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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP FILIPE SILVA PEREZ Convergência na dialogia transmidiática entre Tron e Matrix MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FILIPE SILVA PEREZ

Convergência na dialogia transmidiática entre Tron e Matrix

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

SÃO PAULO

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Secretaria Acadêmica – Processamento de

Dissertações e Teses

Filipe Silva Perez

CONVERGÊNCIA NA DIALOGIA TRANSMIDIÁTICA ENTRE TRON E

MATRIX

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Mestre em Tecnologias da Inteligência e

Design Digital, sob a orientação do Prof. Dr

Sergio Roclaw Basbaum.

SÃO PAULO

2014

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

________________________________________________

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DEDICATÓRIA

Gostaria de dedicar esse trabalho para a minha linda noiva, Lika, que esteve

comigo desde o começo, acompanhando cada passo, assistindo aulas ao meu

lado, mesmo sem necessidade, virando noites lendo e relendo meus textos e

me ajudando a revisá-los e principalmente me dando forças para continuar...

Sempre. Obrigado meu amor. Eu te amo.

Agradeço aos meus pais por me darem todo incentivo que precisei para chegar

onde estou e todo apoio em todas as minhas decisões. Amo vocês!

Ah! Não posso me esquecer da minha irmã idiota que eu também amo MUITO

e ta sempre dando aqueeela força, em qualquer situação. Não importa onde,

com, quando, por que... Você é foda Mi!

E por ultimo, mas não menos importante, gostaria de dedicar essa obra a

minha Madrinha, Clotilde, por todo esforço e tempo que se dedicou a mim e a

esse projeto, desde o começo, com toda sua experiência e garra de uma

pesquisadora que não se cansa de crescer, como pessoa e como profissional

no meio acadêmico. Muito obrigado, Madrinha! Te amo!

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................................... 6

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8

LEVEL 1 - TRON ................................................................................................................... 12

LEVEL 2 - TRANSMÍDIALIDADE DE MATRIX ................................................................ 37

FINAL LEVEL – CONVERGINDO TRON E MATRIX ...................................................... 64

GAME OVER ...................................................................................................................... 100

LISTA DE IMAGENS .......................................................................................................... 107

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RESUMO

A pesquisa busca compreender os preceitos e possibilidades dos projetos

transmidiáticos por meio dos estudos comparativos entre as franquias Tron

(Steven Lisberger, 1982), e Matrix (Andy Wachovski, Larry Wachowski, 1999).

A primeira é pioneira no uso de recursos de computação gráfica, e fortemente

ligada em sua gênese ao universo dos games; a última é fortemente associada

à consumação de uma cultura digital e referência para quaisquer projetos

transmídia. A análise dos elementos estéticos, dos recursos narrativos, dos

diferentes produtos e estratégias de marketing associados ao universo de cada

uma dessas produções revela convergências e divergências que permitem

compreender melhor as nuances e demandas criativas e industriais que

caracterizam o fenômeno dos projetos transmidiáticos.

Tomando como principal referencia teórica os trabalhos de Henry Jenkins, a

pesquisa recorre também a autores como Arlindo Machado, Walter Benjamin,

Marcelo Ribeiro e Lev Manovich como suporte à análise e discussão do tema.

Como resultado, o trabalho permite uma compreensão mais ampla dos

requisitos envolvidos em operações transmídia, fazendo ver como o território

ainda novo das produções trasmidiáticas está em constante movimentação,

permitindo a criação de produtos e estratégias específicas adequadas às

necessidades de cada projeto.

Palavras-chave: transmídia, Tron, Matrix, cinema, vídeo-games, cultura digital

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ABSTRACT

This research aims the understanding of principles and possibilities of the so

called transmidiatic projects, by means of comparative study of the franchisings

Tron (Steven Lisberger, 1982) and Matrix (Andy Wachovski, Larry Wachovski,

1999). The former is acknowledged as a pioneer effort in the use of computer

graphic effects, and is connected in its genesis to the territory of vídeo-games;

the last, is sTrongly associated with the consumation of digital culture, and is a

mandatory reference for any transmidiatic project. The analysis of aesthetic,

elements, narratives ressources, and the diferente products and marketing

strategies associated to each of these production universes reveals

convergences and divergences which allow a better understanding of the

subtleties, as much as the industrial and creative demands which carachterize

the phenomena of transmidiatic projects.

Taking as a major theoretical reference the works of Henry Jenkins, the

research also utilizes authors such as Arlindo Machado, Walter Benjamin,

Marcelo Ribeiro and Lev Manovich to support the analysis and discussion of the

subject.

As a result, the work allows a broader understanding of requests involved in

transmidiatic operations, making it possible to see how this still new territory of

transmidiatic productions is under ceaseless movimentation, allowing the

creation of specific products and strategies customized to each project’s needs.

Keywords: transmidia, Tron, Matrix, cinema, vídeo-games, digital culture

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INTRODUÇÃO

Ainda nos tempos do colégio (Santa Marcelina), tinha a certeza do que gostaria

de seguir nessa área de comunicação e artes visuais. A convicção de agregar

meus conhecimentos com a área tecnológica em uma perspectiva artístico-

criativa me levou à escolha do curso de Comunicação em Multimeios. Tinha a

sensação de que poderia agregar minhas habilidades artísticas relacionadas à

interpretação (tenho formação profissional em dramaturgia, TV/Teatro pela

escola de TV e Teatro Wolf Maya) e desenho, com o gosto pelo mundo

imaginário das personagens de séries, desenhos, quadrinhos e filmes. A

escolha da PUC-SP foi um caminho muito natural. Desde muito pequeno já me

via envolvido com a universidade. Minha Madrinha era professora na PUC-SP

e, posteriormente, também meu Pai. Os afetos, além da qualidade do ensino e

da pesquisa, me levaram inevitavelmente ao campus Monte Alegre.

Os quatro anos de graduação transcorreram muito bem, uma vez que me

dediquei sempre a eventos e oficinas voltadas para audiovisual e hipermídia.

Pensando sempre em novos moldes para criação de um produto transmidiático

inovador e marcante. Destaque para a pesquisa realizada por ocasião do meu

TCC, intitulado “Transmidiação: Do Cinema ao Graphic Novel“, sob a

orientação da professora Ane Shyrlei Araujo, o qual fiz uma análise de um

processo pessoal de criação e transmidiação do cinema, com o filme Missão

Impossível 3, para um Graphic Novel.

Mas mesmo antes de terminar a graduação já pensava nos caminhos possíveis

para dar continuidade ao meu interesse crescente pela união comunicação,

tecnologia e criação.

E justamente por isso era quase inevitável seguir com um mestrado na mesma

instituição em que praticamente cresci. Mais obvio ainda, era a escolha da

temática dessa dissertação.

Em paralelo, ano de 2010 iniciei a busca de um estágio onde pudesse exercitar

um pouco mais os conhecimentos que vinha adquirindo na Universidade.

Assim, ingressei no Senac-SP, na área de EAD, onde fiquei por 1 ano até se

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efetivado como Designer Instrucional e posteriormente como Designer

Educacional. O trabalho como designer possibilitou o aprendizado de técnicas,

softwares e manejo de conteúdos digitais, muito importantes na minha

formação. Além disso, também foi possível experimentar o trabalho em equipe

e as vantagens da produção compartilhada do conhecimento no meio

corporativo. A rede de fornecedores e contatos necessários para a produção de

conteúdos educacionais é outro valor fundamental na minha formação na área.

Finalmente, em agosto de 2011, ingressei no programa de Mestrado que amis

se encaixava no meu perfil: O TIDD.

Com um perfil desses, sempre multimidiático e multifacetado, tinha dificuldade

de trilhar um caminho muito antiquado no meio acadêmico. Quando me

apresentaram o TIDD, fiquei encantado com sua proposta, afinal de contas, o

nome já diz tudo: Tecnologias da Inteligência e Design Digital. Sua grade

curricular mais do que completa, conseguia contemplar de maneira muito

homogênea a prática com a teoria nas mãos de professores excelentes e muito

competentes, a grande maioria antigos professores da graduação.

Não pensei muito. Comecei a estruturar meu projeto e aperfeiçoá-lo de acordo

com o tempo, em função das experiências maravilhosas que o programa

conseguiu me propor, sem contar as disciplinas e a motivação que cada

docente se empenhava em dar para cada projeto. Diga-se de passagem que

quase todos os projetos compartilhado de colegas de turma tinham níveis

altíssimos de conteúdo e de interesse.

Confesso que nasci e cresci em um meio mais prático, um meio de produção e

que a escrita é algo que ainda está em processo de melhoria e com certeza

nunca terminará, porque, afinal de contas, estamos sempre aprendendo e nos

reciclando a cada momento.

Sobre o tema que escolhi para essa dissertação, parti do princípio de que, a

partir do momento que acredito em algo e defendo isso dentro e fora do meio

acadêmico, esse algo merece uma atenção mais especial, não só da minha

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parte, mas compartilhado com um núcleo que se interessa nesse tipo de

projeto multimidiático.

Tron Legacy foi muito marcante em minha vida por estabelecer um momento

de transição assim como a do protagonista do filme. Isso me deu forças e

incentivo no ponto certo para impulsionar essa pesquisa e posteriormente

desenvolver um produto tão envolvente e marcante como a franquia de Tron foi

para mim.

E é claro que partir de um tema que te inspira para uma abordagem mais

teórica e posteriormente uma evolução prática, fez com que eu conseguisse

buscar forças para a escrita dessa dissertação. Espero que essa pesquisa

sirva, não só como mérito, mas principalmente como uma experiência e

esclarecimento para todos aqueles que buscam inovações tecnológicas que

permeiam as diversas plataformas multimidiáticas.

Muitas pessoas ainda não valorizam as grandes produções hollywoodianas,

meu berço. Justamente por isso, decidi investir na defesa desse tipo de produto

através de análises que quase nunca um espectador leigo nota e, por isso, não

dá o devido valor aquele conjunto.

Por isso, essa dissertação irá caminhar primeiramente, situando o leitor no

universo Tron e todas as vertentes de produtos que compõem essa franquia.

Desde o enredo, personagens, cenários, até os processos que envolvem uma

construção transmidiática sobre essa produção. O seu Legado e prospecções

futuras sobre o caminho que a franquia irá trilhar.

Em seguida, vamos fazer uma abordagem mais técnica sobre a construção

transmidiática de Matrix e todos os elementos que envolveram a criação e

produção da série de filmes, animações, quadrinhos, etc. Tudo sobre uma

perspectiva que, na minha opinião, foi a mais inspiradora e consistente: A de

Henry Jenkins.

Por fim, vamos finalizar fazendo um paralelo entre as duas franquias (Tron e

Matrix) e as possíveis relações que elas estabelecem entre enredos,

personagens, premissas, aspirações, etc. Tomando como foco os conceitos

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transmidiáticos levantados até este momento e outros ainda que se encaixam

perfeitamente nesse processo.

Espero que com esse conjunto, embora seja algo ainda primário e que precisa

de muito estudo e aprofundamento em cada detalhe, os leitores possam olhar

esse tipo de produção de maneira mais completa, valorizando o conjunto de

todas as plataformas multimidiáticas que envolvem as grandes produções

transmidiáticas e não vejam os recursos isoladamente sem propósito ou

complemento.

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LEVEL 1 - TRON

Neste capítulo vamos fazer uma breve introdução ao universo Tron e sua

importante participação dentro das diversas referências cinematográficas sobre

a transmídia. Além do seu enredo também iremos explorar a complexidade por

trás da construção e expansão dessa franquia.

Tron – Uma Odisseia Eletrônica (TRON - 1982) foi considerado um marco na

história do cinema, por trazer em seu enredo um novo conceito de efeitos

visuais. Foi o primeiro filme produzido com cerca de 80% de sua película em

Common Gateway Interface (CGI) ou Computação Gráfica, como é

popularmente conhecido.

“Tron foi o primeiro filme a utilizar os modernos

computadores da época, rudimentares e pesados hoje em

dia, para criar novos efeitos visuais. A inovação não estava

na técnica da filmagem dos atores ou na inserção posterior

dos cenários, pois o uso de animação, aliada a sequências

filmadas com atores, j havia obtido êxito em filmes como

Mary Poppins. A inovação do projeto estava na confecção

de efeitos diretamente produzidos por meio da computação

gráfica, uma via ainda não explorada at então.”

(RIBEIRO, 2002, p. 01).

Para construir essa estrutura inédita e complexa de efeitos visuais, cenários,

objetos e personagens, foi preciso definir uma linha estética visual para traçar o

curso da produção e dos elementos posteriormente desenvolvidos.

O ano era de 1982, uma época de transformação e inovação em termos

tecnológicos. Jogos como Space Invaders, Computer Othello, Arcade, Pac-

man, entre outros, estavam em alta. Essa tendência de evolução constante

desse segmento impulsionava a criação do universo TRON.

“A evolução dos vídeo games passa inevitavelmente pela

década de oitenta. Os designers que elaboraram a gráfica

dos jogos eletr nicos caseiros foram desbravadores de um

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mundo ainda desconhecido. ma das companhias de

enorme brilho no passado possui uma relação estreita com

a valorização dos profissionais de games. A Mattel

ElecTronics, ue fabricava o console e os games da

ntellivision, era uma das companhias norte-americanas de

desta ue no setor de jogos e foi precursora no movimento

de divulgação dos nomes dos designers da empresa em

seus cartuchos.” (R BE RO, 2002, p. 02)

A partir dessas referências e inspiração nos jogos de Pong (um grande

sucesso da década de 70), Steven Lisberger, animador responsável pela

história e direção do primeiro Tron, começou a construir a sua estética fílmica.

O diferencial estético procurou trazer algo tão futurista a ponto de o universo

ficcional não ser considerado possível, onde o mundo transpassasse facilmente

as barreiras do real com o digital.

Essa visão sobre as tendências futuristas que alguns filmes incitavam naquela

época foi crucial para o desenvolvimento fílmico e, posteriormente,

transmidiático. A franquia possibilitaria, pela criação de um universo facilmente

“convergível”, sua expansão ficcional para diversas plataformas multimidiáticas.

Começando pela produção cinematográfica da franquia, o enredo do primeiro

filme de Tron acompanha a trajetória de Kevin Flynn, interpretado por Jeff

Bridges. Este protagonista é um programador de jogos que buscava criar um

sistema operacional funcional e de livre acesso a qualquer usuário que tivesse

interesse em conhecê-lo. Mas, este não era um ideal compartilhado pela

empresa em que trabalhava, a ENCOM. Visando lucros e benefícios próprios, o

seu chefe, Dillinger, começou a roubar seus projetos. Então, Flynn decidiu

infiltrar no sistema da empresa um programa que monitorasse a rede e, com

isso, pudesse provar o que Dillinger estava fazendo.

Porém, em uma destas tentativas, Flynn foi digitalizado, através de um portal

quântico, e lançado pelo Master Control Program (MCP) para dentro do

sistema que ele mesmo ajudou a criar.

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A partir deste momento, em relação aos efeitos visuais, o enredo traduzido em

cenas levaria a opções e soluções tecnológicas que transformariam os padrões

até então estabelecidos pela história do cinema.

Flynn é levado para um universo totalmente digital, com sistemas que simulam

a forma humana e são controlados por seus correspondentes no mundo real. O

próprio Tron, que dá nome ao filme, foi criado a imagem de Alan Bradley

(Bruce Boxleitner), também programador e melhor amigo de Kevin.

Isso leva o filme a um mundo novo, diferente daquele estabelecido até então.

De um universo diegético totalmente compreensível, para um sistema

totalmente digital.

Nesse universo, nomeado por Flynn como Grid, a “realidade” era totalmente

digital. Suas formas eram exacerbadas com elementos luminosos em todo

cenário, figurino, acessórios e veículos.

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(Figuras 1, 2 e 3 estraídas do DVD Tron)

Mesmo recheado de elementos como estes, a estrutura fílmica não é vinculada

à um tempo futuro, ou possibilidades futuras, exceto é claro se especularmos a

que ponto a tecnologia poderia interferir no nosso mundo e vice e versa. O

filme se passa em 1982 e o universo criado digitalmente está associado à

época, como se naquele contexto fosse possível à criação desse universo

digital.

Neste ponto, o cenário e todo o universo ficcional, estão vinculados ao

imaginário construído pelo personagem, Flynn, que convence o espectador de

que, toda aquela estrutura criada e aperfeiçoada por ele, era sim algo possível

naquela época. Isso é reforçado, na sequência, Tron Legacy (2010), quando

Sam, filho de Kevin, encontra o mesmo laboratório em que seu pai trabalhava

em 1982 e, através do mesmo teleportador quântico, ele também é

transportado para o Grid...

“Algo ue contribui para a atmosfera instigante do filme

que seu enredo principal se refere a um personagem que

literalmente “entra” em um computador e modifica o

sistema de uma grande empresa, alterando, assim, seu

funcionamento. Além disso, o protagonista instaura no

sistema um tipo de programa de segurança, algo como o

conhecido antivírus do universo digital contemporâneo.”

(ALVEZ, 2012, p.03)

É interessante notar como alguns desses elementos e conceitos, como os de

hacker, antivírus, universo digital, citados acima, já faziam parte do imaginário

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fílmico daquela época, porém, como uma visão ainda muito primária, o que

permitia a exploração desse imaginário através do espectador, como, por

exemplo, o teletransporte quântico, que demonstrava literalmente a imersão do

personagem (Kevin Flynn) no universo digital do Grid.

Level Up – A importância dos efeitos visuais em Tron

De modo geral, a história em Tron é contada linearmente, fazendo com que os

desta ues do filme estejam presentes nesses “elementos digitais”. sso faz com

que Tron se destaque principalmente pela forma na qual são construídas suas

imagens.

“O uso da t cnica e da tecnologia inovadora dos

computadores revela novas formas de construção dos

espaços, elaboração e concepção visual de cenários e,

sobretudo, de personagens.” (ALVEZ, 2012, p.04)

Essa “t cnica” faz com que o filme se torne um marco na utilização de recursos

de animação. Segundo Machado, “at os anos 80, não houve nenhum tipo de

incorporação de animação digital ao cinema como a que foi utilizada em Tron,

pois, até então, o computador gráfico era apenas incorporado em televisão,

spots de abertura de programas e videoclipes.” (1995, p.198). O resultado

desse processo foi a materialização do espaço virtual, fantasioso e ainda

primário no imaginário do espectador e visualmente concretizada na tela.

Lisberger tentou construir uma estética que fizesse com que o espectador

quase abstraísse a trama e, dessa maneira, ele pudesse “brincar” com esse

jogo entre o real e o virtual, trabalhando com as sensações, criadas pelas

simulações eletrônicas, efeitos visuais, cenários, figurinos, etc.

Essa “ideia” de contar uma história através de recursos visuais, nesse caso

digitalizados, é algo que vem sendo mais frequente e funcional ao longo do

desenvolvimento da tecnologia e do objetivo traduzir uma narrativa em

elementos que agregam ainda mais valor ao conteúdo, isso é claro se levarmos

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em consideração todo histórico desse tipo de recurso, como menciona a

pesquisadora Sonia M. Bibe-Luyten:

“(...) a proposta de contar uma história através de figuras é

bastante anterior a Outcault e que pode ser traçada ao

início da civilização, onde as inscrições rupestres nas

cavernas pré-históricas já revelavam a preocupação de

narrar os acontecimentos através de desenhos sucessivos”

(BIBE-LUYTEN, p16, 1985)

Um pouco além desses recursos fílmicos, digitais e imagéticos, os

personagens, suas intenções e seus objetivos, também ajudam na construção

de um universo que, até então, nem mesmo Lisberger imaginava que ganharia

proporções maiores do que a própria produção permitia.

Com os recursos mais utilizados na época, ele tentou extrair o melhor e

aperfeiçoá-los para o nível que a produção de Tron necessitava:

“Diferentemente de acetatos pintados, para esses

trabalhos se utilizava a t cnica da ‘pintura de m scaras’. A

iluminação contraluz não era usada para criação de

personagens, mas para dar luminosidade em formas e

objetos e para elaboração de logotipos, e, neste período,

Lisberger decide criar um personagem em contraluz.”

(Making of Tron: uma odisseia eletrônica - 1982).

Assim, Lisberger não se limitou a criar personagens utilizando apenas esses

recursos e elementos que estavam ao seu alcance, sem perceber que ele

havia aberto precedentes para um legado muito promissor. Legado que a Walt

Disney redescobriu em 2005 e que ganhou forma pelas mãos de Edward Kitsis

e Adam Horowitz, os roteiristas do até então intitulado TR2N, sequência de

Tron: uma odisseia eletrônica (1982)...

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New Level – Tron Legacy

No final dos anos 90, já haviam boatos de que a Disney faria uma sequência de

Tron, devido à grande legião de fãs do primeiro filme. Depois de muitas

especulações, (inclusive uma de que essa “sequência”, ou remake, seria

produzido pela Pixar) finalmente a Disney deu um posicionamento oficial.

