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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Renato Castro Teixeira Martins A MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA COMO TÉCNICA PARA COIBIR O ABUSO DO DIREITO NO PROCESSO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Doutor Donaldo Armelin. São Paulo - 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Renato Castro Teixeira Martins

A MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA COMO TÉCNICA PARA COIBIR O

ABUSO DO DIREITO NO PROCESSO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de MESTRE em Direito Processual

Civil, sob a orientação do Professor Doutor Donaldo

Armelin.

São Paulo - 2009

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BANCA EXAMINADORA:

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha filha Fernanda, que me mostrou

a verdadeira dimensão do amor. À minha mãe, Elisabeth, a quem devo tudo o

que sou. À Tatiana, minha esposa, que em todo momento, durante esta jornada,

me apoiou e me compreendeu. Ao meu irmão Ricardo, exemplo de caráter,

dignidade e perseverança. E à minha avó “Baíta”, meu anjo da guarda, pela

proteção.

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AGRADECIMENTOS

Ao amigo Petrônio Calmon Filho, pelo incentivo.

Aos amigos Paulo Hoffman e Leonardo Ferres da Silva

Ribeiro, que me encorajaram e mostraram que era possível, apesar da distância e

outras dificuldades.

Ao meu orientador, Professor Doutor Donaldo Armelin, por

ter me conduzido ao caminho certo neste trabalho e pelos preciosos

ensinamentos.

Aos Professores Cassio Scarpinella Bueno, Sérgio Shimura e

Antonio Carlos Mendes, pelas aulas brilhantes.

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RESUMO

Os estudos sobre o abuso do direito no plano processual, encontrados

na doutrina, abordam o tema destacando a punição da parte e o ressarcimento do prejudicado,

especialmente diante das hipóteses de litigância de má-fé.

A presente dissertação tem o objetivo de mostrar que a técnica da

manifesta improcedência deve ser utilizada como forma de coibir o abuso do direito no

processo, evitando, tanto quanto possível, a ocorrência de danos às partes, ressaltando a sua

característica inibitória.

A primeira parte do trabalho aborda o fenômeno da

constitucionalização do processo civil, analisando as garantias constitucionais que estão

diretamente ligadas ao tema deste estudo.

Na segunda parte, são examinadas as teorias sobre o abuso do direito,

bem como a sua incidência nos planos material e processual, no que diz respeito ao exercício

dos direitos de demandar e de defesa, inclusive por meio de recursos e incidentes processuais.

A terceira parte é dedicada ao estudo das diversas hipóteses de

manifesta improcedência que estão previstas no ordenamento processual civil brasileiro,

analisando-se os ensinamentos da doutrina e os entendimentos jurisprudenciais.

Ao final, defendemos a utilização da técnica da manifesta

improcedência em casos que não estão previstos expressamente no sistema.

Palavras-chave: Direito processual civil – modelo constitucional do processo – abuso do

direito – tutela jurisdicional – tutela da evidência – tutela inibitória – manifesta

improcedência.

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ABSTRACT

The studies on the abuse of the procedures in the law process, found in

the doctrine, are about punishment of the part and the indemnification of the injured part,

especially in face of the malicious abuse of legal process hypotheses.

The current paper aims to show that the technique of the so-called

impertinence must be used as a manner to restrain the abuse of the law in the process,

avoiding as much as possible injury to the parts and to Justice Administration, emphasizing its

restraining role.

The first part of the paper concerns the phenomena of the civil process

constitutionalization, analyzing the constitutional guarantees that are directly connected to the

theme of this study.

On the second part, the theories of law abuse are analyzed, as well as

their incidence on the material and procedural spheres concerning the law exercises of sueing

and defending, including appeals and procedural incidents.

The third part is dedicated to the study of many hypotheses of the so-

called impertinence that are present in the Brazilian civil process system, analyzing the

instructions of the doctrine and the understanding of the jurisprudence.

Finally, we defend the use of the technique of the so-called

impertinence in cases that are not explicitly seen in the system.

Key words: Civil procedural law, constitutional model of the process, law abuse, court

protection, evidence protection, restraint protection and the so-called impertinence.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9 Capítulo I – O MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO 1.1. A Constitucionalização do processo civil .............................................................. 11 1.2. Os direitos fundamentais .................................................................................... 12 1.3. A colisão de direitos fundamentais e a fórmula adequada para a superação ............ 14 1.4. O devido processo legal ....................................................................................... 18

1.4.1. O devido processo legal em sentido processual .............................................. 18 1.4.2. O devido processo legal em sentido material ................................................. 20

1.5. Isonomia ........................................................................................................... 23 1.6. Acesso à justiça e efetividade da tutela jurisdicional ............................................ 26 1.7. Contraditório ..................................................................................................... 31 1.8. Ampla defesa ...................................................................................................... 34 1.9. Duração razoável do processo .............................................................................. 35 Capítulo II – O RÉU E A TUTELA JURISDICIONAL EFETIV A E TEMPESTIVA 2.1. Considerações iniciais ......................................................................................... 45 2.2. Tutela jurisdicional ............................................................................................. 45 2.3. Tutela jurisdicional a favor do réu ....................................................................... 48 2.4. Efetividade e tempestividade também são direitos fundamentais do réu ................ 54 2.5. O direito fundamental à privacidade e a necessidade de evitar os danos causados ao réu pelas demandas manifestamente improcedentes .......................................................... 55 Capítulo III – O ABUSO DO DIREITO 3.1. O abuso do direito no plano material ................................................................... 63

3.1.1. Teoria negativista ........................................................................................ 63 3.1.2. Teorias afirmativo-subjetivas ....................................................................... 65 3.1.3. Teorias afirmativo-objetivas ......................................................................... 66 3.1.4. Teoria adotada pelo Código Civil de 2002 ..................................................... 67

3.2. O abuso do direito no plano processual ................................................................ 71 3.2.1. O abuso do direito de demandar ................................................................... 74 3.2.2. O uso abusivo das medidas cautelares ........................................................... 76 3.2.3. O abuso do credor na execução .................................................................... 77 3.2.4. O abuso do direito de defesa .......................................................................... 81 3.2.5. O abuso do direito de recorrer ......................................................................... 81 3.2.6. O abuso dos direitos do executado ................................................................. 84

Capítulo IV – A MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA BASEADA NA EVIDÊNCIA E A GARANTIA DA ISONOMIA 4.1. Considerações iniciais ......................................................................................... 87 4.2. A tutela antecipada com base na evidência do direito ........................................... 90 4.3. Tutela da evidência a favor do réu ....................................................................... 93

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Capítulo V – AS HIPÓTESES DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCI A PREVISTAS EXPRESSAMENTE NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO 5.1. Considerações iniciais ........................................................................................... 97 5.2. A improcedência prima facie do pedido ................................................................ 97

5.2.1. Ausência de lógica entre a narração dos fatos e a conclusão ........................... 97 5.2.2. Impossibilidade jurídica do pedido ................................................................ 99 5.2.3. Ilegitimidade de parte .................................................................................. 107 5.2.4. Falta de interesse de agir ............................................................................ 109 5.2.5. Prescrição e decadência ............................................................................... 111

5.2.5.1. Distinção entre os dois institutos ......................................................... 112 5.2.5.2. Pronunciamento liminar da prescrição ................................................. 115 5.2.5.3. Pronunciamento liminar da decadência ................................................ 121

5.2.6. Indeferimento da petição inicial com resolução do mérito nos casos repetitivos .. 122 5.2.7. Rejeição liminar do mandado de segurança ................................................. 129

5.2.7.1. Ausência de direito líquido e certo ....................................................... 129 5.2.7.2. Decadência ......................................................................................... 134

5.2.8. Rejeição liminar dos embargos manifestamente protelatórios ....................... 138 5.2.9. Rejeição liminar da ação de improbidade administrativa .............................. 144

5.3. Julgamento liminar do conflito de competência .................................................. 147 5.4. Exceção de incompetência manifestamente improcedente .................................. 148 5.5. Julgamento monocrático dos recursos manifestamente improcedentes ................ 154

Capítulo VI – OUTRAS HIPÓTESES DE MANIFESTA IMPROCE DÊNCIA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO 6.1. Considerações iniciais ....................................................................................... 162 6.2. Impugnação ao cumprimento de sentença manifestamente protelatória .............. 162 6.3. Exceção de impedimento ou suspeição manifestamente improcedente ................ 164 6.4. Impugnação ao valor da causa manifestamente improcedente ............................. 167 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 169 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 172

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INTRODUÇÃO A busca pela tutela jurisdicional tempestiva e efetiva tem sido uma

preocupação constante dos estudiosos do processo civil. Todavia, as reformas do Código têm

mostrado um legislador mais preocupado com o acesso ao Poder Judiciário e à ordem jurídica

justa, sob a perspectiva do autor, olvidando-se de um problema cada vez mais comum, qual

seja, o abuso do direito de demandar. Aproveita-se da morosidade e da falta de efetividade da

prestação jurisdicional, por exemplo, para a protelação do cumprimento de obrigações e

deveres.

Por outro lado, a má compreensão das garantias constitucionais do

contraditório e da ampla defesa dá margem a um crescente número de resistências

injustificadas a pretensões legítimas.

O procedimento do processo de conhecimento prevê vários incidentes e

recursos que, se usados abusivamente, causam indesejáveis retardamentos na marcha

processual e, consequentemente, geram o atraso da prestação jurisdicional.

Independentemente de serem alcançados os objetivos reprováveis pretendidos

com as demandas ou resistências abusivas, o que de fato se comprova é que a simples

tramitação do processo gera danos aos litigantes, de ordem moral e patrimonial, que são

reparados apenas parcialmente com a condenação do vencido ao pagamento dos encargos

decorrentes da sucumbência. Demais disso, demandas e defesas manifestamente

improcedentes geram desperdício de tempo daqueles que atuam na máquina judiciária e de

dinheiro do Estado.

A litigância de má-fé, bem como a multa e a indenização correspondentes são

temas recorrentes nos estudos dedicados ao abuso do direito processual. Contudo, cremos que

a tônica deva estar no estudo das técnicas de coibição do abuso, preferindo-se a tutela

inibitória à punitiva e ressarcitória.

O objetivo deste trabalho é o de analisar a técnica processual da manifesta

improcedência como forma de coibir o abuso de demandas, recursos e incidentes manejados

sem fundamentação razoável, apenas com o objetivo de tentar alcançar vantagens indevidas

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ou provocar o retardamento da marcha processual, causando atrasos na prestação da tutela

jurisdicional.

Esperamos, assim, provocar a reflexão sobre temas de extrema importância

para o processo civil, não só no campo dogmático, mas também para auxiliar na resolução dos

problemas enfrentados no dia a dia do foro.

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Capítulo I – O MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO. 1.1. A Constitucionalização do processo civil.

O entendimento predominante no pensamento jurídico aponta a Constituição

como uma norma suprema, ou seja, de categoria máxima dentro de determinado ordenamento.

Porém, o simples fato de a Constituição ser a norma de mais alto grau em nada a diferencia da

norma superior de um ordenamento jurídico autoritário.1 Assim, a Constituição deve ser o

resultado de um processo democrático, de forma que o princípio da soberania popular apareça

como característica essencial para distingui-la da lei básica de um ordenamento autoritário.2

Por outro lado, pode afirmar-se, sem dúvidas, que atualmente estão superadas

as correntes que reduziam as Constituições a simples programas políticos. As Constituições

não são meros documentos limitados a descrever as diversas funções do Estado, a organização

dos seus Poderes e a consagrar princípios sem relevância e alcance práticos. Ao contrário, as

normas constitucionais devem ser efetivas, sendo esta a maior preocupação do

constitucionalismo moderno.

Os princípios possuem caráter normativo e, portanto, são dotados de

impositividade. Conforme ressaltado por J. J. GOMES CANOTILHO, “o direito do estado de

direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos;

o direito do estado constitucional democrático e de direito leva a sério os princípios, é um

direito de princípios”.3 E continua: “o tomar a sério os princípios implica uma mudança

profunda na metódica de concretização do direito e, por conseguinte, na actividade

jurisdicional dos juízes”. Vale ressaltar que, especificamente, no que diz respeito aos

princípios que envolvem direitos fundamentais, a Constituição Federal, no art. 5°, § 1°,

determina que as suas normas definidoras tenham aplicação imediata.

1 Cf. LAPORTA, Francisco J.. Norma básica, constitución y decisión por mayorías, in Constitución: problemas filosóficos – LAPORTA, Francisco J. (coord.). – Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales del Ministerio de la Presidencia, 2003, p. 75. 2 Idem, ibidem, p. 84. A advertência e a conclusão são baseadas na Constituição Espanhola, de acordo com o que determina o seu art. 1.2, verbis: “La soberania nacional reside en el pueblo español, del que emanam los poderes del Estado”. Portanto, encaixa-se perfeitamente ao sistema brasileiro, pois a nossa Constituição prevê, no art. 1°, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 3 A ‘principialização’ da jurisprudência através da Constituição. RePRO 98, abril-junho/2000, p. 84.

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A eficácia direta das normas constitucionais impõe aos juízes o dever de

aplicá-las nos casos que lhes são apresentados, independentemente da existência de normas

infraconstitucionais que lhes deem operacionalidade. Daí, surge a importância da

constitucionalização do processo, elevando à categoria de normas constitucionais os seus

princípios mais relevantes, forjando aquilo que a doutrina denomina de “modelo

constitucional do processo”, que apresenta as seguintes características básicas: a)

expansividade, consistente na sua idoneidade (decorrente da posição primária da norma

constitucional na hierarquia das fontes) para condicionar a fisionomia singular dos

procedimentos jurisdicionais introduzidos pelo legislador ordinário, que devem ser

compatíveis com as características desse modelo; b) variabilidade, que consiste na aptidão

das figuras processuais assumirem formas diversas, a fim de se adequarem a esse modelo, de

acordo com os objetivos particulares do caso concreto; e c) perfectibilidade, determinando o

aperfeiçoamento da legislação infraconstitucional para a construção de procedimentos

caracterizados por esse modelo, observando os seus princípios (economia processual,

contraditório, igualdade, coisa julgada etc.). 4

Ressalte-se também que a constitucionalização dos princípios processuais

impede o legislador de editar normas que os contrariem, especialmente quando erigidos à

categoria de direitos fundamentais.

A análise sobre a origem e, consequentemente, a legitimidade da Constituição

extrapola os objetivos deste trabalho, razão pela qual nos limitaremos a verificar a questão da

efetividade das normas constitucionais e analisar aquelas que estão diretamente ligadas ao

tema central deste estudo: a manifesta improcedência no processo civil brasileiro.

1.2. Os direitos fundamentais.

A doutrina não é unânime sobre o conceito de direito fundamental, sendo

habitual o uso das expressões direitos fundamentais e direitos humanos como sinônimas.5

4 Cf. ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. I Fondamenti constituzionali della giustizia civile: il modelo constituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli editore, 1.999, p. 9; e MORELLO, Augusto M. El proceso justo. – Buenos Aires: LEP, 1994, p. 63. 5 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 39.

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Merece destaque a tese de que “os direitos humanos referem-se ao ser humano

como tal (pelo simples fato de ser pessoa humana), ao passo que os direitos fundamentais

(positivados nas Constituições) concernem às pessoas como membros de um ente público

concreto”.6 De acordo com esta lição, portanto, os direitos fundamentais são apenas aqueles

previstos expressamente na Constituição Federal, ao passo que os direitos humanos podem ser

encontrados também – mas não só – em normas de direito internacional.

A importância dessa distinção reside no fato de que “a eficácia (jurídica e

social) dos direitos humanos que não integram o rol dos direitos fundamentais de determinado

Estado depende, em regra, da sua recepção na ordem jurídica interna e, além disso, do status

jurídico que esta lhe atribui, visto que, do contrário, lhes falta a necessária cogência”.7

Contudo, não se pode negar importância aos direitos humanos (ou

fundamentais, para quem não os diferencia) que não estão expressamente previstos no

ordenamento jurídico interno, estrangeiro ou internacional, seja porque nunca foram

positivados, seja porque estavam previstos em ordenamentos jurídicos do passado e que não

estão mais em vigor. Conforme adverte ROBERT ALEXY, “las teorías histórico-jurídicas y

las teorías de los derechos fundamentales de otros Estados pueden, dentro del respectivo

marco de la interpretación histórica y de la interpretación comparativa, jugar un papel

importante en la interpretación de los derechos fundamentales de la Ley Fundamental”.8

Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, conforme se

depreende, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, do § 1°, do art. 5°, da Constituição

Federal, verbis: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata”.

Dizer que essas normas têm aplicação imediata não é suficiente. Além da

aptidão imediata para a produção de efeitos, é essencial que elas realmente os produzam. Em

outras palavras, não basta serem dotadas de eficácia. É indispensável que as normas

definidoras de direitos fundamentais tenham efetividade. “A efetividade significa, portanto, a

realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a

6 Idem, ibidem, citando a lição de O. Höffe. 7 Idem, ibidem, p. 40-41. 8 Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 28.

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materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão

íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.9

Os direitos fundamentais não se limitam à função de defesa do indivíduo contra

atos do poder público (dimensão subjetiva), mas também representam valores que direcionam

condutas do Estado em todas as suas esferas de atuação: legislativa, executiva e judiciária

(dimensão objetiva).10 Aqueles são denominados direitos de defesa e estes, direitos a ações

positivas ou direitos a prestações.11

1.3. A colisão de direitos fundamentais e a fórmula adequada para a superação.

De acordo com a classificação de ROBERT ALEXY, amplamente difundida na

doutrina, o ordenamento jurídico é formado por normas, que descrevem o dever-ser. As

normas se dividem em regras e princípios, ambos formulados mediante a utilização das

expressões deônticas básicas permissão e proibição.12

Depois de destacar os diversos critérios de distinção entre regras e princípios,

ALEXY afirma que o ponto decisivo para a distinção entre ambos consiste em que os

princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro

das possibilidades jurídicas e reais existentes. Assim, os princípios são mandados de

otimização, caracterizados pela possibilidade de serem cumpridos em diferentes graus e de

que a medida devida de seu cumprimento depende não apenas das possibilidades reais como

também das jurídicas.13

As regras, por outro lado, são normas que somente podem ser cumpridas ou

não, de forma que, se elas são válidas, então deve ser feito exatamente o que elas determinam,

nem mais nem menos.14

9 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003, p. 248. 10 Cf. SARLET, Ingo W. op. cit., p. 168. 11 Cf. ALEXY, Robert, op cit., p. 189 e 194. 12 Op. cit., p. 83. 13 Idem, ibidem, p. 86. 14 Idem, ibidem, p. 87.

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Partindo-se desses conceitos, extrai-se a conclusão de que, diante de uma

situação concreta, a incidência de um princípio não afasta necessariamente a aplicação de

outro, conquanto se verifiquem graus de incidência diversos. Com relação às regras, tem-se

que a incidência de uma, automaticamente, afasta a aplicação de outra. Daí, porque aquele

autor refere-se a essas antinomias utilizando-se de duas expressões distintas: colisão de

princípios e conflito de regras.

A Constituição Federal descreve os direitos fundamentais utilizando-se da

espécie normativa princípios.15 Daí, a importância da análise das formas de solução para a

colisão de princípios que se verifica diante de determinado caso concreto.

Três são os critérios tradicionalmente utilizados para resolver as antinomias

normativas: o hierárquico, em que a norma superior afasta a incidência da inferior; o

cronológico, pelo qual a lei posterior revoga a anterior; e o da especialidade, que determina o

afastamento da norma geral diante de uma especial.16 Os dois primeiros incluem-se no terreno

da produção jurídica e o terceiro no da pura e simples interpretação.17

Algumas antinomias podem ser verificadas no plano abstrato, ou seja,

aparecem independentemente da análise de um caso concreto. São as denominadas antinomias

internas, próprias do discurso de validade. Por outro lado, outras somente são detectadas

diante de um caso concreto e podem ser chamadas de antinomias externas ou contingentes,

que são próprias do discurso de aplicação. Esta última espécie aparece quando estamos na

15 Segundo ALEXY, as normas que descrevem direitos fundamentais são normas de caráter duplo: “El hecho de que, a través de las disposiciones iusfundamentales, se estatuyan dos tipos de normas, es decir, las reglas y los principios, fundamenta el carácter doble de las disposiciones iusfundamentales. El que las disposiciones iusfundamentales tengan un carácter doble no significa que también lo compartan las normas iusfundamentales. Por lo pronto, ellas son reglas (por lo general, incompletas) o principios. Pero, se obtienen normas iusfundamentales de caráter doble si se construye la norma iusfundamental de forma tal que en ella los dos niveles estén ensamblados. Una vinculación tal de ambos niveles surge cuando en la formulación de la norma iusfundamental se incluye una cláusula restrictiva referida a principios y, por lo tanto, sujeta a ponderación. (…) No basta concebir a las normas de derecho fundamental sólo como reglas o sólo como principios. Ambas pueden reunirse en una norma de derecho fundamental con carácter doble” (op. cit., p. 135-138). 16 Cf. SANCHÍS, Luis Prieto. El Juicio de Ponderación Constitucional. Em Constitución: problemas filosóficos (coord. Francisco J. Laporta). – Madrid: Ministerio de la presidencia / Secretaría General Técnica – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 222. 17 Cf. GUASTINI, Ricardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 233-235. O autor destaca, ainda, outro critério no terreno da interpretação, qual seja o da interpretação conforme: “A antinomia pode ser resolvida adotando uma interpretação conforme. Suponhamos que uma dada disposição D seja suscetível de duas interpretações alternativas: entendida no primeiro modo, ela exprime a norma N1; entendida no segundo modo, ela exprime a norma N2. Suponhamos, ademais, que a norma N1 esteja em conflito com uma outra norma do ordenamento, N3. Ora, resolve-se – ou melhor, previne-se a antinomia – simplesmente interpretando D no sentido N2, antes de no sentido N1” (idem, ibidem, p. 234).

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presença de direitos incondicionados, mas que podem ser afastados diante de determinadas

circunstâncias,18 justamente o que ocorre com os direitos fundamentais.

Nesses casos, aqueles critérios tradicionais são inadequados para a solução da

antinomia. Os critérios cronológico e hierárquico “se mostram inservíveis quando a antinomia

se produz dentro de um mesmo documento legislativo, pois todos seus preceitos são

perfeitamente contemporâneos e gozam do mesmo nível hierárquico”.19 Por outro lado, o

critério da especialidade também não se mostra satisfatório, pois este pressupõe “que a

descrição da condição de aplicação apareça explícita”,20 o que não ocorre com aquela espécie

de direitos.

Diante dessas premissas, LUIS PRIETO SANCHÍS conclui pela utilização do

critério de ponderação para a solução da antinomia verificada entre princípios: “Aquí la

ponderación es necesaria porque la determinación de la medida o grado de cumplimento del

principio que resulta exigible en cada caso depende de distintas circunstancias y, en particular,

de la presencia de otros principios en pugna.” 21

Ponderar princípios em colisão significa verificar, diante das circunstâncias do

caso concreto, qual deles deve prevalecer com maior peso, sem, necessariamente, excluir a

incidência de outro(s). Ao contrário, outro(s) princípio(s) também pode(m) incidir nesse

mesmo caso, contudo com menor intensidade. Outrossim, diante de outro caso onde apareçam

circunstâncias distintas, é possível haver uma inversão: aquele que incidira com maior peso

passa a incidir com menos intensidade e vice-versa.

A ponderação de princípios deve ser feita, segundo ALEXY, mediante a

utilização da regra da proporcionalidade, com suas três regras parciais, quais sejam: a)

adequação, em que se busca a exata correspondência entre meios e fins; b) necessidade, que

determina a escolha do meio mais benigno; e c) proporcionalidade em sentido estrito, ou seja,

verificação do peso dos interesses opostos.22

18 Cf. SANCHÍS, Luis Prieto, op. cit., p. 223-224, inclusive citando a lição de J.J. Moreso. 19 Idem, ibidem, p. 222. 20 Idem, ibidem, p. 225. 21 Idem, ibidem, p. 225. 22 Op. cit., p. 111-112.

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Deve ser ressaltado, ainda, que não existem princípios absolutos, ou seja,

princípios que, em nenhum caso, possam ser afastados por outros. Se assim fosse, deveria ser

modificada a própria definição de princípio.

Sobre o assunto, ALEXY adverte que os princípios podem dizer respeito a

bens coletivos ou direitos individuais. Se um princípio for absoluto e refere-se a um bem

coletivo, então as normas de direito fundamental não podem fixar-lhe nenhum limite jurídico.

Dessa forma, até onde vai o princípio absoluto, não pode haver direitos fundamentais. De

outro lado, se o princípio absoluto tem relação com os direitos individuais, sua falta de

limitação jurídica leva à conclusão de que, em caso de colisão, os direitos de todos os

indivíduos fundamentados naquele princípio devem ceder frente ao direito individual

lastreado no mesmo princípio, o que representa uma contradição.23

Nesse sentido, destacamos o seguinte trecho do voto do Ministro CELSO DE

MELLO, proferido num julgamento em que se discutiam os limites de investigação das

Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs):

(...) Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das liberdades públicas, uma vez respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. (...) O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerando o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.24

Em outro caso, onde se discutiu a utilização de interceptações telefônicas como

provas em procedimento administrativo, emprestadas de uma ação penal, o Ministro CEZAR

PELUSO ressaltou que “(...) a preservação do sigilo cede ao interesse estatal, ao interesse da

sociedade, em casos excepcionais”, concluindo pela licitude de tal procedimento.25

23 Op cit., p. 106. A Constituição Federal, inclusive em abstrato, deixa bem claro que não há direitos fundamentais absolutos, pois prevê a possibilidade de pena de morte – contra o direito à vida – no caso de guerra declarada (art. 5°, XLVII, a). 24 MS n° 23.452-1/RJ, DJ 12.5.00, p. 20. 25 STF, INQ-QO 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 24.8.07, p. 55.

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Conforme será demonstrado neste estudo, a correta utilização da técnica

processual da manifesta improcedência revela a ponderação entre diversos direitos

fundamentais, não apenas aqueles que incidem sobre o processo.

1.4. O devido processo legal.

De acordo com o art. 5°, LIV, da Constituição Federal, “ninguém será privado

da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O devido processo legal é o

princípio fundamental do processo civil e representa a base que sustenta os demais princípios.

Em outras palavras, é o gênero do qual todos os outros princípios são espécies.26

A doutrina costuma apontar a origem desse princípio no due processo of law

do direito inglês, que deita suas raízes na Magna Carta de João sem Terra, do ano de 1215,

conquanto se referisse à law of the land.27

Contudo, há registros de que a verdadeira origem desse princípio estaria no

Decreto Feudal Alemão de 1037, editado pelo rei Conrado II, fundador da dinastia franca

(1024-1125), que, à época, buscava a simpatia dos pequenos proprietários feudais, cavaleiros

e oficiais administrativos, como forma de auxiliar a sua manutenção no poder. Conforme

dispunha a principal regra desse Decreto, nenhum homem seria privado de um feudo sob o

domínio do Imperador ou de um senhor feudal, senão pelas leis do Império e pelo julgamento

de seus pares, o que teria sido simplesmente copiado na Carta Magna Inglesa de 1215.28

1.4.1. O devido processo legal em sentido processual.

A Constituição Federal não definiu expressamente os contornos do devido

processo legal. Em sentido processual, podemos dizer que essa garantia engloba todas as

demais garantias constitucionais aplicáveis ao processo.29

26 Cf. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8a ed. – São Paulo: RT, 2004 (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21), p. 60. 27 Idem, ibidem, p. 61. 28 Cf. PEREIRA, Ruitemberg Nunes. O princípio do devido processo legal substantivo. Rio: Renovar, 2005, p. 17-20. 29 Cf. NERY JUNIOR, Nelson, op. cit., p. 70.

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Assim, o devido processo legal em sentido processual garante ao cidadão o

direito de ser julgado por um órgão judicial imparcial, previamente determinado, de acordo

com as regras de competência, em processo público, com ampla possibilidade de defesa e

participação, onde são vedadas as provas obtidas por meios ilícitos e a decisão deve ser

fundamentada. Além disso, deve ser observada a isonomia de tratamento em relação à parte

contrária e o procedimento deve se desenvolver em tempo razoável.

Apesar da desnecessidade de previsão expressa de todos os direitos

fundamentais que compõem o devido processo legal, a opção do legislador constituinte deve

ser aplaudida, pois a enumeração prevista no texto constitucional não apenas revela o

conteúdo mínimo do princípio, como também impede que o legislador infraconstitucional

venha a mitigá-lo, revelando a importância da constitucionalização do processo civil.

Segundo HUMBERTO ÁVILA,

sendo o “devido processo legal procedimental” um princípio que exige a realização de um estado ideal de protetividade de direitos, sem, no entanto, indicar os comportamentos cuja adoção irá contribuir para a promoção gradual desse ideal, tem a função de criar os elementos necessários à promoção do ideal de protetividade (função integrativa), interpretar as regras que já prevêem elementos necessários à promoção do ideal de protetividade (função interpretativa) e bloquear a eficácia das regras que prevêem elementos que são incompatíveis com a promoção do ideal de protetividade (função bloqueadora).30

Enfim, a garantia do devido processo legal é essencial para assegurar ao

cidadão o que AUGUSTO M. MORELLO chama de modelo constitucional de processo justo,

onde o contraditório aparece como elemento essencial.31

30 O que é “devido processo legal”? RePRO n° 163, setembro/2008, p. 57-58. 31 El proceso justo. – Buenos Aires: LEP, 1994, p. 55-56. O autor, citando Gerrmán J. Bidart Campos, afirma o seguinte: “Quizás convenga recordar que ‘el debido proceso legal adjetivo’, con rasgos más acentuados en el juicio penal significa que: ‘a) ningún justiciable puede ser privado de un derecho sin que se cumpla un procedimiento regular fijado por al ley; b) ese procedimiento no puede ser cualquiera sino que debe ser debido; c) para ‘el debido’ tiene que dar suficiente oportunidad al justiciable para participar con utilidad en el proceso; d) esa oportunidad requiere tener noticia fehaciente ‘o conocimiento’ de la causa y de cada uno de sus actos y etapas, poder ofrecer y producir prueba, gozar de audiencia, ser oído’. (…) Y, agregamos, sin que obstáculos o impedimentos procesales interiores (levantados en el curso del trámite) le obsten a ejercer realmente los actos y actividades en los que, en tiempo propio, se manifiesta el ejercicio efectivo de la defensa. (…) Claro es que la elaboración de una concepción general del debido proceso – regulada y que se ciñe principios comunes (desde cualquier jurisdicción que se la visualice (…) es la que concita la posición de la doctrina, pues en el núcleo del principio del contradictorio (decir y contradecir), conocer antes de juzgar, el alma que anima y recorta acabadamente el concepto del debate dialéctico en paridad de ‘ser escuchado’ y de ‘defender-se’ con eficaz proposición de alegaciones (o postulaciones, argumentos, pruebas y recursos), se van desgranando las notas y el perfil del due process of law: la construcción dogmática y también ideológica del proceso justo constitucional”.

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1.4.2. O devido processo legal em sentido material.

O devido processo legal não incide apenas sobre o aspecto processual, mas

também atua no que diz respeito ao direito material, surgindo o que se convencionou chamar

de devido processo legal em sentido material ou substancial, que garante proteção ampla a

todos os direitos fundamentais.

Além disso, este princípio não está ligado apenas ao processo, no âmbito da

função jurisdicional, mas também às demais atividades estatais: legislativa e executiva. O

devido processo substancial refere-se à atuação do Estado de acordo com as opções políticas

determinadas na Constituição Federal, confundindo-se com o próprio Estado Democrático de

Direito.32

O substantive due process origina-se do exame da questão dos limites do poder

governamental feito pela Suprema Corte norte-americana no final do século XVIII,

concluindo que os atos normativos – legislativos ou administrativos – que ferirem os direitos

fundamentais ofendem o devido processo legal, devendo ser nulificados pelo Poder

Judiciário.33

Trata-se de um importante instrumento de defesa dos direitos fundamentais

para controlar o arbítrio do Legislativo e a discricionariedade governamental, por meio do

qual se procede ao exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality)

das normas jurídicas e dos atos do Poder Público.34

Todavia, não é fácil traçar os contornos do que seja razoabilidade. LUÍS

ROBERTO BARROSO, com base na lição de vários doutrinadores, afirma que

o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, suponde equilíbrio,

32 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, 1. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 106. 33 Cf. NERY JUNIOR, Nelson, op. cit., p. 67. 34 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003, p. 219, citando V. Siqueira Castro.

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moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.

O subjetivismo que gira em torno do conceito de razoabilidade é essencial para

que as soluções possam ser dadas de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sempre

com o objetivo de alcançar a verdadeira justiça, que não necessariamente surge como

resultado da observância das normas procedimentais da atuação do Estado. Deve ser

verificada, no caso concreto, a adequação entre os meios utilizados e os fins almejados.

Por outro lado, o subjetivismo do conceito impõe maior responsabilidade para

o órgão decisório e incrementa a relevância da fundamentação das decisões.

Alguns doutrinadores, ao tratarem do devido processo legal substancial,

preferem utilizar a expressão proporcionalidade para traçar os limites de atuação do Poder

Público.35 Segundo JORGE MIRANDA, “o juízo de proporcionalidade revela-se um juízo

jurídico, assente na correcta interpretação das normas e na adesão aos fins que lhe subjazem; e

que atende, na sua aplicação, à diversidade de objectivos, de situações e de interesses em

presença. Não é um juízo meramente cognoscitivo; com ele, cura-se de uma funcionalidade

teleológica, não de qualquer funcionalidade lógica ou semântica”.36

A proporcionalidade compõe-se de três subprincípios: a) necessidade, que

supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha

intervenção ou decisão; b) adequação, no sentido de que a providência tomada se mostra

adequada ao fim almejado pela norma, ou seja, significa a correspondência entre os meios e

os fins; e c) racionalidade ou proporcionalidade em sentido estrito, que implica a justa

35 Sobre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Gisele Santos Fernandes Góes ressalta “a inquietação da doutrina apartada entre os que concebem os princípios de modo distinto e os que acreditam que os termos são sinônimos e essa discussão constitui mero preciosismo” (Princípio da proporcionalidade no processo civil. – São Paulo: Saraiva, 2004, p. 55). A autora, citando vários doutrinadores, aponta as diferenças entre ambos no que diz respeito à origem, ao dimensionamento, à função e ao método de ponderação dos interesses. Merece destaque a distinção feita em relação à função: “a razoabilidade se esgota na função de bloqueio. Bloqueio do que é inaceitável ou arbitrário. Logo, considera-se o princípio em si mesmo, possuindo função negativa, na esteira do estabelecimento do que é inadmissível. A proporcionalidade é detentora da função de bloqueio, mas também incorpora a de resguardo na materialização da melhor medida possível dos direitos fundamentais. Esse aspecto demonstra a sua função positiva. Portanto, possibilita o conhecimento na sua relação com os demais princípios e regras do sistema jurídico” (ibidem, p. 62-63). 36 Manual de Direito Constitucional. Tomo IV: Direitos fundamentais. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 207.

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medida da atuação estatal, exigindo uma correta avaliação quantitativa e qualitativa da

providência tomada.37

É importante registrar que o devido processo legal substancial fundamenta-se

nos princípios da liberdade e igualdade – elementos essenciais do Estado Democrático de

Direito –, e não apenas na garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF),

de forma que poderia ser extraído do sistema constitucional mesmo se esta última não

estivesse expressamente prevista na Constituição de 1988. As Constituições brasileiras

anteriores a esta não continham previsão expressa daquela garantia, mas as exigências de

proporcionalidade e razoabilidade já vinham sendo aplicadas.

Assim, o uso da expressão “devido processo legal substancial”, como

equivalente a “devido processo legal” é triplamente inconsistente: em primeiro lugar, porque

dá a entender que o fundamento normativo da proporcionalidade e da razoabilidade é o

dispositivo constitucional relativo ao “devido processo legal”, quando, na verdade, o

fundamento encontra-se na positivação dos princípios de liberdade e igualdade,

conjuntamente com as finalidades estatais; em segundo lugar, porque a proporcionalidade e a

razoabilidade também são aplicadas fora do âmbito processual, razão pela qual perde sentido

o uso da expressão “devido processo legal substancial” para representá-las; em terceiro lugar,

porque o “devido processo legal substancial”, se compreendido como os deveres de

proporcionalidade e de razoabilidade, leva ao entendimento de que estes não estão presentes

no “devido processo legal procedimental”, quando, na verdade, servem para a sua própria

configuração como processo adequado ou justo.38

No âmbito do direito processual civil, o princípio da razoabilidade ou da

proporcionalidade encontra campo vasto de incidência,39 especialmente em razão da

constitucionalização do processo, como forma de garantir ao cidadão não apenas o acesso

formal ao Judiciário, mas também e, principalmente, a tutela jurisdicional efetiva e

tempestiva.

37 Idem, ibidem. 38 Cf. ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 56. 39 GISELE GÓES aponta, dentre outras, as seguintes hipóteses: liminares nas ações cautelares, no mandado de segurança e nas antecipações de tutela; ordem preferencial da penhora e princípio do menor gravame para o executado; relativização da coisa julgada; petição inicial inepta e princípio da congruência; litigância de má-fé; nulidades do processo; tutela específica e a cláusula aberta do art. 461, § 5°, do CPC etc. (Princípio da proporcionalidade no processo civil. – São Paulo: Saraiva, 2004, p. 117 e ss.).

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1.5. Isonomia.

O princípio da igualdade (isonomia) está previsto no art. 5°, caput, da

Constituição Federal, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza (...)”. A doutrina costuma destacar, lembrando a lição de Aristóteles, que a

igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das

suas desigualdades.40 E isto é perfeitamente aplicável ao processo judicial.

De fato, há peculiaridades verificadas no processo, seja no que diz respeito à

posição ocupada pelas partes na relação processual, seja no tocante à própria parte

considerada em si mesma, que determinam o tratamento formalmente desigual. Conforme

ressaltado pela doutrina, “a aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do

processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe

tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a

igualdade substancial”.41

Assim, a Fazenda Pública e o Ministério Público possuem prazo em quádruplo

para contestar e em dobro para recorrer (CPC, art. 188), sem que essa prerrogativa possa ser

considerada ofensa ao princípio da isonomia, já que a burocracia do Poder Público, a distância

das informações e provas necessárias e o interesse público justificam esse tratamento

desigual. 42 Da mesma forma, em razão do volume de serviço, da insuficiência de pessoal e

40 Nesse sentido: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros Editores, 3ª ed., 1993, p. 10. 41 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 17ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 54. 42 O STF, no julgamento do RE-ED-EDv 194.925/MG (embargos de divergência nos embargos de declaração no recurso extraordinário), relatado pelo Ministro Ilmar Galvão (j. 24.03.1999, DJ 19.04.2002, p. 59), entendeu pela constitucionalidade da prerrogativa do prazo em dobro para a Fazenda Pública recorrer. Todavia, vale transcrever parte do voto do Ministro Marco Aurélio sobre a preliminar de intempestividade do recurso em questão, entendendo que se trata de privilégio não amparado pela Constituição: “(...) de há muito venho meditando sobre a matéria, sobre o alcance do devido processo legal tal como previsto não apenas nos incisos LIV e LV do rol das garantias constitucionais, mas também no inciso XXXV desse rol, ante o tratamento diferenciado emprestado pela legislação comum, e não pela Carta da República, frise-se, a certas pessoas jurídicas de direito público e ao Ministério Público. Não vejo como, nos dias atuais, agasalhar-se uma norma que, em última análise, encerra não uma prerrogativa – a de recorrer considerado o prazo em dobro –, mas um verdadeiro privilégio. A origem, em si, da norma, todos conhecemos, está na visão segundo a qual o Estado não teria como defender-se, porque não organizado suficientemente, nas causas ajuizadas, nas causas em andamento. Isso já não se pode mais ser afirmado nos dias de hoje, passados tantos anos para o Estado aparelhar-se e, então, situar-se no processo em condições de igualdade com o particular. O contraditório, tal como ressaltou o nobre advogado da tribuna, tem albergado o que Ada Pellegrini Grinover aponta como paridade de armas, o tratamento igualitário das partes, que deve ocorrer considerado n]ao apenas aquele que tem o ofício judicante, mas também

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das deficiências de estrutura, justifica-se o prazo em dobro para a Defensoria Pública (art. 89,

I, LC 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos

Territórios).

Outro exemplo é o da inversão do ônus da prova em favor do consumidor,

quando presentes os pressupostos da verossimilhança das suas alegações ou da sua

hipossuficiência (CDC, art. 6°, VIII). Justifica-se essa inversão a fim de preservar a igualdade

substancial entre o consumidor e o comerciante ou prestador de serviços, já que o primeiro é

vulnerável por definição (CDC, art. 4°, I).

Todavia, justificam-se as prerrogativas, mas não os privilégios. Por isso que

não havia razão para o aumento do prazo de propositura da ação rescisória para cinco anos em

favor da Fazenda Pública, conforme se pretendeu com a Medida Provisória n° 1.577-6/97,

cuja eficácia, em relação a esse particular, foi suspensa pelo STF no julgamento de medida

cautelar proposta no bojo da ADIN n° 1753-2/DF, rel. o Ministro SEPÚLVEDA

PERTENCE.43

Não basta apenas a diversidade de situações para autorizar o tratamento

diferenciado. É preciso que “em cada caso a discriminação normativa resulte ‘razoavelmente

justificada’ ou bem (com diversa terminologia) haja um ‘suporte racional’ ou uma

‘justificação lógica’” que o justifique.44

a do legislador. Peço vênia, portanto, ao nobre Ministro Ilmar Galvão para assentar a inconstitucionalidade do artigo 188 do Código de Processo Civil. E, algum dia, teríamos mesmo que enfrentar essa matéria, no que envolvido prazo em dobro para recorrer e, pasmem, em quádruplo para contestar. Esse tratamento diferenciado, desigualizando, portanto, partes que devem estar no processo em situação de igualdade, de paridade, conflita, a meu ver, com a Carta de 1988, com os novos ares constitucionais que notamos nos dias de hoje. Acolho a preliminar de intempestividade e declaro incidentemente a inconstitucionalidade do artigo 188 do Código de Processo Civil.” 43 Destacamos da ementa do acórdão o seguinte trecho: “(...) A igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, têm sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade e da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso das inovações discutidas, de favorecimento unilateral aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a consequência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo.” (DJ 12.6.1998). O mérito da ADIN não foi julgado, porquanto sua análise restou prejudicada, já que o privilégio não mais constou da referida medida provisória a partir da sua reedição sob o n° 1.798-5/99. 44 ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. I Fondamenti constituzionali della giustizia civile: il modelo constituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli editore, 1.999, p. 133.

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No âmbito do Código de Processo Civil, tal princípio vem aplicado no art. 125,

I, determinando que ao juiz compete dirigir o processo assegurando às partes igualdade de

tratamento. Isso significa que, ao autor e ao réu, devem ser oferecidas iguais oportunidades no

decorrer do procedimento, sendo vedadas discriminações sem fundamento.

A desigualdade das posições que ambos ocupam na relação processual deve ser

observada, já que o autor deduz pretensão e o réu, no mais da vez, apresenta apenas

resistência. Contudo, no que diz respeito ao direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva (CF,

art. 5°, XXXV), autor e réu apresentam-se em posições idênticas, não se admitindo nenhuma

espécie de discriminação. Afinal, ambos têm direito a uma sentença que coloque um fim no

litígio.

A isonomia deriva do princípio fundamental do devido processo legal, cuja

observância – juntamente com a dos outros princípios – garante aos litigantes um processo e

uma sentença justos. COMOGLIO, FERRI e TARUFFO destacam que a igualdade, ao lado

da inviolabilidade do homem e da efetividade, é elemento fundamental do processo giusto.45

Como corolário da isonomia, destaca-se a imparcialidade do órgão julgador.

AUGUSTO M. MORELLO, discorrendo sobre o tema, ressalta que

actualmente es enfocada con las luces de la concepción democrática que ilumina no sólo la obligación constitucional de la motivación, sino los demás espacios en los que se desenvuelve el litigio desde el prisma del judicante: imparcialidad, objetividad, igualdad de herramientas (de trato y posibilidades reales); de similar o pareja asistencia técnica, publicidad de los actos y de las diligencias. Todo ello facilita desde adentro del proceso mismo (durante el trámite y en sede de impugnación horizontal, vía recursos) y desde afuera de él (el juicio crítico de la opinión pública), la composición del proceso justo.46

Acrescente-se, ainda, que a igualdade das partes na relação processual é

essencial para que o contraditório incida na sua plenitude. Para tanto, a lei deve assegurar a

efetiva igualdade das partes no processo, não bastando a formal e retórica igualdade de

oportunidades.47

45 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Conrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile, I. Il processo ordinário di cognizione. 4a ed. – Bologna: Il Mulino, 2006, p. 61. 46 El proceso justo. Buenos Aires: Libreria Editora Platense, 1994, p. 419. 47 Cfr. SILVA, Ovídio A. Baptista; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3a ed. – São Paulo: RT, 2002, pp. 56-57.

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Bem de ver, pois, que a igualdade, enquanto elemento do devido processo

legal, é princípio básico para o desenvolvimento de um processo justo, assegurando ao autor e

ao réu, indistintamente, a aplicação das demais garantias inerentes ao processo, destacando-se,

diante dos objetivos deste trabalho, as da duração razoável e da tutela jurisdicional efetiva.

1.6. Acesso à justiça e efetividade da tutela jurisdicional.

Os problemas da morosidade e da falta de efetividade da justiça, que não raras

vezes comprometem a utilidade do provimento jurisdicional para o cidadão que bateu às

portas do Judiciário, há muito tempo desperta o interesse dos estudiosos do Direito, no Brasil

e no resto do mundo.

Todavia, não basta garantir ao cidadão o acesso formal ao Poder Judiciário,

afastando os óbices econômicos, sociais e culturais. Também não basta conceder-lhe uma

resposta rápida. A preocupação maior deve estar na qualidade da tutela jurisdicional que lhe é

prestada, especialmente no que se refere à aptidão para a produção de efeitos concretos.

A garantia de acesso ao Poder Judiciário deve ser vista, em primeiro lugar,

como comando para a criação e aplicação de técnicas processuais adequadas para que o

direito seja reconhecido e realizado. Certamente, ela não é dirigida apenas ao Poder

Legislativo, criador de normas, mas também ao Poder Judiciário, de forma que seus órgãos

devem, diante do caso concreto, extrair do ordenamento jurídico aquilo que for necessário

para reconhecer e realizar o direito de quem bateu às suas portas48. Portanto, é garantido não

só o acesso à sentença (em sentido amplo), mas também aos meios executivos aptos a realizar,

praticamente, o direito nela certificado.

Observa LUIZ GUILHERME MARINONI que o direito fundamental à tutela

jurisdicional efetiva

48 Luiz Prieto Sanchís, ao tratar da ponderação das normas constitucionais espanholas, referindo-se à tarefa do legislador e do Poder Judiciário de garantir o acesso à tutela jurisdicional efetiva, afirma que “el derecho a la tutela judicial efectiva (art. 24) no tiene por qué entrar necesariamente en conflicto con el ejercicio de las competencias que la Constitución encomienda al legislador a fin de regular los procedimientos jurisdiccionales (art. 117,3); más bien al contrario, la regulación legal de esos procedimientos parece una condición indispensable para hacer efectivo el derecho a la jurisdicción. Sin embargo, también es claro que el conflicto puede plantearse si, por ejemplo, la ley arbitra requisitos o condiciones que, estén o no justificados por las exigencias de una buena administración de justicia, terminan cerceando el derecho a la jurisdicción” (El juicio de ponderación …, cit., p. 221).

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tem aplicabilidade imediata, e assim vincula imediatamente o Poder Público, isto é, o

legislador – obrigado a traçar técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos – e

o juiz – que tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Na verdade, esse

direito fundamental incide de forma objetiva, ou como valor, sobre o juiz. Melhor

dizendo, o juiz, diante desse direito fundamental, deve perguntar sobre as

necessidades do direito material, vale dizer, sobre a tutela do direito que deve ser

outorgada pelo processo, para então buscar na norma processual a técnica processual

idônea à sua efetiva prestação, outorgando-lhe a máxima efetividade.49

O Código de Processo Civil, em seu art. 126, na esteira da norma contida no

art. 4°, da LICC, determina que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando

lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não

as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito”.

Ora, se o ordenamento material pode ser integrado diante de uma lacuna, a fim

de que o caso concreto não fique sem solução, com maior razão as normas processuais

também devem ser integradas, com vistas a alcançar a efetivação da decisão judicial. Afinal, o

direito processual deve atuar como instrumento a serviço do direito material.

Considerando que a finalidade das normas processuais é diversa das da lei

material, devem ser observadas regras específicas de interpretação da lei processual, além das

genéricas que foram simplesmente importadas para o Código de Processo Civil.50

49 Técnica Processual e Tutela dos Direitos. – São Paulo: RT, 2004, p. 30. 50 JORGE W. PEYRANO ressalta que há duas correntes doutrinárias sobre a interpretação da lei processual. Para a primeira, defendida, dentre outros, por Chiovenda, as teorias interpretativas criadas para a lei material seriam aplicadas à lei processual sic et simpliciter (corrente partidária da dependência); para a segunda, representada, por exemplo, por Ugo Rocco, as leis processuais não podem ser interpretadas sem observar as necessidades e finalidades do mecanismo processual civil (corrente partidária da autonomia). Eis a lição de Rocco: “Y, sin embargo, a pesar de este precedente totalmente negativo, sin duda, pero bastante elocuente y sobre todo autorizado, de la no existencia de normas de interpretación propias del derecho procesal, nosotros estamos convencidos de que esas normas especiales existen”. O autor destaca, ainda, a lição de De la Colina: “Al aplicarse las leyes de este Código (alude al Procesal Civil), es necesario guardarse de considerarlas como objeto principal, cuando no son sino un medio de esclarecerlos y facilitar la marcha de la justicia. Toda interpretación que las aparte de su propósito primordial es mala y repudiable. Las formalidades del juicio no son trampas armadas a la buena fe, sino instrumentos con que se busca la seguridad de los intereses en conflicto, con lo que queda dicho que los jueces no deben ampararse en vanas sutilezas para negar su apoyo a legítimos derechos. En caso de duda, la solución que se impone es la que favorece esos derechos, facilita es descubrimiento de la verdad, tiende a la pronta terminación del pleito, hace económica y sencilla la práctica de una diligencia, etc. Lo mismo se trata de llenar una laguna o suplir una deficiencia de la ley” (El proceso atípico. – Buenos Aires: Editorial Universidad, 1993, pp. 227 e 229).

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Segundo JORGE PEYRANO, ao tratar da interpretação das leis processuais,

de todo lo dicho hasta aquí surge claro que siempre la ‘interpretación por el resultado’ es valiosa, lo es todavía en mayor grado cuando de la ley procesal civil se trata. Es que – insistimos en ello – el exegeta no puede en el caso de la ley procesal ignorar que el primer resultado a obtener con su interpretación no puede ser otro que el de asegurar la efectividad de los derechos reconocidos, v. gr., por el Código Civil o por el Código de Comercio. El proceso civil no encuentra ni tiene otro justificativo que el de servir a la ley substancial. Toda interpretación legal que se aparte de dicho norte no sólo perderá el rumbo sino que, muy seguramente, hará perder derechos cuyos titulares se sumarán al coro de los que afirman que ‘el proceso es la tumba del derecho.51

Na busca de maior efetividade, ainda que não haja lacuna em sentido estrito,

devem ser utilizados outros mecanismos processuais encontrados no sistema quando aquele

expressamente previsto em determinado procedimento for ineficaz. Além disso, outras

técnicas que não estejam expressamente previstas podem ser utilizadas, desde que não

proibidas pelo ordenamento jurídico. Aliás, ciente de que não poderia prever todas as

situações – de direito material e processual –, o legislador, cada vez mais, vem utilizando as

denominadas “cláusulas abertas” ou “termos genéricos” na elaboração das normas jurídicas,

como se verifica, por exemplo, no art. 461, § 5°, CPC.52

Se o acesso à tutela jurisdicional efetiva é uma garantia constitucional e se o

processo é um instrumento à disposição do direito material, então o conceito de lacuna na lei

processual não pode ser o mesmo adotado para as leis materiais.

