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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP ARTHUR PAIVA MONTEIRO RÊGO FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

ARTHUR PAIVA MONTEIRO RÊGO

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SUJEIÇÃO PASSIVA

TRIBUTÁRIA

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO

2015

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ARTHUR PAIVA MONTEIRO RÊGO

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SUJEIÇÃO PASSIVA

TRIBUTÁRIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho.

SÃO PAULO

2015

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Banca Examinadora:

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AGRADECIMENTOS

Chegado o fim de mais um ciclo na vida, acadêmica e pessoal, é hora

de parar, refletir, aprender e agradecer. Não tenho dúvidas a respeito de que

tudo que se passou, por mais doloroso que tenha sido em algum momento,

deixou uma boa lição, pois Deus escreve certo em linhas tortas. Eis o motivo

da minha fé, propulsora da minha força e do meu foco para realização das

tarefas em momentos árduos.

Agradeço à minha família não só pelo apoio na busca pelo grau de

mestre, mas pela bênção de tê-los ao meu lado. Damião e Diana, meus pais, e

minha irmã, Daniella, que me incentivaram com todo carinho, paciência, às

vezes com a rigidez necessária, com a abstenção dolorosa, mas com o amor,

sempre. Sem vocês nada há sentido, são fonte das minhas vontades e razão

do meu viver. Declarar amor a vocês nunca será demais.

A Luís Henrique, meu cunhado, deixo um abraço fraterno e os eternos

agradecimentos por ter me recebido como um irmão nessa reta final da

dissertação.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq –, por ter financiado este

sonho através da bolsa de estudos. Há de ser reconhecido que o fomento da

educação através de órgãos como este traduz, de certa forma, uma sociedade

solidária. Portanto, deixo meu agradecimento ao cidadão, pagador de tributos,

que contribuiu diretamente para a produção deste trabalho.

Agradeço ao meu orientador Paulo de Barros Carvalho, pela

oportunidade de conviver semanalmente e sempre poder aprender com suas

profundas lições filosóficas e tributárias. A honra de ser seu orientando decorre

não só do grande professor que é, mas da sua vasta, densa e influente obra

jurídico-literária. Um exemplo a ser seguido.

Meu muito obrigado ao professor Robson Maia Lins, homem do bem e

generoso, conterrâneo que galgou voos altos no âmbito jurídico tributário, mas

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não se esqueceu das raízes. Foi quem estendeu a mão para que eu subisse o

primeiro degrau na vida acadêmica.

Agradeço, também, aos professores José Artur Lima Gonçalves,

Fabiana Del Padre Tomé, Aurora Tomazini de Carvalho, pelos ensinamentos e

oportunidade de convívio semanal em sala de aula.

Ao mestrado da PUC devo às amizades de Luiza Noronha Siqueira,

Luis Henrique Toselli, Raquel Soufen, Rafael Vega Possebon, Monica Judice,

André Ulrich Pinto, Diogo Nogueira, Breno Vieira, Felipe Fleury, Maurício

Zockun e vários outros amigos cujo espaço impossibilita nominar, o convívio

acadêmico ao lado de vocês foi fantástico.

Jerônimo Dix-Neuf, Marcelo Rocha, Carlos Daniel, Vanessa Lima,

Marcelo Macedo, todos queridos amigos e vizinhos ao lado de quem pude ter

a honra de compartilhar risos e momentos geniais. Vizinhos não tão próximos,

mas amigos para vida toda, também, não posso deixar de agradecer a Milena

Abdalla e Alessandro Chicarelli.

Um agradecimento especial deve ser dedicado ao amigo Márcio César

Costa, um dos meus maiores incentivadores e sem dúvida baluarte para o

término deste trabalho. Serei eternamente grato pelas observações e horas

dedicadas à leitura dessa produção. O sentido de ser humano é concretizado

na sua pessoa.

Por fim, agradeço a todos os meus amigos que saíram de Natal e que

tornaram a convivência nessa selva de pedras, que é São Paulo, algo muito

mais fácil de lidar. Camile Chakra, Carol Procópio, Felipe Coelho, Gabriel

Veiga, Giovana Andrade, Jair Alecrim, Leo Almeida, Lucas Azevedo, Matheus

Freire, Paula Leão, Pedro Veiga, Priscila Holanda, Renata Feijó, Rodrigo

Dantas, Gabriela Azevedo, Luiza Sena e Fernanda Gois, vocês foram

responsáveis pelos meus risos, distrações e melhores momentos aqui nesta

cidade.

Deixo meu abraço a todos.

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RESUMO

Esta dissertação buscou investigar o critério pessoal da regra-matriz de

incidência tributária a partir da Constituição da República. Como aspectos

preliminares para desenvolvimento do tema, foram trazidas noções da filosofia

da linguagem, na tentativa de explicar a construção do conhecimento, sendo

forma de se chegar ao elemento basilar do Direito a norma jurídica. A partir de

um método analítico e hermenêutico, foi analisada a estrutura da norma

jurídica, utilizando-se das lições de Paulo de Barros Carvalho, no que se refere

à regra-matriz de incidência tributária, focando na relação jurídica, mais

precisamente no critério pessoal. Assim, foi feito um estudo sobre a obrigação

tributária, os princípios constitucionais tributários e qual a relação deste com o

critério pessoal. Por fim, tentou-se demonstrar que há um “destinatário

constitucional do tributo” a partir do exame das materialidades dos tributos

postas na Constituição.

Palavras-chave: Direito tributário. Regra-Matriz de Incidência. Critério pessoal.

Fundamentos Constitucionais. Destinatário constitucional tributário.

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ABSTRACT

This dissertation investigates the personal criteria of the rule tax incidence

matrix from the Constitution. As preliminary aspects for theme development,

philosophy of language concepts were brought forward to explain the

construction of knowledge, and how to get to the crucial point of law, the rule of

law. From an analytical and hermeneutical method, the structure of the rule of

law was analyzed, using the lessons of Paulo de Barros Carvalho, with regard

to the rule array of tax incidence, focusing on the legal relationship, precisely on

personal criteria. Thus, a study was done on the tax liability, tax constitutional

principles and of its relationship with personal criteria. Finally, we tried to show

that there is a "constitutional recipient tribute" from the examination of the

materiality of taxes put in the Constitution.

Keywords: Tax law. Rule Incidence Matrix. Personal criteria. Constitutional

bases. Tax constitutional recipient.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10

1 ASPECTOS PRELIMINARES .................................................................... 14

1.1 Linguagem, realidade e Direito Positivo ................................................. 14

1.2 Semiótica e Direito ................................................................................. 15

1.3 Conhecimento e Direito .......................................................................... 18

1.4 Interpretação do Direito Positivo ............................................................. 20

1.5 Norma Jurídica ....................................................................................... 23

1.5.1 Regra-matriz de Incidência Tributária ................................................ 25

2 SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ............................................ 31

2.1 Noção de sistema jurídico ...................................................................... 31

2.2 Estado de Direito e Sociedade ............................................................... 32

2.3 República e federação ............................................................................ 34

2.4 Tributo .................................................................................................... 36

2.4.1 Espécies Tributárias ........................................................................... 40

2.5 Competência Tributária .......................................................................... 43

3 NOTAS SOBRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ........................................ 46

3.1 Das obrigações em geral ........................................................................ 46

3.2 Obrigação tributária no CTN ................................................................... 53

3.3 Natureza jurídica da obrigação em matéria tributária ............................. 55

3.4 Obrigação tributária patrimonial e Obrigação tributária instrumental ...... 57

3.5 Fato jurídico tributário e vínculo obrigacional ......................................... 61

3.5.1 Causalidade e relação no direito ........................................................ 62

4 RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA ......................................................... 64

4.1 Teoria das relações e aplicação ao Direito ............................................. 64

4.2 Da relação jurídica em geral ................................................................... 65

4.2.1 Relação no Direito Público ................................................................. 67

4.3 Sujeitos da relação jurídico-tributária ..................................................... 68

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5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO SUJEITO PASSIVO

DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ................................................................ 71

5.1 Princípio da legalidade ........................................................................... 71

5.2 Princípio da igualdade ............................................................................ 78

5.3 Princípio da capacidade contributiva ...................................................... 82

5.4 Princípio da proibição de tributos com efeito de confisco ....................... 86

6 SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA .......................................................... 90

6.1 Sujeição passiva: conceitos, definições e legislação. ............................. 90

6.2 Destinatário constitucional tributário ....................................................... 94

6.2.1 O que é?............................................................................................. 94

6.2.2 Quem é ou quem pode ser? ............................................................. 100

6.2.1.1 Taxas ........................................................................................... 100

6.2.1.2 Contribuição de Melhoria ............................................................. 103

6.2.1.3 Tributos Municipais ...................................................................... 106

6.2.1.3.1 Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ......... 107

6.2.1.3.2 Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos – ITBI ................................................ 111

6.2.1.3.3 Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza ....................... 112

6.2.1.3.4 Contribuição para Custeio de Iluminação Pública – COSIP ...................................................................................... 114

6.2.1.4 Tributos Estaduais ....................................................................... 114

6.2.1.4.1 Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD ..................................................................................... 115

6.2.1.4.2 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA ......................................................................................... 116

6.2.1.4.3 Imposto sobre as Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS ........................................................................................ 117

6.2.1.5 Tributos Federais ......................................................................... 118

6.2.1.5.1 Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II ..... 120

6.2.1.5.2 Imposto sobre a Exportação de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE ................................................................. 120

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6.2.1.5.3 Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IR ........................................................................... 121

6.2.1.5.4 Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI ......................... 122

6.2.1.5.5 Imposto sobre as Operações Financeiras – IOF ...................... 124

6.2.1.5.6 Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR ............... 126

6.2.1.5.7 Contribuições ........................................................................... 127

CONCLUSÕES ............................................................................................. 133

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 144

 

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INTRODUÇÃO

Entre o Direito Positivo – objeto cultural, criação humana apta a regular

condutas intersubjetivas – e a realidade social, formada pela multiplicidade de

condutas interpessoais, há uma variedade de modos possíveis a uma

aproximação dos objetos de estudo para que o sujeito cognoscente possa

comunicar-se com seus destinatários.

Paulo de Barros Carvalho, em suas impecáveis lições, afirma no Direito

Tributário, Linguagem e Método que

[…] a consistência do saber científico depende do quantum de retroversão que o agente realize na estratégia de seu percurso, vale dizer, na disponibilidade do estudioso para ponderar sobre o conhecimento mesmo que se propõe construir. Expressando-me de outra maneira, estou convicto que o discurso da Ciência será tanto mais profundo quanto mais se ativer, o autor, ao modelo filosófico por ele eleito para estimular sua investigação.1

Desse modo, cabe destacar que o método aqui seguido é o mesmo

utilizado pelo referido mestre, um método analítico e hermenêutico, pautado na

filosofia da linguagem, no qual se interpreta o Direito Positivo analisando seus

planos sintático, semântico e pragmático, tudo como instrumental hábil à

compreensão do direito posto e sua metalinguagem, a ciência do direito.

Utiliza-se de noções lógicas, ainda que basilares, para que fique claro

que onde houver linguagem certamente haverá um plano lógico responsável

pela morfologia e pela sintaxe do repertório ou conjunto de signos.

A linguagem, como constitutiva da realidade, certamente o é do Direito

Positivo, também. Assim, o que se tem no Direito é a comunicação

intersubjetiva; a todo tempo há comportamentos produzidos pela sociedade.

Todavia, para o Direito, apenas interessam as condutas humanas por ele

reguladas. E, no caso em tela, estudam-se as condutas que envolvem a

                                                            1 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 03.

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atividade de tributação do Estado e as que, porventura, com esta se

relacionem.

Atentando-se, sempre, para a linguagem do direito posto, busca-se

interpretar os enunciados prescritivos da forma que mais se aproxime da

linguagem jurídica e finalidades postas pela Constituição da República.

Desse modo, invoca-se, como aspectos preliminares, a relação entre a

língua, a realidade e o Direito Positivo, com intuito de mostrar, descrever, que

o conhecimento jurídico é adquirido através da interpretação dos enunciados

prescritivos postos, que a construção de sentido é a construção da realidade

dentro da pragmática linguística.

Como produto da construção de sentido dos enunciados prescritivos

do direito posto, tem-se a norma jurídica que, apesar de sua unidade conceitual

e formal, é possível fazer uma desconstrução, em outras palavras, um estudo

analítico no qual se reduz a norma jurídica a critérios básicos, ao mínimo

irredutível do deôntico. É a regra-matriz de incidência tributária, criação genial

de Paulo de Barros Carvalho, a decomposição da estrutura da norma jurídica

tributária, mediante um estudo analítico. Constitui-se num excelente

instrumental teórico para análise do direito posto, tendo em vista que possibilita

aferir os requisitos de permanência da norma no sistema jurídico e todos os

elementos que a constituem.

O cerne do trabalho encontra-se no critério pessoal da regra-matriz de

incidência tributária, mais precisamente, no sujeito passivo, aquele que sofrerá

a exação tributária.

No primeiro capítulo, introduz-se a noção da filosofia da linguagem, sua

relação com o mundo e com o direito, a forma pela qual o homem trava contato

com o universo e adquire ou constrói seu conhecimento, sendo, portanto,

imprescindíveis tais lições para que se chegue ao elemento basilar do Direito,

a norma jurídica.

No segundo capítulo, posta a ideia do que é a norma jurídica e como

esta é formada, busca-se entender a forma como o Direito se estrutura, se o

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conjunto de normas jurídicas válidas e vigentes em determinado tempo e

espaço consistem num sistema.

Ainda no mesmo capítulo, faz-se um escorço histórico a respeito da

formação do Estado de Direito, como se chegou até a conjuntura atual e quais

os ideais norteadores da Constituição da República, ressaltando-se a forma

republicana, suas características e implicações de sua adoção, bem como a

estrutura da atual federação, quais suas finalidades e modos de funcionamento.

Discute-se, também, o que vem a ser o tributo, quais suas

características, como este se define, quais suas finalidades e seu objeto. Não

se olvida da matéria da competência tributária, ou seja, quem pode, quando,

como e sob quais fundamentos é possível instituir o tributo.

No terceiro capítulo, estuda-se a relação jurídico-tributária observando-

se a teoria das relações e sua aplicação no Direito, e, baseando-se na obra de

Lourival Vilanova, faz-se um estudo do juízo hipotético-condicional como forma

de estudar a estrutura da norma jurídica, destacando a relação jurídica no

âmbito do direito público.

No quarto capítulo, estudam-se a obrigação tributária, sua forma

positivada no Código Tributário Nacional e as considerações doutrinárias a

respeito do assunto, levando-se em conta o estudo das obrigações em geral no

âmbito do direito privado e a sua influência no âmbito do direito público, fazendo

o estudo da dicotomia público-privado, quais as aproximações e distinções

existentes no que se refere ao estudo das obrigações.

No quinto capítulo, há o estudo dos princípios constitucionais que se

relacionam diretamente com o sujeito passivo da obrigação tributária. Optou-se

por falar apenas dos princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade

contributiva e da vedação de tributo com efeitos de confisco. Em todas as

ocasiões, buscou-se mostrar os enunciados prescritivos que fundamentam a

existência de tais normas, qual a influência destas no sujeito passivo da

obrigação tributária, colacionaram-se julgados do Supremo Tribunal Federal

como meio de fundamentação e confirmação de alguns posicionamentos

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adotados e, em alguns casos, fez-se um escorço histórico no quanto ao

surgimento e aplicação de determinados princípios no Direito Pátrio.

No sexto capítulo, estuda-se propriamente a sujeição passiva tributária.

Aborda-se a matéria à luz da doutrina brasileira, desde os primeiros a se

dedicarem ao tema até os autores contemporâneos, buscando apontar quais

pontos convergem e quais divergem.

O foco do capítulo e do trabalho não é tratar de todas as espécies e

formas de sujeição passiva existentes no direito brasileiro; restringe-se apenas

ao estudo da figura chamada “destinatário constitucional do tributo”.

Nessa linha, busca-se responder se há um “destinatário constitucional

do tributo”; se afirmativo, se este é expresso ou implícito. Outra questão a ser

respondida é se há a individualização de um sujeito capaz de constranger e

vincular a atividade legislativa infraconstitucional, bem como outras questões

decorrentes da adoção da posição a ser tomada.

Frise-se, portanto, que não é escopo do trabalho elencar, delimitar e

explicar as hipóteses de responsabilidade tributária, solidariedade, substituição

e demais classificações eventualmente existentes de sujeito passivo tributário.

Evidentemente, havendo uma correlação entre estas hipóteses e o assunto

“destinatário constitucional do tributo”, serão tratadas na medida conveniente e

necessária à explicação.

Ressalte-se, ainda, que estão fora da análise do trabalho os tributos

dos artigos 148 e 154 da Constituição da República, por serem situações

excepcionais, que fogem ao interesse da pesquisa.

Por final, apresentam-se as conclusões, considerações e

recomendações finais, como fruto sobre o tema ora proposto nesta dissertação

de mestrado.

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1 ASPECTOS PRELIMINARES

1.1 Linguagem, realidade e Direito Positivo

Um dos problemas eternos do pensamento, eternos porque insolúveis

– até então –, é conhecer por outro meio que não seja através da língua.

A língua, em sua forma idiomática, é, cria, forma e propaga a

realidade2, pois aquilo que nos chega pela percepção dos sentidos, chamados

por Vilém Flusser de “dados brutos”, só o é e só a estes se apreende através

da língua3.

Em outras palavras: “a língua deve ser aceita como o dado bruto por

excelência, e suas regras devem ser aceitas como a estrutura da realidade. O

conhecimento é resultado da observação dessas regras”4.

É possível afirmar que da experiência sensorial o ser humano percebe

a língua por dois ângulos distintos: externa e internamente. Pelo prisma

externo, esta consistirá no conjunto de todos os signos percebidos e

perceptíveis, quando ligados entre si segundo regras preestabelecidas. Da

perspectiva interna, tem-se o intelecto que é produto e produtor da língua, tendo

em vista que conhece dos sentidos e dos dados brutos que colhe, mas só o faz

em forma de palavras5.

Transportando as ideias já expostas para o Direito Positivo e aos

propósitos que o trabalho propõe atingir – os fundamentos constitucionais da

sujeição passiva tributária –, tem-se que a língua é forma de expressão e o

modo de ser do Direito, ou seja, através dela é possível apreender um conjunto

de normas jurídicas válidas, em determinado espaço e tempo, cujo escopo é

regulação de condutas humanas intersubjetivas que visam à manutenção da

                                                            2 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007. 3 Ibid., p. 70. 4 Ibid., p. 102. 5 Ibid., p. 49, 57.

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ordem social e, no caso do Brasil, dos valores constitucionalmente

consagrados.

Desse modo, que fique consignado que “ali onde houver direito haverá

sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente,

uma linguagem que lhes sirva de veículos de expressão”6. E mais, onde houver

uma linguagem, certamente haverá a possiblidade de utilização da semiótica

como técnica de análise para tanto.

1.2 Semiótica e Direito

Eleger a Semiótica como técnica para a análise da linguagem jurídica

é adotar um “conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente”7 um procedimento

que envolve, de um lado, um processo de decomposição, ou seja, parte-se de

um todo, especificando-o e segregando-o, realizando-se, desse modo,

distinções e classificações. O outro lado constitutivo da análise é procedimento

regressivo, que se verifica com o estabelecimento de um plexo de proposições

baseado em outra proposição que, por suposição, soluciona o problema trazido

à baila, “remontando às condições globais de solução, constituindo-se num

sistema”8.

Nesse sentido, faz-se necessária a noção de diferenciação e ligação.

Diferenciação é recurso analítico no sentido de decomposição, que consiste numa desvinculação de elementos que se manifestam como formando um todo ou, por suposição, um conjunto solidário. Já ligação é um recurso analítico que se refere ao sentido de procedimento regressivo e consiste na aproximação de elementos distintos, estabelecendo-se entre eles uma solidariedade, tornando-os compatíveis dentro de um conjunto.9

                                                            6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 32. 7 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012,

p. 1106. 8 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,

Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 70. 9 Ibid., loc. cit.

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A Semiótica, com seus aspectos modernos, teve dois fundadores,

quase que contemporaneamente, entre o final do século XIX e início do século

XX. De um lado, o europeu Ferdinand Saussure, que a tinha como “disciplina-

mãe da linguística e como parte da ‘psicologia social’”10. O outro fundador foi o

filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce, que tratou a semiótica como

uma disciplina filosófica, ligada com a lógica e fenomenologia.

Costuma-se chamar de Semiótica a disciplina que se ocupa dos signos,

do sentido e da comunicação11.

Estudar signos é ter como objeto de observação, a partir de um suporte

físico, uma relação entre significado e significação. Daí a afirmação de que o

“signo é um ente que tem o status lógico de relação”12.

Em apertada síntese, cabe dizer, a título de esclarecimento, que

suporte físico é a palavra falada ou escrita, o significado é um objeto do mundo

constituído pelo signo, e a significação é a proposição ou juízo construído a

partir do significado.

A língua como um conjunto de signos ordenados segundo regras

preestabelecidas, quando organizados em frases, enunciados, orações ou

qualquer outra forma de comunicação, pode ser analisada por três aspectos

distintos de um mesmo objeto, quais sejam: a sintaxe, a semântica e a

pragmática.

Os denominados planos semióticos (sintático, semântico e pragmático)

são caracterizados da seguinte forma: a) o plano sintático estuda a relação dos

signos entre si, os vínculos lógicos e estruturais que se formam quando

articulados em discurso; b) no plano semântico é examinada a relação entre o

signo e a realidade por ele trazida, o conteúdo – objeto; c) o plano pragmático

observa o modo como o emissor e destinatário lidam com o signo dentro

processo comunicacional.

                                                            10 VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica. São Paulo: Loyola, 2007, p. 13. 11 Ibid., loc. cit. 12 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 33.

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Nessa linha, precisa e adequada é a lição de Aurora Tomazini de

Carvalho:

Aplicando esta técnica ao direito positivo, o estudo de seu plano sintático, que tem a Lógica como forte instrumento, permite conhecer as relações estruturais do sistema e de sua unidade, a norma jurídica. O ingresso no seu plano semântico possibilita a análise dos conteúdos significativos atribuídos aos símbolos positivados. É nele que lidamos com os problemas de vaguidade, ambiguidade e carga valorativa das palavras e que estabelecemos a ponte que liga a linguagem normativa à conduta intersubjetiva que ela regula. E as investidas de ordem pragmática permitem observar o modo com os sujeitos utilizam-se da linguagem jurídica para implantar certos valores almejados socialmente. É nele que se investiga o manuseio dos textos pelos tribunais, bem como questões de criação e aplicação de normas jurídicas.

Em suma, o ângulo sintático conduz a uma análise estrutural, o semântico a uma análise conceitual (de conteúdo) e o plano pragmático a uma análise do uso da linguagem jurídica. Cada um destes planos caracteriza-se como um ponto de vista sobre o direito, de modo que para conhecê-lo devemos percorrer todos eles.13

Sempre que se fala no plano semântico, ou seja, dos conteúdos, é

necessário observar que os signos estão impregnados de propriedades que

são predicadas ao objeto, bem como do conjunto de objetos possíveis

abarcados pelo signo. Cumpre, então, acrescentar as noções de conotação e

denotação.

A conotação consiste no conjunto de predicados atribuídos ao signo,

constituindo, desse modo, as notas para sua extensão. Já a denotação é

conjunto de elementos que preenchem as notas de um signo, sendo, portanto,

os objetos que compõem a extensão do signo.

A partir da noção de conotação e denotação constante de todos os

signos, percebe-se do uso linguístico que estes são potencialmente vagos e

ambíguos. Em outras palavras, são denotativamente vagos porque geralmente

possuem vários elementos em sua extensão e conotativamente ambíguos,

tendo em vista a impossibilidade de se enunciar com máxima precisão as

                                                            13 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2014, p. 165-166.

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propriedades que, uniformemente, devem aparecer em todos os casos nos

quais tal signo é usado.

Ensina Aurora Tomazini de Carvalho que

O uso da Semiótica como técnica metodológica favorece o estudo analítico. Não podemos esquecer, no entanto, que esta perspectiva está sempre envolta por critérios ideológicos delimitados pelas vivências do intérprete, principalmente no que diz respeito aos planos semânticos e pragmáticos, o que só reforça nossas convicções a respeito da propriedade do método hermenêutico-analítico empregado no estudo do direito positivo.14

Feitas as devidas considerações, analisar o Direito Positivo através da

Semiótica é ter em mãos os documentos normativos, para que se observem as

estruturas e vínculos lógicos de seu discurso, reduzindo as ambiguidades e

vagueza dos signos utilizados, para que se atinja a ordem social

constitucionalmente consagrada.

1.3 Conhecimento e Direito

Afirma Lourival Vilanova15 que “o conhecimento é um fato complexo”

decorrente da relação do sujeito com o objeto, cuja origem é a experiência

sensorial. Segundo o autor, os componentes discerníveis, mas inseparáveis,

do conhecimento são: “a) o sujeito cognoscente; b) os atos de percepção e de

julgar; c) o objeto do conhecimento (coisa, propriedade, situação objetiva); d) a

proposição (onde diversas relações de conceitos formam estruturas)”16.

Portanto, dizer que há complexidade no conhecimento é afirmar que a relação

do sujeito com o objeto é um tecido de partes heterogêneas inseparavelmente

associadas.

                                                            14 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2014, p. 166. 15 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo:

Noeses, 2010, p. 01. 16 Ibid., loc. cit.

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19

  

O conhecimento é o resultado e, ao mesmo tempo, forma do ato de

consciência, sendo esta a função através da qual o homem entra em contato

com suas vivências interiores e exteriores, ou seja, a experiência sensorial.

Para esclarecer, Edmund Husserl17 diferencia: a) o ato de consciência; b) o

resultado deste ato, que a forma; e c) o conteúdo do ato, que consiste no objeto

captado pela consciência, formador da relação sujeito-objeto, que é articulável

em nosso intelecto.

Frise-se que tanto o conhecimento quanto o seu objeto são

construções intelectuais, cujo “ser” só o é através da linguagem.

Mapeando o assunto, Leonidas Hegenberg18 identificou três etapas do

conhecimento: a) saber de – dá-se com o acúmulo de sensações, permitindo a

identificação de objeto sempre que se repitam; por exemplo, é o conhecer a

existência; b) saber que – usando-se a razão somada às ações, cria-se uma

lógica aos acontecimentos do mundo; por exemplo, se não for cuidadoso com

o fogo, sofrerei uma queimadura; e c) saber como – espécie mais elaborada de

conhecimento, que possibilita a execução de ações.

A linguagem é a capacidade de comunicação do ser humano, através

de uma língua/idioma – sistema de signos vigente em determinada sociedade

–, que se expressa na fala, sendo esta o ato individual que instaura a

comunicação mediante utilização e atualização da língua.

Pois bem, trazida a ideia de como se opera o conhecimento, sua

construção linguística e técnica de análise dos signos (Semiótica), é vital

destacar a necessidade de um sistema de referência para execução do

conhecimento. Tal assertiva decorre do fato de o ato de conhecer ser marcado

por associações pautadas, sempre, no horizonte cultural do sujeito

cognoscente e nas coordenadas de espaço e tempo em que são emanadas e

processadas. Logo, para se conhecer algo, é necessário partir de um ponto de

                                                            17 Apud CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2011, p. 08. 18 HEGENBERG, Leonidas. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade. Petrópolis:

Vozes, 2001, p. 24-33, 62-85.

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referência com objetivo de delimitar, principalmente, o campo semântico e

pragmático do que está sendo posto.

Assim, conclui-se que o sujeito cognoscente constrói linguisticamente

o conhecimento, em sua complexidade, dentro de determinado sistema de

referência, e o emite mediante execução de atos de fala, expressados numa

língua.

O jurista é quem, no caso do direito, trava contato com os documentos

normativos, constituídos por um plexo de linguagens que regula condutas

humanas intersubjetivas. E, tratando-se de Direito Tributário, onde são

comandadas normas que dizem respeito ao exercício da tributação, deve o

operador do direito buscar uma delimitação da atividade estatal, conhecendo

os enunciados prescritivos que tratam da criação, instituição e arrecadação de

tributos, através dos fundamentos constitucionais.

1.4 Interpretação do Direito Positivo

A Hermenêutica é a linguagem científica que versa sobre a

interpretação, ou seja, visa à construção e sistematização de sentido dos textos

do Direito Positivo.

Interpretar, na hermenêutica tradicional19, era explicar, dar significado

aos gestos, atitudes ou vocábulos, reproduzir um pensamento outrora

exteriorizado, mostrar o verdadeiro sentido de uma expressão.

