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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Luis Octavio Rogens de Melo Alves O MEIA DO HUMOR: o papel do escada em esquetes humorísticos. MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luis Octavio Rogens de Melo Alves

O MEIA DO HUMOR: o papel do escada em esquetes humorísticos.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luis Octavio Rogens de Melo Alves

O MEIA DO HUMOR: o papel do escada em esquetes humorísticos.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para Exame de Qualificação, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação do Prof. Doutor Dino Fioravante Preti.

SÃO PAULO

2016

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Banca Examinadora

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Aos meus pais Lidia e Lázaro, meus meias.

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Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), à Fundação São Paulo - PUC-SP e ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas bolsas concedidas.

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Agradecimentos especiais

Uma das preciosidades do mundo acadêmico é que desenvolver uma

dissertação, sem dúvida uma das experiências mais trabalhosas e minuciosas

que confrontam qualquer mestrando, é tão difícil para mim quanto fazer um gol.

Na minha vida escolar, época em que eu era obrigado a fazer atividades

físicas, quando eu marcava um gol, era devido a um esforço coletivo dos meus

companheiros de equipe. Aquelas partidas podem ser relacionadas a esta

experiência que apresento neste trabalho. Esta dissertação tem a mesma aura (e

ansiedade) dos poucos gols que fiz.

Destaco que esta tarefa, a de apresentar uma pesquisa, só foi possível por

conta de passes, assistências, estímulos, encorajamentos, cooperações e apoios

de diversos níveis. Desta forma, nesta seção, reservo a oportunidade de

agradecer imensamente:

A Deus e a Nossa Senhora Aparecida.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e aos seus professores, pelos

conhecimentos recebidos.

Ao Professor Doutor Dino Preti, a quem tenho colossal admiração e

respeito, por ter me acolhido como orientando e ter permitido a realização deste

trabalho.

À Professora Doutora Ana Rosa Dias, por todo apoio que dedicou durante

o processo de realização deste trabalho, pela amizade e pela imensa

disponibilidade ofertada.

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Ao Professor Doutor Paulo Eduardo Ramos, pelos conhecimentos

compartilhados, desde a graduação, além da inconteste amizade e pelo exemplo

de profissionalismo e caráter.

À Professora Doutora Leonor Lopes Fávero e à Professora Doutora Ana

Cristina Carmelino, agradeço a participação como suplentes na banca

examinadora.

À Professora Doutora Maria Cristina Palma Mungioli, da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, por ter me acolhido como

aluno especial na disciplina “Narrativas Televisuais e Identidades”.

Aos meus pais, Lidia e Lazáro, pelo constante apoio e paciência que

sempre tiveram comigo.

À minha querida irmã Vitória Aparecida, por todo o carinho e proteção que

me presenteia.

À Karina Menegaldo, pela sua amizade e por toda assistência durante a

feitura desta dissertação.

Aos meus amigos Pedro Assunção, Fábio Lima, César Beck, Bruno

Pongelupe e Anna Paula Cury, pela amizade e por terem estado comigo em

diversos momentos da elaboração desse trabalho: essencial.

In memoriam, ao mestre Chico Anysio pela obra e pela sua forma de

observar o mundo por meio da chave do humor.

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Figura 1 - LAERTE. Piratas do Tietê. Folha de São Paulo. São Paulo, 8 jun. 2014. p. 11.

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Resumo

O foco da dissertação é o escada, o ator que auxilia o seu parceiro de cena

atingir o sentido inesperado na interação: popularmente, reconhecido como o que

“não tem graça”. Parte-se do pressuposto que este elemento é fundamental na

construção do risível em esquetes humorísticos. A partir de uma concepção

sócio-cognitiva interacional de linguagem e fundamentada em estudos do gênero

piada, busca-se compreender a participação do personagem Raimundo Nonato,

interpretado por Chico Anysio, dentro do programa humorístico de televisão

Escolinha do Professor Raimundo, como um elemento constituinte da relação

interacional que se insere. Desta forma, com este trabalho, objetiva-se a

construção de um entendimento sobre o papel do escada dentro de um contexto

humorístico. Para tal objetivo, foram elencadas as recorrências de elementos que

caracterizam o personagem no formato que se insere, após estabelecer um breve

panorama da produção de esquetes humorísticos no país. Assim, foi proposta

uma revisão teórica da piada e do papel do personagem secundário neste

gênero. Para que de tal forma se pudesse investigar, na análise, o escada em

piadas da Escolinha do Professor Raimundo. Na análise em si, foi destacado o

caráter coordenado do corpus e a preponderância de elementos referentes à

fórmula humorística. A vista disto, foi demonstrada a natureza do escada, do

papel que lhe é pertinente, o de coautor do riso, e as relações que podem ser

estabelecidas entre os participantes nos esquetes da Escolinha.

Palavras-chave: Escada; Escolinha do Professor Raimundo; Piada.

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Abstract

The dissertation focus is pointed to the support actor, who assists his scene

partner to reach the unexpected meaning of the situation: commonly known as the

“boring one”. It is taken for certain that this element is essential in the construction

of the funny aspect of skits. Based on the social-cognitive conception of the

interacting language and studies about the the joke genre, the participation of the

character Raimundo Nonato, played by Chico Anysio in humorous television

program Escolinha do Professor Raimundo, is put under the spotlight, as we seek

to understand his acting as an element of the interactional relationship in which it

takes place. Therefore, this dissertation aims the understanding of the supporting

actor’s role construction inside a humorous context. For this, the recurrence of

characteristic elements were listed in the format in which they are stated, after

establishing a short outlook of the national skits production. A role review was

proposed, as well as a review of the genre joke, inside the context of humour, so

that the supporting actor of Escolinha do Professor Raimundo could be

investigated. An analysis was made comparing the coordinated aspect of corpus

and the preponderance of elements related to the humoristic formula. In a

nutshell, the supporting actor nature was exposed, the nature of this pertinent

role, the nature of a co-author of laugh, and the relations that can be established

between him and the others participants of the skit Escolinha.

Keywords: Supporting Actor; Escolinha do Professor Raimundo; Skit Joke.

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Sumário

Introdução ............................................................................................................... 13

Capítulo 1 – O escada tipicamente brasileiro .......................................................... 24

1.1. O humor televisivo ......................................................................................... 29

1.2. O esquete ...................................................................................................... 38

1.3. A fórmula humorística ................................................................................... 42

Capítulo 2 - O escada na piada ............................................................................... 49

2.1. A piada .......................................................................................................... 51

2.2. Pronta e conversacional ................................................................................ 56

2.3. Personagens secundários ............................................................................. 61

Capítulo 3 - O escada em análise ........................................................................... 69

3.1. Seu Sandoval Quaresma .............................................................................. 74

3.2. Bertoldo Brecha............................................................................................. 77

3.3. Samuel Blaustein .......................................................................................... 79

3.4. Dona Cândida ............................................................................................... 81

3.5. Aldemar Vigário ............................................................................................. 83

3.6. Seu Eustáquio ............................................................................................... 87

3.7. Joselino Barbacena ....................................................................................... 89

3.8. Baltazar da Rocha ......................................................................................... 91

E as considerações, ó! ............................................................................................ 94

Referências bibliográficas ....................................................................................... 97

Anexo I - Normas para transcrição ........................................................................ 107

Anexo II - Transcrição do corpus ........................................................................... 108

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Ilustrações

Figura 1 – Piratas do Tietê | Laerte. .................................................................... 8

Figura 2 – Professor Raimundo | Chico Anysio. .................................................. 15

Figura 3 – O Primo Pobre e o Primo Rico (Balança Mas Não Cai) .................... 26

Figura 4 – A Velha Surda (A Praça é Nossa). ..................................................... 27

Figura 5 – A Escolinha do Professor Raimundo .................................................. 29

Figura 6 –Fernandinho e Ofélia (Balança Mas Não Cai) ..................................... 32

Figura 7 – Me tira o tubo! (Viva o Gordo). ........................................................... 39

Figura 8 – Rio 2025 (Porta dos Fundos) . ............................................................ 40

Figura 9 – Seu Mazarito | Costinha ..................................................................... 50

Figura 10 – Seu Sandoval Quaresma | Brandão Filho. ....................................... 74

Figura 11 – Bertoldo Brecha | Mário Tupinambá ................................................. 77

Figura 12 – Samuel Blaustein | Marcos Plonka. .................................................. 80

Figura 13 – Dona Cândida | Stela Freitas............................................................ 81

Figura 14 – Aldemar Vigário | Lúcio Mauro ......................................................... 84

Figura 15 – Seu Eustáquio | Grande Otelo .......................................................... 88

Figura 16 – Joselino Barbacena | Antônio Carlos Pires. ..................................... 90

Figura 17 – Baltazar da Rocha | Walter D’Ávila ................................................... 92

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Introdução

O título da nossa dissertação, “O meia do humor”, pode causar um

pequeno estranhamento ao leitor. Torna-se, então, necessário afirmar, desde já,

que valemo-nos da posição futebolística do jogador que ocupa o meio-campo de

uma partida, o meia, como uma espécie de analogia para definir o papel de uma

posição no humor: o escada.

Escada é um jargão1 teatral, do âmbito humorístico, que alcunha o ator

que auxilia o seu parceiro de cena atingir o sentido inesperado na interação. No

programa de TV Os Trapalhões, por exemplo, quem auxiliava Didi Mocó (Renato

Aragão) era Dedé Santana, o seu escada. Em A Praça é Nossa, Carlos Alberto

de Nóbrega é o escada de inúmeros personagens que sentam naquele banco.

Popularmente, reconhecemos o escada como aquele que “não tem graça”. O

objetivo desta dissertação é apontar o papel deste elemento em esquetes

humorísticos televisivos.

Dentro de uma definição resumida, o papel é definido pelas expectativas

que se tem diante do comportamento de um indivíduo2. Logo, dentro de uma

partida de futebol, cada jogador tem a sua responsabilidade individual, o seu

papel, e quem atua no meio-campo, geralmente, além da necessidade de

manter-se sempre atento, tem a posse da bola na maior parte do tempo em

relação aos seus companheiros que estão em outras funções e não pode perdê-

la para os seus rivais. É necessário que o meio-campista envolva-se no jogo com

o propósito de ter sempre o controle da partida, quando possível. Não é à toa que

o espanhol Xavi Hernández3 era conhecido como o “Maestro”, ditava o ritmo que

queria para a disputa.

1 Segundo Preti (1984), os jargões, tal como as gírias, provêm da fala, surgem de grupos

específicos. O jargão denota algum status profissional, daí seu uso, por parte dos profissionais,

para estampar uma identidade grupal e indispensável para um maior grau de comunicabilidade. 2 Cf. FICHTER, 1973.

3 Xavi Hernández é considerado pela crítica especializada um dos melhores meio-campistas

mundiais dos últimos anos. (UEFA, 2014)

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Mas, mesmo assim, podemos dizer que a principal expectativa que se tem

para quem atua nessa posição é a capacidade de criar oportunidades para se

fazer o gol. Este é o papel principal de um meio-campista. Mesmo que o próprio

tenha que finalizar, como o brasileiro Zito fez na final da Copa do Mundo de 1962,

no Chile, diante da extinta Checoslováquia, garantindo o bicampeonato da

seleção brasileira.

No futebol, podemos dizer que o papel do meia é definido por diversas

expectativas: a de compreender o jogo em andamento, monitorar as jogadas de

seus colegas e orientar os passes corretamente a fim de criar viabilidades para

alguém do seu time executar o gol. Essas são as expectativas que se tem para

quem atua nesta posição, definindo, assim, o papel de um meia.

Da mesma forma, acreditamos que tal qual esta posição tem um papel

fundamental para a criação do gol, o escada é imprescindível para gerar o

sentido humorístico. Apesar dessa digressão do âmbito futebolístico, não

faremos, nesta dissertação, algum tipo de investigação científica mais

aprofundada desse esporte tão multifacetado e entranhado em nossa cultura

quanto é o futebol. Também não proporemos estabelecer qualquer tipo de

análise da organização tática do meio-campo de uma partida. Longe disso.

Visamos a entender, dentro de uma perspectiva dos estudos linguísticos e

interacionais, outro fenômeno complexo: o humor. E, quiçá, esperamos

conseguir, em nossas considerações finais, usarmos o meio-campo do futebol

como uma espécie de analogia para tornar compreensível o nosso estudo de um

jogador do humor chamado escada4.

Tal metáfora partiu de uma afirmação do humorista Chico Anysio, em

entrevista5 dada à revista CartaCapital, no final de 2010. Na conversa com a

jornalista Rosane Pavam, editora de cultura da publicação, Chico, criador de

4 Escada é o “rótulo daquele que dá o suporte para que se tenha o efeito de humor” (MELO

ALVES, 2015a). 5 PAVAM, 2010.

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inúmeros tipos6, reafirmou a sua satisfação de servir de escada e descreveu

sobre este papel:

Fui escada de gente importante à beça. Mussum, Costinha, Zacarias, Ari Leite. Eu me preparo para isso. No futebol eu jogava de meia-esquerda. Fiz quatro gols na vida, mas dei mais de 200 para os outros. A mim agradava mais dar o

passe para o gol do que fazer um7.

Figura 2 - Chico Anysio atuou como professor Raimundo desde o início do programa, ainda no

rádio8.

Na descrição, Chico Anysio comparou o escada com o meia, em referência

a Raimundo Nonato. Em A Escolinha do Professor Raimundo, o humorista

interpretava este escada, que, por meio de perguntas aos seus alunos, em uma

6 Chico Anysio criou, aproximadamente, 209 personagens, em mais de 50 anos de carreira. Tipos

como o rabugento Popó, o ídolo televisivo Alberto Roberto e o malandro Azambuja estão na

galeria de suas criações. (GLOBO, 2016) 7 PAVAM, 2010.

8 FERREIRA, 2015.

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sala de aula caracterizada pelo sistema de sabatina, criava situações risíveis ao

telespectador e aos outros humoristas.

O formato, idealizado em 1952, na Rádio Mayrink Veiga pelo humorista

Haroldo Barbosa, chegou à televisão em 1957, como quadro do programa Noites

Cariocas, da TV Rio, e recebeu mais de 200 personagens em suas carteiras9,

nas suas diversas reedições. O professor foi escada de personagens dos

maiores nomes do humor televisivo brasileiro como Walter D’Ávila, Grande Otelo,

Brandão Filho, Paulo Silvino e Lúcio Mauro. Além disso, o programa foi

responsável por revelar grandes talentos humorísticos como Mussum, Tom

Cavalcante, Cláudia Rodrigues e Pedro Bismark.

Sabemos que o meio-campista, como descrito anteriormente, é conhecido,

na esfera futebolística, como o atleta com maior técnica, habilidade tática, visão

de jogo e domínio de ataque e defesa10. Quando, em 2015, o jogador Zito

faleceu, a crônica esportiva afirmava repetidamente: ninguém previa as jogadas

de Pelé como o meio-campista.

Ainda que o meio-campista seja esse cérebro da equipe11, os heróis de um

jogo, inúmeras vezes, são os atacantes: estes atuam no instante máximo de uma

partida de futebol, o gol12. Os estudos do humor, até agora, se preocuparam em

estudar, prioritariamente, o instante máximo do humor, o riso e o que leva a ele.

Assim sendo, a afirmação de Chico Anysio fomentou-nos questionamentos

singulares à nossa discussão: se há para o meio-campista a preocupação de

estar sempre atento à bola, apanhando-a, defendendo-a, tocando-a, enfim,

mantendo um equilíbrio no jogo para, quando possível, criar uma oportunidade de

colaborar para o gol ou mesmo fazê-lo, quais são os papéis do escada dentro de

uma interação humorística? Será que o papel de um escada está limitado à piada

(o ato de realizar o passe para o outro jogador fazer o gol)?

9 GLOBO, 2003.

10 Cf. SANTOS FILHO, 2002.

11 Cf. VICTOR, 1999.

12 ZUIM, 2011.

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Entendemos que dar o passe para o outro jogador fazer o gol não é a

única função de um meio-campista13. E, assim como o futebol, o humor é um

fenômeno multifário e necessita de uma dinâmica particular que é construída por

meio de estratégias14. Deste modo, fomos motivados a investigar as expectativas

que são esperadas para o escada dentro uma interação humorística, a fim de

elencar os seus papéis.

Portanto, fica claro que não estão nas nossas preocupações

metodológicas questões ideológicas e identitárias, relacionadas aos estereótipos

ou, mesmo, a relação dos discursos propagados no caráter peculiar do nosso

corpus. O nosso estudo enfatizará o meio-campo do humor: ou seja, não

pretendemos estudar como o princípio da surpresa15 gera o efeito risível.

Queremos, sim, entender como se comporta, dentro de uma interação

humorística, aquele que é conhecido, comumente, por “não ter graça”. A partir

desta formulação, apresentaremos os aspectos do fenômeno que estudaremos a

fim de indicar uma delimitação teórica mais clara da nossa intenção científica, em

oposição a temas mais abrangentes.

Em um artigo16, identificamos uma ausência de estudos e referências ao

termo “escada” em pesquisas brasileiras sobre o humor, o que apontamos, na

época, como uma dificuldade de se definir um conceito e discuti-lo, face à farta a

riqueza de fenômenos que já foram analisados dentro dos estudos humorísticos:

como piada, o trocadilho, o riso e a tira cômica. No entanto, esta pesquisa que se

insere neste âmbito, formula uma perspectiva a fim de colaborar para encontrar

um conjunto de elementos e traços prontamente perceptíveis em um escada.

O nosso claro objetivo de investigar o escada, somado a esta ausência de

estudos nos diversos campos do conhecimento sobre este elemento específico,

nos guiaram para uma importante tomada de decisão na condução deste estudo:

a interdisciplinaridade. Ao explorarmos os estudos desse campo, o do humor, é

comum deparar-se com concepções interdisciplinares de pesquisa, já que um

13

Cf. DE CARVALHO, 1996 14

Cf. RASKIN, 1985. 15

Cf. GIL, 1991. 16

Cf. MELO ALVES, 2015a.

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investigador do riso pode agregar, aos seus referenciais, investigações que

envolvam de estudos da Comédia Clássica17 aos trabalhos científicos que

analisam o riso por uma perspectiva da inteligência artificial18. Afinal, o humor é

um fenômeno que pode ser estudado nas mais diversas áreas do conhecimento

científico: das suas consequências filosóficas às fisiológicas.

No entanto, afirmamos que em nosso trabalho, vinculado ao Programa de

Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, dentro da linha de pesquisa Texto e discurso nas

modalidades oral e escrita, caminharemos, prioritariamente, sobre os trilhos das

pesquisas linguísticas sobre o humor. Estas, sem dúvida, foram proeminentes em

nosso embasamento teórico e nas discussões dos resultados.

O riso é um fenômeno, propriamente, humano19 e a linguística, por sua

vez, volta-se, como disciplina, para as diferentes características que constituem a

linguagem humana em sua complexidade. No meio de tantos possíveis

tratamentos que podem ser dados aos estudos de um texto humorístico, nosso

estudo se inseriu em uma tradição das pesquisas direcionadas para as

interações verbais, dentre as quais poderemos nos aguaritar às áreas da Análise

da Conversação, da Sociolinguística Interacional e da Linguística Textual.

Sabemos, também, que as investigações no campo da Língua Portuguesa

abrigam diversificadas análises da fala em seu uso, tal qual investigamos nesta

dissertação, e, também, que a nossa abordagem de um texto oral pode ser

somada a um conjunto de pesquisas ligadas ao texto na modalidade escrita,

considerando que o escada possui grande relevância para o processo de

construção do sentido do texto humorístico em certas situações de uso20.

No entanto, entendemos que um dos conceitos-chave para esta pesquisa,

o de papel social, advém dos estudos sociológicos que o aborda como uma

recorrência de comportamentos do indivíduo que vai se tornando relativamente

17

Cf. SOUSA E SILVA, 1987. 18

Cf. SILVA, 2015. 19

Como Bergson (1983) ressaltou: o homem é "um animal que ri". 20

Como afirmamos em Melo Alves, 2015b.

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uniforme a partir da função social, da situação e do grupo que se insere21. E

também que este conceito, o de papel social, surge com destaque nos estudos

da linguagem que tem se ocupado de uma visão de língua centrada na interação

social entre os participantes. Esta concepção de linguagem leva em conta a

atividade linguística realizada a partir de influências sócio cognitivas interacionais

de diversos níveis22.

Tomamos, para o nosso objetivo, o de elencar o papel do escada, a

concepção de Goffman: o papel social é a representação que é criada por meio

das relações que são estabelecidas no cotidiano, com o cenário e com as

experiências do ator23.

Partindo de uma ilustração dramatúrgica, Goffman considerou que a ação

do ator é motivada por fenômenos sociais de diversos níveis e por sua

capacidade de agir por meio de experiências vivenciadas e perspectivas de

ações futuras. O autor afirma que o ator representa papéis sociais de acordo com

a circunstância que vivencia. Portanto, o conceito de papel social passa pelo

nível da experiência.

Para cada situação é representado um diferente papel social. A quantidade

de papéis representados depende dos outros atores envolvidos na interação, do

cenário, da plateia e do sua meta. A presença do outro é fundamental na escolha

do ator por um papel com objetivo de atingir o máximo de harmonia na interação.

