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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP LUIZ HENRIQUE TAMAKI A preclusão no processo de arbitragem Mestrado em Direito São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

LUIZ HENRIQUE TAMAKI

A preclusão no processo de arbitragem

Mestrado em Direito

São Paulo

2016

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LUIZ HENRIQUE TAMAKI

A preclusão no processo de arbitragem

Dissertação de mestrado apresentado ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção de título de mestre em Direito - área de concentração: Direito Civil. Orientador: Professor Titular Doutor José Manoel de Arruda Alvim Netto

Mestrado em Direito

São Paulo

2016

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RESUMO

Neste trabalho de dissertação de mestrado propõe-se um breve estudo

acerca do instituto da preclusão, assim como uma revisão sobre o processo de

arbitragem, com a finalidade de concluir-se sobre a existência, aplicabilidade e

limites da preclusão no processo de arbitragem. Para tanto, faremos breves

comentários sobre os institutos da preclusão e do processo de arbitragem, traçando

seus preceitos lógicos e introduzindo a conjugação de ambos os conceitos.

Palavras chave: 1 Preclusão. 2 Arbitragem. 3 Devido processo legal.

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ABSTRACT

This dissertation work proposes a brief study of the estoppel, as well as a

review of the arbitration process, in order to finish up on the existence and

applicability of estoppel in the arbitration process. To this end, we will briefly

comment on the institutes of estoppel and the arbitration process, tracing its logical

precepts and introducing the combination of both concepts.

Key words: 1Estoppel. 2 Arbitration. 3 Due processo of law.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 07

2 BREVES NOÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ARBITRAGEM .................. 09

2.1 Conceito e natureza jurídica da arbitragem ............................................ 09

2.1.1 A arbitragem como jurisdição contratual e suas consequências ............. 16

2.2 Princípios fundamentais do procedimento na arbitragem .................... 21

2.2.1 O princípio do devido processo legal: ampla defesa e contraditório,

isonomia e imparcialidade..................................................................................

21

2.2.2 O princípio da segurança jurídica ............................................................ 27

2.2.3 O princípio da flexibilidade procedimental ............................................... 28

2.3 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e a flexibilidade

do procedimento arbitral ................................................................................

32

2.4 Da formação e da estabilização da demanda ......................................... 35

2.5 A revelia ..................................................................................................... 41

3 BREVES NOÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA PRECLUSÃO ..................... 46

3.1 A interpretação sistemática da preclusão .............................................. 46

3.2 Os princípios processuais conexos à preclusão ................................... 49

3.2.1 O princípio da ordenação ou do impulso oficial – a razão do formalismo

processual .........................................................................................................

49

3.2.2 O princípio da duração razoável do processo .......................................... 50

3.2.3 O princípio da segurança jurídica ............................................................ 53

3.2.4 O princípio da boa-fé objetiva .................................................................. 55

3.2.5 Os princípios do contraditório e da ampla defesa .................................... 58

3.3 Conceito de preclusão .............................................................................. 60

3.3.1 Natureza jurídica ...................................................................................... 62

3.3.2 Breve análise da preclusão em sistemas estrangeiros ............................ 65

3.4 Espécies de preclusão .............................................................................. 68

3.4.1 A preclusão temporal .............................................................................. 70

3.4.2 A preclusão lógica .................................................................................... 72

3.4.3 A preclusão consumativa ......................................................................... 74

3.4.4 A preclusão dos atos das partes ............................................................. 77

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3.4.5 A preclusão dos atos do juiz .................................................................... 83

3.5 Fundamentos da preclusão ...................................................................... 89

3.6 Limites à decretação da preclusão ......................................................... 92

4 A PRECLUSÃO NO PROCESSO DE ARBITRAGEM .................................. 96

4.1 Os fundamentos da preclusão no processo de arbitragem .................. 96

4.1.1 A preclusão temporal em razão da estabilização da demanda e dos

prazos procedimentais ......................................................................................

98

4.1.3 A preclusão dos atos do juiz no processo arbitral .................................... 104

4.1.2 A preclusão lógica e a conduta de boa-fé das partes............................... 107

4.2 A preclusão consumativa ......................................................................... 110

4.3 A preclusão temporal da sentença arbitral ............................................. 113

4.4 Limites à decretação da preclusão no processo de arbitragem .......... 115

4.5 A revisão da preclusão, ou de sua ausência de decretação, pelo

Poder Judiciário ..............................................................................................

118

4.6 Critérios jus filosóficos de ponderação .................................................. 122

4.6.1 Celeridade e efetividade contra segurança jurídica ................................. 122

4.6.2 A prudência como virtude da decisão ...................................................... 125

4.6.3 Razoabilidade e proporcionalidade: uma ponderação de formalismo e

tempo.................................................................................................................

128

CONCLUSÃO ................................................................................................... 133

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 135

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1 INTRODUÇÃO

A doutrina1 aponta que a partir dos estudos de Chiovenda a preclusão

ganhou contornos no processo civil, de forma que tornou-se conceito dissociado da

coisa julgada, tendo nas lições de José Frederico Marques2 três espécies: temporal,

lógica e consumativa.

Inegavelmente consiste em instituto voltado à ordem e celeridade do

processo, segmentando suas fases com o fito de se alcançar o término do

procedimento.

Com efeito, tendo o processo o significado etimológico de “seguir a diante”3,

eis que decorrente da palavra latina procedere, a preclusão, calcada em

fundamentos distintos para cada espécie, presta importante serviço a esse caminho.

Um caminho marcado por uma batalha jurídica – o processo – na qual

somente encontra solução em razão de conceitos como o impulso oficial, a

preclusão e a coisa julgada, dada a necessidade de se por fim à lide.

Todavia, quando o processo é arbitral, novos conceitos afetos ao

procedimento são trazidos à baila. Da flexibilidade do procedimento, à razão da

arbitragem surgir da vontade das partes, novos elementos lógicos de compreensão

da preclusão devem integrar a interpretação dos atos concatenados contidos no

procedimento arbitral.

Entender melhor os princípios que fundamentam a preclusão, lhe dando

subsistência e conteúdo, é o primeiro passo para se buscar compreensão e

aplicabilidade do instituto, razão pela qual nos propomos a traçar alguns elementos

conexos a tais fundamentos através de breves comentários acerca da preclusão no

processo civil.

Além desta revisita ao instituto da preclusão, faremos uma pequena

introdução acerca da arbitragem e de como se desenvolve este procedimento.

1 Heitor Sica revela após analisar amplamente a doutrina brasileira que todos os escritores possuem posicionamento acerca da preclusão de forma bastante semelhante, reconhecendo no instituto as modalidades de preclusão lógica, temporal e consumativa. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 89. 2 MARQUES. José Frederico. Instituições de direito processual civil, 2ª ed. v. II. Campinas: Millennium, 2000, p. 380-381. 3 CINTRA, Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 279.

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Com estes dois elementos pretenderemos traçar conclusões acerca da

existência, aplicabilidade, espécies e limites da preclusão no processo de

arbitragem, com o intuito de estabelecer uma posição diante do princípio da

efetividade processual e da justiça procedimental.

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2 BREVES NOÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ARBITRAGEM

Diante da abrangência e magnitude do tema, não pretendemos esgotar em

absoluto todos os aspectos relativos à arbitragem ou ao processo arbitral, mas

apenas indicar um panorama dos conceitos mais relevantes para melhor introduzir a

questão da preclusão no processo de arbitragem.

Com efeito, analisaremos o que em nossa visão é mais relevante acerca da

arbitragem ao ponto de interferir nas questões atinentes ao assunto principal desta

dissertação.

2.1 Conceito e natureza jurídica da arbitragem

A doutrina possui preceito lógico inicial de afirmar que a arbitragem configura

método de solução de litígios heterocompositivo alternativo à jurisdição estatal.

Nesta linha, Francisco José Cahali4 ensina que a origem da expressão "meio

alternativo de solução de controvérsia" é da língua inglesa (Alternative Dispute

Resolution) e se contrapõe à resolução de litígios estatais, sendo esta a razão de ser

chamado alternativo.

Ademais, se afirma ser solução heterocompositiva por conta da decisão dada

pelo árbitro configurar-se em decisão adjudicada às partes - afastando-se da ideia

de consenso da decisão, como as formas de solução de conflitos extraídas da

mediação ou da conciliação.

Carlos Alberto Carmona5 alerta que o termo "alternativo" perderia sentido na

moderna visão processual, tendo em vista que o tema receberia melhor tratamento

como "meio adequado" de solução de litígios. Nesta visão, defende o doutrinador, a

arbitragem ganharia preceitos e lógica própria para atender às especificidades e

necessidades da lide, justificando a maior liberdade procedimental.

Interessante característica levantada por Leonardo de Faria Beraldo6 aponta

que a arbitragem não pode ser considerada como uma "privatização da Justiça",

4 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 85. 5 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 32. 6 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 01.

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muito menos como "a ascensão judiciosa do neoliberalismo triunfante". Em sua

opinião, o simples fato de ser um terceiro particular o responsável pela adjudicação

da decisão, ou incluir no conceito de arbitragem a ausência de intervenção do Poder

Judiciário, não implica em privatização da Justiça dada a qualidade e característica

da arbitragem, que mantém no conteúdo de atividade jurisdicional a natureza de

normas de direito público atinentes ao devido processo legal.

Diante de tais características, Francisco Cahali explica a existência de quatro

teorias acerca da natureza jurídica da arbitragem: "São basicamente quatro as

teorias a respeito: a privatista (contratual), jurisdicionalista (publicista), intermediária

ou mista (contratual-publicista) e a autônoma"7.

A teoria privatista explica a relação jurídica da arbitragem como um negócio

jurídico, com essência a partir do contrato entre as partes. A função do árbitro para

esta teoria é cumprir o contrato através da solução da lide, sem que este seja

investido de atividade jurisdicional, que seria exclusiva do Estado. O principal

argumento desta teoria encontra-se na ausência de investidura do árbitro em

poderes de execução e imposição do decidido, sendo amplamente defendida no

passado por conta da legislação exigir a chancela do Estado através da

homologação do laudo. Tal teoria perdeu força com o advento da Lei 9.307/1996

que passou a dispensar a prévia homologação e determinou ser a sentença arbitral

título executivo judicial (art. 31 da Lei 9.307/1996 e art. 475-N, IV do Código de

Processo Civil ou art. 515, inciso VII do Novo Código de Processo Civil).

A teoria publicista ou jurisdicionalista pressupõe que o árbitro exerce função

de juízes do caso, reconhecendo uma jurisdição extraordinária e de caráter público.

Para esta teoria, há verdadeira investidura de atividade jurisdicional, fato a implicar

na atividade do árbitro um caráter público que pressupõe normatividade própria e

insubstituível, decorrente do princípio do devido processo legal.

A teoria intermediária ou mista reúne os fundamentos das teorias

contratualistas e jurisdicionalistas para concluir que a arbitragem possui fundamento

contratual e, portanto, dele decorrente, mas seu conteúdo é jurisdicional e, por esta

razão, submete-se à sistemática processual parcialmente, tendo em vista haver para

este sistema normas cogentes em harmonia com normas dispositivas.

7 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 92.

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Por fim, a teoria autônoma melhor explica a realidade das arbitragens

internacionais, tendo em seu conteúdo preceito que desvincula a existência da

arbitragem à ordem local de uma ou de outra parte, na medida em que vislumbra a

possibilidade destas contratarem as normas aplicáveis ao caso concreto e tratá-la

como jurisdição própria e independente da jurisdição de um dado sistema jurídico.

Por esta teoria, possível explicar os motivos pelos quais uma arbitragem pode ser

reconhecida como nula em um país, mas ser aplicada em outro, em situações que o

país sede da arbitragem declare nulo o procedimento arbitral mas o país de

execução do laudo reconheça-o como válido8.

A essência de cada teoria encontra-se no conteúdo normativo atribuído à

arbitragem conforme o Poder Jurisdicional exercido pelo árbitro. Com efeito, pelo

conceito de jurisdição se identifica e aplica tal conteúdo normativo, que ao final

delineia a natureza jurídica da arbitragem.

Na espécie, pressupondo jurisdição como atividade exclusiva do Poder

Estatal, estaria a arbitragem excluída da atividade jurisdicional por integrar uma

forma de solução de conflitos exclusivamente privada. Todavia, ao considerar

jurisdição como poder de solucionar a lide independentemente da condição do

árbitro, há maior aproximação das regras atinentes à jurisdição para a arbitragem,

havendo exclusão apenas de poderes de coerção e execução. A maior intensidade

de um pressuposto ou de outro indica a teoria pela qual fundamenta a natureza

jurídica da arbitragem, encontrando-se na doutrina importantes argumentos para a

defesa de uma intensidade mais privatista ou mais publicista.

Jonathan Barros Vita9, defende a natureza privada da arbitragem afastando o

aspecto legalista através de um aspecto finalístico:

A justificativa do caráter jurisdicional da arbitragem por ela ter sido colocada no rol dos títulos executivos judiciais (art. 475-N, IV, do CPC, combinado com o seu inc. VI quando se tratar de sentença arbitral estrangeira) não é um argumento concludente, pois o fato de possuir regime jurídico executório de sentença judicial não significa que possua a mesma natureza jurídica.

8 Esta complexa e controvertida tese seria admissível em contraposição à previsão do artigo V da convenção de Nova York (Decreto nº 4.311 de 23 de julho de 2002) que prevê no item 1, alínea "e" a regra de que o país sede da arbitragem possui competência para decisão acerca da validade do procedimento, tendo em vista a previsão do artigo VII, item 1, que prescreve exceção a regra do artigo V quando acordo multilaterais ou bilaterais permitirem o reconhecimento de sentenças arbitrais declaradas nulas na sede da arbitragem. 9 VITA, Jonathan; FILKELSTEIN, Cláudio; CASADO FILHO, Napoleão (coords.). Arbitragem internacional: Unidroit, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 54-55.

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(...) esta ideia de arbitragem como estrutura de resolução de conflitos não jurisdicional faz com que, ao menos, três elementos aflorem e potencializem seu uso. Neste sentido, o uso da arbitragem como forma autorizada/delegada de jurisdição integral acaba limitando-a em seu objeto, adaptabilidade e produção de resultado mais facilmente aceitável pelas partes.10

Sua conclusão é de que a ausência do conteúdo de jurisdição no conceito de

arbitragem provoca maior capacidade de adaptação e estabilidade das decisões

diante de um afastamento de um centro normativo, maior capacidade das

arbitragens de afastar-se de uma vinculação a uma ordem jurídica normativa, com o

consequente afastamento de pressões políticas nacionais e por fim, maior

capacidade da decisão arbitral integrar diversos sistemas jurídicos diferentes,

quando tratar-se de arbitragens internacionais.

Já Francisco José Cahali explica que por sua natureza a atividade

jurisdicional é conferida pela Lei:

A jurisdição, em tese, enquanto autoridade abstrata de dizer o direito (jurisdictio, jus dicere), é conferida ao Estado (a ser manifestada pelos magistrados) e também excepcionalmente aos particulares (pelo modelo arbitral na forma estabelecida em nosso sistema jurídico); a Lei prevê (e assim cria o poder), estabelece regras, requisitos e condições para a jurisdição privada ser exercida, ou seja, a jurisdição, em tese, é atribuída

pelo ordenamento.11

Acrescente-se ainda que, por previsão constitucional, outros poderes

jurisdicionais são previstos pelo ordenamento, como é a hipótese do Tribunal do Júri

(art. 5º, inc. XXXVIII da Constituição Federal). Mesmo que se reconheça a

presidência do tribunal do júri conferida a um magistrado estatal, o poder

jurisdicional é exercido por particulares sorteados dentre pessoas do povo.

Neste sentido, afirma José Afonso da Silva que a inserção do Tribunal do Júri

no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais e no capítulo relativo aos

direitos e deveres individuais e coletivos constitui garantia jurisdicional penal

protegendo o indivíduo contra atuações arbitrárias. Acrescenta que “a garantia de

julgamento pelo tribunal do júri nos crimes dolosos contra a vida e, ainda mais, com

as garantias subsidiárias da plenitude da defesa, do sigilo das votações dos jurados

e da soberania dos veredictos” (inc. XXXVIII), vale dizer que “outro tribunal não pode

10 VITA, Jonathan; FILKELSTEIN, Cláudio; CASADO FILHO, Napoleão (coords.). Arbitragem internacional: Unidroit, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 54-55. 11 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 96.

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reformar o mérito da decisão do júri; pode anular o processo por vício de forma, não

mudar o mérito do julgamento”.12

Arruda Alvim pondera ainda que a atividade jurisdicional não poderia ser

interpretada como exclusiva do Estado se diante de situações em que o

jurisdicionado poderia ter melhor acesso à Justiça através de outras vias. Explica o

autor:

A maior parte da doutrina já faz alusão à arbitragem como modalidade jurisdicional, ao argumento de que o instituto exerce idêntica função e produz os mesmos efeitos que a atividade jurisdicional do Estado, de sorte que o propagado “monopólio estatal” não poderia justificar a exclusão da arbitragem do conceito de jurisdição. A propósito do “mito” da indelegabilidade da jurisdição, Joel Dias Figueiredo Jr. assinala a importância, sobretudo no âmbito internacional, de se refletir este princípio, que não pode ser erigido à condição de dogma, em detrimento dos objetivos da jurisdição e da interação entre os Estados.13

Eduardo Arruda Alvim, após delinear as características da arbitragem perante

o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, conclui com precisão:

"Devidamente entendida a jurisdição em sua concepção moderna, ou seja, tendo-se

em vista os fins a que se destina, configura-se acertado dizer que a arbitragem

configura verdadeira jurisdição privada"14. Segundo o autor, a adoção deste critério -

de que a arbitragem não configura um substitutivo da jurisdição mas é o próprio

exercício da jurisdição - atribui à arbitragem maior celeridade na eventual execução

do julgado e maior estabilidade perante os Tribunais, justificando da seguinte forma:

A adoção, entre nós, de maneira ampla, da arbitragem, tal como prevista na Lei 9.307/96, ou seja, com regras que conferem efetividade ao procedimento arbitral, sem necessidade de homologação judicial, representa grande inovação e, em nosso sentir, ostenta diversas vantagens que se sobrepõem a qualquer possível inconveniente desse sistema. Recentemente, o STJ veio a sumular entendimento no sentido de que a "lei de arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição" (súmula 485 do STJ).15

Acrescento, ainda, visão pessoal sobre o que a arbitragem não é. Não se

trata de procedimento de solução de litígios no qual inexistem regras pré-definidas e

procedimentos próprios. Não se trata de forma de heterocomposição em que o

12 SILVA, José Afonso da. Manual da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 40. 13 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 209-210. 14 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 5. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013, p. 141. 15 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 5. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013, p.65.

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árbitro possui poderes ilimitados. Não se configura relação jurídica processual tão

nova e tão inovadora que descarta décadas de estudos e aperfeiçoamentos de

técnicas processuais e dos institutos de direito processual civil.

Com efeito, me permito exemplificar algumas formas de solução de litígios

pouco ortodoxas. Imagine-se que duas partes com um conflito jurídico - partes

capazes com lide de direitos patrimoniais disponíveis - e busquem solução com um

terceiro particular que resolve ser o vencedor da lide aquele que ganhar uma corrida,

ou aquele que escolher o lado certo de moeda jogada para cima. Como contrato, as

partes dispuseram de seus direitos como melhor lhes aprouveram. Seria isso uma

arbitragem ? Claro que não. Mas porquê ?

Evidentemente que a relação jurídica processual surge de normas de direito

público decorrentes do princípio do devido processo legal e que foram instituídas

com a finalidade de tornar o julgamento de lides um serviço apto a distribuir justiça.

Neste mesmo liame está a arbitragem, que com suas peculiaridades também gera

uma relação jurídica processual - entre autor, juiz e réu - que tem por finalidade a

adoção de solução justa, correta, pacificadora.

Para que isto ocorra o sistema normativo impõe a adoção de princípios que

devem ser obedecidos na arbitragem - como o devido processo legal, a isonomia, o

contraditório e a obediência à ordem pública. Tais princípios compõem um conjunto

normativo impositivo que atribui à relação jurídica processual uma inegável natureza

publicista da relação. O processo somente se desenvolve a partir destas regras, pois

do contrário não poderíamos falar em jurisdição.

Desta forma, fica claro que a arbitragem não configura qualquer forma de

solução de litígios, mas somente aquela que incorpora normas de direito público

próprias do devido processo legal. Isto não significa legalizar em absoluto o

procedimento, ao ponto de retirar sua característica de flexibilidade. Mas por outro

lado, impossível abandonar todos os conceitos processuais e toda construção da

ciência processual apenas com o argumento de que a arbitragem é diferente do

processo civil.

Com efeito, conhecer as razões das suas diferenças e aplicá-las

adequadamente a cada instituto é trabalho impositivo do cientista do direito, que

precisa ter ciência de que quando postas as armas da batalha jurídica, somente a

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previsibilidade e objetividade do processo podem garantir segurança jurídica das

decisões.

Cumpre observar que, se a origem da jurisdição estatal decorre do princípio

constitucional de inafastabilidade do controle de lesão ou ameaça a direito pelo

Poder Judiciário, a jurisdição arbitral possuí início a partir do acordo de vontades que

atribui ao árbitro o poder de exercer o poder jurisdicional no caso concreto.

Nesta visão de que a arbitragem é decorrente do contrato, mas exerce poder

jurisdicional que entendemos ser método de solução de litígios de natureza mista,

impondo a cada questão processual ponderar entre a flexibilidade contratual da

relação jurídica processual e as normas de ordem pública que decorrem do devido

processo legal.

Também decorrente da visão de que a arbitragem é o exercício do poder

jurisdicional do Estado por um particular, atribuímos a esta função uma atividade de

natureza pública, com princípios inerentes ao direito público. Neste sentido, ensina

Celso Antônio Bandeira de Mello, que a atividade dos terceiros particulares em

colaboração com o Estado é:

(...) categoria de agentes composta por sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares - portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal (com exceção única dos recrutados para serviço militar) - , exercem função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico.16

Sendo uma atividade de natureza pública, a arbitragem configura um serviço

público supletivo à atividade jurisdicional do Estado. Maria Sylvia Zanella di Pietro

define serviço público como:

(...) toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.17

Esta característica de ser um serviço público, vinculado a normas de direito

público e relativos a uma atividade jurisdicional são importantes para uma correta

análise dos poderes de revisão das decisões arbitrais pelo Poder Judiciário, que

apresentaremos em capítulo próprio.

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 224. 17 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p.99.

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Por fim, mas não menos importante, uma característica fundamental da

arbitragem é a ausência de instância recursal (salvo previsão procedimental em

sentido contrário mas que se desconhece de hipóteses de arbitragem com instância

recursal sendo aplicadas).

A razão e a função de uma única instância decisória no processo de

arbitragem é uma característica tão inerente ao processo arbitral que vislumbramos

ser qualidade própria de sua natureza. Neste sentido explica Andreas Lowenfeld,

citado por Carlos Alberto Carmona:

Honest arbitrators do not manifestly disregard the Law. But they may well misconstrue the law, or misapply it, or get the facts wrong. So, of course, may judges, administrative agencies, tax assessors, and other decisionmakers. But whereas in virtually every judicial system a losing party has at least a chance to challenge the outcome of a legal proceeding, arbitration is different.18

A qualidade de haver apenas uma única instância decisória faz da arbitragem

uma forma de solução de conflitos única, não apenas para a celeridade, mas

especialmente pela prudência necessária a se conduzir o julgamento.

2.1.1 A arbitragem como jurisdição contratual e suas consequências

A arbitragem tem como pressuposto ser uma atividade jurisdicional por

natureza na medida em que sua existência e validade dependem da observância de

requisitos processuais que garantam à decisão o cumprimento do devido processo

legal. Ocorre que, sendo decorrente de um vínculo contratual, inegável a existência

de conteúdo privatista na origem da relação jurídica processual. Por estas razões, a

análise de cada questão processual considerando estes dois pontos equidistantes é

primordial para a definição de uma solução juridicamente adequada.

Não pretendemos analisar todas as questões decorrentes da consideração da

arbitragem como jurisdição (isto seria impossível). Mas a partir de alguns exemplos,

podemos mostrar a importância da consideração destes dois preceitos (privatista e

18 Andreas Lowenfeld, “Can arbitration coexist with judicial review?” in Lowelfeld on International Arbitration. Collected Essays over Three Decades, Nova Iorque, Juris Publishing, 2005, p. 191, apud CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Disponível em: <http://www.josemigueljudice-arbitration.com/xms/files/02_TEXTOS_ARBITRAGEM/01_Doutrina_ScolarsTexts/arbitrators__impartiality_and_independence/Em_torno_do_arbitro.pdf>. Acesso em 14 abr. 2015, p. 1.

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17

publicista) quando da interpretação da arbitragem como exercício da jurisdição

contratual.

A primeira questão seria analisar se é cabível mandado de segurança contra

decisão interlocutória de juízo arbitral. Em síntese, seria o juízo arbitral "autoridade"

para fins de cabimento da via mandamental prescrita no artigo 5º, inciso LXIX da

Constituição Federal, no tocante à sua atribuição do Poder Público ?

A afirmação de impossibilidade da via mandamental contra decisão do juízo

arbitral não parece adequada pois precisaria afastar a inconstitucionalidade do

princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional de lesão ou ameaça a direito.

Uma aparente contradição a ser solucionada pela existência de um conteúdo

normativo mínimo que deve ser respeitado pelo juízo arbitral e que sempre será

passível de questionamento por órgão diverso dado o princípio da imparcialidade,

nas hipóteses em que o prejuízo for irreversível. Evidentemente que se a atividade

do juízo arbitral está sendo questionada não caberia ao próprio juízo arbitral avaliar

este questionamento, sendo a questão levada a outro órgão jurisdicional.

A questão não é pacífica. Arnold Wald19 defende ser incabível a via

mandamental contra decisão do juízo arbitral, afirmando:

(...) o mandado de segurança pode ser manejado para garantir a realização da arbitragem, por exemplo, quando obstado por tribunais de contas ou autoridades do Poder Executivo. 11. O que não se deve admitir, em princípio, é o uso do mandado de segurança para impedir o início da arbitragem ou interromper seu andamento, ou, ainda, para apreciar decisões interlocutórias proferidas no curso do processo arbitral.(...) 13. Assim, não cabe ao juiz togado proferir decisões em mandados de segurança, ou em quaisquer outras ações judiciais, para impedir ou criar embaraços ao início, ao andamento ou à conclusão da arbitragem, pois a primeira oportunidade de julgamento da competência dos árbitros deve ser reservada a eles próprios, sob o crivo de um controle judicial a posteriori, exercido num segundo momento, após a prolação da sentença arbitral, mas nunca antes. 14. As partes na arbitragem não podem, pois, recorrer ao mandado de segurança, nem antes da sua instauração, para impedir a constituição do Tribunal Arbitral, nem durante o procedimento, nem após a conclusão da arbitragem, quando o que lhes cabe eventualmente é pedir a anulação da sentença, e, assim mesmo, tão somente nos casos expressamente previstos pelo legislador.

Tal posicionamento pressupõe apenas o controle do procedimento arbitral

através da ação anulatória da sentença arbitral, em conformidade com o preceito

19 WALD. Arnold. Descabimento do mandado de segurança contra decisão do tribunal arbitral - comentários ao AGIN 990.10.284191-0. Revista de Mediação e Arbitragem, São Paulo, ano 7, n. 26, p. 255-264, jul./set. 2010.

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18

insculpido na súmula 267 do Supremo Tribunal Federal que prescreve: "Não cabe

mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição."

Ocorre que o sentido lógico da referida súmula, já amplamente abarcado pela

doutrina e jurisprudência, é de que cabe mandado de segurança quando o recurso

for inócuo para proteção de direito líquido e certo. Com efeito, prejuízos

procedimentais que não seriam passíveis de correção através da referida ação de

anulação (como a realização de perícia em dado momento procedimental que

restaria impossível de ser repetida em momento posterior) poderiam ensejar a via

mandamental.

Isto porque, mesmo aqueles que defendem ser incabível o mandado de

segurança contra decisão do juízo arbitral, fundamentam sua conclusão pela

inviabilidade do mandado de segurança em algumas hipóteses, não pela

inviabilidade do mandado de segurança pela ausência de atividade jurisdicional ou

pela inexistência de exercício de atribuições do Poder Público.

Com efeito, não seria qualquer decisão do juízo arbitral passível de

impetração de mandado de segurança, mas apenas aquelas que não poderiam

aguardar o ajuizamento da ação anulatória em virtude da geração de prejuízo

irremediável, devendo ainda ser respeitada a esfera de competência do juízo arbitral

para dizer o direito ao caso concreto.

Observe-se que não se admite transformar o juízo estatal em esfera recursal,

mas reconhece-se que a viabilidade do mandado de segurança é estritamente

relacionado à proteção das garantias processuais fundamentais quando a decisão

arbitral extrapola os limites jurisdicionais da arbitragem, seja por implicar em

conteúdo decisório teratológico, seja por violar regras elementares de processo

(aplicado conforme fórmula de Radbruch20 em que se reconhece que o direito

extremamente injusto não é direito)..

Exemplifica-se a hipótese com um eventual mandado de segurança alegando

o recebimento de propina pelo árbitro, com vídeo deste percebendo mala de dinheiro

a ser entregue pela parte contrária como prova pré-constituída do direito alegado.

Não se trata de hipótese de invasão da esfera de competência do árbitro, mas da

simples extrapolação de seu poder decisório.

20 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: JusPodivm, 2009, p. 224.

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19

Uma segunda questão, igualmente controvertida, seria a admissibilidade de

intervenção de terceiro na arbitragem, admitindo-se por pressuposto que o terceiro

(i) não deseja integrar a lide ou (ii) uma das partes não deseja que o terceiro integre

a lide. Isto porque, se todos com capacidade sobre direito patrimonial disponível

desejarem a participação na lide, mesmo sem prévia manifestação contratual, nada

mais natural que a autonomia da vontade seja suficiente para reconhecer sua

viabilidade.

Mas o que ocorreria com o terceiro que não deseja integrar a lide e é parte na

relação jurídica como litisconsorte necessário ? Na visão de Cândido Rangel

Dinamarco, a ação arbitral haveria de ser extinta sem julgamento do mérito. Sua

justificativa encontra fundamento na origem contratualista da arbitragem:

Não sendo admissível um processo e o julgamento de seu objeto sem que participem todos os sujeitos titulares da situação jurídica incindível posta em julgamento (e essa incindibilidade é a razão de ser da unitariedade do litisconsórcio), é sempre imprescindível que todos esses sujeitos figurem na relação processual, seja como autores ou como réus, conforme o caso. No processo arbitral, além disso, quando um desses sujeitos necessários não houver participado da cláusula arbitral não é lícito estender os limites subjetivos desta, para incluí-lo na arbitragem contra sua vontade - quer como autor, quer como réu. Tal seria uma ilegítima extensão subjetiva da cláusula arbitral. (...) A consequência dessa recusa deve ser a extinção do processo arbitral.21

Tal situação é vista por Carlos Alberto Carmona22 como simples, tendo em

vista que se o litisconsórcio é necessário e uma das partes não foi signatária do

compromisso arbitral, não poderia ser ela obrigada a participar do processo arbitral.

Todavia, o referido autor é cauteloso ao tratar de intervenções provocadas ou

voluntárias sem o consentimento de todos os litigantes. Assim delineia a questão:

Acresce lembrar que o sigilo que normalmente cerca as arbitragens dificilmente permitirá ao terceiro tomar conhecimento da existência de demanda onde se controverta acerca de direito ou coisa que pretenda reivindicar, o que tornará bastante rara a utilização do mecanismo em questão (intervenção de terceiros). Cumpre não esquecer que a última palavra sobre qualquer pleito de intervenção caberá necessariamente aos árbitros: ainda que as partes estejam de acordo com a intervenção do terceiro, os árbitros deverão deliberar sobre o assunto e podem entender que o ingresso de outro contendente é inadequado ou por qualquer motivo impróprio, o que significará o indeferimento de intervenção provocada ou voluntária.23

21 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 128. 22 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.305. 23 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.310.

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20

Este entendimento é divergente do expressado por Cândido Dinamarco, que

entende ser possível obrigar as partes do procedimento arbitral aceitarem a

intervenção de terceiro, dado que estas "não teriam interesse algum em opor-se à

integração do contraditório, porque assim fazendo, não fariam outra coisa senão

cristalizar a impossibilidade de proceder à arbitragem"24. Conclui o autor que, não

seria possível obrigar o terceiro a integrar a lide (nas hipóteses de denunciação da

lide, chamamento ao processo ou nomeação a autoria), mas seria admissível obrigar

as partes signatárias da arbitragem à aceitação da intervenção de terceiro, mesmo

contra sua vontade.

Discordamos deste entendimento, tendo em vista que a origem contratual da

arbitragem pressupõe a vontade de litigar no juízo arbitral contra uma parte

previamente determinada. A alteração não prevista das partes que participam do

procedimento arbitral viola a vontade dos contratantes, sempre que esta alteração

subjetiva do polo da lide implicar em alteração das condições contratuais

inicialmente previstas. Nos recorremos a alguns exemplos.

O primeiro deles seria a hipótese de um terceiro pretender integrar a lide,

sendo recusado pelo réu por alterar a regra de escolha do árbitro. Usualmente as

regras de tribunais arbitrais institucionais prescrevem que cada parte poderá

escolher um árbitro, mas nas hipóteses em que há multiplicidade de partes a

escolha deve ser conjunta ou recairá para escolha do próprio tribunal institucional.

Evidentemente que se o réu tivesse que aceitar a integração da lide de um terceiro e

perdesse o direito de escolha do árbitro, poderia alegar a ilegalidade da intervenção

por violação de um preceito contratual inicialmente estabelecido no compromisso

arbitral.

Ademais, é possível também se vislumbrar hipótese em que a intervenção de

terceiro viola a inicial pretensão das partes na arbitragem, sempre que o terceiro

integrar a lide de forma a alterar o balanço de forças idealizado pelas partes no

momento da estipulação do compromisso arbitral. Com efeito, assim ocorreria caso

um terceiro economicamente poderoso pretendesse integrar lide estabelecida entre

dois litigantes economicamente mais frágeis, implicando em alteração do potencial

24 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 128.

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21

de uma das partes para contratar peritos, produzir laudos, ser assessorado por

múltiplos advogados etc. Há uma alteração da pretensão inicial estabelecida pelo

compromisso arbitral, na medida em que a intenção de litigar com determinada parte

passa a obrigar a aceitação de litigar com pessoas diversas e que podem alterar a

vontade inicialmente estipulada no compromisso arbitral, violando-a.

O argumento de que seria simples contraposição de proceder à arbitragem

não é verídica pois mesmo sem a participação deste terceiro a arbitragem poderia

continuar, sendo que a relação jurídica com o terceiro restaria a ser discutida em um

segundo momento, tão somente.

Hipótese diversa seria a de litisconsórcio necessário em que uma das partes

signatárias não concorde com a integração da lide pelo litisconsorte que deseja

participar da arbitragem. Nesta situação, admissível a suplementação da vontade

pois sendo o litisconsórcio necessário, uma contraposição por parte signatária do

compromisso arbitral configura em desnecessária oposição à cláusula inicialmente

estipulada.

Em conclusão, observe-se que a primeira questão (admissibilidade de

mandado de segurança contra decisão interlocutória em juízo arbitral) pressupõe a

adequada interpretação da função jurisdicional do árbitro, notadamente por aplicar a

garantia do devido processo legal ao procedimento. Já a segunda questão

(admissibilidade de intervenção de terceiro em procedimento arbitral) considera

primordial a adequada relevância da origem contratual da arbitragem.

