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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ JUSSARA KASUKO PALMEIRO CARACTERIZAÇÃO FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE ISOLADOS CLÍNICOS DE Streptococcus agalactiae CURITIBA 2009

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  • PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

    JUSSARA KASUKO PALMEIRO

    CARACTERIZAÇÃO FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE ISOLADOS

    CLÍNICOS DE Streptococcus agalactiae

    CURITIBA

    2009

  • JUSSARA KASUKO PALMEIRO

    CARACTERIZAÇÃO FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE ISOLADOS

    CLÍNICOS DE Streptococcus agalactiae

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    graduação em Ciências da Saúde, Setor de

    Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia

    Universidade Católica do Paraná, como requisito

    parcial à obtenção do grau de Mestre.

    Orientador: Dr. Humberto Maciel França Madeira

    Co-orientadora: Dra. Libera Maria Dalla Costa

    CURITIBA

    2009

  • Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná

    Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

    Palmeiro, Jussara Kasuko P172c Caracterização fenotípica e genotípica de isolados clínicos de Streptococcus 2009 agalactiae / Jussara Kasuko Palmeiro ; orientador, Humberto Maciel França Madeira ; co-orientadora, Libera Maria Dalla Costa. -- 2009. 127, [15] f. ; il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2009 Bibliografia: f. 110-127 1. Streptococcus agalactiae. 2. Epidemias. 3. Eletroforese. I. Madeira, Humberto Maciel França. II. Costa, Libera Maria Dalla. III. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. IV. Título. CDD 20. ed. – 610

  • Dedico este trabalho às pessoas que mais amo:

    meus pais, meus irmãos e meu esposo.

  • AGRADECIMENTOS

    Minha imensa gratidão a todas as pessoas que de alguma forma me

    ajudaram a enfrentar as dificuldades que surgiram durante esses anos de minha

    contínua formação pessoal e profissional. É com essas pessoas que desejo festejar,

    hoje e sempre, todas as minhas conquistas.

    Ao meu orientador, Dr. Humberto Maciel França Madeira, pelos

    conhecimentos compartilhados, pelo apoio e por ter concretizado meu ingresso na

    pós-graduação.

    À minha mais que co-orientadora Dra. Libera Maria Dalla Costa, por todo o

    incentivo e simplesmente por ter sido a coadjuvante de minha formação profissional.

    Ao Dr. Sérgio Fracalanzza e seus colaboradores do Laboratório de

    Bacteriologia Médica do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes da

    UFRJ, pela enriquecedora contribuição no trabalho.

    Ao Dr. Newton Sérgio de Carvalho, por me ajudar na aquisição dos dados,

    pelas sugestões e conhecimentos compartilhados.

    À Coordenação do curso, na pessoa do Dr. Roberto Pecoits, por permitir

    concretizar este trabalho.

    À minha companheira de labuta Keite da Silva Nogueira, por ter me auxiliado

    indefinidamente na realização deste trabalho.

    Aos meus amigos de trabalho Adriane Ceschin Maestri, Aurora da

    Conceição F. da Silva Faria, Dilair Camargo de Souza, Gislene Maria Botão Kussen,

    Helena Homem de Mello de Souza, Laura Lúcia Cogo, Mara Cristina Scheffer,

    Margareth Indiukov Neves, Maria Estela de Lima, Marli Terezinha Karpstein e

    Roberto Ribeiro dos Santos, pelo companheirismo, conhecimentos e amizade.

  • À Equipe maravilhosa do Setor de Bacteriologia e Central de Soluções e

    Meios de Cultura do Hospital de Clínicas da UFPR, por terem colaborado sempre

    que necessário.

    À Rosângela Torres e seus colaboradores do Laboratório Central do Estado

    do Paraná, pelos conhecimentos compartilhados e pela contribuição no trabalho.

    Às alunas de Farmácia Danieli Conte, Fernada Maia e Giuliana Locatelli e de

    Medicina Danila Yoshioka e Fernanda Almeida Leite, por contribuírem na execução

    do trabalho.

    Ao Núcleo de Estudos de Bacteriologia Clínica de Curitiba, pelo apoio e

    conhecimento científico transmitido.

    À Newprov Produtos para Laboratório Ltda., pelo fornecimento de materiais

    emergenciais necessários ao desenvolvimento da pesquisa.

    Aos professores que contribuíram para meu desenvolvimento profissional.

    À minha família querida, alicerce de minha vida, por sempre acreditarem em

    minha capacidade.

    Ao meu esposo que foi meu refúgio para agüentar essa caminhada.

    Aos meus amigos que me ajudaram a relaxar e esquecer por algumas horas

    as responsabilidades do dia a dia.

    Meu eterno muito obrigado!

  • "Somos feitos de carne, mas temos que viver

    como se fossemos feitos de ferro”.

    Sigmund Freud

  • RESUMO

    Nos últimos quarenta anos, estreptococos do grupo B (EGB) têm sido descrito como relevante patógeno em infecções invasivas neonatais, e atualmente, em pacientes senis ou com condições debilitantes. A terapia antimicrobiana intraparto continua sendo a principal medida de prevenção à doença perinatal, entretanto vacinas estão sendo desenvolvidas. Entre os principais componentes bacterianos, alvos à produção de vacinas, estão os polissacarídeos capsulares de EGB. Têm-se relatado dez sorotipos, a saber, Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX. Penicilina permanece como antimicrobiano de primeira escolha ao tratamento e prevenção de infecções por EGB. Em casos de risco de anafilaxia e falha terapêutica pelo uso de beta-lactâmicos, recomenda-se eritromicina e clindamicina, porém tem ocorrido um aumento de EGB resistentes a esses antimicrobianos. No Paraná e região Sul, pouco se sabe sobre as características fenotípicas e genotípicas desse microrganismo. O objetivo principal deste estudo foi caracterizar fenotipicamente e genotipicamente isolados clínicos de EGB. Foram estudadas 190 amostras de EGB isoladas de três hospitais de Curitiba, no período de abril de 2006 a maio de 2008. A sorotipagem dos isolados foi realizada através do método de imunodifusão radial em gel de agarose para nove sorotipos (Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII e VIII). A suscetibilidade aos antimicrobianos foi determinada por disco difusão e diluição em ágar, conforme o CLSI. A pesquisa dos fenótipos de resistência MLSB foi realizada por métodos fenotípicos (dupla difusão em ágar) e genotípicos (PCR). A variabilidade genética das amostras foi pesquisada utilizando a técnica de PFGE. Os isolados clínicos foram recuperados de secreção anogenital de gestantes, de urina de adultos não gestantes e gestantes; de hemocultura, líquor, secreção de ferida cirúrgica, líquido peritoneal, biópsia, catéter endovenoso, abscesso e urina nos casos de infecção em três grupos de pacientes (neonatos, gestantes e não gestantes). Todas as amostras foram sensíveis a penicilina, ampicilina, cefazolina, levofloxacina e vancomicina. Apenas 4,7% dos isolados apresentaram resistência a eritromicina e clindamicina, sendo que todos revelaram o fenótipo constitutivo e amplificaram para o gene ermB. A combinação de genes (ermA e ermB) ocorreu na maioria das amostras resistentes. O sorotipo Ia foi prevalente, seguido dos sorotipos II, IV, Ib, V e III. Isolados não tipáveis compreenderam 10,5% desta população. O sorotipo IV apresentou-se mais associado à infecção. Apesar da ampla diversidade genética observada, quase metade dos isolados de EGB foram agrupados em dois grupos, dentro dos quais as amostras foram geneticamente relacionadas entre si. O sorotipo Ia mostrou menor variabilidade genética entre todos os tipos capsulares. Este foi o primeiro estudo a avaliar o perfil de suscetibilidade, sorotipos e epidemiologia molecular de EGB na região. Isso reflete a necessidade de mais estudos para melhor compreender o perfil epidemiológico de EGB nas distintas populações, buscando desenvolver melhores estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento nas instituições e hospitais do país.

    Descritores: Estreptococos do grupo B. Sorotipos. Perfil de suscetibilidade

    antimicrobiana. PFGE.

  • ABSTRACT

    In the last forty years, group B streptococci (GBS) have been described as an important pathogen in neonatal invasive infections, and currently, in elderly or adults with underlying medical conditions. Intrapartum chemoprophylaxis remains the main measure for perinatal GBS disease prevention; however vaccines are under development. Studies on candidate vaccines based on capsular polysaccharides of GBS, and have been extensively reported for ten serotypes Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII, VIII and IX. Penicillin remains the drug of choice for treatment and prevention of GBS infections. Erythromycin and clindamycin are recommended when risks of anaphylaxis or therapeutic failure are present. However, there has been an increase in GBS resistance to these antibiotics. In Paraná and the southern region, little is known about the phenotypic and genotypic characteristics of the microorganism. The main aim of this study was to phenotypically and genotypically characterize human GBS isolates. One-hundred and ninety (n = 190) GBS isolates from patients of three hospitals in Curitiba isolated from April 2006 to May 2008 were studied. Serotyping was performed by the double immunodiffusion method for nine serotypes (Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII and VIII). Antimicrobial susceptibility testing was determined by disk diffusion and agar dilution according CLSI. Screening for MLSB resistance was performed by phenotypic (double-disk testing) and genotypic (PCR) methods. The genetic variability of samples was investigated using PFGE. Isolates were recovered from anogenital specimens of pregnant women, from urine of adult non-pregnant and pregnant women, from blood, cerebrospinal fluid, surgical wound, peritoneal fluid, biopsies, intravenous catheter, abscesses and urine in neonates, pregnant women and nonpregnant patients. All samples were sensitive to penicillin, ampicillin, cefazolin, levofloxacin and vancomycin. Only 4.7% of isolates were resistant to erythromycin and clindamycin, in which the constitutive phenotype was present, as revealed by the amplification of the ermB gene. Combination genes (ermA and ermB) was found in most of the resistant isolates. Serotype Ia was prevalent, followed by serotypes II, IV, Ib, V and III. Nontypeable isolates comprised 10.5% of this population. Serotype IV was more associated in infection. Despite the extensive genetic diversity among isolates revealed by PFGE profiles, almost half GBS isolates could be allotted to two major distinct groups of genetic relatedness. Serotype Ia showed lower genetic variability among all capsular types. This was the first study to assess GBS sensibility, serotypes and molecular epidemiology in this region. From these results, a need for more studies that would allow a better understanding of GBS epidemiological profile in the population of different Brazilian geographical regions can be envisioned. Also, to develop improved strategies for prevention, diagnosis and treatment being conducted in institutions and hospitals around the country.

