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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIENCIAS SOCIAIS Tania Maia LUXO E CONSUMO : PANELAS STAUB E AS METÁFORAS DE TRANSFORMAÇÃO. Doutorado em Ciências Sociais São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIENCIAS SOCIAIS

Tania Maia

LUXO E CONSUMO :

PANELAS STAUB E AS METÁFORAS DE TRANSFORMAÇÃO.

Doutorado em Ciências Sociais

São Paulo

2014

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TANIA MAIA

LUXO E CONSUMO:

PANELAS STAUB E AS METÁFORAS DE TRANSFORMAÇÃO.

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Simões Borelli

São Paulo

2014

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Banca Examinadora

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Agradecimentos

Agradeço a todos que colaboraram direta e indiretamente para a realização deste

trabalho, em especial a algumas pessoas que foram fundamentais para sua concretização.

À minha orientadora Profa. Dra. Silvia H.S. Borelli, primeiro por ter me aceitado entre

seu grupo de orientandos e também por todo o apoio teórico e prático no processo de

realização desta tese.

Aos professores da banca de qualificação, Profa. Dra. Rose de Melo Rocha e Prof. Dr.

Francisco Antonio Serralvo, pelas sugestões preciosas que deram para a construção deste

trabalho. Certamente a estrutura desta tese ficou bem mais sólida e possível de ser concluída

após suas contribuições.

À Professora Dra Maria Celeste Mira, pelos ensinamentos adquiridos nas disciplinas

“ Tópicos de Cultura Contemporânea ” e “Modernidade, Entretenimento, Espetáculo”, que tão

importantes foram para o embasamento teórico sobre o Consumo.

Ao Prof. Dr. Antonio Vico Mañas, meu orientador de Mestrado em Administração,

por ter me incentivado a cursar Ciências Sociais para ampliar meus horizontes.

À PUC-SP, pela bolsa, que me permitiu cursar o Doutorado sem pagar mensalidades .

À minha querida família, meus agradecimentos eternos pelo suporte e carinho, não me

deixando desistir quando me deparava com momentos mais tortuosos.

Durante os quatro anos e meio em que estive envolvida com o doutorado, tive um

apoio constante de uma pessoa muito especial que, infelizmente, não está mais conosco: Vera

Maia. Querida tia, muitas saudades e a certeza de que, de onde estiver, está torcendo por mim.

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Resumo Esta tese de doutorado articula o consumo às dimensões do luxo mediado pelas

panelas francesas Staub e suas relações com produtores, intermediários e usuários.

Problematiza as significações e negociações de sentidos que a escolha dessas panelas projeta

e os tipos de narrativas que são geradas e apropriadas por seus agentes, aqui representados,

entre outros, pelos fabricantes, por um dos pontos de comercialização, pelos chefs de cuisine

e por seus consumidores, usuários das panelas.

O núcleo teórico conceitual desta investigação privilegia, entre outros: a análise da

produção e das apropriações das panelas Staub sob a ótica de algumas das categorias de Pierre

Bourdieu (distinção, luxo, estilos de vida, habitus, capital cultural e gosto); leitura das panelas

como mercadorias portadoras de vida social, de Arjun Appadurai; e Michel de Certeau, com

destaque para as apropriações e formas de uso.

Como proposta metodológica assume-se uma perspectiva não excludente que

pressupõe a complexa inter-relação entre produção, produto e consumo/formas de apropriação

e o princípio da articulação conflituosa entre produtores, objetos e usuários. O protocolo

metodológico e a pesquisa de campo foram constituídos por: levantamento e análise

bibliográficos relacionados à base teórica que informa a reflexão sobre produção, consumo e

formas de apropriação; por levantamento de documentação impressa e digital referente ao

objeto de estudo; pela observação participante em alguns locais de comercialização das

panelas Staub; e pela realização de entrevistas em profundidade com os agentes desse cenário,

produtores e usuários.

Palavras-chave: consumo; distinção; luxo; produção e apropriações;panelas Staub.

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Abstract

This doctoral dissertation attempts to relate consumption to the dimension of luxury

played by the french Staub cookware and its relationship with manufacturers, dealers and

users. This investigation questions the meanings that the choice for those pans projects, and

the types of discourses that are produced and embraced by their players, herein represented by

the manufacturers, the dealers and the end users. These are, therefore, the manufacturers of

the cookware, one of the store that sells the products, chefs de cuisine and consumers.

The theoretical and concept foundation of this investigation focuses on the analysis of

the ownership of Staub French cookware from the standpoint of Pierre Bourdieu’s distinction

concepts (luxury, lifestyle, habitus, cultural capital and taste); Arjun Appadurai with social

life of things; and appropriation and way of usage by Michel de Certeau.

As methodological proposal, the field research comprised the non excludent

perspective that includes the interrelationship complexity among production, products and

consumers/ appropriate ways and the principle of confliting relationship among producers,

objetcs and users. The methodological protocol and the field research were formed by : the

collection of digital and writing documentation referring to the study object, observations in

some stores selling Staub cookware; and by deep interviews with the players in this setting,

producers and users.

Key words: consumption; distinction; luxury; production and appropriation, Staub cookwares.

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Sumário

Table of Contents!

Introdução!.......................................................................................................................!10!

Capítulo!1!–!Consumo!:!articulações!entre!luxo!e!popular!................................................!20!1.1 Articulações teóricas sobre o consumo!..............................................................................!20!1.2 Luxo e popular!..................................................................................................................!35!1.3 Cozinhar e comer com distinção!........................................................................................!48!1.4 Ilhas da felicidade : desejos e prazeres!..............................................................................!57!

Capítulo!2!B!Panelas!Staub!................................................................................................!64!2.1. Gastronomia no Brasil!......................................................................................................!65!2.2 Uma história de distinções!.................................................................................................!78!2.3 Paul Bocuse : garoto propaganda!......................................................................................!84!2.4 Chegada ao Brasil!..............................................................................................................!90!2.5 Loja Doural!.......................................................................................................................!93!

Capítulo!3!–!!Mapa!de!significação!e!metáforas!de!transformação!..................................!108!3.1 Expressão do luxo!............................................................................................................!108!3.2 Manutenção da tradição : habitus!...................................................................................!115!3.3 Gosto se discute : classe e estilo de vida!..........................................................................!122!3.4 Em busca do capital cultural!...........................................................................................!129!3.5 Objetos e vida social!........................................................................................................!135!

Considerações!finais!.......................................................................................................!142!

Referências!bibliográficas!...............................................................................................!148!

Referências!WEB!............................................................................................................!151!

Anexos!...........................................................................................................................!153!

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Sumário de Imagens

Imagem 1 : Panelas Staub 1 ..................................................................................................... 65!

Imagem 2 : Cocotte Staub 1 ..................................................................................................... 77!

Imagem 3 : Staub e os microporos 1 ........................................................................................ 82!

Imagem 4 : Chefs de cuisine 1 ................................................................................................. 88!

Imagem 5 : Panelas Staub 1 .................................................................................................... 89

Imagem 6 : Logotipo Doural 1 ................................................................................................. 93!

Imagem 7 : Fachada loja Doural 1 ........................................................................................... 95!

Imagem 8 : Mezanino da loja Doural 1 .................................................................................... 96!

Imagem 9 : Reportagem sobre a Doural 1 ................................................................................ 97!

Imagem 10 : Doural Gourmet no site 1 ................................................................................. 105!

Imagem 11 : Staub e os bichos 1 ............................................................................................ 106!

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Sumário de Gráficos

Gráfico 1 : Evolução dos consumidores 1 .............................................................................. 103!

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Introdução

Temas referentes à relação luxo e consumo têm recebido especial atenção do meio

acadêmico e do mercado corporativo no mundo todo. Estudar as razões e motivações que

levam o homem a escolher e consumir os mais variados produtos de luxo, quer sejam bens

tangíveis ou intangíveis, sempre foi interesse de diversos autores desde as ciências sociais

mais tradicionais até as mais contemporâneas. Sabe-se que não se compra um produto

somente pela sua função ou utilidade, mas por todo um conjunto de valores simbólicos e de

significados de diversas naturezas que lhe são associados no contexto social, cultural, político,

e não puramente econômico.

O luxo sempre foi considerado um diferenciador social na história da humanidade e,

com as mudanças tecnológicas mais intensificadas, o processo de consumo exclusivo tornou-

se mais complexo para manter suas características de diferenciação e sofisticação. Para

preservar sua característica original, o luxo necessita de constantes transformações e, por ser

um bem mutável, sempre terá que se reinventar e reinterpretar (Lipovetsky e Roux, 2005).

Essa necessidade constante de transformação para a manutenção da exclusividade,

diferenciação e sofisticação é ilustrada por Bourdieu, ao destacar como grifes do porte Chanel

e Dior, dentre outras, conseguem continuar sendo produzidas como objeto simbólico,

“marcado com o signo de raridade” (2002:152), sem a presença física de seu criador.

Reflexões de autores como Veblen (1965) e Bourdieu (1983, 2002, 2003, 2006)

apontam, ainda, que as práticas de consumo no segmento luxo são, antes de tudo,

especificidades do “gosto”, concebido como característica resultante da tensão entre espaços

de subjetivação e de objetivação: gosto individual, mas previamente articulado ao habitus e

inerente à classe social e às trajetórias sociais/culturais percorridas ao longo da vida e

constitutivas/constituintes desse particular estilo de vida. Bourdieu (2002) evidencia que o

luxo no campo da alta costura é uma referência para se encontrar os mecanismos do poder

simbólico e os conceitos de gosto e estilo de vida, a partir do campo de lutas entre os poderes

dos domínios das maisons tradicionais versus as mais recentes.

Desse modo, é possível acrescentar às características do luxo, o imaginário e o

glamour que determinados objetos despertam em seus usuários.

Esta tese de doutorado articula o consumo às dimensões do luxo mediado pelas

panelas francesas Staub e suas relações com produtores, intermediários e usuários.

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A escolha dessas panelas como objeto de estudo justifica-se por ser esse produto uma

marca de luxo entre as panelas de ferro. Desejadas como objetos de consumo, essas panelas

são consideradas bens de luxo na alta gastronomia, uma vez que apresentam características de

produtos únicos e diferenciados, que fogem à lógica do massivo, da culinária do dia a dia, e

encontram-se disponíveis em poucos circuitos de acesso à informação e comercialização.

A justificativa de proceder a tal investigação é entender como essa panela sinaliza as

transformações, não como objeto em si, mas pelas significações que sua escolha projeta e

pelos tipos de discursos que são gerados e apropriados por seus agentes, aqui representados

pelo produtor, pelo intermediário e pelo usuário final.

O produtor é o Grupo Zwilling, detentor da marca Staub, que, ao narrar o processo de

tradição e tecnologia, apresenta chefs de cuisine de renome internacional para dar aval a seus

produtos. O intermediário é a loja popular Doural que se transforma por fazer um comércio

diferenciado. Por fim, o usuário final é representado pelo o cidadão comum, que, através do

prazer de cozinhar, se apropria dessa possibilidade de distinção.

Com o início das importações, a partir da década de 1990, o mercado de gastronomia

tem vivido significativas mudanças no Brasil. A chegada de ingredientes franceses, comidas

consideradas exóticas e utensílios da alta gastronomia provocou uma virada no modo de

cozinhar e nas formas de inserção dos alimentos em momentos particulares da vida cotidiana

de algumas classes sociais. Atualmente o ato de comer, para alguns, é uma atividade que

confere distinção e aquele que utiliza esse tipo de panela pode adquirir certa distinção dentro

de seu grupo. Certeau (2009) sinaliza que o modo como se come e cozinha pode evidenciar

algumas situações sociais e culturais. Ao defender a ideia de que é possível cozinhar de um

modo diferenciado, o autor sugere que o cotidiano, a rotina, pode se transformar em grandes

momentos de diferenciação nas práticas socioculturais.

Desse modo, a panela oferece a seus usuários uma experiência “única” de cozinhar de

modo diferenciado para os familiares e amigos. Com isso, ela parece agregar distinção e luxo

ao ser compartilhada com os amigos e a família, e transformar este momento num evento

social, contrapondo-se à rotina com as panelas comuns do dia a dia.

Segundo Bourdieu (2003, 2006), as pessoas sempre buscaram uma diferenciação, e o

luxo é um tipo de diferenciação no contexto tanto econômico como cultural e social. Ao

transferir essas reflexões do autor para as panelas Staub, supõe-se que seus usuários utilizam-

na como tipo de ostentação, como forma de criar vínculos de distinção social. Dessa maneira,

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o luxo vai além da posse do produto; é uma maneira de demarcar fronteiras para distinguir as

relações sociais. As classes sociais, para Bourdieu, não se diferenciam pelo fator econômico,

mas pela maneira de consumir os produtos, transformando-os em símbolos. Assim, o padrão

de consumo não se restringe, necessariamente, ao objeto em si, mas ao que ele representa

(Bourdieu,2002, 2006).

O autor (2002,2003,2006) também considera gosto e estilos de vida conceitos

desenvolvidos para demarcar as diferenças entre classes sociais, um modo de analisar as

lógicas de consumo e observar como estas se constroem.

Há, cada vez mais, um maior número de profissionais com formação acadêmica

específica, adquirida no exterior e/ou nas escolas e cursos profissionalizantes, ou não, na área

de Gastronomia, que continuam a surgir no país. Constatam-se avanços no mercado editorial

com inúmeros lançamentos de títulos relacionados à Gastronomia, com opções para todos os

gostos. Aproveitando essa tendência, os canais de comunicação também ampliaram sua ação

com diversas revistas especializadas, inúmeros programas de TV, dicas em jornais e na

Internet. Atualmente encontra-se à disposição uma variedade enorme de eventos

gastronômicos - festivais, apresentações, exposições, congressos, feiras de negócios, debates,

confrarias, dentre tantos. Neste contexto, observa-se um consumidor mais exigente, com o

paladar mais apurado, e que vêm usufruindo com prazer a boa mesa. A culinária transformou-

se num assunto “chique”, politicamente correto, parte integrante do conceito de uma vida

mais saudável. Edifícios residenciais modernos incluem um espaço gourmet na planta,

oferecendo uma cozinha bonita e equipada conjugada a uma sala de jantar onde chefs

amadores costumam reunir os amigos e demonstrar seus talentos.

A Staub foi adquirida pelo grupo alemão Zwilling nos finais dos anos 1970, mas

manteve a empresa na França por ter toda a sua fábrica na região da Alsácia. O grupo iniciou

seus negócios no Brasil em 2008, com a loja conceito situada na Rua Oscar Freire, 578.

Antes, a loja Doural importava as panelas diretamente do grupo, na França, e chegou a

representá-lo no Brasil por um curto período de tempo. Segundo o porta voz do grupo

Zwilling no Brasil, 90% dos compradores das panelas Staub são consumidores finais, ou seja,

pessoas que compram pelo prazer de cozinhar para si, para a família e para os amigos. Em sua

maioria são homens e mulheres gourmands, das mais variadas profissões, que querem

entender a experiência da gastronomia.

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Conhecidas como únicas e diferenciadas, seus usuários consideram-nas como joias e

chegam até a falar que, por serem duradouras, passarão de geração a geração. São panelas de

ferro fundido e tornaram-se um sonho de consumo para os amantes da boa culinária. A

distribuição regular do calor por toda a panela é uma das suas características marcantes, o que

permite um cozimento mais uniforme. Segundo relatos de profissionais da área, para receitas

com longo tempo de cozimento, como moquecas e risotos, as panelas de ferro fazem a

diferença. Seu alto custo deve-se a um processo de fabricação complexo e um perfeito

acabamento com pintura esmaltada que não descasca mesmo quando levada a um alto grau de

temperatura. São mais de 100 tipos de modelos que estão à disposição dos consumidores, de

acordo com a finalidade de uso.

A presente tese teve como objetivo verificar, por meio de um mapa de significação,

como a escolha dessa panela sinaliza transformações através de narrativas geradas por seus

agentes. Ao construir este mapa, espera-se responder aos seguintes questionamentos: visto

que esse objeto de consumo gera narrativas e as pessoas se apropriam dessas narrativas para

algumas funções, quais são essas formas de apropriações? Uma vez que as pessoas buscam

produtos de luxo para se diferenciar, que tipo de distinção essa panela confere ao produtor, ao

intermediário e ao usuário? Que imaginários do luxo da distinção essa panela aciona nesses

agentes?

As linhas teórico-conceituais que embasam as análises desta tese correspondem,

sobretudo, aos conceitos de distinção de Bourdieu, em relação ao luxo, estilo de vida, capital

cultural, habitus e gosto; de Appadurai, no que se refere aos objetos como “vida social das

coisas”; de Michel de Certeau, com a abordagem da transformação no ato de se relacionar

com os alimentos, de cozinhar e de comer. Entre os demais autores que promovem um

diálogo sobre o tema, destacam-se: Landowsky, com as reflexões sobre o gosto; Lipovetsky,

no que se refere aos conceitos de luxo; Jurandir Freire Costa, Morin e Lipovetsky, com a

reflexão sobre o consumo vinculado ao prazer; Borelli, Melo Rocha e Oliveira, com a

orientação metodológica.

Para responder aos questionamentos suscitados, o protocolo metodológico, no que se

refere à pesquisa de campo adotada, foi constituído dos seguintes procedimentos: inicialmente

fez-se um levantamento de informações físicas e digitais em livros, artigos, teses e

dissertações sobre a fundamentação conceitual teórica; a seguir, para a construção do mapa de

significações, foi feito um levantamento de narrativas e depoimentos dos agentes, a partir de

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diversas fontes, como documentação digital em sites das lojas Doural, do Grupo Zwilling, de

escolas de gastronomias, em blogs de alimentos, artigos de jornais, revistas, entrevistas no

youtube e entrevistas em profundidade; para finalizar, foram realizadas observações

etnográficas junto ao produtor e ao intermediário, ou seja, na loja conceito da Rua Oscar

Freire e na Loja Doural, situada na região da Rua 25 de Março.

A entrevista em profundidade é oriunda da pesquisa qualitativa e caracteriza-se “pela

utilização de roteiros abertos e semiestruturados, com a presença de um único entrevistado”

(Bauer e Gaskell, 2002 apud Borelli; Melo Rocha; Oliveira, 2009:33). Essas entrevistas

seguiram um roteiro previamente elaborado que procurou obter informações básicas de cada

indivíduo sobre a trajetória culinária, conhecimento e uso das panelas, significados da palavra

gourmet e as imagens e sensações projetadas pelo uso das panelas. Cada uma dessas questões

foi feita com tempo para o entrevistado refletir “de forma a articular uma narrativa própria,

capaz de transformar o relato de uma experiência singular em um amplo leque de

configurações sociais” (Borelli; Melo Rocha; Oliveira, 2009:33). Segundo as autoras, “os

roteiros abertos e semiestruturados propiciam, ainda, a emergência de elementos

característicos de técnicas correlatas de coleta relacionadas à história de vida […], de forma a

captar sob a ótica dos sujeitos, as conexões dos sentidos que dão lugar às respostas” (Lopes;

Borelli; Resende 2000 apud Borelli; Melo Rocha; Oliveira, 2009:33). Como estratégia de

abordagem, é comum captar, nessas entrevistas, “o afloramento de dimensões afetivas e

valorativas, assim como os contextos pessoais que deram origem ao relato” (Ibidem:34). Cabe

ao entrevistador, o papel de orientar a narração em termos cronológicos e de ajudar a

memorização voluntária (Ibidem).

Embora relevantes, as entrevistas individuais para este trabalho são uma parte da

coleta dos depoimentos e das narrativas que vão formar o mapa de significações que as

panelas Staub aciona entre os agentes do contexto que as envolve. Ao todo, foram realizadas

dez entrevistas individuais, sendo uma com o produtor, uma com o intermediário e oito com

os usuários.

Quanto ao produtor, a entrevista foi realizada com seu representante na loja conceito

localizada na Rua Oscar Freire. O roteiro privilegiou questões como trajetória da marca,

história das panelas, processo de fabricação e de vendas, divulgação, atendimento e usuário.

A entrevista com o intermediário, que também foi realizada na própria loja, teve como

principais assuntos do roteiro sua trajetória de vida, passagem da gestão da loja, a entrada de

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produtos mais sofisticados, a estratégia montada, importância da internet, objetivos,

resultados, atendimento e clientes. A proposta era entender sua trajetória e como se deu essa

apropriação de distinção com a comercialização das panelas Staub. Neste caso, ao analisar

seus depoimentos, a autora resolveu recorrer ao livro Conde Matarazzo, o empresário e a

empresa, de J.S. Martins, para entender esse movimento familiar empreendedor e, assim,

complementar sua análise com as reflexões de Bourdieu sobre habitus e capital cultural. É

importante lembrar que esse livro não está nas reflexões teóricas do capítulo 1, uma vez que a

proposta foi apenas analisar especificamente esse processo empreendedor.

O roteiro dos usuários abrangeu informações de histórico culinário, prazer pela

cozinha, conhecimento das panelas, forma de utilização, imagens projetadas e significado da

terminologia gourmet. Segundo o porta voz do grupo Zwilling, 90% das pessoas que

compram as panelas Staub exercem as mais variadas profissões e têm como hobby o prazer de

cozinhar, portanto não a utilizam de maneira profissional.

Dessa maneira, os usuário selecionados responderam ao critério acima, embora o

recorte não tenha sido feito com base em classe social ou renda; mas todos apresentam um

elevado capital cultural. São eles uma jornalista, uma engenheira, uma analista de RH, uma

fotógrafa, uma arquiteta, um professor de inglês, um advogado e um empresário. Para

preservar as identificações das entrevistas individuais, foram mantidas somente as iniciais do

nome do entrevistado, seguidas da profissão e da informação da condição de usuário ou não.

A informação sobre o sexo do entrevistado está implícita na flexão de gênero dos termos que

indicam a profissão ou a condição de usuário, como, por exemplo: M.S., professor, usuário.

Quatro das entrevistadas também possuem blog na área de culinária, onde costumam postar

suas receitas feitas com as panelas Staub, e muitos dos depoimentos foram extraídos dos

textos que lá se encontram. Nas demais citações retiradas de livros, revistas, jornais, sites e

blogs disponíveis para consulta aberta, foram mantidos os nomes de seus entrevistados e/ou

seus blogs, conforme aparecem nas entrevistas.

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Tabela 1 – Perfil dos usuários

Data Nomes

(iniciais)

Sexo Profissão Prazer pela gastronomia

20 de março

de 2013

R.F. Feminino Jornalista e

farmacêutica

Adora cozinhar e possui blog

http://renatafraia.blogspot.com

25 de março

de 2013

J.B.

Feminino Engenheira civil Adora cozinhar e possui blog:

http://jusempressa.blogspot.com

6 de abril de

2013

T.R.L. Feminino Analista RH e

professora

Adora cozinhar e possui blog:

http://www.panelaterapia.com

10 de abril

de 2013

G.M Feminino Fotógrafa Adora cozinhar e possui blog:

http://www.quitandoca.com/

15 de abril

de 2013

S.A. Feminino Arquiteta Adora cozinhar por hobby nos

finais de semana

16 de abril

de 2013

M.S Masculino Professor de

inglês

Adora cozinhar por hobby nos

finais de semana

23 de abril

de 2013

S.T. Masculino Advogado Adora cozinhar por hobby nos

finais de semana

2 de maio de

2013

A.G. Masculino Empresário Adora cozinhar por hobby nos

finais de semana

Segundo Bourdieu (2006), as classes sociais diferenciam-se, basicamente, pela

legitimação do gosto e essa diferenciação está mais relacionada ao capital cultural, habitus e

estilo de vida. No gráfico de distribuição das classes (Bourdieu, 2006:15), o autor faz uma

correlação entre profissões e três obras musicais clássicas: uma menos conhecida, “Cravo

temperado”; uma razoavelmente conhecida, “Rhapsody in blue”; e uma mais popular,

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“Danúbio Azul”. Como resultado, o autor observa que,à medida que aumenta o capital

cultural, a obra menos conhecida é a mais apreciada. Assim, a mais rara e erudita (Cravo bem

temperado) tem a preferência máxima dos acadêmicos, com alto capital cultural. Já a música

“Danúbio Azul”, clássico mais conhecido, tem a distribuição oposta, com preferência maior

daqueles dotados de menor capital cultural, como os artesãos e operários. Embora a base de

sua pesquisa seja francesa, pode-se transpor esse exemplo para a metodologia do presente

trabalho, em que os usuários das panelas Staub estão associados com o habitus, capital

cultural e estilo de vida. Assim, as panelas são preferidas por aqueles que não só apreciam a

arte de cozinhar, mas também são dotados de um elevado capital cultural (todos com

formação universitária, nas mais variadas profissões) e, consequentemente, dotados de certo

habitus que lhes confere um elevado grau de sofisticação.

Além das entrevistas, foram também efetuadas observações etnográficas em duas

lojas: a loja conceito e a loja Doural, com o objetivo de complementar a análise do trabalho.

Segundo Borelli, Melo Rocha e Oliveira (2009:35):

O trabalho etnográfico é constituído da observação do cotidiano e do contexto de produção e apropriação cultural, assim como do modo de ocupação dos territórios, das relações interpessoais e socialidades dos universos simbólicos, sensoriais e sensíveis que perpassam os sujeitos de investigação.

As autoras complementam que esse tipo de observação permite construir uma visão

ampliada dos objetos, estéticas e processos de negociação e atendimento, no caso, das duas

lojas observadas. Esta etnografia exige um olhar acurado, “a adoção de um olhar estrangeiro

na convivência e na observação direta tanto dos sujeitos quanto das relações e cenários […]”

(Ibidem, 2009:35).

As observações etnográficas realizadas em ambas as lojas tiveram como objetivo

observar o contraponto entre estes dois agentes: o produtor - o grupo Zwilling, cuja loja

conceito está situada em uma região nobre da cidade de São Paulo - e o intermediário - a loja

Doural, situada na região popular da Rua 25 de março. Em ambos os casos, foram analisados

a disposição dos produtos na loja, o tipo de frequência, o atendimento e a recepção dos

funcionários.

Dessa forma, levando em consideração o objetivo de investigar o mapa de

significações que essa panela confere aos agentes do contexto que as envolve, este trabalho

foi organizado em três capítulos, além da introdução e das considerações finais:

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O primeiro capítulo dialoga com as reflexões teóricas sobre o tema do trabalho,

apresentando-as nos seguintes itens:

1.1 Articulações teóricas sobre o consumo: apresenta a fundamentação teórica sobre

consumo e traça uma linha de tempo a partir da Revolução industrial até os momentos atuais,

com a perspectiva de mostrar como esse processo transformou e continua transformando os

habitus de uma sociedade de consumidores em uma sociedade de consumo. Destaca-se, neste

item, a reflexão sobre o consumo com base nos conceitos de Bourdieu sobre as noções de

luxo, distinção, gosto, estilo de vida, habitus e capital cultural.

1.2 Luxo e popular: analisa a história do luxo, a cultura da massa, a tensão entre temor

da massificação e busca pela distinção. Problematiza o mal-estar da sociedade de consumo na

confrontação entre o risco da uniformização, da mercantilização do luxo e a busca pela

diferenciação. Destacam-se, neste item, autores como Veblen, Bourdieu e Landowisky, estes

dois últimos discorrendo sobre o ato do gosto e da distinção.

1.3 Cozinhar e comer como distinção: tem a proposta de estabelecer conexões entre o

cozinhar e o comer como distinção e o significado da terminologia gourmet. Os autores

articulados neste item são Franco, em sua abordagem sobre a história da culinária a partir da

Renascença e sobre a origem da palavra gourmet, e Certeau, que destaca a criação de lugares

de prazer, como, por exemplo, a conversão do ato de comer em um ato especial dentro da

própria casa.

1.4 Ilhas da felicidade - desejo e prazeres: analisa o consumo vinculado ao prazer e à

felicidade sob a ótica dos autores Morin, Costa e Lipovetsky, que discutem o que é o ser feliz

hoje. É o prazer como distinção e, para isso, apresenta-se o exemplo de que ser gourmet é um

modo de ser feliz, preparando comidas especiais que qualquer um pode fazer. A realidade

atual contribui para esse novo modo de sentir, proporcionando cursos de gastronomia e

programas de lazer, como a virada cultural. Além disso, pode-se verificar até uma

transformação na arquitetura urbana, em que são cada vez mais frequentes os projetos de

moradias com os terraços gourmet nos prédios de apartamento. A perspectiva é articular essas

conexões com o imaginário do consumidor para contribuir com o mapa de significações a ser

construído à luz dos conceitos de Bourdieu, Appadurai e Certeau.

O eixo analítico do segundo capítulo, Panelas Staub, tem início ao apresentar um

relato sobre a evolução da gastronomia no Brasil, seguido pelos itens que apresentam,

respectivamente, a história da panela Staub e do garoto propaganda Paul Bocuse. Nesses

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itens, os conceitos de Appadurai , Bourdieu e Certeau serviram de fundamento para a reflexão

sobre a relação existente entre as panelas Staub e sua trajetória, baseada nos conceitos de

distinção do luxo, estilo de vida, capital cultural, teoria do gosto, concepções da cultura

material e vida social das coisas. Os itens seguintes tratam de como as panelas Staub

chegaram ao Brasil e sua ligação com seu agente, a loja Doural. Neste momento é contada a

história da Loja Doural, a trajetória da família Assad Abdalla, desde o início da inauguração

da loja, em 1905, até chegar ao presente momento, e também a história de como uma loja que

somente oferecia produtos populares passou a comercializar produtos de luxo tanto no espaço

físico como no virtual. Neste item estão incluídas reflexões de Martins, para entender as

gerações e os empreendimentos familiares.

O capítulo 3 trata das apropriações pelos agentes, representados pelo produtor,

intermediário e usuários. A partir de seus depoimentos e narrativas, propõe-se construir um

mapa de apropriações e significações das distinções que essa panela aciona, tomando-se por

base os conceitos de Bourdieu para luxo, habitus, gosto e estilo de vida, capital cultural.

Appadurai contribui com a liga da materialidade, no que se refere à “Vida social das coisas” e

Certeau, com o prazer da arte de cozinhar.

Para finalizar, é importante destacar que, embora exista e se confirme a legitimação do

campo da gastronomia, não se trabalha nesta tese o conceito de campo, de Bourdieu. A razão

que definiu esse caminho é que a presente tese privilegia um mapa de distinção e, dessa

maneira, apresenta reflexões sobre projeções, significados e apropriações dessa panela,

dificultando uma delimitação do campo ao qual ela pertence. Assim, Bourdieu não está aqui

presente para fundamentar o campo gastronômico, mas sim para sustentara metodologia do

conceito de legitimidade e distinção.

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Capítulo 1 – Consumo : articulações entre luxo e popular

1.1 Articulações teóricas sobre o consumo

Atualmente os estudos sobre o consumo ocupam uma posição de grande relevância no

mundo e têm sido tema de interesse das mais diversas disciplinas, como a administração, a

economia, as ciências sociais e a psicologia. Barbosa e Campbel (2006) comentam que

consumir coisas supérfluas ou de necessidade básica é uma característica presente e que

sempre existiu em toda a sociedade humana. O homem, por sua natureza, consome os mais

variados produtos, quer eles sejam bens tangíveis quer sejam intangíveis, movidos por

inúmeras razões e motivações. Dessa maneira, partindo-se do pressuposto de que há

necessidades e satisfações, não se compra mais um produto somente pela sua função, mas por

todo um conjunto de valores simbólicos e de significados de diversas naturezas que lhe são

associados no contexto social, cultural e político. A apropriação e o uso dos produtos são

ações que não constituem apenas prática ou hábito; ultrapassam essa condição. (Barbosa e

Campbel, 2006).

Para que seja possível entender melhor essa evolução de consumo e as várias teorias

que perduraram ao longo dos séculos XX e XXI, vale retomar a proposta de Sevcenko (2009),

que, ao traçar uma linha do tempo, identifica três grandes períodos da história que marcaram

uma mudança profunda nos valores da sociedade, a qual vai refletir, consequentemente, em

seu consumo. A primeira fase, que vai do século XVI até meados do século XIX, é marcada

pelo desenvolvimento tecnológico da Europa Ocidental, resultando em poderosas fontes de

energia, novos meios de transportes, comunicação, de armamentos e conhecimentos

especializados. A fase seguinte (final do século XIX, começo do século XX) foi marcada por

um desenvolvimento tecnológico mais avançado com o aparecimento de usinas hidro e

termelétricas, das usinas siderúrgicas, com o uso dos derivados de petróleo, novos meios de

transportes, como transatlânticos, carros, caminhões, trens e aviões, além de novos meios de

comunicação, como o telégrafo, o rádio, a fotografia e o cinema. A chegada da eletricidade e

das potentes ferramentas de comunicação, por meio da imagem e do som, permitiu abrir

novas possibilidades de entretenimento para as massas, representadas pelos trabalhadores, que

dispunham de tempo e dinheiro para novas sensações tanto de lazer quanto de consumo. A

revolução tecnológica refletiu diretamente no comportamento e estilo de vida dos indivíduos,

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com uma velocidade cada vez maior, dando início a uma terceira fase, denominada por

Sevcenko de microeletrônica, que se evidencia nas décadas de 1950, 60 e 70, com um novo

sistema social e um novo padrão de produção industrial, privilegiando, sobretudo, os serviços,

a comunicação e a informação.1

Para o autor, o século XX destaca-se por ser um período que apresentou uma

tendência de acelerada mudança tecnológica, responsável por 80% das descobertas e dos

avanços tecnológicos de toda a existência da humanidade, sendo 2/3 delas após a Segunda

Guerra Mundial. Se, por um lado, essas evoluções propiciaram um aumento na capacidade de

produção e de desenvolvimento da economia, por outro, alteraram, significativamente, a

estrutura da própria sociedade com novas condições de vida e rotina das pessoas (Sevcenko,

2009:60).

O aprimoramento da produção em série, a partir do século XIX e início do século XX,

levou a uma nova época marcada por efeitos econômicos espetaculares, como o crescimento

do consumo em massa, produção de alta escala com redução de custo. A classe operária

ganhou um novo status econômico que nunca antes havia tido. Esse consumo de massa

construiu novo espaço social em função de novas necessidades mercantis (Alonso, 2006).

Com o surgimento da cultura em massa, a mídia, instaurada pela indústria do

entretenimento, passou a ser considerada um dos centros do poder junto às sociedades de

massa. As décadas de 1920/30/40 potencializaram os Estados Unidos para esse mundo virtual

de fantasia:

[...] a utilização coordenada da imprensa, do cinema, de canções, rádio, pôsteres, slogans, imagens, cores, símbolos, monumentos, performances e rituais espetaculares em espaços públicos, propiciou a estes grupos poderes de comunicação, sedução e apoio político entusiástico em escala jamais vista (Sevcenko, 2009:84).

Toda inovação do aparato tecnológico intensificou-se, após a Segunda Guerra

Mundial, com o aprimoramento dos recursos empregados no cinema, rádio e TV, diretamente

focados no mercado de massa passando às culturas padronizadas. Essas indústrias, como visto

anteriormente, passaram a oferecer, com mais intensidade, fantasia e sonho para compensar o

1 A autora optou por concentrar a análise nas duas últimas fases históricas propostas pelo autor, uma vez que são nelas que se concentram as maiores evoluções tecnológicas e que permitem entender melhor as alterações e a evolução do consumo até os dias atuais.

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empobrecimento da vida social e cultural, seduzindo por meio de objetos simbolizados como

imagem. Segundo Sevcenko:

[...] o fundamental da comunicação– o potencial de atrair e cativar – já não está mais concentrado nas qualidades humanas das pessoas, mas na qualidade das mercadorias que ela ostenta, no capital aplicado não somente em vestuário, adereços e objetos pessoais, mas também nos recursos e no tempo livre empenhados no desenvolvimento e na modelagem de seu corpo, na sua educação e no aperfeiçoamento de suas habilidades de expressão (Sevcenko, 2009: 64).

Assim, na cidade contemporânea, imagens e palavras misturam-se aleatoriamente em

grandes letreiros, produzindo uma paisagem hedonista que faz com que exista o consumo de

espetáculos, de signos, que caracteriza a cidade pós-moderna como um sistema utilitarista de

produção e consumo. É uma sociedade sem profundidade; tudo, do mais banal ao mais

marginal, é estetizado e, dessa maneira, compõe-se a insignificância do mundo atual. Os

indivíduos são bombardeados por imagens e objetos que evocam sonhos e desejos para um

consumo desenfreado.2

A mídia explora, com muita eficiência, as imagens de beleza, sedução,

autorrealização, desfocando as mercadorias da noção original e tornando-as verdadeiras

ilusões culturais, que fascinam o consumidor pós-moderno pela sua estética, pelas associações

com os signos. Justifica-se, então, o privilégio dado pelo capitalismo pós-moderno à produção

de signos e imagens, em vez de às próprias mercadorias. Por essa razão, o consumidor é, cada

vez mais, afetado pelos símbolos relacionados aos produtos, ou seja, os produtos que as

pessoas compram são vistos pelos significados pessoais e sociais adicionados aos funcionais.

Em outras palavras, as pessoas compram as coisas não apenas pelo que essas coisas podem

fazer, mas também pelo que elas significam (Jameson, 2001).

Segundo Melo Rocha e Castro (2009:51) “a frenética produção para o consumo de

imagens de contemporaneidades”, na era pós-moderna, leva a um questionamento a respeito

do status das imagens e interpretações que elas geram e de qual seu impacto sobre a cultura na

sociedade contemporânea. A hibridação entre a mídia e o consumo, para as autoras, resultam

em um cenário em que as indústrias culturais se encontram totalmente autônomas e mesclam

informação, entretenimento e negócios.

2 Anotações da atividade programada “Modernidade, entretenimento, espetáculo” ministrada pela Prof Dra Maria Celeste Mira , no 2o semestre de 2010, no curso de pós-graduação de Ciências Sociais da PUC-SP.

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Esse poder supervalorizado da compra baseada no design, na estética, no aspecto

visual, ligada às peças publicitárias, pode ser observado nos mais variados segmentos, tanto

no mundo da moda como no das artes, no contexto da indústria fonográfica, dos videoclipes

das capas dos álbuns (Melo Rocha, 2008). Essa reflexão pode ser, também, transferida para o

design das panelas Staub, conforme depoimento abaixo:

A Staub tem até peças em formato de peixe e de galinha, para servir esses alimentos. "É

mais um charme" (F.A, intermediário).

É a terceira fase à qual Sevcenko se refere, a fase pós-moderna, caracterizada pelo

endeusamento da cultura da imagem e do consumo, da desregulamentação dos mercados e

retração do Estado.

Nesse período, a força dos valores da fase anterior prevalece, porém mais valorizada,

como as imagens que se tornam cada vez mais importantes do que os conteúdos e as relações

da comunicação tecnológica predominam sobre o contato pessoal.

Correntes críticas a essa sociedade de consumidores ganham força, dando lugar à

visão de uma sociedade de consumo mais pessimista, sem espaço para reflexão e propensa a

gastos inúteis. Essa nova realidade pós-moderna é caracterizada por uma nova fase

pragmática, efetiva, hiperconsumista. Alguns representantes dessa corrente que se destacam

neste trabalho são Baumann (1998, 2001, 2007), Baudrillard (2008) e Jameson (2011), que

interpretam o consumo como sinônimo de massa da modernidade, vendo o seu uso mais como

um mal do que como um bem, principalmente para a sociedade e seu ambiente.

Esse é um pós-modernismo narcisista, hedonista e individualista. É caracterizado por

um conjunto negativo de atributos dados ao consumo; a ele se atribui perda de identidade,

relações sociais inoportunas, materialismo, valorização do supérfluo. Segundo essa corrente,

vive-se, hoje, em uma sociedade de consumo em que o consumo acelerado de mercadorias

tem dado sinal de que algo foge à normalidade na relação necessidade-aquisição-consumo. O

fenômeno do consumo desenfreado tem influenciado a quase totalidade das ações do ser

humano, quer seja para compensar a frustração de um desejo de progresso social ou cultural,

quer seja no sentido de pertencimento a determinado grupo, confirmando a posição e o status

do indivíduo dentro da organização social. Vive-se sob um clima de incertezas que traz a

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constante inquietação sobre os caminhos a serem seguidos, pelo indivíduo e pela sociedade,

em que o sujeito tem pouco espaço. 3

A estetização da vida cotidiana e o triunfo do signo retratam a subordinação da

produção ao consumo sob a forma de marketing, com uma valorização cada vez maior do

conceito de produto, do design e da publicidade. Para Baumann (2001, 2007), Baudrillard

(2008) e Jameson (2001) a sociedade de consumo gira em torno da dissimulação do

hedonismo, da volatilidade, do descartável, da efemeridade. Nessa lógica consumista, tudo é

feito no sentido de atrair o consumidor; as imagens desempenham um papel importante e são

constantemente veiculadas pela mídia; os códigos são misturados ecleticamente e os

significantes não possuem sentido, pois não apresentam relação alguma entre eles.

