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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
O princípio da razoável duração do processo nas reformas processuais e as
garantias do acesso à Justiça, contraditório e ampla defesa
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
O princípio da razoável duração do processo nas reformas processuais e as
garantias do acesso à Justiça, contraditório e ampla defesa
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Direito Processual
Civil, sob a orientação do Professor Doutor
Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim.
São Paulo
2015
BANCA EXAMINADORA
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______________________________________
“[...] O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca,
e é preciso andar muito para se alcançar o que está
perto.”
(SARAMAGO, José. Todos os nomes. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 69)
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar imensamente a Deus. O tempo e a maturidade
me fizeram olhar para a vida com mais gratidão na medida em que hoje eu tenho tão
pouco a pedir, mas uma imensidão a agradecer ao Criador.
Agradeço aos meus pais Elizabeth da Silva Paggiatto e Milton Paggiatto, que
muitas e muitas vezes abriram mão dos seus sonhos para que eu conquistasse os
meus.
Ao meu marido Eduardo Gomes Camacho, por todo carinho, compreensão e
incentivo.
À Valentina e à Victoria, as minhas gêmeas, que mal chegaram e
imediatamente se tornaram simplesmente tudo na minha vida.
A toda minha família e a todos os amigos que de algum modo me
acompanharam nesta caminhada. Em especial, Vladmir Oliveira da Silveira, Luciana
Mellario do Prado, Luciana Barros Duarte, Gabriela Gomes Coelho Ferreira e
Mariana Francês pelo apoio e incentivo: sem o auxílio de vocês este sonho jamais
teria se concretizado.
Aos meus mestres com quem tanto aprendi: Thereza Alvim, Teresa Arruda
Alvim Wambier, Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos e Nelson Nery Jr.,
juntamente com seus assistentes.
Ao meu querido Professor, em especial, e, orientador, Doutor Eduardo
Pellegrini de Arruda Alvim, por todos os ensinamentos, incentivo, apoio, paciência e
direcionamento para conclusão deste trabalho, agradeço juntamente ao seu
assistente, Daniel Willian Granado.
Aos colegas do escritório, por todo o apoio e incentivo, em especial agradeço
à Camila Major Arantes Guerra, à Jéssica Souza, ao Rubens Gaspar Serra e ao
Fernando Henrique Barbosa.
E, por fim, mas não menos importante, à querida Emine Kizahy Barakat, pela
revisão deste trabalho.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o princípio da razoável
duração do processo nas reformas processuais face às garantias de acesso à
Justiça, contraditório e ampla defesa.
Esta preocupação parte de um momento social no qual domina a ansiedade
pela produção de diversas atividades, simultaneamente, além da manutenção de
relações interpessoais em curtos períodos de tempo. Sendo o Direito reflexo da
sociedade, esta dinâmica também atinge o Direito, inclusive no âmbito do processo:
atualmente, busca-se construir mecanismos eficazes para atender aos anseios da
sociedade. Entretanto, existem outros anseios sociais que podem ser atingidos nesta
busca pela rápida prestação jurisdicional e que precisam ser tratados com cautela,
como os direitos de acesso à Justiça, do contraditório e da ampla defesa.
A importância do tema é explícita por estas diversas reformas legislativas no
âmbito do Processo Civil e pela promulgação do novo Código de Processo Civil, que
busca, com clareza, trazer mais celeridade processual em abono ao princípio
constitucional da razoável duração do processo, bem como trazer maior efetividade
às decisões judiciais. Mas estas decisões que atendem ao princípio da razoável
duração do processo precisam considerar outros princípios e garantias
fundamentais: acesso à Justiça, contraditório e ampla defesa em uma análise de
mitigação das últimas garantias fundamentais nas recentes reformas em abono à
celeridade processual.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Razoável duração do processo. Acesso à
Justiça. Contraditório. Ampla defesa. Reformas Processuais.
ABSTRACT
This study aims to analyse the principle of reasonable duration of proceedings
in relation to procedural reforms guarantees of access to justice, contradictory and
full defense. If you live in times in which anxiety is the storm of modern society.
Seeks to produce several activities simultaneously – both domestic and professional;
there is a plurality of activities execution and interpersonal relationships in short
periods of time. So there is also the impact of this dynamic law, and therefore would
not be different under the process, now more than ever it seeks to build mechanism
to make the process quicker meeting the expectations of society. The objectives
pursued in this work, briefly, are: (a) conceptualize principle; (b) conceptualize the
principles of reasonable duration of proceedings, access to justice, contradictory and
full defense; and (c) discuss the recent procedural reforms as well as on the Draft
Code of Civil Procedure. As said, the topic is of paramount importance in view of all
legislative reforms in the civil case and the impending enactment of a new Code of
Civil Procedure, which seeks to clearly bring more promptness in support of the
constitutional principle of reasonable duration of the process and bring greater
effectiveness judgments. So work on screen, has the ultimate goal collate the
principle of reasonable duration of the process with other basic principles and
guarantees: access to justice, contradictory and full defense on an analysis of
mitigation latest fundamental guarantees in the recent reforms in the speed
allowance procedural.
Keywords: Civil Procedure Law. Reasonable duration of the process. Access to
Justice. Contradictory. Ample defense. Procedure Reforms.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
1. PRINCÍPIOS E GARANTIAS PROCESSUAIS ...................................................... 12
1.1. O DIREITO DE AÇÃO ..................................................................................... 17
1.2. O ACESSO À JUSTIÇA .................................................................................... 28
1.3. O DEVIDO PROCESSO LEGAL ........................................................................ 39
1.4. O CONTRADITÓRIO ....................................................................................... 44
1.5. A AMPLA DEFESA ......................................................................................... 49
1.6. ISONOMIA DO TRATAMENTO ENTRE AS PARTES ............................................... 52
1.7. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ........................................................................ 55
2. A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL ...................... 61
2.1. TEMPO E PROCESSO..................................................................................... 61
2.1.1. Comportamento das Partes ......................................................................... 71
2.1.2. Conduta das Autoridades ............................................................................. 74
2.1.3. Limitações Orçamentárias............................................................................ 79
2.2. NECESSIDADE DE GARANTIA DE RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO ..................... 82
3. REFORMAS PROCESSUAIS ............................................................................... 85
3.1. A LEI Nº 8.952/1994 ..................................................................................... 85
3.2. A LEI Nº 9.099/1995 ..................................................................................... 88
3.3. A LEI Nº 11.232/2005 ................................................................................... 92
3.4. A EC Nº 45/2004 ......................................................................................... 96
3.5. A LEI Nº 11.277/2006 ................................................................................... 99
3.6. AS LEIS Nº 11.417/2006 E Nº 11.418/2006 .................................................. 102
3.7. A LEI Nº 11.672/2008 ................................................................................. 104
4. A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ....................................................... 107
4.1 BREVE ESCORÇO DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ...... 107
4.2. CONCEITO E CONTEÚDO ............................................................................. 110
4.3. NATUREZA JURÍDICA ................................................................................... 112
4.4. RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................................... 115
4.5 COLISÃO COM GARANTIAS PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS ............................... 124
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 132
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 135
10
INTRODUÇÃO
A dinâmica dos fatos e da vida das pessoas em sociedade foi profundamente
afetada pelo estado da arte da tecnologia, que permite a comunicação múltipla e
instantânea, além da locomoção de pessoas e mercadorias por meios eficientes e
outros tantos avanços que definem o cotidiano contemporâneo. Essa realidade se
projeta para o Direito que regula tais relações e, consequentemente, para o
processo, com especial foco no processo civil, consoante se depreende do
mandamento constitucional prescrito no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição
Federal, incluído pela EC nº 45/2004: a razoável duração do processo foi
constitucionalizada. Entretanto, a busca da celeridade processual e da agilidade na
solução dos conflitos pode conduzir à mitigação de direitos e garantias
fundamentais, dentre eles o direito de ação, o acesso à Justiça, o contraditório e a
ampla defesa.
Tal movimento, que mesmo faz crer que os dias estão mais curtos, e
cientificamente, há aqueles que assim sustentam,1-2 gera a necessidade da
objetividade e da celeridade nas relações interpessoais, que se projetam para o
processo, em especial, neste estudo, no processo civil.
Para discutir adequadamente o problema que orienta esta pesquisa, foram
traçados objetivos-meio, os quais podem ser divididos da seguinte forma: (a)
preliminarmente, o conceito de princípio adotado; (b) os princípios, propriamente
ditos, da razoável duração do processo, do acesso à Justiça, do contraditório e da
ampla defesa; (c) a ponderação destes princípios; e (d) um panorama crítico sobre
as recentes reformas processuais que primam pela celeridade, bem como sobre o
Projeto do Código de Processo Civil, quais sejam aquelas presentes nas Leis nº
8.952/1994, nº 9.099/1995, nº 11.232/2005, nº 11.277/2006, nº 11.418/2006, nº
11.672/2008, o Projeto do Código de Processo Civil e a EC nº 45/2004.
1 Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,terremoto-do-japao-deixou-o-dia-
mais-curto-diz-nasa,690738>. 2 Disponível em:
<http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3330%3Aa-sensacao-dos-dias-de-poucas-horas&catid=46%3Ana-midia&Itemid=97&lang=pt>.
11
Esta pesquisa aborda os reflexos das atuais reformas. A garantia da
celeridade do processo precisa ser analisada à luz de outras garantias fundamentais
como o acesso à Justiça, o contraditório e a ampla defesa. Exemplos desse
aparente conflito são as tentativas de eliminação de acesso às vias recursais, como
os Tribunais Superiores e o Supremo Tribunal Federal, em debalde às constantes
críticas pela violação desses preceitos que organizam o ordenamento jurídico do
país.
12
1. PRINCÍPIOS E GARANTIAS PROCESSUAIS
Alguns preceitos precisam ser apresentados antes da discussão proposta. O
primeiro, tendo em vista que um (aparente) choque de princípios é o centro da
pesquisa, é a definição de princípio. Mais que um problema de ordem processual
civil, é um problema constitucional que envolve hermenêutica e interpretação, a
primeira ligada ao compreender (sentido da norma localizado no tempo, espaço e
situação) e a segunda à busca de significado (do texto).
Assim, a primeira distinção a ser feita é entre o princípio e a regra. Dworkin,3
para Ávila,4 afirma que o princípio dá a direção, fundamentando axiologicamente a
decisão jurisdicional, e deve ser sempre analisado em conjunto com outros
princípios, dando aos mesmos uma dimensão de peso durante conflitos na qual um
se sobrepõe ao outro na medida necessária do caso concreto sem que o outro seja
anulado. Já a regra, tendo sua hipótese de incidência preenchida, é válida ou não é.
Duas regras não podem ser pesadas em um conflito entre ambas: uma deve
prevalecer enquanto a outra é considerada inválida. Ou seja, a distinção está posta
no modo de aplicação e no relacionamento entre as espécies normativas.5
Partindo de Dworkin, Robert Alexy elaborou o conceito de princípio enquanto
espécie de regra jurídica que pretende otimizar a aplicação do Direito tendo em vista
as possibilidades normativas e o fato, o problema que será resolvido pelo Direito
localizado no tempo e no espaço (hermenêutica):
Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Assim, os princípios são mandamentos de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e que seu cumprimento não somente depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostas.
6
3 DWORKIN, Ronald. The model of rules. Disponível em:
<http://www.umiacs.umd.edu/~horty/courses/readings/dworkin-1967-model-of-rules.pdf>. Acesso em: 08.02.2015. 4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 21. 5 Normas, para esta pesquisa, são os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de
textos normativos. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit., p. 22. 6 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentias. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 86.
13
Como se depreende da conceituação de Robert Alexy, no caso de uma
colisão entre princípios, os mesmos devem ser relacionados e ponderados em
relação ao caso concreto – e ao ordenamento jurídico. Enquanto para Dworkin a
distinção estava assentada principalmente no modo de aplicação, para Alexy
existem dois fatores: a regra de colisão, na qual a dimensão de peso faz ponderar
dois ou mais princípios ao mesmo tempo sem que eles se excluam, o que não
acontece com as regras, excludentes entre si; e a obrigação que constituem, sendo
que as obrigações das regras são absolutas e as dos princípios são apenas prima
facie, podendo ser mitigadas em função de outro.7
Humberto Ávila8 releva quatro critérios para a distinção entre princípios e
regras que foram extraídos de sua incursão na doutrina sobre o tema: (a) caráter
hipotético-condicional, no qual as regras têm hipótese e consequência de incidência
que determinam diretamente a decisão, enquanto os princípios indicam o
fundamento e direcionam a decisão; (b) o modo final de aplicação, para as regras
tudo-ou-nada, e para os princípios pela ponderação e graduação de seus pesos no
caso concreto; (c) o relacionamento normativo, pela antinomia entre regras ser
verdadeiro conflito, solucionado com a declaração de invalidade de umas em função
de outra, e haver apenas um aparente conflito entre princípios que é solucionado
pela ponderação; e (d) o fundamento axiológico, tendo em vista que apenas os
princípios têm fundamento axiológico que orienta a decisão.
Entretanto, o autor propõe sua definição de regras e de princípios, sendo
possível a distinção de ambas:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Já os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da
7 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit., p. 30.
8 Ibidem, p. 30.
14
correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
9
Os princípios têm função teleológica, diretamente relacionada ao caso
concreto, estabelecendo um fim a ser atingido, determinando a conduta pelos
conteúdos de finalidade desejados.
Assim, existem diretrizes que orientam a análise dos princípios: tendo a
função teleológica, os princípios precisam ser específicos e claramente delimitados;
é necessária a busca de casos paradigmáticos que iluminem as condições e os
anseios sociais neles expressos (os princípios carregam em si uma grande carga
moral, ideológica, que pretendem representar um estado social no momento da
decisão) pela comparação entre os mesmos e elaboração de pontos de similaridade
de problemas; busca por critérios que permitam a solução mais adequada ao caso
tendo em vista os bens jurídicos; e, finalmente, a análise dos casos que possuem
problemas similares em conjunto.10
Assim, dada a definição de princípio a ser adotada nesta pesquisa enquanto
um dever de realizar ações que alcancem um determinado estado de coisas, passa-
se ao modo como esse dever é exercido. São os postulados que definem como as
normas, regras e princípios devem ser aplicados, estruturando esta aplicação:
razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.
Paulo Bonavides inclusive ensina que:
[...] a caminhada teórica dos princípios gerais, até sua conversão em princípios constitucionais, constitui a matéria das inquirições subsequentes. Os princípios uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo.
11
Logo, hodiernamente, o constitucionalismo caminha para a
constitucionalização de princípios antes tratados em lei ou codificações
9 Ibidem, p. 70.
10 Ibidem, p. 72 e segs. No mesmo sentido está Clemente, para quem se pode entender como
princípio de direito o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um direito positivo: “el pensamiento guía que domina y sustenta la formación de las disposiciones naturales de la ley una institución legal de un código o de un derecho positivo de todo”. CLEMENTE DE DIEGO y GUTIÉRREZ, Felipe de. El método en la aplicación del Derecho Civil. Revista de Derecho Privado, nº 37, p. 293, out./1916. 11
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 258.
15
infraconstitucionais como direito de propriedade, dignidade humana, meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Quando se reporta aos princípios informativos e fundamentais ou gerais do
processo civil ensina com primazia o Professor Arruda Alvim que:
Os princípios informativos são regras predominantemente técnicas e, pois, “desligados de maior conotação ideológica, sendo, por esta razão, quase que universais”. Já os denominados princípios universais do processo são diretrizes nitidamente inspiradas por características políticas, trazendo em si carga ideológica significativa, e, por isso, válidas para sistemas ideologicamente aperfeiçoados aos princípios fundamentais que lhes correspondem.
12
Estes postulados não são considerados princípios ou regras, uma vez que
não impõem promoção de um fim, de um estado de coisas mais adequado,13 mas
como esse fim será atingido por intermédio de modos de raciocínio e argumentação
das normas que determinam comportamentos. Ao estruturar a aplicação, os
postulados vinculam elementos e impõem uma relação entre os mesmos.
Para a utilização dos postulados que orientam a solução de aparentes
conflitos entre princípios é necessário conhecê-los, assim como suas limitações. A
divisão elaborada por Humberto Ávila14 auxilia nessa visão crítica: para o autor
existem postulados específicos e inespecíficos.
Postulados inespecíficos são aqueles que exigem a relação entre elementos,
mas não especificam quais os critérios que a orientam: aqui estão a ponderação, a
concordância prática e a proibição do excesso. São ideias gerais de orientação. Já
os postulados específicos dependem de critérios e elementos específicos que
condicionam a aplicação como a igualdade, que deve atuar quando há relação entre
sujeitos em função de um critério discriminados e exige, portanto, sujeitos em
relação, critérios de discrímen e finalidade; a razoabilidade, na qual há um conflito
entre o geral e o individual, ou entre uma norma e a realidade que ela regula, ou,
ainda, um critério e uma medida, sendo os critérios, consequentemente, geral e
12
ARRUDA ALVIM. Manual de direito processual civil. 15. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 45. 13
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit., p. 72 e segs. Ávila fala em estado ideal de coisas, entretanto, pelo peso e pelas contradições existentes na palavra “ideal”, neste trabalho é utilizado o termo mais adequado. 14
Ibidem, p. 86 e segs.
16
individual, norma e realidade e critério e medida; e a proporcionalidade, quando há
causalidade entre meio e fim, cuja aplicabilidade, então, é condicionada aos
elementos específicos meio e fim.15
Desse modo, quando existem vários fins, no caso desta pesquisa, todos
constitucionalmente legitimados, medidas adequadas, necessárias e proporcionais
em sentido estrito devem ser tomadas. Como meios adequados são classificados
todos aqueles que promovem um fim em alguma medida, mesmo que mínima; já os
necessários são aqueles que não possuem meios alternativos que permitam a
promoção de um fim sem a restrição na mesma intensidade os direitos fundamentais
afetados; e a proporcionalidade de um meio é dada quando o valor da promoção de
um fim não for proporcional ao desvalor da restrição dos direitos fundamentais
envolvidos – numa medida de intensidade (problemática tendo em vista a
heterogeneidade social e, por isso, possível apenas após a análise da doutrina,
jurisprudência e ordenamento legal enquanto conjunto, ou seja, um problema de
hermenêutica) haverá desproporcionalidade quando a importância social e concreta
de fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais afetados.16
Assim, diferenciam-se os princípios das regras e dos postulados, conferindo
aos mesmos um caráter teleológico, que orienta a decisão a ser tomada no caso
concreto pelo balanceamento em casos de aparente conflito com o auxílio dos
postulados. Esta pesquisa explorará o aparente conflito entre o princípio da razoável
duração do processo (que visa à celeridade processual) e os princípios do acesso à
Justiça, da ampla defesa e do contraditório com o auxílio de postulados, realizando
um panorama crítico das recentes reformas legislativas voltadas para este fim. Para
15
Ibidem, p. 100 e segs. 16
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit., p. 131. No mesmo sentido de Ávila (2005), está Guastini (1990), para quem os juristas utilizam o termo “princípio” para se referir a normas que possuem alto grau de indeterminação e/ou de caráter programático; também utilizam o termo “princípio” para indicar normas que na posição hierárquica de fontes de direito encontram-se em alto grau; para designar normas que desempenham uma função importante e fundamental no sistema jurídico ou político ou em um subsistema jurídico conjunto, como o Direito Civil, Direito do Trabalho e outros; e ainda, os juristas utilizam a palavra “princípio” para normas que se dirigem a órgão de aplicação que tem a função específica de escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos. GUASTINI, Riccardo. Dalle Fonti alle Norme. Turim: Giappichelli, 1990. p. 112-120.
17
alcançar este fim, os princípios constitucionalizados17 que visam ao processo serão
abordados para que a visão de conjunto com coerência seja possível.
Por toda construção tecida, conclui-se que a definição de princípio pelo seu
alto grau de abstração é tarefa muito difícil e, mesmo em respeito a todas as
posições doutrinárias em sentido diverso, filia-se a posição defendida por Alexy, em
que se compreende como princípio uma norma metajurídica, que tem como escopo
extrair do ordenamento jurídico sua maior efetividade na subsunção da norma ao
fato, levando-se em consideração não só o ordenamento em si, mas sim, as
possibilidades de concretudes reais e jurídicas existentes.
1.1. O Direito de Ação
Pode-se entender como direito de ação o direito público subjetivo do indivíduo
de se socorrer das vias judiciais para salvaguardar lesão ou ameaça de direito,
prescrito expressamente na Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso
XXXV.18 Neste dispositivo, encontra-se o denominado princípio da inafastabilidade
da jurisdição, que consiste na premissa de que toda a lesão ou ameaça de direito
não pode ser afastada da apreciação do Poder Judiciário, o único Poder capaz de
dizer o direito, solucionando conflitos, com o manto da coisa julgada.
Assim, a finalidade do processo é a solução das lides levadas à apreciação
do Poder Judiciário, pacificando os conflitos em sociedade. Assim, ensina Moacyr
Amaral Santos que o processo é o apelo à Justiça por pelo menos uma das partes
para a solução de um conflito que envolva a lesão ou ameaça de lesão a um
direito.19
Se é violado um direito de propriedade de alguém, ou quando o devedor não paga, quer o proprietário, quer o credor – que não pode
17
Segundo Bonavides, “[...] a caminhada teórica dos princípios gerais, até sua conversão em princípios constitucionais, constitui a matéria das inquirições subsequentes. Os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo”. Atualmente, o ordenamento constitucionaliza os princípios que a doutrina, após um longo caminho teórico, considera como chave de todo o sistema jurídico para vinculá-lo. 18
Artigo 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”. 19
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 29. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 31, 2012.
18
agir manu militari, mesmo na defesa dos seus direitos, pois isto é crime (art. 345 do CP) –, necessitam da intervenção do poder público (atualmente Poder Judiciário) para restaurar-lhes a lesão sofrida, ou para aplicar a norma que já incidiu. Esta reclamação, ou este apelo à Justiça, é que é a ação e que leva a formação de um processo.
20
Nesse sentido, a tutela jurisdicional deve ser concebida como um direito
fundamental, juntamente com as demais garantias do processo, e constituem a
dignidade da pessoa humana enquanto um dos pilares do Estado Democrático de
Direito, pois visam a assegurar adequada e tempestivamente os direitos violados ou
sob ameaça de violação.
Doravante, não basta se permitir o mero ingresso em juízo, mas, sim, é
preciso o acesso à completa prestação jurisdicional, com possibilidade de atuação e
influência das partes em todas as fases do processo, ou seja, tanto nas instâncias
ordinárias, quanto nas extraordinárias, respeitando, obviamente, os dispositivos
contidos nos diplomas processuais. No mesmo sentido está Arruda Alvim:
Vedada em princípio a autotutela e limitada a autocomposição e a arbitragem, o Estado moderno reservou para si o exercício da função jurisdicional, como uma das suas tarefas fundamentais. Cabe-lhe, pois, solucionar os conflitos e controvérsias surgidos na sociedade, de acordo com a norma jurídica reveladora do convívio entre os membros desta. [...] Ação, portanto, é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse direito). Mediante o exercício da ação, provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é o processo.
21
Não obstante, não parece suficiente que o Poder Judiciário receba a
demanda e garanta o direito de ação, ou seja, o direito de agir. O direito de ação
implica uma decisão tempestiva e adequada, sob pena de nada significar esta
garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da
República.
O tema ação sempre foi amplamente discutido e debatido na doutrina, o que
fez surgir várias teorias explicativas sobre seu conceito, as quais evoluíram no
tempo. A posição doutrinária não é unânime quanto à natureza jurídica do direito de
ação, sendo que existem diversas teorias explicativas sobre o assunto. Dentre elas 20
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 399. 21
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 277.
19
estão: (a) a teoria imamentista ou civilista; (b) a polêmica tecida por Windscheid-
Muther; (c) a ação como direito autônomo; (e) a ação como direito autônomo e
concreto; (f) a ação como direito autônomo e abstrato; (g) a ação como direito
abstrato e misto; e, (h) a doutrina de Liebman.
Para a teoria imamentista ou civilista, capitaneada por Savigny, o direito de
ação é apenas um desdobramento do direito material; logo, para esta teoria não há
ação sem direito material, não há outro direito sem ação, devendo a ação seguir a
natureza do direito: assim, ação e processo eram simples capítulos do direito
substancial.22
Não obstante, até meados do século XIX, o direito processual civil não era
considerado um ramo científico autônomo, mas sim um apêndice do direito material,
ou seja, o processo civil era um apêndice do direito civil. Esta escola clássica,
civilista ou imanentista, “que entendia ser a ação como imanente a um direito
material, prevaleceu quase incontestada durante um longo período”.23 O direito de
ação era considerado um adjetivo do direito subjetivo que se manifestava quando
lesionado este direito material, que começou a ser superada diante da polêmica
entre os juristas alemães Windscheid e Muther a respeito do conceito de ação.
Windescheid e Muther, através de debates, convergiram na construção de
dois direitos distintos, quais sejam: um direito de agir contra o Estado, este de
natureza pública – direito à tutela jurídica do Estado; e outro direito exercível contra
a parte adversária.24
Em 1857, teve início na Alemanha uma viva discussão que alterou toda a concepção doutrinária existente a respeito da ação, quando Theodor Muther, professor em Königsberg, publicou uma obra objetivando contestar um trabalho de Windscheid, professor em Greifswald, publicado em 1856, a respeito da actio romana.
25
22
Ibidem, p. 248. 23
Programa do Curso de Processo Civil ou Apontamentos para as lições da 3ª Cadeira do 4º ano da Faculdade de Direito de São Paulo, p. 76 apud FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2000. p. 39-43. Coleção Estudos de Direito Processual Civil Enrico Tullio Liebman. 24
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria... cit., p. 248. 25
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 30-40.
20
Estes debates deram início a uma revolução no Direito Processual, que
culminou com a autonomia do mesmo frente ao direito material.26 Entretanto, a
autonomia científica do direito processual só ocorreu em 1868, com a obra Teoria
das exceções e dos pressupostos processuais, de Oskar von Bülow.27
Em outras palavras, o direito de ação se separou do direito material, sendo
compreendido como um direito autônomo à prestação jurisdicional. Posteriormente,
surgiram várias teorias sobre a ação, sempre considerando as relações processuais
de forma autônoma diante do direito material. Dentre elas está a Teoria do Direito
Concreto de Ação, que ensinava que o autor teria direito de ação se conseguisse um
pronunciamento de mérito favorável. Um dos maiores defensores28 da Teoria
Concreta da Ação foi Giuseppe Chiovenda: o autor não entendia ser o direito de
ação um direito público dirigido ao Estado, mas sim em relação ao réu,
diferentemente do que entendia Goldschmidt à época.29
Para Chiovenda30 o direito de ação era direito concreto do autor em relação
ao réu, embora, “afaste o caráter publicístico da teoria de Wach – a ação não é
dirigida contra o Estado, mas em relação ao adversário – e vislumbre a ação como
um direito potestativo. [...] A ação é um direito potestativo por excelência”.31
E, ainda, para Chiovenda:
A ação é um poder que nos assiste em face do adversário em relação a quem se produz o efeito jurídico da atuação da lei. O adversário não é obrigado à coisa nenhuma diante desse poder: simplesmente
26
Foi Chiovenda o primeiro processualista que afirmou a autonomia da ação na Itália, embora a sua teoria do direito de ação não o conceba como absolutamente autônomo. ARRUDA ALVIM. Manual de direito… cit., p. 407. 27
BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1964. 28
Ibidem, p. 42. Outro doutrinador filiado à Teoria Concreta do Direito de Ação foi Piero Calamandrei. 29
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 41. 30
Ainda quanto à teoria concreta filia-se Chiovenda que, em 1903, formula a engenhosa construção da ação como direito potestativo. Ou seja, a ação configura um direito autônomo, diverso do direito material que se pretende fazer valer em juízo, mas o direito de ação não é um direito subjetivo – porque não lhe corresponde à obrigação do Estado – e muito menos de natureza pública. Dirige-se contra o adversário, correspondendo-lhe à sujeição. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria... cit., p. 249. 31
“L’azione è una forza che ci aiuta a fronte di avversari su chi produce l’effetto giuridico di applicazione della legge. L’avversario non è vincolato a nulla su questo potere: è semplicemente soggetto. Con il proprio esercizio esaurisce l’azione, senza che l’avversario possa fare nulla né per impedirlo o per soddisfare il suo.” CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos. Bogotá: Temis, 1986. p. 35.
21
lhe está sujeito. Com seu próprio exercício exaure-se a ação, sem que o adversário nada possa fazer, quer para impedi-la, quer para satisfazê-la.
32
Entretanto, doutrinas mais contemporâneas apontam para o equívoco desta
teoria. Se o pronunciamento de mérito fosse desfavorável para o autor da ação o
que ele teria exercido? Não teria exercido o direito de ação? Não haveria processo,
então, só pelo fato do pronunciamento ser desfavorável? Isso teria o condão de
desconstituir todos os atos ali praticados os reduzindo a um nada jurídico?
Não é possível concordar com isso: o direito de ação já foi exercido pelo
reclamante. A variante da teoria concreta liderada por Chiovenda, que ensinava que
o direito de ação era um direito potestativo, como dito, dirigido contra o réu, com
natureza privada, se equivocava, pois o direito de ação é dirigido ao Estado-juiz, e
não ao réu.
A teoria concreta foi superada por ser contraditória: a parte ingressa em juízo,
produz provas, se manifesta em sede de alegações finais, agindo efetivamente, mas
só exerceria direito de ação quando obtivesse um pronunciamento de mérito
favorável; logo, todos os atos efetuados pela parte que poderiam ser senão o
exercício do direito de ação, mesmo que não alcançasse um pronunciamento de
mérito. No caso, não se pode concordar: a ação foi exercida na sua plenitude, sendo
que uma sentença desfavorável ao autor não poderia mudar esse fato.
Pode-se concluir que, nesta fase inicial da ciência processual, a utilização de
conceitos típicos do Direito Civil demonstra que o Direito Processual ainda não havia
alcançado totalmente sua autonomia científica.
A ciência do Direito caminhou para o reconhecimento do direito de ação como
um direito autônomo, diferente do direito subjetivo material a ser tutelado,33
reconhecendo no direito de ação seu caráter de direito público subjetivo.
Como ensina Arruda Alvim:
A ação está situada no campo do direito público e não no direito privado, como normalmente ocorre com o direito material (Direito Civil
32
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução Paolo Capitanio e anotações Enrico Tullio Liebman. Campinas: Bookseller, 2000. p. 24. 33
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria... cit., p. 248.
22
ou Comercial), e também é por meio dela que se fazem valer normas de direito material público. A ação está sempre e necessariamente por definição, na órbita do direito público, dado que é ao Estado que cabe – e em regra, só a ele – a distribuição da Justiça, por meio da prestação jurisdicional.
34
Já a teoria do direito abstrato de agir entende ser o direito de ação um direito
autônomo e abstrato, ou seja, existe independentemente da existência do direito
material e, ainda, entende que o direito de ação é um direito público subjetivo em
relação ao Estado julgador.35
Como abordado acima, a teoria concreta do direito de ação foi superada pela
teoria que passou a considerar a ação como um direito abstrato, totalmente
independente do direito material, entretanto, o resultado prático não se relacionava
com o exercício pleno do direito de ação.
Parte da doutrina contemporânea converge para a afirmação de que o direito
de ação existe independentemente da existência do direito material. O direito de
ação nada mais seria do que um direito inerente à personalidade. Segundo Freire:
Com efeito, a ação é o direito a um pronunciamento do Estado, terceiro imparcial, diante de um pedido formulado pelo autor, e não o direito a uma sentença favorável, pois, nesta última hipótese, não haveria verdadeira autonomia da ação. É de se concluir, portanto, que existe um direito abstrato de agir em juízo, mesmo que não possua o direito substancial que se pretende tornar efetivo em juízo.
36
Desse modo, todos seriam titulares deste direito, ou seja, todos teriam o
direito de provocar a atuação do Estado-juiz, com o objetivo de exercer a função
jurisdicional e salvaguardar os seus direitos.
Pode-se dizer que houve um desligamento dos planos material e processual,
de modo que o direito de ação existe independente e autônomo em relação ao
direito material.
34
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 411. 35
“Outros estudiosos, também filiados à doutrina da ação como direito abstrato, apresentam divergências e peculiaridades em suas construções. Carnelutti configura a ação como direito abstrato e de natureza pública, mais dirigida contra o juiz e não contra o Estado. Couture, no Uruguai, concebe-a integrada na categoria constitucional de direito de petição.” CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria... cit., p. 250. 36
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 42.