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO DOS PRINCIPAIS FATORES DE VIRULÊNCIA DE

    S. agalactiae ........................................................................................31

    FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS UNIDADES

    POLISSACARÍDICAS REPETIDAS DOS NOVE SOROTIPOS

    CAPSULARES DE S. agalactiae. .........................................................41

    FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA DISTRIBUIÇÃO DOS

    DISCOS DE ERITROMICINA E CLINDAMICINA EM MHA

    SUPLEMENTADO PARA A PESQUISA DOS FENÓTIPOS DE

    RESISTÊNCIA MLSB ............................................................................57

    FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DOS FENÓTIPOS DE

    RESISTÊNCIA MLSB QUE PODEM SER OBSERVADOS EM

    ISOLADOS DE S. agalactiae PELO TESTE DE DUPLA-DIFUSÃO

    EM ÁGAR .............................................................................................57

    FIGURA 5 – MULTI-INOCULADOR DE STEER UTILIZADO PARA

    DISPENSAR O INÓCULO BACTERIANO EM PLACA DE ÁGAR

    MULLER HINTON ................................................................................62

    FIGURA 6 – GEL-PUNCH UTILIZADO PARA REALIZAR OS POÇOS NA

    SUPERFÍCIE DO GEL DE AGAROSE .................................................65

    FIGURA 7 – TESTE DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS PELO

    MÉTODO DE DISCO-DIFUSÃO EM AMOSTRAS DISTINTAS,

    DESTACANDO O TESTE DE DUPLA DIFUSÃO EM ÁGAR OU

    TESTE D..............................................................................................82

    FIGURA 8 – IMUNODIFUSÃO RADIAL EM GEL DE AGAROSE PARA

    PESQUISA DOS SOROTIPOS CAPSULARES DE S. agalactiae .......83

    FIGURA 9 – ELETROFORESE EM GEL DE AGAROSE DE LINHAGENS DE

    S. pyogenes UTILIZADAS COMO CONTROLE POSITIVO PARA

    PESQUISA DOS GENES DE RESISTÊNCIA ermA, ermB E mefA

    EM ISOLADOS DE S. agalactiae .........................................................88

    FIGURA 10 – ELETROFORESE EM GEL DE AGAROSE DOS ISOLADOS DE

    S. agalactiae POSITIVOS PARA O GENE ermB .................................89

  • FIGURA 11 – DENDROGRAMA CONSTRUÍDO COM BASE NO

    POLIMORFISMO DOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO EM

    PFGE UTILIZANDO A ENZIMA SmaI DE 174 ISOLADOS DE

    S. agalactiae ........................................................................................90

    FIGURA 12 – EXEMPLOS DE PERFIS ELETROFORÉTICOS CLONAIS DE

    PFGE DAS AMOSTRAS PAREADAS DE S. agalactiae

    ISOLADAS DE MESMOS PACIENTES ...............................................92

    FIGURA 13 – DENDROGRAMAS CONSTRUÍDOS COM BASE NO

    POLIMORFISMO DOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO EM

    PFGE UTILIZANDO A ENZIMA SmaI DE 174 ISOLADOS DE

    S. agalactiae, DESTACANDO OS clusters GÊNICOS DOS

    SOROTIPOS Ia e IV.............................................................................93

    FIGURA 14 – DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL DE S. agalactiae RESISTENTES À

    ERITROMICINA E CLINDAMICINA ...................................................100

  • LISTA DE GRÁFICOS

    GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S. agalactiae

    PROVENIENTES DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO NAS

    UNIDADES DE ATENDIMENTO HOSPITALAR E

    AMBULATORIAL ...............................................................................72

    GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS 128 ISOLADOS DE S. agalactiae

    ASSOCIADOS À COLONIZAÇÃO POR AMOSTRA CLÍNICA ..........73

    GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS 62 ISOLADOS DE S. agalactiae

    ASSOCIADOS À INFECÇÃO POR AMOSTRA CLÍNICA ..................74

    GRÁFICO 4 – FREQÜÊNCIA DE 190 ISOLADOS DE S. agalactiae POR FAIXA

    ETÁRIA E SEXO ...............................................................................75

    GRÁFICO 5 – DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DE 190 ISOLADOS DE

    S. agalactiae, CONSIDERANDO AMOSTRAS DE

    COLONIZAÇÃO E INFECÇÃO ..........................................................75

    GRÁFICO 6 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S.agalactiae POR

    SOROTIPOS CAPSULARES.............................................................83

    GRÁFICO 7 – SOROTIPOS DE S.agalactiae DISTRIBUÍDOS POR

    AMOSTRAS ISOLADAS DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO............84

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 – SEQUÊNCIA DOS OLIGONUCLEOTÍDEOS INICIADORES

    UTILIZADOS NA PCR PARA PESQUISA DE GENES DE

    RESISTÊNCIA AOS MACROLÍDEOS EM ISOLADOS CLÍNICOS

    DE S. agalactiae.................................................................................69

    QUADRO 2 – CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO DOS ISOLADOS DE

    S. agalactiae, SE PROVENIENTES DE INFECÇÃO OU

    COLONIZAÇÃO .................................................................................73

    QUADRO 3 – INFORMAÇÕES GERAIS E RESULTADOS DAS AMOSTRAS

    PAREADAS DE S. agalactiae ISOLADAS DE MESMOS

    PACIENTES E DOS CASOS DE DOENÇA PERINATAL ..................87

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 – CARACTERÍSTICAS BIOQUÍMICAS FENOTÍPICAS DE

    S. agalactiae ........................................................................................26

    TABELA 2 – CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO DE SUSCETIBILIDADE E

    CONCENTRAÇÕES DOS ANTIMICROBIANOS TESTADAS EM

    ISOLADOS DE S. agalactiae ...............................................................59

    TABELA 3 – SOLUÇÕES-ESTOQUE DE ANTIMICROBIANOS...............................60

    TABELA 4 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S. agalactiae,

    PROVENIENTES DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO, NOS

    HOSPITAIS ..........................................................................................71

    TABELA 5 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S. agalactiae,

    PROVENIENTES DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO POR

    GRUPOS DE PACIENTES ..................................................................76

    TABELA 6 – FREQUÊNCIA DOS FATORES DE RISCO MATERNOS E

    NEONATAIS PARA A PRESENÇA DE S. agalactiae EM 64 RNs

    CUJAS MÃES APRESENTAVAM COLONIZAÇÃO OU

    INFECÇÃO POR EGB (VARIÁVEIS QUALITATIVAS).........................79

    TABELA 7 – FREQUÊNCIA DOS FATORES DE RISCO MATERNOS PARA A

    PRESENÇA DE S. agalactiae EM 64 RNs CUJAS MÃES

    APRESENTAVAM COLONIZAÇÃO OU INFECÇÃO POR EGB

    (VARIÁVEIS QUANTITATIVAS) ..........................................................79

    TABELA 8 – PERFIL DE SUSCETIBILIDADE DE 190 AMOSTRAS DE

    S. agalactiae ISOLADAS DE COLONIZAÇÃO E INFECÇÃO EM

    ABRIL DE 2006 A MAIO DE 2008 .......................................................80

    TABELA 9 – MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DISTRIBUIÇÃO DOS

    SOROTIPOS DE 62 ISOLADOS DE S. agalactiae ASSOCIADOS

    À INFECÇÃO .......................................................................................85

    TABELA 10 – DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae POR

    GRUPOS DE PACIENTES ..................................................................86

    TABELA 11 – DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae POR

    PADRÕES CLASSIFICADOS DE PFGE .............................................91

  • TABELA 12 – DIVERSIDADE GENÉTICA DE 174 ISOLADOS DE S. agalactiae

    AGRUPADOS CONFORME SOROTIPOS ..........................................92

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    AAP - American Academy of Pediatrics

    ABCs - Active Bacterial Core surveillance

    ACOG - American College of Obstetricians and Gynecologists

    AMP - Ampicilina

    ATCC - American Type Culture Collection

    CBM - Concentração Bactericida Mínima

    CDC - Centers for Disease Control and Prevention

    CFZ - Cefazolina

    CIM - Concentração Inibitória Mínima

    CLI - Clindamicina

    CLSI - Clinical and Laboratory Standards Institute

    CylE - Denominação do fator de virulência hemolisina de S. agalactiae

    DNA - Ácido Desoxirribonucléico

    dNTP - Desoxirribonucleotídeo trifosfato

    DO - Densidade Óptica

    EDTA - Ácido etilenodiaminotreacético

    EGB - Estreptococo do Grupo B

    ERI - Eritromicina

    FBP - Fibronectin-binding protein

    GBS - Group B Streptococcus

    HC-UFPR - Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná

    HMVFA-UFPR - Hospital Maternidade Vitor Ferreira do Amaral da Universidade

    Federal do Paraná

    HMW - High Molecular Weight

    HNSG - Hospital Nossa Senhora das Graças

    L - Lincosamida

    LEV - Levofloxacina

    LMW - Low Molecular Weight

    LPXTG - Denominação de um domínio protéico altamente conservado

    presente em proteínas superficiais de S. agalactiae

  • M - Macrolídeo

    MHA - Müeller Hinton Ágar

    PAI - Profilaxia antimicrobiana intraparto

    PENG - Penicilina G

    PP - Parto prematuro

    RN - Recém-nascido

    S. agalactiae - Streptococcus agalactiae

    Taq polimerase - Thermus aquaticus polimerase

    TPP - Trabalho de parto prematuro

    VAN - Vancomicina

    MLST - Multi Locus Sequence Typing

    PFGE - Pulsed Field Gel Electrophoresis

    UPGMA - Unweighted Pair Group Method with Arithmetic mean

    DICE - Coeficiente de similaridade

  • LISTA DE SÍMBOLOS

    kb - kilobase

    mg - miligrama

    MgCl2 - Cloreto de Magnésio

    mL - mililitro

    mm - milímetros

    NaCl - Cloreto de sódio

    ng - nanograma

    nm - nanômetro

    pb - pares de base

    pmol - picomol

    rpm - rotações por minuto

    S - Svedberg

    U - Unidades

    v/v - volume/volume

    V/cm - voltz/centímetro

    °C - grau Celsius

    µ - micro

    µg - micrograma

    µL - microlitros

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................20

    1.1 OBJETIVOS ........................................................................................................22

    1.1.1 Objetivo Geral ..................................................................................................22

