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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE DIREITO
CURSO DE DIREITO
JESSICA FERNANDA GIACOMINI
TESTAMENTO VITAL SOB A ÉGIDE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
TOLEDO
2016
JESSICA FERNANDA GIACOMINI
TESTAMENTO VITAL SOB A ÉGIDE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Artigo de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora, Mestra, Yelba Nayara Gouveia Bonetti
TOLEDO
2016
JESSICA FERNANDA GIACOMINI
TESTAMENTO VITAL SOB A ÉGIDE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Artigo de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Professor 1(Titulação e nome completo)
Instituição 1
_____________________________________
Professor 2 (Titulação e nome completo)
Instituição 2
_____________________________________
Professor 3 (Titulação e nome completo)
Instituição 3
Toledo, ____ de ________ de 2016.
TESTAMENTO VITAL SOB A ÉGIDE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
LIVING WILL UNDER THE OF THE PRINCIPLE OF HUMAN DIGNITY
Autora: Jessica Fernanda Giacominni1 Orientadora: Yelba Nayara Gouveia Bonetti2
RESUMO
O presente artigo aborda sobre a garantia de uma morte digna diante no nosso ordenamento jurídico brasileiro e perante a Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, bem como breves observações de direito comparado. Aborda sobre as Declarações Prévias de Vontade, principalmente quanto as prerrogativas do Testamento Vital. Aprecia o direito dos pacientes em estado terminal de optar por quais tratamentos deseja, ou não, ser submetido. Por fim, esclarece a importância da submissão a vontade antecipada do paciente, posto que, a autonomia de vontade e os princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, estarão presentes no momento da morte.
Palavras-chave: Princípios fundamentais. Morte. Declarações Prévias de Vontade.
ABSTRACT
This article discusses about the guarantee of a dignified death before our Brazilian legal system and before the Resolution nº 1.995/2012 of the Federal Council of Medicine, and brief observations of comparative law. Addresses on the Declarations Will Previews, especially regarding the prerogatives of the Living Will. Enjoy the right of terminally ill patients to choose which treatments you want or not be submitted. Finally, explains the importance of submission advance the patient will, since the autonomy of will and the fundamental principles such as the dignity of the human person, will be present at the time of death. Key-words: Fundamental principles. Death. Statements Will Previews
_______________ 1 Graduando do Curso de: nome do Curso da Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2 Advogada, Mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, Professora da PUC/PR
Câmpus Toledo, Conselheira Estadual da OAB/PR.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP Ação Civil Pública
CEM Código De Ética Médica
CFM Conselho Federal De Medicina
DAV Diretivas Antecipadas De Vontade
IBDFAM Instituto Brasileiro De Direito De Família
RENTEV Registo Nacional Do Testamento Vital
ST Suma Teológica
STJ Superior Tribunal De Justiça
TV Testamento Vital
5
1 INTRODUÇÃO
A Declaração Prévia de Vontade é atualmente um assunto que está em
grande discussão na área da Medicina e no âmbito jurídico, a polêmica se dá por se
tratar do fim da vida. Como sabemos a Medicina tenta ao máximo adiar o “evento”
morte e busca prolongar a existência da vida humana sendo que na esfera jurídica
ela é protegida por todo o ordenamento.
Com o advento da Resolução nº 1.995/2012, do Conselho Federal de
Medicina, é nítida a necessidade de observar e aprimorar os conceitos que dizem
respeito às Diretivas Antecipadas de Vontade.
Com a Resolução do CFM gerou-se a possibilidade de o próprio paciente,
sendo detentor de autonomia e em perfeito estado de capacidade e/ou consciência,
decidir sobre porvindouros tratamentos médicos caso advenham condições de
enfermidade nas quais não há ensejo de optar (DADALTO, 2015).
As Diretivas Antecipadas são entendidas como um gênero, subdivididas em
duas espécies, o Testamento Vital e o Mandato Duradouro. O Testamento Vital diz
respeito aos “futuros cuidados médicos aos quais uma pessoa que esteja incapaz de
expressar sua vontade será submetida, ante um diagnóstico de terminalidade de
vida”. Já, o Mandato duradouro, “refere-se a simples nomeação de um terceiro para
tomar decisões em nome do paciente quando este estiver impossibilitado3 – em
caráter definitivo ou temporário – de manifestar sua vontade” (DADALTO, 2015,
p.107). Embora haja divergências quanto ao conceito, ambos são instrumentos que
garantem ao paciente o respeito à sua vontade, quando incapaz de se expressar de
forma livre e consciente.
Ainda, considerando que o Testamento Vital e o Mandato Duradouro foram
unificados na resolução, o Conselho Federal de Medicina de uma forma ampla
fundamentou as Diretivas Antecipadas de Vontade, conforme definido no artigo
primeiro da resolução:
o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que
estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade4.
