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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Gisele Bischoff Gellacic Bonecas da moda Um estudo sobre o corpo através da moda e da beleza Revista Feminina 1915 - 1936 MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant’Anna. SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gisele Bischoff Gellacic

Bonecas da moda

Um estudo sobre o corpo através da moda e da beleza Revista Feminina

1915 - 1936

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant’Anna.

SÃO PAULO 2008

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Banca Examinadora ___________________________________________________________________________________________________

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Resumo

A dissertação Bonecas da Moda: um estudo sobre o corpo através da moda e da

beleza, de Gisele Bischoff Gellacic, trabalha com artigos da Revista Feminina,

periódico de grande difusão no Brasil entre 1915 e 1936. Dialogando com a história do

corpo e das mulheres, é analisado o corpo feminino por meio de suas representações da

moda e da beleza, e suas funções, métodos e utilidades. As imagens de mulher esbelta e

bem vestida aparecem às leitoras da Revista como uma forma de se apresentarem e

estarem inseridas na sociedade do período. São abordados todos os mecanismos que a

Revista utilizava para convencer suas leitoras a exercerem sua feminilidade através de

tais representações. O diálogo entre os discursos da modernidade, médico-higienista e

urbanista aparecem fortemente entre os artigos como justificativas para uma aparência

bela e na moda.

Palavras-chave: corpo, mulheres, moda, beleza, Revista Feminina e história.

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Abstract

This research is a revision of articles from the Revista Feminina, a periodical of

large circulation in Brazil between the years of 1915 and 1936. Based on the history of

the body and of women, an analysis is made of the female figure based on

representations of fashion and beauty, and their functions, methods and utilities. The

ideal of a slender and well dressed woman is presented to the readers of the Revista as

how they should present themselves to fit in with the society of that period. An analysis

is made of the means used by the Revista to convince its readers to exert their

femininity by presenting this image. The dialogue between modernity, medical/hygiene

and urban discourses is intensively used in the articles to justify a beautiful and

fashionable appearance.

Keywords: body, women, fashion, beauty, Revista Feminina and history.

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Sumário

AGRADECIMENTOS............................................................................................................... 6

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 9

PARTE I – CORPOS VESTIDOS............................................................................................ 24

1. A modernidade dos corpos.......................................................................................... 32

2. O espetáculo da moda feminina.................................................................................. 46

3. Modas perigosas........................................................................................................... 58

PARTE II – CORPOS BELOS................................................................................................. 68

1. A construção da brasileira esbelta: modernidade X morenidade........................... 70

2. Métodos embelezadores.............................................................................................. 93

3. Comportamento controlado....................................................................................... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 111

FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 115

CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES............................................................................................ 122

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Agradecimentos

Não é fácil desenvolver um trabalho desses. Requer primeiro de tudo, muita

coragem, uma grande quantidade de paciência, de tempo, de intuição, entre outras

coisas. Desenvolver uma pesquisa dessa forma não é algo que se decida de uma hora

para outra, precisa vir uma vontade lá de dentro. Algo verdadeiramente seu.

Esta dissertação foi sonhada e esperada como um filho em gestação. Tiveram

momentos difíceis e muito solitários, onde apenas eu e a Revista Feminina

conversamos, rimos, nos emocionamos e até brigamos. Tiveram momentos

maravilhosos em que me sentia como o primeiro arqueólogo a entrar em uma tumba

faraônica recém descoberta. Momentos esquisitos principalmente durante a pesquisa nos

arquivos, onde só tinha a companhia de ácaros e pessoas um tanto esquisitas. Mas

podem ter certeza de que fiz meu melhor.

Apesar deste trabalho ser por muitas vezes solitários, muitas pessoas estavam ao

meu redor me apoiando e acreditando que o que eu fazia era muito importante. E aqui,

mostro meu mais sincero agradecimento.

Agradeço à CNPq pela bolsa de estudos durante todo o ano de 2007, afinal

dinheiro não é tudo, mas é imprescindível.

Agradeço imensamente à minha orientadora Profa. Dra. Denise Bernuzzi

Sant’Anna, que acreditou no meu trabalho e em minha capacidade como historiadora, e

que com um bom humor inigualável me orientava de forma leve, inteligente e sagaz.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História Social da Puc-SP,

meu agradecimento, afinal todos vocês tiveram enorme participação em meu

amadurecimento intelectual desde a graduação.

Aos meus colegas mestrandos, principalmente aqueles que entraram junto

comigo no início de 2006. Apesar de cada um de nós seguirmos caminhos tão distintos,

levo cada um de vocês em minha memória. E tenham certeza de que torço muito por

cada um de vocês.

Aos meus amigos de longa data de PUC-SP: aos “quase” doutores, Rodrigo,

pelo incentivo e por fazer a primeira leitura de quando essa dissertação ainda era apenas

um projeto; Fernando pelas sugestões, e principalmente pelos galanteios chichisbérios.

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Às minhas amigas queridas: Rita, Marina (huge thanks for the abstract), Flávia,

Camila e Carol. Vocês fazem parte de praticamente toda a minha vida, sendo sempre

amigas maravilhosas. Adoro vocês.

Às “perversinhas” Dani e Tati que eu adoro demais. Vocês são amigas muito

especiais e sinceras.

Aos colegas do Colégio Sérgio Buarque de Holanda, Octagon e Espaço

Educacional (obrigada pela revisão de texto Lu). Obrigada por acreditarem em meu

potencial e em minha capacidade de ensinar.

Aos meus alunos, que me ensinam demais, e que me tornam uma pessoa mais

paciente, amorosa, bem humorada e até mais jovem. Vocês me fazem sentir uma

“menina” grande.

Meu irmão fofo Ricardo (para mim Ricklis), te amo do fundo meu coração.

Obrigada por ser tão carinhoso, e sempre me ajudar quando preciso de favores

“cibernéticos”. Você sabe que muito desta dissertação existe graças a você!

Aos meus pais, Wilson e Margarete. É difícil achar palavras para descrever meu

amor, minha gratidão, meu orgulho e minha satisfação por ser filha de vocês. Obrigada!

Obrigada! Obrigada!

Agradeço ao Deus e a Deusa, por terem me dado à chance da vida, e através dela

experimentar e vivenciar coisas tão maravilhosas. Obrigada por cada amanhecer, cada

sorriso, cada lágrima e cada pessoa que passa pela minha vida, e me transforma em uma

pessoa melhor. Obrigada por uma vida tão abençoada.

Que assim seja, e assim se faça.

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Introdução

Estudar a história sobre uma ótica feminina é sempre um desafio. Por muito

tempo afastada dos grandes acontecimentos, a história das mulheres tendeu durante

décadas a figurar como coadjuvante das demais histórias. No entanto, principalmente a

partir da década de 1960 inúmeros estudos1 sobre a história das mulheres e a história do

gênero procuram compreender as práticas, as vivências e a importância do universo

feminino para a construção da vida social.

Engravidar, ter filhos, amamentar e se preocupar com o bem-estar da família são

experiências especificamente femininas, correspondentes ao que Naomi Wolf chamou

de cultura de massa feminina2. Ou seja, as mulheres enquanto sujeitos históricos

possuem um conjunto de práticas vividas e sentidas, sobretudo por elas. Estas

experiências estão intimamente relacionadas com o “ser mulher”, e foram muitas vezes

entendidas como supérfluas e secundárias, principalmente, quando os homens falavam

sobre elas. Afinal, quando trabalhamos a história pela perspectiva das mulheres, o

primeiro grande desafio que surge é o de identificar fontes sobre essas experiências

femininas, que não passem por um olhar reducionista, e às vezes até preconceituoso.

Quantitativamente escasso, o texto feminino é

estritamente especificado: livros de cozinha, manuais de

pedagogia, contos recreativos ou morais constituem a

maioria. [...] Militante, ela tem dificuldade de se fazer

ouvir pelos seus camaradas masculinos, que consideram

normal serem seus porta-vozes. A carência de fontes

diretas ligadas a essa mediação perpétua e indiscreta,

constitui um tremendo ocultamento. Mulheres

enclausuradas, como chegar até vocês?3

Ainda é grande a dificuldade de se encontrar um número significativo de

documentos produzidos por mulheres narrando suas próprias experiências. Na maior

parte das vezes, encontramos homens escrevendo sobre tais vivências, o que nos dá uma 1 Como exemplo, destacamos os trabalhos: de Betty Friedan lançado em 1963 a Mística Feminina, o de Germaine Greer lançado em 1970, Mulher Eunuco. 2 Wolf, Naomi. Mito da Beleza. RJ: Rocco, 1992. P. 95. 3 Perrot, Michelle. “Mulheres” in: Excluídos da História. RJ: Paz e Terra, 1988. P. 186.

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visão reduzida. Se quisermos trazer à tona as mulheres como sujeitos históricos,

devemos estar atentos a quem está narrando suas impressões do passado. Afinal, muitas

experiências femininas são diferentes das práticas masculinas, e por isso, talvez difíceis

de serem compreendidas e sentidas por eles.

Como historiadora, encontrei na história das mulheres uma possibilidade de

compreender as relações entre os sexos, e até da forma como o mundo em geral lida

com as mulheres e a feminilidade. Durante a graduação, me aproximei de mulheres

celtas em lendas arturianas, de grandes guerreiras da Guerra Civil Americana, de

mulheres queimadas vivas nas fogueiras da Inquisição, e até da poderosa Cleópatra.

Todas essas mulheres passaram por minha formação demonstrando que a história das

mulheres é realmente uma outra história, muito rica e cheia de peculiaridades, e que

deve ser buscada para um maior entendimento da história social.

Como forma de contribuir para o aprofundamento da história das mulheres no

Brasil, esta dissertação de mestrado objetiva historicizar algumas experiências

femininas, inseridas na cultura das primeiras décadas do século XX. Analisando a

Revista Feminina, periódico de grande repercussão no momento, pretende-se perceber

algumas questões sobre o corpo feminino, suas transformações e permanências, através

de um período de grandes mudanças políticas e econômicas, que inauguram novos

hábitos e olhares sobre este corpo. Entendemos o corpo como uma construção

simbólica, recortado conforme os quadros de referência de uma sociedade, ele fornece

um cenário às ações que esta sociedade privilegia – maneiras de se comportar, de

falar, de se lavar, de fazer amor, etc4. Assim, a moda e a beleza tendem a erigir uma das

melhores formas de se chegar às transformações do corpo feminino ao longo do tempo.

E por isso estas serviram como fios condutores para fazermos a análise corporal da

história das mulheres.

Desde o final do século XIX, São Paulo passava por uma grande transformação.

Com a ascensão das oligarquias, a capital paulista passou a ser o grande centro político-

econômico do Brasil.

O café, diferentemente dos ciclos econômicos que o

antecederam, permitiu que o capital fosse revertido

internamente sob diferentes formas de investimentos e

4 Certeau, Michel de. “História de Corpos” in: Projeto História: corpo & cultura. SP: Educ, 2002. P. 407.

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projetos de modernização para a cidade, com evidente

beneficiamento da população mais abastada. 5

Intensificado desde o surgimento da República, o projeto de modernização era

colocado em prática na cidade de São Paulo, e nos grandes centros urbanos deste país.

Este projeto era inspirado pela modernidade de cidades européias como Londres e Paris,

urbanizando cidades, investindo em projetos arquitetônicos e em novas tecnologias.

Mas não era só isso. Afinal não adiantava modernizar as cidades, se as pessoas que lá

moravam não passassem por uma reforma nelas mesmas. Ou seja, os hábitos e

comportamentos deveriam também ser modernizados, porém, nem toda a sociedade

estava incluída neste projeto. Apenas as pessoas das classes abastadas faziam parte

desta modernização.

Através de um projeto modernizador emergente no início da República,

justificado principalmente por médicos, educadores e autoridades públicas, inicia-se

uma busca pela civilidade no Brasil. Algo considerado, até o posto momento, não

atingido pela sociedade brasileira. É neste momento que se inicia a busca por novas

formas de organização familiar, de novas funções sociais tanto para o homem, quanto

para a mulher. O comportamento burguês, a industrialização, o individualismo e o

reforço do sentimento do eu, existentes desde o século XIX nas grandes capitais

européias, se tornavam parte do referencial para a sociabilidade da elite brasileira.

O avanço médico-científico presente a partir do século XIX, trouxe aos médicos

uma autoridade quase indiscutível, e esta iria definir a mulher através de uma

predestinação à maternidade, justificando o “ser mãe”, e a própria fragilidade do corpo

feminino, que legitimaria a presença vigilante masculina (pai/marido) e da sociedade em

geral. Assim são constituídas as funções femininas no início do século XX:

mãe/esposa/dona de casa. Sendo as representações de mãe e esposa já terem sido

analisadas em outras pesquisas6, procuraremos trazer à tona esta mulher que valoriza a

higiene, os cosméticos, as roupas, os esportes, enfim, um conjunto de formas de tratar e

de mostrar o corpo. Esta dissertação analisa o que é moda e beleza para o período, as 5 Fyskatoris, Anthoula. O varejo da moda na cidade de S. Paulo (1910-1940). A democratização da moda e a inserção do consumo de baixa renda. SP: PUC-SP (Dissertação de Mestrado), 2006. P. 38. 6 Exemplos de pesquisas que ligam a imprensa feminina do início do século XX e as funções mãe/esposa/dona de casa são: A Revista Feminina: imagens de mulher (1914-1930) dissertação de mestrado ECA-USP de Sonia de Amorim Mascaro, Espelho de Mulher: Revista Feminina (1916-1925) tese de doutorado FFLCH-USP de Sandra L. L Lima, e até Imagens Femininas na Revista Cigarra (1915-1930) dissertação de mestrado PUC-SP de Sabrina G. Prado.

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formas de se tratar o corpo, o porquê de figuras ligadas à moda e à beleza serem

incessantemente direcionadas às mulheres, sendo todas essas frutos da incessante busca

pela modernização dos hábitos e comportamentos no início do século XX. Para

analisarmos tais representações, dialogaremos com a história do corpo, compreendido

como algo não criado ou apenas pertencente ao campo da biologia, mas gerado e tratado

no interior da cultura. Definimos o período de 1915 a 1936 como o recorte temporal

desta pesquisa, por ser uma época de significativas mudanças em vários segmentos no

Brasil, e pela presença de fontes durante todo esse período. Apesar dessas mudanças

acontecerem nacionalmente, estipulamos a cidade de São Paulo como palco para

analisarmos tais mudanças. Esta escolha se deve à importância que a capital paulista

tem para o início do século XX, e ainda pelas fontes se apresentarem de forma mais

concreta nesta cidade.

Apesar da chegada tardia da imprensa no Brasil7, durante as primeiras décadas

do século XX ela assume um papel de grande importância na difusão das novas idéias

trazidas com a modernidade. Principalmente em São Paulo, muitas revistas de

variedades começaram a ser produzidas com o intuito de passar esses novos ideais aos

mais variados segmentos da sociedade paulista e brasileira.

O movimento de crescimento e circulação dos materiais

impressos em São Paulo, principalmente da Imprensa

periódica, acompanha o próprio ritmo de desenvolvimento

da cidade. 8

A imprensa antes com um caráter acadêmico e elitizado, volta-se neste momento

para outros personagens da cidade, surgindo então, a imprensa dedicada às camadas

populares dando vozes a novos sujeitos9, marcando um novo momento na história da

cidade de São Paulo. Apesar da imprensa direcionada às elites existir em tempos

anteriores, nem todos os sujeitos eram representados, como foi o caso das mulheres. A

imprensa feminina brasileira teve um início discreto, e se caracterizava por encartes de

culinária e de corte e costura. Será no período em questão que surgiria revistas 7 Segundo Nelson W. Sodré em História da Imprensa no Brasil, tem-se o século XIX, com a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808 o início da imprensa brasileira com o Jornal Gazeta do Rio de Janeiro. 8 Cruz, Heloisa de F. São Paulo em papel e tinta. SP: Educ, 2000. P. 77. 9 As revistas do início do século XX na cidade de São Paulo se voltam aos imigrantes, aos moradores de bairros, aos operários, aos negros, etc.

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direcionadas exclusivamente para elas. Em 1914 tem início a publicação da revista A

Cigarra e da Luta Moderna (primeiro nome da Revista Feminina), ambas direcionadas

para as mulheres abastadas, e com uma edição que abrangia todo o território nacional.

Porém a revista A Cigarra consistia em uma revista de variedades que não tratava

exclusivamente questões femininas, diferente de sua concorrente.

Dulcília S. Buitoni em seu livro a Imprensa Feminina a chamou de a primeira

grande revista feminina, por ser uma das primeiras revistas dedicada inteiramente ao

público feminino no Brasil, devido a sua forma inovadora que reunia em seu formato

com uma média de 35 páginas por revista, totalmente ilustrada, com uma circulação

mensal que abrangia todo o território nacional, e uma vendagem de 20 a 25 mil

exemplares mensais, sendo ainda vinculada com a indústria nascente e à publicidade.

Além de todo seu formato inovador, a Revista foi muito bem sucedida, conseguindo se

manter em circulação de junho de 191410 até março de 1936, algo realmente grandioso

para uma época em que algumas revistas não conseguiam ultrapassar os primeiros

exemplares11. Destacando-se entre as outras revistas de sua época, devido a sua

formulação de qualidade, a Revista Feminina, como o próprio nome diz, era

inteiramente dedicada ao público feminino. Mas esse público feminino alfabetizado era

muito restrito, ou seja, nem todas as mulheres tinham acesso à sua leitura.

A Revista era distribuída em sua maioria por meio de assinaturas. Apesar de seu

principal público estar na cidade de São Paulo, cartas de leitoras vindas de todas as

partes do Brasil mostram que a revista circulava nacionalmente.

(...) a revista era lida por mulheres de uma classe mais

alta, da classe melhor, mulheres de fazendeiros,

professoras, mulheres de delegados, de prefeitos. 12

Através deste trecho retirado de uma entrevista de D. Avelina de Souza Haynes,

filha da fundadora da Revista, percebemos que apesar desta procurar dar um tom de

refinamento às leitoras da revista, notamos a presença de vários tipos de mulheres

representadas e nem todas pertencentes a um mesmo grupo social. Entendemos assim

que as leitoras/consumidoras da Revista pertenceriam não apenas ao seleto grupo de 10 Neste período incial a revista ainda era chamada de Luta Moderna. 11 Informações obtidas em Buitoni, Dulcilia S. Imprensa Feminina. SP: Ática, 1986. P. 43 e 44. 12 Trecho retirado da entrevista de D. Avelina de Souza Haynes, concedida à Professora Dra. Sandra L. L. Lima em 1989.

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esposas e filhas de ricos comerciantes, mas de mulheres de funcionários públicos, de

altos funcionários do governo, e até de educadores. Dessa forma percebemos que as

leitoras da Revista Feminina eram em sua maioria esposas e filhas dos vários segmentos

da elite, e até da nascente classe média brasileira, e principalmente paulista.

A Revista Feminina foi fundada em 1915 por Virgilina de Souza Salles

descendente de uma tradicional família paulista. Esta foi fruto de uma outra revista de

D. Virgilina chamada Luta Moderna que perdurou durante o ano de 1914, e foi através

desta que foram conseguidas as primeiras assinaturas para a Revista Feminina. Seu

nome é bastante sugestivo para uma revista em que o público alvo eram as mulheres. A

escolha do nome “Luta Moderna”, nos remete a pensar de que consistia realmente uma

luta possuir uma revista apenas para mulheres, ou ainda que seus assuntos fossem

considerados “ousados” para uma época onde as transformações aconteciam

paulatinamente. Interessante notar o uso da palavra “moderna” para o periódico,

demonstrando que uma revista para mulheres, e sobre mulheres era uma marca dos

novos tempos que se instauravam. Porém D. Virgilina e sua família optam por

modificar esse nome para apenas “Revista Feminina”, algo talvez menos agressivo, e

mais adequado para aqueles tempos.

A Revista Feminina contava com a participação do irmão de D. Virgilina, o Dr.

Cláudio de Souza que além de médico, era teatrólogo e membro da Academia Brasileira

de Letras, o que provavelmente auxiliou em algumas presenças ilustres nos artigos da

Revista, como o poeta Olavo Bilac e a escritora Júlia Lopes de Almeida. A participação

do irmão da fundadora, o Dr. Cláudio de Souza que aparentemente seria trazer

presenças ilustres para a Revista, além de alguns artigos de sua autoria, foi

“desmascarada” pela Profa. Sonia de Amorim Mascaro em sua dissertação de mestrado

A Revista Feminina: imagens de mulher (1914-1930), quando através de uma entrevista

com a filha da fundadora do periódico, D. Avelina de Souza Haynes, foi contado que

seu tio tinha o pseudônimo feminino Anna Rita Malheiros, que assinou os editoriais da

Revista até o ano de 1922. Esses editoriais sempre muito bem escritos, defendiam a

moral e visavam proteger os interesses femininos, como foi o caso do editorial de

janeiro de 1920, quando “Anna Rita Malheiros” comenta com fervor sua posição

contrária ao acontecido de um homem que havia assassinado sua mulher por ela ter

cometido adultério.

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O mascaramento de um homem como principal porta-voz

da Revista Feminina, não tira o mérito das causas

defendidas, mas torna seu pensamento ilegítimo, sem

autenticidade e até certo ponto impositivo. 13

O fato de possuir um homem escrevendo como uma mulher em uma revista

exclusivamente feminina, legitima o lugar secundário delas dentro da sociedade, e

talvez até sua incapacidade de falar sobre alguns assuntos. Percebemos ao longo dos

editoriais, que apesar de serem na verdade escritos por um homem, falavam sobre

causas femininas, como a questão da proteção da mulher contra maus tratos, e um

assunto muito utilizado e defendido pela Revista, a questão do sufrágio feminino.

Assim, a Revista Feminina se intitulava porta-voz das causas femininas e vangloriava-

se por ser feita por mulheres para mulheres. Contudo sabemos hoje que tais aspectos

não eram totalmente verdadeiros devido à Anna Rita Malheiros/Dr. Cláudio de Souza.

Além do editorial, o Dr. Cláudio de Souza contribuía à Revista com pequenos

contos e artigos que normalmente falavam sobre a importância da mulher na sociedade

brasileira que se queria moderna. É importante ressaltar que em nenhum momento foi

encontrada uma relação direta entre o Dr. Cláudio de Souza e o higienismo/eugenia tão

presentes no início do século XX, porém em inúmeros artigos notamos a presença dos

discursos higiênicos e até eugênicos. A presença desses ideais podem ser apenas

vestígios de um pensamento muito presente na época, que fazia parte do discurso da

modernidade, ou talvez, seria uma campanha presidida e forjada pelo co-autor da

Revista Dr. Cláudio de Souza, para introduzir tais idéias nas leitoras.

Os artigos da Revista eram em sua maioria anônimos ou assinados por mulheres.

Mas como o caso do editorial descrito há pouco, não temos certeza de quem eram as

pessoas responsáveis por eles. Pelo caráter “familiar” da Revista e até pela prática do

uso de pseudônimos ser muito comum na imprensa da época, talvez com exceção de

alguns artigos, todos fossem produzidos pela família proprietária da Revista, ou ainda

apenas traduções de artigos vindos da Europa ou Estados Unidos. Apesar desses

vestígios, não possuímos certeza de quem eram as “mulheres” que recheavam a Revista

Feminina com informações, conselhos e entretenimento às leitoras.

13 Lima, Sandra L. L. Espelho de Mulher: Revista Feminina (1916-1925). SP: Tese (doutorado) FFLCH – USP, 1991. P. 207.

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A Revista possuía uma série de seções e artigos com a função de orientar,

educar e distrair a mulher brasileira14, cobrindo assim os assuntos pertencentes à

cultura da elite feminina do início do século XX. Discutiam-se temas como o papel da

esposa e da dona de casa, educação das crianças, culinária, contos, trabalhos manuais,

moda, e ainda trazia diversas reportagens de conhecimentos gerais e curiosidades sobre

outras culturas, ou seja, todos os assuntos que eram considerados úteis para as leitoras, e

para o bom cumprimento de sua função como mulher.

Durante toda a existência da Revista, procurou-se afirmar seu caráter formador e

informativo, enquanto leitura saudável para mulheres, sendo esses justificados através

de cartas mandadas por membros masculinos da sociedade como os da Academia

Brasileira de Letras, e ainda de membros da Igreja Católica, como é o caso do Cardeal

Arcoverde e do Arcebispo Duarte.

Em sua longa existência algumas colunas se mantiveram clássicas como o Menu

do meu marido - seção de culinária que contém um nome que valoriza a posição da

mulher enquanto esposa dedicada. Ser uma revista feminina, durante as primeiras

décadas do século XX, significa, obviamente, tratar apenas de assuntos para mulheres. E

durante este período ser mulher significaria exercer corretamente sua função enquanto

mãe amorosa, esposa fiel e dona de casa dedicada, por isso notamos ironicamente uma

coluna para o marido, em uma revista para a mulher/esposa15.

Outras colunas que existiram durante todo o percurso da Revista foram: Como

enfeitar minha casa – decoração para a casa; Moda – com as últimas tendências do

vestuário; Trabalhos Femininos – seção destinada a incentivar as leitoras a produzirem

algum tipo de artesanato para ser vendido pela redação da Revista; Jardim Fechado –

teve início em fevereiro de 1918 e era destinado a cartas de leitoras; Vida Feminina –

sobre feitos e conquistas de mulheres no Brasil e no exterior. Interessante notar que

diferente da maioria das revistas direcionadas ao público feminino, a Revista Feminina

nunca possuiu seções de consultórios sentimentais ou de cartas de amor, não sendo em

nenhum momento relatado o porquê desta escolha pelos organizadores da Revista.

Sendo a ausência ou o silêncio também uma forma de fonte para a interpretação

histórica, arriscamos dizer que a falta de um consultório sentimental aponte que, pelos 14 Mascaro, Sonia de A. A Revista Feminina: imagens de mulher (1914-1930). SP: Dissertação (mestrado) ECA – USP, 1982. P. 12. 15 Questão levantada pela Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio durante o Exame de Qualificação realizado em dezembro de 2007, refletindo sobre o título da seção Menu do meu marido em uma revista para mulheres.

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responsáveis da Revista, seria algo desnecessário. Ou seja, para as mulheres leitoras da

Revista Feminina um local para reclamações dos cônjuges e do próprio casamento era

algo impensável. Na função da mulher/esposa não caberia reclamações do marido, mas

sim encontrar formas de driblar crises no casamento. Esta responsabilidade seria

exclusivamente da esposa.