Bauman (2001) utiliza-se da metáfora fluidez líquida, para tratar da volatilidade da

sociedade atual de consumidores. Para o autor, os líquidos, diferentemente dos sólidos, não

mantêm sua forma, não fixam o espaço, nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm

dimensões espaciais, os líquidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente

prontos a mudá-la, assim, para eles, o que conta é o tempo. Se antes, o sólido representava

uma modernidade condensada, sólida e sistêmica, representada pelo fordismo, a atual

modernidade, considerada como pós-modernidade, é leve, fluida, instável. O consumismo de

hoje não diz mais respeito à satisfação das necessidades, como outrora, mas ao desejo,

atividade muito mais volátil e efêmera. O desejo é caracterizado como objeto constante e, por

essa razão, permanecerá sempre insaciável. O consumismo passa a ser orientado pela

sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis, não mais por regulação

normativa. É uma sociedade de viciados em comprar. Como alerta Jameson (2001), esse

estado de incompletude que domina o indivíduo, mais precisamente o consumidor, refere-se a

uma fase de estágio tardio do capitalismo, em que tudo foi transformado em mercadoria, da

natureza ao inconsciente.

A passagem do consumo para o consumismo deu-se, segundo Campbel (2001),

quando esse fenômeno se tornou central para a vida das pessoas e definiu o consumo moderno

como sinônimo de hedonismo.

No mundo contemporâneo o consumo assume o eixo organizador da sociedade de

consumo, com poder de moldar uma enorme variedade de formas de vida e de padrões de

3 Anotações da aula “Tópicos da cultura contemporânea” ministrada pela Prof Dra Maria Celeste Mira , no 2o semestre de 2009, no curso de pós-graduação de Ciências Sociais da PUC-SP.

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relações entre as pessoas. Na sociedade de consumidores, sob a perspectiva do sujeito, as

pessoas são, ao mesmo tempo, consumidores e mercadorias. O signo e a mercadoria juntam-

se para produzir o que Baudrillard (2008) chama de "mercadoria-signo". Para o autor, a

sociedade capitalista tem manipulado seus consumidores por meio da utilização dos símbolos

e signos, de forma que o signo e a mercadoria fundem-se para formar a “mercadoria-signo”.

Por meio da publicidade, através da mídia de massa, o significado desprende-se do objeto

material e projeta-se em múltiplas relações associativas. Assim, a sociedade que moldava seus

membros como produtores foi substituída por esta que os molda como consumidores, ou seja,

o consumidor, em uma sociedade de consumo nos tempos de hoje, é uma criatura totalmente

diferente dos consumidores que já existiram (Bauman, 1998, 2001, 2007).

A globalização e a chegada das tecnologias da informação – a internet e a propagação

da TV a cabo e via satélite – vêm acelerando a mudança para uma nova identidade cultural

global. O enfraquecimento da identidade local e a composição dessa nova individualidade,

conImagemda por uma cultura global, provocam a adoção de modos de vida e consumo

vinculados a países altamente industrializados e forçam o indivíduo a se distanciar de valores

e compromissos formados perante aqueles com quem divide seu habitat. Temos, assim, nesse

tipo de sociedade, um indivíduo desvinculado do compromisso frente a seu semelhante e

disposto a consumir, a qualquer preço e em qualquer quantidade, para satisfazer seus desejos

egoístas. Não importa qual quantidade de bens produzidos ou de riqueza disponível; a

sociedade articula-se e ordena-se sobre um excedente estrutural e sobre uma penúria

estrutural, que, juntos, definem tanto a riqueza de um país ou região quanto a qualidade de

vida de seus habitantes e o sistema de classes ou castas que a divide (Baudrillard, 2008).

Com o advento dos computadores, da informática, o espaço cibernético ganhou uma

nova dimensão no tempo-espaço e movimento, já que são “inscritos na temporalidade

singular da difusão instantânea” (Baumann, 1998:24). Essa desordem mundial reflete uma

nova consciência das coisas, fugindo ao controle, para classificar o conceito de globalização.

A diferença entre viver na sociedade atual ou na que a antecedeu, a de produtores, está no

estabelecimento das prioridades, o que resulta numa enorme diferença em todos os aspectos

da sociedade, da cultura e da vida individual. Hoje, o consumidor de uma sociedade de

consumo tem, cada vez mais, a necessidade do agora, “ocasionada pela tecnologia

compressora do tempo e a lógica da economia orientada para o consumidor”. Os

consumidores não devem nunca ter descanso para consumir, precisam estar acordados,

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alegres, sempre expostos a novas sensações e tentações (Bauman, 1998, 2001, 2007; Jameson,

2001). Com a globalização, parece não haver vida fora do consumo conspícuo para uns e

necessidades negadas para outros. A produção de mercadorias é um fenômeno cultural que

leva à compra de produtos pela sua imagem e uso imediato. Existe todo um processo

permeando esse fenômeno de produção estética, desde a propaganda até a erotização para

seduzir o consumidor, não muito diferente do que Marx determinou como o fetiche da

mercadoria.

Segundo Oliveira (2013), há uma sensação constante de angústia presente nas pessoas,

resultado desta “incessante busca por novos desejos e realizações”. Nas palavras da autora:

O consumo é pautado pela obsolescência planejada e pelo desejo intenso por novidades, mudanças e, principalmente, novos desejos. Para ele, a satisfação dos desejos é angustiante na medida em que nos obriga a eleger um novo objeto de desejo; aponta que atualmente “o desejo não deseja a satisfação; o desejo deseja o desejo” (2013:42-43).

Em posição contrária a este tipo de corrente que enxerga a sociedade de consumo

como passiva, supérflua e hedonista, existe uma nova postura entre os teóricos, que, embora

reconheça esse consumismo desenfreado da sociedade pós-moderna, defende também que, em

lugar do consumo em massa passivo, sem identidade, encontra-se uma sociedade de

consumidores com novos estilos de vida e consumos distintos. A informação e o acesso a

formas simbólicas, em suas diferentes linguagens, resultam no surgimento de um universo

cultural plural e diversificado. As contribuições da sociologia clássica, representada por Marx

e Durkheim, para as questões relativas ao sujeito e à sociedade, em que o sujeito estaria

submetido a um conjunto de normas de um sistema, não parece mais valer nos estudos da

sociedade atual. Com o crescimento de um mercado de bens simbólicos, é possível visualizar

outra conImagemção sociocultural. Surge um mercado difusor de informações e de

entretenimento com um forte caráter socializador (Ortiz, 1991). É a indústria da cultura de

massa, que, com sua tecnologia e diversidade consegue comunicar diferentes mensagens e

estilos de vida. Novos modelos familiares e novas propostas de consumo aparecem e é nesse

contexto que a nova ordem cultural impõe um impacto ao processo de construção da

identidade e da subjetividade do indivíduo nas formações sociais atuais.

Morin (2009 a, b) também traça um percurso de reflexão segundo o qual produção

pode até ser padronizada, em série e industrializada, mas a recepção não o é. Os usuários são

sujeitos e não consumidores reprodutores passivos de uma lógica de mercado. O consumo

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deve ser visto como uma forma individual de produção e articulação de sentido. O autor

considera o fenômeno da cultura de massa um espaço a mais na vida dos indivíduos, no qual

se permite viver a fantasia, o imaginário, resultado de experiências individualizadas.

Enquanto a indústria cultural produz bens culturais para o consumo de todo o tipo de

sociedade, a cultura de massa absorve, traduz e projeta esse processo por meio de símbolos,

mitos e imagens que dizem respeito à vida prática e imaginária. O processo é de integração e

não de ruptura. Para Morin (2009 a, b), a padronização não significa fazer desaparecerem as

barreiras sociais, mas promover as identidades e diferenças, como afirma Bourdieu (1983,

2003, 2006).

Estudiosos como Bourdieu (1983, 2003,2006) vêm proporcionar um novo olhar para

analisar essa sociedade de consumidores. Para o autor, a evolução do consumo econômico e

cultural no século XX dá-se como forma de distinção entre as classes, uma vez que os usos e

posses dos objetos eram diretamente relacionados ao status social. As pessoas buscam inserir-

se na sociedade por meio da diferenciação; consomem e ostentam os bens como forma de

criar vínculos de distinção social. Conceitos como luxo, gosto, estilo de vida, habitus e capital cultural conferem uma

espécie de distinção, contribuindo para a inserção do indivíduo na sociedade. Desenvolvidos

pelo autor (1983, 2003, 2006), esses conceitos servirão como pilar de reflexão para as

metáforas de transformação da panela Staub, baseadas nesse novo consumidor da pós-

modernização e serão detalhados neste e no próximo item, refente ao luxo.

Segundo Bourdieu (2006), o gosto de cada um não se caracteriza como algo

individual, mas algo que se encontra fortemente ligado à classe social à qual o indivíduo

pertence. O autor considera que a formulação do gosto, um dos signos da distinção, é

resultado de um complexo de aprendizagem que vai se incorporando ao indivíduo desde seu

nascimento, é fortemente influenciado pela inserção familiar e pela trajetória que ele vai

percorrendo nos grupos sociais a que pertence. O depoimento abaixo ilustra esse tipo de

articulação promovida pelo usuário:

Minha panela Staub tem um design lindo e, por isso, faço questão de levá-la à mesa. Ela é muito elegante e classuda (S.T., advogado, usuário).

Esse usuário, para que possa apreciar esse tipo de design e considerá-lo “muito

elegante”, precisa possuir competências específicas, como conhecimento acumulado e um

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gosto mais apurado, que lhe permitam agir e falar com naturalidade em seu espaço social.

Trata-se da teoria do habitus, de Bourdieu (1983), que representa um conjunto de

conhecimentos práticos, adquiridos ao longo do tempo. É o princípio gerador de todas as

práticas e que, apesar de ser caracterizado pelo gosto individual, se assemelha ao gosto dos

membros de uma mesma classe. Pode-se considerar que o habitus define os estilos de vida

das classes sociais. Desse modo, pertencer a um grupo significaria excluir tudo o que pertence

a outro grupo, e o conjunto de escolhas, que definem o estilo de vida, passa a ser similar ao de

toda uma classe. Para o autor, o habitus de uma pessoa considera as suas características de

identidade social e a sua experiência de vida quer consciente quer inconsciente:

[...] habitus é, com efeito, princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificação (princípium divisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade de diferenciar e apreciar estas práticas e estes produtos (gosto). é que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida. (Bourdieu, 2006:162).

O habitus surge logo que a vida do indivíduo se inicia, no berço familiar, e vai

ganhando formas no decorrer de sua vida. É resultado de uma atividade prática, da sua ação e

transformação no mundo e, assim, atrelado à sua trajetória de vida como sujeitos individuais e

como grupos, pois é realizado dentro de um espaço social que depende de forças estruturais

que se verificam no campo do poder global. Assim, o autor considera o habitus uma matriz

geradora de práticas distintas, um conjunto de conhecimento prático adquirido pela

experiência.

[...] um habitus entendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções , de apreciações e de ações,[...] (Bourdieu,1983:65).

Nesse sentido, as práticas engendradas pelo próprio habitus vão originar os diferentes

estilos de vida. O gosto, como aptidão de apropriação de determinada classe, é a fórmula

geradora que se encontra no estilo de vida, dentro de uma lógica específica de espaços

simbólicos (Ibidem).

Os gostos e as necessidades variam conforme o nível econômico e social. Enquanto as

classes mais baixas, desprovidas de bens necessários, buscam, por meio de um estilo de vida,

a realização das necessidades básicas, as classes mais abastadas, de melhores condições de

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satisfazer essas prioridades, buscam luxos considerados pelos menos abastados supérfluos e

desnecessários.

O estilo de vida é um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem na lógica específicas de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou hexis corporal , a mesma intenção expressiva , princípio de unidade de estilo que se entrega diretamente à intuição e que a análise destrói ao recortá-lo em universos separados. (Bourdieu, 1983: 83-84).

Percebe-se que os depoimentos dos chefs e dos usuários das panelas Staub atendem às

expectativas de um determinado grupo, com um específico estilo de vida. É como se essa

classe, a burguesa, por meio das panelas, se apropriasse de elementos da elite, da nobreza. O

exemplo do garoto de propaganda Paul Bocuse ilustra bem essa passagem:

Se tivesse um único segredo seria um produto bem concebido (Paul Bocuse, chef de renome mundial). Acho que ter Paul Bocuse como aval dá segurança na qualidade destas panelas.(F.P.advogada,usuária).

Paul Bocuse, como garoto de propaganda, dá um aval de extrema sofisticação e

distinção. Apesar da qualidade do produto, não se pode deixar de considerar que o chef está

sendo pago para fazer essa propaganda. Mesmo assim, para os usuários desses produtos, ter

Paul Bocuse usando a mesma panela que eles desperta a ideia de certa cumplicidade, de total

identificação e harmonia.

Por essas razões, mesmo que uma sociedade seja diferenciada, ela não é única e nem

apresenta uma cultura comum, uma vez que é constituída de um conjunto de espaço social4:

4 Embora exista e se confirme a legitimização do campo da gastronomia , não se trabalhará , aqui, o conceito de campo, mas, sim, o conceito de espaço social. Ao se apropriar do conceito espaço, vale retomar as reflexões de Michel de Certeau ( 2009) sobre espaço e lugar. Para o autor, espaço “é um lugar praticado,” (Certeau,2009:182). Ele exemplifica com uma rua, um lugar geometricamente definido transformado em espaço pelos pedestres . Deste modo, quando Certeau afirma que um determinado lugar só se torna espaço enquanto vivenciado, pode-se assumir que os agentes do presente trabalho adquirem significados dentro de um espaço, quer seja social, cultural ou de consumo. Assim, descarta-se a possibilidade de adotar o conceito de campo nesta tese, uma vez que a ideia de espaço torna-se mais adequada para tratar sobre os mapas de significações que estas panelas acionam.

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[...] não forma uma totalidade única, integrada por funções sistemáticas, uma cultura comum, conflitos entrecruzados ou uma autoridade global, mas consiste em um conjunto de espaços de jogos relativamente autônomos, que não podem ser remetidos a uma lógica social única seja aquela de capitalismo, da modernidade ou da pós-modernidade (Loyola 2002:67).

Outro conceito que o autor utiliza para explicar o indivíduo em seu espaço social é o

capital adquirido, como o econômico, o cultural e o social.

Bourdieu (2006) refere-se ao espaço social, um campo de lutas no qual os agentes,

quer sejam indivíduos ou grupos, desenvolvem estratégias que visam melhorar sua posição

social. Cada um desses espaços atua nos mais variados campos, que podem ser cultural,

social, econômico, jornalístico, gastronômico, político, etc., formando um sistema estruturado

de forças objetivas capazes de impor uma lógica a todos os agentes que fazem parte desse

contexto. Assim,

[...] nenhuma ação – seja um enunciado, uma criação estética ou uma tomada de posição politica – pode ser diretamente relacionada à posição social de seus autores, pois esta é sempre retraduzida em função das regras específicas do campo no interior do qual foi construída (Loyola, 2002:67).

Abdalla, o dono da loja Doural, situada na Rua 25 de março, apropria-se da

comercialização das panelas Staub para atingir sua estratégia de distinção:

[...] havia uma rejeição das panelas Le Creuset, que não quiseram vender para a gente, porque estávamos na 25 de Março. Ai eu falei: olha, se você não me vender, eu vou precisar ir atrás de outro. Ele achou que eu nunca ia trazer uma marca, porque, teoricamente, no mundo dele, Le Creuset era o máximo do máximo e não tinha concorrente. Aí eu fui pra França, conversei com a Staub, falei que queria importar.

Segundo o autor, para que o indivíduo se destaque em seu espaço social, não basta o

capital econômico; é necessário ter, capital cultural. Ao sustentar que o indivíduo não age

apenas por interesse econômico, mas também pela vontade de obter status, prestígio e

reconhecimento dos outros, Bourdieu (1987, 2006) afirma que diversos tipos de capital, como

econômico (dinheiro), cultural (educação), social (contatos) e simbólico (prestígio),

funcionam como uma espécie de jogo social do qual o indivíduo participa. Dependendo da

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sua posição, ele pode desenvolver, ou não, estratégias que lhe permitam manter o espaço ou

galgar novas posições (Bourdieu,1987, 2006).5

Por essa razão, o autor considera que os bens culturais não se restringem a um sistema

economicista e estão interligados a uma lógica de apropriação que faz com que esses bens, em

determinado momento, sejam valorizados ou não. Para o autor (1997), o capital cultural existe

em três estados: incorporado, objetivado e institucionalizado. O primeiro refere-se à parte

integrante da pessoa e, dessa maneira, não pode ser trocado, é o mais dissimulado, é a parte

do habitus, a transmissão hereditária transmitida quase que imperceptivelmente. Segundo

Bourdieu:

[...] acumulação de capital cultural desde a mais tenra infância – pressuposto de uma apropriação rápida e sem esforço de todo tipo de capacidades úteis – só ocorre sem demora ou perda de tempo, naquelas famílias possuidoras de um capital cultural tão sólido que fazem com que todo o período de socialização seja, ao mesmo tempo, acumulação. Por consequência, a transmissão do capital cultural é, sem dúvida, a mais dissimulada forma de transmissão hereditária de capital (Bourdieu, 1997:86).

O capital objetivado é um material transferível, ou seja, trata-se da transferência de

bens materiais, de uma herança e, uma vez que está ligado ao capital cultural, o indivíduo tem

que dispor de capacidades culturais que lhe permitam desfrutar desses bens. E, por fim, o

capital institucionalizado, o que aparece sob a forma de diplomas ou títulos, fornecidos por

instituições. A entrega desses diplomas, geralmente, é acompanhada de cerimônias solenes

que equivalem à nobreza escolar. Esse tipo de cerimônia pode ser comparado, em sua devida

proporção, aos títulos que os nobres recebiam na época do Antigo Regime. Portanto, esse tipo

de cerimônia é um resgate simbólico que legitima aqueles que detêm o poder do

conhecimento conferido por meio de um título/diploma.

Bourdieu (1996, 2002, 2003) trata do poder simbólico ou produções simbólicas como

outro tipo de distinção por ser um instrumento de dominação que contribui para a adaptação

legítima da classe dominante, assegurando uma comunicação entre seus membros e uma

diferenciação das demais classes. A cultura que une, por intermédio da comunicação, é a

mesma cultura que separa, como instrumento de distinção, e legitima a diferença das culturas

por meio da distância em relação à cultura dominante.

5 O conceito de espaço/jogo social será detalhado no capítulo 2, ao mostrar a trajetória do intermediário e sua estratégia para conseguir comercializar as panelas Staub.

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Para o autor, as relações de comunicação são sempre relações de poder que dependem

do capital material ou simbólico acumulado pelos agentes. A classe dominante, que concentra

seu poder no capital econômico, tende a impor a legitimidade da sua dominação por meio da

própria produção simbólica.

O poder do criador nada mais é do que a capacidade de mobilizar a energia simbólica produzida pelo conjunto de agentes comprometidos com o funcionamento do campo: jornalistas objetivamente encarregados de valorizar as operações de valorização dos criadores (com toda a parafernália de jornais e revistas que torna possível sua ação); intermediários e clientes (...) a totalidade do campo com os críticos, diretores de galerias, outros pintores, consagrados ou fracassados, em suma, todo o aparelho que produz esta forma específica de capital simbólico, produzindo a crença (como desconhecimento coletivo) nos efeitos de uma forma particular de alquimia social (Bourdieu, 2002 : 162-163)”.

Tal como Bourdieu (1996,2003), Appadurai (2008) também considera que os bens de

consumo são pensados como um sistema simbólico, abrindo a possibilidade de ver a própria

sociedade através do padrão formado entre os bens. Ambos os autores acreditam que os bens

não são apenas focados como reflexo de distinções de classe. O poder do consumo, como um

meio de reproduzir padrões sociais, é escondido por uma ideologia que vê o consumo

meramente como uma expressão do gosto individual. E acrescenta que os objetos, ao

circularem em diferentes circunstâncias de tempo e espaço, ou seja, em ambientes culturais e

períodos históricos específicos, acabam por acumular elementos simbólicos e históricos dessa

circulação:

Estas panelas lembram as panelas de ferro que minha avó tinha na fazenda, onde nos reuníamos nas férias e suas empregadas faziam um arroz e feijão inesquecíveis. (A.G., empresário, usuário).

Neste caso, Appadurai(2008) propõe uma nova visão sobre a circulação de bens na

vida social, e toda a sua análise considera que o valor, a mercadoria e a troca encontram-se

numa perspectiva cultural e não meramente econômica. O autor justifica a tese de que as

mercadorias, como as pessoas, têm uma vida social:

[...] a troca econômica cria o valor; o valor é concretizado nas mercadorias que são trocadas; concentrar-se nas coisas trocadas, em vez de apenas na forma e funções de troca, possibilita a argumentação do que o que cria o vínculo entre a troca e o valor é a política, em seu sentido mais amplo.” (Appadurai,2008:15).

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Na mesma linha, Canclini (1997, 2003) Douglas e Isherwood (2006) comentam que os

grupos selecionam os significados que regulam a sua vida por meio de rituais. Para os autores,

mesmo o consumismo, considerado consumo compulsivo e sem critério, tem seus

significados e pode ser ligado a uma insatisfação errática dos fluxos dos signos. O consumo é

um processo de autoconhecimento e cada consumidor tem a liberdade de fazer as suas

escolhas, suas conexões com as informações e pessoas.

Quando os autores afirmam que “os bens são neutros, mas seus usos são sociais e

podem ser usados como cercas ou pontes” (Douglas e Isherwood, 2006:36), pode-se pensar

nos usuários da panela Staub. Por exemplo, os chefs de cuisine que utilizam essa panela

fazem-no não só pensando no resultado final do produto, mas em toda uma relação social que

envolve seus clientes, que estarão em seu restaurante degustando seus pratos. Conforme

citado, em dissertação de mestrado, sobre Douglas, “o prazer em si não é o ato de consumo,

mas a batalha, que é uma disputa prazerosa de construir as relações sociais” (Correia,

2011:51). Fato esse reforçado no diálogo de uma das usuárias sobre o resultado do sorteio de

uma minicocotte Staub6, proporcionado pela loja da Doural:

Resultado do Sorteio Mini Cocottes Doural presentes:

Oi pessoal, bom dia! Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer do fundo do meu coração a participação de cada uma de vocês neste primeiro sorteio que é resultado da parceria entre o Figos & Funghis e a Doural Presentes. E chegou o grande momento: a divulgação do resultado da sortuda que vai receber em casa as fofíssimas minicocottes vermelhas da marca Staub7.

Assim como Bourdieu (1983, 2003, 2006), Canclini (1997) defende a ideia de que

existe uma teoria muito mais complexa sobre a interação entre produtores e consumidores e

que revela que, no consumo, se manifesta também uma racionalidade sociopolítica

interativa. Ao observar inúmeros lançamentos e “uma proliferação de objetos e de marcas, de

redes de comunicação e de acesso ao consumo, a partir da perspectiva dos movimentos de

consumidores e de suas demandas”, o autor percebe que as regras da distinção entre os

6 Minicocottes podem ser levadas diretamente do forno para a mesa, devido ao seu design estético. Podem ser usadas para servir porções individuais de suflê, macarrão com queijo ou uma sobremesa, por exemplo. 7http://figosefunghis.com.br/2010/09/resultado-do-sorteio-mini-cocottes-doural-presentes.html Fabiana Pinfildi, advogada e amante da arte de cozinhar, dona do blog Figos e Funghis..

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grupos, da expansão educacional e das inovações tecnológicas e da moda também intervêm

nestes processos.” (s/p).

O consumo é um espaço em que os conflitos entre classes, originados pela desigualdade

e escassez, fazem parte de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos

modos de usá-lo.

Para o autor (1997), os que estudam o consumo como lugar de diferenciação e distinção

entre as classes e os grupos têm chamado a atenção para os aspectos simbólicos e estéticos da

racionalidade consumidora. Como Appadurai (2008) e Bourdieu,(2003, 2006) Canclini

(1997) acredita que há também uma lógica na construção dos signos de status e nas maneiras

de comunicá-los:

Nas sociedades contemporâneas boa parte da racionalidade das relações sociais se constrói, mais do que na luta pelos meios de produção, da disputa pela apropriação dos meios de distinção simbólica (Canclini,1997:53).

Há uma coerência entre os lugares onde os membros de uma classe e até de uma

fração de classe se alimentam, estudam, habitam, passam as férias, inclusive entre aquilo que

leem e de que desfrutam, o modo como se informam e aquilo que transmitem aos outros. Essa

coerência emerge quando a visão socioantropológica busca compreender, em conjunto, tais

cenários. A lógica que rege a apropriação dos bens enquanto objetos de distinção não é a da

satisfação de necessidades, mas sim a da escassez desses bens e da impossibilidade de que

outros os possuam.

Como se pode observar, as teorias de um novo consumidor baseadas na tese da pós-

modernização e individualização apresentam-se em distintas perspectivas. Assim como são

vistos como consumidores vorazes e acríticos, deslumbrados pela cultura do consumo, são

também consumidores mais responsáveis, recorrem à solidariedade do consumo, ao apoio às

ações não governamentais, a consumos verdes e discurso da sustentabilidade,

multiculturalismo. Em um cenário cada vez mais sensível entre governos e sociedades, há um

consenso entre as organizações em estabelecer parâmetros, ao desenhar e desenvolver

produtos para o mercado, cujo impacto é menos prejudicial ao meio ambiente. (Novaes;

Serralvo; Nascimento, 2013).

Embora não se descarte o lado negativo, caracterizado por um consumo do imediato,

descartável e supérfluo, evidenciado na sociedade pós-moderna, há um consenso entre os

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autores de que esse consumo mais individual também sinaliza essa individualidade para a

autoexpressão, identidades, significados e estilos de vida diferenciados na escolha dos

processos de consumo. (Bourdieu, 2006; Canclini 1997; Melo Rocha e Castro, 2009). Para

Melo Rocha (2008), “consumir é muito mais do que o mero exercício de gostos, caprichos ou

compras irrefletidas”, envolve um complexo de fenômenos socioculturais nos quais se opera

um mapa de significações e apropriações de diferentes usos de produtos e serviços.

1.2 Luxo e popular

Recentemente o luxo tem sido objeto de estudo e tema de discussões no meio

acadêmico-científico, sendo reconhecido como uma importante manifestação cultural da

sociedade contemporânea.

Segundo o dicionário Aurélio, o termo luxo vem da palavra de origem latina lux e é

definido como “caráter do que é custoso e suntuoso, bem ou prazer custoso e supérfluo,

superfluidade, luxaria, modo de vida caracterizado por grandes despesas supérfluas e pelo

gosto da ostentação e do prazer; fausto, ostentação, magnificência”. Para Allérès (2000), a

definição do termo luxo pode ser um pouco mais abrangente, uma vez que envolve

especificidades como objetos de prestígio e de produtos de alto nível. O termo prestígio vem

da palavra latina praestigium, que significa ilusão (Houaiss), e a expressão alto nível refere-se

a produtos que estão na faixa de bens inacessíveis pelo teor de suas qualidades.

O luxo sempre foi considerado um diferenciador de posição social, além de ser

identificado como um sinal de individualidade. Por ser um termo complexo, ao estudarem a

abordagem do luxo, alguns autores apresentam pontos de vista distintos. Campbell (2001),

por exemplo, define o luxo como algo supérfluo, mas desejável, acrescentado de uma

experiência sensorial e agradável. Já Castarède (2005) define o luxo como algo não

corriqueiro, mas relacionado ao talento, à magnificência e à celebração. Para Liopvestsky e

Roux (2005), o luxo mescla-se com a moda e a tradição; ele se reinventa e reinterpreta a partir

do passado.

Independente dessas ramificações, há um consenso entre os autores de que o luxo

existe desde a Antiguidade, embora não necessariamente lhe fosse atribuído o mesmo valor

que possui no mundo atual. Mesmo considerando a constância da terminologia luxo, os bens

através dos quais ele se manifesta são mutáveis, assim como seu contexto diante do consumo

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(Strehlau, 2009:26). A autora exemplifica a dinâmica desse fenômeno utilizando o contexto

da Nova Inglaterra do século XVIII, no qual ter um aparelho de jantar de porcelana era

considerado um luxo, pois eram necessários meses para receber a encomenda. Na época, era

um produto raro e caro. Hoje, a sociedade contemporânea tem à sua disposição jogos de

porcelana até em supermercados, portanto sua posse não é mais um indicativa de distinção

social: “O reconhecimento social saiu da posse simples e pura do objeto e se transferiu para a

marca. Não basta ter um conjunto de porcelana para o jantar, ele deve ter uma procedência,

uma marca como Limoges” (Ibidem:29).

Segundo Lypovesky e Roux (2005), o luxo, na pré-história, fazia-se presente nas

festas, em vestimentas suntuosas com ornamentos, na admiração pelo belo, no culto aos

deuses e na abundância da comida e do tempo livre. No culto aos deuses e espíritos, o luxo

era visto por meio de talismãs e oferendas e estava presente nas sociedades primitivas nas

trocas simbólicas. O autor ainda ressalta a importância dos utensílios, como talheres, baixelas

de ouro e prata para servir as refeições.

Foi a partir do Renascimento que o luxo passou a ser um atributo de identificador

social, relacionado aos excessos e às aparências. Foi nesse período que a monarquia se

projetou com a construção de suntuosos castelos, de festas sofisticadas e vestimentas

luxuosas. Assim, o luxo tornou-se privilégio para poucos, apenas para uma elite de classe

abastada, e, para fazer parte desse seleto grupo, surgiu a necessidade de possuir objetos de

valor, como propriedades, roupas suntuosas, joias e obras de arte. O luxo manifestava-se de

diversas maneiras, na mobília, na decoração, no modo de dispor a comida sobre a mesa,

processo esse que estava nas cortes e no mundo aristocrático do século XVI. Os novos hábitos

de se portar à mesa, caminhar, de se vestir não estavam atrelados ao gosto pessoal, mas

subordinados às regras de uma sociedade regida pela aristocracia (Ribeiro, 1983; Ortiz,1991).

O aristocrata podia escolher seus objetos de luxo; seu alto nível social lhe garantia

uma aparência condizente com o nível de sua classe. Isso podia ser visto nas residências dos

nobres, que tinham que ter uma série de cômodos (e, por conseguinte, muitos criados para

cuidar deles) para que o cortesão pudesse interagir como ator nesse cenário: ele recebia suas

visitas oficiais pela manhã em seu escritório; havia o quarto, a antecâmara e gabinetes anexos

nos quais hóspedes de vários gabaritos eram recebidos (Ibidem). O auge desse processo deu-

se no reinado de Luís XIV, com o aparecimento do champanhe, da alta gastronomia, do

comer e beber bem (Elias, 2001; Ortiz, 1991).

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No século XVIII uma nova classe começou a surgir: a burguesia. Os burgueses

prosperaram no comércio e começaram a ostentar uma nova riqueza, equiparando sua fortuna

à dos nobres. E, com isso, incorporaram o status e todos os prestígios da corte, imitando os

aristocratas em tudo: nas vestimentas, nos objetos e na arte8. Enquanto a aristocracia vivia do

ócio, o burguês , ao contrário, acumulava suas riquezas por meio do trabalho.

Com as camadas burguesas em ascensão, a situação dos nobres era cada vez mais

dificultada pelo estilo de vida e de existência social. A relação com o gasto e o ganho do

dinheiro acontecia de modo diferente na elite aristocrática e na burguesia, e isso era resultado

do próprio sistema social de normas e valores. À medida que a burguesia poupava, mais

dinheiro ela acumulava e seu poder social, status e prestígio cresciam. (Elias, 2001;

Ortiz,1991). Até o final do século XVIII, o termo economia, dos burgueses, era digno de

desprezo entre os aristocratas da corte, que só pensavam em gastar (Elias, 2001).

No reinado de Luís XIV, o poupar da burguesia e o consumir da corte eram cruciais

para o estabelecimento da distinção entre os status dessas duas classes e conviviam sob uma

pressão de uma rivalidade sem fim. Os modelos sociológicos de Montesquieu mostram que

uma das barreiras que separavam a massa do povo e as duas formações nobres da sociedade, a

burguesia e a monarquia, era a relação entre uso e trabalho, poupança e gastos. Os nobres

eram proibidos de produzir ou fazer parte de qualquer empreendimento comercial, por ser

considerado uma desonra aumentar os rendimentos, o que podia, inclusive, levar à perda do

título. Dessa maneira, nesse modelo de círculo vicioso, se um comerciante quisesse uma

posição oficial de nobreza, compraria com seu dinheiro um título. Entretanto, alcançado o

status desejado, precisaria diminuir seus rendimentos e gastar mais, aumentando as despesas

para manter a posição. Assim, segundo Montesquieu, fica claro que esse modelo levava as

famílias burguesas, antes formadas de ricos comerciantes, a atingirem títulos de nobreza, para

acabarem como famílias de nobres empobrecidos. Uma vez decaídos, voltavam a fazer parte

da burguesia e, consequentemente, do povo (Ibidem:88).

Nesse sentido, o luxo não tinha a conotação de supérfluo e o próprio Weber comenta

que o luxo, para as camadas dominantes do feudalismo, não tinha nada de supérfluo, uma vez

que era considerado uma espécie de confirmação de status: “o luxo, no sentido de uma recusa

8 É importante que não se entenda burguesia como povo; estes continuavam sem acesso a uma elite e aos produtos que ela consumia (Elias, 2001).

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da orientação racional e propositada do consumo, não é algo supérfluo para a camada

dominante do feudalismo, mas um dos meios de sua autoafirmação” (Ibidem:63).

Ao criar a teoria de classe ociosa, originalmente escrita em 1889, Veblen (1965)

denomina consumo conspícuo um consumo de luxo baseado na classificação, em que as

pessoas buscam meios e modos para impressionar os outros. Em outras palavras, é um

consumo ostentatório, presente numa sociedade em que as camadas mais altas vão em busca

de prestígio e ostentação, para sua autoafirmação social, o que acontecia, sobretudo, na corte.

Assim como Veblen, Bourdieu (2006) presume que as práticas de consumo não podem

ser vistas apenas como uma noção racional das necessidades. Como já visto anteriormente,

essas práticas são, antes de tudo, resultado do gosto dos indivíduos, determinado previamente

pela classe social à qual pertence e pela trajetória social percorrida ao longo da vida.

Para Veblen, a origem da classe ociosa deu-se no momento em que a posse de uma

propriedade e a acumulação de bens passaram a ser sinônimo de sucesso e distinção social.

Assim, cada vez mais aumentava a preocupação do indivíduo com a sua posse pecuniária, a

qual ele continuamente comparava com a dos demais membros da comunidade, processo que

o autor denomina de força pecuniária. A partir desse momento, todos queriam estar acima do

padrão médio da sociedade, o que levava o indivíduo a estar sempre insatisfeito e a querer um

contínuo aumento da sua riqueza, sempre comparada à dos outros, fato esse que o autor

denomina de emulação pecuniária”: “O indivíduo normal, enquanto tal comparação lhe é

distintamente desfavorável, vive cronicamente descontente com a própria situação [...]”

(Veblen,1965 :45).

Para essa classe superior, não bastava apenas possuir o bem, mas era necessário

ostentá-lo Assim, não só essa classe consumia mais do que o necessário para sua

sobrevivência, como também seu consumo se especializava em qualidade:

Ele consome livremente e do melhor, no tocante a alimentos, bebidas, narcóticos, abrigo, serviços, ornamentos, vestuários, armas e munições, divertimentos, amuletos, ídolos e divindades […] Por ser o consumo dos bens de maior excelência prova de riqueza, ele se torna honorífico; reciprocamente, a incapacidade de consumir na devida quantidade e qualidade se torna uma marca de inferioridade e de demérito (Ibidem:79).

Esta discriminação rigorosa passou a reger o modo de vida desse indivíduo, a sua

educação e atividade intelectual. Além de ter de absorver com dignidade e distinção todas as

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atividades acima, também teve que cultivar o gosto e saber distinguir o que era nobre e o que

era ignóbil (Ibidem:79).

A riqueza passou a se tornar um fator decisivo como distinção social a partir da

transição do estágio predatório (subsistência e honrarias por meio de caça) para o pecuniário.

Foi a partir desse momento que a classe ociosa se consumou. Esse tipo de classe podia se

privilegiar do ócio, que, nesse caso, não implicava em indolência ou quiescência; significava,

simplesmente, tempo gasto em atividade não produtiva, o que se traduzia em talentos,

habilidades, conhecimentos e capacidades.

Para se diferenciar das classes inferiores, a classe ociosa visava cada vez mais a um

comportamento mais requintado, impondo seu padrão como referência de gosto e distinção. O

consumo passou a valer menos como necessidade e mais como status social.

Como mencionado anteriormente, o luxo na Idade Média não era o mesmo; ele se

transformou à medida que o tempo caminhou. Com a transformação da sociedade, ele

integrou novos argumentos, banalizou-se para depois se diferenciar, e assim o fez numa

espiral constante, como será visto a seguir.

Como já foi dito, no antigo regime, a imitação ao luxo era algo corriqueiro, as famílias

burguesas procuravam imitar a aristocracia nas vestimentas, no modo de comer, comprar,

portar-se e, desde que tivesse dinheiro, isso não era empecilho a nada. A fortuna do burguês

dependia do seu trabalho, que se opunha ao ócio da aristocracia. Esse padrão foi quebrado na

Revolução Francesa, quando ocorreu a ruptura das fronteiras entre o luxo e o popular,

principalmente em relação à vestimenta, e cada um passou a ser livre para usar as roupas que

lhe convinham. Porém, segundo Ortiz (1991:129), “na medida em que a distinção social não

mais se encontra vinculada a uma discriminação jurídica de aparências, corremos o risco de

serem confundidas”. Esse tipo de democratização ameaça a diferenciação, o status.

Numa sociedade industrializada, a imitação confere proximidade e distância ao luxo.

Proximidade, porque, aparentemente, confere uma indiferenciação às aparências, e distância,

porque a diferenciação é logo recuperada através da distinção. Se, por um lado, os grands

magasins apareceram com a proposta de massificar, os magasins de nouveautés, nas décadas

de 1830/1840, surgiram como locais de artigos de luxo. O aparecimento de novas lojas que

substituíram os balcões rompeu com a especialização de pequenos comerciantes. Um novo

modo de vender se iniciou; um movimento de padronização de roupas que passou a ditar um

novo modo de fabricação: do artesanal para o industrial. Surgiu, então, uma nova tendência

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arquitetônica na construção das lojas, que são, hoje, quase como catedrais, um espetáculo de

consumo: “o progresso industrial e o desenvolvimento geral da riqueza fazem aos poucos que

o uso de uma quantidade de mercadorias que eram olhadas como um grande luxo torne-se

comum” (Paul Leroy-Beaulieu apud Ortiz, 1991:135).

Nessa visão democrática, percebe-se que o povo adquire, na contemporaneidade,

maior bem estar, mais luxo útil do que o rico, apesar de ricos e pobres continuarem a existir.

Claro que, com a banalização das aparências, um novo caminho passa a ser trilhado pela

distinção social, o investimento nas raridades, como, por exemplo, na alta costura.

A alta costura fornece à classe dominante as marcas simbólicas da classe que são, como se diz, de rigor em todas as cerimonias exclusivas do culto que a classe burguesa se presta a se mesma, através da celebração da sua própria distinção. Por isso, ela é parte integrante do aparelho encarregado da organização desse culto e da produção dos instrumentos necessários à sua celebração (Bourdieu,2002 :162-163)

Embora ainda seja visto como consumo ostensivo, há um consenso entre as correntes

de que é possível distinguir o luxo entre o luxo bom e o luxo mal, ou seja, um luxo útil e um

outro abusivo, cercado de excessos.

Um aspecto importante na concepção do luxo refere-se à utilidade enquanto conforto.