Em 13 de janeiro de 2005, a Variety (site de notícias sobre filmes, séries de TV,

personalidades, etc.) informou que a Disney havia contratado Brian Klugman e

Lee Sternthal para escrever o roteiro da sequência de Tron. (Tron Wiki, 2010)

Nesse ponto ficava muito difícil prever como, quando, em qual contexto e que

rumo tomaria essa sequência, já que o primeiro filme, segundo Machado (1995,

p.198) “ um perfeito pico de aventuras ambientado no mundo cibern tico,

com gladiadores de neon e carros de vetores, tudo eletrizado na velocidade da

luz”.

A grande questão era: como obter o mesmo sucesso do primeiro filme,

superando as expectativas, contextualizando com a realidade atual e ainda

assim sendo fiel ao seu antecessor?

Foi então que na Comic-Con (convenção anual de quadrinhos, filmes, games,

seriados) em San Diego, Califórnia, a Disney, juntamente com Joseph Kosinski,

diretor ainda em “teste” da sequência, mostrou um “teaser” surpresa para o

público, intitulado TR2N.

A sequência começava com uma pr via do ue seria uma “atualização” das

Light Cycles (motos de luz) do primeiro Tron, colocando em cena o que

aparentemente era um homem, com uma roupa “futurista” iluminada por fitas

de led azul, em uma perseguição contra outro, ainda mais misterioso, com uma

roupa similar, porém, com os leds na cor amarelo, utilizando um capacete que

escondia seu rosto por completo.

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(Figuras 4 e 5 extraídas do teaser deTron Legacy – 2008)

A perseguição continuava até o momento que uma figura de barba, com vestes

similares a um roupão, aparecia observando os dois do alto. Tratava-se de

ninguém menos que Kevin Flynn, o protagonista do primeiro filme, porém anos

mais velho.

(Figuras 6, 7 e 8 extraídas do teaser de Tron Legacy – 2008)

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Por fim, o “homem misterioso”, com a roupa de leds amarelos, encurrala o

outro e revela sua verdadeira identidade: Era o próprio Flynn, porém com a

jovialidade de 1982, ano do primeiro longa. Tal representação, porém, era na

verdade CLU, o programa que Flynn havia criado como seu Avatar no mundo

digital e que havia sido destruído pelo MCP (Master Control Program) no

começo do primeiro Tron.

(Figura 9 extraída do Teaser de Tron Legacy 2008)

À partir desse ponto, os produtores estabeleceram novas expectativas e novas

teorias sobre o destino da série.

Ao longo de uma campanha que durou cerca de um ano, a Disney conseguiu

instigar o imaginário dos espectadores e fãs da franquia com peças espalhadas

pelos seus parques, ruas, em seus Monorails envelopados para que

parecessem com as Light Cycles, tentando passar a mesma sensação de

velocidade que elas possuiriam no filme.

(Figuras 10 e 11 - fotos de Filipe Perez - tiradas no Magic Kingdom e Epcot –

2010 – Os Monorails envelopados com as Light Cycles)

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Todos esses recursos poderiam ser tachados como um simples golpe

publicitário para divulgação do filme, mas, ao mesmo tempo, podemos

especular que houve um princípio de tentativa de uma construção

transmidiática. Mas o que permitiria esse tipo de análise?

Podemos começar com esses mesmos recursos mencionados anteriormente.

A Disney deixou pistas do que o espectador poderia esperar da sequência de

Tron e como as relações multimidiáticas fariam parte importante de sua

construção como universo ficcional transmidiático.

Quando dissertamos sobre produções transmidiaticas, talvez uma das coisas

mais interessantes e que mais se destacam nessa sequência, é a tentativa da

Disney de criar uma estrutura análoga a Matrix.

Tron Legacy acompanha a trajetória de Sam Flynn (Garrett Hedlund), filho de

Kevin, protagonista do primeiro filme. A historia começa com Kevin narrando

sua grande descoberta, O Grid, um universo de possibilidades infinitas e que

mudaria para sempre o senso de real e virtual que a humanidade possuía na

época. Ao desenrolar da cena, vemos que ele está narrando essa história para

seu filho, Sam.

A cena é mostrada como um Flashback e logo deixa explícita essa

característica no momento em que uma sequência com vários noticiários

informam sobre o desaparecimento de Flynn, realizando assim a ponte entre

aquele primeiro momento e aquele que levaria ao tempo presente do enredo.

A partir daí a história começa a estabelecer suas relações com o primeiro Tron,

utilizando artifícios como objetos, cenários, falas e uma série de elementos

que, ao mesmo tempo que homenageiam o filme anterior, fazem a conexão de

tempo e espaço em que o longa será situado.

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(Figura 12 – acima – extraída do DVD Tron: uma odisseia eletrônica - 2010,

Figura 13 – abaixo – Extraída do DVD Tron Legacy - 2011)

As imagens acima retratam muito bem este essa “conexão”. A primeira mostra

a cena do primeiro Tron em que Flynn, ao invadir a sede da Encom, diz “That is

a big door...” (isso ue uma porta grande), fazendo de certa forma uma sátira

sobre a segurança da empresa.

Já a segunda, mostra a cena de Tron Legacy em que Sam, filho de Flynn

também invade o prédio da Encom, porém 20 anos depois. E, mesmo com uma

segurança tecnicamente mais evoluída, ele consegue invadir e nesse

momento, parafraseia exatamente a fala de seu pai: “That is a big door...”.

Um pouco além desses elementos, que são interessantes para a construção do

enredo e de toda a estrutura narrativa, do protagonista e do universo ao seu

redor, o que se destaca nesse filme, bem como no primeiro, é o fator visual.

O primeiro Tron, como já mencionado anteriormente, foi um marco na história

do cinema por seus efeitos visuais, imagens geradas digitalmente, e a imersão

em um universo totalmente digital. Sendo o “Legado”, como o próprio nome

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sugere, Tron Legacy precisava ter algum elemento visual tão revolucionário

quanto seu antecessor, para se encaixar nos moldes estabelecidos pelo

primeiro Tron, levando em consideração a evolução tecnológica que percorreu

mais de 20 anos de história.

Machado deixa bem claro essa importância visual das imagens e a construção

fílmica que agrega mais do que apenas estética:

Falar de filmes compostos com imagens geradas em

sistemas digitais implica certamente falar de Tron, o

ancestral mais célebre. Trata-se de um filme de animação

que utiliza largamente o computador gráfico para geração

de imagens em movimento que inova consideravelmente a

realização de desenhos animados. Na verdade, ele

incorpora ao cinema técnicas de animação digital já

utilizadas pela televisão nos spots de abertura de

programas, nos videoclipes e nos comerciais da última

geração. (MACHADO,1995, p.198).

Foi a partir dessa “necessidade” ue surgiu CLU (Codified Likeness Utility -

Utilitário de Semelhança Codificada).

O personagem já tinha sido inserido no primeiro filme, porém, de forma muito

breve e sem grandes pretensões, mas após o teaser apresentado na Comic-

Com, em que o personagem aparecia novamente, porém com nova roupagem,

deixando a entender que aquele universo não era mais o mesmo - no teaser, o

personagem perseguido, uando encurralado por CL diz: “This is just a

game!” (Isso só um jogo!) e CL responde: “Not anymore...” (Não mais...) –

os produtores puderam explorar mais a fundo a personalidade e origem de

CLU, também como justificativa de suas ações ao longo do filme e o que levou-

o a ser o antagonista da sequência.

CLU é a “personificação” do ue seria o resultado de uma imagem gerada

digitalmente. Kevin Flynn o criou à sua imagem e semelhança, com o objetivo

de projetar e realizar a manutenção do “sistema perfeito”. Assim como um

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sistema operacional, foi criado com objetivos específicos e restritos àquilo que

foi programado e esse foi o principal motivo de sua construção como

antagonista.

(Figura 14 extraída do DVD Tron Legacy – 2011)

Ao tentar fazer a manutenção do “sistema perfeito” CLU viu as anomalias, que

o sistema começou a criar espontaneamente, como imperfeições. Então

decidiu exterminar todas elas.

Porém, os ISOs, nome que Flynn havia dado pra essas anomalias, eram o

verdadeiro segredo para a criação de um mundo perfeito, onde não existiriam

mais doenças, contaminações ou qualquer imperfeição que o mundo humano

já apresentava há anos. Era quase como se o homem pudesse começar toda a

estrutura celular do zero e reprogramar qualquer célula para exercer qualquer

função, inclusive a de regeneração.

Flynn então tentou proteger esses ISOs a qualquer custo. Mas CLU se

amotinou contra ele e dominou todo o sistema. E, na tentativa de criar um

sistema perfeito, exterminou todos (expurgo, como eles chamaram), inclusive o

próprio Tron, que Flynn havia trazido do sistema anterior para proteger este

novo Grid.

Mesmo assim, Flynn conseguiu salvar pelo menos um dos ISOs, a última de

sua espécie, Quorra (personagem de Olivia Wilde), mas entraremos nos

detalhes e na importância dessa protagonista mais a frente.

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Voltando à jornada de Sam e o legado de seu pai, após receber uma

mensagem, que supostamente veio de Kevin, Alan Bradley, amigo de Flynn

(apresentado no primeiro filme da série) vai até Sam e insiste que ele vá ao

local de onde a mensagem veio: O Arcade de Flynn.

Lá, além de um grande e movimentado fliperama, (introduzido em seu auge no

primeiro filme) era também o escritório de seu pai, onde ele passava horas, às

vezes dias trancado estudando o universo digital que havia criado.

Na cena da chegada de Sam no Arcade, vemos mais uma coleção de

referências e homenagens ao primeiro filme, que envolvem desde a construção

onde está situado, que permanece a mesma do filme anterior, até a trilha

sonora característica dos anos 80, que toca automaticamente quando Sam liga

o quadro de força (Seperate Ways da banda Journey é uma delas).

Sam então descobre uma passagem secreta que leva ao verdadeiro escritório

de seu pai e é lá que, acidentalmente, ele é teleportado para o Grid.

(Figura 15 extraída do DVD Tron Legacy – 2011)

É interessante notar a construção desse cenário e de todo esse plano-

sequência, pois eles representam a tradução da intenção do diretor de mostrar

que aquela é a primeira grande reviravolta do filme.

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Bonus Level – Tron Legacy e a importância da evolução

tecnológica

O que vimos no primeiro Tron, após o teletransporte de Flynn, foi um ambiente

digitalizado, sem muitas perspectivas, mas com os elementos que compunham

esse universo e os personagens ajudando na construção do que seria uma

tentativa de “imagem 3D”:

Em Tron a representação está baseada através do

agrupamento de elementos, dos atores e da cenografia,

mas, sobretudo de uma intenção de tridimensionalidade,

na tentativa da construção de uma imagem próxima dos

cânones da perspectiva renascentista. O aspecto

cenográfico de Tron se encaixa na ideia da perspectiva

artificiais, uma forma de perspectiva da imagem criada

artificialmente. (ALVEZ e FISHER, 2012, p05).

Considerando esses e outros recursos disponíveis na época, não era possível

criar um cenário totalmente digital com perspectivas tão precisas como

atualmente. Já em Tron Legacy, as possibilidades eram quase ilimitadas,

quando o assunto era efeitos visuais. Foi interessante ver como o diretor

conseguiu estabelecer essa relação do antigo com o novo logo na primeira

sequência em que Sam sai do Arcade direto para o centro do Grid.

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(Figura 16 extraída do Livro The Art of Tron Legacy – 2010)

O que vemos digitalizada é tentativa de tradução da estrutura do mundo real, o

que mostra que a passagem de um universo para o outro foi construída a partir

da representação do que já existia. Porém, as estruturas auxiliares que

constroem o restante do cenário, mostram que aquele universo não faz parte

do mundo real, mas exacerba em perspectivas e relações diretas com a

realidade, como a representação de um céu, nuvens, raios, horizonte, etc.

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(Figuras 17 e 18 extraídas do Livro The Art of Tron Legacy – 2010)

Depois da sequência de introdução ao Grid, Sam é capturado por programas

que mantêm a ordem de acordo com as normas estipuladas por CLU (seriam

análogos à nossa polícia). Estes programas denominados Black Guards

(Guardas Negros) definem quem precisa ser reprogramado/retificado e quem

ser direcionado para os “Jogos”.

Os que precisam ser reprogramados normalmente são os que apresentam

alguma avaria ou distúrbio ue foge aos moldes da “perfeição” estabelecida por

CLU.

Assim, sendo um usuário sem apresentar avarias ou imperfeições, Sam é

direcionado para os jogos. E esse acaba se tornando o segundo grande ato do

filme, no qual Sam se dá conta de como realmente funciona aquele sistema.

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Em paralelo, do ponto de vista estético e visual do filme, esse é um dos

momentos com o maior número de compilados referenciais à games de

diversas gerações.

Os sons, por exemplo, são os mais marcantes nesse aspecto. Logo que Sam

entra na Arena de Batalha ouvimos um som que remete ao start dos antigos

Videogames e fliperamas, justamente criando essa analogia de início de jogo,

que existia nas décadas de 80 e 90.

Mas o grande desafio era na verdade inserir esses elementos em um ambiente

totalmente tridimensional e atual, sem causar um estranhamento no

espectador. Com isso, podemos arriscar dizer que o resultado foi assertivo e a

cena ganhou a proporção adequada ao contexto em que o filme estava

inserido...

Na atualidade, a computação gráfica parece consolidada e

incorporada criação cinematográfica. Seria uma árdua

tarefa encontrar alguma cena desvinculada da computação

nas grandes produções de cinema contemporâneo. Se

pensarmos no filme como um complexo conjunto de

criações que englobam desde a elaboração dos g neros, a

montagem e os efeitos especiais, poderemos afirmar ue

atualmente uase impossível imaginar o cinema sem as

possibilidades trazidas pela computação gráfica.

(RIBEIRO, 2002, p01)

Esta discussão porem é muito maior do que os elementos que constituem o

filme como um todo, ela extrapola o limiar da transmídia mostrando que esse

tipo de recurso é a chave para a realização desse processo.

A construção do cenário, por exemplo, e todos os elementos que remetem

diretamente a “níveis e dificuldade” (levels), oponentes, vencedores,

eliminados, etc. Permitem que a mesma cena, quando transformada em um

Game, seja igualmente relevante e transmita a mesma sensação de imersão

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que o filme proporciona, com um detalhe importante: no Game é o

usu rio/espectador uem “controla” o resultado de cada escolha.

(Figuras 19 e 20 extraídas do DVD Tron Legacy – 2011)

Na arena das Disc Wars (Guerra de Discos) ficam evidentes elementos como a

escolha dos oponentes, telas/fases que cada um deve enfrentar, levels de

dificuldade, etc. Mas alguns não ficam totalmente explícitos.

Os levels, por exemplo, ficam mais evidentes somente quando Sam derrota

seu primeiro oponente e é direcionado para o segundo, um pouco mais

desafiador. Em seguida, após derrotá-lo também, e pular (literalmente) para

outro nível, ele cai na arena de Rinzler, local que o próprio programa define

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como Final Round (batalha final), ou seja, o ultimo nível de dificuldade, o que

dentro das características dos games, seria o maior nível de dificuldade.

(Figura 21 extraída do DVD Tron Legacy – 2011)

Para comprovar isso o que se segue é uma batalha na qual Rinzler leva uma

vantagem tão grande, a ponto de tirar sangue do braço de Sam e revelar o que

ele realmente é: um usuário.

A composição desses elementos, que auxiliam na construção dessa cena, é

análoga aos elementos apresentados nos jogos. Embora o fator probabilidade

já esteja predefinido, sendo este um longa-metragem linear, sem possibilidade

de intervenção, os demais elementos (trilha sonora, o cenário propício, um

“chefão” assistindo a tudo e controlando o andamento da batalha), dão forma

não somente à cena, mas também à construção de uma “fase”, assim como em

um game.

A Virtualização dos Personagens

Por se tratar de um blockbuster, questões sociais e filosóficas não são o foco

deste filme, bem como diversos outros da mesma linha, embora sempre haja

brechas para especulações e teorias.

“Segundo o pensamento de ierre L v , a virtualização

não estaria no caminho percorrido entre suportes, nem no

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desaparecimento ou desmaterialização como acontece

com a personagem principal do filme Tron. L v acredita

ser mais conveniente atribuir ao processo virtualizante a

ideia de atualização do real e não a desmaterialização ou a

oposição ao real, como surge no filme. O virtual seria parte

do processo, um complemento da realidade.” (RIBEIRO,

2002, p03)

Essa reflexão de Levy torna a relevância do protagonista ainda maior, dentro

do enredo como um todo. Como vimos anteriormente, Sam representa “o

legado” do pai, tanto no mundo real quanto no digital, portanto, sua

desmaterialização serve também como uma extensão das suas “habilidades”

físicas, transportadas para essa realidade virtual.

Mas essa desmaterialização não era só do corpo, mas da consciência dele

também. Quando CLU capturou Sam pela primeira vez, ele conseguiu ter

acesso a todas as suas memórias através do seu Identity Disc (disco de

identidade). Esse disco foi programado para registrar toda a trajetória,

pensamentos, ações de cada programa ao longo de sua jornada dentro e, no

caso de Sam, fora do Grid.

A partir daí a trajetória da narrativa e dos protagonistas tomam proporções

novas e possibilidades que fariam com que, o resultado, fosse mais uma

reviravolta deste filme: a de que os usu rios t m o poder de “improvisar” suas

decisões e reconfigurar programas dentro do Grid por possuírem um repertorio

muito mais vasto que o de um simples programa nascido daquele sistema.

Anterior a isso, é importante notarmos que a narrativa permeia um período de

reflexões e Flashbacks que situam o espectador do que ponto que a trama

continuou se desenvolvendo. Isso é essencial para a sequência lógica da

história que vincula o primeiro com o segundo filme.

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Cronologicamente, se os filmes fossem apresentados em sequência, sem

esses elementos de link, a narrativa perderia a lógica e o sentido que justificam

certas ações de alguns personagens, como o próprio CLU, por exemplo.

O primeiro filme termina com Kevin fechando os sistemas da Encom e

utilizando seus artifícios para se tornar o acionista majoritário da empresa. Já

Tron Legacy começa com Kevin narrando uma breve explicação sobre a

criação do Grid e suas possibilidades ilimitadas. Em seguida, o espectador já é

apresentado aos dois personagens que guiariam aquela trama até o final: Flynn

e seu filho, ainda criança, Sam. Dessa maneira o diretor consegue criar uma

“ponte narrativa” para dar mais consist ncia se u ncia, mantendo a

fidelidade e coerência com o que foi apresentado no primeiro filme.

Isso mostra que elementos relativamente simplórios, podem ser a chave para

criação de “braços transmidiáticos” para uma franquia.

No caso de Tron Legacy, o fato de ter existido um espaço de tempo muito

grande entre um longa e outro, possibilitou que o imaginário multimidiático

tomasse proporções inovadoras para a construção daquele universo.

Uma delas foi a criação da série animada Tron Uprising, que explorou uma

pequena parcela dessa narrativa com possibilidades quase ilimitadas de

criação e expansão do universo Tron. Isso porque quase toda a construção de

ambos os filmes, permitem algumas relações de convergência que se

complementam e por isso, em alguns casos, separadamente não fazem muito

sentido.

Se pegarmos as Light Cycles como exemplo, podemos dizer que, a maneira

com que foram abordadas em Tron Legacy, mostraram alguns recursos

similares aos do primeiro longa, porém, aperfeiçoados e contextualizados a

realidade digital e tecnológica vivida no segundo.

Essa relação fica quase escancarada no momento em que Quorra mostra para

Sam um exemplar da antiga Light Cycle de seu pai, uma das primeiras do Grid,

como homenagem as apresentadas no primeiro Tron.

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Na série animada essa intenção de contextualizar o espectador dos fatos

ocorridos entre as franquias fica ainda mais evidente. Se compararmos as Light

Cycles da série animada com as do primeiro e o segundo Tron, podemos notar

visualmente as características de ambos os filmes presentes no exemplar de

Tron Uprising, como se realmente fosse uma versão intermediaria, em

processo de evolução até chegar aquela apresentada em Tron Legacy, bem

como a estrutura narrativa, que também tem esse papel de ponte entre os

produtos multimidiáticos:

(Figuras 22, 23 e 24 tiradas do Livro The Art of Tron Legacy – 2010)

A primeira imagem mostra a Light Cycle do primeiro Tron (1982), a do meio à

de Tron Legacy (2010) e por último o resultado do que seria um intermédio

entre a primeira e a segunda apresentada em Tron Uprising (2011).

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Esses pequenos detalhes valorizam e enriquecem toda a construção do

universo transmidiático que, mesmo não ficando tão evidente, pode exercer

uma relevância ainda maior no processo de “disseminar entre mídias”, do que

apenas a narrativa linear por si só, como mencionado anteriormente por

Jenkins (2006).

Até mesmo a inserção de novos personagens nas diversas plataformas

transmidiaticas que constroem o produto Tron como um todo, fazem com que a

estrutura ganhe ainda mais consistência, do ponto de vista narrativo.

Personagens como o jovem Beck, protagonista da série animada, embora não

mencionado nem no primeiro nem no segundo filme da franquia, se mostra

peça chave para o ponto em que nos é apresentado Tron Legacy.

Mesmo estando muito mais próximo do segundo longa, ele ainda possui

grandes referências ao primeiro, desde a estética visual de alguns elementos,

até o cotidiano dos programas que viviam no Grid entre os “ciclos”.

