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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ALEXANDRE LEVIN Operação urbana consorciada: concertação público-privada para a justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ALEXANDRE LEVIN

Operação urbana consorciada: concertação público-privada para a justa distribuição dos

benefícios decorrentes da atividade urbanística

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ALEXANDRE LEVIN

Operação urbana consorciada: concertação público-privada para a justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano.

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ALEXANDRE LEVIN

Operação urbana consorciada: concertação público-privada para a justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano.

Aprovado em: _____________

Banca Examinadora

Prof. Dr. Márcio Cammarosano (Orientador) Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________

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Para Cida e Nelson, com gratidão.

Para Flavia, com amor.

Para Isadora e Vivian, que chegaram para alegrar nossas vidas.

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Agradeço ao Professor Doutor Márcio Cammarosano, pelo

privilégio de poder contar com sua orientação e amizade.

À minha amiga Mariana Mencio, pelo apoio incondicional.

A todos os meus colegas professores do Curso de

Especialização em Direito Administrativo da COGEAE/PUC-

SP, pelo aprendizado constante.

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RESUMO

A ordem constitucional brasileira impõe ao Estado a função de organizar os espaços

habitáveis, em busca do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Para se

desincumbir desse dever, o Poder Público tem ao seu dispor uma série de instrumentos

jurídicos, utilizáveis de acordo com o tipo de intervenção no espaço urbano que se quer

realizar.

Dentre tais instrumentos, destaca-se a operação urbana consorciada, prevista na Lei

10.257/2001 (arts.32 a 34), autointitulada Estatuto da Cidade. Trata-se de um instituto

típico do urbanismo concertado, método de organização do tecido urbano caracterizado

pela parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada.

Ocorre que a aplicação da operação urbana consorciada por parte dos Municípios

brasileiros que utilizam o instrumento tem sido objeto de críticas severas por parte de

juristas e urbanistas. Alega-se que o resultado das operações é favorável apenas ao

mercado imobiliário, e que a alteração dos índices de ocupação acaba por contribuir

para a já excessiva verticalização das grandes cidades brasileiras.

Resultados como esses são contrários aos princípios jurídicos que norteiam a política

urbana, estampados, em especial, na Constituição Federal (art.182) e na Lei Federal

nº10.257/2001 (art.2º). Tal dissonância torna o processo de implantação da ação

consorciada ilegítimo.

Todavia, as experiências práticas negativas de utilização do instituto não devem impedir

a sua utilização em prol da melhoria urbanística estrutural e da valorização ambiental. A

presente pesquisa procura demonstrar que o sistema de normas (regras e princípios) do

direito urbano é construído de forma a evitar a aplicação desvirtuada dos instrumentos

urbanísticos em geral e da operação consorciada em particular. Desde que aplicada em

consonância com as normas principiológicas do direito urbano, a ação concertada pode

atingir o seu duplo objetivo: promover a reforma dos espaços habitáveis e evitar o uso

de recursos públicos na atividade urbanística.

Palavras-chave: Urbanismo concertado. Instrumentos urbanísticos. Estatuto da Cidade.

Diretrizes da política urbana. Operação urbana consorciada.

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ABSTRACT

The Brazilian constitutional system imposes upon the State the responsibility for

organizing living spaces in search of the full development of the social functions of the

city. In order to perform such task, the Government has at its disposal a number of legal,

usable instruments according to the type of intervention in the urban space that it is

willing to carry out.

Among these instruments, there is the syndicated urban operation, under Law

10.257/2001 (articles 32 to 34 ) self entitled City Statute . This is a typical institute of

concerted planning, a method of organization of urban fabric characterized by

partnership between government and private enterprise.

It turns out that the implementation of syndicated urban operation performed by some

Brazilian municipalities has been the subject of severe criticism from lawyers and

planners. It is claimed that the result of the operations is only favorable to the real estate

market and that the modification of occupancy rates ultimately contributes to the

already excessive verticalization of large Brazilian cities.

Results like these are contrary to the legal principles that guide urban policy, in special

the ones displayed in the Federal Constitution (article 182) and Federal Law No.

10.257/2001 (article 2). This inconsistency makes the process of implementing the

syndication an illegitimate action. However, the negative experiences on the application

of this statute should not preclude its use in favor of urban structural improvement and

to make the best of environment. This research seeks to demonstrate that the system of

rules (rules and principles) of urban law is made up so as to avoid the application of

distorted urban instruments in general and the syndicated operation in particular. If

applied in accordance with the principles of urban law, concerted action can achieve its

dual goal: to promote the reform of the living spaces and avoid the use of public funds

in urban operations.

Keywords: Concerted urbanism. Urban instruments. City Statute. Guidelines for urban

policy. Syndicated urban operation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 AUTONOMIA DO DIREITO URBANÍSTICO COMO RAMO DO DIREITO PÚBLICO 15 1.1 Considerações doutrinárias 16 1.2 Autonomia jurídico/positiva do direito urbanístico na ordem

jurídica nacional 19 1.3 Autonomia científica do direito urbanístico 20 2 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DO URBANISMO 25 2.1 Urbanismo regulamentar 27 2.1.1 Normas de polícia administrativa disciplinadoras das

construções em solo urbano 28 2.1.2 Evolução histórica 29 2.1.3 Urbanismo como função pública 33 2.2 Urbanismo operacional 35 2.2.1 Instrumentos jurídicos do urbanismo operacional no

ordenamento pátrio 37 2.2.1.1 Desapropriação urbanística 37 2.2.1.2 Operações urbanas consorciadas 38 2.2.1.3 Concessão urbanística 39 2.2.2 Valorização imobiliária e o princípio jurídico da justa

distribuição dos ônus e benefícios da atividade urbanística 41 2.2.2.1 Instrumentos legais para a garantia do princípio 42 2.2.2.1.1 Desapropriação por zona 44 2.2.2.1.2 Contribuição de melhoria 47 2.2.3 A gentrificação 49 2.2.4 Insuficiência de recursos públicos e concertação

público-privada 52 2.3 Urbanismo de planificação 53 2.3.1 Funcionalismo racionalista: as funções sociais da cidade 54 2.3.2 Plano urbanístico 55 2.3.3 Plano diretor e operações consorciadas 58 2.3.4 Críticas ao urbanismo de planificação e o surgimento do

urbanismo concertado 59 3 O URBANISMO CONCERTADO E SEUS

INSTRUMENTOS JURÍDICOS 63 3.1 Urbanismo concertado e administração consensual 63 3.2 Instrumentos jurídicos 65 3.3 Concertação público-privada e protagonismo estatal 69 3.4 O termo operação urbana 72 3.5 Operações interligadas: Leis nº10.209/1986 e

nº11.773/1995 do Município de São Paulo 73 3.6 Operações urbanas no Município de São Paulo 77 3.6.1 Operação Urbana do Anhangabaú

(Lei Municipal nº11.090/1991) 78

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3.6.2 Operação Urbana Faria Lima (Lei Municipal nº11.732/1995) e sua sucessão pela Operação Urbana Consorciada Faria Lima (Lei Municipal nº13.769/2004) 80

3.6.3 Operação Urbana Água Branca (Lei Municipal nº11.774/1995) e sua sucessão pela Operação Urbana Consorciada Água Branca (Lei Municipal nº15.893/2013) 84

3.6.4 Operação Urbana Centro (Lei Municipal nº12.349/1997) 87 3.7 Concessão urbanística – Leis nº14.917/2009 e

nº14.918/2009 do Município de São Paulo 91 3.7.1 A previsão no Plano Diretor do Município de São Paulo

(Lei Municipal nº 13.430/2002) 93 3.7.2 Desapropriação promovida pelo concessionário 95 3.7.3 Nova espécie concessória 99 3.7.4 Atendimento ao princípio do pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade 101 3.7.5 Gestão democrática 104 3.7.6 Concessão urbanística e operações consorciadas 106 3.7.7 Elaboração dos projetos básico e executivo 108 3.7.8 A Lei nº14.918/2009 do Município de São Paulo:

aplicação da concessão urbanística à região da Nova Luz 110 3.8 Consórcio imobiliário 112 3.8.1 Valor das unidades imobiliárias 115 3.8.2 Consórcio imobiliário e concessão urbanística 118 3.9 Instrumentos jurídicos do urbanismo concertado

no direito comparado 119 3.9.1 Sistemas de execução dos planos urbanísticos no

Direito Espanhol 119 3.9.1.1 O sistema de expropriación 120

3.9.1.2 O sistema de compensación (compensação) 121 3.9.1.3 O sistema de cooperación (cooperação) 123 3.9.2 As zones d´aménagement concerté (ZAC) 125 3.9.2.1 Origem do instituto 126 3.9.2.2 Finalidades da ZAC 128 3.9.2.3 Concessão para executar a operação urbana 129 3.9.2.4 Perímetro específico 131 3.9.2.5 Plano da operação 132 3.9.2.6 Droit de délaissement e sursi à statuer 133

3.9.2.7 ZAC e operação urbana consorciada 134 4 OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA COMO

INSTRUMENTO JURÍDICO DO URBANISMO CONCERTADO 136

4.1 Considerações iniciais 136 4.2 Princípios jurídicos que fundamentam a aplicação das operações

urbanas consorciadas 138 4.3 A necessidade de edição de lei municipal específica baseada

no plano diretor municipal 141 4.4 Previsão da operação urbana consorciada no plano diretor

municipal 143 4.5 Natureza jurídica 149

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4.6 Finalidades da operação urbana consorciada 153 4.7 Benefícios urbanísticos para induzir o parceiro privado a

participar da operação urbana consorciada 155 4.8 Requisitos da lei específica que cria a operação urbana

consorciada 162 4.8.1 Definição da área a ser atingida 162 4.8.2 Programa básico de ocupação da área 164 4.8.3 Programa de atendimento econômico e social para a

população diretamente afetada pela operação 165 4.8.4 Finalidades da operação 167 4.8.5 Estudo prévio de impacto de vizinhança 169 4.8.6 Contrapartida exigível dos proprietários, usuários

permanentes e investidores privados em função do uso dos benefícios urbanísticos previstos na lei que cria a operação urbana consorciada 172

4.8.7 Controle da operação obrigatoriamente compartilhado com a sociedade civil 175

4.9 Vedação à aplicação de recursos públicos na operação urbana consorciada 177

5 CERTIFICADOS DE POTENCIAL ADICIONAL DE

CONSTRUÇÃO – CEPAC 181 5.1 Natureza jurídica 183 5.2 Interesse do Município na emissão dos CEPAC 186 5.3 Requisitos para a emissão dos CEPAC 189 5.3.1 Plano Diretor Municipal 190 5.3.2 Lei Específica 191 5.3.3 Prospecto de Registro 191 5.3.4 Estudo de Viabilidade 194 5.4 Alienação do CEPAC por leilão 197 5.4.1 Isonomia e vantajosidade 197 5.4.2 Regulação pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM 198 5.5 Aplicação dos recursos obtidos com a venda dos CEPAC 199 5.6 Financiamento da operação urbana consorciada por meio da

alienação de CEPAC 201 6 CONCLUSÕES 203

REFERÊNCIAS 227

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11

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objeto o instrumento jurídico denominado Operação

Urbana Consorciada, tal como previsto no sistema normativo pátrio, especialmente pela Lei

nº10.257/2001, autointitulada Estatuto da Cidade.

O instrumento tem sido utilizado – com frequência crescente – por grandes

municípios brasileiros como uma das possíveis soluções para as graves questões de ordenação

urbana que afligem as cidades, especialmente aquelas com maior contingente populacional.

Esses núcleos urbanos são justamente os que enfrentam os mais sérios problemas

relacionados a transporte público, habitação, saneamento básico, circulação de veículos,

ausência de áreas verdes, poluição, abandono das áreas centrais, verticalização excessiva, má

distribuição da população pelo território municipal, crescimento dos bairros periféricos nos

quais há carência de oferta de serviços públicos, instalação de residências precárias em áreas

de risco, falta de infraestrutura de combate a enchentes, dentre outros problemas relacionados

à carência de infraestrutura urbana adequada.

Ocorre que o delineamento legal do instituto e a sua aplicação por meio de leis

municipais vem sendo objeto de intensas controvérsias doutrinárias e de críticas por parte de

juristas e urbanistas.

Dentre as críticas comumente apontadas, citamos: a) as operações urbanas

funcionam somente em áreas da cidade nas quais já há interesse do mercado imobiliário, fator

que pode aumentar a disparidade intraurbana; b) o aumento do preço dos imóveis na área

objeto da operação urbana e a falta de um programa de atendimento social no plano da

intervenção podem forçar a população residente na área a deixar o local (a denominada

gentrificação); c) o investimento privado nem sempre é suficiente para arcar com o programa

de obras proposto, o que pode levar o Poder Público a dispor de recursos do erário; d) muitas

vezes o resultado da operação é favorável apenas ao mercado imobiliário, e a efetiva melhoria

do espaço urbano, tal como prevista na lei que cria a operação, não é alcançada; e) a alteração

dos índices de ocupação acaba contribuindo para o processo de verticalização descontrolado

das grandes cidades, o que gera a saturação da infraestrutura urbana existente, com graves

prejuízos ao meio ambiente urbano.

Essas críticas serão analisadas em tempo oportuno, assim como o antídoto para

evitar consequências negativas, justamente a observância irrestrita aos princípios de direito

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urbanístico – elencados na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade (art.2º) – quando da

aplicação do instrumento pelo Poder Público.

Com efeito, a operação urbana consorciada tem por fundamento as diretrizes

elencadas neste dispositivo da lei federal, especialmente:

a) a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social (Lei nº10.257/2001, art.2º, III); b) a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (art.2º, IX); c) a recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI).

Assim, a Lei que cria a operação deve ser editada e executada visando atender

a essas diretrizes e com observância aos outros princípios de direito urbanístico aplicáveis ao

exercício da função urbanística, justamente para que de sua utilização não resultem as

indesejadas consequências já indicadas.

Esses preceitos serão abordados em momento próprio, e a necessidade de

aplicar o instituto jurídico da operação consorciada com fundamento nesses princípios

constituir-se-á no tema central dessa pesquisa.

Em outras palavras, procurar-se-á demonstrar que apenas a partir do respeito

aos princípios de direito urbanístico é que o instituto da operação consorciada poderá ser

validamente aplicado.

Portanto, o objetivo deste estudo é comprovar que não há qualquer

incompatibilidade entre a previsão legal do instituto e o sistema normativo pátrio, desde que

sua aplicação seja guiada pelas normas principiológicas que informam o direito urbano.

Da necessidade de observância irrestrita dos princípios em questão resulta a

tese principal a ser aqui defendida: a vedação à aplicação de recursos públicos no âmbito da

operação.

A aplicação dos princípios aqui elencados impede que recursos do erário sejam

utilizados na operação concertada. Caso contrário, não ocorrerá a justa distribuição dos

benefícios decorrentes da atividade urbanística, pois a valorização extraordinária dos imóveis

localizados no perímetro da operação decorrerá da utilização de recursos públicos. Ainda que

seja possível admitir-se, excepcionalmente, a aplicação de recursos orçamentários, a ação

concertada deve estar delineada de maneira a possibilitar ao Poder Público recuperar

integralmente o montante aplicado.

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Afinal, os instrumentos legais de urbanismo concertado devem ser utilizados

justamente para dar concreção aos princípios jurídicos. Utilizam-se recursos privados na

atividade de ordenação do território para que da aplicação de recursos públicos não resulte a

valorização extraordinária de imóveis privados.

Todavia, antes de estudarmos as prescrições legislativas que regulam o

instituto, abordaremos a evolução histórica dos instrumentos urbanísticos que precederam a

previsão da ação consorciada, tais como previstos pelo direito pátrio e estrangeiro,

especialmente o europeu. O objetivo é estudar a evolução do próprio direito urbanístico e da

sua autonomia em relação ao direito administrativo, posto que apenas a partir da compreensão

das modificações sofridas por esse ramo do direito público ao longo da história é que seria

possível entender as razões que levaram o legislador à criação do instituto da operação

consorciada, que é típico do urbanismo concertado.

Para o estudo das alterações da ordem jurídica urbanística (estrangeira e

nacional) será imprescindível analisar, ainda que brevemente, as transformações do próprio

urbanismo, pautadas pelas contingências históricas, sociais e econômicas a que foram

submetidos os centros urbanos, especialmente após a Revolução Industrial.

O exame interdisciplinar dessas mudanças históricas é fundamental para a

exata compreensão sobre as origens e as finalidades da operação urbana consorciada.

As diferentes concepções do urbanismo – urbanismo regulamentar, urbanismo

operacional e urbanismo de planificação – serão objeto de estudo no segundo capítulo, assim

como alguns dos seus instrumentos jurídicos.

O terceiro capítulo será destinado ao urbanismo concertado, relacionando-o

diretamente à administração consensual, conceito desenvolvido pelos estudos contemporâneos

de direito administrativo. Nessa ocasião serão estudados alguns instrumentos jurídicos dessa

técnica urbanística: as operações interligadas, as operações urbanas e a concessão urbanística,

criadas no Município de São Paulo; o consórcio imobiliário, previsto no Estatuto da Cidade;

os sistemas de expropriación (expropriação), compensación (compensação) e cooperación

(cooperação), criados pela legislação espanhola; e as zones d´aménagement concerte (ZAC),

instituídas na França.

Em seguida, abordar-se-á o instituto da operação urbana consorciada conforme

previsto pelo sistema jurídico nacional, especialmente pelo Estatuto da Cidade. Serão feitas

referências às leis dos Municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, cuja edição

possibilitou implementar o instrumento em seus respectivos territórios.

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Ainda, serão abordadas as regras que disciplinam a participação do setor

privado na operação consorciada, na perspectiva da conduta estatal característica da chamada

administração consensual.

A necessária participação popular na gestão do processo de implantação e

execução da operação consorciada e a relação do instituto com o plano diretor municipal

merecem destaque, assim como a previsão sobre os programas de atendimento econômico e

social para a população afetada pela ação urbanística e as prescrições a respeito da

necessidade de estudo prévio sobre os impactos de vizinhança e ambiental.

Por fim, destina-se o quinto capítulo deste estudo aos comentários relativos às

leis que disciplinam o financiamento da operação consorciada por meio da emissão dos

Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPAC), valores mobiliários que servem

como contrapartida prestada pelos proprietários e investidores privados interessados em

participar da ação concertada.

A pesquisa aqui apresenta foi realizada tomando-se por base a doutrina

nacional e estrangeira especializada e a escassa jurisprudência a respeito do tema. Buscou-se,

assim, contribuir para a discussão desse importante instrumento de (re) ordenação urbanística,

com o qual conta a Administração Pública para exercer uma de suas funções essenciais, qual

seja, a de organizar de forma planejada o espaço urbano, a fim de tornar viável, para todos, a

vida nas cidades.

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15

1 A AUTONOMIA DO DIREITO URBANÍSTICO COMO RAMO DO DIREITO

PÚBLICO

A exata compreensão do instrumento jurídico da operação urbana consorciada

passa pelo estudo da evolução do próprio direito urbanístico e dos instrumentos de

intervenção na ordem urbana por ele regulados1. Afinal, o instituto surgiu justamente a partir

das transformações pelas quais passaram os sistemas jurídicos urbanísticos, especificamente

os dos países europeus, ao longo da história do desenvolvimento das cidades.

Essas mudanças foram fruto do surgimento de demandas urbanas que

inexistiam em épocas passadas e que apareceram, especialmente, em função do crescimento

vertiginoso da população urbana mundial.

Para fazer frente aos novos problemas, o sistema jurídico urbanístico

(subsistema do direito público)2 esteve em permanente evolução, a prever continuamente

novos mecanismos de intervenção do Estado na ordem urbana. Em outras palavras, a ordem

jurídica urbanística buscou, no decorrer de seu processo evolutivo, dotar a Administração

Pública de novos instrumentos capazes de solucionar – ou ao menos abrandar – os graves

problemas urbanos que inevitavelmente surgiram a partir do crescimento desordenado das

cidades.3

Mas, antes do estudo da evolução do direito urbanístico, necessário o exame,

ainda que breve, acerca da posição assumida por esse ramo do direito no conjunto do sistema

normativo, tendo em vista, especialmente, sua relação com os outros segmentos que compõem

o direito público4.

1 Refere-se, aqui, ao direito urbanístico considerado sob uma perspectiva global. Sua evolução foi verificada, de maneira quase uniforme, em todos os países que experimentaram o crescimento rápido – e muitas vezes descontrolado – da população urbana. Nesse sentido, Fernando Alves Correia, doutrinador português, explica que a abordagem das principais metamorfoses históricas porque passou o direito do urbanismo, em Portugal e nos países europeus que lhe são próximos culturalmente,

“constitui uma tarefa de primordial importância para quem procura deslindar os princípios enformadores do direito do urbanismo actual e rasgar algumas pistas para a sua evolução”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do

urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.169). 2 Adota-se o entendimento no sentido de que o direito urbanístico, assim como o direito administrativo e o direito ambiental constituem ramos do direito público, o que implica afirmar, nos dizeres de Márcio Cammarosano, que as normas que compõem esses ramos são informadas por princípios de direito público comum. Dessa forma, para o autor, “algumas

categorias jurídicas são também compartilhadas pelos referidos ramos, como as noções de limitação à liberdade e à propriedade, função administrativa, ato e processo administrativo”. (CAMMAROSANO, Márcio. Direito administrativo, urbanístico e ambiental: interfaces. In: BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio (Coord.). Direito ambiental e

urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.13-14). 3 Nesse sentido, Luciano Parejo Alfonso explica que “a realidade urbana introduce unas nuevas pautas de relación con el aprovechamento del suelo y las construcciones, que habrían de requerir también la articulación de nuevas técnicas jurídicas para afrontar y resolver los específicos problemas sociales por la misma suscitados. E conclui que la historia del urbanismo es, así, em gran medida, la historia de la ciudad y de la sociedade urbana”. (ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho

urbanístico: instituciones básicas. Mendoza: Ediciones Ciudad Argentina, 1986, p.6). 4 Adota-se, neste trabalho, a tradicional divisão que a doutrina faz entre o direito público e o direito privado. A observação é pertinente tendo em vista a discussão sempre presente acerca da necessidade/operacionalidade desta distinção. Entende-se, com Tércio Sampaio Ferraz Jr., que a distinção permite sistematização, ou seja, possibilita o estabelecimento de princípios teóricos, básicos para operar as normas de direito privado e de direito público, isto é, “princípios diretores do trato com as

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16

O tema merece particular atenção, posto que há íntima ligação entre o

desenvolvimento das formas de intervenção do Estado no espaço urbano e a atribuição de

autonomia ao direito urbano, especialmente em relação ao direito administrativo.

1.1 Considerações doutrinárias

A doutrina nacional e estrangeira diverge a respeito da autonomia – entendida

aqui como identidade própria, tanto do ponto de vista do direito objetivo como sob a ótica

científica – do direito urbanístico em relação aos outros ramos do direito público,

especialmente ao direito administrativo e ao direito ambiental5.

Parcela expressiva da doutrina, mais tradicional, considera o direito urbanístico

parte do direito administrativo, ou seja, não admite a autonomia dogmática/científica do

direito urbanístico. Entretanto, há quem argumente que a autonomia desse ramo do direito é

perfeitamente admissível, tanto do ponto de vista dogmático como do ponto de vista

científico.

Eduardo Garcia de Enterría e Luciano Parejo Alfonso consideram o direito

urbanístico parte do direito administrativo, tanto sob a perspectiva jurídico-positiva como no

plano científico. Justificam a conclusão em virtude de o direito urbanístico ocupar-se de temas

que pertencem ao direito administrativo, quais sejam: a) organização administrativa e normas

que definem competências em matéria urbanística; b) incidência da ordenação urbanística

sobre os direitos fundamentais dos cidadãos, em especial sobre o direito de propriedade, que

se dá por meio de técnicas de intervenção administrativa sobre a propriedade privada típicas

do direito administrativo; e c) regime financeiro do urbanismo, tanto sob o aspecto do direito

normas, com suas consequências, com as instituições a que elas se referem, os elementos congregados em sua estrutura [...] a preocupação em distinguir direito público e privado e, subsequentemente, tentar classificar dentro deles os diferentes ramos dogmáticos tem uma finalidade prática importante para a decidibilidade de conflitos com um mínimo de perturbação social. A distinção permite o tratamento coerente e coeso da matéria objeto de normatização, o que permite atribuir certeza e segurança aos critérios de decidibilidade”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.135-138). O direito urbanístico surge, assim, como um dos ramos dogmáticos do direito público, informado, portanto, pelos princípios cardeais que caracterizam o regime jurídico-administrativo, especialmente o da supremacia do interesse público sobre o particular e o da indisponibilidade do interesse público. 5 Carlos Ari Sundfeld discorre sobre a importância da discussão acerca da autonomia do direito urbanístico. Para o autor, “continua sendo útil debater a respeito da identidade – e, portanto, da autonomia – do direito urbanístico, pois disso depende a solução, quando menos, de muitas dúvidas relativas à competência”. (SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal nº10.257/2001).1.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.48). Com efeito, caso o direito em causa seja de natureza urbanística, à União é atribuída a competência para edição apenas de normas gerais (art.24, I, da Constituição), cabendo aos municípios a edição de legislação suplementar (art.30, II) e de interesse local (art.30, I). Por outro lado, tratando-se de direito civil, a competência legislativa é exclusiva da União (art.22, I, da Constituição Federal).

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financeiro, como no que se refere às várias técnicas de recuperação ou distribuição das mais-

valias entre os proprietários de imóveis urbanos.6

Ainda segundo os autores, o direito urbanístico pertenceria, assim, à parte

especial do direito administrativo, a qual, como é comum a todos os seus numerosos

capítulos, não é somente uma simples corroboração das categorias dogmáticas oferecidas pela

parte geral da disciplina, mas um âmbito específico, dominado por princípios próprios, que

põem à prova e por vezes retificam essas categorias gerais.7

Assim, para essa corrente doutrinária, não obstante sua regência por normas

principiológicas próprias, o direito urbanístico permanece como um conjunto de normas

pertencente à parte especial do direito administrativo.8

Mas há uma expressiva tendência doutrinária, mais atual, que admite a

autonomia do direito urbanístico. Tratar-se-ia, para tal corrente, de um ramo autônomo da

Ciência Jurídica. A existência de regras e princípios próprios aplicáveis a objeto específico,

qual seja, a função urbanística do Estado, bastaria para conferir-lhe autonomia científica.9

Outra parte da doutrina reconhece ao direito urbanístico uma autonomia

meramente didática. Para esse grupo, é possível admitir regras no sistema jurídico que

apresentam uma particular homogeneidade quanto ao objeto regulado – a disciplina do espaço

urbano –, mas que ainda são orientadas por princípios próprios de outros ramos do direito

público, em especial do direito administrativo.10 Cabível, assim, o estudo particularizado

6 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.49-50. 7 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.50. 8 Nesse mesmo sentido, Italo Di Lorenzo considera o direito urbanístico um complexo de normas atinentes, principalmente, ao direito público, apesar de apresentar importantes ligações com o direito civil. Não obstante, acredita o autor ser o direito urbanístico apenas e tão somente um ramo do direito administrativo. (DI LORENZO, Italo. Diritto Urbanistico. Torino: Editrice Torinese, 1973, p.10, tradução livre). Diogo de Figueiredo Moreira Neto também define o direito urbanístico como “o ramo do Direito Administrativo que impõe a disciplina físico-social dos espaços habitáveis”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.56). 9 Nesse sentido, entre nós, Daniela Campos Libório Di Sarno nega expressamente ser o direito urbanístico um simples capítulo do direito administrativo. Para a autora, é possível reconhecer a “autonomia do direito urbanístico, por ele ter objeto

próprio e específico, que o diferencia de todo e qualquer outro ramo da ciência jurídica”. (DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri: Manole, 2004, p.57). Também Liana Portilho Mattos ressalta que as mudanças consolidadas pela Constituição de 1988 na estrutura do direito de propriedade “foram tantas e tamanhas que

lançaram as bases para a afirmação até mesmo da autonomia de um novo ramo do direito, o direito urbanístico, que tem entre seus objetos o de disciplinar o exercício do direito de propriedade nas áreas urbanas”. (MATTOS, Liana Portilho. Nova

ordem jurídico-urbanística: função social da propriedade na prática dos tribunais. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, p.18). Na mesma direção, Karla Botrel, para quem a autonomia do direito urbanístico nasce do próprio texto constitucional, “o qual permite depreender todo o arcabouço principiológico do Direito Urbanístico a partir do princípio da função social da

propriedade, tomado no sentido de conjugar os interesses privados com o interesse coletivo [...]”. (BOTREL, Karla. Direito Urbanístico. In: MUKAI, Toshio (Coord.). Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.16). 10 Na lição de José Afonso da Silva, não obstante ser o Direito uma unidade, ou seja, um “conhecimento unificado sobre uma realidade, com métodos e princípios independentes de outros conhecimentos, que também estudam o mesmo material”, é cabível atribuir a determinado ramo do direito autonomia didática ou autonomia científica. A primeira seria caracterizada

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desse conjunto normativo, mas sem admitir princípios específicos de direito urbanístico

extraíveis, explícita ou implicitamente, desse mesmo grupo de normas.11

Sobre o tema, José Afonso da Silva nos ensina que o direito urbanístico pode

ser estudado sob dois aspectos: como conjunto de normas – o direito urbanístico objetivo – e

como ciência, ou seja, como o conhecimento sistematizado das normas urbanísticas. O

direito urbanístico objetivo tem por objeto regular a atividade urbanística e disciplinar a

ordenação do território. Já o estudo científico do direito urbanístico não tem por objeto regular

realidade alguma, mas apenas e tão somente “conhecer e sistematizar as normas de direito

objetivo”.12 Afirma, também, ser ainda cedo para falar em autonomia científica do direito

urbanístico “dado que só muito recentemente suas normas começaram a desenvolver-se em

torno do objeto específico que é a ordenação dos espaços habitáveis ou sistematização do

território”.13

Neste estudo adota-se a corrente que defende a autonomia – tanto a

jurídico/positiva quanto a científica – do direito urbanístico, especialmente no âmbito do

ordenamento jurídico brasileiro, ao qual serão circunscritas, em particular, as conclusões que

se seguem.

pela possibilidade de “circunscrever o estudo a um grupo de normas que apresentam particular homogeneidade relativamente

a seu objeto, mas que ainda se acham sujeitas a princípios de outro ramo; a segunda quando, além da necessidade indicada, verifica-se a formação de princípios e institutos próprios”. (SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed.São Paulo: Malheiros, 2006, p.42). 11 COSTA, Regina Helena Reflexões sobre os princípios de direito urbanístico na Constituição de 1988. In: FREITAS, José Carlos de. (Coord.). Temas de direito urbanístico, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo – CAOHURB, 199, p.12. Em outro escrito, a autora afirma que a autonomia do direito urbanístico é incompleta, dado o seu caráter puramente didático. (COSTA, Regina Helena. Princípios de direito urbanístico na Constituição de 1988. In: DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lucia Valle. Temas de direito urbanístico 2. São Paulo: RT, 1991, p.113-115). É essa também a opinião de Fernando Alves Correia, para quem “a autonomia didática do direito do urbanismo vem conquistando apoio nos últimos anos, devido não apenas à sua significativa importância teórica e prática dos temas que compõem esse ramo do direito, mas também em função da convicção da grande utilidade e necessidade para a formação do jurista do estudo das matérias que integram aquela disciplina”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do

urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.65-66). Não obstante, o autor reconhece apenas a autonomia didática do direito do urbanismo, posto considerá-lo, sob o ponto de vista científico, parte especial do direito administrativo. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.63). 12 SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed.São Paulo: Malheiros, 2006, p.38. Tal discussão, qual seja, a da diferença entre a produção/aplicação das normas jurídicas e o seu estudo sistemático, como ciência, pode ser sintetizada na clássica lição de Hans Kelsen, para quem a ciência jurídica apenas pode descrever o direito: “ela não pode, como o Direito

produzido pela autoridade jurídica (através de normas gerais ou individuais), prescrever seja o que for”. (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.82). Ainda sobre o estudo do direito como sistema, afirma Maria Helena Diniz que é “a ciência do direito que constrói o sistema, descrevendo, através do princípio metódico da imputação, as relações e a interdependência existente entre os comandos, com o objetivo de reduzi-los a uma unidade inteligível, demonstrando, assim, como se condicionam mutuamente e procedem um do outro”. (DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.121). Nesse diapasão, o direito urbanístico pode ser enfocado, sob uma perspectiva científica, como um sistema normativo constituído por regras e princípios que têm por objeto regular a ocupação do espaço urbano, a disciplina da vida nas cidades. 13 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.43.

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1.2 Autonomia jurídico/positiva do direito urbanístico na ordem jurídica nacional

Sob o ponto de vista do direito objetivo, é possível reconhecer no conjunto do

ordenamento pátrio um subgrupo de normas (regras e princípios)14 que regula a atividade

urbanística, tanto aquela praticada pela Administração – no exercício da função urbanística –

quanto a desempenhada por particulares, ainda que sempre sob a direção do Poder Público.

Assim, reconhece-se a existência de um grupo de normas que disciplina uma mesma matéria,

qual seja, a ordenação urbana, a ocupação da área urbana de determinado Município15 ou de

municípios reunidos em uma região metropolitana.16 A conclusão deriva do próprio Texto

14 Não há espaço para abordar com profundidade a já bastante comum divisão que a doutrina faz entre regras e princípios, sob a perspectiva positivista ou pós-positivista, que reconhece a normatividade jurídica dos princípios. Norberto Bobbio afirma que, indubitavelmente, os princípios gerais são normas como todas as outras. O autor justifica a assertiva explicando que se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles. Ademais, prossegue, a função para a qual são extraídos e empregados os princípios é a mesma cumprida por todas as normas, qual seja, a de regular um caso concreto. (BOBBIO, Norberto. Teoria

do ordenamento jurídico. 5.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p.158-159). Humberto Ávila elenca os critérios usualmente empregados pela doutrina para distinguir princípios e regras: “a) critério do caráter hipotético-condicional, que se fundamenta no fato de as regras possuírem uma hipótese e uma consequência que predeterminam a decisão, sendo aplicadas ao modo ‘se, então’, enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso concreto; b) critério do modo final de aplicação, que se sustenta no fato de as regras serem aplicadas de modo absoluto ‘tudo ou nada’, ao passo que os princípios são aplicados de modo gradual ‘mais ou menos’; c) critério do relacionamento normativo, que se fundamenta na ideia de a antinomia entre as regras consubstanciar verdadeiro conflito, solucionável com a declaração de invalidade de uma das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre os princípios consiste num imbricamento, solucionável mediante ponderação que atribua uma dimensão de peso a cada um deles; d) critério do fundamento axiológico, que considera os princípios, ao contrário das regras, como fundamentos axiológicos para a decisão a ser tomada”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos.10.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.39-40). Em todo o caso, não há como negar, no atual estágio de desenvolvimento da ciência jurídica, a plena efetividade normativa dos princípios jurídicos. Nesse diapasão, Luís Roberto Barroso afirma que na dogmática jurídica atual – chamada pelo autor de pós-positivismo – a normatividade dos princípios é plenamente reconhecida. O mesmo autor explica que, em verdade, “a novidade das últimas décadas não está, propriamente,

na existência de princípios e no seu eventual reconhecimento pela ordem jurídica, posto que os princípios, vindos dos textos religiosos, filosóficos ou jusnaturalistas, de longa data permeiam a realidade e o imaginário do Direito, de forma direta ou indireta”. A novidade estaria, assim, no reconhecimento da efetiva normatividade dos princípios (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 325-327). No entanto, não há, a nosso ver, qualquer incompatibilidade entre o positivismo jurídico e a plena efetividade normativa dos princípios jurídicos. Herbert L. A. Hart demonstra que a teoria sobre a normatividade dos princípios pode ser perfeitamente conciliada com o “positivismo moderado”, cujos critérios de validade jurídica podem ser conformados “com princípios morais ou com valores substantivos”. (HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste, 1994, p.312-325). Assim, não é preciso recorrer-se a regras morais (não-jurídicas) para a solução de conflitos pelo Poder Judiciário. A juridicidade dos princípios – e a sua efetividade – pode perfeitamente ser reconhecida sob a ótica positivista, que é a que será adotada neste trabalho. 15 Não obstante a referência à disciplina das áreas urbanas de um determinado Município, a legislação urbanística pode regular a ocupação também das áreas rurais, especialmente no que se refere às áreas de expansão urbana. Nesse sentido, o art.40, §2º, da Lei nº10.257/2001 determina que “o plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo”.

Sobre o tema, Nelson Saule Júnior defende a abrangência das áreas rurais pelas prescrições ditadas pelos planos diretores. Para o autor, “[...] a Constituição, ao prescrever que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, não diferencia os habitantes situados na zona rural dos que estão situados na zona urbana. A realidade das cidades demonstra, cada vez mais, a ligação entre as atividades promovidas na zona rural e as atividades realizadas na zona urbana”. (SAULE JÚNIOR, Nelson. A

proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004, p.256). 16 As normas urbanísticas podem disciplinar a ordenação urbana de dois ou mais municípios conjuntamente considerados. Nesse caso, a legislação poderá ser editada pelo Estado em que se situam os municípios abrangidos pelo plano regional, com fundamento no art.25, §3º, da Constituição Federal, ou mesmo pela União (art.3º, II e III, do Estatuto da Cidade). Sobre a questão, Eros Roberto Grau, em comentário ao art.164 da Constituição Federal de 1967, afirma que a previsão da possibilidade do estabelecimento de regiões metropolitanas cria um conteúdo novo ao sistema federativo nacional, a promover a integração nacional. Trata-se de um específico instrumento de realização do modelo que se convencionou chamar

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Constitucional (art.24, I), que atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre direito urbanístico. Reconhece a Carta Federal, portanto, a autonomia

jurídico/positiva desse ramo do direito público.

De outra parte, reconhece-se, também, a autonomia científica do direito

urbanístico, posto que o estudo sistemático das normas que regulam o espaço urbano permite

verificar princípios específicos desse ramo do direito.

1.3 Autonomia científica do direito urbanístico

Com efeito, verifica-se no sistema de normas de direito urbanístico princípios

que lhe são próprios, o que confere autonomia científica a este ramo do direito.

É verdade que a atividade urbanística é também regulada por princípios típicos

de outros ramos do direito público – especialmente do direito administrativo, ambiental,

tributário e financeiro. Afinal, o exercício da função urbanística17

– que equivale ao dever-

poder18 da Administração de promover a adequada organização da vida nas cidades – na

realidade, é expressão do exercício da própria função administrativa do Estado. Portanto,

inevitavelmente, os princípios aplicáveis a esta são também extensíveis àquela.

Assim, as normas principiológicas que regem a atuação da Administração

Pública – exemplificadamente, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência (art.37 da Constituição Federal) – são igualmente incidentes sobre a

atividade urbanística. Isso, porque, ainda que se reconheça o papel da iniciativa privada no

processo de urbanização, sua direção caberá sempre ao Poder Público.19

Da mesma forma, os traços fundamentais do regime jurídico-administrativo

devem estar, fatalmente, presentes nos atos administrativos expedidos no exercício da função de federalismo de cooperação. Assim, torna-se viável, “juridicamente, a compulsoriedade do planejamento metropolitano”. (GRAU, Eros Roberto. Regiões metropolitanas: regime jurídico. São Paulo: José Bushatsky, 1974, p.120). A Constituição Federal de 1988 manteve a previsão quanto à criação de regiões metropolitanas, mas passou a prever a possibilidade de sua instituição pelos Estados-membros (art.25, §3º). 17 Para Santi Romano, “as funções (officia, munera) são os poderes que se exercem não por interesse próprio, ou exclusivamente próprio, mas por interesse de outrem ou por um interesse objetivo. Deles se encontram exemplos mesmo no direito privado (o pátrio-poder, o ofício do executor testamentário, do tutor etc.), mas no direito público sua figura é predominante. Com efeito, os interesses objetivos tutelados pelo Estado e os que nele se personificam são também interesses da coletividade considerada em seu conjunto e prescindindo de cada um dos que a compõe: os poderes do Estado são, em regra, funções”. (ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT,1977, p. 145). O exercício da função urbanística é, justamente, o manejo, pelo Poder Público, dos poderes de que é titular para cumprir o seu dever de promover o adequado desenvolvimento urbano, em benefício de toda a coletividade. 18 Adota-se a expressão utilizada por Celso Antônio Bandeira de Mello – dever-poder – para enfatizar a instrumentalidade dos poderes conferidos à Administração, necessários ao cumprimento do seu dever de defender os interesses da coletividade (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.97). 19 Apesar de a atividade urbanística ser exercida em conjunto com a iniciativa privada, é o Poder Público – especialmente o Poder Municipal – que deve dirigi-la. Daí a incidência inevitável dos princípios jurídicos que regem a atividade da Administração Pública.

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urbanística. Toda a atividade de ordenação do espaço urbano deve ser baseada nas duas

máximas20 do moderno direito público: a “supremacia do interesse público sobre o privado e a

indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração”.

Ocorre que o fato de princípios de outros ramos do direito público incidirem

diretamente sobre a atividade urbanística não impede que se reconheça, a partir do exame do

sistema de normas do direito urbano, princípios exclusivos desse ramo do direito público21, a

lhe conferir autonomia científica. Em outras palavras, é possível ao jurista extrair do sistema

de normas de direito público um subsistema de normas de direito urbanístico, a ser estudado

de forma autônoma, sob a égide de princípios que lhe são próprios.

Dentre eles, citemos:

a) princípio do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art.182, da Constituição Federal); b) princípio do direito a cidades sustentáveis (Lei nº10.257/2001, art.2º, I)22; c) princípio da gestão democrática das cidades (Lei nº10.257/2001, art.2º, II)23; d) princípio da cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social (art.2º, III, da mesma lei federal); e) princípio da reserva de plano (Lei nº10.257/2001, art.182, §1º; CF; art.2º, IV) 24; f) princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX);

20 Celso Antônio Bandeira de Mello considera a “supremacia do interesse público sobre o privado verdadeiro axioma

reconhecível no moderno Direito Público”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.69). Define ainda o “interesse público como o interesse resultante do conjunto de interesses

que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.61). O ensinamento é relevante no estudo do direito urbanístico, posto que todas as ações do Estado devem ser pautadas pelo respeito ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Como exemplo, citamos a própria operação urbana consorciada, cujas metas devem estar de acordo com o interesse de toda a coletividade no processo de requalificação urbanística, e não somente dos proprietários diretamente interessados na operação. 21 Hely Lopes Meirelles define o direito urbanístico como o “ramo do direito público destinado ao estudo e formulação dos

princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.513). O autor aceita a autonomia do direito urbanístico em relação aos outros ramos do direito público, posto considerá-lo como ramo do direito público. 22 A Lei nº10.257/2001 (art.2º) elenca as diretrizes gerais da política urbana. Consideramos que se trata de rol de princípios jurídicos extraídos do sistema autônomo de normas de direito urbanístico. Sobre a questão, Ricardo Marcondes Martins, após destacar que, em face da leitura combinada dos arts.24, I e 30, I, da Constituição, a competência em matéria urbanística é concorrente, afirma que à União é reservada a edição de diretrizes em matéria urbana, e que diretriz, nesse sentido, é sinônimo de norma geral. (MARTINS, Ricardo Marcondes. As normas gerais de direito urbanístico. Revista Eletrônica

sobre a Reforma do Estado, Salvador, n.20, dez-jan-fev. 2009/2010, p.12). Concordamos com o autor. O termo “diretrizes

gerais” utilizado pelo art.182 da Constituição Federal é empregado no sentido de norma geral. Nessa direção, a União, no exercício da competência constitucionalmente assegurada, expede diretrizes (ou normas gerais) de direito urbanístico, e essas normas podem ser prescritas por meio de princípios ou de regras. No nosso entendimento, a União, ao editar a Lei nº10.257/2001 (norma geral de direito urbanístico), estabeleceu em seu art.2º um rol de princípios de direito urbanístico, não obstante ter utilizado do termo diretrizes gerais, em sentido contrário, portanto, ao extraído da Constituição. 23 Aqui cabe uma observação: o princípio da gestão democrática não é exclusivo do direito urbanístico, posto que extraível, também, a partir da leitura de outros dispositivos legais relativos a temas de direito administrativo. Cite-se o exemplo dado pela Lei nº8.666/93 (art.39) ao exigir que o procedimento licitatório seja iniciado por uma audiência pública concedida pela autoridade responsável, sempre que o valor estimado para a licitação for superior a R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais). Todavia, encontram-se apenas alguns exemplos de aplicação desse princípio em outros ramos de direito público. No que se refere ao direito urbano, ao contrário, a sua aplicação é pressuposto de validade de praticamente todos os atos normativos.

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g) princípio da recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI, da mesma lei federal); h) princípio da obrigatoriedade do Poder Público de efetivar os processos de regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais25 (Lei nº10.257/2001, art.2º, XIV)26; i) princípio que veda a utilização inadequada dos imóveis urbanos (art.2º, VI, a); j) princípio que veda a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes (art.2º, VI) k) princípio que veda o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana (art.2º, VI) l) princípio que veda a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente (art.2º, VI, d); m) princípio que veda a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização (art.2º, VI, e).

Vê-se, assim, que ao estudar o sistema de normas de direito urbanístico, o

cientista extrai princípios jurídicos, que devem reger toda e qualquer ação da Administração

24 Victor Carvalho Pinto ensina que o princípio da reserva de plano consiste “na exigência de que as medidas que possam a

vir afetar a transformação do território constem dos planos urbanísticos, como condição para que possam ser executadas”. Para o autor, o princípio da reserva do plano urbanístico impede que intervenções urbanísticas planejadas convivam com ações não planejadas, o que seria prejudicial para o planejamento urbano globalmente considerado. Através da imposição da previsão das ações urbanísticas na lei que institui o plano diretor, permite-se que tais ações sejam “decididas após cuidadosa

ponderação das alternativas e avaliação de seus efeitos”. (PINTO, Victor Carvalho. Direito urbanístico: plano diretor e direito de propriedade. São Paulo: RT, 2005, p.217-220). 25 São vários os instrumentos legais previstos na legislação brasileira para fins de regularização fundiária de assentamentos urbanos. Dentre eles, indicam-se: concessão de uso especial para fins de moradia (Medida Provisória 2.220/2001); concessão de direito real de uso (art.7º do Decreto-Lei nº271/67); usucapião especial de imóvel urbano (art.9º da Lei 10.257/2001); demarcação urbanística e legitimação de posse, (arts.46 a 71 da Lei Federal nº11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas). A Lei Federal nº11.977/2009, art.46, assim define regularização fundiária: “o conjunto de medidas jurídicas,

urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Assim, o processo de regularização fundiária tem como objetivo a garantia do direito à moradia, previsto expressamente como direito social pelo art.6º, da Constituição Federal. Sobre a questão, manifesta-se Carolina Zancaner Zockun pela eficácia e aplicabilidade imediata da norma constitucional que garante o direito à moradia, a qual, portanto, no entender da autora, atribui ao cidadão direito público subjetivo à habitação. (ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do estado no domínio social. São Paulo: Malheiros, 2009, p.135-136). A respeito do tema, e após referir-se ao direito à moradia expresso no art.6º da Constituição como um dos fundamentos constitucionais do Estatuto da Cidade, Márcio Cammarosano ressalta que “se não se proporcionam condições de moradia decente ao trabalhador e à sua família, desrespeita-se a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil”. (CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da Cidade: (comentários à Lei Federal nº10.257/2001).1.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.24). A questão será abordada em momento posterior deste trabalho, tendo em vista que o mencionado direito deve ser prestigiado sempre que o Poder Público pretender instituir uma operação urbana consorciada, especialmente em face da Lei nº10.257/2001 (art.33, III). 26 José Afonso da Silva enuncia os princípios de direito urbanístico, com base em Antonio Carceller Fernández: “1º) princípio

de que o urbanismo é uma função pública, que fornece ao direito urbanístico sua característica de instrumento normativo pelo qual o Poder Público atua no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse coletivo, sem prejuízo do princípio da legalidade; 2º) princípio da conformação da propriedade urbana pelas normas de ordenação urbanística – conexo, aliás, com o anterior; 3º) princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas (não mencionado pelo autor), cuja eficácia assenta basicamente em conjuntos normativos (procedimentos), antes que em normas isoladas; 4º) princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanificação, segundo o qual os proprietários dos terrenos devem satisfazer os gastos da urbanificação, dentro dos limites do benefício dela decorrente para eles, como compensação pela melhoria das condições de edificabilidade que dela deriva para seus lotes; 5º) princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística. Para o autor, pode-se dizer, hoje, que esses princípios foram acolhidos pelo Estatuto da Cidade, expressa ou implicitamente, especialmente pelas diretrizes que constam de seu art.2º”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico

brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.45).

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Pública visando à ordenação da vida urbana e à busca do pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade. Todavia, é certo também que muitas dessas normas principiológicas estão

presentes em outros subsistemas jurídicos de direito público, como o direito administrativo e

o direito financeiro.

Como exemplo, citemos o princípio da reserva de plano. O planejamento, em

verdade, é sempre condição para o exercício da função administrativa. A Constituição Federal

prevê, no capítulo relativo às Finanças Públicas (arts.163 a 169), que a atividade da

Administração Pública deve ser planejada, é dizer, fundamentada em leis que estabeleçam o

plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais. Assim, o princípio do

planejamento deve guiar toda a atividade da Administração e não só a atividade urbanística.

Como se vê, a função urbanística é regulada por princípios que regem também

outras espécies de relações jurídicas fundadas no regime jurídico-administrativo. Muitos

desses princípios são objetos de particularização, de adaptação, no que se refere à regulação

da atividade urbanística (por exemplo, o princípio da reserva de plano urbanístico) e outros

são voltados à função urbanística, como o princípio do pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade.

Portanto, a disciplina da atividade do Estado em matéria urbanística não pode

prescindir dos princípios que regem a função administrativa como um todo. Mas isso não

afasta a possibilidade de ser reconhecida a autonomia científica do direito urbano, posto que,

na realidade, a comunhão de princípios ocorre entre todos os ramos do direito público.27

Dessa forma, o direito urbanístico não pode mais ser estudado como um mero

capítulo do direito administrativo. Essa concepção reducionista, na realidade, provem do

papel inicial que competia às normas de organização do espaço urbano, especialmente até a

Primeira Guerra Mundial.28

Em sua primeira concepção, o direito urbanístico limitava-se a impor regras a

respeito da polícia das construções, ou seja, normas que simplesmente previam limitações 27 Márcio Cammarosano afirma que, não obstante o direito urbanístico ser disciplina de identidade própria, o fato é que compartilha categorias já conhecidas do direito administrativo, do qual emana, assim como ocorre com o direito ambiental. Recorda que “o direito administrativo, o direito urbanístico e o direito ambiental correspondem – e não apenas esses ramos do direito público – a cortes temáticos das normas jurídicas a aplicar no exercício da função administrativa”. Portanto, os atos decorrentes da função urbanística e da função ambiental, posto implicarem exercício de função administrativa, estão submetidos “a um mesmo regime jurídico categorial, qual seja, o regime jurídico-administrativo”. (CAMMAROSANO, Márcio. Direito administrativo, urbanístico e ambiental: interfaces. In: BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio (Coord.). Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.16-17). 28 Segundo José Afonso da Silva, essa concepção reducionista não considera as profundas transformações operadas no papel do Poder Público em matéria urbanística. A atividade urbanística passou a ser uma função do Poder Público, “o que importa

nova configuração das normas jurídicas urbanísticas, que não podem mais ser concebidas como simples regras de atuação do poder de polícia, nem como mero capítulo do direito administrativo”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico

brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.40-41).

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administrativas à propriedade urbana.29 Natural, portanto, que fosse tratado como um simples

tópico do direito administrativo.

Ocorre que o estudo da evolução do direito urbanístico demonstra que não se

pode, na contemporaneidade, reduzir as normas urbanísticas a simples regras a respeito de

limitações administrativas. A atuação do Poder Público em matéria urbanística deixou de ser

meramente limitadora. A Administração passou a assumir – a partir do início do século XX –

um papel ativo na ordenação urbana, o que gerou reflexos no direito urbanístico,

especialmente no que se refere à sua autonomia em relação a outros ramos do direito público.

Isso não significa que as cidades antigas e medievais não fossem disciplinadas por regras

urbanísticas30, mas a transformação do urbanismo em uma função pública – poder-dever da

Administração de promover a adequada organização dos espaços habitáveis – só ocorreu no

período histórico conhecido como Revolução Industrial.

É essa evolução do modo de agir do Poder Público em matéria urbanística que

explica o surgimento de institutos como a operação consorciada, voltados à promoção de

modificações na infraestrutura de determinado perímetro urbano. O desenvolvimento dos

diferentes métodos de atuação estatal na questão urbana será objeto de estudo no capítulo que

segue.

29 Jacqueline Morand-Deviller explica que o direito urbanístico permaneceu por muito tempo limitado a prescrições de polícia administrativa impostas aos proprietários privados. Suas normas não guardavam relação com a perspectiva contemporânea de planejamento e ordenação urbanística, surgida após as duas Grandes Guerras Mundiais; a reconstrução de um país devastado (a autora refere-se à França) e a explosão urbana impuseram uma reflexão global sobre a questão. (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit de l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996, p.2-3, tradução livre). 30 José Afonso da Silva lembra que regras urbanísticas determinavam que as cidades romanas deveriam contar com ruas e vias largas, com limitações para a altura dos edifícios, praças amplas e distâncias entre os prédios existentes. As urbes tinham traçados quadrados ou retangulares entre si, orientados pelos quatro pontos cardeais. Ressalta, ainda, o autor que tais características mantiveram-se na Idade Média, não obstante o espírito antiurbano dessa época. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.27).

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2 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DO URBANISMO

A doutrina não é uniforme acerca do conceito de urbanismo. Há quem

considere o urbanismo uma ciência, que tem como objeto a organização dos espaços

habitáveis.31 Outros consideram-no um fato social, um conjunto de intervenções voluntárias

que visa alterar o espaço urbano, fruto de decisões político-administrativas e de práticas

profissionais.32 Alguns, ainda, defendem a natureza polissêmica do conceito.33

Assume-se, nesta pesquisa, a posição que considera o urbanismo uma ciência,

um conjunto sistematizado de enunciados acerca da organização do espaço urbano, que é o

seu objeto de investigação34. O desenvolvimento dessa ciência permitiu criar instrumentos

empírico-científicos destinados a transformar o espaço urbano.35

Estes instrumentos (ou técnicas) estão relacionados a determinados métodos

(ou concepções) do urbanismo. Em outras palavras, o uso de cada instrumento dependerá do

método de urbanismo que se pretende aplicar para transformar a realidade do espaço urbano.

Cada método conta com diferentes instrumentos urbanísticos para alcançar suas finalidades.36

31 Para José Afonso da Silva, o urbanismo como ciência originou-se da necessidade de equacionar os problemas surgidos a partir da urbanização, que por sua vez é o “processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.26-27). 32 Nesse sentido, Jean-Paul Lacaze afirma que o urbanismo, “por não ser nem uma ciência nem uma técnica, não pode pretender uma coerência interna que baste para justificar a escolha das soluções tomadas. Para o autor, deve-se aceitar estudá-lo como ato de poder, a fim de esclarecer as relações existentes entre os campos respectivos da decisão político-administrativa, da ideologia e das práticas profissionais”. O autor distingue a geografia urbana e o urbanismo. Enquanto se trata apenas de estudar, descrever e compreender os modos de ocupação do espaço, os métodos de geografia são suficientes. Porém, quando alguém estima ser necessário iniciar ou provocar uma ação para transformar os modos de utilização do espaço, faz-se necessário recorrer ao urbanismo e seus métodos de atuação. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do

urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.11-12). 33 Fernando Alves Correia defende que o conceito de urbanismo tem uma natureza polissêmica. Para o autor, são quatro os sentidos do conceito: urbanismo como facto social, como técnica, como ciência e como política. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.21-22). 34 Maria Helena Diniz ressalta a importância da sistematização para o conhecimento científico: “[...] o conhecimento

científico pretende ser um saber coerente. O fato de que cada noção que o integra possa encontrar seu lugar no sistema e se adequar logicamente às demais é a prova de que seus enunciados são verdadeiros. Se houver alguma incompatibilidade lógica entre as ideias de um mesmo sistema científico, duvidosas se tornam as referidas ideias, os fundamentos do sistema e até mesmo o próprio sistema. Da sistematização [...] decorre a justificação do saber científico”. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica. 22.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.35). 35 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.51-52. É incontroversa na doutrina a afirmação de que a ciência do urbanismo assume um caráter eminentemente interdisciplinar. Segundo Fernando Alves Correia, “a multiplicidade e a profundidade dos problemas urbanos não podem ser abarcadas por

uma única disciplina ou por um só ramo científico. O urbanismo apresenta-se, assim, como uma ciência compósita, que vai buscar conhecimentos a várias ciências, tais como a geografia, a arquitectura e a técnica de construção, a estatística, a ciência econômica, a ciência política, a ciência administrativa, a sociologia, a história, a ecologia urbana, e, inclusive, à própria medicina, com o objetivo de possibilitar um desenvolvimento harmonioso e racional dos aglomerados humanos. E prossegue afirmando que uma das ciências onde o urbanismo vai beber muitos de seus princípios é a ciência do direito. Na verdade, o fenômeno social do urbanismo não poderia ser indiferente ao direito, dado que ele influencia de modo decisivo institutos jurídicos importantes, de que se destaca o direito de propriedade do solo”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito

do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.52-53). 36 Por exemplo, o método do urbanismo operacional usa o instrumento da desapropriação urbanística; o método do urbanismo concertado utiliza o instrumento da operação urbana consorciada e da concessão urbanística; o método do urbanismo de planificação faz uso do plano urbanístico.

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Os métodos e instrumentos serão abordados a seguir nas perspectivas nacional

e estrangeira. Todavia, preliminarmente, um breve esclarecimento deve ser feito para não ser

transmitida a falsa ideia de que a atividade urbanística do Estado evolui no sentido de afastar

por completo antigas concepções ou técnicas do urbanismo. Ao contrário, será demonstrado

que as diferentes técnicas urbanísticas surgidas ao longo da história – e consequentemente os

diversos instrumentos jurídicos urbanísticos correspondentes a cada uma delas – convivem de

forma harmoniosa e são aplicadas, muitas vezes concomitantemente, pelos órgãos e entidades

públicas responsáveis pela ordenação do espaço urbano.

Com efeito, encontram-se na doutrina especializada diferentes classificações a

respeito dos métodos do urbanismo e das várias técnicas utilizadas pelas Administrações

Públicas para intervir no espaço urbano com a finalidade de ordená-lo.37

Não obstante essas divergências, há consenso no que tange à coexistência

desses métodos urbanísticos. Em outras palavras, os Poderes Públicos têm ao seu dispor uma

variedade de formas de intervir no espaço urbano, criadas para equacionar questões

urbanísticas surgidas ao longo da história do desenvolvimento das urbes, e que podem ser

utilizadas para cumprir o dever de garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade.38

37 Jean-Paul Lacaze enumera os seguintes métodos do urbanismo: planificação estratégica (modificação das estruturas do espaço urbano), composição urbana (criação de novos bairros), urbanismo participativo (melhoria da vida cotidiana dos habitantes), urbanismo de gestão (reforço da qualidade dos serviços existentes) e urbanismo de comunicação (atração de empresas). Cada um desses métodos tem sua própria finalidade e seu modo de aplicação, e são escolhidos de acordo com a natureza dos problemas urbanos a serem enfrentados, que, por sua vez, variam muito em função do local, do momento e do contexto econômico e social. Adverte o autor de que todos esses métodos conservam domínios válidos, ou seja, há tempo e espaço para a aplicação de qualquer um deles, a depender, como dito, das necessidades do espaço urbano. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.20-21). Já Fernando Alves Correia disserta sobre a concepção de urbanismo como técnica de criação, desenvolvimento e reforma de cidades e afirma que, nesse sentido, o urbanismo pode ser estudado como sinônimo de técnica urbanística. O autor enumera as seguintes técnicas urbanísticas: alinhamento (fixação de linha que delimita as zonas edificáveis das não-edificáveis); expansão ou ensanche e renovação urbana (adição de novos bairros ao setor antigo da cidade e derrube de bairros antigos para abertura de novas ruas e construção de edifícios mais higiênicos e de melhor qualidade arquitetônica); zonamento ou zoning (reservas de setores do espaço municipal a destinos ou fins determinados); cidade-jardim (edificação de aglomerados urbanos planificados de acordo com o modelo da cidade-jardim: novos núcleos urbanos independentes e afastados das grandes cidades, com casas próprias rodeadas de grandes jardins); cidade linear (estrutura urbana ligada a uma via rápida de comunicação, com longitude infinita e largura limitada, com o fim de manter a cidade em pleno contato com o campo e vice-versa); regionalismo urbanístico (ordenamento do território urbano e rural, em uma dimensão municipal, regional e mesmo nacional, com o planejamento a abranger vários municípios limítrofes); plano urbanístico e o funcionalismo racionalista

(organização da cidade como uma unidade funcional, com os planos a determinar a estrutura de cada um dos setores destinados ao desenvolvimento das funções do homem dentro da cidade: habitar, trabalhar, recrear-se e circular); novas

cidades ou new towns (criação artificial de cidades planejadas como unidades pluridimensionais, destinadas a descongestionar as zonas urbanas com base numa política de descentralização industrial e de equilíbrio regional). (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.33-50). 38 Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso afirmam que o surgimento das diferentes técnicas urbanísticas foi pragmático: surgiram como instrumentos com os quais as diferentes sociedades responderam aos sucessivos desafios impostos à organização da vida urbana. Ressaltam, ainda, que do estudo sistemático da regulação jurídica do atual urbanismo ressoa, claramente, o eco dessas invenções sucessivas da história. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.31, tradução livre). Em outro escrito, Luciano Parejo Alfonso afirma que mesmo a alienación (técnica que consiste no traçado e na fixação de linhas divisórias do espaço edificável e não-edificável, com a finalidade de definir os terrenos particulares, as ruas, praças e demais espaços

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Dentre as classificações dos métodos do urbanismo, escolhe-se a seguinte nesta

pesquisa: “urbanismo regulamentar, urbanismo operacional, urbanismo de planificação e

urbanismo concertado”.

2.1 Urbanismo regulamentar

O primeiro método de organização do espaço urbano a ser abordado é o

urbanismo regulamentar.

Trata-se de uma forma de organizar o espaço urbano fundamentada na

imposição de regras de limitação à propriedade urbana39, mais especificamente à liberdade de

construir em solo privado.40 Por meio de regulamentos (normas de caráter geral e abstrato),41

a Administração controla a atividade privada de edificação. Impõem-se limites à altura dos

edifícios42; prescrevem-se recuos mínimos frontais e laterais às construções; definem-se

requisitos mínimos de segurança e de salubridade das edificações; fixam-se condições de

edificação de acordo com a utilização pretendida (comercial ou residencial).

As limitações urbanísticas à propriedade são impostas com fundamento no

princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, que constitui um dos pilares

coletivos), que é uma técnica urbanística inicial, primária, não desapareceu e nem foi superada; ao contrário, persiste no urbanismo atual como um instrumento insubstituível para a função a que se destina. (ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho

urbanístico: instituciones básicas. Mendoza: Ediciones Ciudad Argentina, 1986, p. 6, tradução livre). 39 Recorremos às lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem não há de se falar em restrições ou limitações ao

direito de propriedade, mas em restrições ou limitações à propriedade. Segundo o jurista, “o direito de propriedade é a

expressão juridicamente reconhecida à propriedade. É o perfil jurídico da propriedade. É a propriedade tal como configurada em dada ordenação normativa”. Esse sistema normativo pode prever tais e quais limitações aos poderes do proprietário, mas essas limitações fazem parte da própria definição do direito. Não podem, portanto, ser consideradas limitações ao direito, posto que nascem com ele. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. Revista de Direito Público, v. 20, n. 84, p. 39-45, out./dez. 1987, p.39). Trata-se de uma clara concepção positivista do direito, por nós acatada. No mesmo sentido, Luis Manuel Fonseca Pires afirma que “não se limitam os direitos porque

estes, como direito que são, não são absolutos nem correspondem necessariamente às acepções que se tem na coletividade ou noutras ciências do conhecimento humano; os direitos são a conformação que um dado ordenamento jurídico emprega a um valor conhecido e caro à sociedade, e tal como define, o delinea, da maneira como traça e colore este valor, assim é tido como um direito”. (PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime jurídico das licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.55). 40 Na lição de Jean-Paul Lacaze, “o papel do urbanismo regulamentar é coordenar as iniciativas particulares em função das

perspectivas gerais”. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.24). 41 No que toca ao direito brasileiro, tais limitações somente podem ser impostas por lei, em face da inexistência do decreto autônomo no sistema normativo pátrio, especialmente em face do que dispõe o art.5º, II, da Carta Federal. Sobre a questão, por todos, ver Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que ressalta que “no direito brasileiro, a Constituição de 1988 limitou consideravelmente o poder regulamentar, não deixando espaço para os regulamentos autônomos, a não ser a partir da Emenda Constitucional nº32/01”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.88). Refere-se a autora ao art.84, VI, da Carta, que permitiu ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal e extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Trata-se da única exceção à proibição da existência de decreto autônomo no direito pátrio. 42 Nas palavras de Ramon Parada, a concentração de capital e o desenvolvimento tecnológico possibilitaram processos de transformação do solo bastante rápidos, o que gerou a necessidade de edição de normas limitadoras do direito de urbanizar e edificar, que passam a funcionar como uma espécie de método anticonceptivo contra a fertilidade construtiva, contrário a uma concepção todo-poderosa de direito de propriedade. (PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.299).

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do exercício da função administrativa do Estado. Assim, a Administração, para cumprir o seu

dever-poder de ordenar o espaço urbano, e com fundamento em lei, limita os poderes que o

particular tem sobre o seu imóvel.43

2.1.1 Normas de polícia administrativa disciplinadoras das construções em solo urbano

A aplicação deste método corresponde ao simples exercício do poder de polícia

administrativa44, voltado especialmente à edificação em solo urbano e ao respeito às normas

de segurança e salubridade das construções.

Nesse sentido, a atuação do Poder Público assume um caráter negativo: é

voltada a coibir comportamentos privados nocivos ao adequado ordenamento territorial

urbano. Inexiste uma efetiva intervenção estatal para promover a ocupação do solo urbano por

meio de prestações positivas, em atuação conjunta ou não com particulares45. Não há, por

exemplo, operações urbanas que visem revitalizar a área urbana, executar determinado

programa habitacional para a população de baixa renda ou a atuação do Estado visando

influenciar o mercado do solo urbano a fim de coibir a especulação imobiliária – por exemplo,

43 Nesse sentido, Luciano Parejo Alfonso ensina que as ordenações municipais – primeiro corpo normativo urbanístico surgido nas cidades medievais – são afirmações do princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o privado ou individual; tais normas comprimem a liberdade inicial de uso e transformação do proprietário do solo. (ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho urbanístico: instituciones básicas. Mendoza: Ediciones Ciudad Argentina, 1986, p.7, tradução livre). 44 Utilizamos a expressão “poder de polícia” tal qual o faz a doutrina tradicional sobre o tema. Por todos, Celso Antônio Bandeira de Mello: “pode-se definir a polícia administrativa como a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.824). Todavia, vale ressaltar que para parte da doutrina o termo poder de polícia não deve mais ser empregado, em especial pelo fato de se referir a uma atividade estatal que não mais condiz com a atual fase de desenvolvimento do Estado contemporâneo. Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld propõe a substituição do termo poder de

polícia por administração ordenadora. Para o autor, o termo poder de polícia não deve mais ser utilizado, pois: “a) remete a um poder de que a Administração dispunha antes do Estado de Direito e que, com sua implantação, foi transferido para o legislador; b) está ligada ao modelo de Estado liberal clássico, que só devia interferir na vida privada para regulá-la negativamente, impondo deveres de abstenção, e, atualmente, a Constituição e as leis autorizam outros gêneros de imposição; c) faz supor a existência de um poder discricionário implícito para interferir na vida privada que, se pode existir em matéria de ordem pública – campo para o qual o conceito foi originalmente cunhado – não existe em outras, para as quais a doutrina transportou-o acriticamente, pela comodidade de seguir usando velhas teorias”. (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito

administrativo ordenador. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.17). Destaca-se a imposição de deveres de abstenção, que caracteriza o exercício do poder de polícia administrativa tal como definido pela doutrina tradicional. No exercício da função urbanística, o Poder Público não impõe apenas obrigações de não-fazer aos particulares. O art.182, §4º, da Constituição Federal faculta à Administração exigir do proprietário do solo urbano o parcelamento e a edificação compulsórios de imóveis não edificados, não utilizados ou subutilizados. Trata-se, por óbvio, de obrigação de fazer, imposta no exercício do poder de polícia do Estado, para o fim de obrigar o proprietário a utilizar o seu bem imóvel de acordo com o plano diretor municipal. Portanto, concorda-se com os críticos do conceito clássico de poder de polícia neste particular: o exercício desse poder estatal não se limita à imposição de deveres de abstenção. 45 Hubert Charles, abordando especificamente o direito francês, ensina que durante muito tempo não foram necessárias regras específicas para reger a evolução das cidades; o direito de propriedade e as relações de vizinhança bastavam para regular as relações entre particulares e os instrumentos de polícia permitiam aos poderes públicos gerir os riscos coletivos ou os prejuízos à segurança e à higiene. (CHARLES, Hubert. Les Principes de l´urbanisme. Paris: Dalloz, 1993, p.2, tradução livre).

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através de reserva fundiária por meio de desapropriação ou do exercício do direito de

preempção. As normas características do direito urbanístico regulamentar apenas impõem

“restrições e condicionamentos ao uso da propriedade fundiária e das atividades humanas

urbanas (habitar, trabalhar, recrear-se e circular – as quatro funções básicas), notadamente

quanto ao uso do solo e à ereção de construções”46.

Essa espécie de norma limitadora da capacidade construtiva em solo urbano é o

mais antigo instrumento urbanístico utilizado pelas administrações locais para organizar os

espaços habitáveis. Ver-se-á a seguir, em breves linhas, a evolução histórica dessa técnica

urbanística, típica do direito administrativo da construção.47

2.1.2 Evolução histórica

Fernando Alves Correia nos ensina que, já no direito romano, eram previstas

regras urbanísticas relativas à segurança das edificações,

de modo a evitar riscos para os que nelas habitavam e para o público em geral; normas dirigidas à tutela da estética das construções; normas que visavam à salubridade das edificações; e, finalmente, disposições com um objetivo mais amplo, designadas de ordenamento do conjunto urbano.

Não faltava, portanto, ao direito romano, a previsão de várias regras jurídicas

que tinham por finalidade a tutela do interesse público no domínio do urbanismo, “tanto no

aspecto da salvaguarda da segurança, estética e salubridade das edificações, como no do

correto ordenamento dos aglomerados urbanos”. Entretanto, inexistia um corpo unitário de

normas jurídicas urbanísticas, tal como compreendido atualmente, e eram desconhecidos dos

romanos muitos dos mais importantes institutos do direito urbano atual.48

46 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.70. Faz-se apenas uma ressalva quanto à fiscalização em relação ao uso – residencial ou comercial – do solo urbano, que consideramos, como será visto, regulada por norma urbanística típica do urbanismo de planificação. 47 A expressão é utilizada por Fernando Alves Correia e bem demonstra a situação inicial de absoluta dependência do direito urbanístico em relação ao direito administrativo, especialmente em função da natureza meramente limitadora desse tipo de ação estatal em matéria urbana, a qual, apesar de não mais ser a única, continua a ser utilizada ainda hoje como um dos métodos urbanísticos de que dispõem os entes públicos. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.61). 48 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.171-173. O autor indica, dentre as normas de segurança das edificações, as disposições que definiam a altura máxima dos edifícios (limite fixado pelo Imperador Augusto em 70 pés e por Trajano em 60 pés), que visava à garantia da segurança pública pela maior estabilidade conferida às construções; já dentre as normas com fins de salubridade das edificações estavam as que visavam à garantia da luminosidade dos edifícios (regulamentos do Imperador Augusto que impediam a construção de relevos que tirasse área e luz às casas); e, no que toca às normas que visavam ao ordenamento do conjunto urbano, estavam as regras concernentes às distâncias entre as construções, no intuito de estabelecer uma configuração geral da cidade (e não somente resolver problemas entre vizinhos). De outra parte, conforme indica Pedro Escribano Collado, já havia no direito

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Na Alta Idade Média iniciou-se um processo de desurbanização, provocado

pelo desaparecimento das grandes cidades romanas, consequência da fragmentação do

Império. Houve um grande êxodo da população urbana ao campo e a estrutura social passou a

ser baseada no sistema feudal. Já nesse período são encontrados sinais do caráter não absoluto

da propriedade. A situação normal da terra no período alto-medieval era a de estar concedida

pelo senhor feudal ao vassalo e, exatamente para garantir essa situação, limitações à

propriedade eram aplicadas para garantir o direito do servo frente à arbitrariedade do

senhorio, não obstante a existência de normas que também garantiam o direito do senhor à

continuidade da vassalagem.49

Mas um novo mundo urbano passou paulatinamente a surgir. As cidades

medievais desenvolvem-se e passam a ser o centro de um novo sistema econômico monetário

e capitalista, baseado na atividade comercial, que deixa para trás as unidades econômicas de

autoconsumo próprias do feudalismo. A produção de bens começa a ser caracterizada pela

especialização e pelo intercâmbio nos mercados localizados nas cidades. Essa nova forma de

organização social e urbana pressupõe a prevalência de uma ordem jurídica abstrata, à qual o

cidadão se submete ao abandonar os antigos laços de vassalagem que o ligava aos senhores

feudais. O trabalho dos juristas – dotado de técnicas lógico-racionalizadoras – foi essencial

para construir essa nova ordem política, não mais ligada a um juramento de fidelidade

pessoal, mas a uma estrutura abstrata de integração, regulada por regras impessoais e dotada

de uma burocracia funcionarial.50

Essa nova organização social irá transformar-se no Estado Moderno e na sua

mais alta expressão política, as monarquias nacionais, cujos centros de poder ficavam nas

grandes cidades. Esse período histórico, iniciado com a centralização do poder real e com a

construção do Estado absolutista, termina com a edificação do Estado de Polícia, ao final do

século XVII. Posteriormente, na primeira metade do século XVIII, ocorre um significativo

romano a previsão de alguns dos instrumentos urbanísticos hoje conhecidos, como a desapropriação por razões de utilidade ou de necessidade pública e a constituição de servidão de passagem sobre terreno alheio quando a via pública estivesse destruída. (COLLADO, Pedro Escribano. La propriedad privada urbana: encuadramiento y régimen. Madrid: Montecorvo, 1979, p.26). Assim, a propriedade privada no Direto Romano não tinha o caráter absoluto que usualmente a doutrina lhe atribui. Nesse mesmo sentido, Alexandre Corrêa e Gaetano Sciascia ensinam que no direito romano existiam restrições ao direito potencial absoluto do proprietário, que podiam ser ditadas em razão do interesse público ou privado e eram impostas pela autoridade administrativa ou jurisdicional. As restrições de natureza pública representavam “limitações indiretas ao conceito jurídico de propriedade”. Ressaltam, ainda, que eram inscritos na última classe dos cidadãos os proprietários que deixavam sem cultivo suas terras ou os que não cuidavam dos seus animais. (CORRÊA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de direito romano. 6.ed. São Paulo: RT, 1988, p.17-19). 49 COLLADO, Pedro Escribano. La propriedad privada urbana: encuadramiento y régimen. Madrid: Montecorvo, 1979, p.30. 50 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas, 1979, p.24.

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desenvolvimento – qualitativo e quantitativo – das normas jurídico-urbanísticas.51 Este

período histórico, ensina Fernando Alves Correia, deixou-nos como legado

a consolidação de alguns institutos fundamentais do direito do urbanismo e a sua aplicação por lei a todo o território de um país, como o ´congé´ (autorização de licença de construção) e o ´alignement´ (alinhamento), que foram estendidos a toda a França pelo Édito de Henrique IV, de dezembro de 1607.52

O alinhamento, por sinal, é a técnica mais elementar do urbanismo, e sempre

esteve presente, com maior ou menor intensidade em todas as suas fases históricas. Constitui-

se em definir uma linha limitando as zonas edificáveis das não edificáveis delimitando as

ruas, as praças e as grandes avenidas etc.53 A adoção dos planos de alinhamento é uma

técnica urbanística que se aproxima de outro método sempre presente na ordenação do espaço

urbano: o método da planificação, especialmente desenvolvido a partir da doutrina

funcionalista surgida no século XX.

Generalizam-se ainda, nesse mesmo período histórico, os regulamentos de

polícia urbana, veiculados, em geral, por meio das ordenações municipais de construção, que

impunham critérios relacionados à segurança, à estética e à salubridade das edificações, além

de regular as relações de vizinhança entre as propriedades privadas e entre essas e as

“servidões urbanas (muros divisórios, esgotos, serviços comuns, distâncias mínimas,

luminosidades e vistas)”.54

As ordenações municipais de construção correspondem, hoje, aos códigos de

obras e edificações, impostos, no mais das vezes, por meio de leis municipais. Isso bem

demonstra que essa técnica urbanística ainda é plenamente utilizada, e que o poder local

sempre manteve um papel preponderante na organização do espaço urbano.

A recepção do ideário liberal nos diferentes países europeus representou o

ocaso das monarquias absolutas e do Estado de Polícia. Surge, então, o Estado de Direito

Liberal, caracterizado pela previsão de um catálogo de direitos fundamentais do cidadão

estabelecidos por meio de uma Constituição escrita, pela consagração do princípio da

separação de poderes e pela subordinação do Poder Executivo à lei.

51 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.177. 52 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.178. 53 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.31. 54 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.32.

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Dentre o rol de direitos fundamentais encontrava-se o direito de propriedade,

que passou a ser considerado um direito absoluto, sagrado e inviolável.55

Na realidade, esse caráter intangível da propriedade deve ser compreendido nos

seus devidos termos. Vigorava, de fato, no Estado de Direito Liberal, a liberdade de

construção, mas isso não significava que a propriedade não pudesse ser limitada. Nos termos

da técnica do urbanismo regulamentar, eram editados regulamentos de polícia urbana, ainda

que fundados somente em razões de segurança, de ordem pública e de salubridade das

edificações.56

A diferença é que, em face do princípio da legalidade – que passou a

prevalecer na concepção liberal de Estado – essas limitações à propriedade urbana passaram a

ser impostas por meio de lei, fato que não se verificava no Estado Absolutista. Em respeito à

propriedade individual, qualquer limitação deveria estar prevista em diploma legal ou

regulamentar que definisse o seu conteúdo e alcance, vedada a intervenção estatal sem essa

disciplina (previamente) estabelecida57. Na realidade, essa forma de impor limite à

propriedade continua – nos países em que vigora o respeito ao direito de propriedade privada

– diretamente atrelada ao princípio da legalidade.

Todavia, parte significativa da doutrina afirma que o pleno desenvolvimento do

direito urbanístico ocorreu somente a partir da Revolução Industrial.58 Isso, porque o

desenvolvimento tecnológico possibilitou o crescimento da atividade industrial, que se

concentrava nas cidades. E, em virtude da grande expansão dessa atividade econômica 55 O art.17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão previa que “como a propriedade é um direito inviolável e

sagrado, ninguém dela pode ser privado a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob a condição de justa e prévia indenização”. Já o art.544 do Código de Napoleão especifica que “como a

propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob a condição de justa e prévia indenização”. René Savatier, ao comentar o dispositivo acima, ressalta o surgimento de um “jovem direito recém-emancipado” e livre do sistema feudal que havia

subordinado o titular do domínio útil ao senhor titular do domínio iminente. Ressalta, ainda, que no texto do art.544 do Código Napoleônico não há nenhuma menção às obrigações e deveres do proprietário e que todos os artigos seguintes afirmam o absolutismo do seu direito. (SAVATIER, René. Du droit civil au droit public: á travers les personnes, les biens et la responsabilité civile. Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence,1945, p.34-35, tradução livre). 56 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.179. 57 Nesse sentido, explica Hely Lopes Meirelles que “a liberdade de construir é a regra. As restrições e limitações ao direito de

construir formam as exceções, e, assim sendo, só são admitidas quando expressamente consignadas em lei ou regulamento”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. 10.ed. Atualizada por DALLARI, Adilson Abreu; DI SARNO, Daniela Libório; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa e NOVIS, Mariana. São Paulo: Malheiros, 2011, p.31). 58 Luciano Parejo Alfonso afirma, nessa direção, que a revolução industrial, por ter provocado o rompimento do equilíbrio da cidade, pode ser considerada a origem do urbanismo atual. Para o autor, a confluência da revolução industrial com o triunfo da ideologia liberal utilitarista determinam uma cidade cujos elementos são a fábrica e a favela (slum). (ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho urbanístico: instituciones básicas. Mendoza: Ediciones Ciudad Argentina, 1986, p.8). Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso falam em “revolução urbanística do século XIX”, determinada substancialmente pela

revolução industrial e pelas reformas político-jurídicas e econômicas dela decorrentes. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.26). Por sua vez, Fernando Alves Correia afirma que “a nota mais saliente do direito do urbanismo do Estado de Direito Liberal está na legislação

destinada a corrigir os efeitos nefastos da cidade industrial, que começaram a aparecer na primeira metade do século XIX nos países que mais cedo e mais intensamente conheceram a revolução industrial”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de

direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.180).