Apesar da grande responsabilidade atribuída à mulher neste período através das

funções de mãe/esposa/dona de casa, e todos os assuntos abordados pela Revista que

auxiliam a boa execução destes, a sexualidade não aparecia dentre eles. Com exceção de

pequenas insinuações quanto à “noite de núpcias”, a ausência de temas relacionados ao

sexo é completamente nula durante o início do século XX. Analisando a ausência de

temas desta natureza, fica claro que, por ser a Revista Feminina educadora da mulher da

elite brasileira, em nada assuntos sobre sexo diziam respeito a ela. A preocupação da

leitora devia se resumir ao cuidar do filho após seu nascimento, mas não em “como”

gerar esse filho. A presença de artigos que buscam ensinar e orientar a mulher em como

cuidar dos filhos é grande, porém em nenhum momento o período de gestação ou o dia

a dia da gravidez em si é citado pela Revista.

Assuntos relacionados à política não entravam na Revista de forma informativa,

apareciam apenas como insinuações a respeito em um artigo ou outro. Acontecimentos

como a Primeira Guerra Mundial, a Semana de Arte Moderna, ou as sucessões

presidenciais, não parecem ter importância para a Revista Feminina. Assuntos como

política não seriam considerados relevantes para a boa execução das funções femininas.

Porém percebemos que essa visão não se mantém a mesma durante os vinte anos de sua

publicação. Durante o ano de 1929 notamos a existência de vários artigos elogiando

Júlio Prestes16 e enfatizando seus feitos. Quando combinamos esses artigos à conjuntura

política da época, percebe-se que a partir dos últimos anos da década de 20 começa a

existir uma preocupação em “politizar” as mulheres. Talvez essa preocupação passe a

existir a partir do momento em que vários países dão o direito do voto às mulheres.

Percebendo que o sufrágio feminino brasileiro seria uma questão de tempo, e é claro, as

mulheres passariam a ser um grupo importante no momento da votação, os

organizadores da Revista notam a necessidade do início da politização de suas leitoras.

16 Além de governador de São Paulo, Júlio Prestes concorreu à presidência em 1930, seu rival era Getúlio Vargas. Esta eleição permitiu a mudança do cenário político brasileiro, destituindo as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Esta transição é chamada de Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas sobe ao poder finalizando o período da República Velha (1889-1930).

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Um fator muito inovador da Revista Feminina foi o de combinar a imprensa e

um elaborado esquema comercial, o que provavelmente contribuiu para sua sustentação

durante mais de vinte anos. A chamada Empreza Feminina Brasileira, que fabricava e

comercializava produtos destinados à mulher como cremes para o rosto, tintura para o

cabelo e livros de culinária. Podemos perceber o crescimento desta empresa ao longo

dos anos, quando comparamos que no ano de 1916, a Revista possuía 2 produtos à

venda, já no ano de 1925 possuía mais de 40 produtos. Todos eles sempre foram

vendidos através do periódico por meio de propagandas, e por postagem do dinheiro.

Em 1936 a Revista é interrompida, por problemas pessoais da família Souza

Salles, que manteve sua direção por todo o período de sua existência. Durante seus vinte

anos de circulação, percebemos que ela não se mantém uniforme quanto ao seu formato,

seus assuntos e até a forma de abordá-los. Afinal a Revista iria acompanhar todo o

avanço e as transformações da sociedade, bem como da mulher inserida nesta

sociedade.

... as revistas femininas são os únicos produtos que

acompanham as mudanças da realidade da mulher, são

em sua maioria escritos por mulheres para mulheres

sobre temas femininos e levam a sério as preocupações

das mulheres.17

Como veículo de informação e reafimarção de valores, a Revista Feminina e a

imprensa feminina em geral, buscam reforçar o papel das mulheres dentro da sociedade,

e ainda convencer de que este papel é a única saída, como se “sempre tivesse sido

assim”. A natureza da imprensa feminina, enquanto fonte para uma pesquisa sobre a

mulher, traz dificuldades próprias, afinal, este tipo de imprensa é um tipo diferente

daqueles tradicionais como os jornais diários. A imprensa feminina fala sobre o

universo feminino, sobre os problemas da mulher, sobre o que é ser mulher, sua cultura

feminina, e o que deve ser feito para atingir tais efeitos. Seus assuntos principais são os

relacionados à moda, beleza e cosméticos, culinária, decoração, trabalhos manuais,

etiqueta, conselhos de saúde, como cuidar dos filhos, e ainda os chamados consultórios

sentimentais que tratam os problemas do coração e a relação homem/mulher. Dessa

17 Wolf, Naomi. Op. Cit. P. 92.

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forma percebemos que seus assuntos não são informativos como dos jornais diários,

pelo contrário, a imprensa feminina é por natureza interpretativa, estabelecendo,

produzindo e reforçando formas de conduta. Em muitos momentos, as revistas são as

únicas companhias para as mulheres, uma espécie de janela para o que acontecia fora de

seu reservado mundo familiar.

Assim chegamos à grande problemática da utilização da imprensa feminina

como fonte: identificar a natureza das idéias transmitidas por seus artigos.

... analisar o conteúdo da imprensa é um exercício de

‘desocultação’, ou seja, buscar através do que ela diz, do

modo como diz, e do que ela não diz, qual seu projeto de

sociedade. 18

Através de uma aparente neutralidade e até ingenuidade, as revistas direcionadas

às mulheres reforçam os modelos, os gostos e as opiniões dominantes, que vão pouco a

pouco sendo introjetadas nas leitoras. Na aparente intimidade de uma “conversa entre

amigas” ao qual a imprensa feminina utiliza como meio de escrever seus artigos, ela

deixa transpassar os valores e os padrões dominantes de consumo e de conduta de uma

determinada época.

A imprensa feminina sempre vai procurar dirigir à leitora

como se estivesse conversando com ela – intimidade

amiga – faz com que as idéias parecessem simples,

cotidianas, frutos do bom senso, ajuda a passar conceitos,

cristalizar opiniões, tudo de um modo tão natural que

praticamente não há defesa. A razão não se arma para

uma conversa de amiga. Nem é preciso raciocinar

argumentos complicados: as coisas parecem que sempre

foram assim. 19

18 Prado, Sabrina G. Imagens Femininas na Revista ‘A Cigarra’ São Paulo 1915-1930. SP: Dissertação de Mestrado PUC-SP, 2003. P. 28. 19 Buitoni, Dulcília S. Mulher de Papel: a representação da mulher na Imprensa Feminina Brasileira. SP: Tese (doutorado) FFLCH-USP, 1980. P. 185.

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Sendo, então, a imprensa feminina possuidora de um ideal a ser passado,

preocupada em propor e reafirmar modelos de conduta, ajudando as leitoras a se

enquadrarem no mundo em que estão, vivendo melhor neste mundo e exercendo

“corretamente” sua “feminilidade” 20.

Identificamos a imprensa feminina como um veículo criador e reprodutor das

representações do que se quer para a mulher. Notamos que apesar de muitas vezes as

práticas femininas, ou o que é ser mulher e suas funções na sociedade, sejam dadas de

forma a parecerem naturais, existe ao longo da história uma construção da feminilidade

que ser quer correta. Conforme Simone de Beauvoir inaugura em seu livro O Segundo

Sexo, quando argumenta que para ser mulher, não basta nascer com sua carga genética

feminina. Ser mulher é um aprendizado que se faz através da sociedade e da cultura em

que vivemos. Assim, a própria feminilidade seria um produto sócio-cultural, que no

início do século XX no Brasil, pode ser identificado em ser mãe, esposa e dona de casa.

Essas representações fundamentais da mulher vão aparecer de forma explícita e

implícita nas revistas femininas. A Revista Feminina adota toda essa construção da

“feminilidade correta”, ligada ao ser mãe/esposa/dona de casa “por trás e pela frente” de

seus artigos. Em uma época em que parecia estar na “moda” exercer tais funções pelas

mulheres da elite, a Revista não deixará escapar sua função doutrinadora em seus

artigos. E sobre essas representações temos três pesquisas: a tese Espelho de Mulher:

Revista Feminina (1916-1925) de Sandra L. L. Lima pela FFLCH-USP, a dissertação de

Sonia de Amorim Mascaro Revista Feminina: imagens de mulher (1914-1930) pela

ECA-USP e o artigo de Marina Maluf e Maria Lucia Mott “Recônditos do mundo

feminino” em Nicolau Sevcenko (org) História da Vida Privada no Brasil. Essas

pesquisas utilizaram a Revista Feminina como fonte, apresentaram a mulher

mãe/esposa/dona de casa, analisaram mês a mês a Revista e suas seções, e ainda

mostraram o feminismo, que na época se confundia com a campanha pelo voto

feminino. Porém, nas três pesquisas os assuntos relacionados ao tratamento do corpo

através da moda e da beleza foram considerados “assuntos gerais”. Este foi um fator

incentivador para o desenvolvimento dessa pesquisa, afinal ao analisar a Revista,

percebemos que o número de artigos referente às questões da moda e da beleza

ultrapassava consideravelmente, aqueles sobre formas de conduta da mãe/esposa/dona

de casa.

20 Bassanezi, Carla. B. Virando as Páginas, Revendo as Mulheres. RJ: Civilização Brasileira, 1996. P. 17.

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Sobre a moda e a Revista Feminina existe a pesquisa de Maria Claudia Bonadio

Moda e Sociabilidade: mulheres e consumo na São Paulo dos anos 1920, onde a

historiadora discute a importância da imprensa, da publicidade e do comércio de moda

no processo de modernização dos anos 20. E ainda, utilizando a Revista Feminina como

fonte secundária, porém relacionando-a com a beleza, temos o trabalho de Mônica Raisa

Schpun Beleza em Jogo: cultura física em São Paulo nos anos 20. Apesar de muitos

trabalhos terem utilizado a Revista Feminina como documento, nenhum deles analisou

todo o período em que esta existiu.

Assim, analisando a historiografia sobre história das mulheres e a importância

do corpo em seu processo, e ainda considerando a crescente modernização das primeiras

décadas do século XX, pretendemos centrar esta dissertação na questão do corpo

feminino que se quer modernizado através da moda, da beleza e do comportamento,

valorizados pela imprensa específica e por alguns manuais médicos. Esta dissertação

buscará identificar a produção e a reprodução de um comportamento e de um trabalho

com o corpo que vai além da estética, dialogando com a própria função feminina

historicamente construída na época. Pretende-se portanto refletir sobre o significado do

que era a beleza e do “estar na moda”, as mudanças entre os anos de publicação da

Revista, bem como a construção dessas representações. Por isso optamos pela pesquisa

de todo o período de existência da Revista Feminina de 1915 até 1936, para que assim

fosse possível analisar as transformações e permanências de algumas questões sobre o

corpo feminino.

A pesquisa dos 21 anos da Revista foi realizada no Arquivo do Estado de São

Paulo que contém suas publicações de 1917 até 1925. E na Biblioteca Mário de

Andrade onde foram encontrados os anos restantes. Infelizmente apesar de nosso

esforço para encontrar o maior número de revistas, não foram localizados os anos de

1926, 1927 e 1932. Vale dizer que os artigos estudados não seguem uma linearidade, ou

seja, não foram pesquisadas as mesmas colunas na Revista todo o tempo. Ao contrário,

foram pesquisados artigos em geral, porém todos ligados ao tratamento do corpo

feminino. Acreditamos que o não seguimento de uma só coluna trouxe benefícios para

ampliarmos nosso olhar sobre as várias formas do tratamento do corpo.

Esta dissertação está dividida em duas partes, cada uma contendo três capítulos,

que se relacionam com o tema principal.

A primeira parte - Corpos Vestidos - apresenta uma breve reflexão sobre a

utilização da moda como fonte através da historiografia. Em seguida, analisa as

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principais transformações das vestimentas ao longo do século XIX, com a moda e o

comportamento valorizados pela ascensão do ideal burguês na Europa, lembrando deste

possuir uma forte influência com o Brasil naquele momento. O capítulo 1 Modernidade

dos corpos, explora as condições em que os ideais da modernidade chegam ao Brasil,

suas dificuldades, e principalmente sua influência nas mulheres da elite. O capítulo 2

Espetáculo da moda feminina analisa as vestimentas das mulheres, suas transformações

e permanências ao longo da Revista Feminina. O capítulo 3 Modas Perigosas levanta o

discurso contra a moda presente em alguns momentos na fonte.

A segunda parte - Corpos Belos – introduz a beleza como importante fonte

histórica, e analisa a beleza como mais um mecanismo de modernização dos corpos das

brasileiras. O capítulo 1 A construção da brasileira esbelta: modernidade X morenidade

aborda as dificuldades em tornar os corpos brasileiros com uma aparência bela, e ainda

demonstra como seria a beleza tão enaltecida pela Revista Feminina. O capítulo 2

Métodos embelezadores explora as dicas, os segredos e as receitas de beleza trazidas

pela Revista, com a esperança de desenvolver a beleza nos corpos femininos. Além de

abordar técnicas inovadoras para se alcançar um visual belo. O capítulo 3

Comportamento controlado demonstra que além de possuir uma aparência bela e na

moda, as mulheres da “moderna” elite brasileira deveriam cultivar hábitos refinados,

discretos e asseados.

Boa leitura!

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Parte 1 – Corpos vestidos

Experimentamos as coisas da vida através de nossos corpos. É com ele que nos

socializamos e mostramos ao mundo quem somos por meio de marcas e sinais. Por

esses motivos, a forma como trabalhamos esse corpo, diz muito sobre nós mesmos,

sobre o que queremos parecer aos olhos dos outros, e sobre o momento histórico em que

vivemos. Analisar a história de uma perspectiva corporal requer estarmos no limite

entre o que é natural e o que é cultural, entre a permanência de um corpo material, e as

rupturas e mudanças de um corpo construído e trabalhado historicamente.

... o corpo deve ser encarado, não como um objeto de

‘carne e osso’, mas como uma ‘construção simbólica’.21

O corpo sempre foi lugar de embates e resistências. Quando se trata de um

estudo sobre a história vista por meio dos corpos femininos, se torna necessário

enfrentar desafios relacionados à antiga tendência de considerar a fisiologia feminina

uma espécie de morada misteriosa e polêmica. Assim, por exemplo, engravidar, dar a

luz e menstruar, despertam, em várias culturas, a suspeita de que o corpo feminino seria

mais singular do que o masculino, uma grande incógnita, alvo de desconfianças e de

contrastes constantes. Juntamente com esse caráter de mistério, o fato de vivermos em

uma sociedade de tendência androcêntrica acentua ainda mais as diferenças entre o

tratamento e as funções dos corpos masculino e feminino. Essas funções, esses símbolos

e seus significados são historicamente construídos.

***

A roupa é o invólucro do corpo. Chegamos nus ao mundo, mas logo somos

adornados não apenas com roupas, mas com a roupagem metafórica dos códigos

morais, dos tabus, das proibições e dos sistemas de valores que unem a disciplina aos

desejos, a polidez ao policiamento 22. As roupas ligam o corpo biológico ao ser social, o

corpo público com o corpo privado. É através das roupas que permitimos esconder ou

21 Porter, Roy. “História do corpo” in: Burke, Peter (org). A Escrita da História. SP: Unesp, 1992. P. 297. 22 Idem, P. 325.

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mostrar nossas carnes, e essa decisão diz muito a respeito de nós mesmos e da

sociedade em que vivemos.

A primeira leitura que a sociedade faz de cada um de nós é através de como nos

mostramos a ela, e por isso as roupas constituem um importante código social. As

roupas possuem de forma geral duas funções sociais: uma ligada à individualidade e

outra à coletividade. À individualidade, quando expressamos sentimentos e idéias

pessoais. À coletividade, quando é identificada pelas roupas a classe social do

indivíduo, e/ou o grupo que pertence como, por exemplo, as roupas do “grupo”

masculino e as do feminino.

Os códigos que o uso ou até a falta de uso de uma roupa,

será interpretado pela sociedade e suas instituições23.

Até a forma de como seremos tratados socialmente é estabelecida muitas vezes

através de tais códigos que as roupas manifestam. Essa interpretação social das roupas

existe desde tempos remotos, porém cada sociedade em cada época terá seus códigos

corporais constituídos no interior da cultura. Como um conjunto de roupas e adereços

considerados “certos” para um grupo social em determinado período, a moda é um

mundo encantado de códigos24.

A palavra moda vem do latim mod, que significa medida, e da palavra modus

também latina que significa maneira de, ou modo de fazer25. Assim, moda seria um

hábito ou estilo geralmente aceito, ou o mais aceito, e variável no tempo. No sentido

primordial da palavra moda, ela nada tem a ver com uma coleção de roupas.

Foi ao longo da segunda metade do século XIX que a

moda, no sentido moderno do termo, instalou-se. 26

Durante o século XIX, a moda e o uso de determinadas roupas, por um certo

grupo social, passaram a ser sinônimos. Porém, esta idéia não é originalmente brasileira, 23 Priore, Del Mary. Corpo a corpo com a mulher. SP: Senac, 2000. P. 53. 24 Roche, Daniel. Cultura das aparências. Uma história da indumentária (séculos XVII-XVIII). SP: Senac, 2007. P. 60. 25 Significados e origem da palavra moda retiradas de Gomes, Suzana H. de Avelar. Moda – entre a arte e o consumo. SP: PUC-SP (tese de doutorado), 2005. P. 17. 26 Lipovetsky, G. O Império do Efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas. SP: Cia das Letras, 1989. P. 69.

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pelo contrário, ela seria trazida dos grandes centros urbanos europeus como Paris e

Londres. Nesta época, a Europa passava por uma grande transformação em sua estrutura

social, política, econômica e cultural27, que se manifestava das mais diversas formas. A

moda consistia em uma delas.

Após o longo período em que os reis absolutistas dominavam o cenário político

da Europa, nos séculos XVII e XVIII, o chamado Ancien Régime chegava ao fim.

Durante todo este período, o corpo, a moda e as aparências eram formas de justificar a

nobreza como elite social naquele momento histórico. As vestimentas serviam como um

aparato mágico do poder absoluto28: vestidos enormes, coletes e mangas exageradas,

rendas e cetins, perucas, salto alto, e faces empoadas de pó branco. Nesta fase, onde a

elite social era pertencente à aristocracia, tanto as vestimentas femininas, quanto as

masculinas apresentam características de exagero e exibicionismo. Entretanto, as

mudanças estruturais da sociedade européia em meados do século XIX, não

transformariam apenas a conjuntura político-econômica. Assistimos também a uma

transformação nos valores e no comportamento, que agora seriam baseados na ascensão

da burguesia européia. Isto significaria a negação dos códigos corporais do Ancien

Régime, e a valorização do individualismo, da medicina, e, mais tarde, do conforto. Até

os avanços tecnológicos daquele momento permitiram à sociedade do século XIX, uma

nova ligação com seu corpo, por exemplo, por meio da fotografia, e do espelho de corpo

inteiro.

A fotografia e o espelho de corpo inteiro permitiam às pessoas a contemplação

de sua própria imagem29. A silhueta completa refletida no espelho, permitia um novo

conhecimento do corpo, nunca antes visto por seu próprio “dono”. O retrato, como

forma de guardar a imagem que se tem de si por um longo tempo, permitia notar que a

juventude era perdida conforme os anos se passavam. Assim surgia uma nova

identidade corporal para a burguesia européia nascente. Além disso, o advento da luz

elétrica permitiria um olhar mais detalhado de si próprio, e do corpo do outro. A

descoberta do corpo pela burguesia européia, era mais uma novidade trazida com a

modernidade de meados do século XIX.

27 Fazemos referência ao movimento da Revolução Industrial, o surgimento do sistema capitalista e até da Revolução Francesa como manifestação prática dos ideais burgueses característicos do Século das Luzes. 28 A este respeito ver Phillippe Perrot em Le travail des apparences. Le corps féminin XVIII-XIX siècle. Paris: Seuil, 1984. 29 Corbin, Alain. “O Segredo do Indivíduo” in: Áries, Phillipe(org). História da Vida Privada vol. 4. SP: Cia das Letras, 1995. P. 421.

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Graças às teorias de Pasteur e Kock, expandiu-se o

paradigma microbiano e bacteriológico, que possibilitou

outras formas de compreensão das causas das doenças,

dos corpos e da higiene, bem como das formas de

transmissão das doenças, e da sua cura. Era preciso

mudar hábitos e atitudes. 30

Após séculos em que do olhar cristão se mantinha sobre os corpos, enxergando-

os com desprezo e temor, acreditando que as carnes eram apenas um meio para a

salvação ou danação da alma. As descobertas científicas do século XIX vêm,

definitivamente, dar um novo significado ao corpo, e a forma como este deveria ser

tratado.

A descoberta dos micróbios permitia o surgimento de novas respostas para a

antiga pergunta: Por que as pessoas ficam doentes? Além disso, todo o avanço médico-

científico trazia novas descobertas em vários campos da anatomia humana, por

exemplo, os mecanismos da transpiração, e até do sistema circulatório. Com isso,

rapidamente os médicos deste período ganhariam uma credibilidade indiscutível para

diagnosticar formas de doenças, de cura e de prevenção. Após séculos em que o corpo

era tratado pelo misticismo, como um reduto do desconhecido e do pecado, este agora

pertencia ao campo da ciência, constantemente observado, revelado e tratado.

Philippe Perrot, em seu livro Le Travail des Apparences: le corps féminin au

XVIII –XIX siècle, aponta que na França, foi a epidemia de cólera ocorrida em 1832 que

justificou o movimento higienista e a regulamentação sanitária no país. A partir deste

momento a medicina passou a não ser apenas uma ciência para lutar contra doenças,

mas também seria responsável pela organização social. Os médicos passaram a medicar

não só o corpo físico, mas também o corpo moral e social. Interiorizando na população,

de diversas formas, normas de higiene, sobriedade, ordem e família. A partir deste

momento a medicina passou a exercer uma autoridade quase absoluta sobre os corpos.

A instituição familiar passaria a ser uma segurança social, uma vez que mantinha

o homem, a mulher, e as crianças dentro de um núcleo, que, nos moldes médicos, seria

seguro, limpo e higiênico. Desta forma, são definidas funções tanto para homens,

30 Matos, Maria Izilda S. de. “Corpos numa paulicéia desvairada: mulheres, homens e médicos. São Paulo, 1890-1930. in: Projeto História n° 25: Corpo e Cultura. SP: Educ, 2002. P. 383.

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quanto para mulheres exercerem “corretamente” suas funções de pai/provedor e

mãe/esposa.

Os papéis sociais e econômicos dos homens e mulheres

começaram a divergir mais profundamente; no início do

século XIX, o papel das mulheres na sociedade começava

a diminuir, a maneira de vestir começava a distinguir os

sexos de forma mais acentuada e a moda já não era mais

tal como fora nas cortes do século XVII... 31

O aburguesamento da sociedade européia traria novas funções sociais aos

homens e as mulheres, e estas seriam manifestadas corporalmente.

Ao homem seria destinada a função do trabalho fora de casa, ao espaço público,

ao ganhar dinheiro e proporcionar o sustento da família. Uma nova sociedade

masculina, e sem cor, agora se vestia comme il faut, proclamando seu apego a noções

de decência, correção, esforço, prudência e seriedade32. Surgia a imagem do “homem

de negócios”. Esta nova função se manifestava com cuidados com o corpo,

comportamentos e roupas específicas do homem. O corpo masculino através dos

códigos da elite burguesa foi caracterizado, principalmente, através do uso do terno. O

terno, um tipo de vestimenta composta por três peças de cores sóbrias e originalmente

masculino, compõe um tipo de roupa que permanece a mesma por quase 200 anos,

salvo pequenos detalhes, como corte e tecido. O terno vai compor praticamente um

uniforme para este novo “homem de negócios”, freqüentador do espaço público, que

surge com a valorização do ideal burguês de trabalho no contexto do século XIX

europeu. Percebemos que este homem sério, trajado com o terno, em nada pode ser

comparado com aquele homem ricamente trajado com perucas, faces esbranquiçadas e

tecidos brilhosos da aristocracia de séculos anteriores. A historiadora da arte Anne

Hollander faz um paralelo interessante ao comparar as vestimentas masculinas,

lembrando as antigas armaduras medievais, demonstrando que estas vestimentas

também refletiam a função masculina naquela sociedade, onde a guerra se fazia

iminente. Durante o século XIX, onde a “guerra” acontecia nos negócios, o terno passa

ser a roupa característica dos homens burgueses. Este uniforme de trabalho será a roupa

31 Wilson, E. Enfeitada de sonhos. RJ: Edições 70, 1985. P. 45. 32 Roche, op. Cit. P. 70.

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básica do homem burguês em todos os momentos, desde festas, passeios no fim de

semana, como na hora de serviço.

A função da mulher na era burguesa também se transformaria por completo, e

com ela seus códigos corporais. A função feminina será basicamente a de mãe,

justificada principalmente pelo discurso médico e por sua anatomia. A mulher burguesa

do século XIX será de várias formas interditada, ou seja, ela será afastada do espaço

público, do trabalho fora de casa, de seu desejo individual uma vez que tem em seu

corpo o agente da maternidade inata. Segundo os médicos do período, é por este instinto

materno que deve se preocupar mais com os outros do que com ela mesma33. A função

feminina será então a de manter a ordem dentro de casa, de proporcionar o bem-estar

aos filhos e marido. Uma das peças de roupa da mulher do século XIX será o espartilho

acompanhado por um grande volume de saia até os pés. O espartilho é uma peça que

estrangula o tórax da mulher para afinar sua cintura e avolumar os seios.

Metaforicamente, talvez esta interdição vivida pelas mulheres do período em questão,

pelo restrito uso do espaço público e pelo afastamento de seu próprio desejo pessoal,

possa ser comparada ao uso do espartilho, que interdita o andar, o movimento, a

respiração, os órgãos internos, e é claro a natureza do corpo.

O estabelecimento de diferentes funções sociais para o homem e para a mulher,

iria afastá-los consideravelmente, apesar de serem “parceiros” neste novo contexto. Por

mais que suas funções fossem complementares, suas experiências seriam totalmente

diferentes. Às mulheres caberia o tempo da casa, dos filhos, sendo que ao homem

caberia o tempo dos negócios, das fábricas e das indústrias. Ou seja, o tempo da mulher

será diferente do homem. Se para o homem burguês “tempo é dinheiro”, para as

mulheres o tempo seria constituído pelos nove meses de gestação, pelo preparo do

enxoval, a expectativa da espera pelo marido ideal, o noivado, e até o tempo de espera

da chegada dos filhos da escola e do marido do trabalho. O ócio da mulher burguesa

permitirá que esta encontrasse tempo para se dedicar à aparência.

