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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO RODRIGO THOMAZ A densidade da palavra: um encontro entre linguagem teológica e poesia SÃO PAULO 2015

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RODRIGO THOMAZ

A densidade da palavra: um encontro entre linguagem teológica e poesia

SÃO PAULO 2015

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RODRIGO THOMAZ

A densidade da palavra: um encontro entre linguagem teológica e poesia

Dissertação apresentada junto à Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, para obtenção do

título de Mestre em Teologia Sistemática, sob a

orientação do Prof. Dr. Pe. Antônio Manzatto.

SÃO PAULO 2015

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Às minhas sobrinhas, Beatriz e Gabriela.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, autor da poesia mais bela e fonte de toda teologia.

À minha família, onde experimento a ternura e o amor de Deus, no amparo das palavras

gestuais. Meus pais, Pedro e Maria Rosária, minha irmã Luana e seu esposo Giovanni e

minhas sobrinhas Beatriz e Gabriela, com seu carinho e alegria que me fazem ver a beleza da

vida a cada sorriso.

A Dom Odilo Pedro Cardeal Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, por me permitir

desenvolver este estudo.

À Arquidiocese de São Paulo, e de maneira particular à Região Episcopal Belém, Dom Edmar

Perón e ao presbitério desta região, onde posso partilhar minha vida com tão preciosos irmãos

e amigos.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Pe. Antônio Manzatto, pela sua preciosa colaboração na

elaboração deste estudo, colocando-se sempre a disposição e com serenidade me orientando.

Agradeço por ter me apresentado a relação entre teologia e literatura, abrindo assim uma nova

possibilidade de pensar a fé na sua relação com história humana. Meu respeito e admiração.

Meus sinceros agradecimentos aos professores da PUC-SP, que com grande empenho

colaboraram na minha formação teológica.

Agradeço aos funcionários e colaboradores da PUC-SP, em especial às funcionárias da

biblioteca, que com presteza sempre estiveram à disposição.

Agradeço aos meus irmãos e irmãs da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, onde tenho o

privilégio de ser um servidor, vivendo o ministério presbiteral, na alegria de partilhar a

Palavra da Vida e repartir o Pão. Obrigado por testemunharem a cada dia o amor de Deus, em

gestos tão simples, mas tão densos.

Aos meus queridos amigos Gisele Helena da Paixão e Francis Wilian Santos que com

generosidade e paciência colaboraram na revisão deste trabalho.

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SUMÁRIO

Introdução 6

CAPÍTULO I: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA LINGUAGEM TEOLÓGICA 10

1. A linguagem como constitutivo humano 10

1.1. Funções da linguagem 13

1.2. O universo simbólico humano 14

2. A linguagem teológica 17

2.1. Deus se Revela ofertando-se 18

2.1.2. História como mediação hermenêutica da Revelação 20

2.1.3. A encarnação do Verbo divino como evento da Palavra 21

2.2. Elementos da linguagem teológica 23

2.2.1. Analogia, a linguagem própria para falar de Deus 25

2.2.1.1. Tomas de Aquino sobre a analogia 26

2.2.1.2. As três vias da analogia: afirmação, negação e eminência 28

2.3. A linguagem teológica não esgota o mistério de Deus 30

2.3.1. A inabarcabilidade do mistério 31

2.4. Performatividade da linguagem teológica 33

3. Imaginação e metáfora 35

CAPÍTULO II: A PALAVRA POÉTICA NO PENSAMENTO DE KARL RAHNER 41

1. A poesia e o cristianismo 41

2. O homem como ser de horizonte infinito 42

2.1. A graça antecipa a palavra 44

2.2. A poesia prepara o coração para a escuta da palavra da fé 47

2.2.1. Capacidade para ouvir as palavras do mistério. 47

2.2.2. Capacidade para ouvir as palavras que tocam o coração 48

2.2.3. Capacidade para ouvir as palavras que unem 48

2.2.4. O mistério inefável presente em cada palavra 49

3. O homem como ser referido ao Mistério Absoluto 49

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3.1. A Palavra humana e o Verbo Divino 51

4. O sacerdote e o poeta: ministros da palavra 51

5. A densidade da palavra poética 55

5.1. Palavras primordiais 56

6. A missão do autor como atividade de relevância cristã e a existência humana 57

CAPÍTULO III: O DIÁLOGO ENTRE TEOLOGIA E LITERATURA 60

1. Um caminho a percorrer 60

2. A relevância da teologia 61

2.1. Fontes da teologia 62

2.2. Revelação e história 65

3. A relevância da literatura 66

3.1. A poesia como forma de pertencer ao mundo 68

3.2. Prosa e poesia 72

3.3. O ritmo no poema 73

3.4. O autor 73

3.5. O texto como realidade aberta 74

4. A relação entre teologia e literatura 76

4.1. Métodos de aproximação entre teologia e literatura 79

4.1.2. Leitura teológica dos textos literários 79

4.1.3. Método de correspondência 80

4.1.4. Teopoética 81

4.1.5. Dimensão antropológica da aproximação entre teologia e literatura 83

5. Adélia Prado e a poética do cotidiano 84

5.1. Vocação poética 84

5.2. Mística e poesia 86

5.3. O mundo sacramental adeliano 87

5.4. O cotitiano, lugar da poesia. 89

Conclusão 93

Bibliografia 97

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INTRODUÇÃO

O homem é efetivamente um ser capaz de comunicação e de diversas formas e sinais

estabelece comunicação, no entanto, ela se dá de maneira singular através da linguagem,

como característica fundamentalmente humana e que o distingue dos outros animais. Através

da linguagem, que se dá dentro de um processo dinâmico, não como coisa pronta, mas num

“esforço da mente humana no sentido de usar sons para expressar pensamentos”1, é que o

homem se estabelece como ser no mundo, não apenas capaz de descrever coisas ou nomear

objetos, mas o lança para a abertura e revelação do ser, como numa epifania2, capaz de dizer

de si mesmo e de se comunicar. Esta é uma “faculdade que faz do homem um homem. Esta

característica é o perfil próprio do seu ser. O homem não seria homem se não lhe fosse

concedida a capacidade de falar3”.

Na esteira desta definição do ser humano como capaz de comunicação, em especial

pela linguagem, também se sublinha o homem como ser capaz de transcendência. Sua

percepção de si e do mundo não se encerram numa definição rasa e precisa, nem tampouco o

aprisiona num mundo que lhe é familiar e confortável, mas o lança para uma dimensão de

transcendência, onde a cada olhar questionador sobre sua realidade ele é impulsionado sempre

para mais longe, abrindo caminho para uma compreensão de sua dimensão existencial como

ser de horizonte infinito4.

A abertura do homem à transcendência, não o coloca apenas diante de si mesmo e do

mundo que o cerca, mas faz com que ele experimente a si mesmo como mistério, mas também

o impulsiona para a confrontação com Aquele mistério absoluto e original que é Deus, como

experiência fundamental que compõe seu existencial permanente5.

Em se tratando de mistério que toca a realidade humana em sua relação com Deus, a

teologia tem grande relevância, já que se volta para a contemplação da ação divina na história

humana, onde se entrelaçam imanência e transcendência, fundamentalmente expressos no

1 CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 200. 2 Cf. MONDIN, Battista. O homem, quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica. São Paulo: Paulus, 1980. p. 140. 3 HEIDEGGER, M. In Cammino verso illinguaggio, Mursia, Milão, 197. p. 27, apud Mondin, Battista. O homem, quem é ele? p. 140. 4 Cf. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p. 69.

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Verbo Divino como o “auto-expressar-se imanente de Deus, na sua eterna plenitude”6. Neste

sentido, a história humana é permeada do expressar-se-para-fora de Deus como ação

salvadora, a qual introduz o homem no seu mistério incompreensível7.

A teologia como ciência que penetra no mistério divino, tem no terreno da vida

humana seu campo de atuação, perscrutando a história para escutar as ressonâncias da Palavra

de Deus e encontrar os elementos que compõe sistematicamente seu pensamento. Neste

intento, a teologia sabe do seu limite ao procurar conceitos e expressões capazes de evocar os

mistérios divinos e adequar a palavra ao objeto, já que este (Deus) é mistério inefável, do qual

só podemos saber por Revelação, pois ele mesmo se expressa a si como num movimento de

saída, deixando-Se encontrar, no entanto, sem ser abarcado em sua totalidade.

Como ciência a serviço da fé, a teologia precisa ser inteligível e se expressar de

maneira a comunicar efetivamente seus conteúdos, de forma a atualizá-los nos diversos

tempos, lugares e culturas, para que a Revelação esteja sempre dinamizada com a realidade

humana e seja compreensível, promovendo sempre um encontro de amor entre Deus e o seu

povo. Com isso, é fundamental que tenha uma atenção especial neste intento, o cuidado com a

linguagem, como forma de acesso aos conteúdos da fé. É neste sentido que procuramos

indicar a relevância do diálogo da teologia com as diversas ciências, e também com outras

formas de expressão, como sublinhado neste estudo a relação entre teologia e literatura.

A literatura, como linguagem densa de simbologias que coloca o homem em cena,

primeiramente deve ser considerada em sua particularidade como expressão artística, com

valor em si mesma. No entanto, é também um importante instrumento para a compreensão do

universo humano, pois, tem seus alicerces na antropologia, onde o homem é compreendido

em suas diversas formas de ser, como construtor de sua história, num universo onde realidade

e imaginação não são antagônicas, mas se somam numa existência aberta, capaz de alcançar

impossíveis, criar personagens e narrar fatos não acontecidos.

Neste estudo que procura relacionar literatura e teologia, tem destaque a linguagem

poética como forma privilegiada de expressão, onde a linguagem “celebra a si mesma”8e é a

“forma mais adequada para falar do mistério e da experiência religiosa, exatamente por seu

uso de metáforas9”. Também a linguagem poética é um forma de apreensão da realidade e

6 Idem. Teologia e Antropologia. São Paulo: Edições Paulinas, 1969. 7 Cf. Ibidem. p. 78. 8 RICOEUR, Paul. Entre filosofia e teologia II: Nomear Deus. In Nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Loyola, 1996. 9 MANZATTO, Antônio. Teologia e literatura. Reflexão teológica a partir da antropologia contida nos romances de Jorge Amado. São Paulo: Edições Loyola, 1994. p. 78.

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como afirma Ricoeur, constitui modalidades de enraizamento e pertencimento10 ao mundo,

numa relação que “não se esgotam em descrições de objetos”11. Neste sentido, também a

teologia não pretende apenas descrever e elucidar ideias sobre Deus, mas sobretudo ser

palavra capaz de gerar performatividade da fé, numa dinâmica onde a Palavra de Deus não

seja compreendida apenas como Palavra que Deus falou, mas sobretudo Palavra de Deus

falante e atuante na construção da história humana como história da salvação.

Assim, este estudo tem como objetivo contemplar na relação da palavra teológica e

poética a capacidade de expressão do divino, que no seu Verbo encarnado manifestou-se

performaticamente, atuando na história humana, e dela se utilizando para expressar-se, pois

quando dizemos que Deus fala aos homens e que tem uma “Palavra” e que se revelou, não

estamos exatamente pensando em palavras a partir de uma composição gramatical, mas,

sobretudo que se utilizou das categorias humanas, símbolos, imagens, suas diversas culturas,

etc.

Este trabalho é composto de três capítulos, que tem como eixo a linguagem como

expressão do mistério inefável de Deus. O ponto de partida é a reflexão sobre a linguagem

teológica, perpassando por alguns elementos que a constitui, alicerçado no fato de que só se

pode dizer algo sobre Deus porque primeiramente ele se revelou. Desta maneira, a teologia e

sua expressividade, estão a serviço da palavra de Deus, no intento de elucidar seu conteúdo,

sem a pretensão de esgotá-lo.

No segundo capítulo, abordaremos a teologia de Karl Rahner, e mais especificamente

sua reflexão sobre a palavra poética, como instrumento que caracteriza a relação teologia-

poesia, sendo esta última capaz de lançar-se ao mais profundo da existência humana, onde se

encontra Deus, e “dar corpo” ao mistério infinito por meio de suas expressões metafóricas.

Rahner apresenta a palavra poética como palavra densa, que carrega em si não apenas uma

informação, mas, sobretudo, expressa aquilo que a palavra comum é incapaz, o mistério

absoluto, do qual o homem está impregnado.

Por fim, no terceiro capítulo, procuraremos apresentar alguns elementos que compõe

a poesia e apontar alguns caminhos e possibilidades onde se verificam o encontro entre poesia

e teologia como linguagem do mistério.

A relação entre teologia e literatura, embora sistematicamente não tenha sido

estabelecida desde os inícios do pensamento teológico, enquanto elemento constitutivo de

aproximação dá fé no chão da vida humana, pertence à gênese da fé, já que essa enquanto 10 RICOEUR, P. Entre filosofia e teologia. p. 187. 11Ibidem.

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dom é oferta de Deus à humanidade inserida na história, e construtora de sentido. Nesta

mesma história o Verbo de Deus é pronunciado e com ela se relaciona, revestindo-a de

sacralidade.

Neste sentido, procuraremos neste trabalho uma aproximação da linguagem teológica

com a linguagem da poesia, na busca por um pensamento teológico poético capaz de exprimir

o inexprimível, apoiado na densidade da palavra poética, como um balbuciar daquela

realidade da qual o homem está impregnado.

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CAPÍTULO I

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA LINGUAGEM TEOLÓGICA

Um dos problemas mais penetrantes da teologia contemporânea é a da linguagem. O

que significa a linguagem teológica? Qual sua referência? Qual sua lógica? Pode tal

linguagem comunicar algo as pessoas de nosso tempo?12

1.A linguagem como constitutivo humano.

Comumente, numa tentativa de definir o homem, logo se afirma que ele é um ser

racional, distinguido dos outros seres viventes e predicando sua capacidade de consciência de

si e do mundo, como fatores determinantes de humanidade. No entanto, uma característica

importante que identifica o homem na categoria de ser racional é sua capacidade de se

comunicar pela linguagem, que não se encerra na expressão verbal, podendo ser manifesta de

muitas formas, como por exemplo, pelos gestos corporais, roupas, objetos, adornos, etc.

Contudo, deve-se destacar a forma de comunicação pela palavra, como capacidade que

“confere consistência ao ser humano. consolida lhe a identidade, configura lhe a

personalidade. O homem encarna-se na expressão”13.

Um dos primeiros questionamentos acerca da capacidade humana de produzir palavras

para a comunicação é sobre a sua gênesis. A pergunta sobre quem vem primeiro, o

pensamento ou a palavra, é importante, pois coloca o falante diante do processo de criação das

expressões que procuram descrever e explicar as realidades. Dizer da possibilidade da pré-

existência da palavra, seria o mesmo que coloca-la num processo vazio e de fechamento, pois

ao não se relacionar com o processo de conhecimento, seria simplesmente uma expressão

denominativa que se adequaria ao conhecido. O contrário também seria inadequado, já que

não se pode conceber um pensamento mudo, sem palavras. Portanto, podemos dizer que ao se

tratar do início da palavra, “o que conhece gera a palavra como fruto e testemunho do seu

conhecimento”14.

12MACQUARRIE, John. God-Talk.El AnalisisdelLenguage y la logica de la teologia. Salamanca: EdicionesSígueme, 1974. p. 9. 13 ARDUINI, Juvenal. Destinação antropológica. São Paulo: Edições Paulinas, 1989. p. 17 14 ULRICH, Ferdinand. O homem e a palavra. MisteriumSalutis. Compêndio de Dogmática histórico-salvífico. A história salvífica antes de Cristo. n.3,v.2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972.

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11

Esta forma de conhecimento, pautada por certa simbiose entre palavra e pensamento,

confere ao homem a possibilidade de abertura para o mundo, haja vista que, mais do que

multiplicar os conceitos a cerca desta ou daquela realidade, a busca do homem é sempre pela

plenitude15, ultrapassar a si mesmo, ir além do conceito fechado sobre a realidade circundante

e somente o processo criativo do conhecimento, onde palavra e pensamento caminham numa

constante atualização da forma de conceber o real, alinhando o homem à sua destinação para

o encontro com o mundo.

Na sua obra “Destinação antropológica”, Juvenal Arduini afirma que a linguagem é o

fator revelador do homem e que em sua capacidade linguística “o ser humano está sendo pro-

nunciado, desdobrado em forma de anúncio, transformado em mensagem. Está sendo pro-

posto, posto à frente de si mesmo”16.Esta capacidade retira o homem da indigência de si e o

coloca diante da possibilidade de encarar a si mesmo e descrever a si e o universo em que está

inserido.

Arduini, ao se referir à linguagem como elemento que constitui o ser humano, afirma

que esta potência lingüística não é apenas capacidade de se expressar ou descrever

fenômenos, mas também e sobretudo é uma forma de ser. Daí que ele afirma que a linguagem

é fator “antropogenético” pois está naquilo que há de mais essencial da existência humana.

Afirma:

O dizer profundo ontologiza o homem. Mais do que sinal, a palavra é síntese da

existência humana. Com o homem chega a linguagem. Mas também com a

linguagem chega o homem. Percorrer a linguagem de um povo é percorrer-lhe a

história genética. A história não é apenas documentário cultural. É, sobretudo, tecido

antropogenético.17

Ao tratar da auto-referência ao qual o ser humano está inserido, o filósofo Gerhard

Arlt aponta para perspectiva de avanço no caminho da pergunta sobre o ser humano, pois

“toda auto interpretação (grifo do autor), reage sobre o pensar e o fazer”18, iniciando um

caminho importante de mudança, que tem como lugar fundamental, o distanciamento de 15 “No ato do conhecimento, o homem não busca um aumento quantitativo de conceitos, um saber comensurável (qual soma de conhecimentos), mas busca a plenitude viva, que pelo conhecimento ultrapassa a si própria, de sua existência, busca o conhecimento de sua liberdade. Mediante a palavra gerada pelo pensamento, o homem penetra no âmago do ser-ele-mesmo que lhe foi confiado, fiel na aceitação de si mesmo, sem que possa (ao crescer na imanência consciente) esquecer a origem e o instrumento desta comunicação”.Cf. Ibidem. p. 92. 16ARDUINI,Juvenal. Destinação antropológica.p.16. 17 Ibidem. p. 18. 18 ARLT, Gerhard. Antropologia Filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 9.

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12

si.Afirma que “o ser humano não é dado como coisa, senão que é posto sob sua própria

responsabilidade a partir do momento em que adentra o mundo dos símbolos e sinais

linguísticos”19.

Neste sentido, a linguagem é um instrumento humano capaz de interpretar a realidade,

dando significado às coisas, descrever processos, resolver problemas, etc. O humano “é capaz

de se libertar das fronteiras físicas para ingressar no universo simbólico-expressivo traduzido

em formas de linguagem”20.

Battista Mondin ressalta a importância da linguagem, apontando para sua capacidade,

mesmo que apenas no nível linguístico, de resolução de problemas referentes à realidade e

questões filosóficas:

Não só a palavra nos permite falar de tudo, mas também achar a explicação de tudo:

dos problemas do subconsciente, aos da estrutura da sociedade, dos problemas do

conhecimento do ser, dos problemas da arte aos da cultura, da política, da história,

da religião, etc21.

Na esteira da reflexão sobre a importância da linguagem, Mondin procura definir o seu

significado, como um sistema de signos que se destinam à comunicação. No tocante aos

signos, ele os distingue em três grupos fundamentais: os signos naturais e artificiais, os não

linguísticos e os irônicos e convencionais.

Os signos naturais podem são aqueles que nos fazem supor o que indicam, como por

exemplo, a fumaça como signo indicativo do fogo. Já os signos artificiais são aqueles

construídos dentro de uma cultura. Uma pomba branca nos remete à paz.

Os signos não linguísticos são aqueles expressados por sinais, bem como os de

trânsito, por exemplo. Diferentemente dos signoslinguísticos, eles não se utilizam da palavra

escrita nem da falada, para se expressar.

Por fim, Mondin faz a distinção entre signos irônicos, que são aqueles “semelhantes

àquilo que denotam (por exemplo, os quadros, o som onomatopaico, a escrita hieroglífica,

etc.)”22, e os símbolos convencionais, que tem as palavras como sua maior expressão.

19 Ibidem. 20 Ibidem. 21 MONDIN, Battista. O homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. p. 138. 22 Ibidem, p. 141.

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

13

1.1. Funções da linguagem.

Ao tratar da linguagem como constitutivo humano, não basta dizer que o homem fala,

como fazendo parte de sua natureza, sem que se aponte a função desta mesma linguagem. No

processo dialógico, três elementos são fundamentais, e sem eles não há possibilidade de

linguagem: o sujeito que fala, o objeto de quem se fala e o interlocutor a quem se fala.

Conforme apresenta Mondin, esses três elementos que constituem a linguagem dependem das

suas funções, que também são três: representativa ou descritiva, expressiva, existencial ou

emotiva e comunicativa ou intersubjetiva. A essas três funções é acrescentada uma quarta, a

ontológica, por influência especial do filosofo e autor de Ser e Tempo, Martin Heidegger.

Defendida como absoluta pela corrente filosófica neopositivista, somente a linguagem

descritiva é dotada de sentido, pois assume a função de descrever a realidade tal como ela é,

negando assim a possibilidade da metafísica como forma hermenêutica do mundo, já que a

esta não se pode aplicar o critério empirista, onde só é possível conhecer a partir da

experiência sensível. Também a verdade só pode ser expressa a partir de uma linguagem

descritiva, já que, como nos esclarece o critério da ciência, uma proposição só é verdadeira se

corresponde objetivamente e de forma clara e precisa ao objeto. Contudo, para ser

reconhecida como verdadeira,

[...] qualquer outra linguagem adquire valor maior ou menor na medida em que se

conforma com a linguagem científica. A razão da excelência desta última está na

simplicidade de seu critério de significação, que é a verificação experimental23.

Esta teoria foi refutada por muitos pensadores, já que limitar a linguagem apenas a

uma forma, significa desprezar outras importantes possibilidades, tais como a linguagem

comum, a poesia, a linguagem artística, a ética, etc. Neste sentido, cabe-nos contemplar as

outras funções da linguagem que, como vimos, não é apenas a de descrever objetos, numa

rigorosa adequação científica.

Ao se tratar de linguagem, certamente a sua função que mais nos é comum é a da

comunicação, Pois é através da linguagem que nos comunicamos, expressamos desejos,

sentimentos, comandos. É preciso também ressaltar que, se tratando de comunicação, não

apenas devemos nos ater a forma da linguagem falada, já que existem outros meios de se

23 Idem, A linguagem teológica. Como falar de Deus hoje? São Paulo: Edições Paulinas, 1979. p. 41.

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

14

comunicar, através de sinais sonoros, gestos, indumentárias e objetos. No entanto, não se pode

deixar de destacar a forma de comunicação pela palavra, que inclusive tem a capacidade de

substituir as outras formas acima citadas24.

A comunicabilidade que nos vem pela palavra supera a forma descritiva, porque não

apenas faz referência a um objeto estático, mas estabelece relação entre “eus”, que através do

signo da palavra como mediadora, “transforma a nossa presença puramente física e passiva –

simples justaposição no espaço – em presença ativa que nos empenha reciprocamente”25.

Comunicar é também revelar, é se dar ao outro e deixar que o outro também se

ofereça, é tornar-se presente. Gadamer em Verdade e Método afirma que a linguagem que

discorre do processo comunicativo carrega sua própria verdade,“desvela e deixa aparecer

algo”26que neste intercâmbio se torna presente.

1.2. O universo simbólico humano.

Acima acentuamos o homem como um ser que se envolve com a realidade circundante

através da expressão, sobretudo pela linguagem, como elemento que sobressai às

características humanas. No entanto, a linguagem é um dos elementos que compõe o universo

simbólico humano, capaz de romper as fronteiras de um determinismo biológico e alargar a

compreensão a cerca do homem, aumentando não apenas quantitativamente os elementos que

compõe sua existência, mas sobretudo, qualitativamente, pois na dimensão simbólica, “o

homem descobriu, por assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu ambiente”27,

ampliando sua forma de vivência, que o realoca em uma “nova dimensão da realidade”28.

A partir desse argumento, a cerca da capacidade humana em alargar sua forma de

relacionamento com o mundo físico, abre-se diante dele uma gama de possibilidades que vão

além do confronto imediato com a realidade com a qual ele se depara, encerrando sua

experiência nos fatos nus e crus. Cassirer afirma que:

24 ZURKER, Hans. Formas de linguagem da fé. In: Dicionário de conceitos fundamentais em Teologia. São Paulo: Paulinas, 1993. p. 321. 25 MONDIN, Battista. O homem, que é ele? Elementos de antropologia filosófica. p. 148. 26 GADAMER, Hans George. Verdad y metodo. Fundamentos de una hermenéutica. 3.ed. Salamanca: EdicionesSígueme, 1988. p. 461. 27 CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana. p. 47. 28 Ibidem. p. 48.

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

15

Não estando mais num universo meramente físico, o homem vive em um universo

simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes desse universo. São os

variados fios que tecem a rede simbólica, o emaranhado da experiência humana.29

No campo dos sinais e símbolos como constitutivos essencialmente humanos, sabemos

que os símbolos, diferentemente dos sinais, quetambém são produzidos pelos animais, são

elementos estritamente humanos, pois a eles são atribuídos significados, que tem a força de

retirar o homem do “bruto” da existência e elevá-lo ao universo simbólico da cultura.

O símbolo também é como que um elo que conecta o ser humano com o que está ao

seu redor, já que este vive num constante sentimento de desajuste e de necessidade de

encontrar um lar, um lugar onde se fixar, dado sua liberdade e autonomia como constitutivo

de sua forma de ser que, diferentemente dos animais, determinados pelos instintos, vive numa

“compulsão simbólica” 30, como possibilidade de ancorar no seu próprio lar. O símbolo tem a

potência de juntar partes desunidas e dispersas,

[...] reúne, ordena, integra e orienta comportamentos coletivos desde a pré-história

até a nossa pós-história; o símbolo como ato poiético é o mediador que introduz luz

nas trevas, lei no informe e sentido no sem-sentido.31

No tocante a fé, os símbolos tem enorme importância, sobretudo, porque não se pode

pensar numa fé desencarnada da realidade na qual o homem está inserido. Aliás, visitando às

Sagradas Escrituras, podemos claramente perceber que a Revelação de Deus dirige-se a

pessoas concretas, inseridas em determinada realidade sócio-econômico-cultural e, utilizando

dos elementos conhecidos destes, inclusive de sua forma de linguagem. “A revelação e a fé se

dão necessariamente encarnadas na expressividade humana. A revelação divina emprega

como mediação a linguagem humana”32.

O mundo criado é o mediador para a Revelação divina, é onde se encontram os

elementos que constituem os símbolos, que possibilitam a comunicação. O ato dacriação de

29 Ibidem. 30 Expressão utilizada por Mardones. O autor defende a tese de que o homem é um ser marcado pelo descomedimento, pois não possui o instinto como determinação e quietação. O homem se torna compulsivo pelo simbólico, pois está numa constante busca pelo seu lar, lugar de fixação, e como não o encontra, ele cria um universo simbólico que o dota de sentido e o faz aquietar-se na sua existência. Cf. MARDONES, José Maria. A vida do símbolo: a dimensão simbólica da religião. São Paulo: Paulinas, 2006. 31 Ibidem. p. 72. 32 RUBIO, Alfonso García. Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da revelação cristãs. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 484.