Nestes sentidos é que vislumbramos natureza mista da arbitragem, eis que

cada questão demandará ponderação de preceitos lógicos próprios destas duas

teorias (privatista e publicista) da arbitragem.

2.2 Princípios fundamentais do procedimento na arbitragem

2.2.1 O princípio do devido processo legal: ampla defesa e contraditório, isonomia e

imparcialidade.

Vislumbramos no princípio do devido processo legal um elemento

caracterizador da própria arbitragem, na medida em que sem devido processo legal

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22

seria possível admitir qualquer outra forma de solução de litígio, mas não a

arbitragem.

Sua aplicação, diante da generalidade do princípio, foi tratada pelo legislador

com a expressa menção a outros princípios de conteúdo mínimo, indicados no artigo

21 da Lei 9.307/96: o contraditório, a igualdade, a imparcialidade do árbitro e o livre

convencimento.

Carlos Alberto Carmona25 faz uma ampla análise deste conteúdo mínimo

pelas legislações de outros países, apontando:

A lei portuguesa sobre a arbitragem voluntária, por exemplo, relacionou, em seu art. 16, os princípios fundamentais a serem observados no processo, exigindo respeito aos princípios da igualdade, da ampla defesa e do contraditório. Os portugueses julgaram desnecessário mencionar no dispositivo o princípio da imparcialidade, embora acentuem a preocupação de que as partes tenham eficiente participação no processo arbitral, fazendo valer suas próprias razões. A lei paraguaia sobre arbitragem também tratou de ressaltar o apego aos princípios da igualdade e do contraditório, embora não tenha dispositivo legal específico sobre a incidência dos princípios do processo arbitral; igual método adotou o Canadá, cujo Commercial Arbitration Code exige o tratamento igualitário das partes e a plena oportunidade de expor as próprias razões. O Codice di Procedura Civile Italiano, já sob a égide da reforma de fevereiro de 2006, usou fórmula concisa mas eficaz ao dispor sobre o procedimento, determinando (art. 816-bis) que os árbitros devem zelar pela efetivação do princípio do contraditório, "concedendo às partes razoáveis e equivalentes possibilidades de defesa", enquanto a lei sueca de 1999 determina, de forma mais genérica, que os árbitros devem administrar a disputa de modo imparcial, prática o rápido (art. 21). Por fim, apenas para trazer mais um elemento de comparação, a Ley de Arbitraje espanhola, em seu art. 24, acolhe, como essenciais, os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

A lei brasileira, de forma exemplificativa, delimita o conteúdo mínimo do

devido processo legal no procedimento de arbitragem através dos princípios do

contraditório, da imparcialidade e da igualdade, mas não exclui outros preceitos

processuais atinentes à concretização deste devido processo legal. Trata-se de

reconhecer um conteúdo mínimo de garantia de um procedimento justo, adequado

ao caso concreto e que por tal razão pode ser coercitivamente imposto às partes.

Afirmamos ser exemplificativo na medida em que outros princípios atinentes

ao devido processo legal poderiam ser invocados independentemente de estarem

expressamente previstos na legislação pátria para direcionar a correta interpretação

do procedimento. Citamos como exemplo a questão da motivação das decisões.

25 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 293-294.

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23

No processo civil brasileiro é consagrado como princípio decorrente do devido

processo legal a motivação das decisões judiciais ao ponto de se reconhecer como

sistema normativo aplicado em conformidade com o preceito constitucional instituído

no artigo 93, inciso IX. O mesmo se pode afirmar das decisões arbitrais, pois a

motivação constitui elemento necessário à aferição da adequabilidade da decisão

arbitral com os seus requisitos de validade, ou seja, à aferição da aplicação do

devido processo legal.

Assim como a motivação, outros princípios poderiam ser invocados no

procedimento arbitral, como da razoabilidade e proporcionalidade, da

inadmissibilidade de prova ilícita, da razoável duração do processo.

Relativamente aos princípios tipificados no artigo 21, vislumbramos que a

construção doutrinária do processo civil se aplica ao procedimento arbitral, com o

acréscimo de algumas peculiaridades próprias da arbitragem.

Com efeito, no processo arbitral o contraditório também é visto como o

binômio "informação" e "possibilidade de reação", com o fito de permitir às partes os

meios adequados para influir no processo de formação da decisão a partir das

questões inerentes a este processo, como a produção probatória, a contra-

argumentação das razões da parte contrária, o prazo necessário para tomada de

atos processuais ou mesmo a ciência destes atos processuais através de formas

efetivas de comunicação.

Já o princípio da imparcialidade, além de buscar garantir um árbitro isento de

pré-concepções ou interesses pessoais na causa - através dos institutos da

suspeição ou do impedimento - impõe ao procedimento o chamado dever de

revelação. Trata-se de instrumento que permite às partes questionar ao árbitro

eventuais aspectos pessoais que possam interferir na imparcialidade do julgador,

seja por participação em outras causas das mesmas partes, seja por relação

profissional ou acadêmica com advogados das partes. Neste aspecto, a

imparcialidade do julgador é um valor profundamente mais explorado se comparado

ao critério de imparcialidade do juiz togado, pois obriga o árbitro a uma conduta ativa

que leve às partes maior confiança.

Por fim, o princípio da igualdade informa que o procedimento deve atribuir às

partes uma isonomia procedimental de tratamento que afaste primazias

desarrazoadas para ambos. Contudo, considerando o princípio da flexibilidade do

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24

procedimento, devemos pensar se tal princípio seria puramente formal (tratamento

paritário que desconsidera eventuais diferenças entre as partes) ou teria

aplicabilidade material, de forma a admitir que o árbitro pudesse corrigir eventuais

disparidades entre as partes.

Carlos Alberto Carmona defende ser hipótese de princípio formal. Em suas

palavras:

Desta forma, a igualdade de que trata a Lei permanece numa dimensão estática, dificilmente superável. É preciso, porém, lembrar que no processo arbitral as partes encontram-se normalmente em situação bastante equilibrada e escolhem espontaneamente o meio através do qual resolverão seu litígio; no processo estatal, ao contrário, o equilíbrio das partes não é a regra, e a participação no processo não é voluntária, mas sim obrigatória. Se no processo judicial a intervenção estatal é necessária para equilibrar partes ontologicamente desiguais, no processo arbitral esta intervenção pode ser confortavelmente dispensada. Assim, enquanto a paridade de armas é uma inquietação para o juiz togado - a ponto de a Lei 9.099/95 ter determinado que, comparecendo uma das partes acompanhada de seu advogado, caberá ao Estado proporcionar representação técnica para o adversário - o árbitro não deverá preocupar-se com o tema, estando na esfera de disponibilidade das partes nomear ou não advogados, pois pressupõe-se que os litigantes, ao escolherem a via arbitral, estejam bem informados sobre suas possibilidades e dificuldades, até porque elegeram livremente o procedimento que pretendiam ver aplicado à solução da controvérsia. Da mesma forma, não haverá preocupação com ampliação de prazo para um dos litigantes (como técnica de nivelamento entre partes desiguais), dispensa de cauções, redução de verba honorária para este ou aquele litigante, o que revela desde logo que, figurando o Estado (em sua forma autárquica ou nas vestes de empresa pública, para ficar nos exemplos mais factíveis) como parte em juízo arbitral, não poderá invocar qualquer das prerrogativas de que goza no processo estatal. Em síntese, quis o legislador - ao inserir o princípio da igualdade como fundamento da arbitragem - deixar claro que as partes devem ter a mesma oportunidade de indicar árbitros, de produzir provas, de expor seus argumentos e de fazer valer suas próprias razões, sem privilégios ou prerrogativas.26

Com a devida consideração pelo ilustre autor, ousamos discordar. Isto porque

temos como pressuposto lógico de que a visão de igualdade formal é um conceito

superado do liberalismo que fora suplantado por um conteúdo normativo de

isonomia que considera as razões da desigualdade para o fomento do tratamento

desigual.

Neste sentido, a igualdade substancial, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos,

consiste no “tratamento uniforme de todos os homens. Não se cuida, como se vê, de

26 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 296.

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25

um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante

os bens da vida.”27

Trata-se de considerar o critério pelo qual admite-se a razão de diferenciação.

Sobre o assunto, não conhecemos lição melhor do que a de Celso Antonio Bandeira

de Mello, que pondera serem as desigualdades materiais objeto da aplicação do

conteúdo jurídico do princípio da isonomia sempre que:

a) que a desequiparação não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.28

Com efeito, ao pensarmos que no procedimento processual da arbitragem

dificilmente há pré-estabelecimento de regras, é difícil pensar em tratamento

desigual apenas quando o árbitro se deparar com uma desigualdade entre as partes.

Todavia, a pressuposição de que como as partes normalmente são paritárias na

arbitragem exclua qualquer hipótese de desigualdade não permite inferir que no

procedimento arbitral há tão somente o princípio da igualdade no aspecto formal. Tal

deve ser relevante notadamente quando pensarmos que a arbitragem pode ser

estabelecida pelas partes no contrato muito tempo antes da efetiva constituição do

tribunal arbitral, momento em que a realização do procedimento arbitral poderá

observar uma alteração das condições em que as partes pactuaram este meio de

solução de litígios.

Neste sentido, vislumbro hipóteses em que a desigualdade das partes deve

ser relevada para um tratamento de isonomia material, criando condições de que

sejam respeitados os preceitos da ampla defesa e do contraditório. A este exemplo,

podemos citar a eventual necessidade do Estado como parte no processo arbitral

nomear assistente técnico para trabalho de perícia que, dadas as circunstâncias da

perícia, o assistente técnico precisa ser contratado através de procedimento 27 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 5. 28 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 41.

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26

licitatório. Evidentemente que se tal situação ocorrer e o prazo de indicação do

assistente for incompatível com a licitação, haveria de ser permitida uma distinção

entre as partes para que o contraditório seja alcançado. Nos socorremos dos

conceitos traçados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2797, ao

distinguir prerrogativas de privilégios.

No julgamento da ADI 2797, notamos que os ministros Cezar Peluso, Carlos

Britto, Celso de Mello e Eros Grau concordaram que o foro especial não é um

privilégio, mas sim uma prerrogativa, baseando-se em argumentos parecidos. Para

eles, o privilégio advém de uma condição pessoal, que excepciona o direito comum,

e a prerrogativa de uma condição funcional, que busca preservar a dignidade de

quem atua em elevadas funções públicas. A função cumprida pelo instituto seria a

de proteger a independência, a liberdade política e a autonomia do exercício da

atividade pública. O Ministro Carlos Britto ainda acentuou que a prerrogativa está

relacionada ao exercício do cargo de forma desembaraçada, ou seja, sem que o

agente político necessite de afastamento do cargo para responder a qualquer

processo leviano.

O mesmo critério de distinção valeria para aplicação ao procedimento arbitral:

não se admite a criação em concreto, sem previsão legal abstratamente pretérita, de

qualquer privilégio, pois somente a lei poderia excepcionar o direito para atribuir a

alguém uma condição diferenciada, mas há situações em que a própria essência

das partes criam condições diferenciadas e devem ser atendidas para uma

finalidade constitucionalmente estabelecida, que para o processo vale o preceito da

ampla defesa e do contraditório.

Vale também citar a questão indicada por Carlos Alberto Carmona29 sobre a

eventual impossibilidade de uma das partes adimplir com as taxas de arbitragem em

razão de hipossuficiência. Concordamos com a opinião do referido doutrinador no

sentido de ser impossível obrigar o tribunal arbitral de julgar a causa nos termos da

Lei 1.060/50, dada a impossibilidade da referida lei criar ao Tribunal arbitral a

obrigação de sustentar o sistema judiciário gratuitamente, mas discordamos de que

tal interpretação possa gerar a impossibilidade de acesso à Justiça, tendo em vista o

princípio constitucional inscrito no artigo 5º, inciso XXXV. Com efeito, nas hipóteses

de efetiva hipossuficiência econômica, haveria de ser interpretado que o

29 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 297.

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27

compromisso arbitral ou a cláusula arbitral é ineficaz, seja porque a ninguém é dado

o poder de renunciar ao direito inscrito no artigo 5º, inciso XXXV, seja porque

eventual alteração das condições econômicas das partes em razão do tempo implica

em aplicação do preceito da resolução por onerosidade excessiva da cláusula

arbitral, conforme previsão do artigo 478 do Código Civil.

2.2.2 O princípio da segurança jurídica

Quando pensamos em segurança jurídica nos remetemos a ideais de

estabilidade e previsibilidade que atribuem a um dado objeto a certeza sobre sua

existência e aplicabilidade.

Relativamente à arbitragem, a ideia de segurança está umbilicalmente ligada

à estabilidade do laudo arbitral, ou seja a finalidade da decisão do árbitro é em um

primeiro plano, resistir à eventual tentativa de anulação através de ação judicial e em

segundo plano por fim à lide.

Com efeito, podemos dizer que na arbitragem, seguir o princípio do devido

processo legal está diretamente relacionado com a estabilidade do laudo arbitral,

tendo em vista que a eventual ação judicial de anulação terá como principal

fundamento a violação dos princípios atinentes ao procedimento aplicado ao caso.

Destaque-se que a finalidade do laudo arbitral é, além de solucionar a lide

posta à arbitragem, ter sua validade atestada em eventual contestação perante o

Poder Judiciário.

Neste sentido, sempre é relevante buscar interpretação pautada em aspecto

lógico que garanta a estabilidade da decisão arbitral perante o Poder Judiciário,

ponderando-se as necessidades do caso concreto com os possíveis argumentos

que poderiam ser lançados para eventual tentativa de declarar a anulação da

decisão arbitral.

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28

2.2.3 O princípio da flexibilidade procedimental

A ideia de flexibilidade está relacionada com o preceito de alteração do

procedimento conforme o momento e a razão que esta mudança surge para o

processo. Flexível é o procedimento que admite ser escolhido ou alterado sempre

que novas razões para alteração são descobertas.

O princípio da flexibilidade procedimental na arbitragem decorre de três

fundamentos: (i) o procedimento pode ser amplamente acordado pelas partes, tanto

quanto por elas modificado, e na ausência de previsão pelas partes pode ser

disciplinado pelo tribunal arbitral ou pelo árbitro (art. 21 da LA); (ii) a razão de ser da

arbitragem é dar à solução do litígio um caráter de individualização da controvérsia,

razão pela qual é um processo "adequado" de solução de litígios e (iii) o § 1º do

artigo 21 da Lei de Arbitragem prescreve que "não havendo estipulação acerca do

procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo".

Alerta Leonardo de Faria Beraldo30, com fundamento na tese de doutorado de

Marcos André Franco Montoro, que a flexibilidade do procedimento arbitral possui

duas vertentes: a primeira diz respeito à pessoa que possui competência para criar

regras (partes, árbitro ou órgão arbitral) e a segunda se relaciona com a

possibilidade de modificação do procedimento inicialmente instituído para arbitragem

já em curso em razão de necessidade de adaptação ou modificação para melhor

otimização da arbitragem.

Sobre a primeira vertente (quem produz normas de procedimento arbitral) não

há dúvida acerca da legitimidade primária das partes e secundária do árbitro e

Tribunal arbitral conforme prescrito no artigo 21 da Lei de Arbitragem. Mas na

hipótese de eventual conflito entre a vontade das partes e a intenção do árbitro em

proceder de forma diversa da estabelecida por elas, qual haveria de prevalecer ?

Marcos André Franco Montoro é categórico no sentido de que: "se as partes

criarem ou modificarem uma regra que viole uma das garantias mínimas da

arbitragem, o árbitro não só pode, mas na verdade deve modificar a regra

procedimental em questão. E isso mesmo contra a vontade conjunta das partes"31. O

mesmo doutrinador adverte que o árbitro não configura ente subordinado às partes e

30 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 274. 31 MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do procedimento arbitral. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2010, p. 129.

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que possui competência decorrente da lei e do contrato para agir com diligência apta

às necessidades de decidir de forma célere, econômica e segura.

Já em relação à segunda vertente (possibilidade de alteração do

procedimento durante a arbitragem) deve ser ponderado que a flexibilidade

procedimental sem a concordância de ambas as partes pode resvalar na isonomia

ou no contraditório, ao ponto de eventualmente violá-las. Por tal razão, ao revés de

afirmar que seria simples resolver tal conflito de preceitos pela harmonização entre a

flexibilização e o contraditório, preferimos taxar tal questão de complexa, pois

depende de muita cautela, valorização e sopesamento, dados os valores que

carregam a solução.

Para esta análise, vislumbramos inicialmente que a arbitragem forma um

conjunto de regras e princípios próprios e aptos a configurar um verdadeiro sistema

autônomo de solução de litígios. Sob este aspecto, precisa é a lição de Carlos

Alberto Carmona:

Sistema – e peço perdão pela simplificação rasteira – é uma reunião ou combinação orgânica de proposições, princípios e métodos coordenados de molde a formarem um todo científico ou um corpo de doutrina, tudo voltado à produção de um certo resultado. Se assim é, não vejo problema algum em reconhecer que a arbitragem constitui um verdadeiro sistema, com características próprias, a distinguir este método de solução de litígios de outros meios heterocompositivos de solução de controvérsias, como o processo ordinário estatal ou como os juizados especiais. (...) A arbitragem, portanto, compõe uma estrutura diferente daquela oferecida pelo Estado para a solução de controvérsias. Diferente não quer dizer oposto, não significa avesso. Arbitragem e processo (estatal) não se repelem. Completam-se, amoldam-se, amalgamam-se. Mas são diferentes. (...) Isto significa que o processo arbitral encontra um ambiente aberto à flexibilidade, o que não acontece em nossas abafadas cortes estatais. Esta flexibilidade procedimental, como é natural, torna os árbitros muito menos engessados que o juiz togado, permitindo-lhes experimentar novos e variados meios de descobrir fatos e aumentar sua capacidade de entender o direito que devem aplicar.32

Contudo, se por um lado a construção do sistema jurídico do processo arbitral

possua um preceito de flexibilidade que decorre de uma necessidade da própria

arbitragem, a conclusão não pode - em nenhuma hipótese - ser de que o árbitro é

investido de poderes que admitem a qualquer situação e em qualquer demanda a

alteração do procedimento a seu bel prazer.

32 CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Disponível em: <http://www.josemigueljudice-arbitration.com/xms/files/02_TEXTOS_ARBITRAGEM/01_Doutrina_ScolarsTexts/arbitrators__impartiality_and_independence/Em_torno_do_arbitro.pdf> Acesso em 14 abr. 2015, p. 1-2.

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30

Mesmo com um sistema jurídico próprio e distinto do sistema processual civil,

a aplicação, interpretação e construção do sistema processual arbitral deve manter o

rigor técnico da ciência jurídica advinda do estudo do processo civil. E por rigor

técnico é que fazemos alusões a importações de institutos do direito anglo-saxão

que podem ser mal interpretados ou mal aplicados no direito arbitral pátrio.

Isto não quer dizer que o processo arbitral não admita a utilização de

institutos decorrentes do processo arbitral internacional. Mas quer dizer que sua

utilização deve passar por um filtro do binômio "necessidade e possibilidade" que

tem por critério o direito processual pátrio, e porque não dizer, o direito processual

civil.

Esta afirmação pode parecer paradoxal - o sistema processual civil não serve

de base para o sistema processual arbitral, mas deve ser utilizado como parâmetro

para a introdução de institutos novos no cotidiano da arbitragem nacional - todavia é

adequada ao preceito de criação de um sistema que transite entre a flexibilidade dos

novos desafios jurídicos contemporâneos e a necessidade de segurança jurídica

perante os Tribunais estatais que eventualmente serão responsáveis por atestarem

a estabilidade da decisão arbitral.

O que pretendemos sustentar é que a avaliação sistêmica do processo

arbitral depende de uma visão cultural do processo, tanto pela ótica do árbitro - que

busca a aplicação de novidades para tornar sua decisão adequada à hipótese da

causa - quanto pela do juiz togado - acostumado ao sistema do processo civil,

devendo serem afastadas visões unilaterais de ambos os lados. Uma avaliação que

pode gerar conflitos quando a cultura jurídica põe à prova sistemas da common law

e da civil law. Carlos Alberto Carmona explica pontualmente a questão:

É preciso reconhecer que os diferentes sistemas processuais – de Civil Law e de Common Law – evocam diferentes comportamentos dos árbitros. Aqueles provenientes de ambientes anglo-saxões estão acostumados ao “adversarial system”, de modo que esperam que as partes se esforcem para produzir as provas do que alegaram, controlando a batalha entre os advogados dos contendentes, mas sem participarem diretamente do confronto. Já os árbitros ligados aos sistemas de Civil Law estão afeiçoados à ideia de que precisam participar mais intensamente da experiência probatória (“inquisitorial system”) o que possivelmente os tornará mais flexíveis na produção e na avaliação das provas. Tudo isso é mera possibilidade, calcada nas grandes linhas dos ordenamentos jurídicos. A grande verdade é que os árbitros internacionais estão cada vez mais ligados aos conceitos ilusórios de um “processo transnacional” – que não existe e que não passa de um alter ego das práticas processuais norteamericanas. O que se pode dizer de concreto é que os advogados que

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31

atuam na arbitragem dita internacional estão cada vez mais preocupados em estipular de forma precisa como será organizado o procedimento arbitral, sabendo de antemão que os árbitros tenderão a evitar qualquer desvio de rota para manter a paridade de armas convencionada pelos contendentes.33

Com efeito, se por um lado não podemos enrijecer o processo arbitral sob

pena de matar a razão pela qual este nasceu e vem crescendo, por outro lado não

podemos aceitar um completo descaso com a previsibilidade, sob pena de por em

risco a estabilidade da decisão arbitral quando posta em análise perante o Poder

Judiciário. Trata-se de visão que será harmonizada com a utilização de fundamentos

adequados para cada instituto e com a observância da ciência jurídica processual

constituída para a análise da consistência destes fundamentos. Os critérios técnico-

jurídicos desta análise são os princípios atinentes ao devido processo legal.

Deve ser ainda destacado que a criação de procedimento a partir do princípio

da flexibilização não deve propor a criação de um meio-termo entre common law e

civil law, eis que, na lição de Daniel Chacur de Miranda: "a experiência demonstra

que tal tentativa de amalgamar dois sistemas invariavelmente produz uma solução

que encarna os elementos mais fracos de cada sistema, garantindo, na maioria das

vezes, desentendimento e confusão."34

Mas importante destacar que a flexibilidade do processo arbitral proporciona

uma diferença com o processo civil: enquanto no processo civil existe uma

necessidade de aplicação – ao menos em tese – de um sistema processual único e

isonômico para partes distintas (há um princípio de isonomia para processos

distintos), no processo arbitral não existe esta necessidade de criação de um

sistema processual igual para todas as causas.

No processo civil, as regras procedimentais devem ser relativamente as

mesmas para todas as causas, tanto que interpretações distintas são levadas ao

Superior Tribunal de Justiça para uniformização de entendimentos. Mas no processo

arbitral esta preocupação não existe, pois há uma idealização de adequabilidade a

ser criada pelo árbitro no caso concreto conforme as circunstâncias de uma

determinada causa sem uma verdadeira necessidade de padronização de

procedimentos futuros, consubstanciando a terceira vertente antes mencionada. São

33 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 10 34 MIRANDA, Daniel Chacur de. A produção da prova testemunhal na arbitragem à luz da flexibilidade e da previsibilidade na prática internacional. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 38, Porto Alebre: IOB, 2013, p. 42.

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32

características próprias de cada procedimento, que geram para a preclusão uma

análise diferenciada quando aplicado ao preceito de preclusão como princípio.

2.3 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e a flexibilidade do

procedimento arbitral

A doutrina é amplamente majoritária, para não dizer praticamente unânime,

em afirmar que o Código de Processo Civil não é aplicado subsidiariamente ao

procedimento arbitral.

Neste sentido, as lições de Carlos Alberto Carmona35 são quase que

dogmáticas ao afirmar que a Lei de Arbitragem não possui regra específica a

respeito desta aplicação subsidiária, além de configurar violação ao artigo 21 da Lei

de arbitragem a aplicação do Código de Processo Civil, sendo por fim um

procedimento rígido do CPC incompatível com a flexibilidade do procedimento

arbitral.

Também defendendo a inaplicabilidade do Código de Processo Civil de forma

subsidiária, mas de forma mais amena, está a lição de Leonardo de Faria Beraldo,

que conclui pela impossibilidade desta aplicação subsidiária, mas ressalva:

Apenas para que não fique nenhuma dúvida, se se quiser traçar regras procedimentais na arbitragem, distintas daquelas previstas no CPC, é preciso que seja feito de maneira consciente e bem pensada, e, somente naquilo que for mais interessante às partes é que se deve mudar, do contrário, não há razão para se ter regras diferentes. É verdade que o CPC possui o procedimento rígido, contudo, é muito bom e, sem sombra de dúvidas, não é a causa da morosidade da Justiça.36

Nesta linha de raciocínio traçado pelo doutrinador Leonardo de Faria Beraldo,

vislumbro uma verdadeira aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao

procedimento arbitral, com uma ponderação extremamente importante, que é sobre

a ordem de preferência das normas.

Com efeito, podemos em princípio vislumbrar uma verdadeira ordem

preferencial de normas a serem aplicadas - e que poderia inclusive ter a ordem de

preferência alternada conforme explicado no item anterior - em razão das pessoas

35 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 9. 36 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 272.

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que participam no processo arbitral. Assim, teriam preferência na seguinte ordem (i)

as regras procedimentais estabelecidas pelas partes, (ii) as regras procedimentais

estabelecidas pelo tribunal arbitral, (iii) as regras procedimentais estabelecidas pelo

árbitro em conformidade com o caso concreto para adequação do procedimento -

leia-se como o princípio da flexibilidade procedimental do processo arbitral e por fim

(iv) subsidiariamente aplicável o Código de Processo Civil.

Dizer que o Código de Processo Civil possui ordem de preferência após a

regra procedimental estabelecida pelo árbitro no caso concreto em razão do

princípio da flexibilidade procedimental não me parece contraditória em afirmar que

não há aplicação subsidiária do CPC ao processo arbitral. Isto significa dizer que a

alteração do procedimento - ou seja, a flexibilização de algo que não havia sido

previsto pelas partes ou pelo procedimento do tribunal arbitral - deve passar pela

fundamentação de inaplicabilidade do CPC em razão do procedimento criado ao

caso concreto ser mais hábil à solução do litígio.

Deve ser destacado que a ideia de flexibilização do procedimento a partir das

regras do processo civil não é inovadora, tendo na lição de Guilherme Peres de

Oliveira importante reflexão acerca da adaptabilidade procedimental. Afirma o autor:

Não vemos razão para que se aceite com tranquilidade a mitigação da rigidez das formas em alguns casos – como a fungibilidade de meios e a instrumentalidade das formas aplicada aos defeitos dos atos individualmente considerados – mas a ordenação entre os atos no tempo (procedimento) deva seguir a qualquer custo o que prevê o legislador, de forma literal. Assim, toda vez que a ordem dos atos prevista em lei resultar em violação ao princípio do acesso à Justiça – o qual compreende inegavelmente a tutela jurisdicional efetiva – ou de outro princípio constitucional, como por exemplo, a recém-positivada celeridade (lida como duração razoável do processo), deve-se empreender o cotejo com o valor que está na outra ponta, nomeadamente a segurança jurídica. O postulado da razoabilidade, por sua vez, integra a equação na qualidade de instrumento hermenêutico, exigindo que as peculiaridades do caso concreto sejam levadas em consideração quando da aplicação da norma abstrata ao caso concreto, na linha do que defende o já citado Humberto Ávila.37

Com isso, vislumbramos que apesar da Lei de Arbitragem não prever

expressamente a aplicação do CPC subsidiariamente, o Código de Processo Civil

prescreve que este se aplica a todas as causas, ressalvada regra em contrário em

lei especial (artigo 271 do Código de Processo Civil e artigo 318 do Novo Código de

37 OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Adaptabilidade Judicial, A modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 99.

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34

Processo Civil - Lei 13.105/2015). O novo Código de Processo Civil ainda prevê

aplicação subsidiária da lei processual brasileira, em todos os casos de jurisdição

civil, ressalvado tratados, convenções e acordos dos quais o Brasil seja parte (artigo

13 do Novo Código de Processo Civil).

Reforçando este entendimento, é relevante entender-se que a sede da

arbitragem configura elemento contratual que estabelece o regime jurídico

processual aplicável à arbitragem, consoante previsão da Convenção de Nova York

(Decreto nº 4.311 de 23 de julho de 2002), que determina o reconhecimento e a

execução de sentença arbitral estrangeira. Neste aspecto, a referida convenção, em

seu artigo V, item 1, alínea “a”, estabelece que a sentença arbitral não é reconhecida

quando no país da sede da arbitragem for declarada a sua nulidade. Significa dizer

que o país da sede da arbitragem rege o regime jurídico processual da arbitragem,

motivando o preceito de que a compreensão do processo arbitral passa por um

elemento próprio do país onde realiza-se a arbitragem.

Utilizaremos de um exemplo para melhor elucidar esta questão. Imagine-se

que no país “X” a lei processual admite o uso de escuta telefônica em qualquer

circunstância probatória, desde que autorizada judicialmente, enquanto que no país

“Y” a lei processual admite o uso de escuta telefônica apenas para investigações

criminais de crimes apenados com reclusão. Se a arbitragem ocorrer no país “X”, há

possibilidade da arbitragem admitir a prova de escuta telefônica, enquanto que se a

arbitragem ocorrer no país “Y”, caso admita-se a escuta telefônica, a sentença

arbitral haveria de ser anulada por violação a preceitos de devido processo legal. Tal

condição mostra uma razão interessante: o local da sede da arbitragem é fator

determinante – em maior ou menor grau – de preceitos processuais próprios porque

a sede da arbitragem determina a competência de eventual ação de nulidade a ser

proposta no juízo estatal. Isto é relevante para a afirmação de que o Código de

Processo Civil é subsidiariamente aplicado na arbitragem – com a regra de

preferência que estamos propondo – porque a cultura processual do país sede da

arbitragem é fator condicionante da validade e aplicabilidade da arbitragem,

conforme previsão do artigo V da Convenção de Nova York.

Ademais, não se apresenta como violação do artigo 21 da Lei de Arbitragem a

afirmação de que o Código de Processo Civil seja aplicado subsidiariamente porque

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35

sua aplicação somente ocorreria na hipótese de não conflitar com norma

procedimental estabelecida pelas partes ou pelo Tribunal arbitral.

Por fim, não há prejuízo à flexibilidade procedimental do processo arbitral a

afirmação de que o Código de Processo Civil é subsidiariamente aplicável pois a

flexibilidade sempre será preferencial às rígidas normas pré-estabelecidas quando

detectada uma razão justificadora da alteração do procedimento que induza à

melhor economia processual, celeridade ou segurança jurídica. Esta função é

matéria de competência do árbitro, que deverá debater com as partes o conteúdo do

procedimento arbitral.

Pretende-se com isso afirmar que o processo, como instituição, deve partir de

alguma regra, podendo ser alterada sempre que houver justificativa plausível para

melhor atender às necessidades da causa. Neste sentido, não vislumbramos razão

para grandes elucubrações acerca de qual regramento aplicar em casos de

litispendências ou de tutelas de urgência pois o regramento do Código de Processo

Civil atende às necessidades do processo civil tanto quanto do processo arbitral. Há,

apenas, uma ordem de preferência na qual o Código de Processo Civil é

subsidiariamente aplicável em caso de ausência de regras preferenciais.

2.4 Da formação e da estabilização da demanda

O procedimento arbitral constitui-se pela concatenação de atos necessários à

formação, desenvolvimento e extinção da relação jurídica arbitral, através da qual se

busca a solução da lide.

Existem diversas formas de se convencionar o juízo arbitral, assim como há

inúmeras e variadas formas de vislumbrar seu desenvolvimento e extinção, mas

abstratamente é possível distinguir três momentos distintos do procedimento de

arbitragem, conforme ensina Francisco José Cahali:

Fase I – Instauração da arbitragem; Fase II – Organização da arbitragem; Fase III – Desenvolvimento da arbitragem. (...) Assim a partida para a materialização do procedimento pode se verificar por diversas maneiras, de acordo com as peculiaridades de cada situação. São percorridas etapas preliminares com providências pré-processuais, extrajudiciais, judiciais ou de acordo com o regulamento da instituição arbitral eleita, se for o caso, já todas relacionadas à instauração do juízo

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36

arbitral, mas algumas ainda prévias à jurisdição propriamente dita do(s) árbitro(s)s. Superada a primeira fase, com a instituição da arbitragem, exatamente pela ausência de regras legais preestabelecidas ao progresso da arbitragem, e prestigiada a autonomia da vontade das partes, respeitada a autoridade do árbitro ou atendido o regulamento da entidade, há o importante momento de organização do procedimento, no qual se estabelecem quais, como e quando os atos serão praticados, fixa-se o objeto do conflito, e assim se faz a “estabilização da demanda”. E no último estágio desta realização efetiva da arbitragem promove-se o desenvolvimento do procedimento propriamente dito, com a prática dos atos postulatórios, instrutórios e decisórios, sob a autoridade do árbitro, mas com a cooperação, em algumas hipóteses isoladas, do Poder Judiciário.38

É a partir da instauração da arbitragem, através do compromisso arbitral, que

surge a relação jurídica processual da arbitragem entre “autor, árbitro e réu”. Não se

pretende traçar minuciosa análise sobre a formação e o desenvolvimento do

processo arbitral, mas no tocante ao tema principal é relevante observar algumas

questões com maiores detalhes.

A primeira delas está relacionada à indicação do árbitro e sua eventual

impugnação. Como é notório, o árbitro é pessoa de confiança das partes (art. 13 da

LA), que não esteja suspeito ou impedido (art. 14, caput, da LA), devendo revelar

qualquer fato que justificadamente poderia afetar a sua imparcialidade e

independência (art. 14, §1º, da LA).

Tanto a escolha quanto a impugnação constituem direitos subjetivos das

partes dentro do procedimento arbitral, pois inerente a participação destas na

formação do órgão julgador quando consideramos que a relação jurídica processual

arbitral surge do contrato estabelecido entre as partes. Retirar ou reduzir das partes

este direito sem adequada justificativa constitui violação da isonomia e do

contraditório. Neste sentido leciona Selma Lemes explicando o caso da Cour de

cassation - Dutco Construction v. BKMI et Siemens (1992):

O conflito no caso julgado pela Corte de Cassação refere-se a um contrato de consórcio entre as empresas Dutco, construtora, e as empresas BKMI e Siemens para a edificação de uma indústria de fabricação de cimento em Dubai, em 1981. Surgido o conflito, foi iniciado procedimento arbitral na CCI. A cláusula compromissória estabelecia que a demanda fosse julgada por um tribunal arbitral de três árbitros, e, segundo o Regulamento da CCI, a indicação de árbitros em arbitragens multipartes determina que cada polo teria que indicar um árbitro, e, na ausência de consenso, o referido árbitro seria indicado pela CCI. As demandadas assim fizeram conjuntamente sob reservas e protestos da Siemens. Nas instâncias inferiores do Judiciário, foi decidido que a forma de indicação estava correta, mas a Corte de Cassação

38 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 197.