Os grands magasins, as estradas de ferro, os transportes, a alimentação, a construção das

casas, todas essas novidades têm uma relação direta com o conforto e o bem-estar social da

população em geral. Um exemplo citado por Ortiz é a alimentação: alimentos como pão,

carne, toucinho, manteiga, arroz, etc. eram encontrados na mesa de uma família pobre em

1890. Algo impensável um século antes, quando a refeição principal era sopa e pão. A criação

das redes ferroviárias, dos transportes marítimos facilitou o transporte das mercadorias e os

produtos puderam ser distribuídos em larga escala. Toda essa tecnologia foi responsável pela

democratização desses objetos e surgiram, nas casas pias, banheiros, garfos, facas, tudo

produzido em massa, propiciando um novo tipo de bem-estar e conforto à vida dos

trabalhadores (Ortiz, 1991).

Não se pode negar que as classes trabalhadoras, na virada do século, muito se

beneficiaram desse luxo útil, porém considerável parte da população francesa ainda não tinha

poder de compra. As lojas de departamento, por exemplo, eram frequentadas pelos burgueses

e pelas classes médias. Os operários e camponeses ainda não tinham acesso a esse tipo de

local.

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Se, no Antigo Regime, ociosidade e labuta eram dois polos excludentes, todo esse

conceito de ócio começou a mudar a partir da evolução das regras trabalhistas, com a

aquisição do direito de férias pelos trabalhadores. Com a Revolução Industrial, nasceu uma

nova classe formada de banqueiros, empresários e trabalhadores. Assim, o luxo útil passou a

ser reconhecido como algo natural a nessa nova classe trabalhadora: “o uso da riqueza, dentro

dos limites das necessidades consideradas legítimas, se articula a uma ética de trabalho que se

associa ao sistema produtivo como um todo” (Ibidem:151).

Assim, no início de século XIX, com a queda do poder da nobreza, começaram a

aparecer alguns novos conceitos para o termo ócio, não mais entendido como algo parasita,

mas sim como momento de lazer, compensador de um período de trabalho. Por exemplo,

Ortiz cita o turismo como divertimento e prazer. A partir desse momento começaram a surgir

milhões de cafés em Paris e iniciou-se a cultura do espetáculo, com cinemas, teatros, parques.

Portanto, à medida que a sociedade se industrializava, para compensar o processo de

padronização, o consumo passou a ser investido como processo individual. O surgimento dos

grands magasins fez o consumidor se sentir uma massa. Lojas de departamentos proliferaram,

mudou-se o hábito de comprar em pequenos bazares, efetivou-se a combinação entre trabalho,

lazer, compra e diversão.

Com as revoluções tecnológicas mais intensificadas após as duas grandes guerras, o

processo de consumo exclusivo tornou-se cada vez mais complexo. Para Allérès (2000), o

luxo passou a abranger diversas categorias tanto para produtos como para serviços:

• Serviços: hotéis, restaurantes, spas, voos de primeira classe, entre outros.

• Mercado cultural: objetos de arte.

• Objetos de decoração e equipamentos domésticos em geral: cristais,

porcelanas, artigos de prata, antiguidades, faianças.

• Imóveis: mansões, apartamentos, propriedades territoriais, ilhas, fazendas.

• Lazer: coleções, esportes, polo, equitação.

• Alimentos: bebidas, especialmente vinhos e champanhes, especiarias.

• Produtos de uso pessoal: vestuário e acessórios de alta costura, prêt-à-porter,

calçados, cosméticos e perfumarias, relógios, artigos de escrita, joalheria e bijuteria.

• Meios de transporte: automóveis, iates, aviões particulares.

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Embora possa parecer estranho estarem juntas categorias tão díspares como aviões e

bijuterias, todas as acima mencionadas remetem-nos a uma oportunidade de diferenciação e

de sofisticação para consumidores específicos. Muito embora a categoria panelas não esteja

explícita no item equipamentos domésticos em geral, a própria evolução da gastronomia nos

últimos 10 anos tratou de incluí-las. Tanto como existem carros comuns e carros de luxo, há

também as panelas de alumínio do dia a dia e as mais requintadas, como o nosso objeto de

estudo, feitas de ferro e passadas por um processo artesanal rigorosíssimo.

Outras manifestações sobre as variações de luxo têm aparecido no mercado, como

“luxo massificado”, novo luxo (Silverstein, 2005 apud Strehlau, 2009) e luxo democrático,

como diferentes formas de referência às marcas que se encontram no topo do mercado. Elas

podem trazer certo prestígio a seus usuários, apesar de não serem um produto de luxo. Como

exemplo, pode-se citar o café da Starbucks e a lingerie da Vitoria Secrets (Strehlau, 2009). A

autora define esse tipo de luxo como produtos premium, acessíveis ao consumidor de classe

média. Segundo definição, o luxo não pode ser democratizado, o que se modifica é onde o

luxo se manifesta.

Appadurai (2008:57-57) propõe outra definição dos bens de luxo, que não os retrata

como contraste das necessidades, mas como bens que são símbolos materializados e que

possuem as seguintes características:

a) restrição, quer por preço ou por lei;

b) complexidade de aquisição;

c) virtuosidade semiótica, ou seja, capacidade de assimilar complexas mensagens

sociais;

d) necessidade de um conhecimento especializado para uso apropriado do produto;

e) alto grau de associação entre seu consumo e corpo, pessoa e personalidade.

Assim, atribui-se luxo a um produto que apresenta a combinação dos elementos acima,

acrescentando, ainda, o imaginário e o glamour que esses objetos despertam no usuário do

produto. Allérès (2000) sintetiza a categoria luxo em quatro dimensões:

a) funcional: associada à utilidade propriamente do bem;

b) cultural: representada pela história do produto ou de seu criador;

c) simbólica: vinculada ao hedonismo e ao narcisismo do consumo do objeto;

d) social: evidenciada nos desejos de distinção e imitação despertados.

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Como visto anteriormente, o desenvolvimento da tecnologia possibilitou a reprodução

desses produtos em massa, barateando seu custo final. Assim, para que o consumidor pudesse

obter um produto diferenciado, este precisava se tornar mais raro e de difícil acesso, a fim de

se legitimar uma distinção social. Appadurai (2008) sugere que o valor dos objetos existe

devido ao desejo do indivíduo de obtê-lo.

No Brasil, a democratização do luxo foi marcada no início dos anos 90 com a

globalização e a consequente diversificação de ofertas. Todo este processo foi facilitado ainda

mais pela flexibilização das formas de pagamentos (The Economist, 1992). Desse modo, para

preservar a função desses objetos, a única maneira de mantê-los na sua função original seria

tornar o critério de autenticidade mais complexo. O luxo não atribui nenhuma ascensão social;

o luxo, para ser luxo, deve nascer luxo. Para ter acesso à categoria do luxo, não basta ter

apenas dinheiro, mas é também necessário ter os atributos abaixo (Appadurai,1986):

a) saber como adquirir;

b) saber decifrar suas embalagens complexas (virtuosidade semiótica);

c) saber usar: ter o conhecimento pleno de seu uso.

Como nem todo o luxo é igual, Castarède (1992) e Allérès (2000) mencionam que o

luxo ainda pode ser classificado em:

a) luxo inacessível: aquele que tem como característica caráter de longevidade, que

pode passar ao longo de gerações; é formado por alta joalheria, obras de arte, alta-

costura, veículos e imóveis;

b) luxo intermediário: formado por produtos produzidos em quantidade limitada,

como peles, prêt-à-porter, acessórios e artigos de escritas;

c) luxo acessível: caracterizado por um consumo de bens não duráveis, de consumo

praticamente imediato, formado por perfumes, bebidas, produtos alimentícios.

Bourdieu (2003) já mencionava, na década de 70, que as pessoas sempre buscaram

uma diferenciação, e o luxo é um tipo de diferenciação que pode ser caracterizada como

econômica, cultural e social. O autor explica o consumo contemporâneo refletido nas

manifestações entre as classes sociais. Enquanto as classes de menor poder aquisitivo

limitam-se a atender às virtudes de primeira necessidade, privilegiando a posse funcional do

objeto, as classes médias, já mais liberadas dessa urgência e com essas necessidades já

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supridas, buscam algo a mais, uma vez que consideram esses valores muito naturais. As

pessoas consomem e ostentam os bens como forma de criar vínculos de distinção social, e o

luxo vai além da posse do produto; é uma maneira de demarcar fronteiras para distinguir as

relações sociais:

Os gostos obedecem, assim, a uma espécie de lei de Engels generalizada: a cada nível de distribuição, o que é raro constitui um luxo inacessível ou uma fantasia absurda para os ocupantes de nível anterior ou inferior, torna-se banal ou comum, e se encontra relegado à ordem do necessário, do evidente, pelo aparecimento de novos consumos, mais raros e, portanto, mais distintivo (Bourdieu, 2003:76).

Ao falar sobre os gostos do luxo e os gostos da necessidade, Bourdieu (2006) comenta

que o verdadeiro princípio das diferenças no campo do consumo é a oposição entre ambos. O

autor quer mostrar que os gostos populares se restringem às necessidades básicas, ao contrário

do que ocorre com a classe burguesa, que tem uma liberdade de escolha em relação aos

produtos de luxo. Esse aspecto fica claro com o objeto de estudo em questão, por meio de

uma fala do representante do grupo ZWilling, detentor da marca Staub:

Tudo o que se faz na panela de ferro é melhor, os pratos ficam mais saborosos. Entretanto é uma culinária mais pesada, não para o dia a dia; o processo do cozimento é mais lento, a limpeza é diferente das panelas de aço inox, que são mais práticas, para o dia a dia.(G.Zwilling, produtor).

A partir desse depoimento, pode-se concluir que as panelas Staub apresentam um

diferencial sobre as panelas mais comuns, as de alumínio, do dia a dia. Por essa razão, elas

não são consideradas para uma culinária mais simples, mas sim como algo a ser usado em

ocasiões especiais, mais elaboradas, de um gosto mais diferenciado.

A forma como cada agente expressa seus gostos coloca em evidência seu capital

cultural, definindo, assim, tanto para ele mesmo quanto para seus pares, seu posicionamento

no lugar social por meio do estilo de vida. Com relação à imagem, é possível transportar a

teoria de Bourdieu para o design das panelas.

Além do design, achei o processo de fabricação muito interessante: ela tem um design diferenciado das demais panelas, são super-resistentes às lascas de pintura (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

O senso estético da distinção está diretamente ligado à sua teoria de gosto.

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Portanto, nada há o que distinga tão rigorosamente as diferentes classes quanto a disposição objetivamente exigida pelo consumo legítimo das obras legítimas, a aptidão para adotar um ponto de vista propriamente estético a respeito dos objetos já constituídos esteticamente – portanto, designados para a admiração daqueles que aprenderam a reconhecer o signo do admirável – e, o que é ainda mais raro, a capacidade para constituir esteticamente objetos quaisquer, ou, até mesmo “vulgares” ou aplicar os princípios de uma estética pura nas escolhas mais comuns da existência comum, por exemplo, em matéria de cardápio, vestuário ou decoração da casa (Bourdieu, 2006:42).

As diferenças econômicas entre as classes são significativas em relação ao poder

simbólico e contribuem para a reprodução e diferenciação social. A classe dominante se

impõe sobre o polo econômico e reforça essa dominação quando tem sua hegemonia no

campo cultural (Canclini, 2004). O autor ainda acrescenta que, por serem inseparáveis o

simbólico e econômico, a classe social não se distingue apenas pela posse de propriedades

(volume e estrutura do capital) nem por uma soma de propriedades (origem social +

rendimentos + nível de instrução), mas pelas “redes de relações sobrepostas, que estão

presentes em cada um dos agentes” (Ibidem:74). Essas redes serão explicadas mais adiante.

Assim, a sociedade está estruturada em classes sociais que se diferenciam não só pelo

aspecto econômico, mas pela maneira de consumir o produto, transformando-os em símbolos.

O padrão de consumo é explicitado não, necessariamente, no objeto em si, mas no que ele

representa; por exemplo, um móvel velho pode ser visto tanto como uma antiguidade a ser

restaurada quanto como um objeto, sem utilidade, que necessita ser substituído (Bourdieu,

2006).

Para Bourdieu, as classes se diferenciam, tal como o marxismo, pela sua relação com a produção, pela propriedade de certos bens, mas também pelo aspecto simbólico do consumo, ou seja, pela maneira de usar os bens transformando-os em signos (Canclini, 2004:73).

Segundo Bourdieu (2003), o mundo social é um espaço de muitas dimensões formado

por diferenciações. Dentro de um espaço social, cada individuo é considerado um agente que

tenta se diferenciar dos demais por meio de posições sociais. Os agentes que estão no topo

dessa hierarquia social são considerados representantes das classes dominantes e tentam

conservar sua posição de liderança de capital social, cultural e econômico, impondo regras de

consumo e do gosto, e modificam-nas continuamente para que estas possam se tornar raras e

exclusivas. Do outro lado, os agentes que estão em posição inferior desejam se apropriar das

práticas de consumo dos agentes superiores, para se tornarem iguais a eles. Quem participa

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desse jogo tem um conjunto de interesses comuns e são cúmplices nessa luta (Canclini,

2004:76).

Como visto anteriormente, Bourdieu (2002,2003, 2006) considera a teoria do gosto e

estilos de vida, conceitos desenvolvidos para demarcar as classes sociais, analisar as lógicas

de consumo e observar como estas se constroem. Como observa o autor:

A possibilidade de ler, no estilo de mobiliário e vestuário, o verdadeiro estilo de vida de um grupo deve-se ao fato de que não só tais propriedades são objetivação das necessidades econômicas e culturais que determinaram tal escolha, mas também as relações sociais objetivadas nos objetos familiares, em seu luxo ou pobreza, em sua distinção ou vulgaridade, em sua beleza ou feiura [...] (Bourdieu, 2006: 75).

Ao pesquisar os usuários da Staub, percebe-se que eles apresentam um estilo de vida

diferenciado, pois tecem um tipo de networking para agregar admiração entre seus seguidores,

haja vista uma usuária que, quando comenta em seu blog que “suas francesinhas chegaram”

(referência às panelas Staub), recebe várias respostas de cumplicidade e admiração. Desse

modo, conforme afirma o autor:

O gosto (Idem, 2002, 2003, 2006) é uma escolha forçada pelas condições de um

espaço social que geram um estilo de vida. O gosto das pessoas não é tão livre quanto

aparenta, pois é limitado dentro de uma ação na qual ela se encontra. À medida que o

consumidor ascende uma classe social, ele adquire novos gostos e novos estilos de vida:

A disposição estética - com a competência específica correspondente, constitui a condição da apropriação legítima da obra de arte - é dimensão de um estilo de vida no qual se exprimem, sob forma irreconhecível, as características específicas de uma condição (Bourdieu, 2003:78).

Seguindo essa mesma linha, mas em outro contexto, Landowisky (1997), ao criar uma

das suas teorias, a política do gosto, comenta que esta é definida também pela posição

hierárquica. O sujeito, neste caso, refere-se a um tipo de positividade vindo do Outro:

O Outro é aquele que oferece o conjunto de linguagens e dos saberes, dos usos e das normas, assim como evidentemente “dos gostos” vigentes e aceitos em torno dele. […] Isto equivale a dizer que, nesse caso, para aprender quem é, o sujeito confiará na definição que o grupo ao qual pertence, o meio que o circunda, lhe propõe de sua identidade (Landowisky, 1997:129).

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Desse modo, o gosto faz parte de um complexo processo influenciado quer pela

inserção familiar quer pelas trajetórias que os indivíduos percorrem dentro dos grupos sociais

aos quais pertencem. Segundo Bourdieu (2002,2003; 2006), as classes dominantes de uma

determinada sociedade impõem seu próprio modelo de consumo e tornam-no legítimo perante

os demais grupos sociais que constituem as consideradas classes dominadas. Desse modo, as

classes dominadas sentem-se na obrigação de adotar e aceitar o modelo imposto pelas classes

dominantes.

Haja vista o exemplo do chef Paul Bocuse, que, dentro de um campo de lutas e por sua

trajetória de capital cultural, consegue impor as panelas Staub como utensílios de grande

utilidade, o que faz com que elas passem a exercer domínio nesse setor. Este exemplo pode

ser observado no youtube9, que apresenta o chef preparando uma receita usando as panelas

Staub.

Embora Veblen (1965) veja esse movimento apenas como consequência exclusiva do

poder econômico, Bourdieu (2003,2006) vai além ao considerar que a natureza desse poder é

essencialmente cultural, muito embora apoiada no alicerce econômico.

Nesse contexto, esse é um poder dificílimo de ser desmontado, uma vez que, mesmo

que os indivíduos venham a adquirir capital econômico, lhes faltará capital cultural para

assimilar os gostos e estilos de vida das classes dominantes. Desse modo, resta apenas a

apropriação das significações que os usuários projetam nas panelas, como, por exemplo, a

presença da emblemática Imagem de Paul Bocuse, para que passem a se sentir como

verdadeiros chefs de cuisine. Basta que Paul Bocuse dê o aval, legitime o saber cozinhar com

estilo e nobreza para que os usuários das panelas por ele apresentadas se sintam com um

status diferenciado.

Assim, o que distingue os indivíduos não é o que eles consomem, mas como eles

consomem, o que é determinado por meio de códigos que se tornarão mais, ou menos,

legítimos, de acordo com a utilização feita pelas classes dominantes.

Nesse sentido, a lógica do consumo obedece à lógica de distinção entre as classes e a

lógica de reprodução dessa mesma distinção.

É só observar o depoimento abaixo, em que o usuário afirma que imita o modo de

cozinhar do chef Paul Bocuse, que se encontra no espaço social dominante, para legitimar

esse mesmo estilo:

9 http://www.youtube.com/watch?v=kEPGPKI167o>

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Cozinhar é uma arte e ver estes chefs cozinhando na mesma panela que tenho, é como se eu fosse o verdadeiro chef (S.T., advogado, usuário).

Porém ele jamais será Paul Bocuse, uma vez que lhe faltará código de acesso ao

capital cultural e nunca poderá progredir nessa escala de status, mas poderá, muito bem,

tornar legítima sua projeção.

Os bens de luxo são os que mais definem e diferenciam as classes sociais, pois

apresentam características claras e objetivas de distinção. O grau de distinção existe em

função da raridade de um objeto e da autoridade do proprietário para escolhê-lo. A

distribuição de um bem ou a sua utilização entre as classes tem o efeito de manter ou diminuir

sua raridade e, consequentemente, seu valor:

O que distingue as classes populares das outras classes é menos (e sem dúvida, cada vez menos) a intenção objetiva de seu estilo que os meios econômicos e culturais, que elas podem colocar em ação para realizá-la. […] O estilo de vida popular se define tanto pela ausência de todos os consumos de luxo, uísques ou quadros, champanhe ou concertos, cruzeiros ou exposição de artes, caviar ou antiguidades, quanto pelo fato de que esses consumos apresentam-se sob a forma de substitutos (o vinho gasoso no lugar do champanhe ou uma imitação no lugar do couro), indícios de um despojamento de segundo grau que acata a definição de bens dignos de posse (Ibidem, 2003: 91).

Assim, o consumo de produtos de luxo concretiza-se pelo desejo de distinção social e

essa distinção depende da exibição, do status e das diferenças sociais. Para cada nível de

classe social, o raro representa um luxo inacessível e, assim, quando se torna banal, ele passa

a ser desvalorizado e imediatamente é substituído por outro (Ibidem, 2003; 2006).

1.3 Cozinhar e comer com distinção

Segundo Doria (2009), o mundo acadêmico vem se ocupando mais e mais da

alimentação com produção de artigos, dissertações e teses de doutorado sobre o tema. Os

termos “gastronomia” e “gourmet” têm sido utilizados para representar situações de status

elevado, e o glamour que a culinária vive nos dias de hoje demonstra sinais de

supervalorização dos aspectos simbólicos do cozinhar.

Atualmente a palavra gourmet assume uma posição bem distinta da que tinha até há

pouco tempo, quando era tomada, por referência quase única, como sinônimo da haute cuisine

francesa. Ser gourmet, hoje, significa não só possuir um profundo interesse por tudo o que se

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bebe e se come e ser grande conhecedor do assunto, mas também aprender a degustar,

prazerosamente, os alimentos, sabendo avaliá-los segundo critérios técnicos. “Ser gourmet é,

portanto, transcender o chauvinismo culinário e poder realizar uma mistura sutil de tradição e

de curiosidade pelo novo” (Franco, 2001:259).

O dicionário Houaiss (2009) define gourmet como “1) indivíduo que é bom apreciador

e entendedor de boas mesas, de bons vinhos e se regala com finos acepipes e bebidas”.

Gastronomia é definida pelo mesmo autor como “1) prática e conhecimentos relacionados

com a arte culinária; 2) o prazer de apreciar pratos finos”.

A origem da palavra gourmet tem sua ascendência francesa e designava originalmente

"os bons apreciadores do vinho, denominação posteriormente ampliada para tudo que se

relacionava aos prazeres da mesa".10

Cada vez mais, um maior número de pessoas considera cozinhar, mesmo que

esporadicamente, um ato de prazer. Cozinhar é uma atividade que tem sido enobrecida a tal

ponto que declarar-se conhecedor na cozinha pode conferir um ato de distinção:

A gastronomia induz a fazer do comer uma imensa fonte de satisfações, uma experiência sensorial total. Assim, além dos sabores, consistências, texturas e odores, são importantes o cenário, os sons, as cores, a intensidade de luz, as alfaias, o flamejar das velas, o tilintar dos cristais, e, evidentemente, a interação entre os convivas (Franco,2001:246).

Essa disseminação das terminologias gourmet e gastronomia, mencionada por Doria

(2009) e Franco (2001) , pode ser observada nos eventos gastronômicos populares, como a

Virada Gastronômica no Minhocão11, promovida em São Paulo, na madrugada de 4 para 5 de

maio de 2012. Com um público muito maior do que o esperado, de 5000 pessoas, o sucesso

foi tão grande que os coordenadores terão que replanejar o evento para o próximo ano. Outro

exemplo são os empreendimentos imobiliários, que se apropriam da palavra gourmet como

sinônimo de distinção social e utilizam-na para vender seus imóveis, empregando-a em

denominações como Espaço gourmet ou Terraço gourmet.

Savarin (1995) comenta que a importância da gastronomia é tão significativa que

chega a ter influência desde nos negócios de grandes empresários ou políticos até nas simples

10 Disponível no site www.origemdapalavra.com.br. 11 “A virada gastronômica “ contou com a presença de 26 chefs de cuisine badalados, dentre os quais Alex Atala e Erick Joaquim., que colocaram suas caçarolas nas ruas para servirem pratos renomados, como a galinhada e a sopa de cebola. Disponível em .http://vejasp.abril.com.br/materia/virada-gastronomica-minhocao.

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relações sociais. O autor descreve, por meio de explicações científicas, que a gastronomia

pode trazer sensações, prazeres e até desprazeres:

A gastronomia considera o gosto tanto em seus prazeres como em seus desprazeres; ela descobriu as excitações graduais a que este sentido é suscetível; regularizou sua ação e estabeleceu os limites que o homem que se respeita jamais deve ultrapassar. Ela considera também a ação dos alimentos sobre o moral do homem, sobre sua imaginação, seu espírito, seu julgamento, sua coragem e suas percepções, esteja ele desperto, ou durma, ou aja, ou repouse. É a gastronomia que fixa o ponto de esculência de cada substância alimentar, pois nem todas se apresentam na mesma circunstância (Savarin,1995:58).

Nos negócios, a gastronomia exerce sua influência, uma vez que qualquer assunto

pode ser tratado à mesa. De acordo com o autor, um homem alimentado não é o mesmo que

um homem em jejum e, segundo ele, a mesa pode estabelecer uma espécie de vínculo durante

as negociações, inclusive políticas, e, nesses casos, usa-se a denominação de gastronomia

política. O autor descreve o prazer que a gastronomia proporciona quando se está à mesa:

O prazer da mesa é a sensação refletida que nasce das diversas circunstâncias de fatos, lugares, coisas e personagens que acompanham a refeição. O prazer da mesa é próprio da espécie humana; supõe cuidados preliminares com o preparo da refeição, com a escolha do local e a seleção dos convidados (Ibidem:170-171).

A gastronomia é tida, também, como um fator de união nas relações sociais, já que é

responsável por ampliar o espírito do convívio diário nas mais variadas situações; ela

aproxima as pessoas, anima a conversação, descontrai o ambiente, enfim, sustenta todos os

esforços do anfitrião para receber bem seus convidados, que expressam seu reconhecimento,

quando percebem que são bem tratados. Segundo reflexões de Trindade e Perez:

Compartilhar o momento da refeição é um signo de afetividade, cordialidade e até de cumplicidade. Almoço e jantar transformam-se em des-culpa para o encontro, tanto em ocasiões mais formais, como os tradicionais almoços de negócios, mas também para descontração e evasão e gozo social. Esses momentos reúnem o prazer sensorial do alimento com o prazer do encontro e podem se transformar em uma privilegiada manifestação do encontro da satisfação humana. (Perez; Trindade, 2011 apud Trindade; Perez,2013).

Ao longo da história, a gastronomia e o gourmet sempre estiveram associados à ideia

de nobreza, estilo e requinte.

Já se comentou, no item 1, que a Renascença Italiana foi o principal precursor de uma

série de luxos e ostentações em diversos campos, inclusive no da culinária italiana, com

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destaque para sua qualidade e prestígio. As boas maneiras italianas eram referência de

limpeza, de boas maneiras e de jantares à corte. Lavar as mãos, comer com garfos eram

atitudes de requinte e elegância à mesa, fato inexistente entre as camadas populares. Os

serviços eram realizados em buffet e colocados todos ao mesmo tempo à mesa. O hábito de

servir à francesa e apresentar cada prato a cada um dos convidados só teve início no século

XIX (Franco, 1986).

Nessa época, além de se destacar na gastronomia, a Itália era também uma grande

patrocinadora do desenvolvimento da arte e da cultura, fato que não ocorria nos demais países

da Europa, uma vez que os nobres de países como a França e a Inglaterra viviam no campo,

em seus castelos, e os religiosos, em mosteiros. A Itália, em relação aos demais países da

Europa, apresentava uma sociedade com muito mais refinamento em seu estilo de vida, de

comer, de se vestir. Essa situação alterou-se em 1533, com o casamento entre a italiana

Catherine de Médicis e o rei Henrique II, da França. A nova rainha levou para esse país a

elegância de Firenze além de muitos cozinheiros italianos que, rapidamente, se incorporaram

à cultura francesa e incluíram inúmeras receitas no repertório francês. Por muito tempo foi

considerado muito chique ter um cozinheiro italiano entre os nobres franceses. Com Catherine

de Médicis, a nobreza francesa passou a ter acesso a um requinte e paladar diferenciado, que

incluía peixes, aves, queijo parmesão ralado, crepes, alcachofras, trufas e carne de vitela.,

além dos doces representados pelas compotas, geleias e doces de frutas, expertise, na época,

dos italianos (Franco,1986, 2001).

Para as mesas da França foram importados “cristais de Veneza, faiança de Urbino,

toalhas bordadas e pratarias de Florença” (Ibidem:74). Em meados de século XVI, a

variedade e a qualidade da comida francesa tornaram-se célebres para os estrangeiros. Assim,

os franceses, que até então eram desconhecidos pela sua cozinha, passaram a ser admirados e

destacaram-se na arte da culinária e da gastronomia.

O autor também destaca que, até o século XVIII, jogos de talheres individuais eram

exclusivos da nobreza e, portanto, considerados signo de distinção e de apreço. Eram

presentes muito apreciados, pois eram distribuídos pela corte a seus convidados durante os

banquetes de grandes eventos.

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O termo gastronomie apareceu na França no século XVII (1623) e só foi difundido

amplamente no século XVIII 12. O cozinheiro La Varenne, dos reis Henrique IV e Maria de

Médicis, o mais famoso dos chefs da época, escreveu, em 1651, o livro Cuisine Française,

considerado referência em regras para pratos, molhos e observações técnicas na culinária

(Franco, 1986 e 2001).

Nessa época, a nobreza passou a se interessar pela gastronomia e pelos grandes

cozinheiros. O apogeu chegou com Luís XIV, o Rei Sol, que fazia suas refeições diante de

seus súditos, resultando num grande espetáculo. Em 1688, chegou a champanhe Dom

Perignon e a fama da gastronomia francesa espalhou-se rapidamente por toda a Europa

(Ibidem).

A cozinha francesa passou a dar mais ênfase à elegância e foi marcada por um período

de invenção e criatividade. Para os membros da nobreza e para os mais abastados, ter um

cozinheiro era um sinal de distinção, uma vez que permitia oferecera os seus convidados

pratos requintados e diferenciados.

Os menus eram grandiosos e a porcelana levada da China. Aos poucos, a boa mesa foi

ficando acessível à classe média. Com a Revolução Francesa, houve uma ampliação do

número de restaurantes e a nobreza foi substituída pelos novos ricos, a burguesia. Assim,

muitos restaurantes passaram a contratar os chefs de cuisine antes empregados pela

aristocracia, enquanto outros chefs abriam seus próprios restaurantes. Os restaurantes, no

sentido que conhecemos atualmente, apareceram somente no final do século XVIII e

distinguiam-se de seus antecessores (cabarés, albergues e tavernas) por serem silenciosos e

terem uma decoração requintada.

A maior parte dos gourmets do século XVIII arruinou-se com a Revolução Francesa,

assim, muitos, para sobreviverem, passaram a escrever sobre gastronomia e fundaram

sociedades epicuristas O fogo de lenha, sobre o qual se preparavam os alimentos, foi

substituído, no século XIX, pelo fogão de ferro fundido aquecido por carvão mineral, que

permitia maior utilização do espaço e melhor execução de tarefas (Ibidem).

As grandes rotas ferroviárias e marítimas construídas ao longo da história, além de

contribuírem para grandes saltos tecnológicos, ajudaram muito o desenvolvimento de nova

tecnologia para a manutenção dos alimentos, conservação e distribuição de novos ingredientes

12 No Brasil, o termo gastronomie apareceu no século XIX sob a influência da língua francesa. (Franco,1986)

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(Franco, 2001). As contínuas inovações ocorridas durante o século XX influenciaram

diretamente as atividades da culinária e o modo de comer da sociedade. Lançamentos de

aparatos como geladeiras, fornos e fogões e aparelhos eletrodomésticos beneficiaram

diretamente a cozinha doméstica. Com as geladeiras, por exemplo, prorrogou-se a via útil dos

produtos. Além disso, deu-se início a uma infinita lista de criações e invenções de utensílios

de cozinha, como facas de descascar maçãs, seringas para injetar temperos na carne, bicos de

confeiteiro, e assim por diante. O desenvolvimento das tecnologias alimentares no século XX

deu também espaço para as indústrias de alimentos. Com os numerosos recursos tecnológicos

foi possível o controle da vida microbiológica e dos processos físico-químicos,

desenvolveram-se pesquisas sobre sabores, cores e aromas, foram feitos grandes

investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento que levaram as indústrias de

alimentação a serem reconhecidas como detentoras de conhecimento de ponta a respeito do

cozinhar (Doria, 2009:83).

Mesmo com toda essa evolução e com o aumento do diálogo entre a gastronomia e a

cozinha doméstica, a diferença entre o chef de cuisine e a cozinheira se mantém. Este domínio

teve pouca ou nenhuma alteração desde a Revolução Francesa e são os homens que

continuam no poder dessa área gastronômica, liderando restaurantes, escrevendo suas colunas

e representando júris de degustação. Na intimidade do lar, a parte da rotina cabe à esposa, e,

aos homens que gostam de cozinhar, é lhes reservado o privilégio de preparar pratos com

requinte para ocasiões também especiais, conforme destaca a pesquisadora Lucy Giard

(Certeau, Giard, Mayol, 2009). O chef é visto como um administrador que tem obrigações

cotidianas variadas e numerosas, desde as compras dos ingredientes até o planejamento do

cardápio e a supervisão do pessoal da cozinha, que pode chegar a dezenas de pessoas. Deve

ainda estar sob sua orientação a execução dos pratos e do cardápio e faz parte de seus afazeres

trocar ideias com o maître do restaurante (Franco, 1986, 2001).

Giard (Certeau, Giard, Mayol, 2009) observa que, ao longo da história, homens e

mulheres têm passado por papéis diferentes dentro do espaço simbólico da cozinha. Na

França do século XVIII, a arte de cozinhar era atribuída aos homens, que assumiam o papel

dos grands chefs e ocupavam o espaço da excelência, do requinte e da autoridade sobre a

gastronomia, enquanto as mulheres ficavam restritas ao espaço da cozinha familiar:

A gastronomia será, por conseguinte, um assunto exclusivamente de homens. […]. A sociedade burguesa do século XIX, que deu continuidade à empresa gastronômica e

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sonhou atingir o requinte da antiga aristocracia, fez desta prática um exercício social masculino, baseada na exclusão das mulheres consideradas muito fracas fisicamente para absorver, num único banquete, alimentos fortes, temperados, apimentados e ‘estranhos demais`, e para tomar parte na vertente teórica e literária do trabalho em curso (Certeau, Giard, Mayol, 2009:291).

Ao mesmo tempo em que a gastronomia se apropriava do glamour, da criação e da

sofisticação, a cozinha comum diária, exercida por mulheres, era considerada uma prática

cotidiana, sem inovação, simples e rotineira. Cozinhar no dia a dia era considerado tarefa

simples e até um pouco tola. Essa diferença era claramente percebida na linguagem dos

ingredientes, nos nomes dos pratos e nos utensílios de preparo.

Não se dá nomes pomposos à culinária simples, tarefa própria e indicada aos

renomados restaurantes, preocupados em nomear sua criação. Assim, quanto mais requintados

os restaurantes, mais pomposos e enigmáticos são os nomes dos seus pratos, sendo necessário

recorrer ao maître para decifrar seus ingredientes. Essa prática de dar nomes requintados aos

pratos tem sua origem na ascensão da burguesia. Após a Revolução Francesa, os chefs de

cuisine, que antes atendiam à elite nobre e que passaram a ter os seus próprios restaurantes,

levaram, para a burguesia, o vocabulário sofisticado para nomear os pratos adequados ao

paladar burguês, com o intuito de fazer com que os indivíduos dessa classe percebessem nisso

uma elevada distinção social.

Embora a gastronomia e a cozinha do dia a dia sempre se situassem em espaços

distintos, Giard observa que, com o passar do tempo, movimentos de apropriação da mesma

linguagem começaram a transitar de um espaço para outro. Pratos da gastronomia passaram a

ser conhecidos por todos, difundidos e integrados à ordem dos nomes comuns, como, por

exemplo, o molho bechamel. A autora, por meio de suas pesquisas, comprova o que aborda

Certeau em que o simples ato de cozinhar pode ser transformado num evento social e lançar

projeções como prazer, felicidade e reunião de família e amigos.

O que importa já não é, nem pode ser mais a “cultura erudita, tesouro abandonado à vaidade dos seus proprietários. Nem tampouco a chamada “cultura popular” [...] Sendo assim, é necessário voltar-se para a “proliferação disseminada” de criações anônimas e “perecíveis” que irrompem com vivacidade e não se capitalizam. (Certeau,2009:13)

Certeau (2009) observa, na sociedade de massa, microdiferenças, enquanto muitos só

enxergam nela a uniformização: “Sempre é bom que não se deva tomar os outros por idiotas”

(Certeau, 2009:19). Esses relatos de práticas comuns, experiências particulares, frequência às

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solidariedades e às lutas organizam o espaço onde essas narrações vão abrindo caminho, ou

seja, criam seus espaços para “delimitar o campo” (Ibidem:35).

Assim, o estudo privilegia, por meio de observações e entrevistas, o ato de falar: este

opera no campo de um sistema linguístico; coloca em jogo uma apropriação, ou uma

reapropriação, da língua por locutores; instaura um presente relativo a um momento e a um

lugar; e estabelece um contrato com o outro (interlocutor) (Certeau, 2009:40).

Para o autor, “essas maneiras de fazer formam inúmeras práticas, exercícios pelos

quais os usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas de produção

sociocultural.” (Ibidem: 41). É o novo olhar da cozinha comum, considerada por muitos como

sem criatividade, rotineira e tediosa.

Giard realizou doze entrevistas com mulheres, moradoras na França, em regiões rurais

e urbana, para compreender o papel de cada uma na preparação da comida no lar. Segundo a

autora, as vozes dessas mulheres foram ouvidas em entrevistas conduzidas por meio de um

roteiro flexível, para que cada entrevistada pudesse se sentir à vontade para “dar vazão às suas

associações de ideias”. (Certeau, Giard, Mayol, 2009:223). Foram abordados os seguintes

temas: “a) previsão das refeições e escolha do menu; b) compra e arrumação dos

mantimentos; c) fontes de receitas e aprendizagem culinária; d) preparação e papel da

invenção pessoal; e) utilização dos produtos alimentícios industrializados; f) papel do homem

da casa e suas intervenções na cozinha” (Ibidem:223).

Considerada central no cotidiano da maioria das pessoas, essa função é exercida pelas

mulheres, em sua maior parte, independentemente da sua situação social ou sua relação com a

cultura erudita ou com a indústria cultural de massa. O interesse de Giard pelas pesquisas do

cotidiano não é algo apenas descritivo, vai além: com um alto grau de ritualização e um

considerável investimento afetivo, as atividades culinárias são, para a maioria dessas

mulheres pesquisadas, um local de felicidade, de prazer e de invenção. Essas atividades

exigem tanta imaginação, inteligência e memória quanto as atividades tradicionais

consideradas mais elevadas intelectualmente, como as artes. O depoimento da autora “meu

olhar de criança viu e memorizou gestos, meus sentidos guardaram a lembrança dos sabores,

dos odores e das cores.” (Ibidem:213) demonstra que o preparo de uma comida envolve não

somente o prazer de comer bons pratos, mas o lúdico de manipular a matéria prima,

selecionar os ingredientes, organizar, manipular, combinar, modificar e inventar . Preparar um

jantar ou uma ceia para compartilhar com os amigos é usufruir da hospitalidade

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antecipadamente, como acontece quando se compõe uma música ou se pinta um quadro. É

nesse nível de invisibilidade social, nesse grau de não reconhecimento cultural que se

encerram essas mulheres, numa tarefa considerada, por muitos, ingrata, árdua, rotineira. E,

imprimindo esse outro olhar, percebe-se que, nesse mundo, cada mulher cria seu estilo

próprio, acrescenta um toque especial, adquire um modo próprio de intervir. Práticas

culinárias, consideradas a atividade mais elementar da vida cotidiana, a mais necessária e

mais desprezada (Ibidem).

Para Giard, ao observar a fundo essas atividades, consideradas por muitos tão simples

e tão tolas, pode se constatar que se exige, para sua execução, um grau diversificado de

aprendizado, de gestos, de precisão de cálculo. Não basta o conhecimento teórico, pois a

receptividade sensorial é tão importante quanto aquele. Cada refeição exige capacidade

criativa e inventiva, principalmente quando falta um ingrediente. Portanto:

[...] entrar na cozinha é manejar coisas comuns, é pôr a inteligência a funcionar, uma inteligência sutil, cheia de nuanças, de descobertas iminentes, uma inteligência leve e viva que se revela sem se dar a ver, em suma, uma inteligência bem comum (Ibidem:220).

O comer não se limita à satisfação das necessidades fisiológicas, mas faz conexão com

o ato de se relacionar com as pessoas e com o mundo. E Giard complementa: “A mudança

não abrange apenas o utensílio ou o aparelho e o gesto que o utiliza, mas a relação

instrumental que se estabelece entre o utilizado e o objeto que ele utiliza” (Ibidem:284).

Os livros escritos pelos homens, grand chefs, descrevem que os pratos, na cozinha, em

dias especiais, são requintados, caros e suas receitas estão relacionadas com o sucesso e o

poder. Os homens sempre exerceram domínio na arte da cozinha requintada. O renomado chef

de cuisine francês Paul Bocuse chegou a afirmar que, embora as mulheres sejam boas na

cozinha tradicional, elas dominam um tipo de cozinha que não abre espaço para invenção ou

criatividade (Ibidem).