_______________ 3 Miguel Kfouri Neto fala em PCS - Procuradores para cuidados de saúde (2013, p. 307). 4 RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012, publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p.269-
70.
6
Em função da resolução, o presente estudo visa realizar uma breve análise
sobre o Testamento Vital, em relação aos tratamentos de saúde desnecessários,
resguardando a dignidade do paciente no momento de sua morte, bem como a sua
liberdade em manifestar a vontade de maneira expressa, através deste documento,
registrado na forma de escritura pública, com a certeza de que se houver
necessidade, sua vontade será respeitada. É importante salientar que a vontade a
ser considerada é a do paciente e não de familiares ou da equipe médica.
Assim, tal medida é em respeito ao direito e ao desejo/vontade antecipado e
expressamente manifestado pelo paciente para que este possa ter um fim digno.
Por conseguinte, o fundamento do Testamento Vital é a autonomia da
vontade, diante da possibilidade de o paciente rejeitar todos os tratamentos e optar
por uma morte natural, a chamada Ortotanásia (LIPPMANN, 2013). Ora, é em
respeito à decisão do paciente de ter uma morte digna.
Diante disso, o propósito é argumentar a aplicabilidade da resolução nº
1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina no ordenamento jurídico, à luz do
artigo 5º, inciso III da Constituição Federal Brasileira, eis que ainda objetiva a análise
do instituto do Testamento Vital no entendimento de legal e jurisprudencial,
verificando-se então a possibilidade de aplicação de disposições de vontade no
âmbito brasileiro.
2 TESTAMENTO VITAL
O Testamento Vital é um instrumento documental, no qual há o apontamento
de desejos do paciente onde se manifesta de forma expressa quanto a sua vontade
de não se submeter a tratamentos médicos extraordinários ou desnecessários.
Lippmann (2013, p. 17) esclarece que tal diretiva é uma declaração escrita da
pretensão de um paciente quanto aos tratamentos aos quais ele não espera ser
submetido caso esteja incapaz de se manifestar (LIPPMANN, 2013). Ou seja, visa
ser eficaz em vida, indicando como anseia ser tratado em situação de doença grave
e em casos de inconsciência.
Neste mesmo sentido, o Testamento Vital é o documento escrito em que a
pessoa indica o tratamento ou o não tratamento que anseia para o momento em que
7
se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, impossilitada de manifestar
sua vontade (SANTOS, 2011).
Não obstante, tal diretiva deve ser compreendida com uma confissão de
escolha, que será utilizada pelo paciente em estado terminal, mas que deve ser
revelada antecipadamente a situação de terminalidade.
O Testamento Vital não deve ser confundido com o Mandato duradouro,
embora ambos os documentos somente serão utilizados quando o paciente não
puder mais se expressar de forma livre e consciente.
Pois bem, no Testamento Vital o paciente já deixa expressamente declarado
em documento qual é sua vontade, já no Mandato Duradouro, o paciente nomeia um
procurador (ou mais), porém a sua vontade não fica expressamente registrada, cabe
ao outorgante comunicar ao seu procurador qual é a sua vontade, e assim, em caso
de terminalidade de vida ou incapacidade (mesmo que por uma situação transitória)
será o procurador quem decidirá, tendo como base a vontade do paciente (KFOURI,
2013).
O Testamento Vital só é eficaz em caso de incapacidade definitiva do
paciente, em contrapartida o Mandato Duradouro também é válido em caso de
incapacidade temporária.
Ambos os documentos devem ser redigidos quando a pessoa ainda estiver
consciente e em pleno gozo das faculdades cognitivas. Ou seja, no momento da
feitura do documento é indispensável a capacidade. Neste momento, considera-se
não a capacidade de direito, aquela que se refere a aquisição de direitos e deveres,
mas sim a capacidade de fato, a qual depende de discernimento (DADALTO, 2015).
É inegável a relevância do Testamento Vital, uma vez que o paciente
acometido de doença incurável, padece de dores oriundas da enfermidade e passa
por abalos psicológicos. Embora o desejo dos familiares é prologar a vida do
paciente, a fim de tê-lo por perto o maior tempo possível, mesmo que diante das
melhores intenções é preciso entender que nesses casos o tempo de vida pode
contribuir para um desgaste, sofrimento e dor.
Sendo assim, a vontade declarada resolve essa recusa e adversidade, pois
trata-se de realizar a vontade do indivíduo. É por esse motivo que os Testamentos
Vitais só são praticados nos casos de doenças irreversíveis ou terminais, onde
nenhum tratamento reverterá o diagnóstico de terminalidade, apenas prolongar a
vida do enfermo e muitas vezes lhe submetendo a dor e sofrimento.
8
No Brasil não há norma jurídica que visa regulamentar o Testamento Vital.
