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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Aroldo José Washington O ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA NO ORDENAMENTO PÁTRIO A BUSCA DA CLASSIFICAÇÃO COMO SEGURADO DA PREVIDENCIA SOCIAL MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Aroldo José Washington

O ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA NO ORDENAMENTO PÁTRIO – A

BUSCA DA CLASSIFICAÇÃO COMO SEGURADO DA PREVIDENCIA SOCIAL

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

SÃO PAULO

2013

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Aroldo José Washington

O ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA NO ORDENAMENTO PÁTRIO – A

BUSCA DA CLASSIFICAÇÃO COMO SEGURADO DA PREVIDENCIA SOCIAL

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

como exigência parcial para a obtenção de título de

Mestre em Direito Previdenciário pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, sob a

orientação do Professor Doutor Miguel Hovart

Júnior.

SÃO PAULO

2013

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BANCA EXAMINADORA

Dr. Miguel Horvath Júnior (PUC/SP)

Dr. Otacílio Pedro de Macedo (USCS)

Dr. Antonio Márcio da Cunha Guimarães (PUC/SP)

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Dedico este trabalho à Violeta, em memória.

A Eliane, com amor e carinho eternos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela bondade e misericórdia que me acompanham todos os dias.

À minha esposa Eliane, pela compreensão, carinho, dedicação e ajuda em todas as horas.

Ao Professor Miguel Horvath Júnior, pela compreensão, paciência e pela sabedoria

demonstrada em todos os momentos da orientação.

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RESUMO

O presente trabalho será analisado à luz da Teoria da Argumentação Jurídica, da ponderação

de princípios constitucionais, atinentes ao Direito Previdenciário. O objetivo será demonstrar

que o trabalhador rural volante, denominado também de “bóia–fria”, é segurado da

Previdência Social; buscar-se-á sua classificação como segurado da Previdência Social:

consequentemente, tem o trabalhador, direito ao Seguro Social, apesar de não haver expressa

previsão legal, pois o mesmo não se enquadra na definição de empregado, na definição dada

pelo Direito do Trabalho, por se tratar de trabalhador eventual. Na prática cotidiana, o

trabalhador volante não recolhe a contribuição previdenciária; diante dessa realidade, não

estaria enquadrado como segurado da Previdência Social. Demonstrar-se-á que este encargo

é de atribuição do tomador de serviços; portanto, enquadra-se o trabalhador volante, como

segurado, com fundamentos de princípios e regras constitucionais que regem a matéria

entendimento acatado em âmbito administrativo e judicial. O método de investigação é

trabalhado de maneira descritiva, e será desenvolvido com a pesquisa das doutrinas trabalhista

e previdenciária, com visão dogmática organizada, e ainda pesquisa da Jurisprudência dos

Tribunais que tratam desta matéria, pretendendo trazer clareza à lacuna legislativa que rege a

matéria.

Palavras-Chaves: Classificação; Previdência Social; Segurado Obrigatório e Trabalhador

Volante.

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ABSTRACT

This work will be examined in the light of the Theory of Legal Argumentation , the weighting

of constitutional principles relating to the Social Security Law . The goal will be to

demonstrate that the rural worker flywheel , also called " float - cold ," Social Security is

insured , and will seek classification as held Social Security therefore has the worker entitled

to Social Security , despite there is no express legal provision , because it does not fit the

definition of employee in the definition given by the Labor Law , as it is possible worker . In

everyday practice , the employee steering wheel does not collect social security contributions

, and consequently face this fact would not be insured framed as Social Security . Will

demonstrate that this task is the assignment of borrower services , and therefore fits the

employee steering wheel, as insured , with foundations of constitutional principles and rules

governing the matter in understanding complied with the administrative and judicial . The

research method is worked in a descriptive way , and will be developed with the research of

labor and social security doctrines , organized with dogmatic and even search the

Jurisprudence of the Courts dealing with this matter, which will bring clarity to the legal

loophole which governs the matter .

Keywords: Classification; Social Security; Mandatory Insured and Worker Steering Wheel.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11

2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO RURAL ........................ 13

2.1 História do trabalho rural ................................................................................................ 13

2.2 Evolução Legislativa do Trabalho Rural ......................................................................... 17

3 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E O TRABALHADOR RURAL ........ 23

3.1 Definição de Princípios e Regras .................................................................................... 23

3.2 Princípio da solidariedade ............................................................................................... 29

3.3 Princípio da obrigatoriedade da filiação .......................................................................... 31

3.4 Princípio da uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos ..................................... 34

3.5 Princípio da equidade nas fontes de custeio .................................................................... 35

3.6 Princípio in dubio pro operário (ou in dubio pro-misero) .............................................. 37

3.7 A Regra do mínimo existencial ....................................................................................... 38

3.8 Regra da Contrapartida .................................................................................................... 43

4 DA DIFICULDADE DO ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA ENQUANTO

SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ....................................................................... 45

4.1 Aspectos diferenciais na conceituação do trabalhador rural no Direito Trabalhista e

Previdenciário ........................................................................................................................ 51

4.1.1 Definição do trabalhador rural sob a perspectiva do Direito Trabalhista ..................... 52

4.1.2 Definição do trabalhador rural, sob a ótica do Direito Previdenciário ......................... 54

4.1.3 Definição de trabalhador rural na legislação ................................................................ 56

4.2 Conceito de trabalhador rural volante na doutrina ......................................................... 59

4.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência ................................................ 64

4.3.1 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

............................................................................................................................................... 65

4.3.2 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

............................................................................................................................................... 65

4.3.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência dos Tribunais Regionais

Federais ................................................................................................................................. 68

4.3.4 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência da Turma Nacional de

Uniformização ....................................................................................................................... 72

4.3.5 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Tribunal Superior do

Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho ................................................................. 74

4.4 Conceito de trabalhador rural volante no âmbito administrativo. A autarquia

previdenciária ........................................................................................................................ 76

5 ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA DENTRO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 79

5.1 Classificação dos segurados ............................................................................................ 79

5.2 Seguridade Social ............................................................................................................ 81

5.2 Classificação dos segurados - Posicionamento da doutrina e da jurisprudência ............. 86

6 PROPOSIÇÃO DE ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR RURAL BÓIA-FRIA

............................................................................................................................................... 91

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CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 94

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 95

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Seguridade Social ................................................................................................. 81

Figura 2: Filiados da Previdência Social ............................................................................... 82

Figura 3: Conjunto dos integrantes da Previdência Social .................................................... 83

Figura 4: Classificação dos segurados da Previdência Social ............................................... 84

Figura 5: Classificação dos empregados ............................................................................... 87

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1 INTRODUÇÃO

Passados quase 200 anos de independência, o Brasil, país de dimensão Continental,

de vasta área agrícola, tem muito ainda a proteger sua população rural, em termos de

Previdência Social. Grande avanço ocorreu, em termos legislativos, com a Constituição de

1988, quando houve a equiparação entre trabalhadores urbanos e rurais no que diz respeito

aos direitos previdenciários. Antes disso, a Previdência Rural, estava imersa em um grande

sistema de assistência social. Com a Constituição Federal, esta migrou, definitivamente, para

a Previdência Social, igualando os trabalhares rurais e urbanos, em benefícios e prestações.

Em contrapartida, determinou que, a partir de 1988, “deve o trabalhador rural contribuir para

o custeio da previdência social.”

De toda a gama de trabalhador rural, estuda-se, na presente dissertação, as condições

específicas do trabalhador rural chamado volante: figura que faz parte da própria formação

cultural do Brasil, antiga e esquecida pelos donos do poder. Em relação a esse trabalhador,

há um vazio legislativo.

Será adotada, neste trabalho, a nomenclatura de trabalhador rural volante, sinônimo

de bóia-fria. Esses são eventuais, exercendo sua atividade num pequeno período de tempo

para os pequenos proprietários rurais, arrendatários, sitiantes, sem vínculo de continuidade,

ganhando pouco, na condição de diaristas. Essa atividade é sua única fonte de renda: a venda

do seu trabalho braçal. Via de regra possuem um grau bastante baixo de escolaridade, já´que

foram excluídos do acesso à educação formal e vivem de propriedade rural em propriedade

rural, em busca de trabalho para seu sustento e o de sua família. De todo o cipoal legislativo,

nada o ampara em relação à proteção previdenciária.

Na dicção do artigo 11, da Lei 8.213/91, que preceitua quem são os segurados

obrigatórios da Previdência Social, em uma leitura singela, sem se ater aos princípios e regras

que regem a matéria, o mesmo está excluído. Excluído porque não é empregado, não exerce

seu labor de forma contínua, sim eventual em relação ao empregador. Exerce atividade

laborativa de forma contínua, mas para diversos tomadores de serviços; assim, não fica

caracterizada a relação de emprego, nos termos do Direito de Trabalho.

Segundo o entendimento do senso comum, esse trabalhador não pode ser considerado

contribuinte individual (artigo 12, g, da Lei 8212/91), pois presta serviço de natureza rural, a

tomadores de serviços, que não se enquadram no conceito de empresa, definido no artigo 15,

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da Lei de Custeio (Lei.8.212/91), nem na equiparação prevista no parágrafo único deste

malsinado dispositivo legal.

Apesar da lacuna legislativa, demonstra-se que todos aqueles que exercem atividade

laborativa no meio rural tem assegurada a obrigatoriedade de estar sob a Previdência Social,

considerando que a ordem social tem como o primado o trabalho, e como objetivo o bem

estar social. Aliam-se a isso os princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais

do trabalho, com o que se tenta construir uma sociedade solidária: um dos objetivos

fundamentais da República.

Inicia-se a dissertação na busca de subsídios históricos e evolução do trabalho rural,

no Capitulo 2.

A seguir, estuda-se os Princípios e as Regras Constitucionais aplicados em relação ao

trabalhador rural volante, na busca da classificação do bóia-fria como segurado da

Previdência Social: princípios da solidariedade, obrigatoriedade da filiação, uniformidade

entre trabalhadores rurais e urbanos, equidade nas fontes de custeio, princípio in dubio pro

misero. Finalmente, neste capítulo, as regras do mínimo existencial e contrapartida.

Salienta-se a dificuldade do enquadramento do bóia-fria enquanto segurado da

Previdência Social face à ausência normativa que rege a atividade do trabalhador volante.

Acrescem-se os aspectos diferenciais da conceituação do trabalhador rural no Direito

Trabalhista e Previdenciário e estuda-se a definição do trabalhador rural na perspectiva do

Direito Trabalhista e Previdenciário. Dando prosseguimento, analisa-se o conceito de

trabalhador rural volante na doutrina e Jurisprudência dos Tribunais que julgam a matéria.

Finalmente, da análise destes conceitos, dá-se o enquadramento do bóia-fria e a sua

classificação dentro do contexto do Direito Previdenciáro.

O tema foi escolhido diante do problema social que envolve esta grande camada da

população rural que, em pleno século XXI, está, ainda, a aumentar o seu número, de

trabalhadores rurais volantes, excluidos do progresso social, e desemparados pela legislação.

Quando atingem a idade avançada, já incapazes de exercer o seu mister, ou quando

apresentam impossibilidade de trabalhar, não estão acobertados pela Previdência Social, em

têm que buscar, nas vias judiciais, tutela jurisdicional, para o reconhecimento de seus direitos.

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2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO RURAL

É importante estudar a historia e evolução legislativa do trabalho rural no Brasil, subsidios

fundamentais para saber o motivo de tanto abandono e falta de capacidade politica, deste

importante segmento da sociedade brasileira, os trabalhadores rurais volantes, também

alcunhados de bóia fria, “pau de arara”, trabalhador independente rural.

A dificuldade do trabalho rural, seu esquecimento remota priscas eras.

A legislação é o espelho da história, e a sua evolução demonstra toda a característica

de nossa sociedade, em sua constate mutação no tempo.

2.1 História do trabalho rural

Desde o início da civilização, o homem retira o seu sustento por meio da interação do

seu trabalho com a terra, produzindo alimentos para a sua própria sobrevivência. Se for levada

em conta o tempo, nestes últimos 2000 anos, constatamos que o fenômeno da industrialização

é recente: praticamente nos últimos 250 anos.

Quando se pensa na origem do Direito para iluminar essa questão, surge logo a ideia

de buscar subsídios nas origens no Direito Romano, como era a vida em Roma antiga e como

aquele povo, em sua visão pragmática do Direito, fez em prol destes trabalhadores.

Jerzy Kolendo, em seu estudo sobre o trabalhador rural romano, traz importante

esclarecimento, para termos a noção de como era em Roma antiga, em suas várias fases de

desenvolvimento, o trato e a vida do rurícula.

Aduz que:

[...] tradicionalmente, os camponeses viviam no fechado mundo da auto-

suficiência. Eles se colocavam às margens da economia mercantil,

limitando-se a vender os produtos de seu sítio, nos mercados locais e nas

pequenas cidades, muito numerosas, da Itália Central. (...) Proverbiais eram

a pobreza dos trabalhadores rurais e o seu modo de vida primitivo. No obra

“Moretum”, atribuída a Virgilio, se extrai um camponês que se levanta

muito cedo, perto de um fogo apagado, se veste com um casaco de pele de

cabara e começa o seu trabalho fatigante, em torno de um moinho de pedra.

Para aliviar o seu trabalho , entorna cantos campestres.1

1KOLENDO, Jerzy. “Il Contadino”. In: L´uomo Romano – a cura di Andrea Giardina. Roma: Editori Laterza,

1996, p.218/219.

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Feijó Coimbra leciona que:

[...] inicialmente, o povo romano no amanho da terra, pelo trabalho do

conjunto familiar, em granjas de vinte geiras, onde criavam gado, com

auxilio de escravos. Posteriormente, as guerras arruinaram os cidadãos que

abandonavam as lavouras durante as campanhas. Os campos, despovoados,

foram sendo absorvidos pelos grandes proprietários, dando azo à formação

de latifúndios que, explorados com métodos de avançada técnica, ao menos

para à época, e com o emprego maciço de mão de obra servil, atingiram

notável produtividade2.

E continua,

[...] essa propriedade alicerçada no braço escravo teve seu ocaso quando a

paz, assegurada pelo Império, fez escassear a oferta de cativos, mais

frequentemente recrutados entre os prisioneiros de guerra.” E Finaliza; ao

lado do retrocesso econômico decorrente do abandono da cultura em grande

extensão e realizada com métodos que facultavam uma produtividade

maior, nenhum foi o progresso social. O proletariado, chamado a condição

de arrendatário, acabou fixado a terra, em condição semelhante ao elemento

servil que viera substituir.3

Pode-se comparar, a grosso modo, o que aconteceu em Roma com o que aconteceu no

Brasil, desde o seu descobrimento. A história se repete.

Jacob Corender, escreve sobre o modo de economia do escravismo colonial, durante

o Brasil Colônia, a economia com base no trabalho escravo4, e sua extinção, com a abolição

da escravatura, em 1888, com a Edição da Lei Aurea, promulgada pela Princesa Isabel.

Observa Laura Vasconcelos Neves da Silva que:

[...] trabalho rural, quase tão antigo quanto o homem, não deu ensejo ao

surgimento de um direito que protegesse os trabalhadores do campo. A

explicação para isso é que, sendo escravos, os trabalhadores rurais lutavam

pelo bem maior da liberdade e, ademais, não possuíam força política para

reivindicações de direitos. Assim sendo, depreende-se que a formação da

massa trabalhadora nas cidades ocorreu porque se tratava de homens livres.

Já a disciplina do Direito do Trabalho Rural surgiu no meio intelectual e

político, como um reflexo natural do avanço do direito social surgido após

a Segunda Guerra Mundial.5

O surgimento dos trabalhadores rurais, comumente denominados boias-frias,

trabalhadores volantes, está ligado à própria transformação do Estado brasileiro, na libertação

2 COIMBRA, J.R. Feijó. O Trabalhador Rural e a Previdência Social. Rio de Janeiro: Editora José Konfino.

1968, p.8. 3 IDEM, p.9. 4 GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. 5ª edição, 2011. 5 SILVA, Laura Vasconcelos Neves da. “Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores Rurais da Cana-de-

Açúcar”. In: Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. Ano V, Número 26, Setembro –

Outubro/2008, p.44.

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dos escravos e com o desamparo total dessa grande camada da população, em uma sociedade

rural, com o início do desenvolvimento urbano.

Evaristo de Moraes Filho, em nota introdutória ao clássico Apontamentos de Direito

Operário, de Evaristo de Moraes, escreveu que

Os primeiros anos da República foram de grande agitação neste país. E a

explicação é fácil. 1888 significou, por si só, a primeira grande lei social

entre nós, acabando com a escravidão e instituindo o regime do

trabalho livre. As conseqüências que acarretou já foram minuciosamente

estudadas por um sem-número de historiadores, economistas e sociólogos.

Faltou-lhe uma complementação necessária, como já à época se haviam

dado conta alguns espíritos mais atentos, convindo destacar, entre êles,

Silva Jardim, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Pregavam uma lei de

reforma agrária, que fixasse o homem à terra, lhe tornasse

proprietário, dividisse os latifúndios, com radical alteração do sistema

rural até então vigente, a fim de que, com o nôvo regime, não se

desorganizasse a produção dos campos.”6

Conclui o mestre:

Os fazendeiros — o que equivale dizer, os políticos que apoiavam

o Imperador — voltaram-se contra êle, aderindo à República. Por isso

mesmo, coube a essa, infelizmente, herdar todos os problemas oriundos da

Abolição: campo desorganizado; quebra da produção; ausência de braço

livre para substituir, de repente, o trabalho escravo; migração para os centros

urbanos dessa mão- de-obra desempregada e faminta, quando não se

deixava ficar pelos próprios campos, como fantasmas a perambular em

tôrno das antigas fazendas. Tudo isso se transformou em fator sociopático

nas cidades, principalmente na Capital Federal: mendigos, vagabundos,

prostitutas, desabrigados; mão-de-obra despreparada e desqualificada, sem

aprendizado nem formação profissional para os novos trabalhos mecânicos

que iam surgindo. Empregavam-se por qualquer salário e para todo o

serviço.7

Estes fantasmas, no dizer de Evaristo de Moraes Filho, pode ser considerada a origem

remota dos atuais trabalhadores boias frias ou volante. Como bem observado por Júlio Barata:

[...] a situação social do homem do campo, sua integração real, pela

produtividade, na força do trabalho do País, o atendimento de suas

necessidades básicas, as garantias exigidas para a segurança da população

rural e sua fixação na terra, o controle das migrações para a cidade, a

proteção à saúde, e o direito à tranquilidade na velhice para os que

mourejam na lavoura constituem, desde 13 de maio de 1888, o mais velho,

6MORAES, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operario. 2ª edição – Comemorativa do Centenário do

nascimento do autor, acompanhada de introdução feita por Evaristo de Moraes Filho. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, LTr, 1971, p. XXXII. 7IDEM, p. XXXIII.

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o mais constante, e, talvez, o mais sério desafio à clarividência do estadista

e do legislador.8

A situação descrita acima se perdura até hoje em relação aos trabalhadores volantes,

comumente chamados boias-frias, o vácuo legislativo que impera nesta matéria. Mas a vida

no campo, no seu cotidiano, ainda é de penúria, em sua grande maioria, existindo

trabalhadores à margem da Previdência Social, verdadeiros excluídos, como é o caso dos

trabalhadores boias-frias ou volantes que, mesmo tendo direito — é essa nossa tese — estão

excluídos dentro da proteção previdenciária, como será visto mais adiante.

A realidade social, o contexto em que vivem esses rurícolas é de extrema miséria, e

quando atingem a idade avançada, incapazes de exercer atividade laboral, encontram

mecanismos de proteção, como aposentadoria por idade rural, e outros benefícios

previdenciários, desde que se possa classificá-los como segurado obrigatório da previdência

social.

Em situação assim, considerando a idade avançada como uma etapa da vida, encontra-

se o fundamento da proteção a todo trabalhador, no risco e na contingência e, na situação de

necessidade, tendo em conta os valores sociais, culturais e éticos da República, bem como,

utilizando-se do instrumental da Teoria da Argumentação Jurídica, dentro de todos os

princípios e de todas as regras que regem a Previdência Social, são segurados obrigatórios da

Previdência Social.

A necessidade de proteção do rural, em idade avançada, sobressai considerando os

princípios magnos da Carta da República, em especial o princípio da dignidade da pessoa

humana, e o mínimo existencial.

Em termos históricos, Mary del Priore e Renato Venâncio9 fazem um quadro realista

da vida rural no Brasil, descrevendo as mudanças que ocorreram desde a época do

descobrimento até os dias atuais. Mostram a influência das alterações de paradigmas, do

modelo escravista para a liberdade de mão de obra, a necessidade de uma reforma agrária, o

surgimento da mecanização agrícola no século xx, com a migração do trabalho rural para o

urbano e o efeito nefasto desta mecanização. A forma como essa se deu resultou em

crescente onda de desemprego no campo e aumento dos trabalhadores volantes, fato este

constatado por Luiz Sérgio Pires Guimarães, Ney Rodrigues Innocencio, Sebastiana

8BARATA, Júlio. Apresentação – Barros Jr, Cássio de Mesquita – Previdência Social- Urbana e Rural. 1981,

São Paulo: Editora Saraiva, p. XI. 9 DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma História da Vida Rural no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro.

2006.

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Rodrigues de Brito10, em estudo estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística(IBGE), realizado em 1984.

A mecanização da agricultura, em especial, na indústria canavieira, ocasiona uma

enorme onda de desemprego, conforme constata André Cabette Fábio, em reportagem

publicada em 29 de novembro de 2013, no site da UOL11. Nessa reportagem, é dada uma

ideia falsa de que o trabalhador volante só exerce suas atividades na indústria canavieira; ao

contrário, se esta utiliza o trabalhador volante, no corte manual da cana, sob sua supervisão,

o mesmo deixa de ser bóia-fria, e passa a ser empregado.

Mas, um argumento é correto: o uso da tecnologia e maquinário extingue mão de obra

braçal. Uma máquina agrícola substitui muitos obreiros, mas faltam estatísticas sobre o

assunto, como reconhecido nesta reportagem.

O problema do aumento do número dos trabalhadores volantes é extremamente

complexo, envolvendo a economia nacional, a mecanização da agricultura, o desemprego que

ocasiona esta mecanização, face à dispensa de mão de obra não qualificada, com a

consequente informalidade desta mão de obra.

2.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO RURAL

A evolução legislativa, visando à proteção e integração do trabalhador rural à

Previdência Social, está intimamente ligada à economia nacional, envolvendo todo um

problema de modelo econômico, atrelado ao movimento político de cada período vivido por

nossa sociedade.

Em termos legislativos, a atenção a esse trabalhador é recente: da segunda metade do

Seculo XX. Nesse trabalho, será dada ênfase a partir da década de 40, no século passado.

Para tanto, foram colecionadas os preceitos normativos que dizem respeito à Previdência

Social do Trabalhador Rural, e temas correlatos, em especial sobre as fontes de custeio.

10 GUIMARÃES, Luiz Sérgio Pires; INNOCENCIO, Ney Rodrigues; BRITO, Sebastiana Rodrigues de. “O

Trabalhador Volante na agricultura” R. br as. Geo gr., Rio de Janeiro, 46(1) :5-78 jan./mar. 1984. Disponível

em:

<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/RBG/RBG%201984%20v46_n1.p

df> Acesso em 18 de abril de 2013. 11<http://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/11/29/bóia-fria-da-lugar-a-operador-de-

colhedora-de-cana-que-ganha-ate-r-26-mil.htm#fotoNav=1> Acesso em 06 de dezembro de 2013.