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Deus já é linguagem e, em sua “transcendência, cria e fala”33. Assim considerado, sem a

mediação simbólica das coisas criadas, não seria possível o estabelecimento da comunicação

entre Deus e o homem, sobretudo porque, na fé cristã é afirmada:

[...] a dualidade de dimensões básicas do ser humano na unidade do único ser

pessoal. O espiritual e o corpóreo não são partes em oposição mútua no ser humano,

mas dimensões que atingem todo o seu ser e seu agir, o homem integralmente

considerado34.

Não havendo oposição entre espiritual e corporal, e afirmando sua indivisível unidade,

consideramos o grande valor dos símbolos para a expressão da fé, e no tocante a Revelação

divina, acentuamos sua capacidade de expressar realidades profundas do humano, sendo este,

um terreno de valoroso potencial. Adolphe Gesché aborda a questão deste potencial humano,

criado criador, não criado apenas para “realizar um ditado”35, mas potencialmentecriativo,

pois o contrário, ele seria apenas uma coisa.

Deus confiou o ser humano a si mesmo e, embora não seja ele causa de si, ele não é

como as plantas e os animais, cuja gênesis e destino já são potencialmente dados e toda

existência não é mais senão para realizar aquilo que se é, sem que haja reflexão ou

intervenção de um logos capaz de transformar e modificar o curso do que é dado. Há uma

liberdade inventiva no homem, que “não tira nada da criação divina, como em Prometeu. Ao

contrário, fazendo-se inventivo, ele dá continuidade à sua intensão” 36.

Não se pode reduzir o ser humano a um fluxo natural de vida, instintivo, atemático,

mas é fundamental encontrá-lo em constante processo de confecção da sua própria história, o

que se percebe de maneira evidente na sua dimensão simbólica, pois aí é que encontramos

expressos seus sentimentos, desejos, emoções e também elucubrações acerca do sentido da

vida e da história, bem como expressões que tentam alcançar o Absoluto, o Criador. Afirma

Gesché:

A criação do homem é o estabelecimento, sem resquícios e sem retorno, de um ser

que, segundo a própria vontade de Deus, é chamado – é o seu ato de nascimento

para o ser – a se construir no direito e no dever de invenção e de responsabilidade.

Trata-se de um dever de essência e de um dever de existência. Como o homem, a

33 FISICHELLA, Rino. Lenguaje. In Diccionário de Teologia fundamental. 3.ed. Madrid: San Pablo, 1990. p. 821 34 RUBIO, Alfonso Garcia. Unidade na pluralidade. p. 485. 35 GESCHÉ, Adolphe. O ser humano. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 73. 36 Ibidem, p. 75.

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esse respeito, a criação espera seu verdadeiro sentido. Criar é suscitar algo de

inteiramente outro, totalmente novo, e que só terá significado, para o seu próprio

criador, nessa autonomia dada e reconhecida. 37

Não se pode conceber o humano fora do seu tempo-espaço simbólico, pois tudo que o

cerca, inclusive, como afirma Rubio, aquilo que o próprio homem é, “espírito-na-

corporeidade”, já tem natureza simbólica, e, portanto,aponta para o fato de “que o homem só

possa viver com plenitude uma realidade quando a expressa” 38. Na esteira deste pensamento

é que iniciamos nossa reflexão a cerca da linguagem teológica, como expressão humana

performativa, pois “a expressão religiosa em si mesma já tem uma eficácia própria, realiza

uma ação, impulsiona um compromisso”39. Sendo assim, compreendemos que a linguagem

teológica, não se refere apenas a uma forma de expressar a investigação científica de uma

realidade, mas a própria linguagem é mediação para se chegar ao conteúdo.

2. A Linguagem teológica.

Ao começarmos a tratar sobre a linguagem teológica, cabe-nos apresentar os

pressupostos da ciência teológica, cujo objeto, embora não seja demonstrável como em outras

ciências, pode ser conhecido “à luz de uma ciência superior”40, e o que chamamos de ciência

de Deus, só nos é possível alcançá-la porque Deus mesmo se revelou. Contudo, esta revelação

de Deus não o define, já que o que é definível é também manipulável.Neste sentido, nos

ensina Tomas de Aquino a cerca da teologia:

Nesta doutrina, utilizamos, em vez de uma definição para tratar do que se refere a

Deus, os efeitos que Ele produz na ordem da natureza ou da graça. Assim como em

certas ciências filosóficas se demonstram verdades relativas a uma causa a partir de

seus efeitos, assumindo o efeito em lugar da definição dessa causa41.

Esta afirmação de que a palavra da teologia sobre Deus só é possível, porque Deus, no

seu mistério revelou-se aos homens, deve ser compreendida a partir da liberdade de Deus em

querer revelar-se e assim, não se trata de pensar a teologia como um esforço intelectual para

alcançar a divindade em sua transcendência, de maneira a manipular seu objeto, mas uma

escuta amorosa do Deus que fala e revela seu mistério atuando na história humana. Explica

Latourelle que “em seu princípio, a teologia é sobrenatural. Com efeito, há em toda teologia,

37 Idem, O cosmo. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 53. 38 RUBIO, Alfonso Garcia. Unidade na pluralidade. p. 487. 39Ibdem, p. 493. 40 AQUINO, Tomas. Suma Teológica. 1. q. 1. a. 6. 41Ibdem. 1. q.1. a. 7.

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duplo dom de Deus: o dom da palavra de Deus e o dom da fé para aderir a esta palavra com

certeza absoluta”42. Assim podemos dizer que não pode haver teologia sem que antes haja

uma escuta atenciosa e acolhimento Daquele que, “no seu imenso amor, fala aos homens

como à amigos e conversa com eles para os convidar e admitir a participarem da sua

comunhão”43.

2.1. Deus se Revela ofertando-se.

No tocante aRevelação, faz-se necessário, primeiramente discorrer sobre dois

princípios fundamentais que nos situam acerca de sua estrutura44. O primeiro é da ordem da

graça, compreendida como experiência antropológica da Revelação, onde se afirma uma

“abertura transcendental da liberdade humana ao próprio ser”45.O segundo princípio é a

afirmação histórica da revelação, o que indica seu caráter particular e objetivo, diferentemente

do primeiro princípio, que é de natureza antropológica universal.

No que se refere a característica subjetiva e universal da Revelação, podemos entender

como abertura transcendental da existência humana, que ao buscar conhecer, realizar, desejar,

etc., na verdade, abre-se para uma experiência do ser, do absoluto e definitivo. Esta abertura

transcendental, ou autotranscendência, é inerente a todo ser humano, por isso, apontado por

Haight como universal, pois, embora não se possa afirmá-la apenas como experiência

subjetiva, o que resultaria em conceitos apenas abstratos, sem ressonância na realidade

humana, não se pode negar que é também uma experiência pessoal, de um encontro com o

Deus que “abre-se ao homem numa confidência de amor e convida a um comércio de

amizade”46.

42 LATOURELLE, R. Teologia, ciência e salvação. São Paulo: Edições Paulinas, 1971.p. 38. 43Constituição Dogmática Dei Verbum. n. 2. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997. 44 Estes dois princípios são apresentados por Roger Haight em “Dinâmica da Teologia”. O autor procura apontar um breve histórico a cerca da teologia da Revelação, no tocante aos possíveis reducionismos, que por um lado procura afirmar a Revelação como experiência humana puramente subjetiva, na visão de uma teologia liberal, e por outro lado de uma afirmação historicista onde a Revelação acontece somente a partir de eventos particulares, negando a possibilidade de haver uma experiência religiosa universal. Desta problemática resultam dois princípios fundamentais para a compreensão da Revelação, onde se afirma a abertura humana à transcendência, o que podemos chamar de universal, já que não limita a Revelação a apenas um grupo ou povo, mas a todo humano, chamado a salvação universal. O segundo princípio diz respeito a mediação necessária da história, pois a Revelação, pra ser concreta, não pode abdicar desta característica. Estes princípios são inseparáveis e compõe, na concepção moderna da teologia, a dinâmica da Revelação. Cf. HAIGHT, Roger. Dinâmica da Teologia. São Paulo: Paulinas, 2004. 45 Ibidem. p. 77. 46 LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação. p. 12.

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Karl Rahner chama esta forma de Revelação de “autocomunicação de Deus”, que é

Ele mesmo a ofertar o seu próprio ser e “que tem em mira conhecer e possuir a Deus na visão

imediata e no amor”47. Importante sublinhar que Rahner fala do “possuir Deus no amor”, ou

seja, não se trata apenas de uma autocomunicação divina em vista da revelação de conteúdos,

mas de uma proximidade afetiva, de uma comunhão filial. Ao doar-se, Deus é o próprio

dom48e oferece ao homem a participação na sua própria natureza49.

Segundo Rahner, esta autocomunicação de Deus deve ser pensada em duas

modalidades: a da situação antecedente da oferta, onde contemplamos a disposição de Deus

para se comunicar ao homem, e a da tomada de posição do homem, em relação a essa oferta,

ou seja, sua liberdade em acolher ou não esta autocomunicação divina. Importante sublinhar,

que a autocomunicação de Deus é a afirmação do desejo divino em estreitar laços com a

realidade humana, fazendo-se presente, pois Deus é aqueleque “se doa a si mesmo em sua

própria realidade”50,e isso ocorre sem que “deixe de ser realidade infinita e mistério absoluto

e sem que o homem deixe de ser o ente finito e distinto de Deus que é”51.

Mesmo autocomunicando-se, Deus permanece sendo mistério absoluto e santo, fora do

domínio humano, e embora esta experiência de proximidade seja para o homem o cume de

sua existência fundamental, pois propicia a ele o encontro com aquele Aonde e Donde de sua

transcendência, não o credencia a uma compreensão de Deus, que continua a ser o

[...] inominado e indizível, que jamais pode ser compreendido, nem sequer por sua

autocomunicação na graça e na visão beatífica imediata, que jamais se torna sujeito

ao homem, que jamais pode entrar em uma classificação dentro de um sistema

humano quer de conhecimento, quer de liberdade52.

Antes de ser algo objetivo, temático e conceitual, é assim chamada por Rahner, de

experiência transcendental, “porque faz parte das estruturas necessárias e insuprimíveis do

próprio sujeito que conhece, e porque consiste precisamente na ultrapassagem de determinado

grupo de possíveis objetos e categorias”53.

47 RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: Introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 147. 48 Cf. Ibidem. p. 150. 49 Cf. Ibidem. p. 150. 50Ibdem, p. 149. 51Ibdem. p. 149. 52Ibdem. p. 149. 53Ibdem. p. 33.

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2.1.2.História como mediação hermenêutica da Revelação.

Não podemos falar de uma revelação de Deus sem compreendê-la em coexistência na

história humana, tampouco podemos pensar que a experiência transcendental do homem

aconteça numa realidade fora da história, e embora tenhamos a tendência de separar essas

duas dimensões, colocando-as quase sempre em oposição, é fundamental compreender que

fora do histórico, a Revelação não comunicaria nenhum sentido para a humanidade. Neste

sentido, Queiruga, analogamente chama a história de parteira54 da Revelação, pois diz que o

que é revelado não está fora, mas presente na humanidade e no mundo, e que é desvelado no

devir histórico. Podemos dizer, que Deus é sempre oferta generosa aos homens e ao mundo, e

que é no processo histórico que experimentamos esta presença e a interpretamos mediados

pelos conceitos humanos, e aqui como é nosso foco, pela linguagem.

Anular o histórico no processo da Revelação pode trazer consequências perigosas à fé,

pois, aí está a raiz de muitos fundamentalismos bíblicos e teológicos, que procuram afirmar

somente a intangibilidade de Deus, e que os textos sagrados foram ditados literais do divino

ou mesmo tornar a Revelação um bloco de escrituras dissociadas dos fatos que envolvem a

realidade humana e que devem ser apenas observadas sem nenhuma reflexão, tornando-a

estéril e num estado de letargia.

Embora a afirmação histórica da revelação seja fundamental, já que sópodemos

reconhecer a atuação de Deus no tempo, Latourelle destaca uma preocupação importante, para

que não se pense numa teologia apenas debruçada na história da salvação, sem que se ocupe

também em debruçar-se sobre o mistério íntimo de Deus. Para isso, ele afirma que a teologia

é “discurso sobre Deus, mas sobre Deus conhecido através de uma economia” e que “uma

teologia atenta à história da salvação não se opõe a uma teologia centrada em Deus” 55.

54 “Por isso, uma vez acontecido, o que foi revelado torna-se para nós sempre familiar: no fundo, ‘já o sabíamos’. Para expressar esse caráter, fundamental e definidor, há tempos recorro à categoria socrática da ‘maiêutica’: a revelação não traz nada ‘de fora’; pelo contrário, atua como parteira daquilo que já está aí: a presença viva de Deus em nós, na história e no mundo.” Cf.QUEIRUGA, Andrés Torres. Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus: por uma nova imagem de Deus. São Paulo: Paulinas, 2000. 55 LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação. p. 37.

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A afirmação da história como lugar da Revelação, nos permite dizer que ela é o “lugar

da mediação da verdade”56, pois se utiliza da comunicação intermediada pela linguagem

humana para advir ao tempo e espaço, não se esgotando na capacidade humana de apreensão

e interpretação, mas mantendo-se na sua transcendência. De fato, para se comunicar com os

homens, a verdade precisa se utilizar da linguagem dos homens, caso contrário, não

poderíamos falar em uma Revelação, mas num retraimento, fechamento. Deus se expressa na

imanência dos sinais humanos e no Verbo encarnado vem ao tempo e se utiliza do horizonte

mundano para se comunicar.

Quanto ao advento da verdade no tempo, é importante sublinhar que, embora se

relacione com o que é precário, ela não perde sua consistência ontológica, ou seja, não se

confunde com a história, mas a utiliza como sua mediação hermenêutica, “a verdade em si se

faz verdade por nós, sem perder a sua transcendência; ela se dá no horizonte de sentido, faz-se

inteligível e significativa, não ao preço de sua superioridade, mas justamente graças a ela e à

sua manutenção”57.

2.1.3. A encarnação do Verbo divino como o evento da Palavra.

A afirmação histórica também se apoia no fato de que a Revelação não aconteceu de

uma vez, mas faz parte de um processo gradual, cuja culminância se dá na encarnação do

Verbo.

A afirmação cristã sobre a Revelação divina não é um dizer sobre o fim do mistério,

nem mesmo sobre uma descoberta que diz tudo sobre o que antes estava escondido, mas é um

dizer que convida a contemplação, daquilo que se mostra, sem se deixar abarcar por completo.

Este movimento rumo ao mistério não o esgota, mas suscita sempre mais o desejo de

conhecê-lo, e tudo o que podemos dizer sobre ele ainda é um simples “balbuciar e dizer de

maneira muito indireta”58. Mesmo assim, a palavra dita sobre o mistério, embora sua pobreza

e incapacidade de explica-lo, não deve ser entendida apenas como uma pretensão humana

infundada, mas um dizer que introduz o humano no mistério do amor de Deus, que embora

incompreensível à razão, é realidade pela qual leva o homem a um encontro pessoal com

Aquele sobre o qual se tentou dizer.

56 FORTE, Bruno. Teologia em dialogo. Para quem quer e para quem não quer saber nada disso. São Paulo: Edições Loyola, 2002.p. 38. 57Ibdem, Nos caminhos do Uno: Metafísica e teologia. São Paulo: Paulinas, 2005.p. 222. 58 RAHNER, Karl. La gracia como libertad. 2. ed. Barcelona: Herder, 1972. p. 26.

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O autor do Livro os Hebreus situa o evento da encarnação desta forma:“Muitas vezes e

de modos diversos falou Deus, outrora aos Pais pelos profetas, agora, nesses dias que são os

últimos, falou-nos por meio do Filho...” (Hb 1,1).

A afirmação da encarnação do Verbo divino (cf. Jo 1,14) é para o cristianismo o

diálogo mais sublime entre Deus e os homens, pois “tendo vindo do Pai por amor aos seres

humanos, Jesus vive o êxodo de si até o gesto supremo, o abandono da Cruz”59, e sua

existência “na carne é totalmente uma existência acolhida e dada”60, é oferecimento livre

Daquele que amou a humanidade até o fim (cf. Jo 13,1). Em Cristo reconhecemos a “Palavra

que saiu do silêncio, Aquele que é em pessoa o êxodo de Deus de si mesmo por nosso amor, o

Filho eterno que se fez carne e abre o acesso ao mistério abissal da Trindade”61.

A teologia fala do Deus vivo, que embora transcendente, faz-se humano com os

humanos, na pessoa de Jesus Cristo, “tornando-se semelhante aos homens e reconhecido em

seu aspecto como um homem” (Fl2, 7b). “Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15a) e a

“expressão de sua substância”(Hb 1,3). A teologia portanto, fala do Deus que quis morar

entre os homens e com eles se relacionar, é um Deus pessoal, próximo, que entra na história

humana para ser a Palavra plena sobre Deus e sobre os homens62.

Em contemplação a este movimento de descida do Logosque se encarna, é acentuado

por K. Barth como o centro da fé cristã, que não vê oposição entre palavra e ação, doutrina e

vida, mas que para o cristianismo são duas realidades que devem ser entendidas em profunda

comunhão. Acerca disso diz: “Deus fala, Deus age, Deus ocupa o centro de tudo: a verdade se

traduz em ato, o ato se manifesta com a força da verdade. A Palavra é ação, uma ação tal que

é, ela mesma Palavra, Revelação”63.

A entrada do Eterno na história já é acontecimento salvador e não pode ser colocado

ao lado de outros eventos históricos, mas deve ser sublinhado como o acontecimento por

excelência, pois marca profundamente a história humana, que também se torna história divina,

visto que ao entrar no tempo, Deus, sem prejuízo de sua divindade, se faz histórico. Este

movimento dialético, onde Deus se apresenta à história tornando-se histórico e ao mesmo

59 FORTE, Bruno. A essência do cristianismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 57. 60Ibdem. p. 57. 61Ibdem. p. 49. 62 Cf. Hb1, 1-4; DV 4. 63 BARTH, Karl. Esboço de uma Dogmática. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. p. 92.

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tempo mantendo- se mistério, sem mudança ontológica, é considerada por Karl Rahner como

o autêntico da história da Salvação e revelação. Afirma ele:

Essa historicidade da história da salvação a partir de Deus e não só a partir do

homem – de uma história que é realmente a verdadeira e uma história do próprio

Deus, na qual a imutável intangibilidade de Deus se manifesta precisamente em seu

poder de entrar no tempo e na história, fundados por ele, o eterno – essa história vem

a ser experimentada e aparece com a maior clareza no dogma fundamental do

cristianismo que afirma a encarnação do Logos eterno em Jesus Cristo64.

O evento da Encarnação é também evento de um novo começo, pois ao se Revelar no

Filho, o Pai Criador inicia uma nova criação, a partir de um relacionamento também novo,

“não a partir do nada; pelo contrário, Deus adentra a criação” e se encontra com a criatura “e

se torna um com ela”65.

2.2. Elementos da linguagem teológica.

Ao se tratar da linguagem do mistério, no âmbito da fé cristã, é basilar compreendê-la

a partir de seu pressuposto fundamental: só se pode falar de Deus no seu mistério, porque Ele

se comunicou com a humanidade e se revelou, mediado pelo símbolo da linguagem humana.

O que sabemos não é fruto de especulações meramente humanas, mas tem origem na

revelação divina.

Assim posto, nos deparamos com uma particularidade da linguagem teológica: ela não

se perfila à linguagem comum, corriqueira, nem tampouco se resume numa linguagem

científica, que pretenda abarcar todo seu objeto, afim de esclarecê-lo e torná-lo conhecido

linguisticamente. Diferentemente, a linguagem teológica se ocupa do mistério, e por mais que

procure adequar termos e conceitos, sua palavra sempre distará da realidade à qual se pretende

conhecer. No entanto, mesmo consciente desta distância, a teologia procura exprimir seu

objeto por meio da palavra, já que não se pode ter acesso a uma realidade sem o intermédio da

linguagem, e esta embora se baseie nas experiências humanas, nos seres criados e na história,

a realidade ao qual se debruça, vai além desses elementos e não se encerra neles.

Como forma de falar do mistério, a linguagem simbólica é a que melhor expressa o

objeto da teologia, já que embora não se possa abarcar toda sua realidade, o símbolo expressa

de forma “mais sugestiva que argumentativa, mais aberta que fechada, mais próxima da

64 RAHNER, Karl, Curso fundamental da fé. p. 175. 65BARTH, Karl. Esboço de uma Dogmática p. 136.

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encruzilhada que da mão única. O símbolo capta o mistério profundo da realidade, o lado

escondido que o conceito deixa escapar.”66Isso, porque o símbolo tem o poder de adentrar no

mais profundo das realidades, sobretudo no campo da teologia, onde o mistério não pode ser

captado conceitualmente, mas é experimentado no mais íntimo do ser humano.

Na corrente desta reflexão, Yves Congar67 reflete sobre algumas diferenças

importantes entre a linguagem dos espirituais e a dos teólogos. Afirma que os espirituais usam

termos inexatos para exprimir aquilo que experimentam enquanto realidade transcendente, e

pautam sua linguagem por termos como “inexprimível”, “incompreensível”, indizível”,

“inominado”, seguindo uma linguagem apofática, que tende a se calar diante do mistério

divino. É também frequente o uso de paradoxos, semelhante ao que lemos no Evangelho de

João, onde Jesus afirma que “quem perde, ganha” (cf. Jo 12, 25.), referindo-se ao “prêmio”

daqueles que são capazes de gastar a própria vida por causa do Evangelho.

Outro elemento é o da negação, dizem não serem nada ou que nada são as criaturas, o

que indica que “não entendem formular um enunciado metafísico sobre o ser ou o não-ser das

coisas, sobre a ontologia “ôntica” das coisas, mas exprimir uma atitude espiritual vivida.”68É

o sentir-se insignificante diante da grandeza divina, reconhecendo o fato de que

Deus é aquilo que é, isto é, quer dar, quer dar-se, não a quem se eleva

orgulhosamente diante dele, forte de sua própria riqueza ou suficiência, mas ao

pobre, a quem se conhece e se confessa doente, cego, desprovido de justiça e de

virtude69.

A teologia, por sua vezprocura, fundamentada nessas experiências, dar um passo rumo

a inteligibilidade do mistério, embora consciente de sua insuficiência. Não elimina de sua

racionalidade os elementos da teologia inefável, estes continuam a compor seu horizonte de

conhecimento, contudo, avança para a tentativa de objetivar em termos positivos aquelas

realidades da experiência subjetiva. Importante ressaltar, que os conceitos positivos em

teologia não correspondem aos das ciências empíricas, já que seu objeto não pode ser

apreendido de maneira objetiva.A forma de expressar o conhecimento gerado por essas

realidades experimentadas pelos espirituais, passa pelo simbólico e pelo analógico.

66 LIBANIO, J.B. e MURAD, A. Introdução à teologia. Perfil, enfoques, tarefas. 8.ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p. 81. 67 CONGAR, Yves M.J. Situação e tarefas atuais da teologia. São Paulo: Edições Paulinas, 1969. 68Ibdem. p. 170. 69Ibdem. p. 171.

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25

2.2.1. Analogia, a linguagem própria para falar de Deus.

Ao se tratar de linguagem teológica, a primeira afirmação que se faz é de sua

inadequação70, pois tudo aquilo que se fala acerca do mistério divino, é sempre insuficiente e

não é capaz de alcançar toda sua realidade, até porque também existe uma inadequação entre

a realidade do mistério e o pensamento. Sendo assim, como todo pensamento, para ser

expresso precisa de uma linguagem, expressar em conceitos a realidade do mistério torna-se

uma árdua tarefa. Contudo, dado o fato de que se pode fazer a experiência do mistério através

da fé, o que é experiencial, é de certa maneira pensável, e assim, para que o pensamento seja

perfeito, é basilar que ele possa ser expresso por uma linguagem. Portanto, sendo possível ao

pensamento, e embora não assimilado em sua totalidade, o mistério pode ser expresso através

de uma linguagem, e esta, por se tratar de ummistério impenetrável, encontra na linguagem

analógica uma possibilidade adequada de expressão.

Nossa capacidade de elaboração dos conceitos analógicos sobre Deus é fundamentada

na experiência que fazemos com o divino, ou como diz Rahner, com o Aonde de nossa

transcendência. Para o teólogo alemão, esta relação original que estabelecemos com o Aonde

de nossa transcendência é precisamente o ponto de partida de nosso conhecimento, que

embora seja possível constituir algum conceito categorial sobre Deus, mergulhamos

inevitavelmente na incompreensibilidade. Aqui então se funda a analogia, que não pode ser

entendida como um conceito intermediário entre a compreensão e a incompreensão, mas sua

gênese reside na experiência que fazemos do mistério santo, e que de alguma forma pode ser

expresso por conceitos categoriais.

Rahner ainda afirma que nós mesmos podemos nos entender como seres análogos, já

que

[...] estamos fundados no mistério santo, que sempre se nos escapa ao mesmo tempo

que se nos constitui por seu apresentar-se a nós e seu reenviar-nos às realidades

concretas, singulares e categoriais no âmbito de nossa experiência, que por sua vez,

em sentido contrário, constituem a mediação e o ponto de partida para o nosso

conhecimento de Deus71.

70 Cf. BARTH, Karl, Fé em busca de compreensão. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. p. 36. 71 RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. p. 93.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

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Contudo, em teologia, a linguagem analógica “designa a distância entre o

conhecimento que o homem tem de Deus e o próprio Deus”72, ou seja, por mais que se

procure conceituar as realidades divinas, sempre haverá um abismo entre o que se diz e a

realidade em si, e somente atravésdo uso de conceitos análogos é que se pode, ainda que

imprecisamente, falar sobre Deus. Ainda, “sem a assunção da analogia, a linguagem teológica

poderá ser rica em formulações expressivas que poderão contentar o filósofo ou o cientista,

porém desgraçadamente não expressarão o conteúdo da revelação”73.

2.2.1.1. Tomas de Aquino sobre analogia.

Há homogeneidade entre Deus e as criaturas74, já que o Criador é a “medida

primordial de todos os entes”75, mesmo assim, embora possamos atribuir o mesmo nome às

criaturas e a Deus, a razão que norteia não pode ser a mesma, o que nas criaturas corresponde

a uma qualidade, a Deus corresponde a sua essência. Todas as afirmações que fazemos de

Deus e das criaturas embora usemos de um mesmo conceito, este sempre deverá ser usado de

maneira equivoca, ou seja, o conceito é aplicado em diferentes graus sobre essas duas

realidades.

Sobre isso, Tomas explica a partir do conceito de causa e efeito, onde diz que na

causa, ou seja, em Deus, tudo aquilo que se afirma está de maneira una e simples, mas nos

efeitos que se encontram nas criaturas, sempre é dividido e múltiplo. Diz ele: “as perfeições

de todas as coisas que estão divididas e multiformes nas criaturas preexistem em Deus

unificadas.”76

Por exemplo, quanto ao que se afirma que Deus é sábio. A sabedoria em Deus não é

um atributo, uma qualidade que pode perceber em Deus, mas uma realidade essencial. A

bondade em Deus é simples e una, pois essa realidade que é atributo presente nas criaturas,

em Deus é essencial. Assim,quando falamos da sabedoria que se verifica nas criaturas, a

reconhecemos como qualidade em determinado grau, multiplicada nas diversas criaturas.

Tudo aquilo que dizemos sobre Deus e sobre as criaturas nunca são afirmações

unívocas, pertencentes a uma mesma razão ou intensidade, mas sempre uma afirmação

72 BOULNOIS, Olivier. Analogia. In Dicionário Crítico de teologia. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004. p. 120. 73 FISICHELLA. Rino. Lenguaje. In Diccionario de Teologia fundamental. p. 829. 74 Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. q. 13. a. 5. p. 293. 75 Ibidem. 76 Ibidem. p. 294.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

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equivoca, acentuando em Deus a eminência do conceito, ou seja, em Deus todas as afirmações

não pertencem a mesma razão quando as fazemos para as criaturas. O argumento da

eminência é proposto de maneira tríplice, “a saber, de universalidade, de plenitude, de

unidade. Em Deus toda perfeição é livre de qualquer imperfeição”77.