    1.1.2 Objetivos Específicos .......................................................................................22

    2 REVISÃO DE LITERATURA ............................ .....................................................23

    2.1 HISTÓRICO ........................................................................................................23

    2.2 CARACTERÍSTICAS MICROBIOLÓGICAS........................................................24

    2.2.1 Taxonomia........................................................................................................24

    2.2.2 Aspectos Gerais do Gênero Streptococcus......................................................24

    2.2.3 Características Microbiológicas da Espécie Streptococcus agalactiae ............25

    2.3 PATOGÊNESE....................................................................................................27

    2.4 EPIDEMIOLOGIA: UMA VISÃO MUNDIAL.........................................................33

    2.4.1 Infecções por S. agalactiae em neonatos.........................................................34

    2.4.2 Infecções por S. agalactiae em parturientes ....................................................35

    2.4.3 Infecções por S. agalactiae em adultos não-gestantes ....................................36

    2.5 NO BRASIL S. agalactiae É UM PATÓGENO EMERGENTE?...........................38

    2.6 A IMPORTÂNCIA DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae .....................................39

    2.7 PREVENÇÃO, PROFILAXIA E TRATAMENTO DE INFECÇÕES ......................44

    2.8 PERFIL DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS..............................47

    2.9 EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR.........................................................................50

    3 MATERIAIS E MÉTODOS .............................. .......................................................53

    3.1 AMOSTRAS BACTERIANAS..............................................................................53

    3.1.1 Histórico Clínico dos Pacientes ........................................................................53

    3.1.2 Aspectos Éticos................................................................................................54

    3.2 MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO BACTERIANA................................................54

    3.3 TESTE DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS...............................55

    3.4 PESQUISA DOS FENÓTIPOS DE RESISTÊNCIA MLSB ...................................56

    3.5 DETERMINAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA ........................58

    3.5.1 Agentes Antimicrobianos Utilizados .................................................................58

    3.5.2 Diluição do Antimicrobiano para o Preparo das Placas de Ágar Müeller-Hinton

    Suplementadas ................................................................................................60

  • 3.5.3 Preparo das Placas de Müeller-Hinton Suplementadas ...................................61

    3.5.4 Preparo do Inóculo Bacteriano .........................................................................61

    3.5.5 Inoculação Bacteriana em Ágar .......................................................................62

    3.5.6 Interpretação da Concentração Inibitória Mínima.............................................63

    3.6 CLASSIFICAÇÃO SOROLÓGICA DE Streptococcus agalactiae

    (SOROTIPAGEM) ...............................................................................................63

    3.6.1 Preparo do Extrato Bacteriano .........................................................................64

    3.6.2 Preparo das Placas de Gel de Agarose para a Imunodifusão Radial...............64

    3.7 MÉTODOS MOLECULARES ..............................................................................65

    3.7.1 Eletroforese em Gel de Campo Pulsado (PFGE) .............................................65

    3.7.1.1 Preparo dos Blocos com DNA.......................................................................66

    3.7.1.2 Clivagem do DNA com Enzima de Restrição ................................................67

    3.7.1.4 Análise dos Padrões Moleculares .................................................................68

    3.7.2 PCR para Detecção dos Genes de Resistência aos Macrolídeos....................68

    3.7.2.1 Extração do DNA...........................................................................................69

    3.7.2.2 Amplificação ..................................................................................................69

    3.8 MÉTODOS ESTATÍSTICOS ...............................................................................70

    4 RESULTADOS....................................... ................................................................71

    4.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DAS AMOSTRAS DE S. agalactiae .....................71

    4.2 ANÁLISE DO HISTÓRICO CLÍNICO DOS PACIENTES ....................................76

    4.3 TESTE DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS E CONCENTRAÇÃO

    INIBITÓRIA MÍNIMA ...........................................................................................80

    4.3.1 Detecção dos fenótipos de resistência MLSB ...................................................81

    4.4 CARACTERIZAÇÃO SOROLÓGICA DOS ISOLADOS DE S. agalactiae...........83

    4.5 CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS CLÍNICOS DE

    S. agalactiae........................................................................................................87

    4.5.1 Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) para detecção de genes de

    resistência tipo MLSB .......................................................................................88

    4.5.2 Eletroforese em Gel de Campo Pulsado (PFGE) .............................................89

    5 DISCUSSÃO ..........................................................................................................94

    5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ..............................................................................94

    5.2 PERFIL DE SUSCETIBILIDADE DE AMOSTRAS CLÍNICAS DE S. agalactiae

    ISOLADAS EM TRÊS HOSPITAIS DE CURITIBA..............................................98

  • 5.3 DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae ISOLADOS DE DIVERSOS

    MUNICÍPIOS DO ESTADO DO PARANÁ.........................................................103

    5.4 EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR DE ISOLADOS CLÍNICOS DE S. agalactiae 105

    6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ....................................................108

    6.1 HISTÓRICO CLÍNICO DOS PACIENTES.........................................................108

    6.2 PERFIL DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS............................108

    6.3 DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS..................................................................108

    6.4 EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR.......................................................................109

    6.5 PERSPECTIVAS FUTURAS.............................................................................109

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ..............................................110

    APÊNDICES ...........................................................................................................128

    ANEXOS .................................................................................................................139

  • 20

    1 INTRODUÇÃO

    Durante quatro décadas, Streptococcus agalactiae ou estreptococos do

    grupo B (EGB) tem sido descrito como um importante patógeno em infecções

    invasivas perinatais e neonatais, ocasionando pneumonia, septicemia e meningite.

    Além dessas doenças, em gestantes EGB pode causar infecção urinária,

    corioamnionite, endometrite puerperal e contribuir para promover abortamento e

    prematuridade (GIBBS et al., 2004). Na última década, EGB também se tornou

    relevante patógeno em adultos não gestantes, particularmente em pacientes senis

    ou com condições debilitantes significativas, causando infecções de pele e tecidos

    moles, bacteremia, infecção genitourinária, pneumonia, peritonite, meningite,

    osteomielite e artrite séptica (FARLEY, 2001).

    As infecções perinatais por EGB, em aproximadamente 80% dos casos, são

    adquiridas durante o parto por transmissão vertical do microrganismo, o qual pode

    colonizar mucosas anogenitais em 10 a 40% das mulheres saudáveis (GIBBS et al.,

    2004). Apesar da profilaxia antimicrobiana intraparto, em gestantes colonizadas, ter

    sido recomendada desde 1996, nos EUA projetou-se que EGB possa ter causado

    perto de 2.700 casos de infecção e 100 óbitos em recém-nascidos dos primeiros

    meses de vida, em 2005 (PHARES et al., 2008). No Brasil e em países da América

    Latina, o perfil epidemiológico dessa doença é pouco conhecido, o que torna

    necessária a implantação de programas de vigilância, e consequentemente, a

    divulgação dessas informações à comunidade.

    Além de ser considerado um patógeno potencial em seres humanos,

    S. agalactiae também é conhecido como uma das principais causas de mastite

    bovina e pode promover infecção ou colonização em outros animais como ovinos,

    suínos, caninos, felinos, roedores, rãs e até peixes (ELLIOTT et al., 1990;

    LAMMLER et al., 1998).

    S. agalactiae permanece universalmente sensível a penicilina, por isso esse

    antimicrobiano continua sendo a primeira escolha para o tratamento e prevenção

    das infecções causadas por esse microrganismo. Entretanto, aos pacientes que

    podem desenvolver reações adversas aos beta-lactâmicos, eritromicina e

    clindamicina são recomendados (SCHRAG et al., 2002). Estudos prévios têm

  • 21

    relatado o aumento da resistência a macrolídeos, lincosamidas e estreptograminas B

    (MLSB), sendo que dependendo da região geográfica pode ocorrer variabilidade nas

    taxas dessa resistência (DE AZAVEDO et al., 2001). Entre os mecanismos de

    resistência MLSB mais comumente encontrados estão a modificação ribossomal

    através de metilases e a bomba de efluxo codificadas por genes erm e mef,

    respectivamente. Essa resistência pode ser expressa por fenótipos de resistência

    cruzada (constitutivo e induzível) ou restrita aos macrolídeos (DESJARDINS et al.,

    2004; LAMBERT, 2005).

    Com o advento da profilaxia contra EGB, o uso de antimicrobianos tem

    aumentado a preocupação quanto às mudanças no seu perfil de resistência e à

    emergência de outros patógenos perinatais (LINDAHL et al., 2005). Diante desse

    cenário surge o estímulo à busca de novas medidas preventivas, como o

    desenvolvimento de vacinas. Inúmeras pesquisas estão sendo voltadas à procura de

    componentes bacterianos efetivos na formulação dessas vacinas e em EGB,

    polissacarídeos capsulares e proteínas de superfícies têm-se apresentado como

    boas opções. Atualmente, nove sorotipos diferentes de EGB são descritos (Ia, Ib, II,

    III, IV, V, VI, VII e VIII) e a diferenciação entre eles tem sido relevante à investigação

    epidemiológica, pelo fato da distribuição variar de acordo com a região geográfica,

    origem étnica, patologia desenvolvida, perfil de resistência aos antimicrobianos e até

    período de isolamento (SCHUCHAT, 1998).

    A falta de informações a respeito das características de EGB pertencentes à

    população em estudo, especialmente quanto ao perfil de resistência e sorotipos,

    motivou o interesse à pesquisa. Conhecer o microrganismo foi considerado

    fundamental para analisar sua dinâmica de infecção e colonização, além de auxiliar

    na implantação de medidas profiláticas eficientes. Estratégias competentes de

    prevenção às infecções por EGB promoveriam a diminuição direta de custos com

    tratamento e hospitalização, melhorando o prognóstico e a sobrevida dos pacientes.

  • 22

    1.1 OBJETIVOS

    1.1.1 Objetivo Geral

    Caracterizar fenotipicamente e genotipicamente isolados clínicos de

    Streptococcus agalactiae de hospitais de Curitiba.

    1.1.2 Objetivos Específicos

    • Investigar achados clínicos relacionados à ocorrência de processo infeccioso

    ou colonização por S. agalactiae, distinguindo-os entre grupos de pacientes

    (gestantes, não gestantes e recém-nascidos). Comparar grupos de recém-

    nascidos que apresentaram e não apresentaram o isolamento de

    S. agalactiae, quanto às variáveis clínicas relevantes.

    • Pesquisar os sorotipos de S. agalactiae pelo método de imunodifusão radial.

    • Avaliar o perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos através dos métodos de

    disco-difusão e diluição em ágar.

