pontifÍcia universidade catÓlica do rio grande...

218
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL (PUCRS) ESCOLA DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL MARILÉIA GOIN FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: OS DIFERENTES CAMINHOS DO BRASIL, DO CHILE E DE CUBA Porto Alegre, 2016

Upload: others

Post on 31-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL (PUCRS) ESCOLA DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

MARILÉIA GOIN

FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: OS DIFERENTES CAMINHOS DO BRASIL, DO CHILE E DE CUBA

Porto Alegre, 2016

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

MARILÉIA GOIN

FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: OS DIFERENTES CAMINHOS DO BRASIL, DO CHILE E DE CUBA

Tese de Doutorado apresentada como requisito para obtenção do título de Doutora em Serviço Social ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Doutorado, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Professora Doutora Jane

Cruz Prates

Porto Alegre, 2016

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Alessandra Pinto Fagundes Bibliotecária CRB10/1244

G615f Goin, Mariléia Fundamentos do serviço social na América Latina e no Caribe: os diferentes caminhos do Brasil, do Chile e de Cuba /

Mariléia Goin. 2016. 216 f.

Tese (Doutorado) – Escola de Humanidades, Pós-Graduação em Serviço Social, PUCRS, Porto Alegre, 2016.

Orientadora: Profa. Dra. Jane Cruz Prates.

1. Serviço Social – América Latina. 2. Serviço Social – Caribe. 3. Serviço Social – Brasil. 4. Serviço Social – Cuba. I. Prates, Jane Cruz. II. Título.

CDD: 361.98

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

MARILÉIA GOIN

FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: OS DIFERENTES CAMINHOS DO BRASIL, DO CHILE E DE CUBA

Esta tese foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora

para obtenção de título de Doutora em Serviço Social e aprovada na sua versão

final em 31 de março de 2016, atendendo às normas da legislação vigente, pelo

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul.

Professora Doutora Jane Cruz Prates

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

Banca examinadora:

______________________________________________________ Professora Doutora Jane Prates

Orientadora (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS))

______________________________________________________ Professora Doutora Berenice Rojas Couto

(Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS))

______________________________________________________ Professora Doutora Ivete Simionatto

(Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC))

______________________________________________________ Professora Doutora Maria Carmelita Yazbek

(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP))

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

5

Aos estudantes desconformes,

que me possibilitam tornar a docência,

uma paixão de vida, ininterrupto

processo de aprendizagem — as

indagações, as análises e as críticas

forjam o que, hodiernamente,

se constitui neste produto —;

aos Assistentes Sociais desconformes,

que, em tempos ruidosos, reinventam,

diariamente, seu trabalho profissional,

com olhos mirados em um horizonte

coletivamente projetado;

aos docentes desconformes,

que fazem da docência um repto

constante, que recriam, que superam os

formalismos e os estrelismos acadêmicos;

a vocês, dedico esta tese!

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

6

AGRADECIMENTOS

“Todo começo é difícil em qualquer

ciência.”

Karl Marx

Construir uma tese não é um processo indolor, quando o propósito é romper

com os fetiches a que o título doutoral conduz, dialogar dialeticamente com o objeto,

superando as linearidades históricas comuns a trabalhos dessa magnitude, e

mergulhar no desconhecido, para tecer uma tese em essência, assim como o seu

sentido etimológico prescreve.

Foram quilômetros e quilômetros rodados, noites e noites dormidas em

poltronas de ônibus, dias e dias fazendo bate-volta, pois distantes 600km separavam

meu trabalho do Doutorado. Para alguns, estarrecedor, para mim, necessário.

Quatro anos já se passaram daquele início árduo. Abri mão de muitas coisas.

Algumas sequer consigo aqui expor, porque envolvem emoções, sentimentos,

pessoas. Outras se tornaram simplesmente fúteis frente ao projeto de maior

magnitude, objetiva e subjetivamente zelado.

Chegou ao fim. Este fim é só o começo de uma nova fase. Valeram cada

noite em claro, cada enfrentamento realizado, cada projeto postergado, cada

segundo sentada diante de pilhas e pilhas de livros. Aprendi, conheci, viajei, fiz

novos amigos, mudei-me de cidade (mais de uma vez!). Vivi tudo o que pensava que

fosse importante viver nesse processo. Abri mão daquilo que julgava que fosse

necessário para atingir meu objetivo. Foram tempos de incessantes renúncias e

superações, de escolhas. Sou a síntese diacrônica dessas que, certeiras ou não,

foram as minhas escolhas.

Nesse singular tempo vivido de estudante trabalhadora, que careceu de

introspecção solitária, tive ao meu lado pessoas que deram suporte em cada

capítulo dessa trama, a quem gentilmente devo os mais intensos agradecimentos.

Agradeço à minha família, meu porto seguro, incentivadores inatos. A meus

pais, Odir e Neci, sempre infalíveis no apoio e no afeto, que, com toda humildade

que lhes reserva, enchem o peito de orgulho ao falar das filhas. Os nossos projetos,

são os seus projetos. São exemplos de amor e cumplicidade. Com vocês, aprendi a

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

7

batalhar pelos meus objetivos. Sempre é possível, desde que estejamos dispostos a

tal. Amo vocês e não me subtraio de dizer isso! À Luci, irmã querida, pelas longas

conversas nos momentos de apreensão, de saudades — e foram muitas —,

dividindo angústias e incertezas, pela amizade, em todos seus adjetivos

constitutivos, por oferecer-me o ombro amigo (mesmo muito distante). Faço das

suas conquistas as minhas, da sua luta a minha, da sua perseverança meu espelho,

exemplo de vida. À Bruna, amada, mais do que irmãs, somos almas gêmeas, corpo

e alma, coração e vida, duas em uma ou uma em duas. Conhecemos-nos como a

palma de nossas mãos. Pequena grande mulher, teu sorriso irradiante e tua torcida

devota são carimbos negritados nessa jornada. Ao Mateus e à Milene, cujas

lágrimas, sempre que os menciono, teimam em cair pelo meu rosto. Apesar da

distância, sinto-me ali, do ladinho de vocês. Uma mensagem, uma foto, um vídeo,

um oi ao telefone já eram suficientes para eu aliviar minha preocupação, que insistia

em apertar meu coração, recheado de saudade. Doces crianças, não existem

palavras no Mundo que possam traduzir o amor incondicional que sinto por vocês.

Agradeço ao Jorge Og, amigo, colega e companheiro. Como deixar de

mencionar as incansáveis conversas, independentemente do dia e do horário, as

aulas de história, que, com maestria e paciência, se dispunha a dialogar, das

sensatas críticas, ora receptivas, ora nem tanto, do suporte intelectual e emocional,

quando eu já estava no último suspiro, do colo, sempre bem vindo, quando o

desespero batia e eu não sabia para que lado caminhar, das leituras atentas,

sempre muito talentosas, das palavras de apoio e incentivo, que não foram poucas.

Pela alteridade, cúmplice fiel dessa trajetória percorrida, a você, reservo meu amor e

admiração!

Agradeço à Jane Prates, querida orientadora, cuja suscetibilidade foi marca

registrada. Entre encontros e desencontros, sou grata pela tua sensibilidade em

entender minha “mutante mutável vida”, pelas orientações ponderadas e certeiras,

pelo conhecimento compartilhado, pela confiança depositada, pela amizade

emanada e pelo respeito demonstrado nessa caminhada. Reservo-lhe todo meu

carinho e gratidão.

Agradeço à banca examinadora deste trabalho, cujas presença e admiração

política permitem-me continuar na busca do infinito oceano desconhecido dos

Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no Caribe. Agradeço à querida

Ivete Simionatto — e aqui ouso copiar e colar o agradecimento que a ela fiz nas

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

8

páginas iniciais da minha Dissertação de Mestrado — “[...] pelos ensinamentos de

toda ordem. Seu profissionalismo e competência me inspiram, assim como criança

tomamos como exemplo nossos pais. Fico honrada em tê-la ao meu lado [...]”. De lá

para cá, depois de quase oito anos, não me atrevo a alterar um acento sequer.

Agradeço à Carmelita Yazbek, a quem admiro desde que escolhi lutar por essa

profissão. A leitura das tuas produções e o mergulhar nas tuas análises

aproximaram-me daquilo que hoje se constitui nesta tese. Agradeço à Berenice

Rojas Couto, uma das pessoas “mais humanas” que conheço, tua sensibilidade é

ímpar, assim como teu coração, onde sempre há lugar para mais um. Admiro-a em

essência!

Ao Cesar Rendueles, pelo acolhimento e conhecimentos partilhados durante

os seis meses que estive sob tua supervisão no estágio-sanduíche, na

“Complutense”. A cada aula, a cada encontro, minha admiração tornava-se

crescente. Com teu jeito introvertido, exalavas sabedoria. Foram muitos os

aprendizados. Até hoje, por sinal, penso na recorrente frase mencionada: “Usted es

muy ortodoxa!”.

Agradeço à Tereza, ao Luiz, à Carla e à Amanda. O que iniciou com “Vamos

tomar una caña” tornou minha passagem pela Espanha prazerosa, divertida e

familiar. Não há como não lembrar com carinho das gargalhadas, das discussões

sobre o Serviço Social brasileiro, dos brigadeiros e dos pães de queijo.

Compartilhamos cultura, amizade e profissão. Minha família espanhola, les echo de

menos!

Agradeço aos colegas brasileiros, chilenos e cubanos, que nunca hesitaram

em me auxiliar no acesso às informações dos respectivos países. Não os ouso

mencionar, para não cometer injustiças, mas saibam que cada um de vocês tem

participação no que hoje se apresenta como a síntese dialética desse processo.

Agradeço aos colegas de militância política (da Associação Brasileira de

Ensino e Pesquisa em Serviço Social e do Conselho Regional de Serviço Social),

com os quais, cada dia compartilhado constitui(u)-se de trocas, de aprendizado e de

amizade. Embora diferentes, sempre estivemos organizados com um objetivo

comum, lutar criticamente pelo Serviço Social brasileiro. Os tempos que vivo (e

vividos) ao lado de vocês fazem-me acreditar que os “Conservadores não

passarão!”.

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

9

Agradeço aos colegas de trabalho, cujas manifestações foram desde o apoio

incondicional até a desaprovação da minha posição política reta e franca. Com cada

um de vocês, aprendi na medida certa. Carinhosamente, à Loiva e à Elisângela,

obrigada pelo carinho e pelo respeito compartilhados. Acredito, sim, que

construímos no coletivo.

Agradeço à Ju e à Andrea. Vocês são únicas! É impossível não agradecer

os favores, as dicas, a resolução de problemas, o auxílio na burocracia do estágio-

-sanduíche (Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PSDE)) ou em tudo

aquilo que se relacionava ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

(PPGSS).

Agradeço a todos aqueles que me amaram e apoiaram nesse tempo, de

perto ou de longe, de maneira mais ou menos acadêmica, não importa, cada um do

seu jeito e do sua modo! Sou grata pelo respeito ao meu tempo!

Agradeço àqueles que, quiçá, não compartilham das análises aqui dispostas.

Convido-os a se juntar a mim nessa empreitada. Juntos, podemos extrair os

espinhos e fazer florescer as flores. Antecipadamente, convido-os a fazer parte

dessa história!

E, por fim, porém não menos importante, preciso fazer menção aos livros.

Ah, os livros! A maior dívida contraída penso que foi com eles. Alguns por acaso,

outros pela “síndrome da ratazana” e mais uns pela sábia indicação, debito grande

parte do conhecimento nesta tese exposto a eles, que emanam a grandiosidade de

seus autores em socializar o conhecimento produzido.

Com vocês, compartilho, com gratidão, o produto dessa caminhada: a tese!

Verão 2015/16.

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

10

“Não há estrada real para a ciência, e só

têm probabilidade de chegar aos seus

cimos luminosos aqueles que enfrentam a

canseira para galgá-los por veredas

abruptas.”

Karl Marx

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

11

RESUMO

Os Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no Caribe revelam-se

como um mote permeado de ocultamentos, em face dos exíguos estudos publicados

sobre o tema e das particularidades histórico-políticas, socioeconômicas e culturais

da região latino-americana. À luz do método materialista histórico e dialético,

analisar os condicionantes histórico-profissionais dos Fundamentos do Serviço

Social na América Latina e no Caribe frente a essa realidade “una e diversa” é o

objetivo geral desta tese, a fim de desvendar as particularidades, as aproximações e

as dissensões conceituais, epistemológicas e axiológicas que sustentam os

Fundamentos da profissão no Brasil, no Chile e em Cuba pós-Movimento de

Reconceituação. Do tipo exploratório, a pesquisa de enfoque misto utilizou-se dos

seguintes procedimentos metodológicos no processo de investigação: (a) revisão

bibliográfica de materiais que versassem sobre história, teoria e método dos países

selecionados; (b) pesquisa bibliográfica e documental, basicamente na forma on line,

para constituir o mapa de fontes de informação analítica; (c) exploração documental

e bibliográfica prévia (com uso de roteiro norteador), para organizar as informações

em blocos de análise; e (d) técnica de análise de conteúdo, para decodificar as

informações e realizar inferências em liame com a matriz teórico-metodológica. A

síntese expositiva dos resultados da pesquisa permite aferir que os Fundamentos do

Serviço Social na América Latina e no Caribe elucidam traços comuns na gênese

profissional, mas a produção e a reprodução da vida social dimanam

particularidades sociopolíticas aos países, as quais conferem configuração particular

à profissão em face da processual e orgânica relação com a realidade e à sua

concreção como trabalho profissional. São esses mesmos condicionantes — que

além de históricos-profissionais, são políticos, econômicos e sociais — que

interpõem, no corpus dos Fundamentos, a necessária apropriação das matrizes de

conhecimento do social e do movimento da sociedade nacional, para projetar

direção social e política ao trabalho profissional, seja por viés conservador, seja

emancipatório.

Palavras-chave: Fundamentos; Serviço e/ou Trabalho Social; América Latina e Caribe.

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

12

ABSTRACT

The Fundamentals of Social Service in Latin America and the Caribbean are

revealed as a theme permeated of concealments, because of the scarce studies

published about this subject and also because of the historical-political,

socioeconomic and cultural particularities of the Latin American region. In the light of

the historical and dialectical materialist method, to analyze the conditions of the

professional history of the Fundamentals of Social Service in Latin America and the

Caribbean facing this reality "so unique and diverse" is the general objective of this

thesis, in order to unveil the particularities, the conceptual approximations and

disagreements, as such as the epistemological and axiological dimension which

sustain the fundamentals of the profession in Brazil, Chile and in Cuba post-

movement of reconceptualization. In an exploratory way, this research for joint

approach used the following methodological procedures in the research process: (a)

bibliographic review of materials that focus on history, theory and method of the

selected countries; (b) the documentary and bibliographic research, basically in the

online form, to constitute the map of analytical information sources; (c) documentary

exploration and bibliographic preview (using a roadmap for guidance), to organize

the information in blocks of analysis; and (d) the content analysis technique, to

decode information and perform inferences with the theoretical-methodological

matrix. The expositive synthesis of the results of this search allows us to conclude

that the Fundamentals of Social Service in Latin America and the Caribbean,

elucidate common traits in the professional genesis, but the production and

reproduction of social life emanate sociopolitical particularities to countries which

confer particular configuration to the profession despite of procedural and organic

relationship with reality and to its concretion as professional work. These conditions

— that besides historical-professional, are political, economic and social — which

interpose, in the corpus of the Fundamentals, the necessary appropriation of social

knowledge arrays and the movement of the national society, for designing social and

political direction to the professional work, whether by conservative bias, whether

emancipatory.

Keywords: Fundamentals; Service and/or Social Work; Latin America and the

Caribbean.

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 — Existência de pós-graduação stricto sensu em Serviço Social ............. 32

Quadro 2 — Currículo da Escola Elvira Matte de Cruchaga — 1929 ........................ 90

Figura 1 — Ano (aproximado) de criação do Serviço Social nos países da América

Latina e do Caribe ..................................................................................................... 94

Figura 2 — Enfoques do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na

América Latina ........................................................................................................ 104

Quadro 3 — Características dos Seminários Regionais Latino-Americanos realizados

entre os anos 1960 e 1970 ...................................................................................... 108

Figura 3 — Organização político-profissional do Serviço e/ou Trabalho Social no

Brasil, no Chile e em Cuba — 2016 ........................................................................ 181

Quadro 4 — Aspectos da formação profissional em Serviço Social e/ou Trabalho

Social no Brasil, no Chile e em Cuba — 2016 ......................................................... 187

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 — Percentagem de pessoas em situação de pobreza na América

Latina — 2005-2012 .................................................................................................. 61

Tabela 2 — Taxa bruta de analfabetismo de pessoas acima de 15 anos na América

Latina — 2006 e 2012 ............................................................................................... 66

Tabela 3 — Taxa bruta de matrícula no ensino superior de pessoas entre 25-34

anos, na América Latina e no Caribe — 2006-2011 .................................................. 69

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

15

LISTA DE SIGLAS

ABESS Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

Achets Associação Chilena de Escolas de Trabalho Social

Achetsu Associação Chilena de Escolas de Trabalho Social Universitárias

ALAEITS Associação Latino-Americana de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social

ALAESS Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço Social

ALAETS Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CBAR Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais

CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

CDR Comitê de Defesa da Revolução

Cedepss Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço

Social

Celats Centro Latino-Americano de Trabalho Social

CENEAS Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais de Assistência

Social

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CFAS Conselho Federal de Assistentes Sociais

Cfess Conselho Federal de Serviço Social

CFT Centro de Formação Técnica

Cnaass Colégio Nacional de Assistentes Sociais do Chile A. G.

CNED Conselho Nacional de Educação do Chile

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Colacats Comitê Latino-Americano e Caribenho de Organizações Profissionais

de Trabalho e/ou Serviço Social

Conetso Coordenadoria Nacional de Estudantes de Trabalho Social

CRAS Conselho Regional de Assistentes Sociais

Cress Conselho Regional de Serviço Social

CTS Conselho de Trabalho Social

ECRO Esquema Conceptual Referencial e Operativo

Enesso Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social

FEEM Federação de Estudantes do Ensino Médio

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

16

FEU Federação Estudantil Universitária

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMC Federação de Mulheres Cubanas

FMI Fundo Monetário Internacional

ICSW Conselho Internacional de Bem-Estar Social

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IP Instituto Profissional

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Mercosul Mercado Comum do Sul

MESS Movimento Estudantil de Serviço Social

Minsap Ministério de Saúde Pública

Nucress Núcleo do Conselho Regional de Serviço Social

ORI Organizações Revolucionárias Integradas

PCC Partido Comunista Cubano

PFTS Programa de Formação de Trabalhadores Sociais

PIB Produto Interno Bruto

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PRC Partido Revolucionário Cubano

PSC Partido Socialista Chileno

PSP Partido Socialista Popular

PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

PURSC Partido Unido da Revolução Socialista de Cuba

SESSUNE Subsecretaria de Estudantes de Serviço Social na União Nacional de

Estudantes

SNS Serviço Nacional de Saúde

SOC Sociedade de Organização de Caridade

Socutras Sociedade Cubana de Trabalhadores da Saúde

UCISS União Católica Internacional de Serviço Social

UJC União de Jovens Comunistas

Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

UP Unidade Popular

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

17

SUMÁRIO

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: MOTIVAÇÕES, PERCURSO METODOLÓGICO E

ORGANIZAÇÃO DA TESE ....................................................................................... 17

1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA TESE ..................................... 17

1.2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ............................................. 20

1.3 ORGANIZAÇÃO DA TESE .............................................................................. 26

2 OS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DO OBJETO DE ESTUDO .............. 28

2.1 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO SOLO SÓCIO-

-HITÓRICO CONTEMPORÂNEO .......................................................................... 29

2.2 À GUISA CONCEITUAL: OS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL ......... 36

2.2.1 A concepção materialista de história ......................................................... 39

2.2.2 A teoria como fundamento da prática ........................................................ 44

2.2.3 O método materialista histórico e dialético ................................................ 47

3 PARTICULARIDADES HISTÓRICAS E CONJUNTURAIS DA AMÉRICA LATINA

E DO CARIBE: O LÓCUS DE ANÁLISE .................................................................. 52

3.1 AS CIRCUNSTÂNCIAS SOCIAIS, POLÍTICAS E ECONÔMICAS DA

AMÉRICA LATINA E DO CARIBE ......................................................................... 52

3.1.1 Condicionantes da dependência latino-americana .................................... 55

3.1.2 A realidade recrudescida da América Latina e do Caribe em dados ......... 59

3.2 DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DA DEPENDÊNCIA: O ESPECTRO

ENIGMÁTICO DA EDUCAÇÃO E OS REFLEXOS NA FORMAÇÃO

PROFISSIONAL .................................................................................................... 64

3.2.1 O simulacro da educação na América Latina e no Caribe, em números ... 65

3.2.2 A morfologia do reordenamento da formação profissional ........................ 71

4 OS CONDICIONANTES HISTÓRICO-PROFISSIONAIS DOS FUNDAMENTOS

DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: ELEMENTOS

COMUNS DE TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DISTINTAS ................................. 74

4.1 SOBRE A GÊNESE DO SERVIÇO SOCIAL NO MUNDO: DE QUE LADO DO

ATLÂNTICO CORRESPONDE O FEITO? ............................................................ 74

4.1.1 As concreções histórico-sociais da gênese do Serviço Social no Mundo . 75

4.1.2 A mirada para a ciência e a renúncia da ótica messiânica sobre a gênese

........................................................................................................................... 79

4.2 DA GÊNESE À REPRODUÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA

E NO CARIBE ........................................................................................................ 82

4.2.1 Os determinantes da fase monopólica na gênese do Serviço Social na

América Latina e no Caribe: entre o profano e o religioso ................................. 84

4.2.2 A expansão da profissão na região latino-americana e caribenha ............ 91

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

18

4.3 A RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA:

ESFORÇOS DE RUPTURA COM O TRADICIONALISMO PROFISSIONAL ........ 97

4.3.1 Para que reconceituar? Notas acerca da consolidação do movimento na

América Latina ................................................................................................... 99

4.3.2 Os legados do Movimento de Reconceituação para o Serviço Social .... 114

5 OS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO

CARIBE PÓS-MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO: EM EVIDÊNCIA, OS

CAMINHOS DO BRASIL, DO CHILE E DE CUBA................................................. 116

5.1 PARTICULARIDADES DO SERVIÇO/TRABALHO SOCIAL NO BRASIL, NO

CHILE E EM CUBA: MÚLTIPLAS REALIDADES PROFISSIONAIS

DESCORTINADAS .............................................................................................. 116

5.1.1 O Serviço Social brasileiro como lócus de partida .................................. 117

5.1.2 Chile, com sua enceta neoliberal e os reflexos no Trabalho Social ........ 136

5.1.3 Cuba e os rumos profissionais com a experiência revolucionária ........... 153

5.2 APROXIMAÇÕES E DISSENSÕES ENTRE O SERVIÇO/TRABALHO SOCIAL

BRASILEIRO, O CHILENO E O CUBANO: ESFORÇOS PARA A CONSTITUIÇÃO

DE UMA SÍNTESE RELACIONAL ....................................................................... 170

6 CONCLUSÕES SOBRE O DEBATE DOS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO

SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: CAMINHOS E TENDÊNCIAS ... 189

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 197

APÊNDICE .............................................................................................................. 215

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

17

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: MOTIVAÇÕES, PERCURSO METODOLÓGICO E

ORGANIZAÇÃO DA TESE

1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA TESE

O Serviço Social na América Latina e no Caribe plasma vínculos medulares

com as transformações oriundas do processo de produção e reprodução social, seja

pelo caráter orgânico que estabelece com a realidade social, seja pelo diálogo com

as matrizes do conhecimento social delas emanadas. Suas protoformas são

marcadas pelo caráter funcional à ordem instaurada, dado que emergiu na idade dos

monopólios, quando o Estado burguês desenvolvia as iniciativas (mesmo que

coercitivas) de enfrentamento às manifestações expressas pelas contradições

econômicas, sociais, políticas e ideológicas entre os que detinham a força de

trabalho e quem se apropriava dos seus frutos — a conhecida “questão social”.

Não linearmente entendidos, esses elementos levaram à reconfiguração da

profissão conforme a apreensão do seu significado na sociedade de classes e o

trato das demandas que lhe eram postas, subsidiada por doutrinas ou teorias sociais

(positivismo, fenomenologia, marxismo ou pós-moderna). Todavia, a diversidade

histórica, política (ditaduras militares), econômica (tardio e precário desenvolvimento

industrial) e multiétnica (descendência indígena e europeia) dos países da América

Latina e do Caribe revela-lhes realidades peculiares, as quais são expressas no

processo de constituição e desenvolvimento da própria profissão, traduzindo-lhe

caminhadas heterogêneas (entre os países), apesar de apresentar simetrias

tradicionais no seu processo de emersão.

Nessa trilha disposta é que se encontra a pretensão caudatária de uma

densa e sólida pesquisa acerca dos Fundamentos do Serviço Social e/ou Trabalho

Social1 na América Latina e no Caribe, de modo a mergulhar nos meandros

1 Em face das diferenças terminológicas nos países da América Latina, quando mencionados, os termos Serviço Social e Assistente Social, neste trabalho, também correspondem a Trabalho Social e Trabalhador Social, respectivamente. Embora a tradução do termo seja inadequada e imprecisa, uma vez que, como se verá no Capítulo 5 deste trabalho, a trajetória e o significado social da profissão são atrelados à dinâmica concreta do processo sócio-histórico de cada país, entende-se que se tornaria didaticamente repetitiva a reprodução das duas formas sempre que a referência fosse em termos genéricos. Por isso, quando a referência for respectiva à América Latina, utilizar- -se-á Serviço Social, e, quando a menção for relativa aos países, será usada a terminologia designada em cada um.

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

18

obscuros que os condicionantes sócio-históricos denotam à (re)configuração

profissional e, consecutivamente, analisar as particularidades, aproximações ou

dissensões conceituais, epistemológicas e axiológicas oriundas desse processo.

Tais indagações e curiosidades partem de interesses prévios sobre a

temática, ao passo que os debates tecidos durante pesquisa documental realizada

nos Planos Educacionais do Mercado Comum do Sul (Mercosul) para a elaboração

da Dissertação de Mestrado2 elucidaram que a educação tem vínculo estrito com a

formação para o mercado, não expressando ações significativas em defesa de uma

educação crítica. Essa contradição percebida ao final da pesquisa suscitou o

interesse em pesquisar se os Fundamentos do Serviço Social e/ou Trabalho Social

na América Latina refletem um perfil profissional que corrobora essa prerrogativa

mercadológica (vinculada a ratificar a ordem), ou se a supera, por não se restringir a

ele, mas se, em contrapartida, desenvolve competências profissionais para

apreender criticamente as estratégias de fetichização, à luz de uma filiação teórico-

-metodológica coadjuvante de projeto societário coletivo e amplamente democrático.

Mormente, desde o início das atividades docentes, as disciplinas de

Fundamentos do Serviço Social eram vistas sob a ótica de conteúdos chatos,

densos, históricos, cronológicos e com pouco significado para a profissão

contemporaneamente. Para romper com esses equívocos teórico-conceituais,

ministrar as disciplinas de Fundamentos tornou-se um grande desafio, porque

superar tal concepção entranhada exige o uso de recursos didático-pedagógicos que

não faziam parte da formação docente, uma vez que era preciso romper com

preconcepções rotuladoras dessas disciplinas.

Os esforços empreendidos para problematizar as bases da profissão e sua

relação orgânica com a realidade, à luz de uma teoria social, resultaram no interesse

em estudar a temática, para qualificar os processos interventivos em sala de aula,

de modo a demonstrar a centralidade desses conteúdos no processo de formação e

sua transversalidade para a clareza teórico-metodológica, ético-política e técnico-

2 Esta tese está diretamente articulada à Dissertação de Mestrado intitulada O Processo Contraditório da Educação no Contexto do Mercosul: uma análise a partir dos Planos Educacionais, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, no ano de 2008, cujo objetivo foi identificar e analisar como as diretrizes educacionais vinham sendo discutidas no Mercosul, com ênfase nos quatro países-membros iniciais, de modo a esclarecer a concepção de educação, as estratégias e as propostas trazidas pelos Planos de Educação.

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

19

-operativa da direção social e política dessa profissão no trabalho profissional, em

tempos de capital fetiche.

Nesse processo, percebeu-se que as produções de referência para o estudo

dos Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no Caribe, além de pífias,

eram (são) pouco consistentes em face da relevância dos conteúdos, em que pese o

fato de, no Brasil, as produções sobre o Serviço Social serem densas, porém

diminutas, se comparadas às resultantes de investigações no campo das políticas

sociais. Atrelada a isso, a militância junto a entidades organizativas da profissão3

permitiu perceber que a lacuna aberta pelo estudo linear dos “fundamentos” tem

reflexos nos processos interventivos, desde o entendimento das competências e

atribuições que lhes são particulares até o sentimento de não pertencimento, de

desnecessariedade de participar das lutas empreendidas pelas entidades, de

descrédito ao projeto de formação em Serviço Social e à sua clara posição teórico-

crítica e de não partilhamento da direção hegemônica constituída coletivamente pela

categoria profissional.

Ao entender-se que esses elementos supracitados perpassam, sem rodeios,

os “fundamentos”, a temática passou a ter vínculo profissional estrito com a

pesquisadora, e vice-versa, uma vez que tanto o mestrado quanto a docência e a

militância política conduziram ao que e por que pesquisar.

Vinculando-se à linha de pesquisa Serviço Social e Processos de Trabalho

do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em nível de Doutorado, o trabalho tem

conexão estrita com o Programa de Pós-Graduação, uma vez que a linha de

pesquisa supracitada apresenta longa trajetória de estudos na temática e em seus

atinentes. Além disso, acredita-se que a presente proposta pode contribuir com a

ampliação das problematizações que ora serão apresentadas, além de canalizar

para um estudo mais aproximativo da realidade latino-americana, na medida em que

poderá tornar-se eixo condutor de convênios e intercâmbios com universidades (e

seus pesquisadores) da região.

Para isso, coopera também a parceria acadêmica internacional entre o

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS e a Universidad

3 Na condição de Coordenadora de Graduação da Região Sul I da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) na gestão 2012-14 e no Conselho Regional de Serviço Social (Cress), na gestão 2014-17.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

20

Complutense de Madrid (Espanha), a qual possibilitou a realização de estágio-

-sanduíche junto ao Departamento de Trabalho Social, realizado de janeiro a junho

de 2015, sob orientação do Professor Doutor César Rendueles. A experiência

possibilitou problematizar eixos transversais ao objeto com diversos pesquisadores

da área, filiados ou não à mesma opção teórico-metodológica da pesquisadora;

acessar bibliografias de restrito manuseio na região latino-americana; adensar

análises sociológicas acerca da emergência da profissão em nível mundial, assim

como da relação entre Igreja Católica e Serviço Social; e, de modo inconteste,

reafirmar a opção epistemológica escolhida para decodificar o objeto de estudo.

Sob esses pressupostos, tem-se nitidez que os desafios de pesquisar essa

temática estão postos. Entretanto, reconhece-se sua importância, dadas as

contribuições que o estudo pode trazer ao reconhecimento dos Fundamentos do

Serviço Social, das aproximações, particularidades e dissensões entre os países,

assim como poderá extrapolar as zonas de fronteira geográfica, ampliar

possibilidades de discussões sobre a profissão e construir estratégias coletivas para

troca de experiências e de conhecimentos, intercâmbios e/ou mobilidade acadêmica

e fortalecimento profissional com direção política em tempos de contradições sociais

exacerbadas.

1.2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

À luz de uma análise histórica e dialética do tema Fundamentos do Serviço

Social na América Latina e no Caribe, o objetivo geral traçado para o presente

trabalho é analisar os condicionantes histórico-profissionais dos Fundamentos do

Serviço Social na América Latina e no Caribe, a fim de desvendar as

particularidades, aproximações e dissensões conceituais, epistemológicas e

axiológicas que sustentam os fundamentos da profissão no Brasil, no Chile e em

Cuba, pós Movimento de Reconceituação.

Para atingir esse objetivo geral, elegeram-se três objetivos específicos:

a) investigar os processos socioprofissionais do Serviço Social na América

Latina e no Caribe, com ênfase em dois eixos fulcrais, a gênese e o

Movimento de Reconceituação latino-americano;

b) mapear a(s) base(s) teórico-política(s) hegemônica(s) após o Movimento

de Reconceituação, no Serviço Social brasileiro, no chileno e no cubano,

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

21

de modo a aclarar as suas bases conceituais, epistemológicas e

axiológicas;

c) elucidar as particularidades, aproximações e dissensões que permeiam os

Fundamentos do Serviço Social brasileiro, do chileno e do cubano pós

Movimento de Reconceituação, no intento de constituir uma síntese

(dialética) relacional entre os países.

Para desocultamento do objeto de investigação, os critérios de seleção dos

países pesquisados na América Latina e no Caribe levaram em conta os cenários

político, econômico e cultural, uma vez que (re)configuram a vida social e,

consecutivamente, a organização e a gestão do trabalho, das profissões e da

formação profissional. Assim, a escolha deu-se de forma intencional, optando-se

por: (a) o lócus onde a pesquisadora se encontra, o Brasil; (b) o Chile, por ser o país

pioneiro na formação em Serviço Social, na América Latina, além de ser o precursor

do ideário neoliberal; e (c) Cuba, pela organização político-administrativa, que

suscita uma direção social e política mais próxima àquilo que almejam,

hegemonicamente, os Assistentes Sociais brasileiros.

Nessa trama, para percorrer o possível produto do problema e os objetivos

da pesquisa, a escolha teórico-metodológica implicou a definição de subsídios que

orientassem o conjunto de questões a serem refletidas e desvendadas no âmbito de

inserção do objeto e das diferentes determinações que o circunscrevem. Buscou-se

garantir a cientificidade do trabalho, a objetividade do conhecimento e a

intencionalidade da pesquisadora frente ao objeto de estudo, tendo no método a

indicação do caminho a ser seguido no processo de pesquisa e/ou investigação.

Baseado nisso, o teor analítico desta produção fundamenta-se na

perspectiva marxiana (e no método materialista histórico e dialético), na medida em

que possibilitou percorrer um caminho investigativo e expositivo que não cerceia as

implicações econômicas, sociais e ideopolíticas do objeto de estudo. Frente a isso,

afigura-se ser o mais adequado, porque propõe efetuar a análise do objeto de

pesquisa a partir de suas múltiplas determinações e de sua conexão com a

totalidade, pois “[...] as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas

em movimento; nenhuma coisa está ‘acabada’, encontrando-se sempre em via de se

transformar, desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro”

(LAKATOS; MARCONI, 2007, p. 83).

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

22

O método materialista histórico e dialético, diferentemente de como muitos o

concebem, não expressa regras formais de análise e/ou leitura da realidade ou um

manual operativo. O que ele possibilita é a captura do movimento e da dinâmica do

objeto, no intento de desvendar as contradições que o circunscrevem e fugir do

empirismo positivista, o qual tende a fazer uma relação exterior e aparente entre

objetos distintos.

Nesse cenário apresentado, o método implicou buscar a captura da

totalidade do objeto (que não significa estar certo ou errado, mas aquilo que se

apresenta como factível), de conexões indissociáveis entre o singular (a forma como

o universal se expressa) e o universal e sua historicidade (que não denota apenas a

história, mas o movimento empreendido e o reconhecimento da processualidade),

para construir mediações que possibilitem o desvelamento do real em suas

elementares determinações.

À luz do materialismo histórico e dialético, a presente pesquisa, de caráter

exploratório, pressupõe, coerentemente com o método, o enfoque misto de

pesquisa, tendo em vista que não admite o divórcio entre quantidade e qualidade,

mas, sim, a conjugação de ambas para investigação e exposição do objeto de

estudo. “Por isso, é mais do que uma simples coleta e análise dos dois tipos de

dados; envolve também o uso das suas abordagens em conjunto [...]” (CRESWELL,

2010, p. 27).

O enfoque misto permitiu apreender o movimento do real, na medida em que

“[...] a intervenção da quantidade na qualidade faz do ser qualitativo um concreto, a

unidade de uma multiplicidade” (LEFEBVRE, 1991, p. 213). A conjugação entre

qualidade e quantidade, enquanto uma das leis da dialética, introduz a perspectiva

de processualidade e de mudança ininterrupta da concretude, tornando o devir

“contínuo e descontínuo” (LEFEBVRE, 1991, p. 213). Dessa forma, na pesquisa ora

proposta, os dados quantitativos e qualitativos têm atribuições de peso diferentes,

com ênfase4 no qualitativo; mesmo assim, são combinados e, para dinamizar o

tempo, foram coletados simultaneamente, de forma que as fases da pesquisa

fossem interligadas (desde a coleta até a análise) (CRESWELL, 2010).

Para o desenvolvimento da investigação, adotou-se um conjunto de

procedimentos metodológicos, os quais foram elementares para o alcance dos

4 Parafraseando Baptista (1999, p. 34), “[...] a questão é de ênfase e não de exclusividade e/ou divergência”.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

23

objetivos traçados para a tese, assim listados: (a) revisão bibliográfica, (b) pesquisa

bibliográfica e documental, (c) exploração documental e bibliográfica (com uso de

roteiro norteador) e (d) uso da técnica de análise de conteúdo.

A partir disso, como fontes de informações da revisão bibliográfica,

utilizaram-se materiais que versam sobre história, teoria e método dos países

selecionados, tendo em vista que influem no significado sócio-histórico da profissão

e na direção social e política que a sustenta. Para tanto, consideraram-se materiais

as produções publicadas e de livre circulação sobre o objeto, disponíveis na forma

impressa, magnética ou eletrônica, como revistas, periódicos, coletâneas de artigos,

livros, anais de eventos e encontros científicos, publicações de entidades

profissionais e teses e dissertações.

Num segundo momento, foi realizada a pesquisa bibliográfica e documental,

basicamente, na forma on line, de modo a constituir o mapa de fontes de informação

analítica. Nessa fase, inúmeros desafios foram encontrados, uma vez que Cuba

dispõe de poucas publicações em rede (internet) e os materiais chilenos não

subsidiavam precisões, sobretudo no que se refere às diferenças terminológicas

auferidas nos diferentes níveis de formação, que, neste trabalho, eram essenciais

para apreender a partir de que bases estão configurados os fundamentos. Diante

disso, a respeito de Cuba, recorreu-se a colegas que estão realizando pesquisas

financiadas em Cuba e dispunham de amplo material impresso e eletrônico sobre o

país insular, inclusive no prelo; quanto ao Chile, o percurso foi ainda mais complexo.

Embora de posse da indicação das fontes onde se poderiam esclarecer as dúvidas e

os eixos centrais de análise, as mesmas não estavam disponíveis, on line, na

íntegra. O primeiro recurso utilizado foi participar de um chat interativo de

profissionais Assistentes Sociais e Trabalhadores Sociais chilenos, de modo a tentar

aproximar-se das determinações que se mostravam ocultas. Não atingido o intento,

a alternativa foi recorrer a contatos com colegas chilenos, com os quais já tinham

sido estabelecidos contatos informais. Nesse momento, ficou explícito que o que se

revelava como imbróglio ao desocultamento tampouco parecia teoricamente claro

nesses contatos realizados. Diante disso, foi tomada a decisão de viajar até o Chile,

para acessar materiais impressos e contatar com as pessoas que poderiam indicar

onde encontrá-los, a qual teve êxito. Em visita à primeira Escola Católica da América

Latina e do Caribe, foram postos à disposição bibliografias e documentos originais,

além de contatos eletrônicos de pesquisadores dos Fundamentos do Trabalho

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

24

Social chileno. Em posse dos materiais, o passo seguinte foi selecionar aqueles que

versavam sobre o processo sócio-histórico do Serviço Social no país e suas bases

teórico-políticas.

Preparado o mapa bibliográfico e documental, iniciou-se a fase de

exploração prévia dos materiais, a partir de roteiro norteador5, para organizar as

informações em blocos de análise e refutar o que não estava sendo objetivado.

Inicialmente, foi realizada uma testagem, para averiguar e revisar o instrumento, a

fim de torná-lo válido à exploração.

De posse da grade de análise, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo,

no intento de, além de decodificar as informações, realizar inferências em liame com

a matriz teórico-metodológica elucidada. O uso da técnica buscou interpretar em

profundidade o que foi obtido, de forma a entender criticamente seu conteúdo

manifesto e latente. “A análise significa buscar o sentido mais explicativo dos

resultados da pesquisa” (BARROS; LEHFELD, 1990, p. 87), na medida em que

elucida as contradições que permeiam o objeto, seu processo sócio-histórico (e

devir) e a sua interconexão com o universal e vice-versa. Em outros termos, a

análise de conteúdo possibilita extrair dos materiais coletados aquilo que se traduz

em subsídios para analisar as múltiplas determinações do objeto de investigação.

Em síntese, a utilização da técnica foi processada a partir de três etapas

organizadas cronologicamente (BARDIN, 2009):

- em primeiro lugar, na pré-análise, tratou-se da organização do material. Por

ser uma fase inicial, tornou-se indispensável, porque pressupõe a

sistematização de ideias para a elaboração de um esquema preciso de

pesquisa para a constituição do corpus analítico. Como permitiu um contato

prévio com o material (mesmo que superficial), essa fase ensejou

reconhecer se as informações estavam implícitas ou explícitas e como

estavam expressas;

- em segundo lugar, na exploração do material, o mesmo, já organizado, foi

submetido a um estudo aprofundado a partir do substrato temático e teórico

da pesquisa. “Esta fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente em

operações de codificação, decomposição e enumeração.” (BARDIN, 2009,

p. 127). A codificação traduziu-se pela transformação das informações

5 Ver Apêndice.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

25

“brutas” dos materiais na representação do conteúdo neles contidos, via

unidades de registro6 e de contexto7, as quais permitiram elencar a partir

de que elementos poder-se-iam realizar as inferências;

- em terceiro lugar, no tratamento dos resultados, as informações adquiridas

foram relacionadas ao corpus teórico-metodológico da pesquisa e àquilo

que, inicialmente, se elencou para analisar (seu por que). Isso implicou a

passagem das informações brutas a inferências sólidas, a exposição.

No contexto aludido, optou-se por fazer a representação de algumas

informações em tabelas, quadros e figuras, pois permitem visualizar e ilustrar, de

modo sistematizado, os indicadores de análise, ao passo que se propõe a ser

original e contribuir com a produção do conhecimento na área de concentração, ao

apresentar uma proposta de pesquisa que requer “[...] um labor artesanal, que não

se prescinde da criatividade, se realiza fundamentalmente por uma linguagem

fundada em conceitos, proposições, métodos [...]” (MINAYO, 1994, p. 25).

Nesse processo, o compromisso com os aspectos éticos e a fidedignidade

das informações pressupôs a avaliação do projeto de pesquisa pela Comissão

Científica do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS, sendo

dispensado do Comitê de Ética, devido ao caráter público das fontes de informação.

Por fim, após a defesa da tese, será feito o caminho volta, de modo a

socializar os conhecimentos produzidos e devolver os resultados, para subsidiar

novos materiais de consulta na abordagem dos Fundamentos do Serviço Social.

Para tanto, será realizada a sua publicação em eventos e periódicos, de modo a

fortalecer as articulações profissionais e as discussões sobre a temática, além de ser

disponibilizada, em formatos eletrônico e impresso, na Biblioteca Central da PUCRS.

6 “Unidade de registro é a unidade de significação a codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando à categorização [...]” (BARDIN, 2009, p. 130).

7 “A unidade de contexto serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registro) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da unidade de registro. [...]. Com efeito, em muitos casos, torna-se necessário fazer (conscientemente) referência ao contexto próximo ou longuínquo da unidade a registrar” (BARDIN, 2009, p. 133).

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

26

1.3 ORGANIZAÇÃO DA TESE

O percurso metodológico elencando conduziu a um processo investigativo

que apresenta como produto a seguinte tese:

- Os Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no Caribe

elucidam traços comuns na gênese profissional, mas a produção e a

reprodução da vida social dimanam particularidades sociopolíticas

aos países, as quais conferem configuração particular à profissão em

face da processual e orgânica relação com a realidade e à sua

concreção como trabalho profissional. São esses mesmos

condicionantes — que além de históricos-profissionais, são políticos,

econômicos e sociais — que interpõem, no corpus dos Fundamentos,

a necessária apropriação das matrizes de conhecimento do social e

do movimento da sociedade nacional, para projetar direção social e

política ao trabalho profissional, seja por viés conservador, seja

emancipatório.

O desdobramento da referida tese encontra-se organizado em seis

capítulos, incluindo as considerações inicias, que constituem o primeiro, este, que

enumera as motivações que conduziram a esse objeto; o percurso metodológico da

pesquisa, com a indicação do tipo de pesquisa, do método e das técnicas de análise

das informações; e, por fim, a tese que atribui razão de ser e existir deste trabalho,

que se encontra dissolvida nos capítulos ulteriores.

No Capítulo 2, Os Fundamentos Epistemológicos do Objeto de Estudo,

a análise ancora-se no objeto de estudo, com o fito de demonstrar o que se entende

por formação profissional e o conceito de Fundamentos do Serviço Social, que se

ousa criar. De forma associada, destrincha-se o conceito em três grandes categorias

(história, teoria e método), à luz do marxismo, para elucidar, explicitamente, a

condução da análise nos capítulos que seguem e, de modo particular, anunciar a

dinamicidade escolhida para tornar concreta a proposta deste trabalho, uma vez que

a linearidade analítica não coaduna tanto com a proposição aqui disposta, quanto

com a intencionalidade da pesquisadora.

O lócus geográfico, econômico, político e social do ponto de partida

encontra-se no Capítulo 3, Particularidades Históricas e Conjunturais da

América Latina e do Caribe: o lócus de análise, no qual se conjugam esforços

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

27

para realizar análise conjuntural da América Latina e do Caribe, de modo a designar

o solo histórico de análise dos Capítulos 4 e 5. Busca-se evidenciar os

condicionantes da histórica dependência latino-americana e apontar indicadores que

representam a realidade recrudescida da região e, elementarmente, a representação

em dados dos impactos sociais e educacionais desse processo.

Com suporte nessas bases sociopolíticas, no Capítulo 4, Os

Condicionantes Histórico-Profissionais dos Fundamentos do Serviço Social na

América Latina e no Caribe: elementos comuns de trajetórias profissionais

distintas, adentra-se às particularidades histórico-profissionais do Serviço Social na

região latino-americana e caribenha, sustentado pelo debate sobre que lado do

Atlântico corresponde ao feito da emergência do Serviço Social no Mundo. A partir

disso, a proeminência está atrelada a elementos que se revelaram comuns à região,

mas que, ulteriormente, conduziram a trajetórias profissionais distintas nos países

pesquisados: a gênese da profissão — com seus traços doutrinário-filosóficos —, os

fatores que guiaram a sua expansão, o Movimento de Reconceituação e seus

legados.

O Capítulo 5, Os Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no

Caribe Pós-Movimento de Reconceituação: em evidência, Brasil, Chile e Cuba,

essencial como os demais, detém-se em imergir nas particularidades histórico-

-profissionais do Serviço Social no Brasil, no Chile e em Cuba, cujo intuito é analisar

os caminhos trilhados no pós-Movimento de Reconceituação e, sobretudo, canalizar

esforços de constituição de uma síntese relacional que evidencie as aproximações e

dissensões entre os países intencionalmente selecionados.

Busca-se, com isso, no Capítulo 6, tecer conclusões que se revelam tão

provisórias quanto as novas indagações e incursões que surgem nesse processo, ao

mesmo tempo em que se procura apontar possíveis caminhos e tendências num

momento profícuo em que recém se comemoraram 90 anos da profissão na América

Latina e no Caribe e, dessa forma, lançar a improtelável necessidade de continuar a

mergulhar nas profundezas desse oportuno debate.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

28

2 OS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DO OBJETO DE ESTUDO

No compasso e no descompasso das transformações imperadas no bojo

societário e da rápida obsolescência dos conhecimentos, os esteios que sustentam

o trabalho profissional e as particularidades que o Serviço Social assume na divisão

social e técnica do trabalho têm estreito eco com a dinamicidade da vida social,

galvanizada pelos condicionantes econômicos, políticos e ideológicos expressos sob

a órbita do capital. Em face disso, há que se considerar que as múltiplas

determinações em que a profissão se encontra circunscrita revelam tanto a

concreção do trabalho profissional quanto os dilemas delas decorrentes, os quais,

associados, denotam “[...] o dimensionamento do significado do trabalho do

assistente social no processo de reprodução das relações sociais” (IAMAMOTO,

2010, p. 333).

O desdobramento disposto nessa conjuntura impõe a inconteste

necessidade de tratar o Serviço Social como indissociado dos processos de

continuidades e rupturas infligidos ao conjunto dos trabalhadores no marco da

sociabilidade burguesa. Sem titubeios, frente às injunções dimanadas pela pressão

do capital, em crise, a profissão deve ser apreendida

[...] na sua ligação com o contexto geral da sociedade. Entende-se que a formação profissional vigente imprime ao conteúdo profissional uma ideologia e uma intenção, implícita e explícita. Isto é, a história do Serviço Social está em articulação com a história dos processos econômicos, das classes e das próprias ciências sociais (SILVA, 1995, p. 35).

Nessa ótica, o presente capítulo pretende assentar as bases

epistemológicas do objeto de estudo, na medida em que se debruça a dialogar sobre

a formação profissional em Serviço Social no solo sócio-histórico hodierno e, nessa

esteira, a desocultar as bases teórico-metodológicas e ideopolíticas em que se

alicerçam os fundamentos (epistemológicos) de análise. O desígnio é, de forma

conceitual, elucubrar acerca dos elementos que conformam o conceito de

fundamentos, sob o aparato teórico marxiano, que sustenta as análises dos

capítulos subsequentes.

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

29

2.1 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO SOLO SÓCIO-

-HITÓRICO CONTEMPORÂNEO

Em tempos de aprofundamento das fraturas sociais e de tendências

regressivas na asseveração de conquistas históricas por parte da classe

trabalhadora, o ponto de partida deste trabalho é o diálogo sobre a formação

profissional em Serviço Social, no universo dinâmico e contraditório das relações

sociais capitalistas. Todavia, abordá-la pressupõe considerá-la no contexto das

condições emergentes no processo social, das múltiplas determinações que

involucram as particularidades profissionais, densas de conteúdo histórico, dos

rebatimentos impressos à inserção sócio-ocupacional no reconfigurado mundo do

trabalho, dada sua condição de assalariamento, do seu necessário atrelamento às

resistências emanadas dos planos de lutas do conjunto dos trabalhadores na

interface com outras categorias e outros atores sociais, do caráter contraditório

atribuído à educação (de graduação e pós-graduação), uma vez que assume

dimensão utilitária ao projeto hegemônico, ao dimanar uma necessária população

supérflua e subsidiária, sendo, ao mesmo tempo, o lócus privilegiado da produção

do conhecimento.

Travejada por essas (contra)tendências, a formação não é aqui entendida

como sinônimo de “ensinar fazer” Serviço Social, pois nela se encontram implicadas

habilidades, competências e as atitudes investigativa, propositiva, ética e

democrática como pressupostos de ruptura com uma visão conservadora e

endogenista da profissão, “[...] evitando continuar pensando o Serviço Social pelo

Serviço Social e no Serviço Social” (SANTOS, 2011, p. 28, grifos do autor), ou,

como refere Montaño (2011a, p. 19-20), sustentando o Serviço Social como

“evolução, organização e profissionalização das formas ‘anteriores’ de ajuda,

caridade e da filantropia, vinculada agora à intervenção na ‘questão social’”. Mesmo

perfilhando que a profissão foi criada para atender às necessidades do capital —

num período histórico em que a classe trabalhadora se organizava e estava

aglutinada pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, no tempo em que as

contradições entre capital e trabalho começavam a se explicitar —, esse processo

implica a superação do não reconhecimento da profissão como trabalho assalariado,

das influências da Igreja e das ações caritativas, que conduziam a visões

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

30

messiânicas do trabalho profissional, e da orientação positivista, que pressupunha a

não percepção dos aspectos políticos, da contradição e da diversidade.

Com perfil sustentado em linhas teóricas, éticas e políticas, entende-se que

a formação deve romper com seus muros internos e superar os equívocos,

comumente recordados, de que o conhecimento teórico se basta por ele mesmo e

de que não subsidia a intervenção crítica, consentida com a realidade. Iamamoto

(2010, p. 240), ao tecer considerações sobre as conquistas e os desafios da

profissão em tempos de capital fetiche, refere que, no âmbito da formação

profissional,

[...] a formação teórica não pode silenciar a capacitação voltada às competências e habilidades requeridas para o desempenho do trabalho prático-profissional, que, resguardando um domínio teórico-metodológico e um direcionamento ético-político, se traduzam na construção de respostas às demandas postas ao assistente social — o que não se identifica com a imersão no terreno dos imediatismos. Trata-se, ao contrário, de conjugar as ações imediatas com as projeções de médio e longo curso [...].

Nesse cenário, mostra-se imperativo exercitar a capacidade de apreensão

(a) do significado sócio-histórico da profissão, de modo a percebê-la como partícipe

das relações sociais; (b) das particularidades interventivas, explicitando a

diferenciação de um “profissional que faz de tudo” de um “mero burocrata”; (c) da

necessidade social da profissão, a partir das demandas postas a ela; (d) do trabalho

profissional ético e político, calcado numa formação alicerçada em bases teórico-

-metodológicas sólidas, capazes de subsidiar o alcance dos objetivos profissionais; e

(e) dos processos econômicos, políticos, sociais e culturais da sociedade, aqui

representada pela latino-americana e caribenha, em suas expressões contraditórias.

Na América Latina, apesar (a) da gênese do Serviço Social ter sido

majoritariamente influenciada pela incorporação de referenciais exógenos à

realidade nos processos formativos e interventivos, sob uma requisição profissional

do Estado para trabalhar com as demandas sociais, e (b) de ter como marco o

Movimento de Reconceituação, a profissão assumiu trajetórias, perfis e significados

diferenciados, principalmente após a abertura democrática, quando se evidenciou

uma “nova realidade” política nos países, cujos processos sócio-históricos

redirecionaram o desenvolvimento da profissão na região latino-americana.

O hiato autocrático-burguês de aproximadamente duas décadas expressou a

necessidade de reestruturação da profissão na América Latina, e, em muitos países,

a estratégia “[...] foi o retorno ao passado: foram reinstituídos os docentes e

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

31

autoridades, anteriores às ditaduras, reimplantados os currículos antigos (dos anos

60, na melhor das hipóteses) e reintroduzida a bibliografia de referência dos inícios

da reconceituação, como textos ‘atuais’” (MONTAÑO, 2009, p. 134). Todavia, aponta

Alayón (2009, p. 2, tradução nossa):

Em muitos países, as condições impostas pelos processos de ditaduras militares fizeram retroceder. Em outras latitudes do continente, as maiores possibilidades de expressão e, logo, os diversos processos de transição democrática que se foram irradiando colocaram a necessidade de repensar e revalorizar os insuficientes esforços dos chamados “Estados de bem-

-estar”8.

Sobretudo, países como o Brasil, pós reinstituição democrática,

despontaram na produção do conhecimento, fruto da ampliação e da qualificação

dos programas de pós-graduação na área, que tomaram como objeto de pesquisa o

campo social. Desde os anos 70 do século XX, década em que foi criado o primeiro

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social,9 até hoje, percebem-se o

florescimento e a consolidação de um amplo leque de temas nas pesquisas em

Serviço Social, o que sinaliza o avanço significativo da produção do conhecimento

na área, seja pelo rigor teórico, histórico e metodológico da realidade social e do

Serviço Social, seja pela ampliação do conhecimento sobre os processos sociais

contemporâneos (SIMIONATTO, 2004).

Entretanto, em termos de América Latina, percebe-se a pós-graduação

stricto sensu ainda muito jovem, com necessidade de: formação e qualificação de

docentes e/ou pesquisadores; superação da precariedade institucional, cuja primazia

é de professores horistas; sobrepujamento da quase-inexistência de órgãos de

regulação e fomento da pós-graduação e da pesquisa; eliminação das dificuldades

com estruturas institucionais de pesquisa (MONTAÑO, 2011b); e combate à situação

de ausência de pós-graduação (stricto sensu) na área, em 11 dos 20 países da

América Latina e do Caribe, apontados no Quadro 1,10 no qual também se visualiza

8 No original: “En muchos países, las condiciones que imponían los procesos de dictaduras cívico- -militares nos hicieron retroceder. En otras latitudes del continente, las mayores posibilidades de expresión y luego los diversos procesos de recuperación democrática que se fueron irradiando, nos colocaron en los umbrales de volver a repensar y revalorizar los insuficientes esfuerzos de los llamados ‘estados de bienestar’” (ALAYÓN, 2009, p. 2).

9 Essa questão será retomada no item “5.1.1 O Serviço Social brasileiro como lócus de partida”.

10 Carlos Montaño, no artigo A Pós-Graduação e a Pesquisa no Serviço Social Latino-Americano:

uma primeira aproximação (MONTAÑO, 2011b), apresenta, nos Apêndices, um quadro representativo da pós-graduação nos países da América Latina. Ao invés de utilizar o quadro do referido autor, optou- -se por usar os resultados da pesquisa realizada à aproximação do objeto de estudo dessa tese, entre os meses de março e dezembro de 2013, por haver divergências com os dados do autor, uma vez que seu artigo é de 2011.

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

32

que apenas cinco países dispõem de doutorado (e mestrado) na área e outros cinco

possuem apenas mestrado.

Quadro 1 — Existência de pós-graduação stricto sensu em Serviço Social na América Latina e no Caribe — 2013

PAÍSES PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO

SOCIAL

Argentina Possui mestrado e doutorado

Bolívia Não possui

Brasil Possui mestrado e doutorado

Chile Possui mestrado

Colômbia Possui mestrado

Costa Rica Possui mestrado

Cuba Não possui

El Salvador Não possui

Equador Não possui

Guatemala Possui mestrado

Haiti Não possui

Honduras Possui mestrado

México Possui mestrado e doutorado

Nicarágua Não possui

Panamá Não possui

Paraguai Não possui

Peru Não possui

Porto Rico Possui mestrado e doutorado

República Dominicana Possui mestrado

Uruguai Possui mestrado e doutorado

Venezuela Não possui

Essa realidade da pós-graduação é tributária do próprio Serviço Social em

cada país da região, que, inegavelmente, traça caminhos peculiares à sua inserção

e ao seu reconhecimento como profissão no mundo do trabalho assalariado e

partícipe das relações contraditórias na sociedade capitalista. A pós-graduação,

além de constituir-se como um notório lócus de produção do conhecimento, revela

inconteste contribuição ao adensamento da

[...] intervenção na realidade através da construção de uma cultura intelectual, de cariz teórico-metodológico crítico, redefinindo a sua representação intelectual e social até então caracterizada, prioritariamente, pelo exercício profissional, no qual a dimensão interventiva tinha primazia sobre o estatuto intelectual e teórico da profissão (MOTA, 2013, p. 18).

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

33

É a partir desse movimento permanente que a profissão se mostra

inacabada e cada vez mais “viva” na contemporaneidade. Destarte, é necessário

reafirmar constantemente essa perspectiva sustentada pela produção do

conhecimento oriunda de temas fincados na própria realidade (inclusive acadêmica),

para não endossar a ruptura entre o trabalho profissional e as pesquisas realizadas

por profissionais inseridos ou não em âmbito acadêmico.

A postura investigativa é necessária pra descortinar as armadilhas da vida cotidiana, passo crucial e insubstituível para uma intervenção profissional crítica, propositiva e, portanto, não repetitiva. Sem este entendimento, o profissional de Serviço Social não exerce seu papel como sujeito histórico possível e, dessa forma, não coloca em movimento as possibilidades históricas de transformação inscritas na própria realidade. (SILVA, 2007, p. 292).

Em termos graduados ou pós-graduados, elucubrar acerca da formação

profissional à luz do marxismo e apreender os processos sociais em sua

multidimensionalidade, como uma totalidade que é inacabada, provisória,

movimento, mutação e devir, dá uma guinada qualitativa no significado do “homem”

para o Serviço Social, na medida em que institui mecanismos que possibilitam o

rompimento com as condutas psicologizantes, de culpabilização dos sujeitos, dado

que

[...] não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pela contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção (MARX, 2003, p. 6).

Entender a realidade social como fruto de contradições dos processos de

(re)produção social, a partir de uma perspectiva crítica e dialética de leitura dos

processos sociais de que os sujeitos participam, traduz-se em fundamento

epistemológico que sintoniza a passagem do aparente, do imediato, do dado, do

messiânico, do mero assistencial à apreensão da essência do objeto real, para

constituir mediações para a construção de intervenções que vislumbram fomentar

“pequenas convulsões revolucionárias”, para se tecer um trabalho profissional

orientado a uma práxis revolucionária (MARX; ENGELS, 2006).

Portanto, trata-se de apreender o marxismo no Serviço Social enquanto

direção política, enquanto teoria que ilumina a percepção da condição de classe e

dos processos de reificação e alienação do trabalhador, pelo quais, fomentado pelo

dialético metabolismo social do capital, conduza à superação dos limites dispostos

pelo seu vínculo orgânico com a venda da força de trabalho e ao alargamento dos

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

34

horizontes em face de um aclarado projeto mais amplo de transformação social. A

matriz teórica, nesse sentido, não é simplesmente uma preferência aleatória, mas

uma filiação política para decodificar criticamente a realidade e organizar o

pensamento, para formular estratégias e mediações direcionadas a responder de

forma qualificada às demandas sociais e institucionais, em vista de um projeto que

ultrapassa as barreiras corporativo-profissionais e alcança o conjunto social.

O que historicamente tem sido pretexto de subalternização da profissão, a

partir dessa apreensão, torna-se ponto de partida e de chegada do trabalho

profissional, porque somente encontra condições objetivas quando, à luz do

pensamento marxista, se debruça no deciframento do arsenal de contradições com

que a profissão lida cotidianamente. Contudo, mesmo que se apresente como um

constante desafio ao Serviço Social, essa apreensão traduz a necessidade de um

denso e rigoroso trato teórico-prático pautado na apropriação da história, da teoria e

do método no Serviço Social, para a formação de uma massa crítica, a qual ratifica

profícuos (e imprescindíveis) abandonos de posturas pragmáticas, irrefletidas e

repetitivas.

Desse modo, a formação carece de tempo de adensamento, de reflexão

crítica, de argumentações teórico-práticas, de mediações para a apreensão do

método e sua objetivação, de correspondência dessas concepções com o

movimento do real e de aproximações sucessivas, de desvendamento da realidade

social, de estágio com qualidade (que tenha, de fato, um acompanhamento

supervisionado, que proporcione processos reflexivos críticos) e de tantos outros

indicadores que aqui se poderiam evidenciar.

A ruptura com falsos jargões11 ainda reproduzidos no Serviço Social

perpassa, inicialmente, esses fatores e a extrusão do ensino tradicional, pautado no

metodologismo, no teoricismo, nas abordagens desconectadas da realidade social,

na transmissão de conteúdos e nas abordagens interventivas em um ou em outro

setor ou política social, como se o objeto fosse ambíguo nos diferentes espaços

sociocupacionais, sem levar em conta o que (o objeto) apresenta expressões e

matizes particulares aos sujeitos na sua construção histórico-social.