Para uma sociedade em que os valores da economia e do

lucro eram fundamentais, a demonstração de consumo

ostentatório representava uma boa publicidade. A mulher

era a vitrina do homem; ao fabricar uma aparência

33 O trabalho de Elisabeth Badinter Um Amor Conquistado: o mito do amor materno, discute o tema do sentimento maternal forjado pela sociedade do século XIX.

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exageradamente feminina, ela proclamava sua segunda

posição na ordem social e familiar. 34

O afastamento do homem das questões da moda e a intensa valorização da

mulher a esta, demonstra que esta nova sociedade européia do século XIX, além de

destinar à mulher as funções de mãe/esposa, também a destina novas funções: estar

bonita e bem vestida. Não bastaria a mulher ser boa mãe e esposa, mas deveria aparecer

à sociedade bela e com roupas consideradas “na moda”.

O Brasil, ao longe, acompanhava essas mudanças. Apesar da distância, as

notícias sobre a instauração de novos hábitos e comportamentos chegava por meio de

livros, jornais e viajantes. Alguns autores afirmam a presença dos ideais europeus em

terras brasileiras, desde o século XIX35. Porém a Europa e o Brasil eram muito

diferentes. A modernidade e os ideais burgueses, pareciam não corresponder à realidade

brasileira. Médicos, educadores, autoridades públicas e religiosas, os responsáveis por

instaurar tais modelos da modernidade, teriam um grande desafio ao introjetar esses

ideais na sociedade brasileira.

34 Roche, op.cit. P. 73. 35 Maria Ângela D’Incao no artigo “Mulher e Família Burguesa” in História das Mulheres no Brasil, afirma que as cidades de Recife e Rio de Janeiro são as primeiras a passarem por tais modificações ainda no século XIX.

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1 - A Modernidade dos corpos

A sociedade brasileira durante o século XIX, em nada se parecia com a

sociedade européia no mesmo período. Sinais do que era moderno, e do que era antigo

chocavam-se a todo momento. Vivíamos em uma miscelânea cultural parte indígena,

parte africana, parte européia. Mantínhamos traços dos mais de 300 anos que servimos à

Metrópole portuguesa, de uma independência tardia e elitista, e ainda de um sistema

imperial em declínio. Porém, o crescimento da economia brasileira através da

exportação do café, possibilitaria mudanças significativas, trazendo imigrantes,

consolidando o capitalismo e incrementando a vida urbana.

Apesar de tantas diferenças, para a elite brasileira nada impediria de trazer a

modernidade para essas terras tropicais. Todo o avanço tecnológico, o discurso médico-

científico, a urbanização das cidades, e a instauração de novos hábitos e

comportamentos chegaram ao Brasil simbolizando os “novos tempos” nos moldes

europeus. Os responsáveis pela modernização brasileira concentraram suas atenções a

duas grandes questões, que, a seu ver, seriam importantes e definidoras para o sucesso

desta campanha: a família e a cidade. Um povo civilizado e limpo, habitando um país

civilizado e urbano.

Com a República emergente no final do século XIX, esta busca pela

modernidade aumentaria consideravelmente. As primeiras cidades a vivenciarem tais

transformações foram Recife e Rio de Janeiro, porém, São Paulo aos poucos as

alcançava. Num salto de crescimento, no período que abrange de 1870 até 1920, a

cidade de São Paulo, se transformaria no centro econômico e político do Brasil36.

Durante esse período, artistas, arquitetos, urbanistas, médicos, sanitaristas e intelectuais

trabalhavam para a modernização da cidade e de seus habitantes. E logo, era possível

notar a diferença da antiga São Paulo rural e pequena, limitada às ruas situadas entre os

rios Anhangabaú e Tamanduateí, para o grande centro urbano do Brasil, com ruas

movimentadas, fábricas, lojas, cafés, teatros, cinematógrafos, escolas, bondes, e

principalmente, energia elétrica. A urbanização da capital paulista podia ser

experimentada de várias formas, o que permitiu o surgimento de novas relações sociais

através dos novos espaços de convivência37.

36 Cruz, Heloisa de Faria. São Paulo em Papel e Tinta: periodismo e vida urbana 1890-1915. SP: Educ, 2000. P. 60. 37 Idem. P. 63.

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Vale dizer que a campanha de modernização não se dava para toda a sociedade

paulistana, pelo contrário, ela tinha um forte caráter elitista. Seriam apenas as classes

abastadas que realmente se beneficiariam com essas mudanças. Além de se

beneficiarem com tais mudanças na estrutura na cidade de São Paulo, seriam esses

grupos que deveriam também passar pelas maiores transformações.

A importância econômica dessa fração da classe

cafeicultora é medida principalmente pelo montante da

sua riqueza e mais, pela diversificação e complexidade

dos seus investimentos. Porém, seu ser social só ganha

realidade através de um conjunto de marcas e distinções

visíveis que indicam a sua posição específica no todo da

sociedade. 38

A multidão da cidade dificultava olhares minuciosos. Tornava-se difícil observar

os detalhes das próprias pessoas, dos ricos e dos pobres, na massa que circulava pelas

ruas movimentadas. E assim, a moda, os hábitos e o comportamento, que já eram

utilizados pela burguesia européia como forma de distinção social, seriam também

utilizados nos centros urbanos que se modernizavam no Brasil, principalmente em São

Paulo. Seria valorizada uma forma de conduta considerada moderna, que implicava num

conjunto de características, tais como a valorização da família, e a adoção de hábitos

saudáveis e higiênicos. É neste momento que especificamente na imprensa se constrói

uma nova imagem da mulher, capaz de acompanhar tais mudanças.

A imprensa periódica paulista, durante a virada do século XIX para o XX, seria

um importante meio de divulgar e discutir os novos hábitos da modernidade. A Revista

Feminina sendo um significante veículo de informações às mulheres da elite paulistana

neste período, tentaria ao longo de seus artigos, orientar e ensinar o que era ser uma

mulher em tempos de modernidade. As novas formas de sociabilidade, permitiam à

mulher perambular pelo espaço público, a ocupação da rua, dos locais de lazer e de

comércio – e, especificamente em relação às mulheres burguesas, dos espaços

38 Maluf, Marina. Ruídos da memória. SP: Siciliano, 1995. P. 182.

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dedicados à vida mundana – exige preparação, trabalho prévio a ser realizado sobre o

rosto e sobre o corpo. 39

Qual é o papel da mulher na sociedade moderna?

A meu ver, o papel desempenhado pela Mulher até aqui,

tem sido deficiente e ao mesmo tempo deprimente... Só no

Brasil a Mulher parece conservar-se inactiva... Mas é

preciso que ella se faça nympha e crie azas, que alargue

o seu horisonte rompendo obstáculos e entraves para

conquistar o lugar que lhe compete nas sociedades

modernas. E é por isso que saúdo [...] a Exma Sra. D.

Virgilina de Souza Salles, pela brilhante iniciativa,

fundando um jornal para senhoras que, embora isento de

caracter feminista, concorrerá para o preparo do espírito

da Mulher brasileira de hoje para que amanhan ella

reconquiste o lugar a que tem direito nas sociedades bem

organizadas. 40

Em 1915, em um dos exemplares inaugurais da Revista Feminina já percebemos

a presença da discussão sobre a função da mulher na sociedade moderna que se forja.

Percebemos que para a autora era fato que se viviam novos tempos, e que a mulher

deveria acompanhar tais mudanças. Para D. Bartyra, em comparação a outros países, o

Brasil estava atrasado em relação à condição feminina, e ainda, que a Revista Feminina

seria de extrema importância para revelar à mulher da elite brasileira, e principalmente

paulistana, qual deveria ser sua nova função dentro desta nova sociedade. Percebemos

um tom ao mesmo tempo romântico e de ousadia nas palavras da autora, ao dizer às

mulheres que elas deveriam soltar as amarras dos outros tempos, e se aventurarem ao

modernismo. Ressaltamos o uso da palavra “mulher” com a letra maiúscula neste artigo,

provavelmente para demonstrar sua grande importância social.

Quando a autora relata que a Revista Feminina não era “feminista”, lembramos

que este conceito para a época se traduzia na campanha pelo sufrágio feminino. Ao 39 Schupn, Mônica R. Beleza em Jogo: cultura física e comportamento em São Paulo nos anos 20. SP: Senac, 1999. P. 23. 40 “Qual é o papel da mulher na sociedade moderna?” de Sra. D. Bartyra Tybiriça, em Revista Feminina de abril de 1915.

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longo dos anos em que a Revista foi publicada, esta discussão acerca do feminismo irá

aparecer, porém, até o momento em que este artigo havia sido escrito, não notamos tal

presença.

O artigo atribuído a Sra. D. Bartyra Tybiriça discute com propriedade o assunto,

porém, vale lembrar que na época era comum o uso de pseudônimos, e até traduções de

textos de outros países, por isso não podemos afirmar com certeza quem seria realmente

o autor. Mas a questionável autoria do artigo, em nada afeta sua importância e

credibilidade. Afinal a grande importância deste seria sua mensagem, em esta chegar às

leitoras da Revista, e em fazê-las crer como uma verdade a ser seguida.

As nossas avós não tinham vontades, nem mesmo no seu

amor. Conheciam os noivos no dia do casamento [...] Por

uma imposição paterna entregavam a meiga candura da

virgindade á nupcia fria de uma conveniência, privada ou

social. A reacção da Eva moderna é, portanto, um

movimento de reinvidicação, que se vem formando na

alma, através dos séculos: suffragettes. 41

Neste artigo do Dr. Cláudio de Souza, percebemos a quem o discurso da

modernidade, contido na Revista se opõe. A Revista Feminina como porta-voz das

mulheres modernas, se coloca contra a posição das mulheres na sociedade patriarcal das

famílias paulistas do século XIX. Enclausuradas nas alcovas familiares, sua única

função era cuidar dos filhos, da casa e do marido. O casamento era realizado por

conveniência, qualquer tipo de educação ou instrução lhe era negado.

Por isso nesta comparação, o Dr. Cláudio de Souza demonstra claramente que a

posição das mulheres na sociedade estaria agora, em 1917, melhorando e evoluindo.

Agora as mulheres poderiam ser mais participativas e manifestar suas vontades, ou pelo

menos sua participação já era discutida pelos membros da sociedade.

O autor aponta as suffragettes como o reflexo desta “nova mulher” mais ativa

socialmente, porém, lembramos que o voto feminino só seria uma realidade em 1934

pela Constituição Varguista. Ressaltamos o uso da palavra “Eva” para se referir à

mulher, demonstrando que, apesar da busca em romper com a posição social feminina

41 “Da Eva antiga à Eva moderna” de Dr. Cláudio de Souza em Revista Feminina de dezembro de 1917.

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de tempos anteriores, a instauração dos “novos tempos” não rompia com a forte

presença religiosa no país. Pelo contrário, o discurso da modernidade se alia às regras

de uma moral católica42.

Mas este não é o único momento em que a Revista traria um artigo mostrando os

avanços da participação feminina, e de sua posição na sociedade.

As moças de hoje, é innegavel, em nada se parecem com

as de vinte annos atraz [...] A sua preoccupação máxima,

entre outras, era então, ter uma cinturinha a força de

espartilho, a comprimir pulmões e vísceras. Não

andavam; tinham o passinho miúdo; não comiam,

lambiscavam. O chic era ser pálidas e delgadas... Que

mudança se operou d’alli por diante! Quem em tal

acreditaria?Com effeito, as jovens de hoje são mais

praticas, mais enérgicas, cheia de vida na liberdade de

movimentos que adquiriram com os habitos de uma nova

era desportiva, toda de gymnastica, que aboliu as

torturas do espartilho, pela adopção de uma educação

physica moderna. 43

Neste artigo anônimo, a Revista novamente levanta a questão de que as mulheres

naquele tempo adquiriram novos hábitos, porém, traz as diferenças entre as mulheres de

antigamente, e dos novos tempos. Matronas corpulentas e mocinhas frágeis deveriam

ceder lugar a uma mulher enérgica, vigorosa, delgada, ágil, de aparência jovem e

saudável44. A mulher moderna, no início do século XX, deveria ser prática, ágil,

saudável, com corpos mais livres e trabalhados. Assim como a estrutura da cidade de

São Paulo se transformava com o advento da urbanização, os corpos femininos

deveriam também, passar por tais transformações através da moda e da aparência. A

transformação na estética da cidade, devia refletir na estética dos corpos através do

42 Sant’Anna, Denise B. “Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil” in: Políticas do Corpo. SP: Estação Liberdade, 1995. P. 124. 43 “Mulher e a Gymnastica” autor anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1919. 44 Bonadio, Maria Claudia. Moda e sociabilidade. Mulheres e consumo na São Paulo dos anos 20. SP: Senac, 2007. P. 139.

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trabalho corporal com o movimento, a adoção de roupas mais leves, e de hábitos mais

saudáveis.

As comparações entre as mulheres de décadas anteriores, e as modernas

mulheres exaltadas pela Revista Feminina, parecem diminuir ao longo da década de 20.

Mantendo apenas as formas de como cuidar da mente e do corpo, para se adquirir tal

“personalidade”. Talvez, sendo nos anos 10 uma grande novidade este tipo de mulher,

havia a necessidade em explicar às leitoras o que estava havendo com sua sociedade, e

ainda o que esta esperava delas. Percebemos ao longo da década de 20 a presença

apenas das “receitas” para se adquirir este visual moderno, porém nenhuma justificativa

para tal. Provavelmente, já estaria claro às mulheres, do que se tratava a tão almejada

modernidade.

Em 1935, o artigo intitulado “Nova Mulher Brasileira”, aponta os resultados

desta modernização da posição da mulher na sociedade paulistana e talvez, brasileira.

A classe feminina está se transformando de tal forma que

o mundo inteiro observa assustado o alarmante estado de

cousas. Alguns ha que declaram já tempo passado para a

mulher moderna lembrar-se de sua verdadeira missão e

altos deveres, os quaes, dizem, são incompatíveis com os

muitos abusos e excessos da vida actual. Acham que a

mulher está se dedicando a prazeres frívolos em

desaccôrdo com as leis da moral e da família. Outros ha

que explicam o caso dizendo que as mulheres ávida de

diversões constituem uma grave ameaça á sociedade

moderna [...] Não puderam resolver como moderar o

modernismo. 45

Neste artigo da década de 30, percebemos que a modernidade tão exaltada

trouxe problemas para a sociedade. A autora apresenta com clareza que a modernidade e

a liberdade que esta trazia, devia ser simplesmente para beneficiar as mulheres a exercer

suas funções e deveres sociais. Porém, essa liberdade trouxe também uma série de

possibilidades a elas, como por exemplo, a desta transitar pelas ruas desacompanhadas.

45 “Nova Mulher Brasileira” de Elisabeth Bastos, em Revista Feminina de abril de 1935.

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Aos poucos, ocupando lugares que antes eram exclusivamente masculinos, as

mulheres passariam a ser vistas em festas, com roupas exageradas, maquiagens

mundanas, até alguns vícios. Logo, para uma sociedade que visava a modernização

através da civilização dos corpos e da moral, isto seria inaceitável. As “mães da Nação”

deveriam usufruir de suas novas liberdades, apenas para beneficiar a pátria, e não

prazeres fúteis. Porém, como a própria autora relata, seria impossível, naquele

momento, moderar o modernismo. Alguns princípios da modernidade já eram uma

realidade.

Ao final deste editorial, a autora lembra que ainda existem avanços

consideráveis para as mulheres na sociedade moderna, como sua participação no

mercado de trabalho e até em escolas superiores. E que muitas, utilizavam sabiamente

os avanços em sua posição social para beneficiar seus deveres sagrados enquanto

mãe/esposa/dona de casa.

Entre os anos de 1915 a 1923, aparecem na Revista Feminina, dezenas de artigos

que valorizam as funções de mãe/esposa/dona de casa. Como se buscassem responder

de forma didática às perguntas formuladas pelas próprias leitoras, sobre como continuar

a exercer tais funções, dentro de uma sociedade que se reestruturou.

As moças devem aprender a conhecer sua importancia

neste mundo. A obra da mulher; o seu valor para a

família, para a comunidade, para a nação e para a raça

[...] E´ bom que as moças pensem no casamento e na

maternidade, se o fizerem de maneira sensata. 46

Neste artigo de 1916 destinado às jovens leitoras da Revista Feminina notamos

seu caráter didático, “ensinando” às moças sua importância para a sociedade. O

casamento e a maternidade deveriam continuar sendo sua meta, e que assim, ela estaria

contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da nação brasileira. Na sociedade

do início do século XX, exercer sabiamente sua função como mãe e esposa era uma

responsabilidade em benefício não só para a família, mas para toda sociedade brasileira.

A mulher como “rainha do lar”, figura como o agente catalisador da família, ou seja, a

mulher concentra os filhos e o marido no núcleo familiar. Sendo a família de extrema

46 “O que as moças solteiras devem saber” de D., em Revista Feminina de abril de 1916.

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importância para o bom desenvolvimento da sociedade nos moldes modernos do início

do século XX, a mulher como mãe/esposa, tem um importante papel. Por isso deve

saber quais são suas tarefas e seus deveres, para a boa execução de seu papel enquanto

mulher, e assim, o bom andamento de toda a família. Permitindo através de suas

funções, que o homem e até as crianças, bem executassem a sua. Deveriam ser, ao

mesmo tempo, símbolos de modernidade e baluartes da estabilidade contra os efeitos

desestabilizadores do desenvolvimento industrial capitalista, protegendo a família das

influências “corruptoras” 47.

Em muitos artigos a Revista Feminina concede conselhos às mulheres casadas,

para essas exercerem com completude sua função de esposa. A primeira coisa que é

ressaltada é a necessidade da esposa “estudar” o marido, entender seus hábitos, saber o

que lhe agrada e o que lhe desagrada. E ainda afirma com convicção que se algo der

errado no casamento, ou até se o marido não fizer sua parte, a culpa é da mulher/esposa

por não ter exercido bem sua função.

Na maior parte do tempo de casado, e principalmente por

culpa da mulher, o marido, mesmo conservando a sua

afeição e o respeito aos deveres de esposo, desleixa-se e

esquece o desejo de agradar. A vida de dois esposos é um

compromisso entre pessoas que não são perfeitas... E eis

porque a esposa deve estudar o marido. 48

Através do estudo dos gostos do marido, a mulher pode manter o lar da forma

que lhe agrada, manter a felicidade no casamento, e ainda contribuir para o bom

andamento da sociedade. Essa idéia difundida na Revista demonstra que a função de

esposa é principalmente agradar, para fazer seu lar atraente para o marido. Apesar da

Revista não mencionar em nenhum momento a vida “fora de casa” dos maridos,

sabemos que durante o período49, além da família saudável que médicos e autoridades

queriam valorizar, existia um mundo de jogos, prostituição, vícios e até a disseminação

de doenças sexualmente transmissíveis. Os freqüentadores deste submundo eram 47 Apud, Besse, Susan. Modernizando a desigualdade. Reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-1940. In: Bonadio, op. cit. P. 131. 48 “A esposa deve conhecer bem o marido”, anônimo, em Revista Feminina de maio de 1917. 49 Sobre o submundo das primeiras décadas do século XX paulistanas, Os Prazeres da Noite da historiadora Margareth Rago faz um grande estudo sobre os códigos da prostituição feminina entre 1890 e 1930, e a presença dos “maridos” da elite brasileira.

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membros da elite brasileira, o que ameaçava todo o desenvolvimento da família nuclear

e saudável. Sendo de grande preocupação a constituição de uma elite modernizada,

civilizada e saudável, a participação das mulheres transformando o lar em um lugar

atraente para manter os maridos fora de casa no momento de trabalho, e principalmente

fazê-lo voltar para casa no fim do dia para exercer sua função de pai/provedor, e assim,

o bom andamento da sociedade.

A esposa deve cuidar para que todos os objectos estejam

em seus logares para que o marido encontre á mão tudo

que necessita para seus arranjos. Não quer isto dizer,

que damos ao marido o privilégio de gosar todos os

carinhos e solicitudes da esposa, sem que deixe retribuir-

lhe da mesma forma... Trabalhando a esposa pela

felicidade do marido, trabalha pela sua própria

felicidade. 50

A vontade da mulher é subestimada a todo o momento para o bom andamento do

casamento e da família. Seus desejos pessoais devem estar abaixo do marido, do filho e

da sociedade em geral. E a Revista Feminina afirma que é assim que deve ser, e que os

desejos da mulher são na verdade os do homem, os dos filhos e os da sociedade. Em

nenhum momento as vontades individuais da mulher são estimuladas. Neste artigo é

afirmado que a partir do momento em que a mulher exerce com sucesso e sabedoria sua

função, não haveria o porquê do homem também não exercer a sua enquanto

pai/provedor. Ou seja, ambos possuíam funções e resposanbilidades dentro da sociedade

moderna, e esta só teria êxito se os dois a cumprissem. A felicidade da família e da

nação, dependia da boa execução das funções do homem e da mulher nesta sociedade.

O artigo “A sciencia da dor” de 1916 chama atenção quando fala sobre a

necessidade do sofrimento.

O soffrimento é um facto universal e indiscutível [...]

Ninguém escapa ao soffrimento. Apertae qualquer

coração; não é preciso expremel-o muito para que delle

50 “Como a esposa consegue dar felicidade ao marido”, anônimo, em Revista Feminina de outubro de 1917.

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jorrem lagrimas [...] E a dor é útil: ella nos melhora,

torna-nos mais reflectidos e menos egoístas. A dor

purifica e nobilita a alma, approxima-os de Deus e as faz

dignas do céu. Devemos recebel-a com resignação e

porque não dizer? Com alegria. 51

Provavelmente a mulher do início do século XX devia se sentir acuada entre as

vontades e os desejos da sociedade, do marido e dos filhos. A preocupação com o bem-

estar de todos seria um pesado fardo, porém, necessário para o bom funcionamento

desta sociedade. A responsabilidade da mulher como mãe, esposa e dona de casa, além

das preocupações com seu corpo, da moda, das roupas, do consumo, do comportamento

controlado, e ainda, da incessante busca pela beleza, poderiam causar um grande

conflito. Este conflito podia ser o causador de um sentimento próximo à dor, ao

sofrimento, e à angústia. Novamente vemos valorizados pela Revista os valores da

religiosidade cristã, que entendem o sofrimento como algo bom e purificador.

Assim vem o casamento e a lua de mel [...] mas o amor

sentimental como todas as exaltações dos sentimentos

humanos, não é duradoiro [...] É este momento critico de

as recém casadas caírem nos braços de suas mães,

dizendo entre soluços: Meu marido é um monstro!

Geralmente aquele monstro é um bello e excelente rapaz

que praticou o tremendo crime de não continuar

ajoelhado, em adoração eterna, diante de sua esposa, e

que ousou mesmo contradizel-a, sim contradizel-a no fim

de dois mezes de casado, na importante questão da côr

d’um vestido, da forma dum penteado ou cousa parecida.

É nesse momento, quando o amor começa a enfraquecer

depois das ilusões perdidas, se a amizade não desenvolve,

por ser prejudicada pelas divergências de caracteres

contrários, a culpa na maior parte é das esposas... 52

51 “A sciencia da dor” de Abbé Poulin, em Revista Feminina de fevereiro de 1916. 52 “Como a esposa consegue attrahir o amor do marido” em Revista Feminina de dezembro de 1917.

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Os artigos que ensinam e orientam as mulheres a serem boas esposas, muitas

vezes, comentam sobre a realidade do casamento, e sobre este ser um relacionamento

entre duas pessoas reais e imperfeitas. Por serem as mulheres desde a infância

preparadas para o casamento, provavelmente em muitos momentos se falou de forma

idealizada sobre este. E quando de fato o casamento ocorre e começam a apontar os

primeiros sinais de conflito, as mulheres se desestimulem de exercer sua função com

vigor. Provavelmente é por isso que a Revista Feminina afirma em muitos momentos

que casamentos têm problemas, mas que estes podem ser resolvidos. E novamente é

atribuída à mulher a culpa, se algo der errado. A mulher é para a Revista a mantenedora

do lar, da ordem, e da harmonia conjugal, esta é a função da mulher/esposa: agradar o

marido para estimular ele mesmo de sua função como pai/provedor, e constituir um lar

saudável nos moldes da sociedade moderna e higiênica.

Lembrando que o discurso médico era uma autoridade importante na

constituição desta sociedade, é através dele que se destinaria à mulher esta função como

núcleo da família moderna. Não apenas para o marido, mas também para os filhos.

Tal configuração assegurou ao discurso dos médicos o

direito de apontar a mulher como verdadeira responsável

pela saúde da família. Ela deveria compreender que o seu

papel na sociedade era o de ser mãe, uma vez que a ela

iria caber a nova responsabilidade de, no espaço privado,

preparar o cidadão para o domínio público. 53

Inúmeros artigos da Revista Feminina orientam as mulheres sobre formas

corretas de cuidar de seus filhos, através de noções de puericultura, até formas corretas

de vesti-los. A mulher como mãe, tem a grande missão de educar o “futuro da nação”,

devendo estar apta a cuidar de sua saúde e higiene, e ainda passar os valores

considerados corretos, para que a criança, futuro pai ou mãe de família, exerça também

sua função com êxito. Notamos curiosamente, que os assuntos ligados aos filhos sempre

são tratados desde os primeiros anos de vida, até aproximadamente os 10 ou 12 anos.

Não foi encontrada nenhuma referência ao período de gestação, ou à adolescência na

Revista.

53 Maluf, Marina e Romero, Mariza. “A sublime virtude de ser mãe” in: Revista Projeto História N°25. SP: Educ, 2002. P. 227.

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A mulher por sua grande importância para a constituição da sociedade moderna,

devia estar ciente de quais eram suas funções. Apesar da preocupação da própria Revista

Feminina em educar as mulheres, estas deveriam ser educadas na “medida certa”. Ou

seja, a educação feminina era apenas voltada para que estas exercessem seus deveres da

maneira considerada correta.

