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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARIA TERESA MERINO RUZ MASTROIANNI Resolução de Problemas nas aulas de Matemática: um estudo junto aos professores dos anos iniciais MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARIA TERESA MERINO RUZ MASTROIANNI

Resolução de Problemas nas aulas de Matemática: um estudo

junto aos professores dos anos iniciais

MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARIA TERESA MERINO RUZ MASTROIANNI

Resolução de Problemas nas aulas de Matemática: um estudo junto

aos professores dos anos iniciais

MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

requisito parcial para obtenção do título de MESTRE

PROFISSIONAL em ENSINO DE MATEMÁTICA,

sob orientação do Professor Doutor Gerson Pastre

de Oliveira.

SÃO PAULO

2014

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Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

___________________________________

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos grandes amores de minha vida, meu

esposo Marco (com certeza minha alma gêmea) e as minhas

filhas Letícia e Sofia (meu tesouro!); sem vocês nada disso

teria sentido. Obrigada pelo amor e compreensão

incondicionais em todos os momentos da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, orientador incondicional da minha vida, que me inspira e me socorre nos

momentos de desânimo neste campo de batalhas.

À direção do Colégio Albert Sabin que, mais uma vez, valorizou, acreditou e investiu

em meu crescimento profissional, proporcionando mais esta oportunidade de

evolução e aperfeiçoamento.

À professora Gisele Magnossão, pelo incentivo constante, pela credibilidade e apoio

que realmente fizeram a diferença em minha vida.

Ao meu orientador, Professor Doutor Gerson Pastre de Oliveira, um agradecimento

especial por seu primor nas orientações e reorientações durante todo o processo de

pesquisa, pelo acolhimento e pelas valiosas contribuições na construção deste

trabalho.

Aos Professores Doutores Laurizete Ferragut Passos e Emerson Freire que

gentilmente fizeram parte da Banca Examinadora, contribuindo com sugestões

riquíssimas para minha pesquisa.

Às Professoras Doutoras Celia Maria Carolino Pires, Celina Abar e Barbara Lutaif

Bianchini pelas aulas inesquecíveis que provocaram profundas reflexões e por todos

ensinamentos que me fizeram crescer como profissional e como ser humano.

Aos colegas que caminharam juntos nessa jornada: Nilza, Eliane, Regina, Nalva,

Raquel, Cláudia, Jefferson, Neto e Gabriel, pelas discussões enriquecedoras, pela

troca de experiências e pela cumplicidade.

Às colegas Silvana Lima e Helena Tavares: pela parceria, companheirismo, pelas

muitas conversas e desabafos e pelo presente de novas amizades descobertas.

Ao meu querido e amado esposo Marco Mastroianni, pelo incentivo, pelo apoio e

pela cumplicidade vivenciada em nossa união, me substituindo em tarefas que

somente ele e mais ninguém poderia. Obrigada pela paciência e pela espera: estou

de volta!

Às minhas filhas Letícia e Sofia, razão do meu viver, por suportarem minhas

ausências e compreenderem meus sonhos: é pra vocês que deixo meu exemplo de

perseverança nos estudos!

À minha amiga e corretora oficial Carla Comenale pela leitura na íntegra deste

trabalho, pela precisão nas correções e por caminhar junto comigo nesse mestrado:

corrigindo cada tarefa, ouvindo cada angústia e emitindo, sempre, palavras de apoio

e encorajamento: foi mais fácil tendo você ao meu lado!

À querida amiga Fátima, parceira também nesta investigação, pelas tantas leituras

críticas, pelas perguntas e pelas respostas, por ouvir meus anseios e por acreditar

na minha ideia desde o início: em nossas discussões, há muito tempo, descobri meu

problema de pesquisa.

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À equipe do Mathema pelos ensinamentos e pelo incentivo a prosseguir na

pesquisa acadêmica. O caminho foi mais suave graças a todo preparo e tudo que

aprendi com vocês! É motivo de orgulho que o tema desta investigação tenha

nascido a partir de nossos estudos!

Ao Prof. Ms. Humberto Luís de Jesus, membro da banca na apresentação de minha

monografia para obtenção do título de Especialista em Educação Matemática (lato

sensu) pelas valiosas considerações sobre meu trabalho; responsáveis pelas

reflexões que me fizeram redirecionar o foco na pesquisa, fazer novas perguntas e

buscar novas respostas.

Aos amigos Alessandro, Dr. Adenauer e Cristina Ferraz, que cuidaram dos efeitos

que o cansaço, a falta de sono e o stress causaram em alguns momentos,

amenizando-os e tornando possível a caminhada até o final. Obrigada por me

ouvirem também!

A todos professores do Colégio Albert Sabin por terem me feito descobrir este novo

prisma como educadora: o trabalho com a docência; e em especial às seis

professoras que aceitaram carinhosamente participar desta pesquisa, permitindo

minha presença no cotidiano de seu trabalho, descortinando e desvelando sua

prática docente. Muito obrigada, vocês serão sempre especiais para mim!

À professora Dioneia Menin e toda equipe da Coordenação do Colégio Albert Sabin

pela paciência e compreensão em todo este período, ajustando e reorganizando

horários para que eu desse conta das duas jornadas: sem o apoio de vocês, eu não

teria conseguido.

Ao amigo Paulo Fontes pela paciência e toda atenção quando o assunto era

assistência tecnológica...

Aos meu pais (in memorian) pelos infinitos ensinamentos. Como eu queria que

vocês estivessem aqui para comemorar essa vitória...

A todos meus amigos por existirem, fazerem parte da minha vida e minha

caminhada, pelas palavras certas nas horas incertas, pelos ombros e pelos

momentos de escuta...

A todas pessoas que, de alguma forma contribuíram para a realização desse

trabalho: Muito Obrigada!

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“É tempo da travessia: e, se não

ousarmos fazê-la, teremos

ficado, para sempre, à margem

de nós mesmos.”

Fernando Pessoa

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MASTROIANNI, Maria Teresa Merino Ruz. 2014. Resolução de Problemas nas

aulas de matemática: um estudo junto aos professores dos anos iniciais.

Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Matemática). São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação Matemática (Orientador: Professor Doutor Gerson

Pastre de Oliveira).

RESUMO

A Resolução de Problemas representa uma importante vertente de pesquisa em Educação Matemática, expressando a postura de pesquisadores e professores dispostos a reverem as metodologias do processo de ensino-aprendizagem da matemática escolar, buscando melhores resultados nas salas de aula e fora delas. Com o aumento dos sistemas complexos no mundo atual, os tipos de habilidades necessárias na resolução de problemas para o sucesso além da escola, mudaram. Porém, ainda há poucas pesquisas sobre o desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas, principalmente que tratem dos anos iniciais, nos quais professores polivalentes ensinam matemática. Esses professores transitam por diversas abordagens, resultado de um percurso histórico e de suas vivências. A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, tem por objetivo investigar quais concepções têm um grupo de professoras polivalentes do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular de São Paulo sobre o tema Resolução de Problemas, compreendendo de que maneira exercem influência em sua prática. O quadro teórico da presente investigação recorre às ideias de Guy Brousseau, especificamente aquelas relativas à teoria das situações didáticas (TSD) e ao conceito de contrato didático. De forma subsidiária, um levantamento acerca das pesquisas realizadas sobre o tema Resolução de Problemas em Educação Matemática foi feito. Tais movimentos teóricos procuraram fornecer base para responder às questões norteadoras, elaboradas em torno das concepções dos sujeitos acerca da resolução de problemas em aulas de Matemática, dos eventuais efeitos do contrato didático que ocorrem na prática destas professoras e do posicionamento das estratégias pedagógicas empregadas, sob a ótica da TSD. Para responder às perguntas levantadas, empregou-se um questionário cujas respostas permitissem analisar as concepções de seis professoras relativas ao tema. A observação das aulas destas mesmas professoras também foi realizada, de modo a permitir um confronto entre discurso e prática. Os resultados apontam que os sujeitos desta pesquisa compreendem a importância de seu papel problematizador nas aulas e valorizam o pensamento matemático dos alunos, contudo ainda têm certa dificuldade em organizar um milieu antagonista, capaz de provocar desequilíbrios e buscas pelo conhecimento a construir por meio de um processo investigativo, o que indica que, na prática, nem sempre os sujeitos diferenciam exercícios de problemas matemáticos. Identificou-se, ainda, alguns efeitos do contrato didático nas relações entre os professores, os alunos e o saber matemático.

Palavras-chave: resolução de problemas; teoria das situações didáticas; contrato didático; professoras polivalentes; ensino de Matemática.

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MASTROIANNI, Maria Teresa Merino Ruz. 2014. Problem Solving in

Mathematics classes: a study with teachers from early years. Dissertation

(Professional Master in Mathematics Education ). São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo: Post-Graduation Study Program in

Mathematics Education (Advisor: Professor Doutor Gerson Pastre de Oliveira).

ABSTRACT

Problem Solving represents an important line of research in Mathematics Education, expressing the posture of researchers and teachers willing to review the methodologies of the teaching-learning process of the school mathematics, looking for better results inside the classrooms and outside them. With the increase of the complex systems in today's world, the type of abilities needed for problem solving for the success beyond school have changed. However, there are still few researches about the development of concepts through problem solving, mainly problems which deal with the early years, in which the multitask teachers teach mathematics. These teachers have dealt with a variety of approaches, as a result of their historical paths and experiences. The present research, with a qualitative approach aims at investigating which conceptions a group of multitask female teachers from Elementary School in a private school from São Paulo have about the issue Problem Solving, being able to comprehend how they can influence their practice. The theoretical framework of the present investigation is based on the ideas of Guy Brousseau, specifically those related to the theory of didactic situations (TDS) and to the concept of didactic contract. As a subsidiary stream, a survey about the researches on the theme Problem Solving in Mathematics Education was done. Such theoretical movements tried to provide some basis to answer the leading questions, elaborated around the conceptions of the individuals on problem solving in mathematics classes, related to possible effects of the didactic contract which occur in the practice of these female teachers and the positioning of the pedagogical strategies employed, from the perspective of TDS. In order to answer the questions raised, a questionnaire has been used; its answers have made it possible to analyze the conceptions of six female teachers related to the theme. These teachers have had their classes observed, so that a comparison has been made between discourse and practice. The results show that the individuals of this research comprehend the importance of its critical role in the classes and value the mathematical thought of the students, although they still have some difficulty in organizing an antagonistic milieu , capable of provoking imbalance and searches for knowledge to be built through an investigative process, which indicates that, in practice, the individuals not always distinguish exercises from mathematical problems. Yet, some effects of the didactic contract over the relationships among teachers, students and the mathematical knowledge have been identified.

Key words: problem solving; theory of didactic situations; didactic contract; multitask teachers; teaching of Mathematics.

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SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................................15

Trajetória profissional e acadêmica ...........................................................................16

Relevância do tema e questões de pesquisa ........................................................... 20

Estrutura do Trabalho .............................................................................................. 23

CAPÍTULO 1 ..............................................................................................................25

RESOLUÇÃODE PROBLEMAS: IDEIAS E PROPOSIÇÕES ...................................25

1.1 Sobre a Resolução de Problemas em Educação Matemática ......................... 25

1.2 Concepções dos professores sobre a Resolução de Problemas: Origens ........35

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 45

APORTES TEÓRICOS ............................................................................................. 45

2.1 Teoria das Situações Didáticas ......................................................................... 45

2.1.1 Situação didática e situação adidática na Teoria das Situações Didáticas … 48

2.1.2 A Dialética de Ação ........................................................................................ 54

2.1.3 A Dialética da Formulação ........................................................................ .....55

2.1.4 A Dialética da Validação ................................................................................. 56

2.2 O Contrato Didático ........................................................................................... 59

2.2.1 O que é Contrato Didático? ............................................................................ 60

2.2.2 Efeitos do Contrato Didático ............................................................................ 64

2.2.2.1 Efeito “Pigmaleão” ....................................................................................... 65

2.2.2.2 Efeito Topaze .............................................................................................. 65

2.2.2.3 Efeito Jourdain ou mal-entendido fundamental ........................................... 66

2.2.2.4 O Deslize Metacognitivo .............................................................................. 66

2.2.2.5 O uso abusivo da analogia ...........................................................................67

2.3 Revisão de pesquisas correlatas ........................................................................71

CAPÍTULO 3 .............................................................................................................77

APORTES METODOLÓGICOS ...............................................................................77

3.1 Natureza e procedimentos metodológicos ....................................................... 77

3.1.1 Pesquisa Qualitativa ......................................................................................77

3.1.2 Coleta de Dados ........................................................................................... 81

3.1.3 O Cenário da Pesquisa ................................................................................. 85

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3.1.4 Descrição dos Sujeitos da Pesquisa ............................................................ 87

CAPÍTULO 4 .......................................................................................................... 91

DESCRIÇÕES E ANÁLISES DOS DADOS ........................................................... 91

4.1 O questionário e a categoria “Resolução de Problemas: concepções, crenças e atitudes anunciadas por um grupo de professoras” ............................................... 92

4.1.1 A primeira pergunta: “Você trabalha com Resolução de Problemas nas aulas de Matemática? Em que momentos?” ................................................................... 92

4.1.2 A segunda pergunta: “De que forma desenvolve este trabalho? (Quais recursos, posturas... ou situações cria em sala de aula para isso)” ................... 95

4.1.3 A terceira pergunta: “Com que frequência trabalha Resolução de Problemas nas aulas de Matemática?” ...................................................................................101

4.1.4 A quarta pergunta: “Sente alguma dificuldade nesta abordagem? Qual (quais)”? ................................................................................................................104

4.1.5 A quinta pergunta: “Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema?” ............................................................................................................107

4.1.6 A sexta pergunta: “Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com Resolução de Problemas na sala de aula?” ..................................110

4.2 Análises das aulas observadas – Resolução de Problemas: um confronto entre o discurso e a prática ............................................................................................112

4.2.1 A prática da professora Ana: uma aula no 4º ano .......................................112

4.2.2 A prática da professora Carmem: uma aula no 2º ano ............................... 125

4.2.3 A prática da professora Maria Clara: uma aula no 3º ano .......................... 137

4.2.4 A prática da professora Marília: uma aula no 5º ano .................................. 146

4.2.5 A prática da professora Joyce: mais uma aula no 4º ano ........................... 155

Considerações Finais ........................................................................................... 163

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 173

ANEXOS ............................................................................................................ 178

ANEXO A Questionário ...................................................................................... 178

ANEXO B Especificação do Produto desta dissertação de Mestrado Profissional .............................................................................................................................. 179

Parte 1: Roteiro do Questionário .........................................................................179

Parte 2: Roteiro de Observação de Aulas ............................................................180

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Dicas para resolver problemas ............................................................42

Figura 2: O triângulo didático ..............................................................................47

Figura 3: Síntese das principais fases ou momentos didáticos...........................57

Figura 4: Painel de Soluções – 4º ano ..............................................................116

Figura 5: Registros dos estudantes ............................................................... 128

Figura 6: Painel de Soluções – 2º ano ..............................................................136

Figura 7: Um “problema de travessia” (espaço de estados) .............................147

Figura 8: O problema apresentado ao 4º ano ...................................................156

Figura 9: Intervenções da professora Joyce .....................................................161

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Diferenças entre exercícios matemáticos e problemas matemáticos .................................................................................................................................... .31 Quadro 2: Crenças sobre o processo de resolução de problemas..............................32

Quadro 3: Tipologia de ações para resolução de problemas na TSD .........................58

Quadro 4: Principais efeitos do contrato didático ........................................................69

Quadro 5: Crenças relativas ao contrato didático .......................................................69

Quadro 6: O questionário ............................................................................................82

Quadro 7: Dificuldades na abordagem Resolução de Problemas..............................102

Quadro 8: Na sua opinião, o que é um problema? ...................................................108

Quadro 9: Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com

Resolução de problemas na sala de aula? ...............................................................110

Quadro 10: O problema utilizado na aula .................................................................113

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INTRODUÇÃO

“A verdadeira viagem de

descobrimento não consiste em

procurar novas paisagens, mas em ter

novos olhos”.

Marcel Proust

Estudos e pesquisas têm reforçado, a cada dia, a importância da

Matemática como disciplina escolar fundamental à vida e ao trabalho do cidadão

na sociedade de nosso tempo. Há muita preocupação com a formação de

competências e habilidades nesta área, e, nos anos iniciais do ensino

fundamental, em conjunto com o ensino da língua materna, esta demanda tem

sido foco de discussões e questionamentos.

Há uma forte pressão social sobre a escola, que obviamente recai sobre

o professor (visto como figura que ensina), para que a formação dos alunos

cuide do desenvolvimento de um número considerável de habilidades de

pensamento, indo muito além dos conhecimentos específicos e procedimentos,

visando uma inserção crítica do cidadão na sociedade.

Assim, como se pretendeu mostrar ao longo deste trabalho, o quadro

atual da educação brasileira, no que se refere à formação básica em

matemática, expõe uma série de questões a pesquisar, que podem ser

abordadas de diferentes formas. Especificamente, nesta investigação, o tema

eleito está ligado às ideias e concepções de professoras dos anos iniciais do

ensino fundamental sobre a resolução de problemas como recurso e/ou

estratégia para o ensino de Matemática.

Por acreditar que os percursos profissional e acadêmico tenham

influenciado fortemente a escolha do tema para esta pesquisa, entre tantos

existentes, entendemos a importância de destacar alguns aspectos que

contribuíram na direção à busca de respostas. Assim, o texto da próxima seção

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está redigido na primeira pessoa do singular por relatar fatos da história pessoal

da pesquisadora que iniciaram e contribuíram para a edificação e

desenvolvimento do tema escolhido.

Trajetória profissional e acadêmica: vivências e experiências que

trouxeram questionamentos

Minha primeira formação é em Pedagogia, tendo cursado o Magistério

antes - portanto, a maior parte de minha trajetória profissional foi atuando como

professora polivalente dos anos iniciais. Dos vinte e cinco anos em sala de aula,

mais de vinte foram como professora do 5º ano (antiga 4ª série), ano final do 2º

ciclo do Ensino Básico.

A aproximação com o ensino específico da matemática veio com a

divisão de professores por disciplinas neste ano, prática que muitas escolas vêm

adotando, a fim de aproximar os alunos das rotinas do 3º ciclo (Ensino

Fundamental II) e suavizar esta passagem. Nessa divisão, professores

polivalentes acabam optando pelas disciplinas que gostam mais de lecionar ou

que tenham mais facilidade, e, comigo, a área que sempre interessou mais foi a

Matemática.

Vale ressaltar uma observação constatada em todos esses anos: é

comum muitos professores dos anos iniciais (1º ciclo, 2ºs e 3ºs anos) se

recusarem terminantemente a lecionar matemática no quinto ano. Isto é

verbalizado (ainda hoje) com expressões como jamais, de jeito nenhum, não

tenho base em matemática para isso! Normalmente, professoras que se

adaptam a este ano lecionam por bastante tempo neste 2º ciclo (4ºs e 5ºs anos)

do Ensino Fundamental.

Como professora polivalente, observei e senti a deficiência da formação

de professores na área da matemática. A convivência com os colegas ao longo

destes anos reforçou esta constatação. É comum ouvir também de professores

dos anos iniciais afirmações referentes à sua formação, como: “- Não sei

matemática, nunca aprendi...”, “- Fiz magistério para fugir da matemática do

Ensino Médio” ..., “- Não sei ensinar matemática porque não aprendi...”. Essas

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afirmações se intensificam se o assunto são conteúdos como números racionais

(nas representações fracionária, decimal e percentual), e quando falamos em

tópicos como Grandezas e Medidas ou Geometria (Espaço e Forma).