    • Caracterizar a resistência macrolídeo-lincosamida-estreptogramina do grupo

    B (MLSB) pelos métodos fenotípico (Teste D) e genotípico (PCR).

    • Avaliar a diversidade genética pela técnica de Eletroforese em Campo

    Pulsado (PFGE - Pulsed Field Gel Electrophoresis), relacionando-a com

    sorotipo e perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos.

  • 23

    2 REVISÃO DE LITERATURA

    2.1 HISTÓRICO

    Streptococcus agalactiae ou estreptococos do grupo B (EGB; também GBS,

    de Group B Streptococcus) foi descrito pela primeira vez em 1887 por Nocard e

    Mollereau como Streptococcus de la mammite, isto é, um patógeno da mastite

    bovina (NOCARD; MOLLEREAU, 1887, apud BISHARAT et al., 2004). Desde então,

    a classificação taxonômica da espécie foi modificada em vários momentos, mas em

    1896 Lehmann e Neumann denominaram definitivamente a espécie como

    Streptococcus agalactiae (BUCHANAN; GIBBONS, 1974).

    Somente 50 anos depois, por volta de 1930, esse microrganismo foi

    relacionado à colonização e a infecções humanas. A colonização foi descrita a partir

    de isolados de cultura de secreção vaginal (LANCEFIELD, 1935) e infecções foram

    relatos de septicemia puerperal e bacteremia (FRY, 1938; RANTZ; KIRBY, 1942).

    Nas décadas de 1960 e 1970, EGB apareceu como importante agente

    etiológico de doença neonatal, tornando-se a principal causa de morbidade e

    mortalidade de recém-nascidos nos Estados Unidos (BAKER et al., 1973; BARTON;

    FEIGIN; LINS, 1973; FRANCIOSI; KNOSTMAN; ZIMMERMAN, 1973;

    MCCRACKEN, 1973). Com a emergência desse problema, vários estudos passaram

    a ser realizados, fundamentalmente no âmbito da investigação epidemiológica,

    clínica, microbiológica e profilática da doença. Baseada nesses estudos, a

    comunidade científica representada pelo Centers for Disease Control and Prevention

    (CDC), o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) e a

    American Academy of Pediatrics (AAP) reuniram-se e, em 1996, apresentaram as

    diretrizes de prevenção à doença perinatal causada por EGB.

    Países da América do Norte e Europa, essencialmente, realizaram estudos

    de vigilância e de implementação das estratégias de prevenção, com o objetivo

    principal de verificar a eficácia das diretrizes de 1996. Com os resultados desses

    estudos, as diretrizes foram reformuladas em 2002 e atualmente auxiliam na prática

    clínica.

  • 24

    2.2 CARACTERÍSTICAS MICROBIOLÓGICAS

    2.2.1 Taxonomia

    O gênero Streptococcus pertence ao filo Firmicute, classe Bacilli, ordem

    Lactobacillales e família Streptococcaceae. Essa família também inclui os gêneros

    Lactococcus e Lactovum (MATTHIES et al., 2004). Atualmente, o gênero

    Streptococcus contém 90 espécies e 17 subespécies, sendo distribuídas em

    linhagens de origem animal e humana (GARRITY, 2008).

    A taxonomia de estreptococos admitiu inúmeras modificações nos últimos

    anos, principalmente devido aos avanços na tecnologia molecular, como exemplo, o

    sequenciamento do gene do RNAr 16S (FACKLAM, 2002).

    2.2.2 Aspectos Gerais do Gênero Streptococcus

    Apesar dos avanços da biologia molecular para melhor reconhecimento das

    linhagens bacterianas, a diferenciação fenotípica clássica de estreptococos,

    baseada na reação de hemólise, tamanho de colônia e presença de diferentes

    carboidratos de superfície, segundo classificação de Lancefield, ainda tem grande

    valor à microbiologia clínica.

    De maneira geral, estreptococos de importância clínica em humanos podem

    ser divididos em dois grandes grupos: estreptococos piogênicos e estreptococos não

    piogênicos ou do grupo viridans. Esse último grupo pode ainda ser subdividido em

    (1) estreptococos do grupo S. mitis, onde se encontra S. pneumoniae; (2)

    estreptococos do grupo S. anginosus; (3) estreptococos do grupo S. mutans; (4)

    estreptococos do grupo S. bovis e (5) estreptococos do grupo S. salivarius

    (SPELLERBERG; BRANDT, 2007). A divisão seguindo a reação de hemólise

    (estreptococos beta, alfa e não hemolíticos) não é distintiva entre os grupos, já que

    dentro deles existem espécies apresentando diferentes reações de hemólise.

    Estreptococos são células gram positivas esféricas ou ovóides de 0,5 a 2,0

    µm de diâmetro e ocorrem aos pares ou cadeias quando crescem em meio líquido.

    Não são móveis, não formam esporos e são catalase negativa, isto é, não reagem

  • 25

    com peróxido de hidrogênio a 3%. Algumas espécies podem se apresentar

    encapsuladas, como exemplo S. pneumoniae. São anaeróbios facultativos e

    algumas espécies necessitam de 5% de CO2. São quimiotrópicos, ou seja, não são

    capazes de realizar o metabolismo respiratório, já que não possuem as condições

    para efetuar a fosforilação oxidativa por meio da cadeia transportadora de elétrons.

    O crescimento é geralmente restrito à temperatura de 25 a 45 °C, mas a temperatura

    ótima é de 37 °C. Possuem um metabolismo fermentati vo, produzindo a partir de

    carboidratos o ácido lático, mas não gás; e requerem um meio de cultivo rico com

    adição de sangue ou soro (HOLT; KRIEG; SNEATH, 1994; SPELLERBERG;

    BRANDT, 2007).

    Espécies de estreptococos comumente lisam ou não hemácias, produzindo

    no meio de cultivo contendo sangue de carneiro ou cavalo uma hemólise parcial

    (produção de uma coloração verde ao redor da colônia, chamada alfa-hemólise) ou

    uma hemólise total (formação de uma zona clara ao redor da colônia, chamada beta-

    hemólise). As espécies beta-hemolíticas, na maioria pertencente ao grupo piogênico,

    podem ser classificadas conforme o tipo de polissacarídeo presente na parede

    celular do microrganismo. Rebecca Lancefield (1933), trabalhando com testes de

    precipitação e anti-soros, conseguiu distribuir primeiramente essas espécies em

    sorogrupos A, B, C, D e E (LANCEFIELD, 1933). Mais tarde, outros grupos foram

    observados e denominados F, G, H, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V. Dentro

    desses grupos algumas espécies são alfa-hemolíticas e outras não-hemolíticas

    (FACKLAM, 1995). Estreptococos beta-hemolíticos podem ainda ser denominados

    de forma mais simplificada em estreptococos de colônia pequena (0,5 mm), englobando as

    demais espécies (SPELLERBERG; BRANDT, 2007).

    2.2.3 Características Microbiológicas da Espécie Streptococcus agalactiae

    Streptococcus agalactiae (EGB) é a única espécie pertencente ao sorogrupo

    B de Lancefield e está agrupada entre as espécies de estreptococos piogênicos.

    Sua identificação presuntiva é verificada pela caracterização morfocolonial típica,

    aparecendo cinza, com colônias grandes, circulares e levemente brilhantes em meio

    de cultivo contendo sangue. A maioria das cepas apresenta uma beta-hemólise

  • 26

    discreta ao redor das colônias, mas pode exibir ausência de hemólise, também

    chamada de gama-hemólise, o que possibilita uma confusão com espécies de

    Enterococcus (SPELLERBERG; BRANDT, 2007).

    EGB tem a habilidade de crescer em atmosferas aeróbia, microaerófila (5%

    de CO2) e anaeróbia. A seguir, a TABELA 1 mostra algumas características

    fenotípicas de EGB quanto ao perfil bioquímico da espécie.

    TABELA 1 – CARACTERÍSTICAS BIOQUÍMICAS FENOTÍPICAS DE S. agalactiae

    PROVAS BIOQUÍMICAS PERFIL BIOQUÍMICO

    Fator CAMP(1) (+)

    Bacitracina resistente (+)

    Hidrólise de hipurato de sódio (+)

    PYR(2) (-)

    Hidrólise de arginina (+)

    Hidrólise de esculina (-)

    Ribose (acidificação) (+)

    Trealose (acidificação) (+)

    Inulina (acidificação) (-)

    Manitol (acidificação) (-)

    Rafinose (acidificação) (-)

    Sorbitol (acidificação) (-)

    Lactose (acidificação) (v)

    Salicina (acidificação) (v)

    VP(3) (+)

    Crescimento a 45°C (-)

    NaCl a 6,5% (v)

    40% de bile (v)

    FONTE: Adaptado de Bergey's Manual of Determinative Bacteriology (1994). NOTA: Símbolos – (+), positivo; (-), negativo; (v), variável (21-79%). (1) Reação do fator CAMP (Christie, Atkins e Munch-Petersen, 1944) refere-se à lise sinérgica de eritrócitos pela beta-hemolisina de S. aureus e a proteína extracelular CFB de S. agalactiae. (2) Verifica a presença da enzima pirrolidonil aminopeptidase. (3) Teste de Voges-Proskauer (formação de acetoína a partir da fermentação de glicose).

    Conforme demonstrado na TABELA 1, existem várias provas bioquímicas

    para a identificação fenotípica de EGB, entretanto, na prática da microbiologia

    clínica, a observação da morfologia colonial por um microbiologista experiente e a

  • 27

    prova do fator CAMP são opções suficientes para a identificação presuntiva da

    espécie.

    Nesse contexto, a escolha do teste da bacitracina, da prova da hidrólise do

    hipurato de sódio, dos testes que verificam o crescimento bacteriano em meio de

    tolerância ao sal (NaCl a 6,5%) e em 40% de bile ou o teste PYR, além da prova do

    fator CAMP, representam o melhor conjunto de testes que suprimem possibilidades

    de identificação errônea com outras espécies de estreptococos. Os testes

    sorológicos ou imunoensaios disponíveis comercialmente, os quais detectam os

    sorogrupos de Lancefield por aglutinação de partículas de látex ligadas a anticorpos

    e antígenos específicos, também são excelentes para uma confirmação rápida do

    grupo ao qual pertence o estreptococo beta-hemolítico em identificação

    (SPELLERBERG; BRANDT, 2007).