Cada hábito alimentar compõe uma minúscula e infinita encruzilhada de histórias. O

cotidiano invisível - que se estende por trás do trabalho silencioso e repetitivo dessas

mulheres, que o cumprem por hábito, em uma tarefa aparentemente rotineira - esconde-se sob

uma máscara que encobre uma série de códigos, ritos, ritmos, usos e costumes herdados e que

são colocados em prática. As interações sociais remetem à lembrança às festas, celebrações

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familiares, festas religiosas e públicas, trocas de convites entre amigos, vizinhos e parentes.

(Ibidem).

À primeira vista, a vida cotidiana parece transcorrer com certa imobilidade e quietude

em que nada de interessante parece acontecer e, sendo assim, não chama a atenção dos

pesquisadores. Sua natureza repetitiva torna-a previsível àqueles que detêm o poder. Se, por

um lado, essa hipótese é verdadeira, já que a vida cotidiana é algo construído pelos sujeitos

que interiorizam e repetem diariamente hábitos e práticas culturais indispensáveis à vida

humana, como comer, dormir, trabalhar, estudar, por outro, essa falsa estabilidade produz

constantemente mudanças, já que há inovações diárias que intervêm no comportamento das

pessoas. Assim como mudam os espaços urbanos, também mudam os usos e apropriações que

as pessoas fazem desses espaços. Dar visibilidade ao cotidiano é permitir tornar

compreensíveis as práticas culturais e a natureza da mudança. “Dar visibilidade a esses

processos supõe rever a posição, o olhar sob um outro ângulo para dar sentido àqueles

inumeráveis atos e gestos que povoam o cotidiano” (Sortello, 2006:125). Como acrescenta

Certeau,

[...] esta fascinante invenção do cotidiano permite abrir um caminho para “desvendar e entender as inúmeras ações destes heróis desconhecidos, simples caminhantes das cidades, moradores de bairros, leitores e sonhadores, povo escondido das cozinhas” (Ibidem:126).

Apesar de a gastronomia e a culinária doméstica constituírem dois discursos

diferentes, elas frequentemente dialogam entre si. Esse fenômeno será observado nos

capítulos seguintes, nos quais os usuários das panelas francesas Staub apresentam narrativas

que também trazem para o espaço da cozinha doméstica os pratos elaborados, o requinte e a

sofisticação dos pratos dos chefes de cozinha, proporcionando a seus usuários e seus

convidados condições de se sentirem gourmet como distinção social. E as panelas passam a

ser um mero veículo de apropriação para esses usuários, quer sejam eles chefs, simples donas

de casa ou homens que, independentemente de suas profissões, se apropriam da arte da

culinária como objeto de prazer.

1.4 Ilhas da felicidade : desejos e prazeres

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Conforme observado anteriormente, além de designarem atos considerados de

distinção, as terminologias gastronomia e gourmet têm sido também utilizadas em situações

de prazer e contentamento. Como comenta Certeau (2009), frequentar restaurantes especiais

ou tornar, em sua casa, o ato de comer um evento social são fatos que passam a ser

considerados um ato especial. Atualmente ser gourmet ou preparar comidas especiais além de

ter virado moda, está mais acessível e mercantilizado. A realidade atual contribui para esse

novo modo de sentir, proporcionando cursos de gastronomia e programas de lazer, como, por

exemplo, a virada cultural. Pode-se verificar, inclusive, a presença da gastronomia na vida

urbana e na sua arquitetura, estando cada vez mais frequente nos eventos, como a virada

gastronômica, na venda de imóveis que coloca em destaque os terraços gourmet, varanda

gourmet, espaço gourmet, na denominação de comidas e bebidas, como café gourmet,

hambúrguer gourmet.

Segundo Ana Marta Ramos13, o gourmet do século XXI é alguém que viaja muito e

gosta de conhecer sabores tradicionais e genuínos. É uma forma de sentir prazer sem sair do

lugar. Viajar, neste caso, não significa se deslocar fisicamente, mas ter a oportunidade de se

deparar com pratos, bebidas e ingredientes de outros países. O ritual gourmet, a contraponto

do fastfood, é associado ao tempo, à qualidade dos ingredientes, à apresentação de um prato.

Para a autora, esta moda gourmet tem contribuído para uma série de vantagens para os

produtos, principalmente os industrializados Para a autora, esta moda gourmet tem

beneficiado a produção de produtos alimentícios, principalmente os industrializados, pois está

relacionada com uma maior preocupação com a qualidade dos alimentos. São produtos que

permitem introduzir um toque especial em uma refeição mais simples, resultando em um

universo que abarca novos prazeres, sensações dentro de diversos contextos sociais e

culturais. Ser gourmet também se tornou um modo de ser feliz.

Para Costa (2004a), o processo massivo de produção e de consumo, iniciado a partir

da segunda metade do século XX, produziu no consumidor a falsa ilusão da busca da

felicidade e de prazeres imediatos. Afinal, ao adquirir um determinado produto, o consumidor

é caracterizado pela sua individualidade, pela sua capacidade de ganhar status e ostentar um

certo padrão de consumo. Apesar dos aspectos positivos que a cultura de massa trouxe à

sociedade, como bem-estar, conforto, qualidade de vida, produtos mais baratos, apenas para

13 “A moda gourmet: um grande pequeno prazer.” De Ana Marta Ramos, disponível em http://www.lifecooler.com/edicoes/lifecooler/desenvRegArtigo.asp?art=2402&rev=2&artIni=5527&revIni=2.

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citar alguns de tantos outros benefícios, o consumo desenfreado, que alguns autores

classificam como consumismo, aciona também diversos aspectos negativos. Nas palavras do

autor (1994:6): “Um dos tópicos centrais da fantasia narcísica de felicidade é o da realização

imediata do desejo. O mercado fabricou a solução imaginária. Fez da felicidade consumo de

coisas que, supostamente, podemos ter quando e como quisermos.”

Segundo Morin (2009a), os anos 60 foram afetados por uma transformação cultural na

sociedade que atingiu a cultura das massas. Seu campo ampliou-se, entrando cada vez mais,

na vida cotidiana da família. Nas palavras do autor: “Ora, com a cultura de massa, os modelos

de fruição imediata do lazer, do conforto, do bem-estar, do individualismo privado do

consumo, tornam-se os grandes modelos da classe media e da burguesia” (Morin, 2009a:163).

Para Lipovetsky (2007), o consumo passou por três grandes fases, sendo a primeira, a

produção de massa, que deu origem ao marketing e ao consumidor moderno. Foi nessa época

que surgiram os grandes magazines, com ênfase à rotação rápida dos estoques, preços mais

baratos devido à venda em grande escala. Paralelamente, a publicidade ganhou força com o

grande espetáculo do consumo, transformando esses templos em locais de sonho e lazer:

Estilo monumental de magazine, decorações luxuosas, domos resplandecentes vitrines de cor e de luz, tudo é montado para ofuscar a vista, metamorfosear o magazine em festa permanente, maravilhar o freguês, criar um clima compulsivo e sensual propício à compra. O grande magazine não vende apenas mercadoria, consagra-se a estimular a vontade de consumir, a excitar o gosto pelas novidades e pelo modo por meio de estratégias de sedução que preImagemm as técnicas modernas do marketing. Impressionar a imaginação, despertar o desejo, apresentar a compra como um prazer, os grande magazines foram, com a publicidade, os principais instrumentos de elevação do consumo à arte de viver e emblema da felicidade moderna ( Lipovetsky, 2007:32).

Assim, no olhar do autor, à medida que as sociedades enriquecem, surgem novas

vontades de consumir: quanto mais se consome, mais se quer consumir.

O conforto e a vida mais fácil, a partir da segunda metade do século XX, passam a ser

uma motivação para os consumidores comprarem mais:

Exaltando os ideais da felicidade privada, os lazeres, as publicidades e as mídias favoreceram condutas de consumo menos sujeitas ao primado do julgamento do outro. Viver melhor, gozar os prazeres da vida, não se privar, dispor do supérfluo apareceram cada vez mais como comportamentos legítimos, finalidades em si (Ibidem:39).

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Para Lipovetsky, esta fase da sociedade hiperconsumista representa a nova relação

emocional dos indivíduos com as mercadorias. Costa comenta sobre o consumismo e a

felicidade:

No universo do lucro, o político tornou-se o mercado, o sujeito tornou-se o objeto, e a felicidade, o consumo. É o reino narcísico do objeto como espelho do sujeito. Um dos tópicos centrais da fantasia narcísica de felicidade é o da realização imediata do desejo. O mercado fabricou a solução imaginária. Fez da felicidade consumo de coisas que, supostamente, podemos ter quando e como quisermos. A este impasse a felicidade do mercado respondeu dizendo: "ame os objetos, eles jamais dizem "não"! São dóceis e programados para realizar o que julgamos saber (Costa, 1994:6).

O hiperconsumo inicia-se a partir da queda das antigas resistências culturais, quando

fica livre o caminho para a busca das novidades. É uma sociedade em que o referencial

hedonista se destaca, a publicidade, os lazeres, as mudanças perpétuas no cenário de vida

“fazem parte dos costumes” (Lipovetsky, 2007:131):

Toda a vida das sociedades superdesenvolvidas se apresenta como uma imensa acumulação de signos de prazer e de felicidade. Vitrines rotulantes de mercadorias nas publicidades resplandecentes de sorriso, do sol das praias nos corpos de sonho, de férias com divertimentos midiáticos, é sob os traços de um hedonismo radiante que se mostram as sociedades opulentas. Por toda a parte se erguem as catedrais dedicadas aos objetos e aos lazeres, por toda a parte ressoam os hinos ao maior bem-estar, tudo se vende em promessas de volúpia, tudo se oferece como de primeira qualidade [...] (Ibidem: 153).

Morin observa que essa felicidade momentânea também ganha força quando as

imagens projetadas pelos produtos ou pela comunicação aproximam-se do real. Assim: “Um

gigantesco impulso do imaginário em direção ao real tende a propor mitos de autorrealização,

heróis modelos, uma ideologia e receitas práticas para a vida privada.” (Morin, 2009a: 90).

Para o autor, a cultura de massa também é a grande responsável e impulsionadora desse

fenômeno:

É porque a cultura de massa se torna o grande fornecedor dos mitos condutores do lazer, da felicidade, do amor, que nós podemos compreender o movimento que a impulsiona, não só do real para o imaginário, mas também do imaginário para o real (Ibidem: 90).

E o autor acrescenta: “A cultura da massa desenvolve no imaginário e na informação

romanceada os temas de felicidade pessoal, do amor e da sedução.” (Ibidem: 104).

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Neste encontro entre o imaginário e o real e vice-versa, encontram-se, como denomina

o autor, a vedete da grande imprensa, “os olimpianos modernos”: [...] “a vida dos olimpianos

participa da vida quotidiana dos mortais, seus amores lendários participam do destino dos

amores mortais; seus sentimentos são experimentados pela humanidade média [...] (Morin,

2009a:106).

São esses deuses (agentes, atrizes de cinema, TV, grandes astros do esporte),

permanentemente expostos à mídia e que gozam de uma imagem igual à dos deuses do

Olimpo, que efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da

identificação:

Este tema projetivo (da felicidade) corresponde fielmente ao hedonismo do presente desenvolvido pela civilização contemporânea. Esse hedonismo é de bem-estar, de conforto, de consumo: desenvolve-se em detrimento de uma concepção da existência humana na qual o homem consagra seu presente a conservar os valores do passado e a investir no futuro (Morin,2009a:126).

Este fato será ilustrado no próximo capítulo, quando será apresentado o garoto

propaganda das panelas Staub, Paul Bocuse, considerado um dos maiores chefs da culinária

francesa do século XX. Assim como Morin se refere aos famosos, Costa (2004a) segue com a

mesma observação:

Em sintonia com a moral do espetáculo, a mídia visa, sobretudo, a tornar visões de mundo particulares plausíveis e convincentes. É assim que a massa dos indivíduos é levada a admirar e a querer imitar o estilo de vida dos ricos, poderosos e famosos ( Costa, 2004a:166).

Para Lipovetsky, essa busca torna-se cada vez mais individual, uma vez que “os

prazeres elitistas não sumiram, foram reestruturados pela lógica subjetiva do

neoindividualismo” (2007:48). Não importa mais tanto impressionar os outros; tem de haver

também a satisfação pessoal, o prazer de se sentir bem, independente da admiração do outro,

o estar satisfeito consigo mesmo:

Em nossos dias, a mania pelas marcas alimenta-se do desejo narciso de gozar de um sentimento íntimo de ser uma pessoa de qualidade, de se comparar vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa, sem que sejam mobilizados, por isso, a corrida à consideração e o desejo de provocar a inveja de seus semelhantes (Ibidem:48).

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É uma sociedade que se permite gastar independente do local, sem correr o risco de

um pré-julgamento ou do olhar do outrem: “Na sociedade de hiperconsumo, já não é indigno

gastar à larga aqui e economizar ali, comprar ora em loja seletiva, ora em hipermercado, tendo

se tornado legítimos os comportamentos descoordenados e ecléticos” (Ibidem:49).

[...] compram-se marcas onerosas não mais em razão de uma pressão social, mas em função dos momentos e das vontades, do prazer que delas se espera, muito menos para fazer exibição de riqueza que para gozar de uma relação qualitativa com as coisas ou com os serviços (Ibidem:49).

De acordo com Lipovetsky, depois do conforto do luxo, do bem estar, a sociedade

passa para a projeção do imaginário, em que as mercadorias são fetiches, em que tudo é

dominado pelos gozos passivos do “pronto-para-consumir” (Ibidem:219). “Hoje as marcas de

carro não comunicam mais pela velocidade: exaltam a segurança e o conforto”; é o design

polissensorial (Ibidem:229). O mesmo pode-se dizer das panelas, que têm um design que

passa a otimizar a dimensão sensorial do produto e que tem o objetivo de proporcionar

impressões de conforto e sensações de prazer . Nas palavras do autor:

Os produtos já não se contentam em funcionar com eficiência, devem despertar o prazer dos sentidos, oferecer uma qualidade sonora ou olfativa, fornecer um suplemento de realidade tátil, favorecer uma experiência sensitiva e emocional. (Ibidem:231)

Lipovetsky complementa sua reflexão destacando a associação do comer bem com o

prazer e a felicidade. Afinal, nunca foram tão valorizados os guias de cozinha e os livros de

receitas, encontrados em respeitosas quantidade e diversidade nas prateleiras das livrarias.

Como já mencionado anteriormente e reforçado pelo autor, a gastronomia tem sido tema de

grandes comentários assim como os chefs de cuisine, os restaurantes, os bons vinhos, todos

cada vez mais frequentes na mídia, responsável por essa propagação e por torná-los cada vez

mais populares. Assim, o que rege o prazer de comer bem não é a quantidade, mas a “forte

recuperação do referencial do prazer” (Ibidem: 235). Nas palavras do autor:

A felicidade alimentar não encontra mais sua plena expressão nos banquetes desmedidos, mas na sensualidade da degustação e na busca das qualidades gustativas. O hedonismo do comedor hipermoderno exprime-se ainda na valorização da novidade e da diversidade alimentares (Ibidem: 235).

Essa conexão entre comer bem, prazer e felicidade, compartilhada por Certeau (2009),

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Costa (1994, 2004 a,b) e Lipovetsky (2007), comprova a sensação de completa satisfação de

um usuário, mesmo sendo ele um profissional contratado para fazer parte da comunicação do

produto:

Tenho com as panelas Staub um sentimento de imenso prazer e satisfação já que as utilizo para meu trabalho todos os dias. São de excelente qualidade (Stiller, chef da escola Stiller, em Shangai).

A fala do chef parece ser espontânea e verdadeira, e não restam dúvidas de que o chef

de cuisine uniu o útil ao agradável ao divulgar um produto de excelência que ele utiliza em

seu restaurante. Isso faz com que ele adquira um estilo de vida diferenciado em relação aos

demais colegas que não utilizam essas panelas.

Apesar da crise de valores dessa sociedade hiperconsumista, que cultua

desesperadamente a imagem, a aparência em busca de uma felicidade ideal, existem, por

outro lado, fatores que contribuem de modo positivo para esse culto do prazer, mesmo que

momentâneo. Esse prazer que a sociedade busca e cultua é encontrado também na

alimentação. Segundo palavras de Lipovetsky (2007), o prazer pleno não está em grandes e

fartos banquetes, mas no prazer da degustação, da valorização pela novidade e na

diversificação dos alimentos. Hoje a busca é pelos prazeres sensoriais: “A relação do ideal do

prazer com o imaginário consumista.” (Costa, 1994:6)

Percebe-se que o imaginário do mercado e do consumo está apoiado nos ideais de

felicidade do consumidor, que sustentam o processo permanente de compra dos objetos, que,

ao serem adquiridos, tornam-se símbolos de desuso. É um tipo de satisfação que solicita uma

constante renovação de estimulação sensorial. E este processo também é valorizado na

gastronomia, quando se apresenta um leque de panelas que chegam a custar R$ 1000,00. É o

hedonismo do consumidor hipermoderno expresso na valorização da novidade e da

diversidade gastronômica (Lipovetsky, 2007).

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Capítulo 2 - Panelas Staub

Segundo reflexões apresentadas até o presente momento, a gastronomia e o gourmet

sempre estiveram associados à ideia de nobreza, estilo e requinte. Constata-se, dessa maneira,

que a existência de conexões entre o cozinhar e o comer confere uma apropriação de

distinção. Ser gourmet é um modo de ser feliz; qualquer um pode preparar comidas especiais,

tornando o ato de comer um ato especial até mesmo dentro da própria casa em companhia de

amigos ou familiares, conforme aborda Certeau (2009).

O que se propõe nesta etapa do trabalho é usar as referências teóricas de alguns dos

autores citados no capítulo I, como: Bourdieu (1983, 2003, 2006), para as reflexões sobre o

consumo de luxo, distinção, gosto, estilo de vida, habitus e capital cultural; Appadurai (2008),

para concepções da cultura material e vida social das coisas no que se refere à biografia da

mercadoria; e Certeau (2009), adequado para explicar como uma simples refeição pode se

transformar em um evento social.

A proposta é falar sobre a trajetória de campo dos agentes, no caso o produtor,

representado pelo Grupo Zwilling, e o intermediário, a Loja Doural, primeiro representante

das panelas Staub no Brasil. Para analisar esse processo, será traçado, inicialmente, um

panorama sobre o contexto da gastronomia e o modo como ela adquire importância e cada vez

mais adeptos no país. Na sequência, serão abordados os processo de produção, a trajetória das

panelas Staub na França e como elas se tornaram referência em qualidade no mundo todo,

para, em seguida, destacar o mesmo percurso no Brasil. Para finalizar o capítulo, será narrada

a história da Loja Doural para verificar como, ao representar a marca no Brasil, conseguiu se

apropriar de uma distinção que não detinha anteriormente.

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Imagem 1 : Panelas Staub 1

Fonte: site Staub

2.1. Gastronomia no Brasil

Para entender melhor o panorama das panelas Staub e sua trajetória no Brasil, é

importante que se faça inicialmente uma análise geral do contexto gastronômico no país. O

êxito dessas panelas pode ser creditado em parte à importância que a gastronomia no Brasil

vem adquirindo nos últimos anos. Conforme já comentado anteriormente, a culinária ganhou

espaço e destaque nas casas, nos restaurantes e agora ela passa a um status de gourmet.

Homens e mulheres trocam receitas, criam-se confrarias, as livrarias estão repletas de

lançamentos. Cozinhar tornou-se um hábito que cresce a cada dia e a quantidade de pessoas

que se dedicam a essa espécie de hobby está cada vez maior. Sabe-se que a cidade de São

Paulo é considerada um dos melhores centros gastronômicos do mundo, contando com grande

variedade de lojas com sofisticados utensílios de gastronomia, permitindo aos amantes de

culinária construir verdadeiros templos gastronômicos em suas casas (Alonso, 2005). O

usuário abaixo ilustra bem esse tipo de comportamento:

Sempre busquei estar atento no mundo, meu foco foi morar numa casa, montar uma cozinha gourmet, pra sempre estar cozinhando com os amigos, eles interagindo com minha culinária, com a conversa, com a cozinha com a comida com essa troca. Então minha cozinha é voltada pra isso, voltada para a sala, para os amigos, para a família, para interagir (S.T., advogado, usuário).

Essa apropriação de algo mais nobre é resgatada por Certeau (2009) quando se refere à

vida cotidiana. Assim, o simples ato de cozinhar pode se transformar em algo especial, em um

evento social, em que sentimentos, como prazer, felicidade, satisfação por reunir família e

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amigos são compartilhados. Neste caso, o usuário montou um espaço gourmet fora da cozinha

comum para praticar sua gastronomia, considerada, por ele mesmo, diferenciada.

Na última década, programas de TV, revistas e cadernos de jornais especializados na

área ampliaram significativamente seu espaço combinados com o surgimento de inúmeros

portais e blogs, tornando a gastronomia um grande assunto. Neles, chefs de cuisine aparecem

em seu próprio programa pilotando seu fogão com glamour, estilo próprio e receitas as mais

variadas, que vão desde as mais simples até as mais sofisticadas. Para exemplificar o volume

desse universo, o acesso ao Google, em 13 de outubro de 2011, mostrou os seguintes

resultados de busca:

Cursos de culinária: 920.000 resultados

Gastronomia: 89.600 resultados

Blogs de gastronomia: 12.000 resultados

Cursos de gastronomia: 8.300 resultados

Blogs de culinária: 5.700 resultados

A respeito da massificação e democratização das artes, Bourdieu comenta:

Outrora, as massas não tinham acesso à arte; à música, a pintura e, até mesmo, os livros eram prazeres reservados às pessoas ricas. Seria possível supor que os pobres, o vulgar poderiam igualmente usufruir dela se lhes tivesse sido dada essa oportunidade. Mas, atualmente, em que cada um tem a possibilidade de ler, visitar museus, escutar a grande música, pelo menos, no rádio, o julgamento das massas sobre estas coisas tornou-se uma realidade (Bourdieu, 2006:34).

Esse tipo de democratização do luxo ocorrido nas artes pode ser também estendido

para a área da gastronomia, nas mais variadas formas de comunicação, como revistas,

universidades, TVs e blogs, todos especializados no tema. Um luxo acessível, como afirmam

Castadère (1992) e Alleres (2000); afinal, a culinária sofisticada tornou-se mais acessível e

houve uma transformação no modo de cozinhar.

A seguir, algumas informações, em números, a respeito desses intermediadores que

divulgam a gastronomia.

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. Revistas

Em outubro de 2011, o site www.guiademidia.com.br destacou mais de 20 revistas

disponíveis, impressas e online, especializadas em gastronomia, que abrangem da mais

simples culinária até a que apresenta o mais alto grau de sofisticação:

1. Alimento Seguro

2. Alta Gastronomia 3. Brasil Alimentos

4. Claudia Cozinha 5. Cozinha Profissional

6. Dieta Já + Saúde 7. Doce Revista

8. Food Service News 9. Go Where Gastronomia

10. Higiene Alimentar 11. Mercado gastronômico

12. Nutri News 13. Prazeres da Mesa

14. Revista Bares e Restaurantes 15. Revista Gula

16. Revista Onde Comer 17. Revista Agricultura e pesca + Revista de pesca

18. Revista Engenho 19. Revista Nutrição + Saúde

20. Revista Sabores do sul 21. Sushine Magazine

São revistas das mais variadas matérias, sempre com foco em alimentos, cozinha,

gastronomia. A revista Claudia Cozinha, por exemplo, bastante tradicional e há anos no

mercado, procura atingir um público que busca receitas mais triviais, do dia a dia, muito

embora a revista trate, em algumas matérias, de receitas mais elaboradas, como as apropriadas

para eventos especiais, como Natal e Páscoa. Por outro lado, há a revista Gula, mais

sofisticada, que apresenta receitas de preparo mais complexo. Assim, esse tipo de mídia

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procura resgatar receitas para todos os tipos de gostos e públicos, reforçando essa tendência

democrática da gastronomia.

. Ensino superior

Da mesma maneira e em sintonia com as tendências desse mercado, as faculdades

conferem certo grau de capital cultural e um domínio no espaço social e na área em que

atuam, no caso, a gastronomia. Conforme observado no capítulo I, Bourdieu (2006) refere-se

ao espaço social como um campo de lutas no qual os agentes, quer sejam indivíduos quer

sejam grupos, desenvolvem estratégias que visam melhorar sua posição social. O capital

cultural confere uma relação privilegiada dos indivíduos ou grupos com a cultura escolar e a

erudita e, neste específico caso, as universidades chegam com a proposta de oferecer capital

cultural para que, junto com o capital econômico, possam dominar o espaço social a ser

ocupados pelos agentes:

Considerando que cada um dos espaços sociais – por exemplo, família ou escola – funciona como um dos lugares em que se produz a competência e, ao mesmo tempo, como um dos lugares em que ela recebe seu valor, poderíamos alimentar a expectativa de que cada um dos campos atribua o valor máximo dos produtos engendrados aí, nesse caso, o mercado escolar atribui o maior valor à competência cultural escolarmente certificada [...] enquanto os mercados dominados pelos valores extracurriculares – [...] atribuíram o mais elevado valor à relação familiar com a cultura (Bourdieu, 2006: 85).

Os cursos oferecidos pelas faculdades também ganharam importância nos últimos

tempos e, só em São Paulo, há atualmente 26 faculdades que disponibilizam algum curso

profissionalizante de gastronomia, quer seja em nível de graduação ou pós-graduação quer

seja em cursos técnicos. A ABAGA14 disponibiliza em seu site www.abaga.com.br uma lista

atualizada de cursos nesta área, na cidade de São Paulo. São elas:

1. Universidade Anhembi Morumbi – http://www.anhembi.br – graduação em

gastronomia

2. Hotec – http://www.hotec.com.br – graduação e pós-graduação

3. Universidade Metodista – http://www.metodista.br – graduação e pós-graduação

14www.abaga.com.br (associação brasileira da alta gastronomia) .

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4. Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU –

http://www.fmu.br – graduação e pós-graduação

5. Centro Universitário SENAC - http://www.sp.senac.br – graduação e pós-graduação

6. Faculdade Método de São Paulo – FAMESP – http://www.famesp.com.br –

tecnologia em Gastronomia

7. Universidade Sagrado Coração – USC – http://www.usc.br – tecnologia em

Gastronomia

8. Universidade Cruzeiro do Sul – http://www.cruzeirodosul.edu.br – tecnologia em

Gastronomia

9. Universidade São Camilo – http://www.saocamilo-sp.br – tecnologia em

Gastronomia

10. Universidade do Vale do Paraíba - UNIVAP – http://www.univap.br – tecnologia

em Gastronomia

11. Universidade Católica de Santos – UNISANTOS – http://www.unisantos.br –

tecnologia em Gastronomia

12. Centro de graduação Tecnológica Barão de Mauá – BarãoTEC –

http://www.baraotec.edu.br – tecnologia em Gastronomia

13. Centro Universitário de Votuporanga – Unifev – http://www.unifev.edu.br –

tecnologia em Gastronomia

14. Centro Universitário do Norte Paulista – UNORP - http://www.unorp.br –

bacharelado em Gastronomia e Eventos

15. Centro Universitário Monte Serrat – Unimonte - http://www.unimonte.br –

tecnologia em Gastronomia

16. Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio – CEUNSP –

http://www.ceunsp.edu.br – tecnologia em Gastronomia

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17. Faculdade Anhanguera de São Caetano – Anhanguera –

http://www.unianhanguera.edu.br – tecnologia em Gastronomia

18. Faculdade Mario Shenberg – FMS - http://www.fms.edu.br – tecnologia em

Gastronomia

19. Faculdade Paschoal Dantas – http://www.faculdadepaschoaldantas.com.br –

tecnologia em Gastronomia

20. Universidade de Franca – http://www.unifran.br – tecnologia em Gastronomia

21. Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp - http://www.unaerp.br – tecnologia em

Gastronomia

22. Universidade de Sorocaba – UNISO - http://www.uniso.br – tecnologia em

Gastronomia

23. Universidade São Marcos - http://www.smarcos.br – tecnologia em Gastronomia

24. Universidade Paulista – UNIP – http://www3.unip.br – tecnologia em Gastronomia

25. Universidade de Guarulhos – UnG - http://www.ung.br – tecnologia em

Gastronomia

26. Universidade Metodista de São Paulo – UNIMEP – http://www.unimep.br –

tecnologia em Gastronomia

. Pautas televisivas

A televisão não ficou atrás e, observando a tendência e a busca da arte e do prazer de

cozinhar, tem inovado constantemente sua programação a fim de oferecer uma vasta gama de

canais e programas que têm como tema a culinária.

Segundo Thais Ribeiro15, já se vão 53 anos que a Cozinha Maravilhosa da Ofélia

iniciou um movimento que só tem dados frutos até os dias de hoje. O telespectador tem

acesso a um menu com 90 horas de programas sobre culinária e gastronomia por semana, o

15RIBEIRO,Thais.“TVcom aroma. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,tv-com-aroma,715856,0.htm matéria ESP –Caderno TV semana 8-14 de maio de 2011.

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que contabiliza 336 horas médias por mês. Nesse número estão incluídas emissoras de TVs

abertas e pagas.

Os programas são vários e para todos os gostos: na FOX Life, são mais de sete

programas. Já o canal Bem Simples segue o seu estilo com a máxima do "faça você mesmo".

As emissoras GNT apresentam 13 atrações desse segmento e a TV Gazeta exibe mais de 8

horas de conteúdo do gênero, ao longo da semana, sempre inéditos.

O artigo de Thais Ribeiro, datado de maio de 2011, lista alguns canais e programas

que se dedicam ao tema da gastronomia:

Bem Simples: canal com a missão de "salvar" a vida de quem precisa ou gosta de ir

para a cozinha. Os quatro programas do Bem Simples ensinam o passo-a-passo dos pratos

sugeridos. Destaque para o programa Brasil No Prato, com a chef Carla, exibido às segundas,

quartas e sextas-feiras, com programação inédita, às 12h30.

Chef TV: o canal exibe 35 programas com 12 horas semanais.

Discovery Home & Health: dois chefs dominam a gastronomia presente no canal:

Emeril Lagasse, com o seu Emeril: Eco - Gastronomia (sábado, às 12h), e Curtis Stone, com

Chef a Domicílio (sábado, às 10h).

Discovery Travel& Living: são nove programas na grade, todos com uma pitada de

turismo, entre eles, A Volta ao Mundo em 80 sabores (terça-feira, às 22h) e Anthony

Bourdain: Sem Reservas (quinta-feira, à 0h).

Fox Life: são, pelo menos, oito programas, cujas transmissões vão da competição

acirrada, no caso de Kitchen Nightmares (terça-feira, às 22h), a um passeio pelos restaurantes

norte-americanos, em Man x Food (quarta-feira, às 22h).

Gazeta: já bem tradicional no segmento, a emissora ensina suas receitas em quatro

programas. Além da rápida aparição de um chef no programa Todo Seu (de segunda a sexta-

feira, às 22h15), no Você Bonita (de segunda a sexta-feira, às 8h30), Carol Minhotto prepara

comidinhas e bebidas saudáveis.

Glitz: por enquanto, somente Takeaway My Take Away (terça-feira, às 20h30) está no

ar. O programa é um reality show que leva à China, por exemplo, aquele consumidor de

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delivery habituado a pedir o seu frango-xadrez pelo telefone. A intenção é acrescentar mais

novidades gastronômicas a partir de junho.

Globo: hoje, apenas dois programas têm quadros que contemplam a culinária na

emissora. O Mais Você (de segunda a sexta-feira, às 8h30) tem a própria apresentadora Ana

Maria Braga fazendo receitas e até comandando algumas disputas. No Estrelas (sábado, às

13h50), Angélica coloca alguns famosos para cozinhar.

GNT: no vai e vem de temporadas, o GNT contabiliza pelo menos 13 programas que

dão atenção ao tema. Alguns deles são os mais famosos do segmento: Que Marravilha!

(quinta-feira, às 22h), do francês Claude Troisgros, e Receitas de Nigella (quinta-feira, às

16h), Truques de Oliver (quarta-feira, às 11h30), Diário do Olivier (quinta-feira, às 22h30).

Record: no Hoje em Dia, Edu Guedes é quem assume o fogão e prepara receitas

práticas, de segunda a sexta-feira, às 9h35.

Record News: na versão de notícias da Record, é também Edu Guedes quem comanda

o Receita Pra Dois (sábado, 22h), sempre com algum convidado presente.

RedetV!: o Manhã Maior (de segunda a sexta-feira, às 9h) apresenta quadros de

culinária durante o programa.

Shoptime: aproveitando produtos exclusivos da marca Shoptime, o canal tem dois

programas de culinária: TVUD, (de segunda e quarta-feira, às 14h; terça, quinta e sexta-feira,

às 12h; sábado e domingo, às 13h) e UD Gourmet (segunda, às 12h30).

O citado artigo informa que, para a diretora de mídia da Olgivy, Daniella Gallo, esse

tipo de programa só tende a crescer, por ser um filão para o mercado publicitário e trazer um

público fiel. Ribeiro destaca que o diretor executivo do canal Chef TV, José Eduardo Nicolau,

explica que a ideia de criar uma emissora com esse objetivo nasceu de uma crescente

demanda do público por temas ligados à gastronomia, que englobassem culinária, bebidas e o

universo cultural ligado à alimentação. “A sinalização do interesse por esse tema vem, há

algum tempo, aparecendo fortemente na mídia impressa, de revistas a cadernos especializados

de jornais, a internet e programas de televisão aberta e paga", afirma Nicolau no artigo. Um

desses exemplos mais significativos é de Olivier Anquier, que segundo Ribeiro, divulgou a

culinária francesa, na copa do mundo de 1998, pela Globo:

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Eu tinha uma padaria em São Paulo e, um dia, um desses programas tradicionais (Forno, Fogão & Cia, da TV Record) veio me procurar para que eu apresentasse esse programa um dia por semana. Eu tinha conhecimento dos programas de culinária que existiam na época, em estúdio, com cenário chapado, três câmeras, fogão, colher de pau, panela e pinguim. Como telespectador, eu achava que faltava história nesses programas, porque culinária é história. Veio a Copa do Mundo da França, em 1998, e fui convidado pela Globo para desvendar a culinária de seu país., ressalta Anquier, no artigo TV com aroma.

Ao buscar desvendar a culinária da França, conforme descrito no depoimento acima, a

luta por espaços e a busca por distinção estão vinculadas ao símbolo do resgate da nobreza.

Segundo Bourdieu (2006), as famílias principescas dos séculos XVI, mesmo as de menor

importância, mantinham todo o aparato de sua hierarquia social. Tinham amas, governantas,

tutores, professores de música para exercitá-los no protocolo, na conduta e nas crenças das

cortes europeias. Os jovens nobres tinham que saber falar e escrever fluentemente francês,

considerada a língua da nobreza europeia. Assim, desde cedo, tiveram acesso a uma cultura

legítima, fazendo parte de família culta, fora das disciplinas escolares:

A definição da nobreza é um pretexto para uma luta que, desde o século XVII até nossos dias, não deixou de opor, de maneira mais ou menos declarada, grupos separados em sua ideia sobre a cultura, sobre a relação legítima com a cultura e com as obras de arte, portanto , as condições de aquisição, cujo produto é precisamente estas disposições a definição dominante do modo de apropriação legítima da cultura e da obra de arte favorece, inclusive, no campo escolar, aqueles que bem cedo tiveram acesso à cultura legítima , em uma família culta, fora das disciplinas escolares (Bourdieu, 2006: 9,10).

Essa operação pode ser consciente ou inconsciente e retira do universo o indivíduo

desprovido desses códigos. Assim, o amor pela arte, neste caso, a gastronomia, pressupõe um

ato de conhecimento, uma bagagem de informações que possibilita as operações de

decifrações e decodificações que implicam num acionamento de um patrimônio de

conhecimento e competência cultural, como narra o usuário abaixo:

E como viajo muito, a gente tem acesso a este tipo de produto com mais facilidade (M.S., professor de inglês, usuário).

Ao discutir os títulos e a ascendência de nobreza cultural, Bourdieu comenta que é

impossível deixar de lado o jogo da cultura, ao afirmar:

[...] é somente no nível do campo de posições que se definem tanto os interesses genéricos associados ao fato da participação no jogo quanto os interesses específicos relacionados com as diferentes posições (Bourdieu, 2006:18).

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Desse modo, a disposição culta e a competência cultural, apropriadas por meio dos

bens consumidos, e a maneira pela qual se dá esse consumo vão variar de acordo com as

categorias, agentes e terrenos aos quais elas se aplicam. E as formas de apropriação vão

depender dos fatores sociais do estabelecimento da nobreza cultural, dos títulos adquiridos na

escola, do berço/ascendência do indivíduo, e de sua origem de acesso à nobreza.

Quanto maior for o conhecimento das competências avaliadas pelo sistema escolar, e quanto mais “escolares” forem as técnicas utilizadas para avaliá-las, tanto mais forte será a relação entre o desempenho e o diploma que, ao servir de indicador mais ou menos adequado ao número de anos de inculcação escolar, garante o capital cultural, quase completamente, conforme é herdado da família ou adquirido na escola; por conseguinte, trata-se de um indicador desigualmente adequado deste capital (Ibidem:19).

Essa reflexão de Bourdieu pode ser observada no depoimento abaixo:

Minha mãe cozinhava bem legal. No jantar ou a gente ia para cozinha preparar o jantar ou não comia. Aí era uma festa, todos reunidos para preparar as refeições. Acho que daí fui desenvolvendo isto (M. S., professor de inglês, usuário).

Além do aprendizado por meio do habitus, experiência de sua própria família, esse

usuário agregou capital cultural por meio de cursos a que assistia na TV:

Fui aprendendo assistindo a programas de culinária. O primeiro que assisti era um com Jeff Smith chamado Frugal Gourmet, em 93/94, que comecei a assistir e adorava o que ele fazia e daí, ia experimentando (M. S., professor de inglês, usuário).

Nota-se que esse aprendizado aconteceu em 1993, ou seja, há exatamente 20 anos,

num programa, em inglês, que não se limitava a uma cozinha com receitas mais cotidianas.

De lá para cá, muita coisa mudou. Hoje os programas são vários e para todos os gostos: na

FOX Life, são mais de sete programas. Já o canal Bem Simples segue o seu estilo com a

máxima do "faça você mesmo". As emissoras GNT apresentam 13 atrações desse segmento e

a TV Gazeta exibe mais de 8 horas de conteúdo do gênero, ao longo da semana, sempre

inéditos:

Um outro dia, no programa da GNT “Cozinha Prática”, da Rita Lobo, vi ela colocando a torta de maçã numa forma Staub. Achei o máximo, me senti diferenciada, meio estilosa, sabendo que a Rita também utiliza a Staub. (G.M., fotógrafa, usuária)

Percebe-se que esses programas, além de conferirem uma espécie de distinção e

diferenciação de gosto aos usuários das panelas Staub, eles aproveitam a oportunidade para

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criar seu espaço de merchandising ao destacarem, também, os utensílios sofisticados, cada

vez mais procurados pelos amantes da culinária. Não importa para quem assiste ao programa

se o chef utiliza em sua casa as panelas Staub, mas o importante é que, naquele momento, ela

está lá, no meio dos demais pertences. Segundo Bourdieu, esse processo aciona conceitos

como distinção e gosto, uma vez que provoca uma cumplicidade do telespectador com o

programa, o chef e, consequentemente, com a panela. Assim como o de Bourdieu, o conceito

de Appadurai também aparece nessa fala, quando a usuária apropria-se do objeto para se

projetar em um espaço ao qual ela não pertence, mas sente-se pertencer, o que pode ser

percebido quando ela assume que se sente no mesmo patamar da chef do programa. Neste

caso, o consumo, “além de produzir vínculos sociais, também gera formas de confiança e

sociabilidade que são fundamentais para a vida social” (Appadurai, 2008:17).

. Sites, Blogs e afins

Outra área em franca expansão, os sites e blogs espalham-se como nunca pela internet,

na qual se encontram desde os sites mais profissionais até os das blogueiras que postam suas

receitas por mero prazer. O portal www.guiamidia.com.br informa que há 74 portais e 55

blogs cadastrados na área da gastronomia em seu site, mas, provavelmente, o número deve ser

bem maior, já que qualquer pessoa pode desenvolver um blog ou um site. Em uma busca no

Google, o “portal de gastronomia” aparece 11.000 vezes e “blogs de gastronomia”, 8000

vezes. Embora não haja um dado oficial sobre o número de blogs ou sites na internet, existem

aqueles mais profissionais, como o site Abaga, do qual todos os associados são ligados à área

da alta gastronomia, como os renomados chefs de cuisine. Dentre suas inúmeras funções, o

site proporciona o aprimoramento e a reciclagem profissional, com a proposta de elevar o

nível dos chefs de cuisine no Brasil por meio de eventos, como concursos, palestras,

workshops, que propiciem o intercâmbio de culturas e técnicas entre os seus membros de

diferentes localidades do país.