Todavia, desde as ideias do “giro-linguístico”, o sujeito cognoscente

está inserido no “cerco inapelável da linguagem”, ou seja, é mediante

articulações linguísticas que se cria, intelectualmente, o objeto.

                                                            19 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva,

2011, p. 07.

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21

  

Assim, o interpretar passou a ser visto como o ato de construção de

sentido, no qual, mediante o emprego da linguagem, o intérprete atribui valores

aos signos, confere significações e, através destas, faz referências a objetos20.

Nessa linha, é importante descrever o modelo de interpretação

proposto pelo professor Paulo de Barros Carvalho21, que, dividindo em quatro

planos (S1 – plano dos enunciados ou de expressão, S2 – plano das

proposições ou proposicional, S3 – plano das normas jurídicas ou normativo e

S4 – plano da sistematização), demonstrou o percurso gerador de sentido dos

textos jurídicos.

O plano dos enunciados ou de expressão é aquele no qual o intérprete

se depara com os enunciados prescritivos trazidos pela literalidade do texto

normativo.

No que tange ao plano proposicional, pode-se dizer que é o início do

processo de interpretação, pois é nele que o intérprete passa a atribuir valores

aos símbolos que compõem os enunciados prescritivos, de forma isolada.

Ao chegar ao plano normativo, o intérprete passa a concatenar as

proposições valoradas no plano S2 e cria uma forma estruturada dos valores

atribuídos aos signos dos enunciados prescritivos (HC), chegando à

construção da norma jurídica.

Por fim, o plano da sistematização visa organizar as normas jurídicas

observando os critérios de subordinação e coordenação.

As relações de coordenação decorrem da organização horizontal do

direito e atendem a um critério de complementação nos planos semântico

(complementação em razão da matéria) e pragmático (complementação em

razão da forma). Já as relações de subordinação aparecem na organização

vertical do direito, pressupondo uma hierarquia entre normas, nas quais as

                                                            20 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 103. 21 Ibid., p. 104-127.

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22

  

normas inferiores fundamentam-se formal e materialmente nas normas

superiores ou das regras superiores derivam as regras inferiores.

Os limites à interpretação são inerentes ao próprio intérprete, pois são

seus horizontes culturais que, ao travarem contato com o plano de expressão,

determinarão os valores a serem atribuídos aos enunciados prescritivos,

desencadeando as proposições e dando sequência ao percurso da construção

do sentido dos textos jurídicos.

O sentido não está no objeto, mas no intérprete. Portanto, o que

determina sentido ao texto é o valor a ele atribuído, que não existirá sem o

homem. Daí se falar em inesgotabilidade como axioma da interpretação, tendo

em vista que haverá sempre a possiblidade de, no campo semântico, serem

construídos e reconstruídos os sentidos do texto.

Outro axioma da interpretação é a intertextualidade, que se caracteriza

pelo diálogo que os textos mantêm entre si. Ela pode ser em sentido

estritamente jurídico (entre os vários ramos do ordenamento) e jurídico em

acepção ampla (entre o direito e os setores que têm o direito como objeto). Daí

decorre o dialogismo, relação de sentido estabelecida entre dois textos, ou seja,

constrói-se um enunciado com base em outros enunciados e o primeiro

somente é compreendido em virtude da relação dialógica que mantém com o

segundo.

Como leciona o Paulo de Barros Carvalho,

[…] sempre é bom lembrar que o processo de positivação do direito inaugura-se como os preceitos competenciais cravados nos Texto Supremo e avança, gradativamente, em direção aos comportamentos inter-humanos para discipliná-los e tornar possível a convivência social22.

Portanto, a Constituição Federal é o texto que guiará a construção de

todos os demais enunciados do ordenamento jurídico, sendo este o motivo pelo

qual todo enunciado prescritivo emanado pelas autoridades legislativas e todas

                                                            22 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 121.

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23

  

proposições jurídica criadas pelos intérpretes devem manter uma relação

dialógica e subordinada às linhas constitucionais.

1.5 Norma Jurídica

O documento normativo, sob a ótica do constructivismo lógico-

semântico, é o suporte físico do operador do direito, o ponto de partida para a

aplicação e interpretação dos enunciados prescritivos. O enunciado prescritivo

é a forma linguística acabada, ou seja, as frases contidas o discurso normativo,

cujo conteúdo sempre será uma ordem. A partir da interpretação de tais

enunciados, é possível a construção de proposições jurídicas e normas

jurídicas.

Como várias outras expressões linguísticas, “norma jurídica” não

escapa de sentidos ambíguos. Por esse motivo, Paulo de Barros Carvalho23

dividiu norma jurídica em sentido amplo (designa frases, como suporte físico

do direito posto ou texto legal) e sentido estrito (aduz as significações

fabricadas a partir dos enunciados do direito positivo).

Ainda no que diz respeito às normas jurídicas, o referido autor diz que

[…] ali onde houver direito haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhes sirva de veículo de expressão. Pois bem, para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direto que dele, fato, se irradia, necessária se faz também a existência de uma linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relato o vínculo jurídico que se instala entre duas ou mais pessoas24.

Completa, ainda, dizendo que a

[…] positivação normativa se faz também com a linguagem que certifica os acontecimentos factuais e expede novos comandos normativos sempre com a mesma compostura formal: um

                                                            23 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 40-44. 24 Ibid., p. 32-33.

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24

  

antecedente de cunho descritivo e um consequente de teor prescritivo25

Utilizando noções de lógica, é possível obter a seguinte formalização

da norma jurídica:

D(HC)

Essa seria a estrutura básica, representada por um juízo hipotético-

condicional, na qual dentro da hipótese (H) há um fato (f) ligado por um

conectivo implicacional () a uma consequência (C), sendo esta preenchida

por uma relação entre sujeitos (S’, S’’).

A partir de uma visão das estruturas lógicas do Direito, observa-se que

quando o legislador cria a norma jurídica (em sentido amplo) prevê classes

(hipóteses normativas) que visam separar os fatos e as relações deles

decorrentes, que serão relevantes para o direito, ou seja, aptos a serem

qualificados respectivamente como fato jurídico e relação jurídica. Nesse

passo, pode-se afirmar que a hipótese e o consequente conotam as

propriedades e elementos que devem estar contidos na construção da norma

jurídica, a primeira relativa aos fatos a serem juridicizados, o segundo em

observação às relações jurídicas a serem instauradas com o acontecimento

dos fatos previstos na hipótese.

O antecedente é descritor de uma possível situação fática do mundo,

assentado no modo ontológico da possibilidade26. Já o consequente da norma

jurídica apresenta-se como uma proposição prescritiva de condutas

intersubjetivas, ou seja, sempre será uma proposição relacional que vincula

dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como

proibida, permitida ou obrigatória.

Nesse passo, relação jurídica consiste num vínculo abstrato resultante

da implicação ocorrida em decorrência do acontecimento do antecedente da

norma jurídica. Em outras palavras, a relação jurídica é parte integrante do

                                                            25 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 32. 26 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo:

Noeses, 2010, p. 50.

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25

  

consequente da norma que, modalizada deonticamente, permite, obriga ou

proíbe determinada conduta entre os sujeitos de direito. Frise-se que, para

haver a relação jurídica, sempre deverá existir um elemento subjetivo (sujeitos

de direito) e um elemento prestacional (define a conduta modalizada

deonticamente).

A norma jurídica completa é composta pela norma primária (aquela que

prevê a vinculação deôntica da ocorrência de um fato à prescrição de uma

conduta) e pela norma secundária (prescreve uma sanção, de cunho coercitivo,

a ser aplicada pelo Estado-Juiz nos casos de desobediência da norma

primária).

Diante desta perspectiva, não se pode afirmar que há normas jurídicas

sem sanção (aqui entendida como possibilidade de ir a juízo pleitear direito

subjetivo).

Nessa linha, afirma Paulo de Barros Carvalho que “somente a norma

jurídica, tomada em sua integridade constitutiva, terá o condão de expressar o

sentido cabal dos mandamentos da autoridade que legisla”27.

Em suma: a norma jurídica é a significação construída a partir dos

enunciados prescritivos do direito posto, observadas as relações de

subordinação e coordenação existentes no sistema jurídico. A função do

consequente é selar a relação jurídica entre credor e devedor, bem como

delinear o objeto prestacional. 

1.5.1 Regra-matriz de Incidência Tributária

A regra-matriz de incidência tributária é o mínimo irredutível de

manifestação do deôntico, ou seja, marca o núcleo de incidência do tributo,

trazendo em sua estrutura apenas os elementos suficientes para que se

constate o dever-ser da norma.

                                                            27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 41.

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26

  

O intérprete, a partir de estímulos sensoriais provocados pela

observação do documento normativo, constrói o sentido do texto e tem na

regra-matriz de incidência tributária a possibilidade de estudar a norma de

forma analítica, facilitando a delimitação do âmbito de incidência normativa e a

verificação ou não da subsunção e causalidade jurídica.

O juízo hipotético-condicional é a forma pela qual os conteúdos

normativos se apresentam. Consoante dito anteriormente, sabe-se que a

hipótese é o local sintático onde estará descrito um fato a ser juridicizado e o

consequente será onde haverá preenchimento das implicações decorrentes do

fato jurídico.

A regra-matriz de incidência tributária é composta pelos seguintes

critérios: a) critério material; b) critério temporal; c) critério espacial; d) critério

pessoal; e) critério quantitativo28.

No critério material encontra-se o comportamento humano que marca

o núcleo da hipótese normativa. Na lição de Paulo de Barros Carvalho, a

materialidade será formada

[…] invariavelmente, por um verbo e seu complemento. Daí porque aludirmos a comportamento humano, tomada a expressão na plenitude de sua força significativa, equivale a dizer, abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação), como aquelas espontâneas (verbos de estado: ser, estar, permanecer etc.)29

O critério espacial é aquele que identifica os elementos necessários e

suficientes para se verificar o lugar onde exatamente foi realizado o fato

jurídico.

Segundo Lucas Galvão de Britto30, há cinco elementos limitadores à

escolha do lugar do tributo, ou seja, do critério espacial da regra-matriz de

incidência.

                                                            28 Teoria da Norma Tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 125-184. 29 Ibid., p. 126. 30 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 134-136.

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O primeiro constrangimento segundo o referido autor está ligado à

distribuição de competências na Constituição da República. Nessa linha, afirma

que “é preciso que o lugar eleito pelo legislador, na escolha dos critérios

delineadores do fato jurídico tributário, guarde relação com a matéria a ele

designada pela Constituição”31

A segunda limitação imposta ao legislador quando da escolha do

critério espacial está a cargo da territorialidade. Nesse caso, deve haver uma

relação entre o lugar escolhido e o domínio de vigência das normas fixadoras

da extensão territorial do sujeito de direito público. Em outras palavras, há “uma

imposição na implicitude da Constituição que prescreve que a escolha do lugar

do tributo somente pode suceder com relação a movimentos cuja ocorrência

seja imputável no território do ente tributante.”32

O terceiro constrangimento são conceitos de Direito Privado,

aproveitando-se da primeira limitação na qual o critério espacial deve manter

íntima relação com a materialidade constitucionalmente posta e considerando

que, “em sendo essa materialidade um conceito de utilização no discurso

jurídico, não pode a facticidade tributária ser recortada para além dos contornos

dados em outros domínios do direito”33.

As leis complementares em matéria tributária cujo conteúdo verse

sobre limitações constitucionais ao poder de tributar e conflito de competências

constituem o quarto constrangimento ao legislador quanto à escolha do critério

espacial, que poderá ser feita de duas formas:

(1) ou estipulando tal critério para atribuir a competência a um dos entes, excluindo os demais; (2) ou autorizando a opção de mais de um local. Dessa maneira, permite que diferentes legisladores instituam tributos distintos sobre aquele mesmo conjunto de movimentos que, dados os diferentes significados construídos pelas normas, passará a ser base material de duas (ou mais) condutas diversas.34

                                                            31 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 137. 32 Ibid., p. 177. 33 Ibid., p. 150-151. 34 Ibid., loc. cit.

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28

  

O quinto e último constrangimento reside no artigo 98 do CTN, quando

prescreve que a aplicação dos tratados internacionais tem sobre a legislação

nacional.

O motivo dessa aplicação preferencial é a especificidade de suas disposições sempre de menos abrangência em relação à norma nacional geral e abstrata. Não é o caso de revogação, pois tal fenômeno seria incompatível com as outras prescrições do sistema.

Ante a pluralidade de elementos que possam ser eleitos para a definição do lugar do tributo em uma opção internacional qualquer, os tratados podem dispor de maneira semelhante à Lei Complementar: (1) ou fornecendo critério para atribuir a aplicação à lei de um dos Estados, excluindo os demais; (2) ou autorizando o emprego de mais de um local e, dessa forma, permitindo que diferentes leis possam incidir sobre o mesmo conjunto de movimentos. Desse modo, não se estará diante de conduta única, mas de duas (ou mais), correspondendo cada qual à diferente norma nacional que tenha instituído o tributo35.

Já o critério temporal é o instante exato, ou seja, a unidade de tempo

colhida hábil a “assinalar o surgimento de um direito subjetivo para o Estado

(em sentido amplo) e de um dever jurídico para o sujeito passivo”36. No critério

pessoal, serão identificados os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica

tributária. Por fim, o critério quantitativo indicará a base cálculo e alíquota do

tributo.

Separando os referidos critérios e alocando-os parte na hipótese e

parte no consequente, Paulo de Barros Carvalho disse que

[…] no descritor da norma (hipótese, suposto, antecedente) teremos diretrizes para identificação de eventos portadores de expressão econômica. Haverá um critério material (comportamento de alguma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já na consequência (prescritor), toparemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). A conjunção desses dados indicativos nos oferece a possibilidade de exibir, na plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão, preenchido com os

                                                            35 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 179. 36 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 332.

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29

  

requisitos significativos necessários e suficientes para o impacto jurídico da exação.37

Há divergências quanto à divisão dos referidos critérios entre hipótese

e consequente. Sacha Calmon Navarro Coelho38 e Luís Cesar Souza de

Queiroz39 aduzem a necessidade de um critério pessoal na hipótese da norma

jurídica.

Na verdade, a terminologia utilizada por Sacha Calmon substitui o signo

“critério” por “aspecto”, afirmando que,

[…] ao lado dos aspectos material, temporal e espacial, acrescentamos ao fato jurígeno, na hipótese da endonorma, um aspecto pessoal. É que o fato jurígeno (um “ser”, “estar” ou “fazer”) está sempre ligado a uma pessoa, e, às vezes, os tributos ou qualificações dessa pessoa são importantes para a delimitação da hipótese de incidência40.

A lição de Luís Cesar Souza de Queiroz vem no sentido de que

[…] não existe a menor possibilidade de se imaginar uma norma impositiva de imposto que não possua um critério pessoal em seu antecedente. Repita-se o critério pessoal do antecedente da norma impositiva de imposto é sempre simbolizada pela descrição de um sujeito de direito que é titular de uma riqueza […] A identificação desse critério pessoal do antecedente é fundamental para a precisa construção do consequente da norma impositiva de imposto, mais especificamente, para a determinação do sujeito de direito (sujeito passivo) que terá a obrigação de entregar certa quantia em dinheiro ao Estado41.

Pois bem, por tudo que já foi dito, adota-se aqui o posicionamento do

professor Paulo de Barros Carvalho. A regra-matriz de incidência tributária deve

abarcar em sua estrutura apenas os elementos suficientes para a verificação

do comando normativo, é a “expressão mínima e irredutível de manifestação

do deôntico”42. Ademais, como o direito é o instrumento, por excelência, de

                                                            37 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 133. 38 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da

Exoneração Tributária. São Paulo: Dialética, 2003. 39 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense,

1998. 40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, op. cit., p. 95-96 (grifos do original). 41 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de, op. cit., p. 170. 42 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 609.

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30

  

regulação das condutas humanas e o direito tributário, em regra, visa atingir o

patrimônio de alguém, o verbo do critério material tem como pressuposto a

existência e a conduta de uma pessoa (natural ou jurídica) que será produtora

da atividade refletida ou espontânea constante do verbo, sendo, portanto,

desnecessário critério (ou aspecto) pessoal no antecedente da regra-matriz de

incidência tributária.

Dessa forma, dividindo critério da regra-matriz de incidência tributária

entre a hipótese e o consequente (HC), obtém-se a seguinte estrutura lógica:

D { [ Cm (v . c) . Ce . Ct ] [ Cp (Sa . Sp) . Cq (bc . al) ] }

Esclarecendo: D representa a forma deôntica do comando normativo;

Cm equivale ao critério material composto por um verbo (v) mais um

complemento (c); o critério espacial representado por Ce; o critério temporal,

por Ct; representando o critério pessoal, tem-se (Cp), formado pela relação

entre sujeitos ativo e passivo (Sa . Sp); por fim, tem-se o critério quantitativo

(Cq), composto pela base de cálculo (bc) e pela alíquota (al).

Em que pese a possibilidade de formalização ao falar em critérios

componentes de uma norma jurídica, não se pode olvidar que esta consiste

numa unidade conceitual, sendo tais critérios e componentes construídos para

fins didáticos e de estudos analítico.

O que se quer dizer é que a norma jurídica é uma construção de

sentido, uma significação resultado da interpretação do Direito Positivo, não se

resume a critérios ou fórmulas lógicas, que são apenas instrumentos e meios

de estudos. Pois, dentro do contexto comunicacional do Direito, a norma

jurídica figura como uma mensagem, que não será compreendida caso esteja

mutilada, fatiada em fragmentos textuais que a tornem sem sentido jurídico.

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31

  

2 SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

2.1 Noção de sistema jurídico

Acredita-se na possibilidade de se definir sistema como um conjunto

de elementos (repertório), organizados numa estrutura (regras de

relacionamentos), unidos via um conceito aglutinante, ou seja, um vetor

comum.

Aplicando-se a referida ideia ao sistema do direito, tem-se que este é

um conjunto de normas jurídicas válidas (existentes) construído em torno de

princípios coerentes e harmônicos, em função de objetivos constitucionalmente

consagrados.

Bebendo das lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior43, o professor

José Artur Lima Gonçalves44 ensina que

[…] repertório é o conjunto de elementos que integram um determinado sistema; e estrutura é o conjunto de regras de relacionamento entre os elementos componentes do sistema. Ambos (repertório e estrutura) integram o sistema – que deles se compõe.

A noção de sistema trazida por Geraldo Ataliba45 é de um “conjunto

unitário e ordenado de elementos em função de princípios coerentes e

harmônicos”. Sendo, um sistema normativo, nessa linha, o “conjunto unitário e

ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais,

reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento

comum”.

A sistemática deve ser entendida como o princípio das relações do

sistema; traduz a harmonia fundamental inerente aos princípios deste, sendo

determinante das relações recíprocas entre seus elementos. Pode-se dizer que

                                                            43 Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas,

2012, p. 145-147. 44 Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 42. 45 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1968, p. 19.

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é o método de ordenação dos elementos que conduz a edificação de um

sistema.

Desse modo, insta acrescentar que “os elementos integrantes de um

sistema não lhe constituem o todo mediante sua soma, mas, desempenham

funções coordenadas, uns em função dos outros e todos, harmonicamente, em

função do todo (sistema)”46. Daí é possível concluir que os sistemas normativos

são compostos pela disposição hierarquizada e sistemática das normas que o

formam. A hierarquia impõe graus de superioridade e inferioridade entre as

normas, regendo as relações de subordinação e coordenação entre elas.

Geraldo Ataliba47 ressalta que, dentro de um sistema normativo, há

diversos sistemas parciais, conclusão construída a partir de perspectivas

materiais diversas. Assim, esses subsistemas compõem o sistema global, não

pela soma, mas pela conjugação recíproca, de forma harmônica e

hierarquizada.

Nesse passo, é possível afirmar que o conjunto de normas

constitucionais forma o sistema constitucional. Portanto, o conjunto de normas

constitucionais que trata de matéria tributária forma o sistema

(parcial/subsistema) constitucional tributário.

2.2 Estado de Direito e Sociedade

Sabe-se que o conteúdo das normas jurídicas é a regulação de

condutas intersubjetivas, ou seja, comportamentos cujo fiel cumprimento reflete

e realiza objetivos social e constitucionalmente consagrados.

As leis postas pelo Direito nada mais refletem que condições sob as

quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, que,

mediante o sacrifício de uma parcela da liberdade individual, reúnem-se,

                                                            46 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1968, p. 07. 47 Ibid., p. 20.

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regulam comportamentos, buscando a possibilidade de gozar da liberdade

restante com segurança e tranquilidade.

A soma das porções de liberdade sacrificada em detrimento do bem

comum forma a soberania de uma nação, sendo o soberano seu legítimo

depositário e administrador.

Bobbio48 traça uma linha evolutiva dos direitos do homem, afirmando

que o direito de um povo a decidir seu próprio destino revelou-se pela primeira

vez na Revolução Francesa. Viu-se, naquele momento, o direito de liberdade

como autodeterminação, autonomia, como a capacidade de legislar para si

mesmo, construindo uma antítese em relação a toda forma de poder absoluto,

que caracterizava os governos despóticos tradicionais.

Kant define a liberdade jurídica como “a faculdade de só obedecer a

leis externas às quais pude dar o meu assentimento”49. Em sentido semelhante,

define Rousseau: “a obediência à lei que nós mesmos nos prescrevemos”50.

As definições de liberdade jurídica trazem a ideia de que o povo é o

detentor da soberania, ou seja, de quem emana a fonte do poder.

No Brasil, está expresso na Constituição da República que o país

constitui-se em Estado Democrático de Direito, sendo a soberania um de seus

fundamentos.

Como será visto adiante, inobstante o poder seja exercido pelos eleitos

para tanto, o soberano é povo, sendo aqueles apenas mandatários da vontade

popular.

Nessa linha, feliz e oportuna é a afirmação de Roque Antônio Carrazza:

“O Estado de Direito assegura o império da lei, como expressão da vontade

popular”51.

                                                            48 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 80-102. 49 Apud ibid., p. 80. 50 Apud ibid., loc. cit. 51 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 259.

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2.3 República e federação

Quando da decisão de criar o Estado, o povo, reunido em constituinte,

confere os poderes (funções) hábeis e necessários ao exercício das atribuições

que decide estabelecer, ou seja, não se pode entender que os cidadãos

consentem que o Estado, através de seus órgãos, exercite tais funções em

detrimento de seus interesses ou ferindo seus direitos essenciais. Portanto, a

ação do Estado está reduzida à edição de leis ou dar-lhes aplicação.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 1º caput que

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Em sequência, destaca o parágrafo único que “Todo o poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição”.

A acepção de “Poder”52 é variável na Constituição, sendo possível

destacar três para o presente trabalho: a) poder como revelação de soberania

(parágrafo único, art. 1º da CR); b) poder como órgãos do Estado (tripartição

de poderes, art. 2º da CR); c) poder como função (poder de tributar –

competências).

Nessa linha, o termo “poder” empregado no parágrafo único, art. 1º da

CF é no sentido de soberania, soberano.

No Brasil, a forma de governo adotada foi a República, podendo esta

ser definida como “o regime político em que os exercentes de funções políticas

(executivas e legislativas) representam o povo e decidem em seu nome,

                                                            52 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2012,

p. 119-120.

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fazendo-o com responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos

renováveis periodicamente”53.

O exercício da soberania é forma e meio de manutenção da República,

assegurando a tripartição do exercício do poder, a periodicidade dos mandatos

políticos, com consequentes responsabilidades dos mandatários.

O Brasil consiste numa Federação, marcada pela descentralização

política, quer dizer, uma união institucional de Estados, autônomos, que dão

lugar a um novo Estado, o Federal.

O liame entre República e Federação reside na tripartição de poderes,

em virtude da delegação das funções administrativa, legislativa e jurisdicional.

Em outras palavras: “tudo que puder ser feito pelos escalões intermediários

haverá de ser de sua competência; tudo o que povo puder fazer por si mesmo,

a ele próprio incumbe”54.

A partir das noções de soberania e de que as leis figuram a vontade

popular, pode-se dizer que a res publica é de todos e para todos. Em outros

termos, os poderes que o Estado do povo recebe devem ser revertidos em

benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos.

Resta, assim, assentada a ideia de que o Estado é detentor apenas da

força que o povo lhe atribui; seu uso arbitrário, fora dos limites consentidos

contra o cidadão, deve ser afastado.

Daí vem a afirmação de Roque Antonio Carrazza:

[…] os tributos, no Brasil, devem ser instituídos e arrecadados sem se ferir a harmonia entre os direitos do Estado e os direitos de cada um do povo […] Constitucionalmente, pois, um tributo não pode ter outro escopo que o de instrumentar o Estado a alcançar o bem comum55.

                                                            53 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 15. 54 Ibid., p. 44. 55 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 86.

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2.4 Tributo

A noção de tributo é ponto nuclear para a compreensão e estudo do

Direito Tributário. Deveras, dada a própria etimologia do adjetivo que qualifica

este ramo, há a necessidade de uma definição de tributo.

De acordo com a dicção do art. 3º do Código Tributário Nacional – CTN,

“tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor se

possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e

cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Apesar de constar do CTN, a chamada definição legal de tributo não

merece ser descartada, mas deve ser analisada com cautela, pois sua

aceitação deve ser na medida em que for compatível com parâmetros

constitucionais.

É da lição de Geraldo Ataliba que se constata tal afirmação:

[…] evidentemente, não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos. O art. 3º do CTN é precepto didactico, como o qualificaria o eminente mestre espanhol Sainz de Bujanda. Por outro lado, o conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. É que ele é conceito-chave para demarcação das competências legislativas e balizador do ‘regime tributário’, conjunto de princípios e regras constitucionais de proteção do contribuinte contra o chamado ‘pode de tributar’, exercido nas respectivas faixas delimitadas de competências, por União, Estados e Municípios. Daí o despropósito dessa ‘definição’ legal, cuja admissão é perigosa, por potencialmente danosa aos direitos constitucionais dos contribuintes56.

Compete ao legislador, dentre as funções do Estado57, a função

legislativa, que consiste no plexo de competências no qual “o Estado, e

somente ele, exerce por via de normas gerais, normalmente abstratas, que

inovam inicialmente na ordem jurídica, isto é, que se fundam direta e

                                                            56 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

32-33 (grifos do original). 57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 32.

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imediatamente na Constituição”58. Assim, cabe ao referido órgão criar o Direito

Positivo, ou seja, enunciados prescritivos aptos a regular comportamentos

humanos. Dessa forma, pode-se afirmar que construção de sentido, de

definições e de conceitos a partir do Direito Positivo é tarefa afetada ao

intérprete.

Essa ressalva vale, dado ao fato de que, como bem observa Paulo de

Barros Carvalho,

[…] a linguagem do legislador é uma linguagem técnica, o que significa dizer que se assenta no discurso natural, mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao domínio das comunicações científicas. Os membros das Casas Legislativas, em países que se inclinam por um sistema democrático de governo, representam os vários segmentos da sociedade. Alguns são médicos, outros bancários, industriais, agricultores, engenheiros, advogados, dentistas, comerciantes, operários, o que confere um forte caráter de heterogeneidade, peculiar aos regimes que se queiram representativos. E podemos aduzir que tanto mais autêntica será a representatividade do Parlamento quanto maior for a presença, na composição de seus quadros, dos inúmeros setores da comunidade social. Ponderações desse jaez nos permitem compreender o porquê dos erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambiguidades que os textos legais cursivamente apresentam. Não é, de forma alguma, o resultado de um trabalho sistematizado cientificamente. Aliás, no campo tributário, os diplomas têm se sucedido em velocidade espantosa, sem que a cronologia corresponda a um plano preordenado e com a racionalidade que o intérprete almejaria encontrar59.

É com argúcia a observação de Paulo de Barros Carvalho a respeito

das acepções que a palavra “tributo” pode e tem assumido na doutrina, na

jurisprudência e nos textos de direito positivo. As aparições de tributo

experimentam, na visão do professor, as seguintes significações: “a) quantia

em dinheiro; b) prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo;

                                                            58 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 35-36. 59 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 36-

37.

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c) direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) sinônimo de relação jurídica

tributária; e) norma jurídica tributária; e, norma, fato e relação jurídica”60.

A partir de uma leitura da Constituição da República, é possível verificar

que a palavra “tributo” e suas derivações aparecem diversas vezes61, sugerindo

ao intérprete possíveis propriedades que conotariam o conceito constitucional

de tributo. Nesse passo, é possível afirmar que “constrói-se o conceito jurídico-

positivo de tributo pela observação e análise das normas jurídicas

constitucionais”62.