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37

entendeu que, se a demandante teve o direito de indicar árbitro, as demandadas também teriam que ter o mesmo tratamento, ou seja, diante da impossibilidade e do impasse em um dos polos da arbitragem multiparte, todos os integrantes do tribunal arbitral teriam que ser indicados segundo idêntico procedimento, ou seja, nenhum polo indicaria árbitros, e os três árbitros seriam indicados pela CCI. O precedente é interessante por entender que o princípio da igualdade de tratamento se aplica também na forma de indicação de todos os árbitros e que segundo a legislação francesa é um preceito de ordem pública. Note-se, todavia, que se instituições de arbitragem no Brasil vieram a adotar tratamento diverso nos seus regulamentos, ou seja, que cada polo indique um árbitro e na ausência de consenso o aludido árbitro será indicado pela instituição, não se estaria violando o princípio da igualdade de tratamento (art. 21, §2º), pois se pode entender que a igualdade é nas posições, nos polos, já que poderá, ao reverso, penalizar as partes que no outro polo conseguiram consenso na indicação do árbitro. Tal situação poderia encontrar paralelo no preceito summum jus, summa injuria. A igualdade das partes no direito de indicar árbitro também se obter na forma acima mencionada e parece-me que as instituições de arbitragem podem optar por qualquer disposição (indicar todos os árbitros ou apenas do polo em que não há consenso). Fica a critério da parte, à luz do princípio da autonomia da vontade, avaliar a conveniência em eleger a instituição que utilize uma ou outra forma (art. 13, p. 3).39

Com efeito, os critérios de escolha dos árbitros passam necessariamente por

uma avaliação de conveniência das partes, que levarão em consideração questões

atinentes à relação do árbitro com as partes e com a causa. Isto porque dentre os

critérios de escolha dos árbitros estão suas convicções técnicas, histórico

acadêmico e produção literária que podem ter conexão com a lide, e portanto,

estarem inseridas nos critérios de escolha dos árbitros. Tais critérios, não é demais

ressaltar, estão conexos com a essência do poder jurisdicional, que se reconhece

através da independência e da imparcialidade. Leciona Selma Lemes:

Três conceitos cunhados pela jurisprudência francesa são fundamentais para se aquilatar a independência do árbitro: (a) "a independência do árbitro é da essência da função jurisdicional". As circunstâncias para contestar essa independência devem caracterizar-se (b) "pela existência de vínculos materiais ou intelectuais, uma situação de natureza a afetar o julgamento do árbitro, constituindo um risco certo de prevenção com respeito a uma das partes na arbitragem". Quanto ao dever de revelação estatui (c) "o árbitro deve revelar todas as circunstâncias de natureza a afetar seu julgamento e a provocar no espírito das partes uma dúvida razoável sobre suas qualidades de imparcialidade e de independência, que são da própria essência da função arbitral.40

39 LEMES, Selma Maria Ferreira. Cour de Cassation. Dutco Construction v. BKMI et Siemens (1992). Revista Brasileira de Arbitragem nº 29. Jan-Mar., 2011, p. 210-211. 40 LEMES, Selma Maria Ferreira. O dever de revelação do árbitro. O Conceito de dúvida justificada. Revista de Arbitragem e Mediação. 2013. RArb 36. p. 234-235 citando trechos com tradução livre da Corte de Apelação de Paris, 1ª Câmara, 10.03.2011, Societé Nykcook AB e Societé Dole France e outros. Revue de l´Arbitrage, 2011, p. 568.

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Estes critérios de escolha dos árbitros, por estarem conexos com questões

atinentes à lide, geram um sistema de estabilização do processo, que conforme

veremos mais a diante, possuem relação com a preclusão no processo de

arbitragem. Neste sentido há lição de Leonardo de Faria Beraldo:

A importância dessa preclusão criada pelo legislador (de impugnar o árbitro) é justamente marcar um momento para a estabilização do processo, do contrário, sempre que houvesse algum desentendimento entre a parte e o árbitro, aquela iria querer remover este do certame. A consequência disso seria o atraso do procedimento, excesso de gastos e, até mesmo, violação ao princípio da igualdade entre as partes, na medida em que se estaria dando a oportunidade de uma delas escolher um novo julgador. Isso é bem grave, notadamente se o motivo da pretendida troca tiver sido a percepção, por parte de um dos litigantes, de que o árbitro que se quer substituir decidiria a lide contrariamente aos seus interesses.41

Apenas a título exemplificativo, imagine-se uma lide com um dado objeto,

sobre o qual foram escolhidos três árbitros. Durante o procedimento, uma das partes

percebe que está perdendo a causa por conta da produção probatória, e resolve

maliciosamente ampliar o objeto da lide incluindo nova demanda. Partes e árbitros

concordam com a ampliação do objeto, mas não percebem que este possui

implicação com trabalhos anteriores de um dos árbitros. Na ausência de uma

revelação com este novo objeto, poderá o procedimento sofrer com impugnações

em razão da ausência de deveres de revelação ou por razões de suspensão ou

impedimento que no início do processo haveriam de ser descartados, mas com o

aumento do objeto litigioso, nova avaliação haveria de ser feita. Por tal razão,

reiteramos que o aumento do objeto litigioso - ou a mitigação da estabilização da lide

- deve avaliar as circunstâncias que trará ao processo no tocante à escolha dos

árbitros.

Outra questão conexa com a estabilização da lide são as custas processuais

da arbitragem. Isto porque, sendo a arbitragem uma relação jurídica processual

decorrente de um contrato, as custas processuais do árbitro ou do tribunal arbitral

configuram cláusula essencial a esta relação contratual e norteiam tanto o

desenvolvimento quanto a conclusão desta relação.

Isto significa dizer que a idealização das custas processuais para as partes

configura um aspecto do contrato a ser cumprido. Alterar este aspecto, contra a

vontade de uma das partes, pode ser causa de quebra do preceito contratual antes

41 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 257.

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39

estabelecido, se considerarmos que o preço estabelecido para a prestação do

serviço de tutela jurisdicional contratual é um requisito essencial do vínculo jurídico

originalmente concebido.

Em resumo, se as partes estabeleceram em conjunto com o árbitro que o

espectro de julgamento da arbitragem seria um, mas durante a arbitragem se

pretende aumentar o objeto da lide, com consequente aumento das custas

processuais, a parte descontente com esse aumento poderá alegar a quebra

contratual do quanto antes estabelecido, bem como a nulidade do laudo por

extrapolar a esfera de julgamento proposto, tudo por não se respeitar a estabilização

da lide.

O fundamento desta nulidade é prevista na Lei de Arbitragens no seu artigo

32, inciso IV, pois a ampliação do objeto litigioso, notadamente com a ampliação das

custas processuais, implica em violação da autonomia da vontade originária da

relação jurídica processual de arbitragem.

Por fim, a fase pré-processual ainda prevê a hipótese de idealização do

procedimento adequado para o processamento da causa. Com efeito, podem as

partes de livre acordo estabelecerem regras procedimentais para ser aplicado no

julgamento da causa. Trata-se de um direito subjetivo das partes de, vislumbrando o

conflito a ser estabelecido, disporem como será melhor regrado e aplicado o

procedimento processual.

Esta escolha de procedimento somente pode ser vista como “adequado” à

causa a ser julgada se previamente determinado o objeto do litígio. Claro que nem

toda alteração do objeto litigioso implica em prejuízo ao procedimento escolhido,

mas é possível vislumbrar hipóteses em que a delimitação da lide está

correlacionada à escolha de um procedimento mais adequado. Sempre que este

prejuízo puder ser demonstrado, parece claro que o aumento do objeto litigioso agirá

contra a segurança do procedimento, porquanto ser restritiva de uma das faculdades

processuais das partes.

Neste sentido, podemos vislumbrar a hipótese de ação de indenização

contratual, na qual uma das partes durante o procedimento entenda admissível a

ampliação do objeto litigioso para inclusão de pedido de reequilíbrio financeiro por

onerosidade excessiva. Quando da idealização do procedimento de uma simples

indenização contratual, estimou-se e limitou-se a produção probatória em 3

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testemunhas para cada parte. Contudo, ao se trazer um objeto litigioso de maior

complexidade, é possível que o número de testemunhas limitadoras seja insuficiente

para atender ao interesse de uma das partes no tocante ao procedimento

estabelecido. O prejuízo é inevitável e indica que o procedimento estabelecido pelas

partes há de ser feito em conformidade com o objeto litigioso, sendo que sua

alteração pode implicar em mudança deste procedimento, fatos que explicam porque

a estabilização da demanda deve ser observada também no aspecto do

procedimento escolhido pelas partes.

Com efeito, a estabilização da demanda no juízo arbitral é um instituto

defendido moderadamente pela doutrina. Não se aplica em absoluto uma restrição

como ocorre no Código de Processo Civil, mas não se admite uma liberdade ampla

ao ponto de a qualquer momento ser possível alterar o objeto da lide.

Leonardo de Faria Beraldo defende ser imprescindível a estabilização da

demanda, assim justificando:

Já no juízo arbitral, como não existe nenhum dispositivo legal sobre isso na LA (a estabilização da lide no CPC), fica sempre a dúvida de como devem as partes e o árbitro procederem. Não temos a menor dúvida da imprescindibilidade em se criar algum momento para que ocorra a estabilização da demanda, sob pena de se eternizar ou prolongar demasiadamente o procedimento arbitral. (...) três questões surgem em decorrência do que afirmamos no parágrafo anterior. A primeira, será definir a partir de quando não se pode mais alterar a causa de pedir, o pedido e as partes do litígio. A segunda é saber onde deve estar escrita essa regra. E a terceira, resolver quem criaria esse preceito. O momento para ocorrer a estabilização da lide pode variar de acordo com o caso concreto, mas acreditamos que não se deve mais permitir alterações após a apresentação da defesa/contestação. Como a regra não costuma existir nos regulamentos das instituições de arbitragem, consideramos que o melhor documento para constar tais especificidades seja a ata de missão. O ideal é que essa norma sobre a estabilização da demanda seja criada, conjuntamente, pelas partes e pelo árbitro, mas, não sendo isso possível, caberá a este último definir sozinho.42

Já Cândido Rangel Dinamarco vislumbra que, diante da regra da flexibilidade

procedimental, possível com cautela alterar o objeto da lide, desde que respeitado o

contraditório. Afirma o autor:

Ora, a partir de quando se tome consciência de que o procedimento da arbitragem é decididamente flexível e não rígido como o do processo civil comum brasileiro, sendo muito menos sujeito a preclusões que este (supra, n 14-17), dilui-se significativamente o valor do veto às modificações ou aditamentos à demanda, imposto pelos arts. 264 e 294 do Código de

42 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 312.

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41

Processo Civil. Diferentemente do que sucede no processo comum, aqui é bem mais aceitável que, ganhando força o princípio da liberdade (Chiovenda), possam as partes determinar legítimos desvios no curso do procedimento, inclusive mediante a dedução de pedidos novos, fazendo-o fora do período ordinariamente reservado a isso. No processo arbitral o procedimento não é, como o judicial, portador de uma radical divisão vertical da causa em fases. (...) Observado efetivamente o contraditório, exclui-se o prejuízo que os aditamentos ou alterações pudessem causar, e também por essa razão infraconstitucional nada haverá a anular, o que é uma imposição do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief – CPC, arts. 244 e 249, §1º).43

Vislumbramos que o procedimento arbitral, por ser flexível, pode admitir

regime preclusivo menor tanto quanto um sistema de estabilização da lide mais

brando. Mas na ausência de concordância de ambas as partes, não é possível

afirmar que nunca haverá prejuízo a desconsideração sobre o quanto fixado na ata

de missão durante a fase de instauração da arbitragem, cabendo a análise das

questões supra levantadas (escolha do árbitro, escolha do procedimento e custas

processuais).

Ademais, a contrapartida desta flexibilidade é uma maior rigidez no sistema

de avaliação da isonomia entre as partes, da segurança jurídica dos atos

processuais, das nulidades e principalmente do contraditório e da ampla defesa.

Neste sentido, corretas as palavras de Marcos André Franco Montoro:

(...) as partes não podem criar ou adaptar regras, relacionadas com a adaptação da demanda, de forma a prejudicar ou dificultar a completa e correta aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no caso concreto. No processo civil estatal as rígidas regras da estabilização da demanda têm como um de seus objetivos proteger o contraditório, pois se fosse permitido alterar o pedido a qualquer tempo, o contraditório poderia ser afetado. Essa ideia também se aplica na arbitragem: qualquer mitigação da estabilização da demanda deve ser feita sem prejuízo da completa e correta aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa44.

2.5 A revelia

A revelia no processo arbitral deve ser tratada como três conceitos distintos,

tendo em vista a ausência de tecnicidade do legislador.

43 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 145-146. 44 MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do procedimento arbitral. Tese (doutorado em Direito). Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2010, p. 286.

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42

A primeira diz respeito ao conceito de contumácia, conforme a previsão do

§3º do art. 22 da Lei de Arbitragem. Isto porque, nos termos do citado dispositivo

legal: “§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.”

Trata-se de uma ideia de vedar que a omissão de qualquer das partes possa

impedir o andamento do processo até a prolação da sentença arbitral, motivo pelo

qual a doutrina aponta o dispositivo como hipótese de contumácia, que é gênero de

hipóteses de omissão diante de um ônus processual.

Francisco José Cahali aponta com precisão:

Enfim, distingue-se revelia na arbitragem e no processo judicial; neste último, o termo refere-se à falta de contestação pelo réu, com efeitos próprios, se o caso; na arbitragem, a revelia representa deixar-se de praticar atos durante o procedimento (não indica árbitro, ausência de defesa, falta na audiência, omissão na produção de provas etc.) e para qualquer das partes (solicitante/solicitado); na arbitragem, então, terá mais relevância a contumácia, não a revelia propriamente dita.45

Contudo, é possível que o réu deixe de apresentar contestação, hipótese que

levanta a dúvida a respeito dos efeitos da revelia para a hipótese do processo

arbitral. O Código de Processo Civil prescreve dois efeitos da revelia: (i) deixar de

ser intimado dos demais atos processuais e (ii) presunção de veracidade dos fatos

alegados na petição inicial.

Relativamente ao primeiro efeito da revelia, aponta a doutrina que não deveria

ser aplicado, apesar da ausência de previsão expressa neste sentido, tendo em

consideração o princípio do contraditório. Neste sentido, afirma Leonardo de Faria

Beraldo:

(...) deverá a parte contumaz continuar a ser intimada ou comunicada de todos os atos do processos, uma vez inexistir qualquer dispositivo legal similar ao art. 322 do CPC. Seria ilegal uma regra procedimental, criada pelas partes, pelo árbitro ou prevista no regulamento, no sentido de que o revel não receberia as demais comunicações dos atos processuais, pois violaria os princípios da igualdade das partes, do contraditório e da ampla defesa.46

Já com relação à presunção de veracidade dos fatos alegados na petição

inicial, há controversas. Leonardo de Faria Beraldo47 e Francisco José Cahali48

45 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 226. 46 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 310. 47 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 311.

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43

vislumbram não haver regras aplicáveis à arbitragem como a prevista no art. 322 do

CPC. Por outro lado, Cândido Rangel Dinamarco49 vislumbra que a sistemática do

Código de Processo Civil para o tratamento a ser dado às questões controvertidas

no processo é adequada ao processo arbitral, tendo em vista que o tratamento de

questões incontroversas haveria de ser o mesmo no processo arbitral e no processo

civil.

Assim como a Lei de arbitragem possui conclusão distinta para a

interpretação da pena de confissão na hipótese de não comparecimento de uma das

partes para prestação de depoimento pessoal (art. 22, §2º da LA contra o artigo 343,

§1º do CPC e art. 385, §1º do NCPC), vislumbra-se na revelia uma distinção

necessária por presumir-se que a ausência de comparecimento para depoimento

pessoal não necessariamente implica em reconhecimento dos fatos aduzidos a

impor a pena de confissão.

Com efeito, da mesma forma que a ausência na audiência de depoimento

pessoal não gera a presunção dos fatos alegados na petição inicial, a ausência de

contestação não faz com que os fatos incontroversos sejam necessariamente

presumidos verdadeiros. A conduta do réu ao se omitir de contestar no momento

oportuno deverá ser levada em consideração no momento da sentença, mas haveria

a possibilidade do réu justificar sua conduta e afastar o efeito da revelia.

Em nossa visão, tal consequência decorre do fato de que havendo no

procedimento arbitral maior liberdade, há também maior necessidade de instruir o

árbitro de poderes para, justificadamente, tecer considerações a respeito das

condutas ativas e omissivas das partes, afastando as presunções legais relativas às

provas que estão prescritas no processo civil ordinário.

Isto não quer dizer que no processo arbitral não exista o princípio da

eventualidade – impondo as partes de deduzirem suas teses na primeira

oportunidade que falarem nos autos – mas que este preceito é mitigado em razão da

flexibilidade procedimental, que em nossa visão é aplicável com a necessária

moderação da justa causa.

48 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 225. 49 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 153.

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44

No processo civil, interpretação semelhante já é amplamente aceita pela

doutrina e pela jurisprudência. A presunção dos fatos alegados pelo autor na

hipótese de revelia deve ser pautada pela plausibilidade ou verossimilhança, além

de não recaírem sobre fatos sobre direitos indisponíveis ou que exijam prova

legalmente indispensável. Neste sentido, afirma Arruda Alvim: “Na realidade, o art.

319 do CPC vigente dispensa efetivamente o autor de prova, desde que o réu não

conteste a ação; mas os fato por ele alegados hão de passar pelo crivo da

plausibilidade ou verossimilhança.”50

Se no processo civil o juiz pode afastar os efeitos da revelia determinando o

autor que prove os fatos constitutivos de seu direito sob pena de improcedência da

ação, também no processo arbitral o árbitro está livre para formar seu

convencimento de forma motivada se diante de fatos incontroversos. A razão deste

poder decorre de interpretação sistemática com o preceito normativo do §2º do art.

22 da Lei de Arbitragens, que prescreve uma liberdade do árbitro em analisar

conjuntamente com as demais provas dos autos a ausência da parte na audiência

de depoimento pessoal, não sendo portanto obrigado a reconhecer a pena de

confissão.

Com efeito, mesmo diante de um maior poder do árbitro em analisar as

provas e as circunstâncias das questões jurídicas e fáticas formadas pela

contradição (ou ausência de contradição) das questões postas à sua análise, não se

afasta o princípio da eventualidade do processo arbitral tendo em vista a

necessidade de fixação de estabilização da lide e seu objeto litigioso – conforme

sustentado no capítulo anterior – o que implica também na possibilidade do árbitro

reconhecer que a ausência de contestação permite a presunção dos fatos alegados

pelo autor podendo julgar a lide procedente independentemente de produção

probatória.

Claro que sendo a arbitragem uma forma de solução de conflitos sem

instância recursal, recomenda-se maior prudência assim como uma consideração

mais criteriosa da plausibilidade e verossimilhança dos fatos alegados pelo autor.

Contudo, não há regra no processo arbitral que imponha o árbitro de produzir provas

de fatos incontroversos. No processo arbitral, a sistemática de análise das provas

50 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 857.

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dispensa o árbitro de avaliar a prova legal processualmente constituída, ou seja,

dispensa a obrigatoriedade de reconhecer na ausência de comparecimento de uma

das partes na audiência de depoimento pessoal a pena de confissão, tanto quanto

dispensa o árbitro de concluir que a ausência de contradição dos fatos aduzidos na

petição inicial implica em presunção de veracidade dos mesmos.

Mas quando a norma processual atribui ao árbitro o poder de analisar tais

circunstâncias na sentença, automaticamente permite a ele a possibilidade de

reconhecer que a ausência de comparecimento de uma das partes para depoimento

pessoal configura presunção de veracidade dos fatos aduzidos pela parte contrária,

tanto quanto a revelia também permite ao árbitro presumir esta veracidade.

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3 BREVES NOÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA PRECLUSÃO

Sem pretender traçar uma profunda análise da preclusão, mas buscando

adequada compreensão do instituto para o fim de corretamente aplicá-lo no

procedimento arbitral, este capítulo propõe-se a revisitar o instituto da preclusão

através da análise de seus fundamentos e características. Dispensaremos maiores

elucubrações sobre temas controvertidos ou sobre questões ainda não exploradas,

mas voltaremos olhos críticos para aspectos do instituto que terão conexão com o

procedimento arbitral.

Com efeito, propõe-se a análise dos princípios conexos à preclusão, o estudo

de conceito, espécies e de fundamentos da preclusão, terminando por sua

aplicabilidade, efeitos e limites.

3.1 A interpretação sistemática da preclusão

A preclusão constitui-se em instituto permeado por regras. Assim,

exemplificativamente, quando a norma processual prescreve que: “Art. 30051.

Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as

razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as

provas que pretende produzir.”, está afirmando a impossibilidade de alegar matérias

de defesa em momento posterior, ressalvada a previsão do art. 30352.

Ocorre que, caso o réu alegue em momento posterior uma matéria de defesa

que lhe favoreça, caberá ao juiz ponderar se aceita ou não a alegação. Esta

ponderação decorre da melhor compreensão acerca do instituto da preclusão, eis

que o seu conteúdo coordenará a interpretação a ser dada ao preceito do artigo 300

em relação ao artigo 30353.

51 O Código de Processo Civil de 2015 possui idêntica redação e este dispositivo está localizado no artigo 333. 52 Também possui no Código de Processo Civil de 2015 a mesma redação no artigo 339. 53 Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo.

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47

Com efeito, as regras, ao serem interpretadas, demonstram no caso concreto

seu conteúdo através da ponderação de princípios. Nos socorremos das lições de

Robert Alexy.

Para Alexy54, o ponto fundamental da distinção entre regras e princípios está

na condição de cumprimento ou realização de seu conteúdo normativo, eis que

poderia configurar ser a norma algo possível de realização dentro das possibilidades

jurídicas e reais existentes. Por essa razão, os princípios são mandados de

otimização, qualificados pelo fato de admitirem seu cumprimento em diferentes

graus e medidas, não apenas fáticas mas também jurídicas.

Já as regras são normas que admitem dois únicos resultados: serem

cumpridas ou descumpridas. Se uma regra é válida, então deverá ser

necessariamente cumprida em sua integralidade. Neste sentido, seu conteúdo é

qualificado por determinações no âmbito fático e jurídico.

É possível notar a clara distinção do método subsuntivo para aplicação de

uma regra, técnica inadequada para aplicação de um princípio (que demanda a

chamada técnica da ponderação). Dada essa distinção, a diferença de regras e

princípios configura questão qualitativa e não apenas relativa ao seu grau de

abstração e generalidade.

Desta forma, razoável se concluir que a interpretação das regras conexas à

preclusão deve sempre ser calcada na compreensão dos princípios que

fundamentam tal instituto. Para tanto, propomos uma compreensão que se inicia a

partir da concepção finalística do próprio processo.

Na hipótese, temos nas lições de Ada Pelegrini Grinover55 que o processo

constitui-se meio público de solução de conflitos e que deve restabelecer a paz

social, afirmando o Estado de Direito.

Para que este Estado de Direito possa efetivamente confirmar a paz social, é

necessário atribuir eficácia ao princípio da inafastabilidade de apreciação de lesão

ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF). Dentro desta visão

de acesso a Justiça é que deve ser implementado o “acesso à ordem jurídica justa”,

conforme leciona Bedaque:

54 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 162. 55 CINTRA, Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 30.

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Não basta, pois, assegurar abstratamente o direito de ação a todos aqueles que pretendem valer-se do processo. É necessário garantir o acesso efetivo à tutela jurisdicional, por parte de quem dela necessita (...) A eficiência da justiça civil, como valor a ser defendido e preservado, encontra amparo no princípio constitucional da efetividade da tutela jurisdicional e constitui

elemento essencial do Estado de Direito.56

Com efeito, deve o processo, adequada à sua instrumentalidade57, respeitar

suas garantias procedimentais e atribuir ao direito material efetividade. Neste

sentido, afirma Cassio Scarpinella Bueno: “Por efetividade deve ser entendida a

necessidade de redução do binômio direito e processo; trata-se de reconhecer o

processo como mero instrumento de e para realização concreta do direito

material”58.

Por outro lado, necessário que se faça a ponderação do formalismo – em

geral, e da preclusão – em espécie – com as garantias procedimentais e com a

busca pelo direito justo – maior aproximação das conclusões fáticas com a realidade

e aplicação do direito material conforme a melhor técnica jurídica – para que se

alcance o devido processo legal.

Para tanto, o formalismo processual representa “restrição à atividade do

Estado” e “domesticação do arbítrio estatal”, necessários conforme aponta Carlos

Alberto Álvaro de Oliveira59, à previsibilidade para as partes, à segurança das

decisões e à igualdade das partes. Por outro lado, alerta Moniz de Aragão60, citando

Sergio Chiarloni:

(...) formalismo excessivo ou excesso ritual são males que a todo custo cumpre evitar (...) o formalismo apresenta, assim, um lado negativo, quando as formas são empregadas com escopos exatamente opostos aos seus próprios objetivos, se tornando fonte de injustiça material, ao invés de se manterem, segundo seu conceito, como presídio de garantias fundamentais.

Justamente em meio a estes dois contrapontos – formalismo e efetividade –

que cumpre aprofundar o estudo dos princípios que norteiam a preclusão, com o fito

de aplicar-lhes ao processo regras procedimentais com razoabilidade.

56 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da Amplitude da produção probatória in Garantias constitucionais do processo civil coordenado por José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 153 e 159. 57 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 58 BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2007, p.10. 59 OLIVEIRA., Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo do processo civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 62 e 83-84. 60 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Rev. TST, Brasília, vol. 67, nº 1, jan/mar 2001, p.118.

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49

3.2 Os princípios processuais conexos à preclusão

3.2.1 O princípio da ordenação ou do impulso oficial – a razão do formalismo

processual

O princípio da inércia da Jurisdição (ne procedat iudex ex officio; nemo iudex

sine actore) prescreve que o processo depende de provocação da parte e configura

uma garantia do princípio da imparcialidade do juízo e do juiz natural. Contudo,

iniciado o processo, o impulso de ordenar o andamento para o seu fim é dever do

juiz, que desempenha função fundamental na coordenação dos atos que levarão o

processo ao término.

O impulso oficial do processo é uma concepção advinda do predomínio do

interesse público no fim do litígio, tendo em vista o dever do Estado em resolver a

demanda pois retirou dos particulares o poder de autotutela, adquirindo para si o

monopólio da jurisdição. Com efeito, natural que decorra do impulso oficial limites

aos poderes das partes para obrigar a demanda a chegar ao seu fim com rapidez e

segurança.

Com efeito, um dos instrumentos hábeis a tutelar o impulso oficial é a

preclusão, que presta serviços relevantes ao impedir que o processo regrida,

obrigando às partes a agirem em conformidade com o término do litígio. Da mesma

forma, a razão de ser da preclusão decorre do interesse público em extinguir a lide,

dentre uma ideia de ordenação dos atos atinentes ao processo.

Ordenar os atos das partes em meio à guerra jurídica seria caótica se não

fosse pelo formalismo do procedimento, que empresta ao processo a certeza de

regular a conduta processual das partes, mas demanda em troca o risco de uma

decisão mais injusta, pois a delimitação de regras que compõem o formalismo

poderia levar o julgador a conclusões desconexas com a realidade.

Neste meio de necessidades e limites é que se encontra a preclusão pois

constitui-se em instrumento voltado a garantir que o impulso do processo caminhe

para o seu fim com a segurança necessária de que o procedimento foi o mais

adequado à realidade da causa.

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50

3.2.2 O princípio da duração razoável do processo

Sempre que se fala em efetividade do processo, vem à tona a questão da

celeridade processual. Trata-se do tema objeto de maiores modificações legislativas

nos últimos anos, dada sua relevância para a conquista da efetividade.

A conexão da celeridade processual com a efetividade não ocorre por acaso.

A tutela do bem da vida há de ser feita o quanto antes, eis que o simples decorrer do

tempo se revela como um perecimento do direito – de ter o bem da vida da forma

mais célere possível. Neste sentido, o tempo é um bem em si mesmo, eis que revela

a própria satisfação do titular do direito.

Paulo Hoffmann mostra o quanto o tempo do processo tem se tornado uma

das maiores preocupações do sistema jurídico no mundo inteiro, afirmando:

Sem se esquecer da importância e relevância dos demais princípios, a duração do processo tem se caracterizado como ponto de grande

preocupação e atenção dos operadores e estudiosos do direito, porquanto uma Justiça que tarda é sempre falha. Independentemente de a razão ao final ser atribuída ao autor ou ao réu, a demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas desconforto, ansiedade e, na maioria das vezes, prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada solução em tempo aceitável.61

Com efeito, inúmeras alterações legislativas nas constituições estrangeiras

foram feitas para dar ao cidadão uma garantia de entrega da prestação jurisdicional

de forma mais rápida. A Constituição norte-americana instituiu o right to a speedy

trial62, enquanto a Constituição italiana incluiu o dever ao legislador de assegurar ao

processo uma “duração razoável”, da mesma forma que a Convenção Europeia para

os Direitos do Homem estabeleceu em seu artigo 6º o direito de todos ao julgamento

dos processos em um “tempo razoável”.

Nesta mesma linha a Constituição brasileira, através da emenda nº 45/2004

instituiu no artigo 5º como garantia do cidadão o direito de ter seu litígio solucionado

por processo com duração razoável. Assim, a constitucionalização de uma

razoabilidade temporal no processual justifica a imposição de regimes processuais

com menor liberdade, na exata medida em que a proteção deste bem jurídico –

61 HOFFMANN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7179/o-direito-a-razoavel-duracao-do-processo-e-a-experiencia-italiana#ixzz3v3DIxACf> Acesso em 22 dez. 2015. 62 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 304.

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51

Tempo – demanda necessariamente de um processo com regras formais mais

rígidas.

Com efeito, relevante destacar a diferença entre “celeridade processual” e

“duração razoável do processo”, conforme bem leciona Luiz Guilherme Marinoni:

(...) o direito à duração razoável do processo não é sinônimo de celeridade processual, uma vez que compreende, além do direito à tutela jurisdicional tempestiva, direito ao prazo adequado para a prática de atos processuais e direito de não ter a esfera jurídica restringida por tempo desnecessário, denotando que a sua amplitude o faz incidir em todas as espécies de processo, judiciais ou não.63

Este preceito é interessante porque ensina que o processo não deve terminar

da forma mais célere possível, mas deve ser o equilíbrio entre a possibilidade de

celeridade com a adequação ao tempo necessário para prática dos atos

processuais. Significa dizer que a relação jurídica processual estabelecida para

solucionar o litígio deve contemplar um preceito a ser perseguido – o do direito ao

prazo adequado – para realização do equilíbrio entre a busca da tutela célere e a

necessidade de realização de atos processuais que induzam o devido processo

legal, para dedução da tutela jurisdicional tempestiva.

Outros esforços podem ser citados como mecanismos de busca da celeridade

processual, como a restrições ao recursos, ampliação de tutelas de urgência,

simplificação de procedimentos ou determinação de prazos para prolação de

sentença. Tais circunstâncias remetem à noção de preclusão, como leciona Heitor

Vitor Mendonça Sica:

Em muitos desses casos – dentre os quais se destacam a Novella Italiana de 1990, a reforma da ZPO alemã de 1976 e a nova Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000 -, um dos métodos utilizados pelo legislador para agilizar o andamento do processo de cognição foi justamente a instituição

de um regime preclusivo mais rigoroso.64

Com efeito, é inegável que a preclusão preste relevante serviço à duração

razoável do processo, eis que sua disciplina estabelece regras procedimentais que

levam o processo a marchar para frente, impedindo que se rediscutam questões já

decididas ou vedando às partes de praticarem atos em desconformidade com sua

admissibilidade procedimental.

63 MARINONI, Luiz Guilherme. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Estação Científica (ed. Especial Direito). Juiz de Fora, v. 01, n. 04, Out/Nov., 2009, p. 82. 64 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 306.

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52

Neste sentido – e como veremos com maior profundidade mais a diante – a

preclusão é o instrumento adequado para realizar o equilíbrio entre a celeridade do

processo e a necessidade de prática de atos processuais com vistas ao tempo

razoável do processo, porque na preclusão estão os elementos institucionais do

processo hábeis a condicionar tal modulação.

Isto ocorre porque é na preclusão que se estabelece procedimentos mais

rígidos ou menos rígidos, aptos a realizar a adequação do procedimento com a

necessidade de maior ou menor celeridade, alcançando por racionalidade o

adequado tempo do processo.

Contudo, a relação da preclusão com a razoabilidade do tempo do processo

não decorre unicamente da imposição de regras que impedem o procedimento de

retroceder. Trata-se de instituto que, tendo previsão expressa no procedimento,

impõe às partes o dever de pensarem estrategicamente de forma diferente o

andamento do processo, na medida em que a concatenação de alegações haverá

de ser feita em conformidade com o princípio da eventualidade.

Desta forma, não apenas o procedimento não poderá retroceder em

alegações ou decisões, mas também o comportamento das partes haverá de ser

condicionado a evitar condutas protelatórias sob pena de simplesmente estarem

preclusas.

Exemplificamos através de uma ação de cobrança de um contrato, na qual o

réu pretende aduzir em matéria de defesa duas teses: (i) já cumpriu sua obrigação e

(ii) a obrigação é inexigível em razão do autor não ter cumprido sua dívida

obrigacional sendo o contrato bilateral. Em razão da preclusão, o réu deve fazer tais

alegações conjuntamente na contestação – se não fosse tal regra, poder-se-ia

cogitar de alegar uma tese, depois a outra e assim por diante até que todas as

eventuais teses se esgotassem. Mas como o réu aduziu fato extintivo do direito do

autor, deve este em réplica definir sua estratégia de defesa contra tais fatos,

sabendo que se contestar ambos a ação se prolongará para a produção probatória

de ambos os fatos. Ademais, eventual alegação por parte do autor que a obrigação

não foi adequadamente cumprida, pode estar (dependendo de como foi

argumentado na petição inicial) coberta pela preclusão eis que lhe cabia aduzir na

petição inicial toda tese constitutiva de seu direito.

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53

Observe-se que a preclusão, por atingir eventuais pretensões das partes no

futuro, impinge no presente uma dinâmica processual notadamente mais célere, seja

na própria conduta das partes, seja na formação de questões controvertidas.

Por fim, mas não menos relevante, destacamos a lição de Paulo Hoffmann65

na explicação da experiência italiana quando da introdução de novos instrumentos

de celeridade procedimental. Explica o autor que, com a entrada da Itália na União

Europeia, ficou evidente a defasagem do tempo adequado do processo civil italiano

em relação aos demais países do bloco, além da admissibilidade de recursos à

Corte Europeia em decorrência de atrasos na prestação jurisdicional da Justiça

Italiana. Tal questão motivou o pais em 1990 a introdução do art. 111 em sua

Constituição Federal, prevendo o direito ao tempo razoável do processo, e em 2001

na criação da “Legge Pinto”, lei com a previsão da justa reparação em caso de

violação do prazo razoável, inclusive a responsabilização dos funcionários públicos

envolvidos no retardamento. Uma lição interessante para demonstrar como o

sistema evolui quando um problema não é adequadamente resolvido: propõe-se a

indenização pela pessoa responsável, mesmo sendo o Estado, ou o juiz, quando o

caso.

Em conclusão, buscar celeridade é um objetivo do direito processual

moderno. Todavia, a aplicação de institutos que tragam tal celeridade deve ser feita

com razoabilidade, para que no futuro não se questione de eventuais violações às

garantias como o contraditório e a ampla defesa. Esta razoabilidade, da qual se

extrai a razoável duração do processo, ficará mais evidente quando contraposta –

em razão do caráter optimizante dos princípios – com os demais fundamentos da

preclusão.