O portal www.panelinha.com, com a chef de cuisine Rita Lobo, por exemplo, depois

de 10 anos de vida e mais de 50 mil acessos, ganhou espaço na programação da GNT com um

programa semanal de 30 minutos intitulado “Cozinha Prática”. Esse site é um exemplo de

como tornar a cozinha uma fonte de prazer e o ato de cozinhar um ato de amor. O site, por

meio de suas receitas, retrata o cotidiano para as mais variadas situações e destaca a

importância da boa mesa, do prazer de reunir as pessoas e as famílias. É interessante que esse

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movimento da reunião familiar, com todos em harmonia sentados à mesa, é um hábito em

extinção, mas, nem por isso, deixaram de existir os vínculos afetivos. Assim, em torno de um

bom prato, essa demonstração de afeto por ser resgatada. No final do programa, a chef realiza

uma montagem fotográfica do prato elaborado durante o programa numa mesa com talheres,

copos, guardanapos. A cocote Staub já entrou na elaboração decorativa e faz parte dos 10

itens eco-chics selecionados pela chef, conforme é destacado em seu blog

www.panelinha.ig.com.br, postado no dia 10 de janeiro de 2010:

A panela de ferro além de ser linda, pode ir do fogão à mesa e é uma escolha verde. A vantagem da panela de ferro é a seguinte: ela mantem o calor por mais tempo e você pode reduzir o tempo do cozimento. Um ensopado que precisa ficar uma hora no fogo, depois de 45 minutos você pode desligar a própria panela para continuar o cozimento. Por isso é uma escolha ecológica. Esta panela de ferro amarela de 22 cm é a Staub e custa R$ 528,00 (Rita Lobo, 2010)

A “escolha verde e a escola ecológica”, nas palavras de Rita Lobo, confere às panelas

um novo patamar de diferenciação e estilo de vida, com relação às demais panelas de ferro. É

uma nova maneira de revisitar um artigo de luxo e torná-lo mais distinto entre os demais.

Segundo Bourdieu (1983, 2003,2006), somente as pessoas com certo habitus e capital

cultural poderão se apropriar dessa legitimação, conforme observado no capítulo 1.

Alguns blogs ligados à culinária também postam depoimentos, embora não com

frequência, sobre as panelas Staub. Indicam, para compra, alguns sites e o da loja Doural está

entre eles. Esses blogs funcionam como formadores de opinião. As donas dos blogs são

jovens de 23 a 34 anos, das mais variadas profissões, como engenheiras, administradoras, e,

em comum, são grandes apreciadoras da arte e do prazer da culinária, a ponto de criar um

blog nessa área. A seguir, alguns depoimentos postados na internet sobre as panelas Staub:

Inovadoras em questão de design, as panelas Staub são feitas de ferro fundido esmaltado. O ferro fundido mantém e distribui o calor por um longo período de tempo, é excelente para o cozimento lento de carnes (slow cooking) e perfeito para iniciantes e profissionais da cozinha. O fato de ser esmaltado aumentando a durabilidade, não descolora e nem enferruja, resiste a trincas e permite o uso imediato. O design quadrado do bule acima (10 cm) faz com que seja um objeto de desejo. As cores de outros modelos, vermelhas, amarelas, azul as tornam objetos de decoração de cozinha muito mais que simples panelas (blog panelaterapia).

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Imagem 2 : Cocotte Staub 1

Fonte: site Staub

Podemos perceber, nesse excerto retirado do blog, a riqueza das significações que essa

panela projeta. Alguns trechos dessa citação, como “inovadoras em questão de design” ou

“design quadrado do bule”, remetem ao gosto diferenciado e ao capital cultural a que

Bourdieu (1983) se refere. Ao procurar demonstrar um conhecimento mais técnico para dar

aval às suas seguidoras, como, por exemplo, “são feitas de ferro fundido” e “distribui o calor

por um longo período de tempo”, resgata o conceito de Appadurai (2008) com relação à liga

da materialidade, à biografia da mercadoria na sua origem. No depoimento abaixo, a

blogueira reforça, por meio de seu depoimento, o resultado no prato.

Devo dizer que é maravilhosa, qualidade incrível. Para mim as panelas de ferro Staub são perfeitas para fazer cozidos, sopas, risottos, ensopados, comidas com molho... gente, não é frescura mas realmente a comida fica diferente (blog panelaterapia).

Esses depoimentos encontram-se se em um blog com 6000 pessoas cadastradas e

acesso diário de 500 visitantes on-line; suas indicações são bastante valorizadas pelos

participantes. Percebe-se, em sua escrita, a projeção de um objeto de consumo. Por ser algo

caro e raro, transformado em pequeno luxo, adquiri-lo é quase um sonho. Quando o fato se

consuma e o objeto é comprado, o prazer a ser desfrutado é imenso. Ao compartilhar esse tipo

de informação, fica clara a intenção da usuária de exibir seus dotes referentes ao gosto e

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capital cultural, conforme é resgatado em Bourdieu e Landowisky.

Giulia Librizi16, 23 anos, chef internacional e pâtissier, afirma já ter usado as panelas

Staub, embora ainda não as possua. Ela também comenta, em seu blog, as qualidades das

panelas Staub e resgata sua história, sua origem, descreve a qualidade de seus produtos e

comunica, com entusiasmo, sua disponibilidade no Brasil:

Essas panelas são um verdadeiro sonho de consumo mesmo, um dia quero ter minha coleção delas também, das vermelhas, mais tradicionais. São uma verdadeira obra de arte em qualquer cozinha. O processo de fabricação é complexo, o acabamento com pintura esmaltada é perfeito, e por isso, os preços são realmente caros, mas valem o quanto pesam (blog lamiadolcevita).

Mesmo não sendo usuária, essa chef recomenda esse tipo de panela e, ao se posicionar

como uma conhecedora de produtos requintados e seletivos, ela se coloca numa posição de

status, de distinção. É possível observar Bourdieu presente nesse depoimento tanto no que

diz respeito ao capital cultural, ao descrever as propriedades técnicas dessa panela, quanto no

que se refere à teoria do gosto, ao afirmar que quer ter também uma coleção.

2.2 Uma história de distinções

Segundo Appadurai (2008), para entender os significados das transações humanas que

dão vida aos objetos, é necessário seguir suas trajetórias, ou seja, a história desses objetos em

si, pois seus significados estão inscritos nas suas formas, nos seus modos de uso. Por essa

razão, torna-se importante descrever a trajetória do processo de produção, da liga da

materialidade do produto, no caso das panelas Staub, para poder captar seus significados. O

autor considera que o valor, a mercadoria e a troca encontram-se num contexto cultural e não

apenas em um contexto puramente econômico. Nas palavras do autor:

[...] temos que seguir as coisas em si mesmas, pois seus significados estão inscritos em suas formas, seus usos e suas trajetórias. Somente pela análise destas trajetórias podemos interpretar as transações e os cálculos humanos que dão vida às coisas (Appadurai 2008:17).

De acordo com o site17, a jornada da Staub teve início na Alsácia, região da França. É

uma região rica em história, comida e artigos em cerâmica. Com o mesmo cuidado, carinho e

16 http://www.lamiadolcevita.com.br/blog/giulia-librizzi/postado em 15 de agosto de 2010. 17 www.staub.fr

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perfeição que o povo da Alsácia cuida e fabrica suas cerâmicas para as suas refeições, a

família Staub iniciou seus negócios em 1892, com uma loja de artigos de cozinha comandada

por Auguste Waldner. Em 1974, seu neto Francis assumiu os negócios da família e, com a

compra de maquinários necessários, entrou no ramo de itens de ferro, dando início a Staub

Cookware. Mais de 30 anos depois, a empresa mostra-se líder na fabricação de itens de ferro

fundido na França. Usada por alguns dos chefs de cozinha mais famosos do mundo, como

Paul Bocuse, Thomas Keller, Jean Joho e Joel Robuchon, as panelas Staub combinam

tradição e modernidade, possuindo material e design técnico tão avançado que realçam o

sabor dos pratos. O esmalte preto aplicado nas panelas é praticamente indestrutível, pois é

resistente a lascas na pintura e a descolorações. O ferro fundido mantém o calor ideal para que

o prato permaneça quente por muito mais tempo após ser retirado do forno ou do fogão, e

também distribui esse calor por igual, deixando o alimento mais consistente e saboroso.

O depoimento abaixo pode ser entendido tanto como um resgate dessa tradição da

produção da materialidade, de Appadurai, quanto como habitus e capital cultural, de

Bourdieu, quando o usuário se apropria do seu conhecimento dos benefícios do ferro, para

falar das panelas:

Bom, por ser de ferro, muda a textura, o aroma dos alimentos. O processo é mais lento, mais elaborado. E o ferro retém as vitaminas dos alimentos [...] (R.T., advogado, usuário).

Ao fazer a leitura desse depoimento, observa-se que as informações contidas no site,

referentes ao processo de produção, que combina a tradição do ferro com a modernidade, são

legitimadas pelos usuários, o que, de acordo com a perspectiva de Appadurai (2008),

evidencia a criação de um vínculo entre a troca (compra das panelas) e o valor (benefícios

detectados pelos seus usuários). O autor propõe, em um debate, que as mercadorias, como as

pessoas, têm uma vida social. Neste caso, essas panelas - que o autor chama de bens

simbólicos culturais -, por meio de suas significações projetadas, adquirem vida própria por si

ou através das relações humanas. Assim, juntamente com as observações de Appadurai, os

conceitos de Bourdieu passam a ser fundamentais ao envolverem os mecanismos da distinção

por onde os objetos circulam.18

A partir do que Appadurai chamou de rotas e desvios, é possível pensar que o fluxo

18Anotações da aula de Cultura, Mídia e Vida Cotidiana, ministrada pela Prof. Dra. Silvia Helena Simões Borelli, no 1o semestre de 2011, no curso de pós-graduação de Ciências Sociais da PUC-SP.

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das coisas, em qualquer situação, é sempre “um acordo oscilante entre rotas socialmente

reguladas e desvios motivados” (2008:31). Nas palavras do autor, as mercadorias têm história

de vida e “os tipos de objetos que têm a ver mais com a biografia é uma questão mais de

contestação social e de gosto individual nas sociedades modernas” (Appadurai, 2008:31-32) .

Os depoimentos, abaixo, dos chefs que promovem as panelas Staub, retirados dos sites

da Doural e da Staub, exemplificam as reflexões de ambos os autores:

Cada peça é única e sai de um processo de fabricação tradicional (Chef Paul Bocuse).

Fabricação francesa autêntica e tradicional (Chef Laurent Tourondel).

Sabor por excelência de um sistema de cozimento natural (Chef Hiroyuki.).

Conhecimento e know how em cores (Chef Stiller.).

Nos depoimentos acima, são acionados alguns conceitos, como, por exemplo, o

conceito de luxo, que é percebido na primeira frase, em que o chef se refere à exclusividade

do produto ao dizer “cada peça é única”.

O segundo depoimento evoca o conceito de tradição percebido na referência à origem

francesa. Todo o resgate do luxo, nobreza e tradição, aspectos vistos no capítulo 1, pode ser

observado nesse testemunho, ao destacar a procedência do objeto.

O capital cultural pode ser observado no depoimento seguinte (terceira frase), quando

o chef ressalta o sabor diferenciado, utilizando a expressão “sabor por excelência” atribuída

ao processo do cozimento natural. E, por fim, o gosto está presente no último depoimento,

que destaca o design diferenciado por meio da menção à diversificação das cores. Afinal,

quem tem acesso a esse tipo de informação são pessoas que querem desfrutar prazer e

prestígio e posicionam-se de forma diferente dos demais.

Essas reflexões são reforçadas com apoio no conceito de Appadurai. Nas palavras do

autor: “temos que seguir as coisas em si mesmas, pois seus significados estão inscritos em

suas formas, seus usos, suas trajetórias […] somente pela análise destas trajetórias podemos

interpretar as transações e cálculos humanos que dão vida às coisas” (Appadurai, 2008:17).

Em outras palavras, por meio das narrativas dos chefs é possível projetar e dar vida aos

objetos.

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Em Junho de 2008, a Staub tornou-se uma das marcas mais prestigiadas do grupo Z

willing J.A. Henckels. Complementando a herança culinária de Zwilling J.A. Henckels, a

Staub continuou a associar tecnologia e tradição, artesanato e mão de obra, para produzir,

com a sua expertise em ferro fundido e cerâmica, uma mercadoria "da cozinha à mesa" ainda

mais inovadora. O ferro fundido é o material superior que retém o calor, o qual se difunde

lentamente e se distribui uniformemente, intensificando o sabor dos alimentos e, assim,

levando mais prazer à mesa. Os produtos Staub, embora conservem o tradicional e autêntico

artesanato francês, introduzem técnicas inovadoras de esmaltação. A inovação apresenta-se na

qualidade superior das panelas, que faz com que menos umidade escape durante o processo de

cozimento ao se usar a Cocotte 19Staub. Um estudo mostra que 10% a mais de umidade é

retida no interior da Cocotte Staub, após 55 minutos do tempo de cozimento, do que no dos

produtos concorrentes. O sistema de autorregar, constituído por pontos distribuídos sobre a

superfície plana interna da tampa, garante um contínuo cozimento uniforme dos alimentos no

interior do Cocotte. Esse processo garante que os sabores e valores nutricionais dos

ingredientes sejam preservados na íntegra.

Outras vantagens destacadas no site é o material interno composto de um esmalte

preto fosco antiaderente adequado para assar e cozinhar. É fácil de limpar e mais durável, tem

maior resistência aos riscos e às altas temperaturas.

A solução ideal para todas as fontes de calor. Cada Cocotte tem uma consistente base

de esmalte liso revestido para evitar arranhões na superfície. Durante séculos, os cozinheiros

têm aproveitado a retenção de calor natural e as propriedades de redistribuição de ferro

fundido. O ferro fundido esmaltado também retém também o frio, assim, basta pôr o alimento

preparado na geladeira antes de servi-lo, se ele tiver que ser servido frio. Os engenheiros da

Staub têm reforçado essa característica com o desenvolvimento de esmaltes especiais que

acrescentem beleza e benefícios funcionais a cada peça.

19Cocotte é um tipo caçarola resistente ao calor usado para cozinhar e servir comida.

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Imagem 3 : Staub e os microporos 1

Fonte: Site Staub

A variedade de cores, tamanhos e modelos das panelas Staub torna possível sua

utilização em qualquer tipo de fogão. São mais de 100 tipos de modelos que estão à

disposição dos consumidores, de acordo com a finalidade de uso. Seu design inovador

permite levá-la do forno ou do fogão diretamente para a mesa, seja em casa ou em qualquer

restaurante. Francis Staub envolve-se diretamente no design e na criação de cada peça da

linha. O processo de fabricação é rigoroso e quase artesanal. A patente de cada linha da

unidade Staub é obtida somente após os processos e o design passarem por extensos testes.

Durante a fabricação, é feito um molde de areia para cada peça que será produzida e, após um

único uso desse molde, ele é destruído, o que faz com que cada peça Staub seja única. Por

essa razão, essas panelas são consideradas bens de luxo na alta gastronomia por apresentarem

características de produtos únicos e diferenciados, que fogem à lógica do massivo, da

culinária do dia a dia, uma vez que alguns modelos chegam a custar R$1000,0020 e

encontram-se disponíveis em poucos circuitos de acesso à informação e comercialização.

Todos os produtos Staub continuam sendo fabricados na França, mas são encontrados em

mais de 50 países.

Para Appadurai, as “histórias de vida” ou “carreiras” das mercadorias atingem o mais

alto grau de uniformidade no polo de produção, pois é possível que, nesse momento, a

20 Preço praticado pela loja Camicado, disponível no site www.camicado.com.br. Panela de ferro modelo caçarola red Staub 28 cm, cor vermelha.

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mercadoria não tenha tido tempo de acumular sua história. Porém, neste caso, por serem

mercadorias de luxo, os polos de produção das panelas Staub, considerados depósitos de

conhecimentos técnicos, fogem do processo de padronização, nos “quais o gosto, a apreciação

e a experiência individual tendem a criar variações acentuadas no conhecimento de produção”

(Appadurai, 2008:61):

O processo de fabricação é único, eles fazem um molde para cada panela e jogam fora. Ë bem artesanal (J.B., engenheira civil, usuária).

Isso significa que, para tornar o luxo mais raro, ele precisa ser cada vez mais

exclusivo:

[...] seu grande diferencial é a tampa reta com os micropontos na parte de baixo, fazendo com que a umidade retorne para o alimento, deixando-o umedecido uniformemente por todos os lados (F.A., intermediário).

A preocupação com o design é observada, no capítulo I, por Melo Rocha (2008), ao

comentar que o poder de compra passou a ser supervalorizado devido ao design, à estética, à

aparência ligados às peças publicitárias. Pode-se constatar esse aspecto no depoimento

abaixo:

Ah, elas têm também um design muito legal. Têm tipos e cores para todos os gostos [S.T., advogado, usuário].

Ao apontar a preferência pelo design, chega-se à teoria do gosto, de Bourdieu, também

comentada por Landowisky. Neste caso, o gosto entra, mais uma vez, como uma espécie de

distinção.

Ao ligar os chefs de cusine com seu produto, as panelas Staub apropriam-se de uma

distinção que projeta, em seus usuários, prestígio e reconhecimento dos outros, conforme

ressalta Bourdieu, segundo as palavras de Loyola:

[...] o indivíduo não age apenas por interesse econômico, mas também pela vontade de obter status, prestígio e reconhecimento dos outros. Os diversos tipos de capitais funcionam numa espécie de jogo social de que o indivíduo participa. Dependendo da sua posição, ele pode desenvolver ou não estratégias que lhe permitem manter o espaço ou galgar novas posições: “O espaço social construído segundo a equação habitus + capital + campo = prática permite ao sociólogo interpretar e mapear as estratégias de distinção.” (Loyola, 2002:69).

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Para Appadurai, as mercadorias podem ter dois tipos de conhecimento: o

conhecimento que integra a produção da mercadoria (técnico, estético, social) e o

conhecimento que integra a ação de consumir apropriadamente a mercadoria “É claro que as

duas interpretações irão divergir proporcionalmente ao aumento da distância social, espacial e

temporal entre produtores e consumidores” (Appadurai, 2008:60).

Ao constatar, pelas reflexões do autor, que as mercadorias têm história de vida ou

carreiras, é importante verificar, nos depoimentos acima, que o produtor sempre procurou

partilhar o conhecimento do produto com seus usuários, detalhando o complexo processo

técnico pelo qual a panela passa. Neste caso, houve uma necessidade de apontar esses estratos

tecnológicos em seus discursos sobre a produção, presentes tanto nas falas encontradas no site

como nos depoimentos dos chefs de cuisine, evidenciando o interesse do produtor em manter

o consumidor em pleno envolvimento com conhecimento técnico de produção para valorizar

seu produto,

Dessa forma, as narrativas ligam o produtor/intermediário ao consumidor final para

passar a ideia de autenticidade e exclusividade para que o usuário saiba o que está comprando,

ou seja, conheça a sua origem e a procedência.

2.3 Paul Bocuse : garoto propaganda

Um dos pontos altos da empresa para outorgar magnitude e autoridade às panelas,

além do luxo e distinção que elas conferem, é a parceria com o chef Paul Bocuse, que atua

como garoto de propaganda.

Ah, ainda mais que quem é o grande garoto propaganda, a gente tem como referência esse senhor que é um mestre na culinária. Então você fala: nossa, ele, Paul Bocusse, porque ele é um ícone (S.T., advogado, usuário).

Assim como Morin (2009 a), que se refere aos famosos, Costa (2004a) segue com a

mesma observação:

Em sintonia com a moral do espetáculo, a mídia visa, sobretudo, a tornar visões de mundo particulares plausíveis e convincentes. É assim que a massa dos indivíduos é levada a admirar e a querer imitar o estilo de vida dos ricos, poderosos e famosos (Freire Costa, 2004a:166).

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Os sites www.staub.fr e www.douralgourmet.com.br relatam detalhes da sua história.

Bocuse nasceu no dia 11 de fevereiro de 1926; é um chef de cozinha francês, baseado na

cidade de Lyon, França. É uma cidade bastante famosa pelos seus renomados restaurantes de

alta qualidade que buscam inovação culinária. Bocuse é considerado um dos mais

proeminentes chefs associados à nouvelle cuisine, considerada menos opulenta e calórica do

que a tradicional e reconhecida por valorizar os ingredientes frescos e naturais. Em 1975 ele

criou a famosa sopa de trufas para um jantar presidencial no Palácio dos Eliseus, em Paris.

Desde então, essa sopa vem sendo servida, em seu restaurante perto de Lyon, como sopa

V.G.E21. Paul Bocuse contribuiu muito para a gastronomia da França, tanto diretamente

quanto indiretamente, e exemplo disso são muitos de seus alunos que, mais tarde, se tornaram

chefs famosos e possuidores das três estrelas Michelin22. Desde 1987, o Bocuse d´Or23tem

sido visto como o prêmio mais prestigiado para os chefs no mundo. Paul Bocuse tem recebido

inúmeros prêmios, como a medalha Commandeur, da Legião de Ouro24.

Segundo artigo publicado no dia 5 de janeiro de 2010, no site www.clubdoural.com.br,

a loja Doural reforça sua propaganda das panelas Staub com o aval de Paul Bocuse. Esse

artigo enfatiza o alto valor da gastronomia francesa, considerada a mais refinada do mundo, e

a associa ao chef de cozinha considerado uma lenda entre os chefs, o papa da gastronomia

francesa: Paul Bocuse. Este acompanhou de perto a criação de cada panela, durante todo o

processo e desenvolvimento do projeto, fazendo com que as panelas Staub sejam

consideradas em toda a Europa como as melhores panelas de ferro fundido que existem. Isso

porque, como já foi dito, as suas paredes reforçadas fazem com que o calor permaneça preso

por mais tempo na panela; a pintura resistente mantém sua estética sem riscos; os pegadores

de aço inox ou bronze permitem que as panelas sejam utilizadas também no forno.

Outro artigo encontrado no site www.bocusedor.com., em francês, também lembra que

as panelas Staub são as panelas que Paul Bocuse utiliza tanto para preparar seus pratos na

cozinha quanto para servi-los à mesa. Em busca da perfeição e com objetivo de entregar

21VGE é a sigla do nome do ex-presidente da França Valery Giscard D`Estaign 22Guia Michelin é um guia gastronômico publicado pela primeira vez em 1900 por André Michelin, um industrial francês cofundador da Compagnie Générale des Établissements Michelin, fabricante de pneus mais conhecida como Michelin. A referência de uma a três estrelas é a categoria atribuída ao prêmio dado a um restaurante. 23Prêmio dado, desde 1987, para jovens chefs, com o objetivo de premiar suas habilidades na culinária. Presente na Europa, Ásia e América Latina. 24Ordre national de la Légion d'honneuré,uma ordem francesa instituída por Napoleon Bonaparte em 1802. É considerada a mais alta condecoração da França

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produtos de alta tecnologia, aliados à tradição e modernidade, Staub tornou-se uma

importante referência na França e no mundo. Os produtos Staub são distribuídos em mais de

50 países.

Os efeitos de um título asseguram ao agente uma posição de destaque no espaço em

que atua. Esses títulos podem ser representados por capital cultural ou títulos de nobreza e

esse conceito pode ser transportado para a realidade de Paul Bocuse. Nas palavras de

Bourdieu:

Portanto, na definição tática do diploma, ao assegurar formalmente uma competência específica (por exemplo, um diploma de engenheiro), está inscrito que ele garante realmente a posse de uma “cultura geral”, tanto mais ampla e externa quanto mais prestigioso for esse documento [...] Esse efeito de imposição simbólica atinge sua máxima intensidade com os alvarás da burguesia cultural: certos diplomas – por exemplo, aqueles que, na França são atribuídos pelas Grandes écoles – garantem, sem outras garantias, uma competência que se estende muito além do que, supostamente, é garantido por eles, com base em uma cláusula que, por ser tácita, impõem-se, antes de tudo, aos próprios portadores desses diplomas que, deste modo, são intimidados a assenhorear-se realmente dos atributos que, estatutariamente, lhe são conferidos (Bourdieu, 2006:29).

Assim, os depoimentos são legitimados pelas falas dos grandes chefs de cuisine, e, em

particular, de Paul Bocuse, que detém o poder de validar o capital cultural e o estilo de vida

daqueles que visam subir na escala social desse meio:

É, ele é singular assim, é um senhor que assume com propriedade o que ele tem, assim né? Isso no restaurante dele, do jeito que é o restaurante dele (S.T.,advogado, usuário). De verdade, me sinto um gourmet e ainda cozinhando com a mesma panela que o Paul Bocuse usa em seu restaurante (S.T., advogado, usuário).

Uma fala do chef Bocuse faz com que esse usuário se aproprie de um estilo “gourmet”

de ser e de resgatar os valores tradicionais franceses. Vem novamente o habitus, que remete à

tradição francesa do glamour, do requinte. Há uma cumplicidade nessa relação do usuário

com o chef. Não importa se ele é um bom cozinheiro ou não ou se o usuário nunca tenha

estado em seu restaurante, mas o simples fato de ele se apropriar da Imagem de Paul Bocuse e

ambos terem um denominador comum, as panelas Staub, faz com que se dispare uma série de

projeções e significações, o que se verifica por meio de seu depoimento:

Eu não conheço seu restaurante, mas sei que é superpremiado, 3 estrelas no Michelin. Ele é bem renomado, um ícone na culinária francesa (S.T., advogado, usuário).

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Mesmo sem acesso a esse tipo de restaurante ou ao próprio Paul Bocuse, o usuário

reconhece que aquilo lhe confere uma espécie de distinção. Os mecanismos se dão pelo

processo de validação seguido por uma cadeia de legitimidade: fez o curso, acumulou capital

cultural, tem habitus e gosto que resultam em um estilo de vida diferenciado. No fundo, o que

lhe dá esse tipo de distinção não é o saber cozinhar, mas ser conhecedor do Paul Bocuse. É

possível que nem seja um cozinheiro criativo, mas isso não importa, a projeção já foi feita, a

apropriação já está legitimada.

Entretanto há também uma opção mais individual, uma vez que “os prazeres elitistas

não sumiram, foram reestruturados pela lógica subjetiva do neoindividualismo” (Lipovetsky,

2007:48). Além de impressionar os outros, tem de haver também a satisfação pessoal, o

prazer de se sentir bem independente da admiração do outro, o estar satisfeito consigo

mesmo:

Em nossos dias, a mania pelas marcas alimenta-se do desejo narciso de gozar de um sentimento íntimo de ser uma pessoa de qualidade, de se comparar vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa, sem que sejam mobilizados, por isso, a corrida à consideração e o desejo de provocar a inveja de seus semelhantes (Lipovetsky, 2007:48).

As reflexões de Lipovestky podem ser observadas na fala abaixo:

Eu fico bem satisfeito, são panelas para a vida inteira, são caras, não são símbolo de status, eu não considero símbolo de status (M. S., professor de inglês, usuário).

Não se pode afirmar que a projeção de prestígio não esteja presente, mesmo que o

usuário declare, em seu depoimento, a sua não existência; e também a sensação do prazer está

presente quando ele menciona sua satisfação com a performance das panelas.

Além de Paul Bocuse, o nome Staub é reforçado tanto nos folhetos de comunicação

quanto no próprio site da empresa, nas palavras de outros chefs de cuisine de reconhecimento

internacional, como pode ser observado a seguir:

A escolha dos profissionais - chefs que adotam a panela Staub como instrumento de

trabalho.

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Imagem 4 : Chefs de cuisine 1

Fonte : site Staub

Se eu tivesse um só segredo, seria o do produto bem concebido como o design único das panelas Staub (Paul Bocuse, chef de cuisine e principal garoto propaganda da marca). É uma cocotte francesa tradicional que é fonte de progresso (Hiroyuki Hiramatsu, chef de cuisine em Tóquio). Além da beleza de cada produto, Staub é muito funcional (Laurent Tourondel, chef de cuisine em Nova York). Os utensílios de cozinha Staub oferecem a cada dia prazer e satisfação. Excelente qualidade, design magnífico, são muito úteis, belos e descomplicados. Já não me recordo de como era o trabalho antes da Staub (Stefan Stiller, chef de cuisine em Shangai, China).

Nota-se que os chefs selecionados estão em diferentes partes do mundo e suas falas

exaltam as qualidades da panela, evidenciando a importância da mídia, que explora, com

muita eficiência, as imagens de beleza, sedução, autorrealização, desfocando as mercadorias

da noção original e tornando-as verdadeiras ilusões culturais, que fascinam o consumidor pós-

moderno pela sua estética, pelas associações com os signos. Justifica-se, então, o privilégio

dado, pelo capitalismo pós-moderno, à produção de signos e imagens em vez de às próprias

mercadorias. Por essa razão, o consumidor é cada vez mais afetado pelos símbolos

relacionados aos produtos, ou seja, os produtos que as pessoas compram são vistos pelos

significados pessoais e sociais adicionados aos funcionais. Em outras palavras, as pessoas

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compram as coisas não apenas pelo que essas coisas podem fazer, mas também pelo que elas

significam (Jameson, 2001).

Imagem 5 : Panelas Staub 1

Fonte: site Staub

Assim, os chefs de cuisine e suas narrativas evocam uma apropriação da realeza, uma

vez que, ao longo da história, como já comentado no capítulo I, a gastronomia e o gourmet

sempre estiveram associados à ideia de nobreza, estilo e requinte. O destaque para a cozinha

francesa, que enfatiza a elegância, foi marcado por um período de invenção e criatividade na

época da nobreza francesa. Assim, para os membros da nobreza e para os mais abastados, ter

um cozinheiro era um sinal de distinção, uma vez que permitia oferecer a seus convidados

pratos requintados e diferenciados. Esses significados foram transportados para o mundo

atual, permitindo esse diálogo entre a haute cuisine e a cozinha cotidiana. Dessa forma,

chegou-se ao momento de prazer e felicidade ao cozinhar com uma dessas panelas

diferenciadas.

Morin( 2009 a) observa que essa felicidade momentânea fortalece-se no momento em

que essas imagens projetadas pelos produtos ou pela comunicação aproximam-se do real.

Assim, “Um gigantesco impulso do imaginário em direção ao real tende a propor mitos de

autorrealização, heróis modelos, uma ideologia e receitas práticas para a vida privada.”

(Morin, 2009a: 90). É a partir desse encontro entre o imaginário e o real e vice-versa, que se

chega aos “olimpianos modernos” ou, no caso, aos chefs de cuisine.

São esses deuses, no caso, os chefs, e mais especificamente o chef Paul Bocuse,

permanentemente expostos à mídia e que gozam de uma imagem igual à dos deuses do

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Olimpo, que efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da

identificação:

Este tema projetivo [da felicidade] corresponde [fielmente ]ao hedonismo do presente desenvolvido pela civilização contemporânea. Esse hedonismo é de bem-estar, de conforto, de consumo: desenvolve-se em detrimento de uma concepção da existência humana na qual o homem consagra seu presente a conservar os valores do passado e a investir no futuro (Morin, 2009a:126).

2.4 Chegada ao Brasil O grupo Zwilling iniciou seus negócios no Brasil em 2008, com a loja conceito situada

na Rua Oscar Freire, 578. A loja trabalha com todos os acessórios de cozinha pertencentes ao

grupo, como as panelas Staub, as facas Zwilling, produtos como corta-queijo, abridores de

lata, cortadores de legumes, talheres, apetrechos, pratos de cerâmica e até copos finos de

mesa. De acordo com a representante comercial da loja, “a proposta é que, na loja, o cliente

consiga montar uma cozinha com todos os seus utensílios”.

A partir das observações etnográficas realizadas pela pesquisadora desta tese, pode-se

afirmar que essa é uma loja elegante e bem posicionada. Todos os produtos estão bem

distribuídos, permitindo que o cliente passeie pela loja sem esbarrar em nada. A distância

entre um produto e outro é grande o suficiente para deixar os frequentadores à vontade.

Assim, ao entrar na loja, logo no lado direito, encontram-se as panelas Staub em variadas

cores, modelos e tipos. Embora não haja um carro chefe, pois todos os itens da loja são

igualmente importantes, é visível o destaque que a disposição dá às panelas. Em vez de

estarem em prateleiras, são dispostas sobre uma mesa de madeira, permitindo que sejam

observadas em seus 360 graus. Os preços são encontrados facilmente nos produtos,

permitindo que haja uma comparação entre eles. Uma vendedora rapidamente aproxima-se do

cliente procurando esclarecer qualquer dúvida técnica que possa haver e, como em toda loja

mais sofisticada, sempre são oferecidos um nespresso e água para que o cliente fique mais à

vontade. A representante do grupo Zwilling comenta que assim é o dia a dia com todos os

clientes. As vendedoras são treinadas para dar todo o tipo de suporte necessário.

Esse tipo de loja, considerada chique e elegante, reforça o que Bourdieu (2003, 2006)

já mencionava, na década de 70: que as pessoas sempre buscam uma diferenciação e o luxo é

um tipo de diferenciação que pode ser caracterizada como econômica, cultural e social. O

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autor explica o consumo contemporâneo refletido nas manifestações entre as classes sociais.

Enquanto as classes de menor poder aquisitivo limitam-se a atender às exigências de primeira

necessidade, privilegiando a posse funcional do objeto, as classes médias, já mais liberadas

dessa urgência e com essas necessidades já supridas, buscam algo a mais, uma vez que

consideram esses valores muito naturais. As pessoas consomem e ostentam os bens como

forma de criar vínculos de distinção social, e o luxo vai além da posse do produto; é uma

maneira de demarcar fronteiras para distinguir as relações sociais:

Amo o design quadrado do bule, que faz com que seja um objeto de desejo. As cores vermelhas, amarelas, azuis se tornam objetos de decoração de cozinha, muita mais do que simples panelas (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária)

Ao destacar sua preferência por um bule de design quadrado, a usuária já se posiciona

num patamar diferenciado, com um perfil mais moderno e, provavelmente, arrojado, já que

um formato de bule quadrado foge do padrão usual. A teoria dos gostos de Bourdieu, que

desencadeia um luxo cada vez mais raro e inacessível, e, portanto, mais distinto, é reforçada

por um dos usuários, que considera a loja sinônimo de requinte e exclusividade :

Daí, no curso, me interessei pela panela e acabei comprando na Oscar Freire. É uma loja linda, chique e elegante (S.T., advogado, usuário).

Segundo o representante do grupo Zwilling, a vinda da empresa para o Brasil, em

2008, deveu-se às condições favoráveis do país, ao se constatar uma tendência de crescimento

nesse mercado. Afinal, as pessoas estão aprendendo a comer melhor, a fazer pratos mais

elaborados, frequentando cursos, assistindo a programas de TV sobre o tema, enfim,

investindo mais em gastronomia:

Na Europa, as pessoas já nascem com este conceito. Aqui no Brasil é um conceito relativamente novo, mas que ainda há um espaço muito grande para crescer. Começou com cursos de vinhos, academia de gastronomia. No seu entorno, percebe-se que as corporadoras investem em apartamentos com “espaços gourmets”. Enfim, há um movimento do brasileiro em querer comer e beber bem, e mais, com o prazer de servir seus amigos, preparar uma boa comida na sua casa (grupo Zwilling, produtor).

Conforme relata a representante, a concorrente La Creuset reinou no Brasil, sozinha,

por 15 anos e também possui ferro na sua composição. E acrescenta que panela de ferro é

uma cultura de tradição existente no país, principalmente no interior, mais especificamente

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em Minas Gerais. Remetem àquela imagem de interior, das panelas pesadas sobre o fogão, da

sua importância no cozimento da comida por reter a vitamina dos alimentos, o ferro. E

complementa: “Isto não é só no Brasil, mas também no mundo, especificamente na Europa”.

A Staub trabalhou o conceito da panela de ferro sofisticando o que é “slow food”, isto

é, a necessidade de mais tempo para preparo. Tudo o que se faz na panela de ferro é melhor,

os pratos ficam mais saborosos, porém, segundo a gerente da loja, é uma panela mais pesada,

não própria para o dia a dia; o processo do cozimento é mais lento, a limpeza é diferente da

das panelas de aço inox, que são mais práticas para o uso cotidiano.

Toda venda, no varejo e no atacado, é centralizada na loja da Oscar Freire. Hoje o

grupo tem 85 pontos de vendas pelo Brasil e tudo começou com um trabalho precedido pelo

da loja Doural, cuja história será contada no próximo item.

Segundo a representante do Grupo Zwilling, os usuários das panelas Staub, no Brasil,

ainda são diferentes dos da França, onde a maior fatia de vendas está centrada em

profissionais. Aqui no Brasil, 90% dos compradores são consumidores, ou seja, pessoas que

têm em comum o prazer na gastronomia, na arte de cozinhar, independente da profissão que

exercem. São médicos, executivos, advogados que frequentam academias de gastronomia e

buscam as panelas para cozinharem, no final de semana, para amigos ou familiares. São

gourmands que querem entender a experiência da gastronomia. Destes, apenas 10% compram

para enfeitar a cozinha ou uma mesa.

Enquanto, na França, a maior parte dos usuários utiliza as panelas para fins

profissionais, aqui o grupo que as utiliza com essa finalidade é representado por apenas 10%

dos usuários. Este grupo, acompanhando uma tendência da França, geralmente segue

recomendação de formadores de opiniões ou de professores de culinária. São restaurantes,

hotéis, buffets que expõem a panela à vista dos clientes e acabam divulgando esse tipo de

gastronomia.

Alias, na própria loja da Rua Oscar Freire, há o endereço de um restaurante que

cozinha apenas com as panelas francesas Staub: “Restaurante La cocotte”, localizado na Rua

Ministro Rocha Azevedo, 1153, site www.lacocotte.com.br. É uma maneira de divulgação e

uma reprodução de um restaurante que a Staub promove na França.

As demais divulgações são feitas por folhetos, formadores de opiniões, lojas, aulas de

culinárias, mídia impressa e digital. Ao adquirir as panelas, o consumidor recebe. Incluso. um

folheto de receitas, que também pode ser encontrado no site.

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Um pouco antes de 2008, as panelas já eram comercializadas no Brasil sob a

representação da loja Doural. Localizada na região da Rua 25 de março, área de comércio

conhecido como “popular”, a loja, pouco a pouco, apropriou-se da elegância e do requinte da

marca para obter uma espécie de distinção entre seus clientes e alcançar a fatia de classe A

desse mercado. É possível fazer um paralelo dessa comercialização das panelas Staub que

antecede a loja conceito da Oscar Freire com o que Appadurai (2008) vai chamar de rotas e

desvios sobre o fluxo das mercadorias, fato esse que será visto no próximo item.

2.5 Loja Doural

Imagem 6 : Logotipo Doural 1

Fonte: site da loja Doural

Segundo o site www.doural.com.br, a loja é uma das mais tradicionais da Rua 25 de

Março e, desde 1905, está presente no mercado de decoração e consumo, comercializando

itens de cama, mesa, banho, tapetes, cortinas e tecidos. Conduzida, desde 1905, pela família

Assad Abdalla, a empresa apoia-se em valores de tradição, mas segue uma linha de atuação

dinâmica e inovadora. Além de vender cortinas, artigos para cama, mesa e banho, a loja

passou a incluir, em seu portfólio, utilidades domésticas, como itens para decoração,

eletroportáteis e eletrodomésticos. Pouco a pouco o perfil do estabelecimento transformou-se,

contrariando os hábitos de consumo da região e de seus concorrentes, passando a oferecer os

serviços de lista de casamento, de chá-bar, lista de casa nova, que antes só podiam ser

encontradas na região dos Jardins.