Entretanto, no contexto mundial há países que possuem leis específicas para
regulamentar as Diretivas Antecipadas de Vontade. Nos Estados Unidos da
América, a primeira lei federal, foi aprovada em 1991 (Patient Self-Determination
ACT), a qual passou a reconhecer o direito a autodeterminação do paciente e o
direito de este fazer uma diretiva de vontade (DADALTO, 2015).
Na Europa, o primeiro país a legalizar as Diretivas Antecipadas de Vontade foi
a Espanha em 2002 com a promulgação da lei 415, conhecida como a Lei Básica
Reguladora da Autonomia do Paciente e de Direitos e Obrigações em Matéria de
Informação e Documentação Clínica. Em Portugal foi promulgada a Lei n.º 25/2012
de 16 de julho6, que estabelece o regime das diretivas antecipadas de vontade
(DAV) em matéria de cuidados de saúde, designadamente sob a forma de
testamento vital (TV), regula a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria
o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV).
À vista disso, diante dos exemplos legais no contexto mundial nota-se a
necessidade da regulamentação legal do Testamento Vital no Brasil, vez que é um
importante documento no qual o paciente em estado de terminalidade ajusta o seu
consentimento, acerca dos cuidados e tratamentos que pretende ou não se
submeter. Tal manifestação de vontade é declarada antecipadamente à situação de
inconsciência e/ou incapacidade, a fim de garantir que sua escolha seja respeitada
mesmo quando não houver a possibilidade de se expressar.
Enfim, tal instituto garante o respeito ao paciente enquanto autônomo, ou
seja, a sua vontade e seus desejos e ao mesmo tempo proporciona ao médico um
amparo legal para a tomada de decisão em caso de situações de divergência entre a
vontade do paciente e de familiares.
_______________ 5 Lei 41/2002, de 14 de novembro, Lei Básica Reguladora da Autonomia do Paciente e de Direitos e
Obrigações em Matéria de Informação e Documentação Clínica. Artigo 8.2. O consentimento será verbal por regra geral. Por escrito: intervenção cirúrgica, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e, procedimentos arriscados ou inconvenientes à saúde. A lei em sua íntegra pode ser acessada no site: https://www.boe.es/diario_boe/txt.php?id=BOE-A-2002-22188. Acesso em 19 de maio de 2016.
6 A lei encontra-se disponível no site: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=1765A0019&nid=1765&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&nversao=. Acesso em 19 de maio de 2016.
9
2.1 RESOLUÇÃO DO CFM Nº 1995, DE 31 DE AGOSTO DE 2012
No âmbito jurídico Brasileiro não há lei que regulamenta as Diretivas
Antecipadas de Vontade, sendo assim, o Conselho Federal De Medicina, respaldado
pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957 (normatizada pelo Decreto nº 44.045,
de 19 de julho de 1958) e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, munido
da competência legítima para regulamentar os temas atinentes à área médica
publicou em 9 de agosto de 2012 a Resolução nº 1.995 que dispõe especificamente
sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade.
Diante da necessidade e da inexistência de uma Lei que regulamentasse o
respeito a vontade do paciente, que até então não era eminente, pois sempre que
um paciente se encontrava em estado de terminalidade eram os familiares e a
equipe médica quem decidia os tratamentos a serem realizados, o Conselho Federal
de Medicina percebeu a necessidade de regulamentar as Diretivas Antecipadas de
Vontade, bem como disciplinar a conduta do médico em face das mesmas.
Tal expectativa, surgiu com a precisão de sanar as situações de conflito entre
familiares e médicos e resolver as situações que colocavam o profissional em
conflito com a ordem ética. E, principalmente diante da necessidade de considerar e
atender a vontade dos maiores interessados, ora os pacientes, que muitas vezes
são submetidos a recursos e medidas desproporcionais “que prolongam o
sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas
medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo”7.
A resolução do CFM prevê que o paciente, em estado terminal, possa, com a
ajuda de seus médicos, estabelecer os procedimentos considerados pertinentes e
aqueles aos quais não quer se resignar em caso de doença terminal. Ou seja,
assegura ao paciente em estado terminal, o respeito a sua vontade, caso queira
estabelecer os procedimentos que considera pertinentes e aqueles aos quais não
tem interesse em ser submetido.
O tema é recente no nosso país, visto que a Resolução foi publicada em 2012
e ainda é pouco conhecida, por isso são raros os cidadãos que fazem o Testamento
Vital. Entretanto, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) publicou que,
após a regulamentação, os números de Testamentos Vitais subiram
_______________ 7 RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012, publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p.269-7.
10
aproximadamente 690% (seiscentos e noventa por cento), onde no ano de 2013
foram registrados 69 (sessenta e nove) documentos nos cartórios de notas de todo
território brasileiro e no ano de 2014 foram registrados 548 (quinhentos e quarenta e
oito) documentos.
Destaca-se que o documento tem validade e efetividade, desde que seja
elaborado respeitando todas as exigências. O Conselho Federal de Medicina e a
jurisprudência atuail, garantem o direito do paciente declarar a sua vontade de forma
antecipada.