Nesse contexto, as indagações que originaram esta pesquisa trazem

preocupações e destacam as ideias que dizem respeito à matemática ensinada

nos anos iniciais, etapa de importância indiscutível para iniciação neste campo

de conhecimento, por constituir-se o alicerce de uma gama de conceitos

complexos previstos no currículo escolar. Dentre as diversas competências

envolvidas no aprendizado da matemática nesta fase, e, portanto, previstas em

seu ensino, trato, neste estudo, sobre a resolução de problemas.

Refletir sobre as falas dos colegas no dia-a-dia, durante tantos anos, foi

me fazendo pensar e constatar quão inseguros podem se sentir os professores

dos anos iniciais ao ensinar matemática e na fragilidade que pode ter a

intencionalidade didática destes docentes no trabalho com conceitos ou com

determinada abordagem, como a resolução de problemas, por exemplo.

Atreladas ao ensino da matemática neste período, pairam questões sobre

a formação dos professores polivalentes e sua relação com esta disciplina, bem

como a estreita conexão entre concepções e crenças que envolvem a

matemática e que se revelam presentes em sua prática.

Contudo, essas questões, referentes ao trabalho didático do professor,

sempre permearam, em âmbito secundário, minhas reflexões. Durante os anos

em que atuei exclusivamente em sala de aula, meu olhar estava direcionado

essencialmente para o aluno e para sua aprendizagem; campo no qual eu

atuava mais diretamente.

Em 2008, na mesma escola da rede particular de São Paulo em que

lecionava há onze anos, assumi o cargo de assessora pedagógica de

matemática da Educação Infantil ao quinto ano do Ensino Fundamental, e,

simultaneamente, realizei um curso de especialização em Educação Matemática,

a fim de respaldar e fundamentar minha atuação no novo cargo.

Como conclusão desta especialização em Educação Matemática, realizei

uma pesquisa, objetivada como monografia, nesta mesma escola, voltada para

os alunos e a aprendizagem em Matemática, nascida de indagações e

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inquietações da própria prática docente, mas que, ao findar-se, mobilizou

questionamentos voltados para o ensino, para a figura do professor, e que foram

ganhando corpo e consistência, confirmando-se dia-a-dia com o trabalho

realizado junto aos professores e, concomitantemente, aos alunos desta

instituição.

Esta situação privilegiada de investigar a própria prática foi o elemento

desencadeador da elaboração desta pesquisa. A semente deixada pela

investigação anterior me fez prosseguir os estudos em Educação Matemática,

por meio do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP, no mestrado

profissional em Educação Matemática, a fim de expandir e redirecionar o foco

inicial do objeto de pesquisa, a autonomia dos alunos dos anos iniciais na

resolução de problemas em matemática, agora com as lentes voltadas para o

trabalho didático do professor.

Desta forma, posso dizer que uma investigação sobre a atividade discente

e processos de resolução de problemas, gerou, indiretamente, um estudo sobre

a resolução de problemas como metodologia de ensino. O olhar para o aluno

refletiu a imagem do professor.

As indagações, na verdade inquietações, partiram de minha observação,

em sala de aula, de que muitos alunos, chegam ao final das séries iniciais ainda

dependentes de comentários do professor para resolver certos problemas;

acostumados a “buscar pistas” no enunciado para descobrirem a operação que

devem fazer, demonstram-se inseguros na habilidade de arriscar ou evidenciar

procedimentos pessoais e elaborar conjecturas. As argumentações e

confrontações que deveriam estar em pleno exercício, mesmo quando

incentivadas, nem sempre acontecem como prática estabelecida nas aulas. Ao

contrário disso, perguntas surgem, esperando respostas prontas do professor.

Essa primeira pesquisa foi realizada no final do ano de 2009 com meus

próprios alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, na mesma escola em que

ocorre a atual investigação. Buscava compreender o porquê destes

comportamentos inseguros. Apoiada na hipótese de que havia deficiências na

leitura individual dos problemas matemáticos e, portanto, na compreensão dos

mesmos, a investigação teve como foco descobrir quais eram as dificuldades

identificadas pelos alunos neste tipo de texto.

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Assim, esta foi a indagação desta pesquisa anterior, a qual me refiro:

Como os alunos, no final do nível básico de ensino, prestes a ingressarem no

Ensino Fundamental II, apresentavam um comportamento tão inseguro e

inconsistente nas atividades de resolução de problemas?

Nesse estudo, após colocá-los em uma situação de resolução de

problemas, sem a condução do professor, foi efetuada uma entrevista individual

com alguns alunos, buscando entender qual a dificuldade na leitura dos

problemas e por que chamavam tantas vezes a professora para compreensão

dos mesmos.

A pesquisa trouxe pistas de que realmente era preciso variar os tipos de

problemas, investindo mais neste tipo de trabalho desde os anos anteriores e

que havia algumas dificuldades na leitura e compreensão de problemas cujo

texto fugisse um pouco do modelo convencional.

Entretanto, embora o foco deste estudo apontasse para a autonomia dos

alunos na leitura de problemas matemáticos ao final das séries iniciais, os dados

coletados trouxeram outros elementos, que acabaram por gerar novas questões.

Esta é uma característica observável em pesquisas qualitativas: respostas

obtidas podem trazer à tona outros ângulos do fenômeno observado, indicando

novos caminhos e sublinhando fatos que até então não se mostravam visíveis no

cenário em questão.

A partir desse movimento de estudo e do exercício da assessoria a estes

professores (inclusive o de fazer e acompanhar observações de aula), é que o

aspecto metodológico da resolução de problemas se delineou como uma nova

hipótese e encaminhou o segundo movimento de pesquisa, a atual investigação.

O fato é que os resultados apurados na pesquisa anterior ainda deixaram

dúvidas em relação à postura tão insegura que os alunos têm frente à resolução

de problemas. Neste sentido, apontei que

Possivelmente uma avaliação mais ampla e global de todo o segmento, ampliando o foco, quem sabe mudando o ângulo de observação nos traga outras pistas de intervenção que ajudem os alunos a terem mais segurança e autonomia, não somente em resolução de problemas em matemática, mas também em outros aspectos de sua vida acadêmica (MASTROIANNI, 2010, p.73).

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Desta forma, tornaram-se esses dados, vindos da voz dos próprios

sujeitos de uma pesquisa qualitativa, um ponto real e concreto, um ponto de

partida para a nova investigação. O cerne desta questão, porém, voltou-se para

o professor e sua prática, trazendo aspectos relativos ao ensino e à possível

influência de suas concepções nas aulas em que trabalham com resolução de

problemas como método para o ensino de matemática, investigando se estas

ideias podem contribuir ou não para as dificuldades observadas em alunos

dessa faixa etária.

Na verdade, as reflexões que surgiram a partir desta pesquisa foram se

costurando à prática e ressurgindo no exercício da assessoria pedagógica a

estas professoras, na leitura dos planejamentos, na observação das aulas e

atividades propostas e na análise da postura dos alunos frente à resolução de

problemas.

Ao associar minha prática voltada ao trabalho com o professor e as

dúvidas que restaram quanto às origens de posturas hesitantes dos alunos, um

novo olhar e novas indagações foram surgindo.

Todos esses elementos foram se transformando em motivações para um

estudo mais aprofundado do tema, cuja relevância teórica procuro indicar na

sequência.

Relevância do tema e questões de pesquisa

No âmbito da escola, reiteradas vezes professores e gestores têm a

impressão de que, mesmo com um bom planejamento, elaborado coletivamente,

com atividades organizadas dentro de sequências didáticas coerentes e

consistentes, discutidas em pares, parece que “algo escapa” na hora da aula e

as aprendizagens esperadas não acontecem. O que interfere? O que acontece

ou não acontece no ambiente da sala de aula?

Durante muito tempo, viu-se o bom professor como aquele que transmitia

com segurança o conhecimento, que dominava o conteúdo e tinha adequadas

estratégias de apresentação do mesmo. Contudo, nas últimas décadas, outro

papel tem sido pensado para o professor: o de mediador do processo de ensino

e aprendizagem, não obstante a importância, ainda presente, do domínio dos

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conhecimentos em relação aos quais pretende promover processos de

construção.

Neste contexto, a resolução de problemas vem se constituindo como uma

atividade mobilizadora desses processos. De certa forma, porém, este é um

caminho recente e a permanência de ideias, passadas de uma geração para

outra e absorvidas no próprio percurso escolar do professor, vão compondo e

estabelecendo-se como concepções e crenças presentes em sua prática,

implicitamente. Para Tardif (2002), se o professor resgatar suas primeiras

vivências escolares, poderá ver “marcas” que traz, ainda hoje, destes “tempos-

espaços”, e o quanto estas incorporam seu “modo de ser” e “dever-ser” de

educador.

Ainda de acordo com Tardif (2002), o saber é sempre o de alguém que

trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer: o saber não é

algo que flutua no espaço. O saber dos professores é o saber deles e se

relaciona com a pessoa e a identidade deles, então, não provém de uma fonte

única, mas sim de várias fontes e de diferentes momentos da história de vida e

da carreira profissional. É neste sentido, por exemplo, que se pode destacar a

importância de pesquisas que explicitem essas formas de pensar como um

passo importante para criar intervenções que efetivamente tragam mudanças

nas ações dos professores, pois toda prática pedagógica está determinada por

concepções sobre como se ensina e como se aprende (BAROODY, 1988, apud

MORENO,1996).

Essas concepções muitas vezes terminam por constituir “teorias”

implícitas que condicionam e regulam o agir docente, enquanto não mediam

espaços de reflexão que permitem torná-las explícitas (MORENO, 2006, p.43).

Assim, esta pesquisa tem, também, a intenção de trazer tais concepções para

um espaço de discussão e reflexão com os professores, com o objetivo de

intervir e contribuir com sua prática.

Por outro lado, reiteramos que a presente pesquisa parte de uma

investigação anterior, nessa mesma instituição, a qual trouxe à tona questões

que apontam com grande nitidez para a vigência e influência de um contrato

didático, no sentido destacado por Brousseau (2008), que permeia as relações

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entre professores, alunos e o saber envolvido nos conteúdos matemáticos

abordados por meio de problemas, o qual é preciso compreender de forma mais

aprofundada a fim de depreender as situações estudadas.

Assim, as reflexões até aqui tecidas contribuem para a eleição do quadro

teórico da investigação, que inclui o conceito de contrato didático e elementos da

teoria das situações didáticas (Brousseau, 2008), e nortearam nosso

levantamento de produções acadêmicas sobre o tema “resolução de problemas

no ensino de matemática” quando objeto de estudo dos anos iniciais do ensino

regular. Desta maneira, delimitaram-se as seguintes questões de pesquisa:

• Que concepções, crenças e práticas professoras polivalentes dos anos

iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo têm sobre o tema

“resolução de problemas” em aulas de Matemática?

• Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática dessas professoras

do ponto de vista do trabalho didático com resolução de problemas nas

aulas de Matemática?

• De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de problemas

matemáticos por professoras polivalentes dos anos iniciais de uma escola

da rede particular de São Paulo podem ser posicionadas do ponto de vista

da teoria das situações didáticas?

Neste sentido, Borba e Araújo (2006) assinalam que o momento crucial

para o desenvolvimento de uma pesquisa é a definição da pergunta diretriz:

O processo de construção da pergunta diretriz de uma pesquisa é, na maioria das vezes, um longo caminho, cheio de idas e vindas, mudanças de rumo, retrocessos, até que, após um certo período de amadurecimento, surge a pergunta. Um grande problema que percebemos em diversas pesquisas é que, muitas vezes, esse caminho não é apresentado pelo autor. Talvez ele pense que aquele caminho percorrido até o estabelecimento da pergunta tenha sido cheio de enganos, não merecendo ser divulgado, e não perceba que a pergunta é a síntese desse caminho, ou seja, que todo processo de construção da pesquisa faz parte da própria pergunta. (BORBA E ARAÚJO, 2006, p.27).

Assim, percebe-se a importância de valorizar o processo de construção da

pergunta ou das perguntas diretrizes de uma pesquisa, ressaltando-as como

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resultado de uma reflexão (teórica, sobre a própria prática, metodológica, etc.).

Neste caso, as reflexões feitas incluem uma primeira investigação sobre tema

correlato.

Estrutura do Trabalho

Para responder as questões levantadas, este trabalho está organizado da

seguinte forma:

Capítulo I: apresenta reflexões e revisa trabalhos relevantes sobre a

resolução de problemas em contextos escolares, principalmente no

ensino de Matemática. Também retoma e contextualiza,

cronologicamente, a origem das ideias, crenças e concepções sobre a

resolução de problemas e suas implicações na educação matemática,

bem como suas diferentes abordagens, retratando o estado-da-arte do

tema em questão;

Capítulo II: discorre sobre o principal referencial teórico do trabalho, a

Teoria das Situações Didáticas (TSD), modelo teórico desenvolvido na

França por Guy Brousseau, destacando seus principais fundamentos e

noções relacionadas à didática da matemática francesa. Trata ainda sobre

outra noção especialmente relevante neste trabalho, a de Contrato

Didático, formalizada também por Brousseu e apresenta os diferentes

efeitos causados por este contrato nas dialéticas envolvidas no processo

de aprendizagem e nos padrões de interação entre o professor-aluno,

aluno-aluno e o saber matemático. Para finalizar, apresenta a revisão de

pesquisas correlatas sobre o tema, priorizando os anos iniciais;

Capítulo III: apresenta os aportes metodológicos da pesquisa e a

caracteriza como qualitativa; também apresenta a descrição dos

instrumentos utilizados (questionário e observação de aulas), dos

procedimentos de coleta de dados, dos sujeitos que participam da

investigação (professores polivalentes dos anos iniciais) e do cenário em

que esta ocorre;

Capítulo IV: apresenta as descrições e análises dos dados obtidos,

segundo duas categorias: (1) a análise das respostas obtidas pelos

questionários; (2) a análise das aulas assistidas, procurando confrontar e

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buscar as conexões existentes entre essas informações e a teoria que

fundamenta este trabalho;

Nas Considerações Finais buscamos concluir este estudo, responder às

questões e finalidades propostas pelo mesmo e caracterizar sua

relevância para o meio acadêmico, alinhando as principais observações

resultantes das análises;

Anexos (A e B): trazem o questionário na forma como foi apresentado

aos sujeitos desta pesquisa e um roteiro, tanto para a elaboração e

preparação deste instrumento, como para a observação de aulas, ambos

construídos para o levantamento de dados desta pesquisa. Este material

pode ser especificado como produto desta dissertação, uma vez que pode

servir de base, com as devidas adaptações, para a construção de novas

investigações em outros cenários, sobre o tema resolução de problemas

na esfera docente.

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CAPÍTULO UM

“Se todos os professores

compreendessem que a qualidade do

processo mental, não a produção de

respostas corretas, é a medida do

desenvolvimento educativo, algo de

pouco menos do que uma revolução no

ensino teria lugar na escola”

Dewey, 1996.

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: IDEIAS E PROPOSIÇÕES

1.1 Sobre a resolução de problemas em educação matemática

Há algumas décadas, educadores matemáticos têm pesquisado e

difundido a ideia de que o desenvolvimento da capacidade de resolver

problemas é tão importante quanto os conhecimentos específicos e

procedimentos necessários para este fim e o ideal é que o aluno passe a ser um

bom e competente “solucionador de problemas”.

English e Sriraman (2010) narram, em seu texto Resolução de problemas

para o século 211, fatos relevantes desse percurso. Os autores ressaltam que

preocupações sobre a resolução de problemas matemáticos por estudantes

podem ser levantadas até o período de aprendizagem significativa (décadas de

1930 e 1940), em que alguns autores sublinharam a importância de os alunos

analisarem e compreenderem a estrutura matemática e ressaltaram a

necessidade de desenvolver a capacidade dos alunos para detectar padrões em

situações semelhantes, porém, distintas. Contudo, segundo os autores, foi o

trabalho seminal de George Polya sobre como resolver problemas que

impulsionou uma gama de pesquisas sobre o tema nas décadas seguintes.

1 Tradução: Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira

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Polya foi um matemático que trouxe uma importante colaboração para que

a Resolução de Problemas passasse a ocupar lugar de destaque nas discussões

e debates em Educação Matemática. Seu primeiro livro, publicado em 1944,

chegou ao Brasil em 1977 com o título A arte de resolver problemas.

Após essa proposta, passou a ocorrer uma intensificação dos estudos

sobre o ensino por meio da resolução de problemas, como os estudos

relacionados a simulações de resolução de problemas por computador, sistemas

especialistas em resolução de problemas, estratégias/heurísticas para resolução

de problemas, processos metacognitivos e problematização (English e Sriraman,

2010).

Já na década de 1990, surgiram Propostas Curriculares que situavam o

ensino da matemática via resolução de problemas. A proposta era a de iniciar os

estudos com problemas que motivassem os alunos a pensar no conteúdo a ser

desenvolvido.

De acordo com os PCN’s (1998, p.112), “a resolução de problemas é a

peça central para o ensino da Matemática, pois o pensar e o fazer se mobilizam

e se desenvolvem quando o indivíduo está engajado ativamente no

enfrentamento de desafios”.

Estar engajado prevê algo que fortemente motive o estudante a buscar

estratégias para solucionar um problema. Se o caminho é óbvio não haverá a

atração pela descoberta pois, problema é “tudo aquilo que não se sabe fazer,

mas que se está interessado em resolver” (ONUCHIC, 1999, p..215).

Despertar este interesse pode ser uma ação gerada pela postura do

professor, vinculada aos seus objetivos didáticos e à forma com a qual trabalha

os problemas em suas aulas.

Medeiros (1999), em sua dissertação de mestrado, aponta que “os

problemas matemáticos são fundamentais no desenvolvimento da matemática,

mas, em sala, são trabalhados como exercícios repetitivos, resolvidos por meio

de procedimentos padronizados”. Por sua vez, Pires (2012) enfatiza que os

problemas, em geral, e ao contrário do que advogam English e Sriraman (2010),

vêm sendo utilizados apenas como forma de aplicação de conhecimentos

adquiridos anteriormente pelos alunos e que tradicionalmente, não têm

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desempenhado seu verdadeiro papel no ensino da matemática. Uma prática que

observamos frequentemente é a de ensinar um conceito, procedimento ou

técnica, seguido pela apresentação do problema com o intuito de analisar se os

alunos foram capazes de empregar o que lhes foi ensinado.

Neste caso, a concepção de ensino e aprendizagem subjacente é a de que o aluno aprende por reprodução e/ou imitação. O que os professores apresentam, no geral, não se constitui em verdadeiro problema, porque não existe desafio nem a necessidade de validação do processo de solução (PIRES, 2012, p.107).

É comum encontrarmos em relatórios de pesquisa, no cenário da

educação brasileira, que, para a maioria dos alunos, resolver um problema

significa fazer cálculos com os números encontrados no enunciado, buscando, já

em uma primeira leitura, as palavras que indiquem as operações a serem

utilizadas para a resolução. Também em nossa pesquisa anterior, realizada junto

aos alunos do quinto ano, este foi um dos fatos constatados, tanto nas hipóteses

iniciais como na conclusão.