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durante o século XIX, e do êxodo rural desencadeado pela demanda por trabalhadores para as

fábricas, a população urbana aumentou vertiginosamente59. Essa explosão demográfica

impediu o crescimento ordenado das cidades, e as condições de vida na urbe rapidamente se

deterioraram. Especialmente nas cidades inglesas e francesas, nas quais o processo de

industrialização ocorreu com maior rapidez, surgiram problemas como a falta de moradia

digna para a classe trabalhadora (que passou a residir em condições precárias nos bairros

proletários surgidos ao lado das fábricas), a ausência de condições sanitárias satisfatórias, o

surgimento de epidemias e a infraestrutura de saneamento básico insuficiente.60

2.1.3 Urbanismo como função pública

Diante deste quadro, era necessária uma intervenção na ordem urbana mais

efetiva por parte dos poderes constituídos. A simples imposição de normas limitadoras da

propriedade – até agora a técnica urbanística predominantemente utilizada –, já não bastava

para equacionar os graves problemas que afligiam as cidades europeias.

O Estado viu-se obrigado a interferir no espaço urbano no intuito de

reorganizá-lo e buscar abrandar os graves efeitos sociais advindos de um crescimento

desordenado.

Na Inglaterra, país comumente lembrado como o que mais precocemente foi

atingido pelos efeitos nocivos da Revolução Industrial na ordem urbana, foram editados

diversos relatórios governamentais sobre as más condições de vida nas cidades61, que

59 Segundo Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso, ao longo do século XIX a população de Londres passou de 850.000 a 5 milhões de habitantes; a de Paris, de 500.000 a 2.700.000; a de Nova York, de 60.000 a 3.500.000; e a de Chicago, de 39.000 habitantes em 1850 a mais de 1.500.000 em 1900. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.27). 60 Consta do item 8 da Carta de Atenas, manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado em Atenas em 1933, que “o advento da era da máquina provocou imensas perturbações no

comportamento dos homens, na repartição da terra, nos seus empreendimentos; movimento desenfreado de concentração nas cidades a favor das velocidades mecânicas, evolução brutal e sem precedentes na história. O caos dominou as cidades. O emprego da máquina subverteu as condições de trabalho. Rompeu um equilíbrio milenar, aplicando um golpe fatal no artesanato, esvaziando o campo, entupindo as cidades e, desprezando harmonias seculares, perturba as relações naturais que existiam entre a casa e os locais de trabalho. Um ritmo furioso associado a uma precariedade desencorajadora desorganiza as condições de vida, opondo-se às necessidades fundamentais. As habitações abrigam mal as famílias, corrompendo sua vida íntima, e o desconhecimento de suas necessidades vitais, tanto físicas quanto morais, traz seus frutos envenenados: doença, decadência, revolta. O mal é universal, expresso, nas cidades, por um congestionamento que as encurrala na desordem e, no campo, pelo abandono de numerosas terras”. (LE CORBUSIER. La Charte d´Athènes (suivi de Entretien avec les étudiants des écoles d´Architecture). Paris: Les Éditions de Minuit, 1957, p.28-29). 61 Talvez o mais frequentemente lembrado é o Report on an inquiry into the sanitary conditions of the labouring population

of Great Britain, redigido por Edwin Chadwick em 1839. Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso explicam que as propostas constantes desse relatório traduziram-se em medidas legislativas concretas reguladoras do fornecimento de água potável, das redes de drenagem, da concepção das ruas, pátios e parques, esses últimos como elementos de aeração e ventilação. Para os autores, trata-se da primeira manifestação de uma ação reflexiva e sistemática das cidades e, portanto, da primeira manifestação do direito urbanístico contemporâneo. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.34-35, tradução livre). Na mesma direção, Ramón

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acabaram fundamentando a edição de leis dispondo sobre padrões mínimos de higiene nas

habitações; impunham a separação das zonas de habitação das zonas industriais;

determinavam a construção de redes de abastecimento de água e de eliminação de esgotos, a

construção de parques e de pátios como elementos de iluminação e de ventilação das

habitações, além da abertura de arruamentos.62

Pode-se notar, claramente, a mudança da postura estatal quanto à ordenação do

espaço urbano. A Administração deixou de ser passiva e apenas impor regras à limitação da

propriedade privada. O Poder Público não mais figurará como um mero coordenador da

expansão/criação das cidades – atuação típica do urbanismo regulamentar – e passará a ser o

seu personagem principal. O urbanismo começa a ser considerado, definitivamente, uma

função pública63 e não mais uma mera manifestação do direito de edificar dos proprietários

privados.

A maior intervenção do Poder Público na ordenação do espaço urbano constitui

uma das faces do Estado Social de Direito, sucessor do Estado Liberal. O caráter

abstencionista deste último deu lugar ao viés intervencionista do Estado-providência (ou

Estado de bem-estar), em face da necessidade de combate aos graves problemas sociais que

afligiram a Europa desde o ápice da Revolução Industrial até o período que sucedeu as duas

Grandes Guerras Mundiais.

Nesse sentido, diversos instrumentos jurídicos urbanísticos foram criados na

busca pela melhoria da qualidade de vida nas cidades. São institutos que podem ser

considerados o embrião do método urbanístico desenvolvido com grande intensidade no

século XX, especialmente após as duas Grandes Guerras Mundiais: o urbanismo operacional.

Todavia, antes de avançarmos diretamente na discussão dos instrumentos

jurídicos do urbanismo operacional, ressaltamos que, assim como as características do Estado

Liberal ainda estão presentes na estrutura do Estado Social (o direito de propriedade, por

exemplo, continua garantido), as técnicas do urbanismo regulamentar também permanecem

nas diversas legislações urbanísticas, em conjunto com as técnicas do urbanismo operacional

Parada afirma que a Public Health Act inglesa é a norma cabecera de la legislación urbanística. (PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.319). 62 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.181. 63 Ramon Parada, ao discorrer sobre o direito urbanístico espanhol, afirma que, na verdade, não obstante o passado não nos ofereça um Direito Urbanístico plenamente estruturado, o fato é que o poder-dever de urbanizar nunca foi considerado uma função privada, emanada do direito de propriedade. Para o autor, o estudo dos ordenamentos jurídicos pretéritos demonstra que a construção da cidade foi vista historicamente como uma competência pública, ainda que por vezes seja levada a cabo por meio de concessão a particulares. (PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 299, tradução livre). Com efeito, sempre houve interferência direta do Estado no processo de urbanização, mas os métodos do urbanismo operacional desenvolveram-se plenamente somente ao final do século XIX e começo do século XX.

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e do urbanismo de planificação. O Poder Público lança mão tanto de instrumentos jurídicos

típicos do urbanismo operacional quanto de institutos legais característicos do urbanismo

regulamentar com o objetivo de ordenar o território urbano.

2.2 Urbanismo operacional

A distinção entre urbanismo regulamentar e urbanismo operacional foi bem

sintetizada por Jean-Paul Lacaze. Para o autor,

O papel do urbanismo regulamentar é coordenar as iniciativas particulares em função das perspectivas gerais. O urbanismo operacional trata das ações empreendidas por iniciativa dos poderes públicos para assumir diretamente o encargo de ampliar cidades ou de transformar bairros existentes.64

Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet ensinam ainda que enquanto o

urbanismo regulamentar molda a evolução urbana por meio de regras, o urbanismo

operacional promove o desenvolvimento urbano, ou a renovação dos tecidos urbanos, por

meio de ações organizadas de construção, restauração e instalação de equipamentos urbanos,

conduzidas pelo poder público ou por ele orientadas. O urbanismo operacional é, assim, a face

mais intervencionista do prisma das políticas públicas de urbanismo.65

Vê-se, portanto, que o urbanismo operacional corresponde a uma atuação

concreta da Administração na condução da atividade urbanística. Opõe-se à atitude

meramente reguladora dos proprietários privados, incorporadores e construtores. Representa,

nesse sentido, a passagem de um urbanismo “de salvaguarda, de polícia e de regulamentação”

para um urbanismo ativo66. Corresponde à ideia de um “serviço público de ordenamento

urbano”67

, de uma organização urbana “equilibrada sob a égide dos poderes públicos”.68

Dentre as intervenções estatais características do urbanismo operacional podem

ser citadas: a construção de infraestruturas urbanísticas (vias de comunicação, arruamentos,

redes de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos); a construção de

habitações populares destinadas às classes mais baixas da população; a desapropriação para

constituir bolsas de solos, os quais, depois de urbanizados, podem ser vendidos a particulares

64 LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.24. 65 AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de la construction. 3.ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.263. 66 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.185. 67 Em contraposição à ideia de que a criação das cidades é atividade eminentemente privada, típica do urbanismo regulamentar. 68 CHARLES, Hubert. Les Principes de l´urbanisme. Paris: Dalloz, 1993, p.3.

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a preços acessíveis ou cedidos em direito de superfície para a construção (reserva fundiária)69

e a concessão de incentivos financeiros e fiscais para construir ou adquirir habitações

próprias.70

No século XIX nascem na Espanha duas técnicas de urbanismo operacional

destinadas à expansão das cidades e à renovação urbana: o ensanche e a reforma interior de

poblaciones. O ensanche é a adição de novos bairros ao núcleo urbano já existente,

planejados, no mais das vezes, em forma de quadras regulares. Já a reforma interior consiste

em demolir bairros antigos e decadentes, abrir novas vias e implantar nova infraestrutura

urbana que permita construir edificações de qualidade superior (urban renewal).71

Na França, conforme nos ensina Jacqueline Morand-Deviller72, os textos legais

previram diversos instrumentos de urbanismo operacional: o régime d´aide financière à la

construction73

(lei de 21.7.1950); novas hipóteses de expropriação em benefício de

construtores privados (lei de 6.8.1953)74; as zones à urbaniser par priorité (Z.U.P.)75; a

69 Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet explicam que a técnica de reserva fundiária consiste na aquisição pelas coletividades públicas de terrenos sem ter em vista um objetivo de curto prazo, mas em antecipação a necessidades de médio e longo prazo para fins de urbanização; ou seja, os terrenos são colocados em reserva para usos futuros. Os mesmos autores citam como exemplo a cidade de Estocolmo, na Suécia, que já “municipalizou”, por meio de constituição de reserva

fundiária, quase 70% do seu território (AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de

la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.232, tradução livre). A técnica permite, especialmente, o controle do preço dos terrenos urbanos, além de garantir a possibilidade de aplicação futura de instrumentos do urbanismo operacional pelo Poder Público, como a construção de habitações populares para população de baixa renda. Jean-Paul Lacaze ressalta que a desapropriação, instrumento reservado no século XIX apenas às obras públicas, teve sua utilização bastante ampliada no pós-guerra, o que permitiu fosse utilizada por todas as ações de urbanismo e de reservas fundiárias. Ressalta ainda que “a inovação jurídica que resulta disso é o fato de que se tornou legal revender livremente os terrenos

desapropriados e depois equipados” (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.111). 70 São exemplos lembrados por Fernando Alves Correia. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.185). 71 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.35. Apesar de cumprir a mesma função das técnicas de parcelamento do solo urbano previstas no direito brasileiro atual (expansão controlada das zonas urbanas), o ensanche guarda diferenças significativas em relação ao loteamento e ao desmembramento previstos na Lei Federal nº6.766/79. Com efeito, conforme ensina Ramón Parada, o ensanche pressupõe a desapropriação de terrenos privados para a posterior construção – pela própria Administração Pública – das obras necessárias para dotar a área da infraestrutura urbana necessária (ruas, praças, equipamentos urbanos). (PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.302-303). Trata-se, portanto, de obra pública, ao contrário do parcelamento do solo urbano tal qual previsto no ordenamento brasileiro, em que a construção da infraestrutura urbana básica (execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros, das obras de escoamento das águas pluviais) fica a cargo do loteador, nos termos do previsto pela Lei Federal nº6.766/79, ainda que para tanto dependa o particular de aprovação do projeto pelo Poder Público Municipal. 72 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit de l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996, p.5. 73 De acordo com Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin, a aide à la construction (regime de estímulo à construção) corresponde a um regime de vantagens fiscais (redução do valor das taxas registrárias e dos tributos devidos em função de novas construções, dentre outras) e financeiras (financiamentos com juros subsidiados) concedidas pelo Estado a um particular, para encorajá-lo a realizar operações de construção. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit

de l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.14, tradução livre). 74 Adilson Abreu Dallari demonstra ser reconhecível, também no sistema jurídico brasileiro, a desapropriação urbanística em benefício de terceiros, especialmente em vista do que dispõe o art.5º, alínea i, do Decreto-Lei nº3.365/41, que prevê a possibilidade de desapropriação para fins urbanísticos, e do preceituado pelo art.44 da Lei nº6.766/79, que prescreve a possibilidade de desapropriação de “áreas urbanas para reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação, ressalvada a

preferência dos expropriados para a aquisição de novas unidades”. (DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins

urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.67-79).

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rénovation urbaine (renovação urbana)76; e as zones d´aménagement différé (Z.A.D. – lei de

26.7.1962).77

2.2.1 Instrumentos jurídicos do urbanismo operacional no ordenamento pátrio

O sistema jurídico pátrio prevê a aplicação de instrumentos típicos do

urbanismo operacional, todos voltados à transformação da realidade urbanística de

determinado perímetro urbano. Alguns deles serão apresentados a seguir.

2.2.1.1 Desapropriação urbanística

Antes mesmo do Estatuto da Cidade, já havia a possibilidade de se utilizar a

desapropriação para fins urbanísticos por parte do Poder Público, conforme o Decreto-Lei

nº3.365/41 (art.5º, i) que permite a desapropriação por utilidade pública para fins de abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; execução de planos de urbanização; parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; e construção ou ampliação de distritos industriais.

Outras hipóteses de desapropriação urbanística constam na Lei Federal

nº4.132/1962, art.2º, que dispõe sobre os casos de desapropriação por interesse social.

Sobre esse último dispositivo, observa Adilson Abreu Dallari que quase todas

as hipóteses por ele previstas aplicam-se a situações enquadráveis no campo do direito

urbanístico.78 Dentre essas possibilidades, estão: a) o aproveitamento de bem improdutivo ou

explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos

75 Conforme Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin, o elemento central da Z.U.P. é a instituição de um direito de preempção em favor do Poder Público sobre determinado perímetro urbano, com a posterior concessão da execução do serviço de ordenação urbana a um organismo público, semipúblico ou privado. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique

droit de l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.142-143, tradução livre). 76 Ensinam Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin que a renovação urbana é uma operação que consiste em destruir para reconstruir, ou reformar, parcial ou totalmente, determinada área urbana, para fins de salubridade, segurança, estética ou proteção do patrimônio histórico. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit de l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.113-114, tradução livre). A questão é tratada, atualmente, pelo art.L313-4 do Code

de l´urbanisme, sob a denominação de restauration immobilière. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr. >. Acesso em: 5 mar.2014. 77 Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin explicam que o regime das Z.A.D. teve por finalidade complementar o regime das Z.U.P. (acima descrito), com a finalidade de combater a especulação imobiliária nas zonas urbanas destinadas a ulteriores operações de (re)ordenação urbana, por meio da criação de um direito de preempção em favor do Poder Público, de sociedade de economia mista ou de um concessionário responsável pela execução da operação. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit de l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.140, tradução livre). A matéria é tratada atualmente pelos arts.L-212-1 e L-212-2 do Código de Urbanismo Francês (Code de L’urbanisme.

Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr> Acesso em: 10 out.2013. 78 DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 96.

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centros de população; b) a manutenção de ocupantes de baixa renda em terrenos urbanos, em

que tenham sido formados núcleos residenciais; c) a construção de casas populares; d) a

proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e reservas florestais. Todas

elas voltadas, de fato, às questões urbanísticas.

Outrossim, a Lei Federal nº6.766/79, que define as normas gerais sobre o

parcelamento do solo urbano, prevê a possibilidade de expropriar áreas urbanas ou de

expansão urbana pelo Município, Distrito Federal e Estado, para fins de “reloteamento,

demolição, reconstrução e incorporação, ressalvada a preferência dos expropriados para a

aquisição de novas unidades” (art.44).

2.2.1.2 Operações urbanas consorciadas

As operações urbanas consorciadas, instrumento disciplinado em linhas gerais

pela Lei Federal nº10.257/2001 (arts.32 a 34), igualmente possui características típicas de um

instrumento de urbanismo operacional, não obstante sua aplicação ser efetivada a partir da

utilização conjunta de outros métodos de urbanismo, como o urbanismo de planificação e o

urbanismo concertado.79

Com efeito, o Estatuto da Cidade (art.32, §1º), define operação urbana

consorciada como o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Não há dúvida de que a característica central do urbanismo operacional está na

definição legal de operação urbana consorciada, dado que a aplicação do instituto tem como

objetivo realizar transformações urbanísticas em determinada área da cidade sob a

coordenação do Poder Público local. O instrumento será analisado em capítulo próprio desta

pesquisa.

79 Métodos que serão posteriormente abordados neste estudo.

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2.2.1.3 Concessão urbanística

Ainda sobre a criação de instrumentos jurídicos de urbanismo operacional pelo

sistema normativo pátrio, vale ressaltar a previsão, pelas Leis nº13.430/2002 (Plano Diretor

Estratégico do Município de São Paulo) e nº14.917/09, também do Município de São Paulo,

do instituto da concessão urbanística. Trata-se, sem dúvida, de um instrumento jurídico de

urbanismo operacional, tendo em vista que sua finalidade é requalificar e/ou o reordenar

determinada área urbana, ou seja, buscar a sua transformação urbanística qualitativa.

A particularidade da concessão urbanística em relação aos outros instrumentos

jurídicos de urbanismo operacional previstos pelo ordenamento pátrio é que a execução das

obras de urbanização ou de reurbanização fica delegada à empresa ou a um consórcio de

empresas privadas (não é realizada diretamente pelo Poder Público), mediante procedimento

licitatório, de acordo com o Plano Diretor do Município de São Paulo80 (art.239) e a Lei

nº14.917/09 (arts.1º e 2º)81 do mesmo Município.

De fato, conforme os dispositivos legais, a concessionária responde pela

execução das obras de reordenamento e de requalificação da infraestrutura urbana e será

ressarcida por explorar os imóveis destinados a usos privados – inclusive com a possibilidade

de alienar os que foram por ela expropriados (Lei nº14.917/09, art.11, do Município de São

Paulo) –, como também pela renda derivada da exploração de espaços públicos, de acordo

com contrato de concessão e de prévio projeto urbanístico.82

80 Lei nº13.430/2002, art.239, do Município de São Paulo. “O Poder Executivo fica autorizado a delegar, mediante licitação, à empresa, isoladamente, ou a conjunto de empresas, em consórcio, a realização de obras de urbanização ou de reurbanização de região da Cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor Estratégico”. 81 Lei nº14.917/2009, art.1º, do Município de São Paulo. “A concessão urbanística constitui instrumento de intervenção

urbana estrutural destinado à realização de urbanização ou de reurbanização de parte do território municipal a ser objeto de requalificação da infraestrutura urbana e de reordenamento do espaço urbano com base em projeto urbanístico específico em área de operação urbana ou área de intervenção urbana para atendimento de objetivos, diretrizes e prioridades estabelecidas na lei do plano diretor estratégico”. Lei nº14.917/2009, art.2º, do Município de São Paulo. “Para os fins desta lei, concessão

urbanística é o contrato administrativo por meio do qual o poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, delega à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de obras urbanísticas de interesse público, por conta e risco da empresa concessionária, de modo que o investimento desta seja remunerado e amortizado mediante a exploração dos imóveis resultantes destinados a usos privados nos termos do contrato de concessão, com base em prévio projeto urbanístico específico e em cumprimento de objetivos, diretrizes e prioridades da lei do plano diretor estratégico”. 82 Após estudo sobre os textos legais, propomos a seguinte definição para o instituto: “concessão urbanística é uma espécie de

contrato administrativo de concessão por meio do qual o Poder Público municipal delega a empresa ou a consórcios de empresas a execução de obras de reurbanização, por sua conta e risco, em determinada área da cidade, com a remuneração pelos investimentos realizados a ser obtida com a exploração dos imóveis resultantes do empreendimento, com a possibilidade de previsão de outras receitas alternativas”. (LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística: plano diretor estratégico e leis nº14.917/09 e nº14.918/09 do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 1, n.2, p.147-181, jul/dez.2012, p.171). Vale ressaltar posição doutrinária fortemente contrária à instituição da concessão urbanística, tal como prevista na legislação paulistana. Kiyoshi Harada afirma não ser possível, no sistema jurídico brasileiro, admitir-se a figura da desapropriação para posterior revenda dos imóveis, em especial se tal operação for realizada pelo particular, no caso a concessionária contratada pelo Poder Público municipal. Para o autor, essa operação configuraria atividade de especulação imobiliária, que não pode ser exercida nem pela Administração diretamente e

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Trata-se, na realidade, assim como no caso da operação urbana consorciada, de

uma hipótese de concertação público-privada para reorganizar o espaço urbano.83 Em outras

palavras, o processo de requalificação urbanística (urbanismo operacional) é realizado, nesses

casos, a partir de uma atuação conjunta do Poder Público e da iniciativa privada. Não obstante

tal processo deva sempre ser dirigido pela Administração Pública – afinal, a organização do

espaço urbano é uma função pública (art.182 da Constituição Federal) –, há a possibilidade,

como visto, de se delegar a execução de obras urbanísticas a particulares, com a posterior

remuneração do investimento feito por meio da exploração dos bens resultantes (concessão

urbanística). O instituto é caracterizado, portanto, pela aplicação de recursos privados no

processo de readequação urbanística, assim como no caso das operações urbanas

consorciadas.84

Infere-se daí que a (re)ordenação urbanística (urbanismo operacional) pode ser

levada a cabo por meio de uma atuação concertada entre a Administração Pública e a

iniciativa privada. Essa forma de atuação corresponde a um outro método do urbanismo,

denominado pela doutrina urbanismo concertado85, ao qual será dedicado capítulo próprio

deste estudo. A operação urbana consorciada é um dos instrumentos jurídicos típicos dessa

concepção de urbanismo, não obstante caracterizar-se, também, como um instituto do

urbanismo operacional e utilizar técnicas do urbanismo de planificação.

Antes de analisarmos outros métodos do urbanismo, faremos referência, ainda

que brevemente, a alguns dos problemas gerados pela aplicação dos instrumentos do

urbanismo operacional.

nem por via de concessão. (HARADA, Kiyoshi. Concessão urbanística: uma grande confusão conceitual. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n.2081, 13 mar.2009. Disponível em: <http:www.jus.com.br/revista/texto/12454/concessão urbanística>. Acesso em: 9 jul. 2013. 83 Nessa direção, Mariana Novis ressalta que os institutos da operação urbana consorciada e o da concessão urbanística conservam notáveis semelhanças entre si, a começar pelo fato de que um dos vetores valorativos que compõe o conceito de cada um dos instrumentos está centrado na ideia de “cooperação, aqui representada pela parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada”. (NOVIS, Mariana. O regime jurídico da concessão urbanística. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.126). 84 Nessas últimas existe, por exemplo, a possibilidade de construção acima dos coeficientes de aproveitamento previstos no plano diretor, desde que o interessado contribua com o processo de requalificação urbana capitaneado pelo Poder Público (Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, I). As espécies de contrapartidas pagas pelos particulares no âmbito das operações urbanas consorciadas serão objeto de estudo mais aprofundado no capítulo 4 deste trabalho. 85 Jacqueline Morand-Deviller define a concertação como o encontro e o debate organizado pelos diversos parceiros interessados em uma operação de urbanismo, anteriormente à tomada de decisão a respeito, a fim de que seja atenuado o caráter tecnocrático e centralizado das decisões em matéria urbanística. Nessa esteira, prevê o art.32, §1º, da Lei nº 10.257/2001, que a aplicação da operação urbana consorciada, coordenada pelo Poder Público, deve contar, necessariamente, “com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados”. (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit de l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996, p.6, tradução livre).

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41

2.2.2 Valorização imobiliária e o princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios

da atividade urbanística

A operação conduzida pela Administração Pública destinada a ordenar o

espaço urbano acaba por promover – se bem-sucedida86 – a valorização dos imóveis situados

no perímetro objeto da ordenação urbanística. Consequentemente, os proprietários desses

bens (os que não tiveram os seus imóveis expropriados para a execução da obra urbanística)

acabam beneficiados pela mais-valia imobiliária resultante da aplicação de recursos públicos,

o que contraria o princípio da justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de

urbanização.87

Com efeito, se o Poder Público executa as obras de readequação urbanística

com recursos de todos, fere o princípio da isonomia a valorização extraordinária dos imóveis

privados localizados na área objeto da operação sem que, por algum mecanismo legal, seja

possível à Administração ressarcir-se do investimento realizado. Em outras palavras, o

princípio da justa distribuição dos benefícios do processo de urbanização – derivado do

princípio da isonomia – prescreve que a mais-valia imobiliária decorrente de uma operação

urbana seja apreendida pelo erário.88

Por outro lado, também os ônus decorrentes da atividade urbanística devem ser

distribuídos de forma equitativa. Na hipótese da operação ser antecedida de prévia

desapropriação urbanística, há de se garantir aos expropriados o recebimento do justo preço,89

que deve ser o suficiente para adquirir no mercado bem equivalente ao imóvel expropriado.90

86 Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet afirmam que a alta dos valores fundiários pode mesmo ser considerada uma consequência normal das políticas urbanas e que o sucesso de uma operação urbanística (opération d´aménagement) pode ser reconhecido pela valorização da área da cidade sobre a qual é aplicada. (AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de la construction. 3. ed. Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.228, tradução livre). 87 Entre nós, o princípio da justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização (derivado do princípio da isonomia insculpido no art.5º da Carta) é consagrado como uma diretriz da política urbana (art.2º, IX, do Estatuto da Cidade). Outrossim, a mesma Lei nº10.257/2001 prevê como diretriz da política urbana a “recuperação dos investimentos do

Poder Público de que tenha resultado a valorização dos imóveis urbanos” (art.2º, XI). 88 Nas palavras de José Afonso da Silva, há de se tomar providências para evitar que “aqueles que tenham seus imóveis junto

da área beneficada obtenham uma vantagem decorrente desse melhoramento sem compensar a mais-valia que daí provém”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.425). Sobre a questão, Diogo de Figueiredo Moreira Neto faz interessante diferenciação entre a valorização reflexa (valorização dos imóveis circunjacentes, de propriedade de terceiros que não arcaram com a execução das obras) privada e a valorização reflexa pública. Para o autor, tanto do ponto de vista jusfilosófico quanto do ponto de vista juspositivista, é legítima e gratuita a valorização reflexa decorrente de obra privada. Entretanto, quando derivada da execução de obra pública, a valorização reflexa deve ter outro tratamento. Isso, porque, o proveito de qualquer investimento realizado com o produto do esforço coletivo também deve ser coletivo. Portanto, continua o mestre, “o proveito acessório, produto de esforço coletivo, não pode aceder gratuita, mas onerosamente, ao imóvel privado”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito

ecológico e ao direito urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.139-141). 89 O art.5º, XXIV, da Constituição Federal prevê que a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, seja realizada mediante prévia e justa indenização em dinheiro. 90 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.425.

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Afinal, não se pode admitir que o sacrifício recaia somente sobre aqueles cujas propriedades

imobiliárias foram desapropriadas.91

2.2.2.1 Instrumentos legais para a garantia do princípio

A discussão a respeito da justa distribuição dos ônus e bônus decorrentes da

atividade urbanística não é recente, e a doutrina estrangeira é rica em abordagens a respeito

dos instrumentos jurídicos utilizáveis para garanti-la.

Ramón Parada, ao discorrer sobre o direito urbanístico espanhol do século

XIX, ensina que, incialmente, as mais-valias imobiliárias decorrentes do processo de

urbanização eram atribuídas, gratuitamente, às propriedades lindeiras à obra pública, o que era

justificado pela necessidade de estimular os donos dos lotes a edificar, tendo em vista o grave

problema habitacional enfrentado pela Espanha à época. Posteriormente, a Ley de Ensanche,

de 22.12.1876, e as Leyes de Ensanche de Madrid y Barcelona, de 26.7.1892, impuseram aos

proprietários lindeiros a obrigação de ceder parte de seus terrenos – de forma gratuita – para a

constituição do sistema viário, como uma forma de impor-lhes o pagamento (ao menos de

parte) dos custos do processo de urbanização.92 Já a Ley de Expropiación de 1879 previa a

“gestão indireta da urbanização por qualquer particular ou companhia que solicitasse a

concessão das obras, desde que apresentasse o projeto urbanístico correspondente”. Caso o

projeto fosse aprovado pelo órgão estatal competente, o concessionário pagava a outorga ao

erário municipal, substituía o Município em suas obrigações e direitos – inclusive no dever-

poder de desapropriar – e obrigava-se a arcar com o custo das expropriações, levar a cabo as

demolições necessárias, estabelecer os serviços públicos e regularizar os lotes resultantes da

execução do projeto de urbanização. Para compensar o investimento realizado, o

concessionário, após concluir as obras urbanísticas, alienava os lotes, certamente por um

preço superior ao que foi pago quando de sua desapropriação.93

91 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.425. 92 A Lei Federal nº6.766/79, que regula o parcelamento do solo urbano no Brasil, também impõe ao proprietário da gleba parcelada a doação de parte de sua propriedade ao Município. Com efeito, nos termos do seu art.22, as “vias e praças, os

espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo” passam a integrar o patrimônio municipal desde a data do registro do loteamento no respectivo Cartório Imobiliário. 93 PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.302-308, tradução livre.

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43

Vê-se que a legislação espanhola possibilitava executar o processo de

urbanização sem dispêndio de recursos públicos, o que impedia que as propriedades

particulares situadas no perímetro objeto da operação se valorizassem às custas do erário.94

Posteriormente, criou-se na Espanha o sistema de compensación, por meio do

qual os custos e a execução da obra urbanizadora ficam a cargo dos proprietários privados

(integrantes de uma Junta de Compensação), que obtém sua remuneração por meio da

valorização dos lotes (re)urbanificados resultantes da operação.95

O direito urbanístico francês também buscou prever instrumentos destinados a

impedir que a mais-valia imobiliária decorrente da realização de obras públicas permanecesse

nas mãos dos proprietários privados. Jean Jacques Granelle indica, dentre eles, a possibilidade

de revenda dos terrenos desapropriados a terceiros (ressarcindo-se o Poder Público dos gastos

com as expropriações)96 e o direito de preempção97. Este é definido pelo autor como o direito

da Administração de “adquirir um terreno em substituição a um comprador privado” e

constitui um instrumento jurídico que passou a ser utilizado em função do alto custo

financeiro e social do processo expropriatório.98 Por meio do direito de preempção, o Poder

Público tem a possibilidade de constituir paulatinamente uma reserva fundiária – para utilizar 94 Entre nós, conforme ressaltado no item anterior, somente cerca de um século e meio depois foi editada a legislação que cria a concessão urbanística. Trata-se da Lei nº14.917/09 do Município de São Paulo, que buscou concretizar o art.239, o Plano Diretor Estratégico do mesmo Município (Lei Municipal nº13.430/2002). A aplicação desse diploma legal visa justamente promover a execução do processo de reordenamento urbano com o mínimo de dispêndio de recursos públicos. 95 De acordo com Antonio Carceller Fernandez, mediante o sistema de compensación (que será abordado quando do estudo dos métodos do urbanismo concertado) dá-se concretude ao princípio da solidariedade (justa distribuição) dos benefícios e ônus que deve existir entre os proprietários de um mesmo polígono ou unidade de atuação urbanística. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Reparcelacion y compensacion en la gestion urbanística. Madrid: Montecorvo, 1980. p. 209, tradução livre). 96 GRANELLE, Jean Jaques. As experiências da política fundiária na França. Tradução de Claudia M. Dutra. In: PESSOA,

Álvaro (Coord.) Pessoa. Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p.45. A cessão dos imóveis expropriados é tratada, atualmente, pelo art.L21-1 do Code de l'expropriation pour cause d'utilité publique (Código de desapropriação por utilidade pública francês). De acordo com o dispositivo da legislação francesa, podem ser objeto de alienação, dentre outros, os imóveis expropriados com vista à construção de conjuntos habitacionais, os imóveis destinados a operações urbanas nas zones

d'aménagement concerté (da qual trataremos mais adiante) e os imóveis adquiridos com vistas à constituição de reserva fundiária. 97 O direito de preempção é regulado atualmente, no direito francês, pelos arts.L210-1 a L214-3 CODE DE L´URBANISME. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/. Acesso em: 10 jan. 2014. A leitura combinada dos arts. L210-1 e L300-1 do Código de Urbanismo Francês indica que o direito de preempção pode ser utilizado para as mesmas finalidades a que se destinam as ações ou operações urbanísticas, quais sejam: dar concretude a um projeto urbanístico ou a uma política local de habitação, de manutenção, extensão ou início de atividades econômicas; favorecer o desenvolvimento do lazer e do turismo; implantar equipamentos coletivos ou de pesquisa e ensino superior; combater a insalubridade; permitir a renovação urbana; proteger o patrimônio cultural imobiliário e os espaços naturais. 98 GRANELLE, Jean Jaques. As experiências da política fundiária na França. Tradução de Claudia M. Dutra. In: PESSOA,

Álvaro (Coord.) Pessoa. Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p.45-46. Nas palavras do autor, “a desapropriação é mais conveniente

à realização de operações pontuais, posto que ela não pode sustentar uma política fundiária de envergadura, sobretudo em função do período muito longo do processo expropriatório, que contribui para um substancial aumento da previsão inicial dos custos da operação”. Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet ensinam que, na verdade, o direito de preempção age como um mecanismo regulador dos preços dos imóveis urbanos. A efetiva aquisição dos bens pelo Poder Público é relativamente rara, mas a sua simples previsão legal – e a ameaça que ela representa ao mercado – já contribui para o controle dos preços imobiliários no perímetro atingido. (AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de

l´urbanisme et de la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.231-232, tradução livre).

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posteriormente os terrenos adquiridos em processos de reurbanização – sem precisar arcar

com dispendiosas desapropriações. E, como o direito de preferência pode ser exercido antes

do início de qualquer operação urbanística, os imóveis podem ser adquiridos pela

Administração pelo real preço de mercado, sem o custo da mais valia decorrente do início da

execução da ação urbanizadora, o qual certamente restaria incluído no montante indenizatório

no caso de expropriação desses mesmos bens.99

O direito brasileiro também traz soluções para a perequação100

(justa

distribuição) dos bônus da atividade urbanística. Algumas delas são previstas há muito no

ordenamento pátrio e outras mais recentes – dentre elas a própria operação urbana

consorciada – vêm sendo criadas.101

2.2.2.1.1 Desapropriação por zona

O primeiro desses institutos é a desapropriação extensiva, também conhecida

por desapropriação por zona, prevista no Decreto-Lei nº3.365/41 (art.4º), que dispõe sobre as

desapropriações por utilidade pública. O dispositivo permite que a desapropriação abranja

tanto a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina como as zonas

circunvizinhas que se valorizarem extraordinariamente em consequência da realização da obra

pública. Reza, ainda, o versículo que, em qualquer caso, a declaração de utilidade pública

deverá compreender todas essas áreas, mencionando aquelas indispensáveis à continuação da

obra e as que se destinam à revenda. 99 Entre nós, o instituto do direito de preempção também é previsto como instrumento de intervenção urbanística pelo Estatuto da Cidade (art.4º, V, m e arts.25 a 27). Nos termos do art.26, “o direito de preempção será exercido sempre que o

Poder Público necessitar de áreas para: I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico”. Pela leitura das finalidades do instituto elencadas acima, vê-se que se trata de instrumento jurídico típico do urbanismo operacional. 100 Termo utilizado pela doutrina portuguesa como sinônimo de justa distribuição. Nesse sentido, Fernando Alves Correia ressalta que o caráter desigualitário das normas jurídico-urbanísticas, não obstante fazer parte da sua essência, “deve ser, por

força do princípio da igualdade, condensado nos arts.13º e 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, eliminado ou pelo menos atenuado, através da adopção pelo ordenamento jurídico de instrumentos ou mecanismos adequados, designadamente por meio de técnicas de perequação de benefícios e encargos resultantes dos planos urbanísticos”.

(CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.65). 101 Não obstante a previsão legal desses institutos, o desenvolvimento urbano no Brasil ainda é predominantemente alavancado por meio da aplicação exclusiva de recursos públicos e consequente valorização extraordinária das propriedades privadas, sem que seja realizada a justa distribuição dessa mais-valia imobiliária. Segundo Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira, “o que prevalece não é a lógica da operação calcada na parceria público-privada, mas o procedimento arcaico de sustentar os ganhos privados com investimento público, sem considerar qualquer retorno”. (MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.237). Nesse sentido, a operação urbana consorciada deve ser utilizada como forma de realizar a justa distribuição dos bônus decorrentes dos processos de readequação urbanística.

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A finalidade da desapropriação dos imóveis que serão expressivamente

valorizados em razão da obra pública executada é evitar que a mais-valia imobiliária

permaneça exclusivamente com os proprietários privados. Afinal, nesses casos, o aumento do

preço dos imóveis decorrerá da aplicação de recursos do erário. O objetivo é recuperar este

investimento, justamente por meio da desapropriação e posterior revenda dos imóveis

situados no perímetro do melhoramento ou em seus arredores.102

Todavia, a aplicação deste instituto não é isenta de controvérsia. A discussão

sobre sua constitucionalidade é antiga. Kiyoshi Harada, por exemplo, defende a

inconstitucionalidade do art.4º do Decreto-Lei nº3.365/41. Afirma o autor, em primeiro lugar,

que a desapropriação não pode ser utilizada fora das hipóteses constitucionais (interesse

público, interesse social, reforma agrária, interesse urbanístico), sob pena de contrariedade aos

direitos e garantias individuais. Assevera, ainda, que a Constituição Federal prevê outro

instrumento destinado à redistribuição da mais-valia imobiliária, qual seja, a contribuição de

melhoria (art.145, III), que seria, portanto, o único adequado ao seu cumprimento. Ao final,

afirma o autor que a desapropriação para posterior revenda representa uma atividade

especulativa por parte do Poder Público, que não encontra amparo no sistema vigente e é

contrária ao interesse público primário.103

Argumentando em posição contrária, Adilson Abreu Dallari defende a

constitucionalidade do instituto, posto ser “perfeitamente legítima a absorção de mais-valia

pelo Poder Público quando decorrente de obra por ele realizada, com base no princípio que

veda o enriquecimento sem causa e no antiquíssimo princípio da equidade”. Afirma, ainda,

que a contribuição de melhoria é apenas um instituto alternativo à desapropriação por zona, e

que a existência daquela não conduz à inconstitucionalidade desta.104 Por fim, lembra o autor

que a desapropriação por zona não esgota sua finalidade na obtenção de recursos para o

erário. Pode ser utilizada, dentre outros fins, para a reserva de áreas para futuras ampliações

da obra pública.105

Adota-se a posição de Adilson Abreu Dallari neste particular. O instituto da

desapropriação por zona encontra amparo no princípio da justa distribuição dos benefícios

102 Sobre a questão, Diogo de Figueiredo Moreira Neto cita conferência pronunciada no Instituto dos Advogados Brasileiros por Geraldo Ataliba, em que afirmou que o desprezo habitual à valorização reflexa pública leva à realização de um socialismo às avessas. Ou seja, “a valorização reflexa não voltando aos cofres públicos, mas ficando, indevidamente, no

patrimônio privado vai enriquecer, sem causa e sem critérios, alguns poucos à custa dos recursos de todos, ou seja, do esforço coletivo”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.141). 103 HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.78-86. 104 A contribuição de melhoria será objeto de estudo em seguida. 105 DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.80-93.

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decorrentes do processo de urbanização, que por sua vez decorre do princípio da isonomia

(art.5º da Constituição Federal). Assim, a revenda dos imóveis desapropriados pela

Administração não representa atividade especulativa, mas a permanência da mais-valia

imobiliária nos cofres públicos. Por outro lado, a possibilidade de cobrança da contribuição de

melhoria não impede a Administração de utilizar outros meios legais para promover a

perequação dos benefícios derivados da atividade urbanística. Essa finalidade deve ser

obrigatoriamente perseguida, mas a escolha dos instrumentos para alcançá-la é discricionária.

A verdade é que a desapropriação por zona é instituto raramente utilizado pelo

Poder Público, especialmente pela repercussão política – certamente negativa – advinda do

manejo desse instrumento. Ademais, a escassez dos recursos públicos inviabiliza a

expropriação de áreas que não correspondem ao estritamente necessário à execução da obra

pública.

Nesse sentido, a operação urbana consorciada surge como uma alternativa

viável para promover a justa distribuição dos bônus decorrentes do exercício da função

urbanística, posto que permite, conforme será demonstrado posteriormente, a obtenção pelo

Poder Público de recursos privados antes mesmo do início da execução das obras urbanísticas

na área objeto da operação (por exemplo, por meio da alienação de certificados de potencial

adicional de construção, os CEPAC), e antes até da desapropriação dos imóveis necessários à

implantação dos melhoramentos.

Ainda sobre a desapropriação por zona, cabe ressaltar o disposto no parágrafo

único do referido art.4º do Decreto-Lei nº3.365/41, acrescentado pela Lei Federal

nº12.873/2013. Reza o dispositivo que quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade.

Refere-se, portanto, à possibilidade de desapropriação dos imóveis situados no

perímetro de uma concessão urbanística pelo próprio concessionário, nos termos da Lei

nº14.917/2009 (art.11) do Município de São Paulo.106 O mesmo diploma permite que os

106 Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo, art.11. “A Prefeitura Municipal efetuará a declaração de utilidade pública e de interesse social dos imóveis a serem objeto de desapropriação urbanística para a execução do projeto urbanístico específico mediante concessão urbanística nos termos autorizados na alínea "i" do art.5º do Decreto-Lei nº3.365, de 21 de junho de 1941, e no art.44 da Lei Federal nº6.766, de 19 de dezembro de 1979. §1º O concessionário, com fundamento no art.3º do Decreto-Lei nº3.365, de 21 de junho de 1941, e na declaração a que se refere este artigo, promoverá a desapropriação judicial ou amigável dos imóveis a serem desapropriados, pagando e negociando integralmente a respectiva

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imóveis desapropriados sejam alienados ou locados para que o concessionário obtenha sua

remuneração pela obra urbanística realizada.107 O tema da concessão urbanística será objeto

de estudo específico mais adiante, mas sob a ótica do urbanismo de concertação.

Ainda de acordo com o art.4º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº3.365/41, com

sua nova redação conferida pela Lei Federal nº12.873/2013, o edital da concessão urbanística

pode prever que a alienação ou a locação dos imóveis expropriados constituam receita do

concessionário, desde que o poder concedente seja ressarcido das despesas com indenizações

devidas em função das desapropriações, caso sejam de sua responsabilidade. A última parte

do dispositivo é desnecessária: por óbvio, o concessionário somente será ressarcido das

despesas que efetuar com a obra urbanística.

2.2.2.1.2 Contribuição de melhoria

A contribuição de melhoria é outro instrumento utilizado pelo Poder Público

para recuperar a mais-valia imobiliária decorrente da execução da obra urbanística.108

Trata-se de espécie tributária que tem assento no art.145, III, da Constituição

Federal. O Código Tributário Nacional traça regras gerais para a sua instituição (arts.81 e 82)

e o Estatuto da Cidade elenca-o como um dos instrumentos da política urbana (Lei

nº10.257/2001, art.4º, IV, b).

Geraldo Ataliba define a contribuição de melhoria como

o instrumento jurídico pelo qual se transfere aos cofres públicos a valorização imobiliária, causada por obras públicas, cuja expressão financeira (da valorização) é

indenização, bem como assumindo a condição de proprietária dos respectivos imóveis, com poderes para promover as alterações registrárias necessárias para a realização de incorporações imobiliárias e a implementação do projeto urbanístico específico, nos termos do contrato de concessão urbanística. §2º A desapropriação, uma vez obtida a imissão na posse, será irretratável e irrevogável, sendo defeso ao Poder Público Municipal ou ao concessionário desistir ou renunciar aos direitos e obrigações a ela relativos”. 107 Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo, art.2º. “Para os fins desta lei, concessão urbanística é o contrato administrativo por meio do qual o poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, delega a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de obras urbanísticas de interesse público, por conta e risco da empresa concessionária, de modo que o investimento desta seja remunerado e amortizado mediante a exploração dos imóveis resultantes destinados a usos privados nos termos do contrato de concessão, com base em prévio projeto urbanístico específico e em cumprimento de objetivos, diretrizes e prioridades da lei do plano diretor estratégico. Parágrafo único – A empresa concessionária obterá sua remuneração, por sua conta e risco, nos termos estabelecidos no edital de licitação e no contrato, dentre outras fontes, por meio da alienação ou locação de imóveis, inclusive dos imóveis desapropriados e das unidades imobiliárias a serem construídas, da exploração direta ou indireta de áreas públicas na área abrangida pela intervenção urbana ou qualquer outra forma de receita alternativa, complementar ou acessória, bem como pela receita de projetos associados”. 108 Odete Medauar ressalta que a instituição da contribuição de melhoria é fundamentada no princípio da “recuperação dos

investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos”, previsto na Lei nº10.257/2001 (art.2º, XI). (MEDAUAR, Odete. Diretrizes gerais. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001: comentários. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2004, p.35).

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atribuída pela ordem jurídica ao Estado, e fundamenta-o no princípio da atribuição da mais-valia imobiliária, gerada por obra pública, ao Estado.

Nas palavras do autor, como a Constituição pretendeu atribuir tais valorizações

ao seu próprio causador – o Poder Público –, o proprietário a isto nada pode opor, dado que o

sobrevalor foi acrescido ao seu patrimônio por causa alheia ao seu trabalho. Elenca, ainda, as

razões que impõem a cobrança da contribuição:

a) razões financeiras: necessidade de obter recursos públicos para realizar outras obras; b) razões econômicas: desestimular a especulação imobiliária, que se alimenta da esperança de valorização pela simples posse prolongada do bem; e c) razões políticas: devolver à coletividade os benefícios e frutos de sua ação e não premiar a inércia, a improdutividade dos que adquirem imóveis por preço baixo para aguardar sua valorização por efeito do progresso comunitário, expansão urbana e realização de obras públicas.109

Não obstante sua previsão constitucional e a fundamentação do instituto no

princípio da justa distribuição dos benefícios decorrentes da execução de obra pública, o fato

é que a contribuição de melhoria é um tributo raramente instituído pelos entes da federação

(todos eles competentes para sua cobrança), seja por razões de ordem política – qualquer

exação fiscal é vista com grande antipatia, especialmente em virtude da carga tributária já

elevada –, seja por razões de ordem jurídica, dado que a regulamentação geral sobre o tributo,

conferida pelo Código Tributário Nacional (arts.81 e 82) e pelo Decreto-Lei nº195/67, é

deveras complexa e de difícil aplicação prática.110

Ressaltam-se, mais uma vez, as vantagens da utilização do instrumento da

operação urbana consorciada em relação à cobrança da contribuição de melhoria para o

propósito de se proceder à justa distribuição dos benefícios gerados pela atividade urbanística.

109 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.170-182. O autor ressalta ainda a existência de outro instrumento destinado a promover a recuperação da mais-valia imobiliária decorrente de obra pública, qual seja, a dedução, na fixação do montante indenizatório, da valorização do remanescente do imóvel, no caso de desapropriação parcial. É o que decorre da leitura do Decreto-Lei nº3.365/41, art.27, que determina que o juiz deverá atender, na sentença da ação expropriatória, “à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu”. No mesmo sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao

direito urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.142). 110 Nas palavras de Geraldo Ataliba, “as normas gerais vigentes (arts.81 e 82 do CTN) estabelecem tantos requisitos para aplicação da c.m. que a tornam de impossível aplicação, além de deformá-la, descaracterizando-a. São nitidamente inconstitucionais e, pois, não obrigatórias para Estados e Municípios, que têm direito de instituir seus tributos sem serem peiados por lei complementar, em casos, como o da c.m., nos quais a dicção constitucional foi suficiente para delinear a competência”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.179). Na mesma direção, Regina Helena Costa afirma que “os arts.81 e 82 do Código Tributário Nacional, a pretexto de estabelecerem

normas gerais acerca dessa espécie tributária, traçam um procedimento demasiadamente complexo para sua instituição, especialmente considerando a deficiente infraestrutura administrativa da grande maioria dos municípios brasileiros”.

(COSTA, Regina Helena. Instrumentos tributários para a política urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: (comentários à Lei Federal nº10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2003, p.113-114).

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Por meio desse instrumento, os proprietários de imóveis situados no perímetro da operação

podem beneficiar-se da alteração dos parâmetros ordinários de aproveitamento do solo –

modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo e

alterações das normas edilícias –, desde que contribuam para implantar melhoramentos da

área objeto da ação urbanística. A contrapartida é facultativa: o proprietário paga se quiser,

por exemplo, construir acima do coeficiente ordinário de aproveitamento. Essa

contraprestação não tem, portanto, o caráter compulsório que está sempre presente na exação

da contribuição de melhoria.

2.2.3 A gentrificação

Outro problema comum às diferentes ações urbanísticas típicas do urbanismo

operacional é a expulsão dos usos, das atividades e da população que tradicionalmente

ocupava a área objeto da intervenção, processo denominado gentrificação. Isso porque, em

geral, essas áreas, justamente por estarem em situação de deterioração (e daí a necessidade de

serem revitalizadas), são ocupadas por população de baixa renda que dificilmente

permanecerá no local após o início da ação urbanística.111

Na maioria das vezes, a valorização dos imóveis localizados no perímetro de

uma operação urbana112 torna o custo da moradia elevado demais para os que

tradicionalmente habitam a área. Preços de aluguéis altos e ofertas irrecusáveis de compra

(para os poucos que tenham o domínio das propriedades locais) acabam inviabilizando a

permanência da população de baixa renda na área.113

111 “Espera-se que a operação provoque uma valorização da área, pelo simples fato de ser objeto de investimentos planejados e concentrados. Boa parte das áreas que são objeto de operações deste tipo, exatamente por serem desestruturadas ou fisicamente deterioradas, são ocupadas por populações, atividades econômicas e usuários de baixa renda. A questão então seria – como garantir a não expulsão desta população?”. (INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. (Coord.) Raquel Rolnik. 3.ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2005, p.83). No mesmo sentido, Jean-Paul Lacaze, referindo-se especificamente a operações de revitalização de áreas urbanas explica que, justamente porque se trata de área vetusta e pouco atraente, a área objeto da operação acolhe “populações marginais, idosas ou de poucos”

recursos e, portanto, qualquer operação de reabilitação coloca “o problema da manutenção no local ou do realojamento dessas populações”. Em razão disso, destaca o autor a contradição, sempre presente nesses casos de readequação urbanística, entre os objetivos econômicos de revalorização e os objetivos de assistência aos menos favorecidos. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.82). 112 Utiliza-se, aqui, a expressão operação urbana em uma acepção ampla, a significar, nos dizeres de José Afonso da Silva “toda atuação urbanística que envolve a alteração da realidade urbana com vistas a obter nova configuração da área”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.367). A operação urbana consorciada, objeto específico deste trabalho, tal como prevista pelos arts.32 a 34 do Estatuto da Cidade é, nesse sentido, uma espécie de operação urbana, assim como a concessão urbanística, prevista na Lei nº14.917/09 do Município de São Paulo. 113 David Harvey aborda o processo de gentrificação observado nas grandes cidades do globo. Para o autor, trata-se de “ondas de reestruturação urbana através da “destruição criativa”, que quase sempre tem uma dimensão de classe, uma vez que são os

pobres, os menos favorecidos e os marginalizados do poder político que sofrem mais com o processo. A violência é necessária para construir o novo mundo urbano sobre os destroços do velho”. De acordo com sua visão, cuida-se de processo decorrente do investimento do capital excedente no processo de transformação das cidades. Ressalta o autor, ainda, que a

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Muitas vezes, conforme ressalta Jean-Paul Lacaze114, o simples anúncio do

lançamento do programa de reabilitação pode provocar uma onda de especulação e a elevação

excessiva dos preços dos imóveis no perímetro da operação, a ponto de dificultar

sensivelmente a manutenção da população no local.

Ora, esse processo de gentrificação é contrário aos objetivos de qualquer

operação urbanística, tendo em vista que toda ação urbana deve atribuir à habitação a sua

devida importância. Ainda que a construção de conjuntos habitacionais não seja a meta

principal da operação, o direito à moradia da população que reside no perímetro atingido deve

ser sempre respeitado.

De fato, da análise do ordenamento jurídico pátrio extrai-se que uma das

principais metas a serem alcançadas pelo exercício da função urbanística estatal é justamente

assegurar ao cidadão condições dignas de habitação. Nessa direção, a Constituição Federal

elenca (art.6º) o direito à moradia como um dos direitos sociais a serem garantidos pelo Poder

Público. Prescreve a Carta, ainda, que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade (art.182), dentre elas a de disponibilizar

moradia digna para os que nela habitam.

Diante desses comandos constitucionais, a lei que cria a operação urbana

(consorciada ou não) deve prever mecanismos de defesa do direito à moradia da população

atingida pela intervenção, a fim de evitar a sua expulsão da área objeto da ação urbana e o seu

deslocamento para zonas periféricas da cidade. É com base nesse lastro constitucional que a

Lei nº10.257/2001 (art.33, III) previu a inclusão obrigatória, na lei específica que aprova a

operação urbana consorciada, de um programa de atendimento econômico e social para a

população diretamente afetada.

Entretanto, a proteção prevista no dispositivo é um tanto tímida e insuficiente

para que os ditames constitucionais sobre o direito à moradia sejam atendidos. Na realidade, é

gentrificação não é fenômeno recente, tendo sido observada já na reconfiguração urbana de Paris levada a efeito por Georges-Eugène Haussmann, na segunda metade do século XIX. Nas suas palavras, “Haussmann entendeu claramente que sua missão

era ajudar a resolver o problema do capital e do desemprego por meio da urbanização. Reconstruir Paris absorveu enormes volumes de dinheiro e mão de obra pelos padrões da época, e, juntamente com a supressão das aspirações dos trabalhadores parisienses, foi um veículo primordial para a estabilização social”. O mesmo fenômeno teve lugar em Nova York, na revitalização do Bronx; em Mumbai e Nova Delhi, na Índia; em Seul, na Coréia do Sul; em Xangai, na China; e em diversas outras cidades asiáticas e sul-americanas de grande porte. O roteiro descrito pelo autor é sempre o mesmo: há uma enorme pressão por parte de investidores do mercado imobiliário para que a população de baixa renda que ocupa as áreas centrais das grandes cidades deixem suas casas – gratuitamente ou após o recebimento de indenizações ínfimas –, a fim de que sobre elas sejam erguidos empreendimentos imobiliários altamente lucrativos. O autor discorre que na China por exemplo, “milhões de

pessoas estão sendo despejadas dos espaços que ocupam há longo tempo – 3 milhões só em Pequim. Como não possuem direitos de propriedade, o Estado pode simplesmente removê-las por decreto, oferecendo um pequeno pagamento para ajudá-las na transição antes de entregar a terra para as construtoras, com grandes lucros”. (HARVEY, David. O direito à cidade. Revista Piauí, edição 82, jul/2013). 114 LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.81.

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necessário prever, no plano da operação, instrumentos urbanísticos que assegurem, tanto

quanto possível, a permanência da população de baixa renda que já habitava a área antes da

intervenção. Dentre essas medidas, citamos a instituição de zonas especiais de interesse social

(Estatuto da Cidade, art.42-A, V), a construção de habitações populares no perímetro da

operação e os diversos instrumentos jurídicos de regularização fundiária, como a concessão

de uso especial para fins de moradia (MP nº2.220/01), a concessão de direito real de uso

(Decreto-Lei nº271/67, art.7º) e o direito de superfície (Lei nº10.257/2001, arts.21 a 24).

No Município de São Paulo, a Lei nº14.917/2009, que dispõe sobre a

concessão urbanística, preceitua (art.38)115 que a aplicação da concessão será fiscalizada por

um Conselho Gestor, constituído pela Administração Pública, com formação paritária,

incluindo representantes da municipalidade e da sociedade civil, “de forma a propiciar a

participação dos cidadãos interessados, como moradores, proprietários, usuários e

empreendedores”. Prescreve, ainda, que caberá ao Conselho Gestor fiscalizar, verificar e

acompanhar o cumprimento das diretrizes da intervenção urbana e do contrato de concessão.

Este dispositivo de lei municipal, fundamentado no princípio da gestão democrática das

cidades (Estatuto da Cidade, art.2º, II; arts.32 a 34), tem por finalidade possibilitar a

participação da população atingida em todo o processo de intervenção urbana, justamente para

evitar o desrespeito aos direitos dos que habitam e/ou trabalham na área objeto da ação

urbanística.116

A migração de toda a população de baixa renda de uma área objeto de operação

urbana para regiões periféricas da cidade pode agravar o déficit habitacional e resultar em

problemas de ordem ambiental nas áreas receptoras, que podem não contar com a

infraestrutura necessária para receber esse contingente populacional. Restariam desatendidas,

115 Art.38. “Para a fiscalização de cada concessão urbanística, o Executivo constituirá um Conselho Gestor, de formação paritária, com representantes da Municipalidade e da sociedade civil, de forma a propiciar a participação dos cidadãos interessados, tais como moradores, proprietários, usuários e empreendedores, cabendo ao Conselho Gestor as providências necessárias para fiscalização, verificação e acompanhamento do cumprimento das diretrizes da intervenção urbana e do respectivo contrato de concessão. §1º O Conselho Gestor a que se refere o "caput" deste artigo será instituído após a celebração do contrato de concessão urbanística. §2º Dos membros do Conselho, 50% (cinquenta por cento) serão representantes do Executivo e 50% (cinquenta por cento) serão representantes da sociedade civil, indicados no Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU). §3º O Executivo indicará a Presidência do Conselho. §4º Será garantida a publicidade dos atos do Conselho Gestor, inclusive por meio da publicação das atas das reuniões ordinárias e extraordinárias no Diário Oficial da Cidade e no site oficial da Prefeitura Municipal de São Paulo”. 116 A necessidade de participação popular no processo de concessão foi afirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº994.09.229821-1, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo em face da Lei nº14.917/09 (art.5º, §1º), que não prevê a participação popular na edição da lei específica que autorizar a concessão urbanística. Na ADIN, Relator o Des. Sousa Lima, reconheceu a E. Corte Estadual que a ausência de previsão de participação popular contraria o art.180, II, da Constituição do Estado de São Paulo, que determina que no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano o Estado e os Municípios assegurarão a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes. Dessa forma, a edição de cada lei específica instituidora da ação urbanística deve ser precedida de efetiva participação popular, em respeito ao princípio da gestão democrática das cidades.

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dessa forma, as diretrizes de política urbana elencadas no art.2º da Lei nº10.257/2001,

especialmente as que proíbem o “parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou

inadequados em relação à infraestrutura urbana” (VI, c); a “deterioração das áreas

urbanizadas” (VI, f); e a “poluição e a degradação ambiental” (VI, g).

Diante disso, é preciso compatibilizar os objetivos da operação com a

permanência da população que tradicionalmente habita a área. E isso pode ser feito, como

dito, a partir da aplicação dos instrumentos de regularização fundiária e da construção de

habitação popular, medidas que podem ser incluídas no próprio plano da ação urbana.

2.2.4 Insuficiência de recursos públicos e concertação público-privada

Outra dificuldade a ser enfrentada para a aplicação dos instrumentos de

urbanismo operacional é a insuficiência de recursos públicos para arcar com os vultosos

gastos decorrentes dessas ações. A conclusão dos processos de readequação/revitalização

urbana depende de quantias elevadas, as quais, no mais das vezes, não podem ser custeadas

pelo erário, em vista de limitações orçamentárias.

Com a finalidade de suprir essa carência de recursos públicos, os sistemas

normativos de diversos países europeus passaram a prever instrumentos que permitissem

utilizar recursos privados na (re)ordenação do espaço urbano117. Nesses casos, o processo de

requalificação urbanística é realizado por meio de uma parceria entre a Administração Pública

e a iniciativa privada. Essa concepção de urbanismo, fundada na concertação público-privada,

é denominada pela doutrina de urbanismo concertado.118

No sistema pátrio, surge a operação urbana consorciada como um dos

instrumentos jurídicos típicos do urbanismo operacional. Nesse sentido, a Lei nº10.257/2001

(art.32) define as finalidades do instituto: “alcançar em uma área transformações urbanísticas

estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental”.

117 Citemos, como exemplo, a instituição, na França, da Zone d´Aménagement Concerté (ZAC) pela Loi d´orientation

fonciére de 30.12.1967 e, na Espanha, dos sistemas de compensación e cooperación. Sobre a ZAC, afirmam Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin que se trata de uma verdadeira concertação ao serviço do urbanismo operacional. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit de l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.139, tradução livre). Estes sistemas serão abordados no capítulo seguinte. 118 Explica Fernando Alves Correia que “a locução urbanismo de concertação expressa duas ideias: a primeira é a de que os planos urbanísticos são o produto de uma colaboração ou de um trabalho de concertação entre o Estado, as autarquias locais e outros entes públicos; a segunda é a de que no procedimento de formação dos planos, bem como no domínio de sua execução, aparecem formas várias de participação ou de concertação entre a Administração e os particulares”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.185-186). Utilizar-se-á, neste estudo, a expressão no segundo sentido acima exposto.

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Ocorre que, conforme prevista no ordenamento pátrio, a operação consorciada

depende da concertação entre a iniciativa privada e o Poder Público, com vistas,

especialmente, à utilização de recursos privados nos processos de readequação urbana. Pode-

se dizer, portanto, que a operação urbana consorciada, conforme prevista no Estatuto da

Cidade (arts.32 a 35), é um instrumento típico do urbanismo operacional concertado. A sua

aplicação tem por objetivo a transformação urbanística de determinado perímetro, mas é

efetivada por meio de ajustes entre o Poder Público e a iniciativa privada.

Nada obstante, a implantação da operação consorciada depende, igualmente, de

técnicas utilizadas em outro método de urbanismo, qual seja, o urbanismo de planificação.

Assim, antes da análise a respeito do urbanismo concertado, concluir-se-á este capítulo com a

abordagem a respeito dos principais aspectos do urbanismo de planificação e de sua relação

com o direito urbanístico, objeto central deste estudo.

2.3 Urbanismo de planificação

O método do urbanismo de planificação consiste, em termos gerais, em

elaborar um plano urbanístico que defina a organização espacial e direcione o

desenvolvimento e a expansão urbana de um Município, de um conjunto de municípios

limítrofes ou de todo o território de um país.119 O desenho do espaço urbano é estabelecido

por meio de um ato normativo estatal120 que prescreve regras gerais de ordenação do

território.

A técnica em questão não é recente. Já na Antiguidade Clássica foram traçados

desenhos de cidades pelos romanos. Mais tarde, Luís XIV foi o responsável por planejar a

119 Fernando Alves Correia reporta-se ao denominado regionalismo urbanístico, técnica urbanística que promove o alargamento do âmbito de incidência do plano urbanístico, “de modo a englobar o ordenamento do território urbano e rural, numa dimensão municipal, regional e mesmo nacional”. Nas palavras do autor, “esta concepção ampla de urbanismo, que rompe as fronteiras estreitas da cidade, é hoje um dado irrecusável no campo das técnicas urbanísticas, de tal modo que a planificação dos nossos dias não se compagina à cidade ou à sede do concelho, antes abrange [...] toda a área do Município, áreas que incluem vários municípios e mesmo todo o território de um país”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito

do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.46-47). Para Eros Roberto Grau, o planejamento regional metropolitano é indispensável e condicionante da formulação da política de ação estatal em âmbito nacional. Sua finalidade primordial é a de articular a ação pública da União, dos Estados e dos Municípios, de modo planejado, no sentido de maximizarem-se os benefícios de tais ações no âmbito regional. A planificação, portanto, opera-se não só no âmbito interno dos municípios, mas também nos âmbitos regional e nacional. (GRAU, Eros Roberto. Direito urbano: regiões metropolitanas, solo criado, zoneamento e controle ambiental. São Paulo: RT, 1983, p. 36). Sobre a questão, a Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art.21, IX, que compete à União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. 120 No Brasil, conforme ressalta José Afonso da Silva, todo plano urbanístico deve ser aprovado por lei (art.21, IX; art. 25, §3º; e art.182 e §1º da Constituição Federal), ao contrário de outros países referidos pelo mesmo autor (Itália, França, Alemanha, Bélgica), em que os planos podem ter a natureza de ato administrativo normativo ou mesmo de ato administrativo de efeitos concretos (planos particularizados, planos especiais, planos de edificação, de loteamento, de alinhamento etc). (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.97-98).

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construção da cidade de Versalhes e da famosa Champs-Élysées, em Paris.121Em Portugal, a

reconstrução de Lisboa, após o devastador terremoto de 1755, foi realizada por meio de um

plano de reconstrução aprovado em 1758, por Marques de Pombal.122

2.3.1 Funcionalismo racionalista: as funções sociais da cidade

Mas é, sem dúvida, na primeira metade do século XX que teve início a

aplicação em larga escala da técnica de planificação, por obra de uma corrente urbanística

denominada funcionalismo racionalista.123 O desenvolvimento dessa doutrina foi fruto dos

trabalhos desenvolvidos nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (C.I.A.M.),

realizados a partir de 1928. Seus fundamentos estão consagrados na Carta de Atenas,

emanada do Congresso ocorrido em Atenas, de 29 de julho a 13 de agosto de 1933, cujo

processo de redação foi liderado por Le Corbusier.124

A Carta de Atenas foi escrita na década de 1920, mas o diagnóstico por ela

apresentado sobre a situação de grandes cidades europeias, americanas e até asiáticas125

daquela época pode ser perfeitamente transportado para as cidades brasileiras de hoje:

péssimas condições de habitação para a população de baixa renda, que acabava por ocupar

áreas de risco e periféricas; densidades excessivas; insalubridade; ausência de áreas verdes;

121 São exemplos indicados por Le Corbusier. Nas suas palavras, “os romanos eram grandes legisladores, grandes colonos,

grandes chefes de negócios. Quando chegavam a algum lugar, à encruzilhada das estradas, à beira do rio, pegavam o esquadro e traçavam a cidade retilínea, para que ela fosse clara e ordenada, pudesse ser polida e limpa, para que as pessoas se orientassem nelas facilmente, para que a percorressem com facilidade – tanto a cidade de trabalho (a do Império) como a cidade de prazer (Pompéia). [...] Eles foram, com Luís XIV, os únicos grandes urbanistas do Ocidente”. (LE CORBUSIER. Urbanismo. Fundação Le Corbusier. Tradução de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.7-9). A importância do planejamento para Le Corbusier fica evidenciada pela ode que faz ao desenho retilíneo das cidades. São seus dizeres: “a linha reta convinha à sua dignidade de romanos”. Para o autor, uma cidade sem linhas retas é caótica: seu

traçado segue o “caminho das mulas”. (LE CORBUSIER. Urbanismo. Fundação Le Corbusier. Tradução de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.7-9). 122 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.47-48. 123 Ressaltam Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso que o desenvolvimento e a aceitação dessa técnica urbanística foi tamanho que na língua inglesa o urbanismo é chamado simplesmente de planning, e o direito urbanístico de

planning law. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.42, tradução livre). 124 Fernando Alves Correia atribui a Le Corbusier a paternidade espiritual da Carta de Atenas (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.48), enquanto Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso afirmam que o documento foi primordialmente redigido pelo urbanista, e por ele logo amplamente comentado. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.43). 125 Por ocasião do Congresso de Atenas, foram analisadas 33 cidades de grande porte da época: Amsterdam, Atenas, Baltimore, Barcelona, Berlim, Bruxelas, Budapeste, Dalat, Detroit, Frankfurt, Genebra, Londres, Los Angeles, Madrid, Oslo, Paris, Praga, Roma, Roterdam, Estocolmo, Varsóvia, Verona, Zagreb, Zurique, dentre outras. Concluiu-se que as cidades ofereciam um quadro urbanístico caótico e não cumpriam sua função de satisfazer às necessidades primordiais e psicológicas da população que nelas habitava. Sobre as dificuldades de circulação, por exemplo, o documento afirma que o excesso de novos veículos desorganizou o meio urbano, instaurando perigo permanente, provocando engarrafamentos, paralisando o transporte e comprometendo a higiene. Outrossim, asseverou-se que a ausência do urbanismo (planejamento) era a causa da anarquia que reinava na organização das cidades. Extraído de LE CORBUSIER. La Charte d´Athènes (suivi de Entretien avec les étudiants des écoles d´Architecture). Paris: Les Éditions de Minuit, 1957, p.95;103;116.

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repartição arbitrária dos usos do solo em contradição com as necessidades coletivas; áreas

periféricas sem planejamento e sem oferta de serviços públicos; ruptura de relações entre os

locais de habitação e de trabalho; estado crítico dos transportes nos horários de pico;

congestionamentos de veículos; instalação de indústrias e de escritórios sem outro critério que

não o econômico; ruas estreitas demais, dentre outros problemas causados pelo surgimento da

civilização industrial, da era da máquina e da grande concentração de população nas cidades.

Como solução para esses graves problemas urbanísticos, a doutrina

funcionalista veiculada pela Carta de Atenas defendia que o dimensionamento de todas as

coisas no espaço urbano deveria ser regido pela escala humana,126 o que significa que a cidade

deveria ser organizada com base nas quatro necessidades essenciais do homem: habitar,

trabalhar, divertir-se e circular. Dessa forma, o urbanismo passa a ter quatro funções

principais: assegurar aos homens uma moradia digna; organizar os locais de trabalho, de

maneira que trabalhar não se torne uma sujeição penosa; prever instalações necessárias à boa

utilização das horas livres e estabelecer uma ligação entre as diversas organizações mediante

uma eficiente rede de circulação.127

2.3.2 Plano urbanístico

Para o funcionalismo, o instrumento a ser utilizado pelo urbanismo para

cumprir suas funções é o plano. São os planos que determinam a estrutura de cada um dos

setores atribuídos às quatro funções-chave e fixam suas localizações dentro do conjunto. Por

meio da técnica do zoneamento, o solo urbano é dividido de acordo com o tipo ou os tipos de

utilização a que será destinado: industrial, residencial, comercial, desportivo, cultural, viário

ou turístico. Fixam-se áreas nas quais é proibido edificar, zonas destinadas à conservação de

áreas verdes e perímetros destinados à habitação social. Essas prescrições, somadas às

disposições próprias do urbanismo regulamentar (dimensões mínimas das habitações, índices

de ocupação do solo, coeficientes de aproveitamento, distância mínima dos edifícios desde a

rua e do imóvel vizinho)128, resultarão em um sistema normativo que indicará como a cidade

126 No original: Le dimensionnement de toutes choses dans le dispositif urbains ne peut être régi que par l´échelle humaine. LE CORBUSIER. La Charte d´Athènes (suivi de Entretien avec les étudiants des écoles d´Architecture). Paris: Les Éditions de Minuit, 1957, p.99. 127 No original: Les clefs de l´urbanisme sont dans les quatre fonctions: habiter, travailler, se récréer (dans les heures

libres), circuler. Extraído de LE CORBUSIER. La Charte d´Athènes (suivi de Entretien avec les étudiants des écoles d´Architecture). Paris: Les Éditions de Minuit, 1957, p.99-100. 128 Conforme afirmamos, não há substituição de um método urbanístico por outro. A aplicação das técnicas do urbanismo de planificação convive com as de urbanismo regulamentar. O que diferencia os dois métodos é a existência de um plano urbanístico, que passa a direcionar a utilização da propriedade com vistas ao atingimento de um estado futuro desejável de

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deve se organizar129 e de que forma ocorrerá sua expansão e seu desenvolvimento.130 Esse

sistema de regras de ocupação e expansão do solo urbano, justamente por criar limitações à

propriedade privada, deve ser imposto por meio de um ato normativo estatal. Caso contrário,

terá um caráter meramente orientador.131

A aplicação desse método urbanístico está diretamente relacionada ao

surgimento do conceito de função social da propriedade, que por sua vez está atrelado ao

desenvolvimento do Estado Social de Direito. Essa concepção de Estado é caracterizada pela

maior intervenção do Poder Público na economia e na sociedade, com a limitação mais

significativa aos direitos individuais, antes considerados intangíveis pelo ideário liberal.

Intervir na economia significa intervir na propriedade privada, adequando o seu uso a um

plano estatal. Nessa toada, o direito de propriedade perdeu definitivamente o seu caráter

absoluto, e o proprietário passou a ser obrigado a utilizar o bem não somente em proveito

próprio, mas considerando o pleno respeito ao interesse social consubstanciado no plano

urbanístico. Para além das limitações próprias de polícia administrativa, impõe-se ao

proprietário a obrigação de utilizar o seu imóvel de acordo com as regras dispostas pelo plano

urbano132.

Em nome da adequada organização do espaço urbano, delineada pelo plano,

são fixados coeficientes de aproveitamento mínimo (a fim de combater a especulação

imobiliária) e máximo (para evitar densidades excessivas) do imóvel, de acordo com o

zoneamento definido para cada região da cidade.

organização urbana. Nas palavras de Ramón Parada, trata-se da passagem de uma fase “mecânico-regulamentar” para uma fase “orgânica-planificada” (PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.320, tradução livre). 129 Nas palavras de Luciano Parejo Alfonso, “o zoneamento consiste na reserva de um solo fixado graficamente a

determinado ou a determinados destinos, usos ou aproveitamentos, de sorte que a reserva define a licitude ou a ilicitude das correspondentes atividades sobre o solo em questão”. (ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho urbanístico: instituciones básicas. Mendoza: Ediciones Ciudad Argentina, 1986, p.9, tradução livre). 130 A função de direcionamento sobre a expansão e o crescimento das cidades que o plano exerce é relacionada pela doutrina ao urbanismo prospectivo, expressão utilizada por Jacqueline Morand-Deviller. (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit

de l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996, p.6). 131 Na França, como ensina Hubert Charles, a Loi d´orientation foncière de 30.12.1967 adotou o princípio de divisão da planificação urbana, mas criou dois tipos de planos: o schéma directeur d´aménagement et d´urbanisme (S.D.A.U.), de caráter não vinculativo, destinado à ordenação urbanística de aglomerações supracomunais, a servir apenas de referência para as escolhas fundamentais de desenvolvimento urbano; e os plans d´occupation des sols (P.O.S.), esses sim de observância obrigatória, destinados a regular a organização urbanística das comunas. (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit de

l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996. p. 8, tradução livre). José Afonso da Silva explica que “a doutrina reconhece

a existência de dois tipos de planos relativamente à sua obrigatoriedade: o plano imperativo e o plano indicativo”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.91) No Brasil, os planos são imperativos, impostos por meio de lei municipal, conclusão a que se chega a partir da simples leitura do art.182, §1º, da Constituição Federal, segundo o qual o plano diretor deve ser “aprovado pela Câmara Municipal”. 132 Antonio Carceller Fernandez, ao comentar o instituto da edificação compulsória no direito espanhol, explica que a qualidade de proprietário passou, em certo sentido, da esfera do ser para a do fazer; é o gozo útil dos bens, e não sua mera propriedade, que passa a ter especial amparo pelo direito. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de Derecho

Urbanistico. 2 ed. Madrid: Montecorvo, 1981, p.287, tradução livre). A propriedade continua sendo um modo de conservar a riqueza, mas também, e sobretudo, um instrumento para produzi-la.

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O sistema normativo pátrio dá ampla primazia ao método do urbanismo de

planificação para a organização do espaço urbano. O art.182, §1º, da Constituição Federal, por

exemplo, prescreve ser o plano diretor o instrumento básico da política de desenvolvimento e

de expansão urbana. Por sua vez, o §2º do mesmo dispositivo determina que a “propriedade

urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais da cidade

expressas no plano diretor”.133

No mesmo sentido, a Constituição Federal (art.21, IX) atribui à União a

competência para elaborar e executar os planos nacionais e regionais de ordenação do

território e de desenvolvimento econômico e social; o art.25 confere aos Estados Federados o

poder de “instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas

por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a

execução de funções públicas de interesse comum”; e o art.30, VIII, da Carta outorga aos

municípios a competência para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Já

o art.40 da Lei nº10.257/2001, além de determinar que o plano diretor deve ser aprovado por

lei municipal – daí o caráter obrigatório do plano urbanístico no sistema normativo brasileiro

– prescreve, em seu §1º, que o mesmo plano é “parte integrante do processo de planejamento

municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual

incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas”. O exame desse conjunto de regras

constitucionais e infraconstitucionais em matéria urbana permite ao jurista reconhecer o

princípio da reserva de plano134, a reger o exercício da função urbanística do Estado.135

133 Diante do prescrito pelo dispositivo constitucional, pode-se afirmar que a plena eficácia do princípio da função social da propriedade urbana só é possível diante da edição da lei municipal que institui o plano diretor municipal. Como os parâmetros para a aferição do cumprimento da função social da propriedade urbana estão definidos no plano diretor, sem a edição dessa lei municipal não há como aplicar ao proprietário urbano as sanções pelo seu descumprimento. Entretanto, há na doutrina importantes lições acerca da eficácia do princípio constitucional da função social da propriedade, não obstante a fluidez do conceito de função social. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “a fluidez do conceito ‘função social’ não é causa bastante para considerá-lo de valência nula. Recusar-lhe algum conteúdo implicaria sacar do texto o que nele está. Corresponderia a ter como não-escrito o que ali se consignou. Equivaleria a desmanchar, sem título jurídico para tanto, um princípio apontado como cardeal no sistema. Donde, no interior do campo significativo irrecusável comportado pela expressão ‘função social’, é dever do Judiciário, sob apelo do interessado, fazê-lo aplicável nas relações controvertidas”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros, 2009, p.38). É certo que os dispositivos constitucionais que impõem o cumprimento da função social da propriedade (art.5º, XXIII; art.170, III) devem ter reconhecida sua efetividade. Porém, de acordo com o próprio Texto Constitucional (art.182, §2º), a plena eficácia do princípio, no que se refere à propriedade urbana, só poderá ser alcançada com a edição da lei que institui o plano diretor municipal. 134 Victor Carvalho Pinto explica que o princípio da reserva de plano “consiste na exigência de que as medidas que possam

vir a afetar a transformação do território constem dos planos urbanísticos, como condição para que possam ser executadas”.

(PINTO, Victor Carvalho. Direito urbanístico: plano diretor e direito de propriedade. São Paulo: RT, 2005, p.217). Na realidade, o princípio do planejamento incide sobre o exercício da função administrativa como um todo. Nessa direção, Karina Houat Harb, abordando a questão do planejamento dos processos de outorga de concessões de serviços públicos, explica que, “por ser uma forma de atingir objetivos de forma racional, enquanto técnica de administração, o planejamento,

ao longo do tempo, foi se deslocando das esferas das atividades privadas para o âmbito da atuação pública, culminando em sua capitulação pela ordem jurídica como princípio de obrigatória observância estatal”. A autora corrobora seu entendimento

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Com efeito, a aplicação dos instrumentos jurídicos urbanísticos depende, salvo

raras exceções, da sua previsão no plano diretor municipal. Assim, instrumentos como o

parcelamento, edificação e utilização compulsórios de imóveis urbanos (Constituição Federal,

art. 182, §4º; Lei nº10.257/2001, arts.5º e 6º), o direito de preempção (Lei nº10.257/2001, art.

25), a outorga onerosa do direito de construir (Lei nº10.257/2001, arts.28 a 31), a

transferência do direito de construir (Lei nº10.257/2001, art.35), dentre outros, somente

podem ser aplicados se lei municipal, baseada no plano diretor, regular expressamente sua

utilização.

2.3.3 Plano diretor e operações consorciadas

Da mesma forma, as operações urbanas consorciadas somente podem ser

criadas se a lei que institui o plano diretor municipal delimitar uma área específica da cidade

para a sua implantação (art.32 do Estatuto da Cidade).136

De fato, tendo em vista que efetivar a operação urbana consorciada pressupõe

alterar os parâmetros urbanísticos do plano diretor e que o plano é um instrumento

fundamental da política de desenvolvimento urbano (Constituição Federal, art.182, §1º e Lei

nº10.257/2001, art.40), a possibilidade de utilizar a ação consorciada deve estar prevista no

texto legal. Caso contrário, a lei que institui o plano diretor seria alterada por uma lei

municipal produzida sem obedecer as regras que regulam sua elaboração, previstas na Lei

nº10.257/2001 (arts.39 a 42-B). Assim, somente o plano diretor municipal pode autorizar a

aplicação da operação urbana consorciada, visto que essa pressupõe a alteração dos índices

urbanísticos (índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo; e

alterações das normas edilícias, dentre outros) por ele previstos, conforme a Lei

nº10.257/2001 (art.32, §2º). a partir da leitura dos arts.21,IX; 25,§3º; 29, 30 e 174, da Constituição Federal, além de relacionar diretamente a necessidade de planejamento da ação estatal à incidência do princípio da eficiência, elencado como um dos princípios gerais da Administração Pública pelo art.37, da Carta. (HARB, Karina Houat. A revisão na concessão comum de serviço público. São Paulo: Malheiros, 2012, p.91-92). 135 José Afonso da Silva explica que o planejamento deixou de ser um processo dependente da mera vontade dos governantes, pois passou a ser previsto constitucionalmente. Com isso, “tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, que são os instrumentos consubstanciadores do respectivo processo. Importa, aqui, notar que, entre nós, sua natureza está perfeitamente estabelecida pela Constituição Federal quando no art.48, IV, diz que cabe ao Congresso Nacional dispor, com a sanção do Presidente da República, sobre planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento”.

(SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.90). Nos termos do art.174 da Constituição Federal, o planejamento realizado pelo Estado é determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. No entanto, no que se refere à atividade de organização do espaço urbano, tendo em vista a incidência do princípio da reserva de plano, é possível afirmar que o planejamento estatal é determinante para o setor privado, e não meramente indicativo, pois toda a atuação na seara urbanística deve obedecer ao que determina o plano diretor. 136 Lei nº10.257/2001 (art.32). Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.

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Vê-se, portanto, que a aplicação da operação urbana consorciada também segue

os cânones do urbanismo de planificação. Trata-se de um instrumento de política urbana que

visa reorganizar o espaço urbano e, como tal, sua efetivação deve seguir as regras impostas

pelo planejamento urbanístico previstas na lei que institui o plano diretor municipal.

Todavia, a previsão legal da operação urbana consorciada não está

fundamentada apenas nas diretrizes do urbanismo de planificação, que preveem regras de

ocupação do espaço urbano a partir de decisões unilaterais dos órgãos técnicos estatais sobre

como a cidade deve ser organizada. A ação consorciada, como o nome já pressupõe, depende

da participação da iniciativa privada no processo de readequação urbana, tanto no que se

refere ao seu planejamento quanto no que tange à sua execução. Assim, nesse tipo de

operação, as decisões em matéria urbanística deixam de ser fruto da vontade exclusiva da

Administração Pública e passam a depender do interesse do setor privado em participar do

processo de reorganização da cidade.

O Poder Público deixa de ser o único responsável por planejar, executar e

financiar a reforma urbana e passa a atuar em conjunto com os proprietários e demais

particulares interessados no processo de (re)urbanização.

2.3.4 Críticas ao urbanismo de planificação e o surgimento do urbanismo concertado

Essa mudança de postura em relação à atuação em matéria urbana é fruto das

críticas – muitas delas procedentes – ao modo de atuar do urbanismo de planificação, que se

basea na imposição de um plano urbanístico delineado por órgãos técnicos da Administração

Pública, sem a colaboração daqueles que, na realidade, são os mais interessados na melhoria

da vida nas cidades: os que nela habitam.137 A partir daí passa-se a uma nova fase do direito

137 Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso explicam que a crítica ao funcionalismo urbanístico teve início a partir de estudos realizados por sociólogos e psicólogos, a quem foi fácil observar a superioridade do valor básico de integração humana das velhas cidades e dos bairros não planificados em relação aos novos conjuntos, fria e abstratamente configurados por um plano que tenta organizar artificialmente as funções urbanas. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas. 1979, p.44, tradução livre). Possivelmente, as críticas mais contundentes aos preceitos do urbanismo de planificação – ou pelo menos uma das mais conhecidas – foram formuladas pela escritora Jane Jacobs, em seu Morte e Vida de Grandes Cidades. Nessa obra, a autora ataca com veemência as premissas do planejamento urbano ortodoxo (expressão por ela mesma utilizada), que promoveram o surgimento de técnicas urbanísticas como a cidade-jardim, proposta por Ebenezer Howard, a Ville Radieuse, criada por Le Corbusier, e a City Beautiful, impulsionada por Daniel Burnham. Defende que a diversidade (de usos, de tipologia das edificações, de nível socioeconômico dos habitantes) das zonas urbanas deve ser a tônica da ocupação das cidades e que o monofuncionalismo proposto pelos planejadores há de ser definitivamente afastado. Algumas passagens da obra dão o tom do descrédito da autora em relação aos referidos métodos urbanísticos. Afirma, por exemplo, que “mesmo que os utópicos

tivessem planos que socialmente fizessem sentido nas cidades, está errado separar uma parte da população, segregada pela renda, separada em seus próprios bairros, que têm uma organização comunitária própria e diferente. Segregados mas iguais não resulta senão em problema numa sociedade em que não se ensina às pessoas que a casta faz parte da ordem divina. Segregados mas em melhores condições é uma contradição intrínseca onde quer que a separação seja imposta por uma forma

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urbanístico, na qual não são mais previstas apenas medidas urbanísticas imperativas

(regulamentos e atos administrativos), mas também medidas de apoio e incitamento das

atividades dos particulares e formas contratuais de cooperação com os agentes econômicos

privados.138

É sob essa ótica que devem ser compreendidas as operações urbanas

consorciadas, instrumento de direito urbano característico do método denominado urbanismo

concertado. O caráter tecnocrático do urbanismo regulamentar e do urbanismo de

planificação é abrandado.139 As decisões em matéria urbanística passam a considerar a

vontade dos particulares diretamente interessados na ação urbana e dos cidadãos em geral.

de inferioriedade”. (JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. 3.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.360). Em outro trecho assevera que a crença na separação de usos, que moldam as diretrizes do zoneamento urbano, transforma a reurbanização “na coisa estéril, rígida e vazia que é. Atrapalham o planejamento urbano, que poderia encorajar deliberadamente a diversidade espontânea, propiciando as condições necessárias para seu crescimento. E complementa afirmando que as intrincadas combinações de usos diversos nas cidades não são uma forma de caos. Ao contrário, representam uma forma de organização complexa e altamente desenvolvida”. (JACOBS, Jane. Morte e vida de

grandes cidades. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. 3.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.245). Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira resumem muitas das críticas feitas ao urbanismo modernista/funcionalista, considerado por muitos uma concepção “de controle centralizado e burocrático sobre a cidade, pelo Estado. Para os autores, a

necessidade de tratamento específico a determinadas áreas ou bairros da cidade, a importância do envolvimento da sociedade na manutenção e no controle urbanístico, a flexibilização de regras muito rígidas que desconheciam rotinas diárias, a monotonia e administração impessoal, o esvaziamento e a deterioração de bairros inteiros, foram alguns dos motivos para a demanda por novos instrumentos legais e novos procedimentos na gestão urbana”. (MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.222). Ramon Parada aponta outra falha do urbanismo de planificação, relativa à desigualdade que o plano provoca: a sua simples aprovação acaba por promover a valorização extraordinária de determinadas propriedades em detrimento de outras, pois a lei que institui o plano concede o direito de edificar em densidades diferenciadas, e até mesmo proíbe a edificação em determinados casos, fator que certamente provoca pressões dos proprietários sobre os órgãos governamentais que decidem sobre tais coeficientes. Nas palavras do autor, “os juristas encobriram essa desigualdade afirmando que é o plano que define em cada caso o conteúdo do direito de propriedade, sem que se reconheça direito de indenização alguma aos proprietários de terrenos não edificáveis, direito esse que só surge nos casos de privação de um direito previamente delimitado em maior extensão”. (PARADA, Ramón. Derecho administrativo

III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 299, tradução livre). Para corrigir tais distorções, há mecanismos como a instituição de um coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana, ou para uma zona urbana em especial. Assim, os proprietários que pretenderem construir acima desse índice devem arcar com o pagamento de uma contrapartida ao poder público. Entre nós, a matéria está disciplinada em linhas gerais pelo art.28 do Estatuto da Cidade, que prevê o pagamento da outorga onerosa do direito de construir e a possibilidade de fixação pelo plano diretor de um “coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas

dentro da zona urbana”. Explica Raquel Rolnik que a inspiração para a instituição da outorga onerosa no Brasil foi o plafond

legal de densité, que em 1975 era instituído para toda a França. Ressalta a autora que, naquele país, “a legislação proposta

pelo Ministério do Equipamento visava corrigir a enorme distorção existente entre os altíssimos preços dos terrenos liberados para a construção de prédios altos e os preços baixos num bairro vizinho onde os limites para a construção eram rígidos. A lei francesa definiu então o coeficiente 1 para Paris e 1,5 para o resto da França”. (ROLNIK, Raquel. Outorga onerosa e transferência do direito de construir. In: OSORIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.201). 138 CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.76. 139 Nas palavras de Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira, as operações urbanas representam “uma alternativa para

as amarras da legislação modernista/funcionalista, uma possibilidade de flexibilização da legislação contra esse “engessamento”. Regras que pretendiam dar conta da normatização do uso do solo em todo o território urbano,

desconhecendo, frequentemente, especificidades espaciais, sociais e ambientais, foram perdendo paulatinamente prestígio”

(MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.221).

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Para tanto, são utilizados mecanismos de gestão democrática das cidades como audiências e

consultas públicas,140 dentre outros instrumentos previstos pela Lei nº10.257/2001 (art.43).

Garante-se, outrossim, o controle sobre a execução da operação, a ser realizado

de forma compartilhada com representação da sociedade civil, nos termos do que prescreve o

art. 33, VII, do Estatuto.

Não somente o planejamento, mas também a execução da ação urbanística

contará com a participação da iniciativa privada, especialmente quanto ao financiamento da

operação urbana. O uso de recursos privados nessas ações consorciadas permite suprir a

carência de recursos do erário141 e evita que propriedades situadas na área da operação

valorizem-se extraordinariamente por meio de investimentos em infraestrutura realizados com

recursos públicos, em detrimento das propriedades que não estejam no mesmo perímetro, o

que iria de encontro ao princípio da justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade

urbanística, prevista no Estatuto da Cidade (art.2º, IX). Entretanto, vale aqui a observação

feita outrora: adotar determinado método urbanístico não significa que outras técnicas não

possam ser utilizadas concomitantemente. Assim, o uso dos instrumentos do urbanismo

concertado não significa o abandono das outras técnicas próprias do urbanismo regulamentar

e do urbanismo de planificação. As ações urbanísticas, evidentemente, não podem ser

definidas exclusivamente a partir de decisões resultantes de audiências e consultas públicas.

Em outras palavras, a conduta em matéria urbana não pode prescindir de estudos técnicos

elaborados por órgãos da Administração Pública, ou da aplicação de atos normativos que

imponham critérios de edificação e índices urbanísticos, sob pena de a decisão por essa ou

aquela intervenção urbana assumir um caráter meramente político, sem qualquer fundamento

técnico.142 Nesse sentido, resssaltamos também que, não obstante a participação essencial do

140 Jean-Paul Lacaze, nesse sentido, explica que “num contexto participativo, a avaliação das necessidades a serem satisfeitas

não poderia resultar de uma definição de ‘especialistas’ ou de uma codificação pelo aparelho de Estado. As necessidades

aparecem mais como a expressão de uma dinâmica social contingente e aleatória, que depende afinal dos tipos de relações particulares que uma microssociedade local travou ou deseja travar com o espaço urbano no qual ela vive. Afinal, conclui o autor: como decidir ‘a priori’ que esse grupo “necessita” mais de uma piscina que de um campo de futebol, de uma casa

comunitária mais que uma sala de espetáculos? A resposta depende da dinâmica da vida local, de iniciativas individuais ou de grupos com relação às quais nenhuma antecipação poderia ser legítima”. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.62). A transcrição parece perfeita para explicar a importância da gestão democrática do espaço urbano, elemento fundamental do urbanismo concertado. 141 Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira explicam que o déficit fiscal que atingiu a Europa e os EUA na década de 1970, devido a problemas como o aumento do desemprego e o alto custo de manutenção do Estado-Providência, fez com que ganhassem força “políticas visando uma co-responsabilização da gestão das cidades por todos os agentes participantes da produção do espaço urbano”. (MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da

Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.220-221). 142 Vale recorrer aqui, uma vez mais, às lições de Jean-Paul Lacaze. De acordo com o autor, “qualquer intervenção brutal ou

mal preparada no espaço de um bairro destrói ou desperdiça esses valores de uso vernáculo acumulados pelos habitantes. E o objetivo principal dos processos participativos é permitir uma transição suave e não traumatizante entre as condições dos

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setor privado, a ação consorciada é sempre coordenada pelo Poder Público municipal (Lei

nº10.257/2001, art.32, §1º), o que pressupõe a atuação de órgãos técnicos especializados da

Administração Pública.

O capítulo seguinte será destinado ao estudo do urbanismo concertado, com

enfoque em alguns instrumentos jurídicos característicos dessa concepção de urbanismo,

previstos na legislação nacional e estrangeira.

lugares antes e depois da conduta de urbanismo prevista”. Porém, adverte, a lógica desse raciocínio não conduz a negar qualquer possibilidade de intervenção profissional na área do urbanismo. Afinal, os processos participativos não resolvem todos os problemas e “reconhecer a natureza fundamentalmente política da decisão final em nada reduz, muito pelo contrário, a necessidade de preparar essa decisão por estudos específicos e detalhados. O mesmo ocorre quanto às decisões referentes aos equipamentos urbanos, trata-se de superestruturas ou de infraestruturas”. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do

urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.18).

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3 O URBANISMO CONCERTADO E SEUS INSTRUMENTOS JURÍDICOS

O capítulo anterior foi destinado ao estudo de alguns dos instrumentos

jurídicos característicos das diferentes concepções de urbanismo. Ao final, foram

apresentados os principais traços do urbanismo concertado, que será objeto de abordagem

mais aprofundada neste capítulo, com especial enfoque em alguns dos seus principais

instrumentos jurídicos.

Essa análise será realizada para compreendermos as origens e o delineamento

legal da operação urbana consorciada, comparando-a com institutos similares criados pela

legislação pátria e por sistemas normativos internacionais.

3.1 Urbanismo concertado e administração consensual

Antonio Carceller Fernandez explica que a expressão urbanismo concertado

deve ser compreendida dentro de um contexto mais amplo de administração concertada. Nas

palavras do autor, o conceito teve origem na planificação econômica francesa, como uma

terceira via, superando as opções que dominavam a sociedade na segunda metade do século

XX: o capitalismo e o socialismo. Trata-se de um sistema no qual as decisões do Poder

Público harmonizam-se com as dos sujeitos econômicos, visando atingir resultados ótimos. A

Administração, sem abdicar de suas funções nem renunciar aos seus poderes, pretende

conseguir o concurso voluntário, a livre adesão dos particulares, a partir da convicção de que

somente deste modo poderão ser alcançados os objetivos fixados. Intenta-se obter a

colaboração da iniciativa privada para complementar ou substituir uma gestão pública

impotente para fazer frente por si só às necessidades da sociedade.143

O conceito de administração concertada, ou administração consensual, foi

criado a partir do desenvolvimento de uma nova concepção do exercício da função

administrativa pelo Estado. De acordo com a doutrina administrativista que se debruça sobre

o tema, o processo que leva às decisões da Administração deixou de ser marcado pela

unilateralidade e passou a ser caracterizado pelo consensualidade. O Poder Público não mais

impõe a sua vontade à sociedade, mas começa a decidir em conjunto com os diversos setores

143 FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de Derecho Urbanistico. 2 ed. Madrid: Montecorvo, 1981, p.278.

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representativos que o compõe. A imperatividade estatal dá lugar à concertação de interesses

públicos e privados.144

Ainda de acordo com a doutrina especializada no tema, o surgimento da

administração consensual está ligada à crise do modelo do Estado do Bem-Estar Social que

dominou o cenário europeu do final do século XIX até a metade do século XX. A hipertrofia

do Estado, necessária para fazer frente aos graves problemas sociais que atingiram a Europa

desde a Revolução Industrial até o pós-guerra, teve como resultado uma crise fiscal que

tornou penosa a manutenção do Estado Providência.145

Chegou-se à conclusão de que o Estado precisaria diminuir o seu tamanho e de

que o grau de intervenção da Administração Pública na atividade econômica deveria ser

reduzido. Surge a ideia de Estado Subsidiário, cujas premissas são: a primazia da iniciativa

privada sobre a iniciativa estatal; o reconhecimento de que o Estado deve abster-se de exercer

atividades que podem ser realizadas pelo particular por sua iniciativa e recursos próprios; o

dever do Estado de fomentar, coordenar e fiscalizar a iniciativa privada; e a necessidade de

firmar parcerias entre o público e o privado.146

No Brasil, essas parcerias com a iniciativa privada realizam-se por meio de

convênios, contratos de gestão147, termos de parcerias148 e outras fontes de fomento; por meio

da terceirização (contratos administrativos regidos pela Lei Federal nº8.666/93, concessão

administrativa regida pela Lei Federal nº11.079/2005, que institui normas gerais para licitação

e contratação de parceria público-privada); e por meio da delegação da execução de serviços 144 Nas palavras de Fernando Dias Menezes de Almeida, um dos vetores da evolução do Direito Administrativo, na democracia, é “a substituição dos mecanismos de imposição unilateral – tradicionalmente ditos de “império” – por mecanismos de consenso, ou seja, mecanismos que propiciem o acordo entre os sujeitos envolvidos na ação administrativa, tanto os governantes, como os governados, sobre as bases da ordem a que estarão submetidos, respeitando-se os limites da legalidade”. (ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Mecanismos de consenso no Direito Administrativo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.337). 145 Diogo de Figueiredo Moreira Neto explica que, depois da Segunda Guerra Mundial, os modelos de Estado que caracterizaram o período histórico transcorrido entre o final do século XIX e primeira metade do século XX – o “Estado do

Bem-Estar Social e o Estado Socialista – passaram a demonstrar sinais de exaustão. Nos dizeres do autor, no processo econômico subjacente às mudanças várias dificuldades ocorriam, conformando a crise do Estado, já descrita com nitidez desde a década de setenta nos debates sobre a ingovernabilidade: 1º – o Estado perdia poder no processo produtivo; 2º – o Estado acumulava déficits crescentes; 3º – o Estado não tinha recursos para atender com um mínimo de eficiência aceitável às demandas da sociedade; e 4º– o Estado não tinha mais condições políticas de aumentar indefinidamente a carga tributária sobre a sociedade, que, no caso do Brasil, elevou-se de 4% a cerca de 33% do PIB”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.38-39). 146 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.15-16. Nas palavras de Silvia Faber Torres, o Estado subsidiário, justificado pelo princípio da subsidiariedade, surge em alternativa ao Estado de Bem-Estar Social ou Providencial, “valorizando a relação coordenada e integrada das instâncias pública e privada. Ainda segundo a autora, pelo

princípio da subsidiariedade dá-se primazia, em um primeiro plano, ao indivíduo sobre os grupos intermédios, em um segundo, a esses grupos sobre a sociedade e, por fim, à sociedade sobre o Estado, instituindo-se, como princípio de ordem social, uma cadeia de subsidiariedade”. (TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no direito público

contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.267-269). 147 Firmados com as organizações sociais, nos termos da Lei Federal nº9.637/1998. 148 Realizados com as organizações da sociedade civil de interesse público, nos termos da Lei Federal nº9.790/1999.

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públicos a particulares pelos instrumentos da concessão e permissão de serviços públicos (Lei

Federal nº8.987/95) e da concessão patrocinada (criada pela Lei Federal nº11.079/2005).149

A concessão de serviços públicos, em especial, vem sendo utilizada pelo

Estado, nas últimas décadas, como uma solução para a falta de recursos orçamentários. Por

meio desse instituto, o concessionário executa o serviço delegado por sua conta e risco e é

remunerado, majoritariamente, pelas tarifas pagas pelos usuários do serviço. O instrumento

permite ao Estado economizar os escassos recursos do erário, dado que grande parte (ou

mesmo a totalidade) dos investimentos na infraestrutura necessária à execução do serviço são

provenientes dos cofres das empresas delegatárias e das quantias pagas pelos usuários.

3.2 Instrumentos jurídicos

No âmbito específico da atividade urbanística, essa forma de parceria150

com a

iniciativa privada (não obrigatoriamente sob a forma de concessão) é especialmente utilizada

nos países europeus, muitos deles dotados de leis que prescrevem diversos instrumentos

urbanísticos aplicáveis por meio da concertação entre a Administração Pública e os

particulares. Na Espanha, por exemplo, há os sistemas de cooperação (cooperación) e de

compensação (compensación); na França, o Código de Urbanismo (Code de l´Urbanisme)

prevê nos arts.L 311-1 a L 311-8 de sua parte legislativa, e nos arts.R 311-1 a R 311-12 de sua

parte regulamentar, a criação das Zones d'aménagement concerté (Zonas de Ordenação

Concertada); e nos arts.L322-1 a L322-11 de sua parte legislativa, e R 322-1 a R 322-40 de

sua parte regulamentar, as Associations foncières urbaines (Associações Fundiárias

Urbanas)151; na Itália, foram criados os comparti edificatori152. Há, ainda, interessante

exemplo desse tipo de parceria público-privada vindo do Japão: o land readjustment (ou

149 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.22-23. 150 Termo aqui utilizado no seu sentido mais amplo, a indicar, conforme nos ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “todas as

formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores público e privado, para a consecução de fins de interesse público”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.22). 151 Acerca do urbanismo concertado francês, vale recorrer às lições de Jacqueline Morand-Deviller, para quem a concertação (concertation) é o encontro e o debate organizado entre os diversos parceiros interessados na realização de uma operação urbanística, realizado previamente à tomada de decisão sobre a ação a ser implantada. Tal convergência permite seja atenuado o caráter tecnocrático e centralizado das decisões em matéria urbana. A autora indica como instrumentos dessa concertação, dentre outros: a elaboração conjunta dos planos urbanísticos (o schéma directeur d´aménagement et

d´urbanisme – o SDAU, de caráter pluricomunal, e o plans d´occupation des sols – P.O.S., de caráter local); as Zones

d'aménagement concerté (Z.A.C.), criadas pela Lei de Orientação Fundiária de 30.12.1967; e as Associations foncières

urbaines (A.F.U.), criadas pela mesma lei, que permitem a realização de operações de urbanismo pelos próprios proprietários (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit de l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996, p.6, tradução livre). 152 Instituto lembrado por José Afonso da Silva. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.368).

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kukaku-seiri, em japonês), que consiste em uma técnica de desenvolvimento urbano de

execução compartilhada, pela qual os proprietários e inquilinos da área abrangida pela

operação contribuem para o financiamento do projeto e os custos e benefícios são distribuídos

de maneira equilibrada.153

No Brasil, as ações concertadas para fins de organização urbanística

começaram a ser implantadas nas décadas de 1980 e 1990, especialmente no Município de

São Paulo, por meio das leis que criaram as operações urbanas interligadas (Lei nº10.209/86

e Lei nº11.773/95) e as operações urbanas (Lei nº11.090/91 – Operação Urbana

Anhangabaú; Lei nº11.732/95 – Operação Urbana Faria Lima; Lei nº11.774/95 – Operação

Urbana Água Branca; e Lei nº12.349/97– Operação Urbana Centro). Ressalvadas as

diferenças entre as operações, todas possuem um fundamento em comum: o uso de recursos

privados para o financiamento de melhorias urbanísticas. E mais: todas baseam-se na

possibilidade de alterar os índices urbanísticos e as características de uso e ocupação do solo

em favor dos proprietários, desde que estes arquem com uma contrapartida (financeira ou

não), utilizada pelo Poder Público para atingir as metas fixadas na legislação154. Reside aí o

aspecto central da parceria entre o público e o privado: o pagamento de uma contrapartida em

troca da alteração dos padrões urbanísticos definidos na legislação de uso e ocupação do solo

urbano vigente à época, concedendo aos proprietários a possibilidade de construir acima dos

limites fixados e atribuir usos até então vedados aos seus imóveis. Essas operações serão,

posteriormente, objeto de estudo neste capítulo.

153 O método é descrito por Daniel Todtmann Montandon e Felipe Francisco de Souza. Explicam os autores que o land

readjustment (LR) foi muito utilizado em território japonês como uma medida para evitar o colapso urbano decorrente do grande êxodo rural do século XX, e prover as cidades da infraestrutura necessária para fazer frente ao rápido crescimento populacional. Outrossim, seu uso foi essencial para a reconstrução das cidades japonesas arrasadas pela Segunda Grande Guerra. Os projetos de LR, ensinam os autores, “são autorizados pelos governos local e nacional por meio de uma lei

específica de execução elaborada de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Lei do Land Readjustment de 1954. A lei específica é promulgada após um acordo entre todos os proprietários da área do projeto. Durante todo o processo de execução, os terrenos são redimensionados, reposicionados e, a partir da contribuição de parte deste terreno, são constituídas áreas para a construção de novos equipamentos públicos”. Além de solo público, são constituídos ainda lotes reserva oriundos da contribuição fundiária de cada proprietário, que são colocados à venda para que sua comercialização financie o projeto. As vantagens dessa técnica são muitas: a melhoria da qualidade ambiental e a otimização da infraestrutura da área objeto da operação; a absorção de parte dos benefícios do desenvolvimento pelo Poder Público por meio da constituição de novas áreas públicas, sem a necessidade de desapropriação; e a valorização fundiária das propriedades após a execução do projeto sem a aplicação exclusiva de recursos públicos, e com a contrapartida paga pelos proprietários por meio da doação de parte de seus terrenos ao Estado. (MONTANDON, Daniel Todtmann; SOUZA, Felipe Francisco de. Land readjustment e

operações urbanas consorciadas. São Paulo: Romano Guerra, 2007, p.18). Não obstante as diferenças de método entre os institutos, os mesmos princípios que regem a operação urbana consorciada estão presentes na aplicação do land readjustment: a cooperação entre os governos e a iniciativa privada no processo de ordenação urbanística; a justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização; e a recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos. 154 De acordo com Paulo José Villela Lomar, “tais operações urbanas foram concebidas a partir da ideia de “flexibilização”

das restrições da lei de zoneamento, mediante a modificação de seus parâmetros urbanísticos, permitindo-se potencial construtivo maior que aquele por ela autorizado e outras alterações de menor significado econômico”. (LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal nº10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.280).

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Mais recentemente, foram editadas no Município de São Paulo a Lei Municipal

nº14.917/09, que dispôs sobre o instrumento da concessão urbanística, e a Lei Municipal

nº14.918/09, que autorizou o Poder Executivo a aplicar a concessão urbanística em uma

determinada área da cidade denominada Nova Luz. Esses diplomas legislativos não criaram

propriamente o instituto, mas possibilitaram a sua efetiva utilização. O Plano Diretor

Estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal nº13.430/2002) já previa sua

existência, embora o fizesse de forma bastante singela (art.239).155 Criou-se um instrumento

de intervenção urbanística similar à concessão de serviço público ou à concessão de serviço

público precedida de obra pública (Lei nº8.987/95): o concessionário realiza as obras de

urbanização ou de reurbanização de determinada área da cidade com recursos (total ou

parcialmente) próprios e é remunerado com a exploração dos terrenos e edificações

destinados a usos privados que resultarem da obra realizada. Assim como na concessão

comum, a Administração delega o exercício de função pública – no caso a função urbanística

– ao particular (apenas o seu exercício, a titularidade da função continua com o Poder

Público), que melhora o espaço urbano com recursos próprios, por sua conta e risco.156 Vê-se,

portanto, que o principal fundamento da administração concertada ou, mais especificamente,

do urbanismo concertado está presente: a escassez de recursos públicos é suprida por meio da

delegação do exercício da função pública ao particular.157

155 Lei nº13.430/2003, art.239. “O Poder Executivo fica autorizado a delegar, mediante licitação, à empresa, isoladamente, ou a conjunto de empresas, em consórcio, a realização de obras de urbanização ou de reurbanização de região da Cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor Estratégico. §1º – A empresa concessionária obterá sua remuneração mediante exploração, por sua conta e risco, dos terrenos e edificações destinados a usos privados que resultarem da obra realizada, da renda derivada da exploração de espaços públicos, nos termos que forem fixados no respectivo edital de licitação e contrato de concessão urbanística. §2º – A empresa concessionária ficará responsável pelo pagamento, por sua conta e risco, das indenizações devidas em decorrência das desapropriações e pela aquisição dos imóveis que forem necessários à realização das obras concedidas, inclusive o pagamento do preço de imóvel no exercício do direito de preempção pela Prefeitura ou o recebimento de imóveis que forem doados por seus proprietários para viabilização financeira do seu aproveitamento, nos termos do art.46 da Lei Federal nº10.257, de 10 de julho de 2001, cabendo-lhe também a elaboração dos respectivos projetos básico e executivo, o gerenciamento e a execução das obras objeto da concessão urbanística. §3º – A concessão urbanística a que se refere este artigo reger-se-á pelas disposições da Lei Federal nº8.987, de 13 de fevereiro de 1995, com as modificações que lhe foram introduzidas posteriormente, e, no que couber, pelo art.32 da Lei Estadual nº7.835, de 08 de maio de 1992”. 156 Na verdade, a expressão por sua “conta e risco” deve ser compreendida nos seus devidos termos. Trata-se de exercício indireto de função urbanística e de modificação no espaço urbano que, se não chegar a resultados satisfatórios, pode prejudicar a cidade como um todo. Daí a necessidade de amplo controle da atividade do concessionário pela Administração, a fim de que os riscos de insucesso na operação sejam, tanto quanto possível, afastados. 157 Há, ainda, no nosso sistema normativo a previsão de outro instituto que possibilita a utilização de recursos privados no processo de (re)ordenação urbanística: a outorga onerosa do direito de construir, regulada pela Lei nº10.257/2001 (arts.28 a 31). Por meio desse instrumento, o proprietário de imóvel situado em área delimitada pelo plano diretor municipal obtém o direito de construir acima do coeficiente básico adotado, ou de atribuir ao seu imóvel uso diverso do permitido pelo zoneamento, mediante a prestação de determinada contrapartida, geralmente financeira. Os recursos auferidos pelo Poder Público por meio dessa outorga do direito de construir ou de alteração de uso devem ser aplicados para a consecução dos objetivos indicados no art.26 do Estatuto da Cidade: “regularização fundiária; execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico”. Mas há uma diferença substancial em relação à operação urbana consorciada: os

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Cite-se, também, como instrumentos do urbanismo concertado na legislação

pátria, a concessão a terceiros do aproveitamento do imóvel desapropriado com pagamentos

em título da dívida pública por descumprimento da função social da propriedade (Lei

nº10.257/2001, art.8º, §5º)158 e o consórcio imobiliário (Lei nº10.257/2001, art.46)159.

Indica-se, da mesma forma, a operação urbana consorciada como mais um dos

instrumentos jurídicos do urbanismo concertado do ordenamento pátrio. A normatização geral

do instituto consta da Lei nº10.257/2001 (arts.32 a 34), e alguns grandes municípios

brasileiros já editaram leis que viabilizam o uso do instrumento em seus territórios. É o caso

da capital paulista: o Município de São Paulo editou a Lei nº13.260/2001, que criou a

Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, a Lei nº13.769/2004, que aprovou a

Operação Urbana Consorciada Faria Lima (revogando a Lei nº11.732/95), e a Lei

nº15.893/2013, que instituiu a Operação Urbana Consorciada Água Branca (revogando a Lei

nº11.774/95). No Município do Rio de Janeiro foi editada a Lei Complementar nº101/2009,

que institui a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio. E, no Município de

Curitiba, a Lei nº13.909/2011 criou a Operação Urbana Consorciada Linha Verde. O estudo

dos principais aspectos desse instituto será objeto do capítulo 4.

Vê-se, portanto, que, tanto no exterior como no Brasil, a concertação público-

privada vem sendo utilizada com mais frequência para organizar o espaço urbano. Como

visto, tal parceria pode assumir formas diversas, a depender do delineamento legal de cada

instrumento criado.

montantes obtidos pela Administração com a outorga onerosa não são necessariamente aplicáveis na mesma área urbana em que os imóveis beneficiados estão localizados. Contrariamente, no caso das operações consorciadas, os recursos obtidos pelo Poder Público devem ser aplicados, exclusivamente, na própria operação. O instituto da outorga onerosa do direito de construir também prestigia o princípio da justa distribuição dos benefícios gerados pelo processo de urbanização, pois promove a utilização de recursos privados nas ações de melhoria do espaço urbano. Há de se ter o cuidado, no entanto, de impedir que o instrumento torne-se apenas mais uma fonte de arrecadação do Poder Público, gerada a partir do adensamento construtivo inapropriado das cidades, em evidente prejuízo ao meio ambiente urbano. Daí a importância da efetiva participação popular – e dos órgãos de controle – na elaboração do plano diretor, que é a lei que prevê as áreas da cidade em que o instrumento poderá ser utilizado (art.28 do Estatuto da Cidade). 158 Lei nº10.257/2001, art. 8º, §5º. “O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório”. 159 Art.46. “O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5o desta Lei, a requerimento deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel. §1º Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas. §2º O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o §2º do art.8º desta Lei”.

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3.3 Concertação público-privada e protagonismo estatal

No entanto, as vantagens do urbanismo concertado convivem com o perigo

que o uso indevido dos seus instrumentos jurídicos típicos pode representar para o meio

ambiente urbano, especialmente no que se refere ao aumento excessivo dos coeficientes de

aproveitamento dos imóveis. Especialmente nas grandes cidades brasileiras, a ausência de

controle sobre as alterações dos índices urbanísticos acaba promovendo a verticalização

excessiva das zonas urbanas e a infraestrutura pode não ser suficiente para suportar o aumento

da demanda por serviços públicos gerado pelo incremento da densidade populacional na área,

o que contraria frontalmente as diretrizes indicadas no art.2º, VI, a a h da Lei

nº10.257/2001160.

Com efeito, a participação da iniciativa privada no processo de urbanização é

interessante por todas as razões já declinadas: o Estado não tem recursos suficientes para arcar

sozinho com os altos custos do ordenamento urbanístico; as melhorias urbanísticas

implantadas exclusivamente com recursos do erário acabam valorizando extraordinariamente

os imóveis situados na área da operação, em detrimento daqueles que não estão no mesmo

perímetro urbano; os órgãos técnicos da Administração devem decidir sobre o espaço urbano

em conjunto com a sociedade, em consonância com o princípio da gestão democrática das

cidades.161

Todavia, a consensualidade no exercício da função urbanística deve

corresponder à participação de todos os setores da sociedade naquilo que envolve a matéria

urbanística, sob a direção do Poder Público. É preciso evitar que esse processo decisório seja 160 O problema já aflige as grandes cidades brasileiras há décadas. Em texto escrito em 1983, Eros Roberto Grau já alertava sobre as pressões que sofre o Poder Público para promover a alteração das leis de zoneamento, “sempre como o fim de que

sejam ampliados os coeficientes de aproveitamento”. Nas palavras do autor, “a ampliação dos coeficientes de aproveitamento

implica sistematicamente o acréscimo da demanda de equipamentos por parte da comunidade que vai ocupar os locais relativamente aos quais ocorreu tal ampliação: meios de circulação, equipamentos de água, esgoto, transportes públicos, áreas de lazer, áreas de estacionamento etc”. Daí, conclui, o desenvolvimento da noção de solo criado, que implica no pagamento de uma contrapartida pelo proprietário em razão do aumento dos índices construtivos. (GRAU, Eros Roberto. Direito

urbano: regiões metropolitanas, solo criado, zoneamento e controle ambiental. São Paulo: RT, 1983, p.56). No entanto, vale registrar as observações feitas por Raquel Rolnik acerca da aplicação do solo criado como forma de adensamento populacional, com o intuito de otimizar o uso da infraestrutura urbana. Nas palavras da autora, “a ideia de que um aumento

do coeficiente de aproveitamento traz necessariamente um aumento de densidade no Brasil não tem sido verdadeira: o aumento da densidade da área construída nem sempre significa o aumento da densidade populacional. Pelo contrário, bairros que se transformam em centros de negócios tendem a expulsar população, esvaziando-se à noite e desequilibrando ainda mais o uso da infraestrutura. [...] a densidade nas cidades brasileiras é alta exatamente onde não há investimentos em infraestrutura ou grande densidade construtiva, – as favelas e periferias de todas as grandes cidade”. (ROLNIK, Raquel. Outorga onerosa e transferência do direito de construir. In: OSORIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.210-211). Na realidade, o que se pode afirmar diante de tais considerações é que o excessivo aumento do potencial construtivo de determinada área da cidade é prejudicial para o meio ambiente urbano, tenha ou não como consequência o aumento da densidade populacional na região. 161 Nas palavras de Jean-Paul Lacaze, a adoção dos métodos participativos representa a “renúncia à utopia tecnocrática, que

consiste em tentar fazer a felicidade dos habitantes sem pedir sua opinião”. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do

urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.71).

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dominado por setores específicos, interessados exclusivamente em aumentar o coeficiente de

aproveitamento dos terrenos abrangidos pela operação consorciada, sem maiores

preocupações com o meio ambiente urbano e com o aumento excessivo da demanda por

equipamentos públicos.

O sucesso de qualquer operação consorciada depende da adesão da iniciativa

privada – mais especificamente do mercado imobiliário – e do aporte de recursos privados.

Para tanto, o plano da operação deve convencer o setor privado da possibilidade de lucrar a

partir dos investimentos realizados. O particular somente firmará parcerias com a

Administração se vislumbrar a possibilidade de auferir lucro em função dos montantes

investidos.162

Contudo, é preciso que os interesses desses agentes privados sejam

compatíveis com o interesse público, de toda a sociedade, em uma forma de ordenação do

espaço urbano que privilegie o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, previsto

como norma principiológica pelo texto constitucional (art.182). Por outro lado, o Poder

Público também não deve promover qualquer tipo de operação urbana com o intuito

meramente arrecadatório, isto é, com o objetivo exclusivo de auferir recursos em razão da

“venda” de potencial construtivo aos proprietários privados.

Assim, é imprescindível a participação dos interessados – proprietários,

empreendedores, usuários, moradores e todos os que habitam a urbe – durante o planejamento

e a execução da ação consorciada, para que todos sejam representados, e não somente os

grupos mais diretamente interessados na operação. Nesse sentido, o preceito do Estatuto da

Cidade (art.33, VII) que impõe seja prevista na lei específica que cria a operação “uma forma

de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade

civil”.

Aliás, a participação dos administrados – destinatários das decisões a serem

tomadas pela Administração Pública – é uma das premissas da administração consensual ou

concertada.163

162 Em comentários sobre as opérations programmées d´amélioration de l´habitat (operações programadas de melhoria do habitat) realizadas na França, que consistem na elaboração de um contrato entre a comuna, o Estado e a Agence Nationale

pour l´Amélioration del´Habitat (Agência Nacional para a Melhoria do Habitat) para ações centradas no mercado de moradia, Jean-Paul Lacaze afirma que o sucesso de tais operações“depende de fato da capacidade dos empreendedores públicos de mobilizar a atenção e o interesse dos empreendedores privados para chegar à mudança significativa da percepção do bairro em questão. Só na medida em que os agentes microeconômicos locais convencerem uns aos outros de que um novo futuro é possível para o bairro e de que, portanto, vale a pena nele investir de novo, que o efeito de revalorização material e simbólica será efetivamente atingido”. (LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1993, p.80-81). 163 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Mecanismos de consenso no Direito Administrativo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte:

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Mas a participação popular não afasta a importância do protagonismo estatal

nessa atividade. Isso significa que o controle da operação somente pode ser exercido pelo

Poder Público. A organização do espaço urbano é uma função pública – dever poder da

Administração Pública – e sua titularidade, portanto, é indelegável. O Estado pode, e muitas

vezes é aconselhável que o faça, delegar a execução da função urbanística ao particular ou

firmar parcerias com o setor privado para financiar determinada operação urbana. Porém,

como garantidor da prevalência do interesse público sobre o privado164, deve o Poder Público

– por meio dos seus órgãos técnicos especializados ou de entidades da administração indireta

criadas para esse fim – ser o condutor principal da ação consorciada, assim como de qualquer

intervenção no espaço urbano. Em outras palavras, não é possível substituir o Estado pela

iniciativa privada no papel de orientador da atividade urbanística.165 A afirmação vai ao

encontro da Constituição Federal (art.182), que determina que a política de desenvolvimento

deve ser executada pelo Poder Público municipal.

Em conclusão: as ações em matéria urbanística devem ser coordenadas pelo

Poder Público, ainda que contem com a participação da iniciativa privada. Para tanto, é

imprescindível a atuação dos órgãos técnicos especializados da Administração para orientar o

processo decisório que definirá os rumos da operação.

É possível afirmar, portanto, que a dialética entre tecnocracia e democracia

contribui para as deliberações na temática urbanística, mas não afasta a conclusão de que a

direção do processo cabe, invariavelmente, ao Estado. Há vários dispositivos constitucionais e

legais cuja leitura nos faz chegar a tal arremate. Dentre outros, o art.30, VIII, da Constituição,

que atribui ao Município a competência para promover o ordenamento territorial; o art.182, da

Carta, que determina que a política de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder

Fórum, 2012, p.346-347. O autor cita alguns exemplos de instrumentos jurídicos da administração consensual: as audiências e consultas públicas previstas no Estatuto da Cidade; a audiência pública realizada previamente ao início de processos licitatórios destinados a contratações de maior vulto (art.39 da Lei nº8.666/93); submissão da minuta do edital da parceria público-privada a consulta pública, nos termos do art.10, VI, da Lei nº11.079/2004; e a participação popular no processo de licenciamento ambiental, de acordo com a Resolução CONAMA nº9/87. 164 Celso Antônio Bandeira de Mello considera a “supremacia do interesse público sobre o privado verdadeiro axioma” do moderno Direito Público. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.69). Define também “interesse público como o interesse resultante do conjunto de interesses que os

indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.61). 165 Nessa direção, adverte Antonio Carceller Fernandez que o urbanismo é uma função pública, e, portanto, nada nem ninguém pode afastar a responsabilidade que pesa sobre a Administração Pública. A colaboração dos particulares, seja pelo via do urbanismo concertado, seja pela via concessional, seja pela via associativa (Juntas de Compensação), pode existir somente como um complemento da atuação imprescindível dos entes públicos. Ainda segundo o autor, o risco do urbanismo concertado está precisamente na possível substituição da iniciativa da Administração pela de grandes empresas ou grandes proprietários. É nesse sentido a advertência contra o erro de se considerar o macrourbanismo concertado como o eixo de um futuro urbanismo que possa dispensar definitivamente a gestão pública, ou que intente limitá-la aos aspectos de um planejamento que se limite a reconhecer iniciativas de urbanizadores privados. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de Derecho Urbanistico. 2 ed. Madrid: Montecorvo, 1981, p.280, tradução livre).

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Público; e a Lei nº10.257/2001 (art.32, §1º) que determina que a coordenação da operação

consorciada seja exercida pelo Poder Público municipal.

Assim, a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade determinam que o Estado

seja o condutor do processo de ordenamento do espaço urbano, a garantir a supremacia do

interesse público sobre o particular e a aplicação dos princípios que devem reger a função

urbanística, não obstante seja possível realizar esse processo por meio de concertação com a

iniciativa privada.166

O controle da atividade urbanística pelo Poder Público, ainda que não exercido

diretamente, visa evitar que os instrumentos de direito urbano sejam manipulados por grupos

cujos interesses não coincidam com o interesse coletivo. A utilização indevida dessas técnicas

pode resultar na degradação do meio ambiente urbano, especialmente em decorrência da

aplicação descontrolada de instrumentos que pressupõem o aumento dos índices construtivos

das áreas sujeitas às intervenções.

A seguir, esmiuçaremos alguns instrumentos do urbanismo concertado,

relacionando-os com o instrumento objeto central deste estudo, a operação urbana

consorciada, cujas linhas gerais estão traçadas na Lei nº10.257/2001 (arts.32 a 34).

3.4 O termo operação urbana

Antes do estudo específico sobre a mencionada legislação, faremos uma breve

observação sobre o termo operação urbana.

Conforme adverte José Afonso da Silva, “toda atuação urbanística que envolve

alteração da realidade urbana com vista a obter nova configuração da área constitui operação

urbana.”167 De fato, é possível afirmar que operação urbana é o gênero que abarca diversas

modalidades de intervenção no espaço urbano, realizadas para adequá-lo ao pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade. Assim, processos de reloteamento168,

166 Vale observar que mesmo o parcelamento do solo urbano, conduta urbanística iniciada e levada a cabo por particulares, tem as suas diretrizes definidas pelo Poder Público (Lei Federal nº6.766/79, art.6º). 167 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.367. 168 Previsto, por exemplo, no art.239, do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, como uma das obras de

urbanização ou de reurbanização passíveis de realização por meio da concessão urbanística. José Afonso da Silva explica que o processo de reloteamento consiste no remembramento de unidades edificáveis ou já edificadas, que posteriormente serão objeto de novo loteamento, com a redivisão da área resultante do remembramento (área remembrada) em novos lotes (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.346). Busca-se, por esse instrumento, corrigir distorções do parcelamento existente, promovendo-se, por exemplo, o aumento da área dos espaços públicos ou um novo desenho dos sistemas viário e de transporte público.

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renovação urbana169, requalificação da infraestrutura urbana viária, de transportes, de

saneamento e habitacional são alguns exemplos de operações que visam reordená-lo.

Algumas dessas operações recebem denominações próprias pelas leis que a

criam: Operação Urbana Interligada (Leis nº10.209/1986 e nº11.773/1995 do Município de

São Paulo), ou simplesmente Operação Urbana (Lei nº11.090/91 – Operação Urbana

Anhangabaú; Lei nº11.732/95 – Operação Urbana Faria Lima; Lei nº11.774/95 – Operação

Urbana Água Branca; e Lei nº12.349/97 – Operação Urbana Centro, todas do Município de

São Paulo) ou, mais recentemente, Operações Urbanas Consorciadas (art.32 a 34 do Estatuto

da Cidade).

Os exemplos aqui mencionados são de parcerias entre o setor público e o

privado, mas o termo Operação Urbana pode referir-se a qualquer ação que tenha por

finalidade reordenar o espaço urbano, ainda que realizada somente pela Administração, sem a

colaboração de particulares, como a desapropriação urbanística para abrir, conservar e

melhorar vias e logradouros públicos (Decreto-Lei nº3.365/41 art.5º, i). Toda operação urbana

é, assim, um instrumento do urbanismo operacional, mas nem todas são feitas por meio de

concertação público-privada.

Concentrar-se-á o estudo nas operações urbanas e interligadas no Município

de São Paulo, tendo em vista o pioneirismo da capital paulista neste tipo de ação

concertada.170 A operação urbana consorciada, tema central desta pesquisa, será abordada em

capítulo próprio.

3.5 Operações interligadas: Leis nº10.209/1986 e nº11.773/1995 do Município de São

Paulo

A Lei nº10.209/1986 do Município de São Paulo criou a operação urbana

interligada, destinada a construir habitações de interesse social para moradores de favelas.

169 José Afonso da Silva define “renovação como o processo tendente a reurbanizar área de edificação envelhecida,

deteriorada, mediante plano especial estabelecido e executado pelo Poder Público Municipal ou delegado seu, que atua por meio da desapropriação da área a ser renovada”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.362). A Lei nº14.917/09, art.1º, VI, do Município de São Paulo prevê a utilização da concessão urbanística para “recuperar áreas degradadas ou deterioradas visando à melhoria do meio ambiente e das condições de habitabilidade”. 170 Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira ressaltam que o instrumento da operação urbana não é novo, e já apareceu, sob configurações e nomenclaturas diversas, em planos diretores de muitas cidades brasileiras. Nas palavras dos autores, a prova da maleabilidade do instrumento para responder a interesses muito diversos está no fato de ele ter sido defendido e implementado por administrações paulistanas ideologicamente bem diferentes. (MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.215-216). O instituto vem sendo utilizado desde 1986 por todos os Chefes do Executivo paulistano, bem antes, portanto, da edição do Estatuto da Cidade, que definiu o regramento geral sobre o instrumento da ação consorciada.

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A concertação público-privada ocorria da seguinte forma: os proprietários de

terrenos ocupados por favelas poderiam requerer ao Município de São Paulo a modificação

dos índices e características de uso e ocupação do solo do terreno ocupado, ou de outros de

sua propriedade, desde que construíssem e doassem ao Poder Público Municipal habitações de

interesse social para a população residente na área (art.1º).

Assim, seria permitido ao particular proprietário de área ocupada por favela

construir acima dos limites da lei de zoneamento vigente à época, ou atribuir uso não

permitido a imóvel de sua propriedade, desde que construísse e doasse, ao Município,

habitações de interesse social.

Nos termos do art.2º da lei municipal, esses benefícios de alteração dos

parâmetros urbanísticos somente seriam concedidos de forma interligada, ou seja, desde que

oferecida uma solução habitacional para toda a população da favela.

O proprietário interessado nesse tipo de operação deveria submeter o plano de

operação interligada à aprovação do Poder Executivo Municipal (art.3º), que deliberaria por

meio de uma Comissão de Zoneamento, fiscalizada pela Secretaria Municipal do

Planejamento171. Essa Pasta expediria uma certidão “declarando a modificação dos índices e

características de uso e ocupação do solo ao proprietário do terreno ou terrenos objetos do

plano” (art.4º).

Vale atentar para o art.5º, segundo o qual tais operações interligadas também

poderiam envolver áreas de domínio público ocupadas por favelas. Dessa forma, o

proprietário que fornecesse habitação popular para a população que ocupasse favela

localizada em área pública poderia ser beneficiado com a alteração dos índices de imóveis de

sua propriedade.

A Lei nº10.209/86 era uma tentativa de resolver a questão habitacional. Ocorre

que, da maneira como foi prevista, a operação interligada contrariava frontalmente os

princípios que regem a atividade da Administração Pública, especialmente o da legalidade e o

da isonomia.

O diploma acabava permitindo a outorga de potencial construtivo e de

modificações de uso pelo Poder Público (em troca da construção de casas populares) sem

impor qualquer limite à quantidade de área adicional passível de ser outorgada, ao arrepio da

lei de zoneamento em vigor à época. Ou seja, a lei municipal não definia o estoque de

potencial construtivo a ser cambiado por habitações populares e nem o parâmetro de 171 Atualmente, o órgão competente em matéria urbanística é a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), que foi reestruturada pela Lei Municipal nº15.764/2013.

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equivalência entre a metragem adicional permitida e a quantidade de habitações construídas,

deixando, assim, ao critério da Comissão de Zoneamento aprovar ou não a proposta de

operação do particular. A ausência dessa previsão contrariava frontalmente os princípios da

legalidade – pois só a lei municipal pode definir novos padrões construtivos, diversos

daqueles estabelecidos pela lei em vigor –, e da isonomia, dado o subjetivismo que

caracterizava a decisão da comissão. Ao exercer a ampla competência discricionária que lhe

fora atribuída pelo art.4º do diploma municipal, o colegiado podia estabelecer critérios

diferenciados para um ou outro proprietário e fixar contrapartidas diversas para o mesmo

benefício concedido. O Município poderia definir quantidades diferentes de habitações

populares a serem construídas em troca da concessão de um mesmo potencial adicional de

construção ou, inversamente, conceder a mesma metragem de área adicional em função da

construção de um número divergente de casas populares. Tudo isso a depender das propostas

de cada um dos proprietários interessados na operação interligada.

Ver-se-á que, pela disciplina atual das operações urbanas consorciadas (Lei

nº10.257/2001, arts.32 a 34), devem ser definidos tanto o quantitativo total de potencial

adicional passível de ser outorgado aos proprietários dos imóveis situados na área da

operação, como os parâmetros de conversão das contrapartidas pagas por esses proprietários

em metragem adicional de construção ou de modificação de uso de cada imóvel. A ausência

dessas prescrições legais significa a inobservância dos princípios da legalidade e da isonomia

que informam a atividade da Administração Pública.

Outra hipótese de operação interligada foi criada pela Lei nº11.773/1995, do

Município de São Paulo, declarada inconstitucional por decisão do Órgão Especial do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (ADIN 045.352.0/0). O diploma dispunha sobre o

programa direito à moradia e visava à “obtenção de recursos para construção de residências

destinadas a moradores de habitação sub-normal”.

Nos termos do art.1º deste diploma municipal, aos proprietários era aberta a

possibilidade de “apresentar propostas de modificações dos índices urbanísticos e das

características de uso e ocupação do solo”, definidos na lei de zoneamento em vigor à época.

Como contrapartida pela alteração desses parâmetros urbanísticos (alteração essa que

possibilitava construir acima do permitido legalmente e atribuir aos imóveis usos diversos da

lei), os interessados deveriam destinar ao Fundo Municipal de Habitação (FMH), criado pela

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Lei Municipal nº11.632/94172, uma importância estipulada por órgão do Poder Executivo que

seria destinada à construção de Habitações de Interesse Social (HIS) para atender aos

moradores de habitação subnormal. Ou seja, o Município buscava financiar a construção de

moradias para a população residente em favelas com as quantias pagas pelos proprietários

interessados em aumentar o potencial construtivo dos seus imóveis.

Na realidade, o programa criado pela Lei Municipal nº 11.773/95 era muito

similar ao previsto pela Lei nº10.209/86. Aliás, aquele diploma mencionava expressamente o

segundo, ao prescrever, no art.1º, que os interessados apresentariam as propostas de alteração

dos índices urbanísticos “com base na Lei nº10.209, de 9 de dezembro de 1986”. A finalidade

da concertação público-privada era a mesma nos dois programas: construir casas populares

utilizando recursos privados, tendo em vista a insuficiência de recursos públicos para garantir

o direito à moradia da população mais pobre.

Todavia, os vícios dos dois diplomas também eram idênticos. As propostas

eram apresentadas ao órgão municipal competente, que decidia a respeito das modificações

dos índices urbanísticos e das contrapartidas correspondentes em habitações de interesse

social. Mais uma vez, o princípio da legalidade (mais especificamente o princípio da reserva

de plano) restava desprestigiado. As alterações dos índices urbanísticos (definidos na lei de

uso e ocupação do solo) eram realizadas sem respaldo legislativo. Não havia um critério

definido de equivalência entre os coeficientes adicionais de aproveitamento ou de alteração de

uso e os valores destinados ao fundo habitacional. Apenas alguns limites eram estabelecidos.

A Lei Municipal nº11.773/95 (art.5º), por exemplo, previa que

o valor da contrapartida a ser repassado à Prefeitura do Município de São Paulo, relativo à proposta de Operação Interligada, não poderá ser inferior a 60% do valor atribuído ao benefício econômico obtido e nem ao equivalente a 5 Habitações de Interesse Social – HIS, assegurados o perfeito atendimento e o equilíbrio dos interesses público e privado envolvidos.

Por sua vez, o art.9º indicava alguns parâmetros urbanísticos a serem

observados pelo órgão municipal ao analisar as propostas de operação interligada:

a) os objetivos e as diretrizes gerais do Plano Diretor; b) os padrões de uso e ocupação do solo, efetivamente existentes e as tendências de desenvolvimento urbano para a vizinhança do terreno objeto da proposta,

172 A Lei nº11.632/94 do Município de São Paulo dispõe sobre o estabelecimento de uma política integrada de habitação, voltada à população de baixa renda; autoriza a instituição, junto à Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB/SP), do Fundo Municipal de Habitação; cria o Conselho do Fundo Municipal de Habitação, e dá outras providências.

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respeitados em cada caso os limites máximos de 4 para a coeficiente de aproveitamento e de 80% para taxa de ocupação; c) o impacto da implantação do empreendimento relativo a capacidade viária do entorno, a qualidade ambiental e a paisagem urbana; e d) a regulamentação vigente relativa ao Impacto de Vizinhança (RIVI).

Não obstante a presença de alguns limites aos quantitativos de potencial

adicional de construção e de uso, os demais parâmetros que deveriam ser seguidos eram por

demais indeterminados, o que significava atribuir amplo poder ao órgão do Poder Executivo

competente, ao qual era permitido alterar os índices urbanísticos a partir de uma apreciação

bastante subjetiva da proposta de operação, sem fundamentá-la em critérios bem definidos

legalmente. Outrossim, a lei não definia o(s) perímetro(s) da cidade abrangido(s) pela

operação interligada, o que indicava que toda e qualquer propriedade situada no território

municipal poderia ter o seu coeficiente de aproveitamento aumentado, com exceção daquelas

localizadas em áreas de proteção ambiental e de mananciais, dos imóveis situados em

determinadas zonas da cidade (por exemplo, zona residencial de baixa densidade) e dos que já

estavam contidos nos perímetros de operações urbanas.173

Ver-se-á que, pela disciplina normativa atual, a lei que cria a operação

consorciada deve definir precisamente o seu perímetro de abrangência (Lei nº10.257/2001,

art.32).174

3.6 Operações urbanas no Município de São Paulo

Além das operações interligadas criadas pelas mencionadas leis, surgiram no

Município de São Paulo, durante a década de 1990, as operações urbanas, o embrião das

operações urbanas consorciadas, objeto de estudo desta pesquisa.

173 Conforme a Lei nº11.773/95, art.2º, do Município de São Paulo. Ressalte-se que a diferença entre operação interligada e operação urbana já constava do diploma municipal. Afinal, a Lei Municipal nº11.773/95 é contemporânea às Leis nº11.090/91 (Operação Urbana Anhangabaú), nº11.732/95 (Operação Urbana Faria Lima) e nº11.774/95 (Operação

Urbana Água Branca). 174 A Lei nº11.773/95 do Município de São Paulo foi declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº045.352.0/0, Relator o Des. Hermes Pinotti. A Corte Bandeirante reconheceu a contrariedade do diploma municipal aos arts.5º, §1º, e 181, da Constituição do Estado de São Paulo. Para o E. Tribunal, a possibilidade de modificação de índices urbanísticos e das características de uso e ocupação do solo por órgão do Poder Executivo vai de encontro aos dispositivos constitucionais. O art.5º, §1º, da Carta Paulista veda a delegação de atribuições entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e o art.181 estabelece reserva legal acerca de tema ligado a direito urbanístico, ao prescrever que apenas a “lei municipal estabelecerá, em conformidade

com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes”. Assim, proíbe-se ao Executivo o estabelecimento de regramento individual acerca de índices urbanísticos, sob pena de subtração de competência constitucional do Poder Legislativo.

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3.6.1 Operação Urbana do Anhangabaú (Lei Municipal nº11.090/1991)

A primeira operação urbana foi criada pela Lei Municipal nº11.090/1991, que

estabeleceu um programa de melhorias para a área de influência do Vale do Anhangabaú e

criou incentivos e formas para sua implantação. Nos termos do seu art.1º, foi aprovada a

Operação Urbana do Anhangabaú, compreendendo um conjunto integrado de intervenções coordenadas pela Prefeitura, através da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB)175, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, visando à melhoria e valorização ambiental da área de influência imediata do Vale do Anhangabaú.

Diferentemente dos diplomas que criaram as operações interligadas, a lei que

criou a Operação Urbana do Anhangabaú delimitou precisamente o perímetro da área objeto

da ação conjunta (art.1º, §1º)176. Ademais, indicou os seus objetivos específicos (art.2º)177 e

suas diretrizes urbanísticas (art.2º, parágrafo único)178.

A principal fonte de recursos para implantar as melhorias urbanísticas na área

abrangida pela operação era a mesma das operações interligadas, qual seja, o pagamento de

contrapartidas em troca da “modificação de índices e características de parcelamento, uso e

ocupação do solo e subsolo, bem como modificação das normas edilícias” (art.3º, I). Foram

175 A EMURB foi criada, na forma de empresa pública, pela Lei nº7.670/1971 do Município de São Paulo, e tinha “como

objetivo fundamental a execução de programas e obras de desenvolvimento urbano, obedecendo a planos elaborados de acordo com os órgãos próprios da Prefeitura e aprovados previamente pela Câmara Municipal” (art.5º). Em 2009, a Lei Municipal nº15.056 autorizou a cisão da EMURB em duas outras estatais, São Paulo Urbanismo e São Paulo Obras. As atribuições da EMURB que não foram objeto de transferência por ocasião da aprovação dos respectivos estatutos permaneceram com a empresa São Paulo Urbanismo (Lei nº15.056/2009, art.3º, §1º). 176 Art.1º, §1º. “A área objeto da Operação Urbana do Anhangabaú é a delimitada pelo perímetro assinalado na planta anexa nº BE/03/OB/001 do arquivo da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB), descrito a seguir, e mais a área dos lotes lindeiros aos logradouros que determinam este perímetro: começa na confluência da Avenida Ipiranga com a Avenida São Luiz, segue pela Avenida São Luiz, Praça Desembargador Mário Pires, Viaduto Nove de Julho, Avenida Nove de Julho, Praça da Bandeira, Avenida 23 de Maio, Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, Rua Cristóvão Colombo, Largo de São Francisco, Rua Senador Paulo Egídio, Rua José Bonifácio, Rua São Bento em toda a sua extensão, considerando os logradouros. Praça do Patriarca, Largo do Café, Praça Antônio Prado, Largo São Bento, Rua Florêncio de Abreu, Avenida Senador Queiroz, Praça Alfredo Issa, Avenida Ipiranga, Praça da República, até o ponto inicial”. 177 Art.2º.“A Operação Urbana do Anhangabaú tem por objetivos específicos: I – Implementar o programa de obras constante do Quadro nº1, anexo a esta lei; II – Melhorar, na área objeto da operação, a qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores e usuários permanentes, promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e da sua qualidade ambiental; III – Incentivar o melhor aproveitamento dos imóveis, em particular dos não construídos ou subutilizados; IV – Incentivar a preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental urbano; V – Ampliar e articular os espaços de uso público, em particular os arborizados e destinados à circulação e bem-estar dos pedestres; VI – Iniciar um processo mais amplo de melhoria à qualidade de vida e condições urbanas das áreas centrais, inclusive dos moradores de habitações subnormais”. 178 Art.2º, parágrafo único. “I – A abertura de praças e de passagens para pedestres, cobertas ou não, no interior das quadras; II – O estímulo ao remembramento de lotes de uma mesma quadra e à interligação de quadras mediante o uso dos espaços aéreo e subterrâneo dos logradouros públicos; III – A restrição e a disciplina do transporte individual e a maior eficiência do transporte coletivo; IV – O uso de mecanismos que propiciem obras de conservação e restauro dos edifícios de interesse histórico-arquitetônico e ambiental; V – O incentivo à não impermeabilização do solo e à arborização das áreas não ocupadas; VI – A composição das faces das quadras, de modo a valorizar os imóveis de interesse arquitetônico e a promover a harmonização do desenho urbano; VII – A adequação, aos objetivos desta lei, do mobiliário urbano existente e proposto; VIII – O incentivo ao uso residencial na área da Operação”.

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acrescentadas a possibilidade de “cessão onerosa do espaço público aéreo” (art.3º, II) e a

“regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a

legislação vigente e concluídas até a data de publicação da lei” (art.3º, III). Assim, o

Município podia convocar os proprietários e investidores, por edital (art.3º), para

apresentarem propostas de construção de imóveis com áreas superiores aos limites

estabelecidos pela lei de zoneamento vigente à época, ou solicitar alteração das regras de uso

ou das normas edilícias incidentes sobre esses mesmos imóveis. O deferimento dessas

solicitações pelo órgão municipal competente (art.9º)179 dependia do pagamento de

contrapartidas financeiras a serem utilizadas para realizar o programa de obras indicado na

mesma lei (quadro I), todas elas a serem implantadas na própria área da operação.

Todavia, diferentemente das leis que criaram as operações interligadas, a Lei

Municipal nº11.090/1991 definiu um limite máximo de área construída adicional, equivalente

a 150 mil m2 “além do já permitido para o total dos imóveis contidos no perímetro” (art.7º).

Assim, o legislador preocupou-se em definir um quantitativo máximo de

expansão do potencial construído na área, a fim de evitar a saturação da capacidade viária do

entorno e da infraestrutura local. Buscou o diploma municipal, ainda, criar parâmetros para

fixar o valor das contrapartidas financeiras, tendo em vista os benefícios concedidos aos

proprietários e investidores (art.11).180 A fixação desses critérios contribui para evitar um

tratamento desigual aos interessados em investir na área, que não mais ficam sujeitos a

decisões puramente subjetivas por parte do órgão municipal competente para aprovar as

propostas de modificação dos índices urbanísticos. Muitas dessas regras constam na

configuração normativa das atuais operações urbanas consorciadas.

Cabe, ainda, destacar o instrumento que a lei previu para incentivar a

restauração e a conservação dos imóveis de valor histórico e cultural localizados no perímetro

da operação. O art.6º previu a transferência do potencial construtivo não utilizado nos imóveis

de valor histórico, nos tombados e nos “que vierem a ser tombados pelo Poder Público na

vigência desta lei, para outros imóveis localizados fora do perímetro da Operação Urbana do

Anhangabaú”. Foi prevista uma forma de cálculo desse potencial, que considera a diferença 179 Atualmente, o órgão competente em matéria urbanística no Município de São Paulo é a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), que foi reestruturada pela Lei Municipal nº15.764/2013. 180 Art.11.“A contrapartida financeira obrigatória mencionada no art.5º desta lei não poderá ser inferior a: I – 200% (duzentos por cento) do valor econômico atribuído ao benefício concedido, no caso da regularização de construções citada no inciso III, do art.3º desta lei; II – 60% (sessenta por cento) do valor econômico atribuído ao benefício concedido, nos demais casos. §1º Os valores econômicos citados terão como base de cálculo os valores de mercado do terreno. §2º Para efeito do inciso I e III do art.3º desta lei, calcula-se o valor do benefício concedido como sendo o valor da área de terreno necessária para construir a área excedente àquela permitida pela legislação de uso do solo vigente. §3º Será concedido um desconto de 40% (quarenta por cento) à contrapartida referida no inciso I deste artigo para as solicitações propostas durante o primeiro ano de vigência desta lei”.

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entre o potencial construtivo máximo do lote e o potencial fixado em função da limitação

imposta. Assim, o potencial construtivo não utilizado em função do tombamento poderia ser

transferido para outro imóvel, visando evitar prejuízo ao proprietário do bem tombado.

Trata-se de medida que visa prestigiar o princípio da justa distribuição dos

ônus decorrentes da atividade da Administração. A ideia é fazer com que o titular do imóvel

preservado não assuma sozinho o prejuízo decorrente da impossibilidade de construir em seu

imóvel até o limite definido pelo coeficiente de aproveitamento válido para outros imóveis.

Ele não poderá construir no imóvel tombado, mas poderá fazê-lo acima dos parâmetros

ordinários em outro local, a compensar o prejuízo observado pela restrição imposta em razão

do tombamento. Dessa forma, busca-se preservar esses bens de valor histórico e cultural,

impedindo a sua demolição e deterioração, com o mínimo possível de esvaziamento do direito

de propriedade sobre o imóvel.181

A Operação Urbana do Anhangabaú acabou absorvida pela Operação Urbana

Centro, criada pela Lei nº12.349/1997 do Município de São Paulo. Seu art.18 determina que

“os direitos, processos e obras em andamento referentes à Operação Urbana do Anhangabaú,

aprovada pela Lei nº11.090, de 16 de setembro de 1991, ficam transferidos, sem solução de

continuidade, para a Operação Urbana Centro”.

3.6.2 Operação Urbana Faria Lima (Lei Municipal nº11.732/1995) e sua sucessão pela

Operação Urbana Consorciada Faria Lima (Lei Municipal nº13.769/2004)

A Lei nº11.732/1995 do Município de São Paulo, na esteira da Lei Municipal

nº11.090/1991, estabeleceu um programa de melhorias para uma determinada área da cidade,

a serem financiadas com recursos privados. Utilizando uma redação bastante similar à da lei

que criou a Operação Urbana do Anhangabaú, a lei aprovou a Operação Urbana Faria Lima,

um conjunto integrado de intervenções coordenadas pelo Município, com a participação dos

proprietários, moradores, usuários e investidores em geral, visando à melhoria e à valorização

ambiental da

181 A preservação do patrimônio cultural é mandamento constitucional (art.216 da Constituição Federal). O processo de tombamento está disciplinado pelo Decreto-Lei nº25/1937, e as regras gerais acerca da transferência do direito de construir estão previstas no art.35 do Estatuto da Cidade. O inciso II desse dispositivo permite que o proprietário exerça o direito de construir em outro local ou aliene esse direito por escritura pública – desde que autorizado por lei municipal –, nas hipóteses em que o imóvel deva ser preservado em razão de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural. Todavia, a localidade em que será exercido o direito de construir deve contar com a infraestrutura necessária para absorver esse potencial adicional de construção. Caso contrário, a transferência resultará em um impacto negativo para a área receptora.

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área de influência definida em função da implantação do sistema viário de interligação da Avenida Brigadeiro Faria Lima com a Avenida Pedroso de Moraes e com as Avenidas Presidente Juscelino Kubistchek, Hélio Pellegrino, dos Bandeirantes, Engº Luis Carlos Berrini e Cidade Jardim.182

Atualmente, essa ação concertada está disciplinada pela Lei Municipal

nº13.769/2004, que revogou a Lei nº11.732/1995183, mas manteve, em linhas gerais, a mesma

estrutura da operação conjunta, passando a denominá-la Operação Urbana Consorciada

Faria Lima, visto ter sido editada após a Lei Federal nº10.257/2001, que prescreveu as

normas gerais sobre o instituto da operação consorciada (arts.32 a 34).

Busca-se construir um novo sistema viário e promover as outras melhorias

urbanísticas no perímetro da operação. Um dos objetivos específicos da ação urbana é criar

condições para investidores e proprietários de imóveis beneficiados com a implantação desses

melhoramentos fornecerem os recursos necessários à sua viabilização, sem qualquer ônus

para a Municipalidade (Lei nº13.769/2004, art.4º, I).184

182 O perímetro exato da operação está, hoje, definido na Lei Municipal nº13.769/2004, art.1º, §1º. Segundo o dispositivo, “a área objeto da Operação Urbana Faria Lima é a contida e delimitada pelo perímetro assinalado na planta nºFL017B001 que deverá integrar o arquivo da Empresa Municipal de Urbanização – EMURB, constante do Anexo 1 desta lei, descrito a seguir: começa no ponto situado na Avenida Cidade Jardim distante 50,00 (cinqüenta) metros de sua confluência com a Avenida Brigadeiro Faria Lima, segue em linha paralela à Avenida Brigadeiro Faria Lima até a Rua Henrique Monteiro, Rua Henrique Monteiro, Rua Bianchi Bertoldi, Rua Artur de Azevedo, Rua Cunha Gago, Rua Padre Garcia Velho, Avenida Pedroso de Moraes, Avenida Professor Frederico Hermann Junior, Avenida das Nações Unidas, Ponte Eusébio Matoso, Rua Gerivativa, Rua Magalhães de Castro, Rua Desembargador Armando Fairbanks, Avenida Valdemar Ferreira, Praça Jorge de Lima, Avenida Eusébio Matoso, Rua Bento Frias, Rua Henrique da Cunha, Ponte Eusébio Matoso, Avenida das Nações Unidas, Rua Hungria, Avenida das Nações Unidas, Avenida dos Bandeirantes, Rua do Cabo Verde, Avenida Santo Amaro, Avenida Graúna, Rua Pintassilgo, Rua Indiaroba, Avenida Jacutinga, Rua Tuim, Avenida Lavandisca, Rua Inhambu, Avenida Ministro Gabriel de Resende Passos, Rua Canário, Avenida República do Líbano, Avenida IV Centenário, Rua Vasco Crevatin, Rua Diogo Jácome, Rua Balthazar da Veiga, Rua Escobar Ortiz, Rua Afonso Brás, Rua Barra do Peixe, Rua Gararu, Rua Coronel Artur Paula Ferreira, Rua Valois de Castro, Rua Marcos Lopes, Rua Monte Aprazível, Rua Natividade, Avenida Santo Amaro, Rua Tenente Negrão, Rua Dr. Renato Paes de Barros, Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, Rua Leopoldo Couto de Magalhães Junior, Rua Clodomiro Amazonas, Rua Joaquim Floriano, Rua Iguatemi, Avenida Brigadeiro Faria Lima, Avenida Cidade Jardim, até o ponto inicial”. 183 Não obstante ter revogado a Lei nº11.732/1995, a Lei Municipal nº13.769/2004 prescreve em seu art.21 que “as propostas de adesão à Operação Urbana Consorciada Faria Lima, protocoladas anteriormente à data da publicação desta lei serão analisadas de acordo com as disposições da Lei nº11.732/95”. 184 Os objetivos específicos da operação estão agora indicados no art.4º, I a V, da Lei Municipal nº13.769/2004. São eles: “I – criar condições efetivas para que os investidores e proprietários de imóveis beneficiados com a implantação dos melhoramentos mencionados a seguir forneçam os recursos necessários à sua viabilização, sem qualquer ônus para a municipalidade: a) melhoramentos ainda não implantados, constantes do plano aprovado pela Lei nº7.104, de 3 de janeiro de 1968, desde a Avenida Pedroso de Moraes até a confluência da Rua Nova Cidade com a Avenida Hélio Pellegrino; b) melhoramentos ainda não implantados, constantes do plano aprovado pela Lei nº8.126, de 27 de setembro de 1974, e referentes a interligação da Avenida Cidade Jardim com a Avenida dos Bandeirantes; c) melhoramentos referentes a planos de integração e interligação do sistema viário, situados dentro do perímetro da Operação Urbana e constantes de leis em vigor; d) obras, equipamentos públicos e áreas verdes contidos no perímetro da Operação Urbana; II – criar alternativas para que os proprietários de lote parcial ou totalmente atingidos por melhoramentos aprovados possam receber o valor justo de indenização, à vista e previamente e, ainda, para que possam, efetivamente, participar da valorização decorrente da concretização da Operação Urbana; III – melhorar, na área objeto da Operação Urbana, a qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores, inclusive de habitação subnormal, e de usuários, promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e da qualidade ambiental; IV – incentivar o melhor aproveitamento dos imóveis, em particular dos não construídos ou subutilizados; V – ampliar e articular os espaços de uso público, em particular os arborizados e destinados à circulação e bem-estar dos pedestres”. A aplicação exclusiva de recursos privados para a consecução dos objetivos da operação consorciada será objeto de estudo mais aprofundado no capítulo 4.

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Para tanto, a legislação autoriza ao Poder Executivo outorgar, de forma

onerosa, potencial adicional de construção e permitir a alteração dos parâmetros urbanísticos

de uso e ocupação do solo estabelecidos na legislação. Esses benefícios são concedidos

apenas em relação aos lotes localizados no perímetro definido na Lei nº13.769/2004 (art.1º) e

na conformidade dos valores, critérios e condições nela previstos. Os recursos obtidos com a

concessão desses benefícios destinam-se à estatal competente para executar a atividade

urbanística na capital paulista185, que foi autorizada a praticar todos os atos necessários para

realizar a operação. Segundo a Lei nº13.769/2004 (art.15, §3º), a estatal pode conceder aos

interessados a autorização para realizar total ou parcialmente obras e serviços do programa de

investimentos que integra a lei. Trata-se de realizar procedimentos licitatórios para a execução

indireta de obras e serviços públicos por particulares.

Na esteira da Lei Municipal nº11.090/1991 (Operação Urbana Anhangabaú), a

legislação que institui a Operação Urbana Consorciada Faria Lima define o limite máximo

de potencial adicional de construção a ser outorgado para o uso nos lotes da área

beneficiada.186 A fixação desse limite é fundamental para aplicar o instrumento conforme os

princípios jurídicos que regem a função urbanística, especialmente o princípio da reserva de

plano. O potencial adicional de construção não é um bem de propriedade da Administração

Pública a ser alienado pura e simplesmente para a obtenção de recursos privados187. A sua

outorga somente se justifica diante da realização de um plano urbanístico que conclua pela

viabilidade de se construir acima dos parâmetros ordinários previstos na lei de zoneamento

municipal, considerando o aumento da demanda por serviços públicos e por infraestrutura

185 O art.15 da Lei Municipal nº13.769/2004 autorizou a EMURB “a praticar todos os atos necessários à realização da Operação Urbana Faria Lima, em especial o da venda de áreas remanescentes de imóveis desapropriados, contidos no perímetro da Operação, e o da celebração de acordos amigáveis, judicial ou extrajudicialmente, com os proprietários de imóveis necessários à implantação de qualquer melhoramento objetivado nesta lei”. A EMURB foi criada, na forma de empresa pública, pela Lei nº7.670/1971 do Município de São Paulo, e tinha “como objetivo fundamental a execução de programas e obras de desenvolvimento urbano, obedecendo a planos elaborados de acordo com os órgãos próprios da Prefeitura e aprovados previamente pela Câmara Municipal” (art.5º). Em 2009, a Lei Municipal nº15.056 autorizou a cisão da EMURB em duas outras estatais, São Paulo Urbanismo e São Paulo Obras. As atribuições da EMURB que não foram objeto de transferência por ocasião da aprovação dos respectivos estatutos permaneceram com a empresa São Paulo Urbanismo (Lei nº15.056/09, art.3º, §1º). 186 Esse limite está fixado, hoje, pelo art.6º, parágrafo único, da Lei Municipal nº13.769/2004: “o total de potencial adicional de construção, outorgado para utilização nos lotes contidos no interior do perímetro descrito do art.1º, fica limitado a 2.250.000 (dois milhões, duzentos e cinquenta mil) metros quadrados, devendo ser deduzidos todos os metros quadrados de outorga de adicional de construção aprovados até a data de aprovação da presente lei, de acordo com a Tabela 2 do art.8º desta lei”. 187 Nas palavras de Hubert Charles, o argumento segundo o qual o direito de construir acima do limite máximo (na França, tal limite é denominado plafond legal de densité) equivaleria ao confisco do próprio direito pela coletividade, para ser em seguida revendido ao proprietário do solo mediante um preço, é infundado. (CHARLES, Hubert. Les Principes de

l´urbanisme. Paris: Dalloz, 1993, p.9, tradução livre). Não se trata de coletivização da mais-valia do direito de construir, posto que a administração não pode se opor à pretendida revenda, na medida em que não se torna proprietária de um bem público.

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urbana que fatalmente decorrerá do maior adensamento populacional na área188. O aumento

ilimitado do potencial construtivo pode sobrecarregar de forma insuportável, por exemplo, o

sistema viário e de transporte público local, inviabilizando a operação. Daí a necessidade de

impor limite à outorga extraordinária desse potencial.

A principal novidade da Lei Municipal nº11.732/1995, seguida também nesse

particular pela Lei Municipal nº13.769/2004, foi autorizar ao Executivo Municipal a emitir

certificados referentes à outorga de potencial adicional de construção e de alteração dos

parâmetros de uso e ocupação do solo (Lei nº11.732/1995, art.7º e Lei nº13.769/2004, art.7º),

denominados Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPAC)189. O seu detentor

pode convertê-lo em quantidade de metros quadrados de área adicional de construção,

computável na hipótese de aumento de potencial construtivo, e/ou em metros quadrados de

terreno para efeito de benefícios relacionados a usos e parâmetros urbanísticos (Lei

nº13.769/2004, art.7º, §1º), de acordo com a tabela de conversão legal. O detentor do CEPAC

pode também aliená-lo, posto que sua negociação é livre até que seus direitos sejam utilizados

na vinculação a um lote específico, cujo projeto de edificação deve ser aprovado pelos órgãos

da Municipalidade. A emissão de CEPAC pela Administração Municipal é condicionada à

existência de saldo no limite total de metros quadrados de construção, conforme estabelece o

art.7º, §2º, da Lei Municipal nº13.769/2004.

Anos após a sua previsão na lei que criou a Operação Urbana Faria Lima, a

emissão do CEPAC foi regulamentada pelo Estatuto da Cidade (art.34). Trata-se de valor

mobiliário que pode servir como contrapartida do interessado pelo uso do potencial adicional

de construção outorgado pelo Poder Público ou pelo gozo dos benefícios relativos às

alterações dos usos e demais parâmetros urbanísticos. O instrumento vem sendo utilizado nas

operações urbanas consorciadas em andamento no país e será estudado no capítulo 5 desta

pesquisa.

188 Marco Aurélio Greco explica que “se o particular pretende extrair de um imóvel uma utilidade excepcional (construindo acima de um parâmetro) o plus de serviços e infraestrutura gerados por essa ação encontram na ação do particular a causa do seu surgimento e por ele devem ser recompostos”. (GRECO, Marco Aurélio. O solo criado e a questão fundiária. In: Direito

do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. (Coord.) Álvaro Pessoa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p.19). 189 Vê-se que a já revogada Lei Municipal nº11.732/1995 previu a emissão dos CEPAC antes mesmo da edição da Lei nº10.257/2001, que passou a regular a emissão desses certificados em seu art.34.

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3.6.3 Operação Urbana Água Branca (Lei Municipal nº11.774/1995) e sua sucessão pela

Operação Urbana Consorciada Água Branca (Lei Municipal nº15.893/2013)

A Lei nº11.774/1995 (art.1º) do Município de São Paulo, com redação bastante

similar aos textos das leis municipais que criaram as Operações Urbanas Anhangabaú e

Faria Lima, definiu a Operação Urbana Água Branca

como o conjunto integrado de intervenções, coordenadas pelo Executivo através da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB)190, com a participação dos proprietários, moradores e investidores privados, visando alcançar transformações urbanísticas com reduzida participação dos recursos públicos,

Na realidade, a Lei Municipal nº11.774/95 obedeceu à mesma sistemática das

demais leis municipais que aprovaram outras operações urbanas: definição de objetivos e

diretrizes urbanísticas; possibilidade de modificar os índices urbanísticos e as normas edilícias

mediante o pagamento de contrapartidas; cessão onerosa do espaço público aéreo ou

subterrâneo; possibilidade de regularizar construções, reformas ou ampliações executadas em

desacordo com a legislação vigente, também mediante contrapartida, conforme proposta

apresentada pelo interessado em participar da ação conjunta e submissão da proposta a órgão

municipal. Também foi fixado o estoque máximo de potencial adicional de construção a ser

outorgado pela Administração.

A Lei Municipal nº11.774/1995, no entanto, foi revogada pela Lei Municipal

nº15.893/2013, que aprovou a Operação Urbana Consorciada Água Branca191

,

transformando a Operação Urbana Água Branca em operação consorciada e adaptando a

ação urbanística à Lei Federal nº10.257/2001.

O perímetro da Operação Urbana Água Branca foi incluído na área objeto da

operação consorciada. Houve uma grande expansão dos limites geográficos da ação conjunta,

agora definidos na Lei Municipal nº15.893/2013 (art.2º).