    Existe uma espécie de estreptococo beta-hemolítico comumente isolada de

    animais, designada S. porcinus (Grupos E, P, U e V de Lancefield). Essa espécie

    raramente tem sido identificada em humanos, mas há relatos do seu isolamento em

    sangue, ferida e secreção vaginal (FACKLAM et al., 1995). S. porcinus pode ser

    erroneamente identificada como S. agalactiae, já que pode ser isolado do trato

    genital feminino e apresenta reação positiva à prova do fator CAMP, além de reação

    falso-positiva com anti-soro do grupo B disponível em kits comerciais. A hidrólise do

    hipurato de sódio pode contribuir parcialmente na diferenciação das espécies,

    contudo o teste PYR corrobora em 100% de distinção, visto que S. porcinus é PYR

    positivo (FACKLAM et al., 1995).

    2.3 PATOGÊNESE

    S. agalactiae foi primeiramente identificado como patógeno de origem

    animal, especificamente de bovinos. Desde sua descrição em 1887, esse

    microrganismo apareceu como agente etiológico de doenças e colonização em

    outros animais como ovelhas, cabras, suínos, caninos, felinos, roedores, rãs e até

    peixes (ELLIOTT et al., 1990; LAMMLER et al., 1998). A partir de 1930 foi relatado

    como patógeno e colonizante de seres humanos.

  • 28

    Durante as três últimas décadas, S. agalactiae emergiu como um relevante

    agente etiológico de doenças humanas e passou a ser comumente associado a

    infecções invasivas no período perinatal e neonatal, ocasionando septicemia,

    pneumonia, meningite e endocardite (SCHUCHAT, 1998, 1999; LINDAHL et al.,

    2005). Um fato interessante é que as infecções por S. agalactiae ocorrem em certos

    grupos populacionais, além do recém-nascido. Esse microrganismo também é

    considerado um importante patógeno em gestantes, visto que pode contribuir na

    gênese do abortamento, prematuridade, infecção do trato urinário, corioamnionite e

    endometrite puerperal (GIBBS et al., 2004; LINDAHL et al., 2005). Outro grupo

    populacional susceptível a infecções por EGB que ascendeu nos últimos anos é o

    dos adultos, geralmente com idade superior a 65 anos, imunocomprometidos ou que

    apresentam co-morbidades como diabetes mellitus, neoplasias malignas, doença

    hepática, danos neurológicos, alcoolismo ou HIV. A gama de infecções nesse perfil

    de pacientes inclui infecções de pele e tecidos moles, bacteremia sem foco definido,

    infecção do trato genital e urinário, pneumonia, peritonite, meningite, endocardite,

    osteomielite e artrite séptica (FARLEY, 1995, 2001; PHARES et al., 2008).

    Subtraindo esses grupos susceptíveis, a prevalência de infecções por S. agalactiae

    não é muito preocupante, visto que esse microrganismo pode se apresentar apenas

    como colonizante do trato genital e urinário, já que pertence a microbiota do trato

    gastrintestinal, seu principal reservatório. No entanto, se ocorrer colonização no

    grupo das gestantes, esse microrganismo torna-se extremante relevante, motivo

    pelo qual esse é o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença

    invasiva neonatal (SCHUCHAT, 1996; GIBBS et al., 2004).

    A colonização por EGB pode ser transitória, crônica ou intermitente.

    Diversos estudos mostram variações na taxa de colonização em gestantes de 10 a

    40% das culturas do trato genital e anorretal. Não só nessa população, mas também

    crianças, mulheres não-grávidas e homens podem ser colonizados por esse

    microrganismo, principalmente no trato urogenital, pele e faringe (GIBBS et al.,

    2004).

    As infecções neonatais podem apresentar duas manifestações clínicas

    diferentes: a doença de início precoce e a de início tardio. De forma geral, essas

    manifestações diferem quanto à apresentação clínica, prognóstico, características

    epidemiológicas e patogênese. A infecção de início precoce é a manifestação mais

    comum e é caracterizada pelo desenvolvimento de septicemia e pneumonia nos

  • 29

    primeiros sete dias de vida. A patogênese dessa doença inicia-se pela exposição do

    neonato ao microrganismo S. agalactiae antes ou depois do nascimento. De maneira

    geral, a infecção pode ocorrer de duas formas principais: durante a passagem do

    recém-nascido pelo canal vaginal materno, ficando exposto à colonização por EGB,

    ou por ascensão dessa bactéria pelo trato genital ao líquido amniótico, através da

    ruptura das membranas fetais. No líquido amniótico o microrganismo se multiplica e

    inicia uma colonização no trato respiratório do feto. Com isso pode desenvolver

    pneumonia, o que possibilita a disseminação da bactéria à corrente sanguínea,

    permitindo sua invasão em múltiplos tecidos e resultando em manifestações como

    meningite e osteomielite (RUBENS et al., 1991; LINDAHL et al., 2005). É importante

    ressaltar que alguns estudos afirmaram que esse foco infeccioso no líquido

    amniótico também pode ocorrer através de membranas fetais intactas (KATZ;

    BOWES, 1988; GIBBS et al., 2004). Já a infecção de início tardio ocorre entre sete

    dias e três meses de idade, sendo mais comum meningite e septicemia (GIBBS et

    al., 2004). A patogênese dessa infecção é pouco conhecida, principalmente porque

    pode afetar neonatos nascidos após um período gestacional normal (SCHUCHAT,

    2001), porém se afirma que tanto a transmissão vertical (materno-infantil) quanto a

    transmissão horizontal (profissionais de saúde) sejam prováveis focos dessa doença

    (LINDAHL et al., 2005). Geralmente, essa infecção apresenta menor taxa de

    mortalidade (2 a 6%), porém alta morbidade, visto que 25 a 50% dos sobreviventes

    desenvolvem sequelas neurológicas permanentes, cegueira, surdez, hidrocefalia e

    perda da audição (TUROW, 2000).

    Alguns fatores de risco maternos aumentam a probabilidade de infecção. O

    fator mais importante é a colonização por EGB, principalmente entre a 35ª e 37ª

    semanas de gestação (GIBBS et al., 2004). Além desse fator, incluem-se mulheres

    negras, idade jovem (menor que 20 anos), histórico de filho com doença invasiva por

    EGB, aborto espontâneo, múltiplas gestações, bacteriúria por EGB durante a

    gestação, filho de baixo peso, trabalho de parto prematuro (menos de 37 semanas),

    ruptura prolongada de membranas antes do trabalho de parto e do parto (superior ou

    igual a 18 horas), monitoramento intra-uterino prolongado, corioamnionite, febre

    intraparto superior ou igual a 38 °C e baixos nívei s de anticorpos maternos contra

    polissacarídeos capsulares ou proteínas superficiais (GIBBS et al., 2004; LINDAHL

    et al., 2005).

  • 30

    Geralmente, a ocorrência de infecções estreptocócicas invasivas depende

    de características bacterianas, como a capacidade de produzir fatores de virulência

    e das condições do hospedeiro, como a deficiência do sistema imune ou a falta de

    anticorpos contra a bactéria como resposta da imunidade adaptativa. Assim como

    outras espécies de estreptococos, S. agalactiae é extremamente hábil em colonizar

    e causar infecções em seu hospedeiro. Isso se deve a sua eficiência em realizar os

    mecanismos essenciais da patogênese: adesão a superfícies teciduais e mucosas;

    competição com a microbiota; invasão, principalmente no epitélio alveolar e

    endotelial e multiplicação no sítio de infecção. Conforme supracitado, toda essa

    habilidade de S. agalactiae decorre de sua capacidade em produzir diversos fatores

    de virulência, sendo os mais estudados, a cápsula, a proteína ligadora de laminina,

    as proteínas alfa e beta, as proteínas ligadoras de fibronectina, a C5a peptidase, as

    proteínas superficiais ancoradas à LPXTG (domínio protéico altamente conservado),

    a hialuronidase e a hemolisina (CylE) (MITCHELL, 2003) (FIGURA 1).

    S. agalactiae, além de ser classificado dentro do grupo B de Lancefield,

    pode ser subdividido em sorotipos de acordo com o tipo imunogênico apresentado

    pelos polissacarídeos capsulares dos isolados. A cápsula é um importante fator de

    virulência de EGB, visto que apresenta função antifagocítica. Ou seja, é um

    elemento que confere proteção ao microrganismo contra a deposição de fragmentos

    opsonizantes C3b do sistema complemento, os quais sinalizam a migração de

    células de defesa do sistema imune ao sítio de infecção (MARQUES et al., 1992).

    Além da cápsula, algumas proteínas superficiais são consideradas

    relevantes fatores de virulência. A proteína ligadora de laminina (Lmb), codificada

    pelo gene lmb, é uma lipoproteína similar a adesinas (estruturas ligantes à matrix

    extracelular). Alguns pesquisadores relataram a importância direta ou indireta dessa

    proteína na dinâmica de colonização e invasão de EGB. Porém, nem todos os

    isolados de S. agalactiae expressam essa proteína. (SPELLERBERG et al., 1999;

    LINDAHL et al., 2005).

    O primeiro antígeno de superfície identificado em S. agalactiae foi o antígeno

    C, antes designado Ic e atualmente reconhecido como uma fração protéica presente

    em alguns sorotipos. Com a caracterização do antígeno C, foi verificado que essa

    proteína superficial é composta por outros dois componentes protéicos não

    relacionados, as proteínas alfa e beta, que também compõem a gama de fatores de

    virulência de EGB. O papel da proteína alfa na patogênese é pouco conhecido,

  • 31

    havendo relatos de que a inibição do gene que codifica o antígeno alfa-C atenua a

    virulência de EGB (MITCHELL, 2003) e que há participação dessa proteína na

    indução da resposta imune no hospedeiro (LINDAHL et al., 2005). Já a proteína beta

    interage com diferentes componentes do sistema imune, IgA-Fc sérica e fator H

    (uma proteína reguladora da via alternativa do sistema complemento), contribuindo

    com mecanismos de escape do patógeno frente ao sistema imune do hospedeiro.

    Pesquisadores ainda sugerem que a proteína beta também apresente propriedade

    imunogênica (LINDAHL et al., 2005).

    FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO DOS PRINCIPAIS FATORES DE VIRULÊNCIA DE S. agalactiae

    FONTE: Adaptado de MITCHELL, T. J. (2003) NOTA: Lmb representa uma proteína ligadora de laminina1, ancorada a proteínas transportadoras da família ABC. PavA-like e FbsA representam proteínas ligadoras de fibronectina2. (1) Lipoproteína componente da membrana basal. (2) Glicoproteína que auxilia a adesão das células do hospedeiro à matriz extracelular.