Sobre o assunto, é extremamente oportuna a lição de EDUARDO COUTURE:

(...) quando nos perguntamos se a lei processual é numerus apertus, como o Código Civil, ou numerus clausus, como o Código Penal, experimentamos uma grande perplexidade. A lei processual não está redigida nem como um mandamento, nem como um status, nem, tampouco, está escrita como uma delimitação jurídica para determinar a ilicitude da conduta humana. A lei processual é uma descrição. O legislador descreve como se realizará, no futuro, um processo. Algumas leis, como, por exemplo, as italianas, são redigidas no tempo presente. Nas leis de formação espanhola, o habitual é a disposição no tempo futuro. O certo, porém, é que, em um ou outro tempo verbal, o legislador determina, descritivamente, a evolução e o desenvolvimento do processo. É esta uma relação dinâmica, em marcha desde a petição inicial até a sentença e sua execução. Tal como se fosse a descrição de um

51 Op. cit., p. 231. 52 “Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.

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itinerário a ser percorrido, o legislador descreve como deve ser esse itinerário. Existe, nesse relato, sem dúvida, uma grande margem de liberdade.53

Demais disso, destacando as lições de filosofia do direito constitucional,

el orden jurídico legítimo será expresivo de una “razonable” determinación y concreción de los derechos constitucionales; y de esta forma, junto a la exigencia de consistencia normativa por lo que se refiere a la unidad de contenidos del orden jurídico, hará aparición la exigencia de coherencia valorativa como test de corrección normativa. La noción de laguna normativa será desplazada por la laguna axiológica y la de caso difícil, pues de la constatación de la falta de regulación (o de regulación defectuosa) se procederá a buscar en las fuentes constitucionales la respuesta correcta en relación con el caso en cuestión.54

Assim, levando-se em conta o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva,

haverá lacuna no ordenamento processual quando a norma procedimental, ainda que

expressamente prevista nas leis processuais, for ineficaz para a certificação e/ou a realização

do direito reconhecido à parte no caso concreto.55

53 Interpretação das leis processuais; tradução de Gilda Maciel Corrêa Russomano. – Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 17-18. O mesmo autor destaca o problema do caso processual não previsto, afirmando que “o silêncio do legislador, dentro da ideia de plenitude da ordem jurídica, é, por assim dizer, um silêncio cheio de vozes. Nesse silêncio, naquele ponto exato em que o legislador foi omisso, é onde se entrecruzam todas as outras normas. O trabalho consiste em fazer com que a ordem jurídica se encontre presente na operação interpretativa da qual devem ser extraídas as devidas consequências. O caso não previsto contém, praticamente, todas as previsões possíveis” (idem, p. 45). 54 REGLA, Josep Aguiló, “Sobre la constitución del estado constitucional” in “Constitución: problemas filosóficos”, coord. Francisco J. Laporta - Ministerio de la presidencia / Secretaría General Técnica – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 2003, p. 159. 55 Galeno Lacerda, em conferência proferida no Congresso Brasileiro de Direito Processual Civil, em Porto Alegre, em 15.7.83, teceu as seguintes considerações sobre o excesso de formalismo dos procedimentos e o consequente comprometimento da efetividade do processo: “Quando se fala em forma no processo, acodem logo as palavras com que MONTESQUIEU inaugura o Livro 29, de seu Espírito das Leis: ‘As formalidades da justiça são necessárias à liberdade’. Esse conceito, tão pleno de ressonância, destacado das demais palavras do texto, que lhe abrandam a grandiloquência, foi responsável por séculos de equívoco, na radicalização do rito, como um valor em si mesmo, em nome de um pretenso e abstrato interesse público, descarnado do humano e do verdadeiro objetivo do processo, que é sempre um dado concreto de vida, e jamais um esqueleto de formas sem carne. Subverteu-se o meio em fim. Distorceram-se as consciências a tal ponto que se cria fazer justiça, impondo-se a rigidez da forma, sem olhos para os valores humanos em lide. Lavavam-se as mãos sob o escudo frio e impassível da sacralidade do rito. Tão fascinante é o estudo do direito processual no seu dinamismo, que conduz facilmente o espírito a hipertrofiá-lo como ramo do direito, em demérito dos demais. Contra essa tentação, sinto o dever, como professor mais velho e jubilado, de alertar a plêiade admirável de jovens estudiosos do processo aqui presentes. Insisto em dizer que o processo, sem o direito material, não é nada. O instrumento, desarticulado do fim, não tem sentido. Por isto, advertia MONTESQUIEU, após a frase retumbante, que, se as formalidades fossem muitas, poderiam elas empecer a finalidade das próprias leis que as criaram, e a propriedade dos bens restaria incerta, atribuída à parte que não a merecesse, ou frustrada a ambos os litigantes, que haveriam de permanecer, ao cabo de longa demanda, órfãos de justiça. Ou, em outras palavras, a lei que rege a forma deve ser interpretada e aplicada em função do fim (Revista Processo e Constituição: Cadernos Galeno Lacerda de Estudos de Direito Processual Constitucional. – n. 2 – Porto Alegre: Faculdade de Direito, UFRGS, 2005, p. 33-34.).

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Nesse sentido, mais uma vez destacamos a precisa lição de JORGE W.

PEYRANO:

La judicatura constituye un poder del Estado que como tal posee las facultades expresas (e implícitas) necesarias para satisfacer cabalmente la misión que se le he encomendado; misión que no es otra que la de propender a la paz social dirimiendo los conflictos (o zanjando las dificultades) que impiden su reinado. No se crea que los jueces cuentan única e exclusivamente con las atribuciones que expresamente les concede el legislador.56

Sugerimos, então, a seguinte leitura para o artigo 126 do CPC: “o juiz não se

exime de realizar o direito reconhecido à parte alegando lacuna ou obscuridade da lei

processual; na efetivação dos provimentos jurisdicionais caber-lhe-á aplicar as normas legais;

não as havendo, ou sendo ineficazes, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios

gerais de direito”.

Neste passo, merecem destaque as seguintes lições de TERESA ARRUDA

ALVIM WAMBIER sobre a atividade jurisdicional:

Hoje se entende que o juiz “cria” direito. Pensamos que o juiz “cria” direito no sentido de poder engendrar soluções para casos que não sejam rotineiros, que não estejam “prontas” no sistema (para que a situação fática se encaixe automaticamente nelas). Mas essas soluções, sob pena de deixar definitivamente de lado o valor segurança, devem ser “criadas” a partir de elementos constantes do sistema jurídico, somados, combinados, engrenados, etc. e não com base em elementos que o sistema não tenha encampado (“juridicizado”). (...) Esse é o moderno sentido do princípio da legalidade: o juiz se vincula à lei, “filtrada” pela doutrina, pela jurisprudência e pelos princípios que se ligam aos direitos fundamentais.57

Todavia, adverte a ilustre Professora que “a ‘criatividade’ do juiz não deve ser

exercida de molde a comprometer definitivamente o valor segurança, sem o que não haverá

direito” .58

56 Medida cautelar innovativa. - Buenos Aires: Depalma, 1981, p. 106. 57 Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? – São Paulo: RT, 2001, p. 393-394. 58 Idem, ibidem.

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1.7. Contraditório.

O princípio do contraditório está expressamente previsto na Constituição

Federal, no art. 5°, LV, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,

e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes”.

O contraditório, tradicionalmente, caracterizava-se pela paridade de armas, ou

seja, consistia em disponibilizar às partes, quando estivessem em idêntica situação processual,

os mesmos instrumentos, oportunidades e limitações, como forma de viabilizar a dialética

essencial ao desenvolvimento do processo. É importante observar que este princípio “implica

outro princípio fundamental, sem o qual ele nem sequer poderia existir, que é o princípio da

igualdade das partes na relação processual. Para a completa realização do princípio do

contraditório, é necessário que a lei assegure a efetiva igualdade das partes no processo, não

bastando a formal e retórica igualdade de oportunidades”.59

Atualmente, o contraditório apresenta dupla destinação: participação das

partes, como direito, e participação do juiz, como dever.60 Está ultrapassada a ideia de que ele

é constituído apenas por dois elementos: a informação e a reação, que representam a simples

bilateralidade de audiência. O contraditório moderno é representado pelo trinômio ação-

reação-participação. Em outras palavras, pressupõe-se: a) ciência obrigatória de ambas as

partes (bilateral) dos atos processuais; b) possibilidade de apresentação das teses e antíteses,

de parte a parte; e c) interação e diálogo entre o juiz e as partes, assistindo a estas o direito de

influenciar nas decisões judiciais.

A ciência às partes sobre todos os atos processuais está intimamente ligada ao

princípio da isonomia, pois tem a finalidade de conferir a cada uma delas as mesmas

oportunidades de discutir os argumentos apresentados pela outra, facultando-lhes a

contraposição de ideias e a consequente influência sobre as decisões judiciais.

59 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Teoria geral do processo civil. 3ª ed. – São Paulo: RT, 2002, p. 56-57. 60 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., v. I. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 124.

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De acordo com ANDOLINA e VIGNERA, o contraditório consiste na

“possibilidade efetiva de participar da dialética processual e de influir sobre a formação do

convencimento do juiz”. 61 Essa participação é essencial aos contornos do contraditório dentro

de um Estado Democrático de Direito, pois representa uma forma de exercício de democracia

indireta, permitindo ao cidadão influenciar as decisões de um dos Poderes do Estado.

A participação do juiz é elemento essencial ao contraditório e o sistema

processual mostra, cada vez mais, a relevância dessa face do contraditório. Podemos citar

como exemplo a audiência prevista no art. 331, do CPC, fase importantíssima do

procedimento ordinário, que proporciona a participação ativa das partes e do juiz na

determinação do caminho a ser seguido pelo processo após a fase postulatória, destacando-se

a vantagem proporcionada pela oralidade.

Com efeito, nessa fase do procedimento, cabe ao juiz tentar conciliar as partes.

Não sendo possível, cabe-lhe resolver eventuais questões processuais pendentes. Em seguida,

deve fixar os pontos controvertidos e, diante deles, deliberar sobre as provas que serão

produzidas.62

LUIZ RODRIGUES WAMBIER, com exatidão, chama de saneamento

compartilhado a atividade das partes e do juiz por ocasião dessa audiência, destacando a

necessidade de um verdadeiro diálogo entre os sujeitos do processo, inclusive porque reduz a

probabilidade de recursos, contribuindo sobremaneira para a “otimização do processo”.63

Nessa mesma perspectiva, vem ganhando destaque na doutrina o denominado

princípio da cooperação,

61 I fondamenti constituzionali ..., cit., p. 165. 62 O legislador, ao prever no art. 331 a fixação dos pontos controvertidos antes da resolução das questões processuais eventualmente pendentes, parece ter invertido a ordem lógica das coisas. 63 A audiência preliminar como fator de otimização do processo. O saneamento compartilhado e a probabilidade de redução da atividade recursal das partes. RePRO nº 118, 2004, p. 137-142. Reconhece o doutrinador que infelizmente “é expressivamente pequeno o número de casos em que da audiência os juízes se sirvam para efetivamente ‘aproximar’ as partes com vistas ao acordo” e também para definir, de forma compartilhada, os rumos do processo. E acrescenta: “a formação do bacharel em direito não prepara o profissional para esse tipo de situação, em que muito mais prepondera a capacidade psicológica de aproximar, pacificar, convencer e, enfim, promover a conciliação dos interesses em disputa. Esse despreparo gera má vontade e, infelizmente, todo o esforço da doutrina, traduzido em primoroso texto de lei, fica à mercê da disposição quase ‘heróica’ de poucos, que se dispõem a efetivamente realizar a audiência preliminar com cuidado e atenção” (p. 139). Na tentativa de mudar esse quadro, difundindo essas excelentes ideias, o artigo foi publicado também na Revista da Escola Nacional da Magistratura (ENM-AMB) n° 2, p. 100-106.

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que orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais de um mero fiscal de regras (...) O magistrado deve adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias, quando for o caso. Encara-se o processo como produto de atividade cooperativa: cada qual com as suas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final (decisão do magistrado sobre o objeto litigioso). Traz-se o magistrado ao debate processual; prestigiam-se o diálogo e o equilíbrio. Trata-se de princípio que informa e qualifica o contraditório64

Esse princípio, cuja gênese assenta-se no contraditório moderno, encontra

diversos reflexos no Código de Processo Civil, conquanto não esteja expressamente previsto,

ao menos com essa denominação. Além da audiência preliminar, podemos destacar os artigos

284, 295, IV e 296. De fato, caso seja verificado na petição inicial algum vício sanável ou erro

na escolha do procedimento, o magistrado não pode indeferi-la sem antes dar ao autor

oportunidade para corrigi-los. E se a inicial for indeferida – nesses ou em outros casos –

poderá o autor, utilizando-se da apelação, tentar convencer o magistrado a se retratar.65

Também diante do princípio do contraditório, se durante o procedimento o juiz

vislumbrar a possibilidade de agir de ofício, nas hipóteses em que a lei assim determina, deve

dar às partes a oportunidade de manifestação antes de decidir. Assim, por exemplo, caso

vislumbre a incompetência absoluta do juízo, deverá, antes de eventualmente decidir pela

remessa dos autos ao juízo competente, provocar as partes para que se manifestem a respeito,

inclusive esclarecendo as razões que provavelmente o levarão a agir naquele sentido. Deverá

o juiz agir da mesma forma se, por ocasião da fase decisória, verificar a existência de uma

questão prejudicial ou preliminar, ou, ainda, um elemento de fato ou de direito sobre os quais

as partes não tiveram oportunidade de se manifestar no curso do procedimento. 66

Enfim, em razão do contraditório, é inadmissível que as decisões judiciais,

mesmo no que diz respeito às questões cognoscíveis de ofício, surpreendam as partes. Se não

for oportunizado o debate entre as partes antes da decisão, esta deve ser considerada nula, por

64 DIIDER JR., Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. RePRO n° 127, 2005, p. 76. 65 Idem, ibidem, p. 78-79. 66 Cf. ANDOLINA e VIGNERA, op. cit., p. 179.

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ofensa àquele princípio. Não é possível o juiz proferir uma decisão “de surpresa”, invocando

o velho brocardo juria novit curia.67

No entanto, se é certo que o contraditório possibilita às partes a apresentação

de teses e antíteses, bem como determina o diálogo entre elas e o juiz, também é certo que não

pode ser invocado para justificar a apresentação de argumentos, incidentes e recursos

manifestamente infundados, causando inútil e danosa dilação da marcha processual.

1.8. Ampla defesa.

A ampla defesa pode ser considerada como elemento do princípio do

contraditório, razão pela qual nem sempre é tratada pela doutrina como um princípio

autônomo.68

Quando se diz que às partes devem ser assegurados os direitos de pedir, alegar

e provar,69 e considerando que isto só é viável, dentre outras coisas, diante da comunicação

dos atos processuais, conclui-se que a ampla defesa é inerente ao contraditório. Por essa

razão, a ampla defesa, no processo civil, deve ser garantida indistintamente ao autor e ao réu.

De fato, é possível falar-se em cerceamento da defesa do autor no processo civil, toda vez

que a ele não for deferida a produção de uma prova relevante e pertinente, requerida no

momento oportuno.

A citação do réu, obrigatória em razão do princípio da ampla defesa, tem como

objetivo, em última análise, garantir-lhe o exercício do contraditório. O direito de as partes

produzirem provas e influenciarem no resultado do processo, que também decorre da ampla

defesa, representa exercício do contraditório. O mesmo se diga em relação aos recursos e aos

demais atos praticados pelas partes no curso do procedimento.

67 Cf. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFO, Michelli. Lezioni sul processo civile: I. Il processo ordinario di cognizione. 4ª ed. – Bologna: Il Mulino, 2006, p.78. 68 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson, op. cit., p. 169 e ss.; CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, op. cit., p. 55-57. COMOGLIO, FERRI e TARUFO, chamam de “difesa attiva” a possibilidade efetiva de a parte influir na decisão do juiz, o que revela, ainda mais, a ligação umbilical entre contraditório e ampla defesa (op. cit., p. 74). 69 Cf. DINAMARCO. Fundamentos ..., vol. I, cit., p. 126-127.

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Seja como for, deve ser ressaltado que a Constituição Federal, no art. 5°, LV,

ao garantir aos cidadãos a “ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”70 refere-se

a todos os meios e técnicas disponíveis no sistema, não apenas aqueles que dizem respeito às

possibilidades de praticar atos processuais no curso do procedimento.

Somente é possível exercer a ampla defesa aquele que está devidamente

representado em Juízo por advogado. Em outras palavras, a defesa técnica é essencial para a

configuração dessa garantia,71 até porque, de regra, a capacidade postulatória é

indispensável.72 Assim, a assistência jurídica integral e gratuita (CF, art. 5º, LXXIV) e a

Defensoria Pública (CF, art. 138) são bons exemplos de instrumentos que viabilizam o

exercício da ampla defesa. Destaque-se, ainda, a nomeação de curador especial para aquele

que se encontra em situação de fragilidade no processo (CPC, art. 9°).

Além disso, somente aquele que tem consciência sobre os seus direitos poderá

defendê-los adequadamente, mesmo independentemente da atuação jurisdicional. Assim, a

conscientização do cidadão sobre os seus direitos pode ser inserida na garantia da ampla

defesa, ou seja, ela também atua fora do processo.73

Finalmente, cumpre observar que se trata de garantia que encontra os seus

limites no próprio sistema, de forma que deve ser exercida regularmente, sem abusos, sob

pena de incidência de sanções, inclusive de natureza pecuniária.74

1.9. Duração razoável do processo.

O tempo é uma preocupação constante no estudo do processo, onde a demora

na prestação jurisdicional gera prejuízos materiais e morais às partes em conflito, além de

desperdício de recursos do Poder Judiciário e de trabalho de todos aqueles que, de qualquer

70 Destacamos. 71 Conforme ressaltado por COMOGLIO, FERRI e TARUFO. Lezioni ...,. cit., p. 70-71. 72 Ressalvado o procedimento do Juizado Especial, nas causas de até vinte salários mínimos (art. 9, caput, Lei nº 9.099/95). 73 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado ..., 1, cit., p. 113. 74 V.g, a antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273, II), condenação por litigância de má-fé (CPC, arts. 16 a 18) etc.

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forma, estão relacionados ao processo. O tempo é um fator de corrosão dos direitos e é

necessário que o sistema ofereça meios de combate à força corrosiva do tempo-inimigo.75

A simples tramitação do processo gera incômodos e diminuição patrimonial,

esta causada, por exemplo, pela contratação de advogados e pela produção de provas difíceis

e custosas. O abandono de negócios urgentes, que perecem para atender às necessidades da

demanda e para possibilitar o comparecimento às audiências, gera repercussão material e

moral mais ou menos intensas, que apenas parcialmente serão reparadas na sentença.76 Por

isso é que o Código de Processo Civil impõe dentre os deveres do juiz o de “velar pela rápida

solução do litígio” (art. 125, II).

A demora na prestação jurisdicional, aliada à falta de efetividade dos

provimentos judiciais, gera aquilo que a doutrina denomina de dano marginal,77 ou seja, a

frustração, a não fruição do direito pela parte que tem razão em decorrência da morosidade da

Justiça.78

75 Expressões utilizadas por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO em Nova era do processo civil, 1ª ed., 2ª. tiragem. – São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 55. 76 Cf. AMERICANO, JORGE. Do abuso do direito no exercício da demanda. 2ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 1932, p. 50. 77 Apud MARINONI, LUIZ GULHERME. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda, 5ª. ed. rev., atual. e ampl. da obra Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – São Paulo: RT, 2002, p. 21. 78 Cf. HOFFMAN, PAULO. Razoável duração do processo. – São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 179. A expressão dano marginal costuma ser atribuída a Ítalo Andolina. Contudo, ela já vinha sendo utilizada pela doutrina desde pelo menos 1926, conforme se depreende da seguinte lição de Enrico Finzi, ao tratar da execução provisória: “(...) Con ogni dillazione alla esecuzione di una sentenza è indissolubelmente conuesso un danno, il quale non è che l’aspetto negativo di quell’interesse ad agire che a sua volta è il presupposto di ogni domanda giudiziale. Chi chiede un immobile ha danno se deve attenderne la consegna, non altrimenti che chi chiede una somma ha danno se deve attenderne il pagamento. Se si agisce in giudizio è per ottenere quanto più presto ciò che si quiede: la sospensione della esecuzione nelle more del giudizio di apello è sempre un danno, quindi, per l’attore vitorioso di prime cure. Ma questo è tale danno che il legislatore vuole – col principio del doppio grado – acollargi interinalmente nella normalità dei casi. Solo in talune ipotesi, caratterizzate da speciali circonstanze ed enumerate nell’art. 363 cod. Proc. Civ, è consentito, per un interesse superiore, di invertire questo onere della mora che secondo le norme fondamentali grava sull’attore. E ciò avviene: o, dove esistano probabilità qualificate di vittoria alle quali par giusto dare la prevalenza, o interessi specifici che una giustizia salda deve affrettarsi a reintegrare, se lesi, o pericolo nel ritardo. Il pericolo è quindi senza alcun dubbio qualcosa di diverso dal semplice danno normalmente connesso col differimento della esecuzione di una sentenza, è, cioè, la espressione di un interesse autonomo ed ulteriore, che deve essere protetto, e che solo può proteggersi con la esecuzione provvisoria. Ciò posto, non pare estremamente difficile determinare in che cosa consista il pericolo previsto dal legislatore. A spiegarlo si approssimarono, pur rimanendo nel vago, i redattori degli Annali (II, 123 in nota alla sentenza dell’app. Casale 5 magio 1868) quando dichiararono: ‘havvi sempre pericolo nel ritardo quando la giustizia di domani potrebbe riuscire senza effetto’. Con maggior precisione mi pare definibile il periculum in mora come quel danno marginalle, che non vi sarebbe se non nella ipotesi di ritardo nella esecuzione, e che scompare con la esecuzione provvisoria” (Rivista di Diritto Processuale Civile, v. III – parte II, anno 1926. – Pádova: CEDAM, 1926, p. 49-50 – negrito nosso).

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O procedimento ordinário foi adotado como modelo básico para a solução

judicial dos conflitos. Mas é extremamente moroso e, além disso, a cognição ampla e a

possibilidade de utilização de todos os meios de defesa geram uma infinidade de incidentes e

recursos. Contudo, a evolução das relações sociais não mais admite a demora na prestação

jurisdicional, que, em última análise, gera o desprestígio do Poder Judiciário.

Daí porque, conforme destaca a doutrina, o que atualmente se verifica nos

sistemas de tradição romano-canônica é uma verdadeira demonstração de superação do

procedimento ordinário, tendo a tutela urgente se transformado em técnica de sumarização e,

em última análise, em remédio contra a ineficiência desse procedimento.79 Por isso é que se

tornou comum no dia-a-dia do foro – principalmente antes das reformas do Código de

Processo Civil que deram novos contornos aos artigos 273 e 461 – a utilização das ações

cautelares como forma de solução de conflitos, à míngua de procedimentos típicos de

cognição plena e exauriente que resolvessem, com eficiência, determinadas situações

urgentes.

Ocorre que o procedimento ordinário, como é intuitivo, faz com que o ônus do

tempo do processo recaia unicamente sobre o autor – ao menos em princípio – como se este

fosse o culpado pela demora inerente à cognição dos direitos. O estabelecimento do

procedimento ordinário como o procedimento padrão de tutela dos direitos ignora

completamente o que se verifica na realidade social e no plano do direito substancial, pois

nestes há direitos evidentes e não evidentes e, na realidade da vida, a lentidão do processo

pode significar angústia, sofrimento psicológico, prejuízos econômicos e até mesmo miséria.80

Dessa forma, a demora costuma beneficiar o réu que não tem razão.81

A Constituição Federal de 1988 reproduziu, no seu texto, a maior parte dos

direitos fundamentais estabelecidos na Convenzioni Per La Salvaguardia Dei Diritti

Dell’uomo E Delle Libertá Fondamentali, subscrita em Roma em 04.11.1950 e proclamada

pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948. Curiosamente, não introduziu,

expressamente, no nosso sistema a garantia da duração razoável do processo, direito

fundamental previsto na Convenção, verbis: “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa

79 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Direito à tempestividade da tutela jurisdicional, GENESIS – Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, vol. 17, julho/setembro de 2000, p. 542. 80 Idem, ibidem. 81 Idem, ibidem, p. 544.

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seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente

e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos

e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal

dirigida contra ela”.82

A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San

José da Costa Rica), subscrita pelo Brasil em 1992, prevê, em seu art. 8°, que cada pessoa tem

o direito de ser ouvida por um tribunal competente, independente e imparcial dentro de um

prazo razoável.83

As Constituições de México, Portugal, Itália, Argentina, Colômbia e Bolívia já

previam expressamente essa garantia em seus textos, ressaltando-se que a primeira é de

1917.84

Apesar da omissão da Constituição de 1988 em relação ao direito fundamental

à duração razoável do processo, a doutrina já havia identificado essa garantia implícita no art.

5°, XXXV, CF, o que, aliás, nos parece indissociável da ideia de efetividade. KAZUO

WATANABE ressalta que “o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito

no inc. XXXV do art. 5º da CF, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários,

mas sim o acesso à Justiça que propicie efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma

de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa”.85

O direito fundamental à duração razoável do processo foi inserido

expressamente na Constituição Federal de 1988, por meio da emenda nº 45/04, conforme

disposto no art. 5°, inciso LXXVIII, verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

82 A observação é feita por Fabiano Carvalho in EC n. 45: Reafirmação da garantia da razoável duração do processo / Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004 – coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al]. – São Paulo: RT, 2005, p. 215. 83 “Every person has the right to a hearing, with due guarantees and within a reasonable time, by a competent, independent and impartial tribunal, previously established by law, in the substantiation of any accusation of a criminal nature made against him or for the determination of his rights and obligations of a civil, labor, fiscal or any other nature”. 84 Cf. GÓES, Gisele Santos Fernandes. Razoável duração do processo / Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004 – coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al]. – São Paulo: RT, 2005, p. 263-264. 85 Cf. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer – art. 273 e 461 do CPC. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coordenador). Reforma do Código de Processo Civil. – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 20

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assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

Ocorre que a simples inserção desse dispositivo, revelando um direito

fundamental que já estava implícito no ordenamento constitucional, não vai resolver o

problema da morosidade da justiça. Impõem-se alterações legislativas que lhe dêem

operacionalidade, com a criação de técnicas processuais mais adequadas às novas realidades

sociais. Além disso, – e o que nos parece mais importante – é necessária a alteração da

mentalidade dos operadores do direito, especialmente dos juízes, e, ainda, um melhor

aparelhamento do Poder Judiciário.

O próprio legislador reformista preocupou-se em viabilizar a dimensão

garantística da celeridade, conforme se depreende das várias alterações estruturais do Poder

Judiciário determinadas pela emenda n° 45, dentre as quais destacamos as seguintes:86 a)

repercussão geral na busca da redução do número de processos, reduzindo-se o número de

recursos extraordinários a serem conhecidos; b) súmula vinculante, tornando as decisões mais

previsíveis e mais céleres; c) atuação do CNJ; d) atividade jurisdicional ininterrupta, com o

fim das férias coletivas; e) distribuição imediata de processos em todos os graus de jurisdição;

f) Justiça funcionando descentralizadamente; g) Justiça itinerante; h) possibilidade de

delegação de atos administrativos e de mero expediente para os servidores; e i) aumento do

número de juízes, proporcionalmente em relação à demanda e à população.

A Constituição não definiu os contornos do que seja um processo que alcance o

seu termo em tempo razoável. E é bom que assim tenha agido, pois a indeterminação da

expressão revela um conceito essencialmente controvertido (CEC),87 ou seja, um conceito

evolutivo, complexo, de caráter argumentativo e que desempenha uma função dialética

importantíssima, o que é fundamental para a adequação da expressão às necessidades que

surgem em razão da evolução da sociedade e dos meios de solução de conflitos. De qualquer

forma, em se tratando de direito fundamental, sua aplicação é imediata e independe de

qualquer norma infraconstitucional para lhe conferir operacionalidade.

86 Cf. TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a Justiça. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 33 87 A expressão é de W. B. Gallie, citado por Marisa Iglesias Vila em Los conceptos esencialmente controvertidos en la interpretación constitucional. Em Constitución: problemas filosóficos – LAPORTA, Francisco J. (coord.). – Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales del Ministerio de la Presidencia, 2003, p. 255.

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Além disso, ele impõe uma postura ativa do Estado em todas as suas funções:

legislativa, administrativa e jurisdicional. Cabe ao Poder Legislativo editar normas que

facilitem o acesso do cidadão a tal direito fundamental, inclusive no âmbito das regras

processuais. Ao Poder Executivo cumpre investir recursos em todos os setores que, conquanto

indiretamente, contribuem para a agilização da prestação jurisdicional, como, por exemplo, o

aparelhamento adequado das Defensorias Públicas. Finalmente, cabe ao Judiciário, na seara

administrativa, investir na estrutura física dos seus diversos órgãos e promover a qualificação

dos servidores e juízes. E cabe a estes últimos, no campo da atividade jurisdicional, o papel

essencial de aplicar as regras procedimentais à luz desse novo preceito constitucional, sempre

buscando dentre os caminhos procedimentais possíveis – e não se olvidando das demais

garantias – aquele que proporciona a duração razoável.

A Constituição Federal de 1988, seguindo a tendência europeia e latino-

americana, não prevê a obrigatoriedade de fixação de prazos pelo legislador ordinário para a

duração dos processos judiciais, de acordo com os diversos tipos de procedimento.88

A doutrina reconhece que a duração razoável do processo, assim como as

dilações indevidas a que se refere a Convenção Europeia são conceitos indeterminados e

abertos e, por isso mesmo, “torna-se impossível fixar a priori uma regra específica,

determinante das violações à garantia da tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável”.89

A razoabilidade da duração do processo deve ser analisada caso a caso,

levando-se em conta os seguintes critérios:90 a) complexidade da causa; b) número de

litigantes; c) natureza do direito litigioso; d) volume de demandas que tramitam perante o

respectivo órgão jurisdicional; e) adequação do número de juízes e auxiliares da justiça; f)

peculiaridades das partes; g) comportamento das partes; e h) conduta do juiz na condução do

processo.

88 Dentre os países já citados, apenas a Constituição mexicana de 1917 determina que o legislador fixe prazos, conforme se depreende do seu art. 17, verbis: “(...) Toda persona tiene derecho a que se le administre justicia por tribunales que estarán expeditos para impartirla en los plazos y terminus que fijen las leyes, emitiendo sus resoluciones de manera pronta, completa e imparcial (...)” (grifamos). 89 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo (art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal). Em O processo na Constituição. MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo (coord.). – São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 326. 90 Sem embargo da existência de outros.

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Assim, um processo que envolve reparação de danos oriundos de acidente

automobilístico não pode ter a sua duração comparada com a de uma ação de dissolução de

sociedade e apuração de haveres; uma causa em que há vários litisconsortes no pólo passivo

provavelmente apresentará algumas dificuldades para a citação de todos os réus,

comprometendo a celeridade do processo; a discussão sobre a guarda de um menor exige uma

série de cautelas91 e, ainda, a participação do Ministério Público; um Juízo perante o qual

tramitam milhares de processos não tem condições de prestar tutela jurisdicional em tempo

adequado, ocorrendo o mesmo quando houver desproporção entre o número de juízes e

auxiliares em relação ao número de processos; e processos envolvendo idosos devem tramitar

com prioridade (CPC, art. 1.211-A).

Por outro lado, o abuso do direito processual causa o retardamento da marcha

procedimental, especialmente quando as partes se utilizam indevidamente de incidentes e

recursos dotados de efeito suspensivo. Assim, merecem destaque as técnicas processuais que

inibem ou ao menos amenizam os efeitos desse abuso.

A imposição de multa à parte quando o juiz decide um incidente

manifestamente infundado (CPC, art. 17, VI) ou quando o tribunal decide um recurso

interposto com intuito manifestamente protelatório (CPC, art. 17, VII; 538, parágrafo único92;

e 557, § 2°) reveste-se de caráter pedagógico e evita a utilização de novos expedientes

protelatórios, contribuindo sobremaneira para a aceleração da marcha processual.

Da mesma forma, independentemente da imposição de sanções, a utilização da

técnica processual da manifesta improcedência, conforme será demonstrado, também se

presta a tal finalidade. Ressalte-se, ainda – e sem a preocupação de esgotar as hipóteses –, que

a aplicação do art. 46, parágrafo único, primeira parte, do CPC, quanto à limitação do

litisconsórcio facultativo, contribui, da mesma forma, para que o processo tenha uma duração

razoável.

Porém, a simples existência de técnicas processuais destinadas à solução do

problema da morosidade não produz o resultado desejado. É necessário que os juízes estejam

91 Eventualmente, a apresentação de pareceres psicológicos, entrevistas com assistentes sociais etc. 92 Este dispositivo também pode ser aplicado pelo juiz de primeiro grau, pois se refere aos embargos de declaração.

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preparados para utilizá-las e efetivamente as utilizem, até porque a lei determina, dentre os

seus deveres, lhes competir “velar pela rápida solução do litígio” (CPC, art. 125, II).

Neste passo, deve ser observado que a duração razoável do processo veio

acompanhada, nos termos da emenda constitucional n° 45, de alguns mecanismos que buscam

lhe dar operacionalidade. Merece destaque a preocupação do legislador reformista com a

formação e o aperfeiçoamento de magistrados, especialmente ao criar a Escola Nacional de

Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, “cabendo-lhe, dentre outras funções,

regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira” (art. 105, parágrafo

único, I) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho

(art. 111-A, parágrafo único, I), com as mesmas atribuições, no âmbito da Justiça do

Trabalho.93 A mesma preocupação pode ser vista na participação em cursos de

aperfeiçoamento como critério de promoção de juízes por merecimento (CF, art. 93, II, c) e

vitaliciamento (inciso IV).

Ainda no que diz respeito à conduta do juiz na condução do processo, deve ser

ressaltado que o direito fundamental à duração razoável potencializa a aplicação de outros

princípios processuais, dentre eles os do aproveitamento dos atos processuais,94 da ausência

de nulidade sem prejuízo,95 da instrumentalidade das formas,96 da economia processual,97 da

93 Eis alguns trechos do discurso do Ministro Nilson Naves, primeiro Diretor-Geral da ENFAM, por ocasião da sua instalação: “(...) Não são de agora, todos sabemos, são de muito tempo as críticas – e severas, diga-se de passagem – à metodologia de ensino adotada nos cursos de graduação deste país afora, concentrada tão-somente em exposições teóricas (como se o juiz disso resultasse!). A mim, em todo o tempo, pareceu inconciliável essa realidade com a responsabilidade da Justiça (...) Entendo, às claras, que não há como o Judiciário melhorar sem que antes os homens que nele lidam se formem e mais se aprimorem. Ora, do juiz espera-se a garantia da eficácia das leis, a realização da justiça e a proteção das liberdades individuais, sobre o que repousa a melhor das democracias. (...) Hoje, talvez mais que ontem, andamos entendendo que o aumento das exigências da Justiça (entre outras, celeridade, efetividade) soa como imperativo de aperfeiçoamento” (publicado na Revista da Escola Nacional da Magistratura (ENM-AMB) n° 4, p. 10-14). 94 De acordo com o art. 250, caput, do CPC, “o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais”. E dispõe o parágrafo único que “dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa”. Note-se que o legislador determina a observância da forma legal tanto quanto possível. 95 O § 1°, do art. 249, do CPC, determina que “o ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte”. O § 2°, por sua vez, prevê que “quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. 96 Eis a lição de JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE: “o fenômeno processual sofre intensa influência do mundo exterior. Até mesmo ideias não-jurídicas podem ser validamente utilizadas para compreensão de institutos típicos do processo. A noção de ‘instrumentalidade das formas’ como mecanismo destinado a conferir validade a atos processuais viciados – o que implica valorizar o fim em detrimento da tipificação legal – pode ser comparada à interessante ideia filosófica da permuta civilizatória, segundo a qual o progresso e os ganhos objetivos decorrentes do bem-estar podem representar perda subjetiva da felicidade, mas constituem opção da sociedade. Também em direito processual, entre dois valores – forma do ato processual e objetivo a ser

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adaptabilidade procedimental98 e da fungibilidade de meios99. Afinal, a conservação e o

aproveitamento dos atos processuais, ao invés da decretação de nulidade e repetição desses

atos – ou mesmo do processo –, representa um grande passo para se chegar à tutela

jurisdicional em tempo razoável.

alcançado –, adota-se este último sem qualquer hesitação. Não obstante a forma seja valor importante no processo, pois é garantia de ordem, segurança e liberdade, o rigor formal deve ser abandonado sempre que conflitar com os objetivos do próprio ato, desde que isso não comprometa os outros valores também assegurados pela prévia descrição do modelo legal” (Efetividade do processo e técnica processual. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 58-59). 97 CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO afirmam que “se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o princípio da economia, o qual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais” (Teoria geral do processo, 17ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2001, p. 72). 98 JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, ao tratar da adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa, afirma o seguinte: “nessa visão do direito processual, em que a preocupação fundamental é com os resultados a serem eficazmente produzidos no plano material, assume enorme importância o princípio da adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa, também denominado de princípio da elasticidade processual. Trata-se da concepção de um modelo procedimental flexível, passível de adaptação às circunstâncias apresentadas pela relação substancial. Não se admite mais o procedimento único, rígido, sem possibilidade de adaptação às exigências do caso concreto. Muitas vezes a maior ou menor complexidade do litígio exige sejam tomadas providências diferentes, a fim de se obter o resultado do processo” (Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 60). Apesar esta lição tratar da adaptabilidade procedimental tendo em vista as necessidades do direito material, este princípio também deve ser aplicado com o objetivo de dar efetividade às garantias constitucionais do processo, dentre elas a da duração razoável. 99 O princípio da fungibilidade deve ser aplicado, de regra, quando houver incerteza sobre qual o meio processual adequado. Contudo, de acordo com José Roberto dos Santos Bedaque, “mais que a incerteza quanto ao meio processual a ser utilizado para o exercício de faculdade ou para o cumprimento de ônus processual, é preciso verificar se o equívoco causou algum prejuízo aos objetivos do instrumento, bem como aos princípios que o informam”. (Efetividade do processo e técnica processual. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 122). Contudo, adverte o jurista que “é preciso atentar, ainda, para a possibilidade de má-fé, representada pela opção por meio inadequado quando já preclusa a possibilidade de utilização do correto. Com o objetivo de evitar eventuais abusos, revelam-se muito úteis as noções de ‘dúvida objetiva’ e ‘erro inescusável’” (idem, ibidem, p. 123). Teresa Arruda Alvim Wambier ressalta a inconveniência da manutenção de raciocínios rigorosos que aumentam a distância entre os resultados prometidos pelo direito material e os que o processo terá produzido. Afirma também que “a constatação no sentido de que raciocínios mais flexíveis podem levar-nos a melhores soluções, no plano do processo, ( passa necessariamente pelo desprezo da regra no sentido de que ‘não há dois caminhos para levar-se a um mesmo lugar’” (Fungibilidade de “meios”, uma outra dimensão do princípio da fungibilidade. Em Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. V. 4 / coord. Nelson Nery Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo: RT, 2001, p. 1.091/1.092). O STJ, por exemplo, vem decidindo reiteradamente que a arguição de incompetência relativa no corpo da contestação constitui mera irregularidade. Conquanto o fundamento mais utilizado seja a aplicação da instrumentalidade (CC 86.962/RO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 03.03.2008), incide também nesse caso a fungibilidade de meios, até porque são princípios umbilicalmente ligados. Sobre o mesmo assunto, discorrendo sobre conversão e fungibilidade, Sidnei Amendoeira Jr. utiliza a expressão fungibilidade de meios “para incluir essas duas situações diferentes: aquelas em que o sistema, por ação ou omissão, pôs à disposição das partes mais de um meio processual para atingir um determinado fim e também para aqueles casos em que, apesar de inexistir liberdade, diversidade de meios processuais à disposição da parte ou dúvida objetiva, ou seja, mesmo existindo apenas um meio processual adequado para a situação, é possível aproveitar a ato praticado pela parte, convertendo-o no meio adequado ou ignorando a atipicidade por não ser a mesma relevante” (Fungibilidade de meios. – São Paulo: Atlas, 2008. – [Coleção Atlas de processo civil / coord. Carlos Alberto Carmona], p. 11)

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Considerando que o direito fundamental à duração razoável do processo não é

dirigido apenas ao legislador, conforme já anotado, os juízes não podem aguardar de braços

cruzados as eventuais reformas legislativas. Ao contrário, tal garantia determina que se

busque a aceleração do procedimento à luz das técnicas processuais já disponíveis, dentre elas

a da manifesta improcedência.

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Capítulo II – O RÉU E A TUTELA JURISDICIONAL EFETIV A E TEMPESTIVA.

2.1. Considerações iniciais.

Conforme bem lembrado por JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, “a

necessidade de conciliar os interesses opostos das partes e os respectivos mecanismos

processuais destinados a protegê-los exige maior reflexão a respeito de determinadas posturas

e posições, voltadas exclusivamente para beneficiar um dos pólos da relação processual”.100

Enfim, há muito está ultrapassada a ideia de processo civil do autor.

Portanto, deve ser analisada a possibilidade de o réu obter tutela jurisdicional,

não apenas nos casos em que a lei lhe faculta a dedução de pretensão no mesmo processo em

que é demandado, mas também naqueles em que sua atividade se limita ao oferecimento de

resistência à pretensão deduzida pelo autor.

2.2. Tutela jurisdicional.

O Estado ampara os seus cidadãos mediante tutela jurídica que, no sentido

mais amplo, “é a proteção que o Estado confere ao homem para a consecução de situações

consideradas eticamente desejáveis segundo os valores vigentes na sociedade – seja em

relação aos bens, seja em relação a outros membros do convívio”.101

Essa tutela jurídica apresenta-se em dois planos: o da definição de regras

reguladoras da convivência e o da efetivação dessas regras. Responsável pelo primeiro plano

é a função legislativa; pelo segundo, são responsáveis as funções administrativa e

jurisdicional. Estas últimas são essencialmente dinâmicas, porquanto aptas à produção de

resultados concretos e efetivos na vida das pessoas; a primeira é estática, pois por si só nem

sempre se apresenta apta para tal.102

100 Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 4ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 82. 101 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela Jurisdicional, Revista Forense, vol. 334, p. 25. 102 Idem, ibidem, p. 27.

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Interessa-nos, para os propósitos deste trabalho, a tutela jurisdicional,

entendida como resultado da atividade jurisdicional, não podendo, portanto, ser confundida

com o serviço prestado pelo Estado-juiz.103

Segundo FLÁVIO LUIZ YARSHELL,

parece não haver dúvida de que a locução tutela jurisdicional se presta a designar o resultado da atividade jurisdicional – assim considerados os efeitos substanciais (jurídicos e práticos) que o provimento final projeta ou produz sobre dada relação material – em favor do vencedor. Nessa medida, é inegável que a locução tutela jurisdicional designa o resultado final do exercício da jurisdição estabelecido em favor de quem tem razão (e assim exclusivamente), isto é, em favor de quem está respaldado no plano material do ordenamento.104

Há doutrinadores que ressaltam o seu aspecto formal – mas sem descurar do

seu objetivo –, conceituando tutela jurisdicional como “o conjunto de medidas estabelecidas

pelo legislador processual a fim de conferir efetividade a uma situação da vida amparada pelo

direito substancial.105

Outros, contudo, preferem a denominação técnica processual para definir os

instrumentos utilizados pelo Estado-juiz para alcançar o resultado desejado pelo processo,

qual seja a pacificação com justiça.106

103 Idem, ibidem, p. 27. 104 Tutela jurisdicional. – São Paulo: Atlas, 1998, p. 28. 105 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, 4ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 36. O mesmo autor, em outra obra, mais uma vez privilegiando a forma sem ignorar o resultado, lembra que “a tutela jurisdicional se apresenta de várias formas, com conteúdo diverso, tudo em função da natureza do direito a ser protegido. A modalidade de tutela processual depende única e exclusivamente do tipo de proteção de que o direito material necessita. Assim, para que a tutela jurisdicional seja eficaz quanto ao resultado que dela se espera, para que se possa dizer efetivo o mecanismo estatal de solução de controvérsias, é imprescindível que o titular da situação substancial carente de proteção possa utilizar instrumento estruturado para assegurar não apenas tutela formal de seu direito, mas proteção real, ou seja, capaz de proporcionar-lhe praticamente a mesma situação que o cumprimento espontâneo da norma lhe conferiria” (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 4ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 13). Sobre a abrangência do conceito, seguindo essa mesma linha, FLÁVIO LUIZ YARSHELL assim esclarece: “Não parece incorreto, contudo, admitir maior abrangência da examinada locução – tutela jurisdicional – para com ela designar não apenas o resultado do processo, mas igualmente os meios ordenados e predispostos à obtenção desse mesmo resultado. A tutela, então, pode também ser divisada no próprio instrumento, nos atos que o compõem e bem ainda nos ‘princípios’, ‘regramentos’ ou ‘garantias’ que lhe são inerentes” (op. cit., p. 30-31). 106 De acordo com LUIZ GUILHERME MARINONI, “(...) A sentença e os meios de execução, portanto, são apenas técnicas processuais para uma adequada prestação da tutela jurisdicional. A tutela jurisdicional, quando pensada na perspectiva do direito material, e dessa forma como tutela jurisdicional dos direitos, exige a resposta a respeito do resultado que é proporcionado pelo processo no plano do direito material. A tutela jurisdicional do direito pode ser vista como a proteção da norma que o institui. Trata-se da atuação concreta da norma por meio da efetivação da utilidade inerente ao direito material nela consagrado. Como o direito à efetividade da tutela jurisdicional deve atender ao direito material, é natural concluir que o direito à efetividade engloba o direito à

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A doutrina tradicional costumava apontar a tutela de direitos como o escopo do

processo, ou seja, este teria a finalidade de proteger direitos subjetivos. Isso ocorria porque a

questão era analisada sob a ótica da teoria imanentista do direito de ação, ou, no máximo, de

acordo com a concretista, e também porque se via o processo como um instrumento apenas à

disposição do autor.107

Ocorre que o nosso sistema adotou a teoria eclética do direito de ação e o

processo não deve ser visto como um modo de exercício de direitos pelo autor, mas sim como

um instrumento do Estado para o exercício da função jurisdicional,108 pouco importando se

por trás dele existe ou não algum direito subjetivo a ser reconhecido, a quem quer que seja.

Afinal, tem-se como um dos principais escopos do processo a pacificação social com

justiça,109 advinda da solução dos conflitos que surgem entre os membros da sociedade,

independentemente do reconhecimento de direitos aos seus protagonistas. Até porque o

conflito pode residir justamente na existência ou inexistência de algum direito subjetivo.

Portanto, seja sob a ótica do resultado, seja sob o aspecto do instrumento ou,

ainda, considerando-se ambos, será outorgada tutela jurisdicional àquele que tiver razão,

independentemente do reconhecimento – e até mesmo da existência – de algum direito

subjetivo. Em outras palavras, também haverá tutela jurisdicional nos casos de improcedência

do pedido do autor. Aliás, até mesmo o vencido, de certa forma, recebe uma tutela

pré-ordenação de técnicas processuais capazes de dar respostas adequadas às necessidades que dele decorrem” (Técnica processual e tutela dos direitos. – São Paulo: RT, 2004, p. 147). 107 DINAMARCO, op. cit., p. 20. 108 Idem, ibidem, p. 20-21. Em outra obra, o mesmo autor ressalta o seguinte: “Na criticada visão estritamente jurídica do fenômeno político que é jurisdição, os estudiosos do processo conformaram-se, inicialmente, com afirmações extremamente individualistas, ligadas ao sincretismo privatista em que o sistema processual aparece como meio de exercício dos direitos e institucionalmente destinado à sua satisfação. Dizia-se, então, que o escopo do processo era a tutela dos direitos, naquela visão pandectista que colocava a ação como centro do sistema e a descrevia como o próprio direito subjetivo em atitude de repulsa à lesão sofrida. Hoje, reconhecida a autonomia da ação e proclamado o método do processo civil de resultados, sabe-se que a tutela jurisdicional é dada às pessoas, não aos direitos, e somente àquele sujeito que tiver razão: a tutela dos direitos não é o escopo da jurisdição nem do sistema processual; constitui grave erro de perspectiva a crença de que o sistema gravite em torno da ação ou dos direitos subjetivos materiais” (A instrumentalidade do processo, 13ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2008, p. 180). 109 Sobre o assunto, DINAMARCO destaca que “não se busca o consenso em torno das decisões estatais, mas a imunização delas contra os ataques dos contrariados; e indispensável, para o cumprimento da função pacificadora exercida pelo Estado legislando ou sub specie jurisdictionis, é a eliminação do conflito como tal, por meios que sejam reconhecidamente idôneos (...). Isso não significa que a missão social pacificadora se dê por cumprida mediante o alcance de decisões, quaisquer que sejam e desconsiderado o teor das decisões tomadas. Entra aqui a relevância do valor justiça. Eliminar conflitos mediante critérios justos – eis o mais elevado escopo social das atividades jurídicas do Estado” (Idem, ibidem, p. 190-191).

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jurisdicional, na medida em que se definem os limites do justo e do razoável para o seu

sacrifício em prol do direito reconhecido ao vencedor.110

2.3. Tutela jurisdicional a favor do réu.

Partindo-se da conclusão alcançada no item anterior, infere-se que ao réu é

concedida tutela jurisdicional não apenas nos casos em que ele exerce pretensão (v.g.,

reconvenção e pedido contraposto), mas também quando o pedido do autor é julgado

improcedente.

A sentença de improcedência tem natureza declaratória negativa,111 onde o

Estado-juiz reconhece razão ao réu no conflito levado ao seu conhecimento, de acordo com as

regras de direito substancial. Portanto, também nesse caso o direito material é tutelado.