Dessa maneira, na expectativa de extrair possíveis respostas às nossas

formulações, nos associamos a duas fontes de informações de campos

diferentes: ao que é idiossincrático à produção de humor, como a citada

afirmação de Chico Anysio, e às categorias de análise do texto humorístico no

âmbito linguístico e interacional providas das leituras de um referencial teórico

escolhido. Ambos os caminhos nos estavam disponíveis e foram empregados

nesta dissertação.

21

Cf. FICHTER, 1973. 22

Cf. KOCH E ELIAS, 2009. 23

Cf. GOFFMAN, 2011.

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Não é de hoje que os estudos linguísticos têm procurado investigar o

fenômeno humor. As pesquisas não se limitam, como, a priori, pode-se pensar, a

um conjunto de explicações de trocadilhos ou piadas. Exemplo disso é o trabalho

referência da área: a "Teoria Geral do Humor Verbal" (GTVH) de Raskin e

Attardo24, nela os autores procuraram explicar o humor baseando-se na oposição

de scripts, partindo de uma perspectiva semântica.

Em artigo, Carmelino e Ramos25 estabeleceram um panorama brasileiro

dos estudos linguísticos que reúnem o humor como tema. Nele estão destacados

trabalhos como os dos pesquisadores Sírio Possenti, Luiz Carlos Travaglia, Ana

Cristina Carmelino, Ana Rosa Ferreira Dias, Maria da Penha Pereira Lins, Paulo

Eduardo Ramos e Célia Maria Carcagnolo Gil. Pesquisas essenciais para a

fundamentação no campo do estudo do humor no Brasil.

O nosso trabalho apresenta uma proposta de análise de um papel, que

para nós, é fundamental nas interações humorísticas: o escada. Pudemos

investigar, previamente, o escada, dentro da perspectiva da Linguística Textual,

em nosso projeto de iniciação científica (IC) O papel do escada na construção do

humor em interações verbais. O trabalho foi desenvolvido durante o primeiro e

segundo ano da graduação de Letras da Universidade Federal de São Paulo, sob

orientação do Professor Dr. Paulo Eduardo Ramos, e integrou o Grupo de

Estudos do Texto Midiático (Getexto), com a publicação de um artigo científico26

e monografia27 relacionados a esta pesquisa.

O ineditismo da abordagem do projeto de IC se deu na observação dos

papéis desempenhados pelo escada em um corpus audiovisual como elemento

mediador nas interações por meio de piadas prontas. Além disso, motivou-nos a

produzir esta dissertação, que investiga o tema com um viés teórico diferente.

Partimos do pressuposto de que o escada é um dos elementos-chave da

construção do sentido humorístico dentro de alguns formatos televisivos. No

entanto, considerando as limitações inerentes a uma dissertação de mestrado,

24

ATTARDO, 1997. 25

CARMELINO E RAMOS, 2015. 26

MELO ALVES, 2015a. 27

MELO ALVES, 2010.

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21

nossa análise propõe discutir o problema de pesquisa formulado delimitando-se a

um escada de grande representatividade no humor televisivo brasileiro: professor

Raimundo Nonato.

A Escolinha do Professor Raimundo, com Chico Anysio, foi exibida pela TV

Globo entre as décadas de 1970 e o início deste século. Nesta pesquisa,

optamos pelos programas transmitidos em 1990, ano em que o formato se

transformou de quadro em programa autônomo do canal. Alguns episódios das

primeiras aulas desta turma foram compilados e comercializados pela Globo

Marcas em DVD em 200828.

A escolha do escada da Escolinha não é aleatória. Preti29 ressalta que,

diante da dificuldade de se documentar problemas ligados à interação

conversacional, os diálogos de ficção na mídia se estabelecem como um

caminho viável para os estudos. Para o pesquisador, a escolha do corpus deve

permitir um levantamento amplo de estratégias a fim de analisá-las.

Deste modo, a presença massiva do escada dentro desse formato

humorístico específico, desde o nome do programa, nos permitirá analisar suas

interações humorísticas a fim de compreender a influência desse escada diante

dos seus parceiros de cena por meio de estratégias humorísticas.

Sabemos que as expressões faciais e outros elementos paralinguísticos,

como as risadas, a linguagem corporal e a impostação da voz que Chico Anysio,

em sua construção cênica do professor Raimundo, valeu-se são essenciais para

a construção do humor, como ressaltam emergentes pesquisas que abordam o

humor não verbal. No entanto, examinando as limitações próprias de uma

pesquisa de mestrado, o nosso objetivo de possibilitar a construção de um

entendimento sobre o papel interacional do escada será limitado ao humor

verbal, a partir de estudos de Gil30, Raskin31, Attardo32, Ramos33 e Possenti34.

28

Não foram especificadas, nesta mídia, as datas de veiculação na televisão. 29

PRETI, 2001, p. 13-14. 30

GIL, 1991. 31

RASKIN, 1985. 32

ATTARDO, 1994. 33

RAMOS, 2007.

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Para a realização do propósito da nossa análise, foi necessária a

passagem do texto oral para o escrito. Tomaremos, em nosso estudo, o foco nas

interações verbais. Assim, transcrevemos o material escolhido de acordo com as

normas estabelecidas pelo projeto NURC/SP, procurando estabelecer estratégias

na transcrição para que haja o máximo de clareza possível, considerando a

finalidade humorística do corpus. As transcrições poderão ser consultadas, na

íntegra, no anexo desta dissertação, juntamente às normas que as orientaram.

Organizamos esta dissertação em três capítulos. No primeiro capítulo,

nomeado O escada tipicamente brasileiro, buscamos elencar as recorrências

de elementos que caracterizam o humor tipicamente brasileiro, categoria traçada

por Chico Anysio. Propomos, por conseguinte, nesta seção, fazer um breve

panorama do esquete humorístico, que está presente desde o início da televisão

no Brasil e que, costumeiramente, recorreu a elementos da produção narrativa de

humor radiofônico para se desenvolver.

A partir da análise que apresentamos em trabalho anterior35, na qual a

piada pronta é um dos elementos-chave para que o escada desempenhe o seu

papel em interações humorísticas, no capítulo O escada na piada, propusemos

rever a estrutura do gênero piada e o papel do personagem secundário como o

escada, em sua materialidade linguística. Para que de tal forma pudéssemos

investigar, na seção seguinte, o papel do escada em piadas da Escolinha do

Professor Raimundo.

Após destacar o caráter dialogal das piadas prontas e dos esquetes, no

terceiro capítulo, O escada em análise, apresentamos um estudo de oito

fórmulas humorísticas da Escolinha do Professor Raimundo com o propósito de

destacar a natureza do escada, interpretado por Chico Anysio, do papel que lhe é

pertinente e as relações que podem ser estabelecidas entre os participantes no

formato que se insere, a partir da chave da piada pronta e conversacional.

No capítulo E as considerações, ó!, após a análise do corpus,

propriamente dita, elencaremos as expectativas que são pertinentes ao papel do

34

POSSENTI, 2008. 35

Cf. MELO ALVES, 2010.

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escada diante das características gerais que organizam as interações dos

esquetes verificados.

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"Uma boa fórmula para o humor é repetir o óbvio"

Art Buchwald, humorista norte-americano. 36

Capítulo 1 – O escada tipicamente brasileiro

Em 2003, Jô Soares celebrou os seus 15 anos de carreira como

apresentador de late-night talk-show comandando uma edição especial do

Programa do Jô37. Nela, o apresentador recebeu os humoristas Chico Anysio,

José Vasconcellos38 e Paulo Silvino39. Estando naquele momento quatro

catedráticos do humor televisivo brasileiro, a conversa se desenvolveu em

causos, piadas e números humorísticos. Em certo momento, Chico Anysio

afirmou:

O esquete, isso do personagem fixo que nós fizemos durante anos, é um tipo de humor brasileiro. Esse tipo de humor foi criado por volta de 1948

40. E

aqui nesse prédio está um dos criadores, Max Nunes, com Haroldo Barbosa, Antônio Maria, eu pertencia a esse grupo de redatores, Roberto Silveira, Aloísio Silva Araújo, Jota Rui e tal. Então, nós criamos, por volta de 48, esse

36

Cf. A MESMA PRAÇA. Veja, São Paulo, 21 abr 1971. 37

O Programa do Jô é um late-night talk-show brasileiro apresentado pelo humorista Jô Soares,

transmitido pela Rede Globo desde 2000. Cf. MEMÓRIA GLOBO

(www.memoriaglobo.globo.com). Acesso em Dezembro de 2015. 38

José Vasconcellos, um dos maiores expoentes do humor brasileiro, é considerado pai da stand

up comedy no país. Durante sua carreira seus espetáculos solos com inúmeras imitações

atraíram grandes plateias. Atuou no primeiro programa humorístico da televisão brasileira, A Toca

do Zé (TV Tupi). Na Escolinha do Professor Raimundo, interpretou o personagem Rui Barbosa

Sa-Silva, o gago. Cf. Ele é o espetáculo (Documentário). Direção de Jean Carlo Szepilovski e

Ricardo José Haynal. 1h06m13s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-

g >. Acesso em novembro de 2015. 39

Paulo Silvino é um dos mais importantes humoristas da televisão brasileira. Filho do também

humorista Silvino Netto. Dentre os seus inúmeros feitos, apresentou o primeiro programa

humorístico a fazer paródias da própria televisão, o TV Ó – Canal Zero (TV Globo), juntamente

com o humorista Agildo Ribeiro. Também sentou em uma carteira da Escolinha do Professor

Raimundo, como o gari Olímpio Urbano e Seu Tabajara da Silva. Cf. MEMÓRIA GLOBO

(www.memoriaglobo.globo.com). Acesso em Dezembro de 2015. 40

A data apontada por Chico Anysio, 1948, provavelmente, se refere a um encontro de redatores

humorísticos brasileiros, organizado por Haroldo Barbosa e Max Nunes, para discutir a produção

humorística no Brasil e estabelecer qual seria o formato de humor brasileiro. Segundo Chico

Anysio, em entrevista para esta pesquisa (24 de fevereiro de 2010), nesse evento foi decido que

os humorísticos compostos por esquetes, fixos ou não, construídos a partir de fórmulas ou piadas

prontas e constituídos por bordões e gírias específicas, seria o humor tipicamente brasileiro.

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tipo de humor que é o humor do esquete que se repete a cada semana. Esse é o nosso humor. O humor de comédia é o humor americano, sitcom é humor americano. Eu li há pouco na internet o seguinte: que o sitcom americano está anos-luz na frente do brasileiro. Eu acredito que sim, mas o humor de esquete brasileiro está anos-luz do humor americano. Eles não sabem fazer esse nosso humor. Então, quando as pessoas acham que esse tipo de humor é ultrapassado estão enganados. Só há dois tipos de humor: o engraçado e o sem-graça. Não há um terceiro tipo.

41

Esta afirmação de Chico Anysio fornece amparo para a discussão que

propomos neste capítulo: apresentar este humor tipicamente brasileiro, baseado

em “personagens fixos” e “esquetes que se repetem a cada semana”, que o

nosso escada, Raimundo Nonato, se insere. Sabemos, com toda a certeza, que o

ano que Chico aponta como a data de criação desse humor, 1948, não é a

primeira recorrência do esquete: na década de 1930, os humorísticos do rádio já

se valiam desse expediente42. No entanto, a fala do humorista aponta para a

importância da tradição da narrativa radiofônica: já que a inauguração da primeira

emissora televisiva no Brasil é datada no ano de 195043.

A programação do rádio brasileiro fomentou o surgimento de vários

formatos, que, com o passar do tempo, constituiriam a programação da televisão

no país, das telenovelas aos programas de auditório, como o Cassino do

Chacrinha. Sob o comando de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, este programa

radiofônico de música carnavalesca que emulava um cassino, com variados

efeitos sonoplásticos, tornou-se um dos principais programas de auditório da

televisão brasileira44.

Na mesma esteira, os esquetes humorísticos provenientes do rádio

povoaram diversos programas televisivos. Exemplo disso está no quadro criado

por Max Nunes, no qual um Primo Pobre, interpretado por Brandão Filho,

realizava visitas ao seu Primo Rico, vivido pelo ator Paulo Gracindo. O quadro

41

Chico Anysio no Programa do Jô, em 2003. Entrevista com Chico Anysio no Programa do Jô

Especial. 08min30s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-g >. Acesso

em novembro de 2015. (Grifos nossos) 42

Exemplo para tal afirmação está no mais representativo programa humorístico do rádio

brasileiro, o PRK-30, comandado por Castro Barbosa e Lauro Borges (PERDIGÃO, 2003). 43

A TV Tupi, de Assis Chateubriand, foi a primeira emissora brasileira e sua primeira transmissão

é datada em 18 de setembro de 1950. (RIBEIRO E SACRAMENTO, 2010). 44

Cf. MONTEIRO E NASSIFE, 2014

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Primo Rico e Primo Pobre surgiu no Balança mas não cai da Rádio Nacional do

Rio de Janeiro, programa que congregava um dos maiores elencos humorísticos

radiofônicos45.

Figura 3 - O "primo pobre" e “primo rico” surgiram no Balança Mas Não Cai, da Rádio

Nacional, em que Paulo Gracindo contracenava com Brandão Filho. 46

O quadro possuía uma fórmula fixa, assim como os bordões “Primo, você

é ótimo” e “Primo, você também é ótimo!”, e pôde ser assistido em diversos

humorísticos da nossa televisão, como na reedição do Balança mas não cai47, na

qual foi interpretado pela mesma dupla, Gracindo e Brandão, no programa de

humor Chico Total, com Chico Anysio ao lado de Brandão Filho, e na versão

feminina do quadro apresentada no Zorra Total da TV Globo, por Carmen

Verônica e Iara Jamra.

Assim como o Primo Rico e o Primo Pobre, diversos quadros radiofônicos

foram reeditados na televisão. Desta maneira, os humorísticos que se valeram

desse expediente, além de garantirem às emissoras uma excelência devido aos

45

Cf. PRADO, 2012. 46

O GLOBO (Rio de Janeiro). Em foco: Paulo Gracindo: Do teatro à TV. Disponível em:

<http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/paulo-gracindo-do-teatro-tv-17401539>. Acesso em:

18 jul. 2016. 47

Cf. Pobre Primo Rico. Veja, São Paulo, p. 19, 21 abr 1971.

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27

profissionais gabaritados48, como atores, comediantes, roteiristas e redatores,

também formaram a gênese do humor televisivo brasileiro.

Graças a esses profissionais, alguns formatos que surgiram na própria

televisão brasileira também se basearam na linguagem dos esquetes

radiofônicos, como é o caso das praças. A praça é, hoje, o formato televisivo com

maior longevidade no país. Manuel de Nóbrega criou A Praça da Alegria em 1956

e seu filho, Carlos Alberto de Nóbrega, continuou seu projeto com A Praça é

Nossa. Atualmente, é produzido pelo SBT. O programa, que estreou em 1957, no

canal TV Paulista, recebeu em seu banco mais de 250 personagens.

Figura 4 – A Velha Surda, interpretada por Rony Rios, é um dos personagens mais marcantes da

história das “praças”49

.

48

Durval, 2012. 49

SBT. Relembre fotos de programas humorísticos que marcam a história do SBT. 2010.

Disponível em: <http://www.sbt.com.br/noticias/6579/Relembre-fotos-de-programas-humoristicos-

que-marcam-a-historia-do-SBT.html>. Acesso em: 18 jul. 2016.

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Assim como a Escolinha do Professor Raimundo, a praça possui um

escada como protagonista. O formato é baseado em um homem que lê o seu

jornal e dialoga com diversos humoristas em seus respectivos quadros, sentados

em um banco de praça pública.

Um dos quadros mais icônicos50 da praça, o da Velha Surda (Rony Rios),

também integrou o programa radiofônico A Turma da Maré Mansa51 e

estabeleceu um sentido inverso: da televisão para o rádio52, caracterizando mais

ainda a nossa afirmação de que a linguagem dos esquetes radiofônicos

influenciou os humorísticos televisivos.

A Escolinha do Professor Raimundo é um dos mais representativos

formatos humorísticos que foram criados no rádio e se formou nesse humor

tipicamente brasileiro. O programa ficou no ar na Rede Globo de Televisão

entre os anos de 1990 e 2001. Antes, era um quadro do Chico City, exibido

semanalmente entre 1973 e 1980; e do Chico Anysio Show, de 1982 a 1990.

Antes ainda, o professor Raimundo teve sua sala de aula em programas como

Noites Cariocas (TV Tupi) e Times Square (TV Excelsior) 53.

Neste capítulo, buscaremos elencar recorrências de elementos que

caracterizam este formato humorístico brasileiro baseado em esquetes. Ou seja,

apresentaremos o jogo na qual o meia do humor atua. Propomos inserir o

50

Em entrevista ao programa Vídeo Show, da Rede Globo, após uma participação especial no

Tá no Ar: a Tv na TV, em 2016, Carlos Alberto de Nóbrega afirmou: “A Velha Surda foi o quadro

mais querido da Praça. Quando você fala de Praça, a primeira imagem que vem é a Velha

Surda”.

Cf. GSHOW. Carlos Alberto de Nóbrega comemora participação na Globo e relembra: 'Eu

fui tão feliz aqui': 'Vídeo Show' acompanha o convidado no último episódio da 3ª temporada do

'Tá no Ar'. 2016. Disponível em: <http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/04/carlos-alberto-de-

nobrega-comemora-participacao-na-globo-e-relembra-eu-fui-tao-feliz-aqui.html>. Acesso em: 20

jul. 2016. 51

Cf. RÁDIO GLOBO, 2016. 52

Aliás, assim como fez com a Velha Surda, A Turma da Maré Mansa transmitia vários quadros

advindos da televisão, como os da trupe dos Trapalhões, os personagens de Jô Soares e Chico

Anysio juntamente com a sua Escolinha. Quadros com Tutuca, Rony Rios, Jô Soares, Maria

Tereza, Geraldo Alves, Manhoso, Orlando Drummond e Francisco Milani também participaram

desse programa. 53

Em 2015, em parceria com o Canal Viva, a Rede Globo de Televisão produziu uma nova

versão da Escolinha do Professor Raimundo em homenagem aos 25 anos da estreia do programa

na emissora como programa independente. O remake tem como protagonista, o filho de Chico

Anysio, Bruno Mazzeo.

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escada em um breve panorama do esquete humorístico, que, costumeiramente,

recorre a elementos da produção narrativa de humor radiofônico como a fórmula

humorística, na qual um modelo é estabelecido para o quadro e se mantém de

forma permanente e os elementos periféricos alteram-se para dar, ao espectador,

uma impressão de ineditismo.

Figura 5 – A Escolinha do Professor Raimundo reuniu alguns dos maiores nomes do humor

brasileiro, como Grande Otelo, Zezé Macedo, Nádia Maria e Cláudia Jimenez.54

O humor televisivo

Sabemos que a média de horas que o brasileiro assiste à programação

televisiva não é pequena55 e que a influência dela na sociedade brasileira é um

54

JOSEAN. Almanaque Mídia (Ed.). Nova “Escolinha do Professor Raimundo” estreia em

novembro. Disponível em: <http://almanaquemidia.com/nova-escolinha-do-professor-raimundo-

estreia-em-novembro/>. Acesso em: 18 jul. 2016.

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fato muito conhecido pelos pesquisadores que se debruçam sobre essa que é

considerada como relevante dentro dos estudos de diversas disciplinas do

conhecimento.

Nas pesquisas linguísticas, por exemplo, Preti, em um estudo

sociolinguístico56, debruçou-se sobre a linguagem em uso nos diferentes gêneros

televisivos. O pesquisador, dentre tantas afirmações, relatou as possíveis

variações da linguagem do telejornalismo para a linguagem das telenovelas.

Para o pesquisador, a televisão brasileira tende a nivelar os seus padrões

“em busca de uma linguagem comum, que possibilite uma compreensão natural,

considerando-se as variedades geográficas ou socioculturais dos

telespectadores” 57. É sabido que a escolha das emissoras em transmitir suas

programações em rede favoreceu esta homogeneização linguística, apontada

pelo professor.

A televisão brasileira, que teve sua primeira transmissão em 1950, tornou-

se, com o passar dos anos, um patrimônio humorístico brasileiro. E não são

muitos os estudos linguísticos que se debruçam sobre o nosso humor televisivo,

mas dos poucos não podemos deixar de citar as pesquisas apresentadas por

Travaglia58. O pesquisador tomou o humor televisivo como um campo fértil para

os seus estudos linguísticos e trilhou caminhos de análise neste campo do

conhecimento.

Inserimos nossa pesquisa nesse contexto e iniciamos nosso panorama

lembrando que, na primeira década das transmissões televisivas, os programas

eram produzidos ao vivo, dos teleteatros aos musicais. Nessa época, o primeiro

humorístico televisivo, A Toca do Zé59, em 1952, assinalaria uma característica

que seria reproduzida em muitos formatos de humor baseados em esquetes que 55

O relatório da “Pesquisa Brasileira de Mídia 2015” apresenta que a televisão é o meio de

comunicação mais predominante no país. “Em média, os brasileiros passam 4h31 por dia

expostos ao televisor, de 2ª a 6ª-feira, e 4h14 nos finais de semana”. Cf. BRASIL, 2014. 56

Cf. PRETI, 1992. 57

PRETI, 1992: 232-3. 58

TRAVAGLIA, 1988, 1989 e 1990. 59

Cf. Ele é o espetáculo (Documentário). Direção de Jean Carlo Szepilovski e Ricardo José

Haynal. 1h06m13s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-g >. Acesso

em novembro de 2015.