23
Cumpre esclarecer que, atualmente,37 prevalece entre os doutrinadores de
Direito Processual Civil a ideia de ser a ação um direito abstrato, tendo como
seguidores como Francesco Carnelutti, Ugo Rocco, Zanzucchi Betti, e Eduardo
Couture.38
Pertinente mencionar que, nas palavras de Eduardo Couture, a ação pode ser
“entendida como um direito abstrato que é, portanto, em sua forma mais sutilmente
processual, o direito de expor pretensões, de que estas sejam ouvidas, e de que
sejam, eventualmente acolhidas”.39
Sobre o tema, Arruda Alvim afirma:
Deve se ter presente, todavia, que, atribuindo o ordenamento jurídico o direito de ação a toda e qualquer pessoa, desde que tal direito seja exercido em conformidade com a lei, este direito de ação representa, de sua parte, um direito subjetivo, um direito subjetivo processual.
40
Assim, ação é um direito público, subjetivo e abstrato. O exercício de tal
direito se dá simplesmente quando o autor formula sua pretensão perante o Estado,
garantindo-lhe, por conseguinte, o direito a uma sentença, qualquer que seja sua
natureza, do Estado-juiz.
Em suma, para a teoria abstrata o direito de ação se traduz no direito de
composição do litígio pela provocação do Estado, independentemente da existência
efetiva do direito material. Todavia, esta não foi a teoria encampada pelo nosso
ordenamento jurídico. O nosso Código de Processo Civil encampou expressamente
a Teoria Eclética ou Mista.
Cumpre esclarecer que o atual Código de Processo Civil de 1973 teve em sua
relatoria o então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, cujos estudos são fruto da
37
Outro ponto que merece destaque é o fato da teoria abstrata ter surgido antes mesmo da teoria concreta, com a publicação dos trabalhos do húngaro Plósz em 1876, publicado na Alemanha em 1880, e do alemão Degenkolb em 1877. Ambos os autores procuravam demonstrar que “a ação é um direito processual subjetivo que se pode conceber com abstração de qualquer outro, sendo, portanto, absolutamente distinto do direito substancial ou material que possa ter a parte”. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 43. 38
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 43. 39
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos de direito processual civil. Tradução Rubens Gomes de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1946. p. 36-37. 40
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 404.
24
convivência com seu mestre, o italiano Enrico Tullio Liebman, que ministrava aulas
na Universidade de São Paulo.41
Enrico Tullio Liebman, jurista italiano, como dito, nasceu em 1903, na cidade
de Leopoli, formou-se pela Faculdade de Direito de Roma, onde teve como mestre
Giuseppe Chiovenda.42 Chegou ao Brasil, em 1939, devido a perseguições políticas
na Itália decorrentes da política de intolerância cultural e étnica implantada pelo
regime fascista, ano em que foi editado o primeiro Código de Processo Civil
Brasileiro inspirado nos Códigos da Alemanha, Áustria e de Portugal. O pensamento
do jurista italiano influenciou inúmeros juristas brasileiros, tais como Alfredo Buzaid,
como citado, Moacyr Amaral Santos, José Frederico Marques, Cândido Rangel
Dinamarco, Kazuo Watanabe, entre outros.43
Em virtude disso, costuma-se dizer que Liebman fundou uma verdadeira
Escola – a Escola Processual de São Paulo, que depois se transformou na Escola
Brasileira.44 A Escola Processual de São Paulo, por meio de um de seus mais
destacados integrantes, o Professor Alfredo Buzaid, foi uma das maiores
motivadoras de uma reforma processual que ensejou a substituição do Código de
Processo Civil de 1939 por um novo. Assim, Alfredo Buzaid, discípulo direto de
Liebman, buscou na obra e no pensamento de seu mestre o amparo para reformular
institutos mal disciplinados no Código de 1939, assim como para introduzir institutos
ou soluções até então estranhas ao sistema brasileiro.45
41
“O espírito generoso e criativo do Mestre foi capaz de compreender em toda sua plenitude as circunstâncias favoráveis. E à sua atividade acadêmica, ele somou uma outra, que produziu resultados permanentes. Reunindo os jovens discípulos nas tardes de sábado na modesta residência da Alameda Rocha Azevedo, discutia os seus estudos, aprofundava as discussões e prodigalizava-se em inigualáveis lições utilizando o método científico até aquele momento desconhecido do processualista brasileiro. Talvez nem o próprio Liebman soubesse com precisão quais seriam os resultados daqueles encontros. Talvez não o soubessem nem os discípulos dos sábados à tarde. Vidigal, o primeiro a conquistar a cátedra; Buzaid, com seus escritos rigorosamente científicos e caracterizados por profundas considerações históricas e de direito comparado; José Frederico Marques que se preparava para a cátedra da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Bruno Afonso de André e Benvindo Aires, com sua inteligência penetrante e profundo preparo humanístico. Mas tais resultados estão vivos até hoje.” GRINOVER, Ada Pellegrini. O magistério de Enrico Tullio Liebman. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. ano XIV, p. 81. Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, mar./1987. 42
Enrico Tullio Liebman. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/imortal.asp?id=10>. Acesso em: 03.09.2014. 43
GRINOVER, Ada Pellegrini. O magistério... cit., p. 82. 44
Ibidem, p. 82. 45
O pensamento liebmaniano é observado no atual Código de Processo Civil de 1973, por exemplo, na disciplina do julgamento antecipado do pedido, como disposto no artigo 330 do Código de
25
Para a teoria eclética da ação de Liebman, que foi adotada pelo nosso
Diploma Processual, a “ação é direito subjetivo que não se prende ao direito material
nela envolvido”.46 Assim, o processo nada mais é do que uma relação jurídica
processual estabelecida entre o Autor – Estado-juiz – e o Réu.
Para que tal relação seja válida, deve se observar o preenchimento de alguns
requisitos impostos pela lei, que são os pressupostos processuais e as condições da
ação. Assim, para a teoria eclética, as condições da ação são requisitos mínimos e
necessários para um pronunciamento jurisdicional que se traduz na prolação de
sentença de mérito.
Por conseguinte, na falta de quaisquer dos pressupostos processuais ou
condições da ação, o julgador terá que proferir uma sentença sem resolução do
mérito, formando coisa julgada formal, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código
de Processo Civil.
Procurando estabelecer uma adaptação à concepção abstrata, Liebman acabou por elaborar uma teoria eclética, segundo a qual a ação consiste no direito (ou poder subjetivo) a uma sentença de mérito, mas o julgamento deste, que se encontra vazado no pedido do autor, está condicionado ao preenchimento de determinados requisitos denominados condições da ação.
47
Nesse sentido, a Teoria Eclética ou Mista da Ação também entende ser a
ação um direito abstrato, mas condiciona a sua existência ao preenchimento de
algumas condições intituladas condições do exercício do direito de ação. Caso estas
condições não estejam presentes ocorre o fenômeno da carência de ação. Inclusive,
a expressão condições da ação consta do Código de Processo Civil, no artigo 267,
inciso VI.48
Processo Civil; no tratamento dado pelo Código à coisa julgada, definindo-a como imutabilidade dos efeitos da sentença ou preclusão máxima nos casos de coisa julgada material; e, em especial, na adoção das três condições da ação propostas por Liebman, que são, respectivamente, interesse de agir, legitimidade ad causam e possibilidade jurídica do pedido. Enrico Tullio Liebman. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/imortal.asp?id=10>. Acesso em: 03.09.2014. 46
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 141. 47
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 44. 48
“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”. BRASIL. Casa Civil. Lei Federal nº 5.869/1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm>. Acesso em: 04.09.2014.
26
Todas as teorias apresentadas traduzem uma evolução histórica da ciência
processual e são fruto de muitos estudos e divergência científica no
desenvolvimento dos seus conceitos norteadores como ação e processo.
Ação é um direito em abstrato de provocar a atividade jurisdicional, sendo um
atribuído destinado a todos de maneira incondicionada, nos termos do artigo 5º,
inciso XXXV, da Constituição da República, ou seja, todos têm o poder de demandar
dando impulso à atividade jurisdicional do Estado, consoante a teoria abstrata; em
contrapartida, o pronunciamento de mérito depende do preenchimento de requisitos,
quais sejam dos pressupostos processuais e das condições da ação, como ensina a
Teoria Eclética ou Mista da Ação.
A Teoria Eclética criou um elo entre os planos do direito material e o
processual, com um adjetivo: a instrumentalidade.49 Ou seja, o direito processual é,
sim, um ramo autônomo, mas deve ser concebido como instrumento para realização
do direito material.
Para Liebman não há ação nem exercício da função jurisdicional quando não
estejam preenchidas as condições da ação: o direito de ação é um direito público,
subjetivo no sentido de provocar a atividade jurisdicional com o fito de se ter um
pronunciamento de mérito, desde que preenchidas as condições da ação.
Apesar da adoção da teoria eclética pelo ordenamento processual, muitas
críticas são tecidas, como o faz Kazuo Watanabe:
A procedência dessas críticas está na dependência da adoção, pelos defensores da teoria eclética, dos seguintes pontos: a) as condições
49
Ada Pellegrini Grinover, já no ano de 1987, mencionava o princípio da instrumentalidade hoje tão discutido e também sobre a submissão à Constituição do direito processual, mesmo antes da promulgação da Carta Constitucional de 1988, quando escreve sobre o magistério de Liebman. “As suas lições não só se mantêm presentes na firmeza dos resultados obtidos, mas ainda mais: elas projetam no futuro, através de uma nova escola que, sem negar o passado e mesmo apegando-se a ele, torna impulso com propósitos renovados: os estudos constitucionais do processo, em que as atenções se voltam ao dado jurídico-constitucional, como resultante das forças políticas e sociais de determinado momento histórico; a transformação do processo, de meio puramente técnico, em instrumento ético e político da atuação da justiça e garantia das liberdades; a total aderência do processo à realidade sócio-jurídica a que se destina; para o integral cumprimento da sua vocação primordial, que é, a final de contas, a de servir à efetiva atuação dos direitos materiais. Assim, a vertente dos estudos dos novos processualistas brasileiros desloca-se para o instrumentalismo substancial do processo e para a efetividade da justiça, passando todo o sistema processual a ser considerado como instrumento indispensável para atingir os escopos políticos, sociais e jurídicos da jurisdição, e a técnica processual, como um meio para obtenção de cada um destes”. GRINOVER, Ada Pellegrini. O magistério... cit., p. 83.
27
da ação são pressupostos para a existência da ação e, a falta de qualquer delas, inexistirá o direito de ação, e por isso, quando o juiz pronuncia a carência de ação, nem mesmo haverá processo, mas mero fato, e o juiz não terá exercido função jurisdicional; b) as condições da ação devem ser aferidas segundo o que vier a ser comprovado no processo, após o exame das provas, e não apenas tendo-se em consideração a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in status assertionis), com abstração, pois aquela posição levaria às condições da ação concreta, ligadas à situação do fato efetivamente existente e evidenciadas através das provas, e não apenas afirmadas e consideradas em abstrato.
50
Atualmente a doutrina discorda da teoria eclética no sentido de que as
condições da ação seriam um requisito de validade e não de existência do direito de
ação, como inicialmente criado por Liebman. Rodrigo Freire esclarece:
Com efeito, as condições da ação não são requisitos para a existência da ação, e mesmo na falta de uma delas terá havido atividade jurisdicional.
51
Todavia, sendo as condições da ação compreendidas tanto como requisito de
validade como de existência acarretam a extinção do processo sem resolução do
mérito, nos termos do artigo 267 do Código de Processo Civil. Nos dizeres de
Nelson Nery Jr.:
Assim podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, um direito subjetivo à sentença tout court, seja esta de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação. A realização de um direito subjetivo é alcançada quando se consegue o objetivo desse mesmo direito. Como o objetivo do direito subjetivo de ação é obtenção da tutela jurisdicional do Estado, deve entender-se por realizado o direito subjetivo de ação assim que pronunciada a sentença, favorável ou não ao autor.
52
Neste sentido, as condições seriam uma ponte de ouro entre uma hipótese
completamente abstrata de exercício do direito de ação e uma hipótese concreta
existente diante do preenchimento das condições da ação.
50
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Perfil, 2005. p. 57. 51
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação... cit., p. 46. 52
NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 179.
28
Assim, tendo em vista o exposto, conclui-se, seguindo o posicionamento da
doutrina dominante sobre a natureza jurídica da ação, como um direito público
subjetivo, dirigido contra o Estado, de natureza abstrata, pois independe do
resultado final, ou seja, uma sentença favorável ou desfavorável, justa ou injusta. O
direito de ação tem natureza autônoma, à medida que independe do direito subjetivo
material, e instrumental, uma vez que a sua finalidade é dar solução a uma
pretensão de direito material; ressaltando-se, ainda, que não é um direito concreto,
pois a concretude do direito liga-se ao direito material – a pretensão; e não ao direito
de ação.
1.2. O Acesso à Justiça
O acesso à Justiça é outro desdobramento do artigo 5º, inciso XXXV, da
Constituição da República, que, além do direito de ação, exprime o acesso às vias
adequadas para solução dos conflitos, sendo principal o acesso ao Poder Judiciário.
Segundo Nelson Nery Jr.:
Isto quer dizer que todos têm acesso à Justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito. Estão aqui contemplados não só os direitos individuais, como também os difusos e coletivos.
53
O acesso à Justiça é uma garantia constitucional erigida à categoria de direito
e garantia fundamental do indivíduo, podendo, “portanto, ser encarado como o
requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico
moderno e igualitário que presta garantir, e não apenas proclamar os direitos de
todos”.54
Logo, o acesso à Justiça deve ter uma concepção ampliativa, na medida em
que engloba não apenas o simples acesso ao Poder Judiciário enquanto direito de
ação, mas, sim, a assistência jurídica que abrange a consultoria extrajudicial e, se
53
Ibidem, p. 175. 54
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2002. p. 12.
29
necessário, o acesso às vias judiciais sendo que, para os que necessitarem, deve
ser gratuito.
No que concerne ao acesso à Justiça e sua gratuidade, seguem as palavras
de Nelson Nery Jr.:
O princípio do direito de ação tem, ainda, como decorrência a atribuição de assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados (CF 5º LXXIV). Diferentemente da assistência judiciária prevista na Constituição anterior, a assistência jurídica tem conceito mais abrangente e abarca a consultoria e atividade jurídica extrajudicial em geral. Agora, portanto, o Estado promoverá a assistência aos necessitados no que pertine a aspectos legais, prestando informações sobre comportamentos a serem seguidos diante de problemas jurídicos e, ainda, propondo ações e defendendo o necessitado nas ações em face dele propostas.
55
Para as condutas da vida submetidas à ordem jurídica nas quais houver
conflito de interesses qualificados por uma pretensão resistida, como regra, é por
meio do ingresso no Poder Judiciário que tal conflito será resolvido:
Para o direito material existe o chamado princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico, que significa estarem todas as condutas da vida social submetidas à ordem jurídica. Justapostamente e ao lado deste princípio, precisamente para que não ocorram lesões, ou mesmo incertezas jurídicas objetivas, que não seja reparadas ou suprimidas, respectivamente, há o chamado princípio do pleno acesso ao Judiciário, estampado na regra já citada do art. 5º, XXXV, da CF, há ao lado da previsão do acesso à Justiça, a previsão de que neste está implicado o direito à cautelaridade, desde que se configurem os pressupostos de risco iminente de perecimento do direito. (Arruda Alvim, 2012)
56
No mesmo sentido, sobre o dispositivo constitucional contido no artigo 5º,
inciso XXXV, está Eduardo Arruda Alvim:
Deve-se ter presente, para bem compreender o alcance de dito dispositivo dentro de cujo quadro funcional, de direito e garantias, em que se insere o princípio da inafastabilidade de controle jurisdicional em nosso sistema constitucional, que não há espaço para fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II).
57
55
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 180. 56
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 47. 57
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 138.
30
Por outro lado, não se pode perder de vista que dar acesso ao Judiciário não
pode acarretar uma perda de qualidade na prestação dos serviços do Poder
Judiciário. Cappelletti e Garth alertam para esse risco, uma vez que o trâmite
processual acarreta custos e uma ampliação na prestação para os necessitados
geraria maior número de processos sem a respectiva contraprestação de
arrecadação da taxa judiciária.58
Por este motivo, Cappelletti e Garth propõem soluções práticas para
possibilitar o acesso à Justiça sugerindo três ondas renovatórias que seriam
respectivamente: (a) uma assistência judiciária gratuita para os pobres; (b) a
representação dos interesses difusos; e, (c) a representação em juízo a uma
concepção mais ampla de acesso à Justiça.59
Como dito, a primeira onda renovatória mencionada referente à assistência
judiciária está presente em nosso ordenamento com a criação das Defensorias
Públicas disponibilizadas para a prestação de serviços judiciais e extrajudiciais aos
necessitados, sendo que por esta opção legislativa os advogados denominados
defensores públicos são remunerados pelos cofres públicos.60
No mesmo sentido está Eduardo Arruda Alvim:
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está intimamente ligado àquele que assegura assistência jurídica gratuita
58
“Uma vez que grande e crescente número de indivíduos, grupos e interesses, antes não representados, agora tem acesso aos tribunais e a mecanismos semelhantes, através das reformas que apresentamos ao longo do trabalho, a pressão sobre o sistema judiciário, no sentido de reduzir a sua carga e encontrar procedimentos ainda mais baratos, cresce drasticamente. Não se pode permitir que essa pressão, que já é sentida, venha a submeter os fundamentos de um procedimento justo. Neste estudo, falamos de uma mudança na hierarquia dos valores no processo civil – de um desvio no sentido do valor da acessibilidade. No entanto, uma mudança na direção de um significado mais ‘social’ da justiça não quer dizer que o conjunto de valores do procedimento tradicional deve ser sacrificado. Em nenhuma circunstância devemos estar dispostos a ‘vender nossa alma’. Esse belo sistema é frequentemente um luxo; ele tende a proporcionar alta qualidade de justiça apenas quando, por uma ou outra razão, as partes podem ultrapassar as barreiras substanciais eu ele ergue à maior parte das pessoas e a muitos tipos de causas. A abordagem de acesso à Justiça tenta atacar as barreiras de forma compreensiva, questionando o conjunto de instituições, procedimentos e pessoas que caracterizam nossos sistemas judiciários. O risco, no entanto, é que o uso de procedimentos rápidos e de pessoal com menor remuneração resulte num produto barato e de má qualidade. Esse risco não pode ser nunca esquecido.” CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça cit., p. 164. 59
Ibidem, p. 31, 49 e 67. 60
Ibidem, p. 39-40.
31
e integral aos necessitados (artigo 5º, LXXIV, da CF/88). Com efeito, sem que se enseje esse tipo de assistência, não se irá dar efetividade ao comando que garante o amplo acesso ao Judiciário, pois grande parte da população, em que pese a garantia esculpida no inciso XXXV do art. 5º estaria alijada do efetivo acesso ao Judiciário.
61
Todavia, o processo em si não deve ser gratuito, ou seja, a exigência de taxas
judiciárias não é inconstitucional, devendo se aferir no caso concreto da
necessidade de dispensa no pagamento destas diante da hipossuficiência
econômica da parte.
A garantia constitucional do acesso à Justiça não significa que o processo deve ser gratuito. No entanto, se a taxa for excessiva de modo a criar obstáculo ao acesso à Justiça, tem-se entendido ser ela inconstitucional por ofender o princípio aqui estudado.
62
No mesmo sentido temos o apêndice 667 sumulado pelo Supremo Tribunal
Federal.63
A segunda onda renovatória refere-se representação dos direitos difusos:
[...] a class action permitiria que um litigante represente toda uma classe de pessoas, numa determinada demanda, evita os custos de criar uma organização permanente. Economia de escala através da reunião de pequenas causas é possível, por meio, e, sem dúvida, o poder de barganhar dos membros da classe é grandemente reforçado pela ameaça de uma enorme indenização por danos morais.
64
Logo, o ingresso em juízo para defesa dos interesses coletivos, difusos e
individuais homogêneos poderia, sim, refletir em economia processual e em uma
tramitação mais célere, pois se reuniriam interesses de um maior número de
pessoas, com maior poder de barganha, bem como uma solução efetiva para os
envolvidos naquela relação de direito material.
Por fim, a terceira e última onda renovatória diz respeito a uma representação
em juízo mais ampla do acesso à Justiça que significa um progresso legislativo no
sentido de assegurar reformas que garantam a assistência jurídica e a busca de
61
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 140. 62
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 181. 63
STF. “Súmula 667 – Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição, a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”. 64
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça cit., p. 60-61.
32
mecanismos para representação de interesses “públicos”, salvaguardando “novos
direitos” que venham a surgir, efetivando-se o acesso à Justiça.65
Ainda na assim denominada terceira onda renovatória, podemos citar a
criação dos Juizados Especiais Cíveis como um exemplo de fomento ao acesso à
Justiça, tendo em vista que há possibilidade de ingresso nas vias judiciais, sem
necessidade de custas e pagamento de honorários advocatícios: em causas não
complexas que envolvam até 20 salários mínimos sem a necessidade de
constituição de advogado, e nas superiores a 20 salários mínimos até 40 salários
mínimos por meio de advogado, nos termos dos artigos 1º, 3º e 9º da Lei Federal nº
9.099/1995.
Todavia, como já dito, além do acesso ao Poder Judiciário se faz necessário
também o acesso a uma prestação adequada para salvaguardar a lesão ou ameaça
de lesão ao bem jurídico tutelado.
Pelo princípio constitucional do direito de ação, além do direito ao processo justo, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio o sentido do princípio. Quando a tutela adequada para o jurisdicionado for medida urgente, o juiz, preenchidos os requisitos legais, tem de concedê-la, independentemente de haver lei autorizando, ou, ainda, que haja lei proibindo a tutela urgente.
66
Nery Jr. reafirmou a precedência e a força normativa dos princípios
constitucionais em face de lei inferior (ou de sua inexistência) como orientadores da
decisão judicial no caso concreto. No mesmo sentido está Marinoni numa leitura do
artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ao afirmar a necessidade da
65
“Ademais, esse enfoque reconhece a necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao tipo de litígio. Existem muitas características que podem distinguir um litígio do outro. Conforme o caso, diferentes barreiras ao acesso podem ser mais evidentes, e diferentes soluções eficientes. Os litígios, por exemplo, diferem em sua complexidade. É geralmente mais fácil e menos custoso resolver uma questão simples de não pagamento, por exemplo, do que comprovar uma fraude. os litígios também diferem muito em relação ao montante da controvérsia, o que frequentemente determina quanto os indivíduos (ou a sociedade) despenderão para solucioná-los. Alguns problemas serão mais bem ‘resolvidos’ se as partes simplesmente se ‘evitarem’ uma à outra. A importância social aparente de certos tipos de requerimentos também será determinante para que sejam alocados recursos para sua solução. Além disso, algumas causas, por sua natureza, exigem solução rápida, enquanto outras podem admitir longas deliberações.” CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça cit., p. 72-73. 66
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 175.
33
tempestividade e efetividade da resposta jurisdicional, sob pena do mandamento
constitucional ser inócuo:
[...] faz surgir a ideia de essa norma constitucional garantir não só o direito de ação, mas a possibilidade de uma acesso efetivo à Justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão somente uma resposta, independente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à Justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais direitos e, portanto, não pode ser pensado como uma garantia fundamental de justiça.
67
Em outras palavras, além de assegurar o acesso à Justiça por meio de
assistência ampla e integral, a tutela jurisdicional deve ser adequada, ou seja, a
prestação jurisdicional deve salvaguardar o bem da vida ameaçado ou lesionado.
Num caso de necessidade, cabe ao magistrado proferir uma decisão, mesmo que
liminar, procedendo com poder amplo de cautela para assegurar a efetividade do
processo ou mesmo o bem da vida em discussão.
A efetividade deste princípio constitucional culminou no aumento de
demandas judiciais que sobrecarregaram um Poder Judiciário que – ainda – não as
comportava, e algumas das consequências foram tratadas por Dierle e Ludmila:
A crise do formalismo sucedeu a multiplicidade de litígios fundados nas legislações sociais para além da capacidade institucional dos tribunais. O programa de reformas relacionado ao acesso à Justiça, sob este aspecto, aponta para a recusa do Judiciário como espaço hegemônico de resolução de demandas, sugerindo um modelo mais econômico, consensual e menos burocrático para a administração dos conflitos. Sucede que no Brasil o modo como se apela aos sistemas privados deixa entrever que o acesso à Justiça é invocado como fundamento para desafogar o Judiciário, para então assegurar direito, confundindo finalidade e consequência.
68
67
MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e do duplo grau de jurisdição. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 218. 68
NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à Justiça democrático. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 5.
34
O autor trata das reformas legislativas que pretenderam adequar o sistema
normativo às novas exigências e as suas respectivas consequências – problema
central desta pesquisa: nos últimos anos houve um maior acesso da população ao
Judiciário, todavia, as instituições não estão preparadas para recepcionar um
número crescente de processos e buscou-se, por meio da legislação, solucionar
estes problemas tornando o processo mais célere. Entretanto, tais reformas podem,
em alguns casos, corresponder a um retrocesso por tornarem mais dificultoso o
acesso ao Poder Judiciário. Logo, depreende-se que:
Não basta, pois, que se assegure o acesso aos tribunais, e, consequentemente, o direito ao processo. Delineia-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias resguardadas ao consumidor da justiça, em um breve prazo de tempo, isto é, dentro de um prazo justo, para a consecução do escopo que lhe é reservado.
69
Outro ponto de relevo diz respeito aos óbices ao acesso à Justiça criados
pelo legislador infraconstitucional, sem o devido permissivo do legislador
constitucional. Pode-se citar, como exemplos, dois casos: o primeiro atinente ao
habeas data e o segundo sobre o artigo 557 do Código de Processo Civil, no qual
foram ampliados os poderes do relator nos recursos permitindo o julgamento
monocrático como se verá adiante.
O habeas data é uma ação constitucional que tem como função dar
conhecimento, adicionar e retificar informações constantes nos registros e bancos de
dados de entidades governamentais ou de caráter público. A referida ação
constitucional está prevista no artigo 5º, inciso LXXII, alínea “a”, da Constituição da
República, não havendo menção no dispositivo da necessidade de impetração
mediante prova pré-constituída. A Lei Federal nº 9.507/1997 acrescentou o requisito
da prova pré-constituída para impetração da referida ação constitucional, que
acarreta, como dito, uma barreira de acesso ao Judiciário e é entendida por parte da
doutrina como inconstitucional, como segue abaixo o entendimento de Nelson Nery
Jr.
69
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 87-88.
35
O texto constitucional não exige prova pré-constituída para impetração do habeas data, assim, eventual exigência de prova documental pré-constituída em habeas data é inconstitucional por ferir o princípio do acesso à Justiça.
70
O segundo exemplo se refere à norma contida no artigo 557 do Código de
Processo Civil. O artigo 557 do Código de Processo Civil, modificado pela Lei
Federal nº 9.756/1998,71 ampliou os poderes do relator, podendo este, nas hipóteses
previstas neste dispositivo de lei, julgar monocraticamente recurso.
Assim, com o advento da L9756, de 17.12.1998, publicada no DOU de 18.12.1998, p. 1 com retificação publicada no DOU de 5.1.1999, p. 1, foram ampliados os poderes do relator no julgamento dos recursos, tanto nos tribunais locais (estaduais e federais) como no STJ e STF. O Relator pode indeferir recurso manifestamente inadmissível, bem como dar ou negar provimento a recurso, observando súmula do próprio tribunal ou de tribunal superior, bem como sua jurisprudência dominante (CPC 557, § 1º-A e 544 § 3º, com a nova redação). A nova redação do CPC 544 §§ 1º e 2º dada pela L10352, de 26.12.2001 aperfeiçoou a sistemática, não alterando os poderes do relator. Dessas decisões singulares do relator cabe agravo interno para o órgão colegiado competente para julgar o mérito do recurso.
72
O dispositivo foi alterado com o fundamento de garantir e assegurar maior
celeridade processual na prestação da tutela recursal. Entretanto, parte da doutrina
critica o dispositivo, como Nelson Nery Jr.:
Quando a Constituição Federal confere atribuição a órgão colegiado para julgar determinada causa em regime de competência originária ou julgar recurso, significa que se deve observar necessariamente o julgamento colegiado.
73
70
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 187. 71
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. § 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. § 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. § 2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.” 72
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 203. 73
Ibidem, p. 202.
36
Assim, como regra, o julgamento pelo Tribunal, seja em sede de ação
originária ou em sede de tutela recursal, deve ser feito pelo colegiado, em
decorrência da sua própria natureza e estrutura. No mesmo sentido, Fredie Didier Jr.
e Leonardo Carneiro da Cunha:
Nos tribunais, as decisões, em princípio, devem ser colegiadas. É o que se chama de colegialidade das decisões dos tribunais. Com efeito, os tribunais são estruturados para emitir decisões colegiadas, com vistas a obter, com maior grau de probabilidade, o acerto e a justiça do julgamento final.
74
Para Fabiano Carvalho,75 que defende o julgamento monocrático, existem
duas razões enfatizam o princípio da razoável duração do processo e a alteração do
artigo 557 do Código de Processo Civil: a abreviação do rito recursal e a qualidade
da decisão. Todavia, alguns questionamentos se fazem necessários diante da
norma contida no artigo 557 do Código de Processo Civil.
Inicialmente, quanto à celeridade na tramitação dos recursos: a oscilação nas
posições sedimentadas nos Tribunais sobre sua própria jurisprudência, as
divergências em decisões interna corporis dos Tribunais e, ainda, a divergência
existente nos diversos Tribunais do país, inclusive no Superior Tribunal de Justiça.
74
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil – Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos Tribunais. 10. ed. Salvador: JusPodivm 2012. p. 560. 75
“[...] A primeira razão é que se abrevia o procedimento do trâmite do recurso. Veja-se, por exemplo, a apelação interposta contra decisão que adotou tese pacificada nos tribunais de superposição. Distribuídos, os autos subirão conclusos ao relator, que, depois de estudá-los, os restituirá à secretaria com o seu ‘visto’ e com a exposição dos pontos controvertidos sobre o que versar o recurso. Depois, os autos serão conclusos ao revisor que também aporá seu ‘visto’ e pedirá dia para julgamento. Os autos, em seguida, serão apresentados ao presidente, que designará dia para o julgamento, mandando ainda, publicar a pauta no órgão oficial. No dia da sessão de julgamento, o relator faz a exposição da causa, e, se for o caso, dá a palavra aos patronos do recorrente e do recorrido, respectivamente, pelo prazo de 15 minutos para cada um, a fim de que se sustentem as razões do recurso. Encerrada a sustentação oral, são colhidos os votos, e, se houver pedido de vista, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator, ou se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor. No entanto, se o relator utilizar os poderes que lhe foram atribuídos pela norma do art. 557, caput, do CPC, abreviará todo o trâmite da apelação, julgando-a unipessoalmente. Sem sombra de dúvida, a tutela jurisdicional será prestada em menos tempo. A segunda razão diz respeito à qualidade da decisão. A decisão unipessoal proferida pelo relator não perde o atributo valor, nem segurança jurídica, uma vez que o recurso é manifestamente inadmissível, prejudicado ou que a tese jurídica, consagrada na decisão, já foi exaustivamente discutida perante o tribunal competente para o julgamento do recurso ou diante dos tribunais superiores e é tida como posição dominante.” CARVALHO, Fabiano. Poderes do relator nos recursos – Art. 557 do CPC. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 30-31.
37
Diante disso, a parte inconformada face a decisão do relator tem a possível
(ou remota) chance de modificação do julgado frente a oscilação de decisões dos
Tribunais locais e de sobreposição: para tanto, um novo instrumento processual, que
seria a interposição de agravo interno para julgamento colegiado (que existe
justamente em abono a colegialidade das decisões dos tribunais).
O resultado da decisão monocrática proferida e da consequente possibilidade
desta ser desafiada por recurso é que, ao invés de tornar o processo mais célere, o
deixa mais lento do que o inicialmente esperado – com a aplicação do artigo 557 do
Código de Processo Civil.
