pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc … octavio rogens... · pontifÍcia...
TRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luis Octavio Rogens de Melo Alves
O MEIA DO HUMOR: o papel do escada em esquetes humorísticos.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luis Octavio Rogens de Melo Alves
O MEIA DO HUMOR: o papel do escada em esquetes humorísticos.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para Exame de Qualificação, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação do Prof. Doutor Dino Fioravante Preti.
SÃO PAULO
2016
Banca Examinadora
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
Aos meus pais Lidia e Lázaro, meus meias.
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), à Fundação São Paulo - PUC-SP e ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas bolsas concedidas.
Agradecimentos especiais
Uma das preciosidades do mundo acadêmico é que desenvolver uma
dissertação, sem dúvida uma das experiências mais trabalhosas e minuciosas
que confrontam qualquer mestrando, é tão difícil para mim quanto fazer um gol.
Na minha vida escolar, época em que eu era obrigado a fazer atividades
físicas, quando eu marcava um gol, era devido a um esforço coletivo dos meus
companheiros de equipe. Aquelas partidas podem ser relacionadas a esta
experiência que apresento neste trabalho. Esta dissertação tem a mesma aura (e
ansiedade) dos poucos gols que fiz.
Destaco que esta tarefa, a de apresentar uma pesquisa, só foi possível por
conta de passes, assistências, estímulos, encorajamentos, cooperações e apoios
de diversos níveis. Desta forma, nesta seção, reservo a oportunidade de
agradecer imensamente:
A Deus e a Nossa Senhora Aparecida.
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e aos seus professores, pelos
conhecimentos recebidos.
Ao Professor Doutor Dino Preti, a quem tenho colossal admiração e
respeito, por ter me acolhido como orientando e ter permitido a realização deste
trabalho.
À Professora Doutora Ana Rosa Dias, por todo apoio que dedicou durante
o processo de realização deste trabalho, pela amizade e pela imensa
disponibilidade ofertada.
Ao Professor Doutor Paulo Eduardo Ramos, pelos conhecimentos
compartilhados, desde a graduação, além da inconteste amizade e pelo exemplo
de profissionalismo e caráter.
À Professora Doutora Leonor Lopes Fávero e à Professora Doutora Ana
Cristina Carmelino, agradeço a participação como suplentes na banca
examinadora.
À Professora Doutora Maria Cristina Palma Mungioli, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, por ter me acolhido como
aluno especial na disciplina “Narrativas Televisuais e Identidades”.
Aos meus pais, Lidia e Lazáro, pelo constante apoio e paciência que
sempre tiveram comigo.
À minha querida irmã Vitória Aparecida, por todo o carinho e proteção que
me presenteia.
À Karina Menegaldo, pela sua amizade e por toda assistência durante a
feitura desta dissertação.
Aos meus amigos Pedro Assunção, Fábio Lima, César Beck, Bruno
Pongelupe e Anna Paula Cury, pela amizade e por terem estado comigo em
diversos momentos da elaboração desse trabalho: essencial.
In memoriam, ao mestre Chico Anysio pela obra e pela sua forma de
observar o mundo por meio da chave do humor.
Figura 1 - LAERTE. Piratas do Tietê. Folha de São Paulo. São Paulo, 8 jun. 2014. p. 11.
Resumo
O foco da dissertação é o escada, o ator que auxilia o seu parceiro de cena
atingir o sentido inesperado na interação: popularmente, reconhecido como o que
“não tem graça”. Parte-se do pressuposto que este elemento é fundamental na
construção do risível em esquetes humorísticos. A partir de uma concepção
sócio-cognitiva interacional de linguagem e fundamentada em estudos do gênero
piada, busca-se compreender a participação do personagem Raimundo Nonato,
interpretado por Chico Anysio, dentro do programa humorístico de televisão
Escolinha do Professor Raimundo, como um elemento constituinte da relação
interacional que se insere. Desta forma, com este trabalho, objetiva-se a
construção de um entendimento sobre o papel do escada dentro de um contexto
humorístico. Para tal objetivo, foram elencadas as recorrências de elementos que
caracterizam o personagem no formato que se insere, após estabelecer um breve
panorama da produção de esquetes humorísticos no país. Assim, foi proposta
uma revisão teórica da piada e do papel do personagem secundário neste
gênero. Para que de tal forma se pudesse investigar, na análise, o escada em
piadas da Escolinha do Professor Raimundo. Na análise em si, foi destacado o
caráter coordenado do corpus e a preponderância de elementos referentes à
fórmula humorística. A vista disto, foi demonstrada a natureza do escada, do
papel que lhe é pertinente, o de coautor do riso, e as relações que podem ser
estabelecidas entre os participantes nos esquetes da Escolinha.
Palavras-chave: Escada; Escolinha do Professor Raimundo; Piada.
Abstract
The dissertation focus is pointed to the support actor, who assists his scene
partner to reach the unexpected meaning of the situation: commonly known as the
“boring one”. It is taken for certain that this element is essential in the construction
of the funny aspect of skits. Based on the social-cognitive conception of the
interacting language and studies about the the joke genre, the participation of the
character Raimundo Nonato, played by Chico Anysio in humorous television
program Escolinha do Professor Raimundo, is put under the spotlight, as we seek
to understand his acting as an element of the interactional relationship in which it
takes place. Therefore, this dissertation aims the understanding of the supporting
actor’s role construction inside a humorous context. For this, the recurrence of
characteristic elements were listed in the format in which they are stated, after
establishing a short outlook of the national skits production. A role review was
proposed, as well as a review of the genre joke, inside the context of humour, so
that the supporting actor of Escolinha do Professor Raimundo could be
investigated. An analysis was made comparing the coordinated aspect of corpus
and the preponderance of elements related to the humoristic formula. In a
nutshell, the supporting actor nature was exposed, the nature of this pertinent
role, the nature of a co-author of laugh, and the relations that can be established
between him and the others participants of the skit Escolinha.
Keywords: Supporting Actor; Escolinha do Professor Raimundo; Skit Joke.
Sumário
Introdução ............................................................................................................... 13
Capítulo 1 – O escada tipicamente brasileiro .......................................................... 24
1.1. O humor televisivo ......................................................................................... 29
1.2. O esquete ...................................................................................................... 38
1.3. A fórmula humorística ................................................................................... 42
Capítulo 2 - O escada na piada ............................................................................... 49
2.1. A piada .......................................................................................................... 51
2.2. Pronta e conversacional ................................................................................ 56
2.3. Personagens secundários ............................................................................. 61
Capítulo 3 - O escada em análise ........................................................................... 69
3.1. Seu Sandoval Quaresma .............................................................................. 74
3.2. Bertoldo Brecha............................................................................................. 77
3.3. Samuel Blaustein .......................................................................................... 79
3.4. Dona Cândida ............................................................................................... 81
3.5. Aldemar Vigário ............................................................................................. 83
3.6. Seu Eustáquio ............................................................................................... 87
3.7. Joselino Barbacena ....................................................................................... 89
3.8. Baltazar da Rocha ......................................................................................... 91
E as considerações, ó! ............................................................................................ 94
Referências bibliográficas ....................................................................................... 97
Anexo I - Normas para transcrição ........................................................................ 107
Anexo II - Transcrição do corpus ........................................................................... 108
Ilustrações
Figura 1 – Piratas do Tietê | Laerte. .................................................................... 8
Figura 2 – Professor Raimundo | Chico Anysio. .................................................. 15
Figura 3 – O Primo Pobre e o Primo Rico (Balança Mas Não Cai) .................... 26
Figura 4 – A Velha Surda (A Praça é Nossa). ..................................................... 27
Figura 5 – A Escolinha do Professor Raimundo .................................................. 29
Figura 6 –Fernandinho e Ofélia (Balança Mas Não Cai) ..................................... 32
Figura 7 – Me tira o tubo! (Viva o Gordo). ........................................................... 39
Figura 8 – Rio 2025 (Porta dos Fundos) . ............................................................ 40
Figura 9 – Seu Mazarito | Costinha ..................................................................... 50
Figura 10 – Seu Sandoval Quaresma | Brandão Filho. ....................................... 74
Figura 11 – Bertoldo Brecha | Mário Tupinambá ................................................. 77
Figura 12 – Samuel Blaustein | Marcos Plonka. .................................................. 80
Figura 13 – Dona Cândida | Stela Freitas............................................................ 81
Figura 14 – Aldemar Vigário | Lúcio Mauro ......................................................... 84
Figura 15 – Seu Eustáquio | Grande Otelo .......................................................... 88
Figura 16 – Joselino Barbacena | Antônio Carlos Pires. ..................................... 90
Figura 17 – Baltazar da Rocha | Walter D’Ávila ................................................... 92
13
Introdução
O título da nossa dissertação, “O meia do humor”, pode causar um
pequeno estranhamento ao leitor. Torna-se, então, necessário afirmar, desde já,
que valemo-nos da posição futebolística do jogador que ocupa o meio-campo de
uma partida, o meia, como uma espécie de analogia para definir o papel de uma
posição no humor: o escada.
Escada é um jargão1 teatral, do âmbito humorístico, que alcunha o ator
que auxilia o seu parceiro de cena atingir o sentido inesperado na interação. No
programa de TV Os Trapalhões, por exemplo, quem auxiliava Didi Mocó (Renato
Aragão) era Dedé Santana, o seu escada. Em A Praça é Nossa, Carlos Alberto
de Nóbrega é o escada de inúmeros personagens que sentam naquele banco.
Popularmente, reconhecemos o escada como aquele que “não tem graça”. O
objetivo desta dissertação é apontar o papel deste elemento em esquetes
humorísticos televisivos.
Dentro de uma definição resumida, o papel é definido pelas expectativas
que se tem diante do comportamento de um indivíduo2. Logo, dentro de uma
partida de futebol, cada jogador tem a sua responsabilidade individual, o seu
papel, e quem atua no meio-campo, geralmente, além da necessidade de
manter-se sempre atento, tem a posse da bola na maior parte do tempo em
relação aos seus companheiros que estão em outras funções e não pode perdê-
la para os seus rivais. É necessário que o meio-campista envolva-se no jogo com
o propósito de ter sempre o controle da partida, quando possível. Não é à toa que
o espanhol Xavi Hernández3 era conhecido como o “Maestro”, ditava o ritmo que
queria para a disputa.
1 Segundo Preti (1984), os jargões, tal como as gírias, provêm da fala, surgem de grupos
específicos. O jargão denota algum status profissional, daí seu uso, por parte dos profissionais,
para estampar uma identidade grupal e indispensável para um maior grau de comunicabilidade. 2 Cf. FICHTER, 1973.
3 Xavi Hernández é considerado pela crítica especializada um dos melhores meio-campistas
mundiais dos últimos anos. (UEFA, 2014)
14
Mas, mesmo assim, podemos dizer que a principal expectativa que se tem
para quem atua nessa posição é a capacidade de criar oportunidades para se
fazer o gol. Este é o papel principal de um meio-campista. Mesmo que o próprio
tenha que finalizar, como o brasileiro Zito fez na final da Copa do Mundo de 1962,
no Chile, diante da extinta Checoslováquia, garantindo o bicampeonato da
seleção brasileira.
No futebol, podemos dizer que o papel do meia é definido por diversas
expectativas: a de compreender o jogo em andamento, monitorar as jogadas de
seus colegas e orientar os passes corretamente a fim de criar viabilidades para
alguém do seu time executar o gol. Essas são as expectativas que se tem para
quem atua nesta posição, definindo, assim, o papel de um meia.
Da mesma forma, acreditamos que tal qual esta posição tem um papel
fundamental para a criação do gol, o escada é imprescindível para gerar o
sentido humorístico. Apesar dessa digressão do âmbito futebolístico, não
faremos, nesta dissertação, algum tipo de investigação científica mais
aprofundada desse esporte tão multifacetado e entranhado em nossa cultura
quanto é o futebol. Também não proporemos estabelecer qualquer tipo de
análise da organização tática do meio-campo de uma partida. Longe disso.
Visamos a entender, dentro de uma perspectiva dos estudos linguísticos e
interacionais, outro fenômeno complexo: o humor. E, quiçá, esperamos
conseguir, em nossas considerações finais, usarmos o meio-campo do futebol
como uma espécie de analogia para tornar compreensível o nosso estudo de um
jogador do humor chamado escada4.
Tal metáfora partiu de uma afirmação do humorista Chico Anysio, em
entrevista5 dada à revista CartaCapital, no final de 2010. Na conversa com a
jornalista Rosane Pavam, editora de cultura da publicação, Chico, criador de
4 Escada é o “rótulo daquele que dá o suporte para que se tenha o efeito de humor” (MELO
ALVES, 2015a). 5 PAVAM, 2010.
15
inúmeros tipos6, reafirmou a sua satisfação de servir de escada e descreveu
sobre este papel:
Fui escada de gente importante à beça. Mussum, Costinha, Zacarias, Ari Leite. Eu me preparo para isso. No futebol eu jogava de meia-esquerda. Fiz quatro gols na vida, mas dei mais de 200 para os outros. A mim agradava mais dar o
passe para o gol do que fazer um7.
Figura 2 - Chico Anysio atuou como professor Raimundo desde o início do programa, ainda no
rádio8.
Na descrição, Chico Anysio comparou o escada com o meia, em referência
a Raimundo Nonato. Em A Escolinha do Professor Raimundo, o humorista
interpretava este escada, que, por meio de perguntas aos seus alunos, em uma
6 Chico Anysio criou, aproximadamente, 209 personagens, em mais de 50 anos de carreira. Tipos
como o rabugento Popó, o ídolo televisivo Alberto Roberto e o malandro Azambuja estão na
galeria de suas criações. (GLOBO, 2016) 7 PAVAM, 2010.
8 FERREIRA, 2015.
16
sala de aula caracterizada pelo sistema de sabatina, criava situações risíveis ao
telespectador e aos outros humoristas.
O formato, idealizado em 1952, na Rádio Mayrink Veiga pelo humorista
Haroldo Barbosa, chegou à televisão em 1957, como quadro do programa Noites
Cariocas, da TV Rio, e recebeu mais de 200 personagens em suas carteiras9,
nas suas diversas reedições. O professor foi escada de personagens dos
maiores nomes do humor televisivo brasileiro como Walter D’Ávila, Grande Otelo,
Brandão Filho, Paulo Silvino e Lúcio Mauro. Além disso, o programa foi
responsável por revelar grandes talentos humorísticos como Mussum, Tom
Cavalcante, Cláudia Rodrigues e Pedro Bismark.
Sabemos que o meio-campista, como descrito anteriormente, é conhecido,
na esfera futebolística, como o atleta com maior técnica, habilidade tática, visão
de jogo e domínio de ataque e defesa10. Quando, em 2015, o jogador Zito
faleceu, a crônica esportiva afirmava repetidamente: ninguém previa as jogadas
de Pelé como o meio-campista.
Ainda que o meio-campista seja esse cérebro da equipe11, os heróis de um
jogo, inúmeras vezes, são os atacantes: estes atuam no instante máximo de uma
partida de futebol, o gol12. Os estudos do humor, até agora, se preocuparam em
estudar, prioritariamente, o instante máximo do humor, o riso e o que leva a ele.
Assim sendo, a afirmação de Chico Anysio fomentou-nos questionamentos
singulares à nossa discussão: se há para o meio-campista a preocupação de
estar sempre atento à bola, apanhando-a, defendendo-a, tocando-a, enfim,
mantendo um equilíbrio no jogo para, quando possível, criar uma oportunidade de
colaborar para o gol ou mesmo fazê-lo, quais são os papéis do escada dentro de
uma interação humorística? Será que o papel de um escada está limitado à piada
(o ato de realizar o passe para o outro jogador fazer o gol)?
9 GLOBO, 2003.
10 Cf. SANTOS FILHO, 2002.
11 Cf. VICTOR, 1999.
12 ZUIM, 2011.
17
Entendemos que dar o passe para o outro jogador fazer o gol não é a
única função de um meio-campista13. E, assim como o futebol, o humor é um
fenômeno multifário e necessita de uma dinâmica particular que é construída por
meio de estratégias14. Deste modo, fomos motivados a investigar as expectativas
que são esperadas para o escada dentro uma interação humorística, a fim de
elencar os seus papéis.
Portanto, fica claro que não estão nas nossas preocupações
metodológicas questões ideológicas e identitárias, relacionadas aos estereótipos
ou, mesmo, a relação dos discursos propagados no caráter peculiar do nosso
corpus. O nosso estudo enfatizará o meio-campo do humor: ou seja, não
pretendemos estudar como o princípio da surpresa15 gera o efeito risível.
Queremos, sim, entender como se comporta, dentro de uma interação
humorística, aquele que é conhecido, comumente, por “não ter graça”. A partir
desta formulação, apresentaremos os aspectos do fenômeno que estudaremos a
fim de indicar uma delimitação teórica mais clara da nossa intenção científica, em
oposição a temas mais abrangentes.
Em um artigo16, identificamos uma ausência de estudos e referências ao
termo “escada” em pesquisas brasileiras sobre o humor, o que apontamos, na
época, como uma dificuldade de se definir um conceito e discuti-lo, face à farta a
riqueza de fenômenos que já foram analisados dentro dos estudos humorísticos:
como piada, o trocadilho, o riso e a tira cômica. No entanto, esta pesquisa que se
insere neste âmbito, formula uma perspectiva a fim de colaborar para encontrar
um conjunto de elementos e traços prontamente perceptíveis em um escada.
O nosso claro objetivo de investigar o escada, somado a esta ausência de
estudos nos diversos campos do conhecimento sobre este elemento específico,
nos guiaram para uma importante tomada de decisão na condução deste estudo:
a interdisciplinaridade. Ao explorarmos os estudos desse campo, o do humor, é
comum deparar-se com concepções interdisciplinares de pesquisa, já que um
13
Cf. DE CARVALHO, 1996 14
Cf. RASKIN, 1985. 15
Cf. GIL, 1991. 16
Cf. MELO ALVES, 2015a.
18
investigador do riso pode agregar, aos seus referenciais, investigações que
envolvam de estudos da Comédia Clássica17 aos trabalhos científicos que
analisam o riso por uma perspectiva da inteligência artificial18. Afinal, o humor é
um fenômeno que pode ser estudado nas mais diversas áreas do conhecimento
científico: das suas consequências filosóficas às fisiológicas.
No entanto, afirmamos que em nosso trabalho, vinculado ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, dentro da linha de pesquisa Texto e discurso nas
modalidades oral e escrita, caminharemos, prioritariamente, sobre os trilhos das
pesquisas linguísticas sobre o humor. Estas, sem dúvida, foram proeminentes em
nosso embasamento teórico e nas discussões dos resultados.
O riso é um fenômeno, propriamente, humano19 e a linguística, por sua
vez, volta-se, como disciplina, para as diferentes características que constituem a
linguagem humana em sua complexidade. No meio de tantos possíveis
tratamentos que podem ser dados aos estudos de um texto humorístico, nosso
estudo se inseriu em uma tradição das pesquisas direcionadas para as
interações verbais, dentre as quais poderemos nos aguaritar às áreas da Análise
da Conversação, da Sociolinguística Interacional e da Linguística Textual.
Sabemos, também, que as investigações no campo da Língua Portuguesa
abrigam diversificadas análises da fala em seu uso, tal qual investigamos nesta
dissertação, e, também, que a nossa abordagem de um texto oral pode ser
somada a um conjunto de pesquisas ligadas ao texto na modalidade escrita,
considerando que o escada possui grande relevância para o processo de
construção do sentido do texto humorístico em certas situações de uso20.
No entanto, entendemos que um dos conceitos-chave para esta pesquisa,
o de papel social, advém dos estudos sociológicos que o aborda como uma
recorrência de comportamentos do indivíduo que vai se tornando relativamente
17
Cf. SOUSA E SILVA, 1987. 18
Cf. SILVA, 2015. 19
Como Bergson (1983) ressaltou: o homem é "um animal que ri". 20
Como afirmamos em Melo Alves, 2015b.
19
uniforme a partir da função social, da situação e do grupo que se insere21. E
também que este conceito, o de papel social, surge com destaque nos estudos
da linguagem que tem se ocupado de uma visão de língua centrada na interação
social entre os participantes. Esta concepção de linguagem leva em conta a
atividade linguística realizada a partir de influências sócio cognitivas interacionais
de diversos níveis22.
Tomamos, para o nosso objetivo, o de elencar o papel do escada, a
concepção de Goffman: o papel social é a representação que é criada por meio
das relações que são estabelecidas no cotidiano, com o cenário e com as
experiências do ator23.
Partindo de uma ilustração dramatúrgica, Goffman considerou que a ação
do ator é motivada por fenômenos sociais de diversos níveis e por sua
capacidade de agir por meio de experiências vivenciadas e perspectivas de
ações futuras. O autor afirma que o ator representa papéis sociais de acordo com
a circunstância que vivencia. Portanto, o conceito de papel social passa pelo
nível da experiência.
Para cada situação é representado um diferente papel social. A quantidade
de papéis representados depende dos outros atores envolvidos na interação, do
cenário, da plateia e do sua meta. A presença do outro é fundamental na escolha
do ator por um papel com objetivo de atingir o máximo de harmonia na interação.
Dessa maneira, na expectativa de extrair possíveis respostas às nossas
formulações, nos associamos a duas fontes de informações de campos
diferentes: ao que é idiossincrático à produção de humor, como a citada
afirmação de Chico Anysio, e às categorias de análise do texto humorístico no
âmbito linguístico e interacional providas das leituras de um referencial teórico
escolhido. Ambos os caminhos nos estavam disponíveis e foram empregados
nesta dissertação.
21
Cf. FICHTER, 1973. 22
Cf. KOCH E ELIAS, 2009. 23
Cf. GOFFMAN, 2011.
20
Não é de hoje que os estudos linguísticos têm procurado investigar o
fenômeno humor. As pesquisas não se limitam, como, a priori, pode-se pensar, a
um conjunto de explicações de trocadilhos ou piadas. Exemplo disso é o trabalho
referência da área: a "Teoria Geral do Humor Verbal" (GTVH) de Raskin e
Attardo24, nela os autores procuraram explicar o humor baseando-se na oposição
de scripts, partindo de uma perspectiva semântica.
Em artigo, Carmelino e Ramos25 estabeleceram um panorama brasileiro
dos estudos linguísticos que reúnem o humor como tema. Nele estão destacados
trabalhos como os dos pesquisadores Sírio Possenti, Luiz Carlos Travaglia, Ana
Cristina Carmelino, Ana Rosa Ferreira Dias, Maria da Penha Pereira Lins, Paulo
Eduardo Ramos e Célia Maria Carcagnolo Gil. Pesquisas essenciais para a
fundamentação no campo do estudo do humor no Brasil.
O nosso trabalho apresenta uma proposta de análise de um papel, que
para nós, é fundamental nas interações humorísticas: o escada. Pudemos
investigar, previamente, o escada, dentro da perspectiva da Linguística Textual,
em nosso projeto de iniciação científica (IC) O papel do escada na construção do
humor em interações verbais. O trabalho foi desenvolvido durante o primeiro e
segundo ano da graduação de Letras da Universidade Federal de São Paulo, sob
orientação do Professor Dr. Paulo Eduardo Ramos, e integrou o Grupo de
Estudos do Texto Midiático (Getexto), com a publicação de um artigo científico26
e monografia27 relacionados a esta pesquisa.