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vieram a ser apresentados no Brasil: um humorista protagonizando um programa

com inúmeros quadros e com o apoio de outros humoristas.

Transmitido pela TV Tupi de São Paulo, o programa mostrava a

versatilidade do humorista José Vasconcelos e apoiava-se em seu talento de

imitar e criar tipos, como o seu famoso locutor gago. Assim como José

Vasconcelos, podemos elencar vários humoristas que protagonizaram, na história

humorística televisiva, seu próprio programa: Agildo Ribeiro, Chico Anysio, Zilda

Cardoso, Costinha, Jô Soares, Tom Cavalcante e Maria Tereza. Todos

ancorados neste “humor tipicamente brasileiro” do esquete.

Porém, a grade televisiva das emissoras não comportaria um programa

para cada grande estrela do humor e, também, era necessário a estes

humoristas, donos do seu próprio programa, o apoio de outros talentos

humorísticos. Em uma reportagem da Veja, de novembro de 1972, Chico Anysio,

ao reclamar da falta de investimentos no seu programa Chico em Quadrinhos,

por parte da Rede Globo de Televisão, afirmou:

Quer dizer, é a mesma coisa que você formar um time de futebol com Gérson e completar com dentes-de-leite. Não que eu seja contra os dentes-de-leite, nem que eu ache que eles não sabem jogar. Mas é que eles têm que jogar no Maracanã pela manhã, e não nos jogos principais. Entende?

60

Novamente, pontua-se a recorrência da metáfora futebolística de Chico

Anysio para retratar o escada. Anysio criou inúmeros personagens em sua

carreira e sempre procurou ter, como apoio para suas criações, grandes

humoristas para exercer a função de escada. Em Chico Anysio Show, da TV

Globo, por exemplo, Chico Anysio apresentava sua galeria de personagens em

quadros que reunia atores como Antônio Carlos61, Francisco Milani, Ivon Curi,

Lúcio Mauro e Stela Freitas62. A inserção da Escolinha do Professor Raimundo

60 Cf. A GLOBO SEM CHICO. Veja, São Paulo, 22 nov 1972.

61 Antônio Carlos Pires interpretava o mineiro Joselino Barbacena, um dos alunos mais antigos

da Escolinha. Esteve presente na formação original do programa na Rádio Mayrink Veiga, ao lado

de Afrânio Rodrigues, Zé Trindade e João Fernandes.

62 Cf. GLOBO, 2003.

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como quadro nos humorísticos de Anysio era uma forma de talentos, como estes,

apresentarem os seus tipos e protagonizarem o seu momento do riso.

Na trajetória do humor televisivo brasileiro baseado nos esquetes, também

houve uma proliferação de humorísticos que reuniam grandes elencos

apresentando suas criações. O Time Square da TV Excelsior é o pioneiro no uso

desse expediente na nossa televisão. Dercy Gonçalves, Costinha, Dorinha Duval,

Grande Otelo, Chico Anysio e Roberto Guilherme são alguns humoristas que

integraram este grande espetáculo do humor brasileiro, na década de 196063.

Figura 6 - Balança Mas Não Cai - Fernandinho e Ofélia64

Podemos citar, ainda, outros humorísticos que, na mesma esteira,

reuniram personagens e quadros baseados no humor tipicamente brasileiro

como o Balança mas não cai, o Planeta dos Homens, o Alegria 81, o Zorra Total,

o Reapertura e o Satiricom. Nestes humorísticos, os comediantes se revezam

entre os quadros, apresentando seus tipos e também na função de escada. Lúcio

63

Cf. HUMORISMO EM RITMO DE FLA-FLU NO POSTO SEIS. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,

21 nov 1992. 64

REDE GLOBO. TV ANO 25 (1975) Balança Mas Não Cai - Fernandinho e Ofélia. Disponível

em: <https://www.youtube.com/watch?v=Zj13hICfY9A>. Acesso em: 18 jul. 2016.

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Mauro, no Balança mas não cai, ao mesmo tempo em que, ao lado de Sônia

Mamede, a Ofélia, vivia o Fernandinho dava apoio aos quadros de outros

humoristas do programa.

No entanto, dois formatos humorísticos trouxeram escadas como

protagonistas e permitiram que um grande elenco de humoristas apresentasse

suas criações em esquetes fixos (quadros humorísticos): a Praça e a Escolinha.

Os seus respectivos escadas, um homem sentado em um banco de praça pública

e, o outro, um professor que sabatinava seus alunos, são coadjuvantes no que se

refere ao quadro. Mas, em relação ao formato e à produção humorística

brasileira, são protagonistas.

Quando listamos expoentes do “humor tipicamente brasileiro”, com certa

prontidão, relacionamos a sua participação em pelo menos um desses formatos:

Consuelo Leandro e sua criação Cremilda, a esposa do “marido Oscar”; o Bronco

de Ronald Golias; Walter D'Ávila como Baltazar da Rocha ou homem que não

conseguia ler um livro; a fofoqueira Vamércia de Maria Tereza; o Lindeza ou o

Galeão Cumbica de Rony Cócegas; Tom Cavalcante e o seu João Canabrava;

Andorinha de Agildo Ribeiro; o estudante de comunicação da PUC, o Patropi de

Orival Pessini; etc. Desta forma, grande parte dos humoristas da segunda

metade do século XX podem ser lembrados com a sentença: “Ah, é aquele que

na Praça fazia o...” ou “É aquele aluno do professor Raimundo que...”.

Assim, o professor Raimundo, mediante o formato que ele está inserido, é

o escada de alguns dos maiores nomes do humor brasileiro e lançou inúmeros

talentos como Mussum, Claudia Jimenez, Ari Leite, Tom Cavalcante, Heloísa

Perissé e Claudia Rodrigues. Fato este que Chico Anysio relatou, em entrevistas,

o seu orgulho:

E eu acho ele muito bom, eu gosto muito dele, porque eu sou escada de todo mundo ali, eu faço a preparação para que eles façam a graça. E o professor Raimundo lançou Ari Leite, lançou Castrinho, lançou o Mussum. O Mussum foi lançado pela Escolinha do professor Raimundo, Coronel Ludugero, gente à

beça que está por aí, foi lançado, gente que já morreu até, Geraldo Alves... 65

65

ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva: Chico Anysio. 1993. Disponível em:

<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/444/chico

anysio/entrevistados/chico_anysio_1993.htm>. Acesso em: 22 jun. 1993.

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34

Lancei, através do professor Raimundo, muitos comediantes de fama: Ari Leite, Castrinho, Mussum. O Mussum nasceu para a comédia junto ao professor Raimundo. Ele fazia um aluno que tirava o ponto “matemáts”, “aritiméts”, aí é que ele falava como de “fats” e tal. O professor Raimundo é

para mim o personagem mais importante que eu tenho. 66

É importante ressaltar que a Escolinha do Professor Raimundo não é a

primeira Escolinha. Aliás, o termo “escolinha” advém da Escolinha da Dona

Olinda, humorístico da Rádio Record de São Paulo, em 1935. A partir desta

Escolinha, vários programas situaram seus esquetes no ambiente escolar.

Magalhães Jr., em colaboração ao Guia dos Curiosos, elencou o ano de estreia

de algumas escolinhas famosas e, aproveitamos aqui, para atualizar esta lista

com novas escolinhas e os seus respectivos escadas67.

Quadro 1 – As Escolinhas

1935

Escolinha da Dona Olinda

Rádio Record

Professora Dona Olinda (criação e interpretação de Nhô Totico).

1936

Cenas Escolares (Piadas do Manduca)

Rádio Nacional

Professora Dona Teteca (Renato Murce).

1942

Escola Risonha e Franca

Rádio Record

O professor era interpretado por José Paniguel.·.

66

ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva: Chico Anysio. 1990. Disponível em:

<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/710/chico

anysio/entrevistados/chico_anysio_1990.htm>. Acesso em: 02 jul. 1990. 67

DUARTE, Marcelo. As Escolinhas do rádio e da TV brasileiros. 18 set 2013. Disponível em

<http://guiadoscuriosos.com.br/blog/2013/09/16/as-Escolinhas-do-radio-e-da-tv-brasileira/>.

Acesso em Março de 2015.

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35

1952

Escolinha do Professor Raimundo

Rádio Mayrink Veiga - Quadro em A Cidade Se Diverte

Chico Anysio, pela primeira vez, interpreta o professor Raimundo, criado por

Haroldo Barbosa.

1957 Escolinha de Morte

TV Record

1957

Escolinha do Professor Raimundo

TV Rio - Quadro em Noite Cariocas

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

1959

Escola para Adultos

TV Tupi Rio - Quadro em Super Show

TV Rio / TV Record - Quadro em A Cidade se Diverte

O professor era interpretado pelo ator Antônio Carlos Pires.

1961

Escolinha de Grupo

TV Paulista

Criação de Manoel de Nóbrega.

1961 Escolinha do Burraldo

TV Record - Quadro em Grande Show União.

1967

Escolinha do Golias

TV Record - Quadro em É uma graça, mora!

O professor era interpretado por Carlos Alberto de Nóbrega

1973

Escolinha do Professor Raimundo

TV Globo - Quadro em Chico City

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

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1982

Escolinha do Professor Raimundo

TV Globo - Quadro em Chico Anysio Show

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

1987 Escolinha do Palitinho

TV Manchete - Quadro em Domingo de Graça68

1989

Escolinha do Professor Raimundo

TV Globo

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

1991

Escolinha do Golias

SBT

O professor era interpretado por Carlos Alberto de Nóbrega.

1992

Escolinha do Professor Raimundo Especial - Novelas69

TV Globo - Quadro em Criança Esperança

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

1992

Escolinhazinha do Professor Raimundo70

TV Globo - Quadro em Criança Esperança

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

1997

Escolinha do Professor Raimundo

TV Globo - Quadro em Chico Total

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

68

Cf. PROGRAMA Câmera Manchete - Homenagem ao Comediante Costinha. Tv Manchete,

1995. Rio de Janeiro, 2009. P&B. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=QdY9CJ9rjPA>. Acesso em: 20 jul. 2016. 69

Cf. ESCOLINHA ESPECIAL RESSUSCITA PARAGUASSU. Folha de São Paulo, São Paulo, 04

out 1992. 70

Cf. ESCOLINHA ESPECIAL RESSUSCITA PARAGUASSU. Folha de São Paulo, São Paulo, 04

out 1992.

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37

1999

Escolinha do Professor Raimundo

TV Globo - Quadro em Zorra Total

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

1999

Escolinha do Barulho

TV Record

Dedé Santana, Gil Gomes, Miele e Benvindo Siqueira eram professores fixos do

programa, que, costumeiramente, recebia professores convidados como Ivete

Sangalo, Alcione, Gilberto Barros e o político Dr. Enéas Carneiro.

2001

Escolinha do Professor Raimundo71

TV Globo

Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.

2005

Escolinha do Comando Maluco

SBT

O professor era interpretado por Dedé Santana.

2006

Cursinho do Leão

Band - Quadro em Boa Noite Brasil

O professor era interpretado por Gilberto Barros.

2008

Escolinha Muito Louca

Band

O professor era interpretado por Sidney Magal.

2011

Escolinha do Ratinho

SBT - Quadro em Programa do Ratinho

O professor é interpretado por Ratinho.

2011

Escolinha do Gugu

TV Record - Quadro em Gugu

O professor era interpretado por Gugu Liberato.

71

Cf. A VOLTA DO QUE NÃO FOI. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 mar 2001.

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38

2015

Escolinha do Professor Raimundo

TV Globo e Canal Viva

Professor Raimundo, interpretado por Bruno Mazzeo.

Percebe-se que apesar de não ser pioneira, a Escolinha comandada por

Chico Anysio é a que possui maior longevidade na história televisiva brasileira e,

por conseguinte, pautou, por meio do seu formato, sucessivas Escolinhas, como

a Escolinha Muito Louca, Escolinha do Barulho, Escolinha do Ratinho e a

Escolinha do Gugu.

O esquete

Estudar um elemento do esquete tipicamente brasileiro, como é o

escada, é poder situá-lo, por meio de suas características consonantes ao seu

papel em relação ao conteúdo presente e ao seu contexto de produção. No

entanto, definir, propriamente, o que é o esquete humorístico é visivelmente

dificultoso.

Isto posto, decidimos, nesta seção, caracterizar recorrências do esquete

humorístico tipicamente brasileiro para poder deslindar, em nossa análise, o

escada do ponto de vista dos atributos que lhe são inerentes. Optar por uma

categorização de um conteúdo televisivo e, principalmente, humorístico seria

arriscado, já que é fácil levantar exemplos que desconstrua qualquer

conceituação72.

Se categorizássemos o esquete pela quantidade de personagens:

poderíamos elencar esquetes com um personagem, como as do Macaco

Sócrates, interpretado por Orival Pessini em Planeta dos Homens, até esquetes

como o Coral dos Bigodudos, de A Praça é Nossa, composta por muitos

humoristas que se reuniam para cantar os problemas enfrentados pelo país. Se o

critério fosse o tempo reduzido, esquetes de vinte e cinco minutos de Os

72

Como ressaltamos em Melo Alves (2015b).

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Trapalhões inviabilizariam o parâmetro. Se o critério da classificação estivesse na

quantidade de piadas, a ausência destas se encontra em esquetes como as de

Chico Anysio como o personagem Jesuíno, o Profeta, ou aquelas baseadas na

chave da paródia. Além disso, a discussão referente à questão relacionado ao

gênero em si não está dentre os nossos objetivos de pesquisa.

Figura 7 – Me tira o tubo! (Viva o Gordo).73

É importante, para nós, sabermos que a rotulação esquete humorístico

pode abarcar de um esquete do grupo de internet Porta dos Fundos74 a um

quadro do humorístico televisivo Viva o Gordo75, um representante do que

afirmamos ser esse “humor tipicamente brasileiro”. Podemos, então, abrir um

73

Cf. Tira o Tubo – Pazzianotto. Esquete do Viva o Gordo (Rede Globo). 03m29s. Disponível em:

<https://youtu.be/bCyxM1bdu2I>. Acesso em setembro de 2015. 74

Fundado em 2012, o Porta dos Fundos é um popular grupo de humor que tem como carro-

chefe a produção de esquetes humorísticos em um canal do site de vídeosYouTube. Após

conquistarem milhares de visualizações na internet, um compilado dos esquetes do coletivo foi

apresentado pelo canal FOX. 75

Na esteira dos programas estrelados por um humorista, Viva o Gordo foi o primeiro humorístico,

na TV Globo, comandado por Jô Soares. A atração estreou em 1981 e era gravado no Teatro

Fênix, na cidade do Rio de Janeiro.

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paralelo entre dois esquetes com estruturas semelhantes para poder ilustrar as

características comuns entre os dois objetos, a fim de indicar consonâncias.

Jô Soares, em seu Viva o Gordo76, posteriormente ao período da Ditadura

Militar no Brasil (1964-1985), interpretou um general77 que voltava à consciência

após anos em coma, devido a um acidente. Quando o médico e a enfermeira lhe

relatavam que o regime militar havia acabado, o personagem não acreditava e

usava o bordão "me tira o tubo!". O personagem percebia que o mundo, como

conhecia, havia mudado pelas palavras do médico e da enfermeira, o que

causava o efeito humorístico do esquete.

Figura 8 – Rio 2025 (Porta dos Fundos) 78

.

Décadas depois, o grupo Porta dos Fundos lançou, na internet, um vídeo

de um esquete chamado Rio 202579, no qual Antonio Tabet interpreta um homem

que acorda em um hospital, após anos em coma. A enfermeira então lhe

apresenta como estão as coisas após o tempo que havia passado inconsciente: a

publicidade se apropriou do espaço público exacerbadamente.

76

Cf. Tira o Tubo – Pazzianotto. Esquete do Viva o Gordo (Rede Globo). 03m29s. Disponível em:

<https://youtu.be/bCyxM1bdu2I>. Acesso em setembro de 2015. 77

Em entrevista à revista Veja, Jô Soares afirma sobre o personagem: “É a primeira vez na

história da televisão que um general brasileiro aparece tão escancaradamente num programa

humorístico”. Cf. GRAÇA MILITAR. General amigo de Figueiredo é o novo tipo de Jô Soares.

Veja, São Paulo, 10 jul 1985. 78

RIO 2025. Canal Porta dos Fundos. 01m32s. Disponível em: <https://youtu.be/C6sqY1oTzAg>.

Acesso em dezembro de 2015. 79

Cf. RIO 2025. Canal Porta dos Fundos. 01m32s. Disponível em:

<https://youtu.be/C6sqY1oTzAg>. Acesso em dezembro de 2015.

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Os nomes dos principais pontos turísticos da cidade do Rio de Janeiro,

segundo a enfermeira, haviam mudado. Marcas diversas como Jequiti e Vivo

deram nome a pontos turísticos. A estratégia conhecida, em publicidade, como

Naming rights ocupou do nome do Cristo Redentor ao da Lagoa Rodrigo de

Freitas. O personagem, assim como o General de Jô Soares, estranha tudo o

que lhe é contado, o que gera o efeito risível do esquete.

Sabemos que entender os dois vídeos como esquetes humorísticos é criar,

para o telespectador ou para o internauta, parâmetros na leitura e na produção

de sentido destes vídeos. Podemos abarcar, deste modo, os dois exemplos na

definição de esquete humorístico apresentado no dicionário de Pavis80: “uma

situação cômica”, “interpretada por um pequeno número de atores” e “que insiste

nos momentos engraçados e subversivos”.

No entanto, percebemos que os modelos de contextos81 que são

acionados durante o processo produção e de recepção destes dois esquetes são

diferentes. O esquete interpretado por Jô Soares recorre às características desse

humor tipicamente brasileiro que se baseia em uma tradição radiofônica82: com

elementos como a claque83, o bordão e a fórmula.

A recorrência de um esquete em um programa humorístico com o mesmo

personagem ou situação é rotulada como quadro humorístico. O quadro do

General permaneceu diversos anos no programa Viva o Gordo, mantendo sua

estrutura, os atores e, principalmente, o seu bordão: “me tira o tubo!”.

Assim, entendemos o esquete tipicamente brasileiro a partir da sua

estratégia de interação com audiência e também a partir do seu meio de

produção, o programa humorístico. A Escolinha do Professor Raimundo, por sua

vez, baseia-se nesse expediente que usufrui de estratégias de produção: como a

repetição exacerbada de fórmulas humorísticas.

80

Cf. PAVIS, 2015. 81

Cf. VAN DIJK, 2012. 82

Cf. DURVAL, 2002. 83

Entendemos como claque, neste caso, como aquele grupo de pessoas contratadas para

aplaudirem ou darem risadas no humorístico.

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A fórmula humorística

A multiplicação dos formatos humorísticos baseados em esquetes na

nossa televisão e, principalmente, a sua perpetuação na programação televisiva,

explicitou, principalmente em forma de críticas, características marcantes de uma

estética do típico esquete humorístico brasileiro: como a repetição de modelos

fixos, a fórmula humorística. Na imprensa, por exemplo, não é difícil encontrar

críticas a este expediente como:

“artistas são obrigados a repetir cenas e quadros importados do rádio, esclerosados pelo tempo (alguns com 20 anos)” Correio do Estado (MT), 01/01/1970.

“só por saudosismo alguém poderia lamentar a ausência de um programa radiofônico numa emissora de televisão” ''UAU'' É MAU, Valério Andrade, Jornal do Brasil, 13/01/1972.

“as desgastadas fórmulas de humor da Globo, embrulhadas em um pacote de mau gosto, sem pé nem cabeça” Jornal do Brasil, Mônica Soares, 27/03/1999.

“As fontes do humorismo, que já foi brilhante, estão ressecadas pelo menos há 20 anos.” Walter Fontoura, 15/10/2000, Jornal do Brasil.

“Se você era da turma que ficava esperando o Zorra Total começar só para ver o travesti Valéria virar os olhinhos e clamar o bordão “Ai, como eu tô bandida”, esqueça.” Cristina Padiglione, 09/05/2015, O Estado de São Paulo.

O humor televisivo tipicamente brasileiro, pontuado por Chico Anysio,

passa por este elemento fixo de reconhecimento que pode ser pensado, a priori,

como uma forma de fidelizar o público aos tipos criados pelos humoristas84. Por

exemplo, o telespectador sabia como iria ser desenvolvido o esquete, no entanto

não esperava qual a “asneira” que Ofélia falaria ao convidado para constranger o

seu marido Fernandinho ou, também, como Aldemar Vigário corromperia o

professor Raimundo. Desta forma, havia espaços na fórmula para recursos

inéditos, como novas piadas. Para ficar mais claro, podemos, aqui, ilustrar por

meio das fórmulas humorísticas dos três personagens mais famosos do

humorista Roni Rios85:

84

Como ressaltamos em Melo Alves (2015b). 85

Roni Rios foi um famoso humorista. Sua criação mais famosa foi a Velha Surda, protagonista de

quadros da Praça da Alegria e A Praça é Nossa.