Outro ponto que se questiona é a qualidade da decisão do relator uma vez
que o processo foi a recurso num Tribunal exatamente para que houvesse o debate
diante do julgamento colegiado, público, inclusive com a possibilidade de
sustentação oral das partes envolvidas. A matéria que inicialmente poderia ser vista
como pacificada pode apresentar amiúdes que justifiquem uma decisão que fuja da
então aparente jurisprudência pacificada. Ou ainda, caso não seja este cenário,
possa reafirmar a jurisprudência existente e, assim, em longo prazo, sirva ao
desestímulo em outros processos acerca da interposição de novos recursos, pela
impossibilidade de modificação da decisão desafiada, pois “ao Judiciário não é dado
o poder de inovar, sendo esta, tarefa de lei; a jurisprudência deve manter-se mais
visivelmente estável, sendo mudanças em geral, malvistas e nocivas para a
sociedade”76 quando não devidamente discutidas e fundamentadas.
As demandas “devem ser decididas pormenorizadamente, na sua pela
complexidade social, mas a decisão deve ser fundamentada como a emanação de
uma visão coerente e imparcial de equidade e justiça porque, em última análise, é
isso que o império da lei realmente significa”.77
Em suma, o debate sempre traz a possibilidade de maior qualidade nas
decisões. Esta foi a concepção originária da criação de órgãos colegiados para
julgamento de recursos: três julgadores podem ter pontos de vista distintos, mas
convergirem para uma solução comum e mais justa do que um único homem,
76
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Noções introdutórias – Tensão entre estabilidade e evolução – O que cabe à lei? O que cabe à jurisprudência – Ambientes decisionais. In: ______ (coord.). Direito jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 13. 77
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. VIII.
38
sozinho em seu gabinete, e havendo divergências entre os julgadores, este fator
pode, a princípio, demonstrar que se trata de um hard case ou de um distinguishing.
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier:
Um hard case, a meu ver, é um caso que deva ser resolvido à luz de regras e/ou princípios típicos de ambientes decisionais frouxos cuja solução não está clara na lei, ou realmente não está na lei, e deve ser “criada” pelo Judiciário, a partir de elementos do sistema jurídico. Hard cases podem dizer respeito a situações sociais em relação as quais esteja havendo, no plano dos fatos, uma alteração de valores e/ou comportamental. [...] Os hard cases decorrem também da complexidade e da pluralidade de pontos de vista que há em nossas sociedades.
78
Ainda nos dizeres de Teresa Arruda Alvim Wambier:
O distinguishing acontece quando não se aplica um precedente a um caso, porque este apresenta uma peculiaridade qualquer, que justifica o afastamento da regra fixada anteriormente daquele caso, embora o precedente sobreviva.
79
Não se ventila aqui a inconstitucionalidade do dispositivo, mas, sim, que este,
ao contrário do motivo que o levou a ser concebido, não contribui para a celeridade
no trâmite processual. Pelo contrário: à medida que a parte pode interpor agravo
interno contra a decisão monocrática do relator para possibilitar um julgamento
colegiado leva à morosidade do trâmite.
Quanto à sua constitucionalidade este texto se filia à posição de Nelson Nery
Jr.:
Mudando nosso posicionamento sobre o tema, expedido nas edições anteriores deste livro – até a 7ª em 2002, entendemos que esses dispositivos não são inconstitucionais nem ferem o princípio constitucional do direito de ação. Isto porque o relator atua como juiz preparador e tem o poder de indeferir, dar ou negar provimento a recurso por medida de economia processual. Mas, caso o interessado não se conforme com a decisão monocrática do relator, tem o direito de encaminhar seu inconformismo ao órgão colegiado ao qual pertence o relator, órgão esse competente para julgar o mérito do recurso. Com isso fica preservada a competência do órgão colegiado,
78
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Noções introdutórias... cit., p. 27 e 29. 79
Ibidem, p. 40.
39
que não sobrecarrega e fica aliviado com a decisão preliminar do relator.
80
Assim, entende-se a constitucionalidade do dispositivo em sede de decisão
monocrática exarada pelo relator pelos Tribunais locais – estaduais e federais, com
as ressalvas tecidas no que concerne à celeridade inicialmente pensada na criação
deste expediente. Entretanto, há mais uma possibilidade de recurso, o que não
contribui para a celeridade buscada pelo dispositivo.
Sobre o tema cabe outra ressalva: quanto à aplicação do dispositivo junto ao
Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Os poderes concedidos
ao relator nestes tribunais são restritivos e previstos na Constituição Federal. Diante
das restrições a estas vias recursais por meio de recurso especial e recurso
extraordinário, respectivamente, a ampliação dos poderes do relator necessitaria de
introdução por meio de emenda constitucional, e não por meio de lei federal. No
mesmo sentido está Nelson Nery Jr.:
Como a competência do STF e STJ para julgamento dos recursos extraordinário e especial está regulada pela Constituição Federal, é vedado à lei processual infraconstitucional, e também ao regimento interno desses Tribunais, disciplinar a matéria diversamente. Fixada a competência do Tribunal, órgão colegiado, pelo texto constitucional, não pode a lei ordinária dizer que a competência não é mais do colegiado, mas de magistrado singular.
81
Destarte, conclui-se que, por vezes, reformas processuais podem levar na
direção oposta daquela inicialmente avençada. No caso, com o escopo de buscar a
consagração do princípio constitucional da razoável duração do processo algumas
reformas geraram mais entraves ao procedimento, com maior dispêndio de tempo e
menos efetividade na marcha processual.
1.3. O Devido Processo Legal
O princípio em tela encontra-se insculpido expressamente no artigo 5º, inciso
LIV, da Constituição da República de 1988 e pode ser considerado o princípio
80
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 203. 81
Ibidem, p. 205.
40
constitucional fundamental do processo civil, pois dele decorrem todas as
consequências que visam a garantir aos litigantes o direito a um processo com
contraditório, ampla defesa, igualdade de armas e obtenção de um provimento final
justo. Em suma, do princípio do devido processo legal decorrem todos os princípios
constitucionais atinentes ao direito processual.
Acerca do princípio do devido processo legal – due process of law, se
manifesta Eduardo Arruda Alvim:
É, pois, o princípio do devido processo legal, como se acentuou, princípio fundamental. Dele decorrem todos os demais princípios processuais insculpidos no texto constitucional, tais como a proibição de prova obtida por meio ilícito, o contraditório propriamente dito, a publicidade dos atos processuais.
82
No mesmo sentido, Nelson Nery Jr.:
O princípio fundamental do processo civil, que entendemos como a base sobre a qual todos os outros princípios e regras se sustentam, é o do devido processo legal, oriunda da inglesa “due process of law”. A Constituição Federal brasileira de 1988 fala expressamente que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF 5º LIV).
83
O desafio atual do direito processual é o de compatibilizar o princípio em tela
– devido processo legal, do qual decorrem todos os princípios de direito processual,
com outra garantia constitucional – a razoável duração do processo.
As garantias constitucionais que devem ser aplicadas ao processo civil estão todas relacionadas ao devido processo legal ou devido processo constitucional. O grande desafio do direito processual civil contemporâneo é, sem dúvida, o de conciliar o respeito às garantias do devido processo legal com a necessária rapidez na solução do litígio, em busca da efetividade do processo. O inciso LXXVIII acrescido ao artigo 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45, passou a prever expressamente a garantia constitucional da razoável duração do processo.
84
82
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 125. 83
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 79. 84
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; NOLASCO, Rita Dias. Crescente utilização da tutela antecipatória em busca da agilização processual – Eficácia do provimento liminar da antecipação da tutela – Efeitos dos recursos e a duração razoável do processo. In: OLIVEIRA, Bruno Silveira de; JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NOLASCO, Rita Dias; MAZZEI, Rodrigo (coord.). Recursos e a razoável duração do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 38.
41
Assim, não se pode ignorar a necessidade de preservar garantias
constitucionais como o devido processo legal (ou melhor, devido processo
constitucional) em tempos de reformas processuais pela celeridade processual. Do
devido processo legal decorrem os demais princípios processuais como
contraditório, ampla defesa, publicidade dos atos processuais e motivação das
decisões judiciais.
O princípio teve origem na Inglaterra, na Carta Magna de 1215,85 sendo que
apenas a partir do século XVII o princípio ganhou importância nos Estados Unidos
da América. Dele se extraem dois sentidos: um sentido material (ou substantivo) e
outro sentido processual, ou seja, o princípio em tela tem “forma bipartida, pois há o
substantive due process e o procedure due process”.86
Quanto ao sentido material, ou substantivo (substantive due process), pode-
se compreender seu viés no campo do direito material: no Direito Penal, em que se
proíbe retroatividade de leis penais mais severas; no Direito Administrativo, com o
princípio da legalidade dos atos administrativos; e no Direito Civil com o respeito ao
ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.
Em seu sentido substantivo o princípio do devido processo legal também traz
uma ligação como o postulado87 da proporcionalidade (ou princípio da
proporcionalidade)88 fazendo uma ponte de ouro com a justiça do provimento
jurisdicional:
85
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 126. 86
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 83. 87
Ver ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit. 88
“Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of Law (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 – RTJ 178/22-24, v.g.): ‘O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrado suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of Law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria
42
As decisões jurídicas hão de ser, ainda, substancialmente devidas. Não basta sua regularidade formal; é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta. Daí, fala-se em um princípio do devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo, também. É desta garantia que surgem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aqui tratados como manifestação de um mesmo fenômeno.
89
O postulado/princípio da proporcionalidade também está intimamente ligado à
tópica, ou seja, critérios interpretativos utilizados para harmonizar regras e princípios
aparentemente colidentes diante de um problema. Ou seja: determinando critérios
de apreciação do caso concreto que nortearão a decisão judicial.
O aspecto mais importante na análise da tópica constitui a constatação de que se trata de uma técnica do pensamento que está orientada para o problema. Aristóteles tem ressaltado essa questão diversas vezes.
90
Logo:
Na medida em que se possa tomar por método interpretativo, o princípio da proporcionalidade tem muito a ver com a tópica, embora os juristas alemães não hajam ainda atentado para este aspecto. Com efeito, o critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se apresenta consideravelmente com a equidade e é um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais, que após submeterem o caso a reflexões prós e contras (Abwägung), a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso (Übermassverbot), concretizam assim a necessidade do ato decisório.
91
constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of Law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente público discricionário do legislador (RTJ 176/578-580, rel. Min. Celso de Mello, Pleno).” (STF, RE 374.981/RS, j. 28.03.2005, rel. Min. Celso de Mello, publicada no Informativo do STF 381). 89
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 34. 90
VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência... cit., p. 33. Ver também ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit. 91
BONAVIDES, Paulo. Curso... cit., p. 426.
43
Nos dizeres de Robert Alexy fica claro o viés interpretativo do
postulado/princípio e sua função no balanceamento entre princípios aparentemente
colidentes para solução do caso concreto:
Como mandamentos de otimização, princípios exigem uma realidade mais ampla possível em face não apenas das possibilidades fáticas, mas também em relação às possibilidades jurídicas. Essas últimas são determinantes, sobretudo pelos princípios colidentes. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito – a terceira máxima parcial da máxima da proporcionalidade – expressa o que significa a otimização em relação aos princípios colidentes. Ela é idêntica à lei do sopesamento, que tem a seguinte redação: “Quanto maior o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”.
92
Quanto ao sentido formal ou processual, o princípio do devido processo legal
se projeta para a relação processual, que deve seguir normas pré-estabelecidas e
garantir igualdade de armas para as partes. Assim, enfaticamente, pode-se citar os
exemplos do postulado/princípio da isonomia (igualdade entre as partes) como
corolário do devido processo legal, quanto ao respeito ao direito de defesa e ao
contraditório, assim como a publicidade dos atos processuais e a motivação das
decisões judiciais. Ou seja, “nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte
ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se de modo mais amplo
possível, isto é, de ter his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte
dos Estados Unidos”.93
Segundo a doutrina, o devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito de ser processado e processar com regras previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio.
94
92
ALEXY, Robert. Teoria... cit., p. 593. 93
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 87. 94
Ibidem, p. 39.
44
O Supremo Tribunal Federal reconhece tanto o sentido formal (processual)
quanto o sentido substantivo (de direito material) do princípio do devido processo
legal.95
Assim, é evidente a importância do princípio ora tratado, por ser este um
princípio fundamental não só do direito processual, mas por seus reflexos para o
direito material, assim como a sua ligação com a proporcionalidade enquanto
postulado que orienta o sopesamento e harmonização de outros princípios quando
necessária uma solução diante do caso concreto.
1.4. O Contraditório
O princípio do contraditório é tradicionalmente expresso nas Constituições do
Brasil, desde a Constituição do Império de 1824, em seu artigo 179, inciso VIII, bem
como nas subsequentes: CF de 1891, no artigo 72, § 16; CF de 1934, artigo 113, nº
24; CF de 1937, artigo 122, nº 1196; CF de 1946, artigo 141, § 25; CF de 1967, artigo
150, § 15; e, CF de 1969, artigo 153, § 15.97
Na Constituição de 1988 o dispositivo encontra-se previsto expressamente no
artigo 5º, inciso LV. Segundo Didier Jr.:98
O processo é um instrumento de composição de conflito – pacificação social – que se realiza sob o manto do contraditório. Contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência na decisão.
99
O princípio do contraditório reafirma o princípio da igualdade na medida em
que garante, no processo judicial e no processo administrativo, a igualdade de
95
STF, AgRg no AgIn 558.682/SP, 2ª Turma, j. 29.05.2012, rel. Min. Joaquim Barbosa. No mesmo sentido: STF, RE 611.023/RJ, 2ª Turma, j. 15.05.2012, rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 107.082/RS, 2ª Turma, j. 27.03.2012, rel. Min. Ayres Britto. 96 , à época de vigência, o referido n. foi suspenso pelo Decreto 10.358/1942 97
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 207. 98
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”. 99
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 45.
45
armas (Waffengleichheit), ou seja, as partes possuem o mesmo tratamento e as
mesmas oportunidades (Chancengleichheit), não só apenas de participação no
processo, mas principalmente a faculdade de, por meio das suas manifestações,
influir para a decisão final.
De acordo com Nelson Nery Jr.:
O princípio do contraditório, além de se constituir fundamentalmente em manifestação do princípio de estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quando o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.
100
Cumpre ressaltar que esta igualdade não deve ser uma igualdade meramente
formal, mas sim uma igualdade de armas do ponto de vista substancial, ou seja, uma
paridade fática efetiva (ou o mais efetiva possível) posta aos litigantes.
O princípio do contraditório reflete a democracia, incluindo-se a reafirmação
do Estado Democrático de Direito, como também uma democracia endoprocessual.
Democracia no processo recebe o nome de contraditório. Democracia é participação; e a participação no processo se opera pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como manifestação do exercício democrático de um poder.
101
No mesmo sentido está Eduardo Arruda Alvim sustentando que “o princípio
do contraditório apresenta-se como uma consequência natural do Estado de
Direito”.102 Assim, cabe ao legislador, ao elaborar as leis, assegurar a isonomia entre
as partes para igual tratamento em processos judiciais e administrativos; e ao
julgador, ao aplicar a lei e conduzir o processo, assegurar esta igualdade entre os
litigantes.
Ao juiz cabe garantir aos litigantes igualdade de tratamento (artigo 125, inciso I do CPC) e, por consequência o contraditório. Ao juiz, como sujeito do processo, compete participação ativa na observância do contraditório, pelo que se pode concluir que os litigantes tem a
100
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 208. 101
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 45. 102
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 145.
46
garantia, o direito ao contraditório, ao passo que o juiz tem o dever de lhes assegurar o contraditório.
103
Desse modo, o princípio do contraditório significa “a necessidade de dar
conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de
outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam
desfavoráveis”.104 Às partes deve ser dada a oportunidade de serem ouvidas e
influírem no resultado, produzindo provas, tomando ciência dos atos processuais e
se manifestando diante destes. Mas trata-se de uma faculdade da parte exercer seu
direito ao contraditório, podendo o seu não agir lhe ser desfavorável. Nesse
processo, a efetivação do contraditório, porém, é dada pela a capacidade de influir
no resultado, e não apenas de ser formalmente ouvida:
Há o elemento substancial dessa garantia. Há um aspecto, que eu reputo essencial, denominado, de acordo com a doutrina alemã de “poder de influência”. Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.
105
A garantia do contraditório, a bilateralidade do processo, na Constituição de
1988 não é apenas assegurada para os processos judiciais (civis e penais),106 mas
também para processos administrativos, tamanha sua importância para a
democracia:
No processo administrativo igualmente incide o princípio do contraditório, os demais princípios constitucionais (devido processo legal, duração razoável do processo, proibição da prova obtida ilicitamente, motivação das decisões administrativas, duplo grau de jurisdição, ampla defesa etc.).
107
No mesmo sentido, Eduardo Arruda Alvim:
103
DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório e sua dupla destinação. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, v. 1, nº 43, p. 124, 2002. 104
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 210. 105
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 45. 106
As Constituições anteriores apenas previam expressamente a garantia do contraditório no âmbito do processo penal. 107
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 214.
47
Como dito, os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se também aos procedimentos administrativos. Desse modo são nulas as sanções administrativas aplicadas em decorrência de procedimento em que não se tenha ensejado ao acusado conhecimento dos atos praticados e possibilidade de ampla defesa (por exemplo, com a produção de provas que entender adequadas/pertinentes).
108
Desse modo, o contraditório deve ser garantido e assegurado em todo tipo de
processo, sendo que por sua natureza, no processo penal, o princípio em tela se faz
presente com maior ênfase e profundidade do que no processo civil e nos
procedimentos administrativos.
Pelos direitos tutelados no direito penal, a liberdade se vislumbra maior
incidência do princípio, em que se perquire a verdade real e não apenas a verdade
formal como no processo civil.
Mas frise-se que este deve sempre estar presente para possibilitar a
bilateralidade de audiência das partes, propiciando a produção de provas com o
escopo de influir na decisão final.109
Entretanto, essa maior ênfase do processo penal não diminui sua importância
no processo civil, inclusive no processo de execução, mesmo havendo um título,
seja judicial, seja extrajudicial a ser executado, o princípio em tela tem campo para
incidência. A doutrina contemporânea tende a afirmar que, mesmo no caso do
inquérito policial em que o imperativo é a inquisitoriedade sem a presença do
contraditório, há entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal,
exteriorizado pela Súmula Vinculante 14,110 do acesso amplo do defensor do
acusado às provas ali documentadas.
No processo civil, mesmo em casos de antecipação dos efeitos da tutela e
medidas cautelares, o contraditório existe e é apenas postergado, ou seja, será
exercido em momento posterior, não havendo sua violação.
108
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 146. 109
Neste sentido é a Súmula Vinculante 3: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial da aposentadoria, reforma e pensão”. 110
Súmula Vinculante 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo dos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
48
Em suma, sacrifica-se provisoriamente o contraditório, em prol da efetividade do processo (interesse superior da justiça), pois sem a decisão inaudita altera parte o processo corre o risco de não ser eficaz. Porém, à parte prejudicada pela decisão será dado o direito de sobre ela se manifestar, e de interpor recurso à instância ad quem, se entender necessário. Além disso, há de se considerar que as medidas liminares são, por excelência, provisórias, o que corrobora a ideia de que as liminares inaudita altera parte não colidem com o princípio do contraditório e da ampla defesa.
111
Entretanto, é importante ressaltar que há a violação do princípio do
contraditório nos casos de decisão surpresa, sobre fatos periféricos não debatidos
diretamente pelas partes ou, ainda, no caso de decisão que resolva sobre questões
de ordem pública sem a prévia manifestação das partes sobre esta possibilidade.
Sobre o tema, Nelson Nery Jr. afirma:
A proibição de haver decisão surpresa no processo, decorrência da garantia instituída pelo princípio constitucional do contraditório, enseja ao juiz o poder-dever de ouvir as partes sobre todos os pontos do processo, incluídos os que possivelmente poderão ser decididos por ele, seja a requerimento da parte ou interessado, seja ex officio. Trata-se da proibição da sentença de “terceira via”. [...] Caso o juiz decida de ofício, sobre questão de ordem pública não submetida ao exame das partes, essa decisão será nula por violação do princípio do contraditório. É certo que, ao decidir questão de ordem pública sem ouvir previamente as partes, o juiz beneficiará uma delas e prejudicará a outra, razão por que essa decisão-surpresa terá ofendido a paridade de armas e será, portanto, nula.
112
O mesmo autor enfatiza a violação do contraditório no caso de decisão-
surpresa sem a bilateralidade de audiência das partes.
A proibição de decisão-surpresa, manifestação do contraditório no processo vincula o juiz a abrir o debate entre as partes sobre todas as questões que podem ser resolvidas de ofício no curso do processo.
113
O novo Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015), sancionado
pela Presidente da República e publicado no DOU em 16.03.2015, prevê
111
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 149. 112
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 226 e 228. 113
Ibidem, p. 230.
49
expressamente no seu artigo 10114 a proibição de decisão-surpresa tendo em vista
os princípios do contraditório e da ampla defesa.115
Desse modo, o princípio em tela é o reflexo da democracia e do Estado
Democrático de Direito no âmbito do processo, seja civil, penal ou administrativo, e
reafirma a igualdade substancial que deve estar presente entre os litigantes,
assegurando às partes a ampla (e não irrestrita) possibilidade de participar, produzir
provas, bem como influir no âmago intimo do julgador que proferirá a decisão.
1.5. A Ampla Defesa
O princípio da ampla defesa, assim como o princípio do contraditório, está
expressamente previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.
Ambos podem ser compreendidos como duas faces de uma mesma moeda, pois,
para que a ampla defesa exista, o contraditório necessariamente também deve se
fazer presente.
[...] são figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório [...] O contraditório é o instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, este se realiza através do contraditório.
116
114
Novo Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015), que revogou a Lei nº 5.869/1973: “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. 115
“Sob a perspectiva da segurança jurídica dentre outras medidas, procura-se estabelecer uma intensa necessidade de contraditório, à luz, evidente, de uma visão que deflui da Constituição Federal. O PLS 166/2010 – texto em tramitação na Câmara dos Deputados como PL 8.046/2010 – prevê, por exemplo, que mesmo as decisões judiciais que independem de provocação das partes, a respeito de questões de ordem pública, devem ser precedidas de contraditório, com efetiva oportunidade de prévia manifestação dos interessados (arts. 9º e 10). A exigência dessa medida – que evidencia o propósito legislativo de concretizar o princípio constitucional do contraditório – aplica-se não apenas às decisões relativas a controvérsias fáticas, mas também aquelas decisões eminentemente jurídicas. Nesta linha o art. 10 do PLS 166/2010 – texto em tramitação na Câmara dos Deputados como PL 8.046/2010 – é enfático ao vedar o juiz de decidir com base em ‘fundamento’ a respeito do qual ‘não se tenha dado as partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual se tenha que decidir de ofício’.” ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 106. 116
MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 55.
50
Assim, a instrução de qualquer processo, inclusive na esfera administrativa,
será necessariamente contraditória, com ampla defesa, e com os meios e recursos a
isso inerentes.117
De acordo com Nelson Nery Jr.:
Ampla defesa significa permitir às partes a dedução adequada de alegações que sustentam sua pretensão (autor) ou defesa (réu) no processo judicial (civil, penal, eleitoral e trabalhista) e no processo administrativo, com consequente possibilidade de fazer prova dessas mesmas alegações e interpor os recursos cabíveis contra as decisões judiciais e eleitorais.
118
Em sentido análogo, Fredie Didier Jr. afirma:
Convém lembrar, ainda, que a ampla defesa é “direito fundamental de ambas as partes”, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório. Trata-se do aspecto substancial do contraditório.
119
Assim, do direito à ampla defesa, intimamente ligado ao contraditório, também
decorre o direito de produção das provas, uma vez que a produção de provas efetiva
a ampla defesa: isso significaria elencar o direito sem possibilitar meios à parte
litigante para seu exercício, assim, o “direito à prova, pois, está imbricado com a
ampla defesa e dela é indissociável”.120
Outra questão referente ao direito à ampla defesa diz respeito à assistência
jurídica ampla e gratuita: conforme já dito, sem prestação de serviços deste gênero
aos necessitados, viola-se não só a ampla defesa e o contraditório como o próprio
acesso à ordem jurídica e ao Poder Judiciário.
A assistência jurídica, integral e gratuita, deve ser compreendida da forma
mais ampla possível, inclusive com assistência extrajudicial.121 Assim, a assistência
117
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 133. 118
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 248-249. 119
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 50. 120
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 249. 121
“Assim, afastar a ‘pobreza no sentido legal’ – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar a justiça e as instituições – não era preocupação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laissez faire só podia ser obtida por aqueles que pudessem arcar com os custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram condenados por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.” Ver: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça cit., p. 4.
51
jurídica além de permitir o acesso à Justiça, fortalece o princípio em questão, pois
garante ao litigante carente a possibilidade não só de ingressar em juízo, mas ter
assistência técnica gratuita permitindo que utilize os mecanismos de ataque e defesa
previstos em lei, bem como que produza provas e tenha orientação técnica de como
se portar perante o Juízo.
É direito fundamental de todos o acesso à assistência jurídica integral que compreende não apenas a assistência, isto é, a defesa da pessoa em juízo – civil, criminal, trabalhista, eleitoral –, cujo regulamento se encontra previsto na LAJ, como também a assessoria extrajudicial.
122
Por outro lado, para garantir a ampla defesa é necessária a presença de
profissional habilitado (um advogado) para assegurar todos os meios previstos em
lei inerentes, necessários e imprescindíveis à defesa, ou seja, imperiosa se faz a
capacidade postulatória.
A defesa para ser ampla tem que ser patrocinada por profissional legalmente habilitado, que tenha capacidade postulatória, qualidade ostentada pelo advogado, defensor público, procurador da advocacia pública em geral e membro do Ministério Público. A defesa leiga, sem advogado, não é ampla, mas restrita.
123
Inclusive a ampla defesa deve integrar os procedimentos administrativos, por
implicar sanções. Neste sentido ensina Eduardo Arruda Alvim:
[...] os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se também aos procedimentos administrativos. Desse modo, serão nulas as sanções administrativas aplicadas como decorrência de procedimento em que não se tenha ensejado ao acusado, conhecimento dos atos praticados e possibilidade de ampla defesa (por exemplo, com a produção das provas que entender adequadas/pertinentes).
124
No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento expresso
na Súmula Vinculante 3.125
122
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 250. 123
Ibidem, p. 251. 124
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 130. 125
Súmula Vinculante 3: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato
52
E, ainda, não se pode deixar de observar que a ampla defesa tem dois vieses:
a defesa técnica, como mencionado acima, e a autodefesa. Ambas, juntas,
compreendem o princípio da ampla defesa, e devem ser usadas em conjunto para
que o princípio em tela seja obedecido. Neste sentido Nelson Nery Jr. afirma:
O direito de ampla defesa possui duplo perfil, caracterizado pela defesa em sentido técnico (defesa formal) e pela defesa em sentido material (autodefesa). [...] A autodefesa é o direito garantido ao réu de fazer-se presente com as próprias desculpas e com as próprias exceções toda vez que se o acusa ou se aja contra ele em determinado procedimento.
126
A autodefesa nada mais é do que o direito da parte de presença, direito este
de ter estar presente e tomar ciência dos atos processuais desenvolvidos, bem como
o direito de audiência, ou seja, de ser ouvido, possibilitando, assim, dar sua versão
aos fatos, apresentando fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito
ventilado pela parte adversa.
Por todo o exposto, conclui-se que o princípio da ampla defesa qualifica o
contraditório, tornando-o efetivo, bem como a possibilidade de, por meio do seu
exercício, assegurar a isonomia de tratamento bem como a isonomia entre as
partes, assim, se passa a tratar da isonomia no próximo assunto deste trabalho.
1.6. Isonomia do Tratamento entre as Partes
A isonomia do tratamento entre as partes tem assento constitucional no artigo
5º, caput e inciso I, da Constituição Federal de 1988: todos são iguais perante a lei,
devendo as partes ter tratamento isonômico, ou seja, com igualdade.
Arruda Alvim afirma sobre o tema:
Essa igualdade é estabelecida pelo legislador por que assume que os litigantes são iguais, não havendo razão para favorecer um
administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. 126
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 251.
53
determinado autor em detrimento de um determinado réu. Assim, autor e réu não poderá ter tratamento desigual.
127
Logo, para que as partes de fato tenham tratamento isonômico, não basta que
a igualdade seja formal. O princípio em tela fomenta a existência de uma igualdade
material (ou substancial). Para tanto, deve se tratar iguais de forma igual e desiguais
de forma desigual, na medida de suas desigualdades.
Por isso é que são constitucionais dispositivos legais discriminadores, quando desigualam corretamente os desiguais, dando-lhes tratamentos distintos; e são inconstitucionais os dispositivos legais discriminadores, quando desigualam incorretamente os iguais, dando-lhes tratamentos distintos. Deve buscar-se na norma, ou no texto legal a razão da discriminação; se justa, o dispositivo é constitucional; se injusta, é inconstitucional.
128
No mesmo sentido, Fredie Didier Jr.:
O processo é uma luta. A garantia da igualdade significa dar as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta etc.
129
Teresa Arruda Alvim Wambier desenvolve a discussão informando que o
princípio da igualdade deve ser concebido diante de determinado momento histórico,
diante de alguma discriminação concreta:130
Não se ignora que há quem diga ser, o princípio da igualdade, vazio. Há quem diga que, se segundo o princípio da igualdade, devem-se tratar da mesma forma os iguais, e não os desiguais. A sua aplicação envolverá um juízo de valor (humano e, portanto relativo) quanto as quais características seriam capazes de tornar pessoas iguais e de fazê-las desiguais. Portanto, o ideal seria abandonar este princípio, banindo-o do discurso jurídico. Sedutor o raciocínio, perigosa a conclusão. [...] Veja-se que, historicamente, a cada vez que se formula a pergunta... “e por quê?” se está colocando em dúvida os critérios que faziam crer haver diferenças que justificariam a não incidência do princípio da igualdade. Postos em dúvidas esses critérios, acabam sendo historicamente abandonados. Então rigorosamente, o princípio
127
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 133. 128
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 99. 129
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 44. 130
No mesmo sentido está Ávila (2005) ao tratar dos princípios constitucionais.
54
da igualdade não é vazio: é histórico. Ou seja, seu conteúdo é preenchido diferentemente, em diferentes épocas históricas.
131
Assim, depreende-se que o conceito de igualdade, em especial, igualdade de
tratamento das partes, é um conceito que deve ser preenchido de acordo com a
situação concreta localizada no tempo e no espaço, não deixando de observar os
envolvidos concretamente na relação jurídica processual, pois a isonomia dependerá
da relação estabelecida entre as partes: João, vizinho de José, litigando com José é
algo diferente do que o mesmo João litigando com uma grande multinacional, ou
mesmo, com um grande banco. Para situações como a do segundo exemplo, as
normas regentes são diferentes (podendo haver, por exemplo, a incidência do
Código de Defesa do Consumidor) para assegurar uma isonomia efetiva entre as
partes. Assim:
A correta inteligência do princípio constitucional da isonomia é que permite compreender porque, por exemplo, o Código do Consumidor, por reconhecer o consumidor como o polo mais fraco da relação de consumo, traz em seu bojo regras como a do inciso VIII do art. 6º, que autoriza a inversão do ônus da prova.
132
Em sentido análogo, Arruda Alvim afirma:
Por que é princípio medular, em nosso sistema a igualdade de todos perante a lei, princípio este que é estabelecido de forma expressa pela CF/1988, regra esta expressamente encampada pelo processo (art. 125, I, do CPC), determinativa de que o juiz assegura às partes “igualdade de tratamento”, a solução não pode ser essa. [...]. Trata-se ademais, de enfocar o princípio da paridade de tratamento, menos sob ângulo estritamente formal – todos os autores são tratados da mesma forma e todos os réus de outra forma –, senão que, o quanto possível, equiparam-se as oportunidades de tratamento, ensejando-se, ao autor, e ao réu, que concretamente se defrontam, iguais oportunidades, desde que isso seja possível.
133
Para assegurar a igualdade de tratamento para as partes que litigam no
processo há diversos mecanismos processuais, como a inversão do ônus da prova,
131
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Noções introdutórias... cit., p. 34-35. 132
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 130. 133
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 185.