Para uma construção de sentido de “tributo” a partir da Constituição

República é necessário passear pelos ideais republicanos, observar os direitos

e garantias fundamentais, verificar limites e responsabilidades da

Administração Pública, bem como não olvidar das disposições do Sistema

Constitucional Tributário. Em outras palavras: deve-se ler o Texto Supremo em

sua íntegra.

Consoante consta da Constituição de 1988, como foi demonstrado no

item anterior, no Brasil a república foi adotada como forma de governo, sendo

o território dividido numa federação, composta da união indissolúvel dos

Estados, Municípios e Distrito Federal. O povo é o soberano, detentor do poder,

cujo exercício se dá através de representantes eleitos nos termos da CR.

É garantido constitucionalmente a todos o direito à vida, liberdade,

igualdade, propriedade e segurança, não sendo ninguém obrigado a fazer ou

deixar algo senão em virtude de lei. Mas, para atingir os objetivos da

República63, prover a manutenção do Estado, assegurar os direitos e garantias

individuais entre outras coisas, são necessários recursos financeiros. Da

                                                            60 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51. 61 Mais precisamente, 59 (cinquenta e nove) vezes podem-se encontrar entre: i) tributo; ii)

tributar iii) tributação; iv) tributário(a)(s). 62 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

33. 63 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir

uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição da República de 1988).

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análise constitucional, o tributo parece configurar-se o instrumento, por

excelência, para tanto.

Pinçando-se trechos de algumas das passagens constitucionais que

mais sugerem as propriedades do que seria “tributo”, observa-se a presença

de alguns símbolos recorrentes, tais como: “receitas tributárias”, “montantes

arrecadados”, “execução da dívida ativa de natureza tributária”, “obrigação,

crédito, prescrição e decadência tributários”, “obrigação tributária”, “exigir ou

aumentar tributo sem que lei o estabeleça” e “competência para instituir e

arrecadar”64.

Portanto, a partir dos excertos constitucionais, tributo consiste numa

classe de objetos conotados pelas seguintes propriedades: quantia pecuniária,

ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cobrada pela

administração pública (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e a ser

paga por pessoa físicas ou jurídicas.

Compulsando a doutrina para delimitar o que se entende por “receita”,

encontra-se uma relação da palavra com valores pecuniários, dinheiro. Na lição

de Geraldo Ataliba,

[…] o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo dinheiro que ingressa nos cofres de determinada entidade. Nem toda entrada é receita. Receita é a entrada que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que vem a integrar o patrimônio da entidade que a recebe65.

É em tom semelhante que Sainz de Bujanda, definindo as receitas

públicas, diz que estas são “as somas de dinheiro que recebem o Estado e os

demais entes públicos […]”66. Resta, assim, demonstrado o caráter pecuniário

do tributo.

                                                            64 Art. 7º, parágrafo único; art. 29-A; art. 30; art. 34, inciso V, alínea b; art. 37, inciso XXII; art.

48; art.131, § 3º; art. 145; art. 146, inciso III, alínea a; art. 150, inciso I e § 7º; art. 162; art. 165, § 6º; art. 204, parágrafo único, todos da Constituição da República.

65 ATALIBA, Geraldo. ISS e base imponível. Estudos e pareceres de direito tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 85.

66 Apud BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 38.

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O fato de a Constituição da República prescrever a necessidade de lei

para exigência do tributo configura a forma de nascimento da obrigação de

pagar a quantia em dinheiro, qual seja ex lege.

Tributo não constitui sanção de ato ilícito. Tal afirmação constata-se de

plano quando verificada discriminação de competência tributária feita na

Constituição. Todas as materialidades passíveis de tributação, como já foi dito,

estão versadas em verbos que conotam atividades refletidas ou espontâneas,

não sendo em nenhuma delas conduta ilícita.

É esta a noção de tributo tida como conceito aglutinante do sistema

jurídico tributário.

2.4.1 Espécies Tributárias

É longo e duradouro o debate a respeito de quais e quantas são as

espécies de tributo existentes no direito brasileiro.

Com o advento da Constituição da República de 1988, houve a

inserção das contribuições e empréstimos compulsórios que estão sob a égide

de um regime jurídico tributário e que possuem natureza jurídica de tributo.

Todavia, a doutrina travou longos debates para se discutir a real

natureza de tais figuras, se tributárias ou não, e, caso fossem tributárias, se

autônomas ou não.

Quando se fala em espécies tributárias, pressupõe-se uma

classificação, ou seja, uma distribuição em classes.

Na lição de Paulo de Barros Carvalho:

Classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas em relação às demais classes. Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécies e de gêneros, sendo que espécies designam os

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grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que contém as espécies.67

Classe é um conjunto, sistema de objetos, ou seja, elementos dotados

de uma mesma propriedade comum. Seria a extensão, o campo de

aplicabilidade de um termo, podendo ser: (i) universal, que é aquela que contém

todos os objetos como elementos – na verdade é sempre em relação a uma

situação específica, quer dizer, o conjunto das entidades que importa estudar

em determinado instante; (ii) vazia, que é aquela despida de qualquer

elemento, nenhum elemento preenche seu critério de pertinência; e (iii) unitária,

aquela cuja extensão apenas comporta um elemento.

Da observação e adoção das lições de Paulo Ayres Barreto, constata-

se que, para distribuir os tributos em diferentes classes, é necessário

(i) eleger um único fundamento para divisão, em cada etapa do processo classificatório; (ii) as classes identificadas em cada etapa desse processo deve esgotar a classe superior; e, (iii) as sucessivas operações de divisão deve ser feitas por etapas, de forma gradual.68

Dessa forma, o referido Paulo Ayres Barreto utilizou três critérios para

construir uma classificação dos tributos; são eles: (i) vinculação, ou seja, os

tributos possuem em sua materialidade uma vinculação ou não a uma atividade

estatal; (ii) destinação, verifica se o produto da arrecadação dos tributos está

atrelado a uma finalidade constitucionalmente determinada, pela materialidade

seja do tributo, seja da atribuição de competência para a instituição; e (iii)

restituição, o tributo será restituível e não restituível, quando expressa a

determinação de devolução do valor pago a título de tributo.

Chega-se à seguinte divisão69:

                                                            67 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 117-118. 68 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 70. 69 Ibid., p. 72.

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Restituíveis

Destinados

Não Restituíveis

Vinculados

Restituíveis

Não destinados

Não Restituíveis

Restituíveis

Destinados

Não Restituíveis

Não Vinculados

Restituíveis

Não destinados

Não Restituíveis

Por fim, conclui-se com Paulo Ayres Barreto que:

1) se o tributo for vinculado, destinado e restituível, teremos um empréstimo compulsório, cuja materialidade pode ser de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria;

2) se o tributo for vinculado, destinado e não restituível, estaremos diante de uma taxa ou de uma contribuição de me-lhoria, a depender do critério material eleito;

3) em face das premissas adotadas, não haveria a possibi-lidade lógica de um tributo ser vinculado, não destinado e restituível; o tributo vinculado tem o produto de sua arrecada-ção destinado a uma finalidade constitucionalmente determi-nada;

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4) o mesmo raciocínio desenvolvido para o item anterior aplica-se a hipótese de tributo vinculado, não destinado e não restituível;

5) se o tributo for não vinculado, destinado e restituível, estaremos diante de empréstimo compulsório;

6) se o tributo for não vinculado, destinado e não restituível, teremos, necessariamente, uma contribuição que não a de melhoria;

7) não há previsão, em nosso sistema tributário, de tributo não vinculado, não destinado e restituível;

8) se o tributo for não vinculado, não destinado e não restituível, estaremos diante de um imposto.70

São essas as espécies e possibilidades de tributos no Brasil,

atualmente.

2.5 Competência Tributária

Consoante dito anteriormente, o Brasil é composto por unidades

federativas, e um dos traços marcantes deste modelo é a descentralização da

função legislativa, que consiste, primariamente, na aptidão e plexo de

atribuições para criação e instituição de leis.

A partir do modelo federativo, é assegurada a autonomia dos entes

políticos mediante a distribuição de competência para criar leis.

Como bem leciona Antônio Roberto Sampaio Dória71, “a autonomia

política das unidades que compõem a federação é alicerçada em

correspondente autonomia financeira”, e “a autonomia financeira, que respeita

ao exercício do poder tributário, se realiza pela outorga de competência

impositiva aos entes federados, em caráter privativo ou concorrente”.

Não basta a fragmentação do espaço nacional, um pluralismo territorial

de unidades políticos-administrativas autônomas para se configurar uma

                                                            70 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 74. 71 Discriminação de Rendas Tributárias. São Paulo: José Bushtsky, 1972, p. 14.

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federação, é necessário garantir a autonomia financeira, sendo esta

assegurada pela rígida discriminação de competências tributárias.

A CR de 1988 delimitou exaustivamente o rol de competências

tributárias entres os entes federativos. Desse modo, imprime uma certeza de

quem pode tributar e o que estes podem tributar.

A competência tributária consiste, grosso modo, na possibilidade de

União, Estados e Municípios expedirem enunciados prescritivos aptos a regular

condutas em matéria tributária, inovando a ordem jurídica. Em outras palavras:

é a aptidão para instituir/criar tributos, mediante a edição de um veículo

legislativo adequado, exercida pelos órgãos credenciados a emanarem normas

jurídicas, cujo exercício se dá através do processo de enunciação criador do

direito positivo.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:

[…] a competência tributária é, em síntese, uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”72.

Roque Antonio Carrazza também tratou do tema e leciona que:

[…] competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos. No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, in abstracto, por meio de lei (art. 150, I, CF), que deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária. Consideram-se elementos essenciais da norma jurídica tributária os que, de algum modo, influem no quantum do tributo; a saber: a hipótese de incidência do tributo, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Estes elementos essenciais só podem ser veiculados por meio de lei […] Em suma, a competência tributária identifica-se com a permissão para criar tributos, isto é, com o direito subjetivo de editar normas jurídicas tributárias73.

                                                            72 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 240. 73 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 533-536.

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Ademais, não há que se confundir competência tributária com

capacidade tributária ativa. A primeira é o poder legislar; a segunda é a

possibilidade de integrar a relação jurídica enquanto sujeito ativo.

Nesse passo, ressalta Carrazza que,

[…] embora a competência tributária – aptidão para criar tributo – seja indelegável, a capacidade tributária ativa – aptidão para arrecadar o tributo – é delegável por lei (lei, é claro, da própria pessoa política competente). Assim, nada impede que pessoa diversa daquela que criou o tributo venha, afinal, desde que autorizada por lei, a arrecadá-lo74.

Em suma, criar tributos é legislar (competência tributária); arrecadá-los,

administrar (capacidade tributária ativa).

Partindo da noção de homogeneidade sintática das normas jurídicas,

Tácio Lacerda Gama75 afirma que a norma de competência, em sua estrutura

normativa, deve trazer os seguintes elementos: a) qualificação do sujeito que

pode criar a norma; b) indicar o processo de criação de normas; c) indicar o

espaço no qual a criação de normas deve se realizar; d) indicar as condições

de tempo em que a ação deve ser desempenhada; e) estabelecer o vínculo

entre quem cria norma e quem deve se sujeitar à sua prescrição; f) modalizar

deonticamente a conduta de criar outra norma; e g) estabelecer a programação

material inferior (sujeito, espaço, tempo e comportamento). Na hipótese da

norma de competência, haverá os elementos de “a” a “d”; no consequente, os

elementos de “e” a “g”.

Assim, dada noção de competência tributária, sua estrutura normativa

e mobilidade de funcionamento dentro do modelo federativo, constata-se que

os entes políticos estão rigidamente subordinados à Constituição da República.

                                                            74 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 251. 75 Competência Tributária: Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2009, p. 55-97.

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3 NOTAS SOBRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

3.1 Das obrigações em geral

Antes do início, necessária uma digressão no que já foi dito.

O direito consiste numa unidade, um conjunto de normas jurídicas

sistematicamente dispostas. A existência de subsistemas é construção do

intérprete para verificar regime jurídico de determinados enunciados

prescritivos, sem, contudo, se afastar da unidade do todo (sistema).

Assim, para se falar em Direito Tributário, pressupõe-se a existência de

“princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação lógica

de coerência e unidade compondo um sistema ou regime”76, sendo o conceito

fundamental e aglutinante a noção de tributo.

Nesse passo, urge destacar a dicotomia entre público e privado.

Bobbio afirma que:

[…] a distinção entre direito privado e direito público é uma distinção total, porque, uma vez estabelecida, quaisquer que sejam os critérios distintivos propostos para fundá-la, não há ente do universo jurídico – seja ele relação, norma, instituição (segundo as diversas teorias do direito, as quais discriminei alhures em teorias do direito como relação, ou como norma, ou como instituição) – que não esteja inserido em uma ou outra das partes. Não conheço teoria do direito que tenha tentado subtrair-se ao aut aut imposto pela distinção entre direito privado e direito público, imaginando um tertium genus. Discute-se, acerca da pertença de um instituto a um ou ao outro, o que depende tanto do modo diverso pelo qual pode ser interpretado ou configurado o instituto quanto do diverso critério adotado para a distinção. Mas não se discute acerca da insuficiência da distinção para abraçar todos os entes do universo, que é objeto do discurso. Em outras palavras, não há ente do universo jurídico que não pertença nem ao direito privado nem ao direito público77.

                                                            76 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 53. 77 BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:

Manole, 2007, p. 144.

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Em apertada síntese, o direito privado é aquele que se ocupa das

relações entre particulares, regidas pela autonomia da vontade, quer dizer, no

âmbito privado, é possível estabelecer normas conforme os interesses das

partes, seja em acordos bilaterais (contratos) ou manifestações de vontade

unilateral (doação). A legalidade, na esfera privada, é operada de forma mais

branda, tendo em vista que, se não houver proibição nem obrigação de agir, ao

particular é permitido consoante sua vontade.

No tocante ao direito público, diz-se que este regula as relações entre

os Estados (na ordem interna e externa – internacional), bem como as relações

entre particulares e o Estado, quando houver interesse público.

O conjunto dos princípios gerais, que identifica o regime jurídico do

direito público, é composto, na lição de Carlos Ari Sunfeld78, dos seguintes

elementos: a) autoridade pública; b) submissão do Estado à ordem jurídica; c)

função; d) igualdade dos particulares perante o Estado; e) devido processo; f)

publicidade; g) responsabilidade objetiva; h) igualdade das pessoas políticas.

Em “a” é evidenciado o exercício de um plexo de competências,

outorgadas ao Estado como forma de tutelar o interesse público frente aos

particulares. De “b” até “g” ficam sublinhados os limites da atividade estatal,

controlando-se o exercício das competências atribuídas à autoridade pública.

A igualdade das pessoas políticas já foi evidenciada como forma de

manutenção da República Federativa.

Frise-se que, apesar de serem feitas tais distinções de regime jurídico,

o direito é um só, pois “a dogmática procura entender o direito como um todo,

postulando sua unidade”79, sendo, portanto, distinções didáticas e de cunho

operacional pragmático.

A doutrina do direito civil se ocupa com estudos a respeito das

obrigações ao longo dos séculos. É destacada pelos estudiosos do direito

                                                            78 SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013,

p. 153. 79 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,

Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 112.

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privado a importância de se beber na fonte dos direitos obrigacionais, qual seja,

o Direito Romano.

Nesse sentindo, por tomarem pontos de partida semelhantes, a

definição de obrigação converge para um ponto comum entre os doutrinadores

do direito privado.

A etimologia é uma boa ferramenta para se conhecer do sentindo de

“obrigação”, que do latim, ob+ligatio, imprime a ideia de vinculação, liame,

constrangimento da liberdade de ação, em benefício de pessoa determinada

ou determinável80.

Nessa linha, juristas de escol construíram suas definições a respeito da

matéria.

Savigny, por exemplo, minucioso e frio, ensina: “A obrigação consiste na dominação sobre uma pessoa estranha, não sobre toda a pessoa (pois que isto importaria em absorção da personalidade), mas sobre atos isolados, que seriam considerados como restrição à sua personalidade, ou sujeição à nossa vontade.”

Mais sucinto é Vittorio Polacco, quando diz da obrigação: “Relação jurídica patrimonial em virtude da qual o devedor é vinculado a uma prestação de índole positiva ou negativa para com o credor.”

Mais analítico é Giorgi: “Um vínculo jurídico entre duas ou mais pessoas determinadas, em virtude do qual uma ou mais delas (devedor ou devedores) são sujeitas à outra ou às outras (credor ou credores) a fazer ou não fazer qualquer coisa.”

Muito extenso, Clóvis Beviláqua define: “Relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós esta ação ou omissão.”

Deste, aproximado é o Prof. Washington de Barros Monteiro: “Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa,

                                                            80 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v.

II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 3-4.

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devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.

Já o nosso Coelho da Rocha definia-a como “o vínculo jurídico pelo qual alguém está adstrito a dar, fazer ou não fazer alguma coisa”.81

Caio Mário da Silva Pereira assinala que

[…] obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável […] Nela estão os seus elementos subjetivos, o credor e o devedor, o sujeito ativo e o sujeito passivo, a pessoa que pode exigir e a que deve cumprir a prestação. Nela está caracterizado o requisito objetivo, a prestação, que a nosso ver há de ser dotada de patrimonialidade. E nela ainda é de vislumbrar-se a dualidade de aspectos, o débito e a responsabilidade, que na concepção moderna lhe são peculiares82.

Na lição de Pontes de Miranda, “obrigação é a relação jurídica entre

duas (ou mais) pessoas, de que decorre a uma delas, ao debitor, ou a algumas,

poder ser exigida, pela outra, creditor, ou outras, prestação”83.

A obrigação é composta de três elementos84: sujeitos, objeto e o

vínculo jurídico.

O elemento subjetivo determina os sujeitos que compõem a relação

obrigacional. Nesse passo, há o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo

(devedor). O primeiro possui o direito de exigir a prestação, e o segundo tem o

dever de prestar.

O objeto da obrigação é a prestação, sendo esta o comportamento

humano de dar, fazer ou não fazer. A partir daí, chama-se positiva a obrigação

                                                            81 Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das

Obrigações. v. II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 6. 82 Ibid., p. 7. 83 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito das Obrigações: Auto-regramento da

vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. In: ______. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 12.

84 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 15.

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cujo cumprimento se dá por um facere ou um dare. Há, também, a figura da

obrigação negativa, que implica uma abstenção do devedor.

O vínculo jurídico consiste no “poder” criador de um liame que traduz a

possibilidade de o sujeito ativo exigir ao devedor uma ação positiva ou negativa,

dentro de dois limites85, que são: a seriedade da prestação e a liberdade

individual. Assim, não se pode tolher por completo a liberdade individual do

devedor, sob pena de a prestação se tornar abusiva, tampouco é possível fugir

do razoável para estipular prestações insignificantes.

A questão da seriedade da prestação parece surgir como limite do

vínculo jurídico apenas nas obrigações autodeterminadas, ou seja, contraídas

pela autonomia da vontade dos particulares, já que as heterodeterminadas –

ou seja, criadas por lei – são como todas as demais normas jurídicas

prescritoras de condutas humanas relevantes para o Direito, portanto sempre

haverá seriedade da prestação nestes casos. Como bem afirma Lourival

Vilanova, “o conteúdo possível do jurídico é a conduta humana e quando os

fatos do mundo puramente natural são relevantes para o direito, é sempre em

função da conduta humana”86.

Parafraseando Otto Meyer, Pontes de Miranda afirma que “o direito

público também contém direito das obrigações, mas as regras jurídicas dêsse

são próprias (publicísticas), pôsto que, por vêzes, coincidam com as do direito

privado das obrigações”87. Eis o motivo de demonstração da doutrina privada,

tendo em vista que é grande influenciadora dos conceitos de obrigação no

direito tributário.

                                                            85 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v.

II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 24. 86 VILANOVA, Lourival. Sobre o Conceito do Direito. In: ______. Escritos Jurídicos e

Filosóficos. v. 1. São Paulo: Axis Mundi: IBET, 2003, p. 39. 87 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito das Obrigações: Auto-regramento da

vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. In: ______. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 17.

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Transportando, de um modo geral, as lições do Direito Privado, mais

precisamente do Direito Civil, a doutrina brasileira em âmbito construiu

definições a respeito do que seria a obrigação tributária.

Rubens Gomes de Sousa88 afirma que o Direito Tributário é um direito

de natureza obrigacional, tendo em vista que seu objeto é a arrecadação de

tributos, somente concretizada através de prestações positivas efetivamente

realizadas pelas pessoas obrigadas, ou seja, mediante pagamento do tributo.

O professor define obrigação como

[…] o poder jurídico por força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) em virtude de uma circunstância reconhecida pelo direito como produzindo aquêle efeito (causa da obrigação)89.

Nessa linha, a prestação positiva de pagar tributo configura a obrigação

tributária principal.

Assim, o referido autor define obrigação tributária como “o poder

jurídico por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular

(sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) nas

condições definidas pela lei tributária (causa da obrigação)”90. Dissecando esta

definição, constata-se a existência de quatro elementos na obrigação tributária,

quais sejam: I) sujeito ativo; II) sujeito passivo; III) objeto (prestação); IV) causa

(a própria lei).

Alfredo Augusto Becker91 ensina que a relação jurídica tributária não é

diferente de nenhuma outra relação jurídica. Portanto, será composta de um

sujeito ativo portador de um direito de obter a determinada prestação, que, por

outro lado, impõe um dever a um sujeito passivo de efetuar a referida

                                                            88 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro:

Financeiras, 1952, p. 28-29. 89 Ibid., p. 57. 90 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro:

Financeiras, 1952, p. 57. 91 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,

2010, p. 280.

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prestação. Nesse caso, a pretensão configura o poder de exigir a prestação, e

“a obrigação é o não poder negar-se à exigência da prestação”92.

Leciona o autor gaúcho, com base nas lições de Pontes de Miranda,

que

[…] o direito tem como correlativo o dever; não pode existir sem este e vice-versa. A pretensão tem como correlativo a obrigação; não pode existir aquela sem esta e vice-versa. A coação tem como correlativo a sujeição; não pode existir aquela sem esta e vice-versa93.

Assim, conclui que

[…] da incidência da regra jurídica sobre sua hipótese de incidência pode irradiar-se uma eficácia jurídica (efeitos jurídicos) mínima, média ou máxima; noutras palavras, a relação jurídica pode ser conteúdo mínimo (direito e dever) ou de conteúdo médio (direito, pretensão e dever, obrigação) ou de conteúdo máximo (direito, pretensão, coação e dever, obrigação, sujeição)94.

Alcides Jorge Costa95 considera que o que distingue uma relação

jurídica de caráter obrigacional e o mero cumprimento de deveres é o objeto da

prestação; logo, se for dinheiro ou possível de avaliação em dinheiro, será uma

obrigação. Caso contrário, será, simplesmente, um dever.

Nessa esteira, diz que “a obrigação tributária é sempre de dar e que

pode ser definida como vínculo jurídico em razão do qual o sujeito ativo

(Estado) exige do sujeito passivo (contribuinte) uma prestação patrimonial nas

condições definidas por lei”96.

Em obra dedicada à obrigação tributária, Américo Masset Lacombe

denomina, consoante dispõe o CTN, de obrigação tributária principal a “relação

jurídica que se traduz num vínculo que une o sujeito ativo ao sujeito passivo,

                                                            92 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,

2010, p. 366. 93 Ibid., p. 365. 94 Ibid., p. 366. 95 COSTA, Alcides Jorge. Obrigação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 09. 96 Ibid., p. 14.

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estabelecendo o crédito do lado ativo e o correspondente débito do lado

passivo”97.

Por fim, imperioso destacar o entendimento do professor Paulo de

Barros Carvalho a respeito da matéria, que vê na obrigação tributária uma

relação jurídica patrimonial,

[…] é o nexo lógico que se instala a contar de um enunciado factual, situado no consequente de u’a norma individual e concreta, juntamente com a constituição do fato jurídico tributário descrito no suposto da mesma norma. A edição dessa regra, como norma válida no sistema positivo, tem o condão de introduzir no ordenamento dois fatos: o fato jurídico tributário (fato gerador) e o fato relacional que conhecemos por ‘relação jurídica tributária’98.

Em linhas gerais, observa-se que as obrigações, tanto no Direito

Privado quanto no Direito Público, possuem, pelo menos de uma análise

perfunctória, a mesma organização sob o aspecto estrutural.

3.2 Obrigação tributária no CTN

A disciplina da obrigação tributária consta expressamente do Código

Tributário Nacional.

Apesar de o CTN tratar da matéria, entende-se que a obrigação

tributária é de cunho constitucional e possui raízes na definição de tributo, tendo

em vista que as propriedades que o definem são hábeis em indicar notas para

a construção de uma relação entre sujeitos que possua um elemento

prestacional.

Todavia, merecem atenção as disposições infraconstitucionais

constantes do CTN, tendo em vista que são válidas e vigentes.

Prescreve caput do artigo 113 do Código Tributário que a obrigação

tributária será principal ou acessória. A obrigação tributária principal, segundo

                                                            97 LACOMBE, Américo Masset. Obrigação Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977,

p. 74. 98 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 496.

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o referido dispositivo legal, surgirá em decorrência do fato gerador, tendo como

objeto o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária, extinguindo-se

juntamente com o crédito dela decorrente. Já obrigação acessória é

decorrência da legislação tributária, tendo por objeto prestações, positivas ou

negativas, consubstanciadas no interesse da arrecadação ou da fiscalização

dos tributos. Frise-se que sua inobservância acarretará a conversão em

obrigação principal no tocante à penalidade pecuniária.

As críticas mais uma vez têm por objeto a linguagem técnica do

legislador, que insiste em definir conceitos jurídicos-positivos invés de apenas

captar fatos hábeis a regular condutas humanas.

Percebe-se que a adoção da terminologia principal e acessória é rótulo

prejudicial quando se verifica o conteúdo semântico próprio de cada uma das

referidas obrigações. Na verdade, parece ter havido uma usurpação de

conceitos do direito civil, regulados pelo regime jurídico privado, que em nada

se coaduna com a prescrição e finalidade do enunciado ora analisado.

A divisão entre obrigação principal e acessória no Direito Civil parece

ter como critério de distinção a autonomia ou não de uma obrigação para com

a outra. Nos ditos de Caio Mário da Silva Pereira, “é principal a obrigação

quando tem existência autônoma, independente de qualquer outra. E é

acessória quando, não tendo existência em si, depende de outra que adere ou

de cuja sorte depende”99. Em outras palavras: se a principal se extingue, a

acessória não subsiste e também desaparecerá; prescrita aquela, reputa-se

também a desta.

Lourival Vilanova100 trata do assunto como uma espécie de relação

entre relações jurídicas, ou seja, principais em face das acessórias. O professor

pernambucano afirma que as primeiras existem per se, já as segundas são

fundadas nas primeiras. Importante é que o direito positivo estabelecerá o nexo

                                                            99 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v.

II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 117. 100 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 180-181.

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entre principal e acessória, mas há a necessidade de uma relação de

dependência da segunda para com a primeira.

Ademais, destaque-se que a interpretação a ser dada quanto ao

surgimento da “obrigação principal” é em atenção ao momento em que se

constitui, em linguagem competente, a norma que documenta incidência

jurídica. Nessa linha, tanto a obrigação quanto o crédito tributários aparecem,

concomitantemente, no momento de aplicação da norma jurídico-tributária.

Assim, o crédito não decorre da obrigação; na verdade, estão

indissociavelmente ligados, sendo aquele o direito subjetivo do sujeito ativo da

obrigação tributária.

3.3 Natureza jurídica da obrigação em matéria tributária

Feitas a devidas considerações a respeito da obrigação, nos âmbitos

público e privado, percebe-se que a doutrina, de modo geral, se apoia em

estruturas semelhantes para definir obrigação, aplicando apenas as

peculiaridades do objeto da prestação para caracterizar a natureza e o regime

jurídico.

Todavia, conforme acentuou José Souto Maior Borges101, “obrigação”

não é um conceito lógico-jurídico, mas um conceito jurídico-positivo. Portanto,

é decorrente de construção dogmática e variável dentro de cada sistema

jurídico.

A Teoria Geral do Direito é uma abordagem formal do direito positivo;

somente através dela é possível formular constantes formais, obtidas mediante

um processo de abstração isolador de conteúdos e enunciados de determinado

sistema jurídico no espaço e no tempo, obtendo-se ao fim uma invariabilidade

conceitual102.