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Em plena II Guerra Mundial, surge a Consolidação das Leis do Trabalho, de nítida

tendência fascista, quando Getúlio Vargas exclui do campo de aplicação os trabalhadores

rurais, de um modo geral.

1. O DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943, a Consolidação das Leis

do Trabalho, em seu artigo 7º, letra b, exclui do campo de incidência os preceitos

constantes nessa lei, salvo quando for expressamente determinado em contrário

[...] aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo

funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam

empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos

trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como

industriais ou comerciais.

A determinação em contrário, na própria CLT, prevê na aplicação do salário mínimo

ao trabalhador rural, nos termos do artigo 76, na definição do salário mínimo:

Art. 76. Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga

diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador

rural sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer,

em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de

alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

Passados 13 anos, em período de grande turbulência histórica, com o surgimento da

Guerra Fria entre União Soviética e Estados Unidos - as duas grandes superpotências - o

avanço do Comunismo, surge a Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960. Trata-se da Lei Orgânica

de Previdência Social que, já em seu artigo 3º, II, excluiu os trabalhadores rurais do campo

de sua incidência.

Já antecedendo a Revolução de 1964, foi promulgada a Lei nº. 4.214 de dois de março

de 1963 que dispôs sobre o Estatuto do Trabalhador Rural, criou o Fundo de Assistência e

Previdência do Trabalhador Rural, em seu artigo 158 e seguintes. Esse Estatuto, na realidade,

nunca chegou a ser efetivo, devido à edição do Decreto 61.554, de 17 de outubro de 1967, a

seguir transcrito. O Decreto Lei nº 286, de 28 de fevereiro, de 1967, criou fonte de custeio

para tentar implementar a Lei 4214/63, já em pleno Regime Militar.

5. DECRETO Nº 61.554, DE 17 DE OUTUBRO DE 1967.

Aprova o Regulamento do Fundo de Assistência e Previdência do

Trabalhador Rural e dá outras providências.

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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere

o item II do art. 83 da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 6º do

Decreto-lei nº 276 de fevereiro de 1967.

DECRETA:

Art. 1º Fica aprovado, sob a denominação de Regulamento do Fundo de

Assistência e Previdência do Trabalhador Rural , o Regulamento que a este

acompanha, assinado pelo Ministro do Trabalho e Previdência Social.

Art. 2º A concessão das prestações a que se referem os arts. 55, alínea b e §

2º, e 164, alíneas b, c, d, e f, da Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963, fica

sustada até que o Poder competente disponha sôbre sua fonte de custeio.

O primeiro Estatuto do Trabalhador Rural, promulgado no Governo de João Belchior

Goulart criou benefícios sem a correspondente fonte de custeio, e teve seus efeitos sustados,

pelo Decreto 61.554/67; portanto, nunca deu efeito prático algum.

O Decreto-lei 564, de 1º de maio de 1969, criou o Plano Básico de Previdência Social,

visando aos trabalhadores não abrangidos pelo LOPS, incluindo nele os trabalhadores rurais

do setor canavieiro.

Efetivamente, a proteção ao trabalhador rural começou a partir da LC 11, de 25 de

maio de 1971, lei esta que criou o Prorural. Esse deu a definição do que a lei considerou

trabalhador rural e, desta definição, deixou de fora o trabalhador volante.

O PRORURAL, criado pela LC 11, foi regulamentado pelo Decreto 69.919, de 11 de

janeiro de 1972. É interessante observar a função didática que exerce este Decreto, definindo

o conceito de trabalhador rural, com maior precisão, porém, também deixou de normatizar o

trabalhador volante, deixando-o fora da previdência rural.

Da dicção da lei, constata-se que o trabalhador volante não foi contemplado na

proteção previdenciária, por exercer atividade agrícola, em caráter eventual, para

proprietários e arrendatários rurais.

A Lei Complementar 11/71 foi alterada pelo LC 16/71, dando a definição legislativa

de produtor rural.

A Lei 5.889, de 08 de junho de 1973, começa a dar melhor de finição ao trabalhador

rural, estando ainda hoje em pleno vigor, com as modificações da Lei 11.718, de 20 de junho

de 2008, não tendo sido derrogada pelos diplomas que a sucederam, por não ser incompatível

com a atual ordem jurídica vigente e por ter havido mudanças que a adequaram à sociedade

atual. A definição legislativa de trabalhador rural é didática, nesta lei: “Art. 2º Empregado

rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de

natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”. A

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Lei 6195, de 19 de dezembro de 1974, institui a concessão de prestações devidas, em

decorrência do acidente do trabalho rural. O Decreto 73.617, de 12 de fevereiro de 1974,

regulamentou o PRORURAL.

Com a criação do Funrural, autarquia, com personalidade jurídica de direito público,

foi dado um passo fundamental para a criação de uma Previdência Social Rural, desfeito na

Constituição de 1988, com a equiparação de trabalhadores rurais e urbanos. Esse Órgão

possuía, na realidade, nítida natureza assistencialista, e seus benefícios ficaram aquém do

esperado, pois excluíam os direitos da mulher à aposentadoria rural. A Constituição de 1988

fez Justiça, eliminando esta desigualdade.

Dando continuidade à legislação infraconstitucional, o Decreto 76.022, regulamentou

a Lei 6.195.

A Lei 6260, de 06 de novembro de 1975, por sua vez, institui benefícios da previdência

e assistência social aos empregadores rurais, regulamentada pelo Decreto 77.514, de 29 de

abril de 1976.

Por fim, o grande divisor de águas do direito dos trabalhadores rurais, foi a

Constituição de 1988, que equiparou trabalhadores rurais e urbanos.

A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, em suas sucessivas modificações, é o que hoje

rege a matéria, em conjunto com a Lei de Custeio, Lei 8.212, da mesma data.

Finalmente, a Lei 11.718, que acrescentou artigo à Lei 5.889, de 08 de junho de 1973,

já descrita acima, mas que não contemplou a atividade de trabalhador volante.

Assim, lenta foi a legislação visando à proteção do trabalhador rural.

Constata-se que, nesta perspectiva legislativa, a Lei 4.214/61 foi a primeira a elaborar,

sistematicamente, os direitos do homem do campo, mas não teve alcance prático, no mundo

fenomênico, em virtude da não previsão da fonte de custeio.

O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, a Lei Complementar 11/71, em

pleno Regime Militar, iniciou uma programa de proteção a esse trabalhador, dando um caráter

híbrido, assistencialista e, ao mesmo tempo, contributivo ao trabalhador, prevendo

aposentadoria apenas ao arrimo de família por idade, face às atividades desenvolvidas pelo

mesmo e excluindo a mulher do benefício de aposentadoria por idade, caso o marido já fosse

aposentado ou o arrimo de família, dando ênfase ao caráter assistêncial da previdência rural.

Deixou de fora grande parte dos trabalhadores rurais, destacando-se os trabalhadores

volantes.

A verdadeira mudança, resgatando todo um passado de exclusão do trabalho

desenvolvido no meio agrário, fez-se pela Constituição de 1988: um divisor de águas.

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Ela unificou a Previdência Social Urbana e Rural e equiparou os direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, estando assim normatizado em seu artigo 7ª, em sua redação

original: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem

à melhoria de sua condição social:”12

........................

Em nível de organização da Seguridade Social, o Constituinte de 1988, em

consonância com o artigo 7º, preceituou que:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações

de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a

seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais; [grifo do autor]

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com

a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e

aposentados.13 (Grifo meu)

No subnível previdenciário, destacou a aposentadoria diferenciada por idade dos

trabalhadores rurais e reconheceu, pela primeira vez, em nível constitucional, o regime de

economia familiar, normatizado na legislação infraconstitucional, incluindo o pequeno

produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,

de caráter contributivo e de filiação obrigatória [grifei], observados

critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (...)14

Neste contexto de nivelamento constitucional é que todas as normas de hierarquia

inferior devem ser interpretadas. Sobressai o princípio da dignidade da pessoa humana em

consideração à natureza diferenciada da atividade desenvolvida pelo trabalhador rural,

12 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 7º, caput. Vade Mecum.

7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 13 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 194 e incisos. Vade

Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 14 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201, caput. Vade Mecum.

7. Ed. São Paulo: RT, 2012.

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destaca-se, neste sentido, o trabalhador volante e a dificuldade cultural de arrecadação das

contribuições previdenciárias, decorrentes da atividade laborativa exercida por ele, em

relação à fonte de custeio da previdência social.

Em termos legislativos, de legislação infraconstitucional, frisa-se a Lei 11.718, de 20

de junho de 2008, que acrescentou artigo à Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, criando o

contrato de trabalhador rural por pequeno prazo. A Lei 5.889 define trabalhador rural e

empregador rural.

De especial importância é o artigo 11, da Lei 8.213/91, que possibilita a realização

cientifíca de uma classificação dos segurados da previdência social. Tendo como ponto de

partida a legislação, em vigor, em especial o artigo 11, da Lei 8.213/91, é possível estabelecer

e classificar os vários tipos de trabalho rural, para um melhor enquadramento, em relação

aos benefícios que os mesmos fazem jus, bem com delimitar a proteção previdenciária que

o ordenamento jurídico lhes deferem.

Estabelece o artigo 11, da Lei 8.213, quem são os filiados obrigatórios da Previdência

Social e, neste preceito normativo, devemos alocar o trabalhador volante para fins de

classificação e sistematização.

Na evolução legislativa, dentro de contexto histórico, depreende-se que, apesar da

evolução no sentido de proteção previdenciária, o trabalhador volante ficou à margem; no

entanto, contextualizando a aplicação dos princípios e das regras constitucionais, infere-se

que, em decorrência da atividade laborativa exercida, são segurados obrigatórios da

Previdência Social, pois quem trabalha, goza do seguro social obrigatório.

Com o resumo das principais normas em relação ao trabalhador rural, serão estudados,

a seguir, os Princípios e as Regras constitucionais, atinentes à matéria.

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3 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E O TRABALHADOR RURAL

3.1 Definição de Princípios e Regras

A palavra princípio é carregada de ambiguidade. Tem múltiplos significados,

conforme assevera Nicola Abbagnamo.15

Far-se-á um corte metodológico, delimitando o significado de princípio, de que este é

norma do sistema jurídico, que, ao lado das regras, formam o sistema normativo.

Adota-se a lição de Humberto Ávila16, de que princípios são normas.

Sérgio Sérvulo da Cunha, em acurado estudo sobre o tema, observa que:

[...] de uns tempos para cá na doutrina e no foro em tudo se veem princípios,

aos quais — como na descoberta de terra ignota — se vão dando nomes,

que na sua profusão se sobrepõem. No Dicionário Compacto do Direito

(doravante citado como DCD) listei parcimoniosamente 135 “princípios”

que freqüentam as páginas da literatura jurídica nacional, enquanto nos

sessenta volumes do seu Tratado de Direito Privado, desde (em ordem

alfabética) o princípio “civiliter uti” (§ 2.202,5, tomo 18) até o “princípio

de moralidade” (§ 3.658, 2, tomo 32), Pontes de Miranda nomina, aplica, ou

estuda 576 dos mais variados princípios.17

O estudo sobre princípios é um dos mais complexos dentro do panorama da Teoria

Geral do Direito.

Em uma visão tradicional sobre a definição de princípio, partindo de linha

metodológica de que princípio aparece como linha diretiva que ilumina a compreensão e

interpretação, doutrina Celso Antonio Bandeira de Mello, para delinear o conceito de

princípio, diz:

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema,

verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para

exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica

e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tónica que lhe dá

sentido harmónico”. Eis porque: “violar um princípio é muito mais grave

que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não

apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de

comandos. E a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,

15 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 5ª ed. 2007, p.928. 16 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:

Malheiros Editores, 13ª edição, 2012, p. 203. 17 CUNHA, Sérgio Sérvulo. Princípios constitucionais. São Paulo: Editora Saraiva. 2. ed., 2013, p. 11/12.

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conforme o escalão do principio violado, porque representa insurgência

contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia

irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”18

Esta definição tradicional, repetida milhares de vezes, não traz a essência de princípio

e de regra, servindo mais como vetor de interpretação.

Assim, na esteira do pensamento de Roque Antonio Carraza19, que completando as

lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, que, de forma concisa , afirmou generalidade,

de que princípio ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso

mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que

com ele se conectam.

Adverte Carraza que:

os princípios são encontrados em todos os escalões da pirâmide jurídica,

havendo princípios constitucionais , legais, e ate infralegais,, e dentro da

pirâmide jurídica, os mais importantes são os constitucionais, que irradiam

sobre todo os sistema jurídico.20

Paulo de Barros Carvalho, dentro da Teoria do Construtivismo Lógico Semântico,

traz a definição perfeita sob o ponto de vista lógico. Assevera o mestre:

Princípio é palavra que frequenta com intensidade o discurso filosófico,

expressando o “início”, o "ponto de origem”, o “ponto de partida”, a

“hipótese-limite” escolhida como proposta de trabalho. Exprime também

as formas de síntese com que se movimentam as meditações filosóficas

(“ser”, “não-ser”, “vir-a-ser” e “dever-ser”), além do que tem presença

obrigatória ali onde qualquer teoria nutrir pretensões científicas, pois toda

ciência repousa em um ou mais axiomas (postulados). Cada “princípio”,

seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre

susceptível de expressão em forma proposicional, descritiva ou

prescritiva.21

Assim, na esteira de pensamento de Canotilho, chega-se à conclusão de que

“princípios são normas do sistema jurídico, que convivem ao lado das regras, sendo a

18 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso do de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 29.

ed. 2012, p. 54. 19 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros Editores. 26

ed., 2010, p. 44/45. 20 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros Editores. 26

ed., 2010, p. 46. 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses. 2011,

4.ed., p. 264.

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Constituição um sistema aberto de regras e princípios”22, acrescentando-se a doutrina de

Paulo de Barros Carvalho, de que princípios iluminam e direcionam a compreensão do

aspecto de todo o ordenamento jurídico.

Neste sentido, doutrina Wagner Balera:

[...] princípios são normas que descrevem o que se poderia chamar o estado

ideal a ser alcançado pelo sistema. Deles derivam as regras que

concretizarão, a partir das concretas situações da vida, os plano de

programas tracejados pela Lei Suprema.[...]

As regras, por seu turno, comandam comportamentos humanos.

Estão dirigidas de modo imperativo a alguém. Impõem , proíbem ou

permitem determinada conduta. São concretizações do querer do direito.23

Assim, a Constituição se vale de princípios e regras. Ambos são conteúdos de normas

constitucionais. A esse respeio, interessante é a lição de Tercio Sampaio Ferraz, ao lecionar

que, teoricamente, pode-se dizer o seguinte:

[...] princípios são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de

regras de primeiro grau. Isto é, princípios são prescrições genéricas, que se

especificam em regras. Essa distinção, formulada em tese, não é fácil,

porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. A terminologia,

mesmo teoricamente, não é pacífica - o que exige um esclarecimento

terminológico24.

E o preclaro mestre reconhece que não é fácil sustentar teoricamente a distinção entre

princípios e regras, de maneira que propõe os seguintes critérios para auxiliar o intérprete:

1. os princípios não exigem um comportamento específico, isto

é, estabelecem ou pontos de partida ou metas genéricas; as regras, ao

contrário, são específicas em suas pautas;

2. os princípios não são aplicáveis à maneira de um “tudo ou

nada”, pois enunciam uma ou algumas razões para decidir em determinado

sentido sem obrigar a uma decisão particular; já as regras enunciam pautas

dicotômicas, isto é, estabelecem condições que tornam necessária sua

aplicação (conseqüências que se seguem automaticamente);

3. os princípios têm um peso ou importância relativa, ao passo

que as regras têm uma imponibilidade mais estrita; assim, princípios

comportam avaliação sem que a substituição de um por outro de maior peso

22 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Portugal: Almedina Coimbra, 7.

ed., 2007, p. 1160 e ss. 23 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin., 2. ed., 2010,

p. 103. 24 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. “Sistema Tributário e princípio federativo”. In: Direito Constitucional. São

Paulo: Editora Manole.2007, p. 337.

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signifique exclusão do primeiro; já as regras, embora admitam exceções,

quando contraditadas provocam a exclusão do dispositivo colidente;

O conceito de validade cabe bem para as regras (que ou são válidas

ou não o são), mas não para os princípios, que, por serem submetidos a

avaliação de importância, mais bem se encaixam no conceito de

legitimidade.25

Como leciona Luis Roberto Barroso:

Nos últimos anos, todavia, ganhou curso generalizado uma distinção

qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos

pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a

superação do positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras

jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de

princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as

ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um

papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo

às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por

Robert Alexy. A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria

jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria26

Assim, princípio é de espécie normativa, que contém relatos com maior grau de

abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo de

situações. Em uma democracia, os princípios frequentemente entram em colisão, apontando

direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá dar-se mediante ponderação: à vista

do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na

solução do caso concreto, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada

um, na medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas

graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato

Por outro lado, Regras são normas jurídicas, relatos objetivos, descritivos de

determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a

hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo da subsunção:

enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma

regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é

descumprida. Na hipótese do colisão entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer.

25 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. “Sistema Tributário e princípio federativo”. In: Direito Constitucional. São

Paulo: Editora Manole. 2007, p. 338. 26 BARROSO, Luís Roberto. “O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos

princípios no direito brasileiro”. In: Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, Vol. III, 2 ed.,

pp. 14/15.

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Feita esta digressão sobre princípios e regras, e partindo da premissa de que princípios

são normas e, ao lado de regras, formam todo o arquétipo normativo de um sistema jurídico,

será estudado e desenvolvido os princípios da obrigatoriedade da filiação, da solidariedade,

da uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos, in dubio pro misero, a equidade nas

fontes de custeio, as regras do mínimo existencial e regra da contrapartida em relação ao

trabalhador volante, dando consistência jurídica ao enquadramento do bóia-fria no

ordenamento jurídico

Todo o estudo do conceito de trabalhador rural denominado volante, ou bóia-fria,

dentro do universo da Previdência Social, deve partir da irradiação desses princípios e regras.

Deve-se conciliar os princípios que regem a Previdência Social, em especial, os

ditados pelo caput do artigo 201, da Constituição Federal, que diz que a Previdência Social

será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória,

com os princípios previstos no artigo 194, II e V, da Constituição Federal, da uniformidade

de tratamento entre os trabalhadores rurais e urbanos , e a equidade nas fontes de custeio da

previdência social, tendo em consideração os princípios maiores, esculpidos na Carta Magna,

em seus artigos 3º e 4º, que são o de construir uma sociedade solidária (art. 3º, I, e artigo 4º,

II, da CF), tendo como prevalência os direitos humanos, para se buscar o enquadramento do

trabalhador volante, como segurado da Previdência Social.

Delimitado o que se entende por princípio e regra constitucional, serão analisados

doutrinadores da área de Direito Previdenciário que especificam os princípios previdenciários

reconhecidos em relação à Previdência Social, a partir da Constituição de 1988.

Observa Miguel Hovarth Júnior:

Os sistemas de seguridade social têm por objetivo único a erradicação das

necessidades sociais, assegurando a cada um dos integrantes da comunidade

o mínimo essencial para a vida em comunidade, tendo seus recursos geridos

por órgãos públicos. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem

pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos

do indivíduo como meio de assegurar a paz social.27

Neste contexto, surge a necessidade de se preservar o mínimo existencial, ou

mínimo vital, visando à preservação da dignidade da pessoa humana. Assim,

complementando os princípios e as regras constitucionais, bem como a necessidade

de ser preservar o mínimo existencial, aliado à posição da Jurisprudência dominante

27 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 79.

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sobre a matéria, que reconhece o trabalhador volante como segurado da Previdência

Social, far-se-á a classificação do trabalhador volante em relação à Previdência

Social.

Dentre os princípios constitucionais, previstos no artigo 194, da Carta Magna,

podemos aferir sete:

a) universalidade da cobertura e do atendimento;

b) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas

e rurais;

c) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

d) irredutibilidade do valor dos benefícios;

e) equidade na forma de participação no custeio;

f) princípio da diversidade da base de financiamento;

g) caráter democrático da gestão do sistema.

Estes são aplicados em todas as relações jurídicas da Seguridade Social

(Assistência Social, Saúde e Previdência Social).

Com enfoque no Direito Previdenciário, Miguel Horvath Júnior elenca oito

princípios28:

1) Obrigatoriedade de filiação;

2) da solidariedade ou da compensação nacional;

3) da unicidade das prestações;

4) da compreensibilidade;

5) da automaticidade das prestações;

6) da imprescritibilidade do direito ao benefício;

7) da expansividade social;

8) princípio do in dubio pro operário.

Serão analisados os princípios da solidariedade, da obrigatoriedade da filiação,

in dubio pro operário, também alcunhado, in dúbio pro misero, e, finalmente, o

princípio da equidade nas fontes de custeio.

Em complementação, será esplanada a regra do mínimo existencial e a regra

da contrapartida. São princípios e regras atinentes à própria gênese do trabalhador

28 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 80.

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volante, em busca de sua classificação como segurado obrigatório da previdência

social, independentemente dele, trabalhador volante, nestas condições, não recolher a

devida contribuição previdenciária em decorrência de seu labor.

Não recolhe a contribuição previdenciária, face à miséria em que,

comumente, vive; baixa escolaridade. Possui, como único meio para sobreviver e

sustentar a sua família a venda de sua mão de obra braçal, considerada de baixa

qualidade, pelos tomadores de serviços rurais, como os pequenos sitiantes, donos de

pequenas propriedades rurais, fazendeiros que fazem uso de sua mão de obra, por

pequenos períodos de tempo e para pequenas tarefas rurais.

No nosso entendimento, o trabalhador volante que trabalha na indústria

canavieira que, segundo noticia André Cabette Fábio29, só no estado de São Paulo,

em 2007, havia 163 mil cortadores de cana, e que o mesmo denominou de bóia-fria,

não pode ser assim enquadrado. Ele trabalha para empresa canaviera e, na pior das

hipóstese, assim, seria contribuinte individual (art.11, V, g, da Lei 8213/91), mas,

como exerce atividade subordinada, mesmo por pequeno período de tempo, adquire a

condição de empregado, estando assim , enquadrado no artigo 11, letra a, da Lei

8.213/91.

Na aplicação destas normas constitucionais (princípios e regras), será

deduzido que o trabalhador volante, por exercer atividade laborativa contínua para si,

embora de forma eventual para o tomador de serviços, é segurado obrigatório da

Previdência Social.

3.2 Princípio da solidariedade

Este é um dos princípios mais importantes, que deve nortear todo o Direito

Previdenciário na sua aplicação e extensão. A solidariedade é a essência da humanidade. Ser

solidário com o próximo, em um momento de necessidade. O princípio é abrangente e irradia

sobre todo o sistema jurídico, encontrando guarida no Direito Previdenciário. Tem

normatividade constitucional explícita, nos termos dos artigos 3º, I, da Constituição Federal,

sendo um dos objetivos da República Federativa do Brasil.