Os objetivos da Operação Urbana Consorciada Água Branca, expressos na

Lei nº15.893/2013 (art.6º), foram ampliados em relação aos indicados na Lei nº11.774/1995.

Dentre eles, destacam-se o incremento das atividades econômicas, o adensamento

190 Conforme já ressaltado, a Lei Municipal nº15.056/2009 autorizou a cisão da EMURB em duas outras estatais, São Paulo

Urbanismo e São Paulo Obras. As atribuições da EMURB que não foram objeto de transferência por ocasião da aprovação dos respectivos estatutos permaneceram com a empresa São Paulo Urbanismo. 191 Apesar da revogação, o art.70 da Lei nº15.893/2013 determina que “os processos de adesão à Operação Urbana Água Branca protocolados até a data de publicação desta lei serão analisados e decididos, em todos os seus termos, de acordo com os procedimentos e disposições constantes da legislação sob a qual se constituíram”. Vê-se, portanto, que a Lei Municipal nº11.774/95 continua produzindo efeitos em relação aos processos de licenciamento iniciados sob a sua vigência, que levam em consideração os parâmetros urbanísticos nela definidos.

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populacional na área, o aumento da quantidade de áreas verdes, a melhoria das condições de

acesso e mobilidade e de habitabilidade das moradias subnormais, a solução dos problemas de

inundações e a construção de unidades habitacionais de interesse social.192

Assim como as demais leis municipais que instituíram as operações urbanas, a

Lei Municipal nº15.893/2013 prescreveu diretrizes próprias para a Operação Urbana

Consorciada Água Branca (art.7º), definiu um programa de intervenções (art.9º)193 e aprovou

um Plano de Melhoramentos Públicos, incluindo os melhoramentos viários e as áreas verdes

e institucionais descritos no mapa anexo à lei (art.10).

192 Art.6º. “A Operação Urbana Consorciada Água Branca tem os seguintes objetivos: I – promover a adequação do conjunto de infraestruturas necessárias para dar suporte ao adensamento populacional proposto e ao desenvolvimento econômico e aumento de empregos na região; II – promover o incremento das atividades econômicas e o adensamento populacional, com diferentes faixas de renda e composições familiares; III – promover a reconfiguração do território de forma adequada às características físicas, topográficas e geomorfológicas do sítio; IV – aumentar a quantidade de áreas verdes e os equipamentos públicos, melhorando a qualidade, o dinamismo e a vitalidade dos espaços públicos; V – melhorar as condições de acesso e mobilidade da região, especialmente por meio de transportes coletivos, por meio de corredores de ônibus e transportes não motorizados, e oferecer conforto, acessibilidade universal e segurança para pedestres e ciclistas; VI – promover a reinserção urbanística e a reconfiguração urbanística e paisagística das várzeas e áreas de proteção permanente dos cursos d`água existentes; VII – solucionar os problemas de inundações em seu perímetro com a implantação de reservatórios para contenção de cheias, dispositivos de drenagem e capacitação da permeabilidade do solo, entre outras; VIII – promover a melhoria das condições de habitabilidade e salubridade das moradias subnormais do perímetro da Operação Urbana Consorciada e em seu perímetro expandido; IX – produzir unidades habitacionais de interesse social, promover regularização fundiária e obras de reurbanização para o atendimento da demanda habitacional de interesse social existente no perímetro da Operação Urbana Consorciada e em seu perímetro expandido”. 193 Art.9º. “O programa de intervenções da Operação Urbana Consorciada Água Branca compreende: I – aquisição de terras e produção de Habitações de Interesse Social no perímetro da Operação Urbana Consorciada e em seu perímetro expandido, sendo prioritário o reassentamento das famílias atingidas pelas obras previstas no programa de intervenções no perímetro da Operação Urbana Consorciada, atendendo até 5.000 (cinco mil) famílias; II – reurbanização de favelas no perímetro da Operação Urbana Consorciada e em seu perímetro expandido, observado o limite mínimo estabelecido no "caput" do art.12 desta lei, conforme Quadro IC, anexo a esta lei; III – implantação de equipamentos sociais e urbanos necessários ao adensamento da região, sendo no mínimo 10 (dez) centros de educação infantil, 2 (duas) escolas municipais de educação infantil, 4 (quatro) escolas municipais de ensino fundamental, 1 (uma) escola de ensino médio, 2 (duas) unidades básicas de saúde e 1 (uma) unidade básica de saúde com assistência médica ambulatorial, conforme Quadro IB, anexo a esta lei; IV – execução de melhoramentos públicos, sinalização de vias, enterramentos de redes e outros dispositivos estabelecidos no Mapa IV e melhoramentos viários descritos no Quadro IA e IB, anexos a esta lei; V – execução de obras de drenagem nas bacias hidrográficas dos córregos existentes, tais como reservatórios contra cheias, sistemas de bombeamentos e dispositivos diversos, na área da Operação Urbana Consorciada; VI – ampliação e melhoria do sistema de transporte coletivo, preferencialmente por modos não poluentes e por meio de corredores de ônibus ou outros modais; VII – levantamento do patrimônio cultural no perímetro da Operação Urbana Consorciada, incluindo os bens de natureza material e imaterial; VIII – interligação de corredor viário da Zona Noroeste da cidade com os corredores existentes na área da Operação, incluindo a infraestrutura para transporte coletivo e melhoramentos necessários, via corredor exclusivo para ônibus ou outros modais; IX – implementação dos programas, ações e demais exigências impostas no licenciamento ambiental da Operação Urbana Consorciada e de seu programa de intervenções, inclusive a elaboração de plano de educação ambiental destinado à sensibilização da coletividade quanto às questões ambientais, sua organização e participação na defesa do meio ambiente, excetuadas as medidas de mitigação e de remediação de passivos ambientais de áreas particulares; X – obras de transposições em desnível das ferrovias existentes, para meios não motorizados, exceções feitas aos equipamentos motorizados de utilização por pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida; XI – execução de alças de acesso da Avenida Presidente Castelo Branco à Ponte Júlio de Mesquita Neto ao sul do Rio Tietê e alça de acesso da Avenida Otaviano Alves de Lima à ponte citada e conexão com a Avenida José Papaterra Limongi. §1º Consideram-se compreendidos nas intervenções descritas neste artigo as desapropriações, os estudos, gerenciamentos e projetos necessários às finalidades definidas nesta lei. §2º A implementação do programa de intervenções estará sujeita ao licenciamento ambiental ou ao estudo de impacto de vizinhança e ao licenciamento pelos órgãos de preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental, quando exigido pela legislação específica e demais normas complementares. §3º As medidas de mitigação e remediação de passivos ambientais dos terrenos públicos municipais poderão ocorrer com recursos da Operação Urbana Consorciada”.

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A Lei Municipal nº15.893/2013 (art.8º)194 prevê ainda um programa de

intervenções a ser realizado com recursos obtidos no âmbito da Operação Urbana Água

Branca, criada pela revogada Lei nº11.774/95. E, no mesmo art.8º (§2º), prescreve que caso

os recursos arrecadados sob a vigência da Lei nº11.774/95 não sejam suficientes para executar

completamente o programa de intervenções, este deverá ser concluído com recursos

provenientes da aplicação da Lei nº15.893/2013. Dessa forma, a Lei nº15.893/2013 busca

garantir que os melhoramentos previstos no plano da Operação Urbana Água Branca

(antecessora) tenham sua conclusão garantida pela Operação Urbana Consorciada Água

Branca (sucessora). Nesse sentido, a Lei nº15.893/2013 (art.11) preceitua que todos os

recursos arrecadados em função desta lei sejam destinados à conclusão das ações e programas

tanto da Operação Urbana Água Branca quanto da Operação Urbana Consorciada Água

Branca.195 Assim, a sucessão de uma operação pela outra não deve resultar em abandono das

metas traçadas pela lei anterior.

No mais, a Lei Municipal nº15.893/2013 prevê o uso dos mesmos instrumentos

urbanísticos empregados pelas outras leis que instituem operações urbanas no Brasil:

alteração dos parâmetros urbanísticos previstos pelo plano diretor (art.14); incentivos para a

participação do setor privado na operação (art.25); autorização para a outorga de potencial

adicional de construção para os lotes situados no perímetro da operação (art.38)196; emissão

de CEPAC (art.40); pagamento pelo uso do potencial adicional de construção exclusivamente

por meio de CEPAC (art.43); criação de grupo de gestão, coordenado pela Administração

Municipal e integrado por entidades representativas da sociedade civil (art.61).

194 Art.8º. “O programa de intervenções a ser realizado com os recursos no âmbito da Operação Urbana Água Branca instituída pela Lei nº11.774, de 18 de maio de 1995, deverá compreender, na seguinte ordem de prioridade: I – obras de drenagem dos Córregos Água Preta e Sumaré; II – construção de, no mínimo, 630 (seiscentas e trinta) unidades habitacionais de interesse social, dentro do perímetro da Operação Urbana Consorciada, com atendimento preferencial dos moradores das Favelas Aldeinha e do Sapo, incluindo a aquisição de terras para esta produção; III – prolongamento da Avenida Auro Soares de Moura Andrade até a Rua Santa Marina, conexões do referido prolongamento com a Rua Guaicurus, abertura de novas ligações entre as Avenidas Francisco Matarazzo e Auro Soares de Moura Andrade, além de melhoramentos urbanísticos e novas conexões entre a Avenida Francisco Matarazzo e a Rua Tagipuru, demarcados no Mapa IV, Plano de Melhoramentos Públicos; IV – reforma e requalificação do Conjunto Habitacional Água Branca, do Conjunto PROVER Água Branca, do conjunto FUNAPS Água Branca e do conjunto Vila Dignidade, demarcados no Mapa IV, Plano de Melhoramentos Públicos, incluídos os equipamentos públicos necessários; V – extensão da Avenida Pompeia até Avenida Auro de Moura Andrade”. 195 A prescrição segue o art.33, §1º, do Estatuto da Cidade, segundo o qual todos os recursos arrecadados devem ser aplicados no âmbito da própria operação consorciada. O dispositivo da lei federal será objeto de estudo no capítulo 4. 196 O art.39 desta lei limita o estoque máximo de potencial adicional de construção residencial a 1.350.000m2 e o estoque máximo de potencial adicional de construção não residencial a 500.000m2, totalizando 1.850.000m2 (um milhão, oitocentos e cinquenta mil metros quadrados).

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3.6.4 Operação Urbana Centro (Lei Municipal nº12.349/1997)

A redação da Lei nº12.349/1997 do Município de São Paulo, que criou a

Operação Urbana Centro, seguiu a mesma estrutura dos diplomas municipais anteriores.

O seu art.1º, parágrafo único, define o perímetro de abrangência da operação; o

art.2º197 indica seus objetivos e suas diretrizes específicas e o art.3º prescreve incentivos à

instalação de particulares e empresas na área central da cidade.

Dentre as medidas de estímulo deste último dispositivo,198 destacam-se:

a fixação do coeficiente de aproveitamento máximo equivalente a 6 (seis) para construções com fins residenciais, (art.3º, I, alínea a), com dispensa de reserva de espaço para estacionamento de veículos (art.3º, I, alínea b); a permissão para construção de edifícios de uso misto residencial e estacionamento, desde que garantidos acessos independentes, até o limite de coeficiente de aproveitamento igual a 6 (seis) (art.3º, II); a fixação do coeficiente de aproveitamento igual a 6 (seis) para instalação de hotéis de turismo (art.3º, III); a dispensa do cômputo para efeito do cálculo do coeficiente de aproveitamento das áreas dos imóveis destinadas a equipamentos culturais (cinemas, teatros, salas de espetáculos, auditórios para convenções, museus) e educacionais (creches) (art.3º, IV); a dispensa do cômputo para efeito de cálculo de coeficiente de aproveitamento das áreas de pavimentos destinadas à fruição pública, com a circulação de pedestres (art.3º, V); a permissão

197 Art.2º. “A Operação Urbana Centro tem por objetivos específicos: I – implementar obras de melhoria urbana na área delimitada pelo perímetro da Operação Urbana Centro; II – melhorar, na área objeto da Operação Urbana Centro, a qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores e usuários permanentes, promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e da sua qualidade ambiental; III – incentivar o aproveitamento adequado dos imóveis, considerada a infraestrutura instalada; IV – incentivar a preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental urbano; V – ampliar e articular os espaços de uso público; VI – iniciar um processo de melhoria das condições urbanas e da qualidade de vida da área central da cidade, especialmente dos moradores de habitações subnormais; VII – reforçar a diversificação de usos na área central da cidade, incentivando o uso habitacional e atividades culturais e de lazer; VIII – melhorar as condições de acessibilidade à área central da cidade; IX – incentivar a vitalidade cultural e a animação da área central da cidade; X – incentivar a localização de órgãos da administração pública dos três níveis de governo na área central da cidade”. 198 Art.3º. “Na área objeto da Operação Urbana Centro, além das disposições de caráter geral da legislação de parcelamento,

uso e ocupação do solo, aplicam-se às seguintes disposições específicas: I – Para o uso residencial (categoria de uso R2.02): a) coeficiente de aproveitamento máximo igual a 6 (seis); b) dispensa de reserva de espaço para estacionamento de veículos; c) na hipótese de opção pela construção de estacionamento para veículos, a área destinada a esta finalidade não será computada para efeito de cálculo de coeficiente de aproveitamento até o limite máximo igual a 6 (seis). II – Será admitida a construção de edifícios de uso misto-residencial e estacionamento (categorias de uso R2.02 e S2.9) – desde que garantidos acessos independentes, até os seguintes limites: – R2.02 – coeficiente de aproveitamento máximo igual a 6 (seis); – S2.9 – coeficiente de aproveitamento máximo igual a 6 (seis). III – Para os hotéis de turismo (categoria de uso S2.5) – inclusive os existentes anteriormente à publicação desta Lei – as disposições da Lei nº8.006, de 8 de janeiro de 1974, referentes à zona de uso Z5, observando o coeficiente de aproveitamento máximo destinado a instalações hoteleiras igual a 6 (seis), mais 2 (dois) para serviços e 4 (quatro) destinado exclusivamente à garagem; IV – Não serão computadas para efeito do cálculo do coeficiente de aproveitamento e dispensadas também das exigências de estacionamento, mesmo que conjugadas a outras categorias de uso, as áreas destinadas a: – Salões de Festas; Cinemas; – Teatros e Anfiteatros; – Salas de Espetáculos; – Auditórios para Convenções, Congressos e Conferências; – Museus; – Creches; – Educação e Cultura em geral. V – As áreas de pavimentos destinadas à fruição pública como circulação de pedestres, localizadas no pavimento térreo ou em pavimentos correspondentes à soleira de ingresso da edificação no nível dos logradouros públicos, não serão computadas para efeito de cálculo de coeficiente de aproveitamento; VI – Os empreendimentos formados pelo remembramento de 3 (três) ou mais lotes já existentes anteriormente à promulgação da presente Lei e que atinjam o mínimo de 1.000m2 (mil metros quadrados), terão direito a uma área construída adicional autorizada, livre de contrapartida, correspondente a 10% (dez por cento) da área do terreno resultante por lote remembrado até o limite máximo de 100% (cem por cento). §1º Os projetos que se beneficiarem do disposto neste artigo serão analisados diretamente pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB) ou pela Secretaria das Administrações Regionais (SAR), conforme a competência. §2º As Secretarias citadas no parágrafo anterior darão conhecimento do pedido à Comissão referida no art.17 desta Lei, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados a partir da data do seu protocolamento”.

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para a construção, livre de contrapartida, de área adicional correspondente a 10% (dez por cento) da área do terreno resultante do remembramento de 3 (três) ou mais lotes já existentes na data de promulgação da Lei, que atinjam o mínimo de 1.000m2 (art.3º, VI).

Trata-se de medidas típicas da atividade de fomento199 da Administração

Pública, voltadas para promover a revitalização econômica da região central da cidade.

Busca-se, assim, estimular a construção de habitações na área, que é dotada da infraestrutura

necessária para absorver o aumento de densidade populacional.

De outra parte, o art. 4º da lei municipal, nos moldes dos outros diplomas que

criam operações urbanas, prevê que, mediante contrapartida financeira, os proprietários de

imóveis situados no perímetro da Operação Urbana Centro poderão apresentar propostas

relativas a:

I - modificações de índices urbanísticos, de características de uso e ocupação do solo, e de disposições do Código de Obras e Edificações; II - transferência do potencial construtivo de imóveis preservados; III - regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente e concluídas até a data de publicação desta Lei; IV - cessão onerosa do espaço público aéreo ou subterrâneo, resguardado o interesse público.

Note-se que as modificações referentes às disposições do Código de Obras e

Edificações200 não poderão incorrer em prejuízo das condições de estabilidade, segurança e

salubridade das edificações e equipamentos (art. 4º, §2º).

199 Explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o “fomento abrange a atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública”. Para a autora, são atividades típicas de fomento: as subvenções por conta de orçamentos públicos; o financiamento, sob condições especiais, para a construção de hotéis e outras obras ligadas ao desenvolvimento do turismo, para o funcionamento de indústrias relacionadas com a construção civil; os favores fiscais (reduções de alíquotas, isenções etc.) que estimulem atividades consideradas benéficas ao progresso material do país; as desapropriações em favor de entidades privadas sem fins lucrativos, que realizem atividades úteis para a coletividade, como os clubes desportivos e as instituições beneficentes. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.50). É possível incluir nesse rol o aumento dos índices legais de edificação e as alterações de uso dos imóveis localizados em determinada área da cidade, visando ao desenvolvimento econômico e à densificação construtiva e populacional dessa região. Sobre a atividade de fomento em matéria urbanística, Jacqueline Morand-Deviller ensina que o Poder Público pode preferir incitar a iniciativa privada ou organismos estatais e paraestatais autônomos (établissements publics ou sociedades de economia mista) a promover o ordenamento urbanístico, ao invés de realizá-lo diretamente. Cita como exemplos de medidas de incitação: concessão de auxílios financeiros para a aquisição de imóveis; empréstimos com juros subsidiados; empréstimos para a melhoria de habitações destinadas à locação (MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Droit de l´urbanisme. 3.ed.Paris: Éditions Dalloz, 1996, p.6, tradução livre). Fernando Alves Correia utiliza o termo técnicas atrativas para designar essas medidas de incitação previstas no ordenamento do território português. Para o autor, a finalidade dessas “técnicas atrativas é estimular os empresários a implantar as suas indústrias em certas regiões, sobretudo nas menos

desenvolvidas”. Traduzem-se “quer no fornecimento pela Administração das “estruturas de acolhimento” (equipamentos,

grandes obras, redes de comunicação), quer na outorga de subvenções, prêmios, empréstimos em condições favoráveis e benefícios fiscais”. (CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. 3.ed. v.I. Coimbra: Livraria Almedina, 2006, p.77). 200 Lei nº 11.228/1992 do Município de São Paulo, que dispõe sobre as regras gerais e específicas a serem obedecidas no projeto, licenciamento, execução, manutenção e utilização de obras e edificações, dentro dos limites dos imóveis.

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As solicitações do art.4º serão, então, concedidas mediante contrapartida

financeira “para a execução de obras de melhoria urbana na área delimitada pelo perímetro da

Operação Urbana Centro”, após a análise urbanística quanto ao impacto da implantação do

empreendimento no sistema viário e na infraestrutura urbana instalada, ao uso e a ocupação

do solo na vizinhança, à valorização arquitetônica e ambiental dos imóveis a preservar e à

articulação e encadeamento dos espaços públicos e dos espaços particulares de uso coletivo

(art.5º).

Na esteira das Leis Municipais nº11.090/1991 e nº11.774/1995, a Lei

Municipal nº12.349/1997 permite transferir potencial construtivo de áreas de uso comum do

povo doadas ao Município e de imóveis tombados para outros imóveis localizados dentro ou

fora do perímetro da Operação Urbana Centro201, observados os parâmetros legais (arts.6º e

7º).

De forma análoga aos outros diplomas municipais que criaram as operações

urbanas, as propostas de modificação dos índices urbanísticos e das características de uso e

ocupação do solo, de transferência de potencial construtivo de imóveis preservados e

destinados ao uso comum do povo, de regularização de construções e reformas executadas em

desacordo com a lei e de cessão onerosa de espaço público devem ser submetidas à aprovação

do órgão responsável (art.8º)202. A contrapartida financeira a ser paga em função dos

benefícios concedidos será fixada pelo mesmo órgão municipal, atendendo aos parâmetros do

art.10.203 Na hipótese de solicitações referentes ao aumento de potencial construtivo, inclusive

201 Raquel Rolnik aborda alguns problemas que atrapalham a plena utilização do instituto da transferência do potencial construtivo para fim de preservação de imóveis de valor histórico e cultural. O primeiro deles está relacionado ao fato de que a maior parte dos edifícios a serem preservados está no centro histórico das cidades, onde não há disponibilidade de transferências, posto que, no mais das vezes, o coeficiente de aproveitamento real já é superior ao permitido pela legislação. De outra parte, muitas vezes o custo de manutenção dos imóveis pode até ultrapassar as perdas impostas pelo impedimento da plena utilização do potencial construtivo atribuído pela legislação vigente. Há, ainda, casos em que há disponibilidade de transferência, mas o imóvel receptor está limitado a coeficiente máximo, muitas vezes já alcançado. Por último, em geral, o mercado acaba por preferir a compra do solo criado, que possibilita alterações de uso e não apenas aumento de potencial construtivo, e é vendido declaradamente abaixo do seu valor de mercado, justamente para atrair os investidores. A solução proposta pela autora “seria a promoção de uma associação entre os dois instrumentos, introduzindo a preservação como uma

das destinações da contrapartida do solo criado”. (ROLNIK, Raquel. Outorga onerosa e transferência do direito de construir. In: OSORIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.212-213). 202 Atualmente, o órgão competente em matéria urbanística é a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU –, que foi reestruturada pela Lei Municipal nº15.764/2013. Nos termos do art. 9º da Lei que cria a Operação Urbana Centro, o órgão competente “expedirá certidão declarando a modificação dos índices urbanísticos e das características de uso e

ocupação do solo, bem como a existência de qualquer outro benefício, devendo essa certidão ser apresentada juntamente com o pedido de aprovação do projeto, de acordo com as modificações aprovadas”. 203 Art.10. “A contrapartida financeira, mencionada nos arts.4º e 5º e nos §§6º e 7º do art.15 desta Lei, não poderá ser inferior

a: I – 100% (cem por cento) do valor econômico atribuído ao benefício concedido, no caso de regularização de construções, reformas ou ampliações, citado no art.4º, inciso III desta Lei; II – 50% (cinqüenta por cento) do valor econômico atribuído ao benefício concedido, nos demais casos. §1º Os valores econômicos citados neste artigo terão como base de cálculos os valores de mercado de terreno e serão definidos a partir de avaliações feitas por avaliadores independentes que serão referendadas pela Comissão Normativa de Legislação Urbanística (CNLU). §2º Na hipótese de solicitações referentes a aumento de potencial construtivo, inclusive nos casos de regularização, calcula-se o valor do benefício concedido como

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nos casos de regularização, o valor do benefício concedido equivale ao valor da área

excedente à permitida pela legislação de uso e ocupação do solo vigente (art.10, §2º). Porém,

nos demais casos, o valor do benefício concedido será estabelecido pela secretaria

competente, a partir da análise de órgão colegiado criado conforme o art.17 do mesmo

diploma.204

O problema aqui é o mesmo da redação dos demais diplomas que criam

operações urbanas. Fixar valor de contrapartida por órgão colegiado – ainda que de

composição mista (Poder Público e entidades da sociedade civil) – pode significar tratamento

não isonômico entre os interessados em obter os benefícios urbanísticos previstos na lei

municipal. Trata-se de matéria que deveria contar com parâmetros legais seguros para que o

investidor saiba de antemão os valores das contrapartidas a serem prestadas para alcançar os

benefícios. Ademais, a ausência destes parâmetros vai de encontro ao princípio da reserva do

plano, segundo o qual o ordenamento do espaço urbano deve ser disciplinado,

invariavelmente, por um plano urbanístico (art.182, §1º, da Constituição Federal).

Ainda, cabe ressaltar o art. 11 da Lei, segundo o qual os recursos auferidos

com a concessão dos benefícios urbanísticos serão administrados pela EMURB205, em conta

vinculada à Operação Urbana Centro. O §1º do dispositivo prescreve que estes recursos

serão aplicados em obras de melhoria urbana, na recuperação e reciclagem de próprios públicos em geral, no pagamento de desapropriações realizadas no perímetro da Operação Urbana Centro, na restauração de imóveis tombados condicionada a posterior ressarcimento e em eventos de divulgação e promoção da Operação Urbana Centro.

O artigo deve ser lido em conjunto com o art.5º, que prevê serem as

contrapartidas financeiras destinadas a executar obras de melhoria urbana no perímetro da

operação. Da mesma forma, a Lei nº10.257/2001 (art.33, §1º) determina que os recursos

sendo o valor da área de terreno necessária para construir a área excedente àquela permitida pela legislação de uso e ocupação do solo vigente e por esta Lei. § 3º Nos demais casos o valor do benefício concedido será estabelecido pela Comissão Normativa de Legislação Urbanística (CNLU), a partir de estudos e propostas da Comissão referida no art.17 desta Lei”. 204 Art.17. “Fica constituída a Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, composta por representantes da: Empresa Municipal de Urbanização (EMURB); 2 – Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano (SEHAB); 3 – Secretaria Municipal de Cultura (SMC); 4 – Secretaria Municipal do Planejamento (SEMPLA), e ainda da: 5 – Câmara Municipal de São Paulo; 6 – Associação Comercial de São Paulo; 7 – Associação dos Bancos no Estado de São Paulo (ASSOBESP); 8 – Associação Viva o Centro Sociedade Pró-Revalorização do Centro de São Paulo; 9 – Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos; 10 – Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo (IAB/SP); 11 – Instituto de Engenharia de São Paulo (IE); 12 – Movimento Defenda São Paulo; 13 – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de São Paulo (SECOVI); 14 – Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, sob a coordenação da primeira nomeada”. 205 Em 2009, a Lei Municipal nº15.056 autorizou a cisão da EMURB em duas outras estatais, São Paulo Urbanismo e São

Paulo Obras. As atribuições da EMURB que não foram objeto de transferência por ocasião da aprovação dos respectivos estatutos permaneceram com a empresa São Paulo Urbanismo.

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obtidos pelo Poder Público pela concessão dos benefícios urbanísticos serão aplicados

exclusivamente na área objeto da operação urbana consorciada.

Destaca-se, por fim, o art. 18 da Lei Municipal, ao determinar que “os direitos,

processos e obras em andamento referentes à Operação Urbana do Anhangabaú, aprovada

pela Lei nº11.090, de 16 de setembro de 1991, ficam transferidos, sem solução de

continuidade, para a Operação Urbana Centro”. Como as duas operações referem-se à área

central da cidade, optou-se pela absorção da primeira pela mais recente.

As operações urbanas, tal como criadas pelas leis municipais acima indicadas,

acabaram fundamentando um modelo de ação concertada usado atualmente em grandes

cidades brasileiras, denominado pelo Estatuto da Cidade de Operação Urbana Consorciada.

Todavia, há diferenças substanciais entre os dois modelos, que ficarão mais evidentes quando

do estudo específico sobre o instrumento previsto na Lei nº10.257/2001 (arts.32 a 34).

3.7 Concessão urbanística – Leis nº14.917/2009 e nº14.918/2009 do Município de São

Paulo

Outro instrumento jurídico de urbanismo concertado criado no âmbito do

Município de São Paulo é a concessão urbanística, prevista pelo Plano Diretor Municipal (Lei

nº13.430/2002, art.239) e pelas Leis Municipais nº14.917/09 e nº14.918/09.

O estudo desse instrumento justifica-se pelo seu ineditismo no sistema jurídico

pátrio, e pela intenção de estabelecer um comparativo entre esse instituto e a operação urbana

consorciada. Apesar da diferença fundamental entre ambos, os dois são instrumentos jurídicos

do urbanismo operacional concertado, posto que sua aplicação pressupõe a participação da

iniciativa privada no processo de organização do espaço urbano.

Não obstante a concessão para organizar o espaço urbano ser prevista há muito

na legislação internacional, apenas mais recentemente passa a ser conhecida no Brasil. O

Direito Brasileiro conhecia até então outras formas de concessão: a concessão de serviço

público e a concessão de serviço público precedida de obra pública206 (Lei Federal

nº8.987/95); a concessão patrocinada e a concessão administrativa (Lei Federal

nº11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-

privada); e as concessões de bens públicos, como a concessão de direito real de uso (Decreto-

206 Há autores, como Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que preferem utilizar a denominação concessão de obra pública. Para a autora, “embora a Lei nº8.987 fale em concessão de serviço público precedida da execução de obra pública (art.2º, III)”, é

preferível a utilização da denominação tradicional do instituto, “porque nem sempre existe a prestação de serviço público no

contrato de concessão de obra pública”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.130).

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Lei nº271/1967, art.7º) e a concessão de direito real de uso para fins de moradia (Medida

Provisória nº2.220/2001), dentre outras previstas em legislação esparsa.207 Mas não havia

fundamento legal que permitisse ao Município realizar a concessão urbanística em seu

território208, justamente porque esse tipo de concessão não se encaixa em nenhum dos

modelos de delegação até então existentes.

Todavia, em países como a Espanha, por exemplo, a concessão urbanística é

utilizada desde o século XIX. Nesse sentido, ensina Ramón Parada que a Ley de

Expropriación de 1879, além de regular a gestão direta das obras urbanísticas pelo Município,

previa a gestão indireta da atividade urbanística por qualquer particular ou companhia que

solicitasse a concessão das obras, com a apresentação do projeto correspondente. Após o

procedimento licitatório, o adjudicatário da concessão pagava ao Poder Público o preço pela

outorga da concessão209 e se sub-rogava nos direitos e obrigações do Município, obrigando-se

a indenizar as desapropriações, levar a cabo as demolições, estabelecer os serviços públicos

de todas as classes e regularizar os lotes resultantes da operação. Em compensação, ao

concessionário era atribuída a propriedade dos terrenos não destinados ao uso público. O

delegatário era obrigado a edificar nesses terrenos em um prazo pré-fixado, por si mesmo ou

por seus compradores, sob pena de perder a propriedade sem pagamento de indenização pelo

Município.210

No Direito francês, há previsão expressa (art.L300-4 do Código de Urbanismo

Francês) quanto à possibilidade de conceder a execução das ações de ordenamento urbanístico

(concessions d'aménagement), o que ocorre mediante procedimento licitatório que garanta a

pluralidade de concorrentes, nas condições previstas em decreto do Conselho de Estado

francês. O concessionário assume o gerenciamento das obras e dos equipamentos para realizar

a operação, assim como os estudos necessários à sua execução. Pode ser-lhe atribuída a

obrigação de adquirir os bens imóveis necessários à ação de (re)ordenamento urbanístico, o

que pode ser feito por meio da desapropriação ou do exercício do direito de preempção. 207 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.66. 208 O Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei nº13.430/2002) previu a existência da concessão urbanística em seu art.239. Mas trata-se de previsão por demais genérica, a demandar lei específica para a sua concretização. A aplicação do instrumento só foi possível a partir da edição das leis municipais que serão objeto de análise a seguir. 209 O pagamento pela outorga da concessão é instrumento previsto no direito pátrio (Lei Federal nº8.987/95, art.15, VII). 210 PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.308. Ainda sobre a concessão urbanística prevista no direito espanhol, Antonio Carceller Fernandez, ao comentar dispositivos da Ley Del Suelo, explica que o Poder Público tem a faculdade de conceder a execução das obras de urbanização ao particular, que se sub-roga nas faculdades de gestão de que a Administração é titular, inclusive no poder de desapropriar. Para o autor, a concessão permite que a realização da obra pública urbanizadora seja financiada pela iniciativa privada e limita a atividade da Administração ao controle da sua execução, sob um regime de supremacia especial decorrente do contrato de concessão firmado com o particular. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de Derecho Urbanistico. 2 ed. Madrid: Montecorvo, 1981, p.262, tradução livre).

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Concluída a operação, o concessionário poderá vender, locar ou conceder os bens imóveis

situados naquele perímetro.211 A disciplina do instituto na França é bem similar à definida

pela Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo.

3.7.1 A previsão no Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei Municipal

nº13.430/2002)

O Plano Diretor do Município de São Paulo212 (art.239) autoriza o Poder

Executivo a delegar, mediante procedimento licitatório, à empresa ou a conjunto de empresas

reunidas em consórcio, a execução de obras de urbanização ou de reurbanização de

determinada região da cidade, “inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e

incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor

Estratégico”. Em outras palavras, a lei permite ao Poder Público Municipal conceder ao

particular a execução das obras de urbanização ou de readequação urbanística de determinada

área da cidade.213 O Município continua sendo o titular da função urbanística, mas delega a

sua execução à iniciativa privada, a fim de suprir a carência de recursos públicos e de evitar

que a valorização imobiliária decorrente da atividade urbanística seja provocada

exclusivamente pela aplicação de recursos do erário, o que iria de encontro ao princípio da

justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização (Lei nº10.257/2001,

211 Code de l´Urbanisme, L300-4: “L'Etat et les collectivités territoriales, ainsi que leurs établissements publics, peuvent concéder la réalisation des opérations d'aménagement prévues par le présent code à toute personne y ayant vocation. L'attribution des concessions d'aménagement est soumise par le concédant à une procédure de publicité permettant la présentation de plusieurs offres concurrentes, dans des conditions prévues par décret en Conseil d'Etat. Le concessionnaire assure la maîtrise d'ouvrage des travaux et équipements concourant à l'opération prévus dans la concession, ainsi que la réalisation des études et de toutes missions nécessaires à leur exécution. Il peut être chargé par le concédant d'acquérir des biens nécessaires à la réalisation de l'opération, y compris, le cas échéant, par la voie d'expropriation ou de préemption. Il procède à la vente, à la location ou à la concession des biens immobiliers situés à l'intérieur du périmètre de la concession”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 10 jan. 2014. Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet ressaltam a natureza de contrato administrativo da concessão de ordenamento urbano (concessions d'aménagement), tendo em vista que o concessionário age em nome do Poder Público (AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit

de l´urbanisme et de la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.271, tradução livre). 212 Lei nº13.430/2002 do Município de São Paulo, art.239. “O Poder Executivo fica autorizado a delegar, mediante licitação, à empresa, isoladamente, ou a conjunto de empresas, em consórcio, a realização de obras de urbanização ou de reurbanização de região da Cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor Estratégico. §1º – A empresa concessionária obterá sua remuneração mediante exploração, por sua conta e risco, dos terrenos e edificações destinados a usos privados que resultarem da obra realizada, e da renda derivada da exploração de espaços públicos, nos termos que forem fixados no respectivo edital de licitação e contrato de concessão urbanística. §2º – A empresa concessionária ficará responsável pelo pagamento, por sua conta e risco, das indenizações devidas em decorrência das desapropriações e pela aquisição dos imóveis que forem necessários à realização das obras concedidas, inclusive o pagamento do preço de imóvel no exercício do direito de preempção pela Prefeitura ou o recebimento de imóveis que forem doados por seus proprietários para viabilização financeira do seu aproveitamento, nos termos do art.46 da Lei Federal nº10.257, de 10 de julho de 2001, cabendo-lhe também a elaboração dos respectivos projetos básico e executivo, o gerenciamento e a execução das obras objeto da concessão urbanística. §3º – A concessão urbanística a que se refere este artigo reger-se-á pelas disposições da Lei Federal nº8.987, de 13 de fevereiro de 1995, com as modificações que lhe foram introduzidas posteriormente, e, no que couber, pelo art. 32 da Lei Estadual nº7.835, de 08 de maio de 1992”. 213 Nas palavras de Antonio Carceller Fernandez, trata-se de “concessão da obra pública urbanizadora”. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de Derecho Urbanistico. 2 ed. Madrid: Montecorvo, 1981, p.262, tradução livre).

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art.2º, IX). Outrossim, a delegação está em consonância com o princípio que prevê a

cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no

processo de urbanização, em atendimento ao interesse social (Lei nº10.257/2001, art.2º, III).

Vê-se que os princípios jurídicos que fundamentam o instituto da concessão urbanística são os

mesmos que servem como base para a aplicação da operação urbana consorciada.

Trata-se de uma opção do Município: ao invés de realizar as obras públicas

urbanizadoras por meio de um contrato administrativo regido pela Lei nº8.666/93 (por

exemplo, por meio de uma contratação de obra urbanística na forma de empreitada integral ou

por preço global), com recursos exclusivamente orçamentários, decide pela outorga de

concessão dessas mesmas obras. O contrato de concessão também é um contrato

administrativo, mas a remuneração do concessionário, em regra, advém da própria exploração

do serviço ou obra concedida.214 Dessa forma, o Município não arca sozinho com os gastos de

uma operação desse porte, não obstante ser possível aplicar verbas estatais na ação conjunta,

como na hipótese em que a concessão urbanística assume a forma de concessão

patrocinada.215

Nessa direção, em consonância com o Plano Diretor do Município de São Paulo

(art.239, §1º), a Lei Municipal nº14.917/2009 (art.2º), após conceituar a concessão

214 Não há consenso na doutrina quanto à essencialidade desse requisito. Celso Antônio Bandeira de Mello, referindo-se à concessão de serviço público, afirma ser indispensável “que o concessionário se remunere pela exploração do próprio serviço

concedido”, sem o quê não se caracterizaria a concessão. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito

administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.691). Outra corrente doutrinária defende que essa forma de remuneração não é essencial para a caracterização de um contrato de concessão. Nesse sentido, Marçal Justen Filho nega a existência de um modelo único de concessão no Direito Brasileiro. (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões

de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p.96). Na mesma direção, Vera Monteiro afirma que “não há um modelo

único de concessão (mesmo à luz da Lei nº8.987/95 já não havia uma única configuração da concessão, como já afirmado), pois muitos dos elementos que seriam típicos da concessão também estão presentes em outros modelos contratuais, e por isso não são úteis para apartá-la dos demais tipos”. (MONTEIRO, Vera. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010, p.152). A concessão administrativa, prevista na Lei Federal nº11.079/2004, art.2º, §2º, seria um exemplo de concessão remunerada exclusivamente com recursos públicos. Sem embargo, a Lei Municipal nº14.917/2009, que criou a concessão urbanística, deixa clara a sua intenção de promover a obra urbanística com recursos predominantemente privados, remunerando-se o concessionário pela exploração econômica dos espaços públicos e dos lotes resultantes da intervenção. A remuneração do delegatário com recursos públicos seria contrária às próprias finalidades do instituto: suprir as limitações orçamentárias da Administração e evitar que a mais-valia imobiliária seja resultante de investimentos estatais. 215 O art.4º da Lei Municipal nº14.917/2009 determina que a concessão urbanística ficará sujeita ao regime das concessões comuns regidas pela Lei Federal nº8.987/1995 e das concessões patrocinadas previstas na Lei Municipal nº14.517/2007 e na Lei Federal nº11.079/2004. Assim, prevê a lei municipal que a concessão urbanística pode assumir a forma de concessão patrocinada definida pelo art.2º, §1º, da Lei Federal nº11.079/2004 como a concessão de serviços públicos ou de obras públicas que envolve, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. E o art.17, V, da mesma Lei Municipal nº14.917/2009, prevê como um dos critérios de julgamento da licitação para a outorga da concessão urbanística o “menor valor da contrapartida a ser paga pela Administração Pública, no caso de concessão patrocinada”. Vê-se que o diploma legal que cria a concessão urbanística no Município de São Paulo reporta-se apenas à concessão patrocinada e não à concessão administrativa, outra modalidade de parceria público-privada prevista na Lei Federal nº11.079/2004, art.2º. Isso porque a lei tem por fim evitar o emprego de verbas públicas no contrato de concessão urbanística, e na concessão administrativa, tal como prevista na Lei Federal das Parcerias Público-Privadas, a remuneração do contratado fica integralmente a cargo do Poder Público.

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urbanística216, enumera algumas das fontes pelas quais a empresa concessionária poderá

obter– por sua conta e risco e nos termos do edital de licitação e do contrato – a remuneração

pelo investimento realizado: alienação ou locação de imóveis, inclusive dos imóveis

desapropriados e das unidades imobiliárias a serem construídas; exploração direta ou indireta

de áreas públicas na área abrangida pela intervenção urbana; receitas alternativas,

complementares ou acessórias; e receita de projetos associados.217 Vê-se, assim, que o

diploma municipal busca evitar que a concessionária seja remunerada com recursos do erário.

Sua receita deve ser proveniente da exploração dos imóveis e das áreas públicas resultantes do

processo de readequação urbana.

3.7.2 Desapropriação promovida pelo concessionário

Como visto, uma das fontes de receita do delegatário na concessão urbanística

é a alienação das unidades imobiliárias resultantes da ação urbanizadora. Estes bens passam a

ser de propriedade do concessionário porque a ele é conferido o poder de desapropriar os

imóveis no perímetro da concessão necessários à execução do projeto urbanístico (Lei

Municipal nº14.917/2009, art.11, §1º)218. Ao final, estes imóveis podem ser alienados por um

preço mais elevado que o da aquisição, tendo em vista a valorização decorrente da

readequação urbanística realizada pelo concessionário.

No mesmo diploma municipal (art.11), a expropriação feita pelo

concessionário deve ser precedida de declaração de utilidade pública e de interesse social dos

imóveis necessários à execução do projeto urbanístico, a ser efetuada pelo Município219, com

fundamento no Decreto-Lei nº3.365/1941 (art.5º, i) e na Lei Federal nº6.766/1979 (art.44).

Esses dois dispositivos de lei federal referem-se à desapropriação urbanística, um instrumento

216 Art.2º. “Para os fins desta lei, concessão urbanística é o contrato administrativo por meio do qual o poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, delega a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de obras urbanísticas de interesse público, por conta e risco da empresa concessionária, de modo que o investimento desta seja remunerado e amortizado mediante a exploração dos imóveis resultantes destinados a usos privados nos termos do contrato de concessão, com base em prévio projeto urbanístico específico e em cumprimento de objetivos, diretrizes e prioridades da lei do plano diretor estratégico”. 217 Percebe-se que a lei municipal tentou ao máximo aproximar a concessão urbanística da concessão comum regulada pela Lei Federal nº8.987/95, que também prevê a remuneração complementar do concessionário por meio de fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como provenientes de projetos associados (art.18, VI, e art.25, §1º). 218 Art.11, §1º. “O concessionário, com fundamento no art.3º do Decreto-Lei nº3.365, de 21 de junho de 1941, e na declaração a que se refere este artigo, promoverá a desapropriação judicial ou amigável dos imóveis a serem desapropriados, pagando e negociando integralmente a respectiva indenização, bem como assumindo a condição de proprietária dos respectivos imóveis, com poderes para promover as alterações registrárias necessárias para a realização de incorporações imobiliárias e a implementação do projeto urbanístico específico, nos termos do contrato de concessão urbanística”. 219 A lei municipal prescreve que a “Prefeitura Municipal efetuará a declaração de utilidade pública e de interesse social”.

Trata-se de impropriedade técnica do texto legal. Na verdade, o Decreto Expropriatório é expedido pelo Chefe do Executivo e não pela Prefeitura Municipal, que, como órgão da Administração Direta, não tem personalidade jurídica.

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típico do urbanismo operacional, aqui utilizado numa concertação público-privada para fins

urbanísticos.

O art.5º, i, do Decreto-Lei expropriatório prescreve como um dos casos de

utilidade pública para fins de desapropriação a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais.

Ora, a desapropriação realizada para viabilizar projeto urbanístico a ser

implantado por meio da concessão urbanística pode ser fundamentada nessa hipótese indicada

pela Lei Federal de Desapropriações. Afinal, trata-se de desapropriação para executar plano

de (re)urbanização.220

Já a Lei nº 6.766/79 (art.44) permite aos Municípios, Estados e Distrito Federal

realizar a expropriação de “áreas urbanas ou de expansão urbana para reloteamento,

demolição, reconstrução e incorporação, ressalvada a preferência dos expropriados para a

aquisição de novas unidades”. A hipótese legal também pode fundamentar a expropriação

tendente a viabilizar o projeto urbanístico implantado por meio de concessão. Esse dispositivo

da Lei Federal nº6.766/79, que prescreve normas gerais para o parcelamento do solo urbano,

tem redação semelhante à Lei nº13.430/02 (art.239), que institui o Plano Diretor Estratégico

do Município de São Paulo. Ele prescreve que dentre as obras de urbanização e reurbanização

realizadas na região da cidade abrangida pela concessão estão o loteamento, o reloteamento, a

demolição, a reconstrução e a incorporação de conjuntos de edificações para implementar as

diretrizes do Plano Diretor.

De acordo com a Lei Municipal nº14.917/2009 (art.11, §1º), o concessionário

promoverá a desapropriação judicial ou amigável,

pagando e negociando integralmente a respectiva indenização, bem como assumindo a condição de proprietário dos respectivos imóveis, com poderes para promover as alterações registrárias necessárias para a realização de incorporações imobiliárias e a implementação do projeto urbanístico específico, nos termos do contrato de concessão urbanística.

O dispositivo indica ainda como fundamento para a desapropriação realizada

pelo delegatário o Decreto-Lei nº3.365/41 (art.3º), que permite que a ação expropriatória seja

promovida pelos concessionários de serviços públicos e pelos estabelecimentos de caráter 220 LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística: plano diretor estratégico e leis nº14.917/09 e nº14.918/09 do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano1, n.2, p.147-181, jul/dez. 2012, p.171.

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público ou que exerçam funções delegadas de poder público, mediante autorização expressa,

constante de lei ou de contrato firmado com o poder concedente. A ideia, portanto, é

equiparar a concessão urbanística à concessão comum regida pela Lei Federal nº8.987/95,

inclusive quanto à possibilidade de ser efetivada a desapropriação pelo concessionário.221

Mas essa previsão não está isenta de críticas veementes por parte da doutrina

especializada. Kiyoshi Harada, por exemplo, afirma que o Decreto-Lei expropriatório (art.3º)

refere-se às desapropriações feitas por concessionárias de serviços públicos cujas atividades

nada têm a ver com as desenvolvidas na concessão urbanística. Assevera, ainda, que o sistema

jurídico pátrio não admite a figura da “concessionária de prestação de serviço público de

desapropriação às suas expensas, para execução das obras de reurbanização”, e não permite

atividade lucrativa mediante a revenda das novas unidades resultantes dessas obras. Para o

autor, a legislação municipal sobre a concessão urbanística está criando, na verdade, a figura

da concessionária de especulação imobiliária, atividade vedada ao próprio Poder Público.222

Os argumentos são refutados por Adilson Abreu Dallari. Explica o autor que,

tradicionalmente, a desapropriação sempre foi compreendida como um instrumento por meio

do qual a propriedade privada ingressa no patrimônio público para que, posteriormente,

receba uma destinação de interesse público ou social. Sem embargo, para finalidades

urbanísticas nem sempre é necessário que o imóvel passe a integrar o patrimônio público. Isso

porque, muitas vezes, basta alterar o seu uso, sem retirá-lo do domínio privado. Nesses casos, o papel do Poder Público resume-se em fazer com que um particular interessado em dar ao imóvel a utilização conveniente para a coletividade possa adquirir a propriedade, tendo como condição dessa aquisição exatamente a específica destinação assinalada pelo Poder Público.223

221 A mesma Lei Municipal nº14.917/2009, em seu art.4º, determina que a concessão urbanística está sujeita ao regime jurídico das concessões comuns regidas pela Lei Federal nº8.987/95. E diversos outros dispositivos da lei municipal buscam aproximar os dois institutos, como, por exemplo, o seu art.31, que indica como formas de extinção da concessão urbanística: o advento do termo final do contrato, a encampação, a caducidade, a rescisão, a anulação e a falência ou extinção da empresa concessionária. As mesmas formas são previstas pelo art.35 da Lei nº8.987/95 para a extinção da concessão comum. De outra parte, o instituto da reversão dos bens ao final da concessão urbanística também vem previsto pelo diploma municipal (art. 32), de modo bastante similar ao constante no art.36 da lei federal que disciplina as concessões comuns. Há, ainda, previsão no diploma municipal acerca da possibilidade de intervenção do poder concedente na concessão (arts.28 a 30), do uso compulsório de recursos materiais da concessionária (art.31, §§1º a 5º), e do poder de direção e controle sobre a execução do serviço (art.25). 222 HARADA, Kiyoshi. Concessão urbanística: uma grande confusão conceitual. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2081, 13 mar.2009. Disponível em: <http:jus.com.br/revista/texto/12454/concessão urbanística>. Acesso em: 9 jul. 2013. O autor é contrário à possibilidade de desapropriação para posterior revenda, posto representar, no seu entender, atividade especulativa por parte do Poder Público, que não encontraria amparo no sistema vigente e seria contrária ao interesse público primário. Portanto, se nem a Administração Pública pode realizar essa espécie expropriatória para fins de posterior revenda dos imóveis valorizados, com maior razão tal proibição atingiria o concessionário. Nesse sentido, e ainda de acordo com o seu entendimento, o art.4º do Decreto-Lei nº3.365/41, que prevê a desapropriação por zona, seria inconstitucional, justamente por corresponder à desapropriação para ulterior revenda. (HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.78-86). 223 DALLARI, Adilson Abreu. A concessão urbanística no Município de São Paulo. Revista do Advogado, ano 29, n.107, p.7-15, dez. 2009, p. 8. Sobre a possibilidade de desapropriação para revenda, o autor afirma que “diversos casos previstos na lei como autorizativos de desapropriação já pressupõem a utilização do bem desapropriado por terceiros, ‘verbi gratia’ a

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O autor ainda explica que, nas hipóteses previstas na legislação, é possível ao

Poder Público desapropriar o imóvel, pagar a indenização e, posteriormente, repassá-lo a

outro particular, “que lhe dará a destinação que serviu de fundamento para o exercício da

competência expropriatória”. Seria o caso, por exemplo, de desapropriação para construir um

conjunto habitacional para a população de baixa renda. Aceita-se, outrossim, que um

concessionário de serviço público desaproprie imóveis necessários à execução do serviço

delegado, desde que autorizado por decreto de utilidade pública expedido pelo Poder

Executivo (Decreto-Lei nº3.365/41, art.3º).

Com efeito, a desapropriação realizada pelo titular da concessão urbanística

pode ser fundamentada na Lei de Desapropriações (art.3º), que permite seja o procedimento

expropriatório realizado pelos concessionários de serviços públicos e pelos estabelecimentos

de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público, desde que autorizados

por lei ou contrato. Ora, a empresa concessionária exerce uma função delegada pelo Poder

Público. O Município delega-lhe o exercício da função urbanística, correspondente ao poder-

dever da Administração de organizar o espaço urbano. Portanto, se autorizada pelo contrato

de concessão, deve exercer o poder expropriatório para que a finalidade da operação seja

atingida.224

Ocorre que a concessão urbanística, conforme prevista na Lei nº14.917/2009

do Município de São Paulo, pressupõe a desapropriação de imóveis na área concedida e a

posterior revenda dos lotes e edificações resultantes da obra urbanística. O concessionário

arca com as indenizações e, após o término das obras, recuperará o investimento alienando os

imóveis resultantes das construções e incorporações, acrescido do lucro obtido com a

valorização desses bens imobiliários. criação de centros de população, o loteamento de terrenos e os planos de urbanização, entre os quais está a renovação urbana”. (DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.70). 224 O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº0069502-46.2011.8.26.0000 proposta pelo Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo, relator o Des. Sousa Lima, por meio da qual foi requerida a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº14.917/09 que permitem efetivar a desapropriação urbanística pela concessionária, manifestou-se nos seguintes termos: “Em primeiro lugar, o art.3º do Decreto-Lei nº3.365/41 admite a desapropriação pelos concessionários de serviços públicos, pelos estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público. Assim, a desapropriação pode ser promovida por particular e os diplomas legais atacados encarregaram entidade privada de promover as desapropriações necessárias à implantação de programa de revitalização de uma das mais deterioradas regiões da cidade. É caso, portanto, de desapropriação urbanística, que atende a uma finalidade pública que não se confunde com especulação imobiliária em prejuízo dos associados do autor ou de qualquer outro proprietário de imóvel abrangido pelo programa. Por outro lado, nem mesmo se vislumbra interesse econômico na pretensão do autor, pois a desapropriação se dará depois de frustrada a composição amigável entre o concessionário e o proprietário do imóvel, como dispõe o §4º do art.2º da Lei nº14.918/09. Finalmente, ao contrário do que salientei na decisão concessiva da liminar, foi observado, em tese, o devido processo legal, com a realização de audiências públicas durante a tramitação do projeto, o que assegurou ampla participação popular, conforme documentos ora anexados aos autos. Em face do exposto, revogo a decisão de fls. 137, negando a liminar”.

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Vê-se que a concessão urbanística não se assemelha às outras formas de

concessão previstas na legislação pátria, especialmente no que se refere à remuneração do

delegatário. Na concessão de serviço público comum (Lei nº8.987/95), o concessionário é

remunerado (ainda que não exclusivamente) pelo pagamento de tarifas pelos usuários do

serviço; na concessão de obra pública, o retorno financeiro do contratado provém da

exploração da obra225; na concessão de uso de bem público, a vantagem ao concessionário

decorre da própria utilização do bem (para moradia, por exemplo); na concessão patrocinada

(Lei Federal nº11.079/2004), além da tarifa cobrada dos usuários, há a contraprestação

pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; e, na concessão administrativa, a

remuneração do concessionário (ainda que não necessariamente de forma exclusiva) é feita

pela própria Administração contratante. Conclui-se, portanto, que a previsão legal da

concessão urbanística fez surgir uma nova espécie concessória no direito pátrio.

3.7.3 Nova espécie concessória

Não havia até a edição da lei municipal em questão uma espécie concessória

prevendo que a contraprestação ao concessionário decorresse da exploração dos imóveis

resultantes da requalificação urbana da área objeto de concessão. A desapropriação realizada

pelo delegatário resulta na construção de imóveis privados, além dos espaços públicos

previstos contratualmente, de acordo com o projeto da operação.226 Os bens particulares serão

negociados (por meio de contratos de compra e venda ou locação, por exemplo) e os espaços

públicos explorados direta ou indiretamente pela concessionária, que assim se ressarcirá dos

investimentos realizados.

Essas particularidades da concessão urbanística levaram os autores que se

debruçaram sobre o tema a reconhecer que se trata de um instrumento urbanístico com

características próprias, que não encontra equivalente no sistema jurídico pátrio.227

225 Por exemplo, a exploração econômica de um estacionamento público ou de um estádio de futebol municipal, construídos pelos concessionários, e que podem reverter ao patrimônio da Administração concedente ao término do período contratual. 226 Para Marçal Justen Filho, a concessão urbanística pode configurar-se como concessão de obra pública apenas sob algum aspecto. Afirma o autor que, na verdade, é mais do que isso, posto que envolve a transferência para o particular do encargo de produzir tanto obras públicas como privadas, ou seja, todas as obras necessárias a cumprir a sua finalidade de modificar o cenário urbano. E isso, no seu entender, é evidente, “na medida em que promover a urbanização ou reurbanização envolve a

implantação de equipamentos de natureza pública, mas também resulta, de modo inevitável, em outras áreas de diversa configuração”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões urbanísticas e outorgas onerosas. In: WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.). Direito público: Estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.526-527). 227 A discussão a respeito da natureza da concessão urbanística também é presente na doutrina estrangeira. Antonio Carceller Fernandez afirma que, embora a aplicação da técnica da concessão da ação urbanizadora tenha encontrado acolhida no Ordenamento Espanhol, do ponto de vista dogmático carece de uma configuração própria e não se encaixa nas categorias

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Nesse sentido, Adilson Abreu Dallari entende que a concessão urbanística não configura, exatamente, uma modalidade de concessão de obra pública, mas, sim, consiste num instituto específico do Direito Urbanístico, que, conforme foi salientado, vem ganhando corpo e autonomia, tendo, agora, após a edição da Lei nº10.257, de 10/07/2001 (Estatuto da Cidade) um início de unidade normativa, apresentando institutos e princípios próprios.228

Na mesma direção, Mariana Novis afirma que a concessão urbanística pertence

ao gênero concessão, mas possui um regime próprio que não se identifica plenamente com

nenhuma das espécies de concessão previstas na legislação federal.229 Para a autora, o fato de

a concessão urbanística ter seu regime inspirado nas Leis Federais nº8.666/93, nº8.987/95 e

nº11.079/04 e, portanto, ter conceitos fundamentais calcados nesses diplomas, “absolutamente

não equivale a afirmar automaticamente que o instituto corresponda de modo exato a qualquer

das espécies tratadas nesse arcabouço legislativo”.230

De fato, a disciplina sobre a concessão urbanística é fundamentada nas formas

concessórias previstas na Lei Federal de Concessões e Permissões de Serviços Públicos e na

Lei Federal que cria as parcerias público-privadas, mas não corresponde a nenhum dos

modelos criados pela legislação em debate. Trata-se de um instituto específico de direito

urbanístico, criado pelo Município de São Paulo com base na autonomia que lhe foi conferida

pelo Texto Constitucional para editar leis de interesse local (art.30, I, da Constituição Federal)

e para promover o ordenamento territorial (art.30, VIII, da Carta). Fundamenta-se o instituto,

ainda, na Constituição (art.182), que elegeu o Município como o protagonista da política de

desenvolvimento urbano local.

Posto tratar-se de norma de direito urbanístico, a lei municipal sobre concessão

urbanística deverá prevalecer, pelo menos até que sobrevenha uma norma geral federal que

aborde o assunto de forma diversa.231 E, também por se tratar de norma de direito urbanístico,

o diploma municipal deve sofrer o influxo dos princípios próprios desse ramo do direito

público, especialmente do princípio do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade

tradicionais, especialmente pela ausência da ideia de reversão inerente à concessão, que se dá em relação aos espaços livres (sistema viário e zonas verdes), mas não no que toca aos lotes resultantes da operação urbanística. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de Derecho Urbanistico. 2 ed. Madrid: Montecorvo, 1981, p.263, tradução livre). 228 DALLARI, Adilson Abreu. Concessões urbanísticas. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito

urbanístico 3. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2001, p.22. 229 NOVIS, Mariana. O regime jurídico da concessão urbanística. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.146. 230 NOVIS, Mariana. O regime jurídico da concessão urbanística. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.148. 231 Conforme o art.24, I, da Constituição Federal, é da União a competência para a edição de normas gerais de direito urbanístico. Já o art.30, II, da Carta atribui aos Municípios a competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber.

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(art.182 da Constituição Federal). Essa norma principiológica deve servir de vetor à atividade

urbanística do Estado, seja ou não realizada por meio de delegação.

O princípio jurídico em questão impõe ao Poder Público a obrigação de

orientar a política urbana garantindo que a cidade cumpra suas funções essenciais. Aqueles

que habitam a urbe devem poder contar com uma infraestrutura eficiente de transporte público

e de saneamento básico, espaços públicos de lazer, oferta de trabalho e moradia digna. Não se

trata de um mero pedido do constituinte de 1988232: o princípio do pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade vincula a Administração Pública no exercício de sua função

urbanística, independentemente de ter sido ou não delegada a sua execução.

3.7.4 Atendimento ao princípio do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade

O projeto de urbanização ou de reurbanização a ser implantado por meio da

concessão urbanística deve ser pautado pelo atendimento ao princípio do pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade. A previsão legal desse instituto visa

justamente dotar a Administração Pública de mais um instrumento para a consecução dos

objetivos da atividade urbanística. Não se trata de uma mera ferramenta de especulação

imobiliária, mas de um mecanismo para alcançar o pleno desenvolvimento das funções

essenciais da urbe.

Tudo isto deve ser considerado, por exemplo, quando da previsão acerca das

desapropriações a serem realizadas no perímetro da concessão. Posto que uma das funções da

cidade é a de garantir o direito de moradia aos seus habitantes, seria ilegítimo efetivar

expropriações em massa da população de baixa renda residente na área a ser revitalizada, sem

que lhe seja viabilizada uma alternativa habitacional233.

232 A juridicidade dos princípios é plenamente reconhecida pelo pensamento jurídico contemporâneo. Paulo Bonavides enumera os seguintes resultados alcançados pela teoria dos princípios na presente fase do pós-positivismo: “a passagem dos

princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do direito; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito

constitucional. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.265). 233 Grande parte da população de baixa renda que vive no perímetro da operação não tem a propriedade dos imóveis em que residem e, portanto, não receberá a indenização pelas expropriações realizadas. E mesmo os que receberem não terão, certamente, condições de adquirir uma residência na mesma área, dada a valorização da região alcançada após a conclusão da obra urbanística. Em todos esses casos, deve a concessionária fornecer alternativas habitacionais para essa população, ainda que em outra região da cidade. A simples expulsão e o consequente deslocamento dessas pessoas para áreas periféricas da cidade, a afastá-las, inclusive, de seus postos de trabalho, pode resultar em prejuízo para a urbe como um todo, agravando os problemas de circulação e transporte público que afligem as grandes cidades brasileiras.

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Já nos referimos ao processo de gentrificação, comumente observado em ações

urbanísticas de revitalização de áreas degradadas da cidade. A população que habita a área

objeto da operação é desalojada de suas residências e obrigada a se transferir para outras

regiões, em geral periféricas e sem a mesma oferta de emprego e serviços públicos encontrada

na região dantes habitada. Isso ocorre porque, após a conclusão da ação urbanística, o preço

dos imóveis localizados no perímetro da operação acaba registrando um aumento

considerável, o que torna inviável o retorno da população de baixa renda ao local. Essa

situação vai de encontro ao preceituado pelo princípio do pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade, especialmente no que se refere ao dever do Estado de garantir a todos o

direito à moradia digna (art.6º da Carta).234

Vale reiterar que o objetivo primordial da concessão urbanística, como o de

qualquer outro instrumento urbanístico, é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (art.182 da Constituição Federal).

Afastar moradores de baixa renda da área objeto de concessão e obrigá-los a residir em

bairros periféricos – que não têm a mesma infraestrutura de transporte público, saneamento,

serviços públicos em geral e trabalho – significaria uma afronta evidente aos princípios

constitucionais e legais que regem o direito urbanístico235. Assim, no projeto de reurbanização

a ser concretizado pela concessão urbanística deverá ser prevista a construção de habitações

populares, de forma a possibilitar a manutenção, tanto quanto possível, da população de baixa

renda na área concedida.236

234 O direito social à moradia previsto no art.6º, da Constituição Federal, pode ser enquadrado, na classificação proposta por Robert Alexy, como um “direito à prestação em sentido estrito ou um direito fundamental social. [...] direitos a prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares. Quando se fala em direitos fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à assistência à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer menção a direitos a prestação em sentido estrito”. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.499). Obviamente, é impossível que o Estado forneça moradia de qualidade para todos ao mesmo tempo. Conforme também explicado por Robert Alexy, “a questão acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivíduo definitivamente tem é uma questão de sopesamento entre princípios”.

(ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.512). A disponibilização de habitação popular pela Administração deve ser harmonizada, por exemplo, com as restrições decorrentes do respeito ao princípio da previsão orçamentária (arts.165 a 169 da Constituição). Não é viável, diante de tais restrições, resolver, pelo menos a curto prazo, o enorme déficit habitacional existente no Brasil. Todavia, não é admissível que o próprio Poder Público – a quem cabe o dever de garantir a prevalência dos direitos fundamentais sociais – promova ações urbanísticas que piorem ainda mais esse grave quadro. 235 No caso, também é aplicável a Lei Municipal nº14.917/09, art.1º, IV, que estabelece como uma das diretrizes da concessão urbanística “prevenir distorções e abusos no desfrute econômico da propriedade urbana e coibir o uso especulativo da terra como reserva de valor, de modo a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”. 236 Nesse sentido, a Lei nº14.918, de 7 de maio de 2009, art.2º, do Município de São Paulo, que autoriza o Executivo a aplicar a concessão urbanística na área central da Cidade denominada Nova Luz, impõe como diretriz específica do empreendimento a “implantação de unidades habitacionais destinadas à população de baixa renda, de acordo com as normas urbanísticas aplicáveis às Zonas Especiais de Interesse Social”. De outra parte, a Lei nº13.885/2004 do Município de São Paulo, que estabelece normas complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras e dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o uso e a ocupação do solo no Município de São Paulo (em substituição à antiga Lei de Zoneamento) permite, pela leitura combinada de seus arts.23 e 39, a utilização da concessão urbanística para a

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Evidentemente, trata-se de um grande desafio a ser enfrentado pelo Poder

Público. Não é fácil conciliar os objetivos do mercado – cujo interesse em investir na área

objeto da concessão deve ser estimulado, sob pena de fracasso da operação – com os

interesses da população que habita o perímetro da ação concertada. Não se trata apenas de

revitalização urbanística baseada em especulação imobiliária e nem de uma forma encontrada

pela Administração Pública para arrecadar fundos com o pagamento pela outorga da

concessão (Lei Municipal nº14.917/2009, art.17)237, o que, evidentemente, prestigiaria apenas

o interesse público secundário da Administração238. O Poder Público delega ao particular a

execução de uma função pública e, justamente por isso, esta delegação deve ser exercida com

atenção ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, que deve orientar

todo o exercício da função administrativa, delegada ou não.

Assim, a concessão urbanística somente será legítima se os interesses do

parceiro privado forem compatíveis com os de toda a sociedade. O lucro auferido com a

operação deve ser fruto de melhorias reais no meio ambiente urbano que beneficiem, ainda

que indiretamente, a cidade como um todo: readequação do sistema de transporte coletivo e

viário, incremento do sistema de saneamento básico, criação de áreas públicas de lazer, dentre

outros benefícios. O perímetro objeto da concessão não é uma área isolada da cidade. As

transformações alcançadas afetarão os bairros circunvizinhos, diretamente (inclusive quanto à

valorização imobiliária), e outros mais distantes, indiretamente. Portanto, assim como toda a

operação urbana, também a concessão urbanística deve ser aplicada em um contexto mais

execução de programas habitacionais de interesse social e de urbanização das favelas de Heliópolis e Paraisópolis, localizadas, respectivamente, nas Áreas de Intervenção Urbana de Ipiranga-Heliópolis e de Vila Andrade-Paraisópolis. Nesse caso, a remuneração da concessionária poderá ser realizada mediante a entrega de certidão de outorga onerosa do potencial construtivo adicional, desvinculada de lote ou lotes. 237 Esse dispositivo elenca os critérios a serem considerados no julgamento da licitação para a concessão urbanística. Dentre eles, está o de maior oferta de pagamento pela outorga da concessão. Reza o art.17 da Lei Municipal nº14.917/2009: “no

julgamento da licitação para a concessão urbanística será considerado um dos seguintes critérios: I – a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; II – a melhor proposta técnica, com preço fixado no edital; III – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; IV – melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas; V – menor valor da contrapartida a ser paga pela Administração Pública, no caso de concessão patrocinada; VI – melhor proposta em razão da combinação do critério do inciso V com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital, no caso de concessão

patrocinada. §1º O edital de licitação conterá parâmetros e exigências para a formulação de propostas técnicas. §2º O poder concedente recusará propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação. §3º Em igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira”. O rol de critérios apresentado pela Lei Municipal é baseado no elenco apresentado pela Lei Federal nº8.987/95, art.15, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. 238 É bem conhecida a lição de Renato Alessi sobre a questão. Explica o autor que a Administração Pública, que deve agir para a satisfação do interesse público (e este interesse público é o interesse coletivo primário), na qualidade de pessoa jurídica é também titular de um interesse próprio, secundário, que pode muitas vezes contrastar com o interesse coletivo. Nesses casos, deve prevalecer sempre o interesse coletivo primário. A Administração somente pode buscar a satisfação do interesse secundário se ele for coincidente com o interesse coletivo primário. (ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo I. Milão: Dott A. Giuffrè Editore, 1966, p.98-99, tradução livre). Na hipótese da concessão urbanística, o interesse em auferir os valores pagos pela outorga da concessão não deve contrapor-se ao interesse de toda a coletividade em uma organização do espaço urbano que prestigie o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

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geral de planejamento da urbe, em homenagem ao princípio jurídico da reserva de plano

(art.182, §1º, da Constituição Federal).

Com efeito, o plano diretor é o instrumento básico de política de

desenvolvimento e expansão urbana. Nele constam os parâmetros para se aferir o

cumprimento da função social pela propriedade urbana (art.182, §2º, da Constituição Federal).

Portanto, as diretrizes traçadas pelo plano para o desenvolvimento urbanístico devem ser

observadas pelo Poder Público Municipal ao decidir aplicar o instrumento da concessão

urbanística.

E isso é ressaltado, mais de uma vez, pela legislação que regula a concessão

urbanística no Município de São Paulo. A Lei Municipal nº14.917/09 (art.1º) determina que a

concessão urbanística será aplicada visando atender as diretrizes e prioridades impostas pela

lei do plano diretor estratégico. O art.1º, parágrafo único, IV, do mesmo diploma, estabelece

como diretriz da intervenção urbana mediante concessão “prevenir distorções e abusos no

desfrute econômico da propriedade urbana e coibir o uso especulativo da terra como reserva

de valor, de maneira a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”. Já o art.2º

prescreve que o procedimento expropriatório realizado pela concessionária deve observar as

diretrizes e prioridades da lei que institui o plano diretor estratégico. E a Lei nº14.918/09

(art.2º, §3º, IV) determina que cabe ao projeto urbanístico específico definir os imóveis que

serão objeto de desapropriação, considerando o atendimento à função social da propriedade,

cujos parâmetros, repita-se, estão definidos na lei que impõe o plano diretor.

3.7.5 Gestão democrática

Sob outro aspecto, o projeto de concessão urbanística deve ser objeto de ampla

discussão entre os munícipes, especialmente os que trabalham ou residem na área atingida.

Trata-se de intervenção urbana que altera significativamente o perímetro objeto de concessão,

a atingir diretamente a vida dos seus moradores e frequentadores, inclusive em função da

alteração dos índices urbanísticos da área.

Dessa maneira, como toda atividade urbanística, a sua implantação deve ser

pautada pelo respeito ao princípio da gestão democrática da cidade, cujos delineamentos estão

na Lei nº10.257/2001 (arts.43 a 45). Esses dispositivos indicam como instrumentos de gestão

democrática:

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a) a atuação de órgãos colegiados de política urbana; b) a realização de audiências públicas; c) a realização de conferências sobre assuntos urbanísticos; d) a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Com base nesses preceitos, a Lei Municipal nº14.917/2009 (art.9º) prevê que o

projeto de concessão urbanística seja objeto de consulta pública, com antecedência mínima de

30 dias da publicação do edital de licitação, mediante publicação na imprensa oficial, jornais

de grande circulação e por meio eletrônico. Deverão ser informadas as justificativas para

contratar, identificar o objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado e as minutas

do edital e do contrato, fixando-se prazo para fornecer sugestões e realizando uma audiência

pública ao final deste período.

Por sua vez, dispõe a Lei nº14.917/2009 (art.38) que a concessão urbanística

será fiscalizada por um Conselho Gestor, constituído pelo Poder Executivo, com formação

paritária, formado por representantes da municipalidade e da sociedade civil, de maneira a

propiciar a participação dos cidadãos interessados, moradores, proprietários, usuários e

empreendedores. Preceitua, ainda, que caberá ao Conselho Gestor fiscalizar, verificar e

acompanhar o cumprimento das diretrizes da intervenção urbana e do contrato de

concessão.239

No mesmo sentido, a Lei nº14.918/09 (art.4º) determina que o Poder Executivo

Municipal deve constituir o Conselho Gestor da Nova Luz, formado por representantes da

municipalidade e da sociedade civil, que será responsável por fiscalizar a concessão. O §2º

deste versículo determina que, dos membros do Conselho, 50% serão representantes do

Executivo Municipal e 50%, da sociedade civil. São todas previsões legais que prestigiam o

princípio da gestão democrática da cidade, determinando a participação popular na elaboração

do projeto de reurbanização e na fiscalização de sua execução.

239 A necessidade de participação popular no processo de concessão foi afirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº994.09.229821-1 proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo em face da Lei nº14.917/09, art.5º, §1º, que não prevê a participação popular na edição de cada lei específica a que se refere o versículo. Na ADIN, Relator o Des. Sousa Lima, reconheceu a Corte Estadual que a ausência de previsão de participação popular contraria o art.180, II, da Constituição do Estado de São Paulo, que determina que “no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes”. Dessa forma, a edição de cada lei específica deve ser precedida de efetiva participação popular, em homenagem ao princípio da gestão democrática das cidades. Mariana Mencio realça a importância da realização de audiências públicas para implementação dos instrumentos urbanísticos. Ressalta, inclusive, que a não-observância dos preceitos concernentes ao princípio da gestão democrática das cidades pode consubstanciar ato de improbidade administrativa. (MENCIO, Mariana. Regime jurídico da audiência pública na gestão democrática das

cidades. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.197-198).

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106

3.7.6 Concessão urbanística e operações consorciadas

Todas essas observações são aplicáveis também às operações urbanas

consorciadas. De forma análoga, a aplicação desse instrumento deve ser guiada pelos mesmos

princípios publicísticos aqui mencionados. Assim como na aplicação da concessão

urbanística, a operação consorciada não pode prescindir da ampla participação popular (Lei

nº10.257/2001, art.33, VII) e deve ser conduzida com estrita observância aos princípios que

regem a função urbanística.

Ocorre que, não obstante a participação do particular seja essencial, sem o que

não se há de falar em concertação público-privada, todo o processo de aplicação do

instrumento deve ser guiado pelo Poder Público, que é o garantidor da prevalência do

interesse público no exercício da atividade urbanística. Esta, por sua vez, pautada apenas

pelos interesses do mercado, resulta, invariavelmente, em prejuízos à organização do espaço

urbano, especialmente se fundamentada somente em aumento de coeficientes de

aproveitamento e taxas de ocupação, o que pode levar a um processo de verticalização

excessiva dos centros urbanos, principalmente das áreas mais valorizadas. Voltar-se-á ao tema

quando do estudo específico sobre o instituto da operação urbana consorciada.

Outro ponto de convergência entre esses dois instrumentos jurídicos do

urbanismo concertado é a sua fundamentação nos princípios da cooperação entre os governos,

a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em

atendimento ao interesse social (Lei nº10.257/2001, art.2º, III), e da justa distribuição dos

benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX). A

concessão urbanística, assim como a operação urbana consorciada, contribui para impedir que

recursos do erário sejam aplicados em benefício apenas daqueles que detém imóveis na região

beneficiada pelos melhoramentos urbanísticos implantados pela Administração. Esse tipo de

instrumento do urbanismo concertado possibilita que a readequação urbana e a mais-valia

imobiliária sejam alcançadas a partir de investimentos do setor privado.

No entanto, há uma diferença fundamental em relação à natureza jurídica

desses dois instrumentos. A concessão urbanística é um contrato administrativo, sob a forma

de concessão, por meio do qual o Poder Público delega à empresa ou a consórcios de

empresas a execução de obras de reurbanização – a serem realizadas por conta e risco do

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parceiro privado240 – em determinada área da cidade, com a remuneração pelos investimentos

a ser obtida por meio da exploração dos imóveis resultantes do empreendimento, com a

possibilidade de previsão de receitas alternativas. Já a operação urbana consorciada

corresponde ao conjunto formado por atos, contratos e procedimentos regidos pelo direito

público, que tem como objetivo “alcançar em uma área transformações urbanísticas

estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental”, nos termos do plano urbanístico

instituído por lei municipal específica.

Posto tratar-se de um contrato administrativo, a concessão urbanística será

obrigatoriamente precedida de licitação.241 No caso da operação urbana consorciada, o

procedimento licitatório será realizado, em regra, para concretizar as obras a serem

implantadas no perímetro da operação. Para a aquisição dos benefícios urbanísticos, basta o

pagamento pelo interessado da contrapartida fixada.

Vale ressaltar, ainda, que a área objeto da concessão urbanística pode estar

inserida numa operação urbana consorciada (Lei Municipal nº14.917/2009, art.3º, §2º)242.

Nesse caso, os dois institutos são complementares, e o delineamento da concessão e a

execução do contrato devem estar em consonância com as regras estipuladas na lei municipal

que cria a operação urbana consorciada.

240 A expressão “por conta e risco do parceiro privado” deve ser compreendida nos seus devidos termos. Caso a obra urbanística não seja concluída, o prejuízo ao meio ambiente urbano recairá sobre toda a coletividade. Assim, a Administração deve zelar pela conclusão da operação nos termos do projeto aprovado, fiscalizando toda a sua execução. Nesse sentido, o art.25 da Lei Municipal nº14.917/2009 determina que incumbe ao poder concedente: “I–regulamentar, no que couber, e fiscalizar a execução e a manutenção da intervenção urbana concedida; II–modificar unilateralmente as disposições contratuais para atender a interesse público; III–zelar pela boa qualidade da intervenção urbana e pela efetiva concretização dos interesses públicos a que se destina; IV– declarar de utilidade pública ou de interesse social para o fim de desapropriação, promovendo-a diretamente ou mediante delegação à concessionária, hipótese em que será desta a responsabilidade pelo pagamento integral das indenizações devidas e despesas conexas; V– intervir na concessão urbanística, retomá-la e extinguir a concessão nas hipóteses e nas condições previstas em lei e no contrato”. A mesma possibilidade de intervenção e retomada da concessão prevista para a concessão comum na Lei Federal nº8.987/95 está presente no diploma municipal que regula a concessão urbanística. Outrossim, são aplicáveis também a alteração unilateral do contrato pelo poder concedente, com vistas ao melhor atendimento das finalidades da concessão, e as medidas que visem à retomada do equilíbrio econômico-financeiro da avença, quando necessária. 241 O art.15 da Lei Municipal nº14.917/2009 determina que a licitação será aberta na modalidade concorrência mediante edital elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, as normas gerais da legislação própria aplicável às concessões comuns (Lei Federal nº8.987/95). 242 Art.3º §2º. “O reparcelamento de área necessário para a execução do projeto urbanístico específico da concessão deverá

observar as normas gerais da legislação nacional e municipal aplicável ao parcelamento do solo para fins urbanos, as da lei do plano diretor estratégico e as da lei da operação urbana consorciada ou do respectivo projeto estratégico na qual esteja inserida a área objeto da concessão urbanística”.

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3.7.7 Elaboração dos projetos básico e executivo

Outrossim, importante tecer alguns comentários sobre o art.239, §2º, parte

final, do Plano Diretor paulistano243, que prevê que caberá à concessionária elaborar os

projetos básico e executivo e gerenciar/executar as obras objeto da concessão urbanística.

A regra está em desacordo com a Lei nº8.666/93 (art.9º), norma geral sobre

licitações e contratos administrativos editada com fulcro no art. 22, XXVII, da Constituição

Federal. Por essa razão, sua inconstitucionalidade deve ser reconhecida de plano.

Não é possível afastar a incidência da Lei nº8.666/93 aos procedimentos

licitatórios realizados pelos municípios para outorgar concessão urbanística. Esse diploma

legal é aplicável em âmbito nacional e suas normas gerais regulam as licitações feitas pelo

Poder Público municipal, assim como os contratos decorrentes desses certames, inclusive o de

concessão urbanística.

A Lei nº8.666/93 (art.9º) – que veicula norma de caráter geral, e portanto de

observância obrigatória pelos municípios244 – determina “que não poderá participar, direta ou

indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a

eles necessários: I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica; [...]”.

Marçal Justen Filho discorre sobre o versículo da Lei nº8.666/93, ressaltando

as razões que levaram o legislador a impor tal proibição. Explica o autor que o projeto define

os contornos da obra posteriormente licitada. Assim, o autor desse projeto teria condições de

visualizar antecipadamente os possíveis concorrentes, e poderia desejar excluir ou dificultar o

livre acesso de potenciais interessados.245 Isso poderia ser feito através de configuração do projeto que impusesse características apenas executáveis por uma específica pessoa. Ou, quando menos, poderiam ser estabelecidas certas condições que beneficiassem o autor do projeto (ainda que não excluíssem de modo absoluto terceiros)246.

243 Art.239, §2º. “A empresa concessionária ficará responsável pelo pagamento, por sua conta e risco, das indenizações devidas em decorrência das desapropriações e pela aquisição dos imóveis que forem necessários à realização das obras concedidas, inclusive o pagamento do preço de imóvel no exercício do direito de preempção pela Prefeitura ou o recebimento de imóveis que forem doados por seus proprietários para viabilização financeira do seu aproveitamento, nos termos do art.46 da Lei Federal nº10.257, de 10 de julho de 2001, cabendo-lhe também a elaboração dos respectivos projetos básico e executivo, o gerenciamento e a execução das obras objeto da concessão urbanística”. 244 O Supremo Tribunal Federal já reconheceu o caráter geral desta regra no âmbito do julgamento da ADIn nº3.158-9, DJ de 20.04.2005, Relator o Ministro Eros Grau, posto que tal dispositivo, enquanto norma nacional, confere concreção aos princípios constitucionais da moralidade e da isonomia. Logo, como norma geral que é, vincula os órgãos da Administração Direta e Indireta dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. 245 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 152. 246 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 152.