FLÁVIO LUIZ YARSHELL, abordando o tema da tutela jurisdicional em

favor do demandado, afirma que

a prestação da tutela estatal, na subespécie tutela jurisdicional, realiza-se independentemente do conteúdo do resultado proporcionado pelo exercício da citada atividade, de sorte que aquela primeira ocorre em favor de ambos os litigantes e, por essa razão, mesmo em face do vencido. Isso porque a atuação da vontade concreta do direito, a eliminação do conflito (de que resulta a pacificação) e a afirmação do poder estatal não conhecem vencedor ou vencido; simplesmente operam-se para ambos.112

No mesmo sentido, DINAMARCO assevera que “sempre que a demanda do

autor é rejeitada pela sentença de mérito (ação improcedente), o réu recebe uma tutela

jurisdicional oposta e de intensidade semelhante à que o autor teria recebido em caso de

improcedência”.113

110 Cf. DINAMARCO, op. cit., p. 29. 111 À exceção da que julga improcedente a declaratória negativa, pois neste caso a sentença teria efeito positivo (Cf. DINAMARCO, idem, ibidem, p. 35). 112 Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de vontade. – São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 19. 113 Op. cit., p. 35. Também nesse sentido, MARINONI ressalta que “a tutela jurisdicional pode, ou não, prestar a tutela do direito. Há tutela do direito quando a sentença e a decisão interlocutória reconhecem o direito material. Isso significa que a tutela jurisdicional engloba a sentença de procedência (que presta a tutela do direito) e a sentença de improcedência (que não presta a tutela do direito, embora constitua resposta ao dever do Estado de prestar tutela jurisdicional)” (Op. cit, p. 146). Sobre o assunto, eis a lição de GIUSEPPE CHIOVENDA: “Si el actor no tiene acción, su demanda es infundada y, como tal, rechazada. La sentencia en este caso absuelve al demandado de la demanda. En la fórmula desestimación de la demanda o absolución de la demanda está implícita la negación de la acción. Si la sentencia niega la acción por defecto de interés, niega simplemente el

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Ainda segundo o ilustre processualista, a possibilidade de o réu obter tutela

jurisdicional em seu favor decorre da característica da bipolaridade do processo de

conhecimento, revelada pela incerteza quanto ao seu resultado, pois depende de quem se

mostra apoiado pelo direito material. Isto não ocorre no processo de execução, onde já se sabe

de antemão que a tutela consistente na satisfação do direito somente será outorgada em favor

do exequente, jamais em prol do executado. Daí porque se fala na característica do desfecho

único do processo de execução.114

LEO ROSENBERG também afirma que a rejeição da demanda do autor

certamente implica concessão de tutela jurídica em favor do demandado, ainda que

desvinculada de uma pretensão deduzida em Juízo, já que esta, de regra, não é deduzida pelo

réu.115

O direito à tutela jurisdicional a favor do réu nos casos de improcedência difere

do direito garantido ao autor, pois este último está ligado à existência de uma pretensão

deduzida em juízo, ou seja, precede o processo onde se busca o seu reconhecimento. No caso

do réu, o direito à tutela jurisdicional não existe antes e nem fora do processo, mas tão-

somente em razão dele e enquanto ele estiver pendente. Por isso é que a natureza da tutela poder jurídico de pedir la actuación de la ley; si niega la acción por falta de derecho (...) o de calidad, niega la existencia de una voluntad de ley que garantice un bien al actor. Si el actor había pedido la declaración negativa de un derecho del demandado, la sentencia desestimatoria niega la inexistencia, es decir, afirma la existencia de una voluntad de ley que garantice un bien al demandado. En este último caso, la sentencia desestimatoria contiene declaración positiva a favor del demandado (...). pero también en los otros casos actúa la ley a favor del demandado, le reconoce y atribuye un bien, cual es la certidumbre de no estar sometido a la acción del adversario” (Instituciones de derecho procesal civil, vol. I, trad. espanhola de E. Gómez Orbaneja. – Madrid: Editorial Revista del Derecho Privado, 1948, p. 340). 114 Instituições de Direito Processual Civil, v. III. – 3ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2003, p. 31-32. 115 Eis a sua lição: “(...) Finalmente, está en contradicción con el derecho vigente admitir una pretensión a la tutela jurídica del demandado de la que al principio no se hablaba en la teoría de esta pretensión, pero a la que sus sostenedores se vieron empujados poco a poco; por lo demás, no es enseñada por todos ellos y algunos hasta la niegan. Y con razón, pues habría que negarla aun cuando se aceptase la pretensión a la tutela jurídica del actor, pues es esencialmente distinta de la éste; no es ni extra ni preprocesal, y carece así justamente de las cualidades que constituirían la esencia: de la pretensión a la sentencia del actor. Ciertamente, cuando la demanda es rechazada por infundada, se le otorga al demandado tutela jurídica; pero para ello no se necesita de una pretensión a la tutela jurídica que le pertenezca. Pero si se plantea una demanda de declaración y el actor no demuestra su interés en la misma, no puede serle otorgada tutela jurídica al demandado mediante el rechazamiento material de la demanda; si bien se ha establecido sin lugar a dudas, por el ataque del actor, su interés en la inmediata declaración; por el contrario, la demanda debe rechazarse como improcedente, es decir, sin otorgamiento de tutela jurídica al demandado. Sobre esta conclusión no existen diferencias de opinión. Han fracasado los intentos de pretensión a la tutela jurídica del demandado. Para esto, ni siquiera se ha considerado que cuando el mismo demandado quisiera impulsar, mediante reconvención, la declaración de no existencia del derecho pretendido por el actor, estaría de pronto en posesión de la pretensión de tutela jurídica, que no tenia como simple demandado!” (Tratado de Derecho Procesal Civil, trad. de Angela Romera Vera, Tomo II, Libro segundo: el procedimiento de sentencia. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1955, p. 63-64).

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concedida ao réu, nesses casos, sempre será declaratória, independentemente do direito

material discutido em juízo.116

Cumpre observar, ainda, que não apenas quando a sentença resolve o mérito,

julgando improcedente o pedido do autor, haverá tutela jurisdicional a favor do réu. Também

nos casos de extinção do processo sem resolução do mérito ocorre esse fenômeno, muito

embora com menos intensidade.117

O nosso sistema adota claramente a tese que garante ao réu uma tutela

jurisdicional, especialmente quando prevê a necessidade de sua concordância com o pedido de

desistência do processo118 formulado pelo autor.119 Ora, a homologação desse pedido depende

da concordância do réu justamente porque ele tem, tanto quanto o autor, o direito à tutela

jurisdicional, conquanto noutro sentido, qual seja o de declaração da inexistência da pretensão

deduzida na inicial.120

De acordo com o art. 267, § 4°, do CPC, “depois de decorrido o prazo para a

resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação”. Na verdade, o

dispositivo deve ser lido da seguinte maneira: “desde que o réu tenha apresentado resistência

116 Idem, ibidem. 117 Cf. DINAMARCO, Tutela Jurisdicional, Revista Forense, v. 334, p. 36-37. 118 E. D. MONIZ DE ARAGÃO alerta para o fato de que teria sido melhor o código, no dispositivo em questão, “não falar em desistência da ação e sim em pedido de extinção do processo, por exemplo, pois a este é que se refere a desistência, não à ação, que só pode ser afetada pela renúncia do autor” (Comentários ao Código de Processo Civil, 10ª ed., rev. e atual., v. II: art. 154 a 269. – Rio: Forense, 2005, p. 451). 119 “Da alternatividade da tutela jurisdicional a ser outorgada no processo de conhecimento decorre, em primeiro lugar, a sua bipolaridade alternativa, que se resolve no direito de ambas as partes a ele (direito ao processo) e à emissão da sentença de mérito que ele prepara. Não só o autor o tem, mas de igual modo o réu, a quem a lei oferece inclusive o poder de impedir a extinção do processo pela vontade unilateral do autor: o dispositivo que condiciona a desistência da ação à anuência do réu (...) é visível manifestação dessa bipolaridade que rege o direito ao processo. Tanto ao réu quanto ao autor a lei oferece o direito de esperar legitimamente pela sentença de mérito favorável e, portanto, pela tutela jurisdicional plena que ela em princípio é capaz de proporcionar” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III. – 3ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2003, p. 32). 120 Nesse sentido, CASSIO SCARPINELLA BUENO: “O § 4° do art. 267, contudo, exige a concordância do réu quando já transcorrido o prazo para sua resposta. Justificável a exigência. É que a rejeição do pedido do autor significa prestação de tutela jurisdicional para o réu. Tutela jurisdicional, é certo, que pode ser de qualidade diversa daquela pretendida originariamente pelo autor mas, de qualquer sorte, o proferimento da sentença nos moldes do art. 269, I, de ‘rejeição do pedido do autor’ (...) acrescenta, ao patrimônio jurídico do réu, um quid suficiente que impõe a sua prévia oitiva. O réu, com efeito, tem inegável interesse no proferimento de uma decisão que lhe favoreça e que, sendo de mérito, inviabiliza que o autor volte a formular aquele mesmo pedido pelo mesmo fundamento em seu detrimento” (Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário, 2: tomo I. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 341).

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ao pedido do autor, este não poderá, sem o consentimento daquele, desistir da ação”. Afinal, o

consentimento é dispensado quando o réu é revel.121

Mas a doutrina diverge a esse respeito. De fato, deve ser levado em conta que a

lei não exige a apresentação de resposta para que o réu seja ouvido sobre o pedido de

desistência.122 Além disso, a revelia induz, de regra, apenas a presunção de veracidade dos

fatos alegados na inicial, o que nem sempre conduz à procedência do pedido.

Não bastasse, o réu revel poderá comparecer posteriormente ao processo (CPC,

art. 322, parágrafo único) e produzir provas – ressalvados os casos de preclusão123 – podendo,

assim, influenciar decisivamente no resultado do processo. Portanto, ainda que seja revel, o

réu poderá obter tutela jurisdicional em seu favor, bastando que a pretensão do autor seja

rejeitada.

Outrossim, porque o processo de execução caracteriza-se pelo desfecho único,

onde a atividade jurisdicional desenvolve-se exclusivamente em benefício do exequente, as

regras sobre a desistência são diversas. Dispõe o art. 569, caput, do CPC, que “o credor tem a

faculdade de desistir de toda a execução ou de apenas algumas medidas executivas”.

121 Sobre o assunto, eis as observações de MONIZ DE ARAGÃO: “Em primeiro lugar, a anuência do réu somente será necessária se este houver respondido à ação. Se revel, evidentemente não terá o direito de se opor à desistência, nem será intimado do requerimento do autor nesse sentido (art. 321). Em segundo lugar, o seu assentimento é necessário a partir do instante em que apresentada a resposta, mesmo que o prazo para a prática desse ato ainda não esteja vencido” (idem). No mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior afirma que “ainda que se tenha ultrapassado o termo do prazo de defesa, mas se o réu permanece inerte, tornando-se revel, não tem sentido exigir seu consentimento para que o autor possa desistir da ação” (Curso de direito processual civil, vol. I: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 19ª ed., rev. e atual. – Rio: Forense, 1997, p. 313). 122 De acordo com CASSIO SCARPINELLA BUENO, “não é necessário, a este respeito, que o réu tenha efetivamente apresentado qualquer resposta. Não é esta a exigência feita pela regra. Basta que o réu, devidamente citado, tenha tido oportunidade plena de apresentar as suas defesas. É esta possibilidade de se defender que satisfaz a exigência constitucional da ampla defesa (...). Assim, porque o réu, citado, integra o processo para todos os fins, para dele participar amplamente em busca de tutela jurisdicional a seu favor, a ‘desistência’ admitida pelo inciso VIII do art. 267 impõe a sua prévia concordância. Se o réu que não apresentar qualquer defesa – um réu revel, portanto – tiver advogado constituído nos autos, o seu advogado será intimado para se manifestar sobre a desistência pretendida pelo autor (art. 322, caput). Caso contrário, a melhor interpretação, por força das considerações aqui expostas, fortes no ‘modelo constitucional do processo civil’, é que o réu seja pessoalmente intimado para se manifestar sobre aquele pedido, não se aplicando, por isso mesmo, a ressalva que consta do caput daquele mesmo dispositivo” (Op. Cit. p. 341). 123 Segundo RITA GIANESINI, “a produção de provas pelo réu revel encontra dois limites: um temporal, preclusão do prazo para requerer a sua proposição ou para produzi-la. O pedido de realização de prova poderá, porém, ser suprido pelo formulado pelo autor e deferido, ou pela determinação de ofício do magistrado ou por motivos supervenientes. O segundo limite relativo ao conteúdo da prova, é que deverá cingir-se aos fatos deduzidos pelo autor na inicial” (Da revelia no processo civil brasileiro. – São Paulo: RT, 1977, p. 123).

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Esse dispositivo revela o princípio da disponibilidade da execução, segundo o

qual “o exequente tem a disponibilidade da ação de execução, podendo dela desistir, no todo

ou em parte, independentemente da concordância do executado, que se presume”.124

O parágrafo único, que trata do destino dos embargos quando houver

desistência da execução, em nada altera o princípio da disponibilidade. Caso os embargos

tenham como objeto apenas vícios formais do processo de execução, serão automaticamente

extintos (alínea a), já que não mais haverá interesse processual para o prosseguimento. Se os

embargos forem de mérito, ou seja, se atacarem o título executivo, então a extinção deles – e

não da execução – “dependerá da concordância do embargante”. Em outras palavras, a

anuência do embargante é necessária tão-somente no que diz respeito à extinção dos

embargos. A extinção da execução, pouco importando o objeto dos embargos, depende

exclusivamente da vontade do exequente.125

Finalmente, merece destaque o fato de que as recentes reformas determinadas

no sistema processual reforçam a tônica da afirmação de que a improcedência do pedido do

autor implica tutela jurisdicional em favor do réu.

O art. 475-N, I, do CPC, com a redação determinada pela lei 11.232/05, dispõe

que é título executivo judicial “a sentença proferida no processo civil que reconheça a

existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar ou pagar quantia”.

Discute-se, na doutrina, acerca da constitucionalidade desse dispositivo caso a

expressão “sentença que reconheça a existência de obrigação” seja interpretada como algo

diverso de “sentença condenatória”. Isto porque o projeto de lei que foi aprovado na Câmara

dos Deputados continha esta última expressão na redação originária do art. 475, antes

encontrada no art. 584, I, do CPC. Aprovado nessa Casa, o projeto foi encaminhado para o

Senado, onde sofreu uma emenda de redação, onde surgiu aquela primeira expressão. Em

seguida, foi sancionado e publicado, surgindo então a Lei n° 11.232/05, sem o retorno para

deliberação da Câmara dos Deputados.

124 Cf. ZAVASKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3ª ed. – São Paulo: RT, 2004 (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tulio Liebman; 42), p. 97-98. 125 Segundo ARAKEN DE ASSIS, “formulada a desistência da execução no curso de oposição de mérito (...) o devedor há de ser consultado, nos embargos, pois o juiz extinguirá a execução, sobre seu interesse no prosseguimento da oposição. Eventual objeção impede somente a extinção dos embargos” (Comentários ao código de processo civil, v. VI, 2ª ed. – Rio: Forense, 2004, p. 71).

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Assim, caso a emenda de redação tenha determinado uma modificação

substancial – e não apenas uma adequação de redação –, o dispositivo em questão padeceria

de inconstitucionalidade formal (CF, art. 65, parágrafo único). Contudo, essa discussão

ultrapassa os objetivos deste trabalho.126

Há jurisprudência entendendo que a sentença de improcedência do pedido de

declaração de inexistência de um determinado débito constitui título executivo em favor do

réu, quando identificados em seu bojo os elementos da obrigação: sujeitos, prestação, liquidez

e exigibilidade.

Num caso em que uma consumidora ingressou com “ação declaratória de

inexigibilidade de débito cumulada com condenatória de repetição de indébito” em face da

Cia. Paulista de Força e Luz - CPFL, os pedidos deduzidos na inicial foram julgados

improcedentes. Diante desse resultado, a ré requereu a intimação da autora para pagar o valor

correspondente ao débito havido como existente – e que resultou na improcedência do pedido

de inexigibilidade –, o que foi indeferido. Inconformada, a autora interpôs agravo por

instrumento, ao qual foi dado provimento. Constam dos fundamentos lançados no voto do

relator os seguintes trechos que merecem destaque:

À guisa do art. 475-N, inc. I, do Código de Processo Civil, ostenta plena executividade qualquer decisão judicial que reconheça a existência do dever de prestar, seja condenatória, seja declaratória, à luz da instrumentalidade e da efetividade do processo. Note-se que a propositura da ação meramente declaratória é possível ainda que o autor já tenha condições de ajuizar ação condenatória, que pressupõe, em tese, direito violado. (...) O caso concreto, porém, revela faceta importante, embora não decisiva: quem pretende iniciar a fase de cumprimento da

126 Depois de discorrer com profundidade sobre o assunto, CASSIO SCARPINELLA BUENO conclui o seguinte: “(...) Assim, seja para evitar violação frontal ao precitado parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal (‘princípio da bicameralidade’ ínsito ao devido processo legislativo brasileiro), seja para evitar o entendimento de que o dispositivo aqui analisado está a criar um título executivo ‘impossível’, a melhor interpretação a ser dada ao inciso I do art. 475-N é a de que o título executivo previsto pela regra é o das “sentenças” que reconheçam suficientemente o inadimplemento (e não a mera existência) de uma obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia e que, por isto mesmo, independentemente do ‘nome’ que ela tenha (se ‘condenatória’ ou ‘executiva lato sensu’ ou ‘mandamental’ ou, até mesmo, se ‘declaratória’ ou ‘constitutiva’ (...), admitir a prática de atos executivos voltados à satisfação daquele inadimplemento. Trata-se de interpretação que, de resto, afina-se bastante bem ao ‘modelo constitucional do processo civil’ porque permite que quaisquer ‘sentenças’ que assim disponham dispensem qualquer outra atividade jurisdicional voltada ao reconhecimento jurisdicional de um direito já suficientemente reconhecido e, como tal, apto a ser satisfeito por obra do Estado-juiz. São ‘sentenças’, a despeito da redação que tem o dispositivo, que têm a função (processual) de autorizar a força do Estado-juiz com vistas ao cumprimento compulsório da obrigação inadimplida” (Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva, vol. 3. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 82).

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sentença não é a autora, mas a ré! (...) Em resumo: a autora pediu ao Estado-Juiz a declaração de que não é devedora da ré. No entanto, o pedido foi declarado improcedente. É preciso advertir que a ré não pretende executar a verba de sucumbência, mas sim o crédito que a r. decisão atacada não declarou inválido. É possível? Sim. Como no caso concreto a matéria de mérito é unicamente de direito, o julgamento de improcedência do pedido declaratório de inexigibilidade de débito significa, em raciocínio a contrario sensu, que a ré é credora da autora de débito não satisfeito. Não se trata de improcedência do pedido por falta de provas. A hipótese é outra, qual seja: perante o ordenamento jurídico o crédito em questão foi declarado de todo exigível, legítimo, válido.127

Conclui-se, pois, que autor e réu têm o mesmo direito à tutela jurisdicional no

processo de conhecimento, inclusive com a possibilidade de formação de título executivo

judicial em favor do segundo, mesmo nos casos em que ele não exerce pretensão e assume

posição ativa.

2.4. Efetividade e tempestividade também são direitos fundamentais do réu.

O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva alcança todos

os cidadãos. Dessa forma, é também uma garantia do réu, não apenas nos casos em que se

vislumbra a possibilidade de obter uma tutela jurisdicional a seu favor (ações dúplices,

reconvenção e pedido contraposto), mas também quando necessita de uma pronta intervenção

do Poder Judiciário para barrar pretensões completamente infundadas, deduzidas contra si,

evitando-se os males causados pela simples tramitação do processo.

127 TJSP - Agravo de Instrumento n° 1.178.502-0/4, rel. Des. Antônio Benedito Ribeiro Pinto, julgamento: 31/07/08 (disponível em www.tj.sp.gov.br/consulta/jurisprudência, consultado em 21/03/2009). No mesmo sentido: TJSP – Agravo de Instrumento n° 1.233.559-0/0, rel. Des. Mario A. Silveira, julgamento: 02/02/09 (idem). Estes entendimentos encontram amparo em decisões proferidas pelo STJ desde antes das modificações impostas pela Lei n° 11.232/05 ao sistema processual, destacando-se o entendimento do Ministro Teori Albino Zavascki, que da mesma forma se manifesta em doutrina: “(...) [a]o legislador ordinário não é dado negar executividade a norma jurídica concreta certificada por sentença se nela estiverem presentes todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso representaria atentado ao direito constitucional à tutela executiva, que é inerente e complemento necessário do direito de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem medidas complementares para ajustar os fatos ao direito declarado na sentença, seria tutela incompleta. E, se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, ‘por sentença’, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, novamente, a juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa que não ‘a de um resultado já prefixado’, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional. Portanto (...): não há como negar executividade à sentença que contenha definição completa de norma jurídica individualizada, com as características acima assinaladas” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 8, São Paulo, RT, 2003, p. 195; REsp 588.202/PR; ED no REsp 502.618, este relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha).

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Segundo RITA GIANESINI, “O princípio da efetividade do processo, hoje tão

propagado, só vigora em relação ao autor. O réu está totalmente esquecido. Partindo-se do

pressuposto de que o autor, na maioria das vezes, para não dizer sempre, tem razão, procura-

se tão-somente proteger seus interesses, haja vista a antecipação da tutela jurisdicional por ele

pleiteada. Esqueceu-se o legislador que o autor pode demandar única e exclusivamente para

perturbar o réu”.128

Assim, a interpretação do artigo 126 do CPC, sugerida alhures, também lhe

socorre, preservando-se a isonomia de tratamento que deve ser dispensada às partes.

2.5. O direito fundamental à privacidade e a necessidade de evitar os danos causados ao

réu pelas demandas manifestamente improcedentes.

Infelizmente, é cada vez maior o número de demandas desprovidas de

fundamentação minimamente razoável, propostas por pessoas que pretendem obter alguma

vantagem indevida (adiar o pagamento de uma dívida, por exemplo), abusando da notória

lentidão da marcha processual. Ou então, por ilusão ou assessoramento deficiente, deduzem

pretensões manifestamente improcedentes e fadadas ao insucesso, como, por exemplo,

algumas das inúmeras ações de danos morais, muito comuns no dia-a-dia do foro e que, desde

o início e evidentemente, sabe-se que não alcançarão o resultado pretendido.

Nesses casos, a angústia, o sofrimento psicológico, os prejuízos econômicos e

até mesmo a miséria afetam o réu. Portanto, se é certo que o autor tem o direito fundamental à

tutela jurisdicional tempestiva, também é certo que o réu tem o direito de não ser demandado

e não ter a sua privacidade violada sem que a pretensão deduzida pelo primeiro tenha uma

razoabilidade mínima. Afinal, seus direitos fundamentais também devem ser respeitados.

O problema da demora na prestação jurisdicional vem sendo resolvido pelas

tutelas de urgência, principalmente pela tutela antecipada, ainda que de maneira não

plenamente satisfatória. Mas não se pode olvidar que a garantia da duração razoável do

processo também socorre o réu. Portanto, se diante da evidência do direito do autor o sistema

128 Da recorribilidade do “cite-se”. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. Vários colaboradores. São Paulo: RT, 2001, v. 4, p. 942.

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lhe permite, por meio das técnicas processuais das tutelas de urgência, a fruição liminar do

bem da vida – fazendo cessar a angústia e o sofrimento psicológico e minorando os seus

prejuízos – o mesmo deve ser proporcionado ao réu, conquanto por meios diversos,

preservando-se o tratamento isonômico dispensado às partes.

Em outras palavras, diante de pretensões manifestamente infundadas, deve ser

inibida a agressão à privacidade do réu – e eventualmente ao seu patrimônio – o mais rápido

possível.

Sobre o assunto, observa a doutrina:

Há situações em que uma tutela desfavorável ao autor, porém tempestiva, tem muito mais aptidão de garantir a pacificação social como resultado buscado pelo processo do que uma tutela favorável proferida após anos e anos de embate judicial pelas partes, acabando por tornar-se inútil em virtude do longo lapso temporal transcorrido sem a efetivação do direito reconhecido na sentença. Disso decorre que, no caso concreto, em situações nas quais o magistrado for se valer da hermenêutica para dar eficácia e plena aplicabilidade à norma constitucional que prevê a tutela jurisdicional tempestiva, deverá observar não só os interesses do autor na rápida solução do litígio, como também o mesmo direito do réu.129

Tanto o autor, que exerce o direito de ação, quanto o réu, que se defende, têm

igual pretensão de tutela jurídica – conquanto em sentidos opostos –, ou seja, idêntico direito

de obter uma sentença de mérito, como decorrência da garantia constitucional da ampla

defesa. O autor pede e o réu impede,130 ambos amparados em direitos fundamentais

reconhecidos na Constituição.

Além de o direito fundamental à tempestividade da tutela jurisdicional também

socorrer o réu, deve ser considerado o seu direito à privacidade como óbice às demandas

absolutamente desprovidas de amparo no ordenamento jurídico.

129 SPALDING, Alessandra Mendes. Direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva à luz do inciso LXXVIII do art. 5º da CF inserido pela EC n° 45/2004. In Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n° 45/2004, Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et ali, São Paulo, RT, 2005, p. 36. 130 Expressão utilizada por CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria geral do processo. - São Paulo: Malheiros, 17a ed., 2001, p. 273. Segundo a lição dos autores, “o modo de entender a ação influi, sem dúvida, sobre o modo de conceituar a exceção. Quem define a ação como direito à sentença favorável, logicamente, concebe a exceção como direito de obter a rejeição da ação; quem entende a ação como direito à sentença de mérito, naturalmente, define a exceção como direito à sentença sobre o fato extintivo ou impeditivo a que se refere a exceção; quem distingue entre o poder genérico de agir (constitucional) e ação (processual) concebe analogamente a exceção, em face do direito genérico de defesa” (p. 172-273).

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Segundo JORGE MIRANDA, ao tratar dos conceitos afins e categorias de

direitos fundamentais,131 “o primeiro conceito afim do de direitos fundamentais que importa

referir é o de direitos de personalidade. Os direitos de personalidade são posições jurídicas

fundamentais do homem que ele tem pelo simples facto de nascer e viver; são aspectos

imediatos da exigência de integração do homem; são condições essenciais ao seu ser e devir;

revelam o conteúdo necessário da personalidade; são emanações da personalidade humana em

si; são direitos de exigir de outrem o respeito da própria personalidade; têm por objeto, não

algo exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa ou bens da

personalidade, moral e jurídica ou manifestações parcelares da personalidade humana”.132

Dentre os direitos da personalidade, destacamos, de acordo com os propósitos

deste trabalho, o da privacidade, que, segundo ANTONIO CHAVES, consiste num “modo de

ser negativo do indivíduo com relação aos outros sujeitos e mais precisamente ao

conhecimento destes, satisfazendo aquela necessidade de ordem espiritual que reside na

exigência de isolamento moral, de não-comunicação externa no que diz respeito à pessoa

individual, constituindo, assim, uma qualidade moral da própria pessoa”.133

No direito anglo-saxão, privacidade é “o direito de [o homem] viver a sua

própria vida em isolamento, sem ser submetido a uma publicidade que não provocou e nem

desejou”.134 Em outras palavras, the right to be alone.

A Declaração de Direitos Humanos da ONU, de 1948, prescreve em seu art. 12

que “ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na

sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação; todo o homem tem direito à

proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

131 Manual de Direito Constitucional – Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3a ed. – Portugal: Coimbra Editora, 2000, p. 51. 132 Idem, ibidem, pp. 58/59 - grifamos. 133 Os direitos fundamentais da personalidade moral (à integridade psíquica, à segurança, à honra, ao nome, à imagem, à intimidade). Revista de Informação Legislativa, ano 15, nº 58, abril-junho/78. – Brasília: Ed. Senado, p. 165. Em outras palavras, o direito à privacidade consiste na “faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como o de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2.) 134 Cf. EDUARDO DIDONET TEIXEIRA e MARTIN HAEBERLIN em A Proteção da Privacidade – aplicação na quebra do sigilo bancário e fiscal. – Porto Alegre: SAFE, 2005, p. 67, citando a obra de RENÉ ARIEL DOTTI – Proteção da vida privada e liberdade de informação. – São Paulo: RT, 1980, p. 71.

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A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, inciso X, determina que “são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito

à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Pelo que se depreende das lições doutrinárias e das normas acima transcritas, a

proteção à privacidade envolve basicamente dois aspectos: 1) proibição de intromissões

arbitrárias que geram incômodo ao indivíduo; e 2) proibição de divulgação de dados ou

informações que só a ele dizem respeito. Interessa-nos, neste momento, o primeiro aspecto,

porquanto se pretende demonstrar a necessidade de razoabilidade mínima da pretensão

deduzida pelo autor para justificar o desenvolvimento do processo.

Se, de um lado, é assegurado ao autor o acesso à ordem jurídica justa (tutela

jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva), assegura-se àquele apontado como réu, de outro,

a impossibilidade de ter a sua privacidade e o seu sossego violados de forma arbitrária, sem

fundamentos minimamente razoáveis.

Alguns doutrinadores chegam a dizer que os direitos da personalidade devem

ser privilegiados quando em colisão com outros direitos fundamentais. Conforme lição de

PEDRO PAIS VASCONCELLOS, “os direitos da personalidade são supralegais e

hierarquicamente superiores aos outros direitos, mesmo em relação aos direitos fundamentais

que não sejam direitos da personalidade”.135

De acordo com os itens seguintes deste trabalho, defende-se a possibilidade de

indeferimento da inicial com julgamento do mérito nos casos de manifesta improcedência do

pedido, de acordo com as normas constitucionais e infraconstitucionais vigentes, como forma

de amenizar os prejuízos causados ao réu e à máquina judiciária pelo abuso do direito de

demandar.

Conforme se verá, garante-se ao autor o acesso à tutela jurisdicional que lhe

assegura a Constituição Federal, conquanto o provimento seja contrário à pretensão deduzida,

pelo simples motivo de que evidentemente não tem razão. Ao mesmo tempo, preservam-se os

direitos fundamentais do réu à privacidade e à tempestividade da prestação jurisdicional.

135 Proteção de dados pessoais e direito à privacidade. Direito da Sociedade da Informação, vol. I, Portugal, Coimbra, 1999, p. 36.

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É importante ressaltar que a ponderação de princípios constitucionais deve ser

feita pelo juiz diante do caso concreto, de forma que não se pode impedir o cidadão de acessar

o Judiciário. Todavia, uma vez que lhe foi garantido o acesso, cabe ao Poder Judiciário

analisar, caso a caso, se está havendo abuso do direito de demandar, capaz de gerar invasão

indevida na privacidade do réu, tirando-lhe o sossego e causando-lhe danos, sem que – repita-

se – haja uma razoabilidade mínima nos fundamentos lançados pelo autor na petição inicial.

Não se deve permitir que o réu seja citado em seu domicílio (no mais das vezes

no sossego do seu lar), fique angustiado com a propositura da demanda, tenha que contratar

um advogado – e pagar para isso – e eventualmente deixar os seus afazeres de lado para

comparecer às audiências designadas no curso do processo, tudo em razão de uma pretensão

evidentemente absurda deduzida pelo autor, ou no mínimo contrária aos entendimentos

pacificados na jurisprudência.

Exige-se seriedade na propositura da demanda; uma probabilidade mínima de

que o autor tenha razão. Em outras palavras, não pode haver leviandade ao demandar perante

o Poder Judiciário.136

É interessante notar que não há dificuldade de aceitar esse posicionamento na

seara do processo penal, muito embora a questão seja tratada no âmbito das condições da

ação. Muitas vezes nos deparamos com a extinção prematura de processos penais ao

argumento de que não há justa causa para a sua instauração ou para o seu desenvolvimento.

De acordo com a doutrina, justa causa para a ação penal consiste no “suporte

probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples

instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado”.137

136 Cf. ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 60). – São Paulo: RT, 2007, pp. 94-95, citando a lição de De Stefano e Ângelo Dondi: “outro aspecto ligado à falta de seriedade e referido pelos estudiosos da commom law, é a chamada frivolouness, ou seja, o caráter de leviandade ou frivolidade que motiva o ato da parte, principalmente o ato introdutório do processo (pleading). Segundo Dondi, cabe ao magistrado um juízo de valor acerca da atividade da parte, no sentido de verificar se estão presentes os objetivos de importunar, provocar aborrecimento, procrastinar o feito ou aumentar os custos do processo. Trata-se de um exame preliminar realizado pelo juiz de forma preventiva, para assegurar, em especial, que a demanda tenha um grau mínimo de fundamento (meritorius pleading), caracterizado pela non frivolouness (ausência de leviandade), pela proper purpouse (finalidade própria ou correta) e a provável existência de um evidentiary support (que equivale, na nossa cultura jurídica, à verossimilhança)”.

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Segundo a lição de FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “para a

propositura da ação penal, entretanto, que visa, preferentemente, à irrogação de uma pena,

estando de conseguinte em jogo a liberdade individual, procurou o legislador evitar acusações

temerárias sem qualquer fundamento, obrigando o réu a sofrer um verdadeiro

constrangimento ilegal”. E continua: “assim, no campo penal, não basta a simples afirmação

de que houve um crime de que fulano ou sicrano foi o seu autor. É preciso, para que o pedido

da acusação, consubstanciado na denúncia ou queixa, seja afinal apreciado, que, no limiar da

ação, veja o Magistrado se o que se pede traz a nota da idoneidade”.138

O Ministro CEZAR PELUSO, do Supremo Tribunal Federal, nos autos de um

inquérito139 que tramitava perante esse Tribunal em razão da prerrogativa de função do

indiciado, assim se pronunciou em seu voto:

Senhor Presidente, esta é mais uma boa oportunidade para a Corte reafirmar princípios e esclarecer posturas nem sempre bem compreendidos, sobretudo pelas pessoas que não participam do restrito círculo de profissionais do mundo jurídico. Para justificar minha conclusão, principiaria por dizer que, embora redutíveis ambos a uma teoria geral, o processo civil e o processo penal apresentam características estruturais muito diversas, com diferenças graves, em especial para a solução do caso em apreço. No processo civil, o que está em risco em relação ao réu é, pura e simplesmente, a chamada esfera da liberdade jurídica. O réu, no processo civil, defende-se tão só para resguardar a esfera de poderes em que se resolve sua liberdade jurídica, isto é, evitar que seja de algum modo diminuída ou restringida por sentença favorável ao autor. Sua posição básica consiste, pois, em tentar afastar o risco de uma decisão que lhe venha, de algum modo, a atingir a esfera da liberdade jurídica. No processo penal, todavia, está em jogo, em relação ao réu, a liberdade física, vista como um dos mais importantes direitos da personalidade. Daí, a substancial diferença quanto à disciplina, entre outros temas, da incoação de ambos os processos. O processo civil pode legitimamente iniciar-se sem prova alguma dos fatos fundantes da pretensão deduzida pelo autor; o processo penal já não pode, porque o impedem as consequências, que são outras.

Essas afirmações merecem algumas observações. Em primeiro lugar, o

inquérito penal em questão trata de suposto crime de assédio sexual, tipificado no art. 216-A

do Código Penal, que, em seu preceito secundário, prevê uma pena de detenção de 1 (um) a 2

(dois) anos.

137 JARDIM, Afrânio Silva, Direito Processual Penal – Estudos e pareceres. – Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 70. 138 Processo Penal, vol. I, 16a ed. - São Paulo: Saraiva., 1994, p. 454. 139 Inquérito 2.033-8 – Distrito Federal.

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Nos termos do art. 61, da lei 9.099/95 (Juizados Especiais), com a redação

determinada pela lei 11.313/06, trata-se de crime de menor potencial ofensivo, ou seja, crime

passível de transação penal (art. 76), com a consequente extinção da punibilidade. Caso o

autor do fato não aceite a transação penal – ou esta não seja possível diante das circunstâncias

do caso –, seja processado e condenado à pena máxima,140 o regime inicial de cumprimento

será, de regra, o aberto (art. 33, § 2°, c, do Código Penal).141

Portanto, com a devida vênia, é frágil o argumento de que numa ação penal que

trata de suposto crime de menor potencial ofensivo está em jogo a liberdade física do acusado,

já que é difícil imaginar uma hipótese em que será efetivamente recolhido à prisão em razão

da prática desse tipo de crime.

Assim, diante do contexto atual, pergunta-se: será que a simples tramitação de

uma ação civil de “investigação de paternidade” ou outra em que se pretende uma condenação

substancial de indenização por danos morais – apenas para citar alguns exemplos – não

causam angústia, abalo psicológico e eventualmente prejuízo patrimonial ao réu? O que se

dizer, então, do credor que permaneceu litigando durante vários anos, obteve uma sentença de

mérito favorável e, na fase de cumprimento, o devedor lança mão de infundados argumentos

na impugnação, mais uma vez tentando impedir a satisfação do direito exaustivamente

reconhecido àquele? Ou, ainda, do credor de uma nota promissória que já tinha planos para

gastar o dinheiro que receberia do devedor, mas este não lhe paga e, além disso, quando

citado no processo de execução, opõe embargos manifestamente infundados, embaraçando a

marcha processual da execução? Nesses casos, quer nos parecer que há maior razão em se

exigir uma razoabilidade mínima para a ação civil, do que no caso de ações penais que versam

sobre crimes de menor potencial ofensivo.142 Afinal, é quase inexistente a probabilidade de

um indivíduo ter a sua liberdade cerceada em razão de uma ação penal por crimes como

assédio sexual, ameaça, desacato, calúnia, injúria, difamação etc.

Demais disso, o desenvolvimento de um processo que veicula uma pretensão

evidentemente desprovida de fundamento minimamente razoável gera desperdício de dinheiro

140 O que, na prática, é quase impossível diante da cultura da pena mínima que se verifica nos Tribunais. 141 “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”. 142 Por que não pensarmos em justa causa para a ação civil?

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público e de tempo de todos aqueles que integram a máquina judiciária: juízes, escrivães,

oficiais de justiça e demais auxiliares do juízo.

Na ação penal, a falta de justa causa gera a extinção do processo sem resolução

do mérito, reservando-se ao autor (Ministério Público ou querelante) a possibilidade de propô-

la novamente, desde que fundada em novas provas, porquanto não se produziu coisa julgada

material. A justa causa é incluída entre as condições da ação, geralmente integrante do

interesse processual.

Em sentido diverso, FREDIE DIDIER JR. afirma o seguinte: “Não se nega a

existência desse requisito, que é de suma importância para o desenvolvimento de um processo

preocupado com a proteção dos direitos fundamentais. Discorda-se, apenas, do seu

enquadramento como condição da ação. É requisito que diz respeito ao desenvolvimento do

procedimento e não à propositura da demanda”.143

Independentemente da natureza jurídica da justa causa, é importante destacar

que ela existe como forma de proteção aos direitos fundamentais, especialmente para impedir

agressões levianas à dignidade do réu. Mas, também no processo civil, a leviandade do autor

pode gerar injustas agressões aos direitos fundamentais do demandado. E a verificação das

condições da ação, com o eventual indeferimento da petição inicial, não resolve o problema.

De fato, muitos são os casos em que há legitimidade, interesse de agir e

possibilidade jurídica, mas a pretensão do autor, quando não absurda, é evidentemente

infundada e não resiste à simples leitura da petição inicial, impondo-se a rejeição da

pretensão, de plano, antes mesmo da instauração do contraditório. Preservam-se, assim, os

direitos fundamentais do réu de acesso à tutela jurisdicional tempestiva e à duração razoável

do processo sob a sua perspectiva.144

143 Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 296. 144 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ressalta que “assentado que a tutela jurisdicional plena será outorgada sempre àquele dos litigantes que tiver razão segundo os ditames do direito substancial, segue-se que a tutela ministrada ao réu em caso de improcedência da demanda do autor consiste em aliviá-lo da pretensão deste” (Fundamentos do processo civil moderno, 5ª. ed. – São Paulo: Malheiros, 2002, tomo II, p. 828).

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Capítulo III – O ABUSO DO DIREITO.

3.1. O abuso do direito no plano material.

Há muito se diz que “há uma medida em todas as coisas: existem, afinal,

limites” (Horácio, Sátiras, 1, 1.).145 Essa antiga lição é válida para qualquer direito, já que não

existem direitos absolutos. Todos devem ser exercidos regularmente, sem abusos e nos limites

estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

O abuso do direito foi equiparado ao ato ilícito pelo novo Código Civil, numa

das mais festejadas modificações em relação ao sistema anterior. Nos termos do seu art. 187,

“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente

os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

O conceito de abuso de direito deita suas raízes históricas na aemulatio do

Direito Romano, ou seja, no “exercício de um direito, sem utilidade própria, com a intenção

de prejudicar outrem”.146

Existem várias teorias sobre o tema, inclusive algumas que negam a existência

do abuso do direito. Estas podem ser resumidas na teoria negativista – já ultrapassada –, ao

passo que aquelas que pregam a sua existência, as afirmativas, dividem-se em subjetivas e

objetivas147 e, ainda, mistas ou ecléticas.148

3.1.1. Teoria negativista.

A teoria negativista é defendida por aqueles que negam o próprio conceito de

direito subjetivo, sendo impossível o abuso daquilo que se diz não existir. LÉON DIGUIT

entendia que se um ato deixa de ser conforme ao direito objetivo pelo seu objeto, não

configuraria o exercício abusivo de um direito, mas, simplesmente, um ato contrário ao direito

145 A citação é de SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de. Abuso do direito processual: uma teoria pragmática. –São Paulo: RT, 2005, p. 11. 146 Cf. LOTUFO, Renan. Comentários ao Código Civil, 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 499. 147 Cf. CALCINI, Fábio Pallaretti. Abuso do direito e o novo Código Civil, RT 830/27. 148 ARAÚJO, Francisco Fernandes de. O Abuso do direito processual e o princípio da proporcionalidade na execução civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 26.

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objetivo. Para ele, agir conforme o direito não é exercer um direito subjetivo, já que este não

existe; da mesma forma, praticar um ato cujo objeto não é em si contrário ao direito, mas cujo

fim é ilícito, é pura e simplesmente violar o direito objetivo.

A noção de direito subjetivo seria “um desenvolvimento da noção de alma e a

actividade desta alma, quando ela está socialmente protegida, aparece com caráter particular,

que também se substancializou, como se substancializaram os diversos atributos que se

emprestam à divindade, ou fazendo deles hipóteses divinas: numa palavra, o direito subjectivo

é uma hipóstase da alma humana, isto é, uma substancialização dos seus pretensos atributos; e

o direito só será verdadeiramente construído como ciência positiva, quando se tiver, por fim,

desembaraçado destes processos herdados da teologia”.149

A teoria de DIGUIT sobre o abuso do direito é coerente com seu pensamento

de que os homens não têm direitos, apenas deveres. Os direitos seriam meras faculdades;

meios à disposição do homem para que possa se desincumbir de um dever.150 O equívoco

desse posicionamento está na generalização do princípio de que só existem deveres, conclusão

precipitada em razão do afoito combate ao direito subjetivo. Atualmente, os deveres do

homem são muito mais numerosos e extensos que aqueles verificados nas antigas civilizações,

especialmente, porque hoje o espectro de suas atividades é muito mais amplo e as suas

prerrogativas jurídicas muito mais consideráveis.151

Há ainda aqueles que entendem o direito subjetivo como absoluto, negando a

autonomia científica do abuso do direito, destacando-se PLANIOL, para quem o uso do

direito só poderia ser um ato lícito. O professor da Faculdade de Direito de Paris defendia que

a teoria do abuso do direito seria contraditória. Dizia ele que “fala-se facilmente do uso

abusivo de um direito, como se esta expressão tivesse um sentido claro e preciso. Mas é

necessário não nos iludirmos: o direito cessa onde começa o abuso, e não pode haver uso

abusivo de um direito qualquer, porque um mesmo ato não pode ser, a um só tempo,

conforme e contrário ao direito”. 152

149 CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto. Abuso do direito - 2ª reimpressão da edição de 1973. Coimbra, Almedina, 2005, p. 295-297. 150 Cf. MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito – 3ª ed. histórica com “considerações preliminares à guisa de atualização” de José da Silva Pacheco. – Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 23. 151 Idem, ibidem. 152 Idem, ibidem, p. 25.

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Outros, ainda, afirmam que a doutrina do abuso do direito seria um mero

problema de interpretação jurídica.153

3.1.2. Teorias afirmativo-subjetivas.

Para alguns doutrinadores, dentre eles CHARMONT, BONNECASE, LALOU

e SAVATIER, o abuso do direito coincidiria com a existência de um dano anormal para

outrem, decorrente do exercício de um direito subjetivo; um prejuízo que não pode ser

considerado o resultado normal ou usual do exercício desse direito.154

Segundo GEORGE RIPERT, a incerteza da doutrina do abuso do direito deve-

se, ao menos em parte, à sua colocação no âmbito dos problemas da responsabilidade civil e a

se ter perdido a consciência de que ela é, antes, inspirada pela ideia de moralidade no

exercício dos direitos, a qual não penetra no domínio jurídico senão numa medida limitada.

Abusar do direito seria apenas cobrir com a aparência do direito o ato que se tinha o dever de

não realizar ou que, pelo menos, não era possível realizar senão indenizando aqueles que

houvessem sido lesados por esse ato. O abuso seria revelado pelo desejo de causar prejuízo a

outrem, o espírito emulativo ou de malevolência, mudando o caráter do ato, que passaria a ser

abusivo.155 Portanto, a intenção de prejudicar outrem seria o único critério válido para

identificar os atos abusivos.

De acordo com JOSSERAND, o abuso do direito caracteriza-se como uma

contrariedade do direito subjetivo com o fim socialmente relevante:

el derecho moderno y especialmente el derecho contemporáneo se forman del abuso una idea mucho más compresiva; es abusivo cualquier acto que, por sus móviles y por su fin, va contra el destino, contra la función del derecho que se ejerce; al criterio puramente intencional tiende a substituirse un criterio funcional, derivado del espíritu del derecho, de la función que el está encomendada. Cada derecho tiene su espíritu, su objeto, su finalidad; quien quiera apartarlo su misión social, comete una falta, delictuosa o causidelictuosa, un abuso del derecho susceptible de comprometer, dado el caso, su responsabilidad.156

153 Cf. CALCINI, Fábio Pallaretti, op. cit., p. 35. 154 CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto, apud CALCINI, Fábio Pallaretti, idem. 155 CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto, op. cit., p. 363-365. 156 Apud CALCINI, Fábio Pallaretti, op. cit., p. 36.

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Atribui-se a ele a refutação cabal e definitiva das teorias subjetivistas de

PLANIOL e DIGUIT. Para ele, a tese de PLANIOL estava contaminada pela confusão entre

as duas acepções da palavra direito, que ora diz respeito ao conjunto das regras sociais, à

juridicidade (direito francês, direito administrativo, direito civil), ora a uma prerrogativa

determinada, tal como a propriedade e a servidão.157

Partindo das teses de JOSSERAND e de outros estudiosos, podem ser

identificadas três categorias subjetivistas do abuso do direito: a primeira se apóia na intenção

dolosa do agente para a configuração do abuso; a segunda atribui o abuso ao exercício

culposo ou negligente dos direitos; e a terceira pressupõe o exercício sem utilidade ou

interesse de onde se infere o elemento subjetivo da imputabilidade.158

3.1.3. Teorias afirmativo-objetivas.

As teorias objetivas dividem-se em duas vertentes: uma baseada no exercício

anormal do direito e outra que entende caracterizado o ato abusivo quando verificado o desvio

da finalidade para a qual o direito foi estabelecido. Ambas afastam o elemento subjetivo e

fundamentam-se no resultado danoso.

Em França, a partir do processo de urbanização e industrialização, os tribunais

passaram a se preocupar não só com os atos praticados com o deliberado propósito de

prejudicar outrem, como também com os casos de exercício anti-social do direito legalmente

previsto.

Anota a doutrina que “tanto a vertente subjetivista, caudatária da teoria da

aemulatio, desenvolvida no direito romano e no direito medieval, como a vertente objetivista,

inspirada nas concepções de solidariedade social, vigentes no século XIX, buscam no artigo

1832 do Código Civil francês o seu fundamento legal”.159

157 Cf. MARTINS, Pedro Baptista, op. cit., p. 26. 158 Cf. ARAÚJO, Francisco Fernandes de, op. cit., p. 22. 159 Cf. SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de. Abuso de direito processual: uma teoria pragmática. – São Paulo: RT, 2005, p. 25.

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SILVIO RODRIGUES também ressalta que “a teoria do abuso do direito, na

sua forma atual, é, como diz Josserand, de tessitura jurisprudencial e surgiu na França na

segunda metade do século XIX”.160

Para os objetivistas, o abuso do direito não se caracteriza pela intenção de

prejudicar o titular de um direito, pela culpa ou pela ausência de um interesse sério e legítimo,

mas por um elemento objetivo, qual seja o manifesto exercício anormal de um direito

subjetivo.161 Haverá abuso do direito quando constatada a existência de conflito entre o

fundamento axiológico que constitui a norma jurídica e o exercício do direito. Exercer um

direito legitimamente não é simplesmente cumprir a sua estrutura formal; antes, é cumprir

concretamente, em determinada situação, o fundamento axiológico-normativo que

materialmente constitui esse direito, e pelo qual se afere a validade do seu exercício.162

3.1.4. Teoria adotada pelo Código Civil de 2002.

O legislador do Código Civil de 2002, informado pelos princípios da

socialidade, operabilidade e eticidade, cumpriu com a obrigação de “não legislar em abstrato,

(...) mas quando possível, legislar para o indivíduo situado: para o homem enquanto marido;

para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar.

Quer dizer, atender às situações sociais, à vigência plena do Código, do direito subjetivo

como uma situação individual; não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação objetiva

concreta”.163

Daí porque o legislador dividiu em duas as cláusulas de ilicitude: observa-se no

artigo 186 a teoria clássica, que pressupõe uma conduta omissiva ou comissiva, voluntária ou

culposa (stricto sensu), o evento danoso e o nexo de causalidade; e no artigo 187 a teoria

moderna, onde não se cogita da presença do dano que, se existir, dará causa à indenização

(artigo 927). Esse dispositivo legal estabelece limites ao exercício, mas sem desnaturar a

160 Direito Civil, parte geral, 33ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318. 161 Idem, ibidem, citando a lição de Carlos Fernández Sessarego. 162 CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto, op. cit., p. 452-453. 163 REALE, Miguel. O projeto de novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 7 e ss., apud MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva no direito privado brasileiro, RT 842/11.

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configuração do direito subjetivo, porquanto tem sua concepção vinculada sempre a um poder

jurídico conferido pelo ordenamento.164

Pelo que se depreende do art. 187, são dois os requisitos para a configuração do

abuso do direito: a) o exercício de direito próprio: pressupõe-se que o abuso do direito, por

lógica, só pode dar-se em razão do exercício por seu titular ou por seu representante legal ou

convencional, ou seja, quando aquele a quem se imputa tal comportamento tinha o poder de

usar, exercer e, portanto, abusar; e b) a violação dos limites objetivos, quais sejam, a

finalidade econômica e social do próprio direito, a boa-fé e os bons costumes.