29Disponível em: <http://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/11/29/bóia-fria-da-lugar-a-

operador-de-colhedora-de-cana-que-ganha-ate-r-26-mil.htm#fotoNav=5> Acesso em em 5 de dezembro de

2013.

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Preceitua ainda o artigo 195, da Carta Magna que a Seguridade Social será financiada

por toda a sociedade, e, dentro do sub sistema, está englobado a Previdência Social.

Conforme doutrina Wladimir Novaes Martinez:

A origem da solidariedade referida no seguro social provém da assistência

berço comum de quase todas as técnicas de proteção social. O mutualismo

encampou a idéia e ela adquiriu funcionalidade. Contribuiu para isso a

forma facultativa. A obrigatoriedade foi o passo seguinte na consolidação.

No seguro privado, como no seguro social, a solidariedade é exigência

lógica, técnica matemático-financeira. A Previdência Social surgiu no

momento em que o homem compreendeu que, sozinho, ou mesmo em

família, isoladamente, não poderia suportar o peso dos encargos produzidos

pelos riscos sociais.30

Desde o surgimento da Previdência Social, o princípio da solidariedade aparece como

direcionador de todo o sistema: princípio fundante. Superou o sistema mutualista e passou a

ser gerido pelo Estado, na sua concretude, em busca da Justiça Social e banimento da miséria.

Ensina Mattia Persiani que:

[...] através desse sistema, efetiva-se, de fato, a solidariedade de todos que

estão em condições de trabalhar e de todos que extraem do trabalho alheio

uma utilidade no caso dos trabalhadores incapacitados de extrair do próprio

trabalho os meios de sustento e que, de uma forma ou outra, encontram-se

em situações de necessidade.

Essa solidariedade não pode ser expressa por uma estrutura mutualista, na

qual também se efetiva, de fato, uma solidariedade, mas que é limitada, quer

quantitativamente, no âmbito dos próprios expostos a um risco, quer

qualitativamente, por força da essencial característica da reciprocidade.

A solidariedade efetivada com a previdência social, ao contrário, supera

essas limitações. Trata-se de uma solidariedade entre quem trabalha e quem,

não podendo mais fazê-lo ou não tendo podido trabalhar, encontra-se em

situação de necessidade; entre quem produz e quem contribuiu com seu

trabalho para essa produção.31

Em relação ao trabalhador rural volante, comulmente chamado de bóia-fria, a

solidariedade complementa sua integração à Previdência Social. Quem tem mais contribui

com quem tem menos; no momento da contingência e risco social, este é dividido por todos.

Como doutrina Miguel Horvath Júnior:

[...] solidariedade social significa a contribuição do universo dos protegidos

em benefício da minoria (...) o sistema protetivo visa a amparar

necessidades sociais que acarretem a perda ou a diminuição de recursos,

bem como em situações que provoquem aumento de gastos. No momento

da contribuição, é a sociedade quem contribui, no momento da percepção

30 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. São Paulo: Editora LTr. 1983, pp.

57/58. 31 PERSIANI, Mattia. Direito da previdência social. São Paulo: Quartier Latin, 14ª edição, 2008, pp. 92/93.

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quem usufrui. Daí vem o pacto de gerações ou princípio de solidariedade

entre gerações. Os não necessitados de hoje, contribuintes, serão os

necessitados de amanha, custeados por novos não necessitados que

surgem.32

A solidariedade é a espinha dorsal do arquétipo da Previdência Social. Constata Jane

Lucia Wilhelm Berwanger, em relação à Previdência Rural:

[...] o princípio que fundamenta com maior profundidade a Previdência

Rural é o da solidariedade, na medida em que desvincula o acesso aos

benefícios da contribuição, pois o direito é garantido ainda que não tenha

havido qualquer contribuição durante toda a vida do segurado. Esse

princípio assume maior relevância tendo em vista que está expresso na nossa

Constituição e implícito ao determinar que a seguridade será financiada por

toda sociedade.33

O trabalhador volante, exercendo sua atividade rural de forma contínua – ora para um

tomador de serviços, por curto período de tempo, ora para outro – deveria, em tese, recolher

sua contribuição previdenciária, ou alguém por ele. No caso da aplicação do princípio da

solidariedade, em tese, se não houver o recolhimento, mas ocorrendo o exercício de atividade

laborativa, na aplicação deste princípio, em conjunto com os demais princípios elencados

acima, deve a sociedade dividir este ônus: quem contribui com mais ajuda o equilíbrio do

sistema. Este princípio deve ser ponderado com os demais, principalmente com a fonte de

custeio.

Esse é um problema de extrema importância e gravidade, pois é dever de todos

contribuir para a seguridade social, e só se torna filiado, participante do seguro social, quem

contribui. No caso dos trabalhadores volantes, em decorrência da solidariedade social, deve

o mesmo ser enquadrado como segurado, fazendo jus à proteção previdenciária, à luz da

conjugação deste princípios.

3.3 Princípio da obrigatoriedade da filiação

A origem da obrigatoriedade da filiação está no próprio surgimento do Seguro Social,

que se deu na Alemanha, a seguir na Inglaterra; posteriormente, alastrou-se por todos os

32 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, pp. 81-82. 33 BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência rural: inclusão social. Curitiba: Juruá editora, 2. ed., 3ª

Reimpressão, 2011, p. 175.

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países que têm um seguro social. Está ligada à própria origem da Previdência Social. Noticia

Augusto Venturi que “Na Alemanha, e um pouco mais tarde, em proporções menores, na

Inglaterra, foram constituídos, portando, os lugares de origem, da Previdência Social

Obrigatória.”34

A obrigatoriedade é fundamental para a própria existência da Previdência Social,

transferindo para o Estado a gestão e manutenção do sistema protetivo, levando-se em

consideração que o trabalhador, que vende sua mão de obra, não tem, em sua maioria,

possibilidade material de poupar, não prevendo as contingências, riscos e a necessidade

futura. Vende sua mão de obra para a manutenção do dia a dia. Quando, na terceira idade, a

saúde definha, o mesmo ficará desamparado se não contar com o seguro social.

Sobressai este fenômeno, em relação ao trabalhador rural volante.

Observa Miguel Horvath Júnior que o princípio da obrigatoriedade da

filiação “fundamenta-se na necessidade do cálculo atuarial e do caráter

cogente da relação jurídica previdenciária em relação aos segurados que

desenvolvem relação de trabalho. A obrigatoriedade é essencial para

caracterização do seguro social, que é custeado por contribuições dos

trabalhadores, empregadores e Estado (fórmula tripartite de custeio).

A adoção do princípio da obrigatoriedade de filiação ao sistema surge em

decorrência da convicção de que as formas voluntárias de seguro resultaram

inadequadas para a solução dos problemas decorrentes dos riscos fisiológi-

cos e econômicos que atingiam os trabalhadores. A obrigatoriedade de filia-

ção decorre da natureza do seguro social como forma de garantir a todos a

proteção social no momento da ocorrência dos eventos geradores das neces-

sidades sociais. É necessária a formação de um lastro contributivo que ga-

ranta segurança ao sistema.35

Complementando a ideia de necessidade e da própria natureza humana, Daniel

Machado da Rocha observa que:

[...] a maior parte das pessoas retira o necessário para a sua sobrevivência

do seu trabalho. Como esses rendimentos são, em geral, consumidos na sua

totalidade para a satisfação de necessidades materiais prementes, pouco

sobra para ser poupado, não sendo possível a constituição de reservas para

o enfrentamento dos riscos sociais. Outros, embora pudessem separar parte

do salário para a constituição de um fundo, preferem consumir

imediatamente tudo o que auferem. Caso as pessoas pudessem optar por se

34 VENTURI, Augusto. I Fondamenti Scientifici dela Sicurezza Sociale. Milano. Dott.A. Giuffrè Editore, 1954,

pp. 97/98: “la Germania e, se pure assai piü tardi e in proporzioni minori, l’lnghilterra, costituirono quindi i

luoghi di origine dell’assicurazione sociale obbligatoria. Da questi paesi essa prese il cammino del suo

incessante sviluppo in tutto il resto del mondo e soprattutto il sistema tedesco acquistò, per la durata della sua

esperienza e per l’accuratezza tecnica che lo caratterizzava, un immenso prestigio, cosicchè esercitò una

predominante, anche se non esclusiva, influenza sulle successive legislazioni straniere. Questo elemento comune

originário è rilevabile a qualsiasi esame dello svolgimento delia legislazione comparata dell’assicurazione

sociale, nella quale si riscontra nei diversi paesi 1’esistenza di una particolare identità di principí e di metodi,

anche quando i paesi stessi appartengono a sistemi giuridici difíerenti” 35 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 81.

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filiarem ou não na previdência social, essa não teria se consolidado. Uma

das razões que propiciou o êxito da iniciativa com os trabalhadores

subordinados, indubitavelmente, foi a possibilidade de repassar o dever do

desconto e do recolhimento das contribuições para os empresários -

mediante o emprego da técnica da substituição tributária - pois seria

materialmente impossível fiscalizar o cumprimento dessa obrigação por

parte de cada um dos trabalhadores36

Destarte, visando à proteção do trabalho, em lenta evolução legislativa, mas desde sua

origem, foi instituída a obrigatoriedade de filiação, direito cogente.

De acordo com toda a evolução histórica da Previdência Social, o único modo de

tornar viável o gigantesco seguro social é pela compulsoriedade da filiação e, por ser seguro,

o outro lado do binômio, o dever de contribuir que dela decorre, operada pela intervenção

estatal, a qual permite a transferência dos riscos individuais para toda a coletividade.

Esse fato é confirmado pela análise da situação dos países europeus e latinos desde o

final do Século XIX, sobressaindo a necessidade premente de ser obrigatório, a partir do

término da Segunda Guerra Mundial.

Atualmente, de lege lata, o fundamento constitucional encontra-se no caput do artigo

201, da Constituição Federal:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,

de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que

preservem o equilíbrio financeiro e atuarial37

Se o regime é obrigatório, de caráter contributivo, sobressai que o trabalhador rural,

denominado volante, é necessariamente filiado ao mesmo, em decorrência de sua atividade

laborativa, e a falha ocorre justamente no recolhimento de sua contribuição. Cabe saleintar

que, no binômio filiação obrigatória e caráter contributivo, reside, justamente, o ganho da

qualidade de segurado, no caso de todos aqueles que exercem atividade laborativa.

No caso dos segurados facultativos – outro é o princípio atendido –, que é o da

universalidade do seguro social e dá-se ênfase à contribuição previdenciária, para que a

pessoa se torne segurado da Previdência, visando a universalidade do seguro social, sem se

ater à atividade laborativa desenvolvida, como autônomos, e aqueles que não exercem tal

atividade.

36 ROCHA, Daniel Machado. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios

constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2004, p. 152. 37 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201, caput.. São Paulo:

Vade Mecum. 7. Ed. RT, 2012.

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Para atender ao caráter contributivo do Seguro Social, e face à pouca cultura do

trabalhador rural volante ou bóia-fria, não tendo este consciência do dever de recolher a

contribuição social, pois mal ganha para o seu sustento diário, estando mais assemelhado ao

trabalhador empregado, caberia à pessoa que se beneficia do trabalho do mesmo, o tomador

de serviços, o recolhimento da contribuição previdenciária, sendo, portanto, o trabalhador

volante, face a obrigatoriedade de filiação, vinculado ao regime geral da Previdência Social.

Essa é a posição majoritária da Jurisprudência dominante e o entendimento da

autarquia previdenciária. Cabe, no aperfeiçoamento do sistema previdenciário, à autarquia

previdenciária, por meio da Receita Federal do Brasil, aprimorar a fiscalização do

recolhimento destas contribuições previdenciárias, como já tem decidido a jurisprudência.

Neste sentido, confira acórdão de lavra do Desembargador Sérgio Nascimento:

A trabalhadora designada “bóia-fria” deve ser equiparada à empregada

rural, uma vez que enquadrá-la na condição de contribuinte individual seria

imputar-lhe a responsabilidade contributiva conferida aos empregadores, os

quais são responsáveis pelo recolhimento das contribuições daqueles que

lhe prestam serviços . 38

O princípio da obrigatoriedade da filiação atende à universalidade de cobertura do

seguro social. E sobressai, assim, a primeira classificação que se faz, entre os segurados da

Previdência Social:

a) segurados obrigatórios – todos aqueles que trabalham, e, em tese, recolhem a

contribuição previdenciária, incidindo o princípio da obrigatoriedade de filiação

b) Segurados facultativos – dar-se ênfase a contribuição previdenciária, para que a

pessoa se torne segurado da Previdência, sem se ater a atividade laborativa

desenvolvida, como autônomos, e aqueles que não exercem atividade laborativa,

incidindo no caso o princípio da universalidade da cobertura.

3.4 Princípio da uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos

Somente com a Constituição de 1988 foi normatizada a igualdade entre trabalhadores

rurais e urbanos, estando esses últimos sempre à frente na conquista de direitos sociais, em

face de questões históricas e sociais. Esse princípio está expresso no art. 7º, da Constituição

Federal: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria

38 TRF3, AC 200703990057062, Relator Sérgio Nascimento, Décima Turma, DJU 04/07/2007, p. 340.

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de sua condição social...”39, que, combinado com o preceituado no artigo 194, II, da Carta

Magna, dá a dimensão exata do significado e reconhecimento desta igualdade.

Com isso, a Constituição quis igualar todos os trabalhadores, fazendo um nivelamento

normatizado de realidades díspares. Este princípio é corolário do princípio fundamental da

igualdade, tendo em vista que, no regime precedente, as populações urbanas e rurais estavam

sujeitas a regimes previdenciários/assistenciais distintos.

Asseveram Simone Barbisan Fortes e Leandro Pausen que:

[...] enquanto os trabalhadores urbanos estavam sujeitos ao regime

previdenciário da CLPS, os trabalhadores rurais encontravam-se sujeitos a

um regime mais propriamente assistencial do que previdenciário, o Regime

do Prorural. Aos trabalhadores rurais garantia-se menor número de benefí-

cios, e em valor menor do que aqueles prestados pela Previdência urbana.

Assim, com a vinda da Constituição Federal de 1988 , determinou-

se a unificação dos regimes previdenciários urbano e rural, o que, na

legislação infraconstitucional , foi operacionalizado na Lei 8 .213/91 .

Unificados os regimes previdenciário urbano e assistencial rural,

operou-se se a uniformidade enquanto igualdade sob o aspecto objetivo, isto

é, no que se refere aos eventos cobertos, e a equivalência enquanto

igualdade sob o aspecto econômico, isto é, quanto ao valor das prestações40

Esse princípio aplica-se ao trabalhador volante, estendendo ao mesmo todos os

benefícios que recebem o trabalhador urbano, como auxílio doença, uma vez reconhecida a

sua atividade, e cabe aquele que se beneficia do seu trabalho o recolhimento da contribuição

previdenciária.

O fundamental é o reconhecimento da qualidade de segurado do trabalhador volante,

que vive no meio rural; estendendo ao mesmo, todos os benefícios recebidos pelo trabalhador

urbano.

3.5 Princípio da equidade nas fontes de custeio

É dever de toda a sociedade financiar a seguridade social, na medida de sua capacidade

econômica.

É lição de Wagner Balera:

A equidade na forma de participação do custeio, prevista no art.

194, V, da Carta Magna, surge como corolário do princípio da isonomia,

39 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 7º, caput. Vade Mecum.

7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 40 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora,. 2005, p. 32.

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estampado no artigo 5o da Constituição Federal.

Apresentada sob diversos prismas ao longo do texto constitucional,

a isonomia exige que a lei tanto quando editada quanto da sua aplicação não

contenha quaisquer discriminações em relação às situações jurídicas em que

haja equivalência de enquadramento. A contrario sensu, devem merecer

tratamento diferenciado todos quantos se encontrem em situação jurídica

diversa, na medida das suas desigualdades. 41

Na aplicação dos princípio, Fortes e Paulsen asseveram que:

[...] por este princípio, o Estado e toda a sociedade deveriam participar, de

forma direta ou indireta, do financiamento do Sistema de Seguridade Social.

Além disto, a eqüidade na participação do custeio determina que ao

eleger a forma como isso vai ocorrer, o legislador ordinário deve estabelecer

padrões justos e razoáveis para todos os participantes. 42

É de fundamental importância, diferenciar o Sistema Previdenciário, de cunho

contributivo, do Sistema Assistencial, onde as prestações são devidas independentemente de

qualquer contribuição. Em relação a isso, o trabalhador volante, para que possa ser integrado

ao Sistema Previdenciário, tem de contribuir para o sistema, para estar coberto pelo Seguro

Social.

Na medida, porém, que a Constituição exige que, no custeio, haja participação

equitativa, isto é, como expressão de justiça distributiva, cada um, dentro de suas

possibilidades, deve-se encontrar mecanismos para que o trabalhador bóia-fria seja integrado

ao sistema, pois, em decorrência de seu trabalho, torna-se segurado da previdência social. O

caminho proposto é de médio e longo prazo.

Em primeiro lugar, em médio prazo, criar mecanismo legal que obrigue o tomador de

serviços a recolher a contribuição previdenciária, mesmo que o trabalho do volante seja por

um curto período, incentivando-o a tal prática, como se faz hoje com o empregador

doméstico, do qual ocorre à isenção do imposto de renda desta contribuição previdenciária,

com direito à redução do imposto de renda devido.

Em segundo lugar, a longo prazo, é aumentar a educação previdenciária para todos

aqueles que façam uso desta mão de obra, inclusive conscientizando, por meio da educação,

o próprio trabalhador volante, a necessidade de que o empregador recolha a contribuição

previdenciária devida, em decorrência do seu trabalho.

41 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin 2. ed, 2010, p.

117. 42 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2005, p. 36.

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3.6 Princípio in dubio pro operário (ou in dubio pro-misero)

Já advertia, nos idos de 1983, Wladimir Novaes Martinez, que:

[...] de todos os princípios de interpretação do Direito Previdenciário, o

deste tópico (ao comentar o princípio in dubio pro-misero) é o que provoca

maiores dissenções. Nem sempre aplicado mas muitas vezes referido,

produz estupefação entre os estudiosos que, a rigor, não têm opinião firmada

sobre o assunto, preferindo acostar-se nesta ou naquela posição, não

resistindo à tentação de acolher o ponto de vista dos juslaboristas. 43

E esclarece o mestre: “A primeira dificuldade consiste em transportar o postulado, por

inteiro , do Direito do Trabalho para o Direito Previdenciário, identificando as relações entre

estes ramos do Direito Social”44

Em verdade, pela definição que é dada neste trabalho sobre princípio, de que é norma

jurídica, o chamado princípio in dubio pro operário ou in dubio pro-misero, não é princípio,

mas, sim critério de interpretação. Sendo assim, não deve ser aplicado no Direito

Previdenciário, pois a relação previdenciária é totalmente diversa, neste aspecto, da relação

laboral, pois é seguro social e tem direito ao mesmo, quem, em essência, recolhe a devida

contribuição previdenciária, seja em decorrência do trabalho, seja o facultativo (que não

trabalha), ou seja ainda o segurado especial, através do talonário do produtor rural.

Neste sentido, é a posição do Professor Miguel Hovarth Júnior :

[...] constata-se que o princípio do in dubio pro segurado ou favor operarii

não deve ser utilizado extensivamente, posto que, como o sistema é

contributivo, o que se concede inadequadamente a um segurado será

retirado dos outros, que podem estar numa situação de necessidade social

mais extrema.45

Ressalta-se que este critério de interpretação é intensamente empregado pelo Superior

Tribunal de Justiça, em matéria de bóia-fria, conforme pode-se aferir do voto da Ministra

Laurita Vaz, no julgamento AÇÃO RESCISÓRIA Nº 3.005 - SP (2003/0228326-2):

Ressalte-se, a princípio, que esta Terceira Seção, levando em consideração

as condições desiguais que se encontram os trabalhadores rurais e, adotando

a solução pro misero, entendeu que deve ser considerado para efeito do art.

485, inciso VII, do CPC, o documento colacionado aos autos, mesmo que

preexistente à propositura da ação originária.

43 MARTINEZ, Vladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: Editora LTr, 1983, p. 199. 44 MARTINEZ, Vladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. São Paulo: Editora LTr, 1983, p. 199. 45 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 88.

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Nesse diapasão, os seguintes precedentes deste Tribunal: AR

551/SP, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ de 02/02/2004; AR 1.603/SP,

Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 04/08/2003; e AR 1.418/SP, Rel. Min.

FELIX FISCHER, DJ de 05/08/2002.)

Este critério de interpretação deve ser repensado em matéria previdenciária, sobejado,

e face às características próprias da Previdência Social, enquanto seguro social, onde existe

uma grande camada da população que é miserável, abaixo da linha de pobreza, entende-se

que este critério foge das diretrizes da Previdência Social, que é um sistema contributivo.

Pode-se aplicar em matéria de assistência social e saúde, mas não em matéria de previdência

social, que é, repita-se, seguro social.

3.7 A Regra do mínimo existencial

O mínimo existencial, ou o mínimo vital, está ligado à própria sobrevivência do

homem e, em seu desenvolvimento histórico, é uma matéria muito abrangente.

Será feito um corte epistemólogico, o qual analisar-se-á apenas a corrrelação entre

o mínimo existencial e o Direito Previdenciário. Como método, apenas será estudado o

mínimo existencial, como vetor para o adequado enquadramento do trabalhador volante, ou

bóia-fria no ordenamento pátrio e será util na busca da classificação do trabalhador volante,

como segurado da Previdência Social.

Serão mencionados os direitos positivados no rol abrangente do artigo 6º da

Constitituição Federal, bem como os artigos 194 e seguintes, que tratam da Seguridade

Social, temas que estão intimamente ligados ao mínimo existencial.

As lições do Professor Ricardo Lobo Torres46 são de fundamental importância para

se compreender a amplitude e profundidade do tema. O problema do mínimo existencial

confunde-se com a questão da pobreza e tem importância muito grande na história e na

afirmação dos Direitos Humanos.

No Estado Patrimonial, os pobres não eram imunes aos tributos. Daí resultava uma

estrutura impositiva essencialmente injusta, prejudicial à liberdade e à dignidade do homem

e, permanentemente, deficitária, pelo pequeno aporte de recursos dos impostos indiretos

pagos pela população carente. A Igreja incumbia aos cristãos ricos, com uma parcela dos

46 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

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dízimos, dar assistência social aos pobres, o que acabou por gerar o estímulo à mendicância.

O relacionamento entre a fiscalidade eclesiástica e os pobres estava intimamente

ligado ao elogio da pobreza e à condenação da riqueza feitos pela Escolástica. Tal atitude foi

invertida a partir do iluminismo e do liberalismo, transferindo-se a assistência à pobreza para

o Estado, imunizando-se o mínimo existencial contra os tributos e incentivando-se a riqueza

suscetível de imposição fiscal.

No Estado Social Fiscal, correspondente à fase do Estado de Bem-estar Social ou

Estado-Providência, a proteção ao mínimo existencial faz-se por mecanismos paternalistas e

a respectiva ideologia se aproxima da concepção de justiça social. Hoje, no Estado

Democrático de Direito, aprofunda-se a meditação sobre o mínimo existencial, sob a ótica da

teoria dos direitos humanos e do constitucionalismo.

Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto

de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito ao mínimo

existencial não tem dicção constitucional própria. A Constituição de 1988 não o proclama

em cláusula genérica e aberta, senão que se limita a estabelecer que constituem objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais”47, além de imunizá-lo em alguns casos contra a

incidência de tributos.48

No art 6o da CF 88, que define os direitos sociais, há espaço para o mínimo existencial,

tendo em vista que este se aproxima dos direitos fundamentais sociais ou, em outro giro, o

mínimo existencial marca a jusfundamentalidade dos direitos sociais. Mas só o caráter

topográfico da Constituição de 1988, que abre no Título II, dedicado aos direitos e às

garantias fundamentais, o capítulo II, que disciplina os direitos sociais (arts. 6o a II),

separando-os, entretanto, dos direitos individuais e coletivos, de que trata o capítulo I (art.

5o), não autoriza a assimilação dos direitos sociais pelos fundamentais, como bem observado

por Ricardo Lobo Torres (2009).

Jorge Reis Novais observa que:

[...] há uma estratégia de último reduto que identifica o mínimo social con

o mínimo existencial a que deveriam poder aceder todos os que, por sí sós,

por incapacidade próprias ou razões circunstancias, não disponham do

necessário a uma sobrevivência condigna e que, de reto, reduz a esse

47BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 3o, III. São Paulo: Vade

Mecum. 7. Ed. RT, 2012. 48BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5o, itens XXXIV, LXXII,

LXXIII, LXXIV, art. 153, § 4o, etc. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012.

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mínimo prestações materias e de estruturação de estabelecimentos e

serviços públicos essenciais todo o alcance jusfundamental, positivo e

negativo, dos direitos sociais.49

Preceitua o artigo 6ª de Constituição Federal 50: Art. 6º São direitos sociais a

educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,

na forma desta Constituição

Sendo Direitos Sociais o trabalho e a Previdência Social, o núcleo mínimo para a

dignidade da pessoa humana, sobressai como integrante da Previdência Social, obedecido ao

mínimo existencial, o trabalhador volante rural, aquele que exerce atividade temporária e

eventual, para os fazendeiros, arrendatários e donos de terra, pois caberia a estes o

recolhimento das contribuições previdenciárias devidas.

Em termos de História recente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem

(1948)51 afirma o seguinte:

Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua

saúde, o seu bem-estar e o de sua família, especialmente para a alimentação,

o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais

necessários, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,

invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de

subsistência em circunstâncias fora de seu controle" (art. XXV); “todo

homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelos menos nos

graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória.

A instrução técnica profissional será acessível a todos, bem como a

instrução superior, esta baseada no mérito (art. XXVI).

O homem do campo, trabalhador volante, carece de educação e tem como único meio

de sobrevivência vender a sua mão de obra para quem quiser, para o fazendeiro, por exemplo,

que a utiliza de forma eventual, embora do plano do trabalhador, seja de forma contínua e

com subordinação por apenas um dia, ou um pequeno período de tempo.

Como houve o trabalho, caberia ao tomador de serviços, quem se beneficiou da

utilização de seu trabalho, de sua mão de obra, recolher a contribuição previdenciária, já que

surge uma vinculação obrigatória ao regime da Previdência Social, obedecida a regra

implícita do mínimo existencial.

Desenvolvendo a ideia, a proteção do mínimo existencial, sendo pré-constitucional,

49NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais.

Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 194. 50BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 6º. Vade Mecum. 7. Ed.

São Paulo: RT, 2012. 51 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar. 2009, p.10.

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está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para

o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da

igualdade e dignidade humana e do primado do trabalho, corolário do princípio da dignidade

da pessoa humana.

As mais importantes características da Teoria do Mínimo Existencial, da mesma

maneira que acontece com a dos Direitos Fundamentais, encontram-se as de ser normativa,

interpretativa, dogmática e com liame moral.52

A Teoria do Mínimo Existencial é normativa porque não se preocupa com a explicação

de fenômenos, à moda das ciências sociais da realidade, mas com a concretização, a eficácia

e a validade do mínimo existencial. Não é uma teoria filosófica, tampouco eis que alia aos

aspectos axiológicos os deontológicos; e interpretativa, pois funciona como um dos vetores

para a interpretação dos direitos fundamentais. A natureza interpretativa acompanha hoje, de

um modo geral, a própria ciência do direito.

Por ser interpretativa, deve-se levar em consideração que o trabalhador rural volante,

face as característica do seu trabalho, sempre eventual, indo de um sítio para outro, de uma

propriedade rural para outra, prestando serviços para terceiros, sempre no meio rural, é filiado

obrigatório da Previdência Social, nos termos do artigo 201, da CF:53 “Art. 201. A

previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de

filiação obrigatória [grifo meu], observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro

e atuarial.”

A estrutura normativa do mínimo existência é de regra; não é valor e nem princípio.

Embora esteja impregnado pelos valores e princípios jurídicos os mais relevantes. O mínimo

existencial não é um valor, por não possuir a generalidade e a abstração de ideias como as de

liberdade, justiça e igualdade. Além disso, o mínimo existencial pode traduzir-se, para a sua

garantia, em regra jurídica, o que jamais acontece com os valores. Mas o mínimo existencial

deixa-se tocar e imantar permanentemente pelos valores da liberdade, da justiça, da igualdade

e da solidariedade.

O mínimo existencial também não é princípio jurídico por não exibir as principais

características dos princípios, que são as de ser objeto de ponderação e de valer prima facie.

De feito, o mínimo existencial não pode ser ponderado e vale, definitivamente, porque

constitui o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que é irredutível por definição e

52 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar. 2009, p. 26. 53 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201. Vade Mecum. 7.

Ed. São Paulo: RT, 2012.

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insuscetível de sopesamento. O mínimo existencial não pode ser ponderado. É tudo ou nada,

conforme diz Dworkin. Sendo assim, o mínimo existencial é regra, porque se aplica por

subsunção, constitui direitos definitivos e não se sujeita à ponderação.

Como bem observado por Ana Paula de Barcellos54 em relação ao princípio da

dignidade da pessoa humana e o mínimo vital:

[...] há um núcleo de condições materiais que compõe a noção de dignidade

de maneira tão fundamental que sua existência impõe-se como uma regra

um comando biunívoco, e não como um princípio. Ou seja: se tais condições

não existirem, não há o que ponderar ou otimizar, ao modo dos princípios;

a dignidade terá sido violada, da mesma forma como as regras o são.

O conteúdo essencial é o núcleo intocável e irrestringível dos direitos fundamentais

(da liberdade ou sociais). Constitui limite para a atuação dos poderes do Estado. O tema do

conteúdo essencial desenvolve-se, sobretudo, em torno das questões ligadas às restrições a

direitos fundamentais.

A fixação do "mínimo vital" variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades

básicas. O problema é tormentoso, pois concerne à decisão política do legislador. Este deverá

basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada,

razoavelmente se reputar "necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família". Conclui-

se este que o mínimo existencial é um conteúdo do direito fundamental, e é uma proteção

pré-constituicional, inerente à pessoa humana, cujo fundamento reside na dignidade da

pessoa humana e nas condições da liberdade e varia de acordo com o espaço e o tempo.

Em relação ao trabalhador volante, a regra do mínimo existencial é diretriz de

intepretação para o reconhecimento do mesmo como segurado da Previdência Social, em

virtude da sua atividade atividade laborativa, vender sua mão de obra para terceiros:

consequentemente, ser remunerado.

Esta regra, pode muito bem substituir o falso princípio do in dubio pro misero, ou in

dubio pro-operário, na aplicação da Jurisprudência dos Tribunais, criando a norma concreta

e individual, na aferição e enquadramento do trabalhador volante, junto a previdência social.

Exerce o trabalhador bóia-fria sua atividade laborativa no meio rural em caráter

eventual em relação ao empregador, mas, para si, em caráter permanente. Ao exercer seu

labor, tem-se que o trabalho, como valor social, é sua única forma de sobrevivência, e todos

aqueles que trabalham – em tese – são filiados da previdência social; portanto, devem ser

54 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 3.ed,

2011, p. 245.

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cobertos pelo seguro social. Prestigia-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana

e a regra do mínimo existencial funcionará perfeitamente, para a interpretação sistemática,

do que o mesmo é Segurado da Previdência Social, substituindo assim o falso princípio do

in dubio pro misero, que é estranho ao Seguro Social, pois, na realidade, engloba um grande

número de necessitados e miseráveis. A maioria dos segurados rurais da previdência social

é pobre, quase abaixo da linha da miséria, recebendo, em média, um salário mínimo para a

sua sobrevivência e a de sua família.

Assim, a regra do mínimo existencial vem ao encontro dos desígnios dos Objetivos

da Seguridade Social, e em especial, da Previdência Social. Como regra, deve ser aplicada,

sem nenhuma ponderação, em busca da proteção do trabalhador volante rural.

3.8 Regra da Contrapartida

Completando o princípio da equidade nas fontes de custeio, temos a regra da

contrapartida, ou também denominada de regra da precedência de custeio. Essa está prevista,

constitucionalmente, no artigo 195, § 5º, da CF55: “Nenhum beneficio ou serviço da

seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de

custeio total”

Asseveram Wagner Balera e Cristiane Miziara Mussi56:

Há necessidade de que primeiro exista a fonte de custeio para depois ser

criado o benefício. Neste passo, a criação, majoração ou extensão de

benefício está condicionada à existência da correspondente fonte, que

concorra para o custeio total. Com isso, quer o constituinte proteger o

equilíbrio financeiro do sistema, elemento sem o qual não será possível o

cumprimento das finalidades da seguridade social. Toma-se necessária

ampla avaliação técnica e atuarial do sistema. A regra da contrapartida é

componente fixo a ser considerado, assim no plano plurianual, como no

orçamento da seguridade social. Nenhum seguro - e a seguridade é

expressão maior do seguro - pode existir sem previsão.

Sobressai desta regra, complementada pelo princípio da equidade das fontes de

custeio, sobre a necessidade do recolhimento da contribuição do trabalhador volante ou bóia-

fria. Na realidade, o benefício já existe, e o trabalhador volante tem que recolher a

55 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 195, § 5º. Vade Mecum.

7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 56 BALERA, Wagner; MUSSI, Cristiane Miziara. Direito previdenciário. São Paulo: Editora Método, 2009, p.

40.

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contribuição previdenciária, por algum mecanismo, levando em consideração todos estes

princípios estudados. E o melhor mecanismo, neste caso, de lege ferenda, é que seja o

tomador de serviços, em substituição tributária, encarregado de recolher a contribuição

previdenciária do mesmo. Devem ser criado, para tanto, incentivos para que isso aconteça,

como no caso dos empregadores domésticos, a quem é dado abatimento do imposto de renda,

sobre as contribuições recolhidas de seu empregado.

No caso do trabalhador volante ou bóia-fria, com as ferramentas de informática

disponíveis, a Receita Federal do Brasil tem condições de elaborar e executar um projeto

desta magnitude, com a criação de Cadastro Nacional de Trabalhadores Rurais Volantes,

possibilitando ao tomador um mecanismo de fácil uso, para que o mesmo recolha a

contribuição previdenciária devida.

De posse dos princípios da solidariedade, da obrigatoriedade da filiação, a

uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos, aliado ao princípio da equidade nas fontes

de custeio, afastando o chamado princípio in dubio pro-misero, e aplicando a regra do mínimo

existencial e regra da contrapartida, constata-se a dificuldade do enquadramento do bóia-fria

enquanto segurado da previdência social, que será estudado a seguir.

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4 DA DIFICULDADE DO ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA ENQUANTO

SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A grande dificuldade do enquadramento do bóia-fria, ou trabalhador volante,

enquanto segurado da previdência social, é decorrente da falta de recolhimento da

contribuição previdenciária por parte do trabalhador volante, que o torne segurado

obrigatório, apesar de exercer atividade laborativa. Para resover tal situação, falta disposição

normativa expressa.

O que disciplina a matéria, em primeiro lugar, é o artigo 11, da Lei 8.213/91 57– que

determina quais são os segurados obrigatórios da Previdência Social.

Na dicção legal, o que melhor se aproxima da definição de trabalhador volante é:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes

pessoas físicas:

V - como contribuinte individual:

g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter

eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego.

Em uma primeira leitura deste disposto, sem a devida sistematização, poder-se-ia

enquadrar o trabalhador rural volante como contribuinte individual.

Dissecando a norma, para ser contribuinte individual, o trabalhador eventual deve

prestar serviço a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; na maioria dos casos, não

é o que acontece: o trabalhador volante presta serviços para pessoas físicas, fazendeiros,

arrendatários, ou mesmo para sitiantes, que não podem ser considerados empresas, logo não

se enquadra no conceito de contribuinte individual.

O bóia-fria, em um primeiro momento, não é empregado, não se enquadrando na letra

“a”, do artigo 11, da Lei 8.213/91, do dispositivo acima, pois falta o elemento de trabalho

permanente em relação ao empregador, pois em relação a ele, exerce atividade rural eventual.

Muitas vezes, ao prestar serviço rural eventual para um fazendeiro, a figura do empregador

desaparece, na definição dada pelo Direito do Trabalho: se não há empregador, fica

desfigurada a relação trabalhista. Não é contribuinte individual, pois presta serviço de

57 BRASIL Lei 8.213/91. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012.

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natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a proprietários de imóveis rurais, e não

somente à empresas, além de não ter relação de emprego.

Agora, o denominado trabalhador bóia-fria, na indústria canavieira, no nosso

entendimento é empregado. Não é contribuinte individual, pois exerce atividade permanente,

em relação à empresa canaviera, mesmo por um pequeno lapso de tempo, e sob subordinação.

Interessante é a definição dada pela Legislação Previdenciária, no artigo 15, da Lei

8.212/91:

Art.15. Considera-se:

I – Empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco

de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem

como os órgãos e entidades da administração pública direta ou indireta e

fundacional

Comentando este artigo, Wagner Balera esclarece que “o conceito de empresa

aproxima-se daquele estabelecido pela Consolidação das Leis de Trabalho, Art.2º, mas

mostra-se mais amplo do que aquele firmado pelo diploma laboral 58”

Já o artigo 2º, da Consolidação das Leis de Trabalho preceitua que: “Art. 2º -

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da

atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço59”.

Como adverte Amauri Mascaro Nascimento, “a empresa, sob o ângulo trabalhista,

interessa apenas de um modo: como organização que tem empregados e que portanto deve

cumprir não apenas fins econômicos mas também sociais60”

Do ponto de vista Previdenciário, apesar de o conceito de empresa ser bastante amplo,

não existindo uma definição diferenciada do que seja empresa, no Direito Civil Comercial e

previdenciário deve-se ater ao conceito de empresa do Direito Civil, e, nesta diapasão, é a

lição de Simone Barbisan Fortes e Leandro Pausen61, lição esta que se adere.

Grande é a problemática do conceito de empresa no Direito Previdenciário, e atinge

diretamente a classificação do trabalhador rural volante, ou seja, se presta serviço para

58 BALERA, Wagner. Legislação Previdenciária Anotada – Leis 8212/91 e 8213/91. São Paulo: Conceito

Editora, 2011, p. 44”. 59 Consolidação das Leis de Trabalho art. 2º. 60 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, 19ª edição,

p. 607. 61 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2005, p. 377.

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empresa, na dicção da letra g, do artigo 11, da Lei 8.213, vem a ser enquadrado como

contribuinte individual, se não, outra será a classificação adotada.

Art. 11, da Lei 8.213: São segurados obrigatórios da Previdência Social as

seguintes pessoas física:

..................................

g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em

caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego.

A Lei 8.212/91, por sua vez, dá a definição do que se entende por empresa:

Art. 15. Considera-se:

I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade

econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos

e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional;

Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o

contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta

serviço(destaquei), bem como a cooperativa, a associação ou entidade de

qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição

consular de carreira estrangeiras.

Neste cipoal legislativo, entendemos que o trabalhador volante não se

enquadra na dicção normativa do artigo 11, V, g, da Lei 8.213/91. Expliquemos nosso

raciocínio. Partimos do pressuposto que o Direito deve ser interpretado e aplicado

sistematicamente. Um determinado instituto, ou conceito, consagrado em uma disciplina, não

pode ser moldado, com definição totalmente diversa, na aplicação de outra disciplina.

É o que acontece, por exemplo, com o instituto da propriedade. Esta, é definida no Código

Civil, e não poder ter outra definição em outro ramo do Direito. O conceito de propriedade, é

o mesmo no Direito Civil, penal, tributário, etc.

Por isso, a norma do artigo 110 do Codigo Tributário Nacional:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o

alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado (destaquei),

utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal

(destaquei), pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do

Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências

tributárias.

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O conteúdo axiológico desta norma se encaixa como uma luva, no Direito

Previdenciário. Este não pode alterar conceito de Direito Privado já consagrado, modificando

a essência de institutos, com o objetivo de criar, modificar, para alargar o conceito de

abrangência , visando o alargamento e responsabilidade tributária dos contribuintes.

Exemplo notório é o conceito de empresa.

Se a lei define – com inteira propriedade – o que se entende por contribuinte

individual, no caso aqui estudado, é aquele “quem presta serviço de natureza urbana ou rural,

em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego”, o conceito de

empresa tem que ser aqui tomada restritivamente, na sua definição de Direito Privado, porque,

ser contribuinte individual, tem o ônus, dele, recolher sua contribuição previdenciária, para

ter direito as prestações da Previdência Social.

A Lei 8.212, no artigo 15, I, já dá um conceito bastante abrangente de empresa “(I -

empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana

ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração

pública direta, indireta e fundacional)”.

O seu parágrafo único, é uma aberração: equipara empresa a contribuinte individual,

em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou

entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de

carreira estrangeiras. Esta equiparação, que quer dizer igualdade, equivalência, sinônimo de

equivalente, foge totalmente ao sistema jurídico.

Vejamos:

O artigo 11, da Lei 8.213/91, em seu inciso V, arrola sete hipóteses de contribuintes

individuais:

a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade

agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em

área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou

inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de

empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§

9o e 10 deste artigo;

b) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade de extração

mineral - garimpo, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou

por intermédio de prepostos, com ou sem o auxílio de empregados,

utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua;

c) o ministro de confissão religiosa e o membro de instituto de vida

consagrada, de congregação ou de ordem religiosa;

.................................

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e) o brasileiro civil que trabalha no exterior para organismo oficial

internacional do qual o Brasil é membro efetivo, ainda que lá domiciliado e

contratado, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social;

f) o titular de firma individual urbana ou rural, o diretor não empregado

e o membro de conselho de administração de sociedade anônima, o sócio

solidário, o sócio de indústria, o sócio gerente e o sócio cotista que recebam

remuneração decorrente de seu trabalho em empresa urbana ou rural, e o

associado eleito para cargo de direção em cooperativa, associação ou

entidade de qualquer natureza ou finalidade, bem como o síndico ou

administrador eleito para exercer atividade de direção condominial, desde

que recebam remuneração;

g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual,

a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;

h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica

de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;

Transformar todos estes em empresa, simplesmente pelo fato de ter segurado que lhe

preste serviços, mesmo de forma eventual, é modificar totalmente o conceito de empresa.

Exemplo típico , que conduz ao absurdo, por exemplo, é um pastor evangélico,

proprietário de um pequeno sítio, contratar mão de obra de um trabalhador volante, para fazer

uma cerca. Pela dicção do parágrafo único do artigo 15, da Lei 8.212/91, ele estaria

assemelhado a empresa. Assim, esta equiparação é de toda inverossímil.

Na letra g, teríamos então , uma definição assim: será contribuinte individual quem

presta serviços de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a um ou mais contribuintes

individuais, sem relação de emprego.

A equiparação de empresa, com pessoas físicas, para fins previdenciários, para fins de

enquadramento, visando, em ultima ratio, à arrecadação tributária das contribuições

previdenciárias, em relação ao trabalhador volante, não se encaixa. Primeiro, esta equiparação

foge a toda a sistemática do Direito: Empresa, tem um sentido no Direito Privado, que não

pode ser modificado pelo Direito Previdenciário. Hoje o conceito de empresa atingiu nível

constitucional.

Destaca-se, entre outros, a previsão da empresa como fonte de custeio da Seguridade

Social (artigo 195, I, da CF). Foi previsto regime jurídico distinto para micro empresas e

empresas de pequeno porte (art,146, III, d, artigo 170, IX, 179 e artigo 47, § 1da ADCT), e

assim, não pode a legislação previdenciária criar um conceito próprio de empresa,

equiparando, simplesmente como pessoa física contribuinte individual.

O conceito de empresa deve seguir a definição do Código Civil:

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a) São pessoas jurídicas de direito privado as empresas individuais de

responsabilidade limitada (artigo 44, VI, do CC);

b) Deve seguir todo o preceituado no Livro II, do Direito de Empresa,

previsto no Código Civil.

A atividade empresarial é rica em detalhes, e a sua legislação é coerente.

Simplesmente, equiparar para os efeitos das Leis 8.212/8.213, o contribuinte

individual em relação a segurado que lhe presta serviço, é fazer tabula raza de toda a

sistematização do Direito, é criar definição nova, em instituto já consagrado, e fere de morte

a unidade do Direito.

O direito não deve fugir da linguagem natural. Pequenos proprietários rurais, em

regime de economia familiar, não pode ser confundido com empresa, pois tem sua

conceituação delineada pela Constituição e não são contribuintes individuais.

No caso, o trabalhador volante, em sua maioria, presta serviços, de forma permanente

para si, mas, eventual para o tomador de serviços, que em muitos casos, são arrendatários,

pequenos sitiantes, fazendo cercas e trabalhos braçais rurais esporádicos, e assim, como não

prestam serviços para empresas, no sentido dado pelo Código Civil, não são contribuintes

individuais.

A equivalência prevista no parágrafo único, do artigo 15, da Lei 8.212/91, do conceito

de empresa, não pode ser de forma por demais elástica, sob pena de ofensa ao sistema jurídico,

e não atinge ao trabalhador volante.

No nosso entendimento, não pode ser considerado empresa, a pessoa física pequeno

proprietário rural, ou arrendatário, ou qualquer pequeno tomador de serviços rurais, que não

foram constituídos por empresas, nos moldes do Código Civil.

Evidentemente não pode ser enquadrado como segurado especial, pela própria

definição se segurado especial , que encontra guarida na Constituição Federal 62.

62 BRASIL Constituição Federal art. 195 § 8º: O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o

pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia

familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma

alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei), e

explicitado pelo § 1º, do artigo acima transcrito: § 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade

em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento

socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a

utilização de empregados permanentes.

Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012.

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A definição dada para trabalhador rural volante, comumente chamado de “bóia-fria”,

segue a lição de Almir Pazzianoto Pinto 63:

O trabalho rural que é formado pela prestação autônoma e temporária

de serviços braçais onde ao invés de um contrato empregatício

completo, apresenta-se uma relação triangular ou bilateral, quase

sempre informal, e da qual participam: 1) o trabalhador; 2) o

intermediário, também conhecido como "turmeiro" ou "gato"

(podendo este estar presente ou não); e 3) o tomador de serviços, um

fazendeiro, um pequeno ou médio sitiante e até o mero arrendatário.

Se o prestador de serviços, for empresa, e não tiver a intermediação do turmeiro

(conhecido vulgarmente como gato), estaremos diante de contribuinte individual, conforme

visto acima, caso não se enquadre na figura de empregado, como acontece na indústria

canavieira, onde o cortador de cana, erroneamente denominado bóia-fria, trabalha sob ordens

e subordinação de seu empregador, que no caso, é empresa.