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o A Velha Surda – Com o nome de Bizantina Scatamávia Pinto, a personagem incomodava Apolônio, personagem vivido por Viana Jr. Fórmula: A idosa devido a um problema de audição, não entendia o que ele dizia, gerando uma narrativa humorística com palavras de duplo sentido. Ao final do quadro, Apolônio acreditava na história criada pela senhora e tomava como verdade, até cair em si.

o Philadelpho – O velho “com dois ph: um no phi, outro no pho”: Fifo. Fórmula: O personagem sempre recebia investidas da personagem Fifa, interpretada por Edna Velho, no entanto, se esquivava com piadas relacionadas à sua idade avançada. Sob o objetivo de conquistá-lo, a personagem fazia um strip-tease e, mesmo assim, não alcançava o objetivo almejado. Ao final do quadro, cansada, ofendia-o de “velho babão, bobão...”. E Philadelpho completava com o “bundão”.

o Explicadinho – Famoso pelo bordão “nos mínimos detalhes” Fórmula: O personagem, incisivamente, quer explicações detalhadas do que é dito sob a justificativa de gostar “das coisas muito bem explicadinhas nos seus nos mínimos detalhes!” até irritar o seu interlocutor.

Figura 9 – Personagens de Roni Rios (A Praça é Nossa): A Velha Surda, Philadelphio e

Explicadinho. 86

Estas fórmulas se apresentam maleáveis e não possuem, a priori, uma

estrutura rígida: mas um modelo fixo. Por exemplo, em 1977, no programa A

Praça da Alegria (TV Globo), o cantor Roberto Carlos fez uma participação

86

GLOBOPLAY. Relembre a velha surda de Rony Rios em ‘A Praça da Alegria’. Disponível em:

<http://globoplay.globo.com/v/2406259/>. Acesso em: 02 maio 2016.

MINILUA. Alguns personagens inesquecíveis da Praça é Nossa. Disponível em:

<http://minilua.com/personagens-praca-nossa/>. Acesso em: 02 maio 2016.

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especial no quadro da Velha Surda, o texto-base do quadro manteve-se, a idosa

não entendia o que Miele87 e o personagem Apolônio diziam. No entanto, ao

conversar com o cantor, Bizantina escutava perfeitamente e mantinha o diálogo,

fato que causou um efeito humorístico a mais.

Considerando a materialidade linguística dos esquetes, a fórmula não

deixa ser uma estratégia dos redatores de humor para criação de um quadro

humorístico. Em entrevista ao jornalista Valério Andrade, do Jornal do Brasil, Max

Nunes88 afirma:

No humorismo não se pode inventar. Com a obrigação de escrever dois a três programas semanais, não há como deixar de repetir. Duvido que Deus tenha mais bossa do que os humoristas de televisão. Aqui tudo é feito em pouco tempo, por pouca gente e com muito improviso.

89

José Santa Cruz, um dos maiores humoristas da televisão brasileira,

afirmou na mesma reportagem:

É muito difícil escrever para a televisão. O desgaste é grande. Além do número bem limitado de situações humorísticas - o bobo, o vigarista, etc. - só é possível fazer graça dentro do desenvolvimento destes tipos. Como contentar ao público, semanalmente, trazendo novidades engraçadas?

90

Neste sentido, o uso da fórmula humorística deve-se, principalmente a

duas características do momento histórico da produção desse tipo de conteúdo: a

ausência de roteiristas e a censura, durante os regimes militares. Estes dois

fatores são relatados, insistidamente, por produtores de humor91. Em entrevista

ao programa Roda Viva, em 1993, Chico Anysio comenta sobre a produção de

humor em tempos ditatoriais:

Foi a pior época, na ditadura foi a pior época, porque qualquer censura é ruim, não é? Quer dizer, foi ruim no rádio no tempo que tinha o DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda, já era ruim, no rádio. Cortaram coisas absurdas,

87

O showman Luiz Carlos D'Ugo Miele, o Miele, atuou, como humorista, em programas como

Faça Humor, Não Faça Guerra e Planeta dos Homens. Nas edições da Praça da Alegria, da TV

Globo, serviu de escada para inúmeros humoristas. 88

Max Nunes, ao lado de Haroldo Barbosa, é um dos pilares do humor tipicamente brasileiro.

Criador de programas icônicos como o Balança mas não cai, My fair show e Times Square. 89

ANDRADE, Valério. “A vitória do humor” In: Jornal do Brasil, 05/11/1971. 90

ANDRADE, Valério. “A vitória do humor” In: Jornal do Brasil, 05/11/1971. 91

Cf. Anysio (1992) e Assis (2007).

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não é? Cortaram... eu me lembro que um dia eu escrevi “Auriverde, pendão da minha terra que a brisa do Brasil beija e balança”, o pessoal cortou beija e balança, quer dizer, eu acho... Tive que ir lá explicar que era do Castro Alves, não era meu, não tinha culpa. Sabe, cortaram coisas, eu botei “Você vai para a Europa, vê se me consegue uns afrescos de Rafael” Aí cortaram afresco, o cara pôs uma puxadinha e pôs assim, diga: "rapazes de maus hábitos". Uma coisa absurda as pessoas que censuram eram tão...

92

Programas de humor tipicamente brasileiro, como a Escolinha do

Professor Raimundo, se inserem neste contexto e podemos dizer que, na maioria

das vezes, o formato da Escolinha se valeu de pelo menos uma fórmula para

cada aluno. Assim, na interação entre o telespectador e o programa, há um

processo de leitura de cada fórmula e este elemento influenciou na produção do

conteúdo humorístico.

A fórmula é um recurso que está diretamente relacionado ao quadro

humorístico, que tem como pressuposto a dinâmica da repetição. Essa dinâmica

se mostra como elemento essencial para a fidelização de um público e a fixação

do personagem.

Ao pensarmos esta dinâmica, em específico na Escolinha do Professor

Raimundo, podemos relacionar ao que Eco93 afirma como uma “réplica do

mesmo tipo abstrato”, ou seja, a fórmula do quadro se dá, a partir de uma

construção no campo da intersubjetividade e se configura dentro de uma

estrutura de tipologia do campo estético: a da repetição.

E ainda, sobre esta tipologia da repetição, podemos afirmar que, assim

como Eco desenvolve sobre as narrativas modernas, a “excelência” 94 do texto

humorístico da Escolinha do Professor Raimundo é “atribuído ao modelo, e as

reproduções do modelo” 95. Ou seja, para cada aluno é indicado o uso de uma

fórmula humorística.

92 ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva:: Chico Anysio. 1993. Disponível em:

<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/444/chico

anysio/entrevistados/chico_anysio_1993.htm>. Acesso em: 22 jun. 1993. 93

ECO, 1989, p.195. 94

ECO, 1989, p.197. 95

ECO, 1989, p.195.

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Não entendemos a fórmula humorística do esquete tipicamente brasileiro

como um gênero, mas, como um texto-base, um modelo do campo intersubjetivo

que inclui elementos-chaves, como a presença de piadas e bordões. O bordão é

aquela expressão que é repetida para obter um efeito risível. O próprio professor

Raimundo, ao final de cada bloco do programa lançava mão do seu bordão “É

vapt-vupt!” e, ao final do humorístico, reclamava da sua remuneração com “E o

salário? Ó!”.

O personagem do humorista Antônio Pedro na Escolinha, o Seu Bicalho,

criava efeitos sonoros com a sua boca e, ao receber o zero do professor, não

hesitava em dizer “Zerinho? Mas fiz o meu sonzinho". O Seu Geraldo,

interpretado pelo ator Castrinho, ao contar suas histórias de duplo sentido ao

professor, incluía o "Geraaaaaaaldo!!!".

O portal Gshow, como estratégia de lançamento do remake da Escolinha

do Professor Raimundo, em 2015, fez um especial96 com alguns bordões dos

alunos da sala de Chico Anysio. A afim de ilustração, organizamo-los em um

quadro.

Quadro 2 – Bordões da Escolinha do Professor Raimundo

Personagem Bordão

Aldemar Vigário Quem? Quem? Raimundo Nonato!

Armando Volta Sambarilove

Baltazar da Rocha Sabo-lho

Bertoldo Brecha Veeeeeeenha!

Cacilda Fala, baixinho. Mas quando falar meu nome vê se rebola essa

língua. É Caciiiiilda!

Cacilda Beijinho, beijinho, pau, pau!

Dona Bela Só pensa naquilo

96

GSHOW (Org.). Dê play no seu bordão preferido: Escolinha do Professor Raimundo. 2015.

Disponível em: <http://especiais.gshow.globo.com/programas/escolinha-do-professor-

raimundo/bordoes-escolinha/index.html>. Acesso em: 07 dez. 2015.

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Dona Thalia Vou beijar muito

Galeão Cumbica Aí eu choro: au- auuuu!

Joselino Barbacena Ai, meu Jesus Cristinho, já me descobriu aqui outra vez! Será

impossíverrr? Larga d’eu, sô!

Marina da Glória Chamou, chamou!

Nerso da Capitinga É ieu mesmo!

Paulo Cintura Saúde é o que interessa, o resto não tem pressa

Pedro Pedreira Pedra noventa, só enfrenta quem aguenta

Pedro Pedreira Há controvérsias

Prof. Raimundo E o salário, ó!

Rolando Lero Captei!

Rolando Lero Amado, mestre!

Seu Boneco Aí eu vou pra galera!

Seu Peru O Peru é todo seu

Tati Muuuito irado

Zé Bonitinho Zé Bonitinho, o perigote das mulheres

Este elemento, o bordão, não é restrito aos programas humorísticos,

apesar da sua massiva presença no esquete humorístico tipicamente brasileiro.

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O recurso é utilizado em diversos gêneros, como novelas97, sitcoms98, programas

de auditório99 ou até mesmo no jornalismo100. O humor tipicamente brasileiro

ficou, também, popularmente conhecido como o “humor de bordão”, exatamente

por este recurso estar incluso, muitas vezes, na fórmula humorística do quadro e

esta fórmula, assim como o bordão, é repetida semanalmente.

A fórmula humorística trata-se de uma base, um esqueleto, de caráter

intersubjetivo para o diálogo que será desenvolvido no esquete indicando aos

humoristas modos de envolvimento e “tarefas” a se cumprir, apresentando

possibilidades aos participantes, como improvisos, bordões e piadas, sob a

finalidade de transformar um esquete em quadro humorístico.

Assim, podemos afirmar que a estética do formato da Escolinha é baseada

na repetição de uma fórmula humorística e a presença do escada em todos os

esquetes. Deste modo, nos faz pensar, a priori, que o professor é responsável

pela união dos esquetes, por meio da sua participação onipresente nos quadros.

E que esta estética da repetição de fórmulas, dentro do formato, não reduz a

grandeza dele, ao contrário, esta estratégia pode se dar como estimuladora da

produção da piada (conceito que desenvolveremos no próximo capítulo).

Na esteira dos programas humorísticos, o professor Raimundo, a partir de

suas perguntas, permite que seus alunos desenvolvam suas fórmulas,

evidenciando, assim, uma característica marcante do esquete tipicamente

brasileiro. Propomos, então, como parte da nossa análise dos esquetes da

Escolinha do Professor Raimundo, no terceiro capítulo desta dissertação,

identificar as fórmulas de cada personagem e o papel do escada, a partir de suas

perguntas, em cada fórmula humorística.

97

Por exemplo, "Tô certo, ou tô errado?", de Sinhozinho Malta, personagem de Lima Duarte em

Roque Santeiro, de 1985. 98

Como o “Cala a boca, Magda”, de Caco Antibes, personagem de Miguel Falabella em Sai de

Baixo. 99

O apresentador Chacrinha apresentava os bordões "Roda e avisa", “Alô, atenção” e "Quem vai

querer?". 100

“Corta pra mim!”, bordão do jornalista Marcelo Rezende, ou “Olá, tudo bem?” de Paulo

Henrique Amorim.

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Se a vida fere, uma piada cura.

Chico Anysio 101

Capítulo 2 - O escada na piada

Há uma antiga piada da mulher que estava sentada em um ônibus vazio,

preenchendo suas palavras cruzadas, extremamente concentrada até o momento

em que um sujeito bêbado entrou na condução e resolveu sentar, justamente, ao

lado dela. E a dama, que estava distraída, assustou-se ao se dar conta da

presença daquele bebum e, já fazendo cara feia, pensou: "Com tantos lugares

desocupados, ele tinha de sentar logo perto de mim?". Porém, sem desgrudar os

olhos daquela revista, falou em alto e bom som, pra provocar o bêbado: “É

inconveniente, feio e, ainda por cima, tem um fedor insuportável!”. O rapaz

embriagado olhou para a mulher, olhou para a revista dela, olhou, novamente

para a moça e respondeu: “Se for com cinco letras, é gambá!”102.

Também tem aquela do português que, pela primeira vez, foi assistir a um

jogo de futebol in loco. Mas aquele trânsito na terrinha fez com que ele chegasse

um tanto quanto atrasado. Muito atrasado. Era final do segundo tempo. Ao entrar

naquele estádio lotado com os torcedores do Benfica, o Manuel perguntou ao

pipoqueiro: “Oh, gajo, quanto estar o jogo?”. E o pipoqueiro respondeu atônito:

zero a zero. E o português aliviado: “Ufa! Cheguei a tempo!”.

Com toda certeza, essas piadas poderiam estar em forma de esquetes em

muitos humorísticos da história da nossa televisão. O próprio dicionário da TV

Globo103, afirma que o Chico Anysio Especial, de 1970, “vivia da mais elementar

fórmula humorística: a anedota104”. Os quadros humorísticos de programas com o

“humor tipicamente brasileiro”, tal como é a Escolinha do Professor Raimundo,

101

CHICO Anysio Ao Vivo. Roteiro: Chico Anysio e Arnaud Rodrigues. S.i.: Phonodisc, 1975. LP,

son. 102

NOVA FOLHA COMERCIÁRIA (Brasil). Gênio da Cruzadinha. Nova Folha Comerciária:

Informativo do Sindicato dos Empregados no Comércio de Patos de Minas e Região. Patos de

Minas, fev. 2013. p. 04-04. Disponível em:

<http://www.sindec.com.br/jornal/NovaFolha_Fev2013.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2016. 103

DICIONÁRIO DA TV GLOBO v. 1: programas de dramaturgia e entretenimento. Rio de

Janeiro, Jorge Zahar, 2003. 104

Assim como Gil (1991), tomamos anedotas como um sinônimo de piada.

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alternam-se em esquetes baseados em fórmulas com esquetes baseados em

piadas enlatadas105.

Entendemos, a priori, as piadas deste tipo como piadas com o maior poder

de circulação, mas, ao mesmo tempo em que são recicláveis106, possuem uma

estrutura mais datada em relação ao contexto. Muitas vezes, o professor

Raimundo, ao sabatinar os seus alunos, orientava suas perguntas não para

receber a resposta correta, mas para que os humoristas pudessem contar piadas

do seu repertório, como é o caso de personagens como o Seu Mazarito,

interpretado pelo humorista Costinha. A fórmula humorística do quadro baseava-

se em franquear o uso dessas piadas no programa. Nela, o professor perguntava

ao aluno algo e recebia como resposta um conjunto de piadas enlatadas, todas

descontextualizadas à aula.

Figura 9 – Seu Mazarito (Costinha)107

105

Canned joke, conceito de Fry Jr (1963) traduzido por Gil (1991) como piada enlatada, é uma

piada já pronta, previamente preparada, memorizada para ser recontada nas ocasiões que as

pessoas desejarem; é uma piada de domínio público e de uso coletivo. (Gil, 1991). 106

O caráter reciclável da piada permite ao seu contador mudanças, de forma intencional ou não,

mas estas mudanças não alteram os mecanismos do texto humorístico em si, como afirma

Attardo (1994). 107

BOBAGENTO (Comp.). Lá vem o Bobagento: Trecho do humorístico Escolinha do Professor

Raimundo com os saudosos Chico Anysio e Costinha. 2012. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=Bm1XJkfH5BU>. Acesso em: 18 jul. 2016.

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Os estudos do humor, costumeiramente, vêm focando seus esforços na

construção do risível causado pela incongruência, pela quebra de expectativas,

pelos estereótipos... Em vários gêneros humorísticos, sobretudo a piada. Afinal,

como afirma Travaglia108, a piada é um gênero-base do humor. No entanto,

nenhum dos estudos levantados em nossa bibliografia voltou seus olhares,

prioritariamente, ao pipoqueiro ou à mulher no sentada no ônibus, retomando os

exemplos do início deste capítulo.

É claro que poderíamos classificar os exemplos como piadas de bêbado e

de português, mas não deveríamos deixar de registrar a importância dos outros

personagens nessas piadas, os escadas. Já que em nosso trabalho buscamos

investigar consonâncias do papel do escada nas fórmulas humorísticas da

Escolinha do Professor Raimundo e estes interlocutores nas piadas exercem, a

priori, uma função semelhante: neste capítulo, aprofundaremos sobre este

personagem, o dos personagens secundários na piada. Para isso, buscaremos

entender a estrutura deste gênero: a piada.

A piada

A piada é um gênero. Conceito este que Bakhtin109 apresenta não sob o

objetivo de categorizar ou, muito menos, restringir as suas relações com os

outros enunciados. Afinal, possui uma relativa estabilidade. O estudo, principiado

pelo teórico, coloca o gênero na sua situação comunicativa, diferente dos estudos

que se delimitavam somente aos elementos linguísticos.

Segundo Bakhtin110, a enunciação resulta da relação entre os sujeitos em

uma dada situação concreta de comunicação em que não se prestigia nem a

língua como representação estruturalista, nem como de caráter meramente

subjetivo. Dá-se na interação verbal: toda palavra serve de expressão a um em

relação ao outro.

108

Cf. TRAVAGLIA, 1992. 109

Cf. BAKHTIN, 2001. 110

Cf. BAKHTIN, op. cit.

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Ressaltamos que a presença de referências à obra do teórico russo,

Bakhtin, nesta dissertação não desvia o curso do desenvolvimento do trabalho,

ao contrário, tomando por base os estudiosos que adotam uma concepção

sociocognitiva e interacionista da relação entre linguagem e mundo, e

considerando a referência como um fenômeno que concerne simultaneamente

aos usos da linguagem em contexto, o quadro teórico aqui a ser levantado funda-

se na premissa de que os discursos ocupam um lugar central na construção do

mundo de nossas vivências e não se distancia do trabalho do teórico, mas, sim,

reapresenta pontos da obra dele dando novas possibilidades de aplicação no

processo de construção textual e humorística.

Assim, Bakhtin111 afirma que um gênero, como é a piada, pode sofrer

alterações em decorrência das necessidades e mudanças da sociedade. Ou

melhor, se pensarmos na piada, poderíamos não enxergar uma estabilidade tão

explícita. Na sequência, temos três exemplos de piadas que ressaltam essa

instabilidade quanto à forma.

(1) O caipira vai a uma consulta e o médico pergunta: - O que senhor tem? - Uma muié, uma vaca e uma galinha... - Não é isso... O que o senhor está sentindo? - Ah, tá! Vontade de largá a muié, vendê a vaca e comê a galinha com quiabo!

112

(2) As mulheres são como as piscinas. Para o tempo que passamos dentro delas, a manutenção sai bastante cara.

113

(3) Cunha faz o que quer no país. Se rolasse um plebiscito e passasse a monarquia, tava arriscado a virar Rei. Porque réu ele já é.

114

111

Cf. BAKHTIN, op. cit. 112

PIADAS.COM.BR. O caipira no médico. Disponível em:

<http://www.piadas.com.br/piadas/piadas-curtas/o-caipira-no-medico>. Acesso em: 01 maio 2016. 113

SECAS, Piadas. As mulheres são como as piscinas. Para o tempo que passamos dentro

delas, a manutenção sai bastante cara. 16 de Março de 2016, 10h51.

https://twitter.com/Piadas_Secas10/status/707202153622970368?lang=pt (Acesso em:

01mai2016)

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A piada é associada a uma função social relacionada ao riso e a todos os

aspectos que lhe são provenientes. Segundo Gil115, são formas de narrativas que

têm por meta gerar um sentido humorístico e na maioria das vezes curtas, como

podemos observar nos exemplos anteriores. A autora defende que na piada há

um antecedente que introduz a narrativa e um consequente que nela surge com

uma conclusão inesperada.

Conceito semelhante à categorização clássica da stand up comedy,

apresentada pela humorista americana Judy Carter116, do setup e punchline.

Segundo ela, o setup apresenta a premissa da piada e fornece as informações

básicas. Já o punchline, o soco, é a linha do riso e leva o público a uma direção

surpreendente por meio de um elemento surpresa. Para Carter, esta estrutura

possui uma curta duração, assim como afirma Gil117. Para a autora americana, o

setup encaminha a piada para vários caminhos, inclusive o punchline.

Independentemente das definições, temos como pressuposto teórico que

qualquer piada é um texto de humor que para provocar o riso se utiliza da

transferência de uma narrativa dita “séria” para outra não “séria”.