55
prazos diferenciados para manifestações, o instituto da remessa obrigatória e
tratamento diferenciado para idosos e portadores de doenças graves.134
Todos os expedientes acima elencados corroboram para assegurar
tratamento isonômico nos termos avençados e possuem assento constitucional,
permitindo não só o acesso à ordem jurídica, mas igualdade de armas para as
partes, mesmo que desniveladas,135 para que possam, efetivamente, atuar de forma
isonômica.
1.7. Duplo Grau de Jurisdição
O duplo grau de jurisdição é um princípio relacionado ao escalonamento e à
organização hierárquica dos órgãos jurisdicionais atribuídos pela Constituição,
incluindo um sistema recursal em que se possibilita a revisão dos julgados exarados
por um órgão jurisdicional inferior por outro hierarquicamente superior, com o
objetivo de evitar possíveis injustiças decorrentes de erro de fato ou erro de direito
eventualmente cometidas pelo julgador.
Assim, segundo Eduardo Arruda Alvim:
O princípio do duplo grau de jurisdição assegura às partes o direito de pleitear a revisão das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição. Através dos recursos que visam a implementar o duplo grau de jurisdição (é o caso por excelência, da apelação), as partes poderão pretender o reconhecimento pelo tribunal de erros de direito
134
“Parece-nos que a tramitação mais célere dos processos que envolvam idosos e portadores de doença grave atende, em última análise, aos reclamos de uma Justiça mais igual, não colidindo como princípio constitucional da igualdade. O escopo colimado por referida alteração legislativa estaria ligado à ideia de viabilizar que todas as pessoas que, por uma razão ou outra, são partes em ações judiciais possam vir a obter, em vida, uma decisão do Estado-juiz. O fato de existirem outras camadas da população igualmente merecedoras de atenção do legislador não torna per se, inconstitucional, em nosso entender, o critério discriminatório adotado pelo legislador.” ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 130. 135
“A igualdade, do ponto de vista formal, até agora considerada, não elimina, sendo possível que se hajam de tratar igualmente, de um ponto de vista substancial, autor e réu, de um mesmo processo, ensejando-se-lhes, real e concretamente, igualdade de oportunidades. Aprofundando a significação medular da igualdade, agora sob o ângulo substancial, leis infraconstitucionais podem discriminar a partir da situação concreta de desigualdade reconhecida, para determinadas categorias, procurando reverter a desigualdade concretamente existente. São casos em que a assumida igualdade dos litigantes, pelo legislador, não se justifica, pela razão curial de que não são iguais, é a situação de embate entre o ‘forte’ e o ‘fraco’.” ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 133.
56
ou de erros de fato, já que o duplo grau de jurisdição está eminentemente relacionado à ideia de justiça.
136
No mesmo sentido está Ada Pellegrini Grinover: “O princípio do duplo grau de
jurisdição funda-se na possibilidade da decisão de primeiro grau ser injusta ou
errada, daí decorrendo a necessidade de permitir-se sua reforma em grau de
recurso”.137
Apesar de controvérsias na doutrina e na jurisprudência, firma-se o
posicionamento majoritário de que o duplo grau de jurisdição é um princípio
implícito138 na Constituição da República, pois não há previsão expressa deste no
texto constitucional,139 que decorre do princípio do devido processo legal e corrobora
para a igualdade: “A Constituição Federal não garante de forma expressa o duplo
grau de jurisdição que, todavia, pode-se reputar um princípio constitucional
implícito”.140
De acordo com Nelson Nery Jr.:
As demais Constituições apenas se limitavam a mencionar a existência dos tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente, portanto, havia previsão para a existência de recurso. Mas, frise-se, não garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição.
141
Assim, há autores que defendem que, havendo previsão constitucional acerca
da organização dos tribunais e sua competência para julgamento de recursos, o
136
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 155. 137
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975. p. 138. 138
A Constituição do Império de 1824, em seu art. 158 trazia expressamente a garantia do duplo grau de jurisdição. 139
“Apesar da inexistência de regra constitucional expressa que garanta o duplo grau de jurisdição, parece-nos, como José Frederico Marques, que a regra é imanente na Lei Magna, a qual, como as anteriores, mais que a dualidade de graus de jurisdição, adota o sistema da pluralidade deles. [...] Ainda que não viesse, a esse propósito, um princípio constitucional manifesto e autônomo, no sentido da garantia do duplo grau de jurisdição, sem dúvida alguma seu desrespeito configuraria ofensa ao princípio da isonomia. Quer se trate de um princípio constitucional autônomo, garantido, implicitamente embora, pela nossa Constituição; quer se trate daquele princípio da igualdade a que já nos referimos, haverá, em nosso entender, desrespeito às regras constitucionais do processo quando se suprir o duplo grau de jurisdição. [...] O duplo grau de jurisdição, ainda que não configure – ad argumentandum – garantia constitucional autônoma, faz parte, sem dúvida de alguma, daquele conjunto de garantias que configuram o devido processo legal.” GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios... cit., p. 141-144. 140
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 156. 141
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 285.
57
princípio em questão está implicitamente protegido, tendo em vista a competência
delineada pela Constituição para julgamento dos recursos que possibilita a correção
de eventuais erros e injustiças:
Aos tribunais cabe, em regra, a revisão das decisões já proferidas em primeiro grau (juízo singular), o que constitui sua competência funcional, em razão dos recursos (competência hierárquica, que é absoluta – vejam-se os arts. 93 e 111 do CPC e normas, de organização judiciária).
142
Arruda Alvim entende que, mesmo nos casos de competência originária, está
assegurado o princípio do duplo grau de jurisdição diante da possibilidade da parte
sucumbente interpor recursos especial, extraordinário, ou mesmo, recurso ordinário:
Entretanto, casos há de competência originária dos próprios tribunais, quando os processos são aí diretamente instaurados. Mas, a competência originária dos tribunais não significa que seja elidido, normal e necessariamente, o princípio do duplo grau de jurisdição, que assume outra fisionomia. Pois, depois de julgado no tribunal, há em tese, a possibilidade de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal (ainda que, em ambos os casos, se trate de recursos de estrita revisão e cujo cabimento fica adstrito a pressupostos rígidos). Ademais o recurso ordinário constitucional não tem, diferentemente do recurso extraordinário (CF, art. 102, III a-d, na redação da EC 45/2004) e do recurso especial (CF, art. 105, III, a-c), fundamentação vinculada. Sendo assim, na hipótese ventilada, não se pode sustentar qualquer ofensa ao duplo grau de jurisdição. Antes com a previsão deste recurso ordinário, em sede constitucional (art. 102, II e art. 105, II) ao que o intérprete deve atentar é, precisamente, a confirmação explícita e inequívoca do acolhimento do duplo grau pelo legislador de 1988, como regra geral.
143
No caso da Emenda Constitucional nº 45/2004, que incluiu no artigo 5º os §§
3º e 4º, houve a determinação de que os tratados e convenções internacionais que
versem sobre direitos humanos fundamentais fossem recepcionados, desde que
aprovados por cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação que se
142
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 270. 143
Ibidem, p. 270.
58
atinja três quintos, como emendas à Constituição. Isso iniciou um debate sobre a
incidência do princípio nesses casos.144
Para a Professora Flávia Piovesan, tratados internacionais que versem sobre
direitos humanos, ou seja, garantias fundamentais do indivíduo, são recepcionados
pelo ordenamento jurídico como norma jurídica com status de norma constitucional.
Em suas palavras:
A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais, de que o Brasil é parte, conferindo-lhe hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.
145
No caso da Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de San
José da Costa Rica, de 22.11.1969, artigo 8º, 2, h,146 da qual o Brasil é signatário,
pelo Decreto nº 678, de 06.11.1992, o princípio em questão encontra-se
expressamente previsto, o que levaria à conclusão pela incidência do princípio do
duplo grau de jurisdição no direito processual penal.
144
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”. 145
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 79-80. 146
“Art. 8º Garantias judiciais: [...] 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.”
59
A leitura dessa norma do tratado internacional indica a adoção da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria penal, isto é, o direito de o réu, no processo penal, interpor apelação.
147
Todavia, o Supremo Tribunal Federal apreciou a questão e entendeu que o
princípio do duplo grau de jurisdição não é uma garantia fundamental do indivíduo e
que o tratado em questão foi recepcionado pelo ordenamento com status de lei
ordinária.148
147
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 287. 148
“Ementa. I. Duplo grau de jurisdição no Direito Brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específico: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do que proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio – sem concessões que o desnaturem – não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h consagrou como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de ‘toda pessoa acusada de delito’, durante o processo, ‘de recorrer para juiz ou tribunal superior’. 4. Prevalência da Constituição, no direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quanto a questão – no estágio ainda primitivo de centralização e efetivação da ordem jurídica internacional – é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional – que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional – não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério de solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessas hipóteses, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim, como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle de constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estrutura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo o entendimento – majoritário em recente decisão do STF (ADIn MC 1.480) – que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserve a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantir o duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária, seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça
60
Assim, o princípio do duplo grau de jurisdição, frise-se, mesmo não sendo a
posição doutrinária adotada pelo Supremo Tribunal Federal, pode ser concebido
como um princípio constitucional implícito que decorre do princípio do devido
processo legal, podendo ser mitigado nas hipóteses de competência originária do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Além disso, deve ser
aplicado no direito processual civil,149 não pelo fato da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, ter sido recepcionado pelo
ordenamento jurídico, seja como lei ordinária, seja com status infraconstitucional
superior à lei ordinária, mas, como dito, por decorrer do princípio do devido processo
legal e corroborar com a isonomia.
do Trabalho – que não estão em causa – e da Justiça Militar – na qual o STM não se sobrepõe a outros Tribunais –, assim como as do Supremo Tribunal, com relação aos demais Tribunais e Juízos do país, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores – o STJ e o TSE – estão enumerados taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3. A falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação do caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.” (STF, RO em HC 79.785-7/RJ, Pleno, j. 29.03.2000, rel. Min. Sepúlveda Pertence, m.v., DJU 22.11.2002, p. 57, RTJ 183/1010). 149
Em sentido contrário: “No entanto, a garantia expressa no tratado parece não alcançar o direito processual como um todo, donde é lícito concluir que o duplo grau de jurisdição, como garantia constitucional absoluta, existe no âmbito do direito processual penal, mas não no do direito processual civil e trabalhista”. NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 288.
61
2. A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
A efetividade da prestação jurisdicional depende de diferentes fatores: as
partes, os magistrados, problemas orçamentários que influem no aparelhamento do
Poder Judiciário os quais devem ser considerados na verificação da
responsabilidade, além dos casos em que há a culpa exclusiva do magistrado na
procrastinação de ações (advogados, partes e magistrados estão sujeitos ao
problema) e que podem ensejar sanções específicas.
Tendo essa realidade em vista, os próximos itens tratam da complexidade
que se relaciona com o problema.
2.1. Tempo e Processo
Todo ser humano – e, consequentemente, toda a ação humana – está
localizado no tempo e no espaço: o “tempo constitui-se numa das dimensões
fundamentais da vida humana”.150 Sendo o processo uma ação humana na qual se
estabelece uma relação jurídica processual que visa solucionar conflitos em
sociedade, o tempo é fundamental: o processo visa a solucionar um conflito de
interesses (situado no tempo e no espaço), qualificado por uma pretensão resistida,
por intermédio de procedimento – uma sequência de atos concatenados de uma
forma lógica (cuja lógica é dada pelo conjunto do ordenamento jurídico, a começar
pelos princípios), dirigida para um fim.
Para Fredie Didier Jr.:
O processo é marcha para frente, uma sucessão de atos jurídicos ordenados e destinados a alcançar um fim, que é prestação da tutela jurisdicional. Trata-se de um método de solução de conflitos, que se vale de um conjunto de regras que ordenam a participação e o papel dos sujeitos no processo. A esse conjunto de regras, dá-se o nome de formalismo processual.
151
150
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 474. 151
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 270.
62
A ideia de sucessão de atos, de marcha processual, de desenvolvimento, está
relacionada com a existência da dimensão temporal152 que regula o processo,
ordenando-o e limitando-o: o “tempo é uma dimensão inseparável do processo”.153
Segundo Arruda Alvim:
[...] para o direito em geral, maior é a importância do tempo no processo, pois este constitui-se numa realidade jurídica que nasce, para se desenvolver e morrer. Tudo isto, evidentemente, acontece no tempo, em função do um começo, desenvolvimento e fim. Daí porque são, minuciosamente, não só fixados prazos processuais para a prática dos atos, como também criadas as preclusões.
154
Desse modo, o processo é composto por um complexo de atos e fases, cuja
sucessão é ordenada e limitada temporalmente para uma finalidade – um
provimento jurisdicional para solução de um conflito. Sobre a dinâmica processual,
Cruz e Tucci afirma:
O processo – direção no movimento – consubstancia-se então num instituto essencialmente dinâmico, porquanto não exaure o ciclo vital em um único momento, mas é destinado a desenvolver-se no tempo, possuindo duração própria. Os atos processuais, embora tenham uma determinada ocasião para serem realizados, normalmente não se perfazem de modo instantâneo, mas, sim, desenvolvem-se em várias fases.
155
Acerca do tema, Silvio Luis Ferreira da Rocha sobre a indissociabilidade das
noções de processo e de tempo:
O processo, enquanto meio de expressão da jurisdição, destinada a compor conflitos de interesses ou satisfazer pretensões insatisfeitas, é influenciado pelo tempo, mantendo com ele relação conflituosa.
156
Essa conflitualidade advém do fato de que se busca por meio do processo a
solução de conflitos, a paz social; e, por outro lado, essa pretendida solução
152
O tempo burguês é linear, diferentemente da noção cíclica de tempo que o precedeu. Ver Pugliesi (2010). 153
FERRAZ, Sérgio. Processo administrativo: prazos e preclusões – As leis do processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 294. 154
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 474. 155
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 25. 156
ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Duração razoável dos processos judiciais e administrativos. Interesse Público, nº 39, p. 73-80. Porto Alegre: Notadez, 2006.
63
necessita da fluidez temporal para práticas de atos processuais, as quais demandam
tempo e geram outros conflitos, e podem até prejudicar o alcance do objetivo que
deu início ao processo durante o desenvolvimento da marcha processual:
A semente da verdade necessita, às vezes, de anos, ou mesmo de séculos, para tornar-se espiga (veritas filia temporis)... O processo dura; não se pode fazer tudo de uma única vez. É imprescindível ter-se paciência. Semeia-se, como faz o camponês; e é preciso esperar para colher-se. Ao lado da exigência de atenção, coloca-se a paciência entre as virtudes inafastáveis do juiz e das partes. Infelizmente estas são impacientes por definição; impacientes como doentes, visto que também sofrem. Uma das tarefas dos defensores é aquela de que inspirar-lhes a paciência. O slogan da justiça rápida e segura, que anda na boca dos políticos inexperientes, contém lamentavelmente, uma contradição in adiecto: se é segura não é rápida, se é rápida não é segura.
157
Sobre esse confronto, José Rogério Cruz e Tucci afirma:
Tempo e processo constituem duas vertentes que estão em constante confronto. Em muitas ocasiões o tempo age em prol da verdade e da Justiça. Na maioria das vezes, contudo, o fator temporal conspira contra o processo.
158
Por vezes a realização da justiça necessita do desenrolar do tempo para a
apuração dos fatos, trazendo maior margem de segurança jurídica para o julgador
proferir uma decisão; de outro lado, a parte aguarda, angustiada, não conseguindo,
por vezes, ter este discernimento da necessidade do fator tempo para o deslinde da
solução da sua situação jurídica. Em alguns casos, o provimento jurisdicional leva
tanto tempo que se torna inócuo perpetuando a injustiça, ou permite que apenas a
geração seguinte àquela da parte que deu início ao processo tire proveito da
decisão: a delonga excessiva do processo no tempo “perpetua a angústia e produz
157
CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958. p. 154: “Il seme della verità richiede, a volte, anni, o addirittura secoli, a diventare la pannocchia (veritas filia temporis) ... Il processo dura; Non si può fare tutto in una volta. E ’indispensabile avere pazienza. È seminato, come si fa il contadino; e dobbiamo aspettare per raccogliere. Accanto alla necessità di attenzione, c’è la pazienza inafastáveis tra le virtù del giudice e delle parti. Purtroppo questi sono impaziente per definizione; impaziente come i pazienti, dal momento che anche soffrire. Uno dei compiti dei difensori è quello che li ispirano pazienza. Lo slogan della giustizia veloce e sicuro, camminando nella bocca dei politici inesperti, purtroppo, contiene una contraddizione in adiecto: è sicuro non è veloce, è veloce, non è sicuro”. 158
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 11.
64
enorme prejuízo, material e moral, àqueles que protagonizam o combate
judiciário”.159
A limitação do tempo no processo é dada pelo estabelecimento de prazos
que, segundo Moacyr Amaral Santos, são regidos por “princípios informativos da
teoria dos prazos”,160 quais sejam: o princípio da utilidade, o princípio da
continuidade, o princípio da inalterabilidade, o princípio da peremptoriedade e o
princípio da preclusão.
Em sucintas, mas suficientes palavras, o princípio da utilidade diz que os
prazos devem ser suficientemente úteis (tempo bastante) para a prática do ato
processual; o princípio da continuidade impede a interrupção dos prazos sob pena
de ferir os princípios da brevidade e da utilidade; o princípio da inalterabilidade é
uma consequência do princípio da utilidade, uma vez que o prazo foi concebido em
função de sua utilidade/suficiência para a prática do ato em questão e alterá-lo feriria
o primeiro princípio tanto pela prorrogação quanto pela diminuição; o princípio da
peremptoriedade (dos vocábulos “perimir”, “encerrar”), por sua vez, significa que
todo prazo tem um fim, se encerrando no dia do seu vencimento, de seu termo final;
e, finalmente, o princípio da preclusão (do latim praecludo, que significa fechar), que
torna inadmissível a prática de um ato que não praticado no prazo devido – em
sentido mais amplo significa a perda de uma faculdade ou de um direito processual
que, por não ter sido exercido no tempo oportuno torna-se praticamente extinto: para
que o processo seja finito, como regra, existe “um prazo na lei processual para a
prática de determinado ato, se não praticado neste lapso temporal, não mais poderá
sê-lo”,161 fato este que se denomina preclusão (neste caso a temporal).
159
Ibidem, p. 12. 160
Tais princípios são informadores da atividade processual, entretanto, comportam exceções. Um exemplo claro é a possibilidade de dilação do prazo para conclusão de inventário que, aparentemente, colide com o princípio da inalterabilidade. Ademais, a doutrina contemporânea tem relativizado cada vez mais esses princípios em função de outros (balanceamento de princípios) à luz do caso concreto (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras... cit., v. 1, p. 296 e segs.). Ver ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios... cit. e ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade do Estado pela violação do direito constitucional à razoável duração do processo. Rio de Janeiro. Justiça e Cidadania. nº 69, abr./2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/19904/Responsabilidade_Estado_Pela.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15.10.2014. 161
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 348.
65
Logo, a preclusão temporal nada mais é que “a perda da faculdade de praticar
determinado ato processual, pelo decurso in albis do prazo assinalado para a sua
prática”.162 E o instituto da preclusão é essencial para que o processo atinja seu
objetivo, que é terminar dando uma solução para a litigiosidade apresentada ao
Poder Judiciário, pois “a excessiva duração do litígio vulnera o devido processo
legal”.163
A preclusão é instituto fundamental para o bom desenvolvimento do processo, sendo uma das principais técnicas para a estruturação do procedimento e, pois, para a delimitação das regras que compõe o formalismo processual. A preclusão apresenta-se, então, como um limitador dos exercícios abusivo dos poderes processuais das partes, bem como impede que questões já decididas pelo magistrado possam ser reexaminadas, evitando-se, com isso, o retrocesso e a insegurança jurídica.
164
Para evitar a eternização do conflito e dar efetividade ao Direito e à tutela
jurisdicional os prazos processuais são fundamentais:
Outra questão importante que Cronos pode ser entendido a personificação da noção de ordem temporal no processo implica uma delimitação intencional de prazos, ou seja, lapsos de tempo, para, apresentar os fatos e os direitos e, depois, defendê-lo. Dessa forma, verifica-se que a prática do tempo articula o processo, como instrumento de poder, de realização do direito.
165
Além dos princípios apontados, a doutrina informa outros princípios
específicos, como os princípios da isonomia (para garantir paridade de tratamento
aos litigantes), da brevidade (os atos processuais não podem se postergarem sem
uma limitação temporal), da economia processual (o maior resultado possível com o
menor dispêndio) e da utilidade (o ato deve atender a finalidade para a qual foi
criada).
Conforme já afirmado no texto, uma delonga irrazoável pode dar origem a um
novo conflito. Em outras palavras, uma tutela intempestiva pode fazer com que o
162
Ibidem, p. 360. 163
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 11. 164
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 271. 165
PETERS, Adriana Salgado. O direito à celeridade processual à luz dos direitos fundamentais. Dissertação de Mestrado em Direito, PUC, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5133>. Acesso em: 01.11.2014.
66
processo que é inicialmente um meio de solução, se contamine e dê origem a
novo(s) conflito(s). Neste sentido Arruda Alvim:
Na verdade, o conflito de interesse é um mal, embora inevitável; o processo será um mal se se eternizar, e não desempenhar a função de extinguir o conflito, porque naquela hipótese terá sido contaminado pelo conflito do mesmo, transmudando-se em si, num conflito, perpetuador e alimentador de outro conflito.
166
Esses problemas apontam para a necessidade da razoabilidade do prazo
para a prestação da tutela jurisdicional sob pena de gerar novos conflitos e
comprometer a segurança jurídica, propósito diametralmente oposto à função do
processo. Sobre a tutela prestada intempestivamente José Rogério Cruz e Tucci
afirma:
A intempestividade da tutela jurisdicional, em termos globais, aumenta a incerteza; compromete a segurança jurídica e, por isso, chega até a influir na eficácia da economia.
167
Desse modo, o processo deve se realizar dentro de um prazo razoável para
atingir um equilíbrio entre segurança jurídica – demanda tempo para atingir maior
maturidade para julgamento – e justiça –, pois justiça tardia é uma injustiça
qualificada pelo decurso do tempo.
Desnecessário repetir que o fator tempo, que permeia a noção de processo judicial, constitui desde já muito, a mola propulsora do principal motivo de crise da justiça. [...] Não há dúvida de que entre os acontecimentos da natureza que mais inquietam o homem centra-se o fenômeno tempo.
168
Segundo Pugliesi,169 a sociedade contemporânea, tendo em vista o estado da
arte da tecnologia que permite a comunicação instantânea e a locomoção de bens e
pessoas em prazos cada vez menores, torna os processos da vida mais céleres e
imediatiza relações, inclusive as jurídicas, uma vez que o Direito e a sociedade
166
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 475. 167
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 12. 168
Ibidem, p. 15-17. 169
PUGLIESI, Márcio. Por uma teoria do direito. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 209.
67
constituem-se dialeticamente. A título de exemplo, podemos observar recentes
reformas legislativas de direito material como a não exigência do transcurso de 2
(dois) anos de separação de fato para ingresso do divórcio direto e a
desnecessidade do transcurso de 1 (um) ano da separação judicial para conversão
desta em divórcio.
A dinâmica da vida mudou (e sempre mudará), exigindo que tudo seja feito de
forma mais rápida, mais interativa e isso inevitavelmente reflete para as relações
jurídicas processuais.
O tempo no processo assume importância vital nos dias de hoje, porquanto a aceleração das comunicações via web (internet, e-mail), fax, celulares, em conjunto com a globalização social, cultural e econômica, tem feito com que haja maior cobrança dos jurisdicionados e administrados para que haja solução rápida dos processos judiciais e administrativos.
170
Exige-se uma prestação jurisdicional eficiente e rápida, entretanto, não se
pode perder de vista a necessidade de prazo suficiente para o deslinde e
amadurecimento da causa para julgamento, preservando-se outras garantias
processuais, como o próprio acesso às vias judiciais, o contraditório e a ampla
defesa.
E isso, porque o processo judiciário (de cognição) como instrumento de composição da lide (em âmbito extrajudicial) ou resolutório de conflitos de alta relevância social (no campo penal), reclama, em homenagem a um elementar postulado de segurança jurídica, o respeito a uma série de garantias das partes (due process of law em senso processual), cuja observância se faz incompatível com a precipitação.
171
Difícil tarefa é a balança de todos esses fatores: tempo, processo e razoável
duração, pois “embora as leis processuais estabeleçam prazos para a duração de
um processo, um processo nunca será igual a outros”,172 diante das peculiaridades
do caso concreto.
170
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 320-321. 171
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 27. 172
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 184.
68
[...] o dado cronológico da duração do procedimento não tem valor absoluto, seja porque não existem parâmetros temporais preestabelecidos e uniformes, seja porque a razoabilidade ou excessividade da duração de um processo por si só não se prestam a uma rígida avaliação em abstrato, mas exigem uma específica apreciação a ser feita segundo as circunstâncias concretas de cada causa individual e à luz dos mencionados critérios de avaliação da “razoável duração do processo”.
173
O processo é mais que o transcurso do tempo. Sua duração fora da situação
concreta e desvinculada da totalidade do ordenamento não é fator suficiente,
determinante para dizer que o processo teve ou não uma duração razoável.
Contudo, parâmetros temporais devem ser estabelecidos para nortear o que seria
uma duração razoável.
É certo que os tribunais terão, paulatinamente, de estabelecer os parâmetros para encontrar a adequada duração do processo, o que não será fácil, diante das diversidades e das disparidades regionais. Tantas serão as vertentes e as circunstâncias especiais a considerar que em um Estado, como o de São Paulo, onde são julgados vinte milhões de processos por ano, a duração razoável de qualquer de seus processos não será a mesma que em outro Estado considerado pequeno, ou com poucas ações judiciais em tramitação.
174
Além da situação temporal e espacialmente definida do conflito, há a situação
temporal e espacial na qual se desenvolve o processo. Esses fatores podem influir
na produção de provas, na participação das partes na instrução do feito que torna o
processo maduro para julgamento. Entretanto, isso não significa aceitar a existência
de processos parados sem qualquer justificativa, como tão comum no sistema
judiciário brasileiro contemporâneo.
O processo é o instrumento destinado à atuação da vontade da lei, devendo, na medida do possível, desenvolver-se, sob a vertente extrínseca, mediante um procedimento célere, a fim de que a tutela jurisdicional emerja realmente oportuna e efetiva. [...] Para tanto, afirma-se corretamente que os direitos subjetivos dos cidadãos devem ser providos de máxima garantia social, com o mínimo de sacrifício da liberdade individual, e, ainda, com o menor dispêndio de tempo e energia.
175
173
ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade... cit. 174
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 183. 175
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 27.
69
Sobre o tema, Cruz e Tucci afirma que:
[...] os atrasos e delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes e de seus mandatários.
176
Entretanto, conforme Rui Stoco, o fator tempo deve ser analisado com cautela
e, por si só, não é suficiente para ensejar a responsabilidade civil do Estado:
Se a responsabilidade do Estado nascesse tão somente do fator tempo, admitindo-se, como alguns, a responsabilidade objetiva, a arrecadação da União, e dos Estados não seria suficiente para responder a tais valores.
177
Deve-se ponderar, contudo, que a morosidade pode ser apurada
objetivamente, como o fator tempo exclusivamente, tendo em vista que muitas vezes
processos encontram-se parados sem justificado motivo, cabendo ao magistrado
seu impulso oficial.178
Neste contexto, surge a antecipação dos efeitos da tutela de urgência e de
evidência.
Partindo-se do pressuposto de que o fator tempo tornou-se um elemento determinante para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, a técnica da cognição sumária delineia-se de crucial importância para a ideia de um processo que espelhe a realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização do direito.
179
176
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: ______ (coord.). Garantias constitucionais no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 1999. 177
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 184. 178
Para avaliar adequadamente a questão, problemas orçamentários que influem no aparelhamento do Poder Judiciário devem ser considerados na verificação da responsabilidade, além dos casos em que há a culpa exclusiva do magistrado na procrastinação de ações e que podem ensejar sanções específicas. A questão é demasiado complexa, mas precisa ser enfrentada pelos juristas contemporâneos e será tratada adiante neste texto. 179
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 122.
70
Segundo José Rogério Cruz e Tucci há três mecanismos que visam erradicar
a intempestividade da tutela jurisdicional: (a) mecanismos endoprocessuais de
repressão à chicana; (b) mecanismos de aceleração do processo; (c) mecanismos
(jurisdicionais) de controle externo da lentidão.180
Os mecanismos endoprocessuais de repressão à chicana podem ser
compreendidos, de forma sucinta, como os dispositivos legais contidos no Código de
Processo Civil que visam a coibir manifestações das partes que procrastinem a
marcha processual, como a previsão de dispositivo de lei para a sanção por
litigância de má-fé, embargos de declaração manifestamente protelatórios e o
julgamento antecipado nos termos do artigo 273, inciso II, do Código de Processo
Civil.
Contudo, “não é tarefa fácil, pois, detectar-se quando a atuação processual da
parte aflora maliciosa. É certo que quanto mais se reforçam os poderes do juiz, mais
devem ser cerceadas as atitudes de improbidade, mormente aquelas que se
destinam a retardar a marcha processual”.181
Já os mecanismos de aceleração do processo (Beschleuningungsprinzip) são
técnicas legislativas que visam acelerar a marcha processual combinando de forma
racional (à luz do conjunto do ordenamento) regras de preclusão, eventualidade e
concentração dos atos processuais, com o escopo de obter economia de tempo.
Podemos citar como exemplos o princípio da oralidade e a concentração de atos
processuais previsto na Lei Federal nº 9.099/1995, a previsão da antecipação dos
efeitos da tutela do artigo 273 do Código de Processo Civil, a tutela específica
prevista nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil, o procedimento
monitório, o sincretismo entre o processo de conhecimento e o processo de
execução, e as ações coletivas.
E, por fim, os mecanismos (jurisdicionais) de controle externo da lentidão, que
serão tratados como mais vagar nos capítulos subsequentes e referem-se à
constitucionalização do princípio da razoável duração do processo, bem como a
possibilidade de responsabilização do Estado pela demora irrazoável.
180
Ibidem, p. 123-142. 181
Ibidem, p. 124.
71
2.1.1. Comportamento das Partes
O comportamento das partes é determinante para a duração do processo.
Como em qualquer outra relação humana e jurídica, dentro do processo a boa-fé
deve dominar as ações dos envolvidos, uma vez que o processo visa a uma
prestação jurisdicional que seja o mais justa possível no caso concreto, e não se
pode conceber que as ações dentro dele se desvirtuem desse propósito: a lealdade
e a cooperação deve norteá-lo para a realização do direito.182
Como já afirmado, o direito à prestação jurisdicional tempestiva compõe a
própria dignidade da pessoa no Estado Democrático de Direito: uma tutela
jurisdicional intempestiva não garante os direitos que foram buscados por intermédio
do processo e a sentença se torna inócua, assim como a garantia estatal da
efetivação dos direitos.
Essa duração, ademais, não depende apenas dos prazos ou do impulso oficial, mas da atuação das partes e das circunstâncias fáticas de cada caso sub judice.
183
A procrastinação da decisão judicial pelas partes – tanto a parte que venha a
ganhar ou aquela que venha a perder – fere direitos e garantias fundamentais e
deve ser coibida. Para tanto, mecanismos endoprocessuais foram concebidos
auxiliando a realização do direito por meio do processo. Entretanto, a tarefa de
detectar corretamente a procrastinação proposital do processo é difícil. Isso porque
quando as partes têm comportamento dilatório, normalmente elas se valem do que é
juridicamente previsto, abusando de mecanismos procedimentais. Nesse sentido
está Gozaíni, citado por Cruz e Tucci:
A conduta processual dilatória delineada na clara intenção de exercer indevidamente os mecanismos processuais para retardar desnecessariamente a chegada para a resolução de litígios [...] que assume comportamentos dilatórios, geralmente, usa como
182
Ibidem, p. 166. 183
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 184.
72
legalmente regulamentada. O cumprido com seu objetivo, correndo contra o tempo de processo. (tradução nossa)
184
Cruz e Tucci (1997, p. 168) cita ferramentas processuais civis, contidas no
respectivo Código, que podem ser utilizadas pelo juiz para reprimir a conduta
abusiva dos litigantes: a) do artigo 18, nas hipóteses do artigo 17, incisos I, IV e VI;
b) do artigo 196, quando os autos não forem oportunamente devolvidos; c) do
parágrafo único do artigo 538, quando manifestamente protelatórios os embargos de
declaração; d) do artigo 601, nas situações do artigo 600; e) do artigo 881, em caso
de atentado (artigo 879) etc.