Aflora a dificuldade do enquadramento do trabalhador volante, pois o mesmo está em

um limbo jurídico, mas, com fundamento nos princípios acima estudados e nas decisões

jurisprudenciais, chega-se à conclusão de que o mesmo é segurado obrigatório da previdência

social, na qualidade de segurado empregado, devendo, aquele que é beneficiário do serviço

(o tomador de serviço), recolher a contribuição previdenciária devida.

Para se chegar a esta conclusão, parte-se da premissa do Professor Wagner Balera:

“Quem quer que trabalhe, no Brasil, deve ser enquadrado como segurado obrigatório.”64

Desenvolvendo-se a ideia, face aos princípios e regras constitucionais, e aplicando-se

a Teoria da Argumentação Jurídica, dos precedentes jurisprudenciais, enquadra-se o

trabalhador rural volante como segurado obrigatório da Previdência Social.

4.1 Aspectos diferenciais na conceituação do trabalhador rural no Direito Trabalhista e

Previdenciário

Esclarece Wagner Balera:

[...] há conceitos previdenciários que são, a seu modo, decisivos para a

correta compreensão de certas modalidade de relações de trabalho. Sem

embargo, os próprios conceitos previdenciários podem derivar da tipicidade

normativa, descritos de modo cabal pelo legislador, sem que se lhes possa

63PINTO, Almir Pazzianotto. “O Trabalhador Rural Volante”. In: Revista LTr Legislação do Trabalho

e Previdência Social. São Paulo: Ano 48, nº 06, junho, 1984. 64 BALERA, Wagner. “Conceitos Previdenciários e Direito do Trabalho”. In: Doutrinas Essenciais – Direito do

Trabalho e Direito da Seguridade Social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Vol V. 2012, p.324.

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ampliar o conteúdo e o alcance .65

Assim, primeiramente, serão buscados subsídios na doutrina e jurisprudência

trabalhista, para ver como ela se posiciona em relação ao trabalhador volante ou bóia-fria.

Também procurar-se-a constatar a diferenciação e o modo de interpretação da Jurisprudência

Trabalhista, em relação ao reconhecimento do vínculo trabalhista, e a interpretação dada

pelos Tribunais Federais, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça e da Turma Nacional

de Uniformização, para o reconhecimento do vínculo previdenciário, com a proteção do

trabalhador rural bóia-fria.

O âmago da questão está na definição de trabalhador rural, para fins de proteção da

relação de emprego: enquanto a doutrina e jurisprudência trabalhista dão ênfase à figura do

empregador, a jurisprudência dos Tribunais Federais dá ênfase à do empregado, bem como

no âmbito administrativo, da atividade do trabalhador rural.

4.1.1 Definição do trabalhador rural sob a perspectiva do Direito Trabalhista

O Direito Trabalhista definiu e sempre estudou o trabalhador rural, como uma

exclusão do regime da Consolidação das Leis do Trabalho, levando-se em consideração o

artigo 7ª, “b”, da CLT66:

Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo

quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se

aplicam:

b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que,

exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam

empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos

trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como

industriais ou comerciais.

Russomano, ao comentar este artigo da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1955,

defendeu a ideia de exclusão dos trabalhadores rurais desta legislação, afirmando não haver

65 BALERA, Wagner. “Conceitos Previdenciários e Direito do Trabalho”. In: Doutrinas Essenciais – Direito do

Trabalho e Direito da Seguridade Social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Vol V. 2012, p.323. 66 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Art. 7º. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012.

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lide no campo, e que a vida rural, face a sua simplicidade, seria de difícil legislação, pois, em

um verdadeiro paradoxo, o que é simples, não é fácil de ser legislado.67

Já no evoluir de seu pensamento, Russomano68 reconhece que só, penosamente,

pouco a pouco, o trabalhador rural, em princípio excluído da CLT, conquistou direito na

ordem jurídica nacional, e que o clima de tensão chegou ao campo, surgindo o Estatuto do

Trabalhador Rural, em 1962, revogado pela Lei 5.889/73.

Russumano sempre foi contra a unificação uniforme e a extensão dos direitos dos

trabalhadores urbanos aos rurais, acreditava que viria um dia em que se faria uma

regulamentação específica para o trabalho rural.

Interessante é a sua visão, ao destacar que:

E quando se legislar, a fundo, sobre a matéria, será necessário que se tenha

em vista a grande extensão territorial do país. Os preceitos trabalhistas são

sempre recebidos com reservas pelos detentores dos meios de produção,

pois aqueles preceitos limitam suas oportunidades de arbítrio econômico e

jurídico. De modo que tais preceitos, revestidos de caráter imperativo ou

proibitivo, necessitam ser, quando preciso, rapidamente, postos em

movimento, ou a priori, pela fiscalização administrativa do Ministério do

Trabalho, ou a posteriori, através da ação judicial perante a Justiça do

Trabalho.

Ora, para que isso se torne possível, será indispensável que se

estenda, pelo país, uma rede imensurável e eficiente de polícia

administrativa de fiscalização judiciária, para fiel cumprimento das leis.69

Já Arnaldo Süssekind dá a definição de trabalhador rural, ou melhor, empregado

rural, levando em consideração a Lei 5.889/93, com as alterações da Lei 11.718/2008, mas

dando ênfase a figura do empregador, com destaque para o princípio da uniformidade entre

trabalhador urbano e rural:

O art. 7o da Constituição enfatiza, no seu caput, que os direitos nele

relacionados são igualmente aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais.

Mas o trabalhador rural é beneficiário de algumas disposições especiais. Obviamente, só no campo pode haver trabalho rural; mas nem todos os

que nele trabalham são rurícolas. Os empregados de hotel, armazém, farmácia, bar,

indústria de transformação etc., ainda que os respectivos estabelecimentos se

localizem no campo, não são trabalhadores rurais. O conceito destes decorre da

circunstância de prestarem serviços em empreendimentos agroeconômicos. Daí a

importância da definição legal de empregador rural: “a pessoa física ou jurídica,

proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente

67 RUSSOMANO, Victor Mozart. Comentários à consolidação das leis do trabalho. Rio de Janeiro: José

Konfino , Vol. I, 3 ed., 1955, p. 66/67. 68 RUSSOMANO, Victor Mozart. O empregado e o empregador no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,

7 ed, 1984. 69 RUSSOMANO, Victor Mozart. O empregado e o empregador no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,

7 ed, 1984. pp 136/137.

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ou temporária, diretamente, ou através de prepostos e com auxílio de empregados”

(art. 3o, caput, da Lei n° 5.889/73).

Por via de consequência, empregado rural é

[...] a pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta

serviço s de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência

deste e mediante salário” (art. 2o da Lei n° 5.889/73)70

Amauri Mascaro Nascimento, doutrina que :

[...] sujeitos do contrato de trabalho rural são, de um lado, o empregador,

assim entendida toda pessoa que exerce atividade agroeconômica, inclusive

a exploração industrial em estabelecimento agrário, e, de outro lado, o

empregado rural.

Empregado rural é o trabalhador que presta serviços em propriedade

rural, continuadamente e mediante subordinação . Assim, será considerado

como tal o trabalhador que cultiva a terra, que cuida do gado, e o pessoal

necessário à administração da empresa ou atividade rural 71.

Portanto, da análise da doutrina trabalhista, dá-se ênfase à figura do empregador rural,

partindo-se da definição do artigo 2ª, da Lei 5889/73, para se chegar a conceituar o

empregado rural: “Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou

prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a

dependência deste e mediante salário”. Onde não houver empregador rural (artigo 3º, da Lei

5889/73) não haverá empregado rural.

O enfoque do Direito Previdenciário é diverso, dando-se ênfase à atividade

desenvolvida pelo trabalhador rural e traz consequências interessantes, possibilitando o

reconhecimento do trabalhador volante, como segurado da previdência social, mesmo não

havendo na relação jurídica material a figura do empregador rural.

4.1.2 Definição do trabalhador rural, sob a ótica do Direito Previdenciário

Miguel Horvath Júnior define trabalhador rural, da perspectiva previdenciária,

aduzindo que:

[...] com a edição da Lei 8.213/91, baseada no princípio da universalidade

de cobertura e atendimento, e que cumpriu o princípio constitucional da

uniformização e equivalência dos benefícios entre a população urbana e

70 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar. 4.ed. 2010, pp.

125/126. 71 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva. 19 ed. 2004,

p. 944.

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rural, é trabalhador rural todos os que exercem atividade rural e podem ser

enquadrados nas seguintes categorias: empregado, contribuinte individual,

trabalhador avulso e segurado especial, levando-se em conta a forma do

exercício de atividade. 72

E o preclaro professor, levando em consideração a atividade dos trabalhadores rurais,

classifica-os como segurados obrigatórios da previdência social, pois exercem atividade

remuneradas, de natureza rural, de forma efetiva ou eventual. Assim se manifesta:

[...] são trabalhadores rurais, segurados obrigatórios da Previdência Social,

em decorrência da atividade exercida, o tirador de leite, vaqueiro,

empregado de agroindústria e agropecuária que atua no setor agrário,

safrista, volante, eventual, temporário, etc. 73

Observa Marcel Cordeiro, que “a delimitação previdenciária do trabalhador rural

está centrada na atividade do profissional e não na natureza econômica do

empregador”74.

Fortes e Paulsen, ao comentar o artigo 11, I, da Lei 8.213/91 e o artigo 12, I,

da Lei 8.212/91, em relação aos segurados obrigatórios, classificam que empregado

(art. 11, a, da Lei 8213/91: “é aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural

à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração,

inclusive como diretor empregado)”75, e aduzem que:

[...] trata-se de empregado no conceito trabalhista: aquele que presta

serviço, urbano ou rural, com os típicos caracteres da pessoalidade,

não eventualidade, subordinação e remuneração. Exemplos de

segurado empregado, no meio rural, seriam o capataz de fazenda, o

vaqueiro, o bóia-fria, o tirador de leite, o safrista.76 (grifo meu)

A ênfase dada é de que há relação com a atividade de trabalhador no meio rural,

mesmo que esse indivíduo não seja empregado, na definição trabalhista do termo, pois

falta o vínculo de permanência, a não eventualidade.

Conforme esclarece Jane Lucia Wilhelm Berwanger:

[...] importância da definição correta e justa do empregado rural deve-se a

duas questões: primeiro, porque até novembro de 1991 o trabalhador rural

72HORVATH Júnior, Miguel. Dicionário analítico de previdência social. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p.

206. 73 HORVATH Júnior, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8 ed. 2010, p.158. 74CORDEIRO, Marcel. Previdência social rural. São Paulo: Millenium Editora Campinas, 2008 p. 127. 75FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2005, p. 59. 76 IDEM

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comprova tão somente a atividade rural, ou seja, não se lhe exige

contribuição referente ao período anterior à Lei 8.213/91; segundo, porque

essa lei prevê redução de idade em cinco anos para os trabalhadores rurais.

As interpretações equivocadas resultam que o trabalhador rural acaba por

não conseguir acesso especialmente à aposentadoria por idade. Em geral

essa questão acaba sendo dirimida na Justiça, que, em regra, tem

reconhecido a qualidade de empregado rural a esses trabalhadores.77 (grifo

meu)

No âmbito administrativo, temos o Parecer/CJ Nº 2.522, de 09 de agosto de 2001,

DOU de 16/08/200178, de Carlos Augusto Valenza Diniz, encapado pela Administração

Previdenciária que conclui que:

[...] Assim, temos que os trabalhadores que, comprovadamente,

desempenham atividades rurais, independentemente da natureza da

atividade do empregador, têm direito ao prazo reduzido, previsto no art. 201,

§ 7º, inciso II da Constituição Federal, para fins de concessão de

aposentadoria por idade.”

Assim, é nítida a diferença conceitual utilizada entre o Direito do Trabalho, e o Direito

Previdenciário: enquanto o Direito do Trabalho dá ênfase à figura do empregador para definir

a relação jurídica do trabalho, o Direito Previdenciário dá ênfase à atividade desenvolvida

pelo trabalhador. Por isso que Wagner Balera aduz que “quem trabalha no Brasil, é segurado

obrigatório da Previdência Social”. Isso traz consequências jurídicas para se conceituar o

segurado obrigatório da Previdência Social.

4.1.3 DEFINIÇÃO DE TRABALHADOR RURAL NA LEGISLAÇÃO

O Estatuto do Trabalhador Rural, Lei 4.214, de 2 de março de 1963, em seu artigo 2ª,

foi pioneiro, em termos legislativos, na tentativa de definir o conceito de trabalhador rural.

Está assim vazado: “Art. 2.°. Trabalhador rural, para os efeitos desta lei, é tôda pessoa

física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico,

mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro.”

77 BERWANGER, Jane Lucia, op. cit, pag. 88. 78 Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/2001/2522.htm>. Acesso em: 1º de setembro

de 2013.

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Esta definição recebeu severas críticas. Uma delas é de Russomano que, ao comentar

este artigo, anotou o desvirtuamento do conceito de empregado rural e como este preceito

normativo se distanciou do conceito adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Observou que:

[...] O trabalhador rural que presta serviços eventuais não está ao abrigo do

Estatuto. Essa é a regra geral. Esse é o princípio. Apenas, por exceção,

quando o serviço eventual se estender por prazo superior a um ano

(incluídas as prorrogações), o trabalhador eventual será considerado

permanente, passando, então, a ser protegido pelas normas do Estatuto.

E’ o que declara, de modo expresso, o art. 6.° do Estatuto.

Se foi necessário um dispositivo expresso para declarar que o trabalhador

rural provisório, avulso ou volante, só se equipara ao trabalhador

permanente, para os efeitos do Estatuto, quando sua atividade na emprêsa

ultrapassar o prazo de doze meses, é claro que, fora da exceção legal, os

trabalhadores eventuais (provisórios, avulsos ou volantes) não terão os

benefícios da lei em vigor. 79

Constata-se que o Estatuto do Trabalhador rural traz, sem dar a definição, pela

primeira vez, colocando a margem de proteção, o trabalhador volante. Em seu Artigo 6º diz:

“Desde que o contrato do trabalhador rural provisório, avulso ou volante [destaquei]

ultrapasse um ano, incluídas as prorrogações, será o trabalhador considerado permanente,

para todos os efeitos desta lei.”

O Estatuto do Trabalhador Rural reconheceu a existência do rural volante, mas,

devido ao seu caráter provisório de trabalho rural em relação ao empregador, não lhe deu

proteção. É justamente a marca de provisoriedade em relação ao empregador, e o trabalho

desenvolvido frente a fazendeiros, a proprietários de terra rural, que caracterizam o

trabalhador volante, com a intermediação ou não de terceiros, também conhecidos como

turmeiros, ou gatos. Muitos trabalhadores volantes desenvolvem a sua atividade rural,

prestando serviços em caráter temporário, para proprietários rurais, não necessariamente

produtor rural, podendo haver ou não intermediação desta mão de obra.

Nova definição legislativa foi dada pela Lei 5.889 de 8 de junho de 1973, que estatuiu

novas normas reguladoras do trabalho rural e deu outras providências, deixando de fora da

proteção, os trabalhadores volantes:

Art. 1º As relações de trabalho rural serão reguladas por esta Lei e,

no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do

Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943.

...................

79RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários ao estatuto do trabalhador rural. 2. ed.. São Paulo: Editora

Revisa dos Tribunais, 1969, vol. 1. p. 16/17.

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Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em

propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não

eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante

salário. (destaquei)

Analisando este dispositivo legal, constata-se a exclusão do trabalhador volante, pois

o mesmo presta serviços de natureza eventual, hoje em uma propriedade rural; na semana que

vem, ou um lapso curto de tempo, em outra propriedade rural, a proprietário de terra, não

necessariamente empregador rural.

Observa Hugo Gueiros Bernardes, um dos juristas que ajudaram na confecção da Lei

5889/73:

Interessa-nos aqui, porém, principalmente, o conceito de empregado e de

empregador rural (arts. 2.°, 3.° e 4.° da Lei 5.889/73). A rigor, distingue-se

o trabalhador rural do trabalhador urbano por prestar serviços em

“propriedade rural ou prédio rústico”. Ao contrário do trabalho urbano, o

que realmente vai distinguir a relação de trabalho rural é o conceito de

empregador rural .

O conceito de trabalhador rural, nesses termos, é mais abrangente que

o de empregado: não contém exigência tão enfática no tocante a

subordinação e a continuidade: a exigência de ser permanente ou

temporária a prestação de serviços pode conter ou não a continuidade,

admitida sempre a intermitência; a exigência de existir um explorador

econômico da propriedade apenas induz a subordinação, sem torná-la

condição essencial do vínculo. O empregador não o é apenas em razão de

possuir propriedade rural, mas, principalmente, de explorá-la

profissionalmente, mesmo que por conta de terceiros (art. 4.° da Lei

5.889/73). Mais se reforça, pois, a certeza de que o empregador rural é que

é importante para a existência da relação de emprego: de sua definição é

que derivam as exclusões cabíveis, segundo a lei.

Quais seriam, pois, essas exclusões? Locação de serviços, parceria,

empreitada, trabalho doméstico, safrista urbano (que é empregado urbano),

autônomos e avulsos (Volantes ou provisórios). Trabalhadores em

propriedade familiar — são um caso à parte )80 (destaquei)

Interessante observar a Jurisprudencia trabalhista: para definir a relação de

empregado, a própria proteção trabalhista, leva em consideração a figura do empregador,

enquanto que a jurisprudência dos Tribunais Federais, bem como do Superior Tribunal de

Justiça, leva em consideração a atividade do trabalhador, como visto na doutrina

previdenciária, do emprego, a nível previdenciário, para a real proteção do trabalhador rural

bóia-fria.

Para finalizar este tópico, chama a atenção à dicção do artigo 17, da Lei 5.889/73:

80 BERNANDES, Hugo Gueiros. São Paulo, LTr, 1989, pp 151/152.

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“As normas da presente Lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não

compreendidos na definição do art. 2º, que prestem serviços a empregador rural”

Amauri Mascaro Nascimento aduz que: “A Lei 5.889 é aplicável a todo trabalhador

rural e não apenas aos empregados rurais (artigo 17). Amplia-se, assim, o âmbito de proteção

jurídica ao campo do eventual. Há base legal, portanto, para a construção de uma

jurisprudência protecionista do bóia-fria”. 81 (destaquei)

Com fundamento neste artigo, Eva Regina Turano Duarte da Conceição desenvolveu

argumentação de que o bóia-fria pode ser enquadrado como segurado empregado:

Repete-se assim, na esfera previdenciária, a mesma polêmica que

ocorre na esfera trabalhista com relação aos denominados “bóias-frias”,

“paus-de-arara”, volantes ou diaristas, assim considerados aqueles

trabalhadores que desempenham a sua atividade em várias localidades

rurais, para empregadores rurais diversos.

Levando-se em conta que o artigo 17 da Lei 5.889, de 08 de junho

de 1973, manda aplicar, “no que couber”, os seus dispositivos aos

trabalhadores não empregados, a jurisprudência de nossos tribunais

trabalhistas tem caracterizado a relação de trabalho como de emprego, na

medida em que esteja presente o pressuposto da subordinação, mormente

naquelas situações em que a prestação do trabalho é continuada, no mesmo

serviço, por mais de 30 dias82

Com esta constatação de que há possibilidade da interpretação abrangente do artigo

17 da Lei 5.889, passar-se-á ao próximo tópico.

4.2 Conceito de trabalhador rural volante na doutrina

O trabalhador rural volante, também conhecido como trabalhador independente, bóia-

fria, pau-de arara, tem recebido pouco estudo dos estudiosos do Direito de Trabalho, pelo

fato de ser eventual, e não ser considerado assim, empregado. No Direito Laboral, interessante

é a doutrina de Valentin Carrion, demonstrando a nova tendência do Justiça Laboral:

Trabalhador eventual rural: está protegido pelo direito do trabalho, isto é,

pela doutrina mais recente sobre o que se deva entender por trabalhador

eventual, e porque a exigência de “não eventualidade” anunciada pela lei

(L. 5.889/73, art. 2º) ficou superada por outro dispositivo (art. 17 da mesma

lei). Não há como negar ao eventual o que lhe for aplicável: salário mínimo,

descanso remunerado proporcional, jornada de 8 horas diárias e 44

semanais, além de adicional por horas extraordinárias ou noturnas. Sem

81 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Iniciação do direito do trabalho. LTr, São Paulo, 25ª edição, 1999, p. 180. 82 CONCEIÇÃO, Eva Regina Turano Duarte da – “Aspectos da Previdência Social Rural”. In: Revista de Direito

Social. Ano 1, 2001, número 1, RS: Editora Notadez, p. 45.

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prejuízo de que a repetida contratação venha transformar a prestação

eventual em contrato de trabalho por tempo determinado ou indeterminado,

quando serão devidos aviso prévio, férias proporcionais e FGTS (v. art.

3“/l3, infra). O diarista ocasional faz jus a descanso semanal remunerado se

prestou serviços em todos os dias úteis da mesma semana. Pela natureza de

seu pacto não recebe aviso prévio, nem qualquer outra verba rescisória.

Entretanto, o diarista ocasional deixa de sê-lo pela continuidade no

mesmo serviço (após 30 dias, mesmo que contratado “no ponto”, como

os “boias-frias”). Depois desse prazo serão devidos aviso prévio, 13a

salário e férias. O trabalho do eventual ou safrista por intermédio de

empreiteiros de mão de obra, sem capacidade econômica, leva à

aplicação da responsabilidade solidária do empresário rural, com apoio

no princípio inserido no art.9º da CLT (v. art. 455/1)83. (destaquei)

Porém, em relação aos boias-frias, ou paus de araras, foi claro:

Paus de arara” ou “boias-frias”: Estes trabalhadores permanecerão

teoricamente protegidos, mas abandonados na prática, enquanto a lei não

determine que seu aproveitamento nos imóveis rurais se faça mediante con-

trole dos sindicatos, prefeituras, casas de lavoura ou de outras autoridades

delegadas, devendo sua contratação e pagamentos ser realizados por

intermédio destas, sob pena de sua repetição. O transporte em veículos, sem

proteção, clama aos céus pela frequência de desastres que se repetem; a

legislação deveria aumentar a responsabilidade civil indenizatória,

solidariamente, abrangendo o transportador, o intermediário da mão de

obra, o proprietário rural, o tomador da mão de obra; e a fiscalização

rodoviária, tolerando o desrespeito à regulamentação sem rigor, é conivente

com as mortes, incapacidades e sofrimentos resultantes. Ainda se impõe a

proibição de intermediários à mão de obra, mais um elemento a explorar o

trabalhador, a descaracterizar, a dificultar a prova da relação; a proibição da

marchandage existe em inúmeras legislações estrangeiras84.

É no Direito Previdenciário que surge a preocupação, visando a sua integração à

previdência social como segurados obrigatórios. O grande divisor de aguas, para o estudo do

trabalhador rural, visando à caracterização como segurado obrigatório da Previdência Social

é a Constituição de 1988, que uniformizou o tratamento entre os empregados urbanos e rurais,

entre trabalhadores urbanos e rurais. Antes disso, o trabalhador volante – integrante da

Previdência Rural – sua proteção era de cunho nitidamente assistencialista, sem a necessidade

da competente contribuição para o custeio da Previdência Social.