O Conselho Federal de Medicina retrata a permissão da Ortotanásia,
estabelecendo quais os procedimentos que deverão ser tomados para que a
vontade do paciente seja reconhecida. Precisamente, há a necessidade de
consignar de forma expressa por meio de documento escrito, não deixando atestado
apenas oralmente.
O Código de Ética Médica de 2010 abarca o direito do paciente receber, em
casos de situações clínicas irreversíveis e terminais, os cuidados paliativos. Isso não
significa que o médico esta autorizado a abreviar a vida, ainda que a pedido do
paciente, pois está conduta não é aceita pelo sistema normativo brasileiro, tampouco
pelo Código de Ética Médica, por se tratar de Eutanásia. Já a Ortotanásia não
abrevia, nem mesmo prolonga a vida, apenas permite ao paciente viver até o
momento que seu sistema biológico suportar, sem ficar submetido a tratamentos
fúteis, mas a cuidados que lhe garantam dignidade durante toda a condição de
terminalidade.
Embora exista uma lacuna e mesmo diante de efetiva necessidade de uma
Lei que regulamente as Diretivas Antecipadas de Vontade, as jurisprudências
garantem a efetividade do documento elaborado com base no dispoto pelo CFM. A
Resolução é considerada constitucional8 e avaliza a validade aos Testamentos
Vitais.
A Ação Civil Pública que avaliou a constitucionalidade da Resolução
esclarece que o Conselho Federal de Medicina possui respaldo jurídico para dispor
sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, bem como considerou-a válida diante da
inexistência de lei ou ato normativo da mesma hierarquia sobre essa questão. Ainda
_______________ 8 BRASIL. Tribunal Regional Federal. Ação Civil Pública nº 1039-86.2013.4.01.3500. 1ª Vara
Federal nº 1.18.1881/2012-38. Relatora: Maria Maura Martins Moraes Tayer. Data de julgamento: 21/02/2014.
11
salienta, que não há nenhuma vedação no ordenamento jurídico quanto as diretivas
de vontade.
Isto posto, a resolução nº 1.995/2012 é inteiramente compatível com a
autonomia de vontade, assevera o princípio da dignidade da pessoa humana e
corrobora a proibição de submissão do paciente a tratamento desumano e
degradante.
2.2 REQUISITOS DE VALIDADE
O principal requisito que garante a validade do documento é a capacidade.
Esclarece dizer que, a capacidade compreendida como discernimento é um requisito
essencial para a validade do documento, entretanto nem sempre deverá ser
considerada se a pessoa é civilmente capaz, pois deve-se verificar se na época da
manifestação o paciente está em pleno gozo de suas funções cognitivas, ou seja, se
possui discernimento suficiente para formar e exprimir uma vontade válida. Sendo
assim, há a possibilidade de um menor manifestar a sua vontade, desde que este já
possua considerável discernimento, obviamente precisa ser assistido ou
representada por seu responsável e requerer uma autorização judicial para
formalizar sua vontade de forma antecipada (DADALTO, 2015).
Além da capacidade, há outros requisitos necessários para que o documento
seja válido e tenha eficácia. Cabe ressaltar que, sanado todos os requisitos que
garantem a eficácia e validade do documento, o paciente é livre para decidir sobre
os cuidados da sua saúde, optando pela submissão ou não a intervenções médicas,
desde os tratamentos mais inofensivos aos mais arriscados e invasivos.
Os tratamentos a ser regulamentados são somente os extraordinários, ou
seja, aqueles que visam apenas prolongar a vida do paciente, mas ao mesmo tempo
são fúteis e não revertem a situação de terminalidade. Os tratamentos paliativos
devem ser mantidos, uma vez que servem para amenizar o sofrimento, bem como
objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e dos familiares, assim, irão
assegurar uma morte digna.
O Testamento Vital, em tese, produz efeito erga omnes, pois vincula os
médicos e seus familiares, não podendo estes interferirem na manifestação
12
declarada do paciente, conforme garantido no §3º da Resolução 1995/2012 do CFM
(Conselho Federal de Medicina)9.
Considerando que o documento só será utilizado quando o paciente já estiver
em um quadro clínico irreversível de terminalidade de vida, o documento não possui
vigência temporal, porém só passa ter eficácia em caso de incapacidade definitiva.
Tendo em vista que a condição de terminalidade de vida é um dos encargos
de legitimidade, é eminente conceituá-la, bem como distingui-la de outros
diagnósticos. Assim, morrer não pode ser entendido como um ato único e isolado.
Há mortes que passam por um processo de falência gradual de órgãos e tecidos.
Quando se verifica a morte progressiva e individual dos tecidos, células e
órgãos, ocorre a morte biológica, uma vez que o paciente em tese ainda está vivo,
mas diante de uma situação irreversível, ou seja, a morte clínica já é definida.