É importante ressaltar que o dano deixou de ser pressuposto para a

configuração do ato ilícito, conquanto ainda o seja para efeito de responsabilidade e

consequente indenização. Apesar de, eventualmente, não causar dano, o exercício abusivo de

um direito pode sofrer a cominação de nulidade, ineficácia e outras sanções que se aplicam

concomitantemente à sanção civil, como aquelas de caráter penal ou administrativo.165 A

culpa, da mesma forma, também é prescindível para a configuração do abuso.166

A finalidade social ou econômica pode ser entendida como “a função

instrumental própria de cada direito subjetivo, a qual justifica a sua atribuição e define seu

exercício”, partindo-se “da ideia de que os direitos subjetivos são instrumentos jurídicos para

a realização de interesses”, ficando evidenciado o fundamento axiológico-normativo antes

referido.167

A noção de fins sociais do direito remete à ideia da razão de ser do direito, de

uma concepção socialmente adequada dos direitos subjetivos frente aos diversos interesses em

curso na comunidade.168 Agir de acordo com o interesse coletivo é fator determinante para

que o exercício do direito mantenha-se dentro dos seus limites.169

164 Cf. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 26. 165 Cf. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 28-29. 166 SILVIO VENOSA, ao discorrer sobre o projeto de lei que resultou no Código Civil de 2002, afirma que “o Projeto, de forma elegante e concisa, prescinde da noção de culpa, no art. 187, para adotar o critério objetivo-finalístico. É válida, portanto, a afirmação apresentada de que o critério culpa é acidental e não essencial para a configuração do abuso. Adota ainda o Projeto, ao assim estabelecer, a corrente majoritária em nosso meio” (Direito Civil – Parte Geral, São Paulo: Atlas, 2001, p. 499). 167 Cf CALCINI, Fábio Pallaretti, op. cit., p. 40, citando a lição de FRANCISCO AMARAL. 168 Cf. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 32. 169 Segundo SILVIO RODRIGUES, “a teoria atingiu seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand, segundo a qual há abuso de direito quando ele não é exercido de acordo com a finalidade social para a qual foi

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A boa-fé passou a ser adotada como princípio geral do sistema atual e constitui

uma das mais relevantes diferenças entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, que o

substituiu. Explica MIGUEL REALE que aquele se baseou no anteprojeto escrito por

CLOVIS BEVILÁQUA, na última década do século XIX, tendo esse insigne jurisconsulto se

baseado no Código de Napoleão e na legislação luso-brasileira anterior e nos ensinamentos da

escola alemã dos pandectistas, dentre eles, os elaboradores do Código Civil alemão, o BGB,

que entrou em vigor em 1900.170

O pandectismo, assim denominado em razão do seu apego às diretrizes do

Direito Romano codificado pelo imperador Justiniano, tinha como principal característica o

propósito de resolver as questões jurídicas, preferencialmente, por meio de conceitos e

categorias da própria Ciência do Direito, as “categorias jurídicas”, que atendiam às exigências

da igualdade entre fatos da mesma espécie, mas que não levavam em conta os fins éticos e

econômicos reclamados pelos juristas.171

O Código Civil de 2002 abrandou o positivismo exacerbado e deu preferência

às cláusulas abertas, permitindo que os operadores do direito, diante do caso concreto,

formulem a solução mais adequada, valendo-se de critérios axiológicos.

conferido, pois, como diz este jurista, os direitos são conferidos aos homens para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição” (Direito Civil – Parte Geral, 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 314. 170 Cf. artigo A boa-fé no Código Civil, disponível no sítio www.miguelreale.com.br, consultado em 25.06.2007. Ainda, segundo CLÓVIS DO COUTO E SILVA, “quanto ao direito brasileiro, os juristas não deram importância e valor às cláusulas gerais. Assim aconteceu com Clóvis Beviláqua, e, depois, com Eduardo Espínola. Em alguns que representaram a mesma tendência de aplicação da Pandectística, muito embora com concepções filosóficas diversas, como Lacerda de Almeida, não se pode dizer que tivesse tido reflexos a essa feição de encarar a relação obrigacional. Pontes de Miranda, como se sabe, é o ponto mais alto da civilística pátria, mas nele não se manifesta a aplicação desse tipo de raciocínio, em que, de alguma forma, se procuram harmonizar concepções tão dissemelhantes, como o pensamento sistemático e o tópico, dando lugar, com diversas matizes, às diferentes concepções dos sistemas abertos" (O princípio da boa fé no direito brasileiro e português, in Estudos de direito civil brasileiro e português. - São Paulo: RT, 1980, p. 62). 171 Segundo MIGUEL REALE, o pandectismo “era uma espécie de idolatria do Direito Romano, tal como se tem as pandectas de Justiniano. Caracteriza-se pela preocupação de dar aos problemas jurídicos um tratamento estritamente jurídico, visando solucionar seus problemas somente mediante categorias do direito. Era, de certa maneira, uma sistematização cerrada, fechada em uma compreensão individualista da juridicidade. Ao contrário, nós, ao concebermos o Direito Civil como matriz do Direito Privado, pensamos em um sistema aberto, no qual o rigorismo técnico cede lugar a um normativismo plástico e flexível em função da experiência histórico-social”(História do Novo Código Civil - Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. – São Paulo: RT, 2005, pág. 56).

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A boa-fé, encontrada em vários dos seus artigos,172 apresenta-se em duas

acepções diferentes: a subjetiva e a objetiva. A boa-fé subjetiva, também denominada boa-fé

crença, baseia-se em um estado de erro ou ignorância da verdadeira situação jurídica,

compreendendo a possibilidade de conduzir lesão a direito alheio.

São quatro os requisitos para a configuração da boa-fé subjetiva: a) uma

situação justificada de confiança a ser protegida, ou seja, de criação de expectativa em relação

a outrem, no caso concreto, quando da celebração de um ato ou negócio jurídico; b)

essencialidade da situação de confiança, ou seja, a confiança criada é fator determinante na

atividade do sujeito; c) imputação da situação de confiança, no sentido de que o sujeito que

inspirou a confiança do outro será responsável por ela; e d) interesse na proteção da

confiança, ou seja, o sujeito deve ser beneficiado para poder pleitear a proteção da

confiança.173 É verificada, por exemplo, nos direitos reais e no casamento putativo.

A boa-fé objetiva “apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo

objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste

a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal

(...); a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta,

segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de ‘honestidade

pública’”.174 É, portanto, um modelo de conduta social.

Finalmente, os bons costumes são as regras morais, reiteradamente praticadas e

aceitas no meio social, em determinados locais e épocas. Em outras palavras, “é o modo

constante e comum de se proceder de acordo com os ditames da moral social, segundo cada

povo o concebe”.175

Discute-se, em sede doutrinária, sobre a autonomia científica do abuso do

direito. Para alguns, só pode “ser estudado senão como figurando dentro da teoria geral do ato

172 Artigos, 113, 128, 164, 167,§ 2°,187, 242, 286, 307, 309, 422, 523, 606, 637, 686, 689, 765, 814, § 1°, 856, 878, 879, 896, 925, 1.049, 1.149, 1.201, 1.202, 1.214, 1.217, 1.219, 1.222, 1.228, 1.238, 1.242, 1.243, 1.247, 1.255, 1.257 a 1.261, 1.268, 1.270, 1.561, 1.563, 1.741, 1.817, 1.827 e 1.828. 173 Cf. DUARTE, Ronnie Preuss, citando as lições de ANTONIO MANUEL MENEZES CORDEIRO e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, em A cláusula geral da boa-fé no novo Código Civil, Questões Controvertidas no Novo Código Civil – série grandes temas de Direito Privado, coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves. – São Paulo: Editora Método, 2004, p. 416-417. 174 Cf. REALE, Miguel, op. cit.. 175 Cf. CALCINI, Fábio Pallaretti. Op. cit., p. 41, citando VICENTE RÁO.

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ilícito”. 176 Contudo, de acordo com a doutrina dominante, é inegável a autonomia do abuso do

direito, diferenciando-se do ato ilícito.177

De qualquer forma, tem-se que o nosso sistema atual adota a teoria objetivo-

finalística do abuso do direito. Nesse sentido, a conclusão tirada na I Jornada de Direito Civil,

promovida pelo Conselho Superior da Justiça Federal em setembro de 2002, verbis:

“Enunciado 37 – Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe

de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.178

3.2. O abuso do direito no plano processual.

O acesso à justiça, direito fundamental garantido pela Constituição Federal,

como já visto, não deve ser interpretado apenas no seu sentido formal. Importa, de acordo

com os preceitos constitucionais vigentes, garantir ao cidadão o acesso à denominada “ordem

jurídica justa”. Isso significa que devem ser afastados todos os obstáculos que impedem o

acesso do cidadão ao Poder Judiciário (culturais, econômicos, físicos etc.) e, além disso, deve

o Estado-juiz contar com procedimentos adequados para promover a pacificação com justiça e

de maneira efetiva.179

A implantação do Estado Democrático de Direito, que depende, dentre outras

coisas, da garantia de acesso à “ordem jurídica justa” e da observância do devido processo

legal, deve observar princípios éticos e morais, especialmente no que diz respeito às

atividades da Administração Pública (CF, art. 37), mas também nas relações entre os

176 Idem, ibidem, p. 38, destacando a lição de CARVALHO SANTOS. 177 Nesse sentido: Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery, Orlando Gomes, Rui Stoco, Castanheira Neves, Fernando de Sá, Pedro Batista Martins, Caio Mário da Silva Pereira, Washington de Barros Monteiro, Alvino Lima, Rubens Limongi França, Heloísa Carpena, Renan Lotufo e Luis Adorno, cf. Fábio Pallaretti Calcini, op. cit., p. 39-40. 178 Todavia, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, destacando o entendimento de Clóvis Beviláqua, Silvio Rodrigues, Alvino Lima e Carlos Alberto Bittar, afirma que o “nosso direito positivo atual não dá ensejo a dúvidas: adotou claramente a orientação preconizada pela teoria subjetivista do abuso do direito. Primeiro definiu o ato ilícito absoluto, como fato humano integrado pelo elemento subjetivo (culpa) (art. 186). Em seguida, qualificou, de forma expressa, o exercício abusivo de direito como um ato ilícito (art. 187). Entre os que exigem um tratamento diferenciado e próprio para o abuso de direito e aqueles que lhe atribuem a qualidade de ato ilícito, o Código brasileiro tomou posição nitidamente ao lado dos últimos. Em nosso ordenamento jurídico, destarte, é o elemento intencional, consistente no animus nocendi (intenção de prejudicar que provoca a transformação de um direito em ato ilícito), ou pelo menos o elemento subjetivo culpa lato sensu” (Comentários ao Código Civil, 2ª. ed., v. 3, t. 2: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 118-119 179 Cf. WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In. GRINOVER, Ada Pellegrini ... [et al.] – Participação e processo.- São Paulo: RT, 1988, pp. 128/135.

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cidadãos. Não poderia ser diferente na relação de direito público estabelecida entre as partes e

o Juiz quando da instauração de um processo. Daí porque afirma HUMBERTO THEODORO

JÚNIOR que se reprime “nas leis processuais, o abuso do direito, de forma a eliminar a pior

mácula que uma atividade de pacificação social poderia apresentar, a mentira e,

consequentemente, a injustiça”.180

O abuso do direito processual costuma ser estudado pela doutrina com base nas

regras do Código de Processo Civil sobre a litigância de má-fé. O sistema revogado (CPC de

1939) optou por definições genéricas das hipóteses de abuso de direito, quais sejam: para o

autor, quando “intentar demanda por espírito de emulação, mero capricho, ou erro grosseiro”

(art. 3º, caput); para o réu, quando “no exercício dos meios de defesa, opuser, maliciosamente,

resistência injustificada ao andamento do processo” (art. 3º, parágrafo único); e para qualquer

das partes, quando “houver se conduzido de modo temerário no curso da lide” (art. 63 e § 1º),

ou “tiver procedido com dolo, fraude, violência ou simulação” (art. 63, § 3º). O sistema atual

não apresenta uma definição genérica acerca do abuso de direito processual. Optou-se pela

tipificação dos comportamentos dos litigantes que se caracterizam como litigância de má-fé,

muito embora com algumas cláusulas genéricas (art. 17).181

Além disso, o art. 600 do CPC descreve as hipóteses de atos abusivos do

executado, qualificando-os como atentatórios à dignidade da justiça. Destacamos, para os

efeitos deste trabalho, o inciso II, que trata da oposição maliciosa à execução com o emprego

de ardis e meios artificiosos.

Contudo, o abuso do direito no plano processual não se limita às hipóteses de

litigância de má-fé, especialmente se considerarmos os casos que podem ser coibidos com a

utilização da técnica processual da manifesta improcedência. Assim, por exemplo, um recurso

manifestamente improcedente revela o abuso do direito de recorrer, conforme se verá, sem

que necessariamente se vislumbre a hipótese prevista no art. 17, VII, do CPC, já que esta

exige a verificação do elemento subjetivo “intuito manifestamente protelatório”. Da mesma

forma, pedidos manifestamente improcedentes representam abuso do direito de demandar e

180Abuso do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro. In Abuso dos direitos processuais / coordenador, José Carlos Barbosa Moreira; Francisco Ramos Médez... [et al.]. – Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 107. 181 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Abuso do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro..., p. 105.

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autorizam o indeferimento da petição inicial de plano, caso em que não necessariamente se

cogita da condenação do autor por litigância de má-fé.

É importante ressaltar que a técnica da manifesta improcedência tem como

finalidade precípua coibir o abuso do processo, evitando os danos causados às partes e ao

Estado, ou ao menos diminuindo a sua intensidade. Afinal, “é indiscutível que o exercício

inconsiderado do direito de ação pode trazer consequências tão graves que nem mesmo a

aplicação dos princípios de responsabilidade terá condições de recompor”.182 Cuida-se, pois,

de técnica que ostenta natureza inibitória.

A configuração do abuso, conforme já verificado, prescinde da ocorrência de

dano. A condenação por litigância de má-fé, ao contrário, tem finalidades punitiva e

ressarcitória, tendo como elemento o dano causado à Administração da Justiça e/ou à parte

contrária. Contudo, não se exclui a possibilidade de o ato abusivo praticado pelas partes no

processo também caracterizar litigância de má-fé. Em outras palavras, havendo litigância de

má-fé sempre haverá abuso do processo. Mas a recíproca não é verdadeira.

O abuso do direito no plano processual restará configurado quando houver

desvio de finalidade por ocasião da propositura da demanda, da apresentação de defesa, da

prática de algum ato processual, do uso de algum incidente processual ou recurso,

independentemente da verificação de dano, ainda que eventualmente possa ocorrer. A técnica

processual da manifesta improcedência serve justamente para, verificado o abuso, evitar a

ocorrência ou minorar os danos.

Verificam-se, na prática, diversos exemplos de abuso do direito processual, a

saber: pedidos de falência sem fundamento, como sucedâneo de execução por quantia certa;

excesso evidente de execução; indicação à penhora de bens absolutamente impenhoráveis;

nomeação à penhora de bens pertencentes a terceiros; oposição de embargos de declaração

apenas para impedir o trânsito em julgado de decisões judiciais, especialmente quando esse

fenômeno implica a perda de direitos (direitos políticos, por exemplo); apresentação de

objeção de pré-executividade às vésperas da hasta pública; propositura de ações revisionais de

contratos com fundamentos há muito rechaçados pelo entendimento jurisprudencial

182 SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de, op. cit., p. 129.

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dominante nos Tribunais Superiores; ações de indenização por danos morais com base em

meros aborrecimentos comuns do cotidiano; ações cautelares de arresto como forma de coagir

o devedor a pagar a dívida;183 ações cautelares para sustar protestos apenas com o objetivo de

protelar o pagamento de dívidas; oposição de embargos do devedor desprovidos de

fundamentação minimamente razoável, principalmente quando tinham efeito suspensivo

automático etc.

3.2.1. O abuso do direito de demandar.

Assim como qualquer outro direito, o de demandar deve ser exercido

regularmente, nos seus limites e sem abusos. Vejamos a lição de JORGE AMERICANO:

Porque o abuso do direito encontra no exercicio indevido da demanda campo fertil onde implantar-se, tem-se tornado em nosso paiz a invocação á justiça um verdadeiro flagello, não só pela morosidade processual como pela porta aberta ás maiores explorações, que uma condescendencia mal entendida tolera e, consequentemente anima. O exercicio da demanda não constitúe sómente motivo de sérias apprehensões para quem pretende, na qualidade de autor, exigir o cumprimento de uma obrigação ou pedir a solução a uma controvérsia, mas também, para o réo, em muitos casos, é ameaça tão grave ao interesse que defende, que dá razão ao brocardo: mais vale uma má accomodação que uma bôa demanda. Dizer, portanto, que quem demanda usa do seu direito e, assim, não causa damno a ninguem, é esquecer que o litigante tem um adversario e que este, quando assistido por um direito, deve estar a coberto de quaesquer ataques injustos. (sic) 184

A doutrina civilista vem demonstrando cada vez mais interesse pelo abuso do

direito de demandar. Silvio Venosa, por exemplo, cita a lide temerária, consubstanciada na

prática dos atos descritos nos art. 14 e 16 do CPC, como exemplo de abuso de direito

processual.185

183 HELENA ABDO, citando JOSSERAND, destaca que “o pedido de arresto é abusivo quando não tem função acautelatória (de proteção à deterioração de bens, por exemplo), mas sim visa a exercer pressão sobre o adversário. 184 Do abuso do direito no exercício da demanda. 2ª ed. - São Paulo, Saraiva, 1932, p. 50. O mesmo autor, em outra obra, destaca a dificuldade de se identificar o abuso do direito de demandar: “O abuso do direito encontra campo fértil no exercício da demanda. Se a quantos pretendem resolver uma controvérsia é lícito, em tese, exercer o direito de ação, sujeita-se êsse exercício a certos requisitos, sem os quais pode dizer-se em tese, que há abuso de direito no exercício da demanda. É que o Poder Judiciário não deve ser convertido em instrumento de emulação, ao capricho de interesses individuais ilegítimos. Entretanto, não ocultamos a dificuldade em caracterizar o abuso, pois a presunção é de que age de boa-fé quem invoca o Poder Judiciário (...)” (Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, vol. 1, 2ª ed. atual.. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 18-19). 185 Direito Civil – parte geral. - São Paulo: Atlas, 2003, p. 605.

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Em Portugal, destaca-se um caso julgado pela Relação de Coimbra, em 1969,

onde se concluiu pelo abuso do direito de demandar, resultando na improcedência prima facie

do pedido. Tratava-se de um pedido de anulação de uma interdição promovida por vingança,

pois a então autora teria expulsado os então réus da exploração e administração do seu

estabelecimento agrícola, tendo eles ingressado com o pedido de interdição, mesmo sabendo

que ela gozava de perfeita integridade mental.

O juízo a quo tinha entendido haver contradição entre a causa de pedir (a falta

de fundamento da ação de interdição) e o pedido, pois, se os réus (da anulatória) pleiteavam a

declaração de incapacidade da autora, cientes de que ela gozava de plena saúde mental e era

capaz de administrar os seus bens, não existia o direito que eles pretendiam exercer, por isso

que não haveria abuso do direito, que só existe quando se o tem.

A Relação de Coimbra, entendendo que a causa de pedir não era a falta de

fundamento da ação de interdição, mas sim o abuso do direito que os parentes da suposta

incapaz tinham de pleitear a sua interdição, qualificou o raciocínio do juízo a quo como

equivocado, ao argumento de que tal direito eles teriam em abstrato e, só depois de exercido

concretamente, poderia o tribunal indagar se o fizeram com ou sem razão.

O abuso estaria configurado justamente no “uso conscientemente vicioso do

direito de ir a juízo”. Por tal razão, entendeu a Relação que a petição inicial deveria ser

indeferida in limine, porquanto inviável a pretensão da autora (da anulatória): a propositura de

uma nova ação não seria meio idôneo para reagir contra um pretenso abuso do direito

praticado com a propositura da ação de interdição por suposta demência. Entendeu-se,

portanto, que se o abuso de direito se verifica no exercício do direito de ação, o prejudicado

deve defender-se e comprovar a abusividade na própria demanda que lhe foi proposta, quiçá

pleiteando a indenização eventualmente cabível.186

PEDRO BAPTISTA MARTINS há muito apontou para o problema do abuso

do direito de demandar, afirmando que “o exercício da demanda não é um direito absoluto,

pois que se acha, também, condicionado a um motivo legítimo. Quem recorre às vias judiciais

186 Cf. CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto, op. cit., p. 272-273.

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deve ter um direito a reintegrar, um interesse legítimo a proteger, ou pelo menos, como se dá

nas ações declaratórias, uma razão séria para invocar a tutela jurídica”.187

3.2.2. O uso abusivo das medidas cautelares.

A tutela cautelar tem a finalidade de assegurar a eficácia e a utilidade dos

resultados buscados pelas tutelas cognitiva e executiva. Portanto, não se destina à declaração

de um direito, ao acertamento de um conflito ou à atuação prática de uma regra.188 Conforme

ressaltado por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “as medidas cautelares servem, na

verdade, ao processo, e não ao direito da parte. Visam dar eficiência e utilidade ao

instrumento que o Estado engendrou para solucionar os conflitos de interesse entre os

cidadãos”.189

Assim, a utilização da tutela cautelar como forma de solução de conflitos e,

principalmente, para a realização prática de direitos subjetivos, revela o desvio de finalidade

do instituto e, consequentemente, o uso abusivo. Atualmente, diante da técnica processual da

tutela antecipada prevista genericamente no Código de Processo Civil (art. 273 e 461, § 3°),

não mais se justifica a utilização daquilo que se convencionou chamar de cautelares

satisfativas.

Exemplo corriqueiro do abuso da tutela cautelar é o pedido de arresto, feito

pelo credor, sem nenhum indício das situações previstas no art. 813, do CPC, ou de qualquer

outra que revele periculum in mora, apenas para que a medida sirva como forma de coerção

para o devedor satisfazer a obrigação.

MARIA HELENA DINIZ cita a conduta do credor que requer maliciosamente

arresto de bens que sabe não serem pertencentes ao devedor, mas a terceiros, bem assim

187 O abuso do direito e o ato ilícito – 3ª ed. histórica com “considerações preliminares à guisa de atualização” de José da Silva Pacheco. – Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 71. 188 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). – 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 123. Contudo, ressalta o autor que “a tutela cautelar, ainda que indiretamente, destina-se à proteção do direito substancial ameaçado pela demora na entrega da prestação jurisdicional. Embora ligada instrumentalmente à tutela final, a cautelar acaba por assegurar o próprio direito substancial, mediatamente” (ibidem, p. 216). 189 Processo Cautelar. – 18ª ed. – São Paulo: LEUD, 1999, p. 60.

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quando se requer busca e apreensão de bens sem necessidade, casos em que resta evidenciado

o exercício irregular de direito.190

O art. 811, do CPC, prevê a responsabilidade do requerente de medida cautelar

pelos prejuízos causados ao requerido com a execução da medida, quando: a) a sentença no

processo principal lhe for desfavorável; b) se não for promovida a citação do requerido logo

após a concessão da medida cautelar liminarmente; c) se a medida perder a eficácia nas

hipóteses do art. 808; e d) se o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição.

Considerando que basta a verificação do dano e das situações previstas no

dispositivo legal, a doutrina afirma que a responsabilidade do requerente da tutela cautelar é

objetiva, diante da assunção do risco inerente à efetivação da medida.191 Mas não se exclui a

presença concomitante da responsabilidade subjetiva, caso em que o requerente também será

condenado por litigância de má-fé, conforme ressalvado pelo próprio dispositivo em

questão.192

Como se vê, a responsabilidade do requerente depende da ocorrência de dano.

Mas convém lembrar, mais uma vez, que a caracterização do abuso independe da verificação

desse requisito. Assim, é possível a constatação do uso abusivo da tutela cautelar sem que

estejam presentes os pressupostos de incidência da regra do art. 811, do CPC. Em outras

palavras, independentemente da possibilidade de o requerido experimentar prejuízos

decorrentes da sua efetivação, exige-se do juiz uma análise criteriosa dos requisitos que lhe

são próprios, a fim de coibir o uso abusivo das medidas cautelares.

3.2.3. O abuso do credor na execução.

Segundo o princípio do desfecho único, a atividade executiva desenvolve-se no

interesse exclusivo do credor e tem como única finalidade a satisfação do seu crédito.

Portanto, no processo de execução – ou na fase executiva de um processo sincrético – o

190 Curso de direito civil brasileiro. - São Paulo: Saraiva, vol. 7, p. 500. 191 Segundo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, citando CHIOVENDA, “para fixação da responsabilidade civil do promovente da medida cautelar, não importa saber se agiu ele com fraude, malícia, dolo ou culpa stricto sensu. A tutela cautelar, por sua excepcionalidade e pela sumariedade com que é concedida, exige que seu exercício se dê, de regra, a risco e perigo do autor”. 192 “Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida (...)”.

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devedor não tem nenhuma expectativa de obtenção de tutela jurisdicional a seu favor,

diversamente do que ocorre no processo de conhecimento. Por essa razão, não há que se falar

em procedência ou improcedência na execução, mas apenas em resultado frutífero ou

infrutífero. E qualquer resultado que não seja frutífero representa uma anomalia na

execução.193

Na execução, não há espaço para decisões sobre a existência do direito do

exequente ao bem postulado, já que o título executivo, pressuposto básico da atividade

executiva, faz presumir que o exequente é titular do direito nele estampado. Contudo,

conforme adverte DINAMARCO, “ter direito ao processo e aos provimentos que ele é capaz

de produzir (medidas judiciais) não é o mesmo que ter direito à tutela jurisdicional; tutela

jurisdicional alguma deve ser concedida a quem não tiver o direito que alega ter. Também na

execução forçada só quem tiver razão terá o direito a obter as sensações felizes e favoráveis

que o Estado é capaz de proporcionar mediante o exercício da jurisdição”.194

Assim, o fato de não haver mérito a ser analisado na execução, bem como o

princípio de que a atividade executiva desenvolve-se no interesse exclusivo do credor, não

eximem o exequente de pautar a sua conduta no processo de acordo com a lealdade e a boa-fé.

Muito embora os artigos 599 a 601, do CPC, revelem uma preocupação especial do legislador

com o comportamento malicioso do executado, pode o credor ser considerado litigante de má-

fé e sofrer as consequências correspondentes, nos termos dos artigos 16 a 18, também do

CPC.

Dessa forma, muito embora não haja espaço para a manifesta improcedência

propriamente dita no processo de execução, deve o juiz ser muito criterioso na verificação dos

193 MARCELO ABELHA, sobre o assunto, destaca o seguinte: “A adoção desse princípio traz consequências bastante importantes. A primeira delas é a de que o legislador criou uma espécie de ‘isolamento’ da função executiva (em processo autônomo ou em módulo executivo), de forma que, uma vez iniciada a tutela executiva, há uma sequência ordenada e ininterrupta de atos voltados à execução e satisfação do direito exequendo. A segunda consequência derivativa do princípio do desfecho único é que o executado não tem nenhuma expectativa em relação ao resultado da execução, já que, ao exercer a função jurisdicional executiva, o legislador apenas pretende satisfazer o muito provável direito do exequente representado no título executivo, motivo pelo qual as regras de desistência da demanda executiva não se submetem aos mesmos critérios do art. 267, § 4°, mas sim ao regime jurídico do art. 569, do CPC. A terceira consequência da adoção do princípio do desfecho único da execução é que, com a adoção dessa técnica de ‘isolar em sequência’ os atos executivos, o legislador não propiciou ao executado a possibilidade de discutir a pretensão executiva ali mesmo, no meio da cadeia concatenada de atos executivos, porque, se assim fosse, estaria desprestigiando a eficácia abstrata do título executivo e misturando a atividade cognitiva com a executiva” (Manual de execução civil. – Rio: Forense Universitária, 2006, pp. 50-51). 194 Instituições de direito processual civil, vol. IV. – 2ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 79.

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pressupostos da atividade executiva, a fim de evitar a instauração indevida do processo ou da

fase de execução.

Vale lembrar que a simples distribuição da execução pode causar sérios

transtornos ao executado. Afinal, existem convênios entre os Cartórios de Distribuição e os

serviços de proteção ao crédito (SERASA, SPC, CADIN etc.), mediante os quais os cadastros

destes últimos são alimentados pelas informações fornecidas pelos primeiros.195 Dessa forma,

tão-logo iniciada a execução e independentemente de citação, intimação ou posterior

oportunidade de embargos ou impugnação, o devedor pode sofrer restrições creditícias, perda

de negócios e outros transtornos que, além de causar-lhe prejuízos financeiros, agridem os

seus direitos da personalidade. É certo que ele pode ser ressarcido ou compensado mediante a

condenação do credor por litigância de má-fé. Contudo, conforme já visto, prefere-se a tutela

inibitória à ressarcitória, devendo, portanto, ser coibido o abuso do credor no processo de

execução, preferencialmente antes de causar danos ao devedor.

O artigo 615-A, do CPC, inserido pela Lei n° 11.382/2006, prevê a

possibilidade de o exequente, no ato da distribuição, “obter certidão comprobatória do

ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de

averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à

penhora ou arresto”. A finalidade da regra é permitir que terceiros tenham ciência da

execução, impedindo eventuais alegações de boa-fé quando da aquisição de bens do devedor

sujeitos à execução, reduzindo-se, assim, o número de fraudes. Trata-se, sem dúvida, de

medida salutar para a efetividade da execução.

Ocorre que a averbação da penhora à margem no registro do bem prescinde de

decisão judicial. Além disso, a lei não impede a sua incidência sobre vários bens do devedor,

ainda que o somatório dos valores correspondentes ultrapasse a quantia que está sendo

executada. Portanto, foi criado mais um campo fértil para o abuso do direito no processo de

execução.

Por essa razão, cremos que cabe ao juiz verificar a regularidade e eventuais

excessos das averbações tão-logo seja comunicado pelo credor (CPC, art. 615-A, § 1°), a fim

195 No Distrito Federal, o Cartório de Distribuição Rui Barbosa possui convênio celebrado com a SERASA, que repassa os dados fornecidos pela serventia extrajudicial aos demais serviços de proteção ao crédito.

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de coibir eventuais abusos, independentemente da possibilidade de o devedor vir a sofrer

algum prejuízo e pleitear a correspondente indenização, nos termos do art. 615-A, § 4°.196

De acordo com a doutrina, reputa-se manifestamente indevida a averbação

quando: “(a) a própria execução for manifestamente indevida, o que poderá vir a ser

demonstrado, por exemplo, nos embargos à execução; (b) realizada em vários bens,

excedendo injustificadamente o valor da causa; (c) tendo o exequente informações acerca da

existência de vários bens, opte por aquele que, evidentemente, tem valor excessivo, em

detrimento de bem de valor inferior, mas mais adequado ao valor da causa; (d) feita a

penhora, o exequente não realize o cancelamento da averbação sobre os demais bens”.197

Insere-se no conceito de averbação manifestamente indevida aquela feita

mediante exercício abusivo do direito. Segundo as lições da doutrina,

é interessante observar, a propósito, que o § 4°do art. 615-A do CPC encontra-se redigido de modo similar ao art. 187 do Código Civil, que estabelece, em um plano mais geral, os requisitos necessários à configuração do exercício abusivo do direito. (...) Segundo pensamos, as bases estabelecidas pelo art. 187 do Código Civil devem ser observadas, para a averiguação da ocorrência ou não de exercício abusivo do direito a que se refere o art. 615-A do CPC. Nota-se que o direito brasileiro, à semelhança do direito português, que lhe serviu de inspiração (...), adota o critério objetivo, funcional ou finalístico para que se possa aferir ter havido o exercício abusivo do direito, segundo o qual mais relevante que a intenção do agente é a constatação de que o direito subjetivo terá sido exercido de modo contrário à sua finalidade econômica ou social.198

Concluindo, os direitos do exequente devem ser exercidos de acordo com a

finalidade própria da execução e dentro dos limites estabelecidos pelo sistema, sob pena de

restar configurado o abuso, que deve ser coibido pelo juiz, independentemente de o executado

vir a sofrer algum prejuízo.

196 De acordo com CASSIO SCARPINELLA BUENO, “para haver indenização a cargo do exequente, é fundamental que o executado comprove ter sofrido prejuízos. Só se indeniza eventual desfalque patrimonial ou moral experimentado por alguém. Sem dano e sem que este dano decorra da averbação manifestamente indevida (nexo causal), não há lugar para qualquer indenização” (A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. 3: comentários sistemáticos à Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 53).. 197 Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, 3: Leis 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.341/2006, 11.419/2006, 11.441/2007 e 11.448/2007. – São Paulo: RT, 2007, p. 76-77. 198 Idem, ibidem, p. 77.

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3.2.4. O abuso do direito de defesa.

A ampla defesa é um direito fundamental (CF, art. 5º, LV), assim como o

direito de ação (CF, art. 5º, XXXV). Mesmo não se tratando de direito absoluto, adverte a

doutrina que parece ser mais adequado falar em abuso das situações jurídicas que compõem o

direito de defesa do que em abuso do direito de defesa propriamente dito.199

O Professor JOÃO BATISTA LOPES, em palestra proferida na FADISP, no

primeiro semestre de 2001, ressaltou que “o processo é a chave que abre as portas da justiça,

aliás, que abre ou que fecha, porque o processo muitas vezes é utilizado também com intenção

de negar o Direito, com a intenção de sonegar o Direito”,200 quiçá em razão “do vezo

brasileiro (ou latino?) de procrastinação”, desvirtuando a garantia constitucional do

contraditório e abrindo espaço para o abuso do direito de defesa.201

Além das sanções pecuniárias previstas no art. 18, do CPC, o art. 273, II,

penaliza o réu que abusa dos atos inerentes ao exercício do direito de defesa com a

antecipação dos efeitos da tutela a favor do autor.

3.2.5. O abuso do direito de recorrer.

O abuso do direito de recorrer representa uma das formas mais comuns de

abuso do direito processual, pois se mostra muito eficaz para o retardamento da marcha

procedimental, especialmente nos casos dos recursos que possuem efeito suspensivo, como a

apelação.

De fato, herdamos das ordenações lusitanas a cultura da desconfiança das

decisões dos juízos hierarquicamente inferiores, fazendo com que o legislador valorize as

decisões das instâncias superiores, sem que estas tenham contato direto com as partes e com a

199 Cf. ABDO, Helena Najar. O abuso do processo (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 60). – São Paulo: RT, 2007, p. 196. 200 Publicada na íntegra em Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência / coordenadores: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim. – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 522-534. 201 Também segundo João Batista Lopes, no artigo Contraditório e abuso do direito de defesa na execução, em Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira / coordenação Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier – São Paulo: RT, 2006, p. 346.

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produção das provas.202 Assim, mesmo diante de recursos que ordinariamente são dotados

apenas de efeito devolutivo, o legislador autoriza expressamente a concessão de efeito

suspensivo diante de determinados requisitos.203

LUIZ GUILHERME MARINONI afirma que “o abuso do direito de recorrer é

mais grave do que o abuso do direito de defesa, pois o réu, no momento da sentença,

encontrará um autor menos resistente a um acordo que ofereça o tempo do processo em troca

de uma vantagem patrimonial. A maneira através da qual os advogados encaram o duplo grau

é muitas vezes bem diversa da dos processualistas que cultuam o princípio”.204

O abuso do direito de recorrer é considerado uma “forma qualificada de

inadmissibilidade do recurso, que acarreta ao recorrente não só a privação do reexame do ato

judicial impugnado, como sujeição a multa ou condenação em perdas e danos que o juiz ou

tribunal lhe imponha, por considerá-lo litigante de má-fé (CPC, art. 16)”.205

Além da inadmissibilidade e da sujeição à multa, defendemos a adoção de uma

providência intermediária, qual seja o julgamento liminar de improcedência do recurso,

monocraticamente, pelo relator . Evitam-se, quanto àquele primeiro aspecto, discussões sobre

eventual cerceamento do direito de recorrer; e, quanto ao segundo, discussões acerca do

elemento subjetivo dolo, consubstanciando no deliberado propósito de retardar a marcha

procedimental, pouco importando se o recurso é protelatório ou manifestamente protelatório

(CPC, art. 17, VII).206 Afinal, o mais importante para as partes e para o Estado não é punir o

202 Cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Abuso do exercício do direito de recorrer. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais / coord.: Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo: RT, 2001. – (Série aspectos polêmicos e atuais dos recursos; v. 4), p. 875. 203 Cf. art. 558, do CPC. 204 Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 166. 205 Cf. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. O direito de recorrer e os seus limites. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos / coord.: Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo: RT, 2000, p. 536. 206 Sobre o assunto, PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, com base nas lições de CELSO AGRÍCOLA BARBI e GIUSEPPE CHIOVENDA, destaca o seguinte: “A diferença entre o recurso protelatório e o recurso manifestamente protelatório está na caracterização deste último: o dolo é elemento essencial e deve se fazer presente. Desse modo, não basta que a culpa do recorrente seja leve. O litigante de má-fé age de modo consciente e voluntário e provoca ato injusto e lesivo à parte. No direito romano, a condenação às custas processuais era aplicada apenas ao improbus litigator, impondo-se sempre o requisito inafastável do dolo para sua aplicação. Historicamente, o próprio conceito de improbus litigator está intimamente ligado ao dolo processual” (Abuso do exercício do direito de recorrer ..., pp. 886-890. Todavia, ambos os autores vinculam as hipóteses de abuso do direito de recorrer à litigância de má-fé (CPC, art. 17, VII), o que, com a devida vênia, não nos parece adequado, em razão da teoria objetivo-finalística adotada pelo Código Civil em vigor (art. 187)

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litigante de má-fé (o que, por si só, já daria ensejo a novos recursos), mas sim preservar a

celeridade e a economia processuais, lembrando que os recursos infundados “não apenas são

muito frequentes, como também muito custosos para a administração da justiça (...). Uma

justiça congestionada, como é a justiça civil brasileira, não pode continuar sendo complacente

com os recursos abusivos e meramente protelatórios, pois estes colaboram para tornar ainda

mais lenta e cara a prestação jurisdicional”.207

Conforme já ressaltado, a verificação do abuso do direito prescinde da

identificação de elementos subjetivos, eis que o Código Civil vigente adotou a teoria objetivo-

finalística. Também é importante lembrar mais uma vez que a configuração do ato ilícito

independe da ocorrência de dano. Portanto, o abuso do direito de recorrer e os seus efeitos

devem ser combatidos independentemente da punição da parte que se utiliza desse expediente

procrastinatório ou da sua condenação ao pagamento de indenização, em favor da parte

contrária, pelos danos que esta eventualmente experimentou (CPC, art. 18, caput).

Mas não é fácil a tarefa de identificar as situações que representam abuso do

exercício do direito de recorrer. A doutrina sugere as seguintes: a) recurso que ataca matéria

preclusa (preclusão lógica, temporal ou consumativa); b) recurso questionando entendimento

consolidado pela jurisprudência; e c) recurso desprovido de fundamentação idônea.208

Recentemente, a jurisprudência do STJ entendeu como caracterizado o abuso

do direito, não na interposição do recurso, mas na manifestação de desistência de recurso

especial já afetado para julgamento nos termos do art. 543-C, do CPC, inserido pela Lei n.

11.672/2008 (“recursos repetitivos”).209

Uma das soluções apontadas pela doutrina para reduzir o problema do abuso do

direito de recorrer é a modificação do art. 520, do CPC, que determina, ope legis, o

recebimento da apelação no efeito suspensivo, impedindo a efetivação ou execução imediata

da sentença recorrida.210

207 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 166. 208 Cf. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa, op. cit., pp. 539-544; e LUCON, Paulo Henrique dos Santos. 209 REsp 1.063.343/RS e REsp 1.058.114/RS, cf. notícia publicada em 17/12/2008, no sítio www.stj.gov.br. 210 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 179.

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O sistema vigente é incoerente. Afinal, uma decisão antecipatória de tutela,

concedida no curso do procedimento e em sede de cognição superficial, pode ser efetivada

imediatamente, já que o agravo, de regra, não tem efeito suspensivo. A sentença, ao contrário,

não possui executividade imediata, diante do efeito suspensivo da apelação, apesar de

proferida em sede de cognição exauriente.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei211 propondo a

alteração do art. 520, do CPC, invertendo a regra atualmente em vigor, de forma que a

apelação somente teria efeito suspensivo em casos excepcionais.

Se a sentença do juiz de primeiro grau fosse dotada de executividade imediata

seria desnecessária a tutela antecipatória final e, além disso, estaria praticamente eliminado o

problema do abuso do direito de recorrer, conforme reconhece a doutrina.212 E certamente

contribuiria para a efetividade da tutela jurisdicional.213

3.2.6. O abuso dos direitos do executado.

O princípio do contraditório passou a ter status de garantia constitucional desde

1988 (art. 5°, LV, da CF) e atualmente não é estudado apenas a partir do binômio informação-

reação, tendo se convertido no trinômio informação-reação-participação. Nesse sentido, pelo

primeiro aspecto, o réu deve ser cientificado dos termos da inicial; o autor, das preliminares

arguidas e dos documentos apresentados pelo réu; e autor e réu devem ser informados dos

211 Projeto de Lei 3.605/2004, com origem na Câmara dos Deputados, que tramitou no Senado com a designação PLC 30/2005. O projeto retornou à Câmara e atualmente, segundo consulta feita ao sítio www.camara.gov.br em 05.07.2009, está parado na Coordenação de Comissões Permanentes CCP. A incoerência do sistema foi citada no parecer apresentado pelo Deputado Colbert Martins,verbis: “De fato, as recentes reformas contribuíram muito para a efetividade das decisões judiciais. Todavia, verifica-se no sistema atual uma incoerência que deve ser corrigida. É mais fácil alcançar a efetividade de uma decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela do que a de uma sentença que concede essa mesma tutela, agora em sede de cognição plena e exauriente. Isso porque aquela é atacada via recurso de agravo, que de regra não tem efeito suspensivo, ao passo que a última desafia apelação, onde a regra é inversa, ou seja, o recurso é recebido em ambos os efeitos”. 212 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 179 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 179. 213 Cássio Scarpinella Bueno, em estudo sobre o projeto que propõe a alteração do art. 520, do CPC, aplaude a iniciativa legislativa e afirma que “a proposta de alteração do art. 520 é prova segura de que a tendência do sistema recursal é a de se adequar a um pensamento maior de efetividade do processo, prestigiando, por isso mesmo, o primeiro grau de jurisdição pelo reconhecimento, de pronto, da eficácia de suas próprias decisões, sem necessidade de prévia confirmação pelo tribunal competente em sede recursal” (Prelúdio e fuga sobre a proposta de alteração do art. 520 do CPC: projeto de Lei 3.605/2004. Em: Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier / coordenação José Miguel Garcia Medina et al. – São Paulo: RT, 2008, p. 364)

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atos subsequentes mediante intimação regular. O segundo aspecto diz respeito à reação

possível, mas não obrigatória, pois a manifestação das partes constitui ônus e não dever. O

terceiro, a participação garantida, ou seja, é necessário que o juiz assegure às partes a

possibilidade de pronunciamento sobre os atos processuais relevantes e que possam

influenciar a sua decisão.214

O processo de execução destina-se à prática de atos tendentes à satisfação do

direito do credor, não havendo espaço para a discussão sobre questões de mérito. Contudo,

diante da garantia constitucional da ampla defesa (art. 5°, LV, da CF), o sistema disponibiliza

meios para o devedor demonstrar eventuais irregularidades no título executivo, na relação de

direito material nele estampada, ou, ainda, na relação processual executiva, conquanto haja

limitação de matérias arguíveis no caso dos títulos executivos judiciais.

Todavia, seja por meio de embargos à execução, seja mediante impugnação ao

cumprimento de sentença, ou, ainda, por meio de ação autônoma (defesa heterotópica) ou

objeção de pré-executividade, o devedor deve manter-se dentro dos limites do exercício

regular do direito de insurgir-se contra a atividade executiva promovida pelo credor.215 Caso

contrário, estará praticando ato ilícito (ou equivalente), o que deve ser evitado. Se detectado

tardiamente, dará oportunidade à aplicação das sanções processuais previstas no sistema, além

da responsabilização pelos danos eventualmente causados ao credor.

FLÁVIO TARTUCE, ao discorrer sobre o abuso de direito no campo

processual, destaca que “a lide temerária, contrariando boa-fé, bons costumes, fim social e

econômico, deve ser reprimida por todos os que acreditam na Justiça”. Especificamente sobre

os abusos do executado, afirma o seguinte:

Também, pela “inflação” que acomete o Poder Judiciário, interessante será afastar da sua órbita lides sem o menor fundamento jurídico, motivadas pela má-fé e pela intenção de devedores em postergar o pagamento de obrigações líquidas, certas e vencidas. Acreditamos que o novo Código Civil, nesse sentido, aumentou o “leque de opções” para que o Magistrado afaste condutas que trazem malefícios ao meio social, caso da lide desprovida de qualquer fundamento, tudo isso em consonância

214 Cf. LOPES, João Batista. Contraditório e abuso do direito de defesa na execução. Em: Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira / coordenação Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier – São Paulo: RT, 2006, p. 346. 215 Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 349.

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com o que está previsto no art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil e com o princípio da socialidade.216

Diante das recentes reformas do Código de Processo Civil, os embargos à

execução e a impugnação na fase do cumprimento de sentença não têm efeito suspensivo

automático, o que provavelmente vai provocar uma diminuição do número de embargos do

devedor e impugnações manifestamente infundadas. Todavia, ainda que não provoque o

retardamento da atividade executiva, a simples tramitação dos embargos ou da impugnação

gera dano marginal.

216 Considerações sobre o abuso de direito ou ato emulativo civil. Em: Questões controvertidas no novo Código Civil – série grandes temas de direito privado – vol. 2 – coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves. – São Paulo: Editora Método, 2004, p. 101-102. O autor aborda especificamente os casos de utilização indevida das ações cautelares de sustação de protesto: “atuando profissionalmente como advogado, sempre que visualizamos a ‘lide temerária por excelência’, lembramos da medida cautelar de sustação de protesto e da decorrente ação que visa constituir negativamente um título de crédito enviado à publicidade. Sobre ela gostaríamos de tecer alguns comentários, justamente apontando casos em que tal medida é utilizada como verdadeiro ato emulativo. Mas, antes de mais nada, um alerta deve ser feito, evitando-se conclusões precipitadas. É lógico que a ação cautelar em questão, quando bem utilizada, constitui um exercício regular de direito de seu titular, ato judicial previsto em lei e que não traz em seu bojo qualquer ilicitude. Só que essa regra comporta exceção, sendo comum, em momentos de dificuldades econômicas como o que vivemos agora, que devedores, sem o menor respaldo na lei, promovam as ditas ações motivados pela intenção mesquinha de não pagar a dívida” (p. 100).

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Capítulo IV – A MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA BASEADA NA EVIDÊNCIA E A

GARANTIA DA ISONOMIA

4.1. Considerações iniciais.

A manifesta improcedência é uma técnica endoprocessual de aceleração do

procedimento,217 na medida em que opera dentro do processo e busca propiciar a tutela

jurisdicional com o menor dispêndio de tempo e dinheiro, sem se descurar da observância dos

princípios e garantias que regem a atividade processual.

Esta técnica pode ser analisada a partir dos estudos desenvolvidos sobre a

evidência do direito, tendo sido utilizada pela doutrina, em princípio, para justificar o instituto

da tutela antecipada.

LUIZ FUX, atento aos danos causados ao demandante pela demora na

prestação jurisdicional, aprofundou-se no estudo do direito evidente, afirmando que “a

expressão vincula-se àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte

revela-se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandamus

ou o direito documentado do exequente”.218

A evidência do direito exclui a cognição sumária, porque o objeto litigioso se

oferece completo ao juízo, verificando-se a mesma margem de erro que há em todo

provimento mesmo de cognição dita exauriente e como consectário da humanidade do

julgador. E acrescenta LUIZ FUX, inclusive citando OVÍDIO BAPTISTA, que “a partir da

evidência, a ética da jurisdição como um todo sofre um arranhão da espera imotivada, pois o

fundamento exclusivo da jurisdição na descoberta dos direitos para realizá-los segundo a lei

desaparece”. Afinal, “o que está evidente não precisa ser descoberto”. 219

217 A expressão é de DINAMARCO em Fundamentos do processo civil moderno, vol. II. – 5ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 898. 218 Tutela de segurança e tutela da evidência (fundamentos da tutela antecipada). – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 305. 219 FUX, Luiz, op. cit., p. 309.

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O conceito de evidência não está no plano objetivo-normativo, onde todos os

direitos são evidentes, já que se exige do legislador a fixação isenta de dúvidas na criação das

normas jurídicas. O problema apresenta-se no plano fático, demonstrando-se ao juízo a

evidência do direito com base nas provas dos fatos sobre os quais incide, revelando-os

incontestáveis ou ao menos impassíveis de contestação séria.220

Contudo, a tutela da evidência não deve servir apenas para abreviar a

certificação do direito buscado em Juízo pelo autor. Ao contrário, em razão do princípio da

isonomia, deve servir também ao réu, possibilitando o indeferimento, de plano, de pretensões

evidentemente infundadas, preservando os seus direitos à intimidade e à privacidade.

Portanto, deve servir indistintamente às partes como forma de evitar os danos que lhes são

causados pela simples tramitação do processo, inibindo os males causados pelo abuso do

direito de processual, inclusive o de demandar.

JORGE AMERICANO era contra a ideia de combater o abuso do direito de

demandar por meio de tutela inibitória, conforme se depreende da seguinte lição:

Impedir o exercício da demanda para prevenir o abuso é prejulgar a relação que, podendo não ostentar a princípio grande aparência, talvez torne evidente o direito, ao têrmo da demanda. O remédio deve ser, pois, repressivo, e não preventivo. Com isso se alcança, indiretamente, o efeito intimidativo. A presunção de boa-fé, que assiste ao litigante, pode ser destruída pela existência de outras presunções, nascidas da própria natureza do litígio.221

Também merecem destaque as observações de EDUARDO COUTURE:

É evidente que, no complexo das possibilidades de ação de todo sujeito de direitos, o acesso aos tribunais constitui um das que lhe devem ser outorgadas com a máxima liberalidade. Ao outorgar essa faculdade, não cabe perguntar de antemão se o reclamante tem ou não razão, ou se age de boa ou má-fé. Infelizmente, isso só se poderá saber por ocasião da sentença final. Dizemos infelizmente porque o ordenamento jurídico seria infinitamente mais perfeito se fosse possível saber desde a propositura da ação se o autor tem ou não razão, uma vez que dessa possibilidade decorreria a de evitar-se o litígio malicioso. Todavia, tal possibilidade logicamente não existe, porquanto instituí-la equivaleria a suprimir o litígio. Em uma luta nunca se sabe de antemão quem será o vencedor e quem será o derrotado, até o instante supremo em que se decide a contenda. O processo é, em última análise, uma luta dialética. Pela mesma razão porque, no duelo bíblico, Golias não pode ser antecipadamente declarado vencedor, tampouco se pode conceber ordenamento

220 Idem, ibidem, p. 311 221 Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, vol. 1, 2ª ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 1958, p. 18-19.

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jurídico algum que possa declarar vencedor antecipado aquele que apresente um direito aparentemente mais convincente.222

Contudo, essas assertivas devem ser avaliadas de acordo com o contexto da

época em que foram feitas, ressaltando-se que, na ocasião, ainda era tímida a utilização da

tutela inibitória, caracterizada por “impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e

não uma tutela dirigida à reparação do dano”.223 Além disso, não são raros os casos em que a

presunção de boa-fé do demandante não resiste a uma simples leitura da petição inicial do

processo ou de algum incidente ou recurso.

O abuso do direito, conforme já visto, constitui um ato ilícito. Como se trata de

comportamento contrário ao direito, deve ser evitado, tanto quanto possível, já que a

Constituição Federal garante ao cidadão tutela jurisdicional não apenas diante de lesão, mas

também frente à ameaça a direito (art. 5°, XXXV). Caso a prática da conduta processual

abusiva seja inevitável, então devem ser evitados ou amenizados os seus efeitos maléficos, em

relação à parte contrária ou à administração da justiça.

Conforme ressaltado por LUIZ GUILHERME MARINONI,

imaginou-se por muito tempo que a lei, por obrigar quem comete um dano a indenizar, não diferenciasse ilícito de dano, ou melhor, considerasse o dano como elemento essencial e necessário da fattispecie constitutiva do ilícito. Entretanto, o dano não é uma consequência necessária do ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para a constituição do ilícito.