3.2.3 O princípio da segurança jurídica

A ideia de estabilidade das decisões – principal noção que a segurança

jurídica se traduz – decorre dentre outros fatores da correta aplicação do

procedimento (formalmente idealizado). O princípio do devido processo legal quando

65 HOFFMANN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7179/o-direito-a-razoavel-duracao-do-processo-e-a-experiencia-italiana#ixzz3v3DIxACf> Acesso em 22 dez. 2015.

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vislumbrado em sua medida de processo formalmente cumprido implica em decisão

que não poderá sofrer modificação, e portanto será estabilizada.

Isto ocorre pela própria necessidade do conflito chegar a um fim. Mas este fim

possui definitividade justamente porque se reconhece que todas as medidas

necessárias (e previamente definidas) foram tomadas antes de se chegar a uma

conclusão.

Com efeito, a preclusão quando posta em prática, poderá contribuir para a

preservação da segurança jurídica, sempre que aplicada adequadamente. Isto

porque, se inadvertidamente aplicado, poderá ocasionar eventual nulidade (ou

alegação de nulidade) que atingirá a estabilidade da decisão.

Mas é da preclusão que advém a segurança do processo em ultrapassar as

fases já analisadas e as questões já superadas, de forma que o procedimento

caminhe adiante com a certeza de que não sofrerá com a necessidade de revisão.

Ao vedar à parte a prática de atos depois de uma determinada fase processual, ou

impedindo que o juiz possa rever suas decisões incidentalmente estabilizadas, faz

da preclusão relevante instrumento de segurança jurídica, pois atribui ao processo a

justa expectativa das partes de se caminhar ao seu fim.

Neste sentido, deve-se destacar que, conforme lição de Heitor Vitor:

(...) se o juiz não estiver sujeito a nenhuma preclusão para reanalisar aquilo que já tiver decidido, os litigantes jamais terão certeza de que o processo está apto a caminhar, nunca terão qualquer garantia que receberá uma decisão final, pois a todo momento poderão ser surpreendidos com o

retorno a todas as questões já superadas.66

E não é demais ressaltar que se o juiz pudesse rever suas próprias decisões

seria dever do advogado pleitear a possível tese favorável ao seu patrocínio. O

advogado, ao representar uma parte, deve utilizar de todos os meios tecnicamente

disponíveis para fazer valer a tese defendida de seu representado67, de forma que

se o procedimento abre tal oportunidade, configura obrigação sua utilizar do

instrumento.

Com efeito, é natural concluir que a segurança jurídica não advém da

liberdade das partes ou do juiz, mas justamente de umç mínimo de rigor

procedimental, que deve ser garantido para atender o próprio interesse social de

66 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 307. 67 BARBOSA, Rui. O dever do advogado. 2ª ed. São Paulo: Edipro, 2012.

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estabilizar a atividade das partes e as decisões judiciais, sejam elas incidentes ou

finais.

Tal rigor encontra na preclusão uma fonte saudável de regras que permitem

ao processo seguir ordenadamente, configurando um valor – a segurança jurídica –

um preceito necessário a se pesar a favor do formalismo processual, sempre que

não contrariar demasiadamente os aspectos legitimamente esperados da efetividade

processual.

3.2.4 O princípio da boa-fé objetiva

A conduta das partes deve ser calcada em lealdade processual. Não se

afasta o ínsito caráter litigante do comportamento das partes e de seus

representantes, mas deve ser ressaltado que o dever de contribuir com a justiça

atribui também o dever de agir com boa-fé objetiva para melhor solução da lide.

Agir com boa-fé objetiva, significa abstratamente seguir uma regra de conduta

pautada pela honestidade, pela lealdade e pela probidade. Trata-se de um standard

de conduta, regrado essencialmente por uma noção social de lisura, apto a respeitar

uma legítima expectativa de confiança da outra parte. Nas lições de Judith Martins

Costa, significa que:

Trata-se de uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na ideia de não fraudar ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé nem tampouco guarda qualquer relação no fato da ciência que o sujeito possui da realidade. Entretanto, apesar de se relacionar com o campo ético-social, a este não se restringe, inserindo-se no jurídico, devendo o juiz tornar concreto o mandamento de respeito à recíproca confiança existente entre as pessoas, sejam elas partes

de um contrato, litigantes ou participantes de qualquer relação jurídica.68

Este regramento de conduta se aplica ao processo civil, eis que em

conformidade com o princípio do devido processo legal, bem como a legalidade da

previsão do artigo 14, inciso II, do Código de Processo Civil.

Trata-se, na essência, do princípio justificador da preclusão, eis que

comumente tratado como razão de ser da vedação posterior de atos processuais. É

de se observar que a razão pela qual é imposto às partes o princípio da

68 COSTA, Judith Martins. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.411.

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eventualidade - apresentar todas as matérias de ataque e defesa na primeira

oportunidade que possuem - decorre da lealdade que se deve dar à parte contrária

para que possam elas atenderem ao contraditório em sua plenitude.

Da mesma forma, a conduta das partes deve ser pautada por ações que

levem ao término do processo, evitando-se (por interesse recíproco) a eternização

do conflito. Nesta linha, segundo Menezes Cordeiro, “A locução venire contra factum

proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o

comportamento assumido anteriormente pelo exercente”69. Trata-se da própria

expressão da preclusão lógica, pois a lealdade processual impede que as partes

atuem de forma contraditória a um comportamento anterior ao ponto de atravancar o

andamento do processo.

Por fim, a ideia de que a preclusão atinge também os atos decisórios para o

próprio juiz – tratada como preclusão pro judicato – vislumbra-se uma atuação da

boa-fé objetiva eis que impede a revisão de questões já decididas. Mas a matéria

não é pacífica na doutrina.

José Rogério Cruz e Tucci70, assim como Moniz de Aragão71, defendem que

as questões relativas a pressupostos processuais e condições de ação não seriam

cobertas pela preclusão, dada a previsão do art. 267 §3º do CPC72.

Por outro lado, Fredie Didier Jr. diferencia o poder de conhecer a matéria de

ofício, prevista no citado dispositivo legal, para a impossibilidade, em razão da

preclusão, de reanalisar questões já decididas, afirmando: “Não há preclusão para o

exame das questões, enquanto pendente o processo, mas há preclusão para o

reexame”73

Nos parece mais razoável, ao interpretar que a conduta do juiz é pautada pela

conduta da parte, que se o juiz pudesse rever tantas vezes quanto pretendesse uma

69 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 742. 70 TUCCI, José Rogério Cruz e. Sobre a Eficácia Preclusiva da Decisão Declaratória de Saneamento, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 281. 71 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Preclusão (Processo civil), in OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 174. 72 O art. 267 §3º do atual Código de Processo Civil possui correspondência no artigo 482 do Código de Processo Civil de 2014 e o parágrafo referido possui redação semelhante, tendo acrescentado apenas a hipótese de admitir-se o conhecimento de ofício pelo juiz para extinção da ação sem resolução de mérito por morte da parte, quando o direito em disputa for intransmissível 73 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10 ed., v.1. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 515.

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matéria apenas por ser cognicível de ofício, seria também admissível que a parte,

não se conformando com a decisão do juiz, pudesse alegar novamente a mesma

matéria, sob novo viés, tantas vezes quanto necessário para um novo

convencimento.

A conduta de boa-fé objetiva vedaria tal entendimento, pois configuraria

conduta protelatória – passível de punição por litigância de má-fé. A boa-fé atinge a

conduta do juiz indiretamente pela razão de que se o juiz pode decidir, cabe ao

representante da parte pleitear. Se já houve decisão a respeito e à parte lhe cabe

recorrer ou conformar, sob pena de nova alegação ser interpretada como litigância

de má-fé, ao juiz também é vedada nova reflexão sobre a questão decidida, pois o

preceito da venire contra factum proprium incide sobre o magistrado tanto quanto

sobre a parte.

Ideologicamente o processo existe para por fim à lide. Respeitadas as

garantias processuais de cada parte, é dever de todos os atores do processo

contribuírem para a justa solução do conflito. Neste sentido que o princípio da boa-fé

objetiva deve ser aplicado ao processo: é dever das partes e do juiz contribuírem

para a melhor forma possível de solução do conflito, evitando-se comportamentos

que possam prolongar o debate sem um fundamento pautado pela razoabilidade.

Também é em razão do mesmo princípio – boa-fé – que a preclusão pode

deixar de ser aplicada (sendo mitigada no seu rigor procedimental) pois dependendo

da circunstância, é justamente o comportamento de lealdade que impede que a

parte sofra com a impossibilidade de praticar um determinado ato.

Exemplificativamente podemos citar a parte que tomou todas as medidas possíveis

para produção de uma prova (como a oitiva de uma testemunha), indicando seu

endereço, lhe fornecendo meios de prestar seu depoimento etc, mas pouco antes da

sua oitiva, a testemunha venha a falecer. Caberia, mesmo estando em princípio

preclusa a oportunidade de pleitear as provas que se pretende produzir, reabrir tal

oportunidade eis que a conduta da parte era de boa-fé para com a solução do litígio.

Como princípio que informa a preclusão tanto na sua aplicabilidade como na

sua inaplicabilidade, identifica-se na boa-fé objetiva relevante fundamento na

formação de critérios para a correta utilização da preclusão.

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3.2.5 Os princípios do contraditório e da ampla defesa

O princípio do devido processo legal se realiza em primeiro plano através do

contraditório e da ampla defesa. Seu conteúdo, de tão simples e fundamental,

muitas vezes é esquecido. Façamos uma brevíssima recordação.

Nas lições de Portanova74: “O princípio é tão amplo e tão significativo que

legitima a jurisdição e se confunde com o próprio Estado de Direito”.

Seu conteúdo é bem delineado por Tourinho Filho75:

Com substância na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido por uma das partes e caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o acusador requer a juntada de um documento, a parte contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E vice-versa. Se o defensor tem o direito de produzir provas, a acusação também o tem. O texto constitucional quis apenas deixar claro que a defesa não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à acusação.

O contraditório e a ampla defesa são irmãs gêmeas da igualdade processual.

Com efeito, quando a lei atribui às partes o ônus de deduzirem suas

alegações na primeira oportunidade que possuem para falar nos autos, sob pena de

não o fazendo serem impedidas de terem suas alegações conhecidas pela

preclusão, significa dizer que a preclusão existe como garantia dos princípios do

contraditório e da ampla defesa pois impõe às partes o dever de aduzirem todas

suas matérias para permitir à parte contrária uma contraposição de teses de forma

plena.

O critério de balizamento recai sobre a capacidade de conhecimento da parte

sobre cada questão aduzida no processo.

Isso porque as alegações deduzidas por uma das partes podem conter nível

de detalhamento que: (i) era evidente que a parte contrária tinha conhecimento e

portanto deveria ser carreada previamente de argumentação, incidindo na regra da

preclusão se não for alegada no momento oportuno, (ii) era desconhecida pela parte

contrária e portanto deve ser aberto novo prazo para sua alegação e demonstração.

Nos socorremos de um exemplo para melhor explicar a questão.

74 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 4.ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.141. 75 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 58.

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Na hipótese de uma ação de cobrança fundada em um contrato, pode o réu

alegar como matérias de defesa a prescrição e o cumprimento da obrigação. Em

réplica, o autor poderá alegar que a prescrição não ocorreu em razão de uma causa

interruptiva da prescrição, como o reconhecimento da dívida, mas não poderá

argumentar (se não fez na petição inicial) que na verdade a obrigação foi

“inadequadamente” cumprida (quando alegou na petição inicial que a obrigação não

havia sido cumprida). Isso porque em razão do princípio da eventualidade – da qual

se desdobra a preclusão – cabia ao autor fazer todas as deduções fáticas e jurídicas

de que lhe alcançava o conhecimento, dando à parte contrária o poder de exercer

adequadamente o contraditório e a ampla defesa.

Guardar um argumento de forma obscura para somente utilizá-lo em

momento posterior à possibilidade da parte contrária fazer uso do contraditório viola

tal princípio pois não permite à parte adversa, no momento que lhe é oportuno, fazer

sua defesa de forma adequada (plena) e traçar sua conduta processual de forma a

contrariar adequadamente os fatos e argumentos imputados, por não observar a

boa-fé objetiva.

Da mesma forma, se o réu, que aduziu a prescrição, pretender contestar a

regularidade do reconhecimento da dívida, por eventual ausência de assinatura,

deverá fazer tal alegação no momento que alegar a prescrição (na contestação) eis

que poderia (dependendo do caso concreto) ter conhecimento sobre os fatos

atinentes à prescrição.

A garantia do contraditório e da ampla defesa não permite às partes utilizarem

de réplica, tréplica e assim por diante até que se esgotem todos os possíveis

argumentos de natureza fática ou jurídica. Se assim se admitisse o processo não

teria fim eis que a formação de questões controvertidas poderia chegar ao infinito.

Contudo, uma nova alegação em questões desconhecidas pela parte adversa

deve permitir que esta possa falar nos autos e produzir provas contrárias a este

novo argumento pois necessário à preservação do basilar contraditório.

Se em tese a questão parece simples, a prática demonstra que a realização

da preclusão frente ao princípio do contraditório é altamente complexa, notadamente

em razão de ser diante do contraditório que o formalismo processual – através da

preclusão – se confronta com a justiça da decisão. Isto porque na ausência de

técnica do advogado ou outras vicissitudes, é comum a formulação de teses mal

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estruturadas e incompletas, incorrendo em tentativas de suprir a deficiência em

momento posterior, fatos que por vezes levam à contraditória impossibilidade de

alegação de fato que acaba reconhecido pelo juiz.

Não se pode esperar que o Poder Judiciário, em razão de formalismo, decida

de forma a gerar enriquecimento ilícito, quando patente. Mas é relevante ressaltar

que tal formalismo está para o processo como instrumento de celeridade, segurança

e boa-fé – assim como a garantia do contraditório, este entendido como

oportunidade de deduzir os elementos que cada parte pressupõe relevantes para

apresentação de sua tese jurídica. Esta oportunidade deve ser aproveitada quando

se tem, e não quando convém à parte.

Acreditamos que nesta seara principiológica que deve ser inserido e aplicado

o instituto da preclusão: um instrumento que busca dar ao processo celeridade e

segurança pois fundada na boa-fé objetiva e no contraditório. Sempre que diante de

hipóteses de alta indagação, serão os preceitos optimizantes destes princípios que

coordenarão a interpretação a ser dada aos regramentos processuais.

3.3 Conceito de preclusão

A preclusão constitui em instituto processual que coordena o andamento do

procedimento, impedindo-o regressar a etapas e momentos processuais

consumados, com vistas à extinção da relação jurídica processual.

Nas lições de Arruda Alvim76, configura-se verdadeiro “princípio da teoria dos

prazos porque ela interfere em toda a dinâmica do andamento processual”, sendo

portanto a “espinha dorsal do processo, no que respeita ao seu andamento”.

E a preclusão não apenas dita a dinâmica do processo, mas uma dinâmica

voltada para a sua ordem. Assim afirma Antônio Alberto Alves Barbosa:

No nosso entender, a preclusão representa uma palavra de ordem no processo. Como diz Chiovenda, apresenta-se durante o processo, à medida que, no curso deste, determinadas questões são decididas e eliminadas. Apresenta-se também no momento final, quando é pressuposto necessário da coisa julgada substancial. Contribui, assim, para a segurança do direito.77

76 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. Editora São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 499.

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Trata-se de instituto eminentemente processual, que conforme lição de

Raquel Heck Mariano da Rocha78, apesar das inúmeras críticas ao conceito

formulado por Chiovenda, prevaleceu o entendimento acerca da eficácia processual

que a preclusão provoca às faculdades das partes e às questões resolvidas pelo

juiz.

Ademais, Heitor Vitor Mendonça Sica79, após fazer ampla análise histórica da

doutrina pátria, resume que todos os escritores partem das premissas de Chiovenda

acerca das espécies de preclusão, para concluir ser instituto decorrente do

transcurso do tempo (preclusão temporal), do exercício de uma faculdade (preclusão

consumativa) ou da incompatibilidade de ato anteriormente praticado (preclusão

lógica).

Não deve ser confundida a preclusão com sanções processuais, eis que na

lição de Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, trata-se de instituto

relacionado com os ônus processuais, afirmando os doutrinadores que:

Sanção é a consequência jurídica, subsequente ao não cumprimento da norma jurídica. Já a preclusão temporal deriva da não prática de um ato, no prazo em que ele deveria ter sido praticado”80. A noção é interessante pois a sanção, estando na esfera das obrigações, impõe deveres à parte, enquanto a preclusão, atuando nos limites das faculdades das partes do processo, se traduz em consequências endoprocessuais limitadoras de novos atos processuais. A conclusão destes i. doutrinadores é fundamental à correta compreensão do instituto, eis que: “A preclusão não é pertinente à existência ou inexistência de um direito subjetivo, mas, sim, às faculdades e aos poderes processuais, embutidos nos ônus que lhes sejam respectivos.81

Apesar das sanções processuais serem distintas das preclusões, há pontos

de proximidade que podem gerar dúvidas. Exemplificativamente, podemos citar a

obrigação das partes em agir com lealdade processual e boa-fé, que na hipótese de

descumprimento desta obrigação há possibilidade de sanção por litigância de má-fé,

assim como a desconsideração de um ato processual pela preclusão lógica,

aplicando-se o preceito da venire contra factum proprio. Mas essência e finalidade

77 BARBOSA, Antônio Alberto Alves. Da preclusão processual civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 55. 78 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 27-30. 79 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 84-90. 80 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.827. 81 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.827.

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são distintos pois as sanções buscam vedar práticas ilícitas através da punição,

enquanto que a preclusão atinge a possibilidade da prática de um ato processual

com o intuito de coordenar o andamento processual.

Por fim, nos alinhamos a um conceito de preceitos amplos, conforme utilizado

por José Frederico Marques, que define preclusão como: “um fato impeditivo

destinado a garantir o avanço progressivo da relação processual e a obstar o seu

recuo para fases anteriores do procedimento”82. Os contornos deste conceito serão

abrangidos no decorrer deste trabalho.

3.3.1 Natureza jurídica

A essência do instituto da preclusão decorre de algumas de suas

características. Em primeiro lugar, podemos citar a já mencionada natureza

processual da preclusão. Trata-se de instituto processual, que afeta atos

processuais, decorrente de fatos processuais.

Ademais, colhe-se na lição de Raquel Heck Mariano da Rocha83, após longa

retrospectiva da discussão acerca da natureza jurídica da preclusão, a conclusão de

que trata-se de um fato processual impeditivo de novos atos processuais. Desta

lição, revela-se importante qualidade de que a preclusão decorre de um fato jurídico

tendo em vista que os acontecimentos do mundo fenomênico verificados no

processo são os geradores da preclusão.

Um terceiro aspecto, próprio da natureza da preclusão, é de que sua

aplicabilidade segue a lógica formal das regras, e não dos princípios. Isso porque,

quando se questiona acerca da aplicabilidade da preclusão, a resposta é sempre

positiva ou negativa (ocorreu ou não ocorreu a preclusão e portanto a parte pode ou

não pode praticar determinado ato processual), não seguindo lógica dos princípios

que atende a uma aplicabilidade de ponderação. Esta conclusão pressupõe um

conceito de Robert Alexy.

82 MARQUES. José Frederico. Instituições de direito processual civil, 2ª ed. v. II. Campinas: Millennium, 2000, p. 286. 83 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 30-37.

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Para Alexy84, o ponto fundamental da distinção entre regras e princípios está

na condição de cumprimento ou realização de seu conteúdo normativo, eis que

poderia configurar ser a norma algo possível de realização dentro das possibilidades

jurídicas e reais existentes. Por essa razão, os princípios são mandados de

otimização, qualificados pelo fato de admitirem seu cumprimento em diferentes

graus e medidas, não apenas fáticas mas também jurídicas.

Já as regras são normas que admitem dois únicos resultados: serem

cumpridas ou descumpridas. Se uma regra é válida, então deverá ser

necessariamente cumprida em sua integralidade. Neste sentido, seu conteúdo é

qualificado por determinações no âmbito fático e jurídico.

Ocorre que a preclusão possui uma concatenação de elementos objetivos e

subjetivos para sua aplicação. Com efeito, para ser reconhecida a preclusão,

necessário que se observe o transcurso de um prazo (elemento objetivo) e a

ausência de justa causa (elemento subjetivo), nos termos do artigo 183 do Código

de Processo Civil (correspondente ao artigo 223 do Novo Código de Processo Civil),

ou a prática de um determinado ato (elemento objetivo) e a ausência de fato novo

(elemento subjetivo).

Esta concatenação de elementos objetivos e subjetivos trazem a ideia de que

a preclusão é uma regra calcada em conceitos indeterminados, na medida em que

possuem elevado grau de abstração e imprecisão na sua aplicação. Mas uma vez

verificado o fato impeditivo, a aplicação de regra vedando a pratica do ato

processual é consequência que não admite graus de ponderação, diferente do que

ocorre com os princípios.

Todavia, diante da importância do instituto da preclusão para a dinâmica do

processo, Fernando Rubin destaca a diferença entre o instituto da preclusão como

técnica processual e o instituto da preclusão como princípio. Em suas palavras:

A sua definição como técnica emerge do fato de o instituto poder ser aplicado, com maior ou menor intensidade, tornando o processo mais ou menos rápido, impondo ao procedimento uma maior ou menor rigidez na ordem entre as sucessivas atividades que o compõem, tudo dependendo dos valores a serem perseguidos prioritariamente pelo ordenamento processual de regência de uma determinada sociedade, em um dado estágio cultural (...)

84 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 162.

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De outra banda o instituto da preclusão também pode então ser concebido como verdadeiro princípio processual, ao passo que considerado não em si mesmo, mas no seu complexo, organizado em sistema dentro da estrutura processual, decorrente de uma evolução (processual) histórica, com vista ao direito e precípuo funcionamento desta estrutura, garantindo às partes uma solução razoavelmente rápida e coerente da causa posta.85

Esta ideia de princípio da preclusão é trabalhada por Heitor Vitor Mendonça

Sica como a preclusão na dinâmica do processo, preceito que possui em sua obra

capítulo próprio e parte do seguinte pressuposto:

(...) apesar de o fenômeno da preclusão possuir enorme valor em si mesmo, sua importância realmente sobressai se analisado no conjunto de atos encadeados no procedimento. Sem ter essa visão, a abordagem do instituto acaba revelando-se insuficiente, porquanto limitada à sua definição, classificação e distinção de figuras afins (falta, no geral, preocupação com o aspecto dinâmico do instituto).86

Esta preocupação com a dinâmica do processo é uma ponderação das linhas

gerais que o aplicador do direito pretende obter quando diante de uma causa, pois,

conforme o supracitado doutrinador, o impulso oficial do processo receberá regime

mais flexível ou mais rígido conforme as necessidades de que o processo prossiga

de forma mais ou menos célere, tanto quanto as formas utilizadas no processo

obedeçam a critério escrito ou oral.

Sua conclusão é de que a necessidade (maior ou menor) de celeridade ditará

a necessidade de (maior ou menor) rigidez do procedimento, bem como os critérios

de aplicação da preclusão. Da mesma forma, identifica que sistemas com pratica de

atos processuais escritos possuem regimes com maior rigidez, enquanto que

sistemas com atos orais possuem menor grau de aplicabilidade da preclusão. Esta

verificação da maior ou menor necessidade de aplicação do instituto da preclusão

configura o princípio da preclusão adequado a ser aplicado no caso concreto.

Com efeito, verificamos que a preclusão possui natureza (i) processual –

porque relativo a atos processuais, (ii) decorrente de fatos jurídicos – porque

originário de fatos do mundo fenomênico ocorridos durante o processo, (iii) com uma

lógica de aplicação de regras – eis que os atos serão vedados ou permitidos, não se

admitindo meio termo e (iv) calcados em princípio de adequabilidade da maior ou

menor rigidez do procedimento, conforme o caso concreto. Destes preceitos, ainda .85 RUBIN, Fernando. A preclusão na dinâmica do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 35-39. 86 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 280-298.

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podemos distinguir a preclusão como (i) técnica processual e como (ii) princípio

processual ou preclusão na dinâmica do processo.

Lembrando que, conforme capítulo atinente aos princípios que tocam a

preclusão, este instituto é marcado por uma ponderação entre os princípios da

efetividade e do formalismo, da segurança jurídica e da celeridade, da boa-fé e do

contraditório. Por tal razão que a adequação da preclusão ao processo depende de

características próprias de cada processo que informem o grau de necessidade de

aplicabilidade da preclusão, cabendo ao nosso último capítulo a análise de qual

seria em princípio a adequabilidade do processo de arbitragem para a preclusão.

3.3.2 Breve análise da preclusão em sistemas estrangeiros

Colhendo-se nas lições de Raquel Heck Mariano da Rocha87 e Heitor Vitor

Mendonça Sica88 uma abordagem dos sistemas estrangeiros que tratam da

preclusão, pretendemos lembrar que a preclusão quando aplicada em arbitragens

internacionais devem conter, para adequada compreensão do processo em cada

circunstância afeta à cultura jurídica destes países, uma vertente voltada à

adequabilidade do procedimento no tocante à concepção das partes.

Com efeito, em meio a uma cultura jurídica processual em que a preclusão é

mais aplicada, evidentemente que o instituto será melhor recebido e trabalhado

pelas partes do que uma cultura com pouca ou nenhuma aplicação. Esta

consideração deve ser feita sempre que diante de partes com culturas distintas,

buscando uma aplicação adequada do procedimento a esta realidade, ou ao menos

um melhor esclarecimento sobre o procedimento a ser aplicado.

Na França, observa-se um regime de maior flexibilidade no tocante à

preclusão, dada à liberdade que as partes possuem para apresentar alegações de

mérito a qualquer tempo durante a primeira instância, conforme previsão do artigo

72 do Código de Processo Civil francês. Conforme descreve Heitor Vitor Mendonça

Sica:

87 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 39-58. 88 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 52-71.

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No tocante à preclusão dirigida ao poder das partes, ainda prevalece, em certa medida, um regime de liberdade. Indicativo disso se encontra no art. 72, que rege os poderes do réu em apresentar suas defesas de mérito (ou “défenses au fond”) e prevê sejam elas opostas em qualquer etapa do processo. Igualmente se denota a liberdade dada aos litigantes nos dispositivos relativos à apelação, na qual se permite tecer novas alegações de fato e a apresentação de novas provas (arts. 563 e 564). Apenas o poder de apresentar novas demandas em grau recursal vem reduzindo às hipóteses de demandas conexas, ou destinadas a afrontar alegação da parte adversa (art. 567).89

Na Itália, o Código de Processo Civil italiano de 1865 possuía regime flexível

de alegações das partes, mas foi bruscamente alterado em 1940 para impor um

regime de preclusão bastante rígido. Este novo sistema durou apenas até 1950,

quando foi restaurado o sistema de flexibilidade, sendo que apenas em 1990 foi

restabelecido o sistema preclusivo rígido. Heitor Vitor Mendonça Sica narra os

eventos históricos com precisão:

O regime preclusivo que recaiu sobre a atividade das partes – que, embora sendo elástico, não era da tradição do direito processual civil italiano, em que a liberdade de deduções estava arraigada havia quase um século – logo em 1950 foi flexibilizado. Foi a primeira reforma pela qual o Código de Processo Civil peninsular passou, alterando justamente o regime preclusivo, afrouxando-o, e voltando a permitir a liberdade das partes na apresentação de alegações e provas, inclusive após a sentença. Para alguns, tratou-se de uma reação do governo do pós-Guerra aos traços facistas do Codice. A Novella de 1990 alterou sobremaneira esse panorama, pois a partir de então (re)instituiu-se o chamado princípio da eventualidade, de modo que autor e réu ficam adstritos ao que deduziram na primeira oportunidade em que falaram nos autos (citazione e comparsa di risposta, respectivamente) não podendo mais (como regra geral) suscitar fatos, tampouco articular novas alegações depois de superada a fase postulatória. Essas mudanças, de uma certa forma, já haviam sido instituídas em 1973 para o processo do trabalho e, conforme analisam alguns, com efeitos positivos.90

Na Alemanha se adota um regime preclusivo rígido, com exceções para

alegações tardias em hipóteses justificadas pela parte através da demonstração de

ausência de culpa ou de retardamento ao processo. Heitor Vitor Mendonça Sica

explica a questão:

Cumpre notar que essa regra da eventualidade então instituída abrange todos os “meios de ataque e defesa”, neles incluídos os pedidos de produção de provas. Mas, apesar de ter se enrijecido sensivelmente o rigor preclusivo do processo, o §296 da ZPO deixa aberta a possibilidade de se aceitarem alegações tardias, desde que a parte comprove que sua omissão não foi culposa, ou desde que a aceitação da alegação extemporânea não implique retardamento no andamento do processo.91

89 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 53. 90 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 55 91 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 60.

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Em Portugal se adotou um regime preclusivo moderado, impondo a regra da

preclusão em razão do princípio eventualidade mas admitindo-se exceções. Raquel

Heck Mariano da Rocha explica com precisão:

No que respeita às faculdades das partes, apesar de mantido o dispositivo que determina a estabilização da instância após a citação (art. 268), as reformas legislativas estabeleceram variados casos em que essa regra pode ser atenuada. Nessa linha, o art. 272 permite a alteração do pedido e da causa de pedir, em qualquer instância, se houver acordo entre as partes, exceto quando o tumulto daí resultante for inconvenientemente grande; o art. 273, independentemente de acordo, permite a ampliação do pedido e da causa de pedir até a réplica e o art. 508.1b permite o “aperfeiçoamento” das alegações na fase de saneamento. Por outro lado, em inovação tocante tanto aos poderes do juiz quanto às faculdades das partes, a reforma deixou claro, no art. 264, o intuito de aumentar os poderes do tribunal sobre a matéria de fato e de flexibilizar sua alegação pelas partes, distinguindo entre fatos essenciais, instrumentais e complementares (ou concretizadores). Fatos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da exceção; os fatos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indicam os fatos essenciais e que podem ser utilizados para prova indiciária destes últimos; fatos complementares ou concretizadores são aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência da ação ou da exceção. A distinção é relevante para o regime da preclusão. De acordo com o art. 264.2, podem ser considerados fatos instrumentais não alegados. O momento da sua relevância processual não é o da alegação da matéria de fato, mas o da apresentação ou requerimento dos meios de prova: é neste momento que devem ser invocados os fatos instrumentais que se pretendem demonstrar com esses meios de prova (arts. 552.2, 557.1, 612, 633 e 789). Portanto, a preclusão da sua alegação só ocorre quando não for possível indicar ou requerer os meios de prova (arts. 508-A.2.a, 512.1 e 787). Quanto aos fatos complementares, não se cogita de preclusão quando não alegados nos articulados, uma vez que o art. 264, n. 3 permite a sua consideração quando só sejam adquiridos durante a instrução e discussão da causa. Os fatos essências, por fim, devem ser invocados nos articulados (art. 264.1), mas sua omissão não acarreta necessariamente preclusão da sua alegação posterior. O regime permite que o tribunal, na fase de condensação, convide as partes a suprir as insuficiências na exposição da matéria de fato verificadas em seus articulados (art. 508.1.b), de modo que, se a falta de alegação do fato essencial não implicar em uma total ininteligibilidade da causa de pedir ou do fundamento da exceção, essa omissão ainda pode ser sanada nesse momento.92

Na Espanha o Real Decreto de 1924 já possuía regra de concentração

através da qual, havendo em uma mesma oportunidade de manifestação a alegação

de vários pedidos, exceções ou provas a articular, deverão serem acumuladas todas

92 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 53-54.

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de uma vez. Esta regra sofreu diversas alterações, mas como leciona Raquel Heck

Mariano da Rocha, a Ley de Enjuiciamiento Civil de 2000:

(...) veio com o objetivo declarado de tornar o processo mais efetivo, dando à almejada efetividade o sentido de garantir uma resposta mais pronta e de dotar o processo de uma maior capacidade de transformação real das coisas. O meio que encontrou o legislador para garantir a efetividade foi privilegiar a imediação, a concentração e a oralidade93.

No direito da common law, adverte Raquel Heck Mariano da Rocha que os

institutos da "claim preclusion" e da "issue preclusion" são mais próximos dos

conceitos de coisa julgada material. Assim ela resume a questão:

Há, em conclusão, três diferenças marcantes entre claim preclusion (ou res judicata) e issue preclusion (ou collateral estoppel). A claim preclusion impede a rediscussão de pedidos; a issue preclusion impede a rediscussão sobre questões. A claim preclusion se aplica independentemente de ter havido ou não contestação sobre a matéria; a issue preclusion opera apenas quando uma questão foi plenamente discutida. Por fim, a claim preclusion impede apenas demandas posteriores sobre a mesma causa de pedir; a issue preclusion pode impedir a rediscussão das mesmas questões em demandas posteriores com qualquer cause of action.94

Todavia, a Federal Rules of Civil Procedure prevê nas Rule 6 e Rule 8

hipóteses de preclusão, devendo as partes apresentarem suas defesas no momento

oportuno, sob pena de não serem consideradas pelo tribunal. Inclusive, conforme

alerta Raquel Heck95, as alegações de "claim preclusion" e "issue preclusion" são

defesas que devem ser alegadas no momento adequado sob pena de não serem

consideradas e se sobrevindo decisão contrária (ao quanto decido na coisa julgada),

prevalecerá a segunda (last-in-time rule).

3.4 Espécies de preclusão

A partir das construções de Chiovenda, a preclusão ganhou contornos

científicos de um instituto processual através de conceito citado por Celso Barbi:

93 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 55. 94 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 50. 95 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 51-52.

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(...) perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual que se sofre pelo fato: a) de não haver observado a ordem assinalada por lei para seu exercício, como os termos peremptórios ou a sucessão legal de atividades e das exceções; b) ou de haver realizado uma atividade incompatível com o exercício da faculdade, como a apresentação de uma exceção incompatível com outra ou a prática de um ato incompatível com a intenção de impugnar a sentença; c) ou de haver já exercitado validamente uma vez a faculdade (consumação propriamente dita).96

Desta concepção surgiu a classificação das preclusões em temporal, lógica e

consumativa, que no trabalho de Maurício Giannico, ganhou novos contornos com a

introdução da preclusão hierárquica, bem como uma classificação segundo o objeto

da preclusões, ou a preclusão de ônus processuais e a preclusão de questões. O

autor bem sintetiza a questão:

(...) de modo a classificar as preclusões em: (a) Temporal, quando a perda advier do não-exercício de uma determinada faculdade (rectius, ônus) no momento processual adequado; (b) Lógica, quando a impossibilidade se originar da prática de algum ato processual incompatível com o exercício da respectiva faculdade; (c) Consumativa, quando a perda estiver relacionada com o fato de a parte já ter exercido (válida ou invalidamente) a faculdade em questão; e (d) Hierárquica, quando a perda advier de ato de terceiro, notadamente de decisão proferida por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, desde que tenha havido cognição ampla e exauriente da questão decidida. A preclusão consumativa, conforme expusemos acima (v. cap.4, item 4.2), comportaria ainda uma subclassificação: (c.1) consuntiva, quando o exercício da faculdade processual proporcionar um resultado válido; e (c.2) ordinatória, quando tal exercício trouxer um resultado inválido. (...) uma segunda classificação, binária, que teria como foco o objeto da perda (objeto da preclusão) e seria composta: (a) da preclusão de ônus processuais (ou de direitos), concernente à impossibilidade gerada para as partes do processo (demandante e demandado); e (b) concernente à impossibilidade de o juiz redecidir questões já anteriormente apreciadas e decididas.97

Cumpre ressaltar que a preclusão consumativa de ato inválido não é pacífico

na doutrina, tendo nas lições de Heitor Vitor Mendonça Sica98 importantes reflexões

acerca das razões pelas quais somente os atos processuais válidos que poderiam

gerar preclusão.