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Na realidade, o art.239, §2º, do plano diretor paulistano indica a possibilidade

de se realizar a contratação integrada, cuja definição é encontrada na Lei nº12.462, de 5 de

agosto de 2011 (arts.8º, V e 9º), que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações

Públicas (RDC)247. O art.9º, §1º, assim prescreve: a contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.248

Não nos parece possível tal contratação integrada, por meio da qual seria

atribuído à delegatária da concessão urbanística elaborar os projetos básico e executivo e

realizar as obras de reurbanização da área objeto da concessão. O dispositivo da lei municipal

colide frontalmente com a Lei nº8.666/93 (art.9º) e com os princípios constitucionais que

regem qualquer procedimento licitatório, em especial, o da isonomia e o da vantajosidade.249

Na hipótese de a Administração Municipal não estar apta a elaborar projeto de

tal magnitude, deverá realizar um certame licitatório prévio para a escolha de empresa ou do

consórcio de empresas que elaborará o projeto de concessão urbanística e, após a entrega,

promover uma nova licitação para escolher a concessionária que irá concretizá-lo. Permitir a

elaboração dos projetos básico e executivo e a realização das obras pela mesma empresa ou

consórcio de empresas frustra as finalidades próprias do procedimento licitatório, impedindo

que o poder concedente tenha controle sobre o que será contratado, além de fazer desaparecer

247 O RDC é aplicado às licitações e contratos necessários à realização: “I – dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; II – da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; III – de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II; IV – das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); V – das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS; VI – de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino; e VII – das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo”. 248 Augusto Neves Dal Pozzo, ao comentar os dispositivos da Lei nº12.462/2011, afirma parecer bastante discutível a sua constitucionalidade, tendo em vista que o processo licitatório tem como premissa a comparação objetiva entre as propostas oferecidas pelos que disputam o certame. Prossegue o autor: “em verdade, na contratação integrada a Administração Pública deixa de estabelecer o conjunto de elementos suficientes para caracterizar o que está pretendendo contratar e, por tal razão, inexiste torneio possível, dado que estão sendo oferecidas propostas para alguma coisa que não se sabe efetivamente o que é”. (DAL POZZO, Augusto Neves. Panorama geral dos regimes de execução previstos no Regime Diferenciado de Contratações: a contratação integrada e seus reflexos. In: CAMMAROSANO, Márcio; DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (Coord.). Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/11): aspectos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2011). As mesmas críticas feitas pelo autor em relação ao RDC são aplicáveis à contratação integrada para fins de concessão urbanística, prevista pelo art.239 do Plano Diretor do Município de São Paulo. 249 LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística: plano diretor estratégico e leis nº14.917/09 e nº14.918/09 do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano1, n.2, p.147-181, jul/dez. 2012, p. 159.

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110

as chances de efetiva concorrência entre os interessados em executar o plano urbanístico

elaborado previamente.250

3.7.8 A Lei nº14.918/2009 do Município de São Paulo: aplicação da concessão

urbanística à região da Nova Luz

Na mesma data em que foi promulgada a Lei Municipal nº14.917/2009, o

Executivo Municipal fez promulgar a Lei nº14.918/2009, que autorizou aplicar o instituto da

concessão urbanística na área denominada Nova Luz. O art.1º (parágrafo único) do diploma

prescreve que, para os fins dessa lei, “considera-se Nova Luz o conjunto das intervenções

urbanísticas necessárias para executar o projeto urbanístico específico no perímetro definido

pelas Avenidas Cásper Líbero, Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Rua Mauá, no Distrito

da República”.

Sua edição atende à Lei nº14.917/2009 (art.5º), que determina a necessidade de

toda concessão urbanística ser autorizada por norma específica,

que estabelecerá os parâmetros urbanísticos aplicáveis, e só pode ter por objeto uma área contínua destinada à intervenção urbana, com base na lei do plano diretor estratégico, mesmo que não haja necessidade de alteração de parâmetros urbanísticos e demais disposições legais aplicáveis.

Andou bem a lei municipal ao prever a necessidade de lei específica para cada

intervenção a ser efetivada mediante concessão urbanística. Afinal, o instrumento não pode

ser aplicado uniformemente em todo o território da urbe, pois cada região do município tem

suas próprias características.251

Atenta a essas especificidades, a Lei nº14.918/2009 (art.2º) estabeleceu

diretrizes próprias para a aplicação do instituto à região da Nova Luz:

a) a preservação do patrimônio histórico e cultural da região (é notória a presença na área de inúmeros imóveis de valor histórico); b) o equilíbrio entre habitação e atividade econômica, a fim de ser garantida a sustentabilidade da intervenção; c) a implantação de unidades habitacionais em ZEIS (há grande número de famílias de baixa renda residindo no local); d) a manutenção e expansão da atividade econômica instalada (parte da região é conhecido centro comercial de equipamentos eletrônicos e de informática); e

250 LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística: plano diretor estratégico e leis nº14.917/09 e nº14.918/09 do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano1, n.2, p.147-181, jul/dez. 2012, p. 159. 251 LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística: plano diretor estratégico e leis nº14.917/09 e nº14.918/09 do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano1, n.2, p.147-181, jul/dez. 2012, p. 176.

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e) a minimização dos impactos transitórios negativos durante a execução do empreendimento, de forma a impedir o agravamento dos problemas sociais (são conhecidos os graves problemas sociais que permeiam parte da área a ser concedida, em especial questões ligadas à violência e ao tráfico de entorpecentes).

Outro dispositivo a ser ressaltado é o art.2º, §3º. O preceito impõe que a

desapropriação, demolição, reforma ou construção dos imóveis na Nova Luz devem

considerar os seguintes aspectos:

I – restrições decorrentes de tombamento; II – custos decorrentes da intervenção sobre a edificação; III – viabilidade econômica da intervenção; IV – atendimento à função social da propriedade, especialmente no que se refere à qualidade da edificação e do uso instalado, inclusive em relação ao atendimento das posturas municipais; V – compatibilidade do imóvel com o entorno previsto no projeto urbanístico específico.

Infere-se dessa norma que a desapropriação urbanística a ser efetivada pela

concessionária deve, preferencialmente, atingir imóveis que não cumpram sua função social.

Isso vai ao encontro da finalidade de qualquer intervenção urbanística: cumprir as funções

sociais da cidade e respeitar o plano diretor municipal, que é o parâmetro legal para aferir o

cumprimento da função social da propriedade urbana, conforme rege a Constituição Federal

(art.182, §2º).252

Por último, destaca-se o art.3º da Lei, segundo o qual são aplicáveis os

dispositivos da Lei Municipal nº12.349/1997 (Operação Urbana Centro), no que couber, às

áreas do perímetro da Nova Luz, especialmente os seus arts.3º, 4º, 6º, 7º e 9º, todos

comentados no item destinado ao estudo da operação urbana. Ademais, o art.3º, §1º prevê a

possibilidade de se adotar no perímetro do Projeto Nova Luz os parâmetros urbanísticos

decorrentes da adesão à Operação Urbana Centro, ficando facultado ao Poder Executivo considerar a respectiva contrapartida financeira como compreendida nas obras realizadas em função do projeto ou no eventual valor pago ao poder concedente pela outorga da concessão urbanística.

Em outras palavras, o concessionário pode obter os benefícios urbanísticos

previstos na Lei que cria a Operação Urbana Centro mediante contrapartidas correspondentes

às obras realizadas no perímetro da concessão ou ao montante pago pela sua outorga.

Evidente que, em homenagem aos princípios que regem o procedimento licitatório 252 LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística: plano diretor estratégico e Leis nº14.917/09 e nº14.918/09 do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano1, n.2, p.147-181, jul/dez. 2012, p.176-177.

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(legalidade, isonomia, julgamento objetivo, vinculação ao instrumento convocatório, dentre

outros), estas correspondências devem estar previstas no edital do certame realizado para a

outorga da concessão urbanística. Afinal, é preciso que todos os concorrentes conheçam,

antecipadamente, as condições para executar o projeto e a forma de obter benefícios

urbanísticos previstos para o perímetro da ação conjunta. Estes parâmetros devem estar bem

definidos no instrumento convocatório, possibilitando o julgamento objetivo e a obtenção da

proposta mais vantajosa à Administração e ao interesse público.

3.8 Consórcio imobiliário

O art.46 do Estatuto da Cidade prevê outro instrumento jurídico característico

do urbanismo concertado, o consórcio imobiliário.

Segundo o dispositivo, o instituto é aplicável nas hipóteses de imóveis

atingidos pela obrigação de que trata o art. 5º mesmo Estatuto. Assim, antes de abordar os

preceitos que regulam o consórcio imobiliário, mister um breve estudo a respeito da obrigação

imposta ao proprietário de imóveis urbanos.

Pelo texto da Lei Federal nº10.257/2001 (art.5º),

lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

O preceito é fundamentado na Constituição Federal (art.182, §4º), que faculta

ao Poder Público municipal impor ao proprietário de imóvel urbano não edificado, não

utilizado ou subutilizado a obrigação de utilizá-lo adequadamente, conforme prescrito pela lei

que institui o plano diretor.

Assim, se o imóvel não cumprir sua função social253, ou seja, nas hipóteses em

que sua utilização não atender aos parâmetros definidos no plano diretor, as obrigações de

parcelamento, edificação ou utilização compulsórios recairão sobre o proprietário. Caso o lote

tenha um tamanho superior ao máximo permitido pelo plano diretor, haverá obrigação de

253 Nos termos do art.182, §2º, da Constituição Federal, “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. É o plano diretor que fornece os parâmetros para a aferição a respeito do cumprimento da função social por parte da propriedade urbana. Portanto, a aplicação dos instrumentos de parcelamento, edificação e utilização compulsórios de imóveis urbanos somente é possível a partir do

momento em que o princípio da função social da propriedade urbana atinge a sua plena eficácia, e isso ocorre quando da edição da lei que institui o plano diretor municipal. (LEVIN, Alexandre. Parcelamento, edificação e utilização

compulsórios de imóveis públicos urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.71).

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parcelamento compulsório; caso o coeficiente de aproveitamento mínimo254 não seja atendido

(Lei nº10.257/2001, art.5º, §1º, I), haverá obrigatoriedade de utilização ou edificação

compulsória.

A lei municipal deve fixar um prazo para o proprietário cumprir a obrigação.255

Caso o titular do domínio não atenda à notificação do Poder Municipal, serão impostas,

sucessivamente, as sanções previstas na Lei nº10.257/2001 (arts.7º e 8º). A primeira delas é o

aumento progressivo no tempo da alíquota do imposto sobre a propriedade predial e territorial

urbana (IPTU) incidente sobre o imóvel. A majoração da alíquota, segundo a lei municipal

específica, deve ocorrer por cinco anos consecutivos, respeitada a alíquota máxima de 15%

(Lei nº10.257/2001, art.7º, §1º).

Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo sem que o

proprietário tenha cumprido sua obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel, o

Município poderá desapropriá-lo com pagamento em títulos da dívida pública (art.8º da Lei

nº10.257/2001), resgatáveis em até dez anos em prestações anuais, iguais e sucessivas,

assegurados o valor real da indenização e os juros legais de 6% ao ano. A emissão desses

títulos dependerá de aprovação pelo Senado Federal (Lei nº10.257/2001, art.8º, § 1º).

Ocorre que o Estatuto da Cidade (art.46) fornece uma alternativa ao Poder

Público municipal. Ao invés de impor as sanções de tributação progressiva e de

desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, o Município pode facultar ao

proprietário do imóvel atingido pela obrigação de parcelamento, edificação ou utilização

compulsórios, e a requerimento deste, estabelecer “consórcio imobiliário para viabilizar

financeiramente o aproveitamento do imóvel”256.

254 O coeficiente de aproveitamento é definido pela Lei nº10.257/2001, art.28, §1º, como a relação entre a área edificável e a área do terreno. O plano diretor municipal pode estabelecer coeficientes de aproveitamento mínimo para determinadas áreas da cidade, em que se pretenda promover uma maior densificação populacional e/ou construtiva. 255 Os prazos para o cumprimento das obrigações não poderão ser inferiores a: “I – um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente; e II – dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento” (Lei nº10.257/2001, art.5º, §4º, I e II). 256 Nas palavras de Daniela Campos Libório Di Sarno, a leitura da Lei nº10.257/2001 (art.46) “ não deixa dúvida quanto à

competência discricionária, atribuindo a cada caso a aferição da conveniência e oportunidade do Poder Público em aceitar ou não o consórcio imobiliário”. No entanto, ressalta que a lei municipal que estabelecer a possibilidade de utilização do

consórcio imobiliário deve prever determinados critérios para o aceite ou a recusa da proposta de realização da avença entre proprietário e Poder Público. A autora lista os requisitos que devem ser levados em consideração para a efetivação do consórcio: a) a viabilidade financeira da Administração para a realização do empreendimento; b) a ausência de condições financeiras do proprietário; e c) a compatibilidade do projeto de urbanização com a obrigação de entrega de unidades habitacionais pelo Poder Público ao proprietário. (DI SARNO, Daniela Campos Libório. Consórcio Imobiliário. In: WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.). Direito público: Estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.7-8). Deveras, a discricionariedade da Administração quanto ao aceite da proposta de consórcio imobiliário deve ser limitada pela lei municipal que prevê a utilização do instituto, sob pena de tratamento desigual a proprietários interessados em realizar a avença com o Município. O aceite ou a recusa do Poder Público devem ser, em todos os casos, motivados.

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A intenção do legislador é evitar a aplicação inútil dos instrumentos que visam

compelir o proprietário a parcelar, edificar ou utilizar seu imóvel de acordo com os

parâmetros definidos no plano diretor. Em alguns casos, a imposição dessas sanções não

surtirá efeito algum, especialmente se o proprietário não dispuser de recursos financeiros para

atender à obrigação imposta. De outra parte, muitas vezes a urbe não dispõe de recursos

públicos suficientes para expropriar o bem. Nesses casos, será mantida a cobrança do IPTU

pela alíquota máxima (Lei nº10.257/2001, art.7º, §2º). Porém, se ainda assim o proprietário

não cumprir suas obrigações, a função social do imóvel continuará desatendida e os objetivos

do instrumento urbanístico permanecerão inalcançados.

Ademais, a indenização pela expropriação é paga com títulos de dívida pública,

que dependem da aprovação do Senado Federal que, por sua vez, conforme as circunstâncias

e o montante da dívida do Município, pode negar a autorização para emissão de novos

títulos.257

Assim, pode o consórcio imobiliário ser instituído como uma forma de

viabilizar financeiramente o plano de urbanização ou de edificação. Por meio do consórcio, “o

proprietário transfere ao Poder Público municipal o seu imóvel e, após a realização das obras,

recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas”

(art.46, §1º, do Estatuto da Cidade).

Dessa forma, o Poder Público não arcará com os custos da expropriação, pois o

imóvel será transferido voluntariamente ao Município e o pagamento será realizado somente

após a conclusão das obras258. Caso a Administração não conte com recursos necessários para

realizar as obras de urbanização (parcelamento, edificação ou utilização nos termos do plano

diretor), o imóvel sobre o qual recairá a obrigação poderá ser alienado ou concedido a 257 Regis Fernandes de Oliveira, dissertando a respeito da previsão do §1º do art. 8º do Estatuto da Cidade, defende que a exigência de prévia aprovação do Senado da República para a emissão dos títulos representa uma limitação ao Poder Público para a efetivação da desapropriação em tela. Ressalta o autor, outrossim, que, “nos termos do art.28 da Resolução 43, de

2001, depende de autorização específica do Senado Federal a emissão de títulos da dívida pública (III)”. (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da cidade. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.69). Com efeito, prescreve o art.28 da Resolução 43/2001 do Senado Federal (que dispõe sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização) que “são sujeitas a autorização específica do Senado Federal, as seguintes modalidades de operações: I – de crédito externo; II – decorrentes de convênios para aquisição de bens e serviços no exterior; III – de emissão de títulos da dívida pública; IV – de emissão de debêntures ou assunção de obrigações por entidades controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios que não exerçam atividade produtiva ou não possuam fonte própria de receitas. Parágrafo único. O Senado Federal devolverá ao Ministério da Fazenda, para as providências cabíveis, o pedido de autorização para contratação de operação de crédito cuja documentação esteja em desacordo com o disposto nesta Resolução”. Vale ressaltar que, conforme art.52, VI e IX, da Constituição Federal, é de competência privativa do Senado a fixação do limite global para o montante da dívida consolidada dos Municípios, bem como o estabelecimento do limite global e das condições para o montante de sua dívida mobiliária. 258 Trata-se, de acordo com José dos Santos Carvalho Filho, do instituto da permuta, pois há “uma troca de bens imóveis com

correspondência de preço, ou seja, uma aquisição relacionada a uma alienação (rem pro re)”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.312).

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terceiros mediante licitação, em regra (art.8º, §5º, do Estatuto da Cidade)259, para que o

adquirente ou concessionário realize as obras necessárias e transfira as unidades imobiliárias

urbanizadas ao antigo proprietário, nos termos do consórcio imobiliário efetivado com a

Administração Municipal. Por meio desses procedimentos, é possível cumprir a função social

da propriedade urbana sem dispender vultosos recursos públicos nem impor sanções

tributárias e expropriatórias ao proprietário privado, as quais, no mais das vezes, são

ineficazes para os fins a que destinam.

O instrumento é típico da Administração Consensual ou Concertada, cujas

linhas gerais foram apresentadas no início desse capítulo. Ao invés de impor medidas

unilaterais (aumento progressivo da alíquota do IPTU ou desapropriação-sanção), o Poder

Público, buscando fazer a propriedade privada cumprir sua função social e se adequar às

prescrições do plano diretor, realiza um acordo com o proprietário, mediante o consórcio

imobiliário. Em muitos casos, o consenso pode ser bem mais eficaz do que a mera imposição

de uma obrigação que, no mais das vezes, não será cumprida. Nas hipóteses nas quais o

proprietário não aceitar o acordo com a Administração, esta continuará dispondo dos

instrumentos sancionatórios previstos na Lei nº10.257/2001 (arts.7º e 8º), a fim de obrigar o

particular a utilizar seu imóvel urbano de acordo com o plano diretor municipal.

3.8.1 Valor das unidades imobiliárias

Segundo o Estatuto da Cidade (art.46, §2º): “o valor das unidades imobiliárias

a serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel antes da execução

das obras, observado o §2º do art.8º desta Lei”. O legislador, nesse particular, considerou o

fato de que as obras de urbanização realizadas por meio do consórcio imobiliário irão

valorizar os imóveis abrangidos pela operação. Mas a mais-valia imobiliária decorrerá, nesse

caso, dos investimentos realizados pela própria Administração (ou por terceiros, no caso de

alienação ou concessão das obras). Assim, ao proprietário é devido o preço atribuível ao 259 Nos termos desse dispositivo, o aproveitamento do imóvel desapropriado em função do não cumprimento de sua função social pode ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se o devido procedimento licitatório. Não obstante, nada impede que, por analogia, o imóvel transferido à Administração por meio do consórcio imobiliário também seja objeto de alienação ou concessão, a fim de que terceiros promovam a sua utilização de acordo com o que dispõe o plano diretor municipal. Vale destacar, contudo, as observações feitas por Daniela Campos Libório Di Sarno a respeito do prazo de que o Poder Público dispõe para conferir ao imóvel utilização conforme as prescrições do plano diretor municipal. No entender da autora, a Administração contará com o prazo de cinco anos a contar da incorporação do imóvel ao patrimônio público, em face da aplicação analógica do art.8º, §4º do Estatuto da Cidade, sob pena de incorrer o Prefeito em improbidade administrativa (art.52, II, da mesma lei federal). (DI SARNO, Daniela Campos Libório. Consórcio Imobiliário. In: WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.). Direito público: Estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.9).

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imóvel antes da realização das obras. Trata-se de aplicar os princípios da justa distribuição

dos bônus da atividade urbanística (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX,) e da recuperação dos

investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (Lei

nº10.257/2001, art.2º, XI,).260

Todavia, a Lei nº10.257/2001 (art.46, §2º) determina que seja observado o seu

art.8º, §2º, para o cálculo do valor do imóvel objeto do consórcio imobiliário. Esse último

dispositivo oferece os parâmetros para o cálculo do montante que deve ser pago em razão da

desapropriação-sanção aplicada face ao descumprimento da função social da propriedade

urbana, após cinco anos da cobrança do IPTU progressivo no tempo. Reza o preceito que o

valor da indenização refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante

incorporado em função de obras feitas pelo Poder Público no local do imóvel (inciso I), e não

computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios (inciso II).

Ou seja, quer o dispositivo que o valor das unidades urbanizadas utilizadas

como pagamento pela transferência do bem corresponda ao valor venal do imóvel original.

Ora, aplicar dessa forma o cálculo para fixar o preço do imóvel objeto do

consórcio imobiliário contraria o princípio que veda o enriquecimento ilícito (nesse caso, da

Administração). O Município que firma o consórcio com o particular deve ressarci-lo (por

meio de unidades imobiliárias urbanizadas) pelo valor real do bem antes das obras, e não pelo

seu valor venal.

O valor venal do imóvel – que serve como base de cálculo do imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana (Código Tributário Nacional, art.33) não reflete, na

maioria das vezes, o preço do imóvel no mercado imobiliário. Assim, se o particular receber,

como preço pela transferência, unidades imobiliárias que correspondam ao valor venal do

imóvel original, certamente terá prejuízo ilegítimo, e dificilmente aceitará realizar o consórcio

imobiliário com o Município. O proprietário privado deve receber, na verdade, o valor fixado

em avaliação prévia, feita antes das obras de urbanização.

A previsão para receber indenização calculada pelo valor venal, no caso da

desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública (Estatuto, art.8º, §2º), decorre do

caráter sancionatório desse tipo de desapropriação.261 Entretanto, na hipótese do consórcio

260 Em comentário ao preceito em questão, José dos Santos Carvalho Filho explica que a “ratio legis reside no equilíbrio entre os interesses em jogo: nem, de um lado, o proprietário será prejudicado quanto ao preço (que será, na verdade, o que correspondia realmente ao imóvel não fossem as obras), nem, de outro, se locupletará da valorização do imóvel em razão das obras executadas pelo Município”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.316). 261 Vale ressaltar que há discussão doutrinária sobre a possibilidade de ser fixada a indenização sobre o valor venal do imóvel mesmo no caso da desapropriação sancionatória prevista na Lei nº10.257/2001, art. 8º. Clóvis Beznos, por exemplo, defende

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imobiliário, não há exercício do poder sancionatório da Administração. Ao contrário, existe

um contrato firmado com o proprietário privado, por meio do qual este transfere ao Poder

Público seu imóvel e recebe o pagamento na forma de unidades imobiliárias resultantes das

obras urbanísticas realizadas. A natureza consensual do instituto impede que o particular seja

sancionado com o recebimento de montante calculado sobre o valor venal de sua propriedade,

especialmente se estiver abaixo do preço de mercado.262

que a indenização nesse caso deve ser calculada com base no preço real do imóvel. Afirma o autor que inexiste dúvida “quanto ao fato de que, sendo o fundamento jurídico desse tipo de desapropriação a prática de um ilícito, a indenização pode e deve ser diferenciada da incidente na desapropriação por necessidade, utilidade pública ou interesse social, tendo, assim, um caráter de pena. Todavia, o desapropriado já é suficientemente sancionado pelo fato de não receber a indenização prévia e em dinheiro, mas sim em parcelas anuais, em até dez anos, em títulos que não se prestam sequer como meio de pagamento de tributos, conforme a previsão do §3º do art.8º.” Por outro lado, para o jurista, não haveria razão jurídica para o discrímen entre a indenização paga através de títulos da dívida nos casos da desapropriação de imóveis rurais que não cumpram sua função social, a qual, segundo o preceituado pelo art.184 da Constituição, deve ser justa, e aquela paga nos casos da desapropriação de imóveis urbanos que não cumpram sua função social (art.182 da CF). Assim, inexistindo razão jurídica para tal diferenciação, dada a “idêntica situação de descumprimento da função social da propriedade, somente se pode

concluir que o asseguramento do ‘valor real da indenização’, tal como prevê o art.182, quer significar a mesma coisa que ‘justa indenização’”. Destarte, o autor considera inconstitucional o inciso I do §2º do art.8º do Estatuto da Cidade, pois o atendimento à sua previsão pode resultar na perda da propriedade através do pagamento de quantia injusta, dada a prefixação, pela própria Municipalidade, do valor que serve de base de cálculo para a cobrança do IPTU. Assim, em vista da possibilidade de não ficar indene o proprietário, o dispositivo legal vulneraria o preceito da real indenização previsto pelo art.182, §4º, III, da Constituição Federal. (BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em nome da política urbana (art. 8º). In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da Cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001).1.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.132-133). Em sentido contrário, Victor Carvalho Pinto defende que a expressão valor real da indenização (art.182, § 4º, III, da Constituição e da Lei nº10.257/2001, art.8º, §2º) é empregada apenas no sentido de garantir a correção monetária do valor do título utilizado como forma de pagamento. Para o autor, a expressão “justa indenização foi

empregada apenas para o caso da desapropriação ordinária (art.182 §3º)”, e a Constituição Federal, ao tratar dos direitos individuais, impôs o caráter prévio e justo da indenização em caso de desapropriação, mas ressalvou expressamente as hipóteses previstas em seu texto (art.5º, XXIV). Ou seja, segundo o dispositivo, a regra é a indenização prévia e justa, mas podem existir exceções, que serão previstas na própria Constituição Federal, como é o caso da desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública ora em estudo, prevista no art.182, §4º, III. (PINTO, Victor Carvalho. Da desapropriação com pagamento em títulos. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da cidade comentado: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.147). Adota-se o primeiro posicionamento. A indenização pela perda do imóvel deve ser justa, independentemente de se tratar ou não de desapropriação sancionatória. A sanção está exatamente no fato do pagamento não ser prévio à perda da propriedade do bem, já que realizado por meio de títulos de dívida pública resgatáveis em até dez anos. Ademais, conforme ressaltado por Clóvis Beznos, não há razão para diferenciar a desapropriação-sanção para fins urbanísticos da desapropriação-sanção para fins de reforma agrária, cuja indenização, por expressa disposição constitucional (art.184 da Carta), deve ser justa. (BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em nome da política urbana (art.8º). In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da Cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001).1.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.132-133). 262 Nessa mesma direção, José dos Santos Carvalho Filho afirma que “se é verdade que, no caso da desapropriação

urbanística sancionatória, a providência retrata efetivamente um tipo de punição, porque resultante da recalcitrância do proprietário em atender à obrigação urbanística, no caso do consórcio imobiliário inexiste qualquer ranço punitivo, revelando-se mesmo através dele, como dissemos, verdadeiro acerto entre o Município e o proprietário. Desse modo, o cálculo da indenização naquela hipótese – calcado no valor que serve de base para o IPTU – revela-se justificável, mas o mesmo não se pode dizer, em nossa visão, em relação ao valor correspondente ao pagamento das unidades imobiliárias no caso de consórcio. Na medida em que não há desiderato sancionatório nesse instrumento, deveria a norma legal exigir que, antes de autorizado e implementado o consórcio imobiliário, fosse o imóvel previamente avaliado pelo órgão competente do Município, que, para tanto, deveria considerar o preço do mercado imobiliário em geral, inclusive aquele sugerido por bolsas locais de avaliação imobiliária”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.317).

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3.8.2 Consórcio imobiliário e concessão urbanística

Cabe destacar que a Lei Municipal nº13.430/2002 (Plano Diretor Estratégico

do Município de São Paulo) 263, que dispõe sobre a concessão urbanística no art.239, autoriza

a concessionária a receber imóveis doados pelos seus proprietários para a viabilização

financeira do seu aproveitamento por meio de consórcios imobiliários (art.46 do Estatuto da

Cidade).

Assim, a concessionária pode receber os imóveis doados pelos proprietários

nos termos das prescrições sobre o consórcio imobiliário – da mesma forma que o Poder

Público o faria –, a fim de executar o projeto de requalificação urbanística objeto da

concessão. Findas as obras, o proprietário receberá as unidades imobiliárias resultantes da

urbanização como pagamento pela transferência inicial do seu patrimônio. Estas operações

devem ser disciplinadas no contrato de concessão urbanística firmado entre a concessionária e

a Administração Municipal.

É possível ainda aplicar conjuntamente os três instrumentos jurídicos do

urbanismo concertado referidos. Com efeito, o consórcio imobiliário pode ser utilizado no

âmbito de uma concessão urbanística pela própria concessionária e esta, por sua vez, tem o

condão de atuar no perímetro de uma operação urbana consorciada, caso a lei municipal assim

o permita.264

263 Art.239. “O Poder Executivo fica autorizado a delegar, mediante licitação, à empresa, isoladamente, ou a conjunto de

empresas, em consórcio, a realização de obras de urbanização ou de reurbanização de região da Cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor Estratégico. §1º – A empresa concessionária obterá sua remuneração mediante exploração, por sua conta e risco, dos terrenos e edificações destinados a usos privados que resultarem da obra realizada, da renda derivada da exploração de espaços públicos, nos termos que forem fixados no respectivo edital de licitação e contrato de concessão urbanística. §2º – A empresa concessionária ficará responsável pelo pagamento, por sua conta e risco, das indenizações devidas em decorrência das desapropriações e pela aquisição dos imóveis que forem necessários à realização das obras concedidas, inclusive o pagamento do preço de imóvel no exercício do direito de preempção pela Prefeitura ou o recebimento de imóveis que forem doados por seus proprietários para viabilização financeira do seu aproveitamento, nos termos do art.46 da Lei Federal nº10.257, de 10 de julho de 2001, cabendo-lhe também a elaboração dos respectivos projetos básico e executivo, o gerenciamento e a execução das obras objeto da concessão urbanística. §3º – A concessão urbanística a que se refere este artigo reger-se-á pelas disposições da Lei Federal nº8.987, de 13 de fevereiro de 1995, com as modificações que lhe foram introduzidas posteriormente, e, no que couber, pelo disposto no art.32 da Lei Estadual nº7.835, de 08 de maio de 1992”. 264 A Lei Complementar nº101/2009 do Município do Rio de Janeiro, que instituiu a Operação Urbana Consorciada da

Região do Porto do Rio, no seu art.32, §1º, permite a realização de consórcio imobiliário no âmbito da operação consorciada. Reza o dispositivo que “o Poder Público poderá facultar aos proprietários de imóveis necessários à implantação do programa

básico de ocupação da área sua transferência ao Município, recebendo como pagamento unidades imobiliárias resultantes da intervenção, sendo considerado, para os fins deste artigo o valor do imóvel antes da execução das obras”.

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3.9 Instrumentos jurídicos do urbanismo concertado no direito comparado

A doutrina pátria costuma afirmar que a operação urbana consorciada é um

instituto que se assemelha aos sistemas de compensación e cooperación, previstos no Direito

Espanhol, e às zones d´aménagement concerté(Z.A.C.), previstas no Direito francês.265

Ocorre que, na verdade, as semelhanças entre os instrumentos estão mais

ligadas aos princípios jurídicos comuns que lhes servem de fundamento do que às regras que

compõem as suas disciplinas normativas.266 Com efeito, trata-se de institutos de urbanismo

concertado baseados em princípios como o da justa distribuição dos benefícios e ônus

decorrentes da atividade urbanística267 e o da recuperação dos investimentos do Poder Público

de que tenha resultado a valorização dos imóveis urbanos. Entretanto, as regras legais que

definem os seus procedimentos não são equivalentes.

Não obstante essas diferenças, a comunhão de princípios justifica um breve

estudo desses instrumentos de direito estrangeiro, assim como a comparação entre eles e o

instituto da operação urbana consorciada previsto no ordenamento pátrio.

3.9.1 Sistemas de execução dos planos urbanísticos no Direito espanhol

A legislação urbanística espanhola268 prevê três sistemas de execução de planos

urbanísticos: expropriação, cooperação e compensação.269 Nas palavras de Tomás-Ramón

265 Por todos, SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.368; e LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da

cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.284-287. 266 Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira explicam que a comparação entre o modelo brasileiro e os modelos europeus deve ser feita com extrema cautela. Afirmam os autores que “urbanistas com longa experiência na administração pública paulistana concordam que o exemplo francês, que se concretizou nas ZACs – Zones d´Aménagement Concerté, teve alguma influência quando se iniciaram as discussões sobre as operações consorciadas no Brasil. Entretanto, as diferenças são enormes, e hoje dificilmente alguma comparação pode ser feita”. (MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.224). 267 Ou solidaridad de beneficios y cargas, como indicam a doutrina e a legislação espanhola. (FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p. 165). 268 Tomás-Ramón Fernández fornece breve histórico acerca da legislação urbanística espanhola. Ensina o autor que a Lei do Solo e Ordenação Urbana de 12 de maio de 1956, que constituiu a primeira grande sistematização do direito urbano ibérico, foi objeto de importantes reformas, primeiramente pela Lei de 2 de maio de 1975, que deu lugar ao Texto Refundido de 1976 e, depois, pela Lei de 25 de julho de 1990, à qual se seguiu o Texto Refundido de 25 de junho de 1992. O primeiro desses Textos Refundidos segue sendo aplicável diretamente nas cidades de Ceuta e Melila, e com caráter supletivo no resto da Espanha. Já o Texto de 1992 deu lugar à Lei estatal sobre Regime do Solo e Valorações de 13 de abril de 1998, que foi derrogada pela Lei nº8, de 28 de maio de 2007. O Texto Refundido de 20 de junho de 2008 utiliza agora os preceitos da última das leis citadas e os do Texto Refundido de 1992 não afetados pela reforma de 1998. (FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011 p. 20-21, tradução livre).

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Fernández, os três métodos têm um objetivo comum: assegurar não somente a execução do

planejamento, mas também o retorno à comunidade de uma parte das mais-valias geradas pela

atividade urbanística. No entanto, prossegue o autor, os três se diferenciam pelo maior ou

menor grau de participação dos proprietários privados no processo.270

3.9.1.1 O sistema de expropriación

Nesse sistema, o protagonismo e a responsabilidade pela execução do plano

cabem integralmente à Administração Pública, que desapropria e urbaniza os imóveis

localizados no perímetro da operação de acordo com o plano e depois os aliena, recebendo a

mais-valia inerente ao aumento do valor imobiliário experimentado pela urbanização.271

Trata-se de hipótese de desapropriação urbanística, pela qual, após assumir a titularidade dos

imóveis, o Poder Público revende os bens expropriados a terceiros, ressarcindo-se dos gastos

com urbanização.272 A gestão da operação pode ser diretamente realizada pela Administração

(por meio, por exemplo, de uma empresa estatal de urbanização controlada pela

Administração) ou ser objeto de concessão administrativa, instituto regulado pela legislação

espanhola273 e bastante similar à concessão urbanística disciplinada pela Lei nº14.917/2009

do Município de São Paulo.

269 O art.119 do Real Decreto nº1.346/1976, de 9 de abril, que aprova o Texto Refundido da Lei sobre Regime de Solo e Ordenação Urbana, dispõe que “La ejecución de los polígonos o unidades de actuación se realizará mediante cualquiera de los siguientes sistemas de actuación: a) compensación; b) cooperación; c) expropriación”. De forma análoga, o art.148 do Real Decreto Legislativo 1/1992, de 26 de junho, que aprova o Texto Refundido da Lei sobre regime de Solo e Ordenação Urbana, dispõe que “1. Las unidades de ejecución se desarrollarán por el sistema de actuación que la Administración elija en cada caso. 2. Los sistemas de actuación son los siguientes: a) compensación; b) cooperación; c) expropriación”. 270 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p. 162 (tradução livre). 271 PARADA, Ramón. Derecho administrativo III – Bienes públicos e Derecho urbanístico. 10.ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 499. 272 Eduardo García de Enterría e Luciano Parejo Alfonso afirmam que esse sistema nada mais é do que modalidade de desapropriação especial por razões de urbanismo, figura esta de grande tradição no Direito Espanhol. Ensinam os autores que já as leis de maior destaque do século XIX – a Lei de Ensanche de 26 de junho de 1892 e a de Melhoria, Saneamento e Reforma Interior das Populações de 18 de março de 1895 – aplicavam o instituto expropriatório para fins urbanísticos, apesar de não terem introduzido especificidades significativas em relação ao regime geral de desapropriação. (GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de derecho urbanístico I. Madrid: Civitas, 1979, p. 551, tradução livre). 273 O art.114.2 do Texto Refundido da Lei sobre regime de Solo e Ordenação Urbana de 9 de abril de 1976 determinava que “La ejecución de los Planes mediante el sistema de expropiación, puede ser objeto de concesión administrativa, que se otorgará mediante concurso, en cuyas bases se fijarán los derechos y obligaciones del concessionário”. A concessão administrativa para fins urbanísticos foi disciplinada, na Espanha, pelo Regulamento de Gestão Urbanística, aprovado pelo Real Decreto 3288/1978, de 25 de agosto. O seu art.211 previa “que El Estado, las Entidades Locales y las Entidades urbanísticas especiales podrán ejecutar los Planes de ordenación através de concesión administrativa, cuando el sistema de actuación sea el de expropiación”. E o art.212 do mesmo Regulamento determinava que a concessão seria outorgada mediante procedimento licitatório, com a fixação dos direitos e obrigações do concessionário, da Administração e de terceiros. O dispositivo fixava ainda os requisitos mínimos para a realização do certame: plano urbanístico cuja execução seria concedida e polígono ou unidade de atuação atingida; obras e instalações que o concessionário deveria executar, indicando as que deveriam ser entregues à Administração e as que não seriam a esta transferidas; obras e instalações da Administração cedidas temporariamente ao concessionário; prazo de execução das obras e de exploração dos serviços

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A operação expropriatória pressupõe a delimitação precisa do perímetro

atingido para a definição exata dos proprietários e dos bens afetados, já que o plano

urbanístico especificado para a área – cuja aprovação comporta a declaração de utilidade

pública e a necessidade de ocupação (Texto Refundido da Lei do Solo de 2008, art.29.2)274 –

não contém essas determinações.

Além de ser utilizada como um sistema de execução de planejamento, a

expropriação, no direito espanhol, também cumpre outras funções em matéria urbanística,

como a de constituir reservas fundiárias, a de sanção pelo descumprimento da obrigação de

utilizar o imóvel de acordo com a lei e a de obter terrenos para construir habitações

populares.275

3.9.1.2 O sistema de compensación (compensação)

Enquanto no sistema de expropriação não há qualquer participação dos

particulares no processo de execução do plano, no sistema de compensação ocorre justamente

o contrário. São os proprietários agrupados em uma Junta de Compensação que realizam –

por si mesmos e a seu custo – todas as operações necessárias à completa execução do plano

(obras de urbanização, distribuição dos benefícios e ônus, reparcelamento etc.), atuando como

agentes descentralizados da Administração Pública e valendo-se, inclusive, de poderes a ela

inerentes, como o poder de desapropriar.276 Trata-se de um sistema de autoadministração,

públicos na zona a urbanizar, sem que esse último pudesse exceder trinta anos, salvo determinação em contrário da lei reguladora do serviço; especificação das faculdades fiscalizatórias da Administração em relação à exploração dos serviços públicos; determinação dos fatores que serão levados em conta para a fixação dos preços de venda dos lotes resultantes; reservas para edifícios e serviços públicos, assistenciais e sociais; reservas para habitação social e para cessão de terrenos em regime de direito de superfície; tarifas a serem cobradas pela exploração dos serviços concedidos, com decomposição de seus fatores para o caso de revisão; prazo e forma de entrega das obras executadas pelo concessionário; valores a serem pagos pela outorga da concessão, que poderia consistir na entrega à Administração de uma participação nos benefícios do concessionário, seja em dinheiro, seja em terrenos edificáveis ou edificados; deveres de conservação até sua entrega e de manutenção e conservação dos serviços até o término do prazo concessório; relações entre o concessionário e os proprietários de terrenos no âmbito da execução do plano e entre aquele e os adquirentes de lotes edificáveis, até que se executasse totalmente o plano na zona concedida; sanções por descumprimento e atrasos; casos de rescisão e caducidade; garantia a ser prestada pelo concessionário; demais circunstâncias deduzidas da legislação geral de contratos do Estado e do regime local, cujos preceitos seriam aplicáveis como suplementares. Vê-se que tais requisitos são bastante similares aos exigidos pelo art.15 da Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo, que disciplinou entre nós a concessão urbanística. 274 Art.29.2: “La aprobación de los instrumentos de la ordenación territorial y urbanística que determine su legislación reguladora conllevará la declaración de utilidad pública y la necesidad de ocupación de los bienes y derechos correspondientes, cuando dichos instrumentos habiliten para su ejecución y ésta deba producirse por expropiación”. 275 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.177 (tradução livre). 276 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.162 (tradução livre). Nesse sentido, o art.4.2. do Texto Refundido da Lei Espanhola de Solo e Ordenação Urbana de 1976 já determinava que “La gestión pública suscitará, en la medida más amplia posible, la iniciativa privada y la sustituirá, cuando ésta no alcanzare a cumplir los objetivos necesarios, con las compensaciones que esta Ley establece. En la formulación, tramitación y gestión del planeamiento urbanístico, los Órganos

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característico do Estado subsidiário, no qual os proprietários privados assumem a execução do

planejamento em todas as suas facetas; a Administração é chamada a intervir somente na

hipótese de insucesso da operação urbana realizada pela Junta de Compensação.

A definição legal do instituto foi prevista pelo Texto Refundido da Lei

Espanhola sobre o Regime do Solo e Ordenação Urbana de 1992 (art.157). Segundo este

dispositivo, no sistema de compensação os proprietários aportam os terrenos de cessão

obrigatória e realizam a seu custo a urbanização nos termos do plano, agrupando-se na Junta

de Compensação, salvo nos casos em que todos os terrenos pertençam a um só titular.277

Assim, a execução do plano urbanístico fica a cargo dos proprietários de imóveis

situados no perímetro da operação. Cada um desses proprietários cede uma parcela do seu

patrimônio imobiliário necessária para realizar as obras de urbanização da área definida. As

obras são executadas pela empresa contratada pela Junta de Compensação ou por aquelas

urbanizadoras a ela incorporadas. Ao término das obras, adjudica-se a cada um dos

proprietários que cederam seus imóveis as novas parcelas do polígono já urbanizadas (nos

termos do projeto de compensação, que deve ser aprovado no início da operação pela

Administração e pela maioria de dois terços das cotas de participação), calculadas de acordo

com o patrimônio aportado por cada membro da Junta.278 É dessa forma que se realiza a justa

distribuição dos benefícios e ônus da atividade urbanística: os proprietários que arcaram com

o custo da urbanização recebem o solo urbanizado e valorizado pelas obras, ressarcindo-se

dos gastos efetuados.

Por outro lado, adjudica-se à Administração o percentual dos imóveis destinados

ao sistema viário e aos equipamentos públicos previstos no plano urbanístico.

O Poder Público, por sua vez, fiscaliza a operação e pode interromper a

execução do plano por esse sistema, determinando a aplicação do sistema de cooperação ou

prosseguindo com o de expropriação.279 Constata-se, portanto, que no sistema de

compensação, embora o plano urbanístico seja executado pelos proprietários privados, a

Administração detém integralmente o controle sobre a operação. Afinal, não obstante a

competentes deberán asegurar la mayor participación de los interesados y en particular los derechos de iniciativa e información por parte de las Corporaciones, Asociaciones y particulares”. 277 Art.157. “En el sistema de compensación, los propietarios aportan los terrenos de cesión obligatoria, realizan a su costa la urbanización en los términos y condiciones que se determinen en el Plan o Programa de Actuación Urbanística y se constituyen en Junta de Compensación, salvo que todos los terrenos pertenezcan a un solo titular”. 278 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.170 (tradução livre). 279 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.172 (tradução livre).

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delegação de poderes públicos à Junta de Compensação, a titularidade da função urbanística

permanece com a Administração Pública.280

Cabe, ainda, ao Poder Público, por meio do exercício do seu poder de tutela, um

papel moderador ou arbitral na solução dos conflitos surgidos entre os proprietários de

imóveis do polígono da operação, a fim de assegurar o respeito aos direitos das minorias que

compõem a Junta de Compensação.281

Essa, por sua vez, é um agente descentralizado da Administração e responde

diretamente pela urbanização completa da unidade de execução, inclusive pela edificação dos

lotes resultantes.282 Trata-se de figura típica de autoadministração, ou seja, de exercício pelos

próprios interessados de função que cabe, em princípio, à Administração Pública.283

Vê-se que, na realidade, o sistema de compensação espanhol assemelha-se mais

à concessão urbanística, tal qual prevista na legislação paulistana (Lei nº14.917/2009), do que

à operação urbana consorciada (arts.32 a 34 do Estatuto da Cidade). Com efeito, a Junta de

Compensação assume, tal qual o concessionário urbanístico, o papel de delegatário de função

pública. Na operação urbana consorciada não existe delegação: são utilizados recursos

privados no processo de urbanização, mas a operação é dirigida integralmente pela

Administração. A semelhança entre a compensación espanhola e a operação consorciada

limita-se à fundamentação comum aos dois institutos: o princípio jurídico da justa distribuição

dos benefícios e ônus decorrentes da atividade urbanística.

3.9.1.3 O sistema de cooperación (cooperação)

No sistema de cooperação previsto na legislação urbanística espanhola, os

proprietários, tal como no sistema de compensação, aportam os terrenos de cessão obrigatória

e arcam com os custos da execução do plano urbanístico, mas é a Administração que executa

as obras de urbanização. Ou seja, diferentemente da compensação, o protagonismo do

280 Nas palavras de Tomás-Ramón Fernández, a Administração delega à Junta de Compensação certas funções públicas e, consequentemente, certos poderes decisórios, mas retém sempre a titularidade última da função e do poder delegados, reservando para si a tutela de seu exercício e a possibilidade de corrigir os erros cometidos pela Junta. (FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.167, tradução livre). 281 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.170 (tradução livre). 282 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.167-168 (tradução livre). 283 Nos dizeres de Tomás-Ramón Fernández, busca-se uma “alternativa para a gestão burocrática pura e simples de funções públicas, que são delegadas, dentro de certos limites, aos próprios interessados, cujas organizações constituem autênticos agentes descentralizados da Administração”. (FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.166-167, tradução livre).

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processo de execução do plano no sistema de cooperação é do Poder Público, e não da

iniciativa privada. Sua aplicação pressupõe o reparcelamento284 dos terrenos situados no

perímetro da operação, salvo quando resultem suficientemente equitativos os termos da

distribuição de benefícios e cargas resultantes do plano.285

A Administração assume a responsabilidade pela execução das obras de

urbanização, contratando-as com terceiros ou constituindo uma sociedade urbanizadora com

os mesmos efeitos. É o Poder Público, também, que distribui as cotas de urbanização

correspondentes a cada proprietário, podendo exigir antecipadamente os gastos a realizar com

toda a operação.286

A cooperação dos proprietários privados – que dá nome ao sistema – realiza-se

por meio de uma Associação Administrativa, à qual podem voluntariamente afiliar-se os

donos de imóveis localizados no perímetro da operação. Essa entidade auxilia o Poder Público

na vigilância das obras e colabora na cobrança das cotas de urbanização.287

A disciplina do sistema de cooperação espanhol tem semelhanças com o

regime legal da operação urbana consorciada, definido em linhas gerais pelo Estatuto da

Cidade (arts.32 a 34). Ambos os institutos estão fundamentados nos mesmos princípios

jurídicos: cooperação entre governo e iniciativa privada no processo de urbanização, inclusive

através de mecanismos de gestão democrática; justa distribuição dos benefícios e ônus

decorrentes do processo de urbanização e recuperação dos investimentos do Poder Público de

que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos. Assim como na cooperación, busca-se

284 Antonio Carceller Fernandez explica, referindo à Lei de Solo Espanhola de 1956, que o reparcelamento (reparcelación) foi criado com a finalidade de superar a desigualdade com que os proprietários percebiam e suportavam os influxos da ordenação, mediante a justa distribuição dos benefícios e cargas advindos do planejamento urbano. (FERNANDEZ, Antonio Carceller. Reparcelacion y compensacion en la gestion urbanística. Madrid: Montecorvo, 1980, p.101-102, tradução livre). O art.97-1, do Texto Refundido da Lei Espanhola de Solo e Ordenação Urbana de 1976 define o reparcelamento como o agrupamento de terrenos compreendidos em determinado perímetro para sua nova divisão, nos termos do plano urbanístico aprovado para a área, com a adjudicação das parcelas resultantes aos interessados na proporção de seus respectivos direitos. Já o art.97-2 do mesmo diploma determina que o reparcelamento tem por objeto distribuir com justiça os benefícios e ônus da ordenação urbanística e regularizar a configuração dos terrenos. Entre nós, o reparcelamento foi previsto, por exemplo, no art.239 da Lei nº13.430/2002, que institui o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Esse dispositivo autoriza o Poder Executivo a delegar, mediante licitação, à empresa ou a consórcio “a realização de obras de urbanização ou

reurbanização de região da Cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor Estratégico. O diploma em questão utiliza-se do termo reloteamento, que pode ser considerado sinônimo de reparcelamento”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico

brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.346). 285 Art.131 do Texto Refundido da Lei Espanhola de Solo e Ordenação Urbana de 1976: “Uno. En el sistema de cooperación, los propietarios aportan el suelo de cesión obligatoria y la Administración ejecuta las obras de urbanización con cargo a los mismos. Dos. La aplicación del sistema de cooperación exige la reparcelación de los terrenos comprendidos en el polígono o unidad de actuación, salvo que ésta sea innecesaria por resultar suficientemente equitativa la distribución de los beneficios y cargas. Tres. Podrán constituirse asociaciones administrativas de propietarios, bien a iniciativa de éstos o por acuerdo del Ayuntamiento, con la finalidad de colaborar en la ejecución de las obras de urbanización”. 286 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.173 (tradução livre). 287 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico. 22.ed. Madrid: Editorial El Consultor de los Ayuntamientos y de los Juzgados, 2011, p.173-174 (tradução livre).

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por meio da operação urbana consorciada custear as obras de urbanização com recursos

privados, evitando que a valorização extraordinária dos imóveis localizados na área da

operação decorra do uso de recursos públicos. Objetiva-se, outrossim, suprir a carência de

recursos orçamentários destinados à organização do espaço urbano.

Entretanto, há diferenças significativas entre os institutos. A operação urbana

consorciada não pressupõe, necessariamente, o aporte de propriedades e o reparcelamento,

não obstante nada impeça a previsão destes instrumentos na lei que cria a ação concertada. A

transferência de imóveis pode ser prevista como uma contrapartida pela concessão de

benefícios urbanísticos (Lei nº10.257/2001, art.33, VI), mas não é obrigatória. De outra parte,

a reorganização do perímetro abrangido pela operação consorciada pode ser realizada

mediante reparcelamento, mas sua instituição também não é essencial.

Além disso, não há previsão na legislação brasileira acerca da possibilidade de

se constituir uma associação administrativa pelos proprietários privados, nos termos indicados

pela lei urbanística espanhola. Isso não significa que a execução da operação urbana

consorciada prescinda de fiscalização popular. Afinal, a Lei nº10.257/2001 (art.33,VII)

determina que o controle da operação consorciada deva ser “obrigatoriamente compartilhado

com representação da sociedade civil”. Uma das formas de realizá-lo de maneira

compartilhada é criar – pela própria lei municipal que dá origem à operação consorciada –

órgãos colegiados integrados por representantes do Poder Público e da sociedade civil.288

3.9.2 As zones d´aménagement concerté (ZAC)

A doutrina nacional que trata do tema da operação urbana consorciada também

costuma compará-la a um instituto do direito urbanístico francês denominado zone

d´aménagement concerté (ZAC). Afirma-se, com frequência, que a operação urbana

consorciada do direito urbanístico brasileiro seria um instrumento similar à ZAC do direito

francês.289

288 Como exemplo, o art.40 da Lei Complementar nº101/2009 do Município do Rio de Janeiro - que institui a Operação Consorciada da Região do Porto do Rio - cria o conselho consultivo da operação, composto por um representante da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio, por três representantes do Município e por três representantes da sociedade civil. 289 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.368. LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 286. O autor afirma que “a zona de ordenação

concertada (ZAC – Zone D´Aménagement Concerté) corresponde à operação urbana consorciada prevista no art.32 do Estatuto da Cidade”.

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Há proximidade entre os dois institutos, especialmente no que se refere aos

princípios jurídicos que os fundamentam: cooperação entre o Poder Público e a iniciativa privada no processo de urbanização, justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes da atividade urbanística e recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos.

Há forte semelhança, também, entre a disciplina legal da ZAC francesa e a da

concessão urbanística, tal como prevista na Lei nº14.917/09 do Município de São Paulo,

especialmente nas hipóteses em que a ordenação da ZAC seja efetivada por meio de

concessão (concession d'aménagement), conforme demonstrado a seguir.

3.9.2.1 Origem do instituto

A zone d´aménagement concerté (ZAC), expressão que pode ser traduzida para

o português como zona de ordenação urbanística concertada, é um instrumento de direito

urbano criado pela lei francesa de uso e ocupação do solo de 1967 (loi d´orientation

foncière).290

Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet afirmam que o regime das ZAC

ficou conhecido por substituir outro instrumento urbanístico, conhecido como zones à

urbaniser en priorité (ZUP), criado por um decreto de 31 de dezembro de 1958.291 A técnica

da ZUP, ou zona de urbanização prioritária, visava realizar amplas operações de construção

em um determinado perímetro urbano, especialmente nas áreas periféricas das cidades

francesas. Esse método foi largamente utilizado no período do pós-guerra, quando necessária

a edificação massiva de unidades habitacionais e de equipamentos urbanos.292 Dentro do

perímetro da ZUP era instituído um direito de preempção em favor da Administração, a fim

de que o Poder Público pudesse adquirir os terrenos sem a necessidade de arcar com os altos

custos do processo expropriatório.293

290 Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin explicam que a instituição das ZAC, pela lei de ordenação urbana francesa de 1967, buscou criar entre as coletividades, os órgãos de ordenação urbanística e os proprietários privados uma autêntica concertação a serviço do urbanismo operacional. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit de

l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.139, tradução livre). 291 AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p. 275. 292 GRANELLE, Jean Jaques. As experiências da política fundiária na França. Tradução de Claudia M. Dutra. In: PESSOA,

Álvaro (Coord.) Pessoa. Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica . Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p.46. 293 GRANELLE, Jean Jaques. As experiências da política fundiária na França. Tradução de Claudia M. Dutra. In: PESSOA,

Álvaro (Coord.) Pessoa. Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p.46. Explica o autor que, em vista da instituição do direito de

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As ZUP foram utilizadas na França como uma resposta à grande demanda por

moradia existente à época de sua criação e tornaram-se, basicamente, áreas para a construção

de habitação social. No entanto, após um período de larga utilização do instrumento,

iniciaram-se fortes críticas à sua aplicação, especialmente em função da monotonia presente

nos grandes conjuntos habitacionais (grands ensembles) edificados no perímetro das ZUP e

do tipo de urbanização adotado, considerado muito denso.294

Em resposta a essas críticas foram instituídas as ZAC, representativa de uma

técnica urbanística mais flexível, que afasta o caráter puramente intervencionista e impositivo

das ZUP. A criação da ZAC permitiu conceber uma regulamentação de urbanismo própria

para determinado perímetro urbano, além de permitir que a operação fosse executada por um

ente privado, parceiro do Poder Público.295

Nessa direção, podemos afirmar que a criação da ZAC representou a passagem

do urbanismo operacional para o urbanismo de concertação. O Estado Francês deixou de lado

a concepção puramente tecnocrática de urbanismo, caracterizada pela rigidez dos planos e

pela unilateralidade das decisões em matéria de organização do espaço urbano. A atividade

urbanística passou a contar, definitivamente, com a participação da iniciativa privada nos seus

processos decisórios e no financiamento das operações urbanas. Dessa forma, o art.L 300-2

do Código de Urbanismo Francês (Code de l´urbanisme) preceitua que a ZAC seja criada a

partir da concertação entre os habitantes, as associações locais e os demais interessados, que

deve perdurar, especialmente, durante a elaboração do projeto da operação.296

preempção nas ZUP, todo o proprietário que desejasse alienar seu terreno deveria declarar, previamente, o preço da transação, por meio de uma declaração de intenção de alienar (Déclaration d´Intention d´Aliener – D.I.A.). Um órgão vinculado ao Ministério das Finanças (Service des Domaines) verificava se o preço declarado era especulativo. Em caso positivo, o proprietário não podia alienar o bem (a não ser que diminuísse o preço inicial) e esse mesmo órgão fixava um preço pelo qual o terreno poderia ser adquirido pelo Poder Público, titular do direito de preempção. Buscava-se, assim, evitar que a Administração fosse obrigada a arcar com o aumento artificial do preço dos imóveis decorrente da operação urbana, em respeito ao princípio da justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização. O mesmo autor explica que, em complemento ao regime da ZUP, foram criadas, a partir de 1962, as ZAD – Zones d´Amenágement Differé (zonas de urbanização futura). Sua criação foi justificada porque a especulação fundiária, que era controlada no perímetro da ZUP, acabava por se estender às suas áreas limítrofes. Assim, as áreas vizinhas à ZUP também passaram a ser submetidas ao exercício do direito de preempção pelo Poder Público. O direito de preempção é disciplinado, entre nós, pelos arts.25 a 27 do Estatuto da Cidade, mas não está previsto por esses dispositivos qualquer mecanismo de fixação de preço de venda dos imóveis por órgão governamental. 294 GRANELLE, Jean Jaques. As experiências da política fundiária na França. Tradução de Claudia M. Dutra. In: PESSOA,

Álvaro (Coord.) Pessoa. Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p.46. Sobre a questão, o autor ressalta ainda que “não se deve esquecer que o principal objetivo das ZUP era o de responder, quantitativamente, a uma demanda habitacional, o que explica a inexistência de considerações de ordem qualitativa”. 295 AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.276. 296 L 300-2 I. “Font l'objet d'une concertation associant, pendant toute la durée de l'élaboration du projet, les habitants, les associations locales et les autres personnes concernées : […] 2° La création d'une zone d'aménagement concerte”. Disponível em : <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 3 dez. 2013. De forma análoga, o art.32, §1º do Estatuto da Cidade prevê que a operação consorciada, embora coordenada pelo Poder Público, deve contar com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados.

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3.9.2.2 Finalidades da ZAC

Atualmente, as ZAC são regidas pelos arts.L 311-1 a L 311-8 (parte legislativa)

e R 311-1 a R 311-12 (parte regulamentar) do Código de Urbanismo Francês.

Pela leitura conjugada dos arts.L 311-1 e L 311-5 do Code297, as ZAC podem

ser compreendidas como as zonas no interior das quais a Administração Pública decide

intervir para realizar, diretamente ou por via de concessão, a (re)ordenação urbanística e a

implantação dos equipamentos urbanos. A iniciativa da criação de uma ZAC pode partir do

Estado, de uma coletividade territorial298 ou de um estabelecimento público299 vocacionado à

realização do objeto da operação.300

Conforme ensinam Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet, a

possibilidade de se utilizar a ZAC é bem ampla. O procedimento pode ser aplicado para toda a

sorte de ações de reordenação urbana: ordenar uma zona de lazer, criar um distrito

habitacional, reordenar um setor periférico ou revitalizar um bairro antigo, dentre outras.301

Na realidade, o instrumento é utilizável para quaisquer das finalidades indicadas no art.L 300-

1 do Código de Urbanismo Francês, dispositivo que define os objetivos das opérations

d'aménagement (operações de reordenamento do espaço urbano).302

297 Código Urbanístico Francês, art.L311-1: “Les zones d'aménagement concerté sont les zones à l'intérieur desquelles une collectivité publique ou un établissement public y ayant vocation décide d'intervenir pour réaliser ou faire réaliser l'aménagement et l'équipement des terrains, notamment de ceux que cette collectivité ou cet établissement a acquis ou acquerra en vue de les céder ou de les concéder ultérieurement à des utilisateurs publics ou privés”. As zonas de ordenação urbanística concertada são as zonas no interior das quais uma coletividade pública ou um estabelecimento público competente decide intervir para realizar ou fazer realizar a ordenação e a implantação dos equipamentos urbanos nos terrenos situados no seu perímetro, especialmente daqueles que essa coletividade ou esse estabelecimento público tenha adquirido ou adquirirá com o objetivo de cedê-los ou concedê-los ulteriormente a usuários públicos ou privados (tradução livre). Código Urbanístico Francês, art.L.311-5: “L'aménagement et l'équipement de la zone sont conduits directement par la personne

publique qui a pris l'initiative de sa création ou concédés par cette personne publique, dans les conditions précisées aux articles L.300-4 et L.300-5”. A ordenação urbanística e a instalação dos equipamentos urbanos são conduzidas diretamente pela pessoa pública que tomou a iniciativa de sua criação ou concedidas por esta mesma pessoa pública, nas condições prescritas pelos arts.L.300-4 e L.300-5 do mesmo Código (tradução livre). Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/ >. Acesso em: 29 nov.2013. 298 De acordo com André de Laubadère as coletividades são os departamentos (départements), as comunas (communes) e os territórios do além-mar e regiões (territoires d´outre-mer et régions). Trata-se da divisão territorial do Estado Francês. São dotadas de personalidade jurídica e constituem a sede de uma administração local encarregada de gerir os interesses locais (LAUBADÈRE, André de. Traité Elémentaire de Droit Administratif. Atualizado por Yves Gaudemet. 16.ed. Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence (LGDJ), 2001, p.132-133, Tome 1, tradução livre). 299 Ensina André de Laubadère que o établissement public (estabelecimento público) é uma pessoa jurídica de direito público especialmente criada para a execução de determinado serviço público (LAUBADÈRE, André de. Traité de droit

administratif, p.288-289, Tome 1, tradução livre). Trata-se de figura equivalente à autarquia. 300 Art.R 311-1 do Código de urbanismo francês: “L'initiative de création d'une zone d'aménagement concerté peut être prise par l'Etat, une collectivité territoriale ou par un établissement public ayant vocation, de par la loi ou ses statuts, à réaliser ou à faire réaliser l'objet de la zone”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 2 dez. 2013. 301 AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.276-277. 302 Art.L 300-1. “Les actions ou opérations d'aménagement ont pour objets de mettre en oeuvre un projet urbain, une politique locale de l'habitat, d'organiser le maintien, l'extension ou l'accueil des activités économiques, de favoriser le

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A legislação citada permite, ainda, que os terrenos resultantes da operação

urbana, adquiridos previamente pela Administração (ou pelo concessionário), sejam alienados

ou cedidos a pessoas públicas ou privadas. Por meio da alienação dos imóveis resultantes

desse processo de reurbanização, o Poder Público (ou o concessionário) recupera as despesas

realizadas com a operação urbana, em respeito aos princípios da justa distribuição dos

benefícios decorrentes da atividade urbanística e da recuperação dos investimentos públicos

de que tenham resultado a valorização dos imóveis urbanos.

Percebe-se, aqui, a identidade de procedimentos entre a ZAC e a concessão

urbanística, tal como disciplinada pela Lei nº14.917/09 do Município de São Paulo. Nos dois

casos, os imóveis adquiridos antes da operação (desapropriados amigavelmente ou não) e

valorizados pela ação urbanística são alienados, a fim de que a Administração ou o

concessionário sejam ressarcidos pelos custos das obras de urbanização.

3.9.2.3 Concessão para executar a operação urbana

Nos termos do art.L 311-5 do Code de l´urbanisme303, a concessão para

executar a operação urbana (concession d'aménagement) deve ser efetivada conforme os

arts.L 300-4304 e L 300-5 do mesmo Código . A outorga da concessão deve ser realizada por

développement des loisirs et du tourisme, de réaliser des équipements collectifs ou des locaux de recherche ou d'enseignement supérieur, de lutter contre l'insalubrité, de permettre le renouvellement urbain, de sauvegarder ou de mettre en valeur le patrimoine bâti ou non bâti et les espaces naturels. L'aménagement, au sens du présent livre, désigne l'ensemble des actes des collectivités locales ou des établissements publics de coopération intercommunale qui visent, dans le cadre de leurs compétences, d'une part, à conduire ou à autoriser des actions ou des opérations définies dans l'alinéa précédent et, d'autre part, à assurer l'harmonisation de ces actions ou de ces opérations”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 2 dez. 2013. As ações ou operações de reordenamento urbano têm por objetivo dar concretude a um projeto urbanístico ou a uma política local de habitação, de manutenção, extensão ou início de atividades econômicas; favorecer o desenvolvimento do lazer e do turismo; implantar equipamentos coletivos ou de pesquisa e ensino superior; combater a insalubridade; permitir a renovação urbana; proteger o patrimônio cultural imobiliário e os espaços naturais. A ordenação urbana designa o conjunto de atos das coletividades locais ou dos estabelecimentos públicos que visam, nos termos de sua competência, conduzir ou autorizar as ações ou operações definidas acima, bem como assegurar a harmonia dessas ações ou dessas operações (tradução livre). 303 Art.L 311-5. “L'aménagement et l'équipement de la zone sont conduits directement par la personne publique qui a pris l'initiative de sa création ou concédés par cette personne publique, dans les conditions précisées aux articles L.300-4 et L. 300-5”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 20 nov. 2013. A ordenação e a implantação dos equipamentos urbanos na ZAC são conduzidas diretamente pelo ente público que a criou ou concedidas pelo mesmo ente, nas condições estabelecidas pelos arts.L300-4 e L300-5 (tradução livre). 304 Art.L.300-4. “L'Etat et les collectivités territoriales, ainsi que leurs établissements publics, peuvent concéder la réalisation

des opérations d'aménagement prévues par le présent code à toute personne y ayant vocation. L'attribution des concessions d'aménagement est soumise par le concédant à une procédure de publicité permettant la présentation de plusieurs offres concurrentes, dans des conditions prévues par décret en Conseil d'Etat. Le concessionnaire assure la maîtrise d'ouvrage des travaux et équipements concourant à l'opération prévus dans la concession, ainsi que la réalisation des études et de toutes missions nécessaires à leur exécution. Il peut être chargé par le concédant d'acquérir des biens nécessaires à la réalisation de l'opération, y compris, le cas échéant, par la voie d'expropriation ou de préemption. Il procède à la vente, à la location ou à la concession des biens immobiliers situés à l'intérieur du périmètre de la concession”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 29 nov. 2013. O Estado, as coletividades territoriais e os estabelecimentos públicos podem conceder a realização das operações urbanas reguladas por este Código a todas as pessoas capacitadas para tanto. A outorga da concessão urbanística é submetida pelo poder concedente a um procedimento licitatório, cuja divulgação

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meio de procedimento licitatório, em que sejam garantidos os princípios da publicidade e da

ampla competividade. A concessionária assume a responsabilidade pela operação e pode ser

encarregada de adquirir os imóveis necessários à sua execução – pela expropriação ou pelo

exercício do direito de preempção –, para depois explorá-los economicamente por meio de

alienação, locação ou concessão, ressarcindo-se das despesas efetuadas com as obras de

urbanização.305

De outra parte, o art.L 300-5306 do Código de Urbanismo Francês prescreve os

requisitos do contrato de concessão da ordenação urbanística. Dentre eles, estão: as obrigações de cada uma das partes; o objeto do contrato, sua duração e as condições para sua prorrogação ou modificação; as condições de retomada (encampação), rescisão e caducidade; as condições e modalidades de indenização ao concessionário, se o caso; as formas de subsídios ou aporte de terrenos (nas hipóteses em que o poder concedente decide participar do financiamento da operação); as modalidades de controle técnico, financeiro e contábil exercido pelo poder concedente; os relatórios e as demonstrações financeiras periódicas do concessionário, com a indicação do estágio das atividades objeto da concessão; as receitas estimadas e as despesas a realizar; o quadro das aquisições e cessões imobiliárias realizadas durante o exercício financeiro.

O preceito guarda relação com a Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo

(art.19), que indica as cláusulas essenciais do contrato de concessão urbanística.307

permita a apresentação de várias ofertas, nos termos das condições previstas por decreto do Conselho de Estado. O concessionário assume a responsabilidade pela execução da obra urbanística e pelos estudos necessários à sua realização. Ao concessionário pode ser atribuído o encargo de adquirir os bens imóveis necessários à realização da operação, por meio de desapropriação ou do exercício do direito de preempção. O mesmo concessionário procederá à venda, locação ou concessão dos bens imóveis localizados no interior do perímetro da concessão (tradução livre). 305 No mesmo sentido, a Lei nº14.917/2009, art.2º, do Município de São Paulo define a concessão urbanística como “o contrato administrativo por meio do qual o poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, delega a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de obras urbanísticas de interesse público, por conta e risco da empresa concessionária, de modo que o investimento desta seja remunerado e amortizado mediante a exploração dos imóveis resultantes destinados a usos privados nos termos do contrato de concessão, com base em prévio projeto urbanístico específico e em cumprimento de objetivos, diretrizes e prioridades da lei do plano diretor estratégico”. E o parágrafo único do

mesmo dispositivo determina que “a empresa concessionária obterá sua remuneração, por sua conta e risco, nos termos

estabelecidos no edital de licitação e no contrato, dentre outras fontes, por meio da alienação ou locação de imóveis, inclusive dos imóveis desapropriados e das unidades imobiliárias a serem construídas, da exploração direta ou indireta de áreas públicas na área abrangida pela intervenção urbana ou qualquer outra forma de receita alternativa, complementar ou acessória, bem como pela receita de projetos associados”. 306 Art.L.300-5 I. – “Le traité de concession d'aménagement précise les obligations de chacune des parties, notamment: 1°

L'objet du contrat, sa durée et les conditions dans lesquelles il peut éventuellement être prorogé, ou modifié; 2° Les conditions de rachat, de résiliation ou de déchéance par le concédant, ainsi que, éventuellement, les conditions et les modalités d'indemnisation du concessionnaire. II. – Lorsque le concédant décide de participer au coût de l'opération, sous forme d'apport financier ou d'apport en terrains, le traité de concession précise en outre, à peine de nullité: 1° Les modalités de cette participation financière, qui peut prendre la forme d'apports en nature; 2° Le montant total de cette participation et, s'il y a lieu, sa répartition en tranches annuelles; 3° Les modalités du contrôle technique, financier et comptable exercé par le concédant; à cet effet, le concessionnaire doit fournir chaque année un compte rendu financier comportant notamment en annexe: a) Le bilan prévisionnel actualisé des activités, objet de la concession, faisant apparaître, d'une part, l'état des réalisations en recettes et en dépenses et, d'autre part, l'estimation des recettes et dépenses restant à réaliser; b) Le plan de trésorerie actualisé faisant apparaître l'échéancier des recettes et des dépenses de l'opération; c) Un tableau des acquisitions et cessions immobilières réalisées pendant la durée de l'exercice”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 29 nov. 2013. 307 Art.19. “São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I – ao objeto, à área e ao prazo da concessão; II – ao modo, forma e condições de realização da intervenção urbana; III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros

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3.9.2.4 Perímetro específico

Como no caso da instituição de uma operação urbana consorciada ou de uma

concessão urbanística, a ZAC é realizada em uma determinada área da cidade, destacada da

zona urbana, que passa a ser objeto de atuação específica. Conforme o art.L 311-1 do Code, o

perímetro e o programa da ZAC são aprovados por deliberação do conselho municipal ou do

órgão deliberativo do estabelecimento público responsável pela operação. O mesmo

dispositivo prevê, no entanto, que devem ser criadas pelo prefeito as ZAC de iniciativa do

Estado Nacional, das regiões, dos departamentos ou de seus estabelecimentos públicos e

concessionários, bem como as ZAC situadas, no todo ou em parte, no interior de um

perímetro de operação de interesse nacional.308

Neste ponto, destacamos uma importante diferença entre a ZAC, de um lado, e

a operação urbana consorciada e a concessão urbanística, de outro. A lei francesa permite que

o perímetro da ZAC seja definido por ato administrativo, o que não ocorre na hipótese de

aplicação dos instrumentos do direito urbanístico pátrio. Em atenção ao princípio da

legalidade, que deve informar toda a atividade da Administração Pública (art.37 da

Constituição Federal), e ao princípio da reserva de plano (art.182, §1º, Constituição Federal),

o art.32 do Estatuto da Cidade determina que a área para aplicação da operação consorciada

deve ser delimitada por lei municipal específica, baseada no plano diretor. De forma análoga, definidores da qualidade da intervenção urbana; IV – aos cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à concessão; V – à forma e meios de remuneração da concessionária por meio da exploração da intervenção urbana e de projetos associados; VI – critérios objetivos de avaliação de desempenho; VII – à garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão; VIII – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração da intervenção urbana e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e demais instalações; IX – à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução da intervenção urbana, bem como à indicação dos órgãos competentes para exercê-la; X – às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; XI – aos casos de extinção da concessão urbanística; XII – aos bens reversíveis e àqueles que forem objeto de imediata incorporação ao patrimônio público; XIII – aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento de indenizações devidas à concessionária, se for o caso; XIV – às condições para prorrogação do contrato, se couber; XV – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente, sem prejuízo do disposto no art.38 desta lei; XVI – à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária na forma estabelecida pela Prefeitura Municipal; XVII – às obrigações da concessionária para adequada realização do controle social pela sociedade civil, sem prejuízo do disposto no art.38 desta lei; XVIII – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais; XIX – outras cláusulas, termos e obrigações peculiares ao objeto da concessão urbanística. Parágrafo Único – O prazo da concessão a ser fixado no edital da licitação, em cada caso, deverá atender ao interesse público e às peculiaridades relacionadas ao valor do investimento”. 308 Art.L311-1. “Le périmètre et le programme de la zone d'aménagement concerté sont approuvés par délibération du conseil municipal ou de l'organe délibérant de l'établissement public de coopération intercommunale. Sont toutefois créées par le préfet, après avis du conseil municipal de la ou des communes concernées ou de l'établissement public de coopération intercommunale compétent, les zones d'aménagement concerté réalisées à l'initiative de l'Etat, des régions, des départements ou de leurs établissements publics et concessionnaires et les zones d'aménagement concerté situées, en tout ou partie, à l'intérieur d'un périmètre d'opération d'intérêt national”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/>. Acesso em: 2 dez. 2013. O dispositivo prescreve também que uma mesma ZAC pode ser criada sobre várias regiões territorialmente distintas: “une même zone d'aménagement concerté peut être créée sur plusieurs emplacements territorialement distincts”.

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132

a Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo (art.5º), que dispõe sobre a concessão

urbanística, prescreve que toda a concessão deve ser autorizada por lei específica que estabelecerá os parâmetros urbanísticos aplicáveis, e só pode ter por objeto uma área contínua destinada a intervenção urbana com base na lei do plano diretor estratégico, mesmo que não haja necessidade de alteração de parâmetros urbanísticos e demais disposições legais aplicáveis.

Voltaremos ao tema quando da análise da Lei nº10.257/2001 (art.32), no

capítulo 4 desta pesquisa.

3.9.2.5 Plano da operação

O art.R 311-2 do Código de Urbanismo Francês prevê que a pessoa pública que

toma a iniciativa para criar a ZAC deve elaborar um plano da operação (dossier de création),

a ser aprovado pelo seu órgão deliberativo, que compreenderá: a) um relatório de

apresentação, que exporá o objeto e a justificativa para a operação, descreverá o estado da

área objeto da operação, indicará o programa das construções a serem edificadas e enunciará a

justificativa para tais obras, tendo em vista as disposições urbanísticas em vigor aplicáveis ao

território e a sua inserção no meio ambiente natural ou artificial; b) o mapa da área; c) um

plano que delimite o(os) perímetro(s) que compõem a zona; e d) o estudo de impacto

ambiental.309

Neste particular, também há muita proximidade entre a lei francesa e o Estatuto

da Cidade (art.33). Este último determina que o plano da operação urbana consorciada

(integrante da lei específica que a institui) deve conter, no mínimo: a) a definição da área a ser atingida; b) o programa básico de ocupação da área; c) o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; d) as finalidades da operação; e) o estudo prévio de impacto de vizinhança;

309 Art.R311-2. “La personne publique qui a pris l'initiative de la création de la zone constitue un dossier de création, approuvé, sauf lorsqu'il s'agit de l'Etat, par son organe délibérant. Cette délibération peut tirer simultanément le bilan de la concertation, en application du III de l'article L 300-2. Le dossier de création comprend: a) Un rapport de présentation, qui expose notamment l'objet et la justification de l'opération, comporte une description de l'état du site et de son environnement, indique le programme global prévisionnel des constructions à édifier dans la zone, énonce les raisons pour lesquelles, au regard des dispositions d'urbanisme en vigueur sur le territoire de la commune et de l'insertion dans l'environnement naturel ou urbain, le projet faisant l'objet du dossier de création a été retenu; b) Un plan de situation; c) Un plan de délimitation du ou des périmètres composant la zone; d) L'étude d'impact définie à l'article R.122-5 du code de l'environnement lorsque celle-ci est requise en application des articles R.122-2 et R.122-3 du même code. Le dossier précise également si la part communale ou intercommunale de la taxe d'aménagement sera ou non exigible dans la zone”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr.> Acesso em: 3 dez. 2013.

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f) a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do §2o do art.32 da mesma Lei Federal; g) a forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil; e h) a natureza dos incentivos a serem concedidos aos proprietários, usuários permanentes e investidores privados, uma vez atendido o art.32, §2º, III, da mesma Lei.

Tais requisitos serão objeto de estudo no capítulo 4 desta pesquisa. Por ora,

cabe ressaltar a similaridade entre as previsões das leis francesa e brasileira no que tange à

aplicação dos respectivos instrumentos de concertação público-privada para fins urbanísticos.

3.9.2.6 Droit de délaissement e sursis à statuer

O Código de Urbanismo Francês, no seu art.L 311-2310, confere aos

proprietários de imóveis situados na ZAC a possibilidade de notificar a pessoa pública que a

instituiu para que proceda à aquisição forçada de suas propriedades. Trata-se do droit de

délaissement311 (direito ao abandono do imóvel), regulado pelos arts.L 230-1 a L 230-6 do

mesmo Code.

Sobre a questão, Jean-Bernard Auby e Hugues Périnet-Marquet explicam que,

pelo fato de a instituição da ZAC comportar a ameaça de desapropriação – e em todos os

casos a perspectiva de forte alteração das condições de desfrute dos imóveis –, os

proprietários dispõem, a contar da criação da zona, do direito de compelir a Administração a

adquirir seus bens imobiliários localizados no perímetro da operação.312 O direito pode ser

aplicado, especialmente, em função da suspensão da expedição de novas licenças de

construção pelo Poder Público (sursis à statuer). Tal suspensão temporária é imposta em

função do risco de que a nova construção comprometa o plano da operação urbana a ser

implantada, por ser dele dissonante.313

310 Art.L 311-2. “A compter de la publication de l'acte créant une zone d'aménagement concerté, les propriétaires des terrains compris dans cette zone peuvent mettre en demeure la collectivité publique ou l'établissement public qui a pris l'initiative de la création de la zone, de procéder à l'acquisition de leur terrain, dans les conditions et délais prévus à l'article L. 230-1”. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 4 dez. 2013. 311 Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin definem o délaissement como o abandono de um bem pelo seu proprietário, com a intenção de subtrair-se dos encargos referentes a esse bem. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit de

l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p. 39, tradução livre). 312 AUBY, Jean-Bernard; PÉRINET-MARQUET, Hugues. Droit de l´urbanisme et de la construction. 3. ed, Paris: Éditions Montchrestien, 1992, p.279. 313 Jean-Paul Gilli e Jacques de Lanversin explicam que, no Direito francês, quando um documento de urbanismo encontra-se em processo de elaboração ou revisão, a Administração pode suspender temporariamente a concessão de licenças de construção ou uso do solo que possam pôr em risco o sucesso do plano urbanístico. (GILLI, Jean-Paul; LANVERSIN, Jacques de. Lexique droit de l´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p.124, tradução livre).

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Nesse sentido, o art.L 111-11 do Código de Urbanismo Francês determina que,

nas hipóteses de suspensão dos processos decisórios a respeito das outorgas de licenças de

construção (por exemplo, quando um processo de elaboração de um novo plano urbanístico

tiver iniciado), os proprietários de terrenos cujas licenças para construir ou para o uso do solo

tiverem sido negadas em função da suspensão podem obrigar a Administração a adquirir seus

imóveis, no exercício do seu droit de délaissement.314

O ordenamento pátrio não prevê um instituto análogo ao droit de délaissement

francês. O Estatuto da Cidade (art.33, §2º) prescreve que, a partir da aprovação da lei

específica que cria a operação consorciada, são nulas as licenças e autorizações a cargo do

Poder Público municipal expedidas em desacordo com o plano da operação. No entanto, não

há, como no ordenamento francês, a possibilidade de suspender a outorga de licenças de

construção ou de uso do imóvel em virtude do início da ação urbanística.

3.9.2.7 ZAC e operação urbana consorciada

Diante do que dissemos a respeito da ZAC, é possível afirmar que o legislador

brasileiro, ao redigir os dispositivos do Estatuto da Cidade que regulam a operação urbana

consorciada, baseou-se, em alguma medida, no modelo francês de operação urbana

concertada (opération d'aménagement concerté). Os traços essenciais – participação da

iniciativa privada na elaboração do plano e no financiamento da operação e busca pela justa

distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística – estão presentes tanto no

sistema francês quanto no brasileiro e são nitidamente refletidos no regramento urbanístico

adotado por ambos.

Nos casos em que a operação urbanística no interior da ZAC seja realizada por

meio de concessão (concession d´aménagement), o instituto pode ser equiparado à concessão

urbanística (Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo). Com efeito, o concessionário,

nesses casos, passa a ser o responsável por executar as obras de urbanização e será

remunerado pela exploração econômica dos imóveis resultantes da operação. Trata-se de

314 Art.L 111-11. “Lorsqu'une décision de sursis à statuer est intervenue en application des articles L. 111-9 et L. 111-10, les propriétaires des terrains auxquels a été opposé le refus d'autorisation de construire ou d'utiliser le sol peuvent mettre en demeure la collectivité ou le service public qui a pris l'initiative du projet de procéder à l'acquisition de leur terrain dans les conditions et délai mentionnés aux articles L. 230-1 et suivants”. Trata-se de um instituto similar à desapropriação indireta, prevista no ordenamento pátrio pelo Decreto-Lei nº3.365/41, art.15-A, §3º. O titular do domínio sobre o imóvel vê o conteúdo patrimonial do seu direito de propriedade esvaziado em função da impossibilidade de construir em seu terreno em decorrência de ato estatal e, por tal razão, notifica a Administração para que arque com a indenização, cujo montante deve ser equivalente ao preço atribuível ao imóvel anteriormente ao início da restrição. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr> Acesso em: 6 dez. 2013.

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135

procedimento que evita o uso de recursos públicos em ações urbanísticas que irão valorizar

extraordinariamente os imóveis localizados nos perímetros dessas operações.

No entanto, há diferenças substanciais entre o regramento a respeito da

operação urbana consorciada (arts.32 a 34 do Estatuto da Cidade) e as regras definidoras da

ZAC, constantes do Código de Urbanismo Francês.

Com efeito, a aplicação da operação urbana consorciada, tal qual prevista no

direito pátrio, está fundamentada na modificação dos parâmetros urbanísticos do seu

perímetro de implantação. Os proprietários e investidores privados arcam com as

contrapartidas em função da possibilidade de construir acima dos limites definidos pelo plano

diretor e de regularizar construções em desacordo com a legislação de obras e edificações, e

assim contribuem com o Poder Público para as transformações urbanísticas estruturais, as

melhorias sociais e a valorização ambiental da área objeto da operação. A iniciativa privada

financia a operação por meio das contrapartidas, mas as obras são contratadas pelo Poder

Público.

Já a readequação urbanística em uma ZAC francesa, ao contrário, pode ser

conduzida por particulares, que são ressarcidos pela exploração dos terrenos resultantes da

operação, ou pela própria Administração, que também pode alienar os imóveis resultantes do

processo de reurbanização e, assim, garantir a recuperação dos investimentos públicos

realizados.

Portanto, as semelhanças estão ligadas substancialmente aos princípios

jurídicos que servem de supedâneo à ZAC e à operação urbana consorciada. Não obstante as

diferenças em relação ao regramento, os dois institutos são fundamentados nos princípios da

justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes da atividade urbanística e da recuperação

dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização dos imóveis

urbanos.

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136

4 OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO DO

URBANISMO CONCERTADO

Neste capítulo, serão abordados os dispositivos do Estatuto da Cidade

relacionados diretamente à operação urbana consorciada, bem como dispositivos específicos

da legislação de municípios brasileiros que utilizam o instrumento. Esses preceitos serão

examinados em conjunto com os princípios jurídicos que os fundamentam.

4.1 Considerações iniciais

A operação urbana consorciada foi instituída como um instrumento de política

urbana pelo Estatuto da Cidade (Lei nº10.257/2001, art.4º, V, p), que também dedicou uma

seção à regulamentação do instituto, definindo-o em linhas gerais nos seus arts.32 a 34.

Segundo o art.32, §1º, seu objetivo é “alcançar em uma área transformações

urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Trata-se de um

instrumento jurídico de urbanismo concertado destinado à revitalização urbanística de áreas

degradadas da cidade ou ao incremento da infraestrutura viária, habitacional, de transporte e

de saneamento básico de uma determinada região do Município.

O delineamento legal do instituto – e sua aplicação por meio de leis municipais

– vem sendo objeto de intensas controvérsias doutrinárias e de críticas por parte de juristas e

urbanistas.315

Dentre as críticas que geralmente são apontadas, citem-se as seguintes:

a) as operações urbanas funcionam apenas em áreas da cidade em que já há interesse do mercado imobiliário, fator que pode aumentar a disparidade intra-urbana; b) o aumento do preço dos imóveis na área objeto da operação urbana e a falta de um programa de atendimento social no plano da intervenção podem forçar a população residente na área a deixar o local (a denominada gentrificação, processo já estudado neste trabalho); c) o investimento privado nem sempre é suficiente para arcar com o programa de obras proposto, o que pode levar o Poder Público a dispor de recursos do erário; d) muitas vezes o resultado é apenas favorável ao mercado imobiliário, restando ausente a efetiva melhora do espaço urbano;

315 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.215-249. Os autores apresentam críticas ao instrumento (enumeradas a seguir), mas também indicam as razões da sua boa acolhida junto aos órgãos municipais de planejamento. Dentre tais razões, está o fato de a operação urbana representar “uma alternativa para as amarras da legislação modernista/funcionalista, uma possibilidade de flexibilização da legislação contra esse ‘engessamento’”. Com efeito, a utilização da operação urbana consorciada pressupõe, como será visto, a flexibilização das regras impostas pelo zoneamento local, com a finalidade de atrair os setores privados interessados em investir na área objeto da ação conjunta.

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e) a alteração dos índices de ocupação contribui para a já excessiva verticalização nas grandes cidades, causando a saturação da infraestrutura urbana (sistema viário, transporte público, saneamento etc.), trazendo sérios prejuízos ao meio ambiente urbano316; f) a aplicação do instituto não considera os impactos sobre as regiões que ficam no entorno da área objeto da operação, que constituem externalidades negativas que não podem ser suprimidas com recursos da ação consorciada, já que os montantes arrecadados somente podem ser aplicados no próprio perímetro da operação (Lei nº10.257/2001, art.33, §1º)317.

Resultados como esses são contrários aos princípios jurídicos que regem a

função urbanística e às diretrizes (princípios)318 da política urbana indicadas no Estatuto da

Cidade (art.2º). Tal contrariedade torna o processo de implantação da operação consorciada

ilegítimo (a natureza jurídica do instituto será abordada a seguir). Não há como utilizar o

instrumento da operação urbana consorciada sem atenção aos princípios jurídicos

(constitucionais e legais) que informam o direito urbanístico, especialmente os princípios do

pleno desenvolvimento das funções da cidade e da função social da propriedade urbana.319

Mas as experiências práticas negativas não devem servir como impedimento à

utilização do instituto em prol da melhoria do espaço urbano e da garantia de cidades

sustentáveis. As regras que disciplinam o instrumento devem ser, invariavelmente,

interpretadas e aplicadas considerando os princípios da política urbana enumerados na Lei

nº10.257/2001 (art.2º)320.

É com base nesses alicerces normativos que estudaremos as regras gerais sobre

as operações urbanas consorciadas, conforme previstas no Estatuto da Cidade (art.32 a 34).

316 Adota-se, nesse particular, a clássica divisão que a doutrina faz entre meio ambiente natural, meio ambiente cultural e meio ambiente artificial. José Afonso da Silva indica a existência dos três aspectos do meio ambiente: “I – meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto); II – o meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do Homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou; III – meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o meio ambiente”. (SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.21). 317 INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. (Coord.) Raquel Rolnik. 3.ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2005, p. 86-87. 318 Conforme indicamos (capítulo 1), o termo diretriz é utilizado pela Lei nº10.257/2001, art.2º, como sinônimo de princípio. Chega-se a tal conclusão pelo grau de generalidade do texto dos incisos que compõem o dispositivo. 319 Betânia de Moraes Alfonsin afirma que pode ser anulada a operação urbana que esteja em desconformidade com as diretrizes do Estatuto da Cidade; por exemplo, a operação que “concentre os benefícios da urbanização nas mãos de

proprietários de glebas”, pois a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização é diretriz da Política Urbana a ser implementada pelos municípios brasileiros. (ALFONSIN, Betânia de Moraes. Operações urbanas consorciadas como instrumento de captação de mais-valias urbanas: um imperativo da nova ordem jurídico-urbanística brasileira. In: ALFONSIN, Betânia de Moraes; FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 290). 320 Tais diretrizes consubstanciam verdadeiros princípios de direito urbanístico. Baseando-se na lição de Celso Antônio Bandeira Mello, pode-se afirmar que tais princípios constituem mandamentos nucleares (alicerces) do sistema de normas de direito urbanístico. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.53). Todos os instrumentos de política urbana devem ser aplicados segundo tais diretrizes, sob pena de ilegitimidade.

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4.2 Princípios jurídicos que fundamentam a aplicação das operações urbanas

consorciadas

A operação urbana consorciada, tal como configurada na lei federal, é

fundamentada, especialmente, nas seguintes diretrizes:

a) cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social (Lei nº10.257/2001, art.2º, III); b) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (art.2º, IX); e c) recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI).

Esses princípios já foram abordados nesta pesquisa – justamente porque são

informadores de toda a conduta de urbanismo concertado –, mas julgamos relevante o estudo

sobre sua aplicação ao instrumento da operação urbana consorciada, tema central deste

estudo.

A primeira diretriz do parágrafo anterior indica a vontade do legislador de

promover a participação da iniciativa privada na atividade urbanística como parceira321 do

Poder Público municipal.

A intenção do legislador é possibilitar à Administração Pública suprir a

insuficiência de recursos públicos para a (re)ordenação urbanística de determinada área do

Município a partir da utilização do capital privado, em regime de cooperação com os

particulares, proprietários ou não dos imóveis situados na região da cidade objeto da

intervenção. Trata-se da aplicação do urbanismo concertado. Conforme já abordamos em

capítulo anterior, a concertação compreende a participação dos administrados na atividade

urbanística, tanto em relação às decisões sobre a maneira de realizar o ordenamento urbano,

como no que tange ao financiamento dessa atividade. Evita-se a imposição unilateral da

vontade estatal e busca-se compor interesses públicos e privados em matéria urbana. A ideia é

ouvir e contar com a participação daqueles que serão afetados pelo exercício da função

urbanística.

321 José dos Santos Carvalho Filho ensina que o regime de parceria é caracterizado pela “cooperação mútua entre a Administração e os administrados, alvitrando fins que retratem interesses da coletividade. De forma isolada, nem aquela nem estes conseguem atingir determinados objetivos comuns. Mas, quando se associam o Poder Público e o setor privado, seja este representado pelas comunidades gerais, seja pelo segmento produtivo empresarial, é possível alcançar, com êxito, fins públicos, deles resultando benefícios para todos”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da

Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.12). É a mesma lógica que justifica a existência das parcerias público-privadas reguladas pela Lei Federal nº11.079/2004.

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A segunda diretriz é a da “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes

do processo de urbanização” (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX). Essa diretriz decorre do

princípio da isonomia, garantido no Texto Constitucional (art.5º).322

A operação urbana consorciada tem como um dos seus objetivos evitar que as

melhorias estruturais de uma determinada área da cidade, promovidas a partir da aplicação de

recursos do erário (portanto, de todos), beneficiem desproporcionalmente os proprietários dos

imóveis ali situados, a partir da valorização extraordinária desses bens, experimentada em

decorrência das obras públicas de incremento da infraestrutura local.

Na aplicação da operação urbana consorciada, os proprietários da área objeto

da intervenção (definida em lei municipal), assim como os demais investidores privados,

destinarão recursos ao Poder Público, por meio de prestações definidas na Lei nº10.257/2001

como contrapartidas (art.33, VI), financeiras ou não, a fim de poderem gozar dos benefícios

criados pela legislação que define a operação. Estes benefícios podem ser, dentre outros, a

modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo, a alteração

das normas edilícias e a regularização de construções realizadas em desacordo com a

legislação vigente (Lei nº10.257/2001, art.32, §2º).

Da mesma forma, os ônus decorrentes do adensamento imobiliário e

populacional resultante da modificação dos índices de ocupação do solo também devem ser

suportados por aqueles que se beneficiarem diretamente da operação. Assim, as contrapartidas

pagas pelos proprietários beneficiados serão utilizadas, justamente, para incrementar a

infraestrutura urbana que possibilite atender ao aumento da demanda decorrente desse maior

adensamento da área objeto da intervenção.

Vale lembrar, ainda, que o art.42-B do Estatuto da Cidade determina que: os municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano após a data de publicação desta Lei deverão elaborar projeto específico que contenha, no mínimo: [...] VII – definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.

Assim, caso o Município pretenda promover a expansão de sua área urbana323,

deve utilizar instrumentos urbanísticos que visem à justa distribuição324 dos ônus e bônus

322 O mesmo princípio pode ser considerado como um dos fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado, tal como configurada no nosso sistema jurídico, em especial pelo art.37, §6º, da Constituição Federal. Os danos causados a particulares pela atuação do Estado, ainda que decorrentes de atos lícitos, devem ser indenizados com recursos do erário, a fim de que o lesado não sofra sozinho os prejuízos advindos da atividade estatal. Da mesma forma, os bônus provenientes dessa mesma atividade devem ser repartidos entre todos, pois decorrentes da aplicação de recursos públicos.

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decorrentes do processo de urbanização. A operação urbana consorciada é um desses

mecanismos. Mas há outros, conforme abordado nos capítulos anteriores: contribuição de

melhoria, desapropriação por zona, concessão urbanística e operações urbanas interligadas.

Dentre esses, destacam-se os que se utilizam da concertação público-privada, dado o seu

caráter de consensualidade, diverso do caráter impositivo dos outros instrumentos.

A terceira diretriz, a da “recuperação dos investimentos do Poder Público de

que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos” (Lei nº10.257/2001, art.2º, XI), guarda

estreita relação com aquela diretriz comentada nos parágrafos anteriores.

De fato, ambas são fundamentadas no princípio da isonomia. Busca-se impedir

que investimentos feitos com recursos públicos beneficiem desproporcionalmente os

proprietários de imóveis da área objeto da operação urbana325. A ideia é que a mais-valia

fundiária urbana decorrente do incremento da infraestrutura urbanística seja compensada pelo

pagamento de contrapartidas por parte dos proprietários. É o mesmo princípio que

fundamenta a cobrança da contribuição de melhoria, também prevista como um instrumento

de política urbana pela Lei nº10.257/2001 (art.4º, IV, b)326

.

A operação urbana consorciada deve ser utilizada como um instrumento

urbanístico se e quando forem respeitadas as diretrizes de política urbana que fundamentam a

sua previsão normativa. Caso contrário, sua aplicação será ilegítima, e medidas judiciais

poderão ser propostas para questioná-la ou inviabilizá-la.327

Após essa breve avaliação, analisemos a Lei nº10.257/2001, que rege o

instituto.

323 Expansão que contará com a atividade do particular, tendo em vista que o parcelamento (loteamento ou desmembramento) do solo urbano é realizado por meio da atuação do loteador privado (Lei Federal nº6.766/79). 324 Conforme ressaltado no capítulo 2, utiliza-se, no direito português, o termo perequação. 325 Betânia de Moraes Alfonsin explica que “a história da política urbana brasileira é uma história de não arrecadação das

mais-valias geradas pelo processo de urbanização. A produção da cidade agrega valor às terras urbanas tanto pela extensão de infraestrutura quanto pelas ações dos agentes públicos e mesmo privados. Nesse sentido, os proprietários de terras urbanas têm nesse ativo uma reserva de valor que está permanentemente se valorizando sem qualquer esforço por parte do proprietário, por ações alheias à ação do mesmo”. (ALFONSIN, Betânia de Moraes. Operações urbanas consorciadas como instrumento de captação de mais-valias urbanas: um imperativo da nova ordem jurídico-urbanística brasileira. In: ALFONSIN, Betânia de Moraes; FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.295). A operação urbana consorciada é instrumento jurídico que visa à inversão deste quadro, em atenção à diretriz da “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis

urbanos” (art.2º, XI, da Lei nº10.257/2001). 326 O instrumento foi abordado no capítulo 2 desta pesquisa. 327 LEVIN, Alexandre. Operação urbana consorciada: normas gerais sobre o instituto constantes dos arts.32 a 34 do Estatuto da Cidade. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, n.1,19-35, jan. 2013.

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141

4.3 A necessidade de edição de lei municipal específica baseada no plano diretor

municipal

O Estatuto da Cidade (art.32) exige que a operação urbana consorciada seja

instituída por lei municipal específica328, “baseada no plano diretor”. O preceito segue as

demais prescrições da Lei nº10.257/2001 que exigem lei municipal específica para a aplicação

da maioria dos instrumentos de política urbana previstos na norma geral.

Demandam lei municipal específica para sua aplicação, dentre outros, o

instrumento do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóveis urbanos

(art.5º), o direito de preempção (art.25, §1º), a outorga onerosa do direito de construir (art.30)

e a transferência do direito de construir (art.35).

A exigência de lei municipal específica decorre diretamente do princípio da

legalidade (art.5, II, da Constituição Federal), aplicável especialmente à função administrativa

(art.37). Isso porque da aplicação do plano da operação urbana consorciada decorrerão

direitos e obrigações aos envolvidos, especialmente aos proprietários de imóveis localizados

na área abrangida pela operação.329

Deveras, nas operações urbanas consorciadas poderão ser previstas, dentre

outras medidas: a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias (Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, I); a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente (Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, II); e a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizem tecnologias visando à redução de impactos ambientais (art. 32, §2º, III).

Ou seja, a lei específica que cria a operação urbana pode prever coeficientes de

aproveitamento, índices de ocupação e tamanhos máximos e mínimos de lote diferenciados,

específicos para o seu perímetro de abrangência. Trata-se, na verdade, de uma exceção ao

regramento imposto pelo plano diretor e pela lei de zoneamento municipal. Um novo diploma

legislativo que cria novas regras para a configuração urbanística da área objeto da operação

urbana. 328 Recorre-se aqui à observação feita por Diogenes Gasparini: “lei específica é a que trata de um só assunto”. Não obstante, ressalva o autor que, “na verdade, todas as leis deveriam, por força do art.7º, II, da Lei Complementar federal nº95, de 26.2.98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, tratar de um só tema, na medida em que esse dispositivo prescreve que ‘a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade,

pertinência ou conexão”. (GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p.34). Nesse sentido, a lei específica indicada do art.32 do Estatuto da Cidade deve tão somente referir-se à operação urbana consorciada implementada em uma determinada área da cidade e não a outros temas que não lhe sejam intimamente relacionados. 329 Explica Karlin Olbertz que “tratando-se da operação urbana consorciada, que em última análise significa a execução de um plano urbanístico e a transformação de índices e usos até então vigentes, não se pode prescindir da elaboração de lei, uma vez que o plano especial da operação produzirá direitos e obrigações gerais para a área delimitada”. (OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.65).

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Ora, esses novos índices urbanísticos equivalem a diferentes limitações à

propriedade e ao direito de construir dos proprietários de imóveis urbanos situados no

perímetro da operação. Portanto, somente podem ser fixados por meio de lei, conforme

indicado na Lei nº10.257/2001 (art.32) 330.

Por outro lado, os proprietários, usuários permanentes e investidores privados

somente poderão utilizar os benefícios legais se prestarem determinadas contrapartidas ao

Poder Público, sejam elas pecuniárias ou não. É a lei que deve dispor acerca dessas

contrapartidas e apresentar um parâmetro seguro de equivalência entre a prestação oferecida

pelo particular e o benefício concedido. Apenas assim o investidor saberá com exatidão os

valores a pagar por cada vantagem concedida.

Conforme vimos no capítulo anterior, muitas das leis que criaram operações

urbanas no Município de São Paulo (Leis nº10.209/86, nº11.773/95, nº11.090/91, dentre

outras) deixaram de prever parâmetros específicos para o cálculo da equivalência entre a área

construtiva adicional e os valores das contrapartidas. Havia aí, sem dúvida, ilegitimidade

decorrente da impossibilidade de se saber, com exatidão, os montantes a serem pagos pelos

benefícios obtidos. A ausência de critério legal pode levar a tratamento desigual aos

interessados em investir na área da operação: diferentes investidores podem obter os mesmos

benefícios arcando com diferentes contrapartidas. Na ausência de parâmetros legais

específicos, a decisão a respeito da relação benefício/contrapartida fica a cargo de órgão do

Poder Executivo, cuja apreciação – amplamente discricionária – pode levar a tratamentos não-

isonômicos.

Daí a preferência dada à utilização dos Certificados de Potencial Adicional de

Construção (CEPAC) como forma de contrapartida a ser prestada pelos proprietários e

investidores interessados em adquirir solo criado no âmbito de uma operação consorciada.331

Para tanto, as leis municipais que criam essas operações apresentam tabelas de conversão

330 Ressalta José dos Santos Carvalho Filho que o Estatuto, ao impor que as operações consorciadas sejam previstas em lei municipal, “está, ao mesmo tempo, vedando que sua implementação se formalize por mero decreto do Executivo. [...] ao

decreto, no caso de regulamentação da lei, caberá apenas traçar regras gerais de complementação de caráter meramente administrativo, principalmente aquelas que digam respeito à atuação dos órgãos municipais”. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.217). Assim, decreto do Poder Executivo municipal pode apenas regulamentar a lei que cria a operação urbana consorciada, mas nunca criar obrigações aos proprietários e investidores privados ou modificar índices de ocupação e/ou aproveitamento dos imóveis urbanos localizados no perímetro da operação. 331 No Município de São Paulo, as Leis nº13.260/2001, nº13.769/2004 e nº15.893/2013, que aprovaram, respectivamente, a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, a Operação Urbana Consorciada Faria Lima e a Operação Urbana

Consorciada Água Branca, permitem a emissão desses certificados. No Município do Rio de Janeiro, a Lei Complementar nº101/2009, que institui a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio, também permite a expedição desses valores mobiliários (arts.36 e 37), assim como a Lei nº13.909/2011, do Município de Curitiba, que cria a Operação Urbana

Consorciada Linha Verde (art.14).

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143

entre a área de construção (ou de alteração de uso) adicional e a quantidade de certificados

necessária para a obtenção do benefício (uma quantidade “x” de certificados equivale a uma

quantidade y de metro quadrado adicional). O capítulo seguinte deste trabalho será dedicado

ao estudo do CEPAC.

A possibilidade de alteração dos índices urbanísticos na área objeto da

operação consorciada (prevista na Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, I, II e III) acaba por

interferir na ordenação urbanística de parcela significativa do território da cidade, quando não

da urbe em sua integralidade. Não há como permitir que transformação de tal magnitude seja

realizada a partir de um simples ato normativo editado pelo Poder Executivo municipal.

Necessária, portanto, a edição de lei em sentido estrito. E a criação desse ato legislativo deve

obediência não somente às regras do processo legislativo ordinário, mas também ao princípio

da gestão democrática da cidade, que, por sua vez, impõe a participação popular não apenas

no momento de elaborar a lei específica, mas também durante toda a execução do plano da

operação urbana consorciada (Lei nº10.257/2001, art.33, VII).

Com efeito, tendo em vista que a lei municipal que institui a operação prevê a

alteração dos índices urbanísticos constantes no plano diretor (ainda que para um perímetro

urbano específico), necessário garantir a ampla participação popular no seu processo de

elaboração e execução.

A Lei nº10.257/2001 (art.40, §4º) determina que os Poderes Legislativo e

Executivo municipais garantirão a promoção dos mecanismos de participação popular

(audiências públicas, debates) no processo de elaboração do plano diretor. Ora, se a lei que

institui a operação consorciada altera as regras do plano diretor, os mesmos mecanismos de

gestão democrática devem ser utilizados no seu processo de elaboração. Afinal, trata-se de

modificar o planejamento urbano, ainda que para um perímetro específico do território

municipal.

O tema do controle popular sobre a operação será enfrentado mais adiante.

4.4 Previsão da operação urbana consorciada no plano diretor municipal

A Lei nº10.257/2001 (art.32) determina que “lei municipal específica, baseada

no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas”.

Questiona-se, a partir daí, como interpretar essa disposição. A área de

abrangência de cada operação urbana consorciada deve estar delimitada de forma exata no

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plano diretor? Ou apenas a indicação genérica dessas áreas é necessária, devendo o seu

perímetro exato ser definido na lei municipal específica? A doutrina não enfrenta diretamente

a questão.

José dos Santos Carvalho Filho defende que as áreas nas quais poderão ser

implementadas as operações urbanas consorciadas já devem estar apontadas pelo plano

diretor.332 Mas o autor não afirma que o perímetro exato também deva estar indicado.

Sem tampouco abordar a necessidade de definição do perímetro da área objeto

de operação urbana consorciada no plano diretor, Paulo José Villela Lomar salienta que a

ordenação urbanística mediante operação urbana consorciada deve ser exercida com base

nessa lei municipal, posto que o Estatuto da Cidade (art.32) atende à determinação

constitucional segundo a qual toda intervenção urbana deve ser realizada com base em

planejamento urbanístico expresso no plano diretor (art.182, §1º).333

Já no entender de Diogenes Gasparini, para que uma lei municipal específica

determine a aplicação da operação urbana consorciada em determinada área do Município,

deve o plano diretor indicar a possibilidade de utilização do instrumento e prever, em face do

disposto no art. 42, II, do Estatuto da Cidade as seguintes medidas:

I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente.334

Tal ressalva é bastante oportuna, pois, de fato, o art.42, II, da Lei

nº10.257/2001335 estabelece que as disposições requeridas pelo art.32 da mesma Lei Federal

devem constar da lei que institui o plano diretor municipal. Mas não há referência quanto à

previsão do perímetro exato de cada operação no próprio plano diretor.

Ressalta-se, por fim, o entendimento de Victor Carvalho Pinto, que invoca o

princípio da reserva de plano como fundamento para a necessidade de o plano diretor prever

332CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.217. 333 LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.269-270. 334 GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p.182. 335 Art.42.“O plano diretor deverá conter no mínimo: I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art.5o desta Lei; II – disposições requeridas pelos arts.25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle”.

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as “bases para a utilização do direito de preempção, das operações consorciadas e da

transferência do direito de construir”.336

Deveras, o princípio da reserva de plano (art.182 da Constituição Federal)

promove o plano diretor à categoria de principal instrumento da política de desenvolvimento e

de expansão urbana337. O texto constitucional é expresso nesse sentido, ao determinar que as

exigências fundamentais de ordenação da cidade devem estar definidas na lei que institui o

plano (art.182, §2º). A finalidade da norma constitucional é, justamente, evitar que leis

municipais esparsas regulamentem – cada qual a seu modo – a organização do espaço urbano,

em evidente prejuízo ao planejamento urbano local, que deve ser único para todo o

território.338

Assim, da lei que institui o plano diretor municipal devem constar a

possibilidade de ser utilizado o instrumento da operação urbana consorciada339 e as medidas

nela previstas no caso de sua aplicação340 (Estatuto da Cidade, art.32, §2º, I, II e III), que

constituem exceções aos limites impostos pelos índices urbanísticos definidos pelo plano

diretor para todo o território urbano. Mas a delimitação exata da área objeto de cada operação

ainda carece de solução legal, jurisprudencial ou doutrinária.

O Estatuto da Cidade não impõe a necessidade de o plano diretor definir

perímetros das áreas nas quais serão implantadas as operações urbanas consorciadas. Esta 336 PINTO, Victor Carvalho. Direito urbanístico: plano diretor e direito de propriedade. São Paulo: RT, 2005, p.224-225. 337 Nesse sentido, o Estatuto da Cidade determina que muitos dos instrumentos urbanísticos indicados em seu texto somente serão aplicados se sua instituição for prevista pelo plano diretor municipal. Dentre eles, pode-se citar: a) o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóveis urbanos (Lei nº10.257/2001, art.5º), inclusive no que se refere à delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o instrumento, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização (art.42, I); b) o direito de preempção (art.42, II c/c Lei nº10.257/2001, art.25); c) a outorga onerosa do direito de construir e do direito de alteração do uso (art.42, II c/c arts.28 a 31); d) a transferência do direito de construir (art.42, II, c/c art.35); e e) as operações urbanas consorciadas (art.42, II, c/c arts.32 a 34). A maior parte desses instrumentos (parcelamento, edificação e utilização compulsórios; direito de preempção; transferência do direito de construir; e operação urbana consorciada) dependem, ainda, de lei municipal (baseada no plano diretor) que os instituam. 338 Há possibilidade de serem definidos planos diretores específicos para cada setor da cidade, em atendimento às peculiaridades locais de cada qual, mas todos eles devem obediência ao plano diretor municipal válido para todo o território. Nesse sentido, o Município de São Paulo, por exemplo, conta com um Plano Diretor Estratégico (Lei nº13.430/2002) e com Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras (Lei nº13.885/2004). 339 O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei nº13.430/2002), em seu art.198, determina que “para o

planejamento, controle, gestão e promoção do desenvolvimento urbano, o Município de São Paulo adotará, dentre outros, os instrumentos de política urbana que forem necessários, notadamente aqueles previstos na Lei Federal nº10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade e, em consonância com as diretrizes contidas na Política Nacional do Meio Ambiente: [...] XXII – operações urbanas consorciadas”. 340 O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei nº13.430/2002), em seu art.228, determina: “poderão ser

previstas nas Operações Urbanas Consorciadas: I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente e o impacto de vizinhança; II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente”. A redação é muito similar à Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, I e II). Não obstante, ressaltamos que o plano diretor paulistano também previu, no seu art.226, que “nas áreas de Operações Urbanas Consorciadas, a serem definidas por lei específica, ficam estabelecidos os seguintes coeficientes de aproveitamento: I – mínimo – 0,2 (dois décimos); II – básico – correspondente ao definido nesta lei para a zona em que se situam os lotes; III – máximo – 4,0 (quatro)”. Ou seja, no perímetro objeto de operação consorciada, caso o terreno tenha área equivalente a 1.000m2, poderá ser construído um imóvel com área de até 4.000m2. O direito de construir a área adicional (diferença entre o coeficiente básico e o máximo) deverá ser objeto de aquisição pelo proprietário, por meio do pagamento de contrapartidas ao Poder Público.

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exigência poderia dificultar a implantação do instituto, posto que impediria uma eventual

alteração da área pela lei específica, para atender a peculiaridades de cada região e operação.

Mas a lei que institui o plano diretor municipal deve apontar as áreas da cidade

nas quais as operações urbanas consorciadas poderão ser aplicadas.341 Essa previsão evita que

o instrumento seja utilizado de forma casuística e oportunista, sem a consonância com o

planejamento urbanístico, cujas diretrizes estão expressas no plano diretor local.

Por sua vez, a lei municipal específica que cria a operação urbana consorciada

deve definir – aí sim de forma detalhada – o perímetro de cada intervenção, caso o plano

diretor não o tenha feito. Essa nos parece a melhor exegese do texto do art.32 do Estatuto da

Cidade, segundo o qual é a lei específica que “delimita área para aplicação de operações

consorciadas”.

Não obstante, reafirma-se aqui a conclusão apresentada quando do estudo

sobre a lei municipal instituidora da operação consorciada: a elaboração dessa lei deve contar

com a participação popular por meio da aplicação do princípio da gestão democrática, o que

inclui debates, audiências e consultas públicas (Lei nº10.257/2001, art.43). O perímetro da

operação proposto no projeto de lei também deve ser objeto de análise nas audiências

públicas. Caso o plano diretor não o tenha definido com precisão (ou seja, caso seus limites

ainda não tenham passado pelo crivo popular), a lei específica deve fazê-lo, submetendo o

traçado da operação à apreciação pública. A Administração pode definir o perímetro no

projeto de lei específica, mas esse deve ser submetido à apreciação popular, por meio de

audiências e consultas públicas.

Conforme verificamos, a lei específica que cria a operação urbana consorciada

altera os índices urbanísticos previstos no plano diretor. Portanto, assim como no caso de

341 Nesse sentido, o §2º do art.225 da Lei Municipal nº13.430/2002, que instituiu o plano diretor estratégico do Município de São Paulo, prescreve: “Ficam delimitadas áreas para as novas Operações Urbanas Consorciadas Diagonal Sul, Diagonal Norte, Carandiru-Vila Maria, Rio Verde-Jacú, Vila Leopoldina, Vila Sônia e Celso Garcia, Santo Amaro e Tiquatira, além das existentes Faria Lima, Água Branca, Centro e Águas Espraiadas, com os perímetros descritos nas suas leis específicas e indicadas no Mapa n°09, integrante desta lei”. O Quadro nº13, anexo à Lei nº13.430/2002, define o perímetro de algumas das operações urbanas indicadas acima: “Operação Urbana Carandiru-Vila Maria; Operação Urbana Celso Garcia; Operação Urbana Diagonal Norte (com Sub-áreas Pirituba/Jaraguá; Tietê e Lapa); Operação Urbana Diagonal Sul; Operação Urbana Rio Verde/Jacú-Pêssego; Operação Urbana Vila Leopoldina; Operação Urbana Vila Sônia; Operação Urbana Santo Amaro; Operação Urbana Tiquatira”, justamente as que ainda não haviam sido criadas antes da edição do plano diretor paulistano. Ocorre que, de acordo com o mesmo diploma legal, outras Operações Urbanas Consorciadas poderão ser definidas nas Áreas de Intervenção, indicadas no Mapa nº09, integrante desta lei (art.225, §3º). De outra parte, o art.78, V, da mesma lei prevê como uma das ações estratégicas da Política de Urbanização e Uso do Solo a criação de Operações Urbanas Consorciadas para revitalizar a Orla Ferroviária Pirituba, Água Branca, Luz e Vale do Tamanduateí, mas não define os perímetros dessas operações. Assim, vê-se que o plano diretor paulistano seguiu a interpretação aqui sugerida: o plano indica as áreas da cidade em que o instrumento da operação urbana consorciada poderá ser implementado e a lei específica de cada operação define com precisão o perímetro de abrangência de cada uma dessas operações, caso o próprio plano não o tenha feito.

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apresentação de projeto de novo plano diretor (ou de revisão do existente342), o projeto de lei

deve ser submetido a audiências e debates públicos, nos mesmos moldes do preceituado pelo

art.40, §4º, da Lei nº10.257/2001, sob pena de ilegitimidade.

Vale ressaltar que adotamos o posicionamento de que o resultado dessas

audiências não vincula os órgãos públicos343. No entanto, à Administração, caso não acate o

decidido pelos cidadãos que comparecerem a esses encontros, restará o dever de motivar sua

decisão pela manutenção do texto tal qual por ela apresentado, inclusive no que tange à

escolha do perímetro objeto da operação consorciada.

Cabe lembrar, ainda, que os mecanismos de participação popular direta devem

ser aplicados em todos os processos de elaboração/aplicação de ações urbanísticas

concertadas. A aplicação do instrumento da concessão urbanística também depende desse

requisito (Lei nº14.917/2009 do Município de São Paulo, art.9º344), inclusive no que tange à

definição do perímetro da área objeto da operação.

A administração concertada é marcada pela participação direta da população

nas decisões sobre os rumos da atividade administrativa. A condução do processo decisório e

executório permanece sob a responsabilidade do Poder Público – que continua a ser o garante

da supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade do interesse

público primário345 –, mas a cooperação do setor privado é essencial.

Ainda sobre a definição do perímetro de abrangência da operação consorciada,

destacamos a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0001252–24.2012.8.26.0000, da

Comarca de São Paulo, Relator o Des. Antonio Vilenilson.

342 A Lei nº10.257/2001, art.39, §3º, determina que “a lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada

10 (dez) anos”. 343 É a posição assumida por Mariana Mencio. A autora justifica seu entendimento com base no fato de que na audiência pública há o comparecimento apenas de uma minoria dos cidadãos, cuja vontade não pode se sobrepor à dos representantes eleitos por toda a sociedade. Nas suas palavras, “os institutos da democracia participativa não podem se sobrepor aos institutos da democracia representativa, que, por força de previsão legal, possibilita por meio de eleições livres e democráticas a escolha dos representantes políticos, que deverão deliberar sobre os assuntos administrativos e legislativos”. (MENCIO, Mariana. Regime jurídico da audiência pública na gestão democrática das cidades. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.155). Portanto, prevalece a vontade do Poder Executivo quanto à escolha do perímetro da operação, mas os questionamentos realizados por meio das audiências devem ser respondidos, e de forma motivada. 344 Art.9º. “O projeto de concessão urbanística será objeto de consulta pública, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias da publicação do edital da respectiva licitação, mediante publicação de aviso na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, no qual serão informadas as justificativas para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato e seu valor estimado e as minutas do edital e do contrato, fixando-se prazo para fornecimento de sugestões, realizando-se uma audiência pública ao término deste prazo”. 345 Não há incompatibilidade entre o exercício concertado da função administrativa e os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público. Não obstante a concertação público-privada, essas duas máximas do direito administrativo continuam a prevalecer.

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A ADIN foi proposta em face de dispositivos da Lei nº15.416/2011 do

Município de São Paulo, que alterou a redação de alguns artigos da Lei nº13.260/2001,

instituidora da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada.

Dentre as modificações feitas pela Lei Municipal nº15.416/2011 está a nova

redação conferida ao art.3º, II, a da Lei nº13.260/2001. O texto original determinava que uma

das obras a serem implantadas na operação seria a “conclusão da Avenida Água Espraiada a

partir da Avenida Dr. Lino de Moraes Leme até sua interligação com a Rodovia dos

Imigrantes, com os complementos viários necessários”. O novo texto manteve a previsão

sobre o melhoramento a ser implantado, mas acrescentou que a sua extensão poderia

ultrapassar o perímetro da operação (definido, pormenorizadamente, na Lei nº13.260/2001,

art.1º, §2º), a fim de “viabilizar o atingimento dos objetivos desta lei”.346

Entendeu a Corte Paulista que a modificação, por permitir ao Poder Executivo

alterar o perímetro da ação concertada, ofenderia o princípio da separação de poderes e, por

tal razão, julgou inconstitucional o art.1º da Lei Municipal nº15.416/11, que estabeleceu a

nova redação ao art.3º, II, a da Lei nº13.206/2001. O novo texto autoriza o Poder Executivo,

no exercício de competência discricionária, a modificar os limites geográficos da operação

concertada, definidos, com minúcias, pela lei que cria a intervenção urbana.347

Ora, alterar o perímetro por ato de natureza administrativa representaria uma

afronta evidente ao princípio da legalidade. Por esse motivo, o órgão julgador reconheceu, na

espécie, a contrariedade ao art.181 da Constituição do Estado de São Paulo, que reserva à lei

municipal “normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo,

346 Art.3º. “O Programa de Intervenções, garantindo o pleno desenvolvimento urbano e preservando a qualidade ambiental da região, tem por objetivo a complementação do sistema viário e de transportes, priorizando o transporte coletivo, a drenagem, a oferta de espaços livres de uso público com tratamento paisagístico e o provimento de Habitações de Interesse Social para a população moradora em favelas atingida pelas intervenções necessárias, e será realizado através das seguintes obras e intervenções: I – Desapropriações para a realização das obras necessárias à implementação da Operação Urbana Consorciada aprovada nesta lei; II – Conclusão e adequação da Avenida Água Espraiada: a) conclusão da Av. Água Espraiada (atualmente denominada Av. Jornalista Roberto Marinho), a partir da Av. Dr. Lino de Moraes Leme até sua interligação com a Rodovia dos Imigrantes, com os complementos viários necessários, podendo, para viabilizar o atingimento dos objetivos desta lei, estender-se parcialmente além do perímetro definido no §2º de seu art.1º [...]”. 347 Recorre-se, aqui, às lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, que define discricionariedade como “a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair, objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.48). No caso sob exame, a discricionariedade conferida ao Executivo Municipal pelo art.1º da Lei nº15.416/11 do Município de São Paulo, que estabeleceu a nova redação do art. 3º, II, a da Lei Municipal nº13.260/2001, é contrária ao princípio da reserva de plano, que deve direcionar toda a atividade urbanística estatal. Com efeito, a Lei Federal nº10.257/2001, norma geral de direito urbanístico, determina, em seu art.32, que é a lei municipal específica, baseada no plano diretor, que delimita a área para aplicação da operação urbana consorciada. Ou seja, não há margem de discricionariedade para o Administrador no que se refere à definição do perímetro da ação concertada.

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índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes”,

sempre em conformidade com as diretrizes do plano diretor.

De fato, e na esteira do exposto, é a lei específica, baseada no plano diretor,

que deve delimitar a área da operação consorciada. Os limites assim impostos não podem ser

objeto de modificação por ato decorrente do exercício da função administrativa. Apenas outra

lei, cujo processo de criação tenha contado com a participação popular, poderá alterá-los.

4.5 Natureza jurídica

Esse item será dedicado ao estudo da natureza jurídica da operação urbana

consorciada. A definição é útil para que saibamos o regime jurídico aplicável à espécie. Mas

antes de enquadrá-la em uma das categorias do ordenamento jurídico brasileiro, cabe

transcrever o conceito legal do instituto (Lei nº10.257/2001, art.32, §2º):

Art.32, §1º: Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Vê-se que a Lei nº10.257/2001 define o instituto como o “conjunto de

intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal”, com a participação da

iniciativa privada, que tem por finalidade alcançar a transformação urbanística de uma área da

cidade.

Questiona-se, entretanto: é possível enquadrar esse “conjunto de intervenções e

medidas” em alguma categoria conhecida pela ciência do direito? Em caso de resposta

negativa, poder-se-ia concluir que a operação urbana consorciada constitui uma nova espécie

de instituto jurídico, sem similar no sistema jurídico pátrio? Vejamos.

A operação urbana consorciada não pode ser equiparada simplesmente a um

contrato administrativo, cuja disciplina geral consta da Lei Federal nº8.666/93. Dentre esse

conjunto de intervenções e medidas estão os contratos firmados pela Administração para

construir obras públicas na área de abrangência da operação consorciada, necessárias para

atingir os objetivos da ação urbanística.

Tais avenças, no entanto, são apenas parte das intervenções e medidas que

constituem a operação urbana consorciada.

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Outrossim, não é possível equipará-la à concessão comum regulada pela Lei

Federal nº8.987/95, nem às espécies de parcerias público-privadas indicadas na Lei

nº11.079/2004 (art.2º) 348. A operação urbana consorciada pode ser considerada uma parceria

público-privada apenas no sentido amplo dessa expressão, conforme apontamos ao abordar o

urbanismo concertado. Trata-se, sim, de uma ação concertada entre a iniciativa privada e a

Administração Pública, mas composta por vários elementos, não somente pelo contratual.

Conforme vimos, existe a possibilidade de se utilizar o instituto da concessão urbanística

(similar à concessão comum) no âmbito de uma operação consorciada349, mas, ainda assim, o

contrato seria apenas um dos seus componentes.

Na realidade, compõe a operação urbana consorciada uma série de atos,

contratos e procedimentos administrativos realizados no exercício da função urbanística –

uma das facetas da função administrativa – e voltados à consecução da transformação

urbanístico/ambiental de uma determinada área do Município.350

Dessa forma, dentre o conjunto de medidas que constituem a operação podem

ser mencionadas: a) a realização de desapropriações e certames licitatórios para executar obras públicas na área objeto da operação consorciada (procedimentos administrativos); b) a expedição de atos administrativos concessivos de licença de construir/reformar segundo os novos parâmetros fixados pela lei específica que cria a intervenção (atos administrativos ampliativos de direito), outorgados mediante contrapartida prestada pelo interesado; c) a elaboração de estudo prévio de impacto vizinhança (Lei nº10.257/2001, art.33, V) e de impacto ambiental (procedimentos administrativos); d) os atos de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representantes da sociedade civil351 (Lei nº10.257/2001, art.33, VII);

348 Lei Federal que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. O seu art.2º, §§ 1º e 2º, indica duas espécies de parcerias público-privadas: a concessão patrocinada – definida como a concessão de serviço público ou de obra pública que envolva, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado – e a concessão administrativa, definida como o “contrato

de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Tanto a concessão comum quanto as duas espécies de parcerias público-privadas possuem natureza de contrato administrativo. 349 Conforme indicado no capítulo anterior, a Lei nº14.917/2009, art.3º, §2º, do Município de São Paulo permite que a área objeto de concessão urbanística esteja inserida no projeto de uma operação urbana consorciada. Reza o dispositivo que “o

reparcelamento de área necessário para a execução do projeto urbanístico específico da concessão deverá observar as normas gerais da legislação nacional e municipal aplicável ao parcelamento do solo para fins urbanos, as da lei do plano diretor estratégico e as da lei da operação urbana consorciada ou do respectivo projeto estratégico na qual esteja inserida a área objeto da concessão urbanística”. 350 A operação urbana consorciada é um conjunto de medidas e intervenções voltadas ao atingimento dos objetivos do plano urbanístico delineado especificamente para o seu perímetro de abrangência. Concorda-se, neste ponto, com Karlin Olbertz, que afirma que a operação urbana consorciada não pode ser considerada apenas um plano. Nas palavras da autora, “o plano

compõe a operação, mas a operação, como totalidade, não pode ser reduzida ao plano enquanto seu componente. Entendimento diverso resultaria na desconsideração do modo de operacionalização do plano, que também é elemento da operação e propicia a continuidade do processo de planejamento até o atingimento de seus resultados” (OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.63). 351 O controle popular não afasta aquele controle realizado pelos órgãos tradicionalmente voltados para tal finalidade, como o Poder Judiciário, os Tribunais de Contas e o Ministério Público. O controle da execução do plano da operação urbana consorciada com a participação da sociedade civil segue a diretriz da política urbana indicada na Lei nº10.257/2001, art.2º, II, qual seja, a necessidade de se efetivar a gestão democrática da cidade “por meio da participação da população e de

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e) as audiências públicas realizadas durante o processo de elaboração da lei municipal específica que cria a operação.

Enfim, são várias as categorias jurídicas de direito público que compõem esse

conjunto de intervenções e medidas denominado operação urbana consorciada.

Note-se que esse agrupamento de atos administrativos, contratos

administrativos e procedimentos administrativos está voltado ao atingimento de finalidades de

interesse público (revitalização de área urbana, construção de sistema viário, incremento do

sistema de transporte público, construção de habitação popular), que devem estar indicadas

expressamente na lei municipal específica que aprova a operação consorciada (Lei

nº10.257/2001, art.33, IV).

Ora, essa descrição coincide com o conceito amplo de processo administrativo.

O processo, em sentido amplo, pode ser entendido como “uma série de atos coordenados para

a realização dos fins estatais”.352 Trata-se, nas palavras de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu

Dallari, de um conjunto de atos, “teleologicamente concebido, que parte de regra de uma

provocação ou requerimento e, por consequência inelutável, caminha, mediante a prática de

atos instrumentais, para a produção do resultado inevitável, qual seja, a decisão”.353

A operação urbana consorciada é um conjunto integrado por atos, contratos e

procedimentos administrativos voltados ao cumprimento de objetivos de política urbana,

definidos na lei específica que cria a intervenção. A Administração Pública exerce sua função

urbanística por meio de processos administrativos. Alguns deles possuem ritos descritos em

lei, como é o caso da desapropriação, da licitação ou do licenciamento urbanístico; outros,

como a operação consorciada, não têm um procedimento próprio, mas são constituídos por associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”. Ressalta-se a importância de ser criado um órgão próprio para o controle da operação urbana, a fim de garantir a aplicação dos recursos na execução do plano da ação consorciada, bem como a participação de representantes da sociedade civil na atividade controladora. Nesse sentido, a Lei nº13.769/2004, do Município de São Paulo, que altera dispositivos da lei que criou a Operação Urbana Faria Lima, em seu art.17, institui “o

Grupo de Gestão da Operação Urbana Consorciada Faria Lima, coordenado pela Empresa Municipal de Urbanização (EMURB), contando com a participação de órgãos municipais, de entidades representativas da sociedade civil organizada, visando a definição e implementação do Programa de Intervenções da Operação Urbana, bem como a definição de aplicação dos seus recursos”. 352 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.621. 353 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.37. Ao lado desse conceito amplo de processo, os autores apresentam a visão do processo como uma realidade atomizada, concretizada

no caminho que vai do início ao fim do processo, isto é, uma série de atos, encadeados lógica e juridicamente, que visam ao atingimento de certos objetivos. A essa realidade menor atribui-se o nome de procedimento. Com efeito, o processo administrativo nem sempre se utiliza de um procedimento pré-definido em lei para o alcance de suas finalidades. A função administrativa é exercida por meio de processos administrativos, que podem ou não contar com um procedimento administrativo estabelecido legalmente. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o procedimento se desenvolve

dentro de um processo administrativo, mas nem sempre a lei estabelece procedimentos a serem observados necessariamente pela Administração; nesse caso, ela é livre na escolha da forma de atingir os seus objetivos, o que normalmente ocorre quando se trata da fase interna de desenvolvimento do processo, não atingindo direitos dos administrados”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.623). A operação consorciada é um processo administrativo que não possui um rito próprio; é constituído, na verdade, por uma série de procedimentos conectados entre si.

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uma série de outros procedimentos interligados e dirigidos ao alcance de uma finalidade

comum, qual seja, promover em uma determinada área da cidade “transformações

urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental” (Lei nº10.257/2001,

art.32, §1º). Atingidos os objetivos da ação concertada, o processo administrativo chega ao

seu fim.354

A peculiaridade em relação à sua aplicação é o fato de que, nesse caso, a

função pública é exercida em conjunto com a iniciativa privada, que a financia mediante o

pagamento de contrapartidas, participa da elaboração do plano urbanístico a ser implantado e

fiscaliza a sua execução. Porém, apesar da imprescindível participação do setor privado, a

coordenação da operação cabe ao Poder Público municipal (Lei nº10.257/2001, art.32, §1º),

que deve fazer prevalecer a supremacia do interesse coletivo sobre o particular em todas as

etapas da intervenção.

A participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e

investidores privados é essencial para o sucesso da operação consorciada. Além de financiar,

fiscalizar e contribuir para elaborar o projeto urbanístico, o particular participa da operação,

por exemplo, por meio da construção de imóveis no seu perímetro de abrangência (com base

nos novos índices urbanísticos previstos na lei da operação), da compra de CEPAC de outro

particular, ou da aquisição de imóveis visando ao remembramento para posterior

construção/incorporação355. Esses atos, embora regidos pelo direito privado, são essenciais

para que as finalidades da operação urbana consorciada sejam atingidas. São praticados

durante a operação, nos termos da lei específica que institui a intervenção. Construir acima

dos parâmetros ordinários, instalar usos comerciais até então proscritos pelo plano diretor para

a área da operação, adquirir imóveis particulares visando realizar o remembramento do qual

354 A Lei nº11.732/95 do Município de São Paulo, que aprovou a Operação Urbana Faria Lima, prescrevia, em seu art.28, que suas disposições vigorariam pelo prazo de 20 (vinte) anos, “podendo ser revistas a partir do 10º (décimo) ano de sua vigência”. Estabelecia-se, portanto, um prazo final para a ação concertada, independentemente do alcance das metas da operação. Esse diploma municipal foi revogado pela Lei nº13.769/2004, que não fixou prazo para a conclusão da Operação

Urbana Consorciada Faria Lima. Entende-se, assim, que a ação concertada chegará ao seu termo quando todos os seus objetivos foram atingidos. 355 A Lei Complementar nº101/2009 do Município do Rio de Janeiro, que autoriza o Poder Executivo a instituir a Operação

Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio, busca estimular o proprietário a participar da operação consorciada e prevê, para tanto, a concessão gratuita de área adicional de construção equivalente a 10% da área do lote resultante de remembramento, para a hipótese em que esse lote atinja área igual a 1.500 m2 e seja resultante de remembramento de outros lotes com área inferior a 1.000 m2 (art. 38, I, a); prevê, ainda, a concessão gratuita de área adicional de construção equivalente a 15% da área do lote resultante de remembramento, para a hipótese em que esse lote atinja área igual ou superior a 3.000m2 e seja resultante do remembramento de outros lotes com área superior a 1.500m2 (art. 38, I, b).

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resultem lotes maiores que o permitido pelo zoneamento: todos são atos praticados em virtude

do permitido pela lei específica que cria a operação consorciada.356

Todavia, nada disso faz com que a disciplina da operação consorciada deixe de

ser submetida ao regime jurídico de direito público, posto que se trata de processo

administrativo. O seu sucesso está diretamente ligado ao interesse do setor privado em

participar da ação concertada, mas os seus objetivos devem estar voltados à satisfação do

interesse público, consubstanciado no pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade

(art.182 da Constituição Federal). Assim, por exemplo, o interesse do setor privado em

construir acima dos parâmetros urbanísticos ordinários não pode prevalecer sobre o interesse

da coletividade na adequada organização do espaço urbano, que pressupõe sejam evitados o

parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à

infraestrutura urbana (art.2º, VI, c, do Estatuto da Cidade).

4.6 Finalidades da operação urbana consorciada

O Estatuto da Cidade (art.32, §1º) indica como objetivos da operação urbana

consorciada: a) o atingimento de transformações urbanísticas estruturais; b) a conquista de

melhorias sociais; e c) a valorização ambiental.

A dúvida que surge da leitura do preceito é se tais metas devem ser perseguidas

conjuntamente, ou se é válido o plano da operação urbana consorciada que preveja o alcance

de apenas um desses escopos.

Sobre o tema, Paulo José Villela Lomar assevera que realizar a operação

urbana consorciada pressupõe a busca de transformações urbanísticas estruturais

acompanhadas, necessariamente, de melhorias sociais e da valorização ambiental da área

objeto da intervenção. Esse seria o entendimento mais consentâneo com a definição, com as

diretrizes gerais e com os demais requisitos exigidos para realizar a operação consorciada.357

Ainda segundo o autor, intervenções urbanas de menor envergadura podem visar apenas à

valorização ambiental, ou apenas a melhorias sociais, “mas a operação urbana consorciada

não estará completa se faltar a realização de um destes objetivos”.358

356 Na realidade, o processo de urbanização, em regra, não pode prescindir da participação do setor privado. O próprio parcelamento do solo urbano (loteamento e desmembramento) é realizado pelo particular (Lei Federal nº6.766/79), não obstante deva obedecer às diretrizes estabelecidas pelo Poder Público municipal (arts.6º a 17 do diploma) . 357 LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.248-249. 358 LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 249.

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No mesmo sentido, Karlin Olbertz ressalta que, para a configuração da

operação urbana consorciada, é necessário intervir no espaço urbano visando ao cumprimento

concomitante dos três objetivos elencados no dispositivo. Para a autora, essa conclusão

decorre, além da interpretação gramatical do preceito, do fato de que cada uma dessas

finalidades pode traduzir, isoladamente, ao menos um instrumento urbanístico distinto da

operação urbana consorciada. Como exemplos, cita um instrumento que pode promover

transformações urbanísticas estruturais imediatas – o parcelamento; um instrumento voltado a

implantar melhorias sociais – a zona especial de interesse social (Lei nº10.257/2001, art.42-

B, V); e instrumentos orientados diretamente à valorização ambiental – criação de unidades

de conservação e limitações administrativas.359

As conclusões as quais chegaram os autores nos parecem irretocáveis. A

execução do plano da operação urbana consorciada pressupõe a mudança dos índices de

parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias municipais. Ou seja, cria-se uma

legislação própria, especialmente elaborada para a área objeto da intervenção, a excepcionar o

que dispõe o plano diretor municipal.

Uma intervenção dessa magnitude somente pode ser justificada se suas

finalidades corresponderem à modificação urbanística estrutural da área acompanhada da

melhoria dos indicadores sociais da população local e da valorização ambiental da região.

Conforme vimos, existe a possibilidade de se aplicar instrumentos específicos

de direito urbanístico para o alcance de cada um dos objetivos elencados no §1º do art. 32.

Assim, a modificação urbanística estrutural de uma determinada área da cidade pode ser

atingida utilizando-se a desapropriação urbanística prevista no Decreto-Lei nº3.365/41 (art.5º,

i) 360; as melhorias sociais podem ser alcançadas mediante o uso de instrumentos jurídicos de

regularização fundiária, como a concessão de uso especial para fins de moradia (Medida

Provisória nº2.220/2001) e a concessão de direito real de uso (Decreto-Lei nº271/67, art.7º); e

a valorização ambiental pode ser obtida, por exemplo, pela instituição de área de preservação

ambiental, regulada pelo art. 15 da Lei Federal nº9.985/2000, que cria o Sistema Nacional de

Unidades de Conservação da Natureza. Portanto, cada um desses objetivos conta com

instrumentos legais destinados ao seu alcance.

Assim, a aplicação da operação urbana consorciada deve ser reservada para as

hipóteses nas quais se pretenda alcançar, conjuntamente, as três finalidades indicadas no 359 OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 68. 360 Decreto-Lei nº3.365/41, Art.5o. “Consideram-se casos de utilidade pública: [...] i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais”.

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dispositivo. Há de se buscar transformações urbanísticas estruturais na área objeto da

intervenção, mas sempre considerando a necessidade de serem promovidas, na mesma região,

melhorias sociais361 e valorização ambiental.

A lei municipal deve indicar os objetivos específicos de cada operação urbana

consorciada, de acordo com as peculiaridades e necessidades do Município e da região

abrangida, mas essas metas devem estar em consonância com a norma geral constante do

art.32, §1º, do Estatuto da Cidade362.

4.7 Benefícios urbanísticos destinados a induzir o parceiro privado a participar da

operação urbana consorciada

O Estatuto da Cidade elenca (art.32, §2º, I, II e III), de forma não exaustiva,

algumas medidas destinadas a induzir o parceiro privado a participar da operação urbana

consorciada. Todas elas devem ser detalhadas na lei municipal que cria a operação.

A primeira delas é a modificação dos índices e características de parcelamento,

uso e ocupação do solo e subsolo da área objeto da operação.

Sabe-se que o plano diretor define os coeficientes de aproveitamento363 para

cada área da cidade, a taxa de ocupação364 dos lotes pelas edificações, os tamanhos mínimos e

máximos dos lotes, os usos possíveis para cada propriedade imóvel nos termos fixados pelo

zoneamento e diversas outras regras que determinam índices urbanísticos. São regras que

definem a ocupação e o uso do solo de todo o território do Município.

361 Daí a necessidade de que conste da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada o “programa de atendimento

econômico e social para a população diretamente afetada pela operação” (Lei nº10.257/2001, art.33, III). 362 Como exemplo, a Lei nº13.909/2011, do Município de Curitiba, que aprova a “Operação Urbana Consorciada Linha

Verde e estabelece diretrizes urbanísticas para a área de influência da atual Linha Verde, desde o Bairro Atuba até os bairros Cidade Industrial de Curitiba – CIC e Tatuquara”, indica os objetivos da operação no seu art.4º: “I – promover a ocupação ordenada da região, segundo diretrizes urbanísticas, visando à valorização dos espaços de vivência e de uso público; II – desenvolver um programa que garanta o atendimento à população que vive em área de ocupação irregular ou em situação de vulnerabilidade, com previsão de relocação das famílias, melhoramentos e reurbanização das áreas degradadas; III – criar estímulos para a implantação de usos diversificados, com parâmetros urbanísticos compatíveis com as tendências e potencialidades dos lotes inclusos no perímetro da Operação Urbana Consorciada Linha Verde, visando alcançar as transformações urbanísticas e ambientais desejadas; IV – incentivar a mescla de usos para estimular a dinâmica urbana; V – dotar o perímetro da Operação Urbana Consorciada de qualidades urbanísticas e ambientais compatíveis com os adensamentos propostos; VI – criar condições para que proprietários, moradores e investidores participem da transformação urbanística objetivada pela presente Operação Urbana Consorciada; VII – implantar os melhoramentos viários constantes do Programa de Intervenções descrito no art.3º desta lei, em especial a conclusão da Linha Verde, preservando a qualidade de vida do seu entorno mediante a ampliação das áreas verdes e de lazer, com tratamento paisagístico; VIII – garantir a permeabilidade do solo mediante concessão de incentivos construtivos; IX – prever nas novas edificações a implantação de mecanismos de contenção de cheias visando a retenção das águas pluviais”. A redação do dispositivo indica as transformações urbanísticas estruturais, as melhorias sociais e a valorização ambiental pretendidas para a área, seguindo o que dispõe o Estatuto da Cidade (art.32, §1º). 363 O próprio Estatuto da Cidade define coeficiente de aproveitamento como “a relação entre a área edificável e a área do

terreno” (art.28, §1º). 364 Ensina José Afonso da Silva que a taxa de ocupação “refere-se à superfície do terreno a ser ocupada com a construção. É um índice que estabelece a relação entre a área ocupada pela projeção horizontal da construção e a área do lote”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.255).

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Entretanto, o Estatuto da Cidade (art.32, §2º, I) prevê a possibilidade de

fixação de índices urbanísticos diferenciados pela lei específica que cria a operação urbana

consorciada. Em outras palavras, as regras de ocupação definidas pelas leis municipais de uso

e ocupação do solo para a área objeto da operação podem ser alteradas por lei específica que

institua a intervenção urbana.365

Como exemplo, imaginemos a hipótese de fixação, pelo plano diretor

municipal, de coeficiente de aproveitamento equivalente a dois para determinada área da

cidade. Caso essa mesma área seja objeto de uma operação urbana consorciada, seu

coeficiente de aproveitamento pode ser alterado para quatro. Ou seja, o proprietário de lote

situado no perímetro da operação poderá construir o dobro do que poderia se a intervenção

não tivesse sido criada, desde que pague as contrapartidas exigidas, as quais também devem

estar definidas na lei que cria a operação (Estatuto da Cidade, art.33, VI). De forma análoga,

os tamanhos mínimos e máximos de lotes previstos pelo zoneamento local também podem ser

alterados. A lei específica pode, por exemplo, ampliar o tamanho máximo de um lote

localizado no perímetro da operação de 1.000 m2 para 2.000 m2.

Essas medidas servem para atrair os investimentos privados necessários ao

alcance dos objetivos da operação urbana consorciada, já que os proprietários e investidores

pagam,366 ou dão algum outro tipo de contrapartida (como, por exemplo, construir um

conjunto habitacional para a população de baixa renda), em troca do direito de construir de

acordo com os novos índices urbanísticos fixados pela lei que institui a operação urbana

consorciada.

Essas contrapartidas deverão ser utilizadas no âmbito da operação urbana

consorciada (Lei nº10.257/2001, art.33, §1º), já que a alteração dos índices urbanísticos é

prevista exclusivamente para gerar subsídios para a operação, e não como uma fonte ordinária

365 A Lei nº13.769/2004 do Município de São Paulo, que instituiu a Operação Urbana Consorciada Faria Lima, em seu art.6º, autoriza o Executivo a efetuar, de forma onerosa, a outorga de potencial adicional de construção e de alteração dos usos e parâmetros urbanísticos estabelecidos na legislação de uso e ocupação do solo vigente à data de protocolamento do

processo, para os lotes contidos no perímetro da operação, na conformidade dos valores, critérios e condições estabelecidos no mesmo diploma municipal, como forma de obtenção de recursos para a realização da ação consorciada. E o parágrafo único do mesmo dispositivo prescreve que “o total de potencial adicional de construção, outorgado para utilização nos lotes

contidos no interior do perímetro descrito do art.1º, fica limitado a 2.250.000 (dois milhões, duzentos e cinquenta mil) metros quadrados, devendo ser deduzidos todos os metros quadrados de outorga de adicional de construção aprovados até a data de aprovação da presente lei [...]”. 366 Esse pagamento pode ser realizado por meio de certificados de potencial adicional de construção (os CEPAC), valores mobiliários emitidos pelo Município e livremente negociáveis no mercado, emitidos justamente com a finalidade de servirem para o “pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a operação urbana consorciada” (art.34, §2º, do Estatuto da Cidade). O instituto será objeto de análise detalhada no próximo capítulo desta pesquisa.

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de recursos para a Administração Pública.367 O prefeito responsável por utilizar esses

montantes em desacordo com o art.33, §1º, poderá ser responsabilizado pela prática de ato de

improbidade administrativa368, nos termos do art. 52, V, do Estatuto da Cidade.

Para o proprietário de imóvel urbano situado na área da operação consorciada –

e para os investidores em geral – pode ser bastante interessante construir acima dos

parâmetros urbanísticos ordinários. Afinal, em um mesmo lote poderá ser construída uma

edificação com metragem superior, o que significa um maior aproveitamento econômico do

imóvel. Daí o pagamento de contrapartidas ao Poder Público, que deverão ser destinadas, com

exclusividade, ao cumprimento das metas da operação urbana (revitalizar a área atingida pela

intervenção, por exemplo).

Da mesma forma, a lei que cria a operação urbana consorciada pode admitir a

instalação de usos proibidos pelo zoneamento aplicável à área. Assim, por exemplo, em uma

área exclusivamente residencial, a lei que institui a operação pode permitir o uso comercial,

fator que também pode induzir os proprietários de imóveis situados nessa região a participar

da ação consorciada com o Poder Público, financiando-a com a aquisição da outorga onerosa

de alteração do uso.369 Trata-se de instrumento que demonstra o caráter flexibilizador do

urbanismo de concertação.

Prevê, outrossim, o Estatuto da Cidade (art.32, §2º, I), a possibilidade de

alteração das normas edilícias. Assim, pode a lei que cria a operação urbana consorciada

instituir novas regras disciplinadoras do direito de construir na área objeto da intervenção,

diversas daquelas válidas até então. Nas palavras de Karlin Olbertz, “é cabível que o plano da

operação preveja recuo, alinhamento, nivelamento, gabarito de altura, espaços não edificáveis,

367 O dispositivo constante da Lei nº10.257/2001, art.33, §1º, não é isento de críticas por parte dos estudiosos do tema. Diana Di Giuseppe afirma que a obrigatoriedade de utilização dos recursos arrecadados unicamente na própria operação urbana impede que áreas mais dinâmicas do ponto de vista da atividade imobiliária sejam aproveitadas para captação de recursos extras, que poderiam ser remanejados para áreas que necessitam de intervenção, mas que não oferecem tantos atrativos para esse segmento de investimento. (DI GIUSEPPE, Diana. Operações Urbanas Consorciadas. In: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM. Estatuto da Cidade (Coord). Mariana Moreira. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, 2001, p.392). Ocorre que, para os fins propostos pela autora, existe a possibilidade de utilização dos instrumentos da outorga onerosa do direito de construir e da outorga onerosa de alteração do uso, por meio dos quais recursos financeiros podem ser captados em áreas mais valorizadas para serem utilizados em áreas periféricas da cidade, desde que sejam aplicados com as finalidades previstas na Lei nº10.257/2001 (art.26, I a IX), nos termos do art. 31 da mesma Lei Federal. 368 Nesse caso, os atos administrativos de concessão de outorga onerosa do adicional de construção poderão ser anulados com base na Lei Federal nº4.717/1965, art.2º, e, que regula a ação popular, tendo em vista o desvio de finalidade observado na hipótese. Outrossim, poderá ser proposta a ação civil pública para fins de responsabilização pelos danos causados à ordem urbanística (Lei Federal nº7.347/1985, art. 1º, VI). 369 Vale lembrar que o art.29 do Estatuto da Cidade permite a fixação pelo plano diretor de áreas nas quais poderá ser alterado o uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. Portanto, mesmo sem a instituição de uma operação urbana consorciada, a alteração de uso mediante contrapartida já é permitida, desde que autorizada pelo plano diretor.

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estética, dentre outros parâmetros, diversos daqueles que até então vigoravam para a área

focalizada.”370

Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho afirma que a previsão de

“alteração de normas edilícias permitida pelo Estatuto tem sentido fluido e impreciso”, posto

que, na realidade, “a alteração de índices de parcelamento e de uso e ocupação do solo

normalmente já encerra a ideia de alteração de normas edilícias”.371

Deveras, nas hipóteses em que a lei da operação urbana consorciada prevê a

modificação de índices urbanísticos, como o coeficiente de aproveitamento e a taxa de

ocupação, está alterando, em verdade, as normas relativas à edificação sobre o terreno.

No entanto, conforme explica o autor, o Estatuto da Cidade quis admitir, com

tal previsão, outras alterações além daquelas decorrentes das mudanças dos índices

urbanísticos. Assim, edificações que seriam consideradas irregulares pelas leis municipais que

regem o direito de construir passam a ser permitidas pela lei que cria a operação consorciada.

Cabe ressaltar que as previsões relativas às modificações dos índices

urbanísticos e das normas edilícias devem considerar o impacto ambiental delas decorrentes

(Estatuto da Cidade, art.32, §2º, I). Ou seja, os efeitos negativos e positivos dessas alterações

no meio ambiente urbano devem ser sopesados. É necessário considerar, por exemplo, o

impacto do maior adensamento construtivo e/ou populacional na circulação de veículos

particulares e de transporte público. Caso essas modificações possam gerar dificuldades

incontornáveis para o tráfego na região, o projeto da operação consorciada deverá ser

repensado ou abandonado. Voltaremos ao tema quando do estudo dos requisitos mínimos da

lei que aprova a ação concertada. Dentre eles, a realização do estudo de impacto de

vizinhança (Lei nº10.257/2001, art.33, V).

A Lei nº10.257/2001 (art.32, §2º, II) prescreve ainda que a lei que cria a

operação urbana consorciada poderá prever a “regularização de construções, reformas ou

ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente”.

O dispositivo refere-se à possibilidade de serem consideradas regulares

situações jurídicas contrárias à legislação sobre obras e edificações aplicável à área objeto da

ação consorciada. A medida tem semelhança com a anistia conferida a imóveis irregulares,

frequentemente estabelecida por meio de leis municipais esparsas. Trata-se, na realidade, de

370 OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.106. 371 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.219.

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“convalidação de situações jurídicas irregulares”, de acordo com José dos Santos Carvalho

Filho.372

Dessa forma, para atingir as finalidades da operação urbana consorciada, a lei

municipal específica poderá prever a regularização de construções, reformas e ampliações dos

imóveis localizados na área da intervenção, a partir de parâmetros diferenciados em relação

aos fixados pelo código de obras e edificações local. O mesmo diploma legal poderá

estabelecer contrapartidas a serem prestadas pelos beneficiários dessas regularizações.373

Essa medida pode ser particularmente importante na hipótese (bastante

frequente) em que na área da operação existam ocupações irregulares de imóveis, públicos ou

privados, por população de baixa renda. Por meio desse instrumento de convalidação é

possível iniciar os procedimentos de regularização fundiária, destinados a legalizar a situação

das construções nas quais reside essa população.374

Segundo Karlin Olbertz, ainda que o Estatuto da Cidade não trate

especificamente da regularização da propriedade ou da posse do lote, mas apenas da

construção, reforma ou ampliação da edificação, a outorga da titulação (legitimação da

propriedade ou da posse) é cabível nas operações urbanas consorciadas, tendo em vista a

previsão genérica constante do art.32, §2º, da Lei nº10.257/2001, segundo o qual outras

medidas podem ser previstas na lei específica, além daquelas indicadas nos incisos I, II e III

do mesmo dispositivo.375

Com efeito, o rol de medidas previsto nesse versículo não é taxativo, e a

regularização fundiária pode ser medida de extrema importância para o alcance das metas da

operação urbana consorciada, especialmente em face do art.2º, XIV, do Estatuto, que

prescreve como uma das diretrizes essenciais da política urbana,

372 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.219. 373 Essencial, contudo, que as regularizações das edificações não representem riscos à segurança e à integridade física de seus moradores e não contrariem as diretrizes da política urbana, elencadas na Lei nº10.257/2001, art.2º, em especial as que estão previstas no inciso VI desse dispositivo: “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; h) a exposição da população a riscos de desastres”. 374 José dos Santos Carvalho Filho lembra que a medida “guarda consonância com a diretriz urbanística de proporcionar, sempre que possível, a regularização fundiária dos terrenos da cidade (art.2º, XIV, do Estatuto)”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.219). 375 OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.107.

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a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de norma especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

Portanto, o uso de institutos de regularização fundiária pode ser previsto na lei

que institui a operação urbana consorciada como uma das medidas direcionadas ao alcance

das metas fixadas no plano da ação concertada. A legitimação da propriedade ou da posse de

áreas ocupadas por população de baixa renda pode ser obtida por meio de instrumentos como

a “concessão de uso especial para fins de moradia” (MP 2.220/2001); “a concessão de direito

real de uso” (Decreto-Lei nº271/67, art.7º); o “direito de superfície” (Estatuto da Cidade,

arts.21 a 24); e o “usucapião especial de imóvel urbano” (Estatuto da Cidade, arts.9º ao 14),

dentre outros.

Por derradeiro, ressalta-se o disposto no inciso III do §2º do art.32 da Lei

nº10.257/2001. Segundo o dispositivo, incluído pela Lei Federal nº12.836/2013, a lei

específica que instituir a ação conjunta pode prever a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando reduzir impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas.

O preceito encontra fundamento no art.225 da Constituição Federal376, que

garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, um bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. A mesma norma constitucional impõe

ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, para as

presentes e futuras gerações.

Destaca-se que tanto a Administração Pública quanto o setor privado são

responsáveis pela defesa e preservação do meio ambiente. Assim, a interferência no espaço

urbano realizada de forma conjunta por esses dois setores deve estar voltada ao cumprimento

desse dever.

De outra parte, o disposto no art.32, §2º, III, do Estatuto da Cidade está em

consonância com as diretrizes indicadas no art.2º (I, VI, VIII, X, XII e XVII) da mesma Lei

Federal, todas voltadas à proteção do meio ambiente natural e construído e à adoção de

padrões de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental. 376 Segundo José Afonso da Silva, o direito ambiental brasileiro encontra nesse preceito constitucional o seu núcleo normativo. O autor destaca, especialmente, que o dever de defender o meio ambiente e preservá-lo é imputado tanto ao Poder Público como à coletividade. (SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.50-53).

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161

Dessa forma, a lei municipal específica que cria a operação consorciada pode

prever vantagens a proprietários e investidores que utilizem na construção de edificações

urbanas tecnologias que reduzam os impactos ambientais e contribuam para a economia de

recursos naturais. Nesse caso, a natureza dos incentivos concedidos deve constar do plano da

operação urbana consorciada (Lei nº10.257/2001, art.33, VIII). Por exemplo, a lei da operação

pode prever a outorga de potencial adicional de construção ou de alteração de uso (ou a

regularização de edificações e reformas) ao proprietário que utilizar em seu imóvel técnicas

construtivas que economizem energia elétrica ou diminuam o gasto com o fornecimento de

água. Outrossim, benefícios podem ser previstos no caso de projeto arquitetônico que preveja

o aumento da área verde/permeável do imóvel para índices superiores ao mínimo exigido pela

legislação municipal. Esse aumento da permeabilização do terreno pode ser recompensado

pelo Poder Público, pois contribui para diminuir o risco de enchentes. Essas medidas iriam ao

encontro da diretriz de política urbana indicada no inciso XVII do art.2º do Estatuto da

Cidade, incluído pela Lei Federal nº12.836/2013, que prevê o “estímulo à utilização, nos

parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões

construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a

economia de recursos naturais”.

Nesses casos, a contrapartida pelas vantagens urbanísticas será justamente o

uso de padrões de edificação que reduzam os impactos ambientais do empreendimento e

viabilizem o menor consumo de recursos naturais.

Mas é preciso alertar sobre a necessidade de previsão legal detalhada a respeito

dos benefícios concedidos e das contrapartidas devidas pelos interessados. Atenta-se, mais

uma vez, para a obrigação de respeitar o princípio da legalidade, que deve orientar toda a

atividade da Administração Pública, conforme o art.37 da Carta Federal. A lei que institui a

operação deve oferecer parâmetros claros e seguros a respeito da relação

benefícios/contrapartidas. É preciso que o interessado em participar da operação consorciada

saiba exatamente a quantidade de adicional construtivo a ser obtido a partir do uso de padrões

construtivos que permitam reduzir o impacto ambiental do empreendimento. A lei específica

pode determinar, por exemplo, que a implantação de quantidade x de metros quadrados de

solo permeável acima dos padrões legais mínimos dê direito a uma quantidade y de adicional

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construtivo; ou que o aumento de área verde proporcional ao conjunto do empreendimento

equivalente a x metros quadrados gere o direito a y metros quadrados de alteração de uso.377

Observamos que a ausência de parâmetros legais concretos contraria o

princípio da reserva de plano, que decorre do princípio da legalidade. Os índices urbanísticos

previstos no plano diretor somente podem ser alterados se a lei que cria a operação indicar as

contrapartidas prestadas em função de cada benefício concedido. De outra parte, a falta de

previsão exata quanto às espécies e os montantes das contrapartidas pode significar

tratamento desigual a investidores e proprietários em idêntica situação, o que tornaria

ilegítima a aplicação da operação consorciada.

O pagamento da contrapartida é consequência da adesão do particular ao plano

de ação conjunta com o Poder Público. As contraprestações e os outros requisitos obrigatórios

da lei que cria a operação urbana consorciada serão abordados no próximo item deste estudo.

4.8 Requisitos da lei específica que cria a operação urbana consorciada

O Estatuto da Cidade (art.33) determina que o plano da operação urbana

consorciada deve constar da lei específica que aprovar o instrumento e elenca os seus

requisitos mínimos. São itens que não podem faltar no diploma que cria a intervenção, sob

pena de invalidade.378

A seguir, serão analisados cada um desses elementos.

4.8.1 Definição da área a ser atingida

O tema já foi enfrentado quando da análise do caput do art.32 da Lei

nº10.257/2001, segundo o qual lei municipal específica, baseada no plano diretor, pode

delimitar área do Município para a instituição de operações urbanas consorciadas. Uma leitura

descontextualizada do dispositivo pode levar à interpretação de que a delimitação legal da

377 A Lei nº13.909/2011 do Município de Curitiba, que aprova a Operação Urbana Consorciada Linha Verde, prevê, no seu art.9º, que “poderá o Poder Executivo por meio de regulamentação específica, estabelecer incentivos construtivos para os imóveis inseridos no perímetro da Operação Urbana Consorciada Linha Verde, destinados à: I – implantação de áreas dotadas de ajardinamento, paisagismo, arborização e permeabilidade; II – preservação das áreas verdes, áreas arborizadas e áreas localizadas em fundo de vale; IV – transferência sem ônus ao Município das áreas atingidas por projetos de alargamentos viários, vinculados à implantação das obras e intervenções previstas no art.3º desta lei”. Vê-se que o dispositivo está de acordo com a Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, III, mas que sua aplicação depende de regulamentação específica. 378 O Estatuto da Cidade é norma geral de direito urbanístico, editada com fundamento no art.24, I, da Constituição Federal. Suas disposições são de observância obrigatória por Estados, Distrito Federal e Municípios, que mantêm a competência suplementar em matéria urbanística, conforme art.24, §§1º e 2º, e art.30, II e VIII da Carta.

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área objeto da operação consorciada é faculdade do Poder Público municipal, em razão da

expressão poderá delimitar.

Todavia, não é essa a finalidade do preceito. Na realidade, o art.32 do Estatuto

estabelece que, na hipótese de ser implementado o instituto, a lei específica deve indicar

precisamente a área objeto da operação consorciada, sob pena de invalidade. Essa conclusão é

confirmada pelo disposto no art.33, I, do diploma, que indica como um dos requisitos

obrigatórios da lei específica a “definição da área a ser atingida”.

Portanto, e conforme adverte José dos Santos Carvalho Filho, o art. 32 da Lei

nº10.257/2001 deve ser interpretado em conjunto com o seu art.33, I. Segundo o autor, a

interpretação sistemática dos dois dispositivos permite concluir que a definição da área de

abrangência da ação consorciada na lei municipal específica é obrigatória.379

A definição precisa da área objeto da operação urbana consorciada é exigência

inafastável para a sua implantação. A própria natureza do instituto assim o exige. Afinal, o

perímetro urbano no qual será aplicado o instrumento é uma região da cidade sujeita às novas

regras impostas pela lei que cria a operação, e não às leis de uso e ocupação do solo válidas

para todo o território municipal (e que são válidas também para a área objeto da operação

consorciada antes de sua implantação). Trata-se de um “recorte” no mapa urbano, do qual

resultará um território objeto de regras diferenciadas de ocupação.

Posto tratar-se de exceção às regras ordinárias de ocupação do solo – e,

portanto, ao próprio planejamento urbanístico municipal –, a definição da área em que será

implantada a ação consorciada deve ser realizada com exatidão380.

379 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.220. 380 A Lei nº13.769/2004 do Município de São Paulo, que institui a Operação Urbana Consorciada Faria Lima, define a área objeto da operação no §1º do seu art.1º: “a área objeto da Operação Urbana Faria Lima é a contida e delimitada pelo perímetro assinalado na planta nºFL017B001 que deverá integrar o arquivo da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB), constante do Anexo 1 desta lei, descrito a seguir: começa no ponto situado na Avenida Cidade Jardim distante 50,00 (cinquenta) metros de sua confluência com a Avenida Brigadeiro Faria Lima, segue em linha paralela à Avenida Brigadeiro Faria Lima até a Rua Henrique Monteiro, Rua Henrique Monteiro, Rua Bianchi Bertoldi, Rua Artur de Azevedo, Rua Cunha Gago, Rua Padre Garcia Velho, Avenida Pedroso de Moraes, Avenida Professor Frederico Hermann Junior, Avenida das Nações Unidas, Ponte Eusébio Matoso, Rua Gerivativa, Rua Magalhães de Castro, Rua Desembargador Armando Fairbanks, Avenida Valdemar Ferreira, Praça Jorge de Lima, Avenida Eusébio Matoso, Rua Bento Frias, Rua Henrique da Cunha, Ponte Eusébio Matoso, Avenida das Nações Unidas, Rua Hungria, Avenida das Nações Unidas, Avenida dos Bandeirantes, Rua do Cabo Verde, Avenida Santo Amaro, Avenida Graúna, Rua Pintassilgo, Rua Indiaroba, Avenida Jacutinga, Rua Tuim, Avenida Lavandisca, Rua Inhambu, Avenida Ministro Gabriel de Resende Passos, Rua Canário, Avenida República do Líbano, Avenida IV Centenário, Rua Vasco Crevatin, Rua Diogo Jácome, Rua Balthazar da Veiga, Rua Escobar Ortiz, Rua Afonso Brás, Rua Barra do Peixe, Rua Gararu, Rua Coronel Artur Paula Ferreira, Rua Valois de Castro, Rua Marcos Lopes, Rua Monte Aprazível, Rua Natividade, Avenida Santo Amaro, Rua Tenente Negrão, Rua Dr. Renato Paes de Barros, Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, Rua Leopoldo Couto de Magalhães Junior, Rua Clodomiro Amazonas, Rua Joaquim Floriano, Rua Iguatemi, Avenida Brigadeiro Faria Lima, Avenida Cidade Jardim, até o ponto inicial”. A Lei Complementar nº101/2009 do Município do Rio de Janeiro institui a Operação Urbana Consorciada da

Região do Porto do Rio em uma área denominada Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU), delimitada com exatidão no Anexo I da lei. Por outro lado, os Anexos IV e V do mesmo diploma definem os setores em que se divide a área objeto da operação. A Lei nº13.909/2011 do Município de Curitiba, que aprova a Operação Urbana Consorciada Linha Verde, indica

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Conforme demonstramos no item 4.4, as áreas sujeitas à operação consorciada

devem estar indicadas na lei que institui o plano diretor municipal, ainda que sem a

delimitação exata do seu perímetro. Caso o plano não tenha especificado precisamente os

limites da operação, deverá a lei específica fazê-lo, desde que garantida a participação popular

no seu processo de elaboração, sob pena de ofensa ao princípio da gestão monocrática das

cidades (Lei nº10.257/2001, art.2º, II e XIII e arts.43 a 45). A delimitação da área deverá ser

condizente com as diretrizes do plano diretor municipal (Estatuto da Cidade, art.32) e resultar

de amplo estudo acerca da necessidade e das finalidades da implantação do instrumento.

Outrossim, e conforme apontado por Karlin Olbertz381, a definição da área

objeto da operação é obrigatória também em função do que dispõe o art.33, §1º, da Lei

nº10.257/2001, segundo a qual os recursos obtidos com a outorga dos benefícios somente

poderão ser aplicados na área em que for realizada a intervenção.

4.8.2 Programa básico de ocupação da área

Outro elemento obrigatório do plano da operação urbana consorciada é o

“programa básico de ocupação da área” (art.33, II). Dele deve constar o projeto urbanístico a

ser desenvolvido na área da cidade objeto da operação.382 Devem ser indicadas, por exemplo,

as modificações propostas no sistema viário e de transporte coletivo, o plano de construção de

habitações de interesse social na área, as melhorias no sistema de saneamento básico, as obras

de drenagem e contenção de enchentes, a criação de espaços públicos de lazer e de construção

de parques lineares.

O programa básico deve indicar também as obras e intervenções por meio das

quais será realizado o projeto urbanístico: as desapropriações necessárias, a construção ou o

prolongamento de vias, a implantação de viadutos, a edificação de unidades de habitação

social, a construção de estações e terminais rodoviários e metroviários, dentre outras. Assim,

o perímetro da operação no mapa constante do seu Anexo I e o descreve detalhadamente no seu Anexo II. Já o art.2º do mesmo diploma municipal divide a área em três setores, “com o objetivo de tratar de forma diferenciada as desigualdades

existentes na região e privilegiar as funções urbanas relacionadas com a distribuição espacial da população, das atividades econômicas e sociais, da oferta de infraestrutura e de serviços urbanos”. 381 OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 88-89. 382 José dos Santos Carvalho Filho afirma que se trata do programa “de maior amplitude em relação à operação urbana por

indicar qual o projeto urbanístico a ser desenvolvido na respectiva área da cidade”. Para o autor, o programa básico “deve

retratar as bases do projeto, ou seja, o que o Município pretende alcançar e os meios a serem empregados para esse fim”.

(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.220).

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o programa de intervenções deve ser apresentado junto ao “programa básico de ocupação da

área”.383

Outrossim, o programa de ocupação fixará os índices urbanísticos aplicáveis à

área objeto da intervenção, ou seja, definirá o coeficiente de aproveitamento, a taxa de

ocupação, os tamanhos mínimos e máximos de lotes, enfim, os novos parâmetros de uso e

ocupação do solo válidos para a área.

O sucesso da operação urbana consorciada e a adesão dos interessados

dependem de um programa básico de ocupação da área bem elaborado, pois é a partir dele que

os proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados decidirão participar

da ação consorciada com o Poder Público, garantindo-se os recursos necessários à consecução

dos objetivos da operação.

4.8.3 Programa de atendimento econômico e social para a população diretamente

afetada pela operação

Essa exigência (Lei nº10.257/2001, art.33, III) é fruto da preocupação do

legislador com a situação da população de baixa renda residente na área abrangida pela

operação urbana consorciada.

383 A Lei nº13.260/2001 do Município de São Paulo, que criou a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, apresenta, em seu art.3º, o programa de intervenções na área objeto da intervenção. Segundo o dispositivo: “o Programa de

Intervenções, garantindo o pleno desenvolvimento urbano e preservando a qualidade ambiental da região, tem por objetivo a complementação do sistema viário e de transportes, priorizando o transporte coletivo, a drenagem, a oferta de espaços livres de uso público com tratamento paisagístico e o provimento de Habitações de Interesse Social para a população moradora em favelas atingida pelas intervenções necessárias [...]”. Em seguida, o mesmo dispositivo elenca as obras e intervenções por meio das quais será implantado o projeto urbanístico criado para a área: desapropriações, conclusão, prolongamento e alargamento de avenidas, implantação de unidades de habitação social, implantação de sistema de áreas verdes e de espaços públicos. Por sua vez, a Lei nº13.909/2011 do Município de Curitiba prevê (art.3º) que “o Programa de Intervenções, garantindo o pleno desenvolvimento urbano e preservando a qualidade ambiental da região, tem por objetivo a requalificação urbanística e ambiental, a complementação do sistema viário e de transportes, priorizando o transporte coletivo, a drenagem, a oferta de espaços livres de uso público com tratamento paisagístico, ciclovias e regularização fundiária das áreas de ocupação irregular. As obras e intervenções a serem realizadas são as seguintes: I – desapropriações para a realização das obras necessárias à implementação da Operação Urbana Consorciada aprovada nesta lei. II – conclusão e adequação da Linha Verde: a) conclusão da Linha Verde em toda a sua extensão, com os complementos viários necessários; b) implantação de transposições ao longo da Linha Verde; c) implantação de conexões às ruas transversais de acesso à Linha Verde; d) implantação de complexo viário, com pontes, interligando a Linha Verde com as vias marginais do Rio Belém; e) implantação das vias locais margeando a Linha Verde. III – relocação de moradias em áreas de risco, de preservação ambiental e em situação de vulnerabilidade; IV – implantação de áreas verdes e de espaços públicos compatíveis com a dinâmica de desenvolvimento da região, dimensionados de forma a possibilitar a criação de áreas de lazer e de circulação segura para pedestres; V – criação de condições ambientais diferenciadas nos espaços públicos, mediante a arborização, implantação de mobiliário urbano e comunicação visual; VI – reurbanização de vias existentes, implantação de novas vias e trechos de ciclovia, considerando pavimentação, drenagem, sinalização viária, iluminação pública, paisagismo, arborização de calçadas e construção de canteiros; VII – recuperação, ampliação e implantação de novas redes de coleta e destinação final de esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais; VIII – construção de edificações destinadas a equipamentos públicos para atendimento da população e à administração municipal; IX – implantação de mobiliário urbano, tais como abrigos para pontos de ônibus, lixeiras, totens informativos, painéis informativos, cabines de acesso à internet, bancos de praças, bicicletário; X – implantação de outras obras e ações necessárias para a consecução dos objetivos desta Operação Urbana Consorciada”. Vê-se que as duas leis utilizaram modelo de redação semelhante.

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166

O programa visa evitar – ou ao menos abrandar – os efeitos negativos que a

valorização imobiliária da área objeto da intervenção impõe à população que habita a região,

em virtude de sua incapacidade de arcar com os novos (e altos) custos de moradia no local.384

Sabemos que a melhoria do tecido urbano decorrente da intervenção na área

acarreta invariavelmente a valorização dos imóveis nela situados. Em outras palavras, nas

áreas em que houver um forte investimento público ou privado, ocorre a valorização

imobiliária. Isso não agride as diretrizes do Estatuto da Cidade aplicáveis à operação urbana

consorciada, posto que os investidores privados são atraídos para participar da ação conjunta

com o Poder Público justamente em função da valorização do perímetro objeto da

intervenção.

Todavia, há de se ressaltar que esse incremento do valor dos imóveis não pode

significar a expulsão da população que já habitava a área antes da intervenção sem que lhe

sejam fornecidas alternativas habitacionais, dentro ou fora do perímetro da operação. Afinal,

uma das diretrizes básicas da Lei nº10.257/2001 é justamente garantir o direito à moradia

(art.2º, I), assegurado, também, em norma constitucional (art.6º da Carta), como direito social

a ser promovido pelo Estado.

Daí a necessidade de o plano da operação consorciada prever a aplicação de

instrumentos urbanísticos que assegurem, tanto quanto possível, a permanência da população

de baixa renda na área da intervenção. Dentre essas medidas, citamos a instituição de “zonas

especiais de interesse social” (Estatuto da Cidade, art.42-A, V), a construção de habitações

populares no local e os instrumentos de regularização fundiária, como a “concessão especial

de uso para fins de moradia” (Medida Provisória nº2.220/2001), a “concessão de direito real

de uso” (Decreto-Lei nº271/67, art.7º) e o “direito de superfície” (Lei nº10.257/2001, arts.21

a 24). A construção de habitações populares pode ser prevista como contrapartida pelo uso

dos benefícios previstos na lei que instituir a ação consorciada, nos termos do estabelecido no

projeto da intervenção.385

384 “Espera-se que a operação provoque uma valorização da área, pelo simples fato de ser objeto de investimentos planejados e concentrados. Boa parte das áreas que são objeto de operações deste tipo, exatamente por serem desestruturadas ou fisicamente deterioradas, são ocupadas por populações, atividades econômicas e usuários de baixa renda. A questão então seria – como garantir a não expulsão desta população? Na hipótese da população ser removida para uma outra área teríamos investimentos captados na operação sendo aplicados fora da área delimitada pela operação, o que é vedado pelo Estatuto. Dependendo de cada caso, manter a população na área pode fazer a grande diferença, especialmente quando se trata de áreas completamente dotadas de infraestrutura, como é o caso de centros tradicionais. É importante lembrar que não somente moradias, mas também atividades econômicas podem eventualmente ser destruídas com as operações”. (INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. (Coord.) Raquel Rolnik. 3.ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2005, p.83). O tema já foi objeto de estudo em capítulos anteriores deste estudo, posto que o fenômeno também é observado quando da aplicação de outros instrumentos jurídicos do urbanismo operacional e concertado. 385 A Lei Complementar nº101/2009 do Município do Rio de Janeiro, que cria a Operação Urbana Consorciada da Região

do Porto do Rio, trata especificamente do atendimento econômico e social da população afetada pela intervenção nos seus

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Vale ressaltar que o programa de atendimento econômico e social não pode se

restringir à previsão de pequenos auxílios financeiros à população afetada pela operação. O

seu direito à moradia deve ser respeitado, por exemplo, por meio dos institutos indicados no

parágrafo anterior. Afinal, a aplicação do instrumento da operação consorciada não pode

significar o agravamento da questão habitacional, pois isso representaria uma ofensa explícita

ao princípio do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, constitucionalmente

assegurado (art.182).386

4.8.4 Finalidades da operação

Outro item obrigatório do plano da operação urbana consorciada é a

explicitação das finalidades da intervenção (Lei nº10.257/2001, art.33, IV).

Conforme ressaltado, a Lei nº10.257/2001 (art.32) determina que qualquer

operação urbana consorciada deva ter como objetivo “alcançar em uma área transformações

urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.

Evidentemente, a lei que cria a operação não deve limitar-se a prever, em seu

texto, as finalidades definidas pela Lei nº10.257/2001 e nem objetivos genéricos e abstratos. arts.29 a 31: “Art.29. O Poder Público desenvolverá um programa que garanta o atendimento à população de baixa renda

atingida pelas intervenções urbanísticas previstas nesta Lei Complementar, em conjunto com os órgãos municipais, estaduais e federais competentes. §1° A implantação de unidades habitacionais de interesse social poderá ocorrer em todos os setores da Operação Urbana Consorciada. §2° A provisão de habitação de interesse social poderá ser realizada por meio de soluções habitacionais que assegurem o reassentamento da população residente atingida pelas intervenções urbanísticas em áreas de especial interesse social. Art.30. Recursos advindos da Operação citada no art.2° desta Lei Complementar, bem como de outras fontes de financiamento disponíveis, poderão ser utilizados para o desenvolvimento de ações e projetos dentro dos programas habitacionais e outros de interesse social, no atendimento da população atingida pelas intervenções urbanísticas previstas nesta Lei Complementar. Art.31. As comunidades e bairros da área afetada serão incentivados a desenvolver processos participativos nos termos do que dispõe o Estatuto da Cidade – Lei nº10.257, de 10 de julho de 2001, observando os princípios da Agenda 21 e as recomendações do Ministério das Cidades, visando à elaboração de planos de desenvolvimento sustentável locais”. Destacam-se os dispositivos que permitem a implantação de unidades habitacionais de interesse social em todos os setores da operação (art.29, §1º) e o que prevê que a provisão de habitação de interesse social seja realizada por meio de soluções habitacionais que assegurem o reassentamento da população atingida em áreas de especial interesse social (art.29, §2º). Assim, o direito à moradia dos cidadãos afetados pela operação deve ser garantido, ainda que em outros locais da cidade. Por sua vez, a Lei nº13.769/2004 do Município de São Paulo, que cria a Operação

Urbana Consorciada Faria Lima, indica dentre as suas diretrizes a “provisão de Habitação de Interesse Social,

melhoramentos e reurbanização em locais definidos pelos órgãos competentes da municipalidade, destinada à população favelada residente na área da Operação Urbana e região do seu entorno; e o atendimento da população residente em áreas objeto de desapropriação, interessada em continuar morando na região, através do financiamento para aquisição de habitações multifamiliares já construídas ou que venham a ser construídas com recursos da Operação Urbana” (art.5º, XI e XII). A questão habitacional nos Municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro (assim, como em outras grandes cidades brasileiras) é gravíssima. Há inúmeras ocupações irregulares tanto em áreas públicas como privadas (favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, cortiços, ocupações em áreas de mananciais). Qualquer intervenção urbanística, seja ou não concertada, deve ser destinada (dentre outras finalidades) a solucionar (ou, ao menos, abrandar) esses problemas, e não a agravá-los, sob pena, como visto, de descumprimento do princípio do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. 386 Sob essa ótica, a Lei nº15.893/2013, art.12, do Município de São Paulo, que instituiu a Operação Urbana Consorciada

Água Branca, determina que o percentual de 22% (vinte e dois por cento) do total dos recursos arrecadados com a operação

“deverão ser destinados à construção e recuperação de Habitações de Interesse Social, reurbanização de favelas, programas vinculados ao Plano Municipal de Habitação ou programa público de habitação, incluindo a aquisição de terras, os serviços de apoio e custos de atendimento à população assistida, no perímetro da Operação Urbana Consorciada e em seu perímetro expandido”.

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As metas devem estar previstas concretamente no plano: construir, duplicar ou ampliar uma

avenida, revitalizar uma área degradada, implantar um novo sistema viário, criar linhas de

transporte metroviário ou de corredores exclusivos de ônibus, construir terminais de

passageiros, regularizar determinadas ocupações existentes no local, criar parques e outras

áreas verdes, dentre outras.387

Todas essas finalidades devem estar definidas em um plano urbano detalhado,

elaborado a partir de um estudo que apresente as necessidades reais da área que será

submetida à intervenção, em virtude da incidência do princípio da reserva de plano (art.182,

§1º, da Constituição Federal).

A explicitação concreta desses objetivos possibilitará aos investidores privados

conhecer os rumos pretendidos pela ação consorciada e fornecerá subsídios para sua decisão

de participar ou não da operação conjunta. Também permitirá um controle maior da

intervenção por parte da sociedade civil, a impedir que seja realizada com intuito meramente

especulativo, em desrespeito às diretrizes gerais de política urbana previstas no Estatuto da

Cidade.

Oportuno destacar a ressalva feita por José dos Santos Carvalho Filho.

Segundo o autor, a referência à necessidade de o plano explicitar as “finalidades da operação”

é desnecessária, posto que, como alvo da operação, elas já devem figurar no programa básico

da intervenção: “é impossível conceber um projeto básico sem que nele figurem os objetivos a

que se destina”, argumenta.388

Com efeito, do “programa básico de ocupação da área” (Estatuto da Cidade,

art.33, II) já devem constar os objetivos da operação, sob pena de descaracterizá-lo.389 A Lei

nº10.257/2001, por meio do art.33, IV, deixou expresso que devem constar do plano objetivos

concretos e não apenas metas abstratas, de difícil aferição quanto aos respectivos alcances

pelos órgãos de controle. Afinal, não há como verificar o sucesso da intervenção sem que suas

finalidades sejam detalhadas no plano.

387 Nas palavras de Karlin Olbertz, “não há razão jurídica que justifique a interpretação da exigência tal como ela significasse a mera repetição das finalidades gerais e abstratas previstas naquele dispositivo legal. Tampouco tal interpretação seria compatível com o processo de planejamento, que exige a definição precisa dos objetivos a serem alcançados”. (OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.90). 388 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.220. 389 O Anexo II da Lei nº13.769/2004 do Município de São Paulo, que institui a Operação Urbana Consorciada Faria Lima,

descreve o programa de investimentos da intervenção. Dentre os objetivos traçados estão a construção de viadutos, acessos viários e passarelas; novo terminal de ônibus com instalações para lojas, estacionamento coletivo e demais melhoramentos destinados ao transporte coletivo; provisão de Habitações de Interesse Social; construção de habitações multifamiliares para venda financiada à população residente em área objeto de desapropriação e que esteja interessada em continuar morando na região; aquisição de imóveis para implantação de praças e equipamentos institucionais necessários para comportar o incremento populacional decorrente da operação urbana.

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169

4.8.5 Estudo prévio de impacto de vizinhança

Segundo o Estatuto da Cidade (art.33, V), o estudo prévio de impacto de

vizinhança (EIV) deve constar do plano da operação urbana consorciada.

A elaboração do EIV é disciplinada, em linhas gerais, pelos arts.36 a 38 da Lei

10.257/2001. Nos termos do art.36, cabe à lei municipal a definição quanto aos

empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Portanto, o Município tem autonomia para fixar as normas que definirão o tipo

de empreendimento que dependerá do EIV como requisito necessário à expedição de licença

para construir, ampliar ou funcionar.

Entretanto, a Lei nº10.257/2001 exige o EIV como condição para instituir a

operação urbana consorciada (art.33, V). Aqui não há escolha para o Poder Público

municipal: na hipótese de aplicação do instrumento da operação urbana consorciada, o estudo

de impacto de vizinhança deverá ser realizado.

A exigência legal justifica-se pelo fato de a operação consorciada – em virtude

das obras e das alterações dos índices urbanísticos – transformar significativamente o tecido

urbano. Necessário, portanto, verificar se da ação consorciada decorrerão efeitos negativos ao

meio ambiente, como o excessivo adensamento populacional, o agravamento dos problemas

relativos ao tráfego de veículos, o aumento desproporcional da demanda por transporte

público, a diminuição de áreas verdes e dedicadas ao lazer ou a destruição do patrimônio

histórico e cultural urbano.

Caso exista a possibilidade de ocorrerem esses danos, medidas devem ser

previstas no próprio plano para evitá-los ou compensá-los, sob pena da impossibilidade de se

iniciar a ação consorciada. Alguns efeitos negativos podem até ser tolerados, desde que

compensados pelos efeitos positivos que advirão do programa da intervenção.

Daí a necessidade de elaboração do EIV, a contemplar os efeitos negativos e

positivos da operação consorciada quanto à qualidade de vida da população residente na sua

área de abrangência e nas áreas circunvizinhas (Estatuto da Cidade, art.37), incluindo a

análise, no mínimo, dos seguintes aspectos:

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I – adensamento populacional; II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo; IV – valorização imobiliária; V – geração de tráfego e demanda por transporte público; VI – ventilação e iluminação; VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural (art.37, I a VII, do Estatuto).

Cabe lembrar que, conforme o parágrafo único do art.37, deverá ser dada

publicidade aos documentos integrantes do EIV, “que ficarão disponíveis para consulta, no

órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado”. A medida facilita o

controle popular da operação consorciada.

A Lei nº10.257/2001 não exige expressamente a elaboração de estudo de

impacto ambiental (EIA) para a implantação da operação urbana consorciada. Trata-se de uma

omissão injustificável por parte do legislador. O EIA deve ser exigido em toda e qualquer

hipótese de aplicação desse instrumento, tendo em vista os impactos ambientais provenientes

de intervenções urbanísticas desse porte.390 Nesse sentido, o próprio Estatuto da Cidade prevê

que as modificações dos índices urbanísticos e das normas edilícias devem considerar o

impacto ambiental delas decorrentes (art.32, §2º, I).

Há de se ressaltar a importância que o texto constitucional confere ao EIA. Nos

moldes do seu art.225, §1º, IV, o Poder Público, a fim de assegurar a efetividade do direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve “exigir, na forma da lei, para instalação de

obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,

estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.391

Antes da previsão constitucional, a Lei Federal nº6.938/1981 já elencava,

dentre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a avaliação de impactos

ambientais (art.9º, III), cujas diretrizes gerais foram reguladas pela Resolução CONAMA

001/1986, que estabelece as definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais

para o uso e a implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, como um dos

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. 390 Nas palavras de José Afonso da Silva, o “estudo de impacto tem por objeto avaliar as proporções das possíveis alterações que um empreendimento, público ou privado, pode ocasionar ao meio ambiente. Trata-se de um meio de atuação preventiva, que visa a evitar as consequências danosas, sobre o ambiente, de um projeto de obras, de urbanização ou de qualquer atividade”. (SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.286-287). 391 Ressalta Édis Milaré que a Constituição Federal consolidou o papel do EIA “como um dos mais importantes instrumentos de proteção do ambiente, já que destinado à prevenção de danos”. Para o autor, “o objetivo central do Estudo de Impacto

Ambiental é simples: evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, revele-se posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Valoriza-se, na plenitude, a vocação essencialmente preventiva do Direito Ambiental, expressa no conhecido apotegma: é melhor prevenir que remediar (mieux vaut prevenir que guérir)”. (MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed. São Paulo: RT, 2005, p.196-197).

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O art.1º dessa Resolução define impacto ambiental como a

alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem–estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais.

Já o art.2º indica um rol exemplificativo de atividades que, por serem

modificadoras do meio ambiente, dependem da elaboração do EIA e do relatório de impacto

ambiental (RIMA) para serem licenciadas392. Dentre elas está a execução de “projetos

urbanísticos acima de 100ha ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental, a

critério da SEMA (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) e dos órgãos estaduais e

municipais (XV)”. Assim, prescreve a Resolução CONAMA 001/1986 que o licenciamento da

execução de projetos urbanísticos depende da elaboração do EIA. Ainda que a norma tenha se

referido a projetos urbanísticos “acima de 100 ha” ou “localizados em áreas de relevante

interesse ambiental”, a exigência é cabível para qualquer projeto que busque a transformação

urbanística estrutural de uma área da cidade, como é o caso da operação urbana consorciada.

Não se confundem o EIV e o EIA, tendo em vista que o Estatuto da Cidade

(art.38) prevê que a elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo

prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental. Ademais,

trata-se de análise a respeito de aspectos diversos. O EIV busca evitar os efeitos negativos que

392 Resolução CONAMA 001/1986, art.2º. “Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA), a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: I – Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II – Ferrovias; III – Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; IV – Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, art.48, do Decreto-Lei nº32, de 18.11.66; V – Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; VI – Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV; VII – Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques; VIII – Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão); IX – Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de Mineração; X – Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; Xl – Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW; XII – Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos); XIII – Distritos industriais e zonas estritamente industriais – ZEI; XIV – Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental; XV – Projetos urbanísticos, acima de 100ha. ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes; XVI – Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia”.

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um empreendimento possa vir a causar a moradores e usuários das áreas urbanas

circunvizinhas, enquanto o EIA é dirigido à proteção do meio ambiente natural.

Contudo, conforme ressalta José dos Santos Carvalho Filho, “muito embora se

trate de institutos dotados de perfil jurídico diverso e, pois, direcionados a fins diversos, não

será incomum que o EIV inclua o exame de situações ambientais no âmbito geral de sua

investigação”. Afinal, o Estatuto da Cidade (art.37, VII) inclui o patrimônio natural entre os

aspectos a serem analisados no EIV.393 Não obstante, o autor destaca a diferença entre os

institutos quanto à competência constitucional para sua elaboração. Enquanto o EIV é um

instrumento de política urbana aplicado pelo Município – já que o Estatuto da Cidade

prescreve que a sua regulação caberá à lei municipal (art.36) –, o EIA pode ser exigido por

entes federativos de todas as esferas, tendo em vista que a competência para legislar sobre

proteção ao meio ambiente é concorrente (art.24, VI e VIII e art.30, I e II, da Carta), e a

competência para proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas é

comum (art.23, VI).394

De qualquer forma, em virtude das alterações urbanísticas estruturais

provocadas pela operação consorciada, é imprescindível a elaboração tanto do EIV quanto do

EIA, em conformidade à legislação aplicável a tais institutos.

4.8.6 Contrapartida exigível dos proprietários, usuários permanentes e investidores

privados em função do uso dos benefícios urbanísticos previstos na lei que cria a

operação urbana consorciada

A lei que cria a operação urbana consorciada pode prever índices urbanísticos

diferenciados para a área objeto da intervenção. Tamanhos mínimos e máximos de lotes,

coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação, uso atribuível ao imóvel: todos esses

índices fixados pela lei de uso e ocupação do solo municipal podem ser alterados por lei

específica que institui a ação concertada. Esses novos parâmetros urbanísticos valem apenas

para o perímetro da operação; o restante do território municipal continua regido pela lei que

regulamenta o uso do solo no Município.

393 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.256. Ademais, conforme ressalta Édis Milaré, “o patrimônio ambiental

artificial, ou construído, mantém vínculos, por vezes profundos, com o patrimônio natural e o cultural. É o que se constata, por exemplo, no fluxo de matéria e energia que são carreadas para a cidade, nas alterações da paisagem, na preservação da memória, no avanço do artificial sobre o domínio do natural, e assim por diante”. (MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed. São Paulo: RT, 2005, p.421). Portanto, é comum que o EIV aborde, também, questões sobre os efeitos da transformação urbanística sobre o meio ambiente natural. 394 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.256-257.

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173

O Estatuto da Cidade (art.33, §2º) prevê que, a partir da aprovação da lei

específica que institui a ação concertada, “são nulas as licenças e autorizações a cargo do

Poder Público municipal expedidas em desacordo com o plano de operação urbana

consorciada”. Altera-se o parâmetro legislativo para expedir licenças urbanísticas: é a lei

específica que, a partir de sua aprovação, regulará o tema, ainda que somente em relação à

área de abrangência da operação.

Os proprietários e investidores privados interessados em utilizar os benefícios

representados por esses novos índices urbanísticos devem arcar com determinadas

contrapartidas. As contrapartidas servirão para financiar a reurbanização da área objeto da

operação e possibilitar, ao mesmo tempo, a captura da valorização imobiliária pela

Administração, em homenagem aos princípios da “justa distribuição dos benefícios

decorrentes do processo de urbanização” (Estatuto da Cidade, art.2º, IX) e da “recuperação

dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos”

(art.2º, XI).

Assim como as modificações dos índices urbanísticos devem constar da lei que

cria a operação urbana consorciada – em respeito ao princípio da legalidade –, as

contrapartidas prestadas pelos interessados em obter tais benefícios também devem ser

indicadas no diploma legal (art.33, VI, do Estatuto). Essa previsão é imprescindível para

viabilizar a operação: por meio dela, a iniciativa privada conhecerá a contraprestação a ser

apresentada e poderá decidir por participar ou não da ação conjunta.

Vale ressaltar que a contrapartida apresentada pelo interessado não tem

necessariamente caráter pecuniário. O particular pode arcar com uma contraprestação em

bens, em construção ou em serviço, por exemplo. Nas palavras de Diogenes Gasparini, o beneficiário pagará certa quantia em dinheiro pela ampliação do coeficiente de aproveitamento, ou construirá uma certa obra de interesse público (hospital) ou social (conjunto habitacional para população de baixa renda), ou executará um serviço de interesse público (reforma de um hospital).395

A contraprestação tem, a nosso ver, a natureza de preço público. Há, a respeito

da questão, divergência doutrinária entre autores que defendem o seu caráter tributário396 e

395 GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p.183. 396 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 207. Nos dizeres do autor, “inexiste propriamente negócio jurídico que

possa dar lugar a preço público, de modo que a contrapartida tem natureza tributária, mais especificamente a de taxa, em virtude do exercício do poder de polícia fiscalizatório pelo governo municipal. Ainda que a lei possa estabelecer outra forma de contrapartida que não seja o pagamento em pecúnia, é de se considerar que a lei terá admitido mecanismo de novação, em que a pecúnia fica substituída por outra forma de compensação.”

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outros que, como nós, afirmam tratar-se de preço público, especialmente porque a aquisição

do benefício (maior potencial construtivo, alteração de uso) não é compulsória.397

Com efeito, o proprietário utiliza os benefícios se quiser. Caso pretenda

construir dentro do limite do coeficiente básico de aproveitamento, nada terá de pagar ao

Poder Público. Arcará com as contrapartidas apenas se desejar edificar ou utilizar seu imóvel

de acordo com os novos parâmetros fixados pela lei específica. Não se trata, portanto, de

relação tributária, e sim contratual. O particular é livre para aderir ou não à operação

concertada.

Outrossim, conforme salientado quando do estudo dos preceitos que dispõem

sobre os benefícios aos particulares interessados em participar da operação consorciada (Lei

nº10.257/2001, art.32, §2º, I a III), a lei que cria a operação deve indicar precisamente a forma

de cálculo dessas contrapartidas. O montante a ser pago não pode ser arbitrado caso a caso,

sob pena de ferir o princípio da isonomia, dado que diferentes interessados no mesmo

benefício não podem estar sujeitos ao pagamento de contrapartidas diversas ou

desproporcionais.398 Em razão disso, os municípios que instituíram operações urbanas

consorciadas em seus territórios têm optado pelos certificados de potencial adicional de

construção (CEPAC) como um meio de pagamento pela utilização dos benefícios

urbanísticos, nos termos do art.34 da Lei nº10.257/2001.

Os CEPAC são valores mobiliários emitidos pelo Município, livremente

negociáveis e conversíveis em direito de construir exclusivamente na área objeto da operação

(Lei nº10.257/2001, art.34, §1º).

A lei municipal que cria a operação consorciada pode prever a emissão desses

certificados, a possibilitar sua utilização como pagamento pela “área da construção que supere

os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo”, até o limite fixado pela

lei específica (Estatuto da Cidade, art.34, §2º). A partir de uma tabela de equivalência incluída

no texto legal, é possível conhecer precisamente a quantidade de CEPAC necessária para se

obter determinado benefício urbanístico. 397 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Outorga onerosa do direito de construir (solo criado). In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.242-243. O Supremo Tribunal Federal reconheceu o caráter de preço público da outorga onerosa do direito de construir no julgamento do RE 226.942/SC, DJ de 15.05.2009, e do RE 387.047-5/SC, DJ de 02.05.2008. De acordo com a Corte (RE 226.942/SC), “não é tributo a chamada parcela do solo criado que representa remuneração ao Município pela utilização de área além do limite da área de edificação. Trata-se de forma de compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da sobrecarga da aglomeração urbana.” 398 Esse alerta também é feito por Diogenes Gasparini: “o valor da contrapartida deve ser calculado mediante fórmulas

matemáticas, levando-se em conta o incremento patrimonial auferido pelo interessado. Essas fórmulas deverão constar da lei específica que, nos termos do art.32 do Estatuto da Cidade, delimitará a área em que as operações urbanas consorciadas poderão ocorrer. O valor da contrapartida não pode, portanto, ser simplesmente estimado pelo funcionário, nem declarado por comissão designada para tanto”. (GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p.184).

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175

O próximo capítulo será dedicado ao estudo das previsões legislativas acerca

desses certificados, tendo em vista que as leis municipais que criaram as operações

consorciadas em andamento optaram pela utilização dos CEPAC para atingir os seus

objetivos.

Preliminarmente, será abordado o único requisito obrigatório da lei instituidora

da operação consorciada ainda não mencionado: a forma de controle da intervenção, que deve

ser compartilhado com representação da sociedade civil (Estatuto da Cidade, art.33, VII).

4.8.7 Controle da operação obrigatoriamente compartilhado com a sociedade civil

Já ressaltamos a importância do princípio da gestão democrática das cidades

para o exercício da função urbanística, especialmente no que tange à aplicação dos

instrumentos do urbanismo concertado. A Lei nº10.257/2001 (art.2º, II) indica como uma das

diretrizes da política urbana “a gestão democrática por meio da participação da população e

de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução

e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”. Assim, a

participação popular é obrigatória não somente na fase preparatória da ação urbanística, mas

também durante toda a sua aplicação, que pode se estender por muitos anos e alcançar

diferentes gestões municipais.

Como visto, a lei específica que cria a operação consorciada, por criar

parâmetros urbanísticos diversos dos indicados pelo plano diretor, deve ser editada por meio

de processo legislativo no qual seja assegurada a participação popular, mediante os

instrumentos indicados no Estatuto da Cidade (art.43). A participação deve ser efetiva, não

apenas simbólica ou protocolar, sob pena de se transformar em mera ferramenta de

legitimação dos interesses de grupos econômicos interessados na alteração dos índices

urbanísticos vigentes. A Administração deve dar ampla publicidade às audiências e consultas

públicas, com a antecedência necessária à preparação dos que a elas comparecerem.399

399 A 12ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº0306342-71.2011.8.26.0000 – SP, Rel. o Des. Wanderley José Federighi, D.O. 10.8.2012, manteve decisão do Juízo monocrático que deferira liminar requerida pelo Ministério Público Estadual “para sustar toda e qualquer tramitação administrativa e

legislativa sem que se garanta a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano relacionados à Operação Urbana Consorciada Vila Sônia” (a lei específica instituidora da Operação Consorciada Vila Sônia ainda não foi editada, não obstante seja a sua criação prevista no art.225, §2º, do Plano Diretor do Município de São Paulo – Lei Municipal nº13.430/2002). Nos dizeres do aresto em questão, o mero informe dos acontecimentos a respeito da Operação

Urbana Consorciada Vila Sônia não é suficiente para cumprir o que a Lei Federal nº10.257/2001 determina acerca da efetivação dos mecanismos de gestão democrática das cidades (arts.43-45). Assim, para haver a participação efetiva, diz o acórdão, “a população e as entidades representativas têm que estar devidamente instruídas, tendo pleno acesso prévio aos

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Instituída a operação, sua gestão deve ser submetida ao controle compartilhado.

Isto significa que devem integrar os órgãos responsáveis pela fiscalização sobre a ação

concertada representantes da Administração e da sociedade civil (Lei nº10.257/2001, art.33,

VII).400 Cabe a esses órgãos acompanhar o andamento de toda a operação: planejamento,

instituição, execução e alcance dos objetivos. Serão verificadas, por exemplo, se as ações

condizem com os objetivos do plano da operação e se os recursos estão sendo aplicados

regularmente, além de zelar pela fiscalização quanto ao atendimento econômico e social à

população diretamente afetada pela operação (Estatuto da Cidade, art.33, III) e pela regular

prestação das contrapartidas devidas pelos proprietários e investidores.401

O controle exercido pelo órgão colegiado misto não impede que os demais

órgãos de controle externo da Administração Pública fiscalizem a elaboração e o andamento

da ação concertada. Assim, posto tratar-se de exercício da função administrativa, ainda que

em regime de parceria com o setor privado, a operação urbana está sujeita à fiscalização do

elementos que conduzem à decisão política pública, bem como participar da própria política de ordenamento urbano, como dita a Lei”. [...] A Administração deve “garantir à população e às associações representativas acesso e tempo hábil para fazerem a necessária análise dos estudos, relatórios, documentos e informações sobre o objeto do encontro. A participação não é apenas receber panfletos e assistir a ‘power points’; não é somente ser espectador. A participação da comunidade e das

associações representativas na formulação dos projetos (garantia prevista no art.2º, II, do Estatuto da Cidade) significa permitir à sociedade civil interferir diretamente no seu resultado”. 400 A Lei Complementar nº101/2009 do Município do Rio de Janeiro, que criou a Operação Urbana Consorciada do Porto

do Rio, determinou, no seu art.40, a criação de um conselho consultivo para a implementação e a fiscalização da operação urbana consorciada. O dispositivo institui “o Conselho Consultivo da Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio, com

competência para emitir parecer sobre o relatório trimestral da CDURP. §1° O Conselho Consultivo terá a seguinte composição: I – um representante da CDURP, como coordenador; II – três representantes do Município; III – três representantes da sociedade civil, que serão escolhidos pelos demais integrantes do Conselho, com mandato de três anos. §2° Os integrantes do Conselho Consultivo deverão, quando da escolha prevista §1°, III, buscar eleger representantes que gozem de reputação ilibada, possuam significativo conhecimento acerca de reurbanização de áreas metropolitanas ou representem parcela da sociedade civil diretamente afetada ou inter-relacionada com a Operação. §3° Os integrantes do Conselho Consultivo não farão jus a qualquer remuneração. §4° Os integrantes do Conselho Consultivo terão amplo acesso a todos os documentos pertinentes à Operação. §5° As reuniões do Conselho Consultivo serão públicas e suas atas serão publicadas no Diário Oficial do Município e na internet. §6° Ficará facultada a participação de um representante da União e do Estado do Rio de Janeiro no Conselho Consultivo”. Por sua vez, o art.41 ressalta que “a competência do Conselho Consultivo da

Operação Urbana Consorciada não exclui o exercício do controle externo pela Câmara Municipal e pelo Tribunal de Contas do Município”. De forma similar, a Lei nº13.909/2011, art.18, do Município de Curitiba, que cria a Operação Urbana

Consorciada Linha Verde, determina a instituição “do Grupo de Gestão da Operação Urbana Consorciada Linha Verde coordenado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), contando com a participação de representantes de órgãos municipais e de entidades representativas da sociedade civil, com a finalidade de realizar o acompanhamento e implementação do Programa de Intervenções da Operação Urbana Consorciada. §1º O Grupo de Gestão terá a seguinte composição: a) 1 representante da Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU); b) 1 representante da Secretaria Municipal de Finanças (SMF); c) 1 representante da Secretaria Municipal de Administração (SMAD); d) 1 representante da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA); e) 1 representante da Secretaria do Governo Municipal (SGM); f) 1 representante do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC); g) 1 representante da Câmara Municipal de Curitiba; h) 1 representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (SINDUSCON-PR); i) 1 representante do Sindicato da Habitação e Condomínios do Paraná (SECOVI-PR); j) 1 representante da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná (ADEMI-PR); k) 1 representante do Conselho da Cidade de Curitiba (CONCITIBA). E o §2º do mesmo dispositivo prescreve que ao Grupo de Gestão da Operação Urbana Consorciada Linha Verde caberá acompanhar os planos e projetos urbanísticos previstos no Programa de Intervenções, o controle geral da presente Operação Urbana Linha Verde, e, ainda, propor a revisão da presente lei”. 401 Nesse sentido, Diana Di Giuseppe afirma que o próprio êxito da operação consorciada está vinculado ao exercício de um controle eficaz sobre toda a sua gestão, desde a aprovação de cada proposta até a destinação final dos recursos gerados (DI GIUSEPPE, Diana. Operações Urbanas Consorciadas. In: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM. Estatuto da Cidade (Coord). Mariana Moreira. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, 2001, p.393).

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Ministério Público, do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas. Além disso, qualquer

cidadão, por meio de ação popular (Lei Federal nº4.717/65), pode pleitear judicialmente a

anulação de atos irregulares praticados no decorrer da operação, desde que lesivos ao

patrimônio público.

4.9 Vedação à aplicação de recursos públicos na operação urbana consorciada

O uso dos instrumentos jurídicos do urbanismo concertado é fundamentado nos

princípios da justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística e da

recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de

imóveis urbanos.

Para que estes princípios jurídicos sejam plenamente respeitados, a operação

urbana consorciada deve ser realizada com recursos da iniciativa privada, que arca com as

contrapartidas em troca dos benefícios urbanísticos concedidos conforme a lei municipal

instituidora. Do contrário, a valorização da área objeto da operação (e dos imóveis

particulares nela situados) será fruto da aplicação de recursos públicos, justamente o que se

pretende evitar com esse mecanismo de concertação.

Toda a operação consorciada deve ser planejada de maneira a possibilitar o seu

financiamento pela iniciativa privada. A Administração que pretende lançar mão do

instrumento deve calcular os custos das desapropriações e das obras públicas necessárias à

conclusão da intervenção urbana. Ao mesmo tempo, deve fixar o preço a ser pago por

proprietários e investidores em troca dos benefícios urbanísticos concedidos. O montante total

arrecadado deve ser suficiente para arcar com os gastos da operação. Dessa forma, ao adquirir

os benefícios mediante contrapartida, a iniciativa privada acabará financiando a intervenção

na área objeto da ação conjunta.

É a possibilidade de auferir recursos privados que justifica alterar os

parâmetros urbanísticos aplicáveis à área pelo plano diretor municipal. A Administração não

precisaria modificar esses índices se pretendesse realizar as obras de (re)urbanização da área

apenas com recursos do erário. Portanto, fácil perceber que a aplicação de recursos públicos

na operação urbana consorciada contraria as normas principiológicas que fundamentam o

instituto.

Entretanto, há casos excepcionais nos quais o uso de recursos orçamentários é

admitido, desde que o interesse público assim o exija.

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178

Tomemos como exemplo a necessidade de se alterar o valor de um contrato de

empreitada de obra pública de grande vulto, em virtude de acontecimento imprevisível e

inevitável.402 Imaginemos que essa obra estava incluída no programa de intervenções da

operação consorciada e que o seu custo seria coberto pela arrecadação obtida com a alienação

dos CEPAC em leilão (na hipótese de operação em que seja esta a forma de contrapartida),

mas que, em virtude de fato imprevisível, o gasto estimado tenha aumentado para além do

montante arrecadado403. Nesse caso, se o estoque de potencial adicional de construção e/ou

alteração de uso já estiver esgotado – e, portanto, inexistir a possibilidade de emitir novos

CEPAC (e, consequentemente, arrecadar recursos privados) –, recursos do erário deverão ser

utilizados para pagar o contratado, sob pena de desequilíbrio econômico-financeiro da avença.

Mas estes são casos excepcionais. As obras e as desapropriações incluídas no programa da

intervenção concertada devem ser custeadas, em regra, com recursos obtidos pela própria

operação.

Não obstante, têm sido criadas operações consorciadas cujas leis instituidoras

preveem a possibilidade de se utilizar tanto recursos privados quanto públicos, sem qualquer

distinção quanto às hipóteses de aplicação de cada um deles.

Nesse sentido, a Lei nº13.260/2001 do Município de São Paulo, que aprova a

Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, em seu art.3º, parágrafo único, prescreve:

os investimentos necessários para implantação do Programa de Intervenções, inclusive para o pagamento das desapropriações das obras necessárias, serão oriundos de recursos auferidos pela Operação Urbana Consorciada Água

Espraiada, nos termos desta Lei, bem como de verbas orçamentárias e financiamentos.

Com redação idêntica, o art.3º, parágrafo único, da Lei nº13.909/2011 do

Município de Curitiba, que aprova a Operação Urbana Consorciada Linha Verde, prevê que

os investimentos para implantar programa de intervenções “serão oriundos de recursos

auferidos pela Operação Urbana Consorciada Linha Verde, nos termos desta Lei, bem como

402 Cite-se, por exemplo, a ocorrência de álea econômica, definida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro como “todo

acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível ou inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.262). Aplica-se, nesse caso, a teoria da imprevisão. O acordo entre as partes pode restabelecer a relação entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração, visando à justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento e objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, de acordo com o que prescreve a Lei nº8.666/93, art.65, II, d. 403 Tome-se o exemplo clássico de sujeição imprevista, definida por Marçal Justen Filho como a dificuldade material, exterior à vontade das partes e imprevisível, que onera a execução da prestação contratual. Segundo o autor, “as sujeições

imprevistas compreendem fatos anteriores à contratação, os quais são revelados em momento posterior. O exemplo clássico é a falha geológica do terreno, que inviabiliza a execução da obra de engenharia tal como originalmente concebida.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2008, p.721).

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de verbas orçamentárias e financiamentos”. De forma análoga, a Lei nº13.769/2004 do

Município de São Paulo, que cria a Operação Urbana Consorciada Faria Lima, dispõe que as

despesas decorrentes da sua execução correrão “por conta dos recursos disponíveis na conta

vinculada à Operação Urbana Consorciada Faria Lima, de recursos próprios da Empresa

Municipal de Urbanização (EMURB)404 e, ainda, de dotações próprias” (art.25).405 No mesmo

sentido, a Lei nº15.893/2013 (art.75), também do Município de São Paulo, que aprova a

Operação Urbana Consorciada Água Branca, prescreve que as despesas correrão por conta

dos recursos disponíveis nas contas vinculadas à operação ou de dotações próprias.406

Na esteira do que desenvolvemos até aqui, os dispositivos mencionados devem

ser interpretados à luz das diretrizes de política urbana que fundamentam o instituto da

operação consorciada: cooperação entre Administração Pública e iniciativa privada no

processo de urbanização, justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes da atividade

urbanística e recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a

valorização de imóveis urbanos. Portanto, os recursos públicos serão utilizados apenas

excepcional e motivadamente; a operação será financiada, em regra, com recursos dos

proprietários e investidores privados.

Ademais, é o respeito às diretrizes gerais de política urbana (Lei

nº10.257/2001, art.2º) que torna válida a lei que cria a operação consorciada. O Estatuto da

Cidade, como norma geral de direito urbanístico (art. 24, I e 182 da Constituição Federal),

deve ser observado em sua integralidade pela lei municipal que cria a intervenção. Todo plano

urbano deve obediência ao Estatuto. Não poderia ser diferente com o plano da operação

concertada, que excepciona as regras previstas no plano diretor, ainda que somente para uma

área específica da cidade.

Não há como implantar uma ação urbana concertada sem se preocupar, por

exemplo, em evitar o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados

dos imóveis em relação à infraestrutura urbana (Lei nº10.257/2001, art.2º,VI, c). Deve-se 404 Em 2009, a Lei Municipal nº15.056 autorizou a cisão da EMURB em duas outras estatais, São Paulo Urbanismo e São

Paulo Obras. As atribuições da EMURB que não foram objeto de transferência por ocasião da aprovação dos respectivos estatutos permaneceram com a empresa São Paulo Urbanismo. 405 Por outro lado, a mesma Lei Municipal nº13.769/2004 prescreve, em seu art.4º, I, que um dos objetivos específicos da “Operação Urbana Consorciada Faria Lima é criar condições efetivas para que os investidores e proprietários de imóveis beneficiados com a implantação dos melhoramentos [...] forneçam os recursos necessários à sua viabilização, sem qualquer ônus para a municipalidade”. Ou seja, busca-se alcançar as metas da operação por meio da aplicação de recursos exclusivamente privados. Da leitura conjunta dos dois dispositivos (Lei Municipal nº13.769/2004, art.4º, I, e art.25), pode-se afirmar que, não obstante seja permitida, a utilização de recursos públicos na operação tem caráter excepcional. 406 A Lei nº15.893/2013 do Município de São Paulo revogou a Lei Municipal nº11.774/1995 que criara a Operação Urbana

Água Branca. Este último diploma estabelecia (art.1º) que a operação urbana deveria contar “com a participação dos

proprietários, moradores e investidores privados, visando alcançar transformações urbanísticas com reduzida participação dos recursos públicos”. Vê-se que a legislação anterior pretendia limitar a utilização de recursos do erário na operação conjunta, em respeito aos princípios que regem a aplicação do instrumento.

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impedir, também, a instalação de empreendimentos imobiliários que possam funcionar como

polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura urbana correspondente (art.2º,

VI, d). Ou seja, é necessário apurar, com o maior grau de precisão possível, se a infraestrutura

urbana da área da operação suportará o aumento da densidade construtiva decorrente da

alteração dos índices urbanísticos.

Da mesma forma, é vedado efetivar uma operação consorciada sem obedecer

aos princípios da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

urbanização (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX) e da recuperação dos investimentos do Poder

Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI). Afinal, a razão

de ser do instrumento é justamente a possibilidade de (re)urbanizar determinada área da

cidade mediante o uso de recursos privados, a impedir que a valorização extraordinária dos

imóveis localizados no perímetro da operação seja decorrência exclusiva do investimento de

recursos orçamentários.

Assim, é vedada a utilização de recursos públicos no âmbito de uma operação

consorciada. Ainda que o Poder Público possa arcar, inicialmente, com os custos de

desapropriações e de obras constantes do plano da operação, esses montantes devem ser

ressarcidos ao erário por meio das contrapartidas pagas pelos proprietários e investidores

privados. Em respeito aos princípios jurídicos que fundamentam a aplicação dos instrumentos

de urbanismo concertado, a regra deve ser o uso de recursos provenientes do setor privado,

sob pena de frustração dos objetivos desse tipo de ação urbanística.

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5 CERTIFICADOS DE POTENCIAL ADICIONAL DE CONSTRUÇÃO (CEPAC)

Os Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPAC), cuja emissão

está prevista no art.34 do Estatuto da Cidade, vêm sendo utilizados por grandes municípios

brasileiros como uma fonte de recursos para financiar as obras necessárias ao incremento da

infraestrutura urbana, em áreas submetidas à aplicação da operação urbana consorciada.

No Município de São Paulo, as Leis nº13.260/2001, nº13.769/2004 e

nº15.893/2013, que aprovaram, respectivamente, a Operação Urbana Consorciada Água

Espraiada, a Operação Urbana Consorciada Faria Lima e a Operação Urbana Consorciada

Água Branca, por exemplo, permitem a emissão desses certificados. No Município do Rio de

Janeiro, a Lei Complementar nº101/2009, que institui a Operação Urbana Consorciada da

Região do Porto do Rio, da mesma forma, permite, nos seus arts.36 e 37, a expedição desses

títulos, utilizados como forma de pagamento pela outorga onerosa do potencial adicional de

construção, nos limites previstos pelo diploma legal. Na mesma toada, a Lei nº13.909/2011,

do Município de Curitiba, que cria a Operação Urbana Consorciada Linha Verde, prevê, em

seu art.14, a emissão dos CEPAC.407

O uso dos CEPAC tem gerado muita controvérsia entre juristas e urbanistas.

Alguns defendem o instrumento como uma fonte de recursos públicos, em vista da

incapacidade financeira do Estado de arcar com os altos valores dos processos de

revitalização urbanística e de incremento da infraestrutura urbana. Nesse caso, o investimento

privado possibilitaria financiar essas ações sem utilizar recursos do erário408, prestigiando os

princípios da justa distribuição dos bônus decorrentes do processo de urbanização (Estatuto da

Cidade, art.2º, IX) e da recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha

407 A aplicação do instituto da operação urbana consorciada, acompanhada da venda de CEPAC, é defendida por autores que propõem a sua instituição em diferentes áreas de grandes cidades brasileiras. Nesse sentido, Cristiane Brasil defende a aplicação do instrumento para a revitalização de área situada no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Município do Rio de Janeiro, especificamente em trecho em que existe intensa ocupação irregular. (BRASIL, Cristiane. Desafios contemporâneos na gestão do espaço público compartilhado: análise de viabilidade jurídica para proposta de parceria público-privada na Lagoa Rodrigo de Freitas. Boletim de Direito Municipal – NDJ, ano 26, n.4, abr. 2010). Nesses casos, o instituto poderia ser aplicado, inclusive, para fins de regularização fundiária. 408 Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, que apresentou projeto de lei instituidora do CEPAC à Câmara dos Vereadores de São Paulo em 1994, defende a utilização do instrumento, ressaltando que “normalmente as fontes de recursos para

investimentos provêm de maior carga de impostos ou do aumento do estoque de dívida. Ambos os instrumentos acham-se totalmente esgotados. Ademais, essa forma de financiamento de obras públicas urbanas acaba gerando séria iniquidade, pois um reduzido grupo se apropria dos benefícios por meio da valorização imobiliária, enquanto os custos alcançam toda a sociedade. O CEPAC resolve dois problemas. Capta recursos não-tributários para financiar gastos públicos e absorve para a coletividade a renda diferencial gerada por investimentos governamentais, renda essa normalmente absorvida pelos agentes privados”.(ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti. Novas fontes de investimentos públicos. Disponível em: <http://portalbrasil.net/2004/colunas/economia/setembro.htm>. Acesso em: 25 out. 2013).

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resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI), já que a valorização extraordinária

dos imóveis privados situados na área da intervenção urbana seria compensada com o

pagamento de contrapartidas por parte dos proprietários beneficiados, em forma de

certificados adquiridos em leilão promovido pela Administração Municipal409.

Mas há quem critique com veemência o instituto, alegando que sua utilização

obedece apenas e tão somente à lógica do mercado imobiliário: as operações urbanas

consorciadas e os CEPAC teriam aplicação apenas em áreas valorizadas da cidade, e não em

áreas periféricas, justamente as que mais precisam de investimento em infraestrutura urbana,

especialmente quanto a transporte público, saneamento básico e habitação social.410

Dessa forma, dizem os críticos, o processo de reorganização do espaço urbano

acaba sendo ditado pela especulação imobiliária, já que a expedição dos CEPAC – e a própria

criação de operações urbanas consorciadas – fará sentido apenas em regiões da cidade que

interessam aos agentes do mercado imobiliário, pois o interesse em adquirir esses títulos está

diretamente relacionado com a sua possibilidade de valorização (e com o lucro gerado pela

sua venda).

Essas críticas – consistentes e bem fundamentadas – são perfeitamente cabíveis

para as hipóteses nas quais o instituto legal foi mal utilizado. Ou seja, o problema, nesses

casos, é que o instrumento da operação consorciada foi aplicado de maneira distorcida, sem

obedecer às diretrizes de política urbana elencadas na Lei Federal nº10.257/2001 (art.2º).

Portanto, a questão em debate não está na redação da lei que criou os CEPAC e

as operações urbanas consorciadas, mas na aplicação desses dispositivos sem o devido

respeito aos princípios fundamentais do direito urbanístico e da atividade administrativa, bem

como às diretrizes que informam a política urbana, conforme elencadas no Estatuto da Cidade

409 Os mesmos fundamentos principiológicos são aplicáveis para justificar a cobrança da contribuição de melhoria, espécie tributária prevista no art.145, III, da Constituição Federal, que tem a finalidade de cobrar dos proprietários de imóveis uma compensação pela valorização extraordinária que seus bens experimentaram em função da construção de obras públicas. O Estatuto da Cidade (art.4º, IV, b) elenca a contribuição de melhoria como instrumento de política urbana. 410 Nesse sentido, João Sette Whitaker Ferreira e Mariana Fix afirmam que os CEPAC somente renderão recursos para o Poder Público se os investimentos públicos urbanos forem condicionados pelos interesses do mercado imobiliário. São palavras dos autores: “nesse caso, institucionaliza-se a especulação imobiliária como elemento motivador da renovação urbana na cidade. A conformação de seu desenho não se dá em função da ação planejada do Poder Público e das prioridades urbanas que ele estabeleça a partir da demanda participativa da população (sobretudo dos 70% excluídos), mas se subordina ao interesse do mercado, que justificará ou não as operações. Ora, parcerias com a iniciativa privada devem ser parte de um plano maior, em que o Poder Público e a população estabeleçam as necessidades da área a ser renovada – habitações, parques públicos, passeios – e somente a partir daí se definam as contrapartidas a oferecer à iniciativa privada. Quando as áreas são escolhidas apenas pelo potencial de gerar dinheiro através dos CEPACs, esquecem-se as condicionantes urbanísticas do espaço público”. (FERREIRA, João Sette Whitaker; FIX, Mariana. A urbanização e o falso milagre do CEPAC. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/ferreira_cepacfalsomilagre.pdf>. Acesso em: 25 out. 2013).

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(art.2º).411 Desde que utilizados de acordo com tais normas, esses institutos podem ser

valiosos instrumentos com os quais conta a Administração Pública para cumprir o seu dever

de promover o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, conforme estampado na

Constituição Federal (art.182). Assim como em tudo o que diz respeito à função

administrativa, é o interesse público que deve ditar os caminhos a serem seguidos pela ação

consorciada com a iniciativa privada, e não a especulação imobiliária. Voltaremos ao tema

mais adiante.

A seguir, serão abordados os principais aspectos do instituto: natureza jurídica,

procedimento para sua emissão, alienação por leilão, regulação pela Comissão de Valores

Mobiliários (CVM) e aplicação dos recursos obtidos com a sua venda.

5.1 Natureza jurídica

O certificado de potencial adicional de construção (CEPAC) tem a natureza de

valor mobiliário e está sujeito, portanto, ao regime da Lei Federal nº6.385, de 7 de dezembro

de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores

Mobiliários (CVM).412

411 Nessa direção, José dos Santos Carvalho Filho afirma que “realmente, os novos institutos não raro distorceram

profundamente a finalidade para a qual foram criados. A culpa, todavia, nem sempre é da lei; ao contrário, quase sempre o desvio de finalidade é provocado por seus aplicadores. Quando estes não tem o sentimento da coisa pública, buscam os caminhos sinuosos da ilegalidade para auferir benefício próprio. Os contínuos e frequentes comportamentos desse tipo realmente rendem ensejo à descrença da população em geral. Todavia, o alvitre da lei tem sentido inteligível. Títulos são documentos circulantes e retratam determinado valor. Sua obtenção no mercado, através normalmente do processo de leilão, pode elevar a receita municipal. O valor do título será tão mais elevado quanto maior seja o interesse em adquirir o direito adicional de construir pelo empreendedor. Juridicamente, portanto, a ideia não traduz qualquer heresia. O êxito, no entanto, vai depender da forma como o sistema seja utilizado pelos interessados”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.224-225). 412 Fabio Ulhoa Coelho explica que a CVM é uma autarquia federal, encarregada de normatizar as operações com valores mobiliários, autorizar sua emissão e negociação, bem como fiscalizar as sociedades anônimas abertas e os agentes que operam nos mercados de capitais. O autor explica que a competência da CVM abrange três âmbitos distintos. O primeiro deles é relativo à sua competência regulamentar, por meio da qual a autarquia expede atos normativos que buscam disciplinar o funcionamento do mercado de valores mobiliários. Nesse sentido, a expedição da Instrução 401/2003, que tem como objetivo disciplinar os registros de negociação e de distribuição pública dos CEPAC. O segundo âmbito de atuação da CVM corresponde à sua competência autorizante, por meio do qual a autarquia legitima a emissão e negociação de valores mobiliários no mercado de capitais, dentre eles os CEPAC. O terceiro é referente à sua função fiscalizatória, por meio da qual a CVM acompanha os agentes ligados ao mercado de capitais, de modo direto e indireto. Tal função fiscalizatória é essencial para o cumprimento da tarefa básica da autarquia, que consiste em “proteger investidores de fraudes, irregularidades ou abusos, tanto na administração das empresas quanto nas operações desenvolvidas no mercado de valores mobiliários, com vistas a fortalecê-lo enquanto uma alternativa de investimento”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Direito de empresa. 16.ed. v.2, São Paulo: Saraiva, 2012, p.96-98). Com relação aos CEPAC, a CVM verifica, por exemplo, o andamento da operação urbana consorciada cuja criação fundamenta a expedição dos certificados, bem como a quantidade de CEPAC utilizados, a área disponível para sua utilização e o estoque remanescente desses certificados (Instrução CVM 401/2003, art.7º, a e c).

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Essa definição consta na Instrução CVM nº401 (art.2º), de 29 de dezembro de

2003, que dispõe sobre os registros de negociação e de distribuição pública dos Certificados

de Potencial Adicional de Construção (CEPAC).

Assim reza o art.2º da Instrução:

constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei nº6.385, de 7 de dezembro de 1976, os Certificados de Potencial Adicional de Construção – CEPAC, emitidos por municípios, no âmbito de Operações Urbanas Consorciadas, na forma autorizada pelo art.34 da Lei nº10.257, de 10 de julho de 2001, quando ofertados publicamente.413

Já o art.3º da Instrução Normativa esclarece – e nesse particular reproduz o

Estatuto da Cidade (art.34, §2º) – que os CEPAC “poderão ser utilizados, por seus detentores,

no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de

uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a Operação Urbana

Consorciada”. Assim, trata-se de valor mobiliário cambiável pelo direito de construir acima

dos limites impostos pelo plano diretor municipal, nos termos da lei local que cria a ação

consorciada.

Posto tratar-se de valor mobiliário que pode ser ofertado publicamente por

meio de leilão (Estatuto da Cidade, art.34), e posteriormente negociado livremente no

mercado (Estatuto, art.34, §1º), a regulamentação do CEPAC por meio da CVM é medida que

se impõe, em face da Lei Federal nº6.385/76 (art.1º, I), segundo a qual devem ser

disciplinadas e fiscalizadas a “emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado”.

Fábio Ulhoa Coelho ensina que “valores mobiliários são instrumentos de

captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras e representam, para quem os

subscreve ou adquire, um investimento”.414

A Lei Federal nº6.385/76 (art.2º) lista os principais tipos de valores mobiliários

sujeitos à sua disciplina:

ações; partes beneficiárias e debêntures; cupões desses títulos e os bônus de subscrição; certificados de depósito de valores mobiliários; cédulas de debêntures; cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; notas comerciais; contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; e outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes.

413 A ressalva ao final do dispositivo (“quando ofertados publicamente”) é feita em virtude da possibilidade de ser o CEPAC

utilizado diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação (art.34, in fine, do Estatuto da Cidade). Nesse último caso, a oferta do CEPAC não será pública, e sim uma distribuição privada. Voltaremos ao tema mais adiante. 414 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Direito de empresa. 16.ed. v.2, São Paulo: Saraiva, 2012, p.160-161.

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O dispositivo de lei federal não indica expressamente o CEPAC como uma das

espécies de valores mobiliários sujeitas à sua disciplina. Ocorre que o rol não é exaustivo, já

que a própria Lei nº6.385/76 (art.2º, IX) estabelece que também são valores mobiliários,

sujeitos, portanto, às suas prescrições

quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.415

Vê-se que o dispositivo é amplo o suficiente para abarcar os CEPAC. Correto,

portanto, o seu enquadramento na categoria jurídica de valor mobiliário trazido pela Instrução

CVM nº401/2003 (art.2º).

A intenção da CVM ao editar essa Instrução foi proteger os adquirentes desses

títulos emitidos pelo Poder Público municipal, especialmente para garantir que o CEPAC

comprado tenha lastro em estoque de potencial construtivo na área de abrangência da

operação consorciada416. Assim, o investidor poderá trocar o CEPAC pelo direito de construir

acima dos parâmetros urbanísticos ordinários, conforme prescrever a lei municipal que criar a

operação consorciada.

De outra parte, atenta-se para o fato de que o CEPAC não é emitido por

sociedade anônima, mas por Município, o que o excluiria, em princípio, da definição

doutrinária de valor mobiliário exposta. Entretanto, sua inclusão nessa categoria jurídica

decorre do referido art.2º, IX, da Lei nº6.385/76, que não impõe a obrigação de o emissor do

valor mobiliário ser uma sociedade anônima.

415 Explica Fábio Ulhoa Coelho que a atual redação da Lei Federal nº6.385/76, art.2º, resultou de alteração realizada em 2001 (pela Lei nº10.303/2001), que teve duplo objetivo: o de ampliar a lista dos valores mobiliários e o de contemplar, também, o conceito amplo de valor mobiliário – característico do direito francês – destinado a evitar que escape alguma oferta pública de investimentos coletivos da fiscalização da CVM (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Direito de empresa. 16.ed. v.2, São Paulo: Saraiva, 2012, p.161-163). Daí a atribuição da natureza de valor mobiliário ao CEPAC realizada pela própria CVM, por meio da prescrição constante da Instrução nº401/2003, art.2º. 416 Sobre a questão, Kiyoshi Harada afirma que “o lançamento do certificado de potencial construtivo sem lastro implica ato de improbidade administrativa”. (HARADA, Kiyoshi. Direito urbanístico: Estatuto da Cidade – Plano Diretor Estratégico. São Paulo: NDJ, 2004, p.81). A conduta não está listada no rol da Lei nº10.257/2001, art.52, que indica os atos do Prefeito contrários à ordem urbanística e sujeitos à responsabilização nos termos da Lei Federal nº8.429/92, que, por sua vez, dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos em função da prática de atos de improbidade administrativa. Não obstante, a lista de condutas ímprobas do art.52 do Estatuto da Cidade não é exaustiva, assim como não é exaustivo o rol constante dos arts.9º, 10 e 11 da Lei nº8.429/92. Portanto, o ato de lançamento dos CEPAC sem lastro em estoque de potencial construtivo pode ser considerado conduta ímproba, a fundamentar a aplicação das sanções previstas na Lei nº8.429/92, art.12. Para a aplicação de tais sanções, é preciso verificar se o ato ímprobo causou o enriquecimento ilícito do agente, gerou prejuízos ao erário ou contrariou princípios da Administração Pública. De acordo com a hipótese, serão aplicadas as sanções previstas nos incisos I, II ou III do art.12 da Lei de Improbidade Administrativa.

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Ainda sobre a natureza jurídica do CEPAC, recordemos Diogenes Gasparini,

que afirma que tais certificados não são títulos de crédito, e que sua emissão não depende de

aprovação do Senado Federal.417

Com efeito, não é possível considerar o CEPAC uma espécie de título de

crédito418, posto que o seu adquirente não tem, perante o Município emissor, um direito

creditício pecuniário. O proprietário do CEPAC pode negociá-lo livremente, mas o seu direito

perante o Poder Público municipal emissor é apenas o de convertê-lo em direito de construir

na área objeto da operação, e não o de receber determinada quantia em dinheiro.

De outra parte, o CEPAC não pode ser equiparado a um título de dívida

pública419. Afinal, ele não representa um crédito contra o Município emissor. Logo, e na

esteira defendida por Diogenes Gasparini, sua emissão não depende de aprovação do Senado

Federal (art.52, VII, da Constituição Federal).420 A emissão desses valores mobiliários será

objeto do próximo item deste estudo.

5.2 Interesse do Município na emissão dos CEPAC

Segundo o Estatuto da Cidade (art.34), a lei que cria a operação urbana

consorciada pode prever a emissão pelo Município de uma quantidade determinada de

certificados de potencial adicional de construção.

A finalidade do dispositivo é possibilitar aos proprietários interessados em

usufruir dos benefícios previstos na lei que cria a operação consorciada o pagamento das

contrapartidas por meio desses valores mobiliários, comprados em leilão (colocação pública)

ou de terceiros que, por sua vez, tenham adquirido tais certificados de outros particulares ou

por leilão, já que são papéis livremente negociáveis no mercado secundário (Estatuto da

Cidade, art.34, §1º).

A possibilidade legal de serem os CEPAC livremente negociáveis no mercado

contribui para uma maior arrecadação por parte do Município emissor, posto que o interesse

em adquiri-los nos leilões será maior. O aumento da procura tende a elevar o preço desses 417 GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p.186. 418 Fábio Ulhoa Coelho ensina que “os valores mobiliários não são espécie de títulos de crédito, porque não apresentam os

mesmos atributos destes últimos (documento de crédito, executividade, cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações)”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Direito de empresa. 16.ed. v.2, São Paulo: Saraiva, 2012, p.165). 419 Cabe ressaltar que a Lei nº6.385/76 exclui expressamente de sua regência os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal (art.2º, §1º, I). 420 Art.52, VII. “Compete privativamente ao Senado Federal: [...] VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal”.

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papéis e, assim, a Administração poderá contar com mais recursos para implantar as

melhorias necessárias à consecução dos objetivos da operação consorciada. Afinal, o interesse

em adquirir os CEPAC em hasta será não apenas dos proprietários de imóveis situados na área

da operação consorciada, mas também dos investidores interessados em comprá-los para

posteriormente revendê-los – por um preço maior – àqueles proprietários ou incorporadores

que pretendam pagar a contrapartida por meio desses certificados, a fim de usufruírem dos

benefícios previstos na lei específica que cria a ação consorciada.

Em resumo, o aumento da demanda por estes papéis, decorrente da

possibilidade de serem livremente negociados no mercado, tende a resultar em uma maior

arrecadação pelo Poder Público municipal que coordena a operação consorciada, o que

contribui para evitar que recursos orçamentários sejam aplicados na intervenção urbana.

Em razão disso, as leis municipais em vigor que criam operações urbanas

consorciadas prescrevem a possibilidade de emissão de CEPAC, que serão alienados em

leilão e utilizados como contrapartida para o uso dos benefícios urbanísticos criados pelos

mesmos diplomas legais.421

Outro motivo que leva os municípios a prestigiarem a utilização dos CEPAC,

em detrimento de outras espécies de contrapartidas, é a possibilidade de anteciparem os

recursos financeiros necessários à consecução das metas previstas na lei que cria a operação

urbana consorciada.

Conforme discorremos, um dos objetivos da operação urbana consorciada é

garantir ao Município os recursos necessários à implantação dos melhoramentos (obras de

revitalização urbana, sistemas viários, sistemas de transporte público, habitações populares,

obras necessárias à realização do serviço de saneamento básico, dentre outros) destinados à

consecução do projeto de incremento da realidade urbanística de determinada área da polis.

Ora, esses recursos provém, no âmbito da ação consorciada, do pagamento de

contrapartidas pelos particulares interessados em utilizar os benefícios da lei que cria a

operação. 421 No Município de São Paulo, a Lei nº13.260 de 28 de dezembro de 2001, que cria a Operação Urbana Consorciada Água

Espraiada, em seu art.11, autoriza o Executivo municipal a emitir 3.750.000 (três milhões, setecentos e cinquenta mil) Certificados de Potencial Adicional de Construção, para a outorga onerosa de potencial adicional de construção e modificação de uso do solo e demais parâmetros urbanísticos. No mesmo Município de São Paulo, a Lei nº13.769, de 26 de janeiro de 2004, que cria a Operação Urbana Consorciada Faria Lima, determina, em seu art.7º, que a contrapartida da outorga onerosa do potencial adicional de construção, modificação de uso e parâmetros urbanísticos somente será realizada através de CEPAC. Já no Município do Rio de Janeiro, a Lei Complementar n°101, de 23 de novembro de 2009, que modifica o Plano Diretor e autoriza o Poder Executivo a instituir a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do

Rio, também estabelece, em seu art.36, §2º, que a contrapartida da outorga onerosa do potencial adicional de construção será realizada através da venda de CEPAC. Por último, a Lei nº13.909 de 19 de dezembro de 2011, do Município de Curitiba, que cria a Operação Urbana Consorciada Linha Verde, autoriza, em seu art.14, o Executivo a emitir até 4.830.000 CEPAC para outorga onerosa de potencial adicional de construção, modificação de uso e demais parâmetros urbanísticos.

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Ocorre que esses montantes, em princípio, somente ingressarão nos cofres

públicos na medida em que cada proprietário decida aderir à operação consorciada, pagando a

contrapartida necessária à fruição do benefício previsto na lei específica.

A emissão de CEPAC – e sua venda por meio de leilão – permite ao Município

antecipar o recebimento desses valores e aplicá-los em obras públicas que impulsionem a

operação consorciada.

Nas palavras de Paulo José Villela Lomar, “os CEPACs surgem como

instrumento de realização desta antecipação do recebimento de recursos financeiros que, de

outra forma, somente seriam recebidos em pequenas parcelas e a longo prazo”.422

O Estatuto da Cidade (art.34) também permite a emissão de CEPAC para

utilização direta no pagamento das obras necessárias à própria operação. Portanto, as

empresas contratadas para realizá-las poderão ser remuneradas por meio desses certificados,

em operação denominada colocação privada, regulada pela Instrução CVM nº401/2003

(art.17, §1º)423. Da mesma forma, as indenizações referentes às desapropriações necessárias à

execução das obras também podem ser pagas por meio desses certificados, desde que o

expropriado aceite essa forma de pagamento.424

Afinal, conforme ressalta Paulo José Villela Lomar, apesar de o CEPAC não

ser um título de crédito representativo de obrigação pecuniária devida pelo Município, “é

dotado de valor econômico, em virtude do valor da quantidade de potencial adicional

construtivo nele autorizado de modo abstrato”.425

422 LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.282. 423 Instrução CVM nº401/2003, art.17, §1º. “Caso ocorram, no âmbito da OPERAÇÃO registrada, distribuições privadas de CEPAC, o Município deverá comunicar o fato à CVM, às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado e à entidade responsável pela escrituração dos CEPAC, a quantidade de CEPAC distribuída e o valor do CEPAC adotado como referência”. As leis municipais que criam as operações urbanas consorciadas trazem a regulamentação necessária à distribuição privada dos CEPAC, prevendo expressamente a possibilidade de pagamento das obras necessárias à realização da operação por meio desses certificados. Nesse sentido, o art.11, §4º, da Lei nº13.260, de 28 de dezembro de 2001, do Município de São Paulo, que cria a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, prevê que os CEPAC deverão ser alienados em leilão público ou utilizados para o pagamento das obras previstas no Programa de Intervenções da operação consorciada. Outrossim, o art.2º do Decreto nº53.364/2012, do Município de São Paulo, que regulamenta a Lei Municipal nº13.260/2001, dispõe que as emissões de CEPAC poderão ser objeto de colocações privadas ou públicas. E o §1º do mesmo dispositivo prevê: “os CEPAC serão objeto de colocação privada quando forem utilizados diretamente para pagamento das obras, projetos, desapropriações e serviços de apoio técnico e administrativo previstos nas intervenções da Operação Urbana

Consorciada Água Espraiada, bem como para oferecimento em garantia de financiamentos obtidos junto a bancos e instituições financeiras para custeio das referidas intervenções”. Na mesma direção, o art.36, §1º, da Lei Complementar nº 101/2009, do Município do Rio de Janeiro, que institui a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio, determina que “os CEPAC serão alienados em leilão público ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à Operação Urbana Consorciada regulada por esta Lei Complementar”. 424 Afinal, a regra é que a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, seja realizada mediante justa e prévia indenização em dinheiro (art.5º, XXIV, da Constituição Federal). Assim, pode o expropriado recusar-se a receber a indenização em CEPAC, exigindo que o pagamento pela perda da propriedade seja realizado em moeda corrente nacional. 425 LOMAR, Paulo José Villela. Operação urbana consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sergio (Coord.) Estatuto da cidade: (comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.283. No mesmo sentido,

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Essa opção conferida pelo Estatuto da Cidade também contribui para estimular

a emissão desses certificados pelos municípios que aplicam o instrumento jurídico da

operação consorciada em seus territórios.

5.3 Requisitos para a emissão dos CEPAC

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no exercício de sua função

reguladora do mercado de valores mobiliários, editou a Instrução nº401/2003, um ato

normativo que prescreve diversas regras referentes à emissão e à oferta dos CEPAC ao

mercado.

Em primeiro lugar, a Instrução esclarece (art.4º) que nenhum CEPAC poderá

ser emitido e ofertado ao mercado sem prévio registro na CVM da operação urbana

consorciada à qual estiver vinculado.

Afinal, a emissão e venda dos CEPAC somente faz sentido no âmbito da

utilização, pelo Município, do instrumento jurídico da operação urbana consorciada (Estatuto

da Cidade, arts.32 a 34).

Ademais, o registro da operação consorciada e das intervenções urbanísticas

realizadas para a consecução de seus objetivos é fundamental para o controle do uso dos

recursos auferidos com a alienação dos CEPAC.

O art.5º da Instrução Normativa determina que o pedido de registro da

operação consorciada seja formulado pelo Município emissor dos CEPAC (com o

requerimento subscrito pelo prefeito ou por representante por este especificamente designado)

e elenca os documentos necessários para que o registro seja efetivado, conforme será a seguir

explicitado.426

José dos Santos Carvalho Filho ressalta o valor econômico desses certificados, ao afirmar que “a utilização direta no

pagamento das obras necessárias à operação indica que também o Município poderá efetuar pagamentos a terceiros, responsáveis pelas obras integrantes da operação urbana consorciada, através dos referidos certificados, fato que mais uma vez demonstra que o uso de tais títulos é praticamente idêntico ao da própria moeda corrente: servem para quitar débitos e extinguir obrigações”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.226). 426 Instrução CVM 401/2003, art.5º. “O pedido de registro da OPERAÇÃO será formulado pelo Município emissor dos

CEPAC e deverá ser instruído com os seguintes documentos: I – requerimento de registro da OPERAÇÃO, assinado pelo Prefeito ou por representante por este especificamente designado, o “Representante”; II – plano diretor aprovado no Município prevendo a OPERAÇÃO; III – Lei específica com aprovação da OPERAÇÃO e autorização para emissão de CEPAC; IV – decreto municipal específico deliberando a emissão dos CEPAC; V – minuta do prospecto, contendo os requisitos previstos nos arts.10 e 11 desta Instrução; VI – contrato de prestação de serviço de escrituração dos registros de detentores de CEPAC e de transferências de CEPAC; VII – comprovante de aceitação do registro de negociação de CEPAC por bolsa de valores ou por entidade do mercado de balcão organizado, quando for o caso”.

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5.3.1 Plano Diretor Municipal

Dentre as exigências da Instrução Normativa nº401/2003, destacamos,

inicialmente, a necessidade de apresentação do plano diretor municipal que preveja a

operação consorciada (art.5º, II).

Da exegese do art.32 do Estatuto da Cidade infere-se que a lei que institui o

plano diretor municipal deve apontar as áreas da cidade nas quais as operações urbanas

consorciadas poderão ser aplicadas.427 Essa previsão evita que o instrumento seja utilizado de

forma casuística e oportunista, sem consonância com o planejamento urbanístico, cujas

diretrizes constam no plano diretor local.

Assim, sem previsão no plano diretor municipal, a operação urbana

consorciada não pode ser instituída, e os CEPAC não podem ser emitidos. Evita-se, assim, a

emissão desses títulos para finalidades meramente arrecadatórias, sem vincular sua alienação

à intervenção urbana concertada em área específica da cidade.

5.3.2 Lei Específica

Também a lei específica que cria a operação consorciada é requisito

obrigatório para o registro dessa operação e posterior emissão dos CEPAC (Instrução CVM

401/2003, art.5º, III). Essa previsão está em conformidade com a Lei nº10.257/2001 (art.32),

que exige lei municipal específica para delimitar a área urbana na qual será aplicada a

operação consorciada.