Nesta linha de raciocínio, o paciente é considerado em estado terminal
quando é diagnosticado com uma enfermidade incurável, que, independentemente
de qualquer tratamento, não será possível evitar o evento morte (MARREIRO,
2014).
A terminalidade de vida pode ser identificada quando há a presença de uma
doença em estágio avançado, progressivo ou incurável; se não há possibilidades de
respostas positivas a algum tratamento e se existe um prognóstico de vida reduzido
(BRAGA, 2008).
Quanto a forma, a Resolução que regulamenta o documento não estipula uma
estrutura ideal para o registro da Declaração Antecipada de Vontade, mas
especificamente sobre o Testamento Vital, ele deve ser elaborado e registrado por
um Médico já no próprio prontuário do paciente, bem como é necessário que cumpra
os requisitos do artigo 1.876 do Código Civil10. Também, não está determinado se o
documento precisa ou não ser registrado em forma de escritura pública, todavia é
aconselhado que o faça, assim haverá um maior peso na validade e eficácia do
documento.
_______________ 9 “§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico,
inclusive sobre os desejos dos familiares”. 10 “Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo
mecânico. § 1o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. § 2o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
13
Frisa-se que, eventualmente, se o Testamento Vital estiver em desacordo
com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica, poderá o médico se recusar
a aplicar a vontade do paciente.
Portanto, é de extrema importância que o Testamento Vital seja lavrado de
acordo dos os requisitos impostos para sua validade, somente assim será eficaz e
irá garantir a submissão a vontade do paciente.
3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Dignidade da Pessoa Humana é um dos fundamentos da Constituição
Federal, ou seja, é um princípio que rege todo o nosso ordenamento jurídico. Além
disso, possui valor absoluto, pois todos têm o dever de respeitá-lo (LOPES; LIMA;
SANTORO, 2014).
O filósofo Kant doutrinou tal princípio como uma obrigação moral
incondicional e que por este motivo o homem existe como fim em si mesmo. Neste
sentido, o aludido valor constitucional ampara o ser humano para que seja
idealizado e zelado como um desfecho em si mesmo (FARIAS, 2000).
Ora, tal fundamento resguarda o homem na sua dimensão intrínseca. A
dimensão intrínseca e autônoma da dignidade da pessoa humana está intimamente
ligada com a liberdade, ou seja, a autossuficiência de predisposição de vida,
segundo o desígnio espiritual de cada pessoa. O princípio em pleito protege várias
dimensões da existência humana, seja material ou espiritual (LOPES et al, 2014).
Tomás Aquino, um dos mais conhecidos teólogos e filósofos, ao proferir sua
Suma Teológica (ST 1ª, q.29. a.3), uma de suas obras mais conhecidas, explanou
que a criatura humana é a gênese divina mais sublime de toda a natureza, que por
ser provido de racionalidade subsiste uma essência chamada dignidade, revelando a
ideia que o homem além de existir, por si é capaz, em honra de sua racionalidade,
de agir também por si, ou seja, por motivação própria (MARREIRO, 2014).
A autonomia é a capacidade que o ser humano possui inerente ao fato se ser
pessoa racional, a qual possibilita a autodeterminação (KFOURI, 2015).
Destarte, o respeito à dignidade da pessoa humana é ao mesmo tempo o
reconhecimento da autonomia pessoal, ou seja, a emancipação do ser humano para
conduzir sua própria existência. Por isso, o direito de decidir de forma autônoma
sobre sua vida e seus projetos existenciais.
14
Ora, prezar pela vontade do paciente é lhe garantir a sua Dignidade, mesmo
que a decisão manifesta resulte em sua morte. De tal forma, não há como falar em
inconstitucionalidade por ferir o Direito à Vida. De acordo com o Juiz Federal Jesus
Cristomo de Almeida11, aceitar a manifestação antecipada do enfermo em situação
de terminalidade, é uma conduta constitucional e se coaduna com o princípio da
dignidade da pessoa humana, uma vez que oportuniza ao paciente em estado
terminal a admissão de cuidados paliativos, sem o submenter, em objeção a sua
vontade, a intervenções que estendem o seu sofrimento e não mais o tragam
qualquer benefício.
A dignidade da pessoa humana deve ser deduzida como direito fundamental,
não apenas se enquadrando na condição de princípio e regra (ALEXY, 1998).
Portanto, a dignidade da pessoa humana possui condição de princípio fundamental
e relação com direito e deveres fundamentais, sendo assim, possui uma dupla
dimensão jurídica (SARLET, 2015).
Assim, entende-se que o direito a dignidade da pessoa humana é um instituto
norteador em decorrência de colisão entre os direitos fundamentais. O princípio da
dignidade da pessoa humana possui fonte jurídico-positiva dos direitos
fundamentais, visto que dá coerência ao conjunto dos direitos fundamentais
(FARIAS, 2000).