A observação da conciliação destas duas propostas classificatórias permite

inferir que a preclusão de ônus processuais admite a preclusão temporal, a lógica e

a consumativa, enquanto que a preclusão de questões está atinente à preclusão

96 CHIOVENDA, Cosa Juzgada..., apud BARBI, Celso Agrícola. Da Preclusão no processo civil. In: Revista Forense, v. 158, p. 60. 97 GIANNICO, Maurício. A preclusão no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 122-123. 98 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.123-124.

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consumativa e a hierárquica. Cabe, portanto, uma melhor análise das espécies de

preclusão.

3.4.1 A preclusão temporal

Toda preclusão possui em sua origem alguma ideia de tempo, eis que conexa

a um momento ou fase processual, motivo pelo qual toda preclusão possui raízes na

preclusão temporal. Por isso, nada é mais evidente para demonstrar a passagem de

etapas dentro do processo do que a contagem dos prazos processuais. O

estabelecimento de prazos para o cumprimento de atos dentro do processo é um

requisito mínimo de ordem processual, sem o qual o litígio perderia sentido pois a

qualquer momento haveria a possibilidade do andamento processual ser

interrompido pela mera vontade de uma das partes.

A consubstanciação dos prazos no processo decorre, conforme lição de

Arruda Alvim, de dois princípios essenciais ao processo, que são o da paridade de

tratamento e da brevidade. Explica o autor:

O princípio da paridade de tratamento inspira-se em princípio político-jurídico fundamental do Direito moderno: o da igualdade de todos perante a lei. Se todos são constitucionalmente iguais perante a lei (art. 5º, caput, da CF/1988 e art. 125, I, do CPC) no processo, o legislador processual tem, necessariamente, eu propiciar um tratamento igual aos autores, de um lado, e aos réus, de outro, ou seja, todos os autores serão igualmente tratados, e, assim, todos os réus (igualdade formal), e tendendo, quanto possível, atualmente, para a própria igualdade entre autor e réu, antagonista daquele (igualdade substancial). O princípio da brevidade, porém, parte de perspectiva diversa. Muitos processualistas entendem que o processo é indiscutivelmente um mal. O alongamento desnecessário deste, sem finalidade alguma, a não ser a do próprio prolongamento, constitui-se em mal ainda maior.99

Na lição de Raquel Heck Mariano da Rocha100, citando Hélio Tornaghi, o

prazo é o melhor instrumento de ordenação dos atos do processo para conciliar

economia, justiça, segurança e rapidez, pois equilibra os preceitos de celeridade e

certeza com previsibilidade para as partes.

99 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. Editora São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 483-484. 100 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 78.

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Conciliando um longo debate de quais prazos haveriam de ser preclusivos e

quais não acarretariam perda de faculdades processuais, Heitor Vitor Mendonça

Sica resume a questão:

Está fora de qualquer dúvida o fato de que, de um lado, os prazos preclusivos são aqueles cujo transcurso impõe a perda do direito que era cabente à parte, e não preclusivos aqueles cujo escoamento não traz consequência alguma a ela (haja vista permanecer hígido o poder de exercitá-lo válida e eficazmente depois). Mas é preciso notar que a dicotomia entre prazos preclusivos e não preclusivos não se deve à natureza do prazo em si, mas sim às consequências previstas na lei para o caso de transcurso in albis do prazo.101

O Novo Código de Processo Civil acabou com antiga previsão do CPC de

definição de prazos dilatórios e peremptórios, adotando preceito de que os prazos

dilatórios podem ser reduzidos desde que não tenham se escoado (art. 139,

parágrafo único) e os prazos peremptórios somente podem ser reduzidos se

estiverem em acordo ambas as partes (art. 222).

Após o transcurso do prazo processual ocorre a preclusão temporal, ficando a

parte inibida de praticar o ato processual. É a leitura do artigo 183, que ainda

ressalta ser a preclusão independentemente de declaração judicial.

Interessante inovação do novo código de processo civil é a alteração do

antigo artigo 183 para o novo artigo 223 que possui a seguinte redação:

Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa102.

Possível observar que a legislação adotou posição doutrinária defendida por

Heitor Vitor Mendonça Sica103, que citando Barbosa Moreira e Pontes de Miranda,

entende que a emenda de atos processuais regulares dentro do prazo processual

sempre haveria de ser possível, pois dentro da esfera de atuação da parte. O termo

“ou de emendar o ato processual” não deixa dúvidas de que a lei pretende atribuir a

integralidade do prazo processual à disposição da parte, inclusive para emendar os

atos processuais corrigindo-os, evitando jurisprudência anteriormente formada no

101 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 132. 102 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 18 dez. 2015. 103 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.133 -136.

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sentido de que o litigante haveria tacitamente renunciado ao prazo que ainda tinha

direito ou de que haveria ocorrido preclusão consumativa.

Este mesmo autor defende que a tese de emenda ao ato processual dentro

do prazo não abrangeria a hipótese da emenda da contestação, em razão da

ocorrência da preclusão consumativa. Neste sentido cita larga jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça que defende ser hipótese de preclusão decorrente do

princípio da eventualidade, havendo que alegar, já na contestação, toda matéria de

defesa que tiver, negando a possibilidade de emenda.

Também a doutrina de Manoel Caetano Ferreira Filho104, vislumbra que há

preclusão consumativa da contestação, decorrente do princípio ne bis in idem, a

impossibilitar a emenda do ato, mesmo dentro do prazo processual.

Ademais, a nova legislação processual civil repete a mitigação do sistema

preclusivo no sentido de admitir justificativa para a prática do ato processual fora do

prazo nas hipóteses de justa causa. Todavia, altera o texto normativo, que antes

atribuía a justa causa a eventos “imprevistos” para uma redação que conceitua justa

causa como “evento alheio à vontade da parte”, conforme redação do atual artigo

223.

Deve ser destacado que a simples previsão legal de que a parte está

impedida de praticar o ato não significar que não haverá sua prática, pois no mundo

fenomênico não estará vedada. Mas conforme leciona Cândido Dinamarco, “o

decurso de prazos preclusivos nem sempre impede que a parte realize fisicamente o

ato. Simplesmente, não obterá os efeitos que ele produziria, se no prazo”105. De fato,

eventual ato praticado fora do prazo deve ser tido como inválido, como exposto no

capítulo 2.4.4.

3.4.2 A preclusão lógica

Na lição de Chiovenda, a preclusão lógica seria: “a impossibilidade em que se

encontra a parte de praticar determinado ato, ou postular certa providência judicial

104 FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. A preclusão no direito processual civil. Curitiba: Juruá, 1991, p. 35. 105 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4ª ed., v. II. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 552.

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em razão da incompatibilidade existente entre aquilo que agora a parte pretende e

sua própria conduta processual anterior”106.

A preclusão lógica decorre da ideia de que, como o processo é uma

sequência concatenada de atos, a prática de atos contraditórios age contra a sua

solução célere e ordenada. Para explica-la, a doutrina lança essencialmente dois

argumentos: (i) boa-fé e (ii) renúncia tácita.

Fredie Didier Júnior107 afirma que a preclusão lógica decorre do preceito que

de boa-fé contido na regra da venire contra factum proprium, que protege os atos da

vida civil tanto quanto os atos processuais pois cria uma legítima expectativa na

parte contrária.

Raquel Heck Mariano da Rocha108 defende ser o instituto da preclusão lógica

carregado de conteúdo ético e com escopo de ordem, coerência e constância por

coibirem comportamentos contraditórios e tumultuários.

Heitor Vitor Mendonça Sica109 acompanha a doutrina de Moniz de Aragão110

para afirmar que a preclusão lógica é inspirada no princípio da boa-fé, além de

buscar um desenvolvimento harmônico do processo.

José Roberto dos Santos Bedaque111 defende que a preclusão lógica é uma

decorrência da figura da renúncia tácita, pois significa que, quando faltar coerência

entre atos, o sucessivo não pode ser praticado em razão da incompatibilidade com

ato anterior.

Deve-se ressaltar que o preceito de atribuir à concatenação de atos do

processo um aspecto lógico é tratado por Arruda Alvim como um verdadeiro axioma,

pois prescinde de demonstração, sendo inerente ao processo. Ilustra com precisão o

autor:

A estruturação do processo tem de ser lógica, pois atende a uma finalidade, à qual, racionalmente, se devem dirigir todos os atos, culminando todos eles na sentença, que é atividade intelectiva, sem deixar de ser volitiva, na

106 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998, v. III, p. 184. 107 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10 ed., v.1. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 275. 108 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10 ed., v.1. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 82. 109 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10 ed., v.1. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 150. 110 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v. 2, p. 292. 111 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 127.

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medida em que o juiz concretiza a vontade da lei, pois, sentenciando, formula uma norma concreta, geneticamente ligada à norma abstrata.112

Contudo, não se questiona se a preclusão lógica decorreria apenas de atos

praticados dentro do processo ou fatos do mundo fenomênico também

influenciariam os atos endoprocessuais.

Nas antigas aulas do professor Antônio Carlos Marcato, para explicar a

preclusão lógica ele lançava de exemplo marcante. Na sala do juiz, logo após ouvir a

sentença proferida, o réu raivoso em ter perdido a causa pergunta: “quanto é que eu

devo ?”. Falava o sábio mestre que no exato momento em que a carteira do réu era

tirada do bolso e batia na mesa ocorria a preclusão lógica, pois não tinha mais ele

interesse em recorrer da sentença.

Em que pese o conceito de Chiovenda no sentido de que os atos processuais

é que geram a preclusão, os fundamentos da preclusão lógica calcados na boa-fé

objetiva e na renúncia tácita indicam que qualquer fato contrário e incompatível com

a prática de alguma faculdade processual é passível de ser geradora de preclusão

lógica. Claro que a sua demonstração fora do processo é mais difícil, mas não seria

impossível.

Ademais, diferentemente da preclusão temporal, a preclusão lógica não

depende de expressa norma prevendo o efeito preclusivo no processo, eis que seus

fundamentos são sistemáticos e decorrem da natureza dos atos que se pretende

vedar.

Em resumo, a preclusão lógica é inerente ao sistema processual pois sem ela

faltariam elementos de aferição do devido processo legal e todos os demais

princípios a ele inerentes, haja vista que é uma decorrência lógica dos princípios da

boa-fé e do contraditório.

3.4.3 A preclusão consumativa

Também é de Chiovenda a inspiração para a previsão da terceira modalidade

de preclusão, chama de consumativa, existindo em razão de “haver validamente

exercido a faculdade”113 e sendo extraída na regra do non bis in idem.

112 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 47.

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Em nosso sistema normativo a doutrina identifica na regra do atual artigo 158

do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 200 do Novo Código de

Processo Civil), bem como no princípio da eventualidade segundo a qual as partes

devem deduzir toda matéria constitutiva do direito ou da defesa na primeira

oportunidade em que se manifestam (artigo 300 e 303 do Código de Processo Civil e

correspondentes arts. 336 e 342 do Novo Código de Processo Civil). Estes

dispositivos são expressos no sentido unificar no mesmo ato a possibilidade das

partes se manifestarem apenas uma única vez.

Todavia, quando trazida à discussão a questão acerca da instrumentalidade

das formas, por meio do qual o ato processual deve ser considerado válido se

atingida a sua finalidade, há diversas controvérsias sobre a possibilidade de emenda

de atos inválidos ou mesmo sobre a existência da preclusão consumativa.

Maurício Giannico, citando Stefano Riccio e Emilio Betti, entende ser

admissível a preclusão consumativa inclusive de atos inválidos, afastando apenas a

hipótese de atos inexistentes. Assim defende sua posição:

Exercido determinado ônus processual, mesmo que de modo inválido, ainda assim está-se diante da perda da possibilidade de novamente exercê-lo. Opera-se a preclusão, pois, pela consumação pura e simples do ato processual, não sendo relevante apurar, para fins de conceituação do instituto, se tal ato se encontra inquinado ou não de eventuais vícios, defeitos ou irregularidades.114

Raquel Heck Mariano da Rocha115, citando Moniz de Aragão, afirma que o

fenômeno da preclusão existe independentemente de uma análise da teoria das

invalidades dos atos processuais, pois para obstar a prática de um ato processual

basta que ele já tenha sido praticado.

Por outro lado, Heitor Vitor Mendonça Sica nega a existência da preclusão

consumativa se esta não estiver diretamente associada à preclusão lógica ou à

temporal, afirmando ser desnecessário o instituto para explicar a ineficácia de um ou

de outro ato processual. Assim se manifesta:

Caso o exato mesmo ato seja praticado duas vezes, o segundo sequer precisa receber a declaração de inadmissibilidade, pois, se nada

113 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998, v. III, p. 184. 114 GIANNICO, Maurício. A preclusão no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 50 115 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 83-84.

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acrescentar ao primeiro, não traz a menor repercussão ao processo. Não se cogitaria de sua admissibilidade ou inadmissibilidade, pois o ato não poderia produzir nenhum tipo de efeito diverso daquele que o primeiro ato já seria apto a produzir. A existência de um instituto para explicar esse fenômeno é absolutamente dispensável, com o devido respeito àqueles que entendem de modo diverso. (...) De outra banda, se o primeiro ato for formalmente inadequado, o segundo, apresentado dentro do prazo, suprindo-lhe os defeitos, produzirá normal efeito, como se o primeiro jamais tivesse existido. Baseia-se essa ideia na concepção de que o ato formalmente inadequado equivale à completa omissão da parte Por fim, se o primeiro ato for regular, e um segundo for praticado de maneira mais completa que o primeiro (e desde que na forma, tempo e lugar corretos), nada impediria, pelas razões já expostas, que se reputasse esse segundo como emenda ou complemento do primeiro, não se verificando algo que a doutrina chama de preclusão consumativa.116

A conclusão do renomado autor é negar a existência desta modalidade de

preclusão: “Assim, também porque essa terceira modalidade de preclusão não se

enquadra nas finalidades das demais é que encontramos elementos suficientes para

negar a existência de tal conceito.”117

Em uma posição intermediária, nos parece que tanto primar pelo rigor formal

e impossibilitar eventual emenda de atos ou correção deles sem prejuízo ao

andamento processual, como aceitar a prática de tantos atos quantos possíveis

dentro do prazo são posições que se deve evitar, tendo em vista que o próprio

preceito contido no princípio da preclusão é de se buscar uma adoção adequada

para cada caso, impondo um regime que não seja nem excessivamente flexível,

nem autoritariamente rígido.

Com efeito, afirmar que todos os atos, inclusive os inválidos, não admitem

correção, mesmo se estiverem dentro do prazo processual (o que por si pressupõe

em princípio a ausência de prejuízo à celeridade do processo) não parece ser

adequado para o estágio de uma ciência processual que já leva a tempos em

consideração o princípio da instrumentalidade das formas. Proibir a correção ou

emenda de um ato para uma parte que pode estar de boa-fé por simplesmente

admitir um erro é a princípio exagerado.

Por outro lado, afastar a existência da preclusão consumativa por completo

abriria portas para afirmar que um mesmo ato processual poderia ser praticado uma

116 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 152-153. 117 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 153

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infinidade de vezes, podendo ser artifício utilizado inclusive contra a celeridade,

objetividade e segurança do processo.

Cumpre ressaltar, ainda, que como o processo civil convive naturalmente com

um amplo sistema recursal, há a necessidade de impor um regime preclusivo mais

rígido e, neste aspecto, a preclusão consumativa é uma figura que permite a

coordenação deste sistema de forma a garantir uma sistemática mais célere.

Para isso, a preclusão consumativa é um instituto que se presta para ao

menos impor às partes um mínimo de responsabilidade: eventuais equívocos

somente admitir-se-iam correção nas hipóteses escusáveis.

Neste sentido, seguimos a observação de Arruda Alvim, que afirma:

(...) a preclusão lógica, rigorosamente, é também consumativa. Vale dizer, a circunstância de a prática de um ato processual se ter verificado envolve consumação. Tal consumação (no contexto da preclusão lógica) quer dizer que o mesmo ato não pode ser repetido e que, ainda, outro ato ou outros atos, que pudessem ter sido praticados, no lugar daquele, não mais poderão ser praticados.118

Ademais, com a nova regra introduzida no artigo 223 pelo Novo Código de

Processo Civil, parece claro que a possibilidade de emenda de atos processuais se

estende até o término de seu prazo.

A preclusão consumativa, ao revés de ser um óbice à consecução de

celeridade e efetividade, nos parece que presta relevante serviço à compreensão de

como os atos processuais devem ser concatenados para produção de uma relação

processual adequada e justa. É um conceito que melhor se agrega às preclusões

lógica e temporal, mas explica a razão de ser da responsabilidade que as partes

assumem ao integrarem a relação jurídica processual, vislumbrando-se apenas que

sua aplicabilidade deve ser balizada pelos preceitos valorativos que informam o

instituto.

3.4.4 A preclusão dos atos das partes

A ideia de que os atos processuais praticados pelas partes possuem

condições específicas para serem admitidos no processo estão vinculadas à ideia de

118 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. Editora São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 502.

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preclusão para que o andamento do processo seja ordenado, seguro e coeso.

Todavia, também está ínsita nesta mesma ideia que os pressupostos da preclusão

dos atos das partes possuem características semelhantes aptas a distingui-las da

preclusão dos atos do juiz.

Na lição de Riccio, citado por Heitor Vitor Mendonça Sica, a preclusão dos

ônus processuais das partes possuem quatro pressupostos: “(a) a existência de uma

faculdade processual; (b) a limitação a seu exercício imposto pela lei; (c) a ineficácia

da atividade praticada após o advento da preclusão e (d) o poder-dever do juiz de

declará-la” 119.

Com efeito, as faculdades processuais seguem em uma primeira análise o

preceito de liberdade segundo o qual todos podem fazer ou deixar de fazer salvo

restrição legal ou contratual. Neste sentido, as faculdades processuais seriam objeto

de ampla liberdade das partes, restritas apenas pelo que a lei ou o próprio

compromisso contratual – que posteriormente analisaremos sob o viés do

compromisso arbitral - definirem como limitação.

Ocorre que tais faculdades processuais devem existir para cumprir a um

propósito: o exercício do devido processo legal para atingir o término da lide. O

processo existe para um único fim – o de chegar-se à conclusão de mérito decidindo

a causa e extinguindo a lide por meios razoáveis e justos – e da mesma forma esta

liberdade de prática de atos processuais também está limitada sob o aspecto

finalístico.

Estas limitações possuem diversos aspectos e circunstâncias (como

requisitos de forma, de tempo e de lugar), mas encontram na preclusão um requisito

processual de validade negativo.

Quando se pensa nas normas relativas ao processo, possível admitir normas

de caráter dispositivo (conforme a vontade das partes) e normas de caráter cogente

(que impõe aplicabilidade). As normas relativas à preclusão devem ser seguidas

independentemente de convenção entre as partes, notadamente em razão do

fundamento jurídico que estão atreladas. Neste sentido, afirma Antonio Alberto Alves

Barbosa:

119 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 109.

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(...) predominam no processo as normas obrigatórias, às quais Chiovenda dá o nome de cogentes ou absolutas. Dentre estas situam-se as que regulam a preclusão, que é o imperativo processual de que decorre a necessidade de todos os atos e faculdades serem exercidos no momento e forma apropriados, de modo a imperar a ordem e a lógica processuais. Do que ficou dito, verifica-se que interessam mais ao processo do que particularmente às partes, cuja igualdade de direitos visam garantir. São, pois, normas obrigatórias e de caráter público.120

Os pressupostos processuais são requisitos de existência ou validade para

que o processo alcance sua finalidade – a de decidir o mérito – com razoabilidade. A

ausência destes requisitos gera a extinção da ação sem julgamento do mérito (art.

267, inciso IV do Código de Processo Civil e correspondente art.485, inciso IV do

Novo Código de Processo Civil).

Estes pressupostos processuais devem ser aferidos constantemente e devem

estar presentes em todos os atos processuais, pois nas palavras de Eduardo Arruda

Alvim, são: “ditos pressupostos processuais de validade, para existir validade, isto é,

conforme ao sistema e inteiramente apta à realização dos fins que lhe são

próprios”121.

A preclusão constitui pressuposto processual negativo eis que sua existência

impede a prática de novos atos de mesmo conteúdo. Isto não significa dizer que a

prática de novos atos contrários à preclusão constituam vícios insuperáveis à

condução válida do processo. Nem mesmo os tradicionais pressupostos processuais

negativos extrínsecos possuem o condão de gerar tamanha nulidade. Thereza Alvim

explica com precisão em relação à litispendência: “o vício poderá ser superado, se a

ação proposta em segundo lugar tiver sua decisão transitada em julgado antes da

decisão da ação proposta em primeiro.”122. Esta lição foi incorporada pelo Superior

Tribunal de Justiça inclusive para análise da coisa julgada, na medida em que cria a

distinção entre os pressupostos processuais negativos e a nulidade deles.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que havendo

coisa julgada de uma mesma lide na qual já existia coisa julgada, prevalece a

120 BARBOSA, Antônio Alberto Alves. Da preclusão processual civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 89. 121 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 5. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 188. 122 THEREZA ALVIM. O Direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 56.

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segunda, que apesar de se desenvolver com um pressuposto de invalidade, formou

a coisa julgada sem que esta invalidade fosse suscitada. Assim afirma o tribunal:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA. 26,05%. LIMITAÇÃO TEMPORAL DO REAJUSTE. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A Constituição Federal estabelece no art. 5º, XXXVI, a intangibilidade da coisa julgada pelo legislador como uma das garantias fundamentais, tendo em vista o respeito ao princípio da segurança jurídica. 2. A segunda sentença proferida em afronta a uma primeira coisa julgada, contra a qual não foi ajuizada ação rescisória, é juridicamente existente, constituindo um novo comando jurisdicional. A adoção desse entendimento, outrossim, não resultará no recebimento em dobro das diferenças pleiteadas pela recorrida, na medida em que a satisfação da obrigação judicialmente reconhecida implicará sua extinção, nos termos do art. 741, VI, do CPC. 3. Se a sentença que embasa o título exeqüendo não determina a limitação temporal do reajuste de 26,05% a dezembro/1989, não pode tal restrição ser discutida em execução de sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes. 4. Recurso especial conhecido e improvido. (REsp 604880/SE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2007, DJ 11/06/2007 p. 347)

O artigo 267, inciso IV do Código de Processo Civil não faz alusão apenas

aos pressupostos de validade do início da relação jurídica processual, mas também

do desenvolvimento regular da demanda. Implica-se em reconhecer que os atos

processuais especificamente considerados durante todo o processo devem ter seus

requisitos adequadamente preenchidos sob pena de nulidade destes atos.

Heitor Vitor Mendonça Sica explica com precisão:

(...) para cada ato processual em si considerado devem concorrer seus respectivos pressupostos processuais, que não se confundem com os da demanda (ato inicial do processo). Ou seja, os demais atos praticados no processo, tanto pelo autor como pelo réu, devem preencher os seus pressupostos processuais específicos, independentemente daqueles cuja falta pode implicar em extinção do processo sem análise do mérito.123

O exemplo, dado pelo supracitado autor e aqui meramente reproduzido, diz

respeito à capacidade postulatória das partes, aferida pela procuração a advogado

apto. Não apenas para propor ou contestar a ação é necessária a devida

capacidade postulatória, mas para todos os atos como produzir provas ou recorrer

será necessária a devida representação por advogado regularmente constituído.

Da mesma forma, a preclusão age sobre os atos das partes, criando

vedações com natureza de pressupostos processuais negativos pois constituem

123 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 145

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fatos impeditivos ou extintivos das faculdades processuais das partes, que implicam

na invalidade dos atos praticados contra a preclusão e consequente

desconsideração dos efeitos pretendidos pelos atos.

Falamos em invalidade sabendo que o tema é controvertido. Heitor Vitor

Mendonça Sica defende ser hipótese de ineficácia (ou inadmissibilidade) afirmando:

(...) afastamos inteiramente a idéia (sic) de nulidade da órbita da preclusão de atos processuais, pois, quando o ato da parte é praticado depois de ter se operado a preclusão do direito respectivo, ocorre sua inadmissibilidade e não nulidade. O ato não será nulo também porque não há necessidade que outro, regular, se produza em seu lugar (como sucede com os atos do juiz e seus auxiliares); simplesmente a lei impede aquele ato de provocar os efeitos que a parte almejava quando o praticou (a lei reputa-o ineficaz apenas, não inválido).124

Diferentemente pensa Teresa Arruda Alvim Wambier, que atribui ao ato

praticado contra a preclusão a condição de ato nulo ou anulável:

(...) remanesce, no entanto, a dúvida: ainda que inadmissível, uma vez praticado o ato, qual o seu regime jurídico ? Da nulidade ou da anulabilidade ? Ou teriam os atos inadmissíveis um regime próprio ? Parece-nos que não. Talvez a melhor forma de se encontrar um regime jurídico para os atos inadmissíveis seja a de classificá-los segundo as categorias de inexistentes, nulos e anuláveis, conforme a natureza da regra que tenha sido infringida.125

Em nossa opinião, com razão a i. autora, pois os planos da existência,

validade e eficácia constituem categoria jurídica aplicável a todos os fatos e atos

jurídicos, inclusive aos atos processuais.

Com efeito, afirma-se que no plano da existência estão os fatos jurídicos,

assim considerados relacionados a elementos essenciais de existência. No plano de

validade estão os atos jurídicos (fatos jurídicos praticados por seres humanos) em

conformidade com requisitos de validade prescritos em lei. Já no plano da eficácia, a

lei não nega a existência ou validade, mas restringe os efeitos dos atos em razão de

elementos acidentais ao ato. Trata-se de classificação de Pontes de Miranda,

conforme lição de Antônio Junqueira Azevedo126, para fatos e atos do direito civil

mas que por sua coerência lógica poder-se-iam serem aplicados aos atos do

processo civil.

124 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, 157-158. 125 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades da Sentença. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 137-138. 126 AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio Jurídico. Existência, validade e eficácia. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 96.

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A fórmula matemática do renomado autor é inconfundível:

(...) fato jurídico, primeiro, é; se é, e somente se é, pode ser válido, nulo, anulável, rescindível, resolúvel etc.; se é, e somente se é, pode irradiar efeitos, posto que haja fatos jurídicos que não os irradiam, ou ainda não os irradiam.127

A validade do ato decorre do adequado preenchimento de seus elementos

previstos em lei, sendo o ato nulo decorrente de um defeito em sua constituição.

Nem todo ato defeituoso gera a nulidade, se passível de convalidação ou não gerar

prejuízo (art. 250 do Código de Processo Civil e correspondente artigo 283 do Novo

Código de Processo Civil).

A eficácia dos atos decorre naturalmente de sua produção válida, mas em

algumas circunstâncias acidentais a eles a lei retira a sua eficácia. No direito civil

ocorre com as hipóteses de condição, termo ou encargo.

Neste sentido, corrobora Fredie Didier Jr.:

A validade de um ato deve ser examinada contemporaneamente à sua formação. O ato jurídico pode nascer defeituoso. A invalidade é sempre decorrência de um problema congênito. O defeito pode estar no próprio ato (cláusula abusiva de um contrato, por exemplo) ou ser anterior a ele (coação, dolo, erro etc.), mas jamais pode ser posterior ao ato. Se o ato jurídico é válido, os fatos que lhe sejam supervenientes afetarão a sua existência ou a sua eficácia, não a sua validade. A resolução e a revogação, por exemplo, são causas de extinção de atos jurídicos por fatos supervenientes à sua formação.128

A preclusão (temporal, lógica e consumativa) constitui em pressuposto

negativo de validade, pois conforme prescrição legal, devem os atos processuais

serem praticados no seu correto tempo, não serem contraditórios e nem serem

repetitivos. Esta prescrição incide na própria validade dos atos porquanto

correspondente aos requisitos de adequada produção dos atos conforme as

prescrições legais.

Com efeito, ato praticado contrariamente à preclusão gera a invalidade deste

ato, porquanto praticado em desconformidade com os requisitos prescritos em lei. O

mesmo vale para a decisão que deixa de declarar a ineficácia (ou reconhece a

127 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 4 a . ed. São Paulo: RT, 1983, t. 1, introdução, n. 9, p. XX. 128 DIDIER JR., Fredie. A invalidação dos atos processuais no processo civil brasileiro. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/artigos/a-invalidacao-dos-atos-processuais-no-processo-civil brasileiro>. Acesso em 06 abr. 2015, p. 3.

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produção de efeitos de ato ineficaz) ou a decisão que reconhece a ineficácia de ato

válido, pois tais decisões contem nulidade procedimental (error in procedendo).

3.4.5 A preclusão dos atos do juiz

O Código de Processo Civil, ao tratar da preclusão dos atos do juiz, faz

referência à impossibilidade de revisão de questões decididas no curso do processo.

Neste sentido diz o artigo 471 (correspondente ao artigo 505 do Novo Código de

Processo Civil):

Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei.

A regra do Código decorre, conforme lição de João Batista Lopes citado por

Raquel Heck Mariano da Rocha129, da vedação de o juiz inverter um julgamento já

realizado, diante do preceito ne bis in idem, que deve ser tido como pressuposto de

ordem e segurança do sistema. A conclusão é pontual:

Mais do que a interpretação do art. 471 do Código de Processo Civil, portanto, é o socorro à principiologia processual que faz a tese favorável ao reconhecimento de que a preclusão também se aplica ao órgão julgador ganhar cada vez mais adeptos. Embora parte da doutrina ainda se mostre tímida ao reconhecê-la, a aplicação da figura da preclusão também ao juiz traduz uma necessidade inegável. A ela devem se submeter as decisões interlocutórias, sob pena de se instalar o tumulto na marcha do processo e de se criarem intoleráveis quebras ao tratamento igualitário das partes, com sério comprometimento do dever de dar célere andamento à causa. Esse entendimento repousa, em grande parte, nas garantias dos jurisdicionados, que devem poder ter segurança em que não poderá haver a modificação de decisão anterior quando, por exemplo, o julgador simplesmente tenha mudado de opinião ou, como mais comum, ocorrer a troca de juízes.130

Ademais, como fundamento lógico do sistema, se ao juiz pudesse ser

admissível a todo momento alterar de pensamento e reverter uma decisão já

129 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 86. 130 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 87.

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proferida, da mesma forma haveria de ser admissível que a parte prejudicada com a

decisão tenha o poder de constantemente e insistentemente tentar modificar aquela

decisão, tendo em vista o dever do advogado em representar os interesses da parte

representada e utilizar todos os meios admissíveis na defesa de sua causa.

A parte não pode insistir contra uma decisão pois configurar-se-ia litigância de

má-fé, cabendo a ela recorrer da decisão ou se conformar com ela, tanto quanto ao

juiz é vedada a revisão da decisão. Raquel Heck complementa com perfeição:

O sistema processual possui freios e impõe limites também ao juiz quanto à possibilidade de retificação e de alteração de posições assumidas em decisões anteriores. A finalidade maior da atuação jurisdicional não seria atendida se se admitissem infindáveis contramarchas no processo, que não pode ser fruto da insegurança do órgão julgador, decidindo e revendo, sem respaldo legal (fora das exceções previstas pelo ordenamento), suas decisões.131

As decisões que resolvem questões no processo geram a preclusão ao juiz

de serem alteradas após o fenômeno da estabilização. Este fenômeno ocorre

sempre que uma decisão não for atacada pelo recurso adequado, permanecendo

intacta pela omissão das partes. Isto não significa que durante o prazo recursal

poderia o juiz alterar a decisão pela ausência da estabilização, é evidente que não.

Mas alguns recursos geram para o juiz o juízo de retratação, hipótese em que seria

admissível a alteração da decisão.

Por outro lado, a lei processual prescreve hipóteses em que não ocorreria

preclusão para as questões decididas pelo juiz, nos termos do art. 471, inciso II, do

CPC. A exemplo das hipóteses de prescrições legais insuscetíveis de preclusão

para o juiz, divide-se a doutrina acerca dos pressupostos processuais e das

condições da ação, ou de outras matérias cognoscíveis de ofício

José Rogério Cruz e Tucci132, assim como Moniz de Aragão133, defendem que

as questões relativas a pressupostos processuais e condições de ação não seriam

cobertas pela preclusão, dada a previsão do art. 267 §3º do CPC134.

131 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 87. 132 TUCCI, José Rogério Cruz e. Sobre a Eficácia Preclusiva da Decisão Declaratória de Saneamento, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 281. 133 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Preclusão (Processo civil), in OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 174.

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Por outro lado, Fredie Didier Jr. diferencia o poder de conhecer a matéria de

ofício, prevista no citado dispositivo legal, para a impossibilidade, em razão da

preclusão, de reanalisar questões já decididas, afirmando: “Não há preclusão para o

exame das questões, enquanto pendente o processo, mas há preclusão para o

reexame”.135

Nos parece mais razoável, ao interpretar que a conduta do juiz é pautada pela

conduta da parte, que se o juiz pudesse rever tantas vezes quanto pretendesse uma

matéria apenas por ser cognicível de ofício, seria também admissível que a parte,

não se conformando com a decisão do juiz, pudesse alegar novamente a mesma

matéria, sob novo viés, tantas vezes quanto necessário para um novo

convencimento.

A conduta de boa-fé objetiva vedaria tal entendimento, pois configuraria

conduta protelatória – passível de punição por litigância de má-fé. A boa-fé atinge a

conduta do juiz indiretamente pela razão de que se o juiz pode decidir, cabe ao

representante da parte pleitear. Se já houve decisão a respeito e à parte lhe cabe

recorrer ou conformar, sob pena de nova alegação ser interpretada como litigância

de má-fé, ao juiz também é vedada nova reflexão sobre a questão decidida, pois o

preceito da venire contra factum proprium incide sobre o magistrado tanto quanto

sobre a parte.

Ideologicamente o processo existe para por fim à lide. Respeitadas as

garantias processuais de cada parte, é dever de todos os atores do processo

contribuírem para a justa solução do conflito. Neste sentido que o princípio da boa-fé

objetiva deve ser aplicado ao processo: é dever das partes e do juiz contribuírem

para a melhor forma possível de solução do conflito, evitando-se comportamentos

que possam prolongar o debate sem um fundamento pautado pela razoabilidade.

Heitor Vitor Mendonça Sica chega a afirmar que este preceito, de que todos

devem colaborar para a justa solução do conflito, é inerente ao processo, ínsito à

sua existência, porque decorrente da necessidade de atribuir segurança e celeridade

ao processo. Em suas palavras:

134 O art. 267 §3º do atual Código de Processo Civil possui correspondência no artigo 482 do Código de Processo Civil de 2014 e o parágrafo referido possui redação semelhante, tendo acrescentado apenas a hipótese de admitir-se o conhecimento de ofício pelo juiz para extinção da ação sem resolução de mérito por morte da parte, quando o direito em disputa for intransmissível 135 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10 ed., v.1. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 515.

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Essa é a viga mestra dessa acepção da preclusão: o impedimento de reapreciação de questões já decididas e contra as quais não foi interposto o competente recurso. Se o juiz inobservar essa limitação e revogar ou modificar decisão anterior e não ser nos casos supra, é inadequada (se afasta do modelo legal) e, por isso, nula. O fundamento dessas normas não é outro senão a necessidade de segurança jurídica e celeridade processual. Pode-se dizer, na esteira da generalidade da doutrina, que a exigência da preclusividade de questões incidentais é inerente à própria natureza do processo, como um conjunto encadeado de atos desenvolvidos sob o contraditório e programados para a busca da composição do litígio. Por isso se justifica uma limitação aos poderes do juiz, consistente em impedi-lo de modificar ou revogar decisões anteriores acerca das quais não houve recurso oportuno da parte interessada.136

Contudo, quando posta a questão sobre matérias de ordem pública, como as

condições da ação ou dos pressupostos processuais, é relevante aplicar uma noção

de que sobre elas há um elemento diferencial sobre a questão a ser decidida, que

extrai-se da conotação de definitividade atribuída à decisão não poder ser

decorrente de meras presunções ou conjecturas. Por tal razão, entendemos que

apesar de ser prejudicial ao adequado andamento do processo uma decisão rever

uma questão já decidida, em relação às matérias de ordem pública não haveriam de

ser aplicada a preclusão para as questões decididas pelo juiz, tendo em vista o

prejuízo à função jurisdicional que isso poderia causar.

