolu-ção foi positiva, de 3,4 para 4,5 nos mesmos anos. Infelizmente, o Ideb de 2011 evidencia um retrocesso (EF I: de 5,0 para 4,3 e EF II: de 4,5 para 4,2), o que acende um alerta: conseguirá Cocal dos Alves retomar a curva de crescimento? O grande desafio é a melhoria contínua em toda a rede.

RCV - Levantamento do Institu-to Latino-Americano de Estu-dos Socioeconômicos (Ilaese) indica que 45% dos trabalha-dores em educação do país so-frem de estresse e nada menos que 20% apresentam sintomas de depressão. Como é possível corrigir esta situação?HA - Não vejo como corrigir no curto prazo, principalmente consi-derando que o estresse é fortemente influenciado pela violência na esco-la, se preferir na sociedade. No mé-dio/longo prazo, o caminho parece ser, como já comentado, valorização da profissão através da adequada qualificação que propiciará melho-

res salários e atratividade, além da redução da violência, que ultrapassa o plano educacional. RCV - Os especialistas defen-dem que uma reforma educa-cional eficaz se faz com recei-tas consagradas, sem muita invencionice. É essa a saída?HA - Sim, é essa a saída. Assim reza a Lei de Lavoisier, devidamente adap-tada. O que não significa que a partir do momento em que um determina-do patamar seja atingido (por exem-plo, Ideb 6,0) não procuremos fazer ainda melhor. Quando chegarmos ao topo passaremos a ser a referência e aí a melhoria virá da criatividade e não mais do “benchmarking”. RCV - Hoje, unidades de uma mesma rede, estadual ou muni-cipal, apresentam desempenhos díspares, mesmo com os parâ-metros da educação. Por quê?HA - Toda e qualquer escola tem seu desempenho muito atrelado ao comprometimento e competência do diretor. Nossas redes de ensino ainda não conseguiram dotar as es-colas com um padrão de gestão uni-ficado, o que garantiria resultados educacionais menos díspares. Te-mos um longo caminho a percorrer nesse sentido. Em resumo: a origem da disparidade está na gestão inade-quada na grande maioria das unida-des escolares. RCV - Os gastos em educação aumentaram e muito. Foram criados muitos programas, mas isso não tem sido suficiente para melhorar a qualidade do ensino. O que está havendo, em sua opinião?HA - Sobreposição de programas. Visite o site de uma Secretaria de

Educação e veja quantos progra-mas coexistem. Analisando-os, constatar-se-á que há, em primeiro lugar, um número excessivo e so-breposição entre eles. Pior, o novo secretário nem sempre dá continui-dade àqueles do seu antecessor. Em educação muito se fala da necessi-dade de uma política de Estado. O que temos, na realidade, na maioria dos casos, é uma política de gover-no. É triste constatar que, não raro, um governante eleito com o apoio do seu predecessor proclama na campanha a continuidade dos pro-gramas educacionais e, ao assumir, assim não procede, inventando seus próprios programas, além de mudar a equipe gestora em quase todos os níveis. E há ainda aquilo que parece encantar a gregos e troianos: a elei-ção do diretor da escola. Sou total-mente contrário. Diretor de escola deve ser uma carreira exercida por profissionais formados para gestão. O bom professor, transformado em diretor, não necessariamente exer-cerá, com a mesma eficácia, a nova função. Educação não é só uma questão de investimento, mas tam-bém uma questão de escolhas, entre elas a dos gestores.