Visando à classe alta, a Doural sofisticou as prateleiras com uma série de produtos

importados para cozinha, como panelas de cobre e máquinas de café expresso. Para isso, abriu

uma importadora, a Abdala Import. “No início foi difícil, porque marcas como a Nespresso

tinham muita resistência em vender suas mercadorias na 25 de Março”, comenta Camila

Abdalla, uma das diretoras. "Achavam que o lugar depreciaria o produto. A própria Creuset se

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recusou a entrar aqui na 25 de março, comenta Fermando Abdalla [empresário, intermediário

e usuário]

Hoje a loja apresenta duas grandes divisões: no andar de baixo, fica o estabelecimento

com os produtos tradicionais, de cama, mesa e banho, tipicamente voltado para as classes

populares. As prateleiras são estreitas e a enorme clientela que frequenta a loja desde as 7

horas da manhã, combina perfeitamente com o perfil da 25 de março, onde pode-se observar

clientes de todo o tipo de classe social. No mezanino, mais ao fundo há uma escada que ao

subir, defronta-se com um outro tipo de loja: mais calma, somente produtos importados de

cozinha, com funcionários atenciosos e que usam uniformes. É um espaço diferenciado dos

demais locais do estabelecimento, concentrando artigos de alto luxo na área da gastronomia,

com artigos exclusivos como as linhas gourmet das marcas francesas de panelas Staub,

Cristel, Mauviel, Cook Way e a inglesa Joseph & Joseph, conforme relata em entrevista

Fernando Abdalla e observado em visitas etnográficas ao local.

Apesar das mudanças, a casa ainda preserva a fachada do início do século passado

Para a realização desta investigação, esta pesquisadora esteve, por diversas vezes, durante o

primeiro semestre de 2011, na loja Doural e pôde constatar esse atendimento. Numa dessas

visitas, apresentando-se como cliente e pedindo para ver as panelas Staub, objeto do presente

estudo, foi atendida por uma vendedora que a acompanhou até o segundo piso da loja e lhe

fez companhia o tempo todo em que esteve por lá, em torno de 30 minutos. Todos os

vendedores recebem constantes treinamentos para saberem usar os produtos e dar sugestões

de uso para cada um deles. Ainda, no interior da loja, há TVs de plasma com vídeos

explicativos sobre como usar os produtos mais elaborados e ensinando receitas deliciosas

feitas com os utensílios vendidos na loja (observação etnográfica, fevereiro de 2011).

Essas visitas comprovaram o cuidado e o atendimento da vendedora. Todos os

vendedores recebem constantes treinamentos para saberem usar os produtos e darem

sugestões de uso para cada um deles. Ainda, no interior da loja, há TVs de plasma que exibem

vídeos explicativos sobre como usar os produtos mais elaborados e que ensinam receitas

deliciosas feitas com os utensílios vendidos na loja.

Segundo Abdalla, há oito anos a família resolveu entrar na linha de produtos mais

sofisticados na área da gastronomia:

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Inicialmente buscamos as panelas Le Creuset, que rejeitou a proposta de vender suas panelas na região. Com a sua recusa, fui à França, conversei com a família Staub e disse que queria importar as panelas (F.A., intermediário ).

Imagem 7 : Fachada loja Doural 1

Fonte: site da loja Doural

Conforme apresentado no capítulo I, constata-se, nesse depoimento, um espaço de

conflitos e de concorrência, sob a perspectiva de Bourdieu (2006). A recusa das panelas Le

Creuset de estar presente num espaço popular confere a elas uma hegemonia sobre a espécie

de capital. Assim, o mais fraco, no caso a loja Doural, para se apropriar desse tipo de

distinção, negado pelas panelas Le Creuset, busca uma outra opção. Ao negociar com a

concorrente Staub,

Abdalla ativa seu capital social, que Bourdieu (2003,2006) define como um conjunto

de recursos atuais e potenciais, ligados a uma rede de conhecimentos pertencentes a um grupo

dentro de um espaço social. A dinâmica do aumento ou da diminuição do capital social vai

depender da estratégia de investimento que o indivíduo utiliza com relação à sua rede de

conhecimento, o que pode ser observado pela estratégia do empresário:

Pra ganhar esse mercado a gente começou a vender a Staub no mesmo preço da Le Creuset, e a gente colocava uma do lado da outra, pra pessoa ver a diferença. E elas têm diferença, a primeira tem mais peso, mais acabamento, tem diferença da tampa ser reta, tem o gotejamento [...] e aí começou a vender bem, a gente começou a fazer feira e começamos a distribuir para aqueles mesmos clientes que tinham antes me barrado. A

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gente acabou tendo melhor relacionamento. Hoje a situação é totalmente diferente (F.A., intermediário).

Imagem 8 : Mezanino da loja Doural 1

Fonte: site da Loja Doural

Com o tempo, a loja passou a receber destaque na mídia ao incluir outras novidades de

marcas profissionais da alta gastronomia, diversificando seu portfólio. O jornal O Estado de

São Paulo25 fez uma reportagem e convidou o chef francês Laurent Suaudeau, de 53 anos,

dono de uma escola de artes culinárias, para avaliar as mercadorias. Segundo o artigo, Laurent

ficou, a princípio, um pouco cético em relação ao que de fato acharia. "É muito difícil

comprar equipamentos profissionais para cozinha no Brasil. Muita coisa ainda os gourmets

trazem na mala quando viajam", contou. Mas, ao entrar na Doural, ele se surpreendeu ao ver

uma panela igual à que ganhara, há 30 anos, do chef Paul Bocuse, uma La Cocotte (panela de

fazer frango) de ferro, da francesa Staub, cujo valor era de R$ 827,44. Para o chef, ela é

fantástica, pois dispensa colocar gordura. Além da coleção completa das panelas Staub,

Laurent se surpreendeu ao encontrar marcas premium da marca belga Demeyer, além da

coleção completa de panelas de cobre Mauviel (uma sauteuse, de R$ 884,00). Segundo

Suaudeau, todo restaurante três estrelas usa esse tipo de panela na França.

Para Abdalla, ouvir os clientes e saber entender suas necessidades é um dos fatores

25“25 de Março agora também é gourmet” publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 25 de março de 2010. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,25-de-marco-agora-tambem-e-gourmet,542459,0.htm>

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primordiais para o sucesso. E é assim que se dá um passo à frente dos concorrentes:

Gostamos de nos misturar com os compradores na loja, pois isso permite ouvir críticas e sugestões esclarecedoras sobre produtos e serviços. Sabendo o que eles pensam, é possível tomar atitudes e mudar o cenário muito mais rápido, prevenindo problemas e antecipando-se às demandas. As melhores ideias partem dos clientes, elas não são nossas, e este é um dos diferenciais da casa (F.A., intermediário).

Imagem 9 : Reportagem sobre a Doural 1

Fonte: Jornal O Estado de SP.

A busca pela inovação e o conceito de tradição familiar apreendido pelos irmãos

Fernando e André, quarta geração dos Assad Abdalla, reproduzem a presença do habitus

familiar que vem sendo transferido desde a primeira geração. Para Bourdieu, segundo Ortiz

(2003:18), “A estrutura de um habitus logicamente anterior comanda, portanto, o processo de

estruturação de novos habitus a serem produzidos por novas agências pedagógicas.”

Esses mecanismos complexos que acompanham quatro gerações e que mantêm

atualizada uma loja desde 1905 podem ser explicados por Bourdieu (1996), quando se refere à

reprodução da distribuição do capital cultural e, consequentemente, da estrutura do espaço

social. Segundo o autor, essas duas dimensões correspondem a dois conjuntos diferentes de

mecanismos,

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[...] cuja combinação define o modo de reprodução – que fazem com que o capital puxe o capital e com que a estrutura social tenda a perpetuar-se. A reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural se dá na relação entre as estratégias das famílias e a lógica específica da instituição escolar (Bourdieu, 1996: 35).

Desse modo, para agregar valor à sua loja e adquirir a tão esperada distinção, além do

habitus (herança familiar), a família agrega capital cultural e econômico para entrar nesse

espaço social.

O agente seguiu exatamente as regras do jogo, ao perceber que o fabricante Le Creuset,

outra marca de peso nesse segmento de utensílios de cozinha da alta gastronomia, rejeitou

colocar seus produtos em sua loja. Desse modo, para ocupar esse espaço desejado e um

posicionamento social dentro desse campo de lutas e que, a princípio, lhe fora negado, o autor

apropriou-se da comercialização de um outro concorrente, de qualidade similar, no caso, as

panelas Staub, para que lhe pudesse ser conferida a tão desejada distinção nesse espaço.

A exposição acima está inserida nas reflexões de Bourdieu (1996), quando este utiliza

o termo illusio - interesse - para classificar o indivíduo nesse espaço social. Illusio significa

“estar no jogo, estar envolvido no jogo, levar o jogo a sério”, ou seja, “estar preso ao jogo e

acreditar que vale a pena”. Estratégia é “participar, admitir que o jogo merece ser jogado e

que os alvos engendrados no e pelo fato de jogar, merecem ser perseguidos; é reconhecer o

jogo e reconhecer os alvos” (Bourdieu, 1996:139). Para que o ator social possa ocupar seu

espaço, é necessário que ele conheça as regras do jogo dentro do campo social no qual ele está

disposto a jogar.

Essas estratégias estão relacionadas a diferentes tipos de capital: o capital econômico,

que confere aos que possuem a riqueza material poder sobre aqueles que não o têm; o capital

cultural, que confere ao indivíduo uma relação privilegiada com a cultura escolar e erudita; e

o capital simbólico, “formado por um conjunto de signos e símbolos que permitem situar os

agentes no espaço social” (Loyola, 2002: 66). Assim, o capital econômico e o capital cultural

vão dominar esse espaço social a ser ocupado pelos agentes. Há, também, o capital social, que

consiste em um conjunto de recursos atuais e potenciais, ligados a uma rede de

conhecimentos pertencentes a um grupo, dentro de um espaço social. A dinâmica do aumento

ou diminuição do capital social vai depender da estratégia de investimento que o indivíduo

utiliza em relação a sua rede de conhecimento. Abdalla utilizou seu capital econômico e

cultural para a luta nessa escalada social:

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Corri atrás de cursos. É bem diferente vender algo que você conhece. Hoje, eu levo para casa e testo quase tudo que recebemos na loja (F.A., intermediário). Nem fritar um ovo eu sabia. Aí todo fornecedor que entrava, Tramontina, Brinox, todo treinamento que era dado para as minhas funcionárias que iam junto, pra poder entender. E um curso complementava o outro, e aí eu comecei a perceber as necessidades que as pessoas tinham; saber explicar para o cliente, apresentar novos diferenciais, e aí isso foi tornando a loja mais gourmet, sendo mais completa, tendo itens que ninguém tinha (F.A., intermediário).

Segundo Martins (1974), pode-se fazer também uma comparação entre a trajetória do

patriarca Assad Abdalla e a de Francisco Matarazzo, fundador do grupo Matarazzo, uma vez

que há muitas semelhanças entre elas. A rápida acumulação do capital e a diversificação das

atividades do Grupo Matarazzo, em 1911, denotava a centralização do poder em um escritório

central em que se desenvolviam todas as atividades da empresa. Porém, acrescenta o autor: o

poder não foi só centralizado, mas também concentrado na pessoa de Francisco (Conde

Francisco Matarazzo, fundador do Grupo Matarazzo.). Embora tenha chegado como

imigrante no Brasil um pouco antes de Abdalla, em 1881, trazia esposa e dois filhos. Apesar

de vir de uma família abastada, seu pai era proprietário de prestígio da cidade de Castelabate,

na Itália, sua vida mudou drasticamente a partir da morte de seu pai, cuja família caiu na

pobreza. Sua vinda ao Brasil, como a de Abdalla, tem o intuito de ganhar muito dinheiro por

meio do comércio. A carga que trazia (para comercializar banha) perdeu-se no naufrágio e

teve que começar do zero. “Da minha terra, no sul da Itália, trazia um pouco de dinheiro, mas

pouco. Aqui desembarcamos com a bolsa cheia de vontade de trabalhar [...]. Estabelecido em

Sorocaba, abri um botequim, ou venda, como se diz aqui no Brasil. Eu lhe faço notar que

jamais tive, e nem procurei ter o que se chama de patrão (p.18). [...] a luta me seduzia,

confiando unicamente na minha energia e na minha força. (Martins, 1974:64).

Nesse depoimento, narra Martins, as características de ideologia do sucesso pelo

trabalho são significativas, já que seu capital era a disposição para o trabalho, mesmo objetivo

de Abdalla. A sua primeira casa comercial foi aberta em 1882 em Sorocaba, onde,

inicialmente, se estabeleceu e o próprio Matarazzo cuidava de tudo pessoalmente, ele que

comprava e vendia as mercadorias, no caso banha de porco, e estava sempre a frente de seus

concorrentes. Martins relaciona o trabalho dos Matarazzos com relação ao trabalho do

bandeirante, que também pode ser associado aos Abdallas:

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[...] é nulo ou quase nulo o capital com que iniciam a vida. Entre eles não há representantes das grandes casas peninsulares, nem da burguesia dinheirosa [...] Mas se emigram para a província tão áspera e distante , é exatamente porque a sorte lhes foi madrasta na terra natal [...] a pobreza original está declarada e o meio para alcançar a riqueza está implícito. É na ideologia do trabalho, impondo-se como a mais vigorosa em relação à tradicional e revelando uma reintegração das representações coletivas vinculada à reintegração do sistema (Martins, 1974:102;103).

O autor conclui que o caso Matarazzo denota não só uma visão justificada pela situação

econômica, mas também uma visão do empresário sobre si mesmo, a imagem do empresário

criador, do selfmade man. “O empresário de Schumpeter inova quando quebra a corrente

circular da economia e propicia uma evolução econômica técnica, mercantil, [...] sem que a

inovação seja produto do estímulo do mercado, inova quando ousa”. Já, para Sombart, o

empresário cria, porque centraliza as decisões, aliando o afã do lucro ao afã do poder. Isto é,

cria, porque sua personalidade dominadora atende aos requisitos da expansão econômica, cria

porque a situação é criadora (Martins 1974:107). Assim como no caso da família Matarazzo,

os Assad Abdalla adaptam-se perfeitamente às definições de empresário criativo de

Schumpeter e Sombart, como poderá ser observado na continuação da história da trajetória da

família.

Além da vida familiar e empresarial, Assad atuou em projetos da colônia síria nas áreas

educacional, religiosa, recreativa e social, fazendo doações importantes ou liderando coleta de

fundos. Assad Abdalla deixou a seus descendentes a missão de gerir e administrar os negócios

da família; ensinou-lhes que a família é a base da sociedade e que é necessário trabalhar duro

para tocar os negócios adiante. Os Assad Abdalla acreditavam que, para ter novas e boas

ideias e estarem um passo à frente da concorrência, era preciso ouvir a opinião de seus

clientes, vendedores, amigos e funcionários, conversando com o office boy ou mesmo com a

moça da limpeza. Para a informação chegar aos seus ouvidos sem intermediários, muitas

vezes misturavam-se aos clientes a fim de conhecer suas críticas e sugestões sobre seus

produtos e serviços. E esses clientes, sem saberem com quem estavam conversando, não

tinham medo de dizer a verdade.

Bourdieu explica esse fenômeno por meio do campo do poder:

[...] é um espaço de relações de força entre os diferentes tipos de capital, entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital, para poderem dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo de diferentes tipos de capital é posto em questão (Bourdieu, 1996:52).

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Assim, no início de 2003, Fernando aproveitou a tendência gourmet que se

disseminava em São Paulo e dinamizaram o perfil da loja. A partir daí, frequentou mais de 30

cursos que eram oferecidos por fornecedores nacionais e estrangeiros, a fim de aprender tudo

sobre os utensílios de cozinha, desde os conceitos mais simples até os mais sofisticados.

Tomou gosto pelo assunto e sua paixão pela gastronomia só tem crescido e está presente até

em suas viagens a turismo. O empresário posta e assina, pessoalmente, todas as receitas em

seu blog da Doural. É na sua casa que ele testa todos os equipamentos que estão à disposição

dos gourmets em sua loja. As suas vedetes na cozinha são as panelas alemãs Silit, as francesas

Staub e Mauviel. Desde então, seus sites foram se sofisticando e, atualmente, são

considerados um verdadeiro requinte.

Então pra compras pequenas a internet é muito boa, porque atinjo bem classe A e atinjo o Brasil inteiro com muita facilidade, porque eu entrego desde o Amapá até onde quer que seja. (F.A., intermediário).

A loja está permanentemente expondo seus produtos premium nos canais de

comunicação. Em seu site pode ser encontrado o item clipping, no qual estão arquivadas todas

as matérias de variados jornais e revistas, dentre as quais as de gastronomia e de decoração de

bairros, mostrando uma matéria da loja. No dia 14 de abril de 2011, foi possível constatar 50

páginas com 20 matérias em cada uma delas, perfazendo, até o presente momento, desde

2008, um total de 1.000. Além do site, a Doural mantém 50 vídeos no YouTube com

sugestões e preparos de receitas culinárias dos mais renomados chefs, entre eles, dois sobre as

panelas Staub, com Paul Bocuse. Em outubro de 2009, foram postados no YouTube dois

vídeos em que Paul Bocuse ilustra passo a passo o preparo dessas receitas, ressaltando o valor

da panela Staub: um com o título Staub - Côte de Veau - Paul Bocuse26e o outro com o título

Staub - Medalhão ao molho Beaujolais27.

Desse modo, considerando essas estratégias adotadas por Abdalla, ao direcionar a sua

loja, situada em um reduto popular, para vender produtos elitizados, podemos assumir que o

tipo de comércio que o empresário faz com essas panelas é o que Appadurai denomina rotas e

desvios de mercadorias (2008). Nas palavras do autor:

26Disponível em http://www.doural.com.br/clipping.aspx?page=10&iddept=0&sort=1. 27Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=awS9ybR2rN0.

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[...] o desvio de mercadorias para fora das rotas especificadas é sempre um sinal de criatividade ou crise, seja estética ou econômica. Tais crises podem assumir uma variedade de formas: adversidades econômicas, em qualquer espécie de sociedade, podem levar famílias a se desfazerem de objetos transmitidos por diversas gerações, de antiguidades e de memorabilia para mercantilizá-los. [...] (Appadurai, 2008:42-43).

A globalização e a chegada das tecnologias da informação – a internet e a propagação

da TV a cabo e via satélite – vêm acelerando a mudança para uma nova identidade cultural

global. O enfraquecimento da identidade local e a composição dessa nova individualidade,

conImagemda por uma cultura global, provocam a adoção de modos de vida e consumo

vinculados a países altamente industrializados e forçam o indivíduo a se distanciar de valores

e compromissos formados perante aqueles com quem divide seu habitat. Temos, assim, nesse

tipo de sociedade, um indivíduo desvinculado do compromisso frente a seu semelhante e

disposto a consumir, a qualquer preço e em qualquer quantidade, para satisfazer seus desejos

egoístas. Não importa qual quantidade de bens produzidos ou de riqueza disponível; a

sociedade articula-se e ordena-se sobre um excedente estrutural e sobre uma penúria

estrutural, que, juntos, definem tanto a riqueza de um país ou região quanto a qualidade de

vida de seus habitantes e o sistema de classes ou castas que a divide (Baudrillard, 2008). Com

o advento dos computadores, da informática, o espaço cibernético ganhou uma nova

dimensão no tempo-espaço e movimento, já que são “inscritos na temporalidade singular da

difusão instantânea” (Baumann, 1998:24). Essa desordem mundial reflete uma nova

consciência das coisas, fugindo ao controle, para classificar o conceito de globalização. A

diferença entre viver na sociedade atual ou na que a antecedeu, a de produtores, está no

estabelecimento das prioridades, o que resulta numa enorme diferença em todos os aspectos

da sociedade, da cultura e da vida individual. Hoje, o consumidor de uma sociedade de

consumo tem, cada vez mais, a necessidade do agora, “ocasionada pela tecnologia

compressora do tempo e a lógica da economia orientada para o consumidor”. Os

consumidores não devem nunca ter descanso para consumir, precisam estar acordados,

alegres, sempre expostos a novas sensações e tentações (Bauman, 1998, 2001, 2007; Jameson,

2001). Com a globalização, parece não haver vida fora do consumo conspícuo para uns e

necessidades negadas para outros. A produção de mercadorias é um fenômeno cultural que

leva à compra de produtos pela sua imagem e uso imediato. Existe todo um processo

permeando esse fenômeno de produção estética, desde a propaganda até a erotização para

seduzir o consumidor, não muito diferente do que Marx determinou como o fetiche da

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mercadoria.

A loja Doural foi uma das primeiras a entrar no universo de sites virtuais28e a internet

foi fundamental para conseguir acesso ao segmento da classe A. “Se, para alguns, ir até a 25

de Março é um passeio, para outros, é sinônimo de pesadelo. Muitas pessoas queriam comprar

nossos produtos, mas não suportavam a ideia de vir até aqui. O jeito foi levar os produtos até

elas", conta Fernando Abdalla, que reconhece que o portal na internet foi o responsável por

atingir um consumidor de maior poder aquisitivo, mas que, como todo mundo, quer pagar

mais barato pelo que compra. O número saltou de 3,4 milhões de usuários, que compravam

pela internet em 2004, para 30 milhões em 2011 e 51 milhões em 2013, como se pode

verificar na tabela abaixo. Isso mostra a capacidade visionária dos irmãos, que investiram

num site cujo potencial ainda estava por vir. Os compradores que usam a internet têm um

perfil mais elevado dos que os que frequentam a loja, pois 53% deles possuem o curso

superior completo e pós-graduação, o que confirma o maior acesso das classes altas às

compras via internet.

Gráfico 1 : Evolução dos consumidores

Fonte: site e-commerce.

28“De tudo um pouco”. Revista Época. Publicado em 18 de novembro de 2005.Disponível em http://www.ebitempresa.com.br/clip.asp?cod_noticia=378&pi=1 .

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Para entrar no mercado que circula na internet e conquistar a classe A, o primeiro passo

foi diversificar o mix de produtos, introduzindo uma linha de presentes e utensílios para

cozinha. Desde 200829, o site transformou-se em uma loja virtual que recebe três mil

visitantes ao dia e já representa 15% do total de vendas. “No site, o tíquete médio é de R$

150,00, valor 50% maior que o da loja e 70% do público pertence às classes A e B”, diz

Fernando Abdalla. Nos 1.800 metros quadrados da loja física, trabalham 250 funcionários, 80

deles vendedores, para dar conta das mil compras realizadas, em média, a cada dia. O site e as

vendas online são de responsabilidade de uma equipe exclusiva de 12 pessoas. Hoje a loja

tem o Club Doural, que dá acesso aos sites de conteúdo da Doural (Blog da Doural, Doural

Gourmet, Doural Sustentável, Decorações Doural, Tudo no Lugar, TV Doural, Guia Doural,

Site Pessoal e Espaço Noivas). Nesse espaço há sugestões, curiosidades, organização e

entretenimento, e foi criado para proporcionar o contato direto com os clientes. Seu conteúdo

é dinâmico e atualizado diariamente. Se o comprador for um Membro do clube, pode ganhar

descontos exclusivos.

Com o objetivo de atrair um público mais segmentado, especificamente consumidores

que gostam de gastronomia, os irmãos Abdalla criaram o blog da Doural e o site Doural

Gourmet.

O próprio Fernando escreve diariamente e seleciona as informações que devem ser

incluíd as no blog; recebe sete mil visitas por mês, voltadas para as vantagens e utilidades dos

produtos que oferece. “O objetivo não é vender, e sim prestar um serviço. Quando a pessoa se

interessa por alguma coisa, acaba indo para o site ou para a loja.” O número de acessos e

comentários faz com que o blog se mantenha bem posicionado na busca do Google. Ao clicar

a expressão Loja Doural, aparecem 82.900 resultados e logo nas primeiras posições. “O

Doural Gourmet é dedicado a receitas e dicas culinárias. A ideia é a fidelização, fazer com

que as pessoas tenham em mente a nossa marca”, afirma André. No site, além de banners das

marcas comercializadas pela empresa, ao final de cada receita, o consumidor encontra uma

lista de utensílios recomendados pela Doural para o preparo do prato — basta clicar e

comprar.

29CORRÊA, Elisa; GOTARDELLO FILHO, Wilson. Como ganhar dinheiro com a revolução digital. Ano 2010. Disponível em <http://revistapegn.globo.com/Revista/Common/0,,EMI86692-17152,00. Como+ganhar+dinheiro+com+a+revolucao+digitaL.html>.

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Imagem 10 : Doural Gourmet no site 1

Fonte: site da loja Doural

Para os irmãos Abdalla, a internet não é vista apenas como instrumento de venda, mas

também como uma ótima ferramenta para comprar, falar com os fornecedores e fazer

pesquisas sobre novos produtos. Além do blog, a Doural usa as redes sociais para se

comunicar com os clientes. Presentes também no Orkut e no Facebook, os irmãos abriram

uma conta no Twitter em 2010. No Twitter30, a loja lança uma dinâmica diferenciada com

muitas postagens diárias de informações, dando sugestões de decoração, produtos, novidades

e exclusividades, como as Promoções Relâmpago Twitter Doural, que não são válidas para a

loja física. Uma vez por semana, o diretor da Doural envia uma mensagem de promoção

relâmpago com as informações de um produto. Todos os cadastrados têm o período de duas

horas para adquirir o produto selecionado por um preço exclusivo, que pode atingir até 50%

de desconto. Passado o período estipulado, o produto volta ao valor normal. Além disso, a

Doural cria promoções do tipo “Quem encontrar o passarinho do Twitter dentro de um

produto do site da Doural, ganha o produto”!

Desde 2007, tanto fisicamente quanto via site, a loja tem fornecido informações

esclarecedoras sobre as panelas Staub. Há inúmeros depoimentos sobre o produto, seus

benefícios, utilidade de cada panela, com desenhos ilustrativos e dicas de receitas. É o próprio

Fernando que testa e experimenta o produto e conta sua experiência pessoal no blog:

STAUB as panelas preferidas do grande CHEF PAUL BOCUSE. As panelas Staub são esmaltadas na parte interna e externa. As panelas Staub têm o revolucionário sistema de

30A Doural também investe no Twitter – Conheça você também! 4 de março de 2010 às 16h32, por Fernando Abdalla. Disponível em http://www.clubdoural.com.br/dev/blog-da-doural/a-doural-tambem-investe-no-twitter-conheca-voce-tambem.

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gotejamento que faz com que os vapores retornem ao alimento deixando os pratos com muito mais sabor. Os pegadores das panelas Staub são de aço inox ou cobre [...] 31

A TECNOLOGIA DE FERRO ESMALTADA NA STAUB: Uma panela que não pode faltar na cozinha de uma boa dona de casa e de um restaurante com um bom chef é a Panela Wok Ferro Esmaltado Black da Staub, uma panela campeã de elogios, que a Doural disponibiliza para seus clientes. A panela conta com os benefícios que o ferro fundido traz, como [...] 32

SOLTANDO OS BICHOS COM STAUB: Panelas sempre vão ser panelas, mas será que seria possível torná-las mais divertidas? Sim, e é sobre isto que vou falar hoje. Já apareceu de tudo: materiais diferentes, cores da moda… Mas e quanto a formatos? A marca francesa, líder em panelas de ferro fundido na França, mostra sua coleção de bichos: vaca, porco e [...] 33

Imagem 11 : Staub e os bichos 1

Fonte: site das Lojas Doural

Pode-se observar, nos textos acima, o domínio da liga da materialidade na evocação

da tecnologia do produto, da legitimidade e do conceito do gosto, na menção ao chef Paul

31 www.clubdoural.com.br/category/tv-doural- Publicado por Fernando, em 22 de julho de 2011, às 16h07. 32 htpp:// www.clubdoural.com.br/dev/category/page15. Publicado em 23 de dezembro de 2010, às 16h12. 33 http://www.clubdoural.com.br/blog-da-doural/soltando-os-bichos-com-Staub/. Postado em 28 de janeiro de 2009, às 15h01.

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Bocuse, e de um estilo de vida diferenciado, no comentário sobre os designs arrojados das

panelas. Appadurai denomina esse processo de “desvio de mercadorias de sua rota” e dá,

como exemplo, a arte turística em que objetos produzidos para fins estéticos, cerimoniais ou

suntuários, “são transformados cultural, econômica e socialmente pelos gostos, mercados e

ideologias de economias maiores” (Appadurai, 2008:43). Podemos transferir suas reflexões

sobre esse tipo de desvio para os desenhos arrojados que deram formas às panelas, como se

observa na Imagem 11.

É um sinal de criatividade na área estética com objetivo de aumentar seu valor,

conforme lembra o autor: “[...] o valor, seja no mercado de moda ou de arte, é catalisado e

intensificado, colocando-se objetos e coisas em contextos improváveis” (Appadurai,

2008:45).

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Capítulo 3 – Mapa de significação e metáforas de transformação

Após passar pelas reflexões teóricas do capítulo 1 e pela trajetória das panelas Staub,

no capítulo 2, o que se pretende, nesta etapa, é construir um mapa para entender como essa

panela sinaliza as transformações, não como objeto em si, mas pelas significações que sua

escolha projeta, a fim de avaliar a hipótese sobre o tipo de distinção que ela confere a seus

agentes, por meio dos seguintes depoimentos:

a) da produção, representada pelo grupo Zwilling;

b) do intermediário, representado pela loja Doural;

c) da recepção, representada pelos usuários finais.

Será possível observar, ao longo deste capítulo, que tanto o produtor quanto o

intermediário apresentam narrativas mais pragmáticas e mais técnicas, ao contrário do que

acontece com os depoimentos dos usuários. Entretanto, apesar de apresentarem depoimentos

distintos, na maioria das vezes, é possível encontrar um diálogo entre os depoimentos dos

usuários tanto na perspectiva do produtor quanto na do intermediário, como será observado

mais adiante.

O mapa de significação terá como base as reflexões sobre os conceitos de luxo, estilo

de vida, gosto, habitus, capital cultural, desenvolvidos por Bourdieu, e sobre o conceito de

vida social das coisas, de Appadurai. Certeau contribuirá para estabelecer conexões com a

experiência de distinção que as panelas Staub conferem, uma vez que o autor sugere que a

rotina do comer pode se transformar em grandes momentos de diferenciação nas práticas

socioculturais. Morin, Lipovetsky e Costa agregarão, com suas reflexões, o consumo aliado

ao prazer e à felicidade.

O leitor observará, ao longo da leitura, que muitas afirmações poderão estar

relacionadas a vários conceitos, uma vez que são parte de um todo e não podem ser

entendidas isoladamente. Ao ocorrer tal sobreposição, a autora decidiu associar os

depoimentos a um determinado conceito e, quando ocorrer tal duplicidade, se necessário, fará

a observação de que o mesmo poderá também ter suporte em outro conceito.

3.1 Expressão do luxo

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Apoiados nas várias definições abordadas no capítulo 1, podemos concluir que o luxo

sempre foi considerado um diferenciador de posição social nos contextos econômico, cultural

e social. Desse modo, há de se concordar com Bourdieu (2002, 2003,2006) quando este

afirma que o luxo vai além da posse do produto em si, uma vez que os indivíduos consomem

e exibem os bens como meio de criar vínculos de distinção social. A sua importância

encontra-se no fato de que as pessoas procuram se inserir em seus grupos por meio de

diferenciação social.

A partir das reflexões de Bourdieu (2002, 2003, 2006) e demais autores levantados no

capítulo 1, como Appadurai (1986) e Lipovestsky ( 2005, 2007), é possível afirmar que o

luxo se manifesta em produtos que são considerados exclusivos, apresentam uma matéria-

prima diferenciada, são dotados de uma distribuição seletiva e apreciados pela sua estética

bem elaborada. Além dessas combinações, podemos acrescentar à definição do luxo o

imaginário e o glamour que esse tipo de produto desperta em seus usuários. Para se ter acesso

a um produto de luxo, não basta apenas ter dinheiro; seu consumidor tem de ser especial,

possuidor de um conhecimento de seu pleno uso.

Ao transferir essas reflexões para o objeto deste estudo, podemos inferir que os

usuários das panelas Staub procuram consumi-las e ostentá-las como forma de criar esses

tipos de vínculos. Essa distinção de consumo também é observada por Costa (2004b), ao

sustentar que é no ato de uma compra que se define o tipo de usuário de um produto. Assim, a

distribuição seletiva e a disponibilidade dos produtos vão definir o tipo do consumidor. Os

objetos considerados caros e elegantes conferem um signo de distinção social a quem os

possui e, assim sendo, conclui-se que há uma diferença entre o consumo que busca o que é

raro e o consumo vulgar, determinado por aquilo que é comum e fácil de encontrar. Na

presente reflexão, as panelas de ferro fundido, que se encontram disponíveis em poucos

circuitos de acesso à informação e comercialização, reforçam tais características e, portanto,

levam seus agentes a depoimentos que legitimam essa distinção social.

Uma das maneiras de o produtor se apropriar do conceito de luxo foi receber o aval de

chefs de cuisine da alta gastronomia, os quais conferem um grau de distinção e de

legitimidade ao produto. Ao se basear nas reflexões de Lipovestsky e Roux (2005) de que o

luxo se mescla com a tradição e se reinventa do passado, pode-se afirmar que a gastronomia,

ao longo da história, sempre esteve associada à ideia de nobreza e requinte. Os chefs de

cuisine sempre foram considerados sinônimos de glamour, um símbolo de status que se

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confirma nos dias atuais (Certeau,2009). Conforme lembra o autor, o comer não se limita à

satisfação das necessidades fisiológicas, mas faz conexão com o ato de relacionar com as

pessoas e com o mundo. As narrativas abaixo, extraídas do site do produtor34 mostram bem

esse status de poder que os chefs possuem:

Para celebrar estes 15 anos, uma cocotte especial fez a sua entrada no restaurante deste grande Chef (grupo Zwiiling). Desde 1998, a marca francesa Staub e Paul Bocuse, o Chef laureado pelas estrelas Michelin, têm trabalhado em estreita colaboração para o maior prazer dos amadores da inigualável qualidade da cozedura em cocotte (grupo Zwiiling).

Esse tipo de aval confere um grau de distinção às panelas e esse poder de legitimação

dá-se por meio de uma parceria de mais de 15 anos. Assim, para comemorar essa união, o

produtor produziu um filme, que pode ser acessado em seu site e que apresenta o chef Paul

Bocuse, dentro de seu restaurante exclusivo e para poucos, enaltecendo o produto. Essa

apropriação reflete um alto grau de diferenciação para aqueles que também usam as panelas,

além de lhes transmitir a sensação de cumplicidade por “poderem entrar” em um restaurante

laureado com três estrelas do Michelin.

Se, por um lado, há esse endosso reforçando a qualidade do produto, por outro,

presume-se que o chef é pago para fazer tais afirmativas. Mesmo assim, ele é visto pelos

usuários como símbolo da nobreza:

Paul Bocuse é um restauranteur renomado, famoso (G.M., fotógrafa, usuária).

Achei super legal esta interação, esta cumplicidade com ele; é como se ele fosse meu professor e estivesse me dando aulas / alta sofisticação (R. F., farmacêutica e jornalista, usuária).

Nessa menção ao chef Paul Bocuse como referência da culinária, observa-se a força de

significado que esse símbolo representa no imaginário dessas pessoas. Morin (2009a:106)

destaca esse episódio ao abordar a vedete da grande imprensa: “os olimpos modernos

representados pelas celebridades em geral”. Com a imagem inquestionável atribuída a Paul

Bocuse, já presente nas citações do produtor, os usuários apropriam-se desse fenômeno da

culinária para conferirem um grau de distinção ao bom gosto e ao requinte da arte do comer.

34 Disponível no site www.staub.fr.

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Da mesma maneira, o intermediário apropria-se desse tipo de legitimação ao grafar a

palavra Chef com letra maiúscula, conferindo a esse profissional um grau de distinção ainda

maior do que o faz o próprio produtor em seus depoimentos. Durante todo o seu desenvolvimento e criação, todo o projeto teve a supervisão e as dicas do Chef; é por isto que as panelas Staub têm tantos diferenciais no mercado (F.A., intermediário).

Importadas exclusivamente da França, as panelas de ferro fundido da marca STAUB são as preferidas do grande chef de cozinha PAUL BOCUSE (F.A., intermediário).

Posicionado, anteriormente, em um domínio de menor status, o intermediário

apropria-se dessa autenticidade e empresta esse grau de distinção para sua loja. Termos como

“importadas exclusivamente da França”, “preferidas do grande chef de cozinha” transferem

esse status por meio da apropriação das falas desses chefs.

A Staub é uma panela criada pelos chefs dos chefs (F.A., intermediário).

O intermediário busca reproduzir as falas do produtor para se apropriar do grau de

luxo que as panelas conferem, incluindo também as entrevistas concedidas por seu

representante, Fernando Abdalla, que ilustram de forma muito semelhante à do produtor:

É com um conceito combinando sofisticação e funcionalidade que foram criadas as panelas da empresa francesa Staub (F.A., intermediário).

Ao utilizar terminologias similares às do produtor, tais como “conceito combinado de

sofisticação e funcionalidade”, o intermediário tem como proposta buscar por essa

diferenciação e, assim, conseguir se apropriar de um comércio mais elitizado.

Mesmo havendo “uma parceria profissional” entre o produtor e o chef Paul Bocuse,

cujo depoimento tem cunho comercial, o produto apresenta uma qualidade diferenciada e

entrega o que promete, conforme observado nas falas dos usuários, que não se decepcionam

com o aval do grande mestre, ou seja, o produto cumpre o que promete:

É diferenciada e tem Paul Bocuse por trás; um requinte completo (S.A., arquiteta, usuária).

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Uma panela que tem o aval de Bocuse. Aliás, foi uma das razões que me chamou a atenção. Se um grand chef passa este aval, é porque a panela é muito boa (A.G., empresário, usuário).

Desta forma, ao trazer o papa da culinária adicionado à trajetória de tradição e de

inovação da marca, a empresa se apropria de um grau de distinção em relação às demais

panelas do mercado:

Não é por acaso que a Staub tornou-se uma marca de referência na França como internacionalmente (grupo Zwilling). Verdadeira garantia de qualidade incontestável, os nossos produtos são endossados pelos maiores chefs do mundo, entre os quais Paul Bocuse, que os utilizam tanto no cotidiano da cozinha e nas mesas dos seus restaurantes de prestígio (grupo Zwilling).

Ao legitimarem as parcerias com chefs de cuisine de renome internacional, o produtor

e o intermediário conseguem se apropriar desses bens (as panelas) como um sistema

simbólico. Nos depoimentos desses chefs e do próprio produtor, que apresentam trechos como

“qualidade incontestável”, “restaurantes de prestígio”‘ e “marca de referência na França”, é

possível observar a construção de uma rede de significações que essa panela confere.

Chegando ao Brasil, esse posicionamento de requinte e sofisticação é reforçado com a

instalação, em 2008, de uma loja conceito em um dos locais mais nobres de São Paulo:

No final daquele ano, o grupo Zwilling abriu sua maior loja conceito do mundo, em um endereço nobre da capital paulistana, onde exibe seus produtos e oferece cursos (grupo Zwilling).

O local nobre e diferenciado, selecionado estrategicamente pelo produtor, avaliza o

posicionamento de distinção social e também contribui para um aporte de capital cultural ao

oferecer cursos na própria loja. E os usuários reconhecem a localização diferenciada,

fundamental para obter o status de diferenciação:

[...] acabei comprando na Oscar Freire (S.T. advogado, usuário). Eu acho também que é uma coisa de tradição, sempre tem nas lojas altamente sofisticadas (M. S, professor de inglês, usuário).

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Outro fator que confere a esse produto a classificação dentro da categoria luxo pode

ser os depoimentos do produtor, que enfocam a tradição e a exclusividade no processo de

produção. Desde a criação das nossas primeiras cocottes em 1974, a Staub tem apenas uma ambição: atingir a perfeição (grupo Zwilling). Desenhamos e concebemos artigos de cozinha da mais alta qualidade que aliam tradição e modernidade, know-how ancestral e tecnologia de vanguarda (grupo Zwilling). Cada peça é única e resultante de um processo de fabricação artesanal e tradicional (grupo ZWilling).

O termo “tradição” aí reforçado denota a sobreposição articulada com o conceito

habitus tanto pela experiência, no processo de produção, quanto pelo tempo de mercado, no

qual atua desde 1974. A afirmação de que suas produções são artesanais, os moldes são

únicos e a distribuição exclusiva evidencia a tentativa de criar vínculos de distinção social por

meio daquilo que é exclusivo e raro.