                                                            101 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: Uma Introdução Metodológica. 2. ed.

São Paulo: Malheiros, 1999, p. 38. 102 Ibid., p. 31.

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Todavia, não se confunde Teoria Geral do Direito com interpretação de

enunciados prescritivos isolados, pois

[…] ela apenas abstrai esses conteúdos normativos contingenciais, para edificar um arcabouço formal, indispensável à construção cineticamente autônoma que empreende […] incumbe ao método formal o estudo da estrutura e funcionamento da norma jurídica103.

A forma lógico-jurídica na qual está inserida a “obrigação” é o “dever”.

Há, portanto, uma relação de forma e conteúdo entre os referidos símbolos. A

primeira, construção dogmática; o segundo, categoria formal da Teoria Geral

do Direito.

Desse modo, cumpre destacar que a obrigação, seja tributária ou

qualquer outra, terá necessariamente contornos definidos pelo Direito Positivo.

O que a determina como obrigacional são os atributos construídos a partir dos

enunciados prescritivos positivados.

Afirma Kelsen que o dever jurídico “não é, porém, senão a norma

jurídica positiva que prescreve a conduta deste indivíduo pelo fato de ligar à

conduta oposta uma sanção”104. Em outras palavras, o dever está refletido

numa conduta obrigatória, que, na inobservância de seu comando, enseja a

possiblidade de aplicar a respectiva sanção.

De fato, da análise das disposições constitucionais que pressupõem o

conceito de tributo e, por consequência, conotam propriedades para chegar até

a obrigação tributária, bem como dos enunciados constantes do CTN, percebe-

se esta última configura-se como um dever jurídico existente no sistema

jurídico.

Assim, entende-se por obrigação tributária todo conteúdo de dever

jurídico, submetido ao regime jurídico tributário, que aparece sob a forma de

                                                            103 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: Uma Introdução Metodológica. 2. ed.

São Paulo: Malheiros, 1999, p. 33. 104 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo:

WMF Martins Fontes, 2009, p. 129-130.

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relação jurídica cuja prestação, patrimonial ou não, consiste num dar, fazer ou

não fazer.

A obrigação é tributária porque o regime jurídico é tributário, e não o

contrário. A constituição federal, ao fornecer notas do conceito de tributo,

acaba, indiretamente, fornecendo notas para o conceito de obrigação em

matéria tributária. Todavia, este se completa com a interpretação do artigo 113

do CTN, tendo em vista que não se pode aceitar que a obrigação tributária é

conceito coextensivo de tributo, principalmente quando se observa o que

dispõe o Código Tributário no que tange ao crédito e débito tributários.

Apesar da imprecisão do legislador quanto ao que se entende pelos

referidos termos, é possível enxergar que há obrigações sob o regime jurídico

tributário que não possuem prestação de efetivamente recolher o tributo. Ou

seja, a obrigação tributária trespassa os limites do tributo e pode consistir,

também, ainda que em sentido amplo, naquela que almeja o recolhimento dos

valores relativos às penalidades tributárias.

Constituído o fato jurídico tributário, surge para o sujeito ativo o direito

ao crédito que se configura como uma pretensão, bem como o dever de prestar

o objeto da obrigação por parte do sujeito passivo, consubstanciado no débito.

Portanto, é possível observar que crédito e débito são lados opostos da mesma

moeda, reportam-se ao objeto da prestação, mas são portados por sujeitos

distintos, com interesses contrapostos.  

3.4 Obrigação tributária patrimonial e Obrigação tributária instrumental

Consoante foi dito anteriormente, a obrigação como conceito jurídico-

positivo terá conteúdo construído a partir dos contornos da ordem jurídica

positivada.

Da análise do artigo 113 do CTN, observa-se a existência de dois tipos

de obrigação positivados: as já referidas e chamadas obrigações principal e

acessória.

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Todavia, percebe-se que a primeira possui um objeto patrimonial, tendo

em vista que a prestação sempre consistirá em um dar (fazer entrega de) certa

quantia em dinheiro, possui conteúdo economicamente apreciável. Já a

obrigação “acessória” consistirá num fazer, não fazer ou tolerar, inexistindo,

pois, a patrimonialidade.

A obrigação tributária será patrimonial quando o objeto da prestação

consistir em dar algo economicamente apreciável, ou seja, conote

patrimonialidade.

Lembre-se que o Código Tributário Nacional, ao tratar da chamada

“obrigação principal” fala que o sujeito passivo terá como objeto da prestação

o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária (art. 121, CNT). Desse

modo, a referida codificação imprime a existência de duas acepções de débito

tributário.

Pode-se dizer que débito tributário, em sentindo estrito, consiste no

dever jurídico de pagar o tributo. Já em sentindo amplo, refere-se à obrigação

composta pela obrigação de pagar o tributo e às penalidades pecuniárias105.

Atentando para o fato de que as condutas intersubjetivas reguladas

pelo Direito são, quando da enunciação legislador, valoradas positiva ou

negativamente, deve-se lembrar do binômio norteador do mundo jurídico,

licitude/ilicitude. O que é lícito decorre de juízo positivo, portanto em

conformidade com a lei. Já o ilícito é o não lícito, ou seja, as condutas

reprováveis para o Direito, bem como as contrárias aos prescritores jurídico-

normativos.

No campo tributário, o ilícito surge, conforme Paulo de Barros Carvalho,

da não prestação do tributo ou do não cumprimento das “obrigações

acessórias”, isto é, constitui uma infração, desrespeito ao consequente da

norma tributária. Nessa esteira, cumpre trazer à baila a definição, feita pelo

referido doutrinador, de infração tributária “como toda ação ou omissão que,

                                                            105 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 506.

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direta ou indiretamente, represente descumprimento dos deveres jurídicos

estatuídos em leis fiscais”106. Ou seja, não há diferença entre ilícito tributário e

infração tributária.

A multa tributária é consequência da infração tributária, ou seja, sanção

(tida aqui como penalidade imposta ao infrator) decorrente do não cumprimento

do consequente da norma tributária.

Os crimes contra a ordem tributária são tratados dentro da esfera penal

do Direito posto, portanto constituem ultima ratio e somente serão aplicados

através da coação do Estado, único detentor do poder jurisdicional punitivo.

Nessa linha, cumpre frisar que a diferença entre os crimes contra a ordem

tributária e as infrações tributárias reside no fato de os primeiros revestirem-se

de caráter criminal, ao passo que as últimas atendem aos princípios do direito

administrativo, estão dentro do regime jurídico administrativo, podendo ser

verificadas e punidas, dentro dos limites legais, pelo Fisco.

Pois bem, é evidente que o sistema jurídico tributário brasileiro

comporta relações de cunho obrigacional, sendo uma patrimonial existente

entre sujeitos de direito, cujo objeto é uma prestação pecuniária e outra de

condutas prescritas em um “fazer” ou “não fazer”, que resultam em relações

jurídicas, hábeis ao bom exercício e fiel cumprimento da tributação (controle,

arrecadação, apuração, fiscalização e conhecimento dos valores devidos a

título de tributo).

A multa criará, sim, um vínculo obrigacional que é denominado de

tributário no CTN, mas que constitui uma mera obrigação de pagamento de

dinheiro ao Estado, uma “sanção aflitiva de um preceito que impõe um

comportamento determinado”107. Em suma: decorre do tributo, está inserida no

contexto de vínculo tributário, mas não tem natureza tributária, pois seu

conteúdo em nada converge para o que se denomina de tributo.

                                                            106 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 853. 107 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

37.

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Assim, conclui-se que há uma obrigação tributária patrimonial, que

consiste, estritamente, na relação jurídica entre sujeito ativo e passivo, com

objetivo de adimplemento do tributo, e uma obrigação tributária instrumental,

configurada na relação de jurídica com objetivos de atender ao interesse da

arrecadação ou da fiscalização dos tributos, mediante a obrigação de condutas

(fazer ou não fazer) a serem prestadas pelo sujeito passivo.

Fala-se em obrigação tributária instrumental porque versada em

enunciados prescritivos que têm

[…] por finalidade prover a pessoa competente (que exerce a função de fiscalização) de informações a respeito (i) da ocorrência de fatos jurídicos que ensejam o nascimento de obrigações tributárias materiais; e (ii) de adimplemento pelo sujeito passivo veiculado no mandamento da norma jurídica tributária […] A obrigação tributária instrumental visa a instrumentalizar a função estatal consistente na apuração da ocorrência de fatos jurídicos tributário e eventual adimplemento da obrigação tributária substantiva […] a finalidade dessa norma jurídica é abastecer com informações a pessoa credenciada pelo ordenamento jurídico para uma específica atividade, instrumentalizando sua atuação, reputamos oportuno designar a norma jurídica que veicula essa prescrição de norma jurídica instrumental e a relação jurídica formada entre seus sujeitos e respectivo objeto (bem jurídico) obrigação tributária instrumental108.

A adoção da terminologia “obrigação tributária instrumental” invés de

“dever instrumental”, deve-se ao fato de não se reputar requisito necessário da

obrigação tributária (ou qualquer outra obrigação) o caráter patrimonial, pois,

como já dito anteriormente, a obrigação é conceito jurídico-positivo; dessa

forma, para sua construção, deve-se observar o ordenamento jurídico, que,

atualmente, prevê obrigação essencialmente patrimonial (como a de pagar o

tributo e penalidade pecuniárias), mas também prescreve obrigações não

patrimoniais, tendo em vista que obriga o sacrifício de interesse próprio em

benefício de interesse alheio, como no caso das obrigações tributárias

instrumentais.

                                                            108 ZOCKUN, Maurício Garcia Pallares. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória.

São Paulo: Malheiros, 2005, p. 124-125.

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3.5 Fato jurídico tributário e vínculo obrigacional

Como bem disse Tércio Sampaio Ferraz Júnior109, é preciso fazer a

distinção entre fato e evento. Nessa linha, evento é um acontecimento

qualquer, despido de organização linguística. Fato é a conferência de realidade

ao evento, ou seja, um elemento linguístico que possibilita a organização de

uma situação como realidade. Já o fato jurídico é aquele que produz efeitos na

ordem jurídica, ou seja, que relata o evento em linguagem jurídica.

Exemplificando o assunto, o autor diz que

[…] a travessia do Rubicão por César é evento. Todavia, ‘César atravessou o Rubicão’ é um fato. Quando, pois, dizemos que ‘é um fato que César atravessou o Rubicão’, conferimos realidade ao evento. “Fato” não é, pois, algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade. A possibilidade de usar o elemento ‘é fato que’ depende, porém, de regras estruturais. Pode ser usado para o passado e o presente, mas não para o futuro (‘é fato que amanhã vai chover’)110.

De início, é válido esclarecer que não há diferença entre incidência e

aplicação do direito, tendo em vista que a norma não incide sozinha. Frise-se

que o direito precisa de um aplicador para construir o sentido dos suportes

físicos do direito posto. Portanto, não há incidência se não houver o ser humano

para buscar fundamento de validade em norma jurídica geral e abstrata e

construir a norma individual e concreta para aplicá-la ao fato juridicamente

relevante ocorrido.

O fenômeno da incidência ocorre quando o aplicador do direito

observa, no plano do “dever-ser”, as classes de hipótese e consequente, e,

partindo dos eventos, constituindo-os em fatos e relações sociais ocorridos no

plano do “ser”, verifica se houve uma inclusão de classes tanto na hipótese

quanto no consequente e, em caso positivo, partirá para as operações lógicas

entre conceitos, a subsunção e relação de causalidade jurídica, fazendo com

que a norma geral e abstrata construída a partir da estrutura (HC) incida na

                                                            109 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,

Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 244. 110 Ibid., loc. cit.

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norma individual e concreta construída a partir dos fatos ocorridos. Aduz o

Professor Paulo de Barros sobre as duas operações: “subsunção do fato

concreto à classe de fatos descrita na hipótese e a relação de causalidade entre

o fato concreto e o efeito previsto no consequente, por força da implicação

normativa”111.

É que as normas gerais e abstratas não ferem diretamente as condutas intersubjetivas, para regulá-las. Exigem o processo de positivação, vale dizer, reclamam a presença de norma individual e concreta a fim de que a disciplina prevista para a generalidade dos casos possa chegar ao sucesso efetivamente ocorrido, modalizando deonticamente as condutas.112

Portanto, para que a norma individual e concreta seja sacada deve

haver sua materialização em linguagem competente. Nessa linha é dito “que o

impacto da exação fica na contingência desse expediente de individualização,

cumprido por agente competente e por intermédio de linguagem”113. Assim,

ocorrendo no mundo dos eventos, constituindo-se o fato descrito na hipótese

da regra-matriz de incidência tributária e havendo a aplicação da norma, surge

um vínculo obrigacional, denominado de obrigação tributária, deonticamente

modalizado como obrigatório.

3.5.1 Causalidade e relação no direito

Analisando a estrutura da norma jurídica, verifica-se que, quando da

sua construção, o intérprete se depara com duas proposições intranormativas,

que são o antecedente e consequente. Para que a norma incida, o aplicador do

direito fará operações lógicas dentro das referidas proposições, sendo a

subsunção no descritor e a relação de causalidade jurídica no prescritor.

A causalidade jurídica é a operação lógica realizada pelo aplicador

entre o fato jurídico e o efeito previsto no consequente, sendo tal por força da

                                                            111 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 136. 112 Ibid., p. 135. 113 Ibid., loc. cit.

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implicação normativa. É uma relação causa/efeito. É um nexo que foi estatuído

pelas normas e, como tal, será uma relação formal, ou seja, lógica.

Kelsen114 distingue as leis da natureza, submetidas ao princípio da

causalidade física, e as leis jurídicas, organizadas pela imputação deôntica. Na

primeira, a síntese do ser; aqui, na segunda, do dever-ser.

Dentro da estrutura lógica da norma jurídica, encontra-se um “dever-

ser” modalizado num dos operadores deônticos (permitido, proibido e

obrigatório), que estará inserido no consequente da norma, dentro da

proposição-tese, o que lhe confere caráter intraproposicional e o permite

aproximar dois ou mais sujeitos, em torno de uma conduta prescrita que deve

ser cumprida por um e pode ser exigida pelo outro.

É possível afirmar que a imputação é sinônima de causalidade jurídica,

tendo em vista que ambas constituem uma relação implicacional, modalizadas

pelo “dever-ser”, prescritas por uma autoridade competente.

A diferença entre a causalidade jurídica e causalidade natural consiste

no fato de a primeira não se dar naturalmente, seu valor de verdade ser válido

ou inválido. Já a causalidade natural ocorre, como próprio nome diz,

naturalmente, e seu valor da verdade é verdadeiro ou falso.

Como ensina Paulo de Barros Carvalho,

[…] na região do jurídico, porém, o dever-ser estará sempre ligado às condutas inter-humanas, tendo, portanto, significação, ainda que nada denote, pois não aponta para objetos do mundo, inexistindo fatos ou situações que lhe possam especificamente corresponder”115.

É por isso que a causalidade jurídica sempre vinculará sujeitos de

direito, criando uma relação jurídica entre eles.

                                                            114 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo:

WMF Martins Fontes, 2009, p. 86-91. 115 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 125.

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4 RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA

4.1 Teoria das relações e aplicação ao Direito

Considerando que o direito positivo é um sistema, deve-se levar em

conta que as proposições que constam do direito são as partes do sistema e

que, ali onde houver sistema, haverá relações e elementos que se articulam

segundo leis; tem-se que os elementos (proposições) obedecem em sua

composição interior a leis de formação ou de construção.

Assim, é possível concluir que as estruturas formais normativas

possíveis são:

a) uma hipótese implica uma só consequência;

b) várias hipóteses implicam uma só consequência;

c) várias hipóteses implicam várias consequências;

d) uma hipótese implica várias consequências.

Pois, como ensina o Professor Paulo de Barros Carvalho,

[…] a Teoria das Relações (ou Lógica dos Predicados Poliádicos) não admite outras junções, somente essas: a) um com um; b) um com vários; c) vários com um; e d) vários com vários. E o legislador, como todos os demais seres pensantes, será prisioneiro dessa combinatória formal116.

A relação jurídica como vínculo existente entre sujeitos de direito é

marcada pela irreflexibilidade, tendo em vista que o direito regula, apenas,

condutas intersubjetivas. Diz-se reflexiva a relação na qual um sujeito ocupa a

posição de predecessor e sucessor, ou seja, os dois polos da relação.

No tocante à simetria, as relações jurídicas são assimétricas, uma vez

que os polos ativo e passivo trazem, sempre, condutas inversas entre os

sujeitos de direito. A conversa não será a mesma. “Relação conversa é aquela

                                                            116 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 114.

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que se obtém pela inversão da ordem de sucessão de seus membros. Opera-

se uma troca de posições, em que o sucessor passa ao tópico de predecessor

e este assume o lugar do sucessor”117.

Esse raciocínio é também decorrente da Lógica dos predicados

poliádicos.

4.2 Da relação jurídica em geral

O direito como objeto cultural é criação do homem hábil a regular

condutas humanas e estrutura-se através de um conjunto de normas válidas

em determinado tempo e espaço.

Consoante dito anteriormente, as normas jurídicas são dotadas de

homogeneidade sintática, razão pela qual será possível, sempre, observá-las a

partir de juízo hipotético-condicional (HC). Assim, dada a referida hipótese,

há a implicação da consequência.

A partir da análise da regra-matriz de incidência, foi aprendido que o

consequente é dotado de um critério pessoal, ou seja, dispõe quais sujeitos

estão vinculados a partir da implicação decorrente da hipótese.

Afirma Lourival Vilanova que “as relações jurídicas são jurídicas pelo

conteúdo social da conduta e dos fatos naturais relevantes para a conduta

juridicamente conformada […] Fora do universo jurídico, inexistem faculdades,

pretensões, obrigações, deveres, que implicam relações”118.

A relação jurídica nada mais é que um vínculo abstrato que une os

sujeitos de direito, e que, mediante a constituição do fato descrito na hipótese,

verifica a imputação de uma consequência, modalizada em obrigatório,

permitido ou proibido.

                                                            117 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 106. 118 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 116.

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66

  

Conforme dito acima, a relação jurídica é sempre intersubjetiva, tendo

em vista que ao Direito não interessam fatos intrassubjetivos. Assim, a conduta

é fato-de-relação.

Desdobra-se como ação ou omissão, que percute na conduta de outrem. Outrem é pronome pessoal indefinido. É qualquer outra pessoa. Não outra coisa. A relação imediata sujeito/coisa só é juridicamente relevante se mediatamente existe a relação sujeito a sujeito.119

No direito, pode-se dizer que há relações jurídicas em sentido amplo –

consiste na multiplicidade de conexões existente entre o repertório do sistema

jurídico, formando sua estrutura – e relação jurídica em sentido estrito – um

vínculo abstrato, presente no consequente da norma individual, decorrente de

uma imputação normativa, no qual uma pessoa (sujeito ativo) tem o direito

subjetivo de exigir uma prestação de outra (sujeito passivo), tendo esta última

o dever jurídico de adimpli-la.

Para estabelecer a existência de relações, é preciso a construção de

enunciados. As relações jurídicas são enunciados fáticos. O antecedente e

consequente da norma geral e abstrata figuram como enunciado conotativo,

tendo em vista que apontam notas e propriedades de que podem ser sujeitos

da referida relação. Já quanto à norma individual e concreta, fala-se em

enunciado denotativo, pois apontam-se os elementos constitutivos da

relação120.

Sabe-se que a relação jurídica sempre é estabelecida no presente para

o futuro. Assim, os efeitos produzidos são sempre do presente para o futuro,

numa linha cronológica desde o nascimento da relação jurídica. Mas, quando

se trata de efeitos retroativos, estes, apesar da nomenclatura, ainda operam

para o futuro, tendo em vista que eles não operam sobre a relação já existente

e, sim, constituem uma nova relação que extingue os efeitos da anterior,

                                                            119 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 111. 120 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 199.

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consequentemente dando margem ao surgimento de outras relações até então

impossíveis.

As relações jurídicas, enquanto enunciados, podem ser extintas em

três hipóteses: a) quando há falha de produção, em decorrência de erro na

enunciação; b) quando há falha na materialidade, quando não se prova o

suporte fático; e c) quando há a desconstituição do fato jurídico que deu causa

à relação.

Até agora só foi falado da relação enquanto objeto topológico do

consequente, mas há a possibilidade de uma relação jurídica ocupar a posição

do fato jurídico.

Tal fenômeno ocorre quando o legislador, no exercício de sua

liberdade, elege uma relação jurídica, ora prescrita no consequente de uma

norma jurídica, para compor o antecedente de outra norma jurídica, ou seja,

como fato jurídico.

Como exemplo, pode-se trazer a relação jurídico-tributária: ocorrida a

hipótese de incidência tributária, surge a relação jurídica entre o contribuinte e

o fisco; o adimplemento dessa relação é constitutivo do direito à certidão

negativa.

4.2.1 Relação no Direito Público

A relação no direito público, assim como no direito privado, possui em

seus extremos, compondo sua estrutura, o que, tecnicamente, são

denominados de sujeitos de direito121.

Assim, cabe lembrar que os

[…] termos-sujeitos das relações jurídicas podem ser pessoas individuais ou coletivas, privadas ou públicas, estas de direito interno ou de direito internacional. A publicização de uma relação não é determinada pelo titular da relação. Assim, a

                                                            121 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 251.

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pessoa física pode ingressar em relação publicística […] o Estado e outros entes públicos não publicizam sempre a relação em que tomam parte122.

O Estado manifesta sua vontade através das pessoas que compõem

seus quadros e estruturam seu aparato, que são os agentes públicos.

Para que haja Estado é o necessária a existência de um povo (grupo

de pessoas), de um território (espaço físico) e de poder (competências,

funções). Em outras palavras: “há Estado se uma coletividade estabiliza-se

espacialmente e se provê de indivíduo-órgão para o exercício do Poder”123.

O Estado é o responsável por administrar a coisa pública. Atualmente,

no Brasil, há três blocos orgânicos que compõem, diretamente, a Administração

Pública, exercendo, cada um, uma função preponderante, que fora conferida

ao Estado, quais sejam: Executiva, Legislativa e Judiciária.

A desconcentração estatal em órgãos não lhes confere personalidade

jurídica, tendo em vista que são apenas parte de um todo. São plexos de

competências, razão pela qual possuem apenas capacidade judiciária para

defendê-las. Eis o motivo pelo qual os órgãos fazendários não ocupam a

qualidade de sujeito de direito na relação jurídica tributária, mas apenas

cumprem suas funções designadas pelas pessoas políticas da qual fazem

parte.

4.3 Sujeitos da relação jurídico-tributária

A relação jurídica-tributária é uma relação de direito público, tendo em

vista que se manifesta através de atos administrativos.

Celso Antônio Bandeira de Mello define ato administrativo como a

[…] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante

                                                            122 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 253. 123 Ibid., p. 255.

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providências jurídicas complementares da lei a título de lha dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional124.

Com a constituição do ato administrativo, o agente exprime sua

vontade, que, por sua vez, vale como vontade do órgão; em consequência, será

a vontade do Estado125.

A República Federativa do Brasil é composta, consoante dispõe a

Constituição de 1988, pela união dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Assim, a relação jurídica em matéria tributária não difere das demais,

terá um sujeito ativo e um sujeito passivo.

Em regra, esse sujeito ativo se confundirá com o detentor da

competência tributária, ou seja, com aquele que pode criar e instituir o tributo.

Mas não se pode olvidar das hipóteses nas quais pode haver a delegação da

capacidade tributária ativa.

Ensina Roque Antonio Carrazza que, havendo delegação da

capacidade tributária ativa, “duas situações jurídicas podem surgir,

dependendo, evidentemente, do que a lei específica estipular: 1) a terceira

pessoa arrecada o tributo em seu próprio nome, mas para a entidade tributante;

2) a terceira pessoa arrecada o tributo para si próprio, vale dizer, para o

implemento de suas finalidades”126

Quanto ao sujeito passivo da relação jurídica, será aquele incumbido

de realizar a prestação; por óbvio é essa a conclusão a que se chega a partir

de uma análise de toda e qualquer relação de cunho obrigacional. O sujeito

passivo é o obrigado a fazer o comportamento da prestação por força de uma

relação jurídica.

                                                            124 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 389. 125 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 284. 126 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 252.

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Todavia, em matéria de sujeição passiva tributária, há, como se disse

anteriormente, a possiblidade de uma relação jurídica (A’) ocupar a posição de

fato (F’) que implica outra relação (A’’) entre sujeitos diversos da primeira

relação; assim sendo, nem sempre a obrigação de prestar na relação (A’) será

adimplida pelo ocupante do polo passivo desta.

Assim, nos capítulos a seguir serão discutidos os fundamentos

constitucionais da sujeição passiva tributária, com intuito de delimitar quem

pode ser sujeito passivo em matéria tributária.

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5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO SUJEITO PASSIVO

DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

5.1 Princípio da legalidade

Costuma-se atribuir à Magna Carta de 1215 a introdução da prescrição

de que seria proibida a imposição de prestação pecuniária que não fosse

deliberada pelos órgãos legislativos – aprovação de lei ou consentimento dos

representantes da nação. Todavia, a origem é encontrada em momento

anterior; e.g., na Inglaterra o Rei exigia dos vassalos impostos e recebia

subsídios pelo Direito Consuetudinário, que, embora praticamente impossível,

tinha a possibilidade de impugnar as cobranças.127

A transmutação do consenso individual (Rei) para o coletivo

(colegiados) é noticiada no ano de 1179 com o Lateran Council, no qual,

mediante manifestação dos arquidiáconos, houve a proibição aos bispos de

taxar o clero without their consent.

Para custear as despesas da cruzada contra Saladino, corpos colegiais

realizaram três assembleias para decidirem a respeito da instituição de um

tributo no montante de 10% sobre a renda (the saladin tithe), a ser pago tanto

pelos leigos quanto pelo clero. Em que pese a participação do Rei nas

assembleias, sua atuação era no sentido de obter o consentimento dos

contribuintes ao pagamento do tributo.

Em 1192, com intuito de resgatar Ricardo I, aprisionado pelo Duque da

Áustria, e confiá-lo a Henrique IV, convocaram-se reuniões e assembleias nas

quais restou deliberada a exigência de prestações pecuniárias do clero e dos

vassalos. Apesar de consuetudinária, a ajuda para pagar contou com o

consentimento de todos os tenants, o que foi essencial para recolher a soma

de cem mil libras esterlinas.

                                                            127 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco

Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 09-20.

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Houve, também, The Oxford debate on foreign services, no ano de

1197, cujo objeto da assembleia foi a instituição de uma prestação pecuniária

que viesse a substituir o dever de prestar o serviço militar exigido pelo Rei.

Já no ano de 1207, embora tenha havido um dissenso no clero,

consentiu-se o lançamento e arrecadação de um imposto equivalente a 1/13

(um treze avos) das rendas, sendo este pago por todos os proprietários de

terras dos tenants in chief. O objetivo de tal arrecadação seria reconquistar

terras perdidas na França.

Todavia, apesar de todos esses episódios pretéritos, o povo ainda

sofria com o peso e as injustiças nas exigências financeiras e com atos de

autoridade do Rei, sendo somente no reinado de João Sem Terra que os

barões se rebelaram, não deixando outra alternativa ao Rei senão acatar o

texto que lhe apresentaram, editando-se, assim, a Magna Charta. Dessa forma,

no ano de 1215, foi quando, de forma escrita, o Rei deveria obter prévio

consentimento dos representantes da nação para arrecadar prestações

financeiras.

Em seguida, houve a compilação da Petition of Rights (1628) e anos

depois foi estabelecida a Bill of Rights (1689), ambas com a prescrição que

ninguém do povo poderia ser compelido a pagar tributo sem que houvesse

consentimento do Parlamento.

Frise-se que esse breve escorço histórico, no qual se deitam as raízes

do princípio da legalidade, está restrito à Inglaterra, mas, ainda na Idade Média,

outros Estados já prescreviam a necessidade de o Monarca obter

consentimento dos súditos para instituição de tributos, por exemplo, Espanha,

França e Itália.

Após as revoluções francesa e norte-americana, surge, no ocidente, a

constitucionalização dos direitos. Foi a partir daí que se reconhece

constitucionalmente o princípio da legalidade tributária. Nesse passo, a

Constituição norte-americana de 1787 atribuiu ao Congresso o poder de dispor

sobre a instituição e arrecadação de tributos. Mais tarde, esse exemplo foi

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seguido na Declaração de Direitos, de 1789, ao prescrever que o imposto não

poderia ser votado senão pela nação ou seus representantes.128

No Brasil, há a presença do princípio da legalidade em todas as

Constituições.