Tomas embora confirme a equivocidade dos nomes que se atribuem a Deus e às

criaturas, faz uma ressalva quanto à distância entre os graus destas afirmações. Não pode

haver completa equivocidade dos nomes78, de forma a negar alguns atributos essenciais de

Deus presente nas criaturas. Assim também, negar completamente o que se verifica nas

criaturas a Deus, pois pode conduzir a anulação da possibilidade de conhecê-Lo. Deste modo,

diz ele:

Só podemos nomear Deus a partir das criaturas, como já foi explicado. Assim, tudo

o que é atribuído a Deus e à criatura é dito segundo a ordem existente da criatura

para com Deus como a seu princípio e à sua causa; em quem preexistem em grau

excelente todas as perfeições79.

Ao dizer propriamente da analogia, Tomas utiliza o argumento da proporcionalidade,

superando os conceitos de univocidade e equivocidade, que podem ou atribuir de maneira

inexata um mesmo termo a Deus e à criatura, de maneira a equiparar as realidades e cair num

antropomorfismo, ou ainda de negar qualquer semelhança, embora em graus diferentes, entre

as criaturas e Deus, negando a relação de causa e efeito. Neste sentido, Tomas usa o exemplo

do termo sadio80 com relação ao remédio e a urina. Esses dois elementos dizem respeito a

saúde, embora o primeiro diz respeito a causa e o segundo ao sinal, um e outro tem relação

com o animal de forma a indicar, na multiplicidade das formas, sua saúde. Assim também

com relação ao termo sadio que pode ser atribuído tanto ao animal quanto ao remédio, este,

causador de saúde presente no animal. Portanto, aqui podemos perceber que para nomear

Deus e seus atributos, recorremos à criatura como portadora das realidades divinas, embora

em grau distinto e imperfeito, mas em relação com Ele.

Ao tratar sobre a linguagem metafórica presente nas Sagradas Escrituras, o doutor

angélico afirma sua capacidade de comunicar as verdades da fé a todas as pessoas, inclusive

as mais simples, apoiando-se no fato de que o próprio Jesus usava desta forma de linguagem,

77 MONDIN, Battista. A linguagem teológica. p. 200. 78 Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. q.13. a. 5. p. 295. 79 Ibidem. p. 295. 80 Ibidem. p. 295.

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falando dos mistérios do Reino de Deus através de parábolas. Também afirma a importância

da metáfora como linguagem que fala diretamente aos sentidos humanos, onde se origina o

conhecimento.81 Ademais, as imagens corpóreas, embora sejam utilizadas nas Sagradas

Escrituras como forma de apresentar o mistério, este continua velado, não deixa de ser

inefável. Isso porque, tudo o que conseguimos falar de Deus, mais se aproxima do que Ele

não é, do que é, e assim, nos damos conta de sua eminência, e tudo o que tentamos pensar

sobre ele não pode alcançar sua verdade, pois sempre se encontra acima de qualquer

compreensão humana.

2.2.1.2. As três vias da analogia: afirmação, negação e eminência.

Estas afirmações de Tomas nos abre caminho para discorrer sobre as três vias da

analogia, a saber, via da afirmação, via da negação e via da eminência.

A via da afirmação compreende aquelas proposições que usamos para predicar algo

sobre Deus.

As origens de nossas ideias e afirmações sobre Deus passam inevitavelmente pelas

criaturas, como vimos acima, já que não podemos conhecer nada que não seja apreendido

pelos sentidos. Desta forma, essas afirmações partem de concepções “puras, abstraídas

transcendentalmente das criaturas"82, ou seja, porquanto se apoia no que conhecemos das

criaturas, o que se afirma sobre Deus é sempre de forma eminente. Assim, quando afirmamos

que Deus é sábio, embora constatasse primeiramente a sabedoria como predicado humano,

dizemos, que, com base na analogia de atribuição de Tomas, Deus é por excelência o Sábio e

a causa da sabedoria humana. O que pertence à realidade divina de forma eminente é

atribuído ao humano de forma imperfeita, porém, é a partir dessa realidade limitada que se

predica algo de Deus.

Neste momento, faz-se necessário uma distinção importante quanto ao alcance da

linguagem analógica. Não se pode pretender que a realidade significada seja de modo

completo expresso pela forma de significar. Uma coisa é o predicado daquilo que se refere a

Deus, outra é a forma como se predica. Por exemplo, contemplamos a sabedoria humana e

afirmamos que embora de maneira imperfeita, esse atributo humano tem Deus como sua

causa, ou seja, a plena sabedoria só se encontra nele, ou melhor, ele mesmo é a sabedoria. No

81 Cf. Ibdem. p. 152. 82 BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. 5.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. p. 340.

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entanto, quando se predica a sabedoria de Deus não podemos dizer com exata clareza a forma

como esse atributo se dá em Deus. Sabemos que Deus é sábio, sabemos que o humano

também é sábio, mas embora saibamos como a sabedoria se manifesta no humano, nada

sabemos como isso se dá em Deus, isso porque Deus transborda todo nosso entendimento.

Paralelamente à via afirmativa encontra-se a via negativa. Embora pareça essa

afirmação contraditória, essas duas vias estão em relação, já que quando afirmamos algo sobre

Deus, sempre se faz as ressalvas necessárias excluindo de sua realidade o modo como se

encontra nas criaturas.

Esta via indica aquilo que se nega sobre a realidade divina. Deus é incorpóreo,

infinito, não gerado. Segundo Tomás, esta é a via própria para o conhecimento de Deus, pois

tudo aquilo que podemos falar dele, denota mais nossa ignorância do que nosso

conhecimento. Esta via nos aponta para a inefabilidade divina. Nada do que dizemos de Deus

condiz com sua natureza, inclusive quando dizemos que Deus é o Ser por excelência. Só

entendemos o que é ser a partir do ser das criaturas e ao negar que Deus compartilha do

mesmo ser, nos resta apenas constatar nossa ignorância e total desconhecimento de Deus, e

por conseguinte, toda a linguagem sobre Ele é sempre imprecisa. Porém, mesmo sem alcançar

a realidade mais original sobre Deus, como diz Agostinho ao refletir sobre o mistério da

Trindade, onde palavra alguma é capaz de explicar, ele afirma que para não se calar, mesmo

que de forma imprecisa, é preciso dizer83.

A terceira via da linguagem analógica é a da eminência. Ela faz referência ao

reconhecimento do mistério inefável de Deus, e se expressa a partir de superlativos,

indicando, como vimos na via afirmativa, que tudo o que afirmamos sobre Deus e que de

algum modo conhecemos primeiramente nas criaturas, devem ser predicadas de forma

eminente a Deus. Ao dizer que Deus é sábio, não dizemos que sua sabedoria se compara a

sabedoria humana, mas que ele é o Sábio por excelência. Constatamos que existe bondade nas

criaturas, mas Deus é boníssimo, pois sua bondade não existe no mesmo grau que nas

criaturas.

Importante ressaltar que esta via não pretende expressar o que pertence exatamente a

essência divina, mas indica que os atributos que se verificam primeiramente nas criaturas e

83 AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994. p. 203.

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que reconhecemos em Deus sua causa, nele sempre se abrem ao infinito, não apenas um

aumento superpotente.

2.3. A linguagem teológica não esgota o mistério de Deus.

“A inesgotabilidade do mistério revelado se reflete inevitavelmente nas

fragmentariedades das formulações que o explicam. Portanto, nenhuma linguagem teológica

pode apresentar a pretensão de esgotar o mistério”84.

Quando refletindo sobre a insensatez humana em ambicionar de alguma maneira o

conhecimento da essência de Deus, São João Crisóstomo afirma que esse intento é o “cúmulo

da loucura”85 e como forma pedagógica ele diz preferir apresentar o testemunho dos profetas,

que não souberam evidenciar a essência divina e nem mesmo descrever a extensão de sua

sabedoria, porém diante desta imensidão, recuam, tomados de grande êxtase, admiração e

temor86. Afirma ainda que Aquele que é o inexprimível, inconcebível, invisível e

incompreensível,

[...] ultrapassa a força da linguagem humana e escapa ao alcance da inteligência de

qualquer mortal; não podem os Anjos investiga-lo, nem os Serafins contemplá-lo,

nem os Querubins compreendê-lo; é invisível aos Principados, às Potestades, às

Virtudes e a todas as criaturas sem exceção; somente o Filho e o Espírito o

conhecem87.

Cita o apóstolo Paulo, que afirma que Deus habita numa “luz inacessível”(1Tm 6, 16),

e sublinha o fato de que, ao se tratar de Deus, ser inacessível é muito mais do que afirmar que

o fundo do mar, por causa de sua imensidão é inacessível, pois o termo aplicado à Deus,

significa que “desde o início se furta a qualquer investigação, sequer permite aproximação”88.

Embora Crisóstomo não se utilize da palavra mistério, o conceito da inacessibilidade de Deus

é uma realidade capaz de expressar sua compreensão, já que embora se possa contemplar seus

rastros na criação, nenhuma razão humana pode chegar realmente dizer com certeza sua

realidade.

84 FISICHELLA, Rino. Lenguaje, in Diccionario de teologia fundamental. p. 829. 85 CRISÓSTOMO, João. Da incompreensibilidade de Deus; Da providência de Deus; Cartas a Olímpia. São Paulo: Paulus, 2007.p. 25. 86 Ibidem. 87 Ibidem. p. 53. 88 Ibidem. p. 55.

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2.3.1. A inabarcabilidade do mistério.

O homem é um ser de transcendência, inclinado ao absoluto, referenciado ao mistério

“que se desvela e vela ao mesmo tempo”89. Esta referência ao mistério é afirmado por Rahner

como uma abertura humana ao infinito, num questionar constante sobre si e da realidade

circundante, e mesmo que chegue a algumas respostas, elas se tornam meras etapas que o

impulsiona para novas perguntas, sem que haja um repouso no definitivo.

O horizonte humano sempre se alarga a medida dos questionamentos que surgem, e

nunca é abarcado pela capacidade de conhecimento e apreensão, pois está sempre exposto à

infinitude e embora possa negar essa realidade, reduzindo sua existência ao objetivável,

envolto por uma questão de “ultimidade”, onde todas as suas atitudes encerram um processo

e, destituindo de sentido de sua existência, esta sempre será uma postura ingênua, marcada

por fuga e ignorância acerca de sua transcendentalidade.

O mistério é realidade comunicada mediante a graça divina, que fundamenta-se na

revelação de Deus, e que embora seja realidade revelada, não é evidente, pois continua a ser

objeto de fé. Conforme a teologia bíblica, o revelar de Deus se dá na sua ação em nós,

atuando na história humana, para realizar sua obra salvífica, como comunicação da verdade,

contudo, só se pode contemplar essa ação divina através da capacidade para ouvir a revelação

de Deus.

De fato, é preciso compreender o significado deste “ouvir Deus”, o que não se trata de

comunicaçãode algumas informações que Ele diz sobre si mesmo, mas ouvir a sua

comunicação da salvação, endereçada a pessoa humana, cujo fundamento se encontra no

Verbo encarnado, que é “a auto manifestação de Deus em sua auto alienação”90, e onde o

homem é introduzido neste mistério inesgotável.

Para situar melhor este tema é importante frisar a doutrina antropológica rahneriana na

qual afirma que o homem é o ouvinte da Palavra, pois está potencialmente aberto para ouvir a

mensagem cristã que “age no sentido de situar o homem perante a verdade real e profunda do

seu ser, verdade a que permanece inevitavelmente preso, ainda que tal prisão seja, em última

análise, a infinita amplidão do incompreensível mistério de Deus”91. Aquele que se reveste de

89 RAHNER. Karl. Curso fundamental da fé. p. 57. 90 Idem, Escritos de Teologia IV. Madrid: TaurusEdiciones, 1967. p. 152. 91 Idem. Curso fundamental da fé. p. 37.

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realidade mistérica só o é para “uma faculdade cognoscitiva determinada e finita”92, ou seja,

Deus não é mistério para Si mesmo, mas absolutamente esclarecido sobre Si.

O dizer de Deus, seu Verbo encarnado, é expressão do seu amor infinito, que diz

amando, na dinâmica do livre dom, que é decisão absoluta de Deus em ir ao encontro do

humano, e no seu Cristo, congregar toda a humanidade no seu mistério divino. Neste sentido

Rahner explica:

Se este Deus segue sendo o mistério insuprimível, o homem é eternamente o

mistério expressado fora de Deus que, por toda a eternidade, participa do mistério de

seu fundamento e que, mesmo quando toda a provisoriedade tenha passado, tem de

ser aceito –como mistério insondável- no amor que nesta aceitação amante leva sua

própria bem aventurança93.

Assim, quando falamos da realidade mistérica do homem, fundamentado na sua

abertura ao mistério absoluto do Verbo encarnado, que não pode ser reduzido a uma forma de

manifestação de Deus, mas sua manifestação por excelência situa o homem frente a sua

realidade mais sublime.

Quanto à incompreensibilidade do mistério, Rahner a afirma, apoiado no fato de que

nenhuma ciência humana é capaz de abarcá-lo, nem tampouco criar uma fórmula capaz de

aprisioná-lo, e tudo o que se possa dizer sobre ele, sempre acentua sua inabarcabilidade.

Contudo, o mistério é inteligível por si mesmo e nenhuma formula científica tem o poder de

atingir sua mais original e profunda realidade. O que podemos mesmo assim, é dizer, ainda

que balbuciando e de maneira indireta, pois é realidade que compõe nossa existência. Desta

forma, o crente se lança sempre a dizer algo sobre o mistério que o transpassa, como tentativa

de expressar o fundamento de toda realidade, “de onde o amor é experimentado como algo

inefável, de onde consciente e tranquilamente se deseja entrar a morte no meio da existência,

onde a alegria não tem nome”94.

Certamente, o que dizemos sobre Deus, ainda que sempre insuficiente e balbuciante,

nos introduz no seu mistério, ao menos de forma a nos lançar insistentemente em inúmeras

dúvidas e perguntas, que nos impulsionam a uma experiência pessoal com o mistério

92 Idem. Escritos de Teologia IV. p. 69. 93 Ibidem. p. 153. 94 Idem. La gracia como libertad. p. 27.

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inesgotável que é o próprio Deus. A resposta às muitas perguntas não, se dá por uma fórmula

científica, mas através do acolhimento do mistério, repousado no amor salvador de Deus.

Na esteira desta reflexão, Rahner trabalha o conhecimento transcendental de Deus

como experiência do mistério, resposta humana ao que se afirma sobre o fato de que, a

experiência encontra espaço para sua efetivação no conhecimento que Deus tem de nós, ou

seja, porque somos conhecidos por Deus, é que se abre a possibilidade de conhecê-lo. Este

conhecimento é de fato a essência da própria transcendência a que o homem é capaz. Esta

abertura é realizada pelo mistério e é fundada nele, e dele é dependente. A transcendência está

direcionada para o conhecimento de Deus, e tem nele sua gênese, de forma a indicar que não é

pela própria força que o homem a conquista, mas pelo fato de o mistério desvelar-se.

Embora falamos do mistério no singular, indicando Aquele que é o mistério absoluto

de Deus, também é fundamental que apontemos que este mistério pode ser contemplado em

mistérios ou proposições misteriosas que procuram discorrer sobre o mistério impenetrável.

Estas proposições são as disposições da teologia em dizer algo sobre Deus em palavras, que,

embora não alcancem a totalidade do mistério divino, apontam para uma forma conceitual de

compreensão. Sobre isto diz Rahner, que no intento de exprimir a realidade divina numa

pluralidade de proposições, “a razão da natureza misteriosa de tais proposições múltiplas

sobre Deus seria efetivamente a mesma, a saber, a divindade essencialmente misteriosa de

Deus”95.

Neste sentido, fica claro que as proposições misteriosas que se referem ao mistério,

nos direcionam ao fato de que o mistério somente o é para nossa razão, cuja capacidade

intelectiva sempre se apresenta insuficiente frente à inefabilidade divina e nos indica que a

forma mais coerente de acesso ao mistério é pela fé, pois a razão na sua realidade mais

original tende a demonstração e a penetrabilidade.

2.4. Performatividade da linguagem teológica.

A linguagem teológica enquanto linguagem do mistério é determinada e tem sua fonte

na Revelação divina, pelo fato de que se temos algo a dizer sobre Deus, é porque antes Ele

nos falou. A teologia se debruça sobre o conteúdo desta Revelação, e se esforça em tornar

inteligível, através de uma pluralidade de conceitos, aquilo que foi recebido da autorevelação

gratuita de Deus. Contudo, a linguagem teológica mais do que ser informativa, ela é

95 Idem. O dogma repensado. São Paulo: Paulinas, 1970. p. 172.

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performativa, pois advém e projeta não apenas para um conhecimento de Deus, mas para

comunhão com Ele.

A contemplação do mistério é o repouso simples sobre o que se conhece de forma

atemática, sem a exigência da complexidade do raciocínio, nem tampouco da conceituação e

demonstração científica. Assim como, diante de uma obra de arte, mais do que procurar

conhecer a intensão do artista ou compreender o seu significado, a contemplação da beleza

tem como forma de expressão o silêncio, pois diz sem dizer, envolve e cala. Também a

linguagem teológica nasce da contemplação da Palavra que cala no coração humano e o

envolve. Essa Palavra é geradora de vida, impulsiona o espírito humano à transcendência e

encaminha para a proclamação confiante: “eu creio”.

Fundada na contemplação do mistério, a performatividade da linguagem teológica

introduz o sujeito crente na dinâmica que a palavra da fé produz, gerando compromisso e

comunhão com o objeto da fé, objetivada na realidade indissolúvel entre o falar e o ser,

próprios da teologia.

Não se pode conceber o dizer teológico descomprometido da tomada de posição do

crente, que ao dizer “eu creio”, implica sua existência numa nova forma de atitude. Isso é

bastante claro nas Sagradas Escrituras que ao narrar os eventosde fé, explora a transformação

da história de pessoas e povos num processo de conversão.

A Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina indica a “obediência

da fé”, conceito paulino, para dizer desta performance que é conduzida pelo Espírito como o

pedagogo e aquele que “aperfeiçoa sem cessar a fé mediante seus dons”96. As muitas

experiências de fé presentes nas Sagradas Escrituras não encerram seu dinamismo na letra do

texto, mas indicam novos caminhos para o crente, que ao interpretar as Escrituras, não o faz

numa pura atitude racional, mas deixa-se ser tocado pela vida comunicada proveniente do

espírito do texto97.

Esta performance não é particularidade humana, como aquele que responde à Deus

pela fé, mas, tem como o primeiro neste processo de envolvimento o próprio Deus, como

narrado nas Sagradas Escrituras, onde Sua palavra criadora faz existir e estabelece vínculo.

96 DV 4. 97 Cf. Bento XVI. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini. Brasília: Edições CNBB, 2013. n. 38.

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Aliás, dizer que Deus é o Criador é evidenciar o fato de que Ele cria num “ato livre”98e

embora a criação não acrescente nada a Deus, podemos assim dizer que Ele é, de certa forma,

afetado por ela já que é “puro dom e gesto do qual ele, ontologicamente, não tem nenhuma

necessidade e que ele oferece tão-só e precisamente em plena superabundância”99.

Quanto ao ato de doar, diz Gesché:

O segredo último de um dom é que ele constitui o outro na capacidade de, por sua

vez, pôr-se como sujeito capaz de doar. Não seria igualmente grande, por parte de

Deus, receber tanto quanto doar? Receber doando? Longe de nossas distinções

maniqueístas, doar não seria ao mesmo tempo receber? Essa seria a força da

gratuidade100.

Isso para dizer da auto implicação de Deus ao criar, sendo afetado por sua criação,

mesmo que em nada prejudicado ou diminuído, mas em profunda relação, sobretudo pelo fato

de que ao criar se pode dizer da kenosis divina, pois sem necessidade de um outro, Deus cria

como ato de sua absoluta gratuidade. Importante aqui sublinhar a imutabilidade de Deus, onde

ser afetado pela criação não significa que haja uma mudança ontológica. A este respeito

Gesché direciona a reflexão para o Verbo encarnado por quem é comunicada vida,

movimento e ser (Cf. At 17,28) e pelo qual a criação se “tornou filial”101no gesto de confiança

do Pai no Filho a quem tudo submeteu (Hb2,8).

A criação é a linguagem de Deus e a forma como se comunica, expressão da

inseparabilidade entre palavra e ato como performance divina, que tem sua plena

expressividade em Jesus Cristo, como a Palavra por excelência do Pai, que por “palavras e

obras, sinais e milagres, e sobretudo com sua morte e ressurreição”102comunica sua vontade

salvífica.

3. Imaginação e metáfora.

O pensamento humano é um mar imensurável de possibilidades, ideias e imagens,

onde o que parece impossível e improvável recebe contornos de realidade, pelo menos na

mente, que é capaz de criar imagens, contar histórias e explicar o que a razão logica não é

capaz. Há uma vida criativa que se agita no ser humano capaz de criar o inédito e de abrir um

98 GESCHÉ, Adolphe. O Cosmo. p. 33. 99 Ibidem. p. 33. 100 Ibidem. p. 35. 101 Ibidem. p. 144. 102 DV 4.

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leque de novos caminhos, desviando do cru da realidade onde a razão é organizadora

implacável, tantas vezes impossibilitada de inventar, criar um novo que possa desbravar

mares nunca antes navegados. É claro que não se trata aqui de colocar como opostas a razão e

a imaginação, pelo contrário, queremos afirmar que existe suporte recíproco e necessidade de

equilíbrio,pois a supremacia de uma sobre a outra pode criar um universo de limitações um

tanto perigoso.

O racionalismo radical pode ignorar elementos humanos que somente a sensibilidade,

o figurativo e o imaginário podem chegar. Assim, também é importante frisar que o

imaginário sem o suporte da razão, pode conduzir a uma alienação “que nos instala num

mundo descoisificado, em ruptura total com o real, mundo esquizofrênico e patológico,

alienado e alienante, mistificante, que instala o real no irreal, nas fantasmagorias”.103

O imaginário é aquele lugar onde o ser humano dá vida a tudo aquilo que não passa

pelo critério do conceito e da demonstração, mas que está presente como realidade latente,

composta de sentimentos, emoções, desejos, percepções e experiências inominadas. É na

imaginação, que esse mundo que habita o humano toma contornos e reveste de novos sentidos

o ambiente que tantas vezes se encerra sob o crivo da razão e do possível.

Imaginar é alçar voos, derrubar muros que cerceiam o espírito humano de chegar à

outra margem, é força elementar “com a qual nosso corpo e nosso espírito vibram em

uníssono e entregam-nos as chaves de nossa busca de sentido”104.

O imaginário encontra na literatura um espaço criativo de manifestação, onde se pode

ler a vida e o ser humano na sua forma mais original, chegando até mesmo onde os

argumentos científicos não conseguem, descrevendo o ser humano e a realidade que o cerca

de maneira profunda. Gesché diz que o “recurso à ficção, libera o campo de abordagem do ser

humano graças a um desenrolar do imaginário”105, abrindo um leque de possibilidades em que

a restrição não tem espaço, onde a partir da narrativa literária o ser humano se encontra com o

que há de mais íntimo nele, e que por vezes se encontra cerceada sob os critérios da razão

lógica.

O imaginário é o lugar da liberdade, que não tem nenhuma obrigação de ser aprovada

pela lógica nem mesmo pela realidade, já que tudo pode ser pensado, imagens podem ser 103 GESCHÉ, Adolphe. O sentido. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 140. 104 Ibidem. p. 141. 105 Ibidem. p. 142.

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construídas mentalmente, palavras podem ser criadas para descrever coisas, pessoas e

situações, sem o menor constrangimento. A literatura tem sua raiz neste mar de

possibilidades, alimentada por elucubrações às vezes insensatas, mas carregada de desejo de

descobertas e de novos sentidos para a existência, deste ser humano em conflito e incessante

procura de si106.

Na esteira desta afirmação sobre a literatura como o lugar de manifestação do

imaginário, podemos acrescentar a poesia como gênero literário que permite a ‘licença

poética’ da alma, não se furtando a uma linguagem descritiva ou explicativa, próprias das

ciências, mas avançando à alma humana e à sua capacidade paradoxal de compreender a si

e ao mundo.

Paul Ricoeuré um importante expoente deste pensamento que afirma a importância

de não apenas considerar de ‘primeira grandeza’ a linguagem descritiva ou científica,

como capaz de dizer algo sobre o mundo ou sobre o ser humano. Compreende a literatura

como a “nossa maneira múltipla de pertencer ao mundo”107e de se relacionar com ele108

sem que nos confinemos a uma postura descritiva de “objetos manipuláveis” ou mesmo

nos reduzamos a uma postura que apenas analisa as coisas a partir do critério da adequação

e verificação, que por vezes cega o ser humano para a modalidade de enraizamento e de

pertencimento da qual a poesia é capaz.

Ricoeur também defende a tese de que não se pode reduzir a poesia numa mera

expressão emocional da subjetividade. De fato, não se pode pretender que o discurso

literário aumente o conhecimento sobre os objetos à semelhança do discurso científico, no

entanto também não se pode negar que a literatura, e de maneira mais específica a poética,

com sua forma de ver o mundo, não possa colaborar para uma compreensão mais

abrangente dos objetos e de sua verdade, que não deve se encerrar apenas no método de

adequação empírica. Sobre isto afirma Ricoeur:

O discurso poético também está no sujeito do mundo, mas não dos objetos

manipuláveis de nosso ambiente cotidiano. Ele se refere às nossas maneiras

106 Cf. Ibidem. p. 149. 107 RICOEUR, Paul. Nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p. 187. 108 Cf. Ibidem p. 188.

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múltiplas de pertencer ao mundo antes que nos opuséssemos as coisas a título de

‘objetos’ dando de frente para um sujeito109.

Neste sentido, o filósofo francês refuta a ideia de que a linguagem é apenas uma

forma emocional de expressão, afirmando que “o que chamamos de ‘emoções’, na esteira

da linguagem poética, são precisamente modalidades de nossa relação com o mundo que

não se esgotam em descrições de objetos”110.Desta forma, conseguimos alargar as

fronteiras da compreensão do universo do conhecimento humano, que se encontra imerso

numa forma variável de pensar e apreender as coisas.

Ademais, surge-nos uma pergunta importante. Qual o lugar da imaginação no fazer

teológico?

Em primeiro lugar é importante ressaltar que a linguagem teológica não é apenas uma

linguagem racional e que “a linguagem técnica não é a única linguagem válida para a teologia

contemporânea”111. Em nada esta afirmação pretende desqualificar a cientificidade da

teologia e sua expressividade, mas pretende abrir caminhos para que a teologia não se curve

apenas a uma linguagem que passe pelos critérios de verificação, nem tampouco de

adequação palavra-objeto, mas que contenha elementos de imaginação e emoção, não

reduzindo é claro, ao sentimentalismo ou a uma imaginação alienante que certamente

levariam prejuízo ao pensamento teológico. Importante também dizer que, sem considerar o

humano em todas as suas dimensões, que incluem o imaginativo e sentimental, corremos o

risco de tornar a teologia estéril, pois ela não se resume a comunicar informações, nem

tampouco falar apenas ao intelecto humano112, mas é também uma de suas tarefas, chamar à

conversão e ser proclamação profética113, que fala aos humanos reais e inteiros.