11

Jargões que expressam a ideia de que, na prática, a teoria é outra; de que a teoria é diferente da prática; de que o que se aprende em sala de aula pouco subsidia o trabalho profissional, dentre outros.

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

35

Não basta explicar as contradições, mas reconhecer que elas possuem um fundamento, um ponto de partida nas próprias coisas, uma base objetiva real; na verdade, mostram que a realidade possui não apenas múltiplos aspectos, mas também aspectos cambiantes e antagônicos. O próprio homem só se desenvolve através das contradições. (PRATES, 2012, p. 122).

Mais do que a ruptura com análises pseudo-concretas e reflexões acríticas,

esse enredo formativo pressupõe o entendimento de que nada está fechado, pronto,

com receituário interventivo, mas supõe o deciframento do aparente, do que está

posto, do dado, do imediato e a inserção em lutas e enfrentamentos que

ultrapassam a pseudoneutralidade profissional. Isso perpassa uma densa e sólida

formação profissional, que aglutine o significado sócio-histórico dessa incorporação,

bem como os desafios impostos e suas implicações no cotidiano profissional.

Nessa ótica, o processo de formação profissional deve estar pautado

criticamente na constituição de condições objetivas para a defesa de um projeto de

caráter crítico, de modo a passar de um trabalho fetichizado e reiterativo para um

competente, que aglutine mediações entre as bases formativas (teórico-

-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas) e a operatividade do trabalho

profissional. Pautada nessa acepção, a perspectiva de formação profissional aqui

defendida inclui sucessivos esforços de abandono da incorporação de teorias e

técnicas conservadoras, para demarcar espaço para um rigoroso trato teórico,

histórico e metodológico da realidade social, cuja interface dialética se expressa na

concepção dos fundamentos da profissão.

Os Fundamentos do Serviço Social, apreendidos pelo eixo central história,

teoria e método, traduzem para a profissão a análise de seu desenvolvimento

atrelada aos processos sociais constitutivos da sociedade burguesa, do conjunto de

conhecimentos vinculados a projetos societários, de uma gama de mediações que

permite conhecer o real e desvendar as possibilidades de intervenção contidas na

realidade, e não sobre ela, assim como a formulação de respostas profissionais a

partir das múltiplas expressões da matéria-prima do trabalho profissional.

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

36

2.2 À GUISA CONCEITUAL: OS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL

Tal dimensionamento conceitual, teórico-crítico, introduz um reordenamento

na apreensão dos Fundamentos do Serviço Social, tendo em vista que, em

primeiro lugar, a história é apreendida como processo, na medida em que a

dinâmica da realidade social se traduz pela ação dos homens, e, logo, o Serviço

Social, elementarmente, deve acompanhar a dinâmica do processo social, pois é a

partir dele que seu objeto de trabalho e seus processos interventivos se

(re)configuram. Isso se deve ao fato de suas possibilidades de trabalho profissional

encontrarem-se inscritas na teia social, na realidade concreta e não sob ela, com um

olhar distanciado, formalista e pragmatista. Em segundo lugar, esse

redimensionamento inclui também a teoria, que possibilita tematizar a relação entre

profissão e realidade, além da posição da profissão acerca da última, uma vez que

norteia sua visão de homem e de mundo. É por intermédio da matriz teórica que a

profissão se vê e se coloca na dinâmica social, seja sob uma ótica conservadora,

que corrobora o status quo para instituir função subsidiária e “serviçal” da profissão à

ordem vigente, seja sob uma ótica revolucionária, que privilegia a luta de classes e

reconhece a produção e a reprodução das relações sociais, a disputa por interesses

antagônicos e a presença de forças sociais contraditórias, que precisam ser

apreendidas enquanto movimento orgânico do próprio modo de produção capitalista.

Essa contextualização é fundamental para sustentar o fomento à criação de

estratégias sociais e políticas coletivas de enfrentamento a essa dinâmica perversa

e para caminhar na perspectiva da construção de uma nova sociabilidade, cujos

sujeitos sociais possam usufruir da valoração humana ao reverso dessa lógica

capitalista reificada. Em terceiro lugar, o método, intrínseco à teoria social, enquanto

subsídio teórico-metodológico para apropriação e leitura da realidade, orientadas por

uma finalidade, ou seja, por sua teleologia, com vistas à direção social e política

hegemonicamente construída na profissão.

Esse eixo condutor (história, teoria e método) permite apreender como a

profissão se insere nas relações sociais e como se faz reconhecer socialmente, a

partir do seu significado, finalidade e direção social. Diante disso, a superação de

vieses mecanicistas e historicistas remete a um “[...] debate teórico-metodológico

que permita pensar a profissão no seu processo de constituição e desenvolvimento,

as exigências frente às transformações sócio-históricas, bem como a vinculação do

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

37

projeto profissional aos diferentes projetos societários em disputa” (SIMIONATTO,

2004, p. 33).

Yazbek (2009, p. 144, grifos nossos), ao colocar em debate os fundamentos

históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social brasileiro, assevera que

[...] é necessário assinalar que essa análise das principais tendências históricas e teórico-metodológicas da profissão, sobretudo nas três últimas décadas, não é tarefa fácil ou simples, pois exige o conhecimento do processo histórico de constituição das principais matrizes de conhecimento do social, do complexo movimento histórico da sociedade capitalista brasileira e do processo pelo qual o Serviço Social incorpora e elabora análises sobre a realidade em que se insere e explica sua própria intervenção.

Socialmente determinada por condições objetivas, a profissão (re)organiza-

-se a partir dos processos sócio-históricos que lhe descortinam as balizes

profissionais que configuram as respostas teórico-políticas e técnicas às demandas

que atribuem necessidade e utilidade social à profissão.

[...] a ruptura com o profissionalismo estreito, a implosão do “estritamente profissional”, a abertura para mais longe — para o amplo horizonte do movimento da sociedade — é que torna possível iluminar as próprias particularidades do Serviço Social, apreendendo-o na trama de relações que explicam sua gênese, seu desenvolvimento, seus limites e possibilidades; trama essa que condiciona o âmbito de alternativas que se apresentam aos sujeitos profissionais em cada momento conjuntural. (IAMAMOTO, 2005, p. 203-204, grifos do autor).

É nesse bojo de análise que, em síntese, se entendem por Fundamentos

do Serviço Social os elementos que (a) alicerçam e assentam as bases da

formação e do trabalho profissional ao longo de sua trajetória sócio-histórica e

(b) conferem configuração particular à profissão em face da processual e

orgânica relação com a realidade, interpondo-lhe a necessária apropriação das

matrizes de conhecimento do social e do movimento da sociedade para prover

de direção social e política o trabalho profissional, seja por viés conservador,

seja emancipatório.

Trabalho profissional esse que é requerido no bojo das contradições

inerentes à sociedade burguesa em sua fase monopólica, na qual o jogo de forças

político, econômico, social e ideológico entre classes antagônicas revelou a

apropriação desigual da riqueza socialmente produzida e a subsunção de uma

classe pela outra — do proletariado pela burguesia. Foi no momento em que a

classe operária exigiu o seu reconhecimento enquanto classe12 e se inseriu no

12

Momento em que transitou, segundo Marx, “da classe em si à classe para si”.

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

38

cenário político, expressando seu descontentamento para com as contradições

expressas no modo de produção capitalista, que o

[...] capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado [...] é permeável pelas demandas das classes subalternas [...] este processo é todo ele tensionado, não só pelas exigências da ordem monopólica, mas pelos conflitos que esta faz dimanar em toda a escala societária (NETTO, 2001a, p. 29).

A questão social tornou-se objeto da intervenção do Estado pela corrente

“ameaça à coesão social” e colocou-se definitivamente como alvo das políticas

sociais. Sob uma perspectiva histórico-crítica, no momento em que o Estado, na

fase monopolista do capital, ao incorporar as demandas sociais como estratégia de

manutenção da hegemonia burguesa, instituiu a necessidade de profissionais para a

“execução terminal”13 dessas políticas (MONTAÑO, 2011a), estabeleceu-se a

questão social com eixo fundante14 do Serviço Social e objeto da profissão.

Enquanto constitutiva das relações sociais capitalistas, a questão social não

pode ser desconsiderada dos processos sociais contraditórios e antagônicos que

criam e transformam suas manifestações, para não se perder de vista sua dimensão

coletiva e de classe. Do mesmo modo, é impensável sem a intervenção do Estado,

ao tempo em que deve ser apreendida em suas processualidade e particularidades

sócio-históricas nesse modo de produção, o que supõe não cair na armadilha de

“[...] aprisionar a análise em um discurso genérico, que redunda em uma visão

unívoca e indiferenciada da questão social, prisioneira das análises estruturais,

segmentadas da dinâmica conjuntural e da vida dos sujeitos sociais” (IAMAMOTO,

2001, p. 19).

Ao analisar a relação entre a questão social e o desenvolvimento capitalista,

em caráter orgânico, Netto (2001b) refere que a existência e as refrações da

questão social são indissociáveis da sociabilidade erguida sob a dinâmica do capital,

por isso, é constitutiva do capitalismo, por representar o traço elementar da relação

entre capital e trabalho. Assevera, de forma enfática, que não há supressão da

primeira, conservando-se o segundo. Um está compulsoriamente atrelado ao outro.

Inegavelmente, a relação orgânica entre profissão e realidade, no lastro

aludido, inscreve o Serviço Social num terreno de disputas, ao suscitar a reinvenção

13

Termo utilizado por José Paulo Netto (2007). 14

Para fins conceituais, distingue-se a categoria “fundamentos” do termo “fundante”, uma vez que, etimologicamente, este é aqui entendido como aquilo que institui necessidade e utilidade social à profissão.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

39

de mediações para constituir resistências e enfrentamentos à reprodução ampliada

das contradições sociais no marco da sociedade de classes, que, em tempos de

ajustes, tendem, de forma obsoleta, improvisada e inoperante, a sucatear o

atendimento às expressões da questão social (YAZBEK, 2001).

O que se quer destacar, nessa linha argumentativa, é a demarcação dos

fundamentos da formação e do trabalho profissional em bases histórico-críticas de

constituição da vida social e de configuração da sociedade, para apreensão do

movimento de (re)produção das relações sociais no bojo da sociedade capitalista,

tendo em vista que se exige “[...] um profissional culturalmente versado e

politicamente atento ao tempo histórico; atento para decifrar o não-dito [...]”

(IAMAMOTO, 2007, p. 184).

Nesse cenário, como esmiuçadamente será visto na sequência, os

Fundamentos do Serviço Social, sob uma perspectiva marxista, expressam relação

indissociável entre história, teoria e método, uma vez que, para a apreensão das

contradições sociais, se passa a entender os sujeitos sociais como agentes

históricos, porque, na medida em que transformam a natureza, também transformam

a si e fazem história,15 e que a aproximação ao real, em sua particularidade, suscita

ultrapassar a forma aparente, fenomênica, para chegar às minúcias ocultas

(método), que tomam nitidez quando subjetivadas (conhecimento e/ou teoria) para

uma posterior intervenção (pensada) na realidade social.

2.2.1 A concepção materialista de história

História, advinda do termo grego historie, comumente, remete à investigação

do passado e de seu processo evolutivo. Nos dicionários de Língua Portuguesa, o

termo história significa o ramo da ciência que registra, aprecia e explica o passado

da humanidade de forma cronológica. Essa concepção retilínea e “tradicional” de

história, amplamente difundida e conhecida, é superada pela concepção dialética,

que estabelece a primazia do homem na constituição da vida social.

Partilhando dessa segunda perspectiva conceitual, de cariz marxiano, parte-

-se do pressuposto de que não há história sem existência humana. O homem,

15 Com base nisso, “O recurso à história não é secundário e/ou lateral, mas pressuposto adotado

como fundamento para a apreensão das características particulares do Serviço Social no Brasil e, por conseguinte, da configuração de uma determinada imagem social da profissão” (ORTIZ, 2010, p. 23).

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

40

enquanto ser genérico16, a partir da ação que transforma a natureza — o

trabalho17 —, produz seus próprios meios de sobrevivência e seus instrumentos

como bens necessários para a reprodução social. Retirando a existência humana

das meras determinações biológicas, o trabalho localiza a atividade humana como

eixo fundante do ser social, dotado de determinações essenciais, instituindo-lhe

dimensão ontológica. Assim, trabalho é a atividade de transformação da natureza

pela qual o homem modifica, concomitantemente, a si próprio como sujeito e a

totalidade social da qual é partícipe (MARX, 2011).

É pelo trabalho que o homem autoconstrói sua condição humana, fazendo

intercâmbio material com a natureza e constituindo um conjunto de relações

encarregadas da reprodução material da vida em sociedade. Com isso, ao produzir

suas condições materiais de vida, ou sua própria vida material, o homem imerge na

dinâmica social, num processo ativo vital, fazendo história. Assim, a história “[...]

deixa de ser uma coletânea de fatos inanimados, como para os empiristas, ainda

abstratos, ou uma ação imaginária de entidades imaginárias, tal como para os

idealistas” (MARX; ENGELS, 2006, p. 52).

A paráfrase de Marx, extraída da obra Ideologia Alemã, não deixa dúvidas

das bases filosóficas do materialismo histórico e dialético. Ao partir de uma crítica ao

idealismo alemão que considera as ideias, os pensamentos e os conceitos que

determinam a concretude, o mundo material e suas relações, Marx e Engels,

munidos política e filosoficamente, demonstram que, para esses filósofos alemães

conservadores, a transformação da sociedade se dá no plano do pensamento e não

alcança a realidade concreta. “Ainda que Hegel formule o problema das relações

entre filosofia e realidade, seu idealismo absoluto aspira a deixar o mundo como ele

é, pois, na sua opinião, a missão da filosofia é dar razão ao que existe e não traçar

caminhos para a transformação do real” (VÁZQUEZ, 2011, p. 112).

16

Ao abordar o caráter genérico do homem, Marx (2008, p. 84, grifos do autor), nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, afirma que “[...] o animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital do animal. Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico”. Para maiores informações, consultar o capítulo Trabalho Estranhado e Propriedade Privada do livro Manuscritos Econômico-Filosóficos (MARX, 2008).

17 Marx, em O Capital, diferencia trabalho de trabalho abstrato, uma vez que, enquanto o segundo

tem vínculo estrito com a submissão do trabalho ao capital, o primeiro condiz com as formas mais elementares de constituição da vida em sociedade.

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

41

Em uma análise inversa, Marx demonstra que a subjetividade é uma

objetividade abstraída, por isso, a vida material dos homens é que condiciona suas

ideias e pensamentos, uma vez que esses se desenvolvem no interior do processo

histórico concreto. Logo, são as condições objetivas e concretas que determinam

sua consciência18 e, consecutivamente, a história das sociedades. Para Marx e

Engels (2006, p. 51),

[...] a produção de idéias, de representações e da consciência está, no princípio, diretamente vinculada à atividade material e o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio espiritual entre os homens, aparecem aqui como emanação direta do seu comportamento material.

Partindo dessa acepção, o homem distingue-se do animal pela sua

capacidade de desenvolver atividades pensadas e com fito, conscientemente,

transformador, na medida em que produz os meios que permitem a satisfação das

necessidades mais elementares (alimentação, habitação, vestuário) para a garantia

do direito à vida. A ação e o instrumento de satisfação geram novas necessidades,

cuja busca por locupletar institui ao homem, independentemente de sua vontade

individual, a fixação de atividade social. Mais do que uma relação de cultivo da vida,

torna-se relação social de produção19, no tempo em que conjuga diferentes sujeitos

sociais, em circunstâncias e condições sociais diversas (MARX; ENGELS, 2006).

Vê-se, pois, que, ao produzir seus meios de vida, o homem (re)produz sua

própria vida material e social. A produção, como condicionante de toda a história,

acarreta a geração de bens materiais e meios indispensáveis à satisfação de

necessidades humanas e, ao mesmo tempo em que resulta das condições objetivas,

condiciona histórica e socialmente a práxis revolucionária. “Esta concepção de

história se baseia no processo real de produção, partindo da produção material da

vida imediata; e concebe a forma de intercâmbio conectada a esse modo de

produção e por ele engendrada [...] como fundamento de toda história [...]” (MARX;

ENGELS, 2006, p. 65).

Sob essa ênfase, a história é entendida como um processo dinâmico e

dialético, permeada de contradições que são medulares ao próprio processo de

configuração e transformação da sociedade. O real é história. Assim, não é estático,

18

Há que se recordar a clássica frase: “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência” (MARX; ENGELS, 2006, p. 52).

19 Ou relação de produção, como Marx designa no livro Contribuição à Crítica da Economia

Política (MARX, 2003).

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

42

mas dialético; suas contradições internas levam os homens a transformar o mundo

que em vivem, a partir das condições reais e/ou concretas, e a estabelecer relações

para produzir suas condições reais de existência (BORGES, 1980). Por isso, o

conhecimento da história pressupõe articular as múltiplas dimensões da vida social,

em face das infinitas variáveis dos seus acontecimentos. Nessa ótica, “[...] a

referência ao passado afirma-se numa nova dialética, integrando o presente como

ponto de partida e o futuro, não como antecipação ‘visionária’, mas como instigação

para a efetivação de possibilidades reais” (FONTES, 1998, p. 162).

O desenvolvimento imanente de uma forma histórica não é um contínuo

retorno do mesmo. A dialética marxiana requer que o movimento de busca ao ponto

de partida seja realizado em sua dinâmica permanente, de modo que o processo

histórico seja explicado em sua síntese e que seus elementos (do processo sócio-

-histórico) sejam conservados, a fim de superá-los para constituir novas sínteses.

Nesse cenário, a história20 não pode ser conceituada como uma simples

sucessão de acontecimentos21, pois se cairia numa apreensão determinista do

presente e em uma prospecção (previsível) do devir, como se a realidade não fosse

processo e não se alterasse conforme a configuração da intervenção humana.

Portanto, entende-se a dimensão “histórica” num duplo sentido: primeiro, porque, se

tratando da história da sociedade, a menção é estritamente feita ao ser social, aos

homens, aos sujeitos da história; segundo, porque, sendo os sujeitos um produto

social, partícipes de relações sociais, na medida em que as ações se alteram,

consecutivamente, a sociedade muda e as ideias dos homens também se

transformam (SANTOS, 2011).

20 “Conhecemos somente uma única ciência, a ciência da história. A história pode ser analisada sob

duas maneiras: história da natureza e história dos homens. As duas maneiras, porém, não são separáveis; enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos homens estarão condicionadas mutuamente. A história da natureza, conhecida como ciência natural, não nos interessa aqui; mas teremos de analisar a história do homem, pois quase toda a ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida dessa história, ou a uma abstração completa desta. A própria ideologia não é senão um dos aspectos dessa história.” (MARX; ENGELS, 2006, p. 41).

21 “Mas, ainda uma vez, não se trata de tomar a história como sucessão de acontecimentos factuais,

nem como evolução temporal das coisas e dos homens, nem como um progresso de suas idéias e realizações, nem como formas sucessivas e cada vez melhores das relações sociais. A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das idéias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural.” (CHAUÍ, 2004, p. 8).

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

43

A história não é outra coisa senão a sucessão de diferentes gerações, em que cada uma delas explora os materiais, os capitais e as forças de produção a ela transmitidas pelas gerações que antecederam; assim, por um lado, prossegue em condições completamente distintas da atividade anterior, enquanto, por outro lado, transforma as circunstâncias anteriores por meio de uma atividade completamente diferente. (MARX; ENGELS, 2006, p. 77).

Sobretudo, a concepção materialista de história não se traduz em sucessão

unidimensional de acontecimentos e etapismos, mas em produto das relações

estabelecidas entre os homens, que é permeado de conservação e superação e leva

à constituição de uma “unidade do diverso” ou uma “síntese de múltiplas

determinações” (MARX, 2003), por isso, analisar a história enquanto processo é

apreendê-la dialeticamente a partir do manifesto nas relações contemporâneas.

Como atividade humana, criadora e transformadora, a práxis revela sua

dimensão histórico-real, ao retirar os véus idealistas e contemplativos que ocultam a

realidade em sua dinâmica objetiva-subjetiva-objetiva. Não se trata de uma filosofia

que, por si só, transforma o real, mas de substituição do objetivismo estéril, em que

o objeto é visto e entendido em si mesmo, sem alteração do sujeito cognoscente —

como faz o materialismo contemplativo ou metafísico — e do subjetivismo, como

atividade meramente espiritual, que abandona a base material e objetiva dessa

atividade — como faz o idealismo. Há que se considerar a vida social como produto

da atividade humana, subjetiva e objetiva, material e histórica, na relação homem-

-natureza, que é desenvolvida com finalidades22, como produto da consciência —

práxis humana.

Nessa ótica, a mediação filosófica da realidade requer a íntima conjugação

de fatores teóricos e práticos, uma vez que o homem precisa objetivar sua dimensão

genérica para transformar a realidade e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio,

pois as circunstâncias (históricas, econômicas, sociais) fazem o homem, e o homem

faz as circunstâncias. Em análise dialética, na clássica XI Tese Sobre Feuerbach,

Marx indica que não basta interpretar o mundo, pois, somente com a interpretação, o

mundo não é modificado. Interpretar é aceitá-lo. Há que se transformar. “Portanto,

22

Em O Capital, ao analisar a dimensão teleológica do processo de trabalho em que os homens se inserem, Marx (2011a, p. 211-212) diferencia-os dos animais, ao demonstrar que “[...] uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira [...]”.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

44

nem mera teoria, nem mera práxis; unidade indissolúvel das duas” (VÁZQUEZ,

2011, p. 154).

2.2.2 A teoria como fundamento da prática

O termo teoria é repleto de acepções. Sua relação com a prática,

comumente, assume dimensão fragmentada: (a) ao reportar a primeira como um

conjunto de elementos e conceitos que se traduzem em “manuais operativos”, em

modelos que devem encaixar-se na “prática” e em um conjunto de procedimentos e

normas a serem tomados como absolutos e aplicáveis na realidade; ou (b) sob o

ponto de vista do senso comum, em que a apreensão teórica se torna diminuta pela

centralidade da prática, “[...] destacam-se as características difusas e dispersas de

um pensamento genérico de uma certa época em um certo ambiente popular”

(GRAMSCI, 2004, p. 101), portanto, se torna um campo profícuo e difuso para que

as ideias da classe dominante se expressem como ideologias dominantes, como um

conjunto de ideias e opiniões difundidas entre as massas,23 mormente tendenciadas

a cristalizar a passividade das massas populares e a “filosofia das multidões”24.

Superando tais perspectivas, Marx, embora não tenha, diretamente, uma

preocupação gnosiológica, mas ontológica, apreende teoria e prática como unidade

dialética, demonstrando que sua filosofia (da práxis) se engendra no processo

histórico a partir da relação entre conhecimento e ação, pois toda ciência seria

supérflua, se houvesse coincidência imediata entre a essência e sua forma

fenomênica.

A filosofia da práxis apresenta-se como atitude crítica, de superação da

maneira de pensar precedente e imediata. Antes de tudo, como crítica ao senso

comum. Não se trata de introduzir algo novo, mas de inovar e tornar crítica a visão

de homem e de mundo existente, elevando-a a um nível superior, onde reside a

23

Para Trotski (2015, p. 30), “[...] o capital fundamental do senso comum é forjado por considerações elementares extraída da experiência humana [...]. Num ambiente social estável, o senso comum é mais do que suficiente para se praticar o comércio, cuidar dos enfermos, escrever artigos, dirigir um sindicato, votar no parlamento, fundar uma família e multiplicar-se. Mas, quando o senso comum tenta escapar de seus limites naturais e invadir o campo das generalizações mais complexas, eis que ele revela que não passa de um aglomerado de preconceitos de uma classe e de uma época determinada. A simples crise do capitalismo o desconcerta; diante de catástrofes como as revoluções, as contrarrevoluções e guerras, o senso comum demonstra sua completa imbecilidade. Para compreender as convulsões ‘catastróficas’ do curso ‘normal’ das coisas, são necessárias qualidades intelectuais mais elevadas [...]”.

24 Termo utilizado por Gramsci.

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

45

consciência plena das contradições — consciência política —, não apenas as

apreendendo, mas colocando-se nesse processo (contraditório), tomando

consciência de si, como ser social (GRAMSCI, 2004).

Sobretudo, a teoria só existe em função da e com a realidade, já que é nela

que encontra seu fundamento. Seu intuito é a reconstrução do movimento do real,

em sua estrutura e dinamicidade, pela via do pensamento, para transformar

idealmente suas percepções e representações e, como produto, o alcance de

conhecimentos indispensáveis que subsidiem a transformação da realidade.

Trata-se de organizar o conhecimento para apropria-se da realidade em

suas múltiplas determinações e materializar o resoluto da consciência, para que a

transformação “ideal” penetre no real. Por isso, “[...] não vê no conhecimento um fim

em si, mas, sim, uma atividade do homem vinculada às necessidades práticas às

quais serve de forma mais ou menos direta, e em relação com as quais se

desenvolve incessantemente” (VÁZQUEZ, 2011, p. 243).

Não se plasmando por si só, a teoria justifica sua cientificidade, quando

apresenta utilidade concreta e estreita vinculação com a vida social e suas

expressões histórico-sociais. Não se trata de um mero utilitarismo manifesto, mas de

correspondência intrínseca, em que a atividade teórica está atrelada e se nutre dos

interesses e necessidades práticas dos homens, nos quais as condições objetivas

dão o tom inesgotável da reciprocidade teórico-prática.

O pressuposto da teoria no materialismo histórico e dialético é a “análise

concreta de situações concretas” (LENIN, 2010), por isso, dá-se a posteriori à

existência material (MARX, 2011a). Não obstante isso, intenciona a reconstrução

ideal do movimento do real, ao passo que busca apropriar-se das circunstâncias da

vida social que são objeto de transformação, dos meios pelos quais se pode efetivar

e da finalidade, de modo a proporcionar elementos indispensáveis para se

constituírem mediações à superação das condições sociais objetivas que lhes são

pretéritas. “[...] trata-se de uma cientificidade que não perde jamais o vínculo com a

atitude tipicamente ontológica da vida cotidiana; ao contrário, depura-o e

desenvolve-o continuamente em nível crítico, elaborando conscientemente as

determinações ontológicas que estão necessariamente na base de toda ciência.”

(LUKÁCS, 1992, p. 99).

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

46

A teoria, tendo como ponto de partida e de chegada a realidade25, trata de

transpor o movimento do real para o pensamento, com o fito de superar sua forma

fenomênica, empírica e aparente e iniciar o conhecimento na busca de uma

apreensão do objeto em sua completude. O movimento de desvendamento das

circunstâncias ocultas exige o abandono da mera projeção da subjetividade para,

simultaneamente, ser subjetiva e objetiva, uma vez que o produto da atividade

teórica só tem significado social no seio da atividade teórico-prática do homem. Por

isso, “[...] a teoria emerge da prática e a ela retorna. [...] a prática, portanto, é um

momento da teoria: momento primeiro e último, imediato inicial e retorno ao

imediato” (LEFEBVRE, 1991, p. 235).

Teoria é a apreensão das determinações que constituem o concreto [...]; é a forma de atingir, pelo pensamento, a totalidade, é a expressão do universal, ao mesmo tempo em que culmina no singular e no universal. É pela teoria que se podem desvendar a importância e o significado da prática social, ou seja, ela é o movimento pelo qual o singular atinge o universal e deste volta--se ao singular. (SANTOS, 2011, p. 27).

Ao abandonar conceitos praticistas e teoricistas, que remetem a um quadro

explicativo dado a priori, a ênfase materialista atrela a teoria a um projeto societário

determinado e elucida que a prática humana pressupõe suporte teórico-

-metodológico para embasamento de sua visão de homem e de mundo, porque é na

ação que dá materialidade ao significado social e a direção e/ou projeção expressa

pelo pensamento. Baseando-se nisso, não se trata de uma prática qualquer, mas de

uma ação cujo objetivo é a transformação da vida social, dos homens reais.

Por isso, como instrumento de análise do real para apreensão do movimento

do ser social, teoria e sujeito não podem ser assinalados como neutros ou passivos.

Pelo contrário, ao propor o desvendamento da realidade, indicam o desocultamento

de possibilidades de ação no processo social e refutam relações de causa e/ou

efeito, procedimentos característicos de tradição empirista e/ou positivista26.

25

Nos termos de Marx (2011a), a realidade é post-festum, anterior ao conhecimento. 26

Em O Que É Ideologia, Marilena Chauí (2004, p. 8) demonstra que “[...] o empirismo (do grego empeíría, que significa: experiência dos sentidos) considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz à experiência sensorial que temos dos objetos cujas sensações se associam e formam idéias em nosso cérebro. O idealista, por sua vez, considera que o real são idéias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operações de nossa consciência ou do intelecto como atividade produtora de idéias que dão sentido ao real e o fazem existir para nós. [...] Tanto num caso como no outro, a realidade é considerada como um puro dado imediato: um dado dos sentidos, para o empirista, ou um dado da consciência, para o idealista. Ora, o real não é um dado sensível nem um dado intelectual, mas é um processo, um movimento temporal de constituição dos seres e de suas significações, e esse processo depende fundamentalmente do modo como os homens se

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

47

A teoria é elemento indispensável para qualquer intervenção mediada, tendo

em vista que, ao mesmo tempo em que suplanta o imediato e a instrumentação

técnica como resultante dos conhecimentos teóricos, institui uma atividade prática à

luz do método de abordagem e/ou leitura do real: o método materialista histórico e

dialético.

2.2.3 O método materialista histórico e dialético

Método não é metodologia. Enquanto a metodologia estuda os métodos e

abrange um conjunto de abordagens e técnicas que representam o “como” a ser

percorrido para um determinado fim (para a aquisição de conhecimentos),

explicitando, de forma minuciosa e detalhada, a ação a ser desenvolvida, o método

é a forma pela qual o pensamento apropria-se do objeto a ser investigado. É um

processo que assinala o modus da aquisição do conhecimento.

Para Marx, essa apropriação se dá pela via materialista, histórica e dialética.

Mas o que isso denota? É materialista, porque parte do pressuposto de que a

formação do pensamento, logo, das ideias, tem como preceito a prática material,

que é transformada e transforma os homens, seus agentes históricos; é histórica,

porque o conhecimento teórico do qual se está partindo é atinente à sociedade, ou

seja, ao ser social, que é produto social, ao estabelecer relações para a satisfação

de suas necessidades; e é dialética, em face de o real se apresentar “como móvel,

múltiplo, diverso, contraditório” (LEFEBVRE, 1991, p. 170), não permitindo ser

considerado de forma isolada, mas sempre em sua interação universal.

A partir disso, Marx fornece leis universais objetivas, sendo, ao mesmo

tempo, do real e do pensamento, dada sua conexão dialética: (a) a Lei da Interação

Universal, que considera o objeto em suas relações, em sua totalidade; (b) a Lei do

Movimento Universal, no qual envolve o devir universal a partir dos movimentos

interno e externo enquanto movimentos inseparáveis; (c) a Lei da Unidade dos

Contraditórios, que inclui e exclui ao mesmo tempo, captando a ligação, a unidade e

o movimento engendrado para superá-los; (d) a transformação da quantidade em

qualidade (Lei dos Saltos), que implica, simultaneamente, a continuidade e a

relacionam entre si e com a natureza. Essas relações entre os homens e deles com a natureza constituem as relações sociais como algo produzido pelos próprios homens, ainda que estes não tenham consciência de serem seus únicos autores”.

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

48

descontinuidade; e (e) a Lei do Desenvolvimento em Espiral (da superação), onde

se revela o movimento em espiral, ao sobrepujar o apresentado para superá-lo

(LEFEBVRE, 1991).

Embora não tenha sintetizado e/ou descrito seu método num único texto,27

Marx tece seu método materialista histórico e dialético no decorrer de suas obras,

fixando suas bases numa visão materialista da realidade, em oposição28 ao método

dialético de Hegel29, que se configura pela idealização da realidade, no qual, o ponto

de partida e o de chegada seriam as ideias.

Ao entender a vida material como parte fundamental da história, Marx não

ignora o idealismo hegeliano e o “materialismo contemplativo” de Feuerbach, mas os

desenvolve, ao perceber que “[...] o ponto de vista do novo materialismo é a

sociedade humana ou a humanidade social” (MARX; ENGELS, 2006, p. 120), por

isso, a consciência é condicionada pela relação dialética entre sujeito e objeto, no

qual o homem configura o mundo em que vive e por ele é formado. Sobre tal

assertiva, Marx (2003, p. 5) refere que

[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material que condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência.

“Ao contrário do que sucede na filosofia alemã, que desce do céu para

terra” (MARX; ENGELS, 2006, p. 51), o método em Marx “[...] ascende da terra ao

27

Marx afirmava que o seu método não haveria de ser encontrado em um único escrito, mas, sim, na leitura da totalidade de sua obra. Nesse sentido, Prado Júnior (2001, p. 3-4) assevera que “Marx, como se sabe, não chegou a desenvolver sistematicamente o seu método. Limitou-se em princípio a aplicá-lo. Mas, a maneira como o fez, como dele se utiliza, de que a análise a que procede do capitalismo, e a sua teoria econômica daí resultante, constituem exemplo máximo e fornece os elementos mais que suficientes para traçar, pelo menos em suas linhas gerais e fundamentais, aquilo em que essencialmente constituem seus procedimentos metodológicos. Tal maneira nos proporciona também a base necessária donde se há de partir para a sistematização teórica daqueles procedimentos, o que nos dará, a par de uma teoria marxista do conhecimento — que vem a ser a dialética materialista —, uma perspectiva e os caminhos para os objetivos práticos para que se deve dirigir uma tal teoria. A saber, as normas próprias para a elaboração do conhecimento. Um método explicitado, em suma”.

28 Mesmo assim, Marx reconhece as contribuições do filósofo alemão para a constituição teórico-

-metodológica por ele desenvolvida. 29

O método de Hegel fica restrito ao plano do conhecimento. Para ele, o movimento do conhecimento dá-se pelo movimento particular para chegar a generalizações (saber imediato, percepção, autoconsciência, razão, espírito e saber absoluto). Por isso, afirma Lefebvre (1991, p. 170), “[...] ele não se basta e não basta”.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

49

céu” (MARX; ENGELS, 2006, p. 51). Inversamente proposto, para o filósofo, o

conhecimento é resultado de uma representação do concreto, pelo pensamento, de

apreensão da realidade concreta (que é) exterior a ele (pensamento).

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento — que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia — é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é nada mais que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado. (MARX, 2011a, p. 28).

O ponto de partida do conhecimento é o real, o concreto, que não é nada

mais que a representação da realidade material, do mundo empírico, enfim, a

plenitude da representação. A partir da captação das relações contidas no mundo

real, o pensamento apreende os objetos e, dessa forma, trata de conhecê-los.

Partindo da visão do todo, trata-se de desenvolver um afastamento do real, aonde

“[...] as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto em via do

pensamento” (MARX, 2003, p. 248). Nesse momento, o pensamento torna-se o

concreto pensado e, dessa forma, reproduz a unidade dos múltiplos elementos

constantes no concreto, uma totalidade de determinações.

O método apreende o concreto empírico, através da abstração, reconstitui a

realidade no pensamento e chega ao concreto pensado, a “uma síntese de múltiplas

determinações, logo unidade da diversidade”30 (MARX, 2003, p. 248). Esse

movimento transforma as relações sociais e coloca-as num novo momento da

representação, como um resultado da totalidade concreta (pensada), a partir da

apreensão das relações sociais em sua totalidade31, contradição32 e historicidade33,

enquanto categorias indissociáveis. Como Marx (2003, p. 248) define,

30

Nas palavras de Prado Júnior (2001, p. 20), “Marx chama a isso [...] de concreto; e de ‘concreto pensado’, o conceito (fato mental) representativo do mesmo concreto (fato real). E caracteriza da seguinte forma: ‘ Para o pensamento [o concreto] é um processo de síntese e um resultado’. O que, em outras palavras para nós mais explícitas, significa que o concreto [...] se alcançou pelo processo de síntese [...] de que resulta, da diversidade originária, a noções abstratas. [...]. Doutro lado, contudo, na elaboração do conhecimento, ‘as noções abstratas permitem reproduzir o concreto por via do pensamento’. [...]. No outro caso, estamos na perspectiva contrária, a saber, na do processo de síntese em operação e que vai dar na reprodução e representação mental do concreto real. No ‘concreto pensado’, na expressão de Marx”.

31 Essa categoria diz respeito à expressão da totalidade complexa mais ampla, não sendo explicitada

apenas por uma parte do todo, ou pela soma das partes. Trata-se de entender a realidade como unidade dos diversos, de modo a reconhecer o universal no particular e vice-versa, porque cada momento é parte do todo, e o todo tem uma especificidade que não se encontra nos singulares. Nesse sentido, Prado Júnior (2001, p. 13) evidencia que “[...] uma totalidade é sempre mais que a simples soma de suas partes. E em que consiste esse mais? Precisamente na relação que congrega aquelas partes e faz delas um sistema de conjunto que absorve e modifica sua

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

50

[...] o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e, portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação.

As premissas reais devem ser entendidas como instrumentos para a

condução do pensamento no processo de elaboração do conhecimento. Assim,

constituem-se em objeto sobre o qual o pensamento exerce sua atividade criadora.

Ter-se-ia, diante disso, “[...] uma visão caótica do todo e, através de uma

determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada

vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez mais

delicadas até atingirmos as determinações mais simples” (MARX, 2003, p. 247).

Os pressupostos dos quais partimos não são arbitrários nem dogmas. São bases reais das quais não é possível abstração a não ser na imaginação. Esses pressupostos são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas que eles já encontraram elaboradas quanto aquelas que são o resultado de sua própria ação. Esses pressupostos são, pois, verificáveis empiricamente. (MARX; ENGELS, 2006, p. 44).

A “lógica dialética”34 do método permite a interação entre elementos

opostos, não separa forma de conteúdo e não nega as aproximações anteriores.

Pelo contrário, parte disso, supera-os e guarda-os em um nível superior para

demarcar o início de uma nova etapa, revelando a tomada dos processos em sua

vida e movimento, em sua incompletude e em seu devir. “Todo devir é real,

acrescenta algo à noção abstrata de devir, mas implica esta. ‘Algo’ determinado

(esta casa, este homem, este Estado, este regime social) transforma-se ou é

aniquilado. O que ainda não é tende a ser, e nasce e, por conseguinte, atua; e o que

era vai deixar de ser” (LEFEBVRE, 1991, p. 191).

O que está tácito é o entendimento de que somente a partir de sucessivas

aproximações com a realidade concreta é que se torna possível apreender a

realidade social dos sujeitos e as contradições no contexto operadas. Por isso, o

individualidade anterior. Ou antes, a transforma em nova individualidade que é função do todo e somente existe neste todo”.

32 A contradição permite analisar os “acontecimentos” sociais em seu complexo e contraditório

processo de produção e reprodução, ao considerar o movimento da realidade social. Nega uma etapa e busca a superação da mesma, incluindo a negação feita anteriormente para dar o salto qualitativo. Contradição, em outros termos, é destruição e continuidade.

33 É mais do que a história. A historicidade reconhece o real como movimento, como processo, como

devir, estando em curso de constituição. É a chave para desvelar o real, por isso, vê os processos sociais inseridos num contexto histórico (passado, presente e futuro), que, dialeticamente, é conflituoso, porque está presente no mundo concreto, na relação entre sujeito e objeto, nas ações cotidianas dos homens.

34 Termo utilizado por Lefebvre (1991).

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

51

conhecimento da realidade viabilizado pelo método materialista histórico e dialético e

suas implicações para essa apropriação (a partir do movimento entre o imediato, o

pensamento e o concreto pensado) trazem contribuições incontestes para profissões

cujo caráter é essencialmente interventivo, como o Serviço Social.

Falar dos fundamentos dessa profissão não significa, portanto, reduzir o

debate à discussão acerca da história da profissão e às orientações epistemológicas

que até hoje perpassaram nos determinados períodos históricos. Superar essa visão

cronológica e mecanicista é perceber a história como processo, em seu movimento

dialético, e a teoria e o método enquanto enzimas de sustentação profissional, que

garantem a defesa de seu significado social e das suas particularidades enquanto

profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho.

A dimensão política implícita na concepção de fundamentos do (e para o)

Serviço Social, antes explicitada, entende a profissão inserida num cenário de lutas,

cuja direção requer o rompimento com as amarras endógenas (e corporativas) e o

estabelecimento de vínculo estrito com a classe trabalhadora, em tempos em que se

vive a ditadura do capital. Para a profissão, a exigência é ultrapassar os limites

legalistas e burocráticos e ousar em suas estratégias de luta para além das

tradicionais formas utilizadas pela categoria, cujas implicações exigem abandonar a

lógica falaciosa e reestabelecer o caráter político orgânico que o marxismo

apresenta, para garantir legitimidade ao trabalho profissional nas diferentes

dimensões que constituem a vida social.

Tendo como âncora esses fundamentos epistemológicos, propõe-se, no

Capítulo 3, elucidar as particularidades históricas e conjunturais do lócus de análise

do objeto de estudo — a América Latina e o Caribe —, de modo a entender em que

solo histórico se assentam os Fundamentos do Serviço Social na região e, de modo

peculiar, como influenciam e condicionam seus processos histórico-profissionais.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

52

3 PARTICULARIDADES HISTÓRICAS E CONJUNTURAIS DA AMÉRICA LATINA

E DO CARIBE: O LÓCUS DE ANÁLISE

A ortodoxia neoliberal ultrapassa as fronteiras do campo econômico. Seus

pressupostos alardeiam as dimensões que lhe são indissolúveis, produzindo um

mapa de “instabilidade mundial”, que se torna mais expressivo nos países e regiões

que se encontram alheios ao eixo econômico central. Seus reflexos conduzem, entre

outros, a um reordenamento político — suscitando, por um lado, a manutenção de

governos de direita e, de outro, movimentos de resistência ao imperialismo — e

social, ao passo que ganham materialidade a ênfase em políticas sociais focalizadas

na (extrema) pobreza e a mercantilização dos serviços sociais.

Baseado nisso, o presente capítulo busca realizar a análise concreta dos

produtos do reordenamento mundial na conjuntura latino-americana35, ao evidenciar

as particularidades histórico-estruturais de uma região periférica e dependente, em

termos sociais, políticos e econômicos, e os impactos no campo educacional, uma

vez que se tornam imperativos para desvendar o lócus em que se situa o objeto de

pesquisa.

3.1 AS CIRCUNSTÂNCIAS SOCIAIS, POLÍTICAS E ECONÔMICAS DA AMÉRICA

LATINA E DO CARIBE

As transformações operadas nas últimas quatro décadas resultaram em

produtos na conjuntura contemporânea, tendo em vista que (re)configuraram as

relações sociais em face de fundamentos ideopolíticos peculiares à lógica de

mercado. Embora as análises apologéticas naturalizem os desdobramentos e

impactos dessas mudanças (e crises), o cenário carrega consigo altos custos, em

diferentes magnitudes.

Em termos sociais, impelidos pela superexploração da força de trabalho

(MARINI, 2000), a classe que vive da venda da mesma vê-se em meio à gestão

toyotista aliada às novas tecnologias informacionais e a novas modalidades de

35

Com fins didáticos, sempre que mencionados, os termos América Latina, latino-americano ou latino-americana estarão referindo-se também ao Caribe. No caso de exceções, as observações específicas serão anunciadas.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

53

contratos de trabalho flexíveis36 (ALVES, 2014), cujos vetores acarretaram aumento

exponencial de dispensa de mão de obra como nunca antes visto. Os elevados

custos transferidos à classe trabalhadora estão expressos nos indicadores sociais,

com o empobrecimento e o endividamento das famílias, e nas mudanças proferidas

no sistema de proteção social, em que pesem o aumento das contribuições

trabalhistas e a participação condicionada da população, fatores que dão o tom das

diretrizes das contrarreformas operadas nas últimas décadas.

Na Europa, as assombrosas taxas médias de desemprego registradas e a

consecutiva corrosão do sistema de proteção social asseveram alguns dos impactos

desse processo, além de assegurar que o continente não está imune. Ao contrário, o

desemprego persistente, a impossibilidade de liquidar despesas básicas (aluguel,

luz, água), restrições do poder de compra (de bens duráveis) e de manter hábitos

familiares são conotações evidentes do reordenamento impresso na dinâmica

cotidiana da classe trabalhadora. Entre os índices registrados em toda a União

Europeia (que se constitui de 27 países), chama atenção a realidade alemã, em que

o desemprego permeava os 5,9% em 2011, enquanto países como Espanha, Grécia

e Portugal despontavam com 21,7%, 17,7 % e 12,9%, respectivamente. O reduzido

indicador da Alemanha, se comparado com os dos demais países, revela,

contraditoriamente, a flexibilização dos contratos de trabalho, a redução dos direitos

trabalhistas, o estímulo ao trabalho em tempo parcial e precarizado, além do incito à

redução da carga horária, com consecutiva redução salarial (BOSCHETTI, 2012).

Boschetti (2012, p. 770), aponta ainda que

[...] o país estabeleceu uma política macroeconômica de flexibilização e precarização do trabalho, acordada entre governo, empregadores e representação sindical dos trabalhadores, baseada na redução do custo do trabalho. Os empregadores reduziram temporariamente a produtividade e os trabalhadores tiveram reduzidos seus salários e direitos trabalhistas. Claro que o acordo capital-trabalho beneficiou muito mais o capital.

Na América Latina, esse panorama se expressa pela deterioração das

condições de vida da classe trabalhadora, acompanhada da violência urbana e rural,

do atropelo de populações indígenas e de seu modo de vida, do retorno de

endemias e epidemias que eram dadas como erradicadas, da emigração em massa,

36

“Por exemplo, na década de 2000, os empregados subcontratados — assalariados de serviços terceirizados e ‘autônomos’ a serviço das grandes empresas privadas e do setor público — foram os responsáveis pela maior parte dos empregos formais no Brasil.” (ALVES, 2014, p. 75).

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

54

da falta de moradia (SAMPAIO JR., 2010), do trabalho arcaico, escravo, infantil,

bruto e sazonal.

Em defesa da manutenção da hegemonia burguesa e da subsunção da

classe trabalhadora, no plano político, erigiu-se o avanço dos movimentos de

direita37 — que não é episódico — naturalmente dissipado pela apropriação privada

da riqueza social, pelo fortalecimento do setor financeiro (banqueiros), pela

concentração de renda, pela defesa intransigente da propriedade privada e pela

desresponsabilização do Estado para com as demandas sociais. Exemplo que

importa sinalizar tem sido a Europa, cuja grande maioria dos países tem sido

comandada por líderes de direita: Holanda, Alemanha, Hungria, Dinamarca,

Inglaterra, para citar alguns.

No Continente Americano, contudo, governos formam um “bloco

diferenciado”, constituindo-se ainda, mesmo que com inúmeras contradições, como

um espaço de resistência, a começar por Cuba, seguida de governos ditos

“populares” na América do Sul, com matizes diversos, como a Venezuela, o Uruguai,

a Bolívia, o Equador e o Brasil. Esses países são constantemente ameaçados por

forças conservadoras de direita, mas têm conseguido manter “grupos populares” no

poder, embora, em alguns casos, a partir de alianças com setores mais

conservadores, como é o caso do Brasil.

No cenário econômico, a internacionalização do capital enfraqueceu ainda

mais as debilitadas economias periféricas38, ao passo que incorporou regiões com

amplos potenciais produtivo e econômico mundiais — por exemplo, a Rússia e a

China — e provocou um redesenho geopolítico mundial. O ingresso dessas

economias no mercado mundial — essencialmente a China39, que é um centro

37

Somado a isso, tem-se o nazifascismo, que, apesar de se tratar de movimentos que nunca deixaram de existir, desponta com revigoramento expressivo, apresentando traços que, historicamente, lhes são próprios: intolerância à diversidade (cultural, étnica, sexual), defesa de valores e instituições sociais (família e Igreja), anticomunismo, violência em nome de uma “raça superior” e xenofobia. Para agudizar, usa a intolerância e a violência para, marcadamente, delimitar espaço (SILVA et al., 2014).

38 “O termo economia periférica é comumente utilizado para caracterizar [...] instáveis trajetórias de

crescimento, forte dependência de capitais externos para financiar suas contas-correntes (fragilidade financeira), baixa capacidade de resistência diante de choques externos (vulnerabilidade externa) e altas concentrações de renda e riqueza. Isso caracterizaria o subdesenvolvimento dessas economias.” (CARCANHOLO, 2009, p. 251).

39 Segundo informações disponíveis no relatório Como Exportar: China, do Ministério de Relações

Exteriores brasileiro (BRASIL, 2013), o Produto Interno Bruto (PIB) da China representa 15% do PIB mundial (baseado na paridade do poder de compra), configurando-se como segunda maior economia do Mundo, percentual que, no ano 2000, era de 9% e, em 1990, de menos de 4%. Com

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

55

econômico nevrálgico — retirou dos Estados Unidos sua hegemonia absoluta sobre

os povos e, ao mesmo tempo, resultou numa ofensividade que, além de cultural,

tecnológica e financeira, agora é também “[...] declarada pela defesa da paz, contra

o terrorismo e através da criminalização das lutas sociais, mediante a

militarização preventiva, como é o caso da região andino-amazônica, com a

instalação das setes bases militares na Colômbia” (MOTA; AMARAL; PERUZZO,

2012, p. 169, grifos do autor).

Tacitamente, o desenvolvimento desigual resoluto pelo aprofundamento das

relações capitalistas está fundamentado no potencial produtivo das regiões, na sua

capacidade de investimento, na qualidade, na quantidade e nos custos da força de

trabalho disponível, na diminuição dos custos de circulação das mercadorias, na

redução das distâncias da matéria-prima, nos incentivos tributários (HARVEY, 2006)

e na utilização do poder monopólico para solapar regiões endividadas e torná-las

ainda mais impotentes e dependentes dos (des)serviços políticos e econômicos

arbitrários imperialistas.

3.1.1 Condicionantes da dependência latino-americana

Embora se tenham, tendencialmente, imperativos contemporâneos para

elucubrar acerca da realidade latino-americana e desvendar seu desenvolvimento

periférico e dependente, é elementar perceber que a região, historicamente,

apresenta capacidade interna limitada, uma vez que as formas particulares das

economias, nos países da América Latina, demarcam sua subordinação ao conjunto

das economias centrais.

Ainda no período de colonização, os países latino-americanos foram

transformados em meras colônias de exploração40, como posse da metrópole. Com

potencial de recursos naturais e mão de obra servil41, a região ficou condicionada

aos ditames externos (dos colonizadores), que, além de usurpar os recursos locais,

instituíam obrigações para atender, unicamente, aos interesses mercantis e

ideológicos da Coroa.

base nesses e noutros indicadores, economistas já cogitam sobre quando a China vai ultrapassar os Estados Unidos e assumir a liderança da economia mundial.

40 Diferentemente do ocorrido na América anglo-saxônica, onde prevaleceu o que se chama de

colônia de povoamento. Nessa, as terras foram utilizadas, basicamente, para povoamento e aprimoramento das “estruturas” já existentes.

41 Em países como a Bolívia, o Peru e o Brasil, essencialmente indígena.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

56

Com a independência dos Estados latino-americanos no século XIX, a base

econômica, assentada na produção de matérias-primas e gêneros alimentícios, não

se alterou. Fruto do trabalho compulsório em latifúndios, a produção permaneceu

com as elites oligárquicas associadas a comerciantes exportadores, enquanto,

internamente, se manteve um reduzido mercado pela comprimida massa

assalariada. O trabalho de índios e negros, mantidos em regimes de escravidão (ou

semiescravidão), limitou a constituição de um mercado local fortalecido, ainda mais

prejudicado pela concorrência de produtos estrangeiros. As debilidades latino-

-americanas somaram-se às imensas dívidas adquiridas externamente para financiar

o material bélico utilizado nos conflitos políticos regionais, que levaram a região a

assistir, no final do século, a um extensivo empobrecimento e à sujeição a países

economicamente fortalecidos.

Com a substituição do trabalho escravo pelo assalariado e a vinda de

emigrantes europeus, a virada para o século XX mostrou-se promissora ao mercado

interno. Entretanto, a economia latino-americana continuou sustentada pela

exportação de produtos primários e acondicionada pelas flutuações das demandas

do mercado internacional. Na formação econômica brasileira, a fim de exemplo,

marcadamente até a primeira metade dos anos 30 do século XX, a industrialização

incipiente foi secundarizada por uma forte matriz econômica agroexportadora,42 e,

posteriormente, com a queda brusca do comércio internacional oriunda da Crise de

1929, que ocasionou uma mudança mundial nos fluxos organizativos econômicos, o

Brasil, assim como toda a América Latina, mergulhou em uma crise de subconsumo

(excesso de produção e baixo consumo) sem precedentes até então, que fez

disparar o desemprego e a inflação.

Frente a isso, assolados pela crise econômica, muitos países da região

adotaram regimes populistas e totalitários, inspirados em experiência europeias,

principalmente da Alemanha (com Hitler) e da Itália (com Mussolini). Embora se

utilizando de figuras carismáticas, como Getúlio Vargas no Brasil e Juan Perón na

Argentina, os Governos eram autoritários e centralizadores, com forte apoio popular

conquistado por meio de legislações trabalhistas e previdenciárias. O intuito era

promover o desenvolvimento econômico autônomo e a intervenção do Estado,

estimulando a indústria de base nacional e o fornecimento de matéria-prima de baixo

42

Para maior esclarecimento sobre o assunto, ver Mantega (1984) e Furtado (2007).

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

57

custo. Instigado pela “Velha CEPAL”43, foi instalado um modelo econômico que

consistia basicamente na substituição das importações44 em nome da ampliação da

capacidade produtiva industrial interna45 e na construção de benefícios sociais,

baseada nas experiências de países centrais e com o apoio do capital

internacional.46

Notadamente, a estratégia nada alterou a dinâmica dependente da América

Latina, ao passo que o mercado consumidor (interno) ainda permaneceu reduzido,

fruto dos baixos salários. Após a Segunda Guerra Mundial, a exportação foi

reduzida, a importação de máquinas para a expansão das indústrias nacionais

tornou-se limitada, e a migração da zona rural à urbana denotou a incapacidade dos

governos populistas de garantir o desenvolvimento econômico regional. O populismo

viu-se em crise.

Esse modelo ampliou a dependência econômica (e política) latino-

-americana, que foi aprofundada durante o período autocrático burguês, constituído

em substituição ao populismo e temendo a tomada política da classe trabalhadora,

com claro viés socialista, germinado pós-triunfo da Revolução Cubana (1959). Ao

instituírem truculentas forças expressas pelos golpes de Estado, de nenhuma forma

atingiram as burguesias nacionais; pelo contrário, essas foram suas beneficiadas

nos diferentes países da América Latina, a exemplo do Brasil em 1964, do Chile em

1973, do Uruguai em 1973 e da Argentina em 1966 e 1976. Por outro lado, as

medidas coercitivas e repressivas, associadas ao histórico de colonialismo,

43

Os economistas diferenciam as propostas do que denominam de Velha e de Nova Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (CEPAL), distinguindo que o direcionamento da primeira se voltava, sinteticamente, ao desenvolvimentismo, com ênfase na substituição das importações e na industrialização; e o da segunda, ao mercado, com incentivo à concorrência externa e aumento da produtividade interna.

44 Bulmer-Thomas (2010) demonstra que as repúblicas latino-americanas tiveram que optar entre um

modelo de desenvolvimento para dentro, estimulado pela CEPAL, ou para fora, instigado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Embora alguns países apresentassem resistências a abandonar por completo o desenvolvimento guiado pelas exportações, naquele momento, a CEPAL oferecia justificação teórica que embasava o aumento da produção e do emprego.

45 “Desenvolveram-se projetos econômicos de industrialização substitutiva de importações em alguns

países — de forma mais concentrada no México, na Argentina e no Brasil, mas também, ainda que menos marcada, na Colômbia, no Peru e no Chile. Esses processos vieram acompanhados de projetos político-ideológicos de caráter nacional, que fortaleciam a classe trabalhadora, os sindicatos e as forças partidárias de caráter nacional, assim como de ideologias e identidades nacionalistas. Ao mesmo tempo, constituíram-se novos blocos sociais no poder.” (SADER, 2009, p. 49).

46 Reinaldo Gonçalves (2012) aponta que, apesar de tais características serem amplamente

conceituadas, na América Latina, como “nacional-desenvolvimentismo”, a CEPAL não define claramente o papel do capital estrangeiro na industrialização substitutiva de importações, muito menos seu caráter nacionalista.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

58

escravismo e populismo, sufocaram a participação popular e corroboraram a

constituição de espaço público frágil e debilitado.

Se, de um lado, as ditaduras ceifaram com medo e tortura uma geração de

militantes e sindicalistas, por outro, as economias deram curso “a ferro e fogo” à

entrada de capitais e financiamentos internacionais, que, por tempos diferentes,

criaram as bases de implementação do neoliberalismo47 na região.

Com esse espectro, mesmo com a reinstituição democrática em alguns

países latino-americanos, a subordinação orgânica às economias centrais e a tutela

mais severa do mercado internacional implicaram, nos anos 80 do Século XX,

aumento da distância da América Latina dos países centrais, atraso tecnológico,

redução de investimentos e transferência de recursos para o exterior. A chamada

“década perdida” é assim denominada porque faz referência a um período de

estagnação produtiva, associada à instabilidade financeira, a elevados índices de

inflação, ao aumento da dívida externa e à dependência financeira externa,

essencialmente via organismos internacionais.

Transformadas em meros “mercados emergentes”, as economias da periferia tornaram-se alvos de verdadeiras operações de pilhagem por parte dos grandes conglomerados internacionais interessados em tirar proveito de privatizações, fusões e aquisições; utilizar o poder de monopólio para controlar segmentos inteiros do mercado nacional e internacional; aproveitar a fragilidade e o desespero dos países endividados para extorquir-lhes polpudos recursos, sob a forma de benefícios fiscais e financeiros; e explorar as vantagens comparativas derivadas do controle de matérias- -primas estratégicas, da presença de mão-de-obra barata e da possibilidade ilimitada de depredar o meio ambiente. (SAMPAIO JÚNIOR, 2010, p. 45).

Esses elementos reafirmam, incondicionalmente, o poderio operado pelos

grandes centros em detrimento da periferia, o que tendeu, cada vez mais, a

aprofundar as assimetrias entre um e outro. Paiva e Ouriques (2006, p. 172)

asseveram que os países latino-americanos “[...] ingressaram no circuito capitalista

internacional em condições de inferioridade competitiva evidentes, e até hoje

insuperáveis, não somente pela tardia modernização [...], mas pela

consequentemente atrasada participação no mercado mundial”.

47

“O neoliberalismo tem uma longa história na América Latina. Essa história se inicia nos anos 1970, com o golpe do general Augusto Pinochet que derrubou o governo de Salvador Allende e liquidou a vida democrática do socialismo chileno. Apoiado pelos Estados Unidos, pelas grandes multinacionais e pelos setores mais reacionários da sociedade chilena, o golpe armado pavimentou o caminho para os tecnocratas importados diretamente da Escola de Chicago, então comandada por Milton Friedman, implementarem o receituário típico do neoliberalismo [...]. Nascia, assim, sob os auspícios da autocracia burguesa, o neoliberalismo na América Latina.” (CASTELO, 2010, p. 21).

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

59

Essa realidade trouxe como implicação, além de um modelo econômico

dependente, a autonomia relativa de suas políticas, uma vez que o mercado interno

perdeu espaço para o externo, e, dessa forma, seu eixo de articulação constituiu-se

pelos países centrais e pelo mercado mundial. Assim, a relação de dependência tem

seu fundamento na contradição entre a capacidade produtiva do trabalho nos países

centrais e a superexploração do trabalhador nos países periféricos, que tende a

produzir o estrangulamento da sua reprodução econômica e social. Como a

produção latino-americana não depende da capacidade interna, mas da externa, a

base de sua subordinação encontra-se na desenfreada superexploração da classe

trabalhadora, a qual se localiza no eixo central do processo de acumulação regional

(MARINI, 2000).

[...] a produção latino-americana não depende, para a sua realização, da capacidade interna de consumo. Assim, dá-se a partir do ponto de vista do país dependente a separação dos dois momentos fundamentais do ciclo do capital — a produção e a circulação de mercadorias — cujo efeito é fazer com que apareça de maneira específica na economia latino-americana a contradição inerente à produção capitalista em geral, quer dizer, a que opõe o capital ao trabalhador enquanto vendedor e comprador de mercadorias. (MARINI, 2000, p. 50).

Entre controversas e antagonismos de uma sociedade regida pelos ditames

do capital, “[...] a dependência é produto do desenvolvimento do capitalismo, que

gera uma relação dialética entre o centro do sistema que se expande e a periferia

que é submetida à sua lógica” (GANDÁSEGUI, 2009, p. 278). Nesse sentido, os

impactos sociais revelados historicamente da realidade latino-americana

recrudescem, quanto mais dependente e subordinada a região fica aos ditames

culturais, políticos e econômicos da lógica internacionalizada.

3.1.2 A realidade recrudescida da América Latina e do Caribe em dados

Em face desse espectro singular da América Latina e do Caribe, os dados

do Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe (CEPAL,

2009), da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, são notórios, ao

indicarem que, apesar do ligeiro crescimento da América Latina na entrada do

século XXI, no segundo quartel da primeira década, a crise internacional, provocada

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

60

pela “bolha imobiliária norte-americana”48, resultou em taxas negativas de

crescimento — em, aproximadamente, metade dos países da região —, e a

exportação chegou a apresentar índices de -9,6 %, com destaque para o México,

cujo percentual ultrapassou os 14 pontos percentuais negativos.

Os reflexos da desaceleração do crescimento econômico e das políticas de

ajuste recaíram, mormente, sobre áreas e setores mais vulneráveis, como as

políticas sociais, as quais têm sido mascaradas por propostas de reformas, que têm

provocado o desmonte dos incipientes aparatos de proteção social. Em face dos

pífios recursos alocados, as políticas sociais passaram a ser substituídas por

programas focalizados de combate à pobreza e, por outro lado, abriram um nicho de

mercado para os serviços e/ou seguros privados ou público-privados. No caso da

Previdência, até o início do século XXI, “[...] nove países latino-americanos tinham

implementado reformas estruturais em seus sistemas previdenciários: Chile (1981),

Peru (1993), Colômbia e Argentina (1994), Uruguai (1996), Bolívia e México (1997),

El Salvador (1998) e Costa Rica (2001)” (MESA-LAGO; MULLER, 2003, p. 27).

As consequências desse “desmonte” estão na distribuição de renda

assimétrica, nas condições de vida da população, no acesso a bens e serviços e,

sobretudo, nos níveis de indigência49 e pobreza50 da região, que, apesar de terem

diminuído na maioria dos países que a constituem, ainda mantêm taxas muito

elevadas, o que pode ser observado na Tabela 1.

48

A crise financeira internacional teve no seu epicentro os EUA, quando a oferta excessiva de crédito (com preços muito acima do valor venal) levou a uma ampliação desordenada da demanda imobiliária, que resultou num movimento inflacionário e na elevação das taxas de juros. Reversamente a isso, ocorreu uma retração da demanda e da liquidez das hipotecas dos imóveis. Credores e investidores foram afetados, uma vez que os primeiros não receberam, e os segundos não investiram e colocaram suas ações à venda na bolsa. Com excesso de ações à venda, a bolsa de valores norte-americana despencou e impactou, diretamente, o mercado financeiro mundial.

49 Os percentuais de indigência podem ser obtidos no Panorama Social da América Latina (CEPAL,

2012) da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe. 50

Para a mensuração das percentagens de pobreza multidimensional, a CEPAL utiliza os seguintes indicadores de carências: acesso a fontes de água melhorada; sistema de eliminação de excrementos; energia elétrica; combustível para cozinhar inseguro para a saúde; precariedade dos materiais de moradia; amontoamento; frequência à escola; e alcance de uma escolaridade mínima (CEPAL, 2012).

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

61

Tabela 1 — Percentagem de pessoas em situação de pobreza na América Latina — 2005-2012

PAÍSES ANOS

2005 2006 2011 2012

Argentina ................. 30,6 ... ... 4,3

Brasil ....................... 36,4 ... 20,9 ...

Chile ........................ ... 13,7 11,0 ...

Colômbia ................. 45,2 ... ... 32,9

Equador ................... 48,3 ... ... 32,2

México ..................... ... 31,7 36,3 ...

Paraguai .................. 56,9 ... 49,6 ...

Uruguai ................... 18,8 ... ... 5,9

Venezuela ............... 37,1 ... ... 23,9

FONTE: COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Panorama Social da América Latina. 2012. Disponível em: <http://www.cepal.org/publicaciones/xml/5/48455/PanoramaSocial2012.pdf>. Acesso em: 21 out. 2014.

A Tabela 1 mostra uma redução significativa da pobreza, especialmente na

Argentina e no Uruguai, que diminuíram para menos de um terço seus percentuais

de população em situação de pobreza num espaço temporal de sete anos. Chama

atenção, igualmente, a retração de 16 pontos percentuais no Brasil e no Equador e,

na sequência, a contração de 13 pontos percentuais na Venezuela, países que

tiveram a gestão de “governos populares” nos últimos anos. Há de se considerar que

o período foi marcado por condições econômicas internacionais adversas, mas,

mesmo assim, esses países apresentaram resultados bem diferentes dos demais,

com uma única exceção para a Colômbia. Diferentemente desse bloco, com

governos conservadores, a Colômbia foi o único país que apresentou uma redução

também significativa de 12 pontos percentuais em relação à população em situação

de pobreza, seguida por países com resultados bem menos significativos, como o

Paraguai, que reduziu apenas sete pontos percentuais, o Chile, que diminuiu menos

de dois pontos percentuais, e o México, que ampliou em, aproximadamente, quatro

pontos percentuais o seu contingente nos últimos cinco anos.

Contudo, mesmo sob políticas dirigidas aos segmentos pobres (e

indigentes), o que se revela é a ausência de mudanças estruturais, uma vez que a

distribuição de renda não equitativa ainda é uma característica marcante da

realidade regional. Enquanto 20% dos “mais ricos” concentram em torno de 55% da

riqueza na América Latina, têm-se apenas 3,5% da riqueza socialmente produzida

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

62

acessada por 20% da população pobre. Esse abismo é responsável pelo título

atribuído à região, de mais desigual do Mundo, cuja diferença, apontada por Katz

(2009), entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres remonta a 57 vezes no

Brasil, 39 vezes no Chile, 67 vezes na Colômbia, 46 vezes no Equador e 76 vezes

no Paraguai.

No que tange ao trabalho, não só houve redução da renda média,51 como

veio acompanhada de altas taxas de desemprego,52 sendo que, das seis economias

que representam, em conjunto, 90% do PIB da América Latina (Argentina, Brasil,

Chile, Colômbia, México e Peru), cinco (Argentina, Brasil, Chile, México e Peru)

apresentavam, em 2013, entre 5% e 7% de taxa de desemprego (CEPAL, 2013b).53

Corroboram essa conjuntura a deterioração das condições de trabalho, as jornadas

extensivas54, a terceirização, a precarização das relações e formas de contrato de

trabalho, a desprofissionalização e o trabalho “por conta”, que, segundo a CEPAL

(2013b), tem-se sobreposto às taxas de elevação do trabalho assalariado em seis

dos nove países com dados disponíveis (Brasil, Chile, Costa Rica, México, Panamá

e Peru). Ressaltam-se, ainda, a mudança na composição da força de trabalho, a

“captura da subjetividade” dos trabalhadores (ALVES, 2011) e o arrefecimento de

suas lutas.

Somados à volatilidade do mercado financeiro internacional e à posição

subalterna que a região ocupa no cenário mundial, esses fatores se revelam mais

enigmáticos do que parecem. O fato é que a lógica de “acumulação flexível”

(HARVEY, 1993) “[...] possui características que, ao mesmo tempo, produzem o

desenvolvimento de determinadas economias e o subdesenvolvimento de outras”

(CARCANHOLO, 2009, p. 252), provocando um “Salve-se quem puder” ou um

“Quem pode mais, chora menos”. Esses ditos populares, mais do que representar as

51

“As remunerações médias (salários, aposentadorias e pensões) [...] não só não acompanharam a expansão do produto em alguns países ao final da década (como a Colômbia e o Chile), como caíram 25% em termos reais, em média, nos demais países onde se processaram ajustes. As quedas de renda por habitante foram acompanhadas, em vários casos, por uma piora na sua distribuição, de modo que reduções de renda inferiores a 25% como média representaram diminuições significativamente maiores nos domicílios vulneráveis que se situavam em torno da linha de pobreza.” (SOARES, 2009, p.49-50).

52 Em que pese a Europa apresentar índices bem mais elevados que os dos países da América

Latina, há que se considerar que o potencial econômico e político daquele continente, elementarmente, se diferencia da realidade latino-americana.

53 A Colômbia é o único país que desponta com uma taxa média de desemprego de 10% em 2013.

54 A jornada laboral média dos países da América Latina e do Caribe superam as registradas nos

países da Europa. Enquanto, nos países latino-americanos, a jornada ultrapassa 40 horas semanais, ela não transpõe a média de 37 horas nos países europeus (CEPAL, 2012).

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

63

impressões desse contexto na organização política e econômica latino-americana,

traduzem impacto estrito na vida dos trabalhadores.

Além de dar uma nova materialidade à produção, à circulação e à

distribuição, a “acumulação flexível” debilita o mundo do trabalho, promove a

despossessão do trabalhador das suas condições de vida, exige novas

especializações, cria novas maneiras de fornecimento de serviços (financeiros ou

não), além de demandar inovação e intensificação tecnológica (ALVES, 2011).

Os impactos desse processo finalizam e iniciam séculos produzindo, em

escala mundial, “populações insolventes”, “sobrantes” — o “exército industrial de

reserva”, nos termos de Marx. Como oportunamente define Ianni (1993, p. 114),

tem-se hoje

[...] uma multidão de trabalhadores, populações ou coletividades nacionais, dispersas em grupos, etnias, minorias, classes, regiões, culturas, religiões, seitas, línguas, dialetos, tradições culturais, todos membros de uma estranha aldeia global. Articulados pelo alto, desde centros decisórios desterritorializados, recebendo aproximadamente as mesmas mensagens em todos os lugares, informando-se mais ou menos nos mesmos termos, sendo levados a pensar os problemas cotidianos, locais, regionais, nacionais, continentais e mundiais em forma mais ou menos homogênea. Uma fantástica aldeia global, em que se dispersa uma imensa multidão de solitários, inventada pelo alto, satelitizada, eletrônica, desterritorializada.

A partir desses imperativos histórico-estruturais do panorama latino-

-americano de dependência, que “[...] envolve um controle externo simétrico ao do

antigo sistema colonial, nas condições de um moderno mercado capitalista, da

tecnologia avançada e da dominação externa compartilhada por diferentes nações,

[...] desde o controle da natalidade, a comunicação de massa e o consumo de

massa, até a educação [...]” (FERNANDES, 1999, p. 100), o trabalhador é tido como

um “[...] indivíduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma operação

parcial” (MARX, 2011a), que se vê destituído de sua concha (para fazer a analogia

com o “caracol e sua concha”, aludidos por Marx), na medida em que não se

apropria dos resultados do seu trabalho.

Sem embargo, a lógica do modo de produção institui a centralidade do

trabalho assalariado na vida dos sujeitos, os quais, para garantir sua permanência

(ou possível inserção) no mundo do trabalho, buscam pela propalada qualificação

profissional para responder à demanda de um profissional polivalente, flexível, que

transita entre os diversos espaços, que é propositivo, criativo e inovador. Nos termos

de Alves (2011), explicita-se o “sociometabolismo da barbárie”, expresso pelas

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

64

dilacerantes contradições vivas do capital.

3.2 DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DA DEPENDÊNCIA: O ESPECTRO

ENIGMÁTICO DA EDUCAÇÃO E OS REFLEXOS NA FORMAÇÃO

PROFISSIONAL

À luz do cenário exposto e da intensidade que adquire na América Latina,

dadas as construções sócio-históricas de colonialismo e subserviências, a região

manifesta “novas formas” de dependência, que, além de econômica e cultural, é

política e ideológica. Para tanto, a educação emana como instrumento estratégico,

ao passo que é tida como fator de desenvolvimento econômico e progresso técnico,

pela almejada formação (técnica) da força de trabalho.

É nesse bojo que a educação tem sido manipulada por interesses

econômicos burgueses, representados pelos organismos multilaterais (Banco

Mundial, Fundo Monetário Internacional, Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID)), os quais determinam uma agenda de orientações e diretrizes às políticas

educacionais, autenticando, estrategicamente, a condução ideológica das políticas e

as estruturas de dominação vigentes por meio da definição de indicadores

estatísticos internacionais. O ponto nevrálgico dessas “indicações” está no incito ao

abandono da autonomia dos países dependentes no trato de suas particularidades,

uma vez que a América Latina, em face da extensão geográfica e das peculiaridades

dos países desde o processo de colonização, se revela uma região “multiétnica,

pluricultural e multilíngue” (LÓPEZ, 2002, p. 348), que, indubitavelmente, não pode

ser ignorada, aculturada ou erradicada.

De forma considerável, foi a partir dos anos 80 do século XX que o “rolo

compressor” das agências multilaterais ampliou significativamente seu peso, tendo

em vista que os países latino-americanos estavam no limiar de sucumbir diante do

peso combinado da recessão e da dívida externa, e, na década seguinte, veio

acompanhado do discurso de que há necessidade de a região adequar-se aos

condicionantes das reformas impressas pela “nova” configuração da ordem mundial.

Sob o pressuposto de enfrentar os desafios emergentes, as reformas da

educação na América Latina foram elaboradas sob a égide das políticas econômicas

e do redirecionamento das funções do Estado, ao passo que veiculavam,

essencialmente, a descentralização do setor educacional com a incorporação da

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

65

iniciativa privada e mudanças na gestão educacional (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008),

cuja operacionalização se deu sob diferentes impactos, em face das condições

objetivas de cada país.

3.2.1 O simulacro da educação na América Latina e no Caribe, em números

A educação, vista sob esse lócus estratégico, é colocada no centro da

discussão como resposta aos desafios a serem enfrentados pela região. Tanto

grupos dirigentes quanto os organismos internacionais identificam-na como “[...]

principal instrumento para o desenvolvimento dos países, o crescimento das

economias, o aumento da produtividade e, o meio para superar ou pelo menos

estreitar o abismo interno da pobreza [...]” (BRUNNER, 2002, p. 17). Tal perspectiva

revela o seu simulacro contraditório, uma vez que, entre indicadores gerais tímidos,

a região ainda reluta às “feridas abertas” que marcaram largamente seu processo

sócio-histórico.

Com efeito, a obviedade que parece estar circunscrita não reitera a

centralidade na elevação cultural latino-americana, mas estritamente na formação

profissional e técnica, voltada às veias dilacerantes da lei de acumulação capitalista,

pois “[...] quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto

maior a massa de superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa

do suplício de seu trabalho. E, ainda, quanto maiores essa camada de lázaros da

classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior, [...] o pauperismo”

(MARX, 2002, p. 748). Esse é o resultado da lei geral da acumulação capitalista.

Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista, servindo assim à auto expansão do capital. Utilizando um exemplo fora da esfera da produção material: um mestre-escola é um trabalhador produtivo quando trabalha não só para desenvolver a mente das crianças, mas também para enriquecer o dono da escola. Que este invista seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa de fazer salsicha, em nada modifica a situação. (MARX, 2002, p. 578).

O pensamento marxiano expresso no século XIX revela sua atualidade ao

dimanar que a lógica do modo de produção capitalista começa e termina séculos

sem alteração orgânica. Enquanto a órbita do capital está orientada pelo processo

indiscriminado de acumulação, o que se altera é o significado desse processo

auferido pelos sujeitos sociais a partir do lugar que ocupam (ou não) nesse contexto.

Diante disso, a educação na América Latina não se deve traduzir como mera

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

66

elevação de taxas educacionais, mas na superação de déficits culturais, de

resultados insatisfatórios de repetência e evasão escolar, de pífios investimentos e

de diferenças de escolarização entre os que concentram a riqueza e os que se

subjugam a irrisórios salários e como universalização da educação básica à

superior. Para tanto, mesmo não sendo tarefa simples, o produto vislumbraria

direitos humanos fundamentais, a começar pelo direito elementar de “ler e escrever”,

que, em 2011, era garantido a apenas 91,5% da população latino- -americana,

ficando alijados desse acesso, aproximadamente, 8,5% do contingente, conforme se

visualiza na Tabela 2.

Tabela 2 — Taxa bruta de analfabetismo de pessoas acima de 15 anos na América Latina — 2006 e 2012

(%)

PAÍSES ANOS

2006 2012

Argentina ................................ 2,5 0,9

Brasil ...................................... 10,4 8,7

Bolívia ..................................... 10,7 7,8

Chile ....................................... 3,6 3,3

Colômbia ................................ 7,2 6,5

México .................................... 8,4 7,5

Paraguai ................................. 6,6 5,4

Uruguai ................................... 2,2 1,6

Venezuela ............................... 6,4 3,9

FONTE DOS DADOS BRUTOS: COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Anuário estatístico da América Latina e Caribe. 2013a. Disponível em: <http://www.cepal.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/6/51946/P51946.xml&xsl=/tpl/p9f.xsl&base=/tpl-i/top-bottom.xslt>. Acesso em: 21 out. 2014. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Panorama da Educação Superior na América Latina e Caribe: a importância da expansão quantitativa e qualitativa da pesquisa e da pós-graduação. 2008. Disponível em: <http://www.foprop.org.br/wp-content/uploads/2010/05/Panorama-da-Educa%C3%A7%C3%A3o-Superior-na-Am%C3%A9rica-Latina-e-a-Import%C3%A2ncia-da-Expans%C3%A3o-Quantitativa-e-Qualitativa-d.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2014.

Não obstante esse fato, a Tabela 2 evidencia que, nos países mencionados,

sem exceção, todos tiveram redução nas taxas de analfabetismo, com destaque

para a Argentina, cujo índice diminui quase um terço. Entretanto ganham

proeminência os percentuais apresentados pelo Brasil e pelo México, por serem as

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

67

maiores economias da América Latina respectivamente, mas também os dois países

com maior densidade demográfica da região. No caso do Brasil, particularmente, a

redução é significativa, uma vez que apresenta 1,7 ponto percentual para uma

população de, aproximadamente, 200 milhões de habitantes, em contraponto com

0,9% do México, para um contingente de em torno de 120 milhões de pessoas. Esse

indicador populacional, associado à extensão geográfica, consegue mostrar os pífios

recursos investidos na política educacional pelos dois países, pois remontam ao

percentual de 6,1% e 5,2% do PIB no ano de 2014, comparando-se com o destinado

ao pagamento da dívida. Não é por acaso, por exemplo, que Cuba, no mesmo ano,

apresentava os melhores índices de educação, com percentual de analfabetismo

quase nulo,55 uma vez que os recursos destinados à política educacional giravam

em torno de 12,9% do PIB, o dobro do aplicado pelo Brasil e pelo México.

O Chile, embora apresente o terceiro menor índice de população analfabeta

com mais de 15 anos, foi o país que menos o reduziu no período 2006-12, com um

índice de 0,3%, seguido pelo Uruguai, com 0,6%, pela Colômbia, com 0,7%, e pelo

México, com 0,9%. Além dos países já mencionados, aufere evidência, ainda, a

Bolívia, na medida em que a taxa média geral de analfabetismo, que é de 7,8%, é

obtida com 11,9% de mulheres e 3,4% de homens analfabetos. Mais do que uma

questão educacional, os três quartos representados pelo gênero feminino advertem

sobre a subalternidade atribuída a esse grupo, ao passo que os indicadores que lhe

são relativos, entre o número de pessoas economicamente ativas, de participação

nas atividades econômicas e/ou em desemprego demostram o destaque masculino

em detrimento do feminino.56

Por outro lado, as informações do Anuário Estatístico da América Latina e

Caribe (CEPAL, 2013a) elucidam a manutenção relativa das taxas de matrícula no

ensino básico57, no início do século. Em 2000, a América Latina apresentava a taxa

de matrícula na rede primária de ensino de 92,7% para a idade relativa à fase,

55

Cuba é considerada país “livre de analfabetismo” pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

56 Para fins elucidativos, seguem as informações: dos 3,6% de desemprego urbano na Bolívia, 4,5%

são relativos a mulheres; e 2,9%, a homens; dos, aproximadamente, 4.600,00 milhões de pessoas, 2.600,00 são homens, e 2.000,00 são mulheres; os 71,8% de participação nas atividades econômicas são obtidos com 81,4% de participação dos homens e 62,4% das mulheres (CEPAL, 2013a).

57 A terminologia “ensino básico” utilizada no Brasil, que corresponde aos ensinos fundamental e

médio — conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996 — é correlata, para a CEPAL, aos ensinos primário e secundário; já o termo “ensino superior” (no Brasil) é relativo ao ensino terciário para a CEPAL.

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

68

enquanto, em 2006 e 2011, esse número passou para 94,2% e 93,8%

respectivamente. A taxa do ensino secundário, por sua vez, também revela exíguas

elevações: 66,2% em 2000, 72,7% em 2006 e 76,1% em 2011.

As perspectivas apontadas pelos percentuais acima expostos, além de

ratificarem, em termos quantitativos, a não universalização do ensino básico,

consoante às orientações dos organismos multilaterais, veiculam a ausência de

parâmetros de mensuração da qualidade da educação nos níveis apresentados.

Indubitavelmente, trata-se de um modelo “[...] configurado em torno de variáveis

observáveis e quantificáveis, e que não comporta os aspectos especificamente

qualitativos, ou seja, aqueles que não podem ser medidos, mas que constituem,

porém, a essência da educação. Um modelo educativo, por fim, que tem pouco de

educativo” (TORRES, 1998, p. 139).

Quanto ao ensino superior, a realidade não é diferente. É agravada porque

as universidades tendem a absorver, cada vez mais, uma população mais jovem,

que demanda atenção mais apurada pelos déficits oriundos do ensino básico, além

de serem absorvidos (também) por instituições de educação superior não

universitárias (CARNOY, 2004). Informações sistematizadas no Panorama da

Educação Superior na América Latina e o Caribe (UNESCO, 2008) demonstram

que, do total de, aproximadamente, 8.900 instituições de ensino superior na região,

apenas 1.200 eram designadas como universitárias, o que significa que cinco sextos

da oferta das matrículas do ensino superior, na época, se davam em instituições não

universitárias, as quais representam formação centrada na tecnificação, aligeirada e

com ausência de atividades complementares ao processo de formação, como

pesquisa e extensão. Tal tendência tende a abandonar o adensamento teórico, a

preocupação com a qualidade do processo e com o perfil do egresso, para se

transformar numa, literalmente, “fábrica de diplomas”, que, por consequência,

produz uma “população diplomada sobrante”, funcional ao “Salve-se quem puder” do

mundo do trabalho contemporâneo.

A “educação superior de massa” prolifera-se vertiginosamente pela

significativa ampliação do número de instituições públicas e privadas — que, em

países como o Brasil, têm investimento público — e influi diretamente nos índices de

matrícula no ensino superior. O acesso é fundamental, mas não se basta por si só.

Aliado a ele, há que se terem políticas voltadas à qualidade do processo de

formação, à formação crítica e à permanência, de modo que se resgate o papel

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

69

elementar da educação, que ultrapasse as barreiras profissionais e leve a notar “[...]

que antes do operário existe o homem, que não deve ser impedido de percorrer os

mais amplos horizontes do espírito, subjugado à máquina” (GRAMSCI, 2000a,

p. 49). A educação, nesse sentido, deveria configurar-se como um ato de

desalienação, como um espaço de aprofundamento cultural e de fortalecimento de

projeto de sociedade que supere os interesses práticos e imediatos, pois o que deve

predominar, para Gramsci, “[...] é a escola formativa, imediatamente

desinteressada”, ao invés da configuração contemporânea que imprime “à educação

um sentido empresarial, utilitário, de mero adestramento da força de trabalho”

(BRUNNER, 2002, p. 30) e, de certa forma, perverso e dissimulado.

Na América Latina e no Caribe, contrariamente ao aludido, a educação

superior ainda apresenta demanda reprimida para a maioria da população, mesmo

tendo conseguido elevação nos índices, nas últimas décadas. Ao se comparar o

segundo quartel dos anos 90 do século XX com a primeira década do século XXI,

fica evidente que as taxas relativas à matrícula58 duplicaram no período, assim como

tiveram significativa margem de elevação nos países, de 2006 até 2011, o que pode

ser visualizado na Tabela 3.

Tabela 3 — Taxa bruta de matrícula no ensino superior de pessoas entre 25-34 anos, na América Latina e no Caribe — 2006-2011

(%)

PAÍSES ANOS

2006 2007 2010 2011

Argentina ................. 67,1 ... 74,8 ...

Chile ........................ 46,5 ... ... 70,5

Cuba ....................... 86,2 ... 95,0 ...

México .................... 23,8 ... ... 27,7

Paraguai .................. ... 28,7 34,5 ...

Uruguai .................... 46,0 ... 63,2 ...

FONTE: COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Anuário estatístico da América Latina e Caribe. 2013a. Disponível em: <http://www.cepal.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/6/51946/P51946.xml&xsl=/tpl/p9f.xsl&base=/tpl-i/top-bottom.xslt>. Acesso em: 21 out. 2014.

58

Os percentuais indicados na Tabela 3 referem-se, apenas, às matrículas no período indicado, não sendo expressos os índices de permanência.

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

70

Apesar de países como a Argentina e o Chile apresentarem índices

elevados em comparação com o México, o que chama atenção na Tabela 3 é o

percentual relativo a Cuba. Não por acaso, além de ser referência em política

educacional, é o país que mais investe em educação superior entre todos os países

da América Latina e do Caribe, com um percentual que gira em torno de 13% do

PIB. Com a clássica frase de José Martí, “Ser culto é o único modo de ser livre”,

estampada, a sociedade cubana solidificou pressupostos ideopolíticos após a

Revolução Cubana (1959), que conduziram a transformações sociais, políticas,

culturais e econômicas estruturais na Ilha. Antes do processo revolucionário,

contudo, a realidade era adversa: em estudo, López (2011) explana que o país

apresentava, em 1958, 1 milhão de analfabetos e 600 mil crianças sem escola.

No que se refere ao Brasil, apesar de os investimentos em educação serem

destinados, em maior percentual, ao ensino superior e haver uma lacuna entre a

oferta e a demanda nesse nível, é notória a política de expansão do ensino superior

nos últimos Governos Federais59. Embora, no Governo Fernando Henrique Cardoso

(FHC), as ações fossem mantidas sob políticas de Governo, oriundas da

contrarreforma do Estado brasileiro e sob o ponto de vista de atividade pública não

estatal, nos períodos de governo de Lula e Dilma, tornaram-se políticas de Estado.

As estratégias utilizadas perpassam a privatização e a mercantilização do

ensino superior pelo estímulo à criação e/ou pelo fortalecimento das instituições de

ensino privadas, sejam elas universidades, sejam centros universitários, faculdades

ou institutos. Dados da Sinopse Estatística da Educação Superior Brasileira

(INEP, 2013), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (INEP), evidenciam que, do total de 2.319 instituições de ensino superior,

2.090 eram privadas em 2013, o que equivale a um percentual de 90,1% do ensino

superior no âmbito privado. Atreladas a isso, as políticas incitam à “privatização”

interna das universidades públicas, ao passo que criam cursos pagos ou com

contrapartida dos acadêmicos e abrem um leque de possibilidades para parcerias

com empresas privadas (LIMA, 2013), sob a falácia de tornar a universidade lócus

de excelência acadêmica. Para agudizar o quadro e escancarar os pressupostos da

reforma impressa à educação superior, o nível de ensino passou a ser ofertado,

indiscriminadamente, na modalidade à distância, cuja certificação de massa revela a

59

Referentes aos Governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) e Dilma Rousseff (2011-14).

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

71

ausência de parâmetros que mensurem patamares de qualidade mínimos. No caso

do Serviço Social, por exemplo, informações das entidades representativas da

categoria60 indicam que, se, em 2007, o montante de profissionais Assistentes

Sociais girava em torno de 70.000 no Brasil, a partir da oferta desmensurada do

curso na modalidade à distância, esse número dobrou num lastro de sete anos,

chegando o número de Assistentes Sociais a 145.000 em 2014. O número também

é temível em relação às matrículas: informações da Sinopse Estatística da

Educação Superior Brasileira (INEP, 2013) elucidam que, enquanto 79.163

matrículas no curso estavam na modalidade presencial — das quais 75% eram em

instituições privadas (aproximadamente, 59.972 matrículas) e apenas 19.191 em

instituições de ensino públicas —, se registravam outras 94.595 na modalidade à

distância, sendo 9.424 em instituições públicas (estaduais) e 85.171 em privadas.

Diante do exposto, percebe-se que a reforma educacional na América

Latina, consentida e conduzida a serviço do arcabouço político e econômico

hegemônico, coloca em questão o compromisso ético e político da educação, na

medida em que traz ao processo de formação desafios político-sociais atrelados aos

novos tempos, que, ao mesmo tempo em que reordenam seu papel sócio-histórico,

o tornam um campo minado de contradições.

3.2.2 A morfologia do reordenamento da formação profissional

No panorama aludido, a integração entre educação e trabalho, que se

constituiria, para Marx, como estratégia de desalienação, sob o capitalismo maduro,

torna-se instrumento elementar de produção de capital, uma vez que é a educação

que prepara para o trabalho, constituindo força de trabalho condizente com as

demandas. O trabalhador torna-se um ser estranhado, coisificado, desumanizado,

um objeto, que pressupõe, pela formação, sua permanência e/ou concorrência no

livre jogo das forças e relações contratuais de trabalho.

Se as circunstâncias em que este indivíduo evoluiu só lhe permitem um desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em detrimento de outras, se estas circunstâncias apenas lhe fornecem os elementos materiais e o tempo propício ao desenvolvimento desta única qualidade, este indivíduo só conseguirá alcançar um desenvolvimento unilateral e mutilado. (MARX; ENGELS, 2011, p. 43, grifos nossos).

60

São elas o Conselho Federal de Serviço Social (Cfess) e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS).

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

72

Em oposição à concepção dialética de educação, que apreende o homem

enquanto ser político, a concepção hegemônica pressupõe uma formação

profissional voltada às fronteiras do capital e àquilo que lhes é subserviente. Trata-

-se, em outros termos, de reconfigurar o simulacro do processo de formação e se

adequar às novas requisições profissionais do mundo do trabalho.

Mas não só o perfil do trabalhador requisitado mudou. A estrutura e a

funcionalidade da universidade, lócus institucional de formação, tiveram mutações

na organização, no funcionamento e na gestão, na medida em que deve ser

empreendedora e garantir competitividade e permanência dos acadêmicos em sala

de aula. Sem balizes, assim se constitui a “universidade operacional”61 (CHAUÍ,

2001).

Para se adequar às solicitações advindas dos “novos tempos”, a formação

vem sofrendo mudanças, para se centrar, contemporaneamente, em uma unidade

que não suscita pensamento e análise, que polariza a curiosidade para a ótica

funcional, que se preocupa com o produtivismo teórico e que anula a pretensão de

transformação das condições materialmente definidas.

Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção de vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência; as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, prenominam sobre a escola formativa, imediatamente desisteressada. O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvado como democrático, quando, na realidade, não é só destinado a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las. (GRAMSCI, 2006, apud BARATTA, 2010, s.p.).

Em plena era de um trabalhador de novo tipo, o processo formativo vem ao

encontro de atender a duas requisições intrínsecas na cena internacionalizada: de

um lado, atende a manifestações concretas de âmbitos técnico e político; de outro, à

luz da venda da força de trabalho, acolhe a exigência de preparação para o mundo

61

“A Universidade operacional, dos anos 90, difere das formas anteriores. De fato, enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento, a universidade funcional estava diretamente para o mercado de trabalho, e a universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Em outras palavras, a universidade está virada para dentro de si mesma, mas, como veremos, isso não significa um retorno a si, e sim, antes, uma perda de si mesma. [...] Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual. A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrandos e doutorandos, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc. Virada para o próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age.” (CHAUÍ, 2001, p. 190, grifos do autor).

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

73

do trabalho e à sociabilidade. Destarte, “[...] existe uma relação visceral entre o

processo educacional e o processo social abrangente, ou seja, entre educação e

sociedade. Trata-se de um vínculo orgânico [...]” (SEVERINO, 2005, p. 48).

Em outros termos, a formação tem um estatuto particular no cenário atual,

porque se centra nas necessidades de um trabalhador e/ou produtor imediato e em

um saber a serviço do capital. Pela mutabilidade da organização produtiva, o

continuum formativo é permeado pelas forças contraditórias que inserem o

trabalhador em processos dialéticos e em embates que colocam em xeque o

significado do seu processo de formação.

A educação, como um saber sempre referido a um fazer, se alimenta dessa tensão entre a melhoria da força de trabalho e o modo de realizar essa melhoria, inerente ao capitalismo. Ela deverá fazer crescer e aumentar a competência técnica e instrucional do trabalhador, procurando tornar o saber parte do capital como força produtiva. (CURY, 2000, p. 75).

Essa tensão entre a melhoria da força de trabalho e o seu produto expressa

uma qualificação imediatista, que responde ligeiramente às demandas trabalhistas,

enviesando a concepção de formação crítica, que consiste na qualificação ética,

política e técnica dos sujeitos, na constituição de um perfil profissional reflexivo dos

processos sociais, na apreensão das contradições inerentes ao modo de produção

capitalista e na operacionalização da unidade dialética, que conjuga aspirações

histórico-sociais.

Diante dessas particularidades históricas e conjunturais, o Serviço Social, na

América Latina, insere-se enquanto produto e produtor dos processos sociais,

implicado e implicante com posições político-ideológicas, explícitas e implícitas,

impressas em suas intervenções. É sob esse júdice que, no Capítulo 4, se abordará

como a profissão se situa na perspectiva de totalidade histórica — em face das

peculiaridades econômicas, sociais, políticas e educacionais elencadas no corpo

deste capítulo — e trava seus fundamentos profissionais, a partir de dois eixos

centrais: da gênese profissional e do Movimento de Reconceituação latino-

-americano.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

74

4 OS CONDICIONANTES HISTÓRICO-PROFISSIONAIS DOS FUNDAMENTOS

DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: ELEMENTOS

COMUNS DE TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DISTINTAS

Tendo como fundamento a elucidação epistemológica de análise do objeto

de estudo e das particularidades histórico-sociais da América Latina e do Caribe,

propõe-se, nessa esteira, adentrar na forma como o Serviço Social se inscreve nos

meandros dos processos sociais latino-americanos. Mais do que fazer um resgate

histórico, a opção teórico-metodológica exige que se situe o Serviço Social na

história e no vasto campo de relações que ultrapassa o viés corporativo. É dizer que

a profissão, circunscrita na concretude da vida social, condiciona e é por ela

(história) condicionada.

Nessa trama, o capítulo visa problematizar dois elementos histórico-sociais

comuns ao Serviço Social na América Latina: a sua gênese e o Movimento de

Reconceituação. Para tanto, inicialmente, demarcar-se-á, brevemente, em que

alicerces se assentou a gênese do Serviço Social no Mundo62, cuja problematização

inverte o lado do Atlântico a que comumente se concede o título, pois, se

epistemológica e axiologicamente, não se entende a profissão como evolução da

caridade, tampouco se pode legitimar a profissão sob bases que não almejam a

ciência.

4.1 SOBRE A GÊNESE DO SERVIÇO SOCIAL NO MUNDO: DE QUE LADO DO

ATLÂNTICO CORRESPONDE O FEITO?

Não são escassos os dilemas e indagações acerca da gênese do Serviço

Social, assim como são inúmeros os autores que argumentam sobre os

pressupostos que intitulam de que lado do Atlântico corresponde o feito: à Inglaterra

ou aos Estados Unidos? Pela relevância epistemológica e axiológica que adquire a

aproximação ao Serviço Social na América Latina e no Caribe, torna-se elementar

problematizar esse crepúsculo.

62

Por uma questão teórico-metodológica, não se está definindo como Serviço Social Mundial, assim como não se utiliza o termo Serviço Social latino-americano. A decodificação dessa escolha consta no Capítulo 6 deste trabalho.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

75

Partindo disso, entende-se que a profissão teve sua origem e, por

consequência, profissionalização e institucionalização no momento em que passou a

desenvolver ações concretas — assalariadas — e a se distanciar do voluntariado

social e da solidariedade humana, em que o reconhecimento social do profissional

de Serviço Social lhe designou atribuições que instituíram sua necessidade social.

Nessa ótica, o Serviço Social não tem os fundamentos de sua emergência

assentados na evolução da caridade e da filantropia, mas nas mudanças do

contexto social e do movimento de secularização, cuja mirada para a ciência

estabeleceu racionalidade na forma de apreender a sociedade que, em plena

transformação, plasmava relações sociais à luz de uma sociedade de classes.

Versa-se sobre uma profissão histórica e socialmente construída.

4.1.1 As concreções histórico-sociais da gênese do Serviço Social no Mundo

A passagem do século XVIII para o século XIX foi marcada por uma

transição que promoveu mudanças não só no campo produtivo, mas também nos

âmbitos econômico, social e político. Trata-se da Revolução Industrial. Embora a

demarcação de seu início e a de sua duração estejam longe de consensos no

campo da historiografia, o fato é que esse processo se deu na passagem desses

séculos e se localizou na Grã-Bretanha — cujo terreno clássico foi a Inglaterra —,

onde as condições socioeconômicas favoreceram a transição da produção

manufatureira para a maquinofatureira.

Não por acaso, a Inglaterra foi palco dessa transição. Já no final do século

XVII, como reflexo da Revolução Puritana, o país promoveu a transição do modelo

político absolutista para o modelo monárquico parlamentarista, presente até os dias

atuais. Isso fez com que a classe burguesa assumisse o controle político e

promovesse um processo de acumulação sem precedentes no país. Com o título de

“Rainha dos Mares”, a Inglaterra suscitou um processo de acumulação, seja na

comercialização com territórios ultramarinos, seja através das práticas de pirataria. A

abundância de recursos naturais, como o carvão, o ferro, a lã e o algodão, somada

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

76

aos cercamentos63 dos campos ingleses, serviu como catapulta ao processo de

transformação das forças produtivas64 promovido pela burguesia inglesa.

Foi na segunda metade do século XVIII que iniciou a história da classe

operária na Inglaterra, cujo umbral histórico se constitui, elementarmente, na

maquinofatura, especificamente com a invenção da máquina a vapor, destinada ao

processamento do algodão. Na medida em que transformou as relações de

produção, instituiu a necessidade de abandonar a produção familiar, autônoma e

manual — manufatureira, permeada de um “romantismo patriarcal”. “A vitória do

trabalho mecânico sobre o manual” (ENGELS, 2008) deslocou a posição ocupada

pelos trabalhadores, alterou o preço dos produtos manufaturados e fez florescer o

comércio e a indústria. Para além dos avanços tecnológicos, a Revolução Industrial,

que é denominada por Karl Polanyi (2012) como “a grande transformação”, implicou

mudanças sociais, demográficas e urbanísticas, uma vez que foi procedida de

crescentes fluxos migratórios do campo para a cidade e do consequente

crescimento do proletariado, destituído de qualquer proteção social. Transformou,

simultaneamente, o conjunto da sociedade burguesa.

Entretanto, se, de um lado, o avanço da tecnologia proporcionou a redução

dos custos e o aumento da produção em escala sem precedentes, de outro,

contrastava com o crescente pauperismo dos trabalhadores, na medida em que as

péssimas condições de trabalho, os excessivos turnos e os salários de miséria

ofertados em face da extensiva força de trabalho disponível não supriam as

necessidades mínimas de sobrevivência. Pautado na origem, no desenvolvimento e

nas contradições do capitalismo, Marx (1985) respondeu às afirmações de Proudhon

em A Miséria da Filosofia, contrapondo-se às suas concepções teóricas e políticas,

63

A Lei do Cercamento autorizava que os proprietários rurais delimitassem suas terras, para impedir a entrada e/ou permanência dos camponeses e, por consequência, sujeitá-los a vender na cidade a única mercadoria que dispunham — a força de trabalho —, porque ampliar a oferta de mão de obra significava ampliar as possibilidades de expansão do capital. A premissa era fazer a “limpeza das terras” e “[...] varrê-los das propriedades” (MARX, 2002), de modo que os trabalhadores não encontrassem mais terras lavráveis para sua habitação e sustento.

64 A produção antes restrita, em sua grande parte condicionada pela produção de manufaturas em

âmbito familiar, passou a ser ampliada aos galpões, cujas condições de trabalhos eram análogas ao trabalho escravo. Condicionada ao fator dia ou noite, a relação com o tempo também sofreu alterações: a regulação do tempo do relógio alterou não só a forma de organização da produção, mas a dinâmica da vida social, uma vez que, sem regulamentação do tempo máximo de trabalho, a ausência de férias e/ou descanso remunerado e salário mínimo e a utilização de trabalho infantil resultaram na ininterrupta violação dos direitos humanos (morte, castigos e estupros), que se aplicava para controlar a força de trabalho.

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

77

ao mesmo tempo em que articulava seu primado ontológico em detrimento do

meramente econômico.

Dia após dia, torna-se assim mais claro que as relações de produção nas quais a burguesia se move não têm um caráter unitário, simples, mas um caráter dúplice; que, nas mesmas relações em que se produz a riqueza, também se produz a miséria; que, nas mesmas relações onde há desenvolvimento das forças produtivas, há uma força produtora de repressão; que essas relações só produzem a riqueza burguesa, isto é, a riqueza da classe burguesa, destruindo continuamente a riqueza dos membros integrantes desta classe e produzindo um proletariado sempre crescente. (MARX, 1985, p. 117, grifos nossos).

É nesse contexto histórico que os trabalhadores passaram a buscar

estratégias urbanas de enfrentamento aos abusos da classe burguesa, a exemplo

do Movimento Ludista65, do Movimento Cartista66, das ideologias anarquistas e

marxistas e da criação dos sindicatos e das associações internacionais dos

trabalhadores67, que incitaram mediações trabalhistas entre operários e burguesia

industrial.68

Não era mais possível deixar de visualizar os rebatimentos engendrados

pelo ritualístico ciclo do capital, uma vez que a massa de população operária, criada

em consequência dos processos de proletarização do campo e da cidade, via

movimentos trabalhistas, buscava superar a condição de “escravo da burguesia”

(ENGELS, 2008). Com isso, as práticas que objetivavam reforçar a sujeição operária

aos domínios do capital e sua consecutiva expansão não somente não tinham mais

êxito, como expressavam seu caráter político — pelo avanço do movimento dos

trabalhadores, propalavam que não se tratava de uma massa indiferenciada — e

65

Também denominado como Ludita, é o movimento operário ocorrido na Inglaterra entre os anos 1811 e 1812, que reuniu trabalhadores industriais contrários aos avanços oriundos da Primeira Revolução Industrial, essencialmente porque substituíam o trabalho manual pelo mecânico, com condições de trabalho precárias. Seu nome deriva do operário Ned Ludd, o qual teria iniciado o movimento de destruição das máquinas na fábrica em que trabalhava.

66 Assim como o Movimento Ludista, o Cartista também é um movimento operário ocorrido na

Inglaterra, entre 1830 e 1840, que contestava as condições de trabalho no chão de fábrica, conhecido como o primeiro movimento de massa da classe operária. Os cartistas realizavam comícios por todo o país, que reuniam milhões de operários. Seu nome tem origem na carta escrita, em 1838, denominada Carta do Povo, que demarcava as reivindicações operárias, que englobavam inclusive a solicitação por direitos de cidadania.

67 As “Internacionais”, como são conhecidas, tinham o intuito de organizar internacionalmente o

movimento operário, conferindo-lhe organicidade frente à expansão econômica às custas das condições impostas e restritas aos trabalhadores. Em condições históricas e sociais particulares, as “Internacionais” totalizam quatro, tendo a sua frente figuras políticas épicas: I Internacional, inaugurada, em 1864, por Marx; II Internacional, iniciada, em 1889, por Engels; III Internacional, principiada, em 1919, por Lenin; e, por último, a IV, em 1938, liderada por Trotsky.

68 “[...] a burguesia não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens

que empunharão essas armas — os operários modernos, os proletários.” (MARX; ENGELS, 2007, p. 51, grifos do autor).

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

78

social — pelas condições de vida, pela situação de moradia e pelo estado de saúde

dos operários no país em que, ao mesmo tempo em que se multiplicava a riqueza, a

indigência se fazia onipresente.

Em definitivo, frente à magnitude da questão, as velhas formas de solidariedade, de “ajuda social”, as antigas instituições de caridade vinculadas às igrejas cristãs ou a outras religiões e sua versão secularizada, a filantropia, ficam rapidamente obsoletas, insuficientes para dar respostas adequadas e eficazes diante da complexidade que a “questão social” traz consigo. Ao adquirir tal dimensão, os problemas sociais obrigaram a constituição de novas estratégias de intervenção e, também, forçaram o Estado a assumir papel ativo na prestação de assistência às vítimas do capitalismo.

69 (MIRANDA ARANDA, 2009, p. 89,

tradução nossa, grifos nossos).

A realidade política-econômica-social passou a demandar que o trato

tradicional com a pobreza fosse suplantado — cuja iniciativa partia de ações

particulares e da Igreja e de suas respectivas concepções ideológicas —, de modo

que houvesse efetiva intervenção estatal na área social, em face das peculiaridades

assumidas no âmbito da sociedade burguesa, em sua fase monopólica, quando “[...]

recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de contradições que confere à

ordem burguesa os seus traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade

histórica” (NETTO, 2001a, p. 19).

De um intervencionismo pontual e episódico da fase concorrencial, em

tempos imperialistas, o Estado assumiu uma multiplicidade de funções (tanto

políticas quanto econômicas), cuja fusão levou-o à integração orgânica entre os

aparatos monopólicos e as instituições estatais. Como instrumento de organização

da economia, o Estado que intervém de dentro, contínua e sistematicamente, “[...]

aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem

objetivamente ser conciliados” (LENIN, 2010, p. 27, grifos do autor), usando-se disso

para amortecer a colisão das classes.

Ao assumir “cada vez mais o caráter de poder nacional do capital sobre o

trabalho, de uma força pública organizada para a escravização social, de máquina

do despotismo de classe” (MARX, 2011b, p. 55), o Estado moderno tornou-se o que

69

No original: “En definitiva, ante la magnitud de la cuestión, las viejas formas de la solidaridad, de la ‘ayuda social’, las antiguas instituciones inspiradas en la caridad vinculadas a las iglesias cristianas, o a otras religiones, y su versión secularizada, la filantropía, quedan rápidamente obsoletas, insuficientes para dar una respuesta adecuada y eficaz a la complejidad que trae consigo la ‘cuestión social’. Los problemas sociales adquirieron tal dimensión que obligaron a desplegar nuevas estrategias de intervención y también forzaron al Estado a asumir un papel más activo en la función de prestar asistencia a las víctimas del capitalismo” (MIRANDA ARANDA, 2009, p. 89, grifos nossos).

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

79

Marx e Engels (2007), no Manifesto do Partido Comunista, definem como “Comitê

executivo da burguesia”70, uma vez que opera no conjunto das condições

necessárias à acumulação monopolista, via constituição de mediações políticas às

demandas hipotecadas na concretude da vida social da classe trabalhadora.

4.1.2 A mirada para a ciência e a renúncia da ótica messiânica sobre a gênese

É na intercorrência do aludido que se tangenciou a instauração do espaço

histórico-social para a emergência do Serviço Social como “[...] produto da síntese

dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico, onde se

reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, quando, no

contexto do capitalismo, o Estado toma para si as respostas à ‘questão social’”

(MONTAÑO, 2011a, p. 30). Portanto, é a partir do momento em que as distinções

entre as práticas benevolentes e a intervenção do Estado se tornam manifestas que

se constituiu o espaço interventivo institucional ao Serviço Social, ao mesmo tempo

em que assumiu a condição de assalariamento e significado social no âmbito da

reprodução das relações sociais, com definição de objeto profissional e fomento às

bases de conhecimento que subsidiaram os pressupostos filosóficos e

metodológicos para os processos interventivos. Efetivamente, “[...] não é a

continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço Social que esclarece a sua

legitimação, e sim a ruptura com elas, concretizada [...] pela instauração,

independentemente das protoformas, de um espaço determinado na divisão

social (e técnica) do trabalho” (NETTO, 2001a, p. 73, grifos do autor).

Embora tenha herdado experiências desenvolvidas na Inglaterra,71 durante a

segunda metade do século XIX, foi nos Estados Unidos que o Serviço Social

70

Sobre a atualidade da incorporação ou não do termo, consultar Coutinho (1998). 71

Como a Inglaterra foi um dos primeiros países a experimentar os impactos da Revolução Industrial, desde finais do século XVIII, é nela que se registraram os primeiros movimentos voltados à classe trabalhadora, como: a melhora das condições habitacionais nos bairros operários, com Octavia Hill; os Settlements Houses (que ficaram conhecidas como Toynbee Hall, em homenagem ao estudante Arnold Toynbee, que, apesar de morrer muito jovem, desenvolveu, intensamente, atividades em bairros populares), com Samuel Barnett; e a organização e/ou expansão da caridade, com Charles Loch. Entretanto, foi Hill quem se tornou referência para entender a concepção de pobreza na época vitoriana, pois seu trabalho de educação familiar e social tinha ênfase moral e não estrutural, uma vez que atrelava a pobreza à necessária reeducação moral das massas (MIRANDA ARANDA, 2009). Defendia que a intervenção do Estado em excesso anulava as responsabilidades individuais, por isso, sua premissa metodológica consistia em “[...] ajudar os pobres para se ajudarem a si mesmos”. Esses foram os fundamentos para a organização da ação social e voluntária, no âmbito do que ficou conhecido como Sociedade de

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

80

assentou sua legitimidade profissional, quando buscou demarcar as bases

científicas e os conhecimentos metodológicos72 que diferenciaram o emergente

Serviço Social das práticas voluntárias, de modo a perfilhar as habilidades e as

competências comuns aos profissionais, num panorama profícuo, em que as

transformações da sociedade norte-americana73 se tornaram objeto de estudo das

Ciências Sociais na Escola de Chicago.

Partindo das investigações acerca das modificações sociais impetradas

pelas forças produtivas na realidade norte-americana, Mary Richmond74 teve papel

fundamental no Serviço Social, em patamar mundial, pois foi no âmbito da

Sociedade de Organização de Caridade norte-americana75 que se postularam a

Organização de Caridade (SOC) — em inglês, Charity Organization Society (COS) —, criada na década de 40 do século XIX, na Inglaterra. A instituição exercia a “[...] função de controle propriamente dito, representando a resposta da burguesia à ameaça social que decorria da acelerada expansão da pobreza e da generalização da miséria. O sentido de tal função era o rigoroso controle do processo social e das condições de vida da massa pauperizada, ajustando-se aos padrões estabelecidos pela sociedade burguesa constituída” (MARTINELLI, 2003, p. 100, grifos do autor).

72 José Paulo Netto (2001a, p. 70) é categórico, ao afirmar que “[...] a legitimação profissional é

localizada no embasamento teórico”. 73

A segunda metade do século XIX, nos EUA, foi marcada pelo vertiginoso crescimento industrial, cujo efeito catalisador foi a Guerra Civil Norte-Americana, também denominada Guerra de Secessão (1861-65), em face da extensiva produção de estradas de ferro, navios a vapor e armas destinadas à Guerra. A industrialização norte-americana provocou a imigração em massa, oriunda de diversos países, a ponto de quintuplicar o número de operários fabris entre o final da Guerra e a virada do século, levando à constituição de um novo cenário urbanístico, político, econômico e social.

74 Mary Ellen Richmond nasceu no ano de 1861, na Cidade de Belleville, no Estado de Illinois, no

oeste estadunidense. Na Cidade de Baltimore, ficou órfã e passou a residir com uma avó e uma tia, onde realizou parte de seus estudos secundários. Aos 16 anos, mudou-se para Nova Iorque com a tia e foi nessa cidade que teve seu primeiro contato com a SOC, primeiro como tesoureira e logo como secretária-geral. Com isso, foi a primeira mulher norte-americana a assumir um cargo de gerência em uma instituição associativa estadunidense. As obras de Richmond, com destaque para Diagnóstico Social (1917), revelam o acúmulo de princípios metodológicos a teórico- -filosóficos, sob os quais recorreu às Ciências Sociais, à Medicina, ao Direito e à Economia, no intento de edificar uma guinada nos pressupostos filosóficos e técnicos da intervenção na área social.

75 A SOC norte-americana foi introduzida por Joséphine Shaw Lowell, no ano de 1877, em Nova

Iorque e logo se multiplicou rapidamente nos países anglo-saxônicos. Em face das transformações ocasionadas pela industrialização e pelos movimentos migratórios, a SOC era mantida pelo movimento de voluntários da caridade e da filantropia, realizando ações efêmeras, que resultavam numa condição de dependência ininterrupta. Assistindo ao crescimento da pobreza, propõe necessárias coordenação e aplicação de intervenções pautadas em princípios racionais, uma vez que a concessão de ajudas diretas (esmolas) não promovia as mudanças devidas, porque era centrada nos sujeitos e não nos “problemas” por eles apresentados, por isso, afirmava que se precisava estabelecer contato com as famílias, por meio de visitas domiciliares sistemáticas. A crítica às metodologias interventivas e a consecutiva racionalização dos processos de ajuda ganharam suporte com a introdução da Hull House, por Jane Adams, na Cidade de Chicago, em 1889, após visita, realizada em Londres, durante viagem, às Settlements inglesas. Com o nome atribuído em homenagem ao construtor do espaço físico alugado, Charles Hull, não por acaso, a primeira Hull House instalou-se em Chicago: na época, era uma das cidades mais industrializadas dos Estados Unidos, e a demandas por serviços às famílias operárias e aos imigrantes eram

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

81

proeminência do abandono da concepção de “fazer o bem” e a adoção de

conhecimentos técnicos que particularizassem a intervenção profissional do Serviço

Social, assim como de outras áreas76. Diz ela:

“Fazer o bem” era a primitiva designação do Serviço Social [...] Devemos, por isso, regozijar-nos com o desejo evidente, que anima agora as trabalhadoras sociais, de porem de parte todas as reivindicações de prestígio baseadas unicamente nas suas boas intenções; devemos por outro lado ir ao encontro das suas mais ardentes aspirações, de submeter [...] a sua atividade a uma análise crítica e encorajá-las a aferir o seu trabalho pelos melhores padrões fornecidos pela experiência [...] [que] vão sendo aperfeiçoados até o ponto de poderem vir a ser considerados como profissionais (RICHMOND, 1950, p. 3).

As protoformas técnico-científicas do trabalho profissional, em termos

mundiais, assentavam-se no reconhecimento da realidade social em transformação,

sob as quais, posteriormente, permitiu a venda da força de trabalho especializada à

estrutura sociocupacional caucionada pelo Estado burguês, executando ações junto

às políticas sociais. Sobre esse cenário analítico, Miranda Aranda (2009, p. 40,

tradução nossa) é irredutível:

A história do Trabalho Social começa quando começa o Trabalho Social como profissão, ou seja, quando aparecem, pela primeira vez, mulheres (em sua imensa maioria) que ganham a vida desenvolvendo uma série de atividades concretas, delineando seu terreno profissional, marcando o distanciamento com o voluntariado, criando suas entidades profissionais, etc., [...] e quando estruturam conhecimentos específicos que são transmitidos pela formação no âmbito das organizações e agências, primeiro, e na universidade, depois. Por isso, não nos referimos a uma época anterior à última década do século XIX. Os antecedentes fazem parte dos prolegômenos, dos precursores ou, simplesmente, configuram elementos da história da solidariedade humana, da ação social ou da política social

77.

ostensivas. Nessa ótica, com atividades organizadas por quatro eixos centrais (social, educacional, humanitário e cívico), a dinâmica instituída pela Hull House levou Jane a desenvolver conhecimentos voltados à imigração e, consecutivamente, ao aproximar-se da Escola de Chicago, apresentar posições mais ideológicas e políticas que técnicas, como é o caso de Mary Richmond. Para mais informações sobre Jane Adams e as Hull Houses norte-americanas, consultar a publicação realizada pelo Consejo General de Trabajo Social da Espanha, que dedicou a edição de um caderno específico à Jane Adams no ano de 2013.

76 Reiteradamente, utiliza o exemplo da Medicina para argumentar e/ou justificar que cada profissão

deve deter conhecimentos específicos e particulares à sua área de intervenção. 77

No original: “La historia del Trabajo Social comienza cuando comienza el Trabajo Social, bien como profesión, es decir, cuando por primera vez aparecen mujeres (en su inmensa mayoría) que se ganan la vida desarrollando una serie de funciones muy concretas, acotando su terreno profesional, marcando distancias respecto al voluntariado, creando sus asociaciones profesionales, etc., […] y cuando se empiezan a estructurar conocimientos específicos que se transmiten mediante las correspondientes actividades formativas en el seno de las organizaciones y agencias, primero, y en la Universidad, después. Por tanto, nos estamos refiriendo a una época no anterior a la última década del siglo XIX. Todos los antecedentes formarán parte de los prolegómenos, serán los precursores o simplemente configurarán elementos de la historia de la solidaridad humana, de la acción social o de la política social” (MIRANDA ARANDA, 2009, p. 40).

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

82

Em face das condições histórico-sociais gestadas e da ausência de escolas

especializadas, conjuntamente com os emergentes departamentos de Sociologia, foi

edificado, em 1897, o curso de formação Summer School of Applied Fhilanthropy,

em Nova Iorque, com duração de seis semanas, o qual se converteu na Escola de

Serviço Social da Universidade de Colúmbia, em 1904 e, posteriormente, ficou

conhecido como a primeira escola norte-americana, ulterior à primeira no Continente

Europeu, que data de 1898, instalada na Holanda.

As experiências exportadas da Inglaterra para os EUA na segunda década

do século XIX — SOC e Settlements Houses — fizeram a viagem de retorno à velha

Europa, ao outro lado do Atlântico. O que se afigurou foram tentames

profundamente transformados, quase irreconhecíveis: trata-se de uma profissão,

inserida na divisão social e técnica do trabalho, com objeto, objetivos, base teórica,

depuração técnica e, sobretudo, laicizada. O amparo teórico-metodológico adstrito a

esse moderno Serviço Social teve absorções diferenciadas nos países europeus,78

cada qual com particularidades sociopolíticas, econômicas, culturais e educacionais

involucradas ao longo de sua história, além do tipo de relação que se estabelecia

entre Estado e Igreja. Não se pode deixar de apontar que esses foram fatores axiais

que influenciaram não somente a profissionalização e a institucionalização do

Serviço Social em cada país, mas os caminhos que a profissão tracejou nos limites

geográficos nacionais e na repercussão internacional de sua trajetória sócio-

-histórica, cujo lastro profissional foi elementar à gênese do Serviço Social na

América Latina e no Caribe.

4.2 DA GÊNESE À REPRODUÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E

NO CARIBE

Da mesma forma que a Inglaterra e os Estados Unidos estavam imersos em

transformações indivisíveis do “novo” padrão de acumulação, a América Latina e o

Caribe não ficaram ilesos ao processo. Entretanto, conforme elucidado no Capítulo

3, as suas características colonizada e periférica levaram a um arcabouço industrial

78

Exemplo clássico é a terminologia utilizada, uma vez que as problematizações teóricas conduzem a definições diferentes da profissão: entre Serviço Social e Trabalho Social, entre compassos e descompassos, a profissão, no Continente Europeu, está longe de atingir uma unicidade que a caracterize. Esse, entre inúmeros outros fatores, leva à opção racional e teórica de não utilizar o termo Serviço Social Europeu, como comumente é referido nas produções brasileiras, mas Serviço Social na Europa, de modo a evitar o equívoco de “generalizar o ingeneralizável”.

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

83

retardatário, que ocorreu, aproximadamente, 100 anos após a Primeira Revolução

Industrial. Essas tentativas, empreendidas ainda no século XIX, tiveram restritas

repercussões frente à “economia de mercado” (POLANYI, 2012).

A virada de século não alterou substancialmente a realidade latino-

-americana. Essa continuava ocupando lugar periférico no cenário da divisão

internacional do trabalho, com a importação de produtos industrializados, apesar de

pequenos surtos de industrialização em países como Argentina, México e Brasil, que

se limitavam à produção de bens não duráveis, como os dos setores alimentício e

têxtil. Mesmo durante a Primeira Guerra Mundial, quando os países industrializados

(por exemplo, Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos) restringiram o volume

de exportação em face do redirecionamento bélico, a produção industrial latino-

-americana limitou-se ao fomento do abastecimento do mercado interno, e sua força

potencial permaneceu dependente do comportamento do mercado externo e das

demandas pela produção de cada país.

O capitalismo monopolista em consolidação, fomentado pelos trustes79 e

cartéis80, viu, na debilidade industrial latino-americana, fator propício para a

aplicação de capitais externos, sobretudo o financiamento de setores estratégicos,

que, com o fim da Primeira Guerra Mundial, oportunamente, consolidou o processual

recuo do tradicional capital inglês e o avanço do estadunidense.

O Estado, representante da estrutura oligárquica e elitista burguesa,

manteve-se como instrumento de manutenção desse modelo primário-exportador e

revelou-se avesso a quaisquer alterações profundas na organização produtiva, na

medida em que poderia colocar em xeque essa hegemonia, a ordem

agroexportadora e, consecutivamente, o círculo virtuoso da concentração política e

de riqueza excedente.

Esses determinantes do capitalismo monopolista, na América Latina,

levaram a um cenário abrupto de crescimento desmedido da pobreza, das

insuficientes condições de vida e trabalho, do aumento das enfermidades derivadas

da insalubridade, das precárias condições das residências, da ausência de serviços

básicos, do ininterrupto êxodo rural e do consecutivo crescimento urbano caótico, o

que, ao tempo em que tencionou os países da América Latina a reconhecer essas

79

Trata-se da fusão de empresas do mesmo ramo. 80

Ocorre cartel quando grandes empresas independentes controlam os preços e o mercado de um determinado setor entre si.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

84

transformações, os desafiou, racional e legitimamente, a prescrever funções aos

respectivos Estados, de modo que fossem compatíveis com essa realidade

sociopolítica, elementarmente, no que tange às medidas relativas ao trabalho e à

proteção social. Primeiro no México (1917), depois em países como o Chile (1925) e

o Brasil (1934), as novas Constituições não só corroboraram o Estado laico, como

materializaram direitos sociais e políticos para ampla camada populacional, em

processos embebidos de tensões e pressões populares pela organização do

proletariado urbano, potenciada pelo êxito da experiência russa, de 1917.

Responder às demandas expressas pela “nova realidade social”, no bojo das

determinações da fase monopólica, era o intento.

Para isso, o atrelamento histórico estrutural e subordinado entre o

Continente Europeu e a América Latina revelou-se como inspiração às ideias e

estratégias à nascente burguesia regional, uma vez que foi suscetível tanto ao

modelo do padrão de acumulação como à legislação trabalhista e ao sistema de

proteção social expresso nas novas Constituições. Essas determinações elucidam

não só as influências do Velho Continente na organização e na condução das

políticas sociais emergentes, como na gênese do Serviço Social na América Latina.

Portanto, não se trata de um reflexo ou de uma escolha aleatória, mas de vínculo

histórico entre a Europa e a região latino-americana, cuja objetivação pode ser

demarcada desde os processos de colonização espanhola e portuguesa. É sob isso

que se assentaram as bases da constituição do Serviço Social na América Latina e

no Caribe.

4.2.1 Os determinantes da fase monopólica na gênese do Serviço Social na

América Latina e no Caribe: entre o profano e o religioso

Alicerçada nas novas relações sociais e no vínculo histórico-estrutural

aludido nas diferentes esferas da vida social, a primeira escola de Serviço Social da

América Latina e do Caribe, fundada em 4 de maio de 1925, no Chile, utilizou-se

desse arcabouço ideológico europeu para calcar suas bases germinativas, mesmo

que com protagonistas exógenos ao Serviço Social, num cenário político em que os

direitos sociais foram incorporados com a nova Constituição chilena.

Mesmo que essa concessão constitucional tenha sido involucrada por

formas de repressão diversas, o Estado chileno foi tensionado a institucionalizar

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

85

respostas, no seio do projeto burguês, às questões voltadas a condições e jornada

de trabalho, saúde pública, habitação, salários, sindicalização e direito à greve,

numa conjuntura econômica de elevação da produção de cobre81 e extração de

salitre. Os anos 20 do século XX denotam, no Chile, uma década histórica decisiva,

nada mais, nada menos, porque são marcados pela emergência de disputas entre

classes sociais, sob o estímulo de relações de produção pautadas na exploração do

trabalho assalariado, pelo dinamismo do retardatário processo de industrialização e

pela incidência de capitais norte-americanos em substituição à hegemonia inglesa

(CASTRO, 2008).

Entre as reformas do Estado chileno, está a criação, em 1924, do Ministério

da Higiene, Assistência e Previdência, que foi responsável pela institucionalização

das demandas relativas ao trabalho e à saúde da família operária. Assumiu, como

Ministro, Alejandro Del Río82, médico formado pela Universidade do Chile (1889), o

qual estudou Saúde Pública e participou de inúmeros eventos científicos na área, na

Europa, que lhe possibilitaram perceber a necessidade inconteste de saneamento

básico para o controle de doenças e epidemias, assim como a de promoção da

saúde e da assistência pública para a população, na medida em que os

atendimentos realizados eram insuficientes para atender às demandas mínimas.

Pela formação e pelas experiências adquiridas no Velho Mundo, Del Río perfilhou

um modelo de atenção pública que superou a abordagem clínica e terapêutica, pois

sustentava que os condicionantes de higiene pessoal, condições habitacionais e

orientação a cuidados básicos eram elementares à salubridade pública.

Em face dessa concepção, o médico chileno propôs à Junta Nacional de

Beneficência83, que administrava instituições assistenciais, a formação de

Visitadoras Sociais, para colaborar com a área médico-social na atenção ao enfermo

e à sua família em relação a problemas sociais que afetavam a recuperação do

paciente, de modo a contribuir com o diagnóstico e o tratamento médico (GÓMEZ

MICHEA, 1998; QUIROZ NEIRA, 1998; CASTAÑEDA MENESES; SALAMÉ

81

Ao analisar a economia latino-americana, Celso Furtado (1978, p. 227), argumenta que “[...] a produção chilena de cobre cresceu intensamente a partir da Primeira Guerra Mundial, alcançando 321.000 toneladas em 1929. Este aumento deveu-se, essencialmente, à ação das companhias norte-americanas, que subalternizaram completamente as antigas empresas nacionais organizadas desde o século passado. Entre 1925-29, o Chile já contribuía com 18% da produção mundial de cobre, situando-se imediatamente abaixo dos Estados Unidos”.

82 Nesta produção, utiliza-se o codinome Alejandro Del Río, porque assim foi amplamente conhecido,

ao invés de Alejandro Del Río Soto Aguilar, seu nome completo. 83

Atualmente, denominado Serviço Nacional de Saúde.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

86

COULON, 2010; SARACOSTTI SCHWARTZMAN et al., 2014). Para tanto, retomou

contatos realizados com o médico belga René Sand84 no período em que esteve na

Europa (a estudos e em férias), para proferir palestra sobre temas voltados à

Medicina Social no Chile, uma vez que os modelos de atenção à saúde pública

defendidos por ambos se assemelhavam. Sand concentrava, em seu currículo, fruto

dos estudos e das experiências sobre a situação da Bélgica no pós Primeira Guerra

e as estratégias estatais para reorganizar o país, o aporte mentor da fundação da

primeira escola de formação para Assistentes Sociais, em 1919, na Cidade de

Bruxelas. Pautado nisso, em visita ao país europeu, o médico chileno buscou

inspiração nos centros de formação belgas, com o fito de desvelar o cariz

diferenciado da formação de profissionais daquelas ações que estavam pautadas no

âmbito da beneficência social, pois teriam como função precípua a complementação

do trabalho médico.

Nesse corolário de constituição da primeira escola85 de formação de

Assistentes Sociais86 da América Latina e do Caribe, conhecida como Escola Dr.

Alejandro Del Río, torna-se tácito que as relações entre os países europeus e latino-

americanos estavam longe de se romper. Nem o reordenamento do eixo político

mundial em direção aos EUA no pós Primeira Guerra interrompeu as referências e

84

Embora poucas obras na Língua Espanhola e na Portuguesa façam menção à vida e à obra de René Sand, é conhecido que ele nasceu em 1877, em Bruxelas, na Bélgica, com origens familiares francesa (materna) e luxemburguesa (pai). Estudou Medicina na Universidade Livre de Bruxelas (Université Libre de Bruxelles), onde teve seu título conferido em 1900. Fundador e secretário da Associação Belga de Medicina Social, onde publicou inúmeros artigos sobre Medicina Social, foi sua contratação como consultor médico numa companhia de seguros que levou Sand a se aproximar da realidade social dos trabalhadores da indústria, especificamente com as condições de trabalho e os riscos ocupacionais. Entretanto, com a eclosão da Primeira Guerra, o médico passou a trabalhar num hospital do Exército belga, onde tomou conhecimento do trabalho desenvolvido pela SOC britânica. Com o final da referida guerra e inspirado com a experiência desenvolvida como médico com os trabalhadores de “chão de fábrica” na Bélgica, Sand foi aos Estados Unidos estudar a organização do trabalho sob a base de produção taylorista e aproximou-se do Serviço Social norte-americano. Quando retornou à Bélgica, em 1919, inspirado nos subsídios do Serviço Social anglo-saxão e considerando as medidas estatais tomadas no Pós-Guerra, dadas as condições sociais e econômicas do país, Sand foi o fulcro motivador para a constituição do primeiro instituto nacional de formação de Assistentes Sociais, a Escola Aplicada de Serviço Social (Ecole Centrale d'Aplicativo de Serviço Social), nesse mesmo ano. Em âmbito mundial, participou da fundação do Conselho Internacional de Bem-Estar Social (ICSW), em 1928, o qual objetiva, dentre outras coisas, a proteção de direitos fundamentais.

85 Em relação à direção da escola, a primeira diretora nomeada por Del Río foi a Visitadora Social

Jenny Bernier, a qual realizava a seleção e a admissão das alunas, a confecção dos planos de estudo e a supervisão do seu cumprimento, sendo sucedida por Leo Cordemande de Bray, ambas belgas. A elas seguiu Luisa Fierro, de nacionalidade chilena, na condição de interina (GÓMEZ MICHEA, 1998; QUIROZ NEIRA, 1998; CASTAÑEDA MENESES; SALAMÉ COULON, 2010).

86 Vale lembrar que o título conferido não era de Assistente Social, mas de Visitadora Social. A

outorga de Assistente Social só foi conferida a partir do Decreto nº 2.619, de 10 de junho de 1941 (GÓMEZ MICHEA, 1998; QUIRÓZ NEIRA, 1998).

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

87

intercessões do outro lado do Atlântico, principalmente no que se refere às

inspirações na configuração das políticas sociais, nesse início de século.

O liame estabelecido entre Bélgica e Chile, no que tange à emergência do

Serviço Social, representou um tributo não somente ao país latino-americano, mas

um fulcro desencadeador da profissão na América Latina e no Caribe, ao mesmo

tempo em que inaugurou “[...] um novo patamar de institucionalização que se produz

com a incorporação do Serviço Social ao espectro das profissões [...]” (CASTRO,

2008, p. 34). Com duração de aproximadamente dois anos,87 a ênfase da formação

estava na educação familiar e sanitária, complementadas pela Medicina, pela Saúde

Pública, pelo Direito, pela proteção à infância, pela atenção a enfermos e por

secretariado, além de visitas para aproximação à realidade social dos sujeitos e

recursos institucionais existentes.

Nesse prisma, a emergência da profissão deve ser entendida a partir do

desenvolvimento das relações de produção capitalistas, e, não obstante isso, as

demandas sociais e a implementação das incipientes políticas sociais pelo Estado,

aos poucos, legitimaram novos campos de intervenção profissional, dentre os quais

se destaca a administração de serviços de bem-estar, habitação, educação e

nutrição (GÓMEZ MICHEA, 1998).

Mesmo que a primeira escola fosse declaradamente laica, legitimada pelo

Estado e com competências institucionalizadas, de forma alguma se pode asseverar

a ausência da Igreja no cenário da intervenção social, uma vez que, desde tempos

remotos, detinha a hegemonia no campo das obras de caridade, das quais se

utilizava para difundir o pensamento e as doutrinas sociais.

Na verdade, o poder ideopolítico da Igreja Católica viu-se enfraquecido, na

medida em que perdeu sua hegemonia enquanto concepção de mundo entre a

burguesia — que se voltou para a produção industrial, com escopo estritamente

racional — e o proletariado — que, na condição de vendedor da única mercadoria

que possuía, a força de trabalho, passou a organizar o conjunto da sua vida social a

partir desse pressuposto básico.

87

Para não cometer equívocos, usou-se a expressão “aproximadamente dois anos”, porque a bibliografia chilena é imprecisa quanto ao tempo de duração dos cursos, por exemplo, enquanto Quiroz Neira (1998) aponta três anos, Castañeda Meneses e Salamé Coulon (2010) indicam dois anos de formação.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

88

Indubitavelmente, com seu pensamento reacionário à dinâmica capitalista,

refutando tanto o liberalismo econômico88 quanto o comunismo89, a Igreja Católica

testemunhou a crescente perda de poder e privilégios sustentados durante o

feudalismo, na medida em que assistiu, de um lado, à expansão do mercado, sob a

égide do referencial do liberalismo econômico, com difusão em proporções

inacreditáveis por todo o globo, e, de outro, à ampliação da salvaguarda da

sociedade de legislações sociais e trabalhistas, no âmbito das instituições estatais, à

luz de certo protecionismo, em face “[...] de um movimento bem-estruturado para

resistir aos efeitos perniciosos de uma economia controlada pelo mercado”

(POLANYI, 2012, p. 82). Esse “duplo movimento” (POLANYI, 2012) da sociedade

moderna elucida a perda de espaço da Igreja Católica frente à acirrada luta de

classes constituída na sociedade de mercado, que se vê obrigada a reagrupar forças

e a reordenar estratégias de penetração na massa operária, que lhe induz a,

progressivamente, adentrar o universo secularizado e laico, criando mecanismos de

intervenção em diversas frentes, com o intento de conquistar espaços junto ao

Estado e à crescente burguesia.

Atrelada ao contramovimento ao liberalismo — movimentos de resistência

(reacionários e revolucionários) — empreendido (a) pelos trabalhadores frente às

insatisfações da exacerbada reconfiguração do tecido social, (b) pelas elites de

filantropia, que tiveram seus vínculos de solidariedade rompidos, e (c) pelas forças

reacionárias da própria Igreja Católica, esta lançou as bases da busca pela

reconquista de prerrogativas atribuídas durante as sociedades tradicionais, pois,

além de ser responsável pelo vasto segmento de intelectuais da sociedade

oligárquica, objetou contra a direção cultural que correspondia às requisições da

hegemonia social das classes dominantes. Assentada em diferentes estratégias de

88

A abordagem realizada pela Igreja nas Encíclicas atribui ao liberalismo econômico a responsabilidade por destruir as corporações antigas e, simultaneamente, provocar o desaparecimento do sentimento religioso, o que deixa os “homens” desprotegidos e à mercê de senhores desumanos e da cobiça de concorrência desenfreada, ávidos pela ganância e pela ambição. Esses ricos e opulentos impõem, assim, um jugo quase servil à multidão de proletários (PAPA LEÃO XIII, 1891).

89 Assim como a referência ao liberalismo econômico, a Encíclica Rerum Novarum é categórica, ao

abordar o comunismo como “sistema” injusto e funesto, que promove o ódio e a inveja entre os cidadãos. A almejada igualdade seria correspondente tão somente à igualdade na nudez, na miséria e na indigência. Por isso, “[...] a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranqüilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer por todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade privada” (PAPA LEÃO XIII, 1891, p. 5).

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

89

recuperação de sua hegemonia, tanto prática quanto ideológica, foi com a

constituição de centros de estudos, de universidades e de movimento de jovens que

a Igreja se moveu para restaurar o domínio perdido com a eclosão industrial, uma

vez que se sentia ameaçada pelo avanço marxista junto à organização e às lutas

dos trabalhadores e pela irreversível sociedade de mercado.

É nesse cenário da Reação Católica90 que a segunda escola de Serviço

Social da América Latina e do Caribe assentou seus alicerces, sob o substrato

ideológico da Encíclica Rerum Novarum, divulgada pelo Papa Leão XIII em 15 de

maio de 1891. Fundada em 17 de setembro de 1929, a Escola Elvira Matte de

Cruchaga91, atrelada à Universidade Católica do Chile, expressou, em alternativa à

neutralidade declarada pela profana Escola Alejandro Del Río, postura profissional

designadamente católica, com sólida formação espiritual das alunas, “[...] baseado

na caridade e no verdadeiro amor ao próximo, fonte de onde se aglutinam forças

para enfrentar a vida e servir aos semelhantes de modo amplo e desinteressado”92

(ILLANES, 2007, p. 290, tradução nossa).

A função política que a Escola se propunha a desempenhar propugnava a

formação de Visitadoras Sociais que desenvolvessem a verdadeira caridade cristã,

que transmitissem a alegria, a paz e a confiança ao povo, de modo a fazer-lhe “[...]

aceitar com paciência a sua condição”, pois entre “[...] os homens há diferenças tão

multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de

saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a

desigualdade de condições” (PAPA LEÃO XIII, 1891, p. 5-6). Não obstante isso,

90

A Reação Católica, em síntese, trata-se da participação do laicato no apostolado católico, que teve como base os movimentos leigos italiano e francês. Seu caráter elitista buscava ampliar sua influência junto à classe burguesa, de modo a “combater” o anticlericalismo e o laicisismo do Estado, com vistas à reforma social e à restauração dos costumes cristãos.

91 A Escola recebeu esse nome em tributo à esposa de Miguel Cruchaga Tocornal, Embaixador do

Chile nos Estados Unidos, na segunda metade da década de 20 do século XX, o qual exerceu fundamental importância para a viabilização dos pressupostos de constituição da Escola. Inspirado nas iniciativas desenvolvidas nos Estados Unidos e nas práticas de caridade realizadas pela esposa, Cruchaga escreveu uma carta ao Reitor da Universidade Católica do Chile sugerindo a criação de um curso alternativo à neutralidade expressa pela Escola Del Río, atrelada à Junta de Beneficência do Estado chileno. Afirmou, na carta, que, enquanto a última apresentava uma face modernizada, sua proposta era resgatar a caridade cristã, assim como desenvolvida por sua esposa, incorporando elementos científicos à intervenção. Sem titubear, a Universidade Católica enviou as irmãs Rebeca e Adriana Izquierdo Phillips para uma temporada de estudos na Europa, no intento de se aproximarem da organização das escolas nos diferentes países. Entretanto foi com a economista, psicóloga e pedagoga alemã Luise Jörinsse que a primeira Escola Católica na América Latina lançou seu projeto de formação de Visitadoras Sociais (ILLANES, 2007).

92 No original: “[…] basado en la caridad y en el verdadero amor al prójimo, fuente de donde saca

todas sus fuerzas para afrontar la vida y servir a sus semejantes del modo más amplio y desinteresado” (ILLANES, 2007, p. 290).

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

90

essa inata condição não poderia transformar-se numa arena de luta, mas na

concórdia de classes, porque seria a partir dela que os ricos e/ou patrões se

tornariam mais condescendentes à caridade e à ajuda ao próximo. Com esse

espírito cristão,

[...] a Escola Elvira Matte de Cruchaga inscreve-se no contexto dos interesses globais da Igreja Católica, que procurava colocar-se à frente do conjunto do movimento intelectual para recuperar o seu papel de condutora moral da sociedade. Comprimida entre o pragmatismo burguês e o “ateísmo” socialista, a Igreja redobrava a sua ação nos terrenos mais diversos, renovando os seus intelectuais orgânicos e dotando-os dos instrumentos de intervenção requeridos pelo momento (CASTRO, 2008, p. 73).

Ainda que tenha sido ajuizada por leigo, seu caráter confessional e seu

vínculo estrito com o apostolado explicitam-se não somente nos pressupostos da

Universidade Católica do Chile, mas na própria organização do processo de

formação, que estava estruturado em quatro áreas estratégicas, distribuídas em três

anos de duração, que compreendiam disciplinas teóricas e práticas, uma vez que

seu perfil “sadio de alma e corpo”, que lhe vocacionava ao trabalho social,

demandava apenas a necessidade de aproximação à ciência e à técnica (Quadro 2).

Quadro 2 — Currículo da Escola Elvira Matte de Cruchaga — 1929

ÁREAS DISCIPLINAS TEÓRICAS E PRÁTICAS

Ramos fundamentais

Religião, Instrução Cívica, Noções de Direito, Bem-Estar e Ética Profissional

Pedagogia Social

Psicologia, Pedagogia, Educação Popular, Costura e Trabalhos Manuais,

Técnicas de Oratória

Higiene social Higiene Pública e Privada, Atenção Domiciliar a Enfermos, Primeiros

Socorros, Puericultura

Economia Social Economia Política, Contabilidade, Técnicas Estatísticas, Economia Doméstica, Direitos Trabalhistas

FONTE DOS DADOS BRUTOS: ILLANES, María Angélica. Cuerpo y sangre de la política: la construcción histórica de las Visitadoras Sociales (1887-1940). Santiago, Chile: Editorial LOM, 2007. CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2008. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villalobos. CASTAÑEDA MENESES, Patrícia; SALAMÉ COULON, Ana María. Perspectiva histórica de la formación en Trabajo Social en Chile. Revista Trabajo Social, n. 8, p. 68-92, 2010. Disponível em: <http://www.trabajosocialudec.cl/rets/wp-content/uploads/2010/12/historiaformacion.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2015.

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

91

À luz dessa formação moral e religiosa, que reconhecia a luta de classes

como denegação da ordem de Deus e a concentração de renda como resultado da

dedicação e do esforço empreendido pelos sujeitos, o Serviço Social organizou-se e

desenvolveu-se na região latino-americana e caribenha, sob o arcabouço político e

ideológico atrelado na aliança entre Igreja, Estado e burguesia.

4.2.2 A expansão da profissão na região latino-americana e caribenha

Destarte, a Escola Elvira Matte de Cruchaga, que lançou mão de uma

formação católica ortodoxa de “Visitadoras Sociais” aptas às mudanças na

sociedade chilena e a fortalecer o movimento global de reação ideológica da Igreja,

avocou responsabilidade continental, em face do terreno fértil que os países latino-

-americanos apresentavam pelos impactos viscerais da depressão econômica

mundial. A “quinta-feira negra”93 representou um golpe colossal à América Latina,

que recém principiava na produção industrial, em que a retração dos investimentos

estrangeiros e, novamente, a redução das exportações de matéria-prima levaram ao

crescimento vertiginoso do desemprego e da pobreza.

Os efeitos sociais e econômicos da Crise de 1929 contribuíram para o

declínio das oligarquias latino-americanas e possibilitaram o fortalecimento da

burguesia industrial, atrelada às atividades produtivas urbanas e independente do

mercado externo, o crescimento de grupos urbanos e a reprodução do operariado. O

colapso do Estado oligárquico e elitista, assim como o monopólio político das elites

agroexportadoras, foi produto do surgimento de novos grupos sociais (burguesia

industrial, grupos urbanos e operariado), que subsidiou a formação de Estados

imbuídos de acalentar os movimentos e revoltas, que se expandiam por extensivo

território latino-americano e indagavam sobre as condições de vida e de trabalho,

além da quase nula participação política.

93

É a designação dada ao dia 24 de outubro de 1929, quando a Bolsa de Valores de Nova Iorque teve um colapso que assolou a economia mundial. Com os efeitos engendrados ainda no pós Primeira Guerra Mundial, quando os EUA emergiram como principal potência econômica e maior credor mundiais, sua produção começou a retomar os índices anteriormente registrados com a liquidação das dívidas da França, da Inglaterra e da Alemanha. Entretanto, quando o setor produtivo europeu mostrou sinais de recuperação, a produção norte-americana deu indícios do declínio, elementarmente, no setor de produtos primários, que a impossibilitou de quitar dívidas adquiridas com agentes financeiros. Esse prenúncio à Crise de 1929 levou ao desabastecimento, à contração econômica e ao consecutivo desemprego, que, posteriormente, foram os portões para uma nova disputa pela hegemonia econômica mundial. Para maiores informações à luz de uma análise crítica, consultar Hobsbawm (1995).

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

92

Foi nesse cenário que a Igreja Católica radicou suas ações e propósitos para

essa ordem que submete o trabalhador aos diferentes impactos da mercantilização

da força de trabalho e os torna voláteis, principalmente em tempos de crise. Não de

forma antagônica, mas imersa pelo estratégico campo que a “questão social” lhe

propiciava, utilizou-se do êxito chileno para irradiar seu afã doutrinário, que se

fortaleceu com a publicação, em 15 de maio de 1931, pelo Papa Pio XI, da Carta

Encíclica Quadragésimo Anno, que levou esse nome pelo aniversário de

quadragésimo ano da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. Escrita em

decorrência da Grande Depressão de 1929 e contornada pelos produtos da

Revolução Russa e da Primeira Guerra Mundial, a Encíclica não repugna o

liberalismo econômico como faz com o comunismo, mas pondera que não deve

prevalecer a economia a ponto de se instaurar uma ditadura econômica.

Por isso, a cristianização da vida econômica, a prática da caridade e a

reforma dos costumes seriam os “remédios” necessários para “curar a sociedade

humana”, voltando-se à vida e às instituições cristãs. Só estas últimas poderiam ser

eficazes frente à demasiada solicitude do fetiche das coisas no prevalecente aparato

econômico, origem de todos os vícios; só elas fariam com que os homens,

fascinados pelos bens deste mundo transitório, voltassem os olhos à gangrena da

alma e à recondução da profissão94 da doutrina cristã e da ação católica (PAPA PIO

XI, 1931).

Independentemente de tratar-se de clérigos ou leigos, o zelo pelos princípios

da filosofia social cristã na “solução dos problemas sociais” era dever indissolúvel, e

a Igreja devia ocupar-se deles na reconquista do espaço apostólico, pela “[...]

educação cristã, ensinando os jovens, fundando associações católicas, criando

círculos, [desde que] se cultive o estudo segundo os princípios da fé” (PAPA PIO XI,

1931, p. 29).

Frente ao declínio da devoção cristã e ao possível avanço do paganismo, a

Encíclica aponta que o caminho a seguir conduz ao recrutamento de apóstolos entre

patrões e operários, os quais

94

Do verbo professar.

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

93

[...] devem preparar-se devidamente com aturado estudo da questão social os levitas que formam a esperança da Igreja; mas é sobre tudo necessário que os escolhidos em particular para este ofício sejam dotados de um tão apurado sentimento de justiça, que resistam varonilmente a qualquer reclamação iníqua ou ação injusta [...]; que estejam mais que tudo penetrados da caridade de Cristo, que só pode render forte e suavemente os corações e as vontades dos homens às leis da justiça e da eqüidade (PAPA PIO XI, 1931, p. 29).

Ao lado desses elementos doutrinários e da solicitude de leigos no “cuidado

com a questão social”, o desígnio do Vaticano adentra o Serviço Social sob o

aparato ideológico “[...] de conciliação de classes, da moralidade e da educação

familiar, do repúdio aos conflitos e da busca de harmonia, enquanto inculcada no

povo por meio da ação evangelizadora ou como parte de programas específicos de

ação social patrocinados pelo Estado” (CASTRO, 2008, p. 65), o que influiu

diretamente na apreensão da reprodução das relações sociais, enfaticamente, na

percepção do proletariado como classe exposta aos ditames do capital.

É parametrado sob a ótica moral e religiosa, sem “descer do céu para terra”,

como diria Marx, deslocado da concretude da vida real e da inegável luta de classes,

que o ideário doutrinário católico propagado na Escola Elvira Matte de Cruchaga

sustentou, estimulado pela União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS)95,

a formação em Serviço Social e seu espraiamento pela região latino-americana e

caribenha.

95

A UCISS foi criada, em 1925, em Milão, na Itália, por ocasião da I Conferência Internacional, com o objetivo de assegurar a expansão das escolas de Serviço Social em âmbito mundial, à luz da influência do catolicismo e de sua visão de homem e de mundo.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

94

Figura 1 — Ano (aproximado) de criação do Serviço Social nos países da América Latina e do Caribe

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

95

Nutrida pelo laicato católico, essa regionalização, em sua maior parte,

refutava o “pragmatismo burguês” e o “socialismo marxista”, tal qual disposto nas

Encíclicas, e instrumentava as constituintes escolas a partir do modelo da Escola

Elvira Matte de Cruchaga. Erigida pela Igreja Católica como resposta às demandas

concretas da complexa trama capitalista, a difusão do Serviço Social na América

Latina e no Caribe foi fortalecida, quando a Escola Católica Chilena foi designada,

na segunda metade dos anos 30 do século XX, como local da sede do Secretariado

da UCISS para a América Latina. A difusão do Serviço Social na região, sob

influência católica, tornou-se, institucionalmente, instrumento de poder da Igreja,

enquanto o Estado lhe atribuía legitimidade — ao reconhecê-lo como profissão

inserida na divisão sociotécnica do trabalho, exógena à filantropia e à caridade da

“moça boazinha” — frente às suas estratégias político-ideológicas e às congruentes

determinações econômico-sociais da fase monopólica do capitalismo.

Sobretudo com o final da Segunda Guerra Mundial, o veio católico

hegemônico no Serviço Social, na região latino-americana, auferiu deslocamento, na

medida em que, como vencedor armado e ideológico, os Estados Unidos iniciaram

um “extenso programa de assistência técnica aos países pobres, principalmente

aqueles situados na América Latina” (AMMANN, 2003, p. 30). Dimanado por uma

falastrosa “política de boa vizinhança”96, o intento era a difusão da ideologia e dos

interesses norte-americanos nos diversos campos da vida social.

Ao abordar a interlocução com o Serviço Social norte-americano, Aguiar

(1989) elucida que as estratégias empreendidas no âmbito da profissão estavam

atreladas a esse quadro de espraiamento estadunidense, no qual, os Estados

Unidos intentavam romper com as relações entre os países latino-americanos e os

países europeus, para asseverarem sua penetração como potência mundial. Para

tanto, nutriram-se da inserção nas diferentes frentes, a qual, no Serviço Social, se

expressou pela constituição de programas de bolsas de estudos nas escolas de

Serviço Social norte-americanas, concedidas a Assistentes Sociais latino-

96

Apenas a título de exemplo, registra-se a “cooperação estabelecida entre o Ministério da Agricultura do Brasil e a ‘Inter-Amercian Educational Foundation’, [cujo] acordo se propõe a estabelecer ‘maior aproximação interamericana, mediante intercâmbio intensivo de educação, idéias e métodos pedagógicos entre os dois países’. Dele resulta a criação da ‘Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais (CBAR)’ junto ao Ministério da Agricultura, composta por técnicos americanos e brasileiros responsáveis pela execução do Programa. [...] Em adição, os Estados Unidos põem à disposição da CBAR um corpo de especialistas em educação e extensão rural além de concederem bolsas de estudo para o ‘adestramento’ de brasileiros naquele país” (AMMANN, 2003, p. 30-31, grifos nossos).

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

96

-americanos, o que resultou no adensamento técnico-instrumental do trabalho

profissional e, para número significativo de países97, na convivência de preceitos

doutrinários emanados da incidência católica da gênese com a instrumentação

norte-americana.

Inicialmente, com o Serviço Social de Caso e, depois, com o de Grupo e o

de Comunidade,98 é inegável que os pressupostos de sociedade harmônica,

consubstanciada pela visão acrítica e aclassista das desigualdades sociais,

tornaram-se corpus no Serviço Social, na América Latina e no Caribe, sobretudo

porque é neles que encontra aparato técnico-metodológico para a intervenção

profissional. É improtelável asseverar, nesse cenário disposto, que, se, até idos dos

anos 40 do século XX, os pressupostos filosófico-doutrinários erigiam os

fundamentos profissionais, a partir dessa demarcação, as bases positivistas norte-

americanas passaram a instrumentalizar a profissão, no estímulo à participação dos

usuários, como corresponsáveis pelas suas condições e pelos seus modos de vida:

a conhecida psicologização do social.

É nessa ótica que o Serviço Social revelou-se como veículo de manutenção

da dominação de classe e da hegemonia do capital, uma vez que os processos

interventivos, no âmbito do crescente campo ocupacional, “[...] não se destinam a

superar o estado de múltiplas carências em que vive a grande maioria da população

usuária, mas sim a perpetuar este estado, reproduzi-lo, minorando ou remediando

as sequelas mais aberrantes da exploração” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p.

312).

Os vetores histórico-sociais de mudança desse cenário começaram a aflorar

na segunda metade do século XX, quando as pulsações extracontinentais indicaram

circunstâncias proeminentes para a superação dos laços históricos com a influência

católica — um dos elementos comuns de trajetórias distintas — e as bases norte-

-americanas, em face da maturação político-social expressa não só pela categoria

profissional na América Latina, mas pelo movimento estabelecido na concretude da

vida social. Expõem-se, a seguir, os esforços de ruptura com o tradicionalismo

profissional.

97

Países em que a emergência profissional ocorreu em tempos pretéritos à Segunda Guerra Mundial. 98

Como não é objetivo deste trabalho aprofundar conceitualmente do que se trata cada abordagem, deixa-se aqui registrada a indicação de consulta bibliográfica a um livro clássico sobre o assunto: Conceitos e Métodos de Serviço Social (FRIEDLANDER, 1975).

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

97

4.3 A RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA:

ESFORÇOS DE RUPTURA COM O TRADICIONALISMO PROFISSIONAL

Os anos 60 do século XX foram marcados por estremecimentos

conjunturais, que vincaram indelevelmente o cenário latino-americano. A Revolução

Cubana, a construção do Muro de Berlim, a revolução sexual, o movimento hippie e

as lutas independentistas na África são protótipos da arena política mundial, cuja

expressão enredou-se ao surgimento de novos protagonistas sociopolíticos e à

polarização ideológica, indicando sinais de exaurimento após ondas expansivas

desde o final da Segunda Guerra Mundial.

As “Três Décadas Gloriosas”, os “Anos Dourados” ou a “Era de Ouro do

Capitalismo”, como denomina Hobsbawm (1995), referem-se ao período que se

estendeu do final da Segunda Guerra Mundial até o início dos anos 70 do século XX,

que se caracteriza, de um lado, pela ligeira expansão da economia nos países

industriais centrais e pela revolução tecnológica que adentrou a vida da população

(televisão, aspirador de pó, geladeira, liquidificador), enquanto, de outro lado, países

da periferia econômica, como os da América Latina, sustentaram uma

industrialização segmentada, substituindo a produção interna pela importação, o que

tornou a realidade latino-americana menos “cor-de-rosa”. Ancorada nas economias

centrais, a “Era de Ouro do Capitalismo” assumiu o compromisso político com o

pleno emprego, elementarmente com a seguridade social, na medida em que a

combinação “keynesiana”99 de crescimento econômico e consumo em massa

demandava criar um cenário de força de trabalho plenamente empregado e cada

vez mais bem pago, para constituir um mercado de “novas necessidades”.

O equilíbrio entre produção e consumo era a lógica de manutenção da

estratégia político-econômica de não desestabilizar a economia de mercado.

Entretanto seu aspecto tranquilo e sonolento apresentou sinais de desgaste, quando

o mercado ativo se tornou insuficiente para manter esse balanceamento, e,

consecutivamente, elevou-se a inflação, os movimentos de resistência aviltaram-se,

e o domínio político e econômico norte-americano desabou. O fim da fase das “Três

99

Radicada pelo economista inglês John Maynard Keynes, a teoria keynesiana consiste na defesa da intervenção do Estado na economia, em contraponto às concepções liberais de sua autorregulação. O Estado, para Keynes, é agente indispensável na organização político- -econômica, pois, ao mesmo tempo em que controla a voracidade da economia, tem a responsabilidade pela constituição de políticas de proteção social aos trabalhadores, garantindo- -lhes direitos mínimos diante da avidez econômica.

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

98

Décadas Gloriosas” trouxe instabilidade e crise, que se apresentaram de forma mais

incisiva a partir de 1970, com o colapso de Bretton Woods (1971) e a crise do

petróleo (1973), ao mesmo tempo em que se assinalava uma das mais expressivas

revoluções culturais (HOBSBAWM, 1995).

De modo particular, na América Latina, os tensionamentos que gestaram a

nova dinâmica imersa foram, basicamente, confluídos, de um lado, pela

efervescência visceral dos pressupostos revolucionários (cubanos), que se

alastraram pelos países latino-americanos, com apoio da União Soviética (União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)), e, de outro, pela defesa do imperialismo

via “Aliança para o Progresso”, que se constituía numa tentativa estadunidense de

irromper com o avanço soviético, em plena Guerra Fria, e pregar a diminuição das

desigualdades sociais no Continente Americano, associada a um crescimento das

economias nacionais.

Destarte, para intensificar a vigilância sobre a América Latina, a fim de frear

o avanço do socialismo — que expressava seu potencial com a derrocada de Batista

e a ascensão de Fidel Castro na Revolução Cubana e a posição ideológica

assumida pela então URSS na Guerra Fria —, os Estados Unidos adotaram um

projeto de desenvolvimento com segurança, alcunhado como Doutrina de

Segurança Nacional, que colocou, a partir da metade da década de 1960, as Forças

Armadas como guardiãs dos projetos nacionais, atrelado a uma pseudolegalidade

do Estado, e decretaram a incapacidade de a burguesia, por si própria, administrar a

manifestação democrática dos trabalhadores e assegurar o fluxo capitalista.

Foi nesse quadro político favorável que o Serviço Social, na América Latina,

constituiu um dos marcos fundamentais de sua história, através de um movimento

de denúncia e contestação ao “Serviço Social Tradicional”100, com o consecutivo

rechaçamento executivo e a valorização do estatuto intelectual, na metade da

década de 1960. Longe de se revelar um conjunto monolítico, o processo então

iniciado canalizou esforços para (re)pensar a profissão no âmbito das mudanças

da sociedade latino-americana, em face de os pressupostos doutrinários e as

100

Para fins conceituais, compartilha-se da designação de José Paulo Netto (2005, p. 6), ao, sumariamente, designar como “Serviço Social Tradicional” a “[...] prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal-burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão social’ sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável”.

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

99

técnicas elaboradas em outras latitudes demonstrarem inoperância frente às reais

demandas do “homem concreto”.

4.3.1 Para que reconceituar? Notas acerca da consolidação do movimento na

América Latina

Conforme já elucidado, desde a gênese, o Serviço Social na América Latina

e no Caribe retrata a incorporação de experiências advindas de realidades cujas

particularidades diferenciam-se significativamente da latino-americana, sob as quais

assentou suas bases até os anos 60 do século XX, com uma “[...] prática mimética e

repetitiva, freqüentemente reduzida a uma imitação estéril e uma posição asséptica

no campo ideológico e político”101 (ANDER EGG, 1976, p. 5, tradução nossa).

Imerso, desenvolvido e reificado num metodologismo estéril102 e numa

suposta neutralidade ideológica — que lhe conduziam ao compromisso ideológico

com as tendências expressas pelas ciências sociais norte-americanas e,

derivadamente, com a ordem social hegemônica —, o Serviço Social configurou-se

como instrumento de reprodução e manutenção do status quo, na medida em que

partia de concepções preestabelecidas de normalidade social, de adequação do

homem ao meio e de ajustamento social. O perfil acrítico, empirista,

procedimentalista e politicamente medíocre revelava incontestação à ordem

societária a que a profissão “servia” e para onde conduzia.

Entretanto a subserviência profissional começou a apresentar sinais de

delação e perceber-se numa posição acontemporânea, em “[...] uma década rica em

teorias e correntes críticas, contestatórias, de pretensões revolucionárias que

atravessaram não somente a prática política, mas a vida científica e cultural”103

(AQUÍN, 2005, p. 53, tradução nossa), na medida em que, conforme disposto, (a) a

realidade latino-americana apresentou importantes transformações políticas,

econômicas e sociais; que (b) as Ciências Sociais passaram por um processo de

101

No original: “[…] práctica mimética y repetidora, reducida frecuentemente a una imitación fatua y estéril y una posición aséptica en lo ideológico y en lo político” (ANDER EGG, 1976, p. 5).

102 Faz-se menção à utilização de metodologias interventivas norte-americanas (Caso, Grupo e Comunidade), as quais foram importadas e transpostas à realidade latino-americana, mesmo não sendo correspondentes às demandas particulares de uma região colonizada e dependente.

103 No original: “[...] una década rica en teorías y corrientes críticas, contestatarias, de pretensiones revolucionarias que atravesaron no sólo a la práctica política, sino la vida científica y cultural” (AQUÍN, 2005, p. 53).

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

100

renovação, em que o impacto das mudanças regionais levou a Sociologia a se

ocupar de análises científicas da sociedade; que (c) o movimento estudantil104

instigou a questionamentos de ordem estrutural e profissional, como “A quem

estamos servindo?”; e que (d) a profissão se indagou, frente a isso, em termos

político-ideológicos, levantando questionamentos acerca do objeto, dos objetivos, da

ideologia e do método (ANDER EGG, 1994; NETTO, 2007).

Nessa óptica, o movimento que teve, como pano de fundo, indagações

político-ideológicas acerca da condução profissional e que culminou no que ficou

amplamente conhecido na América Latina como Reconceptualização ou

Reconceituação do Serviço Social não pode ser tomado como produto isolado e

interno à profissão, mas como partícipe dos processos sociais, em sua totalidade.

Foi a partir delas que, em 1965, durante o I Seminário Regional Latino-Americano de

Serviço Social105, pela primeira vez, oficialmente em âmbito coletivo, se analisaram

as limitações e inoperâncias em face às mudanças sociais na América Latina e os

indicativos de esgotamento das estratégias durante os “Anos Dourados”,

reconhecendo que “[...] de nada servem os modelos importados, [mas] devemos

conceitualizar [...] no nível do nosso continente”106 (KRUSE, 1965, p. 11, tradução

nossa).

Enquanto um dos marcos históricos para o processo reconceitualizador, o I

Seminário (a) denunciou que os postulados e a posição político-ideológica

extrarregional, assumida no pós Segunda Guerra Mundial, implicavam dicotomia

entre teoria e prática e o referido “mito da neutralidade científica”, cuja ênfase se

prendia nas metodologias interventivas básicas, e (b) suscitou um esforço de

104

Vale lembrar aqui o movimento estudantil iniciado em maio de 1968, conhecido como Maio Francês, quando estudantes reivindicaram reformas no setor educacional francês. Em resposta, o Governo agiu de forma violenta, e, em contraponto, a insurreição popular conduziu ao massivo engajamento dos trabalhadores numa greve geral. Assim como rapidamente tomou a França, com cerca de dois terços da população paralisados no auge do movimento, influenciou a organização de inúmeros movimentos em nível mundial, a exemplo dos estudantes da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Valparaíso, no Chile, no início da década de 70, desse mesmo século.

105 O evento foi realizado entre os dias 10 e 15 de maio de 1965, na Cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no Brasil, com a participação de 415 delegados, dos quais quatro eram argentinos, 26 uruguaios e 385 brasileiros, dentre eles o coordenador do Seminário, Seno Cornely. Como o pano de fundo dos debates permeava as transformações latino-americanas e os impactos das ágeis mudanças, outras categorias profissionais estiveram representadas, contabilizando 13% dos participantes: professores, médicos, arquitetos e urbanistas, economistas, sociólogos, antropólogos, advogados, engenheiros, psicólogos, agrônomos (CORNELY, 1965).

106 No original: “[…] de nada nos sirven los modelos ajenos, [sino] debemos conceptualizar [...] a nível de nuestro continente” (KRUSE, 1965, p. 11).

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

101

mudança que levasse em consideração a realidade social onde a profissão esteja

inserida.

De certa forma, as inquietudes içadas durante a realização do Seminário

foram aguçadas com o descobrimento, por Assistentes Sociais argentinos, do

Esquema Conceptual Referencial e Operativo (ECRO), criado pelo Psiquiatra Dr.

Enrique Pichón Riviére. No Serviço Social, para a chamada “Geração 65”107, o

esquema auxiliava a apreender as indagações emanadas do movimento global e da

denúncia do Serviço Social Tradicional e representava a relação dialética entre

realidade latino-americana (base referencial), direção profissional (base teórico-

-conceitual) e processos interventivos (base operativa), obstinadamente expressa

nos idos de 1960 (BARREIX, 1971). A “espiral dialética” do ECRO denotava o

atrelamento entre teoria e prática para atingir os objetivos profissionais propostos e,

consecutivamente, o abandono das práticas reiteradas e assépticas, involucradas de

uma inexistente imparcialidade. Para tanto, a tarefa formativa era “[...] possibilitar ao

educando um esquema conceitual (uma organização dos conhecimentos) que,

relativo a um campo ou segmento específico do conhecimento e da realidade,

permita, dedicado ao Trabalho Social, a intervenção com o homem, com o grupo e

com a comunidade”108 (BARREIX, 1971, p. 163, grifos do autor, tradução nossa).

O esforço reconceptualizador estava tão radicado entre a categoria que, no

final do mesmo ano (1965), entre 11 e 13 de novembro, as escolas de Serviço Social

latino-americanas realizam o I Seminário de Escolas de Serviço Social da América

Latina109, em Lima, no Peru, com o intuito de problematizar a formação profissional

em termos regionais e, de modo específico, alinhar a profissão ao cenário que se

apresentava, tanto político-econômico-social quanto profissional, considerando que

algumas escolas estavam em caráter germinativo (por exemplo, as do Haiti, de

Honduras, da Nicarágua e da constituinte República Dominicana)110. Em face dos

desafios apresentados, optou-se pelo estabelecimento de uma entidade regional que

107

Denominação dada ao grupo de profissionais latino-americanos que estiveram à frente do movimento de crítica ao “Serviço Social Tradicional”.

108 No original: “[…] brindar al educando un esquema conceptual (una organización de universal del conocimiento) que referidos a un campo o segmento específico del conocimiento y de la realidad le permita, si lo dedicamos al Trabajo Social, la operación CON el hombre, CON el grupo y CON la comunidad” (BARREIX, 1971, p. 163, grifos do autor).

109 Estiveram representados nesse evento 12 países, a saber: Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela.

110 Ver a Figura 1.

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

102

pudesse atuar na interface entre as escolas, doravante denominada Associação

Latino-Americana de Escolas de Serviço Social (ALAESS)111.

O desígnio ora aludido não faz referência à construção de teorias, mas de

insuficiência da postura profissional adotada diante dos rebatimentos das

transformações sócio-históricas nas condições e no modo de vida dos

trabalhadores, que os tornam alheios às estratégias de manutenção do círculo de

reprodução do capital. A adoção de um (re)dimensionamento teórico-metodológico

que subsidiasse um “novo olhar” do Serviço Social diante da realidade que se

aviltava mostrou-se imperativo na busca pela “[...] contemporaneidade da profissão e

da transformação social no interesse das classes subalternas, criando vínculos com

os movimentos sociais e os interesses de uma clientela fundamentalmente proletária

(operários, camponeses e setores marginalizados)” (FALEIROS, 2011, p. 117).

Tratava-se, entretanto, de problematizar o objeto profissional escolhido pela

profissão e de que direção epistemológica adotar. Ao aprazar esses

questionamentos internos, o processo então instaurado inaugurou o movimento de

revisão e crítica do Serviço Social na América Latina, com aspirações de romper

com o metodologismo profissional e a dicotomia teórico-prática, ao passo que a

sociedade latino-americana grulhava pelas “novas condições sócio-político-

-econômicas” e, consecutivamente, demonstrava à profissão, dado seu vínculo

orgânico com a realidade, a insuficiência profissional do trabalho profissional112 que

imperava até aquele momento histórico.

Contudo “[...] a Reconceituação tem alcances, significados, motivações e

fundamentos diversos. Isto deu lugar ao que poderíamos denominar de ‘diferentes

correntes’ na busca da reconceptualização”113 (ANDER EGG, 1976, p. 13, tradução

111

A nomenclatura foi alterada, em 1977, por ocasião do VI Seminário Regional de Escolas de Serviço Social, realizado na República Dominicana, para Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social (ALAETS), uma vez que um número significativo de escolas declarou ter realizado atualização teórico-metodológica e incorporado a designação de Trabalhador Social ao agente profissional. Nova mudança foi realizada em 2006, em Santiago, no Chile, durante Assembleia da ALAETS, quando se tornou a Associação Latino-Americana de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social (ALAEITS), em face da necessidade de articular formação profissional em âmbitos de graduação e pós-graduação, associando ensino e pesquisa em Serviço Social.

112 Fazendo analogia, trata-se da “Revolução Copernicana do Serviço Social na América Latina”. Inspirado por Nicolau Copérnico, que inverteu a lógica do sistema solar, o Serviço Social começou a inverter a dinâmica profissional, na medida em que percebeu que não estava isento dos impactos interpostos pela dinâmica político-social da metade do século XX e, com isso, propõe- -se a uma guinada histórica, refutando a lógica até então impressa no âmbito da profissão.

113 No original: “[…] la reconceptualización tiene alcances, significaciones, motivaciones y fundamentos diversos. Esto ha dado lugar a lo que podríamos denominar ‘diferentes corrientes’ en la búsqueda de la reconceptualización” (ANDER EGG, 1976, p. 13).

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

103

nossa), na medida em que as direções distintas nela impressas indicam um

caleidoscópio de propostas e um ecletismo interno ao movimento instituído. São três

os enfoques principais, nos níveis (a) teórico, (b) metodológico e (c) ideológico

(Figura 2).

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

104

Figura 2 — Enfoques do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina

FONTE DOS DADOS BRUTOS: CENTRO LATINO-AMERICANO DE TRABAJO SOCIAL (CELATS). Trabajo Social en America Latina: balance y

perspectivas. Lima, Peru: Ediciones CELATS, 1983. KRUSE, Herman. La Reconceptualización del Servicio Social en América Latina. In: ANDER EGG, Ezaquiel et al. (Re)Conceptualización del Servicio Social. Buenos Aires: Humanitas, 1976. p. 25-46. ANDER EGG, Ezequiel. La problemática de la reconceptualización del Servicio Social latinoamericano, a comienzo de la década del 70. In: ANDER EGG, Ezequiel et al. (Re)Conceptualización del Servicio Social. Buenos Aires: Humanitas, 1976. p. 5-24.

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

105

Embora independentes, mas aqui abordados em sua forma adstrita, o

trinômio teoria-método-ideologia indica que a profissão não se constitui em uma

tabula rasa, como denominava o filósofo inglês John Locke, mas, sim, é a expressão

da concretude da vida social e do movimento nela empreendido, uma vez que não

se situa no vazio, mas é instituída, processualmente, no bojo da trajetória histórica

da sociedade moderna, fundamentada por um marco teórico-metodológico que

alicerça os processos interventivos à luz de uma direção ideopolítica. Nessa tônica,

a Figura 2114 representa a disputa empreendida no marco do movimento

reconceptualizador, que, ao mesmo tempo em que reivindica a ebulição das

formas tradicionais, sustenta sua atualização sob cognoscíveis pressupostos

ideopolíticos.

Por um lado, a matriz modernizadora inscreve-se na corrente de

pensamento convencional e goza de congruência com a ideologia dominante, por

isso, expressa uma perspectiva ideológica conservadora de um aggiornamento115 do

Serviço Social, cujo exercício profissional reitera “[...] seu caráter fragmentado, sua

debilidade teórica e a falta de respostas substanciais frente às mudanças operadas

na realidade latino-americana, [por isso] não conseguiu se rearticular numa instância

organizativa de nível continental e operar um movimento de vanguarda na

profissão”116 (CELATS, 1983, p. 16, tradução nossa).

Por outro lado, a matriz crítica, por sua vez, principia intenso caráter de

denúncia das formas expressas no passado recente e radica a posição abertamente

contrária ao atrelamento profissional ao ciclo de reprodução do capital. Infunde

posição ideopolítica voltada à transformação das estruturas sociais e localiza a

profissão enquanto instrumento ativo de mudança social. Não há que se perder de

vista que o recurso à tradição marxista, mesmo que se tenha concretizado com

114

No que tange ao enfoque teórico, Kruse (1976) evidencia, em sua análise, que o teórico apresenta três correntes, ao invés de duas, como apontado na Figura 2: a (a) Corrente Praxiológica, fundamentada no materialismo, em fontes como Althusser; a (b) Corrente Logicista, assentada no empirismo lógico (positivismo); e a (c) Corrente Lógico-Matemática, baseada na concepção de Serviço Social como uma nova ciência, a ciência da vida cotidiana, com ênfase no estudo, na explicação e na intervenção em seus problemas cotidianos.

115 A tradução literal do termo italiano apresenta inúmeras definições, que podem ser aplicadas em diferentes contextos. De modo particular, no sentido aqui adotado, faz menção à atualização da profissão, sem rupturas com as formas expressas no passado profissional.

116 No original: “[…] su carácter fragmentario, su debilidad teórica y su falta de respuestas sustanciales a los cambios operados en la realidad latinoamericana, [por eso] no ha podido rearticularse en una instancia organizativa de índole continental y operar como movimiento de vanguardia en la profesión de Trabajo Social” (CELATS, 1983, p. 16).

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

106

problemas de fundo,117 deixa de ser estranho ao universo profissional, e “[...] criam-

se as bases, antes inexistentes, para pensar-se a profissão sob a lente de

correntes marxistas; a partir daí, a interlocução entre o Serviço Social e a tradição

marxista inscreveu-se como um dado da modernidade profissional” (NETTO, 2007,

p. 149, grifos do autor).

Mesmo que não homogênea, a construção do Movimento indagou a

“formação por manuais” e obstaculizou uma densa e sólida formação teórico-

metodológica para garantir processos interventivos que percebessem que os

determinantes sociais e conjunturais não são sincrônicos aos objetivos profissionais,

mas tampouco inexpressivos à apreensão da realidade social. Nesse bojo, “a

análise concreta das situações concretas” deixa de ser diminuta e deletéria, para

assumir posição imprescindível nas aproximações ao objeto e evitar os riscos com

abordagens ecléticas, dogmáticas e/ou sectárias. Teoria e prática deixam de ser

tratadas individualmente, para assumirem organicidade: formação e trabalho

profissional à luz de uma unidade teórico-prática.

Amparada nos diferentes enfoques, os quais revelam seu “caráter

heteróclito” (NETTO, 2007), a reconceptualização exigiu uma tomada de postura

ideopolítica profissional, que imergiu da busca pela sua significação no âmbito da

concretude da vida social e da concepção de mundo que vai permear a condução

dos processos interventivos profissionais, uma vez que a percepção de

subalternidade executiva era expressada pelo tradicionalismo profissional desde a

sua gênese.

A percepção coletiva profissional da necessidade de análise da realidade

social latino-americana não se revelou como um processo homogêneo. Kruse (1976,

p. 27, tradução nossa) afirma que a “Reconceituação não é um bloco monolítico de

ideias e posições, mas, ao contrário, é um campo em ebulição no qual fervem

tendências e correntes nem sempre factíveis de serem conciliadas entre si”118, e, por

isso, mesmo que abordando o movimento como unidade latino-americana,

reconhece-se que seu bojo é permeado de contradições e diferenças inolvidáveis,

117

Em fontes indiretas, apelando a materiais com caráter pouco notável na obra marxiana ou mesmo permeados por certo ecletismo teórico.

118 No original: “Reconceptualización no es un bloque monolítico de ideas y posiciones, sino todo lo contrario, es una ‘olla hirviente’ en la cual bullen tendencias y corrientes no siempre factibles de conciliar entre si ” (KRUSE, 1976, p. 27).

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

107

que são expressas na condução dos demais Seminários Regionais Latino-

-Americanos realizados nos anos 60 e 70 do século XX.

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

108

Quadro 3 — Características dos Seminários Regionais Latino-Americanos realizados entre os anos 1960 e 1970

SEMINÁRIOS CIDADE E

PAÍS DATA

COORDENA-ÇÃO

CARACTERÍSTICAS GERAIS

II Seminário Montevidéu (Uruguai)

1966 Herman Kruse Além de uruguaios, argentinos e brasileiros (nacionalidades participantes do I Seminário), estiveram presentes representantes do Chile. Com o intuito de problematizar o Serviço Social na América Latina, o evento esteve dividido em três eixos: a) Problemas Metodológicos do Serviço Social; b) Serviço Social: evolução e revolução, em que a

palestrante que foi responsável pela reflexão do “Serviço Social nos países capitalistas” não compareceu ao evento;

c) Política do Serviço Social no Desenvolvimentismo, no qual chamam atenção a abordagem dos palestrantes no que tange à análise conjuntural em âmbito nacional; a ênfase dada por Seno Cornely à militância política dos Assistentes Sociais e sua inserção em sindicatos; e a menção do Assistente Social como agente de mudança, atribuído por Danielle Duprey.

III Seminário General Roca (Argentina)

1967 Natalio Kisnermann

O tema central do evento foi Serviço Social e Educação. Os debates estiveram voltados à participação social, ao planejamento de educação da comunidade com vistas ao desenvolvimento nacional e, em destaque, à busca de fundamentação científica na formação em Serviço Social.

(continua)

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

109

Quadro 3 — Características dos Seminários Regionais Latino-Americanos realizados entre os anos 1960 e 1970

SEMINÁRIOS CIDADE E

PAÍS DATA

COORDENA-ÇÃO

CARACTERÍSTICAS GERAIS

IV Seminário Concepción

(Chile)

1969 Luis Araneda O Seminário abordou quatro grandes motes: (a) Alienação e Práxis do Serviço Social, (b) Novos Instrumentos do Serviço Social, (c) Novas Ideias Para o Marco Conceitual do Serviço Social e (d) O Serviço Social em Perspectiva. Nesse evento, ficou explícita a impermeabilidade do Movimento de Reconceituação, na medida em que se abordou a adequação dos currículos das Escolas de Serviço Social a partir de pressupostos teóricos, em face da mudança de concepção ideopolítica de desenvolvimento; e, no campo técnico-operativo, o que se denominava “método” se converteu em técnica interventiva. Salientou-se a necessidade de priorizar a formação em níveis de graduação e pós-graduação com ênfase na pesquisa e, para isso, a consecutiva criação de entidades profissionais com fins voltados à pesquisa, à docência e à normatização de atividades do Serviço Social.

(continua)

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

110

Quadro 3 — Características dos Seminários Regionais Latino-Americanos realizados entre os anos 1960 e 1970

SEMINÁRIOS CIDADE E

PAÍS DATA

COORDENA-ÇÃO

CARACTERÍSTICAS GERAIS

V Seminário Cochabamba (Bolívia)

1970 Teresa Sheriff O V Seminário teve representação mais expressiva que os demais em número de países participantes: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Peru, Paraguai e Bolívia. Visando problematizar a Reconceituação do Serviço Social nas Instituições e Programas, essa quinta edição foi considerada “a Reconceituação”, pois a condução e os encaminhamentos asseveraram um ambiente intelectual reconceptualizado. Não só se rechaçaram termos tradicionais como “agência” (aderiu-se à instituição), como se considerou que o subdesenvolvimento latino-americano estava atrelado ao imperialismo norte-americano, por isso, sua superação perpassaria integração regional e mudanças das estruturas que oprimem a classe trabalhadora. Concretamente, deliberou-se que a reconceituação demanda (a) apreensão da realidade latino-americana em sua totalidade, (b) metodologia científica- dialética e (c) postura crítica na intervenção profissional junto às instituições. Para isso, no processo de formação, dever-se-ia fomentar (a) a criticidade nos acadêmicos; (b) a integração entre docentes, acadêmicos e profissionais de base, para afiançar conhecimentos teórico-práticos; e (c) o caráter generalista, integrando disciplinas filosófico-políticas e técnicas.119

(continua)

119

Com isso, o compromisso do Serviço Social na América Latina “[...] consiste na IDENTIFICAÇÃO DAS CLASSES OPRIMIDAS. Para alcançar este objetivo, é necessário sair do puritanismo, vencer as limitações e iniciar uma luta real para colocar o Trabalho Social no plano político” (ANDER EGG, 1994, p. 442, grifos do autor, tradução nossa). No original: “[…] consiste en la IDENTIFICACION TOTAL DE LAS CLASES OPRIMIDAS. Para lograr este compromiso, es necesario salir del puritanismo, vencer el temor e ingresar en una lucha real que colocará indudablemente al Trabajo Social en el plano político” (ANDER EGG, 1994, p. 442, grifos do autor).

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

111

Quadro 3 — Características dos Seminários Regionais Latino-Americanos realizados entre os anos 1960 e 1970

SEMINÁRIOS CIDADE E

PAÍS DATA

COORDENA-ÇÃO

CARACTERÍSTICAS GERAIS

VI Seminário Porto Alegre

(Brasil)

1972 Ernesto Costella

Retornando a Porto Alegre depois de sete anos, o VI Seminário demarcou a abertura de “novos tempos brasileiros”. O pleno auge da Ditadura Militar, sob a presidência do General Médici, assentava as bases de condução do evento e a impossibilidade de avançar nas deliberações dos IV e V Seminários: A Reflexão Crítica Sobre a Intervenção Profissional, objetivo proposto, não teve êxito. Para as delegações, o evento constituir-se-ia como o fechamento de um ciclo histórico (de Porto Alegre a Porto Alegre) para a profissão reconceituada. O repúdio ao visível atravanco levou à manifestação documental das delegações de língua espanhola e do Grupo do ECRO, que fizeram questão de marcar a postura tecnocrática e asséptica do encontro, estimulada pelo cenário autocrático implantado, ao mesmo tempo em que se levantaram rumores sobre qual seria o futuro dos Seminários e, sobretudo, do próprio Movimento de Reconceituação na América Latina.

(continua)

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

112

Quadro 3 — Características dos Seminários Regionais Latino-Americanos realizados entre os anos 1960 e 1970

SEMINÁRIOS CIDADE E

PAÍS DATA

COORDENA-ÇÃO

CARACTERÍSTICAS GERAIS

VII Seminário Lima

(Peru)

1976 Haydee Alor Embora a deliberação, no VI Seminário, tenha sido a realização do VII na Cidade de Montevidéu (Uruguai), no ano de 1974, essa edição foi realizada somente em 1976, na capital do Peru, em face da realidade político-social instalada no Uruguai, em 1973 (ditadura civil-militar). A imersão autocrática latino-americana conduziu ao tema central do evento: Serviço Social, Realidade Latino-Americana e Exigências de Novas Formas Interventivas. O evento logrou pouco êxito, a ponto de não se tornar possível a elaboração de encaminhamentos. De toda maneira, o cenário turbulento que envolveu o VII Seminário indicava respostas aos questionamentos levantados em Porto Alegre.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: ANDER EGG, Ezequiel. Historia del Trabajo Social. Buenos Aires: Lumen, 1994.

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

113

Os esforços de ruptura com as marcas empiristas, paliativas e

burocratizadas da profissão e a busca por novas bases de legitimação estão,

reiteradamente, presentes nas discussões dos Seminários Regionais apontados no

Quadro 3, os quais tiveram papel central no Movimento de Reconceituação genuína

e exclusivamente latino-americano. Permeados de construções e reelaborações, os

Seminários provocaram sucessivas rupturas e adesões que privilegiaram o olhar

para a realidade concreta da América Latina sob uma ótica particular, sem abonar o

que lhe é próprio nas diferentes latitudes.

Subjacentes a isso, revelaram-se protagonistas que exerceram

indispensáveis contribuições nesse processo que alicerçou, como pano de fundo, a

posição político-ideológica do Serviço Social frente às amarras imperialistas

interpostas no desenvolvimento periférico latino-americano: Seno Cornely, Natalio

Kisnermann, Ezequiel Ander Egg e Herman Kruse constituem, dentre outras,

representações da vanguarda profissional na apreensão das implicações políticas do

trabalho do Assistente Social, polarizadas pela luta de classes, da mesma forma que

figura uma filiação teórico-metodológica que exprime a mudança das estruturas que

oprimem “o homem de ser homem”.

O Serviço Social, ao intervir numa realidade, não pode prescindir de uma teoria que lhe possa dar elementos para que de fato sua intervenção venha a atingir os fins a que se propõe. Se sua ação se volta para o homem concreto, inserido numa realidade, o conhecimento dessa realidade, ao exigir uma teoria que embase a ação, envolve ainda uma opção ideológica do assistente social, opção enquanto vai atuar como profissional, o que o leva a desenvolver com maior eficácia o seu trabalho. (SILVA, 1983, p. 45).

Nesse cenário, reconceituar era necessário para romper com as influências

exercidas pelas experiências externas e consolidar as bases profissionais a partir de

fundamentos filosóficos e científicos compatíveis com as demandas apresentadas à

profissão na segunda década do século XX, “num esforço de busca de respostas

adequadas à problemática social do contexto latino-americano, a partir das novas

posições epistemológicas e contribuições das Ciências Sociais contemporâneas”

(MACÊDO, 1982, p. 13).

Esse “[...] processo de ruptura teórica, metodológica, prática e ideológica

com as concepções que prevaleciam e serviam de embasamento para o

desempenho da profissão em moldes tradicionais” (SILVA, 1983, p. 50) demarca um

momento elementar de transição do Serviço Social na América Latina, na medida

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

114

em que vai adquirir uma dinâmica mais intensa nos anos subsequentes, sustentado

no que denominamos de legados da Reconceptualização.

4.3.2 Os legados do Movimento de Reconceituação para o Serviço Social

É inegável que o que se denomina de Movimento de Reconceituação

sustentou um inarredável movimento teórico-metodológico e ideopolítico no âmbito

do Serviço Social na América Latina, cujo ponto de partida foram a crítica ao

tradicionalismo e a superação das formas características. A evicção da legitimidade

do “Serviço Social Tradicional” trouxe consigo incontestes legados que lhe são

tributários:

a) o contato com a tradição marxista, que propicia à profissão perceber que

não estabelece uma relação de “servo” ao capital, mas que ao vender sua

força de trabalho, constitui-se enquanto profissional assalariado, dada sua

inserção na divisão social e técnica do trabalho;

b) o sustento da (re)qualificação profissional e a repulsa à subalternidade

expressa entre os “teóricos” (cientistas) e os “interventivos” (Assistentes

Sociais) (NETTO, 2005);

c) a superação de processos interventivos procedimentalistas, puramente

executivos, e o afiançamento de intervenções mediatizadas pelo substrato

teórico-metodológico, cujos planejamento, execução e avaliação

retroalimentam a eficiência e a eficácia das ações, ao mesmo tempo em

que sustentam a análise da coerência com o projeto profissional e

societário120 do qual compartilham;

d) o reconhecimento de que toda e qualquer intervenção exprime dimensão

política, seja ela conservadora, seja emancipatória, por isso, inexiste

trabalho profissional neutro;

e) a politização profissional, que conduziu à mudança de apreensão da

realidade e dos sujeitos, enquanto históricos e partícipes da vida social,

120

Os projetos profissionais, filiados em âmbito corporativo, são parametrados com projetos de maior abrangência, os societários, que, em linhas gerais, podem ser conservadores, em defesa da manutenção da ordem social, ou transformadores, cujo pressuposto é a constituição de estratégias para transformação social. Para outras informações, consultar Cardoso (2013), Netto (1999) e Teixeira e Braz (2009).

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

115

involucrados pelas contradições que são o eixo fulcral de manutenção do

capitalismo;

f) a aderência entre os objetivos profissionais e os empreendidos pela

classe trabalhadora e seus movimentos, que conduz ao desvelamento do

que era naturalizado enquanto “problemas sociais” e à sua constituição

como substrato à apreensão dessa realidade enquanto momento

constitutivo da intervenção, uma vez que seu autêntico compromisso se

revela por ser um deles (trabalhador);

g) a oxigenação da vanguarda latino-americana, com a constituição de uma

ampla frente dedicada à produção teórica e à compleição das pós-

-graduações, nos diferentes países, nas décadas seguintes;

h) a certeza de que, apesar das particularidades próprias de cada país, a

herança do Movimento de Reconceituação continua inconclusa, em

menor ou maior proporção.

O que iniciou outrora como “desconformidade” entre o profissional e o

institucional, e acabou por se revelar como um dos grandes marcos no processo

sócio-histórico da profissão na região, não apresentou legados ainda maiores,

porque as ditaduras militares impressas entre os anos 1960 e 1990, na América

Latina, financiadas pelos Estados Unidos e a serviço das oligarquias, tarjaram e

irromperam qualquer possibilidade de construção coletiva revolucionária,121 mas não

impossibilitaram que os produtos fossem duradouros à profissão pós abertura

democrática.

Embora a região latino-americana seja um bloco relativamente homogêneo

no que concerne às condições sócio-históricas, com características comuns de

dependência e colonialismo, os países apresentam particularidades

socioeconômicas e políticas que dão conduções histórico-profissionais específicas

aos legados do Movimento de Reconceituação do Serviço Social nos diferentes

territórios, conforme se verá a seguir, com os exemplos do Brasil, do Chile e de

Cuba.

121

É necessário ressaltar os inúmeros profissionais que, a frente desse processo reconceitualizador, foram exilados e mantidos sob cárcere, na medida em que eram vistos como transgressores à ordem. No caso do Brasil, têm-se, como exemplo, Marilda Villela Iamamoto, Vicente de Paula Faleiros e Joaquina Barata Teixeira, para citar alguns.

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

116

5 OS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO

CARIBE PÓS-MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO: EM EVIDÊNCIA, OS

CAMINHOS DO BRASIL, DO CHILE E DE CUBA

No bojo das análises realizadas até o presente momento, se alvitra imergir

no campo desconhecido e particular de três países latino-americanos: Brasil, por se

constituir o lócus de partida da pesquisadora; Chile, pelo pioneirismo em encetar o

neoliberalismo e a profissão na América Latina e no Caribe; e Cuba, pela inaugural

transição revolucionária na região. O propósito não é esgotar as factíveis

problematizações sobre a temática, porque isso, por si só, ultrapassaria as

condições objetivas de realização desta tese, mas, sim, desnudar os condicionantes

histórico-profissionais estabelecidos no pós-Movimento de Reconceituação, de

modo a enunciar inserções que subsidiem desvendar as particularidades,

aproximações e dissensões conceituais, epistemológicas e axiológicas impressas

em cada país e, mormente, decodificar como se processaram, nesse panorama, os

eixos estruturantes que sustentam os Fundamentos do Serviço Social.

5.1 PARTICULARIDADES DO SERVIÇO/TRABALHO SOCIAL NO BRASIL, NO

CHILE E EM CUBA: MÚLTIPLAS REALIDADES PROFISSIONAIS

DESCORTINADAS

Ainda que a América Latina e o Caribe apresentem indicadores relativos a

países deslocados do eixo econômico central (ver Capítulo 3), não se pode inferir

que suas condições e realidades sejam homogêneas nas latitudes regionais. Em

outros termos, “[...] a realidade latino-americana é una e diversa” (WANDERLEY,

2013, p. 62, grifos nossos), pois, ao mesmo tempo em que conjuga características

comuns, constitui um mosaico diferenciado de características peculiares às

dimensões culturais, geográficas, territoriais, demográficas, étnicas, políticas,

econômicas e sociais.

Seminalmente, é sob essa perspectiva una e diversa que, nos próximos

itens, analisar-se-á a angulação profissional do Serviço Social, a partir dos seus

fundamentos, no cenário sócio-histórico dos países selecionados. Iniciar-se-á,

propositalmente, pelo lócus da pesquisadora, o Brasil.

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

117

5.1.1 O Serviço Social brasileiro como lócus de partida

Em se tratando do lócus de partida, são extensivos os materiais disponíveis

na produção do conhecimento brasileira que subsidia a análise das conduções da

profissão a partir do Movimento de Reconceituação, do qual o Brasil é protagonista.

Sobretudo, é mister apontar que serão privilegiados, nessa abordagem, os

elementos fulcrais que balizaram os caminhos profissionais na constituição de

produtos objetivados desde o intento reconceituador: a filiação profissional a um

projeto anticonservador e o desatrelamento de uma pseudoneutralidade profissional.

Panoramicamente, os rumos trilhados pela profissão, a partir dos anos 60 do

século XX, foram geneticamente distintos dos das décadas que lhes precederam,

uma vez que, até então, não apresentavam polêmicas vultosas, quiçá disputas

acerca de projeções profissionais. Ao revés, a partir dessa demarcação, que, além

de temporal, é histórico-política, abalizou-se a configuração de um caleidoscópio

teórico-metodológico de fraturas ideológicas, de projetos profissionais em confronto

e de concepções e/ou proposições formativas e interventivas diversas (NETTO,

2007), que culminaram num processo de metamorfose do modo de ser dessa

profissão, consolidado, nas últimas décadas, sob o veio teórico-crítico.

Apesar de as protoformas do Serviço Social brasileiro122 estarem

involucradas pelas tendências comuns manifestas na gênese e na expansão dos

demais países da América Latina123 — sustentadas por concepções morais e

religiosas no trato da questão social — e de se mesclarem com a instrumentação

norte-americana na década seguinte, cuja coexistência Iamamoto (2007) define

como “Arranjo Teórico-Doutrinário”124 —, foi no lustro da passagem da metade do

século XX que se instaurou conjuntura factível à revisão teórica, política, operativa e

ética no âmbito do Serviço Social, na América Latina e, não diferentemente, no

Brasil. Mormente, neste último, não se deu sob as mesmas condições sócio-

122

Não é demasiado lembrar que o Serviço Social brasileiro emergiu na década de 30 (especificamente, em 1936), num cenário político-social que recém destituíra a hegemonia dos setores oligárquicos burgueses, em voga, no País, deste o final do século XIX, e adjudicou-se à constituição do Estado Novo, em 1937, com claros preceitos anticomunistas e tendências fascistas. Para maiores informações sobre a demarcação temporal, consultar autores como: no campo da História, Fausto (2010); na Economia, Furtado (2007); e, no Serviço Social, Iamamoto e Carvalho (2008).

123 Conforme problematizado no Capítulo 4 dessa tese.

124 O “Arranjo Teórico-Doutrinário” consiste na convivência não excludente das bases do pensamento católico conservador — herança da influência franco-belga — com os fundamentos teóricos positivistas — adjacentes do Serviço Social norte-americano.

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

118

históricas do restante dos países da região latino-americana, na medida em que, nos

fulgores iniciais do Movimento de Reconceituação, o Brasil tinha instaurada a

autocracia burguesa125, que inculcou não só ao Serviço Social, mas ao conjunto da

sociedade brasileira, efeitos muito peculiares de um cenário repressivo, opressivo

e controlador, expresso a partir do primeiro dia do mês de abril de 1964.

Utilizando a não radicalização da ditadura, em seu período inicial, para

fomentar a instauração do Movimento de Reconceituação no Serviço Social da

região — ousando sediar o I Seminário Regional Latino-Americano de Serviço

Social126 em 1965 —, os caminhos subsequentes percorridos indicam

particularidades que não se evidenciaram na trajetória profissional, em outros países

latino-americanos, pois o aprofundamento da ditadura não só abortou as

possibilidades efetivas de o Serviço Social brasileiro reconceituar-se nesse

momento, como minou as bases políticas concretas de participação ativa e digesta

nesse processo.

Apesar de o contexto político ser determinante para essa incursão, os

condicionantes econômicos aferidos desde meados dos anos 50 do século XX

também foram elementares para o reordenamento profissional. Lembre-se que os

“Anos de Ouro” (ver Capítulo 4) conduziram à constituição de programas de

desenvolvimento na América Latina, com o fito de subsidiar o desenvolvimento

nacional, sem romper com as históricas características de dependência imperialista.

No caso do Brasil, Mota (2009) assinala que a modernização conservadora, que

alavancou a industrialização e o crescimento econômico, fortalecida pelo conhecido

slogan “Cinquenta anos em cinco”, com efeito, não redistribuiu os resultados à

classe trabalhadora, o que, por sua vez, tratou de alargar as contradições, lutas e

tensões sociais, num cenário de altos índices inflacionários, de déficit comercial, de

concentração de renda e relações “arcaicas” de trabalho assalariado. Essa

confluente conjuntura guardiã de um desenvolvimento dependente marcou as

[...] novas bases para a atuação dos assistentes sociais que lidam cotidianamente com as expressões desse processo e são responsáveis pela execução das políticas sociais desse período, sendo mais uma vez chamados a atender à funcionalidade posta pelo Estado e pelos interesses da burguesia nacional e internacional [...] (CARDODO, 2013, p. 133).

125

Para aprofundamento sobre a instauração da autocracia burguesa no Brasil, ver Florestan Fernandes (2005).

126 Para maiores detalhes, retomar o item 4.3.1 Para Que Reconceituar? Notas acerca da consolidação do movimento na América Latina da presente tese.

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

119

Esse processo tomado “continentalmente” no País não só engendrou um

mercado de trabalho macroscópico para os Assistentes Sociais, como alinhavou as

bases materiais para a revisão das suas formas tradicionais, que, no bojo do

efervescente questionamento em nível latino-americano, levou a profissão, no Brasil,

a constituir alternativas peculiares para rever sua base sincrética, mesmo com o

golpe de abril desencadeado (NETTO, 2007).

Do ponto de vista profissional, é inarredável a articulação entre o ciclo

sociopolítico e a significação profissional nesse circuito, pois prescindem indagações

acerca da relação profissional com a asseveração da questão social, do “papel”

assumido frente ao projeto desenvolvimentista, do atrelamento aos “novos”

protagonistas políticos e da projeção societária assumida pela Revolução Cubana.

Com isso, as requisições dos processos sociopolíticos no pós 1964

conformaram a formatação de estratégias profissionais que não necessariamente

levaram à exclusão da posição contestatória expressa no movimento regional

multifacetado. Sobretudo, seu tônus peculiar estava na outorga de bases que

legitimaram e habilitaram a profissão no marco das artimanhas do desenvolvimento

capitalista, em sua interface autocrática. Se instaurar novos alicerces teóricos,

políticos, éticos e técnicos era elementar para traçar diretrizes profissionais

vinculadas ao bojo das mudanças sociopolíticas latino-americanas, a limitação

imposta ao Serviço Social brasileiro traduziu-se na concreção de um aparato

renovador no interior da profissão, que dialogasse com o perfil profissional

requerido pela realidade social em questão. O movimento conhecido como

Renovação Profissional, é entendido como um

[...] conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimidade prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais (NETTO, 2007, p. 131, grifos nossos).

Expresso por diferentes tendências, definidas por Netto (2007) como (a)

Modernização Conservadora, (b) Reatualização do Conservadorismo e (c) Intenção

de Ruptura, o movimento renovador sustentou-se como um significativo avanço no

Serviço Social brasileiro, uma vez que conferiu uma nova arquitetura profissional,

mesmo que sem refutar medularmente, inicialmente, as bases teóricas expressas no

passado recente.

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

120

Tanto a primeira quanto a segunda direção estão inscrita no bojo de um

projeto profissional conservador, ao passo que, mesmo laicizada e elevada ao status

universitário, não imprimem à profissão, teleologicamente, a superação da

sociedade de classes, cuja perspectiva emancipatória somente foi expressa a partir

dos anos 1980, com a instauração da terceira vertente (CARDOSO, 2013).

Nessa ótica, a Modernização Conservadora traduz-se pela tentativa de

busca de cientificidade para a profissão e, consecutivamente, de modernização do

caráter técnico-operativo, sem romper com as bases positivistas emanadas ainda

dos anos 1940, quando constituíram as estratégias estadunidenses de espraiamento

ideológico (ver Capítulo 4). Na trilha disposta, a orientação teórico-metodológica

posta ao trabalho profissional coadunou com a vinculação da problemática do

desenvolvimento e da superação dos estrangulamentos que culminavam na inércia

dos vetores políticos arcaicos.

Aí residiu a adesão a uma nova roupagem conservadora, uma vez que a

inscrição nacional no ciclo modernizador atribuiu à profissão a adoção de aportes

técnicos “mais elaborados”, condizentes com o requerimento de profissionais

especializados na gradativa elevação das condições de vida da população, fator

indispensável ao alcance do almejado desenvolvimento. Nota-se, com isso, que a

intervenção era imbuída de uma suposta harmonização social, na medida em que a

questão social era entendida sob a derivação de desajustes e patologias individuais,

os quais deveriam ser ajustados para possibilitar o funcionamento de todas as

partes da sociedade.127 Nos termos de Netto (2007, p. 155), a perspectiva

[...] aceita como dado inquestionável a ordem sociopolítica derivada de abril e procura dotar a profissão de referências e instrumentos capazes de responder às demandas que se apresentam nos seus limites — donde, aliás, o cariz tecnocrático do perfil que pretende atribuir ao Serviço Social no país. No âmbito estrito da profissão, ela se reporta aos seus valores e concepções mais “tradicionais”, não para superá-los ou negá-los, mas para inseri-los numa moldura teórica e metodológica menos débil, subordinando- -os aos seus vieses “modernos” [...].

Enquanto, na América Latina, o II e o III Seminário Regional, ocorridos em

1966 e 1967, respectivamente, problematizaram a fundamentação científica do

Serviço Social e o significado social do Assistente Social como “agente de mudança”

frente ao projeto desenvolvimentista, o Brasil, mesmo que num anunciado esforço

127

Durkheim (1999) faz a analogia da função da divisão do trabalho na sociedade com um corpo vivo, em que os órgãos vitais do corpo humano devem funcionar adequadamente. Com isso, cada parte cumpre uma função em relação ao todo, que deve funcionar normalmente. Caso contrário, quando não é harmoniosa, resulta numa disfuncionalidade social.

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

121

de teorização, devido à ausência de rigorosa explicitação teórico-metodológica,

acabou por cristalizar indicativos técnico-operacionais,128 ao reconhecer “[...] que os

caracteres corretivo, preventivo e promocional são uma particularidade do Serviço

Social” (CBCISS, 1986, p. 25).

Num movimento de negação do positivismo sem superação — no sentido

dialético do processo —, circunscreveu-se, nesse leito conservador, a segunda

direção da Renovação Profissional, com atributos pouco casuais. Num incômodo

cenário em que, mundialmente, chegava ao fim os longos anos de expansão

econômica e, nacionalmente, a distensão militar começava a provocar indignação

não só pela ausência de liberdade civil, mas pelas escassas condições de acesso a

direitos humanos, a profissão esforçou-se, de um lado, para abdicar do acervo

positivista e, de outro, para descreditar o referencial dialético-crítico, de aparato

marxista, que circundavam o Método BH129. Na teia do movimento econômico-

político, a profissão gestou as “novas” bases teórico-metodológicas das quais se

tornou legatária: sob o suporte da teoria fenomenológica, a profissão incorporou-a

de forma vulgarizada e abandonou nuances e matizes, que constituem as

particularidades de traços interventivos microscópicos, “isolado[s] de determinações

classistas, sem pertencimento de classe” (CARLI, 2013, p. 93), e dissolveu “[...]

quaisquer possibilidades de uma análise rigorosa e crítica das realidades

macroscópicas e, derivadamente, de intervenções profissionais que possam ser

parametradas e avaliadas por critérios teóricos e sociais objetivos” (NETTO, 2007,

p. 158).

Seu traço reatualizador residia tanto na dimensão teleológica quanto na

abordagem, mesmo que à sombra de proposições interventivas distintas. Seu traço

característico prescindia de investidura reflexiva do sujeito acerca do vivenciado por

ele mesmo — seu autoconhecimento —, pois, “[...] a partir [das reflexões] das

situações vividas, poderá levá-lo a buscar novos modos de ser” (PAVÃO, 1988,

p. 36), a transformação, a qual é vista sob a perspectiva pessoal e não como

processo social.

128

As formulações oriundas dos Seminários de Araxá (1967) e de Teresópolis (1970) foram a concreção da “necessidade de um estudo sobre a Metodologia do Serviço Social face à realidade brasileira” (CBCISS, 1986, p. 53, grifos do autor).

129 O qual será abordado na sequência, neste mesmo item.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

122

A efemeridade da perspectiva, que durou pouco mais de quatro anos,130 e o

objeto “homem singular” (ALMEIDA, 1978) designam os limites teórico-

-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos do Serviço Social frente à

crescente expropriação da classe trabalhadora em curso, ao tempo em que essa

perspectiva não desnudou uma direção social e política inversa à proclamada

preteritamente e tampouco adquiriu relevância em termos político-profissionais, pois

não passou do descortinar das representações existenciais para o sujeito

(denominado cliente). Nessa concepção, o sentido atribuído à intervenção não

ultrapassava uma mera ajuda psicossocial para o desvelamento do sentido à

pessoa, via diálogo. Travada no aparato terapêutico, a profissão isolava o usuário da

concretude da vida social e de seus determinantes histórico-sociais, nos quais

também encastelavam seus processos contraditórios e as sucessivas aproximações

para desvendar os meandros impressos na totalidade da vida social.

A interpelação, sob esse prisma, estava expressa na negação da

negação — novamente, no sentido dialético do processo —, cuja superação

dialética, galgada pela síntese dos momentos anteriores, se constituiu a partir de

uma clara intenção de ruptura com os fundamentos ideopolíticos do pensamento

conservador e com o consecutivo atrelamento da profissão aos novos tempos. Os

fulgores que se iniciaram ainda nos anos 70 corporificaram-se nos anos 80 e, a

partir da última década do século XX, alcançaram a concretude “madura” de um

direcionamento ético e político que atribuiu novas significações ao Serviço Social,

em seus processos interventivos e, elementarmente, na apreensão dialética de seu

objeto profissional.131

O legado expresso pelo Movimento de Reconceituação, em nível latino-

-americano, começou a gestar-se, no Brasil, no início dos anos 1970,132 quando

muitos países da região sequer tinham instaurado seus retardatários processos

130

José Paulo Netto (2007) aponta que o êxito alcançado pela direção modernizadora — que data de 1965-75 — não se aplica para essa direção da Renovação Profissional, que perdurou de 1975 a 1979.

131 Embora, sobretudo, não se possa negar a presença visível dos traços conservadores no trabalho profissional.

132 Em posição divergente da assumida pela pesquisadora, Silva (2013) entende que tanto a perspectiva modernizadora quanto a de reatualização do conservadorismo se tratam de matrizes reconceituadas. Entende-se, por outro lado, a partir de extensa análise de materiais produzidos em níveis brasileiro e latino-americano, que, se o intento reconceituador está inscrito na revisão do que, no Capítulo 4 desta tese, se indica como “Serviço Social Tradicional”, representa incoerência afirmar que a adoção de matrizes do pensamento social inscritas no aparato monopólico burguês trate de adesão aos pressupostos do Movimento de Reconceituação, mesmo que, temporalmente, estejam assinalados na mesma época.

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

123

ditatoriais. Mesmo com as limitações da recorrência a um “marxismo vulgar”

(NETTO, 2007) ou aos “ismos”133, em substituição a Marx, é inegável a vanguarda

crítica perpetrada à profissão pela proposta elaborada no âmbito Escola de Serviço

Social da Universidade Católica de Minas Gerais,134 entre 1972 e 1975, a qual foi

caudatária do reordenamento epistemológico e axiológico dos Fundamentos do

Serviço Social brasileiro a partir de meados dos anos 1980. O conhecido como

Método BH superou as bases constitutivas de um Serviço Social microscópico e

psicologizado, para inscrever-se numa arena de resistência à ditadura burguesa,

mesmo que perante condicionantes histórico-sociais ainda circunscritos no ciclo

autocrático burguês. O projeto pautava, nomeadamente, a crítica às tradicionais

abordagens e inscrevia a improtelável necessidade “de uma leitura crítica da

realidade e do estabelecimento da classe trabalhadora em uma vinculação orgânica

do assistente social com esta classe” (CARDOSO, 2013, p. 182). Apregoava-se aí a

retomada da crítica ao tradicionalismo profissional no plano teórico-metodológico,

interventivo e da formação (NETTO, 2007) e dos fundamentos do que, nas décadas

seguintes, esteve maturado num projeto ético e político profissional sustentado pela

tradição marxista.135

Não obstante esse fato, a influência constituída em Belo Horizonte

evidenciou tônus a partir da lenta e gradual transição democrática, que, para Fausto

(2010), foi assim caracterizada porque, ao mesmo tempo em que precisava

neutralizar a linha dura e abrandar a repressão, tornou-se indubitável caminhar para

uma democracia conservadora, evitando a chegada da oposição136 à representação

(democrática), numa situação de agrura, em que os indicadores de crescimento

registrados durante o “Milagre Econômico”137 se esvaíam diante dos efeitos dos

133

Expressão usada em analogia ao título da obra de Fernández Buey (2009). 134

Ao realizar uma densa análise acerca do projeto de Intenção de Ruptura, Netto (2007) ressalta que não foi acidental a emersão do projeto de ruptura em Belo Horizonte, uma vez que, ainda nos anos pré-ditatoriais, a capital mineira foi palco (a) das elites reacionárias e (b) dos movimentos populares, associados à larga tradição do movimento estudantil, que apresentavam expressivas impulsões socialistas revolucionárias.

135 É indispensável apontar que o Serviço Social no Brasil é o primeiro a consolidar os pressupostos do legado do Movimento de Reconceituação, cuja contribuição ímpar na produção do conhecimento voltada à uma perspectiva crítica revela-se até hoje, apesar de não homogênea. Esse protagonismo, curiosamente, não se revelou no Trabalho Social cubano, em pleno “exalar” revolucionário, como se verá no item 5.1.3.

136 Leia-se: os movimentos de esquerda.

137 “O período do chamado ‘milagre econômico’ estendeu-se de 1969-1973, combinando o extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. O PIB cresceu na média anual de 11,2% no período, tendo seu pico em 1973, com uma variação de 13%. A inflação média anual não passou de 18%. O milagre tinha uma explicação terrena. Os técnicos

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

124

anos de crise mundial. PIB em baixa, aumento da inflação, estagnação econômica e

desemprego são alguns fatores que levaram à adoção de uma política recessiva,

numa característica conjuntura de estagflação.

Ainda que não restrita ao Brasil — uma vez que os reflexos se estenderam à

América Latina —, as bases sociopolíticas inscritas na transição democrática e nos

movimentos de classes (derrotadas em abril de 1964) constituíram conjuntura

factível ao espraiamento do liame crítico iniciado em Belo Horizonte, porque

desobstruíram os condutos que impediam sua vinculação às reivindicações das

camadas populares, com as quais passou a se atrelar organicamente, por uma

condição de classe.

Esse vigoramento que estava amparado nas dimensões ideopolítica, teórico-

-metodológica e operativa, tangenciou tanto os aparatos acadêmicos138 quanto de

mobilização política de base139, que constituíram uma ampla frente protagonista na

consolidação da direção profissional.140 Pressupondo rescindir o academicismo

estéril, com metodologismos assépticos e praticismos, no fito de transpassar as

fronteiras universitárias e exercer considerável influência no conjunto da categoria

profissional, o primeiro significativo estudo que marcou a incorporação da obra

marxiana no Serviço Social data dos idos dos anos 1980. A obra Relações Sociais

e Serviço Social no Brasil — esboço de uma interpretação histórico-

-metodológica (1982), cuja autoria é de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho,

abaliza o Serviço Social como uma profissão inserida na divisão social e técnica do

trabalho e o localiza no processo de produção e reprodução das relações sociais, no

que o planejaram, com Delfim à frente, beneficiaram-se, em primeiro lugar, de uma situação da economia mundial caracterizada pela ampla disponibilidade de recursos. Os países em desenvolvimento mais avançados aproveitaram as novas oportunidades para tomar empréstimos externos. O total da dívida externa desses países, não produtores de petróleo, aumentou menos de 40 bilhões de dólares em 1967 para 97 bilhões em 1972 e 375 bilhões em 1980. Ao lado dos empréstimos, cresceu no Brasil o investimento de capital estrangeiro. Em 1973, os ingressos de capital tinham alcançado o nível anual de US$ 4,3 bilhões, quase o dobro do nível de 1971 e mais de três vezes o de 1970” (FAUSTO, 2010, p. 268).

138 Os quais Netto (2007) define como “consolidação acadêmica” do projeto de ruptura.

139 Denominados de “efervescência e mobilização política” por Silva (2002).

140 Importante marco para a consolidação desse projeto de ruptura foi o III Congresso Brasileiro de Assistentes Social (CBAS), que ocorreu em São Paulo, entre os dias 23 e 28 de setembro de 1979. Organizado pelo então conjunto Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS)/Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (CRASs), o evento iniciou com uma proposta coadunada com a lógica hegemônica até então expressa na categoria profissional — atrelada ao Estado burguês — e terminou com a crítica ao tradicionalismo profissional, instigada pela extinta Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais de Assistência Social (CENEAS). Daí se origina o codinome “Congresso da Virada”.

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

125

intento de dar significado social à profissão no campo contraditório da sociedade de

classes.

Ela consiste no primeiro trabalho rigoroso do Serviço Social, no interior da reflexão brasileira, que apreende a instituição profissional na perspectiva teórico-metodológica crítico-dialética haurida a partir de um trabalho sistemático sobre a fonte marxiana; e mais: as resultantes desta apreensão, pela sua natureza mesma, infletem os rumos do debate profissional, qualificando-o teórica e politicamente. Neste sentido, é que se pode firmar que, com a elaboração de Iamamoto, a vertente de intenção de ruptura se consolida no plano teórico-crítico. (NETTO, 2007, p. 301).

A obra, fundamentalmente, elucida o Serviço Social como especialização do

trabalho coletivo, situa o Assistente Social como trabalhador assalariado, inserido na

divisão sociotécnica do trabalho e, portanto, classe trabalhadora, submerso na teia

contraditória expressa pelo seu significado social no âmbito da sociedade burguesa.

Diferentemente do ocorrido em Cuba, que, desde os anos 1950, se atrelava aos

preceitos de um movimento revolucionário141, o Serviço Social brasileiro assumiu

notável posição contestatória à ordem monopólica e a defesa de um novo

ordenamento para as relações sociais somente no final dos anos 1970 e início dos

1980, cuja posição contra-hegemônica teve tônus com a constituição — nos idos

dos anos 1970 — e a expansão da pós-graduação na área,142 a qual exerceu

fundamental importância para a produção do conhecimento na formação de uma

massa crítica e no adensamento teórico-metodológico atrelado aos esforços de

ruptura com o conservadorismo profissional (CLOSS, 2015), além de configurar-se

como um espaço privilegiado de interlocução com as diferentes áreas do saber, sob

o qual alcançou progressiva visibilidade no campo das Ciências Sociais, culminando

no seu reconhecimento enquanto área de pesquisa junto ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e, por consequência, na

possibilidade de financiamento de pesquisas em Serviço Social (YAZBEK, 2009;

SPOSATI, 2007).

141

Como será visto no item 5.1.3. 142

Iniciou com mestrado e, somente na metade da década seguinte, registrou a criação de doutorado.

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

126

Neste espaço o Serviço Social brasileiro vem dialogando e se apropriando do debate intelectual contemporâneo no âmbito das ciências sociais do país e do exterior. Também, neste espaço, o Serviço Social brasileiro desenvolveu-se na pesquisa acerca da natureza de sua intervenção, de seus procedimentos, de sua formação, de sua história e, sobretudo, acerca da realidade social, política, econômica e cultural onde se insere como profissão na divisão social e técnica do trabalho. Avançou na compreensão do Estado capitalista, das políticas sociais, da cidadania, da democracia, do processo de trabalho, da realidade institucional e de outros tantos temas [...]. (YAZBEK, 2009, p. 152).

Segundo informações disponíveis na Plataforma Sucupira da Capes,143 a

“área de concentração Serviço Social” dispõe, atualmente, de 31 programas de pós-

-graduação144 — todos ofertam cursos de mestrados, e 15 registram também

doutorados, em sua totalidade acadêmicos —, e, desses, um programa encontra-se

em desativação145, e outro, em projeto146. Nesse quadro disposto, é fundamental

minutar a ampliação da formação pós-graduada nas últimas décadas, na medida em

que, desde os anos 1990, registra um percentual agregado de 100% no número de

programas, cujos dados para os anos 2000 estão assim expressos: em 2004,

registravam-se 18 programas; em 2007, 24; e, em 2012, 30 programas de pós-

-graduação (PRATES et al., 2012).

Além da pós-graduação, contribuíram para a legitimação dessa contra-

-hegemonia a revista “Serviço Social & Sociedade”, ininterrupta desde sua criação

em 1979, que se constitui, até hoje, em um importante espaço para socialização da

produção do conhecimento brasileira e latino-americana, e o engajamento político

das entidades da categoria (a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social

(ABESS) na época (hoje, ABEPSS) e o CFAS (atualmente, Cfess)), reconhecendo a

profissão como produto e produtora da história, os quais deram direcionamento a

instrumentos normativos e orientadores da formação (Diretrizes Curriculares) e do

exercício profissional (Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação).

Se, até os anos 1960, a organização política da categoria se mostrava

incipiente, foi, contudo, no contexto da transição democrática — cujo grande marco

143

Acessadas em 12 de janeiro de 2016. 144

Conforme os registros da Plataforma Sucupira, a área dispõe, em sua maioria, de programas de pós-graduação em Serviço Social (17 programas), seguidos de programas em Políticas Sociais ou Políticas Públicas (oito programas), de Serviço Social e Políticas Sociais (dois programas) e, ainda, de Economia Doméstica, de Serviço Social e Desenvolvimento Regional, de Serviço Social, Trabalho e Questão Social, de Serviço Social e Direitos Sociais, cada qual com um programa.

145 Trata-se do Programa em Políticas Sociais da Universidade Cruzeiro do Sul, que dispunha de mestrado acadêmico.

146 Refere-se ao Programa de Política Social e Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que, no primeiro semestre de 2016, iniciou suas atividades com mestrado acadêmico.

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

127

se insere no bojo do III CBAS, conhecido como Congresso da Virada147 por afiançar

o caráter político da profissão — que as entidades (Cfess, ABEPSS e Executiva

Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso) elementarmente)

desenvolveram ações que sustentaram a base sociopolítica de vinculação a um

projeto societário de caráter universal e democrático (RAMOS, 2005), por isso,

subjaz o requisito de “[...] entidades fortes e representativas [...]. Entidades

pluralistas, capazes de abraçar, no seu interior, diferentes correntes intelectuais e

políticas em disputa no âmbito profissional, sem abrir mão dos compromissos ético-

-políticos que dão o norte à profissão. Enfim, entidades legítimas [...]” (IAMAMOTO,

2005, p. 148).

Nessa ótica, a constituição dessa frente, que se fortaleceu pela dinâmica

coletiva e democrática dos debates, tem buscado sustentar seus posicionamentos

em torno das dimensões (a) formativa, cujo protagonismo no direcionamento teórico-

-político está sob tutela da ABEPSS148, entidade que zela pela defesa da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, assim como pela articulação

entre graduação e pós-graduação, de modo a fomentar o debate político-acadêmico

147

“Esse Congresso, a princípio, em sua organização nada sugeria de inovador e crítico quanto aos desafios da conjuntura do país, muito embora o seu tema geral fosse ‘Serviço Social e Política Social’. A exemplo disso, tinham-se como membros da comissão de honra do CBAS o presidente da República, general João Batista Figueiredo, ministros, o governador de São Paulo, Paulo Maluf, entre outros personagens da ditadura. Porém, a histórica reação do plenário expressou o novo momento e a nova proposta que as entidades da categoria preconizavam. Ao exigirem várias e significativas mudanças na condução e dinâmica dos trabalhos do CBAS, a partir da discussão sobre os equívocos e autoritarismo da Comissão Organizadora, com ampla e vibrante adesão dos assistentes sociais participantes, as entidades da categoria galgaram um patamar qualitativamente superior em termos da definição e comprometimento com os propósitos políticos que a realidade social nos demandava. A conscientização e a mobilização dos profissionais acerca da relevância da nossa presença atuante na luta dos trabalhadores e na transformação da sociedade, assim como no deciframento e potencialização da dimensão política da prática profissional, constituem o saldo de uma época. Saldo este caracterizado pelo trânsito de um Serviço Social conservador para uma profissão plural, com projetos e opções ídeo-políticas mais definidos, embora heterogêneos e, muitas vezes, conflitivos e contraditórios. Daí a importância do ato simbólico que destitui a Comissão de Honra do Congresso, que, na verdade, só nos desonrava pela presença de autoridades de regime militar. Tão significativamente quanto este gesto foi o convite a Luís Inácio da Silva — então líder do movimento dos trabalhadores do ABC Paulista — e outros representantes de organizações sindicais e do movimento popular a se fazerem presentes na mesa de encerramento do III CBAS. Essa atitude equivalia à desalienação sobre o papel político da profissão [...]” (CFESS, 1996, p. 175).

148 Entidade constituída uma década após a instalação do primeiro Curso de Serviço Social no Brasil, com a denominação ABESS, com o intuito de impulsionar avanços no processo de formação profissional, sobretudo, na constituição de traços formativos comuns às unidades formadoras. Nos anos 1980, com a consolidação da pós-graduação, incluiu, no marco do seu processo sócio- -histórico, a criação do Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social (Cedepss). Nos anos 1990, com a necessidade latente de englobar as dimensões de pesquisa e pós-graduação, a entidade teve seu nome alterado para ABEPSS, no ano de 1998 (RAMOS, 2005).

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

128

em torno dos desafios à pesquisa, à formação e ao trabalho profissional; (b)

interventiva, na qual, o Cfess149, juntamente com cada Cress, supera os clássicos

corporativismo e burocratismo do aparato político-institucional e a atribuição

precípua de fiscalização do trabalho profissional, investindo também na qualificação

teórico-política profissional, onde sobressai a militância junto a outras entidades,

segmentos e atores sociais que endossam seu compromisso com uma valoração

social assentada em princípios coletivos, democráticos e emancipatórios (CFESS,

1996); e (c) estudantil, em que a Enesso150 se revela como partícipe fundamental no

processo de organização da categoria, uma vez que aglutina os sujeitos coletivos

em formação com as lutas empreendidas pela categoria e pelo movimento conjunto

dos trabalhadores.

A organização política de uma categoria profissional é uma dimensão primordial para viabilizar a capacidade de projetar coletivamente caminhos estratégicos para a profissão. Sobre este aspecto é importante ressaltar que a categoria profissional não se constitui como um todo homogêneo, mas ao contrário é marcada por uma diversidade social, intelectual, cultural, política e econômica. (RAMOS, 2005, p. 79).

Em face dos diferentes atores envolvidos nesse processo, o Serviço Social

está longe de constituir-se como uniforme, quão intensamente revelado no seu

processo sócio-histórico, que, desde a metade da década de 50 do Século XX, vem

configurando-se num constante cenário de disputas de projetos. Hodiernamente,

entretanto, veiculado no bojo da organização política, assegura um projeto

hegemônico — vale retomar, não homogêneo —, que, no atrelamento às lutas

relativas ao conjunto dos trabalhadores, busca sustentação teórico-político para

superar a avalanche conservadora expressa, densamente, a partir do último lustro

do século XX, oriunda da configuração flexível da acumulação capitalista, que nem

149

O Cfess “[...] é uma autarquia pública federal que tem a atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional do/a assistente social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), [...] tendo nos Encontros Nacionais CFESS-CRESS, o fórum máximo de deliberação da profissão” (CFESS, s.d.). Sua criação data de 1962, quando o Decreto nº 994, de 15 de maio de 1962, aprovou a primeira Lei de Regulamentação da Profissão (Lei nº 3.252), de 27 de agosto de 1957, com a denominação CFAS e, em âmbito regional, CRAS. A denominação alterou-se com a nova regulamentação, no ano de 1993.

150 Foi no processo de abertura democrática que, em 1978, durante o Primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Serviço Social, promovido pelo Centro Acadêmico da Universidade de Londrina, o Movimento Estudantil de Serviço Social (MESS) foi reestruturado, com o intuito de debater a profissão e unificar as lutas no conjunto das sete regionais que o constituíam (e constituem até hoje). Entretanto, somente nos idos da década de 1980, foi criada a entidade nacional, inicialmente, denominada de Subsecretaria de Estudantes de Serviço Social na União Nacional de Estudantes (SESSUNE), a qual, em 1993, passou a denominar-se Enesso (RAMOS, 2005; ENESSO, 2014).

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

129

mesmo a euforia emanada na década anterior, com a consolidação da abertura

democrática e com a promulgação de uma nova Constituição, conseguiu

procrastinar. As condições tardias do Brasil implicam um extensivo reordenamento

da composição orgânica do capital, que, mormente, incidirá em transformações

sócio-históricas nas mais diversas esferas da vida social e que não deixará de

impactar a própria profissão, seja pela ascendência interna de movimentos contra-

hegemônicos, seja pela condição de trabalhador assalariado.

No conjunto de suas expressões mais difusas, essa conjuntura provocou

nefastas mutações no mundo do trabalho, promovendo não somente a flexibilização

nas condições de realização do trabalho assalariado, mas no seu estatuto

ontológico-social (ALVES, 2011). A “nova” velha materialidade do capital trouxe uma

perspicaz processualidade laboral, adequada às requisições da fase financeirizada:

a desproletarização do tradicional operário industrial e a subproletarização do

trabalhador, com a expansão do trabalho subcontratado, temporário, parcial ou

terceirizado — brilhantemente analisadas por Antunes (2011) —, resultaram nas

mais brutais transformações,

[...] sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o proletariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora (ANTUNES, 2011, p. 47, grifos do autor).

Nesse âmago de análise, os tempos hodiernos provocam o estranhamento

do trabalhador sobre si mesmo, na medida em que não somente deixa de

reconhecer-se na produção, mas porque exala a despossessão teleológica, ao ser

capitulado o sentido lato do trabalho como eixo fundante do ser social, na

perspectiva marxista151 — a forma humana, expressa pelo valor de uso, é

degradada pela coisificada, do valor de troca.

Nesse ineliminável corpus político-ideológico exercido no interior da luta de

classes, o Serviço Social brasileiro matura sua adesão à recuperação indissolúvel do

“caracol com sua concha”152. Em outras palavras: o direcionamento ideopolítico

adotado pela profissão com a intenção de ruptura não é uma simples e mecânica

151

Elementarmente, sob derivação lukacsiana. 152

Cuja referência já foi realizada no item 3.1.2 deste trabalho.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

130

adesão teórico-metodológica, mas a apreensão dessas mutações e de seus

impactos no conjunto da classe trabalhadora.

Não é demasiado afirmar que as particularidades dos condicionantes sócio-

-históricos expressos na sociedade brasileira, que, por sua vez, engrossam a luta de

classes no Brasil, conduzem à profissão a firmar compromisso ético e político com a

liberdade, a democracia, a cidadania, a justiça social, a emancipação e a refuta a

qualquer forma de discriminação e preconceito — principais princípios do Código de

Ética Profissional dos Assistentes Sociais153 —, sobre o qual se assentaram as

bases de constituição do Projeto Ético-Político Profissional no terceiro quartel dos

anos 1990.

A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona em favor da eqüidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são postas explicitamente como condições para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Em decorrência, o projeto se reclama radicalmente democrático — vista a democratização enquanto socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida (NETTO, 1999, p. 105, grifos do autor).

A disposição deontológica implica a compleição de uma nova moralidade

profissional, que conjuga, ao mesmo tempo, o enfrentamento ao dogmatismo e a

“garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas

existentes e suas expressões teóricas [...]” (CFESS, 1993, p. 3). Mesmo que

amparado numa perspectiva ética histórica e crítica (BARROCO, 2007), o Código de

Ética pressupõe a deferência ao pluralismo metodológico — assim como no Código

de Ética do Trabalho Social chileno, como se verá no próximo item — como

substrato da liberdade, da democracia e do respeito à diversidade. Ademais, mesmo

que considerando o tempo histórico e a maturação teórico-crítica profissional nos

idos da primeira metade da década de 1990, a disposição nele expressa oportuniza

aferir que a garantia do respeito não se traduz na admissão do substrato

metodológico pluralista, pois conduziria a uma consecução teórica controversa às

reafirmadas direção social e política hegemônica — produto do legado teórico de

uma única perspectiva —, veiculadas pelos construtos profissionais ao longo das

duas últimas décadas. Apesar de não abordar homogeneidade, mas hegemonia —

Netto (1999) é certeiro, ao enfatizar que a categoria é um campo de tensões e lutas,

153

Instituído pela Resolução Cfess nº 273, de 13 de março de 1993. É o quinto Código implantado desde a gênese da profissão, sendo precedido pelos de 1947, 1965, 1975 e 1986.

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

131

o que não suprime suas divergências e contradições internas —, entende-se que,

em tempos de avalanche conservadora, em que as lutas coletivas da categoria

buscam conduzir coerência aos princípios éticos e políticos circunscritos ao campo

histórico-crítico, é factível reafirmar a garantia do respeito ao pressuposto

heteronômico, porém não a sua defesa, uma vez que “abre portas” a uma

justaposição de teorias sociais e a uma diversidade teórica que pode culminar num

ariscado ecletismo, em contraposição à “[...] opção por um projeto profissional

vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem

dominação-exploração de classe, etnia e gênero” (CFESS, 1993, p. 3). Trata-se de

coerência orgânica ao projeto profissional.

Prenhe dessa nova cultura, a profissão buscou aclarar uma direção social

que colidisse tanto com a hegemonia do capital — e a expropriação da classe

trabalhadora — quanto com a (re)atualização do pensamento pós-moderno154 —

imerso e propalado na configuração do Estado, na relação entre o público e o

privado e no trato com a questão social155 — na concreção teleológica do seu dever

ser profissional.

O ethos profissional consolidado com a revisão do Código de 1986 — o qual

apresentava um conjunto de insuficiências teórico-metodológicas156 oriundas do

prevalecente “marxismo acadêmico” — afirma a perspectiva de ruptura

conservadora e a vinculação estrita da profissão com um projeto radicalmente

154

Ao problematizar a conjuntura em que o projeto profissional emancipatório está assentado, Cardoso (2013, p.196-197) evidencia, a partir de Jamenson e de Rodrigues, que, no bojo das transformações operadas nas últimas décadas, houve a retomada do pensamento pós-moderno, o qual apresenta como principais características: “[...] a análise que as relações políticas não se estabelecem mais a partir dos sujeitos políticos universais (a classe trabalhadora e os partidos políticos) com o Estado, mas que estas se dão pelos grupos particulares (mulheres, homossexuais, minorias étnicas) na luta contra um poder disperso em toda a sociedade civil; o anúncio de relações econômicas pós-industriais que não se dão mais pela produção de bens físicos, mas, sim, de serviços em uma sociedade informatizada fortemente orientada pela supervalorização da estética em detrimento da ética; a produção do conhecimento com base no paradoxal, nas diferenças e na possibilidade de integração dessas diferenças (o ecletismo), apresentando uma forte crítica ao conhecimento objetivo e ontológico sobre a realidade; a relativização dos valores, culturas e estilos estéticos, com a valorização da linguagem em que tudo pode ser integrado, aceito e justificado pelas diferenças e pela análise das particularidades em detrimento da noção de totalidade; a não existência de verdades objetivas, mas, sim, a necessária compreensão das representações dos sujeitos em relação à realidade”.

155 Cabe aqui destacar que o trato da questão social se deu sob ampla participação da sociedade civil, via retomada da “refilantropização do social”, engrossando o denominado “Terceiro Setor”. Para aprofundar o tema da “refilantropização” e o da “Terceiro Setor”, consultar, respectivamente, Yazbek (2007) e Montaño (2010).

156 Para adensar o exame das limitações do referido Código, consultar Barroco (2007).

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

132

democrático, atrelado às históricas lutas da classe trabalhadora (CFESS, 1993) e,

sobretudo, atualizado com os desafios dos novos tempos.

Sob a envergadura desse conjunto de mudanças, contemporaneizar a

regulamentação da profissão mostrou-se indefectível para o reconhecimento social

do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo e o compartilhamento da

condição de classe trabalhadora, uma vez que o significado social do seu trabalho

depende das relações com quem os contrata, implicando, portanto, a compra e a

venda da força de trabalho157 e o comparecimento do equivalente geral dinheiro158,

corporificado na medida salário159, que atesta a atividade profissional inscrita no

reino do valor na sociedade capitalista (IAMAMOTO, 2010). Aqui reside, pois, uma

questão fulcral do Serviço Social brasileiro pós Movimento de Reconceituação

e que o vai particularizar no conjunto da América Latina: é impressa e imersa na

órbita da crítica da economia política, a partir de fecundos matizes que conformam a

tradição marxista, que a profissão no Brasil capturou essas determinações e se

inseriu na trilha contraditória das relações classistas, pressupondo processos

interventivos que superem a lógica reiterada e mediocramente conservadora,

hegemonizada na profissão por 40 anos.

No seio dessas apreensões e na concretude dos interesses que selam a

sociedade capitalista, o Serviço Social deparou-se, de um lado, (a) com as

demandas e com as condições institucionais para o seu processamento, o que lhe

instituiu “autonomia relativa” (IAMAMOTO, 2005) na condução das atividades

profissionais, e, de outro, controversamente, (b) com a projeção ético-intelectiva

que ruma à superação da subordinação classista, da qual extraiu a matéria-prima do

seu trabalho profissional.

Nessa trama contraditória e do restrito reconhecimento do salto qualitativo

que a profissão aufere quando compartilha dessa filiação teórica, ganharam tônus

157

Na Teoria do Valor Trabalho, Marx (2011a) aborda a força de trabalho como a capacidade produtiva humana de realizar trabalho útil e, consecutivamente, agregar valor a outra mercadoria.

158 Utilizando-se de Shakespeare, em “Timão de Atenas”, Marx (2008) aborda dinheiro como a forma socialmente aceita do equivalente à relação de compra e venda de uma mercadoria (em que se insere a força de trabalho). É, em síntese, a representação intermediária dessa relação.

159 Para Marx (2008), o salário é a forma monetária que os trabalhadores recebem em troca da venda da sua mercadoria — força de trabalho. O montante a ele correspondente é definido de acordo com suas especificações (qualificação, jornada, turno, etc.), com a relação oferta/demanda (se o preço é alto, a mercadoria é muito procurada; se é baixo, é muito oferecida) e com a capacidade produtiva (da qual deriva o trabalho excedente e a mais-valia), principais fatores que constituem seu preço.

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

133

discussões de que “Na prática, a teoria é outra”160 ou, então, de que a profissão se

mantém no campo ideologizado. Evitando equívocos, há que se considerar que a

teoria conduz o olhar profissional no deciframento do real e do não dito, projetando

sua dimensão teleológica. Não se trata, sobretudo, de “ensinar a fazer Serviço

Social marxista” ou de um manual operativo, tão costumeiro no auge do aparato

conservador — sobre o qual, a profissão ainda carece de contínuas rupturas.

Nesse terreno de provocações, a aprovação da nova Lei de

Regulamentação161 inseriu, na agenda, o inexorável debate acerca das

particularidades do mundo do trabalho do profissional de Serviço Social e de sua

projeção reconceituada. Ao se deparar com complexas demandas no bojo das

transformações societárias, que, casuisticamente, não passaram ilesas no âmbito da

“contrarreforma do Estado” (BEHRING, 2003), exigiu-se a congregação de

atribuições privativas condizentes com as competências teórico-metodológicas e

ético-políticas que vinham sendo apregoadas na trama profissional, nos pares de

anos precedentes (e ulteriores). O elemento axial aqui predicado irrompeu no

abandono do militantismo e do messianismo, expressos por “pretérito amadorismo

teórico”, e impulsou a defesa da relativa autonomia na condução do trabalho

profissional, com amparo político das entidades162 responsáveis pelo seu zelo em

território nacional.

O projeto de ruptura formalizou a concretude nos instrumentos normativos

do trabalho profissional (Código de Ética e Lei de Regulamentação da Profissão) e

ganhou proeminência na construção de uma nova proposta de formação

profissional, que se propôs a garantir a aderência aos avanços no campo

profissional e a imperiosa formação de Assistentes Sociais alinhada à refuta de

posições (neo)conservadoras, fragmentárias e psicologizantes.

No plano da formação graduada, a revisão curricular que culminou na

elaboração das Diretrizes de 1982 teve como pano de fundo a conjuntura sócio-

-histórica da crise da ditadura, a reorganização política da sociedade civil e as

particularidades da realidade da sociedade brasileira na entrada dos anos 1980, cuja

estafa acadêmico-profissional no âmbito do Serviço Social conduzia a um

160

Cuja problematização é, didaticamente, realizada em Santos (2011). 161

A Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, que dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências, atualizou a regulamentação de 1957, realizada pela Lei nº 3252.

162 Sobre as atribuições do Conselho Federal de Serviço Social e dos Conselhos Regionais de Serviço Social, consultar a Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social (BRASIL, 1993).

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

134

redirecionamento da formação coadunado com as aviltadas relações de classe

(ABESS, 1996). A revisão de 1996, por sua vez, estava amparada pela apropriação

teórico-metodológica em suas fontes originais, pela pretérita incorporação ético-

-política no Código de Ética de 1993 e pelo abandono de rastros a-históricos na Lei

de Regulamentação, quando concebeu a profissão como especialização do trabalho

coletivo, produto e produtora da história, superando a concepção tradicional de

evolução da caridade.

Nota-se, com isso, que o salto qualitativo proposto com a última revisão

curricular coroou a superação da apropriação mecanicista do método marxiano na

apreensão do movimento histórico-concreto da realidade social e inaugurou a

questão social como eixo fundante do currículo, uma vez que é no interior do

processo de reprodução das relações entre capital e trabalho que se funda a base

histórico-social do Serviço Social. A questão social, particularizada nas dimensões

histórico-concretas da formação social brasileira, assumiu caráter de objeto

profissional, com densos e rigorosos tratamentos teórico, histórico e metodológico,

sob os quais erodiu com os traços formalistas, politicistas e pragmatistas assumidos

em outros projetos formativos (ABESS, 1996).

Para dar conta dessa complexidade, a formação profissional precisa garantir o desenvolvimento de um conjunto de novas competências teórico- -instrumentais e ético-políticas que, somadas ao acúmulo proporcionado pela maturidade acadêmico-profissional e político-administrativa da profissão, assegura tanto inteligibilidade às transformações sociais que moldam a sociedade contemporânea quanto vinculação da ação profissional às necessidades e processos sociais [...]. (KOIKE, 1999, p. 106).

Calcada numa lógica totalizante e no abandono da hierarquização entre os

eixos constitutivos da formação, as diretrizes subjazem à conformação formativa do

arcabouço teórico-prático e ético-político do Serviço Social, sob a ótica da

(re)produção das relações sociais, irradiadas pela apropriação da teoria marxiana (e

do método) e pela apreensão histórico-crítica do Serviço Social.

Não obstante isso, a consolidação do Projeto Profissional crítico e coletivo

não se guiou “pelas normalidades ou homogeneidades, e sim pelas

heterogeneidades, discrepâncias e desigualdades”, dedicando-se a “[...] desvendar

os invisíveis, os sem-voz, sem-teto, sem cidadania” (SPOSATI, 2007, p. 4), imersa

numa trama contraditória em que as políticas monetaristas e de ajuste fiscal se

estendiam (e ainda se estendem) à sociedade brasileira, ocasionando impactos

deletérios e injunções de diferentes ordens, conforme assinalam, com números,

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

135

Behring e Boschetti (2008): em 2003, 1% da população apropriava-se da mesma

soma de 86,6 milhões de pessoas, o que equivalia a quase 50% dos brasileiros;

31,7% da população eram considerados pobres, e 12,9%, indigentes; a

informalidade também se mantinha em alta, com um índice de 45,5%; 11,6% dos

brasileiros com 15 anos ou mais eram analfabetos; 41,8 milhões de pessoas (28,5%

da população) não tinham acesso simultâneo aos serviços de água, de esgoto e

coleta de lixo; e, entre 1995 e 2003, o desemprego aumentou de 6,2% para 10%.

No alvorecer do novo século, não eram diminutos os indicadores

expropriantes expressos pelas desigualdades de renda, pela homofobia, pela

concentração territorial, pela intolerância étnica e religiosa, pela violência ou pela

desmobilização política. Ao contrário, tendiam a se tornar cada vez mais polarizados

por posições mesquinhas, individualistas e egoístas, como refluxo do reordenamento

da órbita do capital.

No bojo dos contraditórios processos sociais da ofensiva capitalista

dispostos, póstumos ao efêmero sucesso do Plano Real163, a profissão foi desafiada

a fortalecer a direção sociopolítica desse projeto, que, apesar de profissional, não

é meramente corporativo, “[...] porque é histórico e dotado de caráter ético-

-político, que eleva esse projeto a uma dimensão de universalidade” (IAMAMOTO,

2010, p. 227, grifos do autor).

Ademais, pela resistência e pela reafirmação do movimento crítico no

corpus profissional, mantiveram-se ativas a luta hegemônica e a partilha

teleológica de um momento catártico, tácitas e necessárias à filiação

anticonservadora e desatrelada de uma pseudoneutralidade profissional,

realidade que não ocorreu no país andino latino-americano, como se observa na

sequência.

163

O programa teve como objetivo principal controlar a hiperinflação que assolava a economia brasileira em 1993-94 e, consecutivamente, reduzia o poder de compra da população e tratava-se de uma série de reformas econômicas e monetárias (dentre as quais, a transição da moeda de cruzeiro para real) promovida por Fernando Henrique Cardoso quando ainda estava na condição de Ministro da Fazenda e implementada na condição de presidente eleito.

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

136

5.1.2 Chile, com sua enceta neoliberal e os reflexos no Trabalho Social

“Santiago, 11 de setembro de 1973.

Tendo presente:

1º A gravíssima crise econômica, social

e moral que está destruindo o país;

2º A incapacidade do Governo em

adotar medidas que permitam deter o

desenvolvimento da situação;

3º O constante aumento dos grupos

armados militares, organizados e

treinados pelos partidos políticos da

Unidade Popular que conduzirão o povo

do Chile a uma inevitável guerra civil,

as Forças Armadas e Policiais do Chile

declaram:

1º Que o Presidente da República deve

realizar a imediata entrega de seu cargo

às Forças Armadas e Policias do Chile;

2º Que as Forças Armadas e os Policiais

do Chile estão unidos para iniciar a

histórica e responsável missão de lutar

pela Pátria de domínio marxista e

restaurar a ordem e a institucionalidade;

3º Os trabalhadores do Chile podem estar

seguros de que as conquistas

econômicas e sociais alcançadas até este

momento não sofrerão mudanças

elementares [...].”

Augusto Pinochet (grifos nossos)164

164

No original: “Santiago, 11 de Septiembre de 1973. Teniendo presente: 1º La gravísima crisis económica, social y moral que está destruyendo el país;

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

137

Os condicionantes histórico-sociais do Trabalho Social no país andino, pós o

Movimento de Reconceituação latino-americano, tiveram suas peculiaridades

figuradas em face dos processos político-econômicos que inauguraram uma

condição revolucionária (burguesa) no modo de produção capitalista. Mesmo que o

Chile carregue o “título” de pioneiro do Serviço Social e/ou do Trabalho Social na

América Latina e seja protagonista do Movimento de Reconceituação, juntamente

com o Brasil, na segunda metade do século XX, a conformação dos fundamentos da

profissão, pós-movimento contestatório, foi lapidada por uma conjuntura nada

factível ao intento crítico.

É inegável que o Chile, na segunda metade do século passado, estava em

processo de consolidação de novos setores e/ou estruturas produtivas industriais,

com consecutiva substituição das importações, cujas características conjunturais

fazem menção a inúmeros países da América Latina, uma vez que eram

constitutivas das estratégias estadunidenses de financiamento a setores específicos,

em nome do “progresso latino-americano”165 — a denominada “Aliança para o

Progresso”.

No campo profissional, as ações voltadas ao desenvolvimento econômico

assinalavam solo fértil à expansão dos espaços laborais para o Trabalho Social, com

a criação de instituições voltadas a esse estímulo, dentre as quais, o Serviço

Nacional de Saúde (SNS), instituído em 1952, é exemplo clássico de manutenção

das intervenções médico-sociais expressas desde a gênese da profissão no país.

Em face dessa tendência e da indicativa ampliação formativa, que incitavam a

necessária regulação da formação e das condições de trabalho dos profissionais,

criou-se o Colégio de Assistentes Sociais166, em substituição ao trabalho realizado

2º La incapacidad del Gobierno para adoptar las medidas que permitan detener el proceso y desarrollo del caso; 3º El constante incremento de los grupos armados paramilitares, organizados y entrenados por los partidos políticos de la Unidad Popular que llevarán al pueblo de Chile a una inevitable guerra civil, las Fuerzas Armadas y Carabineros de Chile declaran: 1º Que el señor Presidente de la República debe proceder a la inmediata entrega de su alto cargo a las Fuerzas Armadas y Carabineros de Chile; 2º Que las Fuerzas Armadas y el Cuerpo de Carabineros de Chile están unidos, para iniciar la histórica y responsable misión de luchar por la Patria del yugo marxista, y la restauración del orden y de la institucionalidad; 3º Los trabajadores de Chile pueden tener la seguridad de que las conquistas económicas y sociales que han alcanzado hasta la fecha no sufrirán modificaciones en lo fundamental […]”.

165 Maiores informações sobre a América Latina podem ser obtidas no Capítulo 3 deste trabalho.

166 No original: “Colegio de Asistentes Sociales”, entidade criada pela Lei nº 11.934, de 11 de outubro de 1955.

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

138

pela Federação Nacional de Visitadoras Sociais e Assistentes Sociais do Chile167

(SARACOSTTI SCHWARTZMAN et al., 2014), no qual, o caráter obrigatório da

inscrição para o exercício legal da profissão outorgava à entidade posição política,

“[...] cuja principal preocupação foi mudar oficialmente a denominação de visitadora

social para assistente social”168 (GÓMEZ MICHEA, 1998, p. 22, tradução nossa).

Inspirado na conjuntura sociopolítica da época e no movimento global de

questionamento latino-americano das práticas metodologistas e tradicionais, o

Trabalho Social no Chile ganhou concretude contestatória e congruência com as

reformas universitárias e as mudanças imperadas na sociedade chilena. Nessa

ótica, evidenciaram-se significativas mudanças no âmbito formativo, sobretudo no

que se refere à filiação político-ideológica — em aderência às tendências expressas

pelo Movimento de Reconceituação, sob as quais, tomou magnitude nos motes

problematizados durante o IV Seminário Regional Latino-Americano169, em 1969, na

Cidade de Concepción, no Chile —, e, nessa inspiração, na assunção do termo

“Trabalhadores Sociais”, “[...] por sua relação orgânica, postulada como necessária,

com os trabalhadores, como expressão de classe na relação capital e trabalho.

Assim, assumiam sua vinculação com os setores sociais e populares e o

compromisso político como parte identitária inerente a profissão”170 (DIAZ;

ESTERIO, s.d., p. 38, tradução nossa).

Sobretudo, a mudança terminológica implicou a indagação sobre o próprio

trabalho profissional realizado até esses idos, uma vez que a pseudoneutralidade já

não correspondia aos germinativos pressupostos valorativos, ontológicos e

axiológicos da profissão na América Latina. “O processo vivido pelo Trabalho Social

nesse período incorpora uma nova postura político-ideológica, questiona o princípio

da neutralidade do conhecimento, introduz um marco conceitual marxista e interpõe

167

No original: “Federación Nacional de Agrupaciones de Visitadoras Sociales y Asistentes Sociales de Chile”.

168 No original: “[…] cuya principal preocupación fue cambiar oficialmente, la denominación de visitadora social por la asistente social” (GÓMEZ MICHEA, 1998, p. 22).

169 A sistematização desse evento encontra-se no Quadro 3 da presente tese.

170 No original: “[…] por su relación orgánica postulada como necesaria con los trabajadores como expresión de clase en la relación capital y trabajo. Así participaban de su vinculación con los sectores sociales y populares y se asumía el compromiso político muchas veces como parte identitária inherente a la profesión” (DIAZ; ESTERIO, s.d., p. 38).

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

139

novos campos de intervenção profissional”171 (QUESADA, 1995, p. 10, tradução

nossa).

Favorável a esse espectro estava a conjuntura política chilena, porque, no

país andino, de modo particular, não só pulsavam os princípios da Revolução

Cubana, como se inaugurava, nos anos 1970, a posse de um presidente, eleito

democraticamente, pertencente a uma coligação de esquerda — a Unidade Popular

(UP)172. O projeto de Salvador Allende173 manifestava uma clara defesa dos

interesses da classe trabalhadora, da reforma agrária e do nacionalismo, com o fito

de, progressivamente, transformar o Chile num país socialista. Diferentemente de

Cuba, que fez o movimento pela via armada,174 Allende e a Unidade Popular

acastelavam “a via chilena para o socialismo”, para o que a democracia era o

pressuposto fulcral para evitar ditaduras militares175 e conflitos inerentes às

revoluções burguesas.

171

No original: “El proceso vivido por el Trabajo Social en este período incorpora una nueva postura política-ideológica, cuestiona el principio de la neutralidad del conocimiento, introduce un marco conceptual materialista, [y] indaga nuevos campos de acción profesional” (QUESADA, 1995, p. 10).

172 A Unidade Popular foi uma coalização partidária de esquerda constituída para a eleição presidencial de 1970, anti-imperialista e antioligárquica, composta por diferentes partidos chilenos de esquerda, como o Partido Comunista, o Partido Socialista, o Movimento de Ação Popular e o Partido Radical.

173 Salvador Allende Gossens, “o Allende”, nascido em 26 de junho de 1908, foi fundador do Partido Socialista Chileno (PSC) em 1933. De família notória no país, pelos cargos públicos ocupados pelo pai, a aproximação de Allende com o marxismo ocorreu no período acadêmico, em que foi líder estudantil. Após se graduar em Medicina pela Universidade do Chile, o militante político assumiu o Ministério da Saúde chileno entre 1939 e 1942 e, a partir da segunda metade da década de 40, envolveu-se diretamente com a política partidária, sendo eleito senador (cargo no qual se manteve por, aproximadamente, 20 anos) e presidente.

174 Conforme será visto no item 5.1.3.

175 A qualificação da natureza da ditadura que Allende se propôs a evitar resulta dos fundamentos marxianos de que a ditadura é, sim, necessária — porém a do proletariado — para impedir movimentos contrarrevolucionários. Ao dilapidar a Comuna de Paris como a primeira ditadura do proletariado para Marx, Engels, na introdução do vigésimo aniversário da Comuna, é categórico: “Finalmente, em 28 de janeiro de 1971, a faminta Paris capitulou. Porém, com honras até então inéditas na história das guerras. As fortalezas foram rendidas, as muralhas externas desarmadas, as armas dos Regimentos de Linha e da Guarda Móvel entregues, os próprios soldados considerados prisioneiros de guerra. Mas a Guarda Nacional conservou consigo suas armas e canhões e apenas cumpriu o armistício firmado com os vencedores. E estes mesmos não ousaram entrar triunfalmente em Paris. Eles só ousaram ocupar uma borda muito pequena de Paris, que além do mais consistia, em sua maior parte, de parques públicos, e isso por uns poucos dias! E durante esse tempo, aqueles que por 131 dias haviam mantido seu cerco à capital foram eles mesmos cercados pelos trabalhadores armados de Paris, a vigiar atentamente para que nenhum ‘prussiano’ pudesse ultrapassar os estreitos limites daquela borda cedida aos conquistadores estrangeiros. Tal era o respeito que os trabalhadores de Paris inspiravam naquele exército diante do qual todos os exércitos do Império haviam deposto suas armas; e os aristocratas rurais prussianos, que lá estavam para fazer vingança no centro da revolução, foram obrigados a pôr-se em pé respeitosamente e saudar justamente essa revolução armada!” (ENGELS, 1891 apud MARX, 2011b, p. 191).

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

140

Dando continuidade a projetos iniciados pelo presidente anterior, Eduardo

Frei (1964-70), a política econômica de Allende centrou-se na expropriação de

terras, na nacionalização do cobre e na estatização das mineradoras, muitas de

propriedade norte-americana, com o fito de aumentar o salário mínimo e ampliar o

gasto público com políticas voltadas à classe trabalhadora. A expansão da produção

industrial saltou quantitativamente ainda no primeiro ano de mandato do presidente

socialista, com uma cifra que remonta a 12% (DAVIS, 1990).

Nesses condutos, externo — de mutação ideológica chilena — e interno —

de adesão teórico-metodológica —, o Trabalho Social conduziu-se a uma crescente

politização profissional, sob a qual, a análise crítica acerca das realidades sociais

chilena e latino-americana tornava-se preponderante para um labor atrelado ao

novos tempos profissionais.

[...] pode-se dizer que o Trabalho Social, nesse período, buscou estar em consonância com as mudanças que se forjavam no contexto sociopolítico da época, orientando sua intervenção para a transformação social, essencialmente entre os anos 1970 e 1973, quando governou a Unidade Popular com Salvador Allende. Por isso, a profissão propôs-se a eliminar os vestígios assistencialistas e filantrópicos que caracterizaram a profissão durante décadas […].

176 (SARACOSTTI SCHWARTZMAN et al., 2014,

p. 76, tradução nossa).

Entretanto, os tempos áureos começaram a apresentar sinais contra-

-hegemônicos, quando, organicamente à Lei Geral de Acumulação Capitalista, a

procura superior à oferta desencadeou um processo inflacionário sem precedentes,

o que elevou o índice dos preços em mais de 140% e exigiu estratégias de controle

dos preços, a começar pela restrição das importações. A medida dilatou a

insegurança do mercado, cujas consequências imediatas foram a escassez de

divisas e as dificuldades na aquisição de empréstimos com organismos

internacionais.

Em uma latente crise, o “governo socialista” assistiu à queda do PIB, ao

descontrole da inflação e das estratégias utilizadas, que se associaram às

manifestações recrudescidas, a greves e à crescente polarização chilena, que se

tornaram solo fértil à reprodução tática estadunidense de golpe militar, nesse

momento, no Chile, em 11 de setembro de 1973 — “o 11 de setembro chileno”.

176

No original: “[...] puede decirse que el Trabajo Social de estos años buscó estar en congruencia con los cambios que se forjaron en el contexto sociopolítico de la época, orientando así su quehacer hacia la transformación social, especialmente entre los años 1970-1973, en los que gobernó la Unidad Popular con Salvador Allende. Por lo mismo, la profesión quiso eliminar todo vestigio del fundamento asistencialista y filantrópico que caracterizó durante décadas a la profesión […]” (SARACOSTTI SCHWARTZMAN et al., 2014, p. 76).

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

141

O pronunciamento do General Augusto Pinochet177, transcrito na epígrafe

deste item, além de declarar a suspensão de um dos regimes democráticos mais

duradouros da América Latina, indica o teor do recrudescimento de um dos golpes

também mais perduráveis na região, com extensivos 17 anos, que buscou não

somente sucumbir o protagonismo da aliança popular e a retomada dos

pressupostos de uma organização societária assentada em uma valoração distinta

daquela que a sociedade chilena experimentava, mas também reinstituir a tradição

livre-cambista geneticamente mais adensada do período republicano.

Assim como ocorrido nos demais países latino-americanos, a ditadura militar

chilena foi instaurada sob zelo estadunidense, num contexto em que se tornava

improtelável — para o ditador — o combate às ameaças expansionistas comunistas,

em plena Guerra Fria. Ao instituir o golpe, Pinochet interrompeu a política de Allende

e inaugurou um conjunto de reformas liberais com o objetivo de controlar a inflação e

estabilizar os preços, cuja via conduziu ao mercado mais autonomia na regulação

econômica do país. Referendado na Escola de Chicago178, fundamentalmente na

política monetarista de Milton Friedman, o projeto econômico de Pinochet opôs-se

ao keynesianismo — em que o Estado é agente indispensável no controle e na

regulação da economia — e, veementemente, vislumbrou no livre mercado um

“sistema perfeito” à realidade chilena. O laissez-faire, como símbolo do liberalismo

econômico, imediatamente resultou em medidas de redução da participação do setor

público na economia — cujo gasto público representava cerca de 12% do PIB à

época — e em privatizações dos segmentos estatizados por Allende.

A “revolução liberal” imposta pelas Forças Armadas e seus assessores civis desde 1973 constituiu, assim, em grande medida, uma revolução restauradora, modernizante em sua conexão externa, porém anti-historicista em sua conexão interna. Diante disso, seu efeito foi introduzir uma dramática ruptura histórica, ainda que coerente em curto prazo (neoliberalismo) e de consequências imprescindíveis em longo prazo.

179

(SALAZAR, 2014, p. 25, tradução nossa, grifos do autor).

177

Conterrâneo de Salvador Allende, Augusto José Ramón Pinochet Ugarte, o “General Augusto Pinochet”, nasceu em 25 de novembro de 1915, na Cidade Valparaíso. Oriundo de família militar, Pinochet entrou para a Academia Militar aos 18 anos e, após se graduar em 1937, seguiu a carreira na área, tornando-se chefe-general do Exército em 1972, um ano antes da instituição do golpe militar no Chile.

178 Os denominados “Chicago Boys”.

179 No original: “A ‘revolución liberal’ impuesta por las Fuerzas Armadas y sus asesores civiles desde 1973 constituyó, pues, en gran medida, una revolución restauradora, modernizante en su conexión externa, pero antihistoricista en su conexión interna. Por donde su efecto global fue introducir una ruptura histórica de dramáticos aunque coherentes en el corto plazo (neoliberalismo), y de consecuencias impredecibles para el largo plazo” (SALAZAR, 2014, p. 25, grifos do autor).

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

142

A enceta neoliberal chilena, introduzida militarmente em 1973, referendada

constitucionalmente em 1980, economicamente em 1984 e politicamente em 1990

(SALAZAR, 2014) — o título de primeiro país a instituir a doutrina neoliberal é ao

país arrogado — não deixou ileso o Trabalho Social, elementarmente, em suas

características reconceituadas. A doutrina da “Segurança Nacional” — instaurada

também no Brasil, ainda em 1964 — restringiu os espaços de inserção

sociocupacional e levou ao consecutivo desemprego em massa dos Trabalhadores

Sociais, em face da redução do gasto público praticado por Allende; perseguiu e

exilou os profissionais que se destacavam pela militância política (de esquerda) na

profissão, desde a instauração do Movimento de Reconceituação; interveio nas

Escolas de Trabalho Social, seja na reestruturação curricular via exclusão de

qualquer referência ao marxismo ou materiais de base teórico-crítica, seja no seu

fechamento,180 temporário e/ou definitivo; instaurou uma nova lei para a educação

superior, que, além de instituir a formação em Trabalho Social não exclusiva às

universidades,181 afetou diretamente a liderança política exercida pelo Colégio de

Assistentes Sociais, por cessar a obrigatoriedade de registro profissional para o

exercício profissional (AYLZVIN DE BARROS, 1998b; OVALLE MARIO; QUIROZ

NEIRA, 1998; QUIROZ NEIRA, 1998; DIAZ; ESTERIO, s.d.).

Essa reforma alterou significativamente a fisionomia da educação superior

no Chile e, não diferentemente, do Trabalho Social, na medida em que engendrou a

180

“A ditadura implementa sua política de repressão ao inimigo interno e dedica esforços para neutralizar os focos de rebelião e insurreição nas universidades. Em particular, aquelas escolas de Ciências Sociais que haviam desenvolvido atividades voltadas ao desenvolvimento social do país no programa de governo de Salvador Allende. Destacam-se as escolas de Trabalho Social. A elas dirigem-se ações repressivas. Essas escolas haviam desenvolvido múltiplos projetos com a população, campesinos e sindicatos de trabalhadores e interviam de diferentes formas nos novos campos de participação no processo de transformação social, impulsionados pelo governo da Unidade Popular.” (DIAZ; ESTERIO, s.d., p. 38, tradução nossa). No original: “La dictadura implementa su política de represión del enemigo interno y dedica particular esfuerzo a neutralizar los focos de rebelión e insurrección en las universidades. En particular, de aquellas escuelas de las ciencias sociales, que habían desarrollado una especial actividad de involucramiento en el desarrollo social del país, dentro de las propuestas del gobierno de Salvador Allende. Destacan las Escuelas de Trabajo Social. Hacia ellas entonces se dirigen las acciones represivas. Estas Escuelas habían desarrollado múltiples proyectos de vinculación con pobladores, campesinos y sindicatos obreros e intervenían bajo diferentes modalidades en los nuevos campos de participación en el proceso de transformación social, impulsados desde el gobierno de la Unidad Popular.” (DIAZ; ESTERIO, s.d., p. 38). Exemplo episódico é o fechamento da Escola de Trabalho Social da Universidade do Chile, em Santiago, que era herdeira da escola pioneira na formação, na América Latina, a Escola Alejandro Del Río, fusão que ocorreu em janeiro de 1971 (GÓMEZ MICHEA, 1998; QUIROZ NEIRA, 1998). Curiosamente, a referida escola retomou suas atividades somente em 2015, e outras, como a de Arica e a de Osorno, nunca retomaram suas atividades formativas.

181 A aprovação de “nível superior” das Escolas de Trabalho Social datava de 5 de dezembro de 1950.

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

143

(a) expansão desenfreada de instituições num curto espaço de tempo, pois passou a

ofertar a formação na área em Centros de Formação Técnica182 (CFTs) e Institutos

Profissionais183 (IPs), cuja ênfase formativa centrou-se em aspectos administrativos,

tecnocráticos e assistenciais da profissão; o (b) incentivo à ampliação do ensino

privado; e o (c) aumento indiscriminado das matrículas em diferentes modalidades

de ensino (universitário e técnico), que dimanou a proliferação e a diferenciação dos

títulos de Assistente Social — ofertado nos CFTs e nos IPs — e Trabalhador(a)

Social — dado em âmbito universitário (SARACOSTTI SCHWARTZMAN et al., 2014;

GONZÁLEZ MOYA; MORALES AGUILERA, 2013).

Mais do que uma distinção terminológica, o movimento representava aos

setores mais progressivos da categoria um concludente retrocesso da trajetória

sócio-histórica profissional, uma vez que, enquanto o Trabalho Social chileno

problematizava se sua formação era universitária ou técnica, o Serviço Social

brasileiro, que tivera registros de sua gênese uma década antes, nesse período,

despontou com os programas de pós-graduações na área. Sobretudo, há que se

considerar que o país com maiores dimensões geográficas da região já apontava a

reinstituição democrática e tracejava discussões que concretavam a organicidade

entre seus “fundamentos científicos e estatuto profissional” (NETTO, 2001a), no

âmbito da divisão social e técnica do trabalho.

Esses fatores, associados às “[...] políticas de ajuste que levaram à redução

do Estado e de seus serviços, à crescente privatização, à redução de direitos

conquistados em décadas anteriores pelos movimentos sociais (reforma agrária,

sindicalismo, leis sociais, dentre outros)” 184 (REBOLLEDO, 2014, p. 218, tradução

nossa), à mercantilização de serviços de saúde, educação e Previdência Social e à

focalização em segmentos mais vulneráveis — Pinochet havia pronunciado,

sarcasticamente, que o fundamental não seria modificado —, relegaram ao Trabalho

Social selo particular de um agente técnico assistencial, desideologizado da vertente

crítica sustentada pelo Movimento de Reconceituação. Mais que um isolamento

político-ideológico, o Trabalho Social chileno retrocedeu a uma quase nula

disposição bibliográfica — cujo intercâmbio bibliográfico foi experimentado

182

No original: “Centros de Formación Técnica”. 183

No original: “Institutos Profesionales”. 184

No original: “[...] políticas de ajuste que llevaron a la reducción del Estado y sus servicios, la privatización creciente, la disminuición de derechos ganados por los movimientos sociales en periodos anteriores (reforma agraria, sindicalismo, leyes sociales, entre otros)” (REBOLLEDO, 2014, p. 218).

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

144

regionalmente, no auge do movimento de questionamento do “Trabalho Social

Tradicional” —, sob a qual, montou, exclusivamente, com um único instrumento

especializado da profissão no país, apesar de, metodologicamente, tecnocrático, a

Revista de Trabalho Social,185 pertencente à Escola de Trabalho Social da Pontifícia

Universidade Católica do Chile — cujos registros adjudicam o atributo de primeiro

curso católico da região latino-americana.

Se, até os idos de 1973, o Trabalho Social chileno apresentava tácita crise

interna com os questionamentos apresentados pelo movimento latino-americano,

entre 1973 e 1990, essas indagações ficaram em suspenso, na medida em que as

novas contingências sociopolíticas capitularam a dimensão política que adquirira

ímpeto nos anos anteriores pela “mera defesa de sobrevivência profissional”,

provocando um processo de involução da profissão,186 porque

[...] detêm-se abruptamente os processos iniciados em anos anteriores, com o fechamento das escolas, expulsão de profissionais e acadêmicos e restrições no número de ingressantes. Redesenham-se os currículos, incluindo redefinições de objetivos, objeto e metodologias profissionais, com o intuito de uma formação tecnológica, cuja característica central é a desideologização da prática social [...]. No trabalho profissional, adota-se uma ênfase paternalista e assistencialista, priorizando a atenção individual em detrimento da atenção grupal e comunitária

187 (SALAMÉ COULON;

CASTAÑEDA MENESES, 2009, p. 3, tradução nossa, grifos nossos).

A outorga ao Trabalho Social do status de “[...] uma tecnologia social e [que]

como tal recorre aos conhecimentos das ciências sociais, a qual instrumentaliza em

face dos interesses de sua intervenção”188 (AYLZVIN DE BARROS, 1998a, p. 52),

corresponde a características profissionais em fina sintonia com a quadra histórica e

as contradições, internas e externas, em processo. Os influxos da história,

nitidamente, fomentaram retilíneas concepções profissionais atreladas ao perfil de

185

Com o retorno democrático, a Revista constituiu-se em instrumento fundamental à produção do conhecimento na área, com a sistematização compilatória dos materiais publicados, os quais, a partir de 1991, originaram a publicação de inúmeros livros.

186 Em análise realizada sobre a realidade do Trabalho Social nos anos de ditadura militar, Diaz e Esterio (s.d.) evidenciam que houve certa atitude complacente tanto por parte das escolas quanto pelo Colégio Nacional de Assistentes Sociais do Chile, os quais, por ação ou omissão, contribuíram para o que se denomina de deterioração do Trabalho Social no Chile.

187 No original: “[…] se detienen abruptamente los procesos iniciados en la etapa anterior, con el cierre de escuelas, expulsión de profesionales y alumnado y limitaciones en el número de vacantes. Se rediseñan los curriculum, incluyendo redefiniciones de los objetivos, objeto y metodologías profesionales, planteando una formación tecnológica, cuya característica central es la desideologización de la práctica social […]. En el ejercicio profesional, se asigna un énfasis paternalista y asistencialista, priorizando la atención individual en desmedro de la atención grupal y comunitaria” (SALAMÉ COULON; CASTAÑEDA MENESES, 2009, p. 3, grifos nossos).

188 No original: “[…] una tecnología social y [que] como tal recurre a los conocimientos de las ciencias sociales que instrumentaliza en función de los intereses de sus acción” (AYLZVIN DE BARROS, 1998a, p. 52).

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

145

Trabalhador Social requisitado à época, cuja distinção entre teoria e prática

expressava a fulgente refuta das construções teórico-metodológicas reconceituadas

e indicava a retomada de elementos do tradicionalismo profissional no corpus

chileno, eminentemente reveladas pelo imediatismo, mecanicismo e gestão

administrativa de recursos e políticas.

Dimanado como mecanismo estratégico daquilo que Iamamoto e Carvalho

(2008, p. 96) definem como “reforço dos mecanismos do poder econômico, político e

ideológico” ou como veículo indispensável ao desenvolvimento e à manutenção das

mudanças políticas (SARACOSTTI SCHWARTZMAN et al., 2014), o Trabalho Social

chileno, nos tempos obscuros instalados pelo 11 de setembro chileno, esmoreceu

a resistência fervilhada no auge do processo reconceituador.

Torna-se inconteste, nesse cenário, que a ditadura chilena deixou um legado

de (a) severas violações aos direitos humanos189; de (b) um modelo político-

-econômico neoliberal, que aumentou o poder dos capitalistas e da direita, em

detrimento dos movimentos de trabalhadores e de esquerda; (c) de captura por

diversos países do modelo, que ocorreu sem os elevados custos sociais e políticos

chilenos (DRAKE, 2014); e, no Trabalho Social, (d) quase duas décadas de

incontáveis retrocessos com a reinstituição tecnicista de uma profissão que

assentava seus fundamentos profissionais numa ossatura interlocutora crítica e não

mais, exclusivamente, receptora passiva das “Ciências Sociais”.

Nessa “nervura” histórica, foi, sobretudo, o plebiscito realizado poucos anos

antes do término da última década do século XX que principiou sinais de mudanças

nos cenários político, econômico, social e cultural chilenos e, de modo particular, no

Trabalho Social: a eleição de Patrício Aylwin190 (1990) e a consecutiva reabertura do

ciclo democrático perfilharam a possibilidade de uma nova angulação profissional,

na medida em que, na contraface das impostações do golpe, a retomada dos

fundamentos ontológicos e axiológicos adquiriram tônus factível e improtelável, uma

vez que, política e academicamente, a profissão havia de resgatar qual era o seu

sentido de ser e existir no âmbito da divisão social e técnica do trabalho.

Mas quais seriam as particularidades dessa profissão nessa nova quadra

política? Haveria corpus profissional para a constituição hegemônica de uma

189

Cujas expressões podem ser visualizadas no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, na Cidade de Santiago, onde se encontra um amplo arquivo impresso, televisivo e auditivo dos longos 17 anos de ditadura militar chilena.

190 Primeiro presidente eleito democraticamente após a transição para a democracia burguesa.

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

146

concepção de Trabalho Social e de seu objeto profissional? Quiçá, de um projeto

profissional assentado em bases emancipatórias? Com mais perguntas que

respostas, é indispensável elucidar que, enquanto o Brasil sustentou as bases

ideopolíticas do projeto ético e político hegemônico, o Chile adentrou os anos 90 e

reverberou a polarização conceitual do significado social do Trabalho Social na

esteira da fase monopólica, com um contestável divórcio entre o campo acadêmico e

o profissional, apresentando “[...] os Trabalhadores Sociais que optam por uma

concepção de Trabalho Social centrado na prática, diferenciando-se daqueles que

defendem a ênfase profissional do aparato teórico, que, por sua vez, também estão

substancialmente distantes das práticas”191 (OVALLE MARIO; QUIROZ NEIRA,

1998, p. 164, tradução nossa).

No feixe dessas questões prementes, enquanto o Serviço Social brasileiro

reagiu às manifestações conservadoras veiculadas no corpus profissional na

engendrada transição democrática, o Trabalho Social chileno denegou a experiência

allendista e manteve-se refém dos impactos herdados durante os anos de

intervenção militar, quando se tornou instrumento indispensável para a manutenção

das transformações políticas e, consecutivamente, econômicas da transição

democrática, que em nada alteraram a dinâmica (de livre mercado) implantada nos

anos anteriores. A “sombra de Pinochet” não parece estar relegada ao passado

recente, pois suas incidências ideopolíticas continuam procrastinando a profissão,

ao passo que adentram os anos 1990 com evidentes divergências quanto àquilo que

particulariza a profissão nesse lastro histórico e, sobretudo, elucidam tácita e

obscura (in)definição acerca do seu objeto.

A heterogeneidade conceitual acerca do objeto profissional é conduzida pela

pulverização e pela inconsistência teórico-metodológica, na medida em que não

apreendem a base de fundação da profissão a partir da gênese comum e

contraditória das refrações sociais, mas pelas singularidades expressas no vasto

campo interventivo. Se, por um lado, o objeto varia conforme a área de inserção

profissional, de outro, povoa o trato individualizante na ótica dos problemas

191

No original: “[...] los Trabajadores Sociales que optan por una concepción del Trabajo Social centrado en la práctica, diferenciándose de aquellos que ponen el énfasis en sus búsquedas teóricas, que a menudo también están alejados sustancialmente de las prácticas” (OVALLE MARIO; QUIROZ NEIRA, 1998, p. 164).

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

147

sociais,192 que alimentam uma cultura profissional tendenciada à naturalização

societária das desigualdades sociais.

O objeto de trabalho ou objetivos de trabalho são construções teórico- -práticas e produtos de processos sociais particulares. Dizemos objetos de trabalho porque os atores sociais expressam distintas problemáticas. Essas problemáticas são expressões de necessidades sociais que têm conotações ontológicas e antropológicas. O conjunto dessas diversas problemáticas, desse modo, constitui o objeto de trabalho profissional.

193 (OVALLE MARIO;

QUIROZ NEIRA, 1998, p. 164-165, tradução nossa).

Nessa cena, a multiplicidade de objetos coadunou com correspondentes

intervenções ecléticas, que se revelaram desnudas de um alinhamento teórico-

-metodológico e, quiçá, das necessárias mediações na superação da forma

fenomênica das imediatas demandas dirigidas ao Trabalhador Social no bojo dos

processos de trabalho, elemento fulcral para constituir-se matéria-prima profissional,

uma vez que “[...] toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de

trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho só é matéria-prima depois de ter

experimentado modificação efetuada pelo trabalho” (MARX, 2011a, p. 212).

A íntima impactação da genética (ideológica) neoliberal chilena no Trabalho

Social, revelada pela permanência de formas tradicionais na profissão, já refutadas

pelo Movimento de Reconceituação, foi o eixo propulsor da ampla e cirúrgica frente

política constituída pela Associação Chilena de Escolas de Trabalho Social194

(Achets), criada em 1992, pelo Conselho de Trabalho Social195 (CTS) e pela

Coordenadoria Nacional de Estudantes de Trabalho Social196 (Conetso) na busca da

retomada de status universitário do Trabalho Social, uma vez que, por essa via, se

192

“Isso deriva na análise dos ‘problemas sociais’ como problemas do indivíduo isolado e da família [...], perdendo-se a dimensão coletiva e o recorte de classe da questão social, isentando a sociedade de classes da responsabilidade na produção das desigualdades sociais. Por uma artimanha ideológica, elimina-se, no nível da análise, a dimensão coletiva da questão social — a exploração da classe trabalhadora —, reduzindo-a a uma dificuldade do indivíduo. A pulverização da questão social, típica da ótica liberal, resulta na autonomização de suas múltiplas expressões — as várias ‘questões sociais’ — em detrimento da perspectiva de unidade. Impede- -se, assim, o resgate do complexo de causalidades que determina as origens da questão social, imanente à organização social capitalista, o que não elide a necessidade de apreender as múltiplas expressões e formas concretas que assume” (IAMAMOTO, 2010, p. 164, grifos do autor).

193 No original: “El objeto de intervención u objetos de intervención son construcciones teórico- -prácticas y productos de procesos sociales particulares. Decimos objetos de intervención en la medida que existen distintas problemáticas que expresan los actores sociales. Estas problemáticas son expresiones de necesidades sociales que tienen connotaciones ontológicas y antropológicas. El conjunto de estas diversas problemáticas, de algún modo, constituye el objeto de intervención profesional” (OVALLE MARIO; QUIROZ NEIRA, 1998, p. 164-165).

194 No original: “Asociación Chilena de Escuelas de Trabajo Social”.

195 No original: “Consejo de Trabajo Social”.

196 No original: “Coordenadoria Nacional de Estudiantes de Trabajo Social”.

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

148

poderia outorgar competências e atribuições exclusivas à profissão na divisão social

e técnica do trabalho.

As implicações acadêmicas desse tríplice movimento não resultaram apenas

no resgate do nível universitário do Trabalho Social seccionado no final dos anos

1970, mas, fundamentalmente, na admissão da convivência de distintas formações e

titulações pelos setores mais progressivos da categoria. Se a mudança

terminológica de Visitadora Social para Assistente Social é datada dos anos 1950 e

representa importante conquista política para a categoria, a nova alteração de

Assistente para Trabalhador Social não estava impelida ao mesmo posto. Os

condutos histórico-sociais que convergiram, em 2005, na Lei nº 2.054, que

reestabeleceu a exclusividade universitária ao Trabalho Social, não refutaram a

formação em institutos profissionais, e tampouco se observaram avanços

epistemológicos e axiológicos coadunados com o legado reconceptualizador. Ao

contrário, ela consagrou o direito de existir em âmbito profissionalizante, como uma

formação inicial — conferindo o título de Assistente Social — e a possibilidade de

complementar a formação em nível de graduação, nas universidades, para titular-se

Bacharel em Trabalho Social.

Fundamentada numa formação clássica197 e disciplinar (GONZÁLEZ MOYA;

MORALES AGUILERA, 2013), respectivamente, percebe-se angular diferenciação

terminológica no Brasil. Enquanto, no Chile, a designação Assistente Social é

granjeada através de instituições de nível técnico profissional, a qual se fundamenta

numa formação praticista, e Trabalhador Social, no lócus universitário, com

adensada formação que habilita ao ingresso em programas de pós-graduação198, no

Brasil, o único título, Assistente Social, é auferido em instituições de nível superior,

credenciadas junto ao Ministério da Educação.

Apesar de haver discernimento no instrumento legal, no coletivo profissional

há restrita distinção entre a formação técnica e a superior e sequer adquiriu

expressividade nos espaços sócio-ocupacionais. Mormente, os impactos do que

denominam de “rango universitário” irrompeu significativamente no aumento do

número de profissionais habilitados a exercer a profissão no Chile, fruto da

197

O que, coerentemente com a opção teórico-metodológica adotada no conjunto do presente trabalho, se denominaria de tradicional.

198 Saracostti Schwartzman e outros (2014) apontam que os primeiros programas de pós-graduação em Trabalho Social e áreas afins datam do século XXI, quando também se registrou o fomento à projetos de pesquisa com financiamento público.

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

149

progressiva ampliação do número de escolas de Serviço Social e Trabalho Social

após 2005 e, consecutivamente, do crescimento das matrículas. Passados 10 anos

da aprovação da Lei, os indicadores do Conselho Nacional de Educação do Chile199

(CNED), publicados em 2015, demonstram que, enquanto, em 2005, o montante de

escolas que titulavam Assistentes Sociais ou Trabalhadores Sociais era de 143,

esse número teve um percentual agregado de quase 100%, totalizando 272 escolas

em 2015, em contraponto às ínfimas 11 registradas durante a abertura democrática.

Seguindo essa tendência crescente, as matrículas atingiram seu auge em 2014, com

um número de 25.987, enquanto, no ano de 2010, se registraram 20.103 e, em

2005, exíguas 14.793 matrículas.200

Essa ampliação desmedida dos indicadores numéricos acadêmicos, também

registrada no Brasil, tem alicerce na política do Banco Mundial, sob a qual se

sustentam o empresariamento da educação superior, o desmonte das universidades

públicas — cujo exemplo representativo no Chile é a inexistência de universidades

públicas, tais como concebidas no Brasil, coadunadas com os pressupostos do

Tratado de Bolonha201 — e a diversificação nas formas de financiamento, que levam

à educação a reprodução de um dimanado “capitalismo acadêmico”, em que se

torna elementar veio de lucratividade e aprofundamento ideopolítico burguês. Se, no

país continental, o crescimento exacerbado da formação em Serviço Social foi

produto da reforma do Estado e da incorporação de políticas de Estado e de

governo, expressas principalmente pelo agravante da flexibilidade na modalidade

ofertada (presencial e à distância), no Chile, ao revés, esse crescimento resultou de

uma tradicional tecnocracia constituída no governo militar e que se transpôs à

educação superior como sustentação de sua hegemonia.

O aparato burguês (re)delineou o semblante da educação superior e, por

consequência, refletiu suas consequências no mundo do trabalho — que se

assemelham às tendências emanadas do bojo do Serviço Social brasileiro (ver item

5.1.1) — e no estatuto ontológico social do Trabalho Social no Chile, agravadas pela

199

No original: “Consejo Nacional de Educación do Chile”. 200

Para ter acesso aos indicadores de outros anos não contemplados, consultar: <http://www.cned.cl/public/Secciones/SeccionIndicesPostulantes/CNED_IndicesTableau_Matricula_Instituciones_Programas.html?IdRegistro=005>.

201 Mesmo que se tratando de um país latino-americano, as reformas educacionais realizadas, no Chile, nos últimos anos observam os pressupostos do Tratado de Bolonha, em consonância com as orientações do Banco Mundial de ampliação do lineamento com universidades dos países centrais — ou seja, Estados Unidos e Europa —, objetivando a consolidação do caldo ideológico e político que autentica a dinâmica hegemônica.

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

150

[...] baixa relevância, no discurso, da motivação de apoiar, fomentar mudanças na ordem social, isto é, “ser agente de mudança social” ou da estrutura social. O compromisso com a classe trabalhadora, discurso próprio do período da reconceituação, tem sido abandonado com o passar do tempo

202 (VIDAL MOLINA, 2008, p. 140, tradução nossa).

Fragilização dos vínculos laborais, multiempregabilidade, baixa remuneração

e realização de atividades não privativas à profissão são alguns apontamentos

elencados por Vidal Molina (2008) acerca das hodiernas condições de trabalho do

Assistente e/ou Trabalhador(a) Social no Chile — e que também são expressos pela

realidade profissional brasileira203 —, os quais resultaram em uma profissão

precarizada e pouco valorizada frente às que ocupam lugar estratégico no projeto,

agora democrático, burguês204. Tais condições já não fazem mais menção somente

aos espaços laborais privados, mas adentram, em nome da denominada

“modernização ou reforma do Estado”, os campos interventivos públicos,

majoritariamente ocupados pelos Assistentes e/ou Trabalhadores Sociais, em

clássica sintonia com o chamado “Consenso de Washington”, do qual resulta o

reordenamento dos processos sociais em sua totalidade.

Reverberadamente, a disposição orgânica do capital e o estatuto inaugural

do Chile na alavanca ideológica neoliberal ecoaram numa profissão ancorada nos

condicionantes histórico-sociais e com inúmeras fragilidades políticas para assentar,

coletivamente, as bases de um projeto profissional alinhado aos desafios desse

tempo histórico e coadunado com o tempo presente. Mesmo que o Código de Ética

Profissional em vigência, datado de 2014,205 disponha, como princípios

fundamentais206, a equidade, a justiça social e a cidadania, ele assume conotação

díspar, quando seu significado histórico e seu estatuto ontológico resplandecem no

emanado respeito ao pluralismo teórico-metodológico — assim como no Código de

Ética brasileiro.

202

No original: “[…] muy baja relevancia, en el discurso, [de] la motivación por apoyar, fomentar el cambio del orden social, esto es ‘ser agente de cambio social’ o de la estructura social. El compromiso con el mundo popular, discurso propio del período de la reconceptualización, ha sido abandonado con el pasar del tiempo” (VIDAL MOLINA, 2008, p. 140).

203 Informações sobre esse fato podem ser obtidas em Prates e Closs (2015) e Silva (2014).

204 Em outro estudo impulsionado pelo Colégio de Assistentes Sociais do Chile, Paula Vidal Molina realiza densa pesquisa sobre os espaços sócio-ocupacionais do Trabalho Social no Chile. Para acesso ao documento, consultar: <http://www.trabajadoressociales.cl/provinstgo/documentos/ESTUDIO%20cARACTERIZACION%20n.pdf>.

205 Erigido pela Ata nº 7, de 8 de março de 2014, esse é o quinto Código de Ética chileno desde a

gênese da profissão, o qual foi precedido pelos de 1959, 1977, 1982 e 1999. 206

Totaliza nove o número de princípios elencados no Código de Ética chileno.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

151

Na envergadura teórica expressa pelo presente trabalho, é indispensável

elencar que os princípios somente “[...] orientam o comportamento ético profissional,

oferecem parâmetros para a ação cotidiana e definem suas finalidades ético-

-políticas, circunscrevendo a ética profissional no interior do projeto ético-político e

em sua relação com a sociedade e a história” (BARROCO; TERRA, 2012, p. 53), se

estiverem alicerçados em bases teórico-metodológicas que, no seu conjunto,

histórica e ontologicamente, subsidiem clara projeção teleológica, a qual não se

angula pela contraposição e pelo entrecruzamento de vertentes teóricas e métodos

opostos. Nesse universo, é controverso e até contraditório que princípios

emancipatórios sejam sustentados diante da ausência de diretrizes gerais comuns à

formação no país andino, cuja hegemonia reflete-se na prenheza epistemológica e

não somente no seu respeito — como assinala o sétimo princípio do Código de

Ética. Isso mostra o escamoteamento da emancipação enquanto valor humano-

-genérico e admite uma ética objetivada por uma projeção conservadora, uma vez

que a emancipatória não detém hegemonia, e a sustentação encontra-se em

matrizes do conhecimento do social tradicionais e pós-modernas, sob as quais

assume caráter individualizado, isolado e, porque não, estranho ao seu conjunto de

valores.

Diferentemente do Brasil, cuja coerência ao respeito é zelada, no Trabalho

Social chileno, percebe-se a aclarada garantia e não somente o respeito ao

pluralismo, que é “[...] concebido como convivência democrática das ideias” (TONET,

s.d., p. 10) e assente no compartilhamento de matrizes de conhecimento do

social — via vigilância crítica — que se caracterizam, para o autor, como um “falso

caminho”, na medida em que a realidade é examinada de um ponto de vista do

sujeito e não da própria realidade, o que impede a apreensão totalizante e real da

vida social. Nesse caminho metodológico, os fundamentos do pluralismo207 anuem

ao ecletismo208 e ao relativismo209, podendo, inclusive, com eles serem confundidos

(TONET, s.d., p. 10). Diante de tais prolegômenos, há que se

207

No Posfácio de O Estruturalismo e a Miséria da Razão, de Carlos Nelson Coutinho (2010), José Paulo Netto, na esteira da autonomização que as matrizes estruturalistas promovem à epistemologia em relação à ontologia, explicita duas constantes do pensamento pós-moderno: o ecletismo, que afirma constituir-se de um pluralismo metodológico, e o relativismo. Para adensamento acerca do mote, consultar Coutinho (2010).

208 O ecletismo constitui-se “[...] na liberdade de tomar ideias de vários autores e articulá-las segundo a convivência do pensador. Isto normalmente é feito sem o cuidado de verificar com rigor a compatibilidade de ideias e paradigmas diferentes, dando origem a uma colcha de retalhos, quando mais, inteligentemente tecida” (TONET, s.d., p. 2).

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

152

[...] entenderem os métodos a partir dos seus fundamentos; entender a teoria como a possibilidade de desvendar contradições; apropriar os caminhos para chegar ao concreto pensado, para desvelar as múltiplas determinações do concreto. Sem reflexão, não é possível superar a tendência do empirismo endêmico e as formas como se concebe o Trabalho Social a partir dele

210 (MATUS, 1995, p. 26-27, tradução nossa).

É no cenário do projeto autocrático burguês que a profissão se embebeu de

inúmeros processos de continuidade, de rupturas e, inexoravelmente, de processos

atrelados à dinâmica sócio-histórica chilena, que conduziram o Trabalho Social, a

passos lentos, na sua consolidação e, ademais, na constituição de um projeto

profissional alinhado ao legado da Reconceituação, onde o hiato histórico da

ditadura ainda ocasiona perdas teórico-críticas e um sustentáculo teórico-

-metodológico pluralista.

Não se trata de endossar uma configuração profissional ideologizada, mas

de assegurar um projeto profissional contra-hegemônico, que desatrele o dever ser

coletivo das amarras herdadas do golpe militar chileno, mesmo que “[...] a história do

golpe militar não seja uma história de uma época passada, que se pode esquecer

como se fosse um pesadelo. É a história do nosso presente”211 (ACEITUNO, 2014,

p. 15, tradução nossa). Ainda que Matus (1995) abalize como errônea a

incorporação hegemônica de uma única perspectiva metodológica no Trabalho

Social chileno — por isso, a defesa do pluralismo metodológico —, entende-se que

se faz proeminente a refuta de incorporação de diferentes matrizes de conhecimento

do social, por não clarificarem caminhos e aparatos à intencionalidade

profissional — em suas dimensões subjetivas ou objetivas. Sobremaneira, versar

sobre a projeção profissional é versar sobre a direção social e política claramente

definida pela unicidade teórico-metodológica, a qual, explícita e coletivamente

asseverada, permite diagramar os caminhos profissionais enveredados a esse

afinamento que, além de teórico e ético, é político.

209

Sob a perspectiva relativista, “[...] não há verdade, mas apenas verdades, não há método, mas apenas métodos. Verdade, critérios de verdade, método, todos eles têm um valor relativo porque todos eles são parciais” (TONET, s.d., p. 2).

210 No original: “[…] entender los métodos desde sus fundamentos, entender la teoría como la posibilidad de iluminar contradicciones, encontrar los caminos para hacer lo concreto pensado, para develar las determinaciones múltiples de lo concreto. Esto no es posible sin reflexibilidad, para ello hay que superar la tendencia endémica del empirismo y las formas como desde él se ha concebido a Trabajo Social” (MATUS, 1995, p. 26-27).

211 No original: “[…] la historia del golpe militar no es la historia de una época pasada, que quisiéramos olvidar como un mal sueño. Es también la historia de nuestro presente” (ACEITUNO, 2014, p. 15).

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

153

É tácito, na envergadura disposta, que o ethos profissional chileno abdica

da ruptura conservadora da qual foi protagonista nos anos 60 e 70 do século XX e

torna evasiva a defesa de uma projeção profissional atrelada à salvaguarda de um

projeto societário radicalmente democrático e emancipatório, ao mesmo tempo em

que aponta um dever ser coadunado com a manutenção da sociedade de classes.

Assim como o Serviço Social no Brasil e no Chile revelam particularidades

histórico-profissionais adjacentes aos processos sócio-históricos dos países, Cuba

traçou caminhos tão peculiares quanto os demais, contudo a dinâmica nacional

assumida com a experiência revolucionária inaugurou condição precursora à região

latino-americana, que manifestou suas consequências nos rumos profissionais.

Veja-se na sequência.

5.1.3 Cuba e os rumos profissionais com a experiência revolucionária

A justiça, a igualdade de mérito, o trato

respeitoso do homem, a igualdade plena

de direito: isso é a revolução.

José Martí (grifos nossos) 212

A célebre frase de José Martí — político e filósofo cubano, criador do Partido

Revolucionário Cubano (PRC) e, por isso, considerado um dos grandes atores da

Independência Cubana, no fim do século XIX — representa os princípios ético-

-políticos que conduziram a sociedade cubana a partir da segunda metade do século

XX e que, de maneira muito peculiar, levou o Trabalho Social cubano a apresentar

trajetória profissional nada comum à América Latina. Enquanto Brasil e Chile foram

protagonistas do Movimento de Reconceituação, os rumos políticos do país insular

denotaram condição pioneira e única na região latino-americana, que inculcou

caminhos histórico-sociais próprios à profissão.

A Revolução Cubana — movimento revolucionário liderado por Fidel Castro

Ruz213 e Ernesto Che Guevara214, que iniciou em 1956 e ascendeu ao poder em

212

No original: “La justicia, la igualdad del mérito, el trato respetuoso del hombre, la igualdad plena del derecho: eso es la revolución”.

213 Fidel Alejandro Castro Ruz, nascido em 13 de agosto de 1929, foi o principal líder da Revolução Cubana. Protagonista político desde a inserção no movimento estudantil, quando fazia graduação em Direito, e pautado no seu declarado anti-imperialismo, Fidel tornou-se crítico da corrupção, da

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

154

janeiro de 1959, declarando-se alinhado aos preceitos socialistas em 1961 —

culminou na derrubada do ditador Fulgencio Batista Zaldívar215, que gestava um

governo marcado pela defesa dos interesses imperialistas “yankes”, pela repressão

política, pelo aprofundamento das desigualdades sociais entre as classes e pela

corrupção, adjudicados pelas facilitações à máfia norte-americana com relações

comerciais, jogos, drogas e prostituição.

O triunfo do movimento provocou mudanças não só nas estratégias e

concepções do nascente Estado revolucionário, conectando-o a um caráter

universalista das políticas sociais “[...] dirigidas à busca de justiça e igualdade social

através de estratégias estatais cujo objetivo fundamental é elevar o nível e a

violência e da ilegalidade do governo cubano à época. Em 1947, filiou-se ao Partido Socialista do Povo Cubano, do qual, após a conclusão do Curso de Direito, foi o representante nas eleições presidenciais de 1952, tendo como principal opositor Fulgencio Batista. Entretanto o golpe de Estado liderado por Batista meses antes das eleições provocou seu intento revolucionário de buscar estratégias de ação para transformar a sociedade cubana, o que o levou a escrever e distribuir um periódico mimeografado clandestinamente, pelas ruas cubanas, condenando as ações golpistas. Do grupo aliado à panfletagem, saiu o núcleo que se constituiu no Movimento Revolucionário de 26 de julho, o conhecido M-26-7. Depois de ser condenado à prisão e anistiado por amplo movimento popular, asilou-se no México, para preparar a luta insurrecional da Ilha, que iniciou em novembro de 1956. Como Comandante-Chefe do Exército Rebelde Cubano, consolidou a revolução com a fuga de Batista, em 1º de janeiro de 1959. Com a chegada da marcha das tropas revolucionárias a Havana, instaurou-se o governo revolucionário, para o qual foi designado Primeiro-Ministro. O caráter socialista da revolução, declarado em 1961, conduziu a ações de significativa envergadura no campo da saúde, da educação, da reforma agrária, da nacionalização das empresas, da mortalidade infantil, da desigualdade social, dentre outros. Permaneceu à frente do Estado cubano até 2006, quando problemas de saúde o “obrigaram” a transferir o cargo para o então Comandante das Forças Armadas, Secretário do Partido Cubano e Presidente do Conselho de Estado, seu irmão Raúl Castro.

214 Ernesto Guevara de La Serna, conhecido como “Che Guevara” por conta da interjeição “che”, muito usual para chamar a atenção das pessoas, nasceu em 1928. De nacionalidade argentina e oriundo de família abastada, cursou Medicina em Buenos Aires e decidiu realizar uma viagem pela América Latina, visitando povos indígenas, locais de extração de cobre e leprosários. Durante a viagem, iniciada de moto e terminada a pé, Che percebeu que as restrições econômicas e culturais não eram específicas à Argentina, mas dos países visitados. Quando, em 1953, foi ao México a trabalho (cobertura jornalística dos jogos Pan-Americanos), Che iniciou a segunda etapa da viagem que havia começado em 1951 (e terminada em meados de 1953) e visitou países da América Central e do noroeste da América do Sul, quando concluiu que a desigualdade social latino- -americana apenas poderia ser suprimida com a ascensão do comunismo. Definido revolucionário e anti-imperialista, Che conheceu Fidel Castro no México, em 1954, e, ao seu lado, foi um dos comandantes da Revolução Cubana. Participou da reorganização do Governo cubano entre 1959 e 1965, quando, no intuito de propalar os ideais da Revolução Cubana e lutar contra o imperialismo no “Terceiro Mundo”, com destaque para a América Latina, deslocou-se para lutar no Congo e na Bolívia e, neste último país, foi assassinado clandestinamente pelo Exército Boliviano em 1967.

215 Fulgencio Batista, como ficou conhecido, foi Presidente eleito de Cuba (1940-44) e o ditador responsável pelo golpe militar (1952-59), o qual suspendeu a liberdade política impressa na Constituição de 1940, por ele mesmo aprovada em seu primeiro governo.

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

155

qualidade de vida do povo”216 (HERNÁNDEZ MARÍN, 2012, p. 2, tradução nossa)

— como já designa José Martí na epígrafe deste subcapítulo —, mas na apreensão

do Trabalho Social nesse cenário.

Assim como Brasil e Chile, Cuba esteve imerso no rol de influências

estadunidenses — exercidas desde sua Independência, com destaque ao apêndice

à primeira Constituição, que concedeu o direito aos Estados Unidos de intervir nos

assuntos internos de Cuba —, que rompeu com os aparatos político-econômicos

para adentrar nos meandros do emergente Trabalho Social. Amplamente subjugada

aos mandos e desmandos da precária articulação do Estado, a profissão, sob

marcada incidência norte-americana, manteve-se longínqua da formação em nível

acadêmico, uma vez que a débil clareza teórico-metodológica e ético-política

conduziram a uma indefinição das atribuições profissionais, expressas pelo caráter

assistencialista, empirista, filantrópico, auxiliar e “salubrista” da profissão na época,

em pleno governo democrático de Batista, que, ao aprovar, em 1940, a nova

Constituição Cubana, pela primeira vez, estatuiu aos direitos sociais “corpus

constitucional” e a responsabilidade do Estado na sua prestação. É sob a

institucionalização dessa política social e os esforços empreendidos pela Sociedade

Lyceum217 na década anterior, que, em 1943, surgiram os registros de criação da

primeira Escola de Trabalho Social218, junto à Faculdade de Educação219 da

Universidade de Havana (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO

RIVACOBA, 2009; MORAES, 2011; YORDI GARCÍA et al., 2012; MUÑOZ

GUTIERREZ et al., 2012; GÓMEZ CABEZAS, 2015).

216

No original: “[...] dirigidas al logro de la justicia y la equidad social a través de estrategias estatales cuyo objetivo fundamental es elevar el nivel y calidad de vida del pueblo” (HERNÁNDEZ MARÍN, 2012, p. 2).

217 Foi uma sociedade cultural e social, fundada em 1929, em Havana, destinada a organizar os serviços prestados por mulheres cubanas.

218 “Para ingressar na escola, devia serem cumpridos os seguintes requisitos: ser bacharel ou formado na Escola Normal de Professores, apresentarem-se as provas, caso não se tenham diplomas anteriores, e ter idade mínima de 35 anos. A duração do curso era de dois anos, com 30 disciplinas vinculadas ao perfil médico e interventivo” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 6, tradução nossa). No original: “Para ingresar en la escuela se debía cumplir con los requisitos siguientes: graduado de Bachiller o de Escuela Normal para Maestros, presentarse a exámenes en caso de no tener los títulos anteriores y edad límite de 35 años. La duración del curso era de 2 años, con 30 asignaturas vinculadas al perfil médico y práctico” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 6).

219 Em 1945, tornou-se Instituto de Trabalho Social da Faculdade de Ciências Sociais e Direito Público (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009; MORAES, 2011).

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

156

Com a insurreição revolucionária da Ilha, nem mesmo a existência da

Associação de Assistentes Sociais de Cuba220, criada em 1947, conseguiu reverter a

interrupção formativa do Trabalho Social com o fechamento das universidades

públicas no final dos anos 1950, num aparato em que um terço da população

cubana se encontrava desempregada ou subempregada e o preço da produção

açucareira cubana decaiu vertiginosamente. O Governo revolucionário não só teve

de trabalhar com o desmantelamento do sistema político neocolonial (e, por sua vez,

ultrapredatório), com o confisco dos bens defraudados, com a reforma agrária, com

a nacionalização das empresas e a instituição do monopartidarismo (Partido

Comunista Cubano (PCC)221) — pressupostos de um governo operário —, mas

também com as ostensivas demandas sociais expressas pela concentração de

renda.

Centralizada no emergente Ministério de Bem-Estar Social, criado em 1959

e logo desintegrado (em 1961), a responsabilidade com o trabalho na área social

ganhou status descentralizado, uma vez que outros ministérios passaram a

coordenar os processos interventivos nas diferentes políticas sociais: Ministério da

Educação, Ministério da Saúde e Ministério do Interior, para exemplificar alguns. Se,

até a Revolução, o Trabalho Social cubano apresentava insuficiência teórico-

-metodológica e ético-política propalada pelo intercâmbio com o Serviço Social

norte-americano, engendrada pela busca de hegemonia via política de boa

vizinhança estadunidense, a partir de 1959, a realidade não foi destoante. Embora a

Reforma Universitária de 1962 tenha contemplado a reabertura da formação

universitária de muitas áreas, o Trabalho Social não excedeu a reedição de escolas

para a conclusão da formação interrompida no Governo Batista, uma vez que a

tarefa social com o Trabalho Social assumiu “caráter amplo, de militância geral,

como compromisso social de todo povo cubano com a eliminação dos

processos sociais que mantiveram o país primeiro sob o domínio colonial

espanhol e posteriormente sob o domínio imperialista norte-americano”

(SILVA; CARMO, 2015, p. 6, grifos dos autores).

220

No original: “Asociación de Asistentes Sociales de Cuba”. 221

Antes de tornar-se Partido Comunista Cubano, denominou-se Organizações Revolucionárias Integradas (ORI), pela junção do Movimento Revolucionário 26 de Julho, do Partido Socialista Popular (PSP) e do Diretório Revolucionário 13 de Março em 1961; em 1962, as ORI transformaram-se no Partido Unido da Revolução Socialista de Cuba (PURSC), o qual, em 1965, por sua vez, tornou-se o Partido Comunista de Cuba, tendo Fidel Castro como Primeiro Secretário.

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

157

A guinada revolucionária inculcou caminhos histórico-sociais que não se

voltaram ao desenvolvimento de parcelas em detrimento de outras, como numa

sociedade de classes, em que “[...] quanto maior a produtividade do trabalho, tanto

maior a pressão dos trabalhadores sobre os meios de emprego, tanto mais precária,

portanto, sua condição de existência, a saber, a venda da própria força para

aumentar a riqueza alheia ou a expansão do capital” (MARX, 2002, p. 748, grifos

nossos). Ao revés da lei geral de acumulação capitalista, o aprofundamento ora

proclamado objetivou o desenvolvimento integral da sociedade cubana222, “cada um

segundo suas capacidades, cada um segundo suas necessidades” (MARX,

2012, p. 33, grifos nossos) e a superação das endogenias corporativas e/ou de

classes em coerência com os tempos de transição societária.

Na trama disposta, o Trabalho Social deixou de ser incumbência de uma

formação ou profissão, para tornar-se dos sujeitos histórico-sociais — ao passo que,

no novo projeto social, se considerava que não haveria concentração de renda e,

assim, nem ricos, nem pobres, resquícios das ostensivas contradições entre capital

e trabalho da organização precedente, mas sujeitos com amplo acesso às políticas

sociais —, os quais deveriam estar comprometidos e imbuídos dos valores e

princípios revolucionários, uma vez que a formação da massa revolucionária era

condição imperiosa para a constituição e a consolidação da base material, jurídica,

política e social para a transição ao “Estado proletário”. Como pertinentemente

aponta Tonet (2012), enquanto, no modo de produção capitalista, o sujeito que

norteia a vida social e humana é o capital, no processo de transição, quem rege os

processos sociais são os próprios homens — porque se tornam fim e não meio —,

pautados em forças sociais insolúveis e comprometidas com pressupostos

emancipatórios.

Ao mesmo tempo em que fazia alianças com a União Soviética para relutar

contra o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos e concentrava suas

atividades econômicas na exportação de açúcar — a qual já era expressiva no

período neocolonial —, Cuba lançou uma ampla frente no campo social, com vistas

à universalização da alfabetização, ao acesso irrestrito à saúde e à elevação dos

índices de ocupação223.

222

Para maiores informações, consultar a Constituição da República de Cuba (2005). 223

Aqui reside uma questão teórica fulcral: enquanto, nas sociedades capitalistas, a relação de compra e venda da força de trabalho institui a antinomia emprego ou desemprego, no processo

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

158

Enquanto Brasil e Chile estavam prestes a ingressar em regimes

autocráticos burgueses, que se constituíram em marcas insurgentes nas suas

trajetórias sócio-políticas e, por sua vez, no próprio Serviço Social, pelo embargo

aos objetivos políticos, sociais e conceituais do germinativo Movimento de

Reconceituação latino-americano, a sociedade cubana começou a observar,

progressivamente, os produtos da transição e do consecutivo reordenamento das

políticas sociais. Como pilar essencial do desenvolvimento, a saúde — ao lado da

educação e do trabalho — auferiu tônus preventivo e universal, sob a ótica de uma

Medicina revolucionária, humana e socializada, em contraponto com as profundas

desigualdades que caracterizavam o “estado de saúde” da população até o final dos

anos 1950. Foi exatamente essa guinada na política de saúde sob “[...] um processo

de socialização da Medicina no contexto da Revolução que fez da igualdade de

oportunidade o princípio de sua política nacional em todas as esferas da vida”224

(FLEITAS RUIZ, s.d., p. 113, tradução nossa), em que a inflexão expressa no

desenvolvimento do Trabalho Social começou a apresentar sinais de erupção: a

prioridade à saúde demandou a (re)abertura da formação técnica-profissional, com

notável caráter complementar, na busca pela melhora dos indicadores de saúde e

de qualidade de vida da população.

É fundamentado nisso que, no âmbito do Ministério de Saúde Pública, se

criaram a Escola de Formação de Técnicos em Trabalho Social em 1971 e, no ano

seguinte, a Escola Especializada em Psiquiatria, voltando a formação para a

intervenção setorializada na área da Saúde (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA;

CABALLERO RIVACOBA, 2009; MORAES, 2011; YORDI GARCÍA et al., 2012;

MUÑOZ GUTIERREZ et al., 2012; GÓMEZ CABEZAS, 2015; SILVA; CARMO,

2015). O que iniciou em Camagüey e Havana, respectivamente, paulatinamente, se

estendeu pelas diferentes regiões com frágil formação teórico-metodológica e, sob

tal característica, assentou as bases de prevalência empirista aclarada.

revolucionário, a ocupação e/ou trabalho “[...] é um direito, um dever e uma honra para cada cidadão. O trabalho é remunerado conforme a qualidade e a quantidade; ao ser proporcionado, atende às exigências da economia e da sociedade [...]; garante o sistema econômico socialista, que propicia o desenvolvimento econômico e social, sem crises [...]” (CUBA, 2005, p. 36-37, tradução nossa). No original: “[...] es un derecho, un deber y un motivo de honor para cada ciudadano. El trabajo es remunerado conforme a su calidad y cantidad; al proporcionarlo se atienden las exigencias de la economía y la sociedad […]; lo garantiza el sistema económico socialista, que propicia el desarrollo económico y social, sin crisis […]” (CUBA, 2005, p. 36-37).

224 No original: “[...] un proceso de socialización de la medicina en el contexto de una revolución social que hizo de la igualdad de oportunidades un principio de su política nacional en todas las esferas de la vida” (FLEITAS RUIZ, s.d., p. 113).

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

159

O processo de institucionalização do Estado cubano priorizou o reconhecimento dos profissionais de Trabalho Social centrados em âmbito ocupacional, em detrimento da formação profissional. [...] Os espaços laborais de Trabalho Social foram eminentemente governamentais, com marcada tendência assistencialista, burocrática e setorializada.

225

(YORDI GARCÍA et al., 2012, p. 2, tradução nossa, grifos nossos).

A base de “ressurgência” sócio-histórica da profissão em meados da sétima

década do século XX não estava assentada na reprodução ampliada das

desigualdades sociais e no movimento histórico empreendido pela classe

trabalhadora frente ao “anverso do desenvolvimento das forças produtivas”

(IAMAMOTO, 2001, p. 10), conforme se observou na constituição da matéria-prima

do trabalho profissional no Serviço Social brasileiro, por exemplo. No caso cubano, a

identificação mimética do objeto profissional com o institucional traduziu a

subsunção do primeiro ao segundo, na medida em que incorporou os objetivos

empreendidos no âmbito da política social como diretrizes técnico-interventivas e

elucidou as particularidades e determinações sócio-históricas da profissão na

realidade cubana. Conquanto sejam mediações fundamentais à (re)conformação

das bases sócio-ocupacionais da profissão, a concepção cubana difere

elementarmente da brasileira, na medida em que é preciso considerar que, sob a

sociedade de classes, “[...] as políticas sociais e a formatação de padrões de

proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas — em geral

setorializadas e fragmentadas — às expressões multifacetadas e complexas da

questão social” (BEHRING; SANTOS, 2009, p. 270), enquanto, em Cuba, passados

50 anos do processo revolucionário, as políticas sociais estão centradas na criação

de mecanismos para superar as desigualdades, via “[...] ampliação dos direitos e

garantias de cidadania de maneira universal, através do planejamento e da

implementação de programas em diversas áreas da realidade social”226 (VOGHON;

PEÑA FARÍAS, s.d., p. 189, tradução nossa).

Mesmo que as políticas sociais não sejam definidas como objeto profissional

em Cuba, seria errôneo assim a definir no âmbito de um projeto de transição

revolucionária? Se o fundamento da razão de ser e existir da profissão na divisão

225

No original: “El proceso de institucionalización del estado cubano priorizó el reconocimiento de los profesionales del trabajo social enmarcados en la esfera ocupacional, en detrimento de la esfera de la formación profesional. [...] Las esferas ocupacionales de Trabajo Social reconocidas desde entonces fueron eminentemente gubernamentales con marcado acento asistencialista, burocrático y sectorializado” (YORDI GARCÍA et al., 2012, p. 2, grifos nossos).

226 No original: “[…] ampliación de los derechos y garantías ciudadanas de manera universal, a través del diseño e implementación de programas en áreas diversas de la realidad social” (VOGHON; PEÑA FARÍAS, s.d., p. 189).

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

160

social e técnica do trabalho é a questão social, se é ela que institui as bases da

inscrição histórica do Serviço Social na realidade social brasileira, quais seriam

esses alicerces numa organização societária emancipatória? Haveria razão para

sustentar a conformação profissional própria? Longe de granjear respostas

irrefragáveis, os questionamentos acima dispostos têm o intuito de problematizar a

profissão no cenário de supressão das refrações oriundas da luta de classes e, por

sua vez, considerar que, com isso, não necessariamente se superam questões de

ordem humano-social.

“Com a filosofia de um trabalho personalizado, cara a cara, casa a casa,

povo a povo”227 (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA,

2009, p. 17, tradução nossa), o Trabalho Social cubano tem nas problemáticas

advindas das políticas sociais a chave heurística de sua intervenção setorializada.

Conduzida por uma formação que está aquém de subsidiar a captura de mediações

teóricas que irrompam com a repetição de tarefas e as respostas às requisições

extrínsecas, a percepção das problemáticas sociais revela-se sob o mesmo

“conteúdo”, sob um “quehacer” reiterado, desnudo de apreensão processual da

realidade, enredado de metodologismos e praticismos,228 que, além de lábeis,

infirmam as particularidades profissionais no processo de transição.

As referidas intervenções de Trabalho Social constituíram respostas reativas e setoriais aos problemas sociais que se expressavam cotidianamente. O foco segmentado da política social condicionou a emergência de experiências de Trabalho Social voltadas às lógicas burocráticas institucionais. As atividades profissionais centraram-se na assistência a sujeitos em situação de carência e representaram intervenções paliativas frente às necessidades insatisfeitas, às desigualdades sociais, à exclusão e à pobreza

229 (GÓMEZ CABEZAS,

2015, p. 30, tradução nossa).

Apesar das características profissionais dispostas, há que se considerar que

são inegáveis as contribuições que o Ministério de Saúde Pública instituiu para a

“ressurgência” da profissão, uma vez que, além de dar visibilidade à necessidade

227

No original: “Con la filosofía de una labor personalizada, cara a cara, casa a casa, pueblo a pueblo” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 17).

228 De forma similar ao da Saúde, ocorreu nos campos da Seguridade e da Educação, uma vez que a ênfase assistencialista, imediatista e meramente administrativa da assistência e a perspectiva burocrática de gestão de Serviços Sociais da Educação sequer reconhecem a necessidade de formação universitária para a intervenção nessas áreas (GÓMEZ CABEZAS, 2015).

229 No original: “Las prácticas de trabajo social referidas constituyeron respuestas reactivas y sectoriales a problemas sociales que se expresaban en la cotidianeidad. El enfoque ramal de la política social condicionó la emergencia de estas experiencias de trabajo social subordinadas a lógicas institucionales tecno-burocráticas. La actividad práctica se centró en la asistencia a individuos en situaciones de carencia y apenas representó una acción paliativa ante necesidades insatisfechas, desigualdades sociales, la exclusión y la pobreza” (GÓMEZ CABEZAS, 2015, p. 30).

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

161

social do Trabalho Social via formação de um quadro profissional, mesmo que

setorial, constituiu a base política profissional para sua organização na Sociedade

Cubana de Trabalhadores da Saúde230 (Socutras), criada em 1978, com caráter

eminentemente técnico-científico “na promoção, prevenção, assistência, reabilitação,

investigação e docência; mediante o intercâmbio, a problematização das

experiências individuais e coletivas em eventos e atividades científicas”231

(GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 4-5,

tradução nossa). Primeira e única com esse perfil em Cuba, a entidade até hoje se

apresenta como a principal e mais ativa organização no conjunto dos trabalhadores

sociais no país, o qual correspondia a, aproximadamente, 900 trabalhadores sociais

nos primeiros anos da década de 80 — dos quais, dois terços dos técnicos

encontravam-se filiados à entidade (LIMA, 1983) —, número que passou para cerca

de 42.000 profissionais (MORAES, 2011) na primeira década do século XXI.

A suspensão do vácuo de mais de uma década teve alento com o “apagão”

dos anos 1990 — crise dos anos 1990 —, quando a dissolução do bloco socialista

soviético e a queda do Muro de Berlim, com o fim da Guerra Fria, desencadearam o

aprofundamento do embargo estadunidense ao país e, consecutivamente,

resultaram numa extensiva crise de abastecimento (MUÑOZ GUTIERREZ et al.,

2012), uma vez que, “[...] de repente, o mundo inteiro parece estar a tornar-se

capitalista. O mesmo capitalismo que começa a ser derrotado com a Revolução

Soviética de 1917, em pouco tempo, se mundializa, globaliza, universaliza” (IANNI,

1993, p. 23).

A realidade cubana tornou-se ainda mais acautelada, pois tanto a ajuda

econômica quanto os vínculos comerciais com o regime soviético foram

interrompidos — importação (principalmente de petróleo) e exportação (de açúcar,

que continuava sendo a principal base econômica cubana) —, e a característica

“insular” de Cuba pareceu ganhar novo tônus pós 1989, porque se tornou o único

Estado em transição socialista do Ocidente e testemunhou gradativo aumento da

desocupação, da pobreza, do “déficit habitacional e da deterioração do fundo de

moradia, insuficiência do transporte coletivo, aumento da desvinculação laboral e do

230

No original: “Sociedad Cubana de Trabajadores Sociales de la Salud”. 231

No original: “en la promoción, prevención, asistencia, rehabilitación, investigación y docencia; mediante el intercambio, la discusión frecuente de sus experiencias individuales y colectivas en eventos y actividades científicas” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 4-5).

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

162

desemprego, produção insuficiente de alimentos”232 (HERNÁNDEZ MARÍN, 2012,

p. 4, tradução nossa), que estavam associados ao aparecimento de demandas

voltadas a doenças e prostituição, produto da abertura às atividades (econômicas)

turísticas, que não se tratava de um interstício societário, mas de uma tática

necessária para sustentar o atendimento às necessidades sociais — em níveis e

qualidade — que se ampliaram demasiadamente pós rompimento involuntário com

os laços gestados com o bloco soviético desde a instauração do processo

revolucionário.

A crise dos anos 90 alterou o contexto social em Cuba. Por trás do bloqueio econômico, houve concentração na Política Social em Cuba, no intento de preservar as principais conquistas sociais. Nesses anos, houve ligeira diminuição do acesso à alimentação da população, o emprego foi precarizado, cresceram os bairros periféricos nas cidades, e agravou-se o déficit habitacional. Essa situação, associada às medidas da reforma implementada para enfrentar a asfixia econômica, produziu o alargamento das desigualdades sociais e expressões visíveis da pobreza no país

233

(GÓMEZ CABEZAS, 2015, p. 30, tradução nossa).

Sobretudo, mesmo que a filiação marxista-leninista do Estado cubano

conduzisse a creditar que uma das primeiras condições para a emancipação do

proletariado fossem a internacionalização e a ruptura com o nacionalidade, pois “[...]

os operários não têm pátria. Não se lhes pode tomar aquilo que não têm” (MARX;

ENGELS, 2007, p. 64), a conjuntura materialmente posta instaurou mudanças

estruturais na sociedade cubana, que, por sua vez, exigiram a tomada de medidas

para superar as consequências da condição de “isolamento ideológico” da Ilha.

Reordenamento laboral, turismo internacional, reformas no setor agropecuário,

diversificação dos setores de gestão da economia (gestão não estatal) e

despenalização do envio de remessas ao país foram estratégias necessárias, porém

não suficientes, para impedir o empobrecimento populacional, a limitação no acesso

a produtos, a dependência do financiamento externo e a redução do Produto Interno

Bruto, afirmam Gonzalez Mastrapa e Izquierdo Quintana (s.d.).

232

No original: “déficit habitacional y deterioro del fondo de vivienda, insuficiencia del transporte colectivo, aumento de la desvinculación laboral y el desempleo, insuficiente producción de alimentos” (HERNÁNDEZ MARÍN, 2012, p. 4).

233 No original: “La crisis de los noventa cambió el contexto social en Cuba. Tras la debacle económica ocurrió una contracción de la política social en Cuba, a pesar de la voluntad de preservar las principales conquistas sociales. En estos años se produjo una disminución sensible del nivel de alimentación de la población, se precarizó el empleo, crecieron los barrios marginales en las periferias de las ciudades y se agravó el déficit acumulado de viviendas. Esta situación, unida a las medidas de la reforma implementada para enfrentar la asfixiante situación económica, produjo un ensanchamiento de desigualdades sociales y expresiones más visibles de pobreza en el país” (GÓMEZ CABEZAS, 2015, p. 30).

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

163

Esses condicionantes sócio-históricos complexificaram ainda mais as

demandas não superadas pelas políticas e os programas levadas a cabo pelo

Estado durante décadas, desde a transição, os quais se tornaram mais intensos e

explícitos no pequeno país insular. Tacitamente, sob o ponto de vista exógeno,

brasileiro especificamente, a conjuntura manifesta era favorável para uma possível

Reconceituação do Trabalho Social em Cuba e para a consecutiva superação da

perspectiva setorial prevalecente, numa ótica profissional generalista e totalizante.

Superar as características imediatistas e subalternas e a lógica instrumental, presas

às concepções profissionais conservadoras, e instituir uma formação calcada na

dimensão intelectiva e ontológica do trabalho profissional pareciam ser os desafios

infundidos no cenário apresentado. Não que se tratasse de descarte da imediatez,

pois, enquanto “[...] categoria reflexiva que designa um certo nível de recepção do

mundo exterior pela consciência” (COELHO, 2011, p. 23), é o ponto de partida real e

concreto que deve ser desocultado em níveis superiores, para a apreensão da

realidade em sua particularidade. Entretanto, em termos precisos, superar as

intervenções assépticas e tecnocráticas era elementar à constituição de projetos de

formação com densos fundamentos ontológicos — para apreensão do caráter

concreto do ser social — e à constituição de diretrizes que claramente indicassem os

pressupostos ético-políticos da intervenção profissional, de modo a consolidar as

atribuições e as competências que só um profissional com esse saber desenvolve e,

consecutivamente, afirmar as razões de ser e existir do Trabalho Social frente ao

projeto revolucionário no país e erigir os fundamentos de um projeto profissional

atrelado aos pressupostos revolucionários nas décadas seguintes. Mas haveria

necessidade de constituição de um projeto profissional? Tendo em vista que o

projeto societário tem sua amplitude embebida de diferentes projetos profissionais

convergentes, há razão de se sustentar o corporativismo profissional?

Em se tratando do cenário societário instalado, a lógica prevalecente

transcende a fronteira entre as áreas para voltar-se ao conjunto dos sujeitos

histórico-sociais. Contudo, mesmo que não se tenha sustentação no corporativismo

profissional, suas particularidades profissionais não ficam subsumidas ao conjunto

dos trabalhadores, uma vez que a realidade expressa a partir da última década do

século XX tornou tácito que o Trabalho Social cubano devia ocupar-se

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

164

[...] não somente das situações sociais concretas referentes às carências ou necessidades especiais, mas, também, da capacitação, da organização, da mobilização, da conscientização e da coesão dos atores sociais para que, com sua participação comprometida e responsável, contribuam para a transformação social

234 (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA;

CABALLERO RIVACOBA, 2009, p.17-18, tradução nossa, grifos nossos).

Se o Governo revolucionário tinha empenhado-se na erradicação das bases

estruturais promotoras das desigualdades em Cuba — da apropriação privada da

riqueza socialmente produzida —, as quais refletiram, no Trabalho Social,

imperiosas debilidades, com ênfase na intervenção em sua singularidade, na

fragilidade teórico-metodológica e no burocratismo profissional até os anos 1990, a

partir dos abalos insulares, o Trabalho Social, explicitamente, tornou-se agente

imbuído da disseminação dos princípios da Revolução Cubana, promotor e

necessário aos processos de desenvolvimento e transformação social.

Fundamentadas nisso, a partir da segunda metade da última década do

século XX até a primeira do século XXI, mesmo sem ter instaurado, nas décadas

anteriores, o Movimento de Reconceituação nos moldes latino-americanos235,

inúmeras ações voltadas ao fortalecimento da profissão em Cuba foram

desenvolvidas. A partir da constituição do Grupo Nacional de Trabalho Social, fruto

da formulação de ações conjuntas entre os Ministérios de Saúde Pública (Minsap),

de Trabalho e Seguridade Social, de Educação e do Interior, juntamente com a

Federação de Mulheres Cubanas (FMC)236, começou a tomar corpo o Mestrado em

Trabalho Social237, constituído em 1995, no âmbito do Departamento de Ciências

Sociais da Universidade de Camagüey (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA;

234

No original: “[…] no solamente de las situaciones sociales concretas que muestran determinadas carencias o necesidades especiales, sino también de capacitar, organizar, movilizar, concienciar, integrar, y cohesionar a los actores sociales para que, con su participación comprometida y responsable, contribuyan a la transformación social” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 17-18, grifos nossos).

235 É importante ponderar que a profissão em Cuba não teve necessidade de se reconceituar como no restante da América Latina. Enquanto os demais países assumiram posição crítica acerca da profissão diante da avassaladora expropriação da classe trabalhadora, em Cuba, o movimento foi o de fortalecer o instaurado processo revolucionário proletário, ou, em outras palavras, a “não contrarrevolução”.

236 Datada de 23 de agosto de 1960, a FMC é uma organização popular dedicada a desenvolver políticas voltadas à igualdade de gênero nos diferentes âmbitos da vida social e programas atrelados às mudanças sociais e econômicas em curso, em Cuba. Estruturada em nível nacional, provincial, municipal e de base, a FMC realiza, a cada cinco anos, seu Congresso, instância máxima, para avaliar os produtos do trabalho da entidade, bem como estabelecer estratégias de ação e eleger seu Comitê Nacional (CUBA, s.d.).

237 Diferentemente do Brasil, em que a graduação é condição pretérita para a pós-graduação, em Cuba, mesmo que suspenso anos depois, o mestrado manteve-se em vigência ainda que com a inexistência da formação de graduação na área.

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

165

CABALLERO RIVACOBA, 2009; MORAES, 2011; YORDI GARCÍA et al., 2012;

MUÑOZ GUTIERREZ et al., 2012; GÓMEZ CABEZAS, 2015; SILVA; CARMO,

2015), que possibilitou qualificar profissionais de diversas áreas que já realizavam

intervenções com a comunidade, mesmo que não exclusivamente para

Trabalhadores Sociais, uma vez que um programa acadêmico de formação

profissional em Trabalho Social, em Cuba, era inexistente — e ainda o é.

Foi nessa ótica que o intento de promover a formação de “agentes de

mudança” frente aos amargos reflexos da restrição econômica e aos impactos

sociais agravados no final do século XX levou o Governo cubano a criar duas

estratégias fulcrais: (a) o Programa de Formação Universitária em Sociologia, com

habilitação em Trabalho Social e, já na virada de século, (b) o Programa de

Formação de Trabalhadores Sociais (PFTS) em nível técnico.

A graduação em Sociologia com habilitação em Trabalho Social, por sua

vez, criada em 1998, no âmbito do Departamento de Sociologia da Universidade de

Havana (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009;

YORDI GARCÍA et al., 2012; MORAES, 2011; MUÑOZ GUTIERREZ et al., 2012;

GÓMEZ CABEZAS, 2015; SILVA; CARMO, 2015), emergiu a partir da necessidade

de alinhamento da intervenção de habilitados Trabalhadores Sociais cubanos com o

projeto revolucionário, de modo que pudessem responder de maneira qualificada às

demandas expressas pelo cenário nacional pós-final da Guerra Fria, superando as

competências de nível técnico médio. Embora haja divergências238 entre os autores

quanto a quem motivou a criação do curso, é indubitável que o Ministério da

Educação instituiu a habilitação no intento de repensar a profissão e capacitar os

Trabalhadores Sociais ativos num curso reconhecido como universitário239, na

medida em que na “[...] avaliação do Comandante Fidel Castro, era necessário uma

238

Enquanto autores como González Jubán, Yordi García e Caballero Rivacoba (2009) e Moraes (2011) apontam que o curso foi criado por solicitação do Ministério de Saúde Pública, da Sociedade Cubana de Trabalhadores Sociais da Saúde e da Federação de Mulheres Cubanas, outros, como Muñoz Gutierrez e outros (2012) afirmam que foi motivado pela Federação de Mulheres Cubanas, pelo Ministério do Trabalho e Seguridade Social e pelo Ministério do Interior.

239 O curso foi dirigido para “[...] pessoas que exerciam atividades de Trabalho Social pela FMC sem formação especializada, porém com nível de 12º ano; Trabalhadores Sociais formados em curso técnico médio, com idade entre 30 e 35 anos, com menos de dois anos de vínculo laboral e que tenham sido aprovados nas provas de ingresso (matemática e espanhol)” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 8, tradução nossa). No original: “[…] personal que ejercía la práctica de trabajo social por la FMC sin formación media especializada, pero con nivel de 12º grado; Trabajadores Sociales graduados de los técnicos medio de la especialidad, con límite de edad 30 años y hasta 35 años con dispensa, con vínculo laboral no menor de 2 años y exámenes de ingreso (matemática y español)” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 8).

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

166

nova direção ao trabalho social” (MUÑOZ GUTIERREZ et al., 2012, p. 6). Com plano

de estudos desenvolvido no decorrer de seis anos — com explícita ênfase

sociológica — e abarcando 44 disciplinas, das quais 16 voltadas particularmente ao

Trabalho Social, a formação proposta buscava superar as limitações do ensino

técnico médio e subsidiar, sociologicamente, uma intervenção mediada, em que os

profissionais habilitados em Trabalho Social analisassem com senso crítico as

mudanças impressas na realidade nacional e, consecutivamente, nas condições de

vida da população cubana.

Com o desígnio de fortalecer o que denominavam de “Trabalho Social” na

Ilha, na virada do século, iniciou-se a operacionalização da segunda estratégia, no

bojo da conhecida “Batalha de Ideias”, que se constituiu num conjunto de programas

dirigidos a potencializar a consciência política do povo cubano, num contexto de

ligeiro agravamento dos impactos sociais do bloqueio estadunidense. Como

partícipe dessa umbela, o Programa de Formação de Trabalhadores Sociais240,

impulsionado pela União de Jovens Comunistas (UJC), criado no ano 2000, em

Cojimar, na Cidade de Havana, atendeu às demandas de segmentos jovens que

conviveram intensamente com os efeitos desses anos de crise, possibilitando-lhes

formação básica em Trabalho Social, haja vista o número significativo de jovens que

se desvincularam dos estudos no “Período Especial em Tempos de Paz” e as

circunstâncias que denotavam riscos à estabilidade social e à viabilidade do projeto

revolucionário (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA,

2009; YORDI GARCÍA et al., 2012; MORAES, 2011; MUÑOZ GUTIERREZ et al.,

2012; HERNÁNDEZ MARÍN, 2012; GÓMEZ CABEZAS, 2015; SILVA; CARMO,

2015).

O fito foi possibilitar uma formação comprometida com o projeto ideopolítico

da Revolução Cubana, mesmo que “emergencial”, a qual, além de habilitar ao

Trabalho Social na comunidade e a um “quehacer” aviltado pela sensibilidade

humana e pelo senso de justiça, autorizava ingressar em cursos universitários das

Ciências Sociais e Humanas para os que não tivessem requisitos para ingresso.

Esse movimento, partícipe do projeto de universalização da educação em Cuba,

permitiu a habilitação a mais de 46.000 jovens (MUÑOZ GUTIERREZ; URRUTIA

BARROSO, s.d.), que, ao mesmo tempo, “[...] têm realizado tarefas importantes para

240

Ou Escolas de Formação Emergente de Trabalhadores Sociais.

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

167

o país, em particular as que fazem referência ao trabalho com jovens, crianças e

idosos”241 (MUÑOZ GUTIERREZ; URRUTIA BARROSO, 2005, p. 13, tradução

nossa).

O que se convencionou no Programa — e isso pode ser percebido ao longo

do processo histórico do Trabalho Social em Cuba — esteve reiteradamente

articulado às necessidades imediatas enfrentadas pelo país, o que, naquele

momento, não só se dava pela retomada das características em âmbito técnico, mas

pelo aligeiramento da formação,

[...] não porque desejasse empobrecê-la (e não haveria como enriquecê-la no espaço de tempo dedicado a essa capacitação), mas porque tinha um objetivo certeiro e pragmático: de um lado oferecer um espaço de formação à juventude que sofria claros impactos dos duros anos de crise econômica e, de outro, fazer um levantamento sobre as necessidades das famílias cubanas (SILVA; CARMO, 2015, p. 9).

Permeado de imprecisões, o Programa não alterou qualitativamente o

cenário do Trabalho Social, uma vez que não subsidiou densa e sólida formação

teórico-metodológica, quiçá um aparato técnico-operativo, que se manteve

embebido de efemeridade e praticismo. A falsa imagem criada com o Programa de

que os jovens poderiam intervir nas diferentes dimensões transversais à profissão

não excedeu a busca de alinhamento político dos jovens ao projeto revolucionário,

uma vez que, via formação, num período tão curto de tempo242, propôs um aditivo de

politização e ativismo social, que, por vias de justificação histórica, pode ter

relevância, contudo não o vincula a um estatuto científico e às latentes necessidades

expressas pela realidade social.

Nessa linha de análise, é inadequado considerar que a formação de nível

técnico aufere os mesmos atributos da formação graduada, uma vez que não se

propõe a ir além de “[...] mobilizar recursos humanos e institucionais para a

satisfação de necessidades e promover o bem-estar da população”243 (CUBA, 2000,

p. 3, tradução nossa). Mesmo que a formação em Trabalho Social permaneça

241

No original: “[…] han realizado tareas de gran importancia para el país, en particular las referidas al trabajo con jóvenes, niños y ancianos” (MUÑOZ GUTIERREZ; URRUTIA BARROSO, 2005, p. 13).

242 No que tange ao tempo de formação do Programa, também há dissensões entre os autores: enquanto Silva e Carmo (2015) apontam dois meses, González Jubán, Yordi García e Caballero Rivacoba (2009) indicam seis meses, e Moraes (2011) assinala um ano. Contudo sabe-se que o Programa iniciou com uma temporalidade e, na medida que as escolas foram sendo expandidas, ela foi estendida, mas não passou de um ano de duração.

243 No original: "[…] movilizar recursos humanos e institucionales para la satisfacción de necesidades e incrementar el bienestar de la población” (CUBA, 2000, p. 3).

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

168

aquém diante dos objetivos centrais do projeto social revolucionário e que, por sua

vez, possa inviabilizar a necessidade dessa profissão nos moldes latino-americanos,

é evidente o cariz incompreensivo do possível protagonismo da profissão no projeto

revolucionário. Sendo esse o movimento de reconceituar a profissão em Cuba ou

não, trata-se de atribuir aparato regulamentar e ético-político à profissão, condizente

com os preceitos revolucionários, de modo a superar a miscelânea formativa

elucidada pela trajetória sócio-histórica e pelas fragmentações244 impostas a ela.

Embora, em 2003-04, o Ministério de Saúde Pública tenha criado a

habilitação em Trabalho Social no Curso de Reabilitação Social e Ocupacional245,

distribuída em três etapas (Técnico Básico da Saúde246, Técnico Médio da Saúde247

e Técnico Superior ou Graduado em Tecnologia da Saúde248, com ênfase em

Reabilitação Social e Ocupacional) — assim como aconteceu na Sociologia —, a

profissão permaneceu predominantemente técnica, ainda que com fulgores ao

espaço universitário. Sem titubear, essa característica, peculiar ao Trabalho Social

cubano, limitou o acesso a fontes epistemológicas que poderiam opulentar a

244

O Programa Trabalhadores Sociais (CUBA, 2000) explicita essa fragmentação, quando estabelece princípios éticos voltados para seus egressos e não os valida para o conjunto dos trabalhadores sociais, dentre os quais, destacam-se: contribuir na defesa da revolução e do socialismo, sendo fiéis aos seus princípios e valores; cumprir os compromissos assumidos com o Programa; fomentar o respeito às normas éticas e legais da sociedade cubana; afastar-se dos pressupostos alheios à justiça social, pela qual devem lutar os trabalhadores sociais; praticar o respeito à dignidade das pessoas, independentemente da condição econômica, cultural, educacional, de saúde, sexo, religião, idade, ideologia, raça, dentre outros; prestar orientações à população; analisar as possibilidades de atendimentos aos problemas, sem criar falsas expectativas às pessoas; zelar pela inviolabilidade das informações pessoais; defender os princípios de justiça social com responsabilidade revolucionária.

245 “O plano de estudos tem um conjunto de conhecimentos que abarca desde os princípios e conceitos elementares de Trabalho Social e Terapia Ocupacional até estratégias de interpretação das necessidades, dos problemas sociais, das incapacidades, das aspirações, dos desejos e das frustrações das pessoas que sofrem de doenças no sistema osteomioarticular ou psiquiátricas, deficiências sensoriais, pacientes idosos e que requerem reabilitação psicossocial e integração com a comunidade, existindo um curso regular de cinco anos, com 49 disciplinas, educação para o trabalho e estágio, com um total de 2.672 horas” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 9, tradução nossa). No original: “El plan de estudio tiene un sistema de conocimientos que abarca desde los principios y conceptos elementales del Trabajo Social y la Terapia Ocupacional, hasta las formas más profundas de la interpretación de las necesidades, problemas sociales, discapacidades, aspiraciones, deseos y frustraciones de las personas que sufren de afecciones del sistema osteomioarticular o de aquellas que sufren de afecciones psiquiátricas, discapacidades sensoriales, pacientes geriátricos y que requieren de un proceso de rehabilitación psicosocial y de integración a la comunidad, existiendo un curso Regular de 5 años, con 49 asignaturas, educación al trabajo y práctica preprofesional para un total de 2672 horas” (GONZÁLEZ JUBÁN; YORDI GARCÍA; CABALLERO RIVACOBA, 2009, p. 9).

246 Habilitação conseguida após um ano de formação, em tempo integral.

247 Habilitação obtida em dois anos de formação, com ela, o estudante tem garantida a continuidade dos estudos a partir do seu espaço ocupacional.

248 Cursando dois anos mais e submetendo-se ao exame de habilitação profissional no quinto ano, o estudante titula-se Licenciado em Tecnologia da Saúde.

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

169

dimensão teleológica do trabalho profissional e, consecutivamente, do seu caráter

político junto ao projeto de transição revolucionária.

As nuances da realidade hodierna da Ilha e a heterogeneidade tanto das

modalidades do processo formativo, quanto da apreensão do Trabalho Social,

levaram à suspensão da formação após decisão estatal de reordenar as políticas

sociais249 e, em consequência, (re)institucionalizar o Trabalho Social, já

desaparecido, pois, ao mesmo tempo em que foi entendido a partir de uma formação

inespecífica, podendo ser oriunda de qualquer área sócio-humanística, também foi

percebida, por outro grupo, a partir da necessidade pungente e improtelável de

formação acadêmica na área, generalista, que supere o tecnicismo setorial e

assistencialista. Não obstante isso, embasado em fundamentos epistemológicos e

axiológicos críticos, busca-se que o Trabalho Social esteja habilitado a realizar

intervenções profissionais nas diferentes políticas sociais, desenvolvendo atribuições

particulares que conferem seu significado social no histórico arranjo societário.

Na encruzilhada em que a profissão se encontra em Cuba, em tempos

em que está na mesa de debates a possível retomada da formação e em que as

mudanças conceituais são demasiadas lentas, as condições objetivas do país

possibilitam as bases concretas e tangíveis para o Trabalho Social romper com certo

imobilismo e burocratismo profissional e constituir-se como “mediador por excelência

entre os cidadãos e a institucionalidade promotora da reatualização do modelo de

desenvolvimento cubano”250 (MUÑOZ GUTIERREZ; URRUTIA BARROSO, s.d.,

p. 161, tradução nossa), sob sólidos pressupostos teórico-metodológicos

revolucionários.

Mesmo que concepções ambíguas estejam em disputa, há que se

considerar que a profissão, desde o processo de transição, rompeu com o caráter

auxiliar e subsidiário à difusão ideológica de subsunção de uma classe a outra e

com a indulgência, tão proliferada nos tempos pré-revolucionários, para se atrelar à

conceição universalista das políticas sociais, fundamento que outorga seus avanços

e limites. Ainda que a tendência predominante seja atrelar o Trabalho Social à

militância geral da população cubana em defesa e aprofundamento do projeto

249

Via Decreto-Lei nº 286 do Conselho de Estado, de 2011, intitulado “Da Integração do Trabalho de Prevenção, Assistência e Trabalho Social”.

250 No original: “mediador por excelencia entre los ciudadanos y la institucionalidad promotora de la reactualización del modelo de desarrollo cubano” (MUÑOZ GUTIERREZ; URRUTIA BARROSO, s.d., p. 161).

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

170

revolucionário, esse se constitui como solo histórico elementar à conjugação de

preceitos ético-políticos explicitamente articulados com o projeto societário em voga.

A despeito de, contemporaneamente, o Trabalho Social cubano estar

embebido de um contexto sócio-histórico que busca desintegrar estruturas

burguesas e se assentar na “universalização dos direitos sociais de cidadania,

através de ampla intervenção estatal e de sua regulação em todas as esferas e

serviços homogeneizados para toda a sociedade”251 (ESPINA PIETRO, 2012, p.

228, tradução nossa), há que se cultivar o debate teórico-crítico a partir de

organizações societárias como Cuba, que fomentam níveis mais expressivos de

emancipação e têm como horizonte assertivas emancipatórias humanas. Reforçar,

no âmbito do Trabalho Social cubano, um projeto societário anticapitalista —

considerando suas particularidades sócio-históricas e sua edificação no âmbito de

um projeto regido pela apropriação privada da riqueza socialmente produzida —

longínquo de tendências a-históricas e idealistas é asseverar a interlocução da

profissão com a transição da consciência “para si” da população, via refutação de

posições endógenas e/ou corporativistas, “[...] reconstruindo as mediações

necessárias para tal. É com esta base que será possível estimular um debate crítico

capaz de repelir invasões positivistas, funcionalistas, sistêmicas, entre outras, nos

espaços afeitos à tradição revolucionária marxiana e marxista” (SILVA; CARMO;

MUÑOZ GUTIERREZ, 2013, p. 7).

Nesse núcleo analítico, no item a seguir, buscar-se-á abalizar as

aproximações e dissensões evidenciadas entre o Serviço Social brasileiro, o chileno

e o cubano ao longo do item 5.1, a partir dos eixos que sustentam o conjunto desta

produção: história, teoria e método.

5.2 APROXIMAÇÕES E DISSENSÕES ENTRE O SERVIÇO/TRABALHO SOCIAL

BRASILEIRO, O CHILENO E O CUBANO: ESFORÇOS PARA A

CONSTITUIÇÃO DE UMA SÍNTESE RELACIONAL

Não se trata de uma tarefa simples realizar uma síntese a partir de

realidades tão díspares, conforme as asserções evidenciadas anteriormente (itens

251

No original: “universalización de los derechos sociales de ciudadanía, a través de una amplia intervención estatal y de su regulación en todas las esferas y de servicios homogenizados para toda la sociedad” (ESPINA PIETRO, 2012, p. 228).

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

171

5.1.1, 5.1.2 e 5.1.3). Exatamente em face das inúmeras particularidades expressas

pela profissão nos países, a proposta deste item é agrupar esforços para constituir

uma síntese relacional, e não comparativa, das aproximações e dissensões dos

elementos que sustentam os Fundamentos do Serviço Social no Brasil, no Chile e

em Cuba e que se constituem, transversalmente, em eixos de análise (item 2.2)

— história, teoria e método — no trabalho ora apresentado.

O debate acerca dos processos histórico-profissionais dos três países

revela que a profissão se afirma como especialização do trabalho coletivo no marco

do desenvolvimento capitalista, que traz no seu verso a polarização e a expropriação

de classe

[...] resultantes dos modos de produção e reprodução social, dos modos de desenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacional e na região em seu complexo. Ela se funda nos conteúdos e formas assimétricos assumidos pelas relações sociais, em suas múltiplas dimensões econômicas, políticas, culturais, religiosas, com acento na concentração de poder e de riqueza de classes e setores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constituem as maiorias populacionais, cujos impactos alcançam todas as dimensões da vida social, do cotidiano às determinações estruturais (WANDERLEY, 2013, p. 68).

No seio da ordem monopólica e das relações que lhe esteiam, é

indispensável considerar a dinâmica sócio-histórica e conjuntural em que o Serviço

Social emerge como profissão, uma vez que a lógica dominante não pressupõe

colocar em risco a continuidade de sua finalidade econômica e as possibilidades de

sua reprodução ampliada diante da crescente pauperização a que o trabalhador se

torna exposto e da pressão social por essa classe emanada (NETTO, 2001a;

IAMAMOTO, 2010).

Sobretudo, mesmo que a gênese lhes denote aproximações genéticas

— no Brasil e no Chile, pela influência católica nos marcos da emergência, e, em

Cuba (assim como no Brasil e no Chile, nos anos 1940), pela influência norte-

americana, no período em que se espraiava ideologicamente pelo conjunto da vida

social, em toda a América Latina e o Caribe —, os caminhos profissionais

traçados são particulares à processualidade sociopolítica e econômica dos

países. Enquanto Brasil e Chile imergiam em políticas de substrato externo — as de

“Boa Vizinhança” — e indicavam à profissão a improtelável necessidade de

problematizar a realidade latino-americana em face das transformações operadas,

Cuba, ao revés, estatuiu um movimento revolucionário, que, até os dias atuais, com

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

172

avanços e retrocessos, busca salvaguardar as bases sociais de um projeto

societário pioneiro na região.

Esses indicadores, mormente, possibilitam apreender a dimensão histórica

dos Fundamentos da profissão, sem deslocá-la do seu significado social: como

devir histórico, produto e produtora das relações das quais participa. É sob

esse prisma que, após o Movimento de Reconceituação, teórico-

-metodologicamente falando, a profissão, no Brasil e no Chile, teve conduções

refletidas pelos deletérios rebatimentos dos anos autocráticos burgueses. No que

tange ao Brasil, especificamente, as vias à transição democrática auferiram

fortalecimento com a resistência de novos sujeitos sociais coletivos, que, contestes

às duras cenas dos anos de ditadura burguesa e incitados pelas expressões dos

movimentos de trabalhadores, trouxeram à tona a busca pela ampliação dos “canais

de participação [da] sociedade civil, dirigindo suas reivindicações por intermédio dos

movimentos populares e sindicais” (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 73). Aviltado

pelas reivindicações do movimento de massa dos trabalhadores

— fundamentalmente do ABC Paulista — e pelos vetores reconceituadores internos

à profissão, o Serviço Social brasileiro coadjuvou na continuidade do legado crítico

iniciados nos idos de 1960, na América Latina. Mostrou-se, nessa trama, o papel

protagônico desenvolvido pelos movimentos de classe na época, porque, além de

compartilhar as mesmas posições, maturadamente, hoje as atrela a um conjunto de

lutas que prospecta novas bases sociopolíticas.

No Chile, por sua vez, a realidade traçou caminhos discrepantes ao

evidenciado no Brasil. No tempo em que o país continental já avançava na

atualização de instrumentos regulamentares e éticos, concertados com a intenção

de ruptura com o conservadorismo profissional, o Chile iniciou seu processo de

abertura democrática, depois dos mais longos anos de ditadura autocrática

burguesa em toda a América Latina. Ainda que a derrocada eleitoral de Pinochet

ilustre o intento popular, o primeiro governo democrático pós-ditadura herdou

enclaves autocráticos e tratou de aprofundar a enceta neoliberal iniciada pelo

ditador, sob auspícios de uma democracia burguesa. É ineludível afiançar, nesse

cenário, que o processo de transição chileno foi embebido de ceticismo conjuntural,

uma vez que “[...] produziu uma desarticulação na relação entre política e atores

sociais, que tende a substituir a antiga forma de ‘imbricação’ entre partidos e

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

173

organizações sociais por uma de ‘tensão’ e busca de autonomia das segundas no

interior dos primeiros” (GARRETÓN, 1992, s.p.).

Esse panorama instituiu, no Trabalho Social, certa anomia chilena em

relação aos legados críticos do Movimento de Reconceituação, na medida em que,

quando as circunstâncias se mostraram factíveis à construção de bases

ideopolíticas voltadas a esse fito, os movimentos internos à profissão condisseram

com a retomada do status universitário, sem sucumbir com a formação em nível

técnico que asseverava laços de continuidade com o conservadorismo

profissional.

A argúcia crítica — de base reconceituadora — foi rebaixada ao limbo

epidérmico das determinações ontológicas da objetividade humana, na medida em

que a apreensão histórico-concreta da vida social foi colocada em segundo plano e

enfeixada ao subjetivismo e ao formalismo — o qual Coutinho (2010) denomina de

“miséria da razão”252 —, e a tendência crescente no trabalho profissional foi o

escamoteio da análise ontológica em detrimento da sobrevalorização das dimensões

imediatas e reificadas, que resultou na supressão da análise dos processos sociais

em sua historicidade. O triunfo da razão instrumental em relação à ontológica

reverberou uma “[...] progressiva paralisação da razão crítica-ontológica,

desqualificando intelectualmente os sujeitos históricos capazes de reconstruírem a

dinâmica do real e de porem em movimento as possibilidades implícitas na

realidade” (SILVA, 2013, p. 265).

[...] é como que um espelho em que se refletem os dados mais imediatos da sociabilidade própria ao tardo-capitalismo e à sociedade tardo-burguesa: a atomização da vida social, o fragmentário e o efêmero das relações humanas nas metrópoles, o intimismo e o particularismo a que são compelidos os indivíduos na sua vida cotidiana manipulada, a inépcia das instituições sociopolíticas universalizadoras que acaba por compelir a ação política a intervenções moleculares, a descontextualização das experiências pessoais no marco das infovias, a espetacularização do acontecimento, a avalanche simbólica que satura os espaços sociais, a obsolescência programada do mundo das mercadorias e a compressão espaço-temporal experimentada por centenas de milhões de homens e mulheres. [...] É à razão moderna, de extração ilustrada, que o pensamento pós-moderno atribui hipoteca da destruição da natureza e da servidão contemporânea dos homens e mulheres (NETTO, 2010, p. 266).

Sem titubear, a recusa da crítica constituiu-se como uma das marcas

históricas do Trabalho Social no Chile, que não só asseverou o pluralismo

252

Fazendo uma analogia à célebre “destruição da razão”, de Lukács, Coutinho (2010, p. 18) entende “miséria da razão” como “[...] o radical empobrecimento agnóstico das categorias racionais, reduzidas às simples regras formais intelectivas que operam na práxis manipulatória”.

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

174

teórico-metodológico instaurado em tempos de autocracia, como enfraqueceu os

veios de consolidação de um projeto contra-hegemônico.

Por outro lado, Cuba, diferentemente do Brasil e do Chile, teve sua

processualidade sócio-histórica abancada nas peculiaridades do projeto

revolucionário. Entre os zigue-zagues de abertura e fechamento da formação, é

nítido que o Trabalho Social cubano não deteve autonomia para sobrepujar os

debates relativos à profissão, uma vez que, em se tratando de um Estado em

transição, ou de uma “sociedade híbrida” para Marx, a mediação do Estado cubano

ainda se faz muito presente. Não se trata, sobretudo, do que se poderia denominar

de Estado proletário ou ditadura do proletariado, mas é, nomeadamente, anti-

-imperialista, pois estatizou os meios de produção, socializou processualmente com

o operariado e, de maneira tímida, institui(u) os alicerces para que os trabalhadores

estabelecessem relação dialética entre produção e seu caráter social e político.

Nessa ótica, quem exerce o controle e o domínio direto dos meios de produção é o

Estado — marcadamente pela centralização e pela burocratização —, apesar de a

participação popular nos Comitês de Defesa da Revolução253 (CDRs), nos

Conselhos Populares254, nos Comitês de Empresas Públicas e, consecutivamente,

nas Assembleias do Poder Popular 255 ser fulcral marca da democracia em Cuba.

Mesmo tratando-se de uma voz de resistência e não de hegemonia, que,

por ventura, traça esses mecanismos constitutivos do período de transição como

253

Os CDRs são organizações não governamentais estruturadas em todo o território nacional, tanto na área rural quanto na urbana, com o intuito de promover a vigilância coletiva do projeto revolucionário por meio de atividade desenvolvida de forma voluntária pela população, em prol da comunidade. Para maiores informações, consultar: <http://www.ecured.cu/Comit%C3%A9s_de_Defensa_de_la_Revoluci%C3%B3n#.C2.BFQui.C3.A9nes_somos.3F>.

254 Os Conselhos Populares foram criados com o objetivo de garantir a participação da população e conhecer as necessidades desta, bem como as possibilidades de seu atendimento. “Trabalham ativamente pelo desenvolvimento eficiente das atividades de produção e de serviços e pela satisfação das necessidades assistenciais, econômicas, educacionais, culturais e sociais da população, promovendo a maior participação desta e as iniciativas locais para solução de seus problemas” (CUBA, 2005, p. 61, tradução nossa). No original: “Trabajan activamente por la eficiencia en el desarrollo de las actividades de producción y de servicios y por la satisfacción de las necesidades asistenciales, económicas, educacionales, culturales y sociales de la población, promoviendo la mayor participación de ésta y las iniciativas locales para la solución de sus problemas” (CUBA, 2005, p. 61).

255 As Assembleias do Poder Popular amparam-se nos Conselhos Populares e ocorrem em níveis local, provincial e nacional, sendo as Assembleias do Poder Popular nacional, conforme a Constituição da República de Cuba (2005, p. 44, tradução nossa), “[...] o órgão supremo do poder do Estado. Representa e expressa a vontade soberana de todo povo” e “[...] é o único órgão com poder constituinte e legislativo da República”. No original: “[...] o órgano supremo del poder del Estado. Representa y expresa la voluntad soberana de todo el Pueblo” e “[...] es el único órgano con potestad constituyente y legislativa en la República” (CUBA, 2005, p .44).

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

175

estratégia ou necessidade, é tácito que ainda “o livre desenvolvimento de cada um”

não se constitui plenamente como “condição para o livre desenvolvimento de todos”

(MARX; ENGELS, 2007). Ao revés, há que se afirmar que Cuba avançou na

indivisibilidade e na proteção dos direitos humanos, por meio da universalização do

acesso a direitos como educação e saúde, corroborando a indispensável proscrição

da propriedade privada, pois ela “[...] já [estava] abolida para nove décimos de seus

membros; ela [existia] precisamente porque não [existia] para esses nove décimos”

(MARX; ENGELS, 2007, p. 62).

Os processos histórico-profissionais do Trabalho Social, nessa ótica,

atrelaram-se à dinâmica do Estado cubano, a qual conduziu as vias de seus

avanços e retrocessos. Subordinadamente a isso, evidenciou-se constante

setorialização do “quehacer” e dos saberes profissionais em Cuba, sob os quais se

revelaram

[...] 2. A orientação indefinida, [na qual] predomina uma ótica pragmática ou, pelo contrário, ideologizante. 3. O objeto de intervenção designa-se através da evidência empírica, tomada diretamente da realidade, sem que haja mediações teóricas. 4. A conceituação que se realiza fundamenta-se em conceitos de ciências afins, não havendo interesse em produzir sistematizações que transcendam o empirismo. 5. O objeto de intervenção é identificado com o sujeito portador do problema e, nesse caso, perdem-se de vista os marcos sociais em sua totalidade [...]

256 (MUÑOZ GUTIERREZ;

URRUTIA BARROSO, 2005, p. 3, tradução nossa).

Se esse cenário irradiou incontestáveis desafios teórico-metodológicos à

profissão em Cuba, no Brasil, essa expressão revelou-se ainda mais complexa, uma

vez que compõe forças contra-hegemônicas, sob as bases de uma sociedade

expropriante. Com hegemonia teórico-metodológica coletivamente asseverada

desde meados do período 1980-90 (item 5.1.1), o Serviço Social brasileiro irrompeu

nas facetas historicamente conservadoras ocorridas no bojo da sociedade brasileira

e, frente a isso, fortaleceu-se no movimento coletivo da classe trabalhadora. No

Chile, novamente essa realidade se procrastinou. Ainda que setores minoritários da

categoria, mas importantes, tenham exercido tensionamentos e disputas, ainda

256

No original: “[…] 2. La indefinición de su orientación, predomina una óptica pragmática o por el contrario una ideologizante. 3. El objeto de intervención se designa a través de la evidencia empírica, tomada directamente de la realidad, sin que medie ningún proceso de teorización. 4. La conceptualización que se realiza se fundamenta en conceptos tomados de otras ciencias afines, no hay un interés por producir una sistematización que trascienda la experiencia práctica. 5. El objeto de intervención se identifica totalmente con el sujeto portador del problema, y en ocasiones se pierden de vista marcos sociales más amplios […]” (MUÑOZ GUTIERREZ; URRUTIA BARROSO, 2005, p. 3).

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

176

prevaleceu a adesão a um projeto conservador, na medida em que o diálogo com

vertentes críticas foram admitidas sob prismas ecléticos, até mesmo opostos.

Para apreender tais posições expressas em termos políticos (inclusive

organizativos), há que se ter em conta as peculiaridades nacionais, uma vez que

revelam desdobramentos ideopolíticos coadunados com a dinâmica

sociopolítica. Não versada como epifenômeno, a atividade política, no sentido

histórico e dialético do termo, redige aspirações de um coletivo frente à dimensão

totalizante da vida social. Essa perspectiva histórica excede a dinâmica corporativa,

na medida em que atrela a atividade política corporativa a um projeto de maior

magnitude, um projeto de corpus societário. Sobretudo, a consolidação das arenas

do fazer político perpassa também o lócus da pequena política, como denomina

Gramsci, ao passo que o fortalecimento de um projeto individual e/ou profissional se

funde ao fortalecimento da projeção intencionada de um dever ser coletivo.

Nessa ótica de análise, é nítido que as bases teórico-metodológicas e

ideológicas expressas em solo profissional conduzem não somente à sua concepção

de política, mas, inclusive, influem na própria organização político-profissional e no

seu posicionamento frente à realidade concreta, na medida em que desnudam “a

consciência operosa da necessidade histórica, como protagonista de um drama

histórico real e efetivo” (GRAMSCI, 2000b, p. 17).

Diante disso, no Brasil, a vontade política — como diria Gramsci — expressa

a hegemonia asseverada pela articulação entre o Cfess, a ABEPSS e a Enesso

(item 5.1.1), os quais, historicamente, constituíram suas lutas em consonância com

os princípios ético-políticos expressos pelo Projeto Ético-Político Profissional,

enquanto dimensão coletiva que se traduz como “[...] uma força viva que nos infunde

ânimo e ultrapassa os limites individuais” (IAMAMOTO, 2003, p. 102).

Por outro lado, o protagonismo político manifesto no Chile prescindiu (e

prescinde) de articulação orgânica e intencionalidade coletiva, na medida em que,

nos últimos tempos, tem instituído mudanças elementares nas entidades, mas ainda

carece de legitimação política. A título representativo, tem-se a recém-designada

Associação Chilena de Escolas de Trabalho Social Universitárias257 (Achetsu), que

deriva da Achets, com vistas: à promoção e à defesa da qualidade da formação em

nível de graduação e pós-graduação; ao fortalecimento político das escolas de

257

No original: “Asociación Chilena de Escuelas de Trabajo Social Universitarias”.

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

177

Trabalho Social; e à potencialização da pesquisa na área, de modo a fomentar o

desenvolvimento da produção do conhecimento. Embora a reconstrução tenha

ocorrido no segundo semestre de 2015, com revisão de estatutos e objetivos, ainda

são tímidas — para não dizer inexistentes — as menções acerca da articulação com

a Conetso (entidade estudantil) e o Colégio Nacional de Assistentes Sociais do Chile

A. G.258 (Cnaass)259 (trabalho profissional) para o fortalecimento político coletivo da

profissão no Chile. Ainda que a denominação da entidade que zela pelo trabalho

profissional expresse a insistência tecnicista conservadora na nomeação “Assistente

Social”, nos bastidores profissionais, utiliza-se a designação “Trabalhadores Sociais”

como uma tendência emergente nos corpus interno — assim como se registra na

entidade voltada à formação —, de modo a contemporaneizar a entidade aos

desafios que embebem a profissão no país andino e, reverberadamente,

“[...] assegurar e promover racionalização, desenvolvimento, proteção, progresso,

prestígio e prerrogativas à profissão de Assistente Social[260], por seu regular e

adequado trabalho e pelo bem-estar econômico-social e coletivo de seus

membros”261 (CNAASS, 2004, p. 1, tradução nossa), seu objetivo principal.

No que tange à organização política da categoria em Cuba, a realidade é

destoante da do Brasil e do Chile. Tendo em vista que não prevalece a lógica

corporativa em Cuba, mas uma prospecção coletiva de organização social, não há

um movimento estudantil específico do Trabalho Social no país, mas a articulação

258

No original: “Colegio Nacional de Asistentes Sociales de Chile A.G”. 259

Para fins de registro, “O Colégio de Assistentes Sociais do Chile A. G. é uma associação coletiva, constituída em virtude do artigo 1º do Decreto-Lei nº 3.621, como sucessora legal do Colégio de Assistentes Sociais do Chile, criado pela Lei nº 11.934, de 1955, e modificado pela Lei nº 17.695, de 1972, e será regido pelos presentes Estatutos e pelas disposições do Decreto-Lei nº 2.757 de 29 de junho de 1979, e pelas suas modificações posteriores. A organização denominar-se-á ‘COLÉGIO DE ASSISTENTES SOCIAIS DO CHILE A. G.’, e, para efeitos destes Estatutos, ‘o Colégio’” (CNAASS, 2004, p. 1, tradução nossa). No original: “El Colegio de Asistentes Sociales de Chile A. G., es una asociación gremial, constituida en virtud del Art. 1° del Decreto Ley N°3.621, como sucesora legal del Colegio de Asistentes Sociales de Chile, creado por Ley N°11.934 del año 1955, y modificada por la Ley N°17.695 del año 1972, el que se regirá por los presentes Estatutos y por las disposiciones del Decreto Ley 2757 de fecha 29 de Junio de 1979 y sus modificaciones posteriores. La organización se denominará ‘COLEGIO DE ASISTENTES SOCIALES DE CHILE A. G.’, y en adelante, para los efectos de estos Estatutos, ‘el Colegio’" (CNAASS, 2004, p. 1). Dessa forma, conforme o Estatuto, o Cnaass está estruturado em três níveis: nacional (Assembleia Nacional, Conselho Nacional, Tribunal de Ética e Conselho Fiscal); regional (Coordenação Regional, Assembleia Regional e Conselho Regional); e provincial (Assembleia Provincial, Diretório Provincial e Conselho Fiscal Provincial).

260 Leia-se “Trabalhadores Sociais”.

261 No original: “[…] velar y promover la racionalización, desarrollo, protección, progreso, prestigio y prerrogativas de la profesión de Asistente Social, por su regular y correcto ejercicio y por el bienestar económico-social y gremial de sus miembros” (CNAASS, 2004, p. 1).

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

178

junto à Federação de Estudantes do Ensino Médio262 (FEEM) e à Federação

Estudantil Universitária263 (FEU), as quais estão atreladas à União de Jovens

Comunistas264, organização política de vanguarda dos preceitos revolucionários,

declaradamente anti-imperialista e internacionalista265.

Essa mesma dinâmica se expressa no âmbito da formação profissional, em

que as diretrizes não são dimanadas por uma entidade que busca projetar os eixos

estruturantes das bases que fundamentam e legitimam a profissão, mas de

orientações gerais do Ministério da Educação, que estreitam afinidade com o projeto

revolucionário. Não se trata de denegar o alinhamento com a projeção

revolucionária, mas de reafirmar que a entidade política exerce papel dinamizador

no entrelaçamento profissional com os pressupostos do projeto, porque conduzem,

na esteira teórico-metodológica, clareza de finalidade ao trabalho profissional, que,

além de garantirem protagonismo à ótica universalizante dos direitos humanos,

rumam à conservação e ao aprimoramento do movimento iniciado nos anos 1950.

Esse contexto apresenta nítidas fragilidades do Trabalho Social em Cuba,

não só pela ausência de formação em nível universitário, mas pela reiterada lógica

empirista e setorializada do trabalho profissional, que, mormente, se expressa no

veio político-organizacional por área e/ou setor, na medida em que a Socutras

agrupa Trabalhadores Sociais de nível técnico médio e em Reabilitação Social e

Ocupacional, bem como aqueles que participam da promoção, da prevenção, da

reabilitação, da pesquisa e da docência, elementarmente atrelados à política de

saúde (SOCUTRAS, 2013). Apesar dessa fragmentação, é indiscutível o

protagonismo exercido pela entidade desde os anos 1970, a qual ultrapassa a

veiculação da esfera do trabalho profissional e ousa adentrar o campo da formação,

na medida em que fixa objetivos operativos e científicos para o Trabalho Social no

campo da saúde, com o fito de

262

No original: “Federación de Estudiantes de la Enseñanza Media”. 263

No original: “Federación Estudiantil Universitaria”. 264

No original: “Unión de Jóvenes Comunistas”. 265

A UJC “[...] conta com o reconhecimento e estímulo do Estado na sua primordial função de promover a participação das massas juvenis nas tarefas de edificação socialista e de preparar os jovens como cidadãos conscientes e capazes de assumir responsabilidades cada dia maiores em benefício da sociedade” (CUBA, 2005, p. 16, tradução nossa). No original: “[…] cuenta con el reconocimiento y el estímulo del Estado en su función primordial de promover la participación activa de las masas juveniles en las tareas de la edificación socialista y de preparar adecuadamente a los jóvenes como ciudadanos conscientes y capaces de asumir responsabilidades cada día mayores en beneficio de nuestra sociedad” (CUBA, 2005, p. 16).

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

179

[...] contribuir com a atividade científica para elevar o nível de saúde da população, no intuito de constante evolução para torná-la qualitativamente superior, apoiando o desenvolvimento continuado do Sistema Nacional de Saúde; colaborar na divulgação das principais conquistas técnico- -científicas no âmbito do Trabalho Social no campo da saúde, na promoção, prevenção, assistência, reabilitação, investigação e docência, mediante o intercâmbio, a troca de experiências individuais e coletivas em eventos e atividades científicas; aprofundar e ampliar os conhecimentos filosóficos, metodológicos e éticos do Trabalho Social, promovendo o desenvolvimento do pensamento científico dos profissionais; organizar eventos científicos (congressos, conferências, jornadas, seminários, colóquios, mesas redondas, painéis e simpósios) relacionados com o Trabalho Social; colaborar com as instituições docentes, em todos os níveis do Sistema Nacional de Saúde, no desenvolvimento exitoso de programas e estratégias de trabalho; assim como [suscitar] a introdução de conquistas da ciência e da tecnologia no campo da educação; assessorar os planos de formação continuada dos docentes, quando demandado pelo Ministério de Saúde Pública, pelo Ministério da Educação ou pelo Ministério de Educação Superior; participar em eventos científicos nacionais e internacionais, como participante ou convidada; estabelecer vínculos com sociedades e associações nacionais e estrangeiras, dentre outras

266

(SOCUTRAS, 2013, p. 1-2, tradução nossa, grifos nossos).

Se o Trabalho Social cubano não dispõe de entidades que congregam a

totalidade dos trabalhadores sociais — em consonância com os pressupostos do

processo de transição —, tampouco adquire substrato político-profissional na

definição e na sustentação de bases teórico-metodológicas que aludem a

(re)significação e a projeção do trabalho profissional no projeto revolucionário. Há

que se considerar, sobretudo, que, mesmo que o corporativismo esteja em patamar

inexpressivo para o projeto de maior magnitude, o Trabalho Social se encontra

articulado a duas das políticas estruturantes em Cuba, quais sejam: saúde e

educação. Com base nesse suposto, acredita-se que não há promiscuidade da

profissão em Cuba, mas um protagonismo que se mantém imerso numa

266

No original: “[…] contribuir con la actividad científica a la elevación del nivel de salud de la población, en su constante evolución hacia estadías cualitativamente superiores, apoyando el permanente perfeccionamiento del Sistema Nacional de Salud; colaborar en la divulgación de los principales logros científico-técnicos en el ámbito del Trabajo Social en el campo de la Salud, en la promoción, prevención, asistencia, rehabilitación, investigación y docencia, mediante el intercambio, la discusión frecuente de sus experiencias individuales y colectivas en eventos y actividades científicas; coadyuvar en la profundización y aplicación de los conocimientos filosóficos, metodológicos y éticos del Trabajo Social, procurando el desarrollo del pensamiento científico de nuestros profesionales; organizar eventos científicos (congresos, conferencias, jornadas, seminarios, coloquios, mesas redondas, paneles y simposios) relacionados con el Trabajo Social; colaborar con las direcciones de instituciones docentes, a todos los niveles del Sistema Nacional de Salud, en el desarrollo exitoso de los programas y estrategias de trabajo; así como en la introducción de los más actuales logros de la ciencia y la técnica en el campo de la educación; asesorar los planes de superación y formación continuada de los docentes, cuando le fuere demandado por el Ministerio de Salud Pública, el Ministerio de Educación o el Ministerio de Educación Superior; participar en eventos científicos nacionales e internacionales que se celebren y a los cuales fuere invitada; establecer vínculos con sociedades y asociaciones análogas nacionales y extranjeras, entre otras” (SOCUTRAS, 2013, p. 1-2, grifos nossos).

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

180

coletividade, em atribuições que são irrestritas a uma ou a outra área. É da

sociedade a responsabilidade com a área social.

Nessa ótica, o Serviço Social no Brasil, no Chile e em Cuba explicitam

dissensões no que tange à organização política-profissional, conforme se

evidencia na sistematização apontada na Figura 3, a seguir exposta.

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

181

Figura 3 — Organização político-profissional do Serviço e/ou Trabalho Social no Brasil, no Chile e em Cuba — 2016

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

182

Numa primeira leitura da Figura 3, é possível corroborar a ausência de

articulação acadêmica e profissional do Trabalho Social em Cuba, pelos elementos

anteriormente elencados. Outrossim, apesar de a profissão no Chile aferir

representações no âmbito acadêmico, profissional e estudantil, o divórcio entre tais

limita a constituição de uma esteira de sustentação política da profissão, que

tampouco explicita coletivamente sua razão de ser e dever ser. Se, em Cuba, se

registram motivações atreladas a uma conjuntura socialmente objetivada, a

profissão no Chile semelha a gestar processos profissionais embrionários, em que a

difusão teórico-metodológica e a (in)definição de um objeto profissional se

constituem enquanto questões de fundo — curiosamente, está se referindo do

mesmo país que solidificou as bases da gênese no Serviço Social na América Latina

e no Caribe e que exerceu protagonismo na expansão da profissão na região (latino-

americana e caribenha) e no Movimento de Reconceituação.

No Brasil, ademais, a articulação salienta-se em relação aos países

mencionados, mas não é isenta de tensões e divergências. Apesar do caráter

corporativo, sua sustentação está em torno de uma projeção política comum, que

atrela a profissão ao conjunto das lutas dos trabalhadores e (re)desenha suas lutas

no sentido de problematizar a conjuntura do mundo do trabalho, a avalanche

conservadora no âmbito da sociedade brasileira, o caráter atribuído às políticas

sociais e, de maneira peculiar, o fortalecimento do corpus profissional no

enfrentamento dos desafios hodiernos postos à classe trabalhadora.

Particularmente, é a juntura política entre as entidades que se constitui enquanto

“[...] elemento fundante para a manutenção do projeto ético-político profissional, na

medida em que um projeto profissional que objetiva a realização e ampliação de

direitos só se mantém se contar com uma base social de sustentação política, o que

coloca a práxis política como meio mais adequado à sua realização” (RAMOS, 2005,

p. 100).

Sem apelar à endogenia, há que se destacar a contribuição brasileira à

organização política latino-americana, que se registra densamente desde o lastro do

Movimento de Reconceituação, quando se constituiu como personagem fulcral na

difusão de bases teórico-críticas ao Serviço Social na América Latina. De lá para cá,

consubstanciado pelos legados do referido Movimento e mediante esforços

imperfeitos, o Serviço Social tem buscado constituir forças de resistência frente aos

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

183

desmontes e às desregulamentações que infringem seus pressupostos ético-

-políticos. Nessa esteira, em nível latino-americano,

[...] foi acompanhado da construção da hegemonia de um outro projeto político-profissional, que afirma a adesão aos imperativos do mercado, dócil aos influxos neoliberais; um projeto profissional débil teoricamente e dotado de fortes traços pragmatistas e empiristas. O Serviço Social passa a atuar sobre fragmentos isolados da questão social, perdendo a dimensão da totalidade e da luta de classes (IAMAMOTO, 2004, p. 107).

Nesse aspecto de análise, se as particularidades revelam que os fatores que

legitimam a profissão em sua gênese são conformes aos três países e que a

condução sócio-histórica e a hegemonia teórico-metodológica manifestam

dissensos, essa característica também é relativa à organização

político-profissional — conforme se visualiza na Figura 3 — e à formação

profissional. É tácito que, enquanto a profissão, no Chile e em Cuba, delata a

ausência de diretrizes gerais para a formação em Trabalho Social pelas entidades

da categoria, o protagonismo novamente prevalece ao Brasil, ao apresentar

diretrizes gerais para a formação profissional em Serviço Social, em seus

condicionantes sócio-históricos e ideopolíticos, a partir de um rigoroso trato teórico,

histórico e metodológico da concretude da vida social, em face das profundas

transformações operadas, nos anos 1990, “nos processos de produção e

reprodução da vida social, determinados pela reestruturação produtiva, pela reforma

do Estado e pelas novas formas de enfrentamento da questão social [...]” (ABEPSS,

1996, p. 4-5).

A capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa

coaduna-se com a formação de profissionais habilitados e ligeiramente

comprometidos com a apreensão crítica do processo histórico como totalidade do

significado social da profissão, das demandas postas ao Serviço Social, da

investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos e

do trabalho profissional atrelado às competências e às atribuições que lhe

particularizam no âmbito da divisão social e técnica do trabalho (ABEPSS, 1996).

A particularização do perfil da formação graduada delineia a natureza

teleológica do trabalho profissional, que transita do caráter meramente interventivo

às novas determinações que emanam o significado e a utilidade social do trabalho

profissional do Assistente Social — em suas dimensões concretas e abstratas,

consoantes ao projeto profissional historicamente fundado. Além de expandir os

lastros profissionais — teórica e politicamente —, implica a indispensável

Page 186: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

184

consideração de suas condições objetivas e dos limites do assalariamento

interpostos, que tencionam a projeção profissional no marco da luta de classes.

No bojo da produção e da reprodução da força de trabalho — que, de forma

contraditória, resvala em armadilhas reificadas —, o trabalho profissional do

Assistente Social incide em mediações que extrapolam as relações de trabalho e

alastram-se à

[...] mediação da consciência individual e coletiva do sujeito profissional, ao domínio das categorias ontológicas e reflexivas explicativas dos fenômenos, ao conhecimento das suas manifestações objetivas, bem como ao domínio institucional-legal das políticas e aos processos a elas relacionados, cujas competências profissionais para operar sínteses, proposições, articulações e negociações (compatíveis com cada estágio de domínio do objeto e permeabilidade socioinstitucional) são uma exigência teórica e operativa (MOTA, 2014, p. 700).

Todavia o amparo formativo ainda carece constituir contornos inéditos no

caminho de volta — no concreto pensado —, ou seja, no cotidiano do trabalho

profissional, em sua dimensão concreta,267 a profissão ainda é carente de

mediações que superem as tendências veiculadas ora por procedimentalismos

operativos268, ora — de forma diametralmente inversa — pela qualificação teórica

como sinônimo de competência operativa (IAMAMOTO, 2010). Ainda que as marcas

histórico-profissionais registrem o assistencialismo e o messianismo profissional, nos

tempos hodiernos aufere-se, à luz dos pressupostos anteriormente evidenciados,

uma expressiva lacuna (a) nas análises ontológicas, (b) na apropriação do método

enquanto aparato metodológico de desvendamento da realidade, que subsidia os

processos interventivos a partir da apreensão das formas particulares em referência

à universalidade, (c) no entendimento (equivocado) de que as competências se

solidificam no polo demanda-resposta, no trabalho profissional, (d) no manejo de

instrumentos dissociados da clareza de finalidade e da utilidade social desse tipo de

trabalho, (e) na apreensão da concreção de sua condição de assalariamento, (f) nas

condições objetivas do trabalho profissional e (g) na interlocução do objeto de

trabalho com a luta de classes (SILVA, 2014; PRATES; CLOSS, 2015).

267

Sistematicamente, é uma atividade produtiva, na qualidade de trabalho útil, que visa a um fim determinado, cujo produto é o valor de uso. “O trabalho, como criador do valores-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem — quaisquer que sejam as formas de sociedade —, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, manter a vida humana” (MARX, 2011a, p. 64).

268 Tangenciados, basicamente, pelo atendimento direto à população e pela execução de serviços de caráter individual, grupal, coletivo e administrativo-organizacional.

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

185

Ainda que o Serviço Social brasileiro desponte politicamente na região

latino-americana, consoante às históricas conquistas emanadas desde o “Congresso

da Virada”, cujo contributo foi dado pela representação de trabalhadores, é

inconteste que a profissão deve retornar a eles de forma concreta269

— metamorfoseada pela apreensão das formas particulares de organização, lutas e,

inclusive, vulnerabilidades —, para captar o que Lefebvre (1991) denomina de

superação da paralisação do movimento no imediato, da lógica concreta.

Tornar o imediato o fundamento para novas determinações, sem abandoná-

-lo ontológica e epistemologicamente, torna-se pressuposto elementar para superar

a carência de mediações, que tende a acenar às expressões estruturalistas no

cotidiano do trabalho profissional, resultando, por consequência, no deslocamento

da prioridade ontológica, em que a dimensão histórico-social do ser social é

subjugada ao formalismo metodológico.270 Desse denominado “epistemologismo” é

que

269

Com fim elucidativo, vale destacar, em primeiro lugar, o movimento profissional pelas 30 horas de trabalho semanais dos Assistentes Sociais, que não abordou a temática — polêmica e permeada de contradições — com o conjunto da classe trabalhadora. Trata-se não somente de uma expressão endógena, mas de um equívoco ético-político da categoria profissional. Em segundo lugar, nessa esteira política, na análise do perfil dos Assistentes Sociais brasileiros — a partir das informações disponíveis na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1988 — e da sua relação com atividade política e com religião, realizada por Simões (2012), também se evidencia que a ausência de reconhecimento da atividade política dos Assistentes Sociais ultrapassa o âmbito corporativo-profissional. O autor demonstra que uma minoria dos profissionais pesquisados possuía uma vinculação com atividades políticas (10,6%). Em face disso, assinala dois pontos: (a) embora os Assistentes Sociais tenham aderido ao discurso politizado à época, isso se deu de forma “instrumental”, “[...] restrita ao âmbito da profissão e utilizada como um instrumento de trabalho” (SIMÕES, 2012, p. 82); e (b) os Assistentes Sociais identificavam seu trabalho profissional como suficientemente político, não necessitando estar organicamente vinculado a outras atividades políticas. Assim, “[...] se o local de trabalho já estava impregnado de conteúdos políticos, o ‘dever social’ de participação já estava cumprido” (SIMÕES, 2012, p. 82). Entretanto entender a profissão como um espaço político não pode ser confundido como espaço de organização de massa, atribuição esta dos movimentos sociais e, sobretudo, dos partidos revolucionários. Romper com um viés procedimentalista e endógeno, que atribui, equivocadamente, características messiânicas e militantistas a essa profissão é um dos grandes desafios impressos numa condição de venda e exploração contínua de sua força de trabalho.

270 Coutinho (2010) registra ampla contribuição a essa discussão no livro O Estruturalismo e a Miséria da Razão, cuja consulta é indispensável. Ao analisar os equívocos althusserianos em relação à ontologia do ser social, Coutinho (2010, p. 205-206) assevera que “Althusser esconde um sério contrabando ideológico: ele substitui a ontologia e a gnosiologia materialistas do marxismo por uma nova versão da epistemologia neopositivista-estruturalista, colocando no lugar da razão dialética um fetiche do intelecto manipulador. A realidade objetiva perde a sua prioridade ontológica e epistemológica, convertendo-se numa simples matéria-prima a ser manipulada por um pensamento formalizado”.

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

186

[...] decorrem, necessariamente, o amesquinhamento ou a formalização do repertório categorial marxiano e uma relação externa entre método e teoria. De uma parte, categorias basilares do pensamento de Marx perdem gravitação, convertem-se em meros recursos reflexivos/intelectivos ou, ainda, incorporam-se numa perspectiva francamente funcionalista — pense--se na formalidade que de fato tem envolvido a exploração de categorias como totalidade e mediação, ambas nucleares no pensamento de Marx. De outra parte, a relação método/teoria é curto-circuitada: torna-se (artificial e artificiosamente) possível o conhecimento do método de Marx sem o conhecimento da sua teoria; o método é autonomizadamente convertido numa pauta de indicações formal-analíticas, bem à moda dos manuais de metodologia das ciências sociais acadêmicas, e num arrolamento de categorias cuja articulação é frequentemente arbitrária [...] (NETTO, 2015, p. 11).

Na perspectiva dialético-crítica, é improtelável superar a autonomização e a

centralidade atribuída aos instrumentais em si — de base unilateral e endógena —

e, à luz da finalidade atribuída à profissão, dar materialidade às bases concretas de

sua objetivação histórica, no intento de dar o “salto qualitativo”271 indispensável

frente aos descompassos entre o compromisso ético e político profissional e o seu

trabalho cotidiano. Conforme dispõe Iamamoto (2010, p. 240), para a profissão, é

imperiosa a realização da “[...] ‘viagem de retorno [...]’ para reconstruí-la nas suas

múltiplas relações e determinações como ‘concreto pensado’”. Caso contrário, os

avanços teórico-metodológicos e ideopolíticos não auferem a materialidade implícita

a seu pressuposto epistemológico e axiológico, e, arriscadamente, corre-se o risco

de tornar a profissão ideologizada e distante daquilo que, projetadamente, se afirma

nos espaços de lutas coletivas. Resistir pela não sedimentação do significado e da

utilidade social do trabalho profissional é o desafio em tempos de ampliação

desmensurada do contingente de profissionais em âmbito brasileiro.

Mediar a categoria trabalho, contemplando seu movimento, suas metamorfoses, suas contradições e seus nexos de articulação; utilizando, com habilidade conquistada e construída, qualquer técnica ou instrumento, desde que iluminada por referenciais teóricos e por um projeto ético-político, parece ser hoje uma questão fundamental que preocupa, instiga e desafia o Serviço Social (PRATES, 2003, p. 7).

Sob esse panorama, a profissão tergiversa num campo contraditório, em que

formação e trabalho profissional não permitem fragmentações ou sedimentações,

uma vez que a primeira trata de habilitar teórica, metodológica, ética e politicamente

ao segundo, cuja expressão mediada requer o uso do aparato técnico-operativo à

luz das dimensões primeiras. Mesmo que a realidade da formação, nos países

pesquisados, revele dissensões formativas — que se expressam em níveis de

271

Nos termos de Lefebvre (1991).

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

187

formação, tempo de duração dos cursos e titulações desconformes entre os países,

conforme se visualiza no Quadro 4 —, seus construtos são produtos simétricos aos

caminhos tecidos ao longo da trajetória de cada país e atrelados à sua totalidade

histórica, que incide nos limites e nas possibilidades do trabalho profissional.

Quadro 4 — Aspectos da formação profissional em Serviço Social e/ou Trabalho Social no Brasil, no Chile e em Cuba — 2016

PAÍSES NÍVEL DE

FORMAÇÃO TEMPO DE

FORMAÇÃO TITULAÇÃO

Brasil Ensino superior Quatro anos (1) Assistente Social

Chile

Ensinos superior e técnico

De quatro a cinco anos para o ensino superior e dois anos

para o técnico

Trabalhador(a) Social (nível de graduação) e

Assistente Social (nível técnico)

Cuba Predominantemente técnico (2)

Um ano (3) Trabalhador(a) Social

(1) Segundo as diretrizes curriculares para os Cursos de Serviço Social da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, o tempo médio de duração dos Cursos de Serviço Social no Brasil devem ser de quatro anos, com duração mínima de sete semestres e máxima de até mais 50% do tempo de duração do curso em cada instituição de ensino. (2) Mesmo que a formação esteja suspensa, utilizou-se o predominantemente técnico para indicar que, nas últimas décadas, a formação em Trabalho Social se deu, majoritariamente, pelo Programa Trabalhadores Sociais — de nível técnico — e que, embora não se registrem cursos de graduação em Serviço Social, disciplinas voltadas à área compuseram os currículos de Sociologia e Reabilitação Social e/ou Terapia Ocupacional, que resultavam no desígnio de especialização em Serviço Social. (3) Há que se considerarem as divergências apresentadas pelos autores quanto ao tempo do nível técnico, conforme evidenciado no item 5.1.3 deste trabalho.

As dissensões formativas explanadas — que têm relação com o trabalho

profissional — coadunam, consecutivamente, na conceição axiológica do objeto

profissional. O Serviço Social brasileiro demarcou, nas Diretrizes Curriculares da

ABEPSS, a base de sua fundação sócio-histórica, introduzindo a chave heurística

para a apreensão da questão social sob um caráter de classe, ao mesmo tempo em

que buscou conjugar “[…] rigor teórico-metodológico e acompanhamento da

dinâmica societária, que permitissem atribuir estatuto teórico e ético-político ao

exercício profissional capaz de responder aos desafios da história presente”

(IAMAMOTO, 2010, p. 182). No bojo dialético dos processos sociais, reconheceu a

dimensão contraditória das demandas com as quais a profissão se depara e criou

“[...] as bases reais para a renovação do estatuto da profissão conjugada à

Page 190: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

188

intencionalidade de seus agentes” (IAMAMOTO, 2010, p. 182). Entretanto o

Trabalho Social no Chile e em Cuba — mesmo o primeiro sendo universitário e o

segundo técnico — denotam imprecisão quanto à base de fundação da profissão e,

sobretudo, quanto ao que sustenta seu estatuto ontológico, uma vez que,

genericamente, abordam o objeto a partir da problemática social, sem clarificar a

gênese comum e contraditória das refrações da questão social. No que tange ao

Chile especificamente, percebe-se que a imprecisão advém da convivência de

distintas matrizes do conhecimento do social, que atribuem apreensão diferenciada

conforme a área interventiva ou política social. Esse trato individualizante,

entretanto, não é relativo a Cuba, pois as peculiaridades do país insular não podem

sequer ser relacionadas com os condicionantes brasileiros e chilenos. Em Cuba,

como a legitimidade do objeto institucional é conduzida em coerência com o projeto

de transição, a identificação mimética do objeto institucional ao profissional dá-se

pela inexistência de luta de classes. Diametralmente nessa linha de análise, a base

de sustentação da profissão — não de sua fundação, porque se dá nos marcos do

modo de produção capitalista — é o que se denomina de problemática social,

porque nelas se evidenciam expressões que são produto das relações entre os

homens — discriminação, violência, desigualdade de gênero, dentre outros — e não

entre capital e trabalho.

Mediante esta síntese dialética-relacional e na envergadura das sucessivas

aproximações ao objeto, do desvendamento do oculto e das inferências apontadas,

torna-se factível, com esteio nas particularidades, aproximações e dissensões

conceituais, epistemológicas e axiológicas dispostas, defender a seguinte tese:

- Os Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no Caribe

elucidam traços comuns na gênese profissional, mas a produção e a

reprodução da vida social dimanam particularidades sociopolíticas aos

países, as quais conferem configuração particular à profissão em face

da processual e orgânica relação com a realidade e à sua concreção

como trabalho profissional. São esses mesmos condicionantes — que

além de históricos-profissionais, são políticos, econômicos e sociais —

que interpõem, no corpus dos Fundamentos, a necessária apropriação

das matrizes de conhecimento do social e do movimento da sociedade

nacional, para projetar direção social e política ao trabalho profissional,

seja por viés conservador, seja emancipatório.

Page 191: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

189

6 CONCLUSÕES SOBRE O DEBATE DOS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO

SOCIAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE: CAMINHOS E TENDÊNCIAS

A chegada à finalização da tese indica que o percurso analítico encerra um

ciclo, que, em suas totalizações sempre provisórias, se torna o ponto para novas

partidas, novas pesquisas e novas descobertas. Os acúmulos, que assumem, além

de individual, caráter coletivo, estão inseridos num campo tecido de lutas, disputas,

incertezas, limitações e possibilidades, os quais reverberam a condição

inconclusiva da conclusão, na medida em que “[...] o processo concreto de

reprodução do objeto é sempre um trabalho de aproximações sucessivas, de erros e

acertos e de contribuições as mais variadas” (TONET, s.d., p. 10).

Os caminhos investigativos até aqui trilhados aferem um concreto pensado

que é produto das sucessivas aproximações às múltiplas determinações do objeto e,

de modo peculiar, estabelecem um caminho expositivo que contempla os

determinantes circunscritos nos Fundamentos do Serviço Social na América Latina e

no Caribe. Nesse bojo, nas primeiras seções da tese (ver Capítulo 2), busca-se

contemplar a definição dos fundamentos epistemológicos do objeto de estudo, de

modo a demarcar o condutor analítico dos capítulos subsequentes.

Alicerçado por essa base teórico-metodológica, implícita e explicitamente,

sustenta-se que o Serviço e/ou Trabalho Social está atrelado diretamente com os

determinantes histórico-conjunturais, uma vez que, por eles, é perfilhado na trama

contraditória da vida social. De modo particular, na América Latina e no Caribe, as

circunstâncias sociais, políticas e econômicas, associadas aos históricos

condicionantes de dependência, conduziram a uma realidade recrudescida na

região, que, no geral, denota

[...] desigualdades e injustiças reinantes na estrutura social [...], por consequência das relações assimétricas de dominação e subordinação na produção, no poder político, na estrutura de classes e na estratificação social, na elaboração do pensamento e da cultura, considerando principalmente os processos de exploração econômica e dominação política, ao lado de outros fatores importantes, tais como territoriais, demográficos, étnicos, de gênero (WANDERLEY, 2013, p. 64-65).

A conjuntura aludida interpela as condições objetivas mantidas

(e aprofundadas) pela ordem do capital e seus desdobramentos nos diversos

campos da vida em sociedade, os quais revelam, tomando como exemplo a

Page 192: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

190

educação, um simulacro que resulta em indicadores que registram desde 8,7% de

analfabetismo das pessoas acima de 15 anos, no Brasil, em 2012 até a sua

erradicação em Cuba. Apesar de a região apresentar similitudes ao longo do seu

processo sócio-histórico — por exemplo, o espraiamento ideológico norte-americano

na metade do século XX —, ela também manifesta peculiaridades nacionais —

como visualizado nos indicadores relativos à educação no Brasil e em Cuba —

condizentes com o dimensionamento geográfico, populacional, cultural, produtivo,

político e social de cada país. Essa realidade, que Wanderley (2013) denomina de

una e diversa, tem aqui sua expressão concreta na convivência onipresente de

vetores comuns e particulares aos países latino-americanos e caribenhos.

Esse mesmo dimensionamento não sobrevém na ourela do Serviço Social.

Numa análise totalizante e histórico-crítica, o Serviço Social encontra-se imerso

como produto e produtor dessa trama social, sob a qual revela condutos histórico-

-profissionais comuns em trajetórias profissionais distintas. Além de apresentar

similaridades nos elementos que conduziram à emergência profissional — cuja

expressão faz menção à influência católica na gênese chilena e na brasileira e à

norte-americana, nos anos 40 do século XX, nos três países estudados —, a partir

dos anos 1960, cada país assumiu caminhos condizentes com os determinantes

histórico-políticos — que, em Cuba, fazem menção ao projeto de transição

revolucionária e, no Brasil e no Chile, às ditaduras autocráticas burguesas.

Ao mesmo tempo em que coexistem aproximações, as particularidades

denunciam que as dissensões ultrapassam a zona sociopolítica e adentram, de

maneira indelével, a dimensão teórico-metodológica da profissão, que, por sua vez,

baliza a direção sociopolítica e o trabalho concreto. O manancial de descobertas

revela que os dissensos perpassam o campo conceitual, epistemológico e axiológico

dos fundamentos da profissão nos países, após a demarcação temporal do

Movimento de Reconceituação, uma vez que, na esteira conjuntural, o Serviço e/ou

Trabalho Social emana características profissionais atreladas aos movimentos

internos e externos à categoria.

Sob contribuição da razão onto-dialética, o Serviço Social brasileiro, com

apoio de forças esquerdistas dos movimentos de trabalhadores, inculcou o

adensamento dos legados contra-hegemônicos do Movimento de Reconceituação,

mesmo que de forma heteróclita. A constituição de uma hegemonia profissional, à

luz da matriz teórico-metodológica marxiana, foi regida sob esse aparato coletivo,

Page 193: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

191

que transcende a lógica corporativa e adentra a ampla defesa de uma projeção

profissional em prol da classe trabalhadora. Essa direção ético-política maturou-

-se nos dispositivos legais da profissão (Código de Ética e Lei de Regulamentação

da Profissão), que delineiam o fio condutor dos requisitos elementares à formação

profissional em Serviço Social (Diretrizes Curriculares), no Brasil, assentados em

valores de cunho emancipatório. Além de asseveradas amplamente no conjunto dos

trabalhadores Assistentes Sociais, as condições objetivas e subjetivas operadas

indicam lacunas na mediação desse conjunto no trabalho profissional, que ainda

carece de fortalecimento de veios políticos. Para tanto, o Projeto ABEPSS Itinerante,

os Grupos e Comissões de Trabalho dos Cress, os Núcleos dos Conselhos

Regionais de Serviço Social (Nucress), a Política de Formação Permanente do

Cfess são estratégias que precisam ser adensadas no corpus profissional, em

tempos em que a disjuntiva conservadora impacta as bases históricas da hegemonia

desse projeto profissional e abranda sua conjugação. Mesmo assim, não há que se

negar que o projeto profissional ainda se constitui em reserva de resistência política

no bojo do que alude a um patrimônio político profissional e que atribui face peculiar

ao Serviço Social brasileiro no circuito latino-americano e caribenho.

Relativamente ao Trabalho Social no Chile, a avalanche neoliberal iniciada

na ditadura autocrática asseverou o conservadorismo pós-abertura democrática,

quando a profissão ficou refém das determinações políticas e não conseguiu acoplar

forças para constituir um projeto profissional contra-hegemônico. À luz de um

dimanado pluralismo metodológico, a profissão escasseou o protagonismo político

evidenciado tanto na gênese da profissão na América Latina como no Movimento de

Reconceituação. A denominada “anomia chilena” indica a desarticulação entre as

entidades organizativas da categoria, as quais poderiam constituir-se no lócus

privilegiado de constituição de uma vanguarda profissional crítica e,

consecutivamente, de fortalecimento das bases de uma factível reconceituação

chilena, direcionadas àquilo que, desde os anos 1970, se consubstancia.

Destoante da trajetória histórico-profissional do Serviço Social brasileiro e do

Trabalho Social chileno, está a profissão em Cuba. Apesar de, aparentemente, a

profissão parecer anacrônica em relação às demais pesquisadas, está coadunada

às tendências impressas pelo projeto instaurado em 1959. Entre os vaivéns de

abertura e fechamento da formação técnica, o que está imerso são a concepção e a

necessidade social dessa profissão na transição revolucionária, cujo abandono

Page 194: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

192

corporativo induz a um perfilhamento coletivo da área social. Embora ainda

prevaleça a subsunção do Trabalho Social à arena coletiva, entende-se que há

equívocos na falta de apreensão de como a profissão, teórico e politicamente,

poderia fortalecer a defesa desse projeto num cenário cada vez mais sufocado pelas

forças externas. Trata-se de atribuir significado social à profissão nos clássicos

espaços democráticos em Cuba, de modo a ampliar a participação popular e seu

protagonismo, uma vez que é pressuposto para a consolidação de uma organização

social assentada em bases emancipatórias. Para isso, mostra-se de fundamental

relevância a criação de cursos de graduação em Trabalho Social, com atribuições e

competências — particulares a esse tipo de atividade social — atreladas ao projeto

de maior magnitude.

Nessa contextura, o estudo relacional entre o Brasil, o Chile e Cuba

demonstra que, imerso na trama societária, o Serviço e/ou Trabalho Social traça

caminhos profissionais atinentes aos desafios interpostos na conjuntura concreta,

cuja característica reitera a relação orgânica entre profissão e realidade — uma

vez que a profissão é suscetível às transformações sociais. É dizer que a profissão,

nesse esteio, apresenta características particulares em cada país, que têm a ver

com sua cultura, sua economia, sua política, as quais até podem apresentar

similitudes, mas são relativas ao traço histórico ainda comum aos países latino-

-americanos: sua histórica condição de dependência (ver Capítulo 3). Os

fundamentos da profissão, nessa tessitura, caminham juntamente com esse

movimento histórico-social, porque assentam e alicerçam as bases da formação e

do trabalho profissional num determinado tempo histórico, expressando, direta

e indiretamente, as tendências socioprofissionais em cada país latino-

americano e caribenho. Nessa ótica de análise, defende-se aqui a tese já referida:

- os Fundamentos do Serviço Social na América Latina e no Caribe

elucidam traços comuns na gênese profissional, mas a produção e a

reprodução da vida social dimanam particularidades sociopolíticas

aos países, as quais conferem configuração particular à profissão em

face da processual e orgânica relação com a realidade e à sua

concreção como trabalho profissional. São esses mesmos

condicionantes — os quais, além de históricos-profissionais, são

políticos, econômicos e sociais — que interpõem, no corpus dos

Fundamentos, a necessária apropriação das matrizes de

Page 195: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

193

conhecimento do social e do movimento da sociedade nacional, para

projetar direção social e política ao trabalho profissional, seja por viés

conservador, seja emancipatório.

Depois de completados 90 anos da gênese do Serviço Social na América

Latina, ficam explícitos os equívocos de uma abordagem linear, historicista e

cronológica dos Fundamentos do Serviço Social e, tacitamente, de constituição de

um Serviço Social latino-americano e caribenho — se é que é possível. Mesmo que

seja um equívoco a designação generalizada e unificada do Serviço Social em

latino-americano e caribenho — por isso sempre se utilizou Serviço Social na

América Latina e no Caribe —, tampouco resulta em muitas perdas. Ao contrário, há

veios factíveis de fortalecer as lutas sociais coletivas no bojo concretamente

desenhado, assim como o processo sócio-histórico já demonstrou com o Movimento

de Reconceituação (ver Capítulo 4). Apesar de os rumos ulteriores terem sido

distintos entre os países (ver Capítulo 5) — o que tem a ver com os condicionantes

externos à profissão —, o movimento global caracterizou-se como um marco

histórico na articulação coletiva em termos de América Latina.

Retomar o protagonismo profissional de tal magnitude é improtelável em

tempos em que se torna cada vez mais incompatível a regência do capital com

pressupostos civilizatórios. Sobretudo, essa afirmação extrapola os indicadores

econômico-sociais — cujo exemplo clássico é o crescimento exponencial da riqueza

de um lado e da pobreza de outro — e agudiza-se com questões referentes à

sobrevivência civilizatória, como individualismo possessivo, como xenofobia, como

racismo, como intolerância religiosa — a islamofobia tem sido uma de suas

expressões drásticas na Europa, mas, embora um de seus ápices tenha ocorrido há

pouco tempo, seus registros não são tão recentes assim em nível mundial — e como

violência de todas as formas, que expressam a barbárie (re)produzida pela dinâmica

do capital.

Esteado nesse cenário, é imperioso para a profissão um compromisso

regional visionário, assentado em pressupostos epistemológicos e axiológicos

que subsidiem o enfrentamento aos desafios do novo século, uma vez que as

características colonizadas da gênese do Serviço Social foram superadas. A

conjugação indissociável entre história, teoria e método na constituição dos

fundamentos, sob crivo crítico e matizes particulares, corrobora as

Page 196: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

194

peculiaridades nacionais e a diversidade de heranças histórico-políticas e teóricas,

das quais se acautelam compassos e descompassos.

A partir do reconhecimento dessas características, apontam-se iniludíveis

caminhos e tendências, descritos a seguir.

Primeiro, fomentar a realização de pesquisas acerca da realidade

profissional nos diferentes países latino-americanos, de modo a constituir um

mapa analítico regional (com evidência das particularidades nacionais), cuja ênfase

reitere a formação e o trabalho profissional e supere a segmentação em áreas ou

políticas específicas, de modo a ultrapassar as barreiras que, além de territoriais,

são teórico-metodológicas e de projeção profissional (e social). O debate acerca do

ensino, o tempo exigido para essa formação, a relação entre formação e trabalho

profissional, as condições de trabalho para esse profissional, a regulação da

profissão, dentre outros temas relativos à área, são temáticas cujo debate urge em

âmbitos latino-americano e caribenho, através de eventos e/ou pesquisas

integradas, logrando avanços para todos os países.

Segundo, criar, no bojo das entidades latinoamericanas — como o

Comitê Latino-Americano e Caribenho de Organizações Profissionais de Trabalho

e/ou Serviço Social272 (Colacats), fundado em 2013, o Comitê Mercosul, fundado em

1996, e a Associação Latino-Americana de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social273

(ALAEITS), constituída em 2006 —, um veículo científico periódico, com o fim

específico de socialização de estudos e pesquisas acerca da formação e do trabalho

profissionais dos países e da região, de modo a: (a) estimular a conformação de um

movimento, no interior da categoria, para pensar o Serviço e/ou Trabalho Social

inscrito, teórica, ética e politicamente, na (re)produção das relações sociais; e (b)

impulsionar a reflexão acerca da superação das características de retorno ao

passado — como aquelas assumidas pelo Trabalho Social no Chile —, que remetem

à conservação de matizes que promovem a anemia ontológica ou o seu abandono.

Terceiro, construir parâmetros formativos para a região, que nada têm a

ver com uma concepção regional de Serviço Social ou com a regionalização da

perspectiva ideologizada brasileira — como, reiteradamente, se ouve ou lê —, mas

trata-se de ligeiro afinamento transversal com a profissão nos países, considerando

272

No original: “Comité Latinoamericano y Caribeño de Organizaciones Profesionales de Trabajo Social/Servicio Social”.

273 No original: “Asociación Latinoamericana de Enseñanza e Investigación en Trabajo Social”.

Page 197: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

195

a diversidade e a riqueza das particularidades nacionais. Matizada pelo debate entre

países que não asseveram o mesmo projeto profissional, a fertilidade dessa

construção encontra-se na possibilidade de trazer à tona questões de fundo, a

começar pelas concepções de profissão e de objeto, de modo a criar um

sustentáculo teórico-político que, minimamente, institua bases sólidas comuns aos

países. Fazendo referência ao Brasil, Iamamoto (2010, p. 211) afirma que

[...] a posição de proeminência que o País dispõe, hoje, no universo profissional latino-americano é inconteste. Ela se revela na produção editorial, na formação acadêmica — nos níveis de graduação e pós- -graduação —, no processo de organização da categoria profissional e na construção de um projeto profissional do Serviço Social brasileiro, no lastro do processo de redimensionamento crítico da profissão na América Latina [...].

Sem apelar a ideologismos ou praticismos, o intuito aqui disposto faz

menção ao fortalecimento profissional em âmbito regional — jamais aludindo à

padronização, pois resultaria em oposição aos elementos elucidados nesta tese —,

sobretudo pautado em experiências histórico-concretas já evidenciadas. Acredita-se

que ainda é precipitada e até mesmo romântica a defesa de um projeto profissional

único — sob lupa brasileira, um projeto crítico —, haja vista o intenso sincretismo

teórico-metodológico e as possíveis apropriações indevidas e enviesadas do

marxismo no seio da região latino-americana, o que, além de ofuscar a centralidade

ontológica disposta, representaria uma batalha teórica interna à profissão. Contudo,

o estímulo ao adensamento desse debate ampliaria a socialização das experiências

e referências epistemológicas utilizadas na área pelos países da região.

Quarto, impulsionar a participação política dos profissionais nas lutas

relativas ao conjunto da classe trabalhadora, para extrapolar as ínfimas

articulações políticas da profissão — para além dos espaços profissionais — e

consolidar as bases efetivas (teórico-metodológica e ético-política) de atrelamento

do Serviço e/ou Trabalho Social aos interesses da classe trabalhadora.

Assim como a conjuntura política instituiu as barreiras ao avanço dos

legados do Movimento de Reconceituação para o Trabalho Social no Chile, o

cenário hodierno interpõe condicionantes ainda mais restritivos à conjugação de

uma frente política latino-americana, cuja tendência reitera à fragmentação dos

interesses ético-políticos da articulação regional. Sobretudo, travejados além do

discurso de conformação de um perfil crítico para a América Latina e o Caribe, há

que se constituírem os alicerces políticos nacionais e regionais que perpassam,

Page 198: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

196

diretamente, à participação dos profissionais nas lutas coletivas da classe

trabalhadora. Nesse sentido, a articulação de estudos e pesquisas integradas que

debatam o trabalho, os movimentos sociais e as lutas sociais nos diferentes países é

veio para ampliar sua visibilidade e possível aproximação, desocultar contradições,

em especial, as formas reducionistas como, muitas vezes, são veiculadas, que

criminalizam as expressões de resistência.

Quinto, reconhecer e legitimar as anteriormente exemplificadas entidades

como fulcrais instrumentos ao salto qualitativo na região latino-americana e

caribenha. Para além dos históricos Seminários Latino-Americanos, dos convênios

de pós-graduação ou publicações traduzidas para o espanhol e o português, há que

se superar a timidez político-organizativa em âmbito regional e fomentar a ousadia.

Mesmo considerando as históricas crises — financeiras e organizativas — de

representações desse nível, as entidades tornam-se veículos de articulação latino-

-americana e, sustentadas pelas vanguardas nacionais, de consolidação de uma

ampla frente política da profissão na América Latina e no Caribe.

Nesse rol de caminhos e tendências, que se encontram imersos nessa

trama, revela-se um fecundo campo aberto à investigação, na medida em que ainda

há muito a se explorar do mote, mesmo considerando os passos sólidos do rarefeito

acervo. De caráter (in)conclusivo, a tese, que se propõe a torna-se academicamente

útil, resulta num punhado de novas indagações e abre tantas novas sendas, que

permite continuar o mergulho nas profundezas dos Fundamentos do Serviço

Social na América Latina e no Caribe.

Page 199: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

197

REFERÊNCIAS

ABRAMIDES, M. Beatriz C.; CABRAL, M. do Socorro Reis. O novo sindicalismo e o Serviço Social: trajetória e processos de luta de uma categoria, 1978-1988. São

Paulo: Cortez, 1995. ACEITUNO, Roberto. Golpes y contragolpes. In: ACEITUNO, Roberto; VALENZUELA, René. Golpe: 1973-2013. Santiago do Chile: elDesconcierto.cl/

LaPSoS, 2014. p.15-17. AGUIAR, Antônio Geraldo de. Serviço Social e Filosofia: das origens a Araxá. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1989. ALAYÓN, Norberto. La Agenda Para el Trabajo Social en América Latina y su articulación. In: SEMINARIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO SOCIAL, XIX, 2009, Guayaquil, Ecuador. Anais… Disponível em:

<ts.ucr.ac.cr/binários/.../reg/.../slets-019-332.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2014. ALMEIDA, Anna Augusta de. Possibilidades e limites da teoria do Serviço Social. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1978.

ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo: choque de capitalismo e nova degradação do trabalho no Brasil. Bauru, SP: Canal 6, 2014. ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do Toyotismo na era do

capital manipulatório. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

ANDER EGG, Ezequiel. Historia del Trabajo Social. Buenos Aires: Lumen, 1994.

ANDER EGG, Ezequiel. La problemática de la reconceptualización del Servicio Social latinoamericano, a comienzo de la década del 70. In: ANDER EGG, Ezequiel et al. (Re)Conceptualización del Servicio Social. Buenos Aires: Humanitas, 1976.

p. 5-24. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses à centralidade do mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. AQUÍN, Nora. Reconceptualización: ¿un trabajo social alternativo o una alternativa al trabajo social? Serviço Social & Sociedade, São Paulo, ano XXVI, n. 84, p. 48-65, nov. 2005.

Page 200: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

198

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Diretrizes gerais para o Curso de Serviço Social (Com base no

Currículo Mínimo aprovado em Assembléia Geral Extraordinária de 8 de novembro de 1996). Rio de Janeiro, 1996. Disponível em: <http://www.abepss.org.br/files/Lei_de_Diretrizes_Curriculares_1996.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2014. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO EM SERVIÇO SOCIAL (ABESS). Proposta básica para o Projeto de Formação Profissional. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, ano XVII, n. 50, p. 143-171, abr. 1996.

AYLZVIN DE BARROS, Nidia. Evolución histórica del Trabajo Social. In: QUIROZ NEIRA, Mario Hernan (Org.). Antología del Trabajo Social chileno. Concepción, Chile: Universidad de Concepción, 1998a. p. 43-64. Disponível em: <http://tsocial.ulagos.cl/index.php/biblioteca-virtual2/Biblioteca%20virtual/Antolog%C3%ADa%20del%20Trabajo%20Social%20Chileno.pdf/detail>. Acesso em: 25 ago. 2015. AYLZVIN DE BARROS, Nidia. Una mirada al desarrollo histórico del Trabajo Social en Chile. In: QUIROZ NEIRA, Mario Hernan (Org.). Antología del Trabajo Social chileno. Concepción, Chile: Universidad de Concepción, 1998b. p. 65-75. Disponível em: <http://tsocial.ulagos.cl/index.php/biblioteca-virtual2/Biblioteca%20virtual/Antolog%C3%ADa%20del%20Trabajo%20Social%20Chileno.pdf/detail>. Acesso em: 25 ago. 2015. BAPTISTA, Dulce Maria Tourinho. O debate sobre o uso de técnicas qualitativas e quantitativas de pesquisa. In: MARTINELLI, Maria Lúcia. Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras, 1999. p. 31-40. BARATTA, Giorgio. Escola, filosofia e cidadania no pensamento de Gramsci: exercícios de leitura. Pro-Posições, Campinas, SP, v. 21, n. 1., jan./abr. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072010000100003&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 16 out. 2014. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Coimbra, Portugal: Edições 70, 2009. BARREIX, Juan. La formación profesional. In: ALAYÓN, Norberto; BARREIX, Juan; CASSINERI, Ethel. ABC del Trabajo Social latinoamericano. Buenos Aires:

Editorial ECRO, 1971. BARRERAS PÉREZ, Yusniel. Propuesta para el perfeccionamiento del desempeño de la función social del Trabajador Social desde el rol profesional.

2012. 81f. Tese (Doutorado) — Universidad Central Marta Abreu de Las Villas/ Facultad de Ciencias Sociales/Centro de Estudos Comunitarios. Disponível em: <http://www.eumed.net/libros-gratis/2012b/1207/indice.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015. BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

Page 201: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

199

BARROCO, Maria Lucia Silva; TERRA, Sylvia Helena. Código de Ética do/a Assistente Social comentado. São Paulo: Cortez, 2012.

BARROS, Aidil de Jesus Paes de; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Projeto de Pesquisa: propostas metodológicas. 17. ed. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1990. BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e

história. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008. BEHRING, Elaine Rossetti; SANTOS, Silvana Mara de Morais dos. Questão social e direitos. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS,

2009. p. 267-283. BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980. BOSCHETTI, Ivanete. A insidiosa corrosão dos sistemas de proteção social europeus. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 112, Número Especial, p.

754-803, set. 2012. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Como exportar: China. 2013. Disponível em: <www.brasilglobalnet.gov.br>. Acesso em: 23 out. 2014. BRASIL. Presidência da República. Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social. Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8662.htm>. Acesso em: 18 out. 2015. BRUNNER, José Joaquim. Globalização e o futuro da educação: tendências, desafios, estratégias. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Educação na América Latina: análise de perspectivas. Brasília: UNESCO/OREALC, 2002. p.13-56.

BULMER-THOMAS, Victor. La historia económica de América Latina desde la independência. 2. ed. Ciudad del México: FCE, 2010. CARCANHOLO, Marcelo Dias. Dependência e superexploração da força de trabalho no desenvolvimento periférico. In: SADER, Emir; SANTOS, Theotonio dos (Coord.). A América Latina e os desafios da globalização: ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p.251- -264. CARDOSO, Priscila Fernanda Gonçalves. Ética e projetos profissionais: os

diferentes caminhos do Serviço Social no Brasil. Campinas, SP: Papel Social, 2013.

Page 202: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

200

CARLI, Ranieri. Fenomenologia e questão social: limites de uma filosofia. Campinas, São Paulo: Papel Social, 2013. CARNOY, Martin. A educação na América Latina está preparando sua força de trabalho para as economias do século XXI? Brasília: Unesco/Brasil, 2004. CASTAÑEDA MENESES, Patrícia; SALAMÉ COULON, Ana María. Perspectiva histórica de la formación en Trabajo Social en Chile. Revista Trabajo Social, n. 8, p.

68-92, 2010. Disponível em: <http://www.trabajosocialudec.cl/rets/wp-content/uploads/2010/12/historiaformacion.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2015. CASTELO, Rodrigo (Org.). Encruzilhadas da América Latina no século XXI. Rio

de Janeiro: Pão e Rosas, 2010. CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. 9. ed.

São Paulo: Cortez, 2008. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villalobos. CENTRO BRASILEIRO DE COOPERAÇÃO E INTERCÂMBIO DE SERVIÇOS SOCIAIS (CBCISS). Teorização do Serviço Social: Documentos de Araxá,

Teresópolis e Sumaré. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1986. CENTRO LATINO-AMERICANO DE TRABAJO SOCIAL (CELATS). Trabajo Social en America Latina: balance y perspectivas. Lima, Peru: Ediciones CELATS, 1983.

CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Editora Unesp, 2001.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. [S.l.], 2004. Disponível em:

<http://www.nhu.ufms.br/Bioetica/Textos/Livros/O%20QUE%20%C3%89%20IDEOLOGIA%20-Marilena%20Chaui.pdf>. Acesso em: 1º dez. 2013. CLOSS, Thaisa Teixeira. Fundamentos do Serviço Social: um estudo a partir da

produção da área. Porto Alegre: PUC, 2015. 253f. Tese (Doutorado em Serviço Social) — Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/Programa de Pós- -Graduação em Serviço Social. COELHO, Marilene A. Imediaticidade na prática profissional do Assistente Social. In: FORTI, Valeria; GUERRA, Yolanda (Org.). Serviço Social: temas, textos e

contextos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2011. p. 23-43. COLEGIO NACIONAL DE ASSISTENTES SOCIALES DE CHILE (CNAASS). Código de Ética para los Trabajadores Sociales de Chile. Santiago: Cnaass,

2014. COLEGIO NACIONAL DE ASISTENTES SOCIALES DE CHILE (CNAASS). Estatuto. Santiago: Cnaass, 2004. Disponível em:

<http://www.cnaass.tie.cl/DOC.htm>. Acesso em: 28 out. 2014.

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

201

COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Anuário estatístico da América Latina e Caribe. 2013a. Disponível em:

<http://www.cepal.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/6/51946/P51946.xml&xsl=/tpl/p9f.xsl&base=/tpl-i/top-bottom.xslt>. Acesso em: 21 out. 2014. COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Balanço prelimiar das economias da América Latina e do Caribe. 2009.

Disponível em: <http://www.cepal.org/publicaciones/xml/4/38064/Documento_Informativo_PT_2.pdf>. Acesso em: 21 out. 2014. COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Coyuntura laboral en América Latina y el Caribe. 2013b. Disponível em:

<http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/documents/publication/wcms_213795.pdf>. Acesso em: 21 out. 2014. COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Panorama Social da América Latina. 2012. Disponível em: <http://www.cepal.org/publicaciones/xml/5/48455/PanoramaSocial2012.pdf>. Acesso em: 21 out. 2014. CONSEJO GENERAL DE TRABALHO SOCIAL (CGTS). Hull House: en valor de um centro social — Jane Adams. Clásicos 1. Madrid, Espanha: Ediciones Paraninfo,

2013. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de Ética Profissional. Aprovado pela Resolução CFESS nº 273/93. Brasília: CFESS, 1993.

CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Histórico. [S.l.; s.d.].

Disponível em: <http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/o-cfess>. Acesso em: 13 jan. 2015. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Serviço Social a caminho do século XXI: o protagonismo ético-político do conjunto CFESS-CRESS. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 50, ano XVII, p.172-190, 1996.

CORNELY, Seno. Introdução. In: SEMINÁRIO REGIONAL LATINO-AMERICANO DE SERVIÇO SOCIAL, 1., Porto Alegre, Anais... Porto Alegre: [s.n.], 1965. COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. COUTINHO, Carlos Nelson. O lugar do Manifesto na evolução da teoria política marxista. In: FILHO, Daniel Aarão (Org.). O Manifesto Comunista 150 anos depois. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998. CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Tradução de Magda Lopes.

Page 204: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

202

CUBA. Constitucición de la República de Cuba. La Habana, Cuba: Ministerio de Justicia, 2005. CUBA. Programa Trabajadores Sociales. La Habana, Cuba, 2000. Disponível em:

<http://www.ecured.cu/index.php/Programa_de_Trabajadores_Sociales>. Acesso em: 16 out. 2014. CUBA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN DE LA REPÚBLICA DE CUBA. Cuba educa.

[s.d.]. Disponível em: <http://www.cubaeduca.cu/index.php?option=com_content&view=article&id=4016&Itemid=153>. Acesso em: 16 fev. 2016. CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. DAVIS, Nathaniel. Os dois últimos anos de Salvador Allende. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1990. DIAZ, Alejandro; ESTERIO, Mónica. Estrategias de formación para una construccion disciplinaria: una exploración en Chile. [s.d.]. Disponível em:

<http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/libros/libros-000027.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2015. DRAKE, Paul W. Cuarenta años después. In: ACEITUNO, Roberto; VALENZUELA, René. Golpe: 1973-2013. Santiago do Chile: elDesconcierto.cl/ LaPSoS, 2014. p.

233-243. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Tradução de Eduardo Brandão. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:

Boitempo, 2008. Tradução de B. A. Schumann. ESPINA PIETRO, Mayra Paula. La política social en Cuba: nueva reforma económica. Revista Ciencias Sociales, Universidad Costa Rica, v. 135-136,

Número Especial, p. 227-236, 2012 (I-II). Disponível em: <http://www.revistacienciassociales.ucr.ac.cr/la-politica-social-en-cuba-nueva-reforma-economica/>. Acesso em: 25 out. 2015. EXECUTIVA NACIONAL DE ESTUDANTES DE SERVIÇO SOCIAL (ENESSO). História da Enesso. [S.l]: Enesso, 2014. Disponível em:

<https://enessooficial.files.wordpress.com/2011/06/histc3b3ria-da-enesso.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2016. FALEIROS, Vicente de Paula. Metodologia e ideologia do Trabalho Social. 12.

ed. São Paulo: Cortez, 2011. FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2010.

Page 205: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

203

FERNANDES, Florestan. Padrões de dominação externa na América Latina. In: BARSOTTI, Paulo; PERICÁS, Bernardo. América Latina: história, idéias e

revolução. 2. ed. São Paulo: Xamã/NET, 1999. p. 95-112. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. FERNÁNDEZ BUEY, Francisco. Marx (sin ismos). Barcelona, Espanha: El Viejo

Topo, 2009. FLEITAS RUIZ, Reina. Política y servicios de salud en Cuba. In: SILVA, José Fernando Siqueira da; MUÑOZ GUTIÉRREZ, Teresa del Pilar (Org.). Política Social e Serviço Social: Brasil e Cuba em debate. São Paulo: Veras Editora. No prelo. FONTES, Virgínia. O Manifesto Comunista e o pensamento histórico. In: COUTINHO, Carlos Nelson et al. O Manifesto Comunista 150 anos depois. Rio de

Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998. p. 155-177. FRIEDLANDER, Walter. Conceitos e métodos de Serviço Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1975. Tradução Evangelina Leivas. FURTADO, Celso. A economia latino-americana: formação histórica e problemas

contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1978. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GANDÁSEGUI, Marco A. Vigência e debate em torno da teoria da dependência. In: SADER, Emir; SANTOS, Theotonio dos (Coord.). A América Latina e os desafios da globalização: ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini. Rio de Janeiro: Ed. PUC-

-Rio; São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. GARRETÓN, Manuel Antonio. A redemocratização no Chile: transição, inauguração e evolução. Lua Nova, São Paulo, n. 27, dez. 1992. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451992000300004&script=sci_arttext>. Acesso em: 14 jan. 2016. GOIN, Mariléia. O processo contraditório da educação no contexto do Mercosul: uma análise a partir dos planos educacionais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. 140f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) — Universidade Federal de Santa Catarina/Centro Socioeconômico. GÓMEZ CABEZAS, Enrique Javier. Fundamentos básicos para una praxis profesional de Trabajo Social en Cuba: resultado de investigación. La Habana:

Centro de Investigaciones Psicológicas y Sociológicas, 2015.

Page 206: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

204

GOMÉZ MICHEA, Lucy. Génesis y evolución de los sesenta años del Trabajo Social en Chile. In: QUIROZ NEIRA, Mario Hernan (Org.). Antología del Trabajo Social chileno. Concepción, Chile: Universidad de Concepción, 1998. p. 11-30. Disponível em: <http://tsocial.ulagos.cl/index.php/biblioteca-virtual2/Biblioteca%20virtual/Antolog%C3%ADa%20del%20Trabajo%20Social%20Chileno.pdf/detail>. Acesso em: 25 ago. 2015. GONÇALVES, Reinaldo. Novo desenvolvimentismo e liberalismo enraizado. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 112, Edição Especial, p. 637-671, out. 2012. GONZÁLEZ JUBÁN, Odalys de La Luz; YORDI GARCÍA, Mirtha; CABALLERO RIVACOBA, María Teresa. Formación y práctica profesional del Trabajo Social en Cuba. Boletín Electrónico Surá, Universidad de Costa Rica, n. 152, mar. 2009. Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/sura/sura-0152.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2014.

GONZALEZ MASTRAPA, Ernel; IZQUIERDO QUINTANA, Osnaide. Cuba: modelo de desarrollo e inserción en el mercado internacional: antecedentes, desafíos y oportunidades en el actual escenario de mundialización del capital. In: SILVA, José Fernando Siqueira da; MUÑOZ GUTIÉRREZ, Teresa del Pilar (Org.). Política Social e Serviço Social: Brasil e Cuba em debate. São Paulo: Veras Editora. No prelo GONZÁLEZ MOYA, Maricela; MORALES AGUILERA, Paulina. Asistente o Trabajador Social?: pérdida y restituición del rango unviersitário del Trabajo Social en Chile 1980-2008. In: GONZÁLEZ MOYA, Maricela (Org.). Historias del Trabajo Social en Chile, 1925-2008: contribuición para nuevos relatos. Santiago, Chile:

Ediciones Universidad Santo Tomás, 2013. p. 233-267. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. v. 1. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Tradução e Introdução de Carlos Nelson Coutinho. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2000a. Tradução de Carlos Nelson Coutinho com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2000b. Tradução de Luiz Sérgio Henriques com a colaboração de Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio Nogueira. HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. 2. ed. São Paulo: Annablume,

2006. HERNÁNDEZ MARÍN, Gloria María. La relación políticas sociales y Trabajo Social en Cuba: desafíos profesionales en el contexto revolucionario. SEMINARIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO SOCIAL, XX, 2012, Córdoba, Argentina, Anais… CD-ROM.

Page 207: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

205

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Tradução de Marcos Santarrita. IAMAMOTO, Marilda Vilella. A questão social no capitalismo. Temporalis, ano II,

n.3, p. 9-32, jan.-jul. 2001. IAMAMOTO, Marilda Vilella. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2007. IAMAMOTO, Marilda Vilella. O Serviço Social brasileiro e a articulação latino- -americana. Temporalis, ano IV, n. 7, p. 102-111, jan.-jun. 2003. IAMAMOTO, Marilda Vilella. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2005. IAMAMOTO, Marilda Vilella. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2010. IAMAMOTO, Marilda Vilella; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 25. ed. São

Paulo: Cortez, 2008. IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1993. ILLANES, María Angélica. Cuerpo y sangre de la política: la construcción histórica

de las Visitadoras Sociales (1887-1940). Santiago, Chile: Editorial LOM, 2007. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Sinopse estatística da educação superior: graduação. 2013.

Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em: 5 nov. 2014. KATZ, Cláudio. Integración o unidad latino-americana. 2009. Disponível em:

<http://lahaine.org/katz/b2-img/katz_integ.pdf>. Acesso em: 21 out. 2014. KOIKE, Marieta. As novas exigências teóricas, metodológicas e operacionais da formação profissional na contemporaneidade. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Capacitação em Serviço Social e política social: reprodução social, trabalho e Serviço Social. Módulo 2. Brasília: CFESS/ABEPSS/UNB/CEAD, 1999. KRAWCZYK, Nora R.; VIEIRA, Vera Lúcia. A reforma educacional na América Latina nos anos 1990: uma perspectiva histórico-sociológica. São Paulo: Xamã, 2008. KRUSE, Herman. La Reconceptualización del Servicio Social en América Latina. In: ANDER EGG, Ezaquiel et al. (Re)Conceptualización del Servicio Social. Buenos

Aires: Humanitas, 1976. p. 25-46.

Page 208: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

206

KRUSE, Herman. El Servicio Social ante la mobilidad social e los cambios sociales en América Latina. In: SEMINÁRIO REGIONAL LATINO-AMERICANO DE SERVIÇO SOCIAL, 1., Porto Alegre, Anais... Porto Alegre: [s.n.], 1965. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. LEFEBVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. 5. ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1991. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. LENIN, Vladimir. O Estado e a revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. LIMA, Kátia. Expansão da educação superior brasileira na primeira década do novo século. In: PEREIRA, Larissa Dahmer; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de (Org.). Serviço Social e Educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 11-34.

LIMA, Leila. Cuba y el Trabajo Social. Revista Acción Crítica, Lima, Peru, n. 13, p.

1-3, jul. 1983. Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/accioncritica/ac-cr-013-10.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2014. LÓPEZ, Luis Enrique. A questão da interculturalidade e a educação latino-americana. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Educação na América Latina: análise de

perspectivas. Brasília: Unesco/OREALC, 2002. p. 345-370. LÓPEZ, Margarita Quintero. A educação em Cuba: seus fundamentos e desafios. Estudos avançados, São Paulo, v. 25, n. 72, 2011.

LUKÁCS, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1992. Tradução de José Paulo Netto

e Carlos Nelson Coutinho. MACÊDO, Myrtes de Aguiar. Reconceituação do Serviço Social: formulações diagnósticas. São Paulo: Cortez, 1982. MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa. 5.

ed. São Paulo: Atlas, 2002. MARINI, Rui Mauro. Dialética da dependência. Petrópolis: Vozes, 2000. MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011b. Tradução de Rubens Enderle. MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. São Paulo: Global, 1985. Tradução de José

Paulo Netto.

Page 209: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

207

MARX, Karl. Contribuição à crítica da Economia Política. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Tradução de Maria Helena Barreiro Alves. MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012. Tradução

de Rubens Enderle. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. 1. ed., 2. reimp. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. Tradução de Jesus Ranieri. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro Primeiro. Livro 1, v. I. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011a. Tradução de Reginaldo Sant’Ana. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro Primeiro. Livro 1, v. II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Tradução de Reginaldo Sant’Ana. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes,

2006. Tradução de Frank Müller. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2007. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Campinas, SP:

Navegando, 2011. MATUS, Teresa. Desafíos del Trabajo Social en los noventa. In: ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE ESCOLAS DE TRABALHO SOCIAL (ALAETS); CENTRO LATINO-AMERICANO DE TRABALHO SOCIAL (CELATS). Perspectivas metodológicas en Trabajo Social. Santiago do Chile: ALAETS/CELATS, 1995. p.

14-29. Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/pela/pl-000380.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2015. MESA-LAGO, Carmelo; MULLER, Katharina. Política e reforma da Previdência na América Latina. In: COELHO, Vera Schattan (Org.). A reforma da Previdência na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e

criatividade. 22. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. MIRANDA ARANDA, Miguel. De la caridad a la ciencia: pragmatismo, interaccionismo simbólico y Trabajo Social. 2. ed. Zaragoza: Mira Editores, 2009. MONTAÑO, Carlos. A natureza do Serviço Social: em ensaio sobre sua gênese, a

“especificidade” e sua reprodução. São Paulo: Cortez, 2011a. MONTAÑO, Carlos. A pós-graduação e a pesquisa no Serviço Social latino- -americano: uma primeira aproximação. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 108, p. 762-780, out./dez. 2011b. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0101-66282011000400011&lng=pt&nrm=is&tlng=pt>. Acesso em: 28 mar. 2013.

Page 210: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

208

MONTAÑO, Carlos. O Serviço Social na América Latina e o debate no Brasil. Em Pauta, Rio de Janeiro, n. 22, p. 133-148, 2009.

MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente

de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2010. MORAES, Josiane. O processo de formação e institucionalização do Serviço Social como profissão em Cuba. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.108, p. 710-

-732, out./dez. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-66282011000400008&script=sci_arttext>. Acesso em: 16 nov. 2014. MOTA, Ana Elizabete. Crise contemporânea e as transformações na produção capitalista. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAl (ABEPSS). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. p. 51-67. MOTA, Ana Elizabete. Espaços ocupacionais e dimensões políticas da prática do Assistente Social. Serviço Social & Sociedade, n. 120, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282014000400006&lng=pt&nrm=is&tlng=pt>. Acesso em: 20 fev. 2016. MOTA, Ana Elizabete. Serviço Social brasileiro: profissão e área do conhecimento. Revista Katálysis, Florianópolis, UFSC, v. 16, Número Especial, p. 17-27, 2013.

MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Ângela Santana do; PERUZZO, Juliane Feix. O novo desenvolvimentismo e as políticas sociais na América Latina. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). Desenvolvimentismo e construção da hegemonia: crescimento

econômico e reprodução da desigualdade. São Paulo: Cortez, 2012. MUÑOZ GUTIERREZ, Teresa et al. O Trabajo Social em Cuba e os desafios para sua institucionalização no atual contexto. In: ENPESS, XIII, 2012, Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora, MG: ABEPSS, 2012. CD-ROM. MUÑOZ GUTIERREZ, Teresa; URRUTIA BARROSO, Lourdes de. El desarrollo del Trabajo Social en Cuba. 2005. Texto Digitado.

MUÑOZ GUTIERREZ, Teresa; URRUTIA BARROSO, Lourdes de. Pensar acerca de la reinstitucionalización del Trabajo Social en Cuba (2011-2015). In: SILVA, José Fernando Siqueira da; MUÑOZ GUTIÉRREZ, Teresa del Pilar (Org.). Política Social e Serviço Social: Brasil e Cuba em debate. São Paulo: Veras Editora. No prelo. NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Capacitação em Serviço Social e política social: reprodução social, trabalho e Serviço Social. Módulo 1. Brasília: CFESS/ABEPSS/UNB/CEAD, 1999.

Page 211: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

209

NETTO, José Paulo. Breve nota à interlocução entre pensadores da educação e Marx. In: REUNIÃO NACIONAL DA ANPEd, 37ª, 2015, Florianópolis. Palestra

proferida. Florianópolis: UFSC, 2015. Disponível em: <http://37reuniao.anped.org.br/wp-content/uploads/2015/02/Trabalho-encomendado-de-Jos%C3%A9-Paulo-Netto-para-o-GT09.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2016. NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 3. ed. Ampliada. São Paulo: Cortez, 2001a. NETTO, José Paulo. Cinco notas a propósito da “questão social”. Temporalis,

Brasília, ano II, n. 3, p. 41-49, jan.-jul. 2001b. NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2007. NETTO, José Paulo. O movimento de reconceituação 40 anos depois. Serviço Social & Sociedade, ano XXVI, n. 84, p. 5-20, nov. 2005. NETTO, José Paulo. Posfácio. In: COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 233-286.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Panorama da Educação Superior na América Latina e Caribe: a importância da expansão quantitativa e qualitativa da pesquisa e da pós-

-graduação. 2008. Disponível em: <http://www.foprop.org.br/wp-content/uploads/2010/05/Panorama-da-Educa%C3%A7%C3%A3o-Superior-na-Am%C3%A9rica-Latina-e-a-Import%C3%A2ncia-da-Expans%C3%A3o-Quantitativa-e-Qualitativa-d.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2014. ORTIZ, Fátima Grave. O Serviço Social no Brasil: os fundamentos de sua imagem

social e da autoimagem de seus agentes. Rio de Janeiro: E-papers, 2010. OVALLE MARIO, Iván Peña; QUIROZ NEIRA, Mario Hernan. La formación en Trabajo Social: un proceso dentro de un contexto, la experiencia chilena. In: QUIROZ NEIRA, Mario Hernan (Org.). Antología del Trabajo Social Chileno. Concepción, Chile: Universidad de Concepción, 1998. p. 147-167. Disponível em: <http://tsocial.ulagos.cl/index.php/biblioteca-virtual2/Biblioteca%20virtual/Antolog%C3%ADa%20del%20Trabajo%20Social%20Chileno.pdf/detail>. Acesso em: 25 ago. 2015. PAIVA, Beatriz Augusto de; OURIQUES, Nildo Domingos. Uma perspectiva latino- -americana para as políticas sociais: quão distante está o horizonte? Revista Katálysis, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 166-175, jul./dez. 2006. PAPA LEÃO XIII. Carta Encíclica Rerum Novarum de sua Santidade Papa Leão XIII. Roma: [s.n.], 1891. Texto digital. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html>. Acesso em: 31 ago. 2015.

Page 212: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

210

PAPA PIO XI. Carta Encíclica Quadragésimo Anno de sua Santidade Papa Pio XI. Roma: [s.n.], 1931. Texto digital. Disponível em:

<https://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html>. Acesso em: Acesso em: 31 ago. 2015. PAVÃO, Ana Maria Braz. O princípio da autodeterminação no Serviço Social:

visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 1988. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. PRADO JÚNIOR, Caio. Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista. 2001. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.htmL>. Acesso em: 20 jul. 2013. PRATES, Jane Cruz. O método marxiano de investigação e o enfoque misto na pesquisa social: uma relação necessária. Textos e Contextos, Porto Alegre, v.11, n. 1., p. 116-128, jan./jul. 2012. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/11647/8056>. Acesso em: 10 set. 2012. PRATES, Jane Cruz. A questão dos instrumentais técnico-operativos numa perspectiva dialético-crítica de inspiração marxiana. Textos e Contextos, Porto Alegre, n. 2, 2003. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/article/view/948>. Acesso em: 20 fev. 2016. PRATES, Jane Cruz et al. Pesquisa e formação na pós-graduação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, XII, 2012, Juiz de Fora, Anais... Juiz de Fora: ABEPSS, 2012. CD-ROM.

PRATES, Jane Cruz; CLOSS, Thaisa Teixeira. Relações de trabalho e competências profissionais dos Assistentes Sociais na Região Metropolitana de Porto Alegre. Temporalis, Brasília, DF, ano 15, n. 30, jul./dez. 2015. Disponível em:

<http://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/10988>. Acesso em: 17 fev. 2016. QUESADA, Margarita. El contexto de los 70. In: ASSOCIAÇÃO LATINO- -AMERICANA DE ESCOLAS DE TRABALHO SOCIAL (ALAETS); CENTRO LATINO-AMERICANO DE TRABALHO SOCIAL (CELATS). Perspectivas metodológicas en Trabajo Social. Santiago do Chile: ALAETS/CELATS, 1995. p.

4-13. Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/pela/pl-000380.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2015. QUIROZ NEIRA, Mario Hernan. Apuntes para la historia del Trabajo Social en Chile. In: QUIROZ NEIRA, Mario Hernan (Org.). Antología del Trabajo Social chileno. Concepción, Chile: Universidad de Concepción, 1998. Disponível em: <http://tsocial.ulagos.cl/index.php/biblioteca-virtual2/Biblioteca%20virtual/Antolog%C3%ADa%20del%20Trabajo%20Social%20Chileno.pdf/detail>. Acesso em: 25 ago. 2015.

Page 213: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

211

RAMOS, Sâmya Rodrigues. A mediação da organização política na (re)construção do projeto profissional: o protagonismo do Conselho Federal de

Serviço Social. Recife, Pernambuco: Universidade Federal de Pernambuco, 2005. 332f. Tese (Doutorado em Serviço Social) — Universidade Federal de Pernambuco/Centro de Ciências Sociais Aplicadas. REBOLLEDO, Loreto. De golpes y perdidas: memoria e identidade em um área rural de Colchagua. In: ACEITUNO, Roberto; VALENZUELA, René. Golpe: 1973-2013.

Santiago do Chile: elDesconcierto.cl/LaPSoS, 2014. p. 217-230. RICHMOND, Mary E. Diagnóstico social. Lisboa: Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, 1950. Tradução de José Alberto de Faria. SADER, Emir. Ruy Mauro, intelectual revolucionário. In: SADER, Emir; SANTOS, Theotonio dos (Coord.). A América Latina e os desafios da globalização: ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p.27-35. SALAMÉ COULON, Ana María; CASTAÑEDA MENESES, Patricia. Evolución de la formación profesional en Trabajo Social en Chile. In: SEMINÁRIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO SOCIAL, XIX, 2009, Guayaquil, Anais… Guayaquil, Ecuador: ALAEITS, 2009. Disponível em:

<http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/congresos/reg/slets/slets-019-315.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2015. SALAZAR, Gabriel. Neoliberalismo: fase dictatorial (1973-1987). In: ACEITUNO, Roberto; VALENZUELA, René. Golpe: 1973-2013. Santiago do Chile: elDesconcierto.cl/LaPSoS, 2014, p. 25-71. SAMPAIO JÚNIOR, Plínio de Arruda. Reforma, revolução e contrarrevolução na América Latina. In: CASTELO, Rodrigo (Org.). Encruzilhadas da América Latina no século XXI. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010. p. 35-55.

SANTOS, Cláudia Mônica dos. Na prática a teoria é outra?: mitos e dilemas na

relação entre teoria, prática, instrumentos e técnicas no Serviço Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. SANTOS, J. S. Apropriações da tradição marxista no Serviço Social. Cadernos Especiais n. 42, jan./fev. 2007. Disponível em: <www.assistentesocial.com.br>. Acesso em: 7 nov. 2012. SARACOSTTI SCHWARTZMAN, Mahia et al. Historia del Trabajo Social en Chile. In: FERNÁNDEZ GARCÍA, Tomás; LORENZO GARCÍA, Rafael de. Trabajo Social: una historia global. Madrid, Espanha: McGraw-Hill, 2014. p. 67-94. SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e historicidade. In: KUIAVA, Evaldo Antonio; PAVIANI, Jayme (Org.). Educação, ética e epistemologia. Caxias do Sul,

RS: EDUCS, 2005.

Page 214: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

212

SILVA, Adriana Brito da et al. A extrema-direita na atualidade. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 119, p. 407-445, set. 2014. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-66282014000300002&script=sci_arttext>. Acesso em: 20 out. 2014. SILVA, José Fernando Siqueira da. Pesquisa e produção do conhecimento em Serviço Social. Textos e Contextos, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 282-297, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/2319/3248>. Acesso em: 19 set. 2014. SILVA, José Fernando Siqueira da. Serviço Social: resistência e emancipação?

São Paulo: Cortez, 2013. SILVA, José Fernando Siqueira da; CARMO, Onilda Alves do. Notas sobre o Trabalho Social Cubano. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 121, p. 143-

162, jan./mar. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n121/0101-6628-sssoc-n121-0143.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. SILVA, José Fernando Siqueira da; CARMO, Onilda Alves do; MUÑOZ GUTIERREZ, Teresa Del Pilar. Serviço Social e Trabajo Social: tendências e perspectivas no Brasil e em Cuba. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS (CBAS), 14., 2013, Águas de Lindoia. Anais... Águas de Lindoia, SP: CFESS, 2013. CD-ROM. SILVA, Maria Guadalupe. Ideologias e Serviço Social: reconceituação latino-

-americana. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1983. SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Formação profissional do Assistente Social. São Paulo: Cortez, 1995. SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O Serviço Social e o popular: resgate teórico-

-metodológico do projeto profissional de ruptura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. SILVA, Solange Santos. Transformações nos processos de trabalho e configurações do trabalho do Serviço Social: contribuições a partir da região

noroeste do Rio Grande do Sul/Brasil. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014. 250f. Tese (Doutorado em Serviço Social) — Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. SIMIONATTO, Ivete. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social. Temporalis, Brasília, ano IV, n. 8, p.31-42, jul.-dez. 2004.

SIMÕES, Pedro. Assistentes Sociais no Brasil: um estudo a partir das PNADs. Rio

de Janeiro: E-papers, 2012. SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 78).

Page 215: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

213

SOCIEDAD CUBANA DE TRABAJADORES SOCIALES DE LA SALUD (SOCUTRAS). Contribución de la Sociedad Cubana de Trabajadores Sociales de la Salud a la oficina de la alta comisionada para los derechos humanos con vista al mecanismo de examen periódico universal del consejo de derechos humanos. La Havana, Cuba: Socutras, 2013. Disponível em: <http://lib.ohchr.org/HRBodies/UPR/Documents/Session16/CU/SOCUTRAS_UPR_CUB_S16_2013_SociedadCubanaDeTrabajadoresSoc_S.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2016. SPOSATI, Aldaíza. Pesquisa e produção de conhecimento no campo do Serviço Social. Katálysis, Florianópolis, v. 10, Número Especial, p. 15-27, 2007. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/viewFile/S1414-49802007000300002/3909>. Acesso em: 12 jan. 2016. TEIXEIRA, Joaquina Barata; BRAZ, Marcelo. O projeto ético-político do Serviço Social. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS,

2009. p. 186-199. TONET, Ivo. Pluralismo metodológico: falso caminho. [s.d.]. Disponível em: <http://ivotonet.xpg.uol.com.br/arquivos/pluralismo_metodologico.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2016. TONET, Ivo. Sobre o socialismo. 2. ed. São Paulo: Instituto Lukács, 2012. TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica?: as estratégias do Banco Mundial. In: TOMMASI, Livia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio (Org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 125-194. TROTSKI, Leon. A moral deles e a nossa. São Paulo: SDS — Edições ISKRA,

2015. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. 2. ed. Buenos Aires: CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, 2011. VIDAL MOLINA, Paula. Una aproximación a las condiciones laborales de Trabajo Social: un insumo para el debate en la actualidad del ejercicio profesión. Perspectivas, Santiago, Chile, n. 19, p. 129-155, 2008. Disponível em:

<http://ww3.ucsh.cl/resources/descargas/landing/revistas/Perspectivas%20_19.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2015. VOGHON, Rosa María; PEÑA FARÍAS, Angela. Trabajadores social que piensam su práctica: trabajo social con familias ante el ajuste a la política social cubana actual. In: SILVA, José Fernando Siqueira da; MUÑOZ GUTIÉRREZ, Teresa del Pilar (Org.). Política Social e Serviço Social: Brasil e Cuba em debate. São Paulo: Veras

Editora. No prelo.

Page 216: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

214

WANDERLEY, Luiz Eduardo W. A questão social no contexto da globalização: o caso latino-americano e caribenho. In: BELFIORE-WANDERLEY, Mariangela; BÓGUS, Lucia; YAZBEK, Maria Carmelita (Org.). Desigualdade e questão social. 4. ed. Revista e ampliada. São Paulo: EDUC, 2013. p. 61-172. www.cned.cl/public/Secciones/SeccionIndicesPostulantes/CNED_IndicesTableau_Matricula_Instituciones_Programas.html?IdRegistro=005 www.ecured.cu/Comit%C3%A9s_de_Defensa_de_la_Revoluci%C3%B3n#.C2.BFQui.C3.A9nes_somos.3F www.trabajadoressociales.cl/provinstgo/documentos/ESTUDIO%20cARACTERIZACION%20n.pdf YORDI GARCÍA, Mirtha et al. Devenir del Trabajo Social en Cuba: reflexiones necesarias. In: SEMINÁRIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO SOCIAL, XX, 2012, Córdoba. Anais… Córdoba, Argentina: ALAEITS, 2012. CD- -ROM. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e Assistência Social. 6. ed. São

Paulo: Cortez, 2007. YAZBEK, Maria Carmelita. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília:

CFESS/ABEPSS, 2009. p. 143-163. YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza e exclusão social: expressões da questão social no Brasil. Temporalis, Brasília, ano II, n. 3, jan.-jul. 2001, p. 33-40.

Page 217: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

215

APÊNDICE

ROTEIRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL

1 Identificação do documento

1.1 Tipo do documento

1.2 País

1.3 Idioma

1.4 Título

1.5 Ano

1.6 Autor (formação) ou entidade

1.7 Tema central

1.8 Disponível em

1.9 Data de acesso

1.10 Referência completa

1.11 Resumo do documento

2 Aspectos a serem identificados e/ou analisados no documento

2.1 Formação profissional (na contemporaneidade)

2.1.1 Nível

2.1.2 Habilitação

2.1.3 Duração

2.1.4 Pressupostos, princípios e diretrizes

2.1.5 Objetivos

2.1.6 Matriz teórica hegemônica

2.1.7 Predominância de autores

2.2 Princípios éticos

2.2.1 Implícitos

Page 218: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE ...repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8212/1...Verão 2015/16. 10 ³Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade

216

2.3 Marcos sócio-históricos

2.3. 1 Explícitos

2.4 Marcos histórico-profissionais

2.4.1 Implícitos

2.4.2 Explícitos

2.5 Categorias empíricas identificadas

3 Frases a ilustrar

Categoria (teórica ou empírica) Frase(s)