RCV - No Congresso tramita o Plano Nacional de Educação, que prevê aumentar o percen-tual do PIB destinado à área de 5% para 10%. O problema da educação do Brasil é inves-timento?HA - Como acabo de comentar “educação não é só uma questão de investimento”. Na Coreia do Sul aplica-se 3,8% do PIB com resulta-dos muito superiores aos obtidos pelo Brasil. Antes de falarmos do aumento do percentual do PIB, de-

vemos aprender a gastar melhor os 5% já canalizados para a educação. O primeiro passo para tanto é ele-var o nível de gestão em cada uma das unidades das redes de ensino. O papel do governo nesse aspecto é de indução pela formação adequada de gestores educacionais. RCV - As taxas de reprovação no Brasil estão entre as mais altas do mundo. Por que o sistema brasileiro ainda repete tanto seus alunos?HA - O problema inicia-se na base, desde a alfabetização. Alunos não plenamente alfabetizados acumula-rão uma série de deficiências duran-te sua vida discente. Temos, então, a formação de uma “bola de neve”, desencadeando a manutenção de altas taxas de repetência verifica-das. O IQE discute atualmente com algumas redes a implantação de um programa de correção de fluxo através do qual a defasagem idade/série, fruto da repetência, pode ser atenuada. RCV - Apesar desse desempe-nho reconhecido, as escolas privadas ainda avançam mais rapidamente do que as públi-cas –o próprio Pisa mostra isso. Com é possível superar essa defasagem entre os sistemas privado e público?HA - O sistema privado brasileiro caracteriza-se, na grande maioria das escolas, pela existência de fato-res consagrados e encontrados nas redes públicas dos países bem-su-cedidos: corpo docente preparado e motivado, boa gestão escolar, além do cumprimento da grade curri-cular proposta. Na medida em que esses fatores forem incorporados ao

sistema público, certamente a defa-sagem hoje existente não perdurará. RCV - O ensino médio é etapa mais alarmante da educação básica, com alta evasão de estu-dantes. Onde estamos errando?HA - Infelizmente, parte significati-va dos nossos estudantes frequenta a escola no período noturno (refiro--me basicamente aos alunos da rede pública), onde já chega extenuado por um dia dedicado a outras ati-vidades. Uma reforma estrutural urgente precisa ser feita, pois o país está simplesmente há 10 anos es-tagnado nessa etapa educacional. A reorganização das disciplinas por área de conhecimento poderia evi-tar a fragmentação e dispersão dos atuais conteúdos do ensino médio, permitindo ao aluno escolher mais objetivamente as disciplinas que são efetivamente do seu interesse, considerando o seu projeto de vida. Isso talvez seja um pouco voltar ao antigo Clássico e Científico. Quan-do o jovem é confrontado com um

número de matérias pelas quais não tem interesse, não vê sentido práti-co nas mesmas é, de alguma forma, estimulado a saltar do barco, porque entende que o mesmo não vai levá--lo a lugar nenhum.

RCV - Fale-nos das suas raízes familiares com o Piauí?HA - Sou um jovem piauiense de 68 anos, nascido na Cidade Verde. Todos os meus familiares, seja por parte de mãe e pai, foram piauien-ses. Meu pai, João Henrique Gayoso e Almendra, foi militar tendo, em Teresina, comandado o 25º Batalhão de Caçadores e a 26ª Circunscrição do Serviço Militar. Foi o único dos irmãos que não seguiu a carreira política e eu o único dos seus fi-lhos a exercer funções na iniciativa privada, iniciando como trainee na General Electric no Rio de Janeiro, para onde migrei em 1960 e me apo-sentando em 2005 como vice-pre-sidente administrativo e financeiro da Philips América Latina, após ter trabalhado em Recife, Manaus, Hilversum (Holanda), Lisboa e São Paulo. As raízes com o Piauí, contu-do, foram sempre mantidas, tendo sido raras as vezes onde não estive em Teresina por ocasião das férias, estudantis ou profissionais, ao longo de todo esse tempo. Todos os meus familiares mais próximos (irmãos, cunhados, sobrinhos, sobrinhos-ne-tos) ao lado de uns poucos amigos de infância permanecem na Cha-pada do Corisco. Até hoje (e já lá se vão 52 anos que peguei o DC-3 da Real Aerovias Brasil com destino ao Aeroporto Santos Dumont no Rio) costumo dizer que estou em casa quando aí chego.

Existem, contudo, escolas públicas que são ilhas de excelência e que

proporcionam aos alunos adequado desempenho em

leitura, interpretação de texto e

matemática.