Quando uma moça attingiu os seus lindos 20 annos,

quando já recebeu a sua instrucção completa, quando sob

muitos pontos de vista, pode julgar cuidadosa e rigorosa a

sua educação, quando concluiu brilhantemente os seus

exames, quando emnfim, se acha apta para a vida, isto é,

para o casamento [...] A ignorância não é senão uma

virtude recommendavel ás moças. Uma senhora deve ter

alguns conhecimentos geraes e mesmo algumas noções

sólidas sobre certas sciencias, mas isso não é razão para

que ella aproveite essas luzes para brilhar em sociedades,

senão para se interessar pela conversação dos homens

intellectuales. Emtanto, se ella, uma vez ou outra, houver,

obrigada pelas circumstancias, de expender uma opinião,

deve fazel-o com modéstia, de uma maneira incerta, como

se interrogasse, e nunca com afectação [...] As mulheres

letradas são, por via de regra, insupportaveis. 54

Este trecho faz referência à forma do pensamento feminino, notamos ser dirigido

às jovens de aproximadamente 20 anos, época em que se concluíam os “estudos”, e

estavam preparadas para o grande acontecimento de sua vida, o casamento. Neste

momento a Revista afirma a importância de certo nível de ignorância às mulheres.

Provavelmente isto seria importante para o bom andamento da sociedade, afinal os

pensamentos mais elaborados, faziam parte da função masculina. Por isso a necessidade

de certos conhecimentos às mulheres, mas apenas os necessários para exercer sua

função social. A Revista também aconselha que mesmo se a mulher tivesse

conhecimento sobre algo, deveria “humildemente” manter o silêncio, e deixar tais

54 “Um punhado de conselhos às nossas jovens patrícias”, anônimo, em Revista Feminina de fevereiro de 1919.

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assuntos para os homens. Isso significa que na sociedade das primeiras décadas do

século XX a intelectualidade fazia parte da função masculina e não feminina. Para o

bom andamento da sociedade brasileira, a mulher devia manter-se afastada da

intelectualidade e da busca por conhecimentos mais profundos. Ou pelo menos forjar

certo nível de ignorância perante os homens e a sociedade.

Pensando nisso, a Revista Feminina mantinha uma série de artigos culturais

sobre diversos povos do mundo, entre os seus artigos sobre formas de conduta feminina.

E afirma que são esses os assuntos considerados úteis para a mulher da elite brasileira.

A nossa revista em absoluto, não aborda assumptos

políticos, que não consideramos matéria da qual resume

vantagem para a educação moral do paiz e muito menos

para a mulher brasileira. 55

Como responde a Revista à uma leitora, política era um assunto considerado

impróprio à mulher, ou ainda, não necessário para ela. Para o bom cumprimento de suas

funções enquanto mãe/esposa/dona de casa, e para o tratamento de seu corpo através da

moda e da beleza, a mulher deveria saber com profundidade esses assuntos. Por esse

motivo a Revista Feminina aborda insistentemente tais temas, orientando e educando as

mulheres naquilo que deveria ser sua maior preocupação.

55 “Correspondencia”, resposta a Exma. Sra. D. S. R. S. em Revista Feminina de março de 1917.

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2 – O Espetáculo da moda feminina

Como sinal da modernidade, e como forma de distinção social, a moda feminina

se desenvolve e se transforma, consideravelmente durante o período de 1915 até 1936.

A Revista Feminina como divulgadora das novas tendências, instruiria as mulheres da

elite brasileira em como se vestir nos “novos tempos”.

A quem convenceremos que a estética feminina não é um

dos sintomas mais marcantes da evolução da

civilização?56

Os artigos referentes às roupas na Revista Feminina são chamados de A Moda.

Esses compõem uma das únicas seções que se mantém durante toda a existência da

revista. Do início da Revista em 1915 até 1926 esta seção foi assinada por Marinette, e

possuía uma forma mais próxima a uma crônica da vida paulistana com toques das

últimas coleções de moda da Europa. Uma das coisas que mais chama a atenção sobre

esses artigos é sua própria colunista. Até hoje, após muitas pesquisas sobre a própria

revista, nenhuma afirmou com certeza quem seria Marinette. Sabemos que este era um

pseudônimo, porém não sabemos seu verdadeiro autor(a). Algumas pesquisas afirmam

ser este um pseudônimo para D. Marina, filha da idealizadora da revista D. Virgilina,

outras afirmam ser seu irmão Dr. Cláudio de Souza, ou até seu marido D. João Salles.

Porém, são essas apenas especulações sobre o verdadeiro autor(a) da coluna de moda.

Marinette iniciava as crônicas refletindo sobre algum

tema atual às vezes até politizado [...] Outras vezes,

mostrava-se preocupada apenas com os rigores do estilo

ou com a fraqueza do inverno. Sempre afoita por

novidades, Marinette punha-se a lamentar a ausência de

novidades de um mês a outro ou, de modo inverso, a

festejar algo novo. 57

56 Vigarello, Georges. História da Beleza: o corpo e a arte de se embelezar, do Renascimento aos dias de hoje. RJ: Ediouro, 2007. P. 144. 57 Bonadio, Maria Claudia. Moda e sociabilidade. Mulheres e consumo na São Paulo dos anos 20. SP: Senac, 2007. P. 167.

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Depois de 1926, os artigos de moda mudam totalmente sua forma original.

Passam a ser mais ilustrativos do que de fato uma coluna de revista, apenas com

imagens de mulheres vestindo elegantes toilettes e vestidos, com legendas simples sobre

tecidos e acessórios usados na peça, e ainda uma referência de qual seria o momento

ideal para ser usado. Alguns continuam a chamar A Moda, porém muitas vezes nem

possuem assinaturas de quem os escreveu. Durante o ano de 1926, a coluna recebeu a

assinatura de Maria de Eça intitulada cronista portuguesa, em outros casos os modelos

femininos de moda, aparecem aleatórios no meio da Revista. Além da importante coluna

A Moda, os conselhos sobre roupas aparecem em artigos específicos como, por

exemplo: Pequenas coisas de moda – cinturões de março de 1917, Calças e corpinhos –

vestes de phantasia e alta novidade de dezembro de 1918, A arte de aproveitar vestidos

usados de março de 1923. Desta forma, percebemos que a Revista possui um número

muito grande de artigos referentes à moda, o que demonstra sua grande preocupação em

passar estas informações às leitoras. A moda é mais um tema considerado importante

para o universo feminino nas primeiras décadas do século XX. Estar bem vestida, e “na

moda”, é mais um assunto que devia fazer parte da mulher moderna.

Ao analisar a Revista Feminina ao que se refere à moda, percebemos a presença

de três momentos distintos, que podem ser entendidos através do contexto sócio-

econômico: o primeiro, de 1915 até aproximadamente 1919 refletindo o momento da

Primeira Guerra Mundial; o segundo, de 1920 até mais ou menos 1928, com a chegada

da moda la garçonne e o início da crise econômica da elite brasileira, que refletia o

próprio período de Recessão; e o terceiro entre 1929 até o término da Revista em 1936,

retratando a ascensão da classe média, e o reflexo da Revolução de 1930 na moda das

brasileiras. Analisaremos cada um seguindo sua evolução na Revista Feminina.

As modas e as guerras não dão bons casamentos...

Qualquer conflito preside a uma mudança de costumes. 58

A vida cotidiana das pessoas durante a Primeira Guerra Mundial sofreu grandes

mudanças. Principalmente as mulheres, devido o fato de ser obrigadas a trabalhar fora

de casa, por causa da presença dos homens na guerra. A guerra também foi responsável

58 Baudot, François. Moda do século. SP: Cosac & Naify, 2002. P. 60.

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por grandes modificações na criação de moda, nos tecidos para as roupas e nos

métodos de produção de vestuário59.

Neste momento, o Brasil longe dos campos de batalha, vivia ainda nos moldes

das oligarquias. Porém, as mudanças de comportamento que eram baseadas nos grandes

centros de vanguarda de moda, como Paris, sofriam com a guerra iminente, logo, as

mudanças na estrutura da sociedade européia, chegava à elite brasileira.

Isso não se usa em Pariz, aquillo não se faz na Europa,

não é assim que se diz na Inglaterra! – e basta, como

tudo! Nós não somos contados para nada. Ora o Brazil!60

Em inúmeros artigos sobre moda percebemos referências aos centros europeus, e

até a Nova York. O que demonstra a falta de estilistas de moda essencialmente

brasileiros, e por isso as tendências são buscadas fora. Apesar da grande diferença entre

o Brasil e os grandes centros exportadores das tendências de moda, principalmente

quanto ao clima e à realidade sócio-econômica, poucas adaptações são feitas. A

inversão das estações do ano entre o Brasil e a Europa, é apontada pela Revista

Feminina como o motivo de nosso país estar sempre uma coleção de moda atrasada.

As roupas femininas durante o período inicial da Primeira Guerra Mundial

demonstradas na Revista Feminina são carregadas pela simplicidade. Saias rodadas, na

altura do tornozelo, mostrando uma bota de camurça com bico. A cintura bem marcada

com uma fita ou cinto, uma blusa normalmente com gola e mangas longas ou meia-

manga, e um belo chapéu adornando a cabeça. Os vestidos de festa são levemente

decotados e bem bordados. As cores ficam em torno dos tons pastéis, mas já

percebemos o início do uso da cor preta para a noite, sem estar associada ao luto. Os

tecidos variam de tulles, cetins, tafetás e rendas. A partir de 1918, as botas comumente

usadas em 1915 e 1916 são substituídas algumas vezes por sapatos de salto-alto com

bico fino, e as saias deixam de ser tão rodadas. Essa mudança nos calçados talvez possa

ser entendida graças a maior urbanização de algumas cidades, principalmente São

Paulo, o que facilita a locomoção em vias asfaltadas, e não mais no meio da terra batida.

O volume das saias diminui provavelmente pela falta de tecidos ocasionado pelo final

da guerra. A propósito, através do consumo de moda refletido pela Revista Feminina,

59 Mendes, Valerie e Haye, Amy de la. A moda do século XX. SP: Martins Fontes, 2003. P. 41. 60 “A Moda” por Marinette, em Revista Feminina de dezembro de 1915.

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percebemos que foi apenas no final da Primeira Guerra, em meados de 1918, que este

sofreu um período de recessão. Ao analisar as colunas de moda, seria só neste período

que a colunista Marinette começaria apontar a falta ou até os preços elevados de alguns

tecidos, e até a falta de novidades no mercado de moda. Como mostra este trecho

retirado da coluna Moda de 1918.

A indumentaria de inverno é sempre cara, em qualquer

epoca, e principalmente nesta época onde até o superfluo

se vende por preços assustadores. 61

Uma característica bem marcante da moda entre os anos 1915 e 1919, é a

presença de indicações, para onde deveria ser usadas determinadas roupas. É muito

comum a cronista Marinette, além de indicar os modelos, indicar qual a ocasião mais

propícia para se usar as roupas. Como apontado anteriormente, é muita clara a posição

da Revista Feminina como orientadora das mulheres da elite brasileira, em tempos que

se buscavam formas de distinção social, e de desenvolvimento do processo civilizador

neste país. Desta forma, a função de Marinette não era apenas mostrar as roupas

femininas que incrementariam tal posição de destaque social, mas também “ensinar”

essas mulheres como e onde usar tais vestimentas. Por isso vemos com freqüência a

cronista apontar que tal traje era excelente para o footing na Avenida Paulista, ou que

outro era ótimo para festas, chás da tarde e teatros.

A presença das mulheres no espaço público paulista, se acentua gradativamente

durante o início do século XX. A modernização das funções sociais femininas permitia

que a mulher circulasse mais pelos centros urbanos. Esta maior visibilidade da mulher

permitiu a saída gradativa de seu confinamento dentro de casa, como era comum no

século XIX. Podemos dizer que a “autorização” da mulher ao espaço público criou

novas formas de socialização. Às mulheres da elite, que não trabalhavam fora como as

operárias, foi permitida maior circulação pelos restaurantes, lojas, e festas. Desta nova

circulação pela cidade vai surgir o hábito do shopping, ou seja, o hábito de sair para

passear pelo comércio62. Essa combinação de fatores levou ao surgimento de diversas

lojas de departamento nas grandes cidades, em especial a Mappin Store desde 1913 em

São Paulo. O hábito de percorrer o comércio possibilitaria que as paulistanas

61 “A Moda” por Marinette, em Revista Feminina de setembro de 1918. 62 Bonadio, op. Cit. P. 50.

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consumissem os mais diversificados tipos de produtos. A relação entre as consumidoras

e as mercadorias se estreita.

As novas liberdades vividas pelas mulheres da elite paulista com o advento de

uma urbanização crescente, modificam a forma de se apresentar à sociedade. A moda

neste período, manifesta este momento. Esta elevação na condição das mulheres

provavelmente influenciou o pós-guerra, e com isto o surgimento do movimento das

sufragistas em todo o mundo. Afinal, o que parecia improvável como a presença das

mulheres no espaço público, muitas vezes sem a companhia masculina, podia levar a

um pensamento além: o direito de voto às mulheres. Podemos perceber esta transição de

pensamentos através da moda entre 1918, 1919 e 1920.

A guerra tem masculinisado notavelmente a mulher. Esta

entrou em competição com o homem numa porção de

atividades que, antes, eram privativas do sexo forte. A

conseqüência disso veiu influir, como era de ver, na

moda...

Dizem-nos que nos Estados Unidos isto é uma coisa

decidida: que as operarias, que os milhões de mulheres

que a guerra tem lançado nas fabricas e que participaram

valentemente da defeza nacional deram já o primeiro

passo e usam calças.... até as damas da boa sociedade, as

elegantes e requintadas, começam a imital-as.

E, sabiamente, deduz que a mulher de calças não importa

em uma mutação violenta, uma ruptura súbita de

tradição; representa uma simples evolução, não faz mais

do que seguir uma linha já indicada, desde não poucos

annos.

...Porque a calça da mulher é um symbolo. Significa a

materialização da igualdade civil e jurídica da mulher e

do homem, quer dizer, do feminismo... 63

63 “O traje masculino e as mulheres”, anônimo, em Revista Feminina de outubro de 1918.

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Este artigo da Revista Feminina datado do período final da Primeira Guerra,

mostra-nos a interferência da guerra na moda, e na condição das mulheres.

Demonstrando a presença das mulheres no trabalho nas fábricas, e do início da busca

pelo direito ao voto, denominado na época como feminismo. Interessante o próprio

artigo relacionar estas novas condições femininas com a moda do uso de calças pelas

mulheres. A calça, como uma peça que durante séculos foi exclusivamente masculina,

estava agora sendo usada por operárias e até por damas da boa sociedade. O autor deste

intrigante artigo se mantém anônimo, porém, por fazer inúmeras referências a outros

países, e até fatos históricos da Europa, arriscamos a dizer que se tratava de uma

tradução de um texto. Em nenhum momento o autor faz referência ao Brasil, portanto

talvez essa realidade apresentada pelo autor não seja a vivida pelas brasileiras. Afinal, o

uso de calças não aparece nas imagens veiculadas na Revista Feminina. Entretanto, não

podemos deixar de notar que de fato a condição das mulheres passava por uma grande

transformação, e que até seu direito ao voto já era discutido pela Revista naquele

momento. Ressaltamos o tom “assustado” do autor, com todas as mudanças que a

mulher passava na sociedade. E ainda em como ele relaciona a moda das calças com

esse avanço na condição feminina.

As transformações trazidas com a Grande Guerra, somatizadas com toda a

campanha civilizadora, mudariam a forma das mulheres se mostrarem à sociedade, e

interagirem com a mesma. A moda acompanhava esses “novos tempos”. Era inaugurada

no início dos anos 20 a moda la garçonne.

O visual ‘garçonne’ ou ‘jeune fille’ desenvolveu-se

durante os anos imediatamente após a guerra e chegou ao

seu auge em 1926, continuando, com poucas

modificações, até 1929. Era um estilo jovial, meio

moleque, que, por exigir uma figura pré-adolescente,

trouxe uma mudança drástica no físico desejável para a

moda e inundou as páginas de moda com adjetivos como

‘esbelta’, ‘esguia’ e ‘delgada’. 64

64 Mendes, Valerie e Haye, Amy de la. A moda do século XX. SP: Martins Fontes, 2003. P. 53.

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A moda garçonne65 aconteceu especificamente durante a década de 20 do século

XX, no período pós-Primeira Guerra Mundial. Este estilo começou a ser difundido na

França, e pela influência que o país tinha no mercado de moda naquele momento,

passou a ser usado em muitos lugares, como o Brasil. Esta moda não se resume a apenas

um tipo de roupa, mas a um novo comportamento feminino, e a uma nova forma de

lidar com o corpo. Corpos magros, quase andróginos, cabelos cortados na altura da

orelha, vestidos coloridos, largos, de cortes retos, curtos, a cintura marcada na região do

quadril, e cosméticos usados com uma freqüência até então rara, essas são algumas

características da moda garçonne no Brasil e na maior parte das grandes cidades. Esta

audaciosa moda devia acompanhar toda a liberdade social, econômica e política da

mulher, porém, sabemos que isto era ainda uma realidade não alcançada entre

brasileiras, e na maioria dos países. Sem dúvida, a moda garçonne era mais avançada,

do que a condição feminina que deveria refletir. Segundo Georges Vigarello em

História da Beleza, a mulher garçonne passaria por uma espécie de “ilusão” de ter

conquistado seus direitos. Através do uso de roupas mais soltas, e mais leves, em

detrimento do antigo e sufocante espartilho, a mulher se sentia mais “livre”. Uma

liberdade aparente.

A Revista Feminina adotou o visual garçonne em seus modelos. Ao longo da

década de 20, podemos encontrar várias manifestações desta moda em seus exemplares.

Digam o que disserem a respeito das saias curtas [...]

apezar dos meus annos e de attitude imposta pela minha

edade, continuo a preferil-as. Acho que as meninas devem

usal-as muito curtas, as moças, menos curtas, nunca

acima do tornozelo, e as senhoras pouco acima do pé.

Essas saias são cômodas e hygienicas. A sua comodidade

eu ponho á prova todos os dias, quando vou a cidade a

compras e ando com meus movimentos desembaraçados,

sem ser forçada, como antes, a occupar uma das mãos em

mantel-as sofraldadas por sua causa do pó. Quanto á sua

hygiene, isso é o que ninguém põe em duvida. E´ verdade

65 Segundo Valerie Mendes e Amy de la Haye em A Moda do Século XX, o termo garçonne originou-se de uma novela de Victor Margueritte publicado em 1922 chamada La garçonne, que contava a história de uma jovem que deixa a casa da família em busca de uma vida independente.

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que a saia curta é excesivamente democrática e, sob

certos aspectos, um pouco villã... Mas a civilisação

moderna, baseada no trabalho, na hygiene, nos exercícios

desportivos, precisa impor sua moda. Os que reclamam

contra as saias curtas, são retrógrados. 66

A leitora ao descrever a importância das saias mais curtas deixa transparecer esta

nova função feminina: ao narrar a facilidade de usar saia um pouco acima dos pés para

ir às compras na cidade, o que fica evidente é a possibilidade de ter as mãos livres ao

invés de usá-las para não deixar a barra da saia tocar no chão. Liberdade que pode ter

passado despercebida no momento, mas que, no entanto, contribuiu para densificar a

história da liberação do corpo feminino. Na referida carta, a moradora de São Paulo

refere-se a como as mulheres no pós-guerra ganham maior independência, podendo até

circular pela cidade desacompanhadas. Nota-se que as mulheres não estão apenas saindo

de casa, mas indo às compras, relembrando a importância da mulher da elite paulistana

como um grupo de consumidoras (citado anteriormente através do shopping).

Neste trecho, também observamos o uso de uma explicação através da higiene,

da evolução da sociedade e da civilização para a nova moda. Lembramos que no

período em que a Revista Feminina era publicada o uso de pseudônimos era muito

comum, e através dessa associação entre moda e higiene, arriscamos dizer que esta não

se tratava de uma “leitora”, mas muito provavelmente de um médico, ou talvez do

próprio irmão da fundadora da revista, o Dr. Cláudio de Souza. O discurso médico-

higienista, muito presente no momento, trazia explicações associando a moda garçonne

à higiene e aos esportes.

O uso de cabelos curtos demonstra a nova mulher dos anos 20, afinal durante

séculos os cabelos compridos foram um sinal da feminilidade. Agora, a nova função

feminina refletida na moda incentivaria as mulheres a cortarem suas madeixas em sinal

dos novos tempos. O corte curto do cabelo seria um sinal da nova mulher, mais prática,

ágil e higiênica.

Além dos cabelos curtos, o uso de saias com bainhas curtas também seria uma

grande novidade. De forma geral, o visual garçonne era prático e econômico, e poderia

66 “Jardim Fechado”, leitora M. L. de São Paulo, em Revista Feminina de março de 1918.

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ser facilmente feitos em casa. O que já poderia ser uma realidade entre as brasileiras,

afinal as máquinas de costura já haviam sido introduzidas por volta de 186067.

Através da garçonne ser uma representação na moda dos novos tempos, e da

nova função feminina na sociedade. A nova mulher seria mais livre que a de tempos

anteriores, porém a própria palavra liberdade deve ser interpretada com cuidado. Afinal

muitas ainda seriam as amarras sociais das mulheres, ou seja, ainda eram numerosas as

restrições sofridas.

Além das características citadas anteriormente, a moda la garçonne inaugurada

nos anos 20 incentivou também o tipo andrógino de mulher. Mulheres magras, sem

nenhum sinal de cintura ou seios, como o próprio nome sugere uma espécie de “mulher-

menino”68. A recessão econômica do final da guerra trouxe a crise da indústria têxtil e a

ausência de alguns mantimentos, o que poderia significar um “necessário” encurtamento

das saias devido à falta de tecidos, e até uma “magreza natural” para as pessoas dos

anos pós-guerra. A falta de artigos de higiene íntima, sem dúvida incentivou as

mulheres a deixarem os cabelos mais curtos. Apesar dessas possíveis explicações, não

podemos deixar de relacionar a moda garçonne através da estética da modernidade,

como se os corpos devessem imitar o visual reto e alongado dos arranha-céus e dos

automóveis aerodinâmicos, da arquitetura da época, e forte apelo à velocidade. De

qualquer forma, percebemos que a moda la garçonne representa os novos tempos e

novas funções para a mulher dos anos 20, e deve ser compreendida quando inserida em

seu momento histórico. Através da junção do discurso médico-higienista, de um

momento de profunda crise econômica causada pela Primeira Guerra Mundial, e do

advento da modernidade.

Por volta dos anos 30, a moda acompanhando as mudanças na conjuntura de seu

momento, transforma-se novamente. A grande crise econômica vivida pelos EUA em

1929 afeta a maior parte dos países capitalistas, inclusive o Brasil. O café, que há

tempos já apontava sua decadência não agüentou o choque na economia mundial. Os

grandes exportadores paulistas de café perdem sua influência na sociedade e na política

brasileira, a esta série de acontecimentos damos o nome de Revolução de 1930, marcada

pela subida de Getúlio Vargas na presidência. Ao analisar a moda e a evolução dos

corpos femininos neste período, acompanhamos uma nova mudança.

67 Sobre este tema ver: Rainho, Maria do Carmo Teixeira. A Cidade e a Moda. Brasília: UnB, 2002. 68 A atriz americana Louise Brooks, fez grande sucesso no cinema mudo entre 1925 e 1938, e lançou moda sendo uma das pioneiras com o corte de cabelo liso e curto à la garçonne.

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Em 1930, os estilistas de moda haviam abandonado o

visual moleque, linear, da década de 1920, por roupas

mais suaves, esculpidas, que acentuassem os contornos

femininos. 69

Os anos 30 seriam marcados por uma moda mais feminina e insinuante. A

cintura voltaria a ser marcada no seu devido lugar, as saias voltariam a ser mais

compridas, e as curvas femininas seriam valorizadas. Os cabelos, apesar de continuarem

na altura dos ombros, teriam mais volume e pouco mais de comprimento, muitas vezes

com o uso de tranças postiças. Os vestidos principalmente os para a noite voltam a ser

longos, com estampas florais e geométricas, e alguns possuem ricos decotes nas costas.

O uso de maquiagem é abundante, voltam-se também os tecidos finos como a seda com

cortes que definiam ainda mais o corpo da mulher. Dessa forma vemos que a década de

30, referente à moda, preocupasse em resgatar a feminilidade desvalorizada nos anos

20.

A influência do cinema de Hollywood desde a década de 20 constituiu

sobremaneira para aguçar a tendência extremamente feminina da moda. Durante as

outras décadas, Paris obtinha toda a vanguarda da moda. Porém, com a presença das

atrizes de Hollywood, os Estados Unidos tornar-se-iam o novo divulgador da moda a ser

seguida. A Revista Feminina não menciona em suas seções uma ligação direta entre o

cinema e seu espaço de moda70. Porém, notamos a presença de vários artigos que

ressaltam “dicas de beleza das estrelas”, e ainda traz em artigos que ressaltam a beleza

feminina, várias fotos com belas atrizes ricamente trajadas. As imagens das atrizes já

estariam associadas com o ideal de moda e beleza naquele momento, algo a ser copiado

pelas leitoras.

Na década de 30, a Revista Feminina trouxe seus conselhos sobre moda através

de imagens de mulheres vestidas com os modelos, todas em momentos aleatórios da

Revista. Quase não existiam artigos exclusivamente sobre moda, pois esta poderia ser

encontrada a todo momento, quando menos se espera por todo o periódico. Não seriam

apenas os artigos referentes à moda que sofreriam alterações nessa época, mas toda a

69 Mendes, Valerie e Haye, Amy de la. Op. Cit. P. 87. 70 Cristina Meneguello em Poeira de Estrelas: o cinema hollywoodiano na mídia brasileira das décadas de 40 e 50, afirma que muitas salas de cinema são abertas na cidade de São Paulo na década de 30. Na década de 40, o Brasil já era o terceiro país em número de espectadores do mundo.

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Revista71. É possível afirmar que a Revolução de 1930 não transformaria apenas o

Brasil politicamente, mas a forma de vida das pessoas também sofria alterações. Com a

emergência de novas elites, e até da classe média, novos sujeitos apareciam na cidade

brasileiras, principalmente em São Paulo. A Revista Feminina, aos poucos, traria essas

transformações na estrutura sócio-política até suas páginas. Como o editorial de março

de 1933 que recebe o título de “O Problema do Divórcio”, ou ainda no mesmo mês o

artigo “Mãis solteiras”. A sociedade brasileira transformava-se, e com ela a mulher e a

moda.

Após esta análise das transformações das tendências na moda feminina,

ressaltamos que cada uma delas, demonstrava a busca incessante dessas mulheres em

acompanharem o “seu tempo”. O advento da modernidade, e com ela a idéia de a

mulher ser grande responsável pela disseminação deste processo, faz com ela busque

incessantemente formas de demonstrar isso. Sendo a moda um tanto efêmera, a mulher

deve constantemente estar atenta à suas mudanças. A Revista Feminina faz o papel de

divulgadora das modas, como forma de estar “antenada” às mais novas tendências.