Um olhar atencioso para as Sagradas Escrituras evidencia bem o que tentamos dizer

acima, sobretudo no que tange a questão do lugar da imaginação na teologia. Pensemos do

que seria da Bíblia sem a imaginação e sua capacidade criativa de dar nomes, criar expressões

e imagens para dar sentido às experiências humanas cultivadas na fé. Já nos primeiros

capítulos do primeiro livro do Pentateuco constatamos a solicitação da imaginação no

processo de formulação do texto da criação, cujo sentido, é afirmar Deus como criador. Ao

109Ibidem. p.187. 110 Ibidem, p. 188 111 MANZATTO, Antônio. Teologia e Literatura. p. 84. 112 Ibidem. p. 84-85. 113 Cf. Ibidem. p. 85.

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criar o homem Deus o modela no barro e insufla em suas narinas o hálito divino como

transmissão de vitalidade, e deste homem, retira uma costela e dela faz a mulher. (cf. Gn2, 4-

25)

Jardim, árvore do conhecimento do bem e do mal, serpente que fala, torre construída

para chegar até o céu, dilúvio, mar que se abre, entre outras imagens, são frutos da

imaginação do hagiógrafo, que se utiliza destes elementos para comunicar um sentido de fé.

Também no Segundo Testamento contemplamos esses elementos do imaginário que

perpassam nas narrativas sobre Jesus de Nazaré e de maneira especial, através de suas

parábolas, que “se dirige sempre a uma verdade única e precisa”114 e convida àquele que ouve

(lê) a “formar um juízo e a partir do qual se dá a passagem à aplicação”115.

Sobre a linguagem imaginativa da Bíblia, Paul Ricoeur afirma sua “total coerência

interna” e unidade,onde se podem perceber as correspondências de um texto ao outro, e por se

tratar de uma linguagem metafórica, tem na poesia uma forma aproximativa de expressão. Diz

ele:

É somente pelo canal da poesia que podemos nos aproximar mais da linguagem

querigmática da Bíblia, quando esta proclama, num modo metafórico ‘O Senhor é

meu rochedo, minha fortaleza...’, ‘sou o caminho, a verdade e a vida ‘isto é o meu

corpo’, etc116.

O real aqui não éo evidente verificável, mas se expressa pelo sentido que convida a

experimentar, pois o aparente das palavras revela o misterioso, aquilo que está por traz do véu

das expressões metafóricas. É assim que se compreende as Sagradas Escrituras na sua

estrutura narrativa, onde a palavra é mais que um instrumento de informação, mas é palavra

falante117, que conduz o leitor a integrar as narrativas bíblicas à sua própria narrativa118,

configurando à sua história o texto sagrado. Nas palavras de Paul Ricoeur, esta interação do

texto sagrado e o leitor caracteriza uma exterioridade para o que narra o texto, já que ele “não

visa nenhum exterior, ele só tem a nós mesmos como exterior, nós mesmos que, recebendo o

texto, nos assimilamos a ele e fazemos do Livro um Espelho”119.

114 DUPONT, Jacques. Por que parábolas: O método parabólico de Jesus. Petrópolis, RJ: Vozes, 1980. p. 10. 115 Ibidem. 116 RICOEUR, Paul. Amor e justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 49. 117 Cf. MANZATTO, Antônio. Teologia e literatura. p. 85. 118 Cf. GESCHÉ, Adolphe. O sentido. p. 153. 119 RICOEUR, Paul. Amor e justiça. p. 53.

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A liturgia cristã e os sacramentos, apontaGesché, são lugares privilegiados onde este

entrelaçamento acontece, sobretudo a partir do significado a que convidam o crente a

experimentar, através dos “símbolos reais de realidades transcendentes”120e sob o véu das

narrativas, metáforas e símbolos presentes na liturgia, o crente adentra ao mistério celebrado.

Explica:

Há, pois, sem, evidentemente, perder-se aí, de reconhecer que a fé cristã, por meio

de seus recitativos e seus gestos litúrgicos, e a teologia, por meio das representações,

às quais recorre como a metáfora sempre vivas, têm o direito de propor-se ao ser

humano como tendo um lugar entre esses discursos do imaginário, discurso que,

como vimos, eram lugar privilegiado da compreensão que o ser humano adquire de

si mesmo121.

A imaginação como o lugar da manifestação dos sentidos tem nas metáforas seus

ícones, que procuram de alguma maneira “objetivar” as realidades que não são explicáveis

sob o conceito das coisas demonstráveis, sem que sejam menos reais que as empíricas, pois

revelam experiências transcendentes através de elementos e imagens conhecidos, como na

doutrina dos sacramentos, onde os sinais sensíveis revelam o que só pela fé se pode ver.

120 GESCHÉ, Adolphe. O sentido. p. 153. 121 Ibidem. p. 154.

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CAPÍTULO II

A PALAVRA POÉTICA NO PENSAMENTO DE KARL RAHNER

“Existem palavras para a cabeça, instrumentos com que

dominar as coisas. Porém há também as que brotam do

coração rendido e adorante ante o mistério que nos

avassala”122.

Karl Rahner

1. A poesia e o cristianismo.

O ponto de partida da reflexão de Rahner a cerca da palavra poética e o cristianismo

não é outro senão a reflexão teológica sobre o homem, haja vista que ele não é poeta, mas

teólogo. A questão que se coloca é como deveria ser este homem se aspira ser cristão? Para

onde ele dirige seu olhar, e como poderá ter como resultado a poesia? E ainda, existe algo que

ele possa preparar em si que resultaria em uma capacidade de recepção poética? Ou ainda, a

poesia, mesmo que isso não seja claro ao poeta, é evocadora de uma realidade sacra, que

permeia o coração humano?

Por ser a religião da Palavra encarnada, de uma Sagrada Escritura e da fé que “entra”

pelos ouvidos, aqueles do corpo, mas também os da alma, o cristianismo indubitavelmente

tem uma profunda relação com a palavra, como lugar de epifania e revelação.

Rahner presta preciosa colaboração nesta reflexão, apontando alguns caminhos que

nos ajudam a compreender a importância da palavra, e aqui de forma especial, da palavra

poética, como expressão que retira o homem do palavrório do cotidiano, tantas vezes

maculado pelo superficial. A palavra poética é expressão do mais intimo do homem, pois fala

de sua existência mais profunda, é o desvelamento do seu ser. É também a forma da palavra

divina, já que essa se expressa poeticamente a cerca de Deus e do homem, enraizada no

concreto, mas não fadada ao fatalismo, que retira o sentido da existência e esvazia a beleza do

viver.

A linguagem poética é precisamente a linguagem do mistério, como expressão daquela

realidade inefável da qual não se pode adequar precisamente em linguagem científica, nem

tampouco aprisionar numa fórmula lógica e direta, mas é como um balbuciar uma realidade

122 RAHNER, Karl. Escritos de Teología IV. Madrid: TaurusEdiciones, 1967. p. 333.

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da qual estamos impregnados, mas não alcançamos sua totalidade. Para isso, Rahner afirma a

necessidade da graça, como preparação do coração para primeiramente acolher esta palavra, e

depois proclamá-la como forma de tornar o mistério silencioso presente. Acaso esta

sensibilidade tivesse se esvaído do coração humano, afirma Rahner, o homem não mais

poderia perceber a palavra de Deus nas palavras humanas. Neste sentido, pergunta se um

homem poderia ser insensível por completo à palavra poética e mesmo assim ser cristão.

Ademais, Rahner diz que o poeta é aquele capaz de tornar presente o que a palavra

sinaliza, pois este está “grávido” de palavras originais, que ao serem proclamadas tornam-se

como sacramentos de realidades misteriosas, profundas e existenciais. Essas “proto-palavras”

ou “palavras primordiais”123, evocam aquilo que significam, como palavras sacramentais, que

não se reduzem às funções informativa ou descritiva, mas torna presente aquilo que proclama.

2. O homem como ser de horizonte infinito.

O homem é um ser de transcendência. Esta afirmação é resultado da constatação de

que, ao menos enquanto questionamento, o homem está aberto a um horizonte mais amplo do

que se tem noção. As perguntas a que se submete refletem o horizonte infinito de sua

potencialidade, pois, mesmo pensando-se finito, logo se dá conta de que este finito se abre a

novas perguntas, que se abrem em novos horizontes de possibilidades. Sua capacidade

questionadora não se encerra nas respostas a que se pode dar, mas abre a novas e intrigantes

perguntas.

Embora se tente pré-fixar alguns limites, aquilo que se parece esgotado ou que já lhe

tornou familiar e dominado pelo determinismo conceitual, é relativizado e a novidade sê-lhe

apresenta como fator de provisoriedade da resposta às questões, fazendo surgir sempre novas

perguntas e novas respostas, e dessa forma, o conhecimento é sempre gradual e aberto, e

nunca absoluto e fechado.

Quanto a isso, Rahner diz:

O homem percebe-se como possibilidade infinita porque, na prática e teoria,

necessariamente coloca em questão todo resultado obtido, sempre volta a colocar

esse resultado contra o horizonte mais amplo que imprevisivelmente se abre à sua

frente [...]. O homem não é a infinitude não-questionada, dada sem

problematizações, da realidade. Ele é a pergunta que se levanta perante ele, vazia,

123 A partir daqui, preferimos usar o termo “palavras primordiais”.

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mas de forma real e inevitável, e que ele nunca pode superar nem dar resposta

adequadamente124.

O “estar perante si” como possibilidade de o homem experimentar-se, o faz consciente

de si, “como produto do que lhe é radicalmente estranho”125, e embora nesta autoanálise ele

possa dizer algo sobre si, e perscrutar os sistemas que o constitui, mesmo assim ele chega a

um determinado momento em que tudo aquilo que sabe de si ainda não o explica, sobretudo

pelo fato de que é consciente de que não é apenas a “soma dos componentes analisáveis de

sua realidade”126. Ao adentrar nos questionamentos acerca deste seu horizonte ilimitado, o

homem já faz a experiência de transcender, pois reconhece que apenas uma análise finita não

alcançará tudo aquilo que ele é.

Também nesta análise Rahner afirma que o homem é sujeito, mas distingue esta

afirmação daquelas outras que a antropologia, com seus sistemas e análises empíricas podem

chegar. O homem não é sujeito apenas porque se distingue dos outros homens e das coisas e

até mesmo das realidades que o cercam e estruturam o seu ser, passiveis de verificação pelas

ciências antropológicas e que fazem parte de sua existência mesma, mas é sujeito porque é

capaz de tomar-se a si mesmo, de questionar seus próprios questionamentos, ultrapassando-se.

Rahner diz que “essa subjetividade é dado existencial irredutível que acompanha toda

sua existência particular como sua condição apriorística”127, ou seja, é um saber atemático não

sujeitado ao que é finito e nem mesmo onde o homem pode delimitar ou apontar “o lugar”

onde isso acontece, distinguindo de outros elementos que o compõe, nem tampouco é possível

dizer acerca da origem dessa realidade, como se ela fosse a soma de fatores existenciais no

homem ou produto de alguma conquista, mas é caracterizada fundamentalmente pela

afirmação de que o homem é sujeito e pessoa, e que “ele é o ser que está sempre entregue à

responsabilidade por si mesmo”128.

Contudo, não se pode conceber esta abertura do homem ao horizonte infinito a partir

do nada, nem tampouco limitar sua transcendência aos questionamentos que ele é capaz de

fazer a cerca de si e do mundo. Ele também não é o criador desta sua abertura ao infinito, nem

124 RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. p. 46. 125 Ibidem, p. 43. 126 Ibidem. 127 Ibidem, p. 45. 128 Ibidem.

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mesmo o sujeito absoluto que estabeleceu essa sua realidade, mas é portador de algo que ele

recebe de um Outro, que na Sua liberdade, dá o ser ao homem.

A este movimento de total liberdade do ser puro e simples, em que o homem, ser

finito e contingente faz a experiência transcendental, Rahner chama de graça.

2.1. A graça antecipa a palavra.

O tema da graça é fundamental para conhecer a teologia rahneriana e aprofundar o

aspecto antropológico visto acima. Ao fundamentar sua teologia numa “virada

antropológica”, em que o olhar se volta para pessoa humana, sem que deixe de ser teocêntrica,

o teólogo alemão se volta para aquilo que constitui o homem, mais do que apenas sistemas

verificáveis pelas diversas ciências humanas, mas sobretudo para aquilo que o constitui

pessoa e sujeito: Deus se comunica a si mesmo ao homem.

Esta autocomunicação divina constitui o existencial permanente do homem, que

recebe de Deus não uma comunicação de informações a cerca das coisas sagradas ou daquelas

realidades invisíveis aos olhos, mas a salvação, como experiência que se funda no fato de que

o Absoluto quis vincular a humanidade a Ele. A cerca disso, o teólogoVorgrimler, um dos

colaboradores de Rahner, explica que “uma teologia que pergunta pela salvação do ser

humano, e que busca os caminhos através dos quais a salvação atinge os seres humanos, é

uma teologia ‘antropocêntrica’, porém, nem por isso perdeu seu caráter teocêntrico”129.

Ao se autocomunicar, Deus estabelece relação com o homem e é este o evento que

fundamenta sua abertura ao infinito, que não se pauta, afirma Rahner, com

[...] a soma de uma série de progressos, cada um com caráter finito, mas ultrapassa

tudo quanto se possa conceber de finito, pois o homem está em relação com o

próprio Deus. Este mistério inefável que denominamos - Deus – não é o horizonte

sempre longínquo de nossas experiências transcendentes e da vivência de nossa

finidade; é o próprio Infinito fazendo irrupção no coração do homem que, sendo tão

finito, pode pela graça entrar em contato com o indizível Infinito130.

No texto “La palabrapoetica y elcristiano”, Rahner reconhece o atrevimento em querer

falar sobre poesia, não sendo ele poeta, mas situa sua reflexão, que não pretende ser uma

dissertação sobre análise literário-poético, mas uma reflexão teológica sobre o homem, visto

129 VORGRIMLER, Herbert. Karl Rahner: experiência de Deus em sua vida e em seu pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006.p. 213. 130 RAHNER, Karl. O homem e a graça. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 223.

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que a poesia fala sobre o humano e para o humano, capaz de penetrar no seu mais íntimo e

revelar aquilo que a palavra científica não é capaz de demonstrar.

Embora assuma sua condição de não-poéta, o teólogo da chamada “virada

antropológica”, reconhece que “em todos os campos do mundo, por muito diverso que sejam,

deve madurar o plantio do único Deus”131, e então se lança neste fecundo terreno poético,

onde o homem é capaz de lançar-se ao mais profundo de sua existência, evocando aquilo que

não é obra de suas próprias mãos, e nem mesmo pode ser abarcado pela sua razão.

A fecundidade para o plantio poético-teológico é obra da graça divina, como força que

“antecipa a palavra e prepara os corações”132 para que a palavra poética possa transparecer,

como fruto precioso da autocomunicação divina, onde, mais do que uma simples inspiração

ou força sobrenatural, consiste na comunicação própria de Deus em seu próprio ser, “ponto

alto da subjetividade da parte do que comunica e do que recebe a comunicação”133.

Rahner aborda o tema da palavra poética indicando sua importância como pressuposto

para o ato de ouvir a palavra da fé, pois é capaz de gerar a abertura necessária para que o

homem esteja “capacitado, exercitado e agraciado para ouvir uma palavra”134que não apenas

o informe sobre alguém ou um fato, mas que seja capaz de adentrar ao mais profundo do

humano, ao seu mistério infinito e de tornar presente o mistério silencioso de Deus em meio a

finitude da palavra humana e, embora no cerco limitado da palavra humana, a palavra poética

é “corporeidade do mistério infinito”135.

Nesta mesma perspectiva, Rahner afirma que o ouvir e dizer poéticos são expressões

próprias que brotam da intimidade do coração humano e que sem esta capacidade o homem

“já não poderia perceber a palavra de Deus na palavra humana,”136pois o poético é realidade

que alcança os abismos mais profundos do existir humano, e que “ao dizer, funda o que

evoca”, trazendo presente o mistério eterno, sem esgotá-lo ou aprisioná-lo em uma fórmula,

mas de maneira indireta, expressar com palavras aquele que “está em todas as partes

misteriosamente presente, ali de onde o fundamento de toda a realidade nos olha

silenciosamente[...], de onde o amor é experimentado como algo inefável”137.

131 Idem, La palabrapoetica y elcristiano. in Escritos de Teología IV. Madrid: TaurusEdiciones, 1962. p. 453. 132 Ibidem. p. 454. 133 Idem, Curso fundamental da fé. p. 147. 134 Ibidem, La palavra poética y el Cristiano. p. 460. 135 Ibidem. 136 Ibidem, 461. 137 Idem, La gracia como libertad. p. 27.

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Esta palavra é aquela que brota do “coração rendido e adorante ante o mistério que nos

avassala”138 e mesmo que haja homens insensíveis para a palavra poética, se se faz atento

para ouvir a Palavra de Deus, como realmente ela é e a acolhe no mais íntimo do seu coração,

de alguma maneira, mesmo que indiretamente, não está totalmente fechado a esta

experiência, pois a Palavra de Deus carrega em si o ser mais íntimo da palavra poética.

O teólogo italiano Antonio Spadaro, no seu estudo sobre a poesia no pensamento de

Karl Rahner, no capítulo em que se dedica a refletir o tema da leitura e escrita na existência

cristã afirma, fundamentado no pensamento do teólogo alemão, que o oferecimento da graça é

realidade inteiramente gratuita de Deus, independente da atitude humana, um “compromisso

irrevogável”139 em favor da pessoa, que mesmo inconsciente desta oferta ou até negando-a,

será sempre realidade presente na sua existência, localizada no fundo do coração humano,

rendido e inquieto frente à finitude, que parece sempre ser alargada, onde os limites parecem

ser sempre superados, numa atitude de constante recolocação frente a si mesmo e ao mundo.

Mesmo tentando silenciar esta graça, o ser humano faz sua “experiência em fuga”, no

sentido de que ser chamado à graça (o que não configura no pensamento de Rahner apenas

aqueles que aderiram à fé cristã pelo batismo e pertencem a “Igreja visível”), é um

“existencial permanente do ser humano”.140 Neste sentido, cabe afirmar que a palavra poética

tem suas raízes nas profundezas da realidade humana, que experimenta o inefável, aquela

realidade da qual não se pode conceituar, onde o intelecto não pode penetrar, senão para

afirmar o status de mistério. Esta experiência, mesmo conceituada de maneira avessa ao

cristianismo, anonimamente, para usar uma expressão rahneriana, configura uma experiência

permeada pela graça divina.

Rahner considera que a palavra poética é expressão que torna presente o sem-nome,

aquele que não pode ser aprisionado pelo conceito, mas que mesmo assim se desvela em

palavras nem sempre compreendidas puramente com a razão e a lógica semântica, mas que

expressa uma experiência fundante, que é o ouvir a Palavra.

Saber ouvir a Palavra, o mistério silencioso de Deus, que fala no íntimo do coração,

não é obra humana, ou esforço de interiorização, mas sim obra da graça divina, que como

vimos, nas palavras do próprio Rahner, “se antecipa à palavra, prepara os corações para essa

138 Idem, Sacerdote y poeta. in Escritos de Teología III. Madrid: TaurusEdiciones,1961. p. 333. 139 SPADARO, Antonio. La graziadella parola. Karl Rahner e la poesia. Milano: Editoriale Jaca Book Spa, 2006. p. 65. 140 Ibidem.

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palavra”141. O ouvinte da Palavra é o sujeito para o qual se dirige a mensagem do

cristianismo, e que está situado perante si mesmo e perante o mundo, num horizonte infinito

que se amplia a medida de seus questionamentos. A mensagem do cristianismo “age no

sentido de situar o homem perante a verdade real e profunda do seu ser”142, apontando para

aquela realidade misteriosa do sem-nome, o qual envolve toda sua existência.

2.2. A poesia prepara o coração para a escuta da palavra da fé.

Ao iniciar a reflexão sobre a importância da palavra poética, Rahner situa o motivo

pelo qual não pretende tratar da poesia ao lado de outras expressões artísticas e fundamenta

seu pensamento no fato de que o cristianismo é a religião da “palavra revelada e da fé ouvida

e de uma Sagrada Escritura”143, que a constitui numa relação estreita com a palavra,

sobretudo com a Palavra feito carne, o “corpo do mistério infinito”144e encontra na palavra

poética sua expressão mais próxima, como palavra que brota do coração humano “rendido e

adorante, ante o mistério que nos avassala”145.

São apresentados quatro pressupostos fundamentais para a escuta da palavra da fé,

presente na palavra evangélica, fruto da graça de Deus que antecipa sua manifestação.

2.2.1. Capacidade para ouvir as palavras do mistério.

Primeiramente é preciso ter ouvidos atentos às palavras “mediante as quais o mistério

silencioso se torna presente”146. Isso significa ser capaz de ouvir aquelas palavras, que não

apenas esclarecem sobre algo que podemos dominar conceitualmente ou que sejam

instrumentos através dos quais podemos apreender um objeto denominado. Esta palavra traz

presente o inapreensível, aquele mistério que não se pode abarcar, “o não disposto que

silenciosamente dispõe o não perceptível, o abismo em que nos fundamos, a claríssima

escuridão que abarca toda claridade do nosso cotidiano”147, Deus, o mistério permanente, que

se expressa no horizonte da humana palavra, sem que essa o defina ou desvele totalmente.

Embora possa haver humanos de coração endurecido para ouvir as palavras que

expressam o mistério silencioso e inabarcável de Deus nas palavras temporais humanas, não

restam alternativas senão tê-las como absurdas e simplesmente ignorá-las ou escutá-las com o

141RAHNER,Karl. Sacerdote y poeta.p. 454. 142 Idem, Curso fundamental da fé. p. 37. 143 Idem. La palabrapoetica y el Cristiano. p.453. 144 Idem. 459. 145 Idem, Sacerdote y poeta. p. 333. 146 Idem. La palabrapoetica y el Cristiano. p. 454. 147 Idem.

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coração sensível e capaz de se esforçar para compreender que tais palavras se lançam no

desafio de procurar dizer o inefável.

Saber ouvir as palavras do mistério é uma necessidade do cristianismo, pois consciente

de que se trata Daquele sobre o qual nenhuma palavra é capaz de dizer absolutamente, apenas

o exercício contínuo do coração, que se renova sempre numa postura arguta de que tudo o que

se diz é dito sobre a incompreensibilidade infinita de Deus enquanto mistério, que é amor que

emudece e fascina, e ao mesmo tempo, inequivocamente, se faz presente.

2.2.2.Capacidade para ouvir as palavras que tocam o coração.

Ser capaz de ouvir as palavras que tocam o coração humano é o segundo pressuposto

para ouvir a mensagem cristã. O coração é o lugar simbólico da unidade do todo humano,

destinatário da salvação. Isso não significa que tais palavras sejam sentimentais, desprovidas

de qualquer razão, nem tampouco que sejam palavras inalcançáveis pelo intelecto. Essas

palavras são aquelas que falam da mais profunda interioridade humana.

Rahner diz que essas palavras são em certo sentido “sacras e até sacramentais” e que

carregam consigo “aquilo que significam e se aprofundam criadoramente no centro original

do homem”148. A estas palavras do coração, Rahner chama de “palavras primordiais”, que são

aquelas que escapam de toda definição e que brotam do coração contemplativo.

Não é sem esforço ou naturalmente que o homem escuta esta palavra primordial, mas

é preciso que se aprenda, numa “dura disciplina e com veneração do coração que exige a

palavra ‘certeira’, a palavra que o acerta verdadeiramente e lhe atravessa, para que ferido de

morte e absorvido de bem-aventurança caia, como de um cálice, no abismo eterno do mistério

de Deus”149. É próprio da poesia ser a palavra “certeira”, que transpassa o coração humano,

brotando do seu lugar mais íntimo, carregando mais do que conceitos, mas, intensa de vida e

de experiência existencial, onde as palavras que atingem apenas a razão se veem como que

limitadas ao informativo, enquanto as palavras primordiais se equacionam ao nível da

performatividade.

2.2.3.Capacidade para ouvir as palavras que unem.

O terceiro pressuposto para ser capaz de ouvir a mensagem do cristianismo é a

capacidade de ouvir palavras que unem.

148 Idem. p. 457. 149 Idem.

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Palavras são formas de distinção, pois ao nomear este ou aquele objeto, de alguma

maneira os tornam distintos, separando-os por meio dos conceitos, que dizem com certa

clareza o que o objeto é e o que não é, e os colocam ao lado de tantos outros, sinalizando as

diferenças. A palavra poética, como capacidade que prepara o humano para ouvir a

mensagem do evangelho, é aquela que transcende toda e qualquer forma de conceitos

distintivos, mas são “evocadoras de mistério”150, capaz de unir, reconciliar e retirar o ser

humano da solidão, e unir tudo aquilo que o toca, pois fala conhecendo o seu intimo e sua dor,

são familiares pois não só falam sobre o homem, mas à ele daquilo que lhe é familiar.

Saber ouvir as palavras autênticas, que penetram no interior do homem, é pressuposto

para ouvir a palavra evangélica, pois esta se move em torno do mistério de amor, que,

superada toda forma sentimentalista de concepção, é “a verdadeira substância da realidade

que quer se manifestar no todo, o mistério que quer descer ao coração do homem como

julgamento e salvação”151. Rahner diz que, quando os ouvidos estão fechados para ouvir as

palavras autênticas, e se perdem nas palavras que dispersam e cansam, num palavrório tantas

vezes desconexo com as realidades humanas mais profundas, pode levar o coração a morte,

pois, no fundo, o coração humano é lugar de escuta primordial de Deus, que é o verdadeiro

mistério do amor que une e vitaliza.

2.2.4.O mistério inefável presente em cada palavra.

Finalmente, Rahner apresenta o quarto pressuposto para ouvir a mensagem do

cristianismo, dizendo que é preciso perceber “o mistério inefável em meio a cada palavra”152,

onde misteriosamente pode se manifestar a palavra eterna, “na sarça da palavra humana”153.

Saber ouvir a Palavra feito carne, a mais autêntica manifestação do mistério do amor

divino, encarnado na realidade humana, é obra da “graça da fé”154, pois desprovido dessa

benevolência divina, bem como insensível e fechado para tal manifestação do mistério

inefável, o ser humano não seria capaz de reconhecer na humana, palavra a Palavra eterna.

3. O homem como ser referido ao Mistério Absoluto.

O evento da encarnação do Verbo divino é o mistério central da fé cristã, que permeia

a teologia, como realidade inesgotável, e a partir da qual, é confirmado o fato de que toda

150 Idem. p. 458. 151 Idem. 152 Idem. 153 Idem. p. 459. 154 Idem.

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teologia que se fundamenta nesta verdade da fé é também antropologia, pois no Verbo o

homem se conhece verdadeiramente. Frente a isso, a forma como se vê a humanidade não se

encerra mais àquela fadada a uma simples existência cujo fundamento se atribui a um

emaranhado de sistemas verificáveis pelas diversas ciências. Já podemos aqui afirmar: o

homem é mais do que se pode dizer dele.

A existência transcendental do homem, o estabelece em proximidade com Deus, pois

sua composição não se encerra no biológico e psíquico, mas compreende também uma

realidade que lhe dá um “status” de pessoa e indivíduo, livre e aberto para uma realidade que,

embora experimentado no chão da história, supera e transcende à categoria de mistério.