Neste sentido, afirma Arruda Alvim: “correta é a tendência majoritária,

segundo a qual não precluem os vícios referentes à ausência de condições da ação,

ainda que não se tenha recorrido do saneamento”137. Esta posição, amplamente

abarcada pela jurisprudência138, ainda conta com o fundamento de supremacia do

poder público quando exerce a atividade jurisdicional, conforme lição de Vicente

Lentini Plantullo: “Leve-se em conta que questões públicas não são atingidas pela

preclusão por causa do Princípio da Supremacia do Poder Público sobre o Poder ou

Direito Privado.”139

Mas não apenas as questões atinentes às condições da ação ou

pressupostos processuais estariam fora do âmbito de abrangência da preclusão das

questões decididas pelo juiz.

136 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 183. 137 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. Editora São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 480. 138 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2013, p. 821. 139 PLANTULLO, Vicente Lentini. A preclusão no direito processual. São Paulo: LTR, 2010, p.63.

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Isto porque, matérias diretamente conexas com a necessidade de bem

prestar a atividade jurisdicional possuem fundamento relevante para afastar o efeito

preclusivo sobre questões decididas pelo juiz, na medida em que se busca proteger

a atividade jurisdicional tanto quanto a imparcialidade do julgador ou a celeridade

processual.

Com efeito, é bastante difundida a tese de que em se tratando de matéria

probatória, uma eventual decisão do juiz poderia ser revista – o que significa não ter

efeito a preclusão sobre esta matéria – na medida em que sendo o livre

convencimento motivado a principal razão de existência da prova, imperativo que a

formação deste convencimento seja matéria que amplamente possa ser atribuída

para o juiz rever um eventual indeferimento de prova.

Consideramos que a revisão somente seria admissível na hipótese de

indeferimento de produção probatória na medida em que havendo o deferimento,

mesmo que o juiz já estivesse convencido acerca dos fatos relevantes à decisão da

causa, é direito da parte tentar inverter este convencimento pois ao ter deferida a

produção probatória entra para sua esfera jurídica a criação da estratégia processual

de coordenação da produção probatória. Acreditamos que, se a prova já foi deferida

– exemplificativamente uma prova pericial – mesmo que o juiz já se convença dos

fatos a partir de prova testemunhal antes produzida, a parte que requereu a prova

pericial havia traçado uma conduta processual com a legítima expectativa da

produção da prova pericial, que pode refletir no contexto probatório do processo.

Contudo a questão não é pacífica. Heitor Vitor Mendonça Sica defende que

em matéria probatória não haveria preclusão para as decisões do juiz, sendo

admissível a revisão de decisão anterior em qualquer hipótese. Assim justifica sua

tese:

(...) quando se trata da preclusão incidente sobre o exercício dos poderes instrutórios do juiz, é de se ver que se mostra ela bastante atenuada, de modo que o juiz que tenha indeferido produção de determinada prova pode, a posteriori, reconsiderar sua decisão, ou mesmo o inverso (muito embora, quanto a esse segundo aspecto, a doutrina prevalente seja contrária). Atente-se, assim, à natureza dinâmica que a fase instrutória – diferentemente das demais fases do processo – ostenta.140

140 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 242.

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Em sentido diametralmente oposto, entende Daniel Assumpção Neves141, que

afirma haver preclusão ao juiz que defere a produção de uma prova e durante a

instrução passa a vislumbrar sua inutilidade, ao ponto de considerar cerceamento do

direito de defesa a revisão do posicionamento anterior para indeferir a produção

probatória, sob o fundamento de que a prova pertence ao processo - e não ao juiz -

e seu deferimento em dado momento configura uma identificação de relevância que

indica a pertinência à relação jurídica processual, que permanece no tempo.

Da mesma forma, quando se trata de poderes do juiz para garantia da

efetividade final do processo, seja em relação a tutelas cautelares, seja no tocante

às antecipações de tutela, o regime preclusivo das questões decididas é diminuto e

atende a uma caraterística própria da precariedade dessas decisões.

Com efeito, tendo origem no poder geral de cautela, as decisões que buscam

dar efetividade à decisão final através de provimentos acautelatórios possuem

caráter dinâmico dentro do processo, na medida em que devem ser deferidos nos

limites do necessário, suficiente e proporcional à tutela jurisdicional. Por tal razão

estas decisões não se submetem à preclusão. Elucida a questão os autores Arruda

Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, ao comentarem o disposto no artigo

807 do Código de Processo Civil (equivalente ao artigo 296 do Novo Código de

Processo Civil):

É dispensável, em qualquer das hipóteses, a ocorrência de mudança no estado de fato. Em geral, a revogação decorrerá de radical alteração do convencimento do juiz, quiçá instado pelo réu, considerando os argumentos apresentados na contestação, principalmente quando deferida a medida inaudita altera parte. Igualmente, a modificação se fundará, na maioria das vezes, nas ponderações do réu. (...) No entanto, o poder de o juiz modificar a cautela originária é relativo. (...) tampouco é absoluto o poder de o juiz revogar a liminar, retratando a decisão antecipatória ou final. É que, aviado agravo de instrumento pelo réu, e mantida a liminar pelo tribunal, opera-se o efeito substitutivo previsto no art. 512. Ao juiz de primeiro grau é vedado revogar acórdãos. Em tal hipótese, ocorreu preclusão da faculdade contida no art. 807, segunda parte. Fica ressalvada, porém, a possibilidade dessa liminar, confirmada pelo órgão ad quem, revelar-se incompatível com a sentença de improcedência proferida na própria ação cautelar.142

Por fim, parece adequada a conclusão de que a preclusão consumativa é a

única que se aplica às questões decididas pelo juiz, tendo em vista que este não

141 NEVES, Daniel Assumpção. Preclusão para o juiz: preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil. São Paulo: Método, 2004, p. 255-258. 142 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2013, p. 1458.

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possui prazos próprios e não lhe poderia ser aplicada a preclusão temporal.

Contudo, como veremos mais adiante, o prazo para o árbitro proferir sentença

arbitral é próprio, aplicando-se a preclusão temporal em razão do preceito contido no

artigo 32, inciso VII, da Lei 9.307/96.

Relativamente à preclusão lógica para as questões decididas pelo juiz, parece

adequado afirmar que o juiz também está vinculado a uma ideia de coordenar o

andamento processual de forma lógica, não podendo decidir contraditoriamente ao

quanto já decidido, mas que por uma razão pragmática preferimos adotar posição de

que a preclusão lógica para o juiz decorre da ilogicidade de uma decisão anterior,

pela qual prevalece a preclusão consumativa. É a conclusão de Carlos Francisco

Buttenbender, Daniel Francisco Mitidiero e Manoel Caetano Ferreira Filho, todos

citados por Raquel Heck Mariano da Rocha143.

3.5 Fundamentos da preclusão

Não há dúvida de que, sendo a preclusão instituto ordenador do andamento

processual, sua aplicação configura elemento essencial do processo. Isto porque o

andamento processual somente avança com o fito de se chegar ao término da

relação processual diante da certeza de que todos os atos processuais atinentes a

uma determinada fase processual foram tomados, admitindo-se o prosseguimento

do processo para a fase seguinte.

O devido processo legal pressupõe a preclusão porque através dela se atribui

segurança jurídica para o andamento do processo. Na lição de Adailson Lima e

Silva: “A preclusão é a base científica da coisa julgada”144.

Mas além dos princípios que informam a preclusão, notadamente a segurança

jurídica e a celeridade processual, se questiona acerca da origem da preclusão nos

casos concretos decorrentes de normas específicas para aquelas hipóteses ou de

preceitos normativos abstratos e de interpretações sistemáticas que acabariam por

impor um regime jurídico preclusivo.

143 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 89. 144 SILVA, Adailson Lima e. Preclusão e Coisa julgada. São Paulo: Editora Pillares, 2008, p. 136.

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90

Em resumo, a preclusão decorre apenas de expressa previsão legal ou pode

ser extraída de princípios?

É evidente que na hipótese de preclusão dos atos do juiz, a preclusão é

sistêmica pois admitir que o juiz poderia retroceder em suas decisões causaria

tumulto processual indesejável. Ademais, tendo para as partes o poder de recorrer,

o conformismo por si é um elemento formador do devido processo legal adequado à

aplicação da preclusão das questões decididas no processo.

Com relação à preclusão dos atos das partes, possível extrair que a preclusão

temporal somente é possível de ser aplicada se expressamente prevista. Ocorre que

o Código de Processo Civil possui regra subsidiária para qualquer hipótese de ato,

eis que na ausência de previsão legal para um dado ato caberá ao juiz definir o

prazo (art. 177 do Código de Processo Civil e correspondente art. 218, §1º do Novo

Código de Processo Civil).

Com efeito, se o juiz determinar a prática de um ato mas não cominar prazo,

mesmo assim a lei prevê prazo supletivo de 5 dias (art. 185 do Código de Processo

Civil ou art. 218, §3º do Novo Código de Processo Civil). Em resumo, nunca haverá

hipótese de determinação da prática de um ato sem previsão de um prazo, por

expressa previsão legal.

Relativamente à preclusão lógica, observamos que se fundamenta no

princípio da boa-fé objetiva, notadamente em razão da aplicação do preceito da

venire contra factum proprio. Mesmo na ausência de previsão legal expressa, é da

lealdade processual ínsita ao sistema jurídico que deve ser extraída a aplicabilidade

da preclusão lógica, pois os princípios do devido processo legal, da isonomia e do

contraditório e ampla defesa demandam um litígio baseado em vedação à litigância

de má-fé ou que inflija a lealdade processual.

Já a preclusão consumativa, a nosso ver, depende de expressa previsão legal

que imponha às partes a vedação de repetição de um determinado ato, tendo em

vista que a liberdade das partes no processo da prática de inúmeros atos somente

poderia ser restrita com previsibilidade, ou seja, com expressa previsão prévia à

prática daquele ato.

Inúmeros são os exemplos extraídos do Código de Processo Civil. O princípio

da eventualidade para a dedução de alegações e resposta do réu, a apresentação

de documentos, a exceção de incompetência e a reconvenção, a dedução de provas

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ou a interposição de recursos. Aprofundaremos apenas a questão do princípio da

eventualidade em razão de conexão com o tema principal.

Pelo princípio da eventualidade, o autor deve deduzir seus fundamentos

fáticos e jurídicos até a citação ou até o saneamento com o consentimento do réu

(arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil e correspondente art. 329 do Novo

Código de Processo Civil), enquanto o réu deve deduzir toda matéria de defesa na

contestação (art. 300 do Código de Processo Civil e correspondente art. 336 do

Novo Código de Processo Civil).

É um princípio conhecido como “princípio de ataque e defesa global”145, pois

visa restringir os limites da lide, permitindo às partes que conheçam os fundamentos

da parte adversa e coordenem suas ações em conformidade com o quanto

estabelecido para a lide.

A preclusão é clara no sentido de que se não houver a dedução dos

fundamentos da ação ou da defesa no momento oportuno, não será aceito emenda

em fase posterior, salvo nas restritas hipóteses excepcionais. A questão que se

coloca é no sentido de imaginar o processo sem o princípio da eventualidade e a

preclusão que se segue, como ocorre na França146 onde é permitido deduzir

fundamentos fáticos e jurídicos a qualquer momento, inclusive em fase recursal.

Para a nossa cultura jurídica processual (ou ao menos a minha pessoal) é

violador da ampla defesa e do contraditório uma das partes veicular em recurso

fundamento não arguido no processo, desprestigiando toda discussão havida em

primeira instância. Ainda mais se, em fase recursal, fosse admitido o poder de

apresentar nova demanda conexa com aquela veiculada em primeira instância. É

uma surpresa para os demandantes que pretendiam ter na discussão um ambiente

de lealdade e paridade de armas.

145 MILLAR, Robert Wyness. Los princípios formativos del procedimento civil. Buenos Aires: Ediar, 1945, p. 96. 146 Nas lições de Heitor Vitor Mendonça Sica: “No tocante à preclusão dirigida ao poder das partes, ainda prevalece, em certa medida, um regime de liberdade. Indicativo disso se encontra no art. 72, que rege os poderes do réu em apresentar suas defesas de mérito (ou “défenses au fond”) e prevê sejam elas opostas em qualquer etapa do processo. Igualmente se denota a liberdade dada aos litigantes nos dispositivos relativos à apelação, na qual se permite tecer novas alegações de fato e a apresentação de novas provas (arts. 563 e 564). Apenas o poder de apresentar novas demandas em grau recursal vem reduzindo às hipóteses de demandas conexas, ou destinadas a afrontar alegação da parte adversa (art. 567)”. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 53.

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Por esta razão, vislumbra-se que em nossa cultura processual é mais

adequado afirmar que o princípio da eventualidade deve existir para garantia do

contraditório, podendo ser mais ou menos rigoroso. Neste sentido, o prazo final para

dedução de pedidos e de fundamentos fáticos e jurídicos há de ser a estabilização

da lide, que em nosso sistema processual civil ocorre com o saneamento do

processo.

Com efeito, a preclusão consumativa, que depende de regra expressa, tem no

princípio da eventualidade uma exceção, eis que decorre do sistema processual (do

contraditório) a necessidade de estabilização da lide, o que por consequência

demanda a preclusão da dedução dos fundamentos fáticos e jurídicos após esta

fase processual. Em resumo, o princípio da eventualidade é uma decorrência lógica

do sistema, eis que necessário à garantia do contraditório e da ampla defesa,

existindo no processo independentemente de previsão legal expressa. Apenas seus

contornos haveriam de ser interpretados de forma mais flexível, na eventual

ausência de regra expressa.

3.6 Limites à decretação da preclusão

Pressupondo que limites à preclusão configuram exceções à regra da

extinção de uma faculdade processual, vislumbramos na correta aplicação da regra

em conjunto com a exceção o ponto de equilíbrio do sistema principiológico aplicado

à preclusão.

Com efeito, é da necessidade (maior ou menor) de celeridade que haverá a

necessidade de (maior ou menor) rigidez do procedimento, bem como os critérios de

aplicação da preclusão. Esta verificação da maior ou menor necessidade de

aplicação do instituto da preclusão configura o princípio da preclusão adequado a

ser aplicado no caso concreto.

Os limites à decretação da preclusão são as balizas do sistema principiológico

(pela doutrina é chamado de dinâmica processual da preclusão) que ditarão a maior

ou menor rigidez do sistema.

O primeiro limite a ser considerado é o da justa causa ou da escusabilidade.

Atos processuais podem ser praticados fora do prazo processual se houver justa

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causa (art. 183 do Código de Processo Civil ou 223 do Novo Código de Processo

Civil).

O mesmo critério de justa causa pode ser vislumbrado para a hipótese de

preclusão consumativa relativa à alegação de fundamentos fáticos ou jurídicos, pois

permite o artigo 462 do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 493 do

Novo Código de Processo Civil) o conhecimento de ofício pelo juiz ou a

requerimento da parte de alegação de fato superveniente.

Trata-se de regra que excepciona a preclusão consumativa, pois obriga o juiz

a conhecer de direito não alegado na petição inicial ou na contestação. Na lição de

Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim:

Assim, a teor do que estabelece o art. 462, deverá o juiz levar em conta o direito superveniente (aí compreendidos tanto o fato como o direito supervenientes) para a prolação da sentença, desde que esse novo fato ou direito possa influir na resolução da lide. O conhecimento dessa matéria dar-se-á independentemente de requerimento das partes.147

Ademais, a doutrina vislumbra na hipótese não apenas um fato acontecido

após o ajuizamento da ação, mas um fato desconhecido que venha a ser conhecido

posteriormente. Eduardo Arruda Alvim esclarece a questão:

As oportunidades processuais para autor e réu requererem provas são a inicial e a contestação, respectivamente. Todavia, é de se ter presente que o desenrolar do processo recomenda a abertura da fase de especificação de provas, para que, como disse Sérgio Sahione Fadel, haja a ratificação das provas já requeridas ou mesmo desistência de outras que se tenham tornado supérfluas. Pode haver, até mesmo, requerimento de novas provas. Todavia, essas novas provas não poderão ser simplesmente requeridas porque o autor ou o réu delas se tenha esquecido, mas porque essas provas se tenham tornado necessárias em razão de motivos supervenientes à inicial ou à contestação.148

Trata-se, à toda evidência, de uma exceção calcada na regra da

imprevisibilidade e da escusabilidade, a ser aplicada conforme maior ou menor rigor

a depender da necessidade de segurança, celeridade e previsibilidade de cada

causa.

Com efeito, a regra da escusabilidade configura norma de conteúdo jurídico

indeterminado, porquanto analisa em cada caso concreto o viés de justa causa para

delimitação da aplicação da preclusão, sem expressamente e minuciosamente

147 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 514. 148 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. 5. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 141.

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indicar qual a circunstância delimitadora do preceito normativo. A lei da pistas do

que entende ser a justa causa apta a afastar a preclusão (art. 183 do Código de

Processo Civil ou 223 do Novo Código de Processo Civil). Neste aspecto, importante

destacar que o Novo Código de Processo Civil alterou o critério indicado, deixando o

conceito de imprevisibilidade de fato alheio à vontade da parte, para apontar o

critério de escusabilidade de fato alheio à vontade da parte. Isto significa que mesmo

uma circunstância previsível mas que impossibilite o cumprimento do prazo induz a

reabertura do prazo precluso.

Deve ser ressaltado que esta circunstância de escusabilidade há de ser

observada em conformidade com a aplicação dos princípios da isonomia processual

e da garantia da ampla defesa e do contraditório, de forma a mitigar o formalismo

processual para circunstâncias que efetivamente afetem a celeridade e efetividade

do processo.

Melhor explicamos através de um exemplo. Imagine-se que um dado

advogado perde o prazo para contestar a ação por um único dia e alegue como

escusabilidade o fato de que não teve tempo para preparar melhor a defesa a ser

juntada no processo. Como regra, o que se pensa em tal hipótese ? que ocorreu a

preclusão temporal. Mas e se fosse uma contestação em ação negatória de

paternidade ? Ai afastar-se-ia a preclusão porque o direito de filiação é indisponível,

e sobre tal não ocorre a preclusão. Mas em ambos os casos, foi feita a avaliação de

eventual prejuízo à celeridade e efetividade do processo ? Não.

Nos parece que a regra da escusabilidade não recai apenas sobre um

preceito de fato alheio à vontade da parte (também é para que não se admita o uso

da escusabilidade de forma abusiva), mas de efetivo prejuízo aos direitos de

celeridade, segurança e efetividade do processo.

Isto porque o formalismo processual já a muito tempo abandonou a ideia de

que o instrumento processual possibilitaria uma forma de locupletamento ilícito por

meros erros procedimentais. Há que se buscar de forma efetiva a razão pela qual o

preceito existe e deva ser aplicado, sendo que na hipótese da preclusão temporal o

fundamento é a garantia da ordem processual e de seu andamento com vistas ao

término da lide de forma justa e segura.

Ademais, a justa causa é, sob o viés da boa-fé, o fundamento da preclusão

lógica tanto quanto seu próprio limite, pois para a concatenação de atos processuais

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ser considerada contraditória, deverá ser demonstrada a violação da boa-fé objetiva

na conduta do ato precluso.

Cumpre destacar, ainda, que alguns atos processuais não estão sujeitos a

ônus processual e, portanto, não geram preclusão. O exemplo é trazido por Heitor

Vitor Mendonça Sica149 e diz respeito ao pedido de antecipação de tutela, à

execução de tutela antecipada e à execução provisória. Isto porque a execução

provisória da sentença ou da antecipação de tutela implica ao litigante executor a

responsabilidade objetiva por eventual prejuízo à parte adversa, não sendo razoável

impor à parte o ônus de executar eventual sentença provisória ou antecipação de

tutela sob pena de preclusão. Seria, conforme o autor, uma hipótese de faculdade

processual sem ônus, ou seja, sem consequências jurídicas processuais.

Relativamente à preclusão do juiz para decidir questões, extrai-se do art. 471

do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 505 do Novo Código de

Processo Civil) o fundamento para os limites desta modalidade de preclusão. Com

efeito, alterações de ordem fática em relações continuativas, bem como matérias de

ordem pública poderiam ser alteradas pelo juiz, de ofício ou por provocação.

Neste sentido, ensinam Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda

Alvim:

O art. 471, II, do CPC dispõe que o juiz não deverá decidir novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo nos demais casos prescritos em lei. Assim, por exemplo, cuidando-se de matéria de ordem pública, como, por exemplo, as condições da ação (art. 267, VI, e §3º, do CPC) pode o juiz ou o próprio tribunal rever a decisão, o que poderá (deverá) fazer mesmo que provocado por mera petição simples, ou mesmo oficiosamente.150

Em síntese, podemos afirmar que os limites à preclusão possuem três

fundamentos: (i) a escusabilidade, compreendida nos conceitos de justa causa e

adequabilidade à boa-fé objetiva, (ii) a superveniência de fatos ou atos posteriores

que alterem os fundamentos geradores da preclusão e (iii) as matérias insuscetíveis

de preclusão, como os atos processuais que não acarretam ônus processual ou

decisões sobre matérias de ordem pública ou relações continuativas.

149 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p 162-164. 150 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 821.

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4 A PRECLUSÃO NO PROCESSO DE ARBITRAGEM

Trazendo como fundamentos os preceitos traçados a respeito do instituto da

preclusão e do processo de arbitragem nos capítulos anteriores, passaremos a

analisar a existência, aplicabilidade, espécies e limites da preclusão no processo de

arbitragem, com o intuito de estabelecer uma posição diante do princípio da

efetividade processual e da justiça procedimental.

4.1 Os fundamentos da preclusão no processo de arbitragem

Quando falamos em preclusão no processo de arbitragem devemos ter em

mente a existência de dois institutos distintos e que integram o processo de

arbitragem. Uma é a preclusão como instituto da dinâmica do processo e outra é a

preclusão como restrição de uma faculdade das partes ou do juiz.

A preclusão como instituto da dinâmica do processo, conforme extraímos do

capítulo 3.3.1. indica o grau de maior ou menor rigidez procedimental a ser adotado.

Neste aspecto, se costuma afirmar que a arbitragem, por demandar um

procedimento mais flexível, possui sistema preclusivo mais brando. De fato,

abstratamente trata-se de afirmativa correta pois pensando na imensidão de

assuntos que a arbitragem poderia incidir, nada mais natural que a regra seja a

flexibilidade do procedimento. Todavia, em determinadas situações é possível

vislumbrar sistemas diametralmente opostos a esta necessidade de flexibilidade de

procedimento, como v.g. procedimentos arbitrais de conflitos societários em que se

discutam questões com reflexos na bolsa de valores, situação que havendo

inúmeras partes acionistas da sociedade, com diversas questões a serem discutidas

e que demandam uma solução pragmática em relação às consequências na bolsa

de valores imobiliários, implique em impor um regime preclusivo mais rígido.

Por mais flexível que se possa admitir o processo de arbitragem, algum

elemento preclusivo há de ser aplicado, pois do contrário seria admissível o

completo caos processual na medida em que não haveria qualquer restrição à

conduta ativa ou omissiva das partes ou do juiz.

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Neste sentido, relevante é a lição de Arruda Alvim151, que observa na

preclusão verdadeiro “princípio da teoria dos prazos porque ela interfere em toda a

dinâmica do andamento processual”, sendo portanto a “espinha dorsal do processo,

no que respeita ao seu andamento”.

Com efeito, o correto é questionar qual sistema preclusivo é adequado para

cada lide, em cada processo, considerando circunstâncias atinentes às partes e ao

objeto litigioso. Isto porque o fundamento da preclusão como instituto da dinâmica

do processo decorre da necessidade de ordenação do procedimento como garantia

à consecução do devido processo legal, seja através do contraditório, da isonomia

ou da efetividade processual, em adequação com as circunstâncias individuais da

lide.

Neste sentido – de preclusão como dinâmica do processo ou como princípio

processual – admissível trazer ao processo arbitral todas as lições do direito

processual civil, em razão do instituto coordenar o adequado andamento do

processo arbitral com a mesma finalidade e partindo das mesmas premissas que

sua aplicação ao processo civil.

Mesmo partindo-se da premissa de um processo mais flexível – e que

portanto admite em abstrato um sistema preclusivo mais brando – a avaliação de

como aplicar o princípio da preclusão possui as mesmas bases científicas, na

medida em que busca adequar celeridade com segurança jurídica, para alcançar o

tempo razoável do processo.

Um simples exemplo mostra esta experiência: imagine-se um árbitro

complacente com as omissões das partes e que permita a repetição de diversos

atos preclusos, sob a justificativa de que não afetar-se-ia o andamento processual.

Com o aumento destas omissões ao ponto do abuso do direito das partes, caberia

ao árbitro ditar um procedimento mais rígido, com o fito de atender a um interesse

das próprias partes, que é chegar ao fim da lide. A mudança neste comportamento

do árbitro demonstra a razão de ser do sistema preclusivo como princípio, que é de

constituir-se em instrumento apto a coordenar o andamento do processo atendendo

a preceitos de efetividade e segurança procedimental.

151 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Manual de Direito Processual Civil. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 499.

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Já quando tratamos da preclusão como a restrição de uma das faculdades

das partes ou do juiz, estamos nos referindo individualmente a cada ato processual

e não ao processo como um todo, pois conforme adotamos no capítulo 3.3.1. a

premissa é da preclusão como técnica processual. Neste sentido, cada ato

processual deve ser considerado se admite ou não sofrer efeitos da preclusão, tendo

como pressuposto a definição de um regime procedimental de preclusão.

Este regime procedimental avalia, em cada ato processual, os fundamentos

da preclusão, seus limites no processo arbitral e sua aplicabilidade, sendo

organizados a partir das espécies de preclusão em busca de uma melhor

compreensão do instituto.

4.1.1 A preclusão temporal em razão da estabilização da demanda e dos prazos

procedimentais

O processo arbitral, assim como o processo civil, deve caminhar para que

alcance um final de forma segura e em respeito aos princípios processuais

correlatos.

Para que isso ocorra, ao árbitro é dado o poder de conduzir o processo de

forma a coordenar os atos processuais das partes para alcançar um livre

convencimento acerca da solução adequada à causa, mas respeitando a isonomia e

o contraditório.

Esta condução do processo é feita especialmente através da delimitação de

prazos para a prática dos atos, e por meio da estabilização da demanda com o

intuito de se passar a uma nova fase processual.

Não se desconhece que, sendo o procedimento arbitral mais flexível, possível

adotar regime mais brando de preclusões (dinâmica preclusiva de menor rigidez) e

permitir que mesmo atos em princípio preclusos possam ser praticados ou retornar a

fases anteriores do procedimento em função do descobrimento de novas questões

processuais, ou mesmo admitir a introdução de nova demanda, mas esta

flexibilização somente haveria de ocorrer pela conveniência processual em se

admitir o regime mais brando para aquele processo e pela justificativa de que esta

flexibilização permitirá uma melhor solução da causa.

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99

Isto porque, conforme a lição de Heitor Vitor Mendonça Sica:

Está fora de qualquer dúvida o fato de que, de um lado, os prazos preclusivos são aqueles cujo transcurso impõe a perda do direito que era cabente à parte, e não preclusivos aqueles cujo escoamento não traz consequência alguma a ela (haja vista permanecer hígido o poder de exercitá-lo válida e eficazmente depois). Mas é preciso notar que a dicotomia entre prazos preclusivos e não preclusivos não se deve à natureza do prazo em si, mas sim às consequências previstas na lei para o caso de transcurso in albis do prazo.152

Com efeito, como a consequência do transcurso do prazo no processo arbitral

depende de uma avaliação do próprio árbitro, natural que possa admitir a prática de

ato em princípio precluso se o árbitro avaliar que isto não afetará o andamento

processual, o contraditório, a ampla defesa, a boa-fé objetiva, a isonomia das partes

etc.

Por outro lado, mesmo atos processuais praticados com apenas um único dia

de atraso podem ter a clara intenção de violar a isonomia processual, hipótese que a

superação da preclusão demandaria correção por parte do árbitro para com a parte

contrária. Podemos citar, v.g. o oferecimento de quesitos para uma perícia contábil

em processo que envolve ações de empresa com títulos na bolsa de valores

imobiliários, na qual este único dia de atraso permitiu à parte uma notícia diferencial

de elementos que ocorreram naquele dia na bolsa de valores, como a flutuação do

dólar, a subida ou queda de ações de determinada empresa, sendo altamente

prejudicial a ambas as partes a devolução do prazo para atendimento ao

contraditório em razão das consequências na bolsa de valores. Para superar a

preclusão e admitir os quesitos o árbitro haveria de permitir à outra parte a revisão

dos seus quesitos antes ofertados e se o caso concreto admitir nova realização do

contraditório, porquanto eventual prejuízo à efetiva solução da lide no tempo

adequado demandaria uma solução mais pragmática (não aceitar os quesitos).

Ademais, importante ressaltar que esta fundamentação de preclusão temporal

flexível não afasta a existência da preclusão, apenas condiciona a elementos de

convicção próprios da arbitragem, seja em razão da complexidade das causas

postas ao juízo arbitral, seja em função de uma atenção personalizada a cada ato

praticado e que, portanto, não se submete à massificação de procedimentos

processuais como ocorre no juízo estatal. Justamente porque o árbitro pode avaliar,

152 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 132.

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100

a cada ato processual, se estão preenchidos o contraditório, a ampla defesa, a

isonomia, a boa-fé objetiva e todos os princípios atinentes ao andamento

processual, é que se admite maior flexibilidade do procedimento, mas isso somente

se verificará nas hipóteses em que a flexibilidade for adequada à causa posta em

avaliação.

Por fim, importante destacar que sendo prazos processuais, apesar de

decorrentes de um vínculo contratual, a forma de contagem dos prazos é aquela

prevista no Código de Processo Civil153. Trata-se de questão interessante tendo em

vista que o Novo Código de Processo Civil altera a forma de cômputo dos prazos

processuais, para incluir apenas o cômputo dos dias úteis (art. 219 do Novo Código

de Processo Civil).

Relativamente à estabilização da demanda, o Código de Processo Civil

prescreve o princípio da eventualidade, pelo qual o autor deve deduzir seus

fundamentos fáticos e jurídicos até a citação ou até o saneamento com o

consentimento do réu (arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil e

correspondente art. 329 do Novo Código de Processo Civil), enquanto o réu deve

deduzir toda matéria de defesa na contestação (art. 300 do Código de Processo Civil

e correspondente art. 336 do Novo Código de Processo Civil). É um princípio

conhecido como “princípio de ataque e defesa global”154, pois visa restringir os

limites da lide, permitindo às partes que conheçam os fundamentos da parte adversa

e coordenem suas ações em conformidade com o quanto estabelecido para a lide.

Já no processo arbitral, a estabilização da demanda (conforme conclusões do

capítulo 2.4), ocorre de forma diversa da prevista no Código de Processo Civil pois o

procedimento arbitral, por ser flexível, pode admitir regime preclusivo menor tanto

quanto um sistema de estabilização da lide mais brando. Mas na ausência de

concordância de ambas as partes, não é possível afirmar que nunca haverá prejuízo

a desconsideração sobre o quanto fixado na ata de missão durante a fase de

instauração da arbitragem, cabendo a análise de eventual prejuízo para as partes no

153 Posição distinta é a de Leonardo de Faria Beraldo: “os prazos para a prática dos atos processuais estão previstos nos regulamentos e a forma de contagem é a mesma do CC (art. 132), salvo se houver disposição em contrário no regulamento institucional ou na ata de missão. Assim, como regra, são contínuos e ininterruptos, devendo seu termo inicial e final caírem em dia útil e excluindo-se o dia de início e computando-se o do final”. (BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 299-300.) 154 MILLAR, Robert Wyness. Los princípios formativos del procedimento civil. Buenos Aires: Ediar, 1945, p. 96.

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101

tocante à escolha do árbitro, à escolha do procedimento e ao pagamento das custas

processuais.

Isto porque, a contrapartida desta flexibilidade é uma maior rigidez no sistema

de avaliação da isonomia entre as partes, da segurança jurídica dos atos

processuais, das nulidades e principalmente do contraditório e da ampla defesa.

Tratamos a questão da estabilização da demanda juntamente com os

fundamentos da preclusão temporal porque, diferentemente do processo civil em

que a estabilização da demanda decorre do princípio da eventualidade, no processo

arbitral, a estabilização da demanda decorre de um preceito temporal para o

processo. Não é demais lembrar que as partes podem prever um prazo para o

término do procedimento, havendo prazo legal supletivo de 6 meses.

Com efeito, recomenda-se a estabilização a partir da ata de missão durante a

fase de instauração da arbitragem, mas caso as partes e o árbitro entendam por

ampliar o objeto da demanda, após a análise de eventual prejuízo acerca da escolha

do árbitro, da escolha do procedimento e do pagamento das custas processuais,

haverá a análise do eventual prejuízo à solução da lide, tendo em vista que a

ampliação do objeto controvertido demandará mais tempo para o processamento e

julgamento da lide.

Neste sentido, tempo é direito das partes e somente deve ser modificado o

quanto antes estabelecido no termo de missão se afastado prejuízo a este direito.

Da mesma forma, a estabilização da demanda constitui-se em direito pois correlato

a um mínimo de previsibilidade de tempo de processamento e julgamento. Portanto,

o princípio da eventualidade no processo arbitral pode ser mitigado, mas permite-se

extrair a estabilização da demanda do sistema processual arbitral pois a ausência

desta estabilização permitiria a demora excessiva ou mesmo a eternização do

conflito, em prejuízo a um legítimo interesse das partes que é ter a solução resolvida

em tempo razoável e inicialmente estabelecido.

Claro que a estabilização da demanda no processo arbitral não é evento

processual preciso e objetivo como no processo civil, mas existe quando relacionado

a outros elementos valorativos vinculados à definição do objeto litigioso.

Com efeito, vale a menção à lição de Cândido Dinamarco, que minimiza a

estabilização da demanda, na medida em que seria em princípio sempre a

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102

possibilidade de sua readequação desde que respeitado o contraditório. Afirma o

autor:

Ora, a partir de quando se tome consciência de que o procedimento da arbitragem é decididamente flexível e não rígido como o do processo civil comum brasileiro, sendo muito menos sujeito a preclusões que este (supra, n 14-17), dilui-se significativamente o valor do veto às modificações ou aditamentos à demanda, imposto pelos arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil. Diferentemente do que sucede no processo comum, aqui é bem mais aceitável que, ganhando força o princípio da liberdade (Chiovenda), possam as partes determinar legítimos desvios no curso do procedimento, inclusive mediante a dedução de pedidos novos, fazendo-o fora do período ordinariamente reservado a isso. No processo arbitral o procedimento não é, como o judicial, portador de uma radical divisão vertical da causa em fases. (...) Observado efetivamente o contraditório, exclui-se o prejuízo que os aditamentos ou alterações pudessem causar, e também por essa razão infraconstitucional nada haverá a anular, o que é uma imposição do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief – CPC, arts. 244 e 249, §1º).155

Como podemos notar, nem sempre é possível afirmar que o dito “prejuízo”

restará afastado, na medida em que necessário analisar sua influência sobre a

escolha dos árbitros, do procedimento e do pagamentos de custas processuais.

Mas não apenas tais elementos se conjugam para direcionar pela

necessidade de estabilização da demanda no procedimento arbitral. Citamos como

exemplo, um contrato de construção de obra pública, no qual se estabeleceu a

necessidade do Poder Público finalizar o procedimento de desapropriação para

disponibilização da área para a construção de um anel viário, com estipulação de

data do início das obras. Próximo da data estipulada o particular contratado inicia

sua mobilização para o início das obras, mas a desapropriação não avança, sendo

negada a imissão provisória na posse pelo Poder Judiciário. Começa uma batalha

jurídica – que pode ser levada à arbitragem – para saber qual o valor do dano

causado pela demora da disponibilização da área para construção do citado anel

viário. Imagine-se que o particular demande 200 milhões de reais em razão dos 200

dias que ficou paralisado aguardando a imissão provisória na posse do processo de

desapropriação por culpa do Poder Público, mas durante o procedimento arbitral,

descubra-se que sua paralização durou apenas 20 dias, na medida em que o

155 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 145-146.

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103

particular destinou a maior parte da mobilização para o início das obras em outros

trabalhos de construção civil, minimizando seu prejuízo a 10% do valor pleiteado.

Aplicando-se uma teoria que admitiria a mitigação da estabilização da lide,

estaríamos admitindo a indenizabilidade de 20 milhões na medida em que este

restou ser o prejuízo provado. Mas tal decisão estaria correta diante dos princípios

da boa fé objetiva, do adequado tempo do processo, e até do contraditório ?

Observe-se que o particular sabia que não tinha direito a 200 milhões, pois

sabia que não estava integralmente mobilizado para a construção da obra. Isto

porque é da prática normal da área da construção civil a mobilização e

desmobilização conforme necessidades e demandas. Mesmo assim pediu tal valor.

Acrescente-se a isso o esforço que precisaria ter o Poder Público para demonstrar

que os livros de controle do maquinário e dos trabalhadores foram alterados em

relação à realidade dos fatos, na medida em que o Poder Público não possui o

integral controle do que entra e do que sai no campo de trabalho. Por fim, deve ser

ressaltado o problema de uma parte se dedicar integralmente à produção probatória

de uma tese, e ver todo seu trabalho ser desfeito pela alteração do objeto litigioso,

sem ter condições de refazer nova produção probatória em razão destas terem se

perdido no tempo.

O simples atendimento ao contraditório – visto como possibilidade de

alegação de teses – não responde a questões essenciais para aplicação de um

processo ideologicamente justo, porquanto violadores de outros princípios

essenciais à dogmática jurídica. A defesa da flexibilidade procedimental do processo

arbitral não pode chegar ao ponto de pôr em risco todos os demais preceitos

processuais construídos ao longo de anos de experiência do processo civil, ao ponto

de negar a construção do processo civil justo. Isto porque um único preceito –

flexibilidade procedimental – não coloca em xeque toda sistemática jurídica

processual, quando ressaltado os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Assim, concluímos acerca da existência de preclusão temporal no processo

arbitral nos mesmos termos do processo civil, aplicando-se o quanto exposto nos

itens 3.4.1(preclusão temporal) e 3.4.4 (preclusão dos atos das partes) em sua

integralidade, excetuando-se apenas a questão atinente ao princípio da

eventualidade aplicada à contestação, conforme observaremos melhor no capítulo

4.3.

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104

4.1.2 A preclusão lógica e a conduta de boa-fé das partes

A obrigação de conduta pautada na lealdade, probidade e honestidade entre

as partes é prevista na Lei de Arbitragem em seu artigo 27, quando estabelece a

obrigação do árbitro fixar verba decorrente da condenação por litigância de má-fé.

Mesmo que não houvesse tal previsão, sendo a arbitragem uma relação

decorrente de contrato, a execução deste negócio deve ser pautada por uma

conduta de boa fé objetiva, conforme previsão do art. 422 do Código Civil.

A vedação da conduta de má-fé no processo arbitral é tão inerente ao sistema

que a própria sustentação de um procedimento mais flexível e adaptado às

circunstâncias da causa depende de uma relação pautada na boa-fé dos litigantes.

Decorre de uma visão de prudência do julgador impor um regime mais rígido se

vislumbrar partes intencionalmente propensas a litigar contrariamente aos ditames

de lealdade processual.

Com efeito, a preclusão lógica independe de previsão legal, pois decorre da

própria essência do andamento processual, da responsabilidade das partes e da

necessidade de coordenar o processo com parâmetros de celeridade, segurança e

justiça.

Neste sentido, aplicável ao processo arbitral todas as conclusões obtidas a

respeito da preclusão lógica no processo civil, conforme traçados no capítulo 3.4.2,

pois reconhece-se o instituto da venire contra factum proprio, do conteúdo ético da

conduta das partes, da boa-fé objetiva e da renúncia tácita, não apenas através da

figura da litigância de má-fé, mas também de obrigações típicas do direito civil.

Acreditamos, inclusive, que sendo o processo arbitral um procedimento muito

marcado pela individualização da causa e por um trabalho de advogados e árbitros

mais próximos da lide, o espaço de aplicação da preclusão lógica é amplo porquanto

permite uma análise mais aprofundada das circunstâncias da prática de cada ato

processual.

Se no processo estatal a prática de atos e a consideração sobre eles está

amplamente marcada pela massificação do processo, tanto quanto a quantidade de

julgamentos dos juízes estatais é controlado através de metas a serem cumpridas,

no processo arbitral é possível um cuidado e uma avaliação mais minuciosa para a

observância da boa-fé e consequente aplicação da preclusão lógica.

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105

Com efeito, o escopo de ordem, coerência e constância por coibirem

comportamentos contraditórios e tumultuários haverá de ser ainda mais preciso no

processo de arbitragem, eis que as circunstâncias do procedimento permitem (em

tese) uma análise individualizada dos atos processuais com maior acuidade para

com a conduta das partes.

Deve-se ressaltar que a Câmara de Comércio Internacional (CCI) possui

casos de aplicação da preclusão lógica, notadamente voltados para o

reconhecimento da competência do tribunal arbitral em situações de extensão

subjetiva da cláusula compromissória. Trazemos a integridade do caso para uma

análise mais abrangente do instituto da preclusão lógica:

Casos CCI 7604 e 7610/1995156 "Extensão fundamentada em declaração expressa, pela parte não signatária, nos autos de ação judicial que corria em paralelo à arbitragem, de que toda demanda decorrente do contrato deveria ser levada à arbitragem, manifestando, dessa forma, sua inequívoca aquiescência à cláusula compromissória. A sociedade A contratou a sociedade B para desenvolvimento de um software, por meio de instrumento do qual constou convenção arbitral invocando o Regulamento CCI. A sociedade A extinguiu o contrato, dando início, ato contínuo, a processo arbitral contra B e C, sua controladora, formulando pedido de reembolso de quantias já pagas. A requerente alegou que a sociedade B não era autônoma e que a sociedade C havia participado da negociação, celebração, execução e extinção do contrato. Também alegou a demandante que a sociedade C havia formulado proposta, anteriormente, de submeter a disputa a arbitragem. Preliminarmente, o tribunal arbitral apreciou a sua própria competência para julgar demanda proposta em face de parte não signatária da convenção arbitral. Segundo os árbitros, os documentos apresentados pelas partes demonstraram que a intervenção da sociedade C na fase das tratativas, por meio da emissão de carta de garantia, deu-se de forma incidente, o que não justificava a sua qualificação como parte do contrato. No que tange à execução da avença, o exame minucioso dos fatos revou em síntese que: (a) ambas as sociedades requeridas tinha funcionários em comum; (b) em diferentes ocasiões, B e C utilizaram o papel timbrado uma da outra, nas relações mantidas com terceiros; (c) que a sociedade B chegou a sugerir que a requerente fizesse contato com a sociedade C, a fim de resolver problemas técnicos no software encomendado por meio do contrato; (d) que a sociedade B convidou a sociedade A para participar de seminários nos quais foram instruídos os representantes da sociedade C; e (e) que houve confusão criada em A. Ainda assim, os documentos não demonstraram que a requerente se teria dirigido à sociedade C para regular aspectos relativos à execução do contrato, na convicção de que ela também

156 ARNALDEZ, Jean-Jacques; DERAINS, Yves; HASCHER, Dominique (org.) Collection of ICC Arbitral Awards, 1996-2000. Paris: Kluwer Law International, 2003, p. 511-516 apud MELO, Leonardo de Campos. Extensão da Cláusula Compromissória e Grupos de Sociedades. São Paulo: Forense, 2013, p. 73-75.

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106

seria parte no contrato, ao lado de B. Adicionalmente, era a sociedade B que dispunha do know-how necessário à completa execução do serviço para o qual fora contratada, e foi a ela que a requerente pagou o preço ajustado. Finalmente, a sociedade A não conseguiu demonstrar que a sociedade C seria pessoalmente interessada na realização do negócio ou nos litígios que dele pudessem decorrer, salvo indiretamente, dada a sua participação no capital social de sua filial B, o que não se mostrava suficiente a permitir a extensão da convenção arbitral à parte não signatária. A demandante também não foi capaz de demonstrar aos árbitros a participação de C na extinção do contrato. Dessa forma, mesmo que, para os administradores da sociedade A e a sociedade C, o contrato pudesse ser inserido em contexto mais amplo de aliança entre grupos, isso também não seria suficiente a estender a convenção de arbitragem à sociedade C. Por fim, os árbitros procederam à análise de documentos trocados pelas partes nos autos de demandas judiciais mantidas entre elas em paralelo à arbitragem. Com efeito, em uma determinada ação judicial ajuizada perante o Poder Judiciário da Argélia, a sociedade C reconheceu expressamente que o fundamento do litígio travado entre as partes não poderia ser ali discutido, mas sim em arbitragem conforme o Regulamento CCI. Dessa forma, a sociedade C teria manifestado a sua aquiescência ao contrato e à convenção arbitral. Com esses fundamentos, o tribunal arbitral reconheceu a sua competência para julgar o litígio contra a sociedade C, não signatária da convenção arbitral.

No caso supracitado, possível observar que inúmeras circunstâncias foram

alegadas para incluir uma parte no processo arbitral que não havia assinado o

compromisso, todas rejeitadas pelo tribunal arbitral. Bastou uma afirmação em

processo judicial de que ela reconhecia a competência do tribunal arbitral para

afastar-se a possibilidade de pleitear a exclusão do procedimento arbitral,

configurando para ela uma preclusão lógica (de sustentar a sua ilegitimidade de

parte no processo arbitral por ausência de concordância com o compromisso

arbitral).

Em nossa jurisprudência também encontramos casos semelhantes,

reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça, extraindo-se inclusive da omissão

um relevante aspecto preclusivo. Disse o Superior Tribunal de Justiça:

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA Nº 856 - EX (2005/0031430-2) RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO EMENTA Sentença arbitral estrangeira. Cláusula compromissória. Contrato não assinado pela requerida. Comprovação do pacto. Ausência de elementos. 1. Tem-se como satisfeito o requisito da aceitação da convenção de arbitragem quando a parte requerida, de acordo com a prova dos autos, manifestou defesa no juízo arbitral, sem impugnar em nenhum momento a existência da cláusula compromissória. 2. Descabe examinar o mérito da sentença estrangeira no presente requerimento, na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal.

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107

3. Homologação deferida.

A referida decisão do Superior Tribunal de Justiça homologa decisão arbitral

estrangeira que, mesmo sem assinatura da parte requerida, concorda tacitamente

em participar da convenção de arbitragem pois não demonstra intenção de impugnar

a existência da cláusula compromissória, aplicando preclusão lógica ao processo de

homologação por ser pretensão contrária com conduta anteriormente praticada.

Neste sentido, concluímos com a aplicabilidade da preclusão lógica nos

exatos termos do processo civil, podendo trazer ao regime jurídico da arbitragem

todas as conclusões do item 3.4.2 (preclusão lógica) e 3.4.4. (preclusão dos atos

das partes) por estarem em conformidade com os preceitos processuais da relação

jurídica arbitral.

4.1.3 A preclusão dos atos do juiz no processo arbitral

Quando afirmamos que a dinâmica preclusiva do processo permite induzir um

sistema mais rígido ou mais flexível conforme as características de cada lide,

defendemos a idéia de que a preclusão, sendo um sistema de controle do

andamento do processo, deve ser adequado às necessidades de balanceamento

dos princípios atinentes ao andamento processual que se busca aplicar a cada caso

concreto.

Ademais, cumpre ressaltar que o processo arbitral possui características

próprias que criam necessidades de adaptação do sistema processual civil para uma

correta solução de litígios. Uma destas diferenças é a ausência de instância

recursal, que faz do árbitro o único órgão competente para análise do mérito das

causas postas a julgamento.

Com efeito, quando analisamos a possibilidade do árbitro sofrer os efeitos da

preclusão por decisão de questões durante o curso do processo, devemos ter em

mente que não haverá instância recursal hábil a rever a decisão do árbitro. Da

mesma forma, como não há recurso no processo arbitral, não há efeito iterativo apto

a criar a possibilidade do juízo de retratação.

Desta forma, imperioso tratar da preclusão para as questões decididas pelos

árbitros de forma distinta do processo civil, na medida em que muitas questões

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108

resolvidas incidentemente somente poderiam ter uma análise completa no momento

de extinguir a relação jurídica processual através da sentença.

Tal consideração não afasta a obrigação do árbitro em proceder com cautela

e decidir com a máxima segurança possível, evitando no futuro decisões

controvertidas. Mas implica em reconhecer que o sistema preclusivo do processo

arbitral para as questões decididas pelos árbitros é mais brando, cabendo uma

avaliação acerca das hipóteses autorizadoras de revisão das questões de forma

mais abrangente.

Assim, quando se afirmar que não ocorre preclusão para as questões

decididas pelo juiz no processo civil em função de fatos novos e para questões de

ordem pública, no processo arbitral a interpretação de fatos novos e de questões de

ordem pública haverá de ser mais abrangente quando tratar-se da preclusão para o

árbitro.

Mas a redução do rigor preclusivo para as questões decididas pelo árbitro não

exclui por completo a existência da preclusão nesta hipótese. Mesmo quem

vislumbra não ser o Código de Processo Civil, notadamente no tocante ao artigo

471, aplicável subsidiariamente ao processo de arbitragem, concordará que é

terrivelmente impróprio para a correta aplicação do direito o árbitro inverter inúmeras

vezes a decisão sobre determinada questão.

A regra do Código de Processo Civil decorre, conforme lição de João Batista

Lopes citado por Raquel Heck Mariano da Rocha157, da vedação de o juiz inverter

um julgamento já realizado, diante do preceito ne bis in idem, que deve ser tido

como pressuposto de ordem e segurança do sistema. A conclusão é pontual:

Mais do que a interpretação do art. 471 do Código de Processo Civil, portanto, é o socorro à principiologia processual que faz a tese favorável ao reconhecimento de que a preclusão também se aplica ao órgão julgador ganhar cada vez mais adeptos. Embora parte da doutrina ainda se mostre tímida ao reconhecê-la, a aplicação da figura da preclusão também ao juiz traduz uma necessidade inegável. A ela devem se submeter as decisões interlocutórias, sob pena de se instalar o tumulto na marcha do processo e de se criarem intoleráveis quebras ao tratamento igualitário das partes, com sério comprometimento do dever de dar célere andamento à causa. Esse entendimento repousa, em grande parte, nas garantias dos jurisdicionados, que devem poder ter segurança em que não poderá haver a modificação de decisão anterior

157 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 86.

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109

quando, por exemplo, o julgador simplesmente tenha mudado de opinião ou, como mais comum, ocorrer a troca de juízes.158

Ademais, assim como no processo civil o processo arbitral possui fundamento

lógico do sistema de coibir a prática de litigância de má-fé, conforme a previsão do

artigo 27 da Lei de Arbitragens. Desta forma, se ao árbitro pudesse ser admissível a

todo momento alterar de pensamento e reverter uma decisão já proferida, da mesma

forma haveria de ser admissível que a parte prejudicada com aquela decisão tenha o

poder de constantemente e insistentemente tentar modificar o conteúdo decisório,

tendo em vista o dever do advogado em representar os interesses da parte

representada e utilizar todos os meios admissíveis na defesa de sua causa.

A parte não pode insistir contra uma decisão pois configurar-se-ia litigância de

má-fé, tanto quanto ao árbitro é vedada a revisão da decisão. Mas como no sistema

processual arbitral não há recursos, a análise do rigor ao aplicar a preclusão deve

ser sopesada através do elemento motivacional da decisão de rever uma questão já

decidida, pressupondo o tempo e as circunstâncias daquela decisão a ser revista

com a impossibilidade do árbitro ter um juízo de retratação para ponderar com maior

segurança as questões postas a sua análise.

Deve ser ressaltado que uma eventual alteração brusca e injustificada de uma

decisão arbitral poderia ser inclusive geradora de questionamentos acerca da

imparcialidade do árbitro, pondo em risco sua credibilidade e confiança. Neste

sentido, importante considerar a preclusão para as questões decididas pelo árbitro

como parametrização de sua imparcialidade e confiabilidade, diante da garantia de

uma segurança mínima no processo decorrente da necessidade de justificativa da

revisão de questões já decididas.

Contudo, a regra da preclusão de questões no processo arbitral sofre a

mesma influência do processo civil no que tange às questões atinentes à

insusceptibilidade de preclusão. Isto porque, se os limites da preclusão afastam a

sua incidência sobre questões de ordem pública, matéria probatória, controle da

regularidade formal do processo e questões atinentes à efetivação ou rescisão de

tutela antecipada, conforme sustentado no item 3.4.5., com mais razão que tais

158 ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Preclusão no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 87.

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110

regras se apliquem ao processo arbitral, pois sendo instância única de decisão, não

poderia se ver vinculada a decisões que restringem a própria prestação jurisdicional.

Neste sentido, podemos concluir que as lições do processo civil quanto à

preclusão das questões decididas pelo juiz podem ser aplicadas no procedimento

arbitral com moderações, tendo em vista que o processo arbitral em princípio não

possui instância recursal. Todavia, tais moderações cingem-se à redução do rigor

preclusivo para o juiz apenas no tocante à dinâmica processual – de modo que

abstratamente falando o processo arbitral possui regime jurídico mais flexível para

as questões decididas pelo juiz – podendo em razão do caso concreto estabelecer

um regime mais rígido por circunstâncias que demandem maior celeridade ou

segurança.

4.2 A preclusão consumativa

No capítulo anterior observamos as semelhanças da preclusão no processo

arbitral com o processo civil. Assim, pudemos concluir que a preclusão lógica, a

preclusão temporal e a preclusão para questões decididas pelo árbitro possuem

significativas semelhanças com a preclusão do processo civil, distanciando-se

apenas no tocante a uma construção em abstrato da preclusão como princípio

processual (preclusão como dinâmica do processo).

Agora, partindo-se das conclusões atinentes ao capítulo 3.5. (fundamentos da

preclusão), observaremos porque a preclusão consumativa do processo civil é

diversa da preclusão consumativa no processo arbitral, no tocante à preclusão das

faculdades processuais das partes.

Conforme sustentado no capítulo 3.5., a preclusão consumativa decorre de

norma expressamente prevista, não podendo ser extraída de preceito em abstrato

do sistema nem ser construída a partir de um princípio, excetuado conforme

justificativa alhures a hipótese do princípio da eventualidade em correlação com a já

sustentada estabilização da lide.

As razões de existência que normalmente se atribui à preclusão consumativa

são de duas ordens: (i) aplicação da regra non bis in idem em razão da

responsabilidade das partes para com o processo e (ii) o impedimento de qualquer

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pretensão de tornar a praticar um ato processual, ou corrigí-lo, em razão da

preservação da ordem e da celeridade do processo.

Esta é a lição de Maurício Giannico, que defende:

Por evitar a repetição dos atos processuais já praticados, entendem alguns juristas que a preclusão encontraria um de seus fundamentos essenciais na idéia de proibição ao bis in idem. De fato, o ne bis in idem constitui verdadeiro princípio inerente a todo nosso ordenamento jurídico e, no âmbito processual civil, atua de modo a impedir o desnecessário dispêndio de tempo com a reprodução de atos processuais anteriormente praticados em um mesmo processo.159

E assim conclui Moniz de Aragão: “não será possível pretender tornar a

praticá-lo, ou acrescentar-lhe elementos que ficaram de fora e nele deveriam ter sido

incluídos, ou retirar os que, inseridos, não deveriam tê-lo sido”160.

Estes preceitos se aplicam ao processo civil em razão de uma maior

valorização de um preceito formalista que induz no processo civil uma

responsabilidade pela prática de atos processuais. Sempre que se proíbe a

repetição de um ato, seja para corrigi-lo, seja para ratificá-lo se atribui maior valor à

formalidade em relação ao conteúdo ou finalidade do próprio ato, configurando um

preceito ainda presente no processo civil apesar de esforços interpretativos de

aplicação de uma maior instrumentalidade processual.

Todavia, mesmo se entendermos que os preceitos da preclusão consumativa

do Código de Processo Civil aplicam-se subsidiariamente ao processo arbitral, não

vislumbramos no ambiente da arbitragem a mesma razão para reconhecer a

existência da preclusão consumativa, tendo em vista que o processo arbitral, por ser

uma relação jurídica processual que anseia por adequabilidade à causa a ser

julgada, possa admitir em seu seio um preceito formalista tão forte.

Não seria por qualquer motivo que parte da doutrina vislumbra a inexistência

da preclusão consumativa no processo civil, conforme sustentado por Heitor Vitor

Mendonça Sica161. E sustentamos que no processo civil ainda há espaço para

afirmar a existência da preclusão consumativa em razão da maior necessidade de

159 GIANNICO, Maurício. A preclusão no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 75. 160 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Preclusão (Processo civil), in OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 180. 161 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 133-136.

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aplicar um sistema mais rígido e consistente especialmente no tocante ao sistema

recursal.

Mas como no sistema arbitral, em princípio, não há recurso, não encontramos

razões para afirmar a existência da preclusão consumativa. Mesmo regras do

processo civil atinentes à preclusão consumativa, como as regras dos artigos 396 e

397 que impõem às partes a juntada de todos os documentos na primeira

oportunidade que falarem nos autos, configura regra a tempos mitigada pela

jurisprudência desde que respeitado o contraditório.

A ideia de que a necessidade de melhor regulamentação do procedimento no

tocante à forma dos atos processuais, impondo às partes um sistema preclusivo

mais rígido, a ponto de impossibilitar a emenda do ato processual em razão da

preclusão consumativa (desconexa com outros preceitos preclusivos como a

temporal ou a lógica) somente encontra amparo no sistema processual civil quando

favorecida a forma em detrimento do conteúdo e apenas para ressaltar a relevância

da ordem e da celeridade processual.

Deve ser destacado que, com o advento do Novo Código de Processo Civil –

e o entendimento deste trabalho no sentido de ser este regimento jurídico aplicável

subsidiariamente conforme conclusões do capítulo 2.3 – o simples fato do conceito

de prazo ser alterado pela nova lei processual já afastaria a aplicabilidade da

preclusão consumativa.

Isto porque, conforme previsão do artigo 223 do Novo Código de Processo

Civil: "Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o

ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado,

porém, à parte provar que não o realizou por justa causa".

Esta previsão alterou a redação do antigo Código de Processo Civil, que não

previa no art. 183 o termo “emendar” o ato processual, induzindo a tese de que a

preclusão consumativa não teria aplicabilidade quando dissociada da preclusão

temporal ou lógica.

Em linhas gerais, a preclusão consumativa é a única diferente da preclusão

do processo civil com relação ao processo arbitral, quando falamos em preclusão

como técnica processual para atos praticados pelas partes, sendo iguais as

preclusões temporal, lógica e das questões decididas pelo juiz.

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4.3 A preclusão temporal da sentença arbitral

A doutrina afirma no processo civil que os prazos para atos do juiz são

impróprios pois ausente qualquer consequência processual na sua inobservância.

Conforme lembra Dinamarco, o juiz não defende interesse próprio no processo, mas

cumpre deveres e portanto: “Seria contrário à ética e ao senso-comum a definitiva

dispensa de cumprimento de um dever, em razão do seu não cumprimento no

prazo”162.

Ocorre que, no processo arbitral, há previsão de prazo para a produção da

sentença com cominação de pena de nulidade deste ato processual se descumprida

sua tempestividade.

Neste sentido, analisemos os dispositivos da Lei de arbitragem relativos ao

prazo para proferir sentença arbitral:

Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter:

III - o prazo para apresentação da sentença arbitral;

Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral: III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.

Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes.

Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. Art. 32. É nula a sentença arbitral se: VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e

Francisco José Cahali adverte: “Importante notar o impacto deste prazo na

arbitragem, pois se fosse “impróprio”, como é para a sentença judicial (e há

previsão, em certos casos, para ser proferida), e desprovido de qualquer

repercussão prática, de nada adiantaria ocupar-se com a questão”163. O autor ainda

afirma que tanto o prazo convencional como o prazo legal para proferimento da

sentença deveriam receber o mesmo tratamento acerca da necessidade de

notificação para contagem do prazo de 10 dias, mas é enfático que após este limite,

162 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4ª ed., v. II. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 533. 163 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 271.

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a nulidade da sentença é certa e caberia às partes estabelecerem novo

procedimento arbitral.

Carlos Alberto Carmona164 busca através de diversos preceitos salvaguardar

a sentença arbitral, afirmando que a nulidade não ocorreria automaticamente pois

dependeria de medida judicial da parte para anulá-la, tanto quanto a notificação do

art. 12 somente seria admissível após escoado o prazo convencional ou legal. O

autor ainda recomenda que se o árbitro observar que o prazo esta se esvaindo, deve

chamar as partes para prorrogá-lo, mas se não houver acordo, deverá proferir

sentença no prazo decimal.

Contudo, imagine-se um processo arbitral em que uma das partes

vislumbrando a derrota iminente, busca de todos os meios procrastinar o andamento

do processo para ultrapassar o prazo para sentença, conseguindo no dia seguinte

ao término deste prazo notificar o árbitro. Em um processo complexo, sem término

da fase probatória, sendo absolutamente insuficiente o prazo de dez dias para

conseguir proferir sentença tecnicamente completa diante dos inúmeros volumes do

processo, haveria como evitar a nulidade da sentença ?

Entendemos que o prazo para proferir a sentença arbitral é preclusivo e

portanto deve atender a todos os requisitos técnicos deste instituto de direito

processual civil, notadamente ao preceito de escusabilidade de cumprimento dos

prazos processuais.

Com efeito, conforme salientado no item 3.4.4., e na lição de Riccio165, citado

por Heitor Vitor Mendonça Sica, a preclusão dos ônus processuais das partes

possuem quatro pressupostos: “(a) a existência de uma faculdade processual; (b) a

limitação a seu exercício imposto pela lei; (c) a ineficácia da atividade praticada após

o advento da preclusão e (d) o poder-dever do juiz de declará-la”.

Adaptando para a questão do prazo para proferir sentença arbitral,

observamos que existe (b) uma limitação imposta pela lei, que (c) possui a

consequência de nulidade se não cumprido dentro deste prazo, na qual (d) o juiz

estatal deverá declarar a nulidade se proposta ação anulatória com este fim. Mas

haveria (a) uma faculdade processual para o fim de justificar a cominação de

nulidade da sentença arbitral para o árbitro ?

164 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 223-224. 165 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 109.

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Como é usual, os árbitros são profissionais particulares que recebem pela

prestação do serviço jurisdicional, respondendo pela adequada prestação deste

serviço conforme condutas culposas ou dolosas. Diferentemente do juiz togado, o

árbitro pode recusar a participação em uma ação e não raras vezes aufere seus

honorários por hora trabalhada. O vínculo do árbitro com a relação jurídica

processual é contratual e existe com uma única finalidade: prestar adequadamente o

serviço jurisdicional.

Desta forma, razoável atribuir à relação do árbitro com o processo um

interesse processual – que não chega a se configurar uma faculdade processual –

que é de solucionar a causa para receber seus honorários. Por tal razão a Lei de

Arbitragem atribuiu grande responsabilidade ao árbitro na condução do processo,

impondo a ele um prazo para proferir sentença sob a pena de nulidade.

Mas um prazo impossível de ser cumprido é inexistente, porquanto cria uma

condição impossível para a resolução do negócio jurídico arbitral, conforme previsão

do art. 123 do Código Civil.

Com efeito, deve ser dado ao tratamento deste prazo o mesmo rigor dos

prazos processuais, com a ressalva de permitir a escusabilidade do seu não

cumprimento se demonstrada justa causa pelo árbitro.

Apresenta-se como tecnicamente jurídico afirmar que o prazo para proferir

sentença arbitral é preclusivo pois reúne todos os requisitos atinentes à

tempestividade de atos processuais próprios das partes, mas ainda realça a

importância prática de atribuir um sistema de freios e contrapesos para avaliar a

regularidade da aplicação deste prazo, na medida em que a sistemática da

preclusão avalia também a escusabilidade do ato na hipótese de não ser cumprido

no tempo devido.

4.4 Limites à decretação da preclusão no processo de arbitragem

A preclusão é um mal necessário. É como uma espada sobre a cabeça das

partes e do juiz, impondo regras a cada conduta, limites a toda liberdade processual,

com a previsão de uma consequência muito pior do que a perda de uma faculdade

processual, em razão das consequências profissionais que implicam para as

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pessoas que trabalham duramente com o processo. Quem não teme perder um

prazo e ver sua reputação profissional desaparecer?

Mas a preclusão é necessária para impor ordem ao processo, inclusive no

processo arbitral. Não se vislumbra um processo em que as partes não possuem

prazos a cumprir, ou que permite ao árbitro decidir contraditoriamente com a

consistência processual necessária a revelar seu compromisso com a imparcialidade

e com a duração razoável do processo.

Ocorre que a visão de ordem processual no procedimento arbitral é um

preceito diverso do concebido para o processo estatal. Em razão da flexibilidade

procedimental e de uma maior intimidade do árbitro para com os atos processuais,

possível afastar a aplicação da preclusão em diversas situações desde que

respeitados princípios processuais que informam o processo com uma

adequabilidade em relação à sua finalidade.

A finalidade do processo arbitral é resolver a lide sem sofrer questionamentos

judiciais que impliquem em sua nulidade de forma célere e justa. Que aplique em

seu procedimento os princípios atinentes ao devido processo legal e alcance seu fim

com a certeza de ter demonstrado no procedimento a aplicação da melhor técnica

jurídica apta a garantir a adequada redução entre o binômio “direito” e “tempo”.

Com efeito, a grande potencialidade do processo arbitral de se revelar em

melhor técnica jurídica que o processo estatal é de aplicar um preceito de

flexibilidade para melhor adequação à sua finalidade, em cada caso, conforme

circunstâncias atinentes às razões pelais quais as partes instituíram o procedimento

arbitral.

Desta forma, é a partir do preceito de adequabilidade procedimental que a

preclusão no processo arbitral deve ser vista e aplicada, tanto no tocante ao

conceito de preclusão como princípio quanto no preceito de preclusão como técnica

processual.

Evidentemente que a preclusão como princípio possui relação com a

adequabilidade procedimental pois decorre da sua própria natureza de instituir

regime jurídico mais rígido ou mais flexível ao procedimento conforme as

circunstâncias do caso concreto.

Mas também como técnica processual a preclusão deve ser avaliada

conforme as necessidades de aplicabilidade dos efeitos da preclusão, relacionando-

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se com os fins instituídos à causa pelas partes quando elegeram o procedimento

arbitral para solução de seus conflitos.

A cada ato intempestivo praticado por uma das partes, ou cada ato

contraditório, deve o árbitro avaliar se a aplicação da preclusão atende às

finalidades institucionais pelo qual foi escolhido como árbitro da causa, conforme as

circunstâncias da lide e as necessidades de tornar o processo um instrumento de

distribuição de justiça sob um viés técnico e objetivo.

Nos socorremos a alguns exemplos para melhor explicar tal relação. Imagine-

se uma causa em que as partes elegem a arbitragem para solução de um conflito

extremamente complexo, em processo de construção civil de alto valor, em que as

partes discutem critérios para realização de perícia contábil. Uma das partes alega

que o conteúdo econômico do contrato foi severamente alterado por circunstâncias

relativas à própria conduta da outra parte, como diversos pequenos atrasos em

entrega de projetos e pequenas alterações de projetos durante a execução da obra.

Evidentemente que para uma das partes, basta afirmar que não houve alteração do

conteúdo econômico do contrato pois pequenos atrasos em projetos e pequenas

alterações de projetos estavam previstos no contrato e não gerariam direito de

discussão do reequilíbrio. Mas para a outra parte, há um complexo trabalho de

demonstrar que foi o conjunto exagerado do exercício do direito de entregar projetos

com pequenos atrasos ou realizar pequenas alterações diversas vezes que

causaram um grande impacto na execução do contrato. Diante de tais

circunstâncias, possível imaginar que uma das partes possa entregar os quesitos da

perícia intempestivamente, o que em regra geraria preclusão. Mas diante de

circunstâncias especiais da causa, bem como a possibilidade do árbitro avaliar a

conduta da parte de forma a observar a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e

concluir uma ausência de prejuízo à celeridade, à isonomia e à segurança da

produção probatória, poderia aceitar a peça intempestiva.

Em situação diametralmente oposta, imagine-se um processo em que se

discute direitos societários de empresa com ações negociadas na bolsa de valores

imobiliários. Em um procedimento arbitral com uma infinidade de sócios, cada um

com interesses distintos, com razões e alegações diferentes, defendendo posições

amplamente distintas, em que cada decisão possui reflexos diretos na bolsa de

valores imobiliários, não seria possível analisar cada ato a despeito de uma

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intempestividade, sob pena de gerar uma multiplicidade de impugnações, com

péssimos reflexos para todos os interessados se ocasionar riscos ao valor das

ações. O sistema preclusivo é necessariamente rígido e não permite aplicar-se de

forma diversa pois o gravame para a lide é muito maior.

Os limites da preclusão no processo arbitral são decorrentes de um preceito

de adequação do instituto da preclusão ao procedimento arbitral no qual seria

aplicado através de critérios que considerem uma aferição das consequências da

aplicação ou ausência de aplicação da preclusão em cada ato processual. Não são

limites objetivos, notadamente por ampliarem o espectro da escusabilidade, bem

como por acrescentarem como exceção à aplicação da preclusão um preceito de

prejudicialidade aos princípios informadores do processo arbitral.

Com efeito, evidenciada uma hipótese de preclusão, necessário questionar se

a aplicação da preclusão e vedação à prática de uma faculdade processual afetaria

a correta solução do litígio tendo em vista as circunstâncias próprias da lide e gerar-

se-ia um prejuízo aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da celeridade, da

efetividade, da segurança jurídica, da isonomia e da boa-fé objetiva. Estes

elementos são responsáveis por ampliarem o espectro da escusabilidade e

aumentarem as hipóteses justificadoras de restrição à aplicação da preclusão por

coadunar-se com um elemento de justa causa adequado à flexibilidade

procedimental do processo arbitral.

4.5 A revisão da preclusão, ou de sua ausência de decretação, pelo Poder

Judiciário

Conforme sustentamos nos itens 3.4.4 e 3.4.5, a preclusão decretada

equivocadamente ou a ausência errônea de decretação implica em nulidade da

decisão.

Significa afirmar que um equívoco na decretação da preclusão implica em

error in procedendo com a consequente criação de um vício na decisão, passível de

ser anulado através de ação anulatória prevista no art. 33 da Lei de Arbitragens.

Ademais, sendo a preclusão um instituto umbilicalmente vinculado aos

princípios da isonomia, do contraditório e da imparcialidade do árbitro, a revisão das

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decisões do árbitro acerca da preclusão pelo Poder Judiciário é possível em razão

da previsão do art. 32, inciso VIII, da Lei de Arbitragens.

Neste sentido, uma consideração muito distinta acerca dos prazos

processuais para as partes, ou de uma desconsideração acerca da conduta

processual das partes, com inadequada aplicação do instituto da preclusão,

naturalmente viola a isonomia processual na medida em que não atribui tratamento

com preceitos de paridade de armas ou lealdade processual.

Todavia, conforme sustentamos no item 2.1, a arbitragem configura uma

atividade jurisdicional prestada por um particular em colaboração com o Estado e

que portanto, aplicável um regime jurídico de direito público na prestação deste

serviço. Isto se traduz na consideração de que a atividade jurisdicional do árbitro é o

exercício de uma competência pública, em colaboração com o Estado.

Com efeito, a revisão dos atos do árbitro para fins de decretação da nulidade

nos termos do art. 32, inciso VIII, da Lei de Arbitragens deve avaliar não o critério de

conveniência e oportunidade da decisão do árbitro, mas o critério de legalidade da

decisão.

Isto porque a competência para dizer o direito ao caso concreto – tanto

material quanto processual – é do árbitro. Ele foi legalmente investido de poderes

para decidir em conformidade com suas convicções pessoais e o direito aplicável. A

revisão pelo Poder Judiciário de matéria de competência do árbitro constituiria

usurpação dos poderes do árbitro, notadamente em razão do Poder Judiciário não

possuir qualquer hierarquia sobre ele, bem como invasão do mérito atribuído ao

árbitro.

Cumpre ressaltar que o Poder Judiciário já reconhece ser do árbitro o mérito

processual de sua competência de julgamento. Neste sentido reconheceu o Superior

Tribunal de Justiça que a execução específica de cláusula compromissória vazia não

permitiria ao Poder Judiciário analisar se a responsabilidade imputada na ação é

objeto decorrente do contrato e portanto seria adequadamente albergada pelo juízo

arbitral ou se decorrente de outro fundamento jurídico, tendo em vista a

impossibilidade de o Judiciário se imiscuir na decisão de fundo (STJ, Resp. 450.881-

DF).

Claro que, no tocante ao reconhecimento da competência do juízo arbitral, é

conflituosa a questão de saber se o Poder Judiciário teria atribuições de interromper

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um processo arbitral por vislumbrar nulidade do compromisso arbitral antes de

apreciada a questão pelo árbitro. Nesta questão, esclarece Eleonora C. Pitombo:

"De acordo com o sistema da prioridade seguido pelo Brasil, a exemplo da França, caberá ao juízo estatal diferir sua análise para o momento em que a sentença arbitral tiver sido proferida, podendo desconsiderar a convenção de arbitragem somente em casos excepcionalíssimos nos quais o seu vício seja patente ou possa ser verificado prima facie ou sem maior profundidade cognitiva. Não há, todavia, na doutrina nacional ou internacional contornos muito claros do que possa ser considerado como vício manifesto, neste exame preliminar do juízo togado.166

Mas mesmo na ausência de critérios objetivos para delimitação dos poderes

do Poder Judiciário rever a extensão da convenção de arbitragem em avaliação

cognitiva superficial - por analisar tal questão antes da eventual ação anulatória da

sentença arbitral - é certo que o mérito da decisão arbitral é atribuição exclusiva do

árbitro.

O critério para distinção entre a competência do árbitro e sua extrapolação é

a atribuição de independência técnica às decisões do árbitro, ou seja, dentro da

técnica jurídica admissível em um dado ordenamento jurídico, tudo que for

juridicamente sustentável por esta técnica configura esfera de competência do

árbitro, cabendo a revisão pelo Poder Judiciário naquilo que extrapolar esta esfera

de competência. Em outras palavras, o critério de competência da função

jurisdicional exercida pelo árbitro, qualificado como conveniência e oportunidade de

sua competência, é delimitada pela admissibilidade da técnica jurídica empregada

pelo árbitro em suas decisões, cabendo ao Poder Judiciário a revisão apenas

daquilo que não estiver abrangido por esta técnica.

Independentemente de se veicular uma decisão através de doutrina

minoritária ou tese jurídica ultrapassada, a decisão do árbitro não poderá ser revista

pelo Poder Judiciário se sustentada por decisão juridicamente técnica. Afinal, não se

trata de analisar se a decisão do árbitro é a melhor ou a pior, justa ou injusta, mas

sim se é nula ou não. Trata-se de inclusão de um critério como baliza do próprio

contrato, na medida em que a instituição da arbitragem configura um elemento

econômico importante do acordo de vontade das partes e nele se insere a razão

166 PITOMBO, Eleonora C. Os efeitos da Convenção de arbitragem - Adoção do princípio Kompetenz-Kompetenz no Brasil in S. M. Ferreira Lemes, C. A. Carmona e P. A. B. Martins (coord.), Arbitragem – Estudos em Homenagem ao Professor Guido Fernando da Silva Soares, In Memoriam, São Paulo, Atlas, 2007, p. 334.

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pela qual a vontade foi estabelecida, conforme ensina Fernando da Fonseca

Gajardoni:

"No caso especial da arbitragem há um componente a ser acrescentado: o seu enfoque no âmbito da Análise Econômica do Direito (Law & Economics), pois a cláusula compromissória inserida nos contratos não se classifica apenas como uma cláusula jurídica (de solução de conflitos), mas alça vôos na área econômica, pois repercute na economia do contrato, nos custos a ele inerentes. Os conceitos de “custos de transação” e de “custos de oportunidade” outorgam à arbitragem eminente papel e conteúdo econômico. Assim é que a cláusula compromissória inserida num contrato integra o seu equilíbrio financeiro e vincula-se à base do negócio. Há indubitável economia nos custos de transação, pois o fator tempo passa a ser mensurável (tramitação do procedimento arbitral e sentença arbitral, que faz coisa julgada quanto ao mérito).167

Com efeito, concluímos que a revisão pelo Poder Judiciário da decisão acerca

de decretação ou ausência de decretação de preclusão em processo arbitral é

possível sempre que a decisão arbitral não estiver pautada por algum critério técnico

jurídico justificando o conteúdo decisório tomado no processo arbitral, relativamente

ao error in procedendo da questão atinente à preclusão. Por tal razão, a

fundamentação do árbitro acerca de suas decisões é tão relevante para o sistema,

pois através dela que se analisa a eventual existência de aplicação de uma técnica

jurídica admissível para fins de revisão da decisão.

4.6 Critérios jus filosóficos de ponderação

4.6.1 Celeridade e efetividade contra segurança jurídica

Quando vislumbramos a celeridade e efetividade do processo contra a

segurança jurídica temos a impressão de que a coexistência de todos é um eterno

conflito, na medida em que se apresenta como solução a redução da celeridade e

efetividade perante o ganho de segurança e vice-versa.

Contudo, a expressão segurança jurídica é de conteúdo equívoco, tendo em

vista seus múltiplos significados, razão pela qual se faz necessário uma melhor

compreensão de sua relação com a celeridade e efetividade.

167 GAJARDONI. Fernando da Fonseca. Revista do Advogado. Associação dos Advogados de São Paulo, n. 119, abril, 2013, p. 154.

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De fato, quando falamos de segurança jurídica, podemos nos referir a um

maior grau de certeza do direito a ser aplicado ou a melhor previsibilidade da

decisão a ser proferida – ideias que se relacionam diretamente com o preceito de

justiça e adequação pois presumem a isonomia e a consistência da aplicação do

direito ao caso concreto.

Contudo, quando empregamos o preceito segurança jurídica ao processo,

temos outra acepção. Conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco168, no conflito

“entre a necessidade de decisão rápida e a de segurança na defesa do direito dos

litigantes”, a ideia de segurança não possui o significado de “certeza jurídica”, mas o

conteúdo de estabilidade dos atos processuais, com menor risco de serem

anulados.

Este conflito, entre efetividade e segurança como preceito de justiça, sempre

é motivo de discórdia entre os conflitantes, mas consistente em ponderação

necessária para a coordenação do processo, conforme lição de Hélio Tornaghi:

A melhor maneira de acelerar o processo sem atropelá-lo, conciliando a rapidez com a justiça, consiste na fixação de tempo para a prática de cada ato. A marcação de prazos não é apenas o resultado da conveniência, é o efeito da necessidade de harmonizar a justiça e a economia, a segurança e a rapidez. Quer a lei que o processo seja ordenado, mas sem retardamentos e sem gastos excessivos, de modo a obter-se uma sentença com máximo de garantia possível e o mínimo de esforço.169

A necessidade do conflito entre segurança e efetividade é notória pois

decorrente da natural necessidade de construir ao longo do processo a cognição do

arbitro acerca da lide. É um conflito inerente ao processo, conforme bem ensina

Maurício Giannico:

(...) sabe-se que a busca da certeza e a eliminação de uma incerteza (Carnelutti) necessariamente demandam uma cognição por parte do órgão jurisdicional, o que necessariamente implica também dispêndio de tempo. É natural que a prestação jurisdicional final de mérito não possa ser oferecida com prontidão. A atividade cognitiva do juiz e as múltiplas oportunidades dadas às partes para participarem em contraditório de todos os atos processuais necessitam de um prazo mínimo para sua concretização. Afinal, a decisão final de mérito, apta a adquirir o status de imutável, deve obrigatoriamente ser concebida mediante cognição vertical ampla e irrestrita.170

168 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 232. 169 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. V. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.1975, p. 57-58. 170 GIANNICO, Maurício. A preclusão no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 11.

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123

Mas este conflito, assim como outros preceitos valorativos ligados à

preclusão, não precisam ser tidos como diametralmente opostos ao ponto de serem

sempre interpretados como contraditórios entre si.

Com efeito, na lição de Fernando Rubin, é possível buscar uma interpretação

conciliadora e harmônica do conflito, ao que o autor chama de “formalismo-

valorativo”, através do qual se pretende aplicar o processo de forma a

adequadamente construir uma solução balanceada. Neste sentido afirma que:

(...) temos que toda demanda judicial deve seguir um procedimento (rito previamente estabelecido em lei), pautado pelo instituto da preclusão (que determina o fechamento de uma etapa do feito e o início de uma posterior – numa marcha dinâmica, sempre para a frente) tudo a incrementar os valores da efetividade (celeridade, na prestação jurisdicional) e o da segurança jurídica (confiança no procedimento, inclusive nos seus limites, pelas partes litigantes e demais eventuais terceiros interessados). Portanto, de todo o exposto, vê-se que o instituto em estudo – devidamente privilegiando de maneira articulada os valores, constitucionalmente resguardados, da efetividade e da segurança jurídica (na primeira acepção que será considerada ao longo do presente trabalho) – é um recurso imprescindível, componente do “formalismo-valorativo” (princípio processual, portanto), largamente empregado para a razoável concentração do processo, de modo precípuo a orientar a utilização, pelas partes, do direito à intervenções (impulsos) a elas possibilitadas ao longo do procedimento.171

A busca desta harmonização é deveras trabalhosa, penosa e complexa, mas

não é impossível. Conforme ensina Heitor Vitor Mendonça Sica, o caminho está em

aplicar um regime interpretativo de preclusão mais ou menos rígido, conforme as

circunstâncias de cada caso. Assim expõe o autor:

O desafio, então, está em interpretar as normas concernentes à preclusão em harmonia com as demais regras e princípios do sistema. E quanto a isso a epígrafe extraída de escrito de Galeano Lacerda é extremamente oportuna, pois a chave do sistema de preclusões está, sem dúvida, na interpretação de suas normas de modo mais ou menos rigoroso. Tendo em vista todas as normas que estabelecem limites à atividade das partes e do juiz, poderá este último desconsiderar determinada preclusão, em concessão a outros princípios do sistema, sempre que parecer justo ou razoável ?.172

É da abertura de um sistema preclusivo de regras para um sistema

interpretativo da preclusão - pautado na busca pela harmonização de princípios

processuais - que faz da preclusão um instituto adequado ao processo moderno.

171 RUBIN, Fernando. A preclusão na dinâmica do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 35. 172 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 299.

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124

Mas esta adequação do instituto da preclusão, para que alcance sua finalidade de

coordenar o processo para uma solução harmônica entre segurança e efetividade,

deve pautar-se por critérios científicos e técnicos dos instrumentos processuais

disponíveis aos aplicadores do direito. Barbosa Moreira, explica com precisão a

questão:

A premissa inafastável à seqüencia (sic) da exposição, e que convém desde logo realçar, é a de que o único modo de adequar às exigências contrapostas presentes no binômio delineado é primar pelo rigor científico na interpretação dos institutos processuais, de modo que se busque a efetividade do processo por intermédio do trato técnico de seus instrumentos. Para sustentar tal posição, valemo-nos da lição de Barbosa Moreira, que há algum tempo alertou para os três riscos a que um pensamento exclusivamente orientado para a efetividade do processo está sujeito. O primeiro deles está receber esse valor como absoluto no sistema, em sacrifício total de quaisquer outros. O segundo, relacionado ao primeiro, reside na possibilidade de hipertrofia de determinado mecanismo do sistema em detrimento de outros. E, finalmente, o terceiro risco (e definido pelo autor como o mais “insidioso” deles) é o abandono das concepções técnico-científicas atingidas pelos estudiosos que se debruçaram sobre o processo civil, seja porque a deficiência técnica na redação e interpretação dos textos normativos acarreta dúvidas para os tribunais (e dispêndio de tempo para dirimí-las), seja porque geram risco de soluções inadequadas (em prejuízo, sempre, da efetividade do processo).173

Esta técnica jurídica - que parte do pressuposto de adequado conhecimento

dos institutos processuais civis e do processo de arbitragem para a aplicação da

preclusão no processo de arbitragem – é que tentamos conceber através do

presente trabalho, com intuito de, a partir dele, ser possível a construção de

preceitos científicos ainda mais precisos e pragmáticos.

Todavia, sabendo que as vicissitudes do cotidiano forense demandam uma

concepção prática do direito pautada por critérios filosóficos que direcionem o

caminho a ser trilhado, passamos a conciliar com os critérios técnicos antes

sustentados alguns preceitos jus filosóficos do qual concebemos adequado para

uma análise ampla do instituto da preclusão no processo de arbitragem.

173 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual in Reformas processuais e poderes do juiz. Revista Jurídica, v. 51, nº 306, p. 21-27, abr. 2003.

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125

4.6.2 A prudência como virtude da decisão

"Time is money", frase utilizada por Benjamim Franklin174, talvez represente o

mote da demanda por celeridade na sociedade moderna.

Sempre que se fala em efetividade do processo, vêm à tona a questão da

celeridade processual. Trata-se do tema objeto de maiores modificações legislativas

nos últimos anos, dada sua relevância para a conquista da efetividade.

A conexão da celeridade processual com a efetividade não ocorre por acaso.

A tutela do bem da vida há de ser feita o quanto antes, eis que o simples decorrer do

tempo se revela como um perecimento do direito – de ter o bem da vida da forma

mais célere possível. Neste sentido, o tempo é um bem em si mesmo, eis que revela

a própria satisfação do titular do direito.

Contudo, sempre que se fala em celeridade pesa em sentido contrário as

demais garantias processuais - dentre as quais a segurança jurídica ou o

contraditório e a ampla defesa - para frear pretensões de uma rapidez exacerbada.

Não há dúvida que exista pontos de otimização entre os princípios da

celeridade de um lado e de segurança jurídica do outro, sempre que pautamos a

decisão por critérios científicos de aplicação dos institutos jurídicos, conforme

defendemos no capítulo anterior. Mas qual seria o critério jus filosófico para balizar

tais preceitos e alcançar um ponto de equilíbrio ?

Vislumbramos na prudência um critério de razoabilidade interessante como

ponto de equilíbrio entre estes preceitos, notadamente em razão dos valores que a

prudência proposta por Tomás de Aquino representa, acrescidos pela leitura de

concepções éticas decorrentes da filosofia aristotélica.

Isto porque ao se conceber que a celeridade é um bem a ser perseguido,

necessário estabelecer por critérios de razoabilidade os limites que a busca por este

bem deve respeitar, identificando-se critérios capazes de balizar um ponto de

equilíbrio com outros a serem protegidos, como a segurança e a ampla defesa.

Com efeito, buscar celeridade é um objetivo do direito processual moderno.

Todavia, a aplicação de institutos que tragam tal celeridade deve ser feita com

razoabilidade, para que no futuro não se questione de eventuais violações às

garantias como o contraditório e a ampla defesa. Esta razoabilidade ficará mais

174 Advice to a Young Tradesman, Written by an Old One, from Wikkipedia.com

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126

evidente quando contraposta – em razão do caráter optimizante dos princípios –

com os demais fundamentos da prudência.

Isto porque a ideia de estabilidade das decisões – principal noção que a

segurança jurídica se traduz – decorre dentre outros fatores da correta aplicação do

procedimento (formalmente idealizado). O princípio do devido processo legal quando

vislumbrado em sua medida de processo formalmente cumprido implica em decisão

que não poderá sofrer modificação, e portanto será estabilizada.

A estabilização ocorre pela própria necessidade do conflito chegar a um fim.

Mas este fim possui definitividade justamente porque se reconhece que todas as

medidas necessárias (e previamente definidas) foram tomadas antes de se chegar a

tal conclusão. Desta noção se extrai conceitos como a coisa julgada ou a preclusão.

Mas, filosoficamente falando, como reconhecer que todas as medidas

necessárias foram tomadas? Aplicando-se o critério da prudência.

No Tratado da prudência, Tomás de Aquino utiliza o termo com significado

que sofreu alterações de semântica com o decorrer do tempo. Como explica Jean

Lauand175:

A proximidade entre a nossa língua e o latim de Tomás não nos deve enganar: ocorre, como dizíamos, um conhecido fenômeno de alteração do sentido das palavras que se manifesta muitas vezes quando lemos um autor de outra época. E não é só alteração: como mostra C.S. Lewis, dá-se frequentemente, sobretudo no campo da ética, uma autêntica inversão de polaridade: aquela palavra que originalmente designava uma qualidade positiva esvazia-se de seu sentido inicial ou passa até a designar uma qualidade negativa.

Com efeito, é possível extrair no atual sentido da palavra prudência uma

conotação de cautela decorrente de indecisão, significado que para Tomás de

Aquino consistia exatamente no oposto, ou seja, na arte de decidir corretamente em

razão da análise da realidade, afastando-se sentimentos de medo, de preconceitos,

de temores ou de interesses oportunistas.

A conclusão de Jean Lauand é essencial para compreensão desta alternância

de semântica:

Prudentia é ver realidade e, com base nela, tomar a decisão certa. Por isso, como repete Tomás, não há nenhuma virtude moral sem a prudentia, e mais: "sem a prudentia, as demais virtudes, quanto maiores fossem, mais dano causariam (in III sent. d. 33, q2, a5, sc3). Com as alterações

175 LAUAND, Jean. Tradução, introdução e notas de "A prudência: A virtude da decisão certa" de Tomás de Aquino. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. vii.

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semânticas, porém, tornou-se intraduzível, para o homem de nosso tempo, uma sentença de Tomás como: "a prudentia é necessariamente corajosa e justa" (nec prudentia vera est quae iusta et fortis non est. I-II, 65, 1)".176

Partindo-se deste pressuposto (de que o significado de prudência alterou-se

com o tempo) podemos traçar melhor o significado de prudência como virtude na

lição de Tomas de Aquino.

Em sua visão, prudentia consiste em virtude da inteligência aplicado na vida

concreta a partir da visão da realidade. Trata-se de uma capacidade de

discernimento entre o bom e o ruim, o justo e o injusto, o moral e o imoral utilizando-

se o critério da operacionalidade concreta para decidir.

Possui em sua visão a finalidade de aplicar a razão ao agir em três aspectos:

(i) no aconselhar, (ii) no julgar e (iii) no comandar. Trata-se de uma arte na aplicação

concreta do agir veiculada por oito partes: a razão, a inteligência, a circunspecção, a

previdência, a docilidade, a prevenção, a memória e a sagacidade.

Com efeito, as dimensões da prudência coligadas à memória, razão,

inteligência, docilidade e sagacidade são dimensões cognoscitivas, enquanto que as

correlacionadas à previsão, circunspecção e prevenção são próprias da dimensão

do comando. Assim, tanto os mecanismos de obter o conhecimento da realidade

(memória, razão e inteligência) como descobrir o conhecimento da realidade

(docilidade - consistente na capacidade de descoberta - e a sagacidade na rápida

conjectura dos meios) são viabilizadores da prudência.

Ademais, na adequada aplicação da razão, necessário três qualidades, como

afirma Tomas de Aquino: "Em primeiro lugar, deve ordenar algo adequado ao fim, o

que é assumido pela previdência. Em segundo lugar, deve considerar as

circunstâncias da situação, o que é assumido pela circunspecção. Em terceiro lugar,

deve evitar os obstáculos, o que é assumido pela prevenção."177

Através destas qualidades se alcança a prudência e se afasta da

imprudência, que na lição de Tomás de Aquino é equiparado ao pecado. Seu

raciocínio é interessante.

176 LAUAND, Jean. Tradução, introdução e notas de "A prudência: A virtude da decisão certa" de Tomás de Aquino. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. x. 177 AQUINO, Tomás. A prudência. Extraído da Suma Teológica, segunda parte da Segunda Parte. Questão 48. Artigo único.

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128

A imprudência de quem poderia e deveria ter prudência, negligenciando

empenho para adquirir prudência, consiste em pecado porque decorre da luxúria ou

da preguiça.

Já a imprudência em razão da precipitação - antecipação de uma etapa da

decisão - possui origem na ação movida pelo impulso da vontade ou da paixão,

passando às margens da prudência e incidindo no pecado da luxúria.

Também a inconsideração - desconsideração de aspectos relevantes ao reto

juízo - como a inconstância - alternância de critérios de decisão - decorrem do

pecado capital da luxúria, porquanto atendem a um prazer venéreo, próprio da

desconsideração do valor e da relevância do ato de julgar.

Trata-se de um aspecto interessante porquanto a prudência consiste em um

esforço pessoal na arte de decidir bem. Sempre que faltar este esforço, este

empenho, faltará prudência. Por tal razão, Tomas de Aquino alerta que não há um

roteiro próprio para ascensão da prudência, vindo a ser um constante caminho a ser

perquirido.

Neste mesmo sentido, acreditamos que apesar do critério prudência não

integrar o critério de validade das decisões arbitrais, na medida em que defendemos

ser a validade destas decisões uma questão de técnica jurídica, vislumbramos que o

aperfeiçoamento da arbitragem possui íntima ligação com o critério da prudência

proposto por Tomás de Aquino na medida em que configura uma única instância

decisória, motivo de ressaltar a arte de decidir com fundamento em critérios técnicos

e critérios filosóficos bem construídos.

4.6.3 Razoabilidade e proporcionalidade: uma ponderação de formalismo e tempo.

Conforme construímos ao longo deste trabalho, há uma relação entre

formalismo e tempo para a tomada de uma decisão que atenda preceitos do devido

processo legal. Isto porque o excesso de segurança gera um retardo do processo

indesejável, assim como a adoção de celeridade ao extremo implica em instabilidade

da decisão inaceitável para sua definitividade. O meio-termo adequado implica em

reconhecer que cada ato, cada decisão, cada parte do processo deve ser tomada

com a adequada atividade de ponderação e racionalização aptas a afastar qualquer

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dúvida acerca de violação aos princípios processuais aplicáveis na conduta do

andamento processual.

Este meio-termo adequado ganha contornos diferenciais quando trazemos à

baila da discussão jurídica os preceitos de razoabilidade e proporcionalidade.

Há autores, como Luis Roberto Barroso178, que vislumbram na razoabilidade e

proporcionalidade conceitos idênticos, utilizando-se indistintamente como

construções jurídicas obstativas de atos estatais quando restritivas de direitos

fundamentais.

Em que pese uma finalidade semelhante, utilizaremos dos conceitos que

distinguem a razoabilidade da proporcionalidade em razão da sua diferença de

estrutura implicar em questões atinentes à concepção de validade das decisões

arbitrais perante a sua revisão pelo Poder Judiciário.

Com efeito, entende-se por razoabilidade um sentido equívoco, porquanto

possui mais de um significado em razão de sua evolução no tempo, encontrando

noções atinentes à “razoabilidade como equidade” em noções aristotélicas, tanto

como “dever de congruência” entre a norma e sua sustentação fática, assim como

“equivalência entre medida e critério” como ensina Thomas Rosa de Bustamante179.

Contudo, partindo-se da concepção proposta através da “fórmula do peso” de

Robert Alexy, citado por Thomas Bustamante180, utilizaremos o preceito de

razoabilidade como “pretensão de correção” entre a pressuposição implícita no ato

de decidir.

Com efeito, a ideia de pretensão de correção proposta por Alexy pressupõe

que qualquer decisão contenha necessariamente dois requisitos: (a) de que a

decisão esteja substancialmente correta sob o aspecto positivo e (b) de que a

decisão seja justa e razoável.

O conteúdo de justiça e razoabilidade decorre de uma eventual correção dos

pressupostos implícitos de uma norma. Isto porque Alexy parte do pressuposto de

que o direito é decorrente de (a) uma validade formal; (b) uma eficácia social e (c)

178 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 224. 179 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: JusPodivm, 2009, p. 207-230. 180 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: JusPodivm, 2009, p. 225.

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uma correção substancial181. Sua tese pós-positivista busca superar a dicotomia

entre direito positivista e direito natural, trazendo para o direito um ideal de moral

para correção material de normas extremamente injustas.

Pelo critério da razoabilidade, não se busca o melhor direito, mas se afasta o

direito extremamente injusto, aplicando-se a fórmula de justiça elaborada por Gustav

Radbruch na qual “o direito extremamente injusto não é direito”182.

Já com relação à proporcionalidade, encontra-se nas lições de Virgílio Afonso

da Silva183 de que trata-se de uma regra para definição de prevalência de um conflito

entre princípios, através da definição de elementos de (a) adequação, (b)

necessidade e (c) proporcionalidade em sentido estrito.

Na adequação, avalia-se a hipótese do meio utilizado ser apto ao alcance de

seu fim. Na necessidade, busca-se identificar se não haveriam outros meios mais

adequados ou que não trouxessem uma violação do direito contraposto, buscando

soluções alternativas para o conflito de princípios. Por fim, a proporcionalidade em

sentido estrito, através do sistema de “ponderação”, avalia qual princípio dentre os

colidentes haverá de prevalecer184.

Para Alexy185, o ponto fundamental da distinção entre regras e princípios está

na condição de cumprimento ou realização de seu conteúdo normativo, eis que

poderia configurar ser a norma algo possível de realização dentro das possibilidades

jurídicas e reais existentes. Por essa razão, os princípios são mandados de

otimização, qualificados pelo fato de admitirem seu cumprimento em diferentes

graus e medidas, não apenas fáticas mas também jurídicas.

Já as regras são normas que admitem dois únicos resultados: serem

cumpridas ou descumpridas. Se uma regra é válida, então deverá ser

necessariamente cumprida em sua integralidade. Neste sentido, seu conteúdo é

qualificado por determinações no âmbito fático e jurídico.

181 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: JusPodivm, 2009, p. 224. 182 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: JusPodivm, 2009, p. 225. 183 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 26. 184 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 36-41. 185 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 162.

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Quando dois princípios entram em conflito, não havendo outra forma de

solução que proteja ambos, a identificação de qual haverá de prevalecer no caso

concreto é decorrente do preceito de proporcionalidade.

Esta proporcionalidade, na lição de Alexy186, busca identificar o peso de cada

princípio, extraindo-se no caso concreto que apenas o de maior peso haveria de

prevalecer. Por esta fórmula, é atribuído a cada princípio em conflito, (a) um peso

em abstrato, (b) um peso em concreto e (c) um peso para a certeza das premissas

empíricas afetas ao princípio. Cada peso teria uma variável de afetação, que na

proposta de Alexy187 é dividido em (i) peso leve igual a 1; (ii) peso médio igual a 2; e

(iii) peso intenso igual a 4.

A fórmula é assim representada:

PP = PA*PC*CPE (peso do princípio é igual ao peso em abstrato vezes peso

em concreto vezes certeza das premissas empíricas)

Exemplificativamente, em uma hipótese de conflito entre o direito à vida em

um aborto anencefálico (princípio do direito á vida em conflito com o princípio da

liberdade) um juiz poderia atribuir ao direito à vida do feto anencéfalo um peso em

abstrato (PA = 1) na medida em que o peso da vida de alguém que não possui

atividade cerebral é abstratamente pequena, um peso em concreto (PC=4) em razão

da afetação à vida do anencéfalo ser absolutamente alta pois sua vida não teria

continuidade e (CPE = 4) a certeza acerca da ausência de vida ou da ausência de

continuidade daquela vida ser de grau alto, já que a ciência médica possui absoluta

certeza sobre o conceito de vida. Já com relação ao direito de liberdade, o mesmo

juiz poderia atribuir (PA = 2) em razão da liberdade de fazer ou não o aborto ser

medianamente relevante, enquanto que no caso concreto poderia atribuir (PC = 4)

porque naquele caso a relevância da necessidade psicológica da mulher é alta e por

fim atribuir (CPE = 4) em razão da certeza sobre a afetação da vida daquela mulher.

O resultado final seria de que o direito à vida do anencéfalo é, neste exemplo, igual

a 16, enquanto que o direito de liberdade da mulher tem peso igual a 32, motivando

uma decisão a favor da liberdade.

186 ALEXY, Robert. La formula del peso. In CARBONELL, Migel (coord.). El principio de proporcionalidade en el Estado Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007, p. 28-29. 187 ALEXY, Robert. La formula del peso. In CARBONELL, Migel (coord.). El princípio de proporcionalidade en el Estado Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007. p. 25.

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132

Para o nosso tema acerca da preclusão, conseguimos obter relevantes

conclusões sob os aspectos filosóficos supramencionados.

Primeiramente, como a preclusão é um instituto de coordenação do

andamento processual, sua regulagem passará sempre necessariamente pela

relação de segurança jurídica e justiça contra efetividade e celeridade. Uma decisão

mais segura e melhor construída implica em menor celeridade, ao mesmo tempo em

que uma decisão mais célere pode por em risco a segurança ou a justiça, mas a

melhor decisão é aquela que pondera segurança e celeridade a partir de critérios

técnico-jurídicos, aplicando o conhecimento científico da ciência processual a

qualquer espécie de rito.

Ademais, para uma correta aplicação da preclusão, necessário utilizar o

critério da prudência, que na lição de Tomás de Aquino significa utilizar todos os

meios possíveis com empenho para conhecer da realidade, certificar-se das

circunstâncias e evitar os obstáculos, em especial no processo arbitral em razão da

inexistência de instância recursal.

Por fim, sob o aspecto finalístico, a função de equacionar segurança e justiça

com efetividade e celeridade decorre da busca de um meio-termo harmônico para

cada caso concreto, que aplicado critérios de razoabilidade e proporcionalidade,

levam a decisões hábeis de evitar extremismos exacerbados e ponderar sobre o

peso e a prevalência de cada princípio conforme o caso concreto, construindo-se a

partir destas ponderações uma constância própria de um hábito de bem decidir a ser

corretamente qualificado como justo.

Deve ser ressaltado que, conforme critérios indicados no item 4.1.3,

identificamos no princípio da razoabilidade em sentido estrito um preceito hábil a ser

controlado pelo Poder Judiciário, pois se o direito aplicável acerca da preclusão no

processo de arbitragem for concretamente “extremamente injusto”, haveríamos de

excluí-lo do âmbito jurídico normativo e reconhecer sua nulidade.

Contudo, já no âmbito da proporcionalidade, observamos que a atribuição de

pesos para cada valor inerente ao princípio é uma matéria jurisdicional, construída

em cada processo conforme o livre convencimento do juiz (ou do árbitro), motivo

pelo qual é uma matéria excluída da apreciação do Poder Judiciário quando de

eventual revisão de decisão arbitral envolvendo a aplicação da preclusão.

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133

CONCLUSÃO

O instituto da preclusão no processo de arbitragem passa pela adequada

compreensão dos institutos do processo arbitral e da preclusão no processo civil,

tendo em vista a concepção de desenvolvimento do procedimento arbitral através de

uma relação jurídica processual de natureza jurisdicional decorrente de um vínculo

contratual.

Com efeito, a imposição do sistema jurídico normativo para a obediência do

processo arbitral ao princípio do devido processo legal demanda a observância

científico-jurídica dos princípios norteadores do processo civil, motivando uma

adequação técnica dos institutos do processo civil ao processo arbitral.

Contudo, esta adequação, para alcançar a efetividade procedimental

esperada em qualquer procedimento arbitral, deve ser feita respeitando-se as

caraterísticas próprias da arbitragem, decorrentes de uma relação jurídico

processual advinda do contrato, com ampla aplicabilidade de preceitos de

flexibilidade procedimental e que em regra não possui instância recursal.

Neste sentido, vislumbramos que a arbitragem configura uma forma de

solução de litígios heterogênea, decorrente de uma relação jurídica contratual mas

carregada de normas de direito público por tratar-se da prestação de um serviço

público, constituindo sua natureza mista.

Por outro lado a preclusão representa um instituto voltado à coordenação do

andamento do processo, impedindo-o regressar a etapas e momentos processuais

consumados, com vistas à extinção da relação jurídica processual.

Esta finalidade da preclusão o torna essencial para o processo de arbitragem,

notadamente por constituir critério jurídico-científico amplamente estudado e com

larga experiência pragmática para uma melhor condução do andamento processual,

além do instituto admitir regimes preclusivos mais brandos e, portanto, adaptável à

flexibilidade que o procedimento arbitral exige.

Concluímos que a preclusão no processo de arbitragem abrange as espécies

de preclusão temporal e lógica, tanto para os atos das partes quanto para as

decisões do juiz, afastando-se apenas a preclusão consumativa do procedimento

arbitral.

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134

A preclusão temporal existe para o processo arbitral tendo em vista a

necessidade do procedimento chegar ao seu fim de maneira ordenada, bem como

previsão legal supletiva de prazo para seu término, de modo que o instituto presta

relevante serviço neste sentido.

Relativamente à preclusão lógica, reconhece-se o instituto da venire contra

factum proprio, do conteúdo ético da conduta das partes, da boa-fé objetiva e da

renúncia tácita, não apenas através da figura da litigância de má-fé, mas também de

obrigações típicas do direito civil como fundamentos para aplicabilidade desta forma

de vedação de atos processuais.

Já com relação à preclusão consumativa não vislumbramos no ambiente da

arbitragem a mesma razão para reconhecer a sua existência, tendo em vista que o

processo arbitral, por ser uma relação jurídica processual que anseia por

adequabilidade à causa a ser julgada, poderia admitir em seu seio um preceito

formalista tão forte, além de entendimento de aplicabilidade subsidiária do Código de

Processo Civil no sentido de admitir a emenda de ato processual dentro de seu

prazo.

Tais preceitos, para serem corretamente aplicados no procedimento arbitral,

haverão de passar por filtros principiológicos que balizarão entre a celeridade e a

segurança jurídica, bem como o formalismo e a efetividade do direito através de

critérios de prudência e razoabilidade, atribuindo conteúdo à decisão do árbitro

acerca da preclusão, passível de controle pelo Poder Judiciário estatal sempre que a

motivação for desprovida de fundamento técnico jurídico.

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