71 Infelizmente não sabemos se o formato de exibição da revista sofreu transformações neste período, pois a pesquisa com os anos de 1928 até 1936 foi feita através do microfilme.

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3 – Modas Perigosas

Nem todos estavam satisfeitos com as novas liberdades, e as novas modas

femininas, é isso que em alguns artigos, a Revista Feminina demonstrava. Do início da

publicação da revista em 1915, até aproximadamente 1925, são comuns alguns artigos

criticando as “novas modas”, e até as novas liberdades conquistadas pelas mulheres

durante o período.

A audácia quasi que de prostituição que vão ganhando as

modas femininas que, infelizmente, importamos sem

reflexão da dissolução mundana de Paris, e que refletem

as tendências de orgia que se seguem a todas as grandes

guerras... 72

Usando palavras fortes, este artigo traz a discussão de que seria necessário

refletir sobre as modas utilizadas pelas brasileiras. Não seria apenas pelo fato de Paris

ser o centro da moda no período, que todas as modas deveriam ser adotadas. O autor

ainda compara algumas modas e sugere que várias delas lembrassem as vestes usadas

pelas prostitutas. As mulheres mundanas faziam o impossível para atrai a atenção73, e

por isso eram facilmente reconhecidas pelas ruas, através de um visual exagerado. O

uso de determinadas roupas podem demonstrar à sociedade que tipo de mulher você é:

da “vida”, ou da elite. Segundo o autor, essas diferenças, no momento, não estariam

claras.

As novas liberdades concedidas às mulheres, e manifestadas através de roupas

mais soltas, curtas e leves, não eram compreendidas, e nem aceitas por muitos

brasileiros. E os efeitos dessa incompreensão eram manifestados por novas realidades

sociais.

A diminuição dos casamentos facilmente se explica. Qual

é o rapaz honesto que acceitará para a noiva a

lambisgóia, que elle já tem visto fingir noivar com meio

mundo no tango e no remeleixo do maxixe, ou uma dessas

72 “Modas Immoraes”, anônimo, em Revista Feminina de outubro de 1919. 73 Schpun, op. Cit. P. 82.

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siriemas que andam pela Avenida exhibindo ao

respeitável publico ¾ do seu corpo?74

Usando termos que ridicularizam algumas mulheres, o membro da Academia de

Letras Augusto Lima, comenta que as novas liberdades femininas estariam sendo

responsáveis pela diminuição dos casamentos. Através de seu artigo, percebemos que

existem mulheres não apenas circulando nas ruas, mas em festas, e dançando danças

ousadas para a época. Notamos também a referência à uma certa nudez do corpo

feminino, com certeza permitido através das novas modas. Para o autor, essas aparições

das mulheres nas ruas, nas festas, e do próprio corpo, não seria algo positivo para

aquelas que queriam passar uma boa impressão ao homem. E ainda, um homem

honesto, que desejava casar, não encontraria sua futura esposa/mãe de seus filhos,

demonstrando tantas liberdades. Relembramos que as liberdades femininas só seriam

permitidas através da modernidade, ou seja, através da boa execução das funções

mãe/esposa/ dona de casa, para a boa educação de sua família. Outros tipos de

liberdades eram vetadas às mulheres.

Antigamente, nos bellos tempos do feudalismo colonial,

nossas vovós eram umas santarronas, ingênuas e boas,

que mal assomavam á janella e que sabiam, como

ninguém, preparar quitutes quasi divinos. Não

serelepavam nos asphaltos, irriquietas e serigaitas, não

sahiam sosinhas, affrontando os galanteios dos

chichisbéos [...] Hoje em dia as coisas estão mudadas

[...] as saias actuaes escalam o joelho, na ancia de se

evadirem da toilette. Os decotes descem ás costas e ao

ventre e em matéria de mangas há a simples illusão de

terem outr’ora existido... Por ultimo, um decreto das

modistas aboliu as meias. Nesse andar, brevemente

Moema e Paraguassu ditarão a moda em vez de saias

curtas, sem blusa, teremos a tanga estylizada [...]

74 “Caso ou não caso?” introdução de Augusto Lima, em Revista Feminina de janeiro de 1920.

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Pensando bem, a culpa desses males, que tanto afligem o

nosso meio, não cabe ás cabecitas frívolas dessas moças

serigaitas, senão á indulgência das mães. Ouso dizer

mais: muitas vezes são ellas mesmas cúmplices desse

estado de coisas, entendendo que, estimulando nas filhas

o coquetismo, preparam-nas melhor para a caça ao

marido... Eis o erro! O grande erro! Offerecer assim a

mercadoria é o mesmo que espantar o comprador.

Uma educação sóbria e casta valorisa a mulher e

estimula o casamento... 75

Comparando as mulheres de outrora com as daquele tempo, realmente as

diferenças eram enormes. O autor parece ver de forma saudosa as mulheres que se

mantinham em casa, ingênuas, e ainda que cozinhavam bem! E que as mulheres naquele

tempo, e suas novas possibilidades, representavam para ele uma ameaça à sociedade, e à

família. Percebemos que o autor relaciona a nova moda feminina com os novos tempos,

e com as novas liberdades alcançadas por elas. Comenta com grande inquietude a

presença das mulheres nas ruas, e ainda o uso de certas roupas, a seu ver, curtas demais.

Ressaltamos o olhar do leitor aos exemplos da moda considerada abusada, que apesar de

comentar sobre saias, mangas, e decotes, todos abordam o mesmo tema: a nudez

feminina. As roupas estariam desnudando as mulheres e isso, para o autor, seria um

causador do desinteresse dos homens ao casamento. O autor via o corpo feminino como

espécie de atrativo ao homem, o que o estimularia ao matrimônio. Por esse motivo, a

mulher deveria cuidar de seu corpo, mantendo-o atraente aos olhares masculinos,

porém, evitar em mostrá-lo demasiadamente.

A metáfora utilizada pelo autor entre o corpo/mercadoria e o marido/comprador,

nos remete ao casamento neste período, que além de ser uma forma saudável de manter

a estrutura familiar (como já foi citado anteriormente), seria uma boa forma de fornecer

“status”. Para a mulher, o casamento representava uma forma de pertencimento e

ascensão social. Um corpo atraente despertava a admiração dos homens, assim, o corpo

corretamente trabalhado, também atraia um homem “correto”. O corpo se faz durante as

75 “Caso ou não caso?” de Menotti Del Picebia, em Revista Feminina de janeiro de 1920.

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primeiras décadas do século XX, uma grande arma de sedução feminina, e se afirma

como valor importante no desenvolvimento da economia familiar.

Ressaltamos a importância dada ao autor à educação materna. Inclusive, essa é a

única responsável pelo fino trato das roupas das filhas. Ou seja, dependeria

exclusivamente da mãe uma boa educação às filhas, o que dependeria o sucesso desta

no futuro. A mãe devia estimular um comportamento modesto e puro de suas filhas, e

nunca uma “caçadora de maridos”. Acreditamos que a expressão caça de maridos seja

usada para demonstrar um grupo de mulheres que de fato iam atrás dos homens, e não

esperavam por seu convite, como queria a boa educação. Talvez essa ação de “ir à

caça”, não seja utilizada exatamente querendo dizer a “ação de ir à busca”, mas a

utilização de comportamentos convidativos. Provavelmente, para uma época de tantas

mudanças em relação ao feminino, o uso de roupas mais soltas, abertas e decotadas, não

simbolizassem um simples convite ao olhar masculino, mas a “caça” por esses olhares.

No bello sexo não faltam pessoas com desejo de reagir

contra a paganisação dos costumes [...] Primeiro

inimigo: costureiras. O único remédio contra a moda

actual é esperarmos por outra moda, que talvez será

peor.76

No trecho retirado do artigo do padre Dubois, podemos ressaltar o uso de um

tom de conformidade com as modas. As modas femininas parecem ter vontade própria,

ou seja, não havia nada a ser feito para interromper tais mudanças. Como fruto do

desenvolvimento comercial da cidade e do estímulo à uma maior liberdade corporal, as

roupas acompanhavam seu tempo. O próprio padre parece perceber em 1925, que a

moda tendia a ser efêmera. O que significava que as tendências de moda já eram uma

realidade, notadas até pelo padre, provavelmente através de seu contato com mulheres

que faziam seu uso.

Muitos autores de artigos da Revista Feminina manifestavam sua preocupação

sobre o caminho que as novas liberdades femininas levariam às mulheres. Apesar da

presença dessa inquietação, o número de autores que valorizava e estimulava o

comportamento moderno através da moda, da aparência e do comportamento feminino,

76 “Contra os exaggeros da moda” de Padre Dubois, em Revista Feminina de julho de 1925.

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ainda seria consideravelmente maior. As décadas iniciais do século XX no Brasil,

seriam aquelas de mudanças por muitos temidas, por outros esperadas.

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Parte II – Corpos Belos

A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe, que

dou às coisas em troca do agrado que me dão.

Esta frase de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, resume

de forma interessante o que é a beleza. Afinal a beleza em si não existe, ela é um

fenômeno de identificação, entre um observador que possui os códigos do que seria

belo, e um objeto que é observado, identificado e decodificado como portador das

características da beleza. Por isso, através da história, muitos foram os códigos para se

identificar a beleza. Hoje, a história da beleza busca formas de entender as normas da

beleza, além dos meios de para se obtê-la. Essa história carrega o que agrada ou

desagrada a respeito do corpo numa cultura e num tempo: aparências valorizadas,

contornos sublinhados ou depreciados77.

Umberto Eco em História da Beleza, analisando o conceito do belo através da

arte e da estética, o define como um sinônimo de graciosidade, de sublime, de

maravilhoso. Eco ainda comenta que a beleza é um adjetivo para algo que gostamos,

algo que é bom, e por isso, durante vários períodos históricos, esteve próximo ao que

era considerado divino. Muitas vezes, beleza não só significou aquilo que é bom, mas

também aquilo que deveríamos ter. Neste sentido, a beleza seria uma busca de algo que

deveríamos possuir, o que podia causar um desconforto ou até inveja ao encontrar

algo/alguém que fosse verdadeiramente belo. Logo, a beleza sutilmente agregaria o

desejo de obtê-la, sendo essa identificada como uma forma de aceitação social. A beleza

seria uma forma de poder.

A insistência em associar a feminilidade à beleza não é

nova [...] no seio desta permanência, as formas de

problematizar as aparências, os modos de conceber e de

produzir o embelezamento, não cessam de ser

modificados.78

77 Vigarello, Georges, op. Cit. P. 10. 78 Sant’Anna, Denise B. op. Cit. P. 121.

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Durante toda a história da humanidade, as formas femininas foram

incansavelmente associadas à beleza, tendo assim uma atenção especial. A mulher foi

vista como “naturalmente” vaidosa e dedicada à aparência, como mostra o símbolo da

feminilidade ♀, o espelho de Vênus, que simbolicamente atribui à mulher e à

feminilidade, as características da deusa da beleza romana. Porém, ao analisar

historicamente a mulher como perseguidora incessante da beleza, percebemos que ao

invés do que muitos pensam, isso não é algo inato, como se estivesse contido no DNA

responsável pelas características do corpo feminino. Quando analisamos a história da

beleza e do corpo feminino, percebemos o quanto estes são conceitos historicamente

construídos pelas sociedades ao longo do tempo, valores e ideais que variam entre

épocas e culturas.

***

Durante a Europa no século XIX, com todas as novas liberdades concedidas ao

corpo pela ascensão do ideal burguês, o conceito de beleza passou por grandes

transformações, assim como os métodos para atingi-la. Acompanhando os “novos

tempos”, e os avanços tecnológicos, a beleza seria a partir deste momento mais ativa,

mais trabalhada e mais higiênica. Doravante a exigência de embelezar alguém tenderia a

atravessar com maior freqüência o âmbito das roupas para atingir o corpo. E assim

como a moda, a beleza tenderia a ser diretamente relacionada à mulher e à feminilidade.

O desenvolvimento da medicina e a descoberta da importância da higiene para

uma boa saúde, foram fundamentais para a reestruturação da beleza ao longo do século

XIX. Porém, para obter um corpo limpo, naquele tempo, estariam implícitas

dificuldades como, ter acesso à água, à uma infra-estrutura (como um espaço para se

limpar, e até possuir tempo para o ato de se lavar). Logo, manter o corpo limpo seria um

processo raro, complicado e caro para aquele momento. Por isso, a higiene exigida

permanecia um privilégio de poucos, apenas daqueles com acesso a tais recursos, que

para a época se restringia a uma pequena elite. Na Europa do século XIX, a limpeza dos

corpos estaria intimamente ligada a uma forma de distinção social79.

79 Philippe Perrot em Le Travail des Apparences: le corps féminin au XVIII –XIX siècle, analisa a busca da burguesia por um corpo limpo e higiênico, ressaltando suas novas normas corporais.

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Novas exigências sensíveis rejuvenescem a civilidade; a

acentuada delicadeza das elites, o desejo de manter à

distância o dejeto orgânico, que lembra a animalidade, o

pecado, a morte, em resumo, os cuidados de purificação

aceleram o progresso80.

Além da higiene, a beleza adotaria outro caráter extremamente presente neste

período, através do “movimento”, e da “agilidade”, o que mais tarde levou à valorização

dos esportes e da dança. O movimento e a velocidade estavam fortemente presentes

durante o século XIX, através de invenções como o trem a vapor, o automóvel e o

telégrafo. Uma beleza ativa, movimentada, ávida de exercícios e apressada81,

característica dos grandes centros urbanos europeus. A busca por uma vida ágil e ativa,

traria a ginástica como uma alternativa já em fins do século XIX. A idéia do movimento

dos corpos transformaria não só a beleza, mas também a moda, como o espartilho, que

foi a partir deste momento, visto como um inimigo às novas tendências relacionadas à

motricidade. O abandono do espartilho apenas deslocou as pressões sofridas pelas

mulheres, que neste momento deveriam ser interiorizadas. Ou seja, a pressão ocasionada

pelo uso de tal instrumento de moda não seria mais exterior, e nem seu resultado apenas

aparente. Pelo contrário, a pressão seria interior através da manifestação de uma

cobrança pessoal em obter um corpo belo, porém com a simples “vontade” de trabalhar

e movimentar o corpo até sua aquisição.

Outra importante característica desta nova beleza foi o apreço pela juventude,

provavelmente valorizada devido ao “olhar no futuro” presente na burguesia. Afinal os

burgueses mantém um forte apreço pelo “vir a ser”, sendo esse considerado como um

momento rico de possibilidades. Através do empenho no trabalho, qualquer um podia

ser o que quisesse no futuro. Sendo assim, a juventude representaria ao burguês o novo,

a força ativa, e a possibilidade de vir a ser. Por isso, o velho, o ultrapassado e o antigo,

seriam sinônimos do feio.

Os códigos corporais incentivados pela ascensão da burguesia valorizam

incessantemente o controle do corpo. Para o bom andamento do trabalho e da produção

80 Corbin, Alain, op. cit. P. 443. 81 Vigarello, Georges. op. cit. P. 112.

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nas indústrias necessita-se da ordem, de horários, de prazos, da jornada de trabalho. Por

isso as vontades individuais, e a libertinagem seriam contidas a todo tempo82.

Além dessas características, a beleza também tinha uma grande contribuição da

crescente indústria da época: de cosméticos e de instrumentos de ginástica.

Percebemos então, que os tratamentos corporais que possibilitavam a beleza, são

todos alcançados através de um grande trabalho. A partir do século XIX, beleza não

seria um dom de poucos, ou concedido por uma divindade, como já havia sido em

tempos anteriores. Pelo contrário, a beleza seria sinônimo de cuidado e trabalho com o

corpo, através de uma grande vontade interior. A beleza não mais era “dada”, mas

adquirida por meio de um vigilante cultivo.

Além da adoção de um visual na moda, a busca pela beleza era mais uma das

grandes funções femininas. Assim como a forma correta de se vestir, seguir as dicas de

manuais de beleza significava para a mulher burguesa, uma forma de contribuir para o

status da família e para o avanço da sociedade moderna. Afinal, vestir a moda e

apresentar-se bela, segundo os moldes propostos pelos “novos tempos”, significaria

estar na vanguarda de um comportamento considerado correto. Acompanhar as novas

tendências era uma forma de demonstrar pertencer a este momento, já que o trabalho

convencionalmente conhecido era destinado aos homens, o trabalho com o corpo seria

dirigido às mulheres da elite.

A beleza se afirma como sendo um capital simbólico83, permitindo à mulher ser

admirada pelos homens e pela sociedade, principalmente quando esta ganha o direito de

circular no espaço público. Esta admiração agrega uma forma de contemplação,

transformando a beleza em uma espécie de “poder feminino”, por ser responsável em

direcionar olhares à ela. A ostentação de um visual belo representaria às mulheres uma

forma de serem notadas em sociedades que pouco permitia sua visibilidade. E isso seria

de fato importante, principalmente em uma época onde o casamento era uma forma de

ascensão social e econômica para a mulher.

A beleza e a moda constituem assim, uma maneira simbólica de se distinguir

socialmente. A moda, e as roupas, como forma de vestir o corpo, e a beleza, como

formas de tratamento também do corpo, seriam maneiras de apresentação dessa

82 Elizabeth Wilson em Enfeitada de sonhos explora o caráter “controlador” surgido a partir da Revolução Industrial Inglesa do século XVIII, as paixões humanas deveriam ser contidas para o bom rendimento do operário no momento do trabalho. 83 Perrot, Michelle. “Os silêncios do corpo da mulher” in: Matos, Maria Izilda S. e Soihet, Rachel. O Corpo Feminino em Debate. SP: Unesp, 2003. P. 14.

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“segunda pele” à sociedade, que as elites européias utilizavam como forma de

representação de sua condição econômica privilegiada.

A partir do início do século XX, a instauração dos novos hábitos,

comportamentos, modas e tratamentos corporais seriam adotados pela elite brasileira

como forma de manifestar no corpo a modernidade. Numa cidade urbanizada, deveriam

circular cidadãos educados, limpos e higiênicos. Caberia à mulher da elite não apenas

centralizar a família, e educar seus filhos, mas apresentar-se no espaço público

devidamente trajada e bela.

Assim como a moda trabalhada anteriormente, a busca pela beleza, como mais

um meio para se chegar ao visual da modernidade, era dirigida às elites, e

principalmente às mulheres. Na sociedade que se quer moderna, a mulher teria uma

situação de extrema importância, centralizando a família através de suas funções como

mãe, esposa e dona de casa. Porém, para exercer sua modernidade, a mulher não poderia

resumir seu lugar social a apenas esses. Pelo contrário, a mulher ganhando visibilidade

pelas ruas, se transformaria em um sujeito importante nos centros urbanos nascentes.

Acompanhando a nova estética das cidades através da urbanização e da arquitetura, a

mulher da elite paulistana, devia seguir tais avanços corporalmente. Como mais um

ornamento da cidade moderna, a mulher devia não apenas circular pelas cidades, mas

circular ricamente trajada e bela, através dos conceitos de moda e beleza promovidos

pelos novos tempos.

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1 – A construção da brasileira esbelta: modernidade X morenidade

Os tratamentos corporais da modernidade e seu ideal de beleza encontrariam

grandes desafios ao chegar a terras brasileiras. Para a moda moderna ser adquirida era

necessário apenas um molde da vestimenta, tecidos e uma máquina de costura. Porém,

para a beleza, necessitava-se da criação de um “hábito” embelezador. Além dessa

dificuldade, a própria sociedade do Brasil, fruto de uma grande miscigenação racial, já

seria uma dificuldade a parte.

Gilberto Freyre em Modos de homem & modas de mulher, utiliza o termo

morenidade quando se refere ao caráter ímpar do corpo do povo brasileiro. Fruto da

descendência africana, européia e indígena, os corpos brasileiros possuem saliências

naturais e pigmentos diversos. Logo, alcançar o ideal de beleza europeu-caucasiano,

seria para muitos brasileiros um desafio além da estética.

Miscigenada, grande parte da gente brasileira, a

miscigenação como se faz sentir, através de experimentos

antropologicamente eugênicos e estéticos.

Experimentamos que pode-se dizer virem repudiando

excessos de saliências de formas de corpo e evitando-se

tanto os exageros africanóides de protuberâncias como os

caucasóides, de deficiências. 84

A dificuldade dos corpos brasileiros para se tornarem belos aparecia na Revista

Feminina. Dentro dos moldes da beleza moderna, a Revista reconhecia que as

brasileiras teriam grande trabalho para deixar seus corpos dentro dos novos parâmetros

da beleza moderna. Entretanto, essa dificuldade não deveria desanimar as leitoras de

procurar uma aparência bela, pelo contrário, esta deveria ser compreendida como um

estímulo ao trabalho corporal.

A mulher brasileira está longe de ser bella. Descendente

de diversas raças, representando uma sub-raça, está

longe de ter um typo definido. Juntando-se a isso o pouco

84 Freyre, Gilberto. Modos de Homem & Modas de Mulher. RJ: Record, 1986. P. 61.

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apreço que , em nosso paiz, se dá a belleza, o descuido

com que se tratam as questões de nutrição, de saúde, de

hygiene e de prophylaxia, seremos forçados a reconhecer

que uma mulher rigorosamente perfeita [...] só pode

existir no Brasil como typo de excepção, e nunca como

typo comum e corrente. 85

Além das dificuldades físicas para alcançar a beleza, o desenvolvimento de

hábitos higiênicos também seria um grande desafio para muitos brasileiros. Afinal, para

ser belo nos moldes almejados pelo discurso da modernidade, era necessário ser limpo e

asseado, porém, o referido artigo mostra que estes hábitos não eram encontrados na

maioria das pessoas deste país.

Hábitos higiênicos e limpeza corporal, foram durante muito tempo exceções

entre os brasileiros. A história do Brasil é repleta por passagens que demonstram a

ausência de tais hábitos: desde colonizadores malcheirosos e doentes após longos

tempos no mar; a chegada da família real em 1808, suja e infestada por piolhos;

escravos denominados “tigres”, por serem rajados de excremento, ao transitar nos

grandes centros urbanos carregando tonéis de dejetos humanos para serem atirados no

mar durante o Império. A cidade do Rio de Janeiro, que desde cedo foi um grande

centro urbano e até o momento a capital brasileira, já havia sido identificada por meio

de relatos como “suja, imunda, caótica e doente”. Foi apenas a partir da década de 10 do

século XX, que seria introduzido os primeiros instrumentos necessários para a higiene

pessoal, como o vaso sanitário, o sabonete, e o papel higiênico86. Aos poucos, passaria a

ser comum as casas terem os “quartos de banho” em seu interior. Apenas com presença

de uma infra-estrutura necessária para o tratamento corporal, que este se tornaria

possível. Porém, para a beleza ser alcançada nos moldes modernos, era necessário mais

do que o simples hábito de se banhar diariamente.

A presença dos ideais do higienismo e da eugenia aparecia de forma não

declarada no artigo citado. Esses discursos legitimavam o que era a beleza para o

momento histórico, misturando o conceito estético da beleza, com a moral. A tristeza e

a feiúra eram também vistas como sinônimos de doença, assim com a sífilis era

85 “Elogio da mulher romana. Belleza e cultura”, anônimo, em Revista Feminina de maio de 1918. 86 A esse respeito ver Eduardo Bueno, Passando a Limpo: história da higiene pessoal no Brasil. SP: Gabarito, 2007.

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sinônimo de fealdade87. A Revista Feminina demonstrou em vários momentos a

influência do higienismo e da eugenia, porém nunca claramente. Apenas apontava de

forma sutil a relação entre a beleza física e moral, a importância da brancura e da saúde

da pele e do esporte, intercalando-os com inúmeros artigos e ressaltando a fundamental

função da mulher na família e na sociedade. A Revista como “porta-voz das causas

femininas” nas primeiras décadas do século XX, abordaria de forma simples os

conceitos de higienismo e eugenia, sem trazer discursos científicos e complicados a esse

respeito. Para a mulher da elite brasileira o importante era agir de acordo com tais

teorias, sem necessitar entender os entremeios dessas ciências.

Voltemos ao artigo “Elogio da mulher romana. Belleza e cultura”, onde é

analisada a dificuldade de serem encontradas mulheres realmente belas no Brasil.

Curiosamente, seria apontado que apenas uma cidade possuía mulheres belas: São

Paulo.

Há porém, no Brasil, uma cidade onde as mulheres são

extraordinariamente formosas e onde os typos feios

constituem excepções cada vez mais raras. Essa cidade é

S. Paulo. [...] As paulistas da ultima geração constituem

typo verdadeiramente bellos. O elemento italiano é o que

concorreu, mais e melhor, para a formação desse typo.

Nelle há alguma coisa da mulher romana: a energia do

perfil, o collo alto, a carnação sadia, a pelle branca e os

dentes perfeitos. 88

Não seria coincidência que o único lugar do Brasil, ressaltado pela Revista com

mulheres verdadeiramente belas era São Paulo. Provavelmente pela grande urbanização

e avanço desta cidade no período, existiam facilidades para permitir e manter o corpo

belo, como cosméticos importados e manuais de beleza. A forte elite paulistana, com

grande poder aquisitivo, seria capaz de usufruir de tudo que a época poderia oferecer de

melhor para o tratamento corporal.

Carnes sadias, pele branca, finos traços e dentes perfeitos, essas são as

características identificadas pela Revista como as principais para tornar as mulheres

87 Diwan, Pietra. Raça Pura – uma história da eugenia no Brasil e no mundo. SP: Contexto, 2007. P. 131. 88 “Elogio da mulher romana. Belleza e cultura”, op. cit.

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paulistanas bonitas. Lembramos que cada uma dessas características afasta a mulher da

usual morenidade presente nos corpos brasileiros. A beleza proposta pela Revista

Feminina, através dos moldes da modernidade, separa consideravelmente as mulheres

do que deveriam ser suas características naturais frutos do povo miscigenado, tentando

aproximá-las ao europeu-caucasiano. No Brasil, o gesto que embeleza não desenha

somente uma fisionomia mais à moda, em detrimento de uma aparência doravante

considerada ultrapassada, portanto, feia. Ao fazê-lo, ele também revela as diversas

nuanças do antigo sonho de ser moderno e civilizado, que há muito persegue as elites

desse país 89.

Citar a cidade de São Paulo como a única capital brasileira possuidora de

mulheres verdadeiramente belas, podia também ser uma forma da Revista agradar suas

leitoras. Afinal, apesar de sabermos que esta tivesse repercussão nacional, seu grande

mercado consumidor era a cidade de São Paulo.

Além disso, o artigo atribui à beleza da mulher paulistana a presença de

imigrantes italianos, responsáveis em tornar os corpos mais afinados com as exigências

da época. A beleza clássica baseada na cultura greco-romana90 era tida como um ícone

de beleza a ser seguido. Inúmeros são os artigos que valorizam a beleza da mulher

greco-romana, trazendo imagens de esculturas clássicas, e a Revista demonstraria

saudosamente as formas corporais daquelas belas mulheres de outrora. É comum a

beleza ser considerada um ideal a ser seguido, provavelmente pela dificuldade em se

possuir tais referências, as grandes esculturas e pinturas clássicas serviam como

importante exemplo para essas mulheres entenderem como deveriam exercer a beleza

corretamente. Ou ainda, qual era o molde correto da beleza tão citada e almejada pela

Revista Feminina.

A Revista Feminina se identificava durante toda sua existência, como a

detentora dos saberes para se adquirir a beleza moderna.

De todos os modos, é innegavel que, agora como em

todos os tempos, os dois dons que a grande maioria das

mulheres ambicionam com mais ardor são a juventude e a

89 Sant’Anna, op. Cit. P. 122. 90 A beleza greco-romana seria muitas vezes apontada pelos eugenistas como Renato Kehl, como um ideal de beleza a ser seguido, como aponta Pietra Diwan em Raça Pura – uma história da eugenia no Brasil e no mundo. Provavelmente a idéia de trazer diversas comparações entre a beleza brasileira e clássica pela Revista Feminina tivesse grande influência do discurso eugenista, considerando que o irmão da fundadora e idealizadora da Revista ser o médico Cláudio de Souza.

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belleza. Hoje em dia estes encantos e vantagens estão ao

alcance de todas as mulheres e o segredo para adquiril-

os está na assídua leitura da ‘Revista Feminina’91.

No artigo direcionado à juventude da mulher, notamos a presença da Revista

Feminina se auto-intitulando como um manual de beleza. Ressaltamos a utilização do

termo “encanto” para se dirigir à beleza, como se esta fosse responsável por encantar ou

até enfeitiçar quem a admirasse. A beleza seria responsável por um efeito mágico

quando bem utilizada. O artigo comenta que naquela época, atingir a beleza seria

possível para “todas as mulheres” – lembramos que essas mulheres apontadas pela

Revista, seriam “todas as suas leitoras”, ou seja, as mulheres da elite paulista e

brasileira. Até para o anônimo autor do artigo, a associação da mulher com a beleza

aparece como uma verdade incontestável.

É comum a Revista Feminina se referir aos métodos embelezadores como

“segredos de beleza”. As experiências de embelezamento tendem a ser um segredo

vivido entre amigas, em encontros exclusivamente femininos, longe da vigilância

masculina, médica e família92. Essa identificação traz a presença de uma névoa de

mistério à preparação do corpo belo. Como um segredo entre as mulheres e a Revista,

onde deveriam ser afastados os homens, afinal, o domínio da arte de se embelezar devia

fazer parte apenas do universo feminino das leitoras da Revista. Para a sociedade e para

os homens, a mulher devia se apresentar bela, e nunca os artifícios para a conquista de

uma aparência encantadora deveriam ser revelados. A revelação desses métodos e

artifícios seria capaz de anular o efeito encantador da beleza.

Como demonstra o trecho retirado do artigo de 1918, que busca ensinar as

leitoras como seria a forma correta de atrair a atenção do marido:

...é indispensável que vos mostreis sempre graciosas e

galantes a vossos maridos, porque é preciso que elles vos

achem sempre cada vez mais encantadoras. Tende o

cuidado de nunca lhes apparecerdes antes de arranjadas

com correcção. 93

91 “A Juventude da mulher”, anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1922. 92 Sant’Anna, Denise B. op. cit. P. 125. 93 “Como a esposa consegue attrahir o marido”, anônimo em Revista Feminina de fevereiro de 1918.

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Como um completo manual de beleza, a Revista Feminina não apenas explica

cautelosamente métodos para tornar belo o corpo da mulher, mas também aponta o

porquê que este deveria ser feito. Na revista analisada foram encontradas uma série de

associações entre a beleza feminina como forma de assegurar o desejo masculino sobre

seu corpo. A beleza seria então utilizada como arma de sedução, capaz de chamar os

olhares masculinos às mulheres.

A todo tempo seriam criados mecanismos para a mulher estar valorizando sua

aparência.

...Devemos lembrar-nos que nós, mulheres, fomos creadas

para a phantasia. Toda a vez que nos mostramos muito

materiaes perdemos todo o encanto que nos acham os

homens. 94

A beleza apresentada pela Revista Feminina revelava às mulheres da elite

brasileira, as formas de adquiri-la. Em muitos momentos, como exemplo o descrito

acima, seria relembrado às mulheres de manter uma “aura” de mistério e ternura, para

atrair os olhares masculinos, e garantir sua função como ornamento dos grupos sociais

abastados. Como é salientado pelo trecho citado, a todo tempo a mulher seria

estimulada a não parecer muito material, arriscamos dizer, não muito “humana” e mais

próxima de uma “entidade”, e como tal, além do bem e do mal.

Dizem que a mulher que triumpha sempre, porque tem a

belleza, a graça, a seducção e encantos, que são os

degraus para o throno onde ella reina... 95

A beleza seria uma forma da mulher acessar patamares sociais importantes. Ao

mesmo tempo em que era uma imposição, mantendo as mulheres em uma busca

constante por tratamentos embelezadores, servia também como uma importante arma de

sedução. Dessa forma a beleza era um meio de driblar uma sociedade machista que

sufocava a voz da mulher e suas vontades. Sem dúvida, a beleza seria para a mulher da

elite brasileira, uma importante maneira de se fazer ouvir, e de ter suas vontades

94 “Notas de Henriette” em Revista Feminina de outubro de 1917. 95 “Juventude da mulher”, anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1922.

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atendidas. Assim, a beleza quando bem utilizada, seria uma forma de “poder feminino”,

capaz de ludibriar com seus encantos uma sociedade que colocava a mulher em um

lugar secundário. A Revista Feminina demonstraria por meio de uma “conversa”

informal com suas leitoras, tais benefícios trazidos pela aparência.

A mulher é um adjectivo que precisa concordar com o

substantivo homem, para estar grammaticalmente na

sociedade. 96

No curioso artigo que faz uma associação entre a gramática e as relações homem

e mulher, torna-se claro a analogia entre: a beleza e a sociedade. Lembrando que

adjetivos são palavras que fornecem qualidades aos substantivos, que por sua vez são as

palavras que denominam um “ser”. Por meio desta metáfora, entendemos que o homem

enquanto “ser” da sociedade, seria adornado e qualificado através das formas femininas.

A mulher enquanto “enfeite” do homem, deve concordar com ele, para que assim

estivesse inserida na sociedade. Este é um dos raros momentos em que a Revista

Feminina relaciona a beleza feminina a sua importância para a sociedade. Na maioria

das vezes, a beleza é relacionada apenas com sua capacidade de atrair a atenção dos

homens.

A importância social e econômica do casamento para a mulher nas primeiras

décadas do século XX, seria um dos motivos pelo incentivo em manter a beleza do

corpo. Uma boa aparência podia representar uma forma de realizar e manter um “bom”

casamento. Encontramos a relação entre beleza e casamento na propaganda do creme

para seios Pasta Russa, muito presente na revista durante os anos de 1917 até

aproximadamente 1922.

A mulher que attrae pelos seus encantos, é a que é

redonda e bem formada, cujos SEIOS são cheios e bem

desenvolvidos... Todas aquellas mulheres á quem a

natureza favoreceu dessa sorte casam mais cedo, são

mais requestadas e desejadas e despertam maiores

paixões do que as suas companheiras menos avantajadas.

96 “Grammatica dos namorados”, anônimo, em Revista Feminina de fevereiro de 1916.

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Os homens desviam-se desilludidos das mulheres

desprovidas de SEIOS fortes e attrahentes, como se lhes

faltasse alguma cousa absolutamente indispensável97 .

Percebemos a forte relação entre o corpo feminino belo e o casamento. A

propaganda aponta com convicção que apresentar o corpo de forma bela atrairia os

homens, e assim a possibilidade de um casamento mais rápido. O corpo da mulher seria

o causador do desejo masculino, desejo de possuir sexualmente e socialmente a beleza.

Manifestando o cuidado do corpo e da aparência socialmente, a mulher representaria

sua posição econômica, e consequentemente a de seu marido e família. As mulheres

aparecem como espelho do sucesso do marido98. O cuidado das aparências de acordo

com a modernidade servia como um forte código social pela elite brasileira.

O casamento era uma possibilidade da mulher ser inserida na sociedade,

principalmente através do status financeiro obtido com este. As vantagens sociais

trazidas pelo estatuto de esposa seriam de longe, um dos grandes motivos da mulher

procurar uma aparência bela. A beleza era uma forma de investimento para a mulher, já

que esta seria responsável por atrair o interesse masculino, e assim a possibilidade do

casamento.

A esbelteza attráe o homem. 99

A valorização do matrimônio estava totalmente de acordo com o ideal da

modernidade, já visto que este concentrava o homem e a mulher em seus papéis

mãe/esposa e pai/provedor. E por isso, a beleza servia à mulher por ser inserida

socialmente, e até ao homem, que através da exposição de sua esposa ou filha

lindamente, mostraria à sociedade seu sucesso profissional. A beleza feminina seria

acima de tudo, uma forma de regularizar a elite brasileira dentro dos parâmetros da

sociedade cuja base é a família100.

97 Propaganda de Pasta Russa, em Revista Feminina de novembro de 1918. 98 Prado, Sabrina G. Imagens Femininas na revista “A Cigarra”. São Paulo 1915-1930. SP: Dissertação de Mestrado (Puc-SP), 2003. P. 110. 99 “O futuro das mulheres loiras”, anônimo, em Revista Feminina de novembro de 1918. 100 A beleza feminina, assim como a valorização da moda, servia para manter o homem dentro da instituição do casamento, e de suas funções como pai/provedor. Relembrando a já citada presença dos homens da elite brasileira em antros subversivos de jogos e sexo.

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A beleza que encanta devia se manifestar em vários locais do corpo, porém, não

necessariamente no corpo inteiro. Na Revista Feminina, vemos continuamente algumas

partes do corpo aparecerem como os “locais da beleza feminina”, sendo que outros, nem

são citados. Seriam eles: o rosto e todas as suas nuanças como boca, dentes, olhos,

nariz, sobrancelhas, o cabelo, além das mãos, do braço, e do colo. Esses locais de beleza

deveriam ser embelezados constantemente, mantendo-se o tempo todo à mostra,

ressaltando um caráter erótico do corpo feminino. Além desses, outros locais do corpo

feminino são completamente ignorados pela Revista.

O trabalho corporal direcionado às mulheres da elite brasileira, seria árduo e

cauteloso. Elas eram capazes de levar horas de preparo na intimidade da alcova, longe

dos olhares masculinos e de toda sociedade. Para alcançar a verdadeira beleza, a mulher

devia conhecer seu corpo, ou pelo menos as partes que seriam embelezadas. Todos os

artifícios deveriam e poderiam ser utilizados, desde cosméticos, ginásticas, massagens,

regimes, etc. Todo esforço valeria a pena para obter a graça de formas perfeitamente em

harmonia. A Revista Feminina, como grande manual de beleza da mulher das décadas

iniciais do século XX, lembrava que o sofrimento causado por alguns métodos

doloridos e até perigosos, seria recompensado quando galanteios masculinos e elogios

de toda a sociedade chegassem aos seus belos ouvidos. Inspiradas pelo dito popular

francês presente em muitos momentos da Revista: Il faut souffrir pour être belle.

A vaidade bem dirigida é indispensável. O asseio, a

bonita attitude, o capricho no vestir, certos artifícios

discretos para fazer realçar a expressão do rosto e o

brilho nos olhos, são recursos da vaidade, de que toda

moça de bom gosto não deve prescindir sem artificios das

suas graças naturaes [...] a belleza e a saúde, que são

bens inestimaveis, bem merecem um pouco de

sacrifício.101

Higiênica, limpa, jovem, branca, ativa, saudável, graciosa e esbelta: essas são

as características da beleza para a Revista, durante seus 21 anos de existência. Apesar do

longo período em que existiu, a Revista Feminina sempre valorizou essas

101 “Conselho ás moças” por Laura Vaz, em Revista Feminina de março de 1922.

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características. A grande mudança encontrada foi na forma de se falar sobre tal beleza.

Aproximadamente entre 1915 e 1925, através de um forte apelo didático, a

Revista procurava não apenas ensinar as mulheres como cuidar de seus corpos, mas

explicar suas minúcias e os mecanismos de funcionamento do corpo, utilizando nomes

técnicos para instruir corretamente a maneira de tratá-lo. Nessa época, ainda havia

grande preocupação por parte dos artigos referentes à beleza em explicar seus motivos,

e o porquê de ter uma aparência bela. Na outra metade de sua publicação, de 1926 até

1936, encontramos inúmeras receitas de beleza, porém sem a preocupação em

demonstrar de forma científica os mecanismos do corpo humano, e sem grandes

explicações sobre sua utilidade perante a sociedade.

De todas as características que uma mulher deve possuir os valores da graça, ou

da beleza espiritual, aparecem constantemente durante a primeira metade desta revista:

O tipo que mais impressiona os sentidos é o que tem

bella a cor e a fórma; é o que impressiona a alma é o que

tem expressão espiritual fora da belleza exterior. As

diferentes espécies de belleza caracterisam-se pela côr,

fórma, expressão e graça. A côr e a fórma pertencem ao

corpo; e a expressão e a graça à alma. 102

Há aqui uma concepção dualista – corpo e alma – que caracteriza a feminilidade.

A beleza espiritual seria uma manifestação exterior do interior: da alma e da índole.

Dessa forma, prevalece a convicção de que a verdadeira beleza é fornecida por Deus.

Ou seja, a beleza é considerada um dom, muito mais do que uma conquista

individual.103

Deveis lembrar-vos que há um dom que supera a belleza:

é a graça. São a graça, a attitude, a expressão que a

fazem verdadeiramente mulher, que lhe imprimem o

cunho das feminilidades triumphadoras, que as

desintegralisam das formas concretas, para fazer surgir

uma vaporosidade de sonho, como uma garça branca a

102 “Belleza e saúde”, anônimo, em Revista Feminina de fevereiro de 1919. 103 Sant’Anna, Denise B. op. cit. P. 125.

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voar sobre as águas do lago azul do infinito. Os olhos de

Eva... uma contracção ligeira das sobrancelhas, um

mexer quasi indistincto de lábios, um ar de ingenuidade

que se espalha pelo semblante como um lyrio que se que

dissolve em mel... um gritinho de susto que pede

protecção contra o insecto que espera sempre as

opportunidades úteis para lhe pousar no collo – nada

disto tem a belleza imponente, tudo isto têm as franco-

atiradoras da graça! 104

Ingenuidade, fragilidade e graciosidade, seriam manifestações da beleza

espiritual. Estas expressões de caráter serviam para acentuar a aparência física. Aliás,

para o autor, uma verdadeira mulher manifestaria sempre tais características, pois estas

já faziam parte do “ser mulher”. Novamente seria atribuído o poder de encantar à

mulher, no sentido de cativar e seduzir o outro. A beleza feminina devia sempre

acompanhar essa “aura” de mistério, capaz de impressionar e maravilhar.

A mulher verdadeiramente mulher sabe tirar proveito de

suas próprias desconformidades physicas. Não é uma

aberração dos sentidos, como querem os psychiatras,

quem leva o homem a apaixonar-se pelos defeitos

physicos de uma mulher. E´ uma conquista da graça

feminina [...]

- Estou loucamente apaixonado por uma linda vesguinha.

E´ o milagre da graça fazendo do estrabismo uma fonte

de attrações. Aprimorando a belleza ou exaltando sua

graças, a mulher tende para o único móvel de sua vida

que é o amor. 105

Segundo Cláudio de Souza, a graciosidade feminina, quando verdadeira, seria

capaz de embelezar qualquer corpo. Através de um exemplo, o autor convence de que a

beleza espiritual era mais importante do que a física. Afinal, tendo um bom caráter e

104 “Da Eva antiga a Eva moderna” por Cláudio de Souza, em Revista Feminina de dezembro de 1917. 105 Idem.

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manifestando-o, qualquer mulher estaria apta por tornar seu corpo belo e sedutor. Com

o passar do tempo, a Revista Feminina cada vez menos relacionaria beleza física com a

espiritual. A partir da segunda metade da década de 20, não foi encontrado nenhuma

relação entre os dois tipos de beleza, ao contrário, cada vez mais a beleza parecia mais

física. E assim, o trabalho corporal seria o único modo de tornar o corpo belo, e

manifestá-lo.

Ser bela para a Revista Feminina significava ser jovem. A juventude era

extremamente valorizada, e ainda, analisando toda a periodicidade da Revista se torna

claro, que esta característica seria cada vez mais importante para a beleza feminina, pelo

número sempre crescente de artigos desta natureza. Ou seja, conforme os anos passam,

encontramos cada vez mais alusões entre beleza e a juventude da mulher.

Durante os primeiros anos de existência da Revista Feminina, a juventude

aparecia em suas páginas por meio de propagandas de cosméticos.

Dioxogen – Protector da Belleza. Rejuvenece e embelleza.

Limpa os poros. Torna a tez bella e saudável e conserva-a

assim. 106

O produto Dioxogen era um composto vendido em farmácias, que devia ser

utilizado em todo o corpo. Notamos que sua publicidade se preocupa em anunciar às

mulheres de sua capacidade de embelezar e rejuvenescer a pele. Tornando essas duas

características como sinônimas de um corpo belo. Para os responsáveis pelo composto

embelezador, ser bela significaria ser jovem.

Orvalho da Belleza – É o talisman da felicidade, é a 8°

maravilha do mundo. Senhoras e Senhoritas! O Orvalho

da Belleza é o protector de vossos attractivos pessoaes.

Começae a usal-o hoje mesmo, amanhã poderá ser

tarde!107

As propagandas do creme Orvalho da Belleza apareciam em quase todos

números iniciais da Revista Feminina. Sua publicidade informava as leitoras sobre 13

106 Propaganda “Dioxogen” em Revista Feminina de dezembro de 1916. 107 Propaganda “Orvalho da Belleza” em Revista Feminina de dezembro de 1916.

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razões para utilizarem o produto, apontando todos os benefícios alcançados pelo seu uso

correto. Quase todas essas razões informavam sobre o necessário cuidado que as

mulheres deviam ter com sua pele, principalmente a do rosto, para que não aparecessem

manchas ou cravos.

Nesta propaganda aparece a relação entre beleza e felicidade, algo muito forte e

presente em muitos outros momentos na Revista. Ser bela também significava ser feliz.

Felicidade não tinha o atual sentido de bem-estar consigo mesma, nem se buscava em

grandes demonstrações de alegria. Ao contrário, ser feliz denotaria estar de acordo com

os moldes de beleza da sociedade julgada moderna; ou ainda, alcançar a posição

privilegiada dentro do casamento e exercer suas funções como mãe e esposa. A

felicidade seria mais “social” do que “individual” e por isso, o sofrimento ainda era

considerado uma parte importante da vida feliz. As duas características que hoje

parecem tão antagônicas, seriam realidades concomitantes para as mulheres da elite

brasileira.

Ao mesmo tempo, e retomando a idéia da publicidade relacionar beleza e

juventude, percebemos que esta aparece de uma forma um tanto dramática. Aliás, esta é

uma característica muito presente nas propagandas da Revista Feminina. A

dramaticidade da propaganda ao anunciar que a mulher não utilizasse o creme Orvalho

da Belleza, o belo na cútis se esvairia, e por isso, nunca mais a mulher poderia possuir

tais atrativos.

Além dos cremes para a pele do rosto, seriam nas propagandas de tinturas para

cabelo onde mais apareceria a relação entre beleza e juventude.

E´desagradavel, por certo, a quem é jovem ou que ainda

tem uma tal ou qual frescura da juventude, ver que os

seus cabellos começam a grisalhar. Os cabellos grisalhos

dão á pessoa um accentuado aspecto de velhice, mesmo

antes que as primeiras rugas tenham apparecido. 108

A tintura para cabelo Petalina era um dos compostos embelezadores vendidos

pela Empreza Feminina Brasileira, agência organizada pela família Souza Salles, que

vendia produtos às suas leitoras. Todos os exemplares da Revista Feminina que traziam

108 Propaganda “Petalina” em Revista Feminina de janeiro de 1918.

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sua propaganda, abordam o tema da velhice, ressaltando o aspecto feio do cabelo

grisalho. E assim, toda propaganda desta tintura trazia um pequeno texto explorando o

visual de cabelos brancos, relacionando-o à velhice e ao feio. Todas as características da

idade no corpo, como o grisalho nos cabelos e as rugas, seriam tratadas como símbolos

de fealdade, e por isso inconcebíveis com um corpo belo.

Entretanto, durante os primeiros anos da edição da Revista as rugas não

aparecem como um empecilho ao corpo belo. Seria ao longo da metade da década de

20, que esta relação passaria a ser feita.

Rugol – Escolhei a vossa edade. Deus coroa as mulheres

que sabem conservar e defender a mocidade. A felicidade

é mais necessária para a mulher, do que para o homem.

Por isso não pode ser feliz a mulher que não tem

attractivos. A belleza consiste apenas n’uma questão de

excelente pelle, que representa a mocidade [...] O creme

Rugol, sendo usado com assíduo cuidado previne e

elimina as rugas ou rugosidades, substituindo-as por uma

pelle avelludada e cheia de frêscor. 109

O creme Rugol poderia ser utilizado no rosto, no pescoço e nas mãos, e servia

como fixador de pó-de-arroz. Era vendido em farmácias ou por postagem de dinheiro.

Novamente a beleza e a juventude são relacionadas à felicidade, porém desta vez, esta

relação aparece mais direta. As leitoras da Revista Feminina recebem através desta

propaganda a certeza de que só poderiam alcançar a felicidade graças ao visual belo. As

rugas como sinal do tempo na pele seriam vistas como um mal, causador da tristeza, e

que devia ser evitado a todo custo.

Além das propagandas dos cremes de beleza, a juventude seria valorizada pela

Revista em vários momentos. Entretanto seria a partir de 1924 que se tornaria usual a

presença de artigos defendendo uma aparência jovem, e até o uso corriqueiro da palavra

“rugas” ao se referir às marcas de expressão.

109 Propaganda “Rugol” em Revista Feminina de janeiro de 1928.

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Cabellos brancos e rugas precoces! Haverá alguma coisa

de mais profundamente doloroso para uma mulher que

isto? Certamente não. Porque a velhice é triste, mas a

velhice antes do tempo é mais triste ainda. 110

O artigo “Rugas e cabellos brancos...” aborda os sinais do tempo de forma

dramática como uma “doença”, que deveria ser tratada por médicos e tratamentos

específicos. Com forte apelo dramático, a Revista Feminina trazia receitas

embelezadoras para a mulher manter o visual jovem. A expressão ainda não havia se

tornado comum. A velhice seria sinônimo de tristeza, ao contrário da beleza que

simbolizaria juventude e felicidade.

Neste artigo podemos notar que a Revista trataria a questão da velhice precoce

com um grande problema. Em nenhum momento foi encontrada alguma referência

sobre a “qualidade de vida” para as senhoras de idade. Além disso, a Revista Feminina

não apresenta nenhuma imagem de mulheres com idades avançadas em suas páginas.

Arriscamos dizer que a Revista não era destinada às mulheres maduras das décadas

iniciais do século XX. Afinal, para essas, a velhice já estaria instalada, e nada mais

poderia ser feito. Por isso que seria abordado insistentemente para as jovens cuidarem

de seus atrativos desde o início.

Se v. que lê estas letras, é ainda muito jovem, trate de

conservar a frescura das linhas a que alludimos. Se não

acertamos com a sua idade e o espelho já lhe dá alarmes,

examine-se valorosamente, verdadeiramente, em pleno

dia, em plena luz e corra a um especialista. Depois, vem a

luta contra o tempo, contra os músculos relaxados,

desfallecentes, contra os senões da pelle, secca ou

graxenta, contra as rugas dos olhos. Se v. quizer, pode

vencer... 111

Conhecer o corpo e seus mecanismos fazia parte da nova beleza. Além de

conhecer seu rosto para “lutar” contra as marcas do tempo, a mulher deveria conhecê-lo

110 “Rugas e cabellos brancos...”, anônimo, em Revista Feminina de novembro de 1924. 111 “A mocidade sempre...”, anônimo, em Revista Feminina de junho de 1935.

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por completo. Como forma de deixar o corpo mais jovem e conseqüentemente estar

mais de acordo com as necessidades da vida urbana, o exercício físico seria abordado

insistentemente. Para a Revista, a beleza implicava a conquista de um corpo em

movimento através da ginástica e dos esportes.

O primeiro momento encontrado na Revista Feminina, em que seria abordada a

questão do exercício físico e da ginástica, foi em 1918 com o artigo “A Belleza

Feminina e a Cultura Physica” de autor anônimo.

Não queremos transformar a mulher em athletica, em

gymnasta ou acrobata. Não queremos aconselhar-lhe

exercícios que tenham por fim substituir-lhe as fórmas,

que devem ser arredondadas... Queremos apenas dizer-

lhe que os exercícios salutares de uma cultura physica

racional são tão necessários á mulher, como a creança é

ao homem. Nosso fim é a belleza. E a belleza só pode

coexistir com a saúde, com a robustez e com a força. [...]

A cultura physica da mulher é pois a gymnastica de

conservação, de garbo, de firmeza no andar, de elegância

na attitude e , sobretudo, de hygiene e de graça. 112

Cautelosamente a Revista procuraria introjetar em suas leitoras a idéia do

exercício físico. Esta era uma idéia nova e um tanto audaciosa, afinal os exercícios

representavam uma possibilidade de libertar o corpo dos espartilhos e coações corporais

muito antigas. Porém, agora, com a instauração dos novos tempos, as necessidades

também seriam modificadas e com ela a própria mulher. Neste artigo há a sugestão de

mulheres se exercitando, além de com explicações para tornar possível que as leitoras

também o fizessem.