Rahner explica que o mistério que é o homem, a partir de Deus, não é uma realidade

provisória, potencialmente a ser eliminada quando descoberta, nem tampouco o não sabido

que poderá ser desvendado, mas é a “peculiaridade que caracteriza Deus e a nós a partir

dele”155, ou seja, o mistério que o homem experimenta em Deus e em si é o que lhe é mais

devido e que o constitui como pessoa. Neste ponto é que nos é permitido refletir sobre o

verdadeiro significado de “natureza”, dado o fato de que o Verbo Eterno assumiu a natureza

humana, o evento central da fé cristã.

É fundamental que se tenha claro que toda tentativa de compreensão acerca do que

seja o homem, quando eliminada a possibilidade metafísica, gira em torno do definível. Não é

que não se possa definir nada sobre o homem, há aspectos que podem ser delimitados pelo

conceito, até certa medida, e as diversas ciências sobre o homem fazem isto, mas há de se

convir que, embora se possam delimitar alguns aspectos, há também uma realidade que não

pode ser abarcada, que esbarra no limite da capacidade científica de descrever os processos e

analisar os objetos.

Contudo, sem eliminar a possibilidade de uma recusa de sua capacidade de

transcendência, o homem é caracterizado por uma “potência de obediência” que torna

possível “estar-referido ao Mistério infinito da plenitude”156, e que na visão de Rahner, dá a

possibilidade de entender o que significa natureza humana. Ele diz:

O homem é, pois, em sua essência, em sua própria natureza, o mistério, não porque

seja em si a plenitude infinita, que é inexaurível, do Mistério para o qual tende, mas

155 Idem, Teologia e antropologia. São Paulo: Edições Paulinas, 1969. p. 67. 156 Ibidem.

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antes porque ele, em sua essência autêntica, em seu fundo originário, em sua

natureza é a referência - pobre, mas chegada a si mesma a essa plenitude157.

Constitui a natureza humana sua referência ao Absoluto, o “para-onde” de sua

existência, dado previamente à aceitação ou não desta realidade, que fundamenta o seu ser no

existir enquanto mistério referido Àquele Mistério Absoluto. Neste sentido, enquanto

mistério, existe algo de impenetrável no humano, aquilo que não se pode dominar. Rahner diz

que é o “indomável horizonte dominador de toda compreensão que faz compreender a outra

realidade enquanto se cala como existente incompreensível”158.

3.1. A Palavra humana e o Verbo Divino.

Rahner diz que, se queremos de fato ser cristãos e não meros metafísicos, que até

compreendem o horizonte infinito do homem, mas não aponta para a verdadeira origem deste

fato, precisamos confessar que a Palavra Eterna se fez carne. Este evento da fé cristã é

fundamental para a afirmação de que a palavra humana foi “preenchida de graça e de

verdade”159e que “Deus disse a sua mesma palavra eterna na carne do Senhor”160.

O mistério da Encarnação do Senhor permite dizer que a Palavra Eterna entra na

circunscrita realidade da palavra humana, e essa, agraciada por esta realidade, é alimentada na

fonte eterna da Palavra que tudo pode dizer e ser, e se torna mais do que mera expressão

indicativa ou descritiva, mas na palavra humana se pode perceber a própria Palavra.

A palavra humana, agraciada pela encarnação do Verbo, é portadora de uma realidade

que não se encerra no seu limite próprio, mas ergue sua tenda no ambiente ilimitado do Logos

de Deus que assume a imanência do dizer ilustrativo e alarga as fronteiras de suas

possibilidades, dando força encarnatória ao dizer humano, que se torna preenchido daquilo

que proclama, e que alcançará a “sua plenitude essencial na palavra sacramental”161. Para

isso, Rahner afirma que é preciso estar aberto ao mistério do Logos encarnado, que preenche

de graça a palavra humana, onde “arde a chama do amor eterno”162.

4. O sacerdote e o poeta: ministros da palavra.

Impregnado daquele silêncio profundo, gerador de palavras originais, rendido às

realidades que porta e que nenhum conceito é capaz de definir, o poeta não é alguém que

157 Idem, Curso fundamental da fé. p. 259. 158 Idem, Teologia e antropologia. p. 67. 159 Idem, La palabrapoetica y el Cristiano. p. 459. 160 Ibidem. 161 Ibidem. 162 Ibidem.

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simplesmente trabalha com rimas aleatórias que projetam sons com alguma beleza, ou

mesmo alguém que expõe sentimentos em frases bem articuladas.

O poeta, segundo Rahner é alguém para o qual foram confiadas as palavras

originais e que tem o “destino e o dom de dizer palavras impregnadas, de sorte que as

coisas, como redimidas e nomeadas essencialmente, se adentram na luz dos que a

escutam”.163Impregnado, o verdadeiro poeta também é aquele que proclama palavras não

simplesmente como sons bem articulados em frases rítmicas, mas é capaz comunicar a

realidade sobre a qual se refere. Neste sentido, o poeta ao dizer as palavras originais que

estão silenciosamente presentes no mais profundo do seu coração, “as fazem belas, porque

a autêntica beleza é a manifestação pura da realidade, e esta acontece sobretudo na

palavra”164. Neste sentido, não se pode deixar de fazer uma relação com o Verbo divino,

como manifestação real daquilo que enquanto Palavra é anunciado, não encerrado num

puro som ou expressão, mas o que é proclamado se faz presente.

As artes em geral, de alguma forma “anunciam com sua limitação a ilimitação

divina”, contudo, há de se sublinhar aquilo que somente a palavra primordial é capaz de

expressar, dado o fato de que ela se compreende sempre num movimento de ascensão ao

infinito “sobre todo o representável”, e assim, constitui a redenção da “última prisão das

realidades não ditas: o silêncio de sua referência a Deus”. Assim, o poeta impregnado desta

palavra capaz de trazer à luz humana as realidades ditas, se torna como que um

administrador do sacramento da palavra. Desta forma, aquele que verdadeiramente escuta

esta palavra “escuta o silêncio”, porque a palavra poética é um “lugar de evocação e

ressonância deste mistério”165e é “capaz de libertar a coisa do tal silêncio tornando-se

sacramento primordial da transcendência”166.

Rahner aproxima a vocação do sacerdote à do poeta e, salvaguardando as

diferenças, ele afirma que os dois tem em comum o ministério do sacramento que é a

palavra.

Ao sacerdote foi confiada a Palavra de Deus, da qual ele foi constituído ministro e

administrador por excelência. As palavras que pronuncia são endereçadas ao mais

profundo do humano, como uma centelha divina que penetra seu ser para ali se fazer 163 RAHNER, Karl. Sacerdote y poeta. p. 338. 164 Ibidem. 165 SPADARO, Antonio. La graziadella parola. p. 36. 166 Ibidem. p. 36.

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presente, como única possibilidade, fora da visão beatífica de Deus, de “outorgar ao

homem a presença de Deus como Deus”167.

A palavra da qual o sacerdote é ministro não é aquela que se soma a tantas outras,

num palavrório vazio, mas por causa de sua origem (Deus disse) é que se pode afirmar que

esta palavra “é a corporeidade de sua graça”168, como palavra da fé, primeiramente

pronunciada por Deus no seu Cristo, e também por seus mensageiros, apresentado aqui

como os sacerdotes, ministros desta palavra, que a acolheram como obra do amor livre.

O sacerdote pronuncia as palavras que brotam do seu interior mais profundo, porém

sabe que estas palavras não tem origem em si, mas em Deus, no seu “inalcançável

afastamento”169 que é “esta sublimidade e inefabilidade inexpressável em mera

criatura”170. Como ministro de Deus, o sacerdote recebe dele uma palavra eficaz, a palavra

primordial, que “somente ele pode realmente expressar em sua densidade absoluta”171, e

esta por ser kerigmática, a medida em que é pronunciada, torna presente aquilo que

significa.

Ao sacerdote é confiada a palavra de Deus, porém deve-se sublinhar aquelas

palavras da consagração, onde todas as outras são senão “declarações e variantes”172, dado

ao fato de que “ali está presente aquele mesmo de quem se fala, está todo presente: céu e

terra, divindade e humanidade, corpo e sangue, alma e espirito, morte e vida, igreja e

indivíduo, passado e eterno porvir”173. Todas as outras palavras são como que um eco

destas palavras onde o Verbo eterno de Deus se faz presente, como a mais genuína e fontal

palavra operante de Deus.

Embora impregnado da palavra de Deus, capaz de operar aquilo que anuncia, o

sacerdote, diferentemente do poeta, mesmo que assuma uma postura de indiferença com

essa palavra e não se deixe mais tocar por ela, mesmo quando seus atos não alcançam o

que sua boca afirma, continua a anunciá-la e o que realiza continua a ser a obra santa de

Deus, pois sacramentalmente participa por toda sua vida da vida de Cristo, do qual foi

constituído ministro. Mesmo que indiferente e incrédulo, ao dizer “Isto é meu corpo, isto é

167 RAHNER. Karl. Sacerdote y poeta. p. 340. 168 Ibidem. p. 341. 169 Ibidem. p. 346. 170 Ibidem. 171 SPADARO, Antonio. La graziadella parola. p. 60. 172RAHNER, Karl. Sacerdote y poeta. p. 343 173 Ibidem.

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o meu sangue”, o sacerdote, pela graça sacramental a ele confiada, realiza o que

proclama,suas palavras não são informativas, ele não fala sobre um acontecimento do

passado, como que um narrador de fatos antigos, mas traz presente e celebra o mistério da

oblação do Filho de Deus. Assim, as palavras proclamadas pelo sacerdote não correm o

risco de caírem na banalidade, nem mesmo de deixar de ser realmente a Palavra de Deus,

pois, “fundada em Cristo sua própria personalidade, diz o que ele disse, a saber, a si

mesmo como nossa oferenda”174.

Contudo, mesmo não diminuindo em nada a dignidade e a sacramentalidade

daquilo que proclama, quando as palavras não correspondem ao que vive, o sacerdote

deixa de ser poeta, pois o verdadeiro poeta é aquele que é capaz de dizer palavras que

“ascende do coração para a boca”175 como expressão vital daquilo com que se envolve e se

volta. Ele pode dizer a Verdade de Deus, porém essa verdade pode não se transformar em

sua verdade.

O sacerdote, quando voltado para a palavra que proclama, deixando-se envolver

pela graça da qual a palavra esta impregnada, também é poeta. Já o poeta, embora não se

torne sacerdote porque proclama palavras primordiais, é ministro da palavra porquanto

proclama aquelas palavras do coração rendido, permeado de saudade, densa de sentido,

cuja definição extrapola a razão, e consciente ou não, o poeta diz daquela realidade

misteriosa inominada, cuja origem está além de si.

O poeta é inquieto e sedento de plenitude, as palavras que proclamarevelam o seu

ser mais íntimo, suas dores mais profundas, e mesmo suas palavras mais brandas e doces,

podem revelar saudades e dores por vezes impronunciáveis. “Sua palavra está, pois,

invocando outra palavra: a que dá resposta, a palavra operante que sacia as saudades, a

palavra de Deus”176.

Mesmo indiferente ou arredio à realidade da fé, o poeta é um insatisfeito com

ânsias de eternidade. Há inúmeras perguntas que o cerca e que carecem de respostas,

aquelas mesmas apontadas por Rahner como, em última instância, só se chega a resposta

na palavra de Deus.

174 Ibidem. p. 344. 175RAHNER, Karl. Sacerdote y poeta. p. 345. 176 Ibidem. p. 354.

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O ouvinte da Palavra é propriamente o título de um capítulo da conhecida obra de

Rahner chamada de “Curso fundamental da fé”, onde o autor, ressaltando o caráter

antropológico da teologia, inicia a primeira seção do seu estudo sobre a fé a partir daquele

que é o destinatário da Palavra de Deus, acentuando o fato de que o homem é perpassado

por ela e que esta Palavra,

[...]age no sentido de situar o homem perante a verdade real e profunda do seu ser,

verdade a que permanece inevitavelmente preso, ainda que tal prisão seja, em

última análise, a infinita amplidão do incompreensível mistério de Deus177.

Para que a Palavra de Deus aja afim de “prender o destinatário, é fundamental que

este esteja exercitado, preparado para este enlace, onde a palavra proclamada não esclarece

apenas o Ser divino, mas sobretudo é a corporeidade do seu mistério infinito178. Esta

palavra é a palavra poética, como fidedigna forma de expressão da Palavra divina, pois esta

“leva em seu ser mais íntimo a palavra poética”179.

Introduzindo sua reflexão sobre a palavra poética, o teólogo da “virada

antropológica”, justifica o seu ponto de partida, que não é exatamente a poesia, mas a

reflexão teológica sobre o homem, cuja abertura à Palavra revelada não seria possível sem

a graça divina que se “antecipa a palavra, prepara o coração para a palavra”180,e neste

sentido, a palavra da fé, que é palavra que não fala somente ao intelecto, mas fala

diretamente ao coração do homem, como “de coração para coração”181, fala ao homem

inteiro, não é apenas palavra técnica ou descritiva, mas palavra que fala do mistério, diz

sobre o indizível, sobre o inefável. Aqui, a palavra poética, como palavra do coração (não

apenas mero sentimentalismo), que emana do mistério humano, é expressão privilegiada da

palavra divina.

5. A Densidade da palavra poética.

Clareando esta relação entre a palavra poética e a palavra da fé, Rahner afirma que:

[...] o dizer e ouvir poéticos pertencem tão intimamente a essência do homem que,

sem esta capacidade essencial do coração teria desaparecido verdadeiramente por

177RAHNER, Karl. Curso Fundamental da fé.p. 37. 178 Cf. Idem, La palabra poética y elcristiano. p. 460. 179 Ibidem, p. 462. 180 Ibidem, p. 454. 181 Ibidem, p. 457.

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completo, o homem já não poderia perceber a palavra de Deus na palavra humana 182.

Rahner ao tratar da realidade da palavra, a retira de uma compreensão simplista,

que a compreende apenas exteriorização sonora do pensamento, porém afirma,

fundamentando-se na doutrina escolástica sobre a unidade substancial de corpo e alma, que

a palavra é um “pensamento encarnado”183. Neste sentido, ele também afirma que não

apenas podemos entender que a palavra é a forma corporificada do pensamento, como se

este antecedesse a palavra, mas que esta, a palavra, é

[...] a corporeidade em que primeiramente existe, esculpindo, aquilo que agora

pensamos e experimentamos. Melhor: a palavra é o pensamento corpóreo (não só a

corporeidade do pensamento), e por isso mesmo é mais que o pensamento e

originalmente anterior a ele, como o homem, um e total, supera e antecede a alma e

ao corpo, individualmente considerados184.

5.1. Palavras primordiais.

Ao considerar a importância da palavra, distinguindo suas muitas possibilidades, de

unir, explicar, aclarar, obscurecer, etc, o teólogo alemão aponta pra aquilo que ele chama

de protopalavras ou palavras originais, que são aquelas que brotam do coração permeado

por um mistério insondável, ao qual não se podem especular definições claras e objetivas,

já que estas não correspondem simplesmente a conceitos sobre coisas, ou meros signos

para descrever objetos, mas, “revela um fragmento de realidade, pela qual se nos abre,

misteriosa, a porta que conduz a insondável profundidade da autêntica realidade”185.

Assinalando as importantes peculiaridades das protopalavras, há de se destacar o

fato de que estas estão em profunda relação com aquele que as dizem, isso porque as

protopalavras trazem à tona a realidade enunciada, que o que diz possui o dito, mas o que

foi dito, de alguma forma, também possui o que diz e “por ela se insere o conhecido na

órbita existencial daquele que conhece, e este ingresso traz uma plenitude de realidade do

próprio conhecido”186. Neste sentido, Rahner aponta para o fato de que, o objeto existe

porque é conhecido, não que o que não é conhecido deixa de existir, mas porque quando é

182 Ibidem, p. 461. 183 RAHNER, Karl. Sacerdote y poeta. p. 332. 184 Ibidem. p. 332 185 Ibidem, p. 335 186 Ibidem, p. 336.

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conhecido, o objeto alcança sua plenitude de ser, assim como os homens, conhecidos por

Deus, encontram a plenitude de sua existência.

Segundo Rahner, a palavra é o “sacramento universal pelo qual as coisas se

comunicam ao homem”187, com isso compreende-se a densidade da palavra da revelação

cristã, que não traz apenas informações sobre as realidades divinas, mas traz em si aquilo

que significa, torna presente no ouvinte sua realidade mais profunda, e fala diretamente ao

coração, não apenas à mente, e por ser palavra original, portadora de realidade, torna

possível a intimidade com o Verbo encarnado, Palavra Eterna pronunciada para a

humanidade.

6. A missão do autor como atividade de relevância cristã e a existência humana.

No texto sobre a missão do escritor e a existência humana, Rahner sublinha a

importância do autor como uma “atividade humana de relevância cristã”188e isso não implica

em dizer que não haja autores que não sejam confessamente cristãos ou que possam rechaçar

esta condição, mas a afirmação rahneriana se fundamenta no fato de que todo autor,

consciente ou não, está impulsionado pela graça divina, mesmo que não seja batizado ou que

não pertença socialmente a Igreja visível, ou até mesmo que não queira reconhecer esta

condição, há um chamado permanente da graça de Cristo que permeia sua existência.

Rahner distingue a existência humana em duas realidades, que explicam a forma como

ele compreende o chamado à graça, sendo essa uma característica do existencial permanente

do homem, diferentemente das circunstancialidades casuais, que passam pela adesão ou não,

por exemplo, à profissão de fé.

A afirmação de que todos os homens são chamados à graça de Cristo, como realidade

que pertence ao seu existencial permanente, não depende de aprovação ou não, já que

pertence a liberdade de Deus para amá-lo, mesmo em meio a sua recusa ou desconhecimento.

Nenhum homem poderá impedir o amor de Deus e nem mesmo sua absoluta oferta de si sem

reservas, pois pertence ao “compromisso irrevogável de Deus em seu favor”189.

Ser ou não batizado, assim como, pertencer ou não à Igreja, pertence à realidade das

circunstancias casuais, onde, embora haja a oferta divina e o chamado à graça, depende da

187 Ibidem, p. 337. 188 Idem. La missiondel escritor y laexistencia humana. In Escritos de Teología VII. Madrid: TaurusEdiciones, 1967. p. 416. 189 SPADARO, Antonio. La graziadella parola. p. 65.

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aceitação humana ou não. Porquanto seja permanente a oferta e o chamado como existencial

humano, há também liberdade de adesão. Quanto ao existencial permanente do homem,

Rahner diz que se verifica no fato de que:

[...] as dimensões de sua existência estão sempre abertas ao infinito, de que tudo é

penetrado e capturado por uma transcendência de si mesmo prevista anteriormente a

livre decisão mediante a graça presente ao menos enquanto chamado, possibilidade e

convite, de que toda existência humana se apoie unicamente no abismo do mistério

que é o amor absoluto190.

Enquanto chamado à graça, nenhum homem pode evitar ser cristão, pois esta é uma

realidade e o seu existencial permanente. Contudo, o esquivo desta realidade não o isenta de

sua condição cristã, mas o torna um cristão anônimo, “que nega a si mesmo”191 ou rechaça

essa sua condição pela indiferença, descrença ou mesmo ignorância.

O autor, quando fala do homem, superando os limites das ciências da natureza e

abrindo as perspectivas de compreensão de si e de sua realidade, quando se utiliza de

abstrações, analogias e metáforas para perscrutar o mais íntimo humano e sua unidade,

mesmo que não alcance sua totalidade, dado a complexidade deste intento, este se transforma

em um autor cristão.

Quando um autor pretende ter, ou ao menos se lança neste intento e de alguma

maneira procura expressar ou refletir sobre o conjunto da existência humana, ele “fala como

cristão”192, e isso pode ser apenas como um cristão anônimo, sem nenhuma referencia a fé

cristã, ou até mesmo sem pretensão religiosa, mas se tratando da existência humana, não se

pode “passar realmente por alto a Cristo”193.

Um autor pode ser cristão de diversas formas.

Sob o prisma da possibilidade de o autor ser cristão, Rahner apresenta a tese de que

essa realidade pode se dar de diversas formas, desapegado da teoria de que um autor, pra ser

cristão precisa confessadamente se apresentar assim.

Um autor quando reconhece sua capacidade e escreve de acordo com sua circunscrição

intelectual e, modestamente, disserta sobre temas do cotidiano, contribuindo para uma visão

190 RAHNER, Karl. La missiondel escritor y laexistencia humana. p. 417 191 Ibidem. p. 418. 192 Ibidem. p. 421. 193 Ibidem.

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plural da realidade e do mundo criado “cuja unidade última está escondida como mistério”194,

e não procura pretensiosamente dar uma última palavra sobre a existência, reconhecendo sua

contribuição, mas também seu limite, se expressa como cristão, mesmo sem referência

explícita a Deus. Desta mesma forma, quando um autor não se apressa em responder a todas

as questões existenciais, apresentando soluções para todos os questionamentos humanos, e até

mesmo afirmando sua insolubilidade, rechaçando o caráter misterioso da vida e tomando

consciência de sua finitude frente ao mistério sobre o qual algumas perguntas permanecerão

em aberto, sua postura é cristã, porque trata daquele dialogo da humanidade que não cessará

nunca. Sobre isso Rahner afirma:

Quem não está disposto a suportar isto na vida e nas criações literárias, não

experimenta na vida outra coisa que um precipitado e contínuo ‘corte’

transversal em que nada encontra a plenitude madura de seu ser: nem a

pergunta nem a resposta. Porém, de onde se suporta humilde e

obedientemente a pergunta com plena abertura se tem ali mesmo a resposta,

mesmo que todavia oculta, mesmo que todavia sepultada no silêncio, da

mesma forma que na cruz e no sepulcro da Sexta-feira Santa se conquisto já

antes da Páscoa, o triunfo da vida195.

Outros escritores, sem que tenham feito uma reflexão teológica ou cristã, expressam

em seus escritos realidades próprias da fé cristã, sem que essas estejam explicitamente

presentes em suas obras, mas que são capazes de tratarem destas realidades e comunicarem

aos leitores elementos desta mesma fé, de maneira atraente e de fácil assimilação, que às

vezes os escritos confessionais não conseguem. Rahner ainda afirma a importância de “educar

nossos ouvidos”196 para compreender onde, anonimamente, se apresentam os conteúdos da fé

cristã em escritos que não se apresentam assim, ou ao menos não são conscientemente

cristãos, mas que perscruta a alma humana numa viagem não somente a um universo

desconhecido a ser descoberto, mas se convence do mistério que permeia toda existência, e se

rende à contemplação desta realidade.

194 Ibidem. p. 426. 195 Ibidem. p. 427. 196 Ibidem. p. 428.

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CAPÍTULO III

O DIÁLOGO ENTRE TEOLOGIA E LITERATURA

A poesia, a teologia, a história, e grande parte do que falamos todos os dias

sobre o mundo em termos de nossa preocupação prática, são exemplos de

modos de discursos em que se aproxima, em graus diferentes, para uma

expressão mais completa da existência, entendida tanto como eu e como

mundo197.

1. Um caminho a percorrer.

Ao se tratar de teologia e literatura, é certo que estamos entrando em campos vastos e

com pesquisas já bem fundamentadas e caminhos bem traçados. Também com relação ao

diálogo dessas duas epistemologias, não pretendemos inaugurar nenhuma reflexão, mas é

importante sublinhar os caminhos já percorridos e reflexões preciosas que já vem sendo

feitas, sobretudo no Brasil, com a obra de Manzatto198, que abre este caminho a partir da

reflexão sobre o encontro de teologia e literatura a partir dos romances de Jorge Amado, e

tantos outros que se encontram neste certame, no desafio de uma teologia contextualizada,

capaz de se entrelaçar com a vida humana, nos percalços da história, cultivando

conhecimento encarnado que fala de Deus no entrelace da vida dos homens.

Para que todo diálogo possa ser efetivo, é imprescindível a abertura para afetar e ser

afetado por aquilo que cada um dos interlocutores oferecem como elemento para o debate.

Assim, é verdade que depois de se propor ao diálogo, tanto teologia quanto literatura não

serão mais as mesmas, no sentido do que essa dinâmica acrescenta, no entanto também é

verdade, como diz Alex, que vale a fórmula de Calcedônia, “unidade sem confusão”, onde

“teologia continua seguindo como teologia, como a literatura se mantém literatura”199.

Seguiremos apresentando alguns elementos importantes sobre a teologia e literatura,

como formas distintas de conhecimentos, e em seguida procuraremos estabelecer alguns

elementos metodológicos relevantes para o diálogo, baseados nas obras de teólogos que já de

maneira árdua se dedicam a esse intento. 197 MACQUARRIE, John. God-Talk. El AnalisisdelLenguage y la logica de la teologia. p. 84. 198 MANZATTO, Antônio. Teologia e literatura. Reflexão teológica a partir da antropologia contida nos romances de Jorge Amado. São Paulo: Edições Loyola, 1994. 199 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e poesia. A busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de Andrade como possibilidade de um pensamento poético teológico. Sorocaba, SP: Crearte, 2011. p. 13.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989. p. 46. 5 Cf. Ibidem. p

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2. A relevância da teologia.

É natural da fé o desejo pela razão, portanto não se sustenta apenas numa crença

irracional, nem tampouco numa oposição à razão, mas intima o crente ao conhecimento. No

seu conhecido axioma “fides quaerensintellectum”, Santo Anselmo não apenas procura

estabelecer uma relação entre fé e razão, mas afirma ser da natureza da fé o desejo pela razão,

não para racionalizar a fé, o que poderia torná-la infértil e esvaziaria seu caráter de graça e

mistério, nem tampouco para provar sua existência, já que a busca pelas razões da fé exige

primeiramente a convicção de que esta seja realidade presente, pois “exatamente porque nós

possuímos a certeza da fé, devemos buscar a fideiratio”200, e toda investigação racional não é

outra coisa senão uma forma de alimentar a alegria de conhecer201, “e pôr-se a procura

daquilo que ama: quanto mais ama, mais deseja conhecer”202. É neste sentido que

encontramos a possibilidade da teologia, como ciência que se dedica a compreender as razões

da fé, estabelecendo o papel da razão, não como capaz de dar um juízo sobre a fé, mas “saber

encontrar um sentido, descobrir razões que a todos permitam alcançar algum entendimento

dos conteúdos da fé”203. Embasado na teologia anselmiana Barth afirma:

Para Anselmo, assim como para toda a igreja primitiva (incluindo a

ortodoxia da reforma protestante) o credere em si nunca foi um tendere in

Deum ilógico, irracional e, em relação ao conhecimento, totalmente

deficiente, apesar da contínua ênfase em seu caráter distinto como

obediência e experiência. Visto que fé é fé em Deus, e portanto, realmente fé

no que é certo, ela é a própria ação da vontade – devida a Deus, ordenada

por Deus e conectada à ‘experiência’ de salvação204.

Embora a fé e a racionalidade humana sejam modalidades distintas de resposta às

realidades humanas, não há oposição entre elas, aliás, para a fé, abandonar o desejo de dar

razões a si é não considerar sua própria natureza, elas são “como que as duas asas pelas quais

o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”205. Há necessidade do equilíbrio

entre essas duas realidades, para que não hajam desvios quanto suas autênticas formas de

apreensão do mundo. A razão como única forma de compreensão da realidade pode figurar-se

200 BARTH, Karl. Fé em busca de compreensão. Fides quaerensintellectum. 3.ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. 201Ibidem. p. 26. 202 JOÃO PAULO II. Fides etRatio. Carta Encíclica. São Paulo: Paulinas, 1998. p. 59. 203 Ibidem. 204 BARTH, Karl. Fé em busca de compreensão. p. 30. 205 JOÃO PAULO II. Fides etRatio. p. 5.

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num humano fadado ao finito, sem perspectivas metafísicas capaz de lhe oferecer sentido e

ampliar os horizontes numa crença de que a razão absoluta é única forma de conhecimento.