Como já afirmado, todos aqueles que trabalham têm que fazer parte, necessariamente,

da Previdência Social; fazendo parte do Seguro Social, por ser seguro, tem que contribuir, de

alguma forma, para o custeio do mesmo. Todos os princípios e as regras constitucionais

83 CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 36 ed.,

p.66. 84 IDEM.

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estudados, em harmonia, dão suporte para a interpretação de que o trabalhador volante é

segurado obrigatório da Previdência Social.

Almir Pazzionoto Pinto , enquanto Secretário de Estado de Relações de Trabalho do

Estado de São Paulo, em 1984, escreveu artigo85, reconhecendo o vazio legislativo que rege

a matéria. Nele, apresentou resultado de um grupo de trabalho, para que a matéria fosse

legislada pelo Governo Federal, visando a garantir direitos trabalhistas aos denominados

trabalhadores boias-frias. Explicou ainda a origem do termo, que não é pejorativa, e, na visão

do direito trabalhista, explicou com profundidade toda a problemática do trabalhador volante.

Ele é um volante, viajando de trabalho em trabalho, de fazenda em

fazenda, de tarefa em tarefa, porque nenhum tomador de serviços o

quer como empregado, nem mesmo safrista, utilizando-se do

intermediário para fugir a isso e se desobrigar dos chamados “encargos

sociais", bem como de outras responsabilidades que fatalmente

emergem da relação de em- prego. Em outros casos, o tomador de

serviços, sendo um pequeno proprietário rural, ou arrendatário, não

está em condições de manter um quadro de empregados, mesmo

durante pequeno período, e a sua safra, de curtíssima duração, só pode

ser realizada economicamente com o concurso dos volantes.

.....

Das suas condições de vida não há necessidade de se comentar,

pois são conhecidos os problemas que o bóia-fria enfrenta quando tem

trabalho, e a miséria indiscutível em que mergulha quando não o tem.

Figura tradicional da nossa história, onde aparece no início da

colonização, quando implantados os pequenos engenhos, foi ele

abandonado pelo Estado e pela sociedade, e esquecido pela moderna

tecnologia. Tanto que sua ferramenta principal ainda é o facão, folhão

ou podão, e, se adotada a máquina colhedeira de cana, que, por sinal,

oferece resultados sabidamente insatisfatórios, a conseqüência será a

dispensa de numerosa mão-de-obra.86

Suas colocações continuam atuais, e o panorama legislativo infraconstitucional

pouco mudou. A renovação veio com a Constituição de 1988; porém, na prática, ainda

é lenta a evolução legislativa, visando sua integração à Previdência Social.

Elisabete Maniglia, em 2007, bem observou o problema do trabalhador rural bóia-

fria que, praticamente, não mudou nada, em relação ao descrito por Almir Pazzianotto, em

1984, do ponto de vista da realidade social em que se vive o Brasil:

85PINTO, Almir Pazzianotto. “O Trabalhador Rural Volante”. In: Revista LTr Legislação do Trabalho

e Previdência Social. São Paulo: Ano 48, nº 06, junho, 1984. 86PINTO, Almir Pazzianotto. “O Trabalhador Rural Volante”. In: Revista LTr Legislação do Trabalho

e Previdência Social. São Paulo, Ano 48, nº 06, junho , 1984, p. 649/652.

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A realidade do bóia-fria é de desalento. O contexto muda de acordo com as

regiões, sendo que no Sul, a organização sindical toma menos penoso o

esforço dos trabalhadores em ver os seus direitos respeitados. A população

do meio rural encontra-se abandonada às margens das grandes proprie-

dades, que fazendo olhos nus a função social da propriedade e pior com

apoio estatal, mantém as raízes históricas do poder, que impedem o acesso

à terra. O trinômio latifúndio, monocultura e economia de exportação

reinante desde a colonização, perpetuam a miséria e a concentração da terra,

com a conseqüente concentração de riqueza que acumula miséria,

desemprego, degradação ambiental e a má qualidade de vida social87.

Nas relações trabalhistas, face à globalização e ao uso da tecnologia, em todos os

setores da economia, o cenário mundial vem sofrendo transformações que, no Brasil, já se

fazem notar há algum tempo. Com o aumento de encargos trabalhistas, carga tributária

altíssima em relação a folha de salários, mecanização da lavoura, modificou-se sensivelmente

o panorama social no campo. O empregador rural depreende que não necessita do empregado

prestando-lhe serviços, continuamente, em sua terra.

Sobressai este fenômeno na indústria canavieira onde a modernização no corte de cana

de açucar, que hoje não pode ser mais considerado como safra, ocorre em todos os períodos

do ano, com crescente redução de mão de obra: uma colhedeira substitui mais de 80

cortadores de cana manual, como nos dá conta André Cabette Fábio88

O desemprego no campo direciona muitas famílias para a vida na cidade. Muitos

destes trabalhadores, quando dispensados, formaram um mercado informal do campo, um

verdadeiro exército de desempregados. De certa forma, trata-se da continuidade da

escravidão, já que, a partir da libertação dos escravos, surge o trabalhador eventual ou volante,

notoriamente conhecido por bóia-fria, que é uma constante no meio rural, como mão-de-obra

barata, descartável, sem vínculo algum com o proprietário rural. Sem castigos físicos

aparentes, esses, mas tão desprotegidos da lei quanto o foram aqueles.

O volante, nesta relação jurídica em que se enquadra, depara-se, apenas, com os

direitos limitados em contratos de trabalho previamente estabelecidos. Movimenta-se entre a

cidade e o campo, assimilando valores entre um e outro, criando conflitos em sua entidade,

tentando sobreviver nas safras rurais, com seus ganhos obtidos em trabalho penoso e deixando

seus créditos no consumo urbano, sem ao menos estabelecer uma relação empregatícia

87 MANIGLIA, Elisabete. “O Trabalhador Rural perante a Jurisprudência”. In: Trabalhador Rural - Uma análise

no contexto sociopolítico, jurídico e econômico brasileiro, em Homenagem a Fernando Ferrari. Curitiba: Juruá

Editora, 2007, p. 213/215. 88Disponível em: <http://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/11/29/bóia-fria-da-lugar-a-

operador-de-colhedora-de-cana-que-ganha-ate-r-26-mil.htm#fotoNav=5>. Acesso em 05 de novembro de 2013.

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definida.

Frente a direitos garantidos constitucionalmente, mas sem o instrumental legislativo

infraconstitucional adequado, o volante fica excluído da Previdência Social, por não recolher

a competente contribuição previdenciária. Fica à margem do seguro social. Em tempo de

intensa informatização, devem ser criados mecanismos de controle e arrecadação destas

contribuições previdenciárias, por parte da Receita Federal do Brasil, incentivando o tomador

de serviços a recolher a contribuição previdenciária e integrando o trabalhador rural volante

ao Seguro Social.

Além da ausência de proteção previdenciária, outro problema grave enfrentado pelo

trabalhador volante, mas que foge à sua integração à Previdência Social, é a ausência de

empregadores. Com a modernização do campo, os latifundiários ligados às monoculturas

investem na modernização do corte de cana, conforme referido acima, e de outras culturas,

além de se utilizarem de outros recursos que suprem o trabalho outrora realizado pelos

trabalhadores do campo.

Interessante é o posicionamento de José Antonio Savaris, que não coincide com a

argumentação apresentada nesta dissertação, em relação ao trabalhador rural volante:

Se do segurado especial não se exige contribuição para a seguridade social,

visto que a contribuição obrigatória incidente sobre o produto de sua

comercialização (CF/88. Art 195,§ 89 e Lei n 8 212, art 25,1) pode não

existir na hipótese de inexistência de excedente a comercializar, não se

justificaria, sob o prisma da isonomia, a dispensa de um tratamento

previdenciárío mais restritivo ao bóia-fria, que só exerce esta profissão

porque não tem acesso a qualquer outra que lhe confira alguma segurança,

encontrando-se em uma situação de inferioridade econômica em relação ao

segurado especial “89

Na realidade, a Constituição exige fonte de custeio para a Previdência Social, e o

segurado especial que não tem produção, por criação jurisprudencial, se equipara ao que tem

produção, recolhendo a contribuição previdenciária e se reconhecendo na qualidade de

segurado. É uma exceção e criação jurisprudencial.

Entende-se que deve-se criar mecanismos que possibilitem o recolhimento da

contribuição previdenciária, de todo o trabalhador rural volante que exerce atividade

laborativa.

Hoje, com o uso da informática, a Receita Federal tem condições de criar estes

mecanismos, como, por exemplo, criar um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes,

89 SAVARIS, José Antonio. “Aposentadoria por idade ao trabalhador rural independente: A questão do bóia

fría”, In: Revista de previdência social. RPS. Ano XXX, nº 309, agosto de 2006, pp. 523/525.

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com se fez com o Cadastro de Pessoa Física (CPF), que é utilizado para toda e qualquer

atividade econômica. Aquele que é beneficiário do trabalho do volante tem que ser

incentivado a recolher a contribuição previdenciária, mesmo se for em alíquota menor a ser

estabelecida por lei, com incentivos, como se faz no caso dos empregadores domésticos. O

que não pode acontecer é reconher o direito de segurado da Previdência Social, sem o

pagamento da devida contribuição, senão, estaremos diante não mais do Seguro Social; sim,

transmudando-se para um regime assistencialista.

Assentado na doutrina, a necessidade de proteção do trabalhador volante, face a todos

os princípios e todas as regras que regem a Seguridade Social, em especial, a Previdência

Social, que no dizer de Ana Paula Oriola de Raeffray, “a seguridade social esta fundada na

solidariedade e na universalidade. É união solidária entre todos os indivíduos para enfrentar

os riscos gerados pela própria sociedade moderna”90, deve-se buscar a integração do

trabalhador volante na rede protetiva da Previdência Social. O próximo passo é trazer a

posição dos Tribunais, em relação aos trabalhadores volantes.

A jurisprudência sempre esteve um passo a frente, em matéria previdenciária, na

proteção do trabalhador volante. Na ausência, lacuna, ou vazio legislativo, buscando dentro

dos princípios constitucionais que regem a matéria, deu um passo importante para proteção

do trabalhador rural, em especial, trabalhador volante ou bóia-fria.

4.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência

Foram pesquisadas as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, do Superior

Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, da Turma Nacional de Uniformização

e do Tribunal Superior do Trabalho.

90 RAEFFRAY, Ana Paula Oriola de. O bem estar social e o direito de patentes na seguridade social.

Florianópolis: Conceito Editorial, 2011, p. 80.

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4.3.1 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Especificamente sobre a definição de trabalhador rural volante, não foi encontrado

acórdão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

4.3.2 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça adotou como metodologia e critério de aplicação da

legislação federal, fazendo uma conjugação entre o princípio da reserva do possível com a

regra do mínimo existencial, conforme lemos abaixo:

[...] a partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função

estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente

legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a

missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a

administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar

políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente

delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação

ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos

objetivos constitucionais91

Fundamentando-se neste pensamento, acima noticiado, já está assentado o

entendimento, através de sua Terceira Seção, de que:

[...] considerada a condição desigual experimentada pelo trabalhador

volante ou bóia-fria nas atividades rurais, é de se adotar a solução pro

misero para reconhecer como razoável prova material o documento novo,

ainda que preexistente à propositura da ação originária92

O precedente citado é o voto proferido pelo Ministro Paulo Galotti, na AÇÃO

RESCISÓRIA Nº 2.515 - SP (2002/0108260-5)93, assim transcrito:

No que diz com o mérito, a matéria inúmeras vezes posta ao crivo desta

Terceira Seção resultou no entendimento de que, considerada a condição

91 Resp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16.9.2009. 92 Voto proferido pelo Ministro Paulo Galotti, na AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2.515 - SP (2002/0108260-5”). 93 IDEM

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desigual experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas atividades

rurais, é de se adotar a solução pro misero para reconhecer como razoável

prova material o documento novo, ainda que preexistente à propositura da

ação originária. No caso, como se vê à fl. 87, o documento novo,

consubstanciado na certidão de casamento da autora, expedida em 26 de

abril de 1979, da qual consta que seu marido tinha a profissão de lavrador,

circunstância corroborada pela prova testemunhal, torna certo o exercício

do labor agrícola.

Há precedentes:

A - PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO

RESCISÓRIA. RURÍCOLA. APOSENTADORIA. CERTIDÃO DE

CASAMENTO COM A PROFISSÃO DE LAVRADOR DO MARIDO.

INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CARACTERIZAÇÃO.

DOCUMENTOS NOVOS. ART. 485, VII, DO CPC. DOCUMENTOS

PREEXISTENTES AO ACÓRDÃORESCINDENDO. SOLUÇÃO PRO

MISERO. ADOÇÃO.

1. Certidão de casamento constando a profissão de lavrador do

marido caracteriza documento novo capaz de atestar o início de prova

material da atividade rurícola.

2. Nos termos da assentada jurisprudência da Corte, considerando

as condições desiguais vivenciadas pelo trabalhador rural, e adotando a

solução pro misero, a prova, ainda que preexistente à propositura da ação

originária, deve ser considerada para efeito do art. 485, VII, do CPC.

3. Ação procedente.

(AR nº 1.268/SP, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de

7/11/2000)

B – "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485,

VII, DO CPC. DOCUMENTO NOVO. TRABALHADOR RURAL.

A certidão de casamento da autora referindo-se ao marido desta

como lavrador atesta, documentalmente, a atividade de rurícola, o que afasta

a aplicação da Súmula nº 149/STJ.

Esta Seção, considerando as condições desiguais vivenciadas pelo

trabalhador rural e adotando a solução pro misero , entendeu que a prova,

ainda que preexistente à propositura da ação, deve ser considerada para

efeitos do art. 485, VII, do CPC. Precedentes.

Ação rescisória procedente.

(AR nº 1.062/SP, Relator o Ministro FELIX FISCHER , DJU de

24/4/2000)

Ante o exposto, julgo procedente a presente ação para, rescindindo

o acórdão proferido no REsp nº 212.519/SP, não conhecer do recurso

especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Afere-se deste acórdão, e da posição que o Superior Tribunal de Justiça adotou, da

falta de técnica científica, e da adoção de parâmetros incorretos, para o reconhecimento do

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direito do trabalhador volante. O acórdão fala em bóia-fria, mas não define o que é, se está

ou não enquadrado no artigo 11, da Lei 8.213/91. Simplesmente adota o princípio in dubio

pro-misero, que é incompatível com a Previdência Social, conforme visto acima.

Uma vez decidido em um determinado sentido, repete-se o entendimento, sem se

pensar na cientificidade da decisão, na construção dogmática, de acordo com a melhor

doutrina.

Como repetição, temos ainda o entendimento de que, considerada a condição desigual

experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas atividades rurais, é de se adotar a

solução pro misero, para reconhecer como razoável prova material o documento novo, ainda

que preexistente à propositura da ação originária.

O Tribunal preocupa-se em dar o direito ao caso concreto, com questões processuais,

como início de prova material, mas não vai a fundo na conceituação do direito a ser tutelado.

Esquece, por completo, no entanto, que Seguro Social depende de custeio: não se preocupa

com este importante aspecto.

Como exemplo de interpretação e aplicação de direito processual, o Superior Tribunal

de Justiça considera como aptas como início de prova material as certidões de nascimento

dos filhos da autora, que revelariam que seu marido era lavrador, constituindo prova material

suficiente do exercício da atividade agrícola, a teor do disposto no art. 485, VII, do Código

de Processo Civil, uma vez que "a qualificação profissional do marido como rurícula,

constante de atos do registro civil, se estende à esposa, assim considerada como razoável

início de prova material complementado por testemunhos94

Critica-se a falta de cientificidade da decisão, mas podemos extrair desse

posicionamento:

1) O bóia-fria, ou trabalhador volante, é segurado obrigatório da previdência

social, pois, uma vez provado este fato, preenchido os requisitos legais, tem direito ao

beneficio previdenciário. À evidência, somente segurado da previdência social tem direito

ao seguro social. Este fato, o STJ reconheceu.

2) Levou-se em consideração o conceito para se determinar o que seja trabalhador

rural, não o conceito do Direito do Trabalho, em relação ao empregado, mas sim à atividade

desenvolvida pelo trabalhador rural.

94 REsp nº131.765/SP, relator o Ministro José Dantas, DJU de 1/12/97.

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4.3.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência dos Tribunais Regionais

Federais

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região segue à risca a orientação do Superior

Tribunal de Justiça.

Pode-se conferir o seguinte julgado:

Reconhecimento de tempo de serviço prestado na condição de

trabalhador rural exige início razoável de prova material. É

inadmissível prova exclusivamente testemunhal. 2. Requisito etário:

18.11.2003 (nascimento 18.11.1943). Carência: (11 anos). 3. A

carteira de filiação ao sindicato rural desprovida de homologação e a

certidão do cartório eleitoral não constituem início de prova material. 4.

CNIS no qual consta que o autor exerceu atividade rural no período

09/10/2000 a 18/10/2000, corroborado pelo depoimento pessoal e

testemunhal no sentido de que o autor exerce atividade rural de diarista é

início de prova material suficiente, uma vez que é cediço que o trabalhador

volante ou bóia-fria experimenta situação desigual em relação aos

demais trabalhadores (STJ, AR2515 / SP) uma vez que, em regra, ou não

tem vínculos registrados ou os tem por curtíssimo período, como ocorreu na

espécie, devendo ser adotada solução pro misero. 5. A prova oral produzida

nos autos confirma a qualidade detrabalhador rural da parte autora.95

O Tribunal Regional Federal da Segunda Região tem o mesmo posicionamento,

seguindo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Atesta-se no seguinte acórdão:

A condição de diarista, bóia-fria ou safrista está enquadrada no

conceito de trabalhador rural para efeitos previdenciários.

– Os documentos acostados aos autos consubstanciam o início de

prova material a que alude a lei para fins de comprovação do exercício

atividade rural pelo falecido.

– A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no

tocante à comprovação da condição de rurícola, é assente no sentido de que

a certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do segurado

constitui início razoável de prova documental para fins de comprovação de

tempo de serviço, desde que a prova testemunhal amplie a sua eficácia

probatória, de modo que a prova testemunhal, aliada à Certidão de

Casamento, é considerada apta a comprovar a atividade rural, inclusive pelo

período de carência, considerando que a lei previdenciária não exige que o

início de prova material se refira precisamente ao período de carência do

art. 143 da Lei 8.213/91, diante da dificuldade do rurícola na obtenção de

prova escrita do exercício de sua profissão, servindo apenas para convalidar

a prova oral, que deve, no entanto, ampliar a sua eficácia probatória ao

95TRF-1ª, AC – APELAÇÃO CIVEL – 200701990274217, 2ª Turma, Rel. Juiz Federal convocado Cléberson

José Rocha, v.u., e-DJF1 DATA:14/03/2013 p. 61.

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tempo da carência, entendimento este também aplicado ao trabalhador

volante ou bóia-fria (STJ, 3ª Seção, AR3005, Rel. Min. PAULO

GALLOTTI, DJ de 25/10/2007). Ademais, foi juntada CTPS do falecido

constando vínculo de 12/11/1990 a 15/09/1992 em Fábrica de

Aguardente/Fazenda Côrrego D’Água e de 17/09/1997 a 30/09/1997 como

trabalhador rural, com remuneração de R$ 4,00 (quatro reais) por dia na

Fazenda Vida Mansa; certidão de óbito, constando a profissão de lavrador

do de cujus e CTPS da autora na qualidade de safrista, com remuneração de

R$ 3,00 (três reais) por dia de 01/05/2004 a 05/07/2004.

– Os depoimentos das testemunhas que foram uníssonos no sentido

de que o falecido sempre trabalhou na roça nas atividades de capina e

colheita de café e também como bóia-fria e que também a autora sempre

trabalhou na roça, sendo, portanto, claros e precisos o suficiente para firmar

a convicção do Juízo acerca da qualidade de trabalhador rural do de cujus96.

Depreende-se que o acórdão já parte de um conceito pré-determinado: “A condição

de diarista, bóia-fria ou safrista está enquadrada no conceito de trabalhador rural para efeitos

previdenciário”97, mas sem fundamentar e dizer o motivo pelo qual o diarista, ou trabalhador

bóia-fria, ou o safrista, estaria no conceito de trabalhador rural para fins previdenciários, e

deveriam estar como segurados obrigatórios.

Em relação ao safrista, há determinação legal expressa, em decorrência da Lei

11.718/2008. Mas, em relação ao diarista e bóia-fria, advém de interpretação constitucional,

integradora com os princípios e regras acima deduzidos. Depreende-se que o Tribunal

considera como segurado obrigatório da Previdência Social, o trabalhador volante ou bóia-

fria.

Rica e criativa é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da Terceira Região,

que engloba São Paulo e Mato Grosso do Sul que, no julgamento dos Embargos Infringentes

nº 0048493-18.2007.4.03.9999/SP, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento, a

Terceira Sessão do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, deixou assentado que:

VIII – O próprio INSS considera o diarista ou bóia-fria como

empregado. De fato, a regulamentação administrativa da autarquia (ON 2,

de 11/3/1994, artigo 5, item "s", com igual redação da ON 8, de 21/3/97),

considera o trabalhador volante, ou bóia-fria, como empregado. Destarte,

não há como afastar a qualidade de rurícola da demandante e de segurada

obrigatória da Previdência Social, na condição de empregada, nos termos

do disposto no artigo 11, inciso I, a, da Lei nº 8.213/91.

IX – A responsabilidade pelo recolhimento das contribuições

previdenciárias relativa à atividade rural exercida pela autora, na condição

96

AC 201302010039006, Relator Desembargador Federal Messod Azulat Neto, 2ª Turma, E-DJ2R, de

09/07/2013, v.u. 97 IDEM

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de empregada, cabia aos seus empregadores, não podendo ter seu direito ao

benefício cerceado em face de erros cometidos por outrem.98

Assim, o Tribunal Regional Federal da Terceira, que é composta pelos juízes

integrantes das quatros Turmas especializadas em Direito Previdenciário (da 7ª a 10ª

Turmas), à unanimidade, entendeu que trabalhador volante ou bóia-fria é segurado

empregado, dando ênfase ao trabalho desenvolvido pelo obreiro e afastando a definição de

relação empregatícia, utilizada pelo Direito do Trabalho que – repita-se – dá ênfase à

definição, levando em conta o trabalho não eventual desenvolvido pelo trabalhador, junto ao

empregador.

Neste mesmo sentido, já vinha decidindo a Desembargadora Vera Jucovsky, da 8ª

Turma, dando um conceito do que se entende por trabalhador rural bóia-fria:

Trabalhador rural que desenvolve seu mister como diarista, quer-se dizer,

aquele que, a cada dia, exercia atividade campestre em local diferente, via

de regra, arregimentado em praças públicas, casas do trabalhador ou outros

logradouros quaisquer, de comum conhecimento dos moradores da

localidade, por parte dos chamados "gatos", v. g., mediadores entre os

proprietários rurais e os rurícolas propriamente ditos. Não obstante isso,

cite-se, o próprio Instituto Previdenciário tem o bóia-fria como segurado

empregado, de acordo com as Instruções Normativas INSS/DC 68/2002

(art. 27), 71/2002 (alínea c, inc. I, art. 4º) e 95/2003 (alínea c, inc. I, art. 2º).