Este padrão nos leva a pensar se não é desta forma que o trabalho com

resolução de problemas tem sido encaminhado, ou seja, voltado para a

aquisição de procedimentos eficazes, disponíveis ao alcance do aluno para

atingir uma meta. Porém, como e quando utilizar estes procedimentos de

maneira autônoma?

Para Echeverría e Pozo (1998),

A aprendizagem da solução de problemas somente se transformará em autônoma e espontânea se transportada para o âmbito do cotidiano, se for gerada no aluno a atitude de procurar respostas para suas próprias perguntas/problemas, se ele se habituar a questionar-se ao invés de receber somente respostas já elaboradas por outros, seja pelo livro-texto, pelo professor ou pela televisão. O verdadeiro objetivo final da aprendizagem da solução de problemas é fazer com que o aluno adquira o hábito de propor-se problemas e de resolvê-los de forma a aprender. (p.15)

Dessa forma, muitos dos problemas que são apresentados aos alunos,

podem ser caracterizados como pseudoproblemas, ou seja, meros exercícios de

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aplicação de rotinas aprendidas por emprego e repetição, praticamente

automatizadas, “sem que o aluno saiba discernir o sentido do que está fazendo

e, por conseguinte, sem que possa transferi-lo ou generalizá-lo de forma

autônoma a situações novas” (ECHEVERRÍA E POZO, 1998, p.15).

Ao contrário destes exemplos, um problema deve aguçar no estudante o

desejo de resolvê-lo, porque este sente algum obstáculo nesta tarefa. De acordo

com CHARNAY, “só há um problema se o aluno perceber uma dificuldade: uma

determinada situação, que “provoca problema” [...] há então, uma ideia de

obstáculo a ser superado”. (1996 p. 46).

Para o autor, deve haver entre os estudantes e o problema matemático

uma relação que os leve a um crescimento e ampliação do conhecimento. Afirma

também que o processo de resolução de um verdadeiro problema “deve oferecer

uma resistência suficiente para fazer com que o aluno evolua dos conhecimentos

anteriores, questione-os e elabore novos conhecimentos” (CHARNAY, 1996, p.

45).

Esse sentimento de desafio intelectual vivenciado pelo estudante

alavanca suas habilidades, promovendo valiosas oportunidades de

aprendizagem e ativando iniciativas para utilizar recursos disponíveis no

momento, incentivando sua criatividade e favorecendo a utilização de estratégias

dissociadas das regras convencionais.

Sendo assim, então, em que momento um problema é realmente um

problema ou deixa de sê-lo para caracterizar-se como exercício? Ou, para quem

ele é problema e para quem é exercício?

Para ECHEVERRÍA E POZO (1988), “um problema se diferencia de um

exercício, na medida em que, neste último caso, dispomos e utilizamos

mecanismos que nos levam, de forma imediata à solução” (1998 p.16).

Os autores sublinham ainda a ideia de que a mesma situação pode, para

um sujeito, representar um problema, mas para outro não. Para um sujeito é

possível que estejam disponíveis recursos automáticos para resolvê-lo, fazendo

isto sem esforço e o solucionando rapidamente, o que o torna um exercício,

enquanto que, para outro, a situação não reúna os mesmos elementos. Na

resolução de um problema deve haver, de alguma forma, um processo de

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reflexão ou, ao menos, uma tomada de decisões sobre os passos a serem

seguidos.

Podemos entender assim, de acordo com estes autores, que a diferença

entre exercício e problema está diretamente relacionada com quem vai

solucioná-lo (aluno) e com o contexto da tarefa apresentada. Para eles, a

realização de exercícios limita-se a enfrentar atividades rotineiras e já

conhecidas, que podem ser resolvidas de forma automática.

Dante (2003) apresenta também a distinção entre e exercício e problema:

Exercício, como o próprio nome diz, serve para exercitar, para praticar um determinado algoritmo ou processo. O aluno lê o exercício e extrai as informações necessárias para praticar uma ou mais habilidades algorítmicas. Problema, ou problema-processo, [...] é a descrição de uma situação onde se procura algo desconhecido e não se tem previamente nenhum algoritmo que garanta sua solução (2003, p. 43).

Vale ressaltar que o autor, em sua obra Didática da Resolução de

Problemas em Matemática (2000), reflete sobre a importância do equilíbrio entre

o número de exercícios e de problemas matemáticos apresentados aos alunos

em sala de aula. Destaca a importância do fazer pedagógico nas aulas, onde

existam exercícios que tenham por objetivo a repetição e treino de técnicas

operatórias, com também, segundo o autor, reconhecido valor na aprendizagem

da matemática2.

Refletindo sobre essas questões, podemos compreender a importância

que a escolha de atividades feita pelo professor tem no contexto de uma

metodologia voltada para a resolução de problemas, juntamente com a

abordagem que este faz ao trabalhar estas atividades. De acordo com Charnay

(1996), também “o meio é um elemento do problema, particularmente as

condições didáticas da resolução (organização da aula, intercâmbio,

expectativas explícitas ou implícitas do professor)” (CHARNAY, 1996, p.46). E é

para este lugar que queremos direcionar as lentes de nossa pesquisa:

observando como essas questões ocorrem no ambiente de nosso estudo e como

refletem nas competências dos alunos na resolução de problemas. 2 Esta afirmação está neste trabalho por representar a posição do autor mencionado, e não o ponto de

vista defendido neste estudo. Achamos justo trazê-la por estar no contexto da distinção entre problema e exercício feita pelo autor, e para dar pluralidade ao discurso.

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Trazer problemas para a sala de aula com intencionalidade, que

instiguem e que levem o aluno a mover conhecimentos para resolvê-los e os

auxilie a estabelecer sentido na aquisição dos conceitos é tarefa do professor

dentro da perspectiva do ensino da matemática pela resolução de problemas.

Para Brousseau (2008), as concepções atuais do ensino exigirão do

professor que provoque no aluno – por meio da seleção sensata dos “problemas”

propostos – as adaptações desejadas. Tais problemas, segundo ele, no mesmo

sentido destacado por Charnay (1996), devem fazer pela própria dinâmica que o

aluno atue, fale, reflita e evolua.

Entretanto, como pode o aluno evoluir se os problemas que lhe são

oferecidos são sempre os mesmos? Por que empenhar-se em tentar novos

modos de resolução se somente com o que se sabe consegue resolvê-los?

Tanto a solução de problemas como a realização de exercícios exigirão

dos alunos a ativação de diferentes tipos de conhecimento, procedimentos,

atitudes, conceitos e motivações: “na medida em que sejam situações mais

abertas ou novas, a solução de problemas representa para o aluno uma

demanda cognitiva e motivacional maior do que a execução de exercícios”

(ECHEVERRÍA E POZO,1998).

A carência desta prática no dia-a-dia escolar, salientam os autores, se

mostra em posturas reticentes dos alunos quando deparam-se com problemas,

insistindo em reduzi-los a exercícios rotineiros que solucionam com a aplicação

de um procedimento ou técnica conhecida. Surgem daí as famosas perguntas: “-

É conta de mais? - Vezes?”

Esse aspecto destacado pelos autores mostra-se bastante congruente

com as ideias desencadeadoras da pesquisa, tanto no que se refere aos

comportamentos dos alunos como nos dos professores, no sentido de averiguar

de que forma conduzem ou interferem nessas questões.

Assim sendo, concordamos com o posicionamento deles quando

defendem a ideia de que, para os alunos, a forma como ocorrem essas

interações e a maneira como são conduzidas as situações de ensino têm

fundamental importância no sentido de corroborarem o desenvolvimento de

posturas de investigação, de elaboração de estratégias e de combinação e

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adaptação de conhecimentos anteriores. Echeverría e Pozo (1998) enfatizam

essa dimensão que na realidade que investigamos também se evidenciou:

A solução de problemas e a realização de exercícios constituem um continuum educacional cujos limites nem sempre são fáceis de estabelecer. Entretanto, é importante que nas atividades de sala de aula a distinção entre exercícios e problemas esteja bem definida e, principalmente, que fique claro para o aluno que as tarefas exigem algo mais de sua parte do que o simples exercício repetitivo. (p.17).

Segundo Vila e Callejo (2007), com efeito, as tarefas escolares vão

influenciar a visão que os alunos vão construindo sobre a matemática e

atividades relacionadas a ela. Para eles, infelizmente, na maioria das vezes a

intenção do professor ao propor atividades é apenas ilustrativa ou confirmativa,

ou seja, mostrar exemplos de aplicação de conhecimentos ou comprovar que os

alunos sabem empregar conhecimentos que aprenderam recentemente. Por

isso, quase sempre, são exercícios o que se trabalha, nomeados como

problemas.

Estes autores apontam algumas diferenças entre exercícios e problemas

que nos ajudam a melhor distingui-los nas situações de ensino e aprendizagem.

Consideramos apresentá-las para sustentar e referenciar nossos pontos de

observação na prática quanto a este aspecto.

Quadro 1 – Diferenças entre exercícios matemáticos e problemas matemáticos

Exercícios Matemáticos Problemas Matemáticos

• Ao ler um exercício, vê-se imediatamente em que consiste a questão e qual é o meio de resolvê-la.

• Diante de um problema não se sabe, à primeira vista, como atacá-lo e resolvê-lo, às vezes, nem sequer se vê com clareza em que consiste o problema.

• O objetivo que o professor persegue quando propõe um exercício é que o aluno aplique de forma mecânica conhecimentos e algoritmos já adquiridos e fáceis de identificar.

• O objetivo que o professor persegue ao propor um problema é que o aluno busque, investigue, utilize a intuição, aprofunde o conjunto de conhecimentos e experiências anteriores e elabore uma estratégia de resolução.

• Em geral, a resolução de um exercício exige pouco tempo e este pode ser previsto de antemão.

• Em geral, a resolução de um problema exige um tempo que é impossível prever de antemão.

• A resolução de um exercício não costuma envolver os afetos.

• A resolução de um problema supõe um forte investimento de energia e afeto. Ao longo da resolução, é normal experimentar sentimentos de ansiedade, de confiança, de frustração, de entusiasmo, de alegria, etc.

• Em geral, os exercícios são questões • Os problemas estão abertos a possíveis

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fechadas. variantes e generalizações e a novos problemas.

• Os exercícios são abundantes nos livros didáticos.

• Os problemas costumam ser escassos nos livros didáticos.

Fonte: Vila e Callejo, 2007 (adaptado).

Ainda segundo esses autores, o fato de os professores trabalharem

preponderantemente com exercícios explica a existência de algumas crenças

inadequadas para a resolução de problemas que vão se constituindo ao longo da

vida escolar, desde os anos iniciais.

O sistema de crenças dos professores sobre a ideia de problema e o

papel deste na educação matemática, pode influenciá-los nas escolhas sobre a

tipologia de problemas que propõem e na finalidade de sua aplicação e esse é

um dos pontos que muito pode contribuir para explicar as questões propostas

em nosso estudo.

Neste aspecto, o quadro 2 traz a identificação de problema com exercício

quanto à forma de condução nas diferentes fases da resolução, ao tempo

empregado e à variedade ou não de procedimentos e estratégias que possam

ser disponibilizados.

Quadro 2 – Crenças sobre o processo de resolução de problemas

1.Os problemas de matemática são resolvidos sempre em menos de 10 minutos, se é que são

resolvidos. (Schoenfeld, 1985).

2.Só há uma maneira de responder corretamente a cada problema; normalmente é o método

que o professor acaba de mostrar em aula. (Schoenfeld, 1992).

3.Só há um procedimento correto para resolver um problema e só há uma resposta correta.

(Woods, 1987).

4.Na primeira vez em que se lê o enunciado de um problema se deveria ser capaz de

entender imediatamente o que se pede ou o que se pretende que se calcule ou se decida.

5.Cada passo que se der tem de ser correto; não há espaço para tentativa e erro. Não se deve

brincar com as situações-problema (Woods, 1987)

6.Não se pode permitir o uso da intuição na resolução de problemas (Woods, 1987).

7.Não se pode mudar o problema para torna-lo mais simples (Woods, 1987).

8.Os problemas de matemática são tarefas para aplicar regras aprendidas; portanto, podem

ser resolvidos facilmente em poucos passos. (Frank, 1988).

9.Quase todos os problemas de matemática podem ser resolvidos diretamente aplicando-se

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fatos, regras, fórmulas e procedimentos mostrados pelo professor os dados no livro. Portanto,

o pensamento matemático consiste em poder aprender, memorizar e aplicar fatos, regras,

fórmulas e procedimentos (Garofalo,1989).

10.Todos os problemas com enunciado que narra uma “história” podem ser resolvidos

diretamente aplicando-se uma ou mais operações aritméticas, identificadas pelas “palavras-

chave” existentes no enunciado.

11.A obtenção da resposta de um problema é o aspecto-chave da resolução (Villa, 1995).

12.A resolução do problema é linear. (Villa, 1995).

13.As atividades matemáticas são resolvidas normalmente em poucos minutos se se

conhecem os conceitos e as habilidades apresentadas na aula pelo professor (Callejo, 1994).

14.Ficar parado ou deixar em branco é perder tempo (Callejo, 1994).

15.Para responder às questões matemáticas, busca-se diretamente uma estratégia de

resolução e aprofunda-se nessa direção. Se não se tem êxito, o trabalho é abandonado

definitivamente. (Callejo, 1994).

16.A resolução de uma questão matemática acaba quando se encontra a resposta. (Callejo,

1994).

17.O resultado é mais importante que o processo seguido. Se não se encontra a resposta,

fracassou-se. (Callejo, 1994).

18.A resolução de problemas é uma atividade de reconhecimento/aplicação das técnicas

trabalhadas em aula e, ao mesmo tempo, de validação das técnicas aprendidas. (Vila, 2001).

19.Os problemas de matemática têm uma e não mais respostas corretas.

Fonte: Vila e Callejo, 2007 (adaptado)

Ao ler algumas dessas crenças, é possível nos remeter a situações que já

vivemos como alunos, ou mesmo como educadores. Talvez mais implicitamente

do que explicitamente, e talvez sem nos dar conta de que, como ressalvam os

autores, são crenças inadequadas para a resolução de problemas, mas

apropriadas para a resolução de exercícios.

Essa tênue diferença pode, muitas vezes passar despercebida na prática

do professor em sala de aula. No dia-a-dia, as coisas perdem a nitidez e

mensagens são passadas no ambiente vivo e pulsante que é a sala de aula.

Para Vila e Callejo (2007) “é necessário, pois, prestar atenção às indicações e

sugestões feitas em aula. Principalmente à forma como os alunos às entendem”.

Para chamar atenção a este ponto os autores perguntam:

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Qual é a experiência direta que os alunos têm com a matemática? Que atividades são propostas a eles? Com que finalidade? Trabalham somente com lápis e papel? Forma grupos para realizar algumas atividades? O que ouvem, vêem ou lêem sobre matemática? Seus professores e os materiais deixam transparecer o que é a verdadeira atividade matemática, os processos de indagação, de busca, de ensaios, de tentativas...os processos de descoberta? Que mensagens são repetidas em aula? (Vila e Callejo, 2007, p.69).

A complexidade no comando destes mecanismos colocados em ação,

reside no fato de nem sempre ser fácil, para o professor, identificar os passos ou

processos que os alunos seguirão na resolução de um problema.

Além disso, a aprendizagem matemática compreende também uma

reflexão sobre o que foi feito. A discussão proposta e encaminhada pelo

professor nas aulas e as dinâmicas utilizadas devem ser conduzidas com

intencionalidade; é preciso promover a circulação do conhecimento, os

intercâmbios entre os pares e o professor. Há que se pensar que a comunicação

nas aulas de Matemática é um processo facilitador da aprendizagem e pode ser

construído e lapidado.

No entanto, para muitos professores a organização de aulas em que se

priorizem particularmente momentos de discussão de conceitos, confrontação e

de reflexão, sem necessariamente conduzir os alunos ao acerto se mostra

bastante difícil. O papel docente tem fundamental e reconhecida importância

neste processo, sendo o de criador das situações de aprendizagem, uma vez

que, como mediador “cria condições para o aluno ser o principal ator da

construção de seus conhecimentos a partir da(s) atividade(s) proposta(s)”

(OLIVEIRA, 2009, p.3).

Chegamos assim, ao ponto crucial que permeia nossa investigação,

configurando as questões norteadoras, que aqui repetimos:

• Que concepções, crenças e práticas professoras polivalentes dos

anos iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo têm sobre o

tema “resolução de problemas” em aulas de Matemática?

• Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática dessas

professoras do ponto de vista do trabalho didático com resolução de

problemas nas aulas de Matemática?

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• De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de

problemas matemáticos por professoras polivalentes dos anos iniciais de

uma escola da rede particular de São Paulo podem ser posicionadas do

ponto de vista da teoria das situações didáticas?

Nesse estudo, por meio do suporte teórico pesquisado e pelos dados

obtidos em campo, buscaremos responder a essas questões a fim de

compreender melhor a realidade investigada. Para tanto, também achamos

importante posicionar, do ponto de vista dos estudos anteriormente realizados

por autores de relevo, as origens fundadoras das concepções dos professores

que ensinam matemática acerca da resolução de problemas.

1.2 Concepções dos professores sobre a resolução de problemas: origens

Ao longo da história podemos observar que várias concepções sobre a

resolução de problemas em Matemática foram se constituindo e são hoje

componentes implícitos que regem a prática pedagógica.

Com isso, entendemos que seria relevante tratar do histórico e das

origens das concepções dos professores a respeito da resolução de problemas

neste estudo, uma vez que este foca a prática atual de professores que ensinam

matemática, e que de uma forma ou de outra, são herdeiros e trazem consigo

muitos aspectos resultantes dessa trajetória e transmutação de ideias.

Segundo Onuchic (1999), a relevância dada à Resolução de Problemas é

recente; somente nas últimas décadas é que os educadores matemáticos

começaram a cogitar que a capacidade para resolver problemas merecia mais

atenção nos programas de Matemática, contrapondo o uso isolado de

procedimentos algorítmicos e aprendizagem pelo treino e repetição.

Neste sentido, de acordo com Andrade (1998):

De um modo geral, os estudos em Resolução de Problemas preocuparam-se inicialmente, período anterior a 60, com o desempenho bem-sucedido da obtenção da solução de problemas. Não houve preocupação com o processo. Para desenvolver sua capacidade em resolução de problemas, a

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criança deveria exercitar-se exaustivamente na solução de uma grande quantidade de problemas do mesmo tipo. O ensino de resolução de problemas limitava-se ao ensino da busca de solução, tipo-treino, num esquema cognitivo estímulo-resposta. Posteriormente, período 60 – 80, a preocupação voltou-se para o processo envolvido na resolução do problema e, assim, centrando o ensino no uso de diferentes estratégias. (p.7-8).

Nesse contexto, English e Sriraman (2010) relatam que, durante algumas

décadas, uma proporção considerável de pesquisas se concentrou

particularmente em problemas com narrativas, do tipo enfatizado nos livros

escolares ou em testes. Estes compreendem problemas narrativos “rotineiros”,

que requerem a aplicação de um processo de cálculo padrão, bem como

problemas “não-rotineiros”, envolvendo a obtenção de uma resposta a partir de

um ponto para um objetivo quando o caminho não é evidente. São estes últimos

os problemas com que os alunos especialmente têm apresentado dúvidas e

hesitações.