Apesar dos depoimentos técnicos e de conteúdos comerciais tanto do produtor quanto

do intermediário, o usuário dialoga com eles, porém em um tom mais informal, como se pode

observar, a seguir, em depoimentos que exaltam a origem francesa e a terminologia gourmet

como referência ao luxo:

Prefiro as panelas Staub porque são francesas e, para mim, tudo que é chique remete à gastronomia francesa (S.T., advogado, usuário). Hoje é chique ser gourmet e ter uma panela destas (S.T., advogado, usuário).

Não adianta, procedência da França é inquestionável (G.A., empresário, usuário).

O máximo da elegância e do bom gosto (G.M., fotógrafa, usuária).

A valorização da origem francesa, por meio de expressões como “porque são

francesas”, “procedência da França”, cria o vínculo do imaginário e glamour que esses

objetos despertam em seus usuários. Vale ressaltar que a França, além da gastronomia,

também se destaca na área do campo da alta costura, como lembra Bourdieu (2002). A frase

“o máximo da elegância e do bom gosto” resume bem essa projeção que a panela confere.

Esse sentimento projeta uma negociação de sentidos quase que exclusiva da nobreza como

algo inquestionável, reforçando a reflexão de Bourdieu (2002, 2003, 2006) de que o luxo vai

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além da posse do produto. Desse modo, nos depoimentos que seguem, pode se perceber o

resgate do luxo por meio do raro e exclusivo:

Mas não é para o dia a dia; somente para ocasiões especiais, é um pequeno luxo (S.A., arquiteta, usuária).

A Staub não se encontra em qualquer lugar e, por isso, é para poucos (S.T. advogado, usuário). Achei a Staub mais profissional e não tão divulgada, mais exclusiva que a Le Creuset. (S.T., advogado, usuário).

A valorização pelo produto confirma-se pelo fato de o mesmo estar disponível em

poucos circuitos de acesso à informação e comercialização, dado esse que pode ser conferido

nos trechos de depoimentos acima: “é um pequeno luxo”, “não se encontra em qualquer

lugar”, “não é tão divulgada”, “é para poucos”. Os usuários apropriam-se desse tom

“exclusivo e raro” para reforçar essa diferenciação frente às demais panelas do dia a dia Com

isso, o produto projeta uma sensação de requinte, luxo para conferir a posição de distinção.

É como se pilotasse uma Ferrari; a panela tem superioridade (G.M., fotógrafa, usuária).

A comparação com a Ferrari conduz às reflexões de Lipovetsky (2007), segundo as

quais o produto, além de sua funcionalidade, deve também despertar o prazer dos sentidos. O

usuário, ao fazer esse paralelo, passa a projetar a dimensão sensorial do prazer de dirigir um

carro de difícil alcance, cuja qualidade é incontestável e, portanto, dotado de uma distinção

social bem particularizada.

Os depoimentos acima também revelam que não se trata de um luxo de consumismo: é

um luxo para durar, porque essa panela é caríssima, mas vai durar; é uma panela que vai

passar de geração a geração. Por trás dessas falas, há um valor que remete não a uma

sociedade emergente, mas à tradicional, que procura resgatar a França, a culinária francesa, o

requinte, a sofisticação, a nobreza.

Não me arrependi; é cara, mas vale cada centavo pago (S.T., advogado, usuário).

Eu fico bem satisfeito; são panelas para a vida inteira, são caras, não são símbolo de status (M.S., professor de inglês, usuário).

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Apesar de essas panelas serem consideradas um símbolo de status pela maioria dos

entrevistados, chama a atenção o trecho do depoimento acima que nega esse posicionamento:

“não são símbolo de status”. Não se pode afirmar que a projeção de prestígio não esteja

presente, mesmo que o usuário declare, em seu depoimento, a sua não existência. Esse

pensamento denota uma autonomia em relação ao seu modo de usar e de se posicionar na sua

apropriação. É o modelo subjetivista utilizado por Bourdieu (2006), segundo o qual o

indivíduo age de modo exclusivo com suas escolhas, preferências e atitudes.

Conforme abordado no início do capítulo, para se ter acesso a um produto de luxo, é

necessário fazer parte de uma clientela especial, possuidora de um conhecimento de seu pleno

uso. Desse modo, só é possível agregar esse tipo de bagagem se houver uma carga cultural ou

herança familiar, que Bourdieu (2003,2006) define como habitus, a próxima categoria a fazer

parte deste mapa de significações.

3.2 Manutenção da tradição : habitus

Como já visto anteriormente, o conceito do luxo é dinâmico e histórico. O luxo

pertence a uma sociedade em determinado momento e lugar. O luxo não reside no objeto, mas

no julgamento do sujeito sobre o seu valor. O conhecimento sobre as panelas Staub, seus

diversos usos para os diferentes tipos de panelas requerem competências específicas. Para se

dar conta de como esse tipo de atividade classificatória se origina e se estrutura, torna-se

necessário o conhecimento do conceito de habitus. A teoria de habitus, de Bourdieu (1983),

representa um conjunto de conhecimentos práticos, adquiridos ao longo do tempo, que

permite ao indivíduo perceber e agir e se comportar com naturalidade no espaço social em

que se encontra. É uma espécie de comportamento inconsciente, por se constituir de habitus

incorporados. Consiste num sistema de classificação de realidade que pode ser desenvolvido

ou incorporado pelos indivíduos dentro de seus respectivos campos. É um sistema gerado no

passado e direcionado para o momento presente. Compreende uma carga cultural ou herança

familiar como vetor do sucesso ou insucesso da pessoa dentro do seu espaço social:

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas (Bourdieu, 1983:65).

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O habitus constitui-se assim que a vida do indivíduo se inicia, no berço familiar, e

ganha corpo ao longo da vida. É o resultado da sua atividade prática, de sua ação e

transformação no mundo e, assim, está atrelada à sua trajetória de vida enquanto sujeito

individual e como grupo, pois é realizada dentro de um espaço social que depende de forças

estruturais que se verificam no campo do poder global. Esse conceito é percebido nos

depoimentos dos usuários, que mostram que a convivência nesses ambientes familiares acaba

por levar esses sujeitos a adotarem o processo culinário como algo natural.

É de família, acho que está no sangue (S.T., advogado, usuário). Sempre gostei de gastronomia (S.T., advogado, usuário).

Assim, falas como “é de família”, “está no sangue” ou “sempre gostei de

gastronomia” ilustram esse tipo de convivência e a maneira “natural” e quase inconsciente de

lidar com um tema que remete ao requinte, ao luxo e, consequentemente, a uma distinção

social. É um tipo de consumo natural, espontâneo, que também pode ser observado nos

testemunhos abaixo, com destaque para as expressões “sempre gostei de cozinhar”, que se

aplica a algo atemporal, que sempre existiu, ou “venho de família italiana”, justificando a

herança genética.

Eu sempre gostei de cozinhar (T.L., analista RH, usuária). Eu venho de família italiana, minha mãe, minha vó e minhas tias cozinhavam maravilhosamente bem (S.T., advogado, usuário).

Um dos instrumentos de interiorizar esse esquema seriam as escolas, que Bourdieu

classifica como local onde são inculcadas e naturalizadas as formas dominantes de se portar e

julgar. Essas reflexões serão adensadas mais adiante, no subitem que trata do capital cultural,

porém algumas falas podem também ser incorporadas ao habitus.

Fui atrás de cursos de todos os tipos, aproveitava tudo. Alguns até eram ministrados por chefs famosos e eu os procurei para fazer parceria (F.A., intermediário).

Eu conheci as panelas Staub num curso de gastronomia e comprei uma (S.T., advogado, usuário).

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Comecei a fazer cursos aos 18 anos e não parei mais. Comprava livros de receitas, lia e testava as receitas (J. B., engenheira civil, usuária).

Desse modo, o habitus pode ser considerado uma matriz geradora de práticas distintas,

resultado da incorporação de estrutura e posição social do interior do indivíduo. Esse conceito

pode ser localizado nos depoimentos dos agentes quando se referem às suas trajetórias de

aprendizado gastronômico e ao modo de aquisição das panelas Staub. Em outras palavras,

uma pessoa que possui esse tipo de utensílio gastronômico caro é considerada detentora de

habitus requintado e, por essa razão, ela consegue um grau de distinção entre seus pares.

Trechos como “cursos ministrados por chefs famosos”, “curso de gastronomia” ou “comprava

livros de receitas, lia e testava” equivalem a esse aporte cultural apreendido ao longo da vida,

que vai caracterizar esse habitus mais sofisticado.

Na voz do produtor, esse amparo conceitual pode ser encontrado nas narrativas

extraídas do site35:

[...] a jornada da Staub teve início na Alsácia, região da França. É uma região rica em história, comida e artigos em cerâmica.

Ao fazer referência à sua origem numa região rica em história da gastronomia, a

Alsácia, o produtor já consolida uma experiência adquirida quase que naturalmente por meio

da vivência. Estas experiências passadas, aliadas à carga da herança familiar, o envolvimento

dos herdeiros com o ramo de ferro dão o aval de tradição e conhecimento ao que fazem e

produzem.

Em 1974, seu neto Francis assumiu os negócios da família e, com a compra de maquinários necessários, ele entrou no ramo de itens de ferro, dando início a staub Cookware (ibidem).

Considerando que o habitus é um conjunto de conhecimentos práticos adquiridos pela

experiência, observa-se que o intermediário e o usuário também apropriam-se de sua herança

familiar e de sua experiência profissional para legitimar uma distinção tão almejada:

Conduzida, desde 1905, pela família Assad Abdalla, a empresa apoia-se em valores de tradição, mas segue uma linha de atuação dinâmica e inovadora (F.A., intermediário).

35 Disponível em www.staub.fr.

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Trechos, como “conduzida desde 1905” ou “a empresa apoia-se em valores de

tradição”, reforçam o conceito do habitus nas reflexões de Bourdieu (1983).

, O fundador Assad Abdalla assim como as suas gerações têm seguido as novas tendências de mercado, adaptando-se às exigências das mudanças da economia geradas pela globalização, sempre com foco nos consumidores cada vez mais exigentes, que buscam por constantes novidades no mercado (F.A., empresário e intermediário).

Pode-se observar, no depoimento acima, que essa força, existente já na origem

familiar, se estende até o presente momento, no qual já se encontra a sua 4a geração. É a

presença da genética, o habitus já incorporado no berço familiar que faz com que o fundador

passe essa carga genética de incorporar o sentido do negócio ao ambiente familiar. Até

Fernando Abdalla repete com naturalidade esse comportamento ao levar seus filhos pequenos

à loja, exatamente como seu pai fazia. Um comportamento quase que inconsciente e

automático:

Meu pai trazia eu e meus irmãos desde pequeninos à loja, onde víamos, a princípio, com curiosidade o que ele fazia. Depois, era tão natural que eu e meu irmão brincávamos de vender tecidos em casa. Já era incorporado, depois da escola íamos direto para a loja. De vez em quando, trago meus filhos aqui (F.A., intermediário).

Para Bourdieu (2006), qualquer herança material é uma herança cultural, já que os

bens de família têm como objetivo não somente assegurar a continuidade da linhagem, mas

também consagrar a identidade social, a fim de transmitir os valores, as virtudes e

competências que servem de fundamento à filiação das legítimas dinastias burguesas. Assim:

A frequência cotidiana por objetos antigos ou a visita regular a antiquários e galerias [...] levam, evidentemente, à aquisição de certo gosto que não passa de uma relação de familiaridade imediata com as coisas do gosto; e, também, o sentimento de fazer parte de um mundo mais polido e controlado, um mundo cuja existência encontra justificativa em sua perfeição, harmonia e beleza [...] e, por último, uma adesão imediata, inscrita no mais profundo dos habitus, aos gostos e aversões, às simpatias e antipatias, às fantasias e fobias – [...] serve de fundamento, no inconsciente, à unidade de uma classe (Bourdieu, 2006:75).

A narrativa abaixo ilustra as reflexões do autor quando a usuária refere-se ao objeto

como herança material :

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É panela de mãe para filha..é reliquia, como uma joia e grande aquisição.(J.B., engenheira civil,usuária).

A busca pela inovação aliada ao conceito de tradição familiar também reproduz a

presença do habitus que vem sendo transferido desde a primeira geração. Para Bourdieu,

segundo Ortiz (2003:18), “A estrutura de um habitus logicamente anterior comanda, portanto,

o processo de estruturação de novos habitus a serem produzidos por novas agências

pedagógicas.”

Por meio das entrevistas realizadas, foi possível observar que a origem social dos

entrevistados e a experiência na infância pesaram bastante para que eles construíssem uma

trajetória na área gastronômica. Embora de formação diferente, a origem familiar esteve

fortemente presente na estrutura de conhecimento e experiência na área da gastronomia, como

se pode observar nos depoimentos abaixo: Sou descendente de italianos. Em casa, a comida sempre foi motivo para receber, comemorar, etc. Minha mãe não cozinhava, mas cresci vendo nossa cozinheira que trabalhava em casa nos mostrando e deixando experimentar também o passo a passo na cozinha (S.A., arquiteta, usuária). Venho de uma família que valoriza boa mesa, onde todos cozinham e acho que segui a tradição (T.L., analista, usuária).

Para completar, minha mulher também é descendente de italianos e adora cozinhar (S.T., advogado, usuário). Eu nunca cozinhei, porém venho de uma família que gosta da boa mesa. Meus pais são brasileiros e comíamos de tudo, feijoada, massas, carnes, etc. (G.A., empresário, usuário).

Esse vínculo associado à família italiana resgata esse habitus narrado pelos usuários,

observados em alguns trechos das narrativas acima, tais como: “venho de uma família que

gosta da boa mesa”, “Sou descendente de italianos” ou “em casa, a comida sempre foi motivo

para receber, comemorar”.

É a valorização da família, da boa mesa remetendo à origem italiana, da “mama” que

cuida do preparo do alimento com carinho, amor. A comida italiana resgata reunião em

família, o prazer de comer bem, a diversão, a alegria. Isto traz uma trajetória tanto consciente

quanto inconsciente, conforme Bourdieu, citado nas reflexões de Loyola (2002:68): “a

exposição repetida às condições sociais definidas, imprime nos indivíduos um conjunto de

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disposições duráveis e transferíveis, que são a interiorização da realidade externa [...]”. Desse

modo, as narrativas reforçam a projeção dos valores da tradição e origem familiar:

Minha mãe cozinhava bem legal. No jantar ou a gente ia para cozinha preparar o jantar ou não comia. Aí era uma festa, todos reunidos para preparar as refeições. Acho que daí fui desenvolvendo isto (M. S., professor de inglês, usuário). Desde menina, quando ia na casa de meus avós. Minha avó era banqueteira, cresci vendo ela cozinhar de tudo (J. B., engenheira civil, usuária). Aprendi a cozinhar porque desde pequena acompanhava minha mãe na cozinha (G.M., fotógrafa, usuária). Foram anos vendo como ela cozinhava e, conforme fui crescendo, ela passou a me dar pequenas tarefas: pedia pra eu mexer o arroz, experimentar pra ver se estava bom de sal, temperar a salada; pedia pra eu ler as receitas, até que, com o passar do tempo, senti confiança para cozinhar sozinha (G.M., fotógrafa, usuária).

Assim, é na infância que o habitus vai se incorporando e, depois, vai passando de

geração para geração. Isso tudo provoca, nos depoimentos, pequenas histórias carregadas de

valores emocionais, conforme o modelo de Certeau (2009):

Quando criança, ajudava minha mãe a preparar bolos e doces (R.F., farmacêutica e jornalista , usuária). Todo o domingo preparava um prato e minha família testava. Eles sempre me incentivaram (J. B, engenheira civil, usuária).

Com meu pai aprendi o gosto de cozinhar. Ele me chamava para pesquisar receitas e me sentia orgulhosa, pois era sua assistente (S.A., arquiteta, usuária).

Gostava tanto que, com 10 anos, ganhei uma batedeira de criança e preparava os bolos junto com a minha mãe (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

Os eventos festivos também são incorporados a essa trajetória familiar no resgate das

lembranças de todos à mesa, da reunião com a família e amigos. Estes depoimentos estão

fortemente ligados às reflexões de Certeau, que coloca os pequenos detalhes cotidianos da

cozinha como grandes momentos de prazer:

Nas festas de família, nas grandes festas (Natal, Ano Novo, Dia das Mães), minha mãe e as empregadas dividiam-se na cozinha no preparo dos pratos (G.M., fotógrafa, usuária).

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Eu era criança, ficava ajudando e para mim tudo aquilo representava alegria, reunião de família, memórias da infância, coisa gostosa, bagunça, diversão... Esta é a imagem que ficou para mim. (G.M., fotógrafa, usuária).

O habitus é um processo tão automático que já está incorporado. Às vezes, o receptor

tem até dificuldade de explicar como foi adquirido, conforme reforça Bourdieu (1983) ao se

referir sobre o habitus incorporado:

Já está no sangue, nem sei como é, meio automático (J. B., engenheira civil, usuária).

Não foi um passe de mágica, mas sim um processo (G.M., fotógrafa, usuária).

Eu sempre cozinhei, meus pais incentivavam eu e minha irmã a cozinhar e foi uma coisa que foi desenvolvendo aos poucos (M. S., professor de inglês, usuário)

Os depoimentos acima refletem esse estado “inconsciente” de apropriação.

Expressões, como “está no sangue”, “sempre cozinhei”, “é meio automático”, demarcam uma

trajetória geracional carregada de valores tradicionais, dos quais os usuários se apropriam por

meio das experiências vividas, uma espécie de distinção social.

Pode-se perceber, na análise das narrativas, que o consumo ultrapassa as delimitações

da necessidade de sobrevivência, uma vez que são escolhas individuais nas quais estão

embutidas maneiras legítimas de apropriação. Nesse sentido, todo tipo de bem vem

acompanhado de uma forma considerada correta de usufruí-lo. Neste caso, o consumo de um

bem desse porte é, antes de tudo, inculcado no ambiente familiar e vem carregado de uma

carga genética que atravessa gerações.

A conexão entre o comer bem, o prazer e a felicidade atribuída a Certeau (2009),

Costa (1994, 2004) e Lipovetsky (2007) pode ser observada em um habitus já incorporado,

cuja sensação é de completa satisfação:

Adoro quando chega este momento e o prazer de sentarmos todos à mesa, na varanda e apreciarmos um bom vinho. Jogarmos conversa fora a tarde toda. É uma tradição de família, um momento de prazer (S.A., arquiteta, usuária). Hoje tenho minha casa, meu marido e minha filha. Construí um espaço muito parecido com aquele que tinha na infância […] é um espaço bem aconchegante, que tem churrasqueira e é do lado da cozinha (S.A., arquiteta, usuária). Um jantar para poucas pessoas, fazendo um coq au vin e algumas pessoas em volta, Elogiando e participando (S.A., arquiteta, usuária).

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O habitus desenvolve signos de etiqueta e de savoir vivre que diferenciam, no

cotidiano, os atos de seus usuários, transformando, por exemplo, uma simples refeição em um

ato imensurável de prazer. Assim, para Bourdieu (2003,2006), as diversas condições de

existência produzem habitus diferentes e as práticas concebidas pelo próprio habitus vão

originar os diferentes estilos de vida, próximo conceito a ser analisado neste mapa de

significações.

3.3 Gosto se discute : classe e estilo de vida

Para Bourdieu (1983, 2006), gosto de classe e estilo de vida são outros aspectos

determinantes da distinção: “as diferentes posições no espaço social definem os estilos de

vida” (1983:82). Para o autor, o gosto “é a fórmula generativa que está no princípio do estilo

de vida” e não é desenvolvido apenas pelo indivíduo, mas pela sua trajetória no espaço social

determinada pelo habitus (1983:83). Assim, o modo de vestir, de comer, de beber, a opção

por certas escolhas fazem com que o indivíduo, a partir de suas preferências e gostos, possua

um determinado estilo de vida.

Desse modo, a distinção no domínio do consumo é a oposição entre o gosto pelo luxo

e o gosto pela necessidade, raciocínio de Bourdieu (1983,2006) já debatido, no início deste

capítulo, no momento da construção do mapa sob a ótica do luxo. Assim, os usuários das

panelas de ferro Staub apresentam características próprias de um consumo distinto e raro,

caracterizado pelo gosto do luxo. O gosto aqui referido é o gosto legítimo que, para Bourdieu

(1983, 2006), significa o gosto pelas obras legítimas, que se desenvolve com o nível escolar

para atingir a elite da classe dominante possuidoras de elevado capital cultural.

Na mesma direção, ao criar sua teoria sobre política do gosto, Landowsky (1997)

lembra que o gosto é definido pela posição hierárquica, ou seja, um tipo de positividade vinda

do outro.

Trechos da fala do produtor, como “design desenvolvido em parceria com grandes

chefs”, ou do intermediário, como “além de um design diferenciado”, evidenciam uma

apropriação de um gosto mais apurado, absorvido imediatamente pelos usuários quando estes

afirmam que o design diferenciado aliado ao processo de fabricação faz com que o produto

“seja um objeto de desejo”.

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Com fabricação 100% francesa, o design das peças de cerâmica mantém o espírito Staub, revisitado por um designer japonês (G.ZWilling, produtor).

Além de seu design diferenciado, o que dá um charme na cozinha, são fabricadas com o melhor ferro fundido do mundo (F.A., intermediário).

O design quadrado do bule Staub acima (10 cm) faz com que seja um objeto de desejo (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

Além da gama de cores únicas, o design das peças foi desenvolvido em parceria com grandes chefs e o fundador da marca, Francis Staub (G.ZWilling, produtor).

Observa-se o gosto hierárquico, de Landowsky (1997), presente nos depoimentos do

produtor e do intermediário, que, em parceria com os chefs de cuisine, valorizam a tecnologia

associada ao design das panelas para que sejam apropriadas pelos usuários.

O culto pela imagem, desenvolvido no consumo contemporâneo, é, neste caso,

bastante explorado no design das panelas e está presente nas falas dos usuários que buscam

expressar esse gosto legítimo.

[...] as panelas Staub combinam tradição e modernidade, possuindo material e design técnico tão avançado que realçam o sabor dos pratos. ( G.ZWilling,produtor). São inúmeras as razões pelas quais a linha Staub possui um design único dentro do mercado (G.ZWilling,produtor).

É o senso estético, observado por Bourdieu (2006:42) e visto no capítulo 1, cuja

distinção está diretamente ligada à teoria do gosto, em que os agentes, por meio dessa

apreciação do design, posicionam-se com um estilo de vida diferenciado. O acabamento é esmaltado tanto na parte interna quanto externa, o que lhe oferece maior durabilidade (G.ZWilling, produtor). A funcionalidade dos produtos Staub no forno e fogão estende-se à mesa (G.ZWilling, produtor). Inovadoras em questão do design, as panelas Staub são feitas de ferro fundido esmaltado (S.A., arquiteta, usuária).

Com um acabamento esmaltado na parte interna e externa, as panelas podem facilmente ser levadas à mesa sem prejudicar a decoração (F.A., intermediário).

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Trechos, como “[...] no forno e no fogão estende-se à mesa”, “inovadoras em questão

de design”, “design técnico”, demonstram a apropriação por um gosto legítimo e diferencial

de produto. São expressões de que os agentes se apropriam para conferir o gosto pelo luxo,

requinte e sofisticação.

Outros depoimentos desse tipo reforçam o espetáculo da estética, ao exaltar a

diversificação das cores em seus produtos36. A série “Vitaminas”, uma referência às propriedades dos alimentos, conta agora com a cor berinjela, o cereja e o limão. A cor laranja chega ao Brasil e, junto com o verde e o vermelho-granada, completa essa série (G.Zwilling, produtor).

A cor branca também estreia nos produtos da Staub fazendo parte da série “Cores Especiais”, junto com o titânio. Completando a paleta de cores, a linha clássica continua com as opções de cores preta, cinza e azul (G.Zwilling, produtor). A Staub reformulou a linha dos produtos em cerâmica e apresenta uma gama de 9 cores, formas diversas e maneiras criativas de uso no fogão, no forno e na mesa (G.Zwilling, produtor).

Para manter a imagem de uma empresa que, apesar de tradicional, é sempre inovadora,

o produtor busca frequentemente se atualizar promovendo lançamentos no que se refere tanto

à variedade dos modelos como à diversificação das cores, para que o usuário possa ter cada

vez mais opções para escolhas. Até na designação das cores, a empresa demonstra

criatividade, usando nomes de frutas ou verduras, tais como “berinjela”, “cereja”, “limão” ou

“vitaminas”. Isso tudo para fazer com que o usuário possa se sentir especial, como alguém

que acompanha a moda, e, assim, atinja uma posição de destaque em seu grupo. Como

observa Canclini (1997) , quando existe uma série de diversificações de cores, tamanhos,

modelos de uma marca, a distinção de grupos, educação e inovação interfere nesse processo.

Ao exaltar a beleza e o design inovador das panelas e também para se posicionar como

um grande conhecedor daquilo que vende, o intermediário apropria-se dos atributos

conferidos pelo produtor e utiliza o mesmo discurso, encontrado no site37.

São feitas para aqueles que têm bom gosto.

Importadas e coloridas, as panelas Staub são objeto de desejo que podem ser exibidas na mesa para as visitas.

36www.exs.com.br/beleza-e-cor-para-a-cozinha-com-lancamentos-da-staub. 37 www.clubdoural.com.br/.../staub-a-melhor-panela-de-ferro-fundido-francesa.

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Para finalizar, só tenho mais uma coisa a dizer: se você é um chef, esta é a panela para você. (grupo Z Willing)

Com o propósito de se apropriar desse conhecimento relacionado ao design aliado à

tecnologia, o intermediário emprega, novamente, a mesma estratégia, utilizando as falas do

produtor para dar legitimidade à sua loja e, consequentemente, poder comercializar as

panelas. Desse modo, ele abre essas perspectivas por meio de sites, blogs e entrevistas na

mídia, postando desde receitas até fotos dos chefs com o produto, para atender a grupos

específicos que buscam uma espécie de distinção.

Eu, como amante das panelas Staub, poderia ficar o dia todo falando de suas vantagens, como peças específicas para cada tipo de cozimento, designs inovadores das peças, como as de formato de galo, de vaca ou de porco, e até na pintura, como a cor titanium, que dá a aparência de inox (F.A., intermediário).

O intermediário não só declara que elas são suas preferidas como legitima um gosto

apurado e estilo de vida diferenciado ao exaltar os formatos inovadores. Vale lembrar que as

panelas são apenas mais uma das opções de compra em sua loja. Como intermediário, mostra-

se, assim, um hábil vendedor, que consegue ofertar um produto como se ele fosse único, de

uma beleza inigualável. Ao declarar “um amante destas panelas”, a ele é conferida uma

distinção social por meio desse gosto legítimo.

Quando se observa a sociedade priorizando cada vez mais as imagens e o culto à

beleza, é de se esperar que os usuários valorizem a cor, o formato e o design das panelas e as

vejam como algo inovador. Por meio de seus depoimentos, eles se apropriam da técnica aliada

ao design em busca de um gosto diferenciado.

As cores de outros modelos de panelas Staub, vermelhas, amarelas, azul as tornam objetos de decoração de cozinha, muito mais que simples panelas (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

A inovação, o design, as cores criam um vínculo com os usuários ao conferirem

importância à estética na forma de produção das panelas. Não há como absorver estes dois

fatores – técnica e design - isoladamente; eles coexistem e fazem com que o gosto se torne

algo sofisticado e legitimado, agregado à inovação tecnológica.

Além da técnica, a beleza é valorizada também pela praticidade, ou seja, o gosto não

está somente na estética, mas no aspecto funcional do produto também:

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São bonitas e podem ser levadas ao forno (T.L., analista, usuária). Design para mim é a cor; gosto das vermelhas... é uma coisa que você vê (M. S., professor de inglês, usuário). Tem o lance do design, são lindas, há uma no formato de galinha que é um charme. Um dia vou comprar (S.A., arquiteta, usuária).

Além do design, são lindas e podem ir do forno à mesa (T.L., analista, usuária).

Essa adequação a um gosto mais apurado é verbalizada em depoimentos que mostram

um consumo diferenciado como forma de criar vínculos de distinção social. Nota-se que, ao

utilizar o termo design para as panelas em vez de “desenho”, está se atribuindo a elas uma

característica mais elaborada, de requinte e sofisticação. Nas reflexões de Certeau (2009), o

modo como essas pessoas lidam com os utensílios culinários, no caso, em relação ao design

das panelas, cria uma experiência de cozinhar de modo diferenciado.

E outros vão além e incorporam o design como uma espécie de tradição, de volta às

origens. Como lembra Bourdieu (1983, 2003, 2006), o que importa não é a aquisição do luxo,

mas sim como o produto é incorporado no imaginário das pessoas. Desse modo, a herança

material passa a ser também a herança cultural inscrita no habitus mais profundo e que tem

uma característica que perdura.

A rusticidade e a beleza dessas panelas de ferro também me conquistaram (T.L., analista, usuária). As minhas panelas não lascam, queimam. Chega um momento que, depois de tanto uso, ela vai ficando mais queimada, mas vai dando também uma aparência de coisa antiga, que é bacana (M. S, professor de inglês, usuário). Mas é algo meio cult. E como é artesanal! No mundo de hoje tudo é fast food. É algo de se voltar ao tempo, comida slow food com reunião de família, amigos (S.A., arquiteta e usuária). Em maio de 2009, a caçarola Coccotte Staub foi eleita objeto de design cult pela revista francesa QG Magazin. A premiação aconteceu pela história e herança da marca, pelo design e beleza atemporal que fazem das Coccotes Staub signos do século XX.(G.Zwilling, produtor)

Termos como “rusticidade”, “aparência de coisa antiga“, “meio cult”, presentes no

discursos acima, são considerados distintos e específicos para certos grupos sociais. Nem

todos admiram produtos com essas características, motivo que faz com que esses grupos se

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sintam diferenciados dos demais sendo possível até supor que eles tenham um estilo de vida

com gosto “retrô”38. Assim, tais comportamentos requerem um tipo de gosto mais apurado,

dotado de habitus com certo capital cultural.

Outro ponto a destacar nesta análise é a expressão “ser gourmet”. Acompanhando a

teoria de Bourdieu (1983) de que os gostos obedecem a uma lei de Engels generalizada, vale

lembrar que, antigamente, o estilo “ser gourmet” era encontrado em poucos grupos e essa

característica, considerada rara, conferia a quem a possuísse um certo grau de distinção,

status, prestígio e, consequentemente, um estilo de vida diferenciado. Hoje se observa, nos

depoimentos a seguir, uma concordância generalizada sobre a banalização da terminologia

“ser gourmet”.

Ser gourmet é apreciar coisas boas na área da alimentação, está na moda... todo mundo quer ser gourmet (T.L., analista, usuária). Gourmet é uma palavra que está meio desgastada, não tem diferenciação; todo mundo é gourmet, ficou sem graça (J. B., engenheira civil, usuária). Hoje está bem complicado, palavra que está muito popular, na boca do povo (G.A., empresário, usuário).

Com o reconhecimento da popularização do termo, esses sujeitos sentem necessidade

de se distanciarem dessa democratização e buscam algo mais raro e exclusivo; caso contrário,

não estarão se apropriando da distinção social que desejam. Desse modo, no contraponto, há

aqueles que, para se sentirem diferenciados no jeito de ser gourmet, posicionam-se em outro

patamar, agregando um conhecimento sobre ingredientes sofisticados e de acesso limitado:

Eu tenho a impressão que ser gourmet é perceber pequenas diferenças; por exemplo: não gosto de usar nada pré-moído, como pimenta, nós moscada (M. S., professor de inglês, usuário). Sei as diferenças entre uma flor de sal, um sal rosa do Himalaia, um sal preto do Haway (M. S., professor de inglês, usuário).

Assim, o uso de terminologias como “sal rosa do Himalaia” ou a demonstração de

certos hábitos de sofisticação, como “não gosto de usar nada pré-moído”, conferem a esse

usuário um certo grau de dantismo pela busca de um poder legítimo de dominação para,

assim, atingir uma distinção maior entre “ser gourmet” e “todo mundo quer ser gourmet”. 38 Hipótese levantada pela autora para ilustrar um tipo de estilo de vida

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Essa diferença de posicionamento é reforçada pelo mesmo usuário ao definir que ser gourmet

também é comprar as panelas e os ingredientes fora do país.

Alias, comprei minhas panelas fora do Brasil, são mais baratas. Por serem muito pesadas, trouxe uma de cada vez. Sempre que posso, vou às lojas e dou uma olhada nas novidades para eu comprar lá fora (M. S., professor de inglês, usuário). Senti um imenso prazer comprando a primeira Staub; era um objeto de desejo. Comprei em NY (M. S, professor de inglês, usuário). Quando viajo, tenho que entrar em supermercado e sempre viajo com uma mala vazia para trazer coisas de cozinha, já planejando (M. S., professor de inglês, usuário).

Ações independentes como essas, que podem ser conscientes ou não, já predispõem

esse tipo de usuário que viaja a unir-se a grupos com esses códigos.

Outros depoimentos procuram uma definição menos elitizada, ainda que posicionadas

fora do eixo popular:

[...] de conseguir fazer em casa uma refeição que seria digna de um restaurante (M. S., professor de inglês, usuário). Eu acredito que ser gourmet é conseguir apreciar as diferenças e fugir do comum, do corte barato (M. S., professor de inglês, usuário). Para mim, gourmet é um bom apreciador de comida e bebida. Ele pode até não saber cozinhar, mas tem que entender do processo, dos ingredientes, dos pratos, conhecer as panelas, apreciar um bom vinho, saber a sua safra (S.A., arquiteta e usuária).

Eu me considero um pouco gourmet, sim, quando preparo pratos elaborados na Staub para meus amigos e família (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

Cabem, aqui, as contribuições de Certeau (2009), Costa (2004 a,b) e Lipovetsky

(2007), que mencionam, como comportamento legítimo, novas vontades de consumir; no

caso, comprar produtos no exterior ou ingredientes diferenciados. Esse tipo de atitude leva o

consumidor a sentir um imenso prazer ao associar a gastronomia ao glamour e à sofisticação.

Afinal, os indivíduos buscam, por meio de um consumo diferenciado, um símbolo de

status e prestígio para serem reconhecidos pelos outros. Desse modo, ter conhecimento pleno

do uso das panelas, ser dotado de um gosto apurado para apreciar sua funcionalidade aliada à

estética, preparar pratos mais elaborados na Staub traz uma rede de significados em que o

capital cultural, próximo conceito a ser desenvolvido neste mapa de significações, passa a ser

um outro conceito fundamental nesse posicionamento de distinção.

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3.4 Em busca do capital cultural

Como visto no capítulo 1, Bourdieu (2003, 2006) trata o espaço social e suas

transformações conforme o capital adquirido: econômico, social, cultural ou simbólico. Cada

grupo social, dentro da estrutura social, constitui seu próprio sistema específico de disposição

para a ação – habitus – composto por esquemas de ação e pensamentos adquiridos pelo

histórico de experiências. O sistema escolar realiza uma seleção natural, mantendo a ordem

social preexistente. Assim como os gostos funcionam como um demarcador de classes, o

mesmo ocorre com a educação:

Contra a ideologia carismática segundo a qual os gostos, em matéria de cultura legítima, são considerados um dom da natureza, observação científica mostra que as necessidades culturais são o produto da educação (Bourdieu, 2006:9).

Segundo Bourdieu (2006), capital cultural também influencia fortemente o padrão de

consumo. Capital cultural pode ser definido como um conjunto de conhecimentos, gostos,

habilidades, informações e referências culturais que os indivíduos acumulam ao longo da

vida. O capital cultural requer um investimento de tempo do indivíduo, que o adquire em sua

trajetória de vida, no berço de família, na educação formal recebida e em outras experiências,

como atividades profissionais, viagens, leituras e cursos.

Para incorporar os discursos dos chefs de cuisine aos conceitos de luxo e habitus, os

agentes precisam ser dotados de capital cultural. Afinal, é preciso ter um tipo de bagagem

específico para valorizar e dar importância a um tipo de celebridade como Paul Bocuse.

Não há melhor prova da qualidade dos nossos produtos do que o fato da sua utilização na cozinha de Paul Bocuse. (grupo Zwiiling). A combinação de todos esses fatores faz da Staub a escolha de renomados chefs internacionais, como Paul Bocuse, da França; Laurent Turondel, de Nova Iorque; Hiroyuki Hiramatsu, do Japão; e Stefan Stiller, da China ( F.A., intermediário). Primeiro porque são importadas, duram bastante e são lindas (J. B., engenheira civil, usuária).

Sou muito parcial à França e tento comprar a Staub pela sua origem (M.S., professor de inglês, usuário).

Expressões como “Paul Bocuse”, “renomados chefs internacionais” e “porque são

importadas” são empregadas por pessoas que possuem um conhecimento diferenciado

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conquistado por meio de muito estudo e contato com outros países, neste caso específico, a

França.

E por que Paul Bocuse? Porque ele representa a autoridade máxima de um chef de

cuisine. Sua trajetória construída por meio de capital cultural e habitus confere-lhe esse amplo

reconhecimento profissional e libera-o para assumir qualquer compromisso comercial, desde

que este esteja em sintonia com sua imagem de sofisticação. Ser proprietário de um

restaurante laureado com três estrelas pelo guia Michelin e receber vários prêmios, dentre os

quais a mais alta condecoração da França39, outorga reconhecimento institucional a seu

capital cultural, o que remete ao resgate da nobreza, do luxo, do requinte, por meio da

tradição francesa, que todos conhecem e que dispensa apresentações:

A cozinha francesa não seria a mesma sem todos esses pratos lentamente cozidos em cocotte, e a realidade é que a cocotte Staub é um produto extremamente bem feito (Paul Bocuse)40.

Imagine quando um chef se une com uma fábrica de panelas[…] com certeza o resultado só pode ser algo do outro mundo (grupo Zwilling)41. Imagine ter como consultor de um produto de cozinha nada mais nada menos do que o papa da gastronomia francesa (grupo Zwilling).

Outros depoimentos que ilustram esse tipo de conhecimento mais apurado reúnem

informações técnicas do processo de produção das panelas.42

A cerâmica é o material mais apropriado para cozinhar alimentos de maneira saudável (grupo Zwilling, produtor). O formato diferenciado e o peso da tampa fazem com que o calor circule melhor na panela, retornando a umidade que evapora ao alimento e o deixando mais suculento e cozido por igual (grupo Zwilling, produtor). O seu material de ferro fundido e fundo de cerâmica permite que sejam utilizadas em qualquer tipo de forno ou fogão, resistindo a uma temperatura de até 800°C (grupo Zwilling, produtor).

39 Detalhado no capítulo 2, página 86 do presente trabalho. 40 Disponível no site www.staub.com.fr. 41 Depoimento obtido em entrevista realizada com o representante do grupo. 42 Estes depoimentos serão também mapeados na liga da materialidade, “a vida social das coisas” (Appadurai, 1986), conceito a ser detalhado no próximo item.

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Os engenheiros da Staub têm reforçado essa característica com o desenvolvimento de esmaltes especiais que acrescentem beleza e benefícios funcionais a cada peça (grupo Zwilling, produtor).

E o usuário, por meio de seu capital cultural, consegue reproduzir esse conhecimento e

justificar sua preferência por este tipo de consumo:

São feitas de um tipo de cerâmica especial , os moldes são exclusivos. Isto faz uma grande diferença (J.B..,engenheira civil, usuária).

O conceito da cerâmica reforça a identidade da empresa, localizada na região da

Alsace, local famoso pelas cerâmicas. Ou seja, o produtor encontra-se no berço desse capital

cultural e do habitus. O processo dos microporos detalhado na Imagem 3 enuncia uma técnica

complexa desenvolvida por meio de muita pesquisa. Trechos das falas dos usuários, como

“cerâmica especial”, “moldes exclusivos”, mostram o conhecimento desses usuários sobre a

elaboração de tais panelas. Para validar todos esses fundamentos, torna-se imprescindível o

aval dos engenheiros da Staub. Embora não explícita, fica a mensagem de que estes não são

engenheiros quaisquer, mas, sim, os que trabalham para a empresa, portadores de um

conhecimento técnico específico e que passam a imagem de comprometimento profissional e

parceria.