Na Constituição do Império, a legalidade veio de forma genérica, ou

seja, o cidadão não poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão

em virtude de lei, sendo omissa em matéria tributária.

Com advento da proclamação da república (1889) e sua primeira

Constituição (1891), além da legalidade genérica, restou prescrita a legalidade

tributária, na qual: “nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado,

senão em virtude de uma lei que o autorize” (art. 72, § 30, CR de 1891).

A Constituição de 1934 prescreveu o princípio da legalidade (genérico)

no artigo 113, inciso II. Já em matéria tributária, o artigo 17, inciso VII,

prescrevia a vedação de cobrar quaisquer tributos sem lei.

Apesar do regime ditatorial, a Constituição de 1937 vedava a expedição

de decretos-leis para regular impostos durante o recesso do Parlamento ou em

caso de dissolução da Câmara. Mas, em virtude das peculiaridades do regime

político da época, a matéria tributária permaneceu sob a égide de uma

disposição transitória, na qual era autorizado ao Presidente da República

expedir decretos-leis enquanto não reunido o Parlamento.129

A Constituição de 1946 também prescreveu o princípio da legalidade

em sua forma genérica e específica em matéria tributária; ambos os enunciados

vinham expressos no artigo 141, § 2º e § 34, respectivamente.

Em 1967, o Brasil recebe uma nova Constituição; esta é a primeira a

dispor de um capítulo exclusivo ao Sistema Tributário, sendo o artigo 20, inciso

I, o responsável por prescrever a legalidade tributária. A emenda nº 1, de 1969,

                                                            128 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco

Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 20-29. 129 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Porto Alegre:

Forense, 2010, p. 57.

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que alterou radicalmente a Constituição de 1967, não revogou o princípio da

legalidade tributária, apenas alterou sua topografia na Constituição,

correspondendo então ao enunciado do artigo 19, inciso I.

Atualmente, estamos sob a vigência da Constituição de 1988, em cujo

art. 5º, inciso II, em termos genéricos, o princípio da legalidade está positivado:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”. Na mesma linha das Constituições anteriores e para assegurar

o cumprimento da legalidade em matéria tributária, o constituinte acrescentou

que, “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar

tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150, inciso I).

A partir da noção de Estado de Direito, legalidade e igualdade, Alberto

Xavier130 destaca um ponto comum na doutrina a respeito do tema:

É que a noção de Estado de Direito, pelo menos, na sua formulação original, reveste um duplo sentido, material e formal: o conteúdo material do Estado de Direito está na afirmação de que a finalidade essencial do Estado consiste na realização da justiça, concebida, sobretudo, com uma rigorosa delimitação da livre esfera dos cidadãos, em ordem a prevenir o arbítrio do poder e a dar, assim, a maior expressão possível à segurança jurídica; o aspecto formal do Estado de Direito, por seu turno, envolve basicamente a ideia de que, na realização dos seus fins, o Estado deve exclusivamente utilizar as formas jurídicas, de que sobressai a lei formal. Por outras palavras: o Estado de Direito foi, ao menos inicialmente, concebido como aquele que tem por fim o Direito e atua segundo o Direito; isto é, aquele que tem a justiça por fim e a lei como meio da sua realização.

Observa-se que o princípio da legalidade funciona como um dos

mecanismos de realização da justiça, valor permanentemente buscado e

protegido pelo Direito.

O que se pode verificar é que o princípio da legalidade traduz a ideia

de que: i) os tributos somente serão criados por meio de lei formal, cuja

competência, num Estado no qual há estrita separação de poderes, será dos

                                                            130 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e Tipicidade da Tributação. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1978, p. 08.

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órgãos legislativos; ii) por vivermos num Estado de Direito, as intervenções

estatais nas esferas de liberdade e propriedade dos cidadãos necessitam de

leis que as autorizem, ou seja, estão sob uma reserva de lei (atributo verificado

no artigo 37 da Constituição da República)131.

A reserva de lei impõe que, para o exercício de todo e qualquer ato

administrativo, haja autorização legal ainda que não intervenha diretamente no

âmbito privado. A doutrina classifica a reserva de lei em duas espécies, reserva

de lei material e formal, distinguindo-as da seguinte forma:

No primeiro caso, basta que a conduta da Administração seja autorizada por uma qualquer norma geral e abstrata, seja ela a lei constitucional, a lei ordinária ou mesmo regulamento. No segundo caso, torna-se necessário que o fundamento legal do comportamento do órgão executivo seja um ato normativo dotado de força de lei, isto é, de um ato provindo de órgão com competência legislativa norma e revestido da forma externa legalmente prescrita.132

Desse modo, os cidadãos possuem duas garantias em relação ao

Fisco: i) material – só podem ser compelidos a pagar tributos criados por lei

pela pessoa competente; ii) formal – é assegurado o direito de prestação

jurisdicional a fim de verificar se a Administração Fazendária agiu ou está

agindo consoante determina a lei, na cobrança dos tributos.

Todavia, não basta a mera exigência de uma lei, tratando-se de

legalidade tributária, há necessidade de uma reserva absoluta de lei.

A reserva “absoluta” de lei consiste na

[…] exigência constitucional de que a lei deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto, ao invés do que sucede na “reserva relativa”, em que muito embora seja indispensável a lei como fundamento para as intervenções da Administração nas esferas de liberdade e propriedade dos cidadãos, ela não tem que fornecer necessariamente o critério de decisão no caso

                                                            131 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e Tipicidade da Tributação. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1978, p. 07. 132 Ibid., p. 17-18.

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concreto, que o legislador pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito, administrador ou juiz.133

O Supremo Tribunal Federal inclina-se para o referido posicionamento,

conforme se apreende do julgado abaixo:

Mediante o reconhecimento da natureza tributária, a exação deve sujeitar-se a todas as limitações ao poder de tributar, notadamente naquilo que tange à observância do princípio da legalidade tributária.

A reserva absoluta de lei tributária requer que o legislador estabeleça todos os elementos da regra-matriz de incidência tributária, afastando, portanto, a possibilidade de que a Administração tributária ou outras entidades com capacidade tributária ativa venham a editar atos que integrem a norma tributária impositiva no caso concreto.134

Assim, é possível afirmar que a reserva absoluta de lei faz com que o

princípio da legalidade tributária se exprima como um princípio da tipicidade da

tributação.

A tipicidade da tributação tem como mecanismos de realização o

princípio da seleção, princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo

e o princípio da determinação.135

O princípio da seleção assevera que os tributos devem ser descritos

em tipos que exprimam uma seleção das realidades que se pretende tributar.

Já o princípio do numerus clausus impõe que a tipologia tributária seja taxativa;

de outro modo, o fato tributário é um fato típico que, para produzir seus efeitos,

precisa que haja o preenchimento de todos os elementos descritos em lei. O

princípio do exclusivismo exprime a ideia de conformação entre as condutas

realizadas e os tipos tributários, e não só é necessário como também suficiente

à tributação (art. 114 do CTN – “situação definida em lei como necessária e

suficiente à sua ocorrência”). Já o princípio da determinação prescreve que os

elementos do tipo tributário devem ser precisos e determinados o suficiente, de

                                                            133 XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo:

Dialética, 2001, p. 17-18. 134 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 829.272/RS, Rel. Ministro Luís Roberto

Barroso. 135 XAVIER, Alberto, op. cit., p. 18.

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modo que o órgão aplicador não possa introduzir critérios subjetivos de

apreciação quando da aplicação da norma.

Considerando a noção de tipicidade da tributação, percebe-se que o

Fisco deve atuar mediante a existência de lei e conforme esta autoriza e

determina. A inocorrência deste comportamento importa na

inconstitucionalidade do tributo, garante ao cidadão o direito de não o recolher

e impõe ao Judiciário, assim que provocado, o dever de tutelar a pretensão do

jurisdicionado.

Sabe-se que a Constituição da República fixa um núcleo essencial das

hipóteses de incidência136 no tocante aos tributos nela elencados, o que, de

modo geral, torna implícita a base de cálculo e o sujeito passivo.

Com esta descrição do núcleo essencial dos tipos tributários a Constituição desempenha uma dupla função: uma função horizontal de repartição de competências tributárias entre os entes políticos integrantes da Federação, atribuindo a cada um o poder de tributar certas classes de fatos geradores; e uma função vertical, garantística, dirigida aos cidadãos, pela qual se estabelece um catálogo seletivo das manifestações de capacidade contributiva potencialmente sujeitas à tributação, fora do qual o poder tributário não pode ser exercido.137

Quando texto constitucional trata, no artigo 146, inciso III, alínea “a”, da

“definição de tributos e de suas espécies […] dos respectivos fatos geradores,

bases de cálculo e contribuintes”, deve o legislador entender que sua atividade

encontra-se pautada, muitas vezes, na determinação da extensão (conotação)

e elementos (denotação) dos conteúdos semânticos dos conceitos

constitucionais, devendo, assim, explicitar o que está implícito e conformar o

que está autorizado.

                                                            136 XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo:

Dialética, 2001, p. 22. 137 Ibid., p. 23.

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5.2 Princípio da igualdade

Uma das características mais marcantes quando se trata de Estado de

Direito é a prescrição de igualdade de direitos e deveres dos cidadãos,

estatuída nas Constituições.

Segundo Victor Uckmar, a igualdade no âmbito tributário pode ser vista

em dois sentidos:

a) em sentido jurídico, como paridade de posição com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idênticas situações sejam submetidos a idêntico regime fiscal;

b) em sentido econômico, como dever de contribuir aos encargos públicos em igual medida, entendida em termos de sacrifício, isto é, como melhor será visto a seguir, em relação à capacidade contributiva dos indivíduos.138

A Constituição da República em seu artigo 5º, caput, prescreve que

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, instituindo

expressamente o princípio da igualdade no direito pátrio.

Há de se frisar que o princípio da igualdade não se restringe apenas a

atingir um nivelamento entre os cidadãos diante do direito positivo posto, mas

visa, também, à própria edição da lei em conformidade com a isonomia.

Outro ponto salutar é o fato de tanto o aplicador da lei quanto o próprio

legislador estarem adstritos aos limites do princípio da igualdade. Não há

sentido apenas nivelar os cidadãos; toda produção legislativa deve estar sujeita

ao tratamento igualitário entre as pessoas.

A necessidade de tratamento equânime entre todos os cidadãos não

deriva apenas do Estado Democrático de Direito, nem dos ideais republicanos,

mas, também, pelo fato de a lei ser um instrumento regulador de condutas

                                                            138 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco

Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 54.

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humanas, da vida social, daí se afirmar que “a lei não deve ser fonte de

privilégios ou perseguições”.139

Em suma, o que se persegue com o princípio da igualdade é

impossibilitar desequiparações fortuitas ou injustificadas. Dessa forma, tolhem-

se favoritismos e propicia-se uma garantia individual. Pois, no Direito não é

suficiente saber se os sujeitos são ou não são iguais (igualdade descritiva).

Importa saber, também, se as pessoas devem ou não devem ser tratadas de

forma igual (igualdade prescritiva).

Eis o motivo pelo qual Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que

[…] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.140

É que a igualdade necessariamente pressupõe uma relação entre

sujeitos, marcada por um critério de diferenciação, devendo este ser utilizado

para atingir determinada finalidade, cotejando os sujeitos, a partir da

observação das propriedades escolhidas e havidas como relevantes, que

possuam ligação com a referida finalidade.

Ensina Humberto Ávila que

A igualdade pode, portanto, ser definida como sendo a relação entre dois ou mais sujeitos, com base em medida(s) ou critério(s) de comparação, aferido(s) por meio de elemento(s) indicativo(s), que serve(m) de instrumento para a realização de uma determinada finalidade.141

Os critérios para aferir se houve desrespeito ou não à isonomia são:

1. dissecar a regra-matriz de incidência tributária em seus cinco critérios;

                                                            139 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São

Paulo: Malheiros, 2012, p. 10. 140 Ibid., p. 17, grifos do autor. 141 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 42.

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2. identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma analisada;

3. verificar se há correlação lógica entre o elemento de discriminação e a diferenciação de tratamento procedida; e,

4. investigar se há relação de subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto constitucional.142

O princípio da isonomia tributária está prescrito no artigo 150, inciso II,

da CR, no qual há a vedação de a União, Estados, Distrito Federal e Municípios

[…] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Um exemplo de diferenciação de tratamento procedida pela legislação

está prescrito na própria Constituição, quando afirma que cabe à lei

complementar a “definição de tratamento diferenciado e favorecido para as

microempresas e para as empresas de pequeno porte” (art. 146, inciso III,

alínea “d”).

O tratamento tributário diferenciado e favorecido a tais empresas

decorre de uma necessidade de mercado; a indústria e as empresas de grande

porte precisam de micro e pequenas empresas para dar suporte no consumo

de bens e serviços. Todavia, a carga tributária padrão incidente sobre as

pessoas jurídicas muitas vezes torna inviável o desenvolvimento da atividade e

da livre-iniciativa dado os altos custos financeiros.

Outro exemplo é o caso de isenções concedidas sem que o fator de

discriminação tenha correlação lógica com a diferenciação do tratamento

concedido aos sujeitos da relação jurídico-tributária.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (CF, ART. 155, § 2º, XII, ‘g’). DESCUMPRIMENTO. RISCO DE DESEQUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO. GUERRA

                                                            142 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993,

p. 75.

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FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO À OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEIS POR OFICIAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (CF, ART. 150, II). DISTINÇÃO DE TRATAMENTO EM RAZÃO DE FUNÇÃO SEM QUALQUER BASE RAZOÁVEL A JUSTIFICAR O DISCRIMEN. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. 2. In casu, padece de inconstitucionalidade formal a Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988. Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6596575. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 20Ementa e Acórdão ADI 4276 / MT 3. A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes “em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.143

O Ministro Luiz Fux julgou procedente, declarando a

inconstitucionalidade da lei mato-grossense. Dentre os argumentos levantados

restou considerada a ofensa ao princípio da isonomia tributária, tendo em vista

que a lei atacada instituía tratamento desigual entre contribuintes que se

encontravam em situações equivalentes, pois promovia uma distinção em

razão de ocupação profissional ou função por eles exercida.

Nessa linha, afirma o Ministro Fux que

Não só os oficiais de justiça estaduais fazem uso, no amplo leque de categorias que compõem o funcionalismo público, dos respectivos carros particulares para o cumprimento de deveres

                                                            143 ADI 4.276, Rel. Min. Luiz Fux.

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funcionais, de modo que não se faz presente qualquer justificativa plausível para o tratamento pontual estabelecido na lei em pauta.144

Em outras palavras, a lei prescrevia privilégios e favoritismos à classe

dos oficiais de justiça, fulminando as finalidades da Constituição da República

no que diz respeito à igualdade. Já que, apesar de a faculdade ser da essência

do poder de tributar, “a exigência da igualdade fiscal deve, pois, se harmonizar

com as desigualdades econômicas, ou de outra natureza, em função das quais,

e somente delas, o poder tributário se há de exercitar com justiça”.145

5.3 Princípio da capacidade contributiva

A noção de que cada cidadão deve contribuir para as despesas da

coletividade, em razão da sua capacidade econômica, data de tempos remotos,

tendo em vista que há relatos de tal princípio entre os antigos egípcios. Mas,

apesar de a expressão “capacidade contributiva” ter sido usada por diversas

leis de matéria tributária da Idade Média e por algumas leis datadas dos

primeiros séculos da Idade Moderna, convenciona-se que seu estudo como

princípio, algo preciso e coerente, decorre do estudo das disciplinas

econômicas, regidas pelas Ciências das Finanças.146

No Brasil, as Constituições do Império, de 1891, de 1934 e de 1937,

foram todas omissas quanto a enunciados que tratassem da capacidade

contributiva. Apenas em 1946 os brasileiros tiveram expressamente no texto

constitucional que os tributos teriam caráter pessoal sempre que possível e

deveriam ser graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes.

Mas, com advento da Emenda Constitucional 18, de 01/12/1965, veio o

                                                            144 ADI 4.276, Rel. Min. Luiz Fux. 145 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e "Due Process Of Law".

2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 136. 146 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,

2010, p. 513-514.

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retrocesso e a supressão do enunciado que tratava da capacidade contributiva,

permanecendo a omissão tanto na Constituição de 1967 e emendas.147

É expresso no art. 145, § 1º da Constituição vigente que,

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Assim, percebe-se que a Constituição de 1988 prescreve o princípio da

capacidade contributiva nas exações tributárias pátrias.

Considerando que a capacidade contributiva aqui estudada, apesar

das menções às Ciências das Finanças e disciplinas econômicas, é um

conceito a ser trabalhado no plano jurídico-positivo, objetivando-se afastar a

ambiguidade que a expressão porta. Pois, como bem ensina Becker148:

Dizer que as despesas públicas devem ser partilhadas entre os contribuintes conforme as respectivas possiblidades de suportar o peso do tributo é incorrer numa tautologia: as palavras ‘capacidade contributiva’, sem alguma outra especificação, não constituem um conceito científico. Elas nem oferecem um metro para determinar a prestação do contribuinte e para adequá-la às prestações dos demais; nem dizem se existe e qual seja o limite dos tributos. Esta expressão, por si mesma, é recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos; trata-se de locução ambígua que se presta às mais variadas interpretações.

A doutrina aponta dois tipos de capacidade contributiva: i) absoluta ou

objetiva; ii) relativa ou subjetiva.

A capacidade contributiva absoluta ou objetiva revela-se quando se

verifica um fato que se constitua em manifestação de riqueza, ou seja,

coaduna-se com a atividade de eleição feita pelo legislador, ao colher eventos

que denotem situações aptas para custeio das despesas públicas. Dessa

                                                            147 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros,

2012, p. 21-22. 148 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,

2010, p. 515.

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forma, a colheita de tais eventos aponta para a existência de um sujeito passivo

em potencial.149

No tocante à capacidade contributiva relativa ou subjetiva, tem-se,

como o próprio nome sugere, a individualização do sujeito, referindo-se à

aptidão de contribuir na medida das condições econômicas pessoais. Logo, o

sujeito potencialmente capaz de contribuir (absoluta ou objetiva) torna-se

efetivamente passivo e absorvedor da carga tributária.150

Paulo de Barros Carvalho ensina, acertadamente, que,

Consoante ousamos supor, no Brasil, o sistema do direito positivo exibe, em todas as figuras tributárias conhecidas, a observância do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos escolhidos são aqueles que denotam signos de riqueza. Em outras palavras, por capacidade contributiva deve entender-se apenas a absoluta e, mesmo assim, como dado pré-jurídico. Realizar o princípio da capacidade contributiva quer significar, portanto, a opção a que se entrega o legislador, quando elege para o antecedente das normas tributárias fatos de conteúdo econômico que, por terem essa natureza, fazem pressupor que as pessoas que deles participam apresentem condições de colaborar com o Estado mediante parcelas de seu patrimônio.151

Não poderia ser de outra forma, já que o legislador enuncia signos

presuntivos de riqueza, ou seja, manifestações objetivas de riqueza do

contribuinte e não sua real situação, como bem exemplifica Renato Lopes

Becho152:

Podemos demonstrar que a capacidade contributiva é objetiva com o exemplo do devedor proposital que, a despeito de demonstrar vasta fortuna, é um endividado.

Se assim não fosse, poderíamos até criar uma situação extrema de um sujeito que afirmasse não ter capacidade contributiva, para honrar seus tributos sobre o patrimônio, apresentando a situação de devedor contumaz, possuidor de automóvel importado, de valor bastante elevado, porém pagando-o a duras prestações. Morador de mansão luxuosa,

                                                            149 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros,

2012, p. 28. 150 Ibid., loc. cit. 151 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 335. 152 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário: teoria geral e constitucional. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 424.

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mas financiada. Seria fácil deixar de pagar certos tributos, à única atenção de se envolver em elevadas dívidas para adquirir portentoso patrimônio. Mesmo do Imposto sobre a Renda não se deve safar, pois que este tributa a renda, não a equação positiva entre débitos e créditos.

Se a capacidade contributiva fosse subjetiva, ele não recolheria impostos.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a

necessidade de se respeitar a capacidade contributiva dos contribuintes

asseverando que:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ITR. PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS EM PERÍODO ANTERIOR À EC 42/2003. LEI 8.847/1994. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À REDAÇÃO ORIGINAL DO 153, § 4º, DA CF. ART. 145, § 1º, DA CF. NECESSIDADE DE TODOS OS IMPOSTOS GUARDAREM RELAÇÃO COM A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DO SUJEITO PASSIVO, INDEPENDENTEMENTE DE POSSUIREM CARÁTER REAL OU PESSOAL. IMPOSTOS DIRETOS. UTILIZAÇÃO DE ALÍQUTOAS PROGRESSIVAS. CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I – Nos termos do art. 145, § 1º, da CF, todos os impostos, independentemente de seu caráter real ou pessoal, devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e, tratando-se de impostos diretos, será legítima a adoção de alíquotas progressivas.

II – Constitucionalidade da previsão de sistema progressivo de alíquotas para o imposto sobre a propriedade territorial rural mesmo antes da EC 42/2003.

III – Agravo regimental a que se nega provimento.153

Nesse passo, falar em alíquotas progressivas e capacidade

contributiva nada mais é do que afirmar a objetividade dos signos presuntivos

de riqueza. Em outras palavras, se os impostos deverão ser graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1º da CR),

aqueles que apresentem maiores manifestações de riqueza,

independentemente de ser ou não sua real situação (como bem pontuou

Becho), deverão contribuir com alíquota maior, ou seja, compatível com sua

                                                            153 AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 720.945/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

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capacidade de desfazer-se do próprio patrimônio sem prejuízo às

necessidades vitais e de sustento de si e dependentes.

5.4 Princípio da proibição de tributos com efeito de confisco

Na atual Constituição da República está prescrito que é vedado à

União, Estados, Distrito Federal e Municípios a cobrança ou utilização de

tributos com efeito de confisco (art. 150, inciso IV, da CR).

Analisando o modo ou forma pelas quais o Estado poderia confiscar o

patrimônio do contribuinte, constata-se que o efeito confiscatório está ligado ao

critério quantitativo da regra-matriz de incidência ou até mesmo no critério

pessoal, mediante a eleição de sujeito passivo que não tenha elemento de

conexão com o signo presuntivo de riqueza descrito na hipótese da norma

jurídico-tributária, carecendo não só de capacidade contributiva, mas, também,

tendo seu patrimônio confiscado pelo Estado.

O confisco, para fins tributários, pode ser considerado como “a

transferência total ou de parcela exagerada e insuportável do bem objeto da

tributação, da propriedade do contribuinte para o a do Estado”.154

A noção do que significa confisco não é o cerne da questão ou

dificuldade que obste a análise deste princípio constitucional tributário; o

problema é a subjetividade da definição e delimitação do conceito para se

considerar o tributo confiscatório. Assim é a lição de Paulo de Barros Carvalho:

O problema reside na definição do conceito, na delimitação da ideia como limite a partir do qual incide a vedação do artigo 150, IV, da Constituição da República. Aquilo que para alguns tem efeitos confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência tributária.155

O que efetivamente pode-se buscar, em termos pragmáticos, é realçar

a noção de confisco com a média do que seja razoável e proporcional, não

                                                            154 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário: teoria geral e constitucional. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 432. 155 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 328.

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olvidando da capacidade contributiva, da legalidade e outras garantias

individuais. Em outras palavras, para se verificar se algo é ou não confiscatório

propõe-se, sempre, um cotejo entre a exação tributária supostamente

confiscatória e os princípios constitucionais tributários enunciados, bem como

a garantias individuais, tendo em vista a ausência de legislação prescrevendo

em termos expressos o que é ou não utilização de tributo com efeito de

confisco, a partir de quanto um critério quantitativo é confiscatório.

Nesse passo, apesar da ausência de lei, a jurisprudência não é omissa

na utilização do princípio da proibição de tributação com efeito de confisco, pelo

contrário é justamente uma baliza, uma bússola no sentido de nortear o

aplicador das leis tributárias na construção e delimitação do sentido de que vem

a ser ou não confiscatório.

Assim, entende-se que não só os tributos não podem ser utilizados com

efeito de confisco, mas também outras obrigações oriundas destes, como, por

exemplo, multas.

O princípio do não confisco é norma dirigida ao Estado como um contrapeso ao poder de tributar. Impede o exercício ilimitado do arbítrio do legislador na instituição de tributos e sanções. Por força da vedação ao confisco, o gravame que traduzir o poder de esvaziar a revelação de riqueza sobre a qual incide a exação será tido como inconstitucional.

Em que pese sua importância, o princípio do não confisco ainda não teve suas linhas demarcatórias bem definidas, de modo que o seu conteúdo vem sendo circunstancialmente construído ao longo do tempo. Permanece sem definição objetiva o quantum que pode ser considerado exacerbado ao ponto de comprometer o patrimônio e a renda, de modo a ultrapassar os limites da capacidade econômica do contribuinte.

É inequívoco que o efeito de confisco deve ser um conceito aberto para comportar a relativização dos referenciais com os quais o princípio lida. É absolutamente natural que o dimensionamento do gravame revele, em concreto, consequências distintas, conforme a gravidade da conduta do contribuinte. Mostra-se evidente que o intento malicioso e preordenadamente voltado a promover locupletamento indevido não pode receber o mesmo tratamento de um mero atraso. O ardil sempre será merecedor de maior reprimenda que um mero descuido.

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No âmbito do direito tributário existem basicamente três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas, por sua vez, visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito não repercute no montante de tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do encargo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa aplicada por sonegação.

Com base nas considerações expostas, observo que o fato de o princípio do não confisco ter um conteúdo aberto permite que se proceda a uma dosimetria quanto a sua incidência em correlação com as diversas espécies de multa. As multas moratórias possuem como aspecto pedagógico o desestímulo ao atraso. As multas punitivas, por sua vez, revelam um caráter mais gravoso, mostrando-se como verdadeiras reprimendas. Não é razoável adotar o mesmo parâmetro para o desestímulo e a reprimenda.

A multa punitiva que busca afastar a sonegação é aplicada em situações nas quais se verifica o descumprimento voluntário da obrigação tributária prevista na legislação pertinente. Nesse caso, a sanção tende a ser aplicada em conjunto com o lançamento de ofício, considerando que inidoneidade das declarações do contribuinte dá ensejo a supressão indevida do tributo. Considerando tal circunstância, conferindo especial destaque ao caráter pedagógico da sanção – seja para impedir o cometimento de futuras infrações, seja para coibir o locupletamento indevido –, há que se reconhecer a possibilidade de aplicação desta espécie de multa em percentuais mais rigorosos.

Diante da natureza axiológica da vedação ao confisco, é possível admitir que o princípio mostre uma faceta mais ou menos gravosa conforme o caráter pedagógico da sanção revelado pelo caso concreto. Tendo em conta as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a atuação fazendária.

À luz do cenário descrito, O Supremo Tribunal Federal tem entendido que são confiscatórias as multas punitivas que ultrapassem o percentual de 100% (cem por cento) do valor do tributo devido. Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, “Embora haja dificuldade, como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, para se fixar o que se entende como

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multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não podem, como tal, ultrapassar o valor do principal” (ADI 551, Rel. Min. Ilmar Galvão).156

Conforme se depreende do julgado acima transcrito, o próprio Supremo

Tribunal Federal tem dificuldade em estipular o que seria ou não confiscatório,

achando percentual apenas para as penalidades pecuniárias oriundas dos

tributos, mas não se manifestando diretamente em relação ao próprio tributo.

Todavia, já serve de parâmetro tanto para o cidadão quanto para legislador e

aplicadores do direito.

O que importa ser frisado é a dimensão do princípio do não confisco

em matéria tributária, como bem conclui Paulo de Barros Carvalho:

Enfim, o princípio que veda o confisco no âmbito tributário encontra aplicação em todas as espécies de tributo, inclusive nas contribuições, as quais, reitero, apresentam indiscutível natureza jurídico-tributária, considerando que a tributação interfere no patrimônio dos cidadãos, subtraindo parcelas deste, é inadmissível a imposição de ônus insuportáveis, ainda que se vise à arrecadação de recursos para fins específicos, como ocorre com a contribuição destinada ao custeio da seguridade social. Também essa figura tributária deve observância à razoabilidade, sendo vedada sua imposição excessiva, de modo que ultrapasse os limites da capacidade contributiva dos particulares.157

                                                            156 AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 836.828/RS. Rel. Min. Luis

Roberto Barroso. 157 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 329.