Por isso é que o dano não pode ser visto como pressuposto para a

caracterização do abuso processual, mas apenas para a responsabilização da parte que praticou

a conduta abusiva, que eventualmente pode caracterizar litigância de má-fé.224

222 Fundamentos do processo civil moderno; tradução de Rubens Gomes de Sousa. – São Paulo: Saraiva, 1946, p. 46-47. 223 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 1998, p. 26. 224 HELENA ABDO aponta o dano como pressuposto do abuso do processo. Contudo, assim esclarece: “ainda que não se verifique qualquer das hipóteses mencionadas (ocorrência de dano patrimonial direto, de potencialização do dano marginal ou de dano moral), ainda assim pode-se falar em abuso do processo, sem que, para isso, seja necessário dispensar a figura do dano. Para tanto, basta recordar o quanto dito acerca do prejuízo que o dano representa à administração da justiça (...). Assim, independentemente da verificação de outros prejuízos, o abuso do processo provoca invariavelmente danos à eficiência da administração da justiça. Esse dado é confirmado pela doutrina, que é totalmente concorde nesse ponto” (O abuso do processo ..., cit., p. 125-126).

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Neste passo, a técnica da manifesta improcedência assume papel

importantíssimo. O abuso do direito processual não deve ser analisado apenas sob a ótica da

litigância de má-fé, onde a principal preocupação do legislador é com a punição e o

ressarcimento, à parte lesada, dos danos causados pela conduta abusiva. O abuso deve ser

inibido ou, conforme já ressaltado, seus efeitos devem ser evitados ou minorados ao máximo,

pouco importando se a parte agiu com culpa ou causou dano a quem quer que seja.225

4.2. A tutela antecipada com base na evidência do direito.

A inserção do instituto da antecipação da tutela genérica no nosso ordenamento

processual civil (CPC, artigo 273) reavivou a discussão e os estudos sobre as tutelas de

urgência.

Em interessante estudo sobre a tutela antecipatória e o julgamento antecipado,

LUIZ GUILHERME MARINONI apresenta várias justificativas para esses institutos,

observando o problema, em princípio, sob a ótica do demandante.226

As técnicas de tutela antecipatória da monitória, da não-contestação, do

reconhecimento jurídico do pedido e do julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um

dos pedidos cumulados são amparadas nas seguintes justificativas: a) o processo não pode

prejudicar o autor que tem razão: o procedimento comum, que só admite a realização dos

direitos após a declaração ao final, como fruto do seu último e derradeiro ato, não é capaz de

propiciar o exercício do direito à adequada tutela jurisdicional;227 b) a necessidade de evitar o

abuso do direito de defesa: a tutela antecipatória desestimula as defesas meramente abusivas,

225 “O dano e a culpa não integram a demanda preventiva, o que significa dizer que não fazem parte da cognição do juiz e que, assim, estão obviamente fora da atividade probatória relacionada à inibitória. Na perspectiva da cognição, afasta-se, para a obtenção da inibitória, qualquer necessidade de demonstração de dano e de culpa” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória ..., cit., p. 41). 226 Tutela antecipatória e julgamento antecipado – parte incontroversa da demanda. 5a ed. revista, atualizada e ampliada da obra Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença.- São Paulo: RT, 2003. 227 Idem, ibidem, p. 132. Neste passo, o autor ressalta a seguinte lição de CHIOVENDA: “a necessidade de servir-se do processo para obter razão não pode reverter em dano a quem tem razão”, pois “a administração da justiça faltaria ao seu objetivo e a própria seriedade dessa função do Estado estaria comprometida se o mecanismo organizado para o fim de atuar a lei tivesse de operar com prejuízo de quem tem razão” (Instituições de direito processual civil, São Paulo, Saraiva, 1965, v. 1, p. 159). Mas então fica a seguinte pergunta: e se, a toda evidência, pela simples leitura da petição inicial, percebe-se que o autor não tem nenhuma razão, deve o processo prosseguir com a citação do réu?

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que teriam, por fim, apenas protelar a realização do direito do autor, ou mesmo tirar-lhe

vantagens econômicas em troca do tempo do processo;228 e c) evitar o custo do processo de

conhecimento e o agravamento da situação da administração da justiça: o procedimento

comum tem um custo que não representa apenas um ônus para o demandante, mas também

um alto peso para a administração da justiça. O custo do procedimento comum incide sobre a

crise da justiça civil, principalmente quando é injustificado diante da evidência do direito do

autor e da falta de seriedade da defesa.229

Como se vê, a tutela antecipatória, idealizada para amenizar os problemas

causados ao autor em razão da duração não-razoável do processo, encontra fundamento não

apenas na urgência, mas também na evidência do direito alegado na inicial. É o que se

verifica, por exemplo, nas hipóteses de caracterização do abuso de direito de defesa ou

manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273, II), na ação monitória, nas ações

possessórias e em outros procedimentos especiais.

De fato, por vezes o legislador autoriza a antecipação provisória da solução

postulada diante do risco de inutilidade prática do resultado final e, por outras, “contenta-se

com a probabilidade de o autor ter razão”;230 basta verificar que “a pretensão deduzida na

inicial tem boas chances de ser atendida”.231

No caso de exercício abusivo do direito de defesa, só se justifica a antecipação

se houver impedimento ou retardamento dos atos processuais subsequentes. A simples

apresentação de defesa desprovida de fundamento minimamente razoável, por si só, não

enseja a antecipação de tutela, mas sim o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330).232

No que diz respeito à ação monitória, de acordo com os artigos 1.102-A e

1.102-B, do CPC, o juiz mandará expedir o mandado de pagamento ou de entrega da coisa

desde que o autor apresente “prova escrita sem eficácia de título executivo” com a finalidade

de obter tutela de pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de

228 Idem, ibidem, p. 133. 229 Idem, ibidem, p. 91. 230 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 4ª. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 338. 231 Idem, ibidem, p. 339. 232 Nesse sentido: ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. –3ª. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2000, p. 94.

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determinado bem móvel. O juiz, ao determinar a expedição de mandado monitório, decide em

sede de cognição sumária, com base em juízo de verossimilhança e não de certeza jurídica –

cognição exauriente –, apesar da existência de prova escrita.233

Nas ações possessórias, os requisitos para a antecipação da tutela estão

enumerados no artigo 927, do CPC, a serem demonstrados initio litis , quais sejam: a) a posse

do autor; b) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; c) a data da turbação ou do esbulho; e

d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na

ação de reintegração. Como se vê, a lei não exige o requisito da urgência, bastando verificar-

se a evidência do direito do autor. Ou seja, a liminar nas ações possessórias não se insere nas

chamadas tutelas de urgência.234

De acordo com o que foi visto, o sistema prevê diversas técnicas de

antecipação de tutela que visam a resolver o problema da demora da prestação jurisdicional

sob a ótica do autor. Parte-se do pressuposto de que este habitualmente tem razão, o que não é

verdade. Por isso que, conforme ressaltado por MONIZ DE ARAGÃO, a antecipação dos

efeitos da tutela

foi concebida unilateralmente, criada para atender quem inicia o processo e não para resguardar quem é chamado a nele defender-se. Sob esse ângulo padece de inconstitucionalidade, pois em face do princípio da isonomia os litigantes devem ser tratados com igualdade. Se é certo que estatisticamente (afirmação arbitrária, pois no Brasil não existem estatísticas judiciais) os autores podem estar mais necessitados de tal proteção, é evidente que haverá casos em que o réu é que precisa de amparo. Para afastar a mácula, capaz de pôr a perder a inovação, espera-se que os juízes, em interpretação construtiva da lei, estendam-na também ao réu, quando e se for o caso.235

Pensamos que a questão levantada pelo ilustre doutrinador não se resolve

totalmente com a possibilidade de concessão de tutela antecipada para o réu nos casos em que

este exerce pretensão (reconvenção, ação dúplice em sentido formal e pedido contraposto).

233 Sobre o assunto, as lições de EDUARDO TALAMINI em Tutela monitória: a ação monitória – Lei 9.079/95: doutrina; jurisprudência anotada, aprox. 200 acórdãos. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 78 e ss.. JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, citando CALAMANDREI, anota que “alguns autores equiparam esse provimento conclusivo da fase inicial do procedimento monitório documental à sentença extintiva do processo em que ocorreu a revelia (Ação monitória – Lei 9.079, de 14.07.1995, 3a ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: RT, 2001, p. 48.) 234 Cf. LOPES, João Batista, em A liminar possessória, palestra proferida na FADISP, no 1° semestre de 2001, Publicada na íntegra em Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência / coordenadores: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim. – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 522-534. 235 Alterações no Código de Processo Civil: tutela antecipada, perícia. Em: Reforma do Código de Processo Civil / coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 237.

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Afinal, isto está expressamente autorizado pelo CPC, ao dispor, no art. 273, que o juiz poderá

antecipar os efeitos da tutela “a requerimento da parte” e não apenas do autor.

O art. 273, II, do CPC, autoriza a antecipação dos efeitos da tutela como

remédio a favor do autor, diante do abuso do direito de defesa, para combater o problema da

morosidade. Fica então a seguinte pergunta: qual o remédio disponibilizado ao réu no caso do

abuso do direito de demandar?

A fim de preservar a isonomia de tratamento no que diz respeito ao acesso à

tutela jurisdicional, o sistema deve prever técnicas processuais que abreviem o procedimento

quando estiver evidente que o autor não tem razão, ou seja, diante da manifesta

improcedência.

Mas a questão também deve ser analisada sob a ótica do autor, eis que o réu

também pode se utilizar abusivamente de recursos e incidentes processuais para retardar a

marcha processual, o que, aliás, é bastante comum.

Daí, a importância das técnicas processuais de abreviação de procedimentos,

especialmente as que se baseiam na manifesta improcedência, visando, principalmente, a

evitar dilações indevidas que possam causar danos às partes e à administração da Justiça.

4.3. Tutela da evidência a favor do réu.

Conforme já ressaltado, é cada vez maior o número de demandas propostas

sem fundamento minimamente razoável, casos em que uma simples leitura da petição inicial

leva o juiz à conclusão de que o autor não tem razão, mesmo que os fatos descritos na causa

de pedir sejam considerados verdadeiros. Nesses casos, o sistema deve prever alguma solução

para proteger o direito fundamental do réu de não ter a sua privacidade violada sem

fundamento razoável, ou, ainda, assegurar-lhe o direito fundamental de acesso à tutela

jurisdicional tempestiva – que também lhe socorre –, capaz de protegê-lo contra o dano

marginal do processo.

Não havendo solução expressamente prevista na lei para coibir o

processamento de demandas evidentemente abusivas, estaremos diante de uma lacuna

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processual que impede o acesso do réu à tutela jurisdicional tempestiva, problema que deve

ser resolvido pelo juiz no caso concreto, nos termos já expostos no início deste trabalho.

Se, por um lado, quando o direito do autor afigura-se evidente o ordenamento

autoriza que o juiz, por meio de antecipação de tutela, lhe conceda a fruição do bem da vida

initio litis , por outro, é possível ao magistrado verificar a ausência evidente desse mesmo

direito, negando-lhe, também initio litis , a tutela pretendida. Nesse caso, surgem duas

hipóteses: a) o autor narrou fatos que ensejam, em tese, a consequência jurídica prevista na

fattispecie descrita na lei material invocada, mas ainda não estão suficientemente provados,

havendo necessidade de dilação probatória; e b) o autor narrou fatos que, mesmo sendo

verdadeiros, evidentemente não geram a consequência jurídica prevista na fattispecie invocada

na petição inicial, sequer em tese, caso em que de nada adiantaria a comprovação de tais fatos.

É justamente a hipótese em que o que está evidente não precisa ser descoberto.

Sobre o assunto, vejamos a lição de LUIZ FUX:

A cognição judicial da evidência permite não só o deferimento initio litis do provimento requerido como também o seu indeferimento e, nesse tópico, coincidem os regimes da segurança e da evidência, tanto que o juízo pode indeferir de plano a inicial pela inexistência “evidente” de direito alegado, sem que haja qualquer violação do contraditório, instituído em prol do demandado, para que a sentença favorável não seja fruto da manifestação unilateral do autor. Ora, se o juízo de per si verifica de plano da inexistência do direito, pelo ângulo da evidência, nenhuma utilidade representará a vinda do réu aos autos, mercê de essa postura resguardar, no plano jusfilosófico a igualdade de tratamento às partes do processo. Impõe-se timbrar a diferença entre a resolução judicial que afirma inexistir o direito evidente e aquela que initio litis declara a inexistência de evidência. Nesse segundo caso, o processo prossegue, porque a utilidade do procedimento ordinário contrapõe-se à inutilidade apregoada pelo sedizente titular da “evidência jurídica”. Mutatis mutandis é a técnica do mandado de segurança, aqui ultrapassando-a para eliminar a via ordinária ex intervallo. No mesmo processo e procedimento, prossegue-se na busca da razão jurídica.236

Anota, ainda, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, que na origem anglo-

saxônica do princípio do devido processo legal está previsto o julgamento prima facie

evidence não só em favor do autor, mas também em prol do demandado.237 Portanto, a tutela

da evidência, muito embora utilizada inicialmente para justificar apenas a antecipação dos

efeitos da tutela em favor do autor, serve de fundamento para as técnicas processuais de

236 Op. cit., p. 317. 237 Op. cit., pp. 320-321.

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abreviação do procedimento que preservam os interesses do réu diante da manifesta (ou

evidente) improcedência da pretensão deduzida na inicial.

PEDRO MARTINS BAPTISTA, ressaltando a necessidade de impedir o

desenvolvimento de demandas abusivas, anota o seguinte:

O direito de estar em justiça é um dos mais expostos à invasão do abuso e da malícia. Foi certamente a consciência dessa verdade que determinou, no próprio direito inglês, uma exceção para a doutrina do abuso no que concerne ao exercício do direito de demanda. A despeito do rígido individualismo, que constitui o seu substrato filosófico, do qual deriva a immunity in exercice of commom rights, o direito inglês, exercendo em rigor à jurisprudência e às legislações de outros países, não se limitou a adotar medidas repressivas contra o abuso, responsabilizando os que exercerem maliciosamente o seu direito. Foi mais longe. A luta contra o espírito de vexação pode assumir ali uma forma preventiva, cerceando-se o livre acesso ao pretório à parte que tenha decaído sucessivamente de várias ações injustificadas. Esse acesso ficará, em tais casos, sujeito à prévia censura do attorney general.238

O exercício abusivo do direito de demandar “pode ocasionar, entretanto,

prejuízos tão graves que a simples aplicação dos princípios da responsabilidade não baste para

a eliminação dos possíveis abusos. Assim, com relação a essa faculdade, a ação preventiva do

juiz se impõe de maneira imperiosa e indeclinável”. 239

Nesse sentido, o simples indeferimento da tutela antecipada requerida pelo

autor nas demandas abusivas não resolve o problema, já que o procedimento prosseguirá e

causará danos ao réu. Além disso, pode ser que o autor não tenha requerido a antecipação dos

efeitos da tutela e nem por isso o desenvolvimento do procedimento deixará de ser gravoso

para o réu.

CASSIO SCARPINELLA BUENO, comentando sobre a recorribilidade da

decisão que recebe a inicial e determina a citação, afirma o seguinte:

A questão assume consequências práticas indesmentíveis. O que releva destacar é que a recorribilidade do “cite-se”, isto é, do resultado do juízo positivo de admissibilidade da inicial, repousa, precipuamente, na demonstração de um interesse do réu que deve ser tutelado imediatamente e que não pode aguardar sequer o oferecimento de sua contestação e o julgamento que, desde aquele ato, já pode ser feito pelo juiz por força do que dispõe o art. 330, I. (...).

238 Op. cit., pp. 71-72. 239 Op. cit, p. 74.

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De qualquer sorte, o interesse em recorrer do recebimento da inicial (...) repousa na demonstração, pelo réu, de que o tão-só recebimento da inicial já lhe causa prejuízos que precisam ser imediatamente afastados. Não é errado entender essa hipótese como um verdadeiro caso de tutela jurisdicional antecipada para o réu que tem o direito de não ver demandas promovidas em seu detrimento manifestamente infundadas ou que não renderão ensejo a julgamento favorável ao autor (art. 295).

Merece destaque especial a conclusão do ilustre Professor: “Tutela antecipada

no sentido de o réu beneficiar-se, inclusive no plano do direito material, com a extinção do

processo liminarmente”.240

Atento a essa questão, e independentemente da possibilidade de recurso contra

o “cite-se”, o legislador autoriza em determinadas hipóteses o indeferimento da petição

inicial, com resolução do mérito. E isto não é novidade no sistema processual. Os art. 295, I, e

269, IV, ambos do CPC, há muito já autorizavam expressamente o juiz a fazê-lo, ressaltando a

tendência de que os casos se tornem mais comuns diante da possibilidade de reconhecimento

da prescrição, de ofício, em qualquer hipótese (CPC, art. 219, § 5°, de acordo com a Lei n°

11.280/06).241

Assim, considerando o que foi analisado no início deste trabalho sobre a

interpretação das leis processuais, mormente no que diz respeito ao conceito de lacunas e ao

seu preenchimento, e, ainda, tendo em vista a necessidade de preservar o direito fundamental

à privacidade do réu, deve o juiz rejeitar liminarmente as demandas abusivas, mesmo que para

o caso concreto não exista norma procedimental específica. E a mesma regra deve ser

utilizada para a rejeição de incidentes ou recursos manifestamente improcedentes,

independentemente de quem os tiver manejado.

240 Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário, 2: tomo I. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 120-121. 241 Segundo FLÁVIO CHEIM JORGE, FREDIE DIDIER JR. E MARCELO ABELHA RODRIGUES, “sucede que também é possível o indeferimento da petição inicial com resolução de mérito. O magistrado, liminarmente, reconhece a improcedência do pedido e não admite sequer a citação do réu, ato que se revela desnecessário ante a macroscópica impertinência do pedido. Trata-se de decisão que analisa o mérito da causa, apta, portanto, a ficar imune pela coisa julgada material” (A terceira etapa da reforma processual civil: comentários às leis 11.187 e 11.232 de 2005; 11.276, 11.277 e 11.280 de 2006. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 57).

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Capítulo V - AS HIPÓTESES DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCI A NO PROCESSO

CIVIL BRASILEIRO.

5.1. Considerações iniciais.

A técnica processual da manifesta improcedência está prevista expressamente

em vários dispositivos do Código de Processo Civil, que autorizam a sua utilização não

apenas em primeiro grau de jurisdição, como também em sede recursal. Em algumas

hipóteses, é aplicada sobre o mérito da causa (ou do recurso) e em outras é utilizada no

julgamento de determinados incidentes processuais. Além disso, pode ser aplicada em casos

que não estão expressamente previstos pelo legislador, conforme restará demonstrado.

5.2. A improcedência prima facie do pedido.

A improcedência prima facie do pedido é uma técnica processual que autoriza

o órgão julgador a proferir sentença de resolução do mérito antes mesmo da citação do réu.

Tem a finalidade de amenizar os efeitos do abuso do direito de demandar, especialmente no

que diz respeito aos danos que a simples tramitação do processo pode causar ao réu. Cuida-se

de uma espécie do gênero manifesta improcedência.

O sistema processual traz diversas hipóteses de improcedência prima facie,

muito embora algumas delas sejam tratadas, ao menos formalmente, como casos de extinção

do processo sem resolução do mérito. Passamos, então, à análise de cada uma delas.

5.2.1. Ausência de lógica entre a narração dos fatos e a conclusão.

De acordo com o art. 295, parágrafo único, inciso II, do CPC, a petição inicial

é inepta quando “da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”. Trata-se de

hipótese de julgamento do mérito, muito embora o texto legal possa sinalizar em sentido

contrário.

CALMON DE PASSOS ensina que esse dispositivo “inclui, na verdade, um

caso de improcedência prima facie. De logo, o juiz percebe que o autor, ainda quando

provasse plenamente os fatos narrados, jamais lograria acolhimento para o seu pedido. E é

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essa constatação que conduz à inépcia, já apontada com um julgamento preliminar de mérito,

sem que essa opinião constitua qualquer absurdo ou extravagância”.242

No mesmo sentido, a lição de ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS:

Também é inepta a inicial, quando, desde já, pela narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão (art. 295, parágrafo único, II). Tal defeito da petição inicial não se confunde com a “impossibilidade jurídica do pedido”, considerada em abstrato. Na impossibilidade jurídica, o pedido não encontra respaldo, em abstratamente, independente de qualquer fato, no ordenamento jurídico, seja por não haver nele contemplação do efeito jurídico pretendido, seja por proibição expressa de reconhecimento de tal tipo de pretensão. (...) Quando da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão, diz-se que há impossibilidade jurídica relativa e a decisão é de improcedência prima facie, porque se trata de real sentença de mérito. Abstratamente, o pedido é permitido, mas concretamente, frente aos fatos, como consequência do fato jurídico narrado, nele não se pode concluir.243

Ainda, segundo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “haverá, também,

julgamento de mérito em indeferimento da petição inicial, quando o juiz, do cotejo entre os

fatos narrados pelo autor e o pedido, concluir que não decorre logicamente a conclusão

exposta”.244

242 Comentários ao Código de Processo Civil, 9 ed., rev. e atual., vol. III: art. 270 a 331. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 245. Segundo ele, isso ocorre em duas hipóteses: “a primeira hipótese a considerar é a de ter narrado o autor, em sua inicial, um fato não qualificado pelo direito, isto é, um fato que não é fato jurídico (não há direito a ele aplicável, logo não é relevante juridicamente). Se isso se verifica, duas coisas podem ter ocorrido: ou o autor não formulou pedido ou o fez obscuramente (e será caso de inépcia com fundamento no inciso I), ou se algum pedido formulou, esse pedido não decorre logicamente do fato narrado, porquanto o fato narrado é inábil pra produzir consequências jurídicas (e a inépcia será com fundamento no inciso II). Segunda hipótese possível é aquela em que o fato narrado é fato jurídico (está, em abstrato, tipificado pelo ordenamento jurídico). Nessa circunstância, duas possibilidades existem: a) o autor tipificou corretamente o fato jurídico, mas lhe atribuiu consequências jurídicas não autorizadas, pelo que o seu pedido não guarda coerência lógica com a premissa menor; e ainda quando o juiz possa corrigir a premissa maior, não poderá fazê-lo se modificar o pedido formulado pelo autor; neste caso, a inicial é inepta; b) o autor tipificou incorretamente o fato jurídico e, consequentemente, pediu o que os fatos não autorizavam; também aqui a faculdade deferida ao juiz de corrigir a premissa maior encontra obstáculo intransponível na impossibilidade de modificar o pedido como formulado pelo autor, pelo que a petição será igualmente inepta”(p. 244-245). 243 Manual de Direito Processual Civil: volume 1, 9 ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 378-379. Segundo FREDIE DIDIER JR., sobre o tema, “conforme pensamos, trata-se de hipóteses de improcedência prima facie, extinção do processo com julgamento do mérito” (Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, 6 ed. – Salvador: Juspodivm, 2006, p. 367).. 244 Curso de direito processual civil, vol. I: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 19 ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 356.

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5.2.2. Impossibilidade jurídica do pedido.

Nos termos do Código de Processo Civil, a petição inicial é inepta, dentre

outras hipóteses, quando o pedido for juridicamente impossível (art. 295, parágrafo único,

III). Nesse caso, deverá ser indeferida (art. 295, caput), provocando a extinção do processo

sem resolução do mérito (art. 267, I). O mesmo resultado ocorre quando o juiz verifica a

impossibilidade jurídica no curso do procedimento, depois do despacho que determina a

citação do réu (art. 267, VI).

A inexistência de resolução do mérito quando o juiz reconhece a

impossibilidade jurídica do pedido deve-se à opção do legislador pela teoria eclética da ação.

Mas essa opção mostra-se equivocada e é incoerente com o sistema processual,

já que, independentemente das expressões utilizadas pelo legislador, fato é que o juiz resolve

o mérito quando reconhece a impossibilidade jurídica, conforme restará demonstrado.

Contudo, antes de ingressar propriamente na questão, é necessário definir em

que consiste a possibilidade jurídica.

A doutrina costuma afirmar que esta condição da ação está presente “quando a

pretensão, em abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo”245 ou,

em outras palavras, “indica-se a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do

ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação.246

Parece-nos que esse conceito é equivocado, ao menos sob a ótica da teoria

eclética. Mostra-se adequado apenas às condições da ação conforme defendido pela teoria

concretista, segundo a qual a existência do direito de ação necessariamente conduz a uma

sentença favorável.247

245 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 1, 15ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1992, p. 166. 246 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. I: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 19 ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 53, citando a lição de Alfredo Buzaid. 247 Segundo Adolph Wach, “o direito de ação, embora não nascendo junto com o direito subjetivo material, dele há de decorrer, sempre e necessariamente, à exceção da hipótese da ação declaratória negativa. Assim, distinguem-se os dois direitos, mas o segundo nascerá depois do primeiro, quer da violação deste, ou da ameaça ao mesmo (...). Na verdade, à exceção da declaratória negativa, condicionava Wach a ação ao direito subjetivo

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KAZUO WATANABE observa que as condições da ação foram criadas como

ponto de conexão entre o direito material e o direito processual, alertando, contudo, para o

seguinte: “Entretanto, essa coordenação entre o material e o processual deve ser

adequadamente situada, qualquer que seja o método de pensamento do processualista. A

tentativa de coordenação no plano prático e com a exigência de efetiva existência do direito

material conduzirá ao concretismo, em se cuidando de teoria elaborada pela perspectiva do

direito processual, e ao imanentismo, se a teoria for concebida pela perspectiva do direito

material”.248

Se não houver previsão específica para a pretensão deduzida em juízo estamos

diante de uma lacuna no ordenamento jurídico e não de impossibilidade jurídica. Neste caso, a

solução não é a extinção do processo sem resolução do mérito, mas a integração do

ordenamento jurídico por meio da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito

(CPC, art. 126 e LICC, art. 4° e 5°).

Mas também é possível dizer que se o juiz está autorizado pelo legislador a

preencher as eventuais lacunas, então em verdade elas não existem, pois a norma já estava no

sistema jurídico. Haveria impossibilidade jurídica apenas se o legislador vedasse ao juiz o

preenchimento das lacunas.249

Depois de reconhecer que a ausência de previsão em abstrato revela, a bem da

verdade, uma lacuna, MONIZ DE ARAGÃO afirma que “sendo a ação o direito público

subjetivo de obter a prestação jurisdicional, o essencial é que o ordenamento jurídico não

contenha uma proibição ao seu exercício; aí sim, faltará a possibilidade jurídica. Se o caso for

de ausência de um preceito que ampare em abstrato o pronunciamento pleiteado pelo autor,

ainda não se estará, verdadeiramente, em face da impossibilidade jurídica”.250

material, que só poderia conduzir a uma sentença favorável. Disso resulta haver Wach imposto três condições para a ação, a saber: a) a existência de um direito violado ou ameaçado de violação, sob pena de não haver legítimo interesse que deveria ser real, e não imaginário; b) a legitimação, ou seja, a necessidade de que o direito violado ou ameaçado fosse próprio; c) a possibilidade jurídica do pedido, ou a adequação do direito ao ordenamento jurídico concreto, materializado em fatos-tipo previamente determinados” (SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3ª ed. – São Paulo: RT, 2002, p. 104-105). 248 Da cognição no processo civil. 2ª ed. – Campinas: Bookseller, 2000, p. 91-92. 249 Cf. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do processo e mérito da causa. Em Saneamento do Processo: estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda (org. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). – Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1.989, p. 35. 250 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II. 10ª ed. – Rio: Forense, 2005, p. 436-437.

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DONALDO ARMELIN, na mesma linha de raciocínio, ressalta que

a simples circunstância de o pedido não estar no ordenamento jurídico não é suficiente para lhe valer liminarmente a pecha de juridicamente impossível. No sistema jurídico nacional, onde ao Judiciário cabe decidir em única e última instância sobre a validade, eficácia e extensão das normas jurídicas, não se pode falar aprioristicamente, mesmo se o pedido não estiver previsto na lei ou em outras fontes reveladoras do direito. Máxime considerando-se que nenhum veto existe à atuação da analogia legis ou iuris, que, juntamente com outros meios, servem, segundo disposição expressa do sistema, à implementação de suas lacunas.251

O STJ já decidiu que “a possibilidade jurídica do pedido, como uma das

condições da ação, vale-se do princípio da liberdade jurídica, segundo o qual é lícito pleitear

onde não há vedação. Em observância ao princípio da liberdade jurídica, o parâmetro judicial

tem como regra a inafastabilidade da tutela jurisdicional”.252

Além disso, apesar de o art. 267, VI, do CPC, referir-se a possibilidade

jurídica, é comum a utilização da expressão possibilidade jurídica do pedido para definir esta

condição da ação, quiçá porque o inciso III, do parágrafo único, do art. 295, qualifica de

inepta a petição inicial quando “o pedido for juridicamente impossível”. Ocorre que isto não é

suficiente para delimitar o alcance do fenômeno.

A verificação dessa condição da ação deve levar em conta a solução pleiteada

pelo autor para a composição da lide,253 e não apenas o pedido isoladamente considerado.

Devem ser levados em conta também a causa de pedir e as partes. Em outras palavras, “para

que a demanda seja juridicamente possível, é necessária a compatibilidade de cada um de seus

elementos com a ordem jurídica”.254

251 Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. – São Paulo: RT, 1979, p. 49-50. 252 REsp n° 706.373/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 13.9.2005, DJ 26.9.2005. 253 Cf. MONIZ DE ARAGÃO, op. cit, p. 439. 254 DINAMARCO, Cândido Rangel. Segundo este doutrinador, “o petitum é juridicamente impossível quando se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto (pedir o desligamento de um Estado da Federação). A causa petendi gera a impossibilidade jurídica da demanda quando a ordem jurídica nega que fatos como os alegados pelo autor possam gerar direitos (pedir condenação com fundamento em dívida de jogo). As partes podem ser causa de impossibilidade jurídica, como no caso da Administração Pública, em relação à qual a Constituição e a lei negam a possibilidade de execução mediante penhora e expropriação (...)” (Instituições de direito processual civil, vol. II. 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, p. 301-302).

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A possibilidade jurídica como condição da ação e, portanto, destacada do

mérito, deve-se à adoção, pelo sistema processual brasileiro, da teoria eclética de LIEBMAN.

Contudo, mesmo dentro das regras expressas do Código de Processo Civil em vigor, é

possível extrair a conclusão de que a sentença do juiz que reconhece a impossibilidade

jurídica implica resolução do mérito.

Mérito, segundo a doutrina, é sinônimo de lide e de objeto litigioso,255

conforme se depreende da exposição de motivos do Código de Processo Civil, verbis: “O

julgamento desse conflito de pretensões (lide ou litígio), mediante o qual o juiz, acolhendo ou

rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a a outra, constitui uma sentença

definitiva de mérito”.256

Assim, julgar o mérito significa julgar o pedido deduzido na inicial, acolhendo-

o ou rejeitando-o, porque amparado ou não pelo direito material.257

Ora, quando o juiz afirma a impossibilidade jurídica, reconhece que a

pretensão do autor encontra óbice expresso no ordenamento jurídico, ou seja, rejeita-a e

resolve a lide de forma definitiva. Em outras palavras, diz que o autor não tem razão sob a

ótica do direito positivo. Portanto, a sentença que reconhece a impossibilidade jurídica é uma

sentença de mérito.

255 Nesse sentido, dentre outros: ARRUDA ALVIM. Manual de direito processual civil, vol. 1: parte geral. 6ª ed. – São Paulo: RT, 1997, p. 393; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. I: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 19ª ed. – Rio: Forense, 1997, p. 317; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 507. DINAMARCO apresenta, contudo, a seguinte observação: “Por duas razões, contudo, é inadequado alçar a lide à condição de objeto do processo. Primeira, porque nem sempre existe um conflito de interesses entre as partes: há casos em que ambas podem até desejar o mesmo resultado e apesar disso o processo é indispensável para que o resultado se obtenha (...). Segunda, porque nem sempre toda a lide existente na vida das pessoas é trazida a juízo, nunca se podendo saber com certeza se se está diante de um processo por lide integral ou parcial (Carneluti): dizer que o objeto do processo é somente a porção da lide trazida ao juiz (Liebman, Galeno Lacerda) equivale a dizer que esse objeto é representado só pela pretensão deduzida – o que torna o conceito ao menos inútil, porque o assimila ao de pretensão deduzida (ainda quando na vida comum a lide tenha maior extensão, só a sua manifestação é que interessa socialmente e ao processo). (Instituições de Direito Processual Civil, vol. II. – 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2004, p. 183). 256 Mas a questão não é pacífica. DINAMARCO anota que “os autores que se detiveram um pouco na conceituação do mérito podem ser divididos em três posições fundamentais: a) os que o conceituam no plano das questões, ou complexo de questões referentes à demanda; b) os que se valem da demanda ou de situações externas ao processo, trazidas a ele através da demanda; c) especificamente, para os quais o mérito é a lide, tout court (Exposição de Motivos)” (Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., v. I. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 239). 257 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 242 e 245.

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Segundo ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, o juiz, ao pronunciar a

impossibilidade jurídica do pedido, “(...) ‘rejeita o pedido do autor’, nos exatos termos do art.

269, I; denega-lhe o bem da vida por ele perseguido através do processo; afirma que ele não

tem o direito subjetivo material invocado; diz que ele não tem razão; indefere-lhe o pedido

mediato formulado; repele a sua demanda. Podem-se alinhar às dezenas outras maneiras de

dizer, mas todas significarão sempre que a ação (rectius, o pedido) não procede”.258

Em outras palavras, a impossibilidade jurídica do pedido é a hipótese mais

aguda de manifesta improcedência em relação ao objeto do processo.

Eis os ensinamentos de CALMON DE PASSOS:

A impossibilidade jurídica é também uma das formas de improcedência prima facie. (...) Quando não se obtém determinado bem da vida por motivo de os fatos postos como fundamento do pedido desautorizarem, em termos de direito, o que jurisdicionalmente se postula, nossa pretensão improcede, vale dizer, a sentença deve concluir pela rejeição do pedido. Isso ocorre quando os fatos, como narrados na inicial, não são verdadeiros (deixarem de ser provados), como por igual se verifica na hipótese de os fatos, conforme narrados na inicial, de logo desautorizarem o acolhimento do pedido (mesmo que provados fossem os fatos alegados, o pedido seria insuscetível de ser acolhido) e também se os fatos provados tiverem sido outros que não os narrados na inicial. Pode-se, de logo, concluir, por igual, pela improcedência, quando o tipo de pedido formulado pelo autor é desconhecido pelo ordenamento jurídico a que se reporta. Desconhecido porque vetado expressamente, desconhecido porque nele não prevista solução que agasalhe sua acolhida. E a igual conclusão se chega, pela improcedência, se os fatos narrados desautorizam, de imediato, como consequência jurídica, em face da previsão abstrata e genérica do direito objetivo, deferir-se ao autor o bem da vida por ele pretendido.259

E conclui o ilustre Professor dizendo que o art. 295, parágrafo único, III, do

CPC, trata da impossibilidade jurídica absoluta, hipótese de improcedência qualificada como

“carência de ação, por falta de condição da ação, na terminologia liebmaniana que o CPC

tornou direito positivo”.260

No mesmo sentido é a lição de DONALDO ARMELIN:

258 Extinção do processo e mérito da causa. Em: Saneamento do Processo: estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda (org. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). – Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 36. 259 Comentários ao Código de Processo Civil, 9ª ed., rev. e atual., v. III: art. 270 a 331. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 245-246. 260 Idem, p. 246.

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(...) Mas, qualquer que seja o seu objeto, ocorrendo a impossibilidade jurídica do pedido ou a ilicitude da causa petendi, a justificar a pré-exclusão do julgamento do mérito, que é o próprio pedido, em verdade o que sucede é um julgamento prima facie de mérito. Isto já foi remarcado com precisão por Calmon de Passos, ao afirmar, verbis: “A impossibilidade jurídica é também uma das formas de improcedência prima facie”. Com efeito, dizer que um pedido é insubsumível às normas jurídicas do sistema jurídico vigente, porque existe uma vedação expressa a respeito, não difere de se julgar que um pedido não pode ser acolhido porque não provou o autor a existência do suporte fático indispensável à sua subsunção à norma legal invocada. Ambos levam à rejeição do pedido em razão de sua carente fundamentação. Apenas em um caso inexistem fundamentos jurídicos; noutro, fáticos. Inobstante no caso de vedação expressa do sistema a premissa maior do silogismo judiciário ser inaceitável, e, no caso de falta de prova, ocorrer isso com a premissa menor desse silogismo, ambas as hipóteses, para efeitos processuais, são ontologicamente iguais, ou melhor, deveriam ser no que tange aos efeitos emergentes de sua constatação. A circunstância da apreciação da inviabilidade do pedido poder ser feita ab initio não retira da decisão, que o rechaça por impossibilidade jurídica, a natureza de decisão de mérito, porque, como é cediço, o momento da prolação de tal decisão no processo de modo algum tem o condão de firmar ou infirmar a sua natureza.261

Também adotando a tese de CALMON DE PASSOS, FREDIE DIDIER JR.

afirma que

a improcedência macroscópica é apenas a forma mais avultante de improcedência, e, por isso, deveria ser tratada ainda com mais rigor – como já acontece com os casos de decadência legal e prescrição em favor do incapaz. O caso é de improcedência prima facie. A situação de alguém pedir algo que o direito repila, ou não permita expressamente, em nada difere daquela em que outrem pede algo que o direito agasalha, pois as decisões que confirmarem a repugnância ou a afeição serão consequências de ‘relações processuais substancialmente idênticas, expressivas do exercício do direito de ação do sujeito e de atividade jurisdicional do órgão, em tudo semelhantes’. Aplica-se o direito material – a relação jurídica está sendo composta. Adentra-se o mérito; injustificável que não produza coisa julgada material.262

Ainda, de acordo com LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ

ARENHART, “se determinado pedido é excluído pelo ordenamento jurídico, não existindo

sequer a possibilidade de alguém exigir a sua realização no plano do direito material, não há

pretensão de direito material; o que se afirma quando se diz que não há possibilidade jurídica

do pedido no caso de cobrança de dívida de jogo é que não há pretensão de direito

material”.263

O STJ já decidiu que “em se tratando de pedido manifestamente contrário ao

Direito, indefere-se a petição inicial em face da impossibilidade jurídica do pedido”.264

261 Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. – São Paulo: RT, 1979, p. 53. 262 Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 226. 263 Manual do processo de conhecimento. – 3ª ed. – São Paulo: RT, 2004, p. 70. 264 AgRg na AR n° 952 – AL, rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 05.06.2000, p. 112.

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Apesar de haver resolução do mérito quando o juiz reconhece a

impossibilidade jurídica, a maioria da doutrina entende que, nesse caso, não haverá formação

de coisa julgada material, pois restaria a possibilidade de renovar a discussão em outro

processo.265 De fato, nos termos do art. 268, caput, primeira parte, do CPC, “salvo o disposto

no art. 267, V [reconhecimento de perempção, litispendência ou coisa julgada], a extinção do

processo não obsta a que o autor intente de novo a ação”.

Quanto aos demais incisos – dentre eles o VI, que trata da impossibilidade

jurídica – afirma-se que “como a lide não foi composta, pois o processo se encerrara sem

julgamento do mérito, ainda resta a possibilidade de nova tentativa, a fim de o autor buscar a

definição do mérito, isto é, alcançar uma sentença que diga a qual das partes assiste razão”.266

Contudo, tal conclusão não resiste a uma análise sistemática do ordenamento

processual. O Código de Processo Civil, ao proibir a repropositura da demanda nos casos de

perempção, litispendência e coisa julgada, determina que o processo seja extinto sem

resolução do mérito (art. 267, V). Outrossim, se o autor promover novamente a demanda

depois de o juiz reconhecer a impossibilidade jurídica e extinguir o processo, o resultado será

exatamente o mesmo: haverá novo reconhecimento de impossibilidade jurídica, com a

consequente extinção do processo sem resolução do mérito. Em outras palavras, como a

sanção processual é a mesma, chega-se à conclusão de que também não é possível a

repropositura da mesma demanda – portanto, com os mesmos elementos – quando o juiz

reconhece a impossibilidade jurídica, em que pesem os termos do art. 268, primeira parte.

Ora, se fatalmente haverá extinção do processo sem resolução do mérito

quando for reproposta a demanda no caso de o juiz já ter reconhecido a impossibilidade

jurídica do pedido, significa que ela não pode ser reproposta, exatamente como ocorre nas

hipóteses do art. 267, V, do CPC.

265 Nesse sentido, dentre outros: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. I: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 19 ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 315; SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 106; ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, vol. 1: parte geral. 6ª ed. – São Paulo: RT, 1997, p. 375. 266 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, 10ª ed., rev. e atual., vol. II: art. 154 a 269. – Rio: Forense, 2005, p. 461.

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As condições da ação existem basicamente por razões de economia

processual,267 de forma que não teria sentido, porquanto contrário a esse princípio, dizer que é

possível a repropositura da demanda depois de reconhecida a ausência de alguma delas.

Somente seria possível repropor a ação depois de preenchido o requisito que faltara, ou seja,

se corrigido o vício verificado no processo que foi extinto sem resolução do mérito.268

Contudo, se o vício for corrigido, não se estará mais diante da mesma ação, pois terá havido

alteração substancial de um dos seus elementos identificadores: partes, causa de pedir e

pedido.269

De fato, conforme anota JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, “é claro que,

preenchido o requisito, desaparecerá o obstáculo. Mas, quando se afirma que a sentença de

carência de ação não produz coisa julgada, está-se a afirmar a possibilidade de renovação da

ação, independentemente de qualquer alteração de fato ou de direito. Ação fundada em fato

superveniente não é renovação de ação. É outra ação, com nova causa de pedir. Não se

defronta com o obstáculo da coisa julgada”.270

Além disso, mesmo as ações onde foram proferidas sentenças cobertas pela

coisa julgada material podem ser propostas novamente se for alterado algum dos elementos da

causa, justamente porque, a bem da verdade, não se trata de repropositura da mesma

demanda, mas de propositura de uma nova ação.

267 Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2ª ed. – Campinas: Bookseller, 2000. Segundo ele, “são razões de economia processual que determinam a criação de técnicas processuais que permitam o julgamento antecipado, sem a prática de atos processuais inteiramente inúteis ao julgamento da causa. As ‘condições da ação’ nada mais constituem que técnica processual instituída para a consecução desse objetivo” (p. 94). 268 De acordo com NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, ao comentarem o art. 268, do CPC, “a repropositura não é admitida de forma automática, devendo implementar-se o requisito faltante que ocasionou a extinção do processo. Por exemplo: processo extinto por ilegitimidade de parte somente admite repropositura, se sobrevier circunstância que implemente essa condição da ação faltante no processo anterior. Do contrário, a repropositura pura e simples, sem essa observância, acarretaria nova extinção do processo sem julgamento do mérito por falta de interesse processual (CPC 267 VI)” (Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 5ª ed. – São Paulo: RT, 2001, p. 721) 269 Especificamente em relação à impossibilidade jurídica, NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, citando acórdão do STJ (REsp. 25297-4/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 20.3.1995, p. 6120) fazem a seguinte ressalva: “a extinção do processo com fundamento em impossibilidade jurídica do pedido não obsta que o autor venha posteriormente a renová-lo em juízo, nos moldes preconizados pelo CPC 268, sendo de assinalar-se, a título de justificativa, que uma determinada pretensão pode, em certo momento, não encontrar respaldo no ordenamento jurídico e o mesmo não se verificar após o transcurso de certo tempo, em virtude de alterações legislativas ou da própria evolução do entendimento jurisprudencial” (op. cit, p. 722). 270 Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. – São Paulo: RT, 2001, p. 19.

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Apesar de reconhecer a inviabilidade de repropositura da mesma demanda,

KAZUO WATANABE, ao tratar da impossibilidade jurídica no caso da dívida de jogo,

parece não concordar com a tese de formação de coisa julgada material: “O reconhecimento,

prima facie, da inviabilidade da pretensão do autor é feito no plano da mera asserção, da

hipótese, o que evidencia a superficialidade da cognição, incompatível com o julgamento de

mérito no processo de conhecimento. Não se questiona a eficácia e a praticidade do

julgamento, até mesmo em termos de impedimento à repropositura da mesma ação”. 271

Todavia, a ADROALDO FURTADO FABRÍCIO parece que os diferentes

níveis de cognição em que atua o juiz não alteram a conclusão de que há julgamento de mérito

no reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido:

Seja que o juiz (a) identifique a impossibilidade ao primeiro contato com a inicial, segundo o art. 295, (b) constate a falta de cobertura legal para a demanda no curso do processo ou (c) chegue a tal conclusão depois de percorrer o iter processual, passando inclusive pela instrução em audiência, a substância da decisão será sempre a mesma, variando apenas o momento de sua prolação e talvez o tipo de material com o qual trabalhou na formação do seu convencimento.

Estamos com aqueles que entendem haver resolução do mérito, pois o juiz

afirma que a pretensão do autor não encontra amparo no ordenamento jurídico, ou seja, diz

que ele não tem o direito subjetivo que alega ter. E dizer que a demanda pode ser reproposta,

sendo que fatalmente será novamente rejeitada de plano, é o mesmo que dizer que ela não

pode ser reproposta. Portanto, a impossibilidade jurídica do pedido representa mais um caso

de manifesta improcedência.

5.2.3. Ilegitimidade de parte.

A legitimidade, no processo de conhecimento, caracteriza-se pela

“coincidência entre o titular do direito afirmado em juízo e a figura do autor, bem assim como

essa mesma coincidência entre o obrigado e o réu”.272 Em outras palavras, são partes

legítimas para compor a relação processual aquele que alega ser titular de um direito violado

ou ameaçado de violação (polo ativo) e aquele apontado como responsável pela violação ou

ameaça ao direito alegado (polo passivo).

271 Idem, ibidem, p. 96. 272 Cf. ARMELIN, Donaldo. Op. cit., p. 117.

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Segundo o art. 267, VI, do CPC, a extinção do processo por ilegitimidade de

parte não resolve o mérito. Assim, também incide neste caso a regra do art. 268, de forma que

a ação poderia ser reproposta. Contudo, da mesma forma que se concluiu no item anterior, a

renovação da ação depende da correção do vício, caso em que estaríamos diante de uma nova

ação, porquanto diverso ao menos um dos elementos – a parte – em relação àquela que fora

deduzida no processo extinto.

Assim, também o indeferimento da petição inicial por ilegitimidade de parte

representa um caso de improcedência prima facie, pois há reconhecimento expresso de que o

autor não é titular do direito supostamente ofendido ou ameaçado, ou, de outro lado, que o réu

não é o responsável pela violação ou ameaça.

Para o juiz verificar se as partes são legítimas, deve olhar para a relação

substancial afirmada na inicial, o mesmo ocorrendo com as demais condições da ação. “Trata-

se, portanto, de análise das questões de mérito, ainda que feita na condicional,

hipoteticamente”.273 Assim, “nada obsta a que, sem afrontar o sistema, a extinção do processo

nestas circunstâncias caracterize sentença de mérito e, portanto, possa tornar-se imutável”.274

O STJ já decidiu que “a sentença que indefere a petição inicial e julga extinto o

processo, sem o julgamento de mérito, pela falta de legitimidade passiva para a causa, faz

trânsito em julgado material, se a parte deixar transcorrer em branco o prazo para a

interposição do recurso cabível, sendo impossível o novo ajuizamento de ação idêntica”. 275

273 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. – 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 102-103. 274 Idem, ibidem, p. 103. 275 STJ, REsp 160.850/SP, rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 05.03.2001, p. 167. Em sentido contrário: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENCARGOS FINANCEIROS. RESOLUÇÃO BACEN 1.154/86. IMPUGNAÇÃO EFICAZ DO FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. PROVIMENTO DO AGRAVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. COISA JULGADA FORMAL. POSSIBILIDADE DE SE AJUIZAR NOVA AÇÃO. ART. 268 DO CPC. 1. Conquanto a Corte de origem tenha-se manifestado a respeito da decadência do direito pleiteado na presente ação, este não constituiu o fundamento central para se concluir pela extinção da presente demanda, tendo havido, portanto, a efetiva impugnação do único fundamento do aresto impugnado a permitir o conhecimento do recurso especial. 2. Ajuizamento de nova ação contra o Banco Central do Brasil — repetindo o mesmo pedido formulado em ação anterior na qual foi declarada a sua ilegitimidade passiva ad causam — objetivando a repetição dos encargos financeiros decorrentes da Resolução BACEN 1.154/86. 3. "A extinção do processo sem julgamento de mérito, por falta de legitimidade ad causam, não é passível de formar coisa julgada material, mas sim coisa julgada formal, que impede a discussão da questão no mesmo processo e não em outro" (EREsp 160.850/SP, Corte Especial, Rel. p/ acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 29.9.2003) 4. Assim, inexiste óbice para o

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Ainda, o Ministro JOSÉ DELGADO, no Recurso Especial n° 903.355/DF,

destacou que “seria uma incongruência processual de larga escala se reconhecer a

ilegitimidade ativa, de modo bem fundamentado, em um mandado de segurança, e se

reconhecer a legitimidade, cujos fatos são os mesmos, apenas explicitados com uma

configuração diferente, mas a pretensão é a mesma, em uma ação ordinária. Direito é

estabilidade, especialmente o Direito processual não pode provocar a instabilidade”. 276

5.2.4. Falta de interesse de agir.

Há interesse de agir “quando o provimento jurisdicional postulado for capaz de

efetivamente ser útil ao demandado, operando uma melhora em sua situação na vida comum –

ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a tutela jurisdicional”.277

Costuma-se dizer na doutrina que o interesse processual é representado pelo binômio

necessidade + adequação (ou utilidade).

O interesse de agir decorre da necessidade de o cidadão socorrer-se do Poder

Judiciário quando estiver envolvido em um conflito, já que a autotutela, de regra, é vedada

pelo ordenamento jurídico.

Segundo a doutrina tradicional, o interesse de agir – condição da ação – não se

confunde com o interesse substancial ou material. Este representa a afirmação da existência

de um elo entre alguém e um bem da vida, em face do direito material; aquele emerge da

insatisfação, no plano do direito substancial, e consiste na imprescindibilidade do uso do

processo como forma de alcançar a fruição do direito material, caso existente.278

ajuizamento de nova demanda com mesmo pedido e causa de pedir, conforme o disposto no art. 268 do Código de Processo Civil — "Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação". 5. Agravo regimental provido, para dar provimento ao recurso especial, afastando-se, no caso, a existência de coisa julgada em relação à ilegitimidade do Banco Central do Brasil para figurar no pólo passivo da presente lide, com o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam analisadas as demais questões que se considerou prejudicadas (STJ, AgRg no REsp 914.218, rel. Ministra Denise Arruda, DJ 02.08.2007, p. 413). 276 Rel. Ministro Francisco Falcão, DJU 14.06.2007, p. 269. 277 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II. – 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2004, p. 303. 278 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Tratado de direito processual civil. 5ª ed. – São Paulo: RT, 1990, v. 1, p. 325.