Por outro lado, a fé quando destituída da razão leva a um “fideísmo” perigoso e alienante,

capaz de grandes atrocidades em nome de Deus, numa fé totalmente subjetiva e emocional,

incapaz de transformar a pessoa e a realidade a sua volta, o que torna o ato de crer

simplesmente um mito ou superstição, sem relações concretas com a realidade.

A teologia, no entanto, como ciência da fé, procura estabelecer racionalmente os

elementos que constituem sua forma de compreensão da Revelação, que é fonte do

pensamento teológico e de onde parte a reflexão sobre a fé cristã. Aqui é importante sublinhar

o fato de que, embora se diga que a razão é um elemento fundamental da elaboração

teológica, ela não é o sujeito que busca, mas deve estar aberta para a recepção da palavra que

Deus dirige à humanidade206. Neste sentido, Deus é o sujeito que se revela, e assim “a fé reta

orienta a razão para se abrir à luz que vem de Deus, afim de que ela, guiada pelo amor à

verdade, possa conhecer Deus de forma mais profunda”207.

Importante destacar aqui, quando falamos em fé não estamos tratando apenas de um

elemento da constituição humana universal, mas tratamos especificamente da fé cristã, e, por

conseguinte, da teologia cristã. Neste sentido, é a partir do evento Cristo que se desenvolve a

reflexão teológica sobre Deus, o homem e o mundo.

2.1. Fontes da Teologia.

A fonte da teologia é a Revelação, compreendida a partir de um tripé: Sagradas

Escrituras, Tradição eclesial e Magistério eclesiástico208. Aqui estão os conteúdos da fé e as

definições dogmáticas às quais os crentes professam como conteúdos de sua fé cristã católica.

A Revelação divina é compreendida neste tripé justamente para salvaguardar sua

dinamicidade, ou seja, a Revelação não significa um evento letárgico que recorremos pra

compreender a ação de Deus no passado apenas, mas é Palavra de Deus em relação com o

hoje da história, pois é falante e atuante. Assim, as Sagradas Escrituras e a Tradição,

derivadas da mesma fonte divina209 e o Magistério vivo como serviço à Palavra de Deus210,

atualizando o que a Igreja crê ao longo da história, compõem o depósito da fé.

206 Cf. FRANCISCO. LumenFidei. Carta Encíclica. São Paulo: Paulinas, 2013. 36. 207 Ibidem. 208 Cf. DEI VERBUM. 209 Cf. Ibidem. 9.

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Outras ciências também são colaboradoras importantes para a reflexão teológica,

como a antropologia, sociologia, psicologia, filosofia, artes, mais especificamente a literatura

como objeto de estudo deste trabalho, e tantas outras mediações humanas que enriquecem a

compreensão da fé. Embora de alguma maneira afetada por diversos outros saberes, a teologia

continua a ser teologia, com sua identidade intocável e sem se tornar submissa as outras

ciências ou até mesmo dependente delas. Também nesta relação entre teologia e outros

saberes, não há da parte da teologia nenhuma tendência em submeter às outras ciências à sua

forma de compreensão da realidade.

Quanto ao método da teologia, entramos num terreno vasto, já que cada teólogo

procura elaborar sua reflexão a partir de questionamentos plurais, utilizando de diversos

horizontes de conhecimento, a partir de apreensões também plurais da realidade.

Embora a multiplicidade metodológica, deve-se ater a uma modalidade que abarque

todas as outras, ou que corresponda de maneira geral às muitas formas de elaboração

teológica. Roger Haight chama este método de correlação211, que se fundamenta na distinção

entre revelação original e revelação dependente.

Revelação original tem sua fonte nas Escrituras como elemento primordial da fé cristã

e correlaciona-se com a revelação dependente que “é a contínua comunicação e recepção da

revelação na comunidade”212, como conteúdo dinâmico porque é constituído pela realidade

“existencial e histórico-social”213. Em suma, este método procura relacionar o auditusfidei, ou

seja, a escuta atenta das fontes da Revelação com a contemporaneidade, procurando responder

às realidades presentes, dinamizando os conteúdos da fé e atualizando sua expressividade e

compreensão, para que a teologia não seja mero fazer histórico, repetindo os conteúdos

definidos no passado, mas seja também profética, capaz de dizer uma palavra relevante para

os homens de hoje.

Haight ao tratar da correlação apresenta quatro atributos concernentes a este método,

que ele diz não ser mais “um método”, mas “o método” em teologia e que inclusive abre

perspectivas para nossa reflexão a cerca da pertinência do pensamento teológico para a

compreensão da realidade, e mais especificamente, na relação com a literatura, como forma

210 Cf. Ibdem. 10. 211 Cf. HAIGHT, Roger. Dinâmica da teologia. São Paulo: Paulinas, 2004. 212 Ibidem. p. 213. 213 Ibidem.

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plural de apreensão teológica, salvaguardando a pluralidade e o diálogo com as diversas

ciências e realidades temporais, com as quais a teologia compõe sua expressividade.

Primeiramente aponta para a necessidade de o método em teologia ser apologético, e

aqui não apenas no que concerne à demonstração das verdades cristãs, mas sobretudo, porque

a teologia deve abordar as questões referentes a cultura para a qual se dirige, para que seja

inteligível às diversas épocas e povos e assim, “a dimensão apologética de um método de

correlação é necessária à autocompreensão dos cristãos em qualquer época”214. Seguindo este

elemento, um método de correlação deve ser dialógico, ou seja, deve confrontar os símbolos

tradicionais com o mundo experiencial contemporâneo. Citando Paul Tillich, Haight trata do

interprete desse diálogo, o teólogo, que confecciona sua estrutura hermenêutica afetado pela

realidade cultural do seu tempo e assim essas “questões determinam as respostas, mas no

tangente à forma das interpretações teológicas, e não ao conteúdo que é mediado pela

revelação através de seus símbolos fundacionais”215. O questionamento crítico do diálogo é

uma forma de compreensão dos símbolos da fé, e a elaboração de perguntas a partir da

vivência cultural atual serão elementos fundamentais para que o método em teologia avance

para um aprendizado, e não há outro caminho para aprender senão fazer perguntas e procurar

de alguma maneira respondê-las. Em teologia, o diálogo com a realidade cultural atual é uma

forma relevante de aprendizagem da fé, haja vista que a fé que advém da Revelação se dá na

história humana concreta e se realiza plenamente na pessoa de Jesus de Nazaré, Deus e

homem plenamente.

Por fim, o método de correlação em teologia caracteriza, em termos universais o

método teológico, pois dado a dinâmica da história, não se pode pensar num pensamento

teológico único e estático, mas para continuar a falar aos diversos tempos e culturas, a

teologia precisa responder aos novos questionamentos que surgem em cada tempo, onde os

elementos da Revelação se relacionem com a história contemporânea afim de dizer da ação de

Deus e sua pertinência para o homem de hoje. Desta forma, a teologia se compreende sempre

como instrumento capaz de desvelar a atuação de Deus na história humana, elaborando em

termos racionais suas formulações, que para serem compreendidas, não podem estar aquém da

realidade.

214 Ibidem. p. 214. 215 Ibidem. p. 215.

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O diálogo entre teologia e literatura que é objeto de nossa reflexão neste capítulo, se

apresenta dentro de um processo de contextualização da teologia, como ciência da fé, mas não

de uma fé desencarnada, alienada da história, mas profundamente enraizada nos mais variados

contextos, fundamentada no advento do Verbo divino e no caminho exodal da pessoa

humana216, e desta maneira, “essa estrutura histórica que confere à teologia uma carga

militante, que a leva a dizer-se não só na forma do ensaio científico, mas também na forma do

discernimento pastoral e do testemunho espiritual”217.

2.2. Revelação na história.

Ao se tratar da história como lugar da Revelação, não nos referimos a uma história

apenas do passado, o que resultaria numa Revelação estática, de onde se tira informações

preciosas, mas que não se aplicaria às realidades humanas em diversas épocas. Trata-se aqui

da história humana, que se dá numa dinâmica onde se entrelaçam transcendência e imanência,

graças ao Verbo divino que atua na história de maneira definitiva, e por quem tudo foi criado,

e também por quem tudo é sustentado. A vida efervesce na história, lugar também da

manifestação divina, assumida pelo Verbo como história da salvação. Hans Urs Von

Balthasar ao tratar da história da salvação e do encontro definitivo entre o eterno e o finito,

cita a relação obediencial entre Jesus e sua mãe. O menino Jesus quando crescia

humanamente era obediente a sua mãe, que por sua vez, aos pés da cruz foi “incorporada à

obediência do Filho, que tudo inclui sem resíduos. Na relação de mãe e filho se desenvolve o

encontro mais íntimo e mais concreto entre história divina e humana”218 .

A história, como lugar onde a vida acontece, é composta por realidades ambíguas, por

conhecimentos e desconhecimentos, alegrias e sofrimentos, vida e morte, e tantas outras

realidades que a dinamizam e que por isso também exigem da teologia um olhar apurado, para

perceber a epifania divina costurada nas mais diversas realidades. A teologia como ciência da

fé, estruturada na Revelação de Deus, não pode ser indiferente ao movimento da vida, que

216 FORTE, Bruno. Teologia em diálogo. Para quem quer e para quem não quer saber nada disso. “Assumir a consciência histórica não será, para a teologia, renunciar a memória do Eterno, mas vive-la de modo a que, nela, o advento realmente se manifeste no caminho exodal da pessoa humana. A existência teológica unirá a fidelidade ao mundo presente à fidelidade ao mundo que há de vir: será um dizer o advento com as palavras do êxodo e um preencher o caminho exodal das pessoas com o impacto do advento da Transcendência; um pensar o êxodo humano enquanto determinado pelo advento divino e junto com o advento divino, enquanto mediado pelas palavras e pelos eventos da condição humana.”. p. 40. 217 Ibidem. 218 BALTHASAR, Hans Urs Von. Teologia da história. São Paulo: Novo Século, 2005. p. 47.

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acontece senão no chão concreto da história humana, como o lugar da Palavra de Deus e do

seu agir.

3. A relevância da literatura.

A literatura é um olhar sobre o mundo, é uma forma de compreensão não científica,

mas não menos real sobre as coisas, pois contempla a realidade de forma a vê-la num

conjunto que une realidade e imaginação, capaz de expressar o universo humano e suas mais

variadas possibilidades. É interessante constatar que a literatura encontra sua razão de existir

na necessidade de expressar um olhar sobre o real, pois o autor não se põe como um apático

frente ao seu mundo e à sua época, mas problematiza utilizando dos recursos da linguagem, os

diversos elementos que compõe a sociedade.

O literato e sociólogo Antônio Candido afirma que a obra literária “corresponde a

certas necessidades de representação do mundo” que deve ser conduzida pela liberdade de

expressão, sem o apego em relatar com precisão os elementos a que se refere, ingressando no

mundo ilusório, que não conduz a uma forma de alienação, mas “se transforma dialeticamente

em algo empenhado, na medida em que suscita uma visão de mundo”219. Ademais, Candido

na obra “Literatura e sociedade” procura estabelecer não um conceito sobre o significado de

literatura, mas como expressão da sociedade, apresenta sua capacidade de interação entre

ficção e real. Baseado no pensamento de Malinowiski, antropólogo polonês do século XIX,

que aponta para a importância de compreender o conjunto das realidades sociais para entender

situações pontuais, quando trata da importância de ler os mitos no seu contexto, para não se

apegar a uma postura puramente utilitarista nem tampouco a uma concepção de que é apenas

fruto do ócio descomprometido e lúdico. Desta forma, Cândido sublinha a importância de

compreender a literatura como expressão que coaduna ficção e real:

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de

uma estilização formal da linguagem , que propõe um tipo arbitrário de ordem para

as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à

realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à

sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade220.

Esta gratuidade de que nos fala Cândido deve ser entendida tanto com relação ao

escritor, como construtor de uma visão de mundo, que passa pelas suas experiências com o

219CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 8.ed. São Paulo: T.A. Queiroz; Publifolha, 2000.p. 47. 220 Ibidem. p. 49.

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real, afetado por elementos sociais, psicológicos, emocionais, etc, quanto pelas do leitor, que

não recebe passivamente a obra, mas a envolve no seu “mundo”, pelo fato de a palavra na

literatura ser falante, no sentido de que é provida de movimento e, embora seja ressonância de

diversos contextos e também da criatividade do autor, também a verdadeira literatura

consegue se “desgarrar” do seu chão original e alcançar outros “lugares”:

A grandeza de uma literatura, ou de uma obra, depende da sua relativa

intemporalidade e universalidade, e estas dependem por sua vez da função total que

é capaz de exercer, desligando-se dos fatores que a prendem a um momento

determinado e a um determinado lugar221.

No que se refere a utilidade da literatura Pound afirma que ela “não existe num

vácuo”222 e que os escritores tem “uma função social definida”223, eles estão inseridos em

realidades concretas e tratam de realidades concretas, embora se utilizem de personagens,

metáforas e elementos do imaginário, mas mesmo assim, se articula com fatos da vida

humana e caminha pelo chão da história de povos e culturas, sendo expressão de épocas,

lendo acontecimentos a partir de diversos prismas e refletindo temas importantes, de grande

relevância para a vida humana.

Tamanha é a importância da literatura para a composição de um povo, sua estabilidade

e projeção de futuro, assim, Pound diz que “se a literatura de uma nação entrar em declínio a

nação se atrofia e decai”224 pois perde sua capacidade linguística como a principal forma de

comunicação. Neste sentido, afirma inclusive que um povo que se habitua a uma má

literatura, e, por conseguinte não articula corretamente seu idioma e expressividade

linguística, fica fadado a perder o “pulso de seu país e de si próprio”225. Diz ainda:

O homem lúcido não pode permanecer quieto e resignado enquanto o seu

país deixa que a literatura decaia e que os bons escritores sejam desprezados,

da mesma forma que um bom médico não poderia assistir, quieta e

resignadamente, a que uma criança ignorante contraísse tuberculose

pensando que estivesse simplesmente chupando bala226.

221 Ibidem. p. 53. 222 POUND, Ezra. ABC da literatura. Trad.: José Paulo Paes e Augusto de Campos. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 36. 223 Ibidem. 224 Ibidem. 225 Ibidem. p. 38. 226 Ibidem. p. 37.

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A literatura como linguagem densa de significado227, perpassa por épocas, culturas,

sociedades, trata de temas diversos, se interessa por diversos saberes, olha o homem nas suas

várias possibilidades de compreensão e sua realidade circundante, mesmo aquela realidade

corriqueira, a mais comum.

3.1. A Poesia como forma de pertencer ao mundo.

No tocante ao discurso poético, dentro do contexto literário, cabe dizer que embora

seja também expressão dessa relação entre realidade e ficção, e que o poema também exerça

uma função expressiva quanto ao contexto circundante do poeta, que “sente” a realidade, mais

do que procura compreendê-la objetivamente, na poesia a “linguagem celebra a si mesma”228,

não cabendo em um discurso descritivo da realidade nem tampouco “aumenta o conhecimento

dos objetos”229. Embora a criação do poema passe inevitavelmente pela forma de apreensão

do mundo do poeta, e assim, passa também pelas suas emoções e forma de “sentir” o mundo,

não cabe reduzí-lo a um discurso sentimentalista e emocional, sem validade para a

compreensão das coisas e do mundo. O poema coloca em cena a forma do poeta de apreender

o mundo a partir de um universo metafórico, denso de significados, onde a palavra não é mera

marionete que dança nas estrofes do poema, mas “presentificam” um mundo interior capaz de

elevar a compreensão da vida e dar corpo àquelas experiências que o discurso descritivo e

científico não alcançam.

Paul Ricoeur critica esta forma reducionista que considera o discurso poético apenas

emocional, mas enfatiza sua importância como nossa múltipla forma de pertencer ao mundo:

O discurso poético também está no sujeito do mundo, mas não dos objetos

manipuláveis de nosso ambiente cotidiano. Ele se refere às nossas maneiras

múltiplas de pertencer ao mundo antes que nos opuséssemos às coisas a título de

‘objetos’ dando de frente para um ‘sujeito’. Se nos tornamos cegos para essas

modalidades de enraizamento e de pertencimento que precedem a relação de um

sujeito com objetos é porque ratificamos de maneira não crítica um certo conceito de

verdade, definido pela adequação a um real de objetos submetido ao critério da

verificação e da falsificação empíricas230.

227 Cf. Ibidem. 32. 228 RICOEUR, Paul. Leituras 3: Nas fronteiras da filosofia. Trad.: Nicolás Nymi Campanário. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p. 186. 229 Ibidem. p. 187. 230 Ibidem. p. 188.

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A poesia transfigura a realidade dando a ela contornos não menos reais, mas celebra

certa transgressão da escrita, onde dizer o que uma coisa é ou responder a questionamentos

não satisfazem o poeta. Na verdade “sair de campos fechados poderá ser uma das

‘reinvindicações’ da poesia, manifestando-se por uma tentativa de ‘revolta da língua’”231.

No primeiro capítulo deste estudo tratamos da imaginação como festa dos sentidos,

onde o ser humano dá vida ao universo latente interior, alçando voos e desbravando mundos

onde a obrigação dos critérios de verificação conceitual não dita as regras, nem tampouco

cerceia a capacidade de interagir com o mundo que o cerca, a partir de óticas diversas.

Bosi fala da imagem como experiência anterior à palavra, pois é a partir dos olhos que

os indivíduos começam a estruturar as formas das coisas e as mantêm arquivadas em sua

memória, que ao ser convocada, mesmo quando a coisa não está mais diante de si, “é um

modo de presença”232 que de alguma forma consegue estabelecer uma relação entre o

indivíduo e a coisa a qual se tem a imagem formada na memória, e esta é uma forma de

manter a existência do objeto em nós.

A palavra é a forma de expressão daquelas realidades que apreendemos a partir da

visão e dos outros sentidos e que ficaram armazenadas na memória. É uma forma privilegiada

de expressão, mas é importante sublinhar que, embora a palavra seja um instrumento eficaz

para descrever aquilo que vimos, ou uma mediação entre nós e o objeto, sua função não se

encerra ai. Quando tratamos da poesia, a palavra alcança status de articuladora de sentidos.

Mais do que mediar expressivamente o objeto e aquele que o vê, a palavra poética evoca e

“presentifica” as realidades das quais se tratam.

O que é uma imagem-no-poema? Já não é evidentemente, um ícone do

objeto que se fixou na retina; nem um fantasma produzido na hora do

devaneio: é uma palavra articulada. A superfície da palavra é uma cadeia

sonora. A matéria verbal se entrelaça com a matéria significada por meio de

uma série de articulações fônicas que compõe um código novo, a

linguagem233.

A composição da imagem no poema é sobretudo a articulação dos significados dados

às experiências e sentimentos, onde a fixidez do discurso dá lugar às metáforas como 231 GRUPO FRANCÊS DE ORIENTAÇAO NOVA. Orientação Michel Cosem. O poder da poesia. Trad.: Maria Helena Arinto. Coimbra: 1980. p. 210. 232 BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 19. 233 Ibidem. p. 29.

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analogias que enriquecem a percepção234 e cria uma nova via para a compreensão da vida e

do mundo.

Se procurarmos definir o que é poesia, num primeiro olhar, poderíamos começar pela

sua forma, como um gênero literário cuja escrita se dá em versos e é caracterizado pela forma

harmoniosa como esses versos se articulam, construindo beleza estética e sonora na

articulação das palavras. Porém, mais do que uma definição capaz de descrever tecnicamente

o significado da poesia, é preciso ter em mente sua articulação interior, e para isso, é

fundamental adentrar à sua fonte, ir até o lugar de onde ela vem, como inspiração que obedece

a uma ordem nobre e sublime.

Jean Lauand numa reflexão sobre a poesia do poeta e músico José Gilberto Gaspar,

trata da problemática que hoje enfrentamos com relação ao fechamento para as coisas

simples, que “parece ter perdido sua força”235, num tempo marcado pelo deslumbramento

com relação às novas tecnologias, que promovem uma “desumanização e

impessoalização”236. Citando Tomás de Aquino e relacionando a poesia com a filosofia, diz

ele ser estas duas formas de apreensão do mundo, consequência da admiração que se dá

sobretudo nas realidades cotidianas mais simples. Tanto o poeta quanto o filósofo são

vocacionados à admiração, que brota do olhar capaz de reparar, muito mais que simplesmente

ver237. Assim ele explica: “na verdade, o poeta não habita um mundo diferente, mas sabe ver -

com os olhos de admiração - o sentido e a beleza que se encerram na mesma realidade de cada

dia”238.

A redescoberta do simples parece ser a raiz da poesia, que se volta ao cotidiano, às

coisas mais comuns da vida e numa atitude de admiração, superando uma postura superficial,

que olha os objetos como mera matéria-prima, numa opacidade incapaz de gerar interesse e

encanto. Não é que a poesia acrescente algum conhecimento sobre os objetos, como fazem os

discursos científicos, mas por ser um discurso subjetivo, ela se refere sujeito e sua múltipla

forma de pertencer ao mundo239.

234 Cf. Ibidem. p. 39. 235 LAUAND, Jean. Filosofia, linguagem, arte e educação: 20 conferências sobre Tomás de Aquino. São Paulo: Factash Editora, 2007. p.241. 236 Ibidem. p. 241. 237 Cf. Ibidem. 243. 238 Ibidem. 239 RICOEUR, Paul. Nas fronteiras da filosofia. p. 187.

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Por ser subjetivo, pode ser que se pense que o discurso poético se baseie apenas em

emoções, e assim, num sentimentalismo traduzido em palavras articuladas em versos. No

entanto, é importante sublinhar que os sentimentos expressos no poema se referem a uma

forma também válida de apreensão da realidade e dos objetos, pois se volta ao sujeito que é

capaz de dar sentido às coisas e são discursos que revelam as modalidades de nossa relação

com o mundo que não se esgotam em descrições de objetos240.

No que se refere aos significados que podemos encontrar na poesia, como modalidade

de pertencimento ao mundo, Pound afirma que a poesia é uma “condensada forma de

expressão verbal”241, pois se estrutura em uma densidade de significados, imagens e sentidos

que vão além da literalidade das palavras, mas alçam voos capazes de “presentificar”

sentimentos e realidades humanas profundas em versos e rimas.

O poeta impregnado de palavras originais242, testemunha a plenitude que o habita

através do poema, que é “sempre menos do que conserva o poeta em sua potencialidade”243,

pois há nele uma “superabundância de vida interior”244que procura expressar-se, sempre

consciente de sua incalculável incapacidade, já que sabe que sua comunicação nunca é

absoluta, pois se trata de realidade artística, revestida de mistério, e inesgotável

expressivamente, pois se assim não fosse, não seria poema, mas uma explicação científica,

capaz de analisar minuciosamente e elucidar o objeto sobre o qual reflete.

O poeta vive à procura de metáforas capazes de aclarar os estados de sua alma,

articulando palavras revestidas de significados diversos, insinuando não o óbvio, mas a

imensidão de sua realidade existencial, que por vezes se apresenta confusa, desarticulada e

misteriosa.

Para dar testemunho de si próprio ou do mundo em que se integra, o Poeta

está pronto a represar, a restringir a torrente de seus sentimentos, a escolher,

entre as vagas e confusas intuições, nascidas umas das outras ou umas após

240 Cf. Ibidem. p. 188. 241 POUND, Ezra. ABC da literatura. p. 40. 242“Os poetas são – repitamos mais uma vez – homens que falam prenhamente palavras originais. Seu falar as fazem belas porque a autêntica beleza é a manifestação pura da realidade, e esta acontece sobretudo na palavra” Cf. RAHNER, Karl. Sacerdote y poeta. p. 338. 243 LISBOA, Henriqueta. Convívio poético. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1955. p. 15. 244 Ibidem.

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as outras, a mais representativa, às vezes a mais estranha de todas, capaz,

entretanto, de perpetuar as outras por meio de sugestão e insinuação245.

3.2. Prosa e poesia.

A prosa e a poesia são duas formas de se criar um texto literário, e ambas buscam

expressar conteúdos, instigar a imaginação e refletir sobre realidades diversas, no entanto, há

distinção entre essas duas formas literárias, que vai além daquela diferença mais comum que

se percebe pela estética onde se tem a prosa como um texto corrido e a poesia em versos.

A prosa se apoia na lógica e na razão, e as palavras, diferentemente da poesia, em

geral são literais e não figuradas, pois é comum a prosa usar das linguagens narrativas e

descritivas para tratar de assuntos diversos, por exemplo, questões sociais, refletir sobre

acontecimentos relevantes e realidades que envolvem a vida humana. Já a poesia se utiliza de

uma linguagem figurada e as palavras dizem mais do que simplesmente o seu sentido literal

pode alcançar, pois trata de realidades internas ao homem, tantas vezes inexprimível

absolutamente por palavras. Isso porque a poesia é carregada de sentimentos, de espanto

advindo dos acontecimentos e da forma como o poeta experimenta a si mesmo e o mundo, é

uma forma de contemplar a realidade, sem que se paute por uma linguagem cientifica, nem

tampouco por expressões minuciosamente lógicas.

Enquanto a prosa determina e afia as palavras para convertê-las em conceitos

da maior energia e precisão possíveis, na poesia o essencial é viver as

palavras em toda a sua virginal plenitude de sentido e plasticidade; a intuição

se eleva sobre a compreensão, a imagem sobre o conceito246.

Na prosa, o compromisso é com uma expressividade capaz de lançar o leitor a uma

reflexão lógica e articulada de assuntos determinados, mesmo que no enlace de certa beleza

estética, porém sua articulação deve resultar na elaboração de um pensamento crítico e lógico.

No entanto a poesia, também bela esteticamente, tem um compromisso com a celebração da

vida interior do poeta, que não articula palavras aleatoriamente, mas se expressa

imageticamente a partir de seu universo simbólico na aventura de dizer o que não pode ser

dito, ou que as palavras não alcançam seu significado completo.

245 Ibidem. 17. 246 PFEIFFER, Johannes. La poesia. Apud, LISBOA, Henriqueta, Convívio poético. p. 30.

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3.3. O ritmo no poema.

O poema relata as realidades experimentadas superando as formas rígidas de

articulação gramatical, não se apegando a fixidez do discurso descritivo, mas põe ritmo às

palavras, que se articulam harmoniosamente em rimas.

Na música, os sons se articulam entre ritmo e melodia e a beleza está na conjugação

desses elementos de forma a gerar harmonia. Em sentido mais amplo, podemos definir a

música como a articulação de sons e silêncios. A boa música é harmônica e capaz de traduzir

sentimentos e a mensagem pretendida pelo autor. Assim a poesia, também se utiliza do ritmo

para conjugar palavras em rimas e dessa forma dar a elas harmonia, conjugadas com o

silêncio contemplador do processo de feitura da obra. Nas palavras de Bosi, “o ritmo da

linguagem funda-se, em última análise, na alternância”247. Aliás, a harmonia sonora tanto da

música quanto da poesia, é perceptível a partir do sentimento que ela gera no interlocutor. A

música ruim, como a poesia sem ritmo, apenas articulação de palavras, são incapazes de gerar

harmonia interior, em outras palavras, o interlocutor não consegue interagir com a música ou

a poesia, elas não causam o efeito agregador. Nas palavras de Rahner sobre a poesia, esta por

se tratar do mistério infinito e falar ao mais profundo do homem, deve ser palavra que “une

recolhendo”248.

Os versos da poesia são a batuta que marcam seu tempo num compasso harmonioso,

conjugando rimas e alternando silêncios, é o “caminho de volta dentro de um conjunto verbal

em que o ir e o vir demoram o mesmo tempo”249. A articulação rítmica da poesia estabelece o

ambiente agregador, onde o universo do leitor se funde ao universo metafórico das palavras.