Ainda de acordo com estes autores, o livro de Polya, “A arte de resolver

problemas” (1945), foi, dessa forma, uma publicação muito bem-vinda, pois

introduziu a noção de heurísticas e estratégias, envolvendo como elaborar um

plano, identificar dados e objetivos, desenhar um quadro 3 , fazer uma

retrospectiva, e procurar um problema semelhante, que seriam ferramentas de

um “expert” em resolver problemas. Para os educadores matemáticos o livro de

Polya foi visto como referencial para melhorar as habilidades dos alunos para

resolver problemas não tão familiares, ou seja, para abordar situações em que

os alunos “travam” desde o início ou no meio do processo de resolução.

Dessa forma, outra concepção, esta influenciada pelos trabalhos de Polya

(1977), vê a resolução de problemas como um processo em que se aplicam

conhecimentos previamente adquiridos a situações novas. Há uma valorização

mais do processo de resolução do que da resposta. As implicações, em termos

de ensino, passam a ser um olhar mais centralizado em procedimentos ou

passos utilizados para se chegar à solução – valorizam-se os procedimentos e

estratégias pessoais dos alunos. Nessa concepção, podemos encontrar a

classificação em tipos de problemas, tipos de estratégias e esquemas de passos 3 No trabalho de Polya, esta expressão surge no sentido de executar o plano traçado anteriormente (NT).

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a serem seguidos como os supramencionados, para potencializar essa

competência. Desta maneira, o enfoque do processo é o de ensinar a resolver

problemas para, como consequência, aprender matemática.

De acordo com Onuchic (1999), durante a década de 1980, foram

desenvolvidos muitos recursos visando o ensino, em sala de aula, da resolução

de problemas na forma de coleções, listas de estratégias, sugestões de

atividades e orientações para avaliar o desempenho dos alunos nas atividades

propostas.

Para alguns professores este foi um ponto de apoio bastante útil,

fortalecendo os objetivos direcionados para um ensino voltado para resolução de

problemas. Porém, “não deu o tipo de coerência e a direção necessária a um

bom resultado porque havia pouca concordância na forma pela qual este objetivo

era encarado” (ONUCHIC,1999). Segundo a autora, essa falta de concordância

ocorreu, possivelmente, pela grande diversidade de concepções que pessoas e

grupos tinham sobre o conceito de “resolução de problemas ser o foco da

matemática escolar”.

English e Sriraman (2010) relatam que a revisão de pesquisa sobre

resolução de problemas feita por Schoenfeld (1992 apud English e Sriraman,

2010) concluiu igualmente que as tentativas de ensinar os alunos a aplicar

heurísticas no “estilo Polya” e estratégias de maneira geral, não tinham

apresentado sucesso. Schoenfeld sugeriu que uma das razões para este fato

seria porque muitas das heurísticas de Polya parecem ser “descritivas”, e não

“prescritivas”. Ou seja, a maioria são apenas nomes para as grandes categorias

de processos, em vez de serem os processos bem definidos entre si.

Shoenfeld, neste estudo, recomendou que, para levar heurísticas e

estratégias desde a condição de ferramentas descritivas básicas para a de

ferramentas prescritivas, a pesquisa e o ensino de resolução de problemas

deveriam: (a) ajudar os alunos a desenvolver um repertório maior de estratégias

mais específicas e que se liguem claramente a classes de problemas, (b)

incentivar estratégias metacognitivas (autorregulação ou monitoramento e

controle) e (c) desenvolver formas de melhorar as crenças dos alunos sobre a

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natureza da matemática, resolução de problemas e suas próprias competências

pessoais.

Nesse sentido, English e Sriraman relatam ainda que, uma década

depois, outros autores também chegaram a conclusões não muito distintas sobre

o impacto das pesquisas em relação à resolução de problemas referentes à

prática em sala de aula: “ensinar os alunos sobre as estratégias de resolução de

problemas, heurísticas e fases da resolução de problemas (...) tem pouco efeito

para melhorar a capacidade dos alunos de resolver problemas matemáticos em

geral” (LESTER E KEHLE, 2003 apud ENGLISH E SRIRAMAN, 2010).

Para ampliar nossa compreensão a respeito das concepções dos

professores atualmente sobre a resolução de problemas em matemática e

refletirmos no tocante a suas divergências, consonâncias e origens, buscamos

em Schroeder e Lester (1989 apud Onuchic, 1999) uma explanação sobre os

diferentes modos de abordar a Resolução de Problemas.

Para estes autores, há três modos diferentes de abordar resolução de

problemas: ensinar sobre resolução de problemas, ensinar a resolver problema e

ensinar matemática por meio da resolução de problemas.

O professor que ensina sobre resolução de problemas procura salientar o

modelo de resolução de problemas de Polya ou alguma variação similar. Este

modelo expõe um conjunto de quatro fases interdependentes no processo de

resolução de um problema matemático: a compreensão, a elaboração de um

plano, o desenvolvimento deste plano e olhar de volta o problema original. Há

também a menção em se pensar em um problema correlato.

Ao ensinar a resolver problemas, o professor se concentra na forma como

a matemática é ensinada e o que dela possa ter aplicabilidade na solução de

problemas rotineiros e não rotineiros. A proposta fundamental na aprendizagem

de matemática é aprender a usá-la, embora a aquisição de conhecimento

matemático seja também importante. Como fruto desta concepção os alunos

recebem muitos exemplos de conceitos e de estruturas matemáticas sobre o que

estão estudando ou aprendendo e muitas oportunidades de aplicar essa

matemática ao resolver problemas. Para English e Sriraman (2010), quando se

ensina desta forma, a resolução de problemas é vista como independente e

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isolada do desenvolvimento das ideias matemáticas centrais, das compreensões

e dos processos.

Mais recentemente, nas últimas décadas (a partir de 1990), a resolução

de problemas ganha outra magnitude, sendo descrita como uma metodologia

para o ensino da matemática, englobando um conjunto de estratégias para o

ensino e o desenvolvimento da aprendizagem, visando a postura

problematizadora do professor. Segundo Diniz (2001, p.58), “as concepções

descritas não se excluem, mas apresentam diferentes momentos das pesquisas

e consequentes reflexos nos currículos, nos materiais didáticos e nas

orientações de ensino”.

De acordo com Andrade (1998, p.12), a resolução de problemas passa a

ser pensada como um ponto de partida e um meio para se ensinar matemática.

O problema é visto como um elemento que pode “disparar um processo de

construção” do conhecimento. Sob essa perspectiva, os problemas são

propostos ou formulados objetivando a construção dos conceitos antes mesmo

de sua apresentação formal em linguagem matemática. Neste caso, o foco está

na ação desenvolvida pelo aluno.

Quando o ensino de matemática ocorre por meio da resolução de

problemas, “estes tornam-se importantes não somente como um propósito para

aprender-se matemática, mas como um primeiro passo para se fazer isso”

(ONUCHIC, 1999).

English e Sriraman (2010) relatam as inquietações que Begle (1979)

levantou, em seu livro “Variáveis críticas em Educação Matemática” e que

corroboram esta análise:

Afirma-se, por vezes, que a melhor maneira de ensinar conceitos matemáticos é começar com problemas interessantes cuja solução requer o uso de ideias. O procedimento didático habitual, é claro, se move na direção oposta. A matemática é desenvolvida em primeiro lugar e, em seguida, é aplicada a problemas (...). Problemas desempenham um papel essencial ao ajudar os alunos a aprender conceitos. Detalhes deste papel, e o papel dos problemas na aprendizagem de outros tipos de objetos matemáticos, são muito necessários (BEGLE, 1979, p.72 apud ENGLISH E SRIRAMAN, 2010).

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Os autores endossam que, infelizmente, as preocupações de Begle, de

mais de três décadas, ainda são aplicáveis hoje. Embora não defendam que a

aprendizagem de importantes ideias matemáticas por meio de resolução de

problemas seja o único caminho a percorrer, creem em um maior foco no

desenvolvimento conceitual orientado por problemas. Segundo eles, a prática

usual envolvendo problemas rotineiros com narrativas envolve os alunos em um

processo de um ou dois passos para o mapeamento da informação referente ao

problema para quantidades aritméticas e operações. Na maioria das vezes, a

informação do problema já foi cuidadosamente matematizada para os alunos.

Afirmam ainda que, se a maioria das experiências matemáticas de sala de

aula é desta natureza, então a capacidade dos alunos para resolver problemas

do mundo real será comprometida. Para eles, alunos de todos os níveis de

ensino precisam de maior exposição a situações-problema que estimulem a

geração de importantes ideias matemáticas, não apenas aplicação de regras e

procedimentos previamente ensinados.

Outra das considerações de English e Sriraman (2010) relaciona-se com o

uso de heurísticas na resolução de problemas, estratégias e outras ferramentas.

Para eles, necessitamos desenvolver definições operacionais úteis que nos

permitam responder a questões mais fundamentais do que “podemos ensinar

heurísticas e estratégias?” E “terão tais ferramentas impactos positivos sobre a

capacidade dos alunos em resolver problemas?”

Para os autores há outras perguntas: (a) O que significa “entender”

heurísticas de resolução de problemas, estratégias e outras ferramentas? (b)

Como e de que forma desenvolver estas compreensões, e como fomentar este

desenvolvimento? (c) Como podemos observar de forma confiável, documentar

e medir este desenvolvimento? E (d) Como podemos integrar de forma mais

eficaz o desenvolvimento de conceitos fundamentais com a resolução de

problemas?

Outra consideração feita é que é de se estranhar porque as questões

acima não foram ainda objeto de investigações nos últimos anos, especialmente

devido ao status concedido à resolução de problemas matemáticos e ao

raciocínio em vários documentos nacionais e internacionais. Além disso,

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constatam, houve um declínio notável na quantidade de pesquisas sobre

resolução de problemas realizada na última década. Afirmam também ser

escassa a literatura recente cujo principal foco seja a resolução de problemas,

ou o desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas.

Em síntese, English e Sriraman (2010) argumentam que a investigação

sobre a resolução de problemas matemáticos estagnou durante grande parte

dos anos 1990 e no início deste século. Além do mais, a pesquisa que ocorreu

não parece ter reunido um corpo de conhecimento substantivo e orientado para

o futuro sobre como podemos promover a resolução de problemas dentro e fora

da sala de aula. Especificamente, têm acontecido poucas pesquisas sobre o

desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas e o

conhecimento atual sobre resolução de problemas pelos alunos além da sala de

aula é bastante restrito.

Os autores sugerem o esclarecimento das relações e conexões entre o

desenvolvimento da compreensão do conteúdo matemático e o desenvolvimento

de habilidades de resolução de problemas como componentes necessários para

que haja um avanço no ensino e aprendizagem da resolução de problemas.

Dessa forma acreditam ser possível subsidiar o desenvolvimento do currículo e a

instrução sobre as formas como podemos usar a resolução de problemas como

um valoroso meio para desenvolver conceitos matemáticos importantes.

Dessa maneira, acreditam poder fornecer algumas alternativas para as

abordagens existentes, ou seja, propostas nas quais os conceitos e

procedimentos necessários devem ser ensinados em primeiro lugar para, em

seguida serem praticados por meio da resolução de problemas que contam uma

“estória”, os quais habitualmente não envolvem os alunos numa verdadeira

resolução de problemas. Outra abordagem em vigor, já destacada pelos autores

neste estudo, é a de apresentar aos alunos um repertório de heurísticas ou

estratégias de resolução de problemas como “desenhar um diagrama”, “palpite e

checagem”, “fazer uma tabela”, etc., e fornecer uma gama de problemas não

rotineiros para os quais essas estratégias podem ser aplicadas. Ambas as

abordagens tratam a resolução de problemas como independente ou como

importância secundária em relação aos conceitos e contextos desenvolvidos.

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Julgamos pertinente acrescentar esta seção a este estudo, por retratar o

estado-da-arte do tema em questão. Além disto, as abordagens relatadas

enquadram-se no cenário que compõe nossa investigação de maneira bastante

explícita, portanto, acreditamos serem de grande valia no momento das análises.

Para ilustrar as abordagens mencionadas, encontramos um exemplo no

próprio contexto de pesquisa, por meio de uma atividade preparada para o 4º

ano por um dos sujeitos e retirada de um livro didático, como orientação para a

resolução de problemas. Assim, na Figura 1 a seguir, podem ser observadas boa

parte das prescrições listadas por English e Sriraman (2010).

Figura 1 – Dicas para resolver problemas

Fonte: MORI, 1997, p. 110 (adaptado)

Por fim, para os autores, a modelagem matemática é uma opção valiosa

para o avanço da pesquisa em resolução de problemas e para o

desenvolvimento curricular. Afirmam que, com o aumento dos sistemas

complexos no mundo de hoje, os tipos de habilidades requeridas na resolução

problemas para o sucesso além da escola, mudaram. É necessário interpretar,

descrever, explicar, construir, manipular e prever sistemas complexos.

Entretanto, para isso, mais pesquisas são necessárias para a implementação de

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problemas de modelagem no ensino fundamental, começando com a pré-escola

e primeira série.

Os apontamentos feitos neste capítulo são importantes direcionadores

dos aspectos relativos à análise nesta pesquisa. Compreendemos, no entanto,

que a resolução de problemas como aqui abordada carece de suportes teóricos,

do ponto de vista didático, que venham a subsidiar de forma mais aprofundada

as análises. Assim, o próximo capítulo concentra as teorias vistas como

importantes para esta investigação, constituintes do quadro empregado nas

análises, bem como uma revisão centrada nas pesquisas correlatas.

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CAPÍTULO DOIS

A tarefa não é tanto ver aquilo que

ninguém viu, mas pensar o que

ninguém ainda pensou sobre aquilo

que todo mundo vê.

Arthur Schopenhauer

APORTES TEÓRICOS

Neste capítulo, passaremos a descrever as principais ideias de Guy

Brousseau, caracterizando-as como suporte teórico que vai ao encontro das

ideias que permeiam o cenário de nossa pesquisa. São tratados, mais

especificamente, aspectos relativos à Teoria das Situações Didáticas e ao

conceito de contrato didático. De forma destacada4, construímos uma revisão

acerca de pesquisas relacionadas com o tema desta investigação.

2.1 Teoria das Situações Didáticas

A teoria das situações didáticas é um modelo teórico que foi desenvolvido

na França por Guy Brousseau, e trata de formas de apresentação, a alunos, do

conteúdo

matemático, possibilitando melhor compreensão do fenômeno da aprendizagem

Matemática. Desse modo, pode-se dizer que foi desenvolvida com a intenção de

modelar o processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos.

Esta teoria que foi iniciada na década de 70, e é considerada um marco

importante na pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem em matemática, pois,

entre as várias teorias pedagógicas desenvolvidas nos últimos anos, que

abordam múltiplos aspectos, esta se destaca por contemplar especificidades do

saber matemático

4 Este destaque se justifica a medida que entendemos que o quadro teórico e as revisões relativas à

pesquisa não se confundem, representando elementos distintos do arcabouço relativo à investigação.

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Vale ressaltar que a teoria das situações didáticas foi e é reconhecida e

validada pela comunidade científica, o que a caracteriza realmente como uma

teoria, por sua força, veracidade e aplicabilidade na prática educacional.

Outro aspecto importante é que Brousseau desenvolveu esta teoria a

partir de estudos sobre o construtivismo em pedagogia, originados na teoria da

epistemologia genética de Piaget, desenvolvendo assim, um tratamento

científico do trabalho didático tendo como base a problematização matemática e

a hipótese de que se aprende adaptando-se a um meio que é produtor de

contradições e desequilíbrios. Não obstante, seu objeto central de estudo não é

o sujeito cognitivo, e sim a situação didática na qual são reconhecidas as

interações constituídas entre o professor, aluno e saber: “a teoria das situações

didáticas busca criar um modelo da interação entre o aprendiz, o saber e o milieu

(ou meio) no qual a aprendizagem deve se desenrolar” (ALMOULOUD, 2010).

Assim, seus principais pressupostos opõem-se à forma didática clássica e

tradicional, centrada no ensino e dando ênfase na transmissão de conteúdos

sistematizados, onde o bom professor é aquele que ensina (transmite) bem o

conhecimento, e o bom aluno, aquele que reproduz corretamente o que vê.

Essa teoria nasceu também das análises críticas dos trabalhos de Diennes,

Pappy e outros das décadas de 60 e 70, que visavam promover o ensino do

estilo formalista, conhecido como Matemática Moderna.

A teoria das situações didáticas é considerada uma referência para o

estudo do processo de ensino e aprendizagem da matemática em sala de aula,

pois envolve o professor, o aluno e o conhecimento matemático, relação

denominada por triângulo didático. Assim, considera e contempla, em suas

análises, os três vértices deste triângulo, pois, por um lado, valoriza os

conhecimentos mobilizados pelo aluno e seu envolvimento na construção do

saber matemático e, por outro, valoriza o trabalho do professor, que consiste,

fundamentalmente, em criar condições para que o aluno se aproprie de

conteúdos matemáticos específicos.

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Figura 2 – O triângulo didático

Fonte: Almouloud, 2010, p.32

A teoria das situações apoia-se em três hipóteses principais, a saber:

O aluno aprende adaptando-se a um milieu que é fator de dificuldades, de contradições, de desequilíbrio, um pouco como acontece na sociedade humana. Esse saber, fruto da adaptação do aluno, manifesta-se pelas respostas novas, que são a prova da aprendizagem (BROUSSEAU, 1986, p. 49).

O milieu não munido de intenções didáticas é insuficiente para permitir a aquisição de conhecimentos matemáticos pelo aprendiz. Para que haja esta intencionalidade didática, o professor deve criar e organizar um milieu no qual serão desenvolvidas as situações suscetíveis de provocar essas aprendizagens.

A terceira hipótese postula que esse milieu e essas situações devem engajar fortemente os saberes matemáticos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. (p.32).

Notamos que para que estas condições ocorram, Brousseau (2008)

considera de suma importância a organização do meio ou milieu. O meio é

considerado o ambiente onde ocorrem as interações do sujeito: é o sistema

antagonista no qual ele age. É no meio que se provocam mudanças visando

desestabilizar o sistema didático e o surgimento de conflitos, contradições e

possibilidades de aprendizagem de novos conhecimentos. Neste meio, portanto,

estruturam-se as interações didáticas entre o professor, alunos e a forma como

circula o conhecimento matemático, privilegiando, do ponto de vista do

estudante, o trabalho investigativo e a figura docente com papel mediador.

Aqui, cabe ressaltar a importância de outro constructo teórico destacado

pelo autor, denominado contrato didático. Isto porque a tessitura do milieu, em

sua forma antagônica e com a intencionalidade de produzir autonomia na

aprendizagem discente, deve ocorrer sob a égide de um contrato didático

participativo. Este dispositivo teórico consiste em um conjunto de ações e

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obrigações recíprocas (professores e alunos), explícitas e implícitas. Tanto o

professor quanto os alunos constroem uma imagem recíproca do papel que

devem desempenhar, dos comportamentos desejáveis, das expectativas de suas

respostas, ações e reações.

Normalmente, entre os papéis que cabem ao professor fica o de

responsável por garantir ao aluno o acesso ao saber escolar e definir a forma de

sua participação no processo de aprendizagem: assim, compete a ele propor

questões acessíveis, por exemplo. Também deverá ajudar o aluno quando

necessário, através de indicações que esclareçam suas dúvidas ou pequenas

questões que os conduzam ao resultado correto.

O aluno deve resolver as tarefas propostas e seu acerto na resolução das

mesmas é visto positivamente, tanto pelo professor como por ele próprio, como

um indicador de ganho em seu repertório de conhecimentos.

