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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ROSELÂINE CASANOVA CORRÊA VIDA CULTURAL EM SANTA MARIA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES (1943-1983) Dissertação apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do título de Mestre em História das Sociedades Ibéricas e Americanas. PROF. DR. MOACYR FLORES Orientador Porto Alegre (RS), Agosto de 2003

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ROSELÂINE CASANOVA CORRÊA

VIDA CULTURAL EM SANTA MARIA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO

LEOPOLDO FRÓES (1943-1983)

Dissertação apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do título de Mestre

em História das Sociedades Ibéricas e Americanas.

PROF. DR. MOACYR FLORES

Orientador

Porto Alegre (RS), Agosto de 2003

Livros Grátis

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO HISTÓRIA DAS SOCIEDADES IBÉRICAS E

AMERICANAS

A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A DISSERTAÇÃO:

VIDA CULTURAL EM SANTA MARIA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO

LEOPOLDO FRÓES (1943-1983)

ELABORADA POR

ROSELÂINE CASANOVA CORRÊA

COMO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM HISTÓRIA DAS

SOCIEDADES IBÉRICAS E AMERICANAS

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________

Prof. Dr. Moacyr Flores – Orientador – PUC/RS

___________________________________________________________

Prof. Dr. Charles Monteiro – PUC/RS

__________________________________________________________

Prof. Dr. Pedro Brum Santos – UFSM

Em memória de Edmundo Cardoso, Edna Mey

Cardoso e dos demais integrantes falecidos da ETFL.

AGRADECIMENTOS

À Therezinha de Jesus Pires Santos e Gilda May Cardoso Santos, pelo convívio e ajuda

constantes, pela capacidade de diálogo e pela forma incansável com que se fizeram

presentes durante toda a pesquisa.

Ao Claudio Cardoso, pela alegria.

Ao estimado Prof. Moacyr Flores, pela orientação segura e pacienciosa, seriedade

profissional, incentivo e amizade.

Ao Vitor, pelo companheirismo, serenidade e cumplicidade, em todos os momentos do

curso.

Ao Prof. André Luis Ramos Soares, pelas preciosas considerações a respeito do texto.

À Profª. Maria Lúcia Bastos Kern, pelo conhecimento adquirido em seus seminários.

Ao Bráulio Souza, Dalton Couto, Geolar Badke, João Teixeira Porto, e Jorge Beduino

Ramos Medeiros, pelos depoimentos sobre a ETLF.

Ao Valter Antonio Noal Filho, Geraldo Cervi, Zuleika Maria Aguiar Franchini e Adelmo

Simas Genro, pelas entrevistas a respeito dos cine-teatros e os cineclubes de Santa Maria.

À Fátima Marques, pela documentação a respeito do TUI e do TUSM.

Ao arquiteto e urbanista José Antonio Brenner, pela planta da cidade de Santa Maria.

À Cristiane Debus Pistóia, pela ajuda junto ao acervo de Edmundo Cardoso.

Aos colegas do PPG-PUC/RS, José Antonio Mazza Leite, Andrea Lacerda Bachettini e

Raquel Padilha, pela amizade.

À Profª. Maria de Lourdes Pereira Godinho, pela minuciosa correção de português.

Ao Prof. Danclar Jesus Rossato, pela diagramação.

À Carla Helena Carvalho Pereira, pela ajuda com as questões burocráticas e

administrativas.

Ao PPG-PUC/RS, pela oportunidade.

A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização desta

pesquisa.

Ao CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa -, pela ajuda financeira através da bolsa de

estudos.

À banca que se propôs examinar esta dissertação.

v

O cinema foi avançando, e numa dessas ele deu um golpe muito forte no

teatro, quando foi inventado o cinemascope, a tela gigante, que hoje não

existe mais. Mas para a implantação dos cinemas da tela gigante, era preciso

fazer armações de ferro, porque as telas ocupavam toda a largura das bocas

de cena. Essas armações sustentavam o tamanho e o peso das telas. Com

isso, se inutilizava o espaço cênico. Deixava de existir a possibilidade de

fazer teatro, porque essas armações eram fixas. Então, começou a ficar

difícil de fazer teatro nas cidades de pequeno porte, onde os cinemascope

começavam a aparecer. Foram diminuindo os Cine-Teatros, e o cinema

avançando. Depois veio a televisão, nos anos 50, no Brasil, e dificultou

mais as coisas. Hoje as pessoas ficam em casa grudadas na telinha. Nessa

parte, então, o teatro saiu um pouco prejudicado. Nos grandes centros há

muita manifestação teatral, mas nos centros pequenos, manutenção da chama

eterna do teatro, continua sendo mantida pelos amadores. (Edmundo

Cardoso).

RESUMO

Neste trabalho, efetuamos o resgate da Escola de Teatro Leopolpo Fróes (ETLF), atuante

entre 1943 e 1983, na cidade de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul.

Inicialmente fazemos um passeio panorâmico pelo espaço urbano de Santa Maria,

evidenciando suas marcas de crescimento e modernização a partir da estrada de ferro (1885) até

nossos dias. A ferrovia e a universidade, a arquitetura e as casas de espetáculos são sinais dessa

modernidade urbana. A ETLF se insere nesse processo como grupo de amadores que respondem

às demandas artísticas da classe média local.

Logo após, historiamos a vida da Escola de Teatro, destacando seu diretor, Edmundo

Cardoso (EC) e seus atores. Para esta parte, utilizamos não somente as fontes bibliográficas

possíveis como o testemunho de diversos integrantes da ETLF. As relações da Escola com a

cidade ficam explicitadas neste momento.

Finalizamos apresentando o produto realizado pela ETLF: suas 40 peças encenadas,

resumindo cada uma delas, assim como identificando os atores, técnicos, mantenedores e alguns

dados a respeito das representações.

A Escola de Teatro Leopoldo Fróes marcou a vida cultural santa-mariense e expressou as

inquietações de seu setor médio ilustrado.

Palavras-chave: Vida urbana, modernidade, teatro, Escola de Teatro Leopoldo Fróes,

Santa Maria.

ABSTRACT

This work has tried to rescue Leopoldo Fróes Theater School (ETLF), which was open

from 1943 to 1983, in the central area of Rio Grande do Sul.

First, we have done a panoramic overview on the urban space of Santa Maria, trying to

point out its evidences of growth and modernization from the railway period (1885) until our

days. The railway and the university, the architecture and the theaters are the signs of this urban

modernity. The theater school (ETLF) is inside this process as a group of amateurs that respond

to the artistic demands of the local middle class.

Secondly, we review the history of the Leopoldo Fróes Theater School, pointing out its

director, Edmundo Cardoso, and its actors. For this part of the work, we have used not only the

available bibliographical sources but also the testimony of many people that integrated the school.

The relationships of the school with the city were shown at this point.

Finally, we presented the work developed by the ETLF: its 40 plays, summing up each

one of them, as well as identifying the actors, technicians, sponsors and some data about the

acting.

The Leopoldo Fróes Theater School has left a mark in the cultural life of Santa Maria

and expressed the anxieties of the middle class sector here illustrated.

Key-words: Urban life, modernity, theater, Leopoldo Fróes Theater School, Santa Maria.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Planta central da cidade de Santa Maria (1902) ..................................................... 33

Figura 2: Cine-Teatro Coliseu Santamariense ........................................................................ 46

Figura 3: Cine-Teatro Imperial ............................................................................................... 48

Figura 4: Cartaz de divulgação do filme Os abas largas (1961)............................................ 53

Figura 5: Integrantes da ETLF. (1943) ................................................................................... 79

Figura 6: Integrantes da ETLF com Procópio Ferreira, na residência de EC. (1953) ............ 94

Figura 7: Terreno da ETLF (Anos 60) .................................................................................... 96

Figura 8 e 9: Planta baixa e desenho do croqui da ETLF. (final dos anos 50). ...................... 97

Figura 10: Terreno da ETLF. (2003) ....................................................................................... 99

Figura 11: Edmundo Cardoso. (1955) .................................................................................. 102

Figura 12: Edna Mey Cardoso. (1955) ................................................................................. 105

Figura 13: Geolar Badke. (1955) .......................................................................................... 106

Figura 14: João Teixeira Porto. (1955) ................................................................................. 108

Figura 15: Jorge Beduino Ramos Medeiros. (1963) ............................................................. 111

Figura 16: Dalton Couto. (1957) ...........................................................................................113

Figura 17: José Medeiros. (1955) ..........................................................................................117

Figura 18: Setembrino Souza. (Anos 50) ..............................................................................118

Figura 19: Wilde Quintana. (Anos 50) ..................................................................................119

Figura 20: Elenco e corpo técnico da peça Saudade. (1943) ............................................... 129

Figura 21: Encenação da peça Feitiço. (1977) ..................................................................... 135

Figura 22: Elenco e corpo técnico da peça Pense Alto. (1947) ............................................ 138

Figura 23: Elenco e corpo técnico da peça Lar, doce lar. (1949) ......................................... 142

Figura 24: Encenação da peça A raposa e as uvas. (1955) .................................................. 149

Figura 25: Elenco da peça As bodas do diabo. (1952) ......................................................... 150

Figura 26: Encenação da peça Curvas Perigosas. (1954) .................................................... 153

Figura 27: Encenação da peça Espectros. (1955) ................................................................. 155

Figura 28: Cenário da peça A camisola do anjo, (1956) ...................................................... 158

Figura 29: Cenário da peça Delito na Ilha das Cabras, (1956) ........................................... 160

Figura 30: Cenário da peça Está lá fora um inspetor, (1957) .............................................. 162

Figura 31: Cenário da peça Via Sacra, de Edmundo Cardoso. (1961) ................................. 167

Figura 32: Ensaio da peça O asilado. (1963) ....................................................................... 170

Figura 33: Ensaio da peça Roleta paulista. (1963)............................................................... 172

Figura 34: Ensaio A falecida. (1967) .................................................................................... 173

Figura 35: Encenação da peça Pic nic no front. (1969)........................................................ 178

Figura 36: Encenação da peça A revolta dos brinquedos. (1971) ........................................ 180

Figura 37: Encenação da peça Joãozinho anda pra trás. (1983) ......................................... 187

viii

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA....................................................................................................................... iii

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. v

EPÍGRAFE .............................................................................................................................. vi

RESUMO EM LÍNGUA VERNÁCULA ............................................................................... vii

RESUMO EM LÍNGUA INGLESA...................................................................................... viii

LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................... ix

SUMÁRIO ...............................................................................................................................11

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 14

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16

CAPÍTULO I

O CENÁRIO: SANTA MARIA – PROCESSO HISTÓRICO E PRÁTICAS CULTURAIS

1.1 Santa Maria: desenvolvimento urbano ....................................................................... 29

1.2 Santa Maria dos espetáculos: os cine-teatros.............................................................. 38

CAPÍTULO II

A TRAMA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES

2.1 Da influência teatral portuguesa no Brasil à Escola de Teatro Leopoldo Fróes: um

breve histórico ........................................................................................................................ 65

2.2 A urdidura de uma trama: a criação da Escola de Teatro Leopoldo Fróes .................. 76

2.3 O palco: a construção de um teatro para a Escola de Teatro Lepoldo Fróes .............. 93

2.4 Os personagens da Escola de Teatro Leopoldo Fróes: imagens do palco................. 100

CAPÍTULO III

O PALCO, OS PERSONAGENS E O ESPETÁCULO: PEÇAS ENCENADAS PELA

ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES ..................................................................... 126

3.1 Saudade (1943) ......................................................................................................... 128

3.2 Compra-se um marido (1943) ................................................................................... 130

3.3 Deus lhe pague (1944) .............................................................................................. 131

3.4 Marido número cinco (1944) .................................................................................... 132

3.5 Os divorciados (1944) ............................................................................................... 133

3.6 Maria Cachucha e Feitiço (1945).............................................................................. 133

3.7 A barbada e Pertinho do céu (1946) .......................................................................... 136

3.8 Era uma vez um vagabundo (1947) .......................................................................... 137

3.9 Pense alto (1947) ...................................................................................................... 138

3.10 O burro ( 1948) ...................................................................................................... 139

3.11 O calcanhar de Aquiles ( 1948) .............................................................................. 140

3.12 Lar, doce lar (1949) ................................................................................................ 141

3.13 Avatar (1950) ......................................................................................................... 143

3.14 É proibido suicidar-se na primavera (1951)........................................................... 143

3.15 A raposa e as uvas (1952-55) ................................................................................. 145

3.16 As bodas do diabo (1952-55) ................................................................................. 149

3.17 Curvas perigosas (1953-54) ................................................................................... 152

3.18 Espectros (1954-55 ................................................................................................ 154

3.19 A camisola do anjo (1956) ..................................................................................... 158

3.20 Delito na Ilha das Cabras (1956) ........................................................................... 159

12

3.21 Está lá fora um inspetor (1957) .............................................................................. 161

3.22 O casaco encantado (1959) .................................................................................... 163

3.23 Pluft, o fantasminha (1960)..................................................................................... 164

3.24 O caixa que foi até a esquina (1961)....................................................................... 165

3.25 Via Sacra (1961 ....................................................................................................... 166

3.26 O cavalinho azul (1963) .......................................................................................... 167

3.27 O asilado (1963)...................................................................................................... 169

3.28 Roleta paulista (1966) ............................................................................................. 170

3.29 A falecida (1967) ..................................................................................................... 172

3.30 Maria minhoca (1968) ............................................................................................ 174

3.31 Pic-nic no front e A história do zoológico (1969) ................................................... 175

3.32 A canção dentro do pão (1970) ............................................................................... 178

3.33 A revolta dos brinquedos (1971-72)........................................................................ 179

3.34 Soraya, posto dois (1973) ....................................................................................... 182

3.35 Dona Patinha vai ser miss (1975) ........................................................................... 184

3.36 Dona Maroquinhas fru-fru (1978) .......................................................................... 185

3.37 Joãozinho anda pra trás (1983) ............................................................................... 186

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 190

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS .................................................................................... 198

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 205

DEPOIMENTOS .................................................................................................................. 207

FONTES COMPLEMENTARES......................................................................................... 208

CORRESPONDÊNCIAS ..................................................................................................... 209

13

APRESENTAÇÃO

Durante toda minha pesquisa desenvolvi os mais diversos sentimentos e emoções em

relação ao Edmundo Cardoso. Embora o objeto central do estudo tenha sido a Escola de Teatro

Leopoldo Fróes (1943-1983) e, a princípio, cogitasse que dele teria somente o acervo a meu

dispor para efetivar meu trabalho, ao final percebi que sem ele, mesmo com o arquivo sobre a

ETLF, não teria conseguido grande coisa.

Não há uma página sequer de minha pesquisa em que o nome de Edmundo não tenha

sido citado. E isso não tem nada a ver com a admiração que tenho por ele ou porque lhe desejo

agradecer alguma coisa. Se fosse agradecer qualquer coisa a ele, não conseguiria dizer-lhe nada

que ele já não soubesse. E Edmundo gostava muito de desafios para pensar que meu trabalho

havia sido concluído.

Quando escrevi sobre os cine-teatros e os cineclubes na Santa Maria do século XX, ele

ainda estava vivo e nunca me ocorreu que, quando chegasse ao estudo da Escola de Teatro

propriamente dita, ele não poderia mais responder às ansiosas perguntas desta mestranda.

Primeiro entrei em pânico: como podia ele me abandonar agora, quando eu precisava

tanto? Depois, mais calma, comecei a ler alguns dos seus escritos, embora continuasse a ter

diálogos imaginários e furiosos com ele.

Edmundo morreu em 05 de dezembro de 2002 e, sob um calor sufocante, que é peculiar

a qualquer santa-mariense durante o mês de janeiro, já me encontrava revirando documentos

que por toda vida ele havia guardado. Parei então de brigar e comecei a pedir-lhe ajuda.

Senão todas, quase todas as respostas estavam lá. Acima de minha bancada de trabalho,

15

nas várias fotos que expus de Edmundo – para não me sentir tão só, nas delícias e nos sofrimentos

de uma pesquisa para dissertação – ele me olhava com a firmeza que lhe era peculiar, como a me

dizer: “Pensavas que seria fácil? Pretendias um caminho sem pedras para levantar algo que

construí durante toda a minha vida, em poucos meses? Quem pensas que és?”

Penso que sou uma jovem obstinada em “dar a César o que é de César”, como vive

dizendo o Jorge Beduino, que também fez parte da Escola. Ou segundo outro membro da Escola

de Teatro, J.T. Porto, “tudo o que sei de teatro, aprendi com o Cardoso.” Geolar Badke diria:

“este teu trabalho é admirável.”

Ao final, Edmundo Cardoso passeou como um flauner por toda minha pesquisa. Fui

apenas aquela que punteou a memória – esta sim, extraordinária – de toda esta gente. Não dei a

César o que era de César, porque tudo já era dele. Nas longas conversas com Geolar e Porto,

apenas resgatei a lembrança de uma vivência que era deles, não minha. E se há algo admirável,

foi a capacidade que eles e tantos outros tiveram de criar e manter por 40 anos uma Escola de

Teatro Amador nestes confins do Rio Grande.

Continuo conversando com Edmundo. Mais comedida, agora sei que dar conta de toda

aquele acervo é um trabalho para muitos anos, não para uma dissertação de mestrado. Não estou

frustrada com isso, apenas reconheci que todo trabalho tem suas limitações.

E novamente é Edmundo quem me mostra que, mesmo tendo lutado tantos anos, não

logrou construir seu teatro. Mas conseguiu deixar em seus guardados tanto material precioso,

que gerações e gerações ainda terão documentos em que pesquisar, pensar e aprender e assim

sua memória se manterá.

Porém, todos terão que saber que o papel de ator principal é dele. Seremos sempre a

platéia neste espetáculo que ele criou ao longo de seus 85 anos. Cortinas se fecham.... ou se

abrem?

A autora

Outono de 2003.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho pretende-se resgatar a história da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, atuante

nos anos de 1943 a 1983, na cidade de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul. Ao

enfocar este grupo de artistas, temos como objetivo trabalhar o modo como se processava a vida

cultural em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.

Santa Maria, ao tempo em que funcionou esta escola teatral, era uma cidade

marcantemente ferroviária – centro ferroviário do Rio Grande do Sul -, além de um centro

militar, comercial e estudantil. Já existiam salas de espetáculos na cidade e a vida teatral tinha

alguma tradição. O grupo se organizava visando ao trabalho amador e buscava atores dentro da

sociedade de escol, conforme expressão da época.

A dinâmica do grupo evidenciava um distanciamento de qualquer projeto de

profissionalização, apesar de ambicionar a construção de um teatro próprio. Desta maneira,

tratava-se de um grupo genuinamente de artistas amadores – amantes da ribalta, como eles

próprios se autodenominam até hoje – visando a um enriquecimento de suas vidas e também da

cultura citadina. São homens e mulheres com atividades remuneradas no quartel, na universidade,

no serviço público, na escola secundária, no rádio, que marcam uma resistência em relação aos

espaços artísticos da boemia e do circuito comercial.

Caracterizado o grupo teatral dessa maneira, pode entender-se que o surgimento desta

agremiação ocorreu em um período em que os meios de difusão da cultura e do entretenimento

eram escassos. Como veremos, havia principalmente o cine-teatro, existindo inclusive uma certa

tensão entre ambos. Ao longo do tempo em que a Escola de Teatro Leopoldo Fróes atuou, este

17

cenário foi se transformando. O cinema e o rádio se impuseram, além de surgirem a televisão e

o vídeo, meios de comunicação de usufruto privado, que retiravam as pessoas do circuito social

da cultura.

A nossa proposta neste trabalho, ao recuperar a memória deste importante grupo teatral

da cidade, que catalisou as inquietações artísticas de um grupo expressivo de atores, escritores,

diretores de teatro, radialistas, poetas, pintores, é mostrar as dificuldades da criação artística em

uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Dirigidos por uma figura enérgica, criativa, algo

visionária também - Edmundo Cardoso (1917-2002) - a Escola de Teatro conseguiu manter

unidos este grupo de sonhadores e ainda conquistar o apoio de pessoas de destaque na sociedade,

para viabilizar seus projetos.

A Escola de Teatro Leopoldo Fróes não expressou apenas a inquietação de um grupo de

artistas, mas também a de um setor da sociedade local que buscava a sua afirmação por meio da

arte. O teatro, enquanto espaço social que reúne pessoas de bom gosto, é um território de

afirmação. O teatro, enquanto casa de espetáculo, é evidência de uma sociedade que se distancia

do prosaico ruído dos trens, das oficinas, dos quartéis, das lojas, dos bancos escolares e lança as

pessoas para um plano mais alto.

Resgatar a Escola de Teatro Leopoldo Fróes é, além de registrar o esforço de seus artistas,

apontar para um projeto coletivo que ganhou a mente e o sonho dos santa-marienses. Não esquecer,

nesse sentido, que a auto-imagem da cidade é a de uma cidade cultura, local de ensino, a

universidade e local de criação também. Nada mais exemplar quanto a este último aspecto do

que a criação (coletiva) do teatro.

Dessa forma, claro está que o objetivo geral desta pesquisa é a recuperação/resgate da

Escola de Teatro Leopoldo Fróes, dentro de um cenário que nem sempre lhe foi favorável.

Tendo em vista este propósito, foi necessário delimitar não só o cenário em que atuou a ETLF

mas também suas possibilidades e limites.

Neste ponto, necessitamos elaborar um retrospecto da história da cidade de Santa Maria,

desde sua fundação no final do século XVIII, seu desenvolvimento urbano e as tentativas de

modernização que a caracterizaram como um pólo comercial e cultural em meados do século XX.

Dentro desse contexto modernizante, demarcamos o primeiro objetivo específico deste

18

trabalho, apresentar uma sociedade preocupada em construir palcos que possibilitassem a exibição

de espetáculos vindos de fora ou mesmo aqueles produzidos na cidade, transferindo logo depois

- com a expansão do cinema - seus intresses para a efetivação de salas que propiciassem a

exibição da cinematografia.

Tendo como pano de fundo a cidade e sua história (o cenário), apresentamos a trama, que

é o segundo objetivo deste trabalho, apontando para o movimento que possibilitou a criação da

Escola de Teatro, a qual seria urdida por homens e mulheres – nossos personagens. A identificação

desses personagens – suas histórias, por meio de depoimentos e da documentação, dos próprios

textos das peças - tornaram possível a sistematização dos espetáculos, nosso terceiro objetivo.

Para dar conta da reconstituição desse cenário, da trama, de seus personagens e da encenação

das peças (ainda vivos na lembrança dos integrantes remanescentes da Escola de Teatro e da própria

sociedade), dividimos esta pesquisa em três capítulos, a saber: o primeiro capítulo, intitulado O

cenário: Santa Maria – processo histórico e práticas culturais, foi seccionado em duas partes que

dão conta da contextualização histórica do trabalho no primeiro subcapítulo e das possibilidades

culturais em Santa Maria, durante o século XX, no segundo subcapítulo. Tais divisões denominam-

se Santa Maria: desenvolvimento urbano e Santa Maria dos espetáculos: os cine-teatros,

respectivamente.

O segundo capítulo, A trama: o caso da Escola de Teatro Leopoldo Fróes possui quatro

subdivisões. Em um primeiro momento, historiamos a trajetória do teatro brasileiro desde a

influência portuguesa, durante o Brasil Colônia, até chegarmos aos anos 80 do século XX que

foi denominado Da influência teatral portuguesa no Brasil à Escola de Teatro Leopoldo Fróes:

um breve histórico. A seguir, mostramos, de maneira cronológica, a criação da Escola de Teatro,

suas dificuldades e suas conquistas, no subcapítulo A urdidura de uma trama: a criação da

Escola de Teatro Leopoldo Fróes.

Criada a Escola, suas peças precisavam ser encenadas em palcos emprestados pelos

cine-teatros, que logo passaram a priorizar as sessões de cinema às atividades da ribalta. Então

o grupo teatral começou a pensar na construção de seu próprio palco. Optamos por abordar este

tópico no subcapítulo seguinte, denominado O palco: a criação de um teatro para a Escola de

Teatro Leopoldo Fróes, no qual tratamos os diversos caminhos pelos quais passaram os integrantes

19

da Escola em busca de seu próprio teatro, de forma que não ficassem à mercê de interesses e

prioridades de terceiros.

Mesmo não tendo obtido êxito no empreendimento (o do teatro próprio), seus atores,

atrizes, grupo técnico e eventuais mantenedores, continuaram na ribalta. Essas pessoas, que

chamamos de personagens, estão apresentadas no subcapítulo Os personagens da Escola de

Teatro Leopoldo Fróes: imagens do palco. Nele são apresentados os sonhos e as realizações em

um palco onde o espetáculo maior são os personagens – não os que são encenados, mas os que

encenam – e que tornaram possível a existência da ETLF.

O terceiro capítulo denomina-se O palco, os personagens e o espetáculo: peças encenadas

pela Escola de Teatro Leopoldo Fróes, no qual historiamos as peças encenadas pela Escola de

forma linear e, mais que isso, apresentamos os resultados da luta para manter esta Escola. Neste

capítulo passeiam – peça por peça – os espetáculos encenados pela ETLF: os atores, a equipe

técnica, informações sobre cenário e divulgação, assim como o resumo dos textos. Com esse

inventário de realizações concretizamos o produto final de nosso drama.

Das fontes utilizadas para concretizar esta pesquisa, privilegiamos a documentação

existente no acervo particular de Edmundo Cardoso. Também contamos com o privilégio de

conviver com este artista assim como com seus familiares. Neste acervo encontra-se amplo

registro de diversas atividades da ETLF, tais como recortes de jornais de Santa Maria, Porto

Alegre e outras cidades nas quais o grupo se apresentou; bibliografia específica sobre teatro,

cinema e manifestações artísticas e culturais na cidade; fotografias dos atores, dos cenários;

desenhos de figurinos, esboços de cenário; fôlderes, material de propaganda; assim como as

atas das reuniões e assembléias da agremiação.

Material extremamente importante foi a documentação organizada em dossiês a respeito

de cada uma das 40 peças encenadas pela ETLF. Esta organização foi realizada tanto pelo diretor,

Edmundo Cardoso quanto por sua segunda esposa, Therezinha de Jesus Pires Santos, e sua filha,

Gilda May Cardoso Santos. Nessas pastas existem (muitas vezes sem a indicação bibliográfica

específica) libretos, notícias de jornais, crônicas, cartas de críticos, artistas e dramaturgos, folhetos,

banners, fôlderes, anotações pessoais, registros/liberações dos órgãos de censura, correspondência

com instituições e políticos. Para complementar os dossiês, há os textos das peças encenadas,

20

que foram de suma importância para entendermos o tipo de teatro levado pela ETLF.

A documentação referida não foi pesquisada para nenhum fim até a presente data e,

portanto, o levantamento histórico da Escola de Teatro aqui proposto possui caráter inédito. Não

buscamos, entretanto, nesta pesquisa, a análise dos textos encenados, uma vez que nenhuma

peça levada pela ETLF era de autoria de componentes da Escola ou mesmo de intelectuais da

cidade. Eram textos consagrados ou não, de autores nacionais ou estrangeiros, alguns deles

encenados pela primeira vez no Brasil, como o caso da peça levada em 1952 e 1955, As bodas

do diabo, do argentino Aurélio Ferretti, a qual foi traduzida por Edmundo Cardoso e Wilde

Quintana. Edmundo Cardoso escreveu somente uma peça teatral, Um criado às suas ordens,

que Procópio Ferreira desejava encenar. Não havendo possibilidade de encenação, a idéia não

se concretizou.

Entendemos que a importância da Escola de Teatro se dá devido a sua ação cultural na

cidade e, especialmente, à encenação de dezenas de espetáculos. Teatro, segundo Rosenfeld

(1993), é texto transformado em ação, é texto encarnado por atores. Nesse sentido, a ETLF fez

teatro, transformou textos dramáticos e cômicos em ação no palco e utilizou para isso,

fundamentalmente, o corpo, os gestos e as falas dos seus atores.

Um outro recurso de fundamental importância para a realização deste resgate foi a

utilização de depoimentos de antigos integrantes da ETLF. Pôde contar-se com a colaboração de

diversos atores e contemporâneos das atividades do grupo, os quais possibilitaram um melhor

entendimento da documentação existente. Muitas vezes estes depoimentos supriram lacunas

existentes nos registros da Escola. O resultado desta coleta de testemunhos está presente em

todo o texto, constituindo focos narrativos que, por vezes se complementam, outros dialogam

entre si e, em outros se dirigem ao leitor, tornando-o seu interlocutor. Enfim, as narrativas orais

dos integrantes da ETLF, a forma específica como estes atores abordaram suas atividades,

constituíram importante eixo neste trabalho.

Foram utilizados também, textos que auxiliassem na compreensão da urbanização,

arquitetura, modernidade e memória que estivessem ligados ao período e ao tema propostos.

Dos títulos trabalhados, destacamos as obras de Maria Cristina da Silva Leme, Urbanismo no

Brasil, 1895-1965 (1999); de Hugo Segawa, Arquiteturas no Brasil, 1900-1990 (2002); de

21

Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar (1986); de Alain Touraine, Crítica da

modernidade (1994); de Tatiana Lenskif, A memória e o ensino da História (2000) e de Ecléa

Bosi, Memória e sociedade: lembranças de velhos (1994). Além disso, utilizamos textos

específicos em tais assuntos, sobre a cidade de Santa Maria, que serão mencionados no decorrer

deste trabalho.

Dessa forma, esta pesquisa tem como propósito resgatar a trajetória e as realizações

artísticas de um grupo de teatro amador na cidade de Santa Maria: a Escola de Teatro Leopoldo

Fróes, entre os anos de 1943 e 1983. O que pretendemos com isto é reconstituir parte da vida

cultural desta cidade, a partir da atuação deste grupo de atores. Entende-se que estes encarnavam

um projeto de atividade artística comum ao campo teatral da época e vinculavam-se ao dinamismo

da cidade. Suas realizações indicavam um certo amadurecimento da vida cultural santa-mariense,

assim como apresentavam as dificuldades específicas deste tipo de atividade em uma cidade

interiorana.

Acentuamos o cotidiano do grupo, suas relações, seus acordos com instituições, seus

projetos – inclusive o da construção de um teatro próprio – tendo sempre presente que a encenação

teatral é um evento efêmero que não se repete e apenas deixa registros (fotos da encenação,

desenhos de cenários e figurinos), mas jamais o ato em si. Desta maneira, a reconstituição da

história da ETLF é também, ao seu modo, uma encenação, na qual participaram – com relatos

memoralísticos – os próprios integrantes do grupo.

Utilizando uma expressão de Ecléa Bosi, em seu livro Memória e Sociedade: lembranças

dos velhos (1994), os recursos da imagem e da oralidade foram aqui aplicados com a intenção de

puntear a trajetória da Escola de Teatro Leopoldo Fróes. Ou seja, como forma de costurar as

informações encontradas no acervo.

É necessário salientar que os entrevistados tinham clareza da importância de sua

contribuição por meio de suas narrativas para a preservação de um período tão importante para

suas próprias vidas e para a história local. Embora a memória seja algo construído coletivamente,

na medida em que seus depoimentos evoluíam, passavam a ter caráter único. Ou seja, passavam

a ter, além do caráter social e coletivo, o caráter individual do ato de lembrar. Todos os depoimentos

foram repassados e amplamente discutidos com os narradores.

22

Todavia, para melhor compreensão do período estudado e das fontes utilizadas, foi

necessária a delimitação dos fundamentos teórico-metodológicos em uma pesquisa que, além

das fontes empíricas essenciais para sua realização, contou com elementos que a

complementassem enquanto reconstrução do passado, como a memória, o tempo, a imagem e a

oralidade.

Nessa perspectiva, contamos com os paradigmas da Nova História Cultural, de onde

emergem a memória, a cultura, a fotografia, o tempo histórico, a oralidade e outros mecanismos

de análise como espaços pertinentes para a pesquisa em História e se constituem como foco de

discussão teórico-metodológico deste trabalho.

Para isso, fundamentamos este trabalho a partir das obras de Lynn Hunt, A Nova História

Cultural (1992); de Peter Burke, A escrita da História: novas perspectivas (1995) e Testemunha

ocular: história e imagem (2003); de Henri Bergson, Matéria e memória: ensaio sobre a relação

do corpo com o espírito (1990) e de Francisco Falcon, História Cultural: uma visão sobre a

sociedade e a cultura (2002).

Com relação à História Oral, nos utilizamos de textos de Marieta de Moraes, História

Oral (1994); de Núncia Santoro de Constantino, Narrativa e História Oral (1996) e de Marieta

Soares Ferreira, Desafios e dilemas da História Oral nos anos 90 (1998).

A intenção aqui é passear no e com o tempo, buscando reorganizar os cacos, os fragmentos

que se encontram dispersos, proceder uma bricolagem espaço-temporal, na tentativa de

compreender o espaço cultural como uma unidade complexa, portadora de sentido, que aproxima

os homens, constituindo-se num campo de interpretação. Longe de buscarmos ser prisioneiros

de uma memória coletiva, que reduz o diálogo entre as partes, buscamos entender o jogo

comunicacional entre elas sem reduzi-lo a uma única voz, mas criando teias dialógicas, produtoras

de sentido, que são concorrentes, complementares e muitas vezes antagônicas.

Esta é a investida apresentada inicialmente no presente trabalho e, portanto, é mais uma

problematização em busca de contribuições do que propriamente um conjunto de afirmações

que tenham o peso de definições. Não se pretende (nem se deve) fechar a pesquisa em si mesma.

Pretende-se, isto sim, - além dos fatores/objetivos já mencionados –, através de um suporte

empírico sistematizado mas não concluso, constituí-la no ponto de partida para futuras pesquisas/

23

investigações.

O século XX - período abordado nesta pesquisa – encerrou-se sacudido pelo poder e

pregnância da imagem e reconhecemos que os estudos acadêmicos têm despertado para

compreendê-la.

As fotografias, nesse sentido, são resíduos que narram modos de ver e conceber o mundo

a partir dos cenários, poses, recortes. São, portanto, portadoras de sentidos. Falam, interrogam,

informam, comunicam. As fotografias são textos relacionais. E como tal foram aqui utilizadas,

ou seja, de forma a relacionar os depoimentos cedidos aos documentos pesquisados no acervo.

Dessa forma, entendemos que as mesmas valem enquanto elo entre a memória dos depoentes e

os registros encontrados no acervo, isto é, a documentação existente.

A História deve ser um campo que amplia e aprofunda as práticas e reflexões dos homens,

levando em consideração os desejos, anseios, emoções, cristalizadas por mecanismos diversos.

A fotografia permite leituras ampliadas e complexas dos homens. Por isso a escolha dessa

referência, como um complemento neste trabalho, no qual os personagens, os cenários, os

figurinos, mas fundamentalmente as expressões, denunciam os sonhos que permearam a existência

da Escola de Teatro Leopoldo Fróes. Assim, nelas é satisfeita a necessidade de ver e crer em tais

sonhos ainda hoje.

Como já explicitado anteriormente, o ato da encenação não se apreende em sua totalidade,

o tempo não pode ser medido, intervalado. Ele é irreversível. O que se (re) organiza já tem a

marca da dispersão. Ou seja, entre a encenação, a fotografia, a memória e a narrativa há um

campo de intencionalidade impossível de ser registrado, mas que impregna o acontecimento.

Esse fato é o que permite sempre novas abordagens. A totalidade dada pela conjunção dessas

peças não significa a verdade definitiva, mas apenas um estado da interpretação da realidade,

sujeito a reinterpretações.

Ver, por meio das fotografias, as histórias por elas enredadas é mergulhar no cotidiano,

retirando do fundo do baú as recordações empoeiradas que turvam o olhar dos entrevistados e

colocar suas histórias dentro de uma perspectiva de auto-organização ou de ressignificação social.

(BURKE, 2003).

Sendo o homem um sujeito histórico, recordar é um ato coletivo, que está ligado a um

24

contexto social e a um tempo que engloba uma construção, uma noção historicamente

determinada. A lembrança é a recordação de um tempo revivido.

A memória pode ser vista como uma seletiva reconstrução do passado, baseada em ações

subseqüentes, percepções e novos códigos, pelos quais delineamos, simbolizamos e classificamos

o mundo a nossa volta. A memória adapta o passado para enriquecer o presente. E essa seleção

do passado é feita pela História que se configura como uma construção seletiva desse mesmo

passado. (BOSI, 1994).

Os depoimentos mencionados ao longo deste trabalho possuem também um caráter

ficcional. Mas a dimensão fictícia e imaginária desses relatos não significa que eles não tenham,

de fato, acontecido. Entretanto, ao transcrevê-los, devemos ter em conta as diferentes formas de

imaginação dos depoentes e do interlocutor.

Delimitada a fundamentação e o método da pesquisa, construímos nossa própria narrativa

a partir das fontes utilizadas. Esta narrativa também contém certo caráter ficcional, uma vez que

estamos tratando da reconstituição e da memória de algo que não nos pertence enquanto passado

vivido e sim, enquanto presente reconstituído. Dessa forma, portanto, emergem do cenário

abordado, primeiramente a trama, estando dentro e com ela o palco, os personagens e o espetáculo.

Dos quatro elementos citados, quais sejam, o cenário, a trama, os personagens e o

espetáculo, surgem as hipóteses deste trabalho. A primeira hipótese diz respeito às condições da

criação da ETLF na década de 1940. Entendemos que a cidade propiciava o surgimento de uma

escola de teatro, na medida em que se vivia um tempo no qual os meios de comunicação, de

lazer e cultura eram escassos. Aos poucos esta situação foi se modificando. Em parte porque os

próprios meios de comunicação começaram a se diversificar, com a TV e o cinema, e em parte,

pela proliferação de práticas de esportes e novas opções de lazer. Mesmo assim, a platéia leal à

ETLF continuava prestigiando seus espetáculos, como bem apontam os artigos de jornais e os

depoimentos privilegiados. Neste caso já estamos falando da segunda hipótese, ou seja, da

mudança de hábitos da sociedade santa-mariense.

A trama, na qual se desenrola a urdidura da criação da Escola de Teatro, possui atores

principais, codjuvantes, técnicos e uma infinidade de personagens, dos quais se destaca um –

Edmundo Cardoso – que tudo faz para manter a platéia, criar seu próprio palco e manter seu

25

grupo coeso. Para isso, além da determinação e do carisma pessoal, esse personagem principal

sustenta vasta correspondência com empresários locais, órgãos municipais e estaduais, instituições

de ensino, figuras públicas de destaque e pessoas ligadas ao teatro no Rio de Janeiro e Região

Platina. Estamos delineando a terceira hipótese, que determina um dos fatores que contribuíram

para a encenação de 40 peças de teatro durante os 40 anos da ETLF: a liderança do diretor da

Escola, Edmundo Cardoso, referido por todos os depoentes como uma figura enérgica, mas

capaz de aglutinar a todos em torno do objetivo maior que era a manutenção da Escola de

Teatro.

A ETLF privilegiava, essencialmente, o trabalho amador no teatro e jamais se preocupou

em desenvolver um teatro profissional. Nossa quarta hipótese, portanto, aborda as mudanças da

Escola quanto ao repertório, fixando-se a princípio a um teatro de maior apelo comercial e de

sucesso no centro do país, para dramas, comédias satíricas e teatro de costumes, algumas vezes

levadas pela primeira vez no Brasil, como foi o caso de As bodas do diabo.

O grupo teatral buscava arregimentar para dentro da Escola de Teatro componentes

oriundos da então chamada sociedade de escol, ou seja, procurava incorporar ao grupo a

intelectualidade da classe média santa-mariense da época. Expõe-se dessa forma, a quinta hipótese

da pesquisa, na qual apontamos para o círculo social em que se moviam tanto atores quanto

platéia da ETLF.

No início dos anos 60, chegou a Santa Maria o teatro engajado, que expressava melhor

as contradições sociais e políticas do momento. A inquietação intelectual passou a se expressar

de outra maneira, por uma estética formada pelos teatros de Arena e Oficina. Em Santa Maria,

isto se deu com o Teatro do Estudante, o TUSM, o TUI e o Grupo Presença, uma vez que a ETLF

não deslocou seu foco para o teatro engajado. Esta é, finalmente, nossa sexta hipótese.

No cenário em questão, ou seja, na vida cultural santa-mariense, as casas de espetáculos,

os grupos teatrais, as cenas que circundam os espetáculos e o cinema (divulgação dos eventos,

modismos, regras sociais do mundo cultural e/ou do lazer, conjuntos arquitetônicos que os

viabilizavam) refletem a dinâmica sóciocultural de uma comunidade e seus valores mais

prestigiados. Costumeiramente, é território das suas elites econômica, social e cultural. Entretanto,

tal cenário descreve práticas culturais sob uma visão parcial da mentalidade e do cotidiano

26

dessa sociedade: os grupos sociais que são contemplados com tais práticas, os que são excluídos

e, especificamente, os valores, modas e costumes que são propagados.

Uma vez que privilegiamos fontes específicas, já descritas na construção desta narrativa,

a visão contida aqui não abarca a totalidade dessa dinâmica cultural. Nem poderia, uma vez que

utiliza, além de fontes empíricas, a subjetividade dos depoentos e dos próprios cronistas da

época, que estavam ligados às práticas culturais da cidade.

Enfocar tais práticas – fundamentais no resgate da ETLF, enquanto pólo de inquietação

e criação cultural da sociedade - é também perceber as transformações que ocorriam em outras

esferas, em decorrência da chegada da ferrovia à cidade no final do século XIX, do crescimento

do efetivo militar, da expansão dos estabelecimentos de ensino, até o surgimento da Universidade

Federal, em 1960, da crescente expansão imobiliária e comercial, assim como das mudanças no

cotidiano da cidade com a chegada de atores, dançarinas, viajantes e imigrantes que aqui se

estabeleceram.

Desde o início do século XX, a cidade de Santa Maria abrigou uma série de salas de

projeção cinematográfica e casas de espetáculos, a maioria delas próximas à praça Saldanha

Marinho. Nas imediações também se encontravam cabarés, onde se apresentavam músicos e

artistas de variedades. Essa vida noturna era estimulada pelo fato de a cidade ser um centro

ferroviário, pólo militar, comercial e estudantil. Também ocorreram várias experiências de outras

salas de projeção em um padrão menos empresarial, assim como de pujantes cineclubes. A vida

intensa em torno dessas edificações parece ter ocorrido até a década de 80. A partir daí, a freqüência

do público diminuiu e o cinema e os grandes espetáculos, enquanto atividades comerciais,

deixaram de ser vantajosos.

Em se tratando das casas de espetáculos, temos o Theatro Treze de Maio, provavelmente

inaugurado em 1890 e palco de boas companhias teatrais entre 1890-1913, mas que começou a

decair com a inauguração do Cine-Teatro Coliseu em 1911, por este possuir melhor acústica e

palco mais amplo. Sofreu reformas na década de 90, porém não foram observadas técnicas de

restauro e preservação do estilo arquitetônico original.

Entretanto, poucos são os dados e/ou parâmetros disponíveis que permitem montar um

panorama da arquitetura de Santa Maria, principalmente no que se refere às primeiras décadas

27

do século XX. Quando comparada às demais cidades do Rio Grande do Sul, Santa Maria chegou

à década de 1920 em uma posição de destaque. Já havia consolidado o seu papel de principal

pólo comercial e de prestação de serviços regional e definido sua vocação de centro estratégico

e ferroviário estadual. (SCHLEE, 2001).

Estabelecido o cenário desta narrativa, partimos para a trama, que passa a ser o caso da

Escola de Teatro Leopoldo Fróes em si. Sua criação, a luta pela construção de um palco próprio,

atores que a constituíram, direção, corpo técnico, patrocínios, órgãos mantenedores, apresentações

em outras cidades, ingressos e locais que possibilitaram suas apresentações. Nesse ponto, portanto,

já inserimos, na trama, o palco e os personagens.

A Escola de Teatro Leopoldo Fróes foi criada em 1943 por Edmundo Cardoso, Setembrino

de Souza, Walter Grau, Marconi Mussoi, dentre outros e ficou ativa até 1983, encenando peças

adultas e infantis, dramas e comédias, como: Espectros, de Henrik Ibsen; A raposa e as uvas, de

Guilherme de Figueiredo e Pluft e o fantasminha, de Maria Clara Machado.

No período estudado, as transformações sofridas pelo teatro e pelo cinema interagiam

com a comunidade e com as demais práticas que se podiam realizar com as limitações pertinentes

a uma cidade do interior do Estado.

Cenário e trama delimitados, palco e personagens apresentados, finalizamos com o

espetáculo propriamente dito, ou seja, a demonstração das peças encenadas pela ETLF. Ao longo

de quarenta anos, quarenta peças foram encenadas em palcos santa-marienses, em cidades do

interior e na capital do Estado. Evidencia-se então sua organização interna, suas produções

teatrais e a repercussão de seus eventos na imprensa local e na capital do Estado, e na memória

dos atores que dela fizeram parte. Verifica-se a efervescência e a crise da vida cultural na sociedade

local, bem como as estruturas sociais, políticas e econômicas que sustentaram tal dinâmica.

A década de 80 é significativa para o que poderíamos chamar de término de uma era nas

práticas culturais da cidade e da própria ETLF. As edificações que possibilitavam a encenação

das peças da Escola começavam a ser demolidas ou terem suas funções transferidas para outros

segmentos da sociedade. A Escola perde muito de seu público, que pouco a pouco, vai mudando

seus hábitos de entretenimento e seu interesse pelas luzes da ribalta. E então inicia um período

em que os recursos financeiros começam a escassear e, a partir do fechamento do Cine-Teatro

28

Imperial em 1979, passa a ter limitações também para suas apresentações. Em 1979, morre uma

das figuras mais importantes da Escola, Edna Mey Cardoso e em 1981, morre José Medeiros,

um dos sócios fundadores da ETLF. Em 1983, a Escola encerra suas atividades definitivamente.

Porém, somente em 2001, ela é extinta juridicamente.

Ainda que o cenário que havia possibilitado as atividades da ribalta da ETLF tenha

mudado seu curso para outras práticas socioeconômico-culturais e a trama não tenha conhecido

um final feliz, típico de boa parte das representações atuais, seus personagens mantêm vivas, na

memória, as imagens do palco e dos bastidores. Mesmo que (re)configurado, o espetáculo

continua.

CAPÍTULO I

O CENÁRIO: SANTA MARIA

PROCESSO HISTÓRICO E PRÁTICAS CULTURAIS

Santa Maria – desenvolvimento urbano

É solenemente inaugurado o trecho ferroviário Margem do Taquari, atual

General Câmara, a S. Maria, pelo Vice-Presidente em exercício da

Província, Dr. Miguel Rodrigues de Barcelos, com bailes, banquetes,

passeatas, etc. Antes de inaugurada oficialmente, correram trens de carga.

(BELTRÃO, Romeu. 1979, p. 328).

O local no qual ocorre a trama em que desenvolveremos o resgate da trajetória da Escola de

Teatro Leopoldo Fróes, é a cidade de Santa Maria. Localizada no interior do Rio Grande do Sul, esta

cidade fica em uma região limítrofe entre a Serra Geral e a Campanha, e é marcada, até o início da

década de 1980, pelo fato de ser ponto de cruzamento das diversas linhas ferroviárias do Estado.

O que pretendemos neste capítulo é, ao apresentarmos dados sobre a história da cidade e sua

modernização urbana, em consonância com o desenvolvimento na área dos espetáculos, criarmos o

cenário, no qual os amantes da ribalta, os atores da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, encenaram

suas atividades. É nesse espaço de cidade ferroviária e militar, posteriormente universitária, que a

ETLF empreenderá suas ações. Em nossas hipóteses, apresentadas na introdução, destacamos que a

prática artística da ETLF se insere no esforço modernizador de amplos setores da sociedade local: a

tentativa de dar uma dimensão renovada para uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, marcada

pelo resfolegar das locomotivas e cercada pelas atividades tradicionais da pecuária sul-rio-grandense.

30

Comumente, a história do município de Santa Maria é dividida em três períodos: o

primeiro, a fase em que o núcleo urbano está vinculado às atividades militares de fronteira (final

do século XVIII até quase final do século XIX); o segundo, quando se torna centro da malha

ferroviária do Rio Grande do Sul e é alvo de grande modernização urbana (do final do século XIX até

a década de 1950) e o terceiro, quando passa a abrigar a Universidade Federal de Santa Maria, na

década de 1960, e se constitui em um importante pólo educacional do interior do Estado.

Durante todo esse tempo, no entanto, nunca deixou de ser um importante centro militar e até

hoje abriga inúmeros quartéis, mas perdeu, a partir dos anos 60, as características de cidade ferroviária.

Convém esclarecer que o município não vem, portanto, de um posto ferroviário. Suas

origens são militares e remontam a 1797, quando tropas portuguesas andavam pela região

demarcando as fronteiras do Império de Portugal na região. A Comissão de Demarcação armou

seu acampamento no local onde hoje está a Praça Saldanha Marinho, da qual parte a Rua do

Acampamento, e que à época deu origem a um povoado. (BELÉM, 2000).

Santa Maria tornou-se um posto militar avançado e estratégico, próximo à região do

Prata, em relação ao qual a Coroa Portuguesa e, posteriormente, o Império Brasileiro,

desenvolveram políticas expansionistas. Desta maneira, o núcleo urbano estruturou-se a partir

de uma matriz militar e, em 1885, a ferrovia passou a impulsionar o seu crescimento. Santa

Maria foi elevada à categoria de Município em 1858, desligando-se de Cachoeira do Sul, a qual

estava vinculada.(BELÉM, 2000).

Como centro da malha ferroviária rio-grandense, Santa Maria terminou congregando

todas as atividades referentes a esse serviço – era o centro administrativo da empresa1 – abrigando

uma importante cooperativa de funcionários da ferrovia, considerada como a maior cooperativa

da América Latina. Entre outras coisas, esta cooperativa construiu uma escola masculina e outra

feminina para os filhos dos seus agregados, em prédios suntuosos até hoje existentes. Além

disso, era também em Santa Maria que se encontrava a sede das organizações dos trabalhadores

ferroviários, fazendo da cidade espaço para as atividades trabalhistas e políticas.2 Os ferroviários

se constituíam em setor da classe trabalhadora extremamente ativa – como costumava acontecer

1 De 1885 até 1920 a companhia se chamava Compangnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Após aencampação da estrada de ferro pelo Governo Borges de Medeiros, surgiu o nome Viação Férrea do Rio Grandedo Sul – VFRGS. Em 1958, quando a Viação Férrea foi incorporada pelo Governo Federal, adquiriu o nome deRede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA. (RECHIA, 1999).

2 As referências encontradas em relação à organização dos ferroviários indica que eles não formavam um sindicato,mas se estabeleciam em associações segundo as atividades profissionais na empresa. A Associação de Máquinas,por exemplo, era uma das mais fortes e fundamental nas paralisações. (NUNES, 2002. PETERSEN, 2001).

31

com funcionários dos transportes – e suas atividades sindicais deixaram marcas na cidade, até

que foram reprimidos pelos agentes do Regime Militar instaurado a partir de 1964.

A ferrovia, no século XIX, nos países em estágio de desenvolvimento capitalista, auxiliou

a promover a industrialização e a urbanização. Abrigou novas fontes de investimento – o fabrico

de trilhos, locomotivas, acessórios para vagões – e possibilitou a integração de regiões e mercados,

favorecendo o primeiro contato de vários trabalhadores com o sistema de salários. No caso do

Brasil, a ferrovia não fomentou a industrialização. Surgindo na segunda metade do século XIX,

em um contexto de economia agrária, marcada pelo uso do trabalho escravo, a ferrovia promoveu

principalmente o comércio, unindo centros de produção agrícolas a seus mercados.

Coerente com a sistemática de importação de manufaturados, a ferrovia utilizou-se de

material estrangeiro, não estimulando o aparecimento de fábricas no país. Sua expansão, mesmo

assim, foi geradora de transformações.(HOBSBAWM, 1997).

A população santa-mariense sentiu-se marcada pelas atividades da estrada de ferro, que

aqui chegou em 1885.3 Isto deu origem a uma estação ferroviária, que foi espaço privilegiado na

vida da cidade. Ao seu redor moviam-se condutores de carros, hoteleiros, donos de restaurantes,

comerciantes e donos de cabarés. A cidade abrigou os escritórios centrais da companhia estrangeira

que explorava a estrada de ferro no início do século XX e, desta maneira, uma população de

trabalhadores de alto nível, tais como gerentes-administradores, engenheiros e técnicos em

locomotiva. Para abrigar esta população qualificada, a companhia criou um bairro, até hoje

existente, conhecido como Vila Belga,4 com perfil arquitetônico característico dos chamados

bairros operários do início do século XX.(BELÉM, 2002).

O passado ferroviário é uma marca expressiva na memória, nas lendas e nas histórias da

população santa-mariense, assim como presença ainda marcante em diversos prédios existentes.

Parte das famílias enraizadas na cidade têm vínculos com a ferrovia, isto é, têm parentes próximos

e/ou distantes que estiveram ligados as suas atividades. E a lenta decadência da Rede Ferroviária

– que deixou de crescer nos anos 50 e, a partir dos anos 80, entrou progressivamente em declínio,

abrindo espaço para a sua privatização nos anos 90 – foi acompanhada pela cidade com certa

3 A vinculação da população com a ferrovia é muito grande e isto fica bem documentado no livro que resgata a históriada Vila Belga a partir de testemunhos orais, organizado pelo Centro de História Oral, da Secretaria de Estado daCultura/RGS, chamado Memória cidadã: Vila Belga. O depoimento da Profª Vani Folleto é significativo nesseaspecto: “Eu sou santa-mariense, criada aqui. Então, eu tenho, na verdade, uma sensação de perda com o queaconteceu com os trens, porque era a identidade de Santa Maria, a cidade ferroviária.” (NUNES, 2002, p. 33).