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6 SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA

6.1 Sujeição passiva: conceitos, definições e legislação

Compulsando a Constituição da República e o Código Tributário

Nacional – CTN a respeito da matéria de sujeição passiva tributária, percebe-

se que a primeira é um tanto quanto omissa, em enunciados expressos, no

tocante ao tema, ao passo que o CTN aborda o assunto a partir do artigo 121

e seguintes.

Observando o assunto analiticamente, ser sujeito passivo é ocupar um

local sintático existente no consequente da norma jurídica, que obriga, permite

ou proíbe determinada conduta.

No caso das normas jurídicas de matéria tributária aqui estudadas, tem-

se o estudo de uma obrigação, tendo em vista que o objeto da relação tributária

é o comportamento em levar dinheiro aos cofres públicos, ou seja,

juridicamente, o tributo consiste nisso.

Em suma: o sujeito passivo está obrigado a levar dinheiro aos cofres

públicos, pagar o tributo.

A Constituição da República fala em contribuinte em várias passagens

do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional” e responsável (art. 150, § 7º),

sendo possível concluir que sejam as pessoas obrigadas ao pagamento do

tributo.

No Código Tributário Nacional, a matéria vem fatiada em dois capítulos:

i) capítulo IV, intitulado de “Sujeito Passivo”, cujo assunto é tratado nos artigos

121 a 127; ii) capítulo V, denominado de “Responsabilidade Tributária”, no qual

a matéria está disposta nos artigos 128 a 138.

O que se deve deixar claro é que tanto as pessoas descritas nos

capítulos “Sujeito passivo” e “Responsabilidade tributária” do CTN são

passíveis, em algum momento, de serem obrigadas a pagar o tributo, seja por

simples imputação legal, seja como forma de punição. Em outras palavras,

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todos podem estar num estado de sujeição passiva tributária, situação na qual

sacrificarão interesses próprios em favor dos interesses prescritos pela lei

(sentido lato).

O primeiro autor a dedicar monografia exclusiva ao tema da sujeição

passiva tributária foi Arnaldo Borges, ensinando que:

Instaurada a obrigação principal, pode o Estado exigir de alguém o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária. Esta pessoa de quem o Estado exige qualquer destas prestações chama-se sujeito passivo da obrigação principal.158

Afirma-se que o contribuinte é aquela pessoa que “realiza” o fato gerador do tributo, ou que se “beneficia” do fato gerador, ou que tenha com ele relação pessoal e direta. É essa relação da pessoa com o fato hipoteticamente previsto em lei o critério para se conceituar o contribuinte.159

Todavia, em que pese a não exclusividade dos textos ao tema, não se

pode olvidar de outras doutrinas, importantes e de influência cenário jurídico

nacional.

A respeito do assunto tratou Paulo de Barros Carvalho, da seguinte

forma:

Sujeito passivo da obrigação tributária é, por sua vez, a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de que se exige o cumprimento da prestação pecuniária. Esse é, em termos jurídicos, o contribuinte, ou seja, aquele deve realizar o pagamento dos tributos eventualmente devidos.160

Na lição de Geraldo Ataliba:

Sujeito passivo da obrigação tributária é o devedor, convencionalmente chamado contribuinte. É a pessoa que fica na contingência legal de ter o comportamento objeto da obrigação, em detrimento do próprio patrimônio e em favor do sujeito ativo. É a pessoa que terá diminuição patrimonial, com a arrecadação do tributo.161

                                                            158 BORGES, Arnaldo. O Sujeito Passivo da Obrigação Tributária Principal. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1981, p. 57. 159 Ibid., p. 58-59. 160 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 630. 161 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

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Renato Lopes Becho:

Extraímos do critério pessoal os sujeitos passivos da obrigação tributária que, nos tributos discriminados na Constituição, serão necessariamente aquelas pessoas que realizarem, inquestionavelmente, a materialidade prevista na norma constitucional tributária. Nos tributos não-discriminados, serão aquelas pessoas que realizarem as condutas descritas em dita materialidade. Os sujeitos passivos tributários estão, portanto, umbilicalmente relacionados com a materialidade descrita na norma.162

Luís Cesar de Souza de Queiroz163 ensina que “sujeito passivo

tributário ou contribuinte é o sujeito de direito titular do pólo passivo de uma

relação jurídica tributária (determinada e individualizada)”. Afirma ainda que “se

o sujeito passivo for outro (responsável ou substituto, p. ex.), a norma terá

necessariamente natureza diversa da tributária”.

Maria Rita Ferragut, a partir das lições de Paulo de Barros Carvalho,

define sujeito passivo tributário como:

A pessoa física ou jurídica, privada ou pública, detentora de personalidade, e de quem juridicamente exige-se o cumprimento da prestação. Consta, obrigatoriamente, do polo passivo de uma relação jurídica, única forma que o direito reconhece para obrigar alguém a cumprir determinada conduta.

Não percamos de vista esse ponto fundamental: sujeito passivo é aquele que figura no polo passivo da relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal.

[…]

Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário e que cumulativamente encontra-se no polo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver ausente, ou o sujeito será o responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não o contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas insuficiente.164

                                                            162 BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo:

Dialética, 2000, p. 190. 163 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense,

1998, p 180. 164 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São

Paulo: Noeses, 2013, p. 33-34.

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Nesse passo, percebe-se que a doutrina não é uníssona em relação ao

sujeito passivo da obrigação tributária: uns individualizam este na figura do

contribuinte; outros entendem haver uma pluralidade de pessoas possíveis de

ocupar o polo passivo da relação tributária, ou seja, submeter-se ao estado de

sujeição passiva tributária.

Nessa linha, importante destacar os ensinamentos de Marçal Justen

Filho, que dizem:

A expressão sujeição passiva tributária, como é usual, pode indicar uma pluralidade de conceitos. Para os fins da presente tese, utilizamo-la para indicar a situação de submissão, direta ou indiretamente vinculada à figura do tributo. Ou seja, submetida ao regime jurídico tributário.

Identifica-se o regime jurídico tributário como um conjunto de normas e princípios jurídicos cuja unidade decorre de três aspectos.

O primeiro é a destinação e adequação ao suprimento de recurso financeiros ao Estado. O segundo é a relevância econômica (patrimonialidade) das situações eleitas como pressuposto normativo para o dever de entregar ao Estado. O terceiro é a estrita legalidade-tipicidade que caracteriza as normas tributárias.165

O autor paranaense enxerga a sujeição passiva tributária como uma

categoria não unitária, ou seja, vislumbra a possibilidade de estabelecer

classificações e distinções dentro dela, desde que utilizados critérios

jurídicos.166

Da análise da legislação e doutrina pátria, percebe-se que é possível

identificar três figuras capazes de submeter-se a um estado de sujeição passiva

tributária: i) contribuinte; ii) responsável; iii) substituto.

                                                            165 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 345. 166 Ibid., loc. cit.

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6.2 Destinatário constitucional tributário

6.2.1 O que é?

Pois bem, o que se pretende a partir de agora não é dissecar cada tipo

de sujeito passivo ou elencar as hipóteses incidência de cada um deles. Mas

investigar os fundamentos constitucionais que informam a sujeição passiva

tributária, a partir da noção de destinatário constitucional tributário.

Com objetivo de afastar o uso indiscriminado, generalizado e indevido

do termo “contribuinte”, deve-se utilizar a expressão “destinatário constitucional

tributário”.

Como bem ensina Marçal Justen Filho:

De fato, a eleição de uma certa situação para compor a materialidade da hipótese de incidência importa automática seleção de sujeitos. Se foi eleita, como evidenciadora de riqueza que autoriza a tributação, uma certa situação, é inegável que a regra imperiosa será a de que o sujeito obrigado ao dever tributário seja exatamente aquele titular dessa riqueza ou está com ela referido. Porque, a não ser assim, o resultado seria o de que haveria uma desnaturação da norma, acarretando a incidência do dever sobre a pessoa diversa e a tributação sobre riqueza distinta.167

O objetivo da expressão é afirmar a existência de um ou mais sujeitos

que poderão ser escolhidos pelo legislador infraconstitucional, ou seja, as

pessoas que poderão ou que deverão ocupar a condição de sujeito passivo na

regra-matriz de incidência tributária. Não coincide, necessariamente, com a

pessoa que vai recolher o tributo, pois, como se disse anteriormente, há as

figuras do responsável e do substituto tributário.

O que deve ficar claro é que, implicitamente, na Constituição da

República, cada materialidade gera a possibilidade de o intérprete identificar

sujeitos destinatários da carga tributária que, quando propriamente eleitos pelo

legislador infraconstitucional a pagarem o tributo, são os contribuintes. Caso

                                                            167 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 262.

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contrário, sempre que o sujeito passivo pagador do tributo for diferente do

destinatário constitucional tributário, será ou responsável ou substituto

tributário.

Definindo o que seria destinatário constitucional do tributo, Marçal

Justen Filho diz que:

É aquela categoria de pessoas que se encontram em relação com a situação prevista para inserir-se no núcleo da hipótese de incidência tributária e que são as pessoas sujeitáveis à condição de sujeito passivo tributário (aos menos, em princípio). O destinatário constitucional tributário é aquele que, em princípio, pode dizer-se como eleito constitucionalmente para vir sofrer a sujeição passiva tributária.

Em essência, o destinatário constitucional tributário seria aquela pessoa cuja riqueza é resumida através da situação prevista na Constituição para compor a materialidade da hipótese de incidência tributária.168

O que se entende da noção de destinatário constitucional tributário é

que, a partir da interpretação da Constituição da República, há um conjunto de

elementos indicativos e limitadores da atividade legislativa infraconstitucional,

no tocante à eleição do sujeito passivo tributário.

Na verdade, há um grupo de pessoas que pode ser identificado a partir

das materialidades tributárias constitucionalmente elencadas, sendo eles os

destinatários constitucionais tributários.

Todavia, a doutrina não é uníssona no sentido de que há elementos

indicadores do sujeito passivo na Constituição.

Paulo de Barros Carvalho ensina que

A Constituição Federal não aponta quem deva ser o sujeito passivo das exações cuja competência legislativa faculta às pessoas políticas. Invariavelmente, o constituinte alude a um evento, deixando a cargo do legislador ordinário, que deverá girar em torno daquela referência constitucional, mas, além disso, escolher o sujeito que arcará com o peso da incidência fiscal, fazendo as vezes de devedor da prestação tributária.169

                                                            168 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 263. 169 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 630.

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Divergente é o entendimento de Roque Antonio Carrazza:

A constituição aponta o sujeito passivo de cada tributo, isto é, a pessoa que poderá ser colocada, pela lei, na contingência de efetuar o pagamento. É a pessoa que – evidentemente desde que apontada na lei – faz nascer a obrigação tributária, realizando seu fato imponível (fato gerador “in concreto).

[…] as pessoas políticas não possuem total liberdade para elegerem o sujeito passivo dos tributos que criam “in abstrato”. Pelo contrário, devem necessariamente levar em conta o sujeito passivo possível da exação, assinalado na Lei Maior.

[…]

Positivamente o legislador não pode, tendo em vista apenas facilitar ou ampliar a arrecadação, considerar sujeitos passivos tributários, quaisquer pessoas, ainda que sem relação com o fato imponível (fato gerado “in concreto). Elas têm o direito subjetivo de só serem consideradas sujeitos passivos de tributos: a) previstos na Constituição; b) criados legislativamente, em total sintonia com os ditames que ela consagra; e, é claro, c) após a ocorrência de seus fatos imponíveis.170

Explica, por fim, o autor:

É certo que a Constituição não indica, de modo expresso, o sujeito passivo de nenhum tributo. Todavia, sinaliza quem, ocorrido o fato imponível, poderá ser compelido a ocupar esta posição: a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência tributária.171

Porém, a crítica ao fato de a Constituição Federal não apontar

efetivamente quem deve ser sujeito passivo tributário, encara esses limites

constitucionais.

Deve-se observar, portanto, a lição de Maria Rita Ferragut:

Desconhecemos a existência de qualquer norma constitucional que indique quem deva ser o sujeito passivo de uma relação jurídica tributária. Por isso, entendemos que a escolha é infraconstitucional.

Tome-se como exemplo o ITBI: o artigo 156, II, da Constituição, não estabelece quem deva ser contemplado pela lei como

                                                            170 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 161-162. 171 Ibid., p. 162.

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contribuinte, vale dizer, se o alienante do bem imóvel ou o adquirente. A Carta Magna prevê apenas a materialidade passível de tributação, e a competência dos Municípios para tributá-la.172

Consoante se observa do excerto acima, a autora afirma inexistir norma

constitucional que indique quem será o sujeito passivo da relação jurídica

tributária, deixando a escolha ao legislador infraconstitucional. O que, de certa

forma, está correto. Todavia, ao trazer um exemplo para justificar seu

posicionamento, esbarra nos referidos fundamentos constitucionais da sujeição

passiva tributária, pois, ao suscitar a dúvida entre “alienante” e “adquirente”

para submeter-se ao estado de sujeição passiva, a autora pinça este conjunto

de pessoas a partir da leitura da materialidade constitucional prescrita, ou seja,

o destinatário constitucional tributário.

Nesse passo, é possível concordar com Ferragut que a escolha será

do legislador infraconstitucional, mas com a ressalva de que este não pode

olvidar dos limites impostos pela Constituição.

Pois como leciona, rigorosamente, Marçal Justen Filho:

Sempre e necessariamente, haverá uma norma tributária instituindo o contribuinte. Ou seja, atribuirá a condição de sujeito passivo tributário ao ocupante da condição de titular do aspecto pessoal da hipótese de incidência tributária.

Será inconstitucional qualquer disposição que pretenda atribuir a condição de contribuinte a quem não seja o ‘destinatário constitucional tributário’ – ou seja, a pessoa envolvida na situação signo presuntiva de riqueza inserida na materialidade da hipótese de incidência tributária, por escolha da própria Constituição Federal.173

O que deve ficar claro é que o contribuinte deverá ser necessariamente

umas das pessoas possíveis da classe “destinatário constitucional tributário”,

ou seja, aquelas que têm ligação com situação presuntiva de riqueza.

A tributação é pautada na legalidade que vincula à atividade legislativa.

O legislador não tem carta branca para exercer sua competência de tributar

                                                            172 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São

Paulo: Noeses, 2013, p. 34-35, grifo nosso. 173 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 347-348.

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pessoas que não possuem capacidade contributiva para tanto, sob pena de

utilizar tributos com efeito de confisco.

A eleição do sujeito passivo tributário guarda intimidade, antes de tudo,

com a identificação do contribuinte, que, necessariamente, será um elemento

constante da categoria “destinatário constitucional tributário”.

Apesar de Maria Rita Ferragut afirmar que,

Como todas as materialidades referem-se a um comportamento de pessoas (um fazer, um dar, um ser), elas pressupõem a existência do realizador da conduta humana normativamente qualificada. É ele, certamente, quem praticará o fato passível de tributação, manifestador de riqueza. Mas não é ele, obrigatoriamente, quem deverá manter uma relação jurídica tributária com o Fisco.

São dois aspectos distintos. O primeiro diz respeito ao sujeito realizador do fato previsto no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, fato esse que, como regra, encontra-se indicado na Constituição.

Já o segundo refere-se ao sujeito obrigado a cumprir com a prestação objeto da relação jurídica, ou seja, aquela pessoa que integra o polo passivo da obrigação. Essa pessoa é a única obrigada ao pagamento do tributo, e pode ou não coincidir com o sujeito que realizou o fato jurídico revelador de capacidade contributiva: se realizou, será contribuinte; se não, responsável.

E ao distinguir o contribuinte do responsável, Ferragut diz que

O responsável diferencia-se do contribuinte por ser necessariamente um sujeito qualquer (i) que não tenha praticado o evento descrito no fato jurídico tributário; e (ii) que disponha de meios para ressarcir-se do tributo pago por conta do fato praticado por outrem.

Ou nos casos em que não é possível um ressarcimento do tributo pago,

o responsável seja o agente que cometeu algum ilícito tipificado em lei como

apto a gerar a responsabilidade tributária.

Ferragut174 afirma que só é contribuinte quem realiza o fato e

cumulativamente figura no polo passivo da relação jurídica tributária, o que, na

                                                            174 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São

Paulo: Noeses, 2013, p. 34.

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essência, não diverge de Marçal Justen Filho, quanto à pessoa que se

denomina contribuinte, mas apenas há possibilidade de se verificar ou não este

sujeito no texto constitucional.

O fato de haver a possibilidade de ressarcimento do responsável pelos

valores pagos em nome do contribuinte só reforça a ideia de que a exação

tributária possui um destinatário certo. Ainda que se argumente contrário, tendo

em vista que na responsabilidade tributária ensejada por atos ilícitos não seja

possível o ressarcimento, tal fato ocorre, pois a pena, de um modo geral no

Direito, não deve passar da figura do infrator.

As normas tributárias cujo pagamento do tributo seja feito por um

responsável ou substituto possuem uma relação de coordenação com a regra-

matriz de incidência tributária, aquela que determina o contribuinte, para,

durante o percurso gerador de sentido, haver a mudança no critério pessoal,

mais precisamente, do sujeito passivo.

O tributo, como prestação pecuniária compulsória, somente será

devolvido àqueles que o pagaram quando o for indevido, ou seja, dentro de

duas possibilidades: (i) quando recolhido montante devido, mas pago valor

maior do que se devia; e (ii) quando recolhido valor que não era devido ou

reputado inconstitucional. Dessa forma, o ressarcimento ao responsável, por

parte do contribuinte, não se configura como uma relação jurídica tributária,

apesar de derivar desta, pois relação jurídica tributária é aquela existente entre

um sujeito passivo e aquele ente dotado de capacidade tributária ativa.

O que forma os fundamentos constitucionais da sujeição passiva

tributária é a conjugação da noção de destinatário constitucional tributário com

os princípios constitucionais tributários, bem como garantias individuais dos

cidadãos. Tudo pautado numa certeza da tributação como forma de imprimir

segurança jurídica ao Sistema Constitucional Tributário.

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6.2.2 Quem é ou quem pode ser?

Distribuída a competência tributária entre os entes federativos, é

possível verificar na Constituição da República tributos cuja possibilidade de

criação é dada à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.

O destinatário constitucional tributário consiste numa categoria de

pessoas, que mediante colheita de elementos indicativos e limitadores

constantes da Constituição, constrangem o legislador infraconstitucional na

escolha de quem será o contribuinte da exação tributária.

6.2.1.1 Taxas

A taxa está prevista na Constituição República no artigo 145, inciso II,

cuja redação prevê duas possibilidades para sua cobrança: (i) em virtude do

exercício de poder de polícia; (ii) utilização, efetiva ou potencial, de serviço

público específico e divisível, efetivamente prestado ou posto à disposição do

cidadão.

Ademais, é assegurado que as taxas não poderão ter base de cálculo

própria de impostos (art. 145, § 2º da CR).

O poder de polícia possui uma definição no artigo 78 do Código

Tributário Nacional, sendo considerado como:

Atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Em que pese a definição trazida pelo Código, o poder de polícia é

definido de uma forma mais completa e hialina pela doutrina. Pois, como bem

ensina Celso Antônio Bandeira de Mello,

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A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se ‘poder de polícia’. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. […]

A expressão ‘poder de polícia’ pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinada a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa.175

Conforme se pode observar, o poder de polícia possui sentido amplo e

restrito. No caso das taxas decorrentes do poder de polícia, a noção que deve

ser levada em consideração é mais limitada, tendo em vista que remete à

atividade de polícia administrativa – fiscalização e controle – responsável pela

atividade estatal que ensejará o fato jurídico tributário das taxas, já que estas

são tributos vinculados a uma atividade estatal.

Em relação às taxas decorrentes da prestação de serviço público, este

pode ser definido como:

Toda atividade de oferecimentos de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

[…]

Conclui-se, pois, espontaneamente, que a noção de serviço público há de se compor necessariamente de dois elementos: (a) um deles, que é seu substrato material, consistente na prestação de utilidade ou comodidade fruível singularmente pelos administrados; o outro, (b) traço formal indispensável, que lhe dá justamente caráter de noção jurídica, consistente

                                                            175 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 838.

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em um específico regime de Direito Público, isto é, numa ‘unidade normativa’.

Esta unidade normativa é formada por princípios e regras caracterizados pela supremacia do interesse público sobre o interesse privado e por restrições especiais, firmados uns e outros em função da defesa de valores especialmente qualificados no sistema normativo.176

Conforme a dicção constitucional, a prestação do serviço deve ser

específica e divisível.

A especificidade do serviço é verificada com a “individualização no

oferecimento da utilidade e na forma como é prestada”177

Já a divisibilidade é constatada com a possibilidade de mensuração do

serviço. Nas lições de Paulo de Barros Carvalho, consiste num “elemento

correlato à especificidade, pois, se o serviço mostra-se individualizado,

importará admitir que permitirá o cálculo de seu custo relativamente a cada

usuário, tornando possível a exigência de taxa”.178

Em relação à utilização do serviço público, pode ser: (i) efetiva, aquela

devidamente usufruída pelo cidadão a qualquer título; (ii) potencial, em

decorrência da compulsoriedade de prestação e utilização do serviço, se este

estiver em pleno funcionamento, presume-se utilizado.

Em relação ao sujeito passivo das taxas, Bernardo Ribeiro de Moraes

ensina que,

Para a existência da taxa, mister se faz a existência de uma atividade estatal dirigida a determinada pessoa. Existe, assim, também, um cidadão, isolado da massa, que aufere a atividade estatal. Somente haverá taxa quando exista um liame preciso, de caráter jurídico, que una a atividade estatal ao referido cidadão. O legislador é livre para adotar um critério, mas não poderá se afastar desse liame, de escolher o contribuinte como

                                                            176 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 687-690. 177 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 787. 178 Ibid., p. 787-788.

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uma pessoa que, de qualquer forma, se ache ligada à atividade estatal, causa jurídica da taxa.179

Walter Alexandre Bussamara, em relação às taxas, afirma que

[…] o sujeito passivo dessa modalidade tributária será aquela pessoa que requer, provoca ou, de alguma forma, relaciona-se com a atuação estatal, seja um serviço público, sempre específico e divisível, ainda que, sob certas situações, à sua disposição (apenas nos casos de taxa de serviço), seja o exercício do poder de polícia.180

Assim, destrinchados os contornos das materialidades das taxas é

possível delimitar seu destinatário constitucional tributário.

Serão destinatários constitucionais das taxas: (i) no caso das taxas

decorrentes do exercício do poder de polícia, aqueles sujeitos que sofram com

a fiscalização e controle de sua liberdade e propriedade, em detrimento dos

interesses coletivo; e, (ii) tratando-se de taxa de serviço público, as pessoas

que usufruírem, efetiva ou potencialmente, da atuação estatal, específica e

divisível.

São essas pessoas que possuem um liame com a atividade estatal e

que, portanto, podem sofrer a exação tributária.

6.2.1.2 Contribuição de Melhoria

O primeiro registro de Contribuição de Melhoria, em sede

constitucional, consta do Texto Magno de 1934. Em seguida, a Carta de 1937

teve o tributo expresso em suas linhas, fato este que suscitou dúvidas quanto

à constitucionalidade de sua cobrança. Todavia, a doutrina fundamentou que a

omissão do texto constitucional não excluía a Contribuição de Melhoria do

                                                            179 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo: Quartier Latin,

2007, p. 218. 180 BUSSAMARA, Walter Alexandre. Taxas: Limites Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 119.

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Sistema Tributário, sendo esse posicionamento ratificado pelo Supremo

Tribunal Federal – STF.181

Com a Constituição de 1946, a Contribuição de Melhoria tem sua

cobrança autorizada quando fosse verificada a valorização do imóvel, por

consequência de obra pública, com a ressalva de que não se poderia exigir

valores acima da despesa realizada, nem acima do montante acrescido ao

imóvel beneficiado.182

O referido tributo assim permaneceu até a Emenda 23/83, quando foi

atribuída competência à União, Estados e Municípios para instituir a

Contribuição de Melhoria, cujo contribuinte seria o proprietário de imóvel

beneficiado por obra pública, sendo o total da despesa realizada o limite para

cobrança.183

A atual Constituição prevê expressamente no artigo 145, inciso III, a

Contribuição de Melhoria, que deve ser instituída pela União, Estados ou

Municípios, em decorrência de obra pública.

Pode-se dizer que há três abordagens184 principiais que fundamentam

a cobrança da Contribuição de Melhoria.

A primeira corrente enaltece o benefício trazido para o contribuinte ou

valorização de seu imóvel, tendo em vista que a finalidade do tributo é a

promoção da justiça, por coibir o benefício gerador de um enriquecimento sem

causa.

Na segunda abordagem, entende-se que a Contribuição de Melhoria é

o instrumento hábil a proporcionar a recuperação da despesa pública, ou seja,

independentemente da valorização do imóvel, deve-se recuperar os gastos

feitos pela Administração.

                                                            181 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os

tributos na constituição. v. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 483. 182 Ibid., loc. cit. 183 Ibid., p. 483-484. 184 Ibid., p. 484-489.

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Já a terceira corrente fala sobre o real fundamento da Contribuição de

Melhoria no binômio mais-valia/realização da obra pública. Deve-se buscar um

equilíbrio entre o custo da obra e o benefício produzido. Assim, para que haja

a cobrança do tributo, é necessário que se respeite o limite global (custo da

obra) e o limite individual (valorização do imóvel), em conjunto.

A Constituição menciona “contribuição de melhoria, decorrente de

obras públicas” (art. 145, inciso III, da CR). Nessa linha, deve haver uma

correlação lógica entre uma melhoria causada pós-obra pública e o status quo

do bem que sofreu melhoria. Tendo em vista que a materialidade do tributo ora

em análise está condicionada à execução de uma obra pública, mister se faz a

sua definição.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Obra pública é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público. Obra pública não é serviço público. De fato, serviço e obra pública distinguem-se com grande nitidez, como se vê da seguinte comparação: a) a obra é, em si mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade, algo dinâmico; b) a obra é uma coisa: o produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute; c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo quando é apenas o suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria prestação; assim, depende sempre integralmente dela; d) a obra, para ser executada, não presume a prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.185

As obras poderão ser executadas pelo Poder Público, de forma direta

– ainda que por suas entidades auxiliares, como autarquias (direito público) ou

empresas públicas e sociedades de economia mista (direito privado) – ou

contratadas com terceiros (execução indireta).186

                                                            185 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:

Malheiros, 2013, p. 698-699. 186 Ibid., p. 711-713.

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A competência para instituir a Contribuição de Melhoria será da pessoa

política que realizou a obra, já que se trata de um tributo de competência

concorrente.

A forma de interpretação mais lógica e plausível de entender a

instituição da Contribuição de Melhoria é adotando a ideia de que a benesse

causada pela obra pública recai sobre bem imóvel situado nas adjacências

desta, tendo em vista que a obra, como definiu Celso Antônio Bandeira de

Mello, é um produto estático e sua fruição, diretamente, independe de uma

prestação. Assim, não outro bem, que não imóvel, seja beneficiado pela obra

pública.

Dessa forma, havendo um cotejo entre o antes e o depois do bem, deve

haver uma melhoria, cujo modo de se expressar é no valor do imóvel, já que os

tributos têm em comum a peculiaridade de recolher dinheiro aos cofres

públicos. Não cabe falar em outra base de cálculo, na Contribuição de Melhoria,

fora da operação matemática entre valor do imóvel antes e depois da obra

pública.

Portanto, havendo a melhoria, ou seja, valorização do imóvel, o único

sujeito que se pode determinar como destinatário constitucional da

Contribuição de Melhoria é o proprietário do imóvel. Somente ele possui

capacidade contributiva e denota o signo presuntivo de riqueza.

6.2.1.3 Tributos Municipais

Os Municípios possuem competência para criar taxas, contribuição de

melhoria, os impostos elencados no artigo 156 da Constituição da República,

bem como para instituir a contribuição para custeio do serviço de iluminação

pública – COSIP (art. 149-A, da CR).

Cabe lembrar que, consoante prescreve o art. 147 da CR, os impostos

de competência dos Municípios poderão ser instituídos pelo Distrito Federal e

pela União, no caso dos Territórios Federais, se estes não forem divididos em

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Municípios. Frise-se que a COSIP também é de competência do Distrito

Federal, conforme art. 149-A, da CR.

Prescreve o artigo 156 da Constituição da República que:

Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

6.2.1.3.1 Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

Do passeio realizado na Constituição da República, o signo

“propriedade” é um termo vago e ambíguo, sendo utilizado em duas acepções:

(i) um direito subjetivo; (ii) um espaço físico, cujo detentor será o proprietário

ou não.

A acepção que deve ser levada em consideração é a de propriedade

como um direito subjetivo, tendo em vista que, ainda que nos casos o termo

tenha sido utilizado como sinônimo de espaço, há marcas que remetem ao

direito subjetivo, nunca há dissociação da figura do proprietário, sempre há um

complemento que enuncia os poderes do proprietário.

Ainda que se busque uma definição de propriedade no Código Civil,

não será possível encontrar. Encontram-se apenas poderes outorgados ao

proprietário (art. 1.228, do CC), mas cujas raízes já estão espalhadas na

Constituição, principalmente quando se observa a prescrição do art. 191 da CR,

onde se faculta a possibilidade usucapião nas determinadas circunstâncias.

Caio Mário da Silva Pereira aborda o assunto da seguinte forma:

Fixando a noção em termos analíticos, e mais sucintos, dizemos, como tanto outros, que a propriedade é o direito de

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usar, gozar, e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha.

[…]

Podem estes atributos reunir-se numa só pessoa, e tem-se neste caso a propriedade em toda a sua plenitude, propriedade plena, ou simplesmente a propriedade ou propriedade sem qualificativos: plena in re potestas. Mas pode ocorrer o desmembramento, transferindo-se a outrem uma das faculdades, como na instituição do direito real de usufruto, ou de uso, ou de habitação em que o dominus não deixa de o ser (domínio eminente), embora a utilização ou fruição da coisa passe ao conteúdo patrimonial de outra pessoa (domínio útil). Pode, ainda, perder o proprietário a disposição da coisa, como inalienabilidade por força de lei ou decorrente da vontade. Em tais hipóteses, diz-se que a propriedade é menos plena, ou limitada.

O direito de propriedade é em si mesmo uno, tornamos a dizer. A condição normal da propriedade é a plenitude. A limitação, como toda restrição ao gozo ou exercício do direito, é excepcional. A propriedade, como expressão da senhoria sobre a coisa, é excludente de outra senhoria sobre a mesma coisa, é exclusiva: plures eamdem rem in solidum possidere non possunt.187

Como se pode observar, o direito de propriedade consiste numa soma

de direitos, são eles: (i) uso; (ii) gozo; (iii) dispor da coisa; e (iv) reivindicação.

Estes podem estar sob a tutela de uma só pessoa, consistindo num direito de

propriedade pleno, como, também, podem ser desmembrados entres sujeitos.

Das lições de Paulo de Barros Carvalho a respeito da regra-matriz de

incidência tributária, para se verificar o critério material de um tributo há

necessidade de um verbo somado a um complemento.

Considerando que o signo “propriedade” na Constituição é sinônimo de

direito subjetivo, o verbo mais adequado para compor o critério material é “ser”,

no caso, “ser proprietário”, configura o critério material do IPTU. Em outras

palavras, ser detentor do direito de propriedade.

Todavia, não se pode olvidar do artigo 32 do Código Tributário Nacional

que prescreve:

                                                            187 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2014, p. 75-77.

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O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

Percebe-se que o legislador infraconstitucional impõe que a exação,

além de sobre o direito de propriedade, deve incidir sobre o domínio útil e sobre

a posse a qualquer título.

O domínio útil, como visto acima, se configura quando a utilização e

fruição da coisa passa ao conteúdo patrimonial de outra pessoa. Em outras

palavras, o detentor do domínio tem o direito subjetivo de propriedade, mas não

é pleno.

No tocante à posse, Caio Mário da Silva Pereira ensina que,

Sem embargo dos diferentes entendimentos, em todas as escolas está sempre em foco a ideia de uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de ser ou de não ser proprietária, exerce sobre uma coisa poderes extensivos, conservando-as e defendendo-a. É assim que procede o dono em relação ao que é seu; é assim que faz o que tem apenas a fruição juridicamente cedida por outrem (locatário, comodatário, usufrutuário); é assim que se porta o que zela por coisa alheia (administrador, inventariante, síndico); é assim que age o que se utiliza de coisa móvel ou imóvel, para dela sacar proveito ou vantagem (usufrutuário). Em toda posse há, pois, uma coisa e uma vontade, traduzindo a relação de fruição.

Mas, nem todo estado de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse. Às vezes o é. Outras vezes não passa de mera detenção, que muito se assemelha à posse, mas que dela difere na essência, como nos efeitos. Aí é que surge a doutrina, com os elementos de caracterização, e com os pressupostos que autorizam estremar uma de outra. Mas é daí, também, que advém a infindável polêmica. O poder de partida de toda teoria sobre a posse, segundo Martin Wolff, é, então, o poder efetivo sobre uma coisa, senhorio este que pode exercer qualquer pessoa (física ou jurídica), e sobre qualquer coisa ou partes dela. Ou ainda, como explica De Page, na posse existe ínsita a ideia de servir-se alguém da coisa como senhor dela.188

                                                            188 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2014, p. 12-13.

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E complementa:

Ius possidendi (literalmente, direito de possuir) é a faculdade que tem uma pessoa, por já ser titular de uma situação jurídica, de exercer a posse sobre determinada coisa. O proprietário, o usufrutuário, o locatário etc. têm ius possidendi sobre o objeto da respectiva relação jurídica. Ius possessionis é o direito originado da situação jurídica da posse, e independe da preexistência de uma relação. Aquele que encontra um objeto e o utiliza, não tem o ius possidendi, embora tenha o ius possessionis, porque procede como possuidor, embora lhe falte um título para possuir. O que cultiva uma gleba de terra abandonada tem o ius possessionis, embora lhe falte o ius possidendi. A lei confere ao possuidor, com fundamento no ius possessionis, defesas provisórias, ainda no caso de lhe faltar ius possidendi. Outras vezes, aliada a posse a outros requisitos que compõem a usucapião, a lei converte o ius possessionis em propriedade, que, a seu turno, gera ius possidendi sobre a mesma coisa.189

Assim, Caio Mário da Silva Pereira conclui considerando o direito de

posse “como direito real especificamente qualificado de ‘direito real provisório’,

para distingui-lo da propriedade que é direito real definitivo”.190

Cabe destacar que a perda do direito de propriedade ocorre apenas

com: (i) a alienação, (ii) a renúncia, (iii) o abandono, (iv) o perecimento do

objeto, (v) usucapião e (vi) desapropriação.191

Deste modo, verificados os critérios que informam a posse e as formas

possíveis de perder o direito de propriedade, conclui-se que a única posse que

se sujeita à exação tributária, a partir do CTN, é a posse ad usucapionem, ou

seja, que detenha a possibilidade de se adquirir a propriedade plena.

Pela noção de direito de propriedade colacionada, o destinatário

constitucional tributário do IPTU é a pessoa ou grupo de pessoas que detêm o

direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão estes que possuem ligação

com o critério material e denotam capacidade contributiva.

                                                            189 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2014, p. 19. 190 Ibid., p. 22. 191 Ibid., p. 199-208.

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111

  

São estas as balizas para o legislador infraconstitucional, seja nacional,

em sede de lei complementar para dirimir conflito de competências, seja

municipal.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sumulou o entendimento da

seguinte forma: “Cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do

IPTU” (Súmula 399).

Merece ressalva a referida súmula quanto aos elementos indicadores

e limitadores da atividade legislativa no tocante ao destinatário constitucional

tributário. O princípio da legalidade constrange o legislador a fazer aquilo que

a lei autoriza, não podendo este se esquecer de parâmetros e balizas

constitucionais que configuram a dimensão do tributo, pois delimitadores da

atividade estatal.

6.2.1.3.2 Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos

a eles Relativos – ITBI

A redação do artigo 156 da Constituição da República outorga

competência aos Municípios para instituir imposto sobre a

Transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.

Completando, no § 2º do art. 156, que o referido imposto

Não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Pois bem, os requisitos para que se tenha o ITBI são: (i) transmissão

de bem imóvel ou de direito real sobre imóvel; (ii) a transmissão seja por ato

oneroso; (iii) aconteça entre sujeito vivos.

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Se se pressupõe ato oneroso no ITBI, sempre haverá um transmitente

(alienante) e um transmitido (adquirente).

Nessa linha, como a transmissão decorre de ato oneroso, tanto o

alienante quanto adquirente denotam signo presuntivo de riqueza, tendo em

vista que valores em moeda, ou que nesta se possam exprimir, serão “trocados”

entre si.

Portanto, tanto o alienante quanto adquirente podem ser considerados

destinatários constitucionais do ITBI, sendo eles os sujeitos possíveis a serem

considerados contribuintes do referido tributo.

6.2.1.3.3 Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

Prescreve a Constituição Federal a competência dos Municípios para

instituírem o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS/QN.

Nas lições de Aires Fernandino Barreto:

É lícito afirmar, pois, que serviço é uma espécie de trabalho. É o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. Não é esforço desenvolvido em favor do próprio prestador, mas de terceiros. Conceitualmente, parece que são rigorosamente procedentes essas observações. O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem se serve. Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho “para si mesmo”, não o é afirmar-se que se prestou serviço “a si próprio”. Em outras palavras, pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica.192

Todavia, para ser tributado, o serviço deve ser revestido de um

conteúdo econômico; assim complementa o autor:

Só é serviço tributável, destarte, o esforço humano com conteúdo econômico. Somente aqueles fatos que tenham real conteúdo econômico poderão ser erigidos em materialidade da hipótese de incidência do ISS, dado que é a dimensão econômica de cada fato que irá permitir que a sua ocorrência

                                                            192 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009, p.

29.

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concreta dimensione, de alguma maneira, o tributo, e, portanto, possa ser reconhecida como indício de capacidade contributiva.193

O que se pretender alcançar com o conteúdo econômico é a dimensão

do serviço em termos pecuniários, quanto este custou. Dessa forma, mais

coerente entender que o prestador do serviço é que mensurará, em moeda, o

quanto vale seu esforço. Aquele que fruiu, consumiu ou utilizou do serviço não

parece denotar capacidade contributiva.

Aires F. Barreto diz que

Deflui da genérica descrição constitucional que só é tributável a prestação de serviço, e não o seu consumo, a sua fruição, a utilidade ou a sua utilização. Toda vez que o legislador constituinte descreve um fato – ao distribuir competências tributárias – está fazendo referência à pessoa produtora do fato, ou de alguma maneira a ele ligada por um tipo de conexão constitucionalmente qualificada para produzir não só o efeito de fazer nascer a obrigação tributária, como, ainda, o especial efeito de fazê-la nascer tendo por sujeito passivo uma determinada pessoa. Sendo a síntese do critério material do ISS representada pelo verbo prestar e pelo respectivo complemento serviço, o correto é que o tributo atinja o produtor da ação “prestar serviço”, o agente dessa ação, que inexoravelmente é o prestador do serviço.194

Desse modo, é possível concluir que somente a prestação do serviço

é tributável, tendo em vista que esta é o que indica o prestador como

beneficiário do conteúdo econômico, ou seja, reveladora do signo presuntivo

de riqueza, ligando diretamente o prestador ao critério material.

Assim, conclui-se que o destinatário constitucional do ISS/QN é o

prestador de serviços.195

                                                            193 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009, p.

30. 194 Ibid., p. 31. 195 Conforme legislação do Município de São Paulo, o contribuinte do imposto (sujeito passivo)

é o prestador do serviço, de acordo com o artigo 5º da Lei 13.701/2003 – “Art. 5º Contribuinte é o prestador do serviço”.

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114

  

6.2.1.3.4 Contribuição para Custeio de Iluminação Pública – COSIP

A contribuição para custeio de iluminação pública não visa remunerar

serviço de iluminação, mas tem como finalidade ser fonte de recursos para

ampliação da rede elétrica e pontos de iluminação pública.

O que se remunera mediante pagamento da fatura de energia é a

quantidade de quilowatts consumidos. Nada tem a ver com o custeio da

iluminação pública.

Conforme prescreve o parágrafo único, do artigo 149-A, da

Constituição da República, é facultada aos Munícipios e Distrito Federal a

cobrança da COSIP na fatura de consumo energia elétrica. Se assim o fizerem,

todas as pessoas físicas ou jurídicas, consumidoras de energia elétrica, ou

seja, que possuam fatura em seus nomes, serão destinatários constitucionais

do tributo.

Todavia, o que merece ser frisado é que a finalidade da COSIP é

atender os interesses coletivos de uma melhor e mais ampla rede de iluminação

pública; dessa forma, qualquer do povo é apto a pagar a referida para atender

o interesse público. O fato de se limitar aos consumidores de energia elétrica

deve-se à circunstância de ser a única hipótese possivelmente pensada e

aventada aqui e na Constituição.

6.2.1.4 Tributos Estaduais

Os Estados possuem competência para criar taxas, contribuição de

melhoria, os impostos elencados no artigo 155 da Constituição da República.

Frise-se que são, também, da competência do Distrito Federal os impostos do

art. 155, da CR.

Prescreve o artigo 155 da Constituição da República que: 

Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

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I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

III - propriedade de veículos automotores.

6.2.1.4.1 Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação –

ITCMD

O ITCMD é o imposto incidente sobre a transmissão de quaisquer bens

e direitos, a título gratuito, decorrentes de doação ou causa mortis.

O critério material do imposto variará de acordo com a situação: (i)

transmitir causa mortis quaisquer bens e direitos; (ii) doar quaisquer bens e

direitos.

Na primeira hipótese, não há como delimitar outro destinatário

constitucional tributário que não o herdeiro ou legatário, tendo em vista que são

estes que denotarão capacidade contributiva para arcar com a carga tributária,

são eles que terão o patrimônio incrementado.

Quanto à doação, não há dúvida que o donatário será o sujeito cujo

patrimônio sofrerá aumento e, apesar de não realizar propriamente o verbo

“doar”, é quem deve ser considerado destinatário constitucional do ITCMD, pois

juridicamente denota capacidade contributiva. Fosse o doador, haveria a

utilização de tributo com efeito de confisco, já que haveria tributação sobre o

patrimônio restante daquele que resolveu usar e dispor de sua propriedade,

sem abuso, mas de maneira livre e desimpedida, e não sobre a doação.

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6.2.1.4.2 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores –

IPVA

O IPVA é o imposto cujo fato jurídico tributário é delimitado pelo “ser

proprietário” de um veículo automotor.

Assim, o que se pode concluir em relação ao destinatário constitucional

tributário do IPVA é que qualquer pessoa, física ou jurídica, pode ser

contribuinte do imposto.

Um detalhe que deve ser observado quanto à individualização do

proprietário do veículo automotor é no que diz respeito ao licenciamento do

veículo.

Apesar de não ser a legislação mais adequada para tratar do

licenciamento veicular, a Constituição da República já aponta para a

necessidade deste ato fiscalizatório que, não obstante seja para cobrança do

IPVA, pode ser remunerado por taxa.

O artigo 158, inciso III, da CR, prescreve que “cinqüenta por cento do

produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos

automotores licenciados em seus territórios” pertencem ao município (grifo

nosso).

Nesse passo, a indicação do proprietário do veículo, por ser um bem

móvel, está atrelada ao licenciamento do veículo. Todavia, apesar de a matéria

ser tratada em sede de legislação infraconstitucional (Código Nacional de

Trânsito), a Constituição já aponta o destinatário constitucional o proprietário

do veículo automotor.

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117

  

6.2.1.4.3 Imposto sobre as Operações relativas à Circulação de

Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte

Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS

O ICMS é o imposto de competência estadual que tributa operações de

circulação de mercadorias e determinadas prestações de serviços.

Segundo as lições de Paulo de Barros Carvalho, há na legislação

constitucional três antecedentes normativos consagrados. São eles:

a) realizar operações relativas à circulação de mercadorias;

b) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior, prestações essas que deverão concluir-se ou ter início dentro dos limites territoriais dos Estados ou do Distrito Federal, identificadas as prestações no instante da execução, da geração ou da utilização dos serviços correspondentes;

c) prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal.196

No tocante às operações relativas à circulação de mercadorias, o que

se deve ter em mente é que o tributo não incide nem sobre a circulação nem

sobre a mercadoria, mas sobre um negócio jurídico cujo requisito para

configurar fato jurídico tributário do ICMS é a “circulação de mercadoria”.

Observe-se que “‘operações’, ‘circulação’ e ‘mercadorias’ são três

elementos essenciais para a caracterização da venda de mercadorias”.197

Nas definições de Paulo de Barros Carvalho tem-se que

[…] o vocábulo “operações”, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios jurídicos hábeis para provocar a circulação de mercadorias. “Circulação”, por sua vez, é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, com a consequente mudança de patrimônio. Já o adjunto adnominal “de mercadorias” indica que nem toda a

                                                            196 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 733. 197 Ibid., p. 735.

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circulação está abrangida no tipo proposto, mas unicamente aquelas que envolvam mercadorias.198

Roque Antonio Carrazza ensina, suscintamente, que “o ICMS é devido

quando ocorrem operações jurídicas que levam mercadorias da produção para

o consumo, com fins lucrativos”199.

Para definir o âmbito de incidência do ICMS que envolve operações de

circulação de mercadorias, Carrazza afirma:

Remarcamos, em remate, que: a) a mercadoria é essencialmente vendida com fito do lucro (a vida mercantil é feita para especular); e, b) o ICMS incide sobre os negócios jurídicos regidos pelo direito comercial, que acarretam circulação de mercadoria.200

Assim, definidos os contornos da materialidade constitucional do ICMS,

entende-se que é destinatário constitucional do ICMS qualquer pessoa física

ou jurídica que seja envolvida, em caráter habitual, com a práticas de

operações mercantis.201

No tocante ao ICMS que envolve tanto a prestação de serviço de

transporte quanto a prestação de serviço de comunicação, segue-se a linha

adotada quanto ao ISS, ou seja, somente o prestador do serviço, seja pessoa

física ou jurídica, deve ser considerado destinatário constitucional tributário.

6.2.1.5 Tributos Federais

Os tributos de competência da União estão prescritos na Constituição

em artigos esparsos.

O artigo 148 da CR prescreve a possibilidade de a União instituir os

empréstimos compulsórios. Já no artigo 149 e 195, ambos da CR, estão

prescritas as contribuições.

                                                            198 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 736. 199 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 51. 200 Ibid., p. 52. 201 Nesse sentido, também entende Carrazza em ICMS. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 45.

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Os impostos de competência da União estão prescritos nos artigos 153

e 154, todos da CR.

Frise-se que tanto os empréstimos compulsórios (art. 148, da CR)

quanto os impostos do artigo 154 não serão objeto de análise deste estudo.

Consoante dispõe o artigo 149 da Constituição da República,

Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

A partir do texto normativo acima transcrito, é possível verificar três

tipos de contribuição: (i) as sociais; (ii) de intervenção no domínio econômico;

e (iii) as de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

O artigo 153 da Constituição da República prescreve que

Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

Nessa linha, este é o leque de impostos que a União pode,

ordinariamente, instituir.

Dos impostos prescritos no artigo 153 da CR, apenas não será tratado

o imposto sobre grandes fortunas, tendo em vista que não se pretende

desenvolver o conteúdo semântico da expressão “grandes fortunas”.

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6.2.1.5.1 Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II

O imposto sobre a importação é um dos chamados tributos aduaneiros,

cuja finalidade extrafiscal é sobressalente na medida em que criam uma

barreira comercial ou produzem uma discriminação em relação aos produtos

estrangeiros, como forma de prestigiar ou estimular a economia local em

determinadas situações.

A materialidade eleita pela constituição é “importar produtos

estrangeiros”; dessa forma, não se pode interpretar de outro jeito que não seja

fixar a figura do “importador” como sendo o destinatário constitucional do

tributo.

Na lição de Paulo de Barros Carvalho:

Não resta outra inferência senão a de que o contribuinte dos impostos incidentes sobre a entrada de bens no território nacional é aquele que realizar a conduta de importar, ou seja, a pessoa que faça vir produtos do exterior, em cujo nome dá-se a importação figurando como tal na declaração que documenta o fato.202

O que deve ficar claro é que não interessa a destinação do produto

estrangeiro, mas quem o importou, ou seja, o realizador da conduta “importar”,

seja pessoa física ou jurídica.

6.2.1.5.2 Imposto sobre a Exportação de Produtos Nacionais ou

Nacionalizados – IE

Na mesma linha do imposto sobre a importação, o imposto sobre a

exportação é tributo aduaneiro, cuja função extrafiscal é preponderante,

incentivado a economia nacional a vender e exportar produtos para o comércio

exterior.

                                                            202 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,

2011, p. 709.

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Observando a materialidade prescrita na Constituição, qual seja,

“exportar produtos nacionais ou nacionalizados”, deve-se considerar como

destinatário constitucional tributário o “exportador”, em outras palavras, o

realizador da exportação, seja pessoa física ou jurídica.

6.2.1.5.3 Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza –

IR

No tocante ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza,

para se chegar ao destinatário constitucional tributário, é necessária a definição

de renda. Pois, como bem ensina José Artur Lima Gonçalves, “o conceito de

renda é gênero que encampa ‘proventos de qualquer natureza’, razão pela qual

referiremos aqui apenas o gênero, sem preocupação de tratar separadamente

da espécie”.203

Acredita-se que é possível detectar um conteúdo semântico mínimo de

“renda” na Constituição da República, qual seja: “(i) saldo positivo resultante do

(ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo

de um dado (iii) período”.204

Nos ensinamentos de José Artur Lima Gonçalves:

Renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um plus; tenha ele, ou não, sido consumido; seja ele, ou não, representado por instrumentos monetários, direitos, ou por bens, imateriais ou físicos, móveis ou imóveis.205

E complementa:

Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direitos ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do

                                                            203 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 174. 204 Ibid., p. 179. 205 Ibid., p. 180.

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objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito.206

Conclui-se que “renda” é o acréscimo patrimonial a ser percebido por

determinado sujeito. Assim, para conformar o substantivo “renda” com um

verbo e obter o critério material do Imposto sobre a renda, deve-se interpretar

que o que se almeja tributar é o acréscimo patrimonial, ou seja, este montante

revertido em dinheiro deverá ser a base de cálculo do tributo. Desse modo, o

verbo “auferir” parece ser o mais apto a ser complementado por renda.

Logo, quem “auferir renda” deve pagar o IR, tendo em vista que será

quem denota capacidade contributiva. Portanto, como destinatário

constitucional do IR, tem-se qualquer pessoa, física ou jurídica, que auferir

renda, com a ressalva de observação dos constrangimentos ao critério espacial

da regra-matriz de incidência tributária.

6.2.1.5.4 Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI

O IPI é um tributo cujo constituinte foi um pouco lacônico em relação

ao campo semântico da materialidade, mas deu características capazes de

individualizá-lo.

Com um regime jurídico tributário bem peculiar, percebe-se, através do

art. 153, § 3º, que o IPI:

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.

IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.

Em relação à seletividade do IPI, afirma Ricardo Lobo Torres que

                                                            206 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 180.

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[…] seletividade em função da essencialidade é o único critério para a incidência do IPI e significa que o tributo recai sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade. A essencialidade admite graduação, de modo que a alíquota ou não existirá, quando o produto se tornar absolutamente essencial para atender às necessidades primárias, ou será fixada em escala ascendente na proporção em que menor for a sua utilidade social.207

Percebe-se, portanto, que a seletividade é o elemento que norteia a

tributação do IPI; o critério quantitativo da regra-matriz de incidência deste

tributo merece o destaque, pois, apesar de normas jurídicas não incidirem

sobre coisas, mas sobre relações intersubjetivas, será através deste que se

revelará uma função extrafiscal do tributo.

Como o que se deseja atingir com a instituição do IPI são os produtos

industrializados, a construção da materialidade deve ter como pressuposto

lógico operações (negócios jurídicos) e a circulação desses bens

industrializados. Tal interpretação decorre da leitura do art. 153, § 3º, inciso II,

da CR, que prescreve: “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido

em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” (grifo nosso).

Assim, conclui-se que há necessidade de um negócio jurídico que

circule os produtos industrializados. Todavia, não se pode equiparar produtos

industrializados com mercadoria, sob pena de confusão entre as materialidades

do IPI e ICMS.

Nessa linha, Eduardo Domingos Bottallo explica:

O IPI incide sobre operações jurídicas praticadas com produtos industrializados. Nos termos da Constituição, ele deve ter por hipótese de incidência o fato de alguém industrializar produto e levá-lo para além do estabelecimento produtor, por força da celebração de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade.208

                                                            207 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os

tributos na constituição. v. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 179. 208 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p.

22.

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Desse modo, a partir da Constituição da República, é possível afirmar

como destinatário constitucional do IPI, o industrial, aquela “pessoa que efetua

a industrialização e promove a respectiva operação pertinente à saída de

produto de seu estabelecimento”.209

6.2.1.5.5 Imposto sobre as Operações Financeiras – IOF

O IOF, conforme prescreve a Constituição da República (art. 153, inciso

V), incide sobre operações de: (i) crédito; (ii) câmbio; (iii) seguro; e (iv) títulos

ou valores mobiliários.

Tendo em vista que o IOF incide sobre determinadas operações do

mercado financeiro, é importante acrescentar a lição de Roberto Quiroga

Mosquera:

O mercado financeiro e o mercado de capitais atuam, essencialmente, como intermediadores entre a poupança e aqueles que necessitam de financiamento para a realização de seus negócios. O primeiro é conhecido também por mercado de crédito, uma vez que viabiliza o fluxo de recursos entre o poupador e o tomador de crédito. Já o segundo denomina-se também mercado de valores mobiliários, no qual as instituições financeiras têm papel intermediador obrigatório nas operações de captação de recursos mediante a emissão de títulos ou valores mobiliários. Sendo assim, já se pode vislumbrar a relevância do estudo do imposto que onera as operações que têm por objeto o crédito e as operações relativas a títulos ou valores mobiliários.

Da mesma forma, reveste-se de elevada relevância o estudo da regra-matriz do imposto incidente sobre as operações de câmbio. Estas operações viabilizam a concretização dos investimentos externos no país, bem como a obtenção de recursos estrangeiros para financiamento de projetos nacionais.

Já as operações concernentes a seguros não se encaixam no mesmo contexto das operações de crédito, câmbio e relativas a títulos ou valores mobiliários, as quais são realizadas no âmbito do mercado financeiro e de capitais. No entanto, como o imposto incidente sobre operações de seguro encontra-se também previsto no inciso V, do artigo 153 da Carta Magna de 1988, no qual também está mencionado o imposto sobre

                                                            209 MELLO, José Eduardo Soares de. IPI – Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17.

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operações de crédito, câmbio e relativas a títulos ou valores mobiliários, far-se-á, aqui, um breve estudo da regra-matriz do referido tributo.210

Apesar de no excerto o autor falar de um breve estudo da regra-matriz

de incidência, restringe-se aqui à observação apenas do critério material e

pessoal da regra-matriz, tendo em vista a finalidade de se chegar ao

destinatário constitucional tributário.

É clarividente que a Constituição utilizou o signo “operações” para

delimitar as materialidades do IOF. Assim, complementa Roberto Quiroga

Mosquera:

[…] conclui-se que o legislador constitucional, no artigo 153, inciso V, serviu-se do termo operações na mesma acepção dada no artigo 155, inciso II. Ou seja, como negócio jurídico bilateral, no qual há manifestação inequívoca de vontade das partes. A produção de efeito jurídicos por parte destes atos, fatos ou situações gera uma relação regulada pelo Direito.

No bojo do conceito de operações está inserida uma concepção dinâmica das relações sociais, em detrimento de uma visão estática. Os negócios jurídicos concernentes às operações são bilaterais e pressupõem a existência de pessoas em relação oposta. Tome-se como exemplo uma operação de crédito. Nesta temos aquele que dá crédito e aquele que o recebe. E da mesma forma ocorre em relação às operações de câmbio, seguro e relativas a títulos ou valores mobiliários.211

Concluindo com o referido autor, são os negócios jurídicos que

envolvam crédito, câmbio, seguro e títulos ou valores mobiliários, passíveis de

serem tributados.

Considerando que a Constituição apenas gravou obrigação sobre as

“operações”, é possível entender que o verbo que informa o critério material

dos referidos tributos é “realizar”. Em outras palavras, estão sujeitos ao IOF

quem “realizar operação de: (i) crédito; (ii) câmbio; (iii) seguro; e (iv) títulos ou

valores mobiliários”

                                                            210 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os impostos sobre Operações de Crédito, Câmbio, Seguro

ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – Conceitos Fundamentais. In: ______; SANTI, Eurico Marcos Diniz de; ZILVETI, Fernando Aurelio. (Orgs.). Tributação Internacional e dos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 101-102.

211 Ibid., p. 121-122.

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Todas as operações acima referidas não são serviços, nem se

revestem na qualidade de produtos ou mercadorias, mas são contratos cujo

objeto sempre será um montante em dinheiro, seja: i) no crédito; ii) na compra

e venda de moeda; iii) compra da apólice e pagamento do prêmio do seguro;

iv) compra dos títulos e a obtenção dos lucros deles advindos.

Nessa linha, como se trata de um negócio jurídico bilateral, no qual há

manifestação de vontade de ambos os sujeitos, não há individualização do

signo do presuntivo de riqueza, portanto entende-se que pode ser destinatário

constitucional do tributo: i) tanto quem dá quanto quem recebe o crédito; ii) tanto

quem vende quanto quem compra o câmbio; iii) segurado ou segurador; e iv)

tanto quem vende quanto quem compra títulos.

6.2.1.5.6 Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR

Tendo em vista que o ITR possui materialidade semelhante ao IPTU,

todavia exigindo o tributo do proprietário do imóvel localizado na zona rural,

adotam-se as mesmas posições já apresentadas em relação ao IPTU.

Assim, pela noção direito de propriedade já apresentada, o destinatário

constitucional tributário do ITR é a pessoa ou grupo de pessoas que detêm o

direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão estes que possuem ligação

com o critério material e denotam capacidade contributiva.

A noção de zona rural para fins de determinar o destinatário

constitucional do tributo é, de certa forma, irrelevante, tendo em vista que o

liame que liga o pagador do tributo ao Estado são fatores inerentes ao direito

de propriedade. Portanto, a definição de zonas urbana e rural em sede de

legislação infraconstitucional será apenas para dirimir eventual conflito de

competência, em relação ao qual tributo deve ser instituído, por quem será

cobrado.

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6.2.1.5.7 Contribuições

A partir da leitura da Constituição da República, é possível constatar a

existência dos seguintes tipos de contribuições: (i) as sociais; (ii) de intervenção

no domínio econômico; e (iii) as de interesse das categorias profissionais ou

econômicas.

Leciona Paulo Ayres Barreto, a respeito dos traços típicos das

contribuições, que

A etimologia do vocábulo ‘contribuição’ não há de ser desprezada. A contribuição em matéria tributária haverá sempre de referir à parte a que está sujeita o cidadão, para formação de fundos necessários ao custeio de determinada(s) despesa(s) pública(s). Deflui do próprio signo a noção de parte que cabe a cada um em certa despesa ou encargo comum. Se a contribuição for de natureza tributária, a despesa a ser rateada será pública.

De outra parte, a atividade estatal deverá se voltar para o grupo de pessoa instado a contribuir para o órgão, fundo ou despesa. Configura requisito essencial na contribuição a noção de parcialidade em relação à coletividade. Assim, é traço característico das contribuições a existência de um grupo econômico ou social para o qual se volta ou se dirige a finalidade constitucional autorizadora de sua instituição.

Há que se verificar uma vantagem ou benefício que vincule aquele que suporta o custo ou despesa (contribuinte), em relação à atividade a ser desenvolvida pelo Estado que o gera.

Além disso, tem que existir uma necessária correlação entre o custo da atividade estatal e o montante a ser arrecadado. O montante a ser arrecadado com a contribuição deve ser compatível com a despesa a ser por ela financiada. O critério de rateio desse custo deve levar em consideração, ainda, a participação de cada contribuinte na geração da despesa.

Por fim, o produto da arrecadação deve, necessariamente, ser aplicado na finalidade que deu causa à instituição da contribuição. Não basta a mera previsão legislativa nesse sentido. É fundamental que, uma vez pago o tributo ao ente tributante, surja para tal ente o dever jurídico de destinar esse montante ao correspectivo órgão, fundo ou despesa que deu causa à instituição do tributo.212

                                                            212 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 118.

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Dos excertos acima podem ser extraídas pelo menos as seguintes

características das contribuições: (i) consistem numa parte de determinada

despesa a ser rateada entre sujeitos; (ii) o produto arrecadado será vinculado

a um órgão, fundo ou despesa; (iii) há uma finalidade constitucional

autorizadora; (iv) deve haver uma vantagem ou benefício vinculado ao cidadão

que arcou com o custo ou despesa; e (v) o produto da arrecadação deve,

necessariamente, ser aplicado na finalidade que deu causa à contribuição.

As contribuições para a seguridade social estão prescritas no artigo

195, incisos e parágrafos. Para uma melhor compreensão, transcreve-se:

A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.

§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.

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§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

§ 8º - O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

§ 9º - As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

§ 10 - A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos.

§ 11 - É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar.

§ 12 - A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.

§ 13 - Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente

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na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento (grifos nossos).

O que se interpreta do artigo acima transcrito é que parte das

contribuições para a seguridade social possui materialidade

constitucionalmente delimitada, bem como indicação do destinatário

constitucional do tributo, consoante se verifica nos grifos.

Nesse sentido, Paulo Ayres Barreto ensina que

As contribuições sociais destinadas à seguridade social têm materialidades definidas constitucionalmente, existindo a outorga de uma competência residual, cujo exercício é condicionado à observância das restrições posta no art. 154, I da Constituição Federal. Além disso, são submetidas à chamada anterioridade nonagesimal, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição.213

E complementa:

Além das contribuições sociais destinadas à seguridade social, outras contribuições sociais podem ser instituídas, desde que sirvam de instrumento de atuação da União na área social e observem o disposto no art. 146, III e 150, I e III da Carta Magna. Não há circunscrição às materialidades constitucionalmente previstas. O que a Constituição Federal não autoriza é que sejam criadas outras contribuições sociais que não aquelas cuja materialidade foi por ela prevista, com hipótese de incidência de impostos, conferidos à competência privativa de Estados, Distrito Federal e Municípios.214

Não se pode falar em destinatário constitucional tributário de

contribuições cuja materialidade não está prescrita na Constituição. Porém,

observados os traços típicos das contribuições acima expostos,

independentemente de haver ou não materialidade na Constituição da

República, deve haver uma vantagem ou benefício vinculado ao cidadão que

arcou com o custo ou despesa, ou seja, indiretamente se verifica quem

possivelmente poderá arcar com uma contribuição.

É nesse sentido que escreve Estevão Horvath, quando trata das

Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE:

                                                            213 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 102. 214 Ibid., p. 198.

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Este mesmo raciocínio se pode aplicar às contribuições de intervenção – e também às demais. Conquanto a Constituição não tenha trazido todas as ‘materialidades’ – como fez com relação aos impostos, se o critério material deve ter conexão com a finalidade escolhida para ser perseguida, os sujeitos passivos da contribuição somente poderão ser aqueles que estejam relacionados ao fato tributável (hipótese de incidência) colocado como núcleo desta. Em outras palavras, nem que seja por via indireta, há como se chegar ao destinatário constitucional da contribuição, que é o único que pode ser colocado como destinatário da carga tributária.215

No tocante às CIDEs, Tácio Lacerda Gama é objetivo e enfático ao

afirmar que “o critério material das contribuições interventivas deve ser

escolhido entre atividades relacionadas ao setor da economia que sofrerá a

intervenção”.216

Tratando de quem poderá sofrer a carga tributária da CIDE, ou seja,

destinatário constitucional do tributo – ou como denomina o autor, “sujeito

passivo possível” –, Tácio Lacerda Gama não diverge do que já foi

apresentado, tendo em vista afirmar que

O sujeito passivo das contribuições interventivas deve ser escolhido entre os integrantes do setor da economia sujeito à intervenção. Atribuir o encargo destas contribuições a sujeitos não referidos à intervenção estatal constitui violação à norma de competência, por contrariar os enunciados qualificadores do ‘sujeito passivo possível’.217

Merecem, também, atenção as Contribuições de interesse de

categorias profissionais ou econômicas que visam promover a regulação,

organização e fiscalização dessas atividades, bem como a representação e

defesa dos interesses coletivos de tais grupos.

Ensina Paulo Ayres Barreto que

As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas podem ser exigidas dos membros dessa categoria e deverão ser rateadas em função da parte que cabe a cada um nas despesas ou encargos comuns. Tais despesas são

                                                            215 HORVATH, Estevão. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo:

Dialética, 2009, p. 91, grifos do autor. 216 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo:

Quartier Latin, 2003, p. 206. 217 Ibid., p. 216.

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suportadas pelo delegatário da capacidade tributária ativa a quem serão carreadas, também, as receitas advindas dos rateios. Trata-se de hipótese típica de parafiscalidade.218

Conclui-se, portanto, que em relação às contribuições, de um modo

geral, há um traço típico que determina o destinatário da carga tributária, ou

seja, se todas as contribuições devem ter materialidade atrelada a determinada

finalidade, causa ou motivo constitucional, será identificável um grupo de

beneficiários desta causa, motivo ou finalidade a serem considerados, que

possivelmente arcarão ou serão solidariamente custeados por outro grupo.

 

                                                            218 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 198.

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CONCLUSÕES

Chegada a etapa final, põe-se termo à dissertação, sempre pautada

em vários momentos expressamente e, a todo tempo, implicitamente nas lições

de Paulo de Barros Carvalho, ousando em discordar em alguns momentos, mas

pelo rigor pregado por ele, meu mestre, espera-se ter alcançado os objetivos

da dissertação de mestrado, discorrer e abordar um assunto determinado,

colhendo conclusões a respeito deste. Aqui estão:

1 A língua é forma de expressão e o modo de ser do mundo, e através dela é

possível construir um conjunto de normas jurídicas, em determinado espaço

e tempo, cujo escopo é regulação de condutas humanas intersubjetivas que

visam à manutenção da ordem social e dos valores constitucionalmente

consagrados. Cria-se um objeto cultural chamado Direito.

1.1 Adotadas as noções do “giro-linguístico”, há de se dizer que todos estão

num cerco inapelável da linguagem, o que permite concluir que a

pragmática linguística é versada em comunicação; não há apreensão de

objetos, mas a comunicação a respeito de sua existência. No final das

contas, os signos são rótulos convencionados para que haja a

comunicação.

1.2 A Semiótica é a disciplina que se ocupa dos signos, utilizando-o como

suporte físico para construir uma relação entre significado e significação,

é o chamado triângulo semiótico, o que possibilita a construção de sentido

e a comunicação.

1.3 Os signos quando organizados por regras da língua, em sua forma

idiomática, constituem enunciados, frases, orações e outras formas de

comunicação. Desse modo, podem ser analisados pelos planos

semióticos (sintático, semântico e pragmático), que são caracterizados da

seguinte forma: a) o plano sintático estuda a relação dos signos entre si,

os vínculos lógicos e estruturais que se formam quando articulados em

discurso; b) no plano semântico é examinada a relação entre o signo e a

realidade por ele trazida, o conteúdo – objeto; c) o plano pragmático

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observa o modo como o emissor e destinatário lidam com o signo dentro

processo comunicacional.

1.4 Os signos são denotativamente vagos, porque geralmente possuem

vários elementos em sua extensão, e conotativamente ambíguos, tendo

em vista a dificuldade de se enunciar com máxima precisão as

propriedades que, uniformemente, devem aparecer em todos os casos

nos quais tal signo é usado. Logo, analisar o Direito Positivo através da

Semiótica é ter em mãos os documentos normativos para que se

observem as estruturas e vínculos lógicos de seu discurso, reduzindo as

ambiguidades e vagueza dos signos utilizados, para que se comunique a

ordem social constitucionalmente consagrada.

1.5 A Hermenêutica é a linguagem científica que versa sobre a interpretação,

ou seja, visa à construção e sistematização de sentido dos textos do

Direito Positivo. É com ato de construção de sentido, mediante o emprego

da linguagem, que o intérprete atribui valores aos signos, confere

significações e, através destas, faz referências a objetos comunicando-se

com o mundo.

1.6 O jurista é, dentro do complexo da linguagem jurídica, responsável por

conhecer o Direito Positivo (saber de), construir o campo semântico do

conhecimento jurídico emitindo proposições na forma (HC), ou seja,

saber que há implicações em relação ao uso do conteúdo conhecido,

verificar empiricamente as proposições descritivas e aplicar a linguagem

prescritiva, quer dizer, efetuar a incidência das normas (saber como),

executar o conhecimento, devendo toda essa atividade cognoscente ser

construída linguisticamente com base e referência na Constituição

Federal vigente, uma vez que é esse o documento normativo que norteia

a compreensão do Sistema Jurídico.

1.7 A norma jurídica é a significação construída a partir dos enunciados

prescritivos do direito posto, observadas as relações de subordinação e

coordenação existentes no sistema jurídico. Utilizando noções de lógica,

é possível obter a seguinte formalização da norma jurídica: D(HC),

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representada por um juízo hipotético-condicional, na qual dentro da

hipótese (H) há um fato (f) ligado por um conectivo implicacional () a

uma consequência (C), sendo esta preenchida por uma relação entre

sujeitos (S’, S’’).

1.8 A análise sintática da norma jurídica permite chegar ao mínimo irredutível

do deôntico, representado pela regra-matriz de incidência tributária, ou

seja, marca o núcleo de incidência do tributo, trazendo em sua estrutura

apenas os elementos suficientes para que se constate o dever-ser da

norma, sendo composta pelos seguintes critérios: a) critério material;

b) critério temporal; c) critério espacial; d) critério pessoal; e) critério

quantitativo.

2 A sistemática deve ser entendida como o princípio das relações do sistema;

traduz a harmonia fundamental inerente aos princípios deste, sendo

determinante das relações recíprocas entre seus elementos. Pode-se dizer

que é o método de ordenação dos elementos que conduz a edificação de

um sistema, sendo possível concluir que os sistemas normativos são

compostos pela disposição hierarquizada e sistemática das normas que o

formam; logo, a hierarquia impõe graus de superioridade e inferioridade

entre as normas, regendo as relações de subordinação e coordenação entre

estas.

2.1 A partir das noções de soberania e de que as leis figuram a vontade

popular, pode-se dizer que a res publica é de todos e para todos. Em

outros termos, os poderes que o Estado recebe do povo devem ser

revertidos em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. Em

suma, o Estado é detentor apenas da força que o povo lhe atribui, seu uso

arbitrário, fora dos limites consentidos contra o cidadão deve ser afastado.

2.2 A partir de excertos constitucionais, tributo consiste numa classe de

objetos conotados pelas seguintes propriedades: quantia pecuniária, ex

lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cobrada pela

administração pública (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e a

ser paga por pessoas físicas ou jurídicas.

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136

  

2.3 A competência tributária é a aptidão para instituir/criar tributos mediante a

edição de um veículo legislativo adequado, exercida pelos órgãos

credenciados a emanarem normas jurídicas, cujo exercício se dá através

do processo de enunciação criador do direito positivo.

3 A relação jurídica é um vínculo abstrato que une os sujeitos de direito e que,

mediante a constituição do fato descrito na hipótese, verifica a imputação de

uma consequência, modalizada em obrigatório, permitido ou proibido.

3.1 Há relações jurídicas em sentido amplo – consiste na multiplicidade de

conexões existente entre o repertório do sistema jurídico, formando sua

estrutura – e relação jurídica em sentido estrito – um vínculo abstrato,

presente no consequente da norma individual, decorrente de uma

imputação normativa, no qual uma pessoa (sujeito ativo) tem o direito

subjetivo de exigir uma prestação de outra (sujeito passivo), tendo esta

última o dever jurídico de adimpli-la.

3.2 A desconcentração estatal em órgãos não confere a estes personalidade

jurídica, tendo em vista que são apenas parte de um todo. São plexos de

competências, razão pela qual possui apenas capacidade judiciária para

defendê-las. Eis o motivo pelo qual os órgãos fazendários não ocupam a

qualidade de sujeito de direito na relação jurídica tributária, mas apenas

cumprem suas funções designadas pelas pessoas políticas da qual fazem

parte.

4 A obrigação é composta de três elementos: sujeitos, objeto e o vínculo

jurídico. O elemento subjetivo determina os sujeitos que compõem a relação

obrigacional. Nesse passo, há o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo

(devedor). O primeiro possui o direito de exigir a prestação, e o segundo tem

o dever de prestar. O objeto da obrigação é a prestação, sendo esta o

comportamento humano de dar, fazer ou não fazer. A partir daí, chama-se

positiva a obrigação cujo cumprimento se dá por um facere ou um dare. Há,

também, a figura da obrigação negativa, que implica uma abstenção do

devedor.

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4.1 As obrigações, tanto no Direito Privado quanto no Direito Público,

possuem, pelo menos de uma análise perfunctória, a mesma organização

sob o aspecto estrutural.

4.2 “Obrigação” não é um conceito lógico-jurídico, mas um conceito jurídico-

positivo, portanto é decorrente de construção dogmática e variável dentro

de cada sistema jurídico. A Teoria Geral do Direito é uma abordagem

formal do direito positivo, somente através dela é possível formular

constantes formais, obtidas mediante um processo de abstração isolador

de conteúdos e enunciados de determinado sistema jurídico no espaço e

no tempo, obtendo-se ao fim uma invariabilidade conceitual.

4.3 A obrigação é tributária porque o regime jurídico é tributário, e não o

contrário. A constituição federal, ao fornecer notas do conceito de tributo,

acaba, indiretamente, fornecendo notas para o conceito de obrigação em

matéria tributária. Todavia, este se completa com a interpretação do artigo

113 do CTN, tendo em vista que não se pode aceitar que a obrigação

tributária é conceito coextensivo de tributo, principalmente quando se

observa o que dispõe o Código Tributário no que tange ao crédito e débito

tributários.

4.4 A obrigação principal possui um objeto patrimonial, tendo em vista que a

prestação sempre consistirá em um dar (fazer entrega de) de certa quantia

em dinheiro, possui conteúdo economicamente apreciável. Já a obrigação

“acessória” consistirá num fazer, não fazer ou tolerar, inexistindo, pois, a

patrimonialidade.

4.5 Conclui-se que há uma obrigação tributária patrimonial, que consiste,

estritamente, na relação jurídica entre sujeito ativo e passivo com objetivo

de adimplemento do tributo, e uma obrigação tributária instrumental,

configurada na relação jurídica com objetivos de atender ao interesse da

arrecadação ou da fiscalização dos tributos, mediante a obrigação de

condutas (fazer ou não fazer) a serem prestadas pelo sujeito passivo.

4.6 A causalidade jurídica é a operação lógica realizada pelo aplicador entre

o fato jurídico e o efeito previsto no consequente, sendo tal por força da

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implicação normativa. É uma relação causa/efeito. É um nexo que foi

estatuído pelas normas e, como tal, será uma relação formal, ou seja,

lógica.

5 Os princípios constitucionais tributários são normas jurídicas de forte

conotação axiológica que, dentro da hierarquia sistêmica do direito, denotam

valores constitucionalmente consagrados, como forma de imprimir certeza

do direito e o ideal da justiça.

5.1 O princípio da legalidade traduz a ideia de que: i) os tributos somente

serão criados por meio de lei formal, cuja competência, num Estado no

qual há estrita separação de poderes, será dos órgãos legislativos; ii) por

vivermos num Estado de Direito, as intervenções estatais nas esferas de

liberdade e propriedade dos cidadãos necessitam de leis que as

autorizem, ou seja, estão sob uma reserva de lei (atributo verificado no

artigo 37 da Constituição da República.

5.2 Os cidadãos possuem duas garantias em relação ao Fisco: i) material, só

podem ser compelidos a pagar tributos criados por lei pela pessoa

competente; ii) formal, é assegurado o direito de prestação jurisdicional a

fim de verificar se a Administração Fazendária agiu ou está agindo

consoante determina a lei, na cobrança dos tributos.

5.3 O que se persegue com o princípio da igualdade é impossibilitar

desequiparações fortuitas ou injustificadas. Dessa forma, tolhem-se

favoritismos e propicia-se uma garantia individual, pois no Direito não é

suficiente saber se os sujeitos são ou não são iguais (igualdade

descritiva). Importa saber, também, se as pessoas devem ou não devem

ser tratadas de forma igual (igualdade prescritiva).

5.4 A capacidade contributiva absoluta ou objetiva revela-se quando se

verifica um fato que se constitua em manifestação de riqueza, ou seja,

coaduna-se com a atividade de eleição feita pelo legislador ao colher

eventos que denotem situações aptas para custeio das despesas

públicas. Dessa forma, a colheita de tais eventos aponta para a existência

de um sujeito passivo em potencial.

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5.5 Somente se deve levar em consideração a capacidade contributiva

objetiva; sendo assim, aqueles que apresentem maiores manifestações

de riqueza, independentemente de ser ou não sua real situação, deverão

contribuir com alíquota maior, ou seja, compatível com sua capacidade de

desfazer-se do próprio patrimônio sem prejuízo às necessidades vitais e

de sustento de si e dependentes.

5.6 Para verificar se algo é ou não confiscatório, propõe-se, sempre, um

cotejo entre a exação tributária supostamente confiscatória e os princípios

constitucionais tributários enunciados, bem como a garantias individuais,

tendo em vista a ausência de legislação prescrevendo, em termos

expressos, o que é ou não utilização de tributo com efeito de confisco, a

partir de quanto um critério quantitativo é confiscatório.

6 Analiticamente, ser sujeito passivo é ocupar um local sintático existente no

consequente da norma jurídica, que obriga, permite ou proíbe determinada

conduta.

6.1 A doutrina não é uníssona em relação ao sujeito passivo da obrigação

tributária: uns individualizam este na figura do contribuinte; outros

entendem haver uma pluralidade de pessoas possíveis de ocupar o polo

passivo da relação tributária, ou seja, submeter-se ao estado de sujeição

passiva tributária.

6.2 Há um conjunto de elementos indicativos e limitadores da atividade

legislativa infraconstitucional, no tocante à eleição do sujeito passivo da

regra-matriz de incidência tributária.

6.3 Interpreta-se que na Constituição da República cada materialidade gera a

possibilidade de o intérprete identificar sujeitos destinatários da carga

tributária, que, quando propriamente eleitos pelo legislador

infraconstitucional a pagarem o tributo, são os contribuintes. Caso

contrário, sempre que o sujeito passivo pagador do tributo for diferente do

destinatário constitucional tributário, será ou responsável ou substituto

tributário.

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6.4 O destinatário constitucional tributário consiste num conjunto de pessoas

que, mediante colheita de elementos indicativos e limitadores constantes

da Constituição, constrangem o legislador infraconstitucional na escolha

de quem será o contribuinte da exação tributária.

6.5 Serão destinatários constitucionais das taxas: (i) no caso das taxas

decorrentes do exercício do poder de polícia, aqueles sujeitos que sofram

com a fiscalização e controle de sua liberdade e propriedade, em

detrimento dos interesses coletivos; e, (ii) tratando-se de taxa de serviço

público, as pessoas que usufruírem, efetiva ou potencialmente, da

atuação estatal, específica e divisível.

6.6 O único sujeito que se pode determinar como destinatário constitucional

da Contribuição de Melhoria é o proprietário do imóvel. Somente ele

possui capacidade contributiva e denota o signo presuntivo de riqueza.

6.7 O destinatário constitucional tributário do IPTU é a pessoa ou grupo de

pessoas que detêm o direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão

estes que possuem ligação com o critério material e denotam capacidade

contributiva.

6.8 Tanto o alienante quanto adquirente podem ser considerados

destinatários constitucionais do ITBI, sendo eles os sujeitos possíveis a

serem considerados contribuintes do referido tributo.

6.9 Somente a prestação do serviço é tributável, tendo em vista que esta é o

que indica o prestador como beneficiário do conteúdo econômico, ou seja,

reveladora do signo presuntivo de riqueza, ligando diretamente o

prestador ao critério material. Assim, conclui-se que o destinatário

constitucional do ISS/QN é o prestador de serviços.

6.10 A finalidade da COSIP é atender os interesses coletivos de uma melhor e

mais ampla rede de iluminação pública; dessa forma, qualquer do povo é

apto a pagar a referida para atender o interesse público. O fato de se

limitar aos consumidores de energia elétrica deve-se à circunstância de

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ser a única hipótese possivelmente pensada e aventada aqui e na

Constituição e que foi aceita pelo legislador infraconstitucional.

6.11 O critério material do imposto variará de acordo com a situação: (i)

transmitir causa mortis quaisquer bens e direitos; (ii) doar quaisquer bens

e direitos. Na primeira hipótese, não há como delimitar outro destinatário

constitucional tributário que não o herdeiro ou legatário, tendo em vista

que são estes que denotarão capacidade contributiva para arcar com a

carga tributária, são eles que terão o patrimônio incrementado. Quanto à

doação, não há dúvida que o donatário será o sujeito cujo patrimônio

sofrerá aumento e, apesar de não realizar propriamente o verbo “doar”, é

quem deve ser considerado destinatário constitucional do ITCMD, pois

juridicamente denota capacidade contributiva. Fosse o doador, haveria a

utilização de tributo com efeito de confisco, já que haveria tributação sobre

o patrimônio restante daquele que resolveu usar e dispor de sua

propriedade, sem abuso, mas de maneira livre e desimpedida, e não

sobre a doação.

6.12 A indicação do proprietário do veículo, por ser um bem móvel, está

atrelada ao licenciamento do veículo. Todavia, apesar de a matéria ser

tratada em sede de legislação infraconstitucional (Código Nacional de

Trânsito), a Constituição já aponta o destinatário constitucional o

proprietário do veículo automotor.

6.13 É destinatário constitucional do ICMS qualquer pessoa física ou jurídica

que seja envolvida, em caráter habitual, com práticas de operações

mercantis. No tocante ao ICMS, que envolve tanto a prestação de serviço

de transporte quanto a prestação de serviço de comunicação, segue-se a

linha adotada quanto ao ISS, ou seja, somente o prestador do serviço,

seja pessoa física ou jurídica, deve ser considerado destinatário

constitucional tributário.

6.14 Quanto ao Imposto sobre Importação, a materialidade eleita pela

constituição é “importar produtos estrangeiros”; dessa forma, não se pode

interpretar de outro jeito que não seja fixar a figura do “importador” como

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sendo o destinatário constitucional do tributo. O que deve ficar claro é que

não interessa a destinação do produto estrangeiro, mas quem o importou,

ou seja, o realizador da conduta de “importar”, seja pessoa física ou

jurídica.

6.15 No que se refere ao Imposto sobre Exportação, a materialidade prescrita

na Constituição, qual seja, “exportar produtos nacionais ou

nacionalizados”, deve considerar como destinatário constitucional

tributário o “exportador”, em outras palavras, o realizador da exportação,

seja pessoa física ou jurídica.

6.16 Como destinatário constitucional do IR, tem-se qualquer pessoa, física ou

jurídica, que auferir renda, com a ressalva de observação dos

constrangimentos ao critério espacial da regra-matriz de incidência

tributária.

6.17 A partir da Constituição da República, é possível afirmar como destinatário

constitucional do IPI o industrial, aquela pessoa que efetua a

industrialização e promove a respectiva operação pertinente à saída de

produto de seu estabelecimento.

6.18 No que se refere ao IOF, como se trata de um negócio jurídico bilateral,

no qual há manifestação de vontade de ambos os sujeitos, não há

individualização do signo do presuntivo de riqueza; portanto, entende-se

que pode ser destinatário constitucional do tributo: i) tanto quem dá quanto

quem recebe o crédito; ii) tanto quem vende quanto quem compra o

câmbio; iii) segurado ou segurador; e iv) tanto quem vende quanto quem

compra títulos.

6.19 O destinatário constitucional tributário do ITR é a pessoa ou grupo de

pessoas que detêm o direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão

estes que possuem ligação com o critério material e denotam capacidade

contributiva.

6.20 Conclui-se, portanto, que em relação às contribuições, de um modo geral,

há um traço típico que determina o destinatário da carga tributária, ou seja,

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se todas as contribuições devem ter materialidade atrelada a determinada

finalidade, causa ou motivo constitucional, será identificável um grupo de

beneficiários desta causa, motivo ou finalidade a serem considerados, que

possivelmente arcarão ou serão solidariamente custeados por outro

grupo.

Por fim, é indubitável que há limites na atribuição da pessoa que deverá

levar o valor tributário aos cofres públicos; o sujeito passivo deverá estar ligado

com a materialidade tributária. Ou seja, somente quem efetivamente praticar o

“verbo” material – auferir renda, praticar a atividade empresarial e jurídica de

circular a mercadoria, industrializar o produto, prestar o serviço etc. – é quem

poderá e deverá ocupar o polo passivo da relação jurídica tributária na condição

de contribuinte.

   

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