Pensando nesses aspectos, podemos estabelecer relações com as

dificuldades dos professores em promover rupturas neste contrato; preparar e

conduzir aulas na perspectiva da resolução de problemas, torná-los desafiadores

e diferenciá-los de tarefas ou exercícios, como nas ideias preconizadas pela

teoria de Brousseau.

Por considerar a noção de contrato didático especialmente relevante no

presente estudo, abordaremos este fundamento exclusivamente no capítulo

subsequente.

2.1.1 Situação didática e situação adidática na Teoria das Situações

Didáticas

No âmbito da teoria das situações, a intencionalidade didática do

professor será sempre um fator da maior importância no processo, quando este

tem por objetivo possibilitar ao aluno a aprendizagem de um determinado

conteúdo. Desse modo, essa teoria valoriza as situações que ocorrem no dia-a-

dia na sala de aula, ou seja, como o professor apresenta os conteúdos, como os

desenvolve, de que forma contextualiza e problematiza situações.

De acordo com Brousseau (1978), o objeto central da teoria das situações

é a situação didática, definida como

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o conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, um certo milieu (contendo eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber constituído ou em constituição (BROUSSEAU, 1978, apud ALMOLOUD , 2010 p.33).

Ainda segundo Brousseau (2008), no processo de ensino e

aprendizagem deve haver condições para que o aluno realize, ele mesmo, suas

aproximações sobre determinados procedimentos e raciocínios que não são e

nem deveriam ser explicitados pelo professor. Para ele, o que evidencia a

caracterização de uma situação didática, no caso da matemática, é a natureza

específica do trabalho com a resolução de problemas. O problema se constitui

também em um verdadeiro eixo condutor de toda a aprendizagem da

matemática. Assim, uma situação didática está mais precisamente

contextualizada quando destacamos o quadro de resolução de um determinado

problema. De maneira geral, em quase todo trabalho de educação matemática, a

apresentação do saber envolve sempre algum tipo de problema.

Assim, na prática pedagógica, não se trata de permanecer no nível da

transmissão de um conhecimento; deve-se, sobretudo, trabalhar com a

apresentação e com a devolução de bons problemas: “uma situação didática se

caracteriza pelo jogo de interações do aluno com os problemas colocados pelo

professor” (ALMOULOUD, 2010, p.34). A forma como este propõe estes

problemas é chamada de devolução e seu objetivo deve ser o de promover uma

interação rica e que oportunize ao aluno o desenvolvimento de sua autonomia.

O professor deve evitar a apresentação precoce de resultados finais

envolvendo conceitos formalizados e, sempre que possível, promover a

simulação de um ambiente de pesquisa que permita aos alunos vivenciarem

momentos de investigação, simulação e elaboração de hipóteses. Nesse

sentido, o professor estará fazendo a devolução de um bom problema e não

apenas a apresentação deste. Devolução, aqui com significado de transferência

de responsabilidade, em que o aluno toma o problema como seu.

Nesta etapa do processo, há a necessidade de que os alunos trabalhem

independentemente do controle do professor. O aluno deve estar sempre sendo

estimulado a tentar superar, por seu próprio esforço, certas passagens que

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conduzem o raciocínio na direção de sua aprendizagem. São essas deduções

racionais do aluno, realizadas sem o controle pedagógico explícito, que

caracterizam as chamadas situações adidáticas. É o momento em que o aluno

se apropria das situações, como se fosse um pesquisador buscando a solução,

com seus próprios passos, sem a ajuda de seu orientador (papel do professor).

Cabe ressaltar que, se a situação adidática faz parte da estratégia

pedagógica do professor e tem um objetivo, que é mobilizar os conhecimentos

dos alunos para aquisição ou desenvolvimento de um novo conceito, ela

caracteriza-se como uma situação didática, ou seja, toda situação adidática é um

tipo de situação didática, ou parte essencial desta.

Para Brousseau (1986), apud Almouloud (2010) uma situação adidática

tem as seguintes características:

• O problema matemático é escolhido de modo que possa fazer o aluno agir, falar, refletir e evoluir por iniciativa própria;

• O problema é escolhido para que o aluno adquira novos conhecimentos que sejam inteiramente justificados pela lógica interna da situação e que possam ser construídos sem apelo às razões didáticas;

• O professor, assumindo o papel de mediador, cria condições para o aluno ser o principal ator da construção de seus conhecimentos a partir da (s) atividade (s) proposta (s). p.33).

Pode-se dizer assim, que as situações adidáticas representam os

momentos mais importantes da aprendizagem, pois o sucesso do aluno nessas

ocasiões significa que conseguiu sintetizar algum conhecimento. É interessante

ressaltar que o aluno não distingue, de imediato na situação, o que é de origem

didática ou de origem adidática, assumindo algumas vezes, nestes momentos,

atitudes reveladoras e consequentes da existência do contrato didático,

buscando no professor respostas as quais não se julga capaz de produzir. Assim

sendo, podemos depreender que uma atividade matemática será tão mais

oportuna e congruente com a teoria quanto mais favoreça o aparecimento de

situações adidáticas.

De acordo com a teoria mencionada (Almouloud, 2010, p.35), o sujeito

aprende adaptando-se a um milieu em uma situação não didática. O milieu é um

sistema antagonista ao sujeito, sendo o milieu adidático um sistema sem

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intenção didática, exterior ao sujeito, que, por suas retroações às próprias ações,

permite uma reflexão a respeito das mesmas e de sua aprendizagem.

Dessa forma, estas situações não podem ser confundidas com situações

não-didáticas, que são situações que não foram planejadas para este fim, nas

quais o conhecimento pode surgir eventualmente ou não. Lembramos que

Brousseau (1996) enfatiza que o milieu sem intenções didáticas é insuficiente

para despertar no aluno todos os conhecimentos que se pretende que ocorram:

“a relação didática tem por finalidade desaparecer, e o sujeito deverá então

poder utilizar os conhecimentos assim construídos fora de todo contexto com

intenção didática. Essas duas condições explicam a necessidade da noção do

milieu na teoria das situações didáticas” (ALMOULOUD, 2010, p.35). Este deve

criar condições para que o aluno realize, ele mesmo, suas aproximações a

raciocínios e procedimentos sem a explicitação do professor.

Por isso, para Brousseau (2008), as concepções atuais do ensino exigirão

do professor que provoque no aluno - por meio da seleção sensata dos

“problemas” propostos – as adaptações desejadas. Tais problemas, segundo

ele, devem fazer pela própria dinâmica que o aluno atue, fale, reflita e evolua.

Esta seleção justifica também a tomada de uma postura metodológica

que requer a atenção do professor quanto a sua intencionalidade didática. O

trabalho pedagógico tem início, exatamente, a partir da escolha de um bom

problema, que deve ser conciliável com o nível de conhecimento dos alunos. Só

o professor pode realizar esta tarefa, pois é ele quem conhece melhor tanto os

alunos como a classe como um todo e tem condições de avaliar o grau existente

ou não de dificuldade ou de desafio na atividade proposta. Nas palavras de

Brouseau:

Estes problemas, escolhidos de forma a que o aluno possa aceitá-los, devem levá-lo a agir, a falar, a refletir, a evoluir por si próprio. Entre o momento em que o aluno aceita o problema como seu e o momento em que produz sua resposta, o professor recusa-se a intervir como proponente dos conhecimentos que pretende fazer surgir. O aluno sabe perfeitamente que o problema foi escolhido para o levar a adquirir um conhecimento novo, mas tem de saber igualmente que esse conhecimento é inteiramente justificado pela lógica interna da situação e que pode construí-lo sem fazer apelo a razões didáticas (BROUSSEAU, 1986, p.49, apud ALMOULOUD, 2010).

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Ainda de acordo com Brousseau (1986, p. 49), cada conhecimento pode

ser caracterizado por, pelo menos, uma situação adidática que preserva seus

sentidos e que é chamada de situação fundamental. Para Almouloud (2010, p.

34), esta se constitui “um grupo restrito de situações adidáticas cuja noção a

ensinar é a resposta considerada a mais adequada/indicada; situações que

permitem introduzir os conhecimentos em sala de aula numa epistemologia

propriamente científica”.

Legrand (1993, p. 124, apud Almouloud, 2010) caracteriza uma situação

fundamental se ela:

• tiver, por sua consistência epistemológica e sua adaptação ao campo conceitual do aluno, o poder de modificar o conformismo escolar;

• permitir uma desestabilização e justificar a aceitação de uma mudança de ponto de vista, que deve então favorecer os conflitos da racionalidade;

• permitir a devolução do projeto global do saber.(p.34).

De acordo com Almouloud (2010), vale ressaltar que a noção de situação

fundamental apoia-se em uma hipótese bastante consistente, na qual se deve

questionar, para todo conhecimento, se é possível encontrar pelo menos um

jogo formal, comunicável, sem utilizar o conhecimento explícito que determina,

nesse jogo, a estratégia mais adequada. Assim, para Freitas (2010), a existência

de uma situação fundamental, específica de um determinado conhecimento é

caracterizada por um conjunto mínimo de situações adidáticas.

Como o processo nessas situações adidáticas é, geralmente, muito

amplo, faz-se necessária uma fase de institucionalização do saber, que deve

ser conduzida pelo professor. Essa fase visa dar acabamento ao

conhecimento elaborado pelos alunos ou mesmo trabalhar no sentido de

descartar possíveis aspectos não valorizados na perspectiva do saber

socialmente formalizado. Por outro lado, é importante que o professor indique o

estatuto do conhecimento matemático válido.

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Neste momento, não se está mais numa situação adidática, pois o

controle sobre o saber volta para o professor. Assim, cabe a ele organizar a

síntese do conhecimento, procurando elevá-lo a um estatuto de saber que não

dependa mais dos aspectos subjetivos e particulares. Faz-se necessário,

estabelecer as devidas correlações com outros saberes; essas sínteses são

necessárias para que possam ser reinvestidas em outras situações.

O novo conhecimento, já construído e validado, passará a fazer parte do

patrimônio matemático da classe, não apresentando ainda, no entanto, o

estatuto de saber social. Esse é o momento em que o professor poderá

estabelecer correlações com outros saberes e também selecionar questões que

julgue essenciais para a apropriação do saber formal.

A dialética de institucionalização, na teoria das situações didáticas, trata-

se de uma interação provocada intencionalmente pelo professor: “ele deve

determinar a forma e o conteúdo do saber para o qual ele quer dar um estatuto

oficial, levando em conta os efeitos da transposição didática” (ALMOULOUD,

2010, p.42).

Muitas vezes, é delicado também para o professor perceber o exato

momento em que ela deva ocorrer, para que valide os objetivos pretendidos e

valorize os saberes constituídos. Em diversas situações é possível que o

professor fique em dúvida se sua intervenção, nesse sentido, esteja ocorrendo

ou não em tempo oportuno, pois:

• se feita muito cedo, a institucionalização interrompe a construção do significado, impedindo uma aprendizagem adequada e produzindo dificuldades para o professor e os alunos; • quando feita após o momento adequado, ela reforça interpretações inexatas, atrasa a aprendizagem, dificulta as aplicações; é negociada numa dialética (Almouloud, 2010, p.40)

Assim podemos distinguir nesta teoria diferentes momentos, iluminando

ora as ações desenvolvidas pelo professor, ora pelos alunos.

Ao professor, além de todo planejamento e intencionalidade, como um

todo, destacamos as ações de devolução e institucionalização, além de

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gerenciar as situações didáticas e adidáticas. Segundo Brousseau (2008), é do

professor a responsabilidade de manter o sentido nas mudanças de perguntas.

Concordamos com Freitas (2010) no sentido de conferir às situações

didáticas a possibilidade de uma melhor definição do conhecimento matemático

para o aluno e, por consequência, tributá-las ao professor, que é quem as

planeja no contexto pedagógico, o que, portanto, nos leva, necessariamente, a

pensar também nas questões metodológicas.

Neste contexto (ou nesse milieu) o aluno pode construir novos saberes

com base em suas experiências pessoais e em sua própria interação com o

meio. O aluno deve tentar responder, por ele mesmo, às questões que lhe foram

apresentadas: "é acima de tudo a sua atitude pedagógica que deve inspirar a

prática de conceder, nos limites das possibilidades, a oportunidade para que o

aluno participe da elaboração do conhecimento” (Freitas, 2010, p. 108).

Já as situações que envolvem as principais atividades específicas da

aprendizagem dos alunos nessa teoria, são as dialéticas de ação, formulação e

validação.

2.1.2 A Dialética de Ação

O aluno empenhado na solução de um problema realiza determinadas

ações mais imediatas, que resultam na produção de um conhecimento de

natureza mais operacional. Ocorre o predomínio do aspecto experimental do

conhecimento. É o caso em que o aluno encontra uma solução, porém muitas

vezes não consegue argumentar ou explicar o raciocínio utilizado.

Esta dialética consiste em colocar o aprendiz numa determinada situação

que, de acordo com Almouloud, (2010, p.37)

• coloca um problema para o aluno cuja melhor solução, nas condições propostas, é o conhecimento a ensinar;

• o aluno possa agir sobre essa situação e que ela lhe retorne informações sobre sua ação.

Observamos que para o autor, uma boa situação de ação não necessita

ser exatamente uma situação de manipulação livre ou mesmo que exija uma lista

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de instruções para seu desenvolvimento. O ideal é que permita ao aluno julgar o

resultado de sua ação e adequá-lo, se necessário, "sem a intervenção do

mestre, graças à retroação do milieu." ( p.37). Dessa forma o aluno pode investir

ou mesmo abandonar seu modelo para criar outro, o que pode ocorrer em uma

aprendizagem por adaptação.

Concordamos com Almouloud, no sentido de reconhecer essa fase como

importante passo para o aluno manifestar suas escolhas e decisões por ações

sobre o milieu.

Na estruturação dessas situações, pode-se escolher alguns dados

pertinentes e mesmo convenientes para que o aluno tenha oportunidades para

agir e assim, buscar a solução para determinado problema.

2.1.3 A Dialética de Formulação

Aqui, o aluno já utiliza, na solução do problema estudado, alguns

modelos ou esquemas teóricos explícitos, além de mostrar um evidente trabalho

com informações teóricas de uma forma bem mais elaborada, podendo ainda

utilizar uma linguagem mais apropriada para viabilizar esse uso da teoria. Faz

afirmações relativas a sua interação com o problema, mas ainda sem a intenção

de julgamento da validade. Elabora conjecturas.

Nesta fase, portanto, caracterizada como adidática, é comum que o aluno

troque informações com mais pessoas, trocando mensagens orais ou escritas,

que podem ser em linguagem natural ou matemática: "como resultado, essa

dialética permite criar um modelo explícito, que pode ser formulado com sinais e

regras comuns, já conhecidas ou novas." (ALMOULOUD, 2010, p.38). Nessa

ocasião o aluno ou grupo de alunos explicitam, por escrito ou oralmente, as

ferramentas e procedimentos que utilizaram para chegarem à solução.

Vale ressaltar que o objetivo principal da dialética de formulação é a troca

de informações, discussões de pontos de vista, complementações de

raciocínios. Segundo Brousseau, consiste em "...proporcionar ao aluno

condições para que este construa, progressivamente, uma linguagem

compreensível por todos, que considere os objetos e as relações matemáticas

envolvidas na situação didática" (ALMOULOUD, 2010, p.38).

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2.1.4 A Dialética de Validação

O aluno utiliza mecanismos de prova em que o saber é usado com a

finalidade de validar suas conjecturas. Nessas situações, então, é preciso

elaborar algum tipo de prova daquilo que já se afirmou, de outra forma pela

ação. Podem servir para confirmar ou mesmo contestar ou rejeitar proposições.

Nestes termos, segundo Almouloud, (2010), é a etapa na qual "o aprendiz

deve mostrar a validade do modelo por ele criado, submetendo a mensagem

matemática (modelo da situação) ao julgamento de um interlocutor... Assim, a

teoria funciona, nos debates científicos e nas discussões entre alunos, como

milieu de estabelecer provas ou refutá-las" (p.39).

Na mesma medida em que a dialética de formulação incide sobre o

desenvolvimento da comunicação matemática, a validação tem como objetivo o

debate sobre a certeza das asserções e as noções de prova, o que permite

organizar, de acordo com o autor, as interações com o milieu. De acordo com

Freitas (2010), a noção de prova está relacionada a uma situação particular,

quando uma dada explicação é reconhecida e aceita por determinado grupo de

pessoas. Assim, cabe ressaltar que:

a validade restrita do conhecimento, nesse contexto da prova, já não depende exclusivamente daquele que faz sua afirmação. O conhecimento passa a ser compartilhado e confirmado por outros, além daquele que apresenta a prova. É evidente que não podemos identificar uma prova, no sentido que acabamos de descrever, como uma demonstração matemática (FREITAS, 2010, p.99).

É interessante observar como o esquema ilustrativo utilizado por Freitas

(2010) apresenta uma síntese das principais fases e momentos que se destacam

nesta teoria (figura 3). Nos momentos de contextualização e devolução, o papel

de protagonista está nas mãos do professor, seduzindo os alunos e convidando-

os ao jogo. Os momentos subsequentes revelam situações adidáticas de ação,

formulação e validação, nos quais os atores principais são os alunos. No

momento da institucionalização, professores e alunos dialogam sobre os

conhecimentos matemáticos formais e instituídos, socializando sua

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aplicabilidade ao modelo em que trabalharam, porém cabe ao professor a gestão

dessa sistematização.

Figura 3 – Síntese das principais fases ou momentos didáticos

Fonte: FREITAS, 2010, p. 103

Podemos entrever dessa forma, na Teoria das Situações Didáticas, uma

concepção construtivista da aprendizagem. De acordo com Vila e Calejo (2007):

(...) isso significa que não se aprende a matemática por transmissão direta do que se explica em aula ou do que se lê nos livros didáticos, mas que se aprende em interação com situações-problema e com outros sujeitos, que obrigam o aluno a ir modificando sua estrutura cognitiva mediante uma série de ações: experimentando, fazendo-se perguntas, particularizando situações, generalizando resultados, encontrando contraexemplos, etc.(VILA E CALEJO, 2007, p.172).

A aplicação desse enfoque pode ser esquematizada e representada pelo

Quadro 3 (Brousseau,1988, apud Vila e Calejo, p.172), que descreve o papel do

professor em cada dialética e as ações esperadas dos alunos de maneira

sucinta.

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Quadro 3 – Tipologia de ações para resolução de problemas na TSD

Fases Intervenção do Professor Trabalho dos Alunos

Ação O professor propõe o problema. Os alunos trabalham

individualmente ou em grupo.

Formulação O professor anima, estimula,

desbloqueia, porém deve evitar

intervir sobre o conteúdo.

Os alunos explicitam

oralmente ou por escrito

como resolveram o problema

e a solução encontrada.

Validação O professor medeia as intervenções

dos alunos, mas deve evitar intervir

sobre o conteúdo.

Os alunos devem argumentar

em favor da validade de sua

solução, tentando convencer

seus colegas.

Institucionalização O professor deve identificar o novo

saber e saber-fazer e precisar as

convenções. Trata-se de

homogeneizar os conhecimentos da

turma e identificar quais dos

saberes constituídos devem ser

retidos e de que forma.

Os alunos reestruturam seus

conhecimentos.

Fase de

exercícios

seguida de uma

avaliação

O professor ajuda os alunos a se

familiarizarem com os novos

conhecimentos, a usá-los em

diferentes situações para que se

conscientizem de seu campo de

aplicação.

Os alunos resolvem novos

problemas e aplicam os

novos conhecimentos.