    O componente alfa é codificado pelo gene bca e pode variar quanto à

    quantidade de cadeias polipeptídicas constituintes. O gene bac codifica o

    componente beta, expresso como uma proteína ancorada à peptideoglicana através

    de um motif denominado LPXTG (MITCHELL, 2003; DORAN; NIZET, 2004).

  • 32

    A função das proteínas ligadoras de fibronectina (FBP) na virulência de

    S. agalactiae tem sido relacionada à invasão do microrganismo (GUTEKUNST et al.,

    2004). Existem diversas FBPs no genoma de EGB, a exemplo de uma delas

    encontra-se a proteína ligadora de fibronectina FbsA, a qual se afirma contribuir na

    resistência à fagocitose, já que protege EGB da opsonização (MITCHELL, 2003;

    LINDAHL et al., 2005).

    Ainda quanto às proteínas de superfície representantes de virulência,

    S. agalactiae possui uma proteína com atividade enzimática: a C5a peptidase

    (ScpB). Essa enzima, codificada pelo gene cromossomal scpB, é uma serino-

    protease capaz de clivar o fator C5a do sistema complemento, o qual é responsável

    pelo recrutamento de neutrófilos ao sítio infeccioso (CHMOURYGUINA et al, 1996;

    MITCHELL, 2003). Estudos apontaram ainda que a C5a peptidase pode se ligar à

    fibronectina e que colabora com a adesão e invasão de células epiteliais (CHENG et

    al., 2002). Outro fator de virulência com atividade enzimática secretado por EGB é a

    hialuronidase, que se constitui em uma proteína com atividade hidrolítica sobre o

    ácido hialurônico, um polímero importante de glicosaminoglicana encontrado na

    matriz extracelular de tecidos animais. Afirma-se que essa degradação facilita a

    disseminação do patógeno pelo tecido e fornece nutrientes após a lise do ácido

    hialurônico. A hialuronidase é codificada pelo gene hyl, expressa em altos níveis em

    amostras do sorotipo III e em isolados de infecções invasivas (HYNES; WALTON,

    2000).

    Outro fator de virulência relevante em S. agalactiae é a hemolisina (CylE),

    proteína responsável pela reação de beta-hemólise de EGB em meio de ágar

    sangue. Afirma-se que a produção de hemolisina esteja associada à invasão e

    lesões no epitélio pulmonar (NIZET et al., 1996) e endotelial (GIBSON et al., 1999).

    Além disso, CylE pode estimular a produção de óxido nítrico em macrófagos (RING

    et al., 2000), a apoptose dessas células (HENNEKE et al., 2002), a liberação de

    interleucina-8 e a hipotensão arterial (DORAN et al., 2002). A ação citolítica e pró-

    inflamatória de EGB pode ser inibida pelo principal componente do surfactante

    pulmonar, a dipalmitoil fosfatidilcolina, o que pode explicar, em parte, a maior

    suscetibilidade do prematuro à doença invasiva, já que este possui esta substância

    em menor quantidade (DORAN et al., 2002). Ressalta-se também que algumas

    estirpes bacterianas de EGB não produzem beta-hemólise e geralmente são

    isoladas de bovinos. Outro fator que pode contribuir com a invasão celular é o

  • 33

    chamado fator CAMP, uma proteína extracelular que forma poros e provoca lise de

    membranas celulares do hospedeiro (SPELLERBERG, 2000).

    Um aspecto importante e que confere grande virulência é a evasão

    imunológica, ou seja, a presença de mecanismos que dificultam o reconhecimento

    de EGB pelo hospedeiro. A capacidade de sobreviver por longos períodos dentro de

    lisossomas de macrófagos, a produção da enzima superóxido-dismutase e de um

    pigmento carotenóide, que protegem contra o estresse oxidativo e a inibição da

    atividade do sistema complemento, reduzem ainda mais a capacidade de

    reconhecimento e ativação dos mecanismos de defesa do hospedeiro,

    especialmente de recém-nascidos prematuros (SPELLERBERG, 2000).

    Assim como em outras espécies de estreptococos, principalmente

    S. pyogenes e S. pneumoniae, o arsenal de virulência de S. agalactiae é completo,

    extremamente evoluído e competente para causar infecções graves, especialmente

    em indivíduos que não disponham de um sistema imune maduro e adequado.

    Entretanto, ainda há necessidade de muitos estudos para melhor elucidar os

    mecanismos e funções desse arsenal.

    2.4 EPIDEMIOLOGIA: UMA VISÃO MUNDIAL

    A emergência de graves infecções perinatais por S. agalactiae na década de

    1970 instigou a realização de inúmeros estudos, principalmente em busca de

    estratégias de prevenção. Em vista disso, em 1996 foi publicado pelo CDC um

    consenso das primeiras diretrizes de prevenção.

    Durante as décadas de 1980 e 1990, a grande maioria dos estudos

    realizados nessa temática introduzia-se da mesma forma: “Estreptococos do grupo B

    é a principal causa de infecções neonatais no mundo”. Após anos de pesquisa

    atribuídos ao tema e à atualização das estratégias de prevenção, o questionamento

    tornou-se evidente: “S. agalactiae continua sendo a causa principal de septicemia e

    meningite em neonatos”?

    Pesquisadores norte-americanos possuem um sistema bem desenvolvido de

    vigilância denominado Active Bacterial Core surveillance (ABCs), pertencente ao

    Programa Rede de Infecções Emergentes, o qual tem colaboração do CDC, das

  • 34

    secretarias estaduais de saúde e de universidades de dez estados dos EUA. Esse

    sistema ABCs recentemente permitiu um estudo realizado por Phares e

    colaboradores (2008), o qual revelou o perfil estatístico das infecções por

    S. agalactiae nos EUA durante o período de 1999-2005. Essa pesquisa estimou a

    ocorrência de incidência de 7,2 casos para cada 100.000 pessoas, em 2005, sendo

    estimado ainda, que EGB possa ter causado 21.500 casos de doença e 1.700

    mortes nesse mesmo ano.

    2.4.1 Infecções por S. agalactiae em neonatos

    Após a aplicação das primeiras diretrizes de prevenção, a incidência da

    doença de início precoce nos EUA diminuiu aproximadamente 68%; de 1,7 casos

    por 1.000 nascimentos em 1993 para 0,6 casos por 1.000 nascimentos em 1998

    (SCHRAG et al., 2000; 200b). Com a implantação do consenso de 2002, a

    incidência passou a ser de 0,34 casos por 1.000 nascimentos em 2003-2005

    (PHARES et al., 2008). Apesar da incidência dessa doença ter diminuído

    S. agalactiae ainda permanece como importante causa de infecção neonatal nos

    EUA, principalmente pelo fato de que esse decréscimo não vem ocorrendo

    gradativamente e aumentos sutis na incidência foram observados nos últimos anos

    de estudo (PHARES et al., 2008).

    Outro resultado interessante revelou que a incidência da doença foi maior

    entre os recém-nascidos negros, fato que confirma a continuidade desse fator de

    risco. Além disso, a maioria dos recém-nascidos que adquiriu infecção nasceu

    prematura e apresentou septicemia (PHARES et al., 2008). Mulheres negras exibem

    uma colonização vaginal e anorretal por EGB mais densa, o que poderia explicar o

    aumento do risco e da incidência de infecção nesse grupo. Os recém-nascidos

    prematuros, principalmente de idade gestacional igual ou inferior a 34 semanas,

    mostram-se mais susceptíveis à infecção devido ao fato de que o transporte

    transplacental de imunoglobulinas classe G maternos apresenta-se reduzido no

    período gestacional precoce (SCHUCHAT, 1998).

    A doença neonatal de início tardio demonstra maior complexidade. Apesar

    de incomum sua incidência continua estável, apresentando uma taxa média de 0,34

    casos por 1.000 nascimentos (2003-2005), similar a doença de início precoce

  • 35

    (PHARES et al., 2008). A análise de taxas de incidência em estudos a partir de 1990

    sugere que a estratégia de prevenção utilizada na doença de início precoce, isto é, a

    terapia antimicrobiana intraparto, não previne a doença de início tardio (SCHRAG et

    al., 2000).

    A meningite continua sendo a principal manifestação clínica da infecção

    neonatal tardia e os recém-nascidos pré-termos também são os alvos mais

    incidentes dessa infecção (PHARES et al., 2008).

    2.4.2 Infecções por S. agalactiae em parturientes

    Estudos internacionais demonstram que as infecções em gestantes

    apresentaram um declínio sutil desde a implantação das estratégias de prevenção:

    de 0,29 casos por 1.000 nascimentos (SCHRAG et al., 2000) para 0,11 a 0,14 casos

    por 1.000 nascimentos (PHARES et al., 2008). O maior número dos casos de

    infecção por EGB em parturientes foi associado ao trato genital superior, placenta ou

    saco amniótico, resultando em morte fetal (PHARES et al., 2008). O aborto

    espontâneo mostrou-se o principal evento obstétrico em consequência da infecção

    (PHARES et al., 2008). Além disso, a maioria das gestantes não apresentou co-

    morbidades ou comportamentos de risco (diabetes, obesidade, fumo, uso de álcool e

    drogas de abuso) (PHARES et al., 2008).

    Além de parturientes, as puérperas também podem apresentar septicemia,

    meningite, infecções de ferida cirúrgica, celulite, fasciíte, osteomielite e endocardite

    por EGB (SCHUCHAT, 1998).

    Yancey e colaboradores (1996) realizaram um estudo prospectivo, o qual

    investigou os fatores de risco associados à infecção periparto em uma população de

    gestantes com cultura vaginal para S. agalactiae. A colonização por EGB, a ruptura

    de membranas fetais com duração de mais de seis horas, o monitoramento

    intrauterino sob um período maior que 12 horas e os exames vaginais antecedentes

    ao parto por mais de seis vezes foram as variáveis independentes e de risco para

    corioamnionite reveladas nesse estudo.

  • 36

    2.4.3 Infecções por S. agalactiae em adultos não-gestantes

    O perfil estatístico de infecções por S. agalactiae mais preocupante nos

    últimos anos foi constatado por estudos realizados nos EUA em adultos não-

    gestantes, os quais evidenciaram um aumento de 32% na incidência de infecção

    nessa população no período de 1999-2005, resultando em 7,9 casos por 100.000

    pessoas em 2005. Sabe-se que, as infecções por EGB ocorrem naqueles adultos

    que apresentam certos fatores de risco peculiares, principalmente doenças crônicas

    e faixa etária elevada.