A exigência de lei municipal específica decorre diretamente do princípio da

legalidade (art.5º, II, da Constituição), aplicável especialmente à função administrativa (art.37

da Carta). Isso porque da aplicação do plano da operação urbana consorciada decorrerão

direitos e obrigações a todos os que forem nela envolvidos, especialmente aos proprietários de

imóveis situados na área abrangida pela operação.428

427 O §2º do art.225 da Lei Municipal nº13.430/2002, que institui o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, delimita áreas “para as novas Operações Urbanas Consorciadas Diagonal Sul, Diagonal Norte, Carandiru-Vila Maria, Rio Verde-Jacú, Vila Leopoldina, Vila Sônia e Celso Garcia, Santo Amaro e Tiquatira, além das existentes Faria Lima, Água Branca, Centro e Águas Espraiadas, com os perímetros descritos nas suas leis específicas e indicadas no Mapa n°09, integrante desta lei.” Ainda de acordo com o mesmo diploma legal, “outras Operações Urbanas Consorciadas poderão ser

definidas nas Áreas de Intervenção, indicadas no Mapa nº09, integrante desta lei” (art.225, §3º). A previsão no plano diretor

acerca das operações consorciadas que poderão ser instituídas no Município vai ao encontro do princípio da reserva de plano, que rege a função urbanística do Estado. 428 Com efeito, de acordo com o já ressaltado no capítulo anterior deste estudo, nas operações urbanas consorciadas poderão ser previstas, entre outras medidas, a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias (Lei nº10.257/2001, art.32, §2º, I), a regularização de construções,

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5.3.3 Prospecto de registro

Outro requisito para registrar a operação e emitir os CEPAC é a apresentação

da minuta do prospecto de registro (Instrução CVM 401/2003, art.5º, V), que deverá conter

os elementos previstos nos arts.10 e 11 da instrução normativa. O art.10 define o prospecto

como o documento que inclui os dados básicos sobre a operação, a quantidade de CEPAC que

poderá ser emitida para alienação ou utilização direta no pagamento das intervenções da ação

consorciada.429

Já o art.11 dispõe sobre os requisitos mínimos do prospecto de registro. Sua

previsão visa possibilitar à CVM o exercício de sua função fiscalizatória do mercado de

CEPAC, especialmente para proteger os investidores atraídos pela alienação desses

certificados pelo Município.430

Não obstante, a fiscalização do mercado de CEPAC pela CVM também

contribui – ainda que indiretamente – para o controle da conformidade da operação

consorciada às regras da Lei Federal nº10.257/2001.

reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente (art.32, §2º, II) e a concessão de incentivos urbanísticos aos proprietários que utilizarem, nas construções e edificações urbanas, tecnologias que promovam a redução dos impactos ambientais e a economia de recursos naturais (art.32, §2º, III). Ora, esses novos índices urbanísticos representam limitações diferenciadas à propriedade e ao direito de construir dos proprietários de imóveis urbanos. Portanto, somente podem ser fixados por meio de lei, justamente a lei específica indicada no caput do art. 32 da Lei nº 10.257/2001. 429 No Prospecto de Registro da Operação Urbana Consorciada Águas Espraiadas, criada pela Lei nº13.260, de 28 de dezembro de 2001, consta a oferta, pelo Município de São Paulo, de 3.750.000 CEPAC, no valor unitário mínimo de R$ 300,00, para financiamento da operação. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arquivos/cepac/oucae_prospecto.pdf>. Acesso em: 27 out. 2013. 430 Art.11. “O Prospecto deve apresentar, pelo menos: I – a denominação, na capa do prospecto, do nome da OPERAÇÃO e indicação da emissão de CEPAC para financiamento das intervenções nela previstas, além do código ISIN do valor mobiliário; II – a descrição detalhada das intervenções previstas no âmbito da OPERAÇÃO, bem como os seus respectivos prazos de execução e custos estimados, observado o disposto no art.14, §§2º e 3º; III – prazo previsto para execução da OPERAÇÃO; IV – a quantidade total de CEPAC que poderão ser emitidos na OPERAÇÃO; V – as características dos CEPAC emitidos no âmbito da OPERAÇÃO, especialmente a tabela de conversão dos potenciais construtivos e de modificação de uso, assegurados aos seus titulares, a existência de preço mínimo para alienação ou utilização direta em pagamento das intervenções, e demais elementos que devam ser informados ao mercado; VI – a forma de colocação dos CEPAC, se pública ou privada, ou ambas; VII – indicação das principais referências legais relativas à OPERAÇÃO e à emissão dos CEPAC, entre as quais a Lei que autorizou a emissão dos CEPAC e o plano diretor do Município que prevê a possibilidade da OPERAÇÃO, assinalando, com destaque, os artigos relativos aos CEPAC; VIII – indicação da página da Internet e dos demais locais onde possam ser consultados os diplomas legais citados no Inciso anterior; IX – estudo de viabilidade, contendo pelo menos as seguintes informações: valor de mercado dos imóveis contidos no perímetro da OPERAÇÃO, efeitos das intervenções sobre os imóveis, análise da demanda por adicionais de construção na área, estudo de impacto ambiental e de vizinhança, e forma de determinação da quantidade máxima de CEPAC que poderá ser emitida no âmbito da OPERAÇÃO; X – indicação dos fatores de risco, inclusive os de natureza política e/ou econômica, e demais fatos que possam levar à modificação das características da OPERAÇÃO, à não realização das intervenções previstas, ou à existência de dificuldades para o exercício dos direitos assegurados pelos CEPAC no momento da emissão; XI – a indicação da conta específica em que serão mantidos os recursos obtidos com a alienação dos CEPAC; XII – a indicação da instituição de que trata o art.9º desta instrução e os termos do respectivo contrato ; XIII – informações sobre outras formas de captação previstas para atingir o objetivo da OPERAÇÃO, no caso de apenas parte dos recursos ser obtida através da emissão de CEPAC. Parágrafo único. Além das informações solicitadas no caput deste artigo, o Prospecto deve conter, em sua capa, o seguinte texto: “O registro da presente Operação Urbana Consorciada, para a negociação de CEPAC, não implica, por parte

da CVM, garantia de veracidade das informações prestadas ou julgamento sobre a qualidade do valor mobiliário emitido para financiar as intervenções previstas”.

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192

Do prospecto deve constar, por exemplo, a descrição detalhada das

intervenções previstas no âmbito da ação consorciada, seus prazos de execução e custos

estimados (Instrução CVM 401/2003, art.11, II). Assim, as intervenções necessárias à

consecução dos objetivos da operação consorciada (construir, reformar e ampliar o sistema

viário, de transporte público e de saneamento básico; construir habitações populares; construir

e ampliar parques, áreas verdes e sistemas de drenagem, dentre outras) devem estar indicadas

no prospecto da operação. Isso contribui para o processo de controle da operação consorciada,

visto que possibilita ao investidor – e a quaisquer outros interessados – saber como serão

gastos os recursos advindos da venda dos CEPAC, o que ajuda a impedir o desvio desses

montantes para outros propósitos, especialmente em face do art.33, §1º, da Lei nº10.257/2001,

que determina a sua aplicação exclusiva na própria operação urbana consorciada.

A indicação das intervenções no prospecto deve ocorrer sem prejuízo de sua

previsão na lei que cria a operação (Lei nº10.257/2001, art.33, II, III e IV). Trata-se, na

realidade, de mais uma proteção aos investidores privados, mas que acaba contribuindo para

fiscalizar o andamento de todas as etapas da ação consorciada.

O prazo previsto para a execução da operação urbana consorciada também

deve estar indicado no prospecto da operação (Instrução 401/2003, art.11, III)431. Afinal, a

operação consorciada, como um conjunto de ações do Poder Público financiado com recursos

privados, deve durar o necessário para o alcance de suas finalidades – as quais, por sua vez,

também devem ser definidas na lei específica (Lei nº10.257/2001, art.33, IV). Isso porque

implantar a operação consorciada pressupõe alterar em determinada área da cidade os índices

urbanísticos previstos na lei que institui o plano diretor municipal. Trata-se, portanto, de

exceção ao plano urbanístico válido para a toda a urbe e, por esse motivo, deve ter sua

duração limitada no tempo, sob pena de ofensa ao princípio da reserva de plano, elementar

para o exercício da função urbanística do Estado.

A quantidade total de CEPAC que pode ser emitida durante a operação

consorciada, assim como a tabela de conversão dos potenciais construtivos e de modificação

de uso, também devem estar indicadas no prospecto (Instrução CVM, art.11, IV e V). A

indicação da quantidade de CEPAC a ser emitida é essencial para proteger o investidor

privado. Isso porque o CEPAC corresponde a uma área adicional de construção, e esse

estoque de área adicional é limitado pela lei que cria a operação. Do contrário, haveria um 431 Por exemplo, o Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima, criada pela Lei nº13.769/2004 do Município de São Paulo, indica que o prazo de duração da operação será de 15 (quinze) anos (fl. 19). Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arquivos/cepac/oucfl_prospecto.pdf>. Acesso em: 27 out. 2013.

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adensamento descontrolado na área em que o instrumento é aplicado, em clara ofensa ao

Estatuto da Cidade (art.2º, VI, c).432

Assim, é dever do Município emissor dos CEPAC indicar no prospecto – e na

lei específica que cria a operação – a quantidade de certificados e a totalidade da área

adicional de construção computável, para que o investidor privado não corra o risco de

adquirir um CEPAC que não poderá mais ser utilizado, em função de um eventual

esgotamento do estoque dessa área.433

A tabela de conversão dos potenciais construtivos e de modificação de uso

também deve constar do prospecto (e da lei que cria a operação). O investidor deve saber

exatamente por qual quantidade de área adicional de construção pode ser cambiado o CEPAC

adquirido por ele em leilão ou de terceiros. Assim, é necessário indicar a metragem de área

adicional correspondente a cada CEPAC emitido (relação CEPAC/m2 adicional).434

432 Nesse sentido, Diogenes Gasparini observa que a quantidade de CEPAC emitida deve resultar de “estudos levados a efeito

pelo Município sobre a possibilidade de os proprietários dos terrenos construírem acima dos índices urbanísticos normais, fixados para a área objeto das operações urbanas consorciadas”. (GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p.186). Estes estudos devem ser levados a cabo pelos órgãos municipais competentes antes mesmo da edição da lei que cria a intervenção consorciada, a fim de evitar o excessivo adensamento da área objeto da operação, com prejuízos para a infraestrutura urbana existente e reflexos nocivos no tráfego e no sistema de transporte público local. 433 Carlos de Faria Coelho de Sousa sugere que o Município emita “uma quantidade de títulos inferior ao potencial de

construção previsto em lei, objetivando à maior procura dos títulos no mercado, gerando sua valorização, o que aumenta o interesse dos investidores”. (SOUSA, Carlos de Faria Coelho de. As operações urbanas consorciadas como instrumento para a reabilitação urbana. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 11, n. 63, p.83-94, maio/jun. 2012, p.2). De fato, o Município pode emitir em parcelas a quantidade total de CEPAC prevista em lei, visando à valorização dos certificados no mercado em razão de sua menor oferta. Nesse sentido, à fl. 21 do Prospecto de Registro da Operação

Urbana Consorciada Águas Espraiadas, criada pela Lei nº13.260/2001 do Município de São Paulo, consta expressamente que “para a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada estabeleceu-se um limite máximo de 3.750.000 CEPAC a serem emitidos, e que essa quantidade, definida na Lei da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada e no EIA/RIMA é menor do que o Potencial Construtivo da Área de Intervenção da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada. Isso significa que existe uma escassez de CEPAC para a quantidade de metros quadrados de construção que poderia ser absorvida pelo mercado imobiliário. Além disso, para modificar o uso dos imóveis os interessados deverão igualmente utilizar CEPAC, o que contribui para diminuir ainda mais a oferta de CEPAC diante da quantidade de metros quadrados (m2) que poderiam ser absorvidos pelo mercado imobiliário. Por outro lado, o mesmo prospecto ressalta que a Operação Urbana Consorciada

Água Espraiada é dividida em diversos Setores, cada qual com um limite de metros quadrados adicionais que poderão ser utilizados como Direitos Urbanísticos Adicionais. Portanto, não obstante os CEPAC sejam os mesmos, e possam ser utilizados em qualquer área contida no perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (obedecida a tabela de conversão entre CEPAC e benefícios para cada setor), tão logo seja atingido o limite de um determinado setor, os CEPAC somente poderão ser utilizados em imóveis localizados nos demais setores, o que acentua a escassez para regiões em que a demanda, hoje, já se mostre elevada”. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arquivos/cepac/oucae_prospecto.pdf>. Acesso em: 27 out. 2013. Procurou-se, dessa forma, garantir que a demanda por esses certificados permanecesse alta, o que contribui, certamente, para o sucesso da operação concertada. 434 A Lei nº13.260/2001, do Município de São Paulo, que cria a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, em seu art.11, prevê a quantidade total de CEPAC cuja emissão foi autorizada (3.750.000) e apresenta tabela de conversão que indica por qual metragem de área adicional de construção, ou por qual metragem de área de terreno referente à modificação de usos e parâmetros de construção, poderá ser convertido cada certificado. Assim, por exemplo, no Setor Jabaquara da Operação

Água Espraiada, 1 (um) certificado equivale a 3m2 de área adicional de construção e a 2m2 de área de terreno referente à modificação de usos e parâmetros; no Setor Brooklin, cada CEPAC equivale a 1m2 de área adicional de construção e a 1m2 de área de terreno referente à modificação de usos e parâmetros; no Setor Berrini, cada CEPAC equivale a 1m2 de área adicional de construção e a 2m2 de área de terreno referente à modificação de usos e parâmetros, no Setor Marginal Pinheiros, cada CEPAC equivale a 2m2 de área adicional de construção e a 2m2 de área de terreno referente à modificação de usos e parâmetros. De forma análoga, a Lei nº13.909/2011 do Município de Curitiba, que aprovou a Operação Urbana Consorciada

Linha Verde, apresenta, em seu art.14, tabela com os fatores de equivalência entre o CEPAC e a área adicional de construção (ACA). O caput do dispositivo indica a quantidade total de CEPAC a ser emitida pelo Município (4.830.000), o seu §1º

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194

Há ainda outros itens que devem constar do prospecto da operação. Entre eles,

citemos: a) a forma de colocação dos CEPAC, se pública ou privada, ou ambas (art.11, VI, da Instrução); b) a indicação das principais referências legais relativas à operação consorciada e à emissão dos CEPAC, dentre as quais a lei municipal que autorizou a emissão e o plano diretor do Município que prevê a possibilidade de implementação da ação consorciada (art.11, VII); e c) a indicação da página da ‘internet’ e dos demais locais onde possam ser

consultados os diplomas legais citados no inciso anterior.

Tais exigências visam dar amplo conhecimento sobre todos os aspectos da

operação consorciada aos investidores que pretendem adquirir os CEPAC, em homenagem ao

princípio da publicidade, que é fundamental para o exercício da função administrativa (art.37,

caput, da Constituição Federal).

5.3.4 Estudo de viabilidade

A Instrução CVM 401 (art.11, IX) impõe, por sua vez, como um item

essencial do prospecto da operação, a apresentação do estudo de viabilidade.

Este deve conter, inicialmente, informações relativas ao valor de mercado dos

imóveis localizados no perímetro da operação consorciada. Afinal, os CEPAC serão

convertidos em área adicional de construção, ou em área referente à alteração de

uso/parâmetros, apenas nesses imóveis. Assim, interessa ao adquirente do CEPAC conhecer a

possibilidade de sua valorização, que estará diretamente relacionada com o valor dos imóveis

instalados na área abrangida pela operação.

Outrossim, o estudo de viabilidade deve conter informações – estimativas, na

realidade – referentes aos efeitos das intervenções sobre os imóveis situados no perímetro da

operação consorciada. Os melhoramentos feitos no decorrer da operação valorizam a

propriedade urbana situada na área. E o preço do CEPAC subirá na medida em que os valores

dos imóveis aumentarem (afinal, são esses imóveis que poderão ter suas áreas aumentadas a

partir da conversão desses certificados). Em outras palavras, a demanda pelo CEPAC

certamente será maior se o valor dos imóveis localizados no perímetro da operação também

aumentar. define fator de equivalência como o índice que indica a quantidade de área adicional de construção equivalente a um CEPAC, e o seu §2º prescreve que o valor mínimo para cada certificado é de R$ 200,00. Da mesma forma, a Lei Complementar nº101/2009, do Município do Rio de Janeiro, que cria a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto

do Rio, indica, em seu Anexo VII, quadro com a relação potencial adicional de construção/CEPAC para cada um dos setores em que se divide a área da cidade abrangida pela ação consorciada.

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Ainda de acordo com a Instrução (art.11, IX), o estudo de impacto ambiental

(EIA) e o estudo de impacto de vizinhança (EIV) também devem constar do estudo de

viabilidade. A exigência está de acordo com o art. 33, V, da Lei nº10.257/2001, segundo o

qual o EIV deve constar da lei específica que cria a operação consorciada.

A necessidade de realizar tanto o EIV quanto o EIA já foi objeto de análise

neste estudo. Essa determinação justifica-se pelo fato de a operação consorciada causar

impactos ao meio ambiente urbano. É necessário verificar se da implantação da ação

consorciada decorrerão efeitos urbanísticos negativos no perímetro de abrangência da

operação e/ou nas áreas circunvizinhas. Na possibilidade de ocorrerem danos, medidas devem

ser previstas no próprio plano para evitá-los ou compensá-los, sob pena da impossibilidade de

se iniciar a ação consorciada. Alguns efeitos negativos podem até ser tolerados, desde que

compensados pelos efeitos positivos que advirão da intervenção.435

Os impactos ambientais e de vizinhança também influirão no mercado de

CEPAC, posto que um dano ambiental expressivo pode desvalorizar os imóveis situados no

perímetro da operação consorciada, o que afetará os interesses dos adquirentes dos

certificados. Daí a previsão da Instrução Normativa (art.11, IX).

Deve ainda constar do estudo de viabilidade que compõe o prospecto da

operação a forma de determinação da quantidade máxima de CEPAC que pode ser emitida no

âmbito da operação consorciada (Instrução CVM 401/2003, art.11, IX). Para tanto, é

imprescindível calcular as despesas necessárias para implementar a operação, posto que tal

intervenção será custeada com a venda dos CEPAC. Também é necessário fixar o valor

mínimo de cada certificado, pois a multiplicação desse valor pelo número total de CEPAC

emitidos deve equivaler ao montante necessário para concluir as obras da própria operação.436

Se necessário alterar o valor dos contratos das obras públicas constantes do

plano da operação (ou dos montantes indenizatórios devidos pelas desapropriações), o Poder

Público pode ser obrigado a utilizar recursos do erário para concluir a operação, o que, a rigor,

contraria os princípios da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

435 No capítulo anterior ressaltamos que, além do EIV, o estudo de impacto ambiental (EIA) também deve ser realizado quando da elaboração do projeto da operação urbana consorciada. Assim, andou bem a Instrução CVM 401/2003 ao exigir a apresentação também do EIA. Ainda que à primeira vista pareça ter o ato infralegal ultrapassado seus limites normativos, o fato é que a exigência de apresentação do EIA, em conjunto com a do EIV, decorre, como visto, da interpretação sistemática e finalística do Estatuto da Cidade. Afinal, são inevitáveis os impactos ambientais causados por intervenção de tal magnitude no espaço urbano. 436 Do Prospecto da Operação Urbana Consorciada Águas Espraiadas, criada pela Lei nº13.260/2001 do Município de São Paulo, à fl. 19, consta que a quantidade máxima de títulos que poderá ser ofertada será igual ao resultado obtido pela divisão do valor do custo total da Intervenção, pelo valor mínimo da emissão do CEPAC. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arquivos/cepac/oucae_prospecto.pdf>. Acesso em: 27 out. 2013.

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196

urbanização (Estatuto da Cidade, art.2º, IX) e da recuperação dos investimentos do Poder

Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI). Com efeito,

dentre os objetivos da operação urbana consorciada (e de qualquer outro instrumento jurídico

de urbanismo concertado) está o de evitar o uso de recursos públicos nos processos de

incremento da infraestrutura urbana, justamente para que as diretrizes indicadas acima sejam

respeitadas.

De todo o modo, o Município não pode emitir CEPAC ilimitadamente, pois

isso pode lesar os investidores – em função da possível ausência de lastro em estoque de área

adicional de construção para futura compra por meio dos certificados adquiridos – e o meio

ambiente urbano, dado que a criação descontrolada de estoque adicional para venda por meio

de CEPAC pode causar o adensamento populacional desproporcional à infraestrutura urbana e

a verticalização excessiva da área objeto da operação, com graves consequências para toda a

urbe.

Por fim, destaca-se a exigência de que o prospecto da operação contenha a

indicação dos fatores de risco, inclusive os de natureza política e/ou econômica, e demais fatos que possam levar à modificação das características da operação, à não realização das intervenções previstas, ou à existência de dificuldades para o exercício dos direitos assegurados pelos CEPAC no momento de sua emissão (art.11, X, da Instrução CVM 401/2003).

A intenção deste regulamento – condizente com a finalidade da própria CVM –

é proteger o investidor que pretenda adquirir o CEPAC dos riscos do investimento (ainda que

não consiga afastá-los inteiramente, em vista da sua própria natureza) e garantir a

transparência do processo de emissão e comercialização desses certificados. Mas o fato é que,

ao regular o mercado desse valor mobiliário, a autarquia federal acaba fiscalizando o

andamento da operação consorciada, em benefício de toda a coletividade.

Questiona-se se cabe a uma instrução normativa impor tantas exigências ao

mercado de CEPAC, em função de sua natureza meramente regulamentar437. Mas o fato é que

todas essas exigências estão de acordo com a Lei nº10.257/2001, norma geral de direito

urbanístico que prevê as linhas mestras do instituto da operação urbana consorciada e da

emissão e venda dos certificados de potencial adicional de construção.

437 Para Celso Antonio Bandeira de Mello, o regulamento possui apenas a função de servir para a fiel execução da lei. Com maior razão, diz, tais limites aplicam-se “a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo. É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores”.

(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.363-364).

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Aliás, os requisitos para a emissão dos CEPAC, pela sua natureza, devem

constar da própria lei municipal específica que cria a operação consorciada. Essa conclusão

decorre da leitura do Estatuto da Cidade (art.33), que indica os elementos que devem constar

na lei municipal. Dentre eles (VI), está a definição da “contrapartida a ser exigida dos

proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos

benefícios previstos no Estatuto (art.32, §2º, I, II e III). Nos casos em que a contrapartida é o

CEPAC, a lei municipal que cria a operação deve, portanto, definir regras claras para a sua

comercialização e posterior conversão em direito de construir.

5.4 Alienação do CEPAC por leilão

O art.34 do Estatuto da Cidade determina que os certificados de potencial

adicional de construção devem ser “alienados em leilão ou utilizados diretamente no

pagamento das obras necessárias à própria operação”.

Portanto, nos casos em que a lei municipal que cria a operação consorciada

permite a distribuição (ou colocação) pública desses valores, a sua alienação deve ser feita por

meio de leilão.

5.4.1 Isonomia e vantajosidade

O leilão público permite que qualquer investidor interessado em adquirir os

CEPAC faça ofertas e compre os certificados. O procedimento atende ao princípio da

isonomia, visto que o Poder Público não pode escolher discricionariamente a quem venderá os

certificados, cuja aquisição pode interessar a qualquer investidor privado.

Ademais, realizar o leilão permite ao Município auferir o maior volume

possível de recursos com a alienação dos CEPAC, a fim de concretizar as obras necessárias

para atingir as metas da operação consorciada.

Trata-se, portanto, da aplicação de dois princípios jurídicos que regem o

procedimento licitatório: a isonomia e a vantajosidade para a Administração Pública.438

O leilão de CEPAC não corresponde à modalidade licitatória prevista na Lei

Federal nº8.666/93 (art.22, §5º, V) – destinada à venda de bens móveis inservíveis para a 438 O art.14, §5º, da Lei nº13.909/2011, do Município de Curitiba, que aprovou a “Operação Urbana Consorciada Linha

Verde”, determina que “o edital referente a cada leilão público a ser realizado para a venda dos Certificados de Potencial Adicional de Construção [...] deverá prever mecanismos que garantam o maior grau possível de pulverização dos Certificados, observando-se os princípios gerais contidos na Lei Federal nº8.666, de 1993”.

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Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou à alienação de bens

imóveis prevista no art.19 –, mas os princípios que regem a licitação têm aplicação análoga ao

procedimento de venda dos certificados.439

Assim, a realização de leilões públicos de CEPAC por meio de bolsa de valores

ou por entidades do mercado de balcão organizado (Instrução CVM 401/2003, art.5º, VII)440

não afasta a aplicabilidade, à hipótese, dos princípios que devem reger a atuação da

Administração Pública.

5.4.2 Regulação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

Tendo em vista tratar-se de leilão para a venda de valores mobiliários, o

procedimento deve ser regulado pela CVM, o que é feito por meio da Instrução CVM

401/2003.

Esse ato normativo dispõe (art.12) que o Município, em conjunto com a

instituição líder da distribuição, deve requerer o registro da distribuição pública para realizar o

leilão de CEPAC.

A instituição líder da distribuição, integrante do sistema de distribuição de

valores mobiliários, deve atuar em conjunto com o Município nos pedidos de registro, na

colocação dos CEPAC no mercado e nas comunicações com a CVM e com o mercado

(Instrução CVM 401/2003, art.18).

Nos termos da Instrução CVM 401/2003 (art.12, §1º), cada pedido de registro

de distribuição pública deve contemplar uma intervenção ou um conjunto de intervenções,

todos indicados no prospecto da operação. Isso significa que o Município emissor dos

CEPAC deve indicar para qual ou quais obras e desapropriações serão destinados os recursos

auferidos com a alienação dos CEPAC por meio de leilão.

439 No mesmo sentido, a Lei nº13.260/2001 do Município de São Paulo, que cria a “Operação Urbana Consorciada Água

Espraiada”, estabelece, em seu art.11, §6º, que “o edital referente a cada leilão público a ser realizado para a venda dos

Certificados referidos neste artigo deverá prever mecanismos que garantam o maior grau possível de pulverização dos certificados, observando-se os princípios gerais contidos na Lei nº8.666/93”. Toshio Mukai afirma que a realização de leilão para a venda dos CEPAC supre a necessidade de efetivação do procedimento licitatório para a participação do investidor privado na ação consorciada, a qual seria exigível, a rigor, em virtude da obtenção de lucro pelo particular que participa da operação. (MUKAI, Toshio. Operações Urbanas Consorciadas. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 6, n.34, p.13-21, jul-ago. 2007). 440 Vale recordar que os CEPAC nem sempre são objeto de distribuição pública. Como visto, há a possibilidade de colocação privada desses valores, nas hipóteses em que a lei municipal que cria a operação consorciada permitir o pagamento das desapropriações e obras por meio desses certificados (art.34, do Estatuto da Cidade).

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A medida contribui para fiscalizar a destinação regular dos valores auferidos

com a venda dos certificados, os quais devem ser aplicados exclusivamente na operação

consorciada cuja criação justificou sua emissão (Lei nº10.257/2001, art.34, §1º).

Por derradeiro, destaca-se que a Instrução CVM 401/2003 (art.15) determina

que a CVM somente deferirá o registro de uma nova distribuição de CEPAC vinculados à uma mesma Operação após: I – terem sido concluídas as intervenções abrangidas pela distribuição anterior, ou II – ter sido esgotada a distribuição de CEPAC previamente aprovada, ou III – terem sido captados, comprovadamente, os recursos necessários para a conclusão das intervenções objeto da distribuição anterior.

A prescrição contribui para o cumprimento do plano de intervenções da

operação urbana consorciada: a Administração deve calcular com a maior precisão possível os

custos de cada etapa das intervenções, pois não poderá emitir novos CEPAC sem concluir a

etapa anterior. A previsão contribui, também, para evitar a emissão descontrolada desses

certificados, que pode gerar prejuízos aos investidores em virtude da queda do preço

decorrente do excesso de oferta. Busca-se evitar, ainda, o desvio dos recursos provenientes da

venda dos CEPAC, que somente podem ser aplicados na própria ação concertada. Não

houvesse essa limitação, uma nova distribuição de CEPAC poderia ser utilizada para encobrir

o uso irregular dos montantes arrecadados com a emissão anterior.

5.5 Aplicação dos recursos obtidos com a venda dos CEPAC

O Estatuto da Cidade impõe que os recursos auferidos pelo Poder Público

municipal com a venda de CEPAC sejam conversíveis em direito de construir exclusivamente

na área objeto da operação consorciada (art.34, §1º).

A regra condiz com o art.33, §1º, da Lei Federal, que prevê a obrigatoriedade

de aplicação dos recursos provenientes das contrapartidas pagas pelos interessados na própria

operação urbana consorciada.

Assim, os montantes obtidos pelo pagamento de qualquer contrapartida –

inclusive a realizada pela conversão do CEPAC em direito de construir – devem ser

utilizados, exclusivamente, para realizar obras e desapropriações necessárias à execução da

operação consorciada.

A finalidade é evitar que a venda de CEPAC signifique apenas uma fonte

ordinária de recursos para o erário, o que contrariaria a finalidade da operação consorciada.

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200

De fato, o Município não deve alienar CEPAC com o intuito meramente

arrecadatório. Sua emissão e distribuição são justificadas pela necessidade de auferir recursos

a serem usados para concluir desapropriações e obras imprescindíveis à consecução dos

objetivos da operação consorciada. Não se trata de um tributo, mas de um valor mobiliário

que poderá ser usado pelo interessado como contrapartida ao exercício do direito de construir

acima dos parâmetros urbanísticos ordinários. E esse direito será exercido somente em

imóveis situados na área objeto da intervenção.

Vimos que a operação consorciada tem como finalidades: a) a justa

distribuição dos bônus decorrentes dos melhoramentos urbanísticos realizados pelo Poder

Público (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX); e b) a recuperação dos investimentos públicos de que

tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (Lei nº10.257/2001, art.2º, XI). Para tanto,

os proprietários de imóveis localizados no perímetro da operação convertem os CEPAC

adquiridos em direito de construir, com o objetivo de obter a respectiva licença. E pagam por

isso, pois compram o certificado do Município (por meio de leilão público) ou de terceiros.

Esses montantes arrecadados com a alienação dos CEPAC servirão para compensar os gastos

da Administração Municipal com as obras, que beneficiarão justamente os proprietários de

imóveis localizados na área objeto da ação consorciada.

Portanto, caso o Município aplique os recursos auferidos com a venda dos

CEPAC em área não abrangida pela lei que cria a operação, os proprietários adquirentes dos

CEPAC acabarão financiando melhorias urbanísticas em outras regiões da cidade.

Outrossim, se o Município deixar de aplicar os recursos auferidos com os

CEPAC na área objeto da operação e utilizar valores do erário para executar obras e

desapropriações, acabará impedido de recuperar os investimentos de que tenha resultado a

valorização dos imóveis situados no perímetro da intervenção. Nesse caso, todos os

contribuintes – inclusive os que não são proprietários de imóveis no perímetro da operação –

acabarão financiando a valorização dessas propriedades, em evidente contrariedade ao

princípio da isonomia.

José dos Santos Carvalho Filho441, ao comentar o art.34, §1º, do Estatuto da

Cidade assim afirma:

441 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.7.2001 e MP 2.220, de 4.9.2001. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.226.

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se não houvesse tal limitação, fácil seria burlar os objetivos da lei. Basta supor que o indivíduo poderia adquirir alguns certificados para postular licença especial, visando à construção em coeficiente superior ao normal, em área diversa da que está sob a operação.

Nesse caso, para o autor, será notório o desvio de finalidade. O vício do desvio

de finalidade estaria presente no ato administrativo que determinasse a emissão dos CEPAC

para fins exclusivamente arrecadatórios, sem o objetivo de utilizar os recursos auferidos com

a sua alienação na operação consorciada que justificou sua distribuição.

5.6 Financiamento da operação urbana consorciada por meio da alienação de CEPAC

A alienação por meio de leilão, garantidos os princípios jurídicos da isonomia e

da vantajosidade, somada à possibilidade de serem os CEPAC livremente negociáveis no

mercado de valores mobiliários – o que aumenta o interesse dos investidores na aquisição

desses certificados – contribui para uma maior arrecadação por parte do Município emissor.

Além disso, o uso dos CEPAC permite antecipar os recursos financeiros

necessários à execução do programa de intervenções definido na lei que cria a operação

urbana consorciada. Sem a emissão desses certificados, esses valores somente ingressarão nos

cofres públicos na medida em que cada proprietário decida aderir à operação, pagando a

contrapartida necessária à fruição do benefício previsto na lei específica.

A emissão dos CEPAC e sua alienação em leilão permitem ao Município

antecipar os montantes correspondentes às contrapartidas e aplicá-los nas obras,

desapropriações, programas de atendimento econômico e social para a população de baixa

renda afetada pela operação e demais medidas previstas no plano da ação concertada.

A Lei Federal nº10.257/2001 (art.34) também permite a emissão de CEPAC

para uso direto no pagamento das obras necessárias à operação. Assim, as empresas

contratadas para realizá-las poderão ser remuneradas por meio desses certificados, em

operação chamada colocação privada, que é regulada pela Instrução CVM nº401/2003

(art.17, §1º). Com tal medida, a Administração deixa de empregar recursos públicos na

operação, já que paga pelas obras com valores mobiliários, que posteriormente poderão ser

cambiados pelo direito de construir acima dos parâmetros urbanísticos definidos pela lei de

zoneamento.

Vê-se, portanto, que a emissão dos CEPAC, conforme a Lei Federal

nº10.257/2001 (art.34) evita que recursos do erário sejam investidos na operação consorciada,

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em respeito ao princípio da justa distribuição dos bônus decorrentes do processo de

urbanização. Afinal, conforme exposto no capítulo anterior, essa diretriz somente será

plenamente atendida nas hipóteses em que a ação concertada realizar-se com recursos

provenientes do setor privado.

A emissão e alienação dos CEPAC contribui para a justa distribuição dos

benefícios decorrentes da atividade urbanística, já que se trata de fonte de recursos privados a

serem aplicados na readequação da infraestrutura urbana.

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203

6 CONCLUSÕES

1 Métodos e instrumentos do urbanismo

O Poder Público tem ao seu dispor uma variedade de formas de intervenção no

espaço urbano, criadas para equacionar as demandas urbanísticas surgidas ao longo do

processo histórico de desenvolvimento das urbes, e que podem ser utilizadas com a finalidade

de cumprir o seu dever de garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

2 Urbanismo regulamentar

O urbanismo regulamentar é o método de organização do espaço urbano

caracterizado pela instituição de regras disciplinadoras do direito de construir.

Trata-se de uma forma de ordenar o espaço urbano fundamentada em regras de

limitação à propriedade urbana, mais especificamente à liberdade de construir em solo

privado. Por meio de regulamentos (normas de caráter geral e abstrato), a Administração

controla a atividade privada de edificação. Impõem-se limites à altura dos edifícios;

prescrevem-se recuos mínimos frontais e laterais às construções; definem-se requisitos

mínimos de segurança e de salubridade das edificações; fixam-se condições de edificação de

acordo com o uso pretendido (comercial ou residencial).

As limitações urbanísticas à propriedade são impostas com fundamento no

princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, um dos pilares do exercício da

função administrativa do Estado. A Administração, para cumprir o seu dever-poder de

ordenar o espaço urbano, e com fundamento em lei, limita os poderes que o particular tem

sobre o seu imóvel.

A aplicação dessa técnica corresponde, na realidade, ao simples exercício do

poder de polícia administrativa, voltado especialmente à edificação em solo urbano e ao

respeito às normas de segurança e salubridade das construções.

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3 Urbanismo operacional

O urbanismo operacional corresponde a uma atuação direta da Administração

na condução da atividade urbanística. Opõe-se à atitude meramente reguladora da atividade

dos proprietários privados, incorporadores e construtores. Representa, nesse sentido, a

passagem de um urbanismo de polícia para um urbanismo ativo e corresponde à ideia de um

serviço público de ordenamento urbano.

4 Valorização imobiliária e o princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios da

atividade urbanística

A operação conduzida pela Administração Pública destinada a ordenar o

espaço urbano promove – se bem-sucedida – a valorização dos imóveis situados no perímetro

objeto da ordenação urbanística. Consequentemente, os proprietários desses bens (os que não

tiveram os seus imóveis expropriados para a execução da obra) são beneficiados pela mais-

valia imobiliária resultante da aplicação de recursos públicos, o que contraria o “princípio da

justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização” (Lei Federal

nº10.257/2001, art.2º, XI).

Se o Poder Público executa as obras de readequação urbanística com recursos

de todos, então fere o princípio da isonomia a valorização extraordinária dos imóveis privados

localizados na área objeto da operação sem que, por algum mecanismo legal, seja possível à

Administração ressarcir-se do investimento realizado. Em outras palavras, o princípio da justa

distribuição dos benefícios do processo de urbanização – derivado do princípio da isonomia –

prescreve que a mais-valia imobiliária decorrente de uma operação urbana seja apreendida

pelo erário.

Por outro lado, também os ônus decorrentes da atividade urbanística devem ser

equitativamente distribuídos. Nas hipóteses em que a operação seja antecedida por

desapropriação urbanística, há de ser garantir aos expropriados o recebimento do justo preço,

suficiente para adquirir no mercado bem equivalente ao imóvel expropriado. Afinal, não se

pode admitir que o sacrifício recaia somente sobre aqueles cujas propriedades imobiliárias

foram desapropriadas.

O ordenamento jurídico pátrio prevê instrumentos para a garantia da justa

distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística, como a desapropriação

extensiva (Decreto-Lei nº3.365/41, art.4º) e a contribuição de melhoria (145, III, da

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Constituição Federal; arts. 81 e 82 do Código Tributário Nacional e art.4º, IV, b, do Estatuto

da Cidade).

A operação urbana consorciada é mais um desses instrumentos, mas sua

aplicação não conta com os mesmos inconvenientes enfrentados pela desapropriação

extensiva e pela contribuição de melhoria. Afinal, a ação concertada é realizada por meio da

aplicação de recursos privados; assim, será desnecessário expropriar as áreas circunvizinhas

para recuperar investimentos públicos.

Por outro lado, a contrapartida na operação consorciada é facultativa: o

proprietário paga se desejar, por exemplo, construir acima do coeficiente ordinário de

aproveitamento. Inexiste o caráter compulsório que caracteriza a exação tributária.

5 A gentrificação

Outro problema comum às diferentes ações urbanísticas típicas do urbanismo

operacional é a expulsão dos usos, das atividades e da população que tradicionalmente

ocupava a área objeto da intervenção, processo denominado gentrificação. Isso porque, em

geral, essas áreas, justamente por se encontrarem em situação de deterioração (e daí a

necessidade de sua revitalização), são ocupadas por população de baixa renda que

dificilmente permanecerá no local após o início da ação urbanística.

Com efeito, na grande maioria das vezes, a valorização dos imóveis localizados

no perímetro de uma operação urbana torna o custo da moradia elevado demais para os que

tradicionalmente habitam a área. Preços de aluguéis elevados e ofertas irrecusáveis de compra

(para os poucos que tenham o domínio das propriedades locais) acabam inviabilizando a

permanência da população de baixa renda na área.

Ora, esse processo de gentrificação é contrário aos objetivos de qualquer

operação urbanística, tendo em vista que toda ação urbana deve atribuir à habitação a sua

devida importância. Ainda que a construção de conjuntos habitacionais não seja a meta

principal da operação, o direito à moradia da população que reside no perímetro atingido deve

ser respeitado.

De fato, do ordenamento jurídico pátrio extrai-se que uma das principais metas

a serem alcançadas pelo exercício da função urbanística estatal é justamente assegurar ao

cidadão condições dignas de habitação. Nessa direção, a Constituição Federal (art.6º) elenca o

direito à moradia como um dos direitos sociais a serem garantidos pelo Poder Público.

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206

Prescreve a Carta, ainda, que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade (art.182), dentre elas a de disponibilizar

moradia digna para os que nela habitam.

Diante desses comandos constitucionais, necessário que a lei que cria a

operação urbana (consorciada ou não) preveja mecanismos de defesa do direito à moradia da

população atingida pela intervenção, a fim de evitar a sua expulsão da área objeto da ação

urbana e o seu deslocamento para zonas periféricas da cidade. É com base nesse lastro

constitucional que a Lei nº10.257/2001 (art.33, III) previu a inclusão obrigatória, na lei

específica que aprova a operação urbana consorciada, de um programa de atendimento

econômico e social para a população afetada.

Entretanto, a proteção prevista no dispositivo é insuficiente para que os ditames

constitucionais sobre o direito à moradia sejam atendidos. Na realidade, é necessário prever,

no plano da operação, instrumentos urbanísticos que assegurem, tanto quanto possível, a

permanência da população de baixa renda que já habitava a área antes da intervenção. Dentre

essas medidas, foram citadas a instituição de zonas especiais de interesse social (art.42-A, V,

do Estatuto da Cidade), a construção de habitações populares no perímetro da operação e os

diversos instrumentos jurídicos de regularização fundiária, como a concessão de uso especial

para fins de moradia (Medida Provisória nº2.220/01), a concessão de direito real de uso

(Decreto-Lei nº271/67, art.7º) e o direito de superfície (Lei nº10.257/2001, arts.21 a 24).

6 Urbanismo de planificação

O método do urbanismo de planificação implica elaborar um plano urbanístico

que defina a organização espacial e direcione o desenvolvimento e a expansão urbana de um

Município, de um conjunto de municípios limítrofes ou de todo o território de um país. O

desenho do espaço urbano é estabelecido por meio de um ato normativo estatal que prescreve

regras gerais de ordenação do território.

É o plano urbanístico que determina a estrutura de cada um dos setores

atribuídos às quatro funções-chave (habitação, circulação, trabalho e lazer) e fixa suas

respectivas localizações no conjunto. Por meio da técnica conhecida como zoneamento, o solo

urbano é dividido de acordo com o tipo ou os tipos de uso aos quais será destinado: industrial,

residencial, comercial, desportivo, cultural, viário, turístico. Fixam-se áreas nas quais será

proibido edificar, zonas destinadas à conservação de áreas verdes e perímetros reservados à

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habitação social. Essas prescrições, somadas às disposições do urbanismo regulamentar

(dimensões mínimas das habitações, índices de ocupação do solo, coeficientes de

aproveitamento, distância mínima dos edifícios desde a rua e do imóvel vizinho), resultarão

em um sistema normativo que indicará como a cidade deve se organizar e de que maneira

ocorrerá sua expansão e desenvolvimento. Esse sistema de regras de ocupação e expansão do

solo urbano, por criar limitações à propriedade privada, deve ser imposto por meio de lei.

Caso contrário, terá um caráter meramente orientador.

O sistema normativo pátrio dá ampla primazia ao método do urbanismo de

planificação para a organização do espaço urbano. O art.182, §1º, da Constituição Federal, por

exemplo, prescreve ser o plano diretor o instrumento básico da política de desenvolvimento e

de expansão urbana. Por sua vez, o §2º do mesmo dispositivo determina que a “propriedade

urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais da cidade

expressas no plano diretor”.

No mesmo sentido, o art.21, IX, da Constituição Federal atribui à União a

competência para elaborar e executar os planos nacionais e regionais de ordenação do

território e de desenvolvimento econômico e social; o art.25 confere aos Estados Federados o

poder de “instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas

por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a

execução de funções públicas de interesse comum”; e o art.30, VIII, da Carta outorga aos

municípios a competência para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Já

o art.40 da Lei nº10.257/2001, além de determinar que o plano diretor deva ser aprovado por

lei municipal – daí o caráter obrigatório do plano urbanístico no sistema normativo brasileiro

– prescreve (§1º) que o plano é “parte integrante do processo de planejamento municipal,

devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as

diretrizes e as prioridades nele contidas”. O exame desse conjunto de regras constitucionais e

infraconstitucionais em matéria urbana permite ao jurista reconhecer a existência do princípio

da reserva de plano, a reger o exercício da função urbanística do Estado.

7 Plano diretor e operações urbanas consorciadas

As operações urbanas consorciadas somente podem ser criadas se a lei que

institui o plano diretor municipal delimitar área especíica da cidade para a sua implantação

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(art.32 do Estatuto da Cidade). Trata-se de dispositivo que prestigia o princípio da reserva de

plano.

De fato, tendo em vista que efetivar a operação urbana consorciada pressupõe

alterar os parâmetros urbanísticos previstos no plano diretor, que é o instrumento fundamental

da política de desenvolvimento urbano (art.182, §1º, da Constituição e Lei nº10.257/2001,

art.40), a possibilidade de utilizar a ação consorciada deve estar prevista no texto legal. Caso

contrário, a lei que institui o plano diretor seria alterada por uma lei municipal produzida sem

obediência às regras que definem a sua elaboração (Lei nº10.257/2001, arts.39 a 42-B). Em

outras palavras, somente o plano diretor municipal pode autorizar a aplicação da operação

urbana consorciada, posto que sua implantação pressupõe alterar os índices urbanísticos

(índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo) por ele previstos, nos

moldes do art.32, §2º, da Lei nº10.257/2001.

Vê-se, portanto, que a operação urbana consorciada também segue os cânones

do urbanismo de planificação. Trata-se de instrumento de política urbana que visa

reorganizar o espaço urbano e, como tal, deve seguir as regras impostas pelo planejamento

urbanístico, consubstanciadas na lei que institui o plano diretor municipal.

Todavia, a previsão legal da operação urbana consorciada não está

fundamentada apenas nas diretrizes do urbanismo de planificação, que impõem regras de

ocupação do espaço urbano a partir de decisões unilaterais dos órgãos técnicos estatais sobre

como a cidade deve ser organizada. A ação consorciada, como o nome já sugere, depende da

participação da iniciativa privada no processo de readequação urbana, tanto no que se refere

ao seu planejamento quanto no que tange à sua execução. Assim, nesse tipo de operação, as

decisões em matéria urbanística deixam de ser fruto da vontade exclusiva da Administração

Pública e passam a depender do interesse do setor privado em participar do processo de

reorganização da cidade.

O Poder Público deixa de ser o único responsável pelo planejamento, execução

e financiamento da reforma urbana e passa a atuar em conjunto com os proprietários e demais

particulares interessados em efetivar o processo de (re)urbanização.

Trata-se do uso de um outro método urbanístico, conhecido como urbanismo

concertado.

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209

8 Urbanismo concertado e administração consensual

A expressão urbanismo concertado deve ser compreendida no contexto mais

amplo de administração concertada.

O conceito de administração concertada (ou administração consensual) foi

criado a partir de uma nova concepção do exercício da função executiva pelo Estado. De

acordo com a doutrina administrativista que se debruça sobre o tema, o processo que leva às

decisões da Administração abandonou a unilateralidade e passou a ser caracterizado pelo

consensualidade. O Poder Público não mais impõe a sua vontade à sociedade, mas começa a

decidir em conjunto com os seus diversos setores representativos. A imperatividade estatal dá

lugar à concertação de interesses públicos e privados.

No Brasil, as ações concertadas para fins de organização urbanística

começaram a ser implantadas nas décadas de 1980 e 1990, especialmente no Município de

São Paulo, por meio das leis que criaram as operações urbanas interligadas e as operações

urbanas. Ressalvadas as diferenças entre as operações, todas elas têm um fundamento em

comum: o uso de recursos privados para financiar melhorias urbanísticas. E mais: todas

fundamentam-se na possibilidade de alterar índices urbanísticos e características de uso e

ocupação do solo em favor dos proprietários, desde que estes arquem com uma contrapartida

(financeira ou não), utilizada pelo Poder Público para atingir metas legais. Reside aí o aspecto

central da parceria entre o público e o privado: o pagamento de uma contrapartida em troca da

alteração dos padrões urbanísticos definidos na legislação de uso e ocupação do solo urbano

vigente à época, concedendo aos proprietários a possibilidade de construir acima dos limites

fixados e atribuir usos até então vedados aos seus imóveis.

Mais recentemente, foram editadas no Município de São Paulo a Lei Municipal

nº14.917/09, que dispôs sobre a concessão urbanística, e a Lei Municipal nº14.918/09, que

autorizou o Poder Executivo a aplicar a concessão urbanística em uma área da cidade

denominada Nova Luz. Criou-se um instrumento de intervenção urbanística similar à

concessão de serviço público ou à concessão de serviço público precedida de obra pública

(Lei nº8.987/95): o concessionário realiza as obras de urbanização ou de reurbanização de

determinada área da cidade com recursos próprios e obtém sua remuneração com a exploração

dos terrenos e edificações destinados a usos privados que resultarem daquela obra. Assim

como na concessão comum, a Administração delega o exercício de função pública – no caso a

função urbanística – ao particular (apenas o seu exercício, a titularidade da função continua

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com o Poder Público), que melhora o espaço urbano com recursos próprios, por sua conta e

risco. Vê-se, portanto, que o principal fundamento da administração concertada ou, mais

especificamente, do urbanismo concertado está presente: a escassez de recursos públicos é

suprida por meio da delegação do exercício da função pública ao particular.

Indica-se a operação urbana consorciada como mais um instrumento jurídico

do urbanismo concertado previsto no ordenamento pátrio. A normatização geral do instituto

consta da Lei nº10.257/2001 (arts. 32 a 34), e alguns grandes municípios brasileiros já

editaram leis que viabilizam o uso do instrumento em seus territórios.

A concertação público-privada vem sendo utilizada frequentemente para

organizar o espaço urbano. A parceria pode assumir formas diversas, a depender do

delineamento legal de cada instrumento, mas o alicerce normativo é sempre o mesmo: os

princípios jurídicos da justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística e

da recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização dos

imóveis urbanos.

9 Concertação público-privada e protagonismo estatal

As vantagens do urbanismo concertado convivem com o perigo que o uso

indevido dos seus instrumentos jurídicos típicos pode representar para o meio ambiente

urbano, especialmente no que se refere ao aumento excessivo dos coeficientes de

aproveitamento dos imóveis. Principalmente nas grandes cidades brasileiras, o descontrole

sobre as alterações dos índices urbanísticos acaba promovendo a verticalização excessiva das

zonas urbanas, e a infraestrutura existente pode não ser suficiente para suportar o aumento da

demanda por serviços públicos gerado pelo incremento da densidade populacional na área, o

que contraria as diretrizes indicadas no art.2º, VI, a a h da Lei nº10.257/2001.

Com efeito, a participação da iniciativa privada no processo de urbanização é

interessante por muitas razões: o Estado não tem recursos suficientes para arcar sozinho com

os altos custos do ordenamento urbanístico; as melhorias urbanísticas implantadas

exclusivamente com recursos do erário acabam valorizando extraordinariamente os imóveis

situados na área da operação, em detrimento dos que não estão no mesmo perímetro urbano;

os órgãos técnicos da Administração devem decidir sobre o espaço urbano em conjunto com a

sociedade, em consonância com o princípio da gestão democrática das cidades.

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211

Todavia, a consensualidade no exercício da função urbanística deve

corresponder à participação de todos os setores da sociedade no processo de decisão em

matéria urbanística, sob a direção do Poder Público. É preciso evitar que esse processo

decisório seja dominado por setores econômicos específicos, interessados única e

exclusivamente no aumento do coeficiente de aproveitamento dos terrenos abrangidos pela

operação consorciada, sem preocupações com o meio ambiente urbano e com o aumento

excessivo da demanda por equipamentos públicos.

O sucesso de qualquer operação consorciada depende da adesão da iniciativa

privada – mais especificamente do mercado imobiliário – e do aporte de recursos privados.

Para tanto, o plano da operação deve ser realizado de forma a convencer o setor privado da

possibilidade de lucrar a partir dos investimentos realizados. O particular somente firmará

qualquer tipo de parceria com a Administração se vislumbrar a possibilidade de auferir lucro

em função dos montantes investidos.

Contudo, é preciso que os interesses desses agentes privados sejam

compatibilizados com o interesse público, de maneira que a ordenação do espaço urbano

privilegie o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, previsto como norma

principiológica pelo texto constitucional (art.182). De outra parte, o Poder Público também

não deve promover qualquer tipo de operação urbana com um intuito meramente

arrecadatório, isto é, com o objetivo exclusivo de auferir recursos em razão da “venda” de

potencial construtivo aos proprietários privados.

Assim, é imprescindível a participação de todos os interessados – proprietários,

empreendedores, construtoras, incorporadoras, usuários, moradores e todos os que habitam a

urbe – no processo de planejamento e execução da ação consorciada, a fim de que todos sejam

representados e não somente os grupos econômicos mais diretamente interessados na

operação. Nesse sentido, o Estatuto da Cidade (art.33, VII) impõe seja prevista na lei

específica que cria a operação “uma forma de controle da operação, obrigatoriamente

compartilhado com representação da sociedade civil”.

Ademais, a participação dos administrados – destinatários das decisões da

Administração Pública – é uma das premissas da administração consensual ou concertada.

Mas a participação popular não afasta a importância do protagonismo estatal

nesse tipo de atividade. Isso significa que o controle da operação deve ser exercido pelo Poder

Público. A organização do espaço urbano é função pública – dever poder da Administração

Pública – e sua titularidade, portanto, é indelegável. O Estado pode – e muitas vezes é

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aconselhável que o faça – delegar a execução da função urbanística ao particular, ou firmar

parcerias com o setor privado para obter financiamento de uma determinada operação urbana.

Porém, como garantidor da prevalência do interesse público sobre o privado, deve o Poder

Público – por meio de seus órgãos técnicos especializados ou de entidades da administração

indireta criadas para esse fim – ser o condutor principal da ação consorciada, assim como de

qualquer outra intervenção no espaço urbano. Em outras palavras, não é possível substituir o

Estado pela iniciativa privada no papel de orientador da atividade urbanística. A afirmação vai

ao encontro da Constituição Federal, que determina que a política de desenvolvimento deva

ser executada pelo Poder Público municipal (art.182).

Portanto, as ações em matéria urbanística devem ser coordenadas pelo Poder

Público, ainda que contem com a participação da iniciativa privada. Para tanto, imprescindível

a atuação dos órgãos técnicos especializados da Administração como orientadores do

processo decisório que define os rumos da operação.

Afirma-se, portanto, que a dialética entre tecnocracia e democracia contribui

para as deliberações na temática urbanística, mas não se pode afastar a conclusão no sentido

de que a direção do processo cabe, invariavelmente, ao Estado. Há vários dispositivos

constitucionais e legais cuja leitura nos faz chegar a tal arremate. Dentre outros, o art.30, VIII,

da Constituição Federal, que atribui ao Município a competência para promover o

ordenamento territorial; o art.182, caput, da Carta, que determina que a política de

desenvolvimento urbano deva ser executada pelo Poder Público; e o art.32, §1º, da Lei

nº10.257/2001, que impõe seja a coordenação da operação consorciada exercida pelo Poder

Público municipal.

A Constituição Federal e o Estatuto da Cidade atribuem ao Estado a

responsabilidade pela condução do processo de ordenamento do espaço urbano, no intuito de

garantir a supremacia do interesse público sobre o particular, não obstante seja possível

realizar esse processo por meio de concertação com a iniciativa privada.

10 Operação urbana consorciada como instrumento jurídico do urbanismo concertado

A operação urbana consorciada foi instituída como instrumento de política

urbana pela Lei nº10.257/2001 (art.4º, V, p), que dedicou uma seção à regulamentação do

instituto, definindo-o em linhas gerais nos seus arts.32 a 34.

Trata-se de um instrumento jurídico do urbanismo concertado destinado à

revitalização urbanística de áreas degradadas da cidade ou ao incremento da infraestrutura

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213

viária, habitacional, de transporte, de saneamento básico de uma dada região do Município.

Nesse sentido, pode ser considerado, também, um mecanismo típico do urbanismo

operacional.

11 Princípios jurídicos que fundamentam a aplicação das operações urbanas

consorciadas

A operação urbana consorciada, tal como configurada na Lei nº10.257/2001,

fundamenta-se, especialmente, nas seguintes diretrizes: a) cooperação entre os governos, a

iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em

atendimento ao interesse social (Lei Federal nº10.257/2001, art.2º, III); b) justa distribuição

dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (art.2º, IX); e c) recuperação

dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos

(art.2º, XI).

Tendo em conta a força normativa dos princípios jurídicos na atual concepção

positivista do direito, é ilegítimo aplicar a operação urbana consorciada sem o respeito às

normas citadas no parágrafo anterior.

A primeira das diretrizes elencadas indica a vontade do legislador de promover

a participação do setor privado na atividade de (re)organização do espaço urbano, a

possibilitar que a carência de recursos públicos seja suprida por meio do uso de recursos

privados, que ingressam nos cofres estatais a partir de parcerias com proprietários e

investidores. Essa concertação compreende a participação da iniciativa privada não somente

no financiamento das operações urbanas, mas também na elaboração do respectivo plano

urbanístico, por meio da aplicação dos instrumentos de gestão democrática das cidades

indicados no art.43 do Estatuto da Cidade.

A segunda diretriz, amplamente abordada neste estudo, é a da justa

distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, que decorre do

princípio da isonomia, garantido constitucionalmente (art.5º).

Afinal, a operação urbana consorciada – assim como todos os instrumentos

jurídicos do urbanismo concertado – tem como objetivo evitar que os incrementos estruturais

de uma dada área da cidade, promovidos por meio da aplicação de recursos do erário

(portanto, de todos), beneficiem extraordinariamente os proprietários dos imóveis ali situados,

tendo em vista a valorização desproporcional desses bens em relação aos imóveis situados em

regiões da urbe não beneficiadas pela operação.

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214

Na operação urbana consorciada, os proprietários da área objeto da

intervenção, assim como os investidores privados em geral, destinam recursos ao Poder

Público por meio de prestações definidas na Lei nº10.257/2001 como contrapartidas (art.32,

§2º, e art.33, VI), com o intuito de usufruir dos benefícios criados pela legislação que institui

a ação concertada. Estes benefícios podem ser, dentre outros, a modificação dos índices e as

características de parcelamento, uso e ocupação do solo, a alteração das normas edilícias e a

regularização das construções em desacordo com a legislação vigente.

Dessa forma, a Administração cumpre sua função de (re)organizar o espaço

urbano sem dispender recursos do erário, a evitar que os bônus da obra pública de

(re)urbanização beneficiem extraordinariamente os imóveis situados na área da ação

urbanística. Com isso, busca-se distribuir de maneira isonômica a mais-valia imobiliária

decorrente de obras e de serviços públicos.

A última das diretrizes indicadas é a da “recuperação dos investimentos do

Poder Público de que resulta a valorização de imóveis urbanos”. A norma determina que

recursos públicos eventual e extraordinariamente utilizados para realizar o plano da operação

consorciada retornem aos cofres públicos. Prescreve-se o resgate da mais-valia dos imóveis

situados no perímetro da ação urbanística. É o mesmo princípio que fundamenta a cobrança

da contribuição de melhoria, que também é prevista como um instrumento de política urbana

pela Lei Federal nº10.257/2001 (art.4º, IV, b).

12 Necessidade de edição de lei municipal específica

A art.32 do Estatuto da Cidade exige que a operação urbana consorciada seja

instituída por uma lei municipal específica, baseada no plano diretor. O preceito segue as

prescrições da Lei nº10.257/2001 que exigem lei municipal específica para aplicar

instrumentos de política urbana previstos na norma geral.

A exigência de lei municipal específica decorre diretamente do princípio da

legalidade (art.5º, II, da Constituição Federal), aplicável à função administrativa (art.37 da

Constituição Federal).

Afinal, a lei que cria a operação consorciada prevê coeficientes de

aproveitamento, índices de ocupação e tamanhos máximos e mínimos de lote diferenciados,

específicos para o seu perímetro de abrangência. Esses novos índices urbanísticos equivalem a

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diferentes limitações ao direito de construir dos proprietários de imóveis urbanos situados no

perímetro da operação. Portanto, somente podem ser fixados por meio de lei.

Outrossim, é a lei específica que deve dispor acerca das contrapartidas devidas

pelos proprietários e investidores privados interessados em participar da ação concertada e

apresentar um parâmetro seguro de equivalência entre a prestação oferecida pelo particular e o

benefício a ser concedido. A ausência de parâmetros legais específicos pode levar a

tratamentos não-isonômicos, já que a decisão acerca da concessão do benefício resultará,

nesse caso, de exercício de competência amplamente discricionária da Administração.

13 Previsão da operação urbana consorciada no plano diretor municipal

O princípio da reserva de plano, consagrado na Constituição Federal (art.182),

promove o plano diretor à categoria de principal instrumento da política de desenvolvimento e

de expansão urbana.

A finalidade da norma constitucional é, justamente, evitar que leis municipais

esparsas regulamentem – cada qual a seu modo – a forma de organização urbanística das

cidades, em prejuízo ao planejamento urbano local, que deve ser único para todo o território.

Assim, da lei que institui o plano diretor municipal devem constar a

possibilidade de uso do instrumento da operação urbana consorciada e as medidas previstas

durante a sua aplicação (Estatuto da Cidade, art.32, §2º, I, II e III), que são exceções aos

limites impostos pelos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor para todo o território

urbano.

A lei que institui o plano diretor também deve apontar as áreas da cidade nas

quais as operações urbanas consorciadas poderão ser aplicadas. Essa previsão evita que o

instrumento seja utilizado de maneira casuística e oportunista, em desconformidade ao

planejamento urbanístico, cujas diretrizes constam no plano diretor local.

Por sua vez, a lei municipal específica que cria a operação urbana consorciada

deve definir – aí sim detalhadamente – o perímetro de cada intervenção, caso o plano diretor

não o tenha feito. Essa é a melhor exegese do texto do Estatuto da Cidade (art.32), segundo o

qual “lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação

de operações consorciadas”.

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216

14 Natureza jurídica da operação urbana consorciada

A operação urbana consorciada equipara-se a um processo administrativo em

sentido amplo, constituído por atos administrativos, contratos administrativos e

procedimentos administrativos interligados e voltados ao alcance das “transformações

urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental” na área objeto da ação

urbana (Lei nº10.257/2001, art.32, §1º). Ocorre que, nesse caso, a função pública é exercida

em conjunto com a iniciativa privada, que financia a operação mediante o pagamento de

contrapartidas, participa da elaboração do plano urbanístico e fiscaliza sua execução.

Não obstante a participação do setor privado, os objetivos da operação devem

sempre satisfazer o interesse público, consubstanciado no pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade (art.182 da Constituição Federal). Trata-se, em função disso, de um

instrumento submetido ao regime jurídico-administrativo e obrigatoriamente coordenado pelo

Poder Público.

15 Finalidades da operação urbana consorciada

O Estatuto da Cidade (art.32, §1º) indica como objetivos da operação urbana

consorciada: a) o alcance de transformações urbanísticas estruturais; b) a conquista de

melhorias sociais; e c) a valorização ambiental.

As três finalidades devem ser perseguidas simultaneamente. Há de se buscar

transformações urbanísticas estruturais na área objeto da intervenção, mas sempre

considerando a necessidade de serem alcançadas, na mesma região, melhorias sociais e

valorização ambiental.

Existem outros instrumentos jurídicos destinados ao alcance de cada uma

dessas finalidades individualmente. A operação urbana consorciada – que pressupõe a

alteração dos índices de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias

municipais – deve perseguir os três objetivos indicados.

Por sua vez, cabe à lei municipal indicar os objetivos específicos de cada

operação, de acordo com as peculiaridades e necessidades do Município e da área abrangida.

Essas metas devem estar em consonância com a norma geral do Estatuto da Cidade (art.32,

§1º).

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217

As finalidades específicas de cada operação devem estar detalhadas no plano

da intervenção (Lei nº10.257/2001, art.33, IV), a possibilitar o seu controle pelos órgãos

competentes e pela população em geral.

16 Benefícios urbanísticos destinados a induzir o parceiro privado a participar da

operação urbana consorciada

O Estatuto da Cidade (art.32, §2º, I, II e III) elenca, de forma não exaustiva,

algumas das medidas destinadas a induzir o parceiro privado a participar da operação urbana

consorciada. Essas medidas devem ser detalhadas na lei municipal que cria a operação.

A primeira delas é a modificação dos índices e características de parcelamento,

uso e ocupação do solo e subsolo da área objeto da operação. A lei específica pode prever o

direito de construir de acordo com os novos parâmetros urbanísticos, desde que os

interessados arquem com determinadas contrapartidas, financeiras ou não. Para o proprietário

de imóvel urbano situado na área da operação consorciada – e para os investidores em geral –

pode ser interessante construir acima dos parâmetros urbanísticos ordinários. Daí o

pagamento de contrapartida ao Poder Público, a concretizar acordo de vontades do qual

resultam os recursos necessários ao cumprimento das metas da operação urbana.

Ainda de acordo com o Estatuto da Cidade, a lei que cria a operação

consorciada pode admitir a instalação de usos proibidos pelo zoneamento aplicável à área,

mediante o pagamento de contrapartidas. Pode ser prevista, também, a possibilidade de

alteração das normas edilícias e de regularização das construções executadas em desacordo

com a legislação vigente.

Além disso, a Lei nº10.257/2001 prevê a concessão de incentivos a operações

urbanas que utilizem tecnologias visando reduzir impactos ambientais (art.32, §2º, III). O

dispositivo, acrescentado pela Lei Federal nº12.836/2013, permite conceder benefícios

urbanísticos em troca de medidas que reduzam os impactos negativos das edificações no meio

ambiente urbano.

Todas essas são medidas voltadas a estimular proprietários e investidores

privados a participar da ação consorciada com a Administração Pública e demonstram o

caráter flexibilizador do urbanismo de concertação.

Sem embargo, faz-se um alerta sobre a necessidade de previsão legal específica

e detalhada a respeito dos benefícios que podem ser concedidos e das contrapartidas devidas

pelos interessados. Trata-se do respeito ao princípio da legalidade, que deve orientar toda a

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218

atividade da Administração Pública, conforme a Constituição Federal (art.37). A lei que

institui a operação deve oferecer parâmetros claros e seguros a respeito da relação

benefício/contrapartida. O interessado em participar da operação consorciada precisa saber

exatamente a quantidade de adicional construtivo, por exemplo, que poderá ser obtido a partir

da prestação de uma determinada contrapartida.

A ausência de parâmetros legais concretos contraria o princípio da reserva de

plano, que decorre do princípio da legalidade. Os índices urbanísticos previstos no plano

diretor só podem ser alterados se a lei específica que cria a operação consorciada indicar as

contrapartidas a serem prestadas em função de cada benefício concedido.

Ainda, a falta de previsão exata quanto às espécies e os valores das

contrapartidas pode significar um tratamento desigual a investidores e proprietários em

idêntica situação, o que tornaria ilegítima a aplicação do instrumento de concertação

urbanística, por ofensa ao princípio constitucional da isonomia.

17 Definição da área a ser atingida

A definição da área objeto da operação urbana consorciada é exigência

inafastável para a sua implantação (Lei nº10.257/2001, art.33, I), visto que a natureza do

instrumento assim o exige. Afinal, o perímetro urbano no qual será aplicado o instrumento

constitui uma região da cidade sujeita às novas regras impostas pela lei que cria a operação e

não à legislação de uso de ocupação do solo, que continua válida para o restante do território

municipal. Trata-se de um “recorte” no mapa urbano, do qual resultará um território objeto de

regras diferenciadas de ocupação.

Cuida-se de exceção às regras ordinárias de ocupação do solo e, por esse

motivo, deve ser exata a definição da área em que será implantada a ação consorciada.

Caso o plano diretor municipal não tenha delimitado precisamente os limites da

operação, deverá a lei específica fazê-lo, desde que garantida a participação popular no seu

processo de elaboração, sob pena de ofensa ao princípio da gestão democrática das cidades

(Lei nº10.257/2001, art.2º, II e XIII e arts.43 a 45). Visto que a lei específica cria exceções às

regras impostas pelo plano diretor municipal – ainda que apenas para a área sujeita à

intervenção – sua elaboração pressupõe realizar audiências e consultas públicas, inclusive a

respeito da delimitação do perímetro de abrangência da operação.

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219

A definição da área deve condizer com as diretrizes do plano diretor municipal

(art.32 do Estatuto da Cidade) e resultar de amplo estudo a respeito da necessidade e das

finalidades da implantação do instrumento.

18 Programa básico de ocupação da área

Outro elemento obrigatório do plano da operação urbana consorciada é o

“programa básico de ocupação da área” (Lei nº10.257/2001, art.33, II). Nele devem constar o

projeto urbanístico a ser desenvolvido na área da cidade objeto da intervenção e a indicação

das obras e intervenções por meio das quais será realizado o projeto.

Outrossim, o programa de ocupação deve fixar os novos índices urbanísticos

válidos para a área sujeita à operação urbana.

O sucesso da operação urbana consorciada e a adesão dos interessados

dependem de um programa básico de ocupação da área elaborado detalhadamente, pois é a

partir dele que os proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados

decidirão participar da ação consorciada com o Poder Público, garantindo os recursos

necessários à consecução dos objetivos da intervenção.

19 Estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) e estudo de impacto ambiental (EIA)

A exigência da elaboração do EIV para realizar a operação urbana consorciada

(Estatuto da Cidade, art.33, V) justifica-se pelo fato de a intervenção urbanística causar

transformações significativas no tecido urbano, tanto no próprio perímetro da operação quanto

nas áreas limítrofes.

Em razão disso, é necessário verificar se da ação concertada decorrerão efeitos

negativos para o meio ambiente urbano, como o excessivo adensamento populacional, o

agravamento dos problemas relativos ao tráfego de veículos, o aumento desproporcional da

demanda por transporte público, a diminuição de áreas verdes e dedicadas ao lazer ou a

destruição do patrimônio histórico e cultural urbano.

Caso exista a possibilidade de ocorrência desses danos, medidas devem ser

previstas no plano para evitá-los ou compensá-los, sob pena da impossibilidade de se iniciar a

ação consorciada.

Por outro lado, a omissão da Lei nº10.257/2001 no que se refere à necessidade

de elaboração de estudo de impacto ambiental para implantar a operação urbana consorciada é

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injustificável. O EIA deve ser exigido em toda e qualquer hipótese de aplicação desse

instrumento, em vista dos evidentes impactos ambientais provenientes de intervenções

urbanísticas desse porte.

Nesse sentido, o Estatuto da Cidade prevê que as modificações dos índices

urbanísticos e das normas edilícias devem considerar o impacto ambiental delas decorrentes

(art.32, §2º, I).

Portanto, em virtude das alterações urbanísticas estruturais provocadas pela

operação consorciada, é imprescindível a elaboração tanto do EIV quanto do EIA, nos termos

da legislação aplicável a cada um desses institutos.

20 Contrapartida exigível dos proprietários, usuários permanentes e investidores

privados em função do uso dos benefícios urbanísticos previstos na lei que cria a

operação consorciada

Os proprietários e investidores privados interessados em utilizar os benefícios

urbanísticos previstos na lei que institui a operação devem arcar com determinadas

contrapartidas. É exatamente aí que reside o aspecto contratual do instituto. Elas servem para

financiar a reurbanização da área objeto da operação e possibilitam, ao mesmo tempo,

capturar a valorização imobiliária pela Administração, em homenagem aos princípios da

“justa distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização” (Estatuto da

Cidade art.2º, IX) e da “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha

resultado a valorização de imóveis urbanos” (art.2º, XI).

A forma de cálculo das contrapartidas deve estar indicada na lei específica que

cria a operação. O montante a ser pago não pode ser considerado individualmente, sob pena

de atentado ao princípio da isonomia, dado que diferentes interessados no mesmo benefício

não podem estar sujeitos ao pagamento de contrapartidas diversas ou desproporcionais.

Por essas razões, os municípios que instituíram operações urbanas consorciadas

em seus territórios têm optado pelos certificados de potencial adicional de construção

(CEPAC) como um meio de pagamento pelo uso dos benefícios urbanísticos (Lei

nº10.257/2001, art.34).

Os CEPAC são valores mobiliários emitidos pelo Município, livremente

negociáveis e conversíveis em direito de construir exclusivamente na área objeto da operação

(Lei nº10.257/2001, art.34, §1º).

A lei municipal que cria a operação consorciada pode prever a emissão desses

certificados, utilizados como pagamento pela “área da construção que supere os padrões

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221

estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo”, até o limite fixado pela lei

específica (Estatuto da Cidade, art.34, §2º). E, a partir de uma tabela de equivalência incluída

nessa lei, é possível conhecer precisamente a quantidade de CEPAC necessária para obter

determinado benefício urbanístico. Assim, a contrapartida é definida com exatidão pela lei

local que institui a intervenção.

21 Controle da operação obrigatoriamente compartilhado com a sociedade civil

A lei específica que institui a operação consorciada, por criar parâmetros

urbanísticos diversos dos indicados pelo plano diretor, deve ser editada por processo

legislativo que assegure a participação popular, mediante instrumentos indicados no Estatuto

da Cidade (art.43). A participação deve ser efetiva, não apenas simbólica ou protocolar. A

Administração deve dar ampla publicidade às audiências e consultas públicas, com a

antecedência necessária à preparação dos que a elas comparecerem.

Aprovada a operação, sua gestão também deve ser submetida a controle

compartilhado. Devem integrá-la os órgãos responsáveis pela fiscalização sobre a ação

concertada e representantes tanto da Administração quanto da sociedade civil (Lei

nº10.257/2001, art.33, VII). Compete a eles acompanharem todo o andamento da operação:

planejamento, instituição, execução e o alcance dos objetivos.

O controle exercido pelo órgão colegiado misto não impede que os demais

órgãos de controle da Administração Pública fiscalizem a ação concertada. Posto tratar-se do

exercício de função administrativa, ainda que em regime de parceria com o setor privado, a

operação urbana estará sujeita à fiscalização do Ministério Público, do Poder Legislativo e do

Tribunal de Contas. Além disso, qualquer cidadão, via ação popular (Lei Federal nº4.717/65),

poderá pleitear judicialmente a anulação de atos irregulares praticados no decorrer da

operação, desde que lesivos ao patrimônio público.

22 Vedação ao emprego de recursos públicos na operação urbana consorciada

Esta a principal conclusão desta pesquisa: a operação urbana consorciada,

como instrumento do urbanismo concertado, deve ser implantada exclusivamente com

recursos privados. O uso de recursos públicos deve ser permitido apenas em situações

excepcionais.

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222

Para que os princípios jurídicos que fundamentam a implantação do

instrumento sejam respeitados, a ação concertada deve ser financiada exclusivamente com

recursos privados, obtidos por meio das contrapartidas prestadas em troca dos benefícios

urbanísticos previstos na lei municipal instituidora. Caso contrário, a valorização da área

objeto da operação (e dos imóveis particulares nela situados) será fruto da aplicação de

recursos públicos, justamente o que se pretende evitar com esse mecanismo de concertação

público-privada.

O planejamento da operação consorciada deve ser realizado de modo a

viabilizar o seu financiamento pela iniciativa privada. A Administração que pretender utilizar

o instrumento deve calcular os custos das desapropriações e das obras públicas necessárias à

conclusão do plano da intervenção urbana. Ao mesmo tempo, deve fixar o preço a ser pago

por proprietários e investidores privados em troca dos benefícios urbanísticos concedidos. O

montante arrecadado deve ser suficiente para arcar com as despesas da operação. Dessa

forma, ao adquirir os benefícios mediante contrapartida, o setor privado acabará financiando a

intervenção na área objeto da ação conjunta.

É a possibilidade de auferir recursos privados que justifica a alteração dos

parâmetros urbanísticos fixados pelo plano diretor para o perímetro da ação consorciada. A

Administração não precisaria modificar esses índices se pretendesse realizar as obras de

(re)urbanização da área apenas com recursos do erário.

Em razão disso, a aplicação de recursos públicos na operação urbana

consorciada contraria as normas principiológicas que fundamentam o instituto e somente pode

ser admitida em hipóteses excepcionais, nas quais a satisfação do interesse público assim o

exigir.

Tomou-se como exemplo a hipótese em que seja necessário alterar um contrato

de empreitada de obra pública de grande vulto em virtude de acontecimento imprevisível e

inevitável. Imagine-se que essa obra esteja incluída no programa de intervenções da operação

consorciada e que seu custo deva ser coberto pela arrecadação obtida com a alienação dos

CEPAC em leilão, mas que, em virtude da ocorrência de fato imprevisível, o gasto estimado

tenha aumentado para além do montante arrecadado. Em casos como esse, se inexistir a

possibilidade de emitir novos CEPAC – e consequente arrecadação de recursos privados –,

recursos do erário poderão ser destinados ao pagamento do contratado, sob pena de

desequilíbrio econômico da avença – o que desrespeitaria o disposto no art.37, XXI, da

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223

Constituição Federal, naquilo que toca à manutenção das condições efetivas de cumprimento

do contrato administrativo.

Mas são casos excepcionais. As obras e as desapropriações incluídas no

programa aprovado pela lei que cria a intervenção consorciada devem ser custeadas, a rigor,

com recursos da própria operação. Dessa forma, restará garantida a justa distribuição dos

bônus decorrentes da atividade urbanística, diretriz fundamental de política urbana (Lei

Federal nº10.257/2001, art.2º, IX).

Não obstante, as leis editadas pelos municípios brasileiros que instituem

operações urbanas consorciadas preveem a possibilidade de se utilizar tanto recursos privados

quanto públicos, sem qualquer diferenciação no que tange às hipóteses de aplicação de cada

um deles.

Na esteira do que defendemos até aqui, os diplomas municipais indicados

devem ser interpretados à luz das diretrizes de política urbana que fundamentam o instituto da

operação consorciada. Portanto, deve-se entender que recursos públicos serão utilizados

excepcional e motivadamente, e que a operação consorciada deverá ser financiada, a rigor,

apenas com recursos dos proprietários e investidores privados que participam da ação

concertada.

Reitere-se que o respeito aos princípios jurídicos elencados no art.2º do

Estatuto da Cidade é pressuposto de validade da lei que cria a operação consorciada. A Lei

Federal nº10.257/2001, como norma geral de direito urbanístico (Constituição Federal,

art.182), deve ser observada em sua integralidade pelo diploma municipal que institui a

intervenção. Todo o plano urbano deve obediência ao Estatuto. Não poderia ser diferente com

o plano da operação concertada, que excepciona as regras previstas no plano diretor, ainda

que somente para uma área específica da cidade.

Assim, é vedado efetivar uma operação consorciada sem obedecer aos

princípios da cooperação entre a Administração Pública e a iniciativa privada no processo de

urbanização (Lei nº10.257/2001, art.2º, III) da justa distribuição dos benefícios e ônus

decorrentes da ação urbanística (art.2º, IX) e da recuperação dos investimentos do Poder

Público de que tenha resultado a valorização dos imóveis urbanos (art.2º, XI). Estas diretrizes

somente são respeitadas nas hipóteses em que o plano da operação seja financiado com

recursos dos proprietários e investidores privados que participam da ação consorciada. Ainda

que a Administração possa arcar, inicialmente, com os valores das desapropriações e obras

públicas no âmbito da operação, os montantes devem ser recuperados pelo erário por meio das

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contrapartidas pagas pelo setor privado, sob pena de frustrar os objetivos desse tipo de ação

urbanística.

No que se refere à norma que determina seja o processo de urbanização fruto

da “cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade” (Lei

nº10.257/2001, art.2º, II) cabe ressaltar que o próprio dispositivo prescreve seja tal

concertação realizada “em atendimento ao interesse social”. Ora, é do interesse coletivo que

os bônus da atividade urbanística sejam isonomicamente distribuídos e, para tanto, deve ser

vedado o uso de recursos públicos na operação urbana consorciada.

23 Financiamento das operações urbanas consorciadas por meio da alienação de

CEPAC

Com o intuito de viabilizar o financiamento privado da ação urbanística, as leis

municipais que criam as operações consorciadas podem prever a emissão de uma quantidade

determinada de certificados de potencial adicional de construção (CEPAC), conforme

prescreve a Lei Federal nº10.257/2001 (art.34).

O CEPAC, objeto de estudo no capítulo 5 desta pesquisa, é um valor

mobiliário emitido pelo Município, ofertado em leilão (Lei nº10.257/2001, art.34) e

posteriormente negociado no mercado (art.34, §1º). O proprietário ou investidor privado

interessado em adquirir potencial adicional de construção ou de alteração de uso utiliza o

CEPAC como contrapartida pelo benefício concedido. Ou seja, paga pelo certificado para

depois cambiá-lo pelo direito de construir acima do coeficiente básico de aproveitamento, de

acordo com os parâmetros urbanísticos instituídos pela lei específica que cria a operação.

A venda por meio de leilão, garantidos os princípios jurídicos da isonomia e da

vantajosidade, somada à possibilidade de serem os CEPAC livremente negociáveis no

mercado de valores mobiliários – o que aumenta o interesse dos investidores na aquisição

desses certificados – contribui para uma arrecadação maior por parte do Município emissor.

Além disso, a utilização dos CEPAC permite antecipar recursos financeiros

necessários à execução do programa de intervenções definido na lei que cria a operação

urbana consorciada. Sem os certificados, esses valores somente ingressarão nos cofres

públicos na medida em que cada proprietário decidir aderir à operação, pagando a

contrapartida necessária à fruição do benefício previsto na lei específica.

Desse modo, a emissão dos CEPAC, e sua alienação em leilão, permite ao

Município receber antecipadamente os montantes correspondentes às contrapartidas e aplicá-

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225

los nas obras, desapropriações, programas de atendimento econômico e social para a

população de baixa renda afetada pela operação e demais medidas previstas no plano da ação

concertada.

Ressalte-se ainda que a Lei Federal nº10.257/2001 (art.34) também permite a

emissão de CEPAC para uso direto no pagamento das obras necessárias à operação. Assim, as

empresas contratadas para realizar as obras poderão ser remuneradas por meio desses

certificados, em operação denominada colocação privada, regulada pela Instrução CVM

nº401/2003 (art.17, §1º). Com essa medida, a Administração deixa de empregar recursos

públicos na operação, já que paga pelas obras com valores mobiliários, que posteriormente

poderão ser cambiados pelo direito de construir acima dos parâmetros urbanísticos definidos

pela lei de zoneamento.

Vê-se, portanto, que a emissão dos CEPAC (Lei Federal nº10.257/2001, art.34)

contribui para evitar que recursos do erário sejam investidos na operação consorciada, em

respeito ao princípio da justa distribuição dos bônus decorrentes do processo de urbanização.

24 Operação urbana consorciada e diretrizes da política urbana

A implantação da operação urbana consorciada, posto tratar-se de instrumento

de política urbana, deve obediência a todas as diretrizes elencadas na Lei Federal

nº10.257/2001 (art.2º). É o respeito a esses princípios jurídicos que garante a validade da lei

específica que cria a operação. O Estatuto da Cidade, como norma geral de direito urbanístico,

deve ser observado em sua integralidade pelo diploma municipal que institui a ação

concertada.

Nesse sentido, não há como implantar uma ação urbana concertada sem se

preocupar em evitar o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou inadequado

dos imóveis em relação à infraestrutura urbana (Lei nº10.257/2001, art. 2º, VI, c). Deve-se

impedir, também, a instalação de empreendimentos imobiliários que possam funcionar como

polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura urbana correspondente (art.2º, VI,

d). Ou seja, é necessário apurar, com o maior rigor e precisão, se a infraestrutura urbana da

área da operação suportará o aumento da densidade construtiva decorrente da alteração dos

índices urbanísticos. A mudança descontrolada desses índices pode gerar sérios danos ao meio

ambiente urbano. Nessa direção, necessário o acompanhamento da operação pela população

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interessada e órgãos de controle, tanto durante o seu planejamento quanto no momento da sua

execução.

Da mesma forma, é vedado efetivar uma operação consorciada sem obedecer

aos princípios da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

urbanização (Lei nº10.257/2001, art.2º, IX) e da recuperação dos investimentos do Poder

Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.2º, XI, do mesmo

diploma). Afinal, o uso do instrumento é fundamentado na possibilidade de (re)urbanizar

determinada área da cidade por meio de recursos privados, a impedir que a valorização

extraordinária dos imóveis localizados no perímetro da operação seja decorrência exclusiva da

aplicação de recursos orçamentários. Daí a vedação ao emprego de recursos públicos para

atingir as finalidades da operação urbana consorciada.

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