Fonte: Vila e Calejo, 2007, p.172, adaptado

Gostaríamos de destacar, ao finalizar uma das seções que embasa a

construção teórica de nosso trabalho, a conexão entre os conceitos

desenvolvidos por Brousseau na TSD, o discurso dos professores e as práticas

relativas às aulas em que estes trabalham a Resolução de Problemas na

conjuntura desta pesquisa.

Ao observarmos a prática e a fala desses professores, tanto em situações

anteriores à pesquisa (no âmbito profissional) como nos instrumentos eleitos na

metodologia para o levantamento e coleta de dados (questionário e observação

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de aulas), alguns pontos de destaque deste modelo teórico fomentam e

justificam sua escolha do mesmo como referência teórica. Dentre eles, podemos

apontar, especialmente, algumas ações dos professores (para quem as lentes

da pesquisa se direcionam), consideradas primordiais nesta teoria para o

processo de ensino e aprendizagem.

A TSD ressalta organização do milieu e sua preparação para que se

desenvolva com os alunos um trabalho investigativo, no qual o docente exerça

realmente o papel de mediador no processo. Em nossas observações, mais

detalhadamente descritas nas análises, encontramos algumas divergências em

relação a estas noções, como por exemplo, a escolha e o planejamento dos

problemas a serem trabalhados. Relembramos que, de acordo com Brousseau

(2008), um milieu desprovido de intenções didáticas é insuficiente para permitir

a aquisição de conhecimentos matemáticos pelo aprendiz.

Desta forma, também, pontos expressivos da teoria como a devolução de

bons problemas e a relevância de situações adidáticas nos processos de

aprendizagem, bem como os momentos de institucionalização foram oportunos

em nossas análises sobre o protagonismo dos professores, contribuindo na

busca de respostas para as perguntas que nos propusemos responder nesta

investigação no tocante às concepções e às práticas dos professores e como

esses aspectos podem refletir, direta ou indiretamente nos comportamentos

inseguros dos alunos observados há tempo pela pesquisadora.

A próxima sessão tratará especificamente sobre outro importante subsídio

teórico para a investigação que é a noção de Contrato Didático, fundamentada

nas ideias de Guy Brousseau.

2.2 O Contrato Didático

Outra noção a ser destacada no arcabouço teórico desta pesquisa é a de

contrato didático, que foi formalizada por Guy Brousseau para analisar as relações

que se estabelecem (explícita e implicitamente) entre o professor e seus alunos, e

sua influência sobre os processos de ensino e aprendizagem da matemática.

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2.2.1 O que é contrato didático?

Brousseau (1996) define o contrato didático como o conjunto de

comportamentos específicos do professor que são esperados pelos alunos e o

conjunto de comportamentos característicos dos alunos que são esperados pelo

professor. Esta relação está sujeita a muitas regras e convenções, que acabam

funcionando como cláusulas de um contrato. Assim, na definição de Brousseau

(1996), esse contrato é:

Uma relação que determina - explicitamente em pequena parte, mas sobretudo implicitamente – aquilo que cada parceiro, professor e aluno, tem a responsabilidade de gerir e pelo qual será, de uma maneira ou de outra, responsável perante o outro. Este sistema de obrigações recíprocas assemelha-se a um contrato. Aquilo que aqui nos interessa é o contrato didático, ou seja, a parte deste contrato que é específica do “conteúdo”: o conhecimento matemático visado (BROUSSEAU, 1996, p.51).

Em seu livro Introdução ao estudo das situações didáticas – Conteúdos e

métodos de ensino, Brousseau (2008), explica que, na verdade, não é possível

pactuar um contrato didático entre o professor e o aluno. As cláusulas

mencionadas,

nas quais interviria a especificidade do saber a ser transmitido – não podem ser objeto de um acordo entre os dois protagonistas, pois só a aventura da aquisição do saber permite conhecer o sentido e as condições. Elas não são sequer explicitáveis. Tampouco existem cláusulas de quebra, nem de sanções (BROUSSEAU, 2008, p.75).

Em outras palavras, o aluno não sabe o que querem que ele aprenda, nem

como ocorrerá este processo e deve aceitar essa ignorância. O autor considera

uma ilusão tentar estabelecer contratos reais, apesar de algumas teses

pedagógicas investirem ainda nesta ideia.

As obrigações recíprocas que ocorrem neste meio quase nunca são

explícitas, porém revelam-se principalmente quando ocorre sua transgressão, ou

seja, quando ocorrem rupturas neste contrato. Dessa forma, quando o professor

se depara com dificuldades ou apresenta insucessos em suas ações, ambas as

partes comportam-se como se estivessem unidas por um contrato que acaba de

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ser quebrado: “cada um supõe compromissos por parte do outro – um, de

explicar, o outro, de entender – e os dois tentam encontrar as cláusulas e as

sanções de quebra” (2008, p.76.).

Brousseau (2008) sublinha que, se existisse um contrato sobre a natureza

dos conhecimentos a serem adquiridos, ele estaria predestinado a ser quebrado,

pois os conhecimentos contraídos substituem ou eliminam conhecimentos

anteriores. Para o autor, a aquisição é, frequentemente, uma quebra, uma ruptura

das próprias convicções:

Admitindo-se que os conhecimentos do aluno de fato se manifestam apenas pelas decisões que ele toma pessoalmente em situações apropriadas, então o professor não pode lhe dizer o que quer que faça, nem determinar suas decisões, porque, nesse caso, abriria mão da possibilidade de o aluno as produzir, e também de “ensiná-las a ele”. Aprender não consiste em cumprir ordens, nem em copiar soluções para problemas. (BROUSSEAU, 2008, p.76).

Assim, compartilhamos a ideia de que o contrato didático é

necessariamente incerto. Se o professor tivesse a certeza de que todos os alunos

resolveriam os problemas e atividades propostas sem nenhum erro, estas

perderiam seu conteúdo didático e não necessitariam ser mais propostas, sendo

vistas como inúteis e pura “perda de tempo”.

Os professores, muitas vezes, têm apenas uma visão negativa sobre a

porcentagem de erros, e mesmo de fracassos. Esta não é uma variável livre do

sistema. Para Brousseau (2008), é determinada e regulada pelo funcionamento. O

professor administra a incerteza dos alunos. O que importa verdadeiramente é

saber se essa gestão da incerteza produz conhecimentos de forma eficiente. O

essencial não é saber se o aluno chega ou não à solução do problema, mas em

que condições isso acontece.

Dessa forma o contrato didático pode ser visto como um meio para

gerenciar o tempo didático em sala de aula. De acordo com Silva (2010), ele

depende das estratégias de ensino adotadas, moldando-se a diferentes contextos,

tais como: as escolhas pedagógicas do professor, o tipo de tarefa solicitada aos

alunos, as condições de avaliação, objetivos do curso etc.

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Assim, se a relação didática se desenvolve num ambiente em que o

professor tem uma prática de cunho mais tradicional, ou seja, suas aulas são

frequentemente expositivas, trabalha com definições, modelos e listas de

exercícios, o conjunto de regras que se criará neste ambiente será bastante

distinto de outro onde a prática desenvolve-se em bases opostas, como em aulas

nas quais os alunos possam conjecturar e tentar resolver problemas de maneira

autônoma para depois, no final, o professor institucionalizar os conceitos que

foram desenvolvidos numa sessão coletiva de discussão. Ou seja, de acordo com

a teoria das situações didáticas, o contrato didático que se estabelece em uma

relação onde aconteçam situações adidáticas, irá se constituir de forma diferente

da tradicional.

De fato, nestes casos, teremos uma postura metodológica do professor

bastante diversa, desde a proposição e planejamento das atividades. O docente

utilizará, por exemplo, os resultados apresentados pelos alunos (individuais ou em

grupos) na resolução de uma situação, composta por um ou mais problemas, ao

invés de trazer uma preleção pronta para fazer progredir o aprendizado de toda

classe. Silva (2010) mostra também a influência do tipo de problema ou tarefa

proposto na caracterização de um contrato:

nessa situação, o problema proposto não é, necessariamente, resolúvel, no seguinte sentido: pode acontecer que não se saiba que existe uma resposta; a resposta, se existir, pode não ser única; os dados podem não ser adequados, isto é, podem não ser suficientes ou podem ser superabundantes. A procura de dados pertinentes à questão proposta, assim como a verificação da validade dos resultados obtidos fazem parte do contrato didático (SILVA, 2010, p.33).

Como vimos anteriormente, é ainda bastante comum a prática em

Matemática, na qual o professor cumpre sua parte no contrato dando aulas

expositivas, como corolário da crença de que “o bom professor é o que explica

bem”, e passando exercícios aos alunos. De acordo com Silva (2010), fazem

parte de suas obrigações, previstas em contrato, selecionar partes do conteúdo

que o aluno possa aprender e “propor problemas cujos enunciados contêm os

dados necessários e tão somente esses, cuja combinação racional, aliada aos

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elementos das aulas, permite encontrar a solução do problema” (SILVA, 2010,

p.52).

Neste contexto, os alunos, por sua vez, estarão fazendo sua parte no

contrato quando, bem ou mal, compreendem a aula dada e conseguem resolver

(corretamente ou não) os exercícios.

Cabe ainda ao professor, a responsabilidade, no caso do aluno não

conseguir cumprir sua parte, auxiliá-lo através de indicações que esclareçam

suas dúvidas, dicas ou mesmo algumas questões que os conduzam ao

resultado.

Como exemplo, o autor nos remete a casos que coloca como extremos,

nos quais o professor, procurando amparo na segurança dos algoritmos prontos,

fraciona atividades matemáticas em etapas pelas quais passa mecanicamente,

esvaziando-as de seu sentido. Nestes casos, sua atuação torna-se bastante

técnica, resumindo-se em apresentar uma definição, dar alguns exemplos ou

modelos e solicitar exercícios idênticos, de repetição dos exemplos dados.

Ainda neste caso, a atuação dos alunos resume-se a memorizar as regras

para repeti-las e aplicá-las nas provas e exercícios que permitirão a reprodução

desses modelos. Para Brousseau (1996), em todas as situações didáticas, o

professor procura transmitir ao aluno aquilo que almeja que ele faça.

Teoricamente, segundo o autor, a passagem da informação e da consigna do

professor à resposta desejada deveria exigir do aluno a utilização do

conhecimento pretendido, quer em processo de aprendizagem, quer já adquirido.

Segundo ele:

Sabemos que o único meio de “fazer” matemática é procurar resolver determinados problemas específicos e, a este propósito, colocar novas questões. O professor tem, pois, de efetuar, não a comunicação de um conhecimento, mas a devolução do problema adequado. Se esta devolução se opera, o aluno entra no jogo e, se ele acaba por ganhar, a aprendizagem teve lugar. (BROUSSEAU, 1996, p.51).

Nos casos em que o aluno recusa ou evita o problema, esquivando-se de

resolvê-lo, recai sobre o professor a obrigação social e contratual de ajudá-lo,

contrapondo sua escolha de uma questão demasiadamente difícil ou não tão

adequada à situação de aprendizagem.

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Segundo Ricardo, Slongo e Pietrocola (2003), Brousseau faz alusão à

dimensão paradoxal que permeia o contrato didático. O professor tem

responsabilidades em seu papel, bem distintas do aluno, e como gerenciador

deste contrato, deve respeitar seu desenvolvimento cognitivo. Vivencia uma

situação em que, ao mesmo tempo em que sua mediação na relação didática se

faz necessária, esta não pode revogar as condições indispensáveis para o

processo de apropriação do conhecimento. O professor procura reestruturar o

problema, devolvendo-o ao educando; entretanto esta “proximidade” provoca a

constante tentação de ajudar o aluno a ser bem-sucedido, quando se trata de

aprender (Perrenoud, 1999 apud Ricardo, Slongo e Pietrocola, 2003).

O cenário a que nos remete este paradoxo contempla alguns fenômenos

que interferem no processo de ensino e aprendizagem em matemática e que são

denominados efeitos do contrato didático. Destacamos, no próximo item quais

são estes efeitos.

2.2.2 Efeitos do Contrato Didático

O conceito de contrato didático, de acordo com Almouloud (2010), permite

analisar e interpretar os fenômenos não evidentes que interferem no processo de

ensino e aprendizagem em matemática.

A negociação contínua desse contrato pode ter por consequência, às

vezes, a descaracterização dos conteúdos matemáticos e dos objetivos de

aprendizagem, principalmente na manifestação do desejo do professor de que

os alunos acertem os desafios propostos. Nesse sentido, tende a facilitar a tarefa

de diferentes maneiras: várias e repetidas explicações, proposta de problemas

que são decompostos em subquestões, ensino de pequenos truques, algoritmos

e técnicas de memorização etc.

Pesquisadores em didática da matemática identificaram diversas atitudes

ou práticas que se caracterizam como rupturas de contrato por parte do

professor, designadas aqui como “efeitos de contrato”, de natureza deletéria.

Muitas vezes, ao contrário do que o professor pretende, as explicações

excessivas podem comprometer a compreensão natural dos alunos.

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2.2.2.1 Efeito “Pigmaleão”

Esse efeito diz respeito às expectativas do professor em relação aos

alunos ou a um aluno em particular. Dessa forma, pode-se observar que, em

alguns casos, um aluno ou um grupo de alunos tem sempre o mesmo

rendimento em avaliações aplicadas por um professor por causa de um “acordo

tácito estabelecido”: o limite do nível de exigência desse professor ocorre em

função da imagem que faz desses alunos e aplica-se às expectativas e

atividades produzidas para que estes alunos que reflitam esta imagem.

2.2.2.2 Efeito “Topaze”

No momento em que o aluno encontra alguma dificuldade, o professor

tende a criar condições para que o aluno supere esta dificuldade e avance,

esquecendo-se, porém, do engajamento que deveria ter o discente nesse

processo:

A resposta que o aluno deveria dar é determinada de antemão e o professor escolhe as questões para as quais essa resposta pode ser dada ou que podem provocar respostas esperadas, facilitando as estratégias dos alunos e maximizando a significação dessas respostas (ALMOULOUD, 2010, p.94).

O nome dado a este efeito provém de uma peça de teatro, homônima, em

que há uma cena, que se passa num colégio interno. O protagonista, Topázio,

faz um ditado a um aluno que demonstra muita dificuldade na execução da

tarefa. Como não consegue aceitar um excesso de erros grosseiros, mas

também não pode dizer abertamente ao aluno quais são esses erros e a

ortografia correta, começa a insinuar-lhe respostas, sutilmente, sob códigos

didáticos cada vez mais transparentes. Na teoria esta atitude é assim descrita: A resposta que o aluno deve dar é previamente determinada. O professor escolhe as perguntas que a podem provocar. É claro que os conhecimentos necessários para a produção dessas respostas mudam de significação. Fazendo perguntas cada vez mais fáceis, tenta obter o máximo de significação do máximo de alunos. (Brousseau, 2008, p.80).

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2.2.2.3 Efeito Jourdain ou mal-entendido fundamental

Esse efeito é assim chamado em referência à cena de O burguês fidalgo,

de Molière, em que o professor de filosofia revela a Jourdain o que são a prosa

ou as vogais.

Esse tipo de efeito é caracterizado quando um comportamento comum do

aluno é compreendido pelo professor como uma manifestação de um saber

científico. Este, para evitar o debate de conhecimento com o aluno e,

possivelmente, comprovar um fracasso, admite reconhecer algum saber

científico nos comportamentos e respostas dos alunos, mesmo que sejam

motivados por outros fatores, como uma indução implícita, ou significações

triviais e sem consistência, de senso comum. O professor detecta ali uma

aprendizagem que na realidade não ocorreu, interpretando, na verdade, um

comportamento banal do aluno como manifestação de um saber culto.

2.2.2.4 O deslize metacognitivo

Este fenômeno ocorre quando o professor concebe, por exemplo, uma

técnica útil para resolver um problema e a considera como o verdadeiro objeto

de estudo, perdendo de vista o verdadeiro conhecimento a se desenvolver.

Assim o professor pode encarar “como objetos de estudo suas próprias

explicações e seus meios heurísticos, em lugar do conhecimento matemático”.

De acordo com Brousseau, (2008), essa substituição de um objeto de ensino por

outro acontece com frequência.

Da mesma forma, Almoulod (2010) cita como exemplos:

a utilização de diagramas de flechas utilizados para estudar a teoria dos conjuntos; a utilização de tabelas de variação para dominar o conceito de função; utilização da árvore de possibilidades para resolver problemas; utilização de suas próprias palavras e de suas heurísticas como objetos de estudo, no lugar do verdadeiro conhecimento matemático, na ocasião de um fracasso de uma atividade previamente proposta. (2010, p.95).

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2.2.2.5 O uso abusivo da analogia

Sem dúvida, “a analogia é uma excelente ferramenta heurística, quando

utilizada sob a responsabilidade de quem a aplica. Porém, seu emprego na

relação didática é, na verdade, uma maneira temível de produzir efeitos Topaze”

(BROUSSEAU, 2008, p.84). Assim sendo, compreendemos que o uso de

analogias pode ser útil para ajudar os alunos a compreenderem o significado de

um conceito, porém sua utilização abusiva pode descaracterizá-lo. Para

Brousseau (2008) esse tipo de didática independe dos conteúdos trabalhados e

pode levar o professor a enfatizar determinadas variáveis que não sejam

essenciais e desprezar outras mais específicas.

Quando os alunos fracassam em suas aprendizagens, o professor muitas

vezes, lhes oferece novas oportunidades sobre o mesmo assunto, trazendo-o de

nova forma, por meio de analogias. Dessa forma, os alunos obtêm a solução

lendo as orientações didáticas, e não “graças a um compromisso com o

problema”.

De acordo com Almouloud (2010), “no jogo do professor com o sistema

aluno-meio, o contrato didático permite estabelecer regras e estratégias básicas

que podem evoluir e sofrer as adaptações necessárias, consequência das

renegociações do contrato e que caracterizam as mudanças do jogo do aluno”

(Ibidem, 2010, p.95). Para cada conhecimento devem adequar-se situações

específicas e, eventualmente diferentes contratos didáticos.

O autor argumenta, ainda, que o professor tem a “obrigação social” de

ensinar tudo o que for necessário para a aquisição do saber. Isso é uma

cobrança do aluno, sobretudo quando se encontra em dificuldade. Desse modo,

sob a pressão do aluno e o desejo de fazê-lo evoluir, o professor facilita

demasiadamente as tarefas e, por isso, às vezes, perde a chance de obter e

avaliar, objetivamente, a aprendizagem pretendida.

Concordamos com o autor que, ao considerarmos esses efeitos, podemos

perceber que o professor se encontra, muitas vezes, em uma situação difícil,

caracterizada por muitos autores como um paradoxo (como já citado neste

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texto): está em suas mãos criar condições para a aprendizagem dos alunos, mas

muitas coisas que faz para conseguir gerar respostas satisfatórias pode,

involuntariamente, prejudicar a aprendizagem, interrompendo o processo em que

os alunos descubram ou cheguem à resposta esperada. O aluno também fica

em uma posição paradoxal, pois se aceita que o professor lhe ensine os

resultados, não construirá autonomamente o saber. Se, ao contrário, recusa toda

informação do professor, a relação didática se rompe.