    Estudos de vigilância realizados principalmente nos EUA, em um período

    cronológico de 1991 a 2005, verificaram que houve um aumento gradativo na idade

    média de adultos acometidos pela infecção por EGB, inferindo que a senilidade é um

    importante fator de risco (SCHWARTZ et al., 1991; FARLEY et al., 1993; JACKSON

    et al., 1995; EDWARDS; BAKER, 2005). Além da decrepitude, as co-morbidades

    também são relevantes fatores de risco associados à infecção por EGB. Schwartz e

    colaboradores (1991) e Farley (1993) e colaboradores estimaram que pessoas

    diabéticas ou com neoplasia maligna apresentam maior risco de infecção quando

    comparadas a outros adultos. Entretanto, um achado interessante em ambos os

    estudos mostrou que os adultos com idade entre 20 e 64 anos foram mais

    susceptíveis à infecção do que os adultos com faixa etária mais avançada. E em

    pesquisa mais recente, 88% dos adultos com infecção apresentaram pelo menos

    uma co-morbidade, como diabetes mellitus, doença cardíaca, câncer,

    imunossupressão, obesidade, desordens neurológicas, doenças renais, hepáticas ou

    pulmonares (PHARES et al., 2008).

    No período de 1999-2005, houve um aumento significativo na incidência de

    infecção por EGB em adultos de duas faixas etárias distintas: a) aqueles com idade

    entre 15 e 64 anos, cuja incidência aumentou de 3,4 para 5,0 casos por 100.000

    pessoas; e b) adultos com idade igual ou superior a 65 anos, cujo aumento foi de

    21,5 para 26,0 casos por 100.000 pessoas. Os resultados ainda mostraram que

    esse grupo demonstrou mais suscetibilidade à infecção, já que a taxa de mortalidade

    foi maior, porém o aumento da incidência foi mais significativo em adultos inseridos

    na primeira faixa etária (PHARES et al., 2008).

    Em adultos não-gestantes, a manifestação clínica mais importante é a

    bacteremia sem foco evidente. No entanto, infecções de pele e tecidos moles,

  • 37

    pneumonia, osteomielite, artrite, peritonite, abscesso e vaginite em mulheres

    também são incidentes (PHARES et al., 2008). Pesquisas conduzidas por Farley e

    colaboradores (1993) e Jackson e colaboradores (1995) apontaram que 32% e 26%

    dos pacientes com bacteremia por EGB, respectivamente, também apresentaram

    outro microrganismo isolado do sangue. Entre os microrganismos mais comuns

    foram mencionados estafilococos e enterococos.

    Estudos apontaram que o sexo é uma variável independente, podendo

    homens e mulheres não-gestantes ser igualmente infectados. No entanto, a

    incidência entre os negros mostrou-se particularmente alta (SCHWARTZ et al., 1991;

    FARLEY, 1993, 2001).

    Em um período de sete anos de estudo foi observada uma variabilidade

    sazonal na incidência de infecção por EGB em adultos. Ocorreram aumentos

    periódicos e consideráveis no último mês do verão, além de decréscimos durante a

    estação de inverno de cada ano avaliado (PHARES et al., 2008).

    A gama substancial de trabalhos epidemiológicos de grande impacto

    envolvendo a temática S. agalactiae provém de pesquisadores norte-americanos e

    europeus, uma vez que possuem competentes programas de vigilância e prevenção.

    O aparecimento das infecções por EGB, assim como por outros

    microrganismos, depende consideravelmente de fatores como acompanhamento

    pré-natal, eficácia nos procedimentos de diagnóstico, presença de profissionais

    qualificados, medidas preventivas e intervenções médicas rápidas. Dependendo das

    condições sócio-econômicas e da política de saúde pública adotada pelo país, a

    aplicabilidade desses fatores pode variar entre diferentes instituições e hospitais.

    Essas considerações corroboram numa variabilidade epidemiológica, sobretudo em

    medidas de frequência (prevalência, incidência, morbidade e mortalidade) de cada

    região. Frequentemente se observa que as incidências de infecções por EGB são

    mais elevadas em populações com qualidade de vida precária (SCHUCHAT;

    WENGER, 1994). Além disso, em países que não apresentam programas

    sistemáticos de vigilância, torna-se difícil obter informações epidemiológicas.

    Em comparação com os países desenvolvidos, poucos estudos foram

    realizados em países emergentes e menos desenvolvidos. Apesar das diferenças

    social, cultural, econômica e educacional existentes entre esses países, a avaliação

    da prevalência de colonização por EGB indicou medidas similares de frequência,

    essencialmente quando as metodologias de isolamento e identificação foram

  • 38

    adequadas (WALSH; HUTCHINS, 1989; STOLL; SCHUCHAT, 1998). Ao contrário

    dessa similaridade de colonização, dados de frequência de infecção não têm se

    mostrado semelhantes, sobretudo quando comparados com países menos

    desenvolvidos. Pesquisadores sul-africanos estimaram uma incidência para doença

    neonatal precoce de 2,06 casos por 1.000 nascimentos e de 1,00 casos por 1.000

    nascimentos para doença neonatal tardia, bem como taxas de mortalidade de 19,8%

    e 13,6%, respectivamente (MADHI et al., 2003). Esse cenário confirma que as

    diferenças sócio-econômicas contribuem com resultados epidemiológicos distintos e

    que há necessidade de intervenções médicas, vigilância e estudos nessas regiões.

    2.5 NO BRASIL S. agalactiae É UM PATÓGENO EMERGENTE?

    No Brasil e em países da América Latina há limitada produção científica

    nessa temática. A maioria das pesquisas a respeito de S. agalactiae realizadas no

    Brasil concentra-se em centros universitários, principalmente do Rio de Janeiro e

    São Paulo.

    Os dados epidemiológicos brasileiros de infecções por S. agalactiae não são

    bem conhecidos. Não existe um programa de vigilância específico para averiguar

    casos e mortes por essas infecções na população. Em geral, estudos pontuais

    mostraram que a prevalência de colonização e a incidência de infecção em neonatos

    e parturientes têm-se apresentado semelhantes aos países desenvolvidos (EL

    BEITUNE et al., 2006; ZUSMAN et al., 2006; SIMÕES et al., 2007). Diferenças de

    suma importância foram observadas nas taxas de mortalidade e morbidade. Em

    estudos brasileiros, essas taxas apresentaram-se maiores, entre 20 e 60%, quando

    comparadas com de países do hemisfério norte (aproximadamente 7,9% nos EUA,

    por exemplo) (MIURA; MARTIN, 2001; VACILOTO et al., 2002; PHARES et al.,

    2008).

    Um estudo realizado em Ribeirão Preto, SP, investigou uma população de

    261 recém-nascidos que manifestaram desordem respiratória. Destes, 31

    apresentaram bacteremia confirmada. Quanto aos agentes etiológicos, 70,9% e

    29,1% dos isolados foram bactérias gram-positivas e gram-negativas,

    respectivamente, sendo que EGB esteve presente em 19,4% dos casos de infecção

  • 39

    confirmados (MUSSI-PINHATA, 2004). Esse trabalho demonstrou que esse

    patógeno realmente é importante em neonatos pertencentes à população brasileira.

    As pesquisas localizadas inferem que as infecções por EGB no Brasil são

    relevantes, sendo de suma importância que programas de vigilância sejam

    implantados em todos os estados do país, a fim de se acompanhar o perfil

    epidemiológico desse microrganismo.

    2.6 A IMPORTÂNCIA DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae

    Baseado em variações na estrutura e composição de polissacarídeos

    capsulares e nas respostas imunogênicas distintas, os sorotipos de S. agalactiae

    foram também identificados inicialmente por Rebecca Lancefield (LANCEFIELD,

    1933; LANCEFIELD; HARE, 1935). Atualmente, têm sido descritos nove sorotipos

    diferentes, a saber, Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII e VIII, os quais todos têm associação

    com infecções humanas (JENNINGS et al., 1981, 1983a; 1983b; WESSELS et al.,

    1987, 1989, 1991; VON HUNOLSTEIN et al., 1993; KOGAN et al., 1995, 1996).

    Polissacarídeos extracelulares são características comuns em bactérias

    gram-positivas e gram-negativas. Essas macromoléculas são importantes para

    proteção contra condições do meio e do hospedeiro que podem ser prejudiciais à

    sobrevivência do microrganismo. A capacidade de mimetizar estruturas do

    hospedeiro e de intervir com vias de ativação do sistema complemento define esses

    polissacarídeos como potentes fatores de virulência (EDWARDS et al., 1982;

    HAYRINEN et al., 1989).

    Estreptococos do grupo B, assim como outras bactérias gram-positivas,

    apresentam uma parede celular espessa sob um arranjo complexo de cadeias

    constituídas por peptideoglicana, carboidratos, ácido teicóico, lipoteicóico e

    proteínas. A peptideoglicana é composta pelos monômeros elementares ácidos N-

    acetilglicosamina e N-acetilmurâmico, e também por carboidratos redutores como

    glicose, galactose e ramnose (KONEMAN et al., 2005). Além dessa estrutura básica,

    estreptococos possuem um complexo polissacarídico grupo específico. Segundo o

    sistema de classificação de Lancefield, a espécie S. agalactiae é constituída pelo

    antígeno de grupo B. Esse complexo antigênico, de forma simplificada, é formado

  • 40

    por uma cadeia oligossacarídica principal composta por ramnose, glucitol (poliol) e

    fosfato e por cadeias trissacarídicas laterais, compostas por ramnose, galactose e N-

    acetilglicosamina, às quais estão ligadas a ramnose da cadeia principal

    (PRITCHARD et al., 1984; MICHON et al., 1987).

    A variação estrutural de S. agalactiae não se resume somente ao antígeno

    grupo-específico B, havendo a presença de outro complexo polissacarídico,

    localizado na região externa à parede celular que representa a cápsula. Essa

    estrutura apresenta composição variável e é o que determina os nove tipos

    sorológicos de EGB já descritos. De maneira geral, todos os sorotipos de

    S. agalactiae são constituídos por unidades polissacarídicas repetidas que formam

    um polímero linear composto pelos monômeros galactose, glicose e ácido N-

    acetilneuramínico (ácido siálico), sendo este último localizado na porção terminal da

    cadeia. Exceto nos sorotipos VI e VIII, N-acetilglicosamina também está presente.