Assim como os chefs, os engenheiros buscam a mesma legitimidade ao entregarem um

produto dotado de qualidade diferenciada, não importando se o usuário vai ou não entender

como o processo se realiza. Já o intermediário, para se posicionar como autoridade

representando a panela Staub, recorre a cursos de gastronomia para se apropriar de uma

espécie de distinção, garantida por uma legitimidade que lhe permita ter reconhecido um

status que vai além de fazer um comércio diferenciado e seletivo:

Não, eu não sabia cozinhar, a gente vem de uma cultura árabe, né? Na nossa cultura, teoricamente, homem não entra na cozinha (F.A., intermediário). Eu fiz primeiro um curso da Vilma Kovesi pra entender o básico de cozinha (F.A., intermediário).

Aproveitando uma tendência gourmet que se iniciou em São Paulo no início de 2000,

Abdalla frequentou diversos cursos oferecidos por fornecedores com o objetivo de aprender

tudo sobre os utensílios de cozinha, desde os conceitos mais simples até os mais sofisticados.

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Esse anseio pelos estudos para ser legitimado como conhecedor da gastronomia associa-se,

segundo Bourdieu, ao papel do sistema escolar na valorização da cultura dominante. Ao ser

rejeitado como representante das panelas Le Creuset, o empresário não se intimidou e foi em

busca de capital cultural para se apropriar de um conhecimento legítimo e, dessa maneira,

apropriar-se também da distinção social:

Eu fui conhecer a fábrica na França. Entrei em contato com os chefs brasileiros, fui conversar com Laurent43, com outros. Até o Laurent, engraçado, ele tinha ganhado uma panela do Paul Bocuse quando trabalhou para ele (F.A., intermediário).

Para alcançar o prestígio, o status e o reconhecimento público, o intermediário vai

atrás de cursos, viaja para a França a fim de conhecer o produtor e alcançar esse espaço social

de distinção que ele tanto almeja.

Nas narrativas seguintes, observamos que os cursos são as ferramentas mais utilizadas

pelos os usuários para aprimorarem seus conhecimentos culinários, enriquecendo, dessa

maneira, o seu capital cultural. Mas, nesse caso, não se trata de qualquer curso; são cursos

mais elaborados de gastronomia, feitos em lojas renomadas:

Num dos cursos houve uma aula sobre tipos de panelas. Estas são muito boas por ser de ferro (S.T., advogado, usuário). Fiz o curso na Suxxar há uns três anos (S.T., advogado, usuário). Aprendi na marra, depois fiz uma especialização em Nova York para aprender novos cardápios (G.A., empresário, usuário). Daí, no curso, me interessei pela panela [...] (S.T., advogado, usuário). Tem o curso do Laurent, fiz com ele.( J.B., engenheira civil, usuária).

Percebe-se que as pessoas precisam adquirir capital cultural para engajarem-se em

determinados grupos e, para isso, além de frequentarem cursos, compram livros, aprofundam-

-se em leituras especializadas, pesquisam o tema na internet e chegam até a conversar com

amigos e vendedores especializados no assunto.

Aliás, livros e receitas sempre me incentivaram muito (J. B., engenheira civil, usuária).

43Chef de cuisine francês radicado no Brasil.

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Conheci a Staub nos sites, revistas; sempre fui muito curiosa e pesquiso bastante (G.M., fotógrafa, usuária). Tenho também amigos que me dão dicas e procuro visitar lojas que vendam estes tipos de produtos (J. B., engenheira civil, usuária).

Ah, também tenho muitos livros, tenho uma estante com vários livros e alguns já herdei do meu pai (S.A., arquiteta e usuária). Pesquisei, fui à loja, falei com as vendedoras e comprei porque queria desenvolver específicos tipos de receitas e elas sugeriram estas panelas (S.A., arquiteta e usuária).

Vale lembrar que, para atingir esse grau de conhecimento e sofisticação, também se

faz necessária uma ação inculcadora no ambiente familiar, o habitus.

Minha mãe colecionava livros de receitas e eu adorava lê-los (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

Todos essas formas de aprendizado, adquirido ou pela trajetória familiar e/ou pela

escola, são indispensáveis para agregar esse tipo de conhecimento a fim de que possam se

destacar entre seus pares e em seu espaço social:

Sempre pesquisei sobre culinária, tenho até um blog sobre isto. Leio sempre revistas e pesquiso receitas de alimentos (G.M., fotógrafa, usuária). Outro dia postei uma receita de risoto com fotos, a panela é maravilhosa (J. B., engenheira civil, usuária).

Quando cozinho com a Staub sou bastante elogiado. (G.A., empresário, usuário.)

A internet e a TV também se tornam um meio bastante utilizado para acumular capital

cultural, com programas mais elitizados, voltados para chefs renomados e estrangeiros:

A internet também é um grande facilitador, sempre pesquiso receitas diferentes (S.A., arquiteta e usuária). A TV tem atualmente muitos programas e sempre que posso acompanho o da Nigella, do Olivier, do Troisgros (S.A., arquiteta e usuária). Depois com a chegada firme da internet como a gente tem hoje, a coisa facilitou muito. Por exemplo: se quero fazer um tahine marroquino que nunca fiz, vou para internet e

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busco as receitas, vejo o preparo no vídeo, posso comparar com outras receitas e daí faço o prato que eu quiser. Particularmente, ingredientes e temperos, você vai entendendo o sabor pela comida (M. S., professor de inglês, usuário).

Conheci as panelas Staub em cursos e depois na TV (S.A., arquiteta e usuária).

As narrativas também destacam a diversificação e a sofisticação dos pratos, com

nomes franceses, seu preparo mais complexo e a diferenciação do tipo de panela para cada

prato. Para chegar a esse patamar, torna-se necessário um conhecimento mais apurado que

legitime esse domínio. Certeau( 2009) menciona que essa prática – designar pratos

atribuindo-lhes nomes sofisticados –, tem sua origem na ascensão da burguesia44, quando a

boa mesa foi ficando acessível à classe média, e, por isso, vem carregada de um conhecimento

histórico, adquirido como capital cultural. Movimentos de apropriação desse tipo de

linguagem passam a ser difundidos com o objetivo de transformar um simples ato de cozinhar

em um evento social e, assim, projetar valores emocionais, como prazer, felicidade e

satisfação.

As receitas francesas vão melhores nestas panelas (S.A., arquiteta e usuária). Com a tajine, fiz, uma vez, um tajine de maçã com ameixas e, com a cocote, um coq au vin e boeuf bourguignon. Com a frigideira, um Cote du Veau, receita do Paul Bocuse (S.A., arquiteta e usuária). Depende do tipo da panela, para a cocotte, receitas com cozimento longo, geralmente ensopados, como coq au vin, frango, cordeiro (S.A., arquiteta e usuária). Então isso é uma coisa a se pensar; tem gente que não se adapta a este tipo de panela. É para slow food, processos mais lentos e mais elaborados (M.S., professor de inglês, usuário). Especificamente carne, qualquer tipo de prato de cozimento muito longo, mais culinária francesa cujo processo de cozimento é longo. Quando tem muito líquido no começo, ela comporta bastante, mas uso na finalização do prato, pois ela é muito linda (M.S., professor de inglês, usuário).

Por exemplo, a minha paneleira que faço carne é bárbara. O meu processo de fazer carne é o seguinte: começo na churrasqueira para dar um sabor mais defumado e, na hora de servir, fatio, finalizo na Staub e levo direto para a mesa (M.S., professor de inglês, usuário).

44 Detalhado na página 53 do capítulo 2: com a Revolução Francesa, muitos chefs de cuisine que pertenciam à nobreza passaram a abrir seus próprios restaurantes ou trabalhar para a burguesia, possuidora de capital econômico.

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E aqueles que não dominam o arsenal da gastronomia de pratos sofisticados,

consideram a panela como ferramenta mágica de transformação para conferir essa espécie de

distinção. Para esses, basta ter sua Staub para preparar qualquer prato e transformar a comida

em algo especial e, assim, sentirem-se prestigiados pelos entes queridos.

Risotto, meus amigos e minha família adoram meus risotos. E nesta panela eles ficam mais molhadinhos, ficam diferentes, muda a textura mesmo (S.T., advogado, usuário). Para mim, as panelas de ferro Staub são perfeitas para fazer cozidos, sopas, risottos, ensopados, comidas com molho... gente, não é frescura, mas realmente a comida fica diferente (blog panelaterapia)

Podemos constatar, por meio de seus depoimentos, que o capital cultural ajuda a

construir a experiência desses agentes. Já reforçamos, em várias etapas desta tese, que, por

trás da escolha de um produto, há uma carga repleta de expectativas, desejos, valores e

significados que se revelam no momento da compra e, posteriormente, durante o seu consumo

(Costa, 1994). Muitas vezes, o que importa é o significado do capital cultural que se

manifesta por meio das palavras e imagens. Desse modo, nossa análise reforça a afirmação de

Bourdieu (2003, 2006) de que o capital cultural impacta as decisões do consumo.

3.5 Objetos e vida social

Uma vez que os bens não nascem providos de sentidos, quais seriam os fenômenos

socioculturais que fazem com que esses bens adquiram valor nas mãos dos indivíduos? Até o

presente momento, os conceitos de Bourdieu (1983, 1997, 2003, 2006) e Certeau (2009)

conduziram-nos a algumas possibilidades de resposta ao mostrar algumas das significações e

negociações de sentidos que essa panela projeta entre seus agentes.

Sob outra perspectiva, Appadurai (2008) ajuda-nos a responder a tal questionamento

ao sugerir que os objetos, bens materiais e marcas são possuidores de uma vida social, assim

como as pessoas. De acordo com o autor, “temos que seguir as coisas em si mesmas, pois

seus significados estão inscritos em suas formas, seus usos, suas trajetórias. Somente pela

análise destas trajetórias podemos interpretar as transações e cálculos humanos que dão vida

às coisas” (Appadurai 2008:17).

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Em outras palavras, ao circularem em diferentes circunstâncias de tempo e espaço, os

objetos acabam por acumular elementos simbólicos e históricos da circulação. Como lembra o

autor: “Se considerarmos que algumas mercadorias têm história de vida ou carreiras, em um

sentido significativo, então torna-se útil observar a partilha de conhecimento em diversos

momentos de suas carreiras” (2008:60). Neste caso, as panelas Staub - que se enquadram

entre as coisas que o autor denomina de bens simbólicos culturais -, por meio de significações

projetadas, adquirem vida própria, pois evidenciam a criação de um vínculo entre a troca e o

valor, ou seja, a compra das panelas e os benefícios projetados pelos seus usuários.

Uma das possibilidades de avaliar a trajetória das panelas Staub é atentar para os

depoimentos do produtor voltados à biografia da mercadoria:

Empresa fundada por Francis Staub na Alsácia, região reputada pela sua gastronomia, a Staub fabrica na França todos os seus produtos em ferro fundido esmaltado (GZwilling, produtor). Desde a criação das nossas primeiras cocottes em 1974, a Staub tem apenas uma ambição: atingir a perfeição (GZwilling, produtor).

A declaração de que as empresas que fabricam as panelas Staub têm a sua origem em

uma região “reputada pela sua gastronomia”, já posiciona o produto, automaticamente, em um

patamar diferenciado, com uma história carregada de experiência gastronômica aliada ao

longo tempo de vida, uma vez que está no mercado “desde 1974”. Ao mencionar que a

“ambição da panela é atingir a perfeição”, o produtor revela seriedade e o nível altíssimo de

qualidade de sua produção. E, assim, chega-se a outro ponto de destaque sobre a biografia do

produto: o complexo processo de produção.

Segundo Appadurai (2008), muitas mercadorias, por serem padronizadas no início de

sua materialidade, têm o processo de sua concepção desconhecido por seus usuários. Não é o

caso das panelas Staub, cujos depoimentos mostram a necessidade do produtor de destacar,

detalhadamente, usando terminologias técnicas, os complexos processos de produção, com o

intuito de manter o usuário plenamente envolvido com esse tipo de conhecimento e, assim,

valorizar o produto.

O sistema de irrigação contínua (o interior da tampa é plano e equipado com picotes) assegura um efeito de "gotas de água" que caem continuamente sobre o conteúdo da cocotte. Este sistema de tampa com irrigação contínua da Staub é 9 vezes mais eficaz do que as tampas convencionais (GZwilling, produtor).

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O produtor não se intimida ao colocar informações totalmente técnicas, como “sistema

de irrigação contínua”, “efeitos de gotas de água”, para explicar que o processo resulta numa

performance de qualidade diferenciada. Muito pelo contrário, ao passar essas informações,

em folhetos e sites da empresa, assume que ele espera que esses dados sejam apropriados e

incorporados pelos usuários.

Graças à especial produção de sua tampa, a cocotte Staub deixa escapar muito menos umidade durante o cozimento. Após 55 minutos de cozimento, a umidade conservada na cocotte Staub é 10% superior em relação às cocottes de marcas concorrentes (grupo Zwilling, produtor). O formato diferenciado e o peso da tampa fazem com que o calor circule melhor na panela, retornando a umidade que evapora ao alimento e o deixando mais suculento e cozido por igual (grupo Zwilling, produtor).

Com o propósito de mostrar-se portador de um conhecimento apurado e sofisticado a

respeito da produção das panelas e justificar seu uso diferenciado em relação às demais

panelas existentes no mercado, o usuário acaba por incorporar esse “arcabouço biográfico”

sobre a trajetória de vida das panelas Staub:

O processo de fabricação é único, eles fazem um molde para cada panela e jogam fora (J. B., engenheira civil, usuária). E depois, ela continua cozinhando naturalmente, depois de desligada, sem interferir no sabor do alimento (G.A., empresário, usuário). Ela tem uma tecnologia superior; o processo é artesanal, cada molde é único e depois descartado. A comida fica mais molhadinha devido a este processo, a tampa tem microporos e faz com que o calor distribua por igual. (G.A., empresário, usuário).

Tem todo um processo de tecnologia que facilita o cozimento; o alimento fica com uma textura e sabor diferentes (G.M., fotógrafa, usuária). Como são de ferro fundido e esmaltadas, o cozimento é mais lento e, com isto, a textura e o sabor dos alimentos ficam mais saborosos do que feito nas panelas de alumínio (T.L., analista, usuária).

Trechos como “tem uma tecnologia superior”, “cada molde é único”, “a tampa tem

microporos”, “todo um processo de tecnologia” refletem esse conhecimento partilhado com o

produtor, valorizando seus benefícios para o usuário. Como lembra Appadurai:

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[...] as mercadorias podem ter dois tipos de conhecimentos: o conhecimento que integra a produção da mercadoria (técnico, estético, social) e o conhecimento que integra a ação de consumir apropriadamente a mercadoria (Appadurai, 2008:60).

Desse modo, ao analisar os depoimentos acima, podemos assumir que o conhecimento

que integra a produção da mercadoria, neste caso específico – o técnico -, visto pela ótica do

produtor, é partilhado pelo conhecimento que integra a ação de consumir o bem de maneira

adequada, pela perspectiva do consumidor.

A história da Staub e sua trajetória de vida são importantes recursos de reconstituição

histórica e social do produto. A partir do fluxo das mercadorias, pode-se perceber duas

estratégias históricas na sua vinda ao Brasil: primeiro, quando o intermediário representa o

produto e, em um segundo momento, quando o produtor GZwilling se consolida como

representante oficial das panelas no país e se posiciona em um lugar nobre da cidade de São

Paulo. Esse fenômeno constitui as rotas e os desvios que Appadurai destaca em suas reflexões

para dar sentido à trajetória da mercadoria. Para o autor, o desvio de mercadorias é sempre um

sinal de criatividade ou de crise, seja ela estética ou econômica. E acrescenta que “desvios

com frequência é uma função de desejos irregulares e demandas recentes” muito comuns em

nossa sociedade de consumidores (Appadurai, 2008:45-46).

Podemos concluir, a partir das reflexões do autor, que as mercadorias podem ter sua

circulação alterada e, com isso, adquirir diferentes valores, como ocorreu com a vinda da

panela Staub ao Brasil.

Tomando por base o princípio de que os significados das mercadorias estão inscritos

em suas trajetórias, formas e usos, buscamos compreender, por meio dos discursos que os

agentes projetaram para as panelas Staub, estes três aspectos no mapa de significações:

1) “trajetórias”: o intermediário, ao se apropriar do produto como representante no

país, altera o fluxo de sua comercialização e se beneficia de tal fenômeno;

2) “formas”: os diversos formatos e cores que essas panelas apresentam fazem com

que os usuários se apropriem de variados significados de valor;

3) “uso”: sensações que os usuários projetam ao usarem essas panelas.

O primeiro aspecto é resgatado no capítulo 2, quando se descreve a história da loja

Doural e revela como ela se apropriou de um comércio diferenciado para atingir o status de

distinção entre seus pares. Esta análise foi feita a partir dos conceitos de Bourdieu (1983,

2006), que permitiu mostrar como o intermediário, por meio do habitus, capital cultural e

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gosto, conseguiu destaque em seu espaço social. Ao supor que a mercadoria, no caso as

panelas Staub, sofreu um desvio no seu fluxo de comercialização ao ser representada pela

Loja Doural, podemos constatar tal desvio como “uma intensificação da mercantilização pelo

aumento de valor que resulta deste desvio” (Appadurai, 2008:45). Neste caso, uma das

maneiras que o intermediário utilizou para agregar valor ao seu negócio foi apropriar-se, por

meio das narrativas colocadas em seu site, do conhecimento técnico sobre o produto.

As panelas STAUB são esmaltadas na parte interna e externa, têm o revolucionário sistema de gotejamento que faz com que os vapores retornem ao alimento deixando os pratos com muito mais sabor (F.A. intermediário). Os pegadores das panelas STAUB são de aço inox ou cobre, o que faz com que ela possa ir ao forno elétrico a temperaturas altíssimas sem derreter (F.A intermediário).

E, na minha opinião, o principal, que é a tampa reta com os microporos na parte de baixo, o que faz com que a umidade retome para o alimento, deixando-o , assim, molhado tanto na parte de cima como na parte de baixo (F.A, intermediário).

Ao expor seu conhecimento sobre a biografia da panela, utilizando enunciados como

“têm o revolucionário sistema de gotejamento”, “os pegadores das panelas Staub são de aço

inox”, “tampa reta com os microporos”, o intermediário agrega valor, destaca-se entre seus

pares e consegue um lugar de distinção em seu espaço social.

O segundo aspecto pode ser observado em uma série de lançamentos e na

diversificação de produtos, modelos e cores que a marca realiza. Pudemos verificar, no

capítulo 2, que, apesar da exclusividade e dos poucos circuitos de venda, a Staub mantém uma

dinâmica agressiva nos lançamentos e apresenta os mais variados modelos, totalizando,

aproximadamente, 100 modelos de diferentes formatos e tamanhos para todos os gostos e

tipos de pratos. Segundo Appadurai (2008), o desvio é, com frequência, uma função de

demandas recentes. Podemos transferir esse pensamento para os constantes lançamentos e

diversificação de modelos e cores que as panelas oferecem e que são apreciados pelos

usuários em função das significações que esses objetos despertam.

As vermelhas são lindas. Este design técnico dá um toque na decoração (G.A., empresário, usuário). Alias, elas são inovadoras em questão do design, pois são feitas de ferro fundido esmaltado (R.F., farmacêutica e jornalista , usuária).

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Os produtos de ferro fundido da Staub ganharam mais 5 opções de cores para toda a linha: caçarolas redondas e ovais, grelhas, frigideiras, chaleiras, panelas para fondue e especialidades, como a wok (G.Zwilling, produtor).

Além disso, os produtos de cerâmica da Staub são fáceis de usar, podendo ir ao forno convencional, forno de micro-ondas, congelador e máquina de lavar louça (grupo Zwilling, produtor).

Todos estes conhecimentos agregados à estética, à praticidade e à funcionalidade do

produto agregam luxo, valor, exclusividade e inovação. O auge da referência é a tecnologia

do design, que permite que o produto vá “da cozinha à mesa”.

[...] uma mercadoria "da cozinha à mesa" ainda mais inovadora. (grupo Zwilling, produtor).

Ao constatar um vínculo entre o produto e seu benefício, Appadurai (2008) sustenta

que as mercadorias, no caso as panelas, são dotadas de um símbolo cultural e têm uma vida

social, como seus usuários. Esse fenômeno pode ser constatado nos depoimentos, que

denotam o prazer proporcionado pelas pequenas coisas, pelas transformações dos pequenos

detalhes em grandes momentos, como, por exemplo, as reuniões com amigos e família. O

produtor apropria-se da funcionalidade das panelas, do seu design, da tecnologia, da

sofisticação para poder oferecer aos seus usuários um produto que lhes traga satisfação.

Afinal, o comer não se restringe às necessidades fisiológicas; ele também propicia o

relacionamento entre as pessoas e com o mundo, conforme lembra Certeau (2009).

Finalmente, o terceiro aspecto, que Appadurai (2008) chama de “rotas e desvios”,

refere-se aos significados de valores dos quais os usuários se apropriam ao usarem essas

panelas.

Cozinhar é, para mim, uma arte, uma inspiração e ainda mais nestas panelas (T.L., analista, usuária). É um ato de amor e fico muito feliz em compartilhar tudo isto no meu blog (R.F., farmacêutica e jornalista, usuária).

Posso cozinhar antes e curtir minha família, já que a panela tem um processo se autocozinha depois (S.A., arquiteta, usuária).

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Assim, quando o produto está na mão do usuário, ele se transforma em projeções de

prazer, em ato de amor, inspiração. O espaço do lar também se torna fundamental para

usufruir e compartilhar esse prazer; transforma-se em lugar agradável e aconchegante, fator

fundamental para desfrutar o ritual do comer bem:

Então minha cozinha é voltada pra isso, voltada para a sala, para os amigos para a família, para interagir (S.T., advogado, usuário). Fico realizada quando marco um jantar em casa ou mesmo um simples encontro com amigos... organizar, pensar no que fazer, arrumar.... é tudo muito bom! (S.A., arquiteta, usuária).

E assim, o prazer de estar à mesa com pessoas queridas resgata um infinito

cruzamento de histórias, com interações sociais que remetem a lembranças da infância, de

festas na companhia de amigos e familiares.

Quando me reúno com a minha família, meus pais, é meio nostálgico; resgato os prazeres de infância (S.A., arquiteta, usuária).

É um laço afetivo muito forte (G.A., empresário, usuário).

Os conceitos de Appadurai (2008) situam as panelas como bens simbólicos culturais

que, por meio de suas significações projetadas, adquirem vida própria por si ou através das

relações humanas. Assim como as pessoas, o autor afirma que as mercadorias também têm

vida social.

As negociações de sentido, presentes nas narrativas dos agentes, carregadas de valores

e de lembranças emocionais reforçam as considerações de Borelli45, que destacam que as

perspectivas de Bourdieu (2006) e de Certeau (2009) passam também a ser fundamentais

para construir e entender esse espaço de negociações de sentido, ao envolverem os

mecanismos de distinção por onde os objetos circulam.

45 Anotações da aula de Cultura, Mídia e Vida Cotidiana, ministrada pela Prof. Dra. Silvia Helena Simões Borelli, no 1o semestre de 2011, no curso de pós-graduação de Ciências Sociais da PUC-SP.

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Considerações finais

Temas relacionados ao luxo e ao consumo têm levado diversos autores das ciências

sociais, desde os mais tradicionais até os mais contemporâneas, a estudar as razões e

motivações que levam o homem a escolher e consumir os mais variados produtos de luxo.

A presente tese de doutorado procurou articular algumas abordagens sobre o consumo

associado ao luxo com a mediação das panelas Staub e suas relações com produtores,

intermediários e usuários. A escolha dessas panelas como objeto de estudo justifica-se por

esse produto representar uma marca de luxo entre as panelas de ferro. Desejadas como objeto

de consumo, essas panelas são consideradas bens de luxo na alta gastronomia, uma vez que

apresentam características únicas e diferenciadas que fogem à lógica do massivo da culinária

do dia a dia e estão disponíveis em poucos circuitos de acesso à informação e

comercialização.

O núcleo reflexivo desta investigação problematizou as significações e negociações de

sentidos que a escolha dessas panelas projeta e os tipos de narrativas que são geradas e

apropriadas por seus agentes, aqui representados, entre outros, pelos fabricantes, por um dos

pontos de comercialização, pelos chefs de cuisine e por seus consumidores, usuários das

panelas.

Este trabalho foi conduzido para responder aos seguintes questionamentos: uma vez

que as pessoas buscam produtos de luxo para se diferenciarem, que tipo de distinção essa

panela confere a esses agentes? Quais são os tipos de narrativas de que eles se apropriam?

Que imaginários de luxo da distinção essa panela aciona?

A partir dos depoimentos dados por esses agentes, propôs-se construir um mapa de

significações para obter uma melhor compreensão sobre como essa panela sinaliza essas

transformações no imaginário de cada um deles. Foram selecionados três tipos de agente para

montar esse mapa de significações: o produtor, representado pelo grupo Zwilling, detentor da

marca Staub; o intermediário, representado pela loja Doural que, situada em um local de

comércio popular, começou a vender esse tipo de panela para se apropriar de uma espécie de

distinção; e, por fim, o usuário, representado por cidadãos das mais variadas profissões, que

usam sua habilidade gastronômica para reunir amigos e familiares nos finais de semana e,

assim, cozinhar de modo diferenciado.

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Para responder a tais questionamentos, o núcleo teórico conceitual desta investigação

privilegiou entre outros aspectos: a análise da produção e das apropriações das panelas Staub

sob a ótica de algumas das categorias de Bourdieu (distinção, luxo, estilos de vida, habitus,

capital cultural e gosto); a leitura das panelas como mercadorias portadoras de vida social, de

Appadurai; as apropriações e formas de uso, de Certeau. Contribuíram para enriquecer a

análise Lipovetsky, Morin e, ainda, Costa, com suas reflexões sobre os significados do prazer

e da felicidade no imaginário das pessoas. Para construir tal mapa, foi preciso navegar pela

história do consumo, do luxo e da arte de comer, a fim de localizar como o conceito de

distinção se manifesta entre os indivíduos, uma vez que estes conquistam a sua diferenciação

não apenas pelo objeto em si, mas por meio de um conjunto de valores simbólicos e de

significados de diversas naturezas que são conferidos aos objetos no contexto social, cultural

e político em que estão inseridos.

Para Bourdieu, a evolução do consumo e do luxo deu-se como forma de distinção

entre as classes, uma vez que os usos e posses dos objetos eram relacionados ao

posicionamento social. As pessoas sempre buscaram se inserir na sociedade por meio da

diferenciação, e o luxo é uma espécie de distinção, uma antítese da produção em massa.

Embora a categoria de panelas não esteja explícita no item luxo, a própria evolução da

gastronomia, nos últimos anos, tratou de incluí-la. Constata-se cada vez mais um maior

número de pessoas, sejam profissionais ou não, interessadas na arte de cozinhar. São visíveis

os avanços no mercado editorial, nos canais de comunicação, com uma diversidade

respeitável de programas de TV, sugestões em jornais e na internet. Atualmente a culinária

tornou-se assunto chique, e a palavra gourmet aparece empregada nas mais diversas situações,

como, por exemplo, nas expressões “espaço gourmet” ou “varanda gourmet”, nas plantas de

edifícios e também em eventos, viradas culturais, nomes de comidas dentre tantas outras.

Assim, as panelas de ferro Staub, de origem francesa, emprestam seu nome e constroem uma

marca de luxo e são consideradas objeto de desejo por muitos que transitam nesse mercado.

Como foi observado ao longo do estudo, uma das maneiras de preservar os produtos

de luxo com sua função original é tornar, continuamente, os critérios de sua autenticidade

mais complexos. Assim, para legitimar seus produtos nessa categoria, o produtor das panelas

Staub apropria-se de algumas características, tais como o processo diferenciado de fabricação;

a distribuição seletiva; o aval dos chefs de cuisine; e o local nobre para comercialização.

Agregada a todos esses fatores, encontra-se a procedência, que, por ser francesa, reforça o ar

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de requinte e sofisticação. Ao afirmar que a Staub é uma panela criada pelos chefs dos chefs

ou que é importada da França, o intermediário pretende mostrar seu conhecimento para obter

prestígio e ter autoridade para estar em um comércio que também pode vender produtos de

luxo. A figura dos chefs de cuisine e suas narrativas evocam uma apropriação de realeza, uma

vez que a gastronomia e o gourmet sempre estiveram associados à ideia de nobreza, estilo e

requinte. Este resgate da nobreza é também bastante valorizado pelo usuário, que liga o prazer

de comer bem ao requinte da culinária francesa. Ou seja, neste espaço de negociação de

conflitos, os agentes se apropriam de narrativas muito similares para projetarem o luxo em

seu imaginário. Conforme resgata Lipovetsky, a felicidade experimentada no ato de se

alimentar não se encontra nos banquetes desmedidos, mas na sensualidade da degustação;

assim se realiza a gastronomia francesa no restaurante do chef Paul Bocuse. O produtor passa

aos usuários das panelas Staub a ideia de que, ao cozinhar com elas, é possível resgatar esses

momentos preciosos de requinte e sofisticação.

Para embasar sua experiência adquirida, o habitus, o produtor resgata a sua história,

valorizada na origem de várias gerações, localizada numa região rica em comida e na arte da

cerâmica, validando sua legitimidade de vivência no ramo. O intermediário recorre à sua

herança familiar e à sua experiência profissional para legitimar essa distinção tão almejada.

Em seus depoimentos no site, pode se acompanhar a saga da origem familiar até a chegada da

4a geração. Sua capacidade empreendedora faz com que ele viaje até a Alsácia para conhecer

o processo de produção do produto e se oferecer para ser seu representante no Brasil.

Para o usuário, o habitus vem carregado da genética familiar, que, muitas vezes

encontra-se em seu inconsciente. Resgatar o habitus por meio de sua origem é fundamental

para conferir uma espécie de distinção. Quer seja a família italiana, espanhola ou brasileira, o

convívio com ela e o envolvimento com a comida desde a infância são considerados

fundamentais para a aquisição desse DNA da gastronomia. Os usuários chegam a dizer que o

interesse pela gastronomia está no sangue e nem sabem como o processo começou.

Segundo Bourdieu, as diversas condições de existência produzem habitus diferentes e

as práticas concebidas pelo próprio habitus vão originar os diferentes estilos de vida. Ao

estudar as práticas de consumo, gostos e preferências das pessoas, o autor lembra que o gosto

de cada um não se caracteriza por algo individual, mas encontra-se fortemente ligado à classe

social à qual o indivíduo pertence. O autor considera os conceitos da teoria do gosto e estilos

de vida desenvolvidos para demarcar as classes sociais. Assim, o gosto faz parte de um

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complexo processo influenciado quer pela inserção familiar quer pelo caminho que os

indivíduos percorrem dentro dos grupos sociais a que pertencem.

Para exibir um gosto legítimo e estilo de vida diferenciado, o produtor alia-se ao

design inovador, às cores vibrantes da cerâmica e ao modelo de certa forma cult de suas

formas, posicionando-se num estilo de vida diferenciado. São mais de cem modelos em mais

de dez cores, nos mais diferenciados formatos e tipos para preparos específicos: são as

cocottes ovais, redondas, retangulares, as woks, tajines, as frigideiras, todas feitas de ferro

fundido, com cerâmica esmaltada da mais alta qualidade, que podem ir do fogão à mesa.

Como inovação, apresentam-se em formatos diferenciados, como bule retangular ou panelas

em forma de galinhas.

Ao exaltar a beleza e o design inovador, o intermediário apropria-se, novamente, da

posição de status e prestígio do produtor e, assim, demonstra um conhecimento desse gosto

legítimo. Apropria-se de um estilo diferenciado e arrojado quando comenta ser “amante das

panelas” e exalta seus formatos inovadores, como os de galinha e de porco. Assim, ele se

mostra um grande conhecedor daquilo que vende, além de mostrar um gosto legitimo por um

produto considerado de luxo. Já os usuários apropriam-se de um gosto distinto para legitimar

sua preferência pelos modelos, design e cores. O destaque para um estilo de vida diferenciado

está nos depoimentos que resgatam o ar rústico, meio antigo, meio cult que as panelas

possuem. Além de criarem um vínculo com o usuário, a inovação, o design, as cores

conferem um grau de sofisticação e, consequentemente, a ideia de um consumo diferenciado

como forma de distinção social.

A tendência pela valorização do meio ambiente é outra característica de que a panela

procura se apropriar, com o objetivo de demonstrar que dá valor ao consumo responsável. As

cores diferentes de frutas e verduras, aliadas à “escolha ecológica”, como se expressou a chef

Rita Lobo, conferem aos agentes um outro patamar de estilo de vida. Somente uma pessoa

com certo habitus e capital cultural poderá se apropriar dessa legitimação, conforme lembra

Bourdieu.

Sob o aspecto do capital cultural, mais uma vez o discurso do produtor vai resgatar

sua origem e também todo o know how contínuo sobre o produto: são artesãos e engenheiros

trabalhando continuamente para resgatar esse conhecimento exclusivo do grupo, que faz com

que se aproprie de uma espécie de distinção. Percebe-se, em seu discurso, a valorização do

formato diferenciado e do peso da tampa, da tecnologia dos microporos, que permitem uma

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retenção maior de umidade, deixando o alimento mais suculento e cozido por igual. Já o

intermediário, ao frequentar cursos e fazer parcerias com chefs de cuisine, legitima essa

espécie de distinção para fazer um comércio mais seletivo.

Os usuários adquirem o capital cultural por meio de cursos, que dão validação a um

conhecimento especializado. Outra forma de apropriação de distinção pelo capital cultural é a

sofisticação dos pratos elaborados, que comprova a posse de um grande conhecimento sobre o

assunto. A herança familiar, atrelada ao habitus, reflete um estado natural praticamente

inconsciente, o que se percebe nos depoimentos que mencionam que o prazer pela culinária

está no sangue da família.

Assim como a trajetória dos agentes e suas apropriações feitas através do habitus,

capital cultural, gosto e estilos de vida, o histórico do produto, conforme reflexões de

Appadurai, também possibilita entender o contexto social e cultural desse espaço de

negociações de sentido. Esse autor afirma que os objetos também têm uma história e propõe,

em um debate, que as mercadorias assim como as pessoas têm vida social. E, neste caso, as

panelas, por meio de suas significações projetadas, adquirem vida social por si e através das

relações humanas.

Com apoio em Certeau, pode-se verificar que esse prazer de cozinhar como distinção

está presente nos três polos de discurso, todos rodeados de histórias que se entrecruzam,

revelando momentos de grande prazer dentro de um contexto social.

Essas panelas encontram-se na contramão de um consumo desenfreado, descartável e

imediato. São consideradas objetos de desejo que projetam status e prestígio, como forma de

criar vínculos de distinção social. Uma vez que esse bem de consumo é pensado como um

sistema simbólico, abre-se a possibilidade para algumas formas de ler a própria sociedade

através do padrão formado entre os bens. Ao analisar como os agentes deste estudo se

apropriam de suas narrativas para gerar esse tipo de distinção, foi possível construir um mapa

de negociações de sentidos como uma possibilidade de resposta às questões que orientaram a

presente tese.

Como não foi possível esgotar todas as possiblidades de análise, sentimos que ainda

há potencial nos desdobramentos que essas narrativas podem trazer para os conceitos que nos

propusemos a analisar. Sendo assim, outra possibilidade seria investigar as articulações entre

o luxo e o popular, uma vez que pudemos observar, ao longo deste estudo, que existe uma

tensão entre o temor da massificação e a busca pela distinção. A problematização do mal-estar

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da sociedade de consumo na confrontação entre o risco da uniformização, da mercantilização

do luxo e a busca pela diferenciação poderia ser incorporada ao trabalho para

desenvolvimento desses conceitos. As narrativas do intermediário, cuja loja se situa em local

popular, poderiam servir como base para a construção dessas reflexões. Possivelmente um ou

dois artigos a serem produzidos, ao finalizar a tese, possam complementar essa lacuna tão rica

de informações.

Esperamos que esta investigação possa contribuir para uma nova perspectiva de mapas

de significações tanto na área de Ciências Sociais quanto em outras áreas, como as de

Administração e de Comunicação em Semiótica.

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Anexos

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Roteiro de entrevistas com usuários

1. Nome, idade, cargo.

2. Conte um pouco da sua trajetória culinária.

3. Para você o que representa este processo de cozinhar?

4. Como conheceu as panelas Staub? (em cursos, pesquisas,...?)

5. E por que as panelas Staub?

6. Qual tipo de panela Staub você tem? ? Por que comprou? Recebeu recomendação?

7 .O que você geralmente cozinha nessa panela?

8 .O que ela faz de diferente das demais?

9. Como você se sente ao cozinhar nessa panela?

10. O que é ser um gourmet? Você se considera um gourmet?

11.Você cozinha apenas para ocasiões especiais ou todos os dias?

12.Descreva uma situação de você ter cozinhado com estas panelas / qual reação dos

convidados? Como você se sentiu?

13. O que você levou em conta ao comprar a Staub?

14. Me fale sobre o design dessa panela.

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Roteiro de entrevistas com o intermediário

1.Fale sobre sua trajetória de vida, onde estudou, como começou a trabalhar na Doural

Como foi a passagem pai para filho? Alterou modo de gestão? Quem da família trabalha na

loja?

2.Fale sobre histórico da loja, número de funcionários, número de itens comercializados.

3.Quem são os clientes do dia a dia? São diferentes na parte de armarinhos e nessa parte de

produtos importados? (pedir para esclarecer bem).

4.Como foi a entrada de produtos mais sofisticados? Qual a estratégia montada? Há quanto

tempo? Qual foi a reação dos clientes / fornecedores

5 Conte um pouco sobre a trajetória do site: como foi criado, objetivos, resultados.

6.Vi que no site há um espaço para Doural Goumet com depoimentos de chefs de cuisine,

dicas de receitas (o senhor que que assina?). De quem foi a ideia? Como começou? Como foi

esse processo? Que tipo de cliente acessa esse site?

7. Com relação a esses produtos de alta gastronomia, existe maior compra na loja física (do 2º

andar) ou via site?

8..Os vendedores desse andar são diferentes dos demais? Como eles abordam o cliente? Que

tipo de treinamento recebem?

9. Nesse caso, a compra é feita mais via site ou pessoalmente? Os clientes são diferentes?

10. Qual o perfil? De onde vêm? Outros estados? Onde vende mais

11. Sua loja tanto tem um arsenal de gastronomia dos mais renomados e requintados

produtos. Demorou para que os clientes pudessem perceber que isso seria possível ser

vendido numa região conhecida como comércio popular?

12. A Doural também está nas redes sociais. O senhor poderia contar um pouco dessa

experiência? Qual retorno está tendo? E a Doural Sustentável, qual o objetivo?

13. E o Clube Doural? Qual o objetivo do site?

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14. Falando um pouco da panela Staub, como foi o processo da representação da panela

Staub? Quando começou? Quem teve a ideia? Vocês têm todos os produtos?

16. Quem compra esse tipo de panela? Perfil do comprador

17.Como foi a divulgação do lançamento? Contato com o fabricante?

18.Venda é mais pessoal ou via site?

19.Qual a estratégia de manter a marca?

20. São os únicos representantes da panela? A equipe Staub veio ao Brasil?

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Roteiro de entrevistas com o produtor

1. Fale sobre a trajetória ZWilling.

2.Tipos de produtos que a loja trabalha.

3.Quando adquiriu a Staub? Por quê? Qual é a história dessas panelas?

4. Fale sobre a trajetória das panelas no Brasil.

5.Quem concorre com a Staub?

6.Como é o processo de vendas?

7.Quais tipos de panelas são os mais vendidos?

8.Como é a política de preços com as demais lojas que vendem Staub?

9.A Doural importa de vocês ou direto da França? Como é o relacionamento com eles?

10.Quem compra a Staub?

11. Qual é o Perfil de usuários

12. Há tipos de panelas para diferentes pessoas? Profissionais ou simplesmente amantes da

gastronomia?

13. Como é feita a divulgação?

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Roteiro de observações etnográficas na loja Doural e na loja conceito ZWilling.

1.Listar nome / endereço da loja / horário observado (realizar 2 voltas).

2. Observar local, como é a loja, quais são os produtos.

3. Como os produtos estão disponíveis, onde estão as panelas, como elas estão arrumadas.

4.Descrever tudo sobre as panelas, abordar a vendedora para esclarecer.

5.Verificar quem frequenta, se alguém olhou para as panelas / pegou./, se chamou a

vendedora para esclarecer.