De Bakhtin até os estudos atuais, a análise dos gêneros vem sendo

ampliada não de forma a esgotar o assunto, mas com o intuito de oferecer

diversas perspectivas que podem ser ajustadas às distintas finalidades. Por meio

do trabalho do teórico Maingueneau118, Ramos119 destacou que o rótulo piada

tem o seu funcionamento como um hipergênero120, conceito do pesquisador

francês. Logo, entender a piada como desta forma é entender que ela pode ser

apresentada em uso das mais variadas linguagens, ou seja, nos exemplos (1), (2)

114

MAZZEO, Bruno. Cunha faz o que quer no país. Se rolasse um plebiscito e passasse a

monarquia, tava arriscado a virar Rei. Porque réu ele já é. 28 de Abril de 2016, 12h12.

https://twitter.com/bmazzeo/status/725704350077702145?lang=pt (Acesso em: 01mai2016) 115

Cf. GIL, 1991. 116

CARTER, 2010. 117

Tal como podemos observar em Freud, no seu conceito de brevidade na sua teoria sobre os

chistes. Cf. FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905). Obras

psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 8, 1996. 118

MAINGUENEAU, 2004. 119

Cf. RAMOS, 2007. 120

O temo hipergênero, postulado por Maingueneau (2004), se refere a um gênero que

compreende outros gêneros.

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e (3) pontuamos piadas com formas distintas, mas com o mesmo objetivo:

provocar o riso.

São várias as explicações para o riso. O argumento da incongruência é

uma das correntes teóricas tradicionais que explicam o efeito de humor,

juntamente com a teoria da superioridade e a do alívio, segundo Morreal121. A

teoria da superioridade entende que quando há no ser um sentimento de

superioridade que dobra o outro frente ao acontecimento, diálogo ou fato de nível

social, moral ou ético, é que ocorre o risível. A teoria do alívio enxerga que há

uma quebra de tensão no diálogo que provoca riso, uma repentina mudança da

cena. Já a da incongruência é quando há uma da “incongruência” durante a cena

ou interação que provoca o efeito de humor, ou seja, é incongruente a forma

como o interlocutor durante a narração da piada quebra a expectativa que vem

sendo gerada.

Nesta lógica, no início da década de 1990, tomada pela curiosidade sobre

o que provoca o riso (ou o “poder do riso”), Gil apresentou a tese de

doutoramento “A Linguagem da Surpresa: uma proposta para o estudo da

piada”122. O trabalho surgiu no intuito de situar-se no campo das Ciências da

Linguagem, apesar do forte diálogo com os estudos culturais do humor. O corpus

escolhido pela autora para análise foi constituído por 2215 piadas, todas da

coletânea “As anedotas do Pasquim”, dada a dificuldade, na época, de coleta de

material deste tipo. O material de pesquisa foi composto no seu total por piadas

enlatadas123.

A autora postulou que a Linguística Tradicional – a da palavra – pode

resolver jogos de palavras e trocadilhos, mas não todos os casos. Assim, foi

necessário no trabalho um apoio “extralinguístico”, que a autora buscou na

Pragmática, na Semântica e na Linguística de Texto (LT). A LT, em tese, surge

como um dos apoios teórico-metodológicos do trabalho, por meio do modelo de

121

Cf. MORREALL, 1983. 122

GIL, 1991. 123

Canned Joke, conceito de Fry Jr (1963): a piada enlatada, tradução de Gil (1991), é uma piada

já pronta, previamente preparada, memorizada para ser recontada nas ocasiões que as pessoas

desejarem; é uma piada de domínio público e de uso coletivo..

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análise de Beaugrande e Dressler124. Para a pesquisadora, os padrões de

textualidade descritos por estes autores garantiriam a sequência tópica deste tipo

de texto humorístico.

Postulou também que a piada, assim como o texto, não é um todo de

frases aleatórias, é coerente e lógica. Em uma sessão de sua tese, “A piada

como texto”, destacou as especificidades linguísticas deste gênero: “A piada é,

pois, uma unidade linguística concreta, dotada de propriedades que a relacionam

intimamente com o riso, em situação de comunicação de interação, com função

comunicativa definida” 125.

O estudo do texto apresentado por Beaugrande e Dressler126 forneceu à

pesquisadora direcionamento na pesquisa dos componentes deste tipo de texto

“peculiar”. Gil127 sublinhou que a piada, assim como o texto, tem o seu propósito

comunicativo e satisfaz padrões de textualidade. Assim, entendeu que a piada se

baseia nestes pressupostos.

Para a autora, na piada a coerência não funciona como nos demais textos.

Segundo Gil, a coerência é sui generis, se expressa por meio de uma estrutura

que se compõe de um antecedente e um consequente, intercedidos por um

elemento mediador, tal como Raskin128, em um trabalho anterior, propôs em uma

teoria formal sobre o humor verbal. No entanto, o autor apoiou-se na noção de

script.

Para Raskin129 o humor vem da alteração de um script bona-fide para

outro que não é bona-fide, ou seja, altera-se de uma forma comumente de

diálogo para outra que não é comum. O texto humorístico, segundo o autor, é

composto por scripts que não são compatíveis entre si. A mudança de um modo

para o outro seria feita, de maneira explícita ou não por meio de um gatilho. Esta

124

Beaugrande e Dressler (1983) postulam que o texto como unidade comunicativa obedece a

padrões de textualidades, que são: coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade,

situacionalidade, informatividade e intertextualidade. 125

GIL, 1991, p.125. 126

BEAUGRANDE E DRESSLER, op. cit. 127

GIL, 1991. 128

Cf. RASKIN, 1985. 129

Cf. RASKIN, op. cit.

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definição foi postulada na Teoria Geral do Humor Verbal e pode ser aplicada a

vários conteúdos humorísticos, como a piada ou mesmo a fórmula humorística.

O conceito de gatilho130 é semelhante ao conceito de elemento mediador,

postulado por Gil. Servem como uma mediação entre os scripts bona-fide e não

bona-fide ou entre antecedente e consequente: é uma comparação que Ramos

estabelece.131 Assim gatilho e elemento mediador se equivalem no objetivo de

auxiliar o “elemento surpresa”: o consequente ou o scripts não bona-fide.

Apesar da importância dos trabalhos de Raskin e Attardo aos estudos do

humor por um viés linguístico, em nosso trabalho utilizaremos as nomenclaturas

apresentadas pela professora Gil: antecedente, consequente e elemento

mediador, considerando a proximidade dos conceitos.

No capítulo aqui presente, indicaremos estes elementos apresentados por

Gil132 como fundamentais à piada e ilustraremos por meio de piadas para

podermos, então, aplicar em nosso capítulo de análise dos esquetes

humorísticos da Escolinha do Professor Raimundo.

Pronta e conversacional

Attardo133 diferenciou as piadas em dois tipos: piadas conversacionais e

prontas. Definiu a piada pronta como aquela que apresenta uma narrativa

tendencialmente curta, com final inesperado, e a piada conversacional como

aquela tem a origem no decorrer do processo de interação oral e se forma, na

maioria das vezes, a partir de um improviso. Podemos perfeitamente rotular uma

piada enlatada, conceito de Fly, como uma piada pronta segundo a definição do

Attardo.

130

Cf. RASKIN, 1985. 131

Cf. RAMOS, 2007. 132

Cf. GIL, 1991. 133

Cf. ATTARDO, 1994.

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Em trabalhos anteriores134, propomos um paralelo entre os conceitos de

piada conversacional e piada pronta com o que Bakhtin135 define em gêneros

primários e secundários. Segundo o teórico, para definir “o caráter genérico do

enunciado” há uma distinção entre gêneros primários e secundários: os primários

se dão como simples, e de vez em quando como componente de gêneros

secundários e muitas vezes são frutos de uma comunicação espontânea (uma

réplica comum), já os gêneros secundários são mais complexos, mais evoluídos,

como um romance, um discurso ideológico ou o teatro.

Assim, se para Attardo136, a piada conversacional tem a origem no decorrer

do processo de interação oral e se forma, na maioria das vezes, a partir de um

improviso podemos relacioná-la ao conceito de gênero primário. Já a piada

pronta, que é preparada para ser contada e possui uma estrutura mais complexa

pode ser correlacionada ao conceito de gênero secundário. Para ilustrar de

maneira mais clara, fizemos o seguinte quadro:

Quadro 3 - A piada e o gênero

A piada e o gênero

Piada pronta, segundo Attardo (1994), é aquela que apresenta uma narrativa tendencialmente curta, com final inesperado

Gênero secundário, segundo Bakhtin (2000, p. 281), “aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída”.

Piada conversacional, segundo Attardo (1994), tem a origem no decorrer do processo de interação oral e se forma, na maioria das vezes, a partir de um improviso.

Gêneros primários, segundo Bakhtin (2000), são frutos de uma réplica comum, ditos simples.

134

Cf. MELO ALVES, 2015. 135

Cf. BAKHTIN, 2000. 136

Cf. ATTARDO, op.cit.

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Se para Bakhtin137, o gênero primário pode compor um gênero secundário,

partimos do pressuposto que dentro de uma piada pronta pode haver piadas

conversacionais. Assim, propomos, agora, observar138, duas piadas semelhantes:

uma retirada do livro “Chico Anysio em Salão de Sinuca”, do humorista Chico

Anysio, e outra da publicação “Piadas Safadas”, uma coletânea de “piadas fortes

para adultos”. Ressaltamos que essas piadas não pertencem ao corpus estudado

por Gil139.

(1) O português conseguiu convencer a mulata e carregou-a para o hotel. Os dois já nus, na cama, a mulata disse que não queria trepar. - Como não queres? - Pô, cara, trepar não tá com nada. É por fora paca. A jogada legal é fazer um 69. - Do que estás a falar? - 69, cara. Eu deito pra cá, você deita pra lá, aí eu chupo o seu cipó numa boa e você passa a língua na minha loló, aqui, bem em ciminha, no grelinho, sacou? - Nunca soube disto, m’nina. - Mas o lance é este. Vem cá. Colocaram-se na posição, ela abocanhou o cipó do português e ele começou a passar a língua no loló dela. De repente ela deu um peido. Mas aquele peido de quem comeu urubu com ovos. O português levantou-se puto. - Chegou, pra mim. Os outros 68 tu vais dar na cara da tua mãe.

140

(2) Manoel veio ao Brasil e ficou sabendo de um tal de 69 e ficou curioso, pois disseram que era um tesão, coisa e tal. Como não tinha namorada, armou uma puta e levou pro motel. Foi logo pedindo: - Topaste fazer o tal de um 69? A puta topou na hora e lá estavam os dois na posição, quando, de repente (e sem querer) a puta solta um belo peido bem na cara do Gajo; que muito bravo, levanta de supetão e diz: - Oh raios! Pode parar, que não vou aguentar os outros 68...

141

Podemos afirmar que estes textos são piadas e adequam-se a formulação

de “linguagem da surpresa”, proposto por Gil142: estabelecem-se como pequenas

137

Cf. BAKHTIN, 2000. 138

A partir da nossa observação em Melo Alves (2015). 139

O corpus de Gil (1991) restringe-se às piadas do Pasquim. 140

FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca.

São Paulo: Landscape, 2004. 141

PIADAS SAFADAS. Brasil: s.d. 142

GIL, 1991.

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narrativas, dialogais, própria do gênero piada pronta143 (em termos de adequação

enunciativa), e possuem um antecedente e um consequente. O antecedente

prepara a piada e o consequente conclui com uma informação que estava

implícita no primeiro momento. Na piada (1), o consequente estabelece-se a

partir de “outros 68”. No exemplo (2), o consequente também está em “outros

68”.

Para Raskin144, o gatilho assenta-se em uma contradição ou em uma

ambiguidade. No caso das piadas acima, a surpresa leva ao consequente por

relação de ambiguidade ao antecedente. Assim, podemos concluir que a

semelhança de tais piadas está no mesmo elemento mediador, que media

“outros 68” com a ambiguidade presente na expressão “69”, juntamente o ato da

profissional do sexo ter soltado uma flatulência.

Gil145 acentua que a piada deve optar sempre pela economia de

informações para manter duas características fundamentais do gênero: o efeito

de surpresa causado pelo consequente e a brevidade. Para autora, duas

particularidades afetam o desenvolvimento deste tipo de texto humorístico:

a) Elementos textuais em termos de previsibilidade no antecedente. b) Abundância de formas linguísticas.

Ao consideramos as duas piadas acima a característica (a), pertinente a

previsibilidade da informação do consequente introduzida no antecedente, ou

143

Cf. Attardo, 1994. 144

Cf. RASKIN, 1985. 145

Como afirmamos, Gil (1991) atrela o seu estudo aos padrões de textualidade postulados por

Beaugrande e Dressler (1983). No tocante, a quantidade de informações em uma piada, estudo

que Raskin desenvolve a partir das máximas de Grice (1982), Gil opta pelo conceito de

informatividade. Para Gil, a piada, como o texto e unidade comunicativa obedece a este fator. A

informatividade, para a autora, se refere à quantidade de informação no texto. O princípio da

informatividade, com o qual se refere autora, está indicado ao que diz à seleção e quantidade de

informações de um determinado texto. Para a autora, este princípio sugere uma adequação do

texto para não desviar o foco da surpresa e prejudicar o desenvolvimento da piada. Neste sentido,

apesar de estar há mais de duas décadas de diferença desta nossa dissertação e o trabalho de

Raskin ser mais amplo quanto ao objeto (o humor verbal como um todo), o trabalho da

pesquisadora mereceu nossa atenção. A autora observa que a informatividade ocorre na piada

em níveis diferentes, como nos exemplos, e não há mudança de forma gradativa, mas de forma

súbita, mediada exatamente por um elemento mediador.

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seja, o punchline não é adiantado. As piadas no corpus de pesquisa apresentam

mecanismos específicos que são recorrentes: pares de pergunta e resposta que

garantem o traço de oralidade da piada146. Gil acrescenta que esse jogo de

pergunta e resposta não é somente elemento coesivo, mas funciona como

encadeador de sentido da piada.

As duas cumprem o protótipo da piada enlatada e não falham a

intencionalidade humorística. A informação de que o protagonista relacionou o

nome da posição sexual “69” a quantidade de flatulências que a outra

personagem produziria é omitida no antecedente. Assim, o consequente é mais

informativo do que o antecedente.

Sobre a abundância de formas linguísticas, pode-se haver uma discussão

maior. Observamos que em (1) há uma digressão maior por conta das descrições

do narrador e dos personagens em detrimento a (2). Um maior número de

informações novas justapostas a um estigma discursivo do protagonista, nos

quais “Manoel” e “português” evocam a burrice atribuída ao personagem.

Podemos dizer que o texto mais farto em informações novas exige um

maior esforço por parte do leitor/ouvinte147, assim, o traço de oralidade na

narrativa (1), presente em formas linguísticas como “aí eu chupo o seu cipó numa

boa e você passa a língua na minha loló, aqui, bem em ciminha, no grelinho”,

auxilia a preparação para o sentido humorístico da piada, prepara a

previsibilidade errônea da piada e desvia a atenção do leitor/ouvinte do texto, já

que se torna uma nova informação que prende a atenção e aumenta expectativa.

Mais do que isso, essas formas linguísticas causam também o riso, mas

como piadas conversacionais. Assim, já que para Bakhtin148, um gênero primário,

tal qual é a piada conversacional, pode compor um gênero secundário: na piada

(1), podemos observar que dentro de uma piada pronta149 podem ser observadas

146

Para Fávero, Andrade e Aquino (2012), as interações, na maioria das vezes, são marcadas

por pares adjacentes, como se apresentam no caso das piadas dos exemplos. 147

FÁVERO, 1985. 148

Cf. BAKHTIN, 2000. 149

Para Fry (1962), piadas como a narrativa (1) apresentam-se, na maioria das vezes, em forma

de diálogo.

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piadas conversacionais causando o risível na própria narratividade da piada

sem acionar antecipadamente o elemento mediador.

Personagens secundários

O foco do nosso trabalho é o escada, aquele personagem que auxilia o

seu interlocutor atingir o sentido inesperado na interação. Gil150 constatou, a partir

da análise do seu corpus, a presença de personagens primários e secundários. O

escada não deixa de ser um personagem secundário na piada. Afinal, quem põe

em ação, o desfecho inesperado da narrativa humorística, é o personagem

primário.

A autora se preocupou em analisar apenas a participação dos primários.

Não é difícil encontrar trabalhos que, assim como o da pesquisadora, se

preocupem, somente, com os protagonistas das piadas, afinal eles que acionam

o gatilho, conceito de Raskin, que Gil trata como o elemento mediador.

O anedotário popular nos mostra que para cada piada de Joãozinho,

muitas vezes, há uma Mariazinha ou uma professora. Para cada piada de

bêbado existirá outro bêbado ou alguém que se incomode com um ou com os

dois. Há sempre alguém para o papagaio perturbar. Isto posto, notamos a

importância de sondar a participação desses personagens, os secundários, na

construção do efeito humorístico nas piadas prontas.

Gil sublinha uma comparação da estrutura da piada pronta com a relação

lógica aristotélica. No entanto, diferentemente da proposição do silogismo que se

regula pela analogia, a piada pronta se orienta pelo princípio da surpresa. Como

citamos, esta descontinuidade é um recurso intencional para causar o riso no

leitor/ouvinte e é coerente.

O elemento mediador é um dos mecanismos linguísticos que garantem a

esta coerência na piada pronta, garantindo o sentido non sense da piada. O

consequente vai de encontro com o absurdo e o fruto da surpresa é “mediado”

150

GIL, 1991.

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por este recurso linguístico. Cientes da importância do elemento mediador para a

criação do risível, propomos, nesta seção, investigar a participação do escada na

construção deste mecanismo.

Face ao amplo compilado de piadas que Chico Anysio fez, dos seus 41

anos de shows, em “Chico Anysio em Salão de Sinuca”151, decidimos observar

essa obra que se constitui como um rico corpus humorístico. O livro é composto

por 146 piadas prontas, na quais se incluem narrativas de shows históricos, como

o espetáculo “Gostei mais do outro por razão justa, esse é o outro, aquele é

aquele” 152, de 1975, e a apresentação “As Anedotas do Pasquim”, na qual Chico

se apresentou ao lado de Ronald Golias, Zé Vasconcellos e Ziraldo, em 1980.

Em sua maior parte, as piadas formam um corpus comparável, isto é,

consistem-se, seguindo um padrão semelhante, sendo que em 122 delas nota-se

a presença de personagens secundários.

Deste total, após analisarmos as piadas que compõem esse conjunto,

observamos que, pelo menos, um personagem secundário é corresponsável pela

construção do efeito humorístico da piada. Este personagem secundário, que

auxilia o efeito humorístico, nomeamos escada.

Desta forma, propomos apresentar, aqui, um quadro para ilustrar as dez

primeiras piadas deste conjunto, indicando a participação do personagem

secundário na construção do efeito humorístico:

151

FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca.

São Paulo: Landscape, 2004. 152

CHICO Anysio Ao Vivo. Roteiro: Chico Anysio e Arnaud Rodrigues. S.i.: Phonodisc, 1975. LP,

son.

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Quadro 4 – Piadas retiradas do livro Chico Anysio em Salão de Sinuca153

Piada Escada

Dois caras conversavam, encostados ao balcão de um bar e o

assunto em pauta era o cipó do Perácio.

— Você já viu o cipó do Perácio?

— Nunca.

— Puta que pariu. Tem de ver. O cipó do Perácio é um vergalhão

"desse tamanho e dessa grossura". Um dia desses nós fomos

jogar uma pelada em São Gonçalo e, na hora de mudar de roupa

no vestiário, foi uma loucura. Sabe que, pra amarrar a chuteira,

alguém tem de amarrar pra ele? Porque se ele se abaixar, o cipó

encosta no chão. Uma cepa, meu chefe.

— O cipó do Perácio é foda. Taí a Dorinha, aquela puta do Saco

de São Francisco... puta antiga, de carreira, puta pra ninguém

botar defeito. Não segurou a barra. Quando o Perácio botou a

cabeça do cipó, ela gritou: "Tira, porque eu não estou preparada

pra esse diâmetro".

— Deve ser um senhor cipó, então...

Enquanto os dois conversavam, um negrão, numa das mesas do

botequim, tomava seu café com leite, molhando o pão e chupando.

O negrão acabou, pagou e, antes de sair, bateu nas costas do cara

que elogiava o cipó do Perácio e disse:

— Olha aí, gente fina: eu não conheço esse Perácio, não, mas

boto quinhentos merréis no meu cipozinho...

Neste caso, o escada é o

personagem que adjetivou o

“cipó do Perácio” de forma

hiperbólica.

O elemento mediador está

na oposição da hipérbole

referente ao “cipó do

Perácio”, introduzida pelos

personagens secundários, os

dois caras, com a

hipossemia presente em

“meu cipozinho”.

153

FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca.

São Paulo: Landscape, 2004.

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A mulher vivia reclamando que não encontrava homem que a

satisfizesse, que todos os homens tinham cipós ridículos e

mínimos.

Isso chegou ao conhecimento do Cristiano, um mulato famoso não

pela grossura, mas pelo tamanho do seu cipó que, além de possuir

uma boa envergadura, tinha um tamanho descomunal, a ponto de

Cristiano guardá-lo preso à meia.

— E aqui que trabalha uma puta por nome Bebê?

— Sou eu. Eu sou a Bebê.

— Muito prazer. Eu sou o Cristiano e fiquei sabendo que você

ainda não encontrou um homem que...

— Não há mais homens no mundo. Sabe há quanto tempo eu não

gozo? Não gozei nunca.

— Justamente. Estou aqui pra trazer o gozo pra sua pessoa.

Vamos tentar? Bebê aceitou, foram para o quarto, ela tirou a

roupa, Cristiano também, desenrolou seu cipó, que ele trazia

enrolado pela perna até ficar a cabecinha presa na meia, tocou

uma ligeira punheta para ele ficar duro, Bebê abriu as perninhas e

Cristiano mandou cipó para a casa da loló.

No que entrou a metade, Cristiano perguntou:

— Tá bom?

Disse Bebê:

— Dá uma rezinha...

Apesar de Cristiano ser o

protagonista da narrativa, o

responsável pelo desfecho

da piada foi Bebê.

Cristiano foi o escada de

Bebê ao realizar a

penetração na personagem e

introduzir uma pergunta

esperando uma avaliação

positiva do seu desempenho.

O elemento mediador está

na oposição da expectativa

positiva que Cristiano

esperava ter com sua

pergunta em relação ao seu

órgão sexual com a resposta

de Bebê.

Duas mocinhas, deitadas na praia de Ipanema, queimando a

bundinha, falavam sobre Marcelo, conhecido comedor do bairro e

a quem, na véspera, Carolina havia dado o que agora queimava.

— Comeu tua bundinha?

— Claro. Acho que aqui em Ipanema, só eu ainda não tinha dado o

cu ao Marcelo. Sabe que eu já estava ficando complexada? Mas

ontem eu dei.

— Você agora me deixou com complexo, porque eu nunca dei pra

ele.

— Mentira!

— Juro.

— Então dá logo, Sandrinha.

— E que tal o cipó dele?

— Menina, parece um cano de descarga.

— Grande assim?

— Não; sujo.

A amiga não participou,

diretamente, do elemento

mediador, mas o efeito de

surpresa causado pela

ambiguidade presente na

adjetivação “cano de

descarga”.

O papel da amiga foi

direcionar erroneamente a

leitura da piada, desviando a

atenção do leitor.

Podemos dizer que a amiga

foi a escada da piada.

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O cara botou sua roupa melhor e foi à casa do delegado, com os

pais da namorada, para a formalização do pedido de casamento.

— Dr. Sarmento, eu tenho a honra de pedir a mão de sua filha Inês

em casamento, o que é do desejo de meu filho Alberico.

— Esteja certo, Dr. Romualdo, de que é uma grande honra para

mim ver a filha de um simples advogado, casar com seu filho.

Depois dos cumprimentos e dos comes e bebes, o delegado, Dr.

Sarmento, chamou o Alberico, o noivo, para um canto e lhe disse,

bem baixinho:

— Vou lhe dizer uma coisa, Alberico... se a Inês tiver saído à mãe,

você está levando a melhor bunda de Pindomonhangaba.

Os personagens secundários

não contribuíram diretamente

para construção do efeito

humorístico da piada.

Alberico é apenas o

interlocutor de Dr. Sarmento.

Não há um escada na piada.

Os dois momentos do

elemento mediador estão no

próprio comentário de Dr.

Sarmento, assim, o efeito

humorístico é causado pela

ambiguidade presente em

“tiver saído à mãe” com “a

melhor bunda de

Pindomonhangaba”,

comentário de Dr. Sarmento.

Carolina, transpirando muito, chegou para o pai e disse, aflita e

cheia de medo, sistema nervoso visivelmente abaladíssimo:

— Papai, eu não quero mais me casar com o Gregório, não.

— E por que, minha filha? Gregório é um bom rapaz.

— Eu sei, mas ele foi urinar no jardim, naquela noite da festa da

Cremilda e eu vi o cipó dele.

— Ora, minha filha, isto é comum, não é motivo para cancelar o

casamento.

— Comum? O senhor fala isso porque nunca viu o cipó dele.

Papai, é uma coisa descomunal. Eu nem sabia que existia cipó

daquele tamanho.

— Tão grande assim, minha filha?

— Pra urinar, ele tem de segurar com as duas mãos, porque se ele

segurar com uma mão só, o cipó enverga e ele mija no pé. Um

cipó daqueles devia ter carteira de identidade, C.P.F...

— Deixe este caso comigo que eu resolvo. À noite, quando o

Gregório chegou à casa do Dr. Linhares para noivar (ele e Carolina

ficavam sempre na sala, com D. Luzia tomando conta) o Dr.

Linhares mandou que todos se retirassem da sala. E disse a razão

do pedido.

— Preciso ter uma conversa em particular com o Gregório. Saiam

todas duas, par favor. Você e sua mãe.

Elas saíram. D. Luzia sem nem ter idéia da razão daquele pedido,

mas Carolina sabendo que o pai iria ao ponto. Então, após as duas

Gregório, D. Luzia e Carolina

são personagens

secundários.

Os personagens secundários

não contribuíram diretamente

para construção do efeito

humorístico da piada.

O efeito humorístico é

causado pelo comentário

chistoso feito por Dr.

Linhares.

Não observamos a presença

de escadas na piada.

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deixarem a sala, dr. Linhares disse ao Gregório:

— Gregório, mostra o cipó aí.

— Que é isso, Dr. Linhares? Eu fico até envergonhado.

— Que envergonhado, porra nenhuma, abre a braguilha e mostra

o cipó, cara.

— Outro dia, Dr. Linhares, por favor. Eu estou até sem jeito.

— Mostra logo a porra desse cipó, Gregório. Fica aí fazendo cu

doce por causa da merda de um cipó.

Gregório, então, muito sem jeito, abriu a braguilha e depositou

sobre a mesa, pra não ficar segurando aquele peso, um cipó que

era praticamente uma pessoa. Dr. Linhares deu um assobio de

espanto, aproximou-se do cipó do Gregório, deu uma longa

examinada em todo aquele monumental cipó e, após observar

detalhadamente a obra de arte à sua frente depositada, disse:

— Gregório, você sabe que só essa veiazinha aqui já é um cipó

bem interessante?

Os dois velhinhos, Justiniano com 91 anos e Terezinha de Jesus

com 87, encheram-se de coragem e foram ao motel.

— Quero ir num que tenha piscina e aquela banheira que veado

adora... — disse a velhinha, Terezinha de Jesus que, naquela

noite, estava mais para Terezinha de Satã, por ter a cabeça cheia

de idéias.

— Vou levar você no melhor.

— Como é que você sabe que é o melhor?

— Meu neto me disse.

Entraram no motel, a velhinha ficou um tempinho na piscina, tomou

banho naquela banheira que faz massagem, deitou na cama e

cotucou o velhinho, porque Justiniano, devido à demora dela, já

tinha pegado no sono e começava a roncar.

— Acorda, Justiniano. A gente veio aqui não foi pra dormir, não.

Vamos ao trabalho...

Seu Justiniano levantou — claro que ajudado por D. Terezinha —,

passou uma água no rosto, tirou a calça do pijama, e deitou,

nuzinho ao lado da velhinha que já estava esperando. Aí

Justiniano deitou em cima dela, acertou o cipó na loló, foi fazendo

força e empurrando... aí perguntou à velhinha:

— Já entrou tudo?

A velhinha respondeu com voz de grande, de avassaladora, de

enorme tesão.

— Entrou quase tudo, meu amor. Só falta a cabeça.

Justiniano é o escada.

Justiniano foi o escada de

Terezinha de Jesus ao

introduzir uma pergunta.

O elemento mediador está

na oposição de “entrou tudo”

com “Só falta a cabeça”.

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Ivanildo saiu da festa na companhia de um amigo e aí lhe deu uma

enorme vontade de mijar.

— Mija aí no jardim, Ivanildo. Que que tem?

— Alguém pode ver.

— Que ver? Ninguém vai ver nada. Pode mijar numa boa. Eu fico

tomando conta, enquanto você mija.

Ivanildo então, incentivado e protegido pelo amigo, põe o cipó pra

fora e começa a mijar. De repente o amigo grita:

— Vem gente. Disfarça.

E Ivanildo, pra disfarçar, começa a tocar uma punheta.

O elemento mediador está

na oposição da expectativa

do amigo ao pedir para o

amigo disfarçar com o ato de

Cristiano se masturbar.

O amigo de Ivanildo é o

escada da piada.

Perácio começou a notar uma verruga na testa, bem no meio da

testa, aqui assim, entre os olhos. Aos poucos, percebeu que a

cada dia, a verruga crescia um pouco. Perácio procurou um

médico.

— E essa verruga aqui, doutor. O médico examinou a verruga

detalhada e calmamente e lhe disse, ao final da consulta: — Sabe

o que o senhor tem de fazer? Ler. Ler muito, sem parar. Leia o

máximo possível.

Perácio não acreditou naquilo e procurou outro médico.

— É essa verruga aqui, doutor.

O médico, indicado a Perácio, pela Faustão, examinou, tocou, e,

ao final, disse:

— O senhor só tem uma coisa a fazer: ler. Mas leia tudo, muito,

leia o que for possível, o que suportar, leia pelo tempo que

agüentar.

Perácio foi a um terceiro médico.

— É essa verruga aqui, doutor. Já estive em dois médicos, eles

examinaram e me disseram para ler. Isso é uma estupidez. Não é

lendo que eu vou fazer essa verruga desaparecer.

O médico, indicado pelo Daniel Filho, cheio de competência e

muita categoria, examinou e disse:

— Eu entendo porque meus colegas mandaram o senhor ler. E

que isto aqui não é uma verruga, é um cipó que está nascendo aí.

O senhor tem de ler muito, pelo seguinte: quando nascerem os

colhões, o senhor não conseguirá mais ler porra nenhuma.

Apesar de ser o protagonista

da narrativa ser Perácio, o

responsável pelo desfecho

da piada foi o último médico

consultado.

Perácio foi o escada do

médico.

O elemento mediador está

na oposição da expectativa

positiva que Perácio

esperava ter com sua

pergunta em a resposta do

médico.

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Um caixeiro viajante — Plácido Martins, goiano, parou numa

cidade, fez as vendas que desejava, foi para o hotel, tomou um

banho, jantou e perguntou ao porteiro.

— E as putas? Onde é a casa das putas? Hoje eu quero ir às

primas, meu chefe. Onde é?

— É fácil. O senhor desce essa rua até o fim; no fim vira à direita e

onde achar uma casa com uma luz vermelha acesa, é lá.

Plácido Martins, goiano e caixeiro viajante, seguiu o trajeto

indicado, viu uma luz vermelha e entrou. Ele entrou, mas ali não

era a casa das putas, era uma residência onde se realizava um

velório e, atendendo a um pedido do morto, putanheiro antigo da

cidade, numa homenagem às primas, a sala estava iluminada por

aquela luz vermelha.

O caixeiro viajante entrou, sentou, ficou dando uma espiadinha...

A dona da casa, querendo saber quantos pastéis e bolinhos faria,

dirigiu-se ao caixeiro viajante e perguntou:

— O senhor vai dormir?

Plácido respondeu em cima:

— Não, senhora. Vou só dar uma trepadinha e vou embora.

O elemento mediador está

na ambiguidade presente na

pergunta da dona da casa

direcionou erroneamente a

resposta de Plácido Martins,

partindo da sua expectativa.

A dona de casa foi a escada

da piada.

Sabemos que o objetivo de toda piada é o riso e esta narrativa humorística

que envolve personagens secundários e primários busca a realização de uma

quebra de expectativa do leitor/ouvinte de modo brusco. A função do escada, na

piada, é auxiliar este efeito humorístico. Portanto, ao caracterizarmos o escada

nas piadas, consideramos a interação que se insere neste contexto e o modo que

se envolve com o personagem primário na piada, aquele que fará o desfecho da

piada. O papel do escada na piada, em sua materialidade linguística, a partir da

nossa observação, é o de inserir o primeiro momento do elemento mediador ou,

ao menos, desviar a atenção do leitor para leitura errônea.

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O negócio é que eu adoro ser escada. Quantas vezes eu vi uma piada funcionar dez vezes mais

do que eles próprios esperavam, só porque eu havia feito uma preparação beleza!

Chico Anysio 154

Capítulo 3 - O escada em análise

Já abordamos, nos capítulos anteriores, a Escolinha do Professor

Raimundo em relação ao seu contexto de produção e ao seu formato e, também,

observamos o escada na piada, em sua materialidade linguística. Agora, neste

capítulo, dedicado a análise do corpus em si, propomos situar nossos esforços ao

elencar os papéis do escada, a partir de elementos identificados nos capítulos

anteriores: como a fórmula humorística, a estrutura da piada e o próprio escada.

O formato do programa Escolinha do Professor Raimundo pode ser

classificado baseado no “diálogo socrático”, conceito que Machado155 analisa no

artigo “Pode-se falar em gêneros televisuais?”. Ou seja, reconhecemos que a

Escolinha baseia-se na conversação interpessoal entre professor e alunos

(escada e personagens cômicos), explorando situações de interlocução direta, tal

qual no “diálogo socrático”. O professor Raimundo assume um papel semelhante

ao do anchorman, o âncora, aquele que é o anfitrião permanente dentro do

formato telejornalístico.

Diferente do jornalismo, a Escolinha do Professor Raimundo é do âmbito

dramatúrgico e se desenvolve em uma cenografia de uma escola. Para

Maingueneau156, a noção de cenografia não se limita ao cenário no qual o

discurso se insere. Dessemelhantemente disso, este conceito refere-se ao

quadro no qual o discurso desenvolvido na interação se apoia, neste caso, uma

escola.

A cenografia é um fundamental indício no formato do programa,

principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento da interação, ou seja, tal

154

CHICO ANYSIO À BEIRA DO RISO (ENTREVISTA). Revista de cultura # 45, São Paulo, mai

2015. <http://www.jornaldepoesia.jor.br/ag45anysio.htm> 155

MACHADO, Arlindo. Pode-se falar em gêneros na televisão?. Revista Famecos, v. 1, n. 10,

2008. 156

Cf. MAINGUENEAU, 2001.

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como um professor em uma sala de aula tradicional se relaciona com os seus

alunos, o personagem interpretado por Chico Anysio interage com os outros

humoristas.

Ao pensarmos o escada da Escolinha pela ótica da interação, propomos

nossa pesquisa diante de uma sala de aula fora do seu objetivo tradicional. A

interação é marcada por um sistema tradicional de sabatina: na qual o professor,

o escada, mantém, prioritariamente, o turno conversacional. Galembeck define

que turno conversacional como “qualquer intervenção dos interlocutores

(participantes do diálogo), de qualquer extensão” 157.

Ao afirmarmos que o professor Raimundo em sua Escolinha possui,

prioritariamente, o turno conversacional, entendemos que, tal como um professor

que recapitula oralmente os conteúdos por meio de perguntas aos alunos, o

Raimundo Nonato é privilegiado nas trocas de turnos, exercendo certo

protagonismo no formato.

A relação que se encontra o escada e os humoristas sentados nas

carteiras da Escolinha foge de um objetivo, estritamente, educativo. Apesar de

Chico Anysio sempre ter louvado o caráter informativo do humorístico. Assim,

não acreditamos que as interações presentes no programa indiquem uma

situação artificial do uso da linguagem escolar, já que as relações entre os

personagens dentro do seu contexto é a prática do gênero esquete humorístico,

que é fundada por uma composição própria, como desenvolvemos no primeiro

capítulo.

Ressaltamos, ainda, a necessidade de distanciarmos do gênero aula. A fim

de que haja este distanciamento, reconheceremos o caráter humorístico do

corpus por meio de dois elementos: o escada, como interlocutor dos humoristas,

e a sua Escolinha, como contexto conversacional que permite, aos humoristas, a

prática da linguagem humorística e ambiente para o desenvolvimento das

fórmulas.

157

GALEMBECK, 2001, p. 60.

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Acreditamos que a opção por um capítulo que analise o escada diante da

conversação em que exerce o seu papel é essencial para os nossos objetivos.

Cientes das peculiaridades do nosso corpus, aportamos alguns conceitos do

nosso estudo em pressupostos da Análise da Conversação, AC, uma área que,

segundo Schegloff158

se preocupa com (entre outras coisas) a análise detalhada de como a fala-em-interação é conduzida como uma atividade por si só e como instrumento para o completo arranjo da prática e ação social, está então dirigido a um dos temas clássicos da sociologia, embora, certamente, de maneira distinta.

Desta forma, decidimos debruçar nesta teoria para nos guiarmos em nossa

transcrição. O texto oral da Escolinha se apresenta na prática do uso da língua

com características próprias da oralidade. A partir das especificidades em relação

ao seu meio que se realiza, o meio sonoro, fez-se necessário transcrever159 o

conjunto de esquetes para a análise. Com o propósito de padronizar a transcrição

das interações do nosso corpus, apoiamos este ato nas normas estabelecidas

pelo projeto NURC/SP160.

Levando em conta que o corpus deste trabalho é um texto oral,

Marcuschi161 nos mostra que é difícil fazer levantamentos sobre semelhanças e

diferenças entre fala e escrita sem considerar seu papel na interação. Segundo o

autor, a oralidade é “uma prática social interativa para fins comunicativos que se

apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade

sonora” 162.

Ao realizarmos as transcrições, não percebemos uma autonomia de fala

por parte dos humoristas sem que o escada ceda o direito de fala. Fato que

indicou uma ausência de sobreposições de falas163. Diferentemente do que pode

ser visto em diálogos convencionais ou como nos mostram as transcrições do

158

SCHEGLOFF, 1991, p.47. 159

PRETI, 1993. 160

O projeto NURC propõe documentar e estudar o português culto falado no Brasil. Para isto,

estabeleceu-se padrões para a transcrição do material obtido. Estas normas estão disponíveis,

em anexo, nesta dissertação. 161

MARCUSCHI, 2008. 162

MARCUSCHI, op. cit, p.25. 163

Entendemos como sobreposição de falas quando mais de uma pessoa fala por vez.

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Projeto NURC/SP, a comunicação que é encontrada entre o professor e os seus

alunos, na Escolinha do Professor Raimundo, se dá em uma alternância de

turnos tal como pode ser encontrada em piadas enlatadas, na qual os

personagens procuram manter o diálogo na busca do seu objetivo em comum, o

riso.

O texto oral que analisaremos nestes esquetes constrói-se por meio de

diálogos entre personagens, professor Raimundo e seus alunos. Estabelecemos,

nesta pesquisa, os termos diálogos e interações como sinônimos. Tais interações

complementam-se com o contexto. Koch afirma que “o sentido não está no texto,

mas se constrói dentro dele, no curso de uma interação”164. Insere-se neste

contexto, a fórmula humorística, a cadeia de estratégias humorísticas em que os

personagens vão desenvolver a sua prática risível.

Consideramos, ainda, o contexto televisivo em que se encontram os

enunciados do nosso corpus: além de serem compartilhados pelos participantes

da interação, os diálogos são compartidos com os telespectadores. E o caráter

humorístico da Escolinha influencia para que as interações sejam risíveis à

audiência.

Sabemos que a relação entre os participantes na conversação a partir do

uso da linguagem necessitaria de um amplo estudo para dar conta de todos os

atributos que lhe são pertinentes, de questões relacionadas à cortesia verbal aos

elementos que caracterizam a conversação. Por isso, definimos que a nossa

análise limitar-se-á nas seguintes etapas:

1) Transcrição da interação por meio das normas do projeto NURC/SP165

.

2) Contextualização dos personagens que atuam na interação.

3) Identificação das piadas prontas e conversacionais da interação.

4) Demonstração da forma que o professor Raimundo atua como o escada na interação.

5) Demonstração de como esse conjunto de dados configura a fórmula humorística do personagem.

164

KOCH, 2008. 165

Estas normas estão disponíveis, em anexo, nesta dissertação.

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Para isso, como vimos afirmando, utilizaremos o humorístico Escolinha do

Professor Raimundo. Liderado por Chico Anysio, a Escolinha foi exibida pela TV

Globo entre as décadas de 1970 e o início deste século. Nesta pesquisa,

optamos pelos programas transmitidos em 1990, ano em que o formato se

transformou de quadro em programa autônomo do canal. Alguns episódios das

primeiras aulas desta turma foram compilados e comercializados pela Globo

Marcas em DVD,166 em 2008. A sala era composta por 20 alunos. Limitamos o

nosso corpus aos oito personagens com esquetes mais recorrentes.167 Estes são

de:

O personagem de Brandão Filho, o ligeiro Seu Sandoval Quaresma.

Seu Bertoldo Brecha, personagem vivido por Mário Tumpinumbá: o personagem mais conhecido do humorista.

O judeu Samuel Blaustein interpretado pelo humorista e ator Marcos Plonka com alguns bordões conhecidos como “Fazemos qualquer negócio”.

A inocente Dona Cândida interpretada pela atriz e comediante Stella Freitas.

O embromador e puxa-saco Seu Ademar Vigário, interpretado por Lúcio Mauro.

O ingênuo Seu Eustáquio, interpretado por Grande Otelo.

O caipira Joselino Barbacena, interpretado por Antonio Carlos Pires.

Seu Baltazar da Rocha, personagem do ator e humorista Walter D’Ávila.

Desta forma, propomos estudar, neste capítulo, a prática do papel do

escada, professor Raimundo, analisando o processo interacional ocorrido entre

os participantes dos esquetes humorísticos, os personagens listados, por meio

das fórmulas humorísticas e a presença de piadas.

166

Aula 1 In: ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO: Turma de 1990. PAULA, Cininha de.

Globo Comunicação e Participações S/A. Brasil: 2008. Manaus/AM: Tecnologia Digital da

Amazônia LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido. 167

Para ilustrar este capítulo, optamos por screenshots do corpus, ou seja, registramos imagens

reproduzidas neste conteúdo televisual. Cf. Aula 1 In: Escolinha do Professor Raimundo:

Turma de 1990. PAULA, Cininha de. Globo Comunicação e Participações S/A. Brasil: 2008.

Manaus/AM: Tecnologia Digital da Amazônia LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido.

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3.1. Seu Sandoval Quaresma

O primeiro esquete humorístico, para a análise, é do personagem de

Brandão Filho. Com a sua fórmula humorística bem delimitada, Seu Sandoval

Quaresma começava a responder com exatidão à sabatina do professor, mas na

última pergunta, como dizia com frequência, “se estrepava”.

Figura 10 Seu Sandoval Quaresma (Brandão Filho).

O eterno Primo Pobre, Brandão Filho é um dos pilares do humor

tipicamente brasileiro, atuou em programas como o Balança, mas não cai, Viva o

Gordo e Chico Total e popularizou bordões, como o “você é ótimo” e "mata o

velho, mata".

No diálogo que analisaremos, a piada se desenvolverá sobre a parábola

bíblica do Filho Pródigo168. Na história, narrada por Jesus, um filho exige a parte

168

BÍBLIA. N.T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada – Edição Pastoral. Tradução de José Luiz

Gonzaga do Prado. São Paulo: Paulus, 1990, p. 1376.

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que lhe cabe na herança do pai e sai de casa. Esgotado todo dinheiro, decai-se e

volta para o seu lar. O pai, ao revê-lo, abraça-o e comemora a volta do filho que

acreditava estar morto.

Os participantes da interação são o professor Raimundo (RAIMUNDO) e o

aluno Sandoval Quaresma (SANDOVAL).

DIÁLOGO 1

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO

Sandoval Quaresma (Brandão Filho)- SANDOVAL

RAIMUNDO SEU Sandoval Quaresma...

SANDOVAL FAla... tá na ponta da língua (professor)...

RAIMUNDO de onde vem a expressão “o bom filho a casa torna”?

SANDOVAL ah bom isso é da Bíblia...

RAIMUNDO da Bíblia...

SANDOVAL daquela parábola... filho pródigo... certo?

RAIMUNDO sim... mas como é essa parábola?

SANDOVAL tinha um sujeito que tinha dois filhos...

RAIMUNDO uhn...

SANDOVAL aí o filho mais novo saiu de casa... aí o pai

coitadinho ficou triste porque o filho foi embora... mas

esperando ele voltar... ele pegou um porco começou a

engordar o porco pra assar no dia que o filho voltasse...

RAIMUNDO muito bem muito bem muito bem... mas e o filho

pródigo? volTOU?

SANDOVAL voltou... CLAro... o filho voltou e foi aquela

festa aquela alegria () mas na hora que ele chegou -- o

filho -- o porco foi e fugiu... aí foi aquela situação - -

“vamos esperar o porco?” - - aí esperaram... daí uma semana

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PAH... o porco bateu lá... aí foi aquela farra... pra

comemorar a volta do porco... eles assaram o filho

pródigo...

RAIMUNDO eu vou ser pródigo em zeros... pro senhor.

SANDOVAL pô mas eu tava indo tão bem...

É perceptível no esquete transcrito uma piada pronta, presente na

alteração do antecedente para o consequente, ocorrida de maneira gradual. Esta

mudança acontece na narração da parábola bíblica pelo personagem de Brandão

Filho. Ela é parafraseada, no primeiro momento, tal como é conhecida (“tinha um

sujeito que tinha dois filhos” até o “filho voltou e foi aquela festa aquela alegria”).

No entanto, Sandoval Quaresma insere o recurso da paródia, no consequente,

retomando a própria história como referente. Para Charaudeau169:

a paródia faz coexistir os dois textos que se alimentam mutuamente: o texto original permanece uma referência, o texto paródico encontra nele seu fundamento, até quando o novo texto, pela imitação-transformação, coloca em questão, ou até mesmo ridiculariza, o original.

Desta forma, o elemento mediador se encontra na intersecção desses dois

momentos. O professor, como o escada da interação, não contribuiu diretamente

para a construção do efeito humorístico do elemento desta piada pronta, no

entanto, atuou dando o turno de fala ao aluno e interrogando-o intencionalmente

sobre o assunto.

Além da piada pronta, verifica-se a presença de piadas conversacionais:

na forma de narrar de Sandoval e no comentário chistoso de Raimundo (“eu vou

ser pródigo em zeros pro senhor”), conferindo a nossa afirmação, no segundo

capítulo, de que a piada conversacional pode compor uma piada pronta.

No que diz respeito ao padrão da fórmula humorística do personagem, o

escada, além de conduzir o diálogo a fim de que seja cumprida o objetivo

169

CHARAUDEAU, 2006.

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humorístico da fórmula, permite que o aluno insira os seus bordões na interação:

“fala... tá na ponta da língua” e “pô, mas eu tava indo tão bem!”.

3.2. Bertoldo Brecha

O segundo esquete é do professor com o aluno Bertoldo Brecha – nome

criado em referência ao dramaturgo e encenador alemão Bertolt Brecht –

interpretado pelo falecido ator, redator e humorista Mario Tupinumbá. É uma

releitura do Deputado Baiano, personagem mais famoso do artista, que

imortalizou os bordões: ''Venha!'' – resposta quando alguém o chamava – e o

''Camarão é a mãe”.

Figura 11 – Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá).

A pergunta do professor no diálogo refere-se à divisão da anatomia

humana. Tradicionalmente, o corpo humano é dividido em três partes: cabeça,

tronco e membros. Os participantes desta interação são o professor Raimundo

(PROFESSOR) e o próprio Bertoldo Brecha (BERTOLDO).

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DIÁLOGO 2

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO

Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá)- BERTOLDO

RAIMUNDO seu Bertoldo Brecha...

BERTOLDO ve:::NHA

RAIMUNDO em quantas partes se divide o corpo humano?

BERTOLDO homem seu menino... me diga uma coisa... esse corpo

que vossa insolência tá se arreferindo... é de homem... ou é

de mulé?

RAIMUNDO eh... eh::: é de ho/de homem...

BERTOLDO ah então ingnoro... de corpo de homem quero é

distância... XÔ... XÔ... XÔ...

Podemos adotar o diálogo do esquete como uma piada pronta, aquela que

se estabelece como uma narrativa tendencialmente curta que tem um final

inesperado170. No que diz respeito à fórmula humorística, o esquete baseia-se

em uma representação cênica de uma piada pronta. O seguinte esquema

reproduz, de forma mais clara, a estrutura desta anedota no diálogo.

O professor pergunta ao aluno:

- Em quantas partes se divide o corpo humano?

- Esse corpo que vossa insolência tá se arreferindo, é de homem ou é de mulé?

- De homem.

- Ah então ingnoro, de corpo de homem quero é distância.

170

GIL, 1991.

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O escada, professor Raimundo, introduz uma pergunta e o aluno faz sua

inferência. Assim, a incongruência da resposta de Bertoldo Brecha adéqua-se

no esquete humorístico, destacando, o papel do escada na orientação da

fórmula humorística. Se, por acaso, o professor respondesse “de mulher”, não

haveria a piada e o esquete não cumpriria sua função humorística. Isto posto,

observamos uma corresponsabilidade do risível do esquete por parte do

escada.

3.3. Samuel Blaustein

O próximo esquete humorístico é de Samuel Blaustein, interpretado pelo

humorista e ator Marcos Plonka. O personagem é dono do bordão “Fazemos

qualquer negócio”. Além de Blaustein, Plonka teve uma extensa carreira na

televisão, tendo atuado em inúmeras telenovelas e filmes.

Samuel representa um estereótipo explorado frequentemente em piadas

enlatadas e do qual se tem um conhecimento compartilhado com o público: o de

os judeus só pensarem em lucros e de serem mesquinha171. De tal forma, a

fórmula humorística está na reprodução de piadas do anedotário popular.

A questão do professor refere-se à divisão do ano em doze meses.

Apoiado no tempo de plantio e colheita e no movimento da Lua, sabe-se que o

povo sumério, a cerca de 2 000 a.C., fez a divisão do ano em 12 partes iguais.

Os participantes deste esquete são o professor Raimundo (PROFESSOR) e o

próprio Samuel Blaustein (BLAUSTEI).

171

Leitura que encontra reforço em Possenti (2008).

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Figura 12 Samuel Blaustein (Marcos Plonka).

DIÁLOGO 3

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Samuel Blaustein (Marcos Plonka) - BLAUSTEI

RAIMUNDO seu Samuel Blaustein...

BLAUSTEI fazemos que qualquer negócia...

RAIMUNDO quem dividiu o ano... quem di-vi-diu o ano em doze

meses?

BLAUSTEI ah... esta e fácil... COM certeza... BSOluta...

foi uma patrício meu... que vendia a prestação...

RAIMUNDO zero...

BLAUSTEI melhor zero no nota do que prejuízo na bolsa...

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Verifica-se uma piada pronta. O escada participou diretamente na

construção dela. O elemento mediador está na oposição da expectativa positiva

que professor Raimundo esperava ter com sua pergunta em relação à resposta

de Samuel. Além desse momento, o escada direciona com o “zero”, em sua

avaliação, o bordão do aluno. Cumprindo, assim, a fórmula humorística do

esquete.

3.4. Dona Cândida

O esquete a ser analisado é da inocente aluna Dona Cândida,

interpretada pela atriz Stela Freitas. Durante anos na Escolinha do Professor

Raimundo, no que diz respeito à fórmula, o professor lhe chamava sempre fazia

um comentário dito simples, mas que pode ser entendido de maneira jocosa.

Logo, o professor fazia uma sequência de perguntas e a última se referia à

situação nacional.

Figura 13 Dona Cândida (Stela Freitas).

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Os participantes do esquete são o Professor Raimundo Nonato

(RAIMUNDO) e Dona Cândida (DCANDIDA). A pergunta do professor é sobre o

reino animal.

DIÁLOGO 4

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Dona Cândida (Stella Freitas) - DCANDIDA

RAIMUNDO Dona Cândida...

DCANDIDA Professor::... hoje eu vi um passarinho comendo

uma minhoca...

RAIMUNDO (muito bem)... no dia que a senhora... vir... uma

minhoca comendo um passarinho não deixe de me contar...

qual é a fera... a fera mais voraz que a senhora conhece...

da Índia?

DCANDIDA o tigre de bengala...

RAIMUNDO muito bem... da Itália?

DCANDIDA o buldogue italiano...

RAIMUNDO do Brasil?

DCANDIDA o leão do imposto de renda... ((chora

caracteristicamente))

Há duas piadas prontas. Na primeira, Dona Cândida exerce o papel de

escada de Raimundo. Ao introduzir o comentário “Professor, hoje eu vi um

passarinho comendo uma minhoca”, permite que o professor subverta o

comentário da aluna com o segundo momento do elemento mediador “minhoca

comendo o passarinho”.

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A segunda piada segue a Regra de Três, pautada por John Vorhaus172 e

utilizada por roteiristas de humor, na qual o antecedente é marcado por dois

enunciados que direcionam uma expectativa errônea que será quebrada no

consequente.

Antecedente 1° enunciado: Índia – Tigre de bengala. 2° enunciado: Itália – Buldogue italiano. Consequente 3° enunciado: Brasil - o leão do imposto de renda

O professor Raimundo atua como escada do esquete, introduzindo

intencionalmente, o primeiro momento do elemento mediador desta piada

pronta. Esse conjunto de dados configura a fórmula humorística da personagem

de Stela Freitas.

3.5. Aldemar Vigário

O esquete apresentado, a seguir, é do personagem interpretado pelo ator

e humorista Lucio Mauro: Ademar Vigário. O personagem paraense

rememorava histórias do vultoso passado do professor a fim de alcançar a nota

máxima.

Outro representante máximo do humor tipicamente brasileiro, Lúcio

Mauro integrou o elenco dos principais programas de humor da televisão

brasileiro, inclusive, o primeiro humorístico da Rede Globo: TV0-TV1.

O esquete se desenvolve a partir de uma pergunta sobre o cangaceiro

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Lampião foi o maior ícone do movimento

do cangaço brasileiro. Os participantes da cena são professor Raimundo

Nonato (RAIMUNDO) e Aldemar Vigário (ALDEMARVI).

172

VORHAUS, 1994.

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Figura 14 Aldemar Vigário (Lúcio Mauro)

DIÁLOGO 5

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Aldemar Vigário (Lúcio Mauro) - ALDEMARVI

RAIMUNDO seu Aldemar Vigário... me fale... sobre...

Virgulino... Lampião...

ALDEMARVI ((ri ironicamente)) prefiro falar do Zé Preá...

RAIMUNDO Zé Preá?

ALDEMARVI Zé Preá... muito mais valente do que Virgulino...

Virgulino foi o folclore... ficou em cima dele... tem

aquela coisa toda... era de fato um grande chefe... mas Zé

Preá era MAcho... Zé Preá era valente... e um dia eu estava

em Maranguape... ele ((em referência ao professor)) vai se

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(lembrar) disso... chegou um bilhete do Zé Preá pro povo de

Maranguape... “tamo indo praí pra fazer pipi na cabeça dos

macho de Maranguape” e POUN... ((chora))... olhe... as

lágrimas me vem aos olhos...

RAIMUNDO eu tô notando... as palavras não lhe vem a

cabeça... mas as lágrimas lhe vem aos olhos... tô notando...

mas vamo lá vamo lá...

ALDEMARVI as lágrimas me vem aos olhos de comoção... quando

esse bilhete chegou... a resposta que foi dada ao Zé

Preá...

RAIMUNDO ah... lembrou cabra safado...

ALDEMARVI eh... a resposta foi a seguinte... “antes que

você venha pra cá pra fazer pipi na cabeça da gente... eu

vou aí fazer cocô na cabe/na tua cabeça... assinado” ...

quem?... Raimundo Nonato... Raimundo Nonato meus amigos...

meus amigos me lembro como se fosse hoje... esse homem se

armou... saiu de casa SOZINHO... não queria ninguém atrás

dele... saiu sozinho e pegou dois revólveres... foram dois

revólveres?

RAIMUNDO e um canivetinho...

ALDEMARVI sim sim e um canivete-zinho... dois revólveres e

um canivete... aí ele partiu... pro esconderijo do Zé

Preá... quando chegou lá arrombou a porta logo com um

pontapé e TAH... e quando arrombou foi logo atirando...

derrubou dez TAH TAH TAH TAH... e aí responderam o tiro de

lá TEH TEH... e os bandidos tudo alvoroçados... atingiu

atingiram o Raimundo com um tiro... aí o Raimundo continuou

atirando... outro tiro nele...

RAIMUNDO ai ((como se recebesse um tiro))

ALDEMARVI aí continuou atirando... outro tiro nele e ele já

todo furado... mas a fibra dele não permitia... ele não

caia ele não se rendia não se rendia e aí... TAH TAH TAH

TAH... matou quarenta - - ele levou cinquenta e quatro

tiros... cinquenta e quatro tiros - -

RAIMUNDO passei dois meses sem poder beber água... eu bebia

e xiiii... vazava.

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ALDEMARVI eu me lembro disso Raimundo... eu cansei de tapar

teus buracos... se lembra disso?

RAIMUNDO lembro

ALDEMARVI matou cinquenta e quatro... não... levou cinquenta

e quatro tiros e matou quarenta bandidos...

RAIMUNDO e um... quarenta e um...

ALDEMARVI quarenta e um... sim... peraí é aí que está

quarenta e um... foi quarenta e um de fato... o último que

ficou cara a cara com ele foi o Zé Preá... que era o chefe

do bando... e ele pra desmoralizar... justamente o Zé

Preá... ele matou o Zé Preá no tapa... foi de direita ou

esquerda?

RAIMUNDO foi de canhota.

ALDEMARVI canhota... foi TAH e o Zé Preá caiu... fechou a

nota aí... ainda não né?

RAIMUNDO NADA que NOta?... vou lhe dar nota? não... eu... Zé

Preá?

ALDEMARVI Zé Preá...

RAIMUNDO cinquenta e quatro tiros?

ALDEMARVI cinquenta e quatro tiros...

RAIMUNDO eu levei cinquenta e quatro?

ALDEMARVI você levou cinquenta e quatro... matou quarenta à

bala...

RAIMUNDO eu matar quarenta passa... ter levado cinquenta e

quatro que é danado...

ALDEMARVI foi cinquenta e quatro... eu contei os furinhos...

cinqüenta e quatro tiros...

RAIMUNDO vai levar uma nota três...

ALDEMARVI não...

RAIMUNDO eh... porque foi demais...

ALDEMARVI eh... tá certo... eu até concordo... comovido

concordo... agora a morte do tapa merece três mais sete...

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RAIMUNDO vou lhe dar um sete... vou tirar aqueles três...

ALDEMARVI tira o três... bota o sete... Porque o tapa foi...

Percebe-se que não há uma estrutura de piada pronta no esquete, tal

como nos outros diálogos, em que há uma narrativa com quebra de expectativa

e um elemento mediador. O professor Raimundo pede ao aluno para

desenvolver uma fala sobre Lampião e tem como resposta uma narrativa

jocosa, em que sua “possível” história pessoal é incluída.

O escada é corresponsável pela narrativa desenvolvida por Aldemar.

Ressalta-se que Maranguape é a terra natal do humorista Chico Anysio. O

diálogo que o personagem Ademar Vigário constrói junto com personagem

Raimundo se dá por meio de piadas conversacionais, que se inseridas durante

a interação. O papel do escada está na coautoria do riso no diálogo com este

aluno. A fórmula humorística preenchida por essas piadas é cumprida pelos

dois participantes da interação.

3.6. Seu Eustáquio

O esquete do personagem de Grande Otelo, Seu Eustáquio, recebia

ajuda dos colegas de sala e alterava a resposta para dar o traço humorístico da

fórmula. Seu Eustáquio era dono do bordão “Aqui! Que Queres?”.

Um dos maiores atores do século XX, Grande Otelo foi presença

marcante em grandes obras no teatro, rádio, cinema e na televisão brasileira.

Seu Eustáquio, da Escolinha do Professor Raimundo, foi um dos últimos

trabalhos do ator.

A pergunta do professor refere-se à apartheid, uma política racial

implantada na África do Sul, que impôs uma segregação da aristocracia branca

sobre grupos pertencentes a outras etnias, em sua maioria, composta por

negros. Os participantes da interação são Raimundo Nonato (RAIMUNDO), Seu

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Eustáquio (EUSTÁQUI) e os outros alunos que, em voz baixa, sopram a

resposta.

Figura 15 Seu Eustáquio (Grande Otelo)

DIÁLOGO 6

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Seu Eustáquio (Grande Otelo) - EUSTÁQUI

RAIMUNDO Seu Eustáquio...

EUSTÁQUI aqüi... qüi queres?

RAIMUNDO a África do Sul... tem uma política...

profundamente desagradável... e damos o nome de Apartheid...

eu pergunto... o que está fazendo o governo daquele país?

OUTROS ALUNOS discriminando negro...

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RAIMUNDO ninguém sopra...

EUSTÁQUI Fernanda Montenegro... falhou?

Neste caso, o professor não participa diretamente como escada da piada

pronta que se estabelece, mas, sim, os colegas de sala, que inserem o primeiro

momento do elemento mediador, “discriminando negro”. O professor Raimundo

apenas permite que o aluno insira no esquete o bordão: “aqüi, qüi qüeres?”.

3.7. Joselino Barbacena

Antonio Carlos Pires, pai da atriz Gloria Pires, deu vida ao caipira

Joselino Barbacena, personagem do esquete a ser analisado agora. O quadro

humorístico do aluno possuía uma fórmula bem delimitada: tentava se esconder

de Raimundo, inutilmente, e a sua resposta se relacionava à sua experiência da

infância na cidade mineira Barbacena.

Além do personagem Joselino, Antônio Carlos atuou em diversos

humorísticos radiofônicos, inclusive na versão original da Escolinha do

Professor Raimundo, de Haroldo Barbosa. No cinema, fez diversas chanchadas

com Oscarito e Grande Otelo.

A pergunta do escada, interpretado por Chico Anysio, refere-se à “peste

negra”, designação pela qual ficou conhecida, durante a Idade Média, a trágica

pandemia, no continente europeu, de peste bubônica. Os participantes da

interação são professor Raimundo (RAIMUNDO) e Joselino Barbacena

(JOSELINO).

DIÁLOGO 7

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires) - JOSELINO

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RAIMUNDO seu Joselino Barbacena...

JOSELINO ah meu Jesus Cristinho... já me descobriu aqui

outra vez? será impossível, homem?

RAIMUNDO o que foi a peste negra?

JOSELINO bom... quando eu era criança pequena lá em

Barbacena... eu fiquei sabendo da peste mulata...

RAIMUNDO a pes... a peste mulata?

JOSELINO eh uai... uma mulatona que tinha um... peituda...

bunduda... que o pessoal dizia que era uma peste...

Figura 16 - Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires).

Raimundo foi o escada de Joselino nesta piada pronta. O primeiro

momento do elemento mediador está na pergunta do professor e em sua

expectativa. Este conjunto estabelece a fórmula humorística do personagem.

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3.8. Baltazar da Rocha

No próximo esquete, há uma interação do professor com o aluno Baltazar

da Rocha, interpretado pelo falecido ator e humorista Walter D’Ávila, um

personagem de pensamento lento, que não entendia os chistes que as situações

que contava empregavam e em sua fala aplicava pronomes de forma sui

generes.

Irmão de Ema D'Ávila, Walter D’Ávila integrou o elenco dos principais

humorísticos representantes do humor tipicamente brasileiro, como A Praça da

Alegria173, Balança Mas Não Cai e Viva o Gordo. Também atuou em novelas,

como Feijão Maravilha e Espelho Mágico.

Participam do esquete, professor Raimundo (RAIMUNDO) e Baltazar da

Rocha (BALTAZAR).

DIÁLOGO 8

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila) - BALTAZAR

RAIMUNDO seu Baltazar da Rocha!

BALTAZAR é eu...

RAIMUNDO tá preparado?

BALTAZAR dois minuto ()...

RAIMUNDO me dê um exemplo de um mineral...

BALTAZAR ah isso é fácil... rocha...

173

É Walter D’Ávila, o protagonista do icônico esquete do semianalfabeto leitor de livros da Praça

da Alegria: "Este livro é formidável! Eu gosto de livro assim: cheio de letras". Cf. GLOBOPLAY

(Comp.). Vale A Pena Rir de Novo: relembre Walter D´ávila na Praça da Alegria. Disponível

em: <https://globoplay.globo.com/v/2492105/>. Acesso em: 19 jul. 2016.

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RAIMUNDO eu não quero... cometer nenhuma desfeita... eu não

quero desfazer... do senhor... mas eu nunca imaginei que o

senhor fosse capaz de acertar o mineral (parabéns)... e como

foi que o senhor conseguiu acertar... seu Baltazar?

BALTAZAR é que se alembrei de um tio que tenho...

RAIMUNDO sim e daí?

BALTAZAR chama-se Rocha... mora em Minas... é mineral

Figura 17 - Baltazar da Rocha (Walter D’Ávila)

Ao observarmos este diálogo, ressaltamos a intencionalidade do professor

Raimundo Nonato para fazer com que o aluno Baltazar da Rocha não tenha uma

reflexão linguística e comunicativa ao responder, isto só é possível saber por

meio de um conhecimento prévio do professor ou do telespectador sobre as

interações anteriores com o mesmo interlocutor, Baltazar.

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93

O efeito humorístico é criado por meio do conceito da incongruência que

se apoia na quebra de uma ideia de uma situação ordenada, como ocorre

geralmente em uma interação aluno-professor simétrica174.

Sobre a questão de intencionalidade do escada, é relevante pensar na

estrutura dessa interação. O papel do professor nesta interação é criar o

elemento mediador para se criar o efeito humorístico. Assim, em uma análise

mais ampla, podemos ler esse esquete como uma grande piada pronta em sua

fórmula humorística, na qual há uma mudança brusca em relação aos itens

anteriores, que levaria ao desfecho humorístico.

174

Os turnos são simétricos, há certa alternância de turnos, o professor insere uma pergunta na

interação e o aluno responde.

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E as considerações, ó!

Durante a pesquisa, encontramos, em diversas entrevistas, uma

recorrência nas falas de Chico Anysio: dizia que um dos seus maiores méritos foi

a invenção de inúmeros tipos, tanto na televisão, quanto na literatura. Realmente,

o humorista desenvolveu, com seu talento, mais de duzentos personagens que

ilustravam, com sensibilidade, um panorama cultural, social e político brasileiro

do momento.

Sem dúvida, personagens175 como Azambuja, Alberto Roberto, Bozó,

Haroldo, Coalhada, Justo Veríssimo, Pantaleão e Nazareno marcaram presença

no imaginário nacional, a partir de programas do artista, como o Chico Total e

Chico City.

Em um esquete que encerrou um especial de final de ano do Chico Anysio

Show, na década de 80, os escadas das criações de Anysio se reuniram. Todos

eles se queixavam ao seu criador mais visibilidade no humorístico. Estavam

presentes personagens como o Alpamerindo (Jomba), o amigo do ranzinza Popó,

a Felinta (Tutu Guimarães), a emprega do pão-duro Gastão, e Sofia (Leila

Miranda), mulher do “machão” Nazareno. Anysio, então, a fim de sanar o

problema criado no esquete, disse aos escadas:

O que seria dos meus personagens se não fosse vocês? Vocês são o

contraponto, a melodia. O que adianta o Plácido Domingos se não tem a

orquestra? Vocês são os detalhes, as cordas, a percussão. Vocês são

merecedores dos maiores encômios. Gentileza! Meus muitos

obrigados.176

Chico Anysio criou um dos “contrapontos” mais representativos da história

do humor brasileiro: professor Raimundo Nonato. Nas carteiras da sala de aula

175

Cf. MAIOR, 2006. 176

CHICO Anysio Especial. Rio de Janeiro: Globo Marcas, 2007. DVD, son., color.

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do professor dedicado e mal pago, sentaram-se experientes representantes do

humor tipicamente brasileiro, categoria apresentada por Chico Anysio e

desenvolvida nesse trabalho.

A analogia proposta pelo humorista com o futebol nos permitiu

compreender as relações entre os personagens da Escolinha do Professor

Raimundo para a construção do risível. Do passe à estrutura do jogo. No tocante

à estrutura, percebemos que os esquetes humorísticos da Escolinha do Professor

Raimundo baseiam-se em fórmulas humorísticas.

Das fórmulas humorísticas, entendemos a dinâmica: estão inseridas nos

esquetes observados, a partir de uma construção no campo da intersubjetividade.

O professor, como escada, é responsável por orientar suas perguntas a partir de

um modelo que permite o aluno inserir a sua piada e o seu bordão.

Da mesma forma que um jogador, em um campo de futebol, recebe e

passa a bola, independentemente da trajetória que o seu companheiro de equipe

segue, o escada tem que controlar este texto-base, a fórmula humorística, e

efetuar o passe a fim de entregar o turno conversacional para o seu interlocutor

introduzir o consequente, quebrando a expectativa do telespectador e gerando o

efeito risível.

Na maioria das vezes, as interações, da Escolinha do Professor

Raimundo, se deram em um modelo pergunta-resposta-avaliação177, tal como a

de uma sabatina escolar exige. No entanto, o que orienta a estrutura da

conversação a ser desenvolvida no esquete humorístico é a fórmula que está

inserida nele.

Deste modo, conjunto cada esquete representou uma fórmula humorística

do personagem. Por exemplo, tentou se esconder do professor e quando

Raimundo lhe sabatinou, sua resposta se relacionou à experiência de infância,

em Barbacena. Mesmo em personagens cujas fórmulas baseavam-se em piadas

prontas, como o judeu Samuel Blaustein, o professor Raimundo, como escada,

177

KERBRAT-ORECCHIONI, 2006.

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assumiu o mesmo papel que um escada na piada, em sua materialidade

linguística, exerceria.

Assim como um meia do futebol, o escada procura sempre apoiar os seus

companheiros de equipe, os outros humoristas, colocando-se bem posicionado

para receber o turno, quando o recupera. E, quando possível, o professor insere

alguma piada conversacional a fim de potencializar o riso ao telespectador.

Característica marcante nos esquetes de Aldemar Vigário.

A opção do escada por este tipo de piada, a conversacional, em

detrimento a piada pronta, está na fórmula humorística. Este elemento, a fórmula,

exige que o escada deixe o seu parceiro de esquete finalizar humoristicamente.

Como dissemos, as fórmulas humorísticas são maleáveis, característica

que permite a movimentação dos participantes da interação. No entanto, os

papéis são delimitados nela como referência. Tanto escada como os outros

humoristas podem e devem construir o riso. E este feito é realizado por meio de

piadas conversacionais e prontas, no corpus.

Escada e humorista dirigem-se para o mesmo ponto: o riso. A fórmula

humorística indica os papeis de cada um. Desta forma, como nosso objetivo é

definir o papel do escada, no corpus analisado, observamos que: o papel

principal do escada é de coautor da interação que participa que permite que o

seu parceiro de cena desfeche de maneira risível a fórmula e o auxilia em

elementos humorísticos, como a piada.

Esta definição é resultado da análise de um corpus específico de um

esquete de um programa de humor tipicamente brasileiro, a Escolinha do

Professor Raimundo. Entendemos que serão necessários mais estudos na área

para entender como se comportam os escadas em outras narrativas televisuais,

com caráter humorístico, e como se dá esse comportamento levando em conta

recursos não-verbais do texto.

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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Uma introdução ao estudo do humor pela lingüística. DELTA - Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. , v.6, p.55 - 82, 1990.

UEFA. Xavi Hernández. Disponível em: <http://pt.uefa.com/teamsandplayers/players/player=35018/profile/.> Acesso em: 16 de nov. 2014

VAN DIJK, T. A. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. R. ILARI. São Paulo: Contexto, 2012.

VICTOR, Fábio. Seleção "sem cérebro' enfrenta EUA: Sem nenhum meia de criação entre os 18 convocados, time pré-olímpico de Luxemburgo improvisa em estréia. Folha de São Paulo. São Paulo, 7 abr. 1999. Esporte, p. 4.

VORHAUS, John. The comic toolbox: how to be funny even if you're not. Silman-James Press, 1994.

ZUIM, Victor Scanferlo Lima. Preferência em ser atacante: as influências sobre os jovens atletas que escolhem essa posição. RBFF- Revista Brasileira de Futsal e Futebol, v. 3, n. 9, 2012.

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Anexo I - Normas para transcrição de entrevistas gravadas

PRETI D. (org) O discurso oral culto 2ª. ed. São Paulo: Humanitas Publicações –

FFLCH/USP, 1999 – (Projetos Paralelos. V.2) 224p.

NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS GRAVADAS

Ocorrências Sinais Exemplificação*

Incompreensão de palavras ou segmentos

( ) do nível de renda... ( ) nível de renda nominal...

Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)

Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)

/ e comé/ e reinicia

Entoação enfática maiúscula porque as pessoas reTÊM moeda

Prolongamento de vogal e consoante (como s, r)

:: podendo aumentar para :::: ou mais

ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro

Silabação - por motivo tran-sa-ção

Interrogação ? eo Banco... Central... certo?

Qualquer pausa ... são três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção

Comentários descritivos do transcritor

((minúsculas)) ((tossiu))

Comentários que quebram a seqüência temática da exposição; desvio temático

-- -- ... a demanda de moeda -- vamos dar essa notação -- demanda de moeda por motivo

Superposição, simultaneidade de vozes

{ ligando as linhas A. na { casa da sua irmã B. sexta-feira? A. fizeram { lá... B. cozinharam lá?

Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo.

(...) (...) nós vimos que existem...

Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação

"" Pedro Lima... ah escreve na ocasião... "O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós"....

*Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP n. 338 EF e 331 D2.

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Anexo II - Transcrição do corpus

Transcrição do Corpus de Acordo com as Normas do Projeto NURC/SP (PRETI,

1999).

Corpus: Aula 1 In: ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO: Turma de

1990. PAULA, Cininha de. Globo Comunicação e Participações

S/A. Brasil: 2008. Manaus/AM: Tecnologia Digital da Amazônia

LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido.

Componentes:

RAIMUNDO - Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)

SANDOVAL - Sandoval Quaresma (Brandão Filho)

BERTOLDO - Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá)

BLAUSTEI - Samuel Blaustein (Marcos Plonka)

DCANDIDA – Dona Cândida (Stella Freitas)

ALDEMARVI - Aldemar Vigário (Lúcio Mauro)

EUSTÁQUI – Seu Eustáquio (Grande Otelo)

JOSELINO - Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires)

BALTAZAR - Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila)

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DIÁLOGO 1

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO

Sandoval Quaresma (Brandão Filho)- SANDOVAL

RAIMUNDO seu Sandoval Quaresma...

SANDOVAL fala... tá na ponta da língua (professor)...

RAIMUNDO de onde vem a expressão “o bom filho a casa torna”?

SANDOVAL ah bom isso é da Bíblia...

RAIMUNDO da Bíblia...

SANDOVAL daquela parábola... filho pródigo... certo?

RAIMUNDO sim... mas como é essa parábola?

SANDOVAL tinha um sujeito que tinha dois filhos...

RAIMUNDO uhn...

SANDOVAL aí o filho mais novo saiu de casa... aí o pai

coitadinho ficou triste porque o filho foi embora... mas esperando

ele voltar... ele pegou um porco começou a engordar o porco pra

assar no dia que o filho voltasse...

RAIMUNDO muito bem muito bem muito bem... mas e o filho pródigo?

volTOU?

SANDOVAL voltou... CLAro... o filho voltou e foi aquela festa

aquela alegria () mas na hora que ele chegou -- o filho -- o porco

foi e fugiu... aí foi aquela situação - - “vamos esperar o porco?”

- - aí esperaram... daí uma semana PAH... o porco bateu lá... aí

foi aquela farra... pra comemorar a volta do porco... eles assaram

o filho pródigo...

RAIMUNDO eu vou ser pródigo em zeros... pro senhor.

SANDOVAL pô mas eu tava indo tão bem...

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DIÁLOGO 2

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO

Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá)- BERTOLDO

RAIMUNDO seu Bertoldo Brecha...

BERTOLDO ve:::NHA

RAIMUNDO em quantas partes se divide o corpo humano?

BERTOLDO homem seu menino... me diga uma coisa... esse corpo que

vossa insolência tá se arreferindo... é de homem... ou é de mulé?

RAIMUNDO eh... eh::: é de ho/de homem...

BERTOLDO ah então ingnoro... de corpo de homem quero é

distância... XÔ... XÔ... XÔ...

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DIÁLOGO 3

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Samuel Blaustein (Marcos Plonka) - BLAUSTEI

RAIMUNDO seu Samuel Blaustein...

BLAUSTEI fazemos que qualquer negócia...

RAIMUNDO quem dividiu o ano... quem di-vi-diu o ano em doze meses?

BLAUSTEI ah... esta e fácil... COM certeza... BSOluta... foi uma

patrício meu... que vendia a prestação...

RAIMUNDO zero...

BLAUSTEI melhor zero no nota do que prejuízo na bolsa...

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DIÁLOGO 4

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Dona Cândida (Stella Freitas) - DCANDIDA

RAIMUNDO Dona Cândida...

DCANDIDA Professo::r... hoje eu vi um passarinho comendo uma

minhoca...

RAIMUNDO (muito bem)... no dia que a senhora... vir... uma

minhoca comendo um passarinho não deixe de me contar... qual é a

fera... a fera mais voraz que a senhora conhece... da Índia?

DCANDIDA o tigre de bengala...

RAIMUNDO muito bem... da Itália?

DCANDIDA o buldogue italiano...

RAIMUNDO do Brasil?

DCANDIDA o leão do imposto de renda... ((chora

caracteristicamente))

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DIÁLOGO 5

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Aldemar Vigário (Lúcio Mauro) - ALDEMARVI

RAIMUNDO seu Aldemar Vigário... me fale... sobre... Virgulino...

Lampião...

ALDEMARVI ((ri irônicamente)) prefiro falar do Zé Preá...

RAIMUNDO Zé Preá?

ALDEMARVI Zé Preá... muito mais valente do que Virgulino...

Virgulino foi o folclore... ficou em cima dele... tem aquela

coisa toda... era de fato um grande chefe... mas Zé Preá era

MAcho... Zé Preá era valente... e um dia eu estava em

Maranguape... ele ((em referência ao professor)) vai se (lembrar)

disso... chegou um bilhete do Zé Preá pro povo de Maranguape...

“tamo indo praí pra fazer pipi na cabeça dos macho de Maranguape”

e POUN... ((chora))... olhe... as lágrimas me vem aos olhos...

RAIMUNDO eu tô notando... as palavras não lhe vem a cabeça... mas

as lágrimas lhe vem aos olhos... tô notando... mas vamo lá vamo

lá...

ALDEMARVI as lágrimas me vem aos olhos de comoção... quando esse

bilhete chegou... a resposta que foi dada ao Zé Preá...

RAIMUNDO ah... lembrou cabra safado...

ALDEMARVI eh... a resposta foi a seguinte... “antes que você

venha pra cá pra fazer pipi na cabeça da gente... eu vou aí fazer

cocô na cabe/na tua cabeça... assinado” ... quem?... Raimundo

Nonato... Raimundo Nonato meus amigos... meus amigos me lembro

como se fosse hoje... esse homem se armou... saiu de casa

SOZINHO... não queria ninguém atrás dele... saiu sozinho e pegou

dois revólveres... foram dois revólveres?

RAIMUNDO e um canivetinho...

ALDEMARVI sim sim e um canivete-zinho... dois revólveres e um

canivete... aí ele partiu... pro esconderijo do Zé Preá...

quando chegou lá arrombou a porta logo com um pontapé e TAH... e

quando arrombou foi logo atirando... derrubou dez TAH TAH TAH

TAH... e aí responderam o tiro de lá TEH TEH... e os bandidos

tudo alvoroçados... atingiu atingiram o Raimundo com um tiro... aí

o Raimundo continuou atirando... outro tiro nele...

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RAIMUNDO ai ((como se recebesse um tiro))

ALDEMARVI aí continuou atirando... outro tiro nele e ele já todo

furado... mas a fibra dele não permitia... ele não caia ele não

se rendia não se rendia e aí... TAH TAH TAH TAH... matou quarenta

- - ele levou cinquenta e quatro tiros... cinquenta e quatro

tiros - -

RAIMUNDO passei dois meses sem poder beber água... eu bebia e

xiiii... vazava.

ALDEMARVI eu me lembro disso Raimundo... eu cansei de tapar teus

buracos... se lembra disso?

RAIMUNDO lembro

ALDEMARVI matou cinquenta e quatro... não... levou cinquenta e

quatro tiros e matou quarenta bandidos...

RAIMUNDO e um... quarenta e um...

ALDEMARVI quarenta e um... sim... peraí é aí que está quarenta e

um... foi quarenta e um de fato... o último que ficou cara a cara

com ele foi o Zé Preá... que era o chefe do bando... e ele pra

desmoralizar... justamente o Zé Preá... ele matou o Zé Preá no

tapa... foi de direita ou esquerda?

RAIMUNDO foi de canhota.

ALDEMARVI canhota... foi TAH e o Zé Preá caiu... fechou a nota

aí... ainda não né?

RAIMUNDO NADA que NOta?... vou lhe dar nota? não... eu... Zé Preá?

ALDEMARVI Zé Preá...

RAIMUNDO cinquenta e quatro tiros?

ALDEMARVI cinquenta e quatro tiros...

RAIMUNDO eu levei cinquenta e quatro?

ALDEMARVI você levou cinquenta e quatro... matou quarenta à

bala...

RAIMUNDO eu matar quarenta passa... ter levado cinquenta e quatro

que é danado...

ALDEMARVI foi cinquenta e quatro... eu contei os furinhos...

cinqüenta e quatro tiros...

RAIMUNDO vai levar uma nota três...

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ALDEMARVI não...

RAIMUNDO eh... porque foi demais...

ALDEMARVI eh... tá certo... eu até concordo... comovido

concordo... agora a morte do tapa merece três mais sete...

RAIMUNDO vou lhe dar um sete... vou tirar aqueles três...

ALDEMARVI tira o três... bota o sete... Porque o tapa foi...

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DIÁLOGO 6

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Seu Eustáquio (Grande Otelo) - EUSTÁQUI

RAIMUNDO Seu Eustáquio...

EUSTÁQUI aqüi... qüi queres?

RAIMUNDO a África do Sul... tem uma política... profundamente

desagradável... e damos o nome de Apartheid... eu pergunto... o

que está fazendo o governo daquele país?

OUTROS ALUNOS discriminando negro...

RAIMUNDO ninguém sopra...

EUSTÁQUI Fernanda Montenegro... falhou?

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DIÁLOGO 7

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires) - JOSELINO

RAIMUNDO seu Joselino Barbacena...

JOSELINO ah meu Jesus Cristinho... já me descobriu aqui outra vez?

será impossível, homem?

RAIMUNDO o que foi a peste negra?

JOSELINO bom... quando eu era criança pequena lá em Barbacena...

eu fiquei sabendo da peste mulata...

RAIMUNDO a pes... a peste mulata?

JOSELINO eh uai... uma mulatona que tinha um... peituda...

bunduda... que o pessoal dizia que era uma peste...

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DIÁLOGO 8

Componentes:

Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO

Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila) - BALTAZAR

RAIMUNDO seu Baltazar da Rocha!

BALTAZAR é eu...

RAIMUNDO tá preparado?

BALTAZAR dois minuto ()...

RAIMUNDO me dê um exemplo de um mineral...

BALTAZAR ah isso é fácil... rocha...

RAIMUNDO eu não quero... cometer nenhuma desfeita... eu não quero

desfazer... do senhor... mas eu nunca imaginei que o senhor fosse

capaz de acertar o mineral (parabéns)... e como foi que o senhor

conseguiu acertar... seu Baltazar?

BALTAZAR é que se alembrei de um tio que tenho...

RAIMUNDO sim e daí?

BALTAZAR chama-se Rocha... mora em Minas... é mineral