De forma semelhante, não se confunde com a hipótese daqueles

pequenos proprietários que, juntamente com o núcleo familiar, exploravam

a terra (segurados especiais) e dela obtinham seu sustento.99

No mesmo sentido do decidido pelo TRF da 2ª Região é o entendimento do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região em Acórdão prolatado pelo Juiz Federal Hermes Siedler

Conceição Júnior, que reflete o posicionamento daquela Corte:

Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os

requisitos previstos nos artigos 11, VII; 48, § 1º; 106; 142 e 143, todos da

Lei nº 8.213/91. 2. Comprovado o implemento da idade mínima (55 para a

mulher e 60 anos para o homem), e o exercício de labor rural em regime de

economia familiar, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao

98 TRF3- 3ª Sessão. Embargos Infringentes nº 0048493-18.2007.4.03.9999/SP Rel, Desembargador Sérgio

Nascimento, vu., j. em 27.09.2012, DE de 09.10.2012.

99TRF3–EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 0023545-

90.1999.403.9999/SP- Rel. Desembargadora Federal Vera Jucovsky, 8ª Turma, j. em 22.03.2010, DJ-E

28.04.2010.

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período de carência exigido, é devido o benefício de aposentadoria rural por

idade. 3. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo

início razoável de prova material contemporânea ao período laboral,

corroborada por prova testemunhal idônea e consistente, sendo dispensável

o recolhimento de contribuições. 4. Tratando-se de trabalhador

rural conhecido como bóia-fria, diarista ou volante, considerando a

informalidade da profissão no meio rural, dificultada é a comprovação

documental da atividade, de modo a ensejar o início de prova a que se refere

a lei. Seguindo a orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, o

entendimento desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova

material deve ser abrandada. Precedente do STJ.”100

A crítica deste acórdão é que cai na vala comum o segurado especial, que trabalha em

regime de economia familiar, e o trabalhador volante.

No mesmo sentido, é a posição do Tribunal Regional da 5ª Região:

Comprovado o exercício do labor rural, no período que se pretende ver

reconhecido, através de início de prova material idôneo e contemporâneo

(Certidão de Casamento no ano de 1974, constando a qualificação do esposo

como agricultor, fl 11; Cópia do cartão bancário referente ao benefício

percebido pelo esposo da autora, por aposentadoria especial, fl. 144;

Declaração de exercício de atividade rurícola, fls. 08 ), corroborado pela

prova testemunhal, há de se reconhecer o tempo de serviço pleiteado. 2. Está

consolidado, no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que,

considerada a condição desigual experimentada pelo trabalhador volante ou

bóia-fria nas atividades rurais, há de ser suavizada a incidência da súmula

149 do STJ, de modo a se admitir, para a comprovação da atividade

campesina, o início de prova material idôneo e contemporâneo aliado à

prova oral harmônica e sem contradita.101

Depreende-se da Jurisprudência dominante dos Tribunais Regionais Federais que o

Superior Tribunal de Justiça tem, efetivamente, uniformizado o entendimento, pois,

praticamente, todos seguem a sua orientação, no sentido in dubio pro misero, e o TRF3, por

outros fundamentos, mais aprimorados, também.

100 TRF4 – Rel Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior. Remessa de Oficio 200670990006236, 5ª

Turma, vu, j, em 04.05.2010, DE 10.05.2010. 101TRF – AC 00011549620134059999, 4ª Turma, Rel. Desembargador Federal Hélio Sílvio Ourem Campos,vu,

DJE - Data:14/06/2013 - p. 205.

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4.3.4 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência da Turma Nacional de

Uniformização

A Turma Nacional de Uniformização tem fixado entendimento que:

Em se tratando de trabalhadores rurícolas volantes, diaristas, safristas ou

‘boias-frias’, a análise dos pressupostos necessários à concessão dos

benefícios previdenciários há de ser menos rigorosa no que concerne à prova

da sua atividade laboratícia, pois, na maioria das vezes, aqueles não

possuem meios de comprová-la. 102

A posição da TNU, segue também a jurisprudência do E. STJ:

No PEDILEF 200370040001067, Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, TNU -Turma

Nacional de Uniformização, DJU 30/06/2004, ficou assentado que:

A demonstração do tempo de serviço do trabalhador rural bóia-fria, diante

da informalidade da relação que estabelece com o proprietário das terras

onde labora e com o chamado ‘gato’ que o recruta, poderá ser obtida

mediante substanciosa prova testemunhal, lastreada em mínima ou

indiciária prova material. 2. A exigência legal de apresentação de prova

material, enquanto instrumento à demonstração do implemento das

condições ao gozo do benefício, deve adequar-se ao objeto da prova. Se o

tempo de serviço do diarista rural, pela natureza da atividade, não é

documentado, e se o legislador constitucional não o excluiu da proteção

previdenciária, imperativo que se relativize a exigência, admitindo-se

mínima prova documental e adotando-se a solução pro misero, para que a

forma não se sobreponha ao direito material. 3. Documentos em nome de

familiares podem servir como início de prova material do tempo de serviço

rural. 4. Pedido de uniformização conhecido e provido.103

Assim, predomina o entendimento de que não se deve aplicar rigor excessivo na

comprovação da atividade rurícola, para fins de aposentadoria, sob pena de tornar-se

infactível, em face às peculiaridades que envolvem o Trabalhador do campo.

No PEDILEF 200670950107534, Juíza Federal Daniele Maranhão Costa, TNU -

Turma Nacional de Uniformização, DJU 24/01/2008 – ficou consignado que:

1 - Considerando-se a condição desigual experimentada pelo trabalhador

volante ou ‘bóia-fria’ nas atividades rurais, o Superior Tribunal de Justiça

tem adotado a solução pro misero no reconhecimento da prova material,

entendendo válida a prova testemunhal quanto à atividade de ‘bóia fria’

102 TNU – PEDILEF n.º 200570510019810, Juiz Federal Marcos Roberto Araujo dos Santos, DJU 4 abr. 2008;

PEDILEF n.º200770550012380, Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, DJU 8 abr. 2011. 103PEDILEF 200370040001067, Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, TNU –Turma Nacional de Uniformização,

DJU 30/06/2004.

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quando apoiada em início razoável de prova material, assim considerada a

certidão de casamento onde consta expressamente a profissão de lavrador

do marido da autora. 2 - Aplicação da Questão de Ordem n. 20 desta TNU.

3 - Acórdão anulado, determinando-se o retorno dos autos à Turma Recursal

do Paraná para que nova decisão seja proferida, após a valoração da referida

prova. 4 – Incidente de uniformização conhecido e parcialmente provido104

A mesma crítica que se faz das decisões do STJ, também se faz das decisões de

uniformização da TNU: falta critério cientifico e não se leva em consideração o aspecto de

custeio, para se reconhecer que o trabalhador volante é segurado obrigatório da Previdência

Social. O princípio in dubio pro misero não deve ser aplicado, em hipótese alguma, pois

estamos diante de uma grande massa populacional que está além da faixa de pobreza.

Como visto, este pseudo princípio in dubio pro misero, não é princípio, não é norma

jurídica. Em seu lugar, deve-se aplicar a regra do mínimo existencial, aliado a outros

princípios e a regra da contrapartida.

O problema do in dubio pro misero foge ao aspecto jurídico, pois estamos diante de

uma grande massa de miseráveis, pessoas que vendem sua mão de obra e lhes faltam de tudo.

Desde educação, saúde e saneamento básico, além de estarem abaixo, praticamente, da linha

de pobreza. Nesta situação, aplicar este falso princípio não leva à solução alguma. É ativismo

judicial.

Tem-se que criar mecanismos, caminhos, para a solução equilibrada deste problema

histórico brasileiro, do trabalhador rural volante, pensando nas futuras gerações.

Como o sistema é contributivo, estes trabalhadores têm que recolher a contribuição

previdenciária, de uma forma ou outra.

Uma solução, de lege ferenda, é a criação de um Cadastro Nacional de Trabalhadores

Volantes, a ser gerido pela Receita Federal do Brasil, incentivando os tomadores de serviços

a recolherem a contribuição previdenciária devida. O que não se pode admitir é o

reconhecimento de um direito previdenciário, sem a correspondente fonte de custeio.

104 PEDILEF 200670950107534, Juíza Federal Daniele Maranhão Costa – Turma Nacional de Uniformização,

DJU 24/01/2008. (grifos meus)

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4.3.5 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Tribunal Superior do

Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho

A Jurisprudência Trabalhista tem levado também em consideração a atividade

desenvolvida pelo obreiro, visando ao reconhecimento do vínculo empregatício. E o faz

porque conhece a realidade do campo, as dificuldades dos trabalhadores volantes, e, na

medida da possibilidade fática, reconhece o vínculo trabalhista entre o volante e o proprietário

de terra.

Exemplo típico, foi o julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho, o recurso de

Revista, TST-RR-2782/2006-242-09-00.4, do Ministro Emmanuel Pereira, assim vazado:

I.1 – VÍNCULO DE EMPREGO RURAL – BÓIA-FRIA

O reclamado, em suas razões de revista (fls. 216-218), sustenta não

ter ocorrido o vínculo, posta a não-habitualidade do labor, pois constatado

em apenas 75 dias do ano. Indica violação do art. 2º, da Lei nº 5.589/73 e

colaciona aresto.

Sem razão.

O Tribunal Regional decidiu, amparado em um amplo conjunto

probatório, tanto oral quanto documental, inclusive prova emprestado

acordada entre as partes para o feito, havendo, inclusive, consonância nos

depoimentos das testemunhas do autor (Cláudio) e do réu (“Tinão”).

Ademais, da análise dos aspectos probatórios, o colegiado a quo verificou

que o empregador admitiu a prestação de serviços, atraindo para si, portanto,

o ônus de provar que o serviço não era subordinado e de tal não se

desincumbiu.

Firme no art. 131 do Código de Processo Civil, o Regional deu a

valoração que reputou válida a cada um dos elementos colhidos, inclusive

segundo as regras de distribuição do ônus da prova, que se revelaram

desfavoráveis ao reclamado, já que admitiu a prestação de serviços, embora

sem os traços do art. 2º, da Lei 5.589/73. Note-se, ademais, que o próprio

atravessador de mão-de-obra, de alcunha “tinão”, admitiu que os

trabalhadores eram “‘angariados’ por tinão, mas que isso se dava em

cumprimento a ordens do réu e sob a supervisão do administrador Ricardo.”

Assim, a tentativa do reclamado de infirmar a decisão recorrida com

premissas fáticas diversas esbarra no óbice instransponível da Súmula nº

126 do TST. Assim, não há que se falar em violação a texto de lei ou em

divergência de teses.105

Quando fica caracterizado que o vínculo empregatício é eventual, reconhecendo

assim, que o trabalhador é volante ou bóia-fria, o mesmo fica sem proteção, por

descaracterizar a figura de empregado.

105 Tribunal Superior do Trabalho, TST-RR-2782/2006-242-09-00.4, do Ministro Emmanuel Pereira, v.u.

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Valentin Carrion traz algumas ementas sobre a jurisprudência dos Tribunais

Trabalhistas:

– Bóia-fria. Contrato de trabalho. Para a configuração do contrato

de trabalho não se exige a prestação diária de serviços, basta que haja o

estado de subordinação (TRT-PR, 9.a R, RO 873/78, José Luiz M. Cacciari,

ac. 556/79, 5.4.79, DJPR 16.4.79).106

A simples circunstância de ter sido o autor registrado como empre-

gado do turmeiro, durante certo período, não afasta a responsabilidade da

fazenda se demonstrado resultou tratar-se de manobra tendente a fraudar a

aplicação da legislação trabalhista (TRT-SP, RO 131/84, Marcondes

Machado, Ac. 3.* T. 16.535/85)107.

– Enquadra-se como trabalhador rural o empregado que trabalha

na safra dos produtos a serem industrializados pela empresa, sendo-lhe

aplicável o disposto no art. 14 da Lei 5.889/73 (TRT-RS, RO 1.725/86,

Fernando Silva, Ac. 2.* T.).

– Relação de emprego — Trabalhador rural. A relação de emprego

no meio rural deverá ser observada sob o prisma dos costumes regionais,

princípios gerais do direito e a natureza do objeto do trabalho executado

pelo obreiro (TRT, 10.“ Reg., RO 2.392/86, Franklin de Oliveira, Ac. 2.*

T. 382/87).

– Trabalhador rural. Trabalho continuado em propriedade rural,

onde pontificam atividades de fim lucrativo, merece a proteção da Lei

5.889/73. Não é a destinação da propriedade mas a atividade nela

desenvolvida que conduz à identificação do vínculo empregatício (TRT,

10.“ Reg., RO 174/86, Câmara Portocarrero, Ac. 2“ T. 509/87)108

106CARRION, Valentin. Nova jurisprudência em direito do trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1982, p. 273. 107CARRION, Valentin. Nova jurisprudência em direito do trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1987, p. 464. 108CARRION, Valentin. Nova jurisprudência em direito do trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1988, p. 497.

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Com fundamento no entendimento de que para a configuração do contrato de trabalho

não se exige a prestação diária de serviços, basta que haja o estado de subordinação. É que a

Justiça do Trabalho tem entendido que os trabalhadores chamados bóias-frias, que exercem

atividade no corte de cana, na indústria canavieira, são empregados, e assim classificados;

deve-se enquadrá-los como empregados, de acordo com o artigo 11, letra a, da Lei 8.213/91,

pois seus empregadores são as Usinas de Cana de Açúcar, empresas.

4.4 Conceito de trabalhador rural volante no âmbito administrativo. A autarquia

previdenciária

No âmbito administrativo, a autarquia previdenciária, através da INSTRUÇÃO

NORMATIVA INSS/PRES Nº 45, DE 6 DE AGOSTO DE 2010 - DOU DE 11/08/2010, em

seu artigo 3º 109, reconhece o trabalhador rural volante, como segurado obrigatório.

Atenta-se para o artigo 3º, da IN 45/2010:

Art. 3º É segurado na categoria de empregado, conforme o inciso I do art.

9º do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº

3.048, de 6 de maio de 1999:

...

IV – o trabalhador volante, que presta serviço a agenciador de

mão-de-obra constituído como pessoa jurídica, observado que, na hipótese

do agenciador não ser pessoa jurídica constituída, este também será

considerado empregado do tomador de serviços (destaquei)

Já o Regulamento da Previdência Social – Decreto nº 3.048 - de 06 de maio DE 1999

- DOU de 7/05/1999110, repete os dizeres do art. 11, da Lei 8.213/91:

Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as

seguintes pessoas físicas:

I – como empregado:

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural a empresa, em

caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração,

inclusive como diretor empregado;

109 INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 45, DE 6 DE AGOSTO DE 2010 - DOU DE 11/08/2010,

artigo 3º. 110 - DECRETO Nº 3.048 - DE 06 DE MAIO DE 1999 - DOU DE 7/05/1999.

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......

V-como contribuinte individual:

j) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter

eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;

Em função didática, o Ministério da Previdência Social elaborou o “Manual de

Orientação da Previdência Social na Área Rural”111, que traz o entendimento no âmbito

administrativo, aduzindo que empregado rural é todo aquele que trabalha de forma não

eventual na atividade rural para empregador rural sob sua subordinação e mediante

remuneração. Confunde conceitos, pois se trabalha de forma não eventual, não pode ser bóia-

fria ou trabalhador volante. Logo, na realidade, o trabalhador volante, é considerado

empregado do tomador de serviço, sendo este equiparado a empregador, dono da terra,

arrendatário, dando uma característica própria para o conceito de empregador.

Sendo empregado, caberá, então, ao tomador do serviço (empregador lato sensu, o

recolhimento da contribuição previdenciária devida). No âmbito administrativo, reconhece-

se a existência do trabalhador volante, e se enquadra o mesmo como segurado empregado.

A Administração Previdenciária cria uma nova figura de empregado (surgindo assim

uma nova classificação, no inciso a, do artigo 11: empregado em stricto senso e trabalhador

eventual) por ato infralegal e Instrução Normativa, quando afirma que ambos – trabalhador

volante e agenciador – quando este não estiver constituído como pessoa jurídica- serão

considerados empregados, e, portanto, deverá o tomador de serviços recolher a contribuição

previdenciária devida pelo empregado. Uma visão pragmática, para um tentativa de resolver

este impasse, do trabalhador volante, considerando-o como empregado do tomador de

serviços.

Concluindo este capítulo, na análise crítica da jurisprudência, em especial o STJ, os

Tribunais Federais reconhecem o trabalhador rural volante, conhecido como bóia-fria, como

segurado da previdência social.

O Tribunal Regional Federal da Terceira Região, de maneira mais científica,

classifica-o com contribuinte empregado. O Superior Tribunal de Justiça não se preocupa

com esta classificação, e, muitas vezes, como no caso da 4ª Região, misturam conceitos, como

trabalhador rural em economia familiar e trabalhador rural volante.

111 Disponível em:

<http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/77/senar/2006/cidadania_rural.htm> Acesso em 18 de novembro

de 2013.

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O que preocupa os Tribunais é a situação de fato, o caso concreto, em dizer o Direito

e proteger o mais desvalido, o mais desfavorecido, na aplicação do princípio in dubio pro

misero. Não há preocupação com o custeio, ao se agir assim.

Passamos agora à sistematização e ao enquadramento do trabalhador bóia-fria.

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5 ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA DENTRO DO DIREITO

PREVIDENCIÁRIO

Uma vez equacionado o problema de que o bóia-fria, ou trabalhador volante, é

segurado da Previdência Social, apesar de, em alguns casos, não recolher a contribuição

previdenciária, conforme tem decidido a Jurisprudência, reiteradamente, sem se preocupar

com o custeio, pois a Jurisprudência cria a norma individual e concreta. Com isso ela confere

e reconhece que o trabalhador volante tem a proteção estatal; sendo, portanto, segurado da

previdência social, busca-se, visando ao não disvirtuamente do seguro social, mecanismos

que resolvam esta problemática de falta de recolhimento.

Mas, utilizando-se de um critério científico, deve-se buscar a classificação dos

segurados, e onde podemos inserir o bóia-fria nesta classificação.

5.1 Classificação dos segurados

Classificar é uma operação lógica. Serão dados alguns conceitos básicos das Teoria

das Classes, também denominada Teoria dos Conjuntos, com fundamentos nas lições de

Irving Copi112, Cesar A. Mortari113 e Vicente Ferreira da Silva114

Para entender-se o que é uma classe, deve-se partir do raciocínio de que os objetos

individuais isolados são conhecidos como indivíduos, têm-se as Classes que são os

agrupamentos desses objetos individuais em conformidade com determinada propriedade. As

classes são estudadas pela Lógica através da Teoria das Classes.

Em outras palavras, a Classe é o conjunto de indivíduos que preenchem alguns

requisitos de admissão e que fazem com que entre eles haja identidade em determinado

aspecto. É a liçao de Irving M. Copi.115

Deve-se deixar claro que a lógica admite que toda função proposicional que possua

uma variável livre represente uma classe, que terá por elementos somente os objetos que

satisfaçam a função proposicional dada. A classe que corresponde a esta função conterá, pois,

como elementos, todos os objetos possuidores da citada propriedade e nenhum outro. Desta

112 COPI, Irving M. Introdução à lógica. São Paulo: Editora Meste JOU, 3ª ed. 1981, p.140 e ss. 113 MORTARI, Cesar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora Unesp, 2001, p. 40 e ss. 114 SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica simbólica. São Paulo: Realizações Editora, 2009, p. 96 e ss. 115 COPI, Irving M. Introdução à Logica. São Paulo: Editora Meste JOU, 3ª ed. 1981, p.140.

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forma, a toda propriedade de objetos poderá corresponder a uma classe univocamente

determinada. Agora, também é verdade a recíproca: toda a classe pode assinalar uma

propriedade constituída exclusivamente pelos elementos da referida classe; a propriedade de

pertencer a ela. Por isso não é necessário, na opinião de muitos lógicos, distinguir os conceitos

de classe e propriedade; em outras palavras, uma “teoria de propriedades” em especial seria

desnecessária, sendo suficiente a teoria de classes.

Conforme Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano:

Classe : (...) Pode-se definir uma classe enumerando os membros que a

compõem (definição extensiva) ou indicando a propriedade comum de todos

os seus membros (definição intensiva), como quanto se fala “gênero

humano” ou dos “habitantes de Londres”. Russell considerou fundamental

a definição intensiva porque a extensiva pode ser reduzida a ele, sem que

ocorra o inverso.

Portanto, reduziu a C. a uma função proposicional (v.), ou seja, a

um predicado ou a um atributo. (grifos no original)”.116

Ao se tentar definir o que é subclasse e se as normas jurídicas são subclasses das

normas morais, também se as normas individuais são subclasses das normas gerais, a própria

teoria das classes traz a noção de subclasse, como sendo um conjunto inserto em outro

conjunto de maior dimensão, conjunto maior esse que abrange todos os elementos do

conjunto menor.

A classe envolve todos os elementos que compõem as subclasses nela insertas. Entre

duas classes arbitrárias K e L, podem existir diversas relações. Pode ocorrer, por exemplo,

que todo elemento da classe K seja, ao mesmo tempo, um elemento de classe L; dizemos,

então, que a CLASSE K é uma SUBCLASSE DA CLASSE L ou está incluída na CLASSE

L ou que tem a RELAÇÃO DE INCLUSÃO com a CLASSE L; e dizemos que a CLASSE L

inclui a CLASSE K como SUBCLASSE. Expressaremos com fórmula:

K c L ou L 3 K:

116 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 171.

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As normas morais e as normas jurídicas são subclasses da Classe “normas”, todavia,

são disjuntas. Da mesma forma, as normas individuais também não são subclasse das gerais,

todavia não é o caso de afirmar que são disjuntas e sim que elas se interseccionam, pois ambas

colhem o mesmo acontecimento no mundo, a diferença é que na norma geral esse

acontecimento é chamado de evento e na norma individual é fato, e produz seus efeitos.

Sintaticamente, as normas jurídicas e as normas morais formam classes disjuntas. Pelo

ponto de vista semântico, as normas morais e as normas jurídicas são classes cruzadas (veja-

se que a norma que prescreve: “não matarás” é tanto jurídica quanto moral).

Feita esta introdução de classes, podemos classificar a Seguridade Social como sendo

constituída pela Sáude, Assistencial Social, e Previdência Social, nos termos da Constituição

da República, nos termos do artigo 194, caput.

Temos o seguinte esquema lógico:

5.2 Seguridade Social

É um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde,

à previdência e à assistência social. Do ponto de vista lógico, a Previdência Social, é

subclasse da Seguridade Social. É organizada sob a forma de regime geral, de caráter

Seguridade Social

Assistênci

a Social Saúde

Previdência

Figura 1: Seguridade Social

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contributivo e de filiação obrigatória ou facultativa, observados critérios que preservem o

equilíbrio financeiro e atuarial.

É seguro social, visando cumprir o artigo art. 193, da Constituição Federal: A ordem

social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociail.

A base é o primado do trabalho, mas dentro desta subclasse, o que a caracteriza, e a diferencia

da outras sub classes (Saude e Assistência Social), é o regime contributivo.

Assim, como primeira grande classificação da Previdência Social, levando em

consideração os princípios constitucionais estudados, temos aqueles que são filiados ao

regime da Previdência Social, contribuindo para o seguro social, estando inseridos nesta

subclasse os dependentes destes segurados obrigatório e aqueles que não o são.