4 A Vila Belga ganhou esse nome devido ao fato de que a empresa que explorava a estrada de ferro era de origembelga.

32

perplexidade melancólica.

O espaço urbano, dedicado a esta atividade – a larga e arborizada avenida Rio Branco,

que termina na estação – acabou perdendo o status de área nobre da cidade e convertendo-se em

território de ruínas. A Viação férrea foi privatizada5 , mas esta mudança não concretizou as

esperanças do município em reviver a atividade ferroviária como núcleo dinâmico.

Em 1988, o cronista Carlos Reverbel descreveu a situação e os sentimentos provocados

pela decadência da ferrovia:

Com a gradativa marginalização dos trens de passageiros, a estação de

Santa Maria entrou num processo de desumanização galopante, que ten-

de a transformá-la em área fantasmal, povoada de duendes e almas do

outro mundo. Noutras palavras: foi destituída de sua funcionalidade, teve

o seu destino truncado, perdeu a razão de ser e de viver. (Reverbel apud

MARCHIORI & NOAL, 1997, p. 292).

Antes deste quadro, porém, a estação de Santa Maria foi um pólo de vida e crescimento.

A inauguração da via férrea, trecho Cachoeira–Santa Maria, em 1885, foi o marco fundamental

no desenvolvimento da cidade. A facilidade do transporte de pessoas e produtos para a capital e

outras cidades do interior trouxe um afluxo muito grande de pessoas a Santa Maria. Grande

número de pessoas desembarcava na Estação Ferroviária, incentivando a criação de novos hotéis,

restaurantes e casas de comércio, que se tornavam atrativos para os visitantes. Já nos primeiros

anos do impulso ferroviário, Santa Maria elevou seu número de habitantes de três mil para

quinze mil pessoas. (ISAIA, 1993). Com isso, o comércio desenvolveu-se com rapidez, não

apenas o varejista, mas também o atacadista, que fornecia mercadorias para as cidades e vilas

menores.

Sua localização privilegiada, como centro geográfico, qualificou-a como o maior

entroncamento ferroviário do Rio Grande do Sul, passagem obrigatória de passageiros da fronteira

à capital ou do planalto à zona sul. (Figura 1). Consequentemente, atraiu grande número de

estudantes de todo o estado, tanto para escolas públicas como particulares, especificamente,

5 A Rede Ferroviária Federal S A (RFFSA), por meio do Escritório Regional de Porto Alegre organizou o leilão departe do patrimônio ferroviário de Santa Maria em um edital de concorrência pública para alienação de patrimônioem 1997 (Edital nº 001/ERPO/97). Sendo assim, em 1997, a FERROVIA SUL ATLÂNTICA assumiu aadministração das ferrovias da região. Atualmente a malha é administrada por outra empresa, a AMÉRICALATINA LOGÍSTICA. (SCHLEE, 1999).

33

para os internatos masculinos e femininos criados na cidade para acolher os filhos das famílias mais

abastadas da região. Em 1905, foram fundados os Colégios Sant’Anna das Irmãs Franciscanas e o

Ginásio Santa Maria dos Irmãos Maristas com esse propósito. (CARDOSO, 1941).6

6 O estabelecimento de colégios e internatos católicos em Santa Maria fazem parte da ação do padre CaetanoPagliuca, pároco da catedral entre 1900 e 1937. Dado a força e prestigio dos anticlericais, o padre Caetano,membro da Sociedade Pia das Missões, estabeleceu uma política de fortalecimento do poder católico na cidade.(BIASOLI, 2002).

Figura 1: Planta central da cidade de Santa Maria com alocalização de seus espaços privilegiados no início doséculo XX: 1. Praça Saldanha Marinho; 2. Theatro Trezede Maio; 3. Avenida Progresso (atualmente Avenida RioBranco); 4. Rua do Acampamento; 5. Estação Ferroviária.(1902).Fonte: Acervo particular do arquiteto e urbanista JoséAntonio Brenner. (Reprodução do original de Nehrer,que pertenceu a Romeu Beltrão).

34

Em conseqüência, a estrutura urbana precisou ser melhorada. Até o final do século XIX

ruas foram calçadas. Começou a funcionar a iluminação elétrica, surgiram hotéis, jornais, novas

escolas, clubes e um teatro, o Treze de Maio. Mudanças significativas apontavam para o que

chamaremos de processo de modernização da cidade.

Em 1918, o engenheiro civil Francisco Saturnino de Brito foi contratado pelo intendente

Astrogildo de Azevedo para elaborar um plano de saneamento para Santa Maria. Encontrou

uma cidade com 8.000 imóveis e cerca de 50.000 habitantes, dos quais apenas 18.000 viviam na

zona urbana. (ABREU, 1958).

Dois anos mais tarde, o município foi visitado pelo jornalista Alfredo Cusano, que registrou

uma população de 20.000 pessoas distribuídas em 3.000 casas. Para o jornalista Alfredo Rodrigues

da Costa, citando um recenseamento efetuado em 1920, a cidade contava com 52.777 habitantes,

que ocupavam 8.430 residências, sendo 2.905 urbanas. Se corretos, tais dados – aparentemente

contrastantes – demonstram um crescimento da população urbana e a manutenção de uma média

de 6 habitantes por residência (em 1826, o primeiro recenseamento do distrito de Santa Maria

acusou a existência de 304 prédios e 2.000 habitantes). Para o historiador Antônio Isaia, foi

entre os anos de 1885 a 1905 que a cidade sofreu sua maior e definitiva transformação, saltando

de 3.000 para 15.000 habitantes. (ISAIA, 1983).

No final da década de 1930, a população estimada do município era de 70.000 habitantes,

sendo 40.000 no núcleo urbano. Segundo a seção de classificados do Guia Ilustrado (1938),

Santa Maria era atendida por nove profissionais Architetos Construtores: Luiz Dernardin, Alfredo

Grassi, Izidoro Grassi, Jorge Habberkorn, Olimpio Lozza, Ermenegildo Mussói e os engenheiros

Luiz Bollick, Edgar W. Pinto e Luiz Schimidt. Muitos deles trabalharam para construtoras ou por

conta própria e foram os responsáveis pela construção dos primeiros prédios que indicavam os caminhos

que a arquitetura santa-mariense assumiria, de forma concreta, a partir da década de 1940.

Duas publicações parecem fundamentais quando o objetivo é compreender o

desenvolvimento urbano em Santa Maria: o livro Um momento da vida do município de Santa

Maria, organizado por Edmundo Cardoso, de 1941, comemorando a passagem do terceiro

aniversário do Estado Novo e o Álbum ilustrado comemorativo do 1º centenário da emancipação

política do município, organizado por José Pacheco de Abreu, de 1958.

35

A primeira obra relata os acontecimentos de novembro de 1940, quando a cidade

comemorou as efemérides do Estado Novo e da República. Getúlio Vargas é apresentado como

“autor dos principais inspiradores do nosso povo no transcurso do mais positivo período da

evolução nacional” e o prefeito de Santa Maria, Dr. Antônio Xavier da Rocha, como “o mentor

do progresso de uma comuna padrão e cultor integral das regras norteadoras da nacionalidade.”

(CARDOSO, 1941, p. 23).

O autor, apoiado nos discursos proferidos nos mais diferentes festejos comemorativos,

buscou demonstrar a existência de um espírito progressista, balizador das realizações do município

nos últimos anos da década de 30. Idéia que se materializou na execução de inúmeras obras. Ao

finalizar a obra, Edmundo Cardoso recuperou uma série de artigos publicados no jornal A Razão,

cujo objetivo era comprovar o processo de modernização instalado na cidade desde 1938.

A administração Xavier da Rocha, de 1938 a 1942, deixou marcas significativas na cidade

de Santa Maria. A reorganização da cidade, a partir de uma ampla reforma administrativa, deu

origem à Diretoria de Obras e Viação, ao Arquivo Municipal e ao Horto Municipal, entre outras

repartições. Tal estrutura permitiu a elaboração do Plano de Expansão Racional e Urbanização

da Cidade, pela Diretoria de Obras e Viação do município em 1938 que foi assinado pelo

engenheiro titular da pasta, Floriano Gonçalves Dias. (CARDOSO, 1941).

O Plano contemplou a reorganização e a emancipação do sistema viário municipal,

prevendo, entre outras medidas, a abertura da Avenida Ipiranga/Presidente Vargas (alargada e

prolongada), a remodelação da Avenida Rio Branco (alargada, arborizada e pavimentada), o

nivelamento da Avenida Borges de Medeiros, a canalização do arroio Itaimbé, e a criação da

Avenida Circular – com 5 km de extensão. Definiu ainda, as áreas prioritárias para a construção

de prédios públicos, como o Estádio Municipal, o Abrigo Monumental de ônibus, o Matadouro

Modelo, a Casa do Municipário e as onze novas escolas municipais, todos projetados pelos

técnicos da Prefeitura Municipal.

Baseada nas diretrizes estabelecidas no Plano, a Prefeitura Municipal instituiu a chamada

contribuição de melhoria (Ato 18 de 1938) que consistia em um imposto a ser pago pelos

proprietários, quando seus imóveis fossem valorizados em decorrência da execução de alguma

obra pública. E, de fato, foram abertas cinco grandes avenidas, dezoito ruas e inúmeras praças.

36

Ainda em 1938, um acontecimento marcou a cidade: a realização da Exposição Estadual.

Passados apenas três anos da Exposição Farroupilha, em Porto Alegre, chegara a vez de Santa

Maria mostrar seu grau de progresso e desenvolvimento. A idéia foi reproduzir, em escala local,

o mesmo esplendor dos festejos farroupilhas. Sendo assim, os planos de urbanização do local da

exposição, no antigo Jóquei Clube de Santa Maria, foram encomendados ao arquiteto Christiano

de La Paix Gilbert, o mesmo que executou e fiscalizou a construção dos pavilhões da exposição

de 35, na capital do Estado. Cabendo ainda ao próprio arquiteto, Christiano, projetar o Pórtico

Monumental e o Cassino.

Em 1958, quando se festejou o primeiro centenário de emancipação política do município,

na gestão do prefeito Vidal Castilho Dania, foi publicado o Álbum Ilustrado comemorativo.

Obra menos personalista do que a de 1941, que buscou resgatar os principais momentos da

História municipal, baseada nos relatos do historiador João Belém e pela comparação de imagens

do passado e do presente da cidade: Santa Maria antiga versus Santa Maria Moderna.7

O Álbum, aos poucos, vai apresentando as obras que caracterizavam a Santa Maria

Moderna: o Posto de Puericultura da LBA, a nova Avenida Rio Branco, o Edifício Taperinha

ainda em construção, os edifícios Mauá e Piraju, a antiga Estação da Viação Férrea, com os

modernos trens a diesel Minuano, a rua Venâncio Aires, com o prédio dos Correios e Telégrafos

e as residências consideradas modernas.

A Santa Maria moderna também estava presente nos espaços destinados à publicidade,

que reproduziam imagens dos edifícios, sedes das principais casas comerciais ou de prestação

de serviços do município: o Hotel Brenner, a Agência Chevrolet, o Imperial Hotel, a Casa Macedo,

o Piraju Hotel, o Novo Hotel Jantzen, o Posto de Serviço Esso Central, a Caixa Econômica

Federal, o Edifício Imembuí com o Banco Agrícola Mercantil, a Fábrica de Mosaicos Ângelo

Bolsson, a Livraria Editora Pallotti, as Casas Eny, as Casas Roth, a Casa Feliz, a Galeria do

Comércio e o Parque Sulbra.

O crescimento populacional das primeiras décadas do século XX foi acompanhado de

um significativo desenvolvimento das atividades econômicas e dos processos de organização

7 João Belém (1874-1935) com Romeu Beltrão (1913-1977) são os historiadores da cidade. Aquele produziuHistória Municipal de Santa Maria, publicado em 1933, este outro escreveu Cronologia histórica de SantaMaria e do extinto município de São Martinho da Serra – 1787-1930, publicado em 1958.

37

social (institucional), repercutindo fortemente na área da construção civil, com desdobramentos

nos anos posteriores.

Tais construções são edificações ecléticas, construídas, na sua maioria, a partir do início

do século XX e caracterizadas pela utilização dos mais variados elementos arquitetônicos,

extraídos de diferentes épocas e regiões, recompostos de diferentes maneiras, dando origem a

obras originais. (SCHLEE, 2001).

Em dezembro de 1960, entretanto, estabeleceu-se em Santa Maria a primeira universidade

federal em uma cidade do interior, a Universidade Federal de Santa Maria, sendo que a Faculdade

Imaculada Conceição já existia desde 1953, uma instituição de ensino superior privada, mantida

pela Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis. Então a cidade ganhou um perfil

de cidade universitária e a dinâmica social e cultural foi se adequando a essa nova realidade.

O objetivo central deste trabalho, todavia, não é a análise do desenvolvimento urbano de

Santa Maria, sua modernização pela via da ferrovia e do sistema de ensino, a universidade

especificamente, passando pelas construções arquitetônicas e as melhorias administrativas. A

demonstração rápida destes aspectos urbanos de Santa Maria, busca somente delimitar o cenário

desta pesquisa, de maneira que se compreenda a trama a ser desevolvida no capítulo seguinte. O

que se pretende, portanto, é apresentar o cenário no qual um grupo de amantes da ribalta vai

desenvolver as suas atividades, a sua trama baseada em personagens, palco e espetáculos.

Entendemos que os integrantes da Escola de Teatro viveram este espírito de renovação

urbana concretizado pela ferrovia, pelas inovações arquitetônicas, pelas melhorias administrativas.

Eles também agiram influenciados pelo setor ilustrado da cidade, que, segundo Edmundo Cardoso,

desde 1877, já realizava “serões dramáticos.” (CARDOSO, 1978, p. 13).

Também partiram da tradição artística dos cabarés – existentes em dimensões expressivas,

devido à posição estratégica da cidade quanto ao aspecto militar e de transporte – cidade de

muitos homens e de trânsito. A agremiação teatral parece ter reunido essas tradições, voltando-

se para a área de espetáculos exibidos para a sociedade de escol, uma das hipóteses já citada na

introdução deste trabalho.

Quanto ao universo das atividades artísticas nos cabarés da cidade, não conseguimos

documentação – apenas breves indícios memoralísticos. A tradição dos bordéis santa-marienses,

38

locais de entretenimento artístico e sexual de viajantes, estancieiros e militares, é algo lendário

na cidade, à espera de um outro pesquisador.

Os cabarés eram espaços de espetáculos musicais e de divertimento artístico inclusive –

eles se encontravam geograficamente próximos às primeiras casas de espetáculos, os teatros

Treze de Maio e Coliseu – e na memória dos integrantes masculinos da ETLF, é um território

sempre referenciado. Um território – o dos cabarés – que proporcionou as primeiras experiências

de deslumbramento diante da encenação, do canto, da vida artística em resumo. As referências

memoralísticas a esta realidade, no entanto, foram sempre escassas e difusas, levando-nos a

concluir que não se tratava de um espaço digno e que a arte devia se dar em um outro contexto:

o da cidade renovada.

Nesse sentido, torna-se necessário acentuar o esforço da sociedade santa-mariense em

criar e manter edificações/salas que tivessem capacidade para apresentar espetáculos, sejam

eles peças teatrais, números de canto ou a nascente sétima arte, o cinema. Salas que propiciassem

à comunidade o acesso à produção teatral ou de companhias de fora, assim como a produção

cinematográfica do país e do mundo.

Santa Maria dos espetáculos: os cine-teatros

Exibe-se na cidade a Companhia Dramática de Carlos Boldrini, trazida

por João Daudt Filho. Como não estava pronto o Theatro Treze de Maio,

os espetáculos são apresentados num barracão de madeira, de proprieda-

de de Antônio Furtado de Mendonça, localizado na praça Tiradentes,

que fica entre a hoje avenida Rio Branco e ruas Vale Machado, Daudt e

Otávio Binato, loteada por volta de 1912. Boldrini, que também é arqui-

teto, encarrega-se da planta do Theatro Treze de Maio. (BELTRÃO,

1979, p. 360).

O mundo dos espetáculos, em Santa Maria, é marcado por duas atividades que se

assemelham e se distanciam quanto ao propósito de proporcionar lazer e/ou cultura. Estamos

falando do teatro e do cinema – aquele produzido artesanalmente, este último em escala industrial.

O teatro, tradicionalmente na sociedade brasileira, foi espaço privilegiado de seus letrados, homens

e mulheres cultos, com intenção de refinamento, mas desenvolveu-se especialmente nas grandes

39

cidades, naquelas em que o êxito econômico possibilitou a criação de casas de espetáculos. Nas

cidades pouco desenvolvidas, o teatro sempre foi uma prática de difícil realização. E, muitas

vezes – devido inclusive ao moralismo predominante – circunscreveu-se ao espaço boêmio,

com intenção de puro entretenimento.

O que pretendemos nesta subunidade do capítulo é apresentar o desenvolvimento dos

espetáculos na cidade, a partir da história de seus teatros e cinemas. Os divertimentos são

introduzidos na vida social santa-mariense e vão sendo administrados de forma amadora e/ou

comercial. O modo como este processo se deu nos indica as realidades e possibilidades da vida

teatral em Santa Maria. É com esta realidade que a ETLF irá dialogar. A Escola tanto se beneficiará

da tradição de espetáculos na cidade quanto sofrerá as limitações desse pequeno circuito artístico.

As limitações do desenvolvimento teatral em Santa Maria, provavelmente se explicam

pela ausência de uma classe dominante próspera como ocorria em Pelotas, capaz de investir em

uma casa de espetáculos e na sua manutenção. Segundo Lothar Hessel, a arte teatral pelotense

prosperou por “força de suas opulentas charqueadas”, especialmente no período do Segundo

Reinado. Em Santa Maria faltou esta opulência no século XIX e também no XX. (HESSEL,

1999, p. 52).

Mesmo assim, foram feitos vários esforços. Segundo Getúlio Schilling, em texto

datilografado em 1943, “um teatro fazia parte do projeto urbanístico” de Santa Maria, desde o

surgimento da cidade. Sua pesquisa sobre o alvorecer da arte teatral na cidade é minuciosa e será

utilizada na produção deste texto. No início do seu trabalho, Schilling aponta que “nem sempre

um edifício construído segundo as exigências da técnica marca a vida teatral numa determinada

sociedade” e este pensamento será assumido no decorrer desta pesquisa: o desenvolvimento da vida

teatral santa-mariense se deu sem uma casa apropriada. A luta pelo desenvolvimento teatral é também

pela concretização de casas de espetáculos dignas desse nome. A ETLF se desenvolverá em palcos

improvisados e encampará o projeto de um teatro próprio. (SCHILLING, 1943, p. 2-10). 8

Schilling coloca que a arte dramática surge primeiramente em palcos improvisados –

8 Getulio Schilling (1896-1959) foi jornalista e escritor, pesquisador que fazia seus livros artesanalmente e osdoava a Edmundo Cardoso. Escreveu textos dramáticos e era um nostálgico da vida teatral santa-mariense dofinal do século XIX e do início do XX, quando escutou, maravilhado, os primeiros cantores líricos. Seu textoexpressa certo desprezo diante dos “abacaxis cinematográficos”.

40

teatros de emergência para espetáculos de ocasião – como o barracão de madeira de Antônio

Mendonça Furtado, na praça Tiradentes, identificado na 4ª edição do livro Daudt Filho como

sendo localizado entre “a área hoje delimitada pelas ruas Daudt, Otávio Binato, Vale Machado e

Av. Rio Branco.” (DAUDT, 2003, p. 78), fato também citado por Beltrão. Nesse barracão de madeira

se apresentava a Companhia Dramática de Augusto Boldrini, trazida por João Daudt Filho, um grande

incentivador das artes locais. Segundo suas Memórias, escritas na década de 1930:

Santa Maria não possuía espetáculos, a não ser os dos circos de “cavali-

nhos” que raras vezes apareciam. Era antiga aspiração dos moradores da

cidade a construção de um teatro, mas nunca fora possível realizá-lo.

Houvera antigamente uma sociedade dramática (...). Essa sociedade ad-

quirira um terreno na praça Saldanha Marinho (...). Resolvi concretizar

a velha aspiração. Em primeiro lugar tratei de adquirir a propriedade do

terreno (...). Em 26 de janeiro de 1889, convoquei uma reunião de santa-

marienses, que patrioticamente corresponderam ao meu apelo. Nessa

sessão foram subscritos 20 contos para a construção do teatro. (DAUDT

FILHO, 1946, p. 121-122).

Dessa sociedade dramática a qual Daudt Filho se refere (fundada em 1880, segundo

Schilling), participavam pessoas ilustradas da cidade, entre eles João Thomaz da Silva Brasil, o

organizador do Código de Posturas do Município, e figuras representativas do comércio, entre

outros. Isto nos indica que membros da sociedade de escol, conforme expressão da década de

1940, encantavam-se com projetos artísticos.

Segundo Aristilda Rechia, a primeira companhia lírico-dramática que veio à Santa Maria

foi o Grupo Lírico Italiano da empresa Socal, em agosto de 1888, que se apresentou em palco

improvisado do Clube Caixeiral. Para Aristilda, foi esta companhia que inspirou João Daudt

Filho a construir o Theatro Treze de Maio. Esta atividade artística não era vista como marginal,

mas como uma aspiração digna da sociedade e, provavelmente, como um ornamento que viria

abrilhantá-la. (RECHIA, 1999).

Em 1889, como vimos, João Daudt Filho formou a sociedade que construiu o Treze de

Maio. A assembléia de fundação ocorreu “numa das salas da Câmara Municipal desta cidade de

Santa Maria da Boca do Monte, onde se achava reunida grande parte da população santa-

41

mariense”. (SCHILLING, 1943, p. 27). Provavelmente no final desse ano, a casa de espetáculos

já se encontrasse em funcionamento, pois não se sabe a data exata da sua fundação.

O material utilizado para a construção do teatro é o da antiga capela da cidade (que até

então servira de igreja matriz), mandada destruir por autoridade judicial municipal devido ao

estado precário de conservação e adquirida em leilão público por Daudt Filho.9 Tal situação faz

com que Getúlio Schilling comente com humor que um templo profano foi construído com

material velho de um templo religioso. O arquiteto responsável pela obra foi Augusto Boldrini,

que também dirigia uma companhia dramática e o construtor, Júlio Weiss.10

Com base em dados do jornal O Combatente, Schilling (1943) fez um crônica minuciosa

dos espetáculos no novo teatro. Neste atuaram os atores amadores Fructuoso Fontoura, Pedro

Amadeu Weinmann, Artur Marques Oestreich, João Pires da Silva, Ildefonso Brenner, os

professores Granja e Teixeira, D. Júlia e o mais velho dos irmãos Mergener, segundo listagem

do próprio Daudt, que também integrava o grupo. Todos eles dirigidos pelos experimentados

atores profissionais Manoel Nóbrega e a esposa Leopoldina, contratados para tal. Segundo Daudt,

Nóbrega “gozava intensamente a alegria de viver na pacata cidadezinha, que (...) agitava em

permanentes diversões no Teatro 13 de Maio.” Logo o teatro profissional foi incentivado a vir fazer

apresentações na cidade. (DAUDT FILHO, 1946, p. 127).

No jornal O Combatente, fizeram-se elogios aos esforços dos atores amadores do Treze

de Maio e foi criticado por isto. Schilling reproduz a defesa do jornal, com relação ao seu apoio

aos amantes da ribalta, publicada em 1892, o que indica ao mesmo tempo seu endosso ao papel

civilizador da arte dramática:

Não se lembram os nossos censores que só o intuito para que trabalham

– o de doar a nossa cidade um teatro, de chamar o povo a freqüentá-lo,

de colocar esta cidade, tanto quanto possível, na altura da nossa civiliza-

ção – só esse intuito, dissemos, não se lembram de que vale uma epo-

péia? (SCHILLING, 1943, p.4)

9 A condenação da capela de Santa Maria, em 1888, por ordem judicial, se inscreve dentro de um quadro dedisputa entre a igreja católica e os anticlericais da cidade. Segundo relatório do Pe. Caetano Pagliuca, a freqüênciaà igreja e a prática dos sacramentos é pequena neste período, devido à “perseguição feroz movida pela maçonaria,em conivência com a autoridade municipal” (Livro Tombo da Catedral de Santa Maria – 1889 a 1914, p. 85-87).

10 João Daudt Filho, em seu livro Memórias, chama o arquiteto do teatro de Carlos e não de Augusto (p. 122).Beltrão e Schilling o corrigem a partir de suas pesquisas. Schilling comenta que no Almanaque Municipal de1889 está Augusto Boldrini e que Daudt Filho, que escreveu seu livro na década de 1930, sem consultardocumentos, provavelmente se enganou.

42

Na década de 1890, o Theatro Treze de Maio foi o pivô, na expressão de Schilling, em

torno do qual “gira a vida cultural santa-mariense”(1943, p.4). Um breve apanhado dos espetáculos

oferecidos proporcionam uma síntese do que foi esta cultura. Em 23 de janeiro de 1892 ocorre

um concerto de violino e, logo após, um baile que se estende até às três horas da madrugada. Em

28 de fevereiro do mesmo ano foi encenado Um marido nas palminhas e um espectador

entusiasmado não se conteve recitou um poema, relativo ao tema da peça, durante a apresentação.

(p. 9).

Nesta mesma noite, o teatro estava ornamentado com os escudos das sociedades locais:

Sociedade Nova Aurora, Clube Caixeiral e Clube dos Atiradores. Em 6 de março, estreou uma

companhia infantil com atores de ambos os sexos na faixa dos 12 anos. Após o espetáculo, a

jovem atriz principal foi conduzida com banda de música e fogos de artifício até o Hotel do

Comércio, onde lhe foi oferecida mesa de doces e onde três oradores recitaram poemas.

A vida cultural era constituída de espetáculos de entretenimento, bailes e mundanidade,

como se vê. Apontamos, portanto, que por muito tempo, o espaço teatral será principalmente

este. A sublime arte é meramente a do espetáculo e do encontro refinado. A ETLF foi uma

continuidade desta tradição, aprimorando-a e buscando uma ruptura com ela. Seus espetáculos

também enfatizarão a dimensão do entretenimento, mas isto será motivo de conflito no interior

da agremiação e, especialmente a partir de 1950, a Escola procurará montar peças

descomprometidas com o riso fácil e também apostará em aprimoramento da linguagem cênica.

O teatro, no entanto, foi, por muito tempo – antes do aparecimento do cinema –, o único

tipo de diversão existente. Não havia sequer os esportes para ocupar a população nas horas de

lazer. Além dessa função de entretenimento, o espaço criado pelos espetáculos teatrais era também

uma espécie de passarela para a sociedade se exibir.

Lothar Hessel em seu estudo sobre teatro rio-grandense aponta, no entanto, que o espaço

da ribalta era essencialmente masculino: “no início do século [XX] os papéis femininos eram

confiados a homens travestidos; depois, a prostitutas de alta categoria que estagiavam na cidade

e, finalmente, a moças da sociedade.” (1999, p. 127).

No crônica de Getúlio Schilling podemos dizer que o teatro é idealizado. É uma arte e

43

um espaço de sociabilidade admirável e elevado. Schilling comenta com pesar que,

freqüentemente, faltava público e os espetáculos não se realizavam. Por vezes, no entanto, havia

empolgação por parte da população e os atores eram presenteados, como foi o caso da atriz

Leopoldina, da peça O Conde de Monte Cristo, em dezembro de 1892, que recebeu do Clube

Caixeiral “uma pulseira de ouro cravejada de pedras preciosas.” (p. 7).

Nessa época, o Theatro Treze de Maio era mantido pela Sociedade Indenizadora que se

propunha a apresentar um espetáculo mensal. Daudt Filho deixou a direção em 1892 e o diretor

passou a ser escolhido pela sociedade mantenedora – isto até 1913, quando o prédio foi comprado

pela Intendência Municipal, deixando de funcionar como teatro.

Além de peças e apresentações de canto, o prédio também era cedido para festas de

clubes, como a quermesse e baile do Clube Caixeiral, em 28 de março de 1893.

A Revolução de 1893 não chegou a abalar a dinâmica do Treze de Maio. Nesse ano, a

Companhia de Zarzuelas11 de Manoel Ponte se destacou na programação e seu diretor e ator

principal foi homenageado com um soneto, publicado no jornal O Combatente. Reproduzimos

alguns versos do poema, transcrito por Schilling, pois entendemos que ele é representativo do

entusiasmo que esta arte proporcionava:

“Artista!, mal que surges no proscênio, / Recebes calorosas ovações! / (...) / Podes mais

do que os reis; pois rindo, ledo, / Tu fazes quem te escuta, venturoso, / E de tornar o povo

descuidoso, / Tu descobriste o mágico segredo.” (1943, p. 10).

Em 1896, o Treze de Maio apresentou espetáculos de cachorros amestrados e de crianças

ginastas. Getulio Schilling comenta que o público contesta esta “profanação à arte pura” (1943,

p. 12), o que nos parece estranho, pois entendemos que isto não devia desagradar à maioria dos

freqüentadores. No mesmo ano, o jornal O Combatente lamentou a falta de público aos espetáculos

da Companhia de Eduardo Marin, que apresentava “bons dramas, chistosas comédias e bonitas

zarzuelas.” (p. 13).

Em setembro de 1900, o ator Manoel Ponte voltou a Santa Maria e encontrou duas

novidades: a luz elétrica e a primeira livraria na cidade. Esta forma de cronicar a vida teatral da

11 “A zarzulea é uma peça teatral tipicamente espanhola de tom burlesco ou irônico, cuja declamação alterna-secom músicas e cantos nacionais. Durante o século XVII constituía-se no espetáculo lírico predileto dos espanhóis,não só na Corte como em todo o país.” (BITTENCOURT, 2001, p. 219).

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cidade, apontando conjuntamente as modernidades e os espetáculos, permeia o texto de Schilling

e também se reproduzirá nos textos e falas de Edmundo Cardoso, assim como nos de diversos

atores da ETLF. Acentuamos isto porque também entendemos que o investimento no mundo

teatral, realizados pelos nossos personagens, é um esforço pela modernização e, porque não

dizer – dado o contexto da civilização pastoril em que o interior do Rio Grande do Sul se

encontrava – também um empenho civilizatório.

A luz elétrica, ao mesmo tempo em que proporcionou uma melhor iluminação ao teatro,

eliminando os lampiões a querosene, também possibilitou o surgimento de novas diversões: o

cinematógrafo e o fonógrafo. A partir daí, vamos assistir o campo do teatro ser disputado pelos

“abacaxis cinematográficos”, como se refere Schilling (p. 7). O cinema será, com o passar do

tempo, um sério concorrente. Teatro e cinema serão duas artes a disputar a preferência do público.

No texto referido de Schilling há um claro desprezo em relação ao cinema e aos interesses da

platéia santa-mariense da década de 1940. Schilling fala mal dos filmes exibidos e diz que o

público está “ávido por notícias futebolísticas e quejandos” e não se interessará por sua crônica

do mundo teatral, a “sublime arte” (p.8).

Esta tensão entre teatro e cinema, hoje superada, será uma idéia que ajudará a construir

nossa explanação sobre o desenvolvimento dos espetáculos em Santa Maria.

Podemos dizer que o cinema foi trazido para Santa Maria por um diretor de companhia

de teatro que conheceu a nova arte em Buenos Aires, segundo o crítico de cinema Jair Alan e o

diretor de cinema Sérgio Assis Brasil (1980). A maravilha do século foi como se anunciou a

estréia do primeiro filme em Santa Maria, que foi assistido por platéia muito curiosa.

Para Romeu Beltrão (1979), esta primeira exibição ocorreu no dia 17 de fevereiro de

1898, pela Companhia de Variedades do Teatro Lucinda, dirigida por Germano Alves. Depois

disso, o cinema seguiu um curso normal. A princípio os filmes chegavam por meio de mascates.

Eram viajantes que traziam os filmes encomendados pela cidade e os exibiam em salas

improvisadas. Convém lembrar de que o cinema era um divertimento recente. Os irmãos Louis

e Auguste Lumière haviam realizado a primeira sessão pública no dia 28 de dezembro de 1895,

em Paris. No dia 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, ocorria a primeira sessão em terras

brasileiras. No mesmo ano, no dia 8 de novembro, acontecia a primeira exibição em Porto Alegre,

45

no prédio número 349 da Rua da Praia.(BECKER, 1996, p. 7). Pouco tempo depois os santa-

marienses ilustrados já tinham acesso ao modernismo.

Schilling também aponta o fonógrafo como outra novidade que chegou a cidade. Em

1898, em uma sala do Hotel Leon, na rua do Comércio, um fonógrafo foi apresentado ao público.

Ainda segundo Schilling, o programa cinematográfico O Panorama Ilustrado, apresentado

no Treze de Maio em 3 de março de 1900, era noticiado pelo jornal O Estado da seguinte

maneira: “uma magnífica coleção de excelentes vistas, obtidas pela fotografia instantânea, de

cidades, vilas, acontecimentos históricos.” (p. 13). Em abril de 1901, foi a vez do Cinematógrafo

Americano Edison, cuja “função” constava de “24 vistas escolhidas”, acompanhadas pelo

“Phonógrafo Lloret que executará em 3 tempos 12 peças”. No mesmo ano o Cinematógrafo

Lumière também foi apresentado no Treze de Maio. (p. 17).

Fator que contribuiu para este privilégio de Santa Maria, como já foi dito, foi o da cidade

ter sido a segunda no Rio Grande do Sul a possuir luz elétrica, no ano de 1897 (BELTRÃO,

1979). Isto facilitava o comércio cinematográfico e provocava a vinda de muita gente de fora,

pois, além do cinema, a cidade ainda proporcionava outras diversões. Aliás, Santa Maria tornou-

se conhecida pela sua intensa atividade boêmia, decorrência, em grande parte, do fato de ser um

importante ponto de parada de trens, os quais – no início – não costumavam viajar à noite. Esta

parada obrigatória de passageiros incrementou a vida da cidade, tanto os hotéis quanto as casas

de espetáculos, os cabarés inclusive.12

Em 1904, chegou a cidade a primeira companhia realmente de canto lírico, segundo

Schilling. Trata-se da Companhia do tenor Mário Roberto que cantou três óperas, O Trovador,

Tosca e La Bohème, e não operetas como apresentavam as chamadas “companhias líricas” que

já tinham passado pela cidade. As óperas eram apresentadas numa única noite, o que nos leva a

deduzir que se tratavam de apenas algumas árias e não de peças inteiras. Em 1905, a Companhia

Dramática João Caetano ficou em cartaz de 25 de fevereiro a 5 de abril. (SCHILLING, 1943, p. 21).

No ano de 1905, foi criada a Sociedade Dramática José de Alencar, que estreou com o

drama A escrava Andréa ou o pirata Antônio. Por esta época, no entanto, o Treze de Maio foi

12 A data que marca o início da chamada civilização ferroviária em Santa Maria é 1885, quando é inaugurada alinha férrea que vem de General Câmara. (BELTRÃO, 1979) Mais tarde a linha chega a Uruguaiana e SantaMaria torna-se a parada obrigatória dos trens que fazem o roteiro Porto Alegre – Uruguaiana. Em 1898, aCompagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil ganha a concessão à exploração dessa estrada. Em 1905,ela passa a controlar todas as estrada do Rio Grande do Sul e torna Santa Maria a sede de seu escritório central.(KLIEMANN, 1977.)

46

arrendado por Affonso Farias do Nascimento com o propósito de explorar o cinema de forma

mais constante, mas ainda ocorreram “algumas noitadas empolgantes, de arte pura”. Atores

profissionais se apresentaram – das companhias de operetas Città di Roma e Città de Milano –

assim como grupos de amadores. (SCHILLING, 1943, p.21).

Todavia, por esta época o cinema invadia o teatro e deixava a arte teatral em segundo

plano: “Aos primeiros embates, o teatro já foi cedendo terreno, e o cinema, aparelhado de bilhões de

dólares [sic], lançou os seus tentáculos de polvo sobre os cinco oceanos. As fitas de celulóide fizeram

a volta do planeta, enrolando o mundo no seu tapete mágico...” (SCHILLING, 1943, p. 19).

O negócio cinematográfico se desenvolvia muito e houve a necessidade de construir

nova casa para exibição de filmes. No dia 30 de dezembro de 1911, foi inaugurado o Coliseu

Santamariense, mais conhecido como Cine Coliseu, na rua Ângelo Uglione, esquina Riachuelo.

(Figura 2). Segundo depoimento de Edmundo CARDOSO (2002), o prédio era:

todo de madeira, tinha uma acústica maravilhosa (...) O Coliseu teve

dois proprietários: João Martins Peixoto e seu irmão Carlos Martins Pei-

xoto. Este último o vendeu na década de 40 ao empresário Charles Sturgis,

norte-americano que permaneceu no Brasil mais de quarenta anos. Este

por sua vez ao Consórcio Cupelo, cujo gerente local, o falecido Jorge

Abelin, fez demolir o Coliseu para no terreno construir o Cinema Glória,

um cinema sem palco (...). Foi com o cinema Teatro Coliseu (...) que o

cinema teve, em Santa Maria, uma efetiva exploração comercial, com

lucros sensíveis para o empresário e para o público também.

Figura 2: Interior do Cine-Teatro Coliseu Santamariense.Fonte: Acervo particular EC.

47

O Theatro Treze de Maio ficou preterido pelo Cine-Teatro Coliseu, pois este era mais

adequado e, assim, “houve quem o explorasse como cinema, desfrutando da sua posição

privilegiada defronte à Praça Saldanha Marinho. Mas não deu certo e durou pouco” (CARDOSO,

2002), ou seja, até a construção do Cine Independência. Em 1915 ou 16 (Schilling não tem

certeza quanto à data), o prédio do Treze de Maio foi arrendado pela Intendência Municipal e se

tornou sede do jornal Diário do Interior até 1939.

Com relação ao Coliseu, na década de 1910, Schilling afirma que era a única casa de

diversões e “extravasava espectadores” aos domingos. “Era preciso ir-se uma hora antes da

função”, ele afirma, “para se achar lugar. E com as laterais repletas do belo sexo, ali se iniciou

muito romance que foi terminar no altar ou na polícia...” (1943, p. 24).

Apesar do Coliseu privilegiar as sessões de cinema, o espetáculo teatral ainda ocupava

parte da sua programação. Em outubro de 1916, devido à Grande Guerra na Europa, a Companhia

Lírica Róttolbi e Billoro chegou a Santa Maria e se apresentou nesta casa. Devido à Primeira

Guerra Mundial, a companhia via-se impossibilitada de voltar para Europa e realizava uma

turnê pelo interior do Brasil. Somente por esta razão, um grupo de cantores líricos desse porte se

aventurou até Santa Maria. Era a segunda companhia lírica a chegar a cidade. A primeira fora

em 1904, conforme já registramos. (SCHILLING, 1943).

O circuito artístico santa-mariense não comportava espetáculos operísticos, segundo Schilling.

Ele comenta a qualidade da soprano, Adelina Agostinelli, do tenor, Ettore Bergamaschi, e afirma que

dois anos depois, quando assistiu a Caruso no Rio, não achou que este cantasse melhor que

Bergamaschi. A companhia apresentou trechos de O Trovador, Tosca, La Bohème, Pagliacci e a

Cavalaria Rusticana (numa mesma sessão, ao que tudo indica) e que isto era excepcional.

Deste modo, Schilling nos sinaliza que as afirmativas do tipo “grandes companhias líricas

passavam por Santa Maria” não correspondem à verdade. O mercado das artes em Santa Maria,

era limitado.

É nesse contexto de diminuição do campo teatral, no entanto, que começou a aparecer a

produção de João Belém. Schilling afirma que suas revistas Filhos de Momo e O Peixão, “os

primeiros frutos indígenas [santa-marienses] da arte [teatral]”, foram apresentados com “ruidoso

êxito” no Treze de Maio. (p. 22). Já Cardoso relaciona as encenações de Belém ao Coliseu e à

década de 1910. De qualquer forma, Belém foi o primeiro teatrólogo da cidade e marcou uma

tradição que se enraizou, mesmo com escassez de público, de casas de espetáculo e com produção

48

semiprofissional.

Edmundo Cardoso, em nota biográfica para o livro de João Belém, História do Município

de Santa Maria (2000), afirma que o autor escreveu e encenou quase uma vintena de comédias

musicais e revistas em Santa Maria, assim como dramas e operetas.13 A maioria dos textos estão

perdidos, restando apenas as operetas A professorinha e Comédias da vida e o drama Corações

gaúchos. Belém se tornou uma referência na vida artística de Santa Maria e em torno dele se

constituiu uma vida teatral apreciável, especialmente na década de 1930, com Lamartine Souza,

Fernando do Ó e Rubem Belém, filho de João Belém.

Posteriormente foi inaugurado o Cine Independência, na Praça Saldanha Marinho, em

1922, e o Cine-Teatro Imperial (Figura 3), na Rua Dr. Bozano, em 1935. Antes destes houve o

salão Seyffarth, adaptado exclusivamente para ser o primeiro cinema da cidade. Depois a sala

serviria de sede do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e, mais tarde, do Movimento Democrático

Brasileiro (MDB).

13 Belém nasceu em Porto Alegre, 1874, e veio para Santa Maria em 1901 para trabalhar nos escritórios da estradade ferro. Ambientou-se à cidade, casou, teve seis filhos, tornou-se funcionário público municipal, descobriu osencantos da vida teatral, foi professor, colaborou na imprensa, escreveu poemas e peças teatrais, assim como aprimeira obra historiográfica municipal. Neste livro produziu uma verdadeira peça em seus contemporâneos.Parafraseou o “Conto indígena de Imembuí”, de Cezimbra Jacques, publicado em 1912, e o apresentou comoorigem lendária da cidade. Sobre este assunto ver FONSECA, Orlando e QUEVEDO, Júlio. João CezimbraJacques: passado & presente. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2000; e MARCHIORI, José e NOAL FILHO,Valter. Santa Maria: relatos e impressões de viagem. Santa Maria: Editoraufsm, 1999.

Figura 3: Palco do Cine-Teatro Imperial.Fonte: Acervo particular EC.

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No depoimento de Edmundo CARDOSO (2002),

o cinema, em Santa Maria, começou a ser explorado comercialmente

como diversão básica do povo, na primeira década do século. Em 1908,

começa a funcionar, na Avenida Rio Branco, no edifício onde esteve a

Cervejaria Continental (...) o Cinematógrafo Seyfarth, que teve pouca

duração. Todavia, era o cinema explorado comercialmente, ainda que

de forma empírica. Os proprietários eram pessoas da própria indústria

de cervejaria, os Seyffarth, que entenderam de diversificar suas aplica-

ções de capital. Além do mais, era o cinema uma tremenda novidade que

forçosamente tinha de dar dinheiro.

Também nos anos 20, Frederico Scherechvski percorria o interior com um aparelho de

cinema de 35 mm, mudo, para exibições em lugares distantes, pequenos redutos populacionais

onde não havia casas de espetáculos. Atuava em salões de clubes, de igrejas ou em residências

particulares que propiciassem montar a tela e seu projetor.

Ainda nos anos 20, Luiz Medina inaugurou a confeitaria Ponto Chique na rua Dr. Bozano,

onde também exibia filmes, esporadicamente, em uma sala anexa. Na Avenida Rio Branco foi

criado um bar-cinema, ao ar livre, chamado Cine Universal, conhecido reduto de boêmios, que

funcionou até o início da década de 30. Esta sistemática pareceu funcionar por algum tempo de

forma peculiar à época:

No bar o homem botou um aparelho de projeção de 9,5 mm, que proje-

tava filmes mudos (...). O cineminha era praticamente gratuito, apenas

exigia qualquer consumação. As exibições de filmes duravam todas as

noites das 20 à 24h00. (CARDOSO, 2002).

O apogeu do cinema aconteceu nos anos 30, notadamente entre 1938-39, quando a cidade

teve quatro salas com projeções diárias. Eram os cinemas Coliseu, Independência, Imperial e

Odeon. Este último funcionava na atual biblioteca do Clube Caixeiral.

A empresa Varella, de Livramento, montou, na ala térrea do Caixeiral, o

Cinema Odeon (...) com poltronas estofadas e possuidor de uma notável

projeção. Em 1938 tínhamos, pois, quatro cinemas funcionando a todo va-

por em Santa Maria, com duas sessões noturnas diárias. (CARDOSO, 2002).

50

Nesse período tais salas contabilizavam 16 sessões aos domingos. Além das sessões

noturnas, duas vespertinas: uma infantil, às 14h e outra para adolescentes, às 16h. Os fabulosos

filmes da década de 30 passavam à noite. Eram grandes produções que foram se modificando ao

longo do tempo. Um dos motivos desta programação variada era conseqüência da competição

de quatro empresas distribuidoras, cada uma responsável por um cinema. Isto fez com que

Santa Maria se tornasse um centro lançador de filmes, como Porto Alegre. Segundo Edmundo

Cardoso (2002), o Cine-Teatro Independência,

foi construído para ser essencialmente um cinema, mas como de uso na

época, foi-lhe acrescentado um razoável palco, com porão, camarins e

varandas. Em 1938, Corrêa Pinto [empresário Joaquim Corrêa Pinto]

fez algumas modificações, aumentou o palco, diminuindo, em

conseqüência, a área da platéia. Posteriormente, o cinema sofreu mais

duas reformas, sendo que a última tirou do palco as características

essenciais, deixando apenas uma área fronteira à tela de projeção

cinematográfica onde podem se realizar espetáculos musicais. (...)

Todavia, no passado, quando teve palco adequado, o Independência

abrigou notáveis espetáculos de teatro de comédia, dramático, magia,

revistas e variedades. Ali, em fins da década de 30 se exibiu o maior

mágico e prestigiador de todos os tempos, o famoso Cantarelli, que

deslumbrou a todos com o seu ilusionismo. Grandes companhias de teatro

de revista, operetas, comédia, circenses e outras tiveram grandes

momentos no Teatro-Independência.

Até 1932, os espectadores tinham de se conformar com uma sessão cinematográfica

com intervalos de dez em dez minutos. Os cinemas contavam com um único projetor. A partir

daí, o Cine Independência sofreu uma remodelação e apresentou pela primeira vez o sistema

Vitafone, que consistia da exibição do filme com um som produzido por disco. Este sistema

tinha alguns incômodos. Muitas vezes não havia sincronização do som com a imagem e, não

raro, a cena de um beijo coincidia com o estampido de uma arma ou o barulho de uma bofetada.

Quando o tiro saía da carabina do faroeste, o som vinha antes ou depois (...)

e no fundo a gente se divertia com o som das batalhas vindo muitos segun-

dos depois da imagem descrevê-las visualmente. (CARDOSO, 2002).

51

Além disso, havia o problema das fitas que rebentavam, o que ajudava a criar uma maior

confusão. Também havia outros cortes, quando cenas eram por demais ousadas para a moral

rígida da época.14

Nesta época, os filmes eram de acetado, altamente inflamável. Logo depois da inauguração

do Independência, houve um incêndio na cabine de projeção. Nos anos 50, houve outro incêndio

no Cine Imperial, durante uma matiné. A sala estava completamente lotada de crianças e um

incêndio começou no porão, depois tomando conta do palco.

Em 1934 foi inaugurado o sistema Movietone. Era o cinema com banda sonora. O Coliseu

estreou o novo sistema com o filme Alô Alô Carnaval, com Carmem Miranda, o primeiro filme

brasileiro a atrair um grande público para as salas de projeções. Em seu acervo, Edmundo Cardoso

ainda guarda alguns discos que acompanhavam os filmes no antigo sistema Vitafone, além de

um farto material sobre películas realizadas em Santa Maria.

E foi com este sistema [vitafone] que vimos ali, em 1935, ao filme naci-

onal Alô Alô Carnaval, que foi a primeira vez em que a gente pôde assis-

tir a um filme brasileiro sofrível em termos de som e de imagem. (CAR-

DOSO, 2002).

Interessante assinalar que, justo neste momento de expansão dos espetáculos

cinematográficos na cidade, constatamos também uma certa maturidade da vida teatral santa-

mariense. Afinal, são da década de 1930 os grandes sucessos de João Belém. Também nesses

anos Lamartine Souza, coordenando grupo de amadores do Avenida Tênis Clube, apresentou

Barafunda (peça de sua autoria) no Cine-Teatro Independência com boa acolhida do público.

Já Rubem Belém, coordenando o Grupo João Belém, encenou espetáculos de teatro de revista

no Independência. Em 1938, por exemplo, com Na Boca do Monte, realizou o número inédito

de nove apresentações, com um público total estimado em mais de dez mil pessoas, segundo

informações entusiásticas de Edmundo Cardoso (que participou da peça). (CARDOSO,

14 Como exemplo desses procedimentos informais de censura, temos o caso do Irmão Ademar da Rocha, queexibia filmes na região da Quarta Colônia (a 40 km de Santa Maria) e cortava ou tapava as cenas consideradasousadas (mulheres com os braços de fora). Curiosamente este mesmo procedimento de censura é apresentadoem um filme de Giuseppe Tornatore, Cinema Paradiso (Itália, 1989), onde o personagem que operava o projetor,orientado pelo padre, cortava as cenas de beijo prolongadas.

52

1978).

O Coliseu também abria espaço para espetáculos teatrais e nele foi apresentada a opereta

A casa das três meninas, com orquestra regida pelo maestro Garibaldi Poggetti. Em 1938,

Fernando do Ó encenava A Aposta e, em 1940, Rubem Belém apresentava sua comédia Nara,

com cenários de papel pintado. (CARDOSO, 1978).

Independente do caráter amadorístico da maioria dessas produções, podemos afirmar

que se tratava de um número não-desprezível de grupos e espetáculos movimentando a vida

cultural da cidade. O cinema podia encantar as multidões, sua exibição era (e ainda é) muito

mais acessível que o teatro (devido ao seu caráter industrial), mas nem por isto os letrados de

Santa Maria deixavam de encenar eles próprios, de emprestar corpo e voz para encenações de

dramas, comédias ou operetas.

Queremos dizer com isto que a ETLF, quando surgiu no início da década de 1940, estava

no rastro de uma tradição que já se encontrava razoavelmente consolidada, vivendo as suas

dificuldades e tensões próprias de um momento de expansão das formas de cultura e

entretenimento de massas. A dinâmica da criação e funcionamento da ETLF, no entanto, será

vista com maiores detalhes no próximo capítulo. Aqui, pretendemos apenas apresentar o contexto

urbano e cultural no qual a ETLF se inseriu.

Desse modo, na entrada da década de 1940, quando a situação mundial era de conflito

bélico, o cinema também sofreu as conseqüências. Santa Maria ficou com apenas duas salas – o

Imperial e o Independência. O Odeon fechou e o Coliseu foi demolido.

Nos anos 50 surgiu o Cine Glória, onde antes havia o Coliseu, surpreendendo a todos por

sua beleza interna. Em contrapartida, começava a decadência do Cine Imperial, que jamais

sofrera reformas, o que aconteceu por duas vezes no Independência nos anos 50, edificação que

possuía uma fachada condizente com uma sala de diversão, com vários adornos, florões e vasos.

Quando sofreu uma reforma geral, sua fachada foi totalmente modificada, ficando inexpressiva.15

Em 1961, revelando uma visão ampla das atividades artísticas, Edmundo Cardoso trouxe

15 O Cine Independência fechou em 1995 e logo após passou a abrigar um templo evangélico. O prédio sofreureforma e hoje apresenta uma arquitetura de estética duvidosa.

53

para a cidade um grupo interessado em realizar um filme. Era o produtor Paulo Amaral e o

diretor de cinema Sanin Cherques, do Rio de Janeiro. A produtora carioca Lupa Filmes Ltda

estava interessada em produzir uma película no estilo faroeste e os contatos iniciais foram

feitos por correspondência com EC. O cenário rio-grandense foi escolhido e Edmundo Cardoso

viabilizou apoio institucional da Brigada Militar, assim como disponibilizou alguns atores da

ETLF. (CORRÊA, 2002).

O título do filme era Os Abas Largas e referia-se ao 1º Regimento de Polícia Rural Montada

da Brigada Milita, cujos soldados eram conhecidos como abas largas devido ao tamanho de seus

chapéus. O enredo era de um típico faroeste: ladrões de gado versus fazendeiros e polícia rural. Havia

galã e mocinha (par romântico) assim como vilões que, obviamente, foram presos. (Figura 4).

Provavelmente este tenha sido o primeiro faroeste da cinematografia brasileira. Contou

com apoio da Brigada Militar, de atores locais e mobilizou a cidade. Uma das seqüências finais

foi um desfile de policiais e, para isto, a própria Brigada desfilou nas ruas da cidade, com a

população nas calçadas servindo como figurantes e a voz de Edmundo Cardoso, com um

Figura 4: Cartaz de divulgação dofilme Os abas largas (1961).Fonte: Acervo particular EC.

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megafone, ajudando a coordenar o movimento da cena.

As opiniões a respeito do filme, do ponto de vista artístico, não são elogiáveis,

mas – inegavelmente – consistiu em uma produção significativa para a cidade e seus

atores, que aspiravam a uma sintonia mais fina com a modernidade dos espetáculos.

(CORRÊA, 2002).

Edmundo Cardoso sempre se referiu de forma elogiosa à película dizendo que a mesma

estreou em 1963, em Santa Maria e que, durante toda a temporada, as filas foram intermináveis

e as salas ficaram lotadas. Adelmo Simas Genro (2002), em depoimento informal, disse, no

entanto, que o filme era ruim e todos comentavam isto na cidade, desestimulando possíveis

espectadores. Para nós, porém, importa constatar o esforço pela dinamização das atividades

artísticas que, inegavelmente, EC conseguiu desencadear na cidade.

Em 1951 Edmundo Cardoso fundou na cidade, com Luiz G. Schleininger, o Clube de

Cinema, entidade amadorística que durou até 1962, funcionando durante dez anos regularmente,

todas as segundas-feiras, no Centro Cultural, apenas para os convidados e associados:

O Clube do Cinema era entidade puramente cultural e amadorística, mas

mesmo assim foi duramente combatida pelo gerente dos cines locais

que, erradamente, via no clube um concorrente comercial. Funcionava o

clube com aparelho de 16 mm, 9,5mm e 8mm. (CARDOSO, 2002).

Os Cineclubes surgiram na França nos anos 20 e, desde lá, muito contribuíram para que

as pessoas soubessem mais sobre a sétima arte. No Brasil, o primeiro cineclube surgiu no Rio de

Janeiro em 1928, e se chamou Chaplin Club. Na época, os freqüentadores do Chaplin Club

chegaram a se dividir entre os admiradores do cinema mudo e do cinema sonoro.16 Em 1940, foi

fundado o Clube do Cinema de São Paulo, que trouxe para o nosso país algumas filmografias

que não eram distribuídas comercialmente aqui. Em 1948, surgiu o Clube do Cinema de Porto

16 Os consumidores de espetáculos sempre gostaram de criar polêmica em torno de suas preferências, como estaentre o cinema mudo e o falado. Nos tempos do romantismo, Castro Alves e Tobias Barreto se digladiaram emtorno de duas artistas de uma mesma companhia no teatro Santa Isabel, em Recife. Na década de 1950, CarlosDrummond de Andrade e Vinicius de Moraes sustentaram divertida divergência, no jornal, em torno de suasatrizes preferidas – Greta Garbo e Marlene Drietrich, respectivamente. Sobre esta divergência, Manuel Bandeiratem crônica exemplar em Andorinha, Andorinha (Rio de Janeiro: José Olympio, 1966. p. 144) comentando oque cada um dos poetas projetava em suas “musas”.

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Alegre e nos anos 50 várias cidades do interior do Rio Grande do Sul tinham seu cineclube.

(CASSOL, 1995).

Em 1978, dois paulistas, estudantes da UFSM17, com experiência em cineclubes operários

em São Paulo e bom trânsito entre as distribuidoras de filmes alternativos, facilitaram a

implementação do projeto do Cineclube Lanterninha Aurélio, ligado à CESMA18. O nome

escolhido para tal cineclube foi uma homenagem ao lanterninha que então trabalhava no Cine

Imperial, à Rua Dr. Bozano. O equipamento necessário (projetor na bitola 16mm) para viabilizar

a idéia, foi conseguido sob empréstimo, na Pró-Reitoria de Extensão da UFSM. Para Luiz

Geraldo Cervi (2002), 19

A relação da CESMA com o movimento cineclubista foi apenas uma

feliz coincidência, pois ambos foram criados no mesmo ano, impelidos

pelas mesmas condições políticas e por estudantes que desejavam mu-

dar a realidade em que viviam, servindo um para divulgar o trabalho do

outro. O Cineclube Lanterninha Aurélio foi criado durante o período do

regime militar, com o objetivo específico de promover o debate político

da realidade brasileira, tanto na Universidade como nos bairros e vilas

de Santa Maria. Todos os filmes que o Cineclube trouxe para a cidade -

antes do avento do vídeo - foram apresentados nos anfiteatros do Campus

Universitário, DCE e vilas, em promoção conjunta com associações de

bairros e sindicatos, possibilitando que pessoas de diferentes classes so-

ciais compartilhassem informações transmitidas, ou pelos filmes, ou atra-

vés das conversas desenvolvidas com os participantes.

Entretanto, mesmo que filmes de conteúdo político, que retratavam a situação do

trabalhador rural, das fábricas e da população em geral, fossem a introdução para o debate que

se desenrolava após as projeções, não somente de filmes políticos viveu o Lanterninha Aurélio,

pois “em sua primeira fase, presenciamos mostras de filmes alemães, russos, franceses permeados

com outros tantos latino-americanos.” (CERVI, 2002). Sobre as dificuldades de manter O

Lanterninha, augumenta Cervi que,

17 Universidade Federal de Santa Maria.18 Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria.19 Sócio-Presidente da CESMA entre 1982-86.

56

a abertura política, a dificuldade das distribuidoras em conseguir filmes

novos, o árduo trabalho de cada projeção (o deslocamento entre uma

exibição e outra era feito através do transporte coletivo), a formatura de

muitos dos aficionados e de outros que estavam diretamente ligados à

execução, apontaram para um período de inatividade. Já estávamos em

1984. Em 1987, quando a CESMA abriu sua locadora, propiciou o in-

gresso numa nova fase de exibição de filmes, agora em VHS. As sessões

passaram para um local fixo - a Sala 07 da Antiga-Reitoria - , que foi

adotada como ponto de encontro pelos novos cineclubistas. Nesta fase

foram desenvolvidos vários ciclos temáticos, sempre seguidos de dis-

cussões sobre os temas propostos e isto perdurou até meados de 1995

quando foi novamente desativado o cineclube. Atualmente estamos ten-

tando organizar um novo grupo para dar continuidade à tradição. (2002).

Uma outra tentativa de implementação de cineclube na cidade ocorreria na segunda

metade da década de 80 e início da década de 90, quando funcionou com regularidade a sala de

cinema do Instituto Cultural Brasileiro Alemão (ICBA), que mantinha suas atividades no auditório

da Rádio Imembuí (Praça Saldanha Marinho). Segundo Valter Antonio Noal Filho (2002), que

foi freqüentador assíduo do local,

(...) durante a segunda metade da década de 1980, o Instituto Cultural

Brasileiro-Alemão manteve uma sala de cinema que funcionou com re-

gularidade no antigo auditório da Rádio Imembuí, à Praça Saldanha

Marinho. Como freqüentador assíduo do local, assisti à centenas de fil-

mes, a maioria enfeixados em ciclos temáticos. Foi oportunidade única

para o público santa-mariense tomar contato com extenso panorama da

produção cinematográfica alemã de todos os períodos do século XX. No

local, além da projeção de filmes, ocorriam também diversos eventos

relacionados ao cinema germânico; muitos contavam com a presença de

ilustres palestrantes. A cada ciclo, o espaço se consolidava; havia signi-

ficativa afluência de público e o encerramento das atividades em fins de

1989 foi lamentado por seus freqüentadores.

Em 1995 surgiu o Otelo Cineclube, iniciativa do cineasta Luiz Cassol, que tinha como

proposta o debate em torno dos filmes exibidos, além de uma maior valorização do cinema

nacional. O nome foi uma homenagem a um dos grandes atores brasileiros: Grande Otelo. As

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sessões desse cineclube eram realizadas na Sala de Vídeo do Sindicato dos Bancários de Santa

Maria e Região, à rua Serafim Valandro. Nos quatro anos em que funcionou – de 1995 a 1999 –

o Otelo Cineclube teve boa participação do público, o que demonstra a importância cultural

desse tipo de entidade. (Relatória Anual – SBEBSM, 1995-1999).

Atualmente funciona na cidade o Porão Cineclube – ligado a TV Ovo, entidade que não

se restringe somente à exibição de filmes, mas às diversas manifestações e debates culturais.

Esta longa explanação a respeito do cineclubismo nos parece valiosa na medida em que

indica um outro conflito dentro do campo das artes, entre os consumidores/espectadores de

cinema, especificamente. Trata-se do surgimento de um público mais exigente, que tem interesse

em produções mais artísticas e/ou culturais, e que não se satisfaz com o chamado cinema

comercial, aquele que majoritariamente é distribuído nas salas de projeções.

De certa maneira, é uma diversificação do mercado consumidor, o qual é mais facilmente

administrado nas grandes cidades, quando surgem os cinemas com programação diferenciada.

Em Santa Maria, uma cidade com classe média pouco numerosa, é um problema de difícil

resolução. O cineclubismo foi (e tem sido) a única solução. E é nesses espaços (tanto de fruição

quanto de discussão sobre cinema) em que têm surgido os poucos cineastas da cidade.

No campo teatral, por outro lado, mudanças foram percebidas a partir do início dos anos

60 com a criação e expansão da Universidade Federal de Santa Maria. Novos ares culturais

passaram a agitar a vida da cidade. O apetite cênico de Santa Maria, na expressão de Lothar

Hessel, não se restringiriam à ETLF (p.129). Havia uma juventude inquieta sintonizada com a

agitação cultural das grandes capitais brasileiras e isto se revelou na organização de grupos

teatrais.

Em 1961, surgiu o Teatro Universitário que representava o amadurecimento das

experimentações que jovens vinham fazendo no Teatro do Estudante, entidade ligada a USME

(União Santa-Mariense de Estudantes), desde 1956, e no Teatro de Arena (1958-60).20 Em 1962,

foi criado, na Casa do Estudante, um local para apresentações teatrais denominado Sala João

20 Segundo Pedro Freire Jr. o Teatro do Estudante teve como guru Setembrino de Souza, o antigo co-fundador daETLF, e algumas das peças encenadas foram: O bobo do rei, de Joracy Camargo, e A vida brigou comigo, de J.Wanderley, ambas em 1956, e Os inimigos não mandam flores, de Pedro Bloch, em 1958. Já o Teatro de Arenasanta-mariense foi mais ousado no repertório e encenou peças de Tchecov e Pirandello. O Teatro universitáriocontra a repressão da década de 60. A Razão, Santa Maria, 27.28/03/1993).

58

Belém. O empreendimento foi patrocinado pela FEUSM (Federação dos Estudantes Universitários

de Santa Maria), sob a presidência de Renan Kurtz. Na inauguração da sala esteve presente

Paschoal Carlos Magno, então Secretário Geral do Conselho Nacional de Cultura. Ele discursou

para os presentes apontando a missão que a juventude tinha no desenvolvimento artístico do

período. (FREIRE Jr. 1967, p. 7).

Concomitante ao surgimento desta sala, o TU passou a ser dirigido por Pedro Freire Jr. e

foi encenada a peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça fazia parte do

repertório do CPC (Centro Popular de Cultural) da UNE (União Nacional dos Estudantes) e

expressava o ideário da arte engajada: “tranformar a sociedade rumo ao socialismo”.

(PELLEGRINI, 1998, p. 48-50).

Outro índice dessa inquietação foi a organização da 1ª Feira do Livro da cidade, em

1962. Para este evento literário, Luiz Guilherme do Prado Veppo preparou às pressas o seu

primeiro livro de poemas: Alba tempo e rosa.21 Na década de 60, vários autores da cidade se

revelaram. Prado Veppo, em 1965, lançou O andarilho. (SANTOS & BIASOLI, 2002). Outros

jovens escritores também organizavam suas primeiras publicações.

Os acontecimentos políticos dos 60 – a crescente mobilização de operários e estudantes

e a sua repressão pelo regime implantado a partir de 1964 – confundiram-se com esta inquietação

cultural. O Teatro Universitário, por exemplo, transformou-se em centro de discussões e

mobilizações políticas dos estudantes. (FREIRE Jr., Entrevista, 1998).22

Não se tratava mais de fazer um teatro de puro entretenimento. A peça de Guarnieri, por

exemplo, era também uma defesa do movimento operário, segundo o próprio Freire Júnior, e o

teatro era uma espécie de arena política: “o Teatro Universitário acabou se transformando, na

realidade, no QG da agitação e as palavras de Guarnieri (...) se transformaram em palavras de

ordem do movimento político em Santa Maria.” (FREIRE Jr., Entrevista, 1998).

Exemplificando ainda mais este caráter engajado da arte teatral, Freire Júnior contou

21 A Feira do Livro realizou-se em 25 de maio a 6 de junho de 1962. Prado Veppo organizou o seu livro em sete diase sete noites em homenagem a cidade que o acolheu. “A poesia é das gentes e das ruas que eu conheço”,explicava o poeta na apresentação. A partir de 1973 a Feira do Livro passou a contar com o auxílio do Curso deComunicação da UFSM. (SANTOS & BIASOLI, 2002, p. 37).

22 Programa Rádio Ativo, Rádio da Universidade/UFSM, 20 de maio de 1998. Neste programa Paulo Freire Júniorcontou que chegara em Santa Maria em 1963, para estudar Direito na UFSM, e que fora convidado por RenanKurtz para trabalhar no TUSM.

59

que, “naquele abril fatídico [de 1964],” os estudantes universitários estavam reunidos no Teatro

Universitário, liderados por Renan Kurtz, discutindo possíveis estratégias de resistência política

ao golpe militar. Significativamente, o teatro dos estudantes (a Sala João Belém) foi “lacrado

com duas tábuas pregadas na porta” e alguns artistas responderam a processos na justiça militar.

Os remanescente do Teatro Universitário se reorganizaram no USME e formaram o TAC (Tríplice

Aliança Cultural), o qual se desdobrou em práticas teatrais e literárias.

No campo teatral o TAC encenou, em 1965, A prostitura respeitosa, de Jean-Paul Sartre,

Do tamanho de um defunto, de Millor Fernandes, e Procura-se uma rosa, de Pedro Bloch. A

peça de Sartre, em especial, causou polêmica não tanto pelo tema que abordava (o racismo),

mas pelo fato de o autor ser ateu e marxista. Por isto a peça é “combatida, de imediato, pelo clero

local e pelos militares”. (FREIRE JR., 2003, p. 6-7). No campo literário, o TAC abrigou o

Grupo Vanguarda, com os escritores e poetas Tarso Genro, Eliezar Pacheco, Carlos Alberto

Robinson e João Nascimento. (FREIRE Jr. 1967).

Entendemos que essas agremiações apontavam novas inquietações culturais e,

consequentemente, outras tendências estéticas que não eram aquelas abrigadas pela ETLF.

Em 1967-68, organizaram-se o Grupo Presença e o TUI (Teatro Universitário

Independente) até hoje presentes na vida cultural da cidade. (A Razão, 1967).

Este clima de renovação cultural também pôde ser percebido na área oficial de ensino.

Em 1963, foi criada a Faculdade de Belas Artes, na UFSM. Segundo Vani Foletto e Edir Bisognin

ela seria “o embrião do atual Centro de Artes e Letras [do qual consta um curso de arte dramática],

que foi, e ainda é, o maior e o mais importante centro formador, difusor e incentivador das artes

não só em Santa Maria como em toda a região central do RS.” (2001, p. 41).23

Cabe acentuar que, no plano do ensino das artes, em 1945, foi criado o Instituto de Belas

Artes, pelo então prefeito Miguel Meirelles e o professor de música Garibaldi Poggetti. A escola

foi preferencialmente de música (era conhecida como Conservatório), mas também se constituiu

em uma referência para o desenvolvimento das artes plásticas. Nela não havia nenhum curso de

23 As autoras citadas, em seu livro As artes visuais em Santa Maria: contextos e artistas, dão atenção ao campo dasartes plásticas e fazem breves referências à área musical, acompanhando o surgimento de escolas destinadas aoensino dessas artes. A dramaturgia não é citada e isto nos leva a pensar que ela demorou a ser cogitada comomatéria de ensino regular, inclusive pela nascente UFSM nos anos 60. (FOLETO & BISOGNIN, 2001).

60

arte dramática e foi desativada em 1960 em função do surgimento da UFSM.

A Faculdade de Belas Artes formou-se com professores convidados do Rio de Janeiro e

Porto Alegre que também eram “artistas plásticos com produção contínua e atuante em suas

cidades”. (FOLETTO & BISOGNIN, 2001, p. 42). O curso atendia a uma demanda local e,

certamente, contribuiu para incremento da discussão e produção artística da cidade num sentido

mais amplo. Depoimentos como os de Pedro Freire Jr. permitem vislumbrar esta efervescência:

Nós éramos estudantes. Naquela época [anos 60] a nossa turma era o

Tarso Genro, o João Nascimento, o Carlos Alberto Robson, Luís Alberto,

Rogério Viola Coelho... Eram pessoas que, de uma maneira ou de outra,

tinham influência no movimento estudantil. (...) Eu era diretor de teatro

e produtor de espetáculos e isto era muito mal visto exatamente porque

estava montando Eles não usam black-tie (...) em defesa do movimento

grevista (...). Esta era a nossa posição. O pessoal trabalhava em termos

de literatura, em termos de teatro. (FREIRE, Entrevista, 1998).

Os remanescente do TUSM acabaram reunindo-se no TUI (Teatro Universitário

Independente), dirigido por Clênio Faccin.

A conjuntura política de acirramento entre os blocos políticos de esquerda e direita

marcaram as atividades dessas agremiações. A arte não era vista como uma atividade desvinculada

de compromissos políticos – especialmente uma arte de fruição coletiva como é o caso do teatro.

Este aspecto da dinâmica teatral tanto foi potencializado pela juventude de esquerda como serviu

de justificativa para sua repressão pelos órgãos de censura governamental.

Em 1968, o Grupo Presença encenou a comédia Toda donzela tem um pai que é uma fera

Em 1973, o TUI, significativamente, teve como grande sucesso uma peça infantil: As aventuras

de um diabo malandro, de Maria Helena Kühner. Era um modo de fazer teatro sem se incomodar

com a censura. (HESSEL, 1999).

Em 1977, aproveitando a débil conjuntura de abertura política do general Geisel, a USME

(União Santa-Mariense de Estudantes) realizou o Festival de Teatro Estudantil. (A Razão, 1967).

Esses poucos exemplos evidenciam a existência de inquietações que passavam ao largo

da ETLF. Vinculada a uma outra estética teatral e a um outro público, a ETLF não abrigava os

questionamentos da juventude estudantil engajada tanto nas lutas políticas quanto em uma

61

discussão dos costumes então em andamento.

Mas voltemos às tentativas de manter salas de cinema em Santa Maria. Nos anos 70,

houve uma tentativa de fazer funcionar um cinema em uma sala no Bairro Itararé, no prédio de

uma sociedade ferroviária, que permaneceu aberto por muito pouco tempo.

O final da década de 70 reservaria uma acalorada discussão em torno do fechamento do

Cine Imperial. Sobre esse fato, Humberto Gabbi Zanata (1979) – então Diretor do Centro Cultural

– tachava o fechamento do cine como

um atentado involuntário que se comete contra a cultura de Santa Maria,

pois no momento em que a cidade tenta retomar discussões culturais

esquecidas, quando se vê uma série de grupos teatrais ressurgindo e ou-

tros sendo criados, quando a própria sociedade se rearticula e revive os

seus canais de expressão de comunicação essa notícia é quase trágica.

No mesmo artigo, o articulista comentou a existência de posições otimistas diante do

quadro geral da cultura santa-mariense, denunciando que

Edmundo Cardoso espera que diante desse impasse várias gestões sejam

feitas para dar continuidade ao projeto já em execução que é o teatro da

Escola Leopoldo Fróes, que, sendo juridicamente legal, necessita ape-

nas de uma mobilização maior para ser concluída. (O EXPRESSO, 1979).

De fato, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes jamais conheceu uma sede oficial e

sobreviveria ao Cine Imperial, somente por mais quatro anos, sendo extinta em 1983. A Socex

justificou o fechamento do Cine Teatro Imperial por questões financeiras. Um dos jornais diários

da cidade, A Razão (1979), noticiou com pesar o acontecimento:

Com o fechamento do Cine Imperial, Santa Maria poderá perder a con-

dição de sede do Projeto Cultura Teatro, pois era a única casa de espetá-

culo com capacidade de suportar uma grande montagem. Também os

espetáculos musicais serão afetados, pois para se fazer uma apresenta-

ção em uma sala maior, no caso o Cine Glória ou Independência, deve-

rão interromper as sessões normais. O próprio teatro local se verá afeta-

do. No caso dois grupos, a escola de Teatro Leopoldo Fróes e o Teatro

Universitário.

62

No início da década de 80, Pedro Freire Júnior assumiu a direção da Socex24 de Santa

Maria. Partiram dele as providências para melhorar a qualidade das salas de cinema

remanescentes, Glória e Independência: lavagem da tela, que possibilitou uma imagem mais

nítida; cuidados de projeção para evitar desfoques; limpeza de lentes para maior nitidez; melhoria

de som, embora os problemas de acústica existentes em razão dos espaços agressivos de

construções e, fundamentalmente, uma orientação para que os filmes fossem programados de

acordo com a freqüência do público local. (ALAN & ASSIS BRASIL, 1980).

Além da exigência para que a programação fosse feita em Santa Maria (antes era feita

em Bagé), foram criadas as sessões de arte que funcionavam às sextas-feiras no Independência,

com ciclos dedicados, por exemplo, a Woody Allen ou à política – O Encouraçado Potenkin e A

Classe Operária vai ao Paraíso. (ALAN & ASSIS BRASIL, 1980).

A freqüência média da população, então, era difícil de mensurar, pois variava de acordo

com a programação. Na verdade, dizia Freire Júnior,

os cinemas de Santa Maria são anti-econômicos, possuem uma capaci-

dade de lotação muito grande (...) o Glória tem 1.600 lugares e o Inde-

pendência 1.300. Uma lotação com 400 pessoas, que poderia ser consi-

derada razoável em termos de borderô, resultaria em pouco mais de 130

pessoas por sessão, menos de 10% da lotação. (Freire Jr. apud ALAN &

ASSIS BRASIL, 1980, p. 4-5).

Outro problema enfrentado pela direção da Socex, na época, foi o fato de as distribuidoras

terem abandonado o sistema de aluguel fixo dos filmes, preferindo a percentagem, que era de 50%.

Um público de 400 pessoas daria um borderô de CR$ 10 mil [moeda na

época], ficando 50% para o cinema, com todos os encargos de funcio-

nários, luz, máquina, impostos. Conclui-se: cinema foi um bom negócio,

hoje, não é mais.( ALAN & ASSIS BRASIL, 1980, p. 4-5).

Tendo em vista essas limitações e, para manter o público informado, a direção local da

Socex optou por um folheto, chamado Sinopse. Graças a isto, a imprensa passou a dar uma

24 Sociedade Comercial Exibidora Ltda.

63

divulgação maior ao cinema.

Um outro fator que contribuíra para o reduzido lucro dos cinemas foi a legislação. Existia

então (e ainda na década de 80) uma longa discussão em torno da validade da lei que obrigava a

exibição de determinado número de filmes brasileiros pelos cinemas, durante o ano. Ela foi

criada para proteger a produção nacional, mas, por outro lado, existia uma parca legislação que

regulava a entrada de filme estrangeiro.

As facilidades do produto que vem de fora são muito grandes, quer na

venda do contratipo que possa ser reproduzido, quer na publicidade ou

na qualidade do material. (ALAN & ASSIS BRASIL, 1980, p. 5).

A lei obrigava a uma exibição de 35 filmes por trimestre e era severa na sua aplicação e

fiscalização. Além disso, havia a exigência de empresas estrangeiras para as suas grandes

produções, para as quais elas impunham um mínimo de sete dias para a exibição.

Até 1995 continuaram atuantes em Santa Maria dois cinemas pertencentes à empresa

Socex – o Glória e o Independência. Em 1980, houve aproveitamento da subplatéia do Glória,

numa reforma que resultou numa sala com 350 lugares, à semelhança do que foi feito em Porto

Alegre, no cinema Cacique, que abrigou em seu mezanino o Cine Scala. (ALAN & ASSIS

BRASIL, 1980).

Este quadro mudou completamente com a chegada dos shopping centers na cidade, no

final da década de 90. Os cines Glória, Glorinha e Independência apresentavam condições sofríveis

de som e imagem, na época.25 Em 1995, o Cine Independência fechou as suas portas. Os cines

Glória e Glorinha resistiram até 1997. Nessa época, o cineasta Luiz Cassol dirigiu o curta-

metragem Águas dançantes, registrando as memórias de cinéfilos que viveram os cinemas de

calçada e realizou uma espécie de balanço de uma época, de um tipo de vivência e fruição dos

espetáculos cinematográficos, assim como de determinadas formas de socialibilidade.

Na mesma época (1996), foi reinaugurado o Theatro Treze de Maio. O prédio foi

reformado e colocado em condições técnicas para receber companhias teatrais. A partir daí, a

25 As condições sofríveis da reprodução do som se tornavam notórias quando eram apresentados filmes nacionais,como, de modo geral, acontecia (e talvez ainda aconteça) em grande número de cinemas brasileiros. A fala dospersonagem era incompreensível e isto desestimulava os espectadores.

64

direção do teatro propõe uma programação de alto nível e a cidade, a muito custo (com uma

fluência nem sempre significativa), prestigia. A maioria dos espetáculos vem de fora, poucos

grupos locais utilizam o palco, entre eles o de Pedro Freire Júnior e os dos estudantes de arte

dramática da UFSM. O Theatro é uma referência da vida cultural da cidade, mas, nem de longe,

é o pivô da vida cultural, como se referia Getulio Schilling aos tempos do antigo Treze de Maio.

Atualmente existem quatro salas de cinema na cidade, todas localizadas em shoppings

centers, a exemplo da tendência dos últimos dez anos, conforme a gerente da empresa a qual

pertencem as salas, Zuleika Franchini (2002). Referimo-nos à Sul Projeção Cinematográfica

Ltda, empresa de Porto Alegre. As quatro salas somam 640 poltronas, apresentam, em média,

quatro sessões diárias e contam com um público em torno de 8.000 pessoas por mês. Tais salas

se estabeleceram no Shopping Monet, inauguradas em 19 de abril de 1997 e no Santa Maria

Shopping, inauguradas em 26 de dezembro de 1998. (FRANCHINI, 2002).

A vida cultural da cidade mudou. A ETLF continua, no entanto, sendo um marco de um

tempo em que os espetáculos eram protagonizados por artistas locais. É este o tema que viemos

desenvolvendo. Já apresentamos o cenário da trama. A seguir, apresentaremos a trama

propriamente dita, ou seja, a criação da ETLF e a sua dinâmica de produção de espetáculos

teatrais. Junto delinearemos os principais personagens desta trama, isto é, os amantes da ribalta.

CAPÍTULO II

A TRAMA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES

Da influência teatral portuguesa no Brasil à Escola de Teatro Leopoldo Fróes: um breve

histórico

(...) o acontecimento magno do teatro santa-mariense ocorreria a 10 de

dezembro de 1943, sob a liderança de Edmundo Cardoso: a fundação da

Escola de Teatro Leopoldo Fróes, desde então responsável pelos principais

eventos do ramo em Santa Maria. Longa seria a enumeração de todas as

suas realizações que estão hoje a merecer uma monografia especial.

Salientam-se, não obstante, algumas delas: a encenação do drama

Espectros de Henrick Ibsen e da comédia A raposa e as uvas, de

Guilherme de Figueiredo, peças que arrebataram rumorosos aplausos

também no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, em julho de 1955; a

ereção de um monumento a seu patrono Leopoldo Fróes, na Praça

Saldanha Marinho (...), a formação de seu coral (...). Esporadicamente a

Escola recebeu a colaboração de elementos de fora como, por exemplo,

a dos atores Setembrino Souza, com sua esposa, a santa-mariense

Paulicéia de Souza.” (HESSEL, 1999, p. 128).

De atividade transposta pelos conquistadores para o Brasil, com destaque para o pedagógico

dos jesuítas (visando à evangelização), o teatro passa a ser instrumento do projeto romântico de

formar e/ou exprimir uma cultura nacional e de suas renovações posteriores. Esse projeto se dá

sempre à sombra dos modelos franceses que, ao mesmo tempo, estimulam-no e o ameaçam graças às

manifestas preferências do público. Décio de Almeida Prado (1999), em seu livro História concisa

do teatro brasileiro, sumariza as atividades teatrais ocorridas no período colonial e depois no

66

século XIX, sobretudo no Rio de Janeiro, palco principal das atividades culturais no Império e

no começo da República.

Pela ordem, estudam-se teatro de catequese e as manifestações teatrais posteriores na

América Portuguesa, até a disseminação das chamadas Casas de Ópera em várias cidades, ao

final do século XVIII; a formação do projeto de um teatro nacional, na comédia e no drama, com

o advento do romantismo1 ; a tentativa de renovação realista; o império do teatro musicado e a

permanência da comédia, sobretudo a de costumes, como gênero característico de nosso repertório.

Em seu texto, Almeida Prado passeia com ar de flauneur entre a análise do texto dramático,

a vida teatral, sua contextualização histórica e a tradição que tudo isso constrói como patrimônio

da cultura nacional. Discerne na obra de arte suas raízes e seu destino na vida social, unindo de

forma harmoniosa, apreciação estética e visão histórica. Ensina sobre como analisar peças de

teatro, trabalhos de palco, seus bastidores e suas relações complexas com o público que satisfazem

ou deixam de satisfazer.

Para Almeida Prado, do ponto de vista estritamente histórico, pode dizer-se que o teatro

surgiu entre nós, no século XVI, sob a forma de propaganda político-religiosa. Nesse período

avulta a contribuição quase solitária do Pe. José de Anchieta, autor de alguns autos que visavam

à catequese dos indígenas e à manutenção das diretrizes jesuíticas no processo colonizador

português. Sátira aos adversários dos padres, esses autos mantinham-se fiéis à tradição religiosa

medieval, incluindo ainda, para efeitos locais de encenação, diversos elementos populares

associados a costumes e maneiras indígenas.

O período colonial, excetuando duas peças de Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)

e uma de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), obras dramaticamente nulas, representa quase

um vazio de dois séculos, na apreciação de Almeida Prado. Isto é resultado não somente da

escassa documentação bibliográfica, como também das modificações sociais porque passava

então a Colônia. Tal panorama prolonga-se até meados do século XVIII, com Antônio José da

Silva, o Judeu, quando se abrem perspectivas dramatúrgicas de certo vulto. Contudo, elas refletem

1 “Movimento artístico e literário ocorrido no final do século XVIII e vigente durante a primeira metade do séculoXIX. Surgido como uma reação aos cânones formais do classicismo, o romantismo advogou uma liberdade totalde expressão artística baseada na emoção e na imaginação.” (VASCONCELLOS, 187, p. 170).

67

interesses e ambições antes portugueses que brasileiros, pois Antônio José educou-se em

Portugal.2

A vinda da Família Real para o Brasil, no século XIX, acaba por favorecer a vida cultural,

principalmente no Rio de Janeiro, que abrigou a corte portuguesa. Luís Carlos Martins Penna

(1815-48), escritor e dramaturgo, foi quem inaugurou o teatro de costumes e marcou o início da

comédia no Brasil. Nascido no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se tornava funcionário

da corte, começou a escrever e encenar peças teatrais que registravam com humor a vida

fluminense da primeira metade do século XIX. Entre suas comédias destacam-se O juiz de paz

na roça (1838) e O noviço (1845). Apesar disso, o teatro de Martins Pena não resistiu, em

termos de crítica, a uma análise mais profunda. Embora dotado de agudo senso de carpintaria e

tipificação, e de uma linguagem realmente popular, isenta de preciosismos eruditos e pieguices

românticas, o escritor manteve-se alheio à estrutura colonialista da época, perdendo-se muitas

vezes em sátiras artificiais e gracejos pouco acessíveis à platéia de hoje.

Contemporâneo de Martins Pena, João Caetano dos Santos (1808-63), pioneiro da ação

e dicção teatral no país estreou em 1831. Determinado a profissionalizar-se, organizou um grupo

próprio em Niterói e, com sucesso, excursionou por Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e

Lisboa em 1860. Entretanto, na metade do século XIX, mesmo nas maiores cidades do país,

ainda eram poucas as montagens teatrais dirigidas ao grande público. A maioria dessas peças

não excedia o ambiente familiar ou de restritos grupos de admiradores da arte de representação.

Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) escreveu Canção do exílio em 1843, que o projetou

como um dos maiores representantes do Romantismo no país. Iniciador da corrente indianista,

bacharel pela Universidade de Coimbra, instalou-se no Rio de Janeiro em 1846.

O legado teatral de Gonçalves Dias é, do ponto de vista histórico, a mais penetrante

crítica ao poder absolutista que a colonização portuguesa mantinha sobre o país. Outras incursões

teatrais marcaram o drama histórico nacional, bem como o realismo3 que teve como núcleo a

2 O Judeu foi levado do Brasil quando sua mãe foi responder perante o tribunal de inquisição, assim pôde AntônioJosé formar-se em Cânones, em Coimbra. (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996).

3 Entende-se por realismo o “movimento artístico que domina o drama e o espetáculo do final do século XIX.Formalmente, o realismo nasce de uma reação ao romantismo, à pièce bien faite e à representação declamada.(VACONCELLOS, 1987, p. 165-166).

68

família com Machado de Assis (1839-1908), José de Alencar (1829-77), Álvares de Azevedo

(1831-1852), Castro Alves (1847-1871), dentre outros. Os temas prediletos de José de Alencar,

eram a cortesã e ou o dinheiro. O grande problema social do Brasil na época, a escravidão,

também foi tratado por Alencar, porém, no gênero comédia.

Com respeito ao teatro realista, afirma Moacyr Flores em sua obra O negro na dramaturgia

brasileira: 1838-1888, que “elaborava a cena copiada da vida real, imitando as falas, as

indumentárias e os espaços sociais, transformando-se em documentário de uma época, que permite

captar as idéias e as rotinas do cotidiano.” (1995, p. 9). A comédia buscava educar e o drama

pretendia a busca de uma realidade, muitas vezes não apreendida pelo texto. Ainda segundo

Flores, o teatro no Brasil, durante o século XIX aspirava recompor a sociedade de então.

Entretanto, não demonstrava aos espectadores a realidade da época com relação à difícil

sobrevivência do negro, escravo ou liberto.

Entendendo o teatro a partir de sua função social – a de oferecer à sociedade um modelo

e reforçá-lo pedagogicamente – cabe salientar o esforço das elites políticas do Segundo Reinado

em estimular esta arte. Em 1861, por exemplo, o Visconde de Jaguarí, então ministro de Estado,

nomeiou uma comissão com o propósito de criar “um grupo oficial de comédia.” (MICHALSKI

& TROTTA, 1992, p. 8).

Participaram dessa comissão João Cardoso de Menezes e Souza e os romancistas José de

Alencar e Joaquim Manuel de Macedo. Eles apresentaram relatório propondo construção de um

teatro e de um conservatório dramático, mas não viram seus objetivos concretizados. Seguiram-

se novas discussões tratando do mesmo assunto – na Câmara dos Deputados, em 1879, na Câmara

Municipal da Corte, em 1884 – mas sem nenhum resultado prático.

O regime republicano instalado em 1889 no país, ao mesmo tempo que apontava mudanças

no campo político, era governado por uma aristocracia agrária com forte predomínio do grupo

cafeeiro. Ao final do século XIX e início do século XX, o Brasil apresentava novidades como a

Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Mas o início da República,

no Brasil, foi marcado por movimentos sociais e políticos como a Revolução Federalista no Rio

Grande do Sul (1893-95), Canudos na Bahia (1895), a Revolta da Armada no Rio de Janeiro

(1910), e Contestado em Santa Catarina (1912-16). O Rio de Janeiro, além de ser a capital da

69

República, era o centro cultural do país, onde os espetáculos homenageavam marinheiros como

em A vingança do operário, de Benjamim de Oliveira e o Diabo que o carregue, de João Foca,

demonstrações de que o teatro não estava alheio às rebeliões da época. (CAFEZEIRO,

GADELHA, 1996).

Em 1892, o pintor Pedro Américo (então deputado pelo Estado da Paraíba), propôs os

projetos na Câmara nos seguintes termos:

Art. 1º - Fica o Governo da República autorizado a fundar um instituto

dramático, tendo por fim: I) Educar (...) todos aqueles que sentirem vo-

cação para a carreira do teatro; II) Organizar uma companhia teatral (...);

III) Fazer representar (...) composições dramática brasileiras (...); VI)

Promover (...) a ereção de um teatro. (MICHALSKI & TROTTA, 1992,

p. 8).

Como todos os projetos do tempo do Império, este também não saiu do papel.

Em 1909, com a inauguração do Teatro Municipal no Rio de Janeiro, acenderam-se as

esperanças quanto ao comprometimento do Estado na promoção da atividade teatral. No mesmo

ano, no entanto, a prefeitura municipal arrendou o teatro para um empresário particular.

Novamente a classe teatral viu se esvanecerem suas esperanças. Projetos continuaram a ser

criados – na Câmara Municipal no Rio de Janeiro, em 1914 e 1920; no Congresso Nacional, em

1927 – mas sem serem efetivados.

Não há como esquecer de que a Primeira Guerra Mundial, de certa forma, acabou por

isolar o Brasil da Europa e, como seqüência disso, as companhias francesas e portuguesas

começavam a escassear suas vindas ao país. Com isso, os atores brasileiros começaram a

amadurecer modelos próprios de interpretação. Ao mesmo tempo, os atores estrangeiros,

impossibilitados de retornarem aos seus países, começaram no Rio de Janeiro “a realização de

vários espetáculos ao ar livre, a exemplo do que acontecia na Europa e sempre com grande

êxito.” (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996, p. 370).

Ainda assim, a dramaturgia brasileira demorou muito para amadurecer. Não esteve

presente, por exemplo, na Semana de Arte Moderna, de 1922. Aliás, esta assertiva de Almeida

Prado não é consenso entre os historiadores do teatro. De fato, “o arquiteto Flávio de Carvalho

70

tentou levar as teorias do movimento de 22 ao palco, com o que denominou ‘Teatro de

Experiência’.” (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996, p. 379). Em 1933 uma peça sua, Bailado do

deus morto, foi apresentada no CAM4 em São Paulo. Entretanto, em decorrência das vaias e dos

tumultos da platéia nas encenações que o próprio Flávio de Carvalho havia denominado

Experiência Nº 1,2 e 3, a polícia vetou tais apresentações.

Ainda na década de 20 um dos modernistas, Antônio de Alcântara Machado, fez críticas

contundentes ao teatro da época. Ele apontou como causa da desnacionalização das peças o fato de

elas serem espelhadas em operetas das companhias portuguesas, francesas e italianas, assim como o

uso de personagens-clichês, enredos previsíveis e atraso técnico. (SOUTO, 1998).

Como se sabe, o Estado sob a República até os anos 30, não favoreceu a política cultural

como a Monarquia fez. Tanto que a criação de museus e demais entidades dedicadas à memória

nacional e à criação artística foi incipiente neste período. Mesmo assim, essa época registrou a

consagração de alguns atores como Itália Fausta, Apolônia Pinto, Leopoldo Fróes, Procópio

Ferreira e Dulcina de Morais, dentre outros. É também no início do século XX, mas após a

Semana de Arte Moderna, “que surgem em São Paulo e Rio de Janeiro, manifestações de um

teatro operário.” (CAFEZEIRO, GADELHA, p. 371). Mesmo assim, foi um teatro com influências

de anarquistas que haviam imigrado para o Brasil. De um lado, o Teatro Operário buscava a

conscientização de classe e por outro, buscava levar conhecimento ao operariado.

Entre as décadas de 1930 e 1970, o fazer teatral ganhou ares experimentais e de busca da

profissionalização. Surgiu o Teatro-Escola nos anos 30, com pretensões didáticas, abordando

temas polêmicos como as crenças religiosas, as noções de pecado e a liberdade sexual. (SOUTO,

1998).

A ascensão de Getúlio Vargas ao poder arregimentou intelectuais para dentro dos órgãos

do governo, como o DIP,5 a Rádio Nacional e o Serviço Nacional de Teatro. Ao mesmo tempo,

o aumento da classe média urbana possibilitava a ampliação de iniciativas privadas no setor

cultural. Há uma expansão empresarial ligada ao Gênero Trianon, feito exclusivamente para rir,

denominada também de chanchada. Joracy Camargo pertencia a Geração Trianon e justificava o

4 Clube de Artistas Modernos.5 Departamento de Imprensa e Propaganda.

71

gênero por ele adotado, tendo em vista que “aos autores que vivem de teatro não é permitido

escrever peças que dão prejuízo aos empresários. Daí a necessidade de equilibrar o nível dos

seus trabalhos com o nível mental do público.” (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996, p. 445). Ou

seja, o Gênero Trianon era um contraponto à intenção conscientizadora do Teatro Operário e

visava mais ao lucro e ao entretenimento. Esse período foi também o auge da carreira de Dercy

Gonçalves, Alda Garrido e Cazarré.

O final da década de 30 foi marcado por iniciativas teatrais que correspondessem aos

padrões da elite carioca, com grupos oriundos da média e alta burguesia e expressão de uma arte

mais elevada, dentro de parâmetros estrangeiros. Ou seja, o teatro freqüentado pelas classes

populares e textos nacionais era considerado subdesenvolvido. A burguesia estava voltada para

espetáculos europeus. (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996).

Dessa forma, o elenco do Teatro de Brinquedo (1928)6 ganhava a respeitabilidade

intelectual, pois não buscava a profissionalização e arregimentava seu elenco em membros que

privilegiavam o idioma francês como símbolo de refinamento e apuro intelectual. Essa tendência

ganhou expressão com a Revolução de 30, com grupos amadores como o Teatro do Estudante,

(1938), Os Comediantes (1938), o Teatro Experimental de São Paulo (1939) e o Teatro de

Amadores de Pernambuco ( 1941), que, de certa forma, formaram a base do teatro brasileiro

moderno.

Em 1937, finalmente, o Governo Federal criou por decreto o Serviço Nacional de Teatro

(Decreto-Lei nº 92, de 21.12.1937). Foram tempos de autoritarismo e, em maio de 1940, foi

efetivamente fundada uma companhia oficial de teatro no Brasil: a Companhia de Teatro

Brasileira. A Companhia funcionou até 1945 e, devido ao repertório apresentado – dramas

históricos triunfalistas, dramas sentimentais, comédias leves – ela não exerceu o peso cultural

que estava ao seu alcance. (MICHALSKI & TROTTA, 1992).

No entanto encenou a primeira peça de Nelson Rodrigues, A mulher sem pecado (dezembro

de 1942), e cedeu verbas ao grupo Os Comediantes para que realizasse Vestido de noiva (1943),

a peça que renovou a dramaturgia brasileira.

6 O Teatro de Brinquedo, considerado teatro leve, feito exclusivamente para rir, teria seus intérpretes supremosem Leopoldo Fróes e Procópio Ferreira.

72

Esta referência aos esforços da classe teatral por subsídios do Estado nos parece

importante, pois entendemos que teve repercussão no ânimo dos artistas amadores da ETLF. A

Escola foi criada neste contexto político do Estado Novo, quando ocorreu um efetivo

comprometimento do Estado com o desenvolvimento das artes.

A ETLF colocou-se sempre como grupo independente, sem vínculos oficiais, mas também

procurou os órgãos do Estado – chegou a ter subvenção municipal – para a concretização de

seus objetivos, especialmente a criação de seu próprio teatro. Este foi um procedimento usual

dos artistas no Brasil, entendendo que o apoio do Estado era fundamental para romper com as

exigências do mercado e poder ousar artisticamente.

O Teatro do Estudante e o Teatro Universitário, criações do período estado-novista,

previam o fim da tendência lusitana e a sistematização do saber teatral, arregimentando estudantes

de qualquer classe social, implantando a iniciativa do cunho amadorístico no teatro. Isso acabaria

por acarretar uma contradição com a idéia de um teatro elitizado. (MICHALSKI & TROTTA,

1992).

Com o final da Segunda Guerra, a atuação do Teatro do Estudante se expandiu, tornando-

se uma escola prática de teatro. Na mesma época, surgiu o Teatro Experimental do Negro (1944-

49), visando a abrir espaço para os negros, que até então eram representados por brancos pintados

com carvão. (SOUTO, 1998).

Em 1943, com a encenação de Vestido de noiva7 , de Nelson Rodrigues, teve início a

renovação da dramaturgia brasileira. A partir daí (e especialmente nos anos 50) Nelson Rodrigues

vai ser o grande nome do teatro brasileiro. Em 1948, foi criado um dos marcos importantes do

teatro brasileiro, o Teatro Brasileiro da Comédia (TBC), em São Paulo8 .

No final dos anos 50, entretanto, houve uma fragmentação do TBC, de onde saíram

então as “companhias profissionais do período: a de Maria Della Costa e Sandro Polônio; a de

7 A peça Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues é considerada como um divisor de águas em relação à modernadramaturgia brasileira, caracterizando-se assim, como as outras peças do autor, Boca de ouro, Beijo no asfalto eToda a nudez será castigada, por uma visão individualista e subjetiva. Sua obra, entretanto, liga-se a certa fasedo teatro brasileiro que correspondeu a uma primeira tentativa de valorizar a dramaturgia nacional, muito emboratendo em vista o espetáculo para a classe média, vinculado à noção ingênua de nobreza de arte teatral, doestrelismo e do domínio do diretor sobre o elenco.

8 O TBC, reunindo elenco estável de mais de 30 atores, encenou quase que, exclusivamente, peças de reconhecidovalor da dramaturgia européia e norte-americana. Conservou a tendência a um teatro realizado em moldes europeus.

73

Cacilda Becker e Walmor Chagas; a de Tonia Carrero, Paulo Autran e Adolfo Celi; a de Sérgio

Cardoso e Nídia Lícia.” (VASCONCELLOS, 1987, p. 187). Oriundo também do TBC foi o

Teatro do Sete, que tinha como integrante Fernanda Montenegro. Foi portanto nos anos 1950

que a dramaturgia alcançou certa maturidade Essas companhias não permaneceram coesas por

muito tempo, pois seus integrantes foram atraídos pela televisão e/ou o cinema.

Correspondendo a essa maturidade do teatro brasileiro, em 1953, voltou a ser criada uma

nova companhia oficial de teatro: a Companhia Dramática Nacional (1953-1954). Ainda nesse

ano o Congresso Nacional votou “uma lei segundo a qual cada companhia de teatro tinha de

incluir obrigatoriamente em cada três peças de seu repertório pelo menos um texto de autor

nacional.” (MICHALSKI & TROTTA, p. 105). Uma lei que evidenciava claramente a

preocupação em garantir espaço para o desenvolvimento de uma dramaturgia nacional.

Também em 1953 surgiu o Teatro de Arena, em São Paulo, contrapondo-se à estética do

TBC. O Arena pretendia uma forma de interpretação genuinamente brasileira, com atores

expressando-se na linguagem do povo da rua. Dava preferência por textos nacionais e almejava

uma vinculação maior com a realidade brasileira, especialmente aquela vivida pelas classes

populares.

Essas propostas resultaram num projeto de teatro engajado, com atuação político-social

de esquerda. Era uma nova teoria e um novo estilo teatral. Propagou-se pelos teatros Oficina,

Opinião e pelos grupos teatrais dos CPCs - Centros Populares de Cultura, da UNE (União Nacional

dos Estudantes)9 , reavivando a questão nacional na dramaturgia e na linguagem cênica. “Desse

movimento surgiu a montagem de O Rei da vela (1968), de Oswald de Andrade (1890-1954),

com direção de José Celso Martinez Correa, pelo Grupo Oficina, que foi o ponto de partida do

Tropicalismo.” (VASCONCELLOS, 187, p. 187).

Partindo de um laboratório de interpretação com atores como Gianfrancesco Guarnieri,

Oduvaldo Vianna Filho, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves e Nélson Xavier, o elenco do

Teatro de Arena conseguiu realizar um estilo que representava uma novidade nos palcos

9 No centro das mobilizações dos estudantes estava o desejo de emancipar os segmentos oprimidos da sociedadebrasileira. “A partir dessa premissa, a vanguarda do movimento universitário, liderado pela UNE, traçaria alinha de ação e definiria o programa tático de luta pela Reforma Universitária.” (PELEGRINI, 1998, p. 31).

74

brasileiros: o ator formado a partir de suas próprias contradições como homem e não mergulhado

na essência da personagem. Mas a grande reviravolta se daria com a montagem de textos e

atores nacionais, escrevendo sobre temas brasileiros e populares como o cangaço, o futebol, o

trabalho nas fábricas.

Essa etapa correspondeu à construção de Brasília, ao desenvolvimento industrial de São

Paulo e de outras regiões brasileiras e ao surgimento de correntes culturais que procuravam

ligar-se com o processo brasileiro, a Bossa Nova e o Cinema Novo da era Juscelino Kubitschek

de Oliveira (1956-1961).

O Teatro de Arena e o Teatro Oficina desapareceram por volta de 1972. Durante os vinte

anos de Ditadura Militar (1964-84), o teatro estabeleceu forte resistência à repressão e fez surgir

nos palcos, nesse período, novas experiências e novas tendências, ainda que o regime militar o

qualificasse como inimigo público e sobre ele tivesse exercido sistemática censura e repressão.

(VASCONCELLOS, 1987).

Mas o público do teatro começava a mudar. Por um lado, porque o público tradicional

estava sintonizado com ideologias burguesas e era agredido pelas vanguardas de orientação

anti-burguesa e até socialista. Este público não se via nesse teatro, que expressava o ideário de

novos grupos sociais: os estudantes, os intelectuais, a classe média esquerdizante com inclinações

para a transformação social e cultural. Por outro lado, porque as possibilidades de entretenimento

começavam a se diversificar, as salas começavam a ser improvisadas para espetáculos e

desprovidas de conforto para o público que ainda as freqüentava. (PRADO, 1986).

A década de 70 veio confirmar a tendência de realizações propostos pelas vanguardas,

que reuniam o que havia de melhor em termos de diretores, atores e cenógrafos. Nessa linha,

além das experiências de José Celso, convém mencionar o trabalho de Paulo Afonso Grisolli

(Onde canta o sabiá), Vitor Garcia (O balcão e Cemitérios de automóveis), Amir Haddad (Depois

do corpo e Tango), Ivan de Albuquerque (O arquiteto e o imperador da Síria) e Flávio Império

(Os fuzis).

Todas essas montagens, embora em linhas de direção diferentes, trouxeram uma salutar

renovação de enfoque que permitiu uma modificação gradual na ótica geral da mise-èn-scéne

brasileira. A contribuição de jovens dramaturgos, como Antônio Bivar, José Vicente e Roberto

75

Ataíde, que tinham como ponto de partida de suas peças a não-aceitação do mundo, negou

também a estética teatral herdada das gerações anteriores, empreendendo uma revolução em

nível formal, muito embora, na maioria dos casos, optasse claramente pelo escapismo.

O elemento mais dinâmico da vanguarda parecia localizar-se nos grupos semi-amadores,

cuja solução formal procurava fundir a experiência do teatro popular com as diversas correntes

culturais brasileiras, como a Antropofagia e o Tropicalismo, revestindo essa ação de elementos

retirados da observação geral da realidade do país, dos meios de comunicação de massa e dos

contrastes sociais.

Um passo importante no sentido de uma nova dramaturgia nacional foi dado em 1976

com a montagem de A gota d’água, de Paulo Pontes e Chico Buarque de Holanda, com destaque

para a atuação de Bibi Ferreira. Transpondo para o contexto brasileiro o tema da tragédia Medéia,

de Eurípedes, os autores conseguiram colocar o impasse da luta entre o justo e o real em termos

de uma luta de moradores de um conjunto habitacional. (MICHALSKI & TROTTA, 1992).

Assim, durante muito tempo, o teatro submeteu-se às leis de mercado, flutuando entre o

comercial e o artístico. Para isso, a evolução do teatro, através de sua história, parece confundir-

se com uma sucessão de crises por meio das quais a arte cênica buscou o estímulo e o impulso

para empreender a sua renovação.

No caso do Teatro Brasileiro passa-se o mesmo, mas é preciso notar a existência de

algumas deficiências estruturais que vêm impedindo-o de desenvolver-se, se não no mesmo

compasso dos países mais desenvolvidos, pelo menos com o vigor que seria de esperar, dadas as

condições preexistentes. Essas deficiências são de ordem institucional e ocorrem principalmente

pela falta de uma política de apoio oficial, coerente com uma política cultural e profissional que

se alia à redução de casas de espetáculo, à estreiteza da mentalidade empresarial, à insuficiente

oferta de bons atores, tudo isso contribui para uma taxa de crescimento do público bastante

fraca, havendo também o forte apelo dos outros meios de comunicação, sobretudo da televisão.

Além disso, há uma divisão no teatro brasileiro, que coloca em campos separados um

teatro vivo, experimental e aberto, para o qual existe um público jovem e universitário, e um

teatro tradicional, idêntico ao que se fazia no Brasil quando foi criado o TBC, e que conta com

um público tradicional interessado pelo teatro como forma de evasão sofisticada ou mero

76

divertimento.

Assim, até aqui traçamos um panorama do teatro no Brasil, baseando-nos em alguns

autores como Décio de Almeida Prado (1986 e 1999), Anatol Rosenfeld (1993), Andrea do

Roccio Souto (1998), Luiz Paulo Vasconcellos (1987), Edwardo Cafezeiro e Carmem Gadelha

(1996), Moacyr Flores (1995), Yan Michalski e Rosyane Trotta (1992). Esse breve histórico

visou a um entendimento geral do assunto - e portanto, sem a intenção de aprofundar o tema -,

para podermos chegar ao teatro no Rio Grande do Sul e, especialmente, ao teatro em Santa

Maria.

A urdidura de uma trama: a criação da Escola de Teatro Leopoldo Fróes

Lothar Hessel, em seu livro O teatro no Rio Grande do Sul (1999), fornece uma visão

geral, município por município, do que foi o teatro em seus primórdios. Possibilita a verificação

do grau de desenvolvimento teatral de quarenta cidades e vilas, em um período ainda caracterizado

por rodovias não-pavimentadas, com limitação de acesso aos meios de comunicação de massa

como rádio e televisão e, também o de muitos lugares, em que o acesso se dava mais por meio da

ferrovia que de qualquer outro meio de transporte.

À exceção da capital, Porto Alegre, que já desenvolvia atividades cômicas antes mesmo

da construção da Casa da Comédia, em 1794, e de Rio Grande, onde o Theatro de São Pedro

data de 1780 e 1790, as demais cidades rio-grandenses começaram a construir suas casas de

espetáculos ou associações a partir do século XIX. Em Pelotas, o Teatro Sete de Abril foi

inaugurado em 1833, mas um ano antes já havia representações em âmbito familiar; em Rio

Grande, o Teatro Sete de Setembro data de 1832, mas era então o terceiro teatro a ser construído

na cidade; Santa Vitória do Palmar, desde 1890, já tinha sua Sociedade Dramática Particular e

em 1891, havia recebido a Companhia Dramática Espanhola; a Sociedade Harmonia Jaguarense

da vila de Jaguarão, data de 1851; na condição de capital da República Rio-Grandense, em

1836, Piratini já possuía o seu Teatro Sete de Abril; já existiam as atividades de palco em Bagé

em 1845; em Dom Pedrito, a arte cênica foi inaugurada em 1914, com seu Teatro–Circo; Santana

do Livramento possuía um bom teatro desde 1860; imigrantes italianos citadinos fundaram a

77

Sociedade Beneficiente Italiana Giuseppe Mazzini na década de 1870, em Quaraí; mesmo antes

da construção do Teatro Carlos Gomes, em1884, já havia atividades teatrais em Uruguaiana; em

Itaqui, o Teatro Prezewodowski, de 1886, não foi a primeira casa de espetáculos da cidade; o

primeiro prédio teatral de São Borja data de 1896 e era conhecido como Teatrinho; Alegrete

construiu seu teatro em 1862; em São Gabriel o Teatro Velho já existia em 1856. Seguiram-se

mais ou menos, nestas mesmas datas, as inaugurações de casas de espetáculo nas demais cidades

do interior do Rio Grande do Sul, sendo a última inaugurar seu Grêmio Dramático 20 de Setembro

em 1920, a cidade de Viamão.

Getúlio Schilling (1943), no texto datilografado O teatro em Santa Maria, supõe que a

vida teatral na cidade de Santa Maria remonte às primeiras décadas do século XIX, com

representações dramáticas em reuniões familiares. O primeiro teatro na cidade, enquanto

edificação, seria inaugurado em 1889, por João Daudt Filho10, com o nome de Theatro Treze de

Maio.

O Treze de Maio acabou incentivando também (e inclusive) o teatro profissional, que

passou a visitar a cidade com maior freqüência, mas companhias teatrais que à época viajavam

pelo Brasil. (DAUDT, 1949).

Com a inauguração do Cine-Teatro Coliseu em 1911, surgiu a figura de João Belém11

que, a partir daí e até sua morte, em 1935, animou a arte teatral na cidade. Belém se dedicou a

escrever peças entre os anos de 1917 e 1930, dentre elas Corações gaúchos, A professorinha e

Comédia da vida, todas com apresentações na cidade.

Ainda na década de 1930, destacaram-se Lamartine Souza, Fernando do Ó e Rubem

Belém - este último ator e diretor das peças de seu pai, João Belém. Em 1938, a peça de revista

Na Boca do Monte, de autoria de Rubem Belém e Pelissier Cruzeiro, dirigida por um dos autores,

10 João Daudt Filho nasceu em Santa Maria em 1858. Cursou Farmácia na Faculdade do Rio De Janeiro na décadade 1877. Retornou à Santa Maria em 1882 e “tornou real uma antiga aspiração dos moradores de Santa Maria: aconstrução de um teatro, pois a cidade só possuía circo de cavalinhos, que muito esporadicamente aí chegavam.”(RÉCHIA, 1999, p. 170).

11 João Belém nasceu “em 24 de março de 1874 em Porto Alegre e faleceu em Santa Maria em 24 de junho de1935. (...) Em 1902 descobre o mundo maravilhoso do teatro, escrevendo sua primeira peça Notas falsas, umarevista de costumes que teve sua estréia na capital. Dali por diante não cessou sua atividade teatral. Quase umavintena de comédias musicais e revistas foram escritas e representadas em Santa Maria e em outras cidades dointerior.” (CARDOSO, 2000, p.7).

78

Rubem Belém, registra grande sucesso na cidade. Outro sucesso deste ano foi A aposta, de

Fernando do Ó. Em 1940, Rubem Belém encenou a comédia Nara, trazendo no elenco a atriz

Edna Mey Budin, que viria a se casar com Edmundo Cardoso em 16 de janeiro de 1943.

(CARDOSO, 1978).

O Coliseu mantinha, pois, uma programação regular de teatro. Nos anos 30, a opereta A

casa das três meninas marcou época neste palco. Este teatro foi demolido por volta de 1950,

dando lugar ao Cine-Teatro Glória.

Como se vê, os anos 30 foram bastante ativos no que diz respeito à vida teatral. Parece-

nos que foi esta experiência que embasou as vivências juvenis de nossos atores. Eles perseguiam

e se encantavam com este mundo dos palcos.

Em 23 de julho de 1943, no jornal A Razão, Fernando do Ó, que já havia escrito cinco

peças, A Aposta, Vovô quer casar, Menino prodígio, Escola da vida e Esta vida é uma prisão,

comentou sobre a importância da “criação de uma escola de arte dramática para o aproveitamento

dos elementos inclinados à cena teatral. Se tivéssemos melhores intérpretes em fartura, poderíamos

apresentar mensalmente uma festa de arte à cidade.” (p.13).

A concretização dessa aspiração ocorreu nesse mesmo ano com a criação da Escola de

Teatro Leopoldo Fróes. O grêmio dos estudantes do Colégio Centenário convidou Edmundo

Cardoso, que vinha se destacando na produção de teatro amador, para organizar um espetáculo

chamado Saudade, de Paulo Magalhães (que foi encenada em 30 de julho de 1943). O objetivo

primeiro era o de angariar fundos para os cofres do Grêmio das Formandas do colégio.12

Edmundo Cardoso, com o ator Setembrino Souza, organizou o elenco e equipe técnica

para levar a peça, que era formado, além deles próprios, por “Marconi Mussói, Dalton Couto,

José Medeiros, Luiz Gonzaga Schleiniger, Adão Fortes (...), Nair Miorin, Adyles da Silva, Atia

Paiva Mendes e Iza Prates.” (CARDOSO, 1978, p. 15).

O espetáculo teve boa acolhida na cidade, em uma única apresentação com lotação

esgotada. Aos atores masculinos juntaram-se atrizes, à época estudantes e professoras do Colégio

Centenário, e encenaram um espetáculo para ser aplaudido pela sociedade local. (Figura 5).

12 O Colégio Centenário foi fundado em Santa Maria em 1922, por iniciativa da Igreja Metodista do Brasil e hojepossui capacidade para 1700 alunos, entre pré-escola, 1º e 2º graus, supletivo do 2º grau e curso de Processamentode Dados. (COSTA BEBER, 1998).

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Em 10 de dezembro de 1943, em reunião no salão da antiga Faculdade de Farmácia13

(cedido pelo então diretor, Francisco Mariano da Rocha), foi fundada a Escola de Teatro Leopoldo

Fróes, consolidando o teatro amador santa-mariense. Na seção inaugural foi eleita a primeira

diretoria da Escola para a elaboração dos estatutos sociais,14 estando assim composta: Diretor

de Cena, Edmundo Cardoso; Diretor Artístico, Setembrino de Souza; Secretário, Carlos Grau;

Pontos, Lisboa Carrion e Edmeu Lobo; Contra-regra, Marconi Mussói; Arquivista, Walter Grau;

Eletricista, Nilo Pulino; Tesoureiro, Gentil Maciel; Cenógrafo, Eduardo Trevisan; Publicistas,

Adão R. Barcelos e Olinto Oliveira Neto; Maestro, Garibaldi Poggetti; Conselho Fiscal, Luiz

Bollick, Garibaldi Fillizzola, Henrique Bastide, Victor Hugo Pinto, Alcides Vale Machado e

13 A Faculdade de Farmácia de Santa Maria foi fundada em 1931 por Francisco Mariano da Rocha. Em 1948 foiincorporada à Universidade do Rio Grande do Sul, permanecendo nesta situação até 1960, quando ocorre acriação da Universidade Federal de Santa Maria. (COSTA BEBER, 1998).

14 Ficava previsto nesta ocasião que a segunda reunião ocorreria em 20 de dezembro de 1943, para discussão eaprovação dos estatutos. Entretanto, não há registro de reuniões no Livro de Atas entre 1943-1948. Depois dafundação da Escola em 10 de dezembro de 1943, a próxima Ata data de 02 de dezembro de 1948.

Figura 5: Integrantes da ETLF. Sentados: Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso,Paulicéia Souza, Setembrino Souza, Dima Medeiros e José Medeiros. Em pé: AtiaPaiva Mendes, Alemão, Mauro Mussói, Moisés Sanchis, Luiz Gonzaga Schleiniger,Nair Miorin Paiva, Geolar Badke, Adiles Silva, Wilson Denardin e Marconi Mussói.(1943).Fonte: Acervo particular EC.

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Francisco Dania. Nessa mesma ocasião foi escolhida a comissão composta por Edmundo Cardoso,

Walter Grau e Setembrino Souza para elaborar os estatutos sociais. (Ata de Fundação da ETLF

Santa Maria, 10 dez 1943, p. 1).

Entretanto, o registro civil da ETLF, enquanto pessoa jurídica, foi efetuado somente 10

anos após a apresentação da primeira peça:

Revendo neste Tabelionato os Livros de REGISTRO CIVIL DE PES-

SOAS JURÍDICAS, dele consta o Registro sob número cento e trinta e

três (133) de ordem, à folhas setenta e sete (77), do Livro “A nº 2”

TRASLADADO, de: “ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES”,

efetuado em data de vinte e seis (26) de março do ano de mil novecentos

e cinqüenta e três (1953). (CERTIDÃO, 1º TABELIONATO, 1970).

Ainda em 1943, seria encenada Compra-se um marido, seguida por Deus lhe pague –

carro-chefe do teatro brasileiro até então. Marido número cinco e Os divorciados, em 44. No

elenco dessas peças, além dos artistas já mencionados em Saudade, ingressaram Vilson Dernardin,

as irmãs Nídia e Maria Menezes, Mauro Mussói, Dilma Medeiros, oriunda do Grupo Lobo da

Costa, América Achutti e Murias Bastos, locutor de rádio.

O ano de 1945 ainda acentuava o repertório nacional, o que era em parte motivado pela

dificuldade em se obterem textos estrangeiros e em parte pela insistência de Setembrino Souza,

que preferia remontar textos com garantia de sucesso. Seria então o ano de Maria Cachucha e

Feitiço15 e de A barbada, comédia cujo tema central era o turf envolvido na malícia carioca e

Pertinho do céu, peças até então não produzidas no Estado.

A orientação de Setembrino nos indica uma visão pragmática da vida teatral. Ele pensava

na bilheteria e não se deixava influenciar por anseios da arte [teatral] pura, que tanto permeavam

os textos e falas de Edmundo Cardoso e seus atores posteriormente.

O ano de 45 também foi marcado por duas mortes nos quadros da ETLF: de Miguel

Dequech, maquinista amador que exercia sua função profissional no Cine-Teatro Imperial e do

ator Murias Bastos, locutor da Rádio Imembuí. Ocorreu também, nesse ano, o ingresso na Escola

15 Feitiço seria encenada novamente em 1977 com dois atores remanescentes de 45: Nair Miorin Paiva e EdmundoCardoso. Na temporada de 77, foi a última aparição de João Teixeira Porto (2003) na Escola: “A última peça deteatro que eu fiz foi Feitiço, de Oduvaldo Viana [1977]”.

81

de Menotti Lobo Francisco Marranquiel e Antonio Carvalho Filho, que incorporaram as

montagens. Como a Escola continuava produzindo teatro brasileiro, tão logo as peças faziam

sucesso no Rio de Janeiro e São Paulo, já estavam sendo encenadas em Santa Maria.

O fato da Escola chegar a montar em um ano quatro peças devia-se, segundo EC, ao fato

de as oportunidades de lazer serem mais escassas que na atualidade. O teatro apenas concorria

nas décadas de 30 e 40 com o cinema e as reuniões dançantes aos sábados e domingos, não havia

tantos esportes e a oportunidade de estudo para os jovens era mais rara. Nas décadas seguintes

“raro era o ensaio em que se podia ter 50% do elenco e, como o teatro é equipe e conjunto, ficava

difícil andar depressa com os ensaios. Mas naqueles tempos tudo era mais fácil.” (CARDOSO,

1978, p. 11).

O ano de 1946 se distinguiu pela doação de “quase um vagão de cenários em cenoplastia

(madeira, tecidos, metais, apliques [para cabelo]) e recursos inúmeros” por Procópio Ferreira16,

que já mantinha sólida amizade com EC. (CARDOSO, 1978, p. 11). A respeito do material

doado, lembra Geolar Badke (2003) que “naquele tempo ainda se usava bastidores (...) com

madeira e pano (...). Em uma das vezes em que Procópio Ferreira17 esteve em Santa Maria,

deixou o material de cena para a Escola e, a partir desse momento, começamos a montar a sala

completa.”

Mas no ano de 1946 também ocorreria o afastamento temporário de Setembrino Souza,

o que marcaria uma certa modificação nos rumos do repertório da Escola, que passou a montar

peças de “maior responsabilidade e mais apuro cênico (...). O grupo começou a montar peças de

autores internacionais, como Ibsen, Albee, Casona, Prietsley, Ubo Betti e outros.” (COSTA,

1985, p. 15). Na verdade, esse apuro cênico muito se devia à doação de grande quantidade de

16 Procópio Ferreira nasceu no Rio de Janeiro. Cursou a Escola Dramática Municipal e estreou em 1916, naCompanhia Lucília Péres. Trabalhou em várias companhias e na de Abigail Maia, no Trianon, obteve seu primeirogrande êxito fazendo o papel de Zé Fogueteiro na peça A Juriti, de Viriato Corrêa. Em 1924, fundou sua própriacompanhia que logo se firmou como uma das principais do país. A partir dessa época, começou a disputar comLeopoldo Fróes a preferência do público. A consagração definitiva veio em 1933, fazendo o falso mendigo dacomédia de Joracy Camargo em Deus lhe pague, que passou a ser o carro-chefe do seu repertório. Depois de vê-lo interpretando Médico `a força, de Molière, Louis Jouvet enviou mensagem convidando-o a fazer com ele emParis, o Sganarelo no Don Juan. Critica-se em Procópio o oportunismo e nenhum esforço pela renovação dosprocessos em seu teatro. (PRADO, 1986).

17 “É de registrar-se ainda a presença em Santa Maria, em 1943, de Procópio Ferreira e seu elenco, como o inevitávelsucesso e incentivo ao teatro local; a partir de então, compareceu ele regularmente até a década de 1960.”(HESSEL, 1999, p. 129).

82

material cênico à Escola por Procópio Ferreira.

Em 1947, a Escola lançou a comédia Era uma vez um vagabundo, que contou com os

novos atores, dentre eles, Rafael Seligman, Nicolau Viola, Luiz Carlos Serpa e Sílvio Santos

Braga. Neste mesmo ano encenou seu primeiro êxito dramático, Pense Alto, marcando um

momento de transição na Escola, “que iniciava a sua escalada no rumo da arte de fazer pensar.”

(CARDOSO, 1978, p. 1). Estreariam na montagem elementos cenográficos novos, como luz,

som e efeitos especiais. Mas a moral rígida da época se manifestou pelos jornais, tachando a

peça amoral, pois “pregava o amor livre, o descompromisso no amor...etc. etc.” (CARDOSO,

1978, p. 12).

Influenciada ou não pela crítica, a Escola retornou à comédia e ao divertimento com O

calcanhar de Aquiles, em 1948 e Lar doce lar, em 1949. Em 1950, “chegava ao fim a crise

interna iniciada em 1948 e que gerara o afastamento de alguns atores, fruto de uma acalorada

assembléia. A Escola levou dois anos para recompor-se.” (CARDOSO, 1978, p. 12).18 A Escola

encenou então Avatar, comédia que tentou inovar outra vez na montagem. Nessa peça João

Teixeira Porto estreou como auxiliar de contra-regra.

Em 1951, a Escola encenou pela primeira vez uma peça internacional, É proibido suicidar-

se na primavera, porém ainda dentro do estilo comédia romântica. A peça foi traduzida para a

Escola pelo jornalista J. Garibaldi Fillizzola. “Em É Proibido Suicidar-se na Primavera eu fui

o ponto. Os ensaios iam até tarde, até as 23 horas, o inverno era rigoroso e o Cardoso era

exigentíssimo.” (PORTO, 2003). Essa peça também contaria com o ingresso de Wilde Quintana

na Escola que, além de haver se destacado como ator, traduziu alguns textos que não chegaram

a ser encenados.

Em 1952, a Escola de Teatro começou a elaborar a idéia da construção da sede própria.

“Para isso contou como apoio do Prefeito Heitor da Silveira Campos [1952-56], da Câmara de

Vereadores e das forças vivas da cidade.” ( CARDOSO, 1978, p. 13).

18 Na segunda Ata da Escola, ocorrida em 2 de dezembro de 1948, nota-se divergências entre os componentes daETLF quanto a elaboração dos Estatutos. Na mesma ocasião, Geolar Badke demitiu-se do cargo de DiretorSecretário e houve votação para nova diretoria, que ficou assim composta: Diretor Geral, Walter Grau; Diretorde Cena, Edmundo Cardoso; Diretor Comercial, Braulio Souza; Diretor de Montagem, Marconi Mussói e DiretorSecretário Wilson Dernardin. Não há menção ao cargo de Diretor de Artístico, exercido por Setembrino Souza,quando da fundação da Escola em 1943, da mesma forma que o mesmo não participou desta Assembléia Geral.(Ata Nº 2, 2 Dez. 1953, p. 3).

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Ainda em 1952, a Escola de Teatro, por seus elementos técnicos, carpinteiros, marceneiros,

funileiros, ferreiros, eletricistas, cenaristas, desenhistas, maquiladores e ensaiador, iniciou vários

grupos de jovens escolares dos cursos secundários locais nos segredos da arte teatral,

patrocinando-lhes espetáculos e auxiliando-os em tais realizações. Por várias vezes a Escola

Normal Olavo Bilac recorreu aos préstimos dos técnicos da Escola de Teatro.

Este momento foi de amadurecimento da ETLF. A agremiação definiu o seu perfil enquanto

grupo teatral no início dos 50. Deixou de orientar-se pela visão pragmática de Setembrino e

investiu numa linguagem cênica mais apurada, dando preferência a textos de maior relevância

cultural. Também estabeleceu vínculos com autoridades municipais – para criação de seu próprio

teatro –, iniciou-se na tarefa pedagógica da formação de atores e consolidou um corpo técnico

para apoiar as apresentações. Na verdade, deixava de ser apenas um grupo de amadores movido

pelo diletantismo.

A tensão entre amadorismo diletante e atuação profissional parece ter sido constante na

história da ETLF. Se tivermos presente o contexto da cidade de Santa Maria – sua diminuta

classe média, suas poucas casas de espetáculos – concluíremos que era um conflito sem solução.

O desenvolvimento cultural da cidade impulsionava um amadurecimento no campo das artes, o

restrito desenvolvimento econômico estabelecia claros limites para o crescimento de um mercado

de artes.

As bodas do diabo, outra peça estrangeira, seria encenada em 1952, com tradução de

Edmundo Cardoso e Wilde Quintana. Peça com grandes recursos cênicos e jogo de luzes obteve

sucesso em Santa Maria e na temporada no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, em 1955, quando

também foram encenadas A raposa e as uvas e Espectros. O figurino foi desenhado por Eduardo

Trevisan e Maria Leda Martins e executado por Julieta Roth para o elemento feminino da peça

e por José Medeiros para o elemento masculino.

O autor, Aurélio Ferretti, a quem fora solicitado autorização para a Escola encenar sua

peça, respondeu que “cuente com mi autorización para todas las representaciones que de la

misma obra efetúe esa Escuela de Teatro en Santa María, esperando que esta carta sirva a esos

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efectos.”19 (FERRETTI, 1952). O autor também fora convidado a assistir ao espetáculo, e, embora

tenha aceitado o convite, não pôde comparecer. Entretanto, “com essas peças, a organização fez

grandes excursões e temporadas longas em outras cidades, recebendo prêmios, distinções e

diplomas de arte. Era o reconhecimento do valor dessa organização teatral santa-mariense que

já começava a ser conhecida além do Estado.” (COSTA, 1985, p. 15).

Encenada três vezes na cidade de Santa Maria, As bodas do diabo, ao preço de Cr$ 10,00

o ingresso, tornava os espetáculos da Escola de Teatro os mais baratos do país, tendo-se em

conta o teor técnico e artístico das suas realizações. Efetivamente, a Escola de Teatro logrou

apresentar, em um espetáculo de teatro em prosa, uma montagem luxuosa, libreto invulgar, e

interpretação rigorosamente apreciável, segundo a imprensa local. Com o ingresso a baixo custo

buscava atingir e difundir entre todas as camadas sociais do meio de que se servia a arte teatral

amadorística, a fim de que todos os integrantes da sociedade pudessem assistir a seus espetáculos.

Esta afirmativa é corroborada pelo depoimento de Jorge Beduino Ramos Medeiros (2003),

segundo o qual,

Ela [a ETLF] sempre teve público, nunca diminuiu. Sempre teve casa

cheia. Nunca tivemos nem meia casa, sempre casa cheia. Todas as clas-

ses sociais iam ao teatro, desde as vilas mais pobres. O Cardoso era

muito conhecido e tinha bom relacionamento com essas pessoas que

moravam mais afastadas. Ele se dava desde o engraxate até o general

comandante. Vinham as famílias inteiras assistir a Escola.

Ainda durante os anos 50, a Escola de Teatro teve o ensejo de ceder elementos artísticos

seus para integrarem conjuntos teatrais profissionais que se apresentavam na cidade, em momentos

em que isso se fez preciso, como para as Companhias Maria Della Costa e Sandro Polônio e

para a de Tônia Carrero, Paulo Autran e Adolfo Celi .

Até aqui, foram incluídos no breve histórico da ETLF, as peças encenadas entre sua

fundação em 1943 e o ano de 1952 graças - além das Atas e dos depoimentos -, a uma revista

publicada nos anos 70 pela Universidade Federal de Santa Maria, O Quero-Quero, na qual

Edmundo Cardoso escreveu sobre a Escola, em três edições seguidas, em 1978. A partir daí

cessam as memórias de Cardoso na revista. Como as peças serão comentadas individualmente

19 Tradução para a Língua Portuguesa: “Conta com minha autorização para todas as apresentações que a Escola deTeatro de Santa Maria efetuará da mesma obra. Espero que esta carta sirva para esse propósito.”

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no próximo capítulo, optamos por menioná-las somente até aqui, período abordado por EC na

revista, seguindo entretanto, com o andamento efetivo das realizações da Escola.

O movimento da ETLF até este momento nos permite algumas afirmações, especialmente

quanto à capacidade de articulação que Edmundo Cardoso realizava. A Escola congregava atores

vindos do teatro amador e profissional, integrava mulheres atrizes vindas de espaços de

respeitabilidade (não esquecer de que a tradição no teatro rio-grandense, conforme aponta Hessel,

é de atrizes prostitutas), congregava técnicos capazes e artistas como Eduardo Trevisan para

elaborar os cenários, assim como contactava com autores da região platina. De acordo com o

desenvolvimento das artes e da técnica na cidade, temos a impressão de que Cardoso contava

com o que havia de melhor nessa época.

Em 1953, a Escola foi convidada pela Sociedade Cultural Recreativa Treze de Maio20

para colaborar em um festival em benefício dos associados da instituição. A finalidade do convite

“consistia em patrocinar e incentivar a iniciativa de referida sociedade na fundação, nesta cidade,

do Teatro Exprimental do Negro,” visto que “desse ato adiviriam determinados fatores favoráveis

à Escola.” (Ata Nº 5, Mar. 1953, p.10). O assunto foi amplamente discutido entre os membros da

Escola em duas Assembléias Gerais ocorridas em março de 1953: “Retornando ao assunto da

criação do Teatro Experimental do Negro, decidiu-se que a diretoria do ‘13 de Maio’ convidaria

outras sociedades da raça negra, notadamente a ‘União Familiar’, a participar desse movimento.”

(Ata Nº 6, 24 Mar. 1953, p. 11). Entretanto esse projeto não se efetivou: “Isso foi mais um sonho

do Cardoso”, declara Geolar Badke (2003).

Sonhos, por sinal, jamais faltaram na ETFL. O entusiasmo de Edmundo Cardoso em

projetar grandes encenações teatrais, um teatro próprio e mais outras tantas atividades culturais

até hoje estão presentes na falas e nos olhos daqueles que participaram da ETLF. Mesmo quando

se constata a não-realização de alguns projetos, percebe-se a satisfação pela ousadia encenada.

Desde sua fundação, a ETLF distribuía convites e efetivava parcerias com empresas e

instituições, que possibilitassem aos seus agregados o acesso aos seus espetáculos, como ficará

mais claro no próximo capítulo, que tratará das peças encenadas pela ETLF. Entretanto, somente

20 A Sociedade Cultural Ferroviária 13 de Maio foi fundada no ano de 1903 por negros ferroviários. A primeirasede da Sociedade, localizada na rua 24 de Maio, atual Silva Jardim, tinha sua estrutura de madeira e teto dezinco, tendo sido construída com tábuas de vagões de trens desmanchados. (ESCOBAR, 2001).

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em 1954, a Escola começou a se preocupar em limitar o que chamava de entradas-convite, de

modo que estas ficavam restritos “aos membros da Escola, aos sócios contribuintes e aos sócios

ativos que hajam tomado parte no espetáculo no momento”, sendo que nos três casos da concessão,

ficava limitado a uma entrada-convite para a pessoa que estivesse enquadrada em tal

determinação. (Ata Nº. 28, 9 Dez. 1954, p. 24).

Sobre a temporada em Porto Alegre, no Teatro São Pedro, em 1954, em apresentações

alternadas com o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), Edmundo Cardoso declarava que

é preciso acabar com a lenda de que são os do Norte que vêm. Quando o

teatro de Amadores de Pernambuco esteve em Porto Alegre, resolvi fa-

zer um teste: apresentamos, no mesmo dia, no mesmo teatro, a mesma

peça que o TAP encenou – Curvas Perigosas, de Priestley. O resultado

foi satisfatório (...). Faremos agora uma experiência mais decisiva: em

julho de 55, viremos a Porto Alegre com três peças: Ibsen (...), Sartre e

uma outra de autor Argentino, ainda em estudo. Se o resultado for bom,

iremos até Recife, e na volta faremos uma rápida temporada no Rio.

Será a prova de fogo da nossa Escola. (A Hora, 1954, p. 9).

A Escola conseguiu levar ao Teatro São Pedro, em 1955, Espectros, de Ibsen, A raposa

e as uvas, de Guilherme de Figueiredo e As bodas do diabo, do argentino Aurélio Ferretti, com

considerável sucesso, conforme a imprensa escrita na época. Porém, não encenou Mortos sem

sepultura, de Sartre, naquele teatro, nem viajou ao Recife e ao Rio de Janeiro, como era pretendido

pelo Diretor Geral da Escola.

Sobre a temporada na capital rio-grandense em 1955, escreveria Dante de Laytano:

A ETLF, de Santa Maria, revela-nos, antes de mais nada, o quanto pode

o entusiasmo, do que é capaz a força de vontade e o esplêndido signifi-

cado da iniciativa particular. Confinados na sua cidade de interior, onde

faltam recursos não só materiais mas intelectuais, os jovens amadores

deram um passo corajoso na longa jornada da arte. Intérpretes de um

mundo imaginário, estas destemidas criaturas que vivem na cena os pro-

blemas da angústia e da alegria, merecem não apenas os aplausos da

platéia e sim o apoio, a solidariedade e a admiração de todos nós, que, de

uma maneira ou de outra, alimentamos a esperança de valorizar a beleza

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das coisas espirituais. (Os amadores de Santa Maria, Dante de Laytano,

A Hora, 15 jul. 1955).

Entretanto, a idéia da casa sempre cheia afirmada por alguns jornais e pelos depoentes,

possui um contraponto em um artigo que referia à temporada da Escola em Porto Alegre, em

1955, ainda que elogiasse a iniciativa e coragem dos amadores santa-marienses:

Na verdade, o que decepcionou foi ver o Teatro São Pedro quase vazio,

quando um grupo de moços, corajosos, atirados, e de valor, resolveu

arrumar as malas em Santa Maria e vir fazer teatro em Porto Alegre. (...)

Também trazem a mesma vontade de acertar. Também se municiaram de

um punhado de peças de primeira plana. (...) É o que esses moços de

Santa Maria vêm fazendo. Eles são sua própria bússola. É sem mestre,

tateando, buscando caminho, que eles enveredam pelo terreno desco-

nhecido e vão descobrindo o mistério. Primeiro, para si; em seguida,

para os outros. (Jornal A Hora, Um repórter na platéia: A Raposa e as

Uvas, Josué Fávaro, Porto Alegre, 12 jul. 1955, p. 9).

Mas Edmundo Cardoso também estava confiante de que realizara seu sonho e de todos

os integrantes da ETLF quanto à construção da sede própria para a Escola, em sua temporada na

capital:

Edmundo Cardoso transmitiu-nos notícias acerca do antigo projeto da

ETLF, qual seja o da construção, em breve, do teatro próprio da entida-

de, em terreno que lhe foi doado pela municipalidade de Santa Maria.

Agora, ao ensejo da sua presença na capital, o diretor da Leopoldo Fróes

vai entregar um memorial ao Governador Ildo Meneghetti, solicitando o

apoio material do Estado para o início da construção daquele teatro. (Cor-

reio do Povo, 1955, p. 7).

Foi justamente durante os prepativos e ensaios para a temporada em Porto Alegre que a

Escola sofreu uma perda considerável em seu elenco, com o afastamento de Maria Lêda Martins.

A atriz, com seu então noivo, o arquiteto e urbanista Francisco Riopardense de Macedo, ligado

ao PCB, justificou sua saída da Escola pelo fato de que as peças encenadas “não condiziam com

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as orientações do Partido, pelo contrário, até deixavam margem para combatê-lo.” Riopardense

taxava de “imorais as peças que a Escola de Teatro levava.” (Ata Nº. 30, 14 abr. 1955, p. 27).21

Foi justamente nesta ocasião que Edmundo Cardoso recorreu ao então Secretário de

Educação do Estado do Rio Grande do Sul, Liberato Salzano Vieira da Cunha “pedindo

autorização de dispensa, ou melhor, pôr em disponibilidade remunerada a antiga atriz Nair Miorin

Paiva, para substituir a senhorita Maria Lêda Martins, à serviço da Escola de Teatro.” (Ata Nº.

30, 14 abr. 1955, p. 27). Nair Miorin Paiva exercia, na época, a função de professora estadual e

foi cedida à Escola pelo órgão estadual competente, a Secretaria da Educação do Estado.

Vários eventos marcariam as comemorações do Jubileu de Prata da Escola, em 1968,

dentre elas, a inauguração da Travessa Leopoldo Fróes22, uma iniciativa de Edmundo Cardoso

para homenagear o ator brasileiro. Em carta a Djalma Bittencourt, membro da SBAT, EC informa

que “a inauguração aconteceu em 25 de março findo [1968], Dia Internacional do Teatro (...) por

nossa iniciativa e como marco inicial do vasto programa que, durante 1968 (...) vamos cumprir

em nossa cidade.” (CARDOSO, 1968).

Também por ocasião das comemorações dos 25 anos da Escola, foi inaugurado o busto

de seu patrono Leopoldo Fróes, executado pelo artista santa-mariense Ermenegildo Marotto, na

Praça Saldanha Marinho. A respeito da homenagem, a Revista de Teatro divulgou que “a Escola

de Teatro Leopoldo Fróes inaugurou há algum tempo, na praça principal da cidade, a herma de seu

patrono o grande intérprete brasileiro do começo do século.” (Revista de Teatro, 1974, p. 21).

Ainda em 1968, a Escola encenou novamente A raposa e as uvas, de Guilherme de

Figueiredo, para comemorar seu Jubileu de Prata. Na lembrança de Jorge Beduino Ramos

Medeiros (2003), houve “comemoração no Clube Caixeiral, à qual compareceram Maria Della

Costa, seu esposo Sandro e mais uma pessoa ligada ao Procópio Ferreira, talvez a Bibi Ferreira.”

Entretanto, não há documentação referente à presença de Maria Della Costa neste evento, no

dossiê da peça em questão.

Em 1969, uma carta de Edmundo para o presidente do Clube Caixeiral Santamariense

21 Na ata de abril de 1955, que trata do desligamento da atriz vinculada ao PCB, lê-se “Partido Comunista doBrasil”. Como a historiografia registra PCB para o partido comunista nesta época, decidimos por esta grafia. OPCdoB é uma dissidência do PCB, criada em fevereiro de 1962. (SEGATTO, 1989. p. 105).

22 A Travessa tem acesso pela Rua Riachuelo, ficando entre as ruas Pinheiro Machado e Tuiuti, em Santa Maria.

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ratifica os depoimentos dados, sobre a importância de tal clube para a realização dos ensaios da

Escola de Teatro: “Vimos solicitar a continuidade da concessão de licença para que a Escola

realize no palco desse clube, os seus ensaios teatrais.” (CARDOSO, 1969).

Entre 10 e 11 de dezembro de 1973, no 30º aniversário de atividade da Escola, foi marcado

um programa que estabelecia uma visita aos túmulos dos companheiros falecidos, no Cemitério

Municipal, iluminação festiva do busto de Leopoldo Fróes, inaugurado cinco anos antes; sessão

solene de entrega de estatuetas23, diplomas e distinções aos sócios fundadores ainda em atividade

cênica ou que houvessem se destacado no teatro amador; exposição retrospectiva de fotografias

e projeção de slides em cores e filmes de cenários da Escola de Teatro e “no decurso desse mês

se realizaram ainda atos comemorativos da passagem da notável efeméride, que foram

oportunamente anunciados à comunidade.” (Revista de Teatro, 1974, p. 5).

De fato, a Agência de Correios e Telégrafos apresentou uma vitrine com o Teatrinho de

Fantoches da Escola de Teatro Leopoldo Fróes como parte das atividades comemorativas do

ano de 1973.

Como nessa época a Escola já contava com um coral sob a direção de Cacilda Bohrer e

mantinha o referido teatro de fantoches a cargo de Edna Mey Cardoso, “foi prestada uma

homenagem a Edmundo Cardoso e à Maestrina Cacilda Bohrer, com a inauguração de duas

placas de bronze, no hall do Centro Cultural da importante cidade gaúcha, testemunhando a

gratidão do município a esses dois idealistas.” (Revista de Teatro, 1974, p. 21). O Centro Cultural

funcionava então no antigo Theatro Treze de Maio, duas décadas antes de sua reforma.

Em 1974, a Escola mantinha como Diretor Geral, Edmundo Cardoso; Diretor Secretário,

Geolar Badke; Diretor de Almoxarifado, Marconi Mussói; Diretor tesoureiro, Braulio Souza;

Diretor Técnico, Jaime Roos e Conselho Fiscal, Salvador Isaia, Joé Medeiros e Almiro Beltrame.

Em dezembro de 1978, a ETLF comemorou seus 35 anos homenageando Martins Penna

(1815-48) e Joracy Camargo (1898-1973)24 com a designação, pela Câmara Municipal de

23 As estatuetas eram réplicas do busto de Leopoldo Fróes na Praça Saldanha Marinho, igualmente executadas porErmenegildo Marotto.

24 Joracy Camargo nasceu no Rio de Janeiro. Começou no teatro aos 14 anos, como ator amador. Estreou comoautor com a revista Me leva, meu bem. Integrou a equipe de Álvaro Moreyra no Teatro de Brinquedo. Primeiro

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Vereadores - por solicitação da Escola - de dois nomes de rua: Martins Pena25 e Deus lhe pague26.

Segundo Edmundo Cardoso na época, a homenagem foi merecida, pois “Martins Pena, de passado

brilhante no teatro brasileiro, remontando ao tempo do Império, quando criou a comédia brasileira

e Joracy Camargo, mais moderno, criando o teatro brasileiro de tese com a peça Deus lhe Pague.”

(O Expresso, 1978, p. 8).

Na ocasião, a Escola recebeu dois membros do Conselho Consultivo da Sociedade

Brasileira dos Atores Teatrais (SBAT), Hilda Camargo - que veio receber as homenagens feitas

ao seu pai Joracy Camargo - e Daniel Rocha, dramaturgo, à época professor do Conservatório

de Arte Dramática no Rio de Janeiro.

Na solenidade que marcou a passagem dos 35 anos da ETLF no Salão Nobre da Sociedade

União dos Caixeiros Viajantes (SUCV), Edmundo Cardoso declarou que “se todos os seus esforços

forem vistos com indiferença não desanime. Não desanime, porque também o sol ao nascer dá

um espetáculo todo especial e, no entanto, a maioria da platéia continua dormindo.” A frase não

é original nem de autoria de EC, mas dá o tom exato da persistência em manter a Escola de

Teatro. Nessa mesma ocasião, diria ainda EC que a ETLF “surgiu do anseio das classes intelectuais

em manter um grupo de teatro que utilizasse o enorme potencial artístico que a cidade tinha.” (O

Expresso, 1978, p. 8).

Neste ano de 1978, a Escola de Teatro produziu de Maria Clara Machado, Maroquinhas

Fru-Fru, “comédia para crianças, que, na forma habitual, significou, pela sua montagem, um

espetáculo também para adultos (...). A Escola de Teatro não esqueceu das crianças carentes,

que em número de quase duas mil, assistiram à comédia, graças à generosidade de pessoas e

firmas locais.” Ainda segundo o articulista do artigo referido, “a Secretaria Municipal de Educação

recebeu 900 ingressos para escolares suburbanos.” (A Razão, 1978, p.20).

Na mesma ocasião das comemorações de 1978, Edmundo Cardoso previa para 1979 a

“continuação do programa de difusão de arte, com a encenação de duas peças, ainda não

dramaturgo brasileiro a abordar questões do proletariado, embora de modo ingênuo. Temática que já se insinuavaem O Bobo do Rei (1930) e se torna explícita em Deus Lhe Pague (1933), peça encenada por Procópio Ferreira,que se tornou o maior sucesso do teatro brasileiro na primeira metade do século 20 e alcançou prestígiointernacional, sendo adaptada para o cinema na Argentina. Anastácio, Maria Cachucha, Fora da Vida e Mocinha,são algumas de cerca de 50 comédias escritas por Joracy Camargo. (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996).

25 Rua localizada no Km 9, no Parque Universitário em Santa Maria, na época um novo reduto residencial.26 Rua localizada no Km 3 da faixa Camobi, na qual está até hoje o prédio da Polícia Rodoviária.

91

escolhidas” e a “continuação, com vigor especial, seu trabalho para ver reiniciadas as obras do

seu teatro próprio, cuja construção está paralisada há alguns anos, por falta de recursos.”

(CARDOSO, 1978, p. 20).

De fato, a Escola somente voltaria aos palcos em 13 de novembro de 1983, com a produção

da comédia infantil de Lúcia Benedetti, Joãozinho anda pra trás, com os atores Juarez Silva,

Geolar Badke, Dirceu Brum, Jeci Ritter, Ewerton de Oliveira, Paulo Neron Rodrigues, Júlio

Vernei Dorneles e Leda Rechia. Destes, somente Geolar Badke compunha a ETLF desde seu

início em 1943. Após o entusiasmo de Edmundo Cardoso nas comemorações de 1978, ele e a

Escola viriam a sofrer consideráveis perdas.

Em 1979 morreria repentinamente Edna Mey Cardoso, aos 59 anos de idade. Neste mesmo

ano, o Cine-Teatro Imperial, palco de inúmeras apresentações da ETLF, fecharia suas portas.

Em 1981 morreria José Medeiros, tendo encenado, em 1978, Maroquinhas Fru-Fru, sua última

peça e a penúltima da Escola. O sonho da construção do teatro nunca se efetivou. No terreno

doado para este fim permanecem até hoje as fundações iniciadas em 1961.

Uma carta recebida por Edmundo Cardoso, em 1980, denuncia que, mesmo não tendo

levado nenhuma peça neste ano, ele não havia abandonado o teatro, ainda que tal peça jamais

tenha sido encenada pela Escola: “Com satisfação acusamos o recebimento de sua carta de 05

do corrente, em que nos consulta sobre a viabilidade de encenação da peça teatral A mandrágora,

informamos-lhe que a peça poderá ser encenada tanto no Rio Grande do Sul, como nos estados

vizinhos.” (BITTENCOURT, 1980).

Em 1981 Edmundo Cardoso se ressentia da falta de espaço para as práticas relativas à

cultura na cidade. “Atualmente a ETLF não está em atividade. A Escola apresentava suas peças

no antigo Cine-Teatro Imperial que foi fechado 1979. Desde então Cardoso não montou nenhuma

peça. Há mais de dez anos ele luta para construir a sua casa de espetáculos.” (ALAN, 1981, p. 6).

Mesmo assim, EC continuava, ainda em 1983, mantendo contato com o centro do país,

tentando trazer alguma peça, a exemplo da carta da SBAT de 1980, citada acima: “Atendendo à

solicitação que o amigo fez ao nosso companheiro Daniel Rocha, estamos enviando em anexo a

cópia-xerox da peça de Silveira Sampaio, Só o faraó tem alma. (BITTENCOURT, 1983). Como

a anterior, essa peça também não foi encenada pela ETLF.

92

Observa-se nos dossiês que muitos dos fundadores da Escola nela não permaneceram

por muito tempo. Novos atores e equipe técnica foram incluídos no grupo, alguns permanecendo

até o fim. Permaneceu, porém, inalterado durante toda a sua existência, o espírito que norteou a

sua fundação, sendo incorporado pelos novos membros da Escola.

Durante os quarenta anos em que atuou, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes contou com

a colaboração de várias entidades como o Clube Caixeiral, onde se realizavam ensaios e algumas

apresentações teatrais, o Cine-Teatro Imperial e o Cine-Teatro Independência, o Instituto de

Educação Olavo Bilac, o Colégio Centenário, a Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição, a

Sociedade União dos Caixeiros e Viajantes e de outras entidades cuja colaboração foi

imprescindível para que os espetáculos fossem encenados.

Outros setores da sociedade santa-mariense deram seu apoio como a Planalto Transportes,

Expresso Mercúrio, Editora Pallotti, Livraria do Globo, Casas Eny S.A ., UFSM, Base Aérea,

Antigo Parque de Moto e Mecanização, Jornal A Razão, Rádio Imembuí, Rádio Santamariense,

Rádio Guarathan, Rádio Medianeira, Rádio Universidade, dentre outros. Contou também com

apoio de artistas e de profissionais autônomos como marceneiros, pintores, eletricistas e

fotógrafos.

Embora a Escola de Teatro tivesse encenado sua última peça em 1983, e portanto, tenha

encerrado neste ano suas atividades em favor da arte, permaneceu ativa enquanto pessoa jurídica

até 26 de abril de 2001, quando foi definitivamente extinta. Neste dia foi convocada uma

Assembléia Geral Extraordinária na residência de Edmundo Cardoso, de acordo com os artigos

38 e 40 do Capítulo VII dos Estatutos27. Estavam presentes João Teixeira Porto, Nair Miorin

Paiva, Braulio Araújo Souza, América Achutti, Jorge Beduino Ramos Medeiros, Ruy Maldonado,

Roberto Pezzi, Gilda May Cardoso Santos, Aglaia Pavani e Edmundo Cardoso. Ficou definido

que

27 “Artº 38º - As Assembléias funcionarão com um mínimo de sócios bastante para integrar o corpo de Diretorese o triplo dos membros do Conselho Fiscal, em primeira convocação. Em segunda e última convocação, comqualquer número, devendo a segunda ter lugar trinta minutos depois da hora marcada, para a primeira.”“Artº 40 – Pela guarda e conservação do Patrimônio, será responsável, coletivamente a Diretoria, e,individualmente, os associados aos quais forem incumbidos a sua guarda e manutenção.” (Estatutos, 1953, p. 6).

93

a Escola de Teatro Leopoldo Fróes atendeu a todas as exigências de seu

próprio Estatuto e que nesta data já não restam nenhum valor a ser

cumprido, pois não existem credores, nem devedores de espécie alguma

e seu patrimônio conforme exigência do referido estatuto já foi doado a

Prefeitura Municipal de Santa Maria, conforme contrato de transferên-

cia e cessão de direitos contratuais e de posse, em 17 de abril de 2001, e

que o pouco material cenográfico que por ventura poderia existir já está

totalmente deteriorado porque na maioria era material recebido por doa-

ções e já reciclado e o saldo bancário que imaginava ter, foi totalmente

consumido pela inflação e por tarifas bancárias. Assim sendo, esta Esco-

la de Teatro Leopoldo Fróes fica dissolvida. (Ata Nº 47, 2001, p. 42).

Este final pode parecer melancólico, mas também pode ser apresentado sob um outro

foco e esta é uma das possibilidades do resgate histórico. É o último ato de uma trama na qual

homens e mulheres atuaram em palcos improvisados movidos por sentimento genuíno de paixão.

Um maestro dotado de magnetismo especial os conduzia e todos os depoimentos recolhidos

sempre apontaram nesse sentido: concordando ou não com este pai austero, os nossos personagens

encenaram um caso singular – o caso da ETLF. E, do mesmo modo como os trens, um dia

dinamizaram a vida da cidade, movimentaram a vida cultural santa-mariense com gestos e falas

inspirados.

O palco: a construção de um teatro para a Escola de Teatro Leopoldo Fróes

Desde o início de suas atividades, os componentes da Escola pensavam construir uma

sede própria, mas por falta de verbas e de apoio governamental tal intenção não se efetivou. O

espírito de luta, o amor à arte teatral e à união do grupo em torno do mesmo ideal fizeram com

que a Escola permanecesse ativa por quarenta anos como “entidade fundamentalmente

amadorística”, tendo “prestado assinalados serviços à causa da cultura rio-grandense, levando

freqüentemente o seu bom teatro a quase todos os pontos do Estado.” (CARDOSO, 1963, p.

135).

Desde 1953 os integrantes da ETLF tentavam que o Prefeito Municipal Heitor Silveira

Campos fizesse a “doação de um terreno para a Escola de Teatro, onde esta pudesse edificar o

94

seu Teatro Popular.” (ATA Nº 8, 16 abr. 1953, p. 12). Por ocasião de uma curta temporada do

ator Procópio Ferreira à cidade em agosto do mesmo ano, voltaram à prefeitura, quando Procópio

“falou ao Exmo. Sr. Prefeito, dizendo da necessidade de ser atendida a pretensão da Escola de

Teatro”, pois entendia Procópio que “seria a Prefeitura de Santa Maria a primeira do Brasil a

doar tão belo exemplo de proteção ao teatro e em particular ao amadorismo teatral.” (ATA Nº

10, 8 ago. 1953, p. 13). (Figura 6).

Em agosto de 1953, a Escola enviaria à Câmara Municipal de Santa Maria um memorial

elucidativo sobre “as atividades, necessidades e pretensões da Escola de Teatro, concernentes a

tramitação, na Câmara, do Projeto de Lei do Executivo, da doação de um terreno,” uma vez que

o Poder Executivo Municipal deveria votar tal projeto encaminhado pelo Prefeito, a respeito da

doação do terreno. (Ata Nº 11, 15 ago. 1953, p. 13). Em setembro de 1953, a Câmara Municipal

de Vereadores votou o projeto de doação do terreno para a Escola enviado pelo Prefeito Municipal

Figura 6: Integrantes da ETLF com Procópio Ferreira, na residência de EdmundoCardoso. Sentados: Prefeito Heitor Silveira Campos, Edna Mey Cardoso, ProcópioFerreira, Nelles Bertollo e Maria Lêda Martins. Em pé: Victor Dernardin, AnteroCorrêa de Barros, pessoa não identificada, Bráulio Souza, Paulo Flores, Paulo Castan,Jaime Roos, Augusto Menna Barreto, Edmundo Cardoso, Wilde Quintana, MoacirSantana, João Teixeira Porto, José Medeiros, Walter Billa, Geolar Badke e MoisésSanchis. (1953).Fonte: Acervo particular EC.

95

Heitor Silveira Campos:

Manifestaram-se favoravelmente Moacir Santana, Antônio Abelin, Jor-

ge Motecy, Rubem Corrêa Krebs, Hélio Heller dos Santos, Soel Maciel

de Oliveira, Helena Ferrari e Zeferino Corrêa (...). Apenas o vereador

Firmino Ventura dos Santos manifestou-se contrário à doação, vencendo

pois, por absoluta maioria o projeto. O Dr., Walter Cechela, Presidente

da Câmara, (...) declarou aprovado o Projeto de Lei do Executivo, con-

cedendo assim, à Escola de Teatro Leopoldo Fróes, a doação do terreno

sito à Rua Dr. Bozano, esquina Appel, medindo 17,80 de frente por 36

metros de fundos. (Ata Nº 13, 15 set. 1953, p. 14).

Finalmente, em janeiro de 1954, o Prefeito Municipal entregaria “o documento em que

a municipalidade fazia a doação do terreno prometido pelo Executivo e que a Câmara tornara

realidade.” (ATA Nº 14, 14 Jan. 1954, p. 15). Em maio de 1954, a Escola venderia o terreno à

Odilon Bessa para adquirir outro, mais próximo ao centro da cidade, de “João Paulo, Tarcilo e

Clóvis Bopp (...) situado na Rua Bozano, prolongamento, medindo 20 metros de frente 50 metros

de fundos, murado e contendo uma casa em construção mista, em mau estado, tudo situado a duas

quadras da Praça Saldanha Marinho.” (ATA Nº 19, 11 maio 1954, p. 18). (Figura 7).

Entretanto, a ETLF continuava rivalizando com o cinema a garantia do local para a

apresentação de seus espetáculos, e este fato não passava despercebido pela imprensa, nem

mesmo à imprensa da capital do Estado:

Lutando pela sobrevivência honrosa, na carência de meios, que estamos

no Brasil e os meios para coisas de tal vulto quase sempre se destinam a

outros fins; desbravando preconceitos, numa terra onde ser artista de

teatro ainda é para muitos metier inominável; sem local para as apresen-

tações que os proprietários de cinemas ainda preferem numa tela quantas

vezes bastarem para amealhar uma bilheteria rendosa; enfrentando os

obstáculos na aquisição do ‘direito’ de representar obras, um dos maio-

res absurdos brasileiros, como se obra de intelecto fosse terreno forâneo

que passasse aos pertences de alguém que a tivesse representado; eles

conseguiram sobrenadar nesse mar de empecilhos e chegar até as obras

de seu próprio imóvel, coisa rara nesses Brasis. (A Hora, 1954, p. 13).

96

A intenção de construir uma sede própria foi uma constante em todo o período em que a

Escola esteve atuante. Tanto que as tratativas para a elaboração do projeto da edificação foram

amplamento discutidas nas Assembléias da Escola, até ser executado o projeto para construção

da sede da ETLF no final dos anos 50, pelos engenheiros e arquitetos L. Ganzo de Castro, F.

Soares, P. Fernandez e S. Almalen, com capacidade em torno de 800 lugares. ( Figuras 8 e 9).

A não concretização deste projeto foi mencionada por todos os depoentes com certo

pesar. Sobre esse assunto, foi escrito em 1969 que “até agora a sede ainda está nos alicerces (...).

A verdade é que para ser construído um prédio nos modelos modernos e que sirva para este fim,

muito dinheiro se faz necessário. E os setores governamentais não dão auxílio algum.” (A Razão,

1969, p. 3).

Antes disso, em 1955, a imprensa da capital do Estado denunciava o descaso do poder

público com o incentivo à cultura: “Há no Estado dos senhores, bem ali em Santa Maria, um

movimento maravilhoso de educação e cultura que o braço e a coragem de um homem, cercado

de fanáticos, levaram avante até hoje: o grupo amadorista de teatro Leopoldo Fróes.”

No mesmo artigo, o articulista divulgava que “um processo referente a uma doação

Figura 7: Região central de Santa Maria,identificando o terreno adquirido pela ETLFem 1953. Foto Bondarenko. (Anos 60).Fonte: Acervo particular EC

97

Figura 8 e 9: Planta baixa e desenho do croqui da fachada frontal doedifício sede da ETLF. (final dos anos 50).Fonte: Acervo particular EC.

98

especial para a construção do Teatro Escola Leopoldo Fróes de Santa Maria esteve encalhado

num guichê qualquer da nossa administração pública.” (FERREIRA, 1955, p. 13). Alguns anos

após, “a Escola de Teatro tem, em construção paralisada, na Rua Dr. Bozano, um teatro, que foi

iniciado em 1961 e paralisou em fim de 62, porque a inflação corroeu os recursos que nós

tínhamos.” ( Cardoso apud COSTA, 1985, p. 15).

Passados trinta anos, em 1985, a imprensa local ainda retornava ao assunto, afirmando

que “a Escola sentiu necessidade de ter o seu próprio teatro, dotado de todas as condições

necessárias para a montagem de uma peça de teatro de qualidade. Durante o governo municipal

de Heitor [Silveira] Campos [1952-56], foi doado a organização um terreno para este fim.” A

Escola já havia cessado suas atividades desde 1983, mas Edmundo Cardoso ainda pensava poder

concretizar a idéia de uma casa de espetáculos na cidade por meio de verbas federais que

possibilitassem a construção do teatro, “só que as verbas foram insuficientes, a obra teve que ser

interrompida, e até hoje, nem o Estado, nem a União e muito menos o município, se preocupou

em dar continuidade ao trabalho de construção do teatro.” (COSTA, 1985, p. 15).

Até então já haviam sido feitas diversas campanhas aos poderes constituídos, sem êxito.

Ainda segundo o artigo citado, as justificativas dadas pelos defensores do projeto eram de que

Santa Maria não possuía um palco que possibilitasse a apresentação de grandes espetáculos,

nem que grandes companhias incluíssem Santa Maria em suas tournèes, em decorrência da falta

de teatro com palco condizente.

Jorge Beduino Ramos Medeiros (2003) reconhece que até hoje não há um teatro que

possibilite grandes espetáculos em Santa Maria, pois “as grandes companhias não vêm para cá

porque não têm espaço. O Theatro Treze de Maio é uma beleza, mas tem 300 lugares. Hoje nós

teríamos que ter em Santa Maria um teatro para 1200 pessoas. Aí teríamos grandes espetáculos

o ano inteiro.” Essa idéia sempre foi corroborada por Edmundo Cardoso, quando afirmava “que

as grandes companhias profissionais que atuam no Rio de Janeiro e em São Paulo, e que usam

um cenário mais complexo, não podem vir a Santa Maria, porque não tem um teatro que abrigue

as suas montagens.” (Cardoso apud COSTA, 1985, p. 15).

Em 1988, uma Mesa Redonda na Câmara de Vereadores, discutiu as razões pelas quais obras

da Administração não eram concluídas, dentre elas, a do Teatro Municipal. “A possibilidade levantada

99

durante a mesa-redonda é uma negociação com a direção da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, visando

a retomada do terreno doado pelo município à referida Escola.” (A Razão, 1988, p. 6).

Em 24 abril de 2001 “foi realizada uma reunião na Prefeitura Municipal de Santa Maria,

no gabinete do senhor Prefeito Municipal [Valdeci Oliveira], entre os membros remanescentes

da Diretoria da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, o senhor prefeito e o senhor procurador jurídico

do município” para realizar a transferência “de direitos contratuais e de posse de forma gratuita,

de um terreno pertencente à Escola de Teatro Leopoldo Fróes à Prefeitura Municipal de Santa

Maria.” (Figura 10). Os remanescentes da Diretoria da Escola que estavam presentes, eram Bráulio

Araújo Souza, Geolar Badke e Gilda May Cardoso Santos. (Ata Nº 45, 24 abr. 2001, p. 41).

Em 25 de abril do mesmo ano, em uma Assembléia Geral Extraordinária na residência

de Edmundo Cardoso, outros integrantes remanescentes da Escola ratificaram a devolução do

terreno à prefeitura no dia anterior. Dentre eles Geolar Badke, Edmundo Cardoso, América

Achutti, Dalton Couto, Aglaia Pavani, Leda Rechia da Silva, Braulio Araújo Souza, João Teixeira

Porto, Ruy Maldonado, Roberto Pezzi, Jorge Beduino Ramos Medeiros, Gilda May Cardoso

Figura 10: Terreno doado à ETLF, em 1953 e devolvido ao poder público municipalem 2001.Foto: Paulo Fernando. (2003).

100

Santos e Nair Miorin Paiva. (Ata Nº 46, 24 de abr. 2001, p. 42).

Entretanto, se por um lado a Escola não logrou construir sua sede, por outro, não deixou

de encenar suas peças. A inexistência de um teatro próprio não foi um empecilho para a ETLF.

Atuando numa cidade do interior do Rio Grande do Sul, marcada por um dinamismo econômico

centrado na ferrovia, no comércio, e nas escolas (de nível superior inclusive), com poucas casas

de espetáculos, a ETLF deparou-se com um circuito artístico limitado.

Seus quarenta anos de existência, com quarenta peças encenadas, algumas em mais de

uma temporada e em outras cidades além de Santa Maria, são provas de um trabalho exitoso.

Como veremos na seqüência, a trama que seus personagens armaram superou as limitações do

cenário.

Os personagens da ETLF: imagens do palco

Das figuras da Escola, não podemos dar conta de todos. Privilegiamos a biografia de

alguns, não com isso desejando assinalar qualquer tipo de valoração de uns em detrimento de

outros componentes, mas sim em decorrência dos depoimentos que puderam ser coletados e das

referências nos jornais ou revistas da época.

O nome da Escola da Teatro foi proposto por um de seus fundadores, o Engenheiro Civil

Luiz Bollick, mesmo havendo outras sugestões. Nesse sentido faz-se necessário primeiramente

apresentar o ator de teatro Leopoldo Fróes (1882-1933), que foi homenageado como patrono da

Escola. Como as informações sobre Leopoldo Fróes são escassas nas obras já citadas sobre

teatro brasileiro, complementamos com um artigo da revista Lanterna Verde, A criação da escola

de Teatro Leopoldo Fróes, de 1978.

Leopoldo Fróes nasceu em Niterói em 1882 e sempre desejou dedicar-se ao teatro.

Formou-se em Direito e ingressou na carreira diplomática, indo para Paris, embora não fosse

uma presença assídua na Embaixada de Paris. Em Portugal iniciou a carreira artística, voltando

ao Brasil em 1915. Foi contratado pela Companhia de Dias Braga. Formou sua primeira empresa

com a atriz Lucília Péres, então sua esposa.

Com o lançamento da comédia de Cláudio de Souza Flores, Sombra (1917), Fróes

101

possibilitou a eclosão da saga de comédia de costumes de cunho nacionalista que marcou os

anos do pós-guerra. “O ator cômico vinha assim se colocar (...). O que se exigia dele, de resto,

não era tanto preparo técnico, recursos artísticos extraordinários, versatilidade, e sim, ao contrário,

que se mantivesse sempre fiel a uma personalidade engraçada e comunicativa.” (PRADO, 1986,

p. 531).

A partir dessa época e até meados dos anos 20, Leopoldo Fróes firmou-se como o mais

importante ator e empresário brasileiro. Mas, contrário à instituição da SBAT28, recusava-se a

encenar peças de autores filiados a essa sociedade.

O talento de Leopoldo Fróes serviu-lhe para fazer improvisações. Pouco ensaiava os

textos e raramente os estudava. Isso ocasionou prematuro declínio em sua carreira, quando seu

trabalho começou a ser comparado ao de jovens atores como Procópio Ferreira ou Jayme Costa.

Em seu depoimento, João Teixeira Porto (2003) assinala sua preferência por Procópio Ferreira:

“Embora o patrono da Escola tenha sido Leopoldo Fróes, Procópio Ferreira era infinitamente

melhor.”

Por conselho de empresários, Fróes aceitou realizar uma temporada em parceria com

Chaby Pinheiro, o mais importante ator português da época, alternando no cartaz peças escolhidas

por um e outro ator, nas quais um teria o primeiro papel e o outro papel secundário. A experiência

serviu para realçar a grande presença de Chaby, que se dedicava ao estudo de textos, e a visível

desorganização de Fróes. Sentindo-se abandonado pela platéia, Fróes voltou a Portugal e

trabalhou com algumas companhias. Internou-se em um sanatório na Suíça, onde veio a falecer

em 1933.

Edmundo Cardoso nasceu em Santa Maria em 29 de janeiro de 1917 e desde muito

jovem desenvolveu interesse pelas letras e pelas artes. (Figura 11). Em 1932, terminou seus

estudos no Curso Comercial do Colégio Fontoura Ilha29 e ingressou como auxiliar de redação

no jornal Diário do Interior. Em 1935, começou a escrever artigos sobre Legislação do Trabalho

no jornal A Razão, no qual publicou crônicas até a década de 80. Foi correspondente do Diário

28 Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.29 “Antonio Fontoura Ilha , (...) fundou o famoso Colégio Fontoura Ilha na Rua Benjamin Constant, o qual foi

transferido anos após para a metade da 3ª quadra da Rua do Acampamento e finalmente para a esquina da RuaPinheiro Machado com a Professor Braga, lado nordeste. O Colégio era dotado de internato e externato.” (COSTABEBER, 1998, p. 17).

102

do Estado em Santa Maria. Em 1939, compilou Legislação do Município de Santa Maria em

nove volumes e, em 1940, publicou Um momento na vida do município de Santa Maria.

(SANTOS, 2002).

Ainda na década de 40, fundou com amigos o Clube de Inglês e, na década de 1950, com

Luiz G. Schleininger, o Clube de Cinema, entidade amadorística que durou até 1962.

Revelando múltiplos interesses, trouxe para Santa Maria uma produtora de cinema como

vimos no capítulo anterior, e atuou como vilão no filme produzido, Os Abas Largas.

Em 1974, narrou a história das Casas Eny30 e, em 1979, escreveu A História da Comarca

Figura 11: Edmundo Cardoso. (1955).Fonte: Acervo particular EC.

30 “Fundadas em 1924, por Luiz Andrade (...) que a vendeu a seu gerente, Salvador Isaia, o qual, associado aosseus irmãos João Gabriel, Antonio, Carlos e Luiz, em poucos anos a transformou no maior empório de calçadosdo interior do Estado. A septuagenária empresa é dirigida atualmente pelos (...) filhos de Salvador Isaia.” (COSTABEBER, 1998, p. 221).

103

de Santa Maria. Funcionário da Justiça por quarenta anos, sempre declarou que, na juventude,

“andava atrás de pessoas com as quais pudesse aprender e assim, nos cafés, no quiosque da

praça, eu me aproximava de Belém [João Belém], na expectativa, quase nunca frustrada, de

ouvir coisas sobre o teatro, que tanto me encantava.”(Cardoso apud MARCHIORI, PERETTI,

2002, p. 12).

Recebeu diplomas e premiações pelo seu trabalho em benefício da cultura, entre eles, o

Prêmio Imembuy no final da década de 70. Foi escolhido Patrono da 28ª Feira do Livro de Santa

Maria em 2001, sendo neste mesmo ano homenageado pelo Santa Cena: 1º Festival Municipal

de Artes Cênicas pelo conjunto de sua obra, com uma placa e a exposição Trajetória Teatral de

Edmundo Cardoso, também em Santa Maria. Recebeu, em agosto de 2002, o troféu Vento Norte,

no 1° Festival de Vídeo e Cinema de Santa Maria. (SANTOS, 2002).

A respeito de seu trabalho, à frente da ETLF por 40 anos, afirma Geolar Badke (2003)

em seu depoimento que Cardoso “como diretor (...) era exigente demais, era às vezes até

indelicado. Houve um dia em que uma das atrizes chorou tal o arroubo do Cardoso e a exigência

dele. Mas no outro dia já estava tudo bem. Como convivi 40 anos com ele, já sabia se estava de

bom ou mau humor.”

A afirmativa de Badke é corroborada pelo depoimento de João Teixeira Porto (2003),

quando este diz que “o Cardoso era exigentíssimo (...) um cara excepcional para ensaiar, ele

deixava a gente bem à vontade, apesar de ser exigente demais (...) foi o melhor diretor do Estado,

me ensinou tudo sobre teatro.”

Por ocasião da temporada de espetáculos no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, em

1955, a imprensa da capital apontava a importância da figura de Edmundo Cardoso para o teatro

amador no Rio Grande do Sul:

Desde um tempo para cá, as secções de teatro da imprensa porto-alegrense

têm encontrado em Edmundo Cardoso, o Diretor da ETLF, um assunto

interessante e de constante atualidade. E isso porque Edmundo Cardoso,

como homem de teatro representa algo de original em meio dum terreno

sáfaro de teatro e pouco compreendido: o amadorismo teatral puro em

essência e fins. (Correio do Povo, s/d).

104

Na vida pessoal EC cultivava amizades antigas, como Iberê Camargo31, desde os anos

20 até a morte do pintor em 1994. No âmbito cultural “procurava assessorar e auxiliar as grandes

companhias de teatro que vinham a Santa Maria (...) como Procópio Ferreira, (...) Maria De La

Costa, Henriette Morineau , entre tantos outros.” (RECHIA, 1999, p.174).

Edmundo Cardoso permaneceu casado com Edna Mey Cardoso de 1943 a 1979, ano em

que esta morreu. Tornou a se casar novamente em 1985 com Therezinha de Jesus Pires Santos

com quem conviveu até sua morte.

Faleceu em 05 de dezembro de 2002 e a imprensa local tem contribuído enormemente

para a valorização de sua vida e sua obra: “Seja nas Artes Cênicas, no Cinema, nas Artes Plásticas

ou nas Letras, sua influência esteve freqüentemente presente (...). Patrono da Feira do Livro em

2001, Edmundo acompanhou à distância o 1º Festival Municipal de Artes Cênicas Santa Cena,

eventos nos quais foi homenageado.” (Diário de Santa Maria, Caderno Diversão e Arte, 06 Dez

2002, p. 1).

Ainda que EC de fato tenha colaborado para o desenvolvimento cultural da cidade, outras

figuras conhecidas deste segmento da sociedade estiveram ao seu lado para que seus projetos se

concretizassem com êxito. Destes, alguns serão mencionados ao longo deste trabalho.

Casada com Edmundo Cardoso e membro da ETLF desde 1943, até sua morte prematura

em 1979, Edna Mey Budin Cardoso nasceu em Cruz Alta em 1919. (Figura 12). Graduou-se em

Educação Física e fez pós-graduação em Orientação Educacional. Iniciou sua carreira no

magistério público no Colégio Estadual Manoel Ribas em 1953, transferindo-se para o Instituto

de Educação Olavo Bilac em 1953. Recebeu o título de Professora do Ano e o Prêmio Imembuí

em 1977. (RÉQUIA, 1999).

Exerceu a função de Orientadora de Educação Física na 8ª Delegacia de Educação entre

1959-1972 e trabalhou na Inspetoria Secional do MEC em 1974. “Sem dúvida Edna Mey Cardoso

foi uma das figuras mais importantes da dramaturgia amadorística do Rio Grande do Sul (...).

Fez teatro em vários grupos amadores.” (RÉQUIA, 1999, p. 195).

31 Iberê Camargo nasceu em 1914 em Restinga Seca. De origem humilde, foi sustentado pelos pais ferroviários até1932, quando conseguiu trabalho como projetista técnico em Jaquari. Morreu vítima de câncer em 1994, nacidade de Porto Alegre. Em Santa Maria ingressou na Escola de Artes e Ofícios em 1927, para estudar pintura.(LAGNADO, Lisette, 1994).

105

Edna é lembrada por seus colegas remanescentes de Escola como uma mulher dedicada

às causas que abraçava. Atuou em quase todas as peças que a ETLF encenou e se destacava

também nos bastidores, cuidando dos cenários, dos figurinos, da maquilagem dos colegas e da

harmonia e coesão do grupo. “Dona Edna conhecia todo mundo e contratava as modistas (...).

Era a conselheira dele [Edmundo Cardoso].” (MEDEIROS, 2003).

Juntos, Edna e Edmundo tiveram dois filhos, Claudio Cardoso e Gilda May Cardoso

Santos. Esta última, nascida em 1943, em Santa Maria, fez parte da Escola como atriz de 1958

a 1977. Sobre a ETLF, Gilda May afirma que “éramos uma família, cresci vendo minha mãe

passar as noites costurando panos para a Escola.” (2003). Cirurgiã-dentista, formada pela UFSM

em 1965, concluiu o mestrado em Saúde Pública em 1968, pela USP. Exerceu o cargo de professora

do Curso de Odontologia na UFSM de 1966 a 1992, quando se aposentou. É casada com Luiz

Fernando dos Santos desde 1970, igualmente professor universitário.

Geolar Badke nasceu em 24 de dezembro de 1924, em Santa Maria e integrou a ETLF

durante os 40 anos em que a Escola permaneceu ativa. (Figura 13). Entrou para a Brigada Militar

em 1950, como Oficial Farmacêutico, permanecendo até 1956. Foi proprietário da Farmácia

Figura 12: Edna Mey Cardoso. (1955).Fonte: Acervo particular EC.

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Santa Gemma durante a década de 50, ingressando na Faculdade de Farmácia de Santa Maria

(então incorporada à Universidade do Rio Grande do Sul e depois encampada pela UFSM)

como professor do Departamento de Farmácia Industrial em 1959. Ocupou o cargo de presidente

da COPERVES (Comissão Permanente de Vestibular - UFSM) entre 1974-75 e de Chefe de

Gabinete do Reitor Derblay Galvão, cargo no qual se aposentou em 1981.

Ingressou na ETLF em dezembro de 1943, a convite de EC: “Nos encontramos no Cine

Imperial e ele me convidou (...) perguntou se eu gostaria de trabalhar na Leopoldo Fróes porque

eu já havia feito teatro infantil de Oduvaldo Viana. Comecei como ponto32 em Deus lhe pague.

Foi minha estréia.” (BADKE, 2003).

Badke viria depois a ocupar quase todos os estágios técnicos dos bastidores como contra-

regra, urdidor33 e maquinista34. Ocupou também, durante quase todo o tempo, o cargo de Diretor

Figura 13: Geolar Badke. (1955).Fonte: Acervo particular EC.

32 Como ponto entende-se “aquele que antigamente lia em voz baixa as falas que deviam ser repetidas em voz altapelo ator. O ponto ficava instalado num alçapão localizado no centro-baixo do palco, escondido do público poruma proteção curva que ajudava a projetar o som de sua voz para o fundo da cena. Embora os atores não maisutilizem o recurso do ponto, essa função, hoje em dia, pode ser eventualmente substituída por aparelhagemeletrônica. Em algumas casas de ópera, porém, ainda é usado o ponto tradicional.” (VASCONCELLOS, 1987, p.159).

33 Urdimento, em regras gerais, é o “nome dado à parte da caixa do teatro localizada acima do palco. Especificamente,grade de madeiramento resistente que se estende sobre toda a área do palco, acima deste, e que serve de apoiopara toda operação de funcionamento dos efeitos cênicos.” (VASCONCELLOS, 1987, p. 214).

34 “Operário especializado encarregado de operar os maquinismos de um teatro. Sua tarefa inclui a montagem e

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Secretário da Escola. “Por fim teve sua oportunidade cênica, passando a interpretar vários papéis

em comédias e dramas (...). Entre os seus melhores papéis estão os criados nas peças É proibido

suicidar-se na primavera, As bodas do diabo, Delito na Ilha das Cabras e seu melhor papel foi

na peça Avatar.” (A Razão, 16 dez 1979, p. 6).

Sobre sua atribuição como ponto, Geolar lembra de que “o elemento masculino geralmente

era o pior para estudar os papéis. Como ponto, não sofria com o elemento feminino, que sabia os

papéis de cor (...) então eu podia descansar um pouco e acompanhar a peça.” Mesmo assim,

havia outras preocupações às quais deveria estar atento: “Quando os atores não me ouviam,

havia um sinal convencional: batiam o pé para eu falar mais alto.”

Em sua memória, lembra com entusiasmo de uma viagem que integrantes da Escola

fizeram à Bahia para conhecer o então moderníssimo Teatro Castro Alves em 1960: “Cardoso

conseguiu para o elenco passagem aérea com o Brizola [Governador Leonel Brizola] para irmos

à Bahia conhecer o Teatro Castro Alves, recém inaugurado. Nós fomos em 12 pessoas35 e

passamos uma semana.” Sobre tal viagem, a imprensa baiana divulgou que “ encontra-se entre

nós uma comitiva do Rio Grande do Sul, cidade de Santa Maria que veio conhecer (...) o Teatro

Castro Alves, uma vez que sua fama ultrapassou nossas fronteiras não só por sua importância

arquitetônica, como por seu arrojo como casa de espetáculo.” (A Tarde, 1960, p. [?]).

Ainda segundo Badke, de fato, não somente a arquitetura do Castro Alves era imponente,

como suas inovações encantavam principalmente pessoas ligadas diretamente ao teatro, como o

grupo da ETLF, pois “do camarote do Governador havia uma linha direta para o diretor de cena,

no camarim. Isso era uma novidade para aquela época, que já havia no teatro Castro Alves.”

Essas inovações chamavam a atenção do grupo, porque também estavam interessados em construir

o seu próprio teatro.

Badke acompanhou o ingresso de seu filho Carlos na Escola, em 1978, como contra-

regra, depois estreando como ator. Carlos Alberto Badke, Diretor Geral da Secretaria da Cultura

do município de Santa Maria na atual administração e professor no Curso de Jornalismo da

UNIFRA, possui idéia semelhante à do pai quanto à influência de Cardoso em sua opção pelo

funcionamento do cenário. Também chamado cenotécnico, carpinteiro-chefe ou, ainda, chefe de movimento.Responsável pelo material e ferramentas próprias da função.” (VASCONCELLOS, 1987, p. 122).

35 Fizeram parte da caravana à Bahia “Edmundo Cardoso, Salvador Isaia, Victor Denardin, Marconi Mussói, GeolarBadke, Jaime Roos, Eduardo Trevisan, José Medeiros, Robison Flores, sendo que em Porto Alegre os doisengenheirtos autores do projeto se integraram a comitiva.” (Ata Nº. 40, 7 mar. 1960, p. 35).

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teatro: “Foi com ele [Cardoso] que aprendi a gostar dos bastidores e por isso trabalho com

produção teatral há quinze anos.” (A Razão, 2002, p. 3).

Geolar Badke até hoje reside em Santa Maria, possui fotos dos tempos da Escola em sua

casa, que divide com a esposa Cyrce de Lima Pereira Badke, professora aposentada de Língua Francesa.

João Teixeira Porto nasceu em 23 de junho de 1924, em Viamão. (Figura 14). Formou-se

Técnico Agrícola da Escola de Técnicos Rurais de Viamão em 1941 e ocupou a patente de 1º

Tenente do Exército de 1942 a 1965, ano em que se aposentou da carreira militar. Integrante da

ETLF desde 1950, sua estréia se deu como auxiliar de contra-regra na peça Avatar. “Falei com

o Cardoso como fazia para entrar na Escola e ele disse: ‘Faz o que estás fazendo, fala comigo.’

Antes eu fazia teatro mambembe36. A Escola de Teatro já tinha encenado outras peças, eu que

sou mais moderno do que os outros.” (PORTO, 2003).

Figura 14: João Teixeira Porto. Foto Juca.(1955).Fonte: Acervo particular EC.

36 Entende-se por mambembe o termo para designar “a atividade teatral itinerante de grupos de segunda categoria(...) que vai de cidade em cidade, de vila em vila, de povoação em povoação, dando espetáculos aqui e ali, ondeencontre um teatro ou onde possa improvisá-lo.” (VASCONCELLOS, 1987, p.120).

109

Sobre a atuação do ator iniciante, Teixeira Porto recorda que o grande problema são as

mãos, pois “o ator iniciante não sabe onde vai colocar as mãos, acompanhar a palavra. Ou ele

quer dizer o papel e não faz o gesto ou faz o gesto e não diz o papel. O Cardoso sempre dizia:

‘Bota a mão no pescoço’. Com o tempo passa e a gente não sente (...).”

Após trabalhar como auxiliar de contra-regra e ponto, Teixeira Porto foi emprestado

para a Companhia de Teatro Maria Della Costa, para uma peça que ela encenou em Santa Maria:

“Então, às três da tarde eu fui emprestado para entrar em cena às nove da noite e aí foi o grande

problema pra mim: aprender em seis horas o texto e fazer teatro profissional, que eu não gosto.

Mas era uma pontinha.” (PORTO, 2003).

A preferência pelo teatro amador em detrimento do teatro profissional foi confirmada

em todos os depoimentos dos antigos integrantes da Escola. Conforme os depoimentos, percebe-

se uma resistência à profissionalização, tanto que a trajetória de Freire Júnior, um ator que se

profissionalizou, é vista pelos depoentes como comercial. Isto reproduz, em nível local, uma

antiga polêmica no campo das artes: diletantismo e/ou refinamento da sensibilidade versus

comercialização do produto artístico. No contexto de um grupo amador formado em uma cidade

onde é reduzido o circuito das artes, nada mais natural de que esse debate seja muito presente.

Há pouca estrutura para o desenvolvimento artístico e a arte – os espetáculos teatrais, no caso –

passam a ser obra de amadores entusiasmados.

Contrariando um pouco os depoimentos obtidos, percebemos que dois atores da ETLF,

Wilde Quintana e Milton Chansis se encaminharam para a radionovela, o que entendemos como

certa profissionalização. Neste sentido, afirma Larré, que “no microfone da radionovela

praticamente nasceram ou se afirmaram, Wilde Quintana e Milton Chansis.” (2002, p.64).

Teixeira Porto, entretanto, manteve-se fiel à sua opção pelo amadorismo, tanto que

permaneceu como primeiro ator por vinte anos na Escola. Mesmo assim, fez uma ponta no

faroeste Os Abas largas, de Sanin Cherques (1961),37 e o papel principal no curta Uma gravata

para Mário, de Sérgio Assis Brasil (1974). No entanto, não gosta de falar sobre tais atuações,

37 “A película denominada Os abas largas é considerado o primeiro faroeste brasileiro e foi produzido por empresado Rio de Janeiro. Contou com o apoio da Brigada Militar local (1º Regimento da Polícia Rural Montada).”(CORRÊA, 2002, p. 73).

110

por considerá-las “menores”.

João Teixeira Porto permanece residindo em Santa Maria, é membro da Associação Santa-

Mariense de Letras e é casado desde dezembro de 1977, em segundas núpcias38, com Aristilda

Antonieta Rechia, professora aposentada em Línguas Neolatinas.

Bráulio Araújo Souza nasceu em Dom Pedrito, em 22 de maio de 1915. Integrante da

ETLF desde a sua fundação até o final, exerceu durante todo esse tempo o cargo de tesoureiro.

Considerado pelos demais depoentes como pão-duro, ele confirma essa afirmação, dizendo

que, de fato, “sempre fui muito durão com a parte de dinheiro. Nenhum de nós, componentes da

Escola, podia fazer uso do dinheiro, a não ser quando tinha que levar alguma peça. Para sair

dinheiro da conta tinha que ter assinatura minha e do Cardoso, senão não saía.” (SOUZA, 2003).

Funcionário da Livraria do Globo por trinta anos, na qual exerceu os cargos de chefe da

Departamento de Fichários e chefe do Departamento Pessoal entre as décadas de 1930 e 1960,

Bráulio sempre foi dedicado aos ideais amadorísticos que regeram a ETLF. Com os demais

integrantes da Escola, foi “um legítimo baluarte do teatro amador santa-mariense (...) Na vida

real foi, por muitos anos, o encarregado da seção de livros novos da Livraria do Globo, tendo

sido considerado especialista nessa atividade.” (A Razão, 1979, p. 6).

Sobre seu ingresso na Escola, diz que foi “a convite do Cardoso e do Walter Grau, irmão

da minha esposa, quando foi fundada a Escola. Me convidaram já como tesoureiro, então aceitei

e dali pra frente fui tesoureiro.” (SOUZA, 2003).

A respeito da contabilidade da Escola, da qual tinha total controle, afirma: “Todo o dinheiro

era depositado em uma conta no Banco do Brasil e BANRISUL. Qualquer dia que se quisesse

fazer uma reunião para ver como andava o dinheiro, estava tudo prontinho.” Sobre as questões

jurídicas, contava com outro nome ligado ao teatro para auxiliá-lo: “Tínhamos como consultor

jurídico Fernando do Ó. A Escola existia como pessoa jurídica e pagava os impostos devidos

como pessoa jurídica.” (SOUZA, 2003).

Casado desde 1942 com Edith Grau Souza, professora de Música aposentada, Braulio,

aos 88 anos, continua dedicando seu tempo aos livros. Na ocasião do depoimento, estava lendo

Concerto Campestre de Luiz Antonio de Assis Brasil.

38 João Teixeira Porto casou-se pela primeira vez com Celina do Ó, filha de Fernando do Ó.

111

Mais jovem dos entrevistados, Jorge Beduino Ramos Medeiros nasceu em Santiago em

18 de março de 1943. (Figura 15). Bacharel em Direito desde 1970 pela UFSM, foi Juiz de Paz

em Santa Maria entre 1968 e 1982. Desde então, mantém escritório de advocacia na cidade.

Compôs o elenco da Escola em 1963, também a convite de Edmundo Cardoso. “O Cardoso

me convidou para ajudar na montagem de uma peça infantil que foi levada no Instituto de

Educação Olavo Bilac. O nome da peça era O Cavalinho Azul (...). Nesta peça, trabalhei como

contra-regra, ajudando montar cenários.” (MEDEIROS, 2003).

Em um primeiro momento pretendíamos privilegiar somente depoimentos de

remanescentes mais antigos da Escola. Entretanto, com estes não conseguimos informações do

que chamamos de segunda fase da Escola, que então se encontrava no período da Ditadura

Militar (1964-1984).

Sobre esse momento, na atuação da Escola, declara Medeiros que foi “um período em

que os militares tentavam nos tolher. Não permitiam encenar determinadas peças. Era uma censura

velada ao teatro.” (MEDEIROS, 2003).

Ainda assim, a Escola conseguiu encenar Roleta Paulista de Pedro Bloch, em 1968 que

Figura 15: Jorge Beduino RamosMedeiros. (1963).Fonte: Acervo particular EC.

112

tratava do problema das drogas entre os jovens. Segundo Medeiros, Cardoso conseguia fazer

acordos com a censura, de modo que viabilizassem a encenação de peças de cunho social ou

político em tempos de repressão. “Cardoso tinha um raciocínio político muito grande, ao contrário

do que as pessoas pensam e, habilmente, em 1968 conseguiu, depois de um ano de ensaio, levar

essa peça [Roleta Paulista].” (2003).

Não somente para fazer acordos políticos Cardoso tinha êxito. Em 1963, dentro de um

contexto de Guerra Fria e durante o conturbado governo de João Goulart, a Escola consegue

encenar O Asilado, de Guilherme de Figueiredo, em Santa Maria – de 11 a 13 de dezembro – que

contava a história de um guerrilheiro que se refugiava em uma embaixada. “Esse guerrilheiro

tinha idéia socializante. Era uma apologia à Revolução Cubana. Foi uma peça que aqui em

Santa Maria fez um relativo sucesso, mas o grande sucesso foi no Teatro São Pedro em Porto

Alegre. Eu fui como maquinista da Escola.” (MEDEIROS, 2003).

No Teatro São Pedro a peça foi encenada em julho de 1964. O folheto publicitário anuncia

a peça como sendo de “gênero altamente necessário nos dias que correm: a comédia franca e

esfuziante, satirizante e humorística, graciosa e deleitável. O público precisa rir, rir muito, sacudir

as poltronas, mesmo que a peça desmonte ou faça perigar alguns conceitos firmados no espírito

dos espectadores.” (Dossiê O Asilado, 1964). Ou seja, O Asilado foi anunciado somente como

uma sátira cômica, deixando totalmente de lado o cunho político, tendo em vista que não era

interessante acentuar este ponto no anúncio, em um momento político delicado no país.

Embora essas peças tenham considerável importância para a Escola, tanto do ponto de

vista do sucesso de público quanto dos assuntos abordados em seus roteiros, os demais depoentes

não se referem a elas. Suas memórias destacam as décadas de 1940 e 1950, um período visto

como muito mais heróico provavelmente. Os anos de 1960 têm a marca da política, da censura

e de mudanças no cenário sóciocultural de Santa Maria, marcado pelo surgimento e crescimento

da Universidade Federal de Santa Maria e por certa agitação estudantil. Os anos de 1970 são,

seguramente, caracterizados pelo constrangimento provocado pela situação política e retração

da vida cultural mais espontânea. Como destaca Badke em seu depoimento, “durante a Ditadura

Militar às vezes tínhamos a presença de um censor que assistia aos ensaios”. (2003).

Jorge Beduino Ramos Medeiros está casado desde 1970 com Flávia Maria Medeiros,

professora estadual aposentada. Ainda atua como advogado, escreve artigos para jornal local e

113

prepara dois livros: um sobre grandes crimes ocorridos na cidade e outro sobre o tango, um

estilo musical que serviu de pano de fundo para a sua geração. Curiosamente, um outro testemunho

da ETLF, Dalton Couto também revela a mesma paixão pelo tango. Santa Maria, como cidade do

interior do Rio Grande, sempre manteve contato com a região platina, sendo as emissoras de rádio de

Buenos Aires e Montevidéu as mais escutadas nos anos de 1940 e 1950. Este vínculo com a cultura

platina – que também se revelava no culto a Martin Fierro – esmorece a partir da década de 1970.

Dalton Couto nasceu em Santa Maria, em 25 de dezembro de 1914. (Figura 16). Formou-

se em Farmácia Bioquímica, em 1938, pela então Faculdade de Farmácia de Santa Maria - que

depois viria integrar a Universidade Federal de Santa Maria. Casou com Dalila Santos Couto

em 1941, com quem viveu até a morte desta, em 2002.

Figura atuante na cidade, tanto na vida política, como nos órgãos de imprensa local,

exerceu cargos na Prefeitura Municipal de São Pedro do Sul e organizou e montou a secretaria

da Câmara Municipal de Vereadores em Santa Maria, sendo depois Secretário Geral do próprio

setor que havia criado. Foi diretor do jornal Diário do Estado e secretário de redação de A

Razão, tendo sido também o primeiro diretor da Rádio Medianeira, entre 1960-65. Criou, na

Rádio Imembuí, o legendário personagem italiano Beto Buzzo, até hoje lembrado pelos seus

contemporâneos.

Além de outras funções, ocupou o cargo de Redator-Chefe do Gabinete do Reitor na

Figura 16: Dalton Couto. (1957).Fonte: Acervo particular EC.

114

UFSM entre 1969-1984. “Convidado pelo fundador da UFSM, José Mariano da Rocha Filho,

foi Reador-Chefe do Gabinete do Reitor, servindo nesse cargo cerca de 20 anos, até sua

aposentadoria.” (RÉCHIA, 2002, p. 86).

Dalton Couto foi o único depoente que apresentou resistência em confiar suas memórias.

Mesmo assim, podemos perceber que não apresenta a mesma simpatia dos demais pela figura de

Edmundo Cardoso. Segundo ele, houve um atrito entre ambos, que o afastou da Escola por um

período. Porém, mesmo durante o tempo em que esteve afastado da Escola permaneceu engajado

aos trabalhos da ribalta.

Primeiramente declarou ser de “ordem pessoal” o motivo do afastamento, logo após

afirmou que “tive um desentendimento com o Cardoso por ocasião da escolha do nome da

Escola. Sugeri que homenageássemos João Belém, mas Cardoso preferiu Leopoldo Fróes.”

(COUTO, 2003). No entanto, Teixeira Porto (2003), em seu depoimento, afirma que dois

fundadores (Edmundo Cardoso e Setembrino Souza) queriam um patrono para a Escola e “o

Cardoso sugeriu Leopoldo Fróes que era um ator brasileiro de renome [nas primeiras décadas]

do século XX. Setembrino aceitou a sugestão. Nunca se pensou em outro nome para a Escola.

“Geolar Badke (2003) declara não recordar “se houve votação para escolher o nome da Escola.”

De fato, a homenagem a Leopoldo Fróes foi sugestão de Luiz Bollick

Com Setembrino Souza, Edmundo Cardoso, Nair Miorin Paiva, Adyles da Silva, Atia

Paiva e Iza Prates, Dalton Couto atuou na primeira peça encenada pela Escola em 1943, Saudade,

de Paulo Magalhães. Era então oriundo do grupo de Rubem Belém. Importante salientar que do

grupo amador de Rubem Belém - que também se apresentava no Cine Imperial – viriam integrar

a ETLF, além de Dalton Couto, o próprio Edmundo Cardoso, José Medeiros, Dima Medeiros e

Luiz Gonzaga Schleiniger, em um tempo em que os cenários ainda eram de papel pintado.

(CARDOSO, 1978).

Embora sua presença seja marcante nas fotos e ensaios das peças, afirma não lembrar

dos espetáculos em que atuou. Entretanto, lembra de que “Cardoso ensaiava à moda dele... ele

parecia grosseiro, falava com rispidez. Quando ele [Cardoso] corrigia, era ao modo dele e a

gente ficava com vergonha por estar fazendo alguma coisa errada. Então, tentávamos imitá-lo.”

Sobre a atuação de Cardoso afirma que “não era um bom ator, não tinha voz”. Outra figura

115

conhecida no campo teatral da época e de hoje, Pedro Freire Júnior, compartilhava essa afirmativa

de Couto, quando se referiu à atuação de Edmundo Cardoso em Delito na ilha das cabras (1956),

de Ugo Beti: “Considero-o mau ator (...). Embora nunca tenha sido ensaiado por ele, assistindo

alguns ensaios apenas, seu método não é dos melhores e tende a esgotar-se. Mas como realizador

não há como ele. (...) A platéia tem que receber de tudo um pouco.” (A Razão, 1956).

De fato, Freire Júnior acabou encenando uma peça levada por Edmundo Cardoso, O

caixa que foi até a esquina, de Aurélio Ferretti, traduzida pelo próprio Edmundo Cardoso e

encenada, em 07 de novembro de 1961, no Cine-Teatro Imperial, com os atores Edna Mey

Cardoso, João Teixeira Porto, José Medeiros, Vera Maria Ribeiro, Irani Siqueira, Hipólito Garcia,

e Clivosa Jorge Lopes.

A respeito de Freire Júnior, Jorge Beduino Ramos (2003) lembra de que “houve um

atrito entre ele e o Cardoso.39 Nós todos éramos amadores e não recebíamos nada. O Freire era

outro tipo, era o lado profissional da coisa. Na Escola não cabia lugar para profissional. O Freire

foi para o Teatro de Arena, o TUI.”

Dalton Couto, apesar de suas divergências com a Escola e com EC, mantém certa

admiração por Edna Mey Cardoso, a quem credita seu retorno aos palcos com a ETLF: “A Edna

sempre foi uma pessoa excepcional, ela promoveu a reconciliação entre eu e Cardoso. Ela trazia

dignidade à Escola.” Também foi pioneiro ao afirmar sobre as possíveis críticas desfavoráveis à

Escola: “Tinha os contras, que diziam que as encenações eram uma porcaria.”

Além do fato de Dalton Couto não corroborar com a lembrança que seus companheiros

têm da Escola, outro fato chama a atenção em sua memória. Afirma não recordar do nome de

nenhuma peça encenada na Escola, mas cita todas as peças em que atuou com João Belém, em

um período anterior à sua entrada na ETLF. A lembrança de Couto coincide com a assertiva de

Ecléa Bosi (1994) sobre o fato de que a memória, mesmo sendo construída em um espaço social,

se torna individual, à medida que toma forma de depoimento. Para ela, a memória social, por

meio da narrativa, acaba se reorganizando, de modo que alguns relatos possam mudar na

39 Sobre as divergências de Freire Júnior com Edmundo Cardoso, este último declarou que “recentemente umrapaz ficou meio desgostoso com a Escola Leopoldo Fróes e fundou um novo grupo (...). Ajudei-o no que pudee fui (...) assistir aso seu espetáculo, por sinal muito bom. Briguinhas, briguinhas, teatro à parte. (A Hora, 1954,p. 9).

116

decorrência da vida, pois a memória é, por excelência, seletiva. Dalton Couto faleceu em Santa

Maria, em 30 de julho de 2003.

A memória dos entrevistados nos permitiu vislumbrar o cotidiano da ETLF: o empenho

nos ensaios, a dedicação e a persistência, sem almejar outro troféu que não fosse o prazer da

encenação, além de laços de amizade e solidariedade extremamente profundos. Constituída por

homens e mulheres que tinham outras profissões – no serviço público, na Brigada Militar, no

magistério estadual, na universidade federal, na advocacia, no comércio e até mesmo na política

– os membros da ETLF expressam, ainda hoje, um orgulho pela dimensão amadorística da

Escola. Ali não havia lugar para os profissionais (mesmo que eles, por vezes, colaborassem com

o grupo), era o lugar dos entusiastas. Os rendimentos necessários para a sobrevivência eram

obtidos em outras atividades. O teatro, de certa forma, não era maculado pelas necessidades da

vida. O difícil, pelo que se vê, era lidar não só com uma estrutura precária nas casas de espetáculos,

mas também com um público restrito.

Dois atores fundadores da Escola eram oriundos do teatro profissional: José Medeiros e Setembrino

Souza. Medeiros, quando veio para a ETLF já havia atuado na Companhia de Ribeiro Cancella, em Porto

Alegre, no Grupo Teatral Lobo da Costa, reduto artístico vinculado à Igreja Episcopal em Santa Maria e no

Grupo Teatral João Belém. (Figura 17). Além de ator, era o alfaiate da Escola e funcionário da Justiça Militar

Federal em Santa Maria (Revista do Globo, 14 de fev de 1964).

Em 1942 casou com Dima Godoy, que conheceu quando contracenava com ele em

Nara, de Rubem Belém. Em 1943 ajudou a fundar a ETLF, na qual permaneceu até sua morte

em 1981. A última peça em que contracenou foi Maroquinhas Fru-Fru, montada em 1978. Era

considerado disciplinado, talentoso, criativo e “assimilava com arte um sem número de difíceis

criações cênicas. Possui uma voz timbrada para o teatro, grave e modulada. (...). Com esse

recurso compensava seu porte físico, não muito avantajado.” (CARDOSO, 1981, p. [?]).

Segundo Jorge Beduino, José Medeiros “era exímio alfaiate e fazia os cortes das roupas

e depois levava na costureira. O Medeiros veio do teatro profissional. Ele veio para cá numa

companhia teatral. Ele foi nomeado profissional da auditoria e permaneceu aqui. Tem uma rua

na Vila Medianeira com o nome dele.” (MEDEIROS, 2003). João Teixeira Porto recorda dos

famosos atrasos do colega de ribalta: “O Medeiros sempre chegava atrasado porque era alfaiate

117

Setembrino Souza já havia algum tempo chegara a Santa Maria, quando foi chamado por

Edmundo Cardoso para compor o elenco da primeira peça da Escola, Saudade, em 1943, pois

até então não havia se entrosado no teatro amador. (Figura 18). Cardoso lembraria de que a

maquilagem na peça era toda de Setembrino, que trazia em sua “caixa batons, lápis, rouge e

aplique (...). lembrança de sua vida profissional no teatro.” (CARDOSO, 1978, p. 15).

Egresso dos elencos profissionais de Ribeiro Cancella, Trajano Vital e Zaira Médicis,

fizera pontas em comédias e era bailarino. Casado com a atriz Paulicéia Souza40, o casal “não se

ligara com amadores, e de quando em quando subiam à ribalta para ajudar a colegas profissionais

que aqui aportavam em más condições financeiras.” (CARDOSO, 1978, p. 15).

40 Paulicéia de Souza faleceu aos 75 anos em 1987, no Lar das Vovozinhas, em Santa Maria. Também era egressados elencos profissionais de Trajano Vital, Samuel Laranjeira, Ribeiro Cancela e Álvaro de Souza, com quemfazia excursões pelo interior do Estado do Rio Grande do Sul. (A Razão, 1987).

Figura 17: José Medeiros.Foto Schleiniger Jr. 1955).Fonte: Acervo particular EC.

e, se tivesse que terminar uma encomenda, terminava primeiro e depois ia para os ensaios.

Chegava hora e meia atrasado e nós já estávamos lá desde às 8 horas da noite.” (PORTO, 2003).

118

A escolha das peças a serem encenadas pela Escola até 1945 era de Setembrino Souza,

que priorizava libretos que já houvesse assistido, para melhor contribuir nas produções, na sua

atuação como ator e na função que então exercia de co-ensaiador. (CARDOSO, 1978). Isso

significa que as peças Compra-se um marido (1943), Deus lhe pague (1944), Os divorciados

(1944), Maria Cachucha (1945) e Feitiço (1945) foram escolhas de Setembrino. Durante esse

período somente uma peça foi levada por insistência de Edmundo Cardoso e à revelia de

Setembrino Souza: Marido número cinco, em 1944. “O êxito de bilheteria à vezes era secundário,

valendo mais uma nova experiência e a penetração num mundo novo de encenação.” (CARDOSO,

1978, p. 10).

Figura 18: Setembrino Souza. FotoSchleiniger Jr. (Anos 50).Fonte: Acervo particular EC.

O argumento de Setembrino Souza pela escolha de peças consideradas batidas era a

garantia de sucesso, enquanto a oposição de Edmundo Cardoso se pautava em que, sendo a

organização amadorística, interessava levar novos textos e não copiar cenários e interpretações.

Essa justificava de EC era corroborada por Walter Grau, Luiz Gonzaga Schleiniger, Mauro

Mussói e Wilson Dernardin.

Setembrino Souza afastou-se da Escola por volta de 1946, “pois não conseguiu realizar

o seu objetivo que era o de semi-profissionalizar a Escola.” (COSTA, 1985, p. 15). Retornou em

1951, na peça É proibido suicidar-se na primavera “por nós dirigida e pela primeira vez montada

119

em cenoplastia. Paulicéia de Souza, a esposa de Setembrino, atuou apenas uma vez na Escola de

Teatro, na peça Feitiço, montada em 1947.” (CARDOSO, 1978, p. 15). Entretanto, a renda

líquida da peça Compra-se um marido, encenada em setembro de 1943, foi toda atribuída à

Setembrino, “como subsídio auxiliar para uma intervenção cirúrgica em sua esposa.”41

(CARDOSO, 1978, p. 15).

O repertório internacional que a ETLF começou a produzir no início dos anos 50, teve

em Wilde Quintana um singular intérprete. (Figura 19). Vindo de Bagé para Santa Maria em

1950, por motivos profissionais, Quintana seria colega de José Medeiros na Justiça Militar Federal

e por este levado para o elenco da Escola. Estreou em É proibido suicidar-se na primavera

(1951), vindo a se destacar em Espectros, como o filho da Senhora Alving. Faria depois parte do

elenco em Curvas Perigosas, As bodas do diabo, no papel do Diabo, no qual “logrou transfigurar

a avassaladora Paixão que o Rei das Trevas nutria pela Rainha do Nada, a Morte” e Delito na

ilha das cabras. (CARDOSO, 1988, p. l) “Quintana teve nessa peça uma grande oportunidade

dramática que foi por ele aproveitada exaustivamente, e que marcou também sua despedida da

Escola de Teatro. Transferiu-se para Porto Alegre e depois Curitiba, onde retomou a atividade

cênica.” (CARDOSO, 1988, p. 1).

41 Paulicéia havia sofrido um acidente, que lhe tirou o domínio de uma perna. (A Razão, 1987)

Figura 19: Wilde Quintana.Foto Schleiniger Jr. (Anos 50).Fonte: Acervo particular EC.

120

Essa retomada foi primeiro para o teatro amador, depois para o profissional “quando

esteve no Rio de Janeiro em temporada com um excelente agrupamento curitibano. Depois

retornou para P. Alegre, renunciando ao teatro.” (CARDOSO, 1988, p. 1).

Em Santa Maria, Wilde Quintana havia se dedicado também ao jornalismo como cronista

social no jornal Diário do Estado. Faleceu em 1988. (CARDOSO, 1988, p. 1).

Paulo Neron Rodrigues, o popular Paulinho, que até hoje vende bilhetes lotéricos no

Calçadão (rua Dr. Bozano), ingressou na ETLF em 1959, na peça O casaco encantado. Pelo seu

desempenho nessa peça, Edmundo Cardoso criou um personagem especialmente para ele em

Pluft, o fantasminha (1960), de Maria Clara Machado. Iniciativa que se tornou hábito de EC

toda vez que encenava peças infantis, para que Paulo Neron não ficasse de fora dos espetáculos,

tal o seu sucesso com o público infantil, que com ele se identificava, uma vez que Paulinho

mede 1,50 metro. (A Razão, 1979).

Até aqui apresentamos aqueles que se destacavam no palco – os atores – e o diretor de

cena. Mas temos que considerar os bastidores, a equipe técnica que tornava a apresentação dos

espetáculos possível, uma vez que a Escola mantinha também em seu quadro marceneiros,

carpinteiros, eletricistas, desenhistas, costureiras, maquiladoras e tantos outros profissionais

especializados. Além dos depoimentos já referidos, utilizamo-nos do artigo O que acontece

atrás dos bastidores do teatro, do jornal A Razão, de 12 de dezembro de 1979, páginas 6 e 7 para

delinear o perfil do pessoal que nem sempre aparecia no palco.

Desses, destacamos Léo da Silva Freitas, técnico em eletricidade e som. A princípio

acumulava as duas funções, depois especializou-se em eletricidade teatral. Acompanhou a Escola

de Teatro em todas as suas excursões artísticas. Nos bastidores, passou por todas as funções.

Profissionalmente, atuou como eletrotécnico e funcionário postal.

Marconi Mussói, na Escola desde sua fundação até sua extinção, manteve-se afastado

somente por dois anos, quando foi morar fora de Santa Maria. Envolvido com teatro amador

desde 1937, quando encenou a opereta A casa das três meninas de Schubert, com um grupo

amadorístico local. Durante algum tempo participou do Grupo Teatral Lobo da Costa, filiado à

Igreja Episcopal de Santa Maria. Também havia participado do extinto Coral Arrigo Boito,

fundado e dirigido pelo maestro Garibaldi Poggetti. Foi um dos fundadores do Atlético Esporte

121

Clube e na vida profissional atuou como industriário, industrial, caixeiro-viajante e securitário

Na ETLF exerceu várias funções nos bastidores, como cenarista, pintor, contra-regra,

marceneiro e diretor técnico de montagem. Nesta última função, foi lembrado em todos os

depoimentos. “O grande técnico foi o Marconi Mussói. Nunca entrou em cena, mas estava

sempre conosco em todas as peças. Como chefe do departamento técnico, estudava a peça e a

partir daí montava todo o cenário. Era muito competente e criativo.” (PORTO, 2003). Como

maquinista teatral foi perito em ferramentas e tinha capacidade inventiva como marceneiro e

carpinteiro, profissões em que possuía familiaridade desde criança, uma vez que era filho de

dono de fábrica de marcenaria na cidade. Conheceu sua esposa Elvira Falkembach no teatro

amador, antes de ingressar na Escola.

Faleceu em 1989, em Santa Maria. Maçon, “participava há longos anos da Loja Eureka,

onde seu corpo foi velado e recebeu as sensibilizantes homenagens rituais, por ocasião de suas

exéquias.” (CARDOSO, 1989, p. 3).

Ney Monteiro ingressou na Escola no início da década de 60, exercendo atividades que

também lhe eram familiares, como carpintaria e marcenaria, uma vez que trabalhava na marcenaria

da UFSM. Segundo seus colegas remanescentes, tinha grande capacidade de improvisação e era

exímio conhecedor de ferramentas. Formava, nos bastidores, parceria com David Akcelrud.

Armando Bondarenko, luminotécnico e eletricista com conhecimentos em sonoplastia,

entrou para Escola em meados dos anos 50. Destacou-se pelas montagens de grande exigência

cênica e pela parceria em tais encargos com Léo da Silva Freitas. Exerceu a função de fotógrafo

na UFSM, onde se aposentou.

Érico Freitas destacou-se na Escola pela colaboração a Guido Isaia, que fazia as fotos

das peças com fins publicitários. Colaborava na iluminação, no enquadramento, retoque e

laboratório. Na década de 70, começou a auxiliar seu filho, Érico Freitas Filho na sonoplastia.

Neste mesmo período já era bancário aposentado, e começava a se destacar na radiodifusão. Seu

filho era então universitário e possuía moderno equipamento de aparelhagem de som.

Jaime Roos, desenhista e projetista, além de conhecedor de marcenaria e carpintaria,

desenhou cenários para vários espetáculos, inclusive para Delito na ilha das cabras (1956), de

Ugo Beti. Notabilizou-se pela capacidade de absorver mentalmente as criações subjetivas

122

cenográficas de Edmundo Cardoso, transportá-las para o papel e daí para a cena, com a ajuda de

Marconi Mussói e demais técnicos. Na juventude tocava em um conjunto musical e, no final da

década de 70, já estava aposentado como funcionário público municipal.

Adão Garcia, fundador da revista Vento Norte, na década de 40, em Santa Maria, chegou

à Escola no final da década de 50, onde tinha a responsabilidade pelos impressos publicitários

e atuava como auxiliar de bastidores. Era considerado relações públicas dentro da ETLF.

Nilo Pulino, eletricista e eletromecânico, ocupava-se da manutenção e guarda do material

cênico. Osvaldo Dias atuava na tesouraria, com Braulio de Araújo Souza. Egresso de organizações

amadorísticas anteriores à ETLF, havia sido livreiro e gráfico nos anos 20 e 30.

David Akcerlud ingressou na Escola somente em 1973 e é até hoje lembrado por seus

companheiros de ribalta pela instalação de água completa em cena, por ocasião da encenação de

Soraya posto dois (1973), de Pedro Bloch, no Teatro Imperial em Santa Maria e no teatro Álvaro

de Carvalho, em Florianópolis. Na vida real era construtor e armador de redes hidráulicas e

sanitárias na construção civil.

Nizel Neumaier Kolling, professora do Colégio Centenário, onde dirigiu o coral infantil.

Regia corais na comunidade evangélica luterana e foi também regente no coral da ETLF. Alda

Nunes, professora de maquilagem e cabelos no SENAC, exerceu na Escola a função de

maquiladora e cabeleireira. Eva Silveira era costumista e costureira na Escola e fora dela.

Salvador Isaia teve fundamental importância para a ETLF, uma vez que era um dos seus

mantenedores financeiros e incentivador das artes em geral e do teatro amador em particular.

Para Jorge Beduino Ramos Medeiros (2003) “aqui em Santa Maria existia um cidadão que foi

um mecenas para arte teatral, ajudou sempre a sustentar a Escola, que foi o Salvador Isaia.”

(2003).

O busto do ator Leopoldo Froés, inaugurado pela Escola de Teatro no aniversário de 25

anos da Escola, em 1968, somente tornou-se possível pela contribuição efetiva de Salvador

Isaia, com numerário: “Recebemos do Sr. Salvador Isaia, a quantia de CR$ 4.277,16, destinando-

se para cobrir as despesas com a ereção do busto do ator Leopoldo Fróes, na praça Saldanha

Marinho.” (CARDOSO, Edmundo, LIPPOLD, Walter, Recibo, s/d.).

Também Braulio Araújo Souza (2003) lembraria da importância de Isaia para a Escola:

123

“Quem mais colaborou com dinheiro para as fundações que foram feitas foi o Salvador Isaia.

Com dinheiro e com material que ele próprio comprava.” Souza se referia ao material para as

fundações efetuadas no terreno que havia sido doado pelo Prefeito Municipal Heitor Silveira

Campos, para a construção de um teatro que abarcaria as apresentações da ETLF e de companhias

grandes que viessem de fora. Esta edificação se chamaria “Cine-Teatro Leopoldo Fróes,” segundo

Dalton Couto (2003).

Na verdade, Salvador Isaia foi um dos fundadores e presidente da Comissão Pró-

Construção da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, criada em 1954, “onde o primeiro passo a ser

dado deveria ser conseguir o projeto da elaboração da obra a ser realizada.” (Ata Nº. 27, 17 nov.

1954, p. 23).

Ainda sobre a Comissão Pró-Construção do Teatro próprio encontramos em um artigo

de jornal:

Deliberou mais a Diretoria ampliar-se para cinco o número de compo-

nentes da Comissão Pró-Construção, devendo em breve serem convida-

dos os novos integrantes desse organismo, cuja atividade entrou em fase

mais ativa, eis que a Escola de Teatro dentro de poucos dias iniciará a

projetada construção do seu teatro, de posse que já está de todos os cál-

culos de concreto armado, elaborados na capital do Estado por uma equipe

especializada.” (Comissão pró-construção do teatro, s/d).

Tais fundações para a construção do teatro iniciaram em 1960 e um ano e meio depois

foram interrompidas por falta de recursos. Sobre a não-concretização dessa idéia disse Geolar

Badke (2003): “Não atendendo ao compromisso de construir o teatro dentro da lei que doou o

terreno, a Escola foi obrigada a devolvê-lo. Devolvemos o terreno com uma pequena área já

construída à Prefeitura. (...). Foi um sonho em vão.”

Complementa esta afirmação o depoimento de João Teixeira Porto (2003), em que afirma

ser “o dinheiro arrecadado na bilheteria todo para o banco, para a construção do teatro. O Cardoso

acompanhou o Ministro da Educação Tarso Dutra, a uma visita ao Prefeito Municipal da cidade,

que então fez a doação da área para construção do teatro”, acrescentando que o projeto acabou

não se realizando porque “o Cardoso já havia envelhecido, tinha ficado viúvo, perdeu o gosto,

assim como eu também perdi (...).”

124

Antes da ligação com a Escola, Isaia já mantinha, nos anos 20, um grupo de teatro amador

ligado na época à Ação Católica. Ao término da ETLF, esgotaram-se as possibilidades da

construção do teatro, tanto para os depoentes citados quanto para Edmundo Cardoso e Salvador

Isaia.

Um dos desenhistas da Escola, Eduardo Trevisan, criou vários cenários e figurinos, como

para as peças A raposa e as uvas, Espectros e Bodas do Diabo, montagens que se destacaram

pela riqueza de detalhes, executadas por Mestre Romano, da Escola de Arte e Ofícios. A respeito

da execução dos cenários de Trevisan, Geolar Badke (2003) lembra de que “Mestre Romano, da

Artes e Ofícios [Escola de Artes e Ofício]42 montou a peça As Bodas do Diabo. Ele fez um

inferno fora de série. O trabalho dele era maravilhoso. Pelas fotos dá pra ver. Em Espectros, fez

aqueles candelabros (...) um trabalho muito bonito de montagem de cenário”.

Eduardo Trevisan nasceu em Santa Maria em 1920 e desde os 12 anos tomava aulas com o

professor Parlagrecco da Escola de Artes e Ofícios. Em 1934, ingressou no Instituto de Belas Artes

de Porto Alegre e no Colégio Anchieta onde foi contemporâneo de Edegar Koetz, João Fahrion e

Nelson Boeira Faedrich. Foi retratista, desenhista, pintor, artista gráfico, professor e fotógrafo.

Entre 1949-50 Trevisan montou seu atelier fotográfico na Praça Saldanha Marinho. Porém,

“nos primeiros tempos, por falta de um quarto escuro que lhe servisse de laboratório fotográfico,

Eduardo encerrava-se com suas cubas de ácidos e sais no guarda-roupa e ali revelava suas

fotografias e as fixava. Dona Zari [sua esposa] ficava de guarda do lado de fora da porta.”

(LARRÉ, 2002, p. 175).

Destacou-se nas artes também como retratista e muralista. Seus murais estão em locais

públicos como no Planetário, na Biblioteca Central, no Centro de Ciências Naturais e Exatas e

na Reitoria, todas na UFSM. Morreu em Santa Maria em 1983. (FOLETTO, BISOGNIN, 2001).

A apresentação do perfil e da trajetória dos diferentes integrantes da ETLF – direção

executiva, atores, trabalhadores dos bastidores – tem o propósito de configurar os tipos sociais

que se envolviam na produção teatral em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, no

42 Em 1922 “foi inaugurada a Escola de Artes e Ofícios da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do RioGrande Do Sul, destinada ao ensino profissionalizante. Foi um estabelecimento de ensino sem similar na Américapor sua organização e benefícios. Visava à formação elementar e profissional de filhos de ferroviários do sexomasculino.” (BEBER, 1998, p. 17-18).

125

período abordado.

Como pode constatar-se no levantamento dos cine-teatros feito anteriormente, o circuito

dos espetáculos em Santa Maria era restrito. Poucas eram as casas voltadas para este tipo de

cultura e lazer, menor ainda o número daquelas que contavam com palco apropriado para

encenações. Quando isto acontecia, a casa dividia o seu tempo com o cinema, dando destaque a

esta manifestação artística inclusive. O teatro era um opção de cultura que exigia um pouco

mais do público, dificultando, desta maneira, a produção contínua de peças.

Escasso o circuito do teatro, ficava ele restrito aos amadores entusiasmados, conforme

se pode conferir em suas trajetórias. Eram homens e mulheres com atividades profissionais

desvinculadas da produção artística – militares, funcionários públicos, profissionais liberais,

professores – que passavam a gastar/ganhar o seu tempo no teatro a partir de um ideal comum de

valorização da arte.

Podemos afirmar que foram esses homens – desde os técnicos, os patrocinadores, os

atores e o diretor – que escreveram com suas falas e gestos a história da ETLF. A trama que eles

encenaram foi esta. Cada um teve o seu papel e o resultado foi, em parte, este que já apresentamos.

O desfecho final, entretanto, colocamos no capítulo a seguir. Nele, o resultado desse empenho e

persistência: as peças encenadas.

CAPÍTULO III

O PALCO, OS PERSONAGENS E O ESPETÁCULO: PEÇAS ENCENADAS

PELA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES

Acredito, com efeito, que a obra de arte, quando não atinge o seu mais

elevado objetivo, certamente o estético, permanece de qualquer forma

como documento de época. O meu postulado, nesse caso, é o mesmo

tanto do romantismo quanto do realismo – ou seja, que as melhores pe-

ças nunca se contentam com as quatro paredes (reais ou imaginárias) do

palco, tentando reproduzir, nesse microcosmo cênico, algo do que se

agita ou reina fora delas. (PRADO, 1999, p. 14).

As peças levadas pela ETLF se constituem em 40 textos distribuídos entre comédias e

dramas, destinados ao público infantil e adulto que eram apresentados na cidade de Santa Maria,

no Cine Independência, Cine Imperial, Instituto Olavo Bilac, Colégio Centenário e demais salas

em que se pudessem propiciar tais espetáculos, uma vez que a Escola não conseguiu construir

sua sede própria.

Além disso, necessitava dividir seu espaço cultural de atuação com outras atividades

artísticas ou educacionais, mas principalmente com o cinema, fator igualmente já referido. Por

esse motivo, no caso específico da divisão com o espaço que ocupava com o cinema, no Cine

Imperial - onde mais se apresentou - esteve atrelada a exibições de filmes. Por isso, suas

apresentações se limitavam às noites de segundas e terças-feiras. “O Cine Imperial nos emprestava

o palco somente às segundas e terças feiras. Então, depois da última sessão de cinema aos

domingos, lá pela meia-noite, nós íamos para o palco desmontar o telão e começávamos a trabalhar

na montagem do cenário.” (BADKE, 2003).

127

Para Porto Alegre, onde se apresentou no Teatro São Pedro, a Escola levou Curvas

Perigosas, em 1954, alternando apresentações com o Teatro Amador de Pernambuco (TAP).

Espectros, A raposa e as uvas e As bodas do diabo foram levadas em 1955, também no palco do

Teatro São Pedro. O Asilado foi encenada no mesmo teatro em Porto Alegre, em julho de 1964.

“Na época o Teatro São Pedro estava quase em ruínas. Por estar em ruínas, a varanda, a uns 10

metros acima do solo, era composta por algumas tábuas. Mas a boca de cena não tinha varanda,

era livre.” (MEDEIROS, 2003).

Fora as incursões pelos palcos da capital, a ETLF excursionou pelo interior do Estado,

por cidades como Cachoeira do Sul, Pelotas, Bagé, São Pedro do Sul e demais cidades, que

serão mencionadas no decorrer da apresentação das peças encenadas.

A apresentação, neste trabalho, das peças encenadas, pôde ser realizada graças à

documentação existente no acervo particular de Edmundo Cardoso, onde grande parte da pesquisa

foi realizada. A referida documentação não está registrada nem catalogada, mas separada por

dossiês. Cada dossiê pertence a uma peça teatral encenada pela Escola de Teatro Leopoldo

Fróes e, neles, estão reunidos os documentos que esclarecem elementos básicos para sua

composição, como elenco, corpo técnico, diretor artístico, composição de cenários,

patrocinadores, fornecedores, divulgação na mídia, público manifesto, valor de ingressos.

Os elementos básicos contidos nos dossiês encontram-se nos textos das peças de teatro,

nas fotos, desenhos de figurino e cenários, crônicas, fôlderes, banners, folhetos, libretos, artigos

de jornais e revistas referentes às peças, além de cópias de cartas datilografadas de Edmundo

Cardoso a instituições, órgãos de censura, artistas, teatrólogos, autores, políticos, escolas. Em

contrapartida, há cartas em resposta à sua correspondência, do mesmo modo que cartas pessoais,

como de Procópio Ferreira, Aurélio Ferretti e Guilherme de Figueiredo.

Como praticamente não há informações bibliográficas, em grande parte dos artigos e

crônicas de revistas e jornais utilizados, optamos por referir a que dossiê pertencem os artigos

aqui utilizados, uma vez que, em cada dossiê existem vários jornais, tanto de Santa Maria como

de Porto Alegre e demais cidades, tornando difícil, a curto prazo, a pesquisa nos arquivos dos

próprios jornais.

128

Reiteramos a validade da apresentação das peças encenadas pela ETLF, uma vez que

não há, até a presente data, qualquer tipo de registro a partir da documentação referida e, portanto,

o levantamento da história da Escola de Teatro e de suas peças possui caráter inédito.

Além disso, utilizamo-nos dos textos das peças enviadas à ETLF pela SBAT, ou

datilografadas pela própria Escola, para efetuarmos rápidos comentários a respeito de cada

peça encenada, com o objetivo de uma melhor compreensão do tipo de teatro privilegiado pela

ETLF, ainda que tais comentários não tenham caráter de análise literária, como já foi explicitado

na introdução deste trabalho.

Da mesma forma, servimo-nos neste capítulo de fotos de encenação ou de ensaio de

algumas peças, bem como de desenhos de cenários efetuados pelo artista plástico santa-mariense,

Eduardo Trevisan, com o objetivo específico de auxiliar na compreensão da composição de

personagens, cenários e figurinos. Todavia, este componente visual não será analisado no decorrer

do texto, apenas mencionado como complemento às demais fontes contidas nos dossiês.

1. Saudade (1943)

A estréia da Escola foi em Saudade, de Paulo Magalhães, encenada em 30 de julho de

1943, no Cine-Teatro Imperial. Nesta peça, o elenco foi constituído em sua maioria de estreantes,

desempenhando os papéis de uma comédia que era autoria do então conhecido comediógrafo

Paulo Magalhães.

Este espetáculo realizou-se sob os auspícios do Colégio Centenário e com sua imediata

colaboração, de modo que o elemento feminino que integrou o seu elenco era composto,

exclusivamente, por figuras daquele educandário, pertencentes ao seu corpo docente, como foi

o caso de Nair Miorin, Adiles da Silva e Átia Paiva Mendes. A exceção era apenas de uma

integrante, que fazia parte do corpo discente do mesmo estabelecimento, Iza Prates. Esse elemento

feminino, portanto, fora recrutado nas “figuras representativas do escol social santamariense.”

(Dossiê peça A saudade, 1943).

Por outro lado, os papéis masculinos - em número de três - foram confiados a atores

amadores conhecidos no circuito teatral da região centro do Estado, como Dalton Couto, Edmundo

129

Cardoso e Setembrino de Souza. Também aos amadores foram confiados os encargos de

bastidores. Assim, José Medeiros, Marconi Mussói, Valter Grau e Adão Flores foram incumbidos,

respectivamente de contra-regra, ponto e maquinaria. (Figura 20).

No anúncio publicitário do espetáculo encontramos: “Uma original peça de teatro onde

é defendida a tese do amor entre gente velha, e onde a gente moça (...) faz gato e sapato dos

amoricos dos velhos!”

O jornal A Razão apoiava o empreendimento e noticiou-o desta maneira: “Grandiosa

Festa Teatral no Imperial, no dia 30.” Na notícia, explicava o tema: “os inconvenientes do amor

entre pessoas velhas” – adiantando que o autor, nessa comédia, sabia dosar em seus três longos

atos “de uma parte amorosa entre gente moça.” (Dossiê peça A saudade, 1943). A peça excursionou

em Cachoeira do Sul e São Pedro.

A propósito do autor da peça, Paulo Magalhães esteve na época dentre os mais

representados em nosso país, sendo suas peças traduzidas para o espanhol e representadas em

inúmeros palcos na América do Sul. (VASCONCELOS, 1987).

Figura 20: Elenco e corpo técnico da peça Saudade. Da esquerda para a direita:Amaury Portugal, Átia Paiva Mendes, Edna Mey Cardoso, Nair Miorin Paiva, Adilesda Silva, Marconi Mussói, Oswaldo Dias e Robson Flores. Foto Studio Aurora. (1943).Fonte: Acervo particular EC.

130

Desse modo, Santa Maria teve a oportunidade de apreciar uma manifestação de sua

própria capacidade artístico-cultural que, por seu êxito, logrou seguir adiante.

A comédia de Paulo Magalhães apresenta uma viúva de 40 anos que se vê às voltas com

dois pretendentes: um senhor de 67 anos e um rapaz de 27. Ela se sente inclinada pelo rapaz,

mas a diferença de idade torna-a temerosa de efetuar o casamento. Os dois tornam-se noivos

secretamente e, logo após, a filha da viúva (de 18 anos) deixa o internato e vem morar com a

mãe. Ignorando o noivado da mãe, apaixona-se pelo rapaz e é correspondida. Quando a mãe

descobre, obriga-os a se casarem.

O último ato se passa um ano e três meses depois. O jovem casal foi morar no Norte do

país, a viúva tornou-se uma mulher melancólica, “com uma saudade imensa dos (...) vinte anos!

(...) Saudade de uma mulher que tinha um coração tal qual tem hoje, [mas tinha também um

corpo de escultura e um rosto de madona!] Saudade de tudo... Saudade cruciante de mim mesma.”

(Texto da peça Saudade, 1934).1 Tempos depois, a filha e o genro chegam subitamente do Norte

e lhe trazem um neto. A última cena mostra a viúva cuidando do neto e assumindo seu papel de

avó. (Texto peça Saudade, 1943).

2. Compra-se um marido (1943)

A comédia de José Vanderley foi encenada em 31 de agosto de 1943, no Cine-Teatro

Imperial. O elenco era constituído, em sua maioria, de atores amadores que interpretaram a

comédia Saudade, como Valter Grau, Átia Paiva Mendes, José Medeiros, Setembrino de Souza,

Nair Miorin, Luiz Gonzaga Schleinniger, Marconi Mussói, Edmundo Cardoso e Setembrino de

Souza. A trama era ambientada na época atual, na cidade do Rio de Janeiro.

Tratava-se de uma sátira cômica dos costumes modernos e, ao mesmo tempo, apresentava

a dramatização das manias dos que têm dinheiro e dos que não têm. Os móveis que compunham

a cena foram cedidos pela então Casa Loro.

No anúncio publicitário do Cine-Teatro Imperial era divulgado, com a peça, o restante

da programação semanal não vinculada à Escola. Deste modo, nessa mesma semana, apresentaram-

1 Este trecho conta no texto original, mas riscado no livro usado pelo Ponto.

131

se os espetáculos Trem de Luxo, com Victor Mclaglen e o filme Cidade do Pecado, de Jeannett

Macdonal, com Clark Gable e Spencer Tracy. Como este último filme mostrava o horror da Segunda

Guerra Mundial, contrapunha-se à comédia de costumes apresentada pela Escola.

A peça de José Wanderley estreou em São Paulo, em 1933, pela Companhia Procópio

Ferreira. O enredo trata de uma moça rica e mimada que faz o pai milionário comprar um

marido para ela. O candidato aceita um salário mensal e no contrato fica estabelecido pela noiva

que no casamento, não deve haver controle ou ciúme e nenhum contato físico. O rapaz aceita

por estar desempregado e também porque deseja vencer o desafio. Dois meses depois, sente-se

entediado e resolve provocar a esposa dando atenção para sua melhor amiga. A mulher sente

ciúmes do rapaz e então descobre seus sentimentos por ele. O casal refaz o contrato de casamento,

no qual o marido passa a definir as regras.

O cômico da peça estava em que o casamento moderno não necessitava de amor, um

sentimento antiquado. O desenrolar da trama, entretanto, mostraria o contrário. (Texto peça

Compra-se em marido, 1935).

3. Deus lhe pague (1944)

Encenada dia 24 de abril de 1944, no Cine Imperial, a comédia dramática de Joracy

Camargo, que tinha em seu elenco Setembrino de Souza, Mauro Mussói, Maria Menezes, Nair

Miorin, Wilson Denardin, Ruth Dorneles Vargas, Geolar Badke e Edmundo Cardoso. Lustres e

adornos fornecidos pela Casa Alaggio. Como figurantes, algumas pessoas da comunidade.

Ingressos a CR$ 4,00 e 3,00.

No mesmo folheto que anunciava a peça, havia a propaganda dos filmes Nas portas do

inferno (com Roberto Taylor), Inimigos amistosos (com Nancy Kelly) e Ilhas dos amores (com

Madaleine Carrol) nos demais dias da semana.

“Sendo Deus lhe pague uma peça de grande envergadura interpretativa e já conhecida de

nosso público, (...) os amadores da ETLF desvelaram-se em seus dificílimos papéis, estimulados

pelo fato em si, sabendo de antemão que terão de enfrentar o rigorismo de uma platéia culta e

exigente, como é a de Santa Maria.” (Dossiê peça Deus lhe pague, 1944).

132

A peça de Joracy Camargo refere-se a uma crítica que os socialistas faziam ao capitalismo,

ou seja, crítica a propriedade privada, que é fonte de riqueza e está apenas disponível para

alguns. A peça inicia com um diálogo entre mendigos no qual um deles faz a defesa da

mendicância, como parte integrante do próprio sistema capitalista. A partir daí, os diálogos

seguem questionando os valores da sociedade burguesa. É uma crítica leve, mas talvez muito

contundente para o o público conservador dos anos 40. A peça termina com a apologia da

felicidade, contrapondo-se à toda ênfase dada à acumulação da riqueza e aos bens materiais,

com claras conotações pseudo-filosóficas. (Texto peça Deus lhe pague, 1944).

4. Marido número cinco (1944)

Quando lançada no Rio de Janeiro, dois anos antes, portanto, em 1942, pela Companhia

Dulcinda de Moraes, foi cognominada e “a peça mais risonha das últimas temporadas.”(Dossiê

peça Marido número cinco, 1944). Paulo de Magalhães produziu algo que atingia aos objetivos

de uma grande comédia: movimentação, alegria e jocosidade espontâneas.

Pela ordem de entrada em cena, os seguintes atores integraram a comédia: José Medeiros,

Nidia Menezes, Edmundo Cardoso, Luiz Gonzaga Schleiniger, Átia Paiva Mendes, Setembrino

de Souza. Adiles da Silva, Nair Miorin, Wilson Denardin, Mauro Mussói, Marconi Mussói e

Geolar Badke.

Colaboração de Casa Binato, Casa Lang, Casa Roth Ltda, Telefônica Riograndense,

Empresa Sharles Sturgis, Fábrica de Móveis A Facilitadora, Clube Aliança, Casa A Mundial.

Valor do ingresso: Cr$ 5,00.

Em São Paulo, Marido número cinco estreou em 1938 e o autor, Paulo de Magalhães,

seria o autor mais representado no Brasil entre 1938 e 1941. A comédia aborda um casal burguês

que enfrenta dificuldades financeiras e resolve casar o filho de 27 anos com uma moça rica.

Escolhem a noiva, mas se deparam com um problema: o rapaz é tímido, tem medo de mulher e

jamais beijou uma. Para curar o noivo, a mãe acerta com amiga um tratamento. A amiga (32

anos) já teve quatro maridos e resolve ensinar o rapaz a beijar, mas acaba gostando dele, que se

torna um conquistador e passa a envolver-se com várias mulheres. Na última cena ocorre o

133

casamento dos jovens. Entretanto, a professora que desinibiu o rapaz declara que o noivo não

ama a noiva. E faz longo discurso em defesa do amor. A cerimônia encerra ali, e a professora

ganha seu quinto marido. Trata-se de comédia leve, para entretenimento descomprometido. (Texto

peça Marido número cinco, 1942).

5. Os divorciados (1944)

Encenada em 28 de novembro de 1944, no Cine-Teatro Imperial. Atores: Átia Paiva

Mendes, Murias Bastos, Luiz Gonzaga Schleiniger, Mauro Mussói, Edmundo Cardoso, Nair

Miorin, Adiles da Silva, Vilson Dernardin, América Achutti. Contribuição da Casa A Facilitadora

e Serviço de Eletricidade e Adornos da Casa Lang. Preços populares: Cr$ 4,00 e 3,00.

Peça de Eurico Silva, trata de forma cômica o divórcio, no Uruguai, de um casal que, ao

retornar ao Brasil, acerta um acordo de interferir na escolha do futuro parceiro do ex-cônjuge.

(Texto peça Os divorciados, 1944).

6. Maria Cachucha (1945) e Feitiço (1945 e 1977)

Encenada em 04 de junho de 1945, no Cine-Teatro Imperial, Maria Cachucha contou

com os atores: Mauro Mussói, Vilson Dernardin, Nadir Miorin, Ruth Dorneles Vargas, Maria

Caminha, Setembrino de Souza, Geolar Badke, Nair Miorin, Dalton Couto, Zelma Pires, e

Edmundo Cardoso. Ação: atualidade. Local: Rio de Janeiro. Mobiliário: Casa Lobo. Ingresso:

Cr$ 4,00.

“A ETFT promete para os primeiros dias de junho duas noitadas de genuína arte teatral.

(...) As peças escolhidas para a temporada de junho são Feitiço e Maria Cachucha, magistrais

trabalhos dos maiores autores nacionais, Oduvaldo Viana e Joracy Camargo”. (Dossiê peça

Feitiço e Maria Cachucha, 1945 e 1977).

De Joracy Camargo, Maria Cachucha foi considerada “uma primorosa peça dramática,

de intensas emoções, envolvendo as mais sutis paixões humanas!” (Folheto de publicidade).

Maria Cachucha estreou no Rio de Janeiro, em 1940, com grande sucesso de público

134

(205 representações consecutivas). Foi encenada pela Companhia Procópio Ferreira, que

considerava Joracy Camargo o mais genial dramaturgo brasileiro desde Martins Pena. A Maria

Cachucha da peça é uma louca das ruas. Um tipo popular. É trazida para uma reunião de pessoas

ricas com o propósito de proporcionar diversão. Depois é mantida na mesma casa para servir

como objeto de estudo. Trata-se de uma mulher com mania de grandeza, 58 anos, que foi rica e

perdeu tudo. Sustenta uma sobrinha em um colégio de freiras com esmolas que recebe junto

com outro mendigo. Ela é o objeto de amor de dois homens: um milionário e um medigo. Aceita

casar com o milionário, desprezando seu companheiro de mendicância e traz a sobrinha para

morar com ela.

Quanto ao mendigo, é um vagabundo romântico que se opõe às convenções, à riqueza, e

realiza uma espécie de crítica ao mundo capitalista, o que vem a se tornar um hábito nas peças

de Joracy Camargo. Esta crítica já havia sido tratada em sua peça Deus lhe pague.

Comédia de non-sense, Maria Cachucha oscila entre o conforto da riqueza e a liberdade

da pobreza. Milionário e mendigo revelam seus talentos e disputam Maria Cachucha, que aceita

o milionário, porém fica evidente ao espectador que ela poderá voltar atrás. (Texto peça Maria

Cachucha, 1974).

Feitiço foi encenada pela primeirta vez, em 05 de junho de 1945, no Cine-Teatro Imperial,

contou com os atores: Zelma Pires, Dalton Couto, Paulicéia de Souza, Edmundo Cardoso, Maria

Caminha, Setembrino de Souza, Nair Miorin, Rosita Seligman e Vilson Dernardin. Ação: Em

qualquer lugar. Época: qualquer tempo. Mobiliário: A Facilitadora. Ingresso: Cr$ 4,00.

“A linda comédia de Oduvaldo Viana teve um desempenho que serviu para reafirmar o

valor do conjunto que tantas vitórias vem obtendo e que consolidou insuperável prestígio nos

meios artísticos rio-grandenses.” (Dossiê peça Feitiço e Maria Cachucha,1945 e 1977).

No folheto publicitário, havia uma chamada para o público infantil acima de dez

anos: “A Censura fixou essa idade e o Doutor Juiz de Menores, atendendo ao pedido da ETLF,

vai permitir que as crianças todas, acima de 10 anos, possam ir aos espetáculos noturnos da

comédia Feitiço, desde que estejam acompanhadas por adultos.”

A comédia de 6 episódios de Oduvaldo Viana foi interpretada novamente, em 1977, com

os intérpretes pela ordem de entrada em cena: Fátima Cechin, Nilton Storgatto, Edna Mey Cardoso,

135

Rosane Abelin, Horst Lippold, Nair Miorin Paiva, João Teixeira Porto, Gilda May Cardoso dos

Santos, Dirceu Brum, Ricardo e Fernando Alvarez. Estreou dia 23 de novembro de 1977, às

21h, no Teatro Imperial onde permaneceu até o dia 27. Preços dos ingressos: Cr$ 12,00 e Cr$

8,00. (Figura 21).

O folheto publicitário explicava que “Oduvaldo Viana foi um dos grandes autores

brasileiros. Produziu comédias admiráveis. Entre elas, Feitiço, que trata, com graça e bom humor,

do problema do ciúme conjugal e seus inconvenientes”.

Para a imprensa local, “o público que corre todas as noites ao velho teatro Cine-Imperial,

para aplaudir aos atores de Feitiço também tem sua atenção despertada para a beleza do cenário

apresentado pelo corpo técnico da Escola de Teatro. (Dossiê peça Maria Cachucha e Feitiço,

1945 e 1977). Também se constata que, nesse período, havia sessões à tarde: “Este domingo

marcará o encerramento da exitosa carreira da comédia Feitiço. Hoje o Cine-Teatro Imperial

abrirá as suas portas para as últimas apresentações de Feitiço, na vesperal das 15h e na sessão

noturna das 21h.” (Dossiê peça Maria Cachucha e Feitiço, 1945 e 1977).

Figura 21: Encenação da peça Feitiço. Da esquerda para a direita: RosaneAbelin, Horst Lippold, Edna Mey Cardoso, João Teixeira Porto, Fátima Cechin,Nilton Storgatto e Nair Miorin Paiva. (1977).Fonte: Acervo particular EC.

136

Feitiço é uma comédia em que o par romântico já está casado. O primeiro ato apresenta

a vida conjugal idealizada: flores, serenatas, juras de amor e fidelidade. O segundo ato retrata o

desmantelamento desta idealização e as estratégias que cada um dos membros do casal usa para

reequilibrar a situação. Vence a estratégia feminina que se utiliza da sabedoria da avó materna:

o feitiço. Este feitiço nada mais é do que o modo de conter as idealizações por meio do controle

das frustrações, assim como proporcionar ao outro que vivencie seus próprios medos. O terceiro

ato revela que a estratégia do feitiço obteve êxito levando o casal à reconciliação e ao equilíbrio

da vida conjugal. (Texto peça Feitiço, 1977).

7. A barbada e Pertinho do céu (1945)

Encenadas, respectivamente, em 5 e 6 de novembro de 1945, as peças de Armando

Gonzaga e José Vanderley e Mario Lago contaram com os atores Edmundo Cardoso, Mauro

Mussói, Nair Miorin, Rosita Seligman, Valter Gráu, José Medeiros, Dalton Couto, Zelma Pires,

Edna Mey Cardoso, Genaro Krebs, Marconi Mussói e Geolar Badke.

Sobre A barbada, “constitui um libreto exclusivamente alegre, prendendo-se a um assunto

de atualidade (...), o famoso sorteio do Swespetake e as aperturas de um modesto funcionário

público, no Rio, que se vê às voltas com seríssimos problemas atinentes à vida financeira.”

(Dossiê peça A barbada, 1945). Quanto à comédia Pertinho do Céu, a imprensa local a qualificou

como “uma peça dirigida à sensibilidade mais apurada do espectador mais exigente, com um

enredo onde há farta dose de comédia, de romantismo, de situações e de intriga, com alguns

lances dramáticos.” (Dossiê peça Pertinho do céu, 1945).

Encenadas no Cine-Teatro Imperial (A Barbada) e no auditorium do Colégio Centenário

(Pertinho do Céu), a entrada para o primeiro espetáculo era de Cr$ 4,00 e para o segundo, Cr$

3,00. Excursões: São Pedro do Sul e Cachoeira do Sul.

Pertinho do céu, comédia de José Wanderley e Mario Lago, foi representada pela primeira

vez em 1940, no Rio de Janeiro. História de casal apaixonado que não consegue pagar o aluguel.

O marido é violinista, artista de talento que não encontra emprego. Um jornalista amigo do casal

marca encontro com atriz famosa e personagens cantam canções da ópera La Bohème (romantismo

137

dos personagens se assemelha aos de La Bohème). O jornalista passa a viver com a atriz famosa

em casa luxuosa, recebe os amigos pobres e diz que o ambiente de riqueza o fez perder seu

talento literário, embora esteja feliz no amor. A atriz, influenciada pelo seu empresário, resolve

abandonar o jornalista. Este retorna para casa pobre e recupera seu entusiasmo. Logo após, a

atriz volta a procurá-lo e eles se reconciliam. (Texto peça Pertinho do céu, 1942).

8. Era uma vez um vagabundo (1947)

De autoria de José Vanderley, Era uma vez um vagabundo estreou no auditório do Colégio

Centenário, em 16 de maio de 1947, tendo como atores amadores Marconi Mussói, Edmundo

Cardoso, Silvio Santos Braga, Rafael Seligman, Dima Medeiros, Nicolau Viola, Zelma Pires,

José Medeiros, Luiz Carlos Serpa e Ruth Carrion. Preço único: Cr$ 3,00.

A peça “conta-nos a história de um casamento ditado por interesses familiares, onde o

amor eventual poderia ter curso. Quando o espectador espera que decorra desse princípio a

trama comum (...) surge a figura de um vagabundo de profissão que pode lutar a favor da maré.”

(Dossiê peça Era uma vez um vagabundo, 1947).

Na imprensa local foi divulgado que “essa peça, da lavra do comediógrafo brasileiro

José Vanderley, é uma de suas mais recentes criações, e seu libreto, original e moderno, contém

muito humorismo, graça espontânea e a contextura de um argumento vivaz.” (Dossiê peça Era

uma vez um vagabundo, 1947).

Trata-se de uma comédia sobre a farsa do casamento, para o qual famílias tradicionais

aproximam os noivos devido a sua linhagem. O noivo recém-chegado de Paris é o par ideal para

uma moça provinciana, porém rica. Os noivos não desejam o casamento e o rapaz trata de

construir uma armadilha, colocando em seu lugar um vagabundo profissional e vai tratar de seus

interesses, ou seja, vai em busca do casamento por afeição. A noiva prometida, por sua vez,

apaixona-se pelo vagabundo e contenta tanto os pais (que não sabem da troca), quanto o noivo.

Dessa forma, não há uma ruptura com os costumes estabelecidos. Tudo se arranja de forma feliz

para todos os interessados. (Texto peça Era uma vez um vagabundo, 1947)

138

9. Pense alto (1947)

Encenada em 17 e 18 de novembro de 1947, no Cine-Teatro Imperial, contou com os

atores José Medeiros, Wilson Dernardin, Auristela P. de Souza, Nair Miorin, Ruy Maldonado,

América Achutti, Ruth Carrion, Walter Grau, Matilde Groisman, Edmundo Cardoso, Edna Mey

Cardoso, Dalton Couto e Átia Paiva Mendes. Tratava-se de um libreto do comediógrafo brasileiro

Eurico Silva. Época: em todos os tempos. Cenário: em qualquer parte do mundo. Preço único:

Cr$ 5,00. (Figura 22).

“Essa peça foi escolhida para marcar o início de uma nova época nas atividades artísticas

da Escola, visto que se trata de uma alta comédia, digna de um espetáculo incomum. (...) que é,

ao mesmo tempo, avançada, altamente moderna, fazendo com que o público pense.”(Dossiê

peça Pense Alto, 1947).

Figura 22: Elenco e corpo técnico da peça Pense Alto. Da esquerda para direita: MatildeGroisman, Wilson Denardin, Genaro Krebs, América Achutti, Edna Mey Cardoso,Átia Paiva Mendes, Geolar Badke, Nilo Pulino, Edmundo Cardoso, Walter Grau, DaltonCouto, José Medeiros, Nair Miorin Paiva, Ruy Maldonado, Ruth Carrion, MaristelaSouza, Delmar Martins, Marconi Mussói e Amaury Portugal. (1947).Fonte: Acervo particular EC.

139

Na comédia de Eurico Silva, empresário pede a autor famoso que escreva uma peça

original e capaz de agradar ao público. Autor aceita a proposta e faz os personagens de seus

romances saltarem para o palco. A partir daí, assiste-se a uma comédia em que um conjunto de

pessoas, enredadas em mentiras e convenções, vêem-se confrontadas por um ente fantástico –

Asmadeu – que é capaz de adivinhar os pensamentos de cada um. Esta figura enfrenta cada um

dos personagens e os desnuda. Este desnudamento não tem nada de profundo e sempre se refere

a alguma verdade sentimental: os casais não se amam, traem-se mutuamente, e mantêm as

aparências. Asmadeu os ajuda a viver de acordo com seus sentimentos e restabelece o que mais

importa: o amor.

É uma peça sentimental. Os casais se recompõem. Há dois vilões que são punidos com a

própria vilania: formam um novo casal. O pense alto do título é pensar e proclamar a verdade do

coração. Pode imaginar-se que a peça tenha causado impacto devido à forma bem-humorada e

sentimental como trata o drama das convenções sociais. (Texto peça Pense alto, 1947).

10. O Burro (1948)

Encenada em 14 de setembro de 1948, no Teatro Imperial; em 20 de setembro de 1948

no Cine Independência e no dia 2 de outubro de 1948, no Instituto Espírita Leocádio José Correia.

Os atores eram José Medeiros, Átia Paiva Mendes, Edna Mey Cardoso, Dalton Couto, Rafael

Seligman, Wilson Dernardin, Cenira Vanacor, Edmundo Cardoso, Nicolau Viola, Marconi Mussói.

“A Escola de Teatro apresentando (...) ao preço módico de Cr$ 2,00 cada poltrona, estará

batendo todos os recordes de preços baixos (...), dessa maneira, cumpre uma das suas principais

finalidades, proporcionando ao mais baixo preço possível (...) de arte cênica.” Época do enredo:

em todas os tempos. Localização: em qualquer tempo. Ingresso: 2,00. (Folheto Publicitário).

Peça em quatro atos, de Joracy Camargo, O Burro, foi apresentada pela primeira vez no

Teatro Carlos Gomes, de Porto Alegre, em 1940, pela Companhia Procópio Ferreira e representada

pelo próprio autor, em todo o país, entre os anos de 1941-42.

Como era hábito nas peças de Joracy Carmargo, o enredo envolve o segmento rico versus

o segmento pobre da sociedade moderna. Entretanto, aqui não é citado Karl Marx, como é o

140

caso de Deus lhe pague e sim, Sigmund Freud. Há uma família tradicional decadente que possui

um irmão bastardo que os mantém, mas que é desprezado por eles. O patriarca vive na expectataiva

de casar a filha com um homem abastado, para resolver seus problemas financeiros. Enquanto

isto não ocorre, o irmão bastardo, o Burro, paga-lhe as contas e sustenta a casa. O que o Burro

deseja é tão somente o reconhecimento do irmão, enquanto a sobrinha quer que o pai dela aceite

o homem que ama, um assalariado.

Comum às peças de Joacy Camargo já citadas (Deus lhe pague e Maria Machucha), O

Burro possui um enredo inverossímil, que pretende uma denúncia social, porém não a desenvolve.

Cita teóricos do capitalismo ou da psicanálise de forma estanque e não os retoma no decorrer do

texto. Como o impacto em teatro se dá efetivamente com a encenação e o texto aborda assuntos

de seu tempo, na época, provavelmente, pode ter impressionado, o que nos dias atuais dificilmente

ocorreria. (Texto da peça O Burro, 1945).

11. O Calcanhar de Aquiles (1948)

Encenada em 08 de outubro de 1948, no Teatro Imperial e em 23 de outubro de 1948, no

palco da Ação Católica. Esta peça teve objetivo beneficente, revertendo o valor do ingresso

arrecadado para o Círculo Operário Santa-mariense. Seu elenco era composto por Rafael

Seligmann, Edna Mey Cardoso, Dalton Couto, Luiz Budin, Ruth Carrion, José Medeiros, Cenira

Vanacor, Átia Paiva Mendes. Local da peça: Rio de Janeiro. Época: atual (1948). Cenário: Casa

modesta de um funcionário público. Preço único do festival: Cr$ 5,00

“O Calcanhar de Aquiles ou a Família Léro-Léro, de Raymundo Magalhães Junior, é

uma peça essencialmente engraçada, cheia de verve finíssima entremeada de situações alegres

que decorrem dentro de uma trama, real despida de fantasia.” (Folheto Publicitário).

De fato, Calcanhar de Aquiles, de Raimundo Magalhães Jr. foi reescrita a partir de A

família Léro-Léro, comédia de costumes, com fundo moralista. Trata-se de uma peça em que um

funcionário público (com 20 anos de serviço, honesto) arma uma farsa para ser demitido e ferir

a família que o transformou em burro de carga. Almeja ser preso para se ver livre da família. Sua

mulher e os três filhos não trabalham, gostam de luxo e gastam muito. A filha quer ser artista de

141

cinema, um dos filhos quer ser desportista e o outro cantor de rádio. Querem que o casal os

sustente em seus sonhos de grandeza.

A farsa do pai consiste em dar um desfalque e por isso ser é demitido. Os filhos começam

a trabalhar e obtêm sucesso nos novos empregos (de secretária, chofer e vendedor). A casa se

transforma em pensão e é a mulher quem cuida do negócio. No final, o dinheiro do desfalque é

encontrado (o funcionário o havia escondido na repartição) e o pai é readmitido. O pai então

conclui que sua estratégia resultou em uma melhora moral e material para todos os filhos e tudo

termina em piada. O pai estava certo.

No primeiro ato havia uma criada que servia à família. Na cópia usada para encenação,

a personagem foi trocada por um homem. Outras alterações foram feitas, como cortes de falas,

observadas nas marcações. Entretanto, não sabemos se estes cortes foram efetivados. (Texto

peça O calcanhar de Aquiles, 1948).

12. Lar, doce lar (1949)

Comédia de José Wanderley e Daniel Rocha, encenada pelos atores Walter Grau, Edmundo

Cardoso, Ida Delaméa, Dima Medeiros, Ruy Maldonado, Ieda Silveira, Rafael Voto e José Medeiros.

“Uma fábrica de gargalhadas em 3 atos de intensa comicidade! Um espetáculo

essencialmente popular a preço mais popular ainda! Um bom espetáculo de teatro por 3 cruzeiros

apenas! A ETFF oferece o seu magnífico teatro de comédia a todas as camadas populares.”

(Folheto de publicidade).

Ainda sobre a peça, destacava o Folheto Publicitário: “A ETLF visando difundir, entre

todas as camadas populares, os seus espetáculos d’arte, deliberou realizar no Cine Independência

no dia 14 de novembro, às 20,30 horas, uma noitada cômica com a peça Lar, doce lar.”

Em um recorte de jornal, afirma-se que “os tipos retratados nessa comédia são os do

homem comum, agitado, moderno, cheio de complicações, à procura de soluções as mais variadas

para os seus intrincados problemas.” (Dossiê peça Lar, doce lar, 1949).

No que aparenta ser a afirmativa de outro jornal, lê-se que “a escola está em crise de

elementos femininos. A Srta. Ida Delamea poderia ter reagido melhor às declarações de José

142

Medeiros, que ali brincava de amigo desleal. Dima Medeiros se movimenta com habilidade,

mas exagera um pouco na voz, que ganha uns agudos irritantes.” (Dossiê peça Lar, doce lar,

1949).

A peça era uma visão bem-humorada sobre as mazelas da vida doméstica da pequena

burguesia. Farmacêutico vive com a mulher, dois filhos, a sogra e o cunhado vagabundo e é

tiranizado pela sogra, que se diz descendente de família quatrocentona. Ao final se percebe que

o farmacêutico tem a volúpia do sacrifício. O drama e o riso residem nesta situação patética.

(Figura 23).

A ação dramática é intercalada por movimentos em que se desvenda a linguagem teatral,

isto é, a cena é interrompida e questionada por atores, e retomada novamente. A trama não é

desenvolvida de forma linear. Assim, mesmo sendo do Gênero Trianon (teatro leve), entendemos

que há certo requinte cênico. ( Texto peça Lar, doce lar, 1949).

Figura 23: Elenco e corpo técnico da peça Lar, doce lar. Em pé: Rafael Voto,Ruy Maldonado, Jaime Roos, Paulo Flores, Geolar Badke e Edmundo Cardoso.Sentados: José Medeiros, Dima Medeiros, Lêda Silveira e Ida Dellaméa.Debruçados: Wilson Denardin, Delmar Martins e Victor Denardin. (1949).Fonte: Acervo particular EC.

143

13. Avatar (1950)

Encenada em 5 de setembro de 1950, às 20h30 min, no Cine Imperial, com música de

Chopin, preço Cr$ 6,00, com os atores Geolar Badke, Dirceu Bohrer, Edmundo Cardoso, Zaida

Schirmer, José Medeiros, Rafael Voto e Edna May Cardoso. Época: atualidade (1950). Ação:

Rio de Janeiro.

“Avatar é um misto adorável de fantasia e realismo. O irreal funde-se com o fantástico,

em maravilhosa seqüência de emoções. É um orgulho justificado que a Escola de Teatro apresenta

ao seu público essa jóia do teatro brasileiro: Avatar.” (Folheto Publicitário).

A peça de Genolino Amado, Avatar, comédia em três atos, passa-se no consultório do

professor Nehru, mago hindu, em ambiente esotérico, sugerindo a prática da feitiçaria. No cenário

destacam-se paredes em cores berrantes, signos do zodíaco, sobre uma mesa, uma bola de cristal

e a um canto uma coruja empalhada.

Um pintor está apaixonado por uma condessa e, para possuí-la, combina com um mago

hindu ocupar o corpo do marido dela, enquanto o marido acupa o seu. A experiência dá certo e

seguem-se situações constrangedoras e/ou cômicas: a condessa sente a diferença de personalidade

do marido, este, por sua vez, não se conforma com o novo corpo. O pintor não concretiza seu

desejo, o mago se arrepende da troca de almas (o avatar) e desfaz a magia. O casal volta a

compor o par apaixonado em tom mais elevado que no início da peça.

Avatar se caracteriza como uma peça descomprometida, pretendendo somente o

entretenimento inteligente e o riso fino. (Texto peça Avatar, 1950).

14. É proibido suicidar-se na primavera (1951)

Encenada em 11 de setembro de 1951, no Teatro Imperial, de Alejandro Casona, a peça

contava com os atores Geolar Badke, Edmundo Cardoso, Dima Medeiros, Ruy Maldonado,

Edna Mey Cardoso, Néllis Bertollo, Wilde Quintana, José Medeiros, Setembrino de Souza e

Maria Leda Martins. Guarda-roupa feminino da Loja Moda e Bordado. O folheto publicitário

deixava claro a importância e o teor da peça:

144

É um espetáculo emocionante! Seu enredo, que flutua entre o absurdo e

a realidade, constitui uma das mais belas páginas do teatro latino-euro-

peu moderno. Mestre Ariel incumbiu o seu dileto discípulo, Doutor

Rhoda, de fundar e manter o Lar dos Suicidas, num lugar qualquer da

Europa. E lá vivem, n’uma mistura estranha, os tipos mais absurdos que

a imaginação humana pode conceber. E todos permanentemente em con-

tato com a Morte, vendo e sentindo mil maneiras diferentes de morrer.

(Folheto publicitário).

Sete dias após a encenação de É proibido suicidar-se na primavera, o Diretor Artístico

divulgou um comunicado aos integrantes da peça, em decorrência de seu temperamento:

As minhas mais decisivas desculpas pelos acessos indesculpáveis de

impaciência, pelos injustificados momentos de mau humor, pelos desa-

gradáveis instantes que proporcionei a todos com as minhas incessantes

reclamações, e, sobretudo, pelo espetáculo irritante que terei dado, nal-

gumas ocasiões, com o meu péssimo gênio, fruto de quem não sabe, não

deve e não pode mandar, sem exercer autoridade ainda que artística,

sobre pessoas tão amáveis e dedicadas como vocês todos”. (Dossiê peça

É proibibo suicidar-se na primavera, 1951).

É proibido suicidar-se na primavera ou A casa dos suicidas, de Alexandre Casona, foi

traduzida do espanhol por J.Garibaldi Fillizzola, especialmente para a encenação da ETLF, em

25 de junho de 1948, conforme anotação do próprio Filizzola na cópia utilizada pela Escola. A

trama é em um sanatório, onde as pessoas se internam com o fim específico de se suicidar.

Para isso, têm a seu dispor um lago, venenos, armas e a colaboração do Dr. Rhoda e de

seu ajudante, Hans. Ocorre que ninguém consegue efetivar o suicídio, os internos acabam

encontrando no sanatório as pessoas das quais fugiam. Quando é colocado o quadro Primavera,

de Boticelli na parede e ouve-se Primavera de Beethoven, Hans se demite, para poder trabalhar

em um lugar onde de fato ocorram mortes, isto é, no Hospital Central.

Os personagens, à medida que se reencontram, acertam seus conflitos e tudo acaba bem.

Vários diálogos foram suprimidos do original, à primeira vista para enxugar o texto, longo e um

tanto monótono, que seguramente exigia bom desempenho dos atores. Não se sabe ao certo o

motivo das desculpas de Cardoso. Todavia, a peça deve ter exigido sobremaneira do elenco.

145

(Texto peça É proibido suicidar-se na primavera, 1948).

15. A raposa e as uvas (1952-55)

Comédia em 4 atos de Guilherme de Figueiredo, estando no elenco Nair Paiva, Edna

Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Wilde Quintana, Eden Souza e Ary Braga, com direção de

Edmundo Cardoso e montagem integral da ETLF. Corpo técnico com Victor Dernardin, Paulo

Cruz e Saul Castan, Manuel Rodrigues, Geolar Badke e Jayme Roos. Colaboração artística de

Eduardo Trevisan, Pedro Reis Luiz, Alberto Wolfe, Antonio Pinho e Donato Caiaffo.

Encenada em Santa Maria, em 1952 e em Porto Alegre, em julho de 1955. Época: 700

anos a.C. Ação: Cidade de Samos, Grécia, na casa do filósofo Xantós.

No Folheto de Publicidade na apresentação no Teatro São Pedro, há uma consideração

de Guilherme de Figueiredo sobre o personagem Esopo e sua peça:

Passados tantos séculos desde a formação das lendas até a vida de

Planudos, e da vida à adaptação de La Fontaine, e desta às comédias de

Boursault, Le Noble e Vanbrough, o Esopo do teatro, condenou-se ao

desaparecimento. É que o seu tipo foi erradamente usado como de co-

média de costumes, quando ele o é da comédia de caráter. As anedotas

de sua vida, como as suas fábulas, não pertencem a um mundo datado, a

uma localidade socialmente viva, presente ou fixada numa época: per-

tencem à natureza humana, tanto quanto o caráter de Tartuffo, de Don

Juan, do Quixote e do Fausto. (Folheto Publicitário).

A respeito do Esopo criado por Guilherme de Figueiredo, um artigo no jornal Correio do

Povo elogiava a competente construção da personagem:

Não podemos, porém, regatear a seu autor, Guilherme de Figueiredo, os

aplausos pela finura com que soube conduzir os caracteres e os lances

cênicos, a fidelidade ao ambiente de um trecho recuado do mundo

helênico e, principalmente, pela figuração admirável de Esopo, fazendo

do fabulista frígio uma criatura representativa de uma posição de espíri-

to e conduta ética que, desafiando os tempos e as circunstâncias, resu-

146

mem algo essencial e imperadouro. (Dossiê peça A raposa e as uvas,

1952-55).

O jornal A Hora assim anunciava a peça a ser encenada pela ETLF naquela noite:

Hoje, às 21 horas, no Teatro São Pedro, a Escola de Teatro Leopoldo

Fróes apresentará a peça de Guilherme de Figueiredo A Raposa e as

Uvas (...). A ETLF concebeu e executou o cenário e guarda-roupa da

mencionada obra teatral, tendo merecido o aplauso unânime de nossa

crítica, que enquadra a sua montagem entre as mais belas já apresenta-

das. (Dossiê peça A raposa e as uvas, 1952-55).

Em 17 de junho de 1968, a ETLF encenou novamente A raposa e as Uvas, de Guilherme

de Figueiredo, continuando em cartaz nos dias 18, 19 e 20 do mesmo mês, durante as

comemorações de seus 25 anos. Participaram do elenco, pela ordem de entrada, os atores Gilda

May Cardoso, Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, João Teixeira Porto, Navarro Medeiros e

Carlos Ribeiro. Do elenco original restavam, portanto, a atriz Edna Mey Cardoso e Edmundo

Cardoso. (Folheto Publicitário).

“A raposa e a uvas é uma peça famosa em todo o mundo, pois já foi representada em

quase setenta países, sendo 58 de línguas diferentes, o que torna sua montagem, em Santa Maria,

um acontecimento de grande repercussão cultural e artística.” (Dossiê pela A Raposa e as Uvas,

1968).

Para que a peça fosse novamente encenada, fora preciso alguns reparos nos antigos móveis

usados em 1955, quando se realizou a primeira encenação da peça. Comprovando esta situação

temos um pedido de Edmundo Cardoso, para o então Reitor da UFSM, Prof. José Mariano da

Rocha Filho, para que este autorizasse a reconstrução dos móveis nas oficinas da Universidade.

Vejamos parte da carta solicitando auxílio:

A Escola possui quase todo o material da mise-en-scène da peça e, por

isso, vem solicitar a preciosa colaboração material da Universidade, atra-

vés da concessão, de parte de V. Exa. da autorização para que, nas ofici-

nas da UFSM sejam reconstituídos alguns dos móveis da peça, com de-

mão de massa, pintura, etc., inclusive colagem, e a feitura de algumas

147

peças que o tempo inutilizou por completo, tais como colunas, escadas,

etc., inclusive a pintura. (CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 20 jan.

1968).

Pensando em futuras apresentações, Edmundo Cardoso obteve contato com o empresário

do Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, Joffre Miguel, a fim de promover encenações da peça A

raposa e as uvas no referido local: “Por isso, convidamos o distinto Empresário para vir assistir

nosso espetáculo. Talvez da sua visão, pudesse surgir a concretização de uma temporada no

Leopoldina, ainda este ano, com aquela peça, isto a partir de junho até o fim do ano.” (CARDOSO,

Edmundo, Santa Maria, 06 Jun. 1968). Porém, a intenção de EC de encenar A Raposa no Teatro

Leopoldina não se efetivou.

Também junto ao SESC, EC procurou parceria, como já havia efetuado anteriormente, a

fim de possibilitar acesso ao teatro dos comerciários e seus familiares: “Vimos, por este meio,

propor a V.S. um contrato de apresentação de um espetáculo teatral para os associados do SESC,

em Santa Maria, em favor da classe comerciária de Santa Maria.” (CARDOSO, Edmundo, 20

jun. 1968).

Apesar desses preparativos, havia um problema burocrático, não ocorrido quando da

primeira encenação da peça. Tratava-se da liberação do alvará de censura, sem o qual a peça A

raposa e as uvas não poderia ser encenada. Para conseguir a liberação do texto, Edmundo Cardoso

utilizou os meios que podia para conseguir tal alvará, na carta a Aron Menda: “Gostaria que

obtivesses, para mim, no Departamento de Censura, a liberação da peça A raposa e as uvas,

para o interior do Estado (...) e capital, para encarnar o libreto de Guilherme de Figueiredo, com

censura de 14 anos.” (CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 12 abri.1968). Igualmente, enviou

correspondência para liberação da peça ao Delegado Regional do D.F.S.P. e ao então ministro

Tarso Dutra. A respeito da liberação concedida, encontramos:

CENSURA FEDERAL (frente)

TEATRO

Certificado Nº 365/68

PEÇA A RAPOSA E AS UVAS

ORIGINAL DE GUILHERME DE FIGUEIREDO

148

APROVADO PELO S.C.D.P VÁLIDO ATÉ 24 de JUNHO de 1969

IMPROPRIO ATÉ 14 ANOS

ALOYSIO MUHLETHALER DE SOUZA - Chefe da turma de Censores

de Teatro e Congêneres

Brasília, 24 de JUNHO de 1968

Por ocasião da segunda apresentação d’A raposa e as uvas em Santa Maria, EC convidou

dois atores que haviam participado da peça em 1952 e que não compunham o elenco em 1968,

para assistir à peça: “O diretor EC, no final do espetáculo, chamou à cena a atriz Nair Miorin

Paiva, fundadora da Escola de Teatro (...) e o ator Wilde Quintana, também criador há treze

anos, do papel de Esopo, na produção da Escola de Teatro.” (Dossiê peça A raposa e as uvas,

1968).

A peça de Guilherme de Figueiredo é ambientada na Grécia Antiga, uma sociedade

escravocrata. Ali um filósofo, Xantós, sofisticado e de boa fortuna, mantém uma casa com esposa

e escravos. É um homem preocupado com a vida social, o bom relacionamento com seus discípulos

e a sua reputação na cidade de Samos, onde vive. É casado com uma mulher insatisfeita no

casamento, Cléa, e possui uma escrava, Melita, apaixonada por ele. Para agradar a esposa traz

um escravo, Esopo, feio e inteligente. Esopo passa a prestar grandes serviçoes a seus patrões. A

partir daí, Xantós teme que o escravo almeje sua fortuna, enquanto Cléa o deseja, mas Esopo

somente sonha com sua liberdade. (Figura 24).

Entendemos ser uma metáfora do eterno anseio do homem pela sua libertação. Os patrões

ricos e sofiscados – assim como os patrões de todos os tempos – não compreedem as aspirações

íntimas de seus empregados. Na peça, tanto a fortuna de um homem rico, quanto o amor de uma

mulher elegante não têm sentido algum, se não houver a liberdade. Esopo aceita ser enganado

(acusado de um roubo que não cometeu) apenas porque sabe que esta é a condição para morrer

livre. Ele não aspira à fortuna de seu dono, nem o amor de Cléa, porque são bens inatingíveis

para um escravo. Ele justifica essa impossibilidade usando a alegoria da raposa que não podendo

possuir as uvas, considera-as verdes. Ele apenas se sente capaz para a liberdade. A peça trata

todos esses temas de forma leve e irônica. (Texto peça A raposa e as uvas, 1952).

149

16. As bodas do diabo (1952-55)

Fantasia em 4 atos de Aurélio Ferretti, com tradução de Wilde Quintana e Edmundo

Cardoso, tinha em seu elenco Nair Paiva, Wilde Quintana, José Medeiros, Milton Chansis,

Edmundo Cardoso, Léa Menezes, Geolar Badke, Edna Mey Cardoso, Eden Souza, Moysés

Chansis, Raymundo Benaduce e Marconi Mussói, sob direção de Edmundo Cardoso. Desenhos

de Eduardo Trevisan e Maria Leda Martins, executados por Roberto Romano, Pedro Reis e

Sílvio Rodrigues.

Com as peças encenadas anteriormente, na capital do Estado, esta peça teve montagem

integral da Escola de Teatro que a encenou no Cine-Teatro Imperial, em 30 de outubro de 1952,

às 20h30min e em Porto Alegre, em julho de 1955. (Figura 25).

A respeito da apresentação em Santa Maria, o jornal A Razão declarou: “Contendo novos

elementos de técnica, lutando com as dificuldades oriundas na escolha de novos elementos, esta

Figura 24: Encenação da peça A raposae as uvas, durante a temporada no TeatroSão Pedro, em Porto Alegre. EdmundoCardoso, Edna May Cardoso e NairMiorin Paiva. Foto Paulo Derly Strehl.(1955).Fonte: Acervo particular EC.

150

nova apresentação (...) terá o mérito principal de dar o necessário estímulo para a montagem

mais amiúde de novas peças.” (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).

Embora do mesmo jornal, nem todos os articulistas creditavam somente a Edmundo

Cardoso os méritos da Escola: “A ETLF não é de Edmundo Cardoso, nem de seus pupilos. É de

Santa Maria. É um patrimônio artístico da cidade, penosamente construído por esses nobres

espíritos que tem à frente o criador da comédia de Ferretti.” (Dossiê peça As bodas do diabo,

1952-55).

A temporada em Porto Alegre, encerrada com esta peça, indicava que “os ingressos

estão à venda na Panair. As bodas do diabo permanecerá apenas 3 dias em cartaz, pois terminará

o prazo de 22 dias pelo qual foi cedido o teatro São Pedro à Escola, para a sua vitoriosa e notável

temporada.” (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).

As bodas do diabo ainda não havia sido encenada no país, de acordo com um jornal da

época na capital:

Figura 25: Elenco da peça As bodas do diabo. Em pé: Edna Mey Cardoso,Wilde Quintana e Geolar Badke. Sentados: José Medeiros, Maria LêdaMartins e Zenaide Martinelli. (1952).Fonte: Acervo particular EC.

151

Ferretti era até então inédito para o público porto-alegrense, assim como

permanece inédito para o resto do Brasil. A ETLF, com a expressa auto-

rização do autor, criou, em língua portuguesa, esse espetáculo, que en-

cantou decisivamente ao numeroso público que acorreu, ontem à noite,

ao velho São Pedro. (Dossiê peça As bodas do diabo,1952-55).

Sobre a peça e a despedida da Escola de Teatro dos palcos da capital, o então prestigiado

colunista Edison Nequete declarava no jornal Diário de Notícias:

Quis a ETLF guardar para o fim de sua temporada, que hoje se encerra

no Teatro São Pedro, a peça de Ferretti, As Bodas do Diabo, que cuja

montagem se evidencia mais uma vez o arrojo de suas concepções alia-

do à primorosa execução. Saibam todos, pois, que a Escola de Teatro

tem possibilidades de dar belíssimas lições de cenografia pelo Brasil

afora, honrando, dessa maneira, o nosso Estado. (Dossiê peça As bodas

do diabo, 1952-55).

De fato, a ETLF pontificava no cenário nacional como uma das mais potentes organizações

pelo lado do fator econômico. Em verdade, a Escola possuía um patrimônio avaliado em quase

um milhão de cruzeiros à época da temporada em Porto Alegre, segundo atas desse período.

Detinha todo o aparelhamento necessário a realizações dos seus espetáculos, desde cenários,

aparatos de som, luz e efeitos, bem como um corpo técnico composto por maquinistas, cenógrafos,

carpinteiros, marceneiros, eletricistas e iluminadores que vinham se especializando há anos nos

trabalhos de bastidores:

A ETLF, com 13 anos de existência, logrou constituir-se na agremiação

mais poderosa do sul do país, graças ao seu poderio econômico que a faz

uma das grandes no Brasil e graças as suas realizações artísticas todas de

molde excepcionalmente valioso, acurado e rigorosamente moldados nos

princípios de bom teatro. (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).

Segundo jornal Correio do Povo, até esta data apenas os pernambucanos e os santa-

marienses lograram permanecer em temporada perante o público da capital. Os pernambucanos

com cerca de 33 representações consecutivas, e os santa-marienses com 23 espetáculos. “O

152

próprio amadorismo da capital, nas suas realizações esporádicas, não alcançou ainda manter-se,

por tão longo tempo, na ribalta do nosso velho São Pedro. (Dossiê peça As bodas do diabo,

1952-55).

Ainda sobre a despedida dos amadores de Santa Maria dos palcos porto-alegrenses na

temporada de 1955, escreveu Antonio Abujamra:

A ETLF que viu plenamente vitoriosa a sua arrojada iniciativa, despede-

se da capital em meio de total sucesso, vencido, facilmente, o ceticismo

natural que cercou os seus primeiros espetáculos, ceticismo esse razoá-

vel, tendo-se em vista que o público, desconhecendo o conjunto, dificil-

mente aceitaria, sem mais preâmbulos, o valor admirável desse grupo,

que, sem favor algum, honra ao Rio Grande do Sul e é, sem dúvida, o

conjunto mais importante do amadorismo teatral riograndense. Agora,

porém, o sucesso coroou o arrojo dos santamarienses, e o público da

capital, desde o notável lançamento de A Raposa e as Uvas, que alcan-

çou treze representações sucessivas, está aceitando a Escola de Teatro e

seus espetáculos como a coisa mais importante no terreno teatral gaú-

cho. (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).

A fantasia de Aurélio Ferretti apresenta os personagens Faustino, André, Viviana, Letrado

e vários outros casais, às voltas com as adversidades da vida como o Diabo, o Medo, a Morte,

a Dúvida e o Ócio. Ao final, personagens reais ou imaginários se confundem a tal ponto, que,

mesmo o Medo e a Morte podem possuir sentimentos como o amor e a traição, às portas de seu

casamento. Esta forma de acreditar na fantasia, enquanto real, é transposta para a própria função

do teatro: a ambos – fantasia e teatro – é atribuído o outro lado da vida, o lado da imaginação e

da criação. (Texto peça As bodas do diabo, 1952).

17. Curvas Perigosas (1953-54)

Foi encenada em 10 de novembro de 1953, em Santa Maria, no Cine-Teatro Imperial e

em 3 de abril de 1954, em Porto Alegre, no Teatro São Pedro. Este drama em 3 atos de J. B.

Priestley, contou com os atores Célia Peres Santos, Maria Leda Martins, Edna Mey Cardoso,

Néllis Bertollo, Edmundo Cardoso, José Medeiros e Wilde Quintana, dirigidos por Edmundo

153

Cardoso. Desenho e cenários de Eduardo Trevisan. Ingresso a Cr$ 10,00 em Santa Maria e

gratuito em Porto Alegre. Em Curvas perigosas, há sete personagens, dos quais seis são figuras

centrais do enredo. (Figura 26).

Peça inglesa de costumes, com tradução especial para a Escola de Teatro, a partir da

versão francesa, adaptada e realizada em 1947, no Théàtre Pigalle, de Paris, Curvas Perigosas

“é um drama de intensidade psicológica, e de conteúdo altamente analítico das fraquezas humanas.

Intransigente para com a verdade pura, a trama da peça situa-se no âmago da sociedade moderna.”

(Folheto Publicitário).

Ainda segundo o folheto publicitário, a ação decorre toda dos fluentes, ricos e violentos

diálogos mantidos pelos notáveis personagens: “Estes são despidos moralmente, na peça, pondo

à mostra seus erros, suas paixões, seus crimes, e apresentam todas as distorções do caráter,

numa lição extraordinária que gira em torno da falível natureza humana.” (Folheto publicitário).

A Escola de Teatro dispôs-se a apresentar J. B. Priestley ao seu público com a intenção

de mostrar um dos dramaturgos modernos, em “uma grande peça, mundialmente famosa e

Figura 26: Encenação da peça Curvas Perigosas, durante atemporada no teatro São Pedro, em Porto Alegre. Da esquerdapara direita: Edna Mey Cardoso, Maria Lêda Martins, WildeQuintana, Célia Peres Santos, José Medeiros, Néllis Bertolloe Edmundo Cardoso. (1954).Fonte: Acervo particular EC.

154

credenciada como vigoroso, humaníssimo e ousado trabalho teatral (...), merecendo o favor da

crítica mais severa e desapaixonada, que a situa entre os grandes dramas do teatro moderno.”

(Folheto publicitário).

Embora não tenham sido encontrados artigos em jornais que dessem conta da apresentação

de Curvas perigosas no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, com o TAP2 , a própria Escola

registrou, a respeito de sua apresentação na capital no dia 3 de abril de 1954, no Teatro São

Pedro com “platéia superlotada, que aplaudiu entusiasticamente nosso espetáculo”, registrando

ainda “a atitude do Sr. Prefeito Heitor Campos que concedeu à Escola de Teatro as passagens

para todos os integrantes da caravana.” (Ata Nº. 18, s/d, p.17).

A própria Escola também concluiria o êxito com Curvas perigosas “de modo a não

deixar dúvida alguma sobre a marcha ascensional do nível artístico e técnico da Escola de Teatro,

haja visto o grande número de opiniões publicadas pela imprensa local.” (Ata Nº. 16, 13 mar.

1954, p. 16).

A peça de J.B. Priestley, traduzida da adaptação francesa de M. Armand, transcorre em

um living, com mulheres em trajes de noite e homens de smoking. Conversa fútil termina em

uma cadeia de revelações – são as curvas perigosas da vida - quando se começa dizer a verdade.

Casais elegantes mantêm conversação agradável e todos parecem gentis uns com os

outros. De repente começa uma busca para esclarecer um fato – o suicídio de um amigo comum

– e cai a máscara de cada um. Todos se detestam, enganam-se, roubam e matam. Todos escondem

segredos. Quando tudo parece virado do avesso, a peça retoma o início frívolo da conversação,

como se nada houvesse ocorrido. (Texto peça Curvas perigosas [Esquina perigosa], 1951).

18. Espectros (1954-55)

O drama em 3 atos, de Henrik Ibsen passava-se em 1880, em um povoado da Noruega,

na casa da viúva Alving, interpretada por Nair Paiva. O restante do elenco constituía-se de José

Medeiros, Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Wilde Quintana, sob direção de Edmundo

Cardoso, que assim justificava a execução do espetáculo: “Impunha-se, dentro dos programas

2 Teatro Amador Pernambucano.

155

da Escola de Teatro, dar a conhecer Ibsen aos contemporâneos através dum trabalho bem cuidado

que constitui-se, também, um bom espetáculo.” (Folheto Publicitário).

No corpo técnico Victor Denardin, Paulo Cruz, Geolar Badke e Manuel E. Rodrigues.

Montagem integral da ETLF, com desenhos do guarda-roupa de Eduardo Trevisan e Pedro Reis

e colaboração de Salvador Isaia e Joaquim C. Pinto. Colaboradores materiais: Casa Binato,

Casa Farroupilha, Casa Boris, Cia Brasileira de Vidros, Casa Lang, Casa Gaúcha de Ferragens.

A peça foi encenada em Santa Maria, em 1952 e em 1954, no Cine-Teatro Imperial e em

julho de 1955, abriu a temporada em Porto Alegre, no Teatro São Pedro, com A raposa e as uvas

e As bodas do diabo, sob o patrocínio da Divisão de Cultura, da Secretaria de Educação do

Estado. (Figura 27).

Em Santa Maria, a imprensa se referiu à peça como um “grandioso espetáculo, como

jamais o fizera, a glória imarcessível do teatro clássico universal, com a representação de Espectros

(...). Foi uma noite de gala, de arte e de beleza.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).

Figura 27: Encenação da peça Espectros,durante a temporada no Teatro São Pedro,em Porto Alegre. Da esquerda para a direita:Wilde Quintana, Maria Lêda Martins, CéliaPeres Santos e Edmundo Cardoso. (1955).Fonte: Acervo particular EC.

156

A mídia porto-alegrense anunciava a estréia da ETLF na capital com algumas reservas:

“A casa, que não estava cheia, aplaudiu os artistas de Edmundo Cardoso com honestidade. Não

sabemos o porquê da estréia do grupo com Ibsen e todos os seus tropeços disfarçados na perfeição

da trama bem urdida.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55)).

A motivação para a representação de Espectros em Porto Alegre era vista pela imprensa

da capital também para “dar vazão ao seu desejo de realizar o mais difícil de ser realizado. O

que não deixa de ser uma tentativa de alçar-se ao inesquecível, com a intenção de mais alto se

projetar.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).

A última versão no Brasil de Espectros foi o da companhia italiana de Memo Benassi, no

Rio de Janeiro. Porém, segundo jornal Correio do Povo, “temos que o agrupamento amador

gaúcho se houve com denodo, com montagem de primeira ordem. Um tema clássico recebeu

tratamento condizente com requinte de cenoplastia, do mobiliário à indumentária e da época,

das velas aos adereços.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).

Quanto à escolha dos três gêneros que seriam então apresentados ao público de Porto

Alegre, outro artigo de jornal defendia que,

serão apresentados ao público local, numa demonstração de ecletismo

artístico digno de nota. Assim, os artistas da Escola nos darão um drama

clássico, ibseniano, uma comédia satírica (brasileira e atual sucesso na

Europa) e, por último, a alta-comédia moderna, com um original argen-

tino cuja trama decorre em dois planos: o real e o fantástico. (Dossiê

peça Espectros, 1954-55).

Nota-se que a imprensa sempre tendeu a elogiar a persistência e ousadia dessa “moçada

que constitui o elenco do teatro ETLF. Muito já se escreveu sobre uma equipe de gente boa,

honesta, lida, que, um dia, resolveu se dedicar ao teatro sério, lutando anos a fio contra a falta de

recursos até a tacanhez dos preconceitos hipócritas.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).

Ao final das apresentações de Espectros, “cujas encenações têm transcorrido debaixo de

intenso entusiasmo de parte da platéia, que não tem regateado aplausos ao equilibrado conjunto

de amadores, os quais têm se constituído numa autêntica revelação para o nosso público”, a

imprensa porto-alegrense parecia se colocar da mesma maneira que a imprensa de Santa Maria

157

em relação às apresentações da ETLF: de forma elogiosa e não raro redundante. (Dossiê peça

Espectros, 1954-55).

Mas um ensaio se destacava em relação à encenação de Espectros no Teatro São Pedro,

por vir de um intelectual respeitado e de apurado senso estético e que, sobretudo, possuía profundo

conhecimento das delícias e dos sofrimentos de se manter uma Escola de Teatro Amador em

uma cidade do interior, sua terra natal:

Foi realmente cheio de orgulho ao espírito que saí daquela matinèe em

que Edmundo Cardoso e seus denomados companheiros de aventura

souberam conduzir-se perante o público porto-alegrense (...). Na quali-

dade de santa-mariense me senti tomado de íntimo desvanecimento pela

segurança com que o grupo de amadores de minha cidade natal enfren-

tou a dura prova que galhardamente se impusera. De então para cá ve-

nho acompanhando à distância os passos da Escola em direção ao pro-

gressivo aperfeiçoamento de suas demonstrações, e foi com alegria que

vi seu retorno à capital do Estado, para oferecer à velha platéia do São

Pedro um repertório de grande responsabilidade. (VELLINHO, 1955, p.

[?]).

Henrick Ibsen (1828-1906) foi considerado o pai do drama moderno. Espectros (1881)

está entre seus dramas realistas e é considerado obra-prima, com Casa de bonecas (1879) e Um

inimigo do povo (1883), embora hoje se caracterize como dramalhão.

A cena se passa em uma casa de campo, na Noruega, próxima aos fiordes. Viúva de um

camarista do rei vive com a empregada e recebe visita do filho, que é pintor e vive em Paris. Vai

haver inauguração de um asilo em homenagem ao marido morto.

O drama inicia com conversa entre viúva e pastor e fica sabendo-se que o marido morto

não era apreciado pela viúva e que ela mantivera o casamento porque era uma “escrava do dever

e das conveniências”, assim como uma covarde e mentirosa. Nunca se rebelara contra a sua

situação e criara o único filho com uma falsa imagem do pai. Fazia parte da tradição o culto à

figura paterna.

O retorno do filho se justifica por estar muito doente (com sífilis). Ele se interessa pela

empregada, mas ela é sua meio-irmã. O asilo que seria inaugurado pega fogo, por uma imprudência

158

do pastor. O pastor é figura onipresente na trama, pois resolve os problemas da família.

Ao descobrir que a empregada é sua irmã, o estado de saúde do filho piora tanto que ele

fica inconsciente. A mãe entra em desespero. Os espectros apontam para a figura do pai, do

marido, da traição com a empregada e das conveniências sociais e familiares à época que se

passa a trama. (Texto peça Espectros, 1953).

19. A Camisola do anjo (1956)

Peça de Pedro Bloch e Darci Evangelista, foi apresentada dias 7 e 8 de agosto de 1956,

no Cine-Teatro Imperial, com o elenco: Jacy Benk, José Medeiros, Edmundo Cardoso, Moysés

Chansis, João Teixeira Porto e Maria de Lourdes Hermes. Preço único: Cr$ 20,00. Móveis e

adornos gentileza de Trevilar. (Figura 28).

Gênero que não envelhece nunca, sempre atual e sempre bem recebido

por todos os públicos, a comédia ou a farsa são manifestações de teatro

imorredouras pela sua própria natureza. A peça de Pedro Bloch e Darci

Figura 28: Cenário da peça A camisola do anjo, de Eduardo Trevisan.(1956).Fonte: Acervo particular EC.

159

Evangelista mantém intactas as qualidades cômicas e de hilariedade que

se devem exigir no gênero. (Folheto Publicitário).

Ainda sobre o texto de Pedro Bloch e Darci Evangelista, o Folheto Publicitário qualificava

A Camisola do anjo como “uma peça essencialmente engraçada, escrita tão somente para fazer

rir. Não tem fundamento. Não tem mensagens de nenhuma espécie. Não defende tese. É ilógica

mesmo. Fantasiosa. Mas tem um objetivo que é produzir hilariedade.” (Folheto publicitário). A

referência a textos somente para fazer rir e sem nenhum compromisso social ou político não era

incomum nos folhetos de publicidade da Escola.

20. Delito na Ilha das Cabras (1956)

Encenada no Cine-Teatro Imperial, em 27 de novembro de 1956, em duas sessões, a

peça em 3 atos de Ugo Betti tinha no elenco Jacy Benk, Geolar Badke, Wilde Quintana, Edna

Mey Cardoso e Maria de Lourdes Hermes, sob a direção de Edmundo Cardoso. No elenco

técnico, Paulo Cruz, Horst Lippold, Victor Dernardin, Marconi Mussói, João Teixeira Porto. M.

A. Rodrigues, Léo Freitas, Jaime Roos e Ary Braga Rangel. Época: atual (1956). Ação: em uma

ilha ao Sul da Itália. Preço do ingresso: Cr$ 20,00.

No folheto publicitário há uma chamada que complementa a assertiva ao longo deste

trabalho quanto ao espaço que a Escola tinha de dividir com as sessões de cinema: “Em virtude

de alegar a Empresa Cinemas Cupelo S/A não poder ceder o teatro para a habitual 3ª representação

dos nossos espetáculos, (...) Delito... será encenada apenas duas vezes, no dia 27 de novembro,

em sessões às 19,30 e 21,30 horas.” O folheto também dava sinais sobre a que tipo de espetáculo

o público iria assistir: “É bastante que se admita a existência da Consciência para que o Bem se

salve uma vez mais! A força trágica da peça de Betti faz com que, ao final da obra, já ninguém

se arrogue o direito de julgar o seu semelhante.” (Folheto publicitário).

Apesar das dificuldades de palco para suas apresentações, a Escola continuava tendo o

apoio da imprensa escrita (Correio do Povo):

Prosseguindo no seu esplêndido trabalho de divulgação cultural e artís-

160

tica, a nossa conhecida ETLF, de Santa Maria, acaba de lançar, ali, o seu

último espetáculo do ano, com a peça italiana, de Ugo Beti - ‘Delito na

Ilha das Cabras’. Esse famoso original, já representado em mais de vinte

países, foi dado a conhecer, agora, pela Escola de Teatro, numa criação

considerada modelar e impressionante. A direção coube a Edmundo Car-

doso, tendo a peça sido interpretada por Wilde Quintana, Edna May

Cardoso, Maria de Lourdes Hermes, Geolar Badke e Jacy Benk. (Dossiê

peça Delito na Ilha das Cabras, 1956).

Delito na Ilha das Cabras viria a ser a última peça encenada por Wilde Quintana na

Escola, uma vez que o ator não participou da peça seguinte, Está lá fora um inspetor (1957) e

solicitou seu afastamento antes de a Escola levar O casaco encantado (1959), “visto que o

mesmo declara que nada mais poderia aprender na Escola de Teatro, ficando assim o referido

amador desligado completamente da entidade.” (Ata Nº. 39, 11 maio 1959, p. 35).

De fato, Quintana logo depois retornaria ao cenário teatral com um grupo amador de

Curitiba, depois indo para o teatro profissional no Rio de Janeiro, como vimos no capítulo

anterior, quando tratamos especificamente dos personagens da ETLF.

Para Geolar Badke, Delito na Ilha das Cabras exigiu muito na sua montagem e na

participação dos atores, pois Wilde Quintana (o Angelo da trama), deveria de fato, falar de

dentro do poço, para onde tinha sido colocado pelas mulheres que o amavam: Ágata, Pia e

Sílvia. (Figura 29).

Figura 29: Cenário da peça Delito na Ilha das Cabras,de Eduardo Trevisan. (1956).Fonte: Acervo particular EC.

161

Angelo chega à Ilha das Cabras dizendo-se amigo do marido morto de Ágata. Na ilha

vivem três mulheres: a viúva, a filha e a irmã do amigo de Angelo, morto na guerra. Angelo é um

sedutor que propõe coisas impensáveis às três mulheres solitárias. Todas se apaixonam por ele,

entretanto não suportam dividi-lo. Então decidem por atirá-lo no poço. No decorrer do texto

contudo, percebe-se que o morto não era tão venerado pelas mulheres da casa, que estas também

não eram a personificação da virtude humana e não fica claro de que forma Angelo possui

informações tão precisas sobre tais mulheres, nem sobre como de fato morreu o marido de

Ágata.

As estruturas familiares têm regras bem definidas, que vão sendo derrubadas pouco a

pouco, com a chegada de Angelo à ilha e depois de sua morte, cada uma das mulheres toma seu

próprio caminho. (Texto peça Delito na Ilha das Cabras, 1956).

21. Está lá fora um inspetor (1957)

Encenada no Cine-Teatro Imperial, em 19 de novembro de 1957, em duas sessões, a

peça de J.B. Priestley contou com os atores João Teixeira Porto, Amaury Portugal, Rubem

Rodrigues, Edna Mey Cardoso, Maria de Lourdes Hermes e Dalton Couto. Época: atualidade.

Situação: na Inglaterra, na cidade de Brumley. Móveis e adornos Trevilar.

Está lá fora um Inspetor é uma acusação veemente a um certo grupo,

sendo mesmo uma polêmica com a organização social, através dum re-

quisito severo e implacável. Na peça, Priestley separa, com maestria, a

Razão do Erro. Priestley levou em consideração que o tipo de gente

condenável que retrata na peça é universal, pela sua mesquinhez, pelo

seu egoísmo, pela sua fatuidade e pela sua absoluta falta de introspecção.”

(Folheto Publicitário).

Evidentemente que Priestley apresenta seus personagens como seres desprovidos de

qualquer senso de dignidade humana, pois são capazes de se utilizarem de pessoas colocadas

em escala social abaixo da sua. Isto não é problema para estes personagens, desde que não se

torne público. (Figura 30).

162

No caso desta peça, o conjunto dos personagens são membros da burguesia industrial

inglesa. Eles estão reunidos para uma festa de noivado que também é um congraçamento de

fortunas (reunião de duas famílias industriais). No meio da festa surge um inspetor policial (na

verdade a consciência de todos os personagens). Ele vai investigar o suicídio de uma moça de

classe social inferior. Descobre que todos os membros daquele grupo tiveram algum envolvimento

com a mulher, contribuindo para sua trajetória de infelicidade. Ao final, temos o retrato de uma

mulher simples e honesta se debatendo dentro de uma sociedade altamente hierarquizada, que a

explora econômica e sexualmente com a maior naturalidade.

O conjunto de personagens percebe seu comprometimento com o suicídio da moça. Mas

tudo isso deixa de ter importância quando eles descobrem que o fato não terá nenhuma

repercussão. Como em Curvas perigosas, o autor denuncia a hipocrisia social. É uma peça

elegante, própria para a sociedade, igualmente elegante, refletir a respeito de si própria.

Entendemos que a escolha de uma peça deste gênero pela ETLF expressava a intenção de uma

crítica de costumes. (Texto peça Está lá fora um inspetor, 1957).

Figura 30: Cenário da peça Está lá fora um inspetor, de EduardoTrevisan. (1957).Fonte: Acervo particular EC.

163

22. O casaco encantado (1959)

Primeira peça direcionada ao público infantil, O casaco encantado, de Lúcia Benedetti,

contou com os atores João Teixeira Porto, Dalton Couto, José Medeiros, Themis Groisman,

Eunice Tielet e Ruth Farias. A escolha da peça foi tratada em ata, uma vez que haveria uma

mudança no tipo do repertório até então apresentado ao público que assistia à ETLF: “Depois de

vários debates sobre o assunto, resolveu a diretoria que o próximo espetáculo da Escola seria

com o libreto nacional Casaco encantado, cabendo o papel de ensaiador ao nosso Diretor Geral”,

ou seja, a Edmundo Cardoso. (Ata Nº. 39, 11 maio 1959, p. 35).

Esta foi a primeira peça em que participou Paulo Neron Rodrigues, que depois viria a

participar de outras, em decorrência de sua muita popularidade com as crianças. Também foi a

primeira peça que priorizava como público as crianças carentes e por este motivo procurou

patrocínio com o empresariado da cidade, segundo jornal A Razão:

A ETLF buscou o antigo e costumeiro contato com Nestor P. da Luz,

diretor da firma Rápida União S/S, para obter a cobertura financeira de

parte da publicidade escrita. Em meio de conversa, aquele homem de

negócios lembrou seu velho desejo de patrocinar em espetáculo para

crianças pobres. Que a idéia poderia ser levada a cabo com O Casaco

Encantado, teatro feito por adultos para crianças. No dito instante, ficou

assentado um espetáculo custeado por aquela firma. Mais tarde, delibe-

rou-se que seriam convidadas as crianças internadas em vários estabele-

cimentos filantrópicos da cidade. (Dossiê peça Era uma vez um casaco

encantado, 1959).

Por ocasião da apresentação de O casaco encantado, os integrantes da ETLF executaram

e montaram a Exposição de Pintura Publicitária em torno do próprio espetáculo da peça infantil:

A exposição montada no interior da Farmácia Rizzato está atraindo dia-

riamente grande número de pessoas entre adultos e crianças, que ali vão

admirar o labor artístico de um grupo de artistas santamarienses que

utilizaram seus pincéis e tintas, e sobretudo suas vibrantes imaginações

para criar aqueles magníficos quadros de pintura publicitária. (Dossiê

peça O casaco encantado, 1959).

164

O casaco encantado conta as peripécias de um alfaiate do rei, que lhe costura um casaco

o qual é submetido à feitiçaria de um mágico, que faz com que o tal casaco tenha o poder de

pular, quando vestido pelo rei. A partir daí, tudo que o o alfaiate precisa é reencontrar o mágico

para desfazer o feitiço. Quando isso ocorre, entretanto, o rei acaba concluindo que o casaco que

pula pode ser-lhe útil, para usá-lo em outro rei, seu vizinho e que lhe deseja tomar o trono. A

peça contempla vários tipos que encantam ao público infantil, como um mágico, um rei, uma

bruxa, feitiçaria e o bem vencendo ao mal. Entretanto, os diálogos se prolongam e não há a

sutileza de peças infantis como as de Maria Clara Machado, que logo depois também serão

encenadas pela ETLF. (Texto peça O casaco encantado, 1959).

23. Pluft, o fantasminha (1960)

Primeira peça de Maria Clara Machado levada pela ETLF, foi encenada no auditório

Olavo Bilac, de 15 a 18 de setembro de 1960, com os atores José Medeiros, Edmundo Cardoso,

Edgar de Andrade Xavier, Horst Lippold, Helvio Moro, Paulo Neron Rodrigues, Jonny

Cavalheiro, Edna Mey Cardoso, Gilda May Cardoso e João Teixeira Porto. O espetáculo foi

dirigido por João Teixeira Porto e José Medeiros e a supervisão artística ficou a cargo de Edmundo

Cardoso.

Desde a escolha da peça anterior, O casaco encantado, Edmundo Cardoso vinha

articulando parcerias para tornar possível levar o teatro para o público infantil. Conforme o

jornal local A Cidade, também nesse período cogitava montar o que chamava de Departamento

Infantil dentro da Escola, pois acreditava que assim “cumprimos mais uma finalidade social-

cultural, oferecendo às crianças uma sedutora modalidade de diversão que é, também, educativa,”

uma vez que “chegou o momento de pensarmos em ampliar as nossas futuras platéias. O público

infantil também deve aprender a gostar de teatro.” (Dossiê peça Pluft, o fantasminha, 1960). De

fato, o Departamento Infantil não foi efetivado, entretanto, a Escola permaneceu levando peças

ao público infantil.

A Escola, contudo, conseguiu parcerias para levar Pluft, o fantasminha para o Auditório

Olavo Bilac, com o SESC e com a Polícia Rural Montada, demonstrando que pretendia atingir

165

filhos de comerciários e de militares.

Fragmento da carta de Edmundo Cardoso ao SESC: “Na forma de nossas conversações

verbais, venho reproduzir a proposta que a ETLF faz à agência local do SESC para a realização

de um espetáculo de teatro para crianças, dedicado aos comerciários e aos seus filhos, no auditório

da Escola Olavo Bilac.”(Dossiê peça Pluft, o fantasminha, 1960).

Parte da carta de EC à Polícia Rural Montada: “Na conformidade de nosso entendimento

verbal venho, por este meio, oferecer a V.S. cem ingressos gratuitos para os familiares dos

praças dessa unidade irem assistir ao espetáculo de teatro infantil que se realizará dia 22 do

corrente.” (Dossiê peça Pluft, o fantasminha, 1960).

Um jornal local informava que a peça infantil, “Pluft, o fantasminha, é a divertida história

de um fantasminha que tinha medo de gente e que se vê envolvido em gostosas aventuras com

um bando de marinheiros birutas e mais o célebre Pirata-de-Perna de Pau.” (Dossiê peça Pluft,

o fantasminha, 1960).

A peça de Maria Clara Machado mostra uma família de fantasmas em meio à descoberta

de um tesouro, que se envolve em situações engraçadas, lúdicas e singelas, para salvar a menina

Maribel das amarras do Pirata Perna-de-Pau. O texto é enxuto, sensível, contrapondo o bem e o

mal, com final feliz para o bem e a derrota do mal. O tesouro acaba ficando com os marinheiros

protetores de Maribel e Pluft, o fantasminha, supera seu medo em relações aos humanos. (Texto

peça Pluft, o fantasminha, 1960).

24. O Caixa que foi até a esquina (1961)

Farsa de Aurélio Ferretti, traduzida por Edmundo Cardoso e encenada em 07 de novembro

de 1961, no Cine-Teatro Imperial, contou com os atores: Edna Mey Cardoso, Pedro Freire Junior,

João Teixeira Porto, José Medeiros, Vera Maria Ribeiro, Irani Siqueira, Hipólito Garcia, Edmundo

Cardoso e Clovis Jorge Lopes.

Para ajudar na distribuição dos cartazes publicitários, a Escola pediu auxílio à Prefeitura

Municipal de Santa Maria: “Em nome da ETLF, venho solicitar a colaboração habitual dessa

prestigiosa administração, no sentido do empréstimo dum veículo da municipalidade para ajudar

166

no trabalho de afixação, à noite, de cartazes publicitários à margem das vias públicas da cidade.”

(Dossiê peça O caixa que foi até a esquina, 1961).

Por ocasião da apresentação do texto de Ferretti, este foi convidado por EC para vir a

Santa Maria e sua presença foi anunciada nos folhetos publicitários. Mesmo tendo aceito o

convite, Ferretti não compareceu, por motivos de ordem prática com as passagens aéreas, “que

por um lastimable equivoco havia cancellado efetivamente el boleto poniendolo a disposición

de Ferretti pero em P.Alegre,”3 argumenta Emundo Cardoso em carta ao próprio Ferretti. (Dossiê

peça O caixa que foi até a esquina, 1961).

Esta peça aborda o roubo de um funcionário na empresa em que trabalha. Ao ir consultar

um advogado para defendê-lo, este o induz a subtrair outro tanto, para poder devolver o valor

anteriormente roubado. Portanto, não há arrependimento nem punição ao delito, mas uma farsa

para que tudo seja resolvido da melhor forma, mesmo que esta não prime pela moral e os bons

costumes, tão propagados à época. (Texto O caixa que foi até a esquina, 1961).

25. Via Sacra (1961)

Peça de Henri Gheon, traduzida pelo Bispo Dom Marcos Barbosa, encenada dia 29 de

março de 1961, no auditório da Faculdade de Filosofia, contou com os atores Jonny Cavalheiro,

João Teixeira Porto, Edgar Andrade Xavier, Edna Mey Cardoso, Gilda May Cardoso, Rhéa

Silvia e Ararê Bertóia. Ingresso individual grátis. (Figura 31).

Antes do espetáculo, EC fez um pronunciamento justificando a escolha da peça: “Pela

primeira vez vamos tentar teatro místico, isto porque Via Sacra nos pareceu uma magnífica

experiência a ser usada como trabalho integral de arte pura.” (Dossiê peça Via Sacra, 1961).

Via Sacra é obra poética, antes de tudo. Poesia cotidiana pela sua singeleza,

espargida com sentido fundamentalmente humano. Poesia do trágico e do

animoso. Abrasiva e doce. Ígnea e cáustica. (...) Era preciso ungirmos de

singela emoção para situar-nos, e ao nosso público, dentro da atmosfera

com que Gheón impregnou a sua narrativa. (Folheto publicitário).

3 Tradução para a Língua Portuguesa: “Que por um lastimável equívoco havia cancelado efetivamente o boleto,colocando-o a disposição de Ferretti por Porto Alegre.”

167

Ainda sobre o texto de Henri Gheón, encontramos: “Via Sacra tem se constituído, no

mundo universal da arte teatral, um dos grandes êxitos artísticos (...) tratando teatralmente, do

assunto bíblico da Tragédia do Calvário, (...) numa realização de alto nível de arte e estética.”

(Dossiê peça Via Sacra, 1961).

Em artigo de jornal, Fernando do Ó afirma que “Edmundo Cardoso montou Via Sacra

com aquela visão ampla que lhe é peculiar, e acurado estudo de todas as situações no

desdobramento da peça, extraindo dela o máximo rendimento.” ( Dossiê peça Via Sacra, 1961).

Via Sacra apresenta as doze estações que representam a paixão de Cristo. Poucos atores,

falas curtas, cenas reduzidas ao assencial. Um narrador apresenta cada uma das estações, depois

dois homens e duas mulheres pontuam as cenas com falas curtas. Fica-se com a impressão de

que Cristo e Maria não aparecem no palco. O espetáculo sugere os acontecimentos que a platéia

já conhece. O texto comenta o drama de Cristo poeticamente. Grande importância aos gestos

(provavelmente solenes) e à música. Talvez seja esta a idéia do teatro puro: essencialidade da

representação sem suporte de cenários e trama complexa. Criação de clima poético que remete

à história já conhecida. (Texto peça Via Sacra, 1961).

26. O cavalinho azul (1963)

Com outra peça de Maria Clara Machado, a ETLF voltou a encenar para o público infantil,

Figura 31: Cenário da peça Via Sacra, de Edmundo Cardoso. (1961).Fonte: Acervo particular EC.

168

em 22 de junho de 1963 no Instituto de Educação Olavo Bilac. Contou no elenco com: José

Medeiros, Eliane Carpilovski, Hipólito Garcia, Vera Ribeiro, Marlene Curi, Varly Lippold, Horst

Lippold, Clovis Jorge Lopes, Paulo Neron Rodrigues, Moisés Chansis, Gilda May Cardoso,

Edmundo Cardoso, Edna Mey Cardoso, Lucia Farias, Vera Ribeiro, Fernando Ferreira, Luiz

Rosalvo Finn, Eros Mussói, André Medeiros.

Notícias das encenações de O cavalinho azul permearam diferentes jornais, demonstrando,

desta forma, a repercussão da peça em questão. A ETLF procurou exercer uma função social

mais concreta quando levou esta peça de Maria Clara Machado. Desta forma, buscou a interação

entre a arte teatral e diferentes profissionais ligados à área pedagógica, a fim de exercitar um

experimento científico-reeducacional, demonstrando as várias possibilidades de trazer novas

perspectivas para os diversos campos de estudo

A Universidade de Santa Maria possuía o Instituto da Fala, em funcionamento desde o

início do ano de 1963, sob a direção de Reynaldo Cóser, e a Escola de Teatro proporcionou ao

Instituto da Fala a possibilidade de um experimento científico-educacional com as crianças

surdas-mudas que estavam sendo reeducadas nesse Instituto.

Assim, divulgava o jornal Diário, de Santa Maria que “numa das noites que era apresentada

a peça O cavalinho azul, as crianças surdas-mudas foram colocadas na platéia, na primeira fila,

donde foram observadas durante todo o espetáculo pelos professores do Instituto da Fala.”

(Dossiê peça O cavalinho azul, 1963).

O jornal Correio do Povo também noticiou a iniciativa da Escola: “Essas crianças, cuja

visão e noção de mundo que as cerca é restrita e diferente, vão oferecer aos observadores do

Instituto da Fala, preciosos elementos de estudo para as práticas pedagógicas e terapêuticas.” O

mesmo jornal também reconhecia as finalidades pedagógicas da ETLF “no terreno social e

cultural, cada dia mais se entrosa no amplo e vasto campo de suas atividades, ingressando,

assim, com esse experimento, como colaboradora preciosa de um Instituto Científico

universitário.” (Dossiê peça O cavalinho azul, 1963).

De fato, O cavalinho azul é uma afirmação do infantil, e a ação da peça é em torno de um

menino que sonha com um cavalo azul. Encontra seu objeto do desejo, contra todas as

probabilidades, presentes na incompreensão dos demais personagens e na sua própria condição

169

humana. É o sonho versus a realidade. Do menino no primeiro caso e dos adultos no segundo.

Essa dualidade choca-se musicalmente e vence o sonho e a imaginação da infância, quando

Vicente – o menino – encontra seu cavalinho tal como o sonhara: todo azul, com cauda branca.

(Texto peça O cavalinho azul, 1961).

Esta peça se aproxima de Pluft, o fantasminha, na medida em que ambas se projetam

para além do mero divertimento infantil, alcançando uma condição literária e artística de bom

nível.

27. O asilado (1963)

Encenada no Cine-Teatro Imperial, em Santa Maria, de 11 a 13 de dezembro de 1963 e

no teatro São Pedro, em Porto Alegre, em 1º de julho de 1964, tratava-se de sátira cômica de

Guilherme de Figueiredo, com os atores Moisés Chansis, Ruy Maldonado, João Teixeira Porto,

Edna May Cardoso, Eunice Tiellet, Edmundo Cardoso, Horst Lippold, Gilda May Cardoso e

José Medeiros. Ação: na República Latino-Americana de Ostrália. Época: atual (1964). Cenário:

na sede da Embaixada do Brasil, na Capital da Ostrália.

Colaboradores em Santa Maria: Reitoria da USM, Prof. Roberto Romano, Sr. Artur Pereira

da Silva, Adão Garcia, Antão Antunes e Seligman Móveis.

Na capital do Estado, a ETLF contou com o apoio do “Sr. Governador do Estado, Sr.

Secretário da Saúde, Empresa de Transportes Planalto S.A., Expresso Mercúrio S.A., Casas

Eny, Administração do Teatro São Pedro, Firma Probel, jornais da capital do Estado e da imprensa

falada e a Revista do Globo.” (Folheto publicitário).

Com a sátira O asilado, de Guilherme de Figueiredo, a ETLF retornou ao estilo cômico

satírico, pretendendo não só tentar mais uma vez este gênero, como também ir ao encontro da

atualidade teatral. (Figura 32).

Guilherme de Figueiredo foi convidado por Edmundo Cardoso para vir a Santa Maria

assistir a sua peça, ao que Figueiredo respondeu não poder comparecer por estar “de malas

arrumadas para Paris.” Na mesma carta, o dramaturgo deixou claro os contatos que EC necessitou

estabelecer para poder encenar a peça em Porto Alegre: “Grato pelas providências militares que

permitem a existência da minha peça e do trabalho insano que deu a você. A SBAT lhe mandará

os três exemplares pedidos de O asilado.” (FIGUEIREDO, 1964).

170

De fato, a imprensa colaborou com a divulgação do espetáculo em Porto Alegre: “A ETLF,

de Santa Maria estará, pela terceira vez atuando, em temporada na capital gaúcha, com um novo

original de Guilherme de Figueiredo, O asilado, sátira aos nossos costumes e usos diplomáticos.”

(Dossiê peça O asilado, 1963).

Figura 32: Ensaio da peça O asilado. Da esquerdapara a direita: João Teixeira Porto, Moisés Sanchis,José Medeiros, Edmundo Cardoso e Ruy Maldonado.(1963).Fonte: Acervo particular EC.

Ou: “Pontificam no elenco de ‘O Asilado’ atores e atrizes de alto gabarito artístico e com

folha de serviços prestados à arte teatral, mercê do grande número de anos durante os quais vem

enfrentando a ribalta, num contínuo aprimoramento de suas qualidades.” (Dossiê peça O asilado,

1963).

O asilado, de Guilherme de Figueiredo é uma sátira clara às ditaduras latino-americanas

da época. Este asilado, entretando, um conquistador que, asilado em uma embaixada brasileira,

em alguma república latino-americana, seduz mulher e filha do embaixador. Na verdade, um

galã, mais preocupado com suas conquistas amarosas do que com sua condição política no

exílio. (Texto peça O asilado, 1963).

28. Roleta paulista (1966)

A peça de autoria de Pedro Bloch, Roleta paulista, estreou no dia 13 de setembro de

171

1966, no local que fora o Teatro Imperial. Contou com a participação dos seguintes atores:

Dalton Couto, João Teixeira Porto, Edna Mey Cardoso, Gilda May Cardoso, Jorge Beduino de

Medeiros, Edmundo Cardoso, Suzana Pereira, José Medeiros e Elói Saccol da Silva. Para que

este último pudesse participar da peça, foi pedida sua dispensa no laboratório Andromaco, onde

trabalhava, de forma que “possa ter o seu itinerário de viajem profissional alterado de modo a

poder estar em Santa Maria nos dias 13, 14, 15 e 16 quando vamos lançar, aqui, o nosso projetado

espetáculo teatral com a peça de Pedro Bloch.”( Dossiê peça Roleta paulista, 1966).

Valor do ingresso era de Cr$ 8,00, havendo também meia entrada no valor de Cr$ 5,00.

Censura 18 anos.

O folheto publicitário justificava a escolha do texto por ter tido boa repercussão em São

Paulo e Rio de Janeiro, pois “traz a crítica ajustada, com magnífica oportunidade, a certas formas

de vivência de seres humanos que se deixam degradar na busca errada e criminosa da felicidade.”

(Folheto Publicitário). Ou ainda:

Os críticos de São Paulo aplaudiram Roleta Paulista e disseram que apeça aponta, com assustador objetivismo, os delitos que se vão tornandoa constante da crônica policial: a fraude e a trapaça, a compra e a vendade consciências, o vício das ruas, a maconha, a curra, o adultério àsescancaras e o amortecimento da moral pela absoluta ausência de princí-pios dentro de muitos lares, nas repartições, nos escritórios e nos gabine-

tes políticos. (Folheto Publicitário).

O jornal local A Razão demonstrava a recepção da peça pelo público: “Com sucesso

total, casa lotada e êxito artístico absoluto (...) estreou ontem Roleta Paulista. Os aplausos

incondicionais do público, que superlotou o nosso velho teatro, coroaram de sucesso total o

lançamento da peça.” (Dossiê peça Roleta paulista, 1966).

A peça estreou no Rio de Janeiro em março de 1963. O autor comentou que a família

retratada “é bem a família bossa-nova, a família da era em que vivemos.” (REVISTA DE

TEATRO, 1963, p. 2).

Trata-se de um drama com intenção de problematizar a desagregação familiar em ambiente

de classe elevada: mãe fútil, preocupada com a dieta alimentar, ioga, jogo de cartas com amigas

e calmantes. Pai relações-públicas, executivo de sucesso e otimista nos negócios, tendo a secretária

como amante. Filho primogênito problemático, usuário de maconha, rouba o carro do pai e

atropela uma menina. Este acidente constitui o núcleo dramático da peça. Põe a nu a fragilidade

172

da família, especialmente a dificuldade dos pais em lidar com situação real do filho delinqüente.

A filha se ressente da frieza da mãe, que tem olhos somente para o filho mais velho e o filho

caçula se refugia na música e na literatura porque não tolera os pais. (Figura 33).

A peça delineia uma situação que constitui quadro da chamada juventude transviada.

Aos olhos de hoje, soa ingênuo o modo de retratar o ambiente sociocultural das famílias de

classe média alta na sociedade de consumo. A causa de todos os problemas são os pais indiferentes

aos filhos e envolvidos em seus próprios afazeres e compromissos sociais.

No texto da peça utilizado para este comentário, há vários trechos riscados. Alguns talvez

por serem considerados desnecessários. Entretanto, algumas exclusões no texto demonstram

referências cruas e vivências sexuais. Entende-se por roleta paulista o acidente em que se envolve

um dos personagens. (Texto peça Roleta paulista, 1963).

29. A falecida (1967)

A Falecida, em três atos, de Nelson Rodrigues, contou com a participação dos seguintes

atores: Suzana Pereira, Luiz Augusto Reis, Jorge Beduino Medeiros, João Teixeira Porto, Edna

Mey Cardoso, Wartkes Mekbekian, João Rossin Gonçalves, Luiz Rosalvo Finn, Dima Medeiros,

Antonio Sartoretto, José Medeiros, Leda Requia, Eloy Saccol, Horst Lippold, Edmundo Cardoso

e Antonio Sartoretto.

Figura 33: Ensaio da peça Roleta paulista. Da esquerda para a direita:Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Suzana Pereira, Gilda MayCardoso e Jorge Beduino Ramos Medeiros. (1963).Fonte: Acervo particular EC.

173

No convite lê-se: “Apresentada no Teatro Imperial dia 14 de novembro de 1967, esta

peça faz parte da comemoração do 24º aniversário da Escola de Teatro Leopoldo Fróes.”

Edmundo Cardoso, dias antes da estréia da peça, concedeu uma entrevista na qual afirmava

tratar-se o texto de Nelson Rodrigues de “uma tragicomédia do simples, onde o autor quis retratar

a vida de todos os dias de um punhado de pessoas simples que vivem anonimamente nos subúrbios

de uma grande metrópole, no caso o Rio de Janeiro, no ano de 1960.” (Dossiê peça A falecida,

1967).

Esta comédia carioca, segundo o próprio autor, Nelson Rodrigues, apresenta uma mulher

em estado obsessivo que sonha com a própria morte, com enterro caro para deixar a vizinhança

com inveja. Antes de morrer, portanto, pede para o marido procurar determinado sujeito, pois

ele pagará o enterro. O sujeito, na verdade, era seu amante. O marido descobre a traição da

mulher ao pegar o dinheiro com o amante da esposa e descobre que ela, além de traí-lo, detestava-

o. (Figura 34).

Na verdade, sua obssessão pela própria morte fora uma súbita manifestação de culpa.

Com o dinheiro do funeral, o viúvo compra um caixão barato e vai para o Maracanã assistir a um

jogo. A mulher enfim é enterrada, mas sem nenhuma pompa, como havia planejado.

Figura 34: Ensaio A falecida. (1967).Fonte: Acervo particular EC.

174

As indicações do texto são para não usar cenário. Há apenas cadeiras e alguns objetos

que sinalizam lugares ou situações. Pelas anotações efetuadas no texto, as sugestões do autor

são atendidas. A ETLF produz uma cenografia que não era o usual nos seus espetáculos, o

Teatro Pobre.4 (Texto peça A falecida, 1967).

30. Maria minhoca (1968)

Comédia de Maria Clara Machado, compunha-se de um prólogo e dois atos. Fazendo

parte do seu elenco a atriz Suzana Finn e os atores Edmundo Cardoso, João Teixeira Porto,

Navarro Medeiros, Horst Lippold Carlos Ribeiro, Paulo Neron Rodrigues e Guto Reis. Preço:

inteira NCr$ 1,50, meia entrada: NCr$ 1,00

Estreou dia 5 de novembro de 1968, no Teatro Imperial, permanecendo em cartaz nos

dias 5, 6 e 7 de novembro às 20h30min. Sendo este espetáculo liberado pelo Juizado de Menores

para crianças acima de 5 anos, nas sessões noturnas. (Folheto Publicitário). De fato, havia a

liberação para público a partir de 5 anos de idade: “Por deliberação do Dr. Rubem Oliveira

Campos, Juiz de menores, foi liberado o ingresso de menores acima de 5 anos nos espetáculos

noturnos, desde que acompanhados.” (Dossiê peça Maria Minhoca, 1968).

A respeito da participação do público infantil no espetáculo, ocorreu “um fenômeno

interessante no comportamento do público infantil: as crianças a todo o instante interrompiam

as cenas com os seus aplausos espontâneos e cheios de calor e vibração.” (Dossiê peça Maria

Minhoca, 1968).

A Escola de Teatro vinha ensaiando interesse pelo público infantil desde O casaco

encantado, de Lucia Benedetti (1959). A síntese da atriz que fez o papel de Maria Minhoca,

Suzana Finn, resume bem a peça, descrevendo sua personagem: “uma mocinha com um pai

autoritário que pretende fazê-la casar-se com um rapaz de quem ela não gosta. Ela gosta mesmo

é de outro rapaz, fraquinho, mas muito inteligente.” (Dossiê peça Maria Minhoca,1968).

4 O Teatro Pobre centrava-se no trabalho do ator e na relação deste com o público. “Tais espetáculos prescindiam deelementos tradicionais de linguagem cênica, tidos como supérfluos”, como “maquiagem, indumentária especial,cenografia, iluminação e sonoplastia.”(VASCONCELLOS, 1987, p. 199-200).

175

Alguns detalhes são mudados do texto original, mas a essência permanece a mesma, ou seja, a

do amor ingênuo e galante de um jovem franzino, por uma moça dominada pelo pai que deseja

vê-la casada com um militar. Eliminado o pretendente militar, pela astúcia do jovem apaixonado,

o pai permite seu namoro com a mocinha. Há forte conotação romântica e o costumeiro final

feliz. (Texto peça Maria Minhoca, 1968).

31. Pic-nic no front e A história do zoológico (1969)

Pic-Nic no Front, cuja autoria é de Fernando Arrabal (espanhol), traduzida por Jaqueline

Laurence e A História do Zoológico, de Edward Albee (norte-americano), tradução de Luiz

Carlos Maciel, fazem parte da temporada de 1969. Ambas, encenadas nos dias 15, 16 e 17 de

dezembro, no Teatro Imperial. Os ingressos custavam NCr$ 2,00 e 1,50.

A censura destas peças foram de impropriedade para menores de 18 anos. A primeira

peça teve como intérpretes os seguintes atores: Luiz Hostyn, Edna Mey Cardoso, João Teixeira

Porto, M. Alexandre Chansis, Horst Lippold, Cilon do Canto, Nelson Costa, Navarro Medeiros

e Carlos Ribeiro. A segunda contou com a participação de Cilon do Canto e João Teixeira Porto.

“Pic nic no front é uma comédia chapliniana, sem o happy end como solução libertadora.

Há nela uma perturbadora e chocante mistura de inocência e ferocidade. A história do zoológico

é o jogo cruel da neurose em estado puro, gritada, despida de civilização, de empregos ou de

família.” (Folheto Publicitário).

Estas duas peças já haviam sido anteriormente apresentadas em outros teatros e festivais,

inclusive fora do Estado do Rio Grande do Sul. Desta maneira, temos informações de que a

Escola apresentou-se nos dias 25, 26 e 27 de setembro, em Santa Catarina: “Regressou da cidade

de Florianópolis, a comitiva da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, que realizou uma série de

espetáculos, em curta temporada, no teatro Álvaro de Carvalho.” (Dossiê peça Pic nic no front

e A história do zoológico, 1969).

Segundo folheto publicitário de festivais gaúchos, a Escola de Teatro participou do VII

Festival Internacional de Teatro, que ocorreu do dia 3 a 17 de novembro de 1969, na cidade de

Pelotas. As apresentações foram realizadas no Teatro Sete de Abril. Sendo que a peça teatral A

176

história do zoológico, de Edward Albee, fora representada duas vezes. A primeira, no dia 4 de

novembro. pelo Teatro de Comédia de São Paulo, a segunda apresentação no dia 8 de novembro,

pela Escola de Teatro Leopoldo Fróes. (Folheto Publicitário).

A respeito das apresentação em Florianópolis e do VII Festival Internacional de Teatro,

recorda João Teixeira Porto (2003):

Em Santa Catarina eu trabalhei sozinho. Monólogo de 1 hora e 28 minu-

tos e foi dificílimo... e ruim. A história do jardim zoológico, que de zoo-

lógico não tinha nada...Era o teatro do absurdo. Eu entrava em cena e

para quebrar a monotonia havia um banco de praça e um cara lendo

jornal. Essa peça, num concurso realizado no teatro de Pelotas, não apro-

vou. Eu não fui bem... um argentino fazia o mesmo papel, era mais moço

e vinha da Europa. Ele havia feito a peça 73 vezes... Eu era a primeira

vez. O erro que o Cardoso cometeu foi esse: me largou em frente ao júri

numa estréia. Não se pode estrear na frente do júri.

Ocorre que o Festival de Teatro de Pelotas, promovido pela S.T.E.P.E5 , e com

características internacionais, contava com quatro conjuntos amadoristas uruguaios e argentinos,

além dos conjuntos gaúchos, paulista, guanabarino e catarinenses, segundo os jornais noticiaram

à época. (Dossiê peça Pic nic no front e A história do zoológico, 1969).

Quanto à apresentação das peças em Santa Maria, a imprensa local noticiou que “ontem,

o cine-teatro Imperial acompanhou mais uma das suas memoráveis noitadas de teatro, com a

estréia dos espetáculos Pic nic no front e Historia do zoológico.” (Dossiê peça Pic nic no front

e A história do zoológico, 1969).

Por ocasião da apresentação de A história do zoológico, em Santa Maria, Edmundo

Cardoso escreveu ao adido cultural dos Estados Unidos em Porto Alegre, convidando-o para o

espetáculo: “Tenho a satisfação de convidar V.S. para assistir, em Santa Maria, ao lançamento,

pela ETLF, da peça em um ato, de Edward Albee - A História do Zoológico (The Zoo History),

que produziremos na noite de 15 de dezembro andante, no cine-teatro Imperial.” (CARDOSO,

Edmundo, Santa Maria, 05 Dez.1969). Entretanto, o adido cultural não compareceu ao espetáculo,

5 Sociedade Teatral Pelotense.

177

tendo justificado por carta sua ausência.

Não foram poucas as apresentações realizadas com estas peças, pois percebemos pelas

reportagens que também no ano de 1970, elas foram apresentadas em outras cidades, como

Caçapava do Sul:

A Escola de Teatro Leopoldo Fróes, atendendo ao convite que lhe fez a

Sociedade Universitária de Caçapava do Sul, apresentou, na noite de 30

de janeiro, no Clube União, a peça de Edward Albee (...). O espetáculo

teve pleno êxito, e agradou em cheio o caloroso público (...). Nos mo-

mentos que antecederam à abertura do pano, o diretor Edmundo Cardo-

so dirigiu algumas palavras à platéia dando conta do trabalho de arte a

que se propôs a Escola de Teatro, desde a sua fundação, há 27 anos

passados. (Dossiê peça Pic nic no front e A história do zoológico, 1969).

A história do jardim zoológico é uma peça que se desenvolve no Central Park, Nova

Iorque. Dois homens desconhecidos iniciam diálogo que envolve provocações e a luta absurda

pela posse de um banco da praça. Um dos homens representa o sujeito integrado à sociedade –

casamento, emprego fixo, filhos e animais domésticos - enquanto o outro é o desajustado –

solitário habitante de pensão. O desajustado cria o conflito, coloca uma faca na mão do outro e

depois se joga sobre a arma.

Quanto à peça Pic nic no front, o cenário é um campo de batalha com trincheira. Um

soldado está sozinho no front e recebe a visita do pai e da mãe que vêm fazer um piquenique. Os

pais se comportam como se a guerra fosse um brincadeira e terminam convencendo o filho.

Todos dançam no final e não se protegem das bombas e metralhadoras que acabam matando-os.

(Textos peças Pic nic no front e A história do zoológico, 1969). (Figura 35).

Utilizando a cópia que foi usada para encenação, observam-se várias anotações para

cenografia (som de bombas). Esta é a parte do espetáculo que não podemos reconstituir. Assim

como gestos e expressões dos atores, estes aspectos da encenação são fugazes, existem apenas

o tempo em que dura a peça. As anotações na cópia, no entanto, indicam-nos o que já apontamos

anteriormente: o teatro é mais do que texto, é texto encenado por atores e auxiliado por recursos

técnicos.

178

32. A canção dentro do pão (1970)

A canção dentro do pão é uma peça de Raimundo Magalhães Junior, e sua apresentação

esteve integrada às comemorações do 10º aniversário da fundação da Universidade Federal de

Santa Maria.

Esta comédia de três atos contou com a participação dos seguintes atores: João Teixeira

Porto, Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Cilon do Canto e João Rossim Gonçalves.

Encenada nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 1970, às 21h no Teatro Imperial. Ação: em Paris.

Época: na véspera da Revolução Francesa. Preços: Cr$ 3,00 e 1,50. Censura: 14 anos.

A escolha do texto era explicada pelo fato “do retorno do elenco da Escola de Teatro ao

gênero comédia, que é o gênero da preferência do grande público.” (Folheto Publicitário).

A encenação desta peça obteve os direitos de representação da SBAT, à qual a ETLF era

associada, “obrigando-se a Empresa [ETLF] a fornecer à SBAT uma cópia do bordereau de

receita, devidamente autenticado, responsabilizando-se pela sua exatidão, bem como pelo integral

pagamento dos direitos autorais acima estipulados.” (Direitos de Representação, SBAT, Nº

203285).

Figura 35: Encenação da peça Pic nic no front. Edna Mey Cardoso e JoãoTeixeira Porto. (1969).Fonte: Acervo particular EC.

179

Também obteve a liberação da censura, pelo Certificado “nº 3109/70 (...) aprovado pelo

S.C.D.P., válido até 14 de outubro de 1975, pelo chefe do S.C.D.P. Geová Lemos Cavalcanti.”

(Ministério da Justiça - Departamento de Polícia Federal, 14 out. 1970).

Sobre a peça, a imprensa local noticiou a fidelidade do figurino: “Guarda-roupa

especialmente desenhado, calçados, perucas, cabeleiras, móveis, enfim, tudo pesquisado,

desenhado e executado para o maior brilho dessa peça cuja ação decorre em plena Paris do ano

de 1789.” (Dossiê peça Canção Dentro do Pão, 1970).

A comédia de Raimundo Magalhães Júnior se passa em Paris, durante o reinado de Luis

XVI, em uma padaria que fornece pão para a casa real. O padeiro é um tolo apaixonado pela

mulher. A mulher é seduzida por um nobre conquistador. O amante constrói uma armadilha para

afastar o marido: pede à mulher que coloque uma canção revolucionária dentro dos pães que

irão para a mesa do rei. O inspetor que vai prender o padeiro pela afronta ao rei, desconfia de

tudo e arma um flagrante para prender os amantes.

Antes que o amante possa possuir a mulher, ele é preso. Sabemos então que é dia 14 de

julho de 1789, quando o povo está se encaminhando para tomar a Bastilha, o padeiro e a mulher

seguem a multidão felizes e paixonados. (Texto peça A canção dentro do pão, 1970).

33. A revolta dos brinquedos (1971/72)

Comédia de dois atos de Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga. Estreou no dia 21 de

setembro, no Teatro Imperial, às 20h30min, com censura livre para as sessões noturnas. Esta

peça foi encenada pelos seguintes atores: Agláia Philbert Pavani, Edna Mey Cardoso, Elizabeth

Alfaya, Horst Lippold, Luiz Augusto Reis, Luiz Hostyn, Paulo Neron Rodrigues, Rafael Ernesto

Teodorico e Suzana Pereira. A peça permaneceu em cartaz, no Teatro Imperial, de 21 a 25 de

setembro de 1971, aos preços de Cr$ 3,00 e Cr$ 1,50. (Figura 36).

Meses antes, porém, EC necessitou escrever ao Diretor de Censura e Diversões Públicas

de Brasília para “determinar a censura, e conseqüente liberação, da peça teatral para crianças,

com que se destina a ser encenada na cidade de Santa Maria (RS) e em todo o interior do Rio

Grande do Sul, e mais em temporada que se estenderá até o Estado de Santa Catarina. (CARDOSO,

180

1971). A peça foi liberada pela SBAT, por meio dos direitos de representação, sob autorização

nº. 203286.

Figura 36: Encenação da peça A revolta dos brinquedos. Atores: AglaiaPavani, Edna Mey Cardoso, Luis Augusto Reis, Horst Lippold, Luis Hostyne Rafael Ernesto Teodorico. (1971).Fonte: Acervo particular EC.

Ao texto de Oliveira e Veiga foi acrescentado um personagem, que seria interpretado por

Paulo Neron Rodrigues e a Escola lançou um concurso por meio do qual as crianças iriam

sugerir um nome para o personagem Robot:

vai movimentar o mundo infantil da cidade, publica, abaixo o cupon

para os concorrentes que desejarem colaborar para dar o nome próprio

ao simpático Robot.(Dossiê peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).

Nesta ocasião, Edmundo Cardoso se reportaria ao Coronel Querubim Rosa Filho, da

Base Aérea de Santa Maria, por carta, para efetuar um “pedido de cessão de passagens em vôos

de helicópteros sobre a cidade, por ocasião da próxima Semana da Asa, para as crianças que

freqüentarem os futuros espetáculos da Escola de Teatro Leopoldo Fróes.” (CARDOSO,

Edmundo, Santa Maria,15 set. 1971).

181

Então, o Ministério da Aeronáutica, por meio do comando da Base Aérea de Santa Maria,

contribuiu para o sucesso de público no espetáculo, “pois todas as noites foram sorteadas duas

passagens de helicópteros entre as crianças presentes, para um vôo que se realizará durante as

comemorações futuras da Semana da Asa.” (Dossiê peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).

EC também escreveu à Diretoria da União dos Funcionários Municipais de Santa Maria

e Rio Grande do Sul, com o objetivo que “essa prestigiosa entidade adquira, para distribuir aos

seus associados e aos filhos destes em especial, ingressos para um dos espetáculos que se estão

produzindo no Teatro Imperial, com a comédia para crianças A revolta dos brinquedos.

(CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 21 Set.1971).

O pedido de Cardoso foi atendido não somente pela U.F.M, como também pela

S.B.O.F.A, “que custeou o ingresso de 250 crianças asiladas e albergadas de nossa cidade.”

(CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 25 Out. 1971). Outra solicitação encaminhada por

EC, esta para o Juiz de Menores de Santa Maria, a fim de liberar “para que crianças acima

de cinco anos assistissem ao espetáculo, desde que acompanhadas.” (CARDOSO, 1971).

Ao que é autorizado pelo Chefe de Serviço de Polícia e Segurança, desde que obedeça ao

acima descrito.” (GOMES, 1971). Ou seja, que as crianças comparecessem ao espetáculo

acompanhadas por adultos.

Finalmente encenado, “o espetáculo somou várias condições que são indispensáveis para

o bom teatro: belos cenários, guarda-roupa encantador, um texto inteligente (...) e, basicamente,

uma interpretação impecável (...) dessa não menos notável comédia para crianças.” (Dossiê

peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).

Apesar do aparente sucesso local, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes, com esta peça,

participou de outros eventos teatrais. Desta maneira, participou do II Festival de Expansão do

Teatro Infantil, realizado na cidade de Santos, Estado de São Paulo. O evento aconteceu nos

dias 16, 21, 22, 23, 29 e 30 de abril de 1972, no Teatro Rádio Clube de Santos. Os ingressos

puderam ser adquiridos ao preço de Cr$ 2,00.

Realizou-se, em abril, em Santos, São Paulo, o II Festival de Expansão

do Teatro Infantil (...). Ao II Festival compareceu a Escola de Teatro

Leopoldo Fróes, de Santa Maria (...) quase completando 30 anos de exis-

182

tência. Agora a comissão julgadora deu a conhecer o resultado do Festi-

val, e entre as agremiações premiadas figura a Escola de Teatro Leopoldo

Fróes com a taça Prêmio de Participação Especial, e as medalhas de

ouro e parte concedidas aos atores estreantes Agláia Philbert Pavani e

Rafael Ernesto Teodorico, prêmios de Revelação Nacional de atriz e de

ator, respectivamente. (Dossiê peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).

A Comitiva da ETLF foi transportada pela Aeronáutica, que cedeu um avião para conduzir

o elenco rio-grandense de teatro para crianças ao festival. Segundo o jornal Correio do Povo, “a

comitiva da Escola de Teatro Leopoldo Fróes mereceu, também, do comando da Base Aérea de

Santa Maria, o transporte aéreo para a cidade de Santos, quando participou, com tamanho brilho

e destaque, no festival.” (Dossiê pela A revolta dos brinquedos, 1971-72).

Peça infantil de Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga, A revolta dos brinquedos aborda

de forma pedagógica a relação das crianças com seus brinquedos, que se rebelam ao serem

maltratados. Os brinquedos então formam uma comissão para julgar e punir sua dona, uma

menina mimada, que aos poucos começa a entender a mágoa que causa aos seus únicos

companheiros, os brinquedos, já que é uma menina solitária. O texto da peça possui caráter

pedagógico, na medida em que ensina as crianças a respeitarem seus brinquedos e aos outros,

que também têm desejos e vida própria. (Texto peça A revolta dos brinquedos, 1671-72).

34. Soraya, posto dois (1973)

Soraya, posto dois constitui-se em uma comédia de três atos de Pedro Bloch. Fizeram

parte deste elenco os seguintes atores: João Teixeira Porto, Claudio Jacques, Agláia Philbert

Pavani, Rafael Ernesto Theodorico, Edna Mey Cardoso, Leda Requia, Vera Lucy Farias e

Edmundo Cardoso. Estiveram presentes neste elenco três artistas estreantes: Vera Lucy Farias,

Miklos Schwarcz e Fatima Muller. A ação decorre no Rio de Janeiro, sendo a época, os anos 40

e o local, o térreo de um edifício em construção.

A peça estreou no Teatro Imperial no dia 15 de outubro às 21 horas com impropriedade

para menores de 18 anos. Os ingressos puderam ser adquiridos aos preços de Cr$ 5,00 e Cr$

3,00. A Escola completava então trinta anos de atuação e apresentava ao público elementos

183

novos na interpretação:

Ao encerrar-se uma semana de encenações, o Teatro Imperial apanhou

uma casa lotada para última apresentação da peça SORAYA POSTO

DOIS, a produção da Escola de Teatro Leopoldo Fróes escolhida para

entregar o programa de comemorações do seu 30º aniversário de funda-

ção. (...) Em 1973, embora com somente uma peça produzida, a Escola

de Teatro teve superávit de atores novos, atraídos pelos testes vocacionais,

e por isso um elenco de seis intérpretes pode intercaladamente, apresen-

tar três atores novos, e assim revelou novos talentos que de forma segura

valorizaram as encenações de SORAYA, POSTO DOIS. (Dossiê peça

Soraya, posto dois, 1973).

Soraya, posto 2 se passa dentro da paliçada de uma construção na qual se vão sentindo

pequenas modificações conforme o prédio sobe. Embaixo, os responsáveis pela construção

mostram suas dificuldades em um cotidiano duro e pobre. Neste mesmo lugar – o térreo do

prédio – será no futuro uma loja. Aos operários da obra se juntam um garagista, uma empregada

doméstica nordestina que deseja desfilar em uma escola de samba e uma prostituta caçadora de

turistas. Permeados pelo som e por vozes de prédios vizinhos, vão delineando-se os sonhos dos

personagens com uma vida melhor. Texto bem urdido, em que os personagens falam um português

tacanho e tecem comentários ácidos, porém engraçados, sobre as pessoas mais privilegiadas

socialmente.

Apesar de ter sido escrita por Bloch em 1961, a peça certamente teria boa aceitação nos

dias de hoje, por tratar de aspirações humanas atuais e das questões pertinentes à urbanização e

modernização das cidades.

A intenção de Pedro Bloch, com a comédia Soraya posto 2, parece ser a de mostrar o

espaço urbano e moderno em eterna construção, na qual as pessoas se deparam com o tapume

das edificações, os anúncios de apartamentos à venda, escritórios de incorporações, placas de

vidros, elevadores, persianas, cimento, engenheiro. O tapume esconde muito mais que a

construção, esconde vidas humanas que, quase nunca, vêem o edifício acabado, pois estarão por

detrás de outros tapumes, vivendo outras histórias e outros sonhos. (Texto peça Soraya , posto

dois, 1973).

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35. Dona patinha vai ser miss (1975)

A peça de teatro para crianças Dona patinha vai ser miss, de Artur Maia, estreou no

Cine-Teatro Imperial, dia 22 de setembro de 1975, permanecendo em cartaz até o dia 25 de

setembro. Os ingressos foram vendidos por Cr$ 7,00 e Cr$ 4,00.

Em comemoração aos seu 32º aniversário, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes apresentou

a peça infantil com os seguintes atores: Edna Mey Cardoso, Agláia Philbert Pavani, Rafael

Teodorico, Claudio Jacques, Miklos Schwarcz, Paulo Neron Rodrigues e Horst Lippold. Esta

comédia em dois atos obteve censura livre inclusive para espetáculos noturnos, pelo então Diretor

da DCDP, Rogério Nunes. (Alvará Nº. 243/75, Brasília, válido até 13/06/1980).

Como era hábito, a imprensa local noticiou e elogiou o espetáculo amplamente, mas

privilegiaremos somente um artigo sobre a qualidade da interpretação da Escola: “O público

está indo aos espetáculos numa proporção quase de adultos e crianças, mostrando que o teatro

dessa qualidade é apreciado de forma universal. Dona patinha está, por enquanto batendo recordes

de público.” (Dossiê peça Dona patinha vai ser miss, 1975). Foi a última peça encenada por

Edna Mey Cardoso.

Novamente a ETLF, nessa peça infantil, distribuiu ingressos às crianças que tinham menor

capacidade econômica. Dessa forma, a Rádio Imembuí associou-se à loja Paraíso infantil, na

promoção que daria chance a oitocentas crianças para assistirem ao espetáculo:

Realizou-se domingo, pela manhã, no Cine-Teatro Imperial, uma apre-

sentação da comédia (...) que tanto sucesso tem alcançado. (...) A apre-

sentação do domingo último foi gratuita, para centenas de crianças, numa

iniciativa da Rádio Imembuí, que adquiriu os ingressos correspondentes

a uma lotação do teatro e os distribuiu gratuitamente, com a cooperação

da firma Paraíso Infantil, que co-patrocinou o espetáculo (...). Domingo

próximo, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes realizará, no Imperial, mais

uma matinal do seu espetáculo, com o patrocínio da SBOFA. (Dossiê

peça Dona patinha vai ser miss, 1975).

Esta peça já fora apresentada em um festival realizado em São Paulo, o III Festival de

Nacional de Teatro Infantil, em 1976, conforme um jornal local:

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Retornou a Santa Maria, depois de apresentar-se em Santos, no III Fes-

tival Nacional de Expansão do Teatro Infantil, a Escola de Teatro

Leopoldo Fróes, daquela cidade, sob a direção de Edmundo Cardoso.

(...) A Escola de Teatro de Santa Maria, ao mesmo tempo que levou à

cena, com êxito de freqüência de público e crítica, a peça infantil, fez

uma amostragem de coisas do Rio Grande do Sul, incluindo literatura e

artesanato. (Dossiê peça Dona patinha vai ser miss, 1975).

Da mesma forma que havia ocorrido por ocasião do II Festival de Expansão do Teatro

Infantil em Santos, em 1972, o elenco da ETLF chegou novamente a Santos, em 1976, com

aeronave cedida pela Base Aérea de Santa Maria, conforme carta de EC ao Major Brigadeiro

Gino Franciscutti, comandante do V Comando Aéreo Regional, em Canoas: “A Escola de Teatro

Leopoldo Fróes desta cidade solicita a cessão de uma aeronave de Santa Maria a Santos e retorno,

com a finalidade de atuar, ali, com os seus elencos cênico e técnico, no III Festival Nacional de

Expansão do Teatro Infantil. (CARDOSO, 1976).

A peça infantil de Artur Maia coloca no palco a Patinha, a Marreca, o Macaco, o Coelho

e o Raposo. A partir daí, o enredo se dá em torno da Patinha, que está apaixonada pelo Coelho,

mas sua tia, a Marreca, deseja vê-la casada com o Raposo. Para convencê-la de que o Coelho é

um bom partido, o Macaco faz com que a Patinha se eleja miss, um sonho da Marreca. Peça

exclusivamente de entretenimento, sem o cunho pedagógico presente em outras peças infantis

encenadas. (Texto peça Dona patinha vai ser miss, 1975).

36. Dona maroquinhas fru-fru (1978)

Estreou no Cine-Teatro Imperial dia 04 de outubro de 1978, às 20h30min, a peça de

Maria Clara Machado Dona maroquinhas fru-fru a qual contou com a participação do seguinte

elenco: Dirceu Brum, Nilton Storgatto, Rosane Abelin, Fátima Cecchin, Horst Lippold, José

Medeiros, Vera Villecker, Ana Abelin, Jorge Beduíno Medeiros, Karen Pulino, Carlos Badke,

Edmundo Cardoso e Paulo Neron Rodrigues.

Como de hábito, a Escola de Teatro havia recebido autorização da SBAT para encenar tal

peça: “Atendendo ao seu pedido de informações sobre a peça Maroquinhas fru-fru, vimos declarar

186

que pode ser encenada pelo Teatro Escola.” (BITTENCOURT, Djalma, Rio de Janeiro, 28 mar.

1978).

O certificado de censura livre fora recebido dia 26 de abril de 1978 permanecendo com

validade até o dia 06 de junho de 1979. (Certificado de Censura Federal de Teatro). Última peça

encenada por um dos fundadores da Escola, José Medeiros.

Última peça de Maria Clara Machado a ser encenada pela ETLF, Dona Maroquinhas

fru-fru conta a história de um concurso de bolo, em que o prêmio é um colar de pérolas. Parte

das pessoas que compõem o juri estão mais interessadas no próprio colar, enquanto as concorrentes

estão preocupadas mesmo é em ganhar o concurso e deter a melhor receita de bolo. Mentiras e

interesses vão se desvendando à medida que todos os envolvidos resolvem roubar o colar ou a

receita da ganhadora do concurso, Dona Maroquinhas. Como de hábito nos textos de M. C.

Machado, são os diálogos que prendem à atenção das crianças com uma trama simples, mas

delicada. (Texto peça Dona Maroquinhas fru-fru, 1978).

37. Joãozinho anda pra trás (1983)

Comédia infantil de dois atos, Joãozinho anda pra trás estreou no Clube Caixeiral

Santamariense, dia 13 de novembro de 1983, às 20h30min. Compuseram o elenco os atores

Juarez Silva, Geolar Badke, Dirceu Brum, Jeci Ritter, Ewerton de Oliveira, Paulo Neron

Rodrigues, Julio Vernei Dorneles e Leda Rechia. Censura: Livre para espetáculos noturnos.

Preços: Cr$ 500,00 e Cr$ 300,00. A SBAT autorizou o espetáculo teatral Joãozinho anda pra

trás, original de Lucia Benedetti, em 06 de outubro de 1983. (Figura 37).

Como o local onde a ETLF sempre havia encenado seus espetáculos – O Cine-Teatro

Imperial - havia fechado em 1979, Edmundo Cardoso enviou carta solicitando o Salão de Festas

do Clube Caixeiral Santamariense, ao que o Clube lhe respondeu dizendo ter sido “aprovada a

solicitação na última reunião da Diretoria.” (LEMOS, 1983). Entretanto, o Clube também alerta

para o “ressarcimento de despesa quanto ao uso de dependências da entidade.”

187

A carta de Antônio C. Freitas Lemos, então presidente do Clube Caixeiral Santamariense

contradiz o depoimento de Jorge Beduino Ramos Medeirtos (2003), sobre a cessão das

dependências do Clube para os ensaios: “O Clube Caixeiral sempre franqueou seus salões para

os ensaios e a ETLF deve horrores a ele. Nunca nos cobrou luz e nós ensaiávamos de segunda à

sexta-feira.” De fato, o Clube Caixeiral emprestava suas dependências somente para os ensaios

da ETLF, não para as encenações em si, que exigiam do mesmo um comprometimento maior,

inclusive porque receberia um público para o espetáculo, coisa que não ocorria nos ensaios.

Edmundo também recebeu do Juizado de Menores “autorização para permitir a entrada

e permanência de menores de idade no período de 13 de novembro, estendendo-se até 20 do

mesmo mês no palco do Clube Caixeiral Santa Mariense.” (MENEZES, Mauro Régis, Santa

Maria, 24 out.1983).

A imprensa local noticiou o retorno da Escola, após quatro anos sem apresentar nenhum

espetáculo, de forma contraditória. Em um artigo se lê: “O elenco dessa hilariante peça infantil

traz de volta os já conhecidos e aplaudidos atores da Escola.” Em outro: “Com Joãozinho anda

pra trás, a Escola volta aos palcos depois de algum tempo de ausência. Na peça 50 por cento

dos atores são estreantes.”(Dossiê peça Joãozinho anda pra trás, 1983).

Figura 37: Encenação da peça Joãozinho anda pra trás. Atores:Lêda Rechia, Geolar Badke, Everton de Oliveira, Paulo NeronRodrigues, Dirceu Brum, Juarez Silva e Julio Vernei Dorneles.(1983).Fonte: Acervo particular EC.

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Alguns atores de fato já eram conhecidos da platéia que assistia aos espetáculos da Escola

de Teatro, como os atores Geolar Badke, Dirceu Brum, Paulo Neron Rodrigues e Leda Rechia.

Os novos integrantes que o segundo artigo referia como 50 % do elenco eram os atores Juarez

Silva, Jeci Ritter, Ewerton de Oliveira e Julio Vernei Dorneles.

Três atores de significativa expressão já não faziam mais parte do antigo elenco, como

João Teixeira Porto, que encenou sua última peça, Feitiço, em 1977, Edna Mey Cardoso havia

falecido em 1979 e José Medeiros, que participara de Maroquinhas fru-fru em 1978, havia

falecido em 1981.

A peça infantil de Lúcia Benedetti conta a história de um rei chamado Joãozinho, que

após uma grave enfermidade, acorda andando para trás e pensa que isto é normal. Ninguém o

contradiz para não exasperá-lo, até que aparece um sapateiro que resolve desmarcarar o

conselheiro do rei e salvar-lhe o trono. Texto curto e simples, sem o cunho pedagógico constante

nas peças infantis de Maria Clara Machada, também encenadas pela ETLF. (Texto peça Joãozinho

anda pra trás, 1983).

Foi a primeira e última peça para os novos atores da Escola de Teatro, uma vez que

Joãozinho anda pra trás foi o último espetáculo levado pela ETFL. Cortinas se fecharam... ou

se abriram?

Foram encenadas 40 peças ao longo dos 40 anos de existência da Escola de Teatro

Leopoldo Fróes. Entre 1943 e 1952, há uma média de encenação de duas peças ao ano.

Praticamente durante todo este período o repertório era constituído de comédias leves, já

conhecidas pelo sucesso no centro do país. Provavelmente isto constituía uma marca de

Setembrino Souza, um dos sócios fundadores, que vinha do teatro profissional e priorizava

textos populares com cenários já elaborados, que possibilitavam uma recriação, quando não

cópia do que vinha sendo levado em São Paulo e Rio de Janeiro.

A partir de 1952, ocorre uma mudança para enfatizar autores com maior valor cultural,

como é o caso de Espectros, de Ibsen, A raposa e as uvas, de Guilherme de Figueiredo e até

mesmo Prietsley, com Curvas Perigosas e Está lá fora um inspetor. Este repertório mais cuidado

vai até A falecida, de Nelson Rodrigues, levada em 1967, que exigiu uma concepção de espetáculo

diferente daquele desensolvido até então.

Em 1969 também temos duas peças não convencionais, Pic nic no front e A história do

189

zoológico, de Arrabal e Albee, respectivamente. A partir dessa data, notamos o predomínio de

peças infantis, especialmente as de Maria Clara Machado.

Dito isso, afirmamos portanto, que em 40 anos a ETLF não se pautou por uma orientação

estética única, experimentando várias formas de espetáculo: a comédia, o drama, a sátira, o

sacro, o teatro de costumes e o infantil.

Como podemos observar, o elenco manteve-se coeso em grande parte do período em que

a Escola atuou. Entendemos que esta união dos atores e técnicos se devia em grande parte à

capacidade de aglutinar pessoas em favor de um ideal, presente em Edmundo Cardoso e também

ao diletantismo e perseverança de Edna Mey Cardoso.

Em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, onde as opções de lazer e cultura não

eram das mais variadas, como vimos nos capítulos anteriores, o papel da ETLF, sua persistência

em torno do teatro, sua insistência em construir uma casa de espetáculos, são sinais de que a

inquietação da modernidade estava presente entre seus habitantes. Além dos quartéis, da ferrovia

e da universo escolar, a ETLF representava o esforço de redimensionar, revitalizar e impulsionar

o mundo provinciano de Santa Maria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Santa Maria, a chegada da estrada de ferro, em 1885, esteve diretamente ligada ao

processo de modernização e urbanização da cidade e da vida cultural. A estrutura urbana melhorou

e a aspiração por um maior grau de civilidade tornou-se preocupação para a população. Tornar

o centro da cidade um espaço moderno era o grande objetivo na época, como ocorria nos demais

centros urbanos do país e do mundo. Como em muitas cidades onde a modernização foi

impulsionada pela chegada da ferrovia, a sociedade santa-mariense vivia o processo modernizante

com certo encantamento e como algo salutar.

A dinâmica social e cultural da cidade sofreu alterações ao longo do século XX, na

mesma medida em que as possibilidades de uma vida econômica mais ativa se acentuavam.

Surgiram diversos locais capazes de proporcionar lazer e entretenimento, da mesma forma que

esforços variados propondo a criação de espaços para o circuito das artes, não só do teatro e do

cinema, mas também de outros modelos de fruição de sociabilidade, como os cafés e os cineclubes.

Durante o período abordado – 1943-1983 – o âmbito das artes em Santa Maria apresentava

certa dicotomia entre teatro e cinema. O teatro permanecia em uma órbita semi-profissional

com o predomínio de grupos amadores, enquanto o cinema ganhava uma dimensão mais

comercial, devido ao fato de se tratar da distribuição de um produto industrial. Podemos afirmar

que a platéia era basicamente a mesma, mas havia distinções. No caso do teatro apostava-se em

um público de gosto refinado, o qual, com o entretenimento, pretendia também o aprimoramento

da sensibilidade. No caso do cinema, a abrangência do público era mais ampla. Além das pessoas

de maior requinte cultural, o cinema também atraía o público que buscava somente a diversão.

Sabe-se que pelas formas de divulgação e acesso, a dimensão industrial do cinema torna a sétima

arte com melhores condições de alcançar amplas platéias. O que identificamos em Santa Maria,

durante o período trabalhado, foi um certo confronto entre estas duas linguagens artísticas.

As formas de entretenimento foram se adequando às condições vigentes e, assim surgiram

191

salas e prédios que puderam proporcionar à sociedade acesso a algumas manifestações no campo

dos espetáculos. Por volta de 1890, houve a criação do Theatro Treze de Maio e, em 1911, a

criação do Cine-Teatro Coliseu Santamariense. Pouco depois o Treze de Maio encerrou suas

atividades e o Coliseu tornou-se a mais importante casa de espetáculos da cidade. Em 1922, foi

inaugurado o Cine-Teatro Independência, na Praça Saldanha Marinho e, em 1938, a empresa

Varella instalou um salão no edifício do Clube Caixeiral, o chamado Cinema Odeon. Em 1935,

surgiu o Cine-Teatro Imperial, na segunda quadra da Rua Dr. Bozano, com um palco bem

estruturado, no qual passou a funcionar a Escola de Teatro Leopoldo Fróes, desde sua fundação,

em 1943, embora a Escola tenha encenado também em outros palcos. Nesta mesma década, o

Cine-Teatro Coliseu foi demolido, dando lugar, em 1959, ao Cine-Teatro Glória.

Com este breve apanhado indicamos que as casas de espetáculos – especialmente aquelas

capazes de comportar apresentações teatrais – nunca foram em grande número na cidade. O

cinema encontrava salas para ser exibido, enquanto o teatro – exigindo outra estrutura – não

tinha uma casa especificamente para isto. Como evidenciaram os depoimentos dos integrantes

da ETLF, as encenações teatrais (e mesmo os ensaios) disputavam os horários com as sessões de

cinema, sendo a preferência dada para essas últimas.

Assim, a cidade de Santa Maria, com uma série de salas de espetáculos – para exibição

cinematográfica e encenações teatrais – a maioria delas próximas à Praça Saldanha Marinho ou

à Avenida Rio Branco, abrigou essa inquietação cultural. Ocorreram várias experiências de

outras salas, como os cineclubes, mas foram as casas citadas que dominaram a cena. O espaço

geográfico do centro da cidade foi a área que abrigou as atividades culturais que constituíram o

foco desta pesquisa.

Hoje permanece ativo um único teatro, o Treze de Maio, reinaugurado em 1996, com

apresentações de peças de grupos da cidade e grupos vindos de fora, inclusive do centro do

país. A vida intensa em torno das salas dos cine-teatros parece ter ocorrido até a década de 80.

A partir daí, a freqüência do público diminuiu. Os chamados cinemas de calçada ou cinemas de

rua (os cinemas existentes até então) desapareceram e se instalaram novas salas de projeção

cinematográfica dentro dos shoppings centers, todas elas com capacidade para uma média de

cem espectadores.

192

Alguma coisa mudou na prática de ir ao cinema e ao teatro na cidade. A época de ouro

das práticas culturais coletivas em Santa Maria parece ter mudado de foco na década de 1980.

Essas práticas se deslocaram para interesses mais ligados ao entretenimento ou a formas de

lazer de usufruto privado. Até os anos 80, o lazer público – o dos espetáculos compartilhados

em grandes salas – propiciava diferentes situações de sociabilidade. Agora, cada vez mais restrito

aos muros e às grades, o indivíduo urbano procura a diversão dentro de casa e limita suas

formas de convívio, muitas vezes, aos meios de comunicação on line. O cinema, em um certo

sentido, adquiriu um estatuto industrial por vezes efêmero e o teatro permaneceu como alternativa

eventual, mesmo havendo uma escola de arte dramática na Universidade Federal de Santa Maria.

Isso posto, leva-nos ao questionamento se a era da televisão, dos canais de filmes da TV

a cabo, das fitas de videocassete e da expansão dos DVDs esteja encerrando a prática tão comum

e até glamourosa de ir às salas de espetáculos. Na verdade, o que temos, no momento, é o

surgimento de novas formas de fruição das narrativas visuais. Hoje, elas ocorrem, muitas vezes,

nos espaços privados e não mais coletivamente, como foram para nossos avós, nossos pais e até

mesmo para nós, na infância e na juventude.

Essas considerações resultam da nossa forma de pensar e sentir a sociedade e a cultura

contemporâneas. Todavia, quando nos dispomos a pesquisar algo que, de alguma forma, está

ligado a nós, temos que, primeiramente, entender que a escritura originada da pesquisa não

pode ter a pretensão da imparcialidade. Ao contrário, o resultado dessa apresentação do tema,

que desde o início não se propôs a apresentar conclusões, mas, sim, a exibir cenários, personagens

e tramas, não escapa da subjetividade pertinente ao pesquisador do presente.

O que constatamos então, é um cenário por vezes fantasmagórico, povoado de

personagens fascinantes, desenvolvendo tramas arrebatadoras, que acabam revestindo-se da

forma mais elevada da vida, isto é, aquela que procura criar alguma coisa além do mundo

concreto e material.

Santa Maria, uma cidade interiorana sul-rio-grandense, marcada pela imensidão dos

campos de criação de gado, pelas lavouras da área colonial, impulsionada pelo movimento da

estrada de ferro, pela dinâmica dos quartéis, do comércio e da universidade, não foi retratada

nos palcos da ETLF. Embora a Escola tenha tentado se deslocar de uma estética que privilegiava

193

a encenação do living da classe média para uma estética de maior densidade emocional, como é

o caso da representação de A falecida, em 1967, não transferiu seu foco para ir ao encontro de

outros segmentos sociais que também compunham a sociedade de então, como o ferroviário, o

estudante, o comerciário. Igualmente, não seguiu a tendência de crítica à nova conjuntura política

e econômica após os anos de 1960.

A ETLF continuou produzindo teatro para um segmento social específico. Isso significa

dizer, que o público leal à Escola de Teatro não era o mesmo que se fazia presente nos palcos do

TUI e do TUSM. São platéias distintas, com interesses estéticos diversos. Ou seja, o TUI e o

TUSM, surgidos na década de 1960, e encenando peças como Ele não usam black-tie, atendiam

às necessidades dos estudantes universitários preocupados com discussões a respeito da Ditadura

Militar recém-implantada e às mobilizações políticas de cunho socializante. Tratava-se portanto,

de outra proposta reflexiva a respeito da sociedade de então.

A Escola de Teatro Leopoldo Fróes foi criada em 1943, por um grupo de pessoas já

ligado aos trabalhos da ribalta e manteve, até 1983, contatos e correspondência constantes com

instituições como a SBAT, a SBOFA, o SESC, a UFSM, a Brigada Militar, os colégios públicos,

os privados, com autores de teatro como Aurélio Ferretti, Joracy Camargo e Guilherme de

Figueiredo, e os atores Procópio Ferreira, Tônia Carrero e Maria Della Costa.

A criação e desenvolvimento da Escola de Teatro somente foram possíveis graças aos

diálogos urdidos por ela mesma com elementos que compunham um segmento da sociedade

local, como inúmeros órgãos e instituições da cidade e com personalidades brasileiras ou

estrangeiras. Isso porque, para criar e manter uma escola de teatro amador no interior do Rio

Grande do Sul, fora do eixo cultural do Estado e do país, seus idealizadores necessitavam efetivar

parcerias temporárias com empresas/empresários locais. Com o passar dos anos, essas parcerias

foram se modificando, criando uma dinâmica singular, delimitada pela própria especificidade

do contexto econômico da cidade.

Dessa forma, percebemos que até a década de 1960, algumas empresas locais permitiram

a execução dos cenários criados pela ETLF, como a Casa Allagio, Casa Binato, Casa Lang,

Casas Roth, A Facilitadora e demais lojas da cidade. A Escola de Artes e Ofícios também prestou

serviços à Escola, compondo cenários, principalmente através de Mestre Romano. A partir dos

194

anos 60, apontamos colaboradores como Seligman Móveis, Trevilar e Planalto Transportes

Ltda, ainda que alguns dos antigos apoiadores permanecessem ativos. Além do apoio de pessoas

jurídicas, a Escola de Teatro também contava com a ajuda financeira de Salvador Isaia e Joaquim

C. Pinto, dentre outros.

Dialogando com as tendências do público santa-mariense, a ETLF foi se desenvolvendo.

Havia um setor da sociedade interessado nas atividades teatrais e foi com essa camada

sociocultural que a Escola formaria parcerias. Era um grupo social que expressava interesse na

modernidade – estava vinculado à modernização da cidade – e teria nas encenações da ETLF

um espaço social e uma representação artística para suas demandas culturais.

Embora o grupo pretendesse durante toda a existência da Escola, construir sua sede

própria – o seu palco - esse sonho não foi realizado. Em parte porque, para isso, necessitava de

verbas públicas, e, mesmo que as tivesse conseguido, era difícil que somassem o valor necessário

para a empreitada do teatro próprio. Por outro lado, a Escola de Teatro não buscou a

profissionalização, pois essa não era sua proposta, e passou a manter poucas possibilidades de

viabilizar financeiramente o projeto a que se propôs: o teatro exclusivamente de cunho amador.

O terreno doado pela Prefeitura Municipal à ETLF, em 1953, foi devolvido ao poder

público em 2001 e, com este ato, real e simbólico, desfizeram-se os sonhos e as expectativas

dos remanescentes do grupo, que assinaram o documento de retorno do imóvel ao órgão

municipal competente. Todavia, continua viva em suas memórias como seria esta casa de

espetáculos com as instalações para o público em torno de 800 lugares; os camarins com espelhos

e iluminação apropriados para a maquilagem; os camarotes, dos quais visualizariam as famílias

proeminentes da sociedade local; os cenários em que os elementos cor e luz criariam a atmosfera

teatral; os ruidosos bastidores, onde poderiam transitar durante as entradas e saídas de cena e,

finalmente, o palco grande, no qual, sempre pensaram um dia encenar seus espetáculos.

Com ou sem seu sonhado teatro, os artistas amadores da ETLF encenaram seus espetáculos

por quarenta anos. A agremiação teve suas crises, houve mudança de rumos no repertório a ser

encenado, mas a maioria dos atores se manteve unida ao longo desse período. Por isso, os

depoimentos hoje, convergem para dois pontos: a liderança de Edmundo Cardoso e a vitalidade

de Edna Mey Cardoso.

195

Os atores, atrizes e equipe técnica, acima de tudo, respeitavam enormemente EC, cresciam

com o seu conhecimento, alimentavam-se da sua energia e idealismo. Todos apontam também,

para a figura entusiástica, conciliadora e criativa de Edna Mey. Essa mulher serena e reconfortante,

que, mesmo em circunstâncias de pressão ou controvérsia, mantinha a calma, era incansável na

criação e execução dos figurinos e na confecção dos panos das cortinas, além de haver encenado

quase todas as peças, desde a fundação da Escola, em 1943, até sua morte, em 1979. Não por

acaso, após seu falecimento, a ETLF permaneceu quatro anos sem levar nenhuma peça, retornando

aos palcos somente em 1983, para encenar seu último espetáculo, o texto infantil, Joãozinho

anda pra trás.

Os quarenta anos da ETLF constituíram-se de um número variado de espetáculos, contando

com os dramas, as comédias, a farsa, a sátira, o sacro, o teatro de costumes e o infantil. A

princípio, a Escola de Teatro optou pela encenação de textos consagrados no centro do país,

como Pense alto e Deus lhe pague. Logo depois, passou a levar peças que exigiam maior apuro

técnico e melhor preparação dos atores, como Curvas perigosas e Delito na Ilha das Cabras.

No final, passou a se dedicar ao público infantil, tipo de repertório levado em suas três últimas

peças, Dona patinha vai ser miss, Dona Maroquinhas fru-fru e Joãozinho anda pra trás .

A Escola de Teatro Leopoldo Fróes encarava os desafios – como o de deixar de ser um

grupo teatral com repertório apenas voltado ao entretenimento – e ousava experimentar. Havia

uma inquietação em relação à linguagem tradicional do teatro, dominante até o final da década

de 1940. Predominava o gênero leve e o drama linear. No entanto, houve projetos mais arrojados.

A peça de Ibsen, Espectros, vai ser um desses momentos. Mais tarde, com A história do Jardim

Zoológico e Pic nic no front, teremos novas experiências. Com A falecida, talvez uma das

encenações mais audazes, rompia com o investimento cênico – a construção meticulosa de

cenários – que caracterizou o trabalho da ETLF desde o início.

Pic nic no front e A história do zoológico são peças que revelam certo investimento em

uma dramaturgia de maior peso cultural, expressando a angústia dos tempos do pós-Segunda

Guerra. Arrabal, autor de Pic nic, era um representante do teatro do absurdo, assim como Albee

que, devido ao clima de angústia representado, filiou-se à mesma tendência estética. Podemos

dizer que a escolha dessas peças apontava para uma ETLF menos preocupada com o

196

entretenimento e mais voltada para as tendências sérias do teatro contemporâneo. Era uma

tentativa da Escola com novas orientações estéticas. Entretanto, outros grupos teatrais, durante

os anos 60 e 70, incorporaram as novas tendências e os novos rumos políticos da época. É o caso

das agremiações vinculadas às organizações universitárias. Havia novas demandas artísticas e o

circuito das artes santa-marienses (restrito quanto a casas de espetáculos e quanto ao público)

não favorecia o convívio de vários grupos teatrais.

As linhas gerais da trama encenada pelos nossos personagens – os artistas amadores da

ETLF – delineiam-se dessa maneira. Os integrantes da Escola incorporaram as inquietações do

teatro brasileiro e as vivenciaram ao seu modo, sob a batuta de seu mestre-diretor Edmundo

Cardoso. Tentaram compreender as necessidades que as populações urbanas letradas tinham

em relação à arte dramática, trazendo essas inquietações para os palcos da cidade. Como não

havia linearidade na escolha do repertório, isso demonstra as tentativas da Escola em se enquadrar

em uma estética menos conservadora e mais vanguardista em alguns momentos, e o caminho

inverso em outras ocasiões.

Como bem aponta Anatol Rosenfeld (1993), o fenômeno básico do teatro é a representação.

O ator se transforma em personagem, incorpora outros gestos e falas e utiliza seu corpo e sua

voz – elementos da sua realidade corpórea – para revelar um mundo irreal. O ator se transforma

em um outro que se projeta em uma dimensão irreal. Atores, em uma peça de teatro, realizam

um processo de metamorfose e promovem um ato que é único em sua manifestação – o tempo da

encenação – e que desaparece quando se fecham as cortinas.

Em uma dimensão mais ampla – para além da ribalta – atores/artistas interpretam também

um drama social que vai além de suas vidas individuais. Eles encarnam – incorporam em seus

gestos e falas – inquietações que pertencem à coletividade. Eles encenam as misérias e grandezas

de uma sociedade (ou de parte dela), os modelos sociais que essas sociedades almejam, as idéias

que elas têm a respeito de si próprias. Encenando dramas e comédias que tinham como cenário

o living da casa de classe média, a ETLF criou o espelho para a sociedade local se refletir, rir e

pensar a respeito de si mesma. Em um certo sentido, a ETLF construiu uma auto-representação

e buscou a própria superação daquilo que incomodava ou precisava ser transformado. Seus

integrantes pertenciam à sociedade de escol e articulavam-se organicamente com uma parcela

197

da classe média local, expressando seus ideais e sensibilidades. Dessa maneira, deram corpo –

expressão artística – para essas inquietações.

Entendemos que é esta a grandeza da arte. Entendemos também que é neste sentido que

devemos ver os amantes da ribalta da ETLF. Eles tentaram, durante todo o tempo, estar vinculados

à vida teatral brasileira e expressaram-se na sua linguagem. Eles atuavam em uma cidade do

interior do Rio Grande do Sul impulsionada no final dos oitocentos pela ferrovia, e em meados

dos novecentos, pelo caráter de cidade universitária. Eles encarnavam ideais de modernização

e não mediam esforços para que seus sonhos de grandeza – que não eram apenas seus – fossem

concretizados no palco.

Foi esta a trama que eles viveram nos próprios corpos, que eles escreveram ao atuarem

nos palcos, que eles escrevem ainda hoje, com seus gestos e falas nos depoimentos que colhemos.

Foram esses os signos que pretendemos apresentar e entender. Essas figuras foram os nossos

personagens e a trama que desenvolveram foi a da criação e manutenção da Escola de Teatro

Leopoldo Fróes em palcos sempre improvisados. Pelos depoimentos de Geolar Badke, J. T.

Porto, Jorge Beduíno, Dalton Couto e Bráulio Souza, e da documentação pesquisada, o espetáculo

continua. Portanto, as cortinas ainda não se fecharam.

Mesmo que o cenário que havia possibilitado as atuações da ribalta da ETLF tenha

deslocado sua direção para outras práticas culturais e aspirações estéticas, e a trama urdida

tenha chegado ao seu fechamento de boca de cena no início dos anos de 1980, seus/nossos

personagens continuam correndo sobre os trilhos da cortina. Por meio de suas memórias, foram

abrindo-se em movimentos às vezes laterais, outras vezes em movimentos diagonais e, tal como

a função da cortina em uma encenação de teatro, revelaram os inúmeros cenários de seus

espetáculos.

O cenário de cor e luz (ou a ausência de ambos), que aqui apresentamos, também foi

possível pela memória deixada por aqueles que escreveram, enquanto viviam, esta trama, ainda

que suas vozes não possam mais ser ouvidas. Se as cortinas continuam abrindo-se, é porque

ainda existe platéia. Nos tempos de ETLF, sua platéia os aplaudia após suas encenações. Hoje,

a platéia se constitui de quem se dispõe a pesquisar e a escrever e de quem se predispõe a ler o

que foi levantado. Mesmo que (re)configurado, o espetáculo continua. O resgate da ETLF –

objetivo maior desta pesquisa – é a concretização de que esta peça ainda está em cartaz.

198

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_____. Carta ao Departamento de Censura. Santa Maria, 12 abr.1968.

_____. Carta ao Clube Caixeiral Santamariense. Santa Maria, 02 jan.1969.

_____. Carta ao Adido cultural dos Estados Unidos em Porto Alegre. Santa Maria, 05

dez.1969.

_____. Carta ao Diretor de Censura e Diversões Públicas de Brasília. Santa Maria, 19 abr.

1971.

_____. Carta à Base Aérea de Santa Maria. Santa Maria,15 set. 1971.

_____. Carta à Diretoria da União dos Funcionários Municipais de Santa Maria e Rio

Grande do Sul. Santa Maria, 21 set.1971.

_____. Carta à SBOFA. Santa Maria, 25 out. 1971.

_____. Carta ao Juiz de Menores de Santa Maria. Santa Maria, 8 set. 1971.

_____. Carta ao V Comando Aéreo Regional, em Canoas. Santa Maria, 3 abr. 1976. Carta.

Rio de Janeiro, 12 abr.1983.

BITTENCOURT, Djalma. Carta a Edmundo Cardoso. Rio de Janeiro, 10 abr. 1980.

FERRETTI, Aurélio. Carta a Edmundo Cardoso. Buenos Aires, out. 1952.

GOMES, Cleber. Carta a Edmundo Cardoso. Santa Maria, 10 set. 1971.

LEMOS, Antônio C. Freitas. Carta a Edmundo Cardoso. Santa Maria, 04 out. 1983.

MENEZES, Mauro Régis. Carta a Edmundo Cardoso. Santa Maria, 24 out.1983.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - Departamento de Polícia Federal. Carta a Edmundo Cardoso.

14 out. 1970.

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