Mas, embora tenha uma relação muito interessante no seu conjunto midiático,

a série não conseguiu atingir seu ápice, sendo cancelada na primeira

temporada. Ainda não se sabe ao certo qual foi o, ou os motivos que levaram

os espectadores a não aceitarem tão bem a animação, embora os fãs da série

tenham tirado proveito de sua única temporada, criando supostas ligações,

relações, intrigas que, provavelmente, auxiliarão no desenvolvimento do

próximo filme da franquia.

O que podemos concluir deste capítulo é que toda a repercussão que a

franquia Tron obteve ao longo dos anos, não necessariamente fez jus a

complexidade de seu desenvolvimento e expansão como proposta de projeto

transmidiático, visto que quase todos os recursos que possibilitavam esse tipo

de produção, foram explorados da maneira funcional, porém, talvez na época

errada.

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Recursos que ficam ainda mais evidentes na construção de toda a franquia

Matrix, a ual Jenkins define como um filme ue “levou-nos a um universo onde

a linha entre a realidade e a ilusão constantemente se fundiam”. Isso graças a

todos os recursos transmidiáticos que fizeram com que esta produção não se

limitasse apenas aos três filmes, mas ganhasse espaço em diversas

plataformas, assim como Tron, mas de maneira tão inovadora que serviu

inclusive como referência para a construção transmidiática de Tron Legacy e

de diversas produções similares.

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LEVEL 2 - TRANSMÍDIALIDADE DE MATRIX

Não é de hoje que o cinema cria franquias que provocam e exigem de seus

espectadores certo repertorio, técnico, fílmico, filosófico, para compreender e

realizar a imersão adequada para o resultado positivo com relação ao objetivo

que a trama quer atingir, como foi o caso da franquia Tron, mencionada no

capítulo anterior. Mas talvez a mais marcante do segmento tenha sido Matrix.

Mais especificamente o primeiro filme da franquia.

Neste capítulo vamos fazer uma imersão no universo Matrix, através dos

elementos que não ficaram tão explícitos ao longo dos três filmes da franquia,

ou seja, aqueles elementos que estavam presentes, mas que solitários não

tinham tamanha relevância como no resultado de suas relações

transmidiáticas. Um pouco além, também através dos elementos que

permitiram que Matrix se tornasse um exemplo bem sucedido de produto

transmidiático e de convergências, estabelecendo novos patamares sobre as

produções multimidiáticas.

“Nunca uma franquia de filmes exigiu tanto de seus

consumidores. O filme original, Matrix, levou-nos a um

universo onde a linha entre a realidade e a ilusão

constantemente se fundiam, e onde os corpos de humanos

são estocados como fonte de energia para abastecer

máquinas enquanto suas mentes um universo de

alucinações digitais.” (Jenkins, 2006, p.136)

Com essa premissa tão inovadora, promissora e ao mesmo tempo arriscada,

os Irmãos Wachowski elevaram Matrix a um novo patamar, quando o assunto

era filmes de ficção científica, de cunho filosófico e com efeitos visuais de

surpreender qualquer programador.

Uma ideia como essa, da mesma maneira que poderia fazer o filme ser um

sucesso, um marco na história e referência para efeitos visuais até hoje, ele

também poderia ter sido um fracasso de bilheteria. A exemplo da franquia Tron

(Tron e Tron Legacy), elementos muito complexos que exijam de seus

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espectadores muito além do necessário para compreender aquela trama e

todos os seus desdobramentos, tendem a não agradar as grandes massas.

Tron pode ter sido um marco na história do cinema por seus elementos

inovadores e efeitos visuais nunca vistos antes, porém não conseguiu atingir

um número significativo de seguidores, como citado no capítulo anterior. Mas

esse não foi o caso de Matrix. E por quê? Simples. Jenkins responde essa

pergunta definindo o filme como “o entretenimento para a era da converg ncia”

(2008 p.137).

Matrix utiliza um grande número de elementos, a fim de “criar uma narrativa tão

ampla ue não pode ser contida em uma única mídia”. Isso faz com a franquia

se enquadre na categoria de narrativa transmídia, ou seja, uma história que

“desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto

contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo.”

O que Jenkins define como transmídia é justamente essa relação entre os

diversos suportes midiáticos e a importância significativa que cada um deles

tem para agregar ao todo do produto.

Em Matrix, os rmãos Wachowski souberam muito bem como “brincar” com o

jogo da transmídia utilizando o máximo de recursos disponíveis, inclusive os

próprios espectadores. Podemos dizer que eles atingiram, o que Jenkins define

como “a transmídia em sua forma ideal”, ou seja, conseguiram explorar cada

meio em seu melhor; a história pôde ser introduzida no filme, expandida em

forma de quadrinhos, romances, animes e, consequentemente, “traduzida” em

games.

Durante e após o lançamento do primeiro filme, esses recursos foram

disponibilizados, mas não necessariamente representavam diretamente a

história do filme, e sim narrativas paralelas que, separadamente funcionavam

muito bem, mas quando unidas, se transformavam em um sólido produto

transmidiático que expandiria a visão do todo que o espectador tinha sobre a

franquia.

O próprio jogo lançado após a sequência (Matrix Reloaded) intitulado Enter the

Matrix, apresentava a visão do filme a partir da ótica de dois personagens

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secundários: Niobe, capitã da nave Logos, e Ghost, seu especialista em armas

e também, assassino profissional. O jogo narrava os eventos de Matrix

Reloaded, porém dando enfoque no que não foi mostrado no filme, ou melhor,

o que na verdade aconteceu enquanto outros eventos ganhavam mais

significado para a sequência fílmica.

Na cena da via expressa, por exemplo, após uma longa e quase exaustiva

sequência de perseguição de carros, Morpheus está para cair de um caminhão

em movimento, quando Niobe surge dirigindo um Ford Falcom e evita que ele

caia na estrada. Já no jogo, o usuário percorre todo o trajeto que Niobe fez

para chegar até este momento do filme...

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(Figuras 25 e 26 extraídas do DVD Matrix Reloaded – 2004. Figura 27, extraída

do game Enter the Matrix - 2003)

As duas primeiras imagens fazem parte da cena da via expressa de Matrix

Reloaded. A terceira Imagem, retirada do game Enter the Matrix, representa a

mesma cena, porém, momentos antes dos eventos apresentados no filme...

“Os irmãos Wachowski jogaram o jogo da transmídia muito

bem, exibindo primeiro o filme original, para estimular o

interesse, oferecendo alguns quadrinhos na web para

sustentar a fome de informações dos fãs mais exaltados,

publicando o anime antes do segundo filme, lançando o

game para computador junto com o filme, para surfar na

onda da publicidade, levando o ciclo todo a uma conclusão

com Matrix Revolutions...” (Jenkins 2006).

Esse “jogo”, de acordo com Jenkins, fez com ue Matrix fosse um dos maiores,

se não o maior referencial de produtos transmidiáticos de sucesso, levando

espectadores a buscas incansáveis por mensagens ocultas e seus significados

que agregam ainda mais elementos no conjunto da franquia até hoje.

A imprescindível participação dos Irmãos Wachowski, diretores e roteiristas do

filme, se faz de tal maneira, que eles quase servem como “oráculos anônimos”,

alheio aos olhares dos espectadores que notam sua presença apenas nas

pistas que são sutilmente lançadas ao longo de toda a produção transmidiática.

Um exemplo claro disso é a aparição de cheat codes (códigos que destravam

personagens, telas, poderes especiais, etc. Em diversos jogos) nos outdoors

ao longo da via expressa (mesma da cena citada anteriormente) que

destravavam armas, levels e outros elementos do jogo Enter the Matrix

(Jenkins 2006).

Isso mostra claramente o jogo sutil, porem funcional, da transmídia, as vistas

de olhares mais atenciosos e potencialmente curiosos – se não tivesse pelo

menos um curiosos para se perguntar se havia algum sentido naqueles

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números e, talvez o mesmo, testa-los no jogo, talvez não teríamos essa

informação, a menos que os próprios criadores tivessem divulgado.

Os envolvidos nessas produções partem do princípio que o espectador esteja

minimamente atento aos detalhes do longa e que possua repertorio o suficiente

para fazer as associações adequadas a cada pista que os criadores deixaram

ao longo de toda a trama, porque isso faz com que o jogo da transmídia atinja

seu objetivo: o de transformar diversos produtos multimidiáticos isoladamente

funcionais, em uma única, grandiosa e complexa produção. “O todo vale mais

do que a soma das partes”, definiu muito bem Jenkins (2006) o objetivo

principal das relações transmidiaticas.

É interessante como esse jogo da transmídia pode fazer com que as relações

multimidiáticas se entrelacem não apenas no mesmo universo, mas também

com universos tecnicamente distantes, com elementos potencialmente

convergentes. Isso faria com que as relações ampliassem ainda mais e o

conjunto da obra se tornasse ainda maior e mais interessante de se interpretar.

Para ilustrar melhor essa visão, vamos supor que exista a possibilidade de uma

relação transmidiática entre Matrix e Tron...

No primeiro Tron, Kevin Flynn descobriu uma maneira de entrar em um

universo totalmente digital em que as máquinas detinham o controle, porém os

seres humanos possuíam forte influência e poder de ação, interna e

principalmente externamente.

A partir daí, ele foi aperfeiçoando este mundo com o objetivo de transformar

tudo a uilo em um sistema “perfeito”. or m, nessa busca pela perfeição, ele

acabou criando programas, baseados em algoritmos quânticos, que

interpretaram esse objetivo de maneira muito literal e logo constataram que, da

mesma maneira que um humano poderia entrar, eles também poderiam sair.

Percebendo isso CLU, principal criação de Flynn, decide levar sua

programação a outro patamar: o do mundo humano. Até que Sam, filho de

Kevin, anos depois consegue entrar no Grid, universo digital que Flynn havia

ficado preso, deixando o portal aberto, facilitando a saída de qualquer

programa, inclusive CLU. Após incansáveis tentativas, Kevin consegue impedi-

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lo e Sam consegue sair levando consigo Quorra, um dos sistemas digitais, para

o mundo real. E é nesse momento que a transmídia “acontece”.

Se pensarmos que, o que Flynn descobriu, era a primeira versão de Matrix e

que Quorra foi o primeiro programa, a primeira “máquina” a sair do universo

digital e que isso pode ter aberto precedentes para outros programas e outros

sistemas saírem e dominarem o mundo humano, podemos supor, portanto, que

o responsável pelo destino da humanidade e as consequências posteriores

(Matrix) foi Kevin Flynn que, em seu ideal de criar um mundo perfeito, não

percebeu que o que existe de mais imperfeito é o ser humano; e as máquinas,

por sua vez, idealizavam a perfeição através da energia que corpo humano

fornecia para dar vida a Matrix.

Pode até parecer meio improvável esse tipo de associação, mas é uma

brincadeira interessante de fazer aproveitando os conceitos de transmídia e

sua tendência ao longo dos anos. Mas vamos retomar essa análise mais à

frente no capitulo LEVEL 3 – Convergindo Tron e Matrix.

Level Up – A expansão do universo fílmico

Visualmente, além de o cinema utilizar cada vez mais a linguagem do mundo

dos games, e vice-versa, ele cria possibilidades de expandir o universo fílmico

para uma experiência que só o game, ou o conceito do mesmo, poderia

possibilitar para o receptor, expectador, internauta, jogador...

“Com a litografia, as t cnicas de reprodução marcaram um

progresso decisivo. Esse processo (…) permite pela

primeira vez às artes gráficas não apenas entregar-se ao

comércio das reproduções em série, mas produzir,

diariamente, obras novas. Assim, doravante, pôde ilustrar a

atualidade cotidiana. E nisso ele tornou-se íntimo

colaborador da imprensa.” (Walter Benjamin, 1936, p.6)

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Essa técnica está ainda alicerçada nos novos parâmetros e possibilidades

criativas instauradas com o desenvolvimento das tecnologias digitais e a

multiplicidade de mídias, hoje um imperativo em todo e qualquer planejamento

de comunicação. A criação passou a ter em conta não especificamente uma

mídia, mas sim a sua potência transmidiática, ou seja, a sua capacidade de

ancorar-se e de ter relevância em mídias tão distintas quanto, por exemplo, um

advergame.

Acredita-se que o termo “advergames” foi originalmente inventado em 2000 por

Anthony Giallourakis e, posteriormente mencionado pela coluna “Jargon

Watch” da revista Wired em 2001. Advergame é o nome dado à estratégia de

comunicação mercadológica (ferramenta do marketing) que usa o game como

ferramenta para divulgar e promover marcas, produtos, serviços, organizações

e/ou pontos de vista.

Esse termo nasceu da fusão das palavras inglesas Advertise (propaganda) e

videogame (jogo eletrônico) ou simplesmente game (jogo). Ele foi aplicado a

vários jogos livres online encomendados por grandes empresas.

Interessante notar que todas essas multiplataformas, embora tecnicamente

sigam a mesma receita, possuem variedades quase infinitas de combinações,

permitindo, o que Christofoli (2011, p.141) definiu como: a “multiplicação dos

formatos”, ou seja, sua multimidialidade permitiu ue “as tecnologias digitais

trouxessem como efeito a inexist ncia de uma única solução”, mostrando ue a

tendência é realmente não padronizar as estratégias das produções

transmidiáticas.

Um exemplo muito marcante foi o que a Coca Cola desenvolveu para a

divulgação da nova Coca Zero, em que os espectadores assistiam ao

comercial que, ao termino, disponibilizava um link para acessar o jogo Rooftop

Racer, que simulavam uma corrida da Nascar ao mesmo tempo que o usuário

possuía o objetivo de não permitir que a garrafa de Coca Zero caísse do teto

do carro.

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(Figuras 28 e 29 – prints do Game Rooftop Racer)

Contando Uma História Multimidiaticamente

Segundo Arlindo Machado, ao contar uma história em um filme, existe uma

“testemunha invisível” ue sempre sabe mais do que os protagonistas, mais do

ue o espectador. “Essa testemunha invisível seria – grosseiramente falando e

sem considerar as metamorfoses do imaginário operadas pela diegése – o

fotógrafo ue “registra” a cena, al m de todo o pessoal t cnico ue fabrica o

filme.” (MACHADO, 2007, p.10).

No caso, é essa testemunha que está presente nas cenas em que é preciso

transmitir algo ao espectador, mesmo que lá não haja nenhum personagem

para fazê-lo. O exemplo de Machado (2007), no final de “Cidadão Kane”, no

momento derradeiro de sua morte, o qual o espectador o ouve pronunciar a

palavra Rosebud, não existe mais ninguém que pudesse tê-lo ouvido dizer

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suas últimas palavras para depois retransmiti-las, como conta o filme,

justamente pelo fato de ue essa seria a “explicação” sobre uem foi Charles

Foster Kane.

ortanto, o único capaz de “contar” para o espectador esse segredo revelado

o fotógrafo, o diretor, a equipe técnica, todos que juntos constituem a grande

máquina de contar histórias que é o cinema.

Em Matrix, pode-se dizer que essa “testemunha invisível” representada pelos

Irmãos Wachowski que, como citado anteriormente, servem quase como

oráculos escondidos em cada mensagem, em cada referência e em cada

relação transmidiática que constrói todo o universo Matrix e que, sem a

manipulação visual e até mesmo estratégica de cada um desses elementos,

não teria atingido o efeito positivo que conseguiram ao unir todos esses

recursos.

Essa tese, porém, parte também da experi ncia da “jogabilidade”, ue se dá

exatamente pelo fato de não haver nenhum espectador oculto que sabe mais

do que o próprio jogador.

O fator surpresa, da descoberta, do desafio de enfrentar algo desconhecido,

faz com que o jogo seja uma maneira de imersão do usuário naquela narrativa,

independente do que pode ou não acontecer. Isso é importante para a

construção da narrativa transmidiática, no momento em que começam as

produções multimidiáticas, pois é nesse momento que se define quais os

papeis de cada recurso e o grau de importância que eles terão na composição

do todo.

O cinema, por ser narrativo, “esforça-se para esboçar uma síntese do sujeito

narrador (aquele que conta) com o sujeito enunciador da imagem (aquele vê e,

por extensão, ouve)” (MACHADO, 2007, p.23). Ou seja, existe uma ligação

direta do ato de contar uma história e o de absorvê-la como espectador.

Tomando como base essa relação, o game estabelece novos parâmetros para

com o espectador/usu rio, fazendo com ue o sujeito “narrador” seja

equivalente ao enunciador da imagem, pois acaba sendo ele quem define os

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caminhos a serem traçados pelos personagens ao longo do enredo fornecido

pelo game.

Ainda na questão narrativa, pode-se dizer que esse percurso, que o enredo

constrói, auxilia no processo transmidiático de desenvolvimento de um produto

multimidiático, sobre uma película. HQs, Graphic Novels, Digital Comics, por

exemplo, ganharam uma importância tão significativa sobre essa perspectiva,

que hoje em dia fica difícil encontrar um filme que não possua um prelúdio,

uma contextualização, uma continuação ou até mesmo um universo paralelo

diretamente relacionado ao enredo do mesmo, de maneira transmidiática. Seja

apenas como suplemento, seja como merchandising, ou ambos, é notável e,

excepcionalmente, importante essa tendência na perspectiva do audiovisual,

de acordo com o professor Dr. João Massarolo em entrevista (2012):

“É uma tend ncia importante para o ecossistema

audiovisual, gerada pelos processos de convergência

cultural e tecnológica, e que atualmente representa novas

perspectivas de produção e criação de formatos nos

campos da publicidade, marketing, videogames, televisão,

cinema, jornalismo e educação.

Essa nova forma de entretenimento permite ao público

interagir com um mundo fragmentado em várias partes; um

mundo-enigma cuja resolução depende das capacidades

investigativas dos usuários das redes sociais, oferecendo

como recompensa novos insights e novas experiências

(...)” (2012)

Filmes como A Origem (Inception – 2010) e Besouro Verde (Green Hornet –

2011), ganharam uma “extensão” de suas narrativas através de Graphic Novels

que fazem associações diretas aos filmes em questão...

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(Figura 30 – quadros do Graphic Novel – Green Hornet - 2010)

O Graphic Novel online, referenciado na imagem acima, sintetiza o enredo do

filme Besouro Verde, deixando bem claro que histórias em quadrinhos, podem

conversar muito bem com trilha sonora, se for montado no suporte adequado,

nesse caso, um HQ online, possibilita a interação entra imagem e som, com

certos movimentos que simulam uma animação sequencial.

(Figura 31 – Quadros do Graphic Novel online The Cobol Job - 2010)

Já neste Graphic Novel que serve como prelúdio do filme Inception (A Origem –

2010), a programação permite uma leitura dinâmica, vendo as páginas duplas,

abertas, como uma revista em quadrinho normal, ou a leitura específica

sequencial, ou seja, ele vê cada parte da HQ na ordem exata dos fatos,

seguindo uma ordem cronológica e de certa forma, obrigatória da história.

Outro exemplo foi o de Tron com a animação Tron Uprising, mencionada no

capítulo anterior, que se enquadra perfeitamente na afirmação de Jenkins

sobre a utilização desse recurso e como se tornou uma tendência entre as

grandes produções de Hollywood:

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“ sso certamente ocorreu em outros casos ue procuraram

imitar o modelo de Matrix. Filmes mais recentes, desde As

Panteras [Charles Angels] ate A Batalha de Riddick

[Riddicks Chronicles], de Guerra nas Estrelas a Homem-

Aranha, desenvolveram desenhos animados, por exemplo,

com o intuito de fazer uma ponte entre as sequencias, ou

pronunciar evoluções no enredo” (JENKINS, 2006, p.)

Mas, a luz de críticos como Mike Antonucci, do San Jose Mercury, as

narrativas transmídia quase sempre envolvem questões mercadológicas acima

das questões estéticas, visuais e revolucionárias. As sequências e derivados

de Matrix são exemplos de um “marketing inteligente” e não só de uma

“narrativa inteligente”, contrário do resultado alcançado com o primeiro Matrix.

O fato de existir um universo extremamente grande que envolve todas as

relações transmidiáticas, faz com que os cases de sucesso, como Matrix,

sejam vistos como um golpe publicitário que possui apenas o objetivo de gerar

mais lucro sobre uma única narrativa, um único universo fílmico.

Não estamos aqui para discutir esses tipos de valores, mas é interessante para

compreender que esse tipo de associação pode repercutir de maneira tanto

positiva, quando negativa para com a produção transmidiática.

Walter Benjamin previu, de certa maneira, a tendência das grandes produções

em seguirem esse objetivo como incentivo para esse tipo de desenvolvimento:

“Em sua ess ncia, a obra de arte sempre foi reprodutível. O

que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros

homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em

seus exercícios, pelos mestres, para a difusão das obras, e

finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro.”

(BENJAMIN, 1955, p.01)

No caso de Matrix, essas relações não foram relevantes para seu desempenho

como produto transmidiático, pelo contrário, de acordo com o próprio Jenkins,

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mencionado anteriormente, se não é o único, é um dos melhores referenciais

quando falamos sobre transmídia. Porém, casos como o de Tron, que beberam

da mesma fonte e buscaram alcançar os patamares de Matrix, explorando

ainda mais essas relações, infelizmente, não obtiveram um retorno tão

rentável, financeiramente e publicamente também.