Dessa forma, pode-se entender o direito a dignidade da pessoa humana
como um princípio norteador da aplicação e restrição de todos os direitos
fundamentais. Sendo assim, diante de colisão entre os direitos fundamentais, busca-
se a aplicação daquele que melhor promove a dignidade da pessoa humana.
Para o Desembargador Irineu Mariani12, há conectividade entre o Direito à
Vida, tutelado pelo artigo 5ª da Constituição e o fundamento da Dignidade da pessoa
humana, ora, a vida deve ser digna ou com razoável qualidade. Embora a
_______________ 11 BRASIL. Tribunal Regional Federal. Ação Civil Pública nº 1039-86.2013.4.01.3500. 1ª Vara
Federal nº 1.18.1881/2012-38. Relatora: Maria Maura Martins Moraes Tayer. Data de julgamento: 21/02/2014.
12 APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013)
15
Constituição institua o direito à vida, não deve ser visto como um ‘dever à vida’, é
por esta determinante que o paciente não pode ser forçado a aceitar tratamentos
que por motivos pessoais e de sua escolha não anseia.
A Dignidade também dever ser valorizada no momento da morte. O
ordenamento jurídico busca garantir e proteger a dignidade na vida, mas não se
deve olvidar que a morte também faz parte da vida e se trata do momento mais frágil
dela. A morte digna relaciona-se ao fato de proporcionar ao paciente alívio de dor,
acompanhamento solidário, tratamento de sintomas e assistência religiosa
(TORRES, 1999).
Sendo assim, uma vida com dignidade requer uma morte digna, vez que o
direito a uma vida humana digna não pode acabar em uma morte indigna. Em outras
palavras o fundamento legal está associado a existência em sentido pleno, ao
estado da pessoa enquanto indivíduo.
Neste sentido, a relevante preocupação com o direito de morrer dignamente é
em busca do prolongamento de uma vida digna e principalmente conquistar a
humanização da morte (TORRES, 1999).
Na fase final da vida, quando já está comprovado que o processo da morte é
inconvertível, há necessidade de priorizar o princípio da dignidade da pessoa
humana, em respeito a autonomia do paciente, pois este tem todo o direito de
recusar os tratamentos que visam prolongar a sua vida de forma inútil.
Ora, a Dignidade da Pessoa Humana é um dos princípios que estão acima
dos demais valores, a própria Constituição estabelece que nenhuma pessoa será
submetida a tratamento desumano ou desagradante. Sem dúvida, submeter o
paciente a tratamentos que só prolonguem o seu sofrimento, ou colocá-lo sob
assistência médica contra a sua vontade, fere o direito de autonomia do paciente
que é uma garantia constitucional.
É importante salientar que se não houver respeito pela integridade física e
moral do ser humano, onde as condições mínimas de liberdade e autonomia sejam
reconhecidas e asseguradas, não haverá espaço para a dignidade da pessoa
humana. Neste caso, é indispensável analisar a crença das Testemunhas de Jeová,
as quais defendem sua posição de vida em aspectos científicos para rejeitar a
transfusão de sangue, mesmo diante de um risco de morte. Ao optarem por
tratamentos médicos alternativos, as Testemunhas de Jeová não estão rejeitando
seu direito à vida, contudo estão desempenhando o direito de escolha de tratamento
16
médico, cujo fundamento é o direito à vida com dignidade; a junção do meramente
existir com a liberdade e a autonomia (AZEVEDO, 2012)13.
Logo, é inútil proporcionar ao ser humano garantias que somente serão
consideradas nos momentos mais satisfatórios, quando se tem alegria e disposição,
e em contrapartida abandonar a pessoa humana no momento mais difícil de sua
vida, quando está acometida de fragilidade, onde o mínimo de dignidade que possa
receber é o respeito ao seu desejo de morrer de acordo com a sua vontade, sem
precisar ser submetido a tratamentos não almejados.
3.1 OUTROS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO INSTITUTO
O Testamento Vital é um instituto de pura autonomia, tendo em vista que há
de forma expressa a vontade do paciente. É o poder de estabelecer por si, as regras
de sua própria conduta, a autonomia está atrelada ao indivíduo. Neste sentido o
Estado deveria interferir o mínimo possível na esfera individual (LIPPMANN, 2013).
O princípio da Autonomia privada garante ao paciente o direito de decidir
sobre seu próprio corpo e aceitar ou não tratamentos médicos. Tal princípio está
fortemente ligado ao direito à liberdade. A concepção de dignidade conforta-se na
autonomia pessoal, isso é, na liberdade, de modo que ser humano domina o direito
de formatar a sua própria existência (SARLET, 2015).
A autonomia (o direito de se autogovernar) é assegurada ao paciente
enquanto ele possuir capacidade para pensar e proferir juízos sobre o que considera
bom (KFOURI, 2015).