Entretanto, a postura do magistrado não pode coibir as partes de utilizarem os
mecanismos processuais devidos para garantir o contraditório e a ampla defesa,
uma vez não ensejando uma mitigação destes direitos, que foram previstos após
longo debate doutrinário para a criação da lei para garantirem seu direito – seja a
parte que deu início à demanda ou a demandada –, vez que ambas, quando litigam
judicialmente. Cruz e Tucci, citando Tornaghi, afirma que a parte:
[...] pode estar atuando de boa-fé no que se refere ao mérito da causa, a despeito de agir maliciosamente ao provocar incidentes manifestamente infundados. Assim, por exemplo, aquele que argui a incompetência ou o impedimento do juiz, ou suscita a falsidade de algum documento, exclusivamente para ganhar tempo, deve ser considerado ímprobo litigante no incidente, e, por isso, sofrer a sanção do art. 18 do Código de Processo Civil.
185
Entretanto, a aplicação da sanção pelo magistrado não pode, de forma
alguma, obstar o contraditório e a ampla defesa; logo o magistrado não pode conter
excessos que impeçam as partes de suscitar a falsidade de um documento que
possa influir na decisão acerca do direito objeto da ação, ou mesmo permitir que
magistrados incompetentes ou impedidos se valham destes mecanismos para
permanecerem atuando na causa, violando o devido processo legal em outra
184
“A conducta procesal dilatoria se resume en la clara intención de ejercitar abusivamente los mecanismos procedimentales con el fin de postergar innecesariamente el arribo a la solución del pleito [...] Quien asume un comportamiento dilatorio, por lo general, se vale de lo jurídicamente reglado. El lleva a cabo su finalidad, acometiendo contra el tiempo del proceso.” CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 167. 185
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 186.
73
perspectiva. A concentração de poderes nas mãos do juiz também deve ser
cautelosa na previsão legislativa e durante os procedimentos do processo.
Além do mais, existem outras possibilidades dentro do processo que podem
causar a demora do deslinde da ação as quais devem ser cautelosamente
analisadas, estudadas, sob pena de, para garantir a celeridade, extinguirem-se
direitos, inclusive aqueles que deram início ao processo. Nesse sentido, Stoco:
Cabe, portanto, como antecedente, indagar se a demora não foi causada pela atuação de um dos advogados das partes, interessado em procrastinar o andamento do processo [...], convencido, diante das circunstâncias do caso, de que a melhor defesa é ganhar tempo, ou se a demora decorreu da realização de uma perícia complexa, ou da conjugação de inúmeros outros fatores alheios à atuação estatal.
186
As partes devem exercer seus direitos de contraditório e da ampla defesa
que, assim como a celeridade processual, constituem princípios constitucionais. O
balanceamento187 dos princípios que deve prevalecer e orientar as decisões
procedimentais deve ser feito no caso concreto, por análise atenta188 do magistrado
com auxílio dos postulados, a quem cabe equilibrar esta balança para que os
litigantes tenham efetivamente as mesmas oportunidades:
É certo, no entanto, que se deve conceder a ambas as partes iguais oportunidades de pleitear a produção de provas, descartando-se qualquer disparidade de critérios de deferimento ou indeferimento dessas provas pelo órgão judicial, e ensejando-se aos interessados as mesmas possibilidades de participar dos atos probatórios e de pronunciar-se sobre os seus resultados.
189
186
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 185. 187
O balanceamento dos princípios é feito por postulados normativos aplicativos. Princípios informam o dever de promover a realização de um estado de coisas e o postulado informa o modo como esses deveres devem ser aplicados. Assunto tratado no Capítulo 1 da presente Dissertação. 188
Humberto Ávila (Teoria dos princípios... cit., p. 72 e segs.) dá diretrizes para a análise dos princípios: princípios precisam ser específicos e claramente delimitados; a busca de casos paradigmáticos que iluminem as condições e os anseios sociais neles expressos (os princípios carregam em si uma grande carga moral, ideológica, que pretendem representar um estado social no momento da decisão) pela comparação entre os mesmos e elaboração de pontos de similaridade de problemas; busca por critérios que permitam a solução mais adequada ao caso tendo em vista os bens jurídicos; e finalmente a análise dos casos que possuem problemas similares em conjunto (citado no Capítulo 1 da presente Dissertação). 189
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 37.
74
Desse modo, o direito processual oscila entre a necessidade de decisão
rápida e a de segurança na defesa do direito dos litigantes.190 O aumento de
intensidade nas medidas para alcançar um desses objetivos implica, quase sempre,
no distanciamento do outro; a um processo muito rápido corresponde geralmente a
restrição na defesa do direito por parte do réu, e a garantia muito desenvolvida
dessa defesa corresponde um processo moroso. As sucessivas reformas
processuais têm sempre o objetivo de encontrar o ponto de equilíbrio, em que a
celeridade desejável não provoque o enfraquecimento da defesa do direito de cada
um.191
Desse modo, a autoridade judicial deve tornar eficazes as regras que coíbem
o dolo processual, aplicando as respectivas sanções a tempo e hora à parte que age
de modo temerário,192 e ao mesmo tempo, as partes, participando do contraditório e
exercendo sua ampla defesa, também têm o dever de colaborar com o órgão
jurisdicional para o normal desenvolvimento do processo.
2.1.2. Conduta das Autoridades
Conforme tratado nos itens anteriores, a atuação das autoridades é essencial
para a organização do tempo no processo193 por intermédio de princípios (informam
o dever de promover a realização de um estado de coisas) e postulados (informam o
modo como esses deveres devem ser aplicados). José Afonso da Silva afirma que a
norma prescrita no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal:
[...] acena para a regra da razoabilidade cuja textura aberta deixa amplas margens de apreciação, sempre em função de situações concretas. Ora, a forte carga de trabalho dos magistrados será, sempre, um parâmetro a ser levado em conta na apreciação da razoável duração dos processos a seu cargo.
194
190
Ibidem, p. 38. 191
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983. v. 1, p. 515. 192
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 121. 193
“A atividade processual do juiz é fundamental para o andamento célere do processo.” CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 35. 194
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 432.
75
O artigo 125 do Código de Processo Civil195 é uma norma regente que traz
princípios e regras de julgamento a serem seguidas pelo magistrado como a
observância do princípio da igualdade ou isonomia, do contraditório, da razoável
duração do processo, fomenta a boa-fé processual, e ainda, dá os poderes de
condução e presidência do processo ao magistrado, cabendo a este velar pela boa
condução e sempre incentivas a conciliação entre as parte.
Assim, “a fim de atingir os escopos da atividade jurisdicional, o magistrado é
dotado de alguns poderes, dentro os quais o de direito do processo”.196
No mesmo sentido ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:
Dirigir o processo significa fiscalizar e controlar a relação processual, fazendo com que se desenvolva regular e validamente. Deve decidir quem permanece e quem sai da relação processual; quais os atos devem ser praticados. Edita comando de natureza cogente, que devem ser suportados pelos sujeitos do processo (partes, MP, intervenientes), bem como pelos auxiliares da justiça. O juiz não deve ter: nem participação interessada ou facciosa, nem alheamento, nem hipertrofia, nem ausência.
197
E, ainda:
Como se a busca de um julgamento mais célere, ágil, reconhecendo-se os meios necessários para a obtenção desta finalidade, pudesse, de forma generalizada, colocar em risco o ideal de segurança jurídica que o princípio do contraditório impõe. [...] Também aqui a ideia de necessária preponderância entre diversos princípios constitucionais do processo civil deve ser levada em conta adequadamente em cada caso concreto, sempre impondo ao magistrado e, mais amplamente, ao intérprete e ao estudioso do direito processual civil, a necessária fundamentação (justificativa) de suas escolhas e de razões que condizem com elas.
198
195
“Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I – assegurar às partes, igualdade de tratamento; II – velar pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.” 196
ARRUDA ALVIM; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012. p. 223. 197
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 402-403. 198
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 186, 2012.
76
Desse modo, o juiz, sendo o responsável pelas decisões justificadas que
toma, “tem o poder-dever de assegurar a trajetória regular do processo, já que é
investido de amplas prerrogativas para, de um lado, organizar a sequência de atos,
e, de outro, reprimir o comportamento abusivo dos litigantes”.199
Assim,
O juiz deve coibir, prevenindo e reprimindo os atos atentatórios à dignidade da justiça que sejam praticados no processo, independentemente de quem seja o seu autor (partes, intervenientes, advogado, MP, auxiliar da justiça etc.). Deve, por exemplo: punir o litigante de má-fé, mandar riscar dos autos expressões injuriosas (CPC 15); reprimir a fraude de execução (CPC 593, 600), dentre outras medidas.
200
Inclusive o Código de Processo Civil vigente tem inúmeros mecanismos para
coibir a chicana, mas que infelizmente não possuem grande aplicação pelos
magistrados, como, por exemplo, os dispositivos previstos nos artigos 16 a 18,201
273, inciso II, 538, parágrafo único, 557, § 2º, 600 e 601.
Por outro lado, entretanto, cada magistrado integra a estrutura do Poder
Judiciário que dá os limites de sua atuação. Tal estrutura vem sendo discutida por
sua inadequação e reformas são propostas:202
A verdade é que a estrutura e organização dos Poderes que compõe atualmente o Estado mostram-se claramente inadequadas para a realidade social e política de hoje. [...] O Judiciário, além de estruturalmente obsoleto, encontra-se também vergado pelo peso da mencionada “explosão de litigiosidade”. Segundo o CNJ existem cerca de 85 milhões de processos em tramitação nas várias instâncias jurisdicionais do País, sob a responsabilidade de aproximadamente 16 mil juízes.
203
199
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 35. 200
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código... cit., p. 403. 201
“Litigância de má-fé – Deve-se lembrar também de todos os dispositivos legais que sancionam a litigância de má-fé, em especial daqueles presentes no estatuto processual civil, como, por exemplo, o parágrafo único do artigo 14, que permite ao juiz a aplicação ao responsável do ato atentatório ao exercício da jurisdição previsto no inciso V deste artigo, de multa, em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa. Outras regras estão presentes, exemplificativamente nos artigos 16 e segs. do CPC”. ARRUDA ALVIM; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários... cit., p. 226. 202
Há, inclusive, uma Secretaria de Reforma do Judiciário regulada atualmente pelo Decreto nº6061 de 15 de março de 2007, que integra o Ministério da Justiça. 203
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Planejamento estratégico do Poder Judiciário. Rio de Janeiro. Justiça e Cidadania. p. 18. nov./2001. Disponível em:
77
A estrutura do Poder Judiciário é, ainda, limitada para acolher todos os litígios
adequadamente, tendo em vista a pulverização de conflitos e litigiosidades levadas
ao Judiciário diariamente. Um dos maiores exemplos é o Estado de São Paulo, no
qual há uma sobrecarga de processos tendo em vista a estrutura existente:
No Estado de São Paulo, após a extinção dos três Tribunais de Alçada, o Tribunal de Justiça – então unificado – continua com excepcional sobrecarga de processos, de sorte que o número de recursos entrados no protocolo suplanta a capacidade de julgar na mesma proporção. Aliás, no exercício de 2009 o Poder Judiciário do Estado de São Paulo julgou, em primeira e segunda instâncias, nada menos do que vinte milhões de processos, produção essa que aumentou nos anos seguintes.
204
Estes problemas estendem-se à estrutura física, às limitações tecnológicas de
cada lugar e à falta de juízes e demais funções essenciais ao Judiciário. Sobre o
problema Cruz e Tucci afirma:
A tudo isso compatibilizem-se as precárias instalações que, em várias regiões do país, inclusive nas mais privilegiadas, albergam as dependências do Poder Judiciário.
205
Outro aspecto que não se pode ignorar é o risco de se tornar o Judiciário uma
manufatura para solução de conflitos, gerando ainda mais insegurança jurídica,
como observa o Ministro Eros Grau:
Por isso inexistem soluções previamente estruturadas – como produtos semi-industrializados em uma linha de montagem – para os problemas jurídicos. O trabalho jurídico de construção das normas jurídicas aplicáveis a cada caso é trabalho artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sempre, renovadamente, uma nova solução. Por isso mesmo, e tal deve ser enfatizado –, a interpretação do direito se realiza não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfabetizado.
206
<http://www.editorajc.com.br/2011/11/planejamento-estrategico-do-poder-judiciario/>. Acesso em: 22.01.2014. 204
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 185. 205
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 105. 206
GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 55.
78
Data máxima vênia, inclusive as metas do Conselho Nacional de Justiça se
direcionam para atingir maior celeridade processual, pois têm como objetivo
eficiência e produtividade, em detrimento muitas vezes da qualidade das decisões
propriamente dita.207
207
“Metas 2014 – Metas Nacionais para 2014 aprovadas no VII Encontro Nacional do Judiciário. Os presidentes ou representantes dos tribunais do país, reunidos em Belém/PA, nos dias 18 e 19 de novembro de 2013, durante o VII Encontro Nacional do Judiciário, aprovaram as metas para o Judiciário brasileiro alcançar em 2014. Meta 1 – Todos os segmentos de justiça Julgar quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos no ano corrente. Meta 2 – Todos os segmentos de justiça Identificar e julgar, até 31.12.2014, pelo menos: – No Superior Tribunal de Justiça, 100% dos processos distribuídos até 31.12.2008 e 80% dos distribuídos em 2009; – Na Justiça Militar da União, 90% dos processos distribuídos até 31.12.2012, no 1º grau, e 95% dos processos distribuídos até 31.12.2012, no STM; – Na Justiça Federal, 100% dos processos distribuídos até 31.12.2008 e 80% dos distribuídos em 2009, no 1º grau e no 2º grau, e 100% dos processos distribuídos até 31.12.2010, e 80% dos distribuídos em 2011, nos Juizados Especiais e Turmas Recursais Federais; – Na Justiça do Trabalho, 90% dos processos distribuídos até 31.12.2011 e 80% dos processos distribuídos até 2012, nos 1º e 2º graus, e 80% dos processos distribuídos até 31.12.2011, no TST; – Na Justiça Eleitoral, 90% dos processos distribuídos até 31.12.2011; – Nos Tribunais de Justiça Militar Estaduais, 95% dos processos distribuídos até 31.12.2012, no 1º grau, e até 31.12.2013, no 2º grau; – Na Justiça Estadual, 80% dos processos distribuídos até 31.12.2010, no 1º grau, e até 31.12.2011, no 2º grau, e 100% dos processos distribuídos até 31.12.2011, nos Juizados Especiais e nas Turmas Recursais Estaduais. Meta 3 – Justiça Estadual, Justiça do Trabalho , Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual Estabelecer e aplicar parâmetros objetivos de distribuição da força de trabalho, vinculados à demanda de processos, com garantia de estrutura mínima das unidades da área fim. Meta 4 – Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça Militar da União, Justiça Militar Estadual e Superior Tribunal de Justiça Identificar e julgar até 31.12.2014 as ações de improbidade administrativa e as ações penais relacionadas a crimes contra a administração pública, sendo que: na Justiça Estadual, na Justiça Militar da União e nos Tribunais de Justiça Militar Estaduais, as ações distribuídas até 31 de dezembro de 2012, e na Justiça Federal e no STJ, 100% das ações distribuídas até 31 de dezembro de 2011, e 50% das ações distribuídas em 2012. Meta 5 – Justiça Federal e Justiça do Trabalho Reduzir o congestionamento, em relação à taxa média de 2013 e 2012, na fase de cumprimento de sentença e de execução: em 10% quanto às execuções não fiscais e cumprimento de sentença na Justiça Federal; em qualquer percentual quanto às execuções fiscais e em 5% quanto às execuções não fiscais e cumprimento de sentença, na Justiça do Trabalho. Meta 6 – Justiça Estadual e Justiça do Trabalho Identificar e julgar, até 31.12.2014, as ações coletivas distribuídas até 31.12.2011, no 1º grau e no TST, e até 31.12.2012, no 2º grau. Metas Específicas Aprovadas para 2014 Justiça Estadual • Mapear, pelo menos, 60% das competências do 1º Grau, até 31.12.2014, para subsidiar a implantação da gestão por competências. Justiça do Trabalho
79
Certamente, as limitações orçamentárias frente às necessidades da
sociedade atual são também responsáveis por muitos atrasos processuais.
Todavia, não se pode ignorar a problemática do risco da “fábrica de julgados
em alta escala” que se impõe hoje de forma velada à Magistratura, em especial e de
forma mais acentuada em primeira instância, que acarretaria em maior insegurança
jurídica, aumento dos índices de erro judiciário e de recurso interpostos pelas partes
prejudicadas.
2.1.3. Limitações Orçamentárias
Reza a Constituição Federal em seu artigo 2º que “são Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”,208
entretanto, não se pode deixar de se ter em mente que o Poder é Uno e indissolúvel,
o que se divide são as atribuições do Poder, para seu exercício e fiscalização.
Logo, não poderia ser diferente no que concerne ao Poder Judiciário, que no
Brasil é uno, nos termos prescritos pela Constituição Federal de 1988 em seus
artigos 92 a 126, somente recebendo divisões a fim de facilitar a consecução da
atividade-fim.
Com este objetivo, estabelece o artigo 125 da Constituição Federal que os
Estados organizarão sua Justiça e que a competência dos Tribunais Estaduais será
definida na Constituição Estadual, sendo a Lei de Organização Judiciária de
iniciativa do Tribunal de Justiça.
• Realizar oficinas de administração judiciária com participação de, pelo menos, 25% dos magistrados. • Implantar programa de desenvolvimento gerencial em todos os tribunais, com base em modelo de gestão por competências. Justiça Eleitoral • Instituir unidade de gestão de processos e elaborar a cadeia de valor. • Capacitar os gestores em governança no setor público. Justiça Militar Estadual e da União • Julgar, em até 120 dias, 90%, no 1º grau e 95%, no 2º grau, dos processos originários e recursos, ambos cíveis e criminais e os processos de natureza especial, na Justiça Militar Estadual, e 90% dos processos originários e recursos criminais, e de natureza especial, no 1º e 2º graus, na Justiça Militar da União.” (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-2014>. Acesso em: 08.03.2015. 208
O dispositivo em tela deve ser combinado como o artigo 60, § 4º, inciso III, da Constituição da República.
80
Entretanto, além da atividade jurisdicional, exerce também os Tribunais
funções atípicas, de natureza executivo-administrativa, como a garantia que tem o
Poder Judiciário de eleger seus órgãos diretivos sem a participação de outros
poderes, organizar a estrutura administrativa interna, elaboração de sua proposta
orçamentária dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes
na Lei de Diretrizes Orçamentárias e também por vezes legislativa, como quando
elabora o seu regimento interno.
A Carta Constitucional da República de 1988, editada antes das mudanças
patrocinadas na esteira da globalização econômica e do fim do mundo bipolar,
trouxe expressiva modificação respeitante à harmonia e independência dos Poderes
ao atribuir ao Judiciário plena autonomia administrativa e financeira. Assim restou
disciplinada a matéria no artigo 99, § 1º, da Constituição Federal.209
Assim, o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento que:
[...] o autogoverno da Magistratura tem, na autonomia do Poder Judiciário, o seu fundamento essencial, que se revela verdadeira pedra angular, suporte imprescindível à asseguração da independência político-institucional dos juízes e dos tribunais. O legislador constituinte, dando consequência à sua clara opção política – verdadeira decisão fundamental concernente à independência da Magistratura –, instituiu, no art. 168 de nossa Carta Política, uma típica garantia instrumental, assecuratória da autonomia financeira do Poder Judiciário. A norma inscrita no art. 168 da CF reveste-se de caráter cautelar, concebida que foi para impedir o Executivo de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, um estado de subordinação financeira que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento – ou, até mesmo, pela injusta recusa de liberar os recursos nele consignados –, a própria independência político-jurídica daquelas Instituições.
210
Logo, deve-se observar que, no caso concreto, a separação dos Poderes
deve ser compreendida, e asseverada, e, abarcando a autonomia financeira dos
Poderes que integram o Estado, pois sem autonomia financeira, os Poderes não
desfrutam de independência real, por conseguinte, e, infelizmente comum, o que
ocorre é imposição de limitação orçamentária por parte dos Poderes Executivo e
209
“Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.” 210
STF, QO no AgRg no MS 21.291/DF, Pleno, j. 12.04.1991, rel. Min. Celso de Mello, RJT 159/454.
81
Legislativo ao Poder Judiciário, que não se estará diante de conflito de regras
constitucionais, mas de ato puramente arbitrário, uma vez que a própria Carta
Política exige que tais parâmetros sejam traçados conjuntamente, em homenagem
ao princípio da separação dos Poderes.
Frente às necessidades da sociedade atual, o orçamento para o Poder
Judiciário tem sido julgado insuficiente por autores como Stoco, o que é uma das
causas da lentidão dos processos:
Surgiu há algum tempo um outro complicador, advindo da LC 101, de 04.05.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que não obstante a sua importância e necessidade e iniciando uma nova fase de moralidade na Administração Pública, estabelecendo a responsabilidade e probidade da gestão fiscal, impôs, ao Poder Judiciário, limites irreais e com força de impedir o crescimento vegetativo dos serviços forenses, que são dinâmicos. São limites mínimos e incompatíveis com as crescentes necessidades desse Poder, impedindo a criação e nomeação de novos juízes, a criação e instalação de novas varas, foros, juizados especiais e tomando inviável o acesso à Justiça.
211
Um exemplo é o Estado de São Paulo, como elucida o referido doutrinador:
Basta dizer que no Estado de São Paulo, após a unificação de quatro tribunais (cf. art. 4º da EC 45/2004), o Tribunal de Justiça distribuiu aos desembargadores, de uma só vez, nada menos do que 550.000 processos. Não obstante isso, decorrido quase uma década já há quantidade ainda maior de processos entrados no protocolo e distribuídos, mas aguardando julgamento. A Justiça do Estado de São Paulo como um todo – incluído primeira e segunda instâncias e juizados especiais – tem julgado cerca de vinte milhões de processos por ano.
212
Várias reformas processuais surgiram com o objetivo de dar ao processo
maior celeridade, em resposta aos anseios da sociedade. Assim,
[...] quando o tema da agilidade da justiça reaparece no cenário das discussões, as atenções concentram-se em valores de natureza técnico-jurídica, olvidando-se totalmente que o problema da tempestividade da tutela jurisdicional está ligado a vetores de ordem política, econômica e cultural.
213
211
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 180. 212
Ibidem, p. 180. 213
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 100-101.
82
Constituíram-se diversos institutos processuais, como a antecipação dos
efeitos da tutela, o julgamento prima facie por improcedência nos termos do artigo
285-A do Código de Processo Civil, o julgamento antecipado previsto no artigo 330
do mesmo diploma processual, o julgamento de recursos repetitivos, as decisões
monocráticas do relator nos tribunais, dentre outros.
A busca pela celeridade processual não deve ser um fim em si mesma, mas,
sim, uma regra de julgamento adotada pelo magistrado, que deverá ser utilizada em
conjunto com outros princípios, como o contraditório, a ampla defesa e o devido
processo legal.
O que se pretende, de forma tímida, é ventilar que os problemas de lentidão
no processo se dão, em boa parte, por uma falta de estrutura do Poder Judiciário, e
não necessariamente por uma ineficiência dos diplomas legais que regem as regras
do processo.
Logo, inquestionável que as limitações orçamentárias impostas ao Poder
Judiciário, que refletem na contratação de pessoal e aperfeiçoamento na sua
estrutura, hoje são um dos maiores óbices para a concretização do princípio da
razoável duração do processo.
2.2. Necessidade de Garantia de Resultado Útil do Processo
A efetividade da decisão final do processo não depende apenas de elementos
endoprocessuais, mas também de outros fatores externos à relação jurídico-
processual, como, por exemplo, a vontade da parte vencida de cumprir o julgado ou,
simplesmente, abster-se ou esquivar-se de seu cumprimento.
A intolerável duração do processo, como frisado de início, constitui obstáculo para que ele cumpra, de forma efetiva, os seus compromissos institucionais. Essa questão, aliás, tem sido examinada pela vertente interdisciplinar, por juristas e sociólogos de vários quadrantes.
214
214
Ibidem, p. 89.
83
Hoje, mais importante que chegar ao provimento jurisdicional final é conseguir
torná-lo efetivo, para isso, o sistema traz dispositivos como a antecipação dos efeitos
da tutela, cominação de multa diária para forçar o cumprimento de decisões
judiciais,215 e a possibilidade de recebimento de recursos apenas no efeito
devolutivo, como nos casos de interposição de recursos extraordinário e especial.
É, pois, preciso oferecer ao processo mecanismos que permitam o cumprimento de toda a sua missão institucional, evitando-se, com isso, que seja considerado fonte perene de decepções.
216
As partes esperam que o processo além de célere seja efetivo, que a ordem
judicial exarada da decisão seja efetivamente cumprida pela parte sucumbente em
tempo hábil.
O tempo é fato jurídico natural de grande importância nas relações jurídicas pela influência que pode ter na gênese, exercício e perda dos respectivos direitos.
217
Assim, a tutela jurisdicional deve ser efetiva, logo,
Na verdade as legislações processuais modernas devem construir procedimentos que tutelam de forma efetiva, adequada e tempestiva os direitos. O ideal é que existam tutelas que, atuando internamente no procedimento permitam uma racional distribuição do tempo no processo. Assim, ao lado da efetividade do resultado que deve conotá-lo, impericioso é também que a decisão seja tempestiva.
218
215
“Agravo Regimental no Recurso Especial – Ação de obrigação de fazer – Necessidade de intimação pessoal para adimplemento – Decisão monocrática que deu parcial provimento ao recurso especial. Irresignação da consumidora. 1. A multa cominatória objetiva compelir o réu ao cumprimento da ordem judicial a fim de alcançar a efetividade do processo, constituindo-se em meio coativo a ser estipulado em valor que o estimule ao adimplemento e evite a desobediência ao comando judicial. Porém sua exigência só é possível quando o devedor é pessoalmente intimado para cumprir a obrigação, conforme consignado pela Súmula 410 desta Corte: ‘A prévia intimação do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer’. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg no REsp 1.301.484/RJ, 4ª Turma, j. 16.12.2014, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 19.12.2014). 216
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 63. 217
AMARAL, Francisco. Direito civil – Introdução. 5. ed. rev., atual. e comentada de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 573. 218
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 64.
84
O que se deve observar é que o processo não deve ser o amontoado de atos
processuais, visando única e exclusivamente chegar ao final, como se representasse
um fim em si mesmo; muito pelo contrário, deve durar o necessário, motivo pelo qual
a razoável duração do processo se impõe como uma cláusula aberta, uma moldura,
a ser preenchida de acordo como cada caso concreto, cada relação jurídica
transportada para o âmbito do processo.
Por outro lado, não se justifica e viola o mandamento constitucional contido no
artigo 5º, inciso LXXVIII, processos estantes, parados, sem o devido andamento,
sem qualquer justificativa plausível, pois,
Um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão.
219
Não se pode perder de vista que o provimento, além de ter uma razoável
duração, deve ser efetivo, reparando ou trazendo à parte o bem da vida buscado na
relação processual, devendo o sistema impor à parte sucumbente meios efetivos,
como, por exemplo, a imposição de multa diária, para forçar o cumprimento das
decisões judiciais.
219
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 20.
85
3. REFORMAS PROCESSUAIS
3.1. A Lei nº 8.952/1994
O Código de Processo Civil, em sua versão originária, de 1973, reservava um
de seus livros para a tutela cautelar, um terceiro gênero ao lado da tutela cognitiva e
executiva, de natureza autônoma e instrumental.
Sua função, basicamente, consistia em assegurar a efetividade do processo
principal, irradiando garantias sobre bens, pessoas e provas para que o processo
alcance um resultado útil.220
Neste arcabouço normativo, temos, pois, cautelares típicas e cautelares
inominadas, concedidas com base no poder geral de cautela do magistrado, a
reclamar a presença de seus requisitos fumus boni iuris (plausibilidade do direito) e
periculum in mora (risco de dano imediato).
No ponto, mostra-se evidenciado que a cautelar não pretende satisfazer o
direito material, objeto do processo principal, ao qual auxilia para afastar perigos que
inutilizem seu resultado. Essa é a lição de Moacyr Amaral Santos:
Em razão deste perigo, que poderá acarretar danos enormes à parte, existem ações cautelares ou preventivas que visam a providências jurisdicionais urgentes e provisórias, assecuratórias dos efeitos próprios da sentença a ser proferida na ação de conhecimento ou do ato reclamado na ação de execução. A justificação dessas providências está, pois, no perigo da demora da sentença a ser proferida ou do ato executório reclamado no processo principal.
221
Contudo, debalde o poder geral de cautela do magistrado222 várias são as
situações que reclamavam medida urgente face ao dano iminente, mas com
220
“O terceiro grupo das ações, consideradas quanto à natureza da providência jurisdicional invocada, compreende as ações cautelares ou preventivas. Visam a providências urgentes e provisórias, tendentes a assegurar os efeitos de uma providência principal, em perigo por eventual demora.” SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras... cit., p. 216. 221
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras... cit., p. 216. 222
“Além dos procedimentos cautelares específicos regulados pelo Código, o juiz poderá determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Neste caso, para evitar o dano, o juiz poderá autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósitos de bens e impor a prestação de caução”. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 154, 2000.
86
atingimento direto ao direito material e não apenas com escopo de resguardar seu
resultado final, o que reclamou a criação de uma nova figura processual, para
aprimoramento da tempestividade da prestação jurisdicional.223
Neste espírito, a Lei nº 8.952/1994 passou permitir a entrega da tutela
jurisdicional antes do momento adequado, ou seja, no provimento final, relativizando
a segurança do processo cognitivo em prol da sua efetividade.
Se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz) Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis da administração de justiça.
224
A partir de então o magistrado pôde antecipar os efeitos da sentença, com
amparo em norma legal que disciplinava os requisitos autorizadores da medida, indo
além de garantir o resultado útil do processo, mas também proporcionando à parte
ter total ou parcialmente o bem tutelado, com atuação direta sobre o bem material
pretendido, mas provisoriamente, de caráter reversível sem sacrifício total da outra
parte.
A tutela antecipada, pois, consiste em um deferimento provisório do pedido,
no todo ou em parte, com força de execução, se necessário. Pode ser revogada ou
modificada a qualquer tempo, prosseguindo em todo o processo até a sentença final.
Seus requisitos são a prova inequívoca do alegado e a verossimilhança da
alegação. O instituto em epígrafe, descrito no artigo 273 do Código de Processo
Civil, tem a redação determinada pela Lei nº 8.952/1994, e as alterações
decorrentes das Leis nº 10.352/2001 e nº 10.444/2002.
223
“As técnicas procedimentais constituem o resultado de experiências multisseculares, às quais o legislador aporta as inovações e aperfeiçoamentos que na prática lhe pareçam úteis. As significativas revisitações aos institutos processuais, que se vêm fazendo ultimamente, vão produzindo também alterações nos procedimentos em si mesmos, como modo de adequar a técnica do processo às novas conquistas da ciência.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, v. I, p. 138, 2004. 224
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória... cit., p. 17.
87
Ora, é sabido que o Estado tem o dever de prestar a jurisdição, como também
não se desconhece que há uma demora excessiva no trâmite dos processos,
ocasionada por uma série de fatores, intrínsecos e extrínsecos deste, que
comprometem sua efetividade.
A tutela antecipada é, neste sentido, um instrumento que visa abreviar a
demora natural do processo. A requerimento da parte legitimada, pode o juiz
antecipar os efeitos da tutela antes do provimento final, desde que presentes os
requisitos, a qualquer tempo do processo, até mesmo em grau de recurso.
O legislador infraconstitucional, portanto, está obrigado a construir procedimentos que tutelem de forma efetiva, adequada e tempestiva os direitos. Não está desobrigado, ainda, a prever tutelas que, atuando internamente no procedimento, permitam uma racional distribuição do tempo no processo.
225
A antecipação da tutela, nesta toada, participa do mesmo gênero a que
pertencem as medidas cautelares, embora seja mais rigorosa em seus requisitos. E,
portanto, não se deve repelir a pretensão de medida dessa última espécie apenas
porque rotulada, pela parte, de pedido de tutela antecipada, sendo permitida a
fungibilidade entre tais pedidos.