O ineditismo da abordagem do projeto de IC se deu na observação dos
papéis desempenhados pelo escada em um corpus audiovisual como elemento
mediador nas interações por meio de piadas prontas. Além disso, motivou-nos a
produzir esta dissertação, que investiga o tema com um viés teórico diferente.
Partimos do pressuposto de que o escada é um dos elementos-chave da
construção do sentido humorístico dentro de alguns formatos televisivos. No
entanto, considerando as limitações inerentes a uma dissertação de mestrado,
24
ATTARDO, 1997. 25
CARMELINO E RAMOS, 2015. 26
MELO ALVES, 2015a. 27
MELO ALVES, 2010.
21
nossa análise propõe discutir o problema de pesquisa formulado delimitando-se a
um escada de grande representatividade no humor televisivo brasileiro: professor
Raimundo Nonato.
A Escolinha do Professor Raimundo, com Chico Anysio, foi exibida pela TV
Globo entre as décadas de 1970 e o início deste século. Nesta pesquisa,
optamos pelos programas transmitidos em 1990, ano em que o formato se
transformou de quadro em programa autônomo do canal. Alguns episódios das
primeiras aulas desta turma foram compilados e comercializados pela Globo
Marcas em DVD em 200828.
A escolha do escada da Escolinha não é aleatória. Preti29 ressalta que,
diante da dificuldade de se documentar problemas ligados à interação
conversacional, os diálogos de ficção na mídia se estabelecem como um
caminho viável para os estudos. Para o pesquisador, a escolha do corpus deve
permitir um levantamento amplo de estratégias a fim de analisá-las.
Deste modo, a presença massiva do escada dentro desse formato
humorístico específico, desde o nome do programa, nos permitirá analisar suas
interações humorísticas a fim de compreender a influência desse escada diante
dos seus parceiros de cena por meio de estratégias humorísticas.
Sabemos que as expressões faciais e outros elementos paralinguísticos,
como as risadas, a linguagem corporal e a impostação da voz que Chico Anysio,
em sua construção cênica do professor Raimundo, valeu-se são essenciais para
a construção do humor, como ressaltam emergentes pesquisas que abordam o
humor não verbal. No entanto, examinando as limitações próprias de uma
pesquisa de mestrado, o nosso objetivo de possibilitar a construção de um
entendimento sobre o papel interacional do escada será limitado ao humor
verbal, a partir de estudos de Gil30, Raskin31, Attardo32, Ramos33 e Possenti34.
28
Não foram especificadas, nesta mídia, as datas de veiculação na televisão. 29
PRETI, 2001, p. 13-14. 30
GIL, 1991. 31
RASKIN, 1985. 32
ATTARDO, 1994. 33
RAMOS, 2007.
22
Para a realização do propósito da nossa análise, foi necessária a
passagem do texto oral para o escrito. Tomaremos, em nosso estudo, o foco nas
interações verbais. Assim, transcrevemos o material escolhido de acordo com as
normas estabelecidas pelo projeto NURC/SP, procurando estabelecer estratégias
na transcrição para que haja o máximo de clareza possível, considerando a
finalidade humorística do corpus. As transcrições poderão ser consultadas, na
íntegra, no anexo desta dissertação, juntamente às normas que as orientaram.
Organizamos esta dissertação em três capítulos. No primeiro capítulo,
nomeado O escada tipicamente brasileiro, buscamos elencar as recorrências
de elementos que caracterizam o humor tipicamente brasileiro, categoria traçada
por Chico Anysio. Propomos, por conseguinte, nesta seção, fazer um breve
panorama do esquete humorístico, que está presente desde o início da televisão
no Brasil e que, costumeiramente, recorreu a elementos da produção narrativa de
humor radiofônico para se desenvolver.
A partir da análise que apresentamos em trabalho anterior35, na qual a
piada pronta é um dos elementos-chave para que o escada desempenhe o seu
papel em interações humorísticas, no capítulo O escada na piada, propusemos
rever a estrutura do gênero piada e o papel do personagem secundário como o
escada, em sua materialidade linguística. Para que de tal forma pudéssemos
investigar, na seção seguinte, o papel do escada em piadas da Escolinha do
Professor Raimundo.
Após destacar o caráter dialogal das piadas prontas e dos esquetes, no
terceiro capítulo, O escada em análise, apresentamos um estudo de oito
fórmulas humorísticas da Escolinha do Professor Raimundo com o propósito de
destacar a natureza do escada, interpretado por Chico Anysio, do papel que lhe é
pertinente e as relações que podem ser estabelecidas entre os participantes no
formato que se insere, a partir da chave da piada pronta e conversacional.
No capítulo E as considerações, ó!, após a análise do corpus,
propriamente dita, elencaremos as expectativas que são pertinentes ao papel do
34
POSSENTI, 2008. 35
Cf. MELO ALVES, 2010.
23
escada diante das características gerais que organizam as interações dos
esquetes verificados.
24
"Uma boa fórmula para o humor é repetir o óbvio"
Art Buchwald, humorista norte-americano. 36
Capítulo 1 – O escada tipicamente brasileiro
Em 2003, Jô Soares celebrou os seus 15 anos de carreira como
apresentador de late-night talk-show comandando uma edição especial do
Programa do Jô37. Nela, o apresentador recebeu os humoristas Chico Anysio,
José Vasconcellos38 e Paulo Silvino39. Estando naquele momento quatro
catedráticos do humor televisivo brasileiro, a conversa se desenvolveu em
causos, piadas e números humorísticos. Em certo momento, Chico Anysio
afirmou:
O esquete, isso do personagem fixo que nós fizemos durante anos, é um tipo de humor brasileiro. Esse tipo de humor foi criado por volta de 1948
40. E
aqui nesse prédio está um dos criadores, Max Nunes, com Haroldo Barbosa, Antônio Maria, eu pertencia a esse grupo de redatores, Roberto Silveira, Aloísio Silva Araújo, Jota Rui e tal. Então, nós criamos, por volta de 48, esse
36
Cf. A MESMA PRAÇA. Veja, São Paulo, 21 abr 1971. 37
O Programa do Jô é um late-night talk-show brasileiro apresentado pelo humorista Jô Soares,
transmitido pela Rede Globo desde 2000. Cf. MEMÓRIA GLOBO
(www.memoriaglobo.globo.com). Acesso em Dezembro de 2015. 38
José Vasconcellos, um dos maiores expoentes do humor brasileiro, é considerado pai da stand
up comedy no país. Durante sua carreira seus espetáculos solos com inúmeras imitações
atraíram grandes plateias. Atuou no primeiro programa humorístico da televisão brasileira, A Toca
do Zé (TV Tupi). Na Escolinha do Professor Raimundo, interpretou o personagem Rui Barbosa
Sa-Silva, o gago. Cf. Ele é o espetáculo (Documentário). Direção de Jean Carlo Szepilovski e
Ricardo José Haynal. 1h06m13s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-
g >. Acesso em novembro de 2015. 39
Paulo Silvino é um dos mais importantes humoristas da televisão brasileira. Filho do também
humorista Silvino Netto. Dentre os seus inúmeros feitos, apresentou o primeiro programa
humorístico a fazer paródias da própria televisão, o TV Ó – Canal Zero (TV Globo), juntamente
com o humorista Agildo Ribeiro. Também sentou em uma carteira da Escolinha do Professor
Raimundo, como o gari Olímpio Urbano e Seu Tabajara da Silva. Cf. MEMÓRIA GLOBO
(www.memoriaglobo.globo.com). Acesso em Dezembro de 2015. 40
A data apontada por Chico Anysio, 1948, provavelmente, se refere a um encontro de redatores
humorísticos brasileiros, organizado por Haroldo Barbosa e Max Nunes, para discutir a produção
humorística no Brasil e estabelecer qual seria o formato de humor brasileiro. Segundo Chico
Anysio, em entrevista para esta pesquisa (24 de fevereiro de 2010), nesse evento foi decido que
os humorísticos compostos por esquetes, fixos ou não, construídos a partir de fórmulas ou piadas
prontas e constituídos por bordões e gírias específicas, seria o humor tipicamente brasileiro.
25
tipo de humor que é o humor do esquete que se repete a cada semana. Esse é o nosso humor. O humor de comédia é o humor americano, sitcom é humor americano. Eu li há pouco na internet o seguinte: que o sitcom americano está anos-luz na frente do brasileiro. Eu acredito que sim, mas o humor de esquete brasileiro está anos-luz do humor americano. Eles não sabem fazer esse nosso humor. Então, quando as pessoas acham que esse tipo de humor é ultrapassado estão enganados. Só há dois tipos de humor: o engraçado e o sem-graça. Não há um terceiro tipo.
41
Esta afirmação de Chico Anysio fornece amparo para a discussão que
propomos neste capítulo: apresentar este humor tipicamente brasileiro, baseado
em “personagens fixos” e “esquetes que se repetem a cada semana”, que o
nosso escada, Raimundo Nonato, se insere. Sabemos, com toda a certeza, que o
ano que Chico aponta como a data de criação desse humor, 1948, não é a
primeira recorrência do esquete: na década de 1930, os humorísticos do rádio já
se valiam desse expediente42. No entanto, a fala do humorista aponta para a
importância da tradição da narrativa radiofônica: já que a inauguração da primeira
emissora televisiva no Brasil é datada no ano de 195043.
A programação do rádio brasileiro fomentou o surgimento de vários
formatos, que, com o passar do tempo, constituiriam a programação da televisão
no país, das telenovelas aos programas de auditório, como o Cassino do
Chacrinha. Sob o comando de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, este programa
radiofônico de música carnavalesca que emulava um cassino, com variados
efeitos sonoplásticos, tornou-se um dos principais programas de auditório da
televisão brasileira44.
Na mesma esteira, os esquetes humorísticos provenientes do rádio
povoaram diversos programas televisivos. Exemplo disso está no quadro criado
por Max Nunes, no qual um Primo Pobre, interpretado por Brandão Filho,
realizava visitas ao seu Primo Rico, vivido pelo ator Paulo Gracindo. O quadro
41
Chico Anysio no Programa do Jô, em 2003. Entrevista com Chico Anysio no Programa do Jô
Especial. 08min30s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-g >. Acesso
em novembro de 2015. (Grifos nossos) 42
Exemplo para tal afirmação está no mais representativo programa humorístico do rádio
brasileiro, o PRK-30, comandado por Castro Barbosa e Lauro Borges (PERDIGÃO, 2003). 43
A TV Tupi, de Assis Chateubriand, foi a primeira emissora brasileira e sua primeira transmissão
é datada em 18 de setembro de 1950. (RIBEIRO E SACRAMENTO, 2010). 44
Cf. MONTEIRO E NASSIFE, 2014
26
Primo Rico e Primo Pobre surgiu no Balança mas não cai da Rádio Nacional do
Rio de Janeiro, programa que congregava um dos maiores elencos humorísticos
radiofônicos45.
Figura 3 - O "primo pobre" e “primo rico” surgiram no Balança Mas Não Cai, da Rádio
Nacional, em que Paulo Gracindo contracenava com Brandão Filho. 46
O quadro possuía uma fórmula fixa, assim como os bordões “Primo, você
é ótimo” e “Primo, você também é ótimo!”, e pôde ser assistido em diversos
humorísticos da nossa televisão, como na reedição do Balança mas não cai47, na
qual foi interpretado pela mesma dupla, Gracindo e Brandão, no programa de
humor Chico Total, com Chico Anysio ao lado de Brandão Filho, e na versão
feminina do quadro apresentada no Zorra Total da TV Globo, por Carmen
Verônica e Iara Jamra.
Assim como o Primo Rico e o Primo Pobre, diversos quadros radiofônicos
foram reeditados na televisão. Desta maneira, os humorísticos que se valeram
desse expediente, além de garantirem às emissoras uma excelência devido aos
45
Cf. PRADO, 2012. 46
O GLOBO (Rio de Janeiro). Em foco: Paulo Gracindo: Do teatro à TV. Disponível em:
<http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/paulo-gracindo-do-teatro-tv-17401539>. Acesso em:
18 jul. 2016. 47
Cf. Pobre Primo Rico. Veja, São Paulo, p. 19, 21 abr 1971.
27
profissionais gabaritados48, como atores, comediantes, roteiristas e redatores,
também formaram a gênese do humor televisivo brasileiro.
Graças a esses profissionais, alguns formatos que surgiram na própria
televisão brasileira também se basearam na linguagem dos esquetes
radiofônicos, como é o caso das praças. A praça é, hoje, o formato televisivo com
maior longevidade no país. Manuel de Nóbrega criou A Praça da Alegria em 1956
e seu filho, Carlos Alberto de Nóbrega, continuou seu projeto com A Praça é
Nossa. Atualmente, é produzido pelo SBT. O programa, que estreou em 1957, no
canal TV Paulista, recebeu em seu banco mais de 250 personagens.
Figura 4 – A Velha Surda, interpretada por Rony Rios, é um dos personagens mais marcantes da
história das “praças”49
.
48
Durval, 2012. 49
SBT. Relembre fotos de programas humorísticos que marcam a história do SBT. 2010.
Disponível em: <http://www.sbt.com.br/noticias/6579/Relembre-fotos-de-programas-humoristicos-
que-marcam-a-historia-do-SBT.html>. Acesso em: 18 jul. 2016.
28
Assim como a Escolinha do Professor Raimundo, a praça possui um
escada como protagonista. O formato é baseado em um homem que lê o seu
jornal e dialoga com diversos humoristas em seus respectivos quadros, sentados
em um banco de praça pública.
Um dos quadros mais icônicos50 da praça, o da Velha Surda (Rony Rios),
também integrou o programa radiofônico A Turma da Maré Mansa51 e
estabeleceu um sentido inverso: da televisão para o rádio52, caracterizando mais
ainda a nossa afirmação de que a linguagem dos esquetes radiofônicos
influenciou os humorísticos televisivos.
A Escolinha do Professor Raimundo é um dos mais representativos
formatos humorísticos que foram criados no rádio e se formou nesse humor
tipicamente brasileiro. O programa ficou no ar na Rede Globo de Televisão
entre os anos de 1990 e 2001. Antes, era um quadro do Chico City, exibido
semanalmente entre 1973 e 1980; e do Chico Anysio Show, de 1982 a 1990.
Antes ainda, o professor Raimundo teve sua sala de aula em programas como
Noites Cariocas (TV Tupi) e Times Square (TV Excelsior) 53.
Neste capítulo, buscaremos elencar recorrências de elementos que
caracterizam este formato humorístico brasileiro baseado em esquetes. Ou seja,
apresentaremos o jogo na qual o meia do humor atua. Propomos inserir o
50
Em entrevista ao programa Vídeo Show, da Rede Globo, após uma participação especial no
Tá no Ar: a Tv na TV, em 2016, Carlos Alberto de Nóbrega afirmou: “A Velha Surda foi o quadro
mais querido da Praça. Quando você fala de Praça, a primeira imagem que vem é a Velha
Surda”.
Cf. GSHOW. Carlos Alberto de Nóbrega comemora participação na Globo e relembra: 'Eu
fui tão feliz aqui': 'Vídeo Show' acompanha o convidado no último episódio da 3ª temporada do
'Tá no Ar'. 2016. Disponível em: <http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/04/carlos-alberto-de-
nobrega-comemora-participacao-na-globo-e-relembra-eu-fui-tao-feliz-aqui.html>. Acesso em: 20
jul. 2016. 51
Cf. RÁDIO GLOBO, 2016. 52
Aliás, assim como fez com a Velha Surda, A Turma da Maré Mansa transmitia vários quadros
advindos da televisão, como os da trupe dos Trapalhões, os personagens de Jô Soares e Chico
Anysio juntamente com a sua Escolinha. Quadros com Tutuca, Rony Rios, Jô Soares, Maria
Tereza, Geraldo Alves, Manhoso, Orlando Drummond e Francisco Milani também participaram
desse programa. 53
Em 2015, em parceria com o Canal Viva, a Rede Globo de Televisão produziu uma nova
versão da Escolinha do Professor Raimundo em homenagem aos 25 anos da estreia do programa
na emissora como programa independente. O remake tem como protagonista, o filho de Chico
Anysio, Bruno Mazzeo.
29
escada em um breve panorama do esquete humorístico, que, costumeiramente,
recorre a elementos da produção narrativa de humor radiofônico como a fórmula
humorística, na qual um modelo é estabelecido para o quadro e se mantém de
forma permanente e os elementos periféricos alteram-se para dar, ao espectador,
uma impressão de ineditismo.
Figura 5 – A Escolinha do Professor Raimundo reuniu alguns dos maiores nomes do humor
brasileiro, como Grande Otelo, Zezé Macedo, Nádia Maria e Cláudia Jimenez.54
O humor televisivo
Sabemos que a média de horas que o brasileiro assiste à programação
televisiva não é pequena55 e que a influência dela na sociedade brasileira é um
54
JOSEAN. Almanaque Mídia (Ed.). Nova “Escolinha do Professor Raimundo” estreia em
novembro. Disponível em: <http://almanaquemidia.com/nova-escolinha-do-professor-raimundo-
estreia-em-novembro/>. Acesso em: 18 jul. 2016.
30
fato muito conhecido pelos pesquisadores que se debruçam sobre essa que é
considerada como relevante dentro dos estudos de diversas disciplinas do
conhecimento.
Nas pesquisas linguísticas, por exemplo, Preti, em um estudo
sociolinguístico56, debruçou-se sobre a linguagem em uso nos diferentes gêneros
televisivos. O pesquisador, dentre tantas afirmações, relatou as possíveis
variações da linguagem do telejornalismo para a linguagem das telenovelas.
Para o pesquisador, a televisão brasileira tende a nivelar os seus padrões
“em busca de uma linguagem comum, que possibilite uma compreensão natural,
considerando-se as variedades geográficas ou socioculturais dos
telespectadores” 57. É sabido que a escolha das emissoras em transmitir suas
programações em rede favoreceu esta homogeneização linguística, apontada
pelo professor.
A televisão brasileira, que teve sua primeira transmissão em 1950, tornou-
se, com o passar dos anos, um patrimônio humorístico brasileiro. E não são
muitos os estudos linguísticos que se debruçam sobre o nosso humor televisivo,
mas dos poucos não podemos deixar de citar as pesquisas apresentadas por
Travaglia58. O pesquisador tomou o humor televisivo como um campo fértil para
os seus estudos linguísticos e trilhou caminhos de análise neste campo do
conhecimento.
Inserimos nossa pesquisa nesse contexto e iniciamos nosso panorama
lembrando que, na primeira década das transmissões televisivas, os programas
eram produzidos ao vivo, dos teleteatros aos musicais. Nessa época, o primeiro
humorístico televisivo, A Toca do Zé59, em 1952, assinalaria uma característica
que seria reproduzida em muitos formatos de humor baseados em esquetes que 55
O relatório da “Pesquisa Brasileira de Mídia 2015” apresenta que a televisão é o meio de
comunicação mais predominante no país. “Em média, os brasileiros passam 4h31 por dia
expostos ao televisor, de 2ª a 6ª-feira, e 4h14 nos finais de semana”. Cf. BRASIL, 2014. 56
Cf. PRETI, 1992. 57
PRETI, 1992: 232-3. 58
TRAVAGLIA, 1988, 1989 e 1990. 59
Cf. Ele é o espetáculo (Documentário). Direção de Jean Carlo Szepilovski e Ricardo José
Haynal. 1h06m13s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-g >. Acesso
em novembro de 2015.
31
vieram a ser apresentados no Brasil: um humorista protagonizando um programa
com inúmeros quadros e com o apoio de outros humoristas.
Transmitido pela TV Tupi de São Paulo, o programa mostrava a
versatilidade do humorista José Vasconcelos e apoiava-se em seu talento de
imitar e criar tipos, como o seu famoso locutor gago. Assim como José
Vasconcelos, podemos elencar vários humoristas que protagonizaram, na história
humorística televisiva, seu próprio programa: Agildo Ribeiro, Chico Anysio, Zilda
Cardoso, Costinha, Jô Soares, Tom Cavalcante e Maria Tereza. Todos
ancorados neste “humor tipicamente brasileiro” do esquete.
Porém, a grade televisiva das emissoras não comportaria um programa
para cada grande estrela do humor e, também, era necessário a estes
humoristas, donos do seu próprio programa, o apoio de outros talentos
humorísticos. Em uma reportagem da Veja, de novembro de 1972, Chico Anysio,
ao reclamar da falta de investimentos no seu programa Chico em Quadrinhos,
por parte da Rede Globo de Televisão, afirmou:
Quer dizer, é a mesma coisa que você formar um time de futebol com Gérson e completar com dentes-de-leite. Não que eu seja contra os dentes-de-leite, nem que eu ache que eles não sabem jogar. Mas é que eles têm que jogar no Maracanã pela manhã, e não nos jogos principais. Entende?
60
Novamente, pontua-se a recorrência da metáfora futebolística de Chico
Anysio para retratar o escada. Anysio criou inúmeros personagens em sua
carreira e sempre procurou ter, como apoio para suas criações, grandes
humoristas para exercer a função de escada. Em Chico Anysio Show, da TV
Globo, por exemplo, Chico Anysio apresentava sua galeria de personagens em
quadros que reunia atores como Antônio Carlos61, Francisco Milani, Ivon Curi,
Lúcio Mauro e Stela Freitas62. A inserção da Escolinha do Professor Raimundo
60 Cf. A GLOBO SEM CHICO. Veja, São Paulo, 22 nov 1972.
61 Antônio Carlos Pires interpretava o mineiro Joselino Barbacena, um dos alunos mais antigos
da Escolinha. Esteve presente na formação original do programa na Rádio Mayrink Veiga, ao lado
de Afrânio Rodrigues, Zé Trindade e João Fernandes.
62 Cf. GLOBO, 2003.
32
como quadro nos humorísticos de Anysio era uma forma de talentos, como estes,
apresentarem os seus tipos e protagonizarem o seu momento do riso.
Na trajetória do humor televisivo brasileiro baseado nos esquetes, também
houve uma proliferação de humorísticos que reuniam grandes elencos
apresentando suas criações. O Time Square da TV Excelsior é o pioneiro no uso
desse expediente na nossa televisão. Dercy Gonçalves, Costinha, Dorinha Duval,
Grande Otelo, Chico Anysio e Roberto Guilherme são alguns humoristas que
integraram este grande espetáculo do humor brasileiro, na década de 196063.
Figura 6 - Balança Mas Não Cai - Fernandinho e Ofélia64
Podemos citar, ainda, outros humorísticos que, na mesma esteira,
reuniram personagens e quadros baseados no humor tipicamente brasileiro
como o Balança mas não cai, o Planeta dos Homens, o Alegria 81, o Zorra Total,
o Reapertura e o Satiricom. Nestes humorísticos, os comediantes se revezam
entre os quadros, apresentando seus tipos e também na função de escada. Lúcio
63
Cf. HUMORISMO EM RITMO DE FLA-FLU NO POSTO SEIS. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
21 nov 1992. 64
REDE GLOBO. TV ANO 25 (1975) Balança Mas Não Cai - Fernandinho e Ofélia. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=Zj13hICfY9A>. Acesso em: 18 jul. 2016.