Skill up – A transmidialidade nas plataformas digitais

Voltando um pouco no exemplo de Machado (2007) sobre o “sujeito

enunciador”, a câmera, por exemplo, pode ser vista como uma extensão desse

sujeito.

Levando em consideração o nível que a câmera atingiu, visualmente,

ultrapassando os limites da própria base (o olho) ela se tornou o ponto mais

forte de relação do homem com o mundo exterior.

Essa relação permite que, o que é visto, não se limite apenas ao privilégio de

quem vê, mas sim a disseminação da experiência visual, para diversas

plataformas. Conceito ligado diretamente noção de “narrativa transmidi tica”

de Jenkins, introduzida anteriormente.

Tanto o cinema quanto o game, transcendem os caminhos da transmidiação,

contemplando diversas plataformas, visuais ou não, que auxiliam na

construção de elementos e que agregam valor ao produto final, levando em

consideração a perspectiva pré-concebida que o espectador tem sobre um

determinado filme, ou game.

Na perspectiva visual, além de o cinema e o game utilizarem elementos da

linguagem de Graphic Novels, durante a confecção de seus respectivos

storyboards, por exemplo, os dois meios também recorrem a uma estratégia

semelhante, no que se refere às noções de espaço com movimentações

cênicas, seja através da visão subjetiva do personagem/usuário ou da própria

câmera que guia o espectador/jogador; e todo o trabalho de luz, sombra e

perspectiva. Elementos que circunscrevem um espaço de notáveis

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correspondências e aproximações, quando se organizam pela imagem em

sequência, por enquadramentos e ainda possuem características que

destacam a importância de cada personagem e o cenário em que estão

inseridos.

No cinema, no game e at mesmo nos uadrinhos, “um personagem forte e

bem construído é a chave para uma narrativa de sucesso, assegurando-lhe

grandes efeitos. Além disso, os personagens ainda contam com técnicas

especiais nas duas artes que os ajudam a ganhar mais força: enquadramento,

montagem, cores, figurino, recursos cinéticos, construção de cenário,

ambientação, figurino e iluminação.” (LEE; B SCEMA,1984, p.).

Voltando ao exemplo de Matrix, a relevância de cada personagem não está

alicerçada apenas em sua participação ao longo da trama, mas muito além,

como toda produção transmidiática, fazendo com que o espectador busque

referências ocultas e significativas em cada um deles.

“Algumas das alusões – digamos, as referências

recorrentes a “Alice Atrav s do Espelho”, ao Coelho

Branco, à Rainha Vermelha, ou o uso de nomes

mitológicos para os personagens (Morfeu, Perséfone,

Trindade) – pipocam na tela à primeira vista. Outras –

digamos, o fato de que, a certa altura, Neo apanha na

estante um exemplar de Simulacros e Simulação (1981 –

1995), de Baudrillard – tornam-se claras só quando você

conversa sobre o filme com os amigos. Algumas – como o

fato de C pher, o traidor, ser chamado a certa altura de “sr.

Reagan” e pedir uma vida alternativa onde seja ator e

conquiste poder político – ficam claras só quando você

junta informações de múltiplas fontes.” (Jenkins, 2006,

p.138 a 140)

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Esse repertorio ou anseio de descoberta que a franquia exige que o espectador

tenha, faz parte da construção do “jogo transmidiático”. Sem esses elementos,

fica muito difícil estruturar um produto dessa complexidade.

Matrix consegue beber de diversas fontes para se tornar um referencial nesse

aspecto. Possuir elementos mitológicos, religiosos, tecnológicos e filosóficos

em sua estrutura faz com que seu público alvo ganhe proporções

inimagináveis. Embora o gênero seja ficção cientifica, Matrix atrai espectadores

variados por sua densidade em tratar cada um desses temas e de como eles

conseguem integrar, de maneira muito homogênea, o enredo de toda a

franquia.

Mas muito além de questões filosóficas ou de cunho socioculturais, esses

elementos da transmídia quase sempre nascem de fortes motivações

econômicas, simplesmente porque, como nas palavras Jenkins, “A

convergência das mídias torna inevitável o fluxo de conteúdos pelas múltiplas

plataformas de mídia”. Ou seja, os grandes estúdios, como a Warner no caso

de Matrix, veem um potencial financeiro muito grande em produtos com uma

densidade tão grande como esta franquia.

Muito além da necessidade da construção fílmica transmidiática de obter um

produto completo, no sentido da convergência de mídias, a necessidade de

gerar “receita” faz com ue o jogo da transmídia seja cada vez mais uma

tendência entre as produções audiovisuais. Mas isso começa a partir da

divulgação.

Diversas plataformas de mídia são utilizadas e esgotadas pelas grandes

produções quando necessitam de um merchandising funcional. Aproveitando

essa deixa, é interessante compreender um pouco mais sobre esse processo

para que assim possamos alcançar explicações mais palpáveis sobre essa

questão socioeconômica da transmídia.

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A “Transmídialização Do Merchandising”

Quando dissertamos sobre produções multimidiáticas, compartilhamos também

do desenvolvimento estético de cada peça. Mas qual o conceito mais

ade uado de “est tica” para ser discutido a ui?

Maffesoli (1996, p.01) define est tica como “um conjunto de formas ue trazem

por si mesmas uma sucessão de histórias as quais possibilitam a

contemplação de um determinado mundo”. Tomando como base essa

definição, é possível entender estética como o ponto chave para a criação do

merchandising de filmes, seriados, jogos, etc. Onde a criação de uma realidade

paralela, envolvendo “mundos”, fictícios ou não, serve de pilar para o

desenvolvimento de um enredo com personagens, tramas, reviravoltas e um

desfecho que compõem toda uma estrutura, quase que perfeita, de lógica e

contemplação pelo espectador/usuário, ou seja, uma estrutura transmidiática.

Isso se dá pelo fato de que, atualmente, acredita-se que a dificuldade de

dissociar estética, de seu produto desenvolvido, seja um ponto a levar em

consideração na criação de um merchandising. Mas o impasse da definição

mais adequada paira novamente. Qual seria o pilar que sustentaria essa

“tese”?

Talvez a mais adequada seja a de Blessa (2001) que define Merchandising

como “ ual uer t cnica, ação ou material promocional usado no ponto-de-

venda que proporcione informação e melhor visibilidade a produtos, marcas ou

serviços, com o propósito de influenciar consumidores”. artindo dessa ideia,

mas adaptando-a ao universo fílmico, podemos chegar a um sistema simples:

A Estética influencia o Marketing que utiliza-se do Merchandising que, por sua

vez, resulta em tendências comunicacionais.

Essa relação fica mais clara na franquia Matrix onde desde o começo da

divulgação do primeiro filme fica nítida o interesse na convergência das mídias

para alcançar o ápice de sua narrativa e de seu merchandising. “O anúncio de

pré-lançamento do primeiro filme provocava os consumidores com a pergunta

“o ue Matrix?”, instigando-os a buscar respostas na internet.” (Jenkins 2006,

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p.136). Essa busca resultava em diversos games, curtas metragem,

animações, quadrinhos online, tudo para fazer uma imersão do espectador no

universo Matrix, até mesmo nas analogias que o filme explora muito sobre a

questão de estarmos todos plugados em um único sistema (Matrix).

O resultado obtido foi tão bem sucedido que o lançamento da sequência

(Matrix Reloaded) não necessitou de recapitulações ou grandes explicações

para os desdobramentos da trama, partindo do pressuposto, é claro, que o

público já tinha repertório suficiente apresentado no primeiro filme e toda sua

estrutura “transmidiaticamente” mercadológica, por assim dizer. E isso

possibilitou uma expansão alternativa para os demais filmes da franquia.

As relações transmidiáticas do filme com o game (Enter the Matrix), e as

animações de AniMatrix, traziam ainda mais conteúdo para o conjunto da obra,

além é claro de expandir os canais econômicos que a franquia possibilitava.

O estúdio se aproveitou das relações diretas que o público obteve com a

franquia e todo seu universo transmidiático, para desenvolver um apego não a

uma marca, mas a um estilo de vida, quase como uma religião para os fãs de

Matrix, o que levou a proporções mercadológicas muito intensas e lucrativas.

No período pós-lançamento o que mais se via nas ruas eram pessoas de

sobretudo e óculos escuros, emulando o figurino de Neo, Trinity e Morpheus.

Empresas de óculos, alfaiatarias, acessórios, se aproveitaram dessa tendência

para lançar linhas exclusivas de Matrix, com réplicas quase idênticas às usadas

pelos personagens nos filmes.

Figuras 32, 33 e 34 – Exemplos do figurino das personagens Trinity, Neo e

Morpheus, nessa ordem – retiradas do DVD Matrix.

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Outra superprodução que atingiu tais patamares e, de certa forma e em alguns

aspectos, emula Matrix, foi a que James Cameron conseguiu com Avatar. Com

um enredo simples e uma premissa que aspirava um universo tão vasto quanto

o criado por George Lucas em Star Wars, Cameron conseguiu instigar a

imaginação dos espectadores através de vídeos virais, que simulavam

documentários sobre Pandora e todo o contexto fílmico predecessor aquele em

que o espectador seria inserido no lançamento do longa. Muito mais além, as

relações transmidiaticas que Cameron conseguiu estabelecer, mostra o legado

que franquias como Matrix deixou.

A utilização de uma tecnologia em ascensão, a realidade aumentada, foi crucial

para que a imersão de seu público fosse completa:

“Diferentemente da realidade virtual, que transporta o

usuário para o ambiente virtual, a realidade aumentada

mantém o usuário no seu ambiente físico e transporta o

ambiente virtual para o espaço do usuário, permitindo a

interação com o mundo virtual, de maneira mais natural e

sem necessidade de treinamento ou adaptação.” (Kirner e

Tori – 2006, p. 22)

Kirner e Tori ilustram esse conceito exatamente à luz da intenção de James

Cameron ao criar, em parceria com a Mattel, uma linha de Action Figures

(figuras de ação) inspiradas no filme e acompanhadas do que eles chamaram

de i-tag, que consistia em uma plataforma de plástico com uma imagem

correspondente ao action figure que era vendido.

Cada um vinha com uma e algumas edições vinham com dois, mas todos

tinham o mesmo propósito: fazer com que o usuário interagisse com o universo

virtual de Avatar, sem sair de sua realidade, utilizando o princípio já citado

acima de transportar esse ambiente virtual para o espaço do usuário. Isso

possibilitava não somente uma interação de puro entretenimento, mas também

de imersão aos personagens, criaturas, cenários e até mesmo de pré-

visualizações de cenas marcantes do filme (uma das i-tags continha a

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interação entre uma das criaturas de Pandora com as Naves Humanas. Cena

de batalha que posteriormente foi desenvolvida e aprofundada ao máximo na

trama do longa):

Figura 35 – Print de minha própria i-tag com a interação entre um Banshee,

criatura de Pandora e uma nave militar humana.

Todo esse jogo transmidiático permitiu que o universo fílmico de Avatar já

fizesse parte do repertorio dos espectadores que, posteriormente, veriam o

longa. Isso permitiu que a produção enriquecesse, transmidiaticamente falando

e, mesmo com a simplicidade de seu enredo, tomasse proporções que

marcariam a história do cinema, como a de maior bilheteria da história e

primeiro longa inteiramente pensado para a exibição IMAX 3D.

“A ualidade das imagens e o sentido de profundidade em

3D oferecem ao espectador uma sensação imersiva, que

não encontra paralelo em nenhuma experiência anterior. O

resultado expressivo em números. No Brasil, o filme

levou as salas de exibição, aproximadamente, 9,1 milhões

de pessoas, das quais 4.224.928 pessoas somente nas

salas 3D. (CHRISTOFOLI, 2011, p.02)

Segundo o próprio Christofoli, Avatar foi um marco na era do 3D,

principalmente por criar uma nova linguagem visual e de produção como um

todo. Antes da superprodução de James Cameron, haviam filmes com efeito

3D, com cenas que hoje é tomada como clichê, em que objetos são

arremessados na direção da plateia, os personagens interagindo de maneira

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muito grotesca com o público entre outros elementos. Avatar vai muito além de

tudo isso, ao criar um universo e estrutura fílmica próprios, que leva o

espectador a se sentir dentro do filme.

Toda produção de Avatar foi pensada nos mínimos detalhes em função da

exibição 3D do longa. O resultado foi uma obra quase sem imperfeições, no

quesito efeitos visuais e de imersão do espectador, tornando-se um referencial

até hoje nesses aspectos.+

Como menciona a pesquisadora Nadia Magnenat:

“O ritmo da computação gr fica e tecnologias de rede,

juntamente com a demanda de aplicações à vida real,

tornou um requisito para o desenvolvimento de ambientes

virtuais mais realistas. Realismo não inclui apenas a

aparência e simulação do mundo virtual, mas também

implica naturalmente na representação dos participantes.

Esta representação cumpre várias funções: A forma de

realização visual do utilizador, os meios de interação com o

mundo e os meios de sentir vários atributos do mundo

usando os sentidos.” (MAGNENAT, 2002, p.02)

Essa citação também cabe perfeitamente para toda a elaboração do universo

Tron, no qual não haveria possibilidade de imersão do espectador se o

ambiente virtual não fosse tão convincente, do ponto de visto da estrutura

lógica e humana, levando em consideração o contexto em que os personagens

estavam inseridos, de uma “realidade virtual” totalmente digitalizada e

controlada por sistemas programados para exercer funções pré-estabelecidas.

Ainda sobre esta perspectiva, mas retomando nosso objeto de estudo nesse

capitulo, a obra dos Irmãos Wachowski, assim como a de Cameron e a

franquia Tron, se aproveitou de toda essa realidade que a tecnologia se

encontrava inserida e em plena expansão para explorar ao máximo o conjunto

transmidiático e as consequências de toda aquela experimentação.

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Através desse “conglomerado de mídias”, segundo Jenkins, eles exploraram ao

máximo a questão da autoria cooperativa, ou seja, se valeram das criações

“undergrounds” a partir do universo Matrix, para desenvolver um laço ainda

mais forte nas relações transmidiáticas e, com isso, atingir o maior público

possível.

Com isso, conseguiram criar uma tendência que, até então, era vista apenas

como algo “negativo” para uma produção multimidiática. Os grandes estúdios,

na época, ainda muito antiquados com as relações dos direitos autorais - diga-

se de passagem que alguns ainda são – tinham essa relação de autoria

cooperativa como o uso indevido dos diretos de determinadas produções.

Harry Potter, por exemplo, foi vítima dessa visão, na qual os estúdios Warner

tentaram controlar todas as apropriações dos fãs dos livros sob alegação de

ue eles “infringiram a propriedade intelectual do estúdio” (JENK NS, 2006

P.236).

Isso vem mudando, ainda com alguns percalços, graças aos resultados que

algumas produções, como Matrix, conseguiram atingir utilizando esse recurso

para engrandecer a própria produção, aliando os responsáveis por essas

“apropriações” em vez de descart -los e descriminá-los como se estivessem

denegrindo a imagem daquela peça.

Muitas vezes, a criatividade dos fãs faz com que uma produção que não obteve

tanto retorno, financeiramente falando, ganhe novas perspectivas e novos

patamares dentro do contexto fílmico e transmidiático.

Um exemplo interessante é o que um fã fez de Tron Legacy. Ele criou um

trailer fake de um possível terceiro filme, com a premissa de mesclar o enredo

do primeiro filme, de 1892 com o desfecho do segundo (2010), trazendo uma

relação bem interessante e até mesmo inspiradora para os estúdios. Tanto que

a Disney assinou contrato para mais um filme da série e manteve o suposto

trailer no ar, justamente com o intuito de manter a chama dos fãs acesa e

despertar a curiosidade de todos sobre o futuro da franquia e, com isso, gerar o

máximo de especulações possíveis e a partir delas, alimentar o que realmente

irá se tornar a produção do terceiro filme da franquia.

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Figura 36 e 37 – Prints do trailer fake Tron Destiny disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=L_6U6YWKnMc em 15/10/2013

A partir daí, os grandes estúdios começaram a ver o potencial que essas

apropriações tinham para o fortalecimento do conjunto transmidiático e, como

Jenkins menciona, até se “apropriaram” desses fãs para auxiliar na construção

de um produto que literalmente tinha dedos do público alvo, ao invés de

simplesmente processa-los. E foi exatamente o que os Irmãos Wachowski

fizeram. Eles viram a co-criação como um meio de expandir o potencial

mercadológico global de Matrix. Eles utilizaram colaboradores para

desenvolver as diversas plataformas multimidiáticas, como os games,

quadrinhos, animações, que pudessem agregar valores distintos da cultura

popular em seu projeto. (Jenkins 2006).

Isso foi possível graças ao “universo flexível” ue os Wachowski criaram.

Justamente para que os fãs pudessem explorar as diversas plataformas e com

isso reproduzir em diferentes estilos de representação toda aquela obra. Isso

sem deixar que a consistência de cada fração do projeto se perdesse.

Interessante reparar como essas relações se entrelaçam de tal maneira que,

como mencionado anteriormente, as vezes o que fazia parte de um senso

comum e que aparentemente seria uma quebra de paradigmas contrariar,

passa a ser a solução para o trabalho de convergência entre mídias e todo o

processo de transmidiação.

Jenkis define muito bem esse estado atual em que nos encontramos:

“A convergência, como podemos ver, é tanto um processo

corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de

consumidor, de baixo para cima. A convergência

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corporativa coexiste com a convergência alternativa”

(Jenkins, 2006, p.46)

Ou seja, as grandes empresas viram nas produções independentes e

alternativas, a solução para o fluxo de divulgação de mídia aumentarem e

ganharam força e respeito do público/consumidor. Ao mesmo tempo que os

consumidores estão aprendendo a ter um controle maior do fluxo de mídias

para trocar cada vez mais informações entre eles, de maneira que elas

cheguem as vistas das grandes empresas, quase sempre de uma maneira

positiva.

Se pensarmos que todos, ou pelo menos grande parte desses elementos,

supostamente nasceram do anseio puramente mercadológico de gerar uma

receita ainda maior que a gerada por apenas uma plataforma midiática,

também temos que pensar em como isso auxiliou na evolução fílmica e

transmidiática dessas superproduções.

Poder atingir gamers, leitores de quadrinhos, fãs de animações, mangas, etc. É

um fator muito maior do que apenas lucrar em cima dessas plataformas, mas

também é uma maneira de eternizar a produção e fazer com que essa

estrutura perpetue gerações. Matrix é um exemplo de franquia que ficará

marcada na história, não somente por sua complexidade e grandiosidade, mas

por todos esses elementos que, mercadologicamente falando, foram

responsáveis por expandir todo o universo Matrix, tornando-o acessível e

idealizado por fãs de diversas gerações.

Mas isso só foi possível graças ao envolvimento profundo dos Wachowski em

cada mínimo detalhe desse conjunto transmidiático..

“Os irmãos Wachowski não apenas licenciaram ou

subcontrataram, esperando pelo melhor; eles escreveram e

dirigiram pessoalmente conteúdo do game, esboçaram

cenários para alguns dos curtas de animação e

conscreveram algumas das histórias em quadrinhos. Para

os fãs, o envolvimento pessoal deles tornou esses outros

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textos de Matrix uma parte fundamental do “cânone”.

(Jenkins 2006, p159)

Essa relação de “intervenção” dos diretores traz, além de puramente o

processo de transmídia, ela mostra uma preocupação de fazer com que as

narrativas conversem de maneira uniforme e conexa a todo universo Matrix.

Isso é possível graças a essa participação ativa dos criadores desse universo.

Outro exemplo de franquia de grande sucesso, que teve a participação ativa da

criadora, foi o próprio Harry Potter, mencionado anteriormente. J.K. Rowling

esteve presente na produção de cada filme e na criação de cada detalhe da

franquia, ou seja, ela estava por trás de cada decisão; de retirar personagens,

alterar momentos, inserir elementos que não estavam presentes no livro,

conforme mostrado no documentário Criando o Mundo de Harry Potter

(documentário criado a partir das produções dos filmes e devidos em sete

partes e distribuído com as edições definitivas de todos os filmes).

Nesse documentário é nítida a participação de Rowling na construção de todo

o legado de Harry Potter e a importância desse papel dela para o retorno que o

filme teria.

Possivelmente essa franquia não tivesse um retorno tão positivo se os

espectadores e os fãs soubessem que os diretores e produtores ao longo dos

filmes, tiveram liberdade criativa de mudar a história sem o consentimento da

autora. Não que isso impeça as críticas as mudanças e adaptações, pois

naturalmente isso acontece quando existe uma adaptação, seja ela de

romances, quadrinhos, videogames, Graphic Novels...

A franquia Senhor dos Anéis, sofreu com os mesmos problemas, alguns ainda

mais graves, pelo autor dos livros, J.R.R. Tolkien, já ser falecido, os direitos e o

controle do que seriam feitos com as obras ficaram nas mãos de seus filhos e

herdeiros.

Isso criou especulações entre os fãs que achavam que eles não estavam

dando a devida importância para o que estava sendo adaptado pelo diretor,

Peter Jackson, ou até mesmo que eles estavam intencionalmente contrariando

as obras de seu pai e por aí a vai.

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Vimos até então que é realmente um processo muito delicado e complicado

quando existe esse tipo de transmidiação. Matrix conseguiu atingir um patamar

referencial devido a participação dos criadores originais no desenvolvimento da

narrativa transposta em cada mídia. Isso mostra a importância da aprovação da

autoria sobre o produto desenvolvido, pois isso passa credibilidade e

consistência para aquela produção, visando não somente as questões

econômicas e mercadológicas, mas mostrando também o interesse de criar alo

que tem realmente um papel importante dentro do universo transmidiático

criado.

Porém, esse tipo de recurso pode ser um risco para a produção como um todo.

Exigir do espectador um repertorio de todos os produtos transmidiáticos para

atingir o ápice da evolução narrativa, poderia gerar um estranhamento e até

mesmo uma rejeição muito grande do público, fazendo com que o objetivo

principal, de unir esses recursos distintos para a criação de uma narrativa

única, não fosse possível. Claro que esse não foi o caso de Matrix: “Os

cineastas correram o risco de se indispor com os frequentadores de cinema ao

tornar esses elementos tão essenciais à evolução narrativa.” (Jenkins 2006,

p.160).

Algumas produções podem ter sofrido com isso, talvez tenha sido o caso de

Tron Legacy, onde o trabalho de transmidiação exigia do espectador ter visto o

primeiro filme, lido a HQ, jogado o jogo e posteriormente assistido a série

animada, para que todo contexto narrativo fosse absorvido de maneira mais

completa.

O objetivo da Disney era o mesmo que os Wachowski conseguiram atingir com

Matrix. Uma tendência entre as produções multimidiáticas e também uma

construção necessária para a criação de um produto transmidiático solido e de

sucesso...

“Cada vez mais as narrativas estão se tornando a arte da

construção de universos, à medida que os artistas criam

ambientes atraentes que não podem ser completamente

explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo

em uma única mídia.” (Jenkins, 2006, p.161)

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O princípio de Jenkins justifica não somente o sucesso de Matrix quanto o

insucesso de outras tentativas de produções transmidiáticas.

Como já mencionado anteriormente, em Matrix, cada elemento foi

cuidadosamente pensado e estruturado para que compusessem o todo da obra

agregando sempre mais consistência a narrativa, aos personagens, as

referências; e com isso fizeram dessa franquia um grande referencial de

produto transmidiático, onde cada recurso tinha sua devida importância para a

construção do mesmo.

Na estrutura macro, o universo criado em Matrix era muito maior do que a

própria franquia suportava, ou seja, mesmo sendo fragmentada em três filmes,

por sua magnitude, foi necessário a disseminação deste universo em outras

plataformas multimidiáticas para que fosse possível atingir o ápice da imersão

naquele produto.

De acordo com uma referência que o próprio Jenkis utiliza, a pouco tempo os

autores se viam obrigados a desenvolver uma boa história com bons

personagens para que, posteriormente, fosse possível a criação de múltiplas

histórias. Hoje, basta criar um universo que se sustente “sozinho” para ue este

dê vias a múltiplos personagens, múltiplas histórias que necessitam de

múltiplas plataformas para se dissiparem. Eis então que a tendência

transmidiática ganha espaço nas grandes produções, não somente

cinematográficas, mas também multimidiáticas em geral.

Level Hard – A Construção do Universo Transmidiático

Mas da mesma maneira que Matrix conseguiu atingir este patamar, Tron,

mencionado anteriormente não obteve o mesmo sucesso. A pergunta que fica

é: Por que?

Se pensarmos de maneira geral, ambos possuem as mesmas características

necessárias para alcançar o auge da produção transmidiática, definidos por

Jenkins. Tron possui um universo tão complexo que pode ser transmidiado em

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Graphic Novels (online e impressas) como um preludio ao filme (Tron Legacy).

Também pode ser “gamificado” em mini jogos online que introduziam o

espectador novo ao universo desenvolvido para o filme e ao mesmo tempo

atualizava aqueles que já vinham acompanhando a franquia desde o primeiro

filme.

Muito além, a Walt Disney expandiu Tron para os desenhos animados com

Tron Uprising, levado ao ar após a exibição do filme nas salas de cinema,

contando a história que levou até o ponto que a continuação começa. Isso

tudo, é claro, com uma boa dose de publicidade e divulgação maciça desse

conjunto transmidiático.

Talvez a falha tenha sido a de entregar “facilmente” para o público as ligações

entre os produtos transmidiáticos, diferente de Matrix. Talvez o fato de ter

havido um vão de quase 30 anos entre um filme e outro, possa ter esfriado a

chama que instigava a curiosidade dos fãs de saber mais sobre aquele

universo ao ponto de não conseguir obter o mesmo resultado impactante que o

primeiro longa obteve.

Em suma, este capítulo conseguiu explorar alguns elementos transmidiáticos e

convergentes que a franquia Matrix estabeleceu como referencial na

construção de uma produção multimidiática consistente e complexa, fazendo

com que grandes produções seguissem sua receita, ou pelo menos tentassem,

com o mesmo objetivo fílmico e mercadológico.

Vimos também que quando um produto transmidiático consegue extrapolar as

barreiras de sua própria essência, como é o caso de Matrix, faz com que o

leque de possibilidades cresça de maneira muito ampla e com isso, exista até

mesmo uma convergência entre universos supostamente distintos.

Mas essa discussão fica para o próximo capitulo, onde o foco será uma análise

um pouco mais detalhada das relações diretas e indiretas que Matrix tem ou

pode ter com o universo Tron e todo seu conjunto fílmico e transmidiático.

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FINAL LEVEL – CONVERGINDO TRON E MATRIX

Após as pesquisas anteriormente coletadas, fica evidente a tendência que as

produções transmidiáticas exercem sobre as grandes produções

multimidiáticas, principalmente as cinematográficas.

Neste terceiro e último level, vamos dissertar sobre as possibilidades de

convergência transmidiática existentes entre Tron e Matrix, utilizando como

base todas as características anteriormente enquadradas como fundamentais

na construção desse tipo de produto e toda a complexidade envolvida ao longe

de um processo como este.

Vimos que Matrix foi o grande precursor das “produções transmidiaticas bem

sucedidas” e ue deixou um legado tão bem estruturado, que muitos outros

filmes tentaram utilizar a mesma “receita” ue resultou no sucesso ue foi toda

a franquia. Alguns atingiram parcialmente o mesmo objetivo, como Bruxa de

Blair, citado por Jenkins, outros quiseram mudar alguns ingredientes e

obtiveram um resultado “alternativo”, não negativo, pois o objetivo principal, o

da convergência das mídias, o de comunicar, de difundir a mensagem por trás

de toda a narrativa transmidiática, foi atingido. Que é o caso de Tron Legacy.

“No mundo da convergência das mídias, toda história

importante é contada, toda marca é vendida e todo

consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia.”

(Jenkins, 2006, p.29)

Além de toda construção em cima das múltiplas plataformas midiáticas, vimos

também a importante influência econômica por trás de cada desenvolvimento

transmidiático. A “necessidade” de criar games, uadrinhos, action figures e

outros elementos que ajudam na construção do produto como um todo, não

nasce apenas da necessidade de criar uma obra completa e repleta de

ramificações, mas também da necessidade de lucrar sobre diversas

plataformas utilizando um universo único, porém complexo demais para se

sustentar em apenas um tipo de mídia.

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Podemos citar diversas produções que atingiram de maneira positiva, o ponto

principal da convergência das mídias. Avatar, já citado, é um exemplo onde

toda a produção visual permitiu uma vasta exploração entre as plataformas

multimidiáticas. Não só para divulgar o filme, mas também para dar força ao

imaginário do espectador sobre aquele universo inteiramente novo, utilizando

recursos como games online, interações com produtos de merchandising,

como os action figures e suas I-tags, e o próprio filme em questão.

Tanto é que a Fox Film, responsável pela distribuição do longa, visualizou um

potencial tão grande, que permitiu o desenvolvimento de mais três filmes e de

um parque temático dentro do Animal Kingdom no complexo Walt Disney World

(Site: www.disneyparks.com - 2013)

Esses “insights” ue as grandes companhias de produção de conteúdo têm

sobre uma franquia ou várias, como discutido anteriormente, partem do

pressuposto que o resultado atingido será, quase sempre, o mais lucrativo. A

estratégia de utilizar um parque temático famoso, muito frequentado e muito

querido pelo público, para criar uma área totalmente nova e dentro das

características originais, só tende a gerar frutos ainda mais rentáveis para

todas as partes e aprimorar ainda mais as relações transmidiáticas que podem

existir nessas convergências de mídias.

Fazendo um paralelo, se pegarmos a definição de cinema por Costa (1995)

podemos traçar um curso para a trajetória das grandes produções que, quase

inevitavelmente, atingiriam esse patamar mutimidiaticamente multifacetado, ou

seja, o cinema não seria apenas um meio, mas uma composição entre as

diversas plataformas de mídia com o objetivo de transmitir algo para seus

espectadores...

“O cinema, nos seus primórdios, não era ainda o que

chamamos de cinema. Ele reunia, na sua base de

celuloide, várias modalidades de espetáculos derivados,

das formas populares de cultura, como circo, o carnaval, a

pantomima, a prestidigitação, a lanterna m gica.” (COSTA,

1995, p.11)

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Ou seja, para atingir o seu objetivo de “contar uma história”, o cinema possuía

diversos recursos ue, uando compostos, formavam um produto “completo” e

funcional, para os padrões da época.

Hoje em dia, com a diversidade de recursos e tecnologias, podemos supor que

a transmídia é uma estratégia mais concisa desse processo multimidiático que

surgiu praticamente junto com o cinema.

Mas neste capítulo, o foco será uma análise das relações diretas e indiretas,

referências, inspirações, homenagens e outros diversos elementos que existem

na convergência entre Tron e Matrix e toda sua estrutura transmidiática.

Vamos começar com o que Jenkins defende ser o mais importante em um

produto transmidiático: O universo.

Existem pontos muito tênues de convergência entre Tron e Matrix e, ao mesmo

tempo, outros tão explícitos que fica fácil trabalhar com eles. O universo, por

exemplo, no qual boa parte de ambas as franquias estão ambientadas é um

“universo digital”. No caso de Tron, uma plataforma quase que análoga a de

um game, onde inclusive os elementos jogabilidade, levels de dificuldade,

escolha de armas e veículos, compõem o cenário do filme em diversos

momentos. Alguns deles de Plot Twist, ou seja, de reviravolta na história,

aqueles momentos em que o rumo de um personagem, ou de vários, se vê

drasticamente alterado por um fato que desvirtua o caminho da narrativa,

positiva ou negativamente.

Podemos dizer que um exemplo disso é a cena em que Sam Flynn é pego

pelos Black Guards e levado até uma sala que, aparentemente, pertence a

alguém que está no comando. Quando essa pessoa misteriosa se revela, Sam

vê nela a imagem de seu pai, mas exatamente com a mesma fisionomia e

juventude da época que havia desaparecido.

Nesse momento ele se dá conta que na verdade aquela pessoa não era Kevin,

mas sim CLU, programa criado a imagem e semelhança dele e, justamente por

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ser um algoritmo quântico, digitalmente programado, não envelhece como

Flynn.

(Figuras 38 e 39 - extraídas do DVD Tron Legacy – 2011)

A cena que prossegue e a que leva o espectador até esse ponto montam um

conjunto de elementos diretamente relacionados ao universo dos games. O

primeiro deles e o mais escancarado é o nome que os próprios programas dão

para aquela situação: “Games”. Sam direcionado para os Games e lá ele se

vê obrigado a enfrentar adversários, de níveis de dificuldade diferentes e em

cenários diferentes.

Podemos dizer que esses são pontos mais primários que deram origem a

diversos games muito conhecidos que possuem a mesma premissa, como

Street Fighter, Mortal Kombat, Tekken, The King Of Fighters, onde todos

possuíam a mesma estrutura “b sica”: O jogador enfrentava oponentes em

cenários variados e os níveis de dificuldade iam aumentando até que ele

chegasse no ultimo oponente, o mais desafiador, o “chefão” e “zeraria o jogo”,

ou seja, chegaria ao final de sua jornada e poderia recomeçar toda sua

trajetória.

No caso de Tron, podemos dizer que a base é quase a mesma. Sam entra na

arena dos Games, enfrenta seu primeiro oponente com um nível de dificuldade

baixo. Em seguida é direcionado para o segundo um pouco mais complexo.

Após vencê-lo e “burlar” o sistema ele acidentalmente cai no nível de Rinzler,

um dos mais desafiadores. Após quase ser eliminado, Sam é reconhecido

como um usuário e é levado até CLU (Trecho descrito anteriormente) e em

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seguida ele tem uma previa do que seria enfrentar o oponente mais forte, o

“chefão”, na Light Cycle Battle (batalha entre “motos de luz”).

Embora toda essa sequência tenha sido pensada linearmente, ou seja, cada

trecho tem um propósito na trama e na sequencia narrativa, pode-se dizer que

ela se inspirou na estrutura de alguns games, mencionados anteriormente,

para ambientar tanto o personagem, quanto o espectador no universo digital de

Tron Legacy.

No caso de Matrix, esse universo digital nada mais é do que uma

representação da realidade humana, do cotidiano da sociedade moderna, com

todas suas imperfeições e fatos que fazem com que aquele não seja um

mundo perfeito. Embora suas primeiras versões tenham sido criadas com esse

objetivo, conforme o próprio Arquiteto, personagem que na franquia se revelou

como responsável pela criação de Matrix, mencionou.

Ele diz que o objetivo era criar um mundo sem imperfeições, sem guerras, sem

doenças, porem o que existe de mais imperfeito nesse mundo, são os próprios

humanos, e eles não sabiam lidar com toda essa “perfeição” e por isso várias

versões da Matrix foi criada posteriormente até atingir um nível que fosse

condizente ao que os seres humanos se adaptassem.

Agora, pensando no primeiro ponto de convergência entre os universos Tron e

Matrix:

CLU foi criado com o objetivo de auxiliar na criação e manutenção do sistema

perfeito, ou seja, qualquer imperfeição deveria ser eliminada ou reprogramada.

Esse também foi o objetivo do criador da primeira versão do Matrix, que, após

o primeiro fracasso, se viu obrigado a eliminar os humanos que fizeram parte

dele e recomeçar toda a cadeia do zero.

Se pensarmos na estrutura narrativa transmidiática, apresentada no capítulo

anterior, pode-se estabelecer uma relação interessante entre os enredos:

Supondo que Quorra, programa que saiu do Grid para o mundo real junto com

Sam no final de Tron Legacy, tenha sido a primeira “m uina” a integrar nosso

mundo, podemos dizer ue o portal permitia esse “intercâmbio” entre outros

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programas e os seres humanos também e, com isso, a quantidade de

programas que saíram aumentou exponencialmente, inclusive daqueles que

defendiam fielmente os ideais de CLU, de criar um sistema perfeito. Isso levou

a humanidade a uma guerra na qual as máquinas estavam em grande

vantagem, em função das habilidades, do preparo e da resistência dos

programas envolvidos, isso é claro, alicerçado na construção da narrativa para

que, com o tempo ela pudesse se aproximar cada vez mais de uma realidade

palpável do que somente desse universo digital paralelo.

Essa guerra teria resultado na quase extinção da humanidade e as maquinas

perceberam que necessitavam dos remanescentes humanos para gerar

minimamente a energia para manter sua colônia ativa e o seu ideal de mundo

perfeito sob controle. Por isso se viram obrigadas a recriar o mundo humano,

digitalmente programado e controlado, para que os sobreviventes pudessem

viver dentro desse universo fictício fornecendo energia constante para as

máquinas sem se dar conta do mundo pós-apocalíptico em que realmente

estavam inseridos.

Se pensarmos na posição de Jenkins sobre a construção do Universo Matrix,

podemos estruturar esse jogo transmidiático em uma construção muito mais

complexa e uniforme do que as produções individualmente estabeleceram:

“Os irmãos Wachowski construíram um pla ground onde

outros artistas puderam fazer experiências e que os fãs

puderam explorar. Para isso funcionar, tiveram que

imaginar o universo de Matrix com consistência suficiente

para que cada fração fizesse parte de um todo, e com

flexibilidade suficiente para que o universo fosse

reproduzido em todos os diferentes estilos de

representação(...)” (Jenkins 2006, p.161)

Pensando na estrutura fílmica e transmidiática das franquias Tron e Matrix,

podemos dizer que ambas atendem a esse pré-requisito de criação dos

universos narrativos. E, por isso, podem conter pontos de convergência as

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vezes mais explícitos, como visto anteriormente, como outros não tão objetivos,

como veremos mais à frente.

É curioso pensar nas relações de convergência transmidiática entre franquias

que, supostamente, não tem ligação direta, mas que possuem todas, ou quase

todas, as características de uma produção transmídia e isso permite que se

faça essa transmidialização, não só das narrativas, mas de todo conjunto que

pode integrar a construção de um produto único e ainda mais enriquecido do

que aquele apresentado individualmente.

Mas para que isso aconteça, é preciso estar atento ao que cerca essas

produções. As tendências que estão rodeando projetos como este, situações

que promovem diálogos mais profundos e elaborados demais para se sustentar

em apenas uma plataforma multimidiática.

Vivemos uma era da mobilidade. E saber quais os fundamentos que

embasaram esse tipo de momento chega a ser crucial para a construção

fílmica e transmidiática de narrativas como as de Tron e Matrix.

“Nos últimos anos, vimos como os celulares se tornaram

cada vez mais fundamentais na estratégias de lançamento

de filmes comerciais em todo o mundo; como filmes

amadores e profissionais produzidos em celulares

competiram por prêmios em festivais de cinema

internacionais (...)” (Jenkins, 2006, p.31)

Essa afirmação de Jenkins mostra, acima de tudo o desafio que os grandes

estúdios enfrentavam em tentar manter a qualidade e confiabilidade de suas

produções e ainda assim acompanhar a tendência mercadológica e social da

mobilidade através de tablets, celulares, notebooks, etc.

Matrix acaba ficando um pouco mais distante de tendências como essas, mas,

se pensarmos no que estava em alta na época, os Irmãos Wachowski

conseguiram explorar até o limite do imaginário do espectador, utilizando

elementos que constituíam o cotidiano das pessoas.

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A ideia de que, o que conecta o corpo, a mente e o sistema digital, ser uma

rede como a de um telefone, representa muito bem o inicio da internet

distribuída massivamente, na qual a discagem era essencial para fazer a

conexão entre o usuário, a máquina e a rede mundial de computadores.

Em determinados momentos é até interessante que conseguimos ouvir o som

da internet “discando”, porem de maneira distorcida, uando Neo sai da Matrix

para o mundo real pela primeira vez. Ou seja, aquela ponte representava tanto

a conexão inicial quanto a final. Quando Trinity sai da Matrix pela primeira vez

no filme, ela utiliza um telefone para fazer essa transição.

Assim, toda construção do imaginário transmidiático fica mais palpável para o

espectador que vivia aquele momento de auge de algum tipo de tecnologia,

mas ao mesmo tempo, pode não saber, de maneira mais profunda, os

potenciais e limites tecnológicos que esse tipo de suporte pode oferecer.

Em Tron Legacy, a história já é outra. A tendência dos smart phones já estava

atingindo seu ápice, mas ainda era algo que não estava difundido nas grandes

massas. Os primeiros smart phones tinham valores muito altos e uma serie de

empecilhos, como o de operadores, vínculos, etc. Que dificultava essa

massificação que vivenciamos hoje em dia. A partir daí, saber quais as

tendências que atingiam esse público um pouco seleto e, ao mesmo tempo,

instigavam outros a fazerem parte deste, era uma das soluções para a criação

e desenvolvimento de uma produção transmidiática de sucesso.

O resultado foi o desenvolvimento de diversos games relacionados a trechos

específicos da narrativa do filme, histórias em quadrinhos digitais utilizando

recursos de HTML5 (pequenas animações, sons, navegação dinâmica, etc.) e

diversos outros atrativos que faziam com que a franquia retomasse a força que

o primeiro longa havia conseguido criar e ao mesmo tempo, criar novos laços

com o público que acompanharia toda aquela trajetória a partir daquele ponto.

Se pensarmos em termos de “visão” com relação a possíveis futuros de ambas

as franquias, podemos dizer que os produtores limitaram a explorar apenas os

suportes que seguramente os cercavam e que já mostravam sinais positivos e

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potenciais para uma evolução muito bem estruturada. Porém, não se

preocuparam em arriscar algo menos conhecido e explorado (como a realidade

aumentada, citada anteriormente) e tentar fazê-lo(a) uma nova tendência,

juntamente com estes elementos que já asseguravam uma boa narrativa

transmidiática.

Esses elementos foram estabelecidos como referência através do resultado

que a franquia Matrix obteve e todos os recursos descritos anteriormente. A

diferença é que a Disney, por mais que tenha tentado ser inovadora, ainda

ficam muito enraizadas as tradições clássicas da narrativa cinematográfica e de

outros elementos que a cercam. Vide o saudosismo de seus parques

temáticos, onde o apelo não está alicerçado somente na inovação, mas na

intenção de reviver os áureos tempos através da reanimação do imaginário de

seu público espectador.

Isso faz com que haja um contraste entre a intenção e os ideais, os quais

acabam se contrapondo no processo de convergência entre mídias. Jenkis cita

esse fato de uma maneira muito interessante quando diz:

“A expressão cultura participativa contrasta com noções

mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos

meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e

consumidores de mídia como ocupantes de papeis

separados, podemos agora considera-los como

participantes interagindo de acordo com um novo conjunto

de regras, que nenhum de nós entende por completo.”

(Jenkins, 2006, P.30)

Ao mesmo tempo ele consegue definir o problema e dar a solução para que a

convergência de mídias obtenha um resultado eficaz e atinja as massas de

maneira homogênea. Isso é claro se existir um certo desapego aos moldes

antigos e procurar explorar ao máximo as tendências que se apresentam ao

longo dos anos.

Pensando nisso, talvez outro ponto a ser levado em consideração no nosso

processo transmidiático entre Tron e Matrix, seria o fato de que hoje está muito

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mais forte e claro no pensamento dos consumidores essa importante relação

que ele começa a exercer sobre as produções de conteúdo. Uma relação que

antigamente era apenas de um mero espectador que recebe a informação e a

única função que ele exerceria era de dissecar essas informações e tentar

compreende-las a partir de seu repertorio cultural, social, econômico, etc.

Como o próprio Jenkins menciona, “a convergência não ocorre por meio de

aparelhos, por mais sofisticados que venham ser. A convergência ocorre dentro

do cérebro de consumidores(...)” (2006), isso justifica a crescente intervenção

participativa ativa destes, desde a criação, até a extensão de determinados

produtos multimidiáticos.

Esse é um dos elementos mais importantes no momento de estruturar e

fortalecer esse tipo de produção transmidiática, sem esquecer da importância

da construção do universo fílmico já estruturado em ambas as franquias.

Podemos dizer que já faz parte do imaginário dos espectadores e fãs de ambos

os filmes, toda essa construção do universo, tanto em Matrix quanto em Tron.

Porém, mesmo com esse repertorio, as vezes as relações transmidiáticas

precisam ser destrinchadas antes de ganhar força como um produto concreto,

ou seja, dissecar cada recurso utilizado e tentar dissertar sobre as possíveis

relações entre eles, minimamente convergentes, antes de deixar que o

imaginário do espectador começasse o processo da cultura participativa.

Choose Your Character

Dando continuidade então a essa “dissecação”, podemos supor uma relação,

não só de características físicas, mas de personalidade e atitudes entre as

protagonistas de ambas as franquias.

Em Matrix, por exemplo, Trinity, por mais que seja a personagem feminina

predominante no filme, desde o começo mostra sua atitude “agressiva” e nem

um pouco frágil, em meio a situações adversas. Na cena de abertura do

primeiro Matrix, Trinity enfrenta sem hesitações uma serie de policiais armados,

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foge dos agentes entre os telhados dos prédios, e consegue escapar com

sucesso de uma morte quase certa. Isso tudo sem auxílio de ninguém. Com

isso, os Irmãos Wachowski conseguiram caracterizar claramente para o

espectador o perfil e a importância que a personagem teria ao longo da trama.

Mais além, a participação crucial de Trinity na transição e adaptação de Neo

para o mundo real. No começo, comparado a ele, Trinity se destaca com sua

experiência e astucia, por assim dizer, sobre os macetes da Matrix e do mundo

real. Ela acaba sendo uma peça chave nessa transição da qual Neo depende

não só dos conhecimentos, mas também dos sentimentos e energias que

Trinity proporcionava a ele.

(Figura 40 – extraída do DVD – Matrix, 2000)

Paralelamente, se pensarmos na personagem feminina predominante em Tron

Legacy, temos Quorra. Uma protagonista que aparentemente possui traços de

inocência e inexperiência, em relação a determinados assuntos, ao mesmo

tempo ela exerce um papel similar ao de Trinity com relação a Sam Flynn.

Quando Sam se encontra em uma situação de perigo eminente, após enfrenta

CLU na arena, Quorra interfere em uma das batalhas, impedindo que Sam de

ser ferido e mostrando para ele uma alternativa para sair de situações

adversas. Em uma única cena ela consegue mostrar sua destreza e atitude, ao

interferir em um programa tão perigoso para salvar um desconhecido

inexperiente, consegue mostrar seus conhecimentos e experiências sobre o

terreno, os caminhos e principalmente os atalhos fora da arena, e também suas

intenções que, até então, se mostram as melhores possíveis.

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(Figura 41 - Cena extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Disney)

Em questões temporais, com relação à estrutura narrativa, Tron viria antes de

Matrix, pois o mundo real apresentado em Tron Legacy, ainda continuava

intacto e sem grandes interferências das maquinas no cotidiano humano.

Agora, pesando nas relações de convergência, seria intrigante supor que, ao

sair do universo digital, Quorra pode ter sido a chave que os programas/

maquinas precisavam para descobrir uma maneira de integrar o mundo real e

com isso, concluir a obra inacabada de CLU. Ainda mais intrigante seria supor

que Quorra poderia ter alguma relação hereditária com Trinity, como avó ou

mãe da personagem, por possuir traços tão similares e, dentro do contexto

geral, possuir o mesmo destino: o de auxiliar “o escolhido” em sua jornada de

descobertas e desafios ao longo da trama.

Ainda sobre a perspectiva dos protagonistas, a convergência entre as franquias

pode ocorrer sobre outros dois personagens que, juntamente com a

personalidade feminina citada anteriormente, formam a trindade do filme. Em

Matrix apresentada por Morpheus, Neo e Trinity e em Tron Legacy, Kevin, Sam

e Quorra.

A analogia sobre as personagens pode ser considerada como uma proposta de

convergência transmidiática construída através das características das

protagonistas e sua trajetória fílmica. Assim com Trinity e Quorra, Morpheus e

Kevin Flynn possuem relações de personalidades e presença muito similares.

Ambos possuem esse ar de “profeta”, aquele que seria o responsável por

espalhar a vinda do “escolhido”, ou simplesmente a uele ue seria o

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responsável por ajudar a trazer o equilíbrio ao universo, tanto digital quanto

real.

Morpheus porém, possui uma característica mais ativa e revolucionaria, como

aquele que participa ativamente de todo esse processo e inclusive se sacrifica

para que o objetivo seja alcançado.

Flynn também se sacrificou para que Sam pudesse concluir sua fuga junto com

Quorra, porém ele possui uma característica mais passional de evitar o

confronto e, de maneira bem simplória, abusa do ditado “em time ue est

ganhando não se mexe”. sso por ue a sua primeira reação ao receber Sam

em sua casa e descobrir os planos de CLU ele revela que só ficou preso no

Grid porque, para ele, arriscar ações agressivas ó trariam a ruína de tudo

aquilo que ele havia construído, então, a solução que pare ele era a mais

sensata, seria a de não reagir de maneira alguma. Ele deixa isso bem claro em

uma fala específica en uanto argumenta com Sam sua decisão: “Its his game

now... The only way to win is not to play...” (É o Jogo dele agora... A única

maneira de vencer é não jogar).

Mas essas divergências entre os personagens de ambas as franquias, não são

fatores de interferência na produção de convergência de mídias. O próprio

Jenkins afirma que a convergência acontece principalmente através do

imaginário do espectador e com todos esses elementos compostos nos

mínimos detalhes da franquia permitem que os espectadores, pelo menos os

mais ativos e participativos no processo transmidiático de um produto, tentem

criar novos parâmetros para aquela estrutura, fortalecendo assim ainda mais a

construção dessa peça.

Embora possa parecer muito improvável essa convergência entre Tron e

Matrix, a proposta é justamente instigar a criação de projetos ousados e

potencialmente inovadores que, aparentemente, não se mostram tão

claramente compatíveis, porém, tem um grande potencial transmidiático.

De acordo com Jenkins, “os mercados midi ticos estão passando por mais

uma mudança de paradigma.”. A ideia ue as novas mídias vão absorver as

antigas não é um conceito atual. Todo surgimento de uma nova mídia

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inovadora vem acompanhado da premissa que alguma mídia similar, porém

não tão potente em termos de funcionalidade, praticidade e/ou tecnologia,

sucumbirá. Aconteceu com os livros online, que supostamente acabariam com

as bibliotecas e toda mídia impressa, com o CD que acabaria com todos os

vinis, com a internet e a ameaça que ela proporcionava perante a radiodifusão.

Porém, tendo em vista o repertorio que os diversos públicos possuem em

determinadas plataformas, fica difícil dizer que mídias com propostas

aparentemente similares, podem se sobrepor perante as massas.

Uma pessoa que aprecia uma boa música, por exemplo, sabe que o áudio

gerado pela reprodução do vinil é muito melhor do que aquele gerado por um

CD ou uma música em MP3 baixada da Internet. Um bom apreciador de mídia

impressa, prefere muito mais ter o prazer tátil de ler um livro, folhear página por

página, do que ter a praticidade de um Kindle. Isso é claro em linhas gerais,

não é possível quantificar em escala mundial esse tipo de preferência.

Se o paradigma da revolução digital presumia que a novas

mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da

convergência presume que novas e antigas mídias irão

interagir de formas cada vez mais complexas. (Jenkins,

2006)

Com isso já podemos supor certas estratégias que sejam eficazes na

construção de uma produção ousada quando dissertamos sobre

transmidialização e convergência. Portanto, no processo de convergir Tron e

Matrix, podemos pensar at mesmo em trabalhar o processo “inverso” da

disseminação do produto entre as diversas mídias, ou seja, em vez de somente

buscar o que está em ascensão e o que possivelmente se tornara uma

tendência, pode-se pensar em resgatar certas mídias que por si só garantem

credibilidade e agregam valor ao conjunto da obra. Muitos filmes estenderam

seu universo para os livros e quadrinhos, como Star Wars, por exemplo. Isso

pode proporcionar um resultado ainda mais eficaz e satisfatório, não somente

do ponto de vista transmidiático, mas também do ponto de vista rentável que,

como já mencionado anteriormente, é um dos grandes incentivos para esse

tipo de criação.

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Pensando nisso, qual seriam as plataformas que mais se encaixariam no perfil

transmidiático e convergente entre Tron e Matrix? Arrisco dizer que todas, mas

podemos partir da premissa daquelas que já consagraram ambas as franquias.

Bonus Point – Os ingredientes da Transmídia

Como vimos anteriormente, Matrix se consagrou pelo trabalho muito bem

estruturado e dinâmico entre diversas mídias. Entre elas estavam presentes

animações, quadrinhos, games, vídeos virais e até mesmo produtos de

consumo como roupas, figuras de ação, artigos de decoração, etc. Isso ficou

muito evidente pela repercussão que Matrix atingiu e seu legado espalhado em

diversas franquias, similares ou não.

Mas esse processo, embora apresentado tão funcionalmente produtivo na

trilogia Matrix, serve apenas como uma receita que pode ser seguida, mas não

à risca, ou seja, deve seguir o passo a passo, mas sempre acrescentar ou

retirar algum ingrediente para que fique a gosto de um público determinado.

Podemos dizer que Tron Legacy foi um exemplo de franquia que tentou seguir

essa “receita” de Matrix, porém muito à risca. A Disney disseminou seu

universo fílmico em quadrinhos, prelúdios, animações, trilha sonora, games, até

mesmo arriscou a reprodução de uma Graphic Novel no formato HTML5

(http://disneydigitalbooks.go.com/Tron/). Estruturalmente eles seguiam a

formula correta na construção de um produto transmidiático amplo e seguindo

as tendências que as tecnologias proporcionavam no momento. Mas talvez

tenha faltando um pouco mais de atenção aos detalhes, como por exemplo o

público que estava sendo destinado essa franquia.

Como o próprio Jenkins menciona, Matrix foi criado para um público mais

seleto, mas ao mesmo tempo, sem nenhum repertorio sobre a franquia e seus

derivados, ou seja, toda a estrutura foi montada do zero, sem nenhum legado a

ser herdado. Contrário de Tron Legacy que, como o próprio nome sugere, vem

de um legado muito bem construído vindo do primeiro Tron (1982).

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O primeiro filme, como já mencionado anteriormente, foi um marco na história

do cinema por seus recursos inovadores e tecnologicamente avançados para a

época. A sua estrutura fílmica não fugia muito dos padrões Hollywoodianos,

mas seus efeitos visuais e toda a construção daquele universo nunca visto

antes, fizeram de Tron uma referência em ficção cientifica e em efeitos visuais,

para aquela época.

E é em cima desse legado que Tron Legacy cria sua estrutura. Ao contrário de

Matrix, essa franquia não pode simplesmente zerar toda a construção fílmica e

referencial que o primeiro filme definiu, a menos é claro que fosse feito um

reboot, ou seja, uma refilmagem do primeiro, mas mesmo assim, “jogando fora”

todo o legado do filme anterior, corria o grande risco de se tornar uma franquia

fracassada em diversos sentidos, como foi a refilmagem de O Vingador do

Futuro (Total Recall – 2013) que não agradou os fãs por fugir muito do universo

apresentado no filme original.

Por se tratar de uma continuação, os produtores de Tron Legacy tiveram todo o

cuidado de usar o referencial mais marcante da filme anterior e, além de

homenageá-lo em suas sequencias, eles o atualizaram para o contexto

tecnológico e sociocultural que os espectadores destinados a aquela

continuação estariam inseridos. Isso é claro sem esquecer das relações

transmidiaticas que começaram a engatinhar com a abertura do hot site do

filme, onde o espectador podia ter uma previa do que seriam as Light Cycles,

como elas funcionariam e u pouco do que seria o Grid e a arena. Além de uma

previa muito bem elaborada da trilha sonora do filme, inteiramente composta e

produzida pela dupla Daft Punk.

A trilha sonora é um outro fator muito interessante a ser discutido nesse

processo de convergência de mídias, principalmente da maneira que esta foi

criada. Ainda sobre o contexto tecnológico que o espectador e a própria

franquia estariam inseridos, podemos dizer que a tendência eletrônica na

construção da trilha, foi além do universo fílmico que tinha sido construído.

Embora Tron Legacy seja um filme com um forte apelo para o mundo digital, a

maneira com que a trilha foi composta, mostra o cuidado de cada sequência,

fazendo com que a música não seja apenas mais um recurso, mas sim que o

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espectador possa ver uma cena inteira em sua cabeça somente ouvindo a

trilha sonora.

Um adendo, entre as diversas discussões que tive com colegas de

universidade sobre Tron Legacy, ouvi em uma delas uma colocação muito

interessante em ue um deles disse ue “assistir Tron Legacy era como assistir

a um vídeo clipe de duas horas do Daft unk...”. sso abriu meus olhos uanto

a importância dessa trilha e a maneira com que ela é projetada no filme.

Ela foi composta cena a cena, pensando no tom que elas teriam e na melhor

maneira de representar musicalmente um determinado momento do filme (The

Making-Of of Tron Legacy). A primeira música que disponibilizaram foi The

Game Has Changed, que, além de sintetizar o que o espectador veria na tela,

tamb m consegue inserir os “usu rios” no universo denso ue seria o novo

Tron.

Primeiramente, a música foi disponibilizada como trilha de um advergame do

hot site oficial do filme, no qual, como mencionado anteriormente, o usuário

poderia realizar uma leve imersão no universo Tron e principalmente em um

dos seus atrativos mais marcantes, desde o longa anterior, visualmente

falando: as Light Cycles. A experiência era interessante, principalmente pela

relação multimidiática que conversava muito uniformemente; a jogabilidade, o

cenário, o ronco do motor da Light Cycle, as composições, tudo circulava em

harmonia. Um fator interessante era que, essa mesma música, comporia uma

das cenas cruciais do filme, a Light Cycle Battle, justamente a ampliação

daquele game relativamente simples, disponibilizado principalmente para que

os espectadores/usu rios pudessem “sentir o terreno” em ue o filme estaria

embasado.

A partir daí, ao longo da trama era possível notar essa mesma característica

nas intervenções dos efeitos sonoros na trilha, que determinadas cenas

ressaltavam. Entre elas, própria Light Cycle Battle, é uma das que possui mais

onomatopeias vindas de games conhecidos, como Mario, Sonic e Space

Invaders. Em um momento, mas especificamente, quando a arena está sendo

erguida e uando uma das Light C cles passa sobre um “b nus point” é nítido

a inserção desses recursos.

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Em Matrix isso ocorre também, mas talvez não seja o ponto mais forte a ser

explorado. Embora a trilha sonora, quase toda composta por Rob Dougan,

tenha tanto cuidado quanto, principalmente no que condiz a condução da cena;

conseguimos acompanhar auditivamente o início, o engrandecimento, o clímax

e o desfecho de cada cena em sua respectiva trilha.

Esse seria mais um ponto interessante a se considerar quando dissertamos

sobre relações transmidiáticas e a exploração de recursos de diversas

plataformas. Seria antiquado hoje em dia explorar uma mídia como CD, por

exemplo? Difícil dizer. Mas o que é possível é ousar e procurar soluções atuais

e funcionais para qualquer plataforma, seja ela um livro ou um iPad mini.

A Disney, por exemplo, conseguiu explorar na trilha sonora de Tron Legacy

uma gama enorme de recursos transmidiáticos que conseguiam agregar um

peso muito importante no todo da obra.

O lançamento do CD com a trilha original vinha acompanhado de códigos de

acesso de um site que, ao inseri-los, os usuários teriam acesso a conteúdo

exclusivos do filme. Além disso, a produção, quase que simultânea de uma

versão mixada de todas as músicas da trilha original, por diversos DJs

conhecidos, também explorou o universo expandido de Tron.

O site viral de lançamento do álbum possuía um preview das faixas e

escondido entre alguns códigos estava um dos easter eggs mais importantes

para a expansão do projeto transmidiático de Tron: um flyer com a divulgação

de um evento denominado Flynn Lives. Um movimento viral criado para

expandir o universo de Tron que disseminava a existência de um suposto

grupo que defendia assiduamente que Kevin Flynn ainda estava vivo e que

eles não deixariam seu espírito cair no esquecimento. Talvez esse também

tenha sido o desejo dos produtores do filme, pensando no futuro da franquia.

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(Figuras 42 e 43 - Print do flyer online de divulgação do evento)

Entre os que seguiam seu legado estava Alan Bradley, melhor amigo de Kevin

e o herdeiro temporário do império que ele havia construído. Inclusive o evento

divulgado no flyer teria Bradley como host, ou seja, apresentador.

No viral, durante o evento, Sam Flynn interrompia uma fala de Bradley saltando

de paraquedas sobre toda a plateia, tomando toda atenção para si. Essa ação

de Sam não era apenas para a construção da cena, mas, posteriormente,

veríamos que fazia principalmente parte da construção fílmica do perfil físico e

psicológico do personagem. No longa, na cena de “apresentação” de Sam já

adulto, ele repete a mesma proeza, porem de maneira diferente, saltando

dessa vez da Encom Tower, prédio sede da empresa herdada de seu pai.

sso fazia parte do desfecho de sua “pegadinha anual”, na ual Sam sempre

procurava sabotar de alguma maneira grandiosa a antiga empresa de seu pai,

agora sob o controle dos acionistas majoritários.

No filme, não vemos as intervenções dos anos anteriores, só temos

conhecimento dessas ações pela fala de Alan Bradley enquanto conversa com

Sam em sua casa. Porém, quem acompanhou todo processo viral e

transmidiático do filme, já tinha conhecimento de pelo menos mais uma

intervenção de Sam, a da conferencia citada anteriormente. Dentro do jogo da

transmídia, as relações foram muito bem construídas quando o espectador

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consegue fazer a associação completa e, mesmo aqueles que não tiveram

acesso aos meios de divulgação antes de assistir ao filme, puderam

acompanhar as mesmas produções através de outros meios. Interessante

como, independente da ordem que essas sequencias são vistas, o resultado

final ainda continua o mesmo, auxiliando o espectador na imersão do filme e de

seus personagens.

Talvez um dos elementos que auxiliaram nessa construção relativamente

complexa foi que, o viral, ganhou diversas versões com pontos de vista

diferentes. Entre eles, uma versão representando uma transmissão ao vivo da

conferencia, outro através do que seria a câmera de um “espectador” e outro,

ainda mais interessante, do ponto de vista de Sam, que mostra toda a sua

trajetória, desde os preparativos, a organização dos equipamentos, a subida no

helicóptero até o seu salto e pouso. Isso fez com que o espectador tivesse

acesos a trajetória do personagem a partir das brechas que o enredo permitia.

Esse talvez seja um fator muito importante nessa construção de um produto

transmidiático e convergente, aproveitando essas “brechas” no enredo para

criar universos expandidos e/ou paralelos a trama original.

Foi o mesmo caso em Matrix. Como mencionado anteriormente, certas brechas

no enredo, como o caminho percorrido por Niobe e Ghost até o resgate de

Morpheus, foram muito bem exploradas na construção do game Enter the

Matrix, assim como diversas outras nos curtas de AniMatrix, nos quadrinhos,

Graphic Novels, etc.

Foi justamente pensando nisso que, as relações de convergência e transmídia

entre Tron e Matrix, podem ser consideradas quase ilimitadas. Se pensarmos

em cada brecha individualmente e as relações que elas ainda podem

estabelecer, sem contar as que já foram exploradas, unindo possibilidades

entre elas, é possível construir um outro universo ainda mais denso e

complexo.

Sobre a criação do Grid, por exemplo, tudo que é apresentado para o

espectador é que Kevin Flynn, com ajuda de Tron e CLU, criou um novo

universo virtual onde programas e usuários poderiam viver em harmonia e que

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toda a informação seria de livre acesso para todos os lados. Mas, a partir do

momento que uma rebelião eminente desses programas se instaura, Flynn

percebeu que o livre transito de informações poderia ser um desastre sem

proporções. A brecha, nesse trecho, seria a falta de detalhes sobre a criação

desse sistema, quais foram suas bases, proporções, falhas, etc. Bem como

ocorre em Matrix.

Na cena em que Neo conversa com o Arquiteto sobre seu destino e o do

restante da humanidade, tudo que descobrimos é que existiram outras 6

versões da Matrix e que as maquinas conseguiram aperfeiçoar aos poucos, ao

longo dos anos, até chegar nesse molde “ideal” em ue seria o mais próximo

possível da realidade humana.

Nesse ponto, podemos estabelecer uma relação convergente muito

interessante, pensando que o Grid de Flynn seria uma primeira versão da

Matrix, sem imperfeições, doenças, guerras e, consequentemente, uma versão

fracassada, podemos criar uma linha do tempo que contaria essa evolução

entre a história inacabada, contada em Tron Legacy, até o início de Matrix que

apresenta uma estrutura narrativa que permite que o espectador busque uma

origem para aquele momento em que o enredo é introduzido.

Infelizmente, ou felizmente, toda essa construção, até este ponto, não passa de

insights e, como o próprio Jenkins se define, faz de mim mais um membro na

comunidade do conhecimento e da cultura participativa. E como o próprio nome

sugere, para ganhar força e consistência necessária para atingir o público

desejado, precisa fazer parte de um conjunto mais amplo de relações, não

somente entre as mídias, mas entre o espectadores ativos/participativos que,

quase sempre, agregam valor ao todo da obra:

Um número crescente de consumidores talvez esteja

escolhendo sua cultura popular pela oportunidade de

explorar mundos complexos e comparar suas observações

com outras pessoas. Cada vez mais consumidores estão

gostando de participar de culturas de conhecimento on-line

de descobrir como é expandir a compreensão, recorrendo a

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expertise combinada das comunidades alternativas.

(Jenkins, 2006, p.186)

Essa visão de Jenkis define bem o panorama a ser explorado a partir das

diversas construções de produtos multimidiáticos e transmidiáticos, mostrando

que a tendência esta alicerçada na participação ainda mais ativa e colaborativa

dos públicos alvo dessas produções.

Podemos dizer que isso foi muito bem explorado pela Disney e os produtores

de Tron Legacy desde o início do desenvolvimento do longa. No dia da Comic-

Con, conferencia de quadrinhos, filmes, series, onde foi mostrado o tesar da

continuação de Tron, detalhado anteriormente no capitulo a respeito do

mesmo, o diretor Joseph Kosinski, aproveitou a energia da plateia que estava

eufórica com as novidades sobre a franquia e pediu para que eles repetissem

algumas palavras, no ritmo que fossem aparecendo no telão e, se fossem bem

executadas, todos ali presentes fariam parte de Tron Legacy.

Isso nada mais foi do que uma brincadeira simples em que, de maneira simples

e eficiente, eles conseguiram utilizar o conceito da cultura participativa, bem

primariamente, para dar mais força e instigar a curiosidade do

público/espectador sobre o resultado que aquela movimentação geraria.

Então, sem deixá-los decepcionados, Kosinski inseriu esses áudios em 3

momentos na mesma cena, como gritos de guerra de uma torcida no momento

que os game começam. Os momentos foram: quando o Grid de batalha é

ligado e a plateia começa a gritar “D SC WARS! D SC WARS” (Batalhas de

Disco). Outro, uando Sam cai na arena de Rinzler e a plateia grita “R NZ LER!

R NZ LER!”. E por fim, uando Rinzler encurrala Sam e está prestes a finaliza-

lo todo o público grita “DE RES! DE RES” (Essa expressão vem de De

Resolution, em português seria algo como deletar um programa, dissolve-lo.

(Tron Legacy: Making Of)

Dessa maneira, todo trabalho de imersão do espectador na franquia se fez

presente e de uma maneira participativa, simples, mas funcional, onde quase

todos, ou pelo menos quase todos, que estavam presentes no evento e fizeram

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parte dessa construção, buscaram no longa o resultado dessa participação.

Isso faz com que a expectativa sobre a trama aumente e faz com que o

espectador se sinta ainda mais parte daquele conjunto como uma experiência

emissiva, além de outros recursos como o 3D e os efeitos visuais envolventes

ao longo do filme.

Claro que podemos dizer que isso foi uma jogada muito esperta de marketing

de filme, por parte da Disney, pois isso fez com que boa parte da divulgação do

filme se concentrasse nesses “easter eggs” ao logo de todo o processo criativo.

Mas isso não é de hoje. Na pré-produção do primeiro filme da franquia Velozes

e Furiosos (The Fast and The Furious – 2001) o diretor Rob Cohen e o

produtores da franquia lançaram um anuncio que precisavam de carros

mexidos e preparados para corridas de rua e que pagariam por isso, mas não

divulgaram qual a finalidade. Apenas com a motivação financeira, por assim

dizer, uma multidão de carros surgiram no dia seguinte em frente aos estúdios

da Universal, responsável pela distribuição do longa. Eles analisaram os

carros, escolheram os mais interessantes para as cenas de ação e só depois

de toda essa triagem eles revelaram que os carros fariam parte de um longa

sobre corridas de rua.

Podemos dizer que o resultado foi ainda mais interessante do que Tron, do

ponto de vista da cultura participativa, pois os donos dos veículos não

participaram somente com o empréstimo de seus carros, mas eles próprios

participaram das cenas, mostrando as peculiaridades de cada modificado

(motor, som, acessórios, etc.), porem, mantendo sempre o mistério de qual

cena aquela participação feria parte e em qual momento, quanto tempo

apareceria. E, assim como em Tron Legacy, o resultado não desapontou os

participantes, o diretor fez questão de mostrar cada escolhido, nem que por um

segundo, para que todo aquele conjunto fizesse sentido, do ponto de vista da

colaboração participativa.

A consequência desse investimento repercutiu ao longo das franquias. No

segundo filme utilizaram a mesma estratégia, principalmente por conter uma

cena de perseguição que eles necessitariam de mais de 500 carros. O

resultado foi além do esperado. Apenas por ter mencionado que precisariam de

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carros mexidos para participar da continuação de Velozes e Furiosos, eles

conseguiram muito mais do que o esperado, gerando até certa dificuldade de

selecionar os que mais agradavam, de acordo com os produtores no

documentário 2 Fast 2 Furious Making Of.

Pensando nesse aspecto, no processo transmidiático que nasceu neste

projeto, seria interessante estruturar uma intervenção com ambos os públicos

destinos as franquias de Tron e Matrix primeiramente para que eles também

possam visualizar as possibilidades de convergência entre elas e instigar a

criação a partir dessas vertentes. Talvez utilizando a veiculação de um possível

teaser, mesmo não sendo aprovado diretamente pelas produtoras

responsáveis pela divulgação, de um crossover entre esses filmes, já seria o

suficiente para lançar a faísca que precisamos para dar continuidade a este

desenvolvimento.

Não que essa estratégia não tenha sido utilizada, pelo contrário, filmes como o

próximo Superman que contara com uma participação importante de Batman,

já tinha sido especulado e até mesmo divulgado por fás em vídeos e trailers

fake a anos. A Warner, responsável por ambas as franquias (Batman e

Superman) se aproveitou de todo esse fervor e “fetiche”, por assim dizer, ue

os fás tinham de ver um crossover entre estes personagens tão marcantes da

DC comics, que decidiram investir pesado em uma produção, agora real, desse

longa.

Além é claro de terem visto que esse tipo de investimento permite um resultado

mais do que rentável e explora as variáveis dos personagens que saem de seu

mundo para convergir com a realidade de outros que seriam do mesmo

universo. O que podemos ver claramente no processo de criação que teve

como resultado Avengers (Os Vingadores, 2012), que contemplava a

participação de Homem de Ferro, Capitão América, Thor, Hulk e outros

personagens conhecidos dos quadrinhos.

Mas este processo não nasceu da noite para o dia. A Marvel teve um trabalho

de anos, estruturando muito bem individualmente cada personagem, e

costurando as tramas com elementos muito marcantes e representativos.

Talvez o mais importante deles seja a participação frequente e, quase sempre,

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muito rápida do personagem Nick Fury (Samuel L. Jackson) em quase todos os

filmes (nos que ele não aparece ele acaba sendo mencionado em alguma fala

de algum personagem relacionado a ele).

Ele surgiu pela primeira vez nos créditos de Homem de Ferro, já de maneira

bem direta e objetiva, sobre suas intenções e importância para a franquia,

dizendo para Tony Stark que tem uma proposta para oferecer, além de apenas

ser um super-herói solitário. Nesse momento ele diz que gostaria de falar sobre

a “ niciativa Vingadores”.

A repercussão dessa cena que durava pouco mais de 30 segundos foi tamanha

e de tal importância, que inclusive nos quadrinhos, a Marvel mudou a “cor” do

personagem Nick Fury de caucasiano para negro.

(Figuras 44 e 45 - O primeiro Nick Fury dos quadrinhos e o atual baseado no

personagem de Samuel L. Jackson. Retiradas da internet)

A partir daí, os produtores dos longas de cada super-herói se dedicaram a

fazer essa ligação, não somente de enredos, mas de elementos escondidos,

como as luvas do destino do personagem Thanos, vilão que aparece nos

créditos de Os Vingadores, presentes em uma das cenas do primeiro filme do

Thor e outros descaradamente e propositalmente escancarados para deixar

realmente o público na expectativa, como foi o caso da cena dos créditos de

Homem de Ferro 2, na qual começa mostrando o agente Coulson chegando no

local onde caiu o martelo do Thor e termina com o raio sobre o martelo,

claramente indicando aos fãs qual seria o próximo filme da lista dos super-

heróis.

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Mas o mais interessante não são apenas esses easter eggs que Hollywood já

sabe tirar de letra a tempos, mas é a maneira que os produtores conseguem

construir um processo de crossover muito bem elaborado, onde não só os

elementos, mas as cenas também se relacionam de alguma maneira.

Tomando como exemplo esta mesma cena pós créditos de Homem de Ferro 2,

podemos vê-la mais detalhadamente e estendida no próprio filme do Thor,

onde o diretor utilizou o “gancho” deixado anteriormente para explorar toda a

construção de uma série de sequências até aquele ponto (no filme vemos o

martelo caindo, em seguida vários homens tentando retirá-lo de lá e por fim

todo o esquema da SHIELD tentando mantê-lo em sigilo e o próprio Thor

invadindo esta área e tentando recuperar seu martelo).

O resultado de tanto cuidado e trabalho de análise fílmica, estética e estrutural

de todos esses personagens, resultaram em um produto consistente, rentável e

que conseguia atingir diversos públicos; desde aqueles que liam os primeiros

quadrinhos e acompanharam cada filme atenciosamente, até aqueles que não

tinham visto nenhum filme baseado em quadrinhos.

Talvez seja esse o segredo para a construção de um produto transmidiático e

convergente bom estruturado e, economicamente falando, rentável. Mas, como

já mencionado anteriormente, não existe receita exata para esse tipo de

produção. A prova disso a tentativa da Warner de emular seu “concorrente” e

criar um filme da Liga da Justiça. Para o azar, ou sorte, o processo que a

Marvel já tira de letra, a DC Comics, responsável por todos os personagens da

Liga e muitos outros, ainda estão tentando acertar qual o melhor caminho para

dar o direcionamento adequado para suas franquias. Uma das apostas que

mais deram certo foi a nova trilogia do Cavaleiro das Trevas, Batman, pelas

mãos do diretor e roteirista Christopher Nolan. Depois de inúmeros fracassos,

na tentativa de recomeçar a franquia, a Warner conseguiu finalmente dar o tom

para o personagem e inseri-lo em um universo muito mais próximo do real, o

que pode ter facilitado a aceitação do mesmo perante os espectadores e fãs

que a muito não viam algo realmente denso como deveriam ser as histórias do

Homem Morcego.

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Foi então que o estúdio se aproveitou deste resultado tão assertivo para

começar a pensar em seu próximo personagem, talvez o segundo mais

carismático e querido entre os fãs de quadrinhos: Superman.

Eles aproveitaram todo o universo já estruturado por Nolan na franquia do

Cavaleiro das Trevas para embasar o Homem de Aço, que também já vinha

sofrendo com a rejeição dos fãs com suas tentativas de atualizar o

personagem, sem perder suas raízes.

Então, para a surpresa de muitos, o resultado foi quase tão positivo quanto o

que Batman Begins, primeiro filme da trilogia do Cavaleiro das Trevas, atingiu.

Mas por ue entramos nessa discussão? Justamente para “justificar” a

importância desse cuidado com os mínimos detalhes na construção fílmica e

de que maneira podemos usá-las na criação de um produto transmidiático e

convergente, como a proposta de unir os universos de Tron e Matrix.

Tomando como exemplo o filme mais recente do Homem de Aço, alguns

elementos que quase passam despercebidos aos olhos desatentos, como o

logo da Wayne Enterprises em um satélite presente em uma das cenas de luta

mais grandiosas do longa, é na verdade um enorme easter egg e ao mesmo

tempo, um spoiler sobre o futuro da franquia. Prova disso, foi o anúncio recente

do lançamento do próximo filme do Homem de Aço que contará com a

participação mais do que especial de ninguém menos que Batman, o cavaleiro

das Trevas.

(Figura 46 – print do filme Men of Steel – Homem de Aço, 2013)

Na imagem acima (print do próprio filme) quase que imperceptível, está o logo

da Wayne Enterprises, empresa de Bruce Wayne, mais conhecido como

Batman.

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(Figura 48 – foto retirada do site promocional da Warner, 2013)

Esta foi a imagem que a Warner utilizou na última Comic-Con para divulgar o

lançamento do filme que fará o primeiro crossover entre os personagens da DC

Comics.

Esses recursos são essenciais para a criação de um projeto inovador e

transmidiaticamente funcional, porque ele instiga a imaginação dos fãs e

incentiva ainda mais o desenvolvimento da cultura participativa, por parte

deles.

Além do anúncio mais do que empolgante desse crossover de Batman e

Superman, a Warner aproveitou para lançar mais uma notícia bombástica para

os fãs da trilogia do Cavaleiro das Trevas de Nolan: Chistian Bale, o Batman

nos três longas, seria substituído por ninguém menos que Bem Aflek.

Isso gerou muitas revoltas, indignações, exaltações por todos os lados - Posso

dizer que como fã, também me revoltei com essa decisão, porém, da última vez

que me revoltei com a escolha de um ator, foi quando escolheram o falecido

Heath Ledger como o Coringa de O Cavaleiro das Trevas...

Mas ao mesmo tempo, essa notícia, gerou uma série de artes, teorias,

suposições que estão auxiliando os estúdios no direcionamento correto da

franquia, ou seja, eles estão se aproveitando do repertorio e do feedback dos

fãs, do público alvo, para moldar a narrativa e todos os seus elementos de

convergência.

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Voltando aos objetos de nosso estudo, se pensarmos em todo feedback que os

espectadores forneceram de Tron e Matrix, não podemos definir padrões e

nem especular soluções muito definidas, principalmente por ambos estarem

divididos entre os que amam, os que não se importam e os que odeiam, assim

como deve ser com a grande maioria das produções cinematográficas.

Talvez o ideal seria aproveitar os elementos positivos levantados por esse

público e tentar cruzar os dados para que juntos, um posso suprir a defasagem

do outro, ou seja, tentar estruturar características positivas de um filme que o

outro não tem e vice e versa, para que o produto transmidiático posso ser

consolidado de maneira homogênea e funcional.

Se pensarmos nos elementos já levantados por Jenkis, sobre as estratégias

que fizeram Matrix ser referência, podemos ressaltar com certeza o processo

transmidiático complexo e bem estruturado que os Irmãos Wachowski

construíram para disseminar sua franquia em diversas plataformas. Já em

Tron, como definido anteriormente pro Ribeiro, o recurso que de destaca é a

preocupação com os efeitos visuais e os elementos cenográficos que façam

com que o espectador/usuário, tenha uma real sensação de imersão naquele

projeto. Não que Matrix também não tenha essa preocupação, talvez até mais

do que Tron, mas se pensarmos em questões fílmicas, o referencial que se tem

dessas franquias estão embasados nesses dois pontos, respectivamente.

Sendo então uma proposta de um projeto a longo prazo, até mesmo se fosse a

curto prazo, as grandes produções mostraram que, o que garante a sua

grandiosidade por gerações é, quase sempre, o fato de estar à frente de seu

tempo, não só se tratando de uma produção futurista, mas com elementos e

perfis psicológicos, sociais, culturais que quebram barreiras temporais com

recursos que, inicialmente, podem até gerar um estranhamento no público

espectador, mas, como o próprio Jenkis defende, a convergência está sempre

em constante mudança e o seu público muda, cresce, evolui, junto com cada

elemento que ao longo dos anos vai agregando ainda mais valor fílmico a esse

tipo de produção:

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“A convergência das mídias é mais do que apenas uma

mudança tecnológica. A convergência altera a relação

entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros

e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a

indústria midiática opera e pela qual os consumidores

processam a notícia e o entretenimento.” (Jenkins, 2006,

p.43)

A afirmativa de Jenkins basicamente define que, a partir do momento que a

convergência acontece, existe todo um universo estrutural que permeia essa

estrutura e que deve ser levado em consideração, sempre lembrando de todas

as plataformas e recursos técnicos que o acompanham e os espectadores que,

a partir do direcionamento que será dado, ele pode interpretar, remontar,

divulgar de diversas maneiras, desde que o processo de convergência permita

essa liberdade criativa e inovadora.

Nos casos de Tron e Matrix, cada mudança na crescente evolução de ambos

os enredos, fazia com que o espectador tivesse a oportunidade de realizar uma

imersão ainda mais profunda em ambos os universos.

Em Tron, a necessidade de fazer a ponte que ligava o primeiro com o segundo

filme, fez com que o enredo de Tron Legacy fosse mais denso, no sentido

narrativo, incluindo toda uma sequência muito importante para a construção e

mudanças de diversos personagens, principalmente os que já faziam parte de

franquia, como Kevin e Bradley, que já haviam enraizado suas características

no primeiro longa, mas, ao mesmo tempo, não o suficiente para que não

houvesse mudança de personalidade, atitude, pensamentos, etc.

Ao mesmo tempo em que, para a criação e inserção da personagem de Sam

na narrativa, foi necessário beber da mesma fonte, justamente para que o

espectador pudesse compreender cada ação, cada decisão tomada pela

personagem que, tecnicamente, seriam justificáveis por seu repertorio

psicológico apresentado do início ao fim do filme.

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Já em Matrix, cada sequência fazia com que o espectador imergisse ainda

mais no universo e na “realidade” humana da uela narrativa. sso proporcionou

um olhar mais clinico e detalhado sobre todas as crenças de Morpheus, por

exemplo, sobre as atitudes de Trinity e as proezas de Neo, criando sempre a

expectativa, desde o início da franquia, se Neo era realmente o escolhido que

traria a salvação de Zion e o fim da guerra com as maquinas.

Interessante notar como mesmo ao termino da franquia, não fica muito

evidente a resposta para essa questão. A partir do momento que o Oraculo diz,

no primeiro filme, que Neo não é o escolhido, ele começa a ter uma nova

perspectiva sobre esse título e começa a encarar toda sua jornada como uma

sequência de escolhas próprias e decisões que não dependiam de seu destino

pré-definido, mas sim do que ele realmente acreditava ser possível.

Em Matrix Reloaded, na cena em que Neo salva Trinity de cair do prédio e em

seguida retira a bala que estava alojada próxima a seu coração, em plena

Matrix, mostrou que, mesmo com todos seus sonhos/visões e com as

previsões que o Arquiteto repassara, ele escolheu salvar Trinity e estava

determinado a alcançar tal feito e isso já foi motivação o suficiente para quebrar

toda a sequência narrativa, já desenhada para ele pela programação da Matrix,

mostrando que cada um pode determinar seu próprio destino.

Tudo isso, faz com que os espectadores, assim como as multidões de Zion,

mudem a sua interpretação sobre os fatos e sobre as personagens, fazendo

com que, enquanto a convergência entre as múltiplas plataformas midiáticas se

estruturam, eles possam acompanhar e agregar um peso necessário para que

a produção se solidifique cada vez mais e permita possibilidades posteriores.

A prova desse resultado foi o feedback dos fãs de Matrix depois do termino da

franquia que especularam diversas alternativas, explicações, teorias, etc. Sobre

o real significado daquela cena final em que termina com o Oraculo,

supostamente reprogramada pelo ex-agente Smith, conversando com o

Ar uiteto en uanto um “sol”, ue não havia aparecido em nenhum dos filmes

da franquia, se põe e os créditos sobem.

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Algumas pessoas defendiam que aquele era apenas o começo de uma nova

sequência, outros ainda acreditavam que aquele sol representava o retorno de

Neo e da esperança de Zion e da humanidade remanescente. Mas, como parte

do jogo transmidiático e da convergência estruturados pelos Irmãos

Wachowski, até hoje o público continua criando suas próprias teorias e

explicações para o final da trilogia Matrix, o que prova que, com todos os

recursos para a criação desse projeto, conseguiram criar e perpetuar o

universo da convergência para diversas gerações, fazendo com que a cada

nova linhagem, novas interpretações possam enriquecer ainda mais essa

franquia.

Podemos então explorar esse entre outros pontos fortes apresentados

anteriormente para criar o universo transmidiático e convergente entre Tron e

Matrix e, emulando suas origens, tentar dar continuidade a esse legado

deixado por ambas as fran uias, afina, nas palavras de Henr Jenkins, “a

convergência refere-se a um processo, não a um ponto final.” (2006, p.43).

Pensando nessa afirmação de Jenkis, o processo de criação e transmidiação

entra Matrix e Tron pode tomar como base, além dos personagens, cenários, e

elementos visuais, já analisados anteriormente, mas também a sequência

narrativa.

Uma coisa que ambas as franquias fazem muito bem é contar suas respectivas

histórias. O que quero pontuar aqui é a maneira com que a história em contada

em ambo os filmes, partem da premissa básica da linearidade. Mesmo com

todos os elementos complexos, em nenhum deles existe um recorte da história

que se encaixa somente no final, como o filme Amnesia (Memento, 2000,

Christopher Nolan), por exemplo.

Neste filme em questão, a história é contada de maneira totalmente

fragmentada e aparentemente sem nexo algum. Apenas com o desenrolar da

trama e com a montagem das cenas é que o espectador começa a juntar as

peças e ele é quem cria a linearidade do filme, não existe uma recapitulação

que faz com que a história seja vista de maneira linear, isso porque a

característica mais marcante desse longa é exatamente sua estrutura como a

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de um quebra cabeça mais do que embaralhada e apresentada de maneira que

o espectador a monte.

Interessante notar como esse tipo de estrutura fílmica ainda não é algo comum

nas grandes produções multimidiáticas, tanto que no DVD do filme Amnesia, o

espectador que não teve facilidade de encaixar as peças do quebra cabeça

apresentado no filme, podia assisti-lo de maneira linear, começo, meio e fim,

para que, dessa maneira, os produtores, diretores, roteiristas, etc.

Conseguissem atingir o objetivo de contar a sua história.

Claro que a intenção nunca foi entregar ao público a trama de maneira tão

simplória, porque isso faria com que a proposta inicialmente apresentada

perdesse seu propósito, mas isso não deixou de garantir a função primaria de

uma narrativa cinematográfica: contar uma história.

Mas voltando aos objetos de nosso estudo, Tron e Matrix, será que,

aproveitando a linearidade quase que intocável de ambas as franquias, se

caminhássemos no sentido contrário, da não linearidade, teríamos o mesmo

efeito ou um mais efetivo nesse processo de criação?

Pensando na relação anteriormente proposta, se as histórias de Tron e Matrix

acontecessem de maneira paralela, daria para estruturar uma narrativa que

contasse, ao mesmo tempo, o que não foi contado em ambos os filmes.

Todos os pequenos detalhes que abriram precedentes para criação de

múltiplas plataformas de transmidiação (games, HQs, Animes, etc.) podem ser

a “deixa” necessária para a convergência entre esses universos.

Na trama do primeiro Tron, Kevin Flynn criou um sistema que o representava

digitalmente no sistema da empresa e com isso ele conseguia controlar as

operações internamente, sem interferir “fisicamente”. At o momento em ue

teleportado para dentro desse sistema digital. No momento em que isso

acontece, o portal fica aberto, permitindo não só a entrada mas também a

saída de qualquer forma de vida, mesmo que seja apenas digitalmente

programada, para o mundo humano.

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Agora, podemos estabelecer uma relação direta com o teletransporte criado no

universo Matrix, no qual a diferença é que só o que é transferido é a mente da

pessoa, e não mais o corpo junto. Isso porque os humanos começaram a

perceber que eles se viam em desvantagem dentro do sistema digitalmente

controlado pelas maquinas e mais facilmente eliminados quando a válvula de

escape para o mundo real era mais complexa na necessidade de transferir

corpo e mente. Vide a dificuldade e toda a jornada de Sam, filho de Kevin, para

tentar retornar para o mundo real, levando consigo Quorra.

Essa relação abre ainda mais o leque narrativo da convergência entre as

franquias, que, como mencionado anteriormente, consegue atingir sua

proposta de expandir o processo para suas vertentes fílmicas, ou seja, além

das “brechas” nos enredos, ue já vimos que conseguem por si só forças para

dar continuidade ao processo, a partir do momento que começam as relações,

nascem novos braços para a narrativa, como esse do ponto da história de

ambas a franquias em que o teletransporte foi criado e aperfeiçoado ao longo

dos anos, visando o resguardo da espécie humana.

Podemos até mesmo justificar essas ações com fundamentações teóricas

importantes e muito relevantes que permitem uma visão mais detalhada de

todo o processo:

“A convergência não envolve apenas materiais e serviços

produzidos comercialmente, circulando por circuitos

regulados e previsíveis. Não envolve apenas as reuniões

entre empresas de telefonia celular e produtoras de cinema

para decidirem quando e onde vamos assistir a estreia de

um filme. A convergência também ocorre quando as

pessoas assumem o controle das mídias.” (Jenkins, 2006,

p.45)

Se partirmos desse ponto para justificar a criação de uma rede segura e

adequada dos humanos transitarem entre o mundo real e o digital, fica

facilmente compreensível esse processo, no qual eles detinham o controle,

quase que total dos meios, das mídias que transitavam, dentro e fora da Matrix.

Digo ue tinham “ uase” o controle total, por ue ainda ue estivessem em

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certa vantagem com relação as maquinas nesse transportes, eles não

conseguiram evitar que a mente de uma dessas maquinas, de um desses

programas (Smith), tomasse conta de um corpo humano, pelo mesmo canal

que eles se conectavam com o sistema.

Mas ainda assim, seria um meio de controlar as multiplataformas e sistemas, a

distância, mantendo o corpo em segurança, tecnicamente falando, porque,

embora somente a mente fosse transferida, como Morpheus explica no

primeiro Matrix, o poder da mente é o mais forte de todos, então se sua mente

“morre”, mesmo que em outro universo, o seu corpo também.

Claro que, se pensarmos na trajetória do protagonista, Neo, existem

contradições que quebram esses paradigmas, mas que vão além da base

estabelecida para o resto da sociedade estabelecida nesse mundo e envolvem

questões messiânicas, já tratadas anteriormente, e proféticas, por trás da

construção e das ações da personagem.

Podemos dizer que o mesmo acontece com Kevin Flynn. Em diversos

momentos ao longo de Tron Legacy, Fl nn referenciado com “O criador”, “O

salvador”, fazendo menção direta a Deus, como o criador de todo aquele

universo. E ainda mais interessante é a comprovação desse rotulo adaptado

para a realidade fílmica do longa, quando Flynn se sacrifica para salvar a vida

do filho e de todo o Grid, absorvendo CLU e trazendo novamente o equilíbrio

aquele universo.

Esses elementos se correlacionam, não somente pelas questões religiosas ou

místicas, mas também fazem com que o espectador faça uma imersão nos

objetos de estudo e análise detalhada os quais personagens, cenários,

vestimentas, ações, etc. Foram inspirados.

Em Matrix, por exemplo, na cena em que Neo chega ao templo e uma multidão

o aguarda para ue ele possa fazer seus “milagres” todos estão com vestes

simples que lembram as únicas utilizadas e descritas nos tempos bíblicos. Até

mesmo o fato de ter se tornado um símbolo de esperança e de salvação, Neo

também se assemelha a mistificação criada em cima da trajetória de Jesus

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Cristo na terra, a qual levava para o mesmo destino inevitável: O sacrifício em

prol da humanidade.

Claro que tudo isso envolve questões que levam crenças e superstições ao

nível prioritário, porque, se pensarmos em grupos que não tem a religião como

base de suas crenças, nenhum desses itens acabam tendo tanta importância

na construção da convergência e acabam se tornando meros recursos para

atrair públicos variados, levando em consideração o todo do projeto.

Mas para o processo de transmidiado e convergência entre Tron e Matrix,

acaba sendo um ponto de atenção pelas referencias e menções similares, ao

longo de ambas as franquias, até mesmo em momentos em que um completa o

outro, se pensarmos em Flynn como O criador e Neo o salvador, podemos,

inclusive estabelecer uma relação hereditária entre ambos os personagens,

mesmo com Sam no mesmo percurso, ele em nenhum momento é retratado

com “a uele ue traria o equilíbrio a força”, pelo contrário, de acordo com o

próprio Kevin, ele fez com que o controle que já tinha sido estabelecido no

sistema, fosse desmaterializado e transformado em caos para ambos os

universos, tanto real quanto o digital.

Como já mencionado, o processo de convergência transmidiático dessas duas

franquias é muito extenso, complexo e exige muito mais do que apenas

propostas, teorias e experimentações. É um processo a ser estudado e

embasado com diversas referencias e pesquisas que agregam fundamento a

realização do mesmo, sem esquecer o público/espectador que, através de sua

cultura colaborativa, são uma peça muito importante na construção e na

finalização de uma proposta inovadora e ousada como essa.

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GAME OVER

Existem diversos conceitos que foram elencados e analisados do ponto de

vista da convergência entre as duas franquias, Tron e Matrix. Claro que a

grande maioria são apenas hipóteses e/ou propostas de um projeto mais

complexo e elaborado, mas que servem para mostrar o potencial que estes

filmes possuem quando propomos uma convergência transmidiática entre

narrativas, não por questões meramente lucrativas e mercadológicas, mas

também como objeto de estudo e posteriormente aperfeiçoamento dessa

técnica da transmidiação que, embora não pareça, ainda está em constante

evolução e crescimento, entre as diversas plataformas.

Vimos que Matrix foi o grande precursor das “produções transmidiaticas bem

sucedidas” e ue deixou um legado tão bem estruturado, ue muitos outros

filmes tentaram utilizar a mesma receita. Alguns atingiram parcialmente o

mesmo objetivo, como Bruxa de Blair, citado por Jenkins, outros quiseram

mudar alguns ingredientes e obtiveram um resultado “alternativo”, não

negativo, pois o objetivo principal, o da convergência das mídias, o de

comunicar, de difundir a mensagem por trás de toda a narrativa transmidiática,

foi atingido. Que é o caso de Tron Legacy.

Sobre a franquia Tron, fica evidente a tentativa incessante de atingir o ápice da

produção transmidiática, utilizando o máximo de recursos disponíveis na

época, incluse alguns que estavam engatinhando ainda, como HTML5, mas

todos com o objetivo de fazer uma imersão maior do espectador em toda a

trama que envolvia Tron Legacy. Mas mesmo não atingindo a consistência

necessária para se tornar um referencial como a trilogia Matrix, o filme tem

seus méritos muito bem marcados, principalmente pela inovação nos efeitos

visuais e construção de um universo a partir de um já existente, porém

contextualizado na realidade que a franquia estava inserida.

Mas se pensarmos na trajetória da pesquisa, podemos elencar algumas

considerações:

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As questões que levam a hipótese de que as grandes produções

transmidiaticas se sustentam a partir de recursos financeiros, ou seja, são

financiadas por grandes empresas para que essa convergência entre mídias

consiga atingir seu objetivo principal: rentabilidade. Não tenho certeza se essa

seria a motivação mais relevante para este tipo de proposta, mas ao mesmo

tempo, não tem como negar sua importância para que uma proposta

transmidiática e complexa ganhe vida e suporte para as diversas mídias.

No caso de Matrix, por exemplo, sem o incentivo financeiro adequado, talvez

as ideias inovadoras e ousadas dos Irmãos Wachowski não teriam o mesmo

efeito sobre os espectadores como teve utilizando diversos recursos

multimidiáticos. Fazendo todo o percurso transmidiático relacionando as

múltiplas plataformas (game, quadrinhos, animações e os próprios filmes) é

possível destacar e justificar o sucesso da franquia Matrix, principalmente pelo

cuidado ao estabelecer relações tão interligadas e profundas entre esses

meios.

O exemplo que mais me marcou, analisado anteriormente, foi o trabalho com o

primeiro game relacionado ao universo dos filmes, intitulado Enter the Matrix, o

qual acompanhava o percurso minucioso de Niobe e Ghost paralelamente aos

eventos de Matrix Reloaded, porém todos interligados com a narrativa em uma

relação quase que de dependência uma da outra, em função da trajetória dos

personagens e a maneira que foi apresentada ao público/espectador.

Se pensarmos nos filmes e no game, isoladamente, conseguimos digerir toda a

informação transmitida ali, embora ambos apresentem certas brechas ao longo

de seus desenvolvimentos que, quando vistos da maneira com que foram

planejados, como um único produto transmidiático, notamos que realmente a

interpretação de uma plataforma está atrelada a outra.

Para esclarecer melhor: No trecho analisado, da perseguição da via expressa

em Matrix Reloaded, a intervenção de Niobe é muito importante para a

sequência da ação, porém ela foi tão bem colocada que o espectador mais

“desatento”, por assim dizer, não se uestiona de onde ela veio, como chegou

ali, como sabia o momento exato que deveria chegar para evitar a queda de

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Morpheus, como conseguia estar sempre no lugar certo e na hora certa...

Mesmo essa sequência permitindo esses tipos de questionamentos.

Quando esse mesmo espectador/usuário, vivencia a experiência imersiva do

game, ele se depara com uma versão da narrativa contada de outro ponto de

vista, com elementos que convergem no mesmo ponto, mas com trajetórias

diferentes. Neste caso, todo o percurso que Niobe e Ghost fizeram até

resgatarem Morpheus, é o foco da trama, mostrando que, mesmo não

escancarada no longa, ela aconteceu e teve sua parcela de importância para a

construção daquela narrativa como um todo.

Essa estratégia é muito interessante do ponto de vista da elaboração de um

produto transmidi tico sólido em ue as diversas plataformas “conversam” de

maneira homogênea e quase como se fossem um único meio de traçar essa

narrativa.

Foi a partir dela também que foi possível traças uma proposta autoral e

totalmente inovadora, cinematograficamente falando, em função das relações

que, mesmo muito similares e convergentes, não ficam tão evidentes como as

que acontecem dentro das produções individualmente, no caso, em Tron e em

Matrix.

Como já mencionado, mesmo com tanto embasamento e referências, fica

muito difícil afirmar com certeza que, ao elaborar uma proposta inovadora e

arriscada, ela já ganharia espaço e aceitação suficiente para que já se

qualificasse como uma produção bem sucedida. Isso porque existem diversas

variáveis a serem consideradas nesse processo, que vão desde a divulgação,

proposta inicial, aprovação de sócios, estúdios, produtores até a recepção

deste pelo público/espectador/usuário, de maneira positiva.

Ouso até arriscar dizer que essa tenha sido a falha em Tron Legacy.

A Walt Disney viu na premissa do primeiro Tron uma oportunidade de retomar

e expandir o universo da franquia com uma continuação e a disseminação

deste entre diversas plataformas, assim como Matrix.

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Até este ponto a Disney seguiu a receita fielmente e teria alcançado um

sucesso tão bom quanto o de Matrix, transmidiaticamente falando, se não

tivesse esquecido de alguns detalhes cruciais ao longo desse processo. O

primeiro deles foi que, antes de pensar em toda uma proposta mais ousada, os

Irmãos Wachowski estabeleceram uma base sólida com o primeiro Matrix e

quase que inegavelmente inspiradora e somente a partir daí que começaram

os trabalhos de pensar em como contar essa mesma história e suas

sequências, transmidiaticamente. Ou seja, quase não haviam imperfeições no

enredo, personagens, conceitos, etc. Que anulavam a proposta mais ousada

dos Wachowski.

Já na franquia Tron, brechas como a falta de compreensão por completo do

enredo pelos espectadores, conceitos que iam além do repertório do público

alvo, personagens que necessitavam de mais profundidade para que tivesse a

relevância necessária para a série, fizeram com que os produtores não

conseguissem atingir o ápice da proposta transmidiática, porque esses

“buracos” no projeto, continuaram sem tampa e ainda mais, foram ficando mais

fundos a maneira que a narrativa ficava mais densa.

Buracos como o que não se preocupa em explicar como Kevin Flynn conseguiu

acesso a um transporte quântico e como ele conseguiu ser teleportado

fisicamente, com suas roupas, acessórios e outros itens, se intensificaram na

sequência em que Sam também é teleportado, da mesma maneira (inclusive

pela mesma máquina) e, ao chegar ao Grid, ganha uma espécie de armadura,

ou roupa de combate, substituindo sua roupa original. Mas o mais interessante

é o fato de que Sam retorna do Grid para o mundo real exatamente com a

mesma roupa que entrou e, seguindo a referência do próprio Kevin Flynn, o

portal é uma via de duas mãos, ou seja, da mesma maneira que Sam pôde

entrar, alguém poderia sair. Então, Sam não deveria ter saído com seu

“uniforme” imposto no Grid?

Esse apenas um dos detalhes ue ficaram “mal explicados”, por assim dizer,

que, à primeira vista parece algo inofensivo e que não oferece risco ao

desenvolvimento de uma proposta tão ousada quanto criar um universo único e

homogêneo através dos conceitos da transmídia. Mas no conjunto da obra, são

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pontos que não permitem que todos os espectadores façam essa imersão por

completo em todas as multiplataformas.

Como experimentação, é muito interessante pensar na proposta que Tron

Legacy e seu processo transmidiático conseguiram estabelecer, porque, por

mais falhas que tenha, ainda assim conseguiu estabelecer uma expansão

sólida para sua narrativa, fazendo com que cada meio permeasse o mesmo

universo, tanto paralelamente a trama apresentada no filme, como uma

antecessora, até mesmo como uma ponte, entre o primeiro e o segundo Tron.

Enfim, depois das pesquisas levantadas anteriormente, fica quase evidente a

tendência que as produções transmidiáticas exercem sobre as grandes

produções multimidiáticas, principalmente aquelas que envolvem as produções

cinematográficas, mas ainda assim é notável que exista um longo e complexo

caminho a ser percorrido até podermos afirmar com certeza que as produções

transmidiáticas conseguiram atingir o ápice da assertividade e que não existem

mais barreiras ou formas de não fazer esse tipo de produção dar certo, tanto

como produto multimidiático ou mercadológico, dentro das definições que

estiver inserido é claro.

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LISTA DE IMAGENS

Figuras 1, 2 e 3 estraídas do DVD Tron – Pg. 12

Figuras 4 e 5 extraídas do teaser deTron Legacy – 2008 – Pg.16

Figuras 6, 7 e 8 extraídas do teaser de Tron Legacy – 2008 – Pg.16

Figura 9 extraída do Teaser de Tron Legacy 2008 – Pg.17

Figuras 10 e 11 - fotos de Filipe Perez - tiradas no Magic Kingdom e Epcot –

2010 – Os Monorails envelopados com as Light Cycles – Pg.17

Figura 12 – acima – extraída do DVD Tron: uma odisseia eletrônica – 2010 –

Pg. 19

Figura 13 – abaixo – Extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Pg.19

Figura 14 extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Pg. 21

Figura 15 extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Pg. 22

Figura 16 extraída do Livro The Art of Tron Legacy – 2010 – Pg.24

Figuras 17 e 18 extraídas do Livro The Art of Tron Legacy – 2010 – Pg. 25

Figuras 19 e 20 extraídas do DVD Tron Legacy – 2011 – Pg. 27

Figura 21 extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Pg. 28

Figuras 22, 23 e 24 tiradas do Livro The Art of Tron Legacy – 2010 – Pg.31

Figuras 25 e 26 extraídas do DVD Matrix Reloaded – 2004. Figura 27, extraída

do game Enter the Matrix – 2003 – Pg. 37

Figuras 28 e 29 – prints do Game Rooftop Racer – Pg.41

Figura 30 – quadros do Graphic Novel – Green Hornet – 2010 – Pg.44

Figura 31 – Quadros do Graphic Novel online The Cobol Job – 2010 – Pg. 44

Figuras 32, 33 e 34 – Exemplos do figurino das personagens Trinity, Neo e

Morpheus, nessa ordem – retiradas do DVD Matrix. – Pg.50

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Figura 35 – Print de minha própria i-tag com a interação entre um Banshee,

criatura de Pandora e uma nave militar humana. – Pg.52

Figura 36 e 37 – Prints do trailer fake Tron Destiny disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=L_6U6YWKnMc em 15/10/2013 – Pg.55

Figuras 38 e 39 - extraídas do DVD Tron Legacy – 2011 – Pg. 64

Figura 40 – extraída do DVD – Matrix, 2000 – Pg. 71

Figura 41 - Cena extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Disney – Pg. 72

Figuras 42 e 43 - Print do flyer online de divulgação do evento – Pg.79

Figuras 44 e 45 - O primeiro Nick Fury dos quadrinhos e o atual baseado no

personagem de Samuel L. Jackson. Retiradas da internet – Pg. 85

Figura 46 – print do filme Men of Steel – Homem de Aço, 2013 – Pg. 87

Figura 48 – foto retirada do site promocional da Warner, 2013 – Pg. 88