Destarte, respeitar a autonomia do paciente é reconhecer que é ele quem
deve determinar e tomar as decisões inerentes a sua vida, ao mesmo tempo
respeitar as suas crenças, ambições e valores próprios.
Em consonância a autonomia, ao considerar o Testamento Vital é necessário
a demonstração do livre consentimento informado, onde o paciente deve ser
cientificado sobre todas as informações importantes e indispensáveis a respeito dos
_______________ 13 A Ministra Maria Thereza De Assis Moura do STJ, ao proferir a decisão do HABEAS CORPUS: HC
268459 SP 2013/0106116-5 lembrou que a liberdade religiosa é garantida pela Constituição Federal. Neste sentido, a crença religiosa é escolha real a ser protegida, “uma liberdade básica da qual o indivíduo não pode ser privado sem sacrifício de sua dignidade. A transfusão compulsória violaria, em nome do direito à saúde ou do direito à vida, a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República brasileira.”
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procedimentos a serem eleitos ou rejeitados. Neste sentido, o consentimento
expresso do indivíduo de maneira livre e voluntária é uma garantia de validade ao
documento.
O fundamento da beneficência, que é o dever de fazer o bem ao paciente,
afiança o respeito a vontade do enfermiço, o qual entende que é melhor para si é
cessar os tratamentos extraordinários. Visar o bem, também está relacionado ao ato
de evitar as intervenções fúteis, que apenas prolongam e tornam mais doloroso o
processo de morrer.
Em suma, como apoio ao Testamento Vital quando for anseio do paciente
manifestar antecipadamente a sua vontade referente abstenção de possíveis
tratamentos médicos, não só reverencia a dignidade, como também considera a
autonomia e o bem estar do paciente.
4 ORTOTANÁSIA E EUTANÁSIA
Como todos os avanços na medicina, com o decorrer do tempo despertou-se
nos profissionais na saúde o anseio de obter o domínio da morte, comparável a um
desejo de eternizar a pessoa humana.
Portanto, visando combater essa prática de mortificação do enfermo durante o
seu processo de morrer e que a ortotanásia passou a ser regulamentada pelo Novo
Código de Ética Médica (Resolução do CFM nº 1931/2009) em seu artigo 4114, onde
dispõe que o médico deverá sempre considerar a vontade expressa do paciente. Tal
conduta refere-se exclusivamente ao caso do paciente manifestar-se negativamente
aos tratamentos extraordinários optando pela Ortotanásia (MARREIRO, 2014).
Não há como afirmar que é uma conduta inconstitucional, dado que, como já
visto, o instituto do Testamento Vital, que indica o desejo pela ortotanásia, não fere
nenhum direito ou garantia da Constituição, ao contrário disso, garante ao paciente a
dignidade.
Apesar de não haver lei que trate sobre a questão além da resolução nº
1.995/2012, está tramitando em uma das casas legislativas o Projeto de Lei nº
_______________ 14 “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos
disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
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6.715/200915, do Senado Federal, que tem por objetivo retirar expressamente a
ilicitude da ortotanásia quando preenchidos os requisitos legais.
A ortotanásia é a conduta médica que, diante de morte iminente e inevitável
do paciente, suspende a realização de tratamentos médicos que tenham apenas a
finalidade de prolongar incomensuravelmente a vida do enfermo, passando a lhe
prestar todos os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer de forma
digna.
Neste sentido, a Ortotanásia alinha-se a aceitação do desígnio biológico, uma
vez que não abrevia a vida, e nem tampouco promove o seu prolongamento
irracional (SALES, 2008). É um procedimento que versa sobre a não intervenção no
momento da morte, tanto para antecipar quanto para delongar.
A ortotanásia permite ao paciente receber a contribuição do profissional da
saúde no sentido de abster-se de procedimentos que estenda artificialmente sua
vida, deixando que a morte ocorra de forma natural. Assim, o intuito a partir da
manifestação do paciente passa a ser estritamente cuidar e tratar do paciente em
sua plenitude, na concepção física e psicológica e não a busca irredutível pela cura
de uma doença incurável.
Em outras palavras, é a supressão ou a limitação de todo e qualquer
tratamento fútil, ante a inevitável morte do paciente. Desta forma pode ser
considerado um tratamento correto frente à morte, haja vista que não retarda nem
mesmo antecipa o processo de morte do paciente em estado de terminalidade. A
morte advém espontaneamente como consequência da terminalidade da doença.
Já a Eutanásia é a prática de atos médicos, que motivados por compaixão,
provocam precoce e diretamente a morte do paciente em razão de doença incurável
ou não, a fim de eliminar as dores ou sofrimento. Por esse motivo é entendida como
“morte boa, morte suave”, entretanto é considerada uma forma de suicídio ou
homicídio, forma de supressão que fere o bem jurídico, titulado como a vida
(LOPES, 2014). É expressamente proibida pelo art. 121, §1º do Código Penal16.