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No bojo das discussões travadas sobre a necessidade de revisão do Código de

1939, houve quem defendesse a tese de que a verificação do interesse deveria ser remetida à

sentença final.279 Afinal, não são raros casos em que a constatação sobre a necessidade da

tutela jurisdicional depende de ampla dilação probatória e é praticamente impossível destacar

o interesse do próprio mérito da causa. Por exemplo, numa ação de consignação em

pagamento onde o réu/credor concorda com o valor ofertado pelo autor/devedor e alega que

nunca se recusou a receber. Outro caso é o da ação de prestação de contas, em que o réu

reconhece a razão do autor, mas afirma que sempre esteve pronto a satisfazer a pretensão de

apresentar contas, mas que estas nunca lhe foram solicitadas de acordo com a lei ou com o

contrato.280

DONALDO ARMELIN adverte que “(...) a problemática da distinção do

mérito e do interesse de agir pode, em casos concretos, ensejar dificuldades sérias, máxime

quando se aponta a viabilidade da ação como caracterizadora de tal interesse”.281

A interpretação literal do art. 268, do CPC, à semelhança do que ocorre com a

impossibilidade jurídica e a ilegitimidade de parte, conduz à conclusão de que se o juiz

reconhece a ausência de interesse processual e, consequentemente, julga extinto o processo

sem resolução do mérito, o autor poderia repropor a demanda. Contudo, novamente valem as

mesmas considerações lançadas nos itens anteriores, especialmente no que diz respeito à coisa

julgada material. Não é possível repropor a mesma ação sem que o vício apontado na

sentença seja corrigido. Em outras palavras, conforme já ressaltado, a correção do vício

representará alteração de um dos elementos da causa, ou seja, seria proposta uma nova ação, e

não reproposta aquela mesma que fora deduzida no processo extinto sem resolução do mérito.

Segundo LUIZ GHILHERME MARINONI e SÉRGIO ARENHART,

se é evidente que aquele que escolheu a via errada dever ter o direito de voltar a ingressar em juízo através da via adequada, é completamente falso que a sentença que afirma que a via escolhida é inadequada não produza coisa julgada material, e que somente por isso o autor tem o direito de voltar a juízo elegendo a via correta. A sentença que afirmou que a via escolhida pelo autor não era adequada não permite que

279 Cf. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, op. cit., p. 43. 280 Este último exemplo é de ADROALDO FURTADO FABRÍCIO (op. cit., p. 43). 281 Op. cit., p. 65-66. O autor sugere, em passagem anterior, “conceituar o interesse de agir como resultante da idoneidade objetiva do pedido, para o autor, de provocar uma atuação potencialmente útil da jurisdição. Esta idoneidade pressupõe uma causa petendi também idônea, sem o que o pedido careceria de condições de provocar aquela atuação útil da jurisdição”.

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o autor volte a juízo através da via já afirmada inadequada, e nesse sentido produz coisa julgada material, impedindo a propositura da ação que já foi proposta. Ora, quando é solicitada ao juiz a via adequada – e, portanto, uma outra via, diferente daquela que já foi afirmada inadequada –, o juiz está diante de outra ação, diferente daquela que produziu coisa julgada material. Se é assim – e isto é que não é bem entendido por aqueles que pensam que a sentença que afirma a ausência de condição da ação não produz coisa julgada material –, é evidente que a sentença que julga improcedente o pedido (por não ter o autor o direito que afirma possuir), têm o mesmo efeito. (...) Na verdade, como a afirmação da ausência de condição da ação diz alguma coisa com o direito material, é equivocada a posição do nosso Código de Processo Civil, no sentido de que o juiz pode sentenciar afirmando a ausência de condição da ação ou sentenciar afirmando a existência ou não do direito material afirmado em juízo.282

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, uma vez reconhecida a ausência

de interesse processual, “é inadmissível, no caso, a repropositura automática da ação, ainda

que o processo anterior tenha sido declarado extinto sem conhecimento do mérito”.283

Ora, se o juiz reconhece que não há necessidade da tutela jurisdicional

invocada, ou, ainda, que está ausente a utilidade da providência pleiteada, está afirmando que

o autor não tem razão, ou seja, que a sua pretensão é manifestamente improcedente, ao menos

da forma como foi proposta.

5.2.5. Prescrição e decadência.

O art. 295, IV, do CPC, autoriza o indeferimento da petição inicial “quando o

juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição”. Nesse caso, haverá resolução do

mérito, nos termos do art. 269, IV. Mas é preciso verificar se essa autorização legislativa está

de acordo com a interpretação sistemática do Código e, principalmente, se é compatível com

o modelo constitucional do processo.

282 Op. cit., p. 71. 283 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA ANTERIOR JULGADA EXTINTA SEM CONHECIMENTO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. REPRODUÇÃO INTEGRAL DA MESMA ÇÃO ANTERIOR. INADMISSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 268 DO CPC. - É inadmissível, no caso, a repropositura automática da ação, ainda que o processo anterior tenha sido declarado extinto sem conhecimento do mérito. Recurso especial não conhecido (REsp 191.934/SP, rel. Ministro Barros Monteiro, DJ 04.12.2000, RSTJ vol. 151, p. 420). No mesmo sentido: INTENTAR DE NOVO A AÇÃO. NÃO E LICITO QUE O AUTOR INTENTE DE NOVO A AÇÃO, QUANDO LHE TENHA FALTADO INTERESSE PROCESSUAL PARA A ANTERIOR. IDENTIDADE DE AÇÕES. HIPÓTESE EM QUE NÃO HOUVE OFENSA AO ART. 268 DO COD. DE PR. CIVIL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO (STJ, REsp 45.935/SP, rel. Ministro Nilson Naves, DJ 31.10.1994).

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5.2.5.1. Distinção entre os dois institutos.

A prescrição e a decadência são institutos que têm como finalidade conferir

segurança e estabilidade às relações jurídicas, impedindo que a incerteza sobre a existência de

direitos cause intranquilidade nos indivíduos e na sociedade. Portanto, são institutos que

buscam a paz social.284

Apesar da identidade de finalidade, apresentam peculiaridades que as

diferenciam, especialmente no que diz respeito aos seus efeitos.

A distinção entre prescrição e decadência é um dos temas mais intrigantes do

direito civil, especialmente porque o Código Civil revogado tratava dos respectivos prazos

unificados, de forma “esdrúxula e confusa”.285 Diante dos objetivos deste trabalho, não temos

a pretensão de esgotar o assunto. Interessa-nos, pois, verificar que o pronunciamento de

ambas implica resolução do mérito e se isto pode ser feito liminarmente, de acordo com os

atuais Códigos Civil e de Processo Civil.

Uma das mais valiosas contribuições doutrinárias sobre o tema deve-se a

AGNELO AMORIM FILHO, autor do artigo “Critério científico para distinguir a prescrição

da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”.286

Segundo o ilustre Professor, o critério distintivo mais divulgado é aquele

segundo o qual a prescrição extingue a ação e a decadência extingue o direito. Contudo, “tal

critério, além de carecer de base científica, é absolutamente falho e inadequado, pois pretende

fazer a distinção pelos efeitos dos dois institutos”, revelando uma verdadeira “petição de

princípio, pois o que se deseja saber, precisamente, é quando o prazo extintivo atinge a ação

ou o direito. O que se procura é a causa e não o efeito”.287

284 Sobre a prescrição, SILVIO RODRIGUES anota que a maioria da doutrina “fundamenta o instituto no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosas e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações reclamando direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo” (Direito Civil: parte geral, vol. 1, 34ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003, p. 327). 285 As expressões foram utilizadas por Humberto Theodoro Júnior no artigo “Distinção científica entre prescrição e decadência. Um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho”, em: Reflexos do Novo Código Civil no direito processual. 2ª ed. coord. DIDIER Jr., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 225. 286 O artigo foi publicado em diversos periódicos, dentre eles a Revista Forense n° 193, de 1961, pp. 30-49. 287 Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações prescritíveis. Revista Forense n° 193, 1961, p. 31.

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Sugere-se, então, como ponto de partida, a adoção da classificação dos direitos

subjetivos proposta por CHIOVENDA, segundo o qual eles se dividem em duas categorias: a)

os direitos a uma prestação, que têm por finalidade um bem da vida alcançado mediante uma

prestação, positiva ou negativa, de alguém que se denomina sujeito passivo; e b) os direitos

potestativos, que envolvem “aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de

influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o

concurso de vontade destas”. Estes últimos apresentam como característica “o estado de

sujeição que o seu exercício cria para outra ou outras pessoas, independentemente da vontade

destas últimas, ou mesmo contra a sua vontade”.288

A partir dessa classificação, AGNELO AMORIM ressalta que no caso dos

direitos potestativos o autor da demanda não pretende do réu nenhuma ação ou omissão

(prestação), mas apenas a criação, modificação ou extinção de uma determinada situação

jurídica. Dessa forma, muito embora o réu não seja obrigado a nenhuma prestação, se sujeita a

uma nova situação. Assim, considerando a tradicional classificação das ações, as

condenatórias são utilizadas no caso dos direitos a uma prestação, as constitutivas se prestam

a tutelar os direitos potestativos e as declaratórias têm por objetivo conseguir uma certeza

jurídica.289

Finalmente, depois de afirmar que ambos os institutos visam à paz social,

conclui que os direitos a uma prestação “conduzem à prescrição, pois somente eles são

suscetíveis de lesão ou de violação”, e, como consequência, “só as ações condenatórias

podem prescrever”. Por outro lado, como “só na classe dos potestativos é possível cogitar-se

da extinção de um direito em virtude do seu não exercício”, estes estão subordinados a prazos

de decadência.290

O Código Civil revogado, conforme já ressaltado, unificou as regras que

tratavam dos prazos de decadência e prescrição, em nada contribuindo para a distinção entre

os institutos. Ao contrário, fomentou ainda mais a confusão que se fazia entre ambos.

288 Op. cit., p. 32-33. 289 Op. cit., p. 35. 290 Op. cit., p. 38-40.

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Segundo a doutrina, o Código Civil de 2002 adotou a tese de AGNELO

AMORIM.291 Contudo, o legislador, inspirado no sistema alemão, optou por definir a

prescrição como extintiva da pretensão, e não da ação, conforme se depreende do art. 189,

verbis: “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição,

nos prazos a que aludem os art. 205 e 206”. Sobre o assunto, HUMBERTO THEODORO

JUNIOR assim esclarece:

A prescrição faz extinguir o direito de uma pessoa exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando não exercida no prazo definido na lei. Não é, pois, o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer, mas é o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica comprometido pela prescrição. (...) Evitou o Código a linguagem do direito antigo, segundo o qual a prescrição provocaria a perda da ação. E o fez para evitar o conflito com os conceitos do direito processual moderno, que emancipara a ação de seu vínculo com o direito material da parte e a deslocara para o campo do direito público, onde exerce o papel de direito subjetivo à prestação jurisdicional, qualquer que seja o sentido dado à composição do litígio.292

Mas a opção do legislador não significa que se afastou das lições daquele

jurista, pois sua teoria considerava que a prescrição extinguia a ação de direito material, o

que atualmente se denomina pretensão.

Os prazos prescricionais estão delineados na Parte Geral do Novo Código, nos

art. 205 e 206. Diante da incompatibilidade da prescrição com os direitos potestativos, o Novo

Código tratou da decadência como causa de extinção, de regra, na Parte Especial.

Inovou o legislador, ainda, ao criar a possibilidade de estabelecimento de

decadência por convenção dos interessados, caso em que o juiz não poderá pronunciá-la de

ofício (CC art. 211).

Em qualquer caso, seja de prescrição – extinção da pretensão –, seja de

decadência – extinção do próprio direito subjetivo material –, não há dúvidas de que o seu

pronunciamento implica resolução do mérito, conforme, aliás, determina o art. 269, IV, do

CPC. 291 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência. Um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Em: Reflexos do Novo Código Civil no direito processual. 2ª ed. coord. DIDIER Jr., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 232. 292 Op. cit., p. 234-235.

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5.2.5.2. Pronunciamento liminar da prescrição.

O art. 219, § 5°, do CPC, segundo a redação originária, permitia ao juiz

pronunciar a prescrição, de ofício, apenas nos casos de direitos não-patrimoniais.293 Ocorre

que prescrição sempre terá cunho patrimonial e diz respeito a pretensões que se exercem

mediante ações condenatórias, de forma que essa autorização legislativa era inócua.294

Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, o juiz passou a ter o poder de

pronunciar a prescrição de ofício, mas desde que para “favorecer o absolutamente incapaz”

(art. 194). Houve um rompimento, neste particular, com a clássica distinção entre os casos de

objeção e os de exceção, já que, tradicionalmente, esta última somente pode ser conhecida

mediante provocação do interessado.295

Atualmente, em razão da alteração imposta pela Lei n° 11.280/06, o art. 219, §

5°, do CPC, determina que “o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” em qualquer caso, ou

seja, pouco importa se para favorecer o capaz ou o incapaz, absoluta ou relativamente, tendo

sido revogado o art. 194, do Código Civil.

Mas o rompimento com a tradição não implica alteração da natureza jurídica da

prescrição. Apesar de poder ser pronunciada ex officio – atualmente em qualquer hipótese –,

293 “Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição de decretá-la de imediato”. 294 Segundo NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, “tratando-se de pretensão que se exerce mediante ação condenatória, terá sempre cunho patrimonial e, portanto, sujeita à extinção por meio de prazo prescricional, vedado ao juiz examinar essa matéria de ofício. Tratando-se de pretensão que se exerce em juízo mediante ação constitutiva, com prazo de exercício previsto expressamente em lei, esse prazo de extinção é de decadência, devendo o juiz examinar essa matéria de ofício. Assim, o juiz somente poderá decretar, de ofício, a decadência e não a prescrição. Para analisar esta última é imprescindível que o réu tenha alegado expressamente. De consequência, o juiz somente poderá indeferir a petição inicial, isto é, trancar a ação sem que determine a citação do réu, quando se tratar de decadência (...)” (Código de processo civil comentado ..., cit., p. 671-672). 295 Sobre o assunto, assim se manifestou Humberto Theodoro Junior: “(...) historicamente exceção substancial sempre se entendeu como defesa que o demandado opõe à eficácia da pretensão do demandante, de sorte que o juiz somente pode apreciá-la quando exercida pela parte. Como a prescrição corresponde a uma exceção substancial, a regra observada pelo Código Civil de 1916 e pelo Código de Processo Civil atual era a de que não podia o magistrado conhecer de ofício os efeitos da prescrição. Já para a decadência, vigorava o regime da objeção – isto é, o de causa não de paralisação da pretensão, mas de eliminação ou extinção dela – de sorte que natural era o poder do juiz de apreciá-la ex officio. Afinal, a caducidade representa o desaparecimento completo do direito potestativo de alguém. Se não mais existe o direito subjetivo, não pode evidentemente o juiz tutelá-lo” (O novo Código Civil e as regras heterotópicas de natureza processual. Em: Reflexos do Novo Código Civil no direito processual. 2ª ed. coord. DIDIER Jr., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 142).

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não foi transformada em matéria de ordem pública. Afinal, manteve-se intocada a regra do art.

191, do Código Civil, segundo a qual pode haver renúncia da prescrição, expressa ou tácita.

Assim, como o instituto permanece na esfera de disponibilidade das partes, não há que se

falar em matéria de ordem pública.296

Mas a questão não é pacífica. Para CASSIO SCARPINELLA BUENO “(...) é

como se dissesse, para todos os fins, que o prazo prescricional passou a ser, em todos e

quaisquer casos, de ordem pública, de interesse público, e que, por isto mesmo, é reconhecido

ao juiz o dever de negar seguimento a qualquer ação que não tenha sido exercitada dentro do

prazo legal”.297

Em razão da quebra da tradição, a alteração legislativa não ficou imune a

críticas, algumas bastante severas. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA qualificou a conduta

do legislador reformista como “amalucada” e “descabeçada”, destacando que a doutrina

tradicional sempre aplaudiu a impossibilidade de reconhecimento da prescrição ex officio,

especialmente porque pode ser renunciada pelo favorecido. Por entender que a alteração

legislativa é incoerente em relação ao sistema e porque viola os princípios da adequação,

isonomia e segurança jurídica, além de violar a autonomia da vontade – corolário da garantia

da liberdade –, conclui o doutrinador que a regra do art. 219, § 5°, é inconstitucional.298

Seja como for, antes mesmo dessa última alteração legislativa, a doutrina já

ressaltava que “na hipótese de alguma dúvida toldar a clareza da prescrição, deverá o juiz

296 Este também é o entendimento de Rodrigo Mazzei: “na concepção que seguimos, as normas consideradas de ordem pública estão dentro do rol das matérias tidas pelo legislador como estruturantes, sem qualquer margem de disposição para as partes e (ou) adequação pelo Judiciário. São normas com absoluta cogência, não podendo ser afastadas, ainda que a requerimento do próprio interessado” (A prescrição e a sua pronúncia de ofício: qual a extensão da revogação do art. 194, do Código Civil? Em: Reflexos do Novo Código Civil no direito processual. 2ª ed., coord. DIDIER Jr., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. – Salvador: Juspodivm, 2007). No mesmo sentido, FREDIE DIDIER JR., ao comentar o art. 219, § 5°, do CPC: “a regra ora comentada é puramente processual. A prescrição não perdeu a natureza de exceção substancial. Alterou-se o regramento processual da prescrição, que, embora uma exceção substancial, tem regime jurídico de objeção. Não vemos qualquer obstáculo teórico a isso. A possibilidade de conhecimento ex officio da prescrição é uma opção legislativa, e não uma exigência teórica (A terceira etapa da reforma processual civil: comentários às Leis n. 11.187 e 11.232, de 2005; 11.276, 11.277 e 11.280, de 2006. JORGE, Flávio Cheim; DIDIER Jr., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40-41). 297 A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. 2: comentários sistemáticos às Leis n. 11.276/06, 11.277/06 e 11.280/06. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 98. 298 Reconhecimento de ofício da prescrição: uma reforma descabeçada e inócua. In: Leituras complementares de processo civil, 5ª ed. – Salvador: Juspodivm, 2007 (coord.: DIDIER Jr., Fredie), p. 373-383.

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deixar de decretá-la e aguardar a manifestação do seu beneficiário. Apenas no caso de ser ela

certa e líquida, poderá ser decretada no limiar da causa”.299

Todavia, ainda que não exista dúvida em relação à ocorrência da prescrição, há

entendimentos no sentido de que o juiz não pode reconhecê-la de plano e, consequentemente,

indeferir a petição inicial, sem antes dar oportunidade para o autor se manifestar.

Já foi visto que a garantia do contraditório deve ser interpretada não apenas

como a possibilidade de manifestação das partes sobre tudo aquilo que ocorre no processo,

mas também e, principalmente, como o direito de influenciar na decisão do juiz. Daí porque,

mesmo em relação às questões que podem ser conhecidas de ofício, deve o juiz, antes de se

pronunciar, provocar a manifestação daquelas.

Além disso, no caso específico da prescrição, é possível que tenha ocorrido

alguma causa de suspensão ou interrupção do respectivo prazo e isto não tenha sido

mencionado na inicial. Assim, a não ser que o autor, já na petição inicial, vislumbrando a

possibilidade de o juiz detectar a ocorrência da prescrição, tenha lançado mão de argumentos

tendentes a demovê-lo dessa ideia, deverá ser intimado para se manifestar sobre a

possibilidade de ela vir a ser decretada, preservando-se, assim, o contraditório.

Neste sentido é a lição de LUIZ RODRIGUES WAMBIER, TERESA

ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA:

(...) É interessante observar, a propósito, que há diferença sutil, mas muito relevante, entre o método de reconhecer-se a prescrição com base no art. 40, § 4°, da Lei 6.830 e no art. 219, § 5°, do CPC. É que aquela disposição legal impõe ao juiz que, antes de pronunciar prescrição, intime a Fazenda Pública para manifestar-se a respeito, inexistindo disposição semelhante na nova redação do § 5° do art. 219 do CPC. Não obstante o legislador não tenha feito tal ressalva, no caso do § 5°, do art. 219 entendemos que deverá o juiz, antes de pronunciar prescrição, intimar o autor da ação, para manifestar-se a respeito. É que pode ter ocorrido uma das causas de suspensão ou interrupção da prescrição (CC, art. 197 a 204), sem que tal informação tenha chegado aos autos. Assim, a autorização que com a Reforma foi dada ao juiz, para que reconheça a ocorrência da prescrição, não o isentará de verificar, com cautela, se efetivamente ocorreu a prescrição.300

299 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, 10ª ed., rev. e atual. v. II: art. 154 a 269. – Rio: Forense, 2005, p. 208. 300 Breves comentários à nova sistemática processual civil, II: Leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06 e 11.280/06. – São Paulo: RT, 2006, p. 45.

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Vejamos, ainda, o entendimento de FREDIE DIDIER JR.:

Não obstante o silêncio do texto normativo, o magistrado deve, antes de pronunciar ex officio a prescrição, em homenagem à garantia do contraditório, e respeitando o processo cooperativo, ouvir o demandante sobre a questão (...). Não pode o magistrado decidir com base em questão de fato ou de direito, ainda que possa ser conhecida ex officio, sem que sobre elas sejam as partes intimadas a manifestar-se. Deve o juiz consultar as partes sobre a questão não alvitrada no processo, e por isso não posta em contraditório, que assegura aos litigantes o poder de tentar influenciar na solução da controvérsia.301

RODRIGO MAZZEI, também destacando o princípio da cooperação, lembra

que o art. 327, do CPC, determina seja o autor ouvido antes de o juiz decidir, quando o réu

alegar alguma das matérias do art. 301, mesmo podendo elas ser conhecidas de ofício302,

revelando expressamente (ainda que isto não fosse extraído do modelo constitucional do

processo) a necessidade de contraditório prévio nos casos de matérias dessa natureza. 303

Ainda no mesmo sentido, depois de ressaltar que o art. 219, § 5°, do CPC é

inócuo, caso não seja considerado inconstitucional, ALEXANDRE CÂMARA destaca que

é afirmação corrente na moderna doutrina que as matérias que podem ser conhecidas de ofício não podem ser decididas sem que se observe o princípio constitucional do contraditório. (...) Assim, se ao juiz parece ter decorrido o prazo prescricional e tal matéria não foi suscitada pelo interessado, não poderá ele reconhecer a prescrição sem dar às partes oportunidade para manifestar-se sobre a questão por ele de ofício suscitada. Perdoe-me a insistência, mas é preciso fixar bem este ponto: o poder do juiz de conhecer de uma certa matéria de ofício não lhe dá autorização para dispensar o contraditório, elemento legitimador dos provimentos estatais.304

A nova redação do art. 219, § 5°, do CPC, além de permitir o pronunciamento

da prescrição de ofício, diz que o juiz a “pronunciará”, sendo que na redação antiga o

legislador utilizava a expressão “o juiz poderá”, o que nos leva a crer que se trata de norma

cogente. Mas isto não dispensa a observância do contraditório.

301 A terceira etapa da reforma processual civil: comentários às Leis n. 11.187 e 11.232, de 2005; 11.276, 11.277 e 11.280, de 2006. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40. 302 À exceção da convenção de arbitragem (cf. CPC, art. 301, § 4º). 303 É interessante a sua observação no sentido de que “(...) é absolutamente ilógico pensar que somente haverá contraditório se a matéria for deduzida pelas partes. O requerido, ao observar que há matéria a seu favor que pode ser conhecida de ofício, furtar-se-ia de apresentar postulação no sentido, passando a trilhar ‘caminhos meta-jurídicos’, na tentativa de que ‘o julgador sozinho descubra a questão’ que deve ser pronunciada. Como se procederia tal empreitada? Uma ‘reza’ para iluminar as ideias do julgador? Um ‘sussurro no ouvido’ do magistrado?” (op. cit., p. 267). 304 Op. cit., p. 380.

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Além da necessidade de oitiva do autor, já que a iminência de ter contra si

proferida uma sentença definitiva determina a observância do contraditório, a doutrina

também destaca a necessidade de oitiva do réu. Isto não seria necessário, ao menos em

princípio, pois a sentença que reconhece a prescrição lhe é favorável. Contudo, o réu tem

interesse em obter uma sentença de improcedência, pois esta seria melhor do que aquela que

simplesmente pronuncia a prescrição.

RODRIGO MAZZEI destaca a seguinte lição de ARRUDA ALVIM sobre o

assunto:

É possível que alguém seja demandado por determinado débito, em relação ao qual seja evidente a prescrição. Mas é possível que esse alguém nada deva, e, que a ele seja preferível uma decisão de improcedência da ação, por este fundamento. Do contrário, se fosse decretada a prescrição poderia vir a ser rotulado como mau pagador, beneficiado, apenas, pela ocorrência da prescrição.305

De fato, o réu pode preferir renunciar à prescrição, nos termos do art. 191, do

Código Civil, justamente para discutir a existência da obrigação descrita pelo autor na inicial.

Afinal, a sentença de improcedência do pedido lhe permitiria pleitear contra o autor a

indenização prevista no art. 574, do mesmo Código,306 bem como a devolução, em dobro,

daquilo que lhe foi cobrado indevidamente (CC, art. 940307).308 O curioso é que, neste último

caso, o suposto devedor (réu) teria interesse em demonstrar que não ocorreu a prescrição,

pois isto é pressuposto para a condenação do credor (autor) a lhe pagar o dobro do que foi

cobrado. O réu poderia, inclusive, utilizar-se da via reconvencional para deduzir a sua

pretensão de cobrança ou indenização. Poderia, ainda, apenas defender-se para obter uma

sentença de improcedência, o que, sem dúvida, configuraria verdadeira tutela jurisdicional em

seu favor.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a questão. Num caso de

execução fiscal em que foi pronunciada a prescrição intercorrente, o relator, Ministro Luiz

Fux, ressaltou que “paralisado o processo por mais de 5 (cinco) anos, impõe-se o

reconhecimento da prescrição, desde que arguida pelo curador, se o executado não foi citado

305 Op. cit., p. 263-264. 306 “O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução”. 307 “Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”. 308 Idem, ibidem, p. 264.

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e, por isso, não teve oportunidade de suscitar a questão prescricional. Isto porque, a regra do

art. 219, § 5°, do CPC pressupõe a provocação do demandado que, apesar de presente à ação,

pode pretender adimplir a obrigação natural”.309

Portanto, apesar de a lei autorizar o juiz a pronunciar de ofício a prescrição,

com o consequente indeferimento da petição inicial e a resolução do mérito, a interpretação

sistemática, especialmente considerando-se o modelo constitucional do processo, leva à

conclusão de que isto não é possível, ao menos de plano, sem a prévia oitiva das partes.

Assim, caso o juiz vislumbre a ocorrência de prescrição, deverá determinar a

intimação do autor para esclarecer se eventualmente houve alguma causa interruptiva ou

suspensiva do respectivo prazo e/ou, se o caso, apresentar os argumentos que entender

pertinentes. Em seguida, independentemente de manifestação do autor, deverá o juiz

determinar a citação do réu, fazendo constar no mandado o despacho esclarecendo que

vislumbra a ocorrência daquele fenômeno.

As críticas feitas ao legislador são pertinentes e o entendimento que prevalece

na doutrina está de acordo com o modelo constitucional do processo. Mas não se pode dizer

que o legislador ignorou por completo a garantia do contraditório ao dar nova redação ao art.

219, § 5°, do CPC. Afinal, se for pronunciada a prescrição de ofício, sem a prévia oitiva do

autor, este poderá ingressar com apelação e apresentar os argumentos que lhe parecerem

relevantes, podendo o juiz, se o caso, exercer o juízo de retratação, nos termos do art. 296,

caput, do CPC.

Portanto, o legislador prevê expressamente o exercício do contraditório,

conquanto diferido, não nos parecendo que a regra em questão padeça de

inconstitucionalidade. Contudo, reconhecemos que a sistemática da apelação que enseja o

exercício de retratação arranha os princípios da celeridade e da economia processual,

destacando que o autor, de regra, é onerado com a necessidade de recolher o preparo do

recurso (CPC, art. 511).

309 AgRg no Ag 736.900/MG, j. 03.05.2007, DJ 31.05.2007, p. 335 – grifado no original.

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Finalmente, conforme ressalta FREDIE DIDIER JR. sobre o art. 219, § 5°, do

CPC, “a nova regra consagra, então, um novo caso de improcedência prima facie: decisão de

mérito pela improcedência, proferida antes da citação do réu”.310

5.2.5.3. Pronunciamento liminar da decadência.

Tradicionalmente, a decadência vem sendo tratada como matéria de objeção,

de forma que o magistrado pode pronunciá-la de ofício. Todavia, essa possibilidade está

limitada às hipóteses de decadência previstas na lei. Quando o prazo de caducidade for fixado

por convenção das partes, não será possível o seu pronunciamento de ofício, dependendo,

portanto, de manifestação do interessado.311

De fato, nos termos do art. 210, do Código Civil, “deve o Juiz, de ofício,

conhecer da decadência, quando estabelecida por lei”.312 No mesmo sentido, dispõe o art. 211

que “se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer

grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação”.313

De acordo com o art. 207, do Código Civil, o prazo decadencial, de regra, não

é impedido, suspenso ou interrompido. Assim, pode-se concluir pela desnecessidade de oitiva

do autor antes de o juiz pronunciar a decadência, ao menos em princípio. Ocorre que não se

pode excluir a possibilidade de o juiz se equivocar com relação à contagem do prazo ou à

análise dos fatos descritos na inicial, o que, por si só, justifica a necessidade de prévia

manifestação do autor. De toda sorte, a intimação deste último para se manifestar sobre a

eventual decadência, independentemente de qualquer equívoco do juiz, está conforme o

contraditório moderno.

No entanto, temos que a citação do réu não é recomendável na hipótese de

decadência legal. Em primeiro lugar, porque não há possibilidade de renúncia, à semelhança

do que ocorre com a prescrição.314 Em segundo lugar, não haverá interesse para o réu afastar

310 Op. cit., p. 42. 311 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto, op. cit., p. 250. 312 Grifamos. 313 Grifamos. 314 Nos termos do art. 209, do Código Civil, “é nula a decadência fixada em lei”. Este dispositivo revela a natureza de questão de ordem pública da decadência legal, eis que a retira expressamente da esfera de disponibilidade das partes.

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o pronunciamento da decadência, já que isto não lhe trará nenhum benefício, ao contrário da

prescrição, onde lhe é possível afastá-la, inclusive para pleitear a repetição prevista no art.

940, do Código Civil. Em terceiro, porque a citação do réu, apesar da inexistência do direito

invocado pelo autor, fulminado pela decadência, poderá causar-lhe danos marginais

injustificáveis, pois, conforme já ressaltado, sua manifestação não terá nenhuma utilidade.

Aliás, se o autor não possui o direito subjetivo alegado, sequer em tese, a sua demanda pode

ser caracterizada como abusiva.

No que diz respeito à decadência convencional, deve ser aplicado o mesmo

procedimento da prescrição, ou seja, as partes serão ouvidas antes de, eventualmente, o juiz

pronunciá-la, já que se sujeita a regime jurídico semelhante, ao menos no tocante à

cognoscibilidade de ofício e à possibilidade de renúncia.

5.2.6. Indeferimento da petição inicial com resolução do mérito nos casos repetitivos.

Considerando o notório aumento do número de demandas desprovidas de

razoabilidade mínima, seja em cotejo com o ordenamento jurídico, seja diante do contexto

jurisprudencial, e na busca de maior racionalidade e celeridade na prestação jurisdicional, a lei

n° 11.277/06 inseriu o art. 285-A no Código de Processo Civil, verbis: “quando a matéria

controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total

improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida

sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”.

Cuida-se de técnica de aceleração do procedimento, onde o Juiz, ao vislumbrar

prima facie que o autor não faz jus ao bem da vida postulado, rejeita liminarmente a sua

pretensão, evitando-se o desperdício de tempo e dinheiro – do Estado e das partes –, diante da

evidência de que o desenvolvimento do procedimento em seus ulteriores termos seria inútil,

pois que o resultado já era previsto com segurança, justamente em razão dos casos idênticos

julgados anteriormente.

Observa-se, do dispositivo, que o legislador optou por elencar requisitos

objetivos para a verificação da manifesta improcedência. Trata-se, na verdade, de um caso

específico em que da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão. Dessa forma, a

regra do art. 285-A, do CPC, sequer precisaria existir, pois, diante dos casos nele previstos, já

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seria possível o indeferimento da petição inicial, com resolução do mérito, nos termos do art.

295, parágrafo único, II, do CPC.

De acordo com o dispositivo em questão, são três os requisitos para o

julgamento liminar do mérito: a) matéria controvertida unicamente de direito; b)

improcedência total da pretensão do autor; e c) outros casos idênticos julgados pelo juízo no

mesmo sentido.

Faz-se presente o primeiro requisito quando o autor traz, na causa de pedir,

uma alegação jurídica que já fora contraditada pelo réu em outros casos idênticos, ou seja,

descreve-se uma questão de direito.315 Não é possível se falar em questão ou controvérsia

sem que tenha havido, em outras oportunidades, a apresentação de alegações contrárias àquela

lançada pelo autor na inicial. Além disso, a eventual existência de questão de fato é

irrelevante, pois pouco importa se os fatos laçados pelo autor são verdadeiros ou não.316

O segundo requisito deixa bem claro que não é possível acolher liminarmente a

pretensão do autor, sendo o dispositivo aplicável apenas nos casos de total improcedência do

pedido. Caso contrário, haveria evidente afronta às garantias do contraditório e da ampla

defesa do réu.

No que diz respeito ao terceiro requisito, não se confundem casos idênticos

com causas idênticas. Estas últimas pressupõem identidade de elementos (partes, causa de

pedir e pedido), diante do que o juiz deve rejeitar a demanda, sem resolução do mérito, por

litispendência ou coisa julgada, conforme o caso. Entenda-se por casos idênticos aqueles em

que são discutidas as mesmas teses jurídicas.

Sobre o assunto, vejamos a lição de ARRUDA ALVIM:

315 Nesse sentido: MELO, Gustavo de Medeiros. O julgamento liminar de improcedência – uma leitura sistemática da Lei n° 11.277/2006. Revista Forense, vol. 397. Rio: Forense, 2008, p. 173. 316 Conforme ressaltado por Humberto Theodoro Júnior, “(...) para a rejeição liminar do novo pedido ajuizado por outro demandante, pouco importa que o suporte fático afirmado seja verdadeiro ou não. Pode ficar de lado esse dado, porque no exame do efeito jurídico que dele se pretende extrair a resposta judicial será fatalmente negativa para o autor e benéfica para o réu. Se o juiz pudesse também proferir o julgamento prima facie para pronunciar a procedência do pedido, jamais teria condições de considerar a causa como reduzida a uma questão de direito. É que todo direito provém de um fato (ex facto ius oritur)” (As novas reformas do Código de Processo Civil: Leis nos 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06 e 11.280/06. – 2ª ed. – Rio: Forense, 2007, pp. 15-16.)

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A identificação do que vêm a ser “casos idênticos” poderá servir-se, senão deverá servir-se, das noções de ratio decidendi e obter dicta. Ratio decidendi diz respeito à essência de um litígio, que, no caso, será igual a outro. E obter dicta é o que possa constar de uma decisão, mas que não se terá colocado como necessário para decidi-la. Essas duas noções podem ser úteis porque, certamente – conquanto se reputem casos idênticos –, não haverá identidade necessária nos argumentos que possam constar desses casos. Mas haverá uma essência dessa argumentação que se projetará nas decisões (ratio decidendi), e haverá parte dessa argumentação que se evidenciará como desnecessária. Curialmente, não se trata de hipótese de causas idênticas (inaplicável o art. 301, § 2°), mas de causas em que os fundamentos se repetem, e, igualmente, os pedidos.317

Apesar de não haver prejuízo para o réu diante da dispensa de citação, já que o

dispositivo em comento permite apenas o julgamento liminar de improcedência, a questão

sobre a constitucionalidade da regra do art. 285-A, do CPC, não é pacífica.318

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com uma

Ação Declaratória de Inconstitucionalidade contra esse dispositivo (ADI n° 3695), alegando

ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, segurança jurídica, direito de ação, devido

processo legal e contraditório.

De acordo com a tese da OAB, tal dispositivo “institui entre nós uma sentença

vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau”; “permite que processos

debatendo o mesmo tema, mas distribuídos a diferentes magistrados, tenham curso normal ou

abreviado, conforme tenha sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no

juízo”, violando o princípio da isonomia; atenta “contra o princípio da segurança jurídica, no

que concerne ao procedimento judicial, posto que o processo será normal ou abreviado

segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não foram

partes naquele feito não existe”; “restringe de forma desarrazoada (...) o princípio do direito

de ação”, pois “não permite o exame de aspectos peculiares que a causa, porventura, apresente

317 Manual de direito processual civil, vol. 2: processo de conhecimento. – 12ª ed. – São Paulo: RT, 2008, pp. 245-246. 318 Dentre as críticas ao dispositivo, destacamos a de DANIEL MITIDIERO: “Com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos feitos, pretende o legislador sufocar o caráter dialético do processo, em que o diálogo judiciário, pautado pelos direitos fundamentais, propicia ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica e conseguinte obtenção de decisões justas. Aniquila-se o contraditório, subtraindo-se das partes o poder de convencer o órgão jurisdicional de acerto de seus argumentos. Substitui-se, em suma, a acertada combinação de uma legitimação material e processual das decisões judiciais por uma questionável legitimação pela eficiência do aparato judiciário, que, de seu turno, pode facilmente desembocar na supressão do caráter axiológico e ético do processo e de sua vocação para ponto de confluência de direitos fundamentais” (Comentários ao Código de Processo Civil: tomo III (art. 270 a 331). – São Paulo: Memória Jurídica, 2006, p. 173).

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e que, talvez, levassem o juiz a decidir noutro sentido”; “atenta também contra o princípio do

contraditório”, pois impede as partes de influenciar na decisão do juiz; por fim, “macula o

devido processo legal”, pois “acaba por dar fim ao processo sem examinar as alegações do

autor, sem as rebater”.319

A ação foi distribuída ao Ministro CEZAR PELUSO e o Procurador Geral da

República manifestou-se pela improcedência do pedido.320

Cremos não haver ofensa a nenhum dos princípios mencionados. Em primeiro

lugar, conforme já verificado, o indeferimento da petição inicial com julgamento de mérito

não é novidade, relembrando-se as hipóteses de prescrição ou decadência, não havendo

notícia de ter sido cogitada a inconstitucionalidade nestes casos.

Não há que se falar em violação ao direito de ação. O dispositivo em comento

permite o amplo acesso ao Poder Judiciário e garante ao autor uma resposta jurisdicional,

muito embora contra o seu interesse. Ora, sendo evidente a sua falta de razão, a resposta vem

de imediato, e em boa hora, considerando o direito do réu à tempestividade da tutela

jurisdicional. Demais disso, como a aplicação da regra pressupõe que se esteja diante de um

caso idêntico àqueles que já foram julgados pelo Juízo, não existem peculiaridades a serem

examinadas.

Outrossim, a regra do art. 285-A autoriza o julgamento liminar apenas em caso

de improcedência. Portanto, o réu, mesmo que tivesse oportunidade de se manifestar, não

alcançaria uma solução melhor do que a que efetivamente foi dada na sentença.321 Por essa

mesma razão, não há violação ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, ao

menos sob a ótica do réu.

319 De acordo com a petição inicial da ADI. 320 Desde o dia 27/07/2006 os autos estão conclusos com o relator e ainda não há decisão liminar (cf. consulta de andamento processual feita no sítio www.stf.jus.br, em 28/07/2009). 321 Sobre a ausência de citação do réu, merece destaque a lição de JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE: “Não obstante a inegável importância desse ato, não se pode ignorar que o réu é o maior beneficiário dele. As exigências rigorosas quanto à forma de citação visam a atender aos interesses do sujeito passivo, assegurando-lhe a possibilidade de defender-se. Tanto é verdade que o comparecimento espontâneo supre a omissão (CPC, art. 214, § 1°). A razão de ser desta regra é uma só: a omissão da formalidade não causa prejuízo aos objetivos desejados pelo legislador ao prevê-la. Se é assim, por que não estender o mesmo raciocínio para outras hipóteses em que, embora o réu não tenha comparecido, ele foi beneficiado pelo resultado do processo? Não parece haver óbice no sistema” (Efetividade do processo e técnica processual. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 466).

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Finalmente, tendo em vista o requisito da verificação de casos idênticos

julgados anteriormente pelo Juízo, restam preservadas a isonomia e a previsibilidade e, como

consequência, a segurança jurídica. Aliás, restaria violada a isonomia se, ao contrário do que

ocorre com a aplicação do dispositivo em questão, fossem proferidas sentenças diferentes em

casos idênticos.322

Partindo-se do ponto de vista do autor, caberia o argumento de que o novel

instituto desrespeita o contraditório, eis que ele não teria oportunidade de convencer o juiz

sobre a sua tese, acaso ventilada a possibilidade de indeferimento liminar da sua petição

inicial. Em outras palavras, o autor seria tomado de surpresa, o que é incompatível com o

contraditório moderno. Ocorre que o legislador prevê expressamente a possibilidade de juízo

de retratação por ocasião da apelação manejada pelo autor (CPC, art. 285-A, § 1°), de forma

que lhe resta preservada a possibilidade de influenciar o magistrado em sua decisão. Não

bastasse, o autor tem à disposição os recursos previstos no sistema para, se o caso, obter a

cassação da sentença.323

322 No sentido de que não há violação aos princípios constitucionais, destacamos o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DEFESA PRELIMINAR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 285-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ICMS. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO. PIS E COFINS. VALIDADE. PRECEDENTES. 1. Preliminar de inconstitucionalidade do artigo 285-A do Código de Processo Civil rejeitada. A existência ou não de sentença proferida pelo magistrado é critério objetivo, que não se presta a violar a isonomia, pois não distingue, de forma aleatória, jurisdicionados por sua condição pessoal, mas, ao contrário, aplica, de forma igualitária, a todos os que defendem a mesma tese e formulam o mesmo pedido, anteriormente julgados, a identidade isonômica de solução, com rapidez e eficiência, sem dispensar, em absoluto, o exame de peculiaridades, próprias de cada causa. Tampouco se tem ofensa ao princípio da segurança jurídica, pois ainda que não tenha participado da demanda em que proferida a sentença, a ser reproduzida nos demais feitos, a parte autora da ação tem assegurado o direito aos recursos, embargos de declaração e apelação, para discutir e impugnar a solução, inclusive a própria aplicabilidade do precedente. O direito de ação, com amplo acesso ao Judiciário, não resta violado, mesmo porque é o seu efetivo exercício que possibilita que a jurisdição seja prestada, com celeridade, mediante exame do mérito, em conformidade com a solução anteriormente proferida, desde que se trate de demanda com discussão apenas de matéria de direito, sem necessidade de dilação probatória. Tal preceito, cabe recordar, atendeu à reivindicação dos jurisdicionados, de garantia de acesso ao Judiciário com celeridade e eficiência na sua prestação (artigo 5º, LXXVIII, CF). Nem se alegue, enfim, a violação do contraditório e à ampla defesa, pois a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil não produz gravame ao réu e, quanto ao autor, é reservado o direito à recorribilidade plena, com a citação do demandado para responder ao recurso (artigo 285-A, § 2º, CPC). 2. É válida, sob o prisma constitucional e legal, a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS, em consonância com a jurisprudência firmada. 3. A possibilidade de revisão de tal orientação (RE 240.785) não impede nem vincula, desde logo, o presente julgamento, pois inexistente a formalização de interpretação definitiva em sentido contrário ao consagrado na orientação ora considerada. 4. Ausente o indébito, em virtude da exigibilidade do crédito na forma da legislação impugnada, resta prejudicado o exame do pedido de compensação tributária. 5. Apelação desprovida. (TRF3, AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 304507, 12/06/2008, DJF3 24/06/2008, rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA). 323 No sentido de que não há violação ao contraditório: "PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARTIGO 285-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO LIMINAR DE MÉRITO. NÃO VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. DEPÓSITO PRÉVIO DE 30% DO VALOR DO DÉBITO COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO

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Portanto, concordamos com CASSIO SCARPINELLA BUENO que, em

manifestação do Instituto Brasileiro de Direito Processual como amicus curiae na ADI em

questão, afirmou o seguinte:

Com o devido respeito, não há, no art. 285-A do Código de Processo Civil, nenhuma das inconstitucionalidades apontadas na petição inicial. Muito pelo contrário, o dispositivo realiza adequadamente o ‘modelo constitucional do processo civil brasileiro’, bem combinando as eficácias dos diversos princípios regentes da atuação jurisdicional em busca de um processo civil mais justo, mais equânime, mais racional.

Mas há uma observação importante: para que seja compatível com o “modelo

constitucional de processo”, o dispositivo deve ser compreendido no mesmo contexto

interpretativo e finalístico do § 1° do art. 518, do parágrafo único do art. 120, do § 3° do art.

475, do parágrafo único do art. 481 e do art. 557 e seu § 1°-A, todos do Código de Processo

Civil.324

A aplicação do art. 285-A, no que diz respeito aos requisitos “casos idênticos”

e “matéria controvertida de direito”, pressupõe que as teses favoráveis e contrárias tenham

sido exaustivamente abordadas, enfrentadas e discutidas em juízo, preferencialmente em todas

as instâncias ordinárias e excepcionais (quando possível), evitando-se a ocorrência de

decisões diversas para os mesmos casos, preservando-se, assim, a isonomia e a segurança

jurídica.325

Conforme adverte a doutrina, “uma orientação que permitisse a reiteração de

‘jurisprudência do próprio juízo’, ainda que contrária à orientação fixada em Tribunais

NA ESFERA ADMINISTRATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. 1. O julgamento antecipado de processos cuja matéria é exclusivamente de direito e o histórico do juízo é pela improcedência do pleito não fere os princípios do contraditório, do devido processo legal e do livre convencimento motivado do magistrado, posto que resta assegurado ao autor o direito de recorrer da decisão, possibilitando, inclusive, o juízo de retratação na instância a quo. Preliminar rejeitada. 2. A exigência de depósito prévio como requisito para a apreciação de recurso na esfera administrativa fere o princípio da ampla defesa consagrado na Constituição Federal. 3. A Lei Maior conferiu ao administrado a possibilidade de interpor recursos para a segunda instância administrativa, objetivando preservar a legalidade administrativa. 4. O contribuinte tem assegurado constitucionalmente o direito à ampla defesa na esfera administrativa, que não pode ser cerceado com a exigência de depósito prévio. 5. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Recursos extraordinários nº 388.359/ PE e nº 390.513/SP. 6. Preliminar rejeitada e, no mérito, apelação provida.” (TRF3, AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 295865, j. 12/02/2008, DJF3 DATA:26/01/2009 PÁGINA: 27, DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR). 324 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. 2: comentários sistemáticos às Leis n. 11.276/06, 11.277/06 e 11.280/06. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49. 325 Idem, ibidem, pp. 64-65.

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Superiores, segundo pensamos, não se coaduna com os valores que justificam a adoção do

sistema de súmulas vinculantes em um sistema jurídico: segurança e previsibilidade”.326

Portanto, os juízes devem agir com muita cautela ao analisar os casos que lhes

são apresentados, principalmente para verificar se realmente estão diante de casos idênticos327

e se realmente a questão é apenas de direito,328 levando em conta que “não há qualquer lógica

em admitir que o juiz possa julgar conforme o que decidiu em casos idênticos quando o

tribunal ao qual é vinculado já firmou jurisprudência predominante ou editou súmula em

326 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, II: Leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06 e 11.280/06. – São Paulo: RT, 2006, p. 66. Ressaltam os autores que “o exame deste conjunto de normas permite extrair um princípio jurídico fundamental, que permeia todo o direito processual civil: o de que devem ser observadas, nas decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais, as orientações traçadas pela jurisprudência firmada pelas instâncias hierarquicamente superiores – em especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, que existem para determinar a inteligência das normas constitucionais e federais infra-constitucionais, respectivamente. Diante deste princípio, ao ponderar sobre a possível incidência do art. 285-A, deve o juiz optar por evitar a reprodução de sentenças que adotem orientação contrária àquela exarada por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, em especial pelo STF e pelo STJ”(p.66). 327 Sobre o assunto: “PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE REQUISITOS LEGAIS PARA APLICAÇÃO DO ARTIGO 285-A DO CPC. MATÉRIA DE FATO E DE DIREITO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AMPARO SOCIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CAUSAS NÃO IDÊNTICAS. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ANULADA. I. O artigo 285-A do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.277, de 07/02/2006, é aplicável quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, circunstância em que poderá ser dispensada a citação do réu e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. II. Em sendo relevante o estudo social e/ou, eventualmente, a oitiva de testemunhas, eis que compõem conjunto probatório requerido e indispensável para o deslinde da demanda, cabe ao Juízo, sob pena de incorrer em cerceamento de defesa, determinar a produção das referidas provas, dada a falta de elementos aptos a substituí-las, não se tratando, pois, de matéria controvertida unicamente de direito. III. Em se tendo em vista que a r. sentença fez referências a pedido de aposentadoria por tempo de serviço e apresentou como paradigma de total improcedência do pedido uma decisão que cuidava deste referido benefício previdenciário e que a presente demanda cuida de amparo social, não há que se falar em causas idênticas. IV. Não sendo a matéria controvertida unicamente de direito e tendo-se em vista que a r. sentença não faz referências a decisões sobre casos idênticos, não cabe a aplicação do artigo 285-A do CPC. V. Nos termos da Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e sobre o benefício de prestação continuada, "cabe ao Ministério Publico zelar pelo efetivo respeito aos direitos estabelecidos nesta Lei" (artigo 31). VI. A ausência de manifestação do Ministério Público em primeira instância, nos casos em que é obrigatória a sua intervenção e desde que haja manifesto prejuízo a alguma parte, enseja nulidade do processo a partir do momento em que este deveria ter sido intimado (artigo 246 do CPC). VII. Apelação provida. Sentença anulada, com remessa dos autos à Vara de origem para o prosseguimento regular do feito”. (TRF3, AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1379692, j. 04/05/2009, DJF3 20/05/2009 PÁGINA: 206, rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WALTER DO AMARAL). 328 Sobre o assunto: PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INAPLICABILIDADE ARTIGO 285-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. - Reserva-se a disposição do artigo 285-A as causas repetitivas, improcedentes, limitando-se às questões de direito. - Necessária a dilação probatória para comprovação dos fatos alegados pela parte, impossível a aplicação do referido instituto processual. - Nas ações previdenciárias que objetivam concessão de benefícios, com o reconhecimento da matéria fática através da produção e análise de provas, não há incidência do artigo 285-A. - A utilização do dispositivo, sem permitir à parte autora a realização de provas requeridas, acarreta cerceamento de seu direito de defesa, infringindo princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. - Apelação a que se dá provimento para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para processamento e julgamento do feito. (TRF3, AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1319695, j. 16/02/2009, DJF3 24/03/2009 PÁGINA: 1575, rel. DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA).

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sentido contrário. No caso em que o tribunal consolidou entendimento sobre a improcedência

das demandas idênticas, a rejeição liminar da ação somente poderá observar a orientação do

tribunal”.329

5.2.7. Rejeição liminar do mandado de segurança.

De acordo com o art. 5°, LXIX, da Constituição Federal, “conceder-se-á

mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus

ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade

pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. Cuida-se

de remédio constitucional cujo procedimento é regulado atualmente pela Lei no 12.016/09.

O art. 10, caput, determina que “a inicial será desde logo indeferida, por

decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos

requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a sua impetração”.

Além dos pressupostos processuais e das condições da ação que devem ser

observados quando da propositura de qualquer demanda, o mandado de segurança possui um

requisito específico, qual seja a existência de direito líquido e certo. Além disso, deve ser

interposto dentro de determinado prazo, sob pena de decadência. Em atenção aos objetivos

deste trabalho, impõe-se verificar se nas situações em que esses requisitos forem desatendidos

estaremos diante de casos de manifesta improcedência que autorizam o indeferimento da

petição inicial com resolução do mérito.

5.2.7.1. Ausência de direito líquido e certo.

A Constituição Federal vigente, assim como as anteriores, não delimita o

conceito de “direito líquido e certo” para efeito de mandado de segurança. O mesmo se diga

em relação às leis que tratam da matéria. Coube à doutrina, portanto, traçar os seus contornos,

329 MARINONI, Luiz Guilherme. O julgamento liminar das ações repetitivas e a súmula impeditiva de recurso (leis 11.276 e 11.277, de 8.2.06) – disponível no sítio www.professormarinoni.com.br – consulta em 10/06/2007.

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a partir dos textos constitucionais e legais, inclusive partindo da antiga expressão direito certo

e incontestável.330

JOSÉ DE CASTRO NUNES, destacando tal expressão, utilizada pela

Constituição Federal de 1934,331 dizia que “direito certo e incontestável, para os efeitos do

mandado de segurança, se define por uma condição processual e pelo teor da obrigação que

incumba à autoridade. Condição processual é a possibilidade de provar de plano,

documentalmente, os pressupostos da situação jurídica a preservar do ato lesivo e a violação

ou ameaça de que se queixa o impetrante, suscetível, em regra, de prova oficial. A segunda

indagação é o mérito da questão, o exame da legalidade do procedimento de dever funcional”.

E conclui que “o que nos parece acertado é entender a condição ou pressuposto da ação como

exigência de prova pré-constituída dos fatos em que se afirma o direito”.332

Segundo CELSO AGRÍCOLA BARBI, “o conceito de direito líquido e certo é

tipicamente processual, pois antende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo: a

circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a

caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se fundar

puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo”.333

Atualmente, é muito difundido o conceito traçado por HELY LOPES

MEIRELLES, segundo o qual “direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua

existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração (...).

Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano”.334

Pelo que se depreende das lições doutrinárias destacadas, a possibilidade de

comprovação de plano, independentemente de qualquer dilação probatória, é uma

característica essencial ao direito qualificado como líquido e certo. Justamente por isso é que

330 JOSÉ CRETELLA JÚNIOR apresenta um detalhado estudo sobre as lições de vários doutrinadores e a evolução do conceito de direito líquido e certo em Comentários à lei do mandado de segurança. – São Paulo: Saraiva, 1979, p. 61-73. 331 “Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato a manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade” (art. 113, n° 33 – grifamos). 332 Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público. – 8ª ed. atualizada por José de Aguiar Dias. – Rio de Janeiro: Forense, 1980, pp. 60 e 67. 333 Do mandado de segurança. – 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 61. 334 Mandado de Segurança. – 31ª edição, atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. – São Paulo: Malheiros, 2008, p. 38-39.

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se admite o indeferimento da petição inicial do mandado de segurança quando o juiz concluir

que o impetrante não apresenta um direito com tais características, independentemente da

verificação sobre a eventual ilegalidade ou abusividade do ato da autoridade.

Contudo, o fato de o impetrante não ostentar direito líquido e certo não

significa que ele não possui o direito subjetivo afirmado, pois este eventualmente pode existir

e ser comprovado mediante ampla dilação probatória nas vias ordinárias. Assim, impende

verificar em que medida o indeferimento da petição inicial do mandado de segurança

representa verdadeira decisão de manifesta improcedência e que, via de consequência, resolve

o mérito. Para tanto, é necessário definir a natureza jurídica do direito líquido e certo dentro

das categorias processuais: pressuposto processual, condição da ação ou mérito.

Para CELSO AGRÍCOLA BARBI, trata-se de uma condição específica da

ação:

Enquanto, para as ações em geral, a primeira condição para sentença favorável é a existência da vontade da lei cuja atuação se reclama, no mandado se segurança isto é insuficiente; é preciso não apenas que haja o direito alegado, mas também que ele seja líquido e certo. Se ele existir, mas sem essas características, ensejará o exercício da ação por outros ritos, mas não pelo específico do mandado de segurança.335

O Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, em sede doutrinária,

destaca o entendimento do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, para quem o direito líquido e

certo é “pressuposto constitucional do mandado de segurança, é requisito de ordem

processual, atinente à existência de prova inequívoca dos fatos em que se basear a pretensão

do impetrante e não à procedência desta, matéria de mérito”.336

No mesmo sentido, CASSIO SCARPINELLA BUENO afirma que “direito

líquido e certo é apenas uma condição da ação do mandado de segurança, assimilável ao

interesse de agir e que, uma vez presente, autoriza o questionamento do ato coator por essa

via especial e de rito sumaríssimo, desconhecido pelas demais ações processuais civis”. E

conclui que “a ausência de direito líquido e certo é obstativa somente do cabimento, do

conhecimento ou da admissibilidade do mandado de segurança (...)”.337

335 Op. cit., p. 55. Ressalte-se que o ilustre Professor adota a teoria concretista da ação, inclusive referindo-se às lições de Chiovenda, para quem as condições da ação são requisitos para uma sentença favorável. 336 Manual do Mandado de Segurança. – 3ª ed. ampl. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 63. 337 Mandado de Segurança: comentários às Leis n. 1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66, 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17.

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DONALDO ARMELIN, depois de se referir às condições genéricas da ação,

ressalta que “podem existir outras específicas, pertinentes a determinados procedimentos, tal

como ocorre no mandado de segurança, onde a existência plausível de direito líquido e certo

corresponde ao direito presumível embasado em fatos documentalmente comprovados, ou,

pelo menos, aceitos como verdadeiros pela autoridade coatora (...)”.338

Mas a questão não é pacífica. Há quem defenda que o direito líquido e certo

pode ser considerado requisito de admissibilidade ou mérito, dependendo do momento em

que for analisado e, principalmente, da profundidade da cognição desenvolvida pelo

magistrado.

Para LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,

é importante deixar clara a existência de dois momentos processuais diferentes. No primeiro momento, há plausibilidade da existência do direito líquido e certo; no segundo momento, de cognição completa do mandado de segurança – portanto, na hora da sentença –, é possível a ocorrência de duas hipóteses. Primeiro, a inexistência daquela plausibilidade que parecera perante o juiz. Neste caso, teremos extinção do processo sem julgamento de mérito; ou é possível, ainda, que a hipótese descrita na inicial não leve necessariamente àquela conclusão. Portanto, não há, pelo mérito, possibilidade de aquele impetrante vir a ser beneficiado pela concessão da ordem.339

SERGIO FERRAZ afirma que “inexiste óbice, lógico ou jurídico, a que o

direito líquido e certo seja, a um só tempo, pressuposto de admissibilidade e condição de

julgamento favorável de mérito”. Isto porque “a operação lógica inicial, de admissibilidade da

ação, é diversa da operação lógica final, da sentença de mérito, conquanto incidam elas sobre

os mesmos fatos alegados”.340

ARLETE AURELLI também destaca a possibilidade de o direito líquido e

certo apresentar naturezas jurídicas diversas conforme o grau de cognição em que é analisado,

o que resultará em decisões diversas quando for constatada a sua inexistência: carência da

338 Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. – São Paulo: RT, 1979, p. 40. Segundo ARLETE INÊS AURELLI também adotam este posicionamento: Eduardo Arruda Alvim, Carlos Mario da Silva Velloso, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Nelson Nery Jr. e Celso Bastos (O juízo de admissibilidade na ação de mandado de segurança. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 204-205). 339 Mandado de Segurança. – 3ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-18. 340 Mandado de Segurança. – 4ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 42-43.

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ação ou improcedência.341 E a ilustre professora ressalta que a discussão sobre este assunto é

de extrema relevância, pois, nos termos do enunciado nº 304, da súmula de jurisprudência do

STF, “decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o

impetrante, não impede o uso da ação própria”.

Assim, caso a denegação tenha ocorrido por inexistência de direito líquido e

certo, poderá o impetrante fazer uso de outra via processual para ver reconhecido o seu

direito, mas desde que a decisão não tenha sido proferida em cognição exauriente, quando, a

bem da verdade, terá sido reconhecida a inexistência do próprio direito.342

Sobre o assunto, já decidiu o STJ que “a decisão denegatória do mandado de

segurança somente faz coisa julgada, impedindo a posterior demanda na via ordinária, quando

negado, à luz da legislação, que houve a violação ao direito reclamado pelo impetrante. A

denegação do writ em virtude da ausência de liquidez e certeza do direito, porém, não impede

que se busque, na via própria, novamente, a satisfação do direito. Súmula 304/STF”.343

341 Op. cit., p. 212. 342 Nesse sentido, vejamos a antiga lição do STF: MANDADO DE SEGURANÇA QUE O SUPREMO TRIBUNAL NEGARA, NÃO APENAS POR FALTAR AO IMPETRANTE DIREITO LIQUIDO E CERTO, MAS POR NÃO LHE ASSISTIR DIREITO ALGUM. EM TAL CASO, NÃO CABE AÇÃO ORDINARIA, POIS AQUELE ACÓRDÃO CONSTITUI COISA JULGADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 68.027 / GB – Guanabara, rel. Ministro Luis Galotti, j. 31/10/1969, DJ. 29/12/1969). 343 REsp 225.787/DF, rel. Ministro Felix Fischer, DJ 22/11/1999, p. 187. No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA - DIREITO LÍQUIDO E CERTO TIDO POR NÃO-DEMONSTRADO - EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO - COISA JULGADA MATERIAL - INEXISTÊNCIA – NOVA IMPETRAÇÃO DE MANDAMUS - POSSIBILIDADE - INCIDÊNCIA DO ART. 16 DA LEI 1.533/51 E DA SÚMULA 304 STF - PRECEDENTES STJ. 1. Denegada a segurança do primeiro mandado de segurança impetrado pelo ora recorrente com o intuito de realizar compensação tributária em razão de entender o Órgão Julgador não estar demonstrado o direito líquido e certo, não há falar-se em formação de coisa julgada material, porquanto não apreciado o mérito propriamente dito do mandamus. 2. É possível a renovação de pedido formulado em mandado de segurança, quando a decisão anterior não houver apreciado o mérito da impetração, a teor do disposto no art. 16 da Lei 1.533/51 e na Súmula 304 do STF 3. Recurso especial provido. (REsp 855.353/SP, rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 23/09/2008); PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO TIDO POR NÃO-DEMONSTRADO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. NOVA IMPETRAÇÃO DE MANDAMUS. POSSIBILIDADE. SÚMULAS NºS 304/STF E 213/STJ. I - Denegada a segurança do primeiro mandado de segurança impetrado pelo ora recorrente com o intuito de realizar compensação tributária em razão de entender o Órgão Julgador não estar demonstrado o direito líquido e certo, além de impropriedade da via eleita, não há falar-se em formação de coisa julgada material, visto que não apreciado o mérito propriamente dito do mandamus. Súmula nº 304/STF. II - Assim sendo, perfeitamente possível a impetração de um segundo mandado de segurança, com o mesmo fim de promover compensação tributária, desta feita, respaldado pelo verbete sumular nº 213 deste STJ. III - Recurso especial PROVIDO. (REsp 855.119/SP, rel. Ministro Francisco Falcão, DJ 14/12/2006, p. 309).

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Apesar da apontada divergência doutrinária, há consenso naquilo que importa

para o presente trabalho: a denegação do mandado de segurança no limiar do procedimento,

quando o juiz analisa a petição inicial – portanto, prima facie –, não resolve o mérito, ou seja,

não se trata de mais uma hipótese de manifesta improcedência. Afinal, apenas decidiu-se pela

inexistência de direito líquido e certo, mas não pela ausência do direito subjetivo afirmado

pelo impetrante, que poderá, por isso mesmo, valer-se das vias processuais ordinárias.

5.2.7.2. Decadência.

O art. 23, da Lei n° 12.016/09 dispõe que “o direito de requerer mandado de

segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo

interessado, do ato impugnado”. A regra é idêntica àquela que estava prevista no art. 18, da

Lei n° 1.533/51, revogada.

Muito já se discutiu sobre a constitucionalidade desse prazo, tendo o STF

definido a questão com o enunciado nº 632, da súmula da sua jurisprudência: “é

constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de

segurança”. Sobre o assunto, CASTRO NUNES ressalta que “regulamentam-se garantias

constitucionais, não, porém, para lhes cercear o exercício, senão para lhes dilatar o

sentido”.344

Prevalece, atualmente, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que

se trata de prazo de decadência.

De acordo com HELY LOPES MEIRELLES, “este prazo é de decadência do

direito à impetração, e, como tal, não se suspende nem se interrompe desde que iniciado”.345

No mesmo sentido, CELSO AGRÍCOLA BARBI ressalta que “esse prazo tem

em vista a forma processual e não a relação jurídica substancial; por isso, não é considerado

344Op. cit., p. 253. 345 Op. cit., p. 59. No mesmo sentido, CELSO AGRÍCOLA BARBI: “esse prazo tem em vista a forma processual e não a relação jurídica substancial; por isso, não é considerado pela doutrina, acertadamente, como prazo de prescrição, mas sim como de decadência, insuscetível, portanto, de interrupção ou suspensão”.

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pela doutrina, acertadamente, como prazo de prescrição, mas sim como de decadência,

insuscetível, portanto, de interrupção ou suspensão”.346

Contudo, temos que o posicionamento majoritário é equivocado. Decadência é

um instituto de direito material, que fulmina o direito subjetivo não exercido dentro de

determinado prazo, a fim de preservar a segurança e a estabilidade das relações jurídicas. Se

não for observado o prazo de 120 (cento e vinte) dias para impetração do mandado de

segurança, poderá o impetrante, se o caso, recorrer às vias ordinárias para pleitear o

reconhecimento do seu direito, que permaneceu incólume.

JOSÉ CRETELLA JÚNIOR defende que se trata de prazo preclusivo e

apresenta os seguintes esclarecimentos:

O mandado de segurança é ação. É direito subjetivo público, que tem seu titular, de pô-lo em prática, para a defesa de direito líquido e certo ameaçado ou violado por ato de autoridade. Nessas condições, seja público ou privado, o conteúdo do direito, atingido por ato de autoridade, tem o seu titular o direito público subjetivo de requerê-lo. Se não o fizer dentro de cento e vinte dias, perde o direito subjetivo público ao mandado de segurança, não ao direito material, que não se extingue com o decurso do prazo.347

CASTRO NUNES, por sua vez, referindo-se ao art. 3°, da Lei n° 191, que

tratava desse mesmo prazo, prefere a expressão perempção, assim expondo os seus

fundamentos:

O legislador não usou das expressões ‘o direito de requerer mandado de segurança prescreverá ...’ como estava no substitutivo; preferiu o verbo ‘extingue-se’, de sentido mais amplo e compreensivo. Conforme a natureza do direito, extingue-se este por prescrição (no sentido do direito civil) ou por perempção (no sentido processual). (...) Não se trata a rigor de prescrição, mas de perempção de ação ou meio de pedir. É certo que para alguns escritores, mais apegados à tradição romana da prescriptio, a distinção não existe. Mas predominam os que sustentam que a extinção do direito de usar certo meio processual, após o decurso de determinado lapso de tempo, é uma forma especial de extinção de direitos de índole processual, inconfundível com a prescrição propriamente dita. O citado art. 3°, da Lei n° 191, no seu enunciado, filiou-se a essa corrente – ‘O direito de requerer extingue-se ...’, para significar que, decorridos 120 dias contados do ato impugnado, perime o direito de usar do mandado de segurança.

346 Op. cit., p. 166. Também entendendo que se trata de prazo decadencial, dentre outros: PACHECO, José da Silva (Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. – 5ª ed. – São Paulo: RT, 2008, p. 231); DIREITO, Carlos Alberto Menezes (Op. cit., p. 73 e ss.). 347 Op. cit., p. 293-295.

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Mas a lição que nos parece mais esclarecedora é a de ALFREDO BUZAID:

O prazo para impetrar mandado de segurança não é prazo preclusivo, porque ele não se verifica no curso do processo, tampouco é de prescrição ou de decadência, porque não fere mortalmente o direito material, que remanesce imprejudicado, podendo ser pleiteado por via ordinária. O prazo é extintivo de uma faculdade pelo seu não-exercício dentro de 120 dias, contados da ciência do ato a ser impugnado. Não se justifica, pois, recorrer aos conceitos de prescrição, de decadência e de preclusão para explicar a natureza do prazo, quando a própria lei subministra a ideia correta, que é a de extinção do direito de requerer mandado de segurança.348

Assim, somente é possível considerar o prazo de 120 dias como decadencial se

a expressão decadência for entendida em sentido amplo, como sinônimo de extinção, mas não

em sentido estrito, que indica a perda do direito subjetivo material, prevista no Código Civil

(art. 207 a 211 e outros da Parte Especial).

Doutrina e jurisprudência reconhecem, ainda, a possibilidade de prorrogação

do referido prazo quando o seu termo final cair em dia em que não houve expediente

forense.349 E isto representa negação ao regime jurídico próprio da decadência, onde o prazo

não se suspende, não se interrompe e não se prorroga.

Apesar dessas observações, o parágrafo 6°, do art. 6°, da Lei n° 12.016/09,

dispõe que “o pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo

decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito”.350 Quer nos

parecer, contudo, que a expressão foi utilizada em sentido amplo.

A extinção do direito de impetrar o mandado de segurança não se insere na

hipótese prevista no art. 269, IV, do Código de Processo Civil, onde a decadência deve ser

compreendida em sentido estrito, qual seja o da perda do direito subjetivo material pelo seu

não-exercício dentro de determinado prazo.

Conforme ressaltado por CASSIO SCARPINELLA BUENO, ao comentar a lei

revogada,

348 Apud FERRAZ, Sergio, op. cit., p. 222. O autor ressalta, ainda, os posicionamentos de Pontes de Miranda e de Milton Flaks, para quem o prazo seria preclusivo e peremptório. 349 Nesse sentido, por todos: DIREITO, Carlos Alberto Menezes, op. cit., p. 79; 350 Destacamos.

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uma coisa é certa, no entanto. Constitucional que seja o prazo referido pelo art. 18 da Lei n. 1.533/51, a decadência se dá quanto ao direito de impetrar o mandado de segurança e não quanto ao direito conflituoso veiculado por aquela ação. (...) Sistematicamente, trata-se de uma decisão de extinção do mandado de segurança pelo reconhecimento da decadência, mas que não será decisão de mérito nos moldes do art. 269, IV, do Código de Processo Civil, impeditiva da (re)apresentação da mesma pretensão perante o Poder Judiciário. Sem formação de coisa julgada material, tem plena aplicação o disposto nos art. 15 e 16 da Lei n. 1.533/51, abrindo, para o impetrante, espaço à propositura de outras ações para persecução do mesmo direito material.351

351 Op. cit., p. 198-199. No mesmo sentido, JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO, comentando a lei revogada: “(...) superada a discussão quanto à constitucionalidade do art. 18 da Lei 1.533/51, deve-se afirmar que o prazo de 120 dias é apenas para a utilização do mandado de segurança, sendo que a decadência atingirá tão somente o direito líquido e certo, não ultrapassando seus limites para atingir o direito subjetivo. Mais ainda, a coisa julgada decorrente desta sentença denegatória do mandamus não ultrapassa os limites do direito líquido e certo para atingir o fundo do direito (Mandado de segurança: questões controvertidas. – Salvador: Juspodvum, 2007, p. 36). Ainda, na jurisprudência: MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA. CASSAÇÃO ANTERIOR AO DECRETO 3.363/2000. MINISTROS DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, FAZENDA E MINAS E ENERGIA. INEXISTÊNCIA DE ATO COATOR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DECADÊNCIA. 1. Hipótese em que a anistia concedida aos impetrantes, nos termos da Lei 8.878/1994, foi cassada pela Resolução 8, publicada no D.O. de 30.12.1998, exarada pelo Conselho de Coordenação e Controle das Empresas Estatais - CEE, com base na atribuição conferida pelo Decreto 1.499/95.2. Mandado de Segurança impetrado em 21.05.2001 contra os Ministros de Estado do Planejamento, Fazenda e Minas e Energia, por omissões e atos relacionados ao Decreto 3.363/2000, que criou Comissão Interministerial para reexame de anistias anteriormente concedidas. 3. Inexistência de ato coator, já que a anistia concedida aos impetrantes (e sua cassação pela Resolução 8/1998) não pode ser reapreciada pela Comissão Interministerial criada pelo Decreto 3.363/2000, por expressa vedação em seu art. 1º, I, e, portanto, não se submete à decisão final das autoridades impetradas, configurando-se sua ilegitimidade passiva. 4. A cassação da anistia, veiculada pela Resolução 8/1998, não pode ser impugnada em Mandado de Segurança impetrado após o prazo do art. 18 da Lei 1.533/1951. 5. Mandado de Segurança extinto, sem julgamento de mérito (STJ – MS 7699/DF, rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 01.09.2008). Em sentido inverso, entendendo que o caso se amolda à hipótese prevista no art. 269, IV, do CPC: EMENTAS: 1. MANDADO DE SEGURANÇA. Decadência. Consumação. Cargo público. Concurso. Preterição de candidato aprovado. Comportamento comissivo da autoridade administrativa. Termo inicial do prazo preclusivo, que se exauriu no caso. Processo extinto, com julgamento do mérito. Aplicação do art. 269, IV, do CPC. Seguimento negado ao recurso ordinário. Precedente. Para efeito de mandado de segurança contra preterição de candidato aprovado em concurso público, conta-se-lhe o prazo decadencial desde o comportamento comissivo da autoridade que tenha configurado a preterição. 2. SERVIÇO PÚBLICO. Cargo público. Concurso. Prazo de validade. Expiração. Pretensão de convocação para sua segunda etapa. Improcedência. Existência de cadastro de reserva. Irrelevância. Aplicação do acórdão do RMS nº 23.696. Precedente do Plenário que superou jurisprudência anterior, em especial o julgamento dos RMS nº 23.040e nº 23.567. Agravo improvido. Expirado o prazo de validade de concurso público, não procede pretensão de convocação para sua segunda etapa, sendo irrelevante a existência de cadastro de reserva, que não atribui prazo indefinido de validez aos certames (STF - RMS 25.310 AgR / DF, rel. Ministro Cezar Peluso, DJe 025, divulg. 05.02.2009, public. 06.02.2009); EMENTA: Mandado de segurança. Decadência do direito de agir: consuma-se se, entre a publicação do ato de demissão no Diário Oficial e a impetração, decorreram mais de 120 dias (art. 18 da Lei nº 1.533/51). Extinção do processo com julgamento de mérito (STF - MS 22.905/SP, rel. Ministro Marco Aurélio – rel. p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, DJ 17/03/2006, p. 6); MANDADO DE SEGURANÇA – INCLUSÃO NA LISTAGEM DOS TIMES DA TIMEMANIA –DECADÊNCIA CONFIGURADA – EXTINÇÃO DO MANDAMUS, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 269, INCISO IV, DO CPC. 1. Mandado de segurança impetrado contra a Portaria n. 164, de 22 de agosto de 2007, do Ministro de Estado dos Esportes, que instituiu o concurso de prognóstico denominado TIMEMANIA, sem incluir o impetrante na lista dos clubes beneficiados. 2. Nos termos do art. 18 da Lei n. 1.533/51, o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Referido prazo não se suspende ou interrompe pela superveniência de férias forenses. 3. A Portaria n. 164/2007 foi publicada no Diário Oficial da União aos 23.8.2007, extinguindo-se o prazo decadencial em 31.12.2007, prorrogando-se para o primeiro dia útil subsequente, qual seja, o dia 2.1.2008 (RISTJ, art. 81, caput e § 2º, inciso I). No entanto, o presente writ foi impetrado somente no dia 7.1.2008. Precedentes. Mandado de segurança extinto, com resolução

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De fato, o reconhecimento da decadência no mandado de segurança – nos

termos do art. 23, da Lei n° 12.016/09 – impede o particular apenas de demonstrar que o seu

direito é líquido e certo, restando-lhe a possibilidade de provar, por outra via, que o direito

subjetivo existe, conquanto não ostente tais características. Remanesce, pois, a possibilidade

de obtenção de uma tutela jurisdicional que reconheça a ilegalidade ou a abusividade do ato

da autoridade pública. Assim, entendemos que se trata de hipótese de extinção do processo

sem resolução do mérito por falta de interesse processual, por escolha da via procedimental

inadequada (CPC, art. 267, VI).

Concluindo, caso o juiz, invocando tal dispositivo, reconheça de plano a

“decadência” no mandado de segurança, não estará julgando o mérito. Portanto, não se trata,

para nós, de hipótese de manifesta improcedência.

5.2.8. Rejeição liminar dos embargos manifestamente protelatórios.

As mesmas razões que levaram o legislador a determinar a possibilidade de

indeferimento da petição inicial nas hipóteses do art. 285-A inspiraram-no nas etapas mais

recentes da reforma do Código de Processo Civil.

A doutrina já havia identificado que “o processo de execução tem constituído,

ao longo dos tempos, um campo fértil para a prática do abuso do direito, mas,

paradoxalmente, não tem tido a adequada atenção do legislador para equacionar esse mal, se

comparado à sua maior preocupação com os processos de conhecimento e cautelar, com séria

repercussão na morosidade da justiça, e, por consequência, na credibilidade do Poder

Judiciário”.352

A fim de evitar a chicana dos devedores, inibir o abuso do direito de demandar

e de resistir a demandas legítimas, dar mais celeridade à execução e garantir o acesso do

credor à tutela jurisdicional tempestiva e efetiva, o legislador criou a hipótese de rejeição

do mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC (STJ – MS 13.295/DF, rel. Ministro Humberto Martins, DJe 05/03/2009). 352 Cf. ARAÚJO, Francisco Fernandes de. O Abuso do direito processual e o princípio da proporcionalidade na execução civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 140.

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liminar dos embargos do devedor “quando manifestamente protelatórios” (CPC, art. 739, III,

com redação determinada pela lei 11.382/06).

Os embargos do devedor têm natureza jurídica de ação de cognição,

desenvolvida em processo incidente ao de execução que está em curso, com a finalidade de

obter um pronunciamento judicial de natureza constitutiva ou declaratória, dependendo do seu

objeto, visando à desconstituição da eficácia do título executivo ou à extinção do processo de

execução.353

A execução forçada não tem a finalidade de acertar o conflito de interesses

existente entre as partes, mas tão-somente a de realizar o direito previamente reconhecido em

um título executivo, judicial ou extrajudicial. Por isso que o devedor não é citado para se

defender, mas simplesmente para cumprir a obrigação estampada no título. Apesar disso, e

conquanto os embargos tenham natureza jurídica de ação, trata-se de meio de defesa (lato

sensu), forma de resistência do executado, assemelhando-se à contestação, guardadas as

devidas proporções.354

Demais disso, “estas posições processuais nos embargos, no entanto, não

desfiguram a postura das partes no processo executivo. Isto é, embora o executado figure

como autor nos embargos à execução, a posição do autor – neste caso – é de resistência à

execução (ou aos atos executivos)”.355 O uso abusivo dos embargos do devedor, portanto,

pode ser analisado tanto sob a ótica do abuso do direito de demandar como sob a perspectiva

do abuso do direito de defesa.

A aplicação do art. 739, III, do CPC, depende, em primeiro lugar, da

delimitação do conceito de “embargos manifestamente protelatórios”.

A expressão “manifesto propósito protelatório” é encontrada em alguns

dispositivos do CPC, como, por exemplo, no inciso II, do art. 273, ao descrever uma das 353 Sobre o conceito e a natureza jurídica dos embargos, ver THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução, 20 ed. – São Paulo: LEUD, 2000, pp. 393-395; ASSIS, Araken de. Manual da Execução, 11 ed. rev., ampl. e atual. com a reforma processual – 2006/2007. – São Paulo: RT, 2007, pp. 1.079-1.081. 354 Cf. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. – 2 ed. rev., atual. e ampl. (Coleção estudos de direito de processo Enrico Túlio Liebman; 48) – São Paulo: RT, 2004, p. 257. 355 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil... , pp. 257-258. Destaca o autor o entendimento de Moacyr Amaral dos Santos no sentido de que “do aspecto prático, os embargos do devedor aparecem como meio de defesa, pois que visam a livrá-lo do processo de execução ou a desfazer ou limitar a eficácia do título executivo”.

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condutas do réu que justificam a antecipação da tutela a favor do autor. Sobre tal expressão,

HELENA NAJAR ABDO entende que ela “não admite confinamentos”, ou seja, “a ideia deve

ser a mais genérica possível para que não se restrinja a amplitude da expressão a um número

menor de hipóteses do que ela naturalmente abarcaria”.356

Referido dispositivo, ao utilizar a expressão “manifesto propósito protelatório”

abre espaço para uma análise, diante do caso concreto, sobre a intenção do réu ao praticar o

ato processual, ou seja, está de acordo com o que defende a corrente subjetiva do abuso do

direito. O art. 739, II, ao contrário, exige apenas a verificação dos elementos

“manifestamente” e “protelatórios”, ou seja, prescinde-se da análise de qualquer componente

subjetivo para a caracterização do abuso.

Como o nosso sistema adotou a teoria objetivo-finalística do abuso do direito,

não há espaço para investigação sobre a presença do espírito de emulação que eventualmente

macula o animus do devedor ao opor os embargos,357 inclusive porque deve ser evitado o

risco de imprecisa ou vaga valoração de interesses ou intenções do embargante, o que

certamente comprometeria a segurança jurídica e a isonomia.358

Devem, portanto, ser verificados, basicamente, os requisitos do art. 187 do

Código Civil, quais sejam: a) o exercício de direito próprio: o devedor foi citado no processo

de execução, sendo-lhe facultada, em tese, a oposição dos embargos; e b) a violação dos

limites objetivos, quais sejam a finalidade própria dos embargos – desconstituir ou declarar

nulos o título executivo ou a relação processual executiva – e a observância da boa-fé

objetiva.

356 Op. cit., p. 201. A autora destaca o conceito de Antonio Cláudio da Costa Machado, no sentido de que se trata da “intenção clara do demandado de procrastinar o andamento do processo e a outorga do provimento final, intenção cuja evidência é revelada pela utilização exorbitante do direito de resposta, que não a contestação, e do direito de provocar incidentes, bem como pela prática de quaisquer atos isolados de caráter temerário”. 357 JORGE AMERICANO já alertava para a impossibilidade de investigar a intenção do agente, afirmando que “a questão não se confina no ambito da psychologia individual, pois que no fôro interno não é licito penetrar, em é mesmo possivel fazê-lo. Incide, porém, no estudo da psychologia das médias humanas, para propor-se de fórma a indagar si o acto realisado está em conformidade com o modo pelo qual os homens costumam proceder, em harmonia com as regras da bôa fé e da moral social” (op. cit., p. 29). 358 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Em: Os embargos à execução de título extrajudicial. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior / coordenação, Ernane Fidélis dos Santos... [et al]. – São Paulo: RT, 2007, p. 633.

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A boa-fé objetiva deve ser analisada considerando a sua aplicação no campo

processual, portanto de maneira um pouco diversa da forma como se apresenta no direito das

obrigações, já que o processo não é um negócio jurídico estabelecido entre particulares. As

partes devem pautar a sua atuação de acordo com os princípios éticos explícitos ou implícitos

no sistema processual (expor os fatos conforme a verdade, não deduzir pretensão ou defesa

contra texto expresso de lei ou fato incontroverso etc.).359

Assim, pensamos que são “manifestamente protelatórios” os embargos

manifestamente improcedentes, ou seja, quando a tese apresentada pelo embargante é

desprovida de fundamento minimamente razoável. Em outras palavras, as hipóteses de

improcedência prima facie.

Os “embargos manifestamente protelatórios devem ser entendidos como

aqueles em que a mera leitura de sua petição inicial revela não terem a menor possibilidade de

êxito. É mais do que não observar as regras formais mínimas de intelecção que exige o

parágrafo único do art. 295, mas, mais do que isto, autorizar o juiz a constatar de plano que

não há direito algum para o executado-embargante”. 360 Verifica-se, no caso concreto, a falta

de seriedade da demanda.361

O critério objetivo mais seguro a ser observado é o seguinte: a) a questão

suscitada nos embargos é exclusivamente de direito e já há posicionamento firme em sentido

contrário na jurisprudência, principalmente nos Tribunais Superiores (aplicação do art. 285-

A); ou b) a questão é de fato e de direito e o embargante narrou, na inicial dos embargos, um

fato jurídico (está abstratamente tipificado pelo ordenamento jurídico), mas lhe atribuiu

consequências que evidentemente não ocorrem, ainda que o fato seja considerado verdadeiro.

Ressalte-se que, se for detectado algum vício referente às condições da ação ou

aos pressupostos processuais, os embargos devem ser rejeitados com fundamento no inciso II

359 Cf. adverte JAIME GREIF. Em: El abuso del derecho y la responsabilidad civil emergente en el derecho uruguayo / Abuso dos direitos processuais / coordenador, José Carlos Barbosa Moreira; Francisco Ramos Médez... [et al.]. – Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 107. 360 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 3: comentários sistemáticos à Lei n. 11.382/06. – São Paulo: Saraiva: 2007, p. 266. 361 Cf. ABDO, Helena Najar. Op. cit., pp. 94-95.

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do art. 739, porquanto inepta a petição inicial, nos termos do art. 295, CPC.362 Nesse caso,

pouco importa se são manifestamente protelatórios ou não, já que, de uma forma ou de outra,

serão rejeitados liminarmente. Também não se trata da hipótese de intempestividade, pois esta

já está prevista no inciso I. Portanto, os embargos protelatórios devem, antes de tudo, ser

formalmente admissíveis.363

O sistema processual não se preocupa apenas com a punição pelo abuso do

direito processual, consubstanciado na litigância de má-fé, aplicando multas e determinando o

pagamento de indenização à parte prejudicada (CPC, art. 18 e 601). Há diversos dispositivos

no Código que cuidam da prevenção do abuso, ou ao menos da minoração dos seus efeitos

maléficos: os art. 125, II e III, 129, 130, 295 e 488, II, dentre outros, no processo de

conhecimento; especificamente no processo de execução, os art. 599, II, 601, parágrafo único,

e 620.

A rejeição liminar dos embargos manifestamente protelatórios, com a

utilização da técnica da manifesta improcedência, é mais uma hipótese de combate preventivo

ao abuso do direito processual, conquanto, em última análise, represente mais um caso de

oposição maliciosa à execução (CPC, art. 600) ou, dependendo dos argumentos dos

embargos, dedução de pretensão contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (CPC, art.

17, I).

Importa, ainda, saber se a multa prevista no parágrafo único do art. 740 deve

ser aplicada apenas nos casos em que os embargos são recebidos, tramitam normalmente e,

apenas ao final, percebe-se que são manifestamente protelatórios,364 ou se também incide no

caso de rejeição liminar.

362 No mesmo sentido, MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, em: Os embargos à execução de título extrajudicial. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior / coordenação, Ernane Fidélis dos Santos... [et al]. – São Paulo: RT, 2007, p. 632. 363 No mesmo sentido, MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de (colaborador), in A nova execução de títulos extrajudiciais: comentários à Lei n° 11.382/06 / coordenador Carlos Alberto Alvaro de Oliveira; colaboradores Carlos Alberto Alvaro de Oliveira... [et al.]. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 200. 364 À primeira vista parece haver uma contradição, pois se os embargos são manifestamente protelatórios não poderiam ser recebidos e, consequentemente, não teriam tramitado. Ocorre que, na prática, isso é perfeitamente possível. Tomemos como exemplo um embargante que alega já estar extinta a obrigação estampada no título em razão do pagamento, que será provado por meio de testemunhas. O fato jurídico extintivo, se existente, é apto a gerar a extinção da obrigação, ou seja, não é caso de improcedência prima facie. Todavia, no momento oportuno, o embargante desiste de ouvir as testemunhas e, ao final, o seu pedido é julgado improcedente, ocasião em que só então restará evidenciada a protelação.

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O novo Código Civil tratou do ato ilícito (Parte Geral, Livro III, Título III)

separadamente da responsabilidade civil (Parte Especial, Livro I, Título IX), deixando claro

que nem todo ato ilícito gera dano ou prejuízo e mesmo assim deve ser inibido, ou ao menos

ter obstados os seus efeitos. Todavia, caso produza algum prejuízo, deve haver a

responsabilização civil do agente.

Alguns doutrinadores entendem pela impossibilidade de aplicação da multa do

parágrafo único do art. 740, do CPC, na hipótese de rejeição liminar dos embargos com

fundamento no art. 739, III, em razão dos momentos procedimentais distintos tratados nos

dois dispositivos.365

Ocorre que a simples oposição dos embargos do devedor, mesmo diante da

ausência de efeito suspensivo automático (CPC, art. 739-A, caput), gera tumulto processual e

toma tempo dos juízes e de seus auxiliares, ou seja, objetivamente gera prejuízos para a

prestação jurisdicional, o que por si só é de extrema gravidade, especialmente diante de uma

perspectiva publicista da questão. Afinal, o processo não é apenas um instrumento para

solucionar o conflito das partes, mas também um instrumento de exercício de poder, inclusive

com escopos políticos e sociais.366

Conforme bem ressaltado na exposição de motivos do projeto do Código,

o processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar a justiça. Não se destina a simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já observara Betti (Diritto Processuale Civile, pág. 5), não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos. O interesse das partes não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de ter razão; a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente

365 Nesse sentido, MAZZEI, RODRIGO. Reforma do CPC 2: nova sistemática processual civil. Daniel Amorim Assumpção Neves ... [et al.]. – São Paulo: RT, 2007, p. 498. 366 De acordo com CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ao tratar da perspectiva publicista do processo, “a descoberta e exame dos princípios e garantias constitucionais do processo, mais a sensibilidade para os graves problemas sociais e econômicos que com ele se envolvem têm permitido enquadrar a ciência processual num plano político suficientemente expressivo para destacar a grande gama de interesses públicos perseguidos através dele. A força do pensamento doutrinário que se expande por todos os continentes, como uma verdadeira multinacional do processo, tende a eliminar diferenças regionais e as resistências ao pleno reconhecimento teórico e prático de que o processo é um instrumento para o exercício do poder e que este deve ser exercido, ainda quando sob o estímulo de interesses individuais, sempre com vistas a elevados objetivos sociais e políticos que transcendem o âmbito finito destes” (A instrumentalidade do processo, 12 ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pp. 61-62).

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a tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda a sociedade.367

Dessa forma, ainda que o parágrafo único do art. 740 refira-se ao caput, e este

mencione “recebidos os embargos”, cremos que a multa incide também nas hipóteses de

rejeição liminar dos embargos manifestamente protelatórios, pois a simples oposição gera

prejuízos e embaraços à atividade jurisdicional. E o Estado, além do credor, é sujeito passivo

do abuso do processo.368

O requisito para a aplicação da multa é tão-somente a constatação de que os

embargos são manifestamente protelatórios, restando evidenciado o abuso,

independentemente do momento em que isto é verificado, ensejando por si só a punição.369

Contudo, nos casos de rejeição liminar a multa deve ser fixada em percentuais

mínimos – dependendo do valor da execução –, sendo fixada em percentual mais elevado se

os embargos forem recebidos e tramitarem durante tempo considerável, observado o limite de

20% do valor em execução (art. 740, parágrafo único).

5.2.9. Rejeição liminar da ação de improbidade administrativa.

A Lei n° 8.429, de 3 de junho de 1992, “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos

agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego

ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”, bem como sobre o

procedimento a ser adotado para apuração dos atos de improbidade.

O legislador admitiu, num mesmo procedimento, a cumulação de pedidos

mediatos que buscam a aplicação de sanções civis, administrativas e penais. De fato, é

possível a obtenção de tutela jurisdicional que implique a indisponibilidade de bens, o

ressarcimento ao erário, a perda de função pública, a suspensão dos direitos políticos e a

proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

creditícios.

367 Cf. capítulo III, item 1, 5, da mensagem 210, de 2.08.72. 368 Nesse sentido, ver ABDO, Helena Najar, op. cit., pp. 97-98. 369 No mesmo sentido: BUENO, Cassio Scarpinella, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, volume 3: comentários sistemáticos à Lei n. 11.382/06. – São Paulo: Saraiva: 2007, p. 289; ASSIS, Araken de, op. cit., p. 1.152.

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A medida provisória n° 2.171-44, de 24.08.2001, criou uma fase de

admissibilidade da ação de improbidade, prevista no art. 17, §§ 7° e 8°. De acordo com estes

dispositivos, se a petição inicial estiver formalmente adequada, o requerido será notificado

para oferecer manifestação por escrito, em 15 dias. Apresentada a manifestação, que pode vir

acompanhada de documentos e justificativas, o juiz, no prazo de trinta dias, poderá rejeitar a

pretensão deduzida na inicial “se convencido da inexistência do ato de improbidade, da

improcedência da ação ou da inadequação da via eleita”.

A defesa antecipada pode conter alegações referentes a questões preliminares,

prejudiciais e até mesmo de mérito,370 ainda que posteriormente, caso o juiz receba a inicial, o

requerido tenha nova oportunidade de se defender, desta feita apresentando contestação (art.

17, § 9°).

Caso o juiz, ao analisar a defesa antecipada, “rejeite a ação” por inadequação

da via eleita, estará julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, por falta de

interesse processual (CPC, art. 267, VI).

Mas o legislador criou uma celeuma ao diferenciar a hipótese de

reconhecimento de inexistência do ato de improbidade da de improcedência da ação:371 no

primeiro caso, haveria resolução do mérito ou falta de interesse de agir? De acordo com o que

já foi analisado neste trabalho, a falta de interesse de agir representa julgamento de mérito.

Contudo, adotando-se a teoria de Liebman sobre as condições da ação, a constatação da

inexistência do ato de improbidade apontado na inicial pode levar à improcedência do pedido

ou à falta de interesse de agir, dependendo do caso: “se a inexistência de ato de improbidade

administrativa resultar de um exame da própria inicial, então se impõe o decreto de carência

da ação (...); se resultar de fato jurídico novo, trazido aos autos pelo sujeito passivo, então o

caso é de improcedência da demanda (sentença definitiva) e a questão será de mérito”.372

370 De acordo com Antonio Aroldo Ferraz Dal Pozzo, a defesa preliminar é “como se fora uma verdadeira e própria contestação” (Reflexões sobre a “defesa antecipada” na Lei de Improbidade Administrativa. Em: Improbidade Administrativa (questões polêmicas e atuais), coord. Cassio Scarpinella Bueno e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, - 2ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2003, p. 99. 371 Parece-nos que seria mais adequada a expressão improcedência do pedido. 372 DAL POZZO, Antonio Aroldo Ferraz, op. cit., p 101.

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Em outras palavras, caso a constatação acerca da inexistência do ato de

improbidade seja resultado de uma análise in status assertionis, a decisão será de carência de

ação.373 Diversamente, se tal constatação se der mediante o exame das justificativas e provas

apresentadas pelo requerido, a decisão será de mérito.374

Seja como for, a defesa antecipada evita a tramitação de um processo sem

fundamento razoável, que poderia gerar graves danos ao agente público apontado como

ímprobo e também à própria Administração. Afinal, enquanto não fosse proferida sentença de

improcedência, a imagem do agente e a lisura da atuação do Poder Público perante a

sociedade permaneceriam sob suspeita.

Vale ressaltar que a técnica processual da manifesta improcedência utilizada na

ação de improbidade administrativa é diversa daquela utilizada nas hipóteses de

improcedência prima facie, conquanto na essência tenham a mesma finalidade, qual seja

evitar a tramitação de demandas desprovidas de fundamentação razoável. “O juízo de

admissibilidade amplíssimo e substancial da petição inicial em contraditório, destarte, estrema

a ação de improbidade administrativa de qualquer outra ação que segue o rito comum,

assemelhando-se ao que o Código de Processo Penal reserva, por exemplo, para o processo

dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos”.375 Contudo, uma coisa não exclui

a outra: caso seja possível detectar, prima facie, a improcedência do pedido na ação de

improbidade administrativa, deve o juiz rejeitá-la de plano, nos termos do art. 295, parágrafo

único, II. Evitam-se, assim, o abuso do uso desse tipo de ação e os danos que o requerido

poderia sofrer diante da notificação inicial.

CASSIO SCARPINELLA BUENO ressalta que as modificações inseridas na

lei n° 8.429/92 pela medida provisória n° 2.225/01 vieram “em nome de uma maior seriedade

373 Nesse sentido: BUENO, Cassio Scarpinella. O procedimento especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória 2.088). Em Improbidade Administrativa (questões polêmicas e atuais), coord. Cassio Scarpinella Bueno e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, - 2ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2003, p. 173. 374 PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DO FATO INDIGITADO. REJEIÇÃO LIMINAR DA PEÇA DE INGRESSO (ART. 17, § 8º, LEI N. 8.429/92). EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA COGNIÇÃO SUMÁRIA. NÃO HÁ SE FALAR EM INGERÊNCIA INDEVIDA NO MÉRITO DE AÇÃO OU EM EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA COGNIÇÃO SUMÁRIA, SE OS FATOS DESCRITOS NA INICIAL SÃO CLARAMENTE INIDÔNEOS PARA AUTORIZAR O PROCESSAMENTO DA AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, MOTIVO PELO QUAL APLICÁVEL A REGRA INSERTA NO § 8º DO ART. 17 DA LEI N. 8.429/92. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJDFT, 20060110123778APC, rel. SOUZA E ÁVILA, DJU 10/03/2008, p. 119). 375 Idem, ibidem, p. 175.

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na propositura de ações de improbidade administrativa, coibindo-se, assim, o que a praxe

denomina de ‘aventurar processuais’”.376

Finalmente, cumpre salientar que a Lei prevê expressamente o cabimento de

agravo por instrumento contra a decisão “que receber a petição inicial” (art. 17, § 10),

evidenciando o gravame causado pelo juízo positivo de admissibilidade e, consequentemente,

pelo trâmite do procedimento.

5.3. Julgamento liminar do conflito de competência.

De acordo com o art. 120, parágrafo único, do CPC, inserido pela Lei n°

9.756/98, “havendo jurisprudência dominante do tribunal sobre a questão suscitada, o relator

poderá decidir de plano o conflito de competência, cabendo agravo, no prazo de 5 (cinco)

dias, contado da intimação da decisão às partes, para o órgão recursal competente”.

A modificação legislativa foi inspirada no princípio da economia e eficiência

processuais377 e revela-se muito útil para impedir o retardamento desnecessário da marcha

processual, já que o conflito de competência poderá suspender o curso do procedimento

(CPC, art. 120, caput).

Conforme a lição de DONALDO ARMELIN, “a inovação implica uma

tentativa válida de minimização do tempo na dirimência de conflitos de competência, que

muitas vezes, acarretam grande morosidade para a prestação da tutela jurisdicional. Versando 376 Op. cit., p. 165. Também na jurisprudência: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: EXPEDIÇÃO DE CARTA DE HABITE-SE ANTES DE CONCLUÍDA A OBRA. AGRAVO CONTRA O DESPACHO DE CITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO E À COLETIVIDADE. 1. NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, OS DESPACHOS DE RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL SÃO DESPROVIDOS DE CARGA DECISÓRIA PORQUE NÃO RESOLVEM INCIDENTE PROCESSUAL QUE DESAFIE AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEPCIONALMENTE ADMITE-SE ESTE RECURSO CONTRA O JUÍZO DE DELIBAÇÃO QUE RECEBE A AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (ART. 17, § 9º, DA LEI Nº 8.429/92). PRETENDE A LEI ESPECIAL INCUTIR UM EXAME MAIS ACURADO DO JUIZ NESSE MOMENTO , A FIM DE FILTRAR AQUELAS DEMANDAS ESPECULATIVAS, SEM PROVAS OU INDÍC IOS CONCRETOS. 2. HAVENDO INDÍCIOS DE QUE O "HABITE-SE" FORA EXPEDIDO IRREGULARMENTE, ANTES DE CONCLUÍDA A OBRA, CONTRARIANDO O CÓDIGO DE OBRAS DO DF (ART. 56 E 57), ESTANDO O DESPACHO INICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO E DIRIGINDO-SE A INSURGÊNCIA CONTRA QUESTÕES QUE SE CONFUNDEM COM O MÉRITO DA DEMANDA, CORRETA A ADMISSÃO DA DEMANDA. 3. RECURSO CONHECIDO E NÃO-PROVIDO. UNÂNIME (TJDFT, 20030020079717AGI, rel. Waldir Leôncio Júnior, DJU 31.03.2004, p. 48 – destacamos). 377 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella, op. cit., p. 62.

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tais conflitos matéria exclusivamente processual, a demora na solução do litígio sub judice

dificilmente é compreendida e justificada por aqueles que postulam a tutela jurisdicional”.378

A manifesta improcedência do conflito é verificada mediante o cotejo da tese

do suscitante com a jurisprudência dominante no Tribunal competente para o seu julgamento

ou nos Tribunais Superiores.379 Nesses casos, poderá o relator rejeitar liminarmente o conflito

antes mesmo da manifestação do Ministério Público, pois, “se há antecipação, é porque o

convencimento não depende mais de qualquer subsídio”.380 Por tal razão, também pode ser

dispensada a manifestação dos órgãos judiciais envolvidos no conflito, quando suscitado pelas

partes ou pelo Ministério Público, ou do juízo suscitado, quando o conflito for apresentado

por um dos juízos envolvidos.381

Apesar de este trabalho ser dirigido ao estudo da manifesta improcedência, é

importante registrar que o dispositivo em questão autoriza não apenas a rejeição liminar do

conflito, como também concede ao relator poderes para dar-lhe provimento,

monocraticamente. Portanto, cuida também da hipótese de manifesta procedência.

A fim de preservar a garantia do juiz natural, o legislador prevê o cabimento de

agravo contra a decisão monocrática do relator, caso em que a questão será levada ao órgão

colegiado competente (CPC, art. 120, parágrafo único, parte final).

5.4. Exceção de incompetência manifestamente improcedente.

A palavra exceção tem diversas acepções jurídicas. Em sentido amplo, de

acordo com as suas origens, pode ser entendida como sinônimo de defesa, material ou

378 Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98/ coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nelson Nery Jr, 1ª ed., 2ª tir. – São Paulo: RT, 1999, p. 199. 379 Cf. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit, p. 574. 380 SANTOS, Ernane Fidélis dos, op. cit, p. 169. 381 Nesse sentido: Processual Civil. Conflito Negativo de Competência. Execução Fiscal. Inexistência das Razões do Juízo Suscitado. Art. 120 Parágrafo Único do CPC. Lei .9.756/98. Julgamento de Plano. Mudança de Domicílio do Devedor. Art. 109, § 3º. C.F. Art. 15, Lei 5.010/66. Súmulas 33 e 58/STJ. 1. O parágrafo único do art. 120 do CPC, introduzido pela Lei 9.756, de 17 de dezembro de 1998, permite ao julgador decidir de plano o conflito de competência quando a matéria já está pacificada no tribunal, a despeito de inexistirem as razões de um dos juízos conflitantes nos autos. 2. O art. 109, § 3º, C.F. trata da competência territorial, não podendo o juiz dela declinar de ofício, ainda que o devedor mude de domicílio (art. 15, Lei 5.010/66 - Súmulas 33 e 58/STJ). 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal, suscitado (STJ, CC 31.670 – AP; rel. Ministro Milton Luiz Pereira; DJ 25.03.2002, p. 166).

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processual;382 em sentido estrito, refere-se apenas às defesas cuja análise, pelo juiz, depende

de iniciativa da parte383. Ainda, existe a exceção instrumental (ou ritual), que “é o incidente

processual adequado ao processamento das defesas consistentes na incompetência relativa, no

impedimento ou na suspeição do juiz”.384

Interessa-nos, neste passo, uma das exceções previstas no Código de Processo

Civil como modalidade de resposta do réu, qual seja a exceção instrumental de

incompetência.

O art. 304, do CPC, determina que “é lícito a qualquer das partes arguir, por

meio de exceção, a incompetência (art. 112), o impedimento (art. 134) ou a suspeição (art.