    Somente o sorotipo VIII possui a ramnose formando as unidades repetidas

    (CIESLEWICZ et al., 2005). Substituindo N-acetilglicosamina, o sorotipo V possui 2-

    acetamido-2-deoxi-D-glicose (WESSELS et al., 1991) (FIGURA 2).

    Embora a composição dos carboidratos seja estreitamente semelhante e

    conservada, a estrutura tridimensional, a posição das ligações glicosídicas e o

    número de monossacarídeos na cadeia são variáveis, o que contribuem para as

    diferenças antigênicas. Essas distintas estruturas capsulares de EGB são formadas

    pela polimerização de nove tipos de unidades polissacarídicas repetidas. Essa

    polimerização ocorre através de reações de acetilação entre os carboidratos,

    formando ligações glicosídicas em determinadas posições (1, 2, 3, 4 ou 6). A análise

    dos nove sorotipos revelou a presença de dois motifs básicos, isto é, regiões

    genômicas altamente conservadas. Um motif foi representado pela cadeia

    dissacarídica galactose-glicose, o qual se encontra em oito dos nove sorotipos. O

    outro motif foi demonstrado pela cadeia trissacarídica variável ácido N-

    acetilneuramínico-galactose-N-acetilglicosamina, o qual constitui a maioria dos

    sorotipos, exceto Ib, VI e VIII. Além desses motifs, outras características

    apresentam-se intimamente relacionadas entre os sorotipos, por simples

    substituição ou por ausência e presença de ligações glicosídicas (FIGURA 2).

    No contexto molecular, essa variedade limitada dos antígenos

    polissacarídicos é codificada e sintetizada por um conservado cluster gênico (cps)

    presente no cromossomo de S. agalactiae. Genes que codificam as enzimas

  • 41

    glicosiltransferases, polimerases, ácido siálico sintetases, sialiltransferases e

    proteínas que exportam os polissacarídeos capsulares, são constituintes desse

    cluster (CIESLEWICZ et al., 2005).

    FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS UNIDADES

    POLISSACARÍDICAS REPETIDAS DOS NOVE SOROTIPOS CAPSULARES DE S. agalactiae.

    FONTE: Adaptado de CIESLEWICZ, M. J. et al. (2005) NOTA: As setas menores indicam a direção de polimerização e as maiores indicam a estreita relação entre as unidades polissacarídicas repetidas. β-D-Gal-p (em vermelho), β-D-Glc-p (em azul), β-L-Rha-p (em verde), α-D-Neu-pNAc (em rosa e preto) e α-D-Glc-pNAc (em azul e preto) representam galactose, glicose, ramnose, ácido N-acetilneuramínico e ácido N-acetilglicosamina, respectivamente.

    Os determinantes imunogênicos, como os carboidratos e o ácido siálico, não

    são os únicos componentes que contribuem para o aparecimento de reações

  • 42

    cruzadas. Alguns sorotipos possuem em comum certas proteínas de superfície, que

    também se apresentam altamente imunogênicas e podem favorecer esse tipo de

    reação. Entre elas encontram-se as proteínas C (alfa e beta), proteínas C alpha-like

    2 e 3, proteínas R, X e proteína Rib. Estudos relataram que essas proteínas

    apresentam associação com os sorotipos capsulares (KONG et al., 2002; LINDAHL

    et al., 2005).

    O antígeno C consiste em um complexo protéico composto pelas proteínas

    alfa e beta, sendo que esta se apresenta resistente ao tratamento com a protease

    tripsina e aquela se mostra sensível (JOHNSON; FERRIERI, 1984). Esse antígeno

    de superfície é considerado fator de virulência, uma vez que sua presença pode

    conferir a célula bacteriana resistência à fagocitose e à morte intracelular por

    polimorfonucleares da resposta inata. Aproximadamente 60% dos sorotipos Ia, Ib e II

    contêm um ou ambos componentes proteicos do antígeno C. Já para o sorotipo III

    apenas cerca de 1% possuem esse(s) componente(s) (DORAN; NIZET, 2004).

    A proteína Rib, assim denominada por Stalhammar-Carlemalm (1993), foi

    detectada em inúmeras amostras do sorotipo III, sendo incomum nos demais

    antígenos capsulares. Apresenta-se antigenicamente distinta das proteínas C e é

    resistente às proteases tripsina e pepsina (KONG et al., 2002).

    Frequentemente, amostras não tipáveis de EGB são encontradas, sobretudo

    em isolados de animais. Um estudo apontou que 2,9% dos colonizantes e 1,4% dos

    isolados invasivos nos EUA mostraram-se não tipáveis (BENSON et al., 2002). Já

    outras pesquisas no México (12%), Canadá (13%), Nova Zelândia (8,7%) e Brasil

    (17,4%), por exemplo, apresentaram proporções diferentes de amostras não tipáveis

    (PALACIOS et al., 1997; TYRRELL et al., 2000; KONG, et al., 2002; SIMOES et al.,

    2007), denotando a diversidade geográfica que existe entre as linhagens de

    S. agalactiae. Entretanto, ressalta-se que nesses estudos foram utilizados métodos

    fenotípicos de sorotipagem.

    Estudos moleculares revelaram uma considerável heterogeneidade genética

    entre amostras não tipáveis de EGB. Há indícios de que a distribuição gênica do

    cluster cps afeta esses resultados, uma vez que esse locus compreende regiões

    conservadas iniciais e terminais, relacionadas respectivamente, às enzimas ligadas

    ao ácido siálico e às proteínas que exportam o polissacarídeo capsular; bem como a

    regiões centrais variáveis que contêm os genes sorotipo específico (CIESLEWICZ et

    al., 2005). Pesquisadores sugerem que o fenótipo não-tipável pode surgir a partir de

  • 43

    mutações ou inserções em genes da região variável do cluster cps (SELLIN et al.,

    2000; KONG et al., 2008), de recombinação gênica nessa região (RAMASWAMY et

    al., 2006), da diminuição na síntese dos polissacarídeos capsulares (PALACIOS et

    al., 1997) ou do fenômeno chamado variação de fase, o qual produz linhagens com

    modificação ou ausência de cápsula (CIESLEWICZ et al., 2001). A impossibilidade

    de identificar amostras não tipáveis de EGB pelo método convencional (sorológico)

    necessita de uma investigação mais complexa, através de métodos moleculares

    como tipificação, amplificação e sequenciamento de DNA. No âmbito prático, essa

    identificação mais detalhada permite a subdivisão de EGB em vários sorovariantes,

    facilitando estudos epidemiológicos, patogenéticos e, sobretudo para produção de

    vacinas.

    Pesquisadores dinamarqueses e australianos recentemente propuseram um

    novo sorotipo de S. agalactiae, denominado sorotipo IX (SLOTVED et al., 2007). As

    amostras foram obtidas de humanos residentes da Dinamarca, Canadá, Alemanha,

    Hong Kong e Sydney (Austrália). A princípio não apresentaram reação com a

    maioria dos nove anti-soros conhecidos. Outros métodos fenotípicos foram

    realizados, porém sem sucesso. Técnicas moleculares foram utilizadas para

    identificar proteínas de superfície e sorotipos. Estruturas proteicas comuns a

    determinados antígenos capsulares já descritos foram detectadas nessas amostras,

    entretanto, diferenças significativas no cluster gênico cps também foram

    identificadas. As inferências que sustentam a proposta dos pesquisadores referem-

    se à ampla distribuição geográfica das amostras por pelo menos 20 anos e ao

    ineditismo da sequência gênica do cluster cps presente na mesma localização e em

    todas as cepas investigadas (SLOTVED et al., 2007).

    A identificação dos sorotipos de EGB tem sido relevante à investigação

    epidemiológica e à produção de vacinas, pelo fato da distribuição desses sorotipos

    variar de acordo com a região geográfica, origem étnica, patologia desenvolvida e

    perfil de resistência aos antimicrobianos.

    Estudos realizados em diversos países têm revelado prevalências diferentes

    entre os sorotipos. Geralmente os antígenos capsulares Ia, III e V foram os mais

    comumente isolados (ANDREWS et al., 2000; PERSSON et al., 2004; UH et al.,

    2004). Entretanto, o sorotipo II tem sido mais isolado em países da América Latina

    (LOPARDO et al., 2003; PALACIOS et al., 2005). Curiosamente, os polissacarídeos

    tipo VI e VIII foram identificados predominantemente em gestantes no Japão

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    (LACHENAUER et al., 1999), embora existam raros relatos em outros países

    (SENSINI et al., 1997; PAOLETTI et al., 1999; LEE et al., 2000).

    Quando S. agalactiae emergiu como um importante patógeno em doenças

    neonatais, amostras do sorotipo III prevaleceram como causa dessas graves

    infecções, sobretudo em meningite e doença neonatal de início tardio. Os antígenos

    capsulares Ia e V também têm sido relevantes causas de infecções invasivas

    (BAKER; BARRETT, 1974; BLUMBERG et al., 1996; HARRISON et al., 1998; LIN et

    al., 1998; KALLIOLA et al., 1999).

    O sorotipo V tem sido associado à presença de resistência à eritromicina e à

    clindamicina em isolados de EGB (BLUMBERG et al., 1996; DIEKEMA et al., 2003).

    Esses antimicrobianos são recomendados para o tratamento e prevenção de

    infecções por EGB, especialmente em pacientes alérgicos aos beta-lactâmicos.

    A importância de se identificar e classificar os polissacarídeos capsulares de

    S. agalactiae tem sido extensivamente discutida. Várias metodologias foram

    desenvolvidas para essa finalidade, incluindo imunoprecipitação (WILKINSON;

    MOODY, 1969), ensaio imunoenzimático (HOLM; HAKANSSON, 1988),

    coaglutinação (HAKANSSON et al., 1992), contraimunoeletroforese (TRISCOTT;

    DAVIS, 1979), precipitação capilar (LANCEFIELD, 1933), aglutinação em látex

    (ZUERLEIN et al., 1991) e microscopia fluorescente (CROPP et al., 1974). Todas

    essas técnicas são trabalhosas e requerem altos títulos de anti-soros específicos

    para se obterem bons resultados. Atualmente, métodos moleculares baseados em

    PCR e sequenciamento têm sido desenvolvidos, uma vez que oferecem

    reprodutibilidade e alto poder discriminatório (KONG et al., 2002).

    2.7 PREVENÇÃO, PROFILAXIA E TRATAMENTO DE INFECÇÕES

    A maioria das infecções por EGB pode ser prevenida através da profilaxia

    antimicrobiana intraparto