33
Mauro, no Balança mas não cai, ao mesmo tempo em que, ao lado de Sônia
Mamede, a Ofélia, vivia o Fernandinho dava apoio aos quadros de outros
humoristas do programa.
No entanto, dois formatos humorísticos trouxeram escadas como
protagonistas e permitiram que um grande elenco de humoristas apresentasse
suas criações em esquetes fixos (quadros humorísticos): a Praça e a Escolinha.
Os seus respectivos escadas, um homem sentado em um banco de praça pública
e, o outro, um professor que sabatinava seus alunos, são coadjuvantes no que se
refere ao quadro. Mas, em relação ao formato e à produção humorística
brasileira, são protagonistas.
Quando listamos expoentes do “humor tipicamente brasileiro”, com certa
prontidão, relacionamos a sua participação em pelo menos um desses formatos:
Consuelo Leandro e sua criação Cremilda, a esposa do “marido Oscar”; o Bronco
de Ronald Golias; Walter D'Ávila como Baltazar da Rocha ou homem que não
conseguia ler um livro; a fofoqueira Vamércia de Maria Tereza; o Lindeza ou o
Galeão Cumbica de Rony Cócegas; Tom Cavalcante e o seu João Canabrava;
Andorinha de Agildo Ribeiro; o estudante de comunicação da PUC, o Patropi de
Orival Pessini; etc. Desta forma, grande parte dos humoristas da segunda
metade do século XX podem ser lembrados com a sentença: “Ah, é aquele que
na Praça fazia o...” ou “É aquele aluno do professor Raimundo que...”.
Assim, o professor Raimundo, mediante o formato que ele está inserido, é
o escada de alguns dos maiores nomes do humor brasileiro e lançou inúmeros
talentos como Mussum, Claudia Jimenez, Ari Leite, Tom Cavalcante, Heloísa
Perissé e Claudia Rodrigues. Fato este que Chico Anysio relatou, em entrevistas,
o seu orgulho:
E eu acho ele muito bom, eu gosto muito dele, porque eu sou escada de todo mundo ali, eu faço a preparação para que eles façam a graça. E o professor Raimundo lançou Ari Leite, lançou Castrinho, lançou o Mussum. O Mussum foi lançado pela Escolinha do professor Raimundo, Coronel Ludugero, gente à
beça que está por aí, foi lançado, gente que já morreu até, Geraldo Alves... 65
65
ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva: Chico Anysio. 1993. Disponível em:
<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/444/chico
anysio/entrevistados/chico_anysio_1993.htm>. Acesso em: 22 jun. 1993.
34
Lancei, através do professor Raimundo, muitos comediantes de fama: Ari Leite, Castrinho, Mussum. O Mussum nasceu para a comédia junto ao professor Raimundo. Ele fazia um aluno que tirava o ponto “matemáts”, “aritiméts”, aí é que ele falava como de “fats” e tal. O professor Raimundo é
para mim o personagem mais importante que eu tenho. 66
É importante ressaltar que a Escolinha do Professor Raimundo não é a
primeira Escolinha. Aliás, o termo “escolinha” advém da Escolinha da Dona
Olinda, humorístico da Rádio Record de São Paulo, em 1935. A partir desta
Escolinha, vários programas situaram seus esquetes no ambiente escolar.
Magalhães Jr., em colaboração ao Guia dos Curiosos, elencou o ano de estreia
de algumas escolinhas famosas e, aproveitamos aqui, para atualizar esta lista
com novas escolinhas e os seus respectivos escadas67.
Quadro 1 – As Escolinhas
1935
Escolinha da Dona Olinda
Rádio Record
Professora Dona Olinda (criação e interpretação de Nhô Totico).
1936
Cenas Escolares (Piadas do Manduca)
Rádio Nacional
Professora Dona Teteca (Renato Murce).
1942
Escola Risonha e Franca
Rádio Record
O professor era interpretado por José Paniguel.·.
66
ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva: Chico Anysio. 1990. Disponível em:
<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/710/chico
anysio/entrevistados/chico_anysio_1990.htm>. Acesso em: 02 jul. 1990. 67
DUARTE, Marcelo. As Escolinhas do rádio e da TV brasileiros. 18 set 2013. Disponível em
<http://guiadoscuriosos.com.br/blog/2013/09/16/as-Escolinhas-do-radio-e-da-tv-brasileira/>.
Acesso em Março de 2015.
35
1952
Escolinha do Professor Raimundo
Rádio Mayrink Veiga - Quadro em A Cidade Se Diverte
Chico Anysio, pela primeira vez, interpreta o professor Raimundo, criado por
Haroldo Barbosa.
1957 Escolinha de Morte
TV Record
1957
Escolinha do Professor Raimundo
TV Rio - Quadro em Noite Cariocas
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
1959
Escola para Adultos
TV Tupi Rio - Quadro em Super Show
TV Rio / TV Record - Quadro em A Cidade se Diverte
O professor era interpretado pelo ator Antônio Carlos Pires.
1961
Escolinha de Grupo
TV Paulista
Criação de Manoel de Nóbrega.
1961 Escolinha do Burraldo
TV Record - Quadro em Grande Show União.
1967
Escolinha do Golias
TV Record - Quadro em É uma graça, mora!
O professor era interpretado por Carlos Alberto de Nóbrega
1973
Escolinha do Professor Raimundo
TV Globo - Quadro em Chico City
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
36
1982
Escolinha do Professor Raimundo
TV Globo - Quadro em Chico Anysio Show
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
1987 Escolinha do Palitinho
TV Manchete - Quadro em Domingo de Graça68
1989
Escolinha do Professor Raimundo
TV Globo
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
1991
Escolinha do Golias
SBT
O professor era interpretado por Carlos Alberto de Nóbrega.
1992
Escolinha do Professor Raimundo Especial - Novelas69
TV Globo - Quadro em Criança Esperança
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
1992
Escolinhazinha do Professor Raimundo70
TV Globo - Quadro em Criança Esperança
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
1997
Escolinha do Professor Raimundo
TV Globo - Quadro em Chico Total
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
68
Cf. PROGRAMA Câmera Manchete - Homenagem ao Comediante Costinha. Tv Manchete,
1995. Rio de Janeiro, 2009. P&B. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=QdY9CJ9rjPA>. Acesso em: 20 jul. 2016. 69
Cf. ESCOLINHA ESPECIAL RESSUSCITA PARAGUASSU. Folha de São Paulo, São Paulo, 04
out 1992. 70
Cf. ESCOLINHA ESPECIAL RESSUSCITA PARAGUASSU. Folha de São Paulo, São Paulo, 04
out 1992.
37
1999
Escolinha do Professor Raimundo
TV Globo - Quadro em Zorra Total
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
1999
Escolinha do Barulho
TV Record
Dedé Santana, Gil Gomes, Miele e Benvindo Siqueira eram professores fixos do
programa, que, costumeiramente, recebia professores convidados como Ivete
Sangalo, Alcione, Gilberto Barros e o político Dr. Enéas Carneiro.
2001
Escolinha do Professor Raimundo71
TV Globo
Professor Raimundo, interpretado por Chico Anysio.
2005
Escolinha do Comando Maluco
SBT
O professor era interpretado por Dedé Santana.
2006
Cursinho do Leão
Band - Quadro em Boa Noite Brasil
O professor era interpretado por Gilberto Barros.
2008
Escolinha Muito Louca
Band
O professor era interpretado por Sidney Magal.
2011
Escolinha do Ratinho
SBT - Quadro em Programa do Ratinho
O professor é interpretado por Ratinho.
2011
Escolinha do Gugu
TV Record - Quadro em Gugu
O professor era interpretado por Gugu Liberato.
71
Cf. A VOLTA DO QUE NÃO FOI. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 mar 2001.
38
2015
Escolinha do Professor Raimundo
TV Globo e Canal Viva
Professor Raimundo, interpretado por Bruno Mazzeo.
Percebe-se que apesar de não ser pioneira, a Escolinha comandada por
Chico Anysio é a que possui maior longevidade na história televisiva brasileira e,
por conseguinte, pautou, por meio do seu formato, sucessivas Escolinhas, como
a Escolinha Muito Louca, Escolinha do Barulho, Escolinha do Ratinho e a
Escolinha do Gugu.
O esquete
Estudar um elemento do esquete tipicamente brasileiro, como é o
escada, é poder situá-lo, por meio de suas características consonantes ao seu
papel em relação ao conteúdo presente e ao seu contexto de produção. No
entanto, definir, propriamente, o que é o esquete humorístico é visivelmente
dificultoso.
Isto posto, decidimos, nesta seção, caracterizar recorrências do esquete
humorístico tipicamente brasileiro para poder deslindar, em nossa análise, o
escada do ponto de vista dos atributos que lhe são inerentes. Optar por uma
categorização de um conteúdo televisivo e, principalmente, humorístico seria
arriscado, já que é fácil levantar exemplos que desconstrua qualquer
conceituação72.
Se categorizássemos o esquete pela quantidade de personagens:
poderíamos elencar esquetes com um personagem, como as do Macaco
Sócrates, interpretado por Orival Pessini em Planeta dos Homens, até esquetes
como o Coral dos Bigodudos, de A Praça é Nossa, composta por muitos
humoristas que se reuniam para cantar os problemas enfrentados pelo país. Se o
critério fosse o tempo reduzido, esquetes de vinte e cinco minutos de Os
72
Como ressaltamos em Melo Alves (2015b).
39
Trapalhões inviabilizariam o parâmetro. Se o critério da classificação estivesse na
quantidade de piadas, a ausência destas se encontra em esquetes como as de
Chico Anysio como o personagem Jesuíno, o Profeta, ou aquelas baseadas na
chave da paródia. Além disso, a discussão referente à questão relacionado ao
gênero em si não está dentre os nossos objetivos de pesquisa.
Figura 7 – Me tira o tubo! (Viva o Gordo).73
É importante, para nós, sabermos que a rotulação esquete humorístico
pode abarcar de um esquete do grupo de internet Porta dos Fundos74 a um
quadro do humorístico televisivo Viva o Gordo75, um representante do que
afirmamos ser esse “humor tipicamente brasileiro”. Podemos, então, abrir um
73
Cf. Tira o Tubo – Pazzianotto. Esquete do Viva o Gordo (Rede Globo). 03m29s. Disponível em:
<https://youtu.be/bCyxM1bdu2I>. Acesso em setembro de 2015. 74
Fundado em 2012, o Porta dos Fundos é um popular grupo de humor que tem como carro-
chefe a produção de esquetes humorísticos em um canal do site de vídeosYouTube. Após
conquistarem milhares de visualizações na internet, um compilado dos esquetes do coletivo foi
apresentado pelo canal FOX. 75
Na esteira dos programas estrelados por um humorista, Viva o Gordo foi o primeiro humorístico,
na TV Globo, comandado por Jô Soares. A atração estreou em 1981 e era gravado no Teatro
Fênix, na cidade do Rio de Janeiro.
40
paralelo entre dois esquetes com estruturas semelhantes para poder ilustrar as
características comuns entre os dois objetos, a fim de indicar consonâncias.
Jô Soares, em seu Viva o Gordo76, posteriormente ao período da Ditadura
Militar no Brasil (1964-1985), interpretou um general77 que voltava à consciência
após anos em coma, devido a um acidente. Quando o médico e a enfermeira lhe
relatavam que o regime militar havia acabado, o personagem não acreditava e
usava o bordão "me tira o tubo!". O personagem percebia que o mundo, como
conhecia, havia mudado pelas palavras do médico e da enfermeira, o que
causava o efeito humorístico do esquete.
Figura 8 – Rio 2025 (Porta dos Fundos) 78
.
Décadas depois, o grupo Porta dos Fundos lançou, na internet, um vídeo
de um esquete chamado Rio 202579, no qual Antonio Tabet interpreta um homem
que acorda em um hospital, após anos em coma. A enfermeira então lhe
apresenta como estão as coisas após o tempo que havia passado inconsciente: a
publicidade se apropriou do espaço público exacerbadamente.
76
Cf. Tira o Tubo – Pazzianotto. Esquete do Viva o Gordo (Rede Globo). 03m29s. Disponível em:
<https://youtu.be/bCyxM1bdu2I>. Acesso em setembro de 2015. 77
Em entrevista à revista Veja, Jô Soares afirma sobre o personagem: “É a primeira vez na
história da televisão que um general brasileiro aparece tão escancaradamente num programa
humorístico”. Cf. GRAÇA MILITAR. General amigo de Figueiredo é o novo tipo de Jô Soares.
Veja, São Paulo, 10 jul 1985. 78
RIO 2025. Canal Porta dos Fundos. 01m32s. Disponível em: <https://youtu.be/C6sqY1oTzAg>.
Acesso em dezembro de 2015. 79
Cf. RIO 2025. Canal Porta dos Fundos. 01m32s. Disponível em:
<https://youtu.be/C6sqY1oTzAg>. Acesso em dezembro de 2015.
41
Os nomes dos principais pontos turísticos da cidade do Rio de Janeiro,
segundo a enfermeira, haviam mudado. Marcas diversas como Jequiti e Vivo
deram nome a pontos turísticos. A estratégia conhecida, em publicidade, como
Naming rights ocupou do nome do Cristo Redentor ao da Lagoa Rodrigo de
Freitas. O personagem, assim como o General de Jô Soares, estranha tudo o
que lhe é contado, o que gera o efeito risível do esquete.
Sabemos que entender os dois vídeos como esquetes humorísticos é criar,
para o telespectador ou para o internauta, parâmetros na leitura e na produção
de sentido destes vídeos. Podemos abarcar, deste modo, os dois exemplos na
definição de esquete humorístico apresentado no dicionário de Pavis80: “uma
situação cômica”, “interpretada por um pequeno número de atores” e “que insiste
nos momentos engraçados e subversivos”.
No entanto, percebemos que os modelos de contextos81 que são
acionados durante o processo produção e de recepção destes dois esquetes são
diferentes. O esquete interpretado por Jô Soares recorre às características desse
humor tipicamente brasileiro que se baseia em uma tradição radiofônica82: com
elementos como a claque83, o bordão e a fórmula.
A recorrência de um esquete em um programa humorístico com o mesmo
personagem ou situação é rotulada como quadro humorístico. O quadro do
General permaneceu diversos anos no programa Viva o Gordo, mantendo sua
estrutura, os atores e, principalmente, o seu bordão: “me tira o tubo!”.
Assim, entendemos o esquete tipicamente brasileiro a partir da sua
estratégia de interação com audiência e também a partir do seu meio de
produção, o programa humorístico. A Escolinha do Professor Raimundo, por sua
vez, baseia-se nesse expediente que usufrui de estratégias de produção: como a
repetição exacerbada de fórmulas humorísticas.
80
Cf. PAVIS, 2015. 81
Cf. VAN DIJK, 2012. 82
Cf. DURVAL, 2002. 83
Entendemos como claque, neste caso, como aquele grupo de pessoas contratadas para
aplaudirem ou darem risadas no humorístico.
42
A fórmula humorística
A multiplicação dos formatos humorísticos baseados em esquetes na
nossa televisão e, principalmente, a sua perpetuação na programação televisiva,
explicitou, principalmente em forma de críticas, características marcantes de uma
estética do típico esquete humorístico brasileiro: como a repetição de modelos
fixos, a fórmula humorística. Na imprensa, por exemplo, não é difícil encontrar
críticas a este expediente como:
“artistas são obrigados a repetir cenas e quadros importados do rádio, esclerosados pelo tempo (alguns com 20 anos)” Correio do Estado (MT), 01/01/1970.
“só por saudosismo alguém poderia lamentar a ausência de um programa radiofônico numa emissora de televisão” ''UAU'' É MAU, Valério Andrade, Jornal do Brasil, 13/01/1972.
“as desgastadas fórmulas de humor da Globo, embrulhadas em um pacote de mau gosto, sem pé nem cabeça” Jornal do Brasil, Mônica Soares, 27/03/1999.
“As fontes do humorismo, que já foi brilhante, estão ressecadas pelo menos há 20 anos.” Walter Fontoura, 15/10/2000, Jornal do Brasil.
“Se você era da turma que ficava esperando o Zorra Total começar só para ver o travesti Valéria virar os olhinhos e clamar o bordão “Ai, como eu tô bandida”, esqueça.” Cristina Padiglione, 09/05/2015, O Estado de São Paulo.
O humor televisivo tipicamente brasileiro, pontuado por Chico Anysio,
passa por este elemento fixo de reconhecimento que pode ser pensado, a priori,
como uma forma de fidelizar o público aos tipos criados pelos humoristas84. Por
exemplo, o telespectador sabia como iria ser desenvolvido o esquete, no entanto
não esperava qual a “asneira” que Ofélia falaria ao convidado para constranger o
seu marido Fernandinho ou, também, como Aldemar Vigário corromperia o
professor Raimundo. Desta forma, havia espaços na fórmula para recursos
inéditos, como novas piadas. Para ficar mais claro, podemos, aqui, ilustrar por
meio das fórmulas humorísticas dos três personagens mais famosos do
humorista Roni Rios85:
84
Como ressaltamos em Melo Alves (2015b). 85
Roni Rios foi um famoso humorista. Sua criação mais famosa foi a Velha Surda, protagonista de
quadros da Praça da Alegria e A Praça é Nossa.
43
o A Velha Surda – Com o nome de Bizantina Scatamávia Pinto, a personagem incomodava Apolônio, personagem vivido por Viana Jr. Fórmula: A idosa devido a um problema de audição, não entendia o que ele dizia, gerando uma narrativa humorística com palavras de duplo sentido. Ao final do quadro, Apolônio acreditava na história criada pela senhora e tomava como verdade, até cair em si.
o Philadelpho – O velho “com dois ph: um no phi, outro no pho”: Fifo. Fórmula: O personagem sempre recebia investidas da personagem Fifa, interpretada por Edna Velho, no entanto, se esquivava com piadas relacionadas à sua idade avançada. Sob o objetivo de conquistá-lo, a personagem fazia um strip-tease e, mesmo assim, não alcançava o objetivo almejado. Ao final do quadro, cansada, ofendia-o de “velho babão, bobão...”. E Philadelpho completava com o “bundão”.
o Explicadinho – Famoso pelo bordão “nos mínimos detalhes” Fórmula: O personagem, incisivamente, quer explicações detalhadas do que é dito sob a justificativa de gostar “das coisas muito bem explicadinhas nos seus nos mínimos detalhes!” até irritar o seu interlocutor.
Figura 9 – Personagens de Roni Rios (A Praça é Nossa): A Velha Surda, Philadelphio e
Explicadinho. 86
Estas fórmulas se apresentam maleáveis e não possuem, a priori, uma
estrutura rígida: mas um modelo fixo. Por exemplo, em 1977, no programa A
Praça da Alegria (TV Globo), o cantor Roberto Carlos fez uma participação
86
GLOBOPLAY. Relembre a velha surda de Rony Rios em ‘A Praça da Alegria’. Disponível em:
<http://globoplay.globo.com/v/2406259/>. Acesso em: 02 maio 2016.
MINILUA. Alguns personagens inesquecíveis da Praça é Nossa. Disponível em:
<http://minilua.com/personagens-praca-nossa/>. Acesso em: 02 maio 2016.
44
especial no quadro da Velha Surda, o texto-base do quadro manteve-se, a idosa
não entendia o que Miele87 e o personagem Apolônio diziam. No entanto, ao
conversar com o cantor, Bizantina escutava perfeitamente e mantinha o diálogo,
fato que causou um efeito humorístico a mais.
Considerando a materialidade linguística dos esquetes, a fórmula não
deixa ser uma estratégia dos redatores de humor para criação de um quadro
humorístico. Em entrevista ao jornalista Valério Andrade, do Jornal do Brasil, Max
Nunes88 afirma:
No humorismo não se pode inventar. Com a obrigação de escrever dois a três programas semanais, não há como deixar de repetir. Duvido que Deus tenha mais bossa do que os humoristas de televisão. Aqui tudo é feito em pouco tempo, por pouca gente e com muito improviso.
89
José Santa Cruz, um dos maiores humoristas da televisão brasileira,
afirmou na mesma reportagem:
É muito difícil escrever para a televisão. O desgaste é grande. Além do número bem limitado de situações humorísticas - o bobo, o vigarista, etc. - só é possível fazer graça dentro do desenvolvimento destes tipos. Como contentar ao público, semanalmente, trazendo novidades engraçadas?
90
Neste sentido, o uso da fórmula humorística deve-se, principalmente a
duas características do momento histórico da produção desse tipo de conteúdo: a
ausência de roteiristas e a censura, durante os regimes militares. Estes dois
fatores são relatados, insistidamente, por produtores de humor91. Em entrevista
ao programa Roda Viva, em 1993, Chico Anysio comenta sobre a produção de
humor em tempos ditatoriais:
Foi a pior época, na ditadura foi a pior época, porque qualquer censura é ruim, não é? Quer dizer, foi ruim no rádio no tempo que tinha o DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda, já era ruim, no rádio. Cortaram coisas absurdas,
87
O showman Luiz Carlos D'Ugo Miele, o Miele, atuou, como humorista, em programas como
Faça Humor, Não Faça Guerra e Planeta dos Homens. Nas edições da Praça da Alegria, da TV
Globo, serviu de escada para inúmeros humoristas. 88
Max Nunes, ao lado de Haroldo Barbosa, é um dos pilares do humor tipicamente brasileiro.
Criador de programas icônicos como o Balança mas não cai, My fair show e Times Square. 89
ANDRADE, Valério. “A vitória do humor” In: Jornal do Brasil, 05/11/1971. 90
ANDRADE, Valério. “A vitória do humor” In: Jornal do Brasil, 05/11/1971. 91
Cf. Anysio (1992) e Assis (2007).
45
não é? Cortaram... eu me lembro que um dia eu escrevi “Auriverde, pendão da minha terra que a brisa do Brasil beija e balança”, o pessoal cortou beija e balança, quer dizer, eu acho... Tive que ir lá explicar que era do Castro Alves, não era meu, não tinha culpa. Sabe, cortaram coisas, eu botei “Você vai para a Europa, vê se me consegue uns afrescos de Rafael” Aí cortaram afresco, o cara pôs uma puxadinha e pôs assim, diga: "rapazes de maus hábitos". Uma coisa absurda as pessoas que censuram eram tão...
92
Programas de humor tipicamente brasileiro, como a Escolinha do
Professor Raimundo, se inserem neste contexto e podemos dizer que, na maioria
das vezes, o formato da Escolinha se valeu de pelo menos uma fórmula para
cada aluno. Assim, na interação entre o telespectador e o programa, há um
processo de leitura de cada fórmula e este elemento influenciou na produção do
conteúdo humorístico.
A fórmula é um recurso que está diretamente relacionado ao quadro
humorístico, que tem como pressuposto a dinâmica da repetição. Essa dinâmica
se mostra como elemento essencial para a fidelização de um público e a fixação
do personagem.
Ao pensarmos esta dinâmica, em específico na Escolinha do Professor
Raimundo, podemos relacionar ao que Eco93 afirma como uma “réplica do
mesmo tipo abstrato”, ou seja, a fórmula do quadro se dá, a partir de uma
construção no campo da intersubjetividade e se configura dentro de uma
estrutura de tipologia do campo estético: a da repetição.
E ainda, sobre esta tipologia da repetição, podemos afirmar que, assim
como Eco desenvolve sobre as narrativas modernas, a “excelência” 94 do texto
humorístico da Escolinha do Professor Raimundo é “atribuído ao modelo, e as
reproduções do modelo” 95. Ou seja, para cada aluno é indicado o uso de uma
fórmula humorística.
92 ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva:: Chico Anysio. 1993. Disponível em:
<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/444/chico
anysio/entrevistados/chico_anysio_1993.htm>. Acesso em: 22 jun. 1993. 93
ECO, 1989, p.195. 94
ECO, 1989, p.197. 95
ECO, 1989, p.195.
46
Não entendemos a fórmula humorística do esquete tipicamente brasileiro
como um gênero, mas, como um texto-base, um modelo do campo intersubjetivo
que inclui elementos-chaves, como a presença de piadas e bordões. O bordão é
aquela expressão que é repetida para obter um efeito risível. O próprio professor
Raimundo, ao final de cada bloco do programa lançava mão do seu bordão “É
vapt-vupt!” e, ao final do humorístico, reclamava da sua remuneração com “E o
salário? Ó!”.
O personagem do humorista Antônio Pedro na Escolinha, o Seu Bicalho,
criava efeitos sonoros com a sua boca e, ao receber o zero do professor, não
hesitava em dizer “Zerinho? Mas fiz o meu sonzinho". O Seu Geraldo,
interpretado pelo ator Castrinho, ao contar suas histórias de duplo sentido ao
professor, incluía o "Geraaaaaaaldo!!!".
O portal Gshow, como estratégia de lançamento do remake da Escolinha
do Professor Raimundo, em 2015, fez um especial96 com alguns bordões dos
alunos da sala de Chico Anysio. A afim de ilustração, organizamo-los em um
quadro.
Quadro 2 – Bordões da Escolinha do Professor Raimundo
Personagem Bordão
Aldemar Vigário Quem? Quem? Raimundo Nonato!
Armando Volta Sambarilove
Baltazar da Rocha Sabo-lho
Bertoldo Brecha Veeeeeeenha!
Cacilda Fala, baixinho. Mas quando falar meu nome vê se rebola essa
língua. É Caciiiiilda!
Cacilda Beijinho, beijinho, pau, pau!
Dona Bela Só pensa naquilo
96
GSHOW (Org.). Dê play no seu bordão preferido: Escolinha do Professor Raimundo. 2015.
Disponível em: <http://especiais.gshow.globo.com/programas/escolinha-do-professor-
raimundo/bordoes-escolinha/index.html>. Acesso em: 07 dez. 2015.
47
Dona Thalia Vou beijar muito
Galeão Cumbica Aí eu choro: au- auuuu!
Joselino Barbacena Ai, meu Jesus Cristinho, já me descobriu aqui outra vez! Será
impossíverrr? Larga d’eu, sô!
Marina da Glória Chamou, chamou!
Nerso da Capitinga É ieu mesmo!
Paulo Cintura Saúde é o que interessa, o resto não tem pressa
Pedro Pedreira Pedra noventa, só enfrenta quem aguenta
Pedro Pedreira Há controvérsias
Prof. Raimundo E o salário, ó!
Rolando Lero Captei!
Rolando Lero Amado, mestre!
Seu Boneco Aí eu vou pra galera!
Seu Peru O Peru é todo seu
Tati Muuuito irado
Zé Bonitinho Zé Bonitinho, o perigote das mulheres
Este elemento, o bordão, não é restrito aos programas humorísticos,
apesar da sua massiva presença no esquete humorístico tipicamente brasileiro.
48
O recurso é utilizado em diversos gêneros, como novelas97, sitcoms98, programas
de auditório99 ou até mesmo no jornalismo100. O humor tipicamente brasileiro
ficou, também, popularmente conhecido como o “humor de bordão”, exatamente
por este recurso estar incluso, muitas vezes, na fórmula humorística do quadro e
esta fórmula, assim como o bordão, é repetida semanalmente.
A fórmula humorística trata-se de uma base, um esqueleto, de caráter
intersubjetivo para o diálogo que será desenvolvido no esquete indicando aos
humoristas modos de envolvimento e “tarefas” a se cumprir, apresentando
possibilidades aos participantes, como improvisos, bordões e piadas, sob a
finalidade de transformar um esquete em quadro humorístico.
Assim, podemos afirmar que a estética do formato da Escolinha é baseada
na repetição de uma fórmula humorística e a presença do escada em todos os
esquetes. Deste modo, nos faz pensar, a priori, que o professor é responsável
pela união dos esquetes, por meio da sua participação onipresente nos quadros.
E que esta estética da repetição de fórmulas, dentro do formato, não reduz a
grandeza dele, ao contrário, esta estratégia pode se dar como estimuladora da
produção da piada (conceito que desenvolveremos no próximo capítulo).
Na esteira dos programas humorísticos, o professor Raimundo, a partir de
suas perguntas, permite que seus alunos desenvolvam suas fórmulas,
evidenciando, assim, uma característica marcante do esquete tipicamente
brasileiro. Propomos, então, como parte da nossa análise dos esquetes da
Escolinha do Professor Raimundo, no terceiro capítulo desta dissertação,
identificar as fórmulas de cada personagem e o papel do escada, a partir de suas
perguntas, em cada fórmula humorística.
97
Por exemplo, "Tô certo, ou tô errado?", de Sinhozinho Malta, personagem de Lima Duarte em
Roque Santeiro, de 1985. 98
Como o “Cala a boca, Magda”, de Caco Antibes, personagem de Miguel Falabella em Sai de
Baixo. 99
O apresentador Chacrinha apresentava os bordões "Roda e avisa", “Alô, atenção” e "Quem vai
querer?". 100
“Corta pra mim!”, bordão do jornalista Marcelo Rezende, ou “Olá, tudo bem?” de Paulo
Henrique Amorim.
49
Se a vida fere, uma piada cura.
Chico Anysio 101
Capítulo 2 - O escada na piada
Há uma antiga piada da mulher que estava sentada em um ônibus vazio,
preenchendo suas palavras cruzadas, extremamente concentrada até o momento
em que um sujeito bêbado entrou na condução e resolveu sentar, justamente, ao
lado dela. E a dama, que estava distraída, assustou-se ao se dar conta da
presença daquele bebum e, já fazendo cara feia, pensou: "Com tantos lugares
desocupados, ele tinha de sentar logo perto de mim?". Porém, sem desgrudar os
olhos daquela revista, falou em alto e bom som, pra provocar o bêbado: “É
inconveniente, feio e, ainda por cima, tem um fedor insuportável!”. O rapaz
embriagado olhou para a mulher, olhou para a revista dela, olhou, novamente
para a moça e respondeu: “Se for com cinco letras, é gambá!”102.
Também tem aquela do português que, pela primeira vez, foi assistir a um
jogo de futebol in loco. Mas aquele trânsito na terrinha fez com que ele chegasse
um tanto quanto atrasado. Muito atrasado. Era final do segundo tempo. Ao entrar
naquele estádio lotado com os torcedores do Benfica, o Manuel perguntou ao
pipoqueiro: “Oh, gajo, quanto estar o jogo?”. E o pipoqueiro respondeu atônito:
zero a zero. E o português aliviado: “Ufa! Cheguei a tempo!”.
Com toda certeza, essas piadas poderiam estar em forma de esquetes em
muitos humorísticos da história da nossa televisão. O próprio dicionário da TV
Globo103, afirma que o Chico Anysio Especial, de 1970, “vivia da mais elementar
fórmula humorística: a anedota104”. Os quadros humorísticos de programas com o
“humor tipicamente brasileiro”, tal como é a Escolinha do Professor Raimundo,
101
CHICO Anysio Ao Vivo. Roteiro: Chico Anysio e Arnaud Rodrigues. S.i.: Phonodisc, 1975. LP,
son. 102
NOVA FOLHA COMERCIÁRIA (Brasil). Gênio da Cruzadinha. Nova Folha Comerciária:
Informativo do Sindicato dos Empregados no Comércio de Patos de Minas e Região. Patos de
Minas, fev. 2013. p. 04-04. Disponível em:
<http://www.sindec.com.br/jornal/NovaFolha_Fev2013.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2016. 103
DICIONÁRIO DA TV GLOBO v. 1: programas de dramaturgia e entretenimento. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, 2003. 104
Assim como Gil (1991), tomamos anedotas como um sinônimo de piada.
50
alternam-se em esquetes baseados em fórmulas com esquetes baseados em
piadas enlatadas105.
Entendemos, a priori, as piadas deste tipo como piadas com o maior poder
de circulação, mas, ao mesmo tempo em que são recicláveis106, possuem uma
estrutura mais datada em relação ao contexto. Muitas vezes, o professor
Raimundo, ao sabatinar os seus alunos, orientava suas perguntas não para
receber a resposta correta, mas para que os humoristas pudessem contar piadas
do seu repertório, como é o caso de personagens como o Seu Mazarito,
interpretado pelo humorista Costinha. A fórmula humorística do quadro baseava-
se em franquear o uso dessas piadas no programa. Nela, o professor perguntava
ao aluno algo e recebia como resposta um conjunto de piadas enlatadas, todas
descontextualizadas à aula.
Figura 9 – Seu Mazarito (Costinha)107
105
Canned joke, conceito de Fry Jr (1963) traduzido por Gil (1991) como piada enlatada, é uma
piada já pronta, previamente preparada, memorizada para ser recontada nas ocasiões que as
pessoas desejarem; é uma piada de domínio público e de uso coletivo. (Gil, 1991). 106
O caráter reciclável da piada permite ao seu contador mudanças, de forma intencional ou não,
mas estas mudanças não alteram os mecanismos do texto humorístico em si, como afirma
Attardo (1994). 107
BOBAGENTO (Comp.). Lá vem o Bobagento: Trecho do humorístico Escolinha do Professor
Raimundo com os saudosos Chico Anysio e Costinha. 2012. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Bm1XJkfH5BU>. Acesso em: 18 jul. 2016.
51
Os estudos do humor, costumeiramente, vêm focando seus esforços na
construção do risível causado pela incongruência, pela quebra de expectativas,
pelos estereótipos... Em vários gêneros humorísticos, sobretudo a piada. Afinal,
como afirma Travaglia108, a piada é um gênero-base do humor. No entanto,
nenhum dos estudos levantados em nossa bibliografia voltou seus olhares,
prioritariamente, ao pipoqueiro ou à mulher no sentada no ônibus, retomando os
exemplos do início deste capítulo.
É claro que poderíamos classificar os exemplos como piadas de bêbado e
de português, mas não deveríamos deixar de registrar a importância dos outros
personagens nessas piadas, os escadas. Já que em nosso trabalho buscamos
investigar consonâncias do papel do escada nas fórmulas humorísticas da
Escolinha do Professor Raimundo e estes interlocutores nas piadas exercem, a
priori, uma função semelhante: neste capítulo, aprofundaremos sobre este
personagem, o dos personagens secundários na piada. Para isso, buscaremos
entender a estrutura deste gênero: a piada.
A piada
A piada é um gênero. Conceito este que Bakhtin109 apresenta não sob o
objetivo de categorizar ou, muito menos, restringir as suas relações com os
outros enunciados. Afinal, possui uma relativa estabilidade. O estudo, principiado
pelo teórico, coloca o gênero na sua situação comunicativa, diferente dos estudos
que se delimitavam somente aos elementos linguísticos.
Segundo Bakhtin110, a enunciação resulta da relação entre os sujeitos em
uma dada situação concreta de comunicação em que não se prestigia nem a
língua como representação estruturalista, nem como de caráter meramente
subjetivo. Dá-se na interação verbal: toda palavra serve de expressão a um em
relação ao outro.
108
Cf. TRAVAGLIA, 1992. 109
Cf. BAKHTIN, 2001. 110
Cf. BAKHTIN, op. cit.
52
Ressaltamos que a presença de referências à obra do teórico russo,
Bakhtin, nesta dissertação não desvia o curso do desenvolvimento do trabalho,
ao contrário, tomando por base os estudiosos que adotam uma concepção
sociocognitiva e interacionista da relação entre linguagem e mundo, e
considerando a referência como um fenômeno que concerne simultaneamente
aos usos da linguagem em contexto, o quadro teórico aqui a ser levantado funda-
se na premissa de que os discursos ocupam um lugar central na construção do
mundo de nossas vivências e não se distancia do trabalho do teórico, mas, sim,
reapresenta pontos da obra dele dando novas possibilidades de aplicação no
processo de construção textual e humorística.
Assim, Bakhtin111 afirma que um gênero, como é a piada, pode sofrer
alterações em decorrência das necessidades e mudanças da sociedade. Ou
melhor, se pensarmos na piada, poderíamos não enxergar uma estabilidade tão
explícita. Na sequência, temos três exemplos de piadas que ressaltam essa
instabilidade quanto à forma.
(1) O caipira vai a uma consulta e o médico pergunta: - O que senhor tem? - Uma muié, uma vaca e uma galinha... - Não é isso... O que o senhor está sentindo? - Ah, tá! Vontade de largá a muié, vendê a vaca e comê a galinha com quiabo!
112
(2) As mulheres são como as piscinas. Para o tempo que passamos dentro delas, a manutenção sai bastante cara.
113
(3) Cunha faz o que quer no país. Se rolasse um plebiscito e passasse a monarquia, tava arriscado a virar Rei. Porque réu ele já é.
114
111
Cf. BAKHTIN, op. cit. 112
PIADAS.COM.BR. O caipira no médico. Disponível em:
<http://www.piadas.com.br/piadas/piadas-curtas/o-caipira-no-medico>. Acesso em: 01 maio 2016. 113
SECAS, Piadas. As mulheres são como as piscinas. Para o tempo que passamos dentro
delas, a manutenção sai bastante cara. 16 de Março de 2016, 10h51.
https://twitter.com/Piadas_Secas10/status/707202153622970368?lang=pt (Acesso em:
01mai2016)
53
A piada é associada a uma função social relacionada ao riso e a todos os
aspectos que lhe são provenientes. Segundo Gil115, são formas de narrativas que
têm por meta gerar um sentido humorístico e na maioria das vezes curtas, como
podemos observar nos exemplos anteriores. A autora defende que na piada há
um antecedente que introduz a narrativa e um consequente que nela surge com
uma conclusão inesperada.
Conceito semelhante à categorização clássica da stand up comedy,
apresentada pela humorista americana Judy Carter116, do setup e punchline.
Segundo ela, o setup apresenta a premissa da piada e fornece as informações
básicas. Já o punchline, o soco, é a linha do riso e leva o público a uma direção
surpreendente por meio de um elemento surpresa. Para Carter, esta estrutura
possui uma curta duração, assim como afirma Gil117. Para a autora americana, o
setup encaminha a piada para vários caminhos, inclusive o punchline.
Independentemente das definições, temos como pressuposto teórico que
qualquer piada é um texto de humor que para provocar o riso se utiliza da
transferência de uma narrativa dita “séria” para outra não “séria”.
De Bakhtin até os estudos atuais, a análise dos gêneros vem sendo
ampliada não de forma a esgotar o assunto, mas com o intuito de oferecer
diversas perspectivas que podem ser ajustadas às distintas finalidades. Por meio
do trabalho do teórico Maingueneau118, Ramos119 destacou que o rótulo piada
tem o seu funcionamento como um hipergênero120, conceito do pesquisador
francês. Logo, entender a piada como desta forma é entender que ela pode ser
apresentada em uso das mais variadas linguagens, ou seja, nos exemplos (1), (2)
114
MAZZEO, Bruno. Cunha faz o que quer no país. Se rolasse um plebiscito e passasse a
monarquia, tava arriscado a virar Rei. Porque réu ele já é. 28 de Abril de 2016, 12h12.
https://twitter.com/bmazzeo/status/725704350077702145?lang=pt (Acesso em: 01mai2016) 115
Cf. GIL, 1991. 116
CARTER, 2010. 117
Tal como podemos observar em Freud, no seu conceito de brevidade na sua teoria sobre os
chistes. Cf. FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905). Obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 8, 1996. 118
MAINGUENEAU, 2004. 119
Cf. RAMOS, 2007. 120
O temo hipergênero, postulado por Maingueneau (2004), se refere a um gênero que
compreende outros gêneros.
54
e (3) pontuamos piadas com formas distintas, mas com o mesmo objetivo:
provocar o riso.
São várias as explicações para o riso. O argumento da incongruência é
uma das correntes teóricas tradicionais que explicam o efeito de humor,
juntamente com a teoria da superioridade e a do alívio, segundo Morreal121. A
teoria da superioridade entende que quando há no ser um sentimento de
superioridade que dobra o outro frente ao acontecimento, diálogo ou fato de nível
social, moral ou ético, é que ocorre o risível. A teoria do alívio enxerga que há
uma quebra de tensão no diálogo que provoca riso, uma repentina mudança da
cena. Já a da incongruência é quando há uma da “incongruência” durante a cena
ou interação que provoca o efeito de humor, ou seja, é incongruente a forma
como o interlocutor durante a narração da piada quebra a expectativa que vem
sendo gerada.
Nesta lógica, no início da década de 1990, tomada pela curiosidade sobre
o que provoca o riso (ou o “poder do riso”), Gil apresentou a tese de
doutoramento “A Linguagem da Surpresa: uma proposta para o estudo da
piada”122. O trabalho surgiu no intuito de situar-se no campo das Ciências da
Linguagem, apesar do forte diálogo com os estudos culturais do humor. O corpus
escolhido pela autora para análise foi constituído por 2215 piadas, todas da
coletânea “As anedotas do Pasquim”, dada a dificuldade, na época, de coleta de
material deste tipo. O material de pesquisa foi composto no seu total por piadas
enlatadas123.
A autora postulou que a Linguística Tradicional – a da palavra – pode
resolver jogos de palavras e trocadilhos, mas não todos os casos. Assim, foi
necessário no trabalho um apoio “extralinguístico”, que a autora buscou na
Pragmática, na Semântica e na Linguística de Texto (LT). A LT, em tese, surge
como um dos apoios teórico-metodológicos do trabalho, por meio do modelo de
121
Cf. MORREALL, 1983. 122
GIL, 1991. 123
Canned Joke, conceito de Fry Jr (1963): a piada enlatada, tradução de Gil (1991), é uma piada
já pronta, previamente preparada, memorizada para ser recontada nas ocasiões que as pessoas
desejarem; é uma piada de domínio público e de uso coletivo..
55
análise de Beaugrande e Dressler124. Para a pesquisadora, os padrões de
textualidade descritos por estes autores garantiriam a sequência tópica deste tipo
de texto humorístico.
Postulou também que a piada, assim como o texto, não é um todo de
frases aleatórias, é coerente e lógica. Em uma sessão de sua tese, “A piada
como texto”, destacou as especificidades linguísticas deste gênero: “A piada é,
pois, uma unidade linguística concreta, dotada de propriedades que a relacionam
intimamente com o riso, em situação de comunicação de interação, com função
comunicativa definida” 125.
O estudo do texto apresentado por Beaugrande e Dressler126 forneceu à
pesquisadora direcionamento na pesquisa dos componentes deste tipo de texto
“peculiar”. Gil127 sublinhou que a piada, assim como o texto, tem o seu propósito
comunicativo e satisfaz padrões de textualidade. Assim, entendeu que a piada se
baseia nestes pressupostos.
Para a autora, na piada a coerência não funciona como nos demais textos.
Segundo Gil, a coerência é sui generis, se expressa por meio de uma estrutura
que se compõe de um antecedente e um consequente, intercedidos por um
elemento mediador, tal como Raskin128, em um trabalho anterior, propôs em uma
teoria formal sobre o humor verbal. No entanto, o autor apoiou-se na noção de
script.
Para Raskin129 o humor vem da alteração de um script bona-fide para
outro que não é bona-fide, ou seja, altera-se de uma forma comumente de
diálogo para outra que não é comum. O texto humorístico, segundo o autor, é
composto por scripts que não são compatíveis entre si. A mudança de um modo
para o outro seria feita, de maneira explícita ou não por meio de um gatilho. Esta
124
Beaugrande e Dressler (1983) postulam que o texto como unidade comunicativa obedece a
padrões de textualidades, que são: coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade,
situacionalidade, informatividade e intertextualidade. 125
GIL, 1991, p.125. 126
BEAUGRANDE E DRESSLER, op. cit. 127
GIL, 1991. 128
Cf. RASKIN, 1985. 129
Cf. RASKIN, op. cit.
56
definição foi postulada na Teoria Geral do Humor Verbal e pode ser aplicada a
vários conteúdos humorísticos, como a piada ou mesmo a fórmula humorística.
O conceito de gatilho130 é semelhante ao conceito de elemento mediador,
postulado por Gil. Servem como uma mediação entre os scripts bona-fide e não
bona-fide ou entre antecedente e consequente: é uma comparação que Ramos
estabelece.131 Assim gatilho e elemento mediador se equivalem no objetivo de
auxiliar o “elemento surpresa”: o consequente ou o scripts não bona-fide.
Apesar da importância dos trabalhos de Raskin e Attardo aos estudos do
humor por um viés linguístico, em nosso trabalho utilizaremos as nomenclaturas
apresentadas pela professora Gil: antecedente, consequente e elemento
mediador, considerando a proximidade dos conceitos.
No capítulo aqui presente, indicaremos estes elementos apresentados por
Gil132 como fundamentais à piada e ilustraremos por meio de piadas para
podermos, então, aplicar em nosso capítulo de análise dos esquetes
humorísticos da Escolinha do Professor Raimundo.
Pronta e conversacional
Attardo133 diferenciou as piadas em dois tipos: piadas conversacionais e
prontas. Definiu a piada pronta como aquela que apresenta uma narrativa
tendencialmente curta, com final inesperado, e a piada conversacional como
aquela tem a origem no decorrer do processo de interação oral e se forma, na
maioria das vezes, a partir de um improviso. Podemos perfeitamente rotular uma
piada enlatada, conceito de Fly, como uma piada pronta segundo a definição do
Attardo.
130
Cf. RASKIN, 1985. 131
Cf. RAMOS, 2007. 132
Cf. GIL, 1991. 133
Cf. ATTARDO, 1994.
57
Em trabalhos anteriores134, propomos um paralelo entre os conceitos de
piada conversacional e piada pronta com o que Bakhtin135 define em gêneros
primários e secundários. Segundo o teórico, para definir “o caráter genérico do
enunciado” há uma distinção entre gêneros primários e secundários: os primários
se dão como simples, e de vez em quando como componente de gêneros
secundários e muitas vezes são frutos de uma comunicação espontânea (uma
réplica comum), já os gêneros secundários são mais complexos, mais evoluídos,
como um romance, um discurso ideológico ou o teatro.
Assim, se para Attardo136, a piada conversacional tem a origem no decorrer
do processo de interação oral e se forma, na maioria das vezes, a partir de um
improviso podemos relacioná-la ao conceito de gênero primário. Já a piada
pronta, que é preparada para ser contada e possui uma estrutura mais complexa
pode ser correlacionada ao conceito de gênero secundário. Para ilustrar de
maneira mais clara, fizemos o seguinte quadro:
Quadro 3 - A piada e o gênero
A piada e o gênero
Piada pronta, segundo Attardo (1994), é aquela que apresenta uma narrativa tendencialmente curta, com final inesperado
Gênero secundário, segundo Bakhtin (2000, p. 281), “aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída”.