3.4. O autor.

Numa obra literária, o autor tem destaque pois é quem “parteja” a obra, transfere para

os seus escritos seu mundo imaginário, deixa interagir com a ficção um universo de

realidades, impressões e desejos, que na obra encontram uma articulação fruitiva, onde

mundos se encontram, onde questões sociais são apresentadas a partir de óticas diversas, o

homem é descrito segundo as aspirações do autor que dá aos personagens traços reais,

imaginativos e até mesmo retrata a si mesmo, como possibilidade de alcançar outras margens,

onde a circunscrição do real não permite. O autor tem a missão de transpor o real para a 247 BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. p. 81. 248 RAHNER, Karl. La palabrapoetica y elcristiano. p. 460. 249 BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. p. 85.

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ficção, de maneira livre, manifestando na sua obra uma hermenêutica do mundo e de

realidades pontuais, exercendo criativamente seu poder de tomar posições, sublinhar

elementos de maior relevância, discordar de regras, apresentar soluções, etc. À sua arte não

deve ser imposta limites, nem tampouco delimitar sua capacidade criativa. O autor tem

responsabilidade por sua obra e “é ele quem escolhe os temas e as formas de composição e, de

um jeito ou de outro, ele continua sempre presente na obra, pois é impossível separar a obra

do homem, a poesia do poeta, o romance do romancista”250. Quanto a isso, Rahner ao tratar

do autor como um vocacionado ao cristianismo, mesmo quando explicitamente não se declara

assim, o que ele chama de “cristão anônimo”, fala da relevância do literato quando este tem a

capacidade de enfrentar a si mesmo, pois a qualidade de um verdadeiro autor se dá quando “se

enfrenta radicalmente com o que ele mesmo é”251.

3.5. O texto como realidade aberta.

Uma obra literária, quando apresentada pelo autor ao público leitor, em geral traz

consigo um enredo finalizado e com o desfecho concluído, no entanto, não se pode pretender

que o final que o autor dá àquela história seja fechado, já que, embora para ele, há uma

conclusão, esta se encontra sempre aberta a novas perspectivas, já que ao ser recebida pelo

leitor, a obra se entrelaça com seu universo, que compõe novos rumos a trama, indo além

daquilo que propõe o autor, pois é capaz de estabelecer diálogo e ressonâncias, elaborando

uma síntese desta dialética que a arte permite.

Umberto Eco diz que a obra quando permite essa fruição de maneira a deixá-la falar e

ser compreendida na multiplicidade de possibilidades, mais do que simplesmente comunicar

uma ideia fixa, “é esteticamente válida” e embora ela seja uma obra acabada, sempre será

aberta pois é “passível de mil interpretações”252.

Eco acentua o fato de que ao considerar uma obra como “aberta”, não significa que a

obra transmita uma “indefinição”, mas que existe uma infinidade de possibilidades de a obra

ser apreendida, inclusive diversamente por uma mesma pessoa, quando lida em tempos

diversos, cercada por realidades específicas. No entanto, embora a gama de possibilidades,

“há somente um feixe de resultados fruitivos rigidamente prefixados e condicionados, de

maneira que a reação interpretativa do leitor não escape jamais ao controle do autor”253.Ainda

afirma que:

250 MANZATTO, Antônio. Teologia e literatura. p. 30. 251 RAHNER, Karl. La misiondel escritor y laexistencia humana. Escritos de Teología VII. p. 416. 252ECO, Umberto. Obra aberta.8.ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 40. 253 Ibidem. p. 43.

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Nesse sentido, o autor produz uma forma acabada em si, desejando que a

forma em questão seja compreendida e fruída tal como a produziu; todavia,

no ato de reação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações,

cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade

particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências,

preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se

verifica segundo uma determinada perspectiva individual254.

O autor ao escrever, apresenta o seu universo e a forma de ver o mundo, sublinha os

detalhes que compõe personagens e situações, indica um sentido para aqueles fatos e elabora

um universo simbólico carregado de intenções, no entanto, tudo isso pode parecer que a obra

está pronta, fechada. Do ponto de vista do autor sim, pois ele concluiu a narrativa, dando os

desfechos desejados aos personagens, dando um final a sua história, porém no leitor a história

continua a ser contada, pois entra na dinâmica reflexiva daquele que não lê apenas

passivamente, mas confecciona mentalmente as imagens e histórias propostas pelo autor. A

história continua aberta, pois não para de ser refletida e os seus desfechos alcançam

dimensões diversas, que variam de leitor para leitor, numa gama infinita de possibilidades.

Já Paul Ricoeur, em seu estudo sobre a identidade dinâmica do texto255, trabalha com a

possibilidade de atualização do texto ao ser lido, pois a obra não termina naquilo que ele

chama de “dentro” do texto, mas dinamiza-se no ato da leitura, conduzindo ao seu

acabamento. Para isso, Ricoeur desdobra em três fases esta tese, elencando como que este

processo acontece.

A primeira fase,Ricoeur chama de “interseção” entre o mundo do texto como “o

mundo apresentado pela ficção diante dela mesma” e que lança o leitor para o “lugar” onde

ele encontra o horizonte estabelecido para tomar o impulso reflexivo que poderá levá-lo a

outras dimensões da realidade, transfigurada pelo mundo ficcional presente no texto, e o

mundo do leitor onde “a ação do real se desvela” e onde a “ação se produz no meio de

circunstâncias”256, já que, inserido em realidades determinadas, o leitor chega ao mundo do

texto não como tábula rasa, mas com uma bagagem bastante vasta, o que o lança a reflexões

influenciadas por essas circunstâncias, e é neste sentido que Ricoeur apresenta a segunda fase

da identidade dinâmica do texto, que corresponde a não oposição entre o mundo do texto e o

mundo do autor, mas sim a criação de uma amalgama imaginativa que torna a história narrada

254 Ibidem. 255 RICOEUR, Paul. A hermenêutica bíblica. Trad.: Paulo Meneses. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 117-221. 256 Ibidem. p. 126.

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atualizada e capaz de ser seguida, pois diz ele que “seguir uma história é representá-la ou re-

atualizá-la pela leitura”257.

Por fim, a identidade dinâmica do texto leva o leitor a uma possível conclusão da obra,

embora o autor já tenha de alguma maneira dado o desfecho, pois a leitura é uma ação

criativa, ancorada na imaginação do leitor que, guiado pela intriga narrada pelo autor, ele é

conduzido a completar a obra, e assim portanto, “o texto como texto é um conjunto de

instruções que o leitor individual ou público cumpre de uma maneira passiva ou criativa.

Contudo, o texto não se torna uma obra a não ser na interação entre o texto e o

destinatário”258.

4. A Relação teologia e literatura.

A literatura como expressão de uma cultura apresenta sua paixão pelo homem como

centro do seu desenvolvimento, cujas vivências são narradas, permeadas de sentidos e

apresentadas nas mais variadas formas, articulando realidade e imaginação. Como não há

balizes cerceadoras da imaginação, a literatura é instrumento que “põe em cena o homem

vivo”259, com todos os sentidos aguçados, prontos para expor seu universo nas mais variadas

formas e situações, atingindo sua grandeza, já que “a literatura é tão grande quanto o

humano”260 e não se limita a compreendê-lo a partir de uma só perspectiva, mas explora todas

as suas possibilidades.

Muitas ciências já se debruçaram sobre a literatura como objeto de compreensão do

humano, podendo se aprofundar em suas investigações e abrir perspectivas a partir de obras

que expõe não apenas o homem e sua cultura em diversas épocas, mas que também apresenta

um humano cheio de sonhos, desejos, com diversas características psicológicas, em

complexos períodos históricos e sociais, que formaram caraterísticas sociais e antropológicas.

Também a filosofia se interessa pela literatura, mesmo que não haja um interesse em

particular pela obra como estrutura de raciocínio filosófico, porém pode utilizá-la como forma

de compreensão da realidade humana em determinadas épocas, como apoio histórico e

sociológico para a elaboração do seu pensamento. Também a teologia se interessa pela

literatura, como “lugar” de compreensão do humano, sobretudo porque, volta-se para a

encarnação do Verbo que é a “automanifestação de Deus na sua auto-alienação”261 e por isso

257 Ibidem. p. 128. 258 Ibidem. 259 MANZATTO, Antônio. Teologia e literatura. p. 63. 260 Ibidem. 261 RAHNER, Karl. Teologia e antropologia. p. 77.

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também para o homem, pois “se Deus mesmo é homem e continua a sê-lo eternamente, e

portanto, toda teologia é, eternamente, antropologia”262. Neste sentido, Deus é o Mistério

sobre o qual a teologia debruça, mas também sobre o homem que é “eternamente mistério de

Deus expresso no fora-de-Deus que, para sempre, participa do mistério do seu

fundamento”263.

Alex ao apresentar o pensamento de Manzatto acerca da aproximação entre teologia e

literatura sublinha um elemento comum: a paixão pela palavra. Assim vemos na literatura,

que tem na palavra seu potente instrumento para confecção de enredos, e na teologia

quevolta-se para a Palavra encarnada como fundamento de seu pensamento, pois é na pessoa

do Verbo que completa a Revelação e consuma a obra da salvação264. Alex pontua a paixão

como elemento de aproximação e doadora de sentido na teologia e literatura:

A paixão pelo humano da Literatura encontra eco na Teologia pela paixão

por um Deus eu se fez humano em Jesus Cristo. A paixão por Jesus Cristo é

a paixão pelo humano do qual Deus também se revela apaixonado. Para o

apaixonado, a vida tem sentido, ou seja, se para a Literatura e a Teologia é

possível encontrar um sentido à vida, isso se dá ao fato de que ambas estão

marcadas por uma paixão que excede toda a razão meramente analítica. Há

que se repensar a paixão, que caminha para a tragédia na Literatura, em

sinônimo de sofrimento na Teologia Cristã, como uma paixão que seja

caminho e salvação da história humana265.

A paixão é elemento fundamental que dá sentido à vida, como força motivadora que

impulsiona a existência humana, retirando-a da insignificância e desolação, abrindo

perspectivas novas que vão muito além do cerceamento da razão analítica, que impõe limites

e estabelece regras. O Deus apaixonado pelos humanos rompe a lógica que separa

transcendência e imanência, eternidade e história e rebaixa-se tornando semelhante aos

homens (Cf. Fl2, 6-11). Também na literatura, sobretudo nos romances, o humano

apaixonado revela-se e preenche de sentido a existência, à procura de repouso nos braços da

pessoa amada. O sentido maior é o sentir-se vivo, cheio de expectativas, sonhos e esperanças,

numa dinâmica sempre de saída de si. Na literatura e em particular nos romances,

encontramos sempre intenso os sentimentos de amados e amantes, que se voltam um para o

262 Ibidem. p. 78. 263 Ibidem. 264 Cf. DV. 4. 265 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e poesia. p. 27.

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outro a procura de plenitude, de realização da vida. Assim, é o humano inteiro posto em cena,

com todas as suas potencialidades e fragilidades, que não interessa apenas à literatura, mas

também à teologia, que procura compreender nas experiências humanas os desdobramentos

da experiência de Deus.

Por vivermos numa sociedade empirista, carente de sentido, tantas vezes movida por

um mecanismo quase alienada do simbólico, a dureza dos conceitos e a fixidez do

pensamento científico parece ser a única forma credível de interpretação do mundo, do

humano e das coisas. A arte costuma ser vista como mero instrumento de lazer, capaz de

retirar as pessoas da seriedade da vida e introduzí-las no universo lúdico, sem relação com o

concreto, por vezes convidando a uma hermenêutica idealizada e simbólica do real,

distanciando de qualquer reflexão aprofundada dos acontecimentos e do universo humano.

Desta mesma forma, a literatura esbarra no tecnicismo de nosso tempo, por vezes incapaz de

adentrar na dinâmica simbólica humana e ali encontrar sentido para a existência.

Manzatto diz que, num tempo marcado pelo consumismo e pela produtividade266, a

literatura por ser gratuita, pois é arte, não coaduna com este sistema marcado pela utilidade,

que cega o homem e lhe tolhe a capacidade de dar significado a sua existência. Por ser

carregada de sentido a literatura tem sua fonte na experiência humana, que se expressa de

maneira eficaz não apenas através dos conceitos fechados e científicos, mas no imaginário

como lugar da construção simbólica do homem, que se expressa de maneira diversa,

apresentando dimensões psicológicas, culturais, sociológicas, antropológicas, a partir de uma

apreensão lúdica, porém não menos verdadeira.

A literatura é um olhar sobre o mundo, sobre seus valores, suas condições.

Ela é também, mas não formal nem diretamente, um juízo de valores, pois

ela toma posição ante os mitos, coisas e realidades da vida e da sociedade;

ela denuncia ideologias, sofrimentos, hipocrisias, falsos valores, opressão, e

prega novos valores267.

Além do mais, a literatura contribui na construção da identidade de um povo, que se

reconhece nos muitos sentidos expressos numa obra, capaz de humanizar o homem268 tão

afetado pelos “mitos da técnica e do consumo”269que roubam sua capacidade de enxergar a si

266 Cf. MANZATTO, Antônio. Teologiae literatura.p. 36. 267 Ibidem. p. 38. 268 Cf. Ibidem. 269 Ibidem.

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como ser desejoso em dar significados a sua própria existência, abrindo novas perspectivas e

situando o homem não em apenas alguns aspectos de sua vida, mas projetando para a

compreensão de um mundo mais amplo, pois fala ao homem inteiro.

4.1. Métodos de aproximação entre teologia e literatura.

Dado esta dinamicidade tanto da literatura nas suas diversas formas de expressão e da

teologia que é palavra da fé a cerca da atuação de Deus na história a partir da Revelação, não

se pode pensar em apenas um método para a aproximação destas duas epistemologias, mas é

fundamental adentrar num campo vasto, onde se tem muito a ser explorado.

Várias são as metodologias que procuram propiciar este encontro, contemplando essas

duas epistemologias e estabelecendo relações valiosas, tanto para uma como para a outra,

conservando aquilo que lhes é próprio, porém buscando elementos que possam compor uma

ampliação da compreensão acerca de Deus e do humano. Contudo, pode-se perceber que,

embora a variedade de métodos, todos eles de alguma forma evidenciam uma unidade

antropológica270, como fio condutor desta aproximação.

Seguiremos aqui a reflexão de Manzatto a cerca das possibilidades metodológicas, nos

três blocos271 de possibilidades apresentados, que não pretendem encerrar todo estudo dos

métodos de aproximação dialogal entre teologia e literatura, mas que apresentam um

panorama daquilo que já está sendo produzido por teólogos e teólogas, que se dedicam em

explorar este campo vasto de reflexão, haja visto que por se tratar do universo da literatura,

não se poderia pensar em apenas um método rígido, pois encontramos uma gama de

expressões literárias e ainda, no diálogo com a teologia, que se estabelece a parti da

Revelação de Deus na dinâmica da história, plenamente realizada no Cristo “que é

simultaneamente, o mediado e a plenitude de toda a Revelação”272.

4.1.2. Leitura teológica dos textos literários.

Num primeiro bloco, Manzatto apresenta aqueles métodos de abordagem considerados

“antigos”, pois se trata de fazer uma leitura teológica dos textos literários, tomando os autores

como teólogos, fazendo de suas obras literárias terrenos onde a teologia se manifesta, e com

270 Cf. VILLAS BOAS, Alex. Teologia e poesia. 271 MANZATTO, Antônio. Pequeno panorama de teologia e literatura. In Teologia e arte: expressões de transcendência, caminhos de renovação. Ceci Babtista Mariani, Maria Angela Vilhena (orgs.). São Paulo: Paulinas, 2011. p. 87-98. 272 DV 2.

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isso, desenvolvendo críticas quando não ortodoxas ou assentindo aos elementos teológicos

presentes no texto, como se devesse ser essa a preocupação do literato, desconsiderando

inclusive sua liberdade de expressar as questões relativas a fé, religião etc, a partir de prismas

diversos, sem que sejam submetidos ao crivo doutrinal. Neste sentido, não se pode reduzir a

literatura à serva da teologia, como se a primeira fosse uma simples forma para a apresentação

do discurso teológico. É certo que a linguagem literária compõe um ambiente menos árido

para a expressão das verdades teológicas, que falam ao intelecto humano, mas que também

devem falar ao coração, pois são expressões da fé que perpassam pela realidade humana, que

preenche de sentido a vida, e que dessa maneira não pode apenas informar, mas devem ser

performáticas, alinhar-se a vida. Também a linguagem literária pode ser um caminho que abre

acesso ao pensamento teológico àqueles que estão fora do ambiente da teologia, porém é

fundamental que essas duas epistemologias sejam independentes e que, embora possam

dialogar, e este é um caminho importante sobretudo para alargar as fronteiras tanto de uma

como de outra, precisam ser fiéis às suas formas de compreensão do mundo, do homem e de

Deus.

4.1.3. Método de correspondência.

O segundo bloco corresponde àqueles métodos derivados do pensamento de Kuschel,

e que Manzatto exemplifica a partir dos estudos de Magalhães273, cuja derivação se encontra

na forma de perceber a correspondência entre elementos presentes na obra teológica e

literária, assumindo analogias e delimitando as diferenças, no método chamado de “analogia

estrutural”. Neste sentido, há um afastamento do pensamento apresentado no bloco anterior,

que acaba por “instrumentalizar” a literatura, reduzindo-a a serva da teologia. Manzatto

afirma que “esse procedimento de associação cria uma correspondência entre tais elementos,

proporcionando-lhes, de um lado, a continuidade de pertença a seus universos próprios, e de

outro, que se relacionem”274.

Quanto ao método da correlação, Magalhães apresenta a base onde se estrutura seu

pensamento, apontando para o pensamento de Paul Tillich e para a doutrina do Concílio

Vaticano II, sobretudo no tocante a dinamicidade da Revelação, que não se resume a uma

normativa “objetiva e autoritária, mas que nasce a partir da experiência dos grupos com o

273 MAGALHÃES, Antônio. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. 2. Ed. São Paulo: Paulinas, 2009. 274 MANZATTO, Antônio. Pequeno panorama de teologia e literatura. p. 93.

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Deus dentro da história”275. Desta forma, deve-se sublinhar que há uma “relação estreita entre

revelação e situação humana”276, o que abre um caminho importante para o diálogo entre

literatura e teologia, já que a primeira se volta para a vida humana, envolta de nuances

diversas, revelando o humano, suas possibilidades e aspirações.

No trato da literatura e sua relação com a teologia, Magalhães atenta para o perigo de a

literatura ser encarada de maneira apequenada, quando esta é vista apenas como uma forma de

conhecimento do mundo de segunda grandeza, não tendo consistência em sim mesmo, mas

que para ter credibilidade precisa estar ao lado de outras ciências. Compara esta inferioridade

com aquela que costumeiramente fazemos com relação ao corpo e a alma, sendo o primeiro

inferior a segunda. A literatura não pode ser encarada apenas como um instrumento lúdico

que oferece alguns elementos para a percepção do mundo, mas que está presa apenas ao

estético e que não se ocupa verdadeiramente com o ético, numa ingenuidade marcada pela

afirmativa de que a arte se explica somente pela arte, e toda e qualquer compreensão de

mundo através dela seria sempre perigosa, pois se trata apenas de elucubrações artísticas sem

o menor interesse nas questões da realidade humana.

Outro erro possível neste diálogo entre literatura e teologia é submeter a literatura a

uma narrativa religiosa, costurada na barra dos dogmas e instrumentalizada para elucidar

doutrinas. A literatura precisa continuar sendo literatura e não pode tomar a forma de uma

literatura confessional pelo fato de estar em diálogo com a teologia, precisa ter independência,

e conservar os elementos que compõe sua estrutura.

4.1.4. Teopoética.

A teopoética também compõe este bloco e “ora relaciona teologia e literatura, ora

trabalha segundo os princípios da literatura comparada, relacionando e comparando elementos

da literatura e teologia”277. Sobre este tema, Magalhães apresenta um panorama crítico quanto

ao “enclausuramento” de Deus nos conceitos doutrinários e teológicos, que torna o

pensamento sobre a fé estéril e o encaminha para um discurso árido e moralista. Neste

sentido, apresenta o pensamento teopoético como um resgate da dinâmica da revelação de

Deus nas realidades concretas humanas e rejeita a domesticação da experiência de Deus que,

segundo ele, “têm de passar pelos sistemas teológicos e eclesiásticos enclausurados em seu

275 MAGALHÃES, Antônio. Deus no espelho das palavras: p. 174. 276 Ibidem. 277MANZATTO, Antônio. Pequeno panorama de teologia e literatura.p. 94.

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conservadorismo e incapazes de se deixarem abalar pelas contingências da história”278. A

teopoética permite a relativização dos conceitos sobre Deus, salvaguardando inclusive sua

liberdade, pois mesmo depois da obra literária concluída, não há uma “dogmatização” que se

impõe, mas a possibilidade plural de compreensão. Quanto ao Deus apresentado pelos

literatos, afirma:

Na verdade, o Deus apresentado pelos autores da literatura distancia-se do Deus

apresentado pela Igreja, pois, na literatura assume-se a ambiguidade e as

contradições dentro da experiência de fé, enquanto a fala conceitual da teologia

sobre Deus procura justamente superar e dissipar toda e qualquer ambiguidade279.

O não compromisso com um sistema teológico ou doutrinal permite a literatura alçar

voos por universos diversos, perpassando pelas ímpares experiências de fé, podendo alcançar

muitos modelos de expressões religiosas, e, sobretudo, valorizando a versatilidade da

linguagem. Neste aspecto, Magalhães sublinha a teopoética na obra de Rubem Alves, que

mesmo não tendo a intenção de desenvolver seus escritos claramente dentro deste modelo

metodológico, assumiu de maneira crescente um discurso sobre Deus.

Rubem Alves se destaca pelo fato de não considerar os temas teológicos como

submissos a uma racionalização infértil e, para utilizar um termo que já utilizamos no

primeiro capítulo deste estudo, procura estabelecer uma reflexão performática da fé, pois

procura dizer à pessoa na sua realidade concreta, e ao mesmo tempo, esta realidade deve ser

fonte do pensamento sobre Deus, pois traz as marcas da fé. Quanto a isso, diz Magalhães

sobre Rubem Alves:

Teologia, antes de ser da academia, pertence à vida, e esta se entrelaça na teia

simbólica, formando as diversas relações que nos criam, isso porque não existem,

para Rubem Alves, realidades brutas à nossa frente, elas sempre são vistas por meio

de símbolos que as tornam suportáveis para a vida. Nesse sentido, a consciência é

uma extensão do corpo, que apreende o mundo em dimensões sensitivas e

emocionais280.

Magalhães ainda sublinha o fato de que Rubem Alves, embora desenvolva seu

trabalho no campo da teopoética, não se fixa totalmente no método da analogia estrutural de

Kuschel, que identifica na obra literária semelhanças e assume diferenças, numa análise

278 MAGALHÃES, Antônio. Deus no espelho das palavras. p. 173. 279 Ibidem. 280 Ibidem. p. 177.

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crítica da teologia à literatura, mas procura identificar que “na própria literatura já há teologia

a ser narrada em diálogo com a tradição cristã, sendo necessário assumir o estilo poético

como forma de reconstruir o saber teológico”281, e assim ainda afirma que “poesia não é mero

objeto, mas já apresenta traços essenciais que são pertencentes à própria reflexão

teológica”282.

4.1.5. A Dimensão antropológica da aproximação entre teologia e literatura.

O terceiro bloco de metodologias que procuram aproximar teologia e literatura é

apresentado por Manzatto como aquele que mais se aproxima do desafio estritamente

teológico, que procura nas obras literárias não apenas correspondências e elementos que

compõe sua episteme, como vimos nos blocos anteriores, mas se volta à tarefa árdua de

“pensar os conteúdos da fé a partir do horizonte literário propriamente dito”283, sobretudo

naqueles autores e obras não religiosos e sem intenções teológicas, o que impede uma relação

mais direta com a teologia e convida a uma postura dialogal num ambiente de diferenças.

O fio condutor deste bloco metodológico é a antropologia, que em literatura é uma

forma de expressar o ser humano no mundo, com suas mais variadas dimensões,

contemplando a humanidade mesmo quando trata de narrativas ficcionais, capaz de criar seres

e lugares inexistentes, num universo marcado por imaginações, ou mesmo nos poemas que se

voltam a uma linguagem simbólica, carregada de analogias por vezes incompreensíveis. Aí

reside um humano verdadeiro, que se expressa de formas variadas, e revela uma compreensão

do humano em sua relação com o mundo. Assim também a teologia, “quando bem feita,

desemboca numa antropologia”284, pois se volta para a revelação que se dá plenamente na

pessoa de Jesus de Nazaré, cuja vida é o lugar por excelência para a compreensão de Deus

que “se serve de situações humanas, de características humanas, da história humana, de

categorias humanas”285. Desta forma, portanto, Manzatto explica que “o procedimento em

questão parte da compreensão de que, em teologia, o antropológico é, de certa forma,

determinante e critério de sua verificabilidade, enquanto, em literatura, o antropológico se

exprime em forma de ‘ser no mundo’”286.

281 Ibidem. p. 180. 282 Ibidem. 283 MANZATTO, Antônio. Pequeno panorama de teologia e literatura. p. 95. 284 Idem. Cristologia: Teologia e Antropologia. In Revista de Cultura Teológica, 19, abr-jun/1997. p.7. 285 Ibidem. p.7. 286 Idem. Pequeno panorama de teologia e literatura. p. 95.

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5. Adélia Prado e a poética do cotidiano.

A aproximação entre teologia e literatura se apresenta como uma possibilidade da

compreensão da fé a partir do universo existencial humano expresso na arte, como lugar de

epifania e de encontro com o Absoluto, que entra no tempo e no espaço humano, não mais

como regente da história, nem apenas fundamento de seu sentido, mas sendo ele mesmo

história287. A vida humana e os elementos que a constitui é também o lugar da manifestação

do Verbo eterno, que quis ser humano com os humanos num gesto de extrema liberdade e

amor “aceitando existir para Deus e para os seres humanos”288. Dado isto, é no caminhar da

história humana que podemos contemplar a ação divina, que se entrelaça na simplicidade do

cotidiano como espaço privilegiado de atuação, lá onde a vida acontece e se desenrola, onde o

simples não é o banal, mas sacralizado por Aquele que permeia o ritmo do tempo. Neste

sentido é que segue a apresentação do pensamento poético de Adélia Prado, como poeta e

mística, que contempla o extraordinário no ordinário, que percebe a presença do Absoluto na

singeleza da brisa, assim como o profeta Elias (Cf. 1Rs 19, 9-18) que se coloca aquém de uma

epifania em terremotos e furacões, mas cobre o rosto diante da simplicidade da brisa suave.

5.1. Vocação poética.

O teólogo Karl Rahner ao tratar da vocação poética no texto “Sacerdote y poeta”,

afirma que o poeta é alguém a quem foi confiado as palavras originais, que carregam em si

consistência, impregnadas de realidade, não apenas capazes de nomear os objetos, mas tornam

presente aquilo que significam, pois “revela um fragmento de realidade pelo qual nos abre,

misteriosamente, a porta que conduz a insondável profundidade da autêntica Realidade”289.