135)”. A remissão expressa ao art. 112 não deixa dúvida de que se refere unicamente à

incompetência relativa, excluída a absoluta, que deve ser alegada como matéria preliminar na

contestação (CPC, art. 301, II).385

A petição da exceção de incompetência deve ser apresentada separada da

contestação, no prazo para resposta, devendo o excipiente indicar o Juízo competente. Uma

vez recebida, o processo ficará suspenso, conceder-se-á prazo para manifestação do exceto e,

caso não seja necessária a produção de prova testemunhal, será decidida desde logo pelo Juiz

(CPC, art. 306/309).

Uma vez suspenso, o procedimento só volta a prosseguir quando a exceção for

definitivamente julgada (CPC, art. 306, in fine). Sobre o significado desta expressão,

382 De acordo com GABRIEL REZENDE FILHO, as exceções surgiram no processo romano, à época do regime formulário. Posteriormente, no regime das Ordenações, “havia exceções de direito material e de direito processual. As primeiras atingiam o mérito da causa, por exemplo, as de pagamento, novação, compensação, prescrição; as segundas respeitavam ao processo, como as de suspeição, ou de incompetência do juiz, a de ilegitimidade de parte, a de litispendência e a de coisa julgada” (Curso de direito processual civil, 3ª ed., vol. II. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 127/128). Pontes de Miranda destaca que “a história das exceções prendeu-se à função do Pretor, quando omisso ou defeituoso o ius civile. Juntava-se à fórmula, para que se absolvesse o réu; em vez de condená-lo se se seguisse à risca o ius civile. (...) A evolução, romano-bizantina e depois a glosa, estendeu, precisou, obscureceu e clareou o conceito. Às vezes, toda defesa é exceção, nos textos; outras vezes, ação e defesa distinguem-se de modo concludente” (Comentários ao código de processo civil, tomo IV. Rio: Forense, 1974, p. 128). 383 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. III. – 3ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2003, p. 477. 384 Idem, ibidem, p. 476. 385 Cf. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao código de processo civil, 9ª ed., rev. e atual., v. III. Rio: Forense, 2005, p. 323.

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prevalece o entendimento de que a suspensão perdura até o julgamento da exceção pelo órgão

competente, e não depois de percorridas todas as instâncias.386

Apesar de a lei determinar como pressuposto o recebimento da exceção, a

doutrina e a jurisprudência majoritárias vêm entendendo que basta o simples oferecimento

para provocar o efeito suspensivo.387 Anota DINAMARCO que “o procedimento principal

considera-se suspenso a partir do momento em que a exceção é oposta e não daquele em que a

petição vier a ser deferida ou mesmo despachada pelo juiz”.388

Tal entendimento está de acordo com a regra do art. 265, III, do CPC, que

prevê a suspensão do processo “quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da

câmara ou do Tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz”. Além disso, parece

ser mais coerente com o sistema, pois, antes de o procedimento prosseguir com a prática de

outros atos processuais, inclusive decisórios, deve ser verificada a competência do Juízo,

assim como a imparcialidade do órgão julgador, nos casos de exceção de suspeição ou

impedimento.

Contudo, a suspensão automática do procedimento com a simples oposição da

exceção de incompetência, sem prévia análise judicial, ainda que perfunctória, abre caminho

para o abuso do direito processual, sendo comuns os casos em que réus se utilizam desse

expediente apenas para retardar a marcha do processo.

É certo que se a exceção de incompetência absolutamente infundada causar o

retardamento da marcha processual, poderá o juiz, por ocasião da sentença, reconhecer que o

excipiente provocou um incidente manifestamente infundado (CPC, art. 17, VI) e,

consequentemente, condená-lo por litigância de má-fé (art. 18). Todavia, conforme já

ressaltado neste trabalho, o sistema moderno prefere a inibição da conduta lesiva à punição

pelos prejuízos que ela possa causar.

386 Nesse sentido, dentre outros: DINAMARCO, op. cit., p. 481; REsp 848.954/PR, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 14.05.2007, p. 263. 387 Nesse sentido, dentre outros: REsp 790.567/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.05.2007, p. 285. 388 Op. cit., p. 480. Todavia, o mesmo autor apresenta posição diversa em Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., vol. I. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 486. Contra, entendendo que é o recebimento da exceção que causa a suspensão do processo: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro, 18ª ed., rev. e atual.. Rio: Forense, 1996, p. 49; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 203.

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Surge, então, a importância do art. 310, do CPC, dispondo que “o juiz

indeferirá a petição inicial da exceção, quando manifestamente improcedente” (destaque

nosso). Vê-se aqui, mais uma vez, a utilização da técnica processual da manifesta

improcedência como forma de amenizar o problema do abuso do direito processual.389

Ocorre que a lei não define em que consiste a exceção de incompetência

manifestamente improcedente, cabendo à doutrina a identificação dos seus principais traços

característicos.

CALMON DE PASSOS ensina que

ao lado dos defeitos formais, pode a petição da exceção ser liminarmente rejeitada, com vista a seu conteúdo. Di-lo o art. 310, autorizando o juiz a indeferi-la quando manifestamente improcedente. Improcedente é a exceção sem apoio na lei. E essa improcedência é manifesta quando pode ser construída com os elementos fornecidos pela própria petição do excipiente. Se fora de qualquer dúvida razoável ela não pode subsistir, será pura perda de tempo o seu processamento.390

No mesmo sentido é a lição de PONTES DE MIRANDA:

Se a petição mesma revela que não há qualquer razão para se opor a exceção, há o despacho liminar. Nada feito. O juiz não precisava, sequer, de qualquer providência; quer dizer: o que constou da oposição bastou para que se indeferisse o pedido (...). Se o juiz entende que a exceção envolve questão de direito, ou prescinde de prova, deve logo julgá-la? Assim resolvia MANUEL ÁLVARES PÊGAS quanto à atitude do juiz. À semelhança da que deve ter no caso do art. 310. MANUEL ÁLVARES PÊGAS, citando a AGOSTINHO BARBOSA e outros, estava certo (...): “... quia ad hoc sufficiens est, quod exceptio concludat, et quod probata relevet”.391

Para SERGIO SAHIONE FADEL, exceção manifestamente improcedente é:

“a) a que não é oposta em petição fundamentada; b) a que não indica o juízo para o qual o

excipiente declina; ou c) a temerária e precipitadamente oposta, sem que ocorram, pelo menos

de forma aparente, as hipóteses legais”.392

389 De acordo com HELENA ABDO, ao comparar os sistemas processuais italiano e brasileiro, “a suspensão do processo até o julgamento definitivo do incidente costuma ensejar a prática de abusos, por meio dos quais se pretende procrastinar a solução final do processo também em nosso país. Ainda assim, em comparação com a disciplina italiana, a solução conferida à questão pelo legislador brasileiro apresenta-se mais eficaz, na medida em que o juiz tem o poder-dever de rejeitar a exceção quando esta for manifestamente improcedente (CPC, art. 310) e não apenas lhe retirar o efeito suspensivo” (Op. cit., p. 217). 390 Comentários ao Código de Processo Civil, 9 ed., rev. e atual., v. III: art. 270 a 331. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 329. 391 Comentários ao código de processo civil, tomo IV. Rio: Forense, 1974, v. IV, p. 144. 392 Código de Processo Civil comentado – tomo II. Rio: José Konfino Editor, 1974, p. 162.

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Portanto, é possível rejeitar liminarmente a exceção de incompetência não

apenas em razão de vícios formais (intempestividade, falta de indicação do juízo competente

etc.), mas também pelo seu mérito, analisando-se a questão de fundo, o que não significa

mero juízo de admissibilidade.393 E isto é possível quando se detecta prima facie, diante dos

elementos nela contidos, que o exceto evidentemente não tem razão.

Assim, por exemplo, quando em ação de usucapião o réu-excipiente alega que

o processo deveria tramitar perante o Juízo do seu domicílio, invocando a regra do art. 94, do

CPC, em detrimento daquela prevista no art. 95. Ou, ainda, em ação de alimentos, onde o

excipiente sustenta a prevalência daquela mesma regra sobre a do art. 100, II, que confere

prerrogativa de foro ao alimentando.

Nesses e em outros tantos casos a exceção deve ser liminarmente rejeitada, não

havendo suspensão do procedimento e, consequentemente, do prazo para apresentação das

demais modalidades de resposta. Se o réu eventualmente não apresentou contestação e/ou

reconvenção juntamente com a exceção, muito provavelmente quando esta última for

rejeitada liminarmente já terá corrido o restante do prazo de resposta, operando-se a preclusão

em relação àquelas.

Conquanto em uma de suas obras DINAMARCO defenda a tese de que o

simples oferecimento da exceção de incompetência gera a suspensão do procedimento, assim

justifica, em outra, a existência da regra do art. 310:

Essa construção sistemática é perfeitamente compreensível, merecendo o Código louvores por estatuir assim, porque o recebimento da exceção importa suspensão do processo (art. 306) e não seria justo impor à parte contrária uma espera, determinada quiçá pela má-fé ou erro grosseiro do excipiente.394

ARRUDA ALVIM ressalta que “caso o juiz a entenda manifestamente

improcedente, poderá indeferi-la liminarmente (...). Ao contrário, recebendo-a para discussão,

393 Cf. MARCATO, Antonio Carlos. Código de Processo Civil interpretado / Antonio Carlos Marcato, coordenador. - 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.011. 394 Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., vol. I. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 486 (destaque do original).

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suspender-se-á o processo, dando o juiz, então, oportunidade a que o excepto se manifeste

dentro de 10 dias”.395

Assim, muito embora a doutrina e a jurisprudência dominantes entendam que a

simples oposição da exceção de incompetência gera a suspensão do processo, cremos que o

mais correto é o seguinte: a) se a petição da exceção estiver formalmente correta e não for

caso de manifesta improcedência, o juiz a recebe e a suspensão do processo retroage à data da

sua oposição; b) se a petição apresentar algum vício formal ou for manifestamente

improcedente, o juiz a rejeita liminarmente, caso em que não terá havido a suspensão do

processo no momento da sua oposição.396 Diante desta última hipótese, caso o réu não tenha

apresentado as demais respostas juntamente com a exceção, muito provavelmente não haverá

mais prazo para fazê-lo e, consequentemente, será revel, oportunizando-se, de regra, o

julgamento antecipado da lide (CPC, art. 319 e 330, II). E isto sem prejuízo da incidência das

sanções pela litigância de má-fé.

Cremos que essa solução não é injusta. Afinal, o réu abusou do direito de

demandar e agiu de má-fé na tentativa de retardar a marcha processual. De qualquer forma,

resta-lhe a possibilidade de afastar a incidência dos efeitos da revelia e o julgamento

antecipado, bastando que, ciente de que está abusando, apresente as demais respostas

juntamente com a exceção. Conquanto não fique livre das sanções decorrentes da litigância

de má-fé, restará afastada a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, que, de

regra, ocorre quando se verifica a revelia.

395 Manual de direito processual civil, 6ª ed., rev. e atual., vol. 2. São Paulo: RT, 1997, p. 307 – destaque nosso. No mesmo sentido, CASSIO SCARPINELLA BUENO: “Uma vez recebida a exceção, o processo deve ser suspenso (...)”. (Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário, 2: tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 160 – destaque do original); Ainda, MOACYR AMARAL SANTOS: “desde que não a indefira liminarmente, haver-se-á por recebida a exceção, cumprindo ao juiz determinar de imediato a suspensão do processo principal (...)” (Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p.203 – destaques do original). 396 No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETENCIA. IMPROCEDENCIA. 1 - SENDO A PETIÇÃO DE EXCEÇÃO DE INCOMPETENCIA MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE, IMPÕE-SE SEU INDEFERIMENTO (ART.310 DO COGIDO DE PROCESSO CIVIL), INOCORRENDO SUSPENSÃO DOS AUTOS. 2 - AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TRF3, AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO, 89.03.026024-4, j. 04/04/1995, DJ DATA:26/04/1995 PÁGINA: 24264, rel. JUIZ CONVOCADO ROBERTO HADDAD).

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5.5. Julgamento monocrático dos recursos manifestamente improcedentes.

O abuso do direito processual encontra campo fértil nos recursos, que não raras

vezes são utilizados apenas com o propósito de protelar a solução do litígio, seja porque o

recorrente pretende retardar o reconhecimento definitivo do direito à parte contrária, seja

porque o trânsito em julgado da decisão provoca, em alguns casos, a perda de direitos.397 E o

problema é ainda maior nos casos dos recursos dotados de efeito suspensivo.

O legislador reformista tem adotado como uma de suas linhas mestras a

ampliação dos poderes dos relatores no julgamento dos recursos,398 com o claro objetivo de

reduzir a carga de trabalho dos tribunais, causada em parte pelo abuso do direito de recorrer.

O art. 557, do CPC, em sua redação originária, assim determinava: “se o

agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho”,399

cabendo recurso ao órgão colegiado competente. Como se vê, a Lei admitia o julgamento

singular de recurso diante da manifesta improcedência apenas no caso do agravo.

Essa técnica processual já era encontrada no art. 22, § 1°, do Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal, que assim dispunha: “Poderá o Relator arquivar ou

negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou

improcedente; e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal (art. 98)

ou for evidente a sua incompetência”.400

397 P. ex., perda de direitos políticos. 398 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 7: do processo de conhecimento, art. 496 a 565; [coordenação de Ovídio Araújo Baptista da Silva]. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 377. 399 Grifo nosso. Segundo PONTES DE MIRANDA, “a competência para indeferir o recurso de agravo de instrumento existe, ‘se manifestamente improcedente’ o recurso. A expressão ‘improcedente’ não foi feliz, mas havemos de entender que estão incluídos nela dois conceitos: o de ‘inadmissível’ e o de ‘improcedente’. Não seria de admitir-se que o relator, desde logo, julgasse a procedência e pulasse, como intocável por ele, a admissibilidade. Só se julga procedente ou improcedente o que foi admitido” (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VIII. – Rio: Forense, 1974 p. 244-245). 400 Grifamos. Sobre o assunto, DINAMARCO destaca o seguinte: “Foi pioneiro o Supremo Tribunal Federal. No distante ano de 1963, sob a liderança histórica do Min. Victor Nunes Leal, seu Regimento Interno passou a incluir na competência do relator o poder de ‘mandar arquivar o recurso extraordinário ou o agravo de instrumento indicando o correspectivo número da Súmula’ (art. 15, inc. IV). Essa foi uma das técnicas idealizadas com o objetivo de buscar saídas para o notório, antigo e angustiante problema da sobrecarga da Corte Suprema brasileira, que já fora objeto das preocupações de Alfredo Buzaid na década dos anos cinquenta (...)” (Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., vol. II. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 1.101). Observa-se nesta regra do Regimento Interno do STF a utilização da técnica processual da manifesta improcedência do recurso extraordinário, muito embora limitada à espécie contrariedade a súmulas.

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A lei n° 9.139/95 alterou o art. 557, do CPC, cujo caput passou a ter a seguinte

redação: “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,

prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior”.

Com essa modificação legislativa, o relator de quaisquer recursos passou a ter

o poder de julgá-los singularmente, se presente alguma das hipóteses descritas no dispositivo

em questão.

Finalmente, de acordo com a redação determinada pela Lei n° 9.756/98, o

referido dispositivo passou a determinar que “o relator negará seguimento a recurso

manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou

com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de

Tribunal Superior”.401

A mesma Lei alterou o § 3°, do art. 544, do CPC, que trata especificamente dos

recursos excepcionais, passando a dispor o seguinte: “Poderá o relator, se o acórdão recorrido

estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de

Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se

o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua

conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial”.402

Como se vê, a primeira parte desse dispositivo legal, que nos interessa neste trabalho, está

embutida na regra prevista no art. 557. Assim, serão analisadas conjuntamente.

Desde a época da redação originária do art. 557, a doutrina se mostrava receosa

em relação ao poder atribuído ao relator, pois a regra “divorciou-se da sistemática do

julgamento dos recursos pelos órgãos colegiados, consagrando princípio novo e criando

precedente perigoso”.403

401 Destacamos. 402 De acordo com o § 4°, o dispositivo também é aplicado ao Recurso Extraordinário. 403 Cf. FADEL, Sergio Sahione. Código de Processo Civil comentado – tomo III. – Rio: José Konfino Editor, 1974, p. 210. Vale destacar, ainda, a crítica de BARBOSA MOREIRA ao registrar que menos da metade das regras originárias do CPC sobre recursos ainda conservam o seu teor original: “Em nenhum outro título do estatuto processual se concentrou com tanta intensidade o fogo da artilharia reformadora. Uma conjectura alternativa não pode deixar de ocorrer aqui ao espírito do observador. Com efeito: ou se vem enxergando no Título X do Livro I a parte do Código mais inçada de defeitos – quando nada pelo ângulo prático, que predominou, em linha de princípio, na escolha dos alvos de ataque –, ou então os promotores das reformas,

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Também se cogitou sobre a inconstitucionalidade do dispositivo. Para

MARCOS AFONSO BORGES,

o parágrafo introduzido, no nosso entender, concessa venia, é inconstitucional, pois dá competência a um dos integrantes do colegiado para apreciar o conflito, quando esta competência é do órgão, ou seja, é do colegiado (turma ou câmara) e assim viola os princípios do duplo grau de jurisdição (art. 5°, LV, da CF), do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5°, LIV, da CF), além de infringir o art. 96, inc. I, da Carta Maior.404

Em sentido contrário, defendendo a constitucionalidade da regra, SÉRGIO

CRUZ ARENHART afirma que “não existe, concretamente, nenhum obstáculo na atribuição

do julgamento de segundo grau a um órgão monocrático, perante o direito brasileiro”.405

Antes da reforma ora em comento, o STF já havia se pronunciado sobre a

constitucionalidade do art. 21, § 1°, do seu regimento interno, e do art. 38, da Lei 8.038/90,

deixando assentado que “é legítima sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida

ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou

improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for

evidente a sua incompetência”.406

Extrai-se do voto do relator, Min. CARLOS VELLOSO, a conclusão de que

“podem os Tribunais atribuir competências aos seus membros, desde que as decisões tomadas

por estes, solitariamente, possam ser, mediante recurso, submetidas ao controle do colegiado”.

E é justamente o que ocorre neste caso, eis que, nos termos do art. 557, § 1°, do CPC, “da

decisão [do relator] caberá agravo, no prazo de 5 dias, ao órgão competente para o julgamento

do recurso (...)”.

sobretudo das mais recentes, têm razões especialíssimas para vivenciar com maior ansiedade os problemas, reais ou supostos, da atividade judicante em grau superior, e, em consequência, para atropelar-se no afã de dar-lhes soluções – igualmente reais ou supostas. Seja como for, ao que tudo indica está longe de haver-se enfraquecido o ímpeto renovador no campo recursal. Na agonia da legislatura, achou ainda forças o Congresso Nacional para adicionar mais um à longa série de diplomas referentes à matéria: a Lei 9.756, de 17.12.1998. E a torrente não dá sinais de amainar em dia próximo, a julgar pelos anteprojetos que vêm se anunciando (Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos cíveis. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98 / coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nelson Nery Jr, 1ª ed., 2ª tir. – São Paulo: RT, 1999, pp. 320-321). 404 Alterações do Código de Processo Civil oriundas da Lei 9.756, de 17.12.1998. RePro n. 24, pp. 5-6. 405 A nova postura do relator no julgamento dos recursos. RePro n° 103, julho-setembro/2001, p. 41. 406 Mandado de Injunção n° 375 (AgRg) – PR (Tribunal Pleno) – RTJ 139, pp. 53-58.

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Ademais, justifica-se a alteração legislativa em razão do excessivo número de

recursos que afogam os Tribunais. DONALDO ARMELIN, depois de afirmar que “tantos são

os motivos propiciadores dessa aguda crise que assola as atividades de grande parte dos

Tribunais do país”, destaca como uma de suas causas o “excessivo número de recursos, até

porque o sistema processual vigente é pródigo deles, além de contar com várias ações

autônomas de impugnação de decisões judiciais, que convergem para os Tribunais”.407 Como

a diminuição do número de recursos é delicada, especialmente porque, dependendo do caso,

pode violar princípios e garantias constitucionais, a racionalização do procedimento recursal

parece ser a solução mais adequada.

LUIZ GUILHERME MARINONI destaca o seguinte: “Tendo em vista que o

abuso do direito de recorrer é uma realidade que não pode ser ignorada, tal prática deve ser

inibida, seja através da condenação por litigância de má-fé, seja mediante o indeferimento do

recurso pelo relator (art. 557 do CPC), ou ainda através da tutela antecipatória”.408 O

dispositivo em questão vem na esteira de uma das ideias defendidas neste trabalho, qual seja a

de que atualmente devem ser privilegiadas as técnicas que coíbem o abuso do direito, em

detrimento daquelas que o penalizam. Em outras palavras, prefere-se a prevenção à punição.

A regra legal, ao utilizar a expressão negará seguimento, parece estar

sinalizando no sentido de que o relator deve julgar monocraticamente os recursos

manifestamente inadmissíveis, improcedentes, prejudicados ou contrários aos entendimentos

dominantes – sumulados ou não – dos Tribunais. Contudo, diante do subjetivismo da

expressão manifestamente, a melhor interpretação indica que o relator pode se utilizar de tal

autorização legislativa, cabendo-lhe agir com muita prudência, remetendo o julgamento do

recurso ao órgão colegiado quando a questão não estiver bem sedimentada na jurisprudência.

Aliás, o § 1°-A, do art. 557, ao tratar da possibilidade de o relator monocraticamente dar

provimento ao recurso, utiliza a expressão poderá.

ATHOS GUSMÃO CARNEIRO ressalta que

407 Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98 / coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nelson Nery Jr, 1ª ed., 2ª tir. – São Paulo: RT, 1999, p. 194. 408 Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 166 (destacamos).

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a imperatividade contida na expressão verbal “negará seguimento” apresenta-se relativa, porquanto, mesmo quando ao relator pareça induvidoso o acerto do provimento recorrido tanto no exame dos fatos, como no das questiones juris, ainda assim, em determinados casos, apresentar-se-á conveniente – até pela relevância do tema no aspecto jurídico (tot capita, tot sententia) ou em suas repercussões sociais – que sobre a lide se pronuncie desde logo o colegiado (inclusive propiciando às partes contraditório em maior amplitude, até mesmo, quando permitida, a sustentação oral.409

Além disso, observa-se que o legislador incluiu, no mesmo grupo das causas

de negativa de seguimento duas hipóteses que se referem ao juízo de admissibilidade recursal

e outras duas que dizem respeito ao mérito do recurso. Incluem-se, nas primeiras, as de

recurso manifestamente inadmissível e prejudicado; dentre as outras, as de recurso

manifestamente improcedente e em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do

respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Percebe-se, assim, que nos casos de “negativa de seguimento” por manifesta

improcedência ou contrariedade à jurisprudência tem-se, a bem da verdade, situações de

improvimento do recurso, o que pressupõe juízo positivo de admissibilidade. E isto nos leva à

conclusão de que, nessas hipóteses, o relator afastou do órgão colegiado não apenas o juízo

positivo de admissibilidade, como também o juízo de mérito.

Portanto, seria preferível que o legislador tivesse facultado ao relator, no texto

do art. 557, caput, do CPC, de um lado, negar seguimento a recurso manifestamente

inadmissível ou prejudicado e, de outro, negar provimento a recurso manifestamente

improcedente ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante dos tribunais a

que se refere.

409 Poderes do relator e agravo interno – Art. 557, 544 e 545 do CPC, in RePRO n° 100. – São Paulo: RT, 2005, p. 17. No mesmo sentido: DINAMARCO, Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., vol II. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 1.105-1.106. Em sentido contrário, entendendo que se trata de um dever do relator: CARVALHO, Fabiano, que assim expõe o seu pensamento: “O art. 557, caput, do CPC alude à expressão ‘negará’. Não se trata de poder, mas sim de um poder-dever, uma vez que não se considera, pelo menos em nosso entendimento, seja a atividade jurisdicional discricionária. Não se trata de norma facultativa, que envolve opção entre duas soluções igualmente válidas e legítimas: julgar unipessoalmente ou julgar coletivamente o recurso. O relator, no exercício da sua jurisdição (...), analisará o recurso, e verificará se ele é manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado, contrário à súmula ou À jurisprudência dominante do tribunal competente para seu julgamento, ou dos tribunais de superposição; ocorrendo uma dessas hipóteses e sob o princípio do seu livre convencimento, deverá julgar o recurso sem a participação do órgão colegiado, fundamentando devidamente sua decisão. Não ocorrendo uma das hipóteses ut supra, é seu dever tomar todas as providências procedimentais para que o recurso tenha seu normal trâmite, devendo, pois, ser julgado pelo órgão competente” (Poderes do relator nos recursos – Art. 557 do CPC. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 64-65).

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Seja como for, dentre as hipóteses previstas no art. 557, do CPC, interessa-nos,

de acordo com os objetivos deste trabalho, as do recurso manifestamente improcedente. Mas

em que consiste esta expressão?

O dispositivo deixa bem claro que a manifesta improcedência não diz respeito

ao contraste entre a tese do recorrente e a jurisprudência dominante, do tribunal a quo ou dos

Tribunais Superiores. Afinal, dessa hipótese cuida a parte final do dispositivo.410 Por isso, tal

expressão deve ser entendida como evidente falta de razão do recorrente na sua discordância

com a decisão recorrida, seja no que diz respeito à apreciação dos fatos, seja no tocante à

aplicação do direito,411 feitas pelo órgão a quo.

Verifica-se a manifesta improcedência, por exemplo, quando o recurso se

limita a remexer matéria de fato, sem trazer algum argumento capaz de ensejar um

entendimento diverso, ou, ainda, quando contraria entendimento pacífico da câmara ou turma,

mas ainda não há entendimento pacífico no respectivo Tribunal ou nos Tribunais

Superiores.412

O relator age como um “porta-voz avançado”,413 antecipando aquela que seria

a provável decisão do órgão colegiado; age por delegação da função deste,414 de forma que

pode julgar todas as questões que poderiam ser julgadas por ele, bastando que seja manifesta a

procedência ou a improcedência do recurso, não apenas mediante o cotejo da tese recursal ou

da decisão recorrida com a jurisprudência dominante. Pode ser utilizada também a técnica

410 Em sentido contrário, depois de advertir que “a definição do que seja manifesto ou não depende, não raro, da avaliação subjetiva do magistrado”, SÉRGIO CRUZ ARENHART afirma que “em verdade, a locução ‘manifesta’, presente na redação do artigo, apenas pode significar algo nos casos de procedência ou improcedência, em que esta evidência será revelada exatamente pela existência de contraste do recurso com a súmula ou jurisprudência dominante do próprio tribunal ou dos tribunais superiores ou, ainda, contraste da decisão recorrida com súmula ou jurisprudência dominante nos tribunais superiores (exclusivamente). Caso não haja este contraste (do recurso ou da decisão recorrida) com a jurisprudência dominante ou súmula destes tribunais, o exame do recurso não poderá, em semelhantes casos (de sua análise de mérito), implicar julgamento exclusivo pelo relator, devendo ser submetido à consideração do órgão colegiado competente (A nova postura do relator no julgamento dos recursos. RePRO n° 103, julho-setembro/2001, p. 45). 411 Segundo SÉRGIO BERMUDES, isso “ocorre nos casos em que, inequivocamente, a norma jurídica aplicável for contrária à pretensão do recorrente. Contrastado o recurso com a lei, ele se revela de todo improcedente, de tal sorte que não se pode hesitar na certeza do seu desprovimento” (A reforma do Código de Processo Civil: observações às Leis 8.950, 8.951, 8.952 e 8.953, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 122). 412 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória: julgamento antecipado e execução imediata da sentença. – 4ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 171. 413 A expressão é de BARBOSA MOREIRA (op. cit., p. 324). 414 Cf. ARENHART, Sergio Cruz, op. cit., p. 42.

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processual prevista no art. 295, parágrafo único, II, ou seja, o relator pode negar provimento

ao recurso quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão.

Mas não há dúvida de que, apesar dessa autorização legislativa, a regra do art.

557, do CPC, terá maiores chances de atingir os seus objetivos se o relator se restringir às

hipóteses de “recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante”,

especialmente do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. São hipóteses mais

objetivas e que, portanto, garantem mais segurança jurídica e preservam a isonomia de

tratamento em casos idênticos.415 Mesmo assim, deve dar-se preferência aos entendimentos já

sumulados, já que a expressão jurisprudência dominante não é inequívoca, especialmente se

considerarmos os tribunais com um grande número de componentes e, ainda, a participação

de juízes convocados nos julgamentos dos recursos.

Sobre o assunto, BARBOSA MOREIRA ressalta o seguinte:

Aqui como alhures, porém, cumpre determinar o justo ponto de equilíbrio entre os interesses contrapostos, a fim de não lançar a barra longe demais. As teses prevalecentes, de maneira tranquila, na jurisprudência de um tribunal, é de supor que hajam sido incorporadas à respectiva Súmula. Quanto às que ainda não o foram, o que se presume é que o terreno permanece instável, sem o grau de consolidação suficiente para que salte aos olhos, bem definido, o perfil da paisagem. Incorreria em excesso de afoiteza quem se precipitasse a cortar cerce evolução em curso, que a rigor não se sabe aonde conduzirá. Tenha-se em mente que, às vezes, sucessivas decisões tomadas numa única sessão bastam para convertes em majoritária, no tribunal, tese a cujo favor, até então, falava número menor de precedentes.416

Advirta-se, ainda, que o relator deve demonstrar a existência da jurisprudência

dominante ao julgar, monocraticamente, o recurso, não bastando a simples afirmação de que

o faz com base em entendimentos predominantes no próprio Tribunal ou em Tribunal

Superior.417

415 Conforme ressaltado por Rodolfo de Camargo Mancuso, “a grande contribuição que o Direito Sumular hoje vem dando é no sentido de se alcançar a desejável isonomia real, ou substancial, que só pode ser implementada se a igualdade de todos perante a lei abranger a norma legislada (produto final da atividade parlamentar) como a norma judicada (o texto legal aplicado pelo Judiciário no caso concreto)” (A jurisprudência, dominante ou sumulada, e sua eficácia contemporânea. Em: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98 / coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nelson Nery Jr, 1ª ed., 2ª tir. – São Paulo: RT, 1999, p. 530). 416Op. cit., p. 325. 417 “Ofende o art. 557, ‘caput’, do CPC, a decisão monocrática que se limita a afirmar a conformidade da decisão impugnada com o entendimento dos Tribunais, deixando de proceder à indispensável demonstração da existência de orientação sedimentada no âmbito daquela Corte ou de Tribunal Superior a respaldar a tese adotada” (STJ, REsp 617.471-SE, rel. Min. Teori Zavascki, DJU 21.6.04).

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Se não for aplicada pelo relator a jurisprudência dominante ou sumulada,

haverá grande probabilidade de modificação da decisão pelo colegiado, caso em que a parte

prejudicada poderá lançar mão do agravo previsto no § 1°, do art. 557, restando prejudicado o

objetivo maior da modificação legislativa, qual seja a racionalização do procedimento

recursal.

Caso o agravo seja manifestamente inadmissível ou infundado, poderá o órgão

colegiado aplicar ao agravante “multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa,

ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo

valor” (CPC, art. 557, § 2°).

Apesar de a lei não fazer referência expressa, cremos, com mais razão, que o

órgão colegiado deverá valer-se apenas dos entendimentos jurisprudenciais dominantes ou

sumulados – preferencialmente estes últimos – como paradigma para a aplicação da multa,

especialmente diante da grave consequência do impedimento de qualquer outro recurso

enquanto o respectivo valor não for depositado.418

418 O Ministro EROS GRAU, em decisão monocrática, decidiu que a multa deve ser devolvida à parte caso ela não apresente nenhum outro recurso. A decisão, a seguir transcrita, parece, data venia, equivocada, pois esvazia o caráter punitivo da multa: “Banco Rural S/A requer a juntada de comprovante de recolhimento de multa de 1% sobre o valor corrigido da causa. O art. 557, § 2°, do Código de Processo Civil, dispõe que, quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. O embargante somente poderá interpor outro recurso, nos mesmos autos, se pagar a multa a que tiver sido condenado. Verifica-se, no entanto, que não houve interposição de recurso que justificasse o recolhimento da multa. Determino o levantamento da quantia depositada, ante o trânsito em julgado da decisão. Remetam-se os autos à origem.” (STF, EMB. DECL. NOS BEM. DECL. NO AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 631.586/PA. DJe n° 145/2008, p. 154-155, divulg. 05.08.2008, publ. 06/08/08).

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Capítulo VI – OUTRAS HIPÓTESES DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NO

PROCESSO CIVIL BRASILEIRO.

6.1. Considerações iniciais.

Além das hipóteses de manifesta improcedência expressamente previstas pelo

legislador, há outras que decorrem de uma análise sistemática do CPC. Além do que já foi

registrado sobre as lacunas no direito processual, vale destacar novamente a lição de

EDUARDO J. COUTURE, para quem o problema interpretativo mais grave é o do caso

processual não previsto, em que

o silêncio do legislador, dentro da ideia de plenitude da ordem jurídica, é, por assim dizer, um silêncio cheio de vozes. Nesse silêncio, naquele ponto exato em que o legislador foi omisso, é onde se entrecruzam todas as outras normas. O trabalho consiste em fazer com que a ordem jurídica se encontre presente na operação interpretativa da qual devem ser extraídas as devidas consequências. O caso não previsto contém, praticamente, todas as previsões possíveis419.

Assim, é possível extrair do sistema outros casos de rejeição liminar de

pretensões ou incidentes manifestamente improcedentes, além daqueles expressamente

previstos.

6.2. Impugnação ao cumprimento de sentença manifestamente protelatória.

Discute-se, na doutrina, se a impugnação ao cumprimento de sentença tem

natureza jurídica de ação de conhecimento420 ou de mero incidente processual421. De qualquer

modo, as teorias sobre o abuso do direito processual lhe são plenamente aplicáveis, porquanto

dizem respeito ao abuso do direito de demandar e também ao abuso do direito de defesa.

Nos art. 475-I e seguintes, do CPC, há apenas uma hipótese expressamente

prevista de rejeição liminar da impugnação, qual seja a de não cumprimento da determinação

419 Interpretação das leis processuais, 4ª ed.; tradução de Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano. – Rio: Forense, 2001, p. 45. 420 Nesse sentido, por todos, ASSIS, Araken de, op. cit., p. 1.178. 421 Nesse sentido, por todos, WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, II: Leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06 e 11.280/06. – São Paulo: RT, 2006, p. 151.

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imposta ao devedor de apontar o valor que entende devido quando alegar excesso de

execução, nos termos do § 2°, do art. 475-L.

Todavia, o caput daquele dispositivo determina que a impugnação somente

poderá versar sobre as matérias enumeradas nos seus incisos. Assim, conclui-se, a contrario

sensu, que a alegação de matéria diversa daquela expressamente enumerada implicará a

rejeição liminar da impugnação.

Não há na lei previsão específica para a rejeição liminar da impugnação

manifestamente protelatória. Todavia, conforme visto nos itens anteriores, a hipótese de

rejeição dos embargos prevista no art. 739, III, do CPC, encontra supedâneo na tutela da

evidência e na necessidade de inibir o abuso do direito processual. E estas mesmas técnicas

processuais devem ser observadas no cumprimento de sentença.

Além disso, no caso de título executivo judicial a apresentação de impugnação

manifestamente protelatória é mais grave e abusiva do que a oposição de embargos com essa

mesma característica, pois busca embaraçar o cumprimento de uma sentença judicial.

Ressalte-se que as normas que regem o processo de execução de títulos

executivos extrajudiciais devem ser aplicadas subsidiariamente, no que couber, ao

procedimento do cumprimento de sentença (CPC, art. 475-R), ou seja, aquelas que tratam das

hipóteses de rejeição dos embargos à execução devem ser aplicadas à impugnação, no que for

cabível.422

Poderia ser lançado o argumento de que a ausência de previsão específica para

a rejeição liminar da impugnação manifestamente improcedente representaria um silêncio

eloquente, de forma que a intenção do legislador seria a de proibi-la. Contudo, essa

eloquência não precisa necessariamente levar a tal conclusão, especialmente diante de uma

visão sistemática do ordenamento processual e dos princípios que o iluminam.

422 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, v. 1: comentários sistemáticos às Leis nº. 11.187/05 e 11.232/05. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 129.

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Ademais, a rejeição liminar da impugnação manifestamente protelatória é

possível em razão da necessidade de preservar os direitos fundamentais do credor e de

garantir a realização do seu direito em prazo razoável.

Se dos fatos narrados na impugnação evidentemente não emergirem as

consequências jurídicas alegadas pelo devedor, estaremos diante de uma hipótese de

improcedência prima facie da impugnação, ensejando a sua rejeição liminar a fim de evitar

maiores prejuízos para o credor e para a administração da justiça, ainda que, assim como os

embargos, ela não tenha efeito suspensivo automático (CPC, art. 475-M).

Finalmente, cremos que a multa prevista no art. 740, parágrafo único, do CPC,

também incide nos casos de impugnação manifestamente improcedente, em virtude do art.

475-R, e também porque o abuso do devedor, ao tentar embaraçar o cumprimento de uma

sentença judicial, é – repita-se – mais grave do que a conduta de protelar a execução de um

título executivo extrajudicial.

Mesmo que assim não fosse, restaria a possibilidade de aplicação da multa do

art. 18 do CPC, diante de uma das hipóteses descritas no art. 17. Dependendo do caso

concreto, vislumbra-se a possibilidade de a conduta do devedor amoldar-se às situações

previstas nos incisos I (dedução de pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato

incontroverso), IV (oposição de resistência injustificada ao andamento do processo) e VI

(provocação de incidentes manifestamente infundados).

Ainda, a impugnação indevida pode configurar ardil ou meio artificioso de

oposição maliciosa ao andamento da execução, conduta tipificada no art. 600, II, do CPC,

dando ensejo à multa prevista no art. 601. Mas não se pode olvidar que é preferível a tutela

preventiva à repressiva quando se busca amenizar os males causados pelo abuso do direito de

demandar.

6.3. Exceção de impedimento ou suspeição manifestamente improcedente.

A imparcialidade do juiz é corolário da garantia constitucional da isonomia e

representa um dos princípios basilares do processo. Conforme destacado pela doutrina,

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o caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. É nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz.423

A fim de garantir a imparcialidade do juiz, o Código de Processo Civil

enumera em seus artigos 134 e 135, respectivamente, as hipóteses de impedimento e

suspeição. Além disso, pode o juiz se afastar do processo por “motivo de foro íntimo” (art.

135, parágrafo único).

O afastamento do processo é um dever do juiz suspeito ou impedido. Contudo,

caso o magistrado não se afaste espontaneamente, qualquer das partes poderá provocar o seu

afastamento mediante a oposição de exceção instrumental (CPC, art. 304).

De acordo com o procedimento previsto no CPC (art. 312 a 314), a petição da

exceção será apresentada perante o juiz da causa que, se reconhecer o impedimento ou a

suspeição, determinará a remessa dos autos do processo ao seu substituto legal. Caso

contrário, deverá remeter os autos do incidente para o Tribunal, com as suas razões e

eventualmente documentos e rol de testemunhas.

Ocorre que o processo permanecerá suspenso enquanto não for julgada a

exceção (CPC, art. 306), já que não é possível o seu prosseguimento sem a verificação do

motivo que pode comprometer a imparcialidade do juiz. Justamente em razão da suspensão do

procedimento é que a exceção pode ser utilizada abusivamente para provocar o retardamento

da marcha processual. Assim, é necessário verificar se é possível a sua rejeição liminar,

quando for manifestamente improcedente, a fim de evitar dilações procedimentais indevidas.

O juiz de primeiro grau não pode rejeitá-la liminarmente, pois não tem

competência para julgá-la. Pode apenas, se o caso, afastar-se do processo voluntariamente,

caso em que não terá havido julgamento de procedência da exceção, mas tão-somente perda

do interesse para o seu processamento. Isso porque “costuma se dizer que, na qualidade de

exceto, parte no incidente das exceções de suspeição ou de impedimento é o próprio juiz cuja

423 Cf. CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO. Teoria geral do processo ..., cit., pp. 51-52.

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imparcialidade se questiona, não o adversário do excipiente no processo em que a exceção é

suscitada: é entre ele e a parte que o recusa que se estabelecerá um contraditório”.424

PONTES DE MIRANDA, contudo, afirma que “se manifestamente

improcedente a exceção [de incompetência], a lei foi expressa em dar ao juiz o dever de

indeferir a exceção em despacho liminar (art. 310). Dá-se o mesmo com a exceção de

impedimento e a de suspeição (art. 313, 1ª parte).425

Cremos que o juiz exceto não pode rejeitar a exceção de impedimento ou

suspeição de plano em nenhum caso, mesmo que estejam ausentes algum dos seus requisitos

formais ou ela seja intempestiva.426 Ao contrário do que ocorre com a incompetência relativa,

onde se cogita de eventual incapacidade objetiva (do Juízo) o impedimento e a suspeição

dizem respeito à incapacidade subjetiva (do Juiz).427

Conforme ressaltado por CALMON DE PASSOS,

retirou-se, por conseguinte, do juiz recusado por incapacidade subjetiva, o direito de decidir a respeito dessa recusa. Falar-se de decisão na espécie seria grave impropriedade: o juiz aceita a recusa e declara sua adesão aos fatos arguidos. Ou se assim não entende, apenas procede como qualquer parte, oferecendo os motivos de sua inconformidade e as provas de que dispõe, submetendo o incidente ao julgamento do tribunal.428

Daí porque, apesar de já estar em plena tramitação, inclusive já tendo passado

pelo crivo do juiz da causa (limitado ao eventual afastamento voluntário), não vemos

impropriedade em utilizar a expressão rejeição liminar quando da distribuição da exceção

para o relator no tribunal. Afinal, para a qualificação da decisão em relação ao momento em

que é proferida – liminar ou definitiva – deve ser levada em consideração a análise feita pelo

424 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, 5ª ed., vol. I. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 488. 425 Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV. Rio: Forense, 1974, p. 138. 426 Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., 489. 427 Cf. CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil, 9 ed., rev. e atual., vol. III: art. 270 a 331. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 333. 428 Idem ibidem, p. 333. No mesmo sentido, NERY e NERY: “caso não reconheça o impedimento ou a suspeição, o juiz excepto não poderá julgar o incidente, pois é parte, figurando no pólo passivo da exceção. É vedado ao juiz apreciar qualquer questão levantada na exceção, inclusive não pode o excepto aplicar ao excipiente pena de litigância e má-fé. A competência para julgar a exceção, com todas as questões a ela incidentes, é do tribunal” (Op. cit., pp. 789-790).

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órgão competente para o seu julgamento, sendo que o juiz de primeiro grau é apenas o órgão

de interposição.

Assim, caso a exceção de impedimento ou suspeição seja manifestamente

improcedente, poderá o relator, a quem ela for distribuída, rejeitá-la de plano, evitando que o

procedimento permaneça suspenso sem motivo, contribuindo para a celeridade processual e

amenizando os efeitos do abuso da parte. Entenda-se por exceção manifestamente

improcedente aquela em que, mediante simples leitura da petição, percebe-se que da narração

dos fatos não decorre logicamente a conclusão. Ou, ainda, quando o motivo alegado pelo

excipiente não está previsto, sequer em tese, nos art. 134 e 135, do CPC.429

6.4. Impugnação ao valor da causa manifestamente improcedente.

Conforme dispõe o art. 258, do CPC, “a toda causa será atribuído um valor

certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”. Trata-se, nos termos do art. 282,

V, do CPC, de requisito intrínseco da petição inicial.

As principais regras com relação à atribuição de valor à causa estão delineadas

nos art. 259 e 260, do CPC, donde se extrai a regra geral de que deve corresponder ao

benefício patrimonial pretendido pelo autor.

O valor da causa deve ser controlado de ofício pelo juiz, pois é critério para

determinação de competência, tipo de procedimento, cabimento de recurso e valor das

despesas processuais.430 Além disso, serve como parâmetro para a fixação da multa por

descumprimento de provimentos mandamentais ou criação de embaraços à efetivação das

decisões judiciais (art. 14, V, e parágrafo único). Portanto, como a sua atribuição envolve

questões de ordem pública, não pode ficar apenas ao alvedrio das partes.

Caso o juiz não determine a correção de ofício, poderá o réu, no prazo para

resposta, impugnar o valor atribuído pelo autor (CPC, art. 261).

429 Outro exemplo: o excipiente invoca a regra do art. 134, V, primeira hipótese, sendo que o juiz de primeiro grau junta aos autos da exceção certidão de casamento demonstrando que não é casado com outra pessoa que não a parte. 430 Nesse sentido: SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: volume 1, 9 ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 373; MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, 10ª ed., rev. e atual., vol. II: art. 154 a 269. – Rio: Forense, 2005, p. 351.

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Apesar de o incidente de impugnação não provocar a suspensão do

procedimento, sua tramitação desnecessária gera desperdício de tempo e dinheiro, para as

partes e para o Estado, prejudicando a atividade jurisdicional. Justamente por não suspender o

procedimento, a questão sobre o valor correto deve ser definida no limiar do processo, pois,

conforme já ressaltado, influencia no tipo de procedimento a ser adotado. De nada adiantaria,

por exemplo, decidir a impugnação depois de o processo ter avançado significativamente sob

o rito ordinário, para constatar que deveria ter sido observado o sumário. Não teria sentido o

retrocesso da marcha processual, já que não se cogita de prejuízo para as partes.

Portanto, mediante interpretação sistemática, temos que o juiz deve rejeitar

liminarmente a impugnação ao valor da causa manifestamente improcedente. Tome-se, como

exemplo, o caso de uma ação de despejo por falta de pagamento onde o valor atribuído à

causa corresponde à soma dos três alugueres supostamente vencidos e não pagos, quando a lei

8.245/91 determina expressamente, no art. 58, III, que “o valor da causa corresponderá a doze

meses de aluguel”.

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CONCLUSÕES.

1. Os estudos sobre o processo civil e as reformas do CPC têm mostrado maior preocupação

com o acesso à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva sob a perspectiva do autor, olvidando-

se de um problema cada vez mais comum, qual seja o abuso do direito de demandar.

2. Os princípios constitucionais possuem caráter normativo e, portanto, são dotados de

impositividade. A constitucionalização dos princípios processuais impede o legislador de

editar normas que os contrariem, especialmente quando erigidos à categoria de direitos

fundamentais.

3. Não há direitos fundamentais absolutos. Havendo colisão de princípios, deve o aplicador do

direito valer-se da ponderação, de forma que, diante das circunstâncias do caso concreto, um

deles prevalecerá com maior peso, sem necessariamente excluir a incidência de outros.

4. O devido processo legal, em sentido processual, garante ao cidadão o direito de ser julgado

por um órgão judicial imparcial, previamente determinado de acordo com as regras de

competência, em processo público, com ampla possibilidade de defesa e participação, onde

são vedadas as provas obtidas por meios ilícitos e a decisão deve ser fundamentada. Ainda,

impõe-se a observância da isonomia de tratamento em relação à parte contrária e o

procedimento deve se desenvolver em tempo razoável.

5. O devido processo substancial refere-se à atuação do Estado de acordo com as opções

políticas determinadas na Constituição Federal, confundindo-se com o próprio Estado

Democrático de Direito.

6. A igualdade é princípio básico para o desenvolvimento de um processo justo, assegurando

ao autor e ao réu, indistintamente, a aplicação das demais garantias inerentes ao processo,

observadas as peculiaridades inerentes à posição de cada qual na relação processual. Assim,

efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional são garantias também do réu.

7. Na busca de maior efetividade da tutela jurisdicional devem ser utilizados outros

mecanismos processuais encontrados no sistema quando aquele expressamente previsto em

determinado procedimento for ineficaz.

8. O contraditório moderno é representado pelo trinômio ação-reação-participação,

pressupondo o seguinte: a) ciência obrigatória de ambas as partes (bilateral) dos atos

processuais; b) possibilidade de apresentação das teses e antíteses, de parte a parte; e c)

interação e diálogo entre o juiz e as partes, assistindo a estas o direito de influenciar nas

decisões judiciais.

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9. A garantia da ampla defesa refere-se a todos os meios e técnicas disponíveis no sistema,

não apenas àqueles que dizem respeito às possibilidades de praticar atos processuais no curso

do procedimento.

10. A garantia da duração razoável do processo vincula o Estado em todas as suas funções:

legislativa, administrativa e jurisdicional. A razoabilidade da duração do processo deve ser

analisada caso a caso, levando-se em conta os seguintes critérios: a) complexidade da causa;

b) número de litigantes; c) natureza do direito litigioso; d) volume de demandas que tramitam

perante o respectivo órgão jurisdicional; e) adequação do número de juízes e auxiliares da

justiça; f) peculiaridades das partes; g) comportamento das partes; e h) conduta do juiz na

condução do processo.

11. O abuso do direito processual causa o retardamento da marcha procedimental,

especialmente quando as partes utilizam indevidamente incidentes e recursos dotados de

efeito suspensivo. Assim, merecem destaque as técnicas processuais que inibem ou ao menos

amenizam os efeitos desse abuso.

12. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva alcança todos os cidadãos.

Dessa forma, é também uma garantia do réu, não apenas nos casos em que se vislumbra a

possibilidade de ele obter uma tutela jurisdicional a seu favor (ações dúplices, reconvenção e

pedido contraposto), mas também quando necessita de uma pronta intervenção do Poder

Judiciário para barrar pretensões completamente infundadas deduzidas contra si, evitando-se

os males causados pela simples tramitação do processo.

13. O nosso sistema, de acordo com o Novo Código Civil, adotou a teoria objetivo-finalística

do abuso do direito. Assim, a responsabilidade civil que dele decorre independe de culpa. E o

abuso, como categoria de ato ilícito, pode ser verificado independentemente da ocorrência de

dano.

14. No campo processual o abuso pode ser verificado no exercício dos direitos de demandar e

de defesa, bem como no uso de recursos e incidentes processuais.

15. A manifesta improcedência é uma técnica processual de aceleração do procedimento que

tem a finalidade de coibir o abuso do processo, evitando os danos causados às partes e ao

Estado, ou ao menos diminuindo a sua intensidade. Ostenta, pois, natureza inibitória.

16. A improcedência prima facie do pedido é uma técnica processual que autoriza o órgão

julgador a proferir sentença de resolução do mérito antes mesmo da citação do réu. O

ordenamento processual prevê expressamente as seguintes hipóteses: ausência de lógica entre

a narração dos fatos e a conclusão; impossibilidade jurídica do pedido; ilegitimidade de parte;

falta de interesse de agir; pronunciamento liminar da prescrição e da decadência;

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indeferimento da petição inicial com resolução do mérito nos casos repetitivos; rejeição

liminar dos embargos manifestamente protelatórios; e indeferimento liminar da petição inicial

na ação de improbidade administrativa.

17. A rejeição liminar do mandado de segurança não representa hipótese de improcedência

prima facie, pois resta ao impetrante a possibilidade de buscar o reconhecimento do seu

direito nas vias ordinárias.

18. Além da improcedência prima facie do pedido, encontramos, expressamente, no sistema

as seguintes hipóteses de manifesta improcedência: conflito de competência manifestamente

improcedente; exceção de incompetência manifestamente improcedente; e julgamento

monocrático dos recursos manifestamente improcedentes.

19. Apesar de não haver previsão expressa, extraem-se do sistema, ainda, as seguintes

hipóteses: impugnação ao cumprimento de sentença manifestamente protelatória; exceção de

impedimento ou suspeição manifestamente improcedente; e impugnação ao valor da causa

manifestamente improcedente.

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