Piada conversacional, segundo Attardo (1994), tem a origem no decorrer do processo de interação oral e se forma, na maioria das vezes, a partir de um improviso.
Gêneros primários, segundo Bakhtin (2000), são frutos de uma réplica comum, ditos simples.
134
Cf. MELO ALVES, 2015. 135
Cf. BAKHTIN, 2000. 136
Cf. ATTARDO, op.cit.
58
Se para Bakhtin137, o gênero primário pode compor um gênero secundário,
partimos do pressuposto que dentro de uma piada pronta pode haver piadas
conversacionais. Assim, propomos, agora, observar138, duas piadas semelhantes:
uma retirada do livro “Chico Anysio em Salão de Sinuca”, do humorista Chico
Anysio, e outra da publicação “Piadas Safadas”, uma coletânea de “piadas fortes
para adultos”. Ressaltamos que essas piadas não pertencem ao corpus estudado
por Gil139.
(1) O português conseguiu convencer a mulata e carregou-a para o hotel. Os dois já nus, na cama, a mulata disse que não queria trepar. - Como não queres? - Pô, cara, trepar não tá com nada. É por fora paca. A jogada legal é fazer um 69. - Do que estás a falar? - 69, cara. Eu deito pra cá, você deita pra lá, aí eu chupo o seu cipó numa boa e você passa a língua na minha loló, aqui, bem em ciminha, no grelinho, sacou? - Nunca soube disto, m’nina. - Mas o lance é este. Vem cá. Colocaram-se na posição, ela abocanhou o cipó do português e ele começou a passar a língua no loló dela. De repente ela deu um peido. Mas aquele peido de quem comeu urubu com ovos. O português levantou-se puto. - Chegou, pra mim. Os outros 68 tu vais dar na cara da tua mãe.
140
(2) Manoel veio ao Brasil e ficou sabendo de um tal de 69 e ficou curioso, pois disseram que era um tesão, coisa e tal. Como não tinha namorada, armou uma puta e levou pro motel. Foi logo pedindo: - Topaste fazer o tal de um 69? A puta topou na hora e lá estavam os dois na posição, quando, de repente (e sem querer) a puta solta um belo peido bem na cara do Gajo; que muito bravo, levanta de supetão e diz: - Oh raios! Pode parar, que não vou aguentar os outros 68...
141
Podemos afirmar que estes textos são piadas e adequam-se a formulação
de “linguagem da surpresa”, proposto por Gil142: estabelecem-se como pequenas
137
Cf. BAKHTIN, 2000. 138
A partir da nossa observação em Melo Alves (2015). 139
O corpus de Gil (1991) restringe-se às piadas do Pasquim. 140
FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca.
São Paulo: Landscape, 2004. 141
PIADAS SAFADAS. Brasil: s.d. 142
GIL, 1991.
59
narrativas, dialogais, própria do gênero piada pronta143 (em termos de adequação
enunciativa), e possuem um antecedente e um consequente. O antecedente
prepara a piada e o consequente conclui com uma informação que estava
implícita no primeiro momento. Na piada (1), o consequente estabelece-se a
partir de “outros 68”. No exemplo (2), o consequente também está em “outros
68”.
Para Raskin144, o gatilho assenta-se em uma contradição ou em uma
ambiguidade. No caso das piadas acima, a surpresa leva ao consequente por
relação de ambiguidade ao antecedente. Assim, podemos concluir que a
semelhança de tais piadas está no mesmo elemento mediador, que media
“outros 68” com a ambiguidade presente na expressão “69”, juntamente o ato da
profissional do sexo ter soltado uma flatulência.
Gil145 acentua que a piada deve optar sempre pela economia de
informações para manter duas características fundamentais do gênero: o efeito
de surpresa causado pelo consequente e a brevidade. Para autora, duas
particularidades afetam o desenvolvimento deste tipo de texto humorístico:
a) Elementos textuais em termos de previsibilidade no antecedente. b) Abundância de formas linguísticas.
Ao consideramos as duas piadas acima a característica (a), pertinente a
previsibilidade da informação do consequente introduzida no antecedente, ou
143
Cf. Attardo, 1994. 144
Cf. RASKIN, 1985. 145
Como afirmamos, Gil (1991) atrela o seu estudo aos padrões de textualidade postulados por
Beaugrande e Dressler (1983). No tocante, a quantidade de informações em uma piada, estudo
que Raskin desenvolve a partir das máximas de Grice (1982), Gil opta pelo conceito de
informatividade. Para Gil, a piada, como o texto e unidade comunicativa obedece a este fator. A
informatividade, para a autora, se refere à quantidade de informação no texto. O princípio da
informatividade, com o qual se refere autora, está indicado ao que diz à seleção e quantidade de
informações de um determinado texto. Para a autora, este princípio sugere uma adequação do
texto para não desviar o foco da surpresa e prejudicar o desenvolvimento da piada. Neste sentido,
apesar de estar há mais de duas décadas de diferença desta nossa dissertação e o trabalho de
Raskin ser mais amplo quanto ao objeto (o humor verbal como um todo), o trabalho da
pesquisadora mereceu nossa atenção. A autora observa que a informatividade ocorre na piada
em níveis diferentes, como nos exemplos, e não há mudança de forma gradativa, mas de forma
súbita, mediada exatamente por um elemento mediador.
60
seja, o punchline não é adiantado. As piadas no corpus de pesquisa apresentam
mecanismos específicos que são recorrentes: pares de pergunta e resposta que
garantem o traço de oralidade da piada146. Gil acrescenta que esse jogo de
pergunta e resposta não é somente elemento coesivo, mas funciona como
encadeador de sentido da piada.
As duas cumprem o protótipo da piada enlatada e não falham a
intencionalidade humorística. A informação de que o protagonista relacionou o
nome da posição sexual “69” a quantidade de flatulências que a outra
personagem produziria é omitida no antecedente. Assim, o consequente é mais
informativo do que o antecedente.
Sobre a abundância de formas linguísticas, pode-se haver uma discussão
maior. Observamos que em (1) há uma digressão maior por conta das descrições
do narrador e dos personagens em detrimento a (2). Um maior número de
informações novas justapostas a um estigma discursivo do protagonista, nos
quais “Manoel” e “português” evocam a burrice atribuída ao personagem.
Podemos dizer que o texto mais farto em informações novas exige um
maior esforço por parte do leitor/ouvinte147, assim, o traço de oralidade na
narrativa (1), presente em formas linguísticas como “aí eu chupo o seu cipó numa
boa e você passa a língua na minha loló, aqui, bem em ciminha, no grelinho”,
auxilia a preparação para o sentido humorístico da piada, prepara a
previsibilidade errônea da piada e desvia a atenção do leitor/ouvinte do texto, já
que se torna uma nova informação que prende a atenção e aumenta expectativa.
Mais do que isso, essas formas linguísticas causam também o riso, mas
como piadas conversacionais. Assim, já que para Bakhtin148, um gênero primário,
tal qual é a piada conversacional, pode compor um gênero secundário: na piada
(1), podemos observar que dentro de uma piada pronta149 podem ser observadas
146
Para Fávero, Andrade e Aquino (2012), as interações, na maioria das vezes, são marcadas
por pares adjacentes, como se apresentam no caso das piadas dos exemplos. 147
FÁVERO, 1985. 148
Cf. BAKHTIN, 2000. 149
Para Fry (1962), piadas como a narrativa (1) apresentam-se, na maioria das vezes, em forma
de diálogo.
61
piadas conversacionais causando o risível na própria narratividade da piada
sem acionar antecipadamente o elemento mediador.
Personagens secundários
O foco do nosso trabalho é o escada, aquele personagem que auxilia o
seu interlocutor atingir o sentido inesperado na interação. Gil150 constatou, a partir
da análise do seu corpus, a presença de personagens primários e secundários. O
escada não deixa de ser um personagem secundário na piada. Afinal, quem põe
em ação, o desfecho inesperado da narrativa humorística, é o personagem
primário.
A autora se preocupou em analisar apenas a participação dos primários.
Não é difícil encontrar trabalhos que, assim como o da pesquisadora, se
preocupem, somente, com os protagonistas das piadas, afinal eles que acionam
o gatilho, conceito de Raskin, que Gil trata como o elemento mediador.
O anedotário popular nos mostra que para cada piada de Joãozinho,
muitas vezes, há uma Mariazinha ou uma professora. Para cada piada de
bêbado existirá outro bêbado ou alguém que se incomode com um ou com os
dois. Há sempre alguém para o papagaio perturbar. Isto posto, notamos a
importância de sondar a participação desses personagens, os secundários, na
construção do efeito humorístico nas piadas prontas.
Gil sublinha uma comparação da estrutura da piada pronta com a relação
lógica aristotélica. No entanto, diferentemente da proposição do silogismo que se
regula pela analogia, a piada pronta se orienta pelo princípio da surpresa. Como
citamos, esta descontinuidade é um recurso intencional para causar o riso no
leitor/ouvinte e é coerente.
O elemento mediador é um dos mecanismos linguísticos que garantem a
esta coerência na piada pronta, garantindo o sentido non sense da piada. O
consequente vai de encontro com o absurdo e o fruto da surpresa é “mediado”
150
GIL, 1991.
62
por este recurso linguístico. Cientes da importância do elemento mediador para a
criação do risível, propomos, nesta seção, investigar a participação do escada na
construção deste mecanismo.
Face ao amplo compilado de piadas que Chico Anysio fez, dos seus 41
anos de shows, em “Chico Anysio em Salão de Sinuca”151, decidimos observar
essa obra que se constitui como um rico corpus humorístico. O livro é composto
por 146 piadas prontas, na quais se incluem narrativas de shows históricos, como
o espetáculo “Gostei mais do outro por razão justa, esse é o outro, aquele é
aquele” 152, de 1975, e a apresentação “As Anedotas do Pasquim”, na qual Chico
se apresentou ao lado de Ronald Golias, Zé Vasconcellos e Ziraldo, em 1980.
Em sua maior parte, as piadas formam um corpus comparável, isto é,
consistem-se, seguindo um padrão semelhante, sendo que em 122 delas nota-se
a presença de personagens secundários.
Deste total, após analisarmos as piadas que compõem esse conjunto,
observamos que, pelo menos, um personagem secundário é corresponsável pela
construção do efeito humorístico da piada. Este personagem secundário, que
auxilia o efeito humorístico, nomeamos escada.
Desta forma, propomos apresentar, aqui, um quadro para ilustrar as dez
primeiras piadas deste conjunto, indicando a participação do personagem
secundário na construção do efeito humorístico:
151
FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca.
São Paulo: Landscape, 2004. 152
CHICO Anysio Ao Vivo. Roteiro: Chico Anysio e Arnaud Rodrigues. S.i.: Phonodisc, 1975. LP,
son.
63
Quadro 4 – Piadas retiradas do livro Chico Anysio em Salão de Sinuca153
Piada Escada
Dois caras conversavam, encostados ao balcão de um bar e o
assunto em pauta era o cipó do Perácio.
— Você já viu o cipó do Perácio?
— Nunca.
— Puta que pariu. Tem de ver. O cipó do Perácio é um vergalhão
"desse tamanho e dessa grossura". Um dia desses nós fomos
jogar uma pelada em São Gonçalo e, na hora de mudar de roupa
no vestiário, foi uma loucura. Sabe que, pra amarrar a chuteira,
alguém tem de amarrar pra ele? Porque se ele se abaixar, o cipó
encosta no chão. Uma cepa, meu chefe.
— O cipó do Perácio é foda. Taí a Dorinha, aquela puta do Saco
de São Francisco... puta antiga, de carreira, puta pra ninguém
botar defeito. Não segurou a barra. Quando o Perácio botou a
cabeça do cipó, ela gritou: "Tira, porque eu não estou preparada
pra esse diâmetro".
— Deve ser um senhor cipó, então...
Enquanto os dois conversavam, um negrão, numa das mesas do
botequim, tomava seu café com leite, molhando o pão e chupando.
O negrão acabou, pagou e, antes de sair, bateu nas costas do cara
que elogiava o cipó do Perácio e disse:
— Olha aí, gente fina: eu não conheço esse Perácio, não, mas
boto quinhentos merréis no meu cipozinho...
Neste caso, o escada é o
personagem que adjetivou o
“cipó do Perácio” de forma
hiperbólica.
O elemento mediador está
na oposição da hipérbole
referente ao “cipó do
Perácio”, introduzida pelos
personagens secundários, os
dois caras, com a
hipossemia presente em
“meu cipozinho”.
153
FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca.
São Paulo: Landscape, 2004.
64
A mulher vivia reclamando que não encontrava homem que a
satisfizesse, que todos os homens tinham cipós ridículos e
mínimos.
Isso chegou ao conhecimento do Cristiano, um mulato famoso não
pela grossura, mas pelo tamanho do seu cipó que, além de possuir
uma boa envergadura, tinha um tamanho descomunal, a ponto de
Cristiano guardá-lo preso à meia.
— E aqui que trabalha uma puta por nome Bebê?
— Sou eu. Eu sou a Bebê.
— Muito prazer. Eu sou o Cristiano e fiquei sabendo que você
ainda não encontrou um homem que...
— Não há mais homens no mundo. Sabe há quanto tempo eu não
gozo? Não gozei nunca.
— Justamente. Estou aqui pra trazer o gozo pra sua pessoa.
Vamos tentar? Bebê aceitou, foram para o quarto, ela tirou a
roupa, Cristiano também, desenrolou seu cipó, que ele trazia
enrolado pela perna até ficar a cabecinha presa na meia, tocou
uma ligeira punheta para ele ficar duro, Bebê abriu as perninhas e
Cristiano mandou cipó para a casa da loló.
No que entrou a metade, Cristiano perguntou:
— Tá bom?
Disse Bebê:
— Dá uma rezinha...
Apesar de Cristiano ser o
protagonista da narrativa, o
responsável pelo desfecho
da piada foi Bebê.
Cristiano foi o escada de
Bebê ao realizar a
penetração na personagem e
introduzir uma pergunta
esperando uma avaliação
positiva do seu desempenho.
O elemento mediador está
na oposição da expectativa
positiva que Cristiano
esperava ter com sua
pergunta em relação ao seu
órgão sexual com a resposta
de Bebê.
Duas mocinhas, deitadas na praia de Ipanema, queimando a
bundinha, falavam sobre Marcelo, conhecido comedor do bairro e
a quem, na véspera, Carolina havia dado o que agora queimava.
— Comeu tua bundinha?
— Claro. Acho que aqui em Ipanema, só eu ainda não tinha dado o
cu ao Marcelo. Sabe que eu já estava ficando complexada? Mas
ontem eu dei.
— Você agora me deixou com complexo, porque eu nunca dei pra
ele.
— Mentira!
— Juro.
— Então dá logo, Sandrinha.
— E que tal o cipó dele?
— Menina, parece um cano de descarga.
— Grande assim?
— Não; sujo.
A amiga não participou,
diretamente, do elemento
mediador, mas o efeito de
surpresa causado pela
ambiguidade presente na
adjetivação “cano de
descarga”.
O papel da amiga foi
direcionar erroneamente a
leitura da piada, desviando a
atenção do leitor.
Podemos dizer que a amiga
foi a escada da piada.
65
O cara botou sua roupa melhor e foi à casa do delegado, com os
pais da namorada, para a formalização do pedido de casamento.
— Dr. Sarmento, eu tenho a honra de pedir a mão de sua filha Inês
em casamento, o que é do desejo de meu filho Alberico.
— Esteja certo, Dr. Romualdo, de que é uma grande honra para
mim ver a filha de um simples advogado, casar com seu filho.
Depois dos cumprimentos e dos comes e bebes, o delegado, Dr.
Sarmento, chamou o Alberico, o noivo, para um canto e lhe disse,
bem baixinho:
— Vou lhe dizer uma coisa, Alberico... se a Inês tiver saído à mãe,
você está levando a melhor bunda de Pindomonhangaba.
Os personagens secundários
não contribuíram diretamente
para construção do efeito
humorístico da piada.
Alberico é apenas o
interlocutor de Dr. Sarmento.
Não há um escada na piada.
Os dois momentos do
elemento mediador estão no
próprio comentário de Dr.
Sarmento, assim, o efeito
humorístico é causado pela
ambiguidade presente em
“tiver saído à mãe” com “a
melhor bunda de
Pindomonhangaba”,
comentário de Dr. Sarmento.
Carolina, transpirando muito, chegou para o pai e disse, aflita e
cheia de medo, sistema nervoso visivelmente abaladíssimo:
— Papai, eu não quero mais me casar com o Gregório, não.
— E por que, minha filha? Gregório é um bom rapaz.
— Eu sei, mas ele foi urinar no jardim, naquela noite da festa da
Cremilda e eu vi o cipó dele.
— Ora, minha filha, isto é comum, não é motivo para cancelar o
casamento.
— Comum? O senhor fala isso porque nunca viu o cipó dele.
Papai, é uma coisa descomunal. Eu nem sabia que existia cipó
daquele tamanho.
— Tão grande assim, minha filha?
— Pra urinar, ele tem de segurar com as duas mãos, porque se ele
segurar com uma mão só, o cipó enverga e ele mija no pé. Um
cipó daqueles devia ter carteira de identidade, C.P.F...
— Deixe este caso comigo que eu resolvo. À noite, quando o
Gregório chegou à casa do Dr. Linhares para noivar (ele e Carolina
ficavam sempre na sala, com D. Luzia tomando conta) o Dr.
Linhares mandou que todos se retirassem da sala. E disse a razão
do pedido.
— Preciso ter uma conversa em particular com o Gregório. Saiam
todas duas, par favor. Você e sua mãe.
Elas saíram. D. Luzia sem nem ter idéia da razão daquele pedido,
mas Carolina sabendo que o pai iria ao ponto. Então, após as duas
Gregório, D. Luzia e Carolina
são personagens
secundários.
Os personagens secundários
não contribuíram diretamente
para construção do efeito
humorístico da piada.
O efeito humorístico é
causado pelo comentário
chistoso feito por Dr.
Linhares.
Não observamos a presença
de escadas na piada.
66
deixarem a sala, dr. Linhares disse ao Gregório:
— Gregório, mostra o cipó aí.
— Que é isso, Dr. Linhares? Eu fico até envergonhado.
— Que envergonhado, porra nenhuma, abre a braguilha e mostra
o cipó, cara.
— Outro dia, Dr. Linhares, por favor. Eu estou até sem jeito.
— Mostra logo a porra desse cipó, Gregório. Fica aí fazendo cu
doce por causa da merda de um cipó.
Gregório, então, muito sem jeito, abriu a braguilha e depositou
sobre a mesa, pra não ficar segurando aquele peso, um cipó que
era praticamente uma pessoa. Dr. Linhares deu um assobio de
espanto, aproximou-se do cipó do Gregório, deu uma longa
examinada em todo aquele monumental cipó e, após observar
detalhadamente a obra de arte à sua frente depositada, disse:
— Gregório, você sabe que só essa veiazinha aqui já é um cipó
bem interessante?
Os dois velhinhos, Justiniano com 91 anos e Terezinha de Jesus
com 87, encheram-se de coragem e foram ao motel.
— Quero ir num que tenha piscina e aquela banheira que veado
adora... — disse a velhinha, Terezinha de Jesus que, naquela
noite, estava mais para Terezinha de Satã, por ter a cabeça cheia
de idéias.
— Vou levar você no melhor.
— Como é que você sabe que é o melhor?
— Meu neto me disse.
Entraram no motel, a velhinha ficou um tempinho na piscina, tomou
banho naquela banheira que faz massagem, deitou na cama e
cotucou o velhinho, porque Justiniano, devido à demora dela, já
tinha pegado no sono e começava a roncar.
— Acorda, Justiniano. A gente veio aqui não foi pra dormir, não.
Vamos ao trabalho...
Seu Justiniano levantou — claro que ajudado por D. Terezinha —,
passou uma água no rosto, tirou a calça do pijama, e deitou,
nuzinho ao lado da velhinha que já estava esperando. Aí
Justiniano deitou em cima dela, acertou o cipó na loló, foi fazendo
força e empurrando... aí perguntou à velhinha:
— Já entrou tudo?
A velhinha respondeu com voz de grande, de avassaladora, de
enorme tesão.
— Entrou quase tudo, meu amor. Só falta a cabeça.
Justiniano é o escada.
Justiniano foi o escada de
Terezinha de Jesus ao
introduzir uma pergunta.
O elemento mediador está
na oposição de “entrou tudo”
com “Só falta a cabeça”.
67
Ivanildo saiu da festa na companhia de um amigo e aí lhe deu uma
enorme vontade de mijar.
— Mija aí no jardim, Ivanildo. Que que tem?
— Alguém pode ver.
— Que ver? Ninguém vai ver nada. Pode mijar numa boa. Eu fico
tomando conta, enquanto você mija.
Ivanildo então, incentivado e protegido pelo amigo, põe o cipó pra
fora e começa a mijar. De repente o amigo grita:
— Vem gente. Disfarça.
E Ivanildo, pra disfarçar, começa a tocar uma punheta.
O elemento mediador está
na oposição da expectativa
do amigo ao pedir para o
amigo disfarçar com o ato de
Cristiano se masturbar.
O amigo de Ivanildo é o
escada da piada.
Perácio começou a notar uma verruga na testa, bem no meio da
testa, aqui assim, entre os olhos. Aos poucos, percebeu que a
cada dia, a verruga crescia um pouco. Perácio procurou um
médico.
— E essa verruga aqui, doutor. O médico examinou a verruga
detalhada e calmamente e lhe disse, ao final da consulta: — Sabe
o que o senhor tem de fazer? Ler. Ler muito, sem parar. Leia o
máximo possível.
Perácio não acreditou naquilo e procurou outro médico.
— É essa verruga aqui, doutor.
O médico, indicado a Perácio, pela Faustão, examinou, tocou, e,
ao final, disse:
— O senhor só tem uma coisa a fazer: ler. Mas leia tudo, muito,
leia o que for possível, o que suportar, leia pelo tempo que
agüentar.
Perácio foi a um terceiro médico.
— É essa verruga aqui, doutor. Já estive em dois médicos, eles
examinaram e me disseram para ler. Isso é uma estupidez. Não é
lendo que eu vou fazer essa verruga desaparecer.
O médico, indicado pelo Daniel Filho, cheio de competência e
muita categoria, examinou e disse:
— Eu entendo porque meus colegas mandaram o senhor ler. E
que isto aqui não é uma verruga, é um cipó que está nascendo aí.
O senhor tem de ler muito, pelo seguinte: quando nascerem os
colhões, o senhor não conseguirá mais ler porra nenhuma.
Apesar de ser o protagonista
da narrativa ser Perácio, o
responsável pelo desfecho
da piada foi o último médico
consultado.
Perácio foi o escada do
médico.
O elemento mediador está
na oposição da expectativa
positiva que Perácio
esperava ter com sua
pergunta em a resposta do
médico.
68
Um caixeiro viajante — Plácido Martins, goiano, parou numa
cidade, fez as vendas que desejava, foi para o hotel, tomou um
banho, jantou e perguntou ao porteiro.
— E as putas? Onde é a casa das putas? Hoje eu quero ir às
primas, meu chefe. Onde é?
— É fácil. O senhor desce essa rua até o fim; no fim vira à direita e
onde achar uma casa com uma luz vermelha acesa, é lá.
Plácido Martins, goiano e caixeiro viajante, seguiu o trajeto
indicado, viu uma luz vermelha e entrou. Ele entrou, mas ali não
era a casa das putas, era uma residência onde se realizava um
velório e, atendendo a um pedido do morto, putanheiro antigo da
cidade, numa homenagem às primas, a sala estava iluminada por
aquela luz vermelha.
O caixeiro viajante entrou, sentou, ficou dando uma espiadinha...
A dona da casa, querendo saber quantos pastéis e bolinhos faria,
dirigiu-se ao caixeiro viajante e perguntou:
— O senhor vai dormir?
Plácido respondeu em cima:
— Não, senhora. Vou só dar uma trepadinha e vou embora.
O elemento mediador está
na ambiguidade presente na
pergunta da dona da casa
direcionou erroneamente a
resposta de Plácido Martins,
partindo da sua expectativa.
A dona de casa foi a escada
da piada.
Sabemos que o objetivo de toda piada é o riso e esta narrativa humorística
que envolve personagens secundários e primários busca a realização de uma
quebra de expectativa do leitor/ouvinte de modo brusco. A função do escada, na
piada, é auxiliar este efeito humorístico. Portanto, ao caracterizarmos o escada
nas piadas, consideramos a interação que se insere neste contexto e o modo que
se envolve com o personagem primário na piada, aquele que fará o desfecho da
piada. O papel do escada na piada, em sua materialidade linguística, a partir da
nossa observação, é o de inserir o primeiro momento do elemento mediador ou,
ao menos, desviar a atenção do leitor para leitura errônea.
69
O negócio é que eu adoro ser escada. Quantas vezes eu vi uma piada funcionar dez vezes mais
do que eles próprios esperavam, só porque eu havia feito uma preparação beleza!
Chico Anysio 154
Capítulo 3 - O escada em análise
Já abordamos, nos capítulos anteriores, a Escolinha do Professor
Raimundo em relação ao seu contexto de produção e ao seu formato e, também,
observamos o escada na piada, em sua materialidade linguística. Agora, neste
capítulo, dedicado a análise do corpus em si, propomos situar nossos esforços ao
elencar os papéis do escada, a partir de elementos identificados nos capítulos
anteriores: como a fórmula humorística, a estrutura da piada e o próprio escada.
O formato do programa Escolinha do Professor Raimundo pode ser
classificado baseado no “diálogo socrático”, conceito que Machado155 analisa no
artigo “Pode-se falar em gêneros televisuais?”. Ou seja, reconhecemos que a
Escolinha baseia-se na conversação interpessoal entre professor e alunos
(escada e personagens cômicos), explorando situações de interlocução direta, tal
qual no “diálogo socrático”. O professor Raimundo assume um papel semelhante
ao do anchorman, o âncora, aquele que é o anfitrião permanente dentro do
formato telejornalístico.
Diferente do jornalismo, a Escolinha do Professor Raimundo é do âmbito
dramatúrgico e se desenvolve em uma cenografia de uma escola. Para
Maingueneau156, a noção de cenografia não se limita ao cenário no qual o
discurso se insere. Dessemelhantemente disso, este conceito refere-se ao
quadro no qual o discurso desenvolvido na interação se apoia, neste caso, uma
escola.
A cenografia é um fundamental indício no formato do programa,
principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento da interação, ou seja, tal
154
CHICO ANYSIO À BEIRA DO RISO (ENTREVISTA). Revista de cultura # 45, São Paulo, mai
2015. <http://www.jornaldepoesia.jor.br/ag45anysio.htm> 155
MACHADO, Arlindo. Pode-se falar em gêneros na televisão?. Revista Famecos, v. 1, n. 10,
2008. 156
Cf. MAINGUENEAU, 2001.
70
como um professor em uma sala de aula tradicional se relaciona com os seus
alunos, o personagem interpretado por Chico Anysio interage com os outros
humoristas.
Ao pensarmos o escada da Escolinha pela ótica da interação, propomos
nossa pesquisa diante de uma sala de aula fora do seu objetivo tradicional. A
interação é marcada por um sistema tradicional de sabatina: na qual o professor,
o escada, mantém, prioritariamente, o turno conversacional. Galembeck define
que turno conversacional como “qualquer intervenção dos interlocutores
(participantes do diálogo), de qualquer extensão” 157.
Ao afirmarmos que o professor Raimundo em sua Escolinha possui,
prioritariamente, o turno conversacional, entendemos que, tal como um professor
que recapitula oralmente os conteúdos por meio de perguntas aos alunos, o
Raimundo Nonato é privilegiado nas trocas de turnos, exercendo certo
protagonismo no formato.
A relação que se encontra o escada e os humoristas sentados nas
carteiras da Escolinha foge de um objetivo, estritamente, educativo. Apesar de
Chico Anysio sempre ter louvado o caráter informativo do humorístico. Assim,
não acreditamos que as interações presentes no programa indiquem uma
situação artificial do uso da linguagem escolar, já que as relações entre os
personagens dentro do seu contexto é a prática do gênero esquete humorístico,
que é fundada por uma composição própria, como desenvolvemos no primeiro
capítulo.
Ressaltamos, ainda, a necessidade de distanciarmos do gênero aula. A fim
de que haja este distanciamento, reconheceremos o caráter humorístico do
corpus por meio de dois elementos: o escada, como interlocutor dos humoristas,
e a sua Escolinha, como contexto conversacional que permite, aos humoristas, a
prática da linguagem humorística e ambiente para o desenvolvimento das
fórmulas.
157
GALEMBECK, 2001, p. 60.
71
Acreditamos que a opção por um capítulo que analise o escada diante da
conversação em que exerce o seu papel é essencial para os nossos objetivos.
Cientes das peculiaridades do nosso corpus, aportamos alguns conceitos do
nosso estudo em pressupostos da Análise da Conversação, AC, uma área que,
segundo Schegloff158
se preocupa com (entre outras coisas) a análise detalhada de como a fala-em-interação é conduzida como uma atividade por si só e como instrumento para o completo arranjo da prática e ação social, está então dirigido a um dos temas clássicos da sociologia, embora, certamente, de maneira distinta.
Desta forma, decidimos debruçar nesta teoria para nos guiarmos em nossa
transcrição. O texto oral da Escolinha se apresenta na prática do uso da língua
com características próprias da oralidade. A partir das especificidades em relação
ao seu meio que se realiza, o meio sonoro, fez-se necessário transcrever159 o
conjunto de esquetes para a análise. Com o propósito de padronizar a transcrição
das interações do nosso corpus, apoiamos este ato nas normas estabelecidas
pelo projeto NURC/SP160.
Levando em conta que o corpus deste trabalho é um texto oral,
Marcuschi161 nos mostra que é difícil fazer levantamentos sobre semelhanças e
diferenças entre fala e escrita sem considerar seu papel na interação. Segundo o
autor, a oralidade é “uma prática social interativa para fins comunicativos que se
apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade
sonora” 162.
Ao realizarmos as transcrições, não percebemos uma autonomia de fala
por parte dos humoristas sem que o escada ceda o direito de fala. Fato que
indicou uma ausência de sobreposições de falas163. Diferentemente do que pode
ser visto em diálogos convencionais ou como nos mostram as transcrições do
158
SCHEGLOFF, 1991, p.47. 159
PRETI, 1993. 160
O projeto NURC propõe documentar e estudar o português culto falado no Brasil. Para isto,
estabeleceu-se padrões para a transcrição do material obtido. Estas normas estão disponíveis,
em anexo, nesta dissertação. 161
MARCUSCHI, 2008. 162
MARCUSCHI, op. cit, p.25. 163
Entendemos como sobreposição de falas quando mais de uma pessoa fala por vez.
72
Projeto NURC/SP, a comunicação que é encontrada entre o professor e os seus
alunos, na Escolinha do Professor Raimundo, se dá em uma alternância de
turnos tal como pode ser encontrada em piadas enlatadas, na qual os
personagens procuram manter o diálogo na busca do seu objetivo em comum, o
riso.
O texto oral que analisaremos nestes esquetes constrói-se por meio de
diálogos entre personagens, professor Raimundo e seus alunos. Estabelecemos,
nesta pesquisa, os termos diálogos e interações como sinônimos. Tais interações
complementam-se com o contexto. Koch afirma que “o sentido não está no texto,
mas se constrói dentro dele, no curso de uma interação”164. Insere-se neste
contexto, a fórmula humorística, a cadeia de estratégias humorísticas em que os
personagens vão desenvolver a sua prática risível.
Consideramos, ainda, o contexto televisivo em que se encontram os
enunciados do nosso corpus: além de serem compartilhados pelos participantes
da interação, os diálogos são compartidos com os telespectadores. E o caráter
humorístico da Escolinha influencia para que as interações sejam risíveis à
audiência.
Sabemos que a relação entre os participantes na conversação a partir do
uso da linguagem necessitaria de um amplo estudo para dar conta de todos os
atributos que lhe são pertinentes, de questões relacionadas à cortesia verbal aos
elementos que caracterizam a conversação. Por isso, definimos que a nossa
análise limitar-se-á nas seguintes etapas:
1) Transcrição da interação por meio das normas do projeto NURC/SP165
.
2) Contextualização dos personagens que atuam na interação.
3) Identificação das piadas prontas e conversacionais da interação.
4) Demonstração da forma que o professor Raimundo atua como o escada na interação.
5) Demonstração de como esse conjunto de dados configura a fórmula humorística do personagem.
164
KOCH, 2008. 165
Estas normas estão disponíveis, em anexo, nesta dissertação.
73
Para isso, como vimos afirmando, utilizaremos o humorístico Escolinha do
Professor Raimundo. Liderado por Chico Anysio, a Escolinha foi exibida pela TV
Globo entre as décadas de 1970 e o início deste século. Nesta pesquisa,
optamos pelos programas transmitidos em 1990, ano em que o formato se
transformou de quadro em programa autônomo do canal. Alguns episódios das
primeiras aulas desta turma foram compilados e comercializados pela Globo
Marcas em DVD,166 em 2008. A sala era composta por 20 alunos. Limitamos o
nosso corpus aos oito personagens com esquetes mais recorrentes.167 Estes são
de:
O personagem de Brandão Filho, o ligeiro Seu Sandoval Quaresma.
Seu Bertoldo Brecha, personagem vivido por Mário Tumpinumbá: o personagem mais conhecido do humorista.
O judeu Samuel Blaustein interpretado pelo humorista e ator Marcos Plonka com alguns bordões conhecidos como “Fazemos qualquer negócio”.
A inocente Dona Cândida interpretada pela atriz e comediante Stella Freitas.
O embromador e puxa-saco Seu Ademar Vigário, interpretado por Lúcio Mauro.
O ingênuo Seu Eustáquio, interpretado por Grande Otelo.
O caipira Joselino Barbacena, interpretado por Antonio Carlos Pires.
Seu Baltazar da Rocha, personagem do ator e humorista Walter D’Ávila.
Desta forma, propomos estudar, neste capítulo, a prática do papel do
escada, professor Raimundo, analisando o processo interacional ocorrido entre
os participantes dos esquetes humorísticos, os personagens listados, por meio
das fórmulas humorísticas e a presença de piadas.
166
Aula 1 In: ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO: Turma de 1990. PAULA, Cininha de.
Globo Comunicação e Participações S/A. Brasil: 2008. Manaus/AM: Tecnologia Digital da
Amazônia LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido. 167
Para ilustrar este capítulo, optamos por screenshots do corpus, ou seja, registramos imagens
reproduzidas neste conteúdo televisual. Cf. Aula 1 In: Escolinha do Professor Raimundo:
Turma de 1990. PAULA, Cininha de. Globo Comunicação e Participações S/A. Brasil: 2008.
Manaus/AM: Tecnologia Digital da Amazônia LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido.
74
3.1. Seu Sandoval Quaresma
O primeiro esquete humorístico, para a análise, é do personagem de
Brandão Filho. Com a sua fórmula humorística bem delimitada, Seu Sandoval
Quaresma começava a responder com exatidão à sabatina do professor, mas na
última pergunta, como dizia com frequência, “se estrepava”.
Figura 10 Seu Sandoval Quaresma (Brandão Filho).
O eterno Primo Pobre, Brandão Filho é um dos pilares do humor
tipicamente brasileiro, atuou em programas como o Balança, mas não cai, Viva o
Gordo e Chico Total e popularizou bordões, como o “você é ótimo” e "mata o
velho, mata".
No diálogo que analisaremos, a piada se desenvolverá sobre a parábola
bíblica do Filho Pródigo168. Na história, narrada por Jesus, um filho exige a parte
168
BÍBLIA. N.T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada – Edição Pastoral. Tradução de José Luiz
Gonzaga do Prado. São Paulo: Paulus, 1990, p. 1376.
75
que lhe cabe na herança do pai e sai de casa. Esgotado todo dinheiro, decai-se e
volta para o seu lar. O pai, ao revê-lo, abraça-o e comemora a volta do filho que
acreditava estar morto.
Os participantes da interação são o professor Raimundo (RAIMUNDO) e o
aluno Sandoval Quaresma (SANDOVAL).
DIÁLOGO 1
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO
Sandoval Quaresma (Brandão Filho)- SANDOVAL
RAIMUNDO SEU Sandoval Quaresma...
SANDOVAL FAla... tá na ponta da língua (professor)...
RAIMUNDO de onde vem a expressão “o bom filho a casa torna”?
SANDOVAL ah bom isso é da Bíblia...
RAIMUNDO da Bíblia...
SANDOVAL daquela parábola... filho pródigo... certo?
RAIMUNDO sim... mas como é essa parábola?
SANDOVAL tinha um sujeito que tinha dois filhos...
RAIMUNDO uhn...
SANDOVAL aí o filho mais novo saiu de casa... aí o pai
coitadinho ficou triste porque o filho foi embora... mas
esperando ele voltar... ele pegou um porco começou a
engordar o porco pra assar no dia que o filho voltasse...
RAIMUNDO muito bem muito bem muito bem... mas e o filho
pródigo? volTOU?
SANDOVAL voltou... CLAro... o filho voltou e foi aquela
festa aquela alegria () mas na hora que ele chegou -- o
filho -- o porco foi e fugiu... aí foi aquela situação - -
“vamos esperar o porco?” - - aí esperaram... daí uma semana
76
PAH... o porco bateu lá... aí foi aquela farra... pra
comemorar a volta do porco... eles assaram o filho
pródigo...
RAIMUNDO eu vou ser pródigo em zeros... pro senhor.
SANDOVAL pô mas eu tava indo tão bem...
É perceptível no esquete transcrito uma piada pronta, presente na
alteração do antecedente para o consequente, ocorrida de maneira gradual. Esta
mudança acontece na narração da parábola bíblica pelo personagem de Brandão
Filho. Ela é parafraseada, no primeiro momento, tal como é conhecida (“tinha um
sujeito que tinha dois filhos” até o “filho voltou e foi aquela festa aquela alegria”).
No entanto, Sandoval Quaresma insere o recurso da paródia, no consequente,
retomando a própria história como referente. Para Charaudeau169:
a paródia faz coexistir os dois textos que se alimentam mutuamente: o texto original permanece uma referência, o texto paródico encontra nele seu fundamento, até quando o novo texto, pela imitação-transformação, coloca em questão, ou até mesmo ridiculariza, o original.
Desta forma, o elemento mediador se encontra na intersecção desses dois
momentos. O professor, como o escada da interação, não contribuiu diretamente
para a construção do efeito humorístico do elemento desta piada pronta, no
entanto, atuou dando o turno de fala ao aluno e interrogando-o intencionalmente
sobre o assunto.
Além da piada pronta, verifica-se a presença de piadas conversacionais:
na forma de narrar de Sandoval e no comentário chistoso de Raimundo (“eu vou
ser pródigo em zeros pro senhor”), conferindo a nossa afirmação, no segundo
capítulo, de que a piada conversacional pode compor uma piada pronta.
No que diz respeito ao padrão da fórmula humorística do personagem, o
escada, além de conduzir o diálogo a fim de que seja cumprida o objetivo
169
CHARAUDEAU, 2006.
77
humorístico da fórmula, permite que o aluno insira os seus bordões na interação:
“fala... tá na ponta da língua” e “pô, mas eu tava indo tão bem!”.
3.2. Bertoldo Brecha
O segundo esquete é do professor com o aluno Bertoldo Brecha – nome
criado em referência ao dramaturgo e encenador alemão Bertolt Brecht –
interpretado pelo falecido ator, redator e humorista Mario Tupinumbá. É uma
releitura do Deputado Baiano, personagem mais famoso do artista, que
imortalizou os bordões: ''Venha!'' – resposta quando alguém o chamava – e o
''Camarão é a mãe”.
Figura 11 – Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá).
A pergunta do professor no diálogo refere-se à divisão da anatomia
humana. Tradicionalmente, o corpo humano é dividido em três partes: cabeça,
tronco e membros. Os participantes desta interação são o professor Raimundo
(PROFESSOR) e o próprio Bertoldo Brecha (BERTOLDO).
78
DIÁLOGO 2
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO
Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá)- BERTOLDO
RAIMUNDO seu Bertoldo Brecha...
BERTOLDO ve:::NHA
RAIMUNDO em quantas partes se divide o corpo humano?
BERTOLDO homem seu menino... me diga uma coisa... esse corpo
que vossa insolência tá se arreferindo... é de homem... ou é
de mulé?
RAIMUNDO eh... eh::: é de ho/de homem...
BERTOLDO ah então ingnoro... de corpo de homem quero é
distância... XÔ... XÔ... XÔ...
Podemos adotar o diálogo do esquete como uma piada pronta, aquela que
se estabelece como uma narrativa tendencialmente curta que tem um final
inesperado170. No que diz respeito à fórmula humorística, o esquete baseia-se
em uma representação cênica de uma piada pronta. O seguinte esquema
reproduz, de forma mais clara, a estrutura desta anedota no diálogo.
O professor pergunta ao aluno:
- Em quantas partes se divide o corpo humano?
- Esse corpo que vossa insolência tá se arreferindo, é de homem ou é de mulé?
- De homem.
- Ah então ingnoro, de corpo de homem quero é distância.
170
GIL, 1991.
79
O escada, professor Raimundo, introduz uma pergunta e o aluno faz sua
inferência. Assim, a incongruência da resposta de Bertoldo Brecha adéqua-se
no esquete humorístico, destacando, o papel do escada na orientação da
fórmula humorística. Se, por acaso, o professor respondesse “de mulher”, não
haveria a piada e o esquete não cumpriria sua função humorística. Isto posto,
observamos uma corresponsabilidade do risível do esquete por parte do
escada.
3.3. Samuel Blaustein
O próximo esquete humorístico é de Samuel Blaustein, interpretado pelo
humorista e ator Marcos Plonka. O personagem é dono do bordão “Fazemos
qualquer negócio”. Além de Blaustein, Plonka teve uma extensa carreira na
televisão, tendo atuado em inúmeras telenovelas e filmes.
Samuel representa um estereótipo explorado frequentemente em piadas
enlatadas e do qual se tem um conhecimento compartilhado com o público: o de
os judeus só pensarem em lucros e de serem mesquinha171. De tal forma, a
fórmula humorística está na reprodução de piadas do anedotário popular.
A questão do professor refere-se à divisão do ano em doze meses.
Apoiado no tempo de plantio e colheita e no movimento da Lua, sabe-se que o
povo sumério, a cerca de 2 000 a.C., fez a divisão do ano em 12 partes iguais.
Os participantes deste esquete são o professor Raimundo (PROFESSOR) e o
próprio Samuel Blaustein (BLAUSTEI).
171
Leitura que encontra reforço em Possenti (2008).
80
Figura 12 Samuel Blaustein (Marcos Plonka).
DIÁLOGO 3
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Samuel Blaustein (Marcos Plonka) - BLAUSTEI
RAIMUNDO seu Samuel Blaustein...
BLAUSTEI fazemos que qualquer negócia...
RAIMUNDO quem dividiu o ano... quem di-vi-diu o ano em doze
meses?
BLAUSTEI ah... esta e fácil... COM certeza... BSOluta...
foi uma patrício meu... que vendia a prestação...
RAIMUNDO zero...
BLAUSTEI melhor zero no nota do que prejuízo na bolsa...
81
Verifica-se uma piada pronta. O escada participou diretamente na
construção dela. O elemento mediador está na oposição da expectativa positiva
que professor Raimundo esperava ter com sua pergunta em relação à resposta
de Samuel. Além desse momento, o escada direciona com o “zero”, em sua
avaliação, o bordão do aluno. Cumprindo, assim, a fórmula humorística do
esquete.
3.4. Dona Cândida
O esquete a ser analisado é da inocente aluna Dona Cândida,
interpretada pela atriz Stela Freitas. Durante anos na Escolinha do Professor
Raimundo, no que diz respeito à fórmula, o professor lhe chamava sempre fazia
um comentário dito simples, mas que pode ser entendido de maneira jocosa.
Logo, o professor fazia uma sequência de perguntas e a última se referia à
situação nacional.
Figura 13 Dona Cândida (Stela Freitas).
82
Os participantes do esquete são o Professor Raimundo Nonato
(RAIMUNDO) e Dona Cândida (DCANDIDA). A pergunta do professor é sobre o
reino animal.
DIÁLOGO 4
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Dona Cândida (Stella Freitas) - DCANDIDA
RAIMUNDO Dona Cândida...
DCANDIDA Professor::... hoje eu vi um passarinho comendo
uma minhoca...
RAIMUNDO (muito bem)... no dia que a senhora... vir... uma
minhoca comendo um passarinho não deixe de me contar...
qual é a fera... a fera mais voraz que a senhora conhece...
da Índia?
DCANDIDA o tigre de bengala...
RAIMUNDO muito bem... da Itália?
DCANDIDA o buldogue italiano...
RAIMUNDO do Brasil?
DCANDIDA o leão do imposto de renda... ((chora
caracteristicamente))
Há duas piadas prontas. Na primeira, Dona Cândida exerce o papel de
escada de Raimundo. Ao introduzir o comentário “Professor, hoje eu vi um
passarinho comendo uma minhoca”, permite que o professor subverta o
comentário da aluna com o segundo momento do elemento mediador “minhoca
comendo o passarinho”.
83
A segunda piada segue a Regra de Três, pautada por John Vorhaus172 e
utilizada por roteiristas de humor, na qual o antecedente é marcado por dois
enunciados que direcionam uma expectativa errônea que será quebrada no
consequente.
Antecedente 1° enunciado: Índia – Tigre de bengala. 2° enunciado: Itália – Buldogue italiano. Consequente 3° enunciado: Brasil - o leão do imposto de renda
O professor Raimundo atua como escada do esquete, introduzindo
intencionalmente, o primeiro momento do elemento mediador desta piada
pronta. Esse conjunto de dados configura a fórmula humorística da personagem
de Stela Freitas.
3.5. Aldemar Vigário
O esquete apresentado, a seguir, é do personagem interpretado pelo ator
e humorista Lucio Mauro: Ademar Vigário. O personagem paraense
rememorava histórias do vultoso passado do professor a fim de alcançar a nota
máxima.
Outro representante máximo do humor tipicamente brasileiro, Lúcio
Mauro integrou o elenco dos principais programas de humor da televisão
brasileiro, inclusive, o primeiro humorístico da Rede Globo: TV0-TV1.
O esquete se desenvolve a partir de uma pergunta sobre o cangaceiro
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Lampião foi o maior ícone do movimento
do cangaço brasileiro. Os participantes da cena são professor Raimundo
Nonato (RAIMUNDO) e Aldemar Vigário (ALDEMARVI).
172
VORHAUS, 1994.
84
Figura 14 Aldemar Vigário (Lúcio Mauro)
DIÁLOGO 5
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Aldemar Vigário (Lúcio Mauro) - ALDEMARVI
RAIMUNDO seu Aldemar Vigário... me fale... sobre...
Virgulino... Lampião...
ALDEMARVI ((ri ironicamente)) prefiro falar do Zé Preá...
RAIMUNDO Zé Preá?
ALDEMARVI Zé Preá... muito mais valente do que Virgulino...
Virgulino foi o folclore... ficou em cima dele... tem
aquela coisa toda... era de fato um grande chefe... mas Zé
Preá era MAcho... Zé Preá era valente... e um dia eu estava
em Maranguape... ele ((em referência ao professor)) vai se
85
(lembrar) disso... chegou um bilhete do Zé Preá pro povo de
Maranguape... “tamo indo praí pra fazer pipi na cabeça dos
macho de Maranguape” e POUN... ((chora))... olhe... as
lágrimas me vem aos olhos...
RAIMUNDO eu tô notando... as palavras não lhe vem a
cabeça... mas as lágrimas lhe vem aos olhos... tô notando...
mas vamo lá vamo lá...
ALDEMARVI as lágrimas me vem aos olhos de comoção... quando
esse bilhete chegou... a resposta que foi dada ao Zé
Preá...
RAIMUNDO ah... lembrou cabra safado...
ALDEMARVI eh... a resposta foi a seguinte... “antes que
você venha pra cá pra fazer pipi na cabeça da gente... eu
vou aí fazer cocô na cabe/na tua cabeça... assinado” ...
quem?... Raimundo Nonato... Raimundo Nonato meus amigos...
meus amigos me lembro como se fosse hoje... esse homem se
armou... saiu de casa SOZINHO... não queria ninguém atrás
dele... saiu sozinho e pegou dois revólveres... foram dois
revólveres?
RAIMUNDO e um canivetinho...
ALDEMARVI sim sim e um canivete-zinho... dois revólveres e
um canivete... aí ele partiu... pro esconderijo do Zé
Preá... quando chegou lá arrombou a porta logo com um
pontapé e TAH... e quando arrombou foi logo atirando...
derrubou dez TAH TAH TAH TAH... e aí responderam o tiro de
lá TEH TEH... e os bandidos tudo alvoroçados... atingiu
atingiram o Raimundo com um tiro... aí o Raimundo continuou
atirando... outro tiro nele...
RAIMUNDO ai ((como se recebesse um tiro))
ALDEMARVI aí continuou atirando... outro tiro nele e ele já
todo furado... mas a fibra dele não permitia... ele não
caia ele não se rendia não se rendia e aí... TAH TAH TAH
TAH... matou quarenta - - ele levou cinquenta e quatro
tiros... cinquenta e quatro tiros - -
RAIMUNDO passei dois meses sem poder beber água... eu bebia
e xiiii... vazava.
86
ALDEMARVI eu me lembro disso Raimundo... eu cansei de tapar
teus buracos... se lembra disso?
RAIMUNDO lembro
ALDEMARVI matou cinquenta e quatro... não... levou cinquenta
e quatro tiros e matou quarenta bandidos...
RAIMUNDO e um... quarenta e um...
ALDEMARVI quarenta e um... sim... peraí é aí que está
quarenta e um... foi quarenta e um de fato... o último que
ficou cara a cara com ele foi o Zé Preá... que era o chefe
do bando... e ele pra desmoralizar... justamente o Zé
Preá... ele matou o Zé Preá no tapa... foi de direita ou
esquerda?
RAIMUNDO foi de canhota.
ALDEMARVI canhota... foi TAH e o Zé Preá caiu... fechou a
nota aí... ainda não né?
RAIMUNDO NADA que NOta?... vou lhe dar nota? não... eu... Zé
Preá?
ALDEMARVI Zé Preá...
RAIMUNDO cinquenta e quatro tiros?
ALDEMARVI cinquenta e quatro tiros...
RAIMUNDO eu levei cinquenta e quatro?
ALDEMARVI você levou cinquenta e quatro... matou quarenta à
bala...
RAIMUNDO eu matar quarenta passa... ter levado cinquenta e
quatro que é danado...
ALDEMARVI foi cinquenta e quatro... eu contei os furinhos...
cinqüenta e quatro tiros...
RAIMUNDO vai levar uma nota três...
ALDEMARVI não...
RAIMUNDO eh... porque foi demais...
ALDEMARVI eh... tá certo... eu até concordo... comovido
concordo... agora a morte do tapa merece três mais sete...
87
RAIMUNDO vou lhe dar um sete... vou tirar aqueles três...
ALDEMARVI tira o três... bota o sete... Porque o tapa foi...
Percebe-se que não há uma estrutura de piada pronta no esquete, tal
como nos outros diálogos, em que há uma narrativa com quebra de expectativa
e um elemento mediador. O professor Raimundo pede ao aluno para
desenvolver uma fala sobre Lampião e tem como resposta uma narrativa
jocosa, em que sua “possível” história pessoal é incluída.
O escada é corresponsável pela narrativa desenvolvida por Aldemar.
Ressalta-se que Maranguape é a terra natal do humorista Chico Anysio. O
diálogo que o personagem Ademar Vigário constrói junto com personagem
Raimundo se dá por meio de piadas conversacionais, que se inseridas durante
a interação. O papel do escada está na coautoria do riso no diálogo com este
aluno. A fórmula humorística preenchida por essas piadas é cumprida pelos
dois participantes da interação.
3.6. Seu Eustáquio
O esquete do personagem de Grande Otelo, Seu Eustáquio, recebia
ajuda dos colegas de sala e alterava a resposta para dar o traço humorístico da
fórmula. Seu Eustáquio era dono do bordão “Aqui! Que Queres?”.
Um dos maiores atores do século XX, Grande Otelo foi presença
marcante em grandes obras no teatro, rádio, cinema e na televisão brasileira.
Seu Eustáquio, da Escolinha do Professor Raimundo, foi um dos últimos
trabalhos do ator.
A pergunta do professor refere-se à apartheid, uma política racial
implantada na África do Sul, que impôs uma segregação da aristocracia branca
sobre grupos pertencentes a outras etnias, em sua maioria, composta por
negros. Os participantes da interação são Raimundo Nonato (RAIMUNDO), Seu
88
Eustáquio (EUSTÁQUI) e os outros alunos que, em voz baixa, sopram a
resposta.
Figura 15 Seu Eustáquio (Grande Otelo)
DIÁLOGO 6
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Seu Eustáquio (Grande Otelo) - EUSTÁQUI
RAIMUNDO Seu Eustáquio...
EUSTÁQUI aqüi... qüi queres?
RAIMUNDO a África do Sul... tem uma política...
profundamente desagradável... e damos o nome de Apartheid...
eu pergunto... o que está fazendo o governo daquele país?
OUTROS ALUNOS discriminando negro...
89
RAIMUNDO ninguém sopra...
EUSTÁQUI Fernanda Montenegro... falhou?
Neste caso, o professor não participa diretamente como escada da piada
pronta que se estabelece, mas, sim, os colegas de sala, que inserem o primeiro
momento do elemento mediador, “discriminando negro”. O professor Raimundo
apenas permite que o aluno insira no esquete o bordão: “aqüi, qüi qüeres?”.
3.7. Joselino Barbacena
Antonio Carlos Pires, pai da atriz Gloria Pires, deu vida ao caipira
Joselino Barbacena, personagem do esquete a ser analisado agora. O quadro
humorístico do aluno possuía uma fórmula bem delimitada: tentava se esconder
de Raimundo, inutilmente, e a sua resposta se relacionava à sua experiência da
infância na cidade mineira Barbacena.
Além do personagem Joselino, Antônio Carlos atuou em diversos
humorísticos radiofônicos, inclusive na versão original da Escolinha do
Professor Raimundo, de Haroldo Barbosa. No cinema, fez diversas chanchadas
com Oscarito e Grande Otelo.
A pergunta do escada, interpretado por Chico Anysio, refere-se à “peste
negra”, designação pela qual ficou conhecida, durante a Idade Média, a trágica
pandemia, no continente europeu, de peste bubônica. Os participantes da
interação são professor Raimundo (RAIMUNDO) e Joselino Barbacena
(JOSELINO).
DIÁLOGO 7
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires) - JOSELINO
90
RAIMUNDO seu Joselino Barbacena...
JOSELINO ah meu Jesus Cristinho... já me descobriu aqui
outra vez? será impossível, homem?
RAIMUNDO o que foi a peste negra?
JOSELINO bom... quando eu era criança pequena lá em
Barbacena... eu fiquei sabendo da peste mulata...
RAIMUNDO a pes... a peste mulata?
JOSELINO eh uai... uma mulatona que tinha um... peituda...
bunduda... que o pessoal dizia que era uma peste...
Figura 16 - Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires).
Raimundo foi o escada de Joselino nesta piada pronta. O primeiro
momento do elemento mediador está na pergunta do professor e em sua
expectativa. Este conjunto estabelece a fórmula humorística do personagem.
91
3.8. Baltazar da Rocha
No próximo esquete, há uma interação do professor com o aluno Baltazar
da Rocha, interpretado pelo falecido ator e humorista Walter D’Ávila, um
personagem de pensamento lento, que não entendia os chistes que as situações
que contava empregavam e em sua fala aplicava pronomes de forma sui
generes.
Irmão de Ema D'Ávila, Walter D’Ávila integrou o elenco dos principais
humorísticos representantes do humor tipicamente brasileiro, como A Praça da
Alegria173, Balança Mas Não Cai e Viva o Gordo. Também atuou em novelas,
como Feijão Maravilha e Espelho Mágico.
Participam do esquete, professor Raimundo (RAIMUNDO) e Baltazar da
Rocha (BALTAZAR).
DIÁLOGO 8
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila) - BALTAZAR
RAIMUNDO seu Baltazar da Rocha!
BALTAZAR é eu...
RAIMUNDO tá preparado?
BALTAZAR dois minuto ()...
RAIMUNDO me dê um exemplo de um mineral...
BALTAZAR ah isso é fácil... rocha...
173
É Walter D’Ávila, o protagonista do icônico esquete do semianalfabeto leitor de livros da Praça
da Alegria: "Este livro é formidável! Eu gosto de livro assim: cheio de letras". Cf. GLOBOPLAY
(Comp.). Vale A Pena Rir de Novo: relembre Walter D´ávila na Praça da Alegria. Disponível
em: <https://globoplay.globo.com/v/2492105/>. Acesso em: 19 jul. 2016.
92
RAIMUNDO eu não quero... cometer nenhuma desfeita... eu não
quero desfazer... do senhor... mas eu nunca imaginei que o
senhor fosse capaz de acertar o mineral (parabéns)... e como
foi que o senhor conseguiu acertar... seu Baltazar?
BALTAZAR é que se alembrei de um tio que tenho...
RAIMUNDO sim e daí?
BALTAZAR chama-se Rocha... mora em Minas... é mineral
Figura 17 - Baltazar da Rocha (Walter D’Ávila)
Ao observarmos este diálogo, ressaltamos a intencionalidade do professor
Raimundo Nonato para fazer com que o aluno Baltazar da Rocha não tenha uma
reflexão linguística e comunicativa ao responder, isto só é possível saber por
meio de um conhecimento prévio do professor ou do telespectador sobre as
interações anteriores com o mesmo interlocutor, Baltazar.
93
O efeito humorístico é criado por meio do conceito da incongruência que
se apoia na quebra de uma ideia de uma situação ordenada, como ocorre
geralmente em uma interação aluno-professor simétrica174.
Sobre a questão de intencionalidade do escada, é relevante pensar na
estrutura dessa interação. O papel do professor nesta interação é criar o
elemento mediador para se criar o efeito humorístico. Assim, em uma análise
mais ampla, podemos ler esse esquete como uma grande piada pronta em sua
fórmula humorística, na qual há uma mudança brusca em relação aos itens
anteriores, que levaria ao desfecho humorístico.
174
Os turnos são simétricos, há certa alternância de turnos, o professor insere uma pergunta na
interação e o aluno responde.
94
E as considerações, ó!
Durante a pesquisa, encontramos, em diversas entrevistas, uma
recorrência nas falas de Chico Anysio: dizia que um dos seus maiores méritos foi
a invenção de inúmeros tipos, tanto na televisão, quanto na literatura. Realmente,
o humorista desenvolveu, com seu talento, mais de duzentos personagens que
ilustravam, com sensibilidade, um panorama cultural, social e político brasileiro
do momento.
Sem dúvida, personagens175 como Azambuja, Alberto Roberto, Bozó,
Haroldo, Coalhada, Justo Veríssimo, Pantaleão e Nazareno marcaram presença
no imaginário nacional, a partir de programas do artista, como o Chico Total e
Chico City.
Em um esquete que encerrou um especial de final de ano do Chico Anysio
Show, na década de 80, os escadas das criações de Anysio se reuniram. Todos
eles se queixavam ao seu criador mais visibilidade no humorístico. Estavam
presentes personagens como o Alpamerindo (Jomba), o amigo do ranzinza Popó,
a Felinta (Tutu Guimarães), a emprega do pão-duro Gastão, e Sofia (Leila
Miranda), mulher do “machão” Nazareno. Anysio, então, a fim de sanar o
problema criado no esquete, disse aos escadas:
O que seria dos meus personagens se não fosse vocês? Vocês são o
contraponto, a melodia. O que adianta o Plácido Domingos se não tem a
orquestra? Vocês são os detalhes, as cordas, a percussão. Vocês são
merecedores dos maiores encômios. Gentileza! Meus muitos
obrigados.176
Chico Anysio criou um dos “contrapontos” mais representativos da história
do humor brasileiro: professor Raimundo Nonato. Nas carteiras da sala de aula
175
Cf. MAIOR, 2006. 176
CHICO Anysio Especial. Rio de Janeiro: Globo Marcas, 2007. DVD, son., color.
95
do professor dedicado e mal pago, sentaram-se experientes representantes do
humor tipicamente brasileiro, categoria apresentada por Chico Anysio e
desenvolvida nesse trabalho.
A analogia proposta pelo humorista com o futebol nos permitiu
compreender as relações entre os personagens da Escolinha do Professor
Raimundo para a construção do risível. Do passe à estrutura do jogo. No tocante
à estrutura, percebemos que os esquetes humorísticos da Escolinha do Professor
Raimundo baseiam-se em fórmulas humorísticas.
Das fórmulas humorísticas, entendemos a dinâmica: estão inseridas nos
esquetes observados, a partir de uma construção no campo da intersubjetividade.
O professor, como escada, é responsável por orientar suas perguntas a partir de
um modelo que permite o aluno inserir a sua piada e o seu bordão.
Da mesma forma que um jogador, em um campo de futebol, recebe e
passa a bola, independentemente da trajetória que o seu companheiro de equipe
segue, o escada tem que controlar este texto-base, a fórmula humorística, e
efetuar o passe a fim de entregar o turno conversacional para o seu interlocutor
introduzir o consequente, quebrando a expectativa do telespectador e gerando o
efeito risível.
Na maioria das vezes, as interações, da Escolinha do Professor
Raimundo, se deram em um modelo pergunta-resposta-avaliação177, tal como a
de uma sabatina escolar exige. No entanto, o que orienta a estrutura da
conversação a ser desenvolvida no esquete humorístico é a fórmula que está
inserida nele.
Deste modo, conjunto cada esquete representou uma fórmula humorística
do personagem. Por exemplo, tentou se esconder do professor e quando
Raimundo lhe sabatinou, sua resposta se relacionou à experiência de infância,
em Barbacena. Mesmo em personagens cujas fórmulas baseavam-se em piadas
prontas, como o judeu Samuel Blaustein, o professor Raimundo, como escada,
177
KERBRAT-ORECCHIONI, 2006.
96
assumiu o mesmo papel que um escada na piada, em sua materialidade
linguística, exerceria.
Assim como um meia do futebol, o escada procura sempre apoiar os seus
companheiros de equipe, os outros humoristas, colocando-se bem posicionado
para receber o turno, quando o recupera. E, quando possível, o professor insere
alguma piada conversacional a fim de potencializar o riso ao telespectador.
Característica marcante nos esquetes de Aldemar Vigário.
A opção do escada por este tipo de piada, a conversacional, em
detrimento a piada pronta, está na fórmula humorística. Este elemento, a fórmula,
exige que o escada deixe o seu parceiro de esquete finalizar humoristicamente.
Como dissemos, as fórmulas humorísticas são maleáveis, característica
que permite a movimentação dos participantes da interação. No entanto, os
papéis são delimitados nela como referência. Tanto escada como os outros
humoristas podem e devem construir o riso. E este feito é realizado por meio de
piadas conversacionais e prontas, no corpus.
Escada e humorista dirigem-se para o mesmo ponto: o riso. A fórmula
humorística indica os papeis de cada um. Desta forma, como nosso objetivo é
definir o papel do escada, no corpus analisado, observamos que: o papel
principal do escada é de coautor da interação que participa que permite que o
seu parceiro de cena desfeche de maneira risível a fórmula e o auxilia em
elementos humorísticos, como a piada.
Esta definição é resultado da análise de um corpus específico de um
esquete de um programa de humor tipicamente brasileiro, a Escolinha do
Professor Raimundo. Entendemos que serão necessários mais estudos na área
para entender como se comportam os escadas em outras narrativas televisuais,
com caráter humorístico, e como se dá esse comportamento levando em conta
recursos não-verbais do texto.
97
Referências bibliográficas
A GLOBO SEM CHICO. Veja, São Paulo, 22 nov 1972.
A VOLTA DO QUE NÃO FOI. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 mar 2001.
ALBERTI, Verena. O riso e o risível na história do pensamento. Editora Jorge Zahar.
ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva: Chico Anysio. 1990. Disponível em: <http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/710/chico anysio/entrevistados/chico_anysio_1990.htm>. Acesso em: 02 jul. 1990.
ANYSIO, Chico. Memória Roda Viva: Chico Anysio. 1993. Disponível em: <http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/444/chico anysio/entrevistados/chico_anysio_1993.htm>. Acesso em: 22 jun. 1993.
ANYSIO, Chico. Sou Francisco. São Paulo: Rocco, 1992.
ASSIS, Wagner de. Agildo Ribeiro, o capitão do riso. 2007.
ATTARDO, Salvatore. Linguistic theories of humor. Walter de Gruyter, 1994.
ATTARDO, Salvatore. The semantic foundations of cognitive theories of humor. Humor-International Journal of Humor Research, v. 10, n. 4, p. 395-420, 1997.
Aula 1 In: Escolinha do Professor Raimundo: Turma de 1990. PAULA, Cininha de. Globo Comunicação e Participações S/A. Brasil: 2008. Manaus/AM: Tecnologia Digital da Amazônia LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud et al. São Paulo: Hucitec, 2002.
BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London: Longman, 1983.
98
BERGSON, Henri; DE CASTILHO, Guilherme. O riso: ensaio sobre o significado do cômico. 1983.
BÍBLIA. N.T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada – Edição Pastoral. Tradução de José Luiz Gonzaga do Prado. São Paulo: Paulus, 1990, p. 1376.
BOBAGENTO (Comp.). Lá vem o Bobagento: Trecho do humorístico Escolinha do Professor Raimundo com os saudosos Chico Anysio e Costinha. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Bm1XJkfH5BU>. Acesso em: 18 jul. 2016.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa Brasileira de Mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília: Secom, 2014. 153 p.: il.
BREMMER, Jan. ROODENBURG, Herman (org.). Uma história cultural do humor. Rio de Janeiro: Record, 2000.
BROWN, P. LEVINSON, S.. Politeness: Some universals in language usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
CARMELINO, Ana Cristina; RAMOS, Paulo. Uma trajetória das pesquisas linguísticas sobre humor no Brasil. In: Humor eis a questão. São Paulo, Cortez, 2015.
CARTER, Judy. Stand-up comedy: The book. Dell, 2010.
CHARAUDEAU, Patrick. (Tradução de Sandra Falcão da Silva) Des catégories pour l'humour?. Questions de communication, n. 2, p. 19-41, 2006.
CHICO ANYSIO À BEIRA DO RISO (ENTREVISTA). Revista de cultura # 45, São Paulo, mai 2015. <http://www.jornaldepoesia.jor.br/ag45anysio.htm>
CHICO Anysio Ao Vivo. Roteiro: Chico Anysio e Arnaud Rodrigues. S.i.: Phonodisc, 1975. LP, son.
CHICO Anysio Especial. Rio de Janeiro: Globo Marcas, 2007. DVD, son., color.
DE CARVALHO, Nildemir Ferreira. Estruturas semânticas no léxico do futebol. In: ALFA: Revista de Linguística 40 (1996).
99
DUARTE, Marcelo. As Escolinhas do rádio e da TV brasileiros. 18 set 2013. Disponível em <http://guiadoscuriosos.com.br/blog/2013/09/16/as-escolinhas-do-radio-e-da-tv-brasileira/>. Acesso em Março de 2015.
DURVAL, Dorinha. Em busca de luz. São Paulo: Record, 2012.
ECO, Humberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
ECO, Umberto. A inovação no seriado. Sobre os espelhos e outros ensaios, 1989.
Ele é o espetáculo (Documentário). Direção de Jean Carlo Szepilovski e Ricardo José Haynal. 1h06m13s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-g >. Acesso em novembro de 2015.
Entrevista com Chico Anysio no Programa do Jô Especial. 08min30s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K1U8qEqiT-g >. Acesso em novembro de 2015. (Grifos nossos)
ESCOLINHA ESPECIAL RESSUSCITA PARAGUASSU. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 out 1992.
FAVERO, Leonor Lopes. Intencionalidade e aceitabilidade como critérios de textualidade. Cadernos PUC 22: Lingüística textual/texto e leitura, p. 31-38, 1985.
FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia; AQUINO, Zilda. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2012.
FERREIRA, Tiago. (Ed.). Este vídeo da escolinha do professor Raimundo está mais atual do que nunca; veja. Disponível em: <http://www.batanga.com.br/tv/4578/este-video-da-escolinha-do-professor-raimundo-esta-mais-atual-do-que-nunca-veja>. Acesso em: 18 jul. 2015.
FICHTER, Joseph. Sociologia. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1973.
FILHO, Francisco Anysio de Oliveira Paula (Chico Anysio). Chico Anysio em Salão de Sinuca. São Paulo: Landscape, 2004.
100
FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 8, 1996.
FRY JR, William F. Sweet Madness. Palo Alto. 1963.
GALEMBECK, Paulo de Tarso. Turno conversacional. In: PRETI, Dino (org.) Análise de textos orais. 5. ed. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2001.
GIL, Célia Maria Carcagnolo. A linguagem da surpresa: uma proposta para o estudo da piada. São Paulo: 1991. 220 f. Tese (Doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
GIL, Célia Maria Carcagnolo. Elementos essenciais da piada. In: ANTUNES, Letizia Zini (Org.). Estudos de Literatura e Linguística. São Paulo; Assis, SP: Arte & Ciências; Curso de Pós-Graduação em letras da FCL/UNESP, 1998. p. 295-319.