Durante todo o artigo é dito às mulheres que o exercício jamais a estariam

tornando atletas, ou ainda musculosas. Explica que o exercício seria complementar para

todos aqueles que desejassem uma vida saudável, seja criança, homem ou mulher. É

claro que para cada um, seria direcionado um tipo de exercício. Para as mulheres, a

ginástica é completamente despida de competitividade, de agressividade, de desejo de

112 “Belleza feminina e cultura physica”, anônimo, em Revista Feminina de abril de 1918.

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vitória, ou seja, das emoções constitutivas dos jogos coletivos113. Os exercícios

femininos aconselhados pela Revista seriam em sua maioria: danças, natação, esgrima,

ginástica sueca, etc. Jogos individuais e pouco agressivos seriam aqueles permitidos às

mulheres, e deveriam ser realizados ao ar livre para o melhor aproveitamento. Se a

mulher não tivesse condições de praticar ao ar livre, a Revista fornecia idéias criativas

para tal.

Recomendamos ás nossas gentis leitoras que, todos os

dias, dediquem pelo menos meia hora a este salutar e

delicioso exercício; e aquellas que não tiverem creados,

podem aproveitar as danças não só como hygiene senão

como utilidade domestica, isto é, amarrar um panno de

baeta nos pés... Quando terminar a dança o assoalho

estará limpo, esfregado e brilhante [...] Quem não tem o

habito da dança, nunca poderá ser perfeitamente

elegante. Só com a dança é que o individuo consegue

disciplinar o seu passo e tornal-o gracioso. 114

Ser bela e boa dona de casa deveriam ser duas funções complementares à

mulher. Além de explicar às leitoras a importância da ginástica, a Revista Feminina

fornecia meios criativos para convencê-las a realizá-la. Ou seja, a mulher não teria

“desculpas” para não praticar a ginástica, e assim estar de acordo com as novas

necessidades do movimento dos corpos. Além disso, o artigo relembrava a importância

do exercício físico, relacionando-o à elegância do corpo e até do passo.

A ginástica direcionada às mulheres e homens possuía uma forte influência do

discurso higienista e eugênico. Tornar o corpo saudável, robusto e forte, serviria para o

aprimoramento da raça e da civilidade. Afinal pais fortes, teriam filhos fortes. A

valorização do corpo esteticamente belo e do aperfeiçoamento físico de corpos

saudáveis e aptos, capazes de enfrentar os desafios da vida modernizada.115

Implicitamente a idéia de constituir cidadãos fortes estaria presente no novo ideal de

beleza. Em nenhum momento essas idéias são apresentadas com clareza às leitoras,

113 Schpun, op. cit. P. 41. 114 “Dançar para prolongar a vida”, anônimo, em Revista Feminina de agosto de 1921. 115 Goellner, Silvana V. Bela, maternal e feminina – imagens da mulher na revista Educação Physica. Ijuí: Unijuí, 2003. P. 17.

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porém, podemos identificá-las de forma indireta através da fala de seus artigos e seções.

A beleza e a saúde são misturadas nos discursos higienistas, tanto quanto nos

conselhos dados pelas revistas femininas, tanto sobre cuidados com a pele, com a

alimentação, sobre a prática dos exercícios, etc. 116

A mulher, de facto, não pode continuar a ser entre nós,

um ser incapaz do menor esforço muscular, e da mínima

resistência á fadiga physica. 117

A campanha pelo exercício físico feminino estaria fortemente presente pelos

anos de publicação da Revista Feminina. E durante todo esse período continuaria

abordando seus benefícios, sua importância, e seus métodos, o que nos leva a crer, sobre

a dificuldade do desenvolvimento de um hábito esportivo nas leitoras. Além dos

exercícios físicos, a própria higiene consistia em um meio de se chegar à beleza.

São muitos os momentos em que são ensinados e valorizados pela Revista, a

higiene nos corpos femininos. Manter os corpos limpos já seria uma forma de mantê-los

belos. Os assuntos que mais aparecem relacionando beleza e higiene, seriam as questões

referentes à limpeza e conservação dos dentes, e à transpiração.

Hoje em dia ninguém contesta a necessidade que todo o

individuo tem de possuir alguns conhecimentos sobre

hygiene [...] Ora, a ninguem mais que a mulher é

necessário esse conhecimento. Quer pela sua acção

directa sobre a manutenção d lar domestico, alimentação,

vestiartio, etc, quer se considere sua influencia sobre a

saúde da prole, todos os seus actos tem uma repercussão

importante sobre a saúde dos seus. 118

A beleza não poderia estar completa sem a busca por uma forma esbelta. Além

do corpo estar limpo, sadio, forte e jovem, as mulheres deviam estar atentas para que

suas formas estivessem dentro dos parâmetros do que representaria o belo. A gordura e

a magreza excessiva seriam contrárias à beleza. 116 Schpun, op. cit. P. 77. 117 “A mulher e os esportes”, anônimo, em Revista Feminina de março de 1924. 118 “Páginas de hygiene”, anônimo, em Revista Feminina de abril de 1924.

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A belleza não é compatível com os extremos; como a

virtude ella reside no meio termo. Quando a gordura é

exaggerada as formas se tornam monstruosas; o talhe

perde-se deforma-se; o semblante perde a expressão. 119

A Revista Feminina trazia em seus artigos uma série de passagens condenando o

corpo com formas sem harmonia. Durante a análise de toda a existência da Revista

foram encontrados diversos artigos que tratavam deste tema. A grande diferença entre

eles, seria cada vez uma maior presença dos que tratavam dos corpos com gordura

excessiva, e cada vez menos daqueles que falavam sobre a magreza exagerada. Assim

como a velhice e a ociosidade do corpo, a gordura estaria ligada ao que seria

considerado feio.

...está fora de dúvida que para o olhar masculino, as

formas arredondadas, sem exagerações adiposas, têm

maior numero de adeptos que as depauperadas e

esqueléticas. 120

As formas seriam capazes de atrair os olhares masculinos, que como foi

analisado, teriam uma grande importância social para a mulher. Assim, a frenética busca

por um corpo com formas harmoniosamente arredondadas era incentivada pela Revista.

Os meios para se obter um corpo com tais proporções seria uma alimentação saudável e,

é claro, o regime alimentar 121.

A gordura localizada no ventre, nos quadris, cede com a

gymnastica e com a massagem alliadas á certa restrição

alimentar. Regimen! Qual é hoje a mulher moderna,

intelligente e culta, que sacrificará a sua plástica em

119 “As senhoras gordas” por A. L. em Revista Feminina de abril de 1915. 120 “A mulher angulosa nunca é bella”, anônimo em Revista Feminina de junho de 1923. 121 Apesar dos inúmeros artigos que lidam com o tratamento da gordura do corpo, não foi encontrado nenhum que lidasse com a questão do peso. A quantidade de gordura considerada “saudável” deveria ser mais uma questão de “bom senso” da mulher, do que de um número. Bem diferente, do que Georges Vigarello aborda em seu livro História da Beleza, onde comenta que revistas femininas francesas, contemporâneas à Revista Feminina já trariam em suas páginas referências em quilos do que seria um corpo com uma quantidade saudável e bela de gordura.

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troca de alguma guloseima? [...] Gordura é, hoje,

synonimo de doença. 122

Seria uma prática natural da Revista ao tratar das questões da gordura, utilizar

palavras fortes que procuravam desqualificar essa característica corporal. Formas

monstruosas ou desgraçadas obesas são exemplos desta prática, já no referido artigo,

vemos a afirmação de gordura estar ligada à doença.

E’ feio, e’ triste mesmo ver-se uma pessoa obesa,

principalmente se se tratar de uma senhora; toca ás vezes

as raias da repugnância, como também é doloroso o

aspecto de uma senhora extremamente magra, de olheiras

profundas [...]Um corpo cheio de linhas harmoniosas e

suaves contornos, porem naturaes, agrada a vista e torna

a pessoa mais elegante e distinta. 123

Possuir um corpo com formas avantajadas simbolizaria fraqueza e falta de

controle das vontades. O hábito do regime, pelo contrário, significaria ter o controle e o

comando sobre o próprio corpo.

O regime alimentar era uma prática muito incentivada pela Revista Feminina. O

primeiro artigo que abordaria tais questões seria já em abril de 1915.

Tres cathegorias de senhoras gordas, classificadas

etiologicamente: Vida sedentária e excesso de

alimentação; hereditariedade; edade. [...] O remedio

racional é equilibrar o orçamento: diminuir a receita

comendo menos e augmentar a despesa com os exercicios

physicos. [...] Evite antes de tudo os gordurosos!

Manteiga, azeite, carnes gordas, azeitonas, bem como os

feculentos, macarrão, pastas alimentícias, tapioca,

batatas, arroz, feijão, milho, farinhas, assucar, doces e

sobretudo, chocolates, fructos assucarados, o leite. O

122 “Gordura”, anônimo, em Revista Feminina de julho de 1929. 123 “Para emmagrecer”, anônimo, em Revista Feminina de setembro de 1923.

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pão, o biscoito e as bolachas, são igualmente interdictos.

O que resta então? Perguntarão as leitoras... Os legumes

verdes são em grande numero e todos elles são

permittidos aos gordos. O frango e algumas aves feitos na

grelha, quase sem gordura, e os peixes, completarão

excellentes cardápios para que os gordos não tenham a

queixar de excessivo rigor [...] Realizaremos a segunda

parte do programa, com o exercício physico – longas

caminhadas a pé, pela manhan e á tarde [...] E´

necessário beber o menos possível e apenas água ou

infusão de cabello de milho [...] O banho morno é contra-

indicado, deverão usar o banho frio – de chuva de

preferência – seguido de massagem [...] O amassamento,

tomando entre as mãos a pelle e o tecido gorduroso e

espremendo-o trecho por trecho [...] Com este regimen

tenazmente seguido o emmagrecimento dá-se aos poucos,

sem prejuízo para a saúde e com vantagem para a belleza

da mulher. 124

Como exemplo do primeiro regime alimentar contido na Revista Feminina,

ressaltamos o grande conhecimento do funcionamento do corpo humano por parte de

seu autor, o que nos faz pensar ser um médico. A causa da gordura acumulada citada

pelo artigo seria o sedentarismo, hábitos alimentares gordurosos, a hereditariedade e/ou

a velhice. O conhecimento da natureza dos alimentos já era grande durante o período,

sendo apontados suas características e funções para o corpo humano. Além disso, já

seria estimulado o exercício físico como meio de se adquirir uma aparência mais leve.

Vale dizer, que a caminhada citada pelo artigo teria a função de impedir o sedentarismo,

mas não possuía a complexidade do exercício físico apontado a pouco. O banho frio e a

massagem125 seriam formas complementares para acabar com a gordura corporal. O

artigo ainda aborda que um corpo com formas harmoniosas seria fundamental para a

beleza feminina.

124 “As senhoras gordas” op. cit. 125 A massagem citada pelo artigo seria relativa a uma espécie de “massagem modeladora”, que em nossos dias ainda é normal como forma de tratamento corporal para a gordura localizada.

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São muitas as dietas contidas na Revista Feminina. Suas fórmulas permanecem

muito próximas, uma vez que estimulam o controle de alimentos gordurosos, o

exercício físico e massagens. Em um artigo de 1928, os termos proteínas e carboidratos

já apareciam como palavras conhecidas e compreendidas pelas leitoras da Revista que

buscavam um corpo magro.

Para ter saude estuante, diz a Dra. Walsworth, deve-se

ingerir todos os dias estes cinco elementos nutritivos: 1-

Proteínas, em pequena porção; 2- Carbohydratos, de

acordo com o peso da pessoa; 3- Litro e meio de liquido;

4-Saes mineraes; 5- Sufficientes alimentos fibrosos. 126

A Revista Feminina seria de grande importância por “educar” as mulheres da

elite brasileira nos termos técnicos sobre o corpo feminino, e sobre os métodos

embelezadores. A utilização exacerbada de explicações sobre as funções da beleza, bem

como o que era a beleza para a Revista, nos mostram que este era um assunto de grande

importância para a mulher no período. A mãe, esposa e dona de casa, deveriam ser, na

verdade, a graciosa e esbelta mãe, a bela e jovem esposa, e a saudável e exercitada dona

de casa.

126 “O problema alimentar” anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1928.

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2 – Métodos embelezadores

Os métodos embelezadores e todas as formas para tornar bela a aparência,

apareciam a todo o momento entre os artigos, colunas e propagandas da Revista

Feminina. Cremes, loções, tônicos, e pomadas, deveriam ser adquiridos em farmácias,

drogarias, ou ainda feitos em casa. Alguns destes compostos eram anunciados na

Revista e remetidos às leitoras após um prévio envio de dinheiro.

A cada artigo que abordava a importância da beleza e da aparência, existia

também uma receita embelezadora, o que tornaria viável às leitoras adquirirem tal

visual. Normalmente os artigos sobre beleza da Revista Feminina traziam receitas, com

medidas e componentes estipulados, que poderiam ser comprados pelas leitoras, e feitos

em casa. A mulher leitora da Revista deveria possuir um grande conhecimento sobre

medidas, pesos e até componentes químicos para conseguir realizar com êxito as

receitas embelezadoras. Interessante notar que apesar das receitas embelezadoras

contidas na Revista, sempre tratarem sobre os mesmos problemas como infecções na

pele do rosto, rugas ou cabelos brancos, a cada matéria, seria fornecido uma alternativa

para curá-los. O que nos leva a duvidar da qualidade, ou mesmo da eficácia de tais

métodos.

Muitos componentes contidos nessas receitas seriam perigosos ao serem

aplicados no corpo da mulher, como querosene, benzina e ácidos. Todos esses são

extremamente perigosos, podendo levar até a morte se caso fossem inalados ou

ingeridos. Em muitos momentos a Revista Feminina abordava o tema sobre alguns

“elixires da beleza” que seriam extremamente venenosos, o que levava a um efeito

totalmente diferente do proposto. Isto seria muito visível nas propagandas veiculadas na

Revista. É comum um composto se auto-intitular uma preparação conscenciosa como é

o caso do creme para sardas, espinhas e manchas na pele Creme do Harém durante o

ano de 1917. Neste mesmo ano, a propaganda da loção Orvalho da Belleza abordaria o

mesmo tema.

Não contem drogas causticas. Com o seu uso a pelle

torna-se macia e de uma brancura invejável. Não Pinta a

Cútis. Defende a pelle de seus parazitas, dá vida e

expressão ao rosto. Uma pelle aveludada e

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esmeradamente tratada; tributo da belleza de cujo cultivo

depende o mais das vezes a felicidade da mulher. 127

Nas palavras dos publicitários da loção Orvalho da Belleza notamos a

preocupação em explicar a qualidade e a inocuidade do produto. Além de garantir que o

produto não utilizaria compostos perigosos e agressivos para a pele, ainda traz a questão

de que não “pinta” a cútis. Muitos destes perigosos componentes de cremes

embelezadores, em contato com a pele poderiam causar grandes danos como manchas e

irritações, algumas vezes irreversíveis.

Não seriam apenas os cremes para a pele do rosto e do corpo que teriam tal

problema, mas também os produtos para o cabelo.

Além de dar brilho aos cabellos e de tornal-os macios e

crespos, essa loção é infallivel para combater a Caspa e

evitar a Queda dos Cabellos. Preparado com kerozene e

não com benzina ou essências similares... 128

A loção Petróleo Americano se vangloriava por não utilizar o componente

benzina, mas sim o querosene. Entretanto, sabemos que ambos são extremamente

tóxicos e cancerígenos, sendo o querosene até inflamável. Com certeza uma loção

capilar com esta substância causaria um grande mal à saúde da mulher. Além disso, esta

loção abordava uma questão muito presente em grande parte dos métodos

embelezadores da Revista Feminina: juntar várias funções para cada creme cosmético.

Isso significa que cada uma das composições veiculadas pela Revista, teria várias

funções como no caso do Petróleo Americano que além de dar maciez ao cabelo,

evitava a caspa e a queda.

Nos artigos da Revista há também a presença de muitas citações sobre a

periculosidade de alguns tratamentos embelezadores.

Há outros, porem, perigosos por violentos e que nenhuma

mulher devia adoptar sem previa consulta a um

especialista [...] ter-se o maximo cuidado quer a dosagem

127 Propaganda “Orvalho da Belleza”, em Revista Feminina de janeiro de 1917. 128 Propaganda “Petróleo Americano”, em Revista Feminina de maio de 1917.

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dos ingredientes, quer na procedencia e boa qualidade

dos mesmos. 129

No artigo referido, percebemos o pedido de cautela às leitoras sobre alguns

métodos para se tratar as rugas e os cabelos brancos. A Revista ainda lembra a

necessidade e a importância de se consultar um especialista antes de utilizar algum

tratamento estético, e ainda do cuidado ao manusear os componentes. Afinal grande

parte dos cremes e loções aconselhados pela Revista Feminina deveriam ser todos feitos

em casa pela própria mulher. Na intimidade e até solidão do penteador, caberia à mulher

preparar seu corpo utilizando todos os mecanismos necessários.

Mas não seriam apenas os cremes cosméticos os apontados como perigosos.

O problema alimentar – segundo o parecer d’uma

especialista em alimentação, é preciso um bom pequeno

almoço. O perigo de certas “dietas para emmagrecer”. 130

São muitos os momentos em que a Revista Feminina abordaria o problema de

algumas dietas e até pílulas emagrecedoras. Sendo encarados como inimigos da saúde e

da beleza, tais métodos seriam banidos pela Revista, e por isso em tantos momentos

eram trazidos artigos em que se explicavam às leitoras os métodos corretos para

emagrecer. Apesar de tudo isso, algumas cartas de leitoras sugerem a utilização de

alguns métodos perigosos para se alcançar a silhueta desejada.

Espero que me dem, também a mim, um pouco de

attenção e me forneçam os conselhos de que estou

necessitando. Sou moça, tenho vinte annos apenas, e

apezar da minha magreza, tenho o ventre um pouco

crescido. Não é muito crescido, e uma simples cinta basta

para fazel-o desapparecer, mas como sou magra, não sei

porque o tenho tão desenvolvido. A principio, cuidei que

fosse excesso de nutrição, e tratei de me alimentar o

129 “Rugas e cabellos brancos”, anônimo, em Revista Feminina de novembro de 1924. 130 “O problema alimentar”, anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1928.

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menos possível. O resultado foi emmagrecer mais, mas

nem por isso o meu ventre diminuiu de volume. Se alguma

das collaboradoras conhece o meu caso, queira indicar-

me o remédio por esta secção, que lhe ficará muito grata

a amiguinha. 131

A leitora comentava em sua carta sobre a dificuldade de emagrecer, ou de pelo

menos diminuir o tamanho do abdômen. Ressaltamos o trecho em que a leitora

apelidada “Sertaneja” escreveu que para atenuar seu ventre, teria se alimentado o menos

possível. Além do perigo das pílulas emagrecedoras e dietas milagrosas, existia também

o perigo das próprias mulheres tão preocupadas com a magreza do corpo, se sujeitarem

à métodos que colocassem em risco sua saúde, como por exemplo, a anorexia. A

veiculação de imagens de mulheres esbeltas pela Revista Feminina e pela mídia em

geral, poderia causar um grande desconforto entre as mulheres em relação ao próprio

corpo, levando a manifestação de enfermidades.

Para evitar que suas leitoras utilizassem métodos embelezadores perigosos que

ameaçassem sua beleza, a Revista Feminina trazia em suas páginas, artigos que

procurariam ensiná-las métodos confiáveis. Além desses artigos, durante seus 21 anos

de existência a Revista teria dois momentos em que veiculariam seções e colunas

específicas para métodos embelezadores: Arte da Belleza – curso completo de

conservação e cultivo da belleza: entre junho de 1920 até junho de 1921; Consultório

da Belleza - entre os meses de abril e junho de 1929.

A coluna Arte da Belleza perdurou durante um ano na Revista Feminina.

Durante toda a existência desta coluna, nunca houve uma referência a quem seria seu

autor. Apesar do anonimato, as explicações extremamente técnicas acerca do corpo

feminino nos fazem crer que seja um médico o seu principal responsável. Possivelmente

poderia ser o Dr. Cláudio de Souza devido a sua grande influência como co-autor da

Revista. Em suas 12 matérias, seriam abordados problemas e soluções sobre a beleza

feminina, seus assuntos foram: a pele, as mãos e os braços, afecções da pele, a cabeça e

sua fisionomia, a testa e os olhos, o nariz, os dentes, o cabelo e a calvície.

131 “Jardim Fechado”, leitora Sertaneja de Livramento, em Revista Feminina de fevereiro de 1919.

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Não é demais repetir ás nossas leitoras que a maior parte

dos preparados que se annunciam como excelentes para a

pelle são perigosos [...] No decurso destes artigos, em

que procuramos compediar tudo o que diz respeito a

cultura e arte da belleza, offerecendo fórmulas efficazes

para a conservação e belleza da pelle.132

No número inicial da coluna Arte da Belleza já seria explicado às leitoras o

caráter científico e confiável das informações lá contidas. Neste primeiro número, de

forma simples era abordado todo o funcionamento da pele, suas várias camadas como a

derme e a epiderme. O conhecimento prévio de todo o mecanismo da pele teria grande

importância para as mulheres, uma vez que estariam mais preparadas para cuidá-la,

evitando o uso de técnicas prejudiciais.

O número três da coluna Arte da Belleza continuaria a tratar as questões sobre a

pele, porém desta vez seria explorado seus problemas, afecções e infecções. Os

problemas diagnosticados eram: a coloração da pele, como tratar manchas, a influência

de raios solares, sardas, mofo, verrugas, manchas de nascença133. Todos esses

problemas seriam tratados com cuidado, explicados às leitoras suas causas, e formas de

tratamento.

Os demais números tratariam de partes do corpo como mão, braço, testa, olhos e

nariz. Em cada um desses seria explicado minuciosamente como estes alcançariam a

beleza, alguns pelo simples uso de métodos embelezadores, outros já pela própria boa

formação física de cada parte.

São raríssimos os narizes bem conformados, isto é, que

reúne a harmonia das proporções com o resto da cara.

Eis aqui, segundo as regras da arte, as condições de

belleza que esse órgão exige. 134

A descrição sobre como deveria ser um belo nariz, é apenas mais uma dentro da

coluna. Afinal a cada número seriam descritas como cada parte do corpo feminino devia

132 “Arte da belleza I – a pelle”, anônimo, em Revista Feminina de junho de 1920. 133 “Arte da belleza III – affecções da pelle”, anônimo, em Revista Feminina de setembro de 1920. 134 “Arte da belleza VIII – o nariz”, anônimo, em Revista Feminina de fevereiro de 1921.

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ser verdadeiramente bela. A higiene era fortemente valorizada como mais uma forma de

embelezar o corpo.

O corpo póde tornar-se bello mercê da hygiene, da

nutrição perfeita e dos exercícios adequados. 135

Principalmente nos números que tratariam os dentes e os cabelos, a higiene seria

extremamente valorizada. Problemas como o mau hálito e a caspa eram tratados pela

coluna como os grandes problemas de tais partes do corpo, e por isso seria incentivado

toda a higiene bucal e a lavagem dos cabelos constantemente.

Em 1929 surgiria na Revista Feminina o Consultório da Belleza. Uma seção de

respostas às perguntas das leitoras acerca da beleza e do tratamento da aparência. A

coluna durou três meses – abril, maio e junho – e era assinada por Mme. Campos,

diretora da Academia Scientifica de Belleza, sediada no Rio de Janeiro136. As perguntas

das leitoras não eram publicadas, na Revista estaria apenas a resposta de Mme Campos

sobre a forma correta para se alcançar a beleza tão desejada. As perguntas deveriam ser

encaminhadas por cartas à sede da Revista.

A maioria das leitoras que buscavam no Consultório uma solução para seus

problemas, seria de cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E de forma

secundária ainda apareceriam leitoras do Rio Grande do Sul, Paraíba e Alagoas. A

maioria das questões era sobre a pele da face e seus problemas, principalmente as rugas,

as espinhas e os poros sujos. Sobre esses problemas o Consultório falava às mulheres de

forma ríspida e um tanto dramática.

As rugas são o túmulo do amor [...] A espinha é o peor

defeito que transforma horrivelmente um rosto, não só

135 “Arte da belleza V – a cabeça e a physionomia”, anônimo, em Revista Feminina de outubro de 1920. 136 No artigo “História da cirurgia plástica brasileira” escrito pelo Dr. Lybio Martire Jr. é apontado que a Academia Científica de Beleza foi fundada pelo Dr. Antonio Pires Rebelo, grande médico da década de 30, precursor da cirurgia plástica no Brasil. Essas informações nos levam a crer que o Dr. Antonio Pires Rebelo seja o Dr. Pires, responsável pelo livro A Arte de Ser Bela de 1933, e por propagandas de suas habilidades estéticas, em revistas da época como a própria Revista Feminina. Apesar de não encontrarmos fontes que comprovem que sejam a mesma pessoa, especulamos que sendo a cirurgia plástica uma modalidade tão recente no Brasil, dificilmente existiriam dois médicos com nomes similares desenvolvendo-a. Isso nos leva a crer que possivelmente Mme Campos possa ser o próprio Dr. Pires, utilizando de um pseudônimo feminino e afrancesado, para passar maior credibilidade e confiança às leitoras da Revista.

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por tornar a pelle estragada, como também por dar á

pessoa uma impressão desagradável. 137

Além dos problemas de pele, os assuntos mais tratados pela coluna seriam sobre

os seios, as mãos, as unhas, os dentes e a transpiração. Para cada um desses problemas

seria dirigida uma solução. Diferente das soluções contidas na própria Revista que

usualmente passavam receitas caseiras através da mistura de componentes, o

Consultório da Beleza iria sempre indicar produtos já manipulados, fornecendo o nome

da marca às leitoras. Indicar um produto já existente nos faz pensar que possivelmente o

Consultório seria mais uma forma de publicidade do que exatamente uma coluna da

Revista Feminina, até mesmo por sua existência tão rápida.

Além dos métodos embelezadores trazidos pela própria Revista, alguns seriam

oferecidos por artistas da época, o poder de sedução de estrelas do cinema marcou toda

a geração de mulheres, servindo de modelo para a imagem que queriam delas

mesmas138. Muitas dessas dicas seriam passadas de forma indireta, ou seja, não

exatamente pela “diva” dizendo seus truques embelezadores. O primeiro artigo que faz

tal relação, seria o “Escola do Cinema” em dezembro de 1921, com fotos de divas do

cinema mudo americano e com o seguinte comentário:

Cintilante contellação de “Reabart”. Da esquerda para a

direita: Mary Mac Avoy, Mary Winter, Alice Brady,

Contance Binney e Bebé Daniels. Reparem as leitoras na

graça desses penteados. 139

O momento em que a relação entre a beleza e as estrelas de cinema se tornaria

mais explícito, aconteceria com a cantora lírica e atriz Lina Cavallieri em 1920.

A mulher que deseja ser verdadeiramente bella, deve

agarrar-se desesperadamente á sua mocidade, e para se

conservar moça, deve, em tudo quanto fizer evitar a

fadiga. Repouso, muito repouso! E´a pedra angular do

137 “Consultório da Belleza”, por Mme Campos, em Revista Feminina de abril de 1929. 138 Priore, May del. op. cit. P. 75. 139 “Escola de cinema” anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1921.

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monumento da belleza! Não deve nem trabalhar nem

estudar muito, nem se entregar a sports violentos. Deve

fazer apenas os exercícios necessários para evitar a

gordura. O ar livre é salutar para a belleza; mas com a

condição de não ser áspero. A ventania só nos póde fazer

mal. Não se devem receiar os perfumes no quarto de

dormir. Empregados discretamente e de boa qualidade,

tem acção feliz de calmante para os nervos e facilitam o

repouso, condição absolutamente indispensável á

belleza.140

Seguindo este artigo, a atriz ainda dava conselhos de alimentação saudável e

pouco gordurosa, e ainda como evitar rugas. Durante os demais anos da edição da

Revista Feminina foi apenas por volta dos anos 30 que ficaria mais forte a relação entre

beleza e as estrelas de cinema. Como o artigo “Elegância natural” de Sylvia Accioly que

trazia fotos de atrizes com belos vestidos em poses majestosas de 1935. Ou ainda

“Praticas de Bellezas – alguns segredos da arte da maquillagem segundo os especialistas

de Hollywood”, anônimo, de 1936. Com o passar do tempo, tornaria-se cada vez mais

natural às leitoras da Revista ter como modelos de beleza pessoas do meio artístico.

Como um método embelezador totalmente inovador e moderno, a cirurgia

plástica já começava a aparecer como meio para se adquirir uma aparência bela. Após a

Primeira Guerra Mundial em 1918, teríamos uma grande evolução desta parte da

medicina responsável pela estética141. A Revista Feminina sempre preocupada por

informar suas leitoras daquilo que de mais novo existia para o aprimoramento do corpo,

traria tal novidade.

Dr. Voronoff da Academia de Sciencia de Paris

apresentou uma communicação que merece ser tomada

ao serio [...] chegou á convicção de que é possível a

renovação do homem, não pelos processos empíricos da 140 “Modelos de belleza – Lina Cavallieri”, anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1920. 141 Informações retiradas de Jr. Martite, Lybio. “História da cirurgia plástica brasileira”. Disponível em: http://www.sbhm.org.br/index.asp?p=especialidades_view&codigo=48. Acessado em 10 de fevereiro de 2008.

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medicina, como o elixir da longa vida, nem pelos

processos da magia medieval, mas pelo processo

scientifico da intervenção cirúrgica, ou mais

precisamente, da enxertia humana. Voltar attarz na vida,

mantendo a experiência adquirida nos longos annos do

encanecimento, ao mesmo tempo que se deitou ás ortigas

das rugas, os emperramentos, as “brancas”, todos os

signaes que exteriormente davam ao homem, ao fim de

largos annos a patina do tempo, deve parecer uma coisa

admirável, principalmente se o homem adquire, com o

aspecto da mocidade, a correspondente elasticidade de

músculos, vibratilidade dos nervos, estuamento de

sangue, alegria de viver, a graça, o riso, a

despreoccupação, a fé, o conjuncto sem o qual não há

verdadeira mocidade. Há duas mocidades e duas

velhices. A mocidade e a velhice do corpo, e a mocidade e

a velhice da alma. 142

Além de apresentar às leitoras a nova capacidade da medicina de rejuvenescer o

corpo através da cirurgia, o artigo abordava a questão sobre o resultado da cirurgia na

velhice. Afirmavam a existência de duas velhices: uma da alma e outra do corpo. Assim

discutiriam sobre a possibilidade de um rejuvenescimento também da alma com tal

intervenção cirúrgica, e quais as vantagens que esta traria para a sociedade. Notamos a

forte presença da relação entre beleza física e espiritual explorada anteriormente, e

ainda uma visão mistificada do que seria a cirurgia plástica, naquele momento chamada

de enxerto.

Em 1928 a Revista Feminina abordaria novamente a questão sobre a cirurgia

plástica.

Madame A. Noel, casada com um médico, afirma ter,

desde estudante, idéa fixa de dedicar-se á especialização

esthetica [...] Mostrou Mme A. Noel sua habilidade

142 “Mocidade artificial” anônimo, em Revista Feminina de março de 1920.

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engenhosa nesta interessante arte operatória, em dezenas

de casos em que se transmudou quasi totalmente a

physionomia engelhada numa physionomia fresca, viva,

expressiva [...] Assim, as rugas da testa, as pregas do

ângulo externo dos olhos, a flacidez da pelle na

vizinhança da pálpebra inferior,a deformidade da face, o

pronunciado sulco naso-labial, a desharmonia dos lábios,

a papada mentoniana, o acabanado das orelhas, todos

esses traços de velhice precoce, são corrigidos com o

bisturi-pincel da Dra. A. Noel. 143

De uma forma muito mais científica este novo artigo trabalhava a questão da

cirurgia estética. Ressaltamos a grande valorização da cirurgia como meio de se driblar

a velhice, corrigindo todos os sinais da idade. Além disso, a cirurgiã citada Dra. A. Noel

seria vista como uma artista, que redesenha os traços da fisionomia. Seu bisturi-pincel

era capaz em dar um ar mais jovial e por isso mais feliz a quem necessitasse.

A presença deste artigo logo no final dos anos 20, teria uma grande importância.

Afinal neste momento a cirurgia plástica não era apenas uma realidade para países do

exterior, mas também aqui em terras brasileiras. No final dos anos 20, a cirurgia plástica

já era uma realidade também no Brasil144.

O corpo feminino deveria estar a todo tempo conectado às novas tendências e

tecnologias a serviço da beleza.

143 “A cirurgia esthetica da dra. A. Noel” por Alfredo Pinheiro, em Revista Feminina de novembro de 1928. 144 O referido Dr. Pires estaria no início da década de 30 já rejuvenescendo principalmente mulheres em seu consultório no Rio de Janeiro. Em seu livro A Arte de Ser Bela, já teria fotos de antes e depois de vários casos operados pelo médico. As cirurgias realizadas reparavam rugas, seios e narizes defeituosos.

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3 – Comportamento controlado

Além da beleza estética, a valorização de um comportamento controlado seria

constantemente exaltado pela Revista Feminina. Juntamente com essa transformação

física da cidade, surgem novas atitudes em relação às pessoas e situações. A proposta

era ser “civilizado”, como o eram os franceses e os europeus em geral. 145

A modernização das cidades brasileiras, ocorrida entre os séculos XIX e XX,

deveria ser refletida nos corpos através da moda, das aparências e dos hábitos146. Esses

novos hábitos considerados civilizados eram necessários, para quem quisesse fazer parte

da nova aparência da cidade moderna. A elite brasileira, para integrar e interagir com a

modernidade e a civilidade, adotaria uma série de “novos” comportamentos, que

possibilitariam um reconhecimento social enquanto grupo privilegiado.

Sempre que examinamos as pessoas de nosso

conhecimento ou aquellas que encontramos

involutariamente, as classificamos em duas categorias: as

que tem boa ‘apparencia’ e as que não as tem. 147

A importância social que a mulher tinha em manter seu elevado nível e prestígio

social já existentes, quer em empurrar o status do grupo familiar mais e mais para

cima148, e por isso, seria destinada à elas um grande número de hábitos e

comportamentos. Todos esses pressupunham um controle do corpo. A Revista Feminina

seria a grande disseminadora de todas as dicas para a mulher brasileira em como bem

agir em público.

Os comportamentos valorizados pela Revista apareciam em sua maioria, como

conselhos de higiene, ou ainda em como não se portar em público. Afinal, em nada

adiantaria ter uma aparência bela e estar elegantemente trajada, se o corpo não estivesse

devidamente controlado e limpo, refletindo o comportamento adequado. Odores

desagradáveis, sujeira, andar ou vestir-se desleixadamente, ou ainda rir em demasia,

145 D’Incao, Maria Ângela. “Mulher e família burguesa” in: Priore, Mary Del (org). História das Mulheres no Brasil. SP: Contexto, Unesp, 1997. P. 227. 146 A Revista Feminina traria em seus artigos conselhos de etiqueta principalmente em seus primeiros anos de existência. Provavelmente por suas leitoras se concentrarem na cidade de São Paulo, e por esta cidade estar vivenciando o projeto modernizador exatamente no mesmo período. 147 “Para meninas e moças”, D. em Revista Feminina de agosto de 1916. 148 Idem. P. 229.

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seriam alguns exemplos de comportamentos femininos que deveriam ser

constantemente evitados. Qualquer deslize poderia prejudicar todo o trabalho da moda

e das aparências.

Durante o ano de 1917, a Revista Feminina publicou alguns artigos chamados de

“Notas de Henriquetta” ou “Notas de Henriette”, que buscavam passar dicas de etiqueta

às leitoras.

Os palitos – contra o uso de palitar os dentes, tão

commum em nosso paiz... O palito está banido de toda a

mesa de bom tom. É tão feio palitar os dentes perto de

pessoas estranhas como pôr o dedo no nariz ou limpar as

unhas numa sala de cerimônia.

O penteador é uma roupa íntima que só se admitte ao

levantar-se. Há senhoras porém – e principalmente

senhoras gordas – que passam o dia de penteador,

chegando mesmo a apparecer ás visitas numa roupa de

absoluta intimidade. Dão a idea de desleixo, de pouco

cuidado, consigo mesmas, impressões que uma mulher

sempre deve evitar de causar aos outros.

Andar sem meias – Como? Então há alguma senhora que

ande em casa sem meias? Perguntarão algumas leitoras,

si há algumas! – respondemos – Há talvez 60% de

senhoras casadas que, pelo menos até a hora do almoço,

ficam com o chinello, o cabello amarrado com uma

fitinha e um roupão... 149

Com indignação a Revista Feminina aconselhava suas leitoras a se preocuparem

com o modo de se portar, e principalmente, com toda sua aparência no momento de se

apresentar em público: roupas elegantes, corpos tratados higiênica e cosmeticamente,

além de uma conduta “civilizada”.

A conquista da mulher da elite brasileira ao espaço público, transformou suas

experiências sociais e individuais, uma vez que o circular pelas ruas aumentou seu

149 “Notas de Henriette”, anônimo, em Revista Feminina de outubro de 1917.

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contato com a cidade e com os demais sujeitos, com suas funções dentro da sociedade, e

com ela mesma. Organizar a presença feminina no espaço público, insistindo

particularmente sobre a postura e o andar, eles tratam da presença feminina nas

situações de sociabilidade mista, ensinando as mulheres a servir-se do corpo no jogo

de sedução150. As exigências às mulheres do andar pelas ruas seriam maiores do que

aquelas de quando apenas freqüentavam o âmbito familiar.

Uma mulher sensata, principalmente sendo casada, deve

evitar sahir á rua com um homem que não seja seu pae, o

seu irmão ou seu marido. Expõe-se á maledicência e

compromette a sua honra e a do seu marido, si o tem. 151

Em época de circulação feminina nas ruas, se evitava a todo custo ser

confundida uma mulher dos grupos abastados com outras de outros grupos, e até com

mulheres mundanas. Por isso, seria estimulada certa moderação no vestir-se, no pintar-

se, e no comportar-se das mulheres da elite brasileira, leitoras da Revista Feminina. O

trabalho corporal devia refletir sua posição privilegiada, e não o contrário. Todo o

cuidado seria pouco para o grande momento de “desfilar” por entre as ruas da cidade

moderna.

Através do conselho de etiqueta de Henriette, notamos que o “vir a público” não

significava apenas a ocupação literal das ruas nos grandes centros urbanos. Na

intimidade da casa também existiriam espaços em que a mulher deveria estar trajada

corretamente. Ao se apresentar para o marido, ou mesmo para seus empregados, a

mulher deveria estar com a roupa impecável, a beleza realçada e o comportamento

controlado.

A intimidade da mulher e todo o seu preparo embelezador, devia ser conhecido

apenas por ela mesma, na reclusão de seu quarto. Seria em sua alcova que devia

apresentar-se “naturalmente”, isolada do olhar do outro, para se preparar para a

sociedade. A Revista Feminina incentivaria esta solitária experiência feminina do

“arrumar-se” em diversos momentos.

150 Schpun, op. cit. P. 93-94. 151 “Deveres de uma senhora”, anônimo, em Revista Feminina de março de 1917.

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Movimentos constituem como fundamentos da elegância,

e pode ser adquirido através de um estudo demorado no

espelho, na intimidade do bodoir.

Deve-se pisar com suavidade, sem tocar os pés nem abril-

os nas pontas... Este ponto é essencial, queridas leitoras,

pois deveis saber a attenção com que os homens olham

para estas cousas. O movimento dos braços ao andar

deve ser suave também... É de muito bom gosto trazel-os

caídos sem lhes imprimir movimento algum, porque o

contrario revela uma mulher de pouco espírito.

O tom da voz não deve ser nem tão baixo que obrigue a

pessoa que ouve a interrogar nem tão alto que alcance os

estranhos e anime a curiosidade; deve fallar-se lenta e

claramente para evitar confusões e hesitações ridículas.

A bocca procure-se conserval-a sempre muito limpa por

ser outra das formosuras da mulher, evitando nella todo o

cheiro desagradável na conversa.

Aquelas que não possuam a graça dos movimentos devo

recommendar-lhes que pratiquem estes preceitos geraes

até adquirirem tão apreciadas qualidades, realces da

belleza que conjugam em irresistíveis encantos. 152

O quarto da mulher era um recanto de treinamento para apresentar-se à

sociedade e ao marido de forma encantadora. Seria lá onde a mulher devia “ensaiar” a

forma correta de andar, de rir e de falar, seria também onde devia executar sua higiene

corporal, com cremes, pomadas e todos os tipos de cosméticos. Na intimidade do quarto

era onde a mulher prepararia sua roupa para que estivesse limpa e ajustada.

Há pessoas entretanto cujos vestidos e sobretudos, ainda

que estejam novos, são um aspecto desgracioso: todo

amarrotado, mal collocado, o que nos faz perguntar

examinando-as se aquelle vestido de visitas, teria também

152 “Notas de Henriquetta”, anônimo, em Revista Feminina de dezembro de 1917.

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servido de travesseiro, e á primeira vista sabe-se a que

classe pertence essa pessoa, não sendo com certeza

d’aquellas que tem consideração de seus semelhantes. 153

Após o início da década de 20, esses conselhos de etiqueta da Revista Feminina

tornam-se cada vez mais escassos. Provavelmente pela não necessidade de se voltar a

tais assuntos, que deveriam naquele momento, já estar introjetados nas leitoras. Em

1929, o artigo “Conselhos de Claudine” voltaria a abordar formas de conduta, porém,

com explicações bem diferentes daquelas dadas em anos anteriores.

O sorriso! Que delicia, que felicidade, que alegria sã,

produz n’alma um sorriso discreto, cheio de vida,

impregnado de doçura! Entretanto, se sorrir é tão dôce e

insinuante, o gargalhar, o riso demasiado, não distincto,

prejudica também a belleza physica da mulher. Inflúe

sobremaneira, para antecipar as rugas da pelle ainda que

bem cuidada... Se o chôro desbota, e faz declinar o

assetinado da pélle [...] Rir? Raramente. Sorrir sempre!

Na dôr e na alegria! Quantas moças bem dotadas pela

natureza, soffrem desta anomalia, que tanto desagrado e

pena causam! 154

Percebemos uma grande semelhança entre os artigos de 1915, 1916 ou 1917, e o

trecho apresentado. Afinal os motivos apontados para manter o comportamento

controlado, pelos outros e por este, são bem diferentes. Os artigos dos anos iniciais da

Revista Feminina davam uma explicação para se ter hábitos corretos, através da posição

social da mulher, sendo este um dos mecanismos para manter a mulher e toda sua

família em um alto nível na escala social. Durante o artigo de 1929, era explorado o

tema do controle corporal através do riso discreto, como uma forma de manter a beleza

do corpo. O controle do corpo seria uma necessidade a mais para obter a beleza física. A

mulher devia evitar rir de forma exagerada devido o perigo de se forçar a fisionomia, e

153 “Para meninas e moças” op. cit. 154 “Conselhos de Claudine”, anônimo, em Revista Feminina de abril de 1929.

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assim facilitar o aparecimento de rugas. Por isso as imagens femininas veiculadas pela

Revista sempre aparecem com rostos serenos e tranqüilos, com um leve ar de sorriso.

A conjuntura do Brasil, durante meados dos anos 30, seria diferente das décadas

anteriores. As explicações e justificativas sobre o comportamento e tratamento corporal

deviam acompanhar tais mudanças.

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Considerações Finais

Se a primeira mulher que Deus fez teve força bastante de,

sozinha, virar o mundo de ponta-cabeça, as mulheres,

juntas, devem ser capazes de colocá-lo de volta no lugar.

Sojourner Truth (1797-1883)

Partimos da história do corpo para refletir a modernidade nas décadas iniciais do

século XX no Brasil. As mulheres da elite como leitoras da Revista Feminina foram os

sujeitos responsáveis por trazer suas experiências através do tratamento das aparências,

com a moda e a beleza, possibilitando vislumbres deste passado.

A criação de novos hábitos e novos olhares destinados ao corpo da mulher, seria

uma necessidade para a modernidade almejada pela elite deste país. A Revista Feminina

como importante veículo da imprensa brasileira naquele momento, incentivaria suas

leitoras a adotarem as vestimentas e as aparências de acordo com as novas necessidades.

A insistência ao conduzir tais representações às mulheres teria uma importância crucial

para o desenvolvimento desta nova sociedade brasileira. Afinal, as funções femininas

enquanto mãe amorosa, esposa fiel e dona de casa cuidadosa teriam grande valor para

mantêr a ordem da família, e consequentemente de toda a sociedade. Porém, estas não

seriam as únicas funções da mulher naquele momento. Como foi analisado, a função da

mulher, enquanto ornamento da sociedade, seria tão importante quanto as demais. A

moda e a beleza teriam a função de provocar o interesse masculino para o casamento e

para a família, e ainda representar corporalmente a riqueza do marido/pai.

Assim, apesar da vasta pesquisa feita, não pudemos conhecer de fato as

mulheres das décadas de 10, 20, e 30 no Brasil. Conhecemos aquilo que a Revista

Feminina, manifestando o ideal de modernidade da época, queria para tais mulheres. E

pelos raros momentos em que cartas de leitoras apareciam, percebemos que a vontade

da Revista havia se transformado na vontade da mulher. De fato, as mulheres leitoras,

como bonecas, seriam um enfeite da sociedade, um brinquedo, uma representação do

que deveria ser uma “mulher de verdade”.

O título Bonecas da Moda foi escolhido para justamente trazer tal relação e

reflexão. Afinal uma boneca é um brinquedo, uma representação do que seria uma

mulher de verdade, e assim, relacionando-a com as mulheres da elite brasileira do início

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do século XX, notamos grandes similaridades. A mulher analisada não possuía uma

vontade própria, seus desejos deveriam ser manifestações dos desejos dos outros, ora da

sociedade, ora do marido. A função da mulher seria importante, porém não para ela

mesma, mas manifestando idéias pré-concebidas socialmente.

Daniel Roche nos lembra que na França do século XVIII, as bonecas, ou femme

poupée, constituíam uma forma de manequim, feitos de cera, madeira ou porcelana e

que tinham suas roupas mudadas a cada estação155, e serviam de decoração e de

demonstração da moda em voga naquele momento. Este também seria um sentido

interessante às Bonecas da Moda, como mulheres que representavam nos corpos as

vestimentas da moda daquele momento, no caso no Brasil do início do século XX. De

qualquer forma, a relação entre a mulher-ornamento ainda se faria presente.

Apesar das décadas que afastam a Revista Feminina dos dias de hoje, seria

impossível a não comparação a estas épocas, devido à presença de temas em relação ao

corpo feminino ainda serem tão atuais. É fato que a história não se repete, e também não

se mantêm a mesma daqueles dias. Porém, as questões do corpo feminino, da beleza e

da moda, ainda fazem parte de uma permanência na história das mulheres.

As imagens veiculadas à mulher ainda trazem ideais de beleza e de moda, por

vezes doloridos, e até perigosos. Estrelas de cinema ainda são ícones de beleza, e as

revistas femininas ainda são as grandes responsáveis por “ensinar” e “orientar” a forma

correta da mulher cuidar de seu corpo. Porém, nos dias de hoje, estes ícones de beleza

não são os únicos, afinal, muitas são as formas de se transmitir tais ideais, devido aos

inúmeros meios de comunicação.

Naomi Wolf analisa as questões sobre a beleza feminina nos dias de hoje, e diz

que vivemos o mito da beleza. Numa época em que as mulheres conquistaram o espaço

público, a cidadania, o direito ao trabalho fora de casa e o direito ao prazer sexual, ainda

não conquistaram porém a liberdade total. Seus corpos ainda não lhes pertencem156. As

imagens da beleza feminina são utilizadas contra as próprias mulheres, afastando-as de

sua verdadeira essência. A incessante busca das mulheres dos dias hoje pelas formas

perfeitas, e por uma aparência exuberante são as responsáveis por distúrbios

alimentares, mortes em cirurgias plásticas, por falta de amor-próprio, e até por

sensações de impotência e fracasso em vários momentos. Wolf aborda a questão do

155 Roche, Daniel, op. cit. pp. 477-478. 156 Esta observação será feita também por Michelle Perrot no livro As mulheres e os silêncios da história. SP: Edusc, 1998. pp. 447-448.

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regime alimentar, e como este faz com que uma mulher de sucesso se sinta fracassada

após não segui-lo. E ainda pergunta: mas afinal, o que é a gordura?157 O que esta

substância tem para possuir características quase demoníacas entre as mulheres? A

autora lembra que a gordura é a responsável pelas formas arredondas da mulher, o que a

caracteriza enquanto feminina e ainda sexualmente atraente.

Não buscamos com esta reflexão final fazer uma apologia à gordura, ou

negarmos a beleza feminina de qualquer modo. Ao contrário, buscamos uma forma da

mulher ser dona de seu próprio corpo, que se sinta bem do jeito que é, desejada, e é

claro bonita, de acordo com sua idade, formato, altura, peso, etc. E para ainda, convidar

o leitor(a) a fazer uma ponderação sobre o tema: o que é ser mulher? Por que esta busca

frenética por uma aparência jovem e esbelta? Para quem ou para que nos submetemos a

métodos embelezadores duvidosos? Qual seria a finalidade de tudo isso?

Devemos lembrar que a busca por se sentir bem e com forte amor-próprio,

inclusive em relação ao corpo, deveria ser inato à feminilidade, e a todo ser humano. E

que muito daquilo que se acredita ser o “natural”, nem sempre foi. A beleza e a moda

são conceitos mutáveis ao longo do tempo, e por isso é possível estudar a história

através destes. Muitos são os motivos da difusão de idéias sobre tratamentos corporais

às mulheres, e que procuram relacioná-lo a uma natureza inata da feminilidade. Como

por exemplo, o mercado da moda, dos produtos de beleza, regimes e cirurgias plásticas

que movimentam milhões a cada ano. E para este existir há a necessidade de se criar

pessoas insatisfeitas com o próprio corpo.

Estas questões impostas às mulheres em nossos dias em relação à moda e à

beleza foram forjadas ao longo das últimas décadas. A Revista Feminina pode ter sido

um dos primeiros veículos de comunicação no Brasil a lançar um olhar sobre essas

questões. E por meio de sua íntima conversa com as leitoras, convenceria-las de que

assim seria o único jeito para estarem inseridas na sociedade, para arranjarem um

marido, para manterem o casamento, e para se sentirem felizes. Talvez, se tivesse sido

buscado um visual do corpo feminino mais verdadeiramente “feminino”, ou seja, uma

aparência para a mulher, e não para quem a olharia, o discurso seria bem diferente.

Imaginem uma revista feminina que mostrasse de forma

positiva modelos rechonchudas, modelos baixas, modelos

157 Wolf, Naomi, op. cit. P. 253.

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velhas – ou então não mostrasse nenhuma modelo, mas

mulheres de verdade. Suponhamos que ela tivesse uma

política de evitar a crueldade às mulheres [...] E que ela

eliminasse dietas relâmpagos, mantras para atingir o

ódio a si mesmas e artigos que promovessem a profissão

que corta os corpos de mulheres saudáveis. Digamos que

ela publicasse artigos sobre a glória da idade visível,

mostrasse belos ensaios fotográficos com os corpos de

mulheres de todos os formatos e proporções, examinasse

com uma doce curiosidade as alterações no corpo após o

parto e a amamentação, sugerisse receitas sem castigo ou

culpa e publicasse atraentes fotos de homens. 158

Somos o futuro das mulheres leitoras da Revista Feminina. Muitas foram as

mudanças e conquistas daquele tempo para nossos dias, porém as questões relacionadas

ao corpo feminino ainda são muito presentes. Cabe a nós procurarmos nossa essência

feminina, escolhermos NOSSAS causas, termos amor-próprio, e daí fazermos NOSSAS

escolhas.

158 Idem. pp. 109-110.

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Crédito das Ilustrações

INTRODUÇÃO

Fig. 01. Capa da Revista Feminina de outubro de 1921. Montagem em preto e branco.

PARTE I

Fig 02. “A Moda – a roupa branca e a moda” em Revista Feminina de fevereiro de

1918.

Fig 03. “Um punhado de conselhos às nossas jovens patrícias” em Revista Feminina de

fevereiro de 1919.

Fig 04. “Moda” em Revista Feminina de fevereiro de 1928.

Fig 05. “A Moda” em Revista Feminina de setembro de 1934.

PARTE II

Fig 06. “Arte da Belleza XI – a calvíce” em Revista Feminina de julho de 1921.

Fig 07. “As mulheres enérgicas” em Revista Feminina de dezembro de 1928.

Fig 08. “A mulher e o espelho” em Revista Feminina de dezembro de 1920.

Fig 09. a Propaganda “Punkt-Roller” em Revista Feminina de dezembro de 1928.

Fig 09. b Propaganda “Auto-Ducha Mappin” em Revista Feminina de agosto de 1928.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fig 10. Capa da Revista Feminina de maio de 1917. Montagem em preto e branco.