Trata-se de uma das espécies de tutela de urgência, decorrente da garantia
constitucional prevista no inciso XXXV do artigo 5º, que preceitua o amplo e efetivo
acesso à ordem jurídica justa, na consciência do que deve ser o acesso à Justiça,
previsto na Constituição como garantia fundamental.
Note-se que a reformulação do artigo 273 do Código de Processo Civil, por
meio da Lei nº 8.952/1994, fez com que as críticas dos doutrinadores fossem
compreendidas, permitindo a antecipação da tutela como podendo ser concedida
não somente liminarmente; além de acentuar a diferença entre esse instituto e o
processo cautelar.
Nas hipóteses arroladas, traz a possibilidade de o juiz conceder à parte um
provimento imediato que, provisoriamente, faça assegurar o bem jurídico a que se
refere à prestação de direito material cuja reclamação consiste no objeto da relação
jurídica que envolve o litígio.
225
Ibidem, p. 18.
88
Não se trata de simples faculdade ou de mero poder discricionário do juiz,
mas de um direito subjetivo processual que a parte tem o poder de exigir da Justiça,
dentro dos pressupostos traçados pela lei, como parcela da tutela jurisdicional a que
o Estado se obrigou.
Essa era a perspectiva quando de seu advento:
Sem dúvida o tema, sob enfoque restrito, representa uma das mais profundas inovações que poderão reduzir sobremodo os efeitos da intervenção do Poder Judiciário nas relações típicas de direito privado. Aplicada com acerto, parcimônia e justiça, a “antecipação da tutela” será forte antídoto à chicana e a tantas mazelas dos “demandantes profissionais”. Há que se registrar, todavia, que o desregramento em sua aplicação poderá causar danos e prejuízos irreparáveis. Resta-nos desejar que os magistrados saibam dosar, com habilidade e competência, esse importante instrumento judicial de solução provisória de conflitos.
226
Em seu advento, a tutela antecipada foi um grande marco nos paradigmas do
direito processual civil, mais amoldado, então, a segurança dos trâmites processuais
em detrimento da tempestiva entrega da tutela jurisdicional reclamada, a qual se
revelou, todavia, tão necessária quanto aquela.
Hoje, todavia, pode-se afirmar, sem susto, que o legislador, ao ampliar os
poderes do juiz, permitindo a antecipação da tutela do mérito, evoluiu as leis
processuais civis na direção de agilizar a prestação jurisdicional, fazendo com que
os magistrados se comprometam ainda mais com a garantia da justiça do que com
os ritos do processo.
3.2. A Lei nº 9.099/1995
Os juizados especiais foram implantados no Brasil através da Lei nº
9.099/1995, visando à celeridade e simplicidade dos ritos, tendo o legislador inovado
em inúmeros aspectos, dentre os quais reduzindo procedimentos formais, os prazos,
as possibilidades recursais, com o claro fito de desafogar a justiça comum.227
226
SENA, Felicíssimo. Comentários às inovações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 36. 227
“É por isso que o legislador veio a dispor sobre os princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Ele percebeu que as regras processuais
89
Certamente, não se pode deixar de destacar que seu escopo maior foi
incrementar o direito de acesso à Justiça para um segmento específico da
sociedade, o qual deixava de recorrer ao Judiciário em função dos elevados custos e
da demora da prestação jurisdicional, tanto assim é que a competência dos juizados
especiais, em primeiro momento, é delimitada pelo valor da causa.
No espírito de facilitar o acesso à Jurisdição, bem como beneficiar aqueles
que precisam de uma solução diante de uma prestação jurisdicional sobrecarregada,
houve uma mudança de paradigma do direito processual, já que, para tornar efetiva
a garantia constitucional de acesso à Justiça, previu-se mesmo a aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil.
Neste ponto, não se pode deixar de afirmar que a edição da Lei dos Juizados
Especiais foi um importante instrumento não apenas para franquear o acesso à
Justiça para os quais esta era intangível, mas também para atacar de frente o
problema da morosidade da função jurisdicional, uma vez que, ao criar meios mais
adequados deste tipo de controvérsia, via de reflexo, acabou por, ao menos naquele
momento, desafogar a justiça comum de demandas que poderiam ser resolvidos em
sede dos juizados especiais.228
O objetivo da celeridade e economicidade dos processos traçam regras gerais
e aplicáveis aos juizados, obedecendo, porém, à principiologia constitucional e ao
devido processo legal. Isso porque a observância do contraditório, da ampla defesa
e da isonomia nos procedimentos dos juizados especiais é estritamente necessária
para a legitimidade das decisões construídas.
Assim, os princípios informativos do processo nos juizados especiais, como a
oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade não podem
afastar as garantias do processo civil.
comuns quase haviam se tornado um fim em si mesmas, deixando muitas vezes de lado o direito material.” PEDROSA, Henrique E. G. Juizados Especiais Cíveis sem advogado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 167. 228
“Com certeza, o intuito do legislador não foi simplesmente o de “desafogar” as varas cíveis. Ele foi mais longe, objetivando trazer para o Poder Judiciário demandas que antes não encontravam acesso nas vias institucionais e tradicionais. Pensamento contrário significaria simples transferência de processos das varas cíveis para os Juizados Especiais Cíveis, o que não está de acordo com o espírito destes.” SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Lei dos Juizados Especiais Cíveis anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 15.
90
Neste contexto, ainda que a ideia central da criação dos juizados especiais
tenha sido obter celeridade e economia processuais por meio da adoção de
procedimentos orais, simplificados e informais, que o tornaria muitas vezes mais
eficiente que o juízo comum, não se pode, a este pretexto, negar as garantias
constitucionais e processuais constituídas.
O objetivo dos juizados, em sua formação, é resolver o problema das partes e
não submeter-se a rituais; economia processual e celeridade, mas sem abrir mão,
repise-se, de garantias.229
Entretanto, com seu desenvolvimento, o que se observa é uma grande falta
de uniformidade em seus procedimentos, atuando cada juizado ao seu talante e
muitas vezes contrariamente à própria Lei nº 9.099/1995 e ao Código de Processo
Civil, havendo particularidades processuais em cada juizado, como, por exemplo, o
momento de apresentação da defesa, os documentos aceitos para representação
das pessoas jurídicas, que são inaceitáveis.
A Lei nº 9.099/1995, é fato, produziu grandes transformações no panorama
processual brasileiro e muito vem se desenvolvendo. Sai a ideia de pequena causa,
que dá lugar às causas cíveis de menor complexidade; o aumento da alçada de
vinte para quarenta salários mínimos; a extensão do rol das hipóteses de cabimento
desse procedimento; além de trazer a competência para o processo de execução ao
próprio juizado especial.
Os Juizados Especiais atualmente são para os jurisdicionados os meios mais eficazes de acesso à Justiça. Sintetizam a renovação da justiça. É a justiça de portas abertas ao cidadão. É uma nova justiça que surge, sem formalismos, nem protocolos, oferecendo a
229
“Não é segredo que o tempo é grande inimigo daquele que busca a reparação ou a proteção de seu direito. Diante de tanta burocracia geradora de dilações temporais, o jurisdicionado requer efetividade e rapidez processual. Isto leva a refletir sobre a justiça que está sendo operada por juízes e tribunais, os quais proferem muitas vezes decisões ideais distantes da percepção dos jurisdicionados e ante um sistema recursal tão pródigo não é incomum, ao tempo da decisão final, o vencedor da demanda não mais estar vivo para ver tal decisão. O processo há de ter um tempo razoável de duração, o qual certamente não é o atual, na Justiça tradicional. Uma justiça demorada é causa, também, do difícil acesso do cidadão à prestação jurisdicional. A Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais diz isso expressamente no § 1º do artigo 6º .’ [...] a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível’.” PISKE, Oriana. Princípios orientadores dos juizados especiais. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Brasília, 20.03.2012. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2012/principios-orientadores-dos-juizados-especiais-juiza-oriana-piske>.
91
humanização de seus atos aos que dela esperam seriedade no trato da causa pública, abandonando os velhos e censurados hábitos.
230
Assim, hoje, é inegável a função exercida pelos juizados especiais na
administração da Justiça, mas não se deve olvidar que a falta de procedimentos
uniformes e a não observação de suas próprias diretrizes (ao ser designada a
audiência inicial, por exemplo, para meses ou ano após a apresentação do pleito)
maculam a contribuição que é ofertada ao Poder Judiciário.
Para manutenção da coerência com suas ideias iniciais e contribuição para a
razoável duração do processo, mister que os juizados especiais uniformizem seus
procedimentos, trazendo mais segurança e racionalidade em sua atuação, a fim de
que não se tornem uma instância idêntica à justiça comum.
Nesta linha, evidente que não se pode cogitar em formalismos injustificados
em sede dos juizados especiais, assim como não se almeja que sejam estes meio
de surpresas e armadilhas para o litigante, sacrificando a indispensável segurança
jurídica.
O dilema entre celeridade e segurança jurídica acentua-se diante de todas as
reformas realizadas que buscam uma maior rapidez na tramitação processual. Por
essa razão, o grande desafio do processo civil contemporâneo reside no
equacionamento do tempo e da segurança.
Dessa forma, é preciso constantemente repensar e avaliar se os métodos implementados se mostram satisfatórios para o atual sistema econômico e populacional, em que se insere o mundo jurídico atual. Tal perspectiva é um eterno desafio que deve buscar o melhor resultado sempre se aperfeiçoando através de políticas inovadoras instituídas pelo administrador e pelo legislador.
231
Entende-se que a simplificação de procedimentos é um caminho, mas sem
deixar de obedecer a certa ordem de atos, pois isso desencadearia uma disputa
desordenada entre as partes, e a obtenção de duração razoável do processo
sacrificaria a própria obtenção da adequada tutela jurisdicional.
230
GALVÃO, Tiago da Fontoura. Princípio da celeridade na nova perspectiva dos Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2010/trabalhos_22010/TiagodaFontouraGalvao.pdf>. 231
Ibidem.
92
O direito processual não se deve restringir unicamente a declarar o direito
material, mas deve ir além, ao se consubstanciar meio para a busca da justiça e da
paz social. Desse modo, o direito processual tem enorme importância na efetividade
do direito, daí sua relação com a duração razoável do processo.
Litígios de menor complexidade devem ser norteados por procedimentos
informais, céleres e simplificados. É uma questão de proporcionalidade, de
adequação, mas sem cogitar-se na perda de garantias.
Obviamente, a letra da lei, sozinha, não tem o condão de sanar tal panaceia.
Há de existir investimentos e estruturação dos juizados especiais, visto que, sem
dúvida, a demanda só tende a crescer. E atos de ilegalidade ou arbitrariedade
procedimentais devem ser severamente punidos, para que não se deturpe a real
finalidade dos juizados especiais.
Logo, é patente que os juizados especiais são verdadeiramente benéficos
para a Justiça brasileira e efetivos aliados da duração razoável do processo,
porquanto absorvem grande parte das demandas de massa e possuem melhores
condições para garantir uma prestação jurisdicional eficiente destas causas.
Todavia, a par de suas inegáveis virtudes, e em desabono no pensamento de
que os juizados especiais tratam apenas de questões de somenos importância, não
se pode permitir que estes se tornem meramente a antessala do Poder Judiciário,
mas dele efetivamente tomem parte, tanto no que concerne à sua contribuição de
solução de grande volume de litígios de menor complexidade, como garantindo que
esses mesmos litígios sejam adequadamente julgados e não apenas extirpados em
procedimentos questionáveis, divorciados das garantias conferidas aos litigantes.
3.3. A Lei nº 11.232/2005
Foi justamente a Emenda Constitucional nº 45/2004 que inseriu o princípio da
razoável duração do processo dentro das garantias fundamentais, a teor do inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
São evidentes as razões que levaram o legislador a alçar a questão do tempo
de duração do processo ao nível de garantia fundamental. Não é desconhecido que
93
há uma imensa insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional, a
qual é tida por excessivamente lenta e, portanto, ineficiente.
Como resposta a este sentir, a referida alteração legislativa foi acompanhada
de uma série de medidas que visavam dar uma resposta aos anseios da sociedade,
sobretudo na expectativa de que tais disposições, com efeito, viessem a acarretar
uma melhora geral na prestação da tutela jurisdicional. Neste sentido, podemos citar:
Como mecanismos de celeridade e desburocratização podem ser citados: a vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, a proporcionalidade do número de juízes à efetiva demanda judicial e à respectiva população, a distribuição imediata dos processos, em todos os graus de jurisdição, a possibilidade de delegação aos servidores do Judiciário, para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório, a necessidade de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para fins de conhecimento do recurso extraordinário, a instalação da justiça itinerante, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.
232
A visão da sociedade do Poder Judiciário em crise exigia do legislador novas
técnicas de driblar o necessário tempo do processo, que é aquele mínimo
imprescindível para que sejam respeitadas as demais garantias constitucionais do
contraditório, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da
motivação dos atos processuais, entre outros.
Mas, é preciso salientar, as causas da ineficiência do Poder Judiciário de
longe se encontram apenas e tão somente em fatores constitucionais. No ponto,
Alexandre de Moraes arremata:
A EC/45, porém, trouxe poucos mecanismos processuais que possibilitem maior celeridade na tramitação dos processos e redução da morosidade da Justiça brasileira. O sistema processual judiciário necessita de alterações infraconstitucionais, que privilegiem a solução de conflitos, a distribuição da Justiça e maior segurança jurídica, afastando-se de tecnicismos exagerados. Como salientado pelo Ministro Nelson Jobim, a EC 45/04 “é só o início de um processo, de uma caminhada. Ela avançou muito em termos institucionais e tem alguns pontos, como a súmula vinculante e a repercussão geral, que ajudam, sim, a dar mais celeridade. Mas apenas em alguns casos isolados. Para reduzir a tão falada
232
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 403.
94
morosidade, já estamos trabalhando numa outra reforma, de natureza infraconstitucional e que vai trazer modificações processuais”.
233
Com efeito, após a aprovação da EC nº 45/2004, mais outras tantas reformas
sobrevieram em nossa processualística, e, agora, nos vemos frente à sanção do
novo Código de Processo Civil, donde passa a ser conveniente questionar se
efetivamente é a lei quem pode atingir tais objetivos.
Não se pode descurar, todavia, que não são apenas as questões intrínsecas
ao processo civil as necessárias à obtenção da razoável duração do processo. E,
ainda que a melhor legislação constitucional e infraconstitucional assim determine,
não são apenas medidas teóricas que equalizarão essa problemática.
É preciso reconhecer que em termos de número de litígios, em uma
sociedade cada vez mais numerosa e massificada, com a ampliação do consumo e
das relações, a máquina judiciária mostra-se inadequada, não conseguindo
comportar tantas insurgências.
Não somente isso, pois também há de se destacar a ampliação dos direitos
fundamentais, donde se vislumbram novas formas de conflito, antes não imaginados
pelo próprio Estado.
Esses dois fatores, aliados, fizeram surgir uma explosão da litigiosidade, que
contribuiu, de forma inexorável, para a crise na administração da Justiça, que,
malgrado as tentativas, bem pode ser minimizado, mas não solucionado de forma
meramente endoprocessual.
Há que se questionar se a estrutura clássica do processo civil, do
procedimento eminentemente ordinário, de cognição plena e exauriente é a mais
adequada para a solução destes novos tipos de litígio ou se seria o tempo de
repensarmos mais profundamente a forma de solução destas controvérsias.
Em nosso atual contexto, o fator tempo é determinante para a vida. Não mais
se vive a infância placidamente, mesmo nossas crianças têm inúmeros afazeres e
todos, a todo momento, procuram galgar seus projetos e expectativas em níveis de
velocidade jamais vistos. A comunicação é instantânea, o deslocamento é imediato,
a informação disponível a um estender de mãos.
233
Ibidem, p. 403.
95
Logo, os anseios humanos passaram a ser extremamente imediatistas e tal
não seria diferente no exercício de direitos, situação que, sabidamente, os
envolvidos esperam que seja solucionada com a ânsia daqueles que se sentem
injustiçados.
As transformações nas relações jurídicas são vertiginosas, assim como se
deve levar em consideração, também, a natureza mesma desses direitos que, se
não efetivados em tempo hábil, podem vir a perecer, acarretando para a atividade
jurisdicional desprestígio perante os cidadãos e gastos de dinheiro público inúteis.
Ocorre que o processo civil, por mais mecanismos que se lhe promovam
visando sua simplificação e desburocratização não pode prescindir do mínimo de
segurança jurídica, que, por sua vez, reclama justamente a presença deste bem tão
fugaz, que é o tempo.
Por conseguinte, quer parecer crônica a deficiência da resposta do Estado
para a solução das lides, em tutelas efetivas, adequadas e tempestivas, por maiores
as reformas que se empreendam na legislação processual.
Isso porque uma vez que os litigantes depositam na Justiça não somente o
lugar onde obterão a solução de suas questões, mas também o único lugar onde
podem buscar isso. Logo, estamos diante de uma situação que, invariavelmente, nos
levará ao engessamento do Judiciário e a denegação do próprio acesso à Justiça.
Assim, urge serem encontrados outros meios adequados para solução dos
conflitos que não apenas a clássica demanda individual que tramita pelo Poder
Judiciário. É o momento de se implementar a coletivização de decisões em casos
massificados, a possibilidade de solução de controvérsias em âmbito administrativo,
a exemplo dos Procons, o fomento à mediação e conciliação de forma efetiva, a
desjudicialização das execuções, enfim, uma série de possibilidades que muito
podem ser úteis para reservar ao Poder Judiciário aquilo que efetivamente lhe
compete apreciar.
Note-se que se reclama do Poder Judiciário agilidade e eficiência
manifestamente destoantes dos recursos que lhe são dados. Isso, evidentemente,
desmoraliza a instituição e a põe em descrédito, mesmo muitas de suas mazelas
dependerem da boa vontade do Estado em prover aquilo que é mais que
necessário, é essencial.
96
Não se trata de uma tarefa fácil, mas tampouco é irrealizável. Devemos, pois,
repensar os institutos processuais e adequá-los à realidade social. É preciso
modificar o pensamento de nossos operadores para outras formas de solução de
controvérsias, bem como reformular a atuação do próprio Poder Judiciário para que
seja possível o atingimento da elevada função que a ele é constitucionalmente
atribuída.
3.4. A EC nº 45/2004
Como salientado, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004,
incorporou-se no rol de direitos e garantias fundamentais o inciso LXXVIII, do artigo
5º, da Constituição Federal, dispondo que “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”.
Com isso, debalde se tratar de norma constitucional, não se pode esquecer,
também se mostrou necessária uma série de reformas no Código de Processo Civil,
as quais visavam buscar a efetividade do processo, ou seja, propiciar um
instrumento jurisdicional capaz de satisfazer os anseios da coletividade de maneira
rápida, eficaz e justa.
As reformas processuais empreendidas pela Lei nº 11.232/2005 trouxeram,
ao nosso ordenamento, um novo olhar para a execução das sentenças
condenatórias que impõem o pagamento de quantia certa. Inaugura-se, assim, a
adoção do processo sincrético para a efetiva entrega do provimento jurisdicional, em
contraponto a até então existente dicotomia entre dois processos distintos, o de
conhecimento e o de execução.234
A simplificação procedimental foi evidente, em latente prestígio a razoável
duração do processo. Elimina-se a necessidade de manejo de uma nova ação, com
234
“A simplificação trazida pela Lei 11.232/2005 fez com que as ações de conhecimento e de execução fossem processadas em sequência, sem solução de continuidade – sine intervalo. Em outras palavras, a reforma processual estabeleceu o sincretismo entre cognição e execução, havendo total integração dessas atividades em um único processo, o qual não mais se encerra com a sentença, mas com a efetiva satisfação do demandante.” RIBEIRO, Flávia Pereira. A impugnação ao cumprimento da sentença, conforme a Lei 11.232/2005. Dissertação de Mestrado em Direito, PUC, São Paulo, 2008, p. 48.
97
todos os requisitos e formalidades procedimentais; supera-se a realização de uma
nova citação do demandado, que, muitas vezes, consistia em óbice quase
insuperável ao procedimento; legitima o advogado, por mera intimação via imprensa
oficial, a receber o comando ordinatório de pagamento; e, mais, fixa prazo para que
este aconteça, sob pena de multa de 10% (dez por cento).
A reforma da execução atingiu, pois, as hipóteses de execução de títulos
judiciais, abolindo a figura da execução de título executivo judicial, para racionalizar
e simplificar o sistema processual como um todo, buscando-se uma unicidade entre
o provimento cognitivo e executivo, no intuito de satisfazer plenamente o direito
material da parte.235
Em outras palavras, a Lei nº 11.232/2005 consagrou a execução como fase
processual da ação cognitiva condenatória, inaugurando o chamado processo
sincrético, vez que o cumprimento da sentença nada mais se constituiria em fase do
processo originário.
Destarte, não se pode afirmar que cognição e execução vivam isoladamente, tanto mais que servem uma a outra. Aliás, não foi por outra razão que a Lei nº 11.323/2005 encarou a execução como fase do mesmo processo de sentença, denominando-a de cumprimento. Assim, a cognição, por vezes, prepara a execução, como sói acontecer no processo executivo judicial, ou hodiernamente cognominado de “cumprimento da sentença” – que tem como base uma sentença que reconheça a existência de uma obrigação. Aliás, não houvesse o cumprimento por execução das sentenças, o Judiciário correria o risco de proferir decisões meramente divagatórias, acadêmicas, sem praticidade.
236
A Lei nº 11.232/2005, portanto, trouxe como espinha dorsal o inciso LXXVIII,
do artigo 5º, da Constituição Federal, na busca da razoável duração do processo e
celeridade de sua tramitação.
235
“Destinando-se à realização prática dos direitos outorgados em qualquer provimento do juiz, constitui a modalidade de tutela mais vantajosa, do ponto de vista do destinatário do ‘produto’ jurisdicional. A sociedade de massas importa, realmente, a efetividade específica das situações de vantagem conferidas pelo ordenamento e, nesse âmbito, pouco interessa sua simples e solene declaração, típico resultado colhido pela função de conhecimento [...]”. ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2010. 236
FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2008. p. 6.
98
Além disso, a satisfação do direito do credor é a grande preocupação da
referida Lei, pois se exigir um novo processo de execução, quando obtido o título
executivo judicial era ir contrariamente à instrumentalidade do processo, acarretando
uma nítida morosidade na entrega da prestação jurisdicional.
Assim, a unicidade do processo cognitivo com o executivo, ou seja, a
instauração de uma mera nova fase de procedimento para cumprimento de
sentença, agiliza a prestação jurisdicional e prestigia a razoável duração do
processo, pois a efetiva prestação jurisdicional só se verifica com a efetiva entrega
do bem jurídico a quem tem direito, e a necessidade de manejo de outra demanda
para atingimento do bem da vida, certamente obstava o exercício do direito
reconhecido.
Essa diferença não restava suficiente a demonstrar ao jurisdicionado favorecido pela condenação que, após um longo processo de maturação do direito e com a definição do direito imune de impugnações, ainda assim, ao iniciar a implementação do julgado, impunha-se inaugurar um novo processo, com ampla fase de conhecimento introduzida no organismo da execução, viabilizando maiores delongas do que no processo de conhecimento.
237
Ora, a razão pela qual o legislador optou pelo sincretismo processual é
notória: antes da reforma, embora houvesse procedência do pedido formulado, o
credor simplesmente não via atendida sua pretensão, dada a imperiosa necessidade
de que se instaurasse novo processo para executar o devedor.
Neste plano, havendo a introdução do sincretismo processual, houve a
sintonização do Código de Processo Civil com o princípio constitucional da razoável
duração do processo previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, introduzido pela EC nº
45/2004, que garante a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação.
Pode-se afirmar, neste turno, que o cumprimento de sentença é a
exteriorização do princípio da celeridade processual, visto que o cumprimento da
sentença representa a efetivação do direito material pretendido, com a entrega real
da prestação jurisdicional, antes restrita ao mundo das ideias.
237
Ibidem, p. 15.
99
Não obstante, tais avanços, ainda que relevantes, certamente não serão
bastante para atender na íntegra o comando constitucional, pois, como já afirmado,
não apenas medidas endoprocessuais são reclamadas para solução da eficiência do
Poder Judiciário.
A tais reformas processuais deve se somar alterações exoprocessuais, como
uma nova estrutura do Poder Judiciário, em pessoal, recursos, estrutura, bem como
racionalização de sua atribuição que será possível ao menos tangenciar a
reclamada efetividade no processo civil.
3.5. A Lei nº 11.277/2006
Na mesma linha da reforma processual anterior, que visa dar cumprimento ao
ditame constitucional da razoável duração do processo, a Lei nº 11.277/2006
introduziu em nosso ordenamento o artigo 285-A no Código de Processo Civil, o qual
estabelece o julgamento sumaríssimo do mérito com base no conteúdo da petição
inicial e de precedentes do juízo.
A alteração nas regras processuais estabelecidas pela legislação acima
mencionada impôs, na prática, uma maior celeridade à prestação jurisdicional,
atendendo, assim, aos princípios da economia processual e efetividade do processo.
Nestes termos, podemos salientar:
A ideia da razoável duração do processo é que este se inicie e termine de forma breve, porém eficaz. Isso porque, a prestação da tutela jurisdicional de forma tardia pode fazer com que pereça o direito ao jurisdicionado ou que a utilidade deste fique esvaziada.
238
Não obstante sua adoção, por se tratar de importante quebra dos paradigmas
anteriores, causa grande perplexidade, na medida em que se discute a possibilidade
de ofensa a outros princípios, como o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa.
238
ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 52.
100
Não se nega que temos, neste caso, a concentração de diversas atividades
processuais numa única etapa procedimental. Todavia, não se verifica, com sua
adoção, qualquer gravame aos direitos dos litigantes.
Isso porque a previsão legal tão somente admite a hipótese quando diante de
questão exclusivamente de direito – que não depende de dilação probatória – e para
se julgar o pedido totalmente improcedente, não gerando grau algum de
sucumbência para o réu alheio ao processo.
Em outras palavras, trata-se de uma decisão terminativa, proferida inaudita
altera parte, que contribui de forma decisiva para a celeridade e efetividade da
prestação jurisdicional.
Não obsta à parte o pleno exercício do seu legítimo direito de ação, tampouco
macula o regular acesso ao duplo grau de jurisdição.
Trata-se, como se pode verificar, de necessário prestígio às sentenças
monocráticas, tudo em prol da almejada duração razoável do processo e que não se
consubstancia em quaisquer prejuízos ao jurisdicionados.
É evidente que a obrigatoriedade do longo processamento de uma pretensão
que, em seu nascedouro é natimorto, apenas e tão somente atravanca de forma
injustificável as atividades do Poder Judiciário.
Além disso, convém salientar, que a experiência já mostrou que tal dispositivo
vem sendo aplicado com a parcimônia e o discernimento necessários para que não
haja a violação às demais garantias constitucionais do processo, nada havendo que
macule tal dispositivo.
Por outro lado, é entendimento aqui já exarado que a tão questionada
morosidade do Poder Judiciário também deve ser combatida através de outros
instrumentos extraprocessuais, que atinjam também tais vulnerabilidades. Em abono
a esta tese, as palavras de Sérgio Almeida Ribeiro:
Não é de hoje que o Poder Judiciário passa por uma crise, cuja principal fonte está centrada em questões metajurídicas (falta de dinheiro, capacitação de funcionários e estrutura, número suficientes de magistrados etc.). Sobre o assunto, vejamos os comentários de Joel Dias da Figueira Júnior: “Encontra-se o Poder Judiciário em crise, em razão de suas parcas estruturas materiais e carente de um quadro de pessoal satisfatório, hábil e mais qualificado para atender às demandas de caráter múltiplo
101
que são desencadeadas de maneira frenética no mundo contemporâneo, o que dificulta a observância do trinômio rapidez, segurança e justiça da decisão e, por conseguinte, o acesso à ordem jurídica justa”.
239
O cenário do Poder Judiciário, portanto, reclama a complementação da
reforma constitucional, o que necessariamente desaguou nas reformas do Código de
Processo Civil, em atendimento a tal imperioso ditame, mas, certamente, ainda não
se esgotou, muito menos, solucionou definitivamente o problema.
A norma objetiva otimizar a instrumentalidade das formas, resguardando a
tramitação de processo manifestamente inviável. Esta é uma medida bem-vinda,
pois sem comprometer qualquer direito processual diretamente, dá azo à razoável
duração do processo, que é o grande vetor do processo moderno.
Ora, um compromisso verdadeiro com a celeridade implica na correção na
direção em busca de uma jurisdição eficaz, que como direito fundamental, é um
interesse primário do Estado.
Mas mecanismos processuais não bastam.240 É preciso que os seus
operadores tenham ciência de que a celeridade ganha espaço diante da certeza
jurídica e os instrumentos de sumarização da cognição ou postergação do
contraditório dependem, para sua plena eficácia, da compreensão dos valores que
os animam e das metas perseguidas.
No caso específico do artigo 285-A do Código de Processo Civil, não basta
que haja uma aplicação indiscriminada, fundada em precedentes fadados ao
insucesso. É imprescindível que o juiz perceba o seu papel no sistema e, nas
questões de massa, realmente só se valha da nova disposição quando seus
precedentes estiverem lastreados pelos enunciados das Súmulas do Supremo
239
, RIBEIRO, Sérgio Luiz de Almeida. O devido processo legal como meio legitimador para o juízo arbitral, de lege ferenda, efetivar suas sentenças Uma releitura de jurisdição. In: ______; AURELLI, Arlete Inês; SCHMITZ, Leonard Ziesemer; DELFINO, Lúcio; FERREIRA, Willian Santos (coord.). O direito de estar em juízo e a coisa julgada – Estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 386. 240
“É de se sublinhar, ainda, que uma tutela jurisdicional adequada, promovida segundo todas as facetas examinadas alhures, depende, outrossim, de questões alheias à legislação processual, um desafio permanente e que amiúde envolve a atuação conjunta de toda a sociedade civil e do Estado.” DELFINO, Lúcio. Ontem e hoje: os variados enfoques de acesso à Justiça. In: ______; RIBEIRO, Sérgio Luiz de Almeida; AURELLI, Arlete Inês; SCHMITZ, Leonard Ziesemer; FERREIRA, Willian Santos (coord.). O direito de estar em juízo e a coisa julgada – Estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 291.
102
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Somente quando estes Tribunais
ainda não tiverem pronunciamentos sobre determinada matéria é que deve o
magistrado valer-se de seus entendimentos.
O objetivo da norma não é, a todo e qualquer custo, melhorar as estatísticas
dos juízos da primeira instância, através da permissão do julgamento sumaríssimo
do processo. Sua real intenção é permitir o equacionamento dos estoques de ações,
para que o magistrado possa se ocupar dos feitos realmente relevantes. Ações sem
possibilidade de êxito – assim se compreende pelo novo conteúdo normativo – não
merecem a atenção do Poder Judiciário.
No ponto, a nova disposição objetiva reservar a atenção e a dedicação do juiz
para os processos efetivamente úteis, permitindo que possa desafogar o respectivo
juízo, o que é inegável, é perfeitamente alinhado à desejável duração razoável do
processo.
3.6. As Leis nº 11.417/2006 e nº 11.418/2006
O Supremo Tribunal Federal é o órgão do Poder Judiciário responsável pela
proteção das normas constitucionais e pela garantia de sua aplicação em todo o
País.
A elucidar este ponto, oportuna a lição:
Desta feita, com esse modelo, o Brasil, por meio da Constituição, entregou ao STF o controle de constitucionalidade, fazendo com que o controle ora referido devesse ser efetivado por um tribunal, que não fosse parte de nenhum dos poderes, o que não se deu no Brasil, que tem uma vivência e realidade de mundo totalmente distinta da de outros locais.
241
É evidente a elevada função do Supremo Tribunal Federal em defender a lei
maior de nosso país. Ocorre que, como é sabido, o fenômeno da exacerbada
litigiosidade fez com que ele fosse utilizado não com esta finalidade, mas como uma
última instância recursal, a permitir a apreciação de questões que não justificam seu
acionamento. 241
ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional cit., p. 69.
103
Tal cenário fez com que o STF recebesse uma quantidade enorme de
processos por ano, o que, por via de consequência, trouxe uma situação caótica à
Suprema Corte.242
Há algumas explicações para elucidar o exponencial aumento do número de
processos. É inegável a massificação das demandas nas relações homogêneas,
especialmente em um modelo que trata cada controvérsia judicial instaurada como
um processo singular. Há, também, inúmeras outras ações que chegam ao STF
como instância recursal, sendo claramente ausente qualquer violação de matéria
constitucional.