_______________ 15 O projeto de Lei nº 6.715/2009 está disponível no site:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=465323. Acesso em 19 de maio de 2016.
16 Art. 121. Matar alguem: § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
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A Eutanásia pode ser classificada por ativa e passiva. Quando o evento morte
ocorre por uma ação é considerada ativa, já a passiva ocorre diante de uma
omissão, podendo ser uma supressão ou interrupção de cuidados médicos. Ainda, a
eutanásia ativa pode ser direta ou indireta; será classificada direta quando há ação
de condutas positivas de ajuda no processo da morte, ou seja, adianta o evento
morte. Quando não se busca a morte do paciente, mas sim o alívio da dor e
sofrimento, mas mesmo assim acarreta na morte, devido a um efeito secundário
ocorre a eutanásia ativa indireta.
A Eutanásia passiva não dever ser confundida com a Ortotanásia, visto que a
Eutanásia suprime todos os tratamentos e a Ortotanásia apenas os procedimentos
extraordinários.
Todas as formas de Eutanásia são ilegais no ordenamento jurídico, mesmo se
o paciente solicitar, recaindo inclusive sanções penais sobre os envolvidos. Todavia,
a Ortotanásia é permitida por depender exclusivamente da vontade do paciente e
por não causar a morte, apenas permitir que ela ocorra naturalmente em
consequência da doença incurável.
Desta feita, o testamento vital é o meio adequado de assegurar a Ortotanásia
e o direito a vida digna.
5 CONSIDEREÇÕES FINAIS
As Diretivas Antecipadas de Vontades ainda serão base para muitas
discussões, vez que o assunto é recente na realidade brasileira e não possui
regulamentação legal. Diante do aumento dos registros de Testamentos Vitais, o
ordenamento jurídico precisará em breve formalizar legalmente as diretivas de
vontade que passaram a ser autorizadas e regulamentadas com a resolução nº
1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina.
Independente da ausência de preceito legal, o documento possui validade e
eficácia, uma vez que não fere nenhuma norma jurídico legal, nem mesmo o Código
de Ética Médica.
Da reflexão sobre o Testamento Vital, passa-se a entender que o homem e a
medicina não devem visar a imortalidade. É necessário derrubar a barreira que induz
o prolongamento da vida humana a qualquer custo. A morte precisa ser aceita como
um acontecimento natural e que ocorra com respeito à dignidade humana.
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É primordial proporcionar e preservar no paciente em estado de terminalidade
a dignidade. Respeitar a vontade do enfermo nesse delicado estágio é uma forma de
garantir que a sua autonomia será priorizada. Ao contrário disso, submeter o
paciente a sucessivos tratamentos que não lhe trarão benefícios, os quais são
totalmente fúteis e não lhe oferecerão nenhuma estima de reversão do estado de
terminal é ferir bruscamente sua dignidade, visto que apenas aumenta o sofrimento,
a dor e a convívio com uma doença incurável.
A Resolução nº 1.995/2012 de forma alguma determina que os tratamentos
extraordinários serão suspensos a todos os pacientes em situação de terminalidade.
Mas dá o direito ao paciente de expor sua vontade ainda quando em pleno gozo de
suas faculdades mentais e discernimento sobre a sujeição ou não a tratamentos
médicos. Ou seja, o paciente poderá não aceitar, em casos de doenças incuráveis,
soluções que apenas delongarão a vida e não lhe trará cura.
O Testamento Vital é a forma de formalizar a vontade do paciente. Todos
devem ter o direito à dignidade de morrer conforme sua vontade, quando diante de
uma doença incurável.
A desejo do paciente de se abster de tratamentos fúteis, não constitui ação do
médico para adiantar o evento morte, pois se trata de Eutanásia, a qual é proibida
pelo ordenamento jurídico. Ao mesmo tempo, o testamento vital não deve ser
entendido como o abandono a todo e qualquer cuidado, pois os cuidados paliativos,
que proporcionam bem-estar e qualidade de vida não devem ser interrompidos,
apenas aqueles que visam adiar o ‘evento’ morte. Com o Testamento Vital que é a
regulação da Ortotanásia, permitirá que a morte ocorra naturalmente em
consequência da doença incurável, conciliando qualidade com tempo de vida por
meio dos tratamentos paliativos.
Certamente é necessário criar uma regulamentação legal sobre as diretivas
antecipadas de vontade e consequentemente sobre o Testamento Vital, vez que o
princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe uma obrigação de
respeito a autonomia, mas também o dever de elaborar condutas positivas que
efetivam a dignidade às pessoas.
Desta forma, o reconhecimento ético e normativo das Diretivas Antecipadas
de Vontade, proporcionará ao médico uma previsão legal segura para acatá-las, por
outro lado, e principalmente, garantirá ao paciente ser tratado de acordo com sua
própria vontade na sua terminalidade, em respeito a seus direitos fundamentais.
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REFERÊNCIAS
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