De acordo com Silva (2010), o saber e o projeto de ensino não devem

avançar sob esse “faz de conta”, como sob uma máscara. Para o autor, o

desempenho do professor deve funcionar, não só durante a execução das

atividades, como também na elaboração e reelaboração de situações-problema

que possam aguçar e instigar seus alunos: “aprender implica, por si mesmo, que

o aluno aceite a relação didática, mas que a considere provisória e se esforce

para caminhar com seus próprios pés” (2010, p.73).

O autor ainda reitera que, a maior parte das regras do contrato didático

está implícita, mas que nem por isso deixam de ser coercitivas. Porém, a

renegociação contínua do contrato possibilita uma revisão dos objetivos do

ensino e aprendizagem, podendo contribuir para um rebaixamento de tais

objetivos, como já mencionamos. Por isso, compreendemos o valor em

considerá-lo, pois,

Contratos didáticos mal adaptados ou mal compreendidos podem originar muitos mal-entendidos e sensação, por parte dos alunos, de terem sido enganados. Por um lado, os alunos desejam adaptar-se às regras e, por outro, a versatilidade de um professor pode gerar a ideia de que nunca se sabe o que esse professor quer. Esses descontentamentos podem desembocar em recusas ou até mesmo em verdadeiros fracassos escolares (SILVA, 2010, p.74).

Com o objetivo de sintetizar este item, condensamos os principais efeitos

do contrato didático nas relações de ensino e aprendizagem, de acordo com

Silva (2010), no quadro 4.

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Quadro 4 – Principais efeitos do contrato didático

Resolver a questão no lugar do aluno, quando este encontra uma

dificuldade;

Acreditar que os alunos darão naturalmente a resposta esperada;

Substituir o estudo de uma noção complexa por uma analogia;

Interpretar um comportamento banal do aluno como uma manifestação

de um saber culto;

Tomar como objeto de estudo uma técnica que se presume útil para a

resolução de um problema, perdendo de vista o verdadeiro saber

matemático a ser desenvolvido

Formular perguntas cujas respostas direcionam à resolução do

problema

Fonte: SILVA, 2010, p.70, adaptado

Consideramos oportuno também apresentar, também, o quadro 5,

baseado nas ideias de Chevallard, (1988), citado por Silva (2010). Este revela-

se bastante congruente às tessituras descritas neste trabalho por referir-se a

comportamentos dos alunos, que revelam regras vigentes do contrato didático.

Segundo Silva (2010), essas regras podem conduzir a vários erros dos alunos e

a incoerências no tratamento desses erros pelos professores. Vejamos algumas:

Quadro 5 – Crenças relativas ao contrato didático

Sempre há uma resposta a uma questão matemática e o professor a

conhece. Deve-se sempre dar uma resposta que eventualmente será

corrigida;

Para resolver um problema é preciso encontrar os dados no seu

enunciado. Nele, devem constar todos os dados necessários e não

deve haver nada de supérfluo;

Em matemática resolve-se um problema efetuando-se operações. A

tarefa é encontrar a boa operação e efetuá-la corretamente. Certas

palavras-chave contidas no enunciado permitem que se adivinhem qual

é ela;

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Os números são simples e as soluções também devem ser simples,

senão, é possível que se engane;

As questões colocadas não têm, em geral, nenhuma relação com a

realidade cotidiana, mesmo que apreçam ter, graças a um habilidoso

disfarce. Na verdade, elas só servem para ver se os alunos

compreenderam o assunto que está sendo estudado.

Fonte: Silva, 2010, p.59 (Adaptado)

Mediante a correlação entre as ideias apresentadas neste capítulo e a

realidade investigada nesta pesquisa, avaliamos como fundamental para as

análises dos dados obtidos o conceito de contrato didático, bem como seus

possíveis efeitos nos processos de ensino e aprendizagem.

Relembramos que, o ponto de partida para a investigação emergiu dos

resultados de uma pesquisa anterior, mais especificamente, dos dados coletados

que revelaram explicitamente, pela voz dos alunos, posturas decorrentes e

recorrentes da vigência de um contrato didático, bastante semelhantes às

descritas nos quadros anteriores.

Desta forma, a busca pelo conceito delineou-se desde o início da

pesquisa, trazendo também Brousseau e a Teoria das Situações Didáticas como

referência para fundamentar nossa investigação. Assim, o entrelaçar das ideias

desses dois conceitos pode contribuir sobremaneira com nossas análises.

Destacamos em especial, o estudo dos efeitos do contrato didático, bem

como a observância de sua dimensão paradoxal como perspectiva teórica ou

como norteadores na tarefa de observação e interpretação dos dados coletados

(as aulas que assistimos e as respostas dos professores aos questionários).

Como descrevemos mais detalhadamente no referencial metodológico, a teoria

pode corroborar a investigação do que é e não é tão aparente nas situações

analisadas.

Realizados os comentários relacionados ao quadro teórico desta

investigação, passamos, à guisa de revisão das pesquisas correlatas, a discutir

alguns trabalhos que levantamos como forma de posicionarmos este trabalho em

relação à produção correlata.

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2.3 Revisão de pesquisas correlatas

O universo de pesquisas realizadas no contexto da educação e,

especificamente, na Educação Matemática, é amplo e suas contribuições são as

mais variadas possíveis. Para corroborar o estudo do nosso tema buscamos,

incialmente, encontrar pesquisas que evidenciassem a resolução de problemas

nos anos iniciais e, em especial, que abordassem as noções de Contrato

Didático e da Teoria das Situações Didáticas. Constatamos, em nossa busca,

que há sim, trabalhos com estes temas, porém não há muitos que tratam dessas

noções nos anos iniciais da escolaridade.

Assim, nesta seção, faremos a apresentação de algumas pesquisas que

consideramos pertinentes em nossa busca na correlação ao tema por nós

desenvolvido, nas quais encontramos contribuições às discussões que

propomos. Priorizamos assim, as que tinham como cenário os anos iniciais (ou

séries próximas, como a 5ª série, atual 6º ano) e que tivessem também um olhar

para a figura do professor. A pesquisa de Fabiani (1998) da Unesp–Rio Claro,

mesmo tendo sido realizada com alunos do Ensino Médio, atraiu

especificamente nossa atenção por desenvolver um estudo pautado em uma

opção metodológica bastante similar à citada e aplicada pelos sujeitos de nossa

investigação nas aulas em que trabalham resolução de problemas, denominada

por eles de Painel de Soluções.

No artigo de Pessoa (2004), encontramos o relato de um estudo, cuja

investigação contou também com alunos do quinto ano (quarta série). Foi

realizado com 50 alunos de 9 a 13 anos de duas quartas séries de uma escola

pública estadual de Olinda, Pernambuco. O trabalho foi desenvolvido com uma

dupla de cada vez, onde os alunos resolviam três problemas, sendo orientados

para um ajudar o outro a compreender o problema, “pensando em voz alta”, para

que um soubesse o que o outro estava pensando.

Foi realizada uma análise qualitativa dos dados, observando-se as

estratégias desenvolvidas pelas duplas ao resolverem os problemas. Procurou-

se analisar como os alunos compreendiam e resolviam os problemas e a

influência do contrato didático nas estratégias de solução.

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Segundo a autora, os problemas apresentados não eram cobertos pelo

contrato didático, pois tratavam de conteúdos ainda não vistos formalmente

pelos alunos da 4ª série. Esses problemas foram denominados problemas

abertos, e caracterizam-se pela existência de vários caminhos de resolução que

permitem chegar à solução, ao contrário dos problemas “fechados” – aqueles

comuns em sala de aula e nos livros didáticos nos quais o aluno sabe que,

fazendo determinada conta consegue resolvê-lo, ou seja, fazem parte do

contrato didático em matemática – que diz que todo problema é resolvido através

de uma conta e que, geralmente, seu enunciado dá a pista sobre qual operação

utilizar (Henry, 1991, apud Pessoa, 2004).

Problemas abertos encontram-se dentro de um domínio conceitual familiar

ao aluno (Medeiros, 1999), o qual precisará desenvolver uma estratégia

espontânea de resolução, amparado em procedimentos anteriores e não

amparado em ensino direto de um conteúdo, uma vez que este ainda não foi

trabalhado em sala de aula. Portanto, apesar de fazer parte de seu domínio

conceitual, o aluno ainda não está “instrumentalizado” sobre a “técnica” de

resolução.

Percebeu-se, fortemente, as regras implícitas do contrato didático na

aplicação da pesquisa. O primeiro procedimento das duplas, apesar das

instruções dadas, foi sempre utilizar uma das operações que eles já conheciam.

Ao serem questionados pelo pesquisador se a resposta encontrada era

válida para o problema e sobre o que entenderam sobre o mesmo, os alunos

voltavam à resolução entendendo que haviam feito errado e passavam então a

outras tentativas, com outras operações ou buscando palavras que servissem de

pistas. Só utilizavam novas estratégias quando o experimentador os lembrava

que poderiam utilizá-las e quando se esgotavam todas as possibilidades de

operações.

Essa resposta decorre de uma das regras do contrato didático que diz

que, quando o professor pergunta sobre a resolução, é porque algo não está

certo e quando ele não fala nada é porque está certo.

Observou-se que, mesmo iniciando espontaneamente as resoluções

obedecendo a regras do contrato didático, os alunos, ao serem incentivados,

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desenvolveram estratégias interessantes de resolução. Isso se deve, segundo a

autora, ao uso de problemas abertos, que oferecem essa possibilidade de criar

diferentes caminhos, levantar diferentes hipóteses sobre a resolução e o

resultado, ou seja, favorecem a quebra das regras do contrato didático vigente

em resolução de problemas matemáticos.

Outra pesquisa de mestrado, Medeiros (1999), despertou nosso interesse

por investigar, de maneira correlata, sobre a influência do contrato didático na

resolução de problemas, sublinhando também o papel do professor nesta

relação. O objetivo era observar como a relação professor/aluno/conhecimento,

inserida no sistema didático e observada à luz do contrato didático, poderia ser

alterada quando passassem a trabalhar, na sala de aula com os problemas

abertos, procurando estabelecer uma comparação entre o trabalho com os dois

tipos de problemas. Além disso, observar as possíveis mudanças que poderiam

ocorrer na variação do trabalho com problemas fechados para abertos. Foram

observadas as respostas e estratégias dos alunos diante de problemas que não

induzissem à forma de resolução (abertos). A pesquisa foi realizada com uma

turma de 5ª série de uma escola estadual de Recife. Antes, foi feita uma

entrevista com o professor da turma para explicar o que era considerado

problema fechado e aberto, saber os conteúdos trabalhados recentemente, livro

didático adotado, quais suas expectativas quanto ao trabalho com resolução de

problemas e como vinha trabalhando este tema. Na primeira parte, foi pedido ao

professor que elaborasse um problema fechado por sessão. Ele utilizou o livro

didático e elaborou seis problemas. Na segunda parte, o professor aplicou os

problemas abertos, que foram levados pela pesquisadora, para evitar que o

professor recaísse nos efeitos do contrato didático e “fechasse” o problema. O

que emergiu da análise desse experimento foi a possibilidade de observar como

a relação do professor com o conhecimento, em cada uma das fases, não

permaneceu a mesma. Com os problemas fechados, ele passou a impressão

aos alunos de se tratar uma atividade familiar para ambos. Nesse caso o

conhecimento estava próximo do professor. Já com os problemas abertos, havia

um maior distanciamento entre o professor e o conhecimento (aqui representado

pelo problema matemático). Na primeira fase ele dizia, subliminarmente, que o

aluno deveria utilizar as regras do contrato didático para resolver os problemas.

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Na segunda, com os problemas abertos, ele interagia com os alunos para ajudar

a estabelecer novas regras. Ao terminar esta pesquisa, levando em conta a

relação professor/aluno/conhecimento, foi observado que no trabalho com

problemas abertos ocorreu uma mudança na relação do professor com o

conhecimento e do professor com o aluno. Em cada fase do experimento, houve

uma clara diferença nessas relações. No caso da relação do aluno com o

conhecimento, havia uma maior dificuldade de surgir um novo posicionamento, o

qual poderia permitir a exploração de novas estratégias de resolução. Percebe-

se que existiram, ao longo da pesquisa, dois contratos didáticos: um com

problemas fechados e outro nas sessões com problemas abertos.

Cruz (2006), em sua pesquisa qualitativa de mestrado profissional em

Educação Matemática realizada na PUC/SP, buscou analisar e identificar

concepções, crenças, atitudes e práticas de professores de 1ª a 4ª séries do

Ensino Fundamental de uma escola da rede pública estadual de São Paulo

sobre o tema Resolução de Problemas e a disposição, por parte desses

professores, em ouvir a voz do aluno durante o processo de ensino-

aprendizagem; e se discussões, sugestões e encaminhamentos de atividades

em reuniões pedagógicas podem ser levadas a efeito, permitindo mudanças de

concepções com reflexos na prática desenvolvida na sala de aula. A pesquisa

desenvolveu-se por meio de discussões de textos, atividades, procedimentos e

processos, realizados em reuniões pedagógicas com todo o grupo de

professores da escola; da gravação das aulas de quatro professoras de 1ª a 4ª

série (uma de cada série) e assistência e análise destas por parte do

pesquisador e dos sujeitos da investigação com posteriores entrevistas com

essas professoras para a reflexão sobre a prática desenvolvida .O objetivo deste

estudo foi contribuir para o aperfeiçoamento de ações de formação de

professores em serviço tendo a escola como lócus e a perspectiva de

constituição de grupos de estudo e reflexão sobre a própria prática com foco na

resolução de problemas. As questões de pesquisa foram as seguintes: Que

concepções, professoras de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola

da rede pública estadual de São Paulo, têm sobre Resolução de Problemas e

que atitudes revelam frente ao tema? Há disposição, por parte dessas

professoras, em ouvir a voz do aluno durante o processo de ensino-

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aprendizagem e como elas conduzem seu discurso para permitir a participação

efetiva do grupo de alunos na aula e desencadear um processo de discussão de

hipóteses e raciocínios envolvidos e desenvolvidos para a resolução de

problemas e das situações-problema propostos? A HTPC pode ser um espaço

de formação continuada de professores que permita reflexões e provoque

modificações no trabalho desenvolvido em sala de aula? As análises concluíram

que, quanto à natureza da resolução, as professoras polivalentes que

participaram do estudo a concebiam como uma maneira de apresentar a

aplicação da matemática essencialmente em relação à habilidade de realizar

cálculos e que os alunos para resolver problemas devem dominar alguns pré-

requisitos e a teoria pertinente, ler e interpretar um texto escrito. Também

concluiu-se que as professoras compreendiam a resolução de problemas como

uma aplicação de algoritmos e que os problemas são utilizados para testar a

aprendizagem sobre os conteúdos matemáticos abordados e não como

metodologia de ensino. Quanto à HTPC, foi considerada como um importante

espaço de formação continuada, porém insuficiente para que se tenha uma

mudança de impacto no processo de ensino e aprendizagem.

A dissertação de mestrado de Fabiani (1998), desenvolvida na Unesp –

Rio Claro, intitulada “Números Complexos via Resolução de Problemas”, teve

como objetivo principal apresentar uma proposta de trabalho para a sala de aula

direcionada ao ensino-aprendizagem dos números complexos com compreensão

e significado, no Ensino Médio. A proposta foi elaborada segundo o ensino da

matemática via resolução de problemas. Para desenvolver este projeto foi

necessário trabalhar sobre o conhecimento matemático dos professores e sobre

as crenças que traziam a respeito da matemática e do ensino-aprendizagem de

matemática. Com a participação dos professores, esquematizaram uma aula na

qual um objeto matemático fosse trabalhado, visando a um ensino-aprendizagem

acompanhado de compreensão e significado, através da resolução de

problemas. A proposta desenvolveu-se da seguinte forma: (a) Formar Grupos e

entregar uma atividade, valorizando os processos de interação e conhecimento

compartilhado; (b) Destacar o papel do professor: mudando-o de comunicador

do conhecimento para o de observador, organizador, mediador, controlador e

incentivador da aprendizagem; (c) Resultados na lousa: todos os resultados

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obtidos pelos alunos são expostos: certos, errados ou feitos por diferentes

procedimentos ou estratégias; (d) Plenária: O professor chama todos os alunos,

de todos os grupos, para uma assembleia plena, para defenderem seus pontos

de vista e escutarem os dos colegas; (e) Análise dos resultados: nessa fase os

pontos de dificuldade descobertos pelos alunos são novamente trabalhados.

Surgem problemas secundários que, se não resolvidos, poderão impedir que se

leve o trabalho à frente. O aspecto exploração é deveras importante nesta

análise; (f) Consenso: a partir da análise feita, com a decorrente retirada das

dúvidas, busca-se um consenso sobre o resultado pretendido; (g) Formalização:

Num trabalho conjunto dos alunos com o professor, com este último dirigindo o

trabalho, é feita uma síntese do que se objetivava aprender a partir do problema

dado. São colocadas as devidas definições, identificadas as propriedades e

feitas as demonstrações, dando destaque ao que de novo se construiu em

matemática, utilizando já novas terminologias. A pesquisa valorizou esse tipo de

abordagem incentivando-a para a prática pedagógica em matemática.

Terminada esta seção que agrega contribuições interessantes à nossa

investigação e por consequência à análise de nossos dados, passaremos no

próximo capítulo à descrição de nossa metodologia.

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CAPÍTULO TRÊS

Não basta acumular dados. É preciso

articular, deduzir uma coisa de outra.

O conhecimento é um entrelaçamento

de significados.

Nilson José Machado

APORTES METODOLÓGICOS

O objetivo deste capítulo é apresentar o referencial metodológico, bem

como descrever o percurso e os procedimentos desenvolvidos na realização

desta pesquisa. Também caracterizaremos os instrumentos utilizados na

investigação, os sujeitos participantes e o contexto no qual se inserem.

3.1 Natureza e procedimentos metodológicos

3.1.1 Pesquisa Qualitativa

Para responder aos questionamentos realizados neste trabalho, optamos

por uma pesquisa que se caracteriza como qualitativa. Nessa abordagem, de

acordo com Appolinário (2009, p.155), “os dados são coletados através de

interações sociais e analisados subjetivamente pelo pesquisador”.

Pensando no contexto em que se insere o tema abordado, justificamos a

escolha da pesquisa qualitativa por concordarmos com Luna (1998) e Lüdke e

André (1986) quando asseveram que a pesquisa qualitativa preocupa-se com

um nível de qualidade que não pode ser quantificado diretamente e atua em um

universo de significados, motivos, crenças e valores.

Desta forma, compreendemos que, a pesquisa qualitativa seria a mais

indicada para atingir os objetivos a que nos propusemos e responder às

perguntas que desencadearam este estudo. Como a origem de nossas

questões, retomamos, nasceu da própria atuação em sala de aula, é para ela

que voltamos nossas lentes de observação, porém sob novo prisma, o de

entender os fenômenos que perpassam as aulas de matemática dos anos

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iniciais, do ponto de vista da Teoria das Situações Didáticas e em particular,

como se manifestam os fenômenos relativos ao contrato didático, suas rupturas

e negociações levando em conta todo o dinamismo que ocorre nesse ambiente.

Segundo Morse (1994, apud BORBA E ARAÚJO, 2004, p.220): “A chave

para selecionar um tópico de pesquisa com qualidade é identificar algo que

prenderá nossa atenção no decorrer do tempo”.