Assim, no anseio da busca de mecanismos objetivos de filtragem para a
interposição e recebimento dos recursos extraordinários, foram editadas as Leis nº
11.417/2006 e nº 11.418/2006.
A Lei nº 11.417/2006 regulamenta a edição de súmulas vinculantes pelo STF.
Já a Lei nº 11.418/2006 trata dos requisitos que o recurso extraordinário deverá
preencher para ser recebido pelo Supremo Tribunal Federal.
O recurso extraordinário é um mecanismo processual que viabiliza a análise,
pelo Supremo Tribunal Federal, de questões constitucionais do caso concreto.
Para que o recurso chegue à Suprema Corte é necessário que o
jurisdicionado tenha se valido de todos os meios ordinários, ou seja, que tenha
percorrido as demais instâncias judiciais do País. Também se exige que o recorrente
preencha alguns requisitos legais para que o recurso extraordinário possa ser
recebido pelo STF, como o prequestionamento e a demonstração da questão
constitucional vulnerada.
A EC nº 45/2004 trouxe uma inovação, passando a exigir que o recorrente
demonstre no recurso extraordinário a repercussão geral das questões
242
“Com efeito, a crise que fustiga o direito – que, sem dúvida, causa (ou deveria causar) um mal-estar na comunidade jurídica preocupada com o direito como fator de transformação social – restou obnubilada por um imaginário dogmático refém de um sentido comum teórico que acaba por ofuscar o sentido da Constituição (compreendida em seu papel constituidor, dirigente e compromissário).”. STRECK, Lenio Luiz. Acesso à Justiça, jurisdição constitucional e Estado Democrático de Direito: os obstáculos representados pela “baixa constitucionalidade”. In: RIBEIRO, Sérgio Luiz de Almeida; AURELLI, Arlete Inês; SCHMITZ, Leonard Ziesemer; DELFINO, Lúcio; FERREIRA, Willian Santos (coord.). O direito de estar em juízo e a coisa julgada – Estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 225.
104
constitucionais discutidas no caso, de modo que a atuação do STF ocorra nos casos
de maior relevância.
A aludida inovação tem por escopo selecionar os recursos que realmente
tenham uma relevância social e não apenas seja um caso individual.
Necessário, portanto, que as decisões sejam otimizadas, de modo a
selecionar as causas aptas a serem analisadas por um tribunal da envergadura do
STF.
Tem-se, assim, que a matéria discutida em sede de recurso extraordinário
deverá ser relevante para a coletividade e não apenas ao recorrente, demonstrada
em preliminar do recurso, sob pena de não conhecimento.
A Lei nº 11.418/2006 mostra mais uma vez o empenho em promover a
agilização aos procedimentos judiciais e, com isso, diminuir o número de processos
e garantir maior eficiência da prestação jurisdicional, promovendo, assim, a
celeridade e economia processuais.
Sem dúvida, as novidades trazidas pela Lei em relação ao recurso
extraordinário são de grande valia na otimização das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, que, assim, poderá ver suas decisões atingirem, de fato,
relevância social na solução das controvérsias que dirime e não mais atuar como
mera instância recursal, favorecendo a razoável duração do processo.
3.7. A Lei nº 11.672/2008
A Lei nº 11.672, de 08.05.2008, também é importante marco para a
concretização da garantia fundamental da duração razoável do processo ao
estabelecer procedimento para o julgamento de recursos especiais repetitivos no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, especificamente quando for detectada
multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.
Ensina Claus-Wilhelm Canaris com propriedade:
[...] o direito é um modo de resolver casos concretos. Assim sendo, ele sempre teve uma particular aptidão para aderir à realidade: mesmo quando desamparado pela reflexão dos juristas, o direito foi, ao longo da História, procurando as soluções possíveis. A preocupação harmonizadora dos jurisprudentes romanos permitiu um
105
passo maior importância, que não mais poderia: a procura incessante de regras pré-determinadas e pré-determináveis para a solução dos problemas. Assim, do direito se fez uma ciência.
243
Destaca-se como grande aspecto desta inovação o prestígio das decisões
dos Tribunais de segundo grau, afastando do Superior Tribunal de Justiça a atuação
anômala como Tribunal de terceiro grau.
É sabido que necessário o acesso criterioso de certas questões aos Tribunais
Superiores. Estes não são, à evidência, instâncias recursais, visto que abaixo deles
já garantido está, ordinariamente, o duplo grau de jurisdição.
Neste espírito, a Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe ao Superior
Tribunal de Justiça mecanismo similar ao criado para o Supremo Tribunal Federal,
resguardando, assim, a efetiva competência destas Cortes.
Quando falamos que o STF e o STJ são Tribunais Superiores, significa que
eles não podem ser pensados como Tribunais de terceira instância e, sim, de
sobreposição, pois a atuação deles é muito diferente da atuação dos Tribunais de
primeiras e segundas instâncias. O artigo 102 da Constituição Federal coloca
inúmeras hipóteses de atuação originária do STF. A mesma questão acontece com o
STJ no artigo 105 da Constituição Federal, com suas competências ordinárias.
A norma dispõe que, quando houver multiplicidade de recursos com
fundamento em idêntica questão de direito, cabe ao presidente do Tribunal de
origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los
ao STJ. Os demais ficam suspensos até o pronunciamento definitivo do Tribunal.
Mas, se os outros recursos especiais não forem suspensos, o relator no STJ,
ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que
determinada matéria já está afeta ao colegiado, terá a faculdade de determinar a
suspensão, nos Tribunais de segunda instância, dos recursos onde a controvérsia
foi estabelecida.
O relator, conforme o regimento interno do STJ e considerando a relevância
da matéria, pode admitir manifestação de órgãos ou entidades e pessoas com
interesse na controvérsia. Após receber as informações e, após a manifestação de
243
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Tradução e introdução de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. XXIV-XXV.
106
terceiros, se for o caso, o Ministério Público terá vista pelo prazo de 15 dias.
Passado o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais
Ministros, será o processo incluído na pauta da seção ou na Corte Especial, onde
deve ser julgado com preferência sobre os demais processos, ressalvados os que
envolverem réu preso e os pedidos de habeas corpus.
Ocorrendo a decisão definitiva, o acórdão será publicado e os recursos
especiais sobrestados na origem: (a) terão seguimento denegado na hipótese de o
acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou (b)
serão novamente examinados pelo Tribunal de origem na hipótese de o acórdão
recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
Visando, sobretudo, à desobstrução do STJ, instituiu-se um regime de
julgamento unificado do recurso especial, que conta com procedimento praticamente
idêntico ao admitido para o recurso extraordinário, inclusive no tocante à
participação do amicus curiae e do Ministério Público.
Cuida-se de mais uma demonstração inequívoca do fortalecimento da
jurisprudência como fonte do Direito no Brasil e do avanço da sistemática brasileira
em direção à formação de um sistema de precedentes dotados de força vinculante,
ao menos em nível vertical.
Em que pese o texto constitucional estabeleça com clareza que “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, já é
certo que, em se tratando de norma constitucional ou de lei federal, é o sentido
conferido pelo STF ou STJ, em sua interpretação do Direito, que balizará a conduta
individual, na medida em que os Tribunais da jurisdição ordinária e os juízos de
primeiro grau se encontram fortemente compelidos a reproduzir em seus julgados a
orientação jurisprudencial das referidas cortes de superposição.
A tendência inexorável de uniformização e otimização da solução das
controvérsias para obtenção da razoável duração do processo passa também pela
ampliação dos poderes dos Tribunais superiores na uniformização do Direito, na
medida em que a tese fixada em sede de julgamento de recursos extraordinários ou
especiais repetitivos será, formalmente, de observância obrigatória pela inteira
jurisdição nacional.
107
4. A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
4.1 Breve Escorço do Instituto no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Expediente semelhante ao princípio da razoável duração do processo poderia
ser observado no prazo (de vinte e quatro horas) para entrega da nota de culpa
prevista na Constituição do Império de 1824, em seu artigo 179: há a menção
expressa ao termo prazo razoável.244 A Constituição do Império trazia no seu texto
norma que assegurava ao cidadão a razoável duração do processo penal.
A evolução histórica do Direito trouxe a previsão expressa de princípios
atinentes ao processo na Constituição, que foram elevados à garantia de direito
fundamental por serem considerados essenciais à dignidade da pessoa dentro do
Estado Democrático de Direito. Todavia, já existia antes da Emenda Constitucional
45/2004 previsão no ordenamento jurídico de norma que garantia um processo sem
dilações indevidas: são as disposições do Pacto de São José da Costa Rica –
Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Decreto nº 678, de 06.11.1992,
em seu artigo 8º, I preceitua que:
Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
A norma descrita acima, por se tratar de um direito fundamental, deve ter
interpretação ampliativa, devendo incidir em todos os processos: penal, civil,
trabalhista e administrativo. Neste sentido, Nelson Nery Jr.:
244
“Artigo 179. A inviolabilidade dos Direito Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: [...] VIII – Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados pela Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contados da entrada da prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações próximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os da testemunhas, havendo-as.”
108
Dada a circunstância de que as garantias judiciais da CIDH 8º, além dos aspectos penais, têm, igualmente situações aplicáveis aos processos civil e administrativo, e de que os direitos humanos e fundamentais devem merecer interpretação ampliativa, empregando-se esse método aliado ao da interpretação sistemática, chega-se ao resultado de que a garantia da duração razoável do processo incide no processo judicial (penal e civil lato sensu), e no processo administrativo.
245
No que se refere ao status da norma tratada, é importante salientar que
grande parte da doutrina a considera recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio
como uma norma com status constitucional,246 por ser um tratado internacional
versando sobre direitos fundamentais. Entretanto, esta posição não é adotada de
forma unânime pela jurisprudência.
Estávamos, pois, diante de uma norma, que impunha a decisão judicial em prazo razoável. Concluía-se, portanto, que, também em nosso país, o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vinha expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF).
247
A Emenda nº 45/2004 trouxe para texto constitucional o princípio da razoável
duração do processo, que passou a integrar expressamente em seu artigo 5º, inciso
LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Assim, segundo Eduardo Arruda Alvim:
A razoável duração do processo é garantida não somente para processos judiciais, mas também para processos administrativos. Se é verdade que a Constituição garante o direito de ação (art. 5º, XXXV), tal garantia seria verdadeiramente inócua se a prestação jurisdicional viesse a ser implementada em alargado espaço de tempo, a ponto de se tornar inútil ao jurisdicionado.
248
245
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 317. 246
Neste sentido: “Com razoável tranquilidade, os princípios emanados nos tratados internacionais, a que o Brasil tenha ratificado, equivalem-se às próprias normas constitucionais”. TACRIM/SP, HC 637.569-3, 8ª Câmara, rel. Des. Antônio Carlos Malheiros. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RL000GZ3H0000>. Acesso em: 29.10.2014. 247
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo... cit., p. 259-260. No mesmo sentido: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos... cit., p. 79-80. E, também: DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 42. 248
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 157.
109
Sobre a inclusão, José Afonso da Silva afirma que o inciso LXXVIII do artigo
5º da Constituição Federal seria completamente desnecessário, pois o acesso à
Justiça por si só compõe o conceito de um processo com duração razoável e alerta
para a ineficácia da garantia:
[...] o acesso à Justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado – mas crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava, daí cria-se mais essa garantia constitucional, como o risco de gerar novas frustrações pela sua ineficácia, porque não basta uma declaração formal de um direito ou de uma garantia individual para que, num passe de mágica, tudo se realize como declaração.
249
Contudo, deve ser ponderado que o legislador e a doutrina jurídica
perceberam a necessidade da previsão expressa,250 corroborando com os anseios
da sociedade, tornando-o aplicável e obrigatoriamente considerável no conjunto com
os demais princípios, buscando a efetivação de uma justiça menos morosa.
Assim, conclui-se que o texto constitucional adotou posição ampliativa no
caso, encampada pela maioria da doutrina, pois determinou a incidência do princípio
da razoável duração do processo a todos os processos judiciais – penal, civil,
trabalhista, militar e eleitoral, bem como aos processos administrativos, além da
efetividade do direito de ação, pois o processo deve trazer solução satisfatória para
as partes sem dilações indevidas.
A leitura e a interpretação das normas jurídicas devem ser feitas à luz da
Constituição e dos princípios que orientam o ordenamento jurídico – essa posição
tem sido reafirmada sendo, inclusive, adotada pelo novo Código de Processo Civil
consoante Arruda Alvim:
Desde o artigo 1º, o projeto enfatiza o valor fundamental da Constituição, o que representa um enfoque contemporâneo da temática do direito. Valeu-se, portanto, da concepção de que os Códigos devem ser iluminados pelas Constituições.
251
249
SILVA, José Afonso da. Curso... cit., p. 432. 250
O ordenamento prevê mais os direitos que não são respeitados sem a força da expressa letra da lei. A necessidade da previsão vem do constante desrespeito ao direito. Ver Pugliesi (2010). 251
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 105.
110
Isto é, toda legislação infraconstitucional deve ser aplicada e interpretada à
luz dos princípios insculpidos na Constituição Federal, de forma harmônica. Logo, o
princípio da razoável duração do processo não pode ser interpretado de forma
isolada, buscando tão somente a celeridade do procedimento, mas, sim, em
harmonia com outras garantias processuais – o contraditório e a ampla defesa, por
exemplo – e à luz do caso concreto.252
4.2. Conceito e Conteúdo
Pode-se conceituar a razoável duração do processo, como um princípio que
garante um direito fundamental. Este princípio é estritamente relacionado aos do
devido processo legal e do direito de ação, que visam assegurar aos jurisdicionados
uma prestação da tutela jurisdicional adequada, útil e tempestiva. Eduardo Arruda
Alvim afirma sobre o tema:
A ideia da razoável duração do processo é que este se inicie e termine de forma breve, porém eficaz. Isso porque a prestação da tutela jurisdicional de forma tardia pode fazer com que pereça o direito ao jurisdicionado ou que a utilidade deste fique esvaziada.
253
Além disso, segundo a doutrina contemporânea, os princípios não têm caráter
programático, devendo ser aplicados de forma imediata para assegurar a todos os
processos uma duração razoável.254 A jurisprudência internacional do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos fixou três critérios para se aferir se houve ou não
dilação indevida do processo, que são respectivamente:
A Corte Europeia de Direitos do Homem firmou o entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da
252
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito... cit., p. 158. 253
Ibidem, p. 157. 254
Em sentido contrário: “Cuida-se de princípio que assume a característica de norma meramente programática, sem força própria para fazer-se impositiva. [...] Pode-se dizer que se trata de norma meramente programática, embora não deva sê-lo, dada a sua importância e relevância enquanto princípio garantidor e universal”. STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 179.
111
acusação e da defesa no processo; c) a atuação do órgão jurisdicional.
255
A esses critérios Nelson Nery Jr. acrescenta um quarto: “a fixação legal dos
prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o direito ao
contraditório e à ampla defesa”.256 No mesmo sentido está a Ministra Fátima Nancy
Andrighi para quem o princípio em questão deve ser analisado no caso concreto:
Todavia, a rica experiência jurisprudencial da Corte de Estrasburgo, de indiscutível validade para os fins da interpretação do indeterminado conceito de “razoável duração do processo” e de aplicação dos mencionados critérios, nos leva a conclusão que o dado cronológico da duração do procedimento não tem valor absoluto, seja porque não existem parâmetros temporais preestabelecidos e uniformes, seja porque a razoabilidade ou excessividade da duração de um processo por si só não se prestam a uma rígida avaliação em abstrato, mas exigem uma específica apreciação a ser feita segundo as circunstâncias concretas de cada causa individual e à luz dos mencionados critérios de avaliação da “razoável duração do processo”.
257
Sendo princípio, este conceito tem alta indeterminação e só pode ser
analisado no caso concreto: em alguns processos pode se fazer necessária
instrução probatória que demande um maior lapso temporal, diferente de outros
feitos, em que é possível provar-se o fato por meio de prova documental pré-
constituída, ou ainda, matérias controvertidas que envolvam apenas a inteligência do
diploma legal envolvendo a questão. Segundo a Ministra Fátima Nancy Andrighi:
Podemos concluir que o conceito de razoável duração do processo constitui uma cláusula em branco, aberta, que a jurisprudência deverá caracterizar com conteúdos concretos, a fim de definir em cada processo se a respectiva duração foi razoável ou excessiva e, assim, se o direito assegurado pelo inciso LXXVIII, do art. 5º da CF foi violado ou não.
258
Neste sentido, também alerta José Rogério Cruz e Tucci:
255
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 42. 256
NERY JR, Nelson. Princípios do processo... cit., p. 320. 257
ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade... cit. 258
Ibidem.
112
O reconhecimento destes critérios traz como imediata consequência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados. Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de crimes de natureza fiscal ou econômica, a prova pericial a ser produzida poderá demandar muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada da fase instrutória. Por outro lado, não poderão ser taxadas de “indevidas” as dilações proporcionais pela atuação dolosa da defesa, que, em alguns casos, dá azo a incidentes processuais totalmente impertinentes e irrelevantes. E, ademais, é necessário que a demora, para ser reputada realmente inaceitável, decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional encarregado de dirigir as diversas etapas do processo. É claro que a pletora de causas, o excesso de trabalho, não pode ser considerada, neste particular, justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional.
259
Logo, o princípio deve ser aplicado no caso concreto com auxílio dos
postulados normativos (Ávila, 2005) e dos critérios elencados pela Corte Europeia de
Direitos do Homem para se determinar a duração razoável do processo: (a)
complexidade do assunto; (b) o comportamento dos litigantes e de seus
procuradores ou da acusação e da defesa no processo; (c) a atuação do órgão
jurisdicional, sem desprezar a fixação legal dos prazos para a prática de atos
processuais que assegure efetivamente o direito ao contraditório e à ampla defesa.
4.3. Natureza Jurídica
A natureza jurídica da razoável duração do processo é de princípio e,
também, de garantia e direito fundamental do indivíduo.260
Significa que a razoável duração do processo seja administrativo ou judicial (civil ou penal), passou a ser direito subjetivo e garantia fundamental assegurada a todo e qualquer pessoa pela Carta Magna.
261
Segundo Fredie Didier Jr.:
259
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo... cit., p. 239-240. 260
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 316. 261
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 182.
113
A discussão sobre a existência ou não deste direito fundamental acabou, tendo atualmente utilidade meramente histórica. A EC nº 45/2004, que reformou constitucionalmente o Poder Judiciário, incluiu o inciso LXXVIII no art. 5º da CF/88: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A mesma emenda constitucional acrescentou a alínea “e” no inciso II do art. 93 da CF, estabelecendo que “não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”.
262
Assim, o princípio da razoável duração do processo pode ser concebido como
um desdobramento do direito de ação, bem como uma decorrência do princípio do
devido processo legal, e relaciona-se com outros princípios como já enfatizado no
texto.
Trata-se de desdobramento do princípio do direito de ação (CF 5º. XXXV), que definimos como garantidor do direito de obter-se a tutela jurisdicional adequada.
263
Desse modo, a celeridade264 sempre deve ser observada em consonância
com as garantias que decorrem do devido processo legal, como as garantias do
contraditório, da ampla defesa e o direito de produzir provas, os quais orientam a
dinâmica processual:
A ação deve ser precipuamente considerada na sua dinâmica, ou seja, supondo-se a existência de um processo. A ação, como a totalidade dos institutos do processo, existe necessariamente limitada pelo tempo; existe para exaurir-se. Todo instituto do processo tem uma dimensão temporal; nasce, desenvolve-se e morre. Somente sobrevive ao processo a eficácia da sentença, quase sempre, a coisa julgada material, sobreposta à parte dispositiva da sentença, para resguardo do bem jurídico nela defendido.
265
O princípio da razoável duração do processo integra o conceito de ação, bem
como pode ser tido como consectário do devido processo legal, e é norma de
obediência obrigatória no ordenamento jurídico brasileiro. Está explícita no
262
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 43. 263
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 316. 264
Que deve ser analisada enquanto razoável duração do processo, a qual se relaciona com a totalidade do ordenamento. 265
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 413.
114
ordenamento propriamente dito desde a Convenção Americana de Direitos Humanos
– Pacto de San José da Costa Rica, artigo 8º.
Assim, com a inclusão do princípio no texto constitucional – artigo 5º, inciso
LXXVIII, da Constituição Federal –, segundo Rui Stoco, apenas tornou explícito
norma que já existia implicitamente no ordenamento jurídico.
Como se verifica, o legislador tornou explícito o que antes estava implícito e, ademais, já estava assegurado (mas jamais implementado), na medida em que a exigência de um julgamento célere e em prazo compatível com o estado de desenvolvimento da estrutura judiciária é parte do devido processo legal, com extração constitucional, e se traduz em consequência lógica do direito de estar em juízo.
266
Para que a tutela jurisdicional seja adequada, necessário se faz que ela
também seja tempestiva: a justiça tardia é uma injustiça qualificada, pois “no
processo o tempo é algo mais que ouro: é justiça” (tradução nossa).267 A celeridade
processual está relacionada com a prestação jurisdicional do tempo adequado à
preservação do direito que originou o processo, ou seja, com a razoável duração do
processo concretamente posto. Por isso, porque a celeridade foi constitucionalizada
para preservar adequadamente os direitos objeto do processo, que a questão central
deste trabalho é atinente à combinação, à harmonia deste princípio com as outras
garantias constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e demais princípios
que decorrem do devido processo legal, por ser decorrência lógica destas – que
também visa a garantir esses mesmo direitos. O que se quer dizer é que celeridade
por si não faz sentido: um processo rápido que torne a prestação jurisdicional injusta
ou inadequada é tão nocivo quanto um processo lento que a torne inefetiva.
Ainda segundo José Rogério Cruz e Tucci:
Se impõe admitir que o direito a um processo com duração razoável é consequência direta do devido processo legal, que já estava
266
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 179. 267
“Por otra parte es menester recordar que en el procedimiento el tiempo es algo más que oro: es justicia”. COUTURE, Eduardo J. Proyecto de Código de Procedimiento Civil (con exposición de motivos). Montevideo: Impresora Uruguaya, 1945. Exposição de Motivos, Capítulo II, § 1º, nº 10, p. 37.
115
expressamente previsto no artigo 5º, inciso LIV da Constituição de 1988.
268
Se a prestação, entretanto, foi intempestiva, causando prejuízos a alguma das
partes, este trabalho filia-se à doutrina que entende que, havendo violação do
princípio da razoável duração do processo, a parte prejudicada tem o direito pleitear
indenização em face do Estado, pelos prejuízos materiais e morais suportados pela
demora irrazoável do processo.
4.4. Responsabilidade Civil
O tema em questão é motivo de muita controvérsia doutrinária talvez porque o
reconhecimento do dever de indenizar pela violação do princípio da razoável
duração do processo, pelo Poder Judiciário, implicaria a este Poder reconhecer a
sua própria inadequação e do seu sistema. Além disso, por motivos que resvalam
nos cofres públicos, atribuir indenização poderia fomentar o ingresso de novas
ações, que gerariam a multiplicidade de litígios, congestionando ainda mais as vias
judiciais, só agravando o problema da morosidade processual.
Inicialmente, antes de adentramos no tema propriamente elencado, cumpre
esclarecer que a responsabilidade civil tem três pressupostos, quais sejam: (a)
conduta humana, que pode se dar por ação ou omissão; (b) dano; e, (c) nexo de
causalidade entre a conduta humana e o dano experimentado.
O elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior. Esse ilícito, como atentando a um bem juridicamente protegido, interessa à ordem normativa do Direito justamente por que produz um dano, não há responsabilidade sem um resultado danoso. Mas a lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo não há responsabilidade sem determinado comportamento humano contrário a ordem jurídica.
269
Assim, a omissão também pode ensejar o dever de indenizar, pois,
268
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo... cit., p. 259-260. 269
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 178.
116
[...] a omissão é uma abstração, um conceito de linhagem puramente normativo, sem base naturalística. Ela aparece, assim, no fluxo causal que liga a conduta ao evento, porque o imperativo jurídico determina um facere para evitar a ocorrência do resultado e interromper a cadeia de causalidade natural, e aquele que deveria praticar o ato exigido, pelos mandamentos da ordem jurídica, permanece inerte ou pratica ação diversa da que lhe é imposta.
270
Feitos os esclarecimentos necessários acerca da responsabilidade civil,
passa-se a discorrer sobre a responsabilidade civil do Estado.
É preciso ponderar, porém, que a responsabilização pode ser benéfica.
Originariamente, vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado, pois se entendia
que o Estado nunca agia contrario lege, e havendo a apuração de responsabilidade
esta deveria ser atribuída ao funcionário (agente ou servidor), quando o ato lesivo
pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento seu.271
Foi com o advento do Código Civil de 1916, em seu artigo 15,272 que passou a
se admitir pela primeira vez a responsabilidade civil direta ou primária do Estado,
sem prejuízo ao direito de regresso em face do servidor que agiu contra lege, sendo
que o instituto só passou a ter assento no texto constitucional na Constituição de
1934, em seu artigo 171.
Nesta fase, ainda, a “responsabilidade do Estado ficou condicionada ao
elemento subjetivo (culpa)”.273
Todavia, com o advento a Carta Magna de 1946 – que redemocratizou o País – manteve-se a responsabilidade do Estado, mas adotou-se pela primeira vez, a responsabilidade sem culpa, ou seja, responsabilidade objetiva do Estado (art. 194).
274
A partir da Constituição de 1946, o instituto da responsabilidade civil do
Estado permaneceu nos demais textos constitucionais – Constituições de 1967,
1969 e 1988, prevendo a responsabilidade objetiva do Estado.
270
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 49-50. 271
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 57. 272
“Artigo 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causarem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever previsto em lei, salvo o direito regressivo contra o causador do dano”. 273
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 58. 274
Ibidem, p. 58.
117
“Em resumo, a doutrina da responsabilidade civil da Administração Pública
evoluiu do conceito de irresponsabilidade para o de responsabilidade sem culpa.”275
De acordo com a evolução do ordenamento, uma vez que o princípio da
razoável duração do processo foi reconhecido constitucionalmente como um direito
fundamental do indivíduo, sua violação implica na responsabilidade civil do Estado
pela demora.
A parte, no processo judicial ou administrativo, tem o direito de ser indenizada pelos danos morais e patrimoniais que sofreu, decorrentes da duração exagerada do processo, antítese da garantia constitucional da duração razoável do processo.
276
Neste sentido está o julgado do Tribunal de Justiça ao Acre em que se
reconheceu o direito à indenização fundamentada na violação do princípio da
razoável duração do processo.277 Pelo exposto, firma-se a posição, mesmo que não
encampada de forma uniforme pelos Tribunais do país, de que a violação do
princípio da razoável duração do processo implica a responsabilidade civil do
Estado, sendo que esta responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º,
da Constituição da República, de acordo com Nelson Nery Jr., como segue abaixo:
A garantia dessa indenização encontra-se na CF 37, § 6º que impõe ao Estado o dever de indenizar, objetivamente, os prejuízos materiais e danos morais que seus agentes políticos, funcionários ou serventuários, nessa qualidade, causarem a terceiros.
278
275
Ibidem, p. 58. 276
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 325. 277
“Constitucional, civil e processual civil. Indenização por danos morais e patrimoniais. Ação de justificação de reconhecimento de união estável. Demora na prestação jurisdicional. Desídia. Prejuízo da parte autora. Dano configurado. Indenização devida. Em homenagem ao princípio da duração razoável do processo insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, havendo demora injustificada na prestação jurisdicional, causando prejuízo ao jurisdicionado, deve o Estado indenizar o dano eventualmente sofrido pela parte [...] a demora na intimação da parte interessada no endereço fornecido, atrasando o provimento em sete anos não é, nem poderia ser considerada razoável, principalmente quando se verifica, como neste caso, diversas falhas tanto no que tange ao erro na intimação, quanto à falta dela para as audiências que foram realizadas. [...] Na verdade não se pode qualificar de abusiva a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), quando se leva em conta a duração não razoável do processo [...]. Demais disso, o presente caso não trata de erro de julgamento proferido pelo juízo e, sim, de falta de eficiência no serviço prestado, ou seja, na atividade Judiciária, que, em face de diversos erros de serviço, retardou a prestação jurisdicional por muitos anos [...]. Ora, se o tempo exigido para uma simples cautelar de justificação foi muito além do razoável, causando danos morais, deve o Estado ser condenado, como foi, a indenizar o ofendido.” (TJAC, ApCiv 2009.003074-9, Câmara Cível, j. 29.10.2009, rel. Des. Miracele Lopes). 278
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 325.
118
Todavia, como dito, a questão é polêmica e controvertida, sendo que a
decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Acre não reflete a posição majoritária
encampada pelos Tribunais pátrios, em especial o Supremo Tribunal Federal, que
entende que nos casos de omissão do Poder Público, a responsabilidade seria
subjetiva, ou seja, se faz necessária a apuração de culpa ou dolo do agente.279
Também o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, enfrentando a
questão sobre a violação do princípio da razoável duração do processo, entendeu
pelo não cabimento de indenização.280 E o Supremo Tribunal Federal tampouco
reconheceu em julgamento semelhante e fundamentou sua decisão no argumento
que a demora pode ser fundada em uma causa justificável, vez que a celeridade
processual é, na verdade, razoável duração do processo analisado dentro do caso
concreto.281 Desse modo, as decisões citadas versaram sobre processos
específicos, análises de casos.
Defende-se neste texto a possibilidade, analisando o processo situado no
tempo e no espaço e de acordo com as ações das partes, ser possível a
responsabilidade civil do Estado. Esta responsabilidade seria de natureza
objetiva,282 ou seja, independe de dolo ou culpa,283 logo:
279
“Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade civil do Estado. Ato omissivo do Poder Público: detento morto por outro preso. Responsabilidade subjetiva: culpa publicizada: falta do serviço. CF, art. 37, § 6º. I. Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes – a negligência, a imperícia ou a imprudência –, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. Detento assassinado por outro preso: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com culpa genérica do serviço público, dado que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. RE conhecido e não provido.” (STF, RE 372.472/RN, 2ª Turma, j. 04.11.2003, rel. Min. Carlos Velloso). 280
“Responsabilidade civil – indenização moral – demora no julgamento do processo judicial – falta de atribuição de culpa – faute du service não caracterizada – ação, na origem, julgada procedente – sentença reformada para o fim de julgar o pedido improcedente – Recurso oficial e voluntário providos. Se não se atribui nem se demonstra culpa, inviável indenização por morosidade no trâmite de processo judicial, a qual deve ser imputada ao sistema legal causador de entraves e à falta de melhor estrutura”. (TJSP, ApCiv (Recurso ex officio) 994.04.022461-4, 4ª Câmara de Direito Público, j. 09.05.2011, rel. Des. Thales do Amaral). 281
“Mesmo em caso de decisão judicial morosa, não cabe responsabilidade civil do Estado por falta de serviço, quando a demora tem causa justificada.” (STF – RDA 90/140). 282
No mesmo sentido: CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 40; MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Ed. RT,
119
Tendo sido praticado o dano por dolo ou culpa do agente, o Estado tem direito de regresso contra o causador do dano (CF 37, § 6º segunda parte). O juiz responde, pessoalmente ou em regresso, somente a título de dolo (CPC 133; LOMN 49, CP 319).
284
Acerca da discussão, Rui Stoco entende que, em regra, não há
responsabilidade civil em face de atos do Poder Judiciário quando este exerce sua
função típica:
Cabe, ainda e desde logo, distinguir entre atos praticados, no exercício da função jurisdicional e aqueles praticados em face de mera atuação administrativa do Poder Judiciário. Esta última ocorre quando o juiz (geralmente diretor do fórum) ou o tribunal, pelo seu presidente, atuam como se fossem agentes da Administração, como, v.g., contratando a prestação de serviços, abrindo concurso para provimento de cargos etc. [...] Contudo, no que se refere à responsabilidade do Estado, por atos judiciais, essa disposição não encontra incidência, pois o legislador constitucional reservou, para hipóteses que tais, previsão expressa, incidindo norma específica contida na mesma Carta Magna (art. 5º, LXXV), sendo certo que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos de Poder Judiciário em sua função jurisdicional, conforme decidiu o STF no RE 219.117.
285
Para o autor, a responsabilidade do Estado por atos do Poder Judiciário seria
objetiva apenas quando este Poder pratica atos atípicos, isto é, se aproximando aos
atos da Administração Pública, não incluindo sua função típica da judicatura.
Entretanto, em páginas seguintes na sua obra admite a possibilidade de
reparação civil, com ressalvas, no caso de violação do princípio da razoável duração
do processo:
2000. p. 430; e BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 190. 283
Jorge de Oliveira Vargas relacionando, equipara a responsabilidade objetiva existente no Código de Defesa do Consumidor, com a responsabilidade prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal: “Se não houver essa resposta, em tempo razoável, o serviço é defeituoso, e, pelos prejuízos daí decorrentes, o fornecedor (o Estado) responde independentemente da existência de culpa. É a aplicação, em norma infraconstitucional, da teoria d responsabilidade objetiva, constitucionalmente prevista”. VARGAS, Jorge de Oliveira. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 1999. p. 71. 284
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 325. 285
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 146-165. No mesmo sentido: “Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do poder judiciário. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na jurisprudência do STF.” (STF, RE 219.117/PR, 1ª Turma, j. 03.08.1999, Rel. Min. Ilmar Galvão).
120
Afirmada por juristas de escol, com nossa adesão, a possibilidade, em tese, de reparação civil por parte do Estado, em razão da demora na prestação jurisdicional, cabe então indagar em que hipóteses ou em quais circunstâncias ocorre esta responsabilização.
286
O autor, como regra geral, entende que a responsabilidade nestes casos deve
ser subjetiva:
Aliás, como todo o respeito, ademais de outros poderosos fundamentos que estão alinhados neste estudo, há flagrante contradição na afirmação, pois o silogismo formado exsurge inconsistente e não apodíctico. Cabe, então, analisar as duas afirmações feitas e revelar que elas sugerem. Ora, dessa posição, firmada no sentido de que o direito à indenização nasce se houver demora injustificada na tramitação do processo, surge, como resultado ou corolário lógico, que esse direito de ser indenizado decorre da injustificada demora, ou seja, da atuação culposa do agente do Poder Judiciário, pois – segundo a premissa assumida, contrario sensu – se a demora for justificada, então não nascerá o direito de reparação. Mas perceba que o entendimento assumido pelos ilustres juristas é o de que a responsabilidade resultante das premissas postas é subjetiva e não objetiva, como acentuado no estudo que apresentam. E não poderia ser diferente, pois, do contrário, estar-se-ia responsabilizando o Estado pelo só fato da demora e não pela demora decorrente da falha ou da falta do serviço.
287
Assim, a norma contida no artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição é
meramente exemplificativa para uma das hipóteses de responsabilidade civil do
Estado em caso de atos praticados pelo Poder Judiciário,288 sendo que a regra
prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal incide também aos atos
praticados pelo Poder Judiciário, em especial nos casos de violação à razoável
duração do processo, sendo a responsabilidade objetiva.
286
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 182. 287
Ibidem, p. 184. E ainda acrescenta: “Ademais, impõe-se que essa demora ou retardamento se caracterize como omissão, falha ou falta do serviço, de modo a empenhar a responsabilidade subjetiva do Estado, devendo o interessado fazer prova da culpa do serviço e identificá-la adequadamente”. Ibidem, p. 185. 288
No mesmo sentido: “O mau funcionamento do aparelho estatal não é causa de exclusão da responsabilidade civil do Estado. Ao revés, é circunstância que tipifica a sua obrigação de indenizar, à medida que a Constituição Federal mantém a regra do art. 37, § 6º com a especificação do dever de reparação, seja em caso de erro judiciário (stricto sensu) ou de prisão por tempo superior ao fixado na sentença”. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Responsabilidade civil do Estado-juiz. Curitiba: Juruá, 1995. p. 74.
121
Justifique-se tendo em vista que a falta de estrutura do Poder Judiciário e o
número insuficiente de servidores não tornam a demora na tramitação do feito
“justificável”,289 como ensina o autor em tela, fazendo com que este critério, por si
só, tornaria a responsabilidade subjetiva.
No mesmo sentido está Nelson Nery Jr., que afirma que cabe ao Estado
comprovar que a duração do feito foi razoável se desonerando, assim, do dever de
indenizar.
Como a aferição da razoabilidade da duração do processo é questão de fato, analisada em cada situação concreta, uma vez acionado o Poder Público e sendo demandado a indenizar pela duração exagerada do processo, o ônus da prova de que o processo teve duração razoável é do Estado, incumbindo-lhe, quando o prazo parecer exorbitante, fornecer as explicações sobre os motivos do atraso verificado.
290
Na Itália existe um diploma legal que rege a possibilidade de reparação civil
decorrente de danos materiais e morais suportados pela parte prejudicada,
denominada Lei Pinto (Legge Pinto), que disciplina o assunto, criando indenização
nos casos de não observância da razoável duração do processo.291 Sobre o tema
Paulo Hoffman afirma:
Na Itália o descumprimento à razoável duração do processo enseja o dever do Estado de reparar os danos causados, e tal encontra previsão expressa na Lei 89, de 24.03.2001 (“Lei Pinto”), admitindo indenização equitativa por dano moral e material. A reparação do dano moral pode se dar através do pagamento de certo valor em dinheiro ou através de publicidade da declarada violação do prazo razoável.
292
289
No mesmo sentido: “Não afasta a caracterização de dilações indevidas do processo o número excessivo de processos existentes nos órgãos jurisdicionais causadores de sobrecarga de trabalho, nem a demora ou a dificuldade do Estado em prover os cargos vagos de juízes”. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Direito à jurisdição eficiente e garantia da razoável duração do processo na reforma do Judiciário. Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, v. 128, p. 164-174, 2005. 290
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 326. 291
Ibidem, p. 326. 292
HOFFMAN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. In Reforma do Judiciário primeiros ensaios críticos sobre a EC 45/2004. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC 45/2004. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 582.
122
O diploma italiano que regulamenta a matéria prevê a possibilidade de
indenização, como também obrigação de fazer – publicidade da declarada violação
da razoável duração do processo, diversa de pagamento de quantia pecuniária.
No que diz respeito à responsabilização do Estado pela violação da duração razoável do processo, cabe passar os olhos rapidamente sobre a Lei Italiana de nº 89 de 24.03.2001. Com efeito, prevê o art. 2º da referida lei, que “Quem sofreu um dano patrimonial ou não patrimonial decorrente da violação da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, recepcionada pela lei 848 de 04 de agosto de 1955, sob o aspecto do desrespeito à duração razoável do processo, prevista no artigo 6º, § 1º, da mencionada Convenção, tem direito a uma reparação equitativa”. Essa lei previu, para custear o ônus financeiro decorrente de sua própria aplicação, o estabelecimento de um fundo especial do erário público (Ministero del tesoro). Fica aqui, portanto, a nossa sugestão aos legisladores brasileiros, pois certamente surgirão demandas por violação ao direito constitucional à “razoável duração do processo”, cabendo à jurisprudência decidir se realmente houve a violação e ao Estado Brasileiro arcar com o pagamento das indenizações, nos casos em que ela se verificar.
293
Como bem elucidado acima, inclusive o Pacto de San José da Costa Rica traz
previsão expressa do direito a uma reparação equitativa, nos termos do artigo 6º, §
1º, não havendo como negar este direito, pois a violação à razoável duração do
processo deve ter implicações e consequências práticas para inibir a sua não
observância.
Neste mesmo sentido preleciona Luiz Rodrigues Wambier:
A demora na prestação da tutela jurisdicional constitui-se, no mais das vezes, em causa de sensíveis danos ao cidadão; imaginar que, seja qual for sua causa, possa resultar na irresponsabilidade do Estado é raciocínio que implica desconsiderar o preceito constitucional da ampla reparação das lesões aos direitos, dos cidadãos.
294
Não seria plausível a Constituição criar uma garantia e um direito fundamental
do indivíduo sem disponibilizar meios para assegurar esse direito, sendo que não há
qualquer requisito constitucional expressamente previsto, como aferição de dolo ou
293
ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade... cit. 294
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A responsabilidade civil do Estado decorrente dos atos jurisdicionais. Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. RT, v. 633, p. 34-42, jul./1988.
123
culpa; assim, trata-se de norma constitucional de eficácia plena, sendo sua violação
indenizável, como dispõe o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Por fim, cumpre esclarecer que a responsabilidade em questão não se
confunde e nem abrange decisões contaminadas por error in procedendo ou error in
judicando; nestes casos o caminho é o recurso que a decisão em questão desafiaria,
e não a violação em questão, como bem alerta a Ministra Fátima Nancy Andrighi:
Ressalta-se, por fim, que não se está a falar da responsabilidade do Estado pelas decisões jurisdicionais finais errôneas, mas se está sugerindo a meditação no sentido de ser ampliado o espectro da responsabilidade, qual seja, assegurar a responsabilidade do Estado pelos danos causados pela violação ao direito constitucional à razoável duração do processo. Não se está aqui buscando localizar ilícitos, mas sim e principalmente o funcionamento anormal e deficitário que é motivado dentre outros elementos, pelo aparelhamento da máquina estatal que produz atraso no processo jurisdicional.
295
Logo, pelo tema tratado neste subcapítulo, entende-se que a violação do
direito fundamental à razoável duração do processo implica em responsabilidade
civil do Estado, sendo esta responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º,
da Constituição Federal, pois, como já dito, não seria plausível a Constituição criar
uma garantia e um direito fundamental ao indivíduo sem disponibilizar meios para
assegurar esse direito, reparando sua eventual violação.
O processo se desenvolve por impulso oficial, logo, havendo omissão do
Estado, neste caso representado pelo juiz, que tem a autoridade de presidir o
processo, consubstancia-se a responsabilidade civil do Estado.
E, ainda, se revestindo a conduta omissiva do magistrado, de dolo,
compreendido como “dolo é a vontade consciente de violar direito”,296 que consistiria
em deixar de praticar atos e, por conseguinte, dar ensejo à duração irrazoável do
processo, além de ensejar a responsabilidade civil, este responderia pessoalmente
pelos danos suportados pela parte prejudicada, nos termos do artigo 133 do Código
de Processo Civil.
295
ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade... cit. 296
ARRUDA ALVIM, Agostinho de. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 256.
124
O que se defende é a responsabilidade objetiva aferida no caso concreto em
casos em que a duração do processo é irrazoável.
Cruz e Tucci tece exemplos elucidativos em que se pode aferir objetivamente
a responsabilidade pela duração irrazoável do processo:
Aduz-se: é normal aguardar-se mais de 2 anos pelo exame, no juízo a quo, da admissibilidade do recurso especial ou extraordinário? É normal esperar por mais 4 anos, após encerrada a instrução, a prolação de sentença num determinado processo em curso perante a Justiça Federal? É normal a publicação de um acórdão do Supremo mais de 3 anos depois do julgamento? É normal etc., etc. etc.?!? A resposta, em senso negativo, para todas as indagações, é elementar...
297
Inclusive, não há qualquer requisito constitucional expressamente previsto,
exigindo a aferição de dolo ou culpa: trata-se de norma constitucional de eficácia
plena, sendo sua violação indenizável, como dispõe o artigo 37, § 6º, da
Constituição Federal, tanto por danos materiais como por danos morais suportados
pela parte prejudicada pela demora.
Neste sentido, José Rogério Cruz e Tucci diz sobre a existência de danos
matérias e morais atinentes da irrazoável duração do processo:
Todavia, além do alvitrado prejuízo de natureza material, que tem como fonte a decisão ou satisfação serôdia, presume-se, sempre a amargura da parte interessada que padeceu, durante anos a fio, sofrendo também o inafastável mal de índole psicológica advindo da exacerbada duração do processo.
298
Do exposto, depreende-se que o Estado pode ser responsabilizado pela
irrazoável duração do processo, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição
Federal de 1988, sendo que esta responsabilidade é objetiva, ensejando, inclusive,
reparação não só pelos danos materiais suportados pela parte prejudicada, como
também a respectiva indenização por danos morais.
4.5 Colisão com Garantias Processuais Fundamentais
297
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 105. 298
Ibidem, p. 113.
125
A consagração do princípio da razoável duração do processo por vezes
esbarra em outras garantias fundamentais, como a do acesso à Justiça, a do
contraditório e a da ampla defesa: “razoável” significa que o processo deve durar o
necessário para se assegurar o mínimo de Justiça na solução dos conflitos, levando
em consideração, por exemplo, a necessidade de eventual fase probatória.
Neste sentido, entendeu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,299 no
caso em tela, ao dizer que houve cerceamento de defesa pelo fato da parte ré se ver
impedida de produzir prova pericial. No caso, o juízo de primeiro grau julgou o feito
antecipadamente justificando seu ato pela razoável duração do processo, baseando-
se apenas na juntada de prova documental. Entretanto, no caso em concreto se
fazia imprescindível a produção de perícia para se aferir se houve ou não falha na
prestação de serviços suscetível à indenização. Por isso, pondera Didier Jr. acerca
do tempo necessário ao desenrolar do procedimento:
É preciso, porém, fazer uma reflexão como contraponto. Bem pensadas as coisas, conquistou-se, ao longo da história, um direito à demora na solução dos conflitos. A partir do momento em que se reconhece a existência de um direito fundamental ao processo, está-se reconhecendo, o direito de que a solução do conflito deve cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõe o conteúdo mínimo do devido processo legal. A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e os recursos, certamente, atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor insuperável. Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece, porém, que se sente saudade deles.
300
Neste mesmo sentido defende Silvio Luis Ferreira da Rocha:
Numa perspectiva, o processo deve garantir às partes oportunidades para alegarem e provarem o necessário à defesa dos seus
299
“Responsabilidade civil contratual. Danos morais. Suposto erro de diagnóstico em exame laboratorial que teria indicado doença ulterior negada em outros exames. Julgamento antecipado, sem a realização de perícia para a verificação do acerto do resultado do exame, bem como da aptidão técnica da forma como descritas as conclusões. Prova técnica imprescindível nas circunstâncias e efetivamente requerida. Cerceamento de defesa, em detrimento do laboratório, caracterizado. Nulidade da sentença reconhecida. Apelação da ré provida, para cassar a decisão de Primeiro Grau; recurso adesivo da autora, para majoração da indenização concedida, prejudicado.” (TJSP, ApCiv 9244391-30.2005.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Fabio Tabosa, DOE 22.11.2011). 300
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria... cit., p. 43-44.
126
interesses, materializando, com isso, parte do conteúdo do devido processo legal, e, nesta, perspectiva, deve ser evitada qualquer aceleração que viole o respeito ao contraditório e à ampla defesa, enquanto noutra perspectiva o processo não deve prolongar-se além do necessário, sob pena de causar danos às partes e prejudicar a tutela do direito a ser protegido, tornando ineficaz o provimento jurisdicional.
301
Assim, não se pode perder de vista que o princípio da razoável duração do
processo deve estar presente, sem sacrifício de outros princípios processuais, em
especial o contraditório e a ampla defesa. Neste sentido decidiu o Superior Tribunal
de Justiça, ao reconhecer que a celeridade e o contraditório devem ser sopesados,
fazendo-se necessário, diante do caso concreto, estabelecer um grau de incidência
para cada princípio.302
Desse modo, Rui Stoco alerta sobre a possibilidade de violação de outros
princípios constitucionais diante do grande volume de causas a serem julgadas e a
necessidade de cumprimento do princípio da razoável duração do processo. Para o
autor, o volume excessivo de processos poderia ser considerado uma causa
excludente do dever de indenizar no caso da demora, como esclarece:
Ora se o volume de causa para julgar estiver acima da capacidade do Judiciário e além das forças individuais de cada julgador em razão do excessivo acúmulo decorrente do desenvolvimento do alcance da cidadania, das facilidades e da facilitação para estar em juízo, com a gratuidade, e também do recrudescimento da litigiosidade, que já não é mais contida, como no passado, mas exageradamente exacerbada, ter-se-á verdadeira causa excludente da responsabilidade do Estado pela impossibilidade de dar resposta rápida e segura às partes em cada causa aparelhada em juízo, sem perigo de ofender a princípios constitucionais.
303
De fato, o princípio da razoável duração do processo dever ser ponderado em
harmonia com os demais princípios constitucionais, como já defendido em linhas
301
ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Duração razoável... cit., p. 73. 302
“O processo é instrumento de satisfação do interesse público na composição dos litígios e dois princípios de igual importância convivem e precisam ser respeitados – o da celeridade e o do contraditório –, que, muitas vezes, tidos como antagônicos, em verdade, não o são. Deve o magistrado, usando de seu bom senso, para não infringir o princípio do contraditório, coibir atos que atentem contra a dignidade da justiça, impedindo que o processo se transforme em meio de eternização de ações e seja utilizado como arma para o não cumprimento das decisões judiciais.” (STJ, REsp 165.285/SP, 3ª Turma, j. 20.05.1999, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 02.08.1999, p. 184). 303
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 185.
127
atrás; todavia, não se pode colocar o grande volume de processos com uma causa
excludente para o dever de indenizar do Estado fundado na demora na tramitação.
Assim, deve-se alertar para o perigo de procedimentos que tenham por
escopo, tão somente, a celeridade do processo, sem considerar a razoável duração
do processo como princípio a ser observado junto a outras garantias processuais.
O maior perigo que levamos em consideração ao longo dessa discussão é o risco de que procedimentos modernos e eficientes abandonem as garantias fundamentais do processo civil – essencialmente as de um julgador imparcial e do contraditório. Embora esse perigo seja reduzido pelo fato de que a submissão a determinado mecanismo de solução dos litígios é facultativa tanto antes quanto depois do surgimento do conflito, e que os valores envolvidos são de certa forma flexíveis, é necessário reconhecer os problemas potenciais. Por mais importante que possa ser a inovação, não podemos esquecer o fato de que, apesar de tudo, procedimentos altamente técnicos foram moldados através de muitos séculos de esforços para prevenir arbitrariedades e injustiças. E, embora o procedimento formal não seja, infelizmente, o mais adequado para assegurar os “novos” direitos, especialmente (mas não apenas) ao nível individual, ele atende a algumas importantes funções que não podem ser ignoradas.
304
De fato, o princípio em tela foi constitucionalizado com a EC nº 45/2004,
gerando para o Estado brasileiro o dever de instituir meios necessários que
assegurem a duração razoável do processo. Contudo, deve-se observar que os
óbices para uma justiça mais célere não são necessariamente problemas existentes
na legislação processual:
Leis nós temos. Boas e muitas. Não se nega que reformas na legislação processual infraconstitucional são sempre salutares, quando vêm para melhorar o sistema. Mas, não é menos verdade que sofremos de problemas estruturais e de mentalidade. Queremos nos referir à forma com que são aplicadas as leis e à maneira como se desenvolve o processo administrativo e do judicial em nosso País. É necessário dotar-se o poder público de meios materiais e legislativos para que possa melhorar sua infraestrutura e, ao mesmo tempo, capacitar melhor os juízes e servidores públicos em geral, a fim de que possam oferecer prestação jurisdicional e processual administrativa adequada aos que dela necessitam. Mudança de paradigma, portanto, é a palavra de ordem. A busca da celeridade e razoável duração do processo não pode ser feita a esmo, de qualquer jeito, a qualquer preço, desrespeitando outros valores constitucionais e processuais caros e indispensáveis
304
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça cit., p. 164.
128
ao Estado Democrático de Direito. O mito da rapidez acima de tudo e o submito do hiperdimensionamento da malignidade da lentidão são alguns dos aspectos apontados pela doutrina como contraponto à celeridade e à razoável duração do processo que, por isso, devem ser analisados e ponderados juntamente com outros valores e direitos constitucionais fundamentais, notadamente o direito ao contraditório e ampla defesa.
305
Em sentido análogo, o Ministro Ricardo Lewandowski adverte que todas as
reformas efetuadas para tornar o processo mais célere só se deram no campo da
legislação processual, sem se ater na necessidade de reformas na estrutura do
Poder Judiciário e em meios alternativos de solução de conflitos.
Sintomaticamente, todas as reformas do Judiciário feitas até hoje limitaram-se ao plano processual. Mesmo as de caráter institucional sempre tiveram o escopo de tornar a prestação jurisdicional mais célere, inclusive e especialmente a promovida pela EC 45/2004. Mas, nenhuma delas funcionou, nem vai funcionar, se não colocarmos em prática formas alternativas de solução de controvérsias – dentre elas a mediação, conciliação e a arbitragem –, se não concebermos um novo design para o Judiciário, mais condizente com o tempo presente, melhor adaptado às novas demandas.
306
Rui Stoco em parte diverge das posições de Lewandowski e Nery Jr. ao
entender que os problemas pela falta de celeridade na tramitação se dão, também,
pelo fato das leis processuais serem ultrapassadas; mas reconhece que há
problemas estruturais, que também impossibilitam uma marcha processual mais
célere:
Inúmeras são as causas próximas e remotas dessa lentidão, iniciando, em um extremo, na legislação ultrapassada, anacrônica e extremamente formal, não obstante as inúmeras alterações pontuais no Código de Processo Civil de 1973 e o prenúncio de um novo Código dentro em breve; passando pela penúria imposta a esse Poder, diante da quase inexistência de verba orçamentária para a sua dinamização, modernização e crescimento; encontrando justificação no excessivo número de recurso previstos na legislação processual, revelando uma trama recursal absurda e nas inúmeras medidas protelatórias postas à disposição das partes; e terminado no outro extremo, qual seja a conhecida inexistência em número suficiente de magistrados, membros do Ministério Público, Defensores Públicos,
305
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 323. 306
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Planejamento estratégico... cit., p. 18.
129
Procuradores da República e do Estado para atenderem à enorme pletora de feitos em andamento.
307
Discute-se sobre a legislação, entretanto, não se discute que o problema da
razoável duração do processo está especialmente relacionado com problemas
estruturais (ou melhor, dizendo, na falta de estrutura!) do Poder Judiciário, que
também se reflete no número baixo de juízes e servidores em relação à população.
Reconhecendo a necessidade estrutura para assegurar esta garantia, alerta Arruda
Alvim que:
O artigo 5º, LXXVIII (inserido pela EC 45/2004) assegura razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. A própria Constituição contém normas que se voltam à realização deste desiderato, tal como a regra de que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e a respectiva população”, e de que “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição” (CF, art. 93, XIII e XV, ambos acrescidos pela EC 45/2004).
308
Ainda sobre os problemas estruturais e o número reduzido de juízes e o inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, diz Arruda Alvim:
Na nova redação do art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/1988, assegura-se – o que corretamente impõe o respectivo dever à Magistratura – “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, o que certamente, significará menos que essa norma possa ser cumprida, mas implicará, em verdade, que haverão de ser proporcionadas condições para a magistratura, pois, sabidamente, a carga de trabalho que a sobrecarga é das maiores do mundo. Tanto basta ver-se a média nacional de juiz por habitante e compará-la com de outros países. Ainda, na verdade desse mesmo valor que se procura assegurar – celeridade da atividade jurisdicional –, o art. 93, II, e, da CF estabelece inviabilidade de promoção do juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder, além do prazo legal, prescrevendo que só poderá devolvê-los ao cartório como o despacho cabível ou com a decisão que haja de ser proferida. Esse texto, ainda que animando por razões saudáveis, faria mais, ou, ao menos algum sentido, se existissem condições materiais para a sua realização prática integral, ou, então, só terá sentido quando essas condições vierem a existir.
309
307
STOCO, Rui. Tratado... cit., p. 180. 308
ARRUDA ALVIM. Manual de direito... cit., p. 134. 309
Ibidem, p. 233.
130
Também não se pode ignorar que talvez seja este o fator mais significativo da
morosidade na tramitação do processo, referente ao fato de ser o Estado o maior
descumpridor das normas jurídicas e, por consequência, quando acionado para
efetivar os direitos violados, se torna o maior consumidor dos serviços prestados
pelo Poder Judiciário que também sobrecarrega o Poder Judiciário.
As estatísticas disponíveis sobre os processos judiciais que tramitam no foro brasileiro, ainda que obtidas por métodos nem sempre científicos e por isso mesmo não seguramente confiáveis, dão conta de que, por exemplo, mais de 60% (sessenta por cento) dos feitos que tramitam no STF e STJ, os dois mais importantes Tribunais do País, têm como protagonista o Poder Público, nas suas mais variadas formas, isto é, a administração direta (União Federal, Estado, Distrito Federal e Municípios) e indireta (autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista). [...] A real efetividade do direito fundamental da CF 5º, LXXVIII, pois não depende apenas do Poder Judiciário e de seus juízes, mas principalmente dos Poderes Executivo e Legislativo e da mudança da mentalidade dos governantes e políticos, no sentido de cumprirem e fazerem cumprir a Constituição, evitando a judicialização das questões que os particulares têm de submeter ao Poder Judiciário por falha do poder público no exercício principalmente da função administrativa.
310
Igualmente está Cruz e Tucci:
Ademais, deve ser ressalvado, de logo, que não se permite atribuir exclusivamente aos operadores do Direito – juízes, promotores e advogados –, o pecado capital. Impende reconhecer que, em nosso país, presume-se a solução de reiteradas e profundas crises econômicas mediante a edição de legislação intervencionista e emergencial de última hora – quase sempre em antinomia ao ius positum –, fator que, via de regra, gera uma proliferação generalizada de demandas entre particulares e entre estes e o Estado.
311
Em outras palavras, atualmente grande parte das ações em trâmite tem como
parte o Estado, o que é reflexo da própria estrutura do país. Cruz e Tucci alertou
para excessos legislativos que pretendem resolver problemas políticos e
econômicos, mas a própria forma de democracia brasileira contemporânea e
participação do Estado na economia (muitas vezes por intermédio de empresas e
310
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 324-325. 311
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo cit., p. 101.
131
parcerias) auxiliam no agravamento do problema. É fato que existem casos em que
o próprio Poder Público protela sua condenação – muitas vezes por falta de
orçamento para cumprir suas obrigações. Tudo isso influi no tempo do processo.
Diante do apresentado, o Poder Público é o maior consumidor dos serviços
prestados pelo Poder Judiciário, seja por este agir muitas vezes contra legem;
legislando contra a Constituição e assim, por consequência, refletindo no Poder
Judiciário a proliferação de ações que, muitas vezes, tramitam até última instância
para postergar a condenação do Estado, que, como dito, age como maior
descumpridor do ordenamento jurídico.
Assim, frise-se que não se pode sacrificar garantias do indivíduo também
constitucionais como o contraditório e a ampla defesa para que se atinja a
celeridade processual, de forma a imiscuir o devido processo legal, o contraditório e
a ampla defesa; logo, “o que se deve buscar não é uma ‘justiça fulminante’, mas
apenas uma duração razoável do processo, respeitados os demais valores
constitucionais”.312 Neste sentido vem decidindo a Corte Constitucional Italiana.313
A previsão do princípio da razoável duração do processo não trouxe, por si
só, prejuízo às outras garantias processuais, como o devido processo legal, o
acesso a uma ordem jurídica justa, o contraditório e a ampla defesa: há um conflito
aparente, uma vez que os princípios constitucionais devem ser compatibilizados,
diante do caso concreto, devendo o processo durar o necessário para uma solução
justa, com a produção das provas necessárias. Todavia, isso não significa permitir o
descaso, ou a demora por falta de estrutura e número suficiente de funcionários, o
que implicaria a responsabilidade civil do Estado.
Logo:
Por admirável que seja, ele é, a um só tempo, lento e caro. É um produto final de grande beleza, mas acarreta um imenso sacrifício de tempo, dinheiro e talento.
314
312
NERY JR., Nelson. Princípios do processo... cit., p. 323. 313
Julgamentos da Corte Constitucional Italiana: nº 204/2001, nº 399/2001, nº 458/2002 – “Il principio di ragionevole durata del processo non può comportare la vanificazione degli atri valore constituzionali Che in Esso sono coinvolti, primo fra i quali Il diritto di difesa, che, art. 24, secondo comma, proclama inviolabile, in ogni stato e grado del prodecimento”. 314
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça cit., p. 164.
132
CONCLUSÃO
Os princípios podem ser entendidos como deveres de promover um
determinado estado de coisas, dentro das possibilidades jurídicas, e reais existentes
e em harmonia com o ordenamento. Por isso, podem ser cumpridos em diferentes
graus com a combinação de diversos princípios diante do caso concreto, de maneira
balanceada. Desse modo, a incidência de um princípio não afasta a incidência de
outro: eles apenas se ajustam à situação concreta.
Os princípios e garantias constitucionais do acesso à Justiça, do contraditório
e da ampla defesa devem sempre incidir em um grau maior sobre o caso concreto
do que o princípio da razoável duração do processo. Isso significa que todos os
princípios em tela concretizam e decorrem do devido processo legal e devem ser
harmonizados em cada caso.
Assim, a norma contida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal
não pode ser entendida.
O problema da morosidade na tramitação do processo tem como causa
fatores como uma problemática cultural, estrutural e de limitação orçamentária.
O problema cultural está presente na concepção de muitos em litigar e dar
ensejo a incidentes processuais descabidos com o único escopo de procrastinar
uma condenação certa. Ou seja, a parte, por vezes, tem certeza que sobre ela
recairá uma condenação, mas ao invés de se conformar prefere retardar eventual
pagamento se utilizando de incidentes, com o único objetivo de frustrar a parte
adversa.
Neste caso, se faz necessária uma mudança de paradigma da cultura de
quem litiga hoje no Brasil, partindo do Poder Público – que deveria ser o maior
cumpridor da lei e da Constituição, evitando que demandas fossem propostas para
assegurar o direito violado dos cidadãos e, ainda, estando o Poder Público em juízo,
deveria este se subsumir a decisão judicial, a cumprindo incontinenti, sem
procrastinar o feito, como hoje, em que este comportamento por parte da Fazenda
passou a ser a regra. Hoje o Estado é o maior consumidor dos serviços prestados
pelo Poder Judiciário e, sob a égide dos atuais diplomas legais, há prerrogativas
133
atribuídas ao Estado nos processos judiciais, que na maioria das vezes só assegura
a perpetuação de injustiças.
Quanto à problemática institucional há um número deficitário de juízes por
habitantes, o que impossibilita processos com duração razoável. A estrutura do
Poder Judiciário não atende mais à sua demanda em alta escala, pois hoje há uma
pulverização de relações interpessoais, que tem como consequência, diante da
dinâmica social, refletir para o Poder Judiciário.
O aumento na litigiosidade também está relacionado ao fato de que,
contemporaneamente, contratos são celebrados em maior número pela globalização
comercial, e também às relações pessoais, que foram multiplicadas e imediatizadas
pelo uso da internet – esse estado da arte da tecnologia não foi acompanhado pelo
Poder Judiciário na mesma progressão para atender com eficiência, agilidade e
velocidade que os anseios da sociedade.
Neste contexto, tentativas de reformas processuais surgem para tentar tornar
o processo mais célere. Contudo, pelo exposto, pode-se concluir que não se resolve
o problema da morosidade com a ponta de uma caneta que determine de forma
imperativa “o processo deve ser célere”. Problemas culturais e estruturais devem ser
superados.
Existem meios alternativos de solução de conflitos, como a arbitragem e a
conciliação, em especial a conciliação, pois tal instrumento deveria ser fomentado
pelos operadores do Direito, em especial pelos procuradores, pois a parte que
deseja procrastinar o cumprimento de uma decisão judicial se utilizará de todos os
meios para este fim.
Diante disso, conclui-se que potente ferramenta para se combater a irrazoável
duração do processo seria o manuseio, por parte do magistrado, das penas
prescritas nos diplomas processuais atinentes à litigância de má-fé.
Finalmente, devem ser observados os problemas decorrentes da ordem
orçamentária, que impossibilitam a ampliação do quadro de juízes e serventuários
para melhor atendimento da população, bem como investimentos para o
aprimoramento de equipamentos e modernização da estrutura do Poder Judiciário.
Contudo, o princípio da razoável duração do processo não é uma norma
constitucional programática, mas sim uma norma de eficácia plena. Portanto, em
134
caso de descumprimento do princípio, agora constitucional, da razoável duração do
processo há, sim, responsabilidade civil do Estado, de forma objetiva, com a
possibilidade de indenização por danos materiais e morais, que deverão ser
revertidos pela parte litigante prejudicada, sob pena da norma em tela não possuir
efetividade. O Estado deve ser responsabilizado, inclusive, nos casos em que a
demora se deu por problemas de ordem estrutural.
E, ainda, conduta omissiva do magistrado, agindo este com dolo, poderá este
ser responsabilizado pessoalmente, nos termos do artigo 133 do Código de
Processo Civil.
135
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