GLOBO, Memória. Chico Anysio. Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/chico-anysio.htm>. Acesso em: 18 jul. 2016.
GLOBO, Memória. Dicionário da TV Globo: Volume 1 Programas de dramaturgia e entretenimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2003.
GLOBOPLAY. Relembre a velha surda de Rony Rios em ‘A Praça da Alegria’. Disponível em: <http://globoplay.globo.com/v/2406259/>. Acesso em: 02 maio 2016.
GLOBOPLAY (Comp.). Vale A Pena Rir de Novo: relembre Walter D´ávila na Praça da Alegria. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/2492105/>. Acesso em: 19 jul. 2016.
GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. – Petrópolis, Vozes: 2011.
GRAÇA MILITAR: General amigo de Figueiredo é o novo tipo de Jô Soares. Veja, São Paulo, 10 jul 1985.
GSHOW (Org.). Dê play no seu bordão preferido: Escolinha do Professor Raimundo. 2015. Disponível em:
101
<http://especiais.gshow.globo.com/programas/escolinha-do-professor-raimundo/bordoes-escolinha/index.html>. Acesso em: 07 dez. 2015.
HUMORISMO EM RITMO DE FLA-FLU NO POSTO SEIS. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 nov 1992.
JOSEAN. Almanaque Mídia (Ed.). Nova “Escolinha do Professor Raimundo” estreia em novembro. Disponível em: <http://almanaquemidia.com/nova-escolinha-do-professor-raimundo-estreia-em-novembro/>. Acesso em: 18 jul. 2016.
KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Análise da conversação: princípios e métodos. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
KOCH, Ingedore Villaça. ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. 10 ed. 2 reimpr. São Paulo: Contexto, 2008a.
KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à Lingüística Textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
LAERTE. Piratas do Tietê. Folha de São Paulo. São Paulo, 8 jun. 2014. p. 11.
MACHADO, Arlindo. A narrativa seriada. Televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2001
MACHADO, Arlindo. Pode-se falar em gêneros na televisão?. Revista Famecos, v. 1, n. 10, 2008.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução Cecília P. de Souza e Silva, Décio Rocha. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
MAINGUENEAU, Dominique; CHARAUDEAU, Patrick. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
MAIOR, Marcel Souto. Almanaque da TV Globo. Editora Globo, 2006.
102
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: Definição e Funcionalidade: In DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
MAZZEO, Bruno. Cunha faz o que quer no país. Se rolasse um plebiscito e passasse a monarquia, tava arriscado a virar Rei. Porque réu ele já é. 28 de Abril de 2016, 12h12. https://twitter.com/bmazzeo/status/725704350077702145?lang=pt (Acesso em: 01mai2016)
MELO ALVES. Luis Octavio Rogens. Intersecções entre o esquete humorístico e a sua adaptação literária: É mentira, Terta? In: DAVINO, Glaucia e BELLICIERI,Fernanda (orgs.) Cenas das interfaces com o mercado : histórias de Roteiristas. São Paulo : NACL Editora, 2015b.
MELO ALVES. Luis Octavio Rogens. O PAPEL DO ESCADA NA CONSTRUÇÃO DO HUMOR EM INTERAÇÕES VERBAIS. Guarulhos, 2010. 52 p. Monografia (Iniciação Científica) – Departamento de Letras - Escola De Filosofia, Letras e Ciências Humanas - UNIFESP, Universidade Federal de São Paulo, 2010.
MELO ALVES. Luis Octavio Rogens. Raimundo Nonato, um escada e o seus papéis. In: RAMOS, Paulo; LOPES, Carlos Renato (orgs.). Leituras Críticas da Mídia. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2015a. (No prelo).
MEMÓRIA GLOBO (www.memoriaglobo.globo.com). Acesso em Dezembro de 2015.
MENDONÇA, Márcia. Ciência em Quadrinhos: Recurso Didático em Cartilhas Educativas. Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística. Dissertação de Mestrado. Recife, 2008.
MINILUA. Alguns personagens inesquecíveis da Praça é Nossa. Disponível em: <http://minilua.com/personagens-praca-nossa/>. Acesso em: 02 maio 2016.
103
MONTEIRO, Denilson; NASSIFE, Eduardo. Chacrinha - a Biografia. Editora Leya Brasil, 2014
MORREALL, John. Taking laughter seriously. SUNY Press, 1983.
NOVA FOLHA COMERCIÁRIA (Brasil). Gênio da Cruzadinha. Nova Folha Comerciária: Informativo do Sindicato dos Empregados no Comércio de Patos de Minas e Região. Patos de Minas, fev. 2013. p. 04-04. Disponível em: <http://www.sindec.com.br/jornal/NovaFolha_Fev2013.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2016.
O GLOBO (Rio de Janeiro). Em foco: Paulo Gracindo: Do teatro à tv. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/paulo-gracindo-do-teatro-tv-17401539>. Acesso em: 18 jul. 2016.
PAVAM, Rosane. Humor sem fim [Entrevista]. Destaques: Carta Capital; 3 de novembro de 2010 às 10:45h. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/humor-sem-fim
PAVIS. Patrice. Dicionário de teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999.
PERDIGÃO, Paulo. No ar: PRK-30!. Casa da Palavra, 2003.
PIADAS SAFADAS. Brasil: s.d.
PIADAS.COM.BR. O caipira no médico. Disponível em: <http://www.piadas.com.br/piadas/piadas-curtas/o-caipira-no-medico>. Acesso em: 01 maio 2016.
POBRE PRIMO RICO. Veja, São Paulo, p. 19, 21 abr 1971.
POSSENTI, Sírio. Humor, língua e discurso. São Paulo: Contexto, 2011.
POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises lingüísticas de piadas. 6 reimpr. Campinas: Mercado de Letras, 2008.
PRADO, Magaly. História do rádio no Brasil. Livros de Safra, 2012.
104
PRETI D. (org) O discurso oral culto 2ª. ed. São Paulo: Humanitas Publicações – FFLCH/USP, 1999 – (Projetos Paralelos. V.2) 224p.
PRETI, Dino. RODRIGUES, Angela Cecília Souza. Análise de textos orais. Vol. 1. FFLCH/USP, Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta de São Paulo, 1993.
PRETI, D. . A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica. 2a. ed. Sao Paulo/SP: LPB, 2010. v. 01. 316p.
PRETI, Dino (org.). Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas, 2001. (Projetos Paralelos: v.1.)
PRETI, Dino. “A linguagem da TV: o impasse entre o falado e o escrito”. In: NOVAES, Adauto (org.), Rede Imaginária: Televisão e Democracia. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Mun. De Cultura, 1992, p. 232-9.
PRETI Dino. (org) O discurso oral culto 2ª. ed. São Paulo: Humanitas Publicações – FFLCH/USP, 1999 – (Projetos Paralelos. V.2) 224p.
PRETI, Dino. O vocabulário técnico, a gíria e a linguagem obscena: Perspectivas sócio-linguisticas do seu estudo. A gíria e outros temas. S o Paulo: TA Queiroz/EDUSP, 1984.
PROPP, V. Comicidade e riso. Tradução de Aurora Fornoni Bernadini e Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Ática, 1992.
RÁDIO GLOBO (Comp.). Show de humor: Burroso e Saraiva. Disponível em: <http://radioglobo.globoradio.globo.com/alo-bom-dia/2010/08/13/SHOW-DE-HUMOR-BURROSO-E-SARAIVA.htm>. Acesso em: 18 jul. 2016.
RAMOS, Paulo. Tiras cômicas e piadas: duas leituras, um efeito de humor. São Paulo: 2007. 424 f. Tese (Doutorado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
RASKIN, Victor. Semantic mechanisms of humour. Dordrecht: D. Reidel, 1985.
REDE GLOBO. TV ANO 25 (1975) Balança Mas Não Cai - Fernandinho e Ofélia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Zj13hICfY9A>. Acesso em: 18 jul. 2016.
105
RIBEIRO, A. P. G.; Sacramento, I. História da televisão no Brasil. Editora Contexto, 2010.
RIO 2025. Canal Porta dos Fundos. 01m32s. Disponível em: <https://youtu.be/C6sqY1oTzAg>. Acesso em dezembro de 2015.
ROSAS, Marta. Tradução de humor: transcriando piadas. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
SANTOS FILHO, José Laudier Antunes. Manual de futebol. São Paulo: Phorte, 2002.
SBT. Relembre fotos de programas humorísticos que marcam a história do SBT. 2010. Disponível em: <http://www.sbt.com.br/noticias/6579/Relembre-fotos-de-programas-humoristicos-que-marcam-a-historia-do-SBT.html>. Acesso em: 18 jul. 2016.
SCHEGLOFF, Emanuel A. Reflections on talk and social structure. Talk and social structure: Studies in ethnomethodology and conversation analysis, p. 44-70, 1991.
SECAS, Piadas. As mulheres são como as piscinas. Para o tempo que passamos dentro delas, a manutenção sai bastante cara. 16 de Março de 2016, 10h51. https://twitter.com/Piadas_Secas10/status/707202153622970368?lang=pt (Acesso em: 01mai2016)
SILVA, Carlos L. A. Inteligência Artificial aprende o significado do humor. Disponível em: <http://codigofonte.uol.com.br/noticias/inteligencia-artificial-aprende-o-significado-do-humor>. Acesso em: 13 ago. 2015.
SOUSA E SILVA, M.F. Crítica do Teatro na Comédia Antiga. Lisboa: Calouste Gulbenkian / JNICT, 1987.
Tira o Tubo – Pazzianotto. Esquete do Viva o Gordo (Rede Globo). 03m29s. Disponível em: <https://youtu.be/bCyxM1bdu2I>. Acesso em setembro de 2015.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Homonímia, mundos textuais e humor. Organon. , v.9, p.41 - 50, 1995.
106
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O que é engraçado? Categorias do risível e o humor brasileiro na televisão. Estudos Lingüísticos e Literários. , v.5 e 6, p.42 - 79, 1989.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Recursos lingüísticos e discursivos do humor: humor e classe social na televisão brasileira In: XXXVI Seminário do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, 1989, São Paulo. Estudos Lingüísticos - XVIII anais de seminários do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo. Lorena: Prefeitura Municipal de Lorena / GEL-SP, 1989. v.XVIII. p.670 - 677.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto humorístico: o tipo e seus gêneros. In CARMELINO, Ana Cristina (org.). Humor: eis a questão. São Paulo: Cortez, 2015. p. 49-90.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Uma introdução ao estudo do humor pela lingüística. DELTA - Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. , v.6, p.55 - 82, 1990.
UEFA. Xavi Hernández. Disponível em: <http://pt.uefa.com/teamsandplayers/players/player=35018/profile/.> Acesso em: 16 de nov. 2014
VAN DIJK, T. A. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. R. ILARI. São Paulo: Contexto, 2012.
VICTOR, Fábio. Seleção "sem cérebro' enfrenta EUA: Sem nenhum meia de criação entre os 18 convocados, time pré-olímpico de Luxemburgo improvisa em estréia. Folha de São Paulo. São Paulo, 7 abr. 1999. Esporte, p. 4.
VORHAUS, John. The comic toolbox: how to be funny even if you're not. Silman-James Press, 1994.
ZUIM, Victor Scanferlo Lima. Preferência em ser atacante: as influências sobre os jovens atletas que escolhem essa posição. RBFF- Revista Brasileira de Futsal e Futebol, v. 3, n. 9, 2012.
107
Anexo I - Normas para transcrição de entrevistas gravadas
PRETI D. (org) O discurso oral culto 2ª. ed. São Paulo: Humanitas Publicações –
FFLCH/USP, 1999 – (Projetos Paralelos. V.2) 224p.
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS GRAVADAS
Ocorrências Sinais Exemplificação*
Incompreensão de palavras ou segmentos
( ) do nível de renda... ( ) nível de renda nominal...
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)
Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)
/ e comé/ e reinicia
Entoação enfática maiúscula porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento de vogal e consoante (como s, r)
:: podendo aumentar para :::: ou mais
ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? eo Banco... Central... certo?
Qualquer pausa ... são três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção
Comentários descritivos do transcritor
((minúsculas)) ((tossiu))
Comentários que quebram a seqüência temática da exposição; desvio temático
-- -- ... a demanda de moeda -- vamos dar essa notação -- demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade de vozes
{ ligando as linhas A. na { casa da sua irmã B. sexta-feira? A. fizeram { lá... B. cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo.
(...) (...) nós vimos que existem...
Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação
"" Pedro Lima... ah escreve na ocasião... "O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós"....
*Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP n. 338 EF e 331 D2.
108
Anexo II - Transcrição do corpus
Transcrição do Corpus de Acordo com as Normas do Projeto NURC/SP (PRETI,
1999).
Corpus: Aula 1 In: ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO: Turma de
1990. PAULA, Cininha de. Globo Comunicação e Participações
S/A. Brasil: 2008. Manaus/AM: Tecnologia Digital da Amazônia
LTDA, 2008. [DVD]. (2h55), colorido.
Componentes:
RAIMUNDO - Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)
SANDOVAL - Sandoval Quaresma (Brandão Filho)
BERTOLDO - Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá)
BLAUSTEI - Samuel Blaustein (Marcos Plonka)
DCANDIDA – Dona Cândida (Stella Freitas)
ALDEMARVI - Aldemar Vigário (Lúcio Mauro)
EUSTÁQUI – Seu Eustáquio (Grande Otelo)
JOSELINO - Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires)
BALTAZAR - Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila)
109
DIÁLOGO 1
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO
Sandoval Quaresma (Brandão Filho)- SANDOVAL
RAIMUNDO seu Sandoval Quaresma...
SANDOVAL fala... tá na ponta da língua (professor)...
RAIMUNDO de onde vem a expressão “o bom filho a casa torna”?
SANDOVAL ah bom isso é da Bíblia...
RAIMUNDO da Bíblia...
SANDOVAL daquela parábola... filho pródigo... certo?
RAIMUNDO sim... mas como é essa parábola?
SANDOVAL tinha um sujeito que tinha dois filhos...
RAIMUNDO uhn...
SANDOVAL aí o filho mais novo saiu de casa... aí o pai
coitadinho ficou triste porque o filho foi embora... mas esperando
ele voltar... ele pegou um porco começou a engordar o porco pra
assar no dia que o filho voltasse...
RAIMUNDO muito bem muito bem muito bem... mas e o filho pródigo?
volTOU?
SANDOVAL voltou... CLAro... o filho voltou e foi aquela festa
aquela alegria () mas na hora que ele chegou -- o filho -- o porco
foi e fugiu... aí foi aquela situação - - “vamos esperar o porco?”
- - aí esperaram... daí uma semana PAH... o porco bateu lá... aí
foi aquela farra... pra comemorar a volta do porco... eles assaram
o filho pródigo...
RAIMUNDO eu vou ser pródigo em zeros... pro senhor.
SANDOVAL pô mas eu tava indo tão bem...
110
DIÁLOGO 2
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio)- RAIMUNDO
Bertoldo Brecha (Mário Tupinambá)- BERTOLDO
RAIMUNDO seu Bertoldo Brecha...
BERTOLDO ve:::NHA
RAIMUNDO em quantas partes se divide o corpo humano?
BERTOLDO homem seu menino... me diga uma coisa... esse corpo que
vossa insolência tá se arreferindo... é de homem... ou é de mulé?
RAIMUNDO eh... eh::: é de ho/de homem...
BERTOLDO ah então ingnoro... de corpo de homem quero é
distância... XÔ... XÔ... XÔ...
111
DIÁLOGO 3
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Samuel Blaustein (Marcos Plonka) - BLAUSTEI
RAIMUNDO seu Samuel Blaustein...
BLAUSTEI fazemos que qualquer negócia...
RAIMUNDO quem dividiu o ano... quem di-vi-diu o ano em doze meses?
BLAUSTEI ah... esta e fácil... COM certeza... BSOluta... foi uma
patrício meu... que vendia a prestação...
RAIMUNDO zero...
BLAUSTEI melhor zero no nota do que prejuízo na bolsa...
112
DIÁLOGO 4
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Dona Cândida (Stella Freitas) - DCANDIDA
RAIMUNDO Dona Cândida...
DCANDIDA Professo::r... hoje eu vi um passarinho comendo uma
minhoca...
RAIMUNDO (muito bem)... no dia que a senhora... vir... uma
minhoca comendo um passarinho não deixe de me contar... qual é a
fera... a fera mais voraz que a senhora conhece... da Índia?
DCANDIDA o tigre de bengala...
RAIMUNDO muito bem... da Itália?
DCANDIDA o buldogue italiano...
RAIMUNDO do Brasil?
DCANDIDA o leão do imposto de renda... ((chora
caracteristicamente))
113
DIÁLOGO 5
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Aldemar Vigário (Lúcio Mauro) - ALDEMARVI
RAIMUNDO seu Aldemar Vigário... me fale... sobre... Virgulino...
Lampião...
ALDEMARVI ((ri irônicamente)) prefiro falar do Zé Preá...
RAIMUNDO Zé Preá?
ALDEMARVI Zé Preá... muito mais valente do que Virgulino...
Virgulino foi o folclore... ficou em cima dele... tem aquela
coisa toda... era de fato um grande chefe... mas Zé Preá era
MAcho... Zé Preá era valente... e um dia eu estava em
Maranguape... ele ((em referência ao professor)) vai se (lembrar)
disso... chegou um bilhete do Zé Preá pro povo de Maranguape...
“tamo indo praí pra fazer pipi na cabeça dos macho de Maranguape”
e POUN... ((chora))... olhe... as lágrimas me vem aos olhos...
RAIMUNDO eu tô notando... as palavras não lhe vem a cabeça... mas
as lágrimas lhe vem aos olhos... tô notando... mas vamo lá vamo
lá...
ALDEMARVI as lágrimas me vem aos olhos de comoção... quando esse
bilhete chegou... a resposta que foi dada ao Zé Preá...
RAIMUNDO ah... lembrou cabra safado...
ALDEMARVI eh... a resposta foi a seguinte... “antes que você
venha pra cá pra fazer pipi na cabeça da gente... eu vou aí fazer
cocô na cabe/na tua cabeça... assinado” ... quem?... Raimundo
Nonato... Raimundo Nonato meus amigos... meus amigos me lembro
como se fosse hoje... esse homem se armou... saiu de casa
SOZINHO... não queria ninguém atrás dele... saiu sozinho e pegou
dois revólveres... foram dois revólveres?
RAIMUNDO e um canivetinho...
ALDEMARVI sim sim e um canivete-zinho... dois revólveres e um
canivete... aí ele partiu... pro esconderijo do Zé Preá...
quando chegou lá arrombou a porta logo com um pontapé e TAH... e
quando arrombou foi logo atirando... derrubou dez TAH TAH TAH
TAH... e aí responderam o tiro de lá TEH TEH... e os bandidos
tudo alvoroçados... atingiu atingiram o Raimundo com um tiro... aí
o Raimundo continuou atirando... outro tiro nele...
114
RAIMUNDO ai ((como se recebesse um tiro))
ALDEMARVI aí continuou atirando... outro tiro nele e ele já todo
furado... mas a fibra dele não permitia... ele não caia ele não
se rendia não se rendia e aí... TAH TAH TAH TAH... matou quarenta
- - ele levou cinquenta e quatro tiros... cinquenta e quatro
tiros - -
RAIMUNDO passei dois meses sem poder beber água... eu bebia e
xiiii... vazava.
ALDEMARVI eu me lembro disso Raimundo... eu cansei de tapar teus
buracos... se lembra disso?
RAIMUNDO lembro
ALDEMARVI matou cinquenta e quatro... não... levou cinquenta e
quatro tiros e matou quarenta bandidos...
RAIMUNDO e um... quarenta e um...
ALDEMARVI quarenta e um... sim... peraí é aí que está quarenta e
um... foi quarenta e um de fato... o último que ficou cara a cara
com ele foi o Zé Preá... que era o chefe do bando... e ele pra
desmoralizar... justamente o Zé Preá... ele matou o Zé Preá no
tapa... foi de direita ou esquerda?
RAIMUNDO foi de canhota.
ALDEMARVI canhota... foi TAH e o Zé Preá caiu... fechou a nota
aí... ainda não né?
RAIMUNDO NADA que NOta?... vou lhe dar nota? não... eu... Zé Preá?
ALDEMARVI Zé Preá...
RAIMUNDO cinquenta e quatro tiros?
ALDEMARVI cinquenta e quatro tiros...
RAIMUNDO eu levei cinquenta e quatro?
ALDEMARVI você levou cinquenta e quatro... matou quarenta à
bala...
RAIMUNDO eu matar quarenta passa... ter levado cinquenta e quatro
que é danado...
ALDEMARVI foi cinquenta e quatro... eu contei os furinhos...
cinqüenta e quatro tiros...
RAIMUNDO vai levar uma nota três...
115
ALDEMARVI não...
RAIMUNDO eh... porque foi demais...
ALDEMARVI eh... tá certo... eu até concordo... comovido
concordo... agora a morte do tapa merece três mais sete...
RAIMUNDO vou lhe dar um sete... vou tirar aqueles três...
ALDEMARVI tira o três... bota o sete... Porque o tapa foi...
116
DIÁLOGO 6
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Seu Eustáquio (Grande Otelo) - EUSTÁQUI
RAIMUNDO Seu Eustáquio...
EUSTÁQUI aqüi... qüi queres?
RAIMUNDO a África do Sul... tem uma política... profundamente
desagradável... e damos o nome de Apartheid... eu pergunto... o
que está fazendo o governo daquele país?
OUTROS ALUNOS discriminando negro...
RAIMUNDO ninguém sopra...
EUSTÁQUI Fernanda Montenegro... falhou?
117
DIÁLOGO 7
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Joselino Barbacena (Antônio Carlos Pires) - JOSELINO
RAIMUNDO seu Joselino Barbacena...
JOSELINO ah meu Jesus Cristinho... já me descobriu aqui outra vez?
será impossível, homem?
RAIMUNDO o que foi a peste negra?
JOSELINO bom... quando eu era criança pequena lá em Barbacena...
eu fiquei sabendo da peste mulata...
RAIMUNDO a pes... a peste mulata?
JOSELINO eh uai... uma mulatona que tinha um... peituda...
bunduda... que o pessoal dizia que era uma peste...
118
DIÁLOGO 8
Componentes:
Professor Raimundo Nonato (Chico Anysio) - RAIMUNDO
Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila) - BALTAZAR
RAIMUNDO seu Baltazar da Rocha!
BALTAZAR é eu...
RAIMUNDO tá preparado?
BALTAZAR dois minuto ()...
RAIMUNDO me dê um exemplo de um mineral...
BALTAZAR ah isso é fácil... rocha...
RAIMUNDO eu não quero... cometer nenhuma desfeita... eu não quero
desfazer... do senhor... mas eu nunca imaginei que o senhor fosse
capaz de acertar o mineral (parabéns)... e como foi que o senhor
conseguiu acertar... seu Baltazar?
BALTAZAR é que se alembrei de um tio que tenho...
RAIMUNDO sim e daí?
BALTAZAR chama-se Rocha... mora em Minas... é mineral