As palavras originais do poeta refletem aquela realidade do Verbo divino, que traz em si

aquele que nomeia, como vemos no Evangelho de São João: “O verbo estava com Deus e o

Verbo era Deus”(Jo 1,1). O Verbo divino encarnado e o Ser de Deus estão presentes

inseparavelmente na pessoa de Jesus de Nazaré. Assim, cabe a afirmação da função da

287 “Em Jesus Cristo, o Logos já não é o império das ideias, dos valores e das leis, regendo a história e fundando seu sentido: Ele mesmo é história. Na vida de Cristo, o fático não só coincide com o normativo ‘de fato’, a não ser ‘necessariamente’, porque o ‘fato’ é, às vezes, a manifestação de Deus e protótipo humano de toda autêntica humanidade para Deus. Os fatos não são somente um símbolo fenomênico de uma doutrina que se esconde detrás e que poderia ser subtraída deles (como em parte creu a teologia alexandrina): são o sentido mesmo, se se entendem em sua profundidade e totalidade. A vida histórica do Logos – a que pertencem sua morte, ressurreição e ascensão – é, como tal, o mundo peculiar de ideias que dá norma a toda a História por imediato ou por redução, mas não desde uma altura não histórica, senão desde o centro vivo da história mesma. Cf. BALTHASAR, Hans Urs Von. Teologia da história. p. 22. 288 FORTE, Bruno. A essência do Cristianismo. p. 57. 289 RAHNER, Karl. Sacerdote y poeta.In Escritos de Teología. p. 335.

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palavra na poesia segundo Adélia Prado: “Na poesia a palavra vira a coisa. Aí é que está a

unidade consubstancial”290.

Adélia Prado na esteira da realidade evocativa de sua vocação poética escreve o que

sente291, e traz a tona, no signo das palavras o mundo que pulula dentro de si e que se

corporifica nas tramas dos versos, que “são quase silêncio, mais sugeridos que descritos,

como a renda cujos vazios são o conteúdo do desenho”292.

Adélia é mística, e costura sua alma à “mineiridade”, que segundo ela mesma, afirma

ter um acento maior na Paixão do que na Ressurreição do Senhor293 e que causa ar de

melancolia à sua poesia, que se expressa num contexto de “vale de lágrimas”, como se reza na

oração da Salve Rainha. Neste sentido, questionada sobre o fato de ela ser religiosa, cristã,

não estaria de certa forma vocacionada ao sofrimento e dor, haja vista o acento na Paixão de

Cristo. Sua resposta é não e afirma com destreza estar vocacionada ao real294, cuja

originalidade compõe também dor e sofrimento. A poesia a retira da cegueira e lhe capacita a

olhar para o real como lugar primordial da revelação poética, pois é nas minucias dos fatos e

das coisas que Adélia retira a matéria-prima para suas obras.

Como vocacionada ao real, Adélia reconhece que a poética tem suas raízes na beleza,

A realidade é transparente e o poeta é capaz de enxergar além da imanência das coisas,

pois se eleva acima delas e alcança o sentido para onde elas apontam, e revestindo de novos

significados aquilo que parece se perder na banalidade de um olhar apático. Também a

teologia para ser ciência da fé precisa colocar-se diante da realidade com postura

contemplativa capaz de, na transparência do mundo, enxergar Deus que se revela. Quanto a

isso, Leonardo Boff fala da imanência e transcendência do mundo, como duas dimensões da

realidade que se conjugam para formar aquilo que chamamos de historicidade. A imanência é

a situação dada, são estruturas e conjunturas que compõe o universo em que o ser humano

está imerso, contudo, a transcendência é a ultrapassagem do factual para outra dimensão da

realidade, capaz de tecer sentido ao humano, como único animal em constante construção,

não fadado a o determinismo, mas dinâmico. É nesse sentido que se pode compreender a

290INSTITUTO MOREIRA SALLES. Oráculos de Março. Cadernos de Literatura Brasileira: Adélia Prado. São Paulo, 2000. n. 9.p. 24 291 Cf. PRADO, Adélia. Com licença poética. In Bagagem. 27.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 9. 292 BETTO, Frei. Adélia nos prados do Senhor. In Cadernos de literatura Brasileira: Adélia Prado. N. 9. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2000.p. 122. 293 INSTITUTO MOREIRA SALLES. Oráculos de Março. p. 22. 294 Ibidem.

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Revelação de Deus, que “irrompe dentro da história humana”295e só assim pode ter

significado real, capaz de ser Sentido radical e Luz para o ser humano296.

Consciente que sua poesia não é outra coisa senão um “estado de graça”297, o “poeta é

um coitado”298, embora sua obra seja grandiosa, pois tem consistência e revela o real, como

num gesto de tirar o véu e mostrar a beleza escondida nos recônditos das coisas. Adélia

reconhece a nobreza de sua vocação, pois não esconde que quem quer falar não é ela, “é o

Espírito Santo. Ele quer falar e me usa. No caso, eu sou o seu oráculo”299, diz ela, e quando

se percebe grande, como numa prece, pede a Deus que a cure desse mal: “me dá a mão, me

cura de ser grande” 300, pois sabe que sua obra é maior que ela mesma e não se pode

confundir “a boniteza do livro com a sua”301.

5.2. Mística e poesia.

No contexto da fé, mais propriamente da mística, a poesia é a linguagem mais

adequada para sua expressividade, pois por se tratar de linguagem metafórica, melhor se

articula com a realidade de mistério, pois “os conceitos, às vezes, não exprimem muito bem as

verdades que se quer comunicar”302, e embora se trate de experiência subjetiva não abarcada

por conceitos claros e objetivos, “o conhecimento místico tem caráter suprarracional, é de

certo modo intuitivo e simples”303, porém não menos verdadeiro.

É certo também que toda forma de expressão que procura dizer sobre a experiência

mística vai sempre degradá-la, pois enquanto experiência é sempre maior do que qualquer

palavra possa defini-la. O Dicionário Crítico de Teologia aponta este limite e ao tratar do

autor místico o aproxima do poeta:

Tornando-se autor, ele vive uma contradição fundamental, e ele só a resolve, bem ou

mal, denunciando continuamente a inconsistência das palavras, combinando-as em

encadeamentos inabituais e próprios para reter a presença fugidia de que dão

testemunho. Nisso o autor místico é fundamentalmente um poeta, qualquer que seja

o gênero literário de seu texto (...)304.

295 BOFF, Leonardo. Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas. Campinas: Verus, 2002. p. 34. 296 Cf. Ibidem. 297 INSTITUTO MOREIRA SALLES. Oráculos de Março. p. 31. 298 Ibidem. 299 Ibidem. p. 27. 300 PRADO, Adélia. Orfandade. In Bagagem. p. 12. 301INSTITUTO MOREIRA SALLES. Oráculos de Março.p. 36. 302 MANZATTO, Antônio. Teologia e Literatura. p. 78. 303 ANCILLI, Ermano. Mística. In Dicionário de Espiritualidade. V. II. São Paulo: Edições Loyola; Paulinas, 2012. 304 LONGCHMP, Max Huot de. Mística. In Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004.

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O poeta, como diz Adélia, é alguém em estado de graça por isso não há como separar

o poeta do religioso, mesmo se este não o assuma assim, pelo fato de o poeta captar aquilo

que está por detrás das coisas, que o remete necessariamente a sua fundação, que em última

análise é Deus.

A experiência poética é também uma experiência religiosa, que nasce do jubilo como

forma de união com Deus, numa abertura à transcendência e a linguagem desse júbilo é a

poesia, pois “é realmente metafórica, simbólica, puro jubilo”305. Aqui Adélia se aproxima da

doutrina rahneriana do “cristão anônimo” onde, sem a necessidade de uma “profissão de fé”,

o poeta por tratar de realidades referentes à existência humana só pode ser alguém

“agraciado” e inspirado por Deus para a confecção de sua poesia, pois falam palavras

impregnadas e expressam no limite de suas palavras a “ilimitação divina”306. Também Carlos

Josaphat fala da sacralidade do poeta, em referência a sua qualidade em dar contornos de

beleza e pureza às palavras, carregadas de sentido, no “milagre de seus versos”307. Embora

distintos, conquanto uma diz respeito à existência e a outra a expressividade, essas duas

realidades contemplam um “encontro nas alturas”308, pois superam a aridez do simples existir

e dizer, abrindo-se ao maravilhamento da terceira margem, onde o ser se une à sua Origem e a

palavra evoca, carregada de sentido, mais do que nomeia. Assim, resume Josaphat: “Deus

sentido, Deus saboreado vai ser o Deus falado, o Deus que busca uma palavra viva para

despertar a percepção vivida da sua presença real neste momento da existência e da

história”309.

5.3. O mundo sacramental adeliano.

Nascida na cidade de Divinópolis, a mineira Adélia Prado tem um olhar contemplativo

para o mundo. Vê não apenas com os olhos, aqueles do rosto, mas lança seu olhar para uma

realidade que se desvela a partir de uma atitude de contemplação da realidade, capaz de

perceber a transcendência nas minúcias do cotidiano. Nas palavras dela: “Você da janela

contempla, porque é um não-ver com os olhos, folhas brilhando coroadas de gotas...”310. É

outra dimensão da realidade que se apresenta aos olhos daquela que sabe ver além da coisa,

305 INSTITUTO MOREIRA SALES. Oráculo de Março. p. 22. 306 RAHNER, Karl. La palabrapoetica y elcristiano. In Escritos de Teología IV. p. 338. 307 JOSAPHAT, Carlos. Falar de Deus e com Deus: caminhos e descaminhos das religiões hoje. São Paulo: Paulus, 2004. p. 249. 308 Ibidem. 309 Ibidem. p. 251. 310 PRADO, Adélia. Manuscritos de Felipa. São Paulo: Siciliano, 1999. p. 42.

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que compreende o mundo todo permeado por Deus, onde transcendência e imanência se

conjugam num entrelaçamento sacramental.

Leonardo Boff em sua “minimasacramentalia” explicita esta realidade sacramental

das coisas, que chegou a sua máxima densidade em Jesus Cristo, como Sacramento

Primordial de Deus, seu Verbo encarnado que entra no tempo e revela o rosto do Deus eterno.

Ao desaparecer da vista humana com sua ascensão aos céus, Jesus confia a Igreja a graça de

ser sacramento311, que se “concretiza nas várias situações da vida, e funda a estrutura

sacramental, centrada especialmente nos sete sacramentos”312, mas que no entanto não detém

toda a graça sacramental, que pode também ser experimentada nos elementos do mundo

sensível, que para o teólogo tem a função indicadora e reveladora, pois o mundo detém em si

uma realidade intermediária que reúne tanto transcendência como imanência, que é a

transparência, ou seja, “o trans-cendente se torna presente no in-manente, fazendo que este se

torne trans-parente para a realidade daquele. O trans-cendente irrompendo dentro do in-

manentetrans-figura o in-manente. Torna-o trans-parente”313.

Na função indicadora “o objeto sacramental indica e aponta para Deus presente dentro

dele”314, e o olhar do homem não se encerra no objeto que, permeado por Deus, convida a um

olhar capaz de transcender, enxergar Aquele que está no objeto, que por sua vez, por ser

sacramento, é realidade imanente que transparece e revela a realidade transcendente.

Diferentemente da função indicadora, cujo movimento é do objeto para Deus, a função

reveladora se dá no “movimento que vai de Deus para o objeto sacramental”315. Deus que é

transcendente e por isso “invisível e inagarrável, se torna sacramentalmente visível e

agarrável”316, pois mesmo sem perder seu caráter temporal, físico e precário, o objeto se torna

“veículo e instrumento da comunicação do Mundo divino”317, e revela Deus nas realidades

imanentes que cercam o cotidiano humano que, pela fé, enxerga na profanidade das coisas a

sacralidade que elas indicam. E neste universo que vive Adélia, cuja alma poética a conduz ao

maravilhamento da realidade que se impõe, seja alegria, seja dor. Tudo se torna poesia na

311 Cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium. n.1. p. 102. Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997. 312BOFF, Leonardo. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos: minimasacramentalia. 28. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.p. 15. 313 Ibidem. p. 39. 314 Ibidem. p. 46. 315 Ibidem. p. 47. 316 Ibidem. 317 Ibidem.

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trama do mundo, no entrelaço da transcendência e da imanência, que se impõe aos olhos

daquela que “traz Deus nas dobras do ser.”318, capaz de identificá-Lo “no infinitamente

grande, como no brilho das estrelas, e no infinitamente pequeno, como um toco de vela”.319

5.4. O cotidiano, lugar da poesia.

Em uma entrevista ao filósofo Jean Lauand320, quando questionada sobre a

cotidianidade de sua poesia, Adélia afirmou da importância do real, como o lugar do

maravilhamento, mas também o único espaço que temos, já que não nos é dado nada além do

real exposto no cotidiano. Este é o espaço onde estão os grandes temas, e é daí que ela extrai

sua poesia, na matéria-prima da vida. Explica: “É o real configurado no amor, na morte, nas

mais diversas paixões que nos habitam e nas virtudes também. Então eu não vejo onde é que

eu busco poesia...”321, e ainda, “a transcendência mora, pousa nas coisas... está pousada ou

está encarnada nas coisas”322.

O lugar onde a vida acontece, esse é o lugar de onde a poesia nasce. Existe

concordância com o pensamento de Rahner que diz que o poeta é aquele capaz de desvelar a

realidade do cotidiano, compreendendo-o a partir do mistério que o envolve, assim, o poeta

não pode se abster daquilo que é a fonte de toda poesia, o concreto, pois “a poesia tem que

falar do concreto e não fazer com que os princípios abstratos bailem como marionetes”323.

A experiência de estupor gera um desejo de conhecer, uma ânsia por razões, e é na

busca por essas razões que nasce a poesia, como palavra que analisa aquilo que vê, extraindo

o que está além do que os olhos podem alcançar. Adélia reconhece que há uma ordem no

mundo, que reveste todas as coisas de sentido. É nesta perspectiva que escreve Alex:

A poesia extrai das coisas o sentido e ajuda a dar resposta verdadeira a

vontade de sentido do coração e Deus se manifesta como experiência de

sentido que questiona o absurdo de existir e sendo sinal do Mistério de que

318 BETTO, Frei. Adélia nos prados do Senhor. p. 122. 319 Ibidem. 320LAUAND, Luiz Jean. Conferência de filosofia. Alguns textos I. Disponível em:<http://www.hottopos.com.br/videtur9/renlaoan.htm> 321 Ibidem. 322 Ibidem. 323 RAHNER, Karl. La palabrapoetica y elcristiano. In Escritos IV. p. 464.

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apesar do absurdo na vida ainda se pode, ou se deve, encontrar um

sentido324.

Adélia sacraliza e reveste de novidade o que, ao olhar do homem moderno parece ser

um mal a ser combatido: a rotina. O tema é explorado no poema “Mural”325 onde a poetisa

mineira não teme em por lado a lado as palavras Deus, amor, aprazível e rotina:

Recolhe do ninho os ovos

a mulher

nem jovem nem velha,

em estado de perfeito uso.

Não vem do sol indeciso

a claridade expandindo-se,

é dela que nasce a luz

de natureza velada,

é seu próprio gosto

em ter uma família,

amar a aprazível rotina.

Ela não sabe que sabe,

a rotina perfeita é Deus:

as galinhas porão seus ovos,

ela porá a sua saia,

a árvore a seu tempo

dará suas folhas rosadas.

A mulher não sabe que reza:

324 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Literatura como Teopatodiceia: Em busca de um pensamento poético teológico. (Doutorado em Teologia) Potifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. p. 361. 325 PRADO, Adélia. Mural. In Oráculos de maio. São Paulo: Siciliano, 1999. p. 39.

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que nada mude, Senhor326

O ambiente rotineiro é o lugar sagrado de onde nasce a poesia, é o solo que deve ser

pisado com os pés descalços, pois é santo, fazendo aqui uma alusão com a passagem do Livro

do Êxodo, em que Moisés se aproxima da sarça que arde em fogo, mas não é consumida por

ele (cf. Êx3, 1-6). O extraordinário arde no solo ordinário da vida, cuja beleza só encanta o

coração atento, capaz de perceber nas minúcias, grandes manifestações.

Ao afirmar que “a rotina perfeita é Deus”327, Adélia conjuga Deus com a rotina,

retirando desta ultima seu caráter execrável, cujo defeito maior parece ser a falta de novidade.

A rotina, segundo o olhar adeliano, dita o ritmo para a elaboração dos sentidos novos que se

abrem num movimento que não é o do “sempre a mesma coisa”, mas aquele que se renova a

partir da perspectiva que se alarga amparada na contemplação minuciosa da poetisa que vê

brilhar diante de si os ciclos da vida cotidiana: “as galinhas porão seus ovos, ela porá sua saia,

a árvore a seu tempo dará suas flores rosadas”328.

Termina o poema com uma prece: “A mulher não sabe que reza: que nada mude,

Senhor.329”. Em “tempos líquidos”330, pra citar o sociólogo polonês ZygmuntBauman, a ânsia

pela mudança parece ser o fetiche moderno, onde a rotina não se conjuga mais com o

maravilhamento diante da realidade. A admiração parece nascer da novidade, do que se

apresenta sempre diferente, porque ser comum é ser desprovido de beleza, de encanto. Adélia

faz poesia com o comum, o cotidiano não lhe parece enfadonho, pelo contrário, se encanta

porque se põe a “amar a aprazível rotina”331,esta, embebida do encanto pela realidade

simples, capaz de redescobrir um novo sentido naquilo que se apresenta como o “arroz e

feijão” do cotidiano.

O que dizer então do cotidiano de uma dona de casa, mergulhada na rotina dos

afazeres domésticos? Adélia poetisa a imanência mais comum e reveste de significado até

uma cozinha limpa: “Nesta hora da tarde, quando a casa repousa a obra de minhas mãos é esta

cozinha limpa”332. Foi inclusive classificada muitas vezes como uma dona de casa que faz

poesia, pelo fato de tratar de realidades comuns, do cotidiano de uma dona de casa atarefada,

326 Ibidem. 327 Ibidem. 328 Ibidem. 329 Ibidem. 330 BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 331 PRADO, Adélia. Mural. In Oráculos de maio. p. 39. 332 PRADO, Adélia. Na terra como nos céus. In Oráculos de maio. p. 101.

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imersa nos afazeres domésticos. No entanto, ela afirma que é ali, no cotidiano que se

encontram os grandes temas, o real como lugar de epifania. O real não é outra coisa senão a

história no seu curso, onde a vida acontece e onde também nas experiências históricas se faz a

experiência da Revelação de Deus, que entra na história humana e rompe com aquela linha

divisória entre sagrado e profano, pois na encarnação do Verbo, que segundo Adélia é

“máximo de poesia possível”333, a história humana é assumida e resgatada da fatalidade e

recebe do Verbo, pelo qual todas as coisas subsistem (cf. Cl 1, 15-20), a bem aventurança da

salvação, como supressão do tempo cronológico no tempo de Deus.

333 INSTITUTO MOREIRA SALES. Oráculo de Março. p. 24.

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CONCLUSÃO

O caminho percorrido por esta pesquisa procurou elaborar uma reflexão a partir da

pertinência da poesia como forma de expressão para a compreensão da linguagem teológica e

de sua densidade, como expressão daquela experiência que se dá primeiramente na

fecundidade do silêncio, da palavra que primeiro se escuta interiormente e que depois, dado

os limites da linguagem, é expressa de maneira a traçar alguns contornos do mistério, que se

revela, mas não se esgota.

Assim, cabe sublinhar alguns elementos importantes e projetar esta reflexão não à uma

conclusão propriamente dito, mas à abertura de possibilidades, que tem nesta pesquisa alguns

elementos propedêuticos para a elaboração de novos caminhos e pensamentos que procuram

estabelecer o diálogo entre teologia e literatura, sobretudo no tocante a poesia, como

linguagem metafórica, rica em simbologias, elementos imagéticos e imaginativos, densos de

significados, que não se encerram na expressão, mas transcendem à realidades maiores.

O primeiro elemento a ser sublinhado é o fato de que toda linguagem que pretende

tratar das realidades relativas à fé, especialmente a teológica, esbarra no limite do alcance do

conceito, haja vista que se trata de mistério e a palavra é sempre aproximativa e nunca

abarcadora. Especificamente na linguagem teológica, o falar de Deus se dá a partir da

analogia, como forma própria de expressão daquelas realidades que nenhuma palavra é capaz

de dizer tudo aquilo que pretende significar, mas que a partir de imagens e símbolos encontra

uma forma aproximativa e cognoscível. Deste modo, a teologia reconhece sua insuficiência,

mas também sua importância quanto à aventura de tornar compreensíveis os conteúdos da fé,

sobretudo no que diz respeito à comunicação não apenas de conceitos, mas de elementos

capazes de promover um encontro de fé.

Outro fator importante é que a linguagem teológica tantas vezes mergulhada num

emaranhado de conceitos abstratos e distantes da compreensão dos homens contemporâneos,

acaba por se estabelecer numa aridez infértil, falando apenas a teólogos, não atenta à vocação

de atualizar os conteúdos da fé para sua melhor compreensão e vivência. A teologia está a

serviço da fé e tem suas bases na Revelação de Deus, que em palavras humanas falou aos

homens, para que eles pudessem compreender e se estabelecer de forma a viver uma

experiência performática da fé. Deste modo, podemos dizer que a teologia é ato segundo,

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sendo precedida por este processo de Revelação, como experiência vital e histórica de Deus,

que assumiu a realidade humana e se utilizou de todos os elementos da vida humana,

inclusive a linguagem, para revelar seu amor infinito, que abrevia distâncias vivendo entre os

humanos, e se constituindo também humano, conduz à fé ao encontro pleno com seu Autor,

que se Revela na pessoa de Jesus de Nazaré.

A palavra tem lugar de destaque no cristianismo, haja vista que é a religião da Palavra

encarnada, de uma fé que chega pelos ouvidos e de uma Sagrada Escritura. Rahner chama o

Verbo encarnado de corpo do mistério absoluto de Deus, e que a partir da encarnação a

palavra humana foi preenchida de graça e de verdade, e neste sentido, a palavra é densa de

significado, pois traz consigo não uma informação, mas torna presente aquilo que significa.

Tem destaque em meio à reflexão sobre a palavra a poesia, não como mera articulação

de sons em rimas, mas como expressão que retira o homem do palavrório vazio e o coloca na

dinâmica da rendição ao mistério, pois a poesia é palavra que tem sua fonte no coração

humano, sede de sua intimidade e lugar também do encontro com Deus. Como palavra do

coração, a poesia é também palavra do mistério, pois se ocupa em dizer o não dito da

experiência subjetiva e evocar aquelas realidades que a palavra técnica não é capaz senão de

nomear, indicar e distinguir. É nesta esteira que Rahner articula a importância da palavra

poética como palavra que prepara o coração para ouvir a Palavra do mistério divino, revelado

em Jesus Cristo, o Verbo encarnado.

A sensibilidade para dizer e ouvir a palavra poética é próprio do humano, que por obra

da graça é capacitado a perceber a Palavra de Deus nas palavras humanas, sobretudo aquelas

que tem sua origem no coração, como lugar de epifania.

Estar exercitado para ouvir as palavras do coração, em especial a palavra poética, e

ser sensível a ela, é pressuposto para também ouvir a palavra do Evangelho e ser cristão pois,

a insensibilidade à poesia retrata também uma incapacidade para ouvir as palavras do

mistério. A cerca deste fato, Rahner trata de um fechamento que impede de ouvir a

possibilidade encarnatória da palavra humana, que de modo especial acontece na poesia,

como sacramento que indicam realidades profundas do humano. O cristão que não se encontra

exercitado a isso não poderá ouvir a Deus que fala em palavras humanas e esse é um

pressuposto do cristianismo, como religião da Palavra.

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Neste sentido é que podemos compor um panorama que possibilita a aproximação

entre a poesia e a linguagem teológica, no caminho de uma linguagem capaz de elucidar a

realidade do mistério divino, mas ao mesmo tempo, sem a pretensão de abarca-lo pelo

conceito, estabelecer uma comunicação eficaz, que fale ao humano e lhe dê sentido.

Importante sublinhar que, tanto a linguagem poética quanto a linguagem teológica não se

adequam a linguagem comum, das conversas do cotidiano e também cada uma delas possuem

características bastante peculiar e distinta.

A teologia como ciência tem uma linguagem técnica que engloba toda uma filosofia

da linguagem, já a poesia, dentro do contexto da literatura, é expressa dentro de um sistema

linguístico carregado de símbolos, analogias e imagens que corroboram seu sentido estético.

A questão que se impõe é qual é a relevância da aproximação da linguagem teológica

com a poesia, haja vista suas distinções, mas também os elementos expostos neste estudo,

capazes de estabelecer uma linguagem que melhor comunique a densidade do mistério, que

tanto teologia, quanto poesia procuram expor, salvo suas devidas distinções.

A linguagem é um elemento importante para a compreensão da fé e a teologia está a

serviço da elaboração de argumentos que esclareçam a pertinência da fé e os horizontes pelos

quais se podem compreender seu alcance, no entanto, quando se utiliza somente uma

linguagem técnica, o teólogo pode correr o risco de não mais falar à comunidade crente e sua

palavra, ao invés de comunicar e elucidar a fé, pode se tornar infértil, num emaranhado de

conceitos inalcançáveis por não teólogos.

Quando tratamos de teologia, nos voltamos primeiramente para seu objeto, que é Deus

revelado. No entanto, a revelação não é um processo etéreo, mas se dá na história humana, a

partir de elementos da vida, na composição da identidade de um povo que se reconhece

pertencente a Deus. Neste sentido, o lugar onde se experimenta a ação divina é primeiramente

nos acontecimentos históricos, como território sagrado onde Deus se dá a conhecer como

próximo e acessível. Este é o ato primeiro, fonte de toda a teologia que, como ato segundo,

procura elaborar conceitualmente o que originalmente se dá na experiência vital. Na esteira

deste pensamento é que compreendemos a relevância da literatura, e de modo mais preciso a

poesia, como expressão existencial, que supera qualquer elaboração conceitual, e por vezes

árida, e se volta aos sentidos humanos, não como um mero sentimentalismo alienado, mas

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como expressão de vida interior que pulula e que encontra nos versos de um poema lugar

apropriado de manifestação.

A linguagem da revelação é aquela que corresponde aos acontecimentos cotidianos de

um povo que percebe a conjugação do imanente com o transcendente, num elã existencial,

não corriqueiro, mas num olhar pautado pela percepção do extraordinário naquilo que é

ordinário. Também a poesia tem origem nos acontecimentos da vida, lidos a partir de um

olhar que alcança não apenas a aparência das coisas, mas se volta para o essencial, pra aquilo

que está por detrás do véu. O poeta, assim como o teólogo, procura entre as palavras

elementos que possam articular ideias que vão além dos meros conceitos e que possam tornar

presente, no corpo das palavras, o mistério inefável, do qual se é afetado.

Contudo, a relação que se procurou estabelecer neste estudo entre teologia e literatura,

e dentro deste contexto a poesia, quer ser um instrumento que possa colaborar para que a

teologia encontre na poesia um caminho para uma expressão menos árida e mais vivencial, já

que ambas tem origem na contemplação admirada do mundo. A teologia está a serviço do

anuncio do Evangelho, como proposta de vida plena para a humanidade, que é salva das

cruezas da vida a partir do olhar da fé, que alcança sentido mesmo na dor e sofrimento, na

paixão de um Deus próximo, voltado para o ser humano e sua realidade, permeando a história

e seus acontecimentos, de sua presença atuante e comprometida em humanizar o humano, que

por vezes se rende ao bruto de uma existência sem sentido e paixão. A aproximação da

linguagem teológica com a poesia pode ser um instrumento eficaz para a elaboração de um

pensamento teológico mais humano, sensível, capaz de comunicar melhor os elementos da fé,

que tem sua origem no coração humano, como símbolo do mais íntimo do homem, lugar do

encontro com Deus, gênese de toda poesia.

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