Esquematicamente representado assim:

E aqueles que trabalham e são filiados obrigatórios da Previdência; aqueles que não

trabalham, porém podem fazer a opção de serem segurados, estando neste conjunto os

segurados facultativo.

Dependentes dos

Segurados

Universo dos Não-

filiados – os que

não contribuem

Figura 2: Filiados da Previdência Social

Segurados que

contribuem

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Em tese, todos os que trabalham devem ser filiados, face ao princípio da

obrigatoriedade, representando os não filiados, embora trabalham, um conjunto vazio.

Porém, face a exigência do caráter contributivo, e ao mesmo tempo o primado do

trabalho, o artigo 11, da Lei 8.213/91, elenca aqueles que trabalham, sem a devida

classificação, de forma casuística , quem são os segurados obrigatórios.

Cabe a doutrina fazer esta classificação, frisando que classificações são, conforme

frisado por Vicente Ferreira da Silva, “meras ficções, meios usados pelo pensamento a fim

de unificar a infinita verdade dos Cosmos 117”.

Nesta diapasão, torna-se um desafio classificar o trabalhador rural volante,

uttilizando-se os instrumentos da Lógica, mas tarefa não impossivel. Passa-se a fazer a

classificação, considerando o artigo 11, da Lei 8.213/91.

Dentro do critério lógico, e atendendo a lição de Paulo de Barros Carvalho, que que

toda classe é susceptivel de ser dividida em outras classe118. Podemos classificar o trabalhador

como urbano ou rural. Mas levando em consideração que aqueles que trabalham são

segurados , em tese, da Previdência Social, classifica-se os empregados em duas classes: o

primeiro em sentido estrito, que tem vinculo trabalhista, propriamente dito, e na outra

117 SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica simbólica. São Paulo: Realizações Editora, 2009, p. 96 e ss. 118 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2013, 5ª

ed., p.119.

Previdência

Social

Filiados

Obrigatórios

Filiados

Facultativos

Figura 3: Conjunto dos integrantes da Previdência Social

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subdivisão, o trabalhador eventual que exerce sua atividade de forma continua, mas, para

tomadores de serviço diversos, inserindo neste quadro, o trabalhador volonte.

Referido enquadramento é perfeitamente possível dentro da Teoria da Argumentação

Jurídica, face às reiteradas decisões judiciais neste sentido. E, como já visto, do ponto de vista

do Direito Previdenciário, fundamental distinção é a classe dos segurados e não segurados.

Dentro da classe dos segurados, sobressai a classificação entre o segurado obrigatório

e facultativo, classificação esta que leva em consideração o custeio da Previdência Social. No

contexo dos segurados obrigatórios, que exercem atividade remunerada, temos o seguinte

esquema gráfico:

Trabalhador Eventual

Trabalhador

Eventual

Sentido

Stricto

Empregados

Domésticos

Trabalhadores

Avulsos Contribuintes

Individuais

Segurados

Especiais

Figura 4: Classificação dos segurados da Previdência Social

Empregados

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A propriedade comum que nos interessa é a qualidade de segurado, de todos os

membros, a definição intensiva. Isso está previsto no artigo 11, da Lei 8213/91.

Diante do quadro normativo do artigo 11, da Lei 8.213/91, é possível classificar os

trabalhadores rurais, nos seguintes termos:

a) empregado: artigo 11, I, “a” e “b” (rural temporário)

b) contribuinte individual: artigo 11, V, “a”: rural produtor rural com utilização de

empregados, titula de firma individual rural –(f), e a letra do inciso g: quem presta serviço de

natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego .

c) trabalhador avulso: inciso VI, do artigo 11: quem presta serviço, sem vínculo

empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra ou do

sindicato da categoria.

d) segurado especial: artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91. Em relação ao rural, trata-

se do pequeno produtor rural, que vive do seu trabalho no campo, a renda auferida com isso

é para a sua própria sobrevivência. A definição do segurado especial vem do Texto

Constitucional, em sua longa evolução, e foi detalhado na Lei de Beneficio (Lei 8.213) em

seu artigo 11, § 1o119 .

A classificação acima apontada é de fundamental importância para se aferir da

qualidade de segurado do trabalhador rural, junto a Previdência Social. Em relação ao

empregado quem tem que recolher a contribuição previdenciária devida, é o empregador.

Cabe ao mesmo a prova apenas do trabalho rural, nos termos do § 5º, do artigo 33, da Lei de

Custeio (Lei. 8.212/91)120:

O desconto de contribuição e de consignação legalmente

autorizadas sempre se presume feito oportuna e regularmente pela empresa

a isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se eximir do

recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que

deixou de receber ou arrecadou em desacordo com o disposto nesta lei

destaquei).

Doutrina Marly A. Cardone:

Conforme já indicamos, o empregador fica investido do poder-dever de

descontar da remuneração do empregado de 8% a 11 %, que deverá recolher

à instituição previdenciária. Assim, pelo simples lato de se ter formado, ope

legis, a relação de previdência social, o empregador, figura resultante do

contrato de trabalho, passa a ter um novo poder em relação ao empregado e

119 BRSAIL. Lei 8213/91, artigo 11, § 1o : “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que

o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico

do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de

empregados permanentes”. 120 BRASIL. § 5º, do artigo 33, da Lei de Custeio (Lei. 8.212/91).

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um dever em lace da entidade previdenciária.121

Em relação ao contribuinte individual, este deve recolher a contribuição

previdenciária, não bastando a mera atividade. É seu dever recolher a contribuição

previdenciária, nos termos da lei. Não o recolhendo, não fará jus a nenhum beneficio

previdenciário.

Em relação ao trabalhador avulso, deve a contribuição ser recolhida pelo Sindicato da

Categoria, ou do órgão gestor de mão de obra. Mas, trabalhador avulso, no meio rural, é raro.

Conforme leciona Miguel Horvath Júnior:

[...] são trabalhadores avulsos, dentre outros: o que exerce atividade

portuária de capazia, estiva, conferência e conserto de carga, vigilância de

embarcação e bloco; trabalhador de estiva de mercadoria de qualquer

natureza inclusive carvão e minério; o trabalhador em alvarenga

(embarcação para carga e descarga de navios), o amarrador de embarcação,

o ensacador de café, cacau e similares, o trabalhador da indústria de extração

de sal; o carregador de bagagem em porto, o prático de barra em porto

(pessoa que conhece os acidentes hidrográficos de determinada área e

conduz as embarcações por meio dessas áreas), o guindasteiro, o

classificador e o empacotador de mercadorias em porto122

Depreende-se assim, que praticamente não existe trabalhador avulso, no meio rural. É

um sistema de emprego mais utilizado na zona portuária. Mas a lei deixa aberta a

possibilidade de vir a ser utilizado este tipo de método de contratação no meio rural.

5.2 Classificação dos segurados - Posicionamento da doutrina e da jurisprudência

O conjunto é composto, pela subclasse dos segurados obrigatórios de um lado; na

outra subclasse, segurado facultativo. Aqui o elemento de identificação é o custeio da

Previdência Social: Quem contribui é segurado da Previdência Social.

São segurados obrigatórios todos que exercem atividade remunerada, de natureza

urbana ou rural, com ou sem vínculo empregatício, e podem ser divididos em subclasses:

empregado (esta sub classe dividida em empregado em sentido strito, e trabalhador eventual),

121 CARDONE, Marly A. Previdência social e contrato de trabalho-relações. São Paulo: Editora Saraiva, 2011,

2ª edição, p. 85. 122 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Dicionário, op. cit. p. 206.

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empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial. É o

rol do artigo 11, da Lei 8.213/91.

Conforme esquema lógico:

Marisa Ferreira dos Santos, leciona que:

O rol dos segurados obrigatórios na condição de empregados está contido

no inciso I, a a j, do art. 11 da Lei n. 8.213/91, e no art. 12,1, a a j, da Lei n.

8.212/91: a) Aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à

empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação (destaquei) e

mediante contribuição, inclusive como diretor empregado.

O art. 9o, § 4o, do RPS considera o serviço prestado em caráter não

eventual como aquele relacionado direta ou indiretamente com as atividades

normais da empresa.

O trabalhador rural foi incluído na categoria dos segurados

obrigatórios empregados. Não era assim no regime jurídico anterior à Lei n.

8.213/91, em que os rurícolas não eram segurados obrigatórios e, por isso,

tinham dificultada a proteção previdenciária.

.......

Especial atenção merece a situação dos trabalhadores rurais

denominados bóias- frias, até hoje excluídos do emprego formal. Para fins

previdenciários, a jurisprudência os tem qualificado como “segurados

empregados.123

Do ponto de vista lógico, surge , assim, uma nova classificação, sendo adicionado

mais um item, em relação ao trabalhador volante.

123 SANTOS, Marisa Ferreira. Direito previdenciário esquematizado. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 126-

127.

Empregados

Trabalhador

Eventual

Em

Sentido

Stricto

Figura 5: Classificação dos empregados

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Assim, nos termos do artigo 11, a classe dos segurados obrigatórios se subdivide em

cinco:

a) empregados (subdividido em empregado em sentido estrito, e trabalhador

eventual);

b) empregados domésticos;

c) contribuintes individuais;

d) trabalhadores avulsos;

e) segurados especiais.

Porém, face a toda orgumentação desenvolvida, dos princípios e das regras estudados,

corroborada pelas decisões da Jurisprudência, o item a, se subdivide.

a) Trabalhador empregado

b) Trabalhador eventual (exerce , na realidade, atividade laborativa de forma

continua, para si , e em relação ao tomador de serviços, de forma eventual)

Assim , classifica-se o trabalhador volante: trabalhador eventual que faz parte do sub

classe empregado, que esta comprendido no conjunto maior , de segurados obrigatórios,

exercentes de atividade remunerada:

Neste mesmo sentido, doutrina Wladimir Novaes Martinez:

O rurícola, conhecido como bóia fria, é empregado, convindo verificar, em

cada caso, para quem são prestados os seus serviços: se para o agenciado ou

pra o empreendedor rural. Em princípio, presumidamente, é para empresa

rural, e só na cisrcunstancia de o intermediário possuir idoneidade comercial

– hipótese rara – o vínculo se estabelece.

Caso o intermediário não detenha personalidade jurídica, entende a

Orientação Normativa SPS 2/4 que: ele e os trabalhadores são empregados

do tomador de serviços. Tal inteligência é simplificação de problema

complexo. O agenciador nem sempre se subordina ao proprietário da

fazenda.124

Há posicionamento doutrinário que classifica o bóia-fria como contribuinte

individual, posição esta que discorda-se nesta monografia:

Carlos Alberto Pereira de Castro e Joao Batista Lazzari, são desta corrente:

Boias-frias: trabalhadores volantes que são contratados por um

“agenciador” de mão de obra rural para fazer serviçoes típicos de relação de

124 MARTINEZ, Vladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. LTr, Tomo II, 2ª edição, 2003, p. 127.

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emprego rural; se o trabalho for de natureza não eventual e o agenciador não

estiver constituído como pessoa jurídica, entender-se-á o vínculo de

emprego com o tomador dos serviços, para fins de aplicação das normas de

arrecadação e benefícios, inclusive na condição de safrista (contratação por

prazo determinado); se a prestação laboral do bóia-fria for eventual, o

enquadramento previsto é o de contribuinte individual. 125

Como referido no Capitulo 4, a Jurisprudência não tem se preocupado em classificar o

trabalhador volante, se é como empregado, ou com contribuinte individual, ou ainda como

segurado especial. Pensa apenas em sua proteção, em ampará-lo, sem levar em consideração

a Ciência do Direito e a Metodologia Jurídica.

Interessante é o posicionamento do Juiz Paulo Ricardo de Arena Filho, quando foi

titular na Turma Nacional de Uniformização, ao julgar o PEDILEF 201072640002470, (DOU

20/09/2013 pág. 142/188), criando uma nova classificação, para o trabalhador volante:

segurado especial individual

O trabalho individual que possibilita o reconhecimento da qualidade

de segurado especial é, primeiramente, aquele realizado por produtor que

trabalha na propriedade em que mora e não possui família. Isso porque a

legislação não poderia prejudicar ou punir, de forma desarrazoada, aquele

que não pertence a grupo familiar algum, excluindo-o da possibilidade de

ser abrigado pelo Regime Geral de Previdência na qualidade de segurado

especial. Também se caracteriza como segurado especial individual o

trabalhador avulso, conhecido como “bóia-fria” ou “volante”, que

independentemente de não possuir produção própria, é absolutamente

vulnerável, encontrando proteção na legislação de regência. 126

Na realidade, o trabalhador rural volante, do ponto de vista dogmático, não pode ser

classificado como segurado especial por fugir totalmente a essa definição. É, conforme visto

acima, trabalhador eventual que faz parte do subclasse empregado, que está comprendido no

conjunto maior de segurados obrigatórios, por exercer atividade remunerada.

Face aos princípios constitucionais já delineados, e levando sempre em consideração

o princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se como acertada, a posição majoritária do

Tribunal Regional Federal da Terceira Região.

A posição majoritária do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, é no sentido de

reconhecer o trabalhador volante, como empregado, como tem feito a autarquia

previdenciária, no âmbito administrativo, conforme visto no tópico anterior.

125 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. LTr, São

Paulo: 5ª edição, p. 149. 126 Juiz Paulo Ricardo de Arena Filho, quando foi titular na Turma Nacional de Uniformização, ao julgar o

PEDILEF 201072640002470, (DOU 20/09/2013) p. 142/188.

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Neste sentido, já decidiu o preclaro Desembargador Walter do Amaral:

Verifica-se que a legislação previdenciária obrigou os contratantes do

lavrador diarista a recolherem as contribuições previdenciárias

correspondentes, em substituição ao trabalhador bóia-fria, certamente tendo

em vista as peculiaridades desta espécie de labor. V. Por essas razões,

mesmo no tocante ao labor posterior a 31-12-2010, não se exige do lavrador

diarista a comprovação do recolhimento de contribuições previdenciárias

para a obtenção de benefício previdenciário, uma vez que a legislação

atribuiu essa obrigação aos contratantes de seus serviços, cujo

descumprimento não pode prejudicar o trabalhador bóia-fria. VI. O

cômputo do labor do trabalhador rural diarista posterior a 31-12-2010, para

fins de aposentadoria por idade, requer tão somente a comprovação da

prestação de serviço de natureza rural, em caráter eventual, a um ou mais

contratantes. Admite-se a comprovação dessa circunstância mediante

apresentação de início razoável de prova material, corroborado por prova

testemunhal, conforme o disposto nos artigos 55, § 3º, 106 e 108 da Lei nº

8.213/91 e de acordo com jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal

de Justiça em circunstâncias análogas (AgRg no REsp n.º 1083346/PB,

Processo nº 2008/0195662-9, 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes, D: 27/10/2009,

DJe 16/11/2009).127

No mesmo sentido, agora como juíza, cumprindo seu mister de julgadora, e defensora

da aplicação dos desígnios Constitucionais, a Desembargadora Marisa Ferreira dos Santos já

decidiu que :

Quanto ao cumprimento do período de carência e à condição de segurado da

Previdência Social, os trabalhadores rurais que exerçam atividade na

qualidade de empregado, diarista, avulso ou segurado especial da

Previdência Social não necessitam comprovar o recolhimento das

contribuições previdenciárias, mas sim o exercício da atividade laboral no

campo por período superior a doze meses (arts. 39, 48, § 2º, e 143 da Lei

8.213/91). V - Era entendimento antigo que a atividade do "bóia-fria" não

caracterizaria relação de emprego formal, melhor se enquadrando às

disposições do art. 11, V, da Lei nº 8.213/91 (contribuinte individual),

obrigado a comprovar as contribuições. Porém, como o próprio INSS, na

regulamentação administrativa ON2, de 11.3.94, artigo 5º, "s" e ON8, de

21.3.97, considera como empregado o trabalhador volante (ou bóia-fria),

para fins de concessão de benefício previdenciário, deve ser assim

considerado, razão pela qual não lhe cabe comprovar o recolhimento das

contribuições previdenciárias, que constitui ônus do empregador, cabendo-

lhe, tão somente, a comprovação do exercício da atividade laboral no campo

por período equivalente ao da carência exigida por lei. 128

127 TRF3 – AC 00275587820124039999, 10ª Turma, Rel. Desembargador Walter do Amaral, v.u, j. em 12.03.

2013, in e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2013. 128 TRF3 – AC 00041332920014036112 ,9ª Turma, Rel. Desembargadora Marisa Santos, v.u, j. 28.02.2005 ,

in DJU DATA:20/04/2005.

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6 PROPOSIÇÃO DE ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR RURAL BÓIA-

FRIA

Para o enquadramento correto do trabalhador volante, parte-se das seguintes

premissas:

1. Tem-se como ponto de partida, o Artigo 193, da Constituição Federal: “A ordem

social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça

sociais.”129

2. A República Federativa do Brasil fundamenta-se aindam ressaltando o princípio da

dignidade da pessoa humana, e os valores sociais do trabalho

3. Dos objetivos fundamentais da República faz parte construir uma sociedade

solidária .

De posse destes fundamentos, e considerando que a Previdência Social é seguro

obrigatório, devendo ser incluídos, entre outros, todos aqueles que trabalham de um lado,

equalizando a necessidade do custeio e contribuição de cada participante, enquadra-se o

trabalhador volante como empregado: artigo 11, I, “a” e “b” (rural temporário), e nunca como

contribuinte individual, pois não presta serviços para empresas, e sim para diversas

propriedades rurais, que não podem ser consideradas empresas.

Foi enfrentada a questão do artigo 15, da Lei 8212/91, que dá o conceito de empresa,

mas, por maior que seja o elastério e amplitude que se dê, não pode fugir do conceito do

Código Civil atual. Pequenos fazendeiros, arrendatários e outros pequenos sitiantes, que são

tomadores de serviços, não se enquadram no conceito de empresa, sendo aberração jurídica a

alegada equiparação, para fins previdenciários, o parágrafo único do artigo 15, da Lei 8.212,

repetido no artigo 14, da Lei 8.213/91.

Com efeito, regime contributivo exigível no sistema previdenciário brasileiro,

(CF/88, art 201. caput) deve ser interpretado e orientados pelos principios elencados no item

2, como o princípio da solidariedade, a obrigatoriedade de filiação de todos aqueles que

exercem atividade laborativa, a uniformidade de tratamento entre trabalhadores rurais e

urbanos, balanceados de outro lado com a princípio da equidade da fonte de custeio, e com

a aplicação de um lado com a regra do mínimo existencial e da regra da contrapartida.

Chegar-se-á à conclusão de que os trabalhadores volantes são filiados obrigatórios à

129 BRASIL. Constiuição Federal. art. 193.

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Previdência Social.

Sua classificação foi desenvolvida no sentido de ser trabalhador eventual que faz parte

da subclasse empregado, que esta comprendido no conjunto maior, de segurados

obrigatórios, exercentes de atividade remunerada

Essa estrutura calcada na solidariedade e na igualdade tem como traços mais marcante

os ideais de universalidade e uniformidade. Já a uniformidade da Previdência Social

brasileira, a igualdade buscada pela Constituição, em termos de proteção social, é aquela que

busca promover equiparação na concessão de benefícios e serviços às populações urbanas e

rurais, estendendo aos trabalhadores rurais a proteção previdenciária já existente para os tra-

balhadores urbanos

Ocorre que a mencionada extensão do campo de aplicação da Previdência Social aos

trabalhadores rurais pressupõe não apenas a possibilidade de contribuição para a seguridade

social como condicionante para a cobertura previdenciária correspondente, mas todo um

processo de educação e cultura, para aqueles trabalhadores que desempenham suas atividades

rurais na mais pura informalidade e que se encontram distantes das informações que lhe são

caras, mesmo para reivindicar direitos assegurados por lei.

A melhor posição não é eximir o trabalhador volante da contribuição previdenciária,

mas sim, considerá-lo como trabalhador eventual que faz parte do subclasse empregado, que

está comprendido no conjunto maior: de segurados obrigatórios, exercentes de atividade

remunerada. Esse encargo deveria ser passado ao tomador de serviços, como se tem feito a

nível administrativo; já reconhecido pela Jurisprudência dominante.

Um caminho a trilhar é criar um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes a ser

gerido pela Receita Federal do Brasil, que possibilita ao tomador de serviços o recolhimento

da contribuição previdenciária do trabalhador volante, mesmo se este trabalhasse um

curtíssimo período, com incentivos fiscais ao Tomador, como isenção de Imposto de Renda,

como acontece com os empregadores domésticos. Deve-se, portanto, em pleno século XXI,

dispor dos meios tecnológicos disponíveis e aumentar a fiscalização; com isso a autarquia

previdenciária poderá cumprir seu mister, através agora da Receita Federal do Brasil.

Diante dessa argumentação, pode-se extrair a proposição de que o trabalhador rural

volante, comumente chamado de bóia-fria, faz jus aos benefícios por incapacidade, salário-

maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão e, independentemente do período em que

completar o requisito etário, aposentadoria por idade. Para tanto, deve, apenas, provar a

atividade rural; o recolhimento de contribuição para a seguridade social deverá ser feito pelo

tomador de seus serviços, cabendo à autarquia previdenciária, através da Receita Federal do

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Brasil, a fiscalização deste recolhimento, de molde a se assegurar ao mais hipossuficiente dos

rurícolas a satisfação de seu direito fundamental à previdência.

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CONCLUSÕES

O direito da seguridade social deve buscar a realidade: a previdência social formal é

inapta para cumprir sua finalidade de proteção da sociedade contra os riscos de subsistência

a que estão expostos seus integrantes mais vulneráveis. Cumpre ao intérprete do direito da

seguridade social a desafiadora missão de tornar efetiva a proteção previdenciária,

destacadamente aos trabalhadores que sempre foram e continuam sendo excluídos do raio de

preocupação do legislador ordinário.

A Jurisprudência tem cumprido o seu papel protetor, mesmo de forma atécnica,

fazendo justiça ao trabalhador volante, reconhecendo-o como segurado empregado, para fins

de Previdência Social. Por sua parte, a própria autarquia previdenciária encontra mecanismos

e enquadra o trabalhador volante, como segurado emprego.

Quando se toma em conta a realidade do campo, percebe-se que a via hermenêutica

que faz sopesar valores fundamentais de nossa Constituição é a única hábil a responder,

satisfatoriamente, as questões ligadas à sobrevivência dos que se encontram com a

subsistência ameaçada, sem que tal operação constitua rejeição aos mais caros valores de

nossa dogmática .

A solução, de lege ferenda, é criar um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes,

a ser gerido pela Receita Federal do Brasil, que possibilita-se ao tomador de serviços o

recolhimento da contribuição previdenciária desse trabalhador, mesmo se esse trabalhasse

um curtissimo período, com incentivos fiscais ao tomador, como isenção de Imposto de

Renda, como acontece com os empregadores domésticos.

Do ponto de vista lógico, classifica-se o trabalhador volante: trabalhador eventual que

faz parte do subclasse empregado, que está comprendido no conjunto maior, de segurados

obrigatórios, exercentes de atividade remunerada

Assim, tanto do ponto de vista humano como do legal e pecuniário, conclui-se pelo

enquadramento do trabalhador volante, como segurado da Previdência Social.

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