E quando um professor (de Matemática) se dispõe a realizar uma pesquisa na área de Educação (Matemática), talvez seja porque ele vem problematizando sua prática, o que poderá levá-lo a se dedicar com afinco ao desenvolvimento de uma pesquisa originada dessa problematização, e, para isso, é preciso que ele sintetize suas inquietações iniciais em uma (primeira) pergunta diretriz. Isso está de acordo com Morse (1994), quando afirma que, muitas vezes, as questões de pesquisa se originam na própria prática profissional do pesquisador (MORSE apud BORBA E ARAÚJO, 2004, p. 220).

Justamente por buscarmos respostas às questões nascidas em nossa

própria prática profissional, e por suas particularidades já descritas, outro ponto

que justifica a escolha pela abordagem qualitativa é sua essência descritiva,

fundamental para a compreensão dos fenômenos que queremos investigar.

Oliveira (2007, p.30) traz à tona a importância da descrição para a interpretação

dos dados:

Uma pesquisa de caráter qualitativo é descritiva, sendo que palavras e/ou imagens são mais adequadas à descrição do que números. São comuns na apresentação dos resultados, excertos retirados dos dados, de forma a “ilustrar e substanciar a apresentação”, procurando respeitar a forma pela qual foram obtidos. Os relatórios resultantes podem, desta maneira, surgir de forma minuciosa, considerando que nenhuma visão de mundo pode ser reduzida à trivialidade e nenhum detalhe é vazio de significado (OLIVEIRA, 2007, p.30).

Bogdan e Biklen (1994) também apresentam algumas características que

delimitam e especificam a pesquisa qualitativa, as quais se afinaram

efetivamente com os propósitos deste trabalho. São elas:

O pesquisador é o instrumento mais valioso neste tipo de estudo e o

ambiente natural sua fonte direta de dados. Os autores enfatizam a

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relevância do contexto onde ocorrem os fenômenos e a presença do

investigador in loco permite que este possa analisá-lo e compreender

melhor como ocorrem as interações em suas diversas perspectivas

(realizamos questionários com professores na escola e depois fizemos

observação de suas aulas).

“Os dados coletados são predominantemente descritivos...Todos os

dados da realidade são considerados importantes”. Assim, o material

coletado nessa modalidade de pesquisa consiste de abundantes

descrições de pessoas, situações e fatos; pode incluir transcrições de

entrevistas, relatos, questionários, fotografias etc. (realizamos detalhadas

descrições das aulas as quais assistimos, bem como dos sujeitos, do

ambiente investigado e da aplicação dos questionários).

A ênfase é dada muito mais para o processo da investigação do que para

o produto ou resultados; o que importa é a maneira como ocorrem as

interações na problemática observada e em seu ambiente natural. Assim,

é sempre possível que as interações tragam respostas para as questões

elaboradas, porém também é provável que levantem ou tragam à tona

outras questões entrelaçadas à teoria que embasou determinado estudo.

O “significado” que os sujeitos dão aos fatos deve ser um foco de atenção

sui generis; em sua observação o pesquisador deve tentar apreender as

diferentes perspectivas que estes tenham sobre as questões focalizadas e

não perdê-las de vista em suas análises (preparamos um questionário

que objetivou levantar o perfil dos professores e suas concepções sobre a

Resolução de Problemas).

Ao refletir sobre o processo de observar e descrever, não podemos nos

furtar do pensamento sobre o ato de interpretar. Optamos também por esta

escolha na construção do método, o enfoque interpretativo. Isto posto, julgamos

que, como o objeto de estudo desta pesquisa são as relações que se

desenvolvem nas aulas de matemática, e as posturas metodológicas dos

professores quanto à Resolução de Problemas, bem como suas concepções

quanto a este tema e a interferência que exercem em sua prática, entendemos

que a observação de suas aulas e subsequentes descrições teriam um papel

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imprescindível na coleta e posterior análise de dados, somando-se à

interpretação, fundamentada em nosso quadro teórico.

Nesse sentido Bogdan e Biklen (1994, pp.205-206), refletem sobre essa

abordagem, considerando que a tarefa analítica consiste no trabalho de

“interpretar e tornar compreensíveis os materiais recolhidos (...)”. Além disso,

afirmam que a tarefa de análise pode ser concomitante em relação à coleta de

dados e que esta abordagem é utilizada mais frequentemente por pesquisadores

qualitativos.

Para Lüdke e André (1986), analisar os dados significa “trabalhar” todo o

material apreendido no decorrer da investigação, abrangendo todas as técnicas

de coleta que foram empregadas. Afirmam que o trabalho de análise consiste na

organização desse material num primeiro momento; identificando tendências e

padrões relevantes. Em um segundo momento, o movimento é o de reavaliação,

buscando-se relações e inferências em um nível de abstração mais elevado.

Para as autoras, o trabalho de análise está presente em vários estágios

da investigação, porém, ocorre de forma mais sistemática e formal após o

término da fase de coleta. Desde o início do estudo, fizemos uso de

procedimentos analíticos, como verificarmos, por exemplo, a pertinência das

questões elaboradas frente às características do fenômeno pesquisado.

Assim, procedemos nesse estudo, inclusive quanto à formação das

categorias de análise, as quais trataremos no capítulo a seguir. Vale ressaltar

que o método de análise supracitado ocorreu processualmente e de maneira

gradativa, apoiando-se fundamentalmente nos princípios teóricos adotados como

diretrizes para compreensão da problemática investigada. Mesmo a execução de

tarefas “mecânicas”, como as transcrições de aulas gravadas em áudio, por

exemplo, foram momentos que trouxeram reflexões acerca dos propósitos

investigativos. A leitura atenta às respostas dos sujeitos aos questionários,

também contribuiu e orientou os focos de observação das aulas, bem como suas

análises em conformidade com a proposta do estudo.

No contexto deste trabalho, a opção pela pesquisa qualitativa mostrou-se,

desde os estágios iniciais do planejamento, aquela que nos parecia a mais

adequada. As questões geradoras da investigação nos impulsionavam a uma

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busca de sentidos e significados e apresentavam, desde o início, um caráter

bastante particular, não podendo ser generalizadas, de acordo com Oliveira

(2007), em torno de quantidades sempre aplicáveis e de percentuais infalíveis,

necessitando, antes, descrições que apontassem na busca de respostas

direcionadas pelo problema e pelas questões norteadoras.

3.1.2 Coleta de Dados

Em nossa pesquisa, a coleta de dados foi realizada com dois

instrumentos: um questionário com questões abertas, aplicado a seis

professoras polivalentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental (2º ao 5º ano)

e posterior observação de aulas dessas professoras nas quais as mesmas

trabalhassem com Resolução de Problemas.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009), o uso de questionários em

pesquisas qualitativas pode servir como fonte complementar de informações,

principalmente na etapa inicial e exploratória da pesquisa, além de caracterizar e

descrever os sujeitos do estudo. Nosso questionário priorizou questões abertas,

aquelas que, de acordo com esses autores, não apresentam alternativas para as

respostas e que favorecem a captura, pelo pesquisador, até mesmo de alguma

informação não prevista por ele ou pela literatura.

Retomamos aqui, brevemente o questionário e seu planejamento, porém,

também o encontramos no Anexo A, na forma como foi entregue aos sujeitos.

Especificamente nesta investigação, o questionário, teve também como

escopo, iluminar o significado atribuído pelos sujeitos ao que vivenciam em

situações cotidianas. Para descortinar as características que nele se encontram

subjacentes, “o pesquisador se põe em contato e analisa as diferentes

perspectivas de determinados fatos ou descrições, sob o ponto de vista dos

diversos sujeitos” (OLIVEIRA, 2007, p.31).

Assim, ao propormos inicialmente os questionários, buscamos desvelar os

perfis de cada professor, bem como investigar como compreendem a

metodologia de Resolução de Problemas, ou seja, quais suas crenças e

concepções sobre o que é e como aplicá-la em suas aulas, e a maneira como

anunciam suas atitudes a esse respeito em sua prática. Esse instrumento busca

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revelar o dinamismo interno das situações, considerando os pontos de vista dos

sujeitos e a lógica que vislumbram nas vivências de sua pratica.

Os questionários desta pesquisa foram aplicados no início da coleta de

dados, no mês de junho de 2013. Colocamos na parte inicial uma breve

apresentação do trabalho e a sinalização de que haveria sigilo quanto à

identidade do participante.

A primeira parte do questionário objetivava conhecer o perfil profissional

dos sujeitos por meio dos seguintes itens: qual a série em que lecionam

atualmente, tempo de experiência como docentes e sua formação (graduação e

especializações).

Em seguida, preparamos seis questões sobre a Resolução de Problemas

nas aulas de matemática destes professores, almejando trazer respostas que

expusessem as ideias, concepções e a descrição de como enxergam e

descrevem sua própria prática neste contexto. Procuramos encadeá-las de

forma que uma complementasse a outra e, além disso, nas duas últimas,

pensamos em questões nas quais o professor pudesse expor obstáculos ou

possíveis bloqueios que pudesse sentir com relação a este tema. O quadro 6

apresenta as seis questões, para melhor compreensão de sua sequência e

conexão.

Quadro 6 – O questionário

1. Você trabalha com Resolução de Problemas nas aulas de Matemática? Em

que momentos?

2. De que forma desenvolve este trabalho? (Quais recursos, posturas... ou

situações cria em sala de aula para isso).

3. Com que frequência trabalha Resolução de Problemas nas aulas de

Matemática?

4. Sente alguma dificuldade nessa abordagem? Qual (quais)?

5. Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema?

6. Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com

Resolução de Problemas na sala de aula?

Fonte: dados da pesquisa

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Todas as professoras pediram para responder o questionário em casa.

Pedimos que fizessem uma leitura prévia, em papel, ao nosso lado para

esclarecer possíveis dúvidas quanto aos questionamentos. Todas leram e

disseram que não havia nenhuma dificuldade na compreensão. Assim

receberam os arquivos por e-mail para responder.

Curiosamente, na entrega dos questionários respondidos pelos sujeitos

participantes à pesquisadora, todos, sem exceção, ao devolvê-los, pediram para

ver “se estava bom” e se colocaram à disposição para melhorá-los ou completá-

los se fosse necessário. Alguns disseram: “- Não sei se era isso que você queria”

ou “- Não sei se respondi certo...”.

O segundo instrumento de coleta, as observações de aula, foi aplicado

posteriormente a esta fase, nos meses subsequentes. Para Lüdke e André

(1986), a observação em pesquisa qualitativa apresenta uma série de vantagens

por permitir um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno

pesquisado, entre elas:

Sendo o principal instrumento de investigação, o observador pode recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação do fenômeno estudado. A introspecção e a reflexão pessoal têm papel importante na pesquisa naturalística. A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e ás suas próprias ações. (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p.26).

As observações tiveram como lócus as salas de aula do Ensino

Fundamental I da escola na qual desenvolvemos a pesquisa, e onde lecionam os

professores, sujeitos dessa investigação, ocorrendo tanto no período da manhã

como no da tarde. O objetivo deste instrumento foi o de observar como os

professores, em sua ação pedagógica, ativam os mecanismos relacionados aos

elementos teóricos discutidos nesse trabalho e como lidam com eles: como se

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dá o estabelecimento do contrato didático, o desenvolvimento de processos

investigativos nas aulas e a forma como compreendem problema em suas aulas.

Ao convidar as professoras para participarem da pesquisa, pedimos

autorização para observar uma aula sua e também para a gravarmos em áudio

ou vídeo. Todas concordaram prontamente. Como explicaremos a seguir, essa é

uma prática que, à parte desta pesquisa, tem sido incentivada e solicitada pelos

gestores do colégio, objetivando a discussão entre os grupos de professores,

assessores e coordenadores sobre a tematização da prática, e tornou-se objeto

de estudo nas reuniões pedagógicas e de assessoria.

Assim, esta é uma ação que teve início há alguns meses, sendo comum

que assessores, orientadores ou coordenadores assistam às aulas de

professores de diversos anos para, depois, levantar temas a partir destas

observações e lançá-los à discussão junto ao corpo docente. Desta forma, a

presença de uma pessoa diferente na sala de aula não causou tanto

estranhamento por não ser exatamente uma novidade, nem para os professores,

nem para os alunos.

Ao agendarmos as observações com os sujeitos, pedimos que fosse uma

aula em que trabalhassem com resolução de problemas, tema do estudo em

questão. Esclarecemos que poderia ser uma aula do próprio planejamento do

mês, se quisessem, e que não precisariam necessariamente preparar uma aula

para isso. Três das professoras observadas optaram por preparar uma outra

aula, especificamente para a aula em que ocorreria a observação. Justificaram

que não havia mais situações-problema no planejamento do mês em que

pudessem fazer o Painel de Soluções, portanto, acharam as situações que

criaram mais interessantes do que as que ainda tinham no planejamento para

ministrar.

Um ponto significativo e necessário a esclarecer é como funciona a

organização e preparo dos planejamentos no Fundamental I na escola em que

se desenvolveu este estudo. Como há uma média de 6 a 8 turmas de cada ano,

incluindo os períodos manhã e tarde, há uma divisão por disciplinas e uma ou

duas professoras juntas preparam os planejamentos mensais, incluindo

trabalhos, atividades extras e avaliações, e todo o grupo aplica. Nos momentos

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das reuniões em grupo-série, todas juntas definem metas, expectativas e

objetivos resolvem situações avaliativas, metodológicas etc.

Desta forma, três professoras observadas optaram por preparar uma

atividade extra especificamente para as observações, como dissemos, e as

outras encontraram atividades do plano mensal em que pudessem trabalhar a

resolução de problemas.

Nas gravações em áudio, deixamos o gravador na mesa do professor.

Nas aulas em que havia alguma interação do professor com os alunos, o

acompanhamos com o gravador (que era bem pequeno) na mão.

Nosso objetivo ao optar por estes dois instrumentos foi o de identificar

relações entre o discurso dos professores e suas ações em sala de aula,

verificadas perante as observações e pautadas no referencial teórico

pesquisado. Segundo Lüdke e André (1896, p.1), “para realizar uma pesquisa é

preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações

coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a

respeito dele”.

Nos itens a seguir caracterizaremos tanto o ambiente onde se

desenvolveu o trabalho, como os sujeitos investigados.

3.1.3 O Cenário da Pesquisa

A escola na qual se desenvolveu a investigação pertence à rede particular

de ensino e situa-se na zona oeste do município de São Paulo. É uma escola

que atende à classe média alta e possui nome conceituado, mediante boas

colocações recentes no ENEM e nos vestibulares, e que vem, por meio de

cursos e capacitação dos professores, buscando aperfeiçoar seu sistema de

ensino. Nos últimos sete anos consecutivos obteve colocação entre as dez

melhores escolas de São Paulo, tendo como referência o ENEM.

O colégio conta atualmente com 2660 alunos matriculados, sendo que

aproximadamente, 1200 alunos são da Educação Infantil ao quinto ano do

Ensino Fundamental I. Há, neste ano de 2013, doze salas de 1º ano, oito de 2º

ano, seis de 3º, seis de 4º e oito salas de 5º ano. As salas de 2º ano têm entre

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25 e 30 alunos por turma, uma professora e uma auxiliar de classe (que na

verdade é uma estagiária do curso de Pedagogia). As salas de 3º ao 5º ano têm

até 35 alunos por turma e as professoras não contam com auxiliar.

Normalmente, o número de alunos fica entre 32 a 35 alunos.

Do 2º ao quarto ano, cada turma tem uma professora polivalente, que

leciona as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia,

Filosofia e Ciências e os demais professores especialistas: Música, Arte,

Educação Física, Inglês, Xadrez e Informática. A partir do quinto ano, visando

facilitar a passagem para o Ensino Fundamental II, há uma divisão de

disciplinas; uma professora para Língua Portuguesa e Ciências, uma para

Matemática e Filosofia e uma para História e Geografia.

Neste segmento, os professores contam com assessorias externas, ou

grupos de formação e pesquisa. Em Matemática, isto ocorre desde 2009. A

assessoria externa, atualmente, assiste às professoras em três instâncias:

Assessoria a planejamento: Reuniões de duas horas-aula, com o

grupo de professores da série para encaminhamento dos planos

mensais e sequências didáticas. A frequência deste encontro já foi

mensal, porém, à época da pesquisa, ocorria duas vezes por

semestre aproximadamente, pois muitas sequências já estavam

construídas e organizadas no currículo.

Grupo de Estudo: Ocorria, à época da pesquisa, em torno de uma

vez por trimestre. Teve como objetivo, desde o início atender às

necessidades imediatas dos professores, em questões conceituais

da matemática. Primeiramente, contemplou o eixo Números e

Operações. Foi um longo módulo de estudo e, a partir dele, foram

construídas sequências didáticas para o trabalho com as quatro

operações em todo o nível do fundamental 1, desde as ideias das

operações até o algoritmo convencional. Também ocorreram

alguns estudos sobre conceitos desenvolvidos em Geometria. No

ano de 2013, o estudo desenvolvido foi a Resolução de Problemas,

e o viés a ser estudado nesse campo foi o trabalho com a leitura de

problemas. O módulo teve 5 aulas, e terminou no mês de

setembro;

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Observação de Aulas: Ocorre aproximadamente uma vez por

semestre. A assessora externa, junto à coordenação e assessora

interna (cargo da pesquisadora) seleciona professores de

diferentes anos para observar as aulas e acompanhar as

sequências encaminhadas nos planejamentos, bem como o

desenvolvimento dos alunos nessas aulas e as posturas

metodológicas desenvolvidas pelos professores.

A partir dessa observação, a assessoria externa sentiu também a

necessidade de um estudo sobre Resolução de Problemas e de uma

organização, no currículo do Ensino Fundamental 1 (2º ao 5º ano), deste “eixo”

para que haja um planejamento coeso do trabalho. Esta também foi uma

solicitação dos professores, que dizem sentir-se “perdidos” na hora de planejar e

selecionar problemas: relatam que sentem-se trabalhando as mesmas coisas,

nos diferentes anos, sem perceber avanço nos alunos.

3.1.4 Descrição dos Sujeitos da Pesquisa

Para a escolha dos sujeitos da pesquisa, adotamos os seguintes critérios:

Buscamos professores que já tinham um certo tempo de casa, que já

tivessem se apropriado das rotinas e filosofia da escola e com algum

tempo de participação na assessoria externa;

A seleção dos sujeitos foi conforme o interesse pessoal pela pesquisa

e disponibilidade. Conhecer bem os sujeitos, neste caso, foi um fator

determinante no sentido de saber que há alguns professores que se

incomodam com a prática de observação de aula e não se sentem

confortáveis nesta situação;

Procuramos contemplar ao menos o professor de um ano do nível

Fundamental 1.

Antes da aplicação dos instrumentos, foi realizada, junto às participantes,

um esclarecimento a respeito do tema, objetivos e metodologia. Identificamos as

professoras neste trabalho com nomes fictícios.

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A professora Ana tem 43 anos de idade, leciona há 25 anos e sua

experiência maior é com 3º, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. É formada em

Magistério com habilitação específica em Pré-escola e graduada em Psicologia.

Tem também especialização em Psicopedagogia e em Educação Matemática

(lato-sensu). Leciona atualmente para o 4º ano e trabalha como professora no

colégio há 8 anos.

A professora Joyce tem 45 anos e também leciona para o 4º ano. É

professora dos anos iniciais há 25 anos, trabalhando com 3º, 4º e 5º ano. Fez

Magistério, Pedagogia e tem especialização em Psicopedagogia Clínica. Está há

3 anos no colégio.

A professora Marília tem 46 anos e sua formação é em Pedagogia com

especialização em Psicopedagogia. Leciona há 28 anos para os anos iniciais do

Ensino Fundamental. Atualