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1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Welder Queiroz dos Santos Ação rescisória por violação a precedente Doutorado em Direito São Paulo 2018

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1

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Welder Queiroz dos Santos

Ação rescisória por violação a precedente

Doutorado em Direito

São Paulo 2018

2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Welder Queiroz dos Santos

Ação rescisória por violação a precedente

Doutorado em Direito Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Doutor e Livre-Docente Cassio Scarpinella Bueno.

São Paulo 2018

3

Banca Examinadora

_____________________________

_____________________________

_____________________________

_____________________________

_____________________________

4

Ao meu filho Otávio Alves de Queiroz dos Santos.

5

Pesquisa realizada com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

6

AGRADECIMENTOS

Agradecer é uma forma de demonstrar gratidão a todos aqueles que,

durante o período em que cursei o doutorado e escrevi essa tese, colaboraram,

participaram, incentivaram e e contribuíram, em diversos aspectos, com os

estudos, a superação dos desafios e a realização desta etapa. Correndo,

assumidamente, o risco de esquecer de alguns, o mínimo que posso fazer neste

momento é registrar minha sincera gratidão.

Ao Professor Cassio Scarpinella Bueno, estudioso, crítico e inspirador,

por me acolher como seu orientando em meu retorno à Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo para o prosseguimento de meus estudos, agora no

doutorado, pela orientação profunda e pelo constante diálogo durante o período

de elaboração da tese.

Ao Professor Sérgio Seiji Shimura, por me acolher há 10 (dez) anos atrás

como aluno especial em suas aulas no mestrado e me oportunizar chegar até

este momento especial. Tenho eterna gratidão pelo acolhimento e pelo estímulo

ao pensamento crítico, sempre com muita sabedoria, humildade e simplicidade.

À Professora Teresa Arruda Alvim, querida pela forma leve como aborda

e ensina questões jurídicas complexas e pelo modo cativante como trata e

respeita àqueles que tiveram e têm o privilégio de terem sido e de serem seus

alunos.

Ao Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, pelas profícuas aulas de

filosofia do direito e pelas interessantes reflexões sobre direito, sistema e

ordenamento jurídico.

Ao Professor Paulo Henrique dos Santos Lucon, pela disponibilidade de

tempo e pela disposição em compor a banca examinadora desse trabalho.

Ao Professor Pedro Miranda de Oliveira, precursor da escola catarinense

de processo civil, com quem muito aprendi ao longo dos anos.

Ao Professor Massimo Luciani, por me receber na Universidade de Roma

“La Sapienza” no período de novembro de 2015 a fevereiro de 2016 e pelas

reflexões propostas.

7

Aos Professores William Santos Ferreira e Olavo de Oliveira Neto, pelas

importantes sugestões apresentadas na banca de qualificação, que muito

contribuíram com o aperfeiçoamento deste trabalho.

Ao Professor Alexandre Reis Siqueira Freire, pela constante

disponibilidade em dialogar sobre questões complexas de direito e de vida

cotidiana nesses tempos estranhos em que vivemos.

Aos queridos Rui de Oliveira Domingos e Rafael de Araújo, pelos

inúmeros auxílios na Secretaria da Pós-Graduação em Direito da PUC/SP. Sou

muito grato por tudo que, com muita bondade e presteza, fizeram por mim.

Aos amigos Bruno Garcia Redondo, Erik Navarro Wolkart, Fabio Victor da

Fonte Monnerat, Geraldo Fonseca de Barros Neto, Guilherme Peres de Oliveira,

Gustavo Gonçalves Gomes, Henrique de Almeida Ávila, Luciana Monduzzi

Figueiredo, Marcus Vinicius de Abreu Sampaio, Paulo Magalhães Nasser e Rafael

Vinheiro Monteiro Barbosa, pelas discussões e descontrações que tornaram o

curso do doutorado mais leve.

Em especial ao amigo Paulo Magalhães Nasser, pelo constante diálogo

durante o período de elaboração das teses (eu, a minha; ele, a dele). A troca de

idéias e as sugestões apresentadas foram significativas para o aperfeiçoamento

do presente trabalho.

À Deus por iluminar e abençoar a minha vida, me proteger e me livrar das

injustiças. Cada dificuldade enfrentada serviu para fortalecer a fé, a confiança e a

capacidade de superar os obstáculos futuros.

Aos meus pais Valmir Alaércio dos Santos e Isis Maria Pires de Queiroz

dos Santos, mais uma vez, pela vida dedicada incondicionalmente à minha

formação e à preservação de minha dignidade e de meu caráter.

Ao meu irmão Weverton Queiroz dos Santos, por existir e, com seu jeito

sincero, direto e afetuoso, tornar minha vida mais feliz.

Ao meu filho Otávio Alves Queiroz dos Santos, por ser fonte de alegria,

pureza, carinho e amor em minha vida.

À Amanda Mara Callejas de Souza, companheira de todas as horas, pelo

amor, carinho, sabedoria, compreensão e felicidade que a vida nos proporciona.

Aos meus tios Valdinei Anísio dos Santos e Rosane Marques Araújo, pelo

acolhimento periódico em sua casa, sempre com muita alegria e afeto.

8

Aos amigos cuiabanos Giorgio Aguiar da Silva e Rafael Ribeiro da Guia,

pela amizade sincera, pela convivência cotidiana e pelo incondicional apoio

pessoal, emocional e profissional.

À Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT,

na pessoa de seu Diretor, Professor Saul Duarte Tibaldi, pela licença concedida

para qualificação stricto sensu.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES, pela bolsa concedida, que viabilizou o aprofundamento na pesquisa e a

melhor dedicação ao curso de doutorado.

Aos meus sócios, Gustavo Roberto Carminatti Coelho e Grhegory Paiva

Pires Moreira Maia, pelo incansável apoio e pela compreensão do longo período

de ausência. Que honra trabalhar ao lado de vocês.

Ao Bruno Henrique de Moraes Oliveira, dedicado aluno da Faculdade de

Direito da UFMT, pelo importante auxílio prestado na pesquisa jurisprudencial.

À Cláudia Guarnieri, pela atenta revisão do presente trabalho.

9

"Situações iguais devem ser igualmente decididas e nada mais chocante para a consciência que a disparidade na distribuição da justiça”.

Ministro Anníbal Freire BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação

Rescisória 121-DF, Relator Ministro Anníbal Freire, julgado em 19.12.1945

10

RESUMO

SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. Tese de Doutorado (Direito): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018, 297 f. Essa tese objetiva examinar o cabimento de ação rescisória em caso de violação a precedente. O Código de Processo Civil de 2015 prevê expressamente a rescindibilidade de decisões judiciais por violação manifesta à norma jurídica. Por outro lado, instituiu um rol de pronunciamentos judiciais vinculantes que, em que pese os inúmeros apelidos (ou nomenclaturas) constatados na doutrina e na jurisprudência, são denominados no presente trabalho de precedentes. Para essa análise, adota como premissa a função do direito de regular as relações sociais e os princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica sob as suas duas perspectivas: a subjetiva, decorrente da finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos; e a objetiva, com a finalidade de assegurar a estabilidade das relações jurídicas, protegendo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e, em especial para o presente trabalho, a coisa julgada. Na sequência, o estudo volta-se à analise do conceito, da finalidade, da natureza jurídica, do objeto e das hipóteses de cabimento da ação rescisória, para, posteriormente, dedicar-se à rescindibilidade das decisões transitadas em julgado em caso de violação manifesta à norma jurídica, com o exame das características do pensamento jurídico contemporâneo e do significado de norma jurídica. Em seguida, investiga o precedente judicial como norma jurídica, a função dos precedentes judiciais nos sistemas jurídicos do common law e do civil law, o dever atribuído aos Tribunais de uniformizar e de manter a estabilidade, a coerência e a integridade da jurisprudência e o dever de observar os precendentes estabelecidos pelo Código de Processo Civil. Firmadas tais premissas, a tese conclui pelo cabimento de ação rescisória por violação a precedente e propõe soluções para questões complexas referentes ao momento de formação do precedente, ao momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação rescisória. Palavras-chave: Ação rescisória. Norma jurídica. Violação à norma jurídica. Precedente. Violação a precedente. Cabimento. Súmula 343 do STF.

11

ABSTRACT

SANTOS, Welder Queiroz dos. Action to reverse res judicata based on precedents. Thesis (Doctor in Law): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brazil, 2018, 297 f. This doctoral thesis has as its aim the study of the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a brazilian precedent. The Brazilian Procedural Law Code (CPC) expressly provides the action for the reversal of res judicata based on a rule of law On the other hand, it created a list of binding precedents that are referred in this study as precedent, despite the numerous nicknames (or nomenclatures) verified in doctrine and jurisprudence. For this purpose, it analyses the function of the law to regulate as social relations and the principles of legal basis, equality and legal security. under its two perspectives: the subjective, decorrente da finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos; e a objetiva, with the purpose of ensuring the stability of legal relations, protecting the perfect legal act, acquired right and res judicata. This paper analyses the concept, purpose, legal nature, object and hypothesis of the action for the reversal of res judicata. After, examine the meaning of the rule of law. At this time, examine the precedente as rule of law, the function of the precedente in common law and in civil law systems, the duty of standardization assigned to the Courts and to maintain the stability, consistency and integrity of case law and the duty to observe the precedents established by the Code of Civil Procedure. Finally, the thesis concluded for the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a precedent and proposes solutions to complex questions regarding the moment of formation of the precedent, at the time of the final res judicata of the rescinded decision and action for the reversal of res judicata based on a precedent.

Keywords: “Ação rescisória”. Action to reverse res judicata. Decision on the merits. Rule of law. Violation of the rule of law. Precedent. Res Judicata. v. Grounds. “Súmula” 343 of the STF.

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RIASSUNTO

SANTOS, Welder Queiroz dos. “Ação rescisória” per violazione di precedente. Tesi di dottorato (Diritto): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasile, 2018, 297 f. Questa tesi si propone di esaminare la revocazione della decisione in caso di violazione di precedente in ordine giuridica brasiliana. Il Codice di Procedura Civile brasiliano del 2015 prevede espressamente la possibilità di revocazione delle decisioni giudiziarie per violazione manifesta della norma giuridica. D'altra parte, ha stabilito un elenco di pronunciamenti giuridici vincolanti che, nonostante i numerosi nomenclature trovati in dottrina e giurisprudenza, sono chimati in questo lavoro come precedenti. Per questa analisi, adotta come premessa la funzione del diritto di regolare le relazioni sociali i principi di legalità, uguaglianza e sicurezza giuridica sotto le sue due prospettive: quella soggettiva, derivata dallo scopo di garantire lo stato ideale di prevedibilità del comportamento Stato prima degli atti dei cittadini; e la obiettiva, con lo scopo di assicurare la stabilità dei rapporti giuridici, tutelare l'atto giuridico perfetto, il diritto acquisito e, soprattutto per il presente lavoro, giudicato. Lo studio passa quindi all'analisi del concetto, dallo scopo, dalla natura giuridica, dall'oggetto e dalle ipotesi di revocazione (“via ação rescisória”) e, successivamente, a dedicarsi alla rescindibilità delle decisioni in caso di violazione manifesta alla norma giuridica, con l'esame delle caratteristiche del pensiero giuridico contemporaneo e il significato della norma giuridica. In seguita, analizza il precedente come norma giuridica, la funzione dei precedenti giudiziari nei sistemi di common law e di civil law, il dovere dei tribunali di uniformare e di mantenere la stabilità, la coerenza e l'integrità della giurisprudenza e del dovere osservare i precedenti stabiliti dal Codice di Procedura Civile brasiliano. Una volta stabilite queste premesse, la tesi conclude per la possibilità di revocazione dele decisioni per violazione del precedente e propone soluzioni a questioni complesse riguardanti il momento di formazione del precedente, il momento del transito in giudicato della decisione e la decisione di revocazione. Parole chiavi: “Ação rescisória”. Revocazione. Norma giuridica. Violazione di

norma giuridica. Precedente brasiliano. Violazione a precedente brasiliano.

Cabimento. “Súmula” 343 del STF.

13

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17

1 – ESTADO DE DIREITO, LEGALIDADE, IGUALDADE E SEGURANÇA JURÍDICA .............................................................................................................. 20

1.1. Direito, justiça, sociedade e Estado Democrático de Direito ............... 20

1.2 Legalidade .................................................................................................. 24

1.3 Igualdade .................................................................................................... 27

1.4 Segurança jurídica ..................................................................................... 36

1.4.1 Segurança jurídica sob a perspectiva subjetiva: previsibilidade da

atuação estatal ............................................................................................... 38

1.4.2 Segurança jurídica sob a perspectiva objetiva: estabilidade das relações

jurídicas .......................................................................................................... 42

2 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA 49

2.1 Conceito e finalidade da ação rescisória ................................................ 49

2.2 Natureza jurídica da ação rescisória ........................................................ 51

2.3 Objeto da ação rescisória ......................................................................... 52

2.4 Hipóteses de cabimento ............................................................................ 56

2.5 Especificamente a violação manifesta à norma jurídica ........................ 58

2.5.1 Pensamento jurídico contemporâneo e norma jurídica ......................... 60

2.5.2 Características do pensamento jurídico contemporâneo ...................... 63

2.5.2.1 Força normativa da Constituição .................................................... 63

2.5.2.2. Eficácia normativa dos princípios (e das regras) ........................... 67

2.5.2.2.1 Distinção entre princípios e regras ........................................... 69

2.5.2.2.2 Eficácia direta e indireta dos princípios e suas funções .......... 71

2.5.2.2.3 Eficácia das regras diante dos princípios ................................. 72

2.5.2.3 Direitos fundamentais ..................................................................... 72

2.5.2.3.1 Dimensões dos direitos fundamentais ..................................... 74

2.5.2.3.2 Perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ... 75

2.5.2.3.3 Eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais .. 76

14

2.5.2.3.4 Eficácias vertical, horizontal e vertical com reflexo lateral dos

direitos fundamentais .............................................................................. 77

2.5.2.4 Método legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos

indeterminados ........................................................................................... 78

2.5.2.5 Profusão da legislação ................................................................... 82

2.5.3 Significado de “norma jurídica” ............................................................. 83

2.5.3.1 Hermenêutica jurídica e significado de norma jurídica ................... 83

2.5.3.2 Distinção entre texto normativo e norma jurídica ........................... 85

2.5.3.3 Método de concretização do sentido dos textos normativos em

detrimento da subsunção ........................................................................... 87

2.5.3.4 O postulado da proporcionalidade .................................................. 89

2.5.3.5 A importância da fundamentação das decisões judiciais ............... 91

2.5.3.6 Norma jurídica ................................................................................ 95

2.5.3.6.1 Direito material e direito processual ......................................... 95

2.5.3.6.2 Direito interno e direito estrangeiro aplicável ao caso ............. 97

2.5.3.6.3 Costume como norma jurídica ................................................. 97

2.5.4 Significado de “violar” ............................................................................ 98

2.5.4.1 Desnecessidade de prequestionamento ...................................... 100

2.5.5 Significado de “manifestamente” ......................................................... 101

2.5.6 Significado de “violar manifestamente a norma jurídica” .................... 104

3 – PRECEDENTE JUDICIAL COMO NORMA JURÍDICA ................................ 107

3.1 Sistemas jurídicos do civil law e do commom law ............................... 108

3.1.1 Sistema jurídico do civil law ................................................................ 108

3.1.2 Sistema jurídico do commom law ....................................................... 110

3.1.3 Convergência entre os sistemas de civil law e de common law no direito

brasileiro ....................................................................................................... 114

3.2 Precedentes .............................................................................................. 116

3.2.1 Uniformização, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência

..................................................................................................................... 121

3.2.1.1 Uniformização (e divergência) jurisprudencial .............................. 122

3.2.1.2 Estabilidade .................................................................................. 123

3.2.1.3 Coerência ..................................................................................... 124

3.2.1.4 Integridade .................................................................................... 125

15

3.2.1.5 Tese da resposta correta .............................................................. 127

3.2.2 Enunciados de súmula ........................................................................ 133

3.3 Precedentes no Código de Processo Civil de 2015 .............................. 145

3.3.1 Vinculatividade .................................................................................... 153

3.4 Espécies de precedentes no Código de Processo Civil de 2015 ........ 160

3.4.1 Decisão em controle concentrado de constitucionalidade .................. 161

3.4.2 Enunciado de súmula vinculante ........................................................ 165

3.4.3 Tese jurídica fixada em julgamento de recursos repetitivos ............... 167

3.4.4 Tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas

..................................................................................................................... 168

3.4.5 Tese jurídica fixada em incidente de assunção de competência ........ 173

3.4.6 Enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional e enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal em

matéria constitucional .................................................................................. 175

3.4.7 Decisão dos órgãos de cúpula dos tribunais ...................................... 181

4 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO A PRECEDENTE ........................... 183

4.1 O entendimento antigo sobre o não cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula .................................................................. 183

4.2 Ação rescisória por violação a precedente ........................................... 187

4.3 Ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional ............ 198

4.4 Prazo para a propositura de ação rescisória por violação a precedente ......................................................................................................................... 209

4.4.1 Especificamente o prazo para a ação rescisória contra decisão

interlocutória de mérito e capítulo não recorrido .......................................... 213

4.4.1.1 Especificamente quanto ao juízo de não admissibilidade do recurso

.................................................................................................................. 218

4.4.2 Especificamente o prazo para propositura de ação rescisória fundada

em “coisa julgada inconstitucional” (art. 525, § 15, e art. 535, § 8.º) ........... 219

4.3 Formação do precedente, trânsito em julgado da decisão e cabimento de ação rescisória .......................................................................................... 225

4.3.1 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda e formação posterior de precedente em sentido contrário à

decisão ......................................................................................................... 228

16

4.3.2 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda, existência de divergência na interpretação entre os tribunais e

formação posterior de precedente em sentido contrário à decisão ............. 231

4.3.2.1 Enunciado 343 da Súmula de jurisprudência predominante do

Supremo Tribunal Federal ........................................................................ 232

4.3.2.2 A (in)aplicação do enunciado 343 da Súmula à luz da Constituição

de 1988 na visão do Supremo Tribunal Federal ...................................... 233

4.3.2.3 A (necessidade de) superação do enunciado 343 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal ........................................................................ 238

4.3.2.4 Modulação de efeitos como técnica para afastar a aplicação

retroativa de precedente ........................................................................... 245

4.3.3 Existência de divergência na interpretação entre os Tribunais e não

formação posterior de precedente em sentido contrário .............................. 248

4.3.4 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda .................................................................................................. 250

4.3.5 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda e superação posterior ao trânsito em julgado com a formação de

novo precedente .......................................................................................... 251

CONCLUSÃO ..................................................................................................... 259

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 268

17

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13.105 e publicado no

dia 16 de março de 2015, aprimora a regulamentação da ação rescisória no

direito processual civil brasileiro em diversos pontos.

Entre as inovações referentes às hipóteses de rescindibilidade das

decisões judiciais transitadas em julgado, desde o anteprojeto até a versão final

aprovada, o Código substituiu o cabimento de ação rescisória em caso de

violação a literal dispositivo de lei por violação manifesta à norma jurídica.

O inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil de 1973, que previa a

rescindibilidade por violação à literal disposição de lei, há muito tempo era alvo de

críticas, pois o direito não se resumia (e se resume) ao que consta na literalidade

do texto de lei.1

Desse modo, a opção de alterar a rescindibilidade das decisões judiciais

em caso de violação à literal disposição de lei pela hipótese de violação manifesta

à norma jurídica é vista com bons olhos, pois adequa o texto normativo à sua

teleologia.

Por outro lado, o Código de Processo Civil de 2015 instituiu um rol de

pronunciamentos judiciais vinculantes que, em que pese os inúmeros apelidos (ou

nomenclaturas) constatados na doutrina e na jurisprudência, são denominados no

presente trabalho de precedentes. 1 Nesse sentido, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda e José Carlos Barbosa Moreira eram críticos ao dispositivo. Pontes de Miranda dizia que a palavra “lei” deveria ser entendida como “direito”. Em suas palavras: “[...] para o cabimento da ação rescisória, o que importa é que tenha havido infração da regra jurídica, ofensa ao direito em tese. Quais os degraus que subiu o juiz para a conclusão, qual o caminho tortuoso que tomou, mesmo se reproduz a regra jurídica, se lhe acentua os conceitos, se põe em relevo os seus dizerem, há rescindibilidade da sentença se não atendeu ao preciso sentido da regra jurídica, tal como ela se insere no sistema jurídico”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 297). No mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira afirmava: “Melhor teria sido substituí-la [a literal disposição de lei] por ‘direito em tese’, como sugeriu a Comissão revisora. O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio iuris quando afronte noma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. V, n. 78, p. 131-133).

18

Não se trata de um sistema de precedentes como ocorre nos sistemas

jurídicos do common law, mas sim de um sistema de formação e de aplicação de

precedentes estabelecidos previamente pelo legislador, quando produzidos de

determinada forma, com a finalidade de assegurar que casos iguais recebam

respostas jurídicas iguais, em respeito aos princípios da legalidade, da igualdade

e da segurança jurídica concretizada na previsibilidade das decisões judiciais.

Entre os inúmeros apelidos constatados na doutrina e na jurisprudência,

preferiu-se a nomenclatura pura e simples – precedentes – sem nenhuma

adjetivação, mas destacado em itálico, como forma indireta de chamar a atenção

para o fato de que não se trata fielmente daquilo que em outros países se chama

de precedentes.

Feitas essas observações, o objetivo desta tese é tratar da

rescindibilidade de decisão judicial transitada em julgado que viole precedente

judicial ao interpretar e aplicar o ordenamento jurídico de forma diversa à por ele

estabelecida. A partir das inferências a esse respeito, propor subsídios teóricos e

práticos para as complexas questões referentes ao momento de formação do

precedente, ao momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao

cabimento de ação rescisória.

Para tanto, são adotadas premissas metodológicas de estudo que

exigem, em primeiro lugar, a compreensão da função do direito em sociedade e

dos princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica sob as suas

duas perspectivas: a subjetiva, decorrente da finalidade de garantir o estado ideal

de previsibilidade de comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos; e a

objetiva, com a finalidade de assegurar a estabilidade das relações jurídicas,

protegendo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e, em especial para o

presente trabalho, a coisa julgada.

Em seguida, o estudo volta-se à analise do conceito, da finalidade, da

natureza jurídica, do objeto e das hipóteses de cabimento da ação rescisória,

para, posteriormente, dedicar-se à rescindibilidade das decisões transitadas em

julgado em caso de violação manifesta à norma jurídica, impondo, ademais,

sejam analisadas as características do pensamento jurídico contemporâneo e o

significado de norma jurídica, para saber em que medida a sua violação autoriza o

manejo de ação rescisória.

19

Para a comprovação da tese, surge a necessidade de se investigar se a

violação a precedente judicial configura violação à norma jurídica, o que exige a

compreensão da função dos precedentes judiciais nos sistemas jurídicos, em

especial, nos dois principais, o common law e o civil law. Feito isso, o trabalho

estudará o dever atribuído aos Tribunais de uniformizar e de manter a

estabilidade, a coerência e a integridade da jurisprudência e o dever de observar

(e aplicar) os precendentes estabelecidos no art. 927 do Código de Processo

Civil. A conclusão que se alcança é a de que eles – os precedentes judiciais –

podem ser considerados normas jurídicas.

Firmadas tais premissas, a tese conclui pelo cabimento de ação rescisória

por violação a precedente e, em sua parte final, enfrenta complexas questões

referentes ao momento de formação do precedente, ao momento de trânsito em

julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação rescisória.

Importante anotar que os poucos estudiosos que trataram desse assunto

em artigos de doutrina esparsos ou em comentários ao Código de Processo Civil

analisaram o cabimento da ação rescisória por violação a precedente sem maior

aprofundamento e sem a preocupação prática com os seus reflexos e com a sua

aplicabilidade, como a que se pretendeu fazer na parte final desta pesquisa

acadêmica.

Portanto, a proposta de rescindibilidade das decisões judiciais por

violação a precedente resulta em um enfoque original que contribuirá com a

Ciência jurídica.

20

1 – ESTADO DE DIREITO, LEGALIDADE, IGUALDADE E

SEGURANÇA JURÍDICA

1.1. DIREITO, JUSTIÇA, SOCIEDADE E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Direito é uma palavra polissêmica e a sua conceituação não é uma tarefa

fácil (pois não haverá nunca uma única definição de direito), nem é o objetivo do

presente trabalho.2

Embora seja muito difícil, senão impossível, conceituá-lo em um ambiente

de neutralidade de carga emotiva, 3 entre as diversas inclinações teóricas,

filosóficas, sociológicas ou políticas que podem influenciar no seu conceito, o

direito pode ser compreendido como um conjunto de prescrições que têm por

função regular os comportamentos das pessoas4 em sociedade e atuar como

instrumento de controle social,5 disciplinador da vida em sociedade.6 Por isso,

2 Para análise de 18 definições de direito (Platão, Aristóteles, Estoicos, Celso e Ulpiano, Tomás de Aquino, Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf, Baruch Spinoza, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Georg Wolhelm Friedrich Hegel, Friedrich Carl von Savigny, Karl Magnus Bergbohm, Eugen Elrlich, Hans Kelsen, Yevgeniy Bronislavovich Pachukanis, Robert Alexy e Eros Roberto Grau), com esclarecimentos, definição prescritiva, convergência e divergências ideológicas nas definições, elementos fixos e definição normativa: DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 17-45. 3 Como leciona Tercio Sampaio Ferraz Jr., “tendo em vista a carga emotiva da palavra, é preciso saber que, qualquer definição que se dê de direito, sempre estaremos diante de uma definição persuasiva (Stevenson, 1985:9). Isso porque é muito difícil, senão impossível, no plano da prática doutrinária jurídica, uma definição neutra, em que a carga emotiva tivesse sido totalmente eliminada” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 16). 4 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 36; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 41. 5 LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do direito. Tradução de Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 27. 6 Para Immanuel Kant a conduta humana é regulada por esferas de normatização, principalmente a moral e o direito. A moral como esfera normativa unilateral, assegurada pela liberdade psíquica do ser humano, cujo dever moral é interno, cujo cumprimento não se dá por nenhum instrumento de coerção. Por sua vez, o direito, tido como bilateral, interfere de forma externa, assegurando a liberdade física da pessoa e exigindo o seu cumprimento por instrumentos de coerção (KANT, Imannuel. A metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003. p. 57-79).

21

pode-se dizer que o direito é um fenômeno social,7 podendo ser conceituado

como o conjunto de prescrições normativas cuja finalidade é regulamentar o

comportamento social.8

Como afirma Francesco Viola, professor de filosofia do direito na

Universidade de Palermo, As sociedades humanas de todos os tempos usam governar as relações entre os seus membros mediante regras de vária natureza, escritas e não escritas. Algumas delas são identificadas como próprias de uma forma de controle social chamada “direito”.9

Assim, pode-se afirmar que não há direito sem sociedade nem sociedade

sem direito (“Ubi jus ibi societas” ou “ubi societas ibis jus”). Qualquer sociedade

tem necessidade de regramento para uma saudável existência, que se dá pelo

direito.

Arthur Kaufmann sustenta que o direito deve ser pensado como um

modelo de ideia do ser humano em sua tríplice configuração: como aquele que

cria o direito, como a finalidade do direito e como ser subordinado ao direito.10

Para o direito cumprir essa finalidade, o cidadão deve saber o que pode e

o que não pode fazer. O Estado deve estabelecer prescrições normativas que

gerem segurança jurídica, ideal normativo em qualquer ordenamento jurídico11

Em um Estado de Direito todos se submetem às prescrições normativas,12 que

7 CARNIO, Henrique Garbellini; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais 2011. p. 143; ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 75. 8 DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 41. 9 Tradução livre de “Le società umane di tutti i tempi usano governare i rapporti tra i loro membri mediante regole di varia natura, scritte e non scritte. Alcune di esse sono identificate come proprie di uma forma di controlo sociale chiamata ‘diritto’” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Lineamenti di teoria ermeneutica del diritto. 13. ed. Roma-Bari: Laterza, 2018. p. 4). 10 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. p. 225. 11 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 681. 12 “A circunstância de o Estado moderno se submeter à observância de normas jurídicas, na sua relação com outras pessoas (outros sujeitos de direito), corresponde a uma exigência sentida cada vez mais agudamente, e que vem sendo correlatamente satisfeita de modo cada vez mais completo nas civilizações dos nossos dias. Justamente essa circunstância é o que caracteriza o Estado de Direito” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 26).

22

servem de instrumento de garantia da compreensão do direito 13 de um

determinado Estado.

O direito, hoje, é intimamente ligado à ideia de Estado.14 Ao Estado –

como entidade soberana, com estrutura própria e organização política destinada a

governar um determinado povo dentro de uma determinada área territorial15 –

compete estabelecer o direito aplicável ao seu povo em seu território no exercício

de seu poder soberano, pois detém o poder (força superior) e o monopólio da

violência legítima (coerção), como forma de organização e de controle social.16

Como observa Celso Ribeiro Bastos, ele, o Estado, “se justifica na segurança

jurídica que transmite”, competindo a ele “garantir e proteger o Direito”.17

O Estado de Direito é aquele formado por um ordenamento jurídico capaz

de assegurar e proteger os direitos do cidadão e de regular a atividade estatal, o

funcionamento de seus órgãos e a relação entre o cidadão e o Estado,

protegendo o cidadão de arbitrariedades estatais.18 O Estado de Direito é aquele

em que todos, governantes e governados, se submetem às prescrições jurídico-

normativas.19

Por isso, leciona Gustavo Zagrebelsky: O Estado de direito indica um valor e refere-se a apenas uma direção de desenvolvimento no âmbito das atividades pertencentes ao Estado e dos incidentes sobre as posições dos

13 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 681. 14 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Moralidade e senso comum. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 131. 15 “O Estado é, portanto, uma espécie de sociedade política, ou seja, é um tipo de sociedade criada a partir da vontade do homem e que tem como objetivo a realização dos fins daquelas organizações mais amplas que o homem teve necessidade de criar para enfrentar o desafio da natureza e das outras sociedades rivais. O Estado nasce, portanto, de um ato de vontade do homem que cede seus direitos ao Estado em busca de proteção e para que este possa satisfazer suas necessidades sempre tendo em vista a realização do bem comum. Na medida em que começam a se alargar as esferas de atuação do poder coletivo, é dizer, na medida em que a própria complexidade da vida social começa a demandar uma maior quantidade de decisões por parte dos poderes existentes, faz-se portanto imprescindível que um único órgão exerça esse poder. Essa centralização do poder dá origem ao Estado” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 42-43). 16 WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber: sociologia. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 128-141. 17 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 60. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 129; FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Constituinte, assembleia, processo, poder. São Paulo: Revista dos Tribunais 1985. p. 162. 19 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 26.

23

cidadãos. A direção é a inversão da relação entre o poder e o direito que constituiu a quinta essência do Machtsstaat [Estado absoluto] e do Polizeistaat [Estado de Polícia]: não mais rex facit legem, mas lex facit regem.20

O atual modelo de Estado adotado pelo Brasil, definido pela

Constituição 21 de 1988, a “Constituição-cidadã, é o modelo de Estado

Democrático de Direito, onde todo o poder emana do povo” (art. 1.º, parágrafo

único).22

A Democracia é o regime de governo adotado pelo Brasil. Trata-se de

exercício de governo pelo próprio povo, 23 diretamente ou por meio de seus

representantes, sendo legítimo o exercício do poder estatal quando praticado

conforme diretrizes adotadas (e aceitas) pela sociedade. É vontade democrática

20 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 2014. p. 20. Tradução livre de: “Lo Stato di diritto indica un valore e accenna solo a una direzione di sviluppo dell’ambito delle attività facenti capo allo Stato e incidenti sulle posizioni dei cittadini. La direzione è l’inversione del raporto tra il potere e il diritto che costituiva la quintessenza del Machtsstaat e del Polizeistaat: non piú rex facit legem, ma lex facit regem”. 21 A Constituição é elaborada pelo poder constituinte, que é a faculdade que um determinado povo possui para fixar as diretrizes fundamentais sob as quais deseja viver. Seja originário ou derivado, coube e cabe ao poder constituinte estabelecer a forma e o regime de governo, a forma e o regime de Estado, constituir os direitos fundamentais dos cidadãos e estabelecer as prescrições que devem estar no topo do ordenamento jurídico, ou seja, na Constituição. Nesse sentido: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 99-103. 22 A opção por um Estado Democrático verifica-se já no preâmbulo da Constituição (“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”) e no art. 1.º (“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”). 23 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 129; FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Constituinte, assembleia, processo, poder. São Paulo: Revista dos Tribunais 1985, p. 21. Nesse sentido, Hans Kelsen: “Se o Estado é reconhecido como uma ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, esta expressão representa um pleonasmo. Porém, ela é efetivamente utilizada para designar um tipo especial de Estado, a saber, aquele que satisfaz aos requisitos da democracia e da segurança jurídica. ‘Estado de Direito’ neste sentido específico é uma ordem jurídica relativamente centralizada segundo a qual a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis – isto é, às normas gerais que são estabelecidas por um parlamento eleito pelo povo, com ou sem a intervenção de um chefe de Estado que se encontra à testa do governo os membros do governo são responsáveis pelos seus atos, os tribunais são independentes e certas liberdades dos cidadãos, particularmente a liberdade de crença e de consciência e a liberdade da expressão do pensamento, são garantidas” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 218).

24

do povo que legitima o direito criado e balizado por ele e para ele, desde (e a

partir de) a Constituição.24

O Estado brasileiro é constituído por três Poderes independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 2.º), em um

sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição de 1988, com forte

inspiração nas lições de Montesquieu – Charles-Louis de Secondat, o Barão de

Brède e de Montesquieu.

1.2 LEGALIDADE

O princípio da legalidade é inerente ao Estado de Direito, opondo-se a

qualquer forma de exercício autoritário de poder antidemocrática.

O art. 5.º, II, da Constituição do Brasil adota o princípio da legalidade no

ordenamento jurídico brasileiro ao estabelecer que “Ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O princípio da legalidade é basilar do Estado (Democrático) de Direito,

fundando-se na legalidade democrática em subordinação à Constituição.

Conforme ensina José Afonso da Silva, o princípio da legalidade “é nota essencial

do Estado de Direito”. É da essência do conceito de Estado de Direito a

subordinação à Constituição e à legalidade democrática,25 consubstanciando-se o

princípio na regra de que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo a

não ser em função de previsão legislativa.

24 José Joaquim Gomes Canotilho, por essa razão, entende que o Estado constitucional de direito democrático é mais que um Estado de direito: “O Estado constitucional é ‘mais’ do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo o poder vem do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de direito’ e o ‘Estado democrático’, possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 100). 25 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 400.

25

Por legalidade entende-se a existência anterior de prescrição normativa a

ser aplicada aos casos submetidos ao julgamento.26

O princípio da legalidade é visto de forma diversa para as relações entre

particulares e para a Administração Pública. Enquanto o cidadão pode fazer tudo

o que a lei não proíbe, prevalecendo a autonomia da vontade, a Administração

Pública, em regra, somente poderá fazer aquilo que a lei autorizar, em obediência

àquilo que se convencionou chamar de legalidade estrita. É esse o sentido do art.

37 da Constituição ao estabelecer que a Administração Pública obedecerá ao

princípio da legalidade.27

A legalidade é basilar ao Estado de Direito, mas é submissa à

Constituição, que serve como limite à vontade legislativa. Os representantes

políticos do povo, que integram o Poder Legislativo, trabalham subordinados à

Constituição. “A legalidade só cede, portanto, diante da constitucionalidade. Daí

surge o princípio da supremacia da lei.”28

Entretanto, a lei, embora seja a principal fonte de direito,29 não é a única.

A lei em geral era considerada a principal fonte do direito por ser um produto

26 Paulo Dourado Gusmão ministra que “A anterioridade da norma ao caso a ser julgado chama-se legalidade. Eis o sentido mais importante do termo legalidade, desde que seja considerado em função das liberdades e direitos individuais (sentido democrático de legalidade)” (GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 64). 27 Acerca do princípio da legalidade administrativa, são pertinentes os ensinamentos de Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Em sua primeira afirmação de conteúdo, o princípio da legalidade administrativa era entendido como a obrigatoriedade de adequação entre um ato da Administração Pública e uma previsão legal na qual ele tivesse sua fonte. Daí por que Hauriou baseou-se no princípio da ‘legalidade’ para elaborar a sua teoria sobre o regime administrativo, no qual não era a lei que se submetia à Administração Pública, antes era esta que à lei se sujeitava. A lei passou a ser considerada, então, sede única do comportamento administrativo, sua fonte e seu limite. Sendo a lei, entretanto, não a única, mas principal fonte do Direito, absorveu o princípio da legalidade administrativa toda a grandeza do Direito em sua mais vasta expressão, não se limitando à lei formal, mas à inteireza do arcabouço jurídico vigente no Estado. Por isso este não se bastou como Estado de lei, ou Estado de Legalidade. Fez-se Estado de Direito, num alcance muito maior do que num primeiro momento se vislumbrava no conteúdo do princípio da legalidade, donde a maior justeza de sua nomeação como ‘princípio da jurisdicidade’”. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 79). 28 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2, p. 24. 29 Para um estudo sobre fontes do direito: GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993. p. 1-16 (cap. 1); NEVES, António Castanheira. Fontes do direito. Digesta – Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. v. 2, p. 7-94; ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 211-282; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 170-196.

26

democrático, com caráter geral e abstrato, decorrente de decisão majoritária dos

integrantes do Poder Legislativo, que estabelece regras para o futuro. A lei, por

vezes, era confundida com o próprio conceito de direito.30

Hoje, como será visto com mais vagar nos itens destinados à análise do

”pensamento jurídico contemporâneo e norma jurídica” e das “características do

pensamento jurídico contemporâneo”, há diversas fontes do direito, a partir de

uma visão pós-positivista do direito, como a Constituição, os direitos

fundamentais, os princípios jurídicos, as súmulas vinculantes, os precedentes

judiciais e a jurisprudência dotada de efeito vinculante.31 Enfim, o princípio da

legalidade deve ser entendido como o conjunto do ordenamento jurídico.32

Por consequência dessa revitalização das fontes do direito, a

hermenêutica jurídica também se alterou. A análise, a interpretação e a aplicação

das leis (profusas) devem respeitar as normas constitucionais, os direitos

fundamentais e os princípios jurídicos, bem como dar vida às cláusulas gerais e

aos conceitos indeterminados à luz dos fatos concretos.

Por essa razão, contemporaneamente, principalmente na doutrina de

direito administrativo, tem-se referido ao princípio da legalidade como princípio da

juridicidade,33 em adoção da proposta do austríaco Adolf Julius Merkl, feita em

30 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 165-166. 31 Por todos, é a lição de Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira: “[...] diversos outros institutos podem ser considerados fonte do direito, tal como as súmulas vinculantes, medidas provisórias e precedentes judiciais, porque a distinção entre imediata e mediata não faz mais sentido, haja vista que a própria jurisprudência tem sido cada vez mais dotada de efeito vinculante com o intuito de assegurar efetividade e, ainda, porque o fato de alçar a doutrina como fonte mediata porque ela não teria normatividade faz transparecer que ela deveria ser considerada fonte de menor prestígio, o que é inaceitável” (ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 277-278). 32 “[...] por ‘lei’, pode-se entender o conjunto do ordenamento jurídico (em sentido material), cujo fundamento de validade formal e material encontra-se precisamente na própria Constituição. [...] O princípio da legalidade, dessa forma, converte-se em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda atividade estatal e privada à força normativa da Constituição” (MENDES, Gilmar Ferreira; VALLE, André Rufino do. Comentários ao art. 5.º, II. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 245). 33 A doutrina brasileira, nesse sentido, adota os ensinamentos de Eduardo García de Enterría e de Tomás-Ramón Fernandez (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 2. ed. Madrid: Civitas, 1986. p. 251): BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria de direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e Constituição. Rio de

27

1927, como forma de aclarar que o direito deve ser compreendido a partir de seu

ordenamento jurídico, conquanto a lei não é a única fonte de direito, mas apenas

uma delas.

Nesse sentido, Georges Abboud leciona que “A exigência da juridicidade

material tanto é válida para a Administração como para os tribunais, para o

Governo e para o legislador”.34

Assim, respeitar o princípio da legalidade significa assegurar a

interpretação e a aplicação da lei em conformidade com a Constituição, os direitos

fundamentais, os princípios jurídicos, o sistema jurídico e os sentidos adequados

a serem atribuídos às cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados em suas

interações com o caso concreto em um determinado momento histórico.35

Ademais, respeitar o princípio da legalidade significa respeitar os

precedentes judiciais dotados de efeito vinculante.36

1.3 IGUALDADE

Não há justiça sem igualdade.37-38 O tratamento igualitário (ou isonômico)

é premissa fundamental para a existência de uma ordem jurídica justa. Trata-se

Janeiro: Renovar, 2006. p. 137-139; MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 24; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 85-86; GARCIA, Emerson. A moralidade administrativa e sua densificação. Revista de Informação Legislativa, v. 39, n. 155, p. 153-173, esp. 169, jul.-set. 2002; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 79. No direito processual civil: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 3, p. 490-491. 34 ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 8.º. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1, p. 136. 35 “Enfim, é possível perceber que o vocábulo ‘lei’ é dotado de uma plurissignificância, que é resultado de diferentes conceitos e concepções fundadas historicamente em distintos princípios estruturantes do Estado, ora assumindo feições aproximadas ao conceito formal decorrente do princípio democrático, ora traduzindo sentidos próprios do conceito material fundado no princípio do Estado de Direito” (MENDES, Gilmar Ferreira; VALLE, André Rufino do. Comentários ao art. 5.º, II. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 245). 36 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 277-278). Como anotaram Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: “O juiz respeita o ‘princípio da legalidade’ quando observa os precedentes judiciais e a jurisprudência dos tribunais” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 3, p. 491).

28

de “um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando

dialeticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao

conceito de Estado de direito democrático e social”.39

O princípio da isonomia encontra-se expressamente previsto no art. 5.º,

caput, da Constituição de 1988, que dispõe que “todos serão iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza”, sendo parâmetro tanto para o elaborador

(Poder Legislativo) quanto para o aplicador (Administração Pública e Poder

Judiciário) da lei infraconstitucional.

De acordo com o constitucionalista português Jorge Miranda, a igualdade

pode ser vista como “igualdade jurídica-igualdade social ou igualdade perante a

lei (como é mais frequente dizer) – igualdade na sociedade”.40 A primeira trata-se

da igualdade sob o aspecto formal e a segunda sob o material.41

Em sentido formal, igualdade jurídica-igualdade social ou igualdade

perante a lei assegura a observância da lei e impõe a proibição de distinção pelo

aplicador do direito que não tenha correlação com a lei (rectius: com o

ordenamento jurídico). Nesse sentido, corresponde ao princípio da legalidade,

que estabelece que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei” (rectius: do ordenamento jurídico) (art. 5.º, II, CF). Nesse 37 Para Gustav Radbruch, os elementos universalmente válidos para a ideia de direito são os valores jurídicos da justiça e da segurança, sendo a igualdade inerente ao valor justiça: RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Tradução de Luís Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1997. v. 1, p. 199 ss. 38 Como afirma Jorge Miranda: “Pensar em igualdade é pensar em justiça na linha da análise aristotélica, retomada pela Escolástica e, aceite ou não, por todas as correntes posteriores, de Hobbes e Rousseau, a Marrx, a Rawls e a Amartya Sen” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 263). 39 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada: arts. 1.o ao 107. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 336-337. 40 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268. 41 Trata-se de distinção comumente feita e aceita pela doutrina brasileira. Por todos: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012. p. 526-528; MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 222-229; MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 207-215; BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2, p. 5. No direito português: MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268; CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426-432; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada: arts. 1.o ao 107. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 336-337.

29

sentido, a igualdade é vista como uma regra normativa decorrente da legalidade

perante a lei e em virtude de lei, que busca atribuir os direitos em igualdade. Em

seu art. 37, caput, por outro lado, a Constituição estabelece que a Administração

Pública deve observar o princípio da legalidade (estrita), ficando limitada a

praticar os atos expressamente autorizados por lei, como forma de limitar a

atuação do poder público e de coibir abusos de poder.

Por sua vez, em sentido material, a igualdade na sociedade é

considerada um princípio constitucional, que serve de baliza para a aplicação da

lei, como garantia de inviolabilidade do direito à igualdade, com proteção à

igualdade que anseia pela maior concretização possível, sobretudo em face de

outros princípios que gozam também de dignidade constitucional. No entanto,

embora não preveja nenhum comportamento específico, assegura uma posição

jurídica pública-subjetiva de resistir ao tratamento desigual perante a lei ou pela

lei. Trata-se de uma incumbência do Estado e da sociedade em face das efetivas

condições das pessoas, na concretização de “uma igualdade real e efetiva

perante os bens da vida”.42 Como leciona Jorge Miranda, a igualdade material é

“ligada a uma atitude crítica sobre a ordem social e económica existente e à

consciência da necessidade e da possibilidade de a modificar (seja qual for a

orientação política que se adote)”.43

Conceder tratamento igualitário significa, de um lado, tratar igualmente os

iguais e, de outro, desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade,

conforme célebre lição de Aristóteles.44

Os direitos devem ser os mesmos para todos os que estejam em situação

de igualdade, havendo desigualdade quando uma pessoa, um grupo de pessoas

ou uma situação forem essencialmente iguais e apesar disso tratadas

diferentemente ou forem essencialmente diferentes e apesar disso tratadas

42 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2, p. 5. 43 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268. 44 É de Aristóteles a afirmação de que “[...] se as pessoas não forem iguais elas não terão uma participação igual nas coisas” (Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília: Editora UnB, 1992. p. 96).

30

igualmente. 45 Deve-se dar tratamento igual a pessoa, grupo de pessoas ou

situação que forem essencialmente iguais, sem privilégio ou discriminação ou

tratamento diferenciado.46

Por outro lado, o tratamento desigual entre pessoas em situação

substancial de desigualdade é uma forma de alcançar a igualdade efetiva ou real,

devendo o Estado e a sociedade civil organizada criar meios ou condições

concretas para que essas pessoas possam exercer o direito em condição de

igualdade, transformando a vida e as estruturas nas quais as pessoas se

encontram. “Não se forma uma sociedade de iguais se os seus membros não

têm, antes de mais, o direito de ser iguais.”47

A constatação de possíveis violações ao princípio constitucional da

igualdade depende da verificação do tratamento desigual e da análise de sua

possível justificação, que levará em conta um referencial para a distinção (origem,

raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, profissão, religião, deficiência

física, ideologia política etc.).48 Essa análise deve levar em conta a autoridade

45 MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 223-224; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 15-19. 46 De acordo com Jorge Miranda, “Privilégios são situações de vantagem não fundadas e discriminações situações de desvantagem; ao passo que discriminações positivas são situações de vantagens fundadas, desigualdades de direito em consequência de desigualdades de facto, tendentes à superação destas e, por isso, em geral, de caráter temporário” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268-269). 47 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268-269. 48 O argentino Roberto Saba propõe uma reconstrução da noção usualmente aceita de igualdade como tratamento não arbitrário e de não submissão como forma de capturar os problemas de desigualdade estrutural. Entende que a ideia de que é possível listar a priori categorias proibidas ou contrárias ao princípio da igualdade não é sensível a problemática da desigualdade estrutural. Propõe, assim, que as suspeitas de violação à igualdade não pesem tão somente sobre certos critérios ou requisitos preestabelecidos, mas também sobre aqueles cuja aplicação contribui para perpetuar situação de subordinação, independentemente de sua correspondência com as proibições preestabelecidas, como uma particular importância do impacto da tese sobre a justificação das ações de tratamento preferencial e sobre relação com a noção de igualdade. Sugere repensar o papel dos juízes ao aplicar a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos em casos que envolvem afetações estruturais de direitos em geral e de desigualdade estrutural em especial. Afirma que, quando a desigualdade é produto de práticas sociais e estatais que conduzem a submissão de grupos, é preciso visualizar a afetação do direito em termos coletivos e pensar os remédios em termos estruturais, das perspectivas que os juízes deveriam incorporar ao exercer o controle de constitucionalidade nesses tipos de casos. A proposta decorre de pesquisas do autor durante os dez anos que sucederam a maior crise econômica, política e social da Argentina iniciada em dezembro de 2001. Trata-se de interessante estudo, tendo em vista os semelhantes problemas por que passa o Brasil (SABA, Roberto. Más

31

estatal que discrimina, pois tem que ter sido praticado pela mesma autoridade

para que haja violação.49

A violação à igualdade pode decorrer de lei e de outros atos normativos

elaborados pelo Poder Legislativo, de atos da Administração Pública decorrentes

do exercício do poder discricionário e também de decisões judiciais emanadas

pelo Poder Judiciário. Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “O preceito

magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o

aplicador da lei quer para o próprio legislador”.50

Para fins do presente trabalho importam-nos as violações à igualdade

decorrentes de decisões judiciais que constroem normas jurídicas diferentes para

situações idênticas ou normas jurídicas iguais para situações diferentes.

Em países de civil law, como é o caso do Brasil, é comum a lição no

sentido de que é a lei o meio pelo qual o Estado dispõe para exercer qualquer

ação em busca da concretização do princípio da igualdade.

Mas, não só. O Estado como um todo deve interessar-se por produzir

uma condição de igualdade real, efetiva e material ou de igualdade na sociedade.

O “princípio da igualdade diz respeito a todas as funções do Estado e exige

criação e aplicação igual da lei, da norma jurídica”, sendo os tribunais, em

especial os Tribunais Superiores, também seus destinatários.51

Sobre o tema, Leonardo Martins observa: De nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse de seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que se possa afirmar que fatores históricos hajam influído no sentido que se deva dar à lei), em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes.

allá de la igualdad formal ante la ley: ¿Qué les deve el Estado a los grupos desaventajados? Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2016. passim). 49 Como sintetiza Leonardo Martins: “Em síntese: para se verificar a presença de um tratamento desigual relevante em face do art. 5.o, caput, da CF, deve-se reunir as seguintes condições: as pessoas, grupos de pessoas ou situações supostamente tratadas desigualmente têm que, em primeiro lugar, pertencer ao mesmo gênero de pessoas, grupo de pessoas ou situações e o ente que discrimina tem que ser o mesmo” (MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 224-225). 50 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 09. 51 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 289.

32

[...] Quando o órgão do Poder Judiciário de primeira ou segunda instância julga desigualmente aqueles que pela lei são iguais, tratando também desigualmente os “iguais perante a lei” ou vice-versa, comete um erro de aplicação do direito, que deverá ser corrigido pela instância imediatamente superior. Somente quando o “erro” for cometido pelos tribunais superiores, sobretudo pelo STF, ou quando contra a decisão não couberem mais recursos a serem interpostos junto a tais tribunais, estar-se-á diante de uma inconstitucionalidade provocada pelo Judiciário em face do direito à igualdade.52

O Poder Judiciário, portanto, também tem por função, inerente ao

princípio da igualdade, concretizar normas jurídicas iguais para situações

idênticas e normas jurídicas diferentes para situações desiguais.53 “[O] ideal de

uma sociedade alicerçada na igualdade (ou na justiça) é um dos ideais

permanentes da vida humana e um elemento crítico de transformação não só dos

sistemas jurídicos, mas também das estruturas sociais e políticas.”54

Como afirmam Rupert Cross e J. W. Harris, “é um princípio básico da

administração de justiça que os casos similares devem ser decididos de maneira

similar”.55

Teresa Arruda Alvim, ao tratar da função do princípio da isonomia perante

a aplicação do direito pelo Poder Judiciário, ministra: O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. [...] Uma das consequências inafastáveis da incidência deste princípio é a de que, em face de casos “rigorosamente idênticos”, deva o Judiciário tender a decidir, aplicando a mesma regra de direito, entendida da mesma forma.56

52 MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 222-223 e p. 229. 53 “A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426). 54 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 270. 55 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. El precedente en el derecho inglés. Tradución de Maria Angélica Pulido. Madrid-Barcelona-Buenos Aires: Marcial Pons, 2012, p. 23. 56 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 524-525.

33

Como os textos jurídicos normativos, relativamente a determinados fatos,

em dado momento histórico e num determinado lugar, são preordenados a terem

somente uma interpretação correta, entre das diversas possíveis,57 a aplicação de

normas jurídicas de conteúdos diferentes para situações idênticas e de normas

jurídicas de conteúdos idênticos para situações desiguais viola o princípio da

igualdade.

Teresa Arruda Alvim observa que a única solução correta para o caso é

um pressuposto de funcionamento do sistema jurídico e, em um sistema de civil

law, as reiteradas decisões (às vezes, uma só) em um mesmo sentido assumem

importante papel no tocante aos casos concretos futuros em contextos fáticos

idênticos, em um mesmo momento histórico e num determinado lugar.58

57 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1988. p. 16. Em outro trabalho, Arruda Alvim leciona que “as dúvidas a respeito da interpretação do direito em tese, entretanto, hão de ser contemporâneas, isto é, coexistentes no mesmo momento histórico. Por outras palavras, num mesmo momento histórico não é aceitável que a mesma regra jurídica tenha mais de uma interpretação, pois o atributo da certeza é necessidade indeclinável da ordem jurídica; a duplicidade de interpretação criaria, certamente, a dubiedade respeitamente à conduta” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Dogmática jurídica e o novo Código de Processo civil. Revista de Processo, São Paulo, ano 1, v. 1, p. 101, nota 28, 1974). Trata-se de adoção de uma resposta correta, entre as diversas interpretações jurídicas possíveis, para determinados fatos, em dado momento histórico e num determinado lugar. Esse é o pensamento de Ronald Dworkin que sustenta que mesmos os casos difíceis, passível de resolução por meio dos princípios, possuem sim uma resposta correta. Para o autor, os princípios permitem ao juiz individualizar, sempre e em todos os casos, a única solução jurídica correta, sem exercer nenhum poder discricionário em sentido forte (DWORKIN, Ronald. Os direitos podem ser controversos? Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 429-446). Teresa Arruda Alvim chega à mesma conclusão: “Nesta ordem de ideias, e é este o cerne destas nossas reflexões, deve-se esclarecer que, mesmo nas hipóteses em que o juiz cria direito, pode-se vislumbrar a existência de uma única solução correta para o caso. Não se trata, propriamente, da única que existia previamente: mas será única, a partir de sua criação tida como a correta para os casos subsequentes” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1228). 58 “A ideia de que só há uma única solução para cada caso concreto, como já se mencionou, tem vários sentidos, que dependem, em parte, do contexto em que seja compreendida. É, a meu ver, pressuposto de funcionamento do sistema e especificamente, relevante mola propulsora da atividade do juiz. Se lhe parecesse haver diversas soluções possíveis, todas elas corretas, para resolver-se a situação posta à sua apreciação, se comportaria como alguém trilhando um caminho sem saber onde vai chegar. Mas não é esta a acepção de afirmação que mais interessa para estas reflexões. Dizer-se que para um certo e determinado caso só há uma decisão correta é, também, a ideia que está por detrás da necessidade de que os precedentes sejam seguidos, principalmente nas hipóteses em que o juiz tenha exercido função visivelmente criativa. Nos países de civil law, havendo reiteradas decisões em determinado sentido, ou até mesmo havendo uma só, de tribunal superior, esta será a tese correta e equivocadamente decidirá o juiz que não considerar esta cláusula abusiva. Assim, em relação ao futuro, esta será a única decisão correta para casos concretos. Idênticos. Por isso é que digo que, nesta dimensão, vê-se que a decisão do

34

Para evitar esse tratamento jurídico desigual para situações fáticas

idênticas, o Código de Processo Civil instituiu um sistema judicial de precedentes

judiciais vinculantes,59 criou e aperfeiçoou diversos institutos com a finalidade de

uniformização de entendimento dos tribunais,60 de fixação de teses jurídicas e de

colocar em ordem a função do direito de regular e disciplinar o comportamento e a

vida das pessoas em sociedade.61 Como apontou o português António Moreira

Barbosa de Melo, o núcleo imperativo do princípio da igualdade de tratamento

consiste no teste da universalizabilidade ou generalizabilidade da ratio

decidendi.62

Com efeito, a adoção da um sistema de precedentes judiciais, com

criação de técnicas de julgamento com a finalidade de fixar teses jurídicas para juiz não se limita a ser a regra para o caso concreto, mas, vista como precedente, assume também a função de ser o direito aplicável a casos futuros. Evidentemente, não se ignora haver casos para os quais há duas ou mais soluções corretas. Mas este não pode ser o ponto de partida do juiz nem uma verdade doutrinária, sob pena de se comprometer o caráter sistemático do direito. Disto pode decorrer, pelo menos em parte, o desestímulo para que precedentes devam ser respeitados ou de que uma linha reiterada de jurisprudência, num mesmo sentido, deva ser seguida. E é claro, também, que, nesta segunda dimensão, não se está tratando da correção da decisão sob o ponto de vista intrínseco ou substancial. Fixada a jurisprudência em certo sentido x, certamente haverá argumentos capazes de demonstrar que a tese adotada deveria ser outra. Mas para fim de orientação dos demais tribunais deve ser considerada a decisão correta” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1228). 59 As questões polêmicas referentes ao sistema de precedentes criado pelo Código de Processo Civil de 2015 e também a sua vinculação serão abordadas em capítulo específico no presente trabalho. 60 Como bem acentua Arruda Alvim, a uniformização de jurisprudência, seja por meio de recursos, seja por meio de outras técnicas processuais, “em última análise, responde mesmo ao próprio princípio da igualdade de todos perante a lei, pois se esta regra (princípio) está constitucionalmente prevista, a variedade de interpretações sobre uma mesma norma tornaria desiguais as condutas exigíveis dos que deveriam, nos diversos casos ‘idênticos’ ou ‘semelhantes’ (onde esteja em pauta a mesma problemática jurídica), sofrer um comando igual, precisamente porque a cada norma corresponde (= deve corresponder) uma única inteligência e, pois, uma única conduta há de ser exigida” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência de recursos – Direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 48, p. 11, 1987). 61 De certo modo, a impressão que se tinha era a de que a ausência de um sistema de precedentes no Brasil legitimava a violação ao princípio da igualdade. Como lecionava Leonardo Martins anteriormente ao Código de Processo Civil de 2015: “Como não temos no Brasil um sistema judicial no qual os precedentes vinculam, nunca podendo as decisões criar regras gerais, a única hipótese de violação do direito à igualdade, além daquela já apontada (erro de aplicação em última instância), é o caso da interpretação de conceitos legais imprecisos que aumentam a discricionariedade judicial, possibilitando uma violação perpetrada originalmente pelo exercício da atividade jurisdicional” (MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 229). 62 MELO, António Moreira Barbosa de. Introdução às formas de concertação social. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. LIX, p. 65-127, 1983.

35

determinadas circunstâncias fáticas, contribui efetivamente para a isonomia das

decisões judiciais, uma vez que o Poder Judiciário deverá aplicar a mesma tese

jurídica para diversas situações fáticas idênticas, tratando os casos iguais de

maneira igualitária.

Todavia, não só. Para garantir a plenitude da concretização da igualdade

é necessário existir também coerência e integridade do direito, elementos do

princípio da igualdade. São duas faces de uma mesma moeda chamada

igualdade. Toda vez que os mesmos elementos aplicados em decisões anteriores

o forem para casos idênticos.

Assim, antes do trânsito em julgado dessas decisões que aplicam

equivocadamente o direito, a correção poderá ocorrer pela instância

imediatamente superior por meio da interposição do recurso cabível. Além do

inconformismo da parte prejudicada pela decisão proferida contrariamente aos

seus interesses, a existência de recursos em um sistema jurídico também tem por

finalidade os interesses do próprio Estado em que a decisão seja proferida em

conformidade com o direito63 e em uniformizar a interpretação do direito federal

constitucional e infraconstitucional.64

Por sua vez, a situação jurídica é mais complexa após o trânsito em

julgado de decisões que aplicam erroneamente o direito, ainda que o erro tenha

sido cometido pelos tribunais superiores, pois se estará diante de uma

inconstitucionalidade (ainda que reflexa) por violação ao princípio da igualdade

provocada pelo Poder Judiciário.65

63 “Os mais modernos ordenamentos processuais fornecem meios pelos quais as decisões judiciais podem ser impugnadas, com maior ou menor intensidade, com a finalidade de propiciar aos jurisdicionados uma justiça mais justa, meios esses que se revelam como corretivos de decisões errôneas ou injustas” (NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2014, p. 198-199). 64 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 35-45; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 47-51; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. passim; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. v. 2, p. 28-29. 65 “Violação pelo Judiciário. Quando o órgão do Poder Judiciário de primeira ou segunda instância julga desigualmente aqueles que pela lei são iguais, tratando também desigualmente os ‘iguais perante a lei’ ou vice-versa, comete um erro de aplicação do direito, que poderá ser corrigido pela instância imediatamente superior. Somente quando o ‘erro’ for cometido pelos tribunais superiores, sobretudo pelo STF, ou quando contra a decisão não couberem mais recursos a serem interpostos junto a tais tribunais, estar-se-á diante de uma inconstitucionalidade provocada

36

Em um sistema jurídico, como o brasileiro, que admite a rescisão da coisa

julgada por violação manifesta à norma jurídica, é necessário investigar se o

tratamento desigual a casos que deveriam ter sido tratados igualmente por

decorrência do sistema de precedentes judiciais autoriza o manejo da ação

rescisória. Para tanto, tendo em vista a estabilização das relações jurídicas

decorrentes da coisa julgada, faz-se necessário estudar também o conteúdo da

segurança jurídica, pois “um direito inseguro é, por regra, também um direito

injusto, porque não lhe é dado assegurar o princípio da igualdade”;66 havendo

ainda quem entenda que a igualdade é um dos conteúdos da segurança jurídica

como forma de atribuir “soluções isonômicas para situações idênticas ou

próximas”.67

1.4 SEGURANÇA JURÍDICA

A segurança jurídica é elemento constitutivo do Estado de Direito e serve

de baliza para a precisão e a determinabilidade das prescrições normativas,68

para a imposição de limites à sua vagueza ou indeterminação e para a aplicação

do direito.69 Ela é necessária para a vida humana, pois o ser humano necessita

pelo Judiciário em face do direito à igualdade” (MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 229. Destaque no original). 66 SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 16. 67 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 139-140. 68 “A segurança jurídica postula o princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, ou seja, a conformação material e formal dos actos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios. Nesta perspectiva se fala de princípios jurídicos de normação jurídica concretizadores das exigências de determinabilidade, clareza e fiabilidade da ordem jurídica e, consequentemente, da segurança jurídica e do Estado de direito” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 258. Destaques no original). 69 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Da “segurança” nacional à “insegurança” jurisdicional: uma reflexão sobre segurança jurídica. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 115-116; BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 234.

37

de segurança para planejar sua vida e conduzir seus atos.70 “[A] surpresa em

geral é indesejável [...]. As pessoas precisam de regras para viver e trabalhar

juntas com eficiência, e precisam ser protegidas quando confiam em tais

regras.”71

A Constituição de 1988 corporifica o direito à segurança em seu

preâmbulo, ao prever que o Estado Democrático brasileiro se destina a garantir a

segurança como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica

das controvérsias, no caput do art. 5.º, ao prever a garantia de inviolabilidade do

direito à segurança, e no caput do art. 6.º, ao estabelecer a segurança como um

direito social. Na esfera dos direitos individuais, garante o direito à segurança das

relações jurídicas, no art. 5.º, XXXVI; o direito à segurança do domicílio, no art.

5.º, XI; o direito à segurança das comunicações pessoais, no art. 5.º, XII, 1.ª

parte; o direito à segurança em matéria penal, no art. 5.º, XXXVII a LXVII; e o

direito à segurança em matéria tributária, no art. 150, I a VI.72

A análise dessa estrutura constitucional demonstra que a segurança

jurídica é inequivocamente um princípio constitucional brasileiro, um valor eleito

pela sociedade tanto para proteger as relações jurídicas quanto para prever

comportamentos e estabelecer ideais. 73 A Constituição garante a segurança

jurídica em suas variadas dimensões, em favor do cidadão, ao garantir seus

direitos fundamentais, e perante o Estado, ao atribuir limites ao seu poder.74

A segurança jurídica pode significar segurança pelo direito e segurança

do próprio direito.75 A segurança pelo direito é a segurança que o direito pode

70 José Joaquim Gomes Canotilho observa: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 257). 71 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo e revisão de Gildo Sá Leitão Rios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 176. 72 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 219. 73 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 687. 74 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 681 e 687. 75 A doutrina apresenta outras classificações de segurança jurídica, no entanto, para fins do presente trabalho, importa a segurança pelo direito e segurança do próprio direito. Humberto Ávila, por exemplo, analisa a segurança jurídica sob diversas óticas, quanto ao aspecto material:

38

proporcionar à sociedade. Por sua vez, a segurança do próprio direito é a

segurança de que o direito conhecido será aplicado e efetivamente cumprido.76

1.4.1 Segurança jurídica sob a perspectiva subjetiva: previsibilidade da atuação

estatal

A segurança jurídica atua no ordenamento jurídico como princípio77 que

tem por finalidade criar o estado ideal de certeza, de compreensibilidade, de

determinabilidade e de previsibilidade do comportamento e da atuação dos

agentes públicos suscetíveis de atingirem a esfera jurídica dos particulares.78

Nesse sentido, a segurança jurídica incorpora o valor da previsibilidade do

comportamento do poder público sobre o particular como vontade da sociedade.

A previsibilidade, como anota Teresa Arruda Alvim, é “um fenômeno que produz

tranquilidade e serenidade no espírito das pessoas, independentemente daquilo

que se garanta como provável de ocorrer como valor significativo”. 79 É

imprescindível que o direito gere segurança jurídica.

segurança do direito, segurança pelo direito, segurança frente ao direito, segurança de direitos, segurança como um direito e segurança no Direito (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 691-692). José Afonso da Silva, por sua vez, entende que “a Constituição reconhece quatro tipos de segurança jurídica: a segurança como garantia; a segurança como proteção dos direitos subjetivos; a segurança como direito social e a segurança por meio do direito” (SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 17. Destaques no original). 76 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. p. 281. 77 Os princípios são espécies normativas finalísticas, que exigem a delimitação de um estado de coisas ideal a ser alcançado por comportamentos necessários a essa realização. De fato, ao se falar em estado ideal de coisa, quer se dizer que os princípios incorporam valores e externam a vontade da sociedade. Nesse sentido e em síntese, os princípios são conceituados por Humberto Ávila como “normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 78-79). 78 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Segurança jurídica no novo CPC. In: ______; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Panorama atual do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 325; MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 219. 79 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 58.

39

Nesse sentido, a segurança jurídica é necessária para a vida humana,

pois o ser humano necessita de segurança para planejar sua vida e conduzir seus

atos sabendo das consequências jurídicas decorrentes de sua prática. 80 “A

previsibilidade da atuação estatal permite que os particulares estabeleçam

responsavelmente seus planos de ação e saibam com antecedência quais serão

as consequências de seus atos.”81

Em outras palavras, a segurança jurídica atua como forma de garantir a

certeza, a compreensibilidade, a determinabilidade e a previsibilidade do direito

para que o cidadão saiba a consequência jurídica da prática de determinado ato,

ou seja, para que o cidadão “tenha noção daquilo que muito provavelmente virá

ocorrer” se agir ou deixar de agir de determinada forma.82

Humberto Ávila, por sua vez, prefere denominar semanticamente essas

exigências de certeza, de determinabilidade e de previsibilidade como ideais de

cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade do direito. Por

cognoscibilidade entende que a segurança jurídica tem por fim ser meio de

compreensão do que se deve fazer, impedindo que o cidadão se engane a

respeito daquilo que faz.83 Na exigência de confiabilidade, a segurança jurídica

visa preservar o passado no presente, com a estabilidade do direito e das suas

concretizações (intangibilidade de situações passadas, durabilidade do direito e

irretroatividade normativa).84 Por fim, no ideal de calculabilidade, a segurança

jurídica busca proteger o futuro no presente, com a continuidade do direito. “Essa 80 José Joaquim Gomes Canotilho observa: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 257); MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 122. 81 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231. 82 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p.60. 83 “Cognoscibilidade significa um estado de coisas em que os cidadãos possuem, em elevada medida, a capacidade de compreensão, material e intelectual, de estruturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, materiais e procedimentais, minimamente efetivas, por meio da sua acessibilidade, abrangência, clareza, determinabilidade e executoriedade” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 699). 84 “A confiabilidade significa o estado ideal em que o cidadão pode saber quais as mudanças que podem ser feitas e quais as que não podem ser realizadas, evitando, dessa forma, que os seus direitos sejam frustrados” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 699).

40

calculabilidade só existe se o cidadão puder controlar, hoje, os efeitos que lhe

serão atribuídos pelo Direito amanhã.”85

Nos regimes jurídicos decorrentes da família da civil law, esses ideias

eram buscados tão somente na lei – produto democrático, com caráter geral e

abstrato, decorrente de decisão majoritária dos integrantes do Poder Legislativo –,

considerada a principal fonte do direito que estabelecia as regras para o futuro.

A legalidade era a garantia da previsibilidade da atuação estatal. O art.

5.º, II e XXXIX, da Constituição de 1988 é emblemático nesse sentido: “ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

No entanto, hoje, inequivocamente, o direito não se confunde (mais) com

a lei.

Após 1945, precipuamente depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu

um momento de ruptura sobre o papel da lei, inicialmente na Europa e,

posteriormente, com reflexo nos demais continentes. Como observa Tercio

Sampaio Ferraz Júnior: “Hoje, a sensação é de uma espécie de crise desse

paradigma, o paradigma do direito legislado e codificado”.86

Houve massificação e profusão de leis; expansão de textos normativos

dotados de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados como forma de

acompanhar as mudanças sociais e amoldar aos casos concretos; alteração na

teoria das normas e sua classificação, com atribuição de eficácia normativa aos

princípios e não mais meramente integrativa; a Constituição passou a ser dotada

de força normativa; o direito passou a ser analisado na perspectiva dos direitos

fundamentais, que possuem eficácia e aplicabilidade imediata, em valorização e

em respeito à dignidade da pessoa humana.

Por conseguinte, foi preciso aplicar novas técnicas interpretativas para a

concretização do direito, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da

atividade jurisdicional, a distinção entre texto e norma, a adoção da

proporcionalidade na aplicação de espécies normativas e a identificação do

85 “A calculabilidade significa o estado ideal em que o cidadão pode saber como e quando as mudanças que podem ser feitas, impedindo que aquele seja surpreendido” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 700). 86 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XIV e XI.

41

método de concretização dos textos em detrimento da subsunção,87 o que fez

surgir “uma nova concepção da argumentação jurídica que vem sendo chamada

de neoconstitucionalista”.88

Além dessas questões técnico-jurídicas, é importante registrar a

ampliação do acesso à justiça à sociedade, que passou a demandar uma grande

quantidade de causas repetitivas perante o Poder Judiciário.

Por isso, uma das formas de o Estado assegurar a efetiva segurança

jurídica é pela instituição de um sistema de precedentes judiciais, com técnicas de

uniformização de jurisprudência e de fixação de teses jurídicas para determinados

casos concretos, criando um ambiente de previsibilidade de comportamentos

tanto dos que devem ser seguidos quanto dos que devem ser suportados.89

A maior previsibilidade das decisões judiciais reduz o anseio do cidadão

de saber o que pode ou o que não pode fazer. Dificilmente algum sistema jurídico

consegue garantir a previsibilidade como segurança jurídica se não respeita os

precedentes judiciais. Um sistema que não observa os precedentes judiciais não

informa a sociedade sobre o que pode ou não pode fazer, criando uma situação

de insegurança jurídica,90 pois não consegue reduzir a indeterminação.

Ademais, um sistema que prevê técnicas para a uniformização de

jurisprudência e de fixação de teses jurídicas para determinados casos concretos

contribui com a fixação da solução correta, entre todas as soluções possíveis no

ordenamento jurídico; para a mesma situação fática em um determinado

momento jurídico contribui para a almejada segurança jurídica. Nesse sentido,

Teresa Arruda Alvim afirma que “A uniformização faz chegar à única solução

87 DIDIER JR., Fredie. Teoria do processo e teoria do direito: o neoprocessualismo. In: ______ (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Segunda Série. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 257. 88 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XVI. 89 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 140. 90 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 55.

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correta. Ela é ínsita à ideia de sistema jurídico, imprescindível à criação de

previsibilidade, de segurança jurídica e ao tratamento isonômico dos indivíduos”.91

Sobre a insegurança jurídica como ameaça à credibilidade do Poder

Judiciário, escreveu o Ministro Dias Toffoli: Uma das mais sérias ameaças à credibilidade do Poder Judiciário é a contradição interna de suas decisões. Não pode o mesmo direito dar ensejo a efeitos tão díspares, capazes de gerar insegurança jurídica e até a perda de coerência lógica no exercício da jurisdição.92

Realmente, a insegurança jurídica caracteriza-se como uma séria ameaça

à credibilidade do Poder Judiciário. O mesmo direito não pode gerar efeitos

diferentes em situações semelhantes, pois causa insegurança jurídica, perda de

credibilidade e desconfiança da atuação do Estado-juiz.

Portanto, em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica atua com a

finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de comportamento do

Estado perante os atos dos cidadãos. Dessarte, o sistema de precedentes

judiciais contribui para a ampliação da segurança jurídica.

1.4.2 Segurança jurídica sob a perspectiva objetiva: estabilidade das relações

jurídicas

Por outro lado, a segurança jurídica atua no ordenamento jurídico como

garantia de estabilidade das situações jurídicas consolidadas ou de estabilidade

nas relações interpessoais. A segurança do próprio direito é a segurança de que o

direito conhecido e aplicado será eficaz e estável.

Nesse sentido, a segurança jurídica das relações jurídicas é prevista no

art. 5.º, XXVI, da Constituição ao garantir que “a lei não prejudicará o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

O legislador estabeleceu os seus conceitos nos parágrafos do art. 6.º da

Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro – LINDB (denominação

91 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1234. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. MS 28.790-DF, Relator Ministro Dias Tóffoli, julgada em 10.08.2010.

43

atribuída pela Lei 12.376/2010 à antiga Lei de Introdução do Código Civil – LICC).

O caput prevê que “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato

jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Conforme dispõe o § 1.º do art. 6.º, “Reputa-se ato jurídico perfeito o já

consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Tal direito

fundamental assegura que eventual alteração posterior na lei não pode repercutir

na esfera jurídica protegida, sendo o ato válido, inclusive para a produção de

efeitos futuros, quando observou, no momento de sua realização, os requisitos de

validade previstos em lei. “O ato jurídico perfeito é aquele apto a produzir os seus

efeitos, porque constituído em conformidade com a legislação então em vigor. A

lei nova não pode desconstituí-lo.”93 Por exemplo, uma lei nova no Brasil majora a

idade mínima para dirigir dos atuais 18 para 21 anos de idade; aquele cidadão

com menos de 21 anos que obteve a permissão do Estado para dirigir continuará

autorizado mesmo diante da lei nova.

O direito adquirido é o direito incorporado à esfera jurídica da pessoa em

virtude da ocorrência de fato aquisitivo que já se completou, mas ainda não

produziu o efeito jurídico previsto. Nos termos do § 2.º do art. 6.º da LINDB:

“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele,

possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou

condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

Ele não se confunde com a expectativa de direito nem com o direito

consumado. Na expectativa de direito, o fato aquisitivo de direito inicia-se, mas

não se completa. Por seu turno, no direito consumado o fato aquisitivo se

completou e os efeitos jurídicos previstos já foram produzidos. O direito brasileiro

não protege a expectativa de direito, apenas o direito adquirido e o direito

consumado,94 assegurando a estabilidade das relações jurídicas decorrentes da

93 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231. 94 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231.

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proteção do direito adquirido e do direito consumado do cidadão em face da lei

nova,95 que não pode retroagir para atingir tais direitos.

Por fim, o § 3.º do art. 6.º da LINDB dispõe que: “Chama-se coisa julgada

ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Traduz-se na

imutabilidade de decisão judicial transitada em julgado como instrumento de

estabilização da relação jurídica submetida à apreciação do Poder Judiciário.

A coisa julgada integra o conteúdo do direito à segurança jurídica e se

encontra expressamente prevista no art. 5.º, XXXVI, da Constituição, uma

garantia da manifestação do Estado Democrático de Direito para as atividades do

Poder Judiciário. 96 Em nome da segurança jurídica do próprio direito, todo

processo deve ter um fim (Roma locuta, causa finita – Roma falou, encerrada a

discussão).

Assim, instaurada a demanda, passa a ser dever estatal a prestação da

tutela jurisdicional definitiva dos direitos substanciais, violados ou ameaçados.97

Após o devido processo legal, resolvida a demanda – por sentença, decisão

interlocutória de mérito,98 decisão unipessoal nos Tribunais ou acórdão –, seja

95 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Códigl Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 139-140. 96 Para Nelson Nery Junior: “Em outras palavras, a coisa julgada é elemento de existência do estado democrático de direito. [...] A segurança jurídica, trazida pela coisa julgada material, é manifestação do estado democrático” (Princípio do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 51). Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina lecionam que a coisa julgada: “[...] trata-se de princípio agregado ao Estado Democrático de Direito, porquanto para que se possa dizer, efetivamente, esteja este plenamente configurado é imprescindível a garantia de estabilidade jurídica, de segurança e orientação e realização do direito. Assim considerado princípio, nota-se que é irrelevante a menção expressa, na Constituição Federal, acerca da coisa julgada – muito embora a Constituição Federal brasileira o faça, no art. 5.º, inc. XXXVI, no sentido de não permitir à lei retroagir para atingir a coisa julgada – porquanto esta é umbilicalmente ligada ao Estado Democrático de Direito” (Dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais 2003. p. 22). 97 Como leciona Nicola Picardi: “Independentemente da una specifica previsione, l’azione ha assunto, così, un carattere generale ed atipico, in quanto è stata concepita, non come una mera aspettativa, ma come un diritto alla tutela giurisdizionale, garantito a tutti coloro che si affermano titolari di un diritto sostanziale, violato o monacciato. In altri termini, attribuire un diritto sostanziale comporta, anche e soprattutto, assicurare allo stesso tutela giurisdizionale” (PICARDI, Nicola. Manuale del processo civile. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2013. p. 145). 98 O Código de Processo Civil de 2015 admitiu, de forma expressa, a possibilidade de julgamento parcial de mérito, reconheceu a teoria dos capítulos da decisão judicial e, por consequência, a formação de coisa julgada progressiva, gradual ou parcial em um mesmo processo, formadas em momentos diferentes. O art. 356 prevê expressamente a possibilidade de o juiz julgar definitivamente parcela do mérito da demanda, ou seja, de julgar um ou mais pedidos formulados, ou parcela deles, quando apresentar-se incontroverso ou quando estiver em condições de

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pelo exaurimento das vias de recurso disponíveis, seja pela não interposição dos

recursos cabíveis, há necessidade de garantir que a decisão jurisdicional seja

definitiva, como forma de proporcionar segurança jurídica, estabilidade do direito

e estabilidade das relações jurídicas.99 Nesse aspecto, a coisa julgada se reveste

de extrema importância no ordenamento jurídico.

A propósito, a coisa julgada pode ser formal ou material. De acordo com

Luiz Eduardo Ribeiro Mourão,100 coisa julgada formal alude à indiscutibilidade

externa, que se refere às decisões de conteúdo processual (art. 485, Código de

Processo Civil), enquanto a coisa julgada material é a mesma indiscutibilidade

externa, só que das decisões de mérito (art. 487, Código de Processo Civil).

A coisa julgada formal é o instituto que impede a reanálise de uma

decisão final dentro de uma mesma relação jurídico-processual por não sê-la mais

impugnável. Como leciona Bruno Sassani: “Sappiamo che si disse formalmente

‘passata in giudicato’ la sentenza definitiva perché non più impugnabile”.101 Trata-

se de imutabilidade da sentença como ato em si considerado, conforme ensina

Franco de Stefano.102 A coisa julgada (formal) é o instituto que assegura que a

sentença transitada em julgado não corre mais o risco de ser impugnada na imediato julgamento, decorrente da desnecessidade de produção de outras provas, ou por ser o réu revel, com presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e inexistência de requerimento de produção de provas. Neste caso, uma vez não impugnada a decisão interlocutória de mérito ou, se impugnada, não couber mais recurso, esta decisão transitará em julgado (art. 356, § 3.o) e será, por consequência, acobertada pela coisa julgada material, como a autoridade que a torna imutável e indiscutível (art. 502; art. 6.o, § 3.o, LINDB). Sobre o tema: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O regime especial do agravo de instrumento contra decisão parcial (com ou sem resolução de mérito). Revista de Processo, v. 264, p. 183-205, fev. 2017; MOUTA ARAÚJO, José Henrique. A recorribilidade das interlocutórias no novo CPC: variações sobre o tema. Revista de Processo, São Paulo, v. 251, 2016; MOUTA ARAÚJO, José Henrique. Coisa julgada sobre as decisões parciais de mérito e ação rescisória. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al. (Coord.). Processo em jornadas. Salvador: JusPodivm, 2016; OLIVEIRA JUNIOR, Délio Mota de. A formação progressiva da coisa julgada material e o prazo para o ajuizamento da ação rescisória: contradição do novo Código de Processo Civil. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. (Coleção Novo CPC – Doutrina selecionada, v. 6.); ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef de. Decisão interlocutória de mérito e coisa julgada parcial. In: SANTOS, Welder Queiroz dos et al. (Coord.). Juizados especiais. Salvador: JusPodivm, 2016; PANTOJA, Fernanda Medina; HOLZMEISTER, Verônica Estrella. O agravo de instrumento contra decisão parcial e a impugnação de decisões interlocutórias anteriores. In: GALINDO, Beatriz Magalhães; KOLBACH, Marcela (Coord.). Recursos no CPC/2015: perspectivas, críticas e desafios. Salvador: JusPodivm, 2017. 99 STEFANO, Franco de. Revocazione e opposizione di terzo. Milano: Giuffrè, 2013. p. 11. 100 MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 173. 101 SASSANI, Bruno. Lineamenti del processo civile italiano. 5. ed. Milano, Giuffrè, 2015. p. 451. Tradução livre: “Sabemos que se chama formalmente transitada em julgado a sentença definitiva porque não mais impugnável”. 102 STEFANO, Franco de. Revocazione e opposizione di terzo. Milano: Giuffrè, 2013. p. 13-14.

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mesma relação jurídica processual, tornando-a, nessa perspectiva, imutável e

irrevogável.103

Por sua vez, no ordenamento jurídico brasileiro, o art. 502 do Código de

Processo Civil estabeleceu que “Denomina-se coisa julgada material a autoridade

que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”

nem à remessa necessária, como bem lembrado por José Carlos Barbosa

Moreira.104

A coisa julgada material pode ser entendida como a qualidade que torna

imutável e indiscutível o comando que emerge, em regra, do conteúdo do

dispositivo da decisão de mérito105 – ou da questão prejudicial, nos termos do §

103 Para Giuseppe Chivenda, a coisa julgada formal é a preclusão da impugnação pela via recursal (“preclusione dele impugnative”) (CHIOVENDA, Giuseppe. Princippi di diritto processual civile. Napoli: Jovene, 1980. p. 911-914). No mesmo sentido, Enrico Tullio Liebman destaca que a coisa julgada formal é a preclusão da impugnação pelas vias ordinárias (“L’opinione comune distingue infatti la cosa giudicata in formale e sostanziale. La prima sarebbe data dal passaggio in giudicato della sentenza, cioè dalla preclusione dele impugnative (quelle ordinarie), e costituirebbe il pressuposto dela cosa giudicata sostanziale”) (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. A cura di Vittorio Colesanti, Elena Merlin e Edoardo F. Ricci. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2007. p. 269). E também Eduardo Couture entende que: “Por um lado, depara-se ao intérprete a circunstância de que certas decisões judiciais, mesmo depois de esgotadas as vias de recurso, têm uma eficácia meramente transitória. Cumpre-se e são obrigatórias tão somente com relação ao processo em que foram proferidas e ao estado de coisas que se teve em consideração no momento de decidir; mas não obstam a que, em processo posterior, mudado o estado de coisas que se teve presente ao decidir, a coisa julgada possa ser modificada. A esta forma particular chama-se, em doutrina, coisa julgada formal” (COUTURE, Eduardo J. Fundamentos de direito processual civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 241). 104 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Temas de direito processual: Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 107. 105 Trata-se de concepção de Enrico Tullio Liebman, para quem a coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente de uma sentença, tanto no seu conteúdo quanto nos seus efeitos (LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 55), em aperfeiçoamento da concepção de Giuseppe Chiovenda, que entendia ser a coisa julgada a indiscutibilidade da existência da vontade concreta da lei afirmada na sentença (“consiste nell’indiscutilitá dela esistenza dela volontà concreta di legge affermata”) (CHIOVENDA, Giuseppe. Princippi di diritto processual civile. Napoli: Jovene, 1980. p. 909. Tradução livre). Em outra obra, Liebman afirma que: “Tutto ciò si esprime dicendo cje la sentenza è passata in giudicato, ossia che è divenuta immutabile e in pari tempo immutabile è divenuta anche la statuizone che vi è contenuta, com tutti gli effetti che ne scaturiscono” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. A cura di Vittorio Colesanti, Elena Merlin e Edoardo F. Ricci. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2007. p. 269). José Carlos Barbosa Moreira, por sua vez, sustenta que “a coisa julgada não se identifica nem com a sentença transita em julgado, nem com o particular atributo (imutabilidade) de que ela se reveste, mas com a situação jurídica em que passa a existir após o trânsito em julgado. Ingressando em tal situação, a sentença adquire uma autoridade que – esta, sim – se traduz na resistência a subsequentes tentativas de modificação do seu conteúdo. A expressão ‘auctoritas rei iudicatae’ e não ‘res indicata’, portanto, é a que corresponde ao conceito de imutabilidade” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais, n. 416, p. 16-17, jun. 1970; e republicado: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a

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1.º do art. 503106 –, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, nem à

remessa necessária. 107 Imutável por ser dificilmente desfeita ou alterada e

indiscutível por não se poder questionar o que foi decidido,108 salvo em casos

excepcionais expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico.

Por ser decorrente da segurança jurídica, a coisa julgada material

assegura a estabilidade das relações jurídicas submetidas à apreciação do Poder

Judiciário. Nesse sentido, leciona Cassio Scarpinella Bueno que a coisa julgada é

uma [...] técnica adotada pela lei de garantir a estabilidade de determinadas manifestações do Estado-juiz, pondo-as a salvo inclusive dos efeitos de novas leis que queiram eliminar aquelas decisões ou, quando menos, seus efeitos. Neste sentido, a coisa julgada é uma, dentre tantas, forma de garantir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.109

A coisa julgada leva a segurança jurídica para o cidadão em seu caso

individual submetido à manifestação do Poder Judiciário. Cícero dizia que é na

coisa julgada que repousa a estabilidade do Estado.110

No entanto, o Poder Judiciário não pode analisar cada demanda de

maneira isolada, em uma visão microscópica.111 O juiz deve prezar pela coesão e

coisa julgada. Doutrinas essenciais de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2011. v. 6, p. 679 e ss.). 106 “Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. § 1.º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se: I – dessa resolução depender o julgamento do mérito; II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal. § 2.º A hipótese do § 1.º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial”. 107 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Temas de direito processual: Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 107; NERY JUNIOR, Nelson. Princípio do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 911. 108 Como enfatiza Cassio Scarpinella Bueno: “A coisa julgada recai sobre determinadas decisões judiciais. Nem sobre seus efeitos e nem sobre seu comando mas, mais amplamente, sobre aquilo que foi decidido pelo magistrado” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo, 2016. p. 399). 109 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo, 2016. p. 399. 110 REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil. 7. ed. atualizada por Benvindo Aires. São Paulo: Saraiva, 1966. v. 3, p. 48. 111 Ao tratar da relação entre demandas e segurança jurídica, Paulo Henrique dos Santos Lucon afirma, em contexto diferente do aqui abordado, que o magistrado que “analisa apenas cada demanda de maneira isolada, não atine ao fato de que um sistema jurídico coeso e coerente como o que se quer construir a partir da promoção do princípio da segurança jurídica não pode ser alcançado a partir de uma visão microscópica dos fenômenos jurídicos” (LUCON, Paulo Henrique

48

pela coerência do sistema jurídico para garantir a segurança jurídica em suas

duas perspectivas: segurança jurídica como previsibilidade da atuação estatal e

segurança jurídica como estabilidade das relações jurídicas.

Havendo segurança jurídica decorrente da previsibilidade proveniente da

existência de precedentes judiciais que levam maior integridade, coerência e

estabilidade ao sistema jurídico, é preciso investigar se a coisa julgada, como

elemento da segurança jurídica que proporciona estabilidade à relação jurídica

individual apreciada pelo Poder Judiciário, deve prevalecer quando decorrer de

decisão que aplica o direito no caso individual de forma contrária a precedente.

Essa questão ganha ainda mais importância no sistema jurídico brasileiro, que

admite desconstituição da coisa julgada e a rescisão da decisão judicial transitada

em julgado por violação manifesta à norma jurídica.

dos Santos. Segurança jurídica no novo CPC. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Panorama atual do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 333).

49

2 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA

JURÍDICA

2.1 CONCEITO E FINALIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA

A coisa julgada, a pretexto de assegurar a estabilidade da relação jurídica

e a segurança jurídica no caso individual, não pode ser tida como um instituto

jurídico que faz do branco, o negro; do quadrado, o redondo (no sentido do

aforismo: “res iudicata facit de albo nigrum, de quadratum rotundum”), ou vice-

versa.

Por essa razão, os principais ordenamentos jurídicos preveem formas

excepcionais112 de desconstituir a coisa julgada e rescindir a decisão viciada nas

também excepcionais hipóteses estabelecidas na ordem jurídica.

No Brasil, a ação rescisória é, por excelência, o meio de impugnação das

decisões transitadas em julgado, precipuamente as de mérito e,

consequentemente, de desconstituição da coisa julgada, quando presente pelo

menos uma das hipóteses de rescindibilidade previstas no ordenamento jurídico

brasileiro, em especial no art. 966.113

112 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231. 113 Há diversos trabalhos monográficos sobre o tema no Brasil, dos mais recentes aos mais antigos: MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória: do juízo rescindendo ao juízo rescisório. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017; DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ação rescisória dos julgados. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016; CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. São Paulo: Atlas, 2014; CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012; BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013; CARVALHO, Fabiano. Ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 2010; PORTO, Sérgio Gilberto. Ação rescisória atípica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009; DONADEL, Adriane. A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008; YARSHELL, Flávio. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005; RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 1979; SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática da ação rescisória. Rio de Janeiro: Forense, 1978; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976; BRASIL, Ávio. Rescisória de julgados. Rio, 1949; VIDIGAL, Luis

50

Sua finalidade é a desconstituição da coisa julgada por motivos de

invalidade ou de injustiça (erro de julgamento) da decisão rescindenda, nas

hipóteses de cabimento previstas no art. 966 do Código de Processo Civil, com,

se for o caso, eventual rejulgamento da causa (art. 968, I).

Nessa linha, é importante uma observação a respeito dos motivos que

autorizam a desconstituição da coisa julgada e a rescindibilidade de uma decisão

transitada em julgado no direito brasileiro.

Ao presente trabalho referir-se à rescindibilidade de decisão, faz menção

ao modo de impugná-la, via ação rescisória. Diferentemente, quando diz que uma

decisão é nula, alude ao vício do qual padece. Algumas decisões nulas – que,

não obstante assim o serem, transitam em julgado – são impugnáveis por ação

rescisória. Entretanto, nem todas decisões nulas são decisões rescindíveis,

tampouco todas decisões rescindíveis assim o são por motivo de nulidade.

As hipóteses de rescindibilidade previstas no ordenamento jurídico

brasileiro não se restringem a casos de nulidade da decisão. Há hipóteses de

rescindibilidade por injustiça (erro de julgamento) da decisão rescindenda. A

rescindibilidade com fundamento em violação manifesta à norma jurídica, em

prova falsa, em prova nova e em erro de fato independe de a decisão rescindenda

ser nula.114

Essa amplitude de rescindibilidade no Brasil não é imune a críticas.

Leonardo Greco, por exemplo, assevera que [...] nosso ordenamento confere uma extensão exagerada à ação rescisória, que torna a coisa julgada entre nós extremamente frágil. A destruição da coisa julgada serve, mormente, aos anseios do soberano, do Estado, em desfavor da segurança das relações jurídicas entre os cidadãos e entre estes e o próprio Estado.115

Portanto, devem ser levadas em consideração as palavras de Nestor

Diógenes, Desembargador da Corte de Apelação do Estado do Pernambuco, em

escrito à luz das disposições dos Códigos de Processo Estaduais, ao afirmar que,

Eulalio Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948; DIÓGENES, Nestor. Da ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 1938; AMERICANO, Jorge. Estudo theorico e pratico da acção rescisoria. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1936; CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignacio. Da acção rescisoria das sentenças e julgados. São Paulo: Francisco Alves, 1916. 114 Voltar-se-á a tratar da amplitude das hipóteses de cabimento da ação rescisória no Capítulo 2. 115 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 331-332.

51

“Substancialmente, ação rescisória é o direito, conferido a um interessado, de

renovar o litigio, dadas certas circunstancias especiaes”.116

No entanto, o objetivo da ação rescisória não reside apenas na

desconstituição da coisa julgada e na revogação da decisão judicial eivada de um

dos vícios rescisórios elencados no ordenamento jurídico, mas também, conforme

o caso, em efetuar um novo julgamento da causa.

2.2 NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO RESCISÓRIA

Os meios de impugnação das decisões judiciais podem ser concebidos

como recursos ou como ações de impugnação. No ordenamento jurídico

brasileiro, o traço distintivo entre eles é a continuidade ou a descontinuidade

existente entre o meio de impugnação e o processo em que se proferiu a decisão

impugnada.117

Diferentemente de outros ordenamentos jurídicos, no direito processual

civil brasileiro não existe meio de impugnar uma decisão transitada em julgado no

mesmo processo. Se houver res iudicata, a sua impugnação se dará por

instauração de outro processo. Essa é a opção política legislativa brasileira,

certamente influenciada pelo peso de sua origem histórica.

Por isso, a ação rescisória trata-se, na verdade, de uma verdadeira ação

autônoma de impugnação, um “remédio jurídico processual autônomo”,118 que dá

ensejo à formação de uma nova relação jurídica processual, diferente daquela na

qual foi proferida a decisão rescindenda.

116 DIÓGENES, Nestor. Da ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 1938, p. 123. 117 Trata-se de lição clássica de José Carlos Barbosa Moreira, que continua rígida à luz do Código de Processo Civil de 2015: “O que cabe afirmar é que a dicotomia subsiste no sistema pátrio, mas assente sobre base diversa: o traço discretivo essencial entre o ‘recurso’ e a ‘ação de impugnação’ já não se ligará à posição relativa de cada um desses expedientes em face da res iudicata, senão à continuidade e à descontinuidade que exista entre o processo de impugnação e o processo onde se proferiu a decisão impugnada. Claro está que, no rol das ‘ações de impugnação’, lugar preeminente fica reservado à rescisória, cuja nota característica é sempre a de dirigir-se contra a coisa julgada; não consistirá nisso, entretanto, o denominador comum de toda a classe” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 11, com mais vagar, p. 9-25). 118 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 66 e 120.

52

Ela não se confunde com os recursos, uma vez que, nas precisas lições

de Teresa Arruda Alvim, estes são “exercitáveis na mesma relação jurídica

processual em que foi proferida a decisão recorrida, sem que se instaure novo

processo contra decisões ainda não transitadas em julgado”.119

Como afirma Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, na ação rescisória,

ocorre o “julgamento do julgamento”, não no processo em que se proferiu a

decisão rescindenda, e sim fora, em uma nova relação jurídica processual. “É, na

verdade, uma verdadeira ação autônoma de impugnação, um remédio jurídico

processual autônomo.”120

Trata-se, portanto, de ação autônoma de impugnação de decisões

transitadas em julgado.

2.3 OBJETO DA AÇÃO RESCISÓRIA

O objeto da ação rescisória é a própria decisão rescindenda.121

O art. 966 deixou claro o cabimento de rescisória contra “decisão de

mérito, transitada em julgado”, diferentemente do art. 485 do Código de Processo

Civil de 1973 que restringia, em sua literalidade, a “sentença de mérito”.

Sobre o “mérito do processo”, Cândido Rangel Dinamarco, um dos

autores que, entre nós, mais se dedicou ao estudo do tema, ensina que: Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere), que, entre outros significados, tem o de pedir, pôr preço; tal é a mesma origem de meretriz e aqui também há a ideia do preço, exigência. Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame.122

119 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008, p. 463. 120 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 66 e 120. 121 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 120. 122 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 254. No mesmo sentido em: Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. v. II, p. 185-199. À luz do CPC de 2015, em coautoria com Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, volta ao tema com a seguinte lição: “Todo processo tem seu objeto, que é a pretensão a uma tutela jurisdicional, formulada com a demanda que lhe dá início e a cujo respeito o juiz emitirá seu provimento – pretensão de obter

53

No mesmo sentido é a lição de Arruda Alvim, que também se dedicou

intensamente ao estudo do tema: O conceito de mérito é congruente ao de lide, como ao de objeto litigioso, na terminologia alemã. Já o disse Liebman: é o pedido do autor que fixa o mérito. Nesse sentido, em obra clássica do Direito alemão, se esclarece que o pedido (usa a palavra pretensão: Anspruch) é o mesmo que mérito (usa a palavra objeto litigioso: Streitgegenstand).123

Portanto, por decisão de mérito, objeto da ação rescisória, deve ser

compreendida como a decisão que verse sobre o(s) pedido(s) de tutela

jurisdicional formulado(s) pelo autor acrescidos, eventualmente, de outros que

tenham sido apresentados ao longo do processo, inclusive pelo próprio réu.124

Ademais, o § 2.º do art. 966 admite também a ação rescisória contra

decisão transitada em julgado que, mesmo não sendo de mérito,125 impeça a

repropositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente. Em

outras palavras, admite o cabimento de rescisória que ataque a coisa julgada

formal.126

uma coisa ou os resultados de um fazer ou não fazer, pretensão à constituição de uma situação jurídico-substancial nova, a meras declarações etc. Tal é o objeto do processo, que se coloca diante do juiz, à espera do provimento que ele proferirá ao final. É, em outras palavras, o mérito da causa. Sobre ele o juiz se considera autorizado e obrigado a pronunciar-se e sua identificação mostra-se relevante não só para delimitação do provimento, como também em relação a outros institutos processuais, como a litispendência, a coisa julgada, a prejudicialidade, a alteração da demanda e o cúmulo de demandas” (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 178). 123 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Manual de direito processual civil. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. v. 1, p. 465. A lição de Arruda Alvim inspira-se no consagrado ensinamento de lição de Karl Hein Schwab, reconhecido processualista alemão, que minuciosamente se debruçou sobre o assunto em obra traduzida para o espanhol: SCHWAB, Karl Hein. El objeto litigioso en el proceso civil. Trad. por Tomas. A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1968. passim. 124 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2, t. I, p. 336; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo, 2016. p. 756. 125 Sergio Rizzi, à luz do Código de Processo Civil de 1973, defendia ser “inarredável a conclusão de que, no sistema do Código de Processo Civil de 1973, apenas as decisões de mérito transitadas em julgado são rescindíveis” (RIZZI, Sergio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 1979. p. 11). Por consequência, “a contrario sensu, todo juízo rescindente que tiver como objeto decisão não definitiva, findará por decreto de carência de ação” (Idem, p. 8). 126 Nesse sentido, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser cabível a ação rescisória para desconstituir a decisão judicial que extinguiu o processo sem resolução do mérito: STJ, 2.ª Turma, REsp 1.217.321/SC, Rel. originário Min. Herman Benjamin, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 18.10.2012.

54

O dispositivo normativo foi incluído pelo Deputado Sérgio Barradas

Carneiro, Primeiro Relator-Geral da Comissão Especial destinada à análise do

Projeto de Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados, em acolhimento

da sugestão feita por Rodrigo Barioni, professor da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados

no dia 07.12.2011.127

A previsão expressa é louvável.

No entanto, lamentavelmente o dispositivo sofreu alteração

antidemocrática “no apagar das luzes”, após a aprovação final no Senado Federal

e antes do encaminhamento para a sanção presidencial.

Com efeito, dispunha o § 2.º do art. 963 do Relatório-Geral apresentado

pelo Senador Vital do Rego – Parecer 956/2014 do Senado Federal –, e aprovado

no dia 16.12.2014, sem nenhuma ressalva a respeito do dispositivo, que: Nas hipóteses previstas no caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, não permita a repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito.

Estranhamente, a redação do dispositivo após a “revisão final”, feita entre

17 de dezembro de 2014 e 24 de fevereiro de 2015, contém uma redação

diferente da aprovada pelo Plenário: Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I – nova propositura da demanda; ou II – admissibilidade do recurso correspondente.

Esta última é a redação contida no Parecer 1.111/2014 do Senado

Federal, tornada público apenas em 24 de feveireiro 2015 e encaminhada para

sanção presidencial. A alteração torna o dispositivo formalmente inconstitucional

por escancarada violação ao devido processo legislativo.

127 O dispositivo normativo foi incluído pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, Primeiro Relator-Geral da Comissão Especial destinada à análise do Projeto de Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados, em acolhimento a sugestão feita por Rodrigo Barioni, professor da PUC/SP, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados no dia 07.12.2011, conforme Relatório de atividades (“Consolidação Barradas”) disponibilizado em 25.04.2012, quando deixou a relatoria-geral pela primeira vez.

55

A “revisão final” do Senado Federal jamais poderia ter alterado a redação

do dispositivo aprovado democraticamente pela maioria dos senadores,

modificando o sentido, a pretexto de mera mudança redacional.

Ora, “impeça o reexame do mérito” não é sinônimo de “impeça

admissibilidade do recurso correspondente”.

Ademais, a nova regra não encontra correspondência no Projeto

aprovado pela Câmara dos Deputados nem no Projeto aprovado pelo Senado

Federal, o que torna a alteração ainda mais grave.

Superado esse vício formal, é importante registrar que o aprimoramento

redacional do caput retira qualquer dúvida a respeito do cabimento de ação

rescisória contra qualquer tipo de pronunciamento judicial, de mérito ou não, seja

sentença, acórdão, decisão interlocutória ou decisão unipessoal no âmbito dos

tribunais.128

Os conceitos de sentença, de decisão interlocutória, de decisão

unipessoal e de acórdão são jurídico-positivos, extraíveis, portanto, do direito

positivo.129

Sentença é o pronunciamento judicial que, com fundamento nos arts. 485

e 487, põe fim à fase de conhecimento do procedimento comum e o que extingue

a execução, bem como outros pronunciamentos expressamente constantes nos

procedimentos especiais (art. 203, § 1.º).

A decisão interlocutória é o pronunciamento judicial de natureza decisória

que não se enquadra no conceito legal de sentença (art. 203, § 2.º). Pelo conceito

positivo adotado, os pronunciamentos que resolvem parcialmente o mérito são

denominados pelo Código de Processo Civil de 2015 de decisões interlocutórias

de mérito, e não de sentenças parciais, como propugnava parcela da doutrina.

Por sua vez, o acórdão é pronunciamento judicial decorrente do

julgamento colegiado proferido pelos tribunais (art. 204).

128 Sobre o cabimento de ação rescisória contra decisão monocrática ou unipessoal: CARVALHO, Fabiano. Ação rescisória contra decisão do relator. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Org.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 1013-1019. 129 Sobre a distinção entre conceitos jurídico-positivos e conceitos lógico-jurídicos: BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 94; DIDIER JR., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 49-52.

56

E, por fim, a decisão unipessoal é pronunciamento individual proferido

isoladamente, e não em colegiado, no âmbito dos tribunais. Nos termos do art.

966, todos esses pronunciamentos judiciais são aptos a transitar em julgado e a

ser objeto de ação rescisória.

2.4 HIPÓTESES DE CABIMENTO

As previsões legais de rescindibilidade de decisão de mérito transitada

em julgado são taxativas, em consonância com a proteção ao direito fundamental

à coisa julgada, prevista no art. 5.º, XXXVI, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988.130

No Código de Processo Civil de 1973 era rescindível a decisão proferida:

(i) por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; (ii) por juiz

impedido ou absolutamente incompetente; (iii) em decorrência de dolo, simulação

ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; (iv) em ofensa à coisa julgada;

(v) em violação a literal dispositivo de lei; (vi) com base em prova falsa; (vii) em

caso de documento novo; (viii) com base em confissão, desistência ou transação,

e haja fundamento para invalidá-la; (ix) com base em erro de fato.

Por sua vez, o art. 966 do Código de Processo Civil de 2015 prevê que as

decisões são rescindíveis: (i) por força de prevaricação, concussão ou corrupção

do juiz; (ii) por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; (iii) em

decorrência de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte

vencida; ou em decorrência de simulação ou de colusão entre as partes, a fim de

fraudar a lei; (iv) em ofensa à coisa julgada; (v) em violação manifesta à norma

jurídica; (vi) com base em prova falsa; (vii) em caso de prova nova; (viii) com base

em erro de fato. Ademais, o art. 525, §§ 12 a 15, e o art. 535, §§ 5.º a 8.º,

preveem expressamente o cabimento de ação rescisória em caso de coisa

julgada inconstitucional.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe avanços significativos no

tocante às hipóteses de cabimento da ação rescisória. Grande parte dessas

130 Por todos, BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo Civil interpretado. Organização de Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004. p. 1475.

57

alterações já constava no anteprojeto, mas outras foram feitas pelo Senado

Federal e também pela Câmara dos Deputados. Em regra, há uma ampliação das

hipóteses de cabimento, em consonância com o que há muito tempo tem sido

proposto e interpretado ampliativamente pela doutrina.

A exceção se dá no que diz respeito à previsão constante no inciso VIII do

art. 485 do Código de Processo Civil de 1973 que, no Código de Processo Civil de

2015, deixa de existir. Com efeito, o dispositivo dispõe ser cabível ação rescisória

quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em

que se baseou a decisão, o que, rigorosamente, deve ser questionado via ação

anulatória. Rigorosamente, exclui-se apenas a rescindibilidade da decisão de

mérito baseada na confissão. A opção do Código de Processo Civil de 2015 foi

deixar claro que a decisão de mérito que homologue transação, reconhecimento

jurídico do pedido ou renúncia à pretensão são categorias de decisões judiciais

impugnáveis pela ação anulatória.131

131 A transação realizada entre as partes e homologada judicialmente somente poderia ser impugnada por ação anulatória. Como já lecionava Pontes de Miranda: “Quanto às decisões que homologuem atos das partes e aos atos processuais das partes, ou pessoas que agiram no processo em atos jurídicos de direito material, insertos no processo, e que independem de homologação, incide o art. 486 do Código de Processo Civil” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 204). Nesse sentido, são as lições de Leonardo Greco: “O Código de 2015, de modo análogo, dispõe no 4.o do artigo 966 que ‘Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei’. A ideia é a mesma. São provimentos do juiz com efeito no direito material das partes ou de terceiros, mas com cognição restrita e superficial, como, por exemplo, a homologação da transação. Não estão sujeitos a ação rescisória, mas a ação anulatória de ato jurídico, na forma da lei civil” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 3, p. 336). Da mesma forma, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o § 4.o do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015: “Atos processuais das partes. Ação anulatória. Podem ser anulados desde que viciados por infração a qualquer dispositivo legal, material ou processual. Os requisitos e prazos de exercício da ação anulatória são os regulados pela lei civil. Note-se que o CPC 966 § 4.o fala em ‘atos de disposição de direitos’ e em ‘atos homologatórios praticados no curso da execução’, enquanto o CPC/1973 486 falava apenas em ‘atos judiciais’; a lei atual especifica o tipo de ato judicial que está sujeito à anulação. Esse foi o propósito do RFS-Senado: manter a linha daquilo que já estava sedimentado em doutrina e jurisprudência a respeito da ação anulatória, com ajustes de redação que permitissem maior clareza interpretativa (p. 107)” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1924). O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em jurisprudência pacífica, também é no mesmo sentido, qual seja sentença homologatória somente é impugnável por ação anulatória. Por todos: “A jurisprudência desta Corte de Justiça é firme no sentido de que o pleito de desconstituição de sentença homologatória de alimentos demanda ação própria, prevista no artigo 486 do Código de Processo Civil” (STJ, 3.ª Turma, AgRg no REsp 1152702/MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 15.05.2014, DJe 27.05.2014).

58

Manteve-se o cabimento em caso de decisão proferida por força de

prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. Quanto à hipótese de cabimento

contra decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, o

anteprojeto retirou a incompetência absoluta, mas o Senado Federal a trouxe de

volta para o projeto. A Câmara dos Deputados acrescentou a coação da parte

vencedora em detrimento da parte vencida ao lado do dolo e da simulação ou

colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei. Mantiveram-se as hipóteses em

caso de ofensa à coisa julgada e de rescisória por prova falsa apurada em

processo criminal ou na própria ação rescisória. Ampliou-se o cabimento de

rescisória em caso de “documento novo” para qualquer tipo de “prova nova”, cuja

existência o autor ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz de alterar, por si

só, a decisão rescindenda. Conservou-se a rescisória em caso de erro de fato. E,

por fim, previu o cabimento de ação rescisória na hipótese de coisa julgada

inconstitucional.

Especificamente para fins do tema objeto do presente trabalho, o Código

de Processo Civil de 2015, desde o anteprojeto, substituiu o cabimento de ação

rescisória em caso de violação a literal dispositivo de lei por violação manifesta à

norma jurídica, aperfeiçoando o dispositivo.

2.5 ESPECIFICAMENTE A VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA

Ao tratar de coisa julgada ilegal e segurança jurídica, em texto em

homenagem ao Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal José Paulo

Sepúlveda Pertence, Sérgio Bermudes afirma: Sem dúvida, devem-se aperfeiçoar os meios hábeis a prevenir as sentenças aberrantes. [...] No tocante às decisões judiciais cuja subsistência é repugnante, existe a certeza de que elas não podem prevalecer de nenhum modo. Seria contrassenso pretender-lhes a eficácia, em nome da segurança jurídica, quando elas são causa de insegurança jurídica pelas incertezas, pela incredulidade, pelos temores que infundem. Produzem efeito contrário à sua finalidade institucional.132

132 BERMUDES, Sérgio. Coisa julgada ilegal e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 135.

59

O Código de Processo Civil de 1973 previa como hipótese de cabimento

de ação rescisória no inciso V do art. 485 a decisão proferida em “violação a literal

disposição de lei”.

Pontes de Miranda já dizia que “violação à lei” deveria ser entendida

como violação ao direito, “infração à regra jurídica”, “ofensa ao direito em tese”,133

o que, de outro modo, refere-se à norma jurídica. Em suas palavras: Se entendemos que a palavra “lei” substitui a que lá devera estar – “direito” – já muda de figura. [...] Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impor a “letra” legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia àquilo para que foi criada: realizar o direito objetivo, apaziguar.134

Na mesma linha, José Carlos Barbosa Moreira dizia que no texto de lei

deveria constar o cabimento de ação rescisória por violação a “direito em tese”, in

verbis: Melhor teria sido substituí-la por “direito em tese”, como sugeriu a Comissão revisora. O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum.135

Cassio Scarpinella Bueno, por sua vez, afirmava que “Lei, tal qual

empregada no dispositivo [inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil de

1973], é sinônimo de norma jurídica, independentemente de sua gradação”.136

133 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 297. Em outro excerto, afirma que: “Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se o elemento só fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado” (Idem, p. 269). Nesse mesmo sentido, Flávio Luiz Yarshell assevera que: “Se o sistema jurídico aceita que a lei não é a fonte exclusiva do direito, então, não há sentido em restringir a previsão legal, sem que isso, naturalmente, signifique permitir, em ação rescisória, o reexame de toda e qualquer decisão, por todo e qualquer fundamento, como se tal remédio fosse, como dito, uma nova instância recursal” (YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízo rescindente e juízo rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 323-324). 134 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266. 135 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. V, n. 78, p. 131-133. 136 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 5, p. 330.

60

No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim apontava que o direito não se

resumia à literalidade da lei posta, sendo preciso interpretar “violar literal

disposição de lei” como “violar o sistema jurídico”.137

Desse modo, andou bem o Código de Processo Civil de 2015 ao prever

expressamente como rescindível aquela decisão que “violar manifestamente a

norma jurídica”. Como lecionava Ulderco Pires dos Santos: “O que o legislador

quer com a ação rescisória é a correção das sentenças proferidas com ofensa à

norma jurídica”.138

Para tratar do cabimento de ação rescisória por violação manifesta à

norma jurídica faz-se necessário compreender o significado de “norma jurídica”,

de “violar” e de “manifesta” nos dias de hoje.139

2.5.1 Pensamento jurídico contemporâneo e norma jurídica

Ainda que seja um elemento-base do direito, conceituar o que vem a ser

norma jurídica não é uma tarefa fácil. A norma jurídica há muito tempo tem sido

objeto de estudos e a sua compreensão está em constante evolução. Por isso, é

preciso compreender o que ela vem a ser no atual contexto do direito, na

contemporaneidade.

O Brasil é um país que possui suas raízes na família de direito romano-

germânica, em que a ciência do direito se formou sobre as bases do direito

romano, ligado à antiga Roma, cujas regras de direito eram concebidas como

regras de conduta, visando regular as relações entre os cidadãos. A família

romano-germânica formou-se graças aos esforços das universidades europeias

que, a partir do século XII, fizeram renascer a ideia de direito, elaboraram e

desenvolveram uma ciência do direito comum a todos, tendo com base principal 137 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 518. 138 SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática da ação rescisória. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 41. 139 A origem da ação rescisória por violação à norma jurídica reside, ao que parece, no restitutio in integrum previsto no direito romano. Para um estudo aprofundado sobre a possibilidade de rescisão de decisões judiciais no direito romano, na península ibérica, no direito lusitano e no direito brasileiro: COSTA, Moacyr Lobo da. A revogação da sentença. São Paulo: Ícone, 1995. Contemporaneamente, o tema foi objeto de estudo de Daniel Mitidiero: MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória no direito comparado: da comparação vertical à comparação horizontal. Revista de Processo Comparado, v. 5, p. 43–62, Jan.–Jun. 2017.

61

as compilações do imperador Justiniano. A partir do século XIX, a lei ganhou um

papel de destaque e iniciou-se um período de técnica jurídica da codificação.140

A lei em geral era considerada a principal fonte do direito nos países da

família romano-germânica. 141 Um produto democrático, com caráter geral e

abstrato, decorrente de decisão majoritária dos integrantes do Poder Legislativo,

que estabelece regras para o futuro. A tarefa do juiz era considerada descobridora

ou reveladora do direito legislado. Tratava-se de uma característica marcante do

chamado positivismo jurídico. A lei, por vezes, era confundida com o próprio

conceito de direito.142

No entanto, após 1945, precipuamente após a Segunda Guerra Mundial,

ocorreu um momento de ruptura sobre o papel da lei, inicialmente na Europa e,

posteriormente, com reflexo nos demais continentes. Como bem observa Tercio

Sampaio Ferraz Júnior, “Hoje, a sensação é de uma espécie de crise desse

paradigma, o paradigma do direito legislado e codificado. Está em voga o

chamado neoconstitucionalismo”.143

O neoconstitucionalismo surge como fenômeno histórico-político-jurídico

no pós-guerra e como uma nova perspectiva da filosofia do direito. Embora essa

seja sua origem, o vocábulo sofreu algumas modificações em sua compreensão.

A denominação passou a ser utilizada para indicar o constitucionalismo

contemporâneo e o sistema jurídico caracterizado como estado constitucional de

direito. Em outras palavras, o neoconstitucionalismo passou a ser utilizado como

sinônimo da doutrina do constitucionalismo contemporâneo,144 como terminologia

apta a explicar os textos constitucionais – e suas características – que surgem

após a Segunda Guerra Mundial.145

140 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 23-24 e 38-39. 141 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 111. 142 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013, p. 165-166. 143 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XIV e XI. 144 POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo: um modelo constitucional ou uma concepção da Constituição? Revista Brasileira Direito Constitucional, São Paulo, n. 7, v. 1, p. 231, jan.-jun. 2006. 145 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240.

62

A atual fase da teoria do direto pode ser denominada, portanto, como

neoconstitucionalismo, em que as normas infraconstitucionais devem ser

analisadas, interpretadas e aplicadas conforme as normas constitucionais, os

princípios jurídicos e os direitos fundamentais. 146 A força normativa da

Constituição impõe que a interpretação da legislação infraconstitucional observe a

Constituição constitucional. Os princípios deixaram de ter mera característica de

integração de lacunas e, agora, exercem funções integrativa, definitória,

interpretativa e bloqueadora em relação às regras. Os direitos fundamentais, em

razão da sua eficácia e aplicabilidade imediata, também devem ser observados

na análise, na interpretação e na aplicação do direito. Soma-se a isso a expansão

do método legislativo com adoção de cláusulas gerais e de conceitos

indeterminados e a profusão de leis.

Com isso, a hermenêutica jurídica também se alterou. Se a análise, a

interpretação e a aplicação das leis (profusas) devem respeitar as normas

constitucionais, os direitos fundamentais e os princípios jurídicos, e também dar

vida às cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados à luz dos fatos concretos,

é preciso adotar novas técnicas interpretativas para a concretização do direito,

“uma nova concepção da argumentação jurídica que vem sendo chamada de

neoconstitucionalista”.147

É necessário, então, apontar as principais características do pensamento

jurídico contemporâneo para se compreender o significado de “norma jurídica”.

Em nosso sentir, sem pretensão de exaurimento, podemos elencar como as

principais características do atual momento do pensamento jurídico: (i) a

Constituição passou a ser dotada de força normativa; (ii) a teoria dos princípios,

com a atribuição de eficácia normativa e não meramente integrativa aos

princípios, alterou a teoria das normas e sua classificação; (iii) o direito passa a 146 Apesar do dissenso quanto à nomenclatura, Daniel Sarmento demonstra que há certo consenso quanto às características gerais dessa atual fase da metodologia jurídica: SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: teoria da Constituição. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 31-67. Por outro lado, Georges Abboud e Rafael Tomaz de Oliveira procuram distinguir o pós-positivismo do neoconstitucionalismo a partir de uma perspectiva filosófica. Neoconstitucionalismo: vale a pena acreditar?. Constituição, economia e desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 7, n. 12, p. 196-214, jan.-jun. 2015. 147 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XVI.

63

ser analisado na perspectiva dos direitos fundamentais, que possuem eficácia e

aplicabilidade imediata, em valorização e em respeito à dignidade da pessoa

humana; (iv) a expansão do método legislativo com base em cláusulas gerais e

em conceitos indeterminados; (v) a profusão de leis. A hermenêutica jurídica

também passou por modificação (a) com o reconhecimento do papel criativo e

normativo da atividade jurisdicional; (b) a distinção entre texto e norma; (c) a

adoção da proporcionalidade na aplicação de espécies normativas; e (d)

identificação do método de concretização dos textos em detrimento da

subsunção.

Essa nova forma de ver o direito conforma a interpretação e vincula o

Estado e os particulares. Essas características do pensamento jurídico

contemporâneo são premissas necessárias para a compreensão da atual fase do

direito. É a partir dessa realidade histórica que se deve entender o significado de

norma jurídica para fins de cabimento de ação rescisória.

2.5.2 Características do pensamento jurídico contemporâneo

2.5.2.1 Força normativa da Constituição

Hoje, não há como interpretar o direito, qualquer que seja ele, o direito

processual civil, inclusive, sem ter os olhos voltados para a Constituição. Ela

passou a ser o ponto de partida para qualquer reflexão sobre o direito, de modo

que toda a ordem jurídica deve ser lida e compreendida à luz da Constituição,

fenômeno que alguns constitucionalistas denominam de “filtragem constitucional”. [Como] toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada um, a identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atenuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que se denomina pré-compreensão.148

148 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 2-3.

64

É preciso, pois, pré-compreender o momento atual. Hoje, principalmente

após a Constituição de 1988 – marco do pós-positivismo ou do

neoconstitucionalismo no Brasil –, vive-se em uma época de vertiginosa ascensão

científica do constitucionalismo.149

Como lecionam Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, [...] as normas constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, dotadas de imperatividade, aptas a tutelar direta e imediatamente todas as situações que contemplam. Mais do que isso, a Constituição passa a ser a lente através da qual se leem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais.150

Isso não significa que sempre foi assim. Ferdinand Lassalle, em 1862,

sustentou que as questões constitucionais eram, originariamente, questões

políticas, e não jurídicas. A Constituição jurídica não passava de um pedaço de

papel (ein Stück Papier), já que a Constituição real do país expressava as

relações (fatores) reais de poder. Georg Jellinek, quarenta anos depois, afirmou

que a divisão de poderes políticos não era apta para o controle por regras

jurídicas. Essa interpretação importava na própria negação do direito

constitucional como ciência jurídica. Havia um isolamento entre norma e

realidade.151

É, então, nesse panorama que surge, como marco, a obra de Konrad

Hesse, intitulada A força normativa da Constituição (Die normative kraft der

verfassung), 152 um dos textos mais significativos do direito constitucional da

atualidade. Demonstra o professor da Universidade de Freiburg, na Alemanha, e

ex-presidente da Corte Constitucional alemã (Bundesverfassungsgericht), que a

Constituição se converterá em força ativa com a conscientização geral não só da

149 Para um estudo aprofundado sobre a importância do constitucionalismo para o direito brasileiro, consultar: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. passim. 150 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 329-330. 151 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 9-11. 152 Na versão original em alemão: HESSE, Konrad. Die normative kraft der verfassung. Tübingen: J.C.B. Mohr, 1959. Há tradução para o espanhol elaborada por Pedro Cruz Villalón: Escritos de derecho constitucionao. Madrid, 1983, p. 60-84. E há também a tradução para o português, utilizada por no presente trabalho, realizada por Gilmar Ferreira Mendes: A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991. passim.

65

vontade de poder (Wille zur Macht), mas também da vontade da Constituição

(Wille zur Vergassung). Essa vontade se origina da necessidade (e valor) de uma

ordem normativa rígida, em constante processo de legitimação jurídica, e

dependente do concurso da vontade humana (práxis) para ser eficaz. Ademais,

ela – a Constituição jurídica – deve levar em conta o “estado espiritual”, a

realidade histórica de seu tempo, além dos elementos sociais, políticos e

econômicos dominantes.153

Nesse cenário, a Constituição passou a ser dotada de força normativa,154

apoiada no compromisso com a efetividade de suas normas e com o

desenvolvimento de uma dogmática de interpretação constitucional, baseada em

princípios que abriram o sistema jurídico para os valores dispersos na sociedade.

Isso agregou “uma valia material e axiológica à Constituição, potencializada pela

abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios”.155

O intérprete do direito foi conduzido a rever o modo de aplicação das

normas infraconstitucionais, interpretando-as de forma intensamente ligada à

Constituição.156 O juiz na interpretação e na aplicação do direito ao caso concreto

deve levar em conta os valores constitucionais. “O que se atinge com a

interpretação moral judicial da constituição são as mesmas razões em favor do

processo democrático e aquelas em favor da persistência da constituição.”157

Trata-se, como observa Cassio Scarpinella Bueno, de uma liberdade maior para a

“captação dos valores dispersos pela sociedade para melhor aplicar a norma

jurídica”.158

153 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 19-20. 154 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 24-27. 155 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 44. 156 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Processo e Constituição. In: DANTAS, Bruno; CRUXÊN, Eliane; SANTOS, Fernando; LAGO, Gustavo Ponce Leon (Org.). Constituição de 1988: o Brasil 20 anos depois. A consolidação das instituições. Brasília: Senado Federal Instituto Legislativo Brasileiro, 2008. v. 3, p. 388-483. 157 POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo: um modelo constitucional ou uma concepção da Constituição? Revista Brasileira Direito Constitucional, São Paulo, n. 7, v. 1, p. 243, jan.-jun. 2006. 158 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 95.

66

Para o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, a

Constituição prevê a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal realizar o

controle concentrado via ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), ação

declaratória de constitucionalidade (ADC) e arguição de descumprimento de

preceito fundamental (ADPF). Ademais, prevê a possibilidade de todos os juízes,

no exercício da atividade jurisdicional, realizar o controle difuso de

constitucionalidade das leis e dos atos normativos.159

Ao lado do controle de constitucionalidade mencionado, outras técnicas

de controle de constitucionalidade foram desenvolvidas a partir da interpretação,

como reflexo da “necessidade da construção de uma ‘nova’, ou, quando, menos,

‘típica’ hermenêutica, à altura dos novos tipos normativos”:160 (i) a interpretação

conforme à Constituição; (ii) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem

redução do texto; (iii) a declaração de constitucionalidade de norma em trânsito

para a inconstitucionalidade e mutação constitucional; e (iv) a declaração de

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.

A técnica de interpretação conforme Constituição é aplicada quando a lei

interpretada em sua literalidade é inconstitucional e o Poder Judiciário declara a

única interpretação possível e compatível com a Constituição. O Poder Judiciário

emitirá a interpretação correta do enunciado normativo sem declará-lo

inconstitucional.

A técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do

texto ocorre quando algumas interpretações possíveis do texto normativo são

inconstitucionais, embora existam outras interpretações compatíveis com a

Constituição. Nesse caso, o juiz declara inconstitucionais as interpretações

possíveis do enunciado normativo, mas não o enunciado em si.

Nesses dois casos – interpretação conforme à Constituição e declaração

de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto – o juiz constrói a norma

159 O tema será objeto de análise no item 3.4.2.1, ao tratar da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de leis e de atos normativos. 160 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 96.

67

jurídica aplicável levando em consideração a relação existente entre os fatos

concretos da causa, o enunciado normativo de lei e as normas constitucionais.161

2.5.2.2. Eficácia normativa dos princípios (e das regras)

Assim como a Constituição, os princípios jurídicos durante muito tempo

foram considerados elementos normativos que não precisavam ser cumpridos.

No modelo liberal-legalista, os princípios jurídicos eram vistos apenas

como meio de integração de lacunas. O juiz primeiramente deveria aplicar a

norma jurídica pela subsunção, que é a mera aplicação do comando abstrato da

lei à questão em julgamento. Ao perceber que o arcabouço legislativo não

contemplava a situação fática existente, estaria ele diante de uma lacuna

normativa. 162 Constatada a lacuna, o juiz faria aplicação aberta do direito

procurando preenchê-la. Deveria começar pela analogia. Falhando a aplicação da

analogia, o juiz deveria aplicar os costumes. Por fim, o juiz poderia invocar os

princípios gerais de direito para preencher a lacuna, em caso de falha na

aplicação da analogia e dos costumes.163

Contemporaneamente, os princípios jurídicos não devem mais ser vistos

somente como tipos normativos com a finalidade de integração de lacunas. Eles –

os princípios – são espécies normativas, com eficácia normativa, que prescrevem

fins a serem atingidos e servem como fundamento para a aplicação do

ordenamento jurídico. Possuem, também, um caráter interpretativo. Por essa

razão, é comum a afirmativa no sentido de que a teoria dos princípios alterou a

teoria das normas e sua classificação, sendo uma questão fundamental da Teoria

do Direito.

161 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 97-100. Mais recentemente, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. v. 1, p. 104-107. 162 Nesse modelo normativo, além da lacuna normativa havia ainda as lacunas ontológica e axiológica. Resumidamente, para não extrapolar os limites propostos para o presente trabalho, a lacuna ontológica ocorre quando há norma vigente, embora sem nenhuma eficácia social. Já a lacuna axiológica se dá quando o aplicador da lei não encontra norma justa para aplica ao caso concreto. Sobre essa forma de aplicação do direito: DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 73-83; ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J. Baptista Machado. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1968. p. 223 ss. 163 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 73-181-207.

68

Vive-se, hoje, em um “Estado Principiológico”.164 A força dos princípios

configura uma ruptura do positivismo do Estado Liberal, que expressava um

direito constituído apenas por regras.

Hoje, há diversas teorias que atribuem eficácia normativa aos princípios e

que procuram distinguir, de uma forma ou de outra, os princípios das regras como

espécies normativas.165

Não obstante as inúmeras teorias existentes, adotar-se-á a proposta que

distingue as espécies normativas sem exaltar demasiadamente a importância dos

princípios e sem apequenar a função das regras. Hoje, pode-se dizer que há

muitos abusos e incompreensões a respeito dessa distinção, supervalorizando-se

[...] as normas-princípio em detrimento das normas-regra, como se aquelas sempre devessem preponderar em relação a essas e

164 A expressão é mencionada por: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 23. 165 As mais conhecidas, sem pretensão de esgotar a bibliografia, são, no direito estrangeiro: DOWRKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Bolera. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 39-43; ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90-91; GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 192-196; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 8.ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2008. p. 1159-1164; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2009. p. 623; ATIENZA, Manoel. As razões do direito. Teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000. p. 222; ESSER, Josef. Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts (Rechtsvergleichende Beiträge zur Rechtsquellen – und Interpretationslehre). Tübingen: J. C. B. Mohr, 1956. p. 51-70. No direito brasileiro: BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 340; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 352-357; SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, p. 612, jan.-jun. 2003; NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013; GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 167-188; GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 22; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 174-175; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 58. No direito processual civil brasileiro: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 61-75; MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 49-55. (Curso de processo civil, v. 1.); SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 61-64; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. v. 1, p. 33-36; CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 90-97.

69

como se o sistema devesse ter mais normas-princípio do que normas-regra, ignorando o importantíssimo papel que as regras exercem no sistema jurídico: reduzir a complexidade do sistema e garantir segurança jurídica.166

2.5.2.2.1 Distinção entre princípios e regras

Para essa distinção, Humberto Ávila167 ensina que se devem levar em

conta os critérios: (i) da natureza da descrição normativa; (ii) da natureza da

justificação que exige para a aplicação; e (iii) da natureza da contribuição para a

solução do problema.

Quanto à natureza da descrição normativa (ou do comportamento

prescrito na norma), os princípios são normas imediatamente finalísticas,

descrevem um estado ideal de coisas a ser atingido e possuem caráter deôntico-

teleológico (“normas-do-que-deve-ser”), enquanto as regras são normas

imediatamente descritivas, descrevem objetos determináveis e possuem caráter

deôntico-deontológico (“normas-do-que-fazer”).168

No que diz respeito à natureza da justificação exigida para interpretação e

aplicação, de um lado, os princípios exigem uma avaliação da correspondência

entre os efeitos da conduta tida como necessária e a realização do estado de

coisas estabelecido com um fim, de outro, as regras exigem um exame de

correlação dos fatos à descrição normativa e à finalidade que lhe dá suporte.169

Por fim, no que tange ao modo como contribuem para a decisão, os

princípios têm pretensão primariamente de complementaridade, uma vez que não

166 DIDIER JR., Fredie. Teoria do processo e teoria do direito: o neoprocessualismo. In: ______ (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Segunda Série. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 262. 167 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. passim. 168 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 71-73. De acordo com o autor, os princípios possuem “caráter deôntico-teleológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; teleológico, porque as obrigações, permissões e proibição decorrem dos efeitos advindos de determinado comportamento que preservam ou promovem determinado estado de coisas” e as regras possuem “caráter deôntico-deontológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; deontológico, porque as obrigações, permissões e proibições decorrem de uma norma que indica ‘o que’ deve ser feito”. (Idem, p. 72). 169 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 73-76.

70

têm o propósito de gerar uma solução específica, mas de contribuir, conjugada

com outras razões, para a solução de um problema. em contrapartida, as regras

possuem pretensão preliminarmente terminativa ou de decidibilidade, posto que

visam proporcionar uma solução específica para o problema conhecido ou

antecipável.170

A partir desses três critérios, os princípios são conceituados por Humberto

Ávila como [...] normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.171

Portanto, os princípios são espécies normativas finalísticas, que exigem a

delimitação de um estado de coisas ideal a ser alcançado por comportamentos

necessários a essa realização. De fato, ao se falar em estado ideal de coisa,

quer-se dizer que os princípios incorporam valores, portanto possuem um caráter

axiomático, e que o intérprete deve extrair de cada princípio a carga valorativa

eleita pela sociedade e contida na Constituição.172

Por outro lado, as regras, segundo Humberto Ávila, [...] são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos

170 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 76-78. 171 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 78-79. 172 Claus-Wilhelm Canaris leciona que os princípios jurídicos tornam a valoração explícita: “Segue-se à proposta aqui feita, a tentativa de entender o sistema como ordem de valores. Também isso seria, evidentemente, possível; em última análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns valores superiores, cuja protecção ela serve. Mas ao mesmo tempo boas razões depõem, também, contra ela. Na verdade, a passagem do valor para o princípio é extraordinariamente fluída; poder-se-ia dizer, quando se quisesse introduzir uma diferenciação de algum modo praticável, que o princípio está já num grau de concretização maior do que o valor: ao contrário deste, ele já compreende a bipartição, característica da proposição de Direito em previsão e consequência jurídica” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução do original alemão intitulado Systemdenken und systembegriff in der jurisprudenz por Antonio Menezes Cordeiro. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 86). No âmbito do direito processual, Teresa Arruda Alvim afirma que “os princípios incorporam valores, em relação aos quais terá havido uma opção da sociedade, que, por si só, já os legitimaria” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 62).

71

princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.173

Ou seja, as regras prescrevem um comportamento previsto

antecipadamente pelo legislador para a solução – decidibilidade – de determinado

conflito de interesse.

2.5.2.2.2 Eficácia direta e indireta dos princípios e suas funções

Os princípios, como espécies normativas imediatamente finalísticas,

atuam sobre as regras definindo-lhes o seu sentido e o seu valor. Essa atuação

pode se dar de forma direta ou indireta.174

A eficácia direta dos princípios “traduz-se na atuação sem intermediação

ou interposição de um outro (sub-)princípio ou regra”. Nesse plano, os princípios

exercem uma função integrativa, uma vez que garantem a agregação de

elementos não previstos em subprincípios ou regras, como forma de afiançar o

fim a ser alcançado,175 em uma relação meio e fim, a qual leva à transferência da

intencionalidade dos fins para a dos meios.176

Por seu turno, a eficácia indireta dos princípios, inversamente, “traduz-se

na atuação com intermediação ou interposição de um outro (sub-)princípio ou

regra”. Há variadas funções na inter-relação entre princípios e subprincípios e

regras: (i) definitória; (ii) interpretativa; (iii) bloqueadora; e, ainda, (iv)

rearticuladora dos “sobreprincípios”. A função definitória delimita, com maior

precisão, o comando mais amplo estabelecido pelo princípio mais abrangente.

Por outro lado, os princípios exercem uma função interpretativa em relação aos

subprincípios e às regras, “na medida em que servem para interpretar normas

construídas a partir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando

seus sentidos”. Em terceiro lugar, os princípios exercem ainda uma função 173 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 78. 174 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 97. 175 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 97. 176 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 80.

72

bloqueadora, no sentido de que servem para afastar a aplicação de subprincípios

e de regras previstas expressamente, incompatíveis com o estado ideal de coisas

a ser buscado. Por fim, há, ainda, a função rearticuladora, exclusiva dos

denominados sobreprincípios – como o Estado de Direito, a segurança jurídica, a

dignidade da pessoa humana, o devido processo legal etc. –, que permite “a

interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser

buscado”.177

2.5.2.2.3 Eficácia das regras diante dos princípios

É importante analisar também a eficácia das regras diante dos princípios.

As regras também exercem uma função definitória, ao delimitar “o comportamento

que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos

princípios”. Elas são normas com a intenção de solucionar conflitos previamente

previstos pelo legislador e, por isso, têm “caráter ‘prima facie’ forte e

superabilidade mais rígida” do que os princípios, que são normas finalísticas com

pretensão de complementaridade e possuem “caráter ‘prima facie’ fraco e

superabilidade mais flexível”. 178 A fixação desse ponto é fundamental para a

compreensão dos conflitos entre normas, especialmente entre princípios e regras.

2.5.2.3 Direitos fundamentais

O direito, qualquer que seja ele, deve ser analisado na perspectiva dos

direitos fundamentais, em valorização e em respeito à dignidade da pessoa

humana. Trata-se, na verdade, de um desdobramento da necessidade de estudá-

lo a partir da Constituição.

Compete ao Estado respeitar os direitos fundamentais e também

promovê-los da melhor forma possível por meios adequados.179

177 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 98-99. 178 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 102-108. 179 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 102.

73

Doutrinariamente, costuma-se distinguir direitos e garantias fundamentais.

Os direitos seriam bens e vantagens conferidos pelo texto normativo e as

garantias seriam meios adequados para proteger e concretizar tais direitos.

No direito brasileiro, é clássica a lição de Ruy Barbosa no sentido de que

é recomendável separar, [...] no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias.180

No direito português, José Joaquim Gomes Canotilho leciona que as

garantias possuem um caráter instrumental de proteção dos direitos. Afirma que

elas se traduzem, “quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a

proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais

adequados a essa finalidade”.181

Sobre essa distinção, ainda em solo lusitano, Jorge Miranda ministra: Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalisrta inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.182

Ainda sobre a distinção, na Itália, Luigi Paolo Comoglio, em resposta à

pergunta “o que se entende por garantia?”, assevera que a garantia “exprime,

sobre o plano técnico, a diferença entre um direito meramente ‘reconhecido’, ou

‘atribuído’ em abstrato pelas normas, e um direito realmente ‘protegido’, ou

‘atribuível’ em concreto, além de suas possíveis violações”. O autor italiano vai

além e distingue as garantias constitucionais em sentido formal ou estático, sendo

todos “aqueles perfis estruturais que asseguram aos princípios estabelecidos

estabilidade e certeza, nos confrontos de qualquer poder do Estado”, e, em 180 BARBOSA, Ruy. República: teoria e prática. Petrópolis/Brasília: Vozes/Câmara dos Deputados, 1978. p. 121. 181 CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667. 182 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 89.

74

sentido dinâmico, “aqueles instrumentos específicos que asseguram condições

‘efetivas’ de gozo aos direitos fundamentais ‘atribuídos’ ou ‘reconhecidos’ pela

Constituição”.183

Embora, no Brasil, a distinção seja admitida pela Constituição vigente, no

Título II traz inúmeros direitos e garantias fundamentais. Sem distinguir uns dos

outros, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que, “rigorosamente, as clássicas

garantias são também direitos”.184 Nessa linha, Antônio Roberto Sampaio Dória

assevera que “os direitos são garantias, e as garantias são direitos”.185 Apesar de

a distinção ser interessante, entendemos que as garantias são direitos e que a

distinção é indiferente.

São direitos fundamentais tanto aqueles nomeados e especificados

expressamente pela Constituição – como é o caso dos direitos fundamentais

constantes no art. 5.º da Constituição brasileira – quanto aqueles que recebem o

manto da imutabilidade ou pelo menos da mudança dificultada da Constituição.186

2.5.2.3.1 Dimensões dos direitos fundamentais

A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em gerações ou

dimensões, tendo com marco inicial a lição de Karel Vasak no ano de 1979 na

aula inaugural dos Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem,

realizada em Estrasburgo.187

A primeira dimensão dos direitos fundamentais é protetora dos direitos

civis e políticos, tais como o direito à vida, à propriedade, à igualdade e

notadamente da liberdade (oposição e resistência) dos indivíduos perante o

Estado, as liberdades de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião e

183 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michelle. Lezioni sul processo civile: Il processo ordinário di cognizione. 5. ed. Milano: Il Mulino, 2011. v. 1, p. 57-58. Tradução livre. 184 CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667. 185 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1960. t. II, p. 57. 186 SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlim: Neukoeln, 1954. p. 163-193 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 560-562. 187 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 563; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012. p. 258.

75

de associação, inclusive. O Estado tem um dever de se abster da ingerência na

vida dos cidadãos.188

A segunda dimensão privilegia os direitos sociais, culturais e econômicos,

bem como os direitos da coletividade, de participar do bem-estar social,

abraçados ao direito à igualdade. O Estado passa a ter um dever positivo.189

A terceira dimensão dos direitos fundamentais visa proteger os direitos

ligados à fraternidade e à solidariedade, notadamente o direito ao

desenvolvimento, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da

humanidade e à comunicação.190

A quarta dimensão dos direitos fundamentais trata da globalização

política, com a institucionalização do Estado Social, sendo os direitos à

democracia, à informação e ao pluralismo.191

Paulo Bonavides menciona ainda a existência da quinta geração de

direitos fundamentais, ao atribuir normatividade jurídica ao direito à paz,192 que,

em outras classificações, integra a terceira dimensão dos direitos fundamentais.

2.5.2.3.2 Perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais protegem os direitos subjetivos e os direitos

objetivos que se fundam em princípios objetivos orientadores do ordenamento

188 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 562-564; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 55-56. 189 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 564-569; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 56-58. 190 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 569-570; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 58-60. 191 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 570-578; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 60-61. 192 “O novo Estado de Direito das cinco gerações de direitos fundamentais vem coroar, por conseguinte, aquele espírito de humanismo que, no perímetro da juridicidade, habita as regiões sociais e perpassa o Direito em todas as suas dimensões. A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos. Tal dignidade unicamente se logra, em termos constitucionais, mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito da quinta geração” (BONAVIDES, Paulo. A quinta geração de direitos fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, ano 2, n. 3, p. 82 e ss.; Idem. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 579-593;).

76

jurídico. Na perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais são vistos como direito

subjetivo do cidadão, enquanto na perspectiva objetiva afirmam valores que

incidem sobre todo o ordenamento jurídico para iluminar as tarefas do Poder

Público (relações entre os sujeitos privados e o Estado) e para regular as relações

entre particulares.193

2.5.2.3.3 Eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais

Hoje, não há dúvida de que os direitos fundamentais possuem

aplicabilidade imediata e plena eficácia, independentemente de regras

concretizadoras. O § 1.º do art. 5.º, nesse sentido, dispõe que “as normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. A

finalidade desse texto constitucional é ressaltar que os direitos fundamentais em

geral são de caráter preceptivo, e não meramente programático.194 Como leciona

Ingo Wolfgang Sarlet, “a partir do disposto no art. 5.º, § 1.º, da CF, é possível

sustentar a existência – ao lado de um dever de aplicação imediata de atribuição

da máxima eficácia e efetividade possível às normas de direitos fundamentais”.195

Com efeito, é da essência do Poder Judiciário proteger os direitos

fundamentais. Já dizia Piero Calamandrei que os direitos fundamentais (as

liberdades dos indivíduos), abstratamente formulados pela Constituição, seriam

vãos se não pudessem ser reivindicados e defendidos perante o Poder Judiciário.

Compete aos tribunais concretizá-los.196

193 Especificamente sobre a vinculação dos órgãos do Poder Judiciário aos direitos fundamentais e os desdobramentos da dimensão jurídico-objetiva como dimensão organizacional e procedimental dos direitos fundamentais e os direitos à participação na organização e procedimento: SARLET, Ingo. Direitos fundamentais e processo – algumas notas sobre a assim designada dimensão organizatória e procedimental dos direitos fundamentais. In: CALDEIRA, Adriano; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima (Org.). Terceira etapa da reforma do Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao Ministro José Augusto Delgado. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 217-239. 194 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 285-287. 195 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 271. 196 CALAMANDREI, Piero. Processo e giustizia. Rivista di Diritto Processuale, 1950, I, p. 289.

77

O Poder Judiciário, assim como os demais Poderes, também se vincula

aos direitos fundamentais. Por essa razão, competem aos juízes respeitá-los e

fazer com que sejam respeitados no curso do processo.197

2.5.2.3.4 Eficácias vertical, horizontal e vertical com reflexo lateral dos direitos

fundamentais

A eficácia vertical dos direitos fundamentais tem a ver com a incidência

desses direitos sobre as relações entre os particulares e o Estado. O legislador, o

administrador e o juiz têm o dever de proteção dos direitos fundamentais. O

direito fundamental à tutela jurisdicional, em regra, tem eficácia vertical,

conquanto é um dever do Estado conceder tutela de direitos independentemente

de serem ou não direitos fundamentais.

Por outro lado, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais está

relacionada à repercussão deles sobre as relações entre os particulares em si.198-

199 No entanto, quando o juiz concede tutela a direito não protegido pelo

legislador, a decisão repercute sobre os particulares, quando então a decisão

jurisdicional terá eficácia horizontal (mediata ou indireta).

Como o direito fundamental à tutela jurisdicional é um direito fundamental

de eficácia vertical, a doutrina costuma dizer que ele repercute lateralmente sobre

o particular, mas não horizontalmente. Ocorre, nesse ponto, a eficácia vertical do

direito fundamental com reflexo lateral. Daí a diferença entre a eficácia do direito 197 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 284. 198 Há interessante discussão sobre a existência de eficácia mediata ou imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Para quem sustenta a eficácia mediata, os direitos fundamentais se afirmam em relação aos particulares de forma indireta, por meio das normas e dos princípios de direito privado. Para quem sustenta a eficácia imediata, os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente sobre as relações entre os particulares, sem intermediação do legislador. Sobre o tema, SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005; DÜRIG, Günter; NIPPERDEY, Hans Carl; SCHWABE, Jürgen. Direitos fundamentais e direito privado: textos clássicos. Porto Alegre: Fabris, 2012. 199 Especificamente sobre a eficácia do contraditório nas relações entre particulares: MACIEL JUNIOR, João Bosco. Aplicação do princípio do contraditório nas relações particulares. São Paulo: Saraiva, 2009; BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal nas relações privadas. Salvador: JusPodivm, 2008; SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005; CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Lisboa: Almedina, 2003.

78

fundamental material objeto de decisão judicial e a eficácia do direito fundamental

à tutela jurisdicional sobre a atividade do juiz.

2.5.2.4 Método legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos

indeterminados

A lei nem sempre se serve de conceitos precisos, com disposições

casuísticas. Por vezes, a lei se vale de cláusulas gerais e de conceitos vagos ou

indeterminados, cuja aplicação exige interpretação que defina e delimite o seu

conteúdo e o seu alcance. 200 As cláusulas gerais e os conceitos vagos ou

indeterminados contribuem para uma maior abertura e flexibilidade do direito, com

pretensão de abranger a realidade existente e a que está por vir.201

A inserção de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados na

legislação ampliou-se no pós-guerra como forma de abertura, mobilidade e

flexibilidade do sistema jurídico, propiciando a evolução do direito pela

interpretação/hermenêutica, mesmo sem inovação legislativa. 202 As cláusulas

gerais e os conceitos jurídicos indeterminados também contribuem para a

inserção de valores na interpretação e na aplicação do direito.

Enquanto o método legislativo da casuística prevê a especificação ou

determinação de elementos descritivos com os supostos fatos apresentados e

descritos como a hipótese legal para incidir determinada consequência jurídica, o

método legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos indeterminados,

em vez de privilegiar uma tipificação de condutas, utiliza-se de termos cuja

tessitura é aberta do ponto de vista semântico, sem uma pré-configuração

descritiva ou especificativa de conduta. Em outras palavras, a legislação se vale

de enunciados elásticos, vagos, abertos, porosos ou dúcteis. Como leciona Judith

Martins-Costa, “o texto normativo apresenta, ao invés de descrição na hipótese

normativa (fato tipo, facti species), termos e expressões carecidas de 200 Como leciona Teresa Arruda Alvim: “A polissemia significa ter o termo diversos sentidos” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 152). 201 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 161. 202 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 158.

79

determinação (‘conceitos vagos’)”.203 José Carlos Barbosa Moreira observa que a

lei se vale de conceitos indeterminados porque seria impossível deixar de fazê-lo

ou por ser conveniente e aconselhável o uso dessa técnica legislativa.204

As cláusulas gerais e os conceitos indeterminados têm como traço

característico a polissemia, a vagueza, a ambiguidade, a porosidade ou o

esvaziamento, não permitindo uma comunicação absolutamente pré-

compreensível quanto ao seu conteúdo e ao seu alcance. Teresa Arruda Alvim

leciona que: A polissemia significa ter o termo diversos sentidos; vaguidade tem o termo, quando permite informação larga e compreensão escassa; a ambiguidade ocorre quando “possa reportar-se a mais de um dos elementos integrados na proposição onde o conceito se insira”; porosidade há quando o termo permite a entrada de elementos significantes de outras áreas, e esvaziamento, quando falte, ao termo, qualquer sentido útil.205

Há uma tendência jurídica na elaboração de normas abertas, com base

em cláusulas gerais ou conceitos indeterminados,206 o que implica sua aplicação

no futuro, uma vez que o seu conteúdo e seu alcance serão construídos à luz do

caso concreto com vocação para absorver o futuro.207 Por isso, é conveniente

demonstrar o contexto em que a cláusula geral e o conceito indeterminado

operam e qual a sua conotação.

203 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 129-130. 204 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Temas de direito processual. Segunda Série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 64. 205 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. Destaque no original. 206 Sobre o tema, Giuseppe Zacaria observa que “Nella legislazione contemporanea, frutto della mediazione instabile tra interessi e spinte divergenti e spesso contrapposti, a fronte di norme sociali che si fanno via via più fluide e sensibili, si adotta volentieri la tecnica di affidarsi in partenza a formulazioni letterali volutamente ambigue, per scaricare in altre sedi l‘onore dello scioglimento forzoso dell’ambiguità” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 145). No direito brasileiro, a título exemplificativo: MANGONE, Kátia Aparecida. Cláusulas gerais, conceitos vagos e indeterminados e os princípios regentes do processo civil: ampliação dos poderes do juiz? Impactos no sistema recursal. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Impactos processuais do direito civil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1-50; NEVES, Frederico Ricardo de Almeida. Conceitos jurídicos indeterminados e direito jurisprudencial. In: DUARTE, Bento Herculano; DUARTE, Ronnie Preus (Coord.). Processo civil – aspectos relevantes: estudos em homenagem ao Prof. Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Método, 2006. p. 79-88. 207 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 152-153.

80

Portanto, a definição e a delimitação do seu conteúdo e do seu alcance

serão realizadas na praxe forense. O uso de um conceito jurídico indeterminado

ou de determinada cláusula geral por um longo espaço de tempo possibilita a

transformação do conceito de vago ou indeterminado para preciso ou para uma

menor vagueza ou imprecisão, diminuindo o grau de indeterminação. Como

leciona Teresa Arruda Alvim, “a atividade constante de aplicação da norma deve

contribuir para fixar e alargar esta zona de certeza do conceito vago, o que

corresponde ao caminho para que o conceito se torne ‘maduro’”.208

As cláusulas gerais e os conceitos indeterminados não se confundem. Em

nosso sentir, a distinção encontra-se na estrutura normativa.

Os chamados conceitos indeterminados são formados por termos

indeterminados que integram a descrição do fato. Na hipótese legal há previsão

de descrição de fato contendo termo indeterminado, para o qual a legislação

prevê determinada consequência jurídica. Há, nos conceitos indeterminados, uma

estrutura normativa completa, com hipótese de incidência (composta por termo

indeterminado) e consequência jurídica predefinida.

Por sua vez, as cláusulas gerais não possuem estrutura normativa

completa. Sua hipótese de incidência é composta por termo indeterminado e sua

consequência jurídica deve ser dada pelo intérprete/aplicador, caso a caso. “De

fato, as cláusulas gerais constituem estruturas normativas parcialmente em

branco, as quais são completadas por meio da referência às regras extrajurídicas,

ou a regras dispostas em outros loci do sistema jurídico”.209

Sobre a atividade do juiz na aplicação das cláusulas gerais e dos

conceitos indeterminados, leciona Judith Martins-Costa: Enquanto nos conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar ao fato concreto o elemento (semanticamente vago) indicado na fattispecie (devendo, pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos já foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação intelectiva do juiz é mais complexa. Este deverá, além de averiguar a possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie,

208 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 158. 209 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 142-143.

81

averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais o envia a metanorma jurídica.210

Teresa Arruda Alvim leciona que: [...] às cláusulas gerais, em nosso entender, deve ser dado um sentido normativo pelo intérprete, assim como ocorre, em ponto menor, com os conceitos vagos. Com a maior amplitude, procura o magistrado o sentido de uma cláusula geral, com referência ao caso concreto, permitindo-se o recurso a elementos vindos da esfera social, econômica e moral, que são, justamente, de certo modo, jurisdicizados pela cláusula geral.211

Percebe-se, desse modo, que na aplicação do conceito indeterminado o

magistrado deve analisar se os fatos concretos se enquadram na previsão

normativa prevista na hipótese legal composta por termo indeterminado para

incidir consequência jurídica já determinada, enquanto na aplicação das cláusulas

gerais, além de analisar se os fatos se encaixam nos termos indeterminados

previstos na hipótese de incidência, o magistrado deverá também atribuir a

consequência jurídica de acordo com o caso concreto submetido a julgamento.212

Para fins do presente trabalho, o que importa observar aqui é que a

ampliação de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados na legislação teve

por consequência uma modificação da hermenêutica jurídica e, portanto, uma

alteração na função do magistrado na interpretação e na aplicação do direito, que

passa a ter uma grande responsabilidade na construção da norma jurídica. Por

essas razões, “as cláusulas gerais, que hoje insuflam o Código Civil de 2002,

quando vilipendiadas, também são causa de rescisória, mesmo porque

consubstanciam dispositivos legais”.213

210 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 143-144. 211 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 164. 212 As cláusulas gerais, com variados conteúdos, podem ser de três tipos: restritiva, regulativa e extensiva. As de tipo restritivo operam “contra uma série de permissões singulares, delimitando-as”. As de tipo regulativo operam “regulando todo um domínio de casos”. E as de tipo extensivo, “por forma a ampliar uma determinada regulação por meio da possibilidade, expressa no dispositivo, de chamar a atuação de princípios e regras dispersos em outros textos” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 127). 213 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.

82

2.5.2.5 Profusão da legislação

Soma-se ainda às características do pensamento jurídico contemporâneo

o fato de existir uma profusão de lei que dificulta a compreensão do direito. A

legislação contemporânea é demasiadamente extensa, o que gera uma grande

dificuldade de orientar o cidadão que se depara, por diversas vezes, com textos

normativos coexistentes e conflitantes entre si.214

Há, inequivocamente, uma quantidade de leis maior do que a

necessidade real. O direito é desenvolvido de forma contraditória, causado “pela

heterogeneidade e pela ocasionalidade das pressões sociais que são

descarregadas sobre ele”.215 Essa abundância excessiva legislativa tem como

consequência a inefetividade da lei, seja pelo desconhecimento social delas, seja

pela existência de contrariedade entre elas.

Em virtude dessa inflação legislativa, Gustavo Zagrebelsky denomina o

legislador contemporâneo de “legislador motorizado” ao referir-se à atual crise de

legalidade e à tarefa unificadora da Constituição.216

Em 28 anos de Constituição, ou seja, até outubro de 2016, o Brasil já

editou mais de 5,4 milhões (milhões!) conjuntos de textos normativos, conforme

pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que

levou em consideração emendas constitucionais, leis, medidas provisórias,

instruções normativas, decretos, portarias e atos declaratórios. Equivalem a

aproximadamente 770 conjuntos de textos normativos por dia útil.217

214 VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 145; 215 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 2014. p. 48. 216 “Non si deve pensare che l’inesausta fucina che produce in sovrabbonanza leggi e leggine sai uma pervesione transitória della nozione del diritto. Essa corrisponde a una situazione strutturale delle societá attuali. Il XX secolo è stato definito come quello del ‘legislatore motorizzatto’, in tutti I settori dell’ordinamento giuridico, nessuno escluso. Il diritto si è ‘meccanizzati’ e ‘tecnicizzato’ di conseguenza. A questi effetti distruttivi dell’ordine giuridico si cerca oggi di porre rimedio da parte delle Costituzioni contemporanee attraverso la previsione di um diritto piú alto, dotato di valore cogente anche per l’attività del legislatore. L’obbiettivo è quello di condizionare e quindi contenere, orientandoli, gli sviluppi contraddittorî della produzione del diritto, generati dall’eterogeneità e dalla occasionalità dele pressioni social che su di esso si scaricano. La premessa perchè questa operazione possa avere sucesso è il ristabilimento di una nozione di diritto piú profonda di quella alle quale il positivismo legislativo l’ha ridotta” (ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 2014. p. 47-48). 217 INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E TRIBUTAÇÃO (IBPT). Quantidade de normas editadas no Brasil: 28 anos da Constituição Federal de 1988. Disponível em:

83

Isso comprova o incontestável fenômeno da profusão legislativa e a crise

da legalidade.218 Essa hipernomia gera a ineficiência dos atos normativos por

incompreensão da sociedade a respeito do padrão de conduta que deve seguir.

2.5.3 Significado de “norma jurídica”

2.5.3.1 Hermenêutica jurídica e significado de norma jurídica

A força normativa da Constituição, a eficácia dos princípios jurídicos, a

aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a ampliação do método

legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos indeterminados e a

profusão legislativa contribuíram para a compreensão de que o texto ou o

enunciado de lei, por mais determinado que seja, exigirá sempre a atividade do

intérprete para atribuição de seu significado diante de fatos concretos.

Não há mais como afirmar que a jurisdição tem função somente

declaratória de direito. O juiz não pode ser considerado a boca da lei (“la bouche

de la loi”, de Montesquieu)219 ou o papagaio da lei (“pappagallo dela legge”, de

Gustavo Zagrebelsky). 220 É inegável que no Estado contemporâneo o juiz

apresenta algo novo. “[A] postura do intérprete e do aplicador diante do fenômeno

jurídico, alterou-se por completo. A função do juiz, já não há mais como esconder

esta realidade, é uma atividade criativa.”221

A Constituição, os princípios e os direitos fundamentais possuem carga

axiológica que o juiz deve incorporar no momento de aplicar o direito. Da mesma

forma, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados permitem ao juiz

<https://ibpt.com.br/img/uploads/novelty/estudo/2603/QuantidadeDeNormas201628AnosCF.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2017. 218 MENDES, Gilmar Ferreira; VALLE, André Rufino do. Comentários ao art. 5.o, II. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 244. 219 “Os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais do que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar sua força nem seu rigor” (MONTESQUIEU. O espírito das leis. 2. ed. Brasília: UnB, 1995. v. 6, p. 123). 220 ZAGREBELSKY, Gustavo; BRUNELO, Mario. Interpretare: Dialogo tra un musicista e un giurista. Milano: Il Mulino, 2016. p. 52. 221 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 90 e 91.

84

absorver os valores esparsos na sociedade, do ponto de vista econômico, político,

social ou jurídico, na aplicação do direito. Isso faz com que a atividade do juiz seja

criadora-valorativa, de modo a concretizar, na construção da norma jurídica, os

valores contidos na Constituição, nos princípios e nos direitos fundamentais, e o

significado das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados diante do caso

concreto, como leciona Cassio Scarpinella Bueno: Todas estas figuras [refere-se a princípios, cláusulas gerais, normas de conceito vago e indeterminado, discricionariedade etc.] representam uma “técnica” (consciente) de construir normas jurídicas que permitem, que autorizam, o juiz a debruçar-se sobre cada fato que lhe é apresentado para julgamento para que ele, juiz, possa extrair do fato o que lhe parece mais sensível, mais importante, mais marcante, mais característico, a fim de aplicar, adequadamente, a norma jurídica.222

Com esses paradigmas, não há como negar que a norma jurídica surge

da interpretação e da aplicação do direito à luz dos fatos.223 O direito, para se

tornar realidade, depende de “processos discursivos e institucionais”. O texto legal

é, nesse sentido, uma “mera possibilidade de Direito”. A transformação dos textos

normativos em normas jurídicas depende da interpretação e da aplicação dos

enunciados normativos em conformidade com os fatos da causa. O sentido da

norma jurídica é construído a partir da fundamentação, que condiciona a

compreensão do direito pelos seus destinatários.224-225

222 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 93. 223 Giuseppe Zaccaria atentou-se a esse fenômeno: “Non è comunque chiarire ‘significato’ o il ‘contenuto’ di un testo normativo, se non determinandone il compo di applicazione con riferimento a fatto concreti. Dal momento che il comprendere non è riducile ad un puro conoscere, ma si configura invece come un agire dipendente dal contesto d’azione, e dunque dal contesto vitale di colui che comprendendo agisce, il significato dei testi normativi e la qualificazione dei comportamenti vitali sono inevitabilmente legati ai modi concreti in cui il linguaggio giuridico e gli eventi sociali sono intesi e ed impiegati in un contesto preciso” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 128). 224 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 24. 225 Especificamente sobre a ação rescisória por violação à literal disposição de lei, Eduardo Talamini leciona que também cabe rescisória quando a intepretação de texto normativo dada pela decisão rescindenda for incorreta: “Para a caracterização da hipótese prevista na regra do art. 485, V, não é necessário que a ofensa dirija-se ao teor literal do dispositivo normativo. Também há violação quando a sentença veicular orientação incompatível com a interpretação correta da norma. [ver tb:Teresa, Nulidades, n. 3.1.3, p. 344] Seria despropositado limitar o cabimento da rescisória à pretensa hipótese em que a violação tem por alvo norma cujo sentido seja extraível ‘literalmente’ do texto legal, sem que haja necessidade de interpretação nenhuma. Mesmo porque essa hipótese é incompatível com o fenômeno jurídico. Não há norma jurídica que possa ser

85

2.5.3.2 Distinção entre texto normativo e norma jurídica

Antes da intepretação e aplicação das espécies normativas ao caso

concreto, não há propriamente norma jurídica, e sim um texto que representa o

direito. 226 Riccardo Guastini leciona que “a norma é (parte de) um texto

interpretado”, considerando interpretação jurídica “a atribuição de sentido (ou

significado) a um texto normativo”, assim entendido como “qualquer documento

elaborado por uma autoridade normativa”.227

No mesmo sentido, Humberto Ávila ministra que: Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.228

Giovanni Tarello afirma que uma norma é o significado adstrito de uma ou

mais disposições e, por isso, exige a atividade interpretativa.229

Dessarte, o direito não pode mais ser visto como resultado de uma

revelação feita pelo juiz. Ele – o juiz –, ao interpretar as espécies normativas,

realiza um ato de criação. Como constata Artur César de Souza, “toda

extraída de um dispositivo legal automaticamente, sem interpretação. O texto legal é mero signo, que só assume significado mediante o processo de compreensão humana. Sempre há o que interpretar. E ainda que seja para adotar a intepretação ‘mais literal possível’ de um dispositivo, é sempre indispensável descartar as interpretações ligadas a outros vetores (sistemáticos, teleológicos, históricos...), e, portanto, em grau maior ou menor, é sempre necessário empregar esses outros métodos interpretativos. Enfim, a aplicação da norma sempre implica o processo interpretativo, o qual, por sua vez, sempre envolve a investigação de aspectos que vão além da simples letra da lei, mesmo quando a conclusão final venha a ser pela adoção do sentido ‘mais literal possível’” (TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 160-161). 226 BUENO, Cassio Scarpinella. Direito, interpretação e norma jurídica: uma aproximação musical do direito. Revista de Processo, São Paulo, ano 28, n. 111, p. 223-242, jul.-set. 2003; Idem, Amicus curiae no direito processual civil brasileiro: um terceiro enigmático. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 66-70. 227 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 26, 23 e 24; GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993. p. 17-18. 228 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 30. 229 TARELLO, Giovanni. L’interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980. p. 102.

86

interpretação é criativa e não simplesmente reveladora de uma vontade

precedente”.230

A norma jurídica, portanto, é o resultado da interpretação. Nessa esteira

são as lições de Georges Abboud: Norma, dessa forma, seria a interpretação conferida a um texto (enunciado), parte de um texto ou combinação de um texto. Não existe norma antes da interpretação ou independentemente dela, Interpretar é produzir uma norma e ela é produto do intérprete.231

No mesmo sentido, José Joaquim Gomes Canotilho complementa: Deve distinguir-se entre enunciado (formulação, disposição) da norma e norma. A formulação da norma é qualquer enunciado que faz parte de um texto normativo (de “uma fonte do direito”). Norma é o sentido ou significado adscrito a qualquer disposição (ou a um fragmento de disposições, combinação de disposição, combinações de fragmentos de disposição). Disposição é parte de um texto ainda a interpretar; norma é parte de um texto interpretado.232

Dispositivo, texto ou enunciado normativo não se confundem com norma

jurídica, havendo indubitável distinção entre texto e norma. As normas jurídicas

não são os dispositivos de lei, nem individualizados, nem em conjunto, mas sim

os sentidos atribuídos a eles a partir da interpretação sistemática com base na

Constituição, nos princípios jurídicos, nos direitos fundamentais e no

preenchimento dos sentidos das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados,

em suas interações com os fatos.233

O texto normativo é desordenado ou alógrafo e necessita de interpretação

para atingir o seu sentido, como observa Eros Grau: O direito é alográfico. E alográfico é porque o texto normativo não se completa no sentido nele impresso pelo legislador. A “completude” do texto somente é atingida quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete.234

230 SOUZA, Artur César de. Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Almedina, 2015. v. 3, p. 1383. 231 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 65. 232 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1.165-1.166. 233 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Almedina, 2016. p. 1193. 234 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 30.

87

Há casos em que, a despeito de inexistir dispositivo, texto ou enunciado

normativo, há norma jurídica. Há também texto normativo sem existir a norma

jurídica. Há, ainda, casos em que mais de uma norma jurídica é construível a

partir de um mesmo enunciado normativo. Por fim, há casos em que a norma

jurídica somente é construída a partir de mais de um dispositivo.235

A norma jurídica é resultado da atividade interpretativa, criativa e

normativa do magistrado. Não há norma jurídica sem interpretação jurídica. O

dispositivo, texto ou enunciado normativo não se confunde com a norma jurídica.

Gustavo Zagrebelsky afirma que “a interpretação modificou o modo de

entender os textos legislativos”. Ela “não é nunca apenas um ato reprodutivo, mas

também produtivo”.236

Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, ao analisar a importância da

interpretação do direito, afirma que “a norma jurídica é o texto da lei interpretado e

aplicado à luz dos fatos concretos. Não há, nestas condições, direito sem

interpretação e sem aplicação concreta”.237

A força normativa da Constituição, os direitos fundamentais, os princípios,

as cláusulas gerais e os conceitos vagos ou indeterminados são formas de

autorizar o juiz a incorporar valores na interpretação e na aplicação do direito ao

caso concreto, ou seja, na construção da norma jurídica.

2.5.3.3 Método de concretização do sentido dos textos normativos em detrimento

da subsunção

Na subsunção clássica, o juiz, para a solução do caso, utiliza de um

raciocínio dedutivo formalmente constituído pela premissa maior (direito) e pela

235 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 31. 236 ZAGREBELSKY, Gustavo; BRUNELO, Mario. Interpretare: Dialogo tra un musicista e un giurista. Milano: Il Mulino, 2016, p. 42 e 54, respectivamente: “L’interpretazione giuridica ha modificato il modo d’ intendere i testi legislativi” e “L’interpretazione non è mai solo um atto ri-produtivo, ma anche produttivo”. 237 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 92.

88

premissa menor (fato) para alcançar, por inferência, a conclusão, conhecido como

silogismo.238

Ocorre que o próprio método de construção da norma jurídica, ao aplicar

o direito ao caso concreto, mudou da subsunção à concretização. Tercio Sampaio

Ferraz Júnior, nesse sentido, observa: A subsunção é, aos poucos, sobrepujada pela ponderação de princípios, pois os juízes não aplicam apenas a legislação, mas fazem constantes referências aos princípios jurídicos. [...] o juiz, agora, tem uma liberdade muito maior para reconstruir e até construir o direito [...]. Em consequência, passamos da centralidade da lei para a centralidade da jurisdição [...]. Por isso a tensão se desloca do legislador/doutrina dogmática para juiz/doutrina dogmática. O problema da aplicação, da justificação da decisão jurídica ganha uma importância inédita.239

O método hermenêutico da concreção baseia-se na distinção entre texto

(enunciado legal) e norma (resultado da interpretação), na construção da norma

jurídica ao caso em análise.

Diferentemente da subsunção, método pelo qual o aplicador enquadra o

os fatos concretos do litígio ao texto normativo geral e abstrato para se extrair

uma consequência jurídica, a concretização ocorre por meio de um processo de

determinação do texto normativo, com o refinamento dos conceitos em sintonia

com os fatos da causa, culminando na decisão da causa.

O processo de concreção inicia-se com o enunciado normativo

(princípios, direitos fundamentais, cláusulas gerais, conceitos indeterminados etc.)

analisado a partir dos fatos concretos e dos valores a ele subjacentes para se

construírem a norma geral e a norma individual do caso concreto.

A atividade interpretativa, além de exigir juízos acerca da realidade dos

fatos, pugna pela valoração (juízo axiológico) do caso com base na axiologia

extraível do enunciado normativo.

Cassio Scarpinella Bueno atenta-se para o fenômeno ao lecionar:

238 “O silogismo judicia cria uma atitude reconfortante para o intérprete, que passa a se iludir ao crer que a lei, ou a súmula vinculante, traz consigo a norma já pronta para a solução dos casos futuros, restando ao juiz a simples tarefa de acoplar o suporte fático ao texto normativo” (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 81). 239 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XV.

89

Já não se pode falar, em todos e em quaisquer casos, que a atividade do intérprete e do aplicador do direito seja meramente subsuntiva, mas, bem diferentemente, sua função passa a ser concretizadora, no sentido de criadora do próprio direito a ser aplicado, justamente em função da complexidade do ordenamento jurídico atual. De uma atividade de mero conhecimento (um comportamento passivo) do fenômeno jurídico para sua aplicação, passa-se a uma atividade criadora-valorativa (um comportamento ativo), conscientemente criadora e valorativa do juiz.240

Interpretar, como ato intimamente ligado ao ato de julgar, não é

simplesmente uma atividade de reprodução, e sim de produção normativa à luz

do caso concreto. “A norma é produto da interpretação diante da problematização

de um caso real ou fictício; sua existência somente ocorre na linguagem.”241

Portanto, o método de concretização de sentido aos textos normativos

substituiu o método subsuntivo na interpretação e na aplicação do direito pelo juiz.

2.5.3.4 O postulado da proporcionalidade

Nessa atividade criativa de construção de sentido dos textos normativos,

em determinada circunstância, pode ocorrer que dois ou mais valores previstos na

Constituição Federal, dois ou mais princípios, ou dois ou mais direitos

fundamentais, entrem em rota de colisão. Nesse caso, “a proporcionalidade deve

ser utilizada como parâmetro normativo para assegurar a preservação dos direitos

fundamentais e a isonomia entre os litigantes”.242

Caso ocorra a colisão de princípios e/ou de direitos fundamentais, o juiz

deve sopesá-los ao criar a norma jurídica. Cabe ao próprio Poder Judiciário

analisar, com base no postulado da proporcionalidade, e dizer qual valor, princípio

ou direito fundamental deve prevalecer diante do caso concreto.

A aplicação da proporcionalidade, com a consequente restrição a

determinado direito em prevalência de outro, deve levar em conta três aspectos:

240 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 91. 241 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 88. 242 ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 8.º. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1, p. 134.

90

adequação, necessidade e proporcionalidade (em sentido estrito) da medida

restritiva.243

Como leciona Paulo Bonavides, com base em decisão do Tribunal

Constitucional alemão: O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental.244

No mesmo sentido, Humberto Ávila ensina quando se deve aplicar o

postulado da proporcionalidade: Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?).245

Portanto, em caso de conflito entre dois ou mais valores previstos na

Constituição Federal, entre dois ou mais princípios, ou entre dois ou mais direitos

fundamentais, o intérprete e o aplicador deve utilizar o postulado da

proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido

estrito) na construção da norma jurídica.

243 Segundo Robert Alexy: “Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza. O Tribunal Constitucional Federal [alemão] afirmou, em formulação um pouco obscura, que a máxima da proporcionalidade decorre, ‘no fundo, já da própria essência dos direitos fundamentais’” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 116-117). 244 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 409. 245 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 173-174.

91

2.5.3.5 A importância da fundamentação das decisões judiciais

Ademais, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da

atividade jurisdicional, a fundamentação das decisões judiciais ganha uma

importância maior,246 pois é por ela que o magistrado construirá sua interpretação

dos enunciados normativos conforme a Constituição, os princípios jurídicos e os

direitos fundamentais, bem como atribuirá sentido aos termos indeterminados

contidos nas cláusulas gerais e nos conceitos indeterminados à luz dos fatos

concretos.

A fundamentação das decisões judiciais é garantia constitucional do

cidadão inerente ao Estado Democrático de Direito (art. 93, IX, CF). Trata-se de

um elemento integrativo de uma garantia completa do contraditório,247 de fazer

valer suas argumentações.248 É ela que expressa a necessidade de a decisão

judicial ser justificada e fundamentada. É na fundamentação que o juiz analisará

as questões de fato e de direito (art. 489, II), motivará sua convicção quanto aos

fatos da causa e apreciará os fundamentos jurídicos do pedido e da defesa, aos

quais, no entanto, não estará adstrito. Se as partes levantam argumentos de fato

e de direito, o juiz tem o dever de conhecê-los e de ponderá-los.249 Mesmo não

estando vinculado aos fundamentos apresentados pelos sujeitos processuais, o

juiz deverá oportunizá-los manifestar a respeito de fundamento novo, de fato ou

de direito, que pretenda trazer pela primeira vez aos autos.

Há três razões fundamentais para a exigência de fundamentação das

decisões judiciais: a primeira é permitir o controle da atividade judicial, tanto do

246 O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma das características que diferenciam a atividade do juiz da atividade do legislador: “Un primo, evidente aspetto di differenziazione tra giudice e legislatore consiste nell’obbligo che il giudice ha di giustificare la sua decisione: egli anzi non può solitamente neppure sottrarsi al l’onere di motivare non soltanto la decisione, ma anche la scelta delle premesse utilizzate per giustificarla [Guatini]. Un obbligo che il legislatore, almeno nelle sue forme giuridiche, non ha” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 142). 247 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michelle. Lezioni sul processo civile: Il processo ordinário di cognizione. 5. ed. Milano: Il Mulino, 2011. p. 78. 248 PROTO PISANI, Andrea. Lezioni di diritto processuale civile. 5. ed. Com apêndice de atualização até as leis de 28 mar. 2010. Napoli: Jovene, 2006. p. 203. 249 JAUERNIG, Othmar. Direito processual civil. Coimbra: Almedina, 2002. p. 411. Tradução de F. Silveira Ramos da 25.a edição, totalmente refundida, da obra criada por Friedrich Lent: Zivilprozessrecht: ein Studienbuch/von Othmar Jauernig-25., vollig neubearb. Aufl. Des von Friedrich Lent begr. Werkes. Munchen: Beck, 1998. p. 168.

92

desenvolvimento do processo quanto das decisões judiciais. Logo, a

fundamentação das decisões judiciais é fundamental para assegurar a existência

de parâmetros necessários para a sociedade avaliar a atuação do Poder

Judiciário.250 A segunda é a vedação de decisões solipsistas, tomadas de forma

voluntária e subjetiva pelo magistrado no exercício de sua atividade jurisdicional,

e, por consequência, a imposição de racionalidade e de coerência argumentativa

aos magistrados no ato de decidir. Por fim, a fundamentação das decisões

judiciais permite uma melhor estruturação de eventuais recursos a serem

interpostos. Como o princípio da dialeticidade recursal251 preconiza a necessidade

de o recorrente fundamentar o seu arrazoado de maneira que efetivamente

ataque o pronunciamento judicial impugnado – e não simplesmente repita a

matéria alegada na inicial ou na contestação –, é a partir da fundamentação da

decisão judicial que as partes podem demonstrar de forma mais precisa e

rigorosa os seus errores.252

O art. 93, IX, da CF exige que todas as decisões judiciais sejam

fundamentadas. Essa fundamentação deve ser substancial, e não um “simulacro

de fundamentação”.253 As decisões não podem carecer de fundamentação e ser

deficientemente fundamentadas ou falsamente fundamentadas.254

250 TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 166-176; TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Tradução de Daniel Mitidiero, Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015. passim. TARELLO, Giovanni. L’interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980. p. 67-75; CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. Temas de direito processual civil – segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 88; SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 208-213. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, p. 150. 251 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Poderes do relator no CPC projetado. In: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; DANTAS, Bruno; DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; FUX, Luiz; MEDINA, José Miguel Garcia; NUNES, Dierle; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. (Coord.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo CPC. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 404-405. Na jurisprudência: STJ, 1.a Seção, AgRg na AR 5.372/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 28.05.2014, v.u.; STJ, 4.a Turma, AgRg no AREsp 497.813/ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 27.05.2014, v.u.; STJ, 4.a Turma, RCD no AREsp 76.110/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 22.05.2014, v.u. 252 CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667. 253 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 14. 254 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Sentença arbitrária. Revista de Processo, v. 204, p. 42, fev. 2012.

93

Isso porque é na fundamentação que o juiz demonstra “que a decisão

tomada é a melhor dentre todas as outras imaginadas”, de modo a deixar claro

que a resposta construída “para o caso é a mais adequada ao que diz a

Constituição”,255 os princípios jurídicos e os direitos fundamentais. Da mesma

forma, é na fundamentação que o magistrado atribuirá sentido aos termos

indeterminados contidos nas cláusulas gerais e nos conceitos indeterminados.

A fundamentação da decisão judicial deve ser completa. Como instrui

Egas Dirceu Moniz de Aragão, [...] é inadmissível supor que o juiz possa escolher, para julgar, apenas algumas das questões que as partes lhes submeterem. Sejam preliminares, prejudiciais, processuais ou de mérito, o juiz tem de examiná-las todas, se não o fizer, a sentença estará incompleta.256

Reputa-se completa a fundamentação da decisão judicial que examina

todos os fundamentos, processuais ou substanciais, suscitados pelo demandante

ou pelo demandado,257 ainda que de forma sucinta ou concisa,258 em observância

aos direitos das partes, inerentes ao contraditório, de influir no conteúdo das

decisões judiciais e de ter seus argumentos considerados.259

Não basta que a decisão seja suficientemente fundamentada, o que

ocorre quando constarem todos os elementos que o juiz levou em conta para

decidir. A decisão deve ser completa, devendo estar presentes também todos os

elementos fáticos e/ou jurídicos suscitados pelas partes. 260 Ainda que o juiz

255 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 351. 256 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 101. 257 SHIMURA, Sérgio Seiji. Embargos de declaração. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 855; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5, p. 198. 258 Enunciado 10, ENFAM: “A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa”. 259 DINAMARCO, Cândido Rangel. O dever de motivar e a inteireza da motivação. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 941-948; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A influência do contraditório na convicção do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão. Revista de Processo, São Paulo, v. 168, p. 53 e ss., fev. 2009; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 101-105 e 352. 260 Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, Teresa Arruda Alvim e Joaquim Felipe Spadoni sustentavam que as decisões proferidas em primeiro grau, decisões interlocutórias ou

94

entenda que o fundamento de fato ou de direito levantado pelas partes pareça de

menor ou de nenhuma relevância para a solução da controvérsia, ele deve

manifestar-se a respeito com essa fundamentação.261

Por essa razão, o § 1.º do art. 489 estabelece uma série de casos de

falsa fundamentação, em um rol exemplificativo (Enunciado 303, FPPC). Assim,

não se considera fundamentada a decisão judicial que: (i) se limitar à indicação, à

reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a

causa ou a questão decidida; (ii) empregar conceitos jurídicos indeterminados,

sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (iii) invocar motivos

que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (iv) não enfrentar todos os

argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão

adotada pelo julgador; (v) se limitar a invocar precedente ou enunciado de

súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o

caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (vi) deixar de seguir

enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem

demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do

entendimento.

Portanto, o entendimento de que os tribunais não devem examinar todas

as questões, mas apenas aquelas que consideram relevantes para a

fundamentação da decisão, contraria, em nosso sentir, o disposto no art. 489, §

1.º, IV, e, reflexamente, o art. 93, IX, CF.262-263

sentenças poderiam ser suficientemente fundamentadas, em razão da ampla devolutividade do recurso cabível contra essas decisões. No entanto, no que se refere aos julgamentos pelos Tribunais, em segundo grau de jurisdição, o acórdão deveria conter fundamentação completa, para viabilizar um adequado manejo do recurso especial ou extraordinário (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 105; SPADONI, Joaquim Felipe. A função constitucional dos embargos de declaração e suas hipóteses de cabimento. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação de decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. v. 8, p. 248-249). 261 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, p. 152. 262 Na doutrina, esse entendimento, contrário ao que pensamos, também encontrava eco: SARTI, Amir Finocchiaro. As omissões da sentença e o efeito devolutivo da apelação. In: NERY JR., Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; ALVIM, Eduardo Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais 2000. p. 13-18; ORIONE NETO, Luiz. Embargos de declaração. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos: 5.a série. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. p. 339-390, esp. p. 359.

95

Assim, toda decisão judicial, seja ela decisão interlocutória, sentença,

decisão monocrática do relator ou acórdão, deverá ser completa, e não

suficientemente fundamentada, de modo a demonstrar a (re)construição da norma

jurídica do caso concreto a partir da interpretação do texto normativo, com

atribuição de sentido aos eventuais termos indeterminados decorrentes de

cláusulas gerais e de conceitos indeterminados, em compatibilidade com a

Constituição, com os princípios jurídicos e com os direitos fundamentais.

2.5.3.6 Norma jurídica

Fixado o entendimento de que a norma jurídica é o resultado da

interpretação das fontes de direito, em especial das prescrições normativas à luz

da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e do preenchimento de

cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do caso concreto, importa

afirmar que, quando se diz que uma norma jurídica foi violada, o que se violou foi

a interpretação dada às fontes do direito utilizadas no caso concreto.

2.5.3.6.1 Direito material e direito processual

Violar a norma jurídica refere-se a qualquer tipo de espécie normativa,

seja ela processual, civil, consumerista, ambiental, constitucional, administrativa

etc. “O que interessa ao Estado e ao povo é a integridade, a observância, o

respeito de todo o seu sistema jurídico.”264

Por esse motivo, Luiz Eulálio Bueno Vidigal não estava com a razão

quando sustentava o não cabimento de ação rescisória, à luz dos Códigos de

1939 e 1973, por violação à literal disposição de lei que versasse matéria de

direito processual.

263 Para um estudo sobre o pensamento de cada Ministro do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, vide, com proveito: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A motivação dos julgamentos dos tribunais de 2.º grau na visão do Superior Tribunal de Justiça: acórdão completo ou fundamentado? Revista de Processo, v. 162, p. 197 e ss., ago. 2008. 264 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 288.

96

Hoje é pacífico que as matérias de direito processual podem ser

consideradas infringidas para fins rescisórios, em caso de nulidades processuais

no processo de origem.

As nulidades processuais devem ser consideradas forma de controle dos

atos processuais de sua regularidade e sua conformidade com os princípios

constitucionais do processo.265

No entanto, é importante destacar que todo ato processual defeituoso

produz efeitos até que seja decretada a sua nulidade. Essa afirmação é bem

aceita pela doutrina em geral.266 Enquanto não declarada a nulidade pelo juiz, a

relação processual ou o ato processual produz validamente seus efeitos, podendo

ocorrer a reparação dos vícios, caso não se opere a coisa julgada.

Após a coisa julgada, entretanto, não é qualquer nulidade processual

ocorrida no processo originário que ensejará o cabimento de ação rescisória por

violação manifesta de norma jurídica, mas apenas as nulidades absolutas é que

macularão as decisões judiciais a ponto de torná-las rescindíveis.

Tanto a ofensa à norma jurídica ocorrida no curso do processo na qual foi

proferida a decisão rescindenda quanto a ofensa contida na própria decisão

podem, em tese, dar azo à ação rescisória. Em outras palavras, as nulidades

absolutas do processo e as da decisão podem ser encartáveis como violação à

norma jurídica.

Para Teresa Arruda Alvim, há a nulidade absoluta e a relativa, bem como

a nulidade de forma e de fundo.

As nulidades absolutas são aquelas decretáveis de ofício e/ou arguíveis

pelas partes, em princípio, a qualquer tempo, “não incidindo a preclusão nem

mesmo se a matéria for objeto de decisão, se desta decisão se recorrer e se

houver decisão a respeito”, sendo aquelas relacionadas aos pressupostos

265 BARROS, Flaviane de Magalhães. Nulidade e modelo constitucional de processo. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – 2.a série. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 243. 266 Por todos: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2007. p. 166; CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 269-273; GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 76-82; DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 76.

97

processuais de existência e de validade, às condições da ação e às

circunstâncias assimiláveis; enquanto as nulidades relativas são “arguíveis só

pelas partes. Há preclusão ou pelo escoamento do prazo previsto em lei, ou, à

falta deste, por não se ter a parte manifestado na primeira vez em que falou nos

autos”.267

As nulidades absolutas subsistem no processo e maculam todos os atos

subsequentes, inclusive as decisões judiciais transitadas em julgado, tornando-as

rescindíveis, enquanto as nulidades relativas serão tidas como sanadas, em

virtude do regime da preclusão.

2.5.3.6.2 Direito interno e direito estrangeiro aplicável ao caso

Os enunciados normativos que podem ser tidos como violados para fins

rescisórios não se restringem ao direito interno. Excepcionalmente, é possível que

o direito estrangeiro seja aplicável ao caso, como bem demonstram as normas de

direito internacional privado.268

Sendo o caso e não tendo sido aplicado o direito estrangeiro ou tendo

sido aplicado erroneamente, é possível o manejo de ação rescisória por violação

à norma jurídica estrangeira.269

2.5.3.6.3 Costume como norma jurídica

O art. 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que

o costume pode ser aplicado de forma supletiva: “Quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de

direito”. 267 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2007, p. 135-245; Idem. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 509-510. 268 Sobre o tema, consultar, com proveito: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional privado. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 173-246, capítulo VII – Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. 269 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação à norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 207-209; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro, 1976. p. 270; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.

98

Costume é o comportamento reiterado no tempo, existindo em caso de

comportamento habitual duradouro na prática espontânea de determinadas

condutas.

É, inequivocamente, uma das fontes do direito. Torna-se fonte do direito,

no caso concreto, quando se pode extrair do comportamento reiterado um padrão

de conduta, um enunciado normativo. Portanto, pode não ser a principal fonte de

direito no civil law, mas o é.

Sendo fonte do direito e dele sendo extraível um enunciado normativo de

conduta, é cabível, em tese, ação rescisória contra decisão que violar costume.270

Nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell leciona: [...] também é possível cogitar doravante do cabimento de rescisória com alegação de manifesta violação a regras consuetudinárias (o que pode ser comum, por exemplo, em relações mercantis e do comércio eletrônico), ainda que guardada a nota de excepcionalidade inerente à medida. Nessas hipóteses, o correto é entender que a lei exige tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma jurídica.271

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, à luz do

Código de Processo Civil de 1973: “a interpretação do artigo 485, V, do CPC,

deve ser ampla e abarca a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito

(art. 4.º, LICC)”.272

2.5.4 Significado de “violar”

Outra importante questão consiste em saber o significado de “violar” para

fins de rescindibilidade da decisão que viola a norma jurídica.

De forma singela, sem mencionar o verbo violar, o diploma processual

anterior, o Código de Processo Civil de 1939, preferiu prever em seu art. 798, inc.

I, “c”, que “será nula a sentença contra literal disposição de lei”.

270 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 271 YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao art. 966. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 172. 272 STJ, 1.ª Seção, AR 822/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 26.04.2000.

99

Foi no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973 que o verbo

“violar” passou a ser empregado para fins de cabimento de ação rescisória em

caso de violação à literal disposição de lei.

O verbo “violar” deve ser interpretado de forma ampla, a significar

contrariar, afrontar, desrespeitar, infringir, transgredir, desobedecer, não aplicar

de forma correta ou aplicar de forma errada.273

Há violação à norma jurídica em toda e qualquer forma de ofensa a ela.

Pode-se afirmar que há violação à norma jurídica quando a decisão, ao interpretar

os enunciados normativos, nega vigência a enunciado normativo vigente; não

aplica enunciado normativo aplicável; e aplica erroneamente enunciado normativo

inaplicável.274

Da mesma forma, há violação à norma jurídica quando, à luz do caso

concreto, a decisão não aplica precedente aplicável ou aplica erroneamente

precedente inaplicável.275

Não se considera violado enunciado normativo que não está mais vigente

ou que ainda não está vigente, pois o texto normativo violado é aquele que teve

sua vigência negada e, por consequência, não foi aplicada, mesmo devendo sê-

lo, e não aquele que não está mais vigente ou que ainda não o está.276

273 Esses são os sentidos expressos do verbo violar nos principais dicionários: “Cometer violação ou desrespeito de norma, lei, acordo etc.” (HOLANDA, Aurélio Buarque. Violar. Dicionário Aurélio. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/violar>. Acesso em: 11 set. 2017; PRIBERAM. Violar. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/violar>. Acesso em: 14 set. 2017); “Desobedecer (lei, ordem, acordo)” (CALDAS AULETE, Francisco Júlio de. Violar. Dicionário Aulete digital. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/violar>. Acesso em: 11 set. 2017); “Desrespeitar (uma lei, contrato, norma, promessa etc.) com seu descumprimento, não aplicação ou aplicação incorreta; infringir, transgredir” (HOUAISS, Antonio. Violar. Dicionário Houaiss. Disponível em: <https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-2/html/index.php#1>. Acesso em: 11 set. 2017). 274 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 275 “Os padrões decisórios dotados de eficácia vinculante precisam, necessariamente, ser seguidos. E é necessário reconhecer a existência de mecanismos de controle dessa observância (mecanismos esses cuja análise, frise-se, não constitui objeto desse estudo, mas que devem ser aqui ao menos mencionados). Evidentemente, é possível conceber o recurso como mecanismo de controle. Também a reclamação (art. 988, III e IV, do Código de Processo Civil/2015) e a ação rescisória (art. 966, V e § 5.º, do Código de Processo Civil/2015) são mecanismos de controle previstos expressamente no Código de Processo Civil” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. p. 282, nota 16). 276 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 196. Em sentido contrário, Sérgio Rizzi entendia que havia violação literal de

100

Portanto, há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a

decisão nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado

normativo aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável.277

2.5.4.1 Desnecessidade de prequestionamento

Diferentemente dos recursos especiais e extraordinários, a ação

rescisória não necessita de prequestionamento para sua admissibilidade. O que o

art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015 exige é que haja alegação de

violação manifesta de norma jurídica, sem necessidade de prequestionamento,

nem de se esgotarem as vias ordinárias.278

Mesmo que não tenham sido invocados no processo originário, os

enunciados normativos, que subjazem a alegação de violação à norma jurídica,

podem ser objeto de arguição para fins rescisórios.

Compete ao julgador interpretar e aplicar o direito da forma como deve

ser, independentemente de alegação das partes, desde que previamente

oportunize o debate da matéria de fato ou de direito entre os sujeitos processuais.

Essa é a releitura necessária que deve ser feita aos adágios iura novit curia e

narra mihi factum, narro tibi jus, diante do princípio do contraditório, sob pena de

proferir decisão surpresa, vedada pelo art. 5.º, LIV, da Constituição e pelo art. 10

do Código de Processo Civil.279 O juiz conhece do direito, mas tem o dever de

diálogo e de debate prévio entre os sujeitos processuais como meio de possibilitá-

los a influir “nesse direito”, no conteúdo das decisões judiciais.

lei quando a decisão “dá validade a uma lei que não vale” e “admite a vigência a uma lei, que ainda não vige ou já não vige” (RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 1979. p. 107). 277 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 278 DELLORE, Luiz. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 774. 279 O tema foi objeto de pesquisa do autor em sua dissertação de mestrado defendida na PUC/SP, no ano de 2012, perante a banca composta pelos Professores Doutores Sérgio Seiji Shimura (orientador), Cassio Scarpinella Bueno e Humberto Theodoro Júnior. A sua versão comercial, à luz do Código de Processo Civil de 2015, encontra-se em vias de publicação: SANTOS, Welder Queiroz dos. Princípio do contraditório e vedação de decisão surpresa. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

101

Ademais, não há no Código de Processo Civil de 2015, na Constituição e

em nenhum enunciado normativo integrante do ordenamento jurídico brasileiro

nenhuma exigência de prequestionamento na causa anterior para fins de

cabimento de ação rescisória, e eventual exigência seria “completamente

destituída de base legal”.280

Diferentemente dos recursos, a ação rescisória trata-se de uma nova

demanda, que constitui uma nova relação jurídica processual, desligada da

anterior, sendo impróprio exigir o prequestionamento.281

Portanto, não se pode exigir prequestionamento da matéria para fins de

cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, sendo

irrelevante saber se a questão foi ou não debatida no processo de origem.

2.5.5 Significado de “manifestamente”

O inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil estabelece que pode

ser rescindida a decisão que “violar manifestamente norma jurídica”.

A palavra “manifestamente” significa “de modo manifesto”. Trata-se de um

advérbio que tem por finalidade linguística dar mais precisão ao sentido do verbo

violar e exprimir circunstância de modo (manifesto).282

“Manifesto”, por sua vez, é um adjetivo que tem como sinônimos aquilo

que é “claro, evidente, indubitável, irrefutável, notório, patente, provado”, e como

antônimo o que é “duvidoso, incerto, inevidente, obscuro, secreto”.283

Ao interpretar o termo “manifesta”, Nelson Nery Junior e Georges Abboud

afirmam que o inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil exige que a

violação “seja visível, evidente”.284

280 BARIONI, Rodrigo Otávio. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 111. 281 DONADEL, Adriana. A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 147-148. 282 PRIBERAM. Manifestamente. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: 2008-2013. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/manifestamente>. Acesso em: 21 nov. 2017. 283 HOUAISS, Antonio. Manifesto. Dicionário Houaiss: sinônimos e antônimos. 3. ed. São Paulo: Publifolha, 2012. p. 471. 284 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.

102

Rodrigo Barioni, por sua vez, entende que o termo “manifestamente” quer

significar que a transgressão deve ser “‘aberrante’, ‘direta’, ‘estridente’, ‘absurda’,

‘flagrante’, ‘extravagante’”.285

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, por seu turno, afirmam:

“Se a decisão rescindenda tiver conferido uma interpretação sem qualquer

razoabilidade ao texto normativo, haverá manifesta violação à norma jurídica”.

Estendem o entendimento também para os casos de “interpretação incoerente e

sem integridade com o ordenamento jurídico”.286

Ademais, compreendem que o sentido do “termo manifesta [...] significa

evidente, clara”, que “puder ser demonstrada com a prova pré-constituída juntada

pelo autor”, ou seja, que a alegação possa ser comprovada pelas provas que

instruem a inicial, sem necessidade de dilação probatória.287 Admitem, portanto,

que para a comprovação de violação manifesta à norma jurídica o autor se valha

de prova pré-constituída a instruir a petição inicial da demanda.

A hipótese de cabimento de ação rescisória por violação manifesta à

norma jurídica não depende de instrução probatória, pois o Poder Judiciário vai

analisar se à luz das circunstâncias fáticas do caso julgado foi aplicado

corretamente o direito. A correção da solução normativa não deve ser feita a partir

do exame das provas constantes dos autos, mas do ordenamento jurídico.

No entanto, dependendo da natureza da norma supostamente alegada,

pode haver a necessidade de pré-constituir o direito (prova de direito) como é o

caso do direito local, do direito consuetudinário e do direito estrangeiro.

Flávio Luiz Yarshell critica a utilização de “manifestamente”. Para o autor,

o advérbio sugere subjetivismo, gera incerteza por se tratar de conceito

indeterminado e pode ser interpretado para afastar o cabimento em causas de

maior complexidade: Além disso, o advérbio “manifestamente” sugere indesejável dose de subjetivismo; quando menos de incerteza, própria de um conceito juridicamente indeterminado – ao contrário do que se dá com a qualificação de “literal”.

285 BARIONI, Rodrigo. Alguns apontamentos sobre a ação rescisória no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, p. 225, abr.-jun. 2011. 286 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016, v. 3, p. 495. 287 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 494-495.

103

[...] Mas a aplicação do vocábulo à rescisória pode, ainda, sugerir que fundamentos que apresentem maior complexidade seriam inadequados para o propósito de rescindir. Isso seria um equívoco. Singeleza não é necessariamente uma característica do fundamento alegado em rescisória.288

Em virtude de todas essas preocupações externadas supra, a expressão

“manifestamente” contida no art. 966, V, do Código de Processo Civil pode ter

plurissiginificados, todos difíceis de serem previamente estabelecidos.

Entre esses diversos sentidos é possível afirmar com precisão que violar

manifestamente norma jurídica significa violar precedentes judiciais com

observância obrigatória.

Esse é o entendimento Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. sobre o tema: A nosso ver, a melhor interpretação é no sentido de que o “manifestamente”, constante no inciso V do art. 966 do CPC/2015, se relaciona à interpretação (construção de sentido) consagrada pelos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TST, STM e TSE) – que têm a função de uniformizar (de dar a última ratio), respectivamente, a interpretação da Constituição e da legislação infraconstitucional federal (o mesmo se aplica aos Tribunais de Justiça, quanto ao direito local).

Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, ao estabelecer que os

padrões decisórios previstos no art. 927 do Código de Processo Civil devem ser

observados pelos juízes e pelos tribunais, buscou reduzir a dispersão

jurisprudencial, estabelecer um norte seguro ao aplicador do direito, dar

previsibilidade da atuação estatal ao jurisdicionado ao delimitar o que ele pode ou

não pode fazer e assegurar o tratamento igualitário entre situações jurídicas

iguais ocorridas em um mesmo momento histórico.

Por esse motivo, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha afirmam

que o tratamento desigual a casos semelhantes dá azo ao cabimento de ação

rescisória por violação manifesta à norma jurídica: Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a intepretação conferida pela decisão seja coerente.289

288 YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao art. 966. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 171. 289 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 495.

104

Portanto, o advérbio “manifestamente”, decorrente do adjetivo

“manifesto”, deve ser entendido como uma violação clara à luz das circunstâncias

fáticas do caso julgado; que independe de instrução probatória, pois verificável

pelo exame das provas constantes dos autos.

2.5.6 Significado de “violar manifestamente a norma jurídica”

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973 – que previa como

hipótese de cabimento de ação rescisória no inciso V do art. 485 a decisão

proferida em “violação a literal disposição de lei” –, Pontes de Miranda já dizia que

“violação à lei” deveria ser entendida como violação ao direito, “infração à regra

jurídica”, “ofensa ao direito em tese”,290 o que, em outras palavras, refere-se à

norma jurídica. Em suas sempre sábias palavras: Se entendemos que a palavra “lei” substitui a que lá devera estar – “direito” – já muda de figura. [...] Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impor a “letra” legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia àquilo para que foi criada: realizar o direito objetivo, apaziguar.291

290 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 297. Em outro excerto, afirma que: “Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se o elemento só fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado” (Idem, p. 269). Nesse mesmo sentido, Flávio Luiz Yarshell assevera que: “Se o sistema jurídico aceita que a lei não é a fonte exclusiva do direito, então, não há sentido em restringir a previsão legal, sem que isso, naturalmente, signifique permitir, em ação rescisória, o reexame de toda e qualquer decisão, por todo e qualquer fundamento, como se tal remédio fosse, como dito, uma nova instância recursal” (YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízo rescindente e juízo rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 323-324). 291 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266. No mesmo sentido, leciona José Carlos Barbosa Moreira: “Melhor teria sido substituí-la por ‘direito em tese’, como sugeriu a Comissão revisora. O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. V, n. 78, p. 131-133).

105

No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim apontava que o direito não se

resumia à literalidade da lei posta, sendo preciso interpretar “violar literal

disposição de lei” como “violar o sistema jurídico”.292

Logo, andou bem o Código de Processo Civil de 2015 ao prever

expressamente como rescindível aquela decisão que “violar manifestamente a

norma jurídica”. Como lecionava Ulderico Pires dos Santos: “O que o legislador

quer com a ação rescisória é a correção das sentenças proferidas com ofensa à

norma jurídica”.293

Violar a norma jurídica, nos dias de hoje, significa violar não apenas as

regras jurídicas, mas também a Constituição, os princípios jurídicos e os direitos

fundamentais, afinal de contas a norma jurídica é construída a partir da

interpretação dada a determinados enunciados normativos à luz da Constituição,

dos princípios jurídicos e dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim entende ser rescindível a decisão

que incidir princípio inaplicável ou deixar de aplicar princípio adequado: De fato, se se consegue demonstrar que a incidência dos princípios (que não incidiram) ou o afastamento de princípios (que deveria ter incidido deveria ter levado a uma decisão diferente da que foi proferida, não há como se deixar de equiparar esta situação à da ofensa à lei, para efeito de se considerar uma quaestio juris corrigível pela via dos recursos excepcionais e, também, da ação rescisória.294

Fernando Sacco Neto corrobora com esse entendimento ao afirmar que

“a expressão ‘lei’, do inc. V do art. 485 do CPC [de 1973], diz respeito à lei

federal, ordinária e, inclusive, a princípios jurídicos”.295 Essa também é a posição

de Ronaldo Cramer, em excelente dissertação de mestrado defendida na

292 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 518. 293 SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática da ação rescisória. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 41. 294 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 518-521, especificamente, p. 521. 295 SACCO NETO, Fernando. Do cabimento da ação rescisória com fundamento em violação de princípio geral de direito. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Org.) Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 1025.

106

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e publicada em versão

comercial.296

Ademais, violar manifestamente a norma jurídica não significa violar não

apenas a constituição, a lei, as regras, os princípios, os direitos fundamentais,

corresponde também violar as cláusulas contratuais, os costumes e outras fontes

do direito à luz do caso concreto, como a violação aos precedentes judiciais

vinculantes, assim estabelecidos pelo Código de Processo Civil de 2015, como

será objeto do próximo capítulo.

Portanto, há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a

decisão nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado

normativo aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável.297

Sendo assim, é preciso investigar se a violação aos precedentes judiciais,

conforme estabelecidos no art. 927 do Código de Processo Civil de 2015,

configura violação à norma jurídica, para, em seguida, analisar se dá azo ao

cabimento de ação rescisória.

296 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 247-250. 297 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.

107

3 – PRECEDENTE JUDICIAL COMO NORMA JURÍDICA

No capítulo anterior, constatou-se que violar a norma jurídica, nos dias de

hoje, significa violar não apenas as regras jurídicas, mas também a Constituição,

os princípios jurídicos, os direitos fundamentais e o sentido atribuído às cláusulas

gerais e aos conceitos indeterminados, afinal de contas, a norma jurídica é o

sentido construído a partir da interpretação e da aplicação do ordenamento

jurídico à luz dos fatos concretos.

Há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a decisão

nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado normativo

aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável.298

Sendo assim, é preciso investigar se violar precedente, conforme

estabelecidos no art. 927 do Código de Processo Civil de 2015, configura violação

à norma jurídica.

Para analisar o precedente judicial como norma jurídica é necessário

compreender a sua função no direito.299 Essa função, lato sensu, pode ser de

determinada forma, variando a depender do sistema jurídico no qual integra. Por

isso, é imperioso analisar a função do precedente judicial nos sistemas jurídicos.

A presente pesquisa limitar-se-á a verificar a importância do precedente judicial

nos dois grandes (e principais) sistemas jurídicos: o common law e o civil law.

Para tanto, não se pretende somente apontar as diferenças entre os dois

sistemas, mas também, antes de mais nada, demonstrar que a própria estrutura

298 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 299 Para uma análise do desenvolvimento e da evolução da jurisprudência como fonte de direito, consultar: ZACCARIA, Giuseppe. La giurisprudenza come fonte di diritto. Napoli: Scientifica, 2007; ZACCARIA, Giuseppe. La comprensione del diritto. Roma-Bari: Laterza, 2012; CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. El precedente en el derecho inglés. Tradución de Maria Angélica Pulido. Madrid-Barcelona-Buenos Aires: Marcial Pons, 2012, p. 195-216. No direito brasileiro anterior ao Código de Processo Civil de 2015: TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

108

dos direitos e as fontes dos direitos são diferentes entre os países de origem no

sistema jurídico do common law e no do civil law.

3.1 Sistemas jurídicos do civil law e do commom law

3.1.1 Sistema jurídico do civil law

O sistema jurídico do civil law ou família do direito romano-germânica

consolidou-se sobre as bases do direito romano, ligado à antiga Roma, cujas

regras de direito eram concebidas como regras de conduta, visando regular as

relações entre os cidadãos. A família romano-germânica formou-se graças aos

esforços das universidades europeias que, a partir do século XII, fizeram renascer

a ideia de direito, elaboraram e desenvolveram uma ciência do direito comum a

todos, tendo com base principal as compilações do imperador Justiniano, o

Corpus Iuris Civilis.300 A partir do século XIX, a lei ganhou um papel de destaque

e iniciou-se um período de técnica jurídica da codificação.

Decorre dessa origem a estrutura dos direitos compreendida a partir de

uma grande divisão básica entre direito público e direito privado.301 Os mesmos

ramos fundamentais do direito (constitucional, administrativo, internacional

público, criminal, processual, civil, comercial etc.) são encontrados nos países de

origem na família direito romano-germânica, o que facilita a compreensão dos

outros direitos.302

O modo pelo qual as regras de direito são concebidas, caracterizadas e

analisadas tende a ser o mesmo adotado nos países de civil law. As regras de

direito são concebidas com forma de organização social, com caráter ordenador e

político. Por isso, por diversas vezes são elaboradas com uma causuística

exagerada e às vezes com fórmulas gerais para ser compreendida no momento

de sua interpretação e aplicação.

300 ALMEIDA, Carlos Ferreira; CARVALHO, Jorge Morais. Introdução ao direito comparado. 3 ed. Lisboa: Almedina, 2013. p. 26-27. 301 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 36. 302 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 89-90.

109

A doutrina gozava de um papel de prestígio na sistematização do direito

como regra de conduta, apta a fornecer um guia para a solução de situações

concretas, a partir da interpretação de fórmulas legislativas. O jurista tem por

função fornecer à prática e à jurisprudência um guia para a futura solução dos

casos concretos.303

A lei em geral era considerada a principal fonte do direito nos países de

origem no civil law.304 Um produto democrático, com caráter geral e abstrato,

decorrente de decisão majoritária dos integrantes do Poder Legislativo, que

estabelece regras para o futuro. A tarefa do juiz era considerada descobridora ou

reveladora do direito legislado. Tratava-se de uma característica marcante do

chamado positivismo jurídico. A lei, por vezes, era confundida com o próprio

conceito de direito.305 O papel do legislador é preponderante, pois se harmoniza

com o princípio da democracia. As disposições normativas são organizadas em

hierarquia, encontrando-se no topo as Constituições ou leis constitucionais.306

O mito da lei como direito foi abandonado – embora prevaleça a ideia de

que a melhor maneira de obter soluções de justiça consista em procurar apoio na

legislação, pois a função do legislador é preponderante – e passou a reconhecer

o papel criador do juiz. A especialização das regras de direito aumentou o papel

de interpretação do juiz. A jurisprudência, desejosa de reforçar a segurança

jurídica, passou a ser responsável por deixar as regras jurídicas mais claras e os

Supremos Tribunais passaram a exercer, conforme cada ordenamento jurídico, o

controle sobre a interpretação dessas regras.307

A jurisprudência assume o papel de evolução do direito, mas intimamente

ligado à interpretação da lei. Como esclarece René David:

303 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 101-105. 304 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 111. 305 ABBOUD, Georges; CARNIO Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 165-166. 306 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 119-120. 307 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 107-107.

110

[...] se nós quisermos analisar a medida em que a jurisprudência participa da evolução do direito, é necessário resignarmo-nos a procurar esta função atrás do processo de interpretação, verdadeiro ou fictício, dos textos legislativos. A jurisprudência desempenha um papel criador, na medida em que, em cada país, se pode, neste processo, afastar a simples exegese.

Portanto, o alcance do direito jurisprudencial é limitado, pois a

jurisprudência cria direito dentro dos padrões estabelecidos para o direito pelo

legislador.

Ademais, em um panorama geral, nos países decorrentes do sistema

jurídico do civil law, as regras de direito criadas pela jurisprudência não têm a

mesma autoridade da lei e podem ser rejeitadas ou modificadas a qualquer

tempo. Portanto, é comum a afirmação de que os juízes têm a liberdade de

decidir conforme seu convencimento, sem se vincular à jurisprudência dos

Tribunais.

Há, em regra, rejeição da regra do precedente, que elucida que os juízes

devem ater-se às regras por eles aplicadas em um caso concreto anterior.308 É

comum, por outro lado, a previsão de técnicas que visam a uniformização da

jurisprudência com a finalidade de “assegurar a certeza do direito” e alcançar uma

esperada “estabilidade à jurisprudência”.

No entanto, excepcionalmente é admitida a previsão de precedentes

obrigatórios, vinculando os juízes a seguir determinados precedentes ou

determinada linha traçada por precedentes.309

3.1.2 Sistema jurídico do commom law

Outro grande sistema de direito funda-se na família jurídica do common

law, de origem anglo-saxônica (especialmente da formação histórica do direito

inglês), em que a ciência do direito formou-se sobre as bases das decisões dos

juízes, que resolviam os litígios particulares, na maioria dos casos, a partir dos

costumes. A preocupação imediata das decisões judiciais era restabelecer a

308 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 149-151. 309 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 159-161.

111

ordem social perturbada, e não fixar regras de conduta (bases da sociedade) para

regular as relações entre os cidadãos.310

O sistema anglo-saxão formou-se de forma autônoma, em valorização da

continuidade histórica do seu direito, em caráter tradicional, como um produto de

uma longa evolução que passa por quatro períodos na história do direito inglês: o

período anterior à conquista normanda da Inglaterra na Batalha de Hastings, em

1066; o período de 1066 do advento da dinastia dos Tudors, em 1485; o período

compreendido entre 1485 e 1832; e, por fim, o período de 1832 até os dias

atuais. 311 A história do common law, até o século XVIII, é exclusivamente a

história do direito inglês. Após, é possível distinguir o common law na Europa

(onde ele nasceu) e nos países fora da Europa (onde foi introduzido).312

Na common law inglês, aplica(va)-se o direito comum a toda a Inglaterra.

A assembleia dos homens livres – County Court ou Hundred Court – aplicava o

costume local. Aos poucos foram substituídas por jurisdição exercida pelos

senhores feudais (cujo feudalismo foi muito diferente da Europa Continental, por

não ter formado grandes feudos) – Courts Baron, Court Leet, Manorial Courts –,

que da mesma forma aplicava o direito costumeiro local. A elaboração do

common law, como direito comum a toda a Inglaterra, estabelecido com base em

elementos de diversos costumes locais, era tarefa dos Tribunais Reais de Justiça,

conhecidos por Tribunais de Westminster, local onde se estabeleceram a partir do

século XIII, de acesso excepcional ao menos até o século XIX.313 Além disso,

também de forma excepcional, era possível um recurso direto ao Rei para obter a

justiça não alcançada nos Tribunais Reais. No século XV, o Chanceler real

tornou-se cada vez mais um juiz autônomo com solicitação frequente de sua

310 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 25-26. 311 Para uma análise história do direito inglês, desde a conquista normanda (a constituição de um potente reino unitário e a centralização do aparato judiciário inglês), passando pelas “Curia Regis” e a sua tripla ramificação (as três cortes de Westminster), pela imposição da jurisdição central no território do reino inglês (os “sheriffs” e os juízes itinerantes), o sistema dos “writs”, as “ações” possessórias e o surgimento do júri, a tipificação e a multiplicação dos “writs” entre os séculos XII e XIII, o “writ” de trespasse e as suas filiações, até as características do common law e de sua elaboração: CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 491-529. 312 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 355-358. 313 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 358-359.

112

intervenção para decidir de acordo com a equity, a “equidade do caso

particular”.314

Daí decorre a origem da estrutura inicialmente dualista do direito inglês e,

por consequência, do common law, com divisões, conceitos e vocabulários muito

diferentes dos utilizados na família de direito romano-germânica.315 Ao lado do

direito comum (common law) dos Tribunais de Westminster, têm-se as soluções

de equidade (equity) do Tribunal de Chancelaria. Há outra divisão entre as

chamadas substantive law e a adjective law. Entre 1873 e 1875, os Acts

Judicature modificaram profundamente a organização judiciária inglesa ao

suprimirem a distinção entre os Tribunais de common law e de equity e passaram

a toda a jurisdição inglesa o dever de aplicar da mesma forma as regras de direito

comum (common law) e as de equidade (equity). Hoje, fala-se de fusão entre

elas.316

Logo, observa-se que o direito da família jurídica do common law se

constituiu a partir das decisões dos Tribunais (e não da lei). Trata-se de um direito

formado pela praxe. As regras de direito estabelecidas pelos julgados

precedentes devem ser seguidas. Obras de doutrina e compilações de decisões

judiciárias ganharam importância na história para o conhecimento do direito

anglo-saxão, como o Year Books e os clássicos Commentaries on the Laws of

England, de Blackstone.317

Como o common law é um direito formado essencialmente pela

jurisprudência (case law), suas regras são extraíveis das razões de decidir (ratio

decidendi) dos julgados precedentes dos tribunais superiores. Mesmo nos casos 314 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 371-372. 315 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 25. 316 Sobre a dualidade entre a common law como valor em contraposição a equity, Adriano Cavanna leciona: “Con valore più specifico l’expressione common law è usata in contrapposizione ad equity. In tal senso essa allude a quel ramo del diritto inglese che se è sviluppato, appunto, nelle tre Corti giudiziarie londinesi dette di common law; laddove l’equity consiste invece, come vedremo, nel diritto applicato fino al XIX secolo dalla Corte di Cancellaria e caratterizzzato da rimedii processuali estranei al rigore della common law. Dalla seconda metà del XIX secolo equity e common law (di regola disciplinanti rispettivamente campi diversi) sono applicate delle medesime Corti, riunite in un unico supremo organismo giudiziario”. (CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 488). 317 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 575-583; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 376-377.

113

em que há lei escrita, os ingleses aguardam a interpretação dada pela

jurisprudência.318

Embora culturalmente os ingleses recorressem às regras de direito

extraíveis judicialmente, reportando-se ao que fora julgado como forma de

assegurar coesão da jurisprudência e do direito, a regra da obrigatoriedade de os

juízes ingleses seguirem os precedentes (rule of precedent) surgiu após a metade

do século XIX.319

Em grande síntese, a regra da obrigatoriedade dos precedentes no direito

inglês consiste no fato de que as decisões da Câmara dos Lordes devem ser

seguidas por toda a jurisdição inglesa, com restrição excepcional a ela própria, e

de as decisões tomadas pelo Court of Appeal formarem precedentes obrigatórios

para os tribunais hierarquicamente inferiores. São esses os (únicos) precedentes

obrigatórios no direito inglês. Por sua vez, não se pode deixar de observar que as

decisões do High Court of Justice possuem grande força persuasiva, embora não

sejam obrigatórias, como as decisões da Supreme Court of Judicature e da

Câmara dos Lordes.320

A lei (como ato do parlamento – statute, Act of Parliament), por sua vez,

pode ser considerada uma segunda fonte do direito inglês. Anteriormente, a lei

era vista como um modo de introduzir “erratas” e “addenda” ao direito constituído

pelo direito jurisprudencial. No entanto, no último século, principalmente após a

Segunda Guerra Mundial, ampliou-se a quantidade de leis na Inglaterra – entre

outros, basta observar que, hoje, possui um Código de Processo Civil, o que leva,

318 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 409. 319 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 428. Como relata Adriano Cavanna, “La dottrina e le tecniche illustrate dal Coke furono poi progressivamente perfezionate e completate da una serie di great judges fino al XVIII e XIX secolo, fra i quali eccellono uomini come Lod Mansfield (le cui decisioni rappresentano, fra l’altro, il materiale stesso con cui è costituita la parte più recente del diritto commerciale inglese) o come Sir James Parke. Quest’ultimo, in particolare, in relazione a un caso del 1833, ebbe a esprimere la dottrina dei precedenti in una ‘forma che è considerata un locus classicus della moderna teoria del case law’”. (CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 570). 320 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 570-571; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 428-429.

114

ao lado do common law, algumas matérias (previdenciário, econômico etc.) a ter

um regramento de direito escrito.321

Ocorre que, em virtude da tradição do direito inglês, as disposições de lei

acabam sendo submersas pelas decisões jurisprudenciais e ela (a lei) passa a ser

(plenamente) admitida e incorporada ao direito inglês quando aplicada e

interpretada pelos Tribunais. 322 Portanto, nos dias de hoje, o direito inglês

permanece sendo um direito jurisprudencial.

Sua aplicação é intimamente ligada à identificação da ratio decidendi do

julgamento precedente, como o suporte necessário da decisão que se torna a

regra (jurisprudencial) de direito que se incorpora ao direito inglês, distinguindo-a

do obiter dictum, os argumentos “secundários”. A técnica de aplicação do direito

inglês parte da análise das ratio decidendi existentes para descobrir a regra de

direito que será aplicada no caso. A forma de aplicação está intimamente ligada à

aplicação de técnica de distinções de casos até os dias de hoje.323

3.1.3 Convergência entre os sistemas de civil law e de common law no direito

brasileiro

O Brasil foi descoberto (na perspectiva europeia, pois, antes, as terras já

eram habitadas pelos povos indígenas) em 22 de abril de 1500, pela frota

comandada pelo português Pedro Álvares Cabral, e tornou-se independente de

Portugal em 7 de setembro de 1822, marco para a fundação do Império do Brasil

como Estado autônomo, após a vinda de toda a Corte portuguesa para o Brasil

em 1808.

Por forte influência de Portugal, país colonizador, o Brasil possui suas

raízes jurídicas no sistema jurídico do civil law, em que historicamente a lei se

constituiu como principal fonte de direito a estabelecer as regras de direito

321 ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão de tradução de Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 28-29. 322 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 431,434 e 436. 323 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 572-573; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 411 e 431.

115

concebidas como regras de conduta, visando regular as relações entre os

cidadãos.

A opção legislativa adotada pelo Brasil reforça a convergência que tem

ocorrido entre os sistemas de civil law e de common law. Não que isso seja uma

grande novidade. Pelo contrário, Mauro Cappelletti já destacou há algum tempo

esse movimento de convergência.324

Nos países de common law, por exemplo, o direito positivado tem

ganhado espaço. Entre inúmeros exemplos legislativos que poderíamos citar, é

suficiente dizer que o país tido como fundador do sistema de common law, a

Inglaterra, possui, desde 1998, um Código de Processo Civil (Rules of Civil

Procedure – CPR).325

Em contrapartida, o direito jurisprudencial tem ganhado gradualmente

importância nos países de civil law. Diversos fatores contribuíram para esse

fenômeno. Como demonstrado no Capítulo 2, o pensamento jurídico

contemporâneo reconhece a força normativa da Constituição; os princípios com

eficácia normativa e não meramente integrativa; os direitos fundamentais com

eficácia e aplicabilidade imediata, em valorização e em respeito à dignidade da

pessoa humana; a expansão do método legislativo com base em cláusulas gerais

e em conceitos indeterminados; e uma profusão de leis. Com isso, reconheceu-se

o papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, a distinção entre texto e

norma, a adoção da proporcionalidade na aplicação de espécies normativas e a

identificação do método de concretização dos textos em detrimento da

subsunção.

Essa amplitude da atividade jurisdicional contribuiu com a ampliação da

divergência jurisprudencial e, por consequência, com a insegurança jurídica e o

tratamento desigual a casos semelhantes.

324 “[...] para além das muitas diferenças ainda hoje existentes, potentes e múltiplas tendências convergentes estão ganhando ímpeto, à origem das quais encontra-se a necessidade comum de confiar ao ‘terceiro poder’, de modo muito mais acentuado do que em outras épocas, a responsabilidade pela formação e evolução do direito” (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 133). 325 “O Direito Processual Civil inglês é regido pelas novas Regras do Processo Civil (1998) (as CPR – do inglês, Civil Procedural Rules). O novo Código mudou a cultura litigiosa dos tribunais ingleses” (ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão de tradução de Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 28).

116

A adoção de um sistema de precedentes judiciais surge como uma forma

intimamente ligada à concretização do princípio da igualdade perante o Poder

Judiciário e do princípio da segurança jurídica, como previsibilidade da atividade

Estatal.

3.2 Precedentes

No common law, o direito formou-se a partir das decisões dos Tribunais e

decorrentes de uma evolução histórica, política e filosófica.326 São as regras de

direito estabelecidas pelos precedentes que devem ser seguidas pelo cidadão,

“formatados não por um julgamento histórico, mas pela história de um

determinado julgamento, ao que se agregam os fundamentos do caso”.327 Os

precedentes emanados pelos órgãos jurisdicionais são fontes primárias de direito

e possuem eficácia vinculante, inclusive em relação às próprias decisões,

conforme expressamente manifestado pela House of Lords no julgamento do caso

London Street Tramways em 1898.

Portanto, a regra da obrigatoriedade dos precedentes no direito inglês

consiste no fato de as decisões da House of Lords deverem ser seguidas por toda

a jurisdição inglesa, inclusive por ela própria, com restrição excepcional, bem

como pelas decisões tomadas pelo Court of Appeal formarem precedentes

obrigatórios para os tribunais hierarquicamente inferiores.328

Nos Estados Unidos, por sua vez, a regra do precedente ganhou

destaque no julgamento do caso Marbury versus Madison, amplamente conhecido

por ser a referência mundial sobre o controle difuso de constitucionalidade.

Os precedentes no common law garantem a segurança jurídica e a

igualdade, conforme clássica expressão “treat like cases alike” (tratar igual os

326 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 562. 327 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 571. 328 Para um estudo do sistema dos precedentes, a sua formação e a sua evolução no direito inglês: DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge, 2008, p. 31-36; CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 567-574.

117

casos semelhantes). O termo precedente refere-se à um caso já resolvido

judicialmente e adotado como fundamento para decisões posteriores.329

Como o common law é um direito formado essencialmente pela

jurisprudência (case law), suas regras são extraíveis das razões de decidir (ratio

decidendi) dos julgados precedentes dos tribunais superiores.330 Sua aplicação é

intimamente ligada à identificação da ratio decidendi constante em um julgamento

pretérito para aplicá-la como o suporte necessário para a decisão do caso

presente, em discurso de fundamentação e de justificação.331

Não há precedent ou leading case previamente estabelecido para os

casos seguintes e semelhantes (como criou-se no Brasil). Ele não é constituído

com a pretensão de resolver casos futuros. É o juiz do caso seguinte que define o

julgado pretérito como precedente, ao extrair a ratio decidendi para decidir outro

caso.332 E assim, sucessivamente, formam-se os precedentes, que, por via de

regra, vinculam os julgadores em outros casos concretos.

329 Neil Duxbury explica o que é um precedente para o sistema jurídico do common law: “A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for present action. Not all past events are precedents. Much of what we did in the past quickly fades into insig- nificance (or is best forgotten) and does not guide future action at all. Understanding precedent therefore requires an explanation of how past events and present actions come to be seen as connected”. (DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge, 2008, p. 1). Toni Fine esclarece que: “Uma característica básica do common law, nesse caso, é a doutrina do precedente, pela qual os juízes utilizam princípios estabelecidos em casos precedentes para decidir novos casos que apresentem fatos similares e levantem questões legais semelhantes”. (FINE, Toni M. Introdução ao sistema jurídico anglo-americano. Trad. Eduardo Saldanha. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p . 67). Para Adriano Cavanna: “Il termine precedent designa un caso già risolto giudizialmente e adatto ad esser preso come base per decisioni posteriori”. (CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 567). Pierluigi Chiassoni explica que “um precedente judicial pode ser considerado como consistente em uma decisão judicial (i) como um todo – a opinião, incluída a ratio decidendi ou a holding, mais as determinações in- dividuais para o especíco caso em análise, (ii) pronunciada em um período de tempo prévio (t1), (iii) satisfa- toriamente reportado (isto é, reportado de tal maneira a ser passível de ser utilizado e conhecido no futuro por juristas e juízes trabalhando na jurisdição relativa a ele), e (iv) tendo o mesmo, ou similar (tipo de) fatos e questões como os fatos e questões a serem adjudicadas no tempo presente (t). Isso eu chamarei de precedente-julgamento”. (CHIASSONI, Pierluigi. A filosofia do precedente: reconstrução racional e análise conceitual. Tradução de Thiago Pádua. Universitas JUS, v. 27, n. 1, p. 63-79, esp. p. 65, 2016). 330 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 409. 331 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 190. 332 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 437.

118

No Brasil, precedente não significa o mesmo que no sistema do common

law.333 Precedente decorre de um pronunciamento judicial que interpreta a lei ou o

ato normativo à luz do caso concreto em um determinado momento histórico e

que serve de base para a formação de outro pronunciamento judicial em processo

posterior.334 O precedente fixa o sentido e o alcance do ordenamento jurídico que,

no civil law, é delineado, precipuamente, pelo Poder Legislativo. Do precedente se

extrai a norma jurídica, resultado da interpretação das fontes de direito, em

especial da lei à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e

do preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados em

conformidade com o caso concreto em determinado momento histórico.

Diferentemente do common law, o precedente não cria um direito por si

só. A atividade criativa do Poder Judiciário é intimamente ligada à interpretação

do ordenamento jurídico. A distinção entre texto e norma evidencia a necessidade

de interpretação de texto normativo para o surgimento da norma jurídica. A norma

jurídica é resultado da atividade interpretativa, criativa e normativa do magistrado

a partir do ordenamento jurídico. O Código de Processo Civil de 2015 estabelece

um sistema de formação de precedentes construído à luz das características de

um ordenamento jurídico de civil law, como é o brasileiro. Não há migração para a

família de direito do common law; não é a tradição do direito brasileiro. A atividade

do juiz é concretizadora do trabalho iniciado pelo legislador.335

333 É o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno: “[...] não vejo como, aplicando o que já escrevi, querer enxergar, no CPC de 2015 e nas pouquíssimas vezes que a palavra ’precedente’ é empregada, algo próximo ao sistema de precedentes do common law. A palavra é empregada, nos dispositivos que indiquei, como sinônimo de decisão proferida (por Tribunal) que o CPC de 2015 quer que seja vinculante (paradigmática, afirmo eu)” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 598). 334 “Precedente é um pronunciamento judicial, proferido em um processo anterior, que é empregado como base da formação de outra decisão judicial, prolatada em processo posterior. Dito de outro modo, sempre que um órgão jurisdicional, ao proferir uma decisão, parte de outra decisão, proferida em outro processo, empregando-a como base, a decisão anteriormente prolatada terá sido um precedente. A técnica de decidir a partir de precedentes, empregando-os como princípios argumentativos, é uma das bases dos sistemas jurídicos anglo-saxônicos, ligados à tradição jurídica do common law. Isto não significa, porém, que o ordenamento jurídico brasileiro, historicamente vinculado à tradição jurídica romano-germânica (conhecida como civil law), tenha ‘migrado’ para o common law. Muito ao contrário, o que se tem no Brasil é a construção de um sistema de formação de decisões judiciais com base em precedentes adaptado às características de um ordenamento de civil law” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 419-420). 335 Como observa Zulmar Duarte de Oliveira Júnior: “A referibilidade do direito positivo no precedente brasileiro conecta o mesmo na cadeia de desdobramento do sentido e alcance da legislação imposta pelo poder legislativo. A comunidade de trabalho entre juiz e legislador no

119

Teresa Arruda Alvim, Relatora-Geral da Comissão de Juristas

elaboradora do anteprojeto, aponta três razões ou preocupações que resultaram

na regulamentação de um sistema de precedentes no Brasil. Uma, porque as

decisões conflitantes, principalmente as dos tribunais superiores, passaram a ser

um fenômeno “excessivamente frequente”, com muitas mudanças bruscas de

entendimento pelos próprios tribunais. Duas, porque muitas das decisões

conflitantes eram proferidas para resolver casos que envolviam questões de

massa, o que gerava uma gritante e intolerável ofensa à isonomia. Três, porque

era necessário estabelecer técnicas para concretizar o princípio da legalidade e

da isonomia e para assegurar a segurança jurídica e a previsibilidade no plano

empírico.336

Como se vê, o sistema de precedentes brasileiro é instituído por uma

necessidade de reduzir a excessiva dispersão jurisprudencial – e de assegurar

maior previsibilidade ao direito – que acaba(va) por ofender princípios essenciais

ao Estado de Direito como a legalidade, a igualdade e a segurança jurídica em

sua vertente de previsibilidade da atuação estatal. A concretização de tais

princípios torna-se meta a ser atingida pelo Poder Judiciário.337

Nessa linha, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece em seu art.

927 um rol de pronunciamentos judiciais que são denominados de precedentes

para fins de aplicação do direito brasileiro. Não se trata de um sistema de

precedentes formados apenas em pronunciamentos de Cortes Supremas,338 mas

sim de um sistema de formação e de aplicação de precedentes estabelecidos

previamente pelo legislador, quando produzidos de determinada forma, com a

finalidade de assegurar que casos iguais recebam respostas jurídicas iguais, em

Brasil sempre tem como pano de fundo ordenamento jurídico positivo. [...] A calibração do texto legal frente ao caso concreto é dedicada pelo direito positivo, mormente pela Constituição da República, e não por um juízo livre de oportunidade e conveniência do próprio julgador” (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 572-573). 336 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes. In: ______; WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Temas essenciais do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 483-484. 337 Como leciona Cassio Scarpinella Bueno: “Previsibilidade, isonomia e segurança jurídica [...] devem ser metas a serem atingidas, inclusive pela atuação jurisdicional” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 597). 338 Para Luiz Guilherme Marinoni, somente podem ser chamados de precedentes os pronunciamentos de Cortes Supremas (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016).

120

respeito aos princípios da legalidade e da igualdade, e que o cidadão tenha

previsibilidade das decisões judiciais, em concretização do princípio da segurança

jurídica.339

Esse trabalho optou por nomear de precedentes o rol de pronunciamentos

constantes no art. 927 do Código de Processo Civil. Sabe-se que a denominação

é passível de crítica, pois não reflete fielmente o que tem sido chamado de

precedentes no mundo e, especial, nos países de common law. No entanto, entre

os inúmeros apelidos constatados na doutrina e na jurisprudência – precedentes

qualificados,340 precedentes vinculantes, precedentes obrigatórios,341 precedentes

judiciais vinculantes, 342 precedentes judiciais formalmente vinculantes, 343

precedentes judiciais vinculantes à brasileira, 344 precedentes à brasileira, 345

indexadores jurisprudenciais,346 pronunciamentos judiciais vinculantes, padrões

decisórios 347 etc. –, optou-se por essa nomenclatura pura e simples –

precedentes – sem nenhuma adjetivação, mas destacado em itálico, como forma

339 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 420. Zulmar Duarte de Oliveira Jr. observa que no Brasil “temos um sistema de formação e de aplicação de precedentes qualificados, cujo rol foi previamente formatado pelo legislador infraconstitucional” (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 587). 340 Conforme art. 121-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, incluído pela Emenda Regimental 24, de 2016; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 587. 341 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016; MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 927. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2075-2081; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. XV, p. 62-67. 342 PANUTTO, Peter. Precedentes judiciais vinculantes. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. 343 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2016. 344 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC: aspectos gerais. O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 89-112. 345 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 275-287; ROSSI, Julio Cesar. Precedente à brasileira: a jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2015. 346 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no IRDR, no RE e RESP repetitivos: suite em homenagem à Professor Teresa Arruda Alvim. In: ______; DANTAS, Bruno; CAHALI, Claudia Schwerz; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 435-458. 347 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017.

121

indireta de chamar a atenção para o fato de que não se trata fielmente daquilo

que em outros países se chama de precedentes.

3.2.1 Uniformização, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência

O art. 926 do Código de Processo Civil estabelece o dever aos Tribunais

de uniformização de sua jurisprudência e de mantê-la estável, íntegra e coerente,

inclusive com a edição de enunciado de súmula, que deverão se ater às

circunstâncias fáticas que levaram à sua criação.348

A redação originária do dispositivo, oriunda do anteprojeto do novo

Código de Processo Civil apresentado pela Comissão de Juristas, designados

pelo Senado Federal, previa apenas que os tribunais velariam pela uniformização

e pela estabilidade da jurisprudência.349

No Senado Federal, o texto sofreu uma pequena alteração para retirar o

caráter impositivo de dever aos tribunais ao acrescentar a palavra “em

princípio”, 350 logo, foi aprovado o Projeto de Lei do Senado 166/2010,

encaminhado à Câmara dos Deputados.

Recebido como Projeto de Lei 8.046/2010, na Câmara dos Deputados o

tema passou a integrar um capítulo próprio denominado “Do precedente judicial”,

e a redação, acolhendo as críticas de Lenio Luiz Streck, e o dispositivo passaram

348 “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1.º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2.º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.” 349 “Art. 847. Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência [...]” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 195). 350 “Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência [...]” (BRASIL. In: VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique (Org.). Projeto de reforma do Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal. Relator-geral: Valter Pereira. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 407).

122

a prever as exigências de integridade e de coerência da (e na) jurisprudência.351-

352

A uniformização, a estabilidade, a integridade e a coerência da

jurisprudência são importantes para o Estado de Direito.

3.2.1.1 Uniformização (e divergência) jurisprudencial

Jurisprudência é coletivo de julgados. Trata-se do entendimento de um

Tribunal sobre uma questão jurídica em um momento histórico.353 Há divergência

de jurisprudência quando existe uma coletividade de julgados em um sentido e

outra coletividade de julgados, sobre o mesmo tema, em outro.

A uniformização de jurisprudência é necessária para assegurar a

concretização dos princípios da legalidade e da igualdade e também para garantir

ao cidadão a segurança jurídica decorrente da previsibilidade da atuação estatal.

A divergência jurisprudencial, por consequência, pode acarretar na

violação aos princípios da legalidade e da igualdade, ao gerar tratamento

diferente para situações jurídicas que devem ser tratadas de forma igual ou

semelhante. Como analisado no Capítulo 1 do presente trabalho, respeitar a

legalidade significa assegurar a interpretação e a aplicação da lei em

conformidade com a Constituição, os direitos fundamentais, os princípios

jurídicos, o sistema jurídico e os sentidos adequados a serem atribuídos às

cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados em suas interações com o caso

concreto em um determinado momento histórico. Ademais, conceder tratamento

igualitário significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na

351 “Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (BRASIL. Novo Código de Processo Civil: Versão Câmara dos Deputados. Redação final aprovada em 26.03.2014. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 104). 352 STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1214; STRECK, Lenio Luiz. Novo CPC terá mecanismos para combater decisionismos e arbitrariedades? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-dez-18/senso-incomum-cpc-mecanismos-combater-decisionismos-arbitrariedades#top>. Acesso em: 11 dez. 2017. 353 Cassio Scarpinella Bueno entende “que a jurisprudência do CPC de 2015 continua sendo o que sempre foi, sim, prezado leitor, o entendimento dominante de determinado Tribunal sobre determinados temas em determinados períodos de tempo” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 599).

123

medida de sua desigualdade. Nessa senda, admitir que decisões judiciais

construam normas jurídicas diferentes para situações idênticas ou normas

jurídicas iguais para situações diferentes implica violação à legalidade e à

igualdade, além de contribuir para a insegurança jurídica decorrente da falta de

previsibilidade da atuação estatal. Por isso, o art. 926 do Código de Processo Civil

fixa ao Poder Judiciário o dever de uniformizar a jurisprudência, com a

concretização de normas jurídicas iguais para situações idênticas e de normas

jurídicas diferentes para situações desiguais.354

A divergência jurisprudencial compromete também a segurança jurídica e

a eficácia do ordenamento jurídico, pois dificulta a criação de um estado ideal de

certeza, de compreensibilidade, de determinabilidade e de previsibilidade do

comportamento e da atuação jurisdicional estatal, reduzindo o anseio do cidadão

em saber o que pode ou o que não pode fazer.

3.2.1.2 Estabilidade

De nada adianta a uniformização da jurisprudência se ela for suscetível à

mudanças abruptas, que gera a sua instabilidade e, por consequência, a

instabilidade ao Estado de Direito. Uma vez uniformizada, os Tribunais devem

manter a jurisprudência estável, com aplicação do mesmo entendimento em

casos futuros semelhantes ou iguais.355 A estabilidade reforça a aplicação da

legalidade, da isonomia e da segurança jurídica.356

A manutenção da estabilidade exige um exercício de visão institucional e

coletiva por parte dos magistrados, uma vez que o entendimento tomado

coletivamente pelos Tribunais, principalmente pelos Tribunais Superiores, deve

prevalecer sobre o entendimento individual. Diante da necessidade de 354 “A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais” (CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426). 355 Nesse sentido, o Enunciado 453 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A estabilidade a que se refere o caput do art. 926 consiste no dever de os tribunais observarem os próprios precedentes”. 356 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 581.

124

manutenção da estabilidade da jurisprudência uniformizada, o julgador deve

ressalvar ou reservar seu entendimento pessoal em prol da prevalência da visão

institucional.357 E não só um julgador individualmente, mas os órgãos fracionários

também devem observar a jurisprudência do tribunal como forma de garantir a

sua estabilidade.358

E estabilidade da jurisprudência, como lembra Teresa Arruda Alvim, é

fundamental para gerar credibilidade para o Judiciário.359

Dessarte, a estabilidade também reforça os ideais dos princípios da

legalidade, da igualdade e da segurança jurídica. Por isso, os §§ 2.º a 4.º do art.

927 do Código de Processo Civil recomendam que a alteração da jurisprudência

consolidada seja precedida de audiências públicas e da participação de amici

curiae, exigem fundamentação adequada e específica a respeito, devendo levar

em consideração os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e

da isonomia, que viabilizam também, se for o caso, a modulação dos efeitos da

alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

3.2.1.3 Coerência

A jurisprudência será coerente se aplicar os mesmos padrões decisórios

utilizados em decisões anteriores para outros casos idênticos. Julgamentos de

mesmas questões de direito devem convergir em um mesmo sentido. Ou seja, as

mesmas circunstâncias fáticas devem ter o mesmo tratamento jurídico em um

mesmo momento histórico. 360 Assim, o dever de coerência assegura a

concretização do princípio da igualdade, ao propugnar “que os diversos casos

357 Com observa Zulmar Duarte de Oliveira Jr.: “Nos órgãos colegiados deve prevalecer a visão institucional, coletiva e não individual. A reserva de entendimento pessoal em favor da jurisprudência fortalece o órgão jurisprudencial sem depor contra o julgador individual” (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 580). 358 Nesse sentido, o Enunciado 316 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A estabilidade da jurisprudência do tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus órgãos fracionários”. 359 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes e evolução do direito. In: ______ (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012. p. 40. 360 Nesse sentido, o Enunciado 454 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões da coerência a que se refere o caput do art. 926 consiste em os tribunais não ignorarem seus próprios precedentes (dever de autorreferência)”.

125

terão a igual consideração por parte do Poder Judiciário. Coerência significa

igualdade de apreciação do caso e igualdade de tratamento”.361

O dever de coerência da jurisprudência impõe que os julgados posteriores

referenciem os julgados anteriores, até mesmo para, se for o caso, aplicar uma

distinção ou superação. Trata-se de um dever de autorreferência decorrente do

dever de coerência.362 Em outras palavras, para a manutenção da coerência e da

integridade da jurisprudência, devem-se considerar os pronunciamentos

anteriores sobre o tema.363 Mesmo os argumentos contrários ao que se pretende

devem ser enfrentados para garantir maior consistência das decisões judiciais.

O tratamento jurídico diferente dado às mesmas questões fáticas em um

mesmo momento histórico compromete a isonomia e não é querido pelo direito.

Como critica Lenio Luiz Streck, “o julgador não pode tirar da manga do colete um

argumento que seja incoerente com aquilo que antes se decidiu”.364

Por isso, é importante verificar a semelhança entre os fatos dos julgados

anteriores e do caso em análise posteriormente para, em seguida, construir as

mesmas razões jurídicas ao solucionar o caso posterior.

3.2.1.4 Integridade

Por sua vez, a jurisprudência deve ser íntegra, ou seja, ser construída

levando em conta as decisões tomadas anteriormente em consagração a

determinado entendimento sobre determinada situação fática, restringindo as

possíveis arbitrariedades por parte dos julgadores.365

361 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618-619. 362 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 3, p. 496. 363 Nesse sentido, o Enunciado 455 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões do dever de coerência significa o dever de não contradição, ou seja, o dever de os tribunais não decidirem casos análogos contrariamente às decisões anteriores, salvo distinção ou superação”. 364 STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215. 365 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215.

126

Não há como falar de integridade sem fazer remissão à tese de direito

como integridade desenvolvida por Ronald Dworkin. Para ele, a integridade é

composta por dois princípios: o princípio da integridade na legislação e o princípio

da integridade no julgamento. 366 Legislativamente, exige dos legisladores que

trabalhem para tornar a legislação moralmente coerente. Do ponto de vista do

julgamento, a integridade pugna que os juízes fundamentem suas decisões de

forma integrada ao que se decidiu no passado, em garantia contra

arbitrariedades.367

Equipara a prática jurídica à elaboração de um “romance em cadeia”, no

qual as opiniões interpretativas estão em processo ininterrupto de

desenvolvimento, voltando-se tanto para o passado quanto para o futuro.368

Os juízes devem respeitar a integridade do direito e aplicá-lo

coerentemente,369 em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico.370

Independentemente do ponto de vista do magistrado sobre justiça e direito à

igualdade, “os juízes também devem aceitar uma restrição independente e

superior, que decorre da integridade, nas decisões que proferem”.371

Esse respeito à integridade e à coerência assegura maior segurança

jurídica ao cidadão que saberá que seus atos e seus negócios jurídicos serão

julgados de acordo com o o entendimento jurisprudencial estabelecido. Como

afirma Tércio Sampaio Ferraz Jr., assegurar a integridade é assegurar “o primeiro

sentido de orientação à conduta do cidadão”, “como se o Estado falasse mediante

uma única voz”.372

366 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 271-331. 367 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215. 368 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 275. 369 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618. 370 Nesse sentido, o Enunciado 456 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões do dever de integridade consiste em os tribunais decidirem em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico”. 371 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618-619. 372 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 26-27.

127

O dever de integridade da jurisprudência impõe ao julgador a aplicação,

quando for o caso, das técnicas de distinção e de superação.373 Apenas nesses

casos é que poderá o julgador se afastar do precedente e, respeitado o seu ônus

de fundamentação específica e o dever de não surpresa, demonstrar

analiticamente a distinção do caso em julgamento do precedente ou, se for o

caso, a sua superação. O juiz “não pode dar um drible hermenêutico na causa ou

no recurso, do tipo ‘seguindo minha consciência, decido de outro modo’”.374

3.2.1.5 Tese da resposta correta

A tese da resposta correta constitui uma adequada concepção do direito e

de sua integridade, 375 - 376 razão pela qual é preciso compreendê-la. Ela foi

concebida por Ronald Dworkin ao rebater o pensamento de Herbert Hart377 no

sentido de que são possíveis várias decisões corretas para um mesmo caso. Com

base no princípio da legalidade, sustenta o professor da Universidade de Harvard

que mesmos os casos difíceis – passível de resolução por meio dos princípios –

possuem uma resposta correta.378

Lenio Luiz Streck, em outras palavras, mas no mesmo sentido, afirma

existir um direito fundamental à obtenção de respostas corretas/adequadas à

Constituição. Assevera que, se dois juízes chegarem a respostas divergentes, ou

um ou mesmo ambos os juízes estarão equivocados. Entende que, para que a

Constituição seja cumprida, o Poder Judiciário deve dar “uma resposta adequada 373 Nesse sentido, o Enunciado 457 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões do dever de integridade previsto no caput do art. 926 consiste na observância das técnicas de distinção e superação dos precedentes, sempre que necessário para adequar esse entendimento à interpretação contemporânea do ordenamento jurídico”. 374 STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215. 375 PEDRON, Flávio Quinaud. Esclarecimentos sobre a tese da única “resposta correta”, de Ronald Dworkin. Revista CEJ, Brasília, ano XIII, n. 45, p. 102-109, abr.-jun. 2009. 376 Uma análise crítica e contrária é feita por: FREITAS, Juarez. A melhor interpretação constitucional “versus” a única resposta correta. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 317-356. 377 HARevista dos Tribunais Hebert. O conceito de direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 352. 378 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 434. Para o autor, os princípios permitem ao juiz individualizar, sempre e em todos os casos, a (única) solução jurídica correta, sem exercer nenhum poder discricionário em sentido forte.

128

à Constituição ou, se quiser, uma resposta constitucionalmente adequada (ou,

ainda, uma resposta hermeneuticamente correta em relação à Constituição)”.379

A questão da existência de resposta correta merece ser examinada

também a partir dos três (sub)mundos do conhecimento de Karl Popper.

Karl Popper examinou as relações filosóficas quanto ao conhecimento e

sustentou que, para compreender as relações entre o corpo e a mente, deve-se

admitir, como um produto da mente humana, a existência de um conhecimento

autônomo e objetivo e o modo como o utilizamos para fiscalizar a resolução de

problemas fundamentais.

Sob o ponto de vista filosófico pluralista, Karl Popper defende a existência

de três mundos do conhecimento: o primeiro, o mundo material; o segundo, o

mundo mental ou psicológico; e, por fim, o terceiro, o mundo de objetos, de

pensamentos possíveis ou dos produtos da mente humana, nesses termos: Nesta filosofia pluralista, o mundo consiste de, pelo menos, três submundos ontologicamente distintos; ou há três mundos: o primeiro é o mundo material, ou o mundo dos estados materiais; o segundo é o mundo mental, ou o mundo dos estados mentais; e o terceiro é o mundo dos inteligíveis, ou das ideias no sentido objetivo; é o mundo de objetos de pensamento possíveis: o mundo das teorias em si mesmas e de suas relações lógicas, dos argumentos em si mesmos, e das situações de problema em si mesmas.380

No terceiro mundo de Karl Popper, o mundo objetivo, existem múltiplas

opções, mas apenas uma é a melhor.

Transpondo o conhecimento filosófico para o direito, aceitar que há uma

resposta correta não significa que não há outras respostas no ordenamento

jurídico, mas que entre as várias respostas possíveis existe uma que é a melhor

para um determinado fato em um determinado momento histórico.

379 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 619. Em outro excerto, o autor leciona: “A decisão (resposta) estará adequada na medida em que for respeitada, em maior grau, a autonomia do direito (que se pressupõe democraticamente), evitada a discricionariedade (além da abolição de qualquer atitude arbitrária) e respeitada a carência e a integridade do direito, a partir de uma detalhada fundamentação. O direito fundamental à resposta correta, mais do que o assentamento de uma perspectiva democrática (portanto, de tratamento equânime, de respeito ao contraditório e à produção democrática legislativa), é um ‘produto’ filosófico, porque caudatário de um novo paradigma que ultrapassa o esquema sujeito-objeto predominante nas duas metafísicas”. 380 POPPER, Sir Karl R. Conhecimento objetivo. Tradução de Milton Amado. São Paulo: Edusp, 1975. p. 152.

129

As decisões de cada magistrado, que compõem o segundo mundo, o

mundo psíquico ou mental, nem sempre refletem aquela considerada a melhor

solução, que integra o terceiro mundo, o do conhecimento objetivo. Ainda que não

se saiba qual é a melhor solução, é certo que ela existe, até que venha outra

melhor que a substitua. Entretanto, a melhor para um mesmo fato em um mesmo

momento histórico existe, ainda que seja convencionada (como propõe o art. 927

do Código de Processo Civil).

Com efeito, as normas jurídicas são preordenadas a terem somente uma

interpretação correta em relação a determinados fatos, em dado momento

histórico e em um determinado lugar.381 Como leciona Arruda Alvim, [...] as dúvidas a respeito da interpretação do direito em tese, entretanto, hão de ser contemporâneas, isto é, coexistentes no mesmo momento histórico. Por outras palavras, num mesmo momento histórico não é aceitável que a mesma regra jurídica tenha mais de uma interpretação, pois o atributo da certeza é necessidade indeclinável da ordem jurídica; a duplicidade de interpretação criaria, certamente, a dubiedade respeitamente à conduta.382

Como é tarefa da jurisdição realizar o direito em suas decisões,383 em

uma sociedade de massa em que as demandas também se tornaram de massa e

repetitivas, cabe ao Poder Judiciário como um todo, especialmente aos tribunais

superiores, definir a decisão correta em um determinado contexto fático, em um

dado momento histórico, para que ela possa ser aplicada a todos os casos

idênticos, consagrando, assim, os princípios da legalidade, da igualdade384 e da

segurança jurídica.

381 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1988. p. 16. 382 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Dogmática jurídica e o novo Código de Processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais ano 1, v. 1, p. 85-133, 1974, em especial, p. 101, nota de rodapé 28. 383 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 29. 384 Teresa Arruda Alvim Wambier leciona que “O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. [...] Uma das consequências inafastáveis da incidência deste princípio é a de que, em face de casos ‘rigorosamente idênticos’, deva o Judiciário tender a decidir, aplicando a mesma regra de direito, entendida da mesma

130

Assim, pode-se afirmar que as resoluções de alguns processos

individuais refletem nos demais processos que versem sobre idêntica questão

fático-jurídica contemporânea, levando-se em conta a possibilidade de se

universalizarem os critérios adotados por essas decisões. Como aduzem Luís

Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, “por força do imperativo da isonomia,

espera-se que os critérios empregados para a solução de um determinado caso

concreto possam ser transformados em regra geral para situações

semelhantes”.385

Um sistema que prevê técnicas de formação de precedente (de

uniformização de jurisprudência e de fixação de tese jurídica) para determinados

casos concretos contribui com a fixação da solução correta (ainda que

convencionada, como propõe o art. 927 do Código de Processo Civil). Entre todas

as soluções possíveis no ordenamento jurídico, colabora para a almejada

segurança jurídica e para o tratamento isonômico à mesma situação fática em um

determinado momento jurídico.

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim afirma que “A uniformização faz

chegar à única solução correta. Ela é ínsita à ideia de sistema jurídico,

imprescindível à criação de previsibilidade, de segurança jurídica e ao tratamento

isonômico dos indivíduos”.386

Arruda Alvim, na mesma linha, acentua que a uniformização de

jurisprudência, seja por meio de recursos, seja por meio de outras técnicas

processuais, forma” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 524-525). Arruda Alvim acentua que a necessidade de uniformização de jurisprudência, “em última análise, responde mesmo ao próprio princípio da igualdade de todos perante a lei, pois se esta regra (princípio) está constitucionalmente prevista, a variedade de interpretações sobre uma mesma norma tornaria desiguais as condutas exigíveis dos que deveriam, nos diversos casos ‘idênticos’ ou ‘semelhantes’ (onde esteja em pauta a mesma problemática jurídica), sofrer um comando igual, precisamente porque a cada norma corresponde (= deve corresponder) uma única inteligência e, pois, uma única conduta há de ser exigida” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência de recursos – Direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais n. 48, p. 11, 1987). 385 BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 354. 386 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1234.

131

[...] em última análise, responde mesmo ao próprio princípio da igualdade de todos perante a lei, pois, se esta regra (princípio) está constitucionalmente prevista, a variedade de interpretações sobre uma mesma norma tornaria desiguais as condutas exigíveis dos que deveriam, nos diversos casos “idênticos” ou “semelhantes” (onde esteja em pauta a mesma problemática jurídica), sofrer um comando igual, precisamente porque a cada norma corresponde (= deve corresponder) uma única inteligência e, pois, uma única conduta há de ser exigida.387

Em nosso sentir, em um mesmo momento histórico, uma mesma questão

fática deve ter o mesmo tratamento pelo Poder Judiciário, sob pena de violação à

igualdade, à legalidade e à segurança jurídica. Como os textos jurídicos

normativos, em relação a determinados fatos, em dado momento histórico e em

um determinado lugar, são preordenados a terem somente uma interpretação

correta, dentre das diversas possíveis, 388 a aplicação de normas jurídicas de

conteúdos diferentes para situações idênticas e de normas jurídicas de conteúdos

idênticos para situações desiguais viola os princípios da legalidade e da

igualdade, além de causar insegurança jurídica e sensação de injustiça para os

cidadãos.

A divergência de posicionamentos acerca de uma mesma situação

jurídica em um mesmo momento histórico em relação a fatos semelhantes

acarreta consequências graves para o ordenamento jurídico, como

imprevisibilidade das decisões judiciais (causando insegurança jurídica), violação

ao princípio da igualdade e da legalidade, descrédito do Poder Judiciário perante

a sociedade, incentiva a interposição de recursos (posto que não se sabe qual o

entendimento firmado) e, por consequência, acarreta a sobrecarga de trabalho ao

Judiciário (os jurisdicionados “tentam a sorte”).389

387 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência de recursos – Direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais n. 48, p. 11, 1987. 388 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1988. p. 16. 389 “[...] se a lei comporta diversas interpretações e o sistema não engendra meios eficazes para uniformizá-las, fazendo com que uma delas passe definitivamente a prevalecer, o fato é que em vez de uma pauta de conduta, o jurisdicionado terá tantas quantas interpretações houver. Daí se percebe serem ofendidos, nesta situação, tanto o princípio da legalidade quanto o princípio da isonomia, pois, se se entende que a lei deve ser aplicada a todos, é evidente que se entende que estes deverão ter a sua atividade disciplinada por uma única interpretação” (MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A súmula vinculante

132

Para evitar essas consequências decorrentes da divergência de

posicionamentos, o Código de Processo Civil adotou um sistema próprio de

precedentes, que tem por finalidade fixar teses jurídicas e, por conseguinte,

estabelecer as respostas corretas, para determinados casos e um momento

histórico.

Ronaldo Cramer observa que “um sistema de precedentes íntegro deve

ter como premissa a ideia regulativa de que existiria uma única resposta correta,

uma vez que o precedente aplicável ao caso concreto sempre deve ser encarado

dessa maneira”. E arremata: “se há precedente, apenas a resposta nele contida

seria a correta para julgar o caso”.390

Esse também é o entendimento de Eduardo José da Fonseca Costa, ao

comentar o art. 927 do Código de Processo Civil, in verbis: Se cada interpretação possível do texto de direito positivo é uma norma em potencial, o precedente obrigatório aludido no art. 927 do CPC/2015 prescreve ao juiz qual é a interpretação correta (e, portanto, qual dessas possibilidades é a norma aplicável ao caso).391

Assim, a única solução correta para o caso é um pressuposto de

funcionamento do sistema jurídico e, em um sistema de civil law, as reiteradas

decisões (às vezes, uma só) em um mesmo sentido assumem importante papel

com relação aos casos concretos futuros em contextos fáticos idênticos, em um

mesmo momento histórico e em um determinado lugar.392 Trata-se de tese (da

vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica, São Paulo, IOB, ano 57, n. 379, p. 30, maio 2009). 390 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 129. 391 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 927. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1126. 392 “Nesta ordem de ideias, e é este o cerne destas nossas reflexões, deve-se esclarecer que, mesmo nas hipóteses em que o juiz cria direito, pode-se vislumbrar a existência de uma única solução correta para o caso. Não se trata, propriamente, da única que existia previamente: mas será única, a partir de sua criação tida como a correta para os casos subsequentes. Em muitos casos, só se pode dizer que o direito existia anteriormente à decisão criativa do juiz no sentido de estar ali in potentia, como que ‘incubado’, nos princípios, nas entrelinhas das obras doutrinárias, no espírito do povo. A ideia de que só há uma única solução para cada caso concreto, como já se mencionou, tem vários sentidos, que dependem, em parte, do contexto em que seja compreendida. É, a meu ver, pressuposto de funcionamento do sistema e especificamente, relevante mola propulsora da atividade do juiz. Se lhe parecesse haver diversas soluções possíveis, todas elas corretas, para resolver-se a situação posta à sua apreciação, se comportaria como alguém trilhando um caminho sem saber onde vai chegar. Mas não é esta a acepção de afirmação que mais interessa para estas reflexões.

133

resposta correta) que converge com os deveres de estabilidade, integridade e

coerência da jurisprudência e encontra amparo no sistema de precedentes

estabelecidos pelo do Código de Processo Civil.

3.2.2 Enunciados de súmula

Os § 1.º e 2.º do art. 926 do Código de Processo Civil estabelecem que,

como decorrência dos deveres de uniformizar a jurisprudência e de mantê-la

estável, íntegra e coerente, os tribunais deverão editar enunciados de súmula, na

forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados em seus regimentos

internos, correspondentes a sua jurisprudência dominante, devendo ater-se às

circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

A súmula teve nitidamente inspiração nos “assentos” do direito português,

que, a partir de 1518, eram expedidos pela Casa de Suplicação, a mais alta Corte

de Justiça do Reino de Portugal, que tinha, entre outras, a função de conceder a

interpretação da lei de emitir os chamados “assentos” em caso de dúvida dos

desembargadores.393 Se antes não era claro, após a Lei da Boa Razão, “não

Dizer-se que para um certo e determinado caso só há uma decisão correta é, também, a ideia que está por detrás da necessidade de que os precedentes sejam seguidos, principalmente nas hipóteses em que o juiz tenha exercido função visivelmente criativa. Nos países de civil law, havendo reiteradas decisões em determinado sentido, ou até mesmo havendo uma só, de tribunal superior, esta será a tese correta e equivocadamente decidirá o juiz que não considerar esta cláusula abusiva. Assim, em relação ao futuro, esta será a única decisão correta para casos concretos. Idênticos. Por isso é que digo que, nesta dimensão, vê-se que a decisão do juiz não se limita a ser a regra para o caso concreto, mas, vista como precedente, assume também a função de ser o direito aplicável a casos futuros. Evidentemente, não se ignora haver casos para os quais há duas ou mais soluções corretas. Mas este não pode ser o ponto de partida do juiz nem uma verdade doutrinária, sob pena de se comprometer o caráter sistemático do direito. Disto pode decorrer, pelo menos em parte, o desestímulo para que precedentes devam ser respeitados ou de que uma linha reiterada de jurisprudência, num mesmo sentido, deva ser seguida. E é claro, também, que nesta segunda dimensão, não se está tratando da correção da decisão sob o ponto de vista intrínseco ou substancial. Fixada a jurisprudência em certo sentido x, certamente haverá argumentos capazes de demonstrar que a tese adotada deveria ser outra. Mas para fim de orientação dos demais tribunais, deve ser considerada a decisão correta” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1228). 393 Para um estudo sobre o tema: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. p. 142-146; SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, p. 49-139; DIDIER JR., Fredie; SOUZA,

134

restou dúvida sobre o seu efeito vinculante: todos os juízes deveriam adotar a

interpretação legal contemplada no assento no julgamento dos casos

supervenientes”.394

Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, em fuga das

tropas de Napoleão que invadiam Portugal naquele momento histórico, a Casa ou

Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, criado em 13 de outubro de 1751, com

competência territorial para “a parte Sul do Estado do Brazil”, foi transformado ou

convertido em Casa de Suplicação para o Brasil, via Alvará de 10 de maio de

1808, permitindo-se que pudesse proferir assentos interpretativos, também com

eficácia vinculante.395

Com a independência do Brasil declarada por Dom Pedro I em 7 de

setembro 1822, iniciou-se o período de Império, no qual várias leis regularam os

assentos. O Decreto 16.273, de 20 de dezembro de 1823, reorganizou a Justiça

do Distrito Federal e instituiu os “prejulgados” nas Cortes de Apelação no

Brasil.396 A Lei 2.684, de 23 de outubro de 1875, reconheceu a validade dos

Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. 394 SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, p. 88. Fredie Didier Jr. e Marcus Seixas Souza esclarecem: “Entre os juristas portugueses dos séculos XVII e XVIII, havia opiniões que oscilavam entre a vinculatividade e a mera persuasão dos precedentes da Casa de Suplicação em relação aos demais casos submetidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais; no Império, por outro lado, a discussão sobre a eficácia dos precedentes judiciais parece ter chegado a um consenso”. DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015; STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1995, p. 99-102. 395 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. p. 147; SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, p. 89; GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 68; DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. 396 O art. 103 do Decreto 16.273/1823 dispunha: “Art. 103. Quando a lei receber interpretação diversa nas Camaras de Appellação civel ou criminal, ou quando resultar da manifestação dos votos de uma Camara em um caso sub-judice que se terá de declarar uma interpretação diversa, deverá a Camara divergente representar, por seu Presidente, ao Presidente da Côrte, para que este, incontinenti, faça a convocação para a reunião das duas Camaras, conforme a materia, fôr civel ou criminal. § 1.º Reunidas as Camaras e submettida a questão á sua deliberação, o vencido, por maioria, constitue decisão obrigatoria para o caso em apreço e norma aconselhavel para os casos futuros,

135

assentos da Casa de Suplicação de Lisboa e da Casa de Suplicação do Rio de

Janeiro com força de lei em todo o Império. O Decreto 6.142, de 10 de março de

1876, estabeleceu que para o Supremo Tribunal de Justiça proferir assentos era

necessário que os julgamentos tivessem sido proferidos em processos findos e

que a divergência entre os julgamentos tivesse por objeto matéria exclusivamente

de direito (“direito em these ou a disposição da lei, e não a variedade da

applicação proveniente da variedade dos factos”).397-398

salvo reIevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se identico procedimento de installação das Camaras Reunidas. § 2.º O accordam será subscripto por todos os membros das Camaras Reunidas e, na sessão que se seguir, a Camara que tenha, provocado o procedimento uniformisador, applicando o vencido aos factos em debate, decidirá a causa, resalvada aos membros das Camaras que se tenham mantido em divergencia a faculdade de fazer refereneia não motivada, aos seus votos, exarados no referido accordam. § 3.º Para os fins previstos neste artigo, cada Camara terá um livro especial, sob a denominação de “livro dos prejulgados", onde serão inscriptas as ementas dos accordams das Camaras Reunidas, inscripção que será ordenada pelos respectivos presidentes. § 4.º Em caso de empate na votação, o presidente da sessão de Camaras Reunidas, que será o da Camara que provocou a decisão, submetterá o caso ao Presidente da Côrte, para que este, com precedencia sobre qualquer outro julgamento, submetta a materia á deliberação da mesma Côrte. § 5.º Serão, sempre, relatores dous desembargadores, um de cada Camara, designado pelo respectivo presidente. § 6.º Na primeira semana de cada trimestre, o secretario da Côrte providenciará para que seja feita, sob sua directa e pessoal inspecção, a permuta de inscripções entre os livros de prejulgados das Camaras de identica jurisdicção por materia. § 7.º As normas para confecção desses livros serão estabelecidas pelo Presidente da Côrte de Appellação, que exercerá sobre elles a necessaria inspecção e mandará que sejam franqueados ao publico”. 397 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. Temas de direito processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 299; STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 101. Para maior aprofundamento do tema: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. passim; SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, passim; DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. 398 Eis a redação dos dispositivos do Decreto 6.142/1876: “Art. 1.º Os assentos tomados na Casa da Supplicação de Lisbôa, depois da creação da do Rio de Janeiro até a época da Independencia, a excepção dos derogados pela legislação posterior, terão força de lei em todo o Imperio. Esta disposição não prejudica os casos julgados contra ou conforme os ditos assentos. Art. 2.º Ao Supremo Tribunal de Justiça compete tomar assentos para intelligencia das leis civis, commerciaes e criminaes, quando na execução dellas occorrerem duvidas manifestadas por julgamentos divergentes do mesmo Tribunal, das Relações e dos Juizes de primeira instancia, nas causas de sua alçada. Paragrapho unico. Para ter lugar a providencia indicada é indispensavel: 1.º Que os julgamentos tenham sido proferidos em processos que estejam findos, depois de esgotados os recursos ordinarios facultados por lei.

136

Feitos esses breves esclarecimentos históricos, retorna-se à súmula. A

palavra súmula vem do latim summula, diminutivo de summa, e tem como

significado genérico ser um breve ou brevíssimo resumo feito com clareza e

precisão para expressar o essencial de alguma coisa.399 Em sentido jurídico,

significa o resumo ou a síntese de determinado entendimento dos tribunais que

determinam a compreensão de temas para casos análogos.400 É composta por

verbetes que esclarecem o conjunto da jurisprudência dominante de um tribunal,

em vários ramos do direito.401 Summa significa soma e, em sentido jurídico, vem a

ser a soma da jurisprudência resumida em enunciados. Pode ter também

significado de sumário ou de índice e, nesse sentido, consistir em um sumário da

jurisprudência de determinado tribunal.402

A súmula foi instituída no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal, via

Emenda ao seu Regimento Interno, aprovada em 26 de agosto de 1963 e

publicada em 30 de agosto 1963, por iniciativa e relatoria do Ministro Victor Nunes

Leal, que apresentou a proposta à Comissão de Jurisprudência do Tribunal,

integrada por ele e pelos Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves.403

2.º Que a divergencia dos julgamentos tenha por objecto o direito em these ou a disposição da lei, e não a variedade da applicação proveniente da variedade dos factos”. 399 Conforme os Dicionários Priberam, Dicio e Michaelis: “1. Breve epítome doutrinal. 2. Brevíssimo resumo feito com clareza e precisão” (PRIBERAM. Súmula. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/s%C3%BAmula>. Acesso em: 15 dez. 2017); “Resumo; síntese clara que contém o essencial de alguma coisa; breve sinopse: o orador leu a súmula do congresso” (DICIO. Súmula. Dicionário online de português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/sumula/>. Acesso em: 15 dez. 2017); “Pequena suma; breve epítome sobre um assunto ou ponto de doutrina; resumo, sinopse” (MICHAELIS. Súmula. Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/súmula>. Acesso em: 15 dez. 2017). 400 Pedro Miranda de Oliveira observa que “O vocábulo súmula deriva do latim summula. Significa sumário ou resumo. É uma ementa que revela a orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos, ou seja, é o resultado final da formação de uma construção jurisprudencial” (OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 70). Cassio Scarpinella Bueno registra que “As súmulas serão elas próprias aqueles enunciados indicativos da jurisprudência sobre variadas questões” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 599). 401 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. p. 253. 402 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017c v. 3, p. 582. 403 Como relatou o próprio Ministro Victor Nunes Leal: “Por falta de técnicas mais sofisticadas, a Súmula nasceu – e colateralmente adquiriu efeitos de natureza processual – da dificuldade, para os ministros, de identificar as matérias que já não convinha discutir de novo, salvo se sobreviesse algum motivo relevante. O hábito, então, era reportar-se cada qual à sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente da

137

Após a sua instituição no Regimento Interno, a primeira sessão de

aprovação de enunciados de súmula de jurisprudência dominante do Supremo

Tribunal Federal ocorreu no dia 13 de dezembro de1963, sendo aprovados 370

enunciados, todos de relatoria do Ministro Victor Nunes Leal, 404 com

aplicabilidade a partir de 1.º de março de 1964.405

O Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, em discurso em homenagem

ao Ministro Victor Nunes Leal, na sessão ordinária do Supremo Tribunal Federal

ocorrida em 14 de agosto de 1985, ano de seu falecimento em 17 de maio,

relembrou que o que singularizou o Ministro Victor Nunes Leal foram o seu

método de trabalho e os seus caderninhos verdes dos quais foram extraídas por

ele as propostas para a elaboração dos primeiros enunciados da súmula do

Supremo, conforme importante relato histórico: Mais do que os de Relator, chamavam a atenção os seus votos como vogal: o improviso e o não conhecimento direto dos autos realçavam a atenção sem intervalos que dedicava aos debates e, sendo o caso, o estudo prévio dos memoriais; a concatenação e o vigor do raciocínio, em que a ênfase (que subia quando interrompido pelo aparte adverso, sem perder, porém, a lhaneza de trato) não obscurecia a clareza habitual. (Inesquecíveis algumas polêmicas suas com o saudoso Luiz Gallotti, outra vocação incomum para o debate oral.) Pouco depois, o que viria a singularizá-lo, na recordação das sessões da Corte: a informação imediata dos precedentes da

Corte. Juiz calouro, com a agravante da falta de memória, tive que tomar, nos primeiros anos, numerosas notas, e bem assim sistematizá-las, para pronta consulta durante as sessões de julgamento. Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou, rápido, o assentimento da Presidência e dos demais ministros. Por isso, mais de uma vez, em conversas particulares, tenho mencionado que a Súmula é subproduto da minha falta de memória, pois fui eu afinal o relator, não só da respectiva emenda regimental, como dos seus primeiros 370 enunciados. Esse trabalho estendeu-se até às minúcias da apresentação gráfica da edição oficial, sempre com o apoio dos colegas de Comissão, já que nos reuníamos, facilmente, pelo telefone” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 14, jul.-set. 1981). 404 Fernando Dias Menezes de Almeida relata: “Integrando a Comissão de Jurisprudência do Tribunal, juntamente com os Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves, o Ministro Victor Nunes apresentou a ideia e foi o Relator da emenda regimental que criou a Súmula. Foi ainda, por ocasião da introdução da Súmula, o Relator de seus primeiros 370 enunciados. Note-se que, na terminologia original e ainda na terminologia regimental, a expressão ‘Súmula’ se referia ao conjunto dos ‘enunciados’, publicada e atualizada periodicamente; a prática posterior consagrou também o uso de ‘Súmula’ significando cada enunciado” (ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006. p. 32-33, nota 03. [Série Memória jurisprudencial.]). 405 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 117.

138

jurisprudência, documentada com a menção ao número do processo, à data do julgamento, ao nome do Relator e – a princípio para desconforto dos menos atentos – ao voto de cada um dos Ministros. Só o conhecimento do sistema de referências cruzadas entre os colecionadores pretos e os cadernos de capa verde, sempre dispostos à sua frente, na bancada, fazia diminuir o espanto do observador, embora fizesse crescer a admiração pela disciplina de trabalho que o método reclamava. O importante é que os cadernos de Victor Nunes entrariam para a história do Tribunal. Da sua eficiência, cotidianamente demonstrada nas sessões, nasceria a credibilidade do novo juiz para a aceitação e a implantação das reformas nos métodos de trabalho da Corte, que abalariam o misoneísmo tradicional dos velhos juízes. [...] A Súmula significou, ao mesmo tempo, melhoria qualitativa (dadas a estabilização, sem petrificação, da jurisprudência e a con- sequuente equanimização das decisões) e racionalização quantitativa dos trabalhos da Corte (funcionando, ele o diria, como “princípio da relevância às avessas”). Só ela bastaria para singularizar, na passagem de Victor Nunes pelo Supremo Tribunal, essa combinação incomum de um jurista de brilho intelectual invulgar com um organizador extraordinário.

Por conta desse perfil organizado e metódico do Ministro Victor Nunes

Leal, o Ministro Aliomar Baleeiro, ao votar no MS 15.886, referiu-se a ele como “a

própria jurisprudência viva do Supremo Tribunal andando pelas ruas”.406

Surge, assim, a súmula do Supremo Tribunal Federal como um método

de trabalho “destinado a ordenar melhor e a facilitar a tarefa judicante”, como

afirmava o próprio Ministro Victor Nunes Leal, observadas as regras para

inclusão, alteração ou cancelamento previstas no Regimento Interno.

Sucessivamente, outros Tribunais adotaram o mesmo método, como o Tribunal

Federal de Recursos, o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais de Alçada

de São Paulo.407

O prefácio da 1.ª edição oficial estabelecia a dupla finalidade da súmula

do Supremo Tribunal Federal: “proporcionar maior estabilidade à jurisprudência” e

406 Conforme relatados contidos em: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006, p. 31-33. (Série Memória jurisprudencial.) 407 LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 1, jul.-set. 1981; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia do precedente judicial na história do direito brasileiro. Revista do Advogado, AASP, ano XXIV, n. 78, p. 47, set. 2004.

139

“facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das

questões frequentes”.408

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim, em 1985, já chamava a atenção

para o fato de a sua existência ter uma função desencorajadora de iniciativas

ousadas por parte dos operadores do direito, como advogados, promotores,

defensores públicos etc.409 Na mesma linha, Pedro Miranda de Oliveira observa

que uma das funções da súmula é evitar a repetição constante de recursos, “pois

o resultado do futuro julgamento já seria de conhecimento das partes e dos

advogados”.410

A súmula pode ser considerada um resumo (claro, sintético e preciso) da

jurisprudência (predominante) de determinado Tribunal, como uma forma de

expressar a sua interpretação a respeito de questões julgadas num mesmo

sentido,411 para que seja aplicada aos casos semelhantes.

408 Nas palavras de Victor Nunes Leal: “Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição oficial da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda ao Regimento [...] atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’, como fossem: ‘negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer do recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvado o procedimento de revisão da própria Súmula’. Mais que isso, poderia o relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultado à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 8, jul.-set. 1981). 409 “No que diz respeito à atividade de outros profissionais que lidam com o Direito, que não os juízes, (advogados, promotores etc.), o que se pode dizer é que a existência de Súmulas, num certo sentido, embora não lhes determine a atitude, pelo menos desencoraja-lhes o espírito inovador, fazendo morrer, ainda no nascedouro, uma série de iniciativas, por assim dizer, ousadas” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da teoria geral do direito. Revista de Processo, São Paulo, n. 40, p. 227, out.-dez. 1985). 410 OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 71. 411 Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, as súmulas “Consistem num resumo da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, expressando a interpretação da maioria absoluta dos Ministros a respeito das questões julgadas, ainda que as decisões dos precedentes não tenham sido unânimes. Representam a orientação pacifica desse Tribunal no que concerne à exegese de lei, quer de direito material, quer de direito processual, e no que diz com assuntos não tratados de forma específica pelo texto do direito positivo” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da teoria geral do direito. Revista de Processo, São Paulo, n. 40, p. 225, out.-dez. 1985).

140

Nas palavras de Nelson Nery Junior: “A Súmula é o conjunto das teses

jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e predominante no tribunal e vem

traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados e editados”.412

A edição de enunciado de súmula vem como uma forma de o Tribunal

sintetizar com clareza e precisão a sua jurisprudência sobre a compreensão de

determinado tema. Pedro Miranda de Oliveira esclarece como se dá a relação

entre jurisprudência e súmula: Quando uma tese jurídica perfilhada se vê reiterada de modo uniforme e constante (permanência lógica e temporal) em casos semelhantes, identifica-se o que considera-se jurisprudência. Por sua vez, quando esta jurisprudência conquista terreno significativamente majoritário em determinado órgão judicial colegiado, pode ocorrer a edição de súmula, de modo que repercuta e fixe o entendimento sedimentado.413

A expressão súmula acabou por emprestar outro significado, aceito em

nosso direito, tal como é utilizado hoje. O que era para ser uma única súmula com

os enunciados resultantes do entendimento referente aos principais julgamentos

de um tribunal, hoje súmula também é considerada o próprio enunciado do

resultado. Por isso, na praxe, é comum fazer menção à súmula número X, em vez

de ao enunciado X da súmula de determinado tribunal.

Posteriormente à sua criação, o Código de Processo Civil de 1973

consolidou o instituto da súmula no direito brasileiro ao prever no art. 479, no

incidente de uniformização de jurisprudência, que: “O julgamento, tomado pelo

vota da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de

súmula e constituirá precedente de uniformização de jurisprudência”.414

412 NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 93. 413 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal: conforme o CPC/2015. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 157-158. 414 Sobre o tema, Sydney Sanches, que em 1984 veio a ser Ministro do Supremo Tribunal Federal, comentou na época da recém-entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973: “A súmula, de que trata o art. 479, não tem a mesma força do ‘assento’, que era previsto no Anteprojeto Buzaid, com eficácia obrigatória. Vale apenas como enunciado que o próprio tribunal faz de seu ponto de vista a respeito da interpretação de uma norma jurídica. Os juízes não o podem ignorar. Nota-se, desde logo, uma certa relutância de os Tribunais locais redigirem súmulas, sobretudo em matéria de lei federal, pois estas não alcançarão maior significado, eis que ao STF sempre é dado fixar as próprias. E estas, sim, com expressão nacional (Regimento Interno, art. 98)” (SANCHES, Sydney. Uniformização de jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais 1975. p. 46).

141

Em 1998, a Lei 9.756 alterou o art. 557 do Código de Processo Civil de

1973 e previu a possibilidade de o relator negar seguimento ou dar provimento,

em decisão monocrática, a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência

dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal

Superior.

Em 2001, conforme alteração dada pela Lei 10.352 ao art. 475 do Código

de Processo Civil de 1973, a remessa necessária em caso de decisões contra a

Fazenda Pública deixou de ser obrigatória quando “a sentença estiver fundada

em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste

Tribunal ou do tribunal superior competente”.

Posteriormente, em 2004, a Emenda Constitucional 45, conhecida como a

Reforma do Judiciário, instituiu a chamada “súmula vinculante”, no art. 103-A da

Constituição, autorizando o Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de dois

terços dos seus membros, a aprovar súmula, que “terá efeito vinculante em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Em 2006, as súmulas do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo

Tribunal Federal passaram a ser a impeditiva de recurso de apelação quando a

sentença está em conformidade, de acordo com a alteração do art. 518-A, § 1.º,

dada pela Lei 11.276; a súmula passou a ser presuntiva de repercussão geral,

quando a decisão impugnada é contrária a ela, nos termos do § 3.º art. 543-A,

incluído pela Lei 11.418.

Em 2010, conforme redação dada ao art. 544 pela Lei 12.322, o Ministro

relator, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,

passou a poder negar seguimento ou a dar provimento ao agravo quando a

decisão estivesse em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do

tribunal.

O Código de Processo Civil de 2015, por seu turno, prevê variáveis

funções para as súmulas: (i) autoriza o julgamento liminar de improcedência (art.

322, I e IV); (ii) dispensa a remessa necessária em caso de decisões contra a

Fazenda Pública (art. 496, § 4.º, I); (iii) dispensa a caução em caso de

cumprimento provisório de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação

de pagar quantia (art. 521, V); (iv) autoriza o relator, no âmbito dos tribunais, a

142

negar e a dar provimento a recurso monocraticamente (art. 932, IV e V); (v)

autoriza o relator, no âmbito dos tribunais, a julgar monocraticamente conflito de

competência (art. 955, I); (vi) autoriza o cabimento de ação rescisória contra

decisão que aplicou equivocadamente a súmula (art. 966, § 5.º); (vii) presume a

existência de repercussão geral no recurso extraordinário quando a decisão

impugnada contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal (art. 1.035, § 3.º, I);

(viii) integra o sistema de aplicação de precedentes (art. 927, II e IV).

Especificamente em relação à súmula vinculante, o Código de Processo

Civil de 2015 (i) autoriza o juiz a conceder tutela de evidência liminarmente, sem

requisito de urgência, quando as alegações de fato forem comprovadas

documentalmente e tiver em sintonia com tese firmada em casos repetitivos ou

em súmula vinculante (art. 311, II e parágrafo único); e (ii) viabiliza o cabimento

da reclamação (art. 988, III).

Ademais, o § 1.º do art. 926 do Código de Processo Civil estabelece aos

tribunais o dever de editar enunciados de súmula correspondente a sua

jurisprudência e o § 2.º do art. 926 do Código de Processo Civil não apenas deixa

claro que os enunciados de súmula devem ser editados ou criados em atenção às

circunstâncias fáticas dos julgados precedentes que motivaram sua criação,415

mas vai muito mais além. A grande contribuição do Código de Processo Civil é

deixar clara a interpretação, e a aplicação dos enunciados de súmula em casos

futuros deve se ater às circunstâncias fáticas dos julgados precedentes que

motivaram sua criação. Em outras palavras, os enunciados de súmula não podem

ser interpretados e aplicados de forma separada das circunstâncias fáticas

ocorridas nos precedentes que deram origem à sua formação. 416 “O que o

415 Nelson Nery Jr. é enfático nesse sentido: “Circunstâncias fáticas. A súmula deve ser o resultado de análises de casos concretos, e não a fixação do entendimento do tribunal acerca de determinada questão, de acordo com os parâmetros que entende corretos. Os parâmetros indicados pelo caso concreto é que fixam a súmula, e não o contrário” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1833). Guilherme Rizzo Amaral também destaca o ponto: “O enunciado de súmula deve estar calcado em precedente e com este guardar estreita relação, não podendo desviar-se das circunstâncias fáticas que lhe deram origem. Ao editar a súmula, o tribunal observará o que prevê seu regimento interno” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 934). 416 Teresa Arruda Alvim já destacou a necessidade de compreender a súmula a partir de uma visão pragmática: “Parece-nos que só uma visão pragmática é apta a absorver o fenômeno Súmula se não na sua totalidade, o que seria pretender demais, pelo menos o cobre, e, na medida

143

dispositivo quer, nesses casos, é que os enunciados de súmula guardem

correspondência ao que foi efetivamente julgado nos casos concretos que lhe

deram origem.”417

O inciso V do § 1.º do art. 489 do Código de Processo Civil é feliz nesse

sentido ao prever que a decisão judicial, qualquer seja ela, não se considera

fundamentada “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem

identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob

julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

Parece ser esse o entendimento de Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins

Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello: [...] a tese contida na súmula deve ser compreendida, necessariamente, à luz dos fatos subjacentes aos processos que geraram as tais decisões reiteradas. Os fatos, que não precisam ser necessariamente idênticos, devem guardar, entre si, identidade suficiente para reclamar, do sistema, a mesma solução.418

No mesmo sentido é o entendimento de Hermes Zaneti Jr.: Assim, independentemente de terem sido sumulados ou identificados na jurisprudência dominante dos tribunais, no modelo adotado no Brasil, não há/haverá dispensa de análise dos precedentes em razão das súmulas, ou seja, as súmulas somente podem ser adequadamente compreendidas à luz da leitura dos precedentes e dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos julgadores, incluídas as circunstâncias de fato.419

Os enunciados de súmula não podem (mais) ser entendidos como textos

gerais e abstratos, pois têm a finalidade de revelar a jurisprudência do tribunal em

um mesmo e determinado sentido, facilitando a compreensão e o trabalho dos

profissionais do direito. Ou seja, os enunciados revelam de forma sintética, clara e

em que o faz, permitimo-nos usar de uma imagem pictórica, o faz como se fosse uma ‘capa plástica aderente’”. (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da teoria geral do direito. Revista de Processo, São Paulo, n. 40, p. 232, out.-dez. 1985). 417 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 601. 418 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1316). 419 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 351.

144

precisa a interpretação do tribunal de determinado(s) dispositivo(s) de lei à luz dos

fatos das causas precedentes e do ordenamento jurídico.

Por isso, as partes, por seus advogados ou defensores públicos, os

membros do Ministério Público e os magistrados devem não só mencionar o

enunciado de súmula; devem também extrair as circunstâncias fáticas e os

fundamentos dos precedentes que lhe deram origem e explaná-los em sintonia

(em caso de aplicação) ou dissonância (em caso de rejeição) com os fatos da

causa em análise, cujo enunciado sumular pretenda-se aplicar ou rejeitar.420 Em

outras palavras, considerando as circunstâncias fáticas dos precedentes que lhe

deram origem, o enunciado de súmula servirá de norte para o julgamento de

casos futuros.421 Como leciona Lenio Luiz Streck: [...] há uma cadeia discursiva que sustenta a formação do enunciado, partindo de um conjunto de julgados cujas circunstâncias fáticas são similares e que sobre eles pode o tribunal estabelecer um padrão (enunciado sumular) que deve ser seguido nos demais casos. Eis o encaixe perfeito para a consubstanciação da coerência e integridade. Os enunciados de súmulas, ao seguirem circunstâncias fáticas devidamente identificadas e similares (DNA do leading case), farão o desenho (mapa) dos próximos julgamentos, desde que presentes, é claro, circunstâncias fáticas similares àquelas que derem origem ao enunciado.422

Ademais, para deixar de seguir enunciado de súmula, o juiz deverá

identificar a existência de distinção fática (e, por consequência, jurídica) no caso

em julgamento ou a superação do entendimento com base em fatos semelhantes

(art. 489, VI, Código de Processo Civil). Em ambas as hipóteses – tanto para a

420 Eduardo José da Fonseca Costa é expresso nesse sentido: “A explanação das circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a edição da súmula é o melhor modo de controlar a adequação do enunciado, cuja redação pode eventualmente não refletir um fundamento enfrentado, ou refletir um fundamento não enfrentado. Por isso, na invocação do enunciado, o juiz deve ir aos julgados que lhe serviram de base, deles extrair os fundamentos e explaná-los para que as partes possam realizar um controle racional”. (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 926. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1124). 421 Como leciona José Rogério Cruz e Tucci: “O respectivo enunciado, pois, considerando a hipótese fática análoga e reiterada, sempre extraído do entendimento majoritário, persuasivo ou vinculante, mesmo com eficácias assimétricas, deverá servir de norte para o julgamento dos casos futuros” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários ao art. 926. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 24). 422 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 926. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: 2017. p. 1219. Destaques no original.

145

distinção quanto para superação – far-se-á necessária a análise dos aspectos

fáticos dos precedentes em cotejo com os fatos da causa sob julgamento.

Isso faz com que não se tenha dúvidas de que os enunciados de súmula

necessitem de interpretação para serem aplicados ao caso concreto.

O Ministro Victor Nunes Leal entendia de forma diferente. Para ele, como

a súmula era meramente um método de trabalho, eles não deveriam ser

interpretados ou esclarecidos quanto ao seu significado correto. Para o Ministro, a

necessidade de esclarecimento deveria levar ao cancelamento, à substituição ou

à alteração de determinado enunciado, com a reedição de um novo texto, se

fosse o caso.423

O tempo demonstrou, no entanto, o contrário. Atualmente, de forma

inequívoca, os enunciados de súmula necessitam sim de interpretação para

serem aplicados corretamente aos casos futuros à luz das circunstâncias fáticas e

dos fundamentos determinantes dos precedentes que lhe deram origem.

3.3 Precedentes no Código de Processo Civil de 2015

O art. 927 do Código de Processo Civil estabelece o dever de os juízes e

os tribunais observarem (e seguirem) os precedentes judiciais descritos.424 Trata-

se de mais um dos órgãos jurisdicionais, o dever de vinculação aos precedentes,

423 Nas palavras do Ministro Victor Nunes Leal: “Cuidando ainda da Súmula como método de trabalho – aspecto em relação ao qual seria até indiferente o conteúdo dos seus enunciados – é oportuno mencionar que estes não devem ser interpretados, isto é, esclarecidos quanto ao seu correto significado. O que se interpreta é a norma da lei ou do regulamento, e a Súmula é o resultado dessa interpretação, realizada pelo Supremo Tribunal. A Súmula deve, pois, ser redigida tanto quanto possível com a maior clareza, sem qualquer dubiedade, para que não falhe ao seu papel de expressar a inteligência dada pelo Tribunal. Por isso mesmo, sempre que seja necessário esclarecer algum dos enunciados da Súmula, deve ele ser cancelado, como se fosse objeto de alteração, inscrevendo-se o seu novo texto na Súmula com outro número. [...] Se a Súmula, por sua vez, for passível de várias interpretações, ela falhará, como método de trabalho, à sua finalidade. Quando algum enunciado for imperfeito, devemos modificá-lo, substituí-lo por outro mais correto, para que ele não seja, contrariamente à sua finalidade, uma fonte de controvérsia” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 11, jul.-set. 1981). 424 Cassio Scarpinella Bueno entende que o dispositivo é uma aposta do legislador em reduzir o número de litígios, gerar maior previsibilidade e segurança jurídica e conceder tratamento isonômico a todos ao prever normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas para outros casos. No entanto, entende que não há vinculatividade pois, em seu modo de ver, necessitaria de prévia autorização constitucional (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 595-597). A questão será analisada no próximo tópico.

146

da mesma forma que devem respeitar os deveres de não surpresa (art. 10 do

Código de Processo Civil) e de fundamentação completa das decisões judiciais

(art. 489, § 1.º, Código de Processo Civil).

Precedentes, vale a pena reiterar, não no sentido do common law, e sim

como os padrões decisórios estabelecidos pelo Código de Processo Civil de 2015

para serem observados pelos demais juízes ou tribunais. Na linha do sustentado

por Cassio Scarpinella Bueno: E precedentes serão aquelas decisões que, originárias dos julgamentos de casos concretos, inclusive pelas técnicas do art. 928, ou do incidente de assunção de competência, querem ser aplicadas também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. São precedentes não porque vieram de países de common law, e sim porque foram julgados com antecedência a outros casos – quiçá antes de haver dispersão de entendimento sobre uma dada questão jurídica pelos diversos Tribunais que compõem a organização judiciária brasileira – e, de acordo com o caput do art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente. Se o CPC de 2015 os tivesse nominado de antecedentes, não haveria mal nenhum, a não ser a maior dificuldade de legitimá-los à luz do que não é (e continua a não ser) nosso.425

No entanto, a redação do dispositivo, ao longo do processo legislativo,

nem sempre foi a atual. O art. 927 do Código de Processo Civil evoluiu, involuiu e

evoluiu ao longo do processo legislativo.426

A redação originária do dispositivo, oriunda do art. 847 do anteprojeto do

novo Código de Processo Civil apresentado pela Comissão de Juristas

designados pelo Senado Federal, disposto no Capítulo I, “Das Disposições

Gerais”, do Título I, “Dos processos nos tribunais”, do Livro IV da Parte Especial,

“Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”,

previa o seguinte: Art. 847. Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte: I – sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;

425 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 599. 426 Sobre o ponto, Ronaldo Cramer assevera: “Até se chegar à redação aprovada, houve avanços e recuos sobre o que se queria: preservar o sistema como está, com jurisprudência apenas persuasiva, ou instituir um rol de precedente vinculantes” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 176).

147

II – os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; III – a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados; IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia; V – na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 1.º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas. § 2.º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.427

Ao que parece, o dispositivo supratranscrito orientava os tribunais

inferiores a julgar de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, e os

órgãos fracionários a julgar de acordo com a jurisprudência dos órgãos

fracionários superiores do mesmo tribunal. Com essa redação, o texto criava a

jurisprudência vinculante vertical (dos tribunais superiores) e horizontal (do próprio

tribunal).428

No Senado Federal, o texto sofreu uma pequena alteração (e involução)

durante o processo legislativo. O caráter impositivo do dever de os tribunais

observarem os precedentes verticais e horizontais, ao acrescentar a palavra “em

princípio” à redação do art. 882, disposto no Capítulo I, “Das Disposições Gerais”,

do Título I, “Dos processos nos Tribunais”, do Livro IV da Parte Especial, “Dos

processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”, do

Projeto de Lei do Senado n. 166/2010, aprovado e encaminhado à Câmara dos

Deputados: 427 BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 195-196. 428 Esse também é o entendimento de Ronaldo Cramer: “No meu modo de ver, o art. 847 do Anteprojeto criava a jurisprudência vinculante dos tribunais superiores (jurisprudência vertical) e a jurisprudência vinculante do próprio tribunal (jurisprudência horizontal)” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 177).

148

“Art. 882. Os tribunais, a princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte: I - sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante; II - os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; III - a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados; IV - a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia; V - na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 1.º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas. § 2.º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria”.429

A alteração mudou o sentido do dispositivo. O acréscimo da expressão “a

princípio” retirou o caráter vinculante do dispositivo e manteve a jurisprudência

persuasiva, como era na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Como

afirmou Ronaldo Cramer, “o art. 882 do Projeto aprovado pelo Senado não trazia

nenhuma novidade para o sistema, porque confirmava o uso apenas persuasivo

das hipóteses de jurisprudência prevista nos incisos”.430 Ainda assim, o Senador

Valter Pereira, Relator-Geral do Projeto no Senado Federal, destacou que o artigo

propunha “condições mais precisas de criação, consolidação e observância da

jurisprudência consolidada de todos os tribunais brasileiros”.431

Recebido como Projeto de Lei 8.046/2010, na Câmara dos Deputados o

enunciado normativo foi dividido em dois – o que reflete na atual existência dos

429 BRASIL. Projeto de reforma do Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal. Relator-geral: Valter Pereira. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 407. 430 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 179. 431 BRASIL. Projeto de reforma do Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal. Relator-geral: Valter Pereira. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 47.

149

arts. 926 e 927 do Código de Processo Civil – e ambos passaram a integrar o

capítulo próprio, XV, “Do precedente judicial”, do Título I, “Do procedimento

comum”, do Livro I da Parte Especial, “Do processo de conhecimento e do

cumprimento de sentença”. Sob a ótica do dever de observância dos (agora

denominados) precedentes judiciais, o art. 521 previa o seguinte: Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas: I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os juízes e tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos e os precedentes em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; IV – não sendo a hipótese de aplicação dos incisos I a III, os juízes e tribunais seguirão os precedentes: a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade; b) da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional. § 1.º O órgão jurisdicional observará o disposto no art. 10 e no art. 499, § 1.º, na formação e aplicação do precedente judicial. § 2.º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. § 3.º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado. § 4.º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo os fundamentos: I – prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; II – não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão. § 5.º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa. § 6.º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se:

150

I – por meio do procedimento previsto na Lei n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante; II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante; III – incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a IV do caput. § 7.º A modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se, entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida. § 8.º A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 9.º O órgão jurisdicional que tiver firmado a tese a ser rediscutida será preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. § 10. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos. § 11. A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Ao analisar os enunciados supra, percebe-se que a Câmara dos

Deputados expressamente estabeleceu um capítulo sobre precedentes judiciais

no Projeto de Código de Processo Civil com a finalidade de atribuir-lhe eficácia

vinculante. Sobre o dispositivo, o Deputado Sérgio Barradas Carneiro, Relator-

Geral da Comissão Especial destinada a proferir parecer aos projetos que tratam

do Código de Processo Civil, posteriormente substituído pelo Deputado Paulo

Teixeira, destacou em seu relatório-geral: O relatório manteve o sistema, acolhido pelo Projeto aprovado no Senado Federal, de atribuir eficácia vinculante aos precedentes judiciais. Buscou aperfeiçoá-lo, porém. Em primeiro lugar, modificou topologicamente o trato do tema, levando-o para o capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, de modo a deixar claro que se trata de atribuir eficácia vinculante aos provimentos judiciais finais. Aperfeiçoou-se a terminologia do projeto, de modo a deixar clara a eficácia vinculante dos precedentes judiciais, regulamentando-se, também, a eficácia das decisões que superam os precedentes

151

vinculantes, de forma a respeitar os princípios da segurança jurídica, confiança e isonomia. Buscou-se, ainda, regular os casos em que a eficácia vinculante não incide, de modo a permitir a correta distinção entre o caso que deu origem ao precedente vinculante e um caso concreto posterior que, por ser diferente daquele, não deva ser julgado da mesma maneira.432

Em razão das inúmeras modificações feitas pela Câmara dos Deputados,

o Projeto de Lei retornou à sua Casa Legislativa de origem. No Senado Federal, o

Senador Vital do Rego, Relator-geral do Projeto de novo Código de Processo

Civil, em seu Parecer 956/2014, aprovado pela Comissão Especial em 27 de

novembro de 2014, do ponto de vista formal, realocou (de volta) a

regulamentação da matéria no Capítulo I, “Disposições Gerais”, do Título I, “Da

ordem dos processos e dos processo de competência originária dos tribunais”, do

Livro III da Parte Especial, “Dos processos nos tribunais e dos meios de

impugnação das decisões judiciais”, sob os seguintes argumentos: É necessário restabelecer, com alguns ajustes de mera redação necessários a garantir coerência ao sistema, o art. 882 do PLS, com o retorno das disposições para o Livro IV, que regula os Processos nos Tribunais (Título I, Capítulo I). Convém, ainda, o aproveitamento da disposição prevista no § 2.º do art. 521 do SCD como § 3.º do art. 882 do PLS, com a emenda de redação indicada. É recomendável, ainda, a manutenção do texto do art. 522 do SCD, substituindo a anterior redação do art. 883 do PLS, com ajuste de redação no seu parágrafo único, para dar elegância ao texto. Como consequência dessas alterações, outros dispositivos do SCD reclamarão reajustes de atualização de suas remissões, para excluir as referências ao anterior regime dos precedentes.433

Por sua vez, sob a ótica substancial da matéria, o Senador Vital do Rêgo

deixou claro que sua intenção era assegurar uma regulamentação de precedentes

no Brasil com a finalidade de garantir maior segurança jurídica ao cidadão: “O

respeito aos precedentes jurisprudenciais é uma das marcas do futuro Código, o

432 BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei n.º 6.025, de 2005, ao Projeto de Lei n.º 8.046, de 2010, ambos do Senado Federal, e outros, que tratam do “Código de Processo Civil” (revogam a Lei n.º 5.869, de 1973). Relator-geral: Sérgio Barradas Carneiro. Relatório-geral. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 39-40. 433 BRASIL. Senado Federal. Comissão especial destinada ao Projeto de novo Código de Processo Civil. Relator-geral: Senador Vital do Rêgo. Parecer 956, de 2014. Brasília: Senado Federal, 2014. p. 119-120.

152

que reduzirá o grau de imprevisibilidade jurídica que impera sobre os atores da

vida civil”.434

Com a aprovação do Parecer 956/2014 do Senador Vital do Rêgo na

Comissão Especial, no dia 27 de novembro de 2014, e no Plenário do Senado

Federal, no dia 16 de dezembro de 2014, seguido da aprovação do Parecer

1.111/2014, referentes aos destaques, no dia 17 de dezembro de 2014, o art. 927

do Código de Processo Civil instituiu um rol de precedentes vinculantes com a

seguinte redação: Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1.º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1.º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2.º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3.º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4.º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5.º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

434 BRASIL. Senado Federal. Comissão especial destinada ao Projeto de novo Código de Processo Civil. Relator-geral: Senador Vital do Rêgo. Parecer 956, de 2014. Brasília: Senado Federal, 2014. p. 23.

153

Da análise histórica do dispositivo normativo infere-se que a vontade

legislativa foi instituir um rol de precedentes vinculantes no Código de Processo

Civil, com a intenção de reduzir a dispersão jurisprudencial e estabelecer um

norte seguro ao aplicador do direito. Ainda que se discorde do entendimento de

que o dispositivo estabelece um rol de precedentes vinculantes, não se pode

negar que essa foi a vontade do legislador.435

No entanto, esse fator – a vontade do legislador –, por si só, não

estabelece a norma jurídica aplicável. Como demonstrado no presente trabalho, a

norma jurídica é o resultado da interpretação das fontes de direito, em especial da

lei à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e do

preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do

caso concreto, razão pela qual é importante analisar as correntes interpretativas

do art. 927 do Código de Processo Civil.

3.3.1 Vinculatividade

Ao longo da história do direito processual brasileiro, diversas foram as

tentativas de estabelecer provimentos vinculantes.436 O art. 927 do Código de

Processo Civil, finalmente, institui um rol de precedentes vinculantes. A afirmação,

contudo, não é pacífica. A interpretação do dispositivo tornou-se bastante

polêmica e variada.

435 Ronaldo Cramer, após a análise histórica do dispositivo, chega à mesma conclusão: “Infere-se, do histórico acima, que foi, efetivamente, vontade do legislador prever no art. 927 um rol de precedentes vinculantes. [...] Desta forma, na interpretação do art. 927, não se pode desconhecer que, pela tramitação do Projeto do novo CPC no Congresso, o legislador quis, efetivamente, instituir nesse dispositivo um rol de precedentes vinculantes. Qualquer interpretação do referido artigo que não concorde com esse entendimento tem que enfrentar e superar, a partir de outros argumentos, essa posição” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 182-183). 436 O tema foi objeto de pesquisa de: SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia; DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. Acrescente-se que, no Projeto de Constituição apresentado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros em 1946, constava proposta de Haroldo Valadão sobre a vinculatividade de decisões em recurso extraordinário. Em 1963/1964, Haroldo Valadão apresentou o Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, com a finalidade de atualizar a antiga Lei de Introdução ao Código Civil, também com uma proposta de vinculação de decisões do Supremo Tribunal Federal (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 118-119).

154

Há, ao menos, cinco interpretações diferentes sobre o dispositivo.437

A primeira, como afirmado supra, entende que o art. 927 do Código de

Processo Civil estabelece um rol de precedentes vinculantes, valendo-se,

principalmente, do argumento semântico, posto que o dispositivo prevê que “os

juízes e os tribunais observarão”.438

A segunda corrente sustenta que os precedentes emanam tão somente

dos tribunais superiores e são, sempre, vinculantes. Assevera que não só aqueles

precedentes dos tribunais superiores previstos no rol do art. 927 do Código de

Processo Civil são vinculantes, pois outras decisões tomadas por tribunais

437 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 183. 438 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 188-192; ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodium, 2016. p. 340-357; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 317; PANUTTO, Peter. Precedentes judiciais vinculantes. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 114-125; TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. 214-217; MENDES, Aluisio Gonçalves Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 226; PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 163-171; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael de Alexandria. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 461-467; THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 3, p. 792-800; DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcellos Carilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43-44; THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 355; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 523-524; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 927. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Lisboa/São Paulo: Almedina, 2016. p. 1125-1126; ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1328-1330; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016, p. 936-938; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 587; GRINOVER, Ada Pellegrini. Jurisprudência e precedente vinculante. Ensaio sobre a processualidade: fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 131-161; MENDES, Aluisio Gonçalves Castro. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito brasileiro contemporâneo. In: ______; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2014. v. 2, p. 35-36. Lenio Luiz Streck e Georges Abboud afirmam que o CPC/2015 não criou um sistema de precedentes, e sim elegeu alguns provimentos judiciais vinculantes ou de jurisprudência dotada de efeito vinculante: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando? In: DIDIER JR., Fredie et al. (Coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 175-181; STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1220-1222; STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto: o precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 84-100.

155

superiores também o são. Afirma que as hipóteses de vinculação previstas no art.

927 que não são de decisões de tribunais superiores, e sim de jurisprudência

vinculante, mas não de precedentes.439

O terceiro entendimento declara que o art. 927 do Código de Processo

Civil não prevê nenhum precedente vinculante, pois são vinculantes apenas os

precedentes (de obrigatoriedade forte) que podem ser objeto de reclamação.

Nesse sentido, o rol de precedentes vinculantes encontrar-se-ia no art. 988 do

Código de Processo Civil, e não no art. 927, sendo eles: (i) as decisões do

Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (ii) os

enunciados de súmula vinculante; e (iii) os acórdãos em incidente de assunção de

competência ou em incidente de resolução de demandas repetitivas.440

A quarta corrente interpretativa aduz que o art. 927 do Código de

Processo Civil não atribui eficácia vinculante aos precedentes ali elencados,

estabelecendo apenas um dever jurídico de os magistrados levarem em conta tais

precedentes. Para essa corrente, para que tenha efeito vinculante é necessário

que essa vinculação decorra de outra norma ou de seu próprio regime jurídico,

como são (i) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado

de constitucionalidade; (ii) os enunciados de súmula vinculante; e (iii) os acórdãos

em incidente de assunção de competência e de recursos repetitivos, porque

439 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 285-336; MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 927. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2075-2081; MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 154-161; MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 79 e ss.; MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 102-127; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. XV, p. 62-67; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. v. 2, p. 606-613. 440 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 275-287; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1315; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes. In: ______; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Temas essenciais do Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 481-490.

156

existem enunciados, em seu regime jurídico, prevendo eficácia vinculante a

eles.441

Por fim, a quinta interpretação é veemente no sentido de ser

inconstitucional a interpretação do rol do art. 927 do Código de Processo Civil

como de precedentes vinculantes, pois entende que somente a Constituição

poderia estabelecer a eficácia vinculante de decisões judiciais, como é o caso das

decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade e dos enunciados de súmula vinculante.442

Mencionadas as correntes interpretativas sobre caráter vinculativo do

dispositivo, parece que a razão está com a primeira corrente, pois o art. 927 do

Código de Processo Civil institui um rol de precedentes vinculantes, não de

precedentes como é no common law, mas de precedentes à brasileira (sem

nenhum caráter pejorativo a essa afirmação).

A segunda corrente não nega a eficácia vinculante do art. 927 do Código

de Processo Civil. Pelo contrário, defende que os precedentes dos tribunais

superiores e a jurisprudência elencados no art. 927 possuem eficácia vinculante.

No entanto, não só. Como, para essa corrente, os precedentes emanam tão

somente dos tribunais superiores e são, sempre, vinculantes, outras decisões de

tribunais superiores também são obrigatórias, o que não afasta a tese aqui

sustentada de que o rol do art. 927 do Código de Processo Civil estabelece uma

vinculação de decisões judiciais.

Com efeito, o fato de afirmar que o rol do art. 927 do Código de Processo

Civil é vinculante não afasta a possibilidade de outros enunciados normativos

também estabelecer eficácia vinculante para outras decisões, como é o caso da

441 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 434; SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 937. 442 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 595-597; Idem. Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 985-986; NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1837; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários ao art. 927. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 30-45; CRUZ E TUCCI, José Rogério. O regime jurídico do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 454; Araken de Assis, por sua vez, entende ser vinculante o rol do art. 927 do Código de Processo Civil, mas de duvidosa constitucionalidade (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1105-1106.

157

decisão do Supremo Tribunal Federal que rejeita a existência de repercussão

geral para todos os demais recursos extraordinários com a mesma matéria, nos

termos do art. 1.035, § 8.º, do Código de Processo Civil.443

A terceira corrente defende uma tese bastante interessante, no sentido de

que o que dá força vinculante aos precedentes – ou seja, obrigatoriedade forte – é

a previsão de impugnação direta via reclamação em caso de não observância

pelo juiz ou tribunal. A reclamação tem um importante papel na imposição da

observância dos precedentes, pois constitui um relevante meio de impugnação de

decisão judicial que não o respeita, garantindo maior eficiência à aplicação do

precedente. Contudo, não é ela, a reclamação, que atribui força vinculante. Como

assevera Ronaldo Cramer, “isso não significa que a reclamação seja pressuposto

necessário para a existência da eficácia vinculante do precedente”. 444 A sua

ausência não significa que obrigatoriedade de seguir os precedentes perderia a

eficácia, pois há outros meios processuais para garantir a sua aplicação, como os

recursos e, excepcionalmente, a ação rescisória.

Por outro lado, a quarta corrente advoga a tese de que é o regime jurídico

dos precedentes previstos no art. 927 do Código de Processo Civil (ou seja, outro

enunciado normativo) que estabelece o efeito vinculante, e não o dispositivo por si

só. Essa interpretação retira eficácia normativa do próprio art. 927 ao considerar

apenas vinculante o que estiver estabelecido em outro enunciado normativo. Não

há diferença entre a previsão do art. 927 e as previsões nos textos normativos

contidos nos regimes jurídicos próprios de cada instituto elencado no art. 927.445

Considerar que é um dever dos juízes e dos tribunais observar os precedentes

dispostos no art. 927, mas entender que esse dever não precisa ser seguido,

como se fosse uma mera norma programática (do tipo: siga se quiser), é uma

contradição.

Por fim, a quinta corrente sustenta a inconstitucionalidade do art. 927 do

Código de Processo Civil sob o argumento de que somente a Constituição

443 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192. 444 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 188. 445 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 188-189.

158

poderia atribuir eficácia vinculante a determinadas decisões judiciais, como ocorre

nas decisões dos processos objetivos de controle concentrado de

constitucionalidade e na súmula vinculante. Em verdade, tais previsões

constitucionais justificam-se, pois as decisões vinculam não só o Poder Judiciário,

mas também o Poder Executivo. Como os Poderes da União são “independentes

e harmônicos entre si”, a vinculação de um Poder em razão de uma decisão de

outro Poder depende de previsão constitucional, em observância ao sistema de

freios e contrapesos. Como os precedentes do art. 927 do Código de Processo

Civil vinculam tão somente os órgãos do próprio Poder Judiciário, não há falar,

data maxima venia, em inconstitucionalidade.446

Assim, refutadas as teses contrárias, permite-se a conclusão de que o art.

927 do Código de Processo Civil institui um rol de precedentes vinculantes.447

Essa foi, claramente, a vontade legislativa ao editar referido enunciado normativo

com, entre outras, a finalidade de concretizar, in concreto, os princípios da

igualdade e da segurança jurídica, em sua vertente da previsibilidade da atuação

estatal. Como leciona Humberto Ávila: “[...] a vinculação aos precedentes judicias

é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas

razões, devem ser proferidas as mesmas decisões”.448

No mais, semanticamente o verbo “observar”, quando se refere a deveres

legais ou morais, tem o sentido de cumprir, obedecer, respeitar, seguir ou praticar

o que está disposto no texto normativo ou no preceito moral, e não só os sentidos

de olhar atentamente, fazer análise minuciosa, prestar atenção à lei e,

posteriormente, desconsiderá-la.449

446 Ada Pellegrini Grinover, ao rebater diversos argumentos que defendem a inconstitucionalidade do efeito vinculante assevera corretamente que não há nenhuma “norma constitucional que, explícita e diretamente, proíba seja atribuído efeito vinculante aos precedentes judiciais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Jurisprudência e precedente vinculante. Ensaio sobre a processualidade: fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 152-155). 447 Nesse sentido, é o Enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos”. 448 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 478. 449 Eis o sentido esclarecido pelo Dicionário Michaelis ao verbete “observar”: “1 Cumprir ou praticar o que é prescrito por alguma lei ou obrigação moral: Todos os motoristas devem observar atentamente as regras de trânsito. 2 Olhar atentamente: ‘Carla nos observou com seu ar curioso e zombeteiro’ (ER). Os bailarinos observavam os movimentos do coreógrafo durante os ensaios. 3 Fitar às ocultas; espreitar: ‘Mas quem observou o que eu fiz às escondidas e com tanto cuidado?’

159

Acrescente-se ainda, como anotado por Ronaldo Cramer, que a retirada

da expressão “em princípio”, que havia sido incluída ao texto normativo pelo

Senado Federal, deixa clara a intenção de atribuir eficácia vinculante aos

precedentes do art. 927 do Código de Processo Civil.450

A aplicação desses precedentes nos casos presentes exige uma atividade

de interpretação das razões de decidir adotadas nos casos que lhes deram

origem na perspectiva das circunstâncias fáticas e do momento histórico. Como

esses precedentes remetem a um evento passado que servirá de guia para o

julgamento de um caso atual, a sua aplicação depende de uma explicação que

estabelece uma conexão entre o evento passado e o caso atual. É preciso

estabelecer uma relação analógica entre o precedente e o caso a ser julgado.451

(JMM); 4 Fazer análise minuciosa: O naturalista observou todas as espécies nativas; 5 Prestar atenção a: ‘Allan apaixonou-se pela cozinha ao observar as memoráveis paellas que sua mãe fazia aos domingos’ (RN). 6 Expressar uma ponderação ou um comentário: Os alunos observaram que queriam mais aulas de informática. A professora observou aos alunos que estudassem mais. 7 Tomar(-se) em consideração: Observou todas as implicações antes de assinar aquele contrato. Observou-se a idade do paciente antes de optarem por não operá-lo. 8 Fazer o acompanhamento da evolução de algo: ‘[…] é na soma de todas as mudanças individuais que podemos observar as mudanças em áreas sociais’ (LZ1). Os economistas observaram o aumento da renda dos trabalhadores das classes C e D. 9 Vigiar-se mutuamente: Os adversários observaram-se antes da luta. ETIMOLOGIA lat observare” (MICHAELIS. Observar. Michaelis: dicionário brasileiro de língua portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/observar/>. Acesso em: 13 dez. 2017). Conforme Dicionário Aurélio: 1 – Olhar atentamente para. 2 – Ver; examinar. 3 – Seguir as diversas fases de. 4 – Espiar, espreitar. 5 – Fazer notar. 6 – Ponderar, objetar. 7 – Obedecer a. 8 – Guardar. 9 – Cumprir fielmente. 10 – Ser circunspecto”. (HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio de Português online. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/observar>. Acesso em: 13 dez. 2017). Por fim, o Dicionário de sinônimos online: “1 – Reparar com os olhos: perceber, notar, ver, constatar, verificar, reparar, atentar, descobrir. 2 – Examinar com os olhos atentamente: analisar, examinar, estudar, considerar, pesquisar, investigar, especular. 3 – Espiar: espiar, espionar, espreitar, olhar, vigiar. 4 – Contemplar: contemplar, admirar, apreciar, mirar, olhar, fitar. 5 – Assistir: assistir, presenciar, testemunhar. 6 – Chamar a atenção: advertir, prevenir, comentar, avisar, lembrar. 7 – Cumprir as regras: obedecer, cumprir, respeitar, acatar, seguir, aceitar, praticar, guardar. 8 – Ponderar: ponderar, replicar, objetar” (Sinônimos.com.br: Dicionário online de sinônimos. Observar. Disponível em: <https://www.sinonimos.com.br/observar/>. Acesso em: 13 dez. 2017). 450 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 190-191. 451 “A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for present action. Not all past events are precedents. Much of what we did in the past quickly fades into insig- nificance (or is best forgotten) and does not guide future action at all. Understanding precedent therefore requires an explanation of how past events and present actions come to be seen as connected. (…)To follow a precedent is to draw an analogy between one instance and another; indeed, legal reasoning is often described – by common lawyers at least – as analogical or case-by-case reasoning. To follow a precedent is to draw an analogy between one instance and another; indeed, legal reasoning is often described – by common lawyers at least –

160

Eles devem ser objeto de interpretação para confirmação de sua aplicação ao

caso ou para que possa ser feita distinção ou superação de casos.

Ademais, o precedente vincula todos os órgãos do tribunal que o formou e

os juízes hierarquicamente inferiores ao tribunal. Em outras palavras, os

precedentes vinculam de forma horizontal e vertical, até que seja superado.

Portanto, o art. 927 do Código de Processo Civil estabelece precedentes

com eficácia vinculante, que devem ser analisados, interpretados e aplicados

pelos juízes e Tribunais em sintonia com as razões de decidir adotadas nos casos

que lhes deram origem em conformidade com as circunstâncias fáticas e o

momento histórico.

3.4 Espécies de precedentes no Código de Processo Civil de 2015

O Código de Processo Civil de 2015 estabelece em seu art. 927 um rol de

pronunciamentos judiciais, chamados, no presente trabalho, de precedentes.

Trata-se de um sistema de precedentes formados e estruturados a partir de

procedimentos próprios com a finalidade de estabelecer padrões decisórios para

serem aplicados a casos semelhantes, presentes e futuros.

Como afirmado anteriormente, com a devida venia pela repetição, sabe-

se que a denominação é passível de crítica, pois não reflete fielmente o que tem

sido denominado de precedentes no mundo, especialmente nos países de

common law. No entanto, entre os inúmeros apelidos constatados na doutrina e

na jurisprudência – precedentes qualificados, 452 precedentes vinculantes,

precedentes obrigatórios, 453 precedentes judiciais vinculantes, 454 precedentes

as analogical or case-by-case reasoning”. (DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambrigde: University Press, 2008, p. 1-2). 452 Conforme art. 121-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, incluído pela Emenda Regimental n. 24, de 2016; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017, v. 3, p. 587. 453 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 927. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2075-2081; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, t. XV, p. 62-67. 454 PANUTTO, Peter. Precedentes judiciais vinculantes. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

161

judiciais formalmente vinculantes, 455 precedentes judiciais vinculantes à

brasileira, 456 precedentes à brasileira, 457 indexadores jurisprudenciais, 458

pronunciamentos judiciais vinculantes, padrões decisórios459 etc. –, optou-se por

essa nomenclatura pura e simples – precedentes – sem nenhuma adjetivação,

mas destacado em itálico, como forma indireta de chamar a atenção para o fato

de que não se trata fielmente daquilo que em outros países é denominado de

precedentes.

3.4.1 Decisão em controle concentrado de constitucionalidade

O § 2.º do art. 102 da Constituição de 1988, o parágrafo único do art. 28

da Lei 9.868/1999 e o § 2.º do art. 10 da Lei 9.882/1999 estabelecem que as

decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos processos objetivos e

abstratos de controle de constitucionalidade – ação direta de inconstitucionalidade

(ADIn), ação declaratória de inconstitucionalidade (ADC) e arguição de

descumprimento de preceito fundamental (ADPF) – têm eficácia contra todos

(erga omnes) e vinculante relativamente a todos os órgãos do Poder Judiciário e

do Poder Executivo.460

455 ZANATTI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2016. 456 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC: aspectos gerais. O novo Código de Processo Civil – questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015, p. 89-112. 457 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 275-287; ROSSI, Julio Cesar. Precedente à brasileira: a jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2015. 458 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no IRDR, no RE e RESP repetitivos: Suite em homenagem à Professor Teresa Arruda Alvim. In: São Paulo: DANTAS, Bruno; SCARPINELLA BUENO, Cassio; CAHALI, Claudia Schwerz; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização da jurisprudência. Revista dos Tribunais, 2017, p. 435-458. 459 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. 460 O Poder Legislativo não consta no § 2.º do art. 102 da Constituição de 1988 como destinatário do efeito vinculante da decisão constitucional. Diferentemente dos demais Poderes, o Poder Legislativo não se vincula à decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade concentrado de lei ou de ato normativo. Neste sentido: MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao § 2.º do art. 102. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo/Lisboa: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1399-1400; ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 257-258.

162

O controle concentrado de constitucionalidade de lei ou de ato normativo

constitui um importante mecanismo na manutenção da higidez constitucional e

tem por finalidade retirar do ordenamento jurídico a lei ou o ato normativo tido

abstratamente por inconstitucional.

O efeito vinculante diz respeito à coisa julgada material consubstanciada

no dispositivo da sentença constitucional proferida em processo objetivo de

controle de constitucionalidade, e não aos seus motivos determinantes.461

Ao analisarem o art. 927 do Código de Processo Civil, Fredie Didier Jr.,

Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira, 462 Hermes Zaneti Jr. 463 e

Ronaldo Cramer464 sustentam que a eficácia vinculante estabelecida nos § 2.º do

art. 102 da Constituição de 1988, parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/1999 e §

2.º do art. 10 da Lei 9.882/1999 é diferente da eficácia vinculante do precedente

estabelecida no art. 927 do Código de Processo Civil. Para justificar a distinção,

aduzem que a eficácia vinculante dos dispositivos diz respeito à coisa julgada

decorrente do dispositivo da decisão de controle concentrado de

constitucionalidade, enquanto a eficácia vinculante de precedente do art. 927

vincula os órgãos do Poder Judiciário (inclusive o próprio Supremo Tribunal

Federal) às razões de decidir (ratio decidendi) da mesma decisão. Por fim,

asseveram que não faria sentido a previsão se não fosse para ter essa

interpretação.465

461 Por todos: ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 243. 462 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 463-464. 463 ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1328. 464 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192-194. 465 Apresentam os seguintes exemplos: “Tome-se o seguinte exemplo: o Supremo declara inconstitucional uma lei municipal. Por força da eficácia vinculante da decisão de controle concentrado, o dispositivo dessa sentença (a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal) vincula todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, impedindo-os de invocar essa lei em qualquer decisão ou ato. Por força da eficácia de precedente vinculante, as razões necessárias e suficientes para a declaração de inconstitucionalidade (a matéria não é competência legislativa do município) vinculam todos os órgãos judiciais, para conformar qualquer decisão judicial posterior a esse entendimento. Assim, se for promulgada outra lei municipal com a mesma matéria da lei julgada inconstitucional, todos os órgãos judiciais deverão declará-la inconstitucional incidentalmente nos processos em que se cogitar da sua aplicação” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 193). “Observe-se esse exemplo: no julgamento de uma ADI, o STF entende que uma lei estadual (n. 1000/2007,

163

Não há como concordar com tal entendimento. Se o que vincula do

precedente é ratio decidendi, extraível ou estabelecida a partir da identificação

dos fundamentos determinantes da decisão compreendidos à luz das

circunstâncias fáticas da causa, como podem as razões de decidir (ratio

decidendi) da decisão ter eficácia vinculante se não há circunstâncias fáticas em

processos de controle concentrado de constitucionalidade?

O art. 927, I, do Código de Processo Civil não criou nada novo, ele

apenas reforçou a eficácia vinculante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal em processos objetivos e abstratos de controle de constitucionalidade

previstos anteriormente no § 2.º do art. 102 da Constituição de 1988, no parágrafo

único do art. 28 da Lei 9.868/1999 e no § 2.º do art. 10 da Lei 9.882/1999.

Não há falar em vinculação dos motivos determinantes da decisão

constitucional em controle concentrado de constitucionalidade. A tese,

corretamente, foi refutada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da

Reclamação 3.014 (“o acolhimento do pedido [...] demandaria a atribuição de

efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle

abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal” 466 ) e tem sido

p. ex.) é inconstitucional por invasão material de competência da lei federal. A coisa julgada vincula todos à seguinte decisão: a Lei estadual n. 1.000/2007 é inconstitucional; a eficácia do precedente recai sobre a seguinte ratio decidendi: ‘lei estadual não pode versar sobre determinada matéria, que é de competência de lei federal’. Se for editada outra lei estadual, em outro Estado, haverá necessidade de propor nova ADI, sobre a nova lei, cuja decisão certamente será baseada no precedente anterior; arguida a sua inconstitucionalidade em se de controle difuso, deverá ser observado esse precedente prévio e obrigatório do STF sobre a matéria” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 464). CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192-194; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 463-464; ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 1.328; 466 Eis o inteiro teor da ementa: “Reclamação constitucional. Alegado desrespeito ao acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.868. Inexistência. Lei 4.233/02, do município de Indaiatuba/SP, que fixou, como de pequeno valor, as condenações à Fazenda Pública municipal até R$ 3.000,00 (três mil reais). Falta de identidade entre a decisão reclamada e o acórdão paradigmático. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02. Diploma legislativo que fixa, no âmbito da Fazenda estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do Município de Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal. 2. Inexistência de identidade entre a decisão reclamada e o acórdão paradigmático. Enquanto aquela reconheceu a inconstitucionalidade da Lei municipal 4.233/02 ‘por ausência de vinculação da quantia considerada como de pequeno valor a um

164

reiterada em julgados posteriores, como é o caso da Reclamação 27.702 (“O

Plenário desta Corte manifestou-se contrariamente à chamada “transcendência”

ou ‘efeitos irradiantes’ dos motivos determinantes das decisões proferidas em

sede de controle abstrato de normas”467).

Sob a ótica do art. 927 do Código de Processo Civil, Lenio Luiz Streck e

Georges Abboud são precisos nesse sentido: Para assegurarmos uma aplicação do art. 927 em conformidade com a Constituição é importante salientar que não se pode admitir que o CPC tenha acolhido a vinculação dos motivos determinantes da sentença constitucional. A parte dispositiva da decisão é o comando final da sentença que acolhe ou rejeita a pretensão de direito material do autor. A fundamentação consiste nas razões fático-jurídicas que conduziram para o desfecho da demanda. [...] atribuir efeito vinculante aos motivos determinantes da sentença constitucional pode acarretar um entrave à evolução constitucional.468

Portanto, o efeito vinculante da decisão proferida em processo objetivo de

controle de constitucionalidade diz respeito ao dispositivo e à coisa julgada

material, e não aos motivos determinantes.

determinado número de salários mínimos, como fizera a norma constitucional provisória (art. 87 do ADCT)’, este se limitou ‘a proclamar a possibilidade de que o valor estabelecido na norma estadual fosse inferior ao parâmetro constitucional’. 3. Reclamação julgada improcedente” (STF, Tribunal Pleno, Rcl 3014, Rel. Min. Ayres Britto, j. 10.03.2010, DJe 21.05.2010). 467 Eis o inteiro teor da ementa: “Agravo regimental. Utilização da via reclamatória como sucedâneo recursal. Inadmissibilidade. Falta de identidade entre a decisão paradigma e a decisão reclamada. Alteração legislativa. Teoria dos motivos determinantes. Inaplicabilidade pelo STF. Agravo regimental a que se nega provimento. I – A reclamação não é sucedâneo ou substitutivo de recurso próprio para conferir eficácia à jurisdição invocada nos autos de recursos interpostos da decisão de mérito e da decisão em execução provisória. II – É inadmissível a reclamação quando a decisão adotada como paradigma violado não encaixa-se perfeitamente à hipótese dos autos. III – O Plenário desta Corte manifestou-se contrariamente à chamada ‘transcendência’ ou “efeitos irradiantes” dos motivos determinantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas. Precedentes. III – Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, 2.ª Turma, Rcl 27702 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.10.2017, DJe 19.10.2017). 468 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1240-1241. Em outro livro Georges Abboud aduz: “[...] concluímos ser errôneo admitir que o efeito vinculante alcançasse os motivos determinantes da decisão, uma vez que essa ampliação acaba por atribuir poderes demasiados ao STF, o que pode acarretar o engessamento do sistema constitucional e na usurpação de competência de outros tribunais, principalmente o STJ. Outrossim, a ampliação do efeito vinculante para os motivos determinantes da sentença é uma tese que, progressivamente, tem se tornado obsoleta na própria Alemanha, país que lhe deu origem” (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 273).

165

3.4.2 Enunciado de súmula vinculante

A Emenda Constitucional 45/2004 estabeleceu a possibilidade de o

Supremo Tribunal Federal editar, revisar e cancelar enunciado de súmula

vinculante, com a finalidade de vincular tanto os órgãos do Poder Judiciário

quanto os órgãos do Poder Executivo, estipulando um procedimento jurisdicional

constitucionalmente diferenciado. 469 Com efeito, o art. 103-A, caput, da

Constituição Federal dispõe que: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Como se vê, o dispositivo estabelece que o enunciado de súmula

vinculante vinculará os órgãos judiciários e a Administração Pública, de forma

constitucionalmente expressa,470 sem invasão de competência normativa.471 O

art. 2.º da a Lei 11.417/2006, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento

469 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5, p. 373. 470 O tema, sem pretensão de exaurir bibliografia, é objeto de análise por diversos autores em obras específicas: CORTES, Osmar Mendes Paixão. Súmula vinculante e segurança jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008; LEITE, Glauco Salomão. Súmula vinculante e jurisdição constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2007; LOR, Encarnacion Alfonso. Súmula vinculante e repercussão geral: novos institutos de direito processual constitucional; São Paulo: Revista dos Tribunais 2009; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010; MATTOS, Luiz Norton Baptista. “Súmula” vinculante. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; Paulo: Revista dos Tribunais 2010; MEURER JUNIOR, Ezair. Súmula vinculante no CPC/2015. Florianópolis: Empório do Direito, 2016; NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010; REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Consulex, 2008. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. 471 Sérgio Seiji Shimura é preciso neste sentido: “Não está havendo invasão de competência normativa, muito menos um cerceamento da convicção do juiz. É do sistema processual e constitucional que, em determinada hipótese concreta, o juiz de hierarquia jurisdicional inferior tenha que obedecer ao decidido pela Corte Superior, pelas vias recursais normais; com maior razão de o caso sub judice se enquadrar no mesmo paradigma já traçado pela mais alta Corte, decorrente da interpretação de casos idênticos” (SHIMURA, Sergio Seiji. Súmula vinculante. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). A reforma do Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 763).

166

de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, também

prevê, como não poderia ser diferente, expressamente o efeito vinculante.

Antes da entrada em vigor, parcela da doutrina entendia que apenas o

enunciado da súmula vinculante que vincularia os seus destinatários, não as

razões de decidir. 472 Por outro lado, havia o entendimento de que o efeito

vinculativo abrangia também os motivos determinantes da decisão.473

Ao prever que os juízes e Tribunais deverão observá-la, o Código de

Processo Civil reitera a eficácia obrigatória da súmula vinculante. A interpretação

e a aplicação dos enunciados de súmula vinculante não devem ser feitas apenas

em razão de seu texto, mas também em atenção às circunstâncias fáticas e aos

fundamentos determinantes dos precedentes que deram origem à sua formação

(art. 927, II, c/c o art. 926, § 2.º).474-475 Não há razão para a não aplicação dessa

regra propedêutica.476

Soma-se a isso o fato de esse que se afigura um dos motivos pelo qual o

art. 103-A, caput, da Constituição exige como requisito para a criação de um

enunciado de súmula vinculante que ocorra “após reiteradas decisões sobre

matéria constitucional”, como meio de viabilizar a análise dos fatos e dos

fundamentos dos precedentes que motivaram à sua edição.

472 Era a posição de Jorge Amauri Maia Nunes: “Implica dizer, as questões que conduzem o Supremo Tribunal Federal a decidir sobre a validade ou invalidade da norma, sobre sua eficácia ou ineficácia, ou sobre sua interpretação num ou noutro sentido, não fazem parte do procedimento de edição da súmula. Não há falar, por isso, em preocupação quanto aos limites objetivos do efeito vinculante da súmula. Não se discute aqui sobre obter dicta ou sobre ratio decidendi. Há somente o enunciado da súmula. Bem a propósito o § 4.º do art. 2.º da lei de regência dispõe que no prazo de dez dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo. É isso que vai vincular os destinatários. É disso que os destinatários terão conhecimento e a respeito de que não poderão alegar ignorância” (NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva: 2010. p. 146). 473 Entre outros, era a posição de Rodolfo de Camargo Mancuso: “Esse efeito vinculativo, a nosso ver, abrange os motivos determinantes, pressupostos no enunciado e subjacentes a este, à semelhança da ratio decidendi dos binding precedents, na experiência dos países de commom law” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p.404). 474 Esse ponto foi objeto de ampla análise em item anterior destinado aos enunciados de súmula. 475 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 195. O autor entende que a inclusão do dispositivo no rol do art. 927 do Código de Processo Civil significa que são vinculantes os precedentes originários da súmula vinculante (Idem, p. 194). 476 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 583.

167

3.4.3 Tese jurídica fixada em julgamento de recursos repetitivos

A Lei 11.672/2008 acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil

de 1973 e instituiu a técnica de julgamento dos recursos especiais repetitivos,477

por julgamento “por amostragem”. 478 O Código de Processo Civil de 2015

estendeu a técnica aplicável aos recursos especiais também para o julgamento

dos recursos extraordinários (não apenas para a aferição da repercussão geral),

conforme previsto nos arts. 1.036 ao 1.041.

Conforme dispõe o caput do art. 1.036 do Código de Processo Civil,

“sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com

fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de

acordo” com a técnica de julgamento de recursos repetitivos, com a finalidade de

uniformizar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal

de Justiça sobre a questão de direito e de fixar teses jurídicas para serem

aplicadas aos casos semelhantes, presentes ou futuros.

As decisões proferidas em sede de julgamento de recursos especiais ou

de recursos extraordinários paradigmas submetidos à técnica de julgamento de

recursos repetitivos são consideradas precedentes a serem observados pelos

juízes e pelos tribunais em casos presentes e futuros, devendo ser levada em

consideração a similitude de circunstâncias fáticas para aplicação da mesma tese

jurídica. Em outras palavras, devem ser interpretados e aplicados a partir das

circunstâncias fáticas ocorridas nos precedentes que deram origem às decisões

proferidas em sede de julgamento de recursos especiais ou recursos

extraordinários repetitivos.

Aos casos presentes os art. 1.039, 1.040 e 1.041 do Código de Processo

Civil estabelecem diversas consequências decorrentes da fixação de tese via 477 SANTOS, Welder Queiroz dos. A técnica de julgamento dos recursos especiais repetitivos. In: LAMY, Eduardo; ABREU, Pedro Manoel; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Org.). Processo civil em movimento: diretrizes para o novo CPC. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012. p. 1078-1118. 478 A expressão “por amostragem” é de José Carlos Barbosa Moreira e foi utilizada, apropriadamente, ao referir às normas aplicáveis à técnica de aferição de repercussão geral das questões constitucionais dos recursos extraordinários repetitivos no âmbito do Supremo Tribunal Federal (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escala e seus riscos. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 27, p. 49-58, jun. 2005).

168

julgamento dos recursos representativos da controvérsia submetidos à técnica

dos repetitivos.

No âmbito do tribunal superior que fixou a tese jurídica, os demais órgãos

colegiados declararão prejudicados os demais recursos que versem sobre

idêntica controvérsia ou aplicarão a tese firmada.

Nos tribunais locais (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais

Federais), o presidente ou o vice-presidente negará seguimento aos recursos

especiais ou extraordinários suspensos, se o acórdão recorrido coincidir com a

orientação do tribunal superior, ou encaminhará os autos para o órgão que

proferiu o acórdão recorrido, para rejulgamento do caso anteriormente julgado

(um novo julgamento do que já foi julgado), se o acórdão recorrido for em sentido

contrário à tese fixada pelo tribunal superior.479

No tocante aos processos suspensos em primeiro e em segundo grau,

eles retomarão o seu curso para aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.

Como em seu regime jurídico previsto nos arts. 1.036 a 1.041 do Código

de Processo Civil há previsão de vinculação apenas para os casos presentes

cujos processos foram suspensos para aguardar a formação da tese jurídica, a

previsão no rol do art. 927, III, deixa clara a vinculação dos juízes e dos tribunais

na aplicação da tese jurídica fixada em sede de julgamento de recursos

repetitivos aos casos futuros.480

3.4.4 Tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas

O art. 927, III, do Código de Processo Civil prevê também que as

decisões tomadas pelos Tribunais em sede de julgamento de Incidente de

479 Cassio Scarpinella Bueno entende que a sistemática prevista nos incisos I e II do art. 1.040 do Código de Processo Civil é inconstitucional, sugerindo a reflexão a respeito da alteração dos incisos III dos arts. 102 e 105 da Constituição para permitir uma cooperação dos tribunais locais em caso de recursos repetitivos (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 731). 480 “Compreendidas como precedentes, essas decisões terão efeito vinculante a partir de sua ratio decidendi. [...]. as decisões nesses incidentes são vinculantes para os processos em curso. Com exceção do IRDR [...] não há previsão [...] de eficácia vinculante para os casos futuros. A inclusão dessas decisões no rol do art. 927 do NCPC transforma-as em precedentes vinculantes para os casos presentes e também para os futuros” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 195-196).

169

Resolução de Demandas Repetitivas 481 constituem precedentes e devem ser

observadas pelos juízes e pelo próprio tribunal que firmar a tese jurídica.

A sua criação constitui uma das grandes inovações instituídas pelo

Código de Processo Civil, como destacado desde o Anteprojeto elaborado pela

Comissão de Juristas nomeados pelo Senado Federal, embora o seu regime

jurídico tenha sido objeto de modificações durante o processo legislativo.

Trata-se de um incidente processual sui generis,482 regulamentado pelos

arts. 976 a 987 do Código de Processo Civil, que se destina a fixar uma tese

jurídica com efeito vinculante aos casos semelhantes, presentes e futuros, em

relação a determinado contexto fático, a partir da apreciação de controvérsia

envolvendo mesma questão unicamente de direito, com efetiva repetição de

processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, decorrente, por

exemplo, de dispersão jurisprudencial, cujo teor da tese (leia-se, as razões de

decidir em conformidade com as circunstâncias fáticas) deverá ser observado

pelos demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito da competência do

tribunal.

O Ministro Luiz Fux, que presidiu a Comissão de Juristas responsável

pela elaboração do Anteprojeto, explica que: [...] o incidente criado pelo anteprojeto permite a seleção de causas-piloto [...] as quais, uma vez julgadas, servem de paradigma obrigatório para as inúmeras ações em curso na mesma base territorial da competência do tribunal local encarregado de admitir o incidente.

Se a decisão for adotada pelos Tribunais Superiores, impõe-se “a adoção

da tese jurídica por todos os juízos e tribunais do país, evitando decisões

481 Sobre o tema: TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017; MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2018; MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. 482 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 541.

170

contraditórias sobre a mesma questão jurídica, mercê de consagrar com largo

espectro a isonomia judicial”.483

Teresa Arruda Alvim destaca que “O Código de Processo Civil de 2015

sistematizou funcionalmente o tratamento de casos idênticos, com vistas ao

julgamento conjunto da questão de direito que lhes sejam comum”. A intenção do

incidente é preservar o princípio constitucional da isonomia ao garantir igualdade

de solução jurídica para os jurisdicionados que se encontrem na mesma situação

fática (“tutela isonômica e efetiva dos direitos individuais homogêneos”).484

O incidente pode ser instaurado a pedido do juiz de primeiro grau ou do

relator no âmbito dos tribunais, pelas partes, pelo Ministério Público e pela

Defensoria Pública, em sede de processo em primeiro grau, de recurso, de

remessa necessária ou de processo de competência originária dos Tribunais, e o

seu julgamento será feito pelo órgão colegiado indicado pelo regimento interno do

tribunal, devendo ser ele responsável pela uniformização de jurisprudência.

O órgão responsável pelo julgamento do incidente de resolução de

demandas repetitivas fixará a tese jurídica a ser aplicável aos demais casos

(circunstâncias fáticas), presentes e futuros, que versarem sobre a mesma

questão jurídica, tendo em vista que os critérios empregados para a solução da

questão deverão ser transformados em regra geral para semelhantes situações

fáticas.

A causa submetida ao órgão responsável pelo julgamento do incidente

também será julgada?

O parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil prevê que “O

órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará

igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência

originária de onde se originou o incidente”.

A simples leitura do dispositivo leva à conclusão de que o incidente de

resolução de demandas repetitivas também julga a causa e não apenas fixa a

483 FUX, Luiz. O novo processo civil. In: ______ (Coord.). O novo processo civil brasileiro (direito em expectativa): reflexões acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 23-24. 484 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 539.

171

tese. A redação do dispositivo, em sua interpretação isolada (diria Eros Grau,

“não se interpreta o direito em tiras”),485 leva a crer que, de fato, o órgão do

tribunal julgará o incidente e também a causa.486

O entendimento, data venia, não parece acertado. O parágrafo único do

art. 978 do Código de Processo Civil é formalmente inconstitucional, pois não foi

aprovado nem no Senado Federal em sua 1.ª tramitação em 2010 nem na

Câmara dos Deputados. O dispositivo simplesmente “surgiu” quando o projeto de

lei retornou ao Senado Federal para apreciação das alterações feitas pela

Câmara dos Deputados no tocante ao projeto aprovado anteriormente pelo

Senado, não para alteração ou inovação.487

485 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. XVIII. 486 Esse é o entendimento de Alexandre Freitas Câmara, nos termos: “Este órgão colegiado, competente para fixar o padrão decisório através do IRDR, não se limitará a estabelecer a tese. A ele competirá, também, julgar o caso concreto (recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal), nos termos do art. 978, parágrafo único” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 475). Era também o pensamento de Antonio do Passo Cabral externado na 1.a edição dos Comentários ao novo Código de Processo Civil: “[...] após a inserção pelo Senado Federal do art. 978, parágrafo único, o incidente de resolução de demandas repetitivas será, via de regra, uma causa-piloto. O novo CPC é claro em afirmar que o tribunal, ao julgar o incidente, decidirá também o processo originário (recurso, remessa necessária ou causa de competência originária) [...] A opção pelo parâmetro do processo-teste ou causa-piloto, fazendo com que o tribunal julgue o caso, faz com que a cognição no IRDR seja empreendida à luz de direitos subjetivos concretos, postulados pelas partes em juízo” (CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 978. In: ______; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1418.). 487 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, que desde a tramitação do projeto tem chamado a atenção da doutrina e da sociedade a respeitos dos limites constitucionais para a atuação (e alteração) do Legislativo, é expresso: “O que ocorre, no entanto, é que o parágrafo único do art. 978, ao fazer escolha expressa sobre a controvérsia – e não há razão para colocar em dúvida as boas razões que a justificaram – violou o devido processo legislativo. Trata-se de regra que, por não ter correspondência com o Projeto aprovado pelo Senado Federal nem com o Projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, viola o parágrafo único do art. 65 da CF. Deve, consequentemente, ser considerado inconstitucional formalmente” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 645-646; BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1069-1070). Antonio do Passo Cabral, por sua vez, alterou seu entendimento na 2.a edição dos Comentários ao novo Código de Processo Civil: “2. Inconstitucionalidade formal do dispositivo do parágrafo único do art. 978. O parágrafo único do art. 978, com todas as vênias, corresponde a um grande equívoco do processo legislativo. É que esse dispositivo foi incluído no novo CPC quando o projeto retornou ao Senado Federal no final de 2014. A norma não constava do projeto aprovado no Senado em 2010, tampouco na versão aprovada na Câmara dos Deputados em 2014. Nessas condições, o parágrafo único do art. 978 só poderia ser compreendido como constitucional se se tratasse das chamadas ‘emendas de redação’, i.e., mudanças estilísticas com finalidade de aperfeiçoamento gramatical e sintático, mas sem alteração de conteúdo. Não é o caso. Até a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, o projeto desenhava o IRDR de maneira que o órgão julgador só decidisse a questão comum (procedimento-modelo). Só havia referência (art. 988, § 2.º, do Projeto da Câmara) à necessidade de que a causa estivesse pendente no tribunal

172

Portanto, o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas

apenas fixa a tese sobre a questão unicamente de direito, sem adentrar na

apreciação do conflito. Há um fracionamento, em termos práticos, na cognição e

no julgamento da causa, pois compete ao tribunal a fixação da tese jurídica a ser

aplicada em determinada controvérsia a respeito de uma determinada

circunstância fática, sem julgar a demanda que deu origem à instauração do

incidente e ao juízo originário a sua aplicação no caso concreto.488

(para evitar, como vimos, o incidente de natureza preventiva). Tanto no texto primitivo do Senado (art. 938 do Projeto de Lei do Senado 166/2010) quanto naquele aprovado na Câmara dos Deputados (art. 995 do Substitutivo 8.046/2010), os projetos diziam que o tribunal julgador do IRDR apreciaria a questão comum, mas não o caso concreto. A partir da inserção do parágrafo único ao art. 978, o órgão julgador do IRDR passou a julgar simultaneamente a tese jurídica e o recurso, remessa necessária ou a causa de competência originária (causa-piloto). Então, em nosso sentir, a disposição altera substancialmente o conteúdo, mudando a espécie e a técnica de solução de casos repetitivos, e assim não poderia ter sido inserida no momento em que, retornando o projeto da Câmara dos Deputados, cabia ao Senado Federal tão somente suprimir o instituto ou optar por uma das redações já aprovadas (ou a anterior do próprio Senado; ou aquela da Câmara). Naquele estágio, o Senado Federal não podia inovar. Tendo-o feito, violou o devido processo legislativo, causando inconstitucionalidade formal do dispositivo do parágrafo único do art. 978. Aliás, cabe frisar que cada vez mais têm sido frequentes essas inserções de dispositivos que evidentemente mudam o conteúdo das normas sob o rótulo de ‘emendas de redação’. Trata-se de clara burla ao processo legislativo, uma prática que tem que ser veementemente barrada pelo Supremo Tribunal Federal antes que se torne corriqueira em nossa praxis legiferante” (CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 978. In: ______; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1447. Destaques no original). 488 Cassio Scarpinella Bueno: “a aplicação da tese jurídica deve ser feita pelos juízos de origem, perante os quais tramitam os ‘casos repetitivos’ que ensejaram a instauração do Incidente” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 645-646; BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1069-1070). São as lições de Teresa Arruda Alvim e de Bruno Dantas: “Em termos práticos, o IRDR funciona como fracionamento na cognição e no julgamento da causa. Ao tribunal compete a fixação da tese em abstrato, e ao juízo originário a sua aplicação ao caso concreto. É importante observar que a fixação da tese contém não apenas cognição da quaestio iuris, mas também decisão, o que todavia não significa julgamento da lide subjacente” (DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 541). Guilherme Peres de Oliveira, durante a tramitação do projeto de lei, pugnava por esse entendimento: “o incidente deve ser encarado como incidente objetivo e cujo escopo é o de definir a tese jurídica em abstrato, sem julgar o caso concreto em que fora suscitado (e, ademais, todos os que versem questão idêntica), será julgado de acordo com suas peculiaridades, porém sem contrariar o posicionamento jurídico já delimitado no incidente” (OLIVEIRA, Guilherme Peres. Incidente de resolução de demandas repetitivas – uma proposta de interpretação de seu procedimento. In: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; DANTAS, Bruno; DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; FUX, Luiz; MEDINA, José Miguel Garcia; NUNES, Dierle; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 2, p. 670). No mesmo sentido é o entendimento de Sofia Temer, externado na versão comercial de sua dissertação de mestrado: “Adotamos a posição segundo a qual o incidente de resolução de demandas repetitivas apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será

173

Assim, a decisão proferida terá efeito vinculante perante todos os juízes e

órgãos fracionários do próprio tribunal que fixou a tese, quando se depararem

com a mesma controvérsia fática.

3.4.5 Tese jurídica fixada em incidente de assunção de competência

A teor do disposto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, as

decisões tomadas pelos Tribunais em sede de julgamento de incidente de

assunção de competência489 constituem precedentes e devem ser observadas

pelo próprio tribunal que fixar a tese e pelos juízes vinculados a ele.

O incidente de assunção de competência, previsto anteriormente no § 1.º

do art. 555 do Código de Processo Civil de 1973, incluído pela Lei 10.352/2001,

foi aprimorado pelo Código de Processo Civil de 2015 em seu art. 947 e consiste posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram como substrato para a formação do incidente, como nos demais casos pendentes e futuros. Entendemos, portanto, que no incidente não haverá julgamento de ‘causa-piloto’, mas que será formado um ‘procedimento-modelo’. E essa posição decorre, principalmente, dos seguintes fundamentos: a) no IRDR apenas há a resolução de questões de direito, o que limita a cognição e impede o julgamento da ‘demanda’; b) a desistência do que seria a ‘causa-piloto’ não impede o prosseguimento do incidente, que tramita independentemente de um conflito subjetivo subjacente, corroborando seu caráter objetivo; c) a natureza objetiva parece ser mais adequada, em termos da sistemática processual, para que seja possível aplicar a tese às demandas fundadas na mesma questão, além de viabilizar a construção de outras categorias que permitam justificar a ampliação do debate e da participação dos sujeitos processuais” (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 68-69). Em sua tese de titularidade defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde leciona, Aluisio Gonçalves Castro Mendes externou o mesmo entendimento: “Nesse sentido, cabe aqui reiterar os fundamentos anteriormente expostos, quanto ao objeto do julgamento, a ser realizado pelo órgão definido no regimento interno, que deve se limitar ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, não se prolongando sobre o caso concreto, que deverá ser examinado, em regra, pelo juízo natural de primeiro grau ou pelo respectivo órgão fracionário do tribunal. Mesmo se, por alguma razão, o processo dependente do IRDR estiver em tramitação no tribunal e, segundo o regimento interno, o órgão interno for o mesmo, para o julgamento do incidente e da causa originária ou do recurso, ainda assim não se deve confundir o julgamento de ambos. Reafirmando-se aqui, naturalmente, tudo o que já foi dito quanto à inconstitucionalidade formal e material do parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil (MENDES, Aluisio Gonçalves Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 197-198). Em comentários em coautoria, Aluisio Gonçalves Castro Mendes e Sofia Temer reiteram o posicionamento externado por ambos individualmente: MENDES, Aluisio Gonçalves Castro; TEMER, Sofia. Comentários ao art. 978. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1319. Em maior profundidade: MENDES, Aluisio Gonçalves Castro; TEMER, Sofia. Comentários ao art. 978. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: 2017. v. 4, p. 201-205. 489 Sobre o tema: MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre o incidente de assunção de competência, Revista de Processo, v. 260, p. 233-256, out. 2016.

174

em uma técnica de julgamento que permite ao Tribunal fixar uma tese jurídica

com efeito vinculante aos casos semelhantes, presentes e futuros, em relação a

determinada circunstância fática, a partir da apreciação de um caso concreto

envolvendo relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem

múltiplos processos e com interesse público na fixação da tese para prevenir ou

compor (e, por consequência, uniformizar) divergência jurisprudencial entre

câmaras ou turmas.490

Ao prever como requisito o envolvimento de “relevante questão de

direito”, o dispositivo não admite a instauração do incidente em caso de matéria

eminentemente fática.491

Em contrapartida, ao dispensar a existência de demandas repetitivas, pois

regulamenta que será instaurado em relevante questão de direito “sem repetição

em múltiplos processos”, a intenção foi viabilizar a uniformização de

jurisprudência nos casos em que não seria cabível a instauração do incidente de

resolução de demandas repetitivas, ou seja, não ligados a litígios de massa. Por

isso, ganha destaque o seu caráter preventivo.492

O incidente pode ser instaurado em sede de recurso, de remessa

necessária ou de processo de competência originária, ex officio pelo relator, a

490 “CAPÍTULO III – DO INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos. § 1.º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar. § 2.º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência. § 3.º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese. § 4.º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.” 491 FREIRE, Alexandre; SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Comentários ao art. 947. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1265. 492 FREIRE FREIRE, Alexandre; SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Comentários ao art. 947. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1265-1266.

175

pedido da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, e o caso será

julgado pelo órgão colegiado indicado pelo regimento interno do tribunal.

Perceba que o órgão de cúpula do tribunal, indicado pelo regimento

interno, julgará não só o incidente, como também o caso no qual o incidente foi

instaurado.493

A decisão proferida terá efeito vinculante perante todos os juízes e órgãos

fracionários, seja pelo disposto no § 3.º do art. 947 do Código de Processo Civil,

seja pelo disposto no inciso III do art. 927, exceto em caso de revisão da tese

firmada.

3.4.6 Enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional e enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal em

matéria constitucional

O art. 927, IV, do Código de Processo Civil estabelece que “Os juízes e

os tribunais observarão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal

em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional”.

O histórico das súmulas já foi abordado em item anterior sobre

enunciados de súmula. As finalidades iniciais de sua criação foram “proporcionar

maior estabilidade à jurisprudência” e “facilitar o trabalho dos advogados e do

Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes” 494 em casos

493 MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre o incidente de assunção de competência. Revista de Processo, v. 260, p. 233-256, out. 2016; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 615; DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 555. 494 Nas palavras de Victor Nunes Leal: “Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição oficial da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda ao Regimento [...] atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’, como fossem: ‘negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer do recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvado o procedimento de revisão da própria Súmula’. Mais que isso, poderia o relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultado à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 8, jul.-set. 1981).

176

posteriores que versassem sobre a mesma matéria, a partir de enunciados

sintéticos, claros e precisos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,

posteriormente extensível aos demais tribunais.

A previsão do inciso IV do art. 927, IV, do Código de Processo Civil não

se refere às anteriormente denominadas súmulas persuasivas, em um

contraponto com as súmulas vinculantes.

As súmulas eram assim denominadas – persuasivas – pois prevalecia o

entendimento de que elas somente orientavam os trabalhos dos magistrados, em

uma tentativa de persuadi-los ou de convencê-los da tese jurídica por elas

enunciados.495

Mesmo sendo essa a opinião predominante, impende registrar, no

entanto, que José Joaquim Calmon de Passos já entendia que tais enunciados de

súmulas teriam eficácia vinculante, independentemente de expressa previsão

legal, nesses termos: Coisa bem diversa ocorre, a meu ver, quando se trata de decisão tomada pelo tribunal superior em sua plenitude e com vistas à fixação de um entendimento que balize seus próprios julgamentos. O tribunal se impõe diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca, também, para os julgadores de instâncias inferiores. Aqui a força vinculante dessa decisão é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos tribunais superiores justamente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que elas se revistam – súmulas, súmulas vinculantes, jurisprudência predominante ou o que for – obrigam. Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com elas, uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa. Nem se sobrepõe a lei, nem restringem o poder de interpretar o direito e valorar os fatos atribuídos aos magistrados inferiores, em cada

495 Por todos, Arruda Alvim e Rodolfo de Camargo Mancuso: “As súmulas persuasivas representaram o resultado linguístico de jurisprudência dominante e no enunciado dessas súmulas consta a síntese do resultado dessas decisões, com descarte de peculiaridades que não interessam à essência da descrição normal, ou de parte dela, retratada no enunciado sumular, que deve ser o descritor de uma situação geral, em linguagem análoga à da lei. [...]. E esse enunciado, a seu turno, virá proporcionar que dele se deduza, similarmente ao que faria se de lei se tratasse, a solução. Valerá como uma premissa maior” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Súmula e súmula vinculante. Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 1149); “[...] é lícito, pois, falar-se em súmulas persuasivas ou não vinculantes, porque se destinam a influir na convicção do julgador, convidando-o ou induzindo-o a perfilhar o entendimento assentado, seja pelo fato de aí se conter o extrato do entendimento prevalecente, seja pela virtual inutilidade da resistência, já que o Tribunal ad quem tenderá, naturalmente, a prestigiar sua própria súmula, quando instado a decidir recurso que sustente tese diversa” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 430).

177

caso concreto, apenas firmam um entendimento da norma, enquanto regra abstrata, que obriga a todos em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisa proporcionar aos que convivem no grupo social, como o fazem as normas de caráter geral positivadas pela função legislativa.496

A discussão a respeito da vinculatividade das súmulas – ditas

persuasivas, não das denominadas pela Constituição de súmula vinculante –

retorna com força com a aprovação do Código de Processo Civil de 2015.

Uma primeira observação importante a ser feita é que o art. 927, IV, do

Código de Processo Civil estabelece que são obrigatórios os enunciados de

súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e os enunciados

de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.497 Logo,

os enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria

infraconstitucional não são vinculantes, da mesma forma que também não são os

enunciados de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria constitucional.

O esclarecimento é pertinente porque até 1988 o Supremo Tribunal

Federal era guardião do direito federal – seja constitucional, seja

infraconstitucional –, e não apenas do direito constitucional. Por esse motivo, há

diversos enunciados do Supremo Tribunal Federal veiculando matéria

infraconstitucional. Esses enunciados (do Supremo Tribunal Federal sobre

matéria infraconstitucional) continuarão com eficácia persuasiva, da mesma forma

que os enunciados do Superior Tribunal de Justiça sobre matéria

constitucional.498

496 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Súmula vinculante. Revista do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, Brasília, TRF 1.ª Região, v. 9, n. 1, p. 163, jan.-mar. 1997. Teresa Arruda Alvim compartilha do mesmo entendimento, conforme se extrai de escrito posterior no qual concorda com o professor da Universidade Federal da Bahia: “Calmon de Passos, todavia, entende (e com razão!) que mesmo antes da adoção da súmula vinculante pelo direito positivo a jurisprudência dos tribunais superiores já vincula” (Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, São Paulo, ano 34, n. 172, p. 163, jun. 2009). 497 Lenio Luiz Streck e Georges Abboud entendem ser essa inconstitucional essa previsão em específico (STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 926. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1243-1244). 498 Zulmar Duarte de Oliveira Jr. chama de enunciados qualificados os enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal que versam sobre direito infraconstitucional e os enunciados de súmula do Superior Tribunal de Justiça que veiculam matéria constitucional. A adjetivação é inspirada no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conforme a Emenda Regimental 26, de 13 de dezmebro de 2016, que denomina os seus provimentos vinculantes de precedentes qualificados (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE,

178

E mais. A parte do dispositivo que trata da vinculação dos enunciados do

Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional deve ser interpretada

conforme à Constituição para ler apenas as matérias infraconstitucionais federais,

e não as estaduais ou municipais, pois extrapolaria a competência constitucional

do Superior Tribunal de Justiça, que é guardião da lei federal infraconstitucional

(art. 105, III, Constituição).499

Entretanto, o que torna o enunciado vinculante não é o seu texto puro,

simples e isoladamente, e sim o seu texto em sintonia com as circunstâncias

fáticas e as razões de decidir dos precedentes que lhe deram origem. 500 A

vinculação dos enunciados de súmula devem ter correspondência com o contexto

fático e com a solução jurídica adotada pelos precedentes judiciais que

antecederam a sua edição.

O § 1.º do art. 926 do Código de Processo Civil estabelece aos tribunais o

dever de editar enunciados de súmula correspondente a sua jurisprudência e o § 2.º do art. 926 do Código de Processo Civil deixa claro que a interpretação e a

aplicação dos enunciados de súmula em casos futuros devem se ater às

circunstâncias fáticas dos julgados precedentes que motivaram sua criação. Em

outras palavras, os enunciados de súmula não podem ser interpretados e

aplicados de forma separada das circunstâncias fáticas ocorridas nos André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 595-596). 499 O ponto não passou em branco pela doutrina: “Súmula do STJ em matéria federal. De acordo com a CF 105 III, o STJ tem a importante função, entre outras, de a) uniformizar o entendimento da lei federal no País e b) velar pelo respeito e autoridade da lei federal no País. Não tem competência constitucional para dispor sobre o respeito às leis estadual, distrital ou municipal, que também são dispositivos legais infraconstitucionais. Incorreto e atécnico o texto ora comentado, que dispõe sobre a vinculação dos juízes e tribunais à súmula do STJ em matéria infraconstitucional. A parte final do dispositivo comentado deve receber interpretação conforme a CF, razão pela qual deve ser lido como fazendo referência à súmula do STJ em matéria de lei federal” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1841. Sem os destaques do original); “O inciso IV indica que formam precedentes vinculantes os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional federal. É muito importante o acréscimo da menção à legislação federal. Na verdade, a função do STJ é dar interpretação uniforme à lei federal (MARINONI, 2013a, p. 120-122; PEREIRA, 2014), pois, rigorosamente, em matéria regulada no âmbito dos Estados, serão os tribunais de justiça que fixarão o precedente e terão a última palavra, salvo inconstitucionalidade ou conflito com a lei federal”. (ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1329). 500 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 196.

179

precedentes que deram origem à sua formação.501 “Observar tais enunciados [de

súmula] é observar a ratio decidendi dos precedentes que os originaram.”502

O inciso V do § 1.º do art. 489 do Código de Processo Civil é feliz nesse

sentido ao prever que a decisão judicial, qualquer seja ela, não se considera

fundamentada “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem

identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob

julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

Os enunciados de súmula não podem (mais) ser entendidos como textos

gerais e abstratos, pois têm a finalidade de revelar a jurisprudência do tribunal em

um mesmo e determinado sentido, facilitando a compreensão e o trabalho dos

profissionais do direito. Ou seja, os enunciados revelam de forma sintética, clara e

precisa a interpretação do tribunal de determinado(s) dispositivo(s) de lei à luz dos

fatos das causas precedentes e do ordenamento jurídico.

Além disso, para deixar de seguir enunciado de súmula, o juiz deverá

identificar a existência de distinção fática (e, por consequência, jurídica) no caso

em julgamento ou a superação do entendimento com base em fatos semelhantes

(art. 489, VI, Código de Processo Civil). Em ambas as hipóteses – tanto para a

distinção quanto para superação – far-se-á necessária a análise dos aspectos

fáticos dos precedentes em cotejo com os fatos da causa sob julgamento.

Isso faz com que não se tenham dúvidas de que os enunciados de

súmula necessitem de interpretação para serem aplicados ao caso concreto.

Por fim, mas não menos importante, resta saber se somente os novos

enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e

501 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1316); ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 351; STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 926 e ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1219 e 1243; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 926. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1124; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 596; MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 3336-337. 502 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 464.

180

de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional são

vinculantes ou se também são os editados anteriormente ao Código de Processo

Civil de 2015.

A resposta compatível com a segurança jurídica, com a adequação de

sua edição no julgamento de casos pelos tribunais e com o princípio do

contraditório é a de que apenas as novas súmulas, ou seja, posteriores ao Código

de Processo Civil de 2015, possuem eficácia vinculante.503

Para corroborar o entendimento exposto supra, é importante destacar a

tese de doutoramento de Alexandre Freitas Câmara na qual defende que o que

constitucionalmente legitima a vinculatividade do art. 927 do Código de Processo

Civil é a amplitude (qualificada) subjetiva do contraditório na formação de

precedentes. Em síntese, a conclusão principal é que a eficácia vinculante de alguns padrões decisórios é legitimada, no ordenamento jurídico brasileiro, pelo devido processo constitucional. Só o absoluto respeito ao modelo constitucional de processo, especialmente com uma releitura do princípio constitucional do contraditório (que, nos procedimentos de construção e aplicação desses padrões vinculantes precisa ser compreendido de forma subjetivamente ampliada, a fim de garantir a participação de toda a sociedade na construção de seus resultados), e com a fixação de um especial método de deliberação para formar ou superar padrões decisórios, diferente da que se emprega nos processos que versam sobre interesses meramente individuais, é que se poderá admitir que enunciados de súmula vinculante, decisões proferidas pelo STF no julgamento dos processos de controle direto da constitucionalidade, julgamentos de casos repetitivos e do incidente de assunção de competência, possam, respeitado o princípio democrático, vincular futuras decisões.504

Ademais, como inexistia no procedimento de criação de enunciados de

súmula o dever de correspondência com a situação fática e a solução jurídica

apresentada nos julgamentos precedentes e inspiradores sua edição, há diversos

enunciados que fixam teses jurídicas em sentido contrário à solução normativa

concedida por seus precedentes. Leonardo Greco, por exemplo, chama atenção

503 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 196; PEIXOTO, Paulo Henrique Ledo. Da eficácia vinculante das súmulas persuasivas. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/da-eficacia-vinculante-das-sumulas-persuasivas-05052017>. Acesso em: 19 dez. 2017. 504 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério: formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmula. São Paulo: Atlas, 2017. p. 351.

181

para o fato de os Enunciados 622, 625 e 626 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal não guardarem correspondência com seus acórdãos paradigmas.505

Logo, apenas os novos enunciados da súmula do Supremo Tribunal

Federal em matéria constitucional e da súmula do Superior Tribunal de Justiça em

matéria infraconstitucional federal que tiverem suas propostas de edição

formuladas e aprovadas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil é

que terão eficácia vinculante.

3.4.7 Decisão dos órgãos de cúpula dos tribunais

Por fim, o inciso V do art. 927 do Código de Processo Civil estabelece que

é vinculante a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem

vinculados os juízes ou tribunais.

Em outras palavras, as decisões dos órgãos de maior envergadura na

estrutura dos tribunais locais possuem eficácia vinculante em relação aos órgãos

fracionários do próprio tribunal e também e aos juízes a eles vinculados.506

Como lecionam Lenio Luiz Streck e Georges Abboud, “a vinculação dos

órgãos fracionários ao entendimento do órgão especial/pleno assegura isonomia

e integridade nas decisões dos Tribunais, uma vez que evita entendimento

dissonante entre seções, câmara ou turmas”.507

Por consequência lógica do dispositivo, se o plenário ou órgão especial

dos tribunais locais aprovarem enunciados de súmula do próprio tribunal, tais

enunciados, analisados em sintonia com as circunstâncias fáticas e a

consequência jurídica dos precedentes que lhes deram origem, terão efeito

505 GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 10, p. p.44-54, 2004. 506 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 596. 507 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1244.

182

vinculante relativamente aos juízes e aos demais órgãos fracionários vinculados

ao respectivo tribunal.508

508 PEIXOTO, Paulo Henrique Ledo. Da eficácia vinculante das súmulas persuasivas. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/da-eficacia-vinculante-das-sumulas-persuasivas-05052017>. Acesso em: 19 dez. 2017.

183

4 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO A PRECEDENTE

No Capítulo 1 analisou-se que a legalidade, a isonomia e a segurança

jurídica, tanto na vertente da previsibilidade da atuação estatal quanto na

estabilização de relação jurídica, são pilares de sustentação do Estado de Direito.

No Capítulo 2, examinou-se o cabimento de ação rescisória no direito

brasileiro para a desconstituição da coisa julgada e a rescisão de decisão judicial,

nas excepcionais hipóteses previstas no ordenamento jurídico, como é o caso, no

Brasil, de violação manifesta à norma jurídica. Estudou-se também o significado

contemporâneo de norma jurídica.

Por sua vez, no Capítulo 3, concluiu-se que o Código de Processo Civil de

2015 atribui eficácia normativa aos precedentes estabelecidos por ele em seu art.

927, podendo ser considerados “normas jurídicas”.

O inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil de 1973, que previa

como hipótese de rescindibilidade a decisão proferida em “violação a literal

disposição de lei”, foi substituído pelo inciso V do art. 966 do Código de Processo

Civil de 2015, que passou a prever o cabimento de ação rescisória quando a

decisão “violar manifestamente norma jurídica”.

Agora, é o momento de analisar o cabimento de ação rescisória por

violação aos precedentes estabelecidos pelo art. 927 do Código de Processo

Civil.509

4.1 O entendimento antigo sobre o não cabimento de ação rescisória por violação

a enunciado de súmula

Após a criação dos enunciados de súmula de jurisprudência

predominante do Supremo Tribunal Federal em 1963, era comum o entendimento 509 Sobre precedentes judiciais como fonte de direito: ZACCARIA, Giuseppe. La giurisprudenza come fonte di diritto: un’evoluzione storica e teórica. Napoli: Editoriale Scientifica, 2007; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004.

184

de que a violação à literal disposição de lei não abrangia violação a texto de

enunciado de súmula, tanto no período de vigência do Código de Processo Civil

de 1939 quanto do Código de Processo Civil de 1973, por inexistir previsão

legal.510-511

Com a instituição da súmula vinculante no Brasil, via Emenda

Constitucional 45/2004, prevaleceu também, no mesmo sentido, o entendimento

jurisprudencial pela impossibilidade de rescisão de decisão judicial e

desconstituição de coisa julgada por violação do enunciado de súmula

vinculante.512-513

510 Por todos: “Ação rescisória. Registro ‘torrens’. O prazo de decadência só começa a fluir do trânsito em julgado dos embargos de divergência que versaram a matéria atacada na ação rescisória, ainda quando eles não sejam conhecidos. Improcedência das alegações de violação literal do artigo 75 e par-1., do Decreto 451-B, de 1890, e do artigo 281 do Decreto 4.857/39. Contrariedade a Súmula 279 do STF não é fundamento para a propositura de ação rescisória com base no inciso V do artigo 485 do CPC. Ação rescisória que se julga improcedente” (BRASIL. STF, Pleno, Ação Rescisória 1049/GO, Rel. Min. Moreira Alves, j. 09.02.1983). 511 “Não trata a hipótese de rescisão por decisão injusta ou exame inadequado das provas, como também se a decisão deu adequada interpretação à norma ainda que não seja predominante, ou divirja da jurisprudência ou súmula, também não cabe ação rescisória. A hipótese exige afronta direta a lei material como a lei processual, deverá o autor demonstrar que a sentença rescindenda violou a lei de forma direta e incontroversa, não se trata de questionar a interpretação dada pelo julgado” (SHIMURA, Sérgio; ALVAREZ, Anselmo Prieto; SILVA, Nelson Finotti. Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 401). 512 BRASIL. STJ, 3.ª Seção, Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 28.11.2012. Publicação em 26.04.2013. 513 Flávio Luiz Yarshell entendia não ser cabível a ação rescisória por violação a enunciado de súmula (persuasiva ou vinculante) por não ser, em seu modo de ver, fonte de direito: “A propósito, a súmula – entendida como cristalização de determinado entendimento jurisprudencial – não comporta, por si só, ação rescisória [...]; não propriamente porque ‘não é lei’ (o que resulta óbvio), mas porque ela não é, no sistema brasileiro, fonte do direito (diferentemente dos demais casos examinados). A esse propósito, mesmo que a súmula venha a se qualificar como ‘vinculante’ (por exemplo, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 45, de 8.12.2004), ainda assim não haverá sentido em se falar em ação rescisória contra decisão que tiver violado a respectiva literalidade. O que caberá, eventualmente, é a ação rescisória pela violação à regra jurídica a propósito da qual tenha sido editada a súmula – oque parece coisa bastante diversa” (YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 324, nota 79). Adriane Donadel observou à época que: “Para a doutrina e jurisprudência dominantes, o vocábulo ‘lei’ não abrange as súmulas e enunciados dos tribunais” (DONADEL, Adriane. A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 142). Esse também era o entendimento de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha: “Cumpre, a propósito, observar que não cabe ação rescisória por violação a um enunciado de súmula de tribunal, ainda que se trate de súmula vinculante. Na verdade, cabe a ação rescisória por violação à norma representada pelo enunciado da súmula. O enunciado da súmula divulga, resume e consolida uma interpretação dada a um dispositivo legal ou constitucional. E é essa interpretação que constitui a norma jurídica, e não o texto constante da letra do dispositivo. Se, por exemplo, um enunciado da súmula vinculante do STF confere determinada interpretação ao dispositivo contido no art. x da Constituição Federal, o julgado que tenha decidido diferente terá violado a norma extraída do art. x da Constituição Federal. O que restou violado foi a norma daí extraída. Na ação rescisória, indica-se que a

185

Em contrapartida, a doutrina começou a manifestar-se a respeito do

cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula vinculante.

É o caso de Alexandre Freitas Câmara, em obra específica sobre o

cabimento de ação rescisória por violação do direito em tese: Ora, parece óbvio que ao ofender enunciado de súmula vinculante, terá o provimento judicial ofendido a própria norma jurídica cuja validade, interpretação ou eficácia tenha sido determinada pelo enunciado. Assim, não pode haver qualquer dúvida acerca da rescindibilidade do provimento judicial neste caso.

Subsequentemente, entretanto, o autor ressaltou que no tocante ao

enunciado de súmula não vinculante não será cabível ação rescisória: “No caso

de se tratar de enunciado de súmula não vinculante, porém, permanece válido o

entendimento que sempre se sustentou, no sentido de que não é rescindível o

provimento judicial que lhe contraria”.514

O mesmo entendimento, tanto em relação à súmula vinculante quanto à

súmula não vinculante, é exarado por Bernardo Pimentel Souza: Quanto aos enunciados das súmulas dos tribunais, apenas os da Corte Suprema, desde que aprovados após o disposto na Emenda Constitucional n. 45, de 2004, porquanto o artigo 103-A da Constituição Federal consagrou o “efeito vinculante”. Como os enunciados da Súmula do Supremo Tribunal aprovados à luz do artigo 103-A da Constituição Federal têm verdadeiro conteúdo normativo, em razão da combinação do caráter genérico com o abstrato e o obrigatório, o desrespeito a verbete vinculante enseja ação rescisória da decisão contrária transitada em julgado. Em contraposição, os enunciados dos demais tribunais pátrios e os verbetes da Súmula do Supremo Tribunal Federal aprovados antes da Emenda n. 45 não autorizam ação rescisória, porquanto não têm natureza normativa. Daí a regra: no mais das vezes, a ofensa a enunciado de súmula de tribunal não enseja ação rescisória, pois os verbetes sumulares geralmente não têm força normativa no direito brasileiro.515

Na mesma linha, Marcos Paulo Passoni manifesta pelo cabimento de

ação rescisória por violação aos enunciados de súmula vinculante, mas não aos

enunciados de súmula persuasiva:

violação foi ao art. x da Constituição Federal” (DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3, p. 379). 514 CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 57. 515 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 844.

186

As súmulas vinculantes, pelo que se extrai do texto legal supratranscrito, passam a ter o poder de restringir e amoldar decisões futuras. Deixam de ser orientações jurisprudenciais, para o caso concreto, com caráter facultativo, para se tornarem de aplicabilidade obrigatória, vinculante, verdadeira cristalização vinculante da jurisprudência, a ser respeitada pelo Poder Judiciário e entre outros órgãos. [...] À face do exposto, salvo melhor juízo, concluímos que, se de um lado, não cabe ação rescisória com estofo em violação literal à súmula, entrementes, por outro lado, afigura-se possível afirmar que cabe ação rescisória com fundamento em violação literal à proposição de súmula vinculante.516

Ronaldo Cramer, em interpretação mais restritiva, entendia que, caso a

súmula vinculante criasse uma norma jurídica sem amparo em disposição de lei,

seria forçoso admitir o cabimento de ação rescisória por violação à súmula

vinculante: Se contraria uma súmula vinculante, a sentença está, na verdade, violando o dispositivo legal que foi interpretado pela súmula. [...] Assim, não cabe falar em ação rescisória contra a súmula vinculante, mas, sim, contra o dispositivo legal, na forma como foi interpretado pela súmula vinculante. [...] Caso, entretanto, por qualquer razão, a súmula vinculante, a pretexto de interpretar um determinado dispositivo legal, criar uma norma que não encontra amparo em nenhum dispositivo legal, forçoso reconhecer que, nesse caso, deverá caber ação rescisória contra a sentença que transgredir essa súmula.517

Mais recentemente, ainda à luz do Código de Processo Civil de 1973,

parcela da doutrina começou a pugnar também pelo cabimento de ação rescisória

por violação a enunciado de súmula persuasiva.

Nesse sentido, Thais Matallo Cordeiro Gomes, em dissertação de

mestrado apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

defendeu a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento na

violação de súmula, seja ela vinculante ou persuasiva: [...] entendemos que, via de regra, a própria súmula servirá de fundamento para o ajuizamento ação rescisória. Isso porque, como demonstrado no Capítulo 02, a edição da súmula trata-se de atividade criativa do juiz que, diante de uma determinada

516 PASSONI, Marcos Paulo. Sobre o cabimento da ação rescisória com fundamento em violação à literal proposição de súmula vinculante. Revista de Processo, v. 171, p. 242-248, maio 2009. 517 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 211.

187

situação, apresenta a melhor solução jurídica para o caso. Essa atividade interpretativa do juiz passa a integrar o sistema jurídico como norma jurídica.518

Portanto, durante a vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de

1973, após a instituição dos enunciados de súmula de jurisprudência

predominante do Supremo Tribunal Federal em 1963, o entendimento prevalente

era no sentido do não cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de

súmula persuasiva. Em relação aos enunciados de súmula vinculante, a questão

dividiu a doutrina e a jurisprudência, tendo ganhado força na doutrina o cabimento

de ação rescisória por violação a enunciado de súmula vinculante. Mais

recentemente, ainda que minoritariamente, surgiu o entendimento a respeito do

cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula persuasiva.

4.2 Ação rescisória por violação a precedente

Hoje, o art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece a

possibilidade de rescisão de decisão judicial, transitada em julgado, quando violar

manifestamente a norma jurídica: “Art. 966. A decisão de mérito, transitada em

julgado, pode ser rescindida quando: [...] V – violar manifestamente norma

jurídica”.

A Lei 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, que alterou o Código de

Processo Civil alguns dias antes de ele entrar em vigor, acrescentou os §§ 5.º e

6.º ao art. 966 para constar expressamente a possibilidade de desconstituição da

coisa julgada e de rescisão de decisão judicial contrária a precedente, nesses

termos: § 5.º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. § 6.º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5.º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia,

518 GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 134-135.

188

demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

Os dispositivos supramencionados denotam a ocorrência de mudança de

paradigma sobre a rescindibilidade de decisões judiciais com fundamento em

violação a precedente.

A norma jurídica é o resultado da interpretação das fontes de direito, em

especial da lei à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e

do preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do

caso concreto. Quando se diz que uma norma jurídica foi violada, o que se quer

dizer é que a interpretação dada às fontes do direito à luz do caso concreto foi

violada.519

O art. 927 do Código de Processo Civil de 2015 instituiu um rol de

precedentes que vinculam os juízes e os tribunais ao julgarem casos semelhantes

aos que originam a formação de decisões do Supremo Tribunal Federal em

controle concentrado de constitucionalidade, de enunciados de súmula vinculante;

de acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial

repetitivos; de enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e

de orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

As interpretações que fixaram teses jurídicas à luz de determinados fatos em

determinado momento histórico são fontes do direito que devem ser observadas

pelos juízes e tribunais em julgamentos de casos semelhantes.

Assim, a partir do conceito contemporâneo de norma jurídica é possível

concluir pelo cabimento da ação rescisória por violação a precedente judicial

519 “A expressão ‘norma jurídica’, também constante no inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil/2015, relaciona-se ao método hermenêutico da concreção, onde é assente a distinção entre texto (enunciado legal) e norma (resultado da atividade hermenêutica). [...] As normas jurídicas não são textos de lei, nem o conjunto deles, e sim os sentidos construídos a partir da conformação constitucional da interpretação sistemática dos textos legais, dos valores dominantes na sociedade e da interação com os fatos. Os dispositivos de lei constituem-se no objeto da atividade hermenêutica e as normas, em seu resultado. A atividade do intérprete, seja ele julgador ou cientista, não se restringe a desentranhar ou descrever o significado previamente existente dos dispositivos legais. Sua atividade consiste em construir esses significados” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1192-1193).

189

estabelecido pelo art. 927 do Código de Processo Civil, inclusive em relação aos

enunciados de súmula vinculante e de súmula persuasiva do Supremo Tribunal

Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional, quando a norma jurídica construída para decidir determinado

caso concreto for diferente da norma jurídica utilizada para julgar casos

semelhantes que constituem precedentes.520 Há violação à norma jurídica quando

520 A esse respeito, Cassio Scarpinella Bueno leciona que: “A hipótese [violar manifestamente norma jurídica] merece ser compreendida como aquela decisão que destoa do padrão interpretativo da norma jurídica (de qualquer escalão) em que a decisão baseia-se. [...] Eventual divergência jurisprudencial não deve ser compreendida como elemento a descartar a rescisória por esse fundamento. [...] Doravante, diante da função que ele quer emprestar à jurisprudência dos Tribunais (v., em especial, os arts. 926 e 927), aquele entendimento merece, de vez, ser superado, tanto para as questões de ordem constitucional como para as de ordem infraconstitucional. É correto entender, destarte, que não subsiste, no Código de Processo Civil de 2015, fundamento de validade para a Súmula 343 do STF. O § 5.º do art. 966 [...] admite expressamente a rescisória fundada no inciso V do art. 966 quando [...] a decisão rescindenda aplicar equivocadamente súmula ou ‘precedente’ criado por uma das técnicas referidas no art. 928” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 627); Marcelo Abelha Rodrigues também manifestou expressamente sobre o tema: “Considerando que o legislador processual adotou o caráter vinculante aos precedentes, não nos afigura impossível a utilização da ação rescisória seja voltada a fulminar determinada norma jurídica aplicada a um determinado caso concreto onde, esta norma jurídica seja um precedente judicial, um direito judicial produzido pelos tribunais. Se têm caráter vinculante e se são estabelecidos como premissa maior para a solução de um caso concreto, então são ‘norma jurídica’ para fins do art. 966, V, do Código de Processo Civil. É claro que este controle, tal como acontece com as demais normas jurídicas, só pode ser feito em cada caso concreto pelo vencido na demanda em que houve a referida violação manifesta da norma jurídica” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1353-1354). Alexandre Freitas Câmara assevera: “Importante é afirmar que também é rescindível a decisão judicial que, tendo transitado em julgado, contrarie tese anteriormente firmada em enunciado de súmula vinculante ou em precedente vinculante. É que essas teses firmadas são resultado de interpretações atribuídas a textos normativos e, portanto, são normas jurídicas. Ainda que assim não se considere, porém, e se afirma (equivocadamente, mas se enfrente o ponto aqui apenas para argumentar) que a afronta ao precedente vinculante (ou ao enunciado de súmula vinculante) não é violação à norma, ainda assim será preciso considerar rescindível a decisão judicial, pois terá sido violada a própria norma atributiva da eficácia vinculante a tais precedentes e enunciados de súmula. É que, como já se viu, no sistema jurídico brasileiro (diferentemente do que se tem nos ordenamentos ligados à tradição do common law), a eficácia vinculante de enunciados de súmula vinculante e de alguns precedentes judiciais resulta diretamente de previsão normativa (constitucional ou legal) e, por conta disso, o desrespeito a tal eficácia vinculante implica violação de norma jurídica. É, pois, rescindível a decisão judicial nesses casos. E não se contraria o padrão decisório vinculante apenas quando o pronunciamento judicial deixa de seguir a tese nele fixada. Também quando o padrão decisório é mal aplicado, o que ocorre quando se adota a tese nele fixada quando não era o caso, em razão de alguma diferença entre o acórdão paradigma e o caso posteriormente julgado, aquele padrão decisório é violado” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 402-403). Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha também lecionam quem a “Decisão que viola manifestamente precedente obrigatório (art. 927, Código de Processo Civil) também é rescindível”. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 488). Sobre o cabimento de ação rescisória por violação à tese de força obrigatória, o Professor Humberto Theodoro Júnior ministra: “O critério para admitir a rescisória, na espécie, foi o mesmo que sempre se adotou a propósito da violação ou negação de vigência à lei: uma

190

a interpretação atribuída a determinado texto normativo viola o seu sentido

correto. Essa afirmação, desde o período de tramitação legislativa do projeto de

lei que resultou no Código de Processo Civil de 2015, sempre pareceu

verdadeira.521

norma jurídica é violada não somente quando é ignorada pelo julgador, mas também quando é aplicada à situação fática que não corresponde ao alcance da regra invocada individualmente pelo decisório. Assim, fundamentar uma sentença numa súmula ou num precedente que não corresponde à hipótese sob análise no processo equivale a ofender a norma consubstanciada na jurisprudência de observância necessária. Na mesma perspectiva, impõe-se concluir que deixar de aplicar, no julgamento, entendimento jurídico jurisprudencial de observância obrigatória, nos limites do art. 927 do Código de Processo Civil, tem de ser visto como ofensa manifesta a norma jurídica, para fins de ação rescisória (art. 966, V)” (THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 3, p. 857); Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. também corrobora tal entendimento: “É óbvio que o malferimento de uma norma de estrutura pode ser causa de rescindibilidade de decisão, basta ver que dentre as hipóteses do art. 966 do Código de Processo Civil/2015 encontram-se as seguintes: a prolação de decisão por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente. Contudo, se o fim colimado pelo legislador era resguardar a norma de estrutura – que impõe aos juízes, no processo de produção de decisão, o dever de observar os precedentes vinculantes – sobrelevando à causa de rescindibilidade de decisão; tal finalidade já se encontrava atendida, pois bastaria que o autor da ação rescisória apontasse como causa de pedir a hipótese de rescindibilidade do inciso V, do art. 966, combinada com a alegação de violação do art. 927, do mesmo diploma legal. Do mesmo modo, se a intenção era resguardar as normas jurídicas (rationes decidendi) construídas a partir dos precedentes vinculantes, tal escopo já se encontrava alcançado com a causa de rescindibilidade prevista no inciso V, do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, pois é óbvio que o ‘violar manifestamente norma jurídica’, com muito maior razão, encampa a hipótese de prolação de decisão judicial em sentido contrário à interpretação de enunciado legal cristalizada em precedente vinculante. Tal solução, inclusive, seria mais consentânea com o sistema jurídico brasileiro – onde continua vigendo o princípio da legalidade, embora que muito maltratado – e com a nossa dogmática processual, que há muito se firmou no sentido do descabimento de ação rescisória por violação à súmula ou a precedente” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1197); Ronaldo Cramer sustenta que “é rescindível [...] a decisão que aplicou precedente, sem ter feito corretamente a distinção entre o caso concreto e o caso do precedente. [...] Viabiliza-se, assim, a ação rescisória com fundamento na técnica de distinção do precedente (ou na má aplicação do precedente), equiparável por força de lei à hipótese de violação da norma jurídica. Ao propor essa ação rescisória, a parte deve apenas se basear na conjugação de duas normas, o § 5.o do art. 966 do Novo Código de Processo Civil e o inciso V do caput do mesmo artigo, não necessitando indicar uma norma jurídica violada, como ocorre normalmente na hipótese do inciso V. Apesar de se referir apenas à súmula ou acórdão de julgamento de casos repetitivos, o § 5.o deve ser compreendido como aplicável à decisão que emprega qualquer precedente. Entretanto, o precedente deve ser, necessariamente, vinculante, uma vez que apenas esse tipo de precedente determina a decisão judicial, ao passo que o precedente persuasivo é mero reforço de argumentação” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 175); Marco Antônio Rodrigues também destaca a importância dos precedentes como fundamento rescisório: “Caso o órgão julgador não realize a distinção, caberá, em consequência, ação rescisória, por violação às referidas normas jurídicas. Essa é uma das muitas regras que demonstram a importância conferida aos precedentes pelo Código de Processo Civil, o qual instituiu até mesmo uma hipótese de cabimento de rescisória por violação a alguns destes” (RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos: ação rescisória e reclamação. São Paulo: Atlas, 2017. p. 321). 521 “[...] violar manifestamente a norma jurídica” não deve ser utilizado para afastar a rescindibilidade de decisão de mérito que der interpretação diversa da admitida como correta pela jurisprudência brasileira, principalmente dos Tribunais Superiores, responsáveis pela última

191

O acréscimo dos §§ 5.º e 6.º ao art. 966 do Código de Processo Civil

retira qualquer dúvida que possa pairar sobre esse entendimento. Os dispositivos

foram acrescentados pela Lei 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, que iniciou sua

tramitação legislativa como Projetos de Lei 2.384/2015522 e 2.468/2015,523 ambos

inicialmente sobre recursos extraordinário e especial. O Projeto de Lei 2.468/2015

foi apensado ao Projeto de Lei 2.384/2015 e tramitou sob essa numeração.

Durante o processo legislativo, no dia 20 de outubro de 2015, o Deputado

Paulo Teixeira apresentou diversas Emendas de Plenário. Entre elas, a Emenda

de Plenário 5/2015 teve a finalidade de esclarecer o cabimento de ação rescisória

contra enunciado de súmula ou acórdão ou precedente previsto no art. 927, com

a justificativa de ser um “acréscimo necessário, para fechar o sistema, tendo em

vista a mudança das regras de reclamação, proposta pelo PL 2.468/2015”, nos

termos: Acrescente-se, onde couber, os §§ 5.º e 6.º ao Artigo 966 do CPC:

§ 5.º Cabe ação rescisória, nos termos do inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula, acórdão ou precedente previsto no Art. 927, que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

§ 6.º Quando ação rescisória se fundar na hipótese do § 5.º deste Artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.524

palavra no que diz respeito às leis federais, constitucionais (Supremo Tribunal Federal) ou infraconstitucionais (Superior Tribunal de Justiça)” (SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória no projeto de novo Código de Processo Civil: Do anteprojeto ao relatório-geral da Câmara dos Deputados. In: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; DANTAS, Bruno; DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; FUX, Luiz; MEDINA, José Miguel Garcia; NUNES, Dierle; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 715; SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória: de Pontes de Miranda ao Projeto de novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos (Org.). Pontes de Miranda e o direito processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 1215). 522 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2.384/2015, do Deputado Carlos Manato. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mos trarintegra?codteor=1402342&filename=EMP+5/2015+%3D%3E+PL+2384/2015>. Acesso em: 20 dez. 2017. 523 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2.468/2015, dos Deputados Leonardo Picciani e Mendonça Filho. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao ?idProposicao=1594617>. Acesso em: 20 dez. 2017. 524 BRASIL. Câmara dos Deputados. Emenda de Plenário n. 5/2015, do Deputado Paulo Teixeira. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor= 1402342&filename=EMP+5/2015+%3D%3E+PL+2384/2015>. Acesso em: 20 dez. 2017.

192

Aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto foi recebido pelo Senado

Federal como Projeto de Lei da Câmara 168/2015 e foi objeto de análise e de

aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e posteriormente

pelo Plenário, conforme Parecer do Senador Blairo Maggi: O inciso V do art. 966 do novo CPC prevê o cabimento de ação rescisória no caso de manifesta violação a normas jurídicas. A amplitude hermenêutica do texto poderá ensejar muitas dúvidas na jurisprudência e na doutrina, razão por que convém que o legislador se antecipe a se pronunciar sobre uma situação importantíssima a ser considerada como causa de rescisão. É que, entre as várias diretrizes teóricas que inspiraram o novo Código, o respeito à jurisprudência pelas instâncias inferiores desempenha um papel de destaque, do que dá prova o art. 927 do novo CPC, que, além de exigir dos juízes e tribunais observância a manifestações jurisprudenciais vinculantes ou procedentes do plenário ou dos órgãos especiais dos respectivos tribunais, impõe que o magistrado exponha textualmente a pertinência ou não dos precedentes citados pelas partes. Naturalmente, se o magistrado decidir o caso violando essas manifestações jurisprudenciais, isso deve ser interpretado como uma manifesta violação a norma jurídica. [...] A matéria é digna de elogios nesse aspecto, por realçar a necessidade de observância, pelos magistrados, da jurisprudência das instâncias mais elevadas do Poder Judiciário. Merece aprovação.525

No Senado, a redação final aprovada do § 5.º substituiu “enunciado de

súmula, acórdão ou precedente previsto no art. 927” por “enunciado de súmula ou

acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos”, conforme emendas de

redação apresentadas em Plenário pelo Senador Blairo Maggi: Dê-se ao § 5.º do art. 966 da Lei n.o 13.105 de 16 de março de 2015, referido no art. 2.º do PLC n.o 168, de 2015, a seguinte redação:

§ 5.º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.526

525 BRASIL. Senado Federal. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sobre o Projeto de Lei da Câmara n. 168, de 2015. Relator. Senador Blairo Maggi, p. 8-9. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123769>. Acesso em: 20 dez. 2017. 526 BRASIL. Senado Federal. Emendas de Redação ao Projeto de Lei da Câmara n. 168, de 2015. Relator: Senador Blairo Maggi. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento ?dm=3994995&disposition=inline>. Acesso em: 20 dez. 2017.

193

Para que essa alteração seja considerada formalmente constitucional, já

que o parágrafo único do art. 65 da Constituição assevera que, “sendo o projeto

emendado, voltará à Casa iniciadora”, a única interpretação conforme à

Constituição possível é a que lê “enunciado de súmula, acórdão ou precedente

previsto no Art. 927”, em que está escrito “enunciado de súmula ou acórdão

proferido em julgamento de casos repetitivos”.

Assim, não há dúvidas quanto ao cabimento de ação rescisória por

violação a precedente, seja por ser a interpretação mais adequada dos

dispositivos normativos a respeito, seja por ter sido a vontade expressamente

manifestada pelo legislador, pois a violação às manifestações jurisprudenciais do

art. 927 do Código de Processo Civil configura violação manifesta à norma

jurídica.

Há violação à norma jurídica, portanto, quando, à luz do caso concreto, a

decisão não aplica precedente aplicável ou aplica erroneamente precedente

inaplicável.527 Precedentes, vale a pena lembrar, para fins deste trabalho, são os

pronunciamentos judiciais constantes no art. 927 do Código de Processo Civil.

O cabimento de ação rescisória por violação a precedente, portanto, já

estava previsto no ordenamento jurídico na hipótese de cabimento de ação

rescisória quando a decisão rescindida “violar manifestamente norma jurídica”.528

Como lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “a leitura adequada

do inciso V do art. 966, CPC, impõe uma necessária relação entre interpretação 527 “Os padrões decisórios dotados de eficácia vinculante precisam, necessariamente, ser seguidos. E é necessário reconhecer a existência de mecanismos de controle dessa observância (mecanismos esses cuja análise, frise-se, não constitui objeto desse estudo, mas que devem ser aqui ao menos mencionados). Evidentemente, é possível conceber o recurso como mecanismo de controle. Também a reclamação (art. 988, III e IV, do Código de Processo Civil/2015) e a ação rescisória (art. 966, V, e § 5.º, do Código de Processo Civil/2015) são mecanismos de controle previstos expressamente no Código de Processo Civil” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. p. 282, nota 16). 528 Diferentemente, Renato Montans de Sá entende que o § 5.º do Código de Processo Civil é que passou a autorizar o cabimento de ação rescisória por aplicação errônea dos precedentes judiciais: “A Lei n. 13.256/2016, que alterou o novo Código de Processo Civil ainda no seu período de vacatio, ampliou ainda mais a incidência do cabimento de rescisória com base no inciso V. Se antes a aplicação era somente texto de lei (com interpretação extensiva dada pela doutrina) e depois norma (regras e princípios), agora também caberá rescisória no que concerne à errônea aplicação dos precedentes judiciais. [...] sendo um precedente aplicado no caso concreto de maneira equivocada, pois o padrão decisório que lhe serviu de base não se amolda à situação fattispecie, e caberá ação rescisória, no prazo decadencial de dois anos. Assim, alargou-se o conceito de violação de norma jurídica para inserir também o caso de não aferição do distinguish” (SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 976).

194

do direito, norma jurídica e teoria dos precedentes”.529 Os § 5.º e § 6.º do art. 966

do Código de Processo Civil deixaram claro o cabimento de ação rescisória por

violação a precedente.

Embora o § 5.º do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015

estabeleça que cabe ação rescisória quando o julgado não tenha considerado a

distinção existente entre o caso julgado no processo e o precedente que lhe deu

fundamento, ou seja, quando aplicou erroneamente precedente inaplicável, é

certo que também é cabível ação rescisória quando a decisão deixa de aplicar

precedente aplicável.530

Se os fatos objeto da decisão rescindenda são distintos daqueles fatos

constantes nos casos que deram azo à ratio decidendi do precedente aplicado, é

cabível ação rescisória para rescindir a decisão e desconstituir a coisa julgada. Da

mesma forma, também será viável a ação rescisória quando os fatos objeto da

decisão rescindenda forem semelhantes às circunstâncias fáticas ocorridas em

precedente não aplicado.531

529 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 183. 530 Em dissertação de mestrado sobre “ação rescisória por violação de norma jurídica”, é esse o entendimento de Leandro José Rutano: “Embora o texto aprovado pelo Senado tenha deixado de fazer menção expressa a precedentes, o objetivo da norma é justamente prever a possibilidade de rescisória para casos em que o precedente tenha sido mal aplicado pelo julgador” (RUTANO, Leandro José. Ação rescisória por violação de norma jurídica. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 26). Alexandre Freitas Câmara manifesta-se nesse sentido: “O art. 966, § 5.º, do Código de Processo Civil/2015 expressamente estabelece o cabimento de ação rescisória contra pronunciamento que se funda em padrão decisório não aplicável. Parece evidente, porém, que também a situação inversa (a da decisão que deixa de aplicar padrão decisório que em tese seria aplicável, promovendo sua superação implícita) é impugnável, após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória. Ter-se-á aí, para dizer o mínimo, proferido decisão que viola manifestamente norma jurídica, o que torna admissível a ação rescisória (art. 966, V, do Código de Processo Civil/2015)” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. p. 343). De igual modo, Jaldemiro Rodrigues Ataíde Jr.: “O enunciado do § 5.º, do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, diz menos do que deveria, pois apresenta como nova hipótese de cabimento da ação rescisória apenas a aplicação do precedente sem a realização do devido distinguishing – ou melhor, a aplicação do precedente a caso que versa sobre fatos materiais distintos daqueles constantes no caso que gerou o precedente –, olvidando que também se viola a ratio decidendi do precedente quando não se a considera em caso que versa sobre fatos materiais semelhantes. É óbvio que o intérprete pode (e deve), a partir do § 5.º, do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, construir norma jurídica cuja hipótese de incidência contenha também a não aplicação do precedente a caso que verse sobre fatos materiais semelhantes ao do caso que gerou o precedente; mas, e se tal disposição legal for interpretada restritivamente? O legislador pátrio não contou com esse risco” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1197). 531 Sobre o ponto, leciona Cassio Scarpinella Bueno: “Destarte, embora não haja no Código de Processo Civil de 2015 previsão expressa como a que havia no § 5.º do art. 521 do Projeto da

195

Portanto, é cabível ação rescisória por violação manifesta da norma

jurídica quando a decisão deixou de aplicar ou aplicou equivocadamente o padrão

decisório constante nas decisões do Supremo Tribunal Federal em controle

concentrado de constitucionalidade; nos enunciados de súmula vinculante; nos

acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial

repetitivos; nos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; ou

na orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados,

sempre levando-se em consideração a similitude (ou a distinção) das

circunstâncias fáticas e das razões de decidir da decisão rescindenda e do

precedente alegadamente violado, que viabilize solução jurídica diversa.532

Recentemente, um julgado do Superior Tribunal de Justiça sinaliza a

encampação da tese aqui defendida. A sua Terceira Turma, em acórdão unânime

de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, manifestou no sentido de que não há

como autorizar a ação rescisória com fundamento em pronunciamentos não

vinculantes. A contrario sensu, parece acertado o entendimento de é cabível ação

rescisória por violação manifesta a norma jurídica quando a lei atribui eficácia

Câmara, que não foi mantida pelo Senado na última etapa do processo legislativo – ao qual faço menção mais abaixo –, é inegável que a observância dos ‘precedentes’ referidos nos incisos do art. 927 (mesmo por quem queira dar a eles caráter vinculante) pressupõe a similaridade do caso (na perspectiva fática e jurídica) e a correlata demonstração desta similaridade. É este o alcance da fundamentação exigida para a espécie, nos termos dos incisos V e VI do § 1.º do art. 489, aplicáveis à espécie por força do § 1.º do art. 927. A existência de distinção do caso para justificar a não observância do precedente é elemento inerente ao que estou chamando de direito jurisprudencial. Tanto quanto a demonstração fundamentada de que o precedente aplica-se por causa das peculiaridades do caso concreto, exigindo, destarte, resposta isonômica do Estado-juiz” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 602-603). 532 A interpretação proposta compatibiliza a crítica por atecnia que Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. faz ao § 5.º do art. 966 do Código de Processo Civil: “A menção a ‘enunciado de súmula, acórdão ou precedente’ parece desconsiderar a distinção entre texto e norma, sendo, nesse aspecto, incongruente com o inciso V, do artigo em comento, que prevê o cabimento de ação rescisória por violação à norma jurídica. Ora, não podemos olvidar que a ratio decidendi dos precedentes tem natureza de norma, ao passo que o precedente em si é texto; logo, da mesma forma que se distingue o texto (enunciado legal) da norma construída a partir dele. Deve-se distinguir o precedente (texto) da ratio decidendi (norma) construída a partir dele” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1196).

196

vinculante aos pronunciamentos do art. 927 do Código de Processo Civil e a

decisão rescindenda não foi em sentido diverso.533

Quanto aos enunciados de súmula vinculante ou aos enunciados das

súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior

Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, é necessário que se verifique e

se faça o cotejo entre as circunstâncias fáticas e as razões de decidir dos

precedentes que lhe são subjacentes e as da decisão rescindenda.534-535

Nesse caso – ação rescisória por violação a precedente –, o autor não

precisará indicar texto normativo de lei ou princípio como norma violada, podendo

indicar o precedente não seguido pela decisão rescindenda ou aplicado

indevidamente. Sendo a violação manifesta a precedente a causa de pedir da

533 “Processo civil. Recurso especial. Ação rescisória. Hipótese de cabimento. Violação à literal disposição de lei. Precedente do STJ com eficácia vinculante. 1. Ação rescisória ajuizada em 05.12.2014, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 18.03.2015 e concluso ao Gabinete em 24.02.2017. Julgamento pelo Código de Processo Civil/73. 2. Cinge-se a controvérsia a decidir, preliminarmente, sobre o cabimento da ação rescisória e, no mérito, se o acórdão rescindendo violou o art. 205 do CC/02. 3. A Súmula 343/STF nega o cabimento da ação rescisória quando o texto legal tiver interpretação controvertida nos tribunais. No entanto, o STF e esta Corte têm admitido sua relativização para conferir maior eficácia jurídica aos precedentes dos Tribunais Superiores. 4. Embora todos os acórdãos exarados pelo STJ possuam eficácia persuasiva, funcionando como paradigma de solução para hipóteses semelhantes, nem todos constituem precedente de eficácia vinculante. 5. A despeito do nobre papel constitucionalmente atribuído ao STJ, de guardião da legislação infraconstitucional, não há como autorizar a propositura de ação rescisória – medida judicial excepcionalíssima – com base em julgados que não sejam de observância obrigatória, sob pena de se atribuir eficácia vinculante a acórdão que, por lei, não o possui. 6. Recurso especial desprovido” (BRASIL. STJ, 3.ª Turma, REsp 1655722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017). 534 Sobre análise dos enunciados de súmula à luz dos precedentes, leciona Alexandre Freitas Câmara: “A Súmula da Jurisprudência Predominante do STF é o resumo organizado da jurisprudência pacificada daquela Alta Corte. É formada por uma série de enunciados, os quais resumem as conclusões alcançadas em reiteradas decisões acerca de uma dada matéria, que são os precedentes. É preciso, porém, recordar sempre que os enunciados têm de ser interpretados à luz dos precedentes” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 56). No mesmo sentido, observa Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr., ao comentar o cabimento de ação rescisória por violação a súmula: “súmula não é precedente e jamais dispensa que se perquira sobre a ratio decidendi dos precedentes que lhe são subjacentes” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1197). 535 Pelas razões defendidas no texto é que parece equivocado o entendimento no sentido da não admissão de ação rescisória por violação de enunciado de súmula à luz do Código de Processo Civil de 2015: “Não cabe ação rescisória de violação de jurisprudência, bem como súmulas ou orientações jurisprudenciais, pois não são leis” (DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ação rescisória dos julgados. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 93); “Não abrange, todavia, texto de súmula, mesmo que se trate de súmula vinculante” (SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 975).

197

ação rescisória, o autor deve apontar expressamente qual precedente foi violado

pela decisão rescindenda.

Isso não retira a importância dos enunciados legais que também poderão

ser utilizados como fundamento para o cabimento de ação rescisória por violação

à norma jurídica. É possível que se faça alusão ao texto de lei como fonte do

direito violada e também ao precedente.536 Afinal, a norma jurídica é o resultado

da interpretação das fontes de direito, sendo a lei a principal delas. Por isso,

sempre será possível a alegação de violação à norma jurídica decorrente de

interpretação do texto de lei que deu origem ao precedente e que dele fora objeto

de interpretação.537

Vale anotar o pensamento de Flávio Luiz Yarshell. Antes do acréscimo

dos §§ 5.º e 6.º ao art. 966 do Código de Processo Civil, manifestou-se no sentido

de que, em princípio, os precedentes judiciais não poderiam ser utilizados como

fundamento para o cabimento de ação rescisória.538

Após o acréscimo dos §§ 5.º e 6.º ao art. 966 do Código de Processo

Civil, Flávio Luiz Yarshell diz que as regras dos §§ 5.º e 6.º do “art. 966 deve[m]

ser interpretada[s] como mais um indicativo da ênfase que o sistema deu ao

modelo de decisões vinculantes, idealizadas como instrumento para uma

jurisprudência ‘estável, íntegra e coerente’ – conforme a dicção do art. 926”.

No entanto, entende o Professor da Universidade de São Paulo que a

decisão que não aplica precedente viola o art. 489, § 1.º, V e VI, do Código de

Processo Civil, dando azo ao cabimento de ação rescisória por error in

536 “No caso de violação a precedente obrigatório, deve-se indicar o número do processo que lhe deu origem. É possível, de igual modo, indicar o texto normativo que foi objeto de interpretação pelo precedente. A ratio decidendi pode ser regra geral que concretiza um princípio” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 489). 537 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1198. 538 “Muito embora tenham papel relevante no novo diploma, os precedentes judiciais – ressalva feita à considerável imprecisão terminológica do Código de Processo Civil de 2015 nessa seara – não poderão, em princípio, subsidiar pura e simplesmente o pedido formulado em rescisória; ainda que eles possam servir de reforço na argumentação e atuar de forma persuasiva quanto à violação manifesta a uma (autêntica) norma jurídica” (YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no Código de Processo Civil 2015. O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 165-166).

198

procedendo. 539 Nesse sentido, também se posicionou José Miguel Garcia

Medina.540

O raciocínio é interessante, pois realmente há um error in procedendo,

mas o principal erro da decisão rescindenda é o error in iudicando que aplicou

erroneamente precedente inaplicável ou que deixou de aplicar precedente

aplicável, violando, assim, manifestamente a norma jurídica.

4.3 Ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional

O § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil

preveem o cabimento de ação rescisória, por violação à norma jurídica

constitucional, quando a obrigação reconhecida em decisão judicial transitada em

julgado for fundada em lei ou ato normativo considerado supervenientemente

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou

interpretação da lei ou do ato normativo tido posteriormente pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de

constitucionalidade concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por

modulação, em atenção à segurança jurídica. Trata-se de hipótese de cabimento

de ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional quando o 539 YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao art. 966. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 172. 540 “Considera-se haver violação manifesta à norma jurídica, nos termos do art. 966, V, do Código de Processo Civil/2015, também quando ‘decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento’ (cf. § 5.o do art. 966 do Código de Processo Civil/2015, inserido pela Lei n. 13.256/2016). Está-se, no caso, diante de decisão que, de certo modo, viola o art. 489, § 1.º, V, do Código de Processo Civil/2015. Esse dispositivo, contudo, refere-se apenas à omissão, que justifica, p. ex., o cabimento de embargos de declaração (cf. art. 1.022, caput, II, e parágrafo único, II, do Código de Processo Civil/2015. Para que se admita ação rescisória na hipótese, porém, exige-se algo mais: que se demonstre que, no caso, trata-se de ‘situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica’ (cf. § 6.o do art. 966 do Código de Processo Civil/2015, na redação da Lei n. 13.256/2016). Assim, ao error in procedendo (p. ex., decisão que cita, como base, precedente, desconsiderando distinção existente no caso, o que pode consistir em manifestação conhecida como confirmation bias,) [...] há que se adicionar que outra seria a solução, caso se tivesse notado a diferença entre o padrão decisório citado e o caso julgado. De certo modo, pode-se dizer que, no caso, não se decretará a nulidade (em razão da fundamentação) se não se demonstrar que, não tivesse havido error in procedendo, o resultado seria diverso, favorável ao autor da ação rescisória” (MEDINA, José Miguel Garcia. Comentários ao art. 966. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.). FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: 2017. p. 1295).

199

entendimento do Supremo Tribunal Federal ocorrer após o trânsito em julgado da

decisão.

Para o cabimento de ação rescisória por violação à norma jurídica

constitucional quando a decisão for fundada em texto normativo posteriormente

considerado inconstitucional ou quando considerou inconstitucional texto

normativo posteriormente declarado constitucional, é necessário que o trânsito em

julgado da decisão exequenda tenha ocorrido antes da decisão do Supremo

Tribunal Federal. Ou seja, a decisão do Supremo deve ter sido proferida após o

trânsito em julgado da decisão exequenda. Se a decisão do Supremo Tribunal

Federal for proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda, o

executado poderá alegar a inexigibilidade da obrigação contida no título executivo

em sede de impugnação ao cumprimento de sentença. Tudo nos termos dos §§

12 a 15 do art. 525 e dos §§ 5.º a 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil.541

541 Cassio Scarpinella Bueno elogia a opção legislativa: “Acabou prevalecendo no Código de Processo Civil de 2015 o § 14, que nasceu no Projeto da Câmara, prescrevendo que a decisão do STF, que autoriza a inexigibilidade da obrigação retratada no título, deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Correta a regra: se proferida depois do trânsito em julgado, a hipótese será de ação rescisória por ‘violar manifestamente norma jurídica’ (art. 966, V), descartando-se, por se tratar de matéria constitucional, a aplicação da Súmula 343 do STF. O § 15 do art. 525 é claro nesse sentido, acentuando, ademais, que o prazo para a rescisória ‘será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal’” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 615-616). A opção legislativa pelo cabimento da ação rescisória nesse caso vai ao encontro do que Paulo Henrique dos Santos Lucon propugnava desde 2005, in verbis: “É certo que o direito positivo não conhece todas as situações aptas a desconsiderar a sentença transitada em julgado, mas admitir a revisão do decisum já coberto pela autoridade da coisa julgada material em situações não previstas no ordenamento jurídico, pelas razões expostas, não pode ser aceita. Por isso, de lege ferenda, é o caso de se ampliar casos para a ação rescisória. No caso de descoberta científica apta a demonstrar o erro na solução dada ao caso concreto quando era impossível valer-se de determinada prova seria o caso de admitir a ação rescisória a partir do momento em que o interessado obtém o laudo, em vez do trânsito em julgado da sentença rescindenda. Sem excluir a possibilidade de ação rescisória, o art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil viabiliza a oposição de embargos à execução e a propositura de ação cognitiva autônoma, vias obviamente não sujeitas ao prazo de dois anos da ação rescisória, contra sentença inconstitucional, desde que tenha havido o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal da lei que serviu de fundamento para a sentença a ser atacada” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, efeitos da sentença, coisa julgada inconstitucional e embargos à execução do art. 741, parágrafo único. Revista do Advogado, São Paulo, v. 84, p. 145-167, 2005; Idem. Coisa julgada, conteúdo e efeitos da sentença, sentença inconstitucional e embargos à execução contra a fazenda pública (ex vi art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Revista de Processo, v. 141, p. 20-52, nov. 2006). Sobre o tema, leciona Teresa Arruda Alvim: “Não nos parece poder-se entender como abrangida pelos arts. 525, §§ 12 a 15 e 535, §§ 5.º a 8.º, do Código de Processo Civil de 2015 a situação de a sentença exequenda ter afastado certo dispositivo legal, por considerá-lo inconstitucional, quando posteriormente sobrevenha ação declaratória de constitucionalidade, em que se o considere constitucional. Isto poderia ocorrer desde que a razão em virtude da qual teria sido afastado o dispositivo por ser inconstitucional

200

O § 12 do art. 525 e o § 5.º do art. 535 do Código de Processo Civil,

aplicável extensivamente ao caso por remissão expressa do § 15 do art. 525 e do

§ 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil, preveem que não só as decisões

em controle concentrado de constitucionalidade, mas também as decisões

proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de

constitucionalidade dá azo ao cabimento de ação rescisória por violação à norma

jurídica constitucional.542

Para aplicação do disposto no § 12 do art. 525 e no § 5.º do art. 535 do

Código de Processo Civil e cabimento de ação rescisória por violação à norma

jurídica constitucional no que tange ao controle difuso de constitucionalidade

realizado pelo Supremo Tribunal Federal, há necessidade de o texto ou o ato

normativo ter sido posteriormente suspenso pelo Senado Federal, nos termos do

art. 52, X, da Constituição.543

coincida, ‘às avessas’, com a ratio decidendi do acórdão do STF que considerou o dispositivo constitucional. Caso tal orientação não seja admitida, em nosso sentir estar-se-ia, aqui, diante de um caso de rescindibilidade, com base nos arts. 966, V, do Código de Processo Civil” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 339). Sérgio Seiji Shimura, ao comentar o art. 525 do Código de Processo Civil de 2015, destaca a especial proteção à coisa julgada formada anteriormente à decisão do Supremo Tribunal Federal: “Uma outra novidade reside na expressa menção ao respeito à coisa julgada anteriormente formada. Para que a decisão do Supremo Tribunal Federal tenha eficácia vinculante e erga omnes é preciso que tenha sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Com tal dicção, o Novo Código de Processo Civil remarca o princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado de Direito. No ponto, vale lembrar que o dispositivo tem aplicação para as decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (art. 1.057). Se, por hipótese, uma decisão condenatória houver passado em julgado, mesmo que advenha pronunciamento do próprio Supremo Tribunal Federal em sentido contrário, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo que serviu de lastro à sentença, é preciso respeitar a coisa julgada anteriormente formada” (SHIMURA, Sérgio Seiji. Comentários ao art. 525. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1364). 542 Legítimo ou não, o § 12 do art. 525 e o § 5.º do art. 535 do Código de Processo Civil de 2015 adotam expressamente a teoria da “objetivação do recurso extraordinário”, amplamente defendida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 954; DIDIER JR., Fredie. O recurso extraordinário e a transformação do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras complementares de constitucional: controle de constitucionalidade. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 445-460; FAGUNDES, Cristiane Druve Tavares. A objetivação do recurso extraordinário. Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, n. 1, p. 110-118, jan.-jun. 2014. Disponível em: <http://www.usjt.br/revistadireito/>. Acesso em: 2 jan. 2018; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 298-299. 543 Nesse sentido, são os ensinamentos de Sérgio Seiji Shimura: “Agora, o Novo Código de Processo Civil é expresso no sentido de que a inconstitucionalidade ou interpretação de lei ou ato normativo devem ser reconhecidos em controle concentrado de constitucionalidade (por meio de

201

Com efeito, a decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade

pelo Supremo Tribunal Federal não possui efeito vinculante, nem mesmo à luz do

sistema de precedente estabelecido pelo art. 927 do Código de Processo Civil.

Por mais que a resolução de questões constitucionais em controle difuso – seja

em recursos extraordinários, seja em processos de competência originária – pelo

Supremo Tribunal Federal tenha um caráter paradigmático para o julgamento de

outros casos, presentes e futuros, pelo próprio tribunal e também para outros

tribunais544 – isso é inegável –, não há como considerar constitucional essa parte

do dispositivo por conflitar com o inciso X do art. 52 da Constituição, que prevê a

competência privativa do Senado Federal para suspender a execução, no todo ou

em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão do Supremo Tribunal

Federal em controle difuso.545 Assim, a declaração de inconstitucionalidade de lei

ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e pela arguição de descumprimento de preceito fundamental, cf. Leis 9.868/1999 e 9.882/1999) ou em controle difuso desde que a norma tenha a sua execução suspensa pelo Senado Federal (art. 52, X, CF/1988)” (SHIMURA, Sérgio Seiji. Comentários ao art. 525. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1364). 544 Em parecer emitido em caso em trâmite no Supremo Tribunal Federal, Cassio Scarpinella Bueno destaca a função paradigmática das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em processos de competência originária para as causas semelhantes que possam vir a ser propostas em outros tribunais, ao sustentar que “a resolução dos processos de competência originária do STF reflete, inequivocamente nos demais processos, presentes ou futuros, que versem sobre idêntica questão fático-jurídica” (BUENO, Cassio Scarpinella. Parecer. Ação Cível Originária n. 2.463, Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 mar. 2017). No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas destacam a função paradigmática das decisões dos tribunais superiores: “A função paradigmática das decisões do STF e dos tribunais superiores, materializada no sistema brasileiro, entre outras maneiras, pelo elevado valor que vem sendo paulatinamente atribuído aos precedentes, atinge o seu ápice no Novo Código de Processo Civil, notadamente no já mencionado art. 926. O adequado desempenho da função paradigmática por um tribunal de cúpula, a nosso ver, pressupõe um requisito essencial: suas decisões devem gozar do respeito da sociedade, dos membros do próprio Poder Judiciário e dos demais órgãos da Administração Pública. Para tanto, concorrem alguns fatores como a honorabilidade dos seus membros, a legitimidade do procedimento perante a Corte, a uniformidade e a estabilidade das suas decisões, entre outros. Em suma, devem causar sensação geral de que a justiça foi feita” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 324). 545 No mesmo sentido, e também com fundamento no § 2.º do art. 102 da Constituição, que prevê a eficácia erga omnes e o efeito vinculante apenas das decisões em controle concentrado, é a lição de Cassio Scarpinella Bueno: “Chama a atenção, no particular, que também as decisões proferidas pelo STF no controle difuso da constitucionalidade possam ensejar a inexigibilidade da obrigação, a despeito de não terem, de acordo com o ‘modelo constitucional’, efeitos vinculantes. E pior: independentemente de Resolução do Senado Federal que retire a norma jurídica declarada inconstitucional por aquele método do ordenamento jurídico. Esta específica previsão, destarte, é inconstitucional, por atritar com § 2.º do art. 102 da CF e também com o inciso X de seu art. 52,

202

ou de ato normativo em controle difuso de constitucionalidade não pode ser

utilizada como precedente para fins de rescisão de decisão judicial transitada em

julgado em sentido contrário e desconstituição da coisa julgada, sem que o

Senado Federal tenha suspendido o texto ou o ato normativo.546

No entanto, a ação rescisória por violação à norma jurídica

inconstitucional não será cabível se o Supremo Tribunal Federal modular

prospectivamente os efeitos de sua decisão de inconstitucionalidade ou de

constitucionalidade, nos termos do § 13 do art. 525 e do § 6.º do art. 535 do

Código de Processo Civil que estabelecem que “os efeitos da decisão do

Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à

segurança jurídica”.547

respectivamente” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 449). 546 Em sentido contrário, Teresa Arruda Alvim: “A nosso ver, à luz da interpretação sistemática do Novo Código de Processo Civil, a segunda situação descrita nos arts. 535, § 12, e 535, § 5.º, controle concentrado e difuso, dispensa-se a suspensão dos efeitos da lei pelo Senado (art. 52, X, da CF). Basta ter havido decisão do Supremo, mesmo numa ação entre A e B, incidentalmente. Isto por várias razões: (a) porque a declaração de que a questão se reveste de repercussão geral é feita pelo pleno (b) por causa dos já mencionados arts. 1.030, I, a, e 1.030, II (c) porque cabe reclamação de decisão que desrespeita manifestação do STF, mesmo que seja incidenter tantum, a respeito da inconstitucionalidade de uma norma ou de certa interpretação” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 339. Destaque no original). Heitor Victor de Mendonça Sica, ao que parece, também entende ser legítima a opção do Código pela extensão de efeitos das decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal: “Ademais, resta claro que triunfou a tese de ‘objetivação’ do controle difuso (isto é, a possibilidade de um simples julgamento de processo subjetivo pelo STF, especialmente recursos extraordinários, gerar eficácia). Com efeito, a teor do § 12 do dispositivo em comento, a inexigibilidade de um título executivo judicial pode ser reconhecida quando for fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais ou em aplicação/interpretação de lei ou ato normativo incompatíveis com a Constituição em decisão do STF, tanto em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC, ADIO e ADPF, conforme as Leis 9.868/1999 e 9.882/1999) quanto em controle difuso (causas de competência originária, recursal ordinária e recursal extraordinária). O sistema previu, contudo, três mecanismos de contenção dessa eficácia ultra partes das decisões em sede de controle de constitucionalidade (sem distinguir as hipóteses em que for concentrado ou difuso)” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Comentários ao art. 525. In: CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 832). 547 “[...] não caberá ação rescisória se o Supremo Tribunal Federal tiver modulado os efeitos de seu julgado em atenção à segurança jurídica. Realmente, se o STF tiver estabelecido no julgamento que seus efeitos são prospectivos, não alcançando situações anteriormente consolidadas, não haverá ação rescisória para desfazer decisões proferidas antes do pronunciamento da Corte Suprema” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3, p. 498).

203

Não se trata de uma novidade propriamente dita, pois o art. 27548 da Lei

9.868/1999 e o art. 11 549 da Lei 9.882/1999 já previam a possibilidade de

modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle

concentrado. O que passa a ser curioso, a despeito das observações

supraexpostas, é a possibilidade de modulação em sede controle difuso diante de

julgamento de recurso extraordinário.550

Em que pese o § 13 do art. 525 e o § 6.º do art. 535 do Código de

Processo Civil exigirem apenas “atenção à segurança jurídica”, em interpretação

com o art. 27 da Lei 9.868/1999 e o art. 11 da Lei 9.882/1999, é possível a

modulação de efeitos também em caso “de excepcional interesse social”.

Ademais, Cassio Scarpinella Bueno entende que o juiz, em primeiro grau,

pode modular os efeitos da decisão se o Supremo Tribunal Federal não o fizer.551

Em contrapartida, o art. 1.057, nas disposições finais e transitórias, prevê

que as regras referentes ao cabimento de ação rescisória por violação à norma

jurídica constitucional, quando a decisão judicial transitada em julgado for fundada

em lei ou ato normativo considerado supervenientemente inconstitucional pelo

Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou interpretação da lei ou do

ato normativo tido posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal como

incompatível com a Constituição Federal, são voltadas apenas às decisões

transitadas em julgado após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de

2015, aplicando-se o disposto no art. 475-L, § 1.º, e no art. 741, parágrafo único, 548 “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 549 “Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 550 Nelson Nery Junior leciona: “[…] o sobreprincípio da segurança jurídica pode indicar a eficácia pro futuro como solução para determinada situação concreta, no caso de o jurisdicionado haver praticado atos com fundamento na lei anteriormente considerada constitucional, porque não declarada a inconstitucionalidade durante a vigência da lei, circunstância que fazia atuar a presunção iuris tantum de constitucionalidade de que gozam todas as leis em vigor no País”. (NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica: eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 103). 551 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 615-616.

204

do Código de Processo Civil de 1973 às decisões transitadas em julgado antes de

sua entrada em vigor,552 restringindo a sua incidência imediata aos processos em

curso.

A regra do art. 1.057 é boa, mas é formalmente inconstitucional, por

violação ao art. 65553 da Constituição do Brasil, por não ter sido objeto do Parecer

956/2014 (sobre o SCD ao PLS 166/2010) nem do Parecer 1.099/2014 (adendo

ao SCD ao PLS 166/2010), tendo ressurgido (pois havia sido aprovado pela

Câmara dos Deputados, nos termos do art. 1.071 do PL 8.046/2010) no período

de revisão de texto após a aprovação do Código e antes do envio para a sanção

presidencial.

No apagar das luzes, de forma antidemocrática, pois não foi votado nas

duas casas legislativas, o at. 1.057 apareceu na “revisão final”, feita entre 17 de

dezembro de 2014 e 24 de fevereiro de 2015, conforme Parecer 1.111/2014 do

Senado Federal, tornado público apenas em 24 de fevereiro de 2015, e

encaminhada para sanção presidencial. Essa inserção sem votação torna o

dispositivo formalmente inconstitucional, por escancarada violação ao devido

processo legislativo. A “revisão final” do Senado Federal jamais poderia ter

acrescentado o dispositivo que não foi submetido à votação pela maioria dos

Senadores.554

552 “Art. 1.057. O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7.º e 8.º, aplica-se às decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisões transitadas em julgado anteriormente, aplica-se o disposto no art. 475-L, § 1.º, e no art. 741, parágrafo único, da Lei n.o 5.869, de 11 de janeiro de 1973.” 553 “Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.” 554 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno atenta para o fato de dispositivo ter sido inserido no período de revisão de texto: “O art. 1.057 foi introduzido na revisão a que o texto do CPC de 2015 foi submetida antes de ser enviado à sanção, como decorrência de destaque que antecedeu a última sessão deliberativa do Senado Federal, em dezembro de 2015, encontrando correspondência (parcial) no art. 1.071 do Projeto da Câmara. A análise do Parecer n. 1/099/2014 (Adendo ao Parecer n. 956/2014) pouco (ou nada) revela sobre a sua preservação – e não dos dispositivos nele mencionados – na versão do CPC de 2015” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1225). Do mesmo modo, André Vasconcelos Roque entende que o art. 1.057 é formalmente inconstitucional: “[...] o art. 1.057 é formalmente inconstitucional por vício na fase final do processo legislativo, já que não chegou a ser votado em Plenário no Senado Federal. [...] O problema não é a interpretação em si, que se reputa adequada mesmo sem a previsão do art. 1.057, mas a tentativa de importar determinado entendimento acerca do CPC/2015, nele introduzindo regras que não passaram pelo regular processo legislativo” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Comentários ao art. 525. Processo de

205

Não obstante, não se pode deixar de observar que a previsão expressa

de cabimento de ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional é

louvável, pois dissipa qualquer dúvida quanto ao seu cabimento quando a decisão

do Supremo Tribunal Federal for posterior ao trânsito em julgado da decisão

objeto de cumprimento de sentença. Em contrapartida, deixou claro que a

impugnação ao cumprimento de sentença com fundamento na inexigibilidade da

obrigação contida no título executivo em decorrência da “coisa julgada

inconstitucional” poderá ser alegada quando a decisão do Supremo Tribunal

Federal for proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.

No entanto, Cassio Scarpinella Bueno entende que os dispositivos legais

que preveem o cabimento de ação rescisória contra decisão coberta pela “coisa

julgada inconstitucional” foram acrescentados no Código de Processo Civil no

período de revisão de texto do processo legislativo, sendo, em seu modo de ver,

formalmente inconstitucionais, 555 por violação ao art. 65 da Constituição do

conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 750). 555 Em suas palavras: “Só não está claro no Parecer n. 956/2014 nem no Parecer n. 1.099/2014, que antecederam a conclusão dos trabalhos legislativos relativos ao Código de Processo Civil de 2015 no Senado e a revisão a que seu texto foi submetido antes de ser enviado à sanção presidencial, a origem deste § 15. Não fosse pelo aspecto formal, é questionável, do ponto de vista substancial, a constitucionalidade do § 15 do art. 525, diante da segurança jurídica, derivada inequivocamente do inciso XXXVI do art. 5.º da CF” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 616). Em outra obra de sua autoria: “Se a decisão do STF for posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, a hipótese deverá ser veiculada pelo executado em ‘ação rescisória’, fundamentando-a no inciso V do art. 966. A novidade, no caso, trazida pelo § 15 do art. 525 está em que o prazo para a rescisória flui do trânsito em julgado da própria decisão tomada pelo STF. Embora a distinção e a harmonia das regras dos §§ 14 e 15 do art. 525 sejam inequívocas, não posso deixar de indicar, mesmo nos limites deste Manual, que a origem do § 15 não está clara no Parecer n. 956/2014 nem no Parecer n. 1.099/2014, que antecederam a conclusão dos trabalhos legislativos relativos ao Código de Processo Civil de 2015 no Senado, em dezembro de 2014. Ao que tudo indica, trata-se de regra acrescentada na revisão a que seu texto foi submetido antes de ser enviado à sanção presidencial, e, nesse sentido, violador dos limites impostos pelo art. 65 da CF ao processo legislativo naquela derradeira etapa. Sua inconstitucionalidade formal, portanto, pode e deve ser reconhecida, afastando, por essa razão, o diferencial com relação ao prazo da ação rescisória naqueles casos, prevalecendo, também para eles, o art. 975” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 450). A respeito da impugnação e da rescisória de decisão exequenda contra a Fazenda Pública: “A exemplo das anotações ao § 15 do art. 525, não está clara no Parecer n. 956/2014 nem no Parecer n. 1.099/2014 a origem deste último dispositivo. Ainda que a solução nele encerrada seja correta, sua inconstitucionalidade formal tem o condão de comprometer o prazo diferenciado para ajuizamento da rescisória, sem prejuízo de todo o questionamento que merece ser dirigido à regra diante da insegurança jurídica por ela promovida” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 616). Em outro trabalho, no mesmo sentido: “As mesmas observações que fiz no n. 4.3.1.3, supra, aplicam-se aqui, inclusive quanto aos aspectos de inconstitucionalidade formal (pelo descumprimento do processo legislativo) e

206

Brasil.556 É acompanhado, nesse ponto, por Rogerio Mollica e Elias Marques de

Medeiros Neto.557

A respeito da alegada inconstitucionalidade formal, faz-se necessário

analisar todo o processo legislativo.

O Código de Processo Civil de 2015 iniciou sua tramitação legislativa

como Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2010. Após sua aprovação, tramitou na

Câmara dos Deputados como Projeto de Lei (PL) 8.046/2010. Retornou ao

Senado Federal em 2014 em razão de diversas emendas feitas pela Câmara dos

Deputados, em que tramitou como Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD)

ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2010. Recebeu o Parecer 956/2014

submetido ao Plenário e aprovado em 16 de dezembro de 2014, com alguns

destaques para votação em separado. Os destaques foram objeto do Parecer

1.099/2014, aprovado em definitivo em 17 de dezembro de 2014. Submetido à

revisão técnica, retomou com o Parecer 1.111/2014 em 24 de fevereiro de 2015,

encaminhado para sanção presidencial.

Os arts. 511 e 520 do PLS 166/2010 não continham previsão a respeito

do cabimento de ação rescisória fundada em “coisa julgada inconstitucional”.

A matéria foi incluída na tramitação legislativa pela Câmara dos

Deputados nos arts. 539, § 12, e 549, § 7.º, da versão final do PL 8.046/2010.558

Ao retornar ao Senado Federal, o Parecer 956/2014 no SCD ao PLS

166/2014, sob a justificativa de “salvar a constitucionalidade do instituto”, retirou a

substancial das regras e também quanto aos aspectos de direito intertemporal” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 464). 556 “Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.” 557 MOLLICA, Rogerio; MEDEIROS NETO, Elias Marques de. O § 15 do art. 525 e o § 8.o do art. 535 do Novo Código de Processo Civil: considerações sobre a reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória e a segurança jurídica. Revista de Processo, ano 41, v. 262, p. 223-242, dez. 2016. 558 “Art. 539. Omissis. § 12. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; se proferida após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Art. 549. Omissis. § 7.o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5.º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; se proferida após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.”

207

previsão do cabimento de ação rescisória em caso de “coisa julgada

inconstitucional”.559

No entanto, o Senador Eduardo Braga apresentou os Requerimentos

1.032, 1.033, 1.034 e 1.035,560 todos de 2014, solicitando destaque para votação

em separado no plenário (DVS) dos §§ 10 e 12 do art. 539 e dos §§ 5.º e 7.º do

art. 549 do SCD ao PLS 166/2010 para prevalecerem sobre o texto consolidado

pela Comissão Especial do Senado em 4 de dezembro de 2014, conforme o

Parecer 956/2010.

Acolhidos os destaques para votação em separado no Plenário, os

requerimentos do Senador Eduardo Braga foram aprovados pelo Plenário do

Senado Federal na votação do Parecer 1.099/2014, em 17 de dezembro de 2014,

nos termos do item 13 do referido Parecer: Parecereres (sic) sobre DVS de Plenário. Esta relatoria se posiciona da seguinte maneira com relação às matérias destacadas: [...] 13. §§ 10 e 12 do art. 539; §§ 5.º e 7.º do art. 549 do SCD, que trata da inexigibilidade da obrigação reconhecida em título

559 Consta como justificativa da proposta apresentada pelo Relator, Senador Vital do Rego: “2.3.2.161. Arts. 539, § 12, e 549, § 7.º, do SCD (Proposta do Relator). Com o objetivo de salvar a constitucionalidade do instituto, impõe-se a exclusão da parte final do § 12 do art. 539 do SCD e do § 7.o do art. 549 do SCD, os quais ampliam de modo indefinido o prazo para o ajuizamento de ação rescisória, o que fragiliza, ainda mais, a coisa julgada. Assim, dê-se a seguinte redação ao § 12 do art. 539 e § 7.º do art. 549 do SCD: “Art. 539. [...] § 12. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.” “Art. 549. [...] § 7.o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda” (BRASIL. Senado Federal. SCD no PLS 166/2010. Parecer 956/2014, Relator Senador Vital do Rêgo, p. 144-145, aprovado pelo Plenário em 16.12.2014. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?t=159354&mime=application/pdf>. Acesso em: 4 jan. 2018). 560 Requerimento 1.032, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 10 do art. 539 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4201735&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018; Requerimento n.º 1.033, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 12 do art. 539 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4764651&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018; Requerimento n.º 1.034, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 5.º do art. 549 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3863298&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018; Requerimento n.º 1035, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 7.º do art. 549 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4193345&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018.

208

executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, podendo a decisão ser rescindida após o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (quatro destaques do Senador Eduardo Braga): aprovação”.561

Portanto, a reinserção dos §§ 10 e 12 do art. 539 e dos §§ 5.º e 7.º do art.

549 do SCD ao PLS 166/2010 foi aprovada pelo Plenário do Senado Federal em

17 de dezembro de 2014.

Submetido o texto aprovado à revisão técnica, retornou com o Parecer

1.111/2014 em 24 de fevereiro de 2015, encaminhado para sanção presidencial,

que separou a redação do § 12 do art. 539 e do § 7.º do art. 549 do SCD ao PLS

166/2010 em dois parágrafos: Redação do SCD ao PLS 166/2010 Redação dada pelo Parecer 1.111/2014

Art. 439. § 12. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; se proferida após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Art. 525. § 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Dessarte, os §§ 14 e 15 do art. 525 e o §§ 5.º e 8.º do art. 535 do Código

de Processo Civil são formalmente constitucionais, uma vez que foram inseridos

no texto legislativo aprovado pela Câmara dos Deputados e posteriormente

ratificados pelo Senado Federal na votação separada dos destaques em Plenário.

Portanto, diferentemente de outros dispositivos, não houve violação ao

devido processo legislativo. A “revisão final” do Senado Federal não alterou a

redação do dispositivo aprovado democraticamente pela Câmara dos Deputados

e pelo Senado Federal, apenas separou um parágrafo em dois parágrafos, sem

alteração do sentido.

561 BRASIL. Senado Federal. SCD no PLS 166/2010. Parecer n. 1.099/2014, adendo ao Parecer n. 956/2014. Relator Senador Vital do Rêgo, p. 9, aprovado pelo Plenário em 17.12.2014. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?t=158933>. Acesso em: 4 jan. 2018.

209

Ainda que se entenda que o § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do

Código de Processo Civil são formalmente inconstitucionais, subsistirá o

cabimento de ação rescisória, nessa hipótese – “coisa julgada inconstitucional” –,

com fundamento no art. 966, V, do Código de Processo Civil, que prevê o

cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, que, no

caso, será norma jurídica constitucional.

A respeito da compatibilidade constitucional material dos dispositivos em

razão da indeterminação do prazo para desconstituição da coisa julgada e

rescisão do julgado, o assunto será abordado em item específico sobre o prazo

para propositura de ação rescisória fundada em “coisa julgada inconstitucional”.

4.4 Prazo para a propositura de ação rescisória por violação a precedente

O prazo para o ajuizamento da ação rescisória562 tem sido objeto de

discussão há algum tempo, principalmente após (i) o surgimento de teorias que

pugnam pela relativização da coisa julgada material;563 (ii) a inserção no Código

de Processo Civil de 1973 da possibilidade de inexigibilidade da coisa julgada

inconstitucional (art. 475-L, § 1.º, e art. 741, parágrafo único); e (iii) a descoberta

do Exame de DNA.

No direito brasileiro, desde a entrada em vigor do Código de Processo

Civil de 1973 (art. 495), o direito à rescisão do julgado coberto pela coisa julgada

material decai em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão.564

Trata-se de direito potestativo, que veicula pretensão desconstitutiva, sendo,

562 Sobre o tema: SHIMURA, Sérgio. Prazo para a ação rescisória. Revista de Processo, v. 209, p. 203 e ss., jul. 2012. 563 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. A nova era do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 216-269; THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. O tormentoso problema da inconstitucionalidade da sentença passada em julgado. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 179-224. 564 “Ação rescisória. Decadência. Tem início a contagem do prazo, para efeito da propositura da ação rescisória, no momento em que já não cabe qualquer recurso de decisão rescindenda, por não ter sido exercitado, ou por não ser mais exercitável” (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Ação Rescisória 1.032/RJ, Rel. Min. Djaci Falcão, j. 23.10.1986. DJ 27.02.1987).

210

portanto, um prazo decadencial.565 Antes, o prazo para a propositura da ação

rescisória era de cinco anos (art. 178, § 10, VIII, Código Civil de 1916).

Tentou-se reduzi-lo durante o processo legislativo que culminou com a

aprovação do Código de Processo Civil de 2015. Em nome da segurança jurídica,

a Comissão de Juristas elaboradora do anteprojeto do novo Código de Processo

Civil entendeu por bem reduzi-lo para um ano (art. 893), ressalvando os casos de

decisão proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (art.

884, I) e de prova falsa (art. 884, VI), em que o termo inicial do prazo contar-se-ia

do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.566 O Senado Federal

manteve integralmente o texto (art. 928).

Por sua vez, a Câmara dos Deputados (art. 996) retomou o prazo bienal

para o exercício do direito à rescisão dos julgados e, indo além, previu três

parágrafos, cada um tratando de uma peculiaridade, todas mantidas no Código de

Processo Civil de 2015 (art. 975).

O § 1.º do art. 975 estabelece expressamente que, quando o prazo

expirar em férias forenses,567 recesso, feriados ou em dia em que não houver

expediente forense, prorrogar-se-á a data final até o primeiro dia útil

imediatamente subsequente. Em que pese a posição doutrinária no sentido de

que o prazo decadencial é material e, por essa razão, em regra, não se suspende

nem se interrompe (art. 207, Código Civil), o Código de Processo Civil de 2015

565 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar ações imprescritíveis. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 193, ano 58, jan.-mar. 1961; THEODORO JR., Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência – Um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 836, p. 49-68, 2005. 566 Pontes de Miranda já afirmava: “Se foi julgada a falsidade da prova, em juízo criminal, o prazo preclusivo somente começa de correr com o trânsito em julgado da sentença penal”. Ao referir-se ao Código de Processo Civil de 1973, esclarece: “No art. 495 fala-se de ‘trânsito em julgado da decisão’, mas, como, na espécie do art. 485, VI, 1.a parte, há o pressuposto de dois trânsitos em julgado, tem-se de atender à necessariedade do trânsito da sentença da ação penal” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 373). 567 Já tivemos a oportunidade de nos manifestar a respeito das “férias forenses” no projeto de Novo Código de Processo Civil: SANTOS, Welder Queiroz dos. A suspensão dos prazos processuais de 20 de dezembro a 20 de janeiro no projeto de Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 204, p. 249-262, 2012; e também no Código de Processo Civil de 2015: SANTOS, Welder Queiroz dos. As férias dos advogados privados: a suspensão dos prazos processuais de 20 de dezembro a 20 de janeiro no Código de Processo Civil de 2015. In: OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Impactos do Código de Processo Civil na advocacia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015. No prelo.

211

optou por acolher o entendimento já manifestado anteriormente pelo Superior

Tribunal de Justiça.568

O § 2.º do art. 975, por seu turno, estabelece que o termo inicial para a

propositura de ação rescisória com base em prova nova será considerado a partir

da sua descoberta, limitado ao prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito

em julgado da última decisão proferida no processo.569

Embora de forma mais ampla, o Código de Processo Civil de 2015 acolhe

as considerações feitas de lege ferenda por José Carlos Barbosa Moreira ao se

referir ao termo inicial para a contagem do prazo da rescisória com base em

Exame de DNA novo, no sentido de ser […] conveniente modificar aí a disciplina, não para abolir o pressuposto temporal – pois, com a ressalva que se fará adiante, relutamos em deixar a coisa julgada, indefinidamente, à mercê de impugnações –, mas para fixar o termo inicial do prazo no dia em

568 Processual civil. Agravo regimental na ação rescisória. Ajuizamento fora do prazo previsto no art. 495 do Código de Processo Civil. Decadência configurada. Indeferimento liminar da petição inicial. Agravo regimental desprovido. 1. A decisão que se pretende rescindir foi publicada no dia 10 de março de 2003 (fl. 181), tendo sido opostos embargos de declaração, que foram rejeitados pela Segunda Turma deste Pretório à consideração de que não havia omissão, obscuridade ou contradição no decisum embargado. Tal acórdão foi publicado em 8 de setembro de 2003. Diante disso, foi apresentado recurso de agravo regimental, que não foi conhecido pelo Ministro Relator sob o fundamento de que era intempestivo e incabível, já que interposto contra decisão colegiada (fl. 222). Não se conformando, os demandantes ofertaram recurso extraordinário e, ante sua não admissão pelo Presidente desta Corte, agravo de instrumento endereçado ao Supremo Tribunal Federal, com vistas a que fosse examinado o recurso extremo. O Pretório Excelso, em decisão transitada em julgado em 16 de dezembro de 2004, negou seguimento ao recurso, com respaldo no art. 21, § 1.º, do seu Regimento Interno, em razão de considerá-lo intempestivo (fl. 262). 2. Nos termos do art. 495 do Código de Processo Civil, ‘o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão’. Esse prazo, por ser decadencial, não se interrompe, nem se suspende, prevalecendo o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que, findando em dia feriado ou em fim de semana, prorroga-se o termo ad quem para o primeiro dia útil subsequente. É contado do trânsito em julgado da última decisão que tratou do mérito da demanda, ou seja, quando esta não mais for impugnável por recurso, seja por decurso de prazo, seja por inadmissibilidade da via recursal eleita. 3. No caso concreto, o termo inicial do biênio para o ajuizamento da ação rescisória foi o dia seguinte ao término do prazo para recorrer do aresto prolatado no julgamento dos embargos declaratórios opostos (publicado em 8 de setembro de 2003), e, tendo sido proposta a presente demanda somente em 15 de dezembro de 2006, mostra-se evidente a decadência. 4. Agravo regimental desprovido” (STJ, 1.ª Seção, AgRg na AR 3691/MG, Rel. Min. Denise Arruda, j. 27.06.2007, DJ 27.08.2007, p. 172). 569 Preocupado com a problemática envolvendo a prova nova, o Deputado Hugo Leal, relator-parcial referente aos livros Processos nos tribunais e meios de impugnação das decisões judiciais e Disposições finais e transitórias, propôs que o prazo fosse de cinco anos, contados do trânsito em julgado. Relatório-parcial disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostra rintegra?codteor=990797&filename=Tramitacao-PL+6025/2005>. Acesso em: 8 dez. 2012.

212

que o interessado obtém o laudo, em vez do trânsito em julgado da sentença rescindenda.570

No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni já pugnou pela imediata

intervenção legislativa ao expor que […] a sentença da ação de investigação de paternidade somente pode ser rescindida a partir de prazo contado da ciência da parte vencida sobre a existência do exame de DNA. Não obstante, a dificuldade de identificação dessa ciência, que certamente seria levantada, é somente mais uma razão a recomendar a imediata intervenção legislativa.571

Por fim, o § 3.º do art. 975 disciplina que o termo inicial para a propositura

da ação rescisória em caso de colusão das partes “começa a correr, para o

Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que

tem ciência da fraude”.

Confessadamente, o parágrafo tem inspiração no item VI do Enunciado

100 da Súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que

estabelece: “Na hipótese de colusão das partes, o prazo decadencial da ação

rescisória somente começa a fluir para o Ministério Público, que não interveio no

processo principal, a partir do momento em que tem ciência da fraude”.

Para fins do presente trabalho, que se refere à ação rescisória por

violação manifesta à norma jurídica e, em especial, a precedente judicial, o prazo

para o exercício do direito de rescisão dos julgados seguirá, comumente, a regra

geral que prevê o prazo decadencial de dois anos para a propositura da

demanda.

No entanto, há duas peculiaridades que merecem análise especial: o

prazo para a ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito e capítulo não

recorrido, com a subespecificidade quanto ao juízo de não admissibilidade do

recurso, e o prazo para propositura de ação rescisória fundada em “coisa julgada

inconstitucional”.

570 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 248. 571 MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 277.

213

4.4.1 Especificamente o prazo para a ação rescisória contra decisão interlocutória

de mérito e capítulo não recorrido

O Deputado Hugo Leal, relator parcial dos livros Processos nos tribunais

e meios de impugnação das decisões judiciais e Disposições finais e transitórias,

foi feliz ao propor, em seu Relatório Parcial, a regulamentação do prazo para a

ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito e contra capítulo não

recorrido, na linha do Enunciado 100, item II, da Súmula do Tribunal Superior do

Trabalho,572 com os seguintes dispositivos: No caso de decisão parcial de mérito, o prazo a que se refere o caput conta-se do respectivo trânsito em julgado, e também que No caso de recurso parcial, nos termos do art. ___, o prazo a que se refere o caput conta-se do trânsito em julgado do capítulo não recorrido.573

Os textos acima não foram acolhidos e atualmente a matéria é regida pela

regra geral constante do caput do art. 975: “O direito à rescisão se extingue em 2

(dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no

processo”.

Quanto ao termo inicial da contagem do prazo, uma vez transitada em

julgado a decisão interlocutória de mérito ou o capítulo não recorrido, a ação

rescisória pode ser proposta desde logo.574

572 Enunciado 100, II, Súmula do TST: “Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial”. 573 O relatório parcial do Deputado Hugo Leal, referente aos livros Processos nos tribunais e meios de impugnação das decisões judiciais e Disposições finais e transitórias, está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=990797&filename=Tramitacao-PL+6025/2005>. Acesso em: 2 abr. 2017. 574 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Ação rescisória. Temas essenciais do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 625; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1394; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 634; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 460-463; BARIONI, Rodrigo. Comentários ao art. 975. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2175; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao art. 975. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1414; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 975. Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1218; PEIXOTO, Ravi. Ação rescisória e capítulos de sentença: a análise de uma relação conturbada a partir do

214

No entanto, a grande questão sobre o presente tema diz respeito ao

termo final.

Há basicamente dois posicionamentos na doutrina sobre a norma jurídica

extraível da interpretação do dispositivo a respeito do prazo para o exercício do

direito de rescisão de decisão interlocutória de mérito e de capítulo não recorrido.

De um lado, pode ser interpretada como a última decisão entre todas as decisões

que podem ser proferidas em um mesmo processo; de outro, como a última

decisão do processo referente ao capítulo julgado.

Teresa Arruda Alvim entende que somente a última decisão transitada em

julgado terá o prazo de dois anos para ser rescindida, tendo a decisão

interlocutória de mérito e o capítulo não recorrido prazo maior do que este. Para a

relatora-geral da comissão responsável pela elaboração do anteprojeto de Código

de Processo Civil, “o prazo não se esgota, se o autor da eventual rescisória

preferir esperar que haja trânsito em julgado de todas as decisões”. 575 Luiz

Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero sustentam que “o

trânsito em julgado ocorre em um único momento, com o que o novo Código

expressamente rejeitou a possibilidade de formação da coisa julgada por

capítulos”.576 Alexandre Freitas Câmara enfatiza que “o termo inicial do prazo

decadencial não é o trânsito em julgado da decisão rescindenda, mas o momento

do trânsito em julgado da última decisão a ser proferida no processo”.577 Rodrigo

Barioni afirma que “por ‘última decisão proferida no processo’ deve-se entender a

última decisão proferida na causa, na fase de conhecimento”. 578 Jaldemiro

Rodrigues de Ataíde Jr. aduz que interpretação diversa desconsideraria o Código de Processo Civil/2015. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 223-243. (Coleção Novo Código de Processo Civil – Doutrina selecionada, v. 6.); ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada sobre as decisões parciais de mérito e ação rescisória. Processo em jornadas. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 508-523. 575 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Ação rescisória. Temas essenciais do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 625; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1394. 576 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 15, p. 481; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. v. 2, p. 595. 577 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 476. 578 BARIONI, Rodrigo. Comentários ao art. 975. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2176.

215

“programa da norma”. 579 José Henrique Mouta Araújo assevera que a coisa

julgada ficará sujeita a rescisória sem fixação imediata de seu termo final, que, em

seu modo de ver, será resolvida pela análise do interesse processual para a sua

propositura.580 Daniel Amorim Assumpção Neves admite o trânsito em julgado

parcial, no entanto considera que o termo final ocorre apenas dois anos após o

trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.581 Por fim, José

Miguel Garcia Medina também possui o mesmo entendimento em caso de

decisão parcial de mérito.582

Essa interpretação leva em conta parte do Enunciado 401 da Súmula do

Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que o prazo de dois anos é contado

de “quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.

Todavia, em nosso sentir, esse entendimento é incompatível com o

Código de Processo Civil de 2015 que adota expressamente a possibilidade de

julgamento parcial de mérito (art. 356), reconhece a teoria dos capítulos da

decisão judicial (art. 966, § 3.º; art. 1.009, § 3.º; art. 1.013, § 5.º), prevê o trânsito

em julgado parcial (art. 356, § 3.º) e, por consequência, aceita a possibilidade de

formação de coisa julgada progressiva, gradual ou parcial, tornando imutável e

indiscutível a decisão de mérito ou o capítulo não recorrido (art. 502).

Havendo julgamento parcial de mérito ou, em caso de recurso parcial,

existindo capítulo não recorrido, o prazo para a propositura de ação rescisória

inicia-se imediatamente e decai em dois anos do trânsito em julgado dessa

decisão ou, em caso de recurso, da decisão que a substituir por último, sob pena

de situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo serem passíveis de

rescisão muitos anos após o trânsito em julgado da decisão que resolveu o

mérito.

Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno leciona que, em caso de

decisão parcial de mérito, não pode ocorrer a superação dos dois anos após o

579 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 975. Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1218; 580 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada sobre as decisões parciais de mérito e ação rescisória. Processo em jornadas. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 519. 581 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015. p. 497. 582 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1319-1320.

216

seu trânsito em julgado para fins rescisórios.583 Flávio Luiz Yarshell sustenta que,

na hipótese de resolução parcial de mérito, o art. 975 deve ser interpretado de

forma sistemática, correndo o prazo de rescisória da última decisão referente ao

julgamento antecipado parcial do mérito.584 Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro

da Cunha defendem que há mais de um prazo para cada coisa julgada e que o

termo final conta-se da última decisão sobre a questão acobertada pela coisa

julgada; se houver interposição de recurso, “a decisão que substituiu por último”.

Afirmam que essa interpretação “está em consonância com os princípios da

segurança jurídica e da boa-fé processual” e relaciona-se estritamente com o

princípio da igualdade entre o prazo que o credor tem para executar e o prazo que

o devedor dispõe para propor ação rescisória.585 Leonardo Greco esclarece que

“A última decisão proferida no processo é, pois, aquela que por último decidiu a

questão sobre a qual versa a ação rescisória e não qualquer outra decisão que

tenha sido proferida posteriormente sobre questão diversa.” 586 Humberto

Theodoro Júnior é peremptório ao declarar que a literalidade do “dispositivo do

art. 975, que unifica o prazo da ação rescisória, sem respeitar a formação

parcelada da res iudicata, padece de inconteste inconstitucionalidade”.587 Délio

Mota de Oliveira Júnior também pensa que a interpretação literal do art. 975 se

mostra inconstitucional e em contradição com o sistema processual civil, de modo

que o prazo de dois anos é contado “do respectivo trânsito em julgado da última

decisão proferida em relação a cada capítulo autônomo e independente”.588 Por

fim, Ravi Peixoto expõe que a interpretação adequada deve ser “no sentido de

583 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 634. 584 YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no Código de Processo Civil. O novo Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 169. 585 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 462-463. 586 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 354. 587 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. III, p. 895. 588 OLIVEIRA JÚNIOR, Délio Mota de. A formação progressiva da coisa julgada material e o prazo para o ajuizamento da ação rescisória: contradição do novo Código de Processo Civil. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 121. (Coleção Novo Código de Processo Civil – Doutrina selecionada, v. 6.)

217

que ele faz referência à última decisão proferida em cada capítulo [...], ou seja, à

decisão que substituiu por último cada capítulo”.589

Com efeito, o art. 5.º, XXXVI, da Constituição assegura a inviolabilidade

da coisa julgada como direito fundamental, ao garantir que “a lei não prejudicará o

direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Sendo assim, é necessário interpretar o caput do art. 975, no que tange

às decisões parciais de mérito e aos capítulos não recorridos, em conformidade

com a Constituição, para que seja emitida uma intepretação constitucionalmente

possível.590

Ao adotar expressamente a possibilidade de resolução parcial de mérito e

a teoria dos capítulos da decisão judicial, o Código de Processo Civil de 2015

definitivamente admitiu que a coisa julgada é constituída de forma progressiva,

gradual ou parcial. Portanto, transitada em julgado a decisão parcial de mérito ou

o capítulo não recorrido, a desconstituição da coisa julgada somente poderá

ocorrer se a ação rescisória for proposta em dois anos, sob pena de transgressão

ao art. 5.º, XXXVI, da Constituição e de decadência do direito de rescisão.

Em caso de decisão parcial de mérito não mais sujeita a recurso e de

capítulo não recorrido por recurso parcial, haverá inquestionavelmente o trânsito

em julgado. Sendo assim, o prazo de dois anos para a propositura da ação

rescisória conta-se do respectivo trânsito em julgado da decisão parcial de mérito

ou, no caso de recurso parcial, do trânsito em julgado do capítulo não recorrido.

A expressão “última decisão proferida no processo” deve ser interpretada

como a última decisão sobre o pedido julgado por decisão parcial de mérito ou

sobre o capítulo não recorrido. Essa é a interpretação que, em nosso sentir,

garante o direito fundamental à coisa julgada e o princípio da segurança jurídica.

Nesse sentido, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, à

unanimidade de votos, reconheceu que “Os capítulos autônomos do 589 PEIXOTO, Ravi. Ação rescisória e capítulos de sentença: a análise de uma relação conturbada a partir do Código de Processo Civil/2015. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 166. (Coleção Novo Código de Processo Civil – Doutrina selecionada, v. 6.) 590 Sobre as técnicas de interpretação em controle de constitucionalidade de leis: MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Contemporâneo. Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 13-66; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. v. 1, p. 128-131.

218

pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso,

surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a

propositura da rescisória”.591

O Ministro Marco Aurélio, relator do recurso, acertadamente consignou

em seu voto: […] deve ser recusada qualquer tese versando unidade absoluta de termo inicial do biênio previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil [art. 975 do Código de Processo Civil de 2015]. O prazo para formalização da rescisória, em homenagem à natureza fundamental da coisa julgada, só pode iniciar-se de modo independente, relativo a cada decisão autônoma, a partir da preclusão maior progressiva.

Portanto, o termo final do prazo de dois anos para o exercício do direito à

rescisão de decisão interlocutória de mérito e de capítulo não recorrido conta-se

do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ou seja, da última decisão

referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória, e não do último

pronunciamento posterior proferido no processo sobre questão diversa.

4.4.1.1 Especificamente quanto ao juízo de não admissibilidade do recurso

Na pendência de apreciação de admissibilidade de recurso interposto

contra qualquer pronunciamento judicial, a decisão de não conhecimento do

recurso não produz efeitos retroativos, exceto em caso de manifesta

intempestividade, sob pena de o sistema admitir o ajuizamento de ação rescisória

condicional.592 Enquanto estiver pendente a decisão sobre a admissibilidade do

recurso, não se pode entender que o prazo para a rescisória tenha se iniciado,593

como forma de evitar surpresa.

O prazo só começa da decisão em último grau que não conhece do

recurso interposto. Esse entendimento assegura que as partes não sejam

591 STF, 1.a Turma, RE 666.589/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.06.2014, v.u. 592 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 462-463. 593 Nesse sentido, o item III do Enunciado 100 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho propugna que: “Salvo se houver dúvida razoável, a interposição de recurso intempestivo ou a interposição de recurso incabível não protrai o termo inicial do prazo decadencial”.

219

surpreendidas por uma decisão que inadmite o recurso depois de mais de dois

anos de sua interposição.

Assim sendo, Flávio Luiz Yarshell aduz que, ”no caso de não

conhecimento de recurso, é forçoso considerar a última decisão e só aí contar o

prazo para rescisória”.594 Marcelo Abelha Rodrigues manifesta que, ainda que o

juízo de admissibilidade seja negativo, “por amor a estabilidade e a segurança

jurídica conta-se [o prazo] a partir da última decisão do processo”.595 Rodrigo

Barioni, na mesma linha, entende que: Por “última decisão proferida no processo” deve-se entender a última decisão proferida na causa, na fase de conhecimento. Caso tenha havido recurso, [o prazo] será a decisão proferida nesse recurso. Caso a decisão se refira a admissibilidade do recurso, tem-se que o prazo bienal será contado do trânsito em julgado dessa decisão, salvo quando se tratar de hipótese de manifesta intempestividade.596

Logo, em caso de recurso pendente de juízo de admissibilidade, os dois

anos para o exercício do direito à rescisão dos julgados inicia-se da última

decisão sobre esse recurso, ainda que ele não seja conhecido, salvo

intempestividade manifesta.

4.4.2 Especificamente o prazo para propositura de ação rescisória fundada em

“coisa julgada inconstitucional” (art. 525, § 15, e art. 535, § 8.º)

De acordo com o § 15 do art. 525 e com o § 8.º do art. 535 do Código de

Processo Civil, caberá ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional

quando a obrigação reconhecida em decisão judicial transitada em julgado for

fundada em lei ou ato normativo considerado supervenientemente inconstitucional

pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou interpretação da lei

ou do ato normativo tido posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal como

incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade

594 YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no Código de Processo Civil. O novo Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 169. 595 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1370. 596 BARIONI, Rodrigo. Comentários ao art. 975. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2176.

220

concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por modulação, em

atenção à segurança jurídica, “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da

decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.

A violação à norma jurídica constitucional por decisão fundada em “coisa

julgada inconstitucional” dá azo à propositura de ação rescisória com fundamento

no inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil, no prazo de dois anos,

contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo sobre o

pedido, e, com fundamento no § 15 art. 525 ou no § 8.º do art. 535 do Código de

Processo Civil, no prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão

proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.

Além de ter dois prazos iguais, mas com termos iniciais diversos, o § 15

art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil autorizam a reabertura

do prazo para o exercício do direito de rescisão de julgados com fundamento em

julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Os dispositivos, embora formalmente constitucionais, como demonstrado

em item anterior, são, em sua interpretação literal, materialmente inconstitucionais

por incompatibilidade com os direitos fundamentais à segurança jurídica e à coisa

julgada; esta, corolário daquela. 597 É esse o motivo pelo qual Cassio Scarpinella

Bueno afirma que “é questionável, do ponto de vista substancial, a

constitucionalidade do § 15 do art. 525, diante da segurança jurídica, derivada

inequivocamente do inciso XXXVI do art. 5.º da CF”.598 Em outra obra, assevera

que o dispositivo gera “questionamento que merece ser dirigido à regra diante da

insegurança jurídica por ela promovida”.599 No mesmo sentido é o entendimento

597 José Rogério Cruz e Tucci observa que “coloca-se em xeque a segurança jurídica, uma vez que o pronunciamento da excelsa Corte pode sobrevir de muitos anos do trânsito em julgado” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários ao art. 525. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. VIII, p. 307); Beclaute Oliveira Silva atenta-se para a insegurança jurídica do enunciado normativo: “Abre-se um problema grave para a segurança jurídica, já que o jurisdicionado terá uma coisa julgada que pode vir a ser rescindível, caso o STF profira decisão de inconstitucionalidade anos depois” (SILVA, Beclaute Oliveira. Comentários ao art. 525. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 708). 598 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 616. 599 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 450.

221

de Dorival Renato Pavan,600 de Luiz Guilherme Marinoni,601 de Nelson Nery Junior

e Rosa Maria de Andrade Nery,602 e de Rogerio Mollica e Elias Marques de

Medeiros Neto.603

600 “Para fins de rescisória, tal como consta do § 15, não será computado o tempo entre o trânsito em julgado da decisão judicial do primeiro e seguindo graus e o trânsito em julgado de um acórdão do Supremo Tribunal Federal proferido depois desse julgamento. É como se a sentença não tivesse transitado em julgado. O preceito (§ 15) viola frontalmente a Constituição Federal (art. 5.º, XXXVI), direito inscrito entre os direitos fundamentais, que é o respeito à soberania da coisa julgada” (PAVAN, Dorival Renato. Comentários ao art. 525. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2, p. 717). 601 “A norma do novo CPC [§ 15 do art. 525] merece muita atenção, pois ela é irremediavelmente inconstitucional. [...] A coisa julgada está claramente garantida no art. 5.º, XXXVI, da CF. Nenhuma lei pode dar ao juiz poder para desconsiderar a coisa julgada material, até porque nenhum juiz pode negar decisão de membro do Poder Judiciário. A intangibilidade da coisa julgada material é essencial para a tutela da segurança jurídica, sem a qual não há Estado de Direito, ou melhor, sem a qual nenhuma pessoa pode se desenvolver e a economia não pode frutificar. [...] Tudo isso significa que os juízes e tribunais não devem aplicar o § 15 do art. 525 do CPC de 2015, dada a sua inescondível e insuperável inconstitucionalidade. Aliás, como será visto a seguir, o Supremo Tribunal Federal recentemente declarou a impossibilidade de ação rescisória baseada em ulterior precedente da sua lavra exatamente sob o fundamento de que isso configuraria violação da garantia constitucional da coisa julgada material” (MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da decisão de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 106-108). 602 “Ação rescisória como consequência da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF. Na hipótese de o STF proferir a decisão de inconstitucionalidade, cujo trânsito em julgado ocorrer depois de transitada em julgado a decisão que está sendo executada, o executado não poderá alegar a inexequibilidade do título nem a inexigibilidade da obrigação (CPC 525 § 1.º III), em virtude do disposto no CPC 525 § 14. O texto ora comentado autoriza a rescindibilidade da sentença ou do acórdão exequendo (CPC 966 V), no prazo previsto para o exercício dessa pretensão rescisória – 2 anos (CPC 975 caput). Ação rescisória. Segurança jurídica. Contudo, determina o texto comentado que o dies a quo desse prazo seja o do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. Haveria, portanto, dois prazos de rescisória? O prazo 1 – dois anos a contar do trânsito em julgado da própria sentença exequenda – e o prazo 2 – dois anos a contar do trânsito em julgado do acórdão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em que se funda a sentença exequenda? A pretensão rescisória extinta pela decadência não pode renascer pela decisão futura do STF. Saliente-se que a ADIn, por exemplo, não tem prazo de exercício previsto em lei, de sorte que se trata de pretensão perpétua, que pode ser ajuizada dois, cinco, dez, vinte anos depois da entrada em vigor da lei apontada inconstitucional. Por óbvio, a rescisória – instituto que se caracteriza como exceção à regra constitucional da intangibilidade da coisa julgada material (CF 5.º XXXVI), que, como exceção, deve ser interpretada restritivamente – não pode receber esse mesmo tratamento nem as partes devem submeter-se a essa absoluta insegurança jurídica. Daí por que, extinta a pretensão rescisória pela decadência, não pode renascer. Entendimento diverso ofenderia o princípio constitucional da segurança jurídica e a garantia fundamental da intangibilidade da coisa julgada (CF 5.º XXXVI). Para que possa dar-se como constitucional, o dies a quo fixado no texto normativo sob comentário deve ser interpretado conforme a Constituição. Assim, somente pode ser iniciado o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, se ainda não tiver sido extinta a pretensão rescisória cujo prazo tenha se iniciado do trânsito em julgado da decisão exequenda. Em outras palavras, o que o texto comentado autoriza é uma espécie de alargamento do prazo da rescisória que está em curso” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1309. Destaques no original). 603 “Portanto, o Novo Código ao possibilitar a reabertura, em certas circunstâncias, do prazo para o ajuizamento de ação rescisória, após decisões do STF em sentido contrário à coisa julgada

222

A consequência da declaração de inconstitucionalidade do § 15 art. 525 e

do § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil, segundo os autores

anteriormente citados, será que o cabimento da ação rescisória se dará com base

no inciso V do art. 966 (violar manifestamente norma jurídica) e o prazo será de

dois anos, contados do trânsito em julgado da última decisão transitada em

julgado proferida no processo sobre o pedido examinado.

No entanto, apesar de a interpretação literal dos dispositivos conduzirem

a uma inconstitucionalidade material, é preciso, pois, verificar se é possível

interpretar o § 15 art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil em

conformidade com a Constituição (mediante técnica de interpretação conforme a

Constituição) e com o sistema processual estabelecido pelo próprio Código.604

Em busca de uma interpretação compatível com a Constituição,

Alexandre Freitas Câmara, após observar que a “lei fixa o termo inicial do prazo formada, trará grande insegurança; pois as partes nunca saberão se a decisão transitada em julgada será definitiva ou se poderá ser revista após eventual decisão posterior do STF. [...] em relação às decisões que venham a transitar em julgado após a vigência do Novo Código, a insegurança jurídica reinará, pois nunca se saberá se a decisão transitada em julgado será imutável, pois muitos anos após o trânsito em julgado poderá ser prolatada uma decisão pelo STF em sentido diverso, sendo possível a reabertura do prazo para o ajuizamento da Ação Rescisória” (MOLLICA, Rogerio; MEDEIROS NETO, Elias Marques de. O § 15 do art. 525 e o § 8.o do art. 535 do Novo Código de Processo Civil: considerações sobre a reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória e a segurança jurídica. Revista de Processo, ano 41, v. 262, p. 223-242, esp. p. 230, dez. 2016). 604 Nesse sentido, foi a resposta à pergunta “Como interpretar e aplicar o CPC de 2015?” que deu nome à 1.ª Mesa (integrada também pelos Professores Flávio Luiz Yarshell, Arlete Ines Aurelli, Luiz Henrique Volpe Camargo) do Ciclo de Debates sobre o Código de Processo Civil ocorrido no dia 4 de agosto de 2017 no belíssimo TUCA (Teatro da PUC/SP), sob a Coordenação do Professor Cassio Scarpinella Bueno, conforme excerto: “[...] a interpretação dos textos normativos do CPC de 2015 deve observar os preceitos que veiculam matérias processuais estabelecidos na Constituição e nos Tratados Internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica. Em outras palavras, a interpretação do CPC de 2015 deve observar o ‘modelo constitucional do direito processual civil’, para usar expressão amplamente difundida no Brasil por Cassio Scarpinella Bueno, como enfatiza o seu art. 1.º: ‘O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’. Ademais, o CPC de 2015 deve ser interpretado de acordo com os direitos processuais fundamentais e humanos (normalmente contidos na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais) que possuem inequívoca aplicabilidade imediata no ordenamento jurídico brasileiro (art. 5.º, § 2.º, Constituição). [...] Por fim, o CPC de 2015 deve ser interpretado em conformidade com o sistema processual estabelecido por ele próprio e a partir dele. Neste sentido, é importante analisar que entre os objetivos traçados pela Comissão de Juristas elaboradora do Anteprojeto de novo CPC (e contidos na exposição de motivos) encontra-se o ‘maior grau de organicidade ao sistema processual’. Isso chama a atenção para a importância da interpretação e aplicação sistemática dos textos normativos do CPC de 2015” (SANTOS, Welder Queiroz dos. Como interpretar e aplicar o CPC de 2015? Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/12/18/como-interpretar-aplicar-cpc-de-2015/>. Acesso em: 3 jan. 2018).

223

decadencial para exercício do direito à rescisão, mas não estabelece seu limite

máximo”, sendo “motivo de insegurança jurídica”, propõe a interpretação

analógica ao disposto no art. 205 do Código Civil, que trata do limite máximo dos

prazos prescricionais para casos sem prazo predeterminado (em aproximação da

prescrição e da decadência), para estabelecer o prazo de dez anos, contados do

“trânsito em julgado da última decisão proferida no processo em que se prolatou a

decisão rescindenda”.605 Propõe, portanto, o prazo rescisório de dez anos do

trânsito em julgado da decisão rescindenda em caso de violação à norma jurídica

constitucional.

Por sua vez, Heitor Vitor Mendonça Sica entende que os dispositivos

abrem a possibilidade de rescisão de julgados ad infinitum, ao definir o termo

inicial sem estabelecer o termo final, sendo fonte de insegurança jurídica. Propõe,

então, a interpretação sistemática do art. 525, § 15, com o art. 975, § 2.º, para

manter o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória, contados do

trânsito em julgado da decisão do STF, mas limitado ao prazo de cinco anos,

contados do trânsito em julgado da decisão que constitui título executivo. Por fim,

ressalva que essa rescisória tem por finalidade “eliminar a exigibilidade da

605 “Parece, então, que em alguns casos o sistema processual, para viabilizar a rescisão de determinadas decisões, abriria mão da segurança jurídica, já que estabelece um termo inicial móvel para que comece a correr o prazo para exercício do direito à rescisão, mas não estabelece um limite máximo de tempo para que este direito venha a ser exercido. Isto, porém, contraria a necessidade de preservação do direito fundamental à segurança jurídica (art. 5.º, caput, da Constituição da República). Vale destacar, aliás, que o próprio Código de Processo Civil faz alusão, em sete diferentes ocasiões (art. 525, § 13; art. 535, § 6.º; art. 927, § 3.º; art. 927, § 4.º; art. 976, II; art. 982, § 3.º e art. 1.029, § 4.º) à necessidade de preservação da segurança jurídica. Por tal razão, deve-se considerar que a interpretação meramente literal, por força da qual se chega à conclusão de que não há limite temporal para que se exerça o direito à rescisão (desde que a ação rescisória seja proposta dentro do prazo de dois anos, cujo termo inicial, móvel, pode ocorrer a qualquer momento, sem qualquer limite) não é a interpretação constitucionalmente adequada, nem a que se conforma com o próprio sistema do Código de Processo Civil. Afinal, não se pode esquecer do comando contido no art. 1.º, por força do qual ‘o processo civil será [interpretado] conforme [as] normas fundamentais [estabelecidas] na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’. Por conta disso, propõe-se aqui uma aplicação analógica do disposto no art. 205 do Código Civil, que trata do limite máximo dos prazos prescricionais (mas sendo legítima essa aproximação entre prescrição e decadência, já que o próprio Código de Processo Civil promove essa aproximação em algumas ocasiões, como se dá, por exemplo, no art. 240). Assim, deve-se considerar que, por força da segurança jurídica inerente à própria existência dos institutos da prescrição e da decadência, nos casos previstos no art. 975, § 3.º, e nos arts. 525, § 15, e 535, § 8.º, o direito à rescisão só poderá ser exercido até dez anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo em que se prolatou a decisão rescindenda” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 469-470).

224

obrigação nele reconhecida, mas não para excluir do mundo jurídico o comando

declaratório contido na decisão”.606

Esta última interpretação afigura-se como a que melhor compatibiliza o §

15 art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil com a Constituição

do Brasil (que garante os direitos fundamentais à segurança jurídica e à coisa

julgada) e com o sistema processual estabelecido pelo próprio Código (que

também estabelece termo inicial diferenciado para a contagem do prazo de dois

anos em caso de descoberta da prova nova, mas limita-se ao prazo máximo de

cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no

processo. Essa aplicação da técnica de interpretação conforme à Constituição

cumpre exatamente a sua função de declarar a única interpretação possível e

compatível com a Constituição quando a lei interpretada em sua literalidade for

inconstitucional.

Portanto, o § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo

Civil devem ser interpretados conforme à Constituição para admitir o cabimento

de ação rescisória quando a obrigação reconhecida em decisão judicial transitada

em julgado for fundada em lei ou ato normativo considerado supervenientemente

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou

606 “Já o § 14 do dispositivo, a fim de prestigiar a coisa julgada, dispõe que a decisão apta a gerar o efeito previsto no § 12 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão que constitui título executivo. Esse dispositivo enseja perplexidade, pois são notoriamente frequentes os casos em que há considerável lapso temporal entre o proferimento de um acórdão e a divulgação do seu texto completo e, mais ainda, sua publicação no Diário Oficial. Isso será fonte de insegurança jurídica. Por fim, levando-se em conta a necessidade de equilibrar a imutabilidade da coisa julgada com a eficácia ultra partes das decisões do STF em matéria de controle de constitucionalidade, o § 15 dispõe que o exequente poderá manejar ação rescisória, cujo prazo (de dois anos, a teor do art. 975) passa a ser contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Essa última norma merece detida reflexão. A primeira constatação é a de que o dispositivo está mal colocado, pois deveria figurar dentre as demais regras pertinentes à ação rescisória, e não dentre aquelas dedicadas à impugnação ao cumprimento de sentença. A segunda constatação é a de que, em tese, o dispositivo abre ensejo para que o prazo de ajuizamento da ação rescisória seja ad infinitum, pois define um termo a quo (trânsito em julgado da decisão do STF) sem indicar o termo ad quem (como faz o art. 975). Numa interpretação sistemática do art. 525, § 15, com o art. 975, § 2.º, pode-se concluir que o prazo para ajuizamento da rescisória previsto no primeiro dispositivo deva se ajustar ao limite temporal de cinco anos contado do trânsito em julgado da decisão que constitui título executivo, previsto no segundo dispositivo referido. Ademais, por se tratar de uma norma especial a reger a ação rescisória, ela se presta apenas para a rescisão parcial do título executivo, isto é, para eliminar a exigibilidade da obrigação nele reconhecida, mas não para excluir do mundo jurídico o comando declaratório contido na decisão” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Comentários ao art. 525. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 832-833).

225

interpretação da lei ou do ato normativo tido posteriormente pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de

constitucionalidade concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por

modulação, em atenção à segurança jurídica, “cujo prazo será contado do trânsito

em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, mas limitado ao

prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão

referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória.

4.3 Formação do precedente, trânsito em julgado da decisão e cabimento de ação

rescisória

Verificada a possibilidade de rescisão da decisão judicial e de

desconstituição da coisa julgada em caso de violação a precedente, resta analisar

as complexas questões referentes ao momento de formação do precedente, ao

momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação

rescisória.

O art. 966, V, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de

rescindibilidade da decisão transitada em julgado que violar manifestamente

norma jurídica, viabilizando a desconstituição da coisa julgada e o rejulgamento

da causa com a aplicação correta da norma jurídica construída à luz do

ordenamento jurídico brasileiro no tocante à determinada circunstância fática.

Trata-se de hipótese de rescisão da decisão rescindenda prevista no

ordenamento jurídico brasileiro por injustiça (erro de julgamento), e não por vício

processual em seu julgamento.607

O Código de Processo Civil preocupou-se com a promoção de um Estado

Democrático de Direito ao criar um sistema processual civil que busca

proporcionar à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos de cada

um dos jurisdicionados.608

607 No Capítulo 2, item 2.1, foi analisado que essa amplitude de rescindibilidade no Brasil não é imune a críticas. No entanto, é a opção do direito positivo brasileiro. 608 Consta ainda na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015: “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que tem cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema

226

Buscou também realizar princípios inerentes ao próprio Estado

Democrático de Direito, como a legalidade, a igualdade e a segurança jurídica,

com potencial de gerar resultados mais justos à sociedade,609 nos limites do

ordenamento jurídico brasileiro.

A aplicação de normas jurídicas de conteúdos distintos às mesmas

circunstâncias fáticas ocorridas em um mesmo momento histórico, seja por um

mesmo tribunal, seja por tribunais distintos, não realiza o princípio da legalidade e

viola o princípio da igualdade, além de gerar intranquilidade e perplexidade ao

jurisdicionado 610 e de reduzir a credibilidade do Poder Judiciário perante a

sociedade.611

processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 21). 609 Também consta na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015: “O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 23). 610 Conforme, mais uma vez, a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015: “Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 25). 611 Como afirma Marcelo Barbi Gonçalves: “É evidente que a vinculação à jurisprudência dos Tribunais é medida salutar que privilegia a isonomia, segurança jurídica, duração razoável dos processos e a credibilidade do Poder Judiciário” (GONÇALVES, Marcelo Barbi. Ação rescisória e uniformização jurisprudencial: considerações sobre a Jihad nomofilática. Revista Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185-217, esp. p. 215, abr.-jun. 2016). Em aula magna de abertura do 1.º semestre letivo de 2001 da Escola da Magistratura do Estado Rio de Janeiro (Emerj), intitulada “O Judiciário e a credibilidade da Justiça”, realizada no dia 5 de fevereiro, o Desembargador Marcus Antonio de Souza Faver, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro à época, observou: “Todavia, ao estabelecer a decisão a nível microprocessual, o juiz não pode se esquecer de que há na decisão um conteúdo macroprocessual, pois a sociedade irá tirar daquele pronunciamento, uma orientação de conduta em outros litígios assemelhados partindo da orientação jurídica, anteriormente delineada por aquela decisão, por aquele juiz. [...] Há, ainda, outra realidade, hoje absolutamente interligada a esse tipo de comportamento, e que também me parece evidente. O Judiciário não é um Poder afastado dos demais, mas integrante dos três Poderes do Estado, de acordo com a nossa estrutura constitucional (a meu ver uma das melhores). O Judiciário é, assim, na realidade, um Poder político, o que se evidencia pelos efeitos macroprocessuais das suas decisões” (FAVER, Marcus Antonio de Souza. O Judiciário e a credibilidade da Justiça. Revista da Emerj, v. 4, n. 13, p. 13, 2001).

227

Isso porque as normas jurídicas são preordenadas a terem somente uma

interpretação correta relativamente a determinado contexto fático e em dado

momento histórico, prestigiando-se, assim, a unidade do direito, sob pena de

violação ao princípio da isonomia e da legalidade.

Seguindo a tendência anterior, o Código de Processo Civil estabeleceu no

ordenamento jurídico brasileiro um sistema de formação e de vinculação de

determinados precedentes judiciais que moldam o ordenamento jurídico, pelos

quais as teses jurídicas preestabelecidas refletem nos demais processos que têm

e que tiverem a mesma questão fático-jurídica.

Nesse sentido, no prazo previsto em lei, o Código de Processo Civil

viabiliza a ação rescisória por violação a precedentes como forma de assegurar

ao cidadão que teve uma decisão judicial transitada em julgado contrária ao

correto sentido atribuído ao ordenamento jurídico brasileiro concernente a

determinada circunstância fática em um dado momento histórico, concretizando,

assim, os princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica

decorrente da previsibilidade da atuação estatal, em detrimento da segurança

jurídica como estabilidade da relação jurídica decorrente da coisa julgada.

Em outras palavras, havendo segurança jurídica como previsibilidade

decorrente da existência de precedentes judiciais que asseguram maior

integridade, coerência e estabilidade ao sistema jurídico, observado o prazo

rescisório previsto em lei, esta deve prevalecer sobre a coisa julgada, como

elemento da segurança jurídica que leva estabilidade à relação jurídica individual

apreciada pelo Poder Judiciário.

Nessa linha, Teresa Arruda Alvim leciona que a segurança jurídica ligada

ao princípio da isonomia deve prevalecer sobre a segurança decorrente da coisa

julgada, in verbis: O sentido do valor segurança pelo qual optamos não é o necessariamente consistente na opção que congele o passado, que mantenha o que há, a qualquer preço, mas a segurança de se ter conseguido o melhor, portanto, segurança com conteúdo. Ao nos posicionarmos no sentido da impugnabilidade de tais decisões, optamos pela segurança ligada ao princípio da isonomia, à necessidade de uniformidade das decisões judiciais proferidas em face dos mesmos fatos e do mesmo texto legal, à

228

segurança de que a decisão que prevalecerá será a melhor, enfim a segurança com os olhos voltados para o futuro.612

Como se afirmou no item 2.1 do presente trabalho, a coisa julgada, a

pretexto de assegurar a estabilidade da relação jurídica e a segurança jurídica no

caso individual, não pode ser tida como um instituto jurídico que faz do branco o

negro; do quadrado o redondo (no sentido do aforismo: “res iudicata facit de albo

nigrum, de quadratum rotundum”), ou vice-versa, ao aplicar norma jurídica com

sentido errôneo com relação às circunstâncias fáticas que embasam a

controvérsia.

O próprio Estado tem (deve ter) o interesse de que a resolução dos

conflitos ocorra em conformidade com o direito. Ao viabilizar rescisão de decisões

judiciais e a desconstituição da coisa julgada por violação manifesta à norma

jurídica, o Código de Processo Civil fornece um meio rescisório com a finalidade

de propiciar aos jurisdicionados uma justiça mais justa.

Pautados nessas premissas, os itens seguintes destinam-se a analisar

questões referentes à formação do precedente, ao trânsito em julgado da decisão

rescindenda e ao cabimento de ação rescisória no tempo.

4.3.1 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda e formação posterior de precedente em sentido contrário à decisão

O cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica

independe da existência de precedente judicial. Uma decisão judicial pode violar a

norma jurídica quando aplicar equivocadamente vigência a enunciado normativo

vigente; não aplicar enunciado normativo aplicável ou aplicar enunciado normativo

inaplicável.

Por exemplo, se em uma ação de reparação de danos decorrente de

responsabilidade civil contratual a decisão judicial transitada em julgado afasta a

alegação de prescrição no prazo de três anos, 613 entende-se que o prazo

612 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 353-354. 613 Art. 206, § 3.o, V, do Código Civil: “Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil”.

229

prescricional seria de dez anos, 614 condenando o demandado a pagar ao

demandante indenização por danos emergentes e lucros cessantes. Mesmo a

demanda tendo sido proposta seis anos depois da rescisão unilateral do contrato,

poderá o demandado propor ação rescisória com fundamento na violação

manifesta ao art. 206, § 3.º, V, do Código Civil, tendo em vista que o prazo

prescricional para a reparação civil, tanto extracontratual quanto contratual, é de

três anos,615 e requerer a rescisão da decisão judicial e o rejulgamento a causa,

mesmo a matéria não tendo sido objeto de julgamento em sede recursos

repetitivos, de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), de

incidente de assunção de competência (IAC), nem de enunciado de súmula do

Superior Tribunal de Justiça.

Se é cabível ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica

quando a decisão rescindenda dá sentido errôneo aos enunciados normativos à

luz de determinadas circunstâncias fáticas em um mesmo momento histórico, com

614 Art. 205 do Código Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. 615 Esse foi o entendimento – O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual – adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.281.594/SP: “Recurso especial. Processual civil. Civil. Ausência de violação do art. 535 do cpc/1973. Prescrição. Pretensão fundada em responsabilidade civil contratual. Prazo trienal. Unificação do prazo prescricional para a reparação civil advinda de responsabilidade contratual e extracontratual. Termo inicial. Pretensões indenizatórias decorrentes do mesmo fato gerador: rescisão unilateral do contrato. Data considerada para fins de contagem do lapso prescricional trienal. Recurso improvido. 1. Decidida integralmente a lide posta em juízo, com expressa e coerente indicação dos fundamentos em que se firmou a formação do livre convencimento motivado, não se cogita violação do art. 535 do CPC/1973, ainda que rejeitados os embargos de declaração opostos. 2. O termo ‘reparação civil’, constante do art. 206, § 3.º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final), e o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais. 3. Na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, foi editado o Enunciado n. 419, segundo o qual ‘o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual’. 4. Decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na petição inicial da rescisão unilateral do contrato celebrado entre as partes, é da data desta rescisão que deve ser iniciada a contagem do prazo prescricional trienal. 5. Recurso especial improvido” (BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.281.594/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22.11.2016, DJe 28.11.2016). No mesmo processo, foram opostos Embargos de Divergência para a Corte Especial, que se encontram conclusos para julgamento desde 04.12.2017, tendo como relator o Ministro Benedito Gonçalves.

230

muito mais razão deve ser admitida a ação rescisória quando o sentido correto da

norma tiver sido atribuído por precedente.

Também em posição contrária, Thais Matallo Cordeiro Gomes entende

que não cabe ação rescisória por violação a enunciado de súmula, vinculante ou

persuasiva, quando a decisão de mérito transita em julgado antes de sua edição,

nesses termos: 10) Decisão de mérito transitada em julgado anteriormente à edição da súmula (vinculante ou persuasiva), salvo na hipótese de inconstitucionalidade de lei, não deverá ser rescindida. Trata-se, no máximo, de uma decisão injusta que, em prol da segurança jurídica advinda com a coisa julgada, deverá ser mantida. 11) As súmulas têm eficácia somente para fatos ocorridos após a sua edição. Fatos passados e consumados não são alcançados pelo verbete.616

O entendimento parece-nos equivocado.

O enunciado de súmula, vinculante ou persuasiva, explicita a síntese do

entendimento do tribunal sobre a compreensão de determinado tema, ou seja,

aclara a interpretação correta das fontes do direito em sintonia com as

circunstâncias fáticas e as razões de decidir dos precedentes que lhe deram

origem. Em outras palavras, os enunciados de súmula devem ter correspondência

com o contexto fático e com a solução jurídica adotada pelos precedentes

judiciais que antecederam a sua edição.

Se a decisão rescindenda adotou interpretação diversa (portanto,

equivocada) daquela firmada pelos tribunais em sede de precedentes, deve ser

admitida a ação rescisória por violação a precedentes com fundamento no art.

966, V, do Código de Processo Civil, no prazo previsto em lei. Com efeito, há

violação manifesta à norma jurídica quando a decisão rescindenda julgou de

modo desigual caso semelhante.617

Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha lecionam

que a existência de divergência de interpretação do direito entre tribunais no

momento da prolação da decisão rescindenda, sem que existisse precedente 616 GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 161. 617 “Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496).

231

vinculante à época, dá azo ao direito de rescisão do julgado, em prol

concretização da unidade do direito e do princípio da igualdade: Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema; após o trânsito em julgado, sobrevém precedente obrigatório do tribunal superior: observado o prazo da ação rescisória, há direito à rescisão, com base nesse novo precedente, para concretizar o princípio da unidade do Direito e a igualdade. Note que o § 15 do art. 525, examinado mais à frente, reforça a tese de que cabe ação rescisória para fazer prevalecer posicionamento de tribunal superior formado após a coisa julgada.618

Portanto, em caso de inexistência de precedente judicial na época do

trânsito em julgado da decisão rescindenda e de fixação posterior de precedente

em sentido contrário à decisão, é cabível ação rescisória, com fundamento no art.

966, V, do Código de Processo Civil.

4.3.2 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda, existência de divergência na interpretação entre os tribunais e

formação posterior de precedente em sentido contrário à decisão

Outra questão que merece análise detida diz respeito ao cabimento de

ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica em caso de existência de

divergência na interpretação entre os tribunais na época do trânsito em julgado e

fixação posterior de precedente em sentido contrário à decisão.

O fato de a matéria ser de interpretação controversa nos tribunais não

parece que inviabilizaria a ação rescisória em caso de formação posterior de

precedente, uma vez que este fixa a interpretação correta do direito para as

mesmas circunstâncias fáticas ocorridas em um mesmo momento histórico.

No entanto, a questão é complexa em virtude da existência do Enunciado

343 da Súmula de jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal que

estabelece o entendimento de que, se a interpretação de texto legal for

618 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496.

232

controvertida nos tribunais, não será cabível a ação rescisória por ofensa à literal

disposição de lei.

Por ser controverso e tormentoso no direito processual civil brasileiro, o

enunciado merece uma análise detalhada desde sua origem até os dias de hoje.

4.3.2.1 Enunciado 343 da Súmula de jurisprudência predominante do Supremo

Tribunal Federal

Na vigência do Código de Processo Civil de 1939, o Supremo Tribunal

Federal, responsável pela última palavra, pela uniformização da jurisprudência e

pela interpretação do direito federal constitucional e infraconstitucional (ante a

inexistência do Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição de 1988),

editou o Enunciado 343 da Súmula de jurisprudência predominante do Supremo

Tribunal Federal com a seguinte redação: “Não cabe ação rescisória por ofensa a

literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto

legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

O Enunciado 343 foi aprovado em 13 de dezembro de 1963, em sessão

histórica, marcada pela aprovação dos primeiros 370 enunciados da súmula do

STF “em uma tacada só”.

O Enunciado 343 é “irmão gêmeo” do Enunciado 400, aprovado em 3 de

abril de 1964, em outra sessão histórica, marcada pela aprovação dos próximos

34 enunciados, do 371 ao 404, com a seguinte redação: “Decisão que deu

razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso

extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição Federal”.

É importante registrar que a preocupação, naquele momento histórico, era

não só com a justiça do caso concreto, mas também com a estabilidade das

decisões judiciais (ou seja, com a segurança jurídica), uma vez que o direito de

rescisão dos julgados possuía, na vigência do Código de Processo Civil de 1939,

um prazo decadencial de cinco anos.

Isso fica evidente pela leitura das palavras do Ministro Victor Nunes Leal a

respeito: Entretanto, não foi observado o art. 798, I, letra c, do Cód. Proc. Civil, porque a adoção, pela decisão que veio a ser rescindida, de

233

uma das interpretações, então admitidas pela doutrina e pela jurisprudência, sobre restituição de dinheiro em poder do falido ou do concordatário, não se caracterizou ofensa a literal disposição de lei. Se em todos os casos de interpretação de lei, por prevalecer aquela que nos pareça menos correta, houvermos de julgar procedente ação rescisória, teremos acrescentado ao mecanismo geral dos recursos um recurso ordinário com prazo de cinco anos na maioria dos casos decididos pela Justiça. A má interpretação que justifica o iudicium rescidens há de ser de tal modo aberrante do texto que equivalha à sua violação literal. A Justiça nem sempre observa, na prática quotidiana, esse salutar princípio, que, entretanto, devemos defender, em prol da estabilidade das decisões judiciais. 619

Os julgados anteriores, que precederam a elaboração dos enunciados,

foram todos no mesmo sentido, tanto do Enunciado 343620 quanto do 400.621

Como se extrai de uma interpretação literal dos Enunciados 343 e 400 da

Súmula de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, não cabe

ação rescisória por violação à literal disposição de lei (que equivaleria,

atualmente, à violação manifesta à norma jurídica), bem como não cabe recurso

extraordinário por violação à disposição da Constituição ou de lei

infraconstitucional, quando a decisão tiver como fundamento texto de lei de

interpretação controvertida nos tribunais, ainda que essa interpretação não seja a

melhor.

4.3.2.2 A (in)aplicação do enunciado 343 da Súmula à luz da Constituição de

1988 na visão do Supremo Tribunal Federal

A Constituição de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça e instituiu o

recurso especial, cindindo os órgãos responsáveis pela última palavra no que diz

respeito ao direito federal, competindo ao Supremo Tribunal Federal a

uniformização da jurisprudência e a interpretação correta dos dispositivos

constitucionais e ao Superior Tribunal de Justiça a uniformização da 619 STF, 2.ª Turma, RE 50.046/Guanabara, Rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 05.04.1963, v.u. 620 STF, 2.ª Turma, RE 41.407/DF, Rel. Min. Vilas Bôas, j. 04.08.1959, v.u.; STF, 2.ª Turma, RE 50.046/Guanabara, Rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 05.04.1963, v.u.; STF, Tribunal Pleno, AR 602/Guanabara, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 22.11.1963, v.u. 621 STF, 2.ª Turma, AI 22.357/Guanabara, Rel. Min. Hahnemann Guimarães, j. 17.01.1961, v.u.; STF, 2.ª Turma, AI 29.843/DF, Rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 20.08.1963, v.u.; STF, 1.ª Turma, AI 30.500/Guanabara, Rel. Min. Pedro Chaves, j. 21.11.1963, v.u.

234

jurisprudência e a interpretação correta dos dispositivos federais

infraconstitucionais.

A partir de então, ainda que não tenha sido declarado expressamente, o

Supremo Tribunal Federal passou a reanalisar a aplicabilidade dos Enunciados

343 e 400 de sua Súmula.

No julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento contra

decisão denegatória de Recurso Extraordinário 132.846, em 23 de junho de 1992,

o relator, Ministro Paulo Brossard, sinalizou pela necessidade de revisar a

aplicação do Enunciado 400 da Súmula. A despeito do teor do enunciado, a

Segunda Turma deu provimento ao recurso para admitir o recurso extraordinário,

afastando a aplicabilidade do enunciado 400 da Súmula, conforme excerto

extraído do voto condutor: Por fim, considerando a inaplicabilidade da Súmula 400, acenada no parecer da Procuradoria-Geral da República, e com a devida vênia do Min. Célio Borja, dou provimento ao agravo regimental para melhor exame do recurso extraordinário. [...] A lei – todos o sabemos – nada mais é do que a sua própria interpretação. No poder de interpretar os atos legislativos, encontra-se a magna prerrogativa judicial de estabelecer o alcance e de definir o sentido da vontade normativa que, emanada do Estado, neles encontra o meio idôneo de sua expressão formal.622

A mudança de entendimento (ou a restrição na aplicabilidade) consolidou-

se, ao que parece, no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento

contra decisão denegatória de Recurso Extraordinário 145.680, em 13 de abril de

1993, quando o Ministro Celso de Mello, acompanhado pela Turma, deixou

expresso que as matérias constitucionais não comportam o entendimento de que

é aceitável a interpretação razoável, devendo ser admitido o recurso

extraordinário, nos termos de seu voto condutor: Temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria natureza de que se revestem, a incidência do enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Essa formulação sumular não tem qualquer pertinência e aplicabilidade as causas que veiculem, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede recursal extraordinária, questões de direito constitucional positivo. Em uma palavra: em matéria constitucional não há que cogitar de

622 STF, 2.ª Turma, AgR no AI 132846, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 23.06.1992, DJ 04.09.1992, p. 14093.

235

interpretação razoável. A exegese de preceito inscrito na Constituição da Republica, muito mais do que simplesmente razoável, há de ser juridicamente correta.623

Percebe-se, assim, que houve uma mudança no entendimento do

Supremo Tribunal Federal a respeito do cabimento de recurso extraordinário

quando a matéria é de índole constitucional e o Tribunal tenha aplicado uma das

interpretações possíveis, ainda que contrária à jurisprudência uniforme da Corte.

Esse mesmo fenômeno ocorreu no tocante ao enunciado 343 da Súmula.

Após três julgados sinalizando a mudança de entendimento ou a restrição na

aplicabilidade, 624 o Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, no

julgamento do Agravo regimental no agravo de instrumento contra decisão

denegatória de Recurso Extraordinário, iniciado em 19 de fevereiro de 2004 e

concluído em 17 de agosto de 2006, em divergência aberta pelo Min. Sepúlveda

Pertence, entendeu que em matéria de índole constitucional não é aplicável o

enunciado 343, devendo ser analisado o mérito da ação rescisória.

Por todos, os excertos dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Joaquim

Barbosa esclarecem o posicionamento adotado pela Suprema Corte. No voto do

Ministro Gilmar Mendes proferido em 18 de agosto de 2005, destaca-se o

seguinte excerto: A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação “qualificada”. Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à Lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória? Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para a admissão das ações rescisórias. Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição. Isso obviamente não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas no plano infraconstitucional. Não é por acaso que uma decisão definitiva do STJ, pacificando a

623 STF, 1.ª Turma, AgR no AI 145680, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.04.1993, DJ 30.04.1993, p. 07567. Destaque no original. 624 STF, Tribunal Pleno, RE 89.108/GO, Rel. Min. Cunha Peixoto, DJ 19.12.1980; STF, 1.ª Turma, RE 101.114/SP Rel. Min. Rafael Mayer, DJ 10.02.1984; STF, 1.ª Turma, RE 103.808/SP Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 10.02.1984.

236

interpretação de uma lei, não possui o mesmo alcance de uma decisão definitiva desta Corte em matéria constitucional. Controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o nosso sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados com resultados também diferenciados. Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional. [...] Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia. Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável a uma aplicação divergente da legislação infraconstitucional. Certamente já não é fácil explicar a um cidadão porque ele teve um tratamento judicial desfavorável enquanto seu colega de trabalho alcançou uma decisão favorável, considerado o mesmo quadro normativo infraconstitucional. Mas aqui, por uma opção do sistema, tendo em vista a perspectiva de segurança jurídica, admite-se a solução restritiva à rescisória que está plasmada na Súmula 343. Mas essa perspectiva não parece admissível quando falamos de controvérsia constitucional. Isto porque aqui o referencial normativo é outro, é a Constituição, é o próprio pressuposto que dá autoridade a qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial.

Por sua vez, o Ministro Joaquim Barbosa assevera o seguinte a respeito

da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal: Senhora Presidente, também penso que a Súmula 343 não tem aplicação, em se tratando de matéria constitucional. Assim decidiu esta Corte no passado – RE 89.108, Rel. Min. Cunha Peixoto, já mencionado pelo Ministro Gilmar Mendes –, e igualmente há várias decisões do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se deve mitigar a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal mediante artifícios processuais que engendram a tomada de decisões divergentes, em frontal desacordo com os julgados desta Corte sobre determinados temas, em especiais em matéria constitucional. Uma tal postura jurisdicional vai totalmente de encontro ao novo comportamento que se espera do Supremo Tribunal Federal após a promulgação da Emenda Constitucional 45, a qual consagrou a

237

súmula vinculante e, como sabemos, reforçou o papel desta Corte. A jurisprudência hoje prevalente a respeito da Súmula 343, caso aplicada sem que se faça distinguishing em se tratando de matéria constitucional, tem como efeito solapar a efetividade da Constituição tal como interpretada por esta Corte, para não dizer que ela encoraja a especulação judiciaria, isto é, fortalece uma certa concepção lotérica da prática judiciária.

Como se observa dos excertos de voto transcritos supra, especialmente

do voto do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal traçou duas

situações diferentes para aplicabilidade do enunciado 343 de sua Súmula: Se a

questão for infraconstitucional, incide o enunciado, não cabendo ação rescisória

por violação à literal disposição de lei de interpretação divergente. Em

contrapartida, se a questão for constitucional, o enunciado é inaplicável pelo fato

de a decisão rescindenda ter se fundado em interpretação equivocada da

Constituição, lei fundamental que assenta bases de validade e legitimidade do

sistema.

Sobre a distinção supra, impende observar o pensamento de Ada

Pellegrini Grinover que sustenta a inaplicabilidade da Súmula 343 somente em

caso de declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado (efeitos

erga omnes e ex tunc).625

A distinção entre controvérsia na interpretação da Constituição

(constitucionalidade) e controvérsia na interpretação da legislação (legalidade)

não se justifica. Na aplicação do direito à espécie, em ambos os casos deverá o

intérprete buscar a melhor interpretação possível da Constituição ou da legislação

para determinadas circunstâncias fáticas em um dado momento histórico.

Se de um lado o Supremo Tribunal Federal é o responsável pela

interpretação (adequada) da Constituição, de outro o Superior Tribunal de Justiça

é o responsável pela interpretação (adequada) da legislação federal. Cada

tribunal é corte máxima em sua competência constitucionalmente estabelecida.

Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal deve obediência à interpretação

da legislação infraconstitucional federal atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça

e o Superior Tribunal de Justiça deve obediência à interpretação da Constituição

625 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional. Revista de Processo, São Paulo, n. 87, p. 37-47, 1997.

238

realizada pelo Supremo Tribunal Federal. 626 O art. 927, IV, do Código de

Processo Civil reforça esse argumento ao estabelecer que os juízes e tribunais

são vinculados aos enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em

matéria constitucional e aos enunciados de súmula do Superior Tribunal de

Justiça em matéria infraconstitucional (federal).

4.3.2.3 A (necessidade de) superação do enunciado 343 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal

O enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal merece ser

cancelado e, enquanto isso não ocorre, ser inaplicado, por permitir a violação aos

princípios da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica entre os casos

concretos, sendo, portanto, inconstitucional.

Com efeito, o enunciado supra permite que casos rigorosamente idênticos

(ou semelhantes) ocorridos em um mesmo momento histórico recebam

interpretações e aplicações jurídicas diversas, vedando o cabimento de ação

rescisória para assegurar a isonomia e a legalidade no caso concreto.627

Em 1916, no período das codificações processuais estaduais, Manoel

Ignácio Carvalho de Mendonça já sustentava que o essencial para o cabimento

de ação rescisória era a divergência no julgamento, e não a variedade de

aplicação, admitindo, em nosso sentido, várias respostas, in verbis: Contra a sentença que fére o direito em theze ha o remedio da rescisão: contra a que pretere o direito em hypotheze, o direito da parte, existe o recurso de appellação. [...] O artigo 2.º, paragrapho unico, numero II, do Decreto n. 6.142 de 10 de Março de 1876 dispunha que, para serem os Assentos tomados pelo Supremo Tribunal de Justiça, era essencial “que a divergencia do julgamento tivesse por objecto o direito em theze

626 Com afirmação no mesmo sentido, mas conclusão oposta em relação ao Enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: GONÇALVES, Marcelo Barbi. Ação rescisória e uniformização jurisprudencial: considerações sobre a Jihad nomofilática. Revista Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185-217, esp. p. 214, abr.-jun. 2016. 627 Theotonio Negrão, ao criticar o Enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (“irmã” da Súmula 343), que estabelecia o não cabimento de recurso extraordinário quando o tribunal der interpretação razoável, dizia: “No fundo, razoável é aquilo que eu acho que é razoável, e não é razoável aquilo que eu acho que não é razoável. Trata-se, portanto, de critério extremamente subjetivo [...]” (NEGRÃO, Theotonio. O novo recurso extraordinário: perspectivas na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 656, p. 239-249, esp. p. 244, jun. 1990).

239

ou a disposição da lei e não a variedade de applicação, proveniente da variedade dos factos”.628

No entanto, Luis Eulálio Bueno Vidigal criticava a interpretação da

admissão de várias interpretações possíveis como fundamento para o não

cabimento de ação rescisória: Se as divergências de interpretação não fôssem consideradas como violação de disposição literal de lei, sòmente se admitiria a rescisória ou o recurso extraordinário, por êsse fundamento, quando o julgado rescindendo declarasse expressamente recusar-se a dar cumprimento a determinado texto legal. Essa limitação, que a doutrina e a jurisprudência sempre baniram é, inadmissível. É raríssimo o caso de abertamente declarar o juiz que deixa de cumprir uma lei. Quando, no juízo rescindente, prevalece interpretação de lei diferente da adotada pelo julgado rescindendo, êste último deve ser considerado como proferido contra literal disposição de lei. Frequentemente, as violações de disposição literal de lei resultam de divergências de interpretação, as quais, em virtude do princípio da pluralidade das instâncias, devem ser consideradas, pelo Tribunal que por último examina a causa, como erros ou violações.

Em outro excerto, assevera com propriedade que “não há fundamento

para afirmar-se que as divergências de interpretação não constituem violações de

disposição literal de lei [...]”.629

Sendo o Estado, inclusive o Poder Judiciário, destinatário dos princípios

constitucionais da igualdade, da legalidade e da segurança jurídica, devem ser

admitidas as ações rescisórias que tiverem como fundamento questão que na

época do julgamento era controvertida, mas que o entendimento jurídico foi

pacificado posteriormente em precedente em sentido diverso.630

A existência ou não de divergência de interpretação do direito à luz de

determinados fatos concretos em um mesmo momento histórico não deve ser o

628 CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignacio. Da acção rescisoria das sentenças e julgados. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916. p. 51-52. 629 VIDIGAL, Luis Eulálio Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948. p. 65-66. 630 “De nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse de seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que se possa afirmar que fatores históricos hajam influído no sentido que se deva dar à lei), em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes”

(ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 525).

240

referencial para o cabimento ou não de ação rescisória por violação manifesta à

norma jurídica.

A norma jurídica, como demonstrado no Capítulo 2 do presente trabalho,

é o resultado da interpretação das fontes de direito, em especial das prescrições

legislativas à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e do

preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do

caso concreto. Quando se diz que uma norma jurídica foi violada, o que se violou

foi a interpretação dada às fontes do direito utilizadas no caso concreto.

Na atual fase da teoria do direito, em tempos de força normativa da

Constituição, de eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, de

princípios caráter normativo, de expansão do método legislativo com base em

cláusulas gerais e em conceitos indeterminados e de profusão da legislação, a

forma de interpretação jurídica se alterou com o reconhecimento do papel criativo

e normativo da atividade jurisdicional, com a distinção entre texto e norma, com a

adoção da proporcionalidade na aplicação de espécies normativas e com a

identificação do método de concretização dos textos em detrimento do método de

subsunção.

Essas características do pensamento jurídico contemporâneo são

premissas necessárias para a compreensão da atual fase do direito e é a partir

dessa realidade histórica que se deve compreender o significado de norma

jurídica para fins de cabimento de ação rescisória.

O art. 966, V, do Código de Processo Civil é expresso ao prever a

possibilidade de rescindibilidade da decisão transitada em julgado que violar

manifestamente norma jurídica, viabilizando a desconstituição da coisa julgada e

o rejulgamento da causa com a aplicação correta da norma jurídica construída à

luz do ordenamento jurídico brasileiro relativamente a determinada circunstância

fática, conforme precedente formado.

Como afirmado, a aplicação do enunciado 343 da Súmula de

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ou seja, de normas jurídicas de

conteúdos distintos (isto é, de interpretação controvertida), às mesmas

circunstâncias fáticas ocorridas em um mesmo momento histórico, seja por um

mesmo tribunal, seja por tribunais distintos, não realiza o princípio da legalidade,

241

viola o princípio da igualdade, gera intranquilidade e perplexidade ao

jurisdicionado e reduz a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim, ao confrontar o enunciado 343 da

Súmula de jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal com os

princípios da legalidade e da isonomia e com os valores justiça e segurança,

entende que a distinção feita pelo enunciado não se justifica: [...] não há como dizer-se que a interpretação incorreta da lei não se constitua numa ilegalidade. Interpretação correta é aquela que predominantemente emana dos órgãos superiores. Portanto, não tem sentido dizer-se que, “ainda que a jurisprudência do STF venha a fixar-se em sentido contrário, não cabe ação rescisória”. Veja-se, portanto, que optar pelo cabimento de ação rescisória, em todos estes casos, não é desprezar o valor segurança! Quem fica com a possibilidade de impugnar tais decisões opta não só pelo valor justiça, mas pelos valores justiça e segurança, num sentido um pouco diverso do tradicional. Segurança, com os olhos voltados para o futuro, segurança no sentido de previsibilidade. É só parcialmente verdadeiro dizer-se que quem opta pela imutabilidade ou pela impossibilidade de se impugnarem decisões baseadas em leis tidas (incidenter tantum, reiteradamente) por inconstitucionais estaria optando pelo valor segurança. Que segurança é essa? Segurança da subsistência do que já há, do que já existe, do que é já conhecido, ainda que não se trate do melhor? Segurança com os olhos voltados só para o passado? O sentido do valor segurança pelo qual optamos não é o necessariamente consistente na opção que congele o passado, que mantenha o que há, a qualquer preço, mas a segurança de se ter conseguido o melhor, portanto, segurança com conteúdo. Ao nos posicionarmos no sentido da impugnabilidade de tais decisões, optamos pela segurança ligada ao princípio da isonomia, à necessidade de uniformidade das decisões judiciais proferidas em face dos mesmos fatos e do mesmo texto legal, à segurança de que a decisão que prevalecerá será a melhor, enfim a segurança com os olhos voltados para o futuro.631

Também nessa linha Cassio Scarpinella Bueno ministra: Eventual divergência jurisprudencial não deve ser compreendida como elemento a descartar a rescisória por esse fundamento

631 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 353-354. Em outro estudo, assevera: “Aqui cabe formular novamente a questão: que sentido tratar diferentemente alguém com a regra da inatacabilidade da decisão, pela via rescisória, que foi atingido por um entendimento a respeito de certa norma jurídica, que restou alterado, única e exclusivamente porque à época em que foi prolatada a decisão haveria, a respeito do entendimento da norma, ‘jurisprudência conflitante’? A nosso ver, esse critério não justifica a distinção feita pela súmula” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo. Revista Consultor Jurídico, 18 nov. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-18/teresa-arruda-alvim-modulacao-substitui-vantagens-sumula-343>. Acesso em: 18 dez. 2017).

242

[violar manifestamente norma jurídica]. [...] Doravante, diante da função que ele quer emprestar à jurisprudência dos Tribunais (v., em especial, os arts. 926 e 927), aquele entendimento merece, de vez, ser superado, tanto para as questões de ordem constitucional como para as de ordem infraconstitucional. É correto entender, destarte, que não subsiste, no Código de Processo Civil de 2015, fundamento de validade para a Súmula 343 do STF. O § 5.º do art. 966 [...] admite expressamente a rescisória fundada no inciso V do art. 966 quando [...] a decisão rescindenda aplicar equivocadamente súmula ou “precedente” criado por uma das técnicas referidas no art. 928.632

Nesse sentido, afirmando expressamente a inconstitucionalidade do

enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, foi o voto do Ministro

Cezar Peluso no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento

contra decisão denegatória de recurso extraordinário mencionado no tópico

anterior, ao acompanhar a maioria, conforme excerto: Em relação à súmula 343, não tenho nenhuma dúvida, até porque sempre mantive – e é velha, portanto –, profunda, mas não desrespeitosa, antipatia por essa súmula, ao tempo em que não integrava esta corte. Parecia-me que essa súmula, na verdade, negava – vamos dizer – todo o escopo da ação rescisória, concorria para a subsistência de decisões contraditórias sobre a mesma matéria jurídica no seio da sociedade e, portanto, alimentava a insegurança jurídica. De qualquer maneira, não tenho nenhuma dúvida de que tal súmula ofende a Constituição.

Portanto, se a decisão rescindenda adotou interpretação diversa

(portanto, equivocada) daquela firmada pelos tribunais em sede de precedente,

deve ser admitida a ação rescisória por violação a precedente com fundamento

no art. 966, V, do Código de Processo Civil, no prazo decadencial previsto em lei.

Com efeito, há violação manifesta à norma jurídica quando a decisão rescindenda

julgou de modo desigual caso semelhante ao precedente,633 ainda que na época

da prolação da decisão a interpretação fosse controvertida.

O Superior Tribunal de Justiça aparentemente já se atentou para a

questão. A Ministra Nancy Andrighi, em voto sobre o cabimento de ação

632 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 627. 633 “Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496).

243

rescisória por violação à literal disposição de lei, acompanhado por unanimidade

pela Terceira Turma, assentou: Com efeito, a relativização da Súmula 343/STF visa a conferir maior eficácia jurídica aos precedentes dos Tribunais Superiores, ou melhor, “à tese ou ao princípio jurídico (ratio decidendi) assentado na motivação do provimento decisório” (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 455), que é o precedente em sentido estrito. No entanto, convém destacar que embora todos os acórdãos exarados pelo STJ possuam eficácia persuasiva, funcionando como paradigma de solução para hipóteses semelhantes, nem todos constituem precedente de eficácia vinculante. Pela sistemática do CPC/73, apenas aqueles processados na forma do art. 543-C têm natureza impositiva para os órgãos subordinados. Já a nova sistemática adotada pelo CPC/15 impõe aos juízes e tribunais a observância obrigatória dos acórdãos proferidos pelo STJ em incidente de assunção de competência e julgamento de recurso especial repetitivo; e também da orientação do plenário ou do órgão especial (art. 927). Nessa toada, a despeito do nobre papel constitucionalmente atribuído ao STJ, de guardião da legislação infraconstitucional, não há como autorizar a propositura de ação rescisória – medida judicial excepcionalíssima – com base em julgados que não sejam de observância obrigatória, sob pena de se atribuir eficácia vinculante a precedente que, por lei, não o possui. Isso porque, a se admitir que a parte pudesse ajuizar a ação rescisória com base em quaisquer julgados desta Corte, ainda que refletissem a “jurisprudência dominante”, estar-se-ia impondo ao Tribunal o dever de decidir segundo o entendimento neles explicitado, o que afronta a sistemática processual dos precedentes. Em atenção à segurança jurídica, portanto, a coisa julgada só há de ser rescindida, com base no art. 485, V, do CPC/73, acaso a controvérsia seja solucionada pelo STJ em sentido contrário ao do acórdão rescindendo, por meio de precedente com eficácia vinculante (art. 543-C do CPC/73 ou art. 927 do CPC/15), que unifica a interpretação e aplicação da lei.634

No mesmo voto, a Ministra Nancy Andrighi anotou que a Primeira e a

Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça tinham precedentes recentes que

afastaram a incidência do enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal

quando a questão controvertida se pacificou no âmbito do tribunal, nesses termos:

634 BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.655.722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017.

244

No âmbito do STJ, a 1.ª Seção decidiu que “a ação rescisória é cabível, se, à época do julgamento originário cessara a divergência, hipótese que o julgado divergente, ao revés de afrontar a jurisprudência, viola a lei que confere fundamento jurídico ao pedido” (AgRg nos EREsp 772.233/RS, Primeira Seção, julgado em 27/04/2016, DJe de 02/05/2016; REsp 1.001.779/DF, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe de 18/12/2009). A 2.ª Seção, igualmente, assentou entendimento segundo o qual, “nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada” (AR 3.682/RN, Segunda Seção, julgado em 28/09/2011, DJe de 19/10/2011). Por oportuno, destaca-se este trecho do voto condutor do acórdão: Dessas ponderações decorrem duas regras distintas, no trato da ação rescisória à luz do Enunciado 343 da Súmula do STF, quando se verificar controvérsia na interpretação da lei à época em que prolatado o acórdão rescindendo: (i) ou essa controvérsia ainda persiste, e a ação rescisória não pode ser acolhida por força do referido enunciado sumular; (ii) ou essa controvérsia já se solucionou em um sentido, e nesta hipótese é admissível a ação rescisória, desde que seja demonstrada a pacificação do entendimento sobre a questão federal, no sentido contrário ao do acórdão vergastado.635

Portanto, resta evidente que o enunciado 343 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal é inaplicável não apenas em relação à matéria constitucional,

mas também a toda a matéria infraconstitucional.

Em sentido contrário, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, em

sentido favorável a súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, entendem que “a

ação rescisória só tem cabimento se o significado normativo já havia sido definido

e a decisão o tivesse ignorado”. Em outro excerto, afirmam, que “ [...] o problema

da ação rescisória está ligado ao fato de que um mesmo texto legal pode dar

origem a uma multiplicidade de normas jurídicas. Ora, quando isso ocorre não há

como ver vício na decisão judicial e, assim, obviamente não há motivo para

pensar na sua rescindibilidade”.636

No mesmo sentido, contrário ao sustentado no presente trabalho, Marcelo

Barbi Gonçalves entende que “a coisa julgada (certeza do direito), por retratar o

núcleo da segurança jurídica, não deve se submeter a uma infausta condição

635 BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.655.722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017. 636 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 23, nota 18, e p. 195.

245

resolutiva relacionada à estabilização futura dos desacordos jurisprudenciais”, e,

portanto, para ele “é imperioso que o art. 966, inc. V, do Novo Código de

Processo Civil seja interpretado à luz da necessidade de encerramento do

discurso jurídico após a formação da coisa julgada material”.637

Pensamos que a igualdade, a legalidade e a segurança jurídica em seu

aspecto de previsibilidade da atuação estatal devem prevalecer sobre a

segurança jurídica sob seu aspecto da estabilidade das relações jurídicas

decorrentes da coisa julgada, no prazo previsto em lei para a sua desconstituição.

Prestigiar a coisa julgada em detrimento da igualdade substancial, da legalidade e

da segurança jurídica decorrente da expectativa da atuação estatal leva à

prevalência da segurança jurídica individual à segurança jurídica geral e social, o

que não é almejável em um Estado de Direito.

Pensar diferente é admitir que tudo pode e que nada pode, a depender do

juiz que julgar o caso.

Ao criticar o enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que

cria regra semelhante à do enunciado 343, mas para não admitir recurso

extraordinário, em vez de rescisória, Pedro Miranda de Oliveira disserta: Dentro desse raciocínio [da Súmula 400], o STF poderia decidir, na mesma sessão, no mesmo dia, pela mesma turma de julgadores, pelo mesmo relator, que duas decisões diametralmente opostas eram razoáveis e, portanto, manteria ambas ao não conhecer os recursos extraordinários.638

Portanto, deve ser admitida a ação rescisória quando o sentido correto da

norma tiver sido atribuído por precedente e a decisão rescindenda foi proferida

em sentido diverso quando a interpretação ainda era controvertida nos tribunais.

4.3.2.4 Modulação de efeitos como técnica para afastar a aplicação retroativa de

precedente

637 GONÇALVES, Marcelo Barbi. Ação rescisória e uniformização jurisprudencial: considerações sobre a Jihad nomofilática. Revista Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185-217, esp. p. 194, abr.-jun. 2016. 638 OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 115.

246

Inexistindo na época do trânsito em julgado e fixado posterior de

precedente judicial em sentido contrário à decisão rescindenda,

independentemente de a matéria ser controvertida entre tribunais, é cabível ação

rescisória, com fundamento no art. 966, V, do Código de Processo Civil, para

desconstituição da coisa julgada, rescisão da decisão e rejulgamento da causa,

no prazo decadencial estabelecido em lei, em respeito aos princípios da

legalidade e da isonomia.

No entanto, pode acontecer de a eficácia ex tunc do precedente gerar

mais insegurança jurídica, em função de outras razões, como a proteção da

confiança da interpretação anteriormente aceita (por exemplo, quando há

entendimento unânime dos tribunais a respeito de determinada matéria, mas

posteriormente um tribunal superior interpreta de modo diverso) ou de interesse

social, sendo necessária a preservação das decisões que se poderia pretender

rescindir, afastando a necessidade de respeito à igualdade e à segurança jurídica.

À luz do caso concreto, nessa hipótese, é mais acertado o tribunal

modular os efeitos do precedente a valer-se do equivocado enunciado 343 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal para afastar a aplicação do entendimento

aos casos até então julgados, 639 já que ele, por si só, modula e estabelece

639 Esse é o pensamento de Teresa Arruda Alvim, ao entender que a modulação substitui a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal com vantagens: “Admitir-se a ação rescisória quando há mudança da jurisprudência é medida que se impõe, a nosso ver, como regra geral, para que se respeite a isonomia. No entanto, como vimos, o princípio da isonomia deve ser compreendido e aplicado também no contexto de outros valores e princípios. Então, não se deve negar que, muitas e muitas vezes, outros valores devem ser preservados, a ponto de poder afastar a necessidade de se respeitar a isonomia. Muito se tem escrito sobre a função normativa do Poder Judiciário. Hoje, é comum que se tenha consciência no sentido de que o juiz, em diversas medidas, cria Direito. Portanto, é ator coadjuvante na formação das normas jurídicas: nas pautas de conduta. Sob essa ótica, não se podem fazer vistas grossas à imperiosidade de que, por vezes, aquele que agiu de acordo com certa pauta de conduta (norma jurídica) seja poupado: por isso é que o legislador de 2015, sensível a essa realidade, criou o artigo 927, parágrafo 3.º, in verbis: ‘§ 3.o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica’. Vê-se, pois, a necessidade, sentida pelo legislador de, em face de (i) alteração de jurisprudência dominante do STF e de tribunais superiores, (ii) mudança de entendimento firmado em julgamento de IRDR e de recursos (especial ou extraordinário) repetitivos modular os efeitos da nova decisão, à luz do interesse social e da segurança jurídica” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo. Revista Consultor Jurídico, 18 nov. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-18/teresa-arruda-alvim-modulacao-substitui-vantagens-sumu la-343>. Acesso em: 18 dez. 2017).

247

sempre e invariavelmente a eficácia prospectiva do precedente, ou seja,

prospectiva,640 com a qual não se concorda.

A modulação de efeitos das decisões é prevista desde 1999 no

ordenamento jurídico brasileiro para as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal

Federal em julgamento de processos de controle concentrado de

constitucionalidade de lei ou de ato normativo (ação direta de

inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de

descumprimento de preceito fundamental), que restringir os efeitos da declaração

de inconstitucionalidade no tempo, nos termos do art. 27641 da Lei 9.868/1999 e

do art. 11642 da Lei 9.882/1999.

640 Antonio de Páuda Soubhie Nogueira entende (e concorda) que o Enunciado 343 do Supremo Tribunal Federal estabelece uma eficácia futura do julgado: “Categoricamente, portanto, a utilização da Súmula 343 do STF nada mais é do que uma flexibilização in concreto dos efeitos externos (ou transcendentes) da jurisprudência, por partir do pressuposto de que o entendimento que vier a ser ditado pelo Tribunal Superior não será apto para impor a rescisão de julgados que tenham aplicado a lei federal de forma diferente (i.e., com base em interpretação judicial, à época, controvertida). Em outros termos, para fins do art. 485, inciso V, do CPC (‘violar literal disposição de lei’), os precedentes do STJ que acabam por uniformizar a compreensão de uma norma só têm eficácia futura (i.e., prospectiva!), obstando a propositura de inúmeras ações rescisórias que resultariam em desordem social e em risco de vulneração do princípio constitucional da segurança jurídica. Essa inferência, a propósito, que resulta de uma análise do conceito de violação literal de lei, que dá azo à propositura da ação rescisória, consistente na decisão de mérito que não aplicou a lei ou a aplicou incorretamente.

Ora, partindo-se do pressuposto de que, constitucionalmente, a

interpretação correta da lei é aquela manifestada pelo STJ (art. 105, III, da CF), o decisum que não estiver em consonância com tal exegese da Corte Superior é incorreto e, assim, literalmente vulnera a lei que lhe embasa. Esta a razão pela qual o enunciado contido na Súmula 343 do STF, na realidade, está a dizer que as interpretações finais do STJ só são válidas, pelo menos para fins de rescisória, a partir de sua publicação. Do contrário, pensamos nós, não haveria meios de sustentar que uma dada decisão não vulnerou disposição de lei se, mesmo albergando uma interpretação razoável e ao tempo controvertida, está em total descompasso com aquela última ditada pelo STJ, a qual, pela imposição do legislador constituinte, é a que deve prevalecer como a única juridicamente correta em todo o território nacional! (NOGUEIRA, Antonio de Pádua Soubhie. Modulação dos efeitos das decisões no processo civil. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 124-125). 641 “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 642 “Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

248

Com a mesma finalidade, o Código de Processo Civil de 2015, no § 3.º643

de seu art. 927 estabelece a possibilidade de modulação dos efeitos em caso de

alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, do Supremo Tribunal

Federal e dos tribunais superiores ou de tese jurídica oriunda de julgamento de

casos repetitivos (técnica de julgamento de recursos, especial e extraordinário,

repetitivos e incidente de resolução de demandas repetitivas), por razões de

interesse social e de segurança jurídica. 644 Embora o Código seja omisso,

também é possível a modulação de efeitos em caso de alteração de tese jurídica

fixada em incidente de assunção de competência e pelo plenário ou órgão

especial dos tribunais que possua efeitos vinculantes.

Embora a previsão de modulação de efeitos de decisão seja expressa no

Código de Processo Civil para a alteração de precedentes, ela também é técnica

processual adequada para a formação de precedentes, como forma de regular os

seus efeitos em prol da segurança jurídica e do interesse social.

Nesse caso, havendo modulação de efeitos, para saber se será ou não

cabível ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, deverá ser

analisado a partir de quando o precedente produzirá efeitos. Se o precedente só

tiver eficácia a partir do trânsito em julgado da decisão que o formou ou

prospectiva, não há falar em rescisória. Entretanto, se for fixado outro momento

retroativo, caberá ação rescisória, no prazo decadencial previsto em lei.

4.3.3 Existência de divergência na interpretação entre os Tribunais e não

formação posterior de precedente em sentido contrário

Se no prazo rescisório a interpretação continuar controvertida – sem

precedente, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil –, não será 643 “Art. 927, § 3.º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.” 644 “A possibilidade de modulação temporal na hipótese de haver alteração da jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou, ainda, da jurisprudência derivada dos ‘casos repetitivos’, em nome do interesse social e da segurança jurídica, é objeto de regulação pelo § 3.o do art. 927. A modulação, tal qual a prevista pelo art. 27 da Lei n. 9.868/1999, para as ‘ações diretas de inconstitucionalidade’ e ‘ações declaratórias de constitucionalidade’, pressupõe a ocorrência de ‘interesse social’ e a busca da ‘segurança jurídica’, não por acaso mencionados expressamente no referido dispositivo codificado” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 603).

249

cabível a ação rescisória por não inexistir violação manifesta à norma jurídica,

pois a interpretação correta continuará em uma zona de penumbra, sem

aclaramento pelos tribunais.

O sistema processual permite a oscilação da jurisprudência e, por

conseguinte, a existência de decisões diferentes, dentro do mesmo tribunal ou de

tribunais diferentes, conforme aprimoramento do sistema jurídico. A pacificação

da interpretação e o fim da divergência jurisprudencial, muitas vezes, precisam de

certo período de tempo para amadurecimento.

Enquanto os tribunais mantiverem duas, três ou mais respostas jurídicas

para circunstâncias fáticas idênticas, não há falar em interpretação correta para

fins de cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, pois

ainda admitem-se várias respostas (possíveis).

Se no prazo decadencial para o exercício do direito de rescisão dos

julgados a oscilação jurisprudencial se mantiver, sem que haja pacificação de

entendimento sobre a controvérsia, não haverá falar em violação manifesta à

norma jurídica como hipótese de cabimento de ação rescisória.

Nesse sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, tanto no

tocante ao Código de Processo Civil de 1973 quanto ao Código de Processo Civil

de 2015, conforme observou a Ministra Nancy Andrighi, in verbis: No âmbito do STJ, a 1.ª Seção decidiu que “a ação rescisória é cabível, se, à época do julgamento originário cessara a divergência, hipótese que o julgado divergente, ao revés de afrontar a jurisprudência, viola a lei que confere fundamento jurídico ao pedido” (AgRg nos EREsp 772.233/RS, Primeira Seção, julgado em 27/04/2016, DJe de 02/05/2016; REsp 1.001.779/DF, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe de 18/12/2009). A 2.ª Seção, igualmente, assentou entendimento segundo o qual, “nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada” (AR 3.682/RN, Segunda Seção, julgado em 28/09/2011, DJe de 19/10/2011). Por oportuno, destaca-se este trecho do voto condutor do acórdão: Dessas ponderações decorrem duas regras distintas, no trato da ação rescisória à luz do Enunciado 343 da Súmula do STF, quando se verificar controvérsia na interpretação da lei à época em que prolatado o acórdão rescindendo: (i) ou essa controvérsia ainda persiste, e a ação rescisória não pode ser acolhida por força do referido enunciado sumular; (ii) ou essa controvérsia já se solucionou em um sentido, e nesta hipótese é admissível a ação rescisória, desde que seja demonstrada a pacificação do

250

entendimento sobre a questão federal, no sentido contrário ao do acórdão vergastado.645

No mesmo sentido do não cabimento de ação rescisória enquanto não

existir a interpretação correta de tribunal superior, Fredie Didier Jr. e Leonardo

Carneiro da Cunha observam em dois excertos: [...] enquanto não houver posição de tribunal superior é inevitável a existência de interpretação divergente entre os tribunais. Além de inevitável, a divergência entre os tribunais é até salutar para a melhor formação do precedente pelo tribunal superior. Enquanto se mantém a divergência sem que haja a definição da questão de direito pelo tribunal superior, ainda é aplicável o enunciado 343 da súmula do STF.646

Portanto, não há direito de rescisão dos julgados com fundamento em

violação manifesta à norma jurídica quando, no prazo decadencial previsto em lei,

a interpretação continuar controvertida nos tribunais, sem formação de

precedente para pacificar a controvérsia.

4.3.4 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda

A existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

em sentido contrário viabiliza, indubitavelmente, a ação rescisória.

As decisões que transitarem em julgado sem aplicar o entendimento

fixado em precedente poderão ser objeto de ação rescisória com fundamento no

art. 966, V, do Código de Processo Civil.

Thais Matallo Cordeiro Gomes, referindo-se especificamente à violação a

enunciado de súmula, vinculante e persuasiva, sustentava, à luz do Código

anterior, tese nesse sentido: “[...] as decisões de mérito que tenham transitado em

645 BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.655.722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017. 646 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496). Em outro excerto, os autores sustentam: “Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema: não há direito à rescisão, pois não se configura a manifesta violação de norma jurídica. Aplica-se o n. 343 da súmula do STF” (Idem, p. 495).

251

julgado sem a observância de comando de súmula já existente é que poderão ser

objeto de rescisão”.647

Já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, nas palavras de

Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da Cunha, “se a decisão rescindenda

contrariar o precedente vinculante, há direito à rescisão, pois se configura a

manifesta violação de norma jurídica. Violam-se, a um só tempo, a norma do

precedente e a norma que decorre do art. 927, CPC”.648

Trata-se aplicação do entendimento exposto com vagar no item 4.2 sobre

ação rescisória por violação a precedente.

4.3.5 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão

rescindenda e superação posterior ao trânsito em julgado com a formação de

novo precedente

Outra questão extremamente complexa diz respeito à superação do

precedente após o trânsito em julgado da decisão em sentido do precedente

anterior, mas contrário ao novo precedente.

Diferentemente da lei, que não pode retroagir para atingir situações

jurídicas consolidadas, a regra é a de que a superação do precedente, com

alteração do entendimento a respeito do direito, tem eficácia retroativa se não

houver modulação de efeitos da decisão. Ao alterar seu entendimento, o tribunal

busca acertar a interpretação correta do direito posto em relação a determinados

fatos, em dado momento histórico e em um determinado lugar.

Assim, havendo novo precedente dentro do prazo decadencial para a sua

propositura, a princípio, pode ser cabível a ação rescisória com fundamento na

violação à norma jurídica.

Como leciona Teresa Arruda Alvim: [...]. sempre pensamos que aqueles que foram atingidos por decisão judicial proferida em certo período de tempo em que o entendimento jurisprudencial era X podem ter sua situação

647 GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 161. 648 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496.

252

alterada, pela via da ação rescisória, quando esse entendimento (a respeito da mesma regra posta) tenha se alterado para Y. Por que se pressupõe que X é o entendimento correto. Quando a lei muda, quer-se que certas situações, às quais a lei diz respeito, sejam resolvidas diferentemente. Mas quando se altera a interpretação que se deva a certo texto de lei, como, por exemplo, o que se pode dizer é que se terá, finalmente, “acertado”. Lei mal interpretada é lei ofendida, não cumprida, desrespeitada. Por isso é que sustentamos, em casos como esse, ser possível o manejo da ação rescisória, com base no artigo 966, V do CPC. Admitir, como regra geral, a não rescindibilidade das decisões tidas por equivocadas pela nova posição firmada por um tribunal superior, porque há excessivas oscilações, seria cometer um erro para corrigir outro.649

A mudança de orientação, por si só, não é ruim. O novo precedente pode

ser considerado como a melhor solução para a compreensão da questão jurídica.

Nessa linha, Humberto Ávila observa: A mudança de orientação jurisprudencial, em si, pode ser boa: pode evidenciar um melhor entendimento a respeito da matéria pelo Poder Judiciário; pode corrigir equívocos produzidos em decisões anteriores; pode avaliar fato ou argumento não devidamente avaliado anteriormente.650

Um exemplo de cabimento de ação rescisória quando existia precedente

judicial na época do trânsito em julgado da decisão rescindenda e ocorrência de

posterior superação é a questão jurídica referente a descaracterização ou não do

contrato de leasing (arrendamento mercantil) em caso de cobrança antecipada do

valor residual.

No dia 08 de maio de 2002, a Segunda Seção do Superior Tribunal de

Justiça editou o enunciado de Súmula 263 segundo a qual “a cobrança

antecipada do valor residual descaracteriza o contrato de leasing,

transformando-o em compra e venda a prestação”.

Ocorre que a edição do enunciado de súmula não pacificou a questão.

Isto porque em sede de embargos de divergência opostos em razão de

649 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo. Revista Consultor Jurídico, 18 nov. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-18/teresa-arruda-alvim-modulacao-substitui-vantagens-sumula-343>. Acesso em: 18 dez. 2017. 650 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 478.

253

divergência entre a Primeira e a Segunda Seção, a questão foi levada para

análise da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

Em decisão proferida no dia 07 de maio de 2003, a Corte Especial

entendeu que a cobrança antecipada do valor residual não descaracterizava o

contrato de leasing, modificando o entendimento sumulado 01 ano depois da

criação do enunciado supra. O cancelamento definitivo ocorreu no dia 28 de

agosto de 2003.

Passado 01 ano, em 05 de maio de 2004, a Corte Especial aprovou o

enunciado 293 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça em sentido

diametralmente oposto ao enunciado 263: “A cobrança antecioapda do valor

residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento

mercantil”.

Nessa circunstância, a ação rescisória é cabível para que a nova tese

jurídica seja aplicada aos processos que foram julgados com base no

entendimento firmado no enunciado 263, pois neste curto espaço de tempo as

partes não tiveram o enunciado de súmula como a sua firme pauta de conduta,

até porque a questão continuou controvertida, apesar de sumulada.

No entanto, isso não quer significar, em absoluto, que todas as decisões

anteriormente transitadas em julgado à luz do precedente anterior sejam

rescindíveis.

Não basta haver mudança de jurisprudência ou superação do precedente

para que haja proteção relacionada ao precedente anterior. A proteção deve ser

concedida quando se podia acreditar que o entendimento anterior era definitivo.

Por isso, Humberto Ávila observa que: [...] será preciso investigar a presença da base de confiança, caracterizada pela vinculatividade e pela pretensão de permanência, da confiança legítima, da prática de atos de disposição de direitos fundamentais orientados na decisão modificada e da frustração intensa da confiança pela decisão modificadora.651

Isso porque valores como a segurança jurídica e legítima confiança dela

decorrente da previsibilidade da atuação estatal podem fazer com que a decisão

651 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 705, e, com mais vagar, p. 497-508.

254

proferida com base no precedente anteriormente existente seja mantida, por ter

servido como a pauta de conduta do cidadão naquele determinado momento

histórico, verbi gratia, para a celebração de um negócio jurídico ou para a prática

(ou não) de determinado ato. “As partes, muitas vezes leigas, não compreendem

a mudança de orientação dos tribunais. O que lhes levanta um forte sentimento

de injustiça”.652

Por isso, o critério para a ocorrência ou a inocorrência da retroatividade

jurisprudencial, decorrente da superação do precedente, “deve ser buscado no

princípio da segurança jurídica em conexão com os direitos fundamentais e com

os princípios que orientam a atuação estatal”.653

No Capítulo 1 foi visto que a segurança jurídica atua no ordenamento

jurídico como princípio que tem por finalidade criar o estado ideal de certeza, de

compreensibilidade, de determinabilidade e de previsibilidade do comportamento

e da atuação dos agentes públicos suscetíveis de atingirem a esfera jurídica dos

particulares, entre elas a atuação do Poder Judiciário. Em outras palavras, atua

como forma de assegurar ao cidadão o conhecimento da consequência jurídica

da prática de determinado ato, ou seja, que “tenha noção daquilo que muito

provavelmente virá ocorrer” se agir ou deixar de agir de determinada forma.654

Humberto Ávila, por sua vez, prefere denominar semanticamente essas

exigências de certeza, de determinabilidade e de previsibilidade como ideais de

cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade do direito.

A proteção da legítima expectativa ou da legítima confiança, decorrente

da segurança jurídica, visa preservar o passado no presente e o presente no

futuro, com a estabilidade do direito e das suas concretizações, como a

intangibilidade de situações passadas, durabilidade do direito e irretroatividade

normativa.655 Por isso, Nelson Nery Junior afirma que “No caso de modificação de

consolidada jurisprudência anterior, a eficácia ex nunc deixa de ser possível e 652 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 6. 653 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 493. 654 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.60. 655 “A confiabilidade significa o estado ideal em que o cidadão pode saber quais as mudanças que podem ser feitas e quais as que não podem ser realizadas, evitando, dessa forma, que os seus direitos sejam frustrados” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 699).

255

passa a ser necessária, em virtude da incidência da boa-fé objetiva e da

segurança jurídica”.656

A legislação mais recente tem enfatizado a importância da estabilidade da

jurisprudência e das consequências de sua, muitas vezes inevitável e necessária,

mudança.

O inciso XIII do parágrafo único do art. 2o da Lei n. 9.784/1999, que regula

o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal,

estabelece entre os critérios concretizadores de seus princípios regentes que a

nova interpretação da norma administrativa não tenha aplicação retroativa para

que o cidadão não seja surpreendido, in verbis: Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Ao comentarem o dispositivo normativo, Cristiana Fortini, Maria Fernanda

Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão asseveram que a

sua finalidade é resguardar as situações jurídicas já consolidadas em prol da

segurança jurídica, nos termos: O inciso guarda relação com o princípio da segurança jurídica, como definido no caput do artigo, uma vez que impede que um novo entendimento adotado pela Administração Pública produza efeitos retroativos, atingindo situações pretéritas. Objetiva-se a proteção das situações já consolidadas pelo transcurso do tempo e a manutenção da estabilidade, já que não se justifica a desconstituição de atos ou situações em raríssimas exceções.657

656 NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica: eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 77. Em outro excerto: “Quando houver superveniência de decisão do tribunal superior sobre determinado assunto, alterando jurisprudência anterior do mesmo tribunal já extratificada em sentido diverso, os efeitos dessa nova decisão terão de ser necessariamente ex nunc, isto é, para o futuro. Somente assim terá preservado o respeito à Constituição Federal, porque se estará dando guarida aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva”. (idem, p. 97-98). 657 FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo administrativo – Comentários à Lei n. 9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 83-84.

256

Especificamente sobre a alteração da jurisprudência ou da superação de

precedente judicial, Tércio Sampaio Ferraz Jr. leciona: Os efeitos de uma alteração radical numa jurisprudência, mormente em tribunal superior, após um tempo bastante largo de consolidação, capaz de ter assistido ao trânsito em julgado de diversas decisões e à iniciativa de inúmeras ações, confiantes na expectativa gerada pelo “entendimento pacificado”, não pode ser encarado sem que sejam tornadas mais precisas algumas de suas consequências. [...] os precedentes, sobretudo dos tribunais superiores, pelo menos quando não deparam com uma contradição demasiadamente grande, passam, após a decorrência de um tempo razoável, a ser considerados uma espécie de “direito vigente”.658

A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do

Recurso Extraordinário 590.809/SC, com repercussão geral reconhecida, e a tese

firmada foi a seguinte, conforme tema 136: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

Esse é o entendimento de Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da

Cunha assim expressado: Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ; após o trânsito em julgado, sobrevém novo precedente do tribunal superior, alterando o seu entendimento: não há direito à rescisão, fundado nesse novo precedente tendo em vista a segurança jurídica, tal como decidido pelo STF, no RE n. 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2014.659

Assim, estando a decisão em conformidade com o entendimento firmado

em precedente que serviu de base de conduta para o cidadão saber o que pode e

o que não poder fazer, a modificação posterior do precedente deve ser base

também para modulação de efeitos do novo precedente e, por consequência,

para não autorizar a rescindibilidade da decisão por violação à norma jurídica,

658 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 3-4 e p. 13. 659 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 496.

257

pois a “norma jurídica” que serviu como pauta de conduta do cidadão foi a contida

no precedente.660

Nesse ponto, a possibilidade de modulação de efeitos, por motivos de

segurança jurídica e de interesse social, ganha importância, pois com a

modulação de efeitos, principalmente prospectivos, como forma de assegurar a

segurança jurídica decorrente da previsibilidade da atuação do Poder Judiciário

gerada pelo precedente anterior, a superação do precedente após o trânsito em

julgado da decisão judicial e dentro do prazo de dois anos indubitavelmente não

viabiliza a rescisão da decisão com fundamento na violação do precedente.

A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do

Recurso Extraordinário 590.809/SC, com repercussão geral reconhecida, e a tese

firmada foi a seguinte, conforme tema 136: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

Esse é o entendimento de Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da

Cunha assim expressado: Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ; após o trânsito em julgado, sobrevém novo precedente do tribunal superior, alterando o seu entendimento: não há direito à rescisão, fundado nesse novo precedente tendo em vista a segurança jurídica, tal como decidido pelo STF, no RE n. 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2014.661

Portanto, a princípio é cabível ação rescisória em caso de modificação de

precedente, por existir, em regra, eficácia retroativa. No entanto, se as

660 “Sendo o ordenamento um sistema dinâmico e as leis emanadas pelo Legislativo, via de regra, um comando geral que comporta mais de uma possibilidade interpretativa, é preciso entender que a irretroatividade das leis refere-se à lei conforme uma de suas interpretações possíveis. Essa interpretação adotada pode ser alterada e, com isso, a lei, em termos do seu sentido, se altera. Em nome do direito à segurança, que exige certeza e confiança, não se pode, pois, restringir o princípio da irretroatividade à lei como mero enunciado, devendo compreender a lei como sua inteligência em determinado momento. [...] A irretroatividade é, assim, do Direito e alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 11). 661 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496.

258

circunstâncias do caso demonstrarem que as partes tiveram como pauta de

conduta o precedente anterior, que gerou segurança jurídica, decorrente da

legítima confiança e da previsibilidade da atuação estatal, ocorrendo posterior

superação de precedente anterior e formação de novo precedente não será

cabível ação rescisória com fundamento em violação a precedente. A modulação

de efeitos é técnica útil para afastar a aplicabilidade do novo precedente e sanar

possíveis dúvidas a respeito de sua aplicação retroativa.

259

CONCLUSÃO

O Código de Processo Civil de 2015 prevê expressamente a

rescindibilidade de decisões judiciais por violação manifesta à norma jurídica. Por

outro lado, instituiu um rol de pronunciamentos judiciais vinculantes que, em que

pese os inúmeros apelidos (ou nomenclaturas) constatados na doutrina e na

jurisprudência, são denominados no presente trabalho de precedentes.

Diante disso, o objetivo do presente trabalho é o de analisar se no

ordenamento jurídico brasileiro é cabível ação rescisória para rescindir as

decisões judiciais em caso de violação a precedente.

Para tanto, analisou-se no capítulo 1 o significado de Estado de Direito e

o conteúdo dos princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica.

O direito tem como uma de suas funções a de regular os comportamentos

das pessoas em sociedade e de atuar como instrumento de controle social,

devendo orientar o cidadão a saber o que pode e o que não pode fazer, mediante

prescrições normativas que gerem segurança jurídica.

Um Estado de Direito é formado por um ordenamento jurídico capaz de

assegurar e proteger os direitos do cidadão e de regular a atividade estatal, o

funcionamento de seus órgãos e a relação entre o cidadão e o Estado,

protegendo o cidadão de arbitrariedades estatais. Todos devem se submeter às

prescrições normativas, que servem de instrumento de garantia da compreensão

do direito.

O Estado de Direito brasileiro, definido pela Constituição de 1988, é

democrático, onde todo o poder emana do povo. É vontade democrática do povo

que legitima o direito criado e balizado por ele e para ele, desde (e a partir de) a

Constituição.

O princípio da legalidade é inerente ao Estado de Direito, opondo-se a

qualquer forma de exercício autoritário de poder antidemocrática. Por legalidade

entende-se a existência anterior de prescrição normativa a ser aplicada aos casos

submetidos ao julgamento.

260

O princípio da legalidade deve ser entendido como o conjunto do

ordenamento jurídico, podendo o cidadão pode fazer tudo o que não é proibido,

enquanto a Administração Pública, em regra, somente poderá fazer aquilo que for

previamente autorizado por ele.

Respeitar a legalidade significa observar a interpretação e a aplicação do

ordenamento jurídico em suas interações com o caso concreto em um

determinado momento histórico e respeitar os precedentes judiciais dotados de

efeito vinculante.

Por sua vez, o princípio da igualdade, sem o qual não há justiça, assegura

o tratamento igualitário que significa, de um lado, tratar igualmente os iguais e, de

outro, desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Em sentido

formal, a igualdade é vista como uma regra normativa decorrente da legalidade

perante a lei e em virtude de lei, que busca atribuir os direitos em igualdade. Em

sentido material, a igualdade jurídica garante a observância da lei e impõe a

proibição de distinção de tratamento pelo aplicador do direito.

A violação à igualdade pode decorrer de lei e de outros atos normativos

elaborados pelo Poder Legislativo, de atos da Administração Pública e também de

decisões judiciais emanadas pelo Poder Judiciário. Para o presente trabalho

importam as violações à igualdade decorrentes de decisões judiciais que

constroem normas jurídicas diferentes para situações idênticas ou normas

jurídicas iguais para situações diferentes.

O Poder Judiciário também tem por função, inerente ao princípio da

igualdade, concretizar normas jurídicas iguais para situações idênticas e normas

jurídicas diferentes para situações desiguais.

Em um sistema jurídico, como o brasileiro, que admite a rescisão da coisa

julgada por violação manifesta à norma jurídica, é necessário investigar se o

tratamento desigual a casos que deveriam ter sido tratados igualmente por

decorrência do sistema de precedentes judiciais autoriza o manejo da ação

rescisória. Para tanto, faz-se necessário estudar também o conteúdo do princípio

da segurança jurídica.

A segurança jurídica serve de baliza para a precisão e a

determinabilidade das prescrições normativas, para a imposição de limites à sua

vagueza ou indeterminação e para a aplicação do direito.Ela pode ser vista sob as

261

perspectivas subjetiva e objetiva. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança

jurídica atua com a finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de

comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos. Os precedentes

judiciais, dessarte, contribuem para a ampliação da segurança jurídica. Em sua

ótica objetiva, a segurança jurídica assegura a estabilidade das relações jurídicas,

protegendo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A coisa

julgada, como a qualidade ou a autoridade que torna imutável e indiscutível a

decisão judicial, leva segurança jurídica para o cidadão em seu caso individual

submetido à manifestação do Poder Judiciário.

No entanto, o Poder Judiciário não pode analisar cada demanda de

maneira isolada, em uma visão microscópica e deve prezar pela coesão e pela

coerência do sistema jurídico para garantir a segurança jurídica em suas duas

perspectivas.

Em um sistema jurídico que admite a rescisão de decisão judicial

transitada em julgado por violação manifesta à norma jurídica, é importante saber

se em caso de conflito entre as duas perspectivas da segurança jurídica, se deve

prevalecer a decorrente da previsibilidade proveniente da existência de

precedentes judiciais que levam maior integridade, coerência e estabilidade ao

sistema jurídico, ou a que proporciona estabilidade à relação jurídica individual

apreciada pelo Poder Judiciário, decorrente da coisa julgada.

O capítulo 2 analisa a previsão de cabimento de ação rescisória por

violação manifesta à norma jurídica.

A ação rescisória é, por excelência, o meio de impugnação das decisões

transitadas em julgado, precipuamente as de mérito e, consequentemente, de

desconstituição da coisa julgada, quando presente pelo menos uma das hipóteses

de rescindibilidade previstas taxativamente no ordenamento jurídico brasileiro, em

especial no art. 966 do Código de Processo Civil de 2015, em consonância com a

proteção ao direito fundamental à coisa julgada.

Trata-se de uma ação autônoma de impugnação que dá ensejo à

formação de uma nova relação jurídica processual, diferente daquela na qual foi

proferida a decisão rescindenda.

Entre as previsões legais de rescindibilidade de decisão judicial transitada

em julgado, o Código de Processo Civil de 2015 substituiu o cabimento de ação

262

rescisória em caso de violação a literal dispositivo de lei por violação manifesta à

norma jurídica.

A norma jurídica é o resultado da interpretação das fontes de direito, em

especial das prescrições normativas à luz da Constituição, dos princípios, dos

direitos fundamentais e do preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos

indeterminados à luz do caso concreto. Assim, quando se diz que uma norma

jurídica foi violada, o que se violou foi a interpretação dada às fontes do direito

aplicadas no caso concreto.

A fonte do direito violada pode ser de qualquer espécie normativa,

constitucional ou legislativa, de qualquer ramo do direito, inclusive de direito

processual; de direito estrangeiro e também de costume, quando aplicáveis ao

caso. Não apenas as regras jurídicas, mas também a Constituição, os princípios

jurídicos, os direitos fundamentais e o sentido atribuído às cláusulas gerais e aos

conceitos indeterminados.

Há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a decisão

nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado normativo

aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável, sendo

desnecessário o prequestionamento.

A violação manifesta deve ser entendida como uma violação clara à luz

das circunstâncias fáticas do caso julgado; que independe de instrução

probatória, pois verificável pelo exame das provas constantes dos autos.

Postas essas premissas, passa-se à investigar, no capítulo 3, se violar

precedente judicial, conforme estabelecidos no art. 927 do Código de Processo

Civil de 2015, configura violação à norma jurídica.

Para analisar o precedente judicial como norma jurídica é necessário

compreender a sua função no direito, que varia conforme o sistema jurídico. Nos

dois grandes (e principais) sistemas jurídicos, o common law e o civil law, o tema

possui tratamento diverso decorrente, da origem, das diferenças da própria

estrutura dos direitos e das fontes dos direitos nos países de origem de cada

família jurídica.

No civil law, a jurisprudência assume o papel de evolução do direito, mas

intimamente ligado à interpretação das prescrições normativas. Ela cria direito

263

dentro dos padrões estabelecidos para o direito pelo legislador, não tendo

autoridade de lei e nem, em regra, previsão de eficácia vinculante.

No common law, o direito se constituiu a partir das decisões dos Tribunais

(e não da lei). Trata-se de um direito formado pela praxe, sobre as bases das

decisões dos juízes, que resolviam os litígios particulares, na maioria dos casos, a

partir dos costumes. Embora culturalmente os ingleses recorressem às regras de

direito extraíveis judicialmente, a regra da obrigatoriedade de os juízes ingleses

seguirem os precedentes surgiu após a metade do século XIX, sendo aplicado a

partir da identificação da ratio decidendi do julgamento precedente, como o

suporte necessário da decisão que se torna a regra que se incorpora ao direito.

O Brasil possui suas raízes jurídicas no sistema jurídico do civil law, em

que historicamente a lei se constituiu como principal fonte de direito a estabelecer

as regras de direito concebidas como regras de conduta, visando regular as

relações entre os cidadãos.

No Brasil, precedente judicial não significa o mesmo que no sistema do

common law. Precedente decorre de um pronunciamento judicial que interpreta as

prescrições normativas à luz do caso concreto em um determinado momento

histórico e que serve de base para a formação de outro pronunciamento judicial

em processo posterior.

Ele não cria um direito por si só, pois a atividade criativa do Poder

Judiciário é intimamente ligada à interpretação do ordenamento jurídico

delineado, precipuamente, pelo Poder Legislativo.

O Código de Processo Civil de 2015 estabelece um sistema de formação

de precedentes construído à luz das características de um ordenamento jurídico

de civil law, como é o brasileiro. Não há migração para a família de direito do

common law; não é a tradição do direito brasileiro. A atividade do juiz é

concretizadora do trabalho iniciado pelo legislador.

Nessa linha, o art. 927 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece

um rol de pronunciamentos judiciais que podem ser considerados precedentes

para fins de aplicação do direito brasileiro.

O trabalho optou por nomear de precedentes o rol de pronunciamentos

constantes no art. 927 do Código de Processo Civil. Sabe-se que a denominação

é passível de crítica, pois não reflete fielmente o que tem sido chamado de

264

precedente no mundo e, especial, nos países de common law. No entanto, entre

os inúmeros apelidos constatados, optou-se por essa nomenclatura pura e

simples – precedente – sem nenhuma adjetivação, mas destacado em itálico,

como forma indireta de chamar a atenção para o fato de que não se trata

fielmente daquilo que em outros países se chama de precedente.

O art. 926 do Código de Processo Civil estabelece o dever aos Tribunais

de uniformização de sua jurisprudência e de mantê-la estável, íntegra e coerente,

inclusive com a edição de enunciado de súmula, que deverão se ater às

circunstâncias fáticas que levaram à sua criação.

O art. 927 do Código de Processo Civil estabelece o dever de os juízes e

os tribunais observarem (e seguirem) os precedentes judiciais descritos, ou seja,

o dever de vinculação aos precedentes. Em que pese a interpretação do

dispositivo ter se tornado bastante polêmica e variada, este trabalho adota o

entendimento de que o dispositivo estabelece alguns precedentes com eficácia

vinculante, quais sejam: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle

concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os

acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial

repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e a

orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Desse modo, os precedentes judiciais podem ser considerados normas

jurídicas, pois eles atribuem sentido às prescrições normativas à luz de

determinadas circunstâncias fáticas e dado momento histórico.

Como o inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015 prevê o

cabimento de ação rescisória quando a decisão violar manifestamente norma

jurídica, no capítulo 4 examina-se o cabimento de ação rescisória por violação a

precedente.

Durante a vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973,

após a instituição dos enunciados de súmula de jurisprudência predominante do

Supremo Tribunal Federal em 1963, o entendimento prevalente era no sentido do

não cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula

persuasiva. Em relação aos enunciados de súmula vinculante, a questão dividiu a

265

doutrina e a jurisprudência, tendo ganhado força na doutrina o cabimento de ação

rescisória por violação a enunciado de súmula vinculante. Mais recentemente,

ainda que minoritariamente, surgiu o entendimento a respeito do cabimento de

ação rescisória por violação a enunciado de súmula persuasiva.

O Código de Processo Civil de 2015, precipuamente por conta do

disposto no inciso V e nos §§ 5.º e 6.º do art 966 denotam a ocorrência de

mudança de paradigma sobre a rescindibilidade de decisões judiciais com

fundamento em violação a precedente. Com efeito, o inciso V estabelece a

possibilidade de rescisão de decisão judicial, transitada em julgado, quando violar

manifestamente a norma jurídica e os §§ 5.º e 6.º prevêem expressamente a

possibilidade de desconstituição da coisa julgada e de rescisão de decisão judicial

contrária a precedente.

O cabimento de ação rescisória por violação a precedente, portanto, já

estava previsto no ordenamento jurídico na hipótese de cabimento de ação

rescisória quando a decisão rescindida “violar manifestamente norma jurídica”,

havendo violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a decisão não

aplica precedente aplicável ou aplica erroneamente precedente inaplicável.

O Código de Processo Civil de 2015 também prevê expressamente, no §

15 do art. 525 e no § 8.º do art. 535, o cabimento de ação rescisória por violação

à norma jurídica constitucional, especificamente quando a sentença for fundada

em texto normativo posteriormente considerado inconstitucional ou reputar

inconstitucional texto normativo posteriormente declarado constitucional, sendo

necessário que o trânsito em julgado da decisão exequenda tenha ocorrido antes

da decisão do Supremo Tribunal Federal. No entanto, não será cabível se o

Supremo Tribunal Federal modular prospectivamente os efeitos de sua decisão

de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade.

O prazo para o exercício do direito de rescisão dos julgados por violação

manifesta à norma jurídica e, em especial, a precedente judicial, seguirá a regra

geral que prevê o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação

rescisória.

Especificamente quanto ao prazo para a ação rescisória contra decisão

interlocutória de mérito e capítulo não recorrido, o termo final do prazo de dois

anos para o exercício do direito à rescisão de decisão interlocutória de mérito e de

266

capítulo não recorrido conta-se do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ou

seja, da última decisão referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória, e

não do último pronunciamento posterior proferido no processo sobre questão

diversa. Em caso de recurso pendente de juízo de admissibilidade, os dois anos

para o exercício do direito à rescisão dos julgados inicia-se da última decisão

sobre esse recurso, ainda que ele não seja conhecido, salvo intempestividade

manifesta.

Especificamente quanto o prazo para propositura de ação rescisória

fundada em “coisa julgada inconstitucional”, o prazo será contado do trânsito em

julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, mas limitado ao

prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão

referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória.

Verificada a possibilidade de rescisão da decisão judicial e de

desconstituição da coisa julgada em caso de violação a precedente, resta analisar

as complexas questões referentes ao momento de formação do precedente, ao

momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação

rescisória.

Em caso de inexistência de precedente judicial na época do trânsito em

julgado da decisão rescindenda e de fixação posterior de precedente em sentido

contrário à decisão, é cabível ação rescisória por violação a precedente.

De igual modo, também deve ser admitida a ação rescisória quando o

sentido correto da norma tiver sido atribuído por precedente e a decisão

rescindenda foi proferida em sentido diverso quando a interpretação ainda era

controvertida nos tribunais, a despeito do enunciado 343 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal, exceto no caso de o tribunal modular os efeitos do precedente.

No entanto, se no prazo rescisório a interpretação continuar controvertida,

não será cabível a ação rescisória por não inexistir violação manifesta à norma

jurídica, pois a interpretação adequada continuará sem aclaramento pelos

tribunais.

Por outro lado, a existência de precedente judicial na época do trânsito

em julgado da decisão em sentido contrário viabiliza, indubitavelmente, a ação

rescisória.

267

Por fim, na hipótese de precedente na época do trânsito em julgado da

decisão rescindenda e ocorrer superação posterior ao trânsito em julgado com a

formação de novo precedente, a princípio é cabível ação rescisória em caso de

modificação de precedente, por existir, em regra, eficácia retroativa.

No entanto, se as circunstâncias do caso demonstrarem que as partes

tiveram como pauta de conduta o precedente anterior, que gerou segurança

jurídica, decorrente da legítima confiança e da previsibilidade da atuação estatal,

ocorrendo posterior superação do precedente e formação de novo precedente

não será cabível ação rescisória com fundamento em violação a precedente. A

modulação de efeitos é técnica útil para afastar a aplicabilidade do novo

precedente e sanar possíveis dúvidas a respeito de sua aplicação retroativa.

Em um sistema jurídico que admite a rescisão de decisão judicial

transitada em julgado por violação manifesta à norma jurídica, esses resultados

concretizam os princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica

decorrente da previsibilidade proveniente da existência de precedentes judiciais

que levam maior integridade, coerência e estabilidade ao sistema jurídico, em

detrimento da segurança jurídica que proporciona estabilidade à relação jurídica

individual apreciada pelo Poder Judiciário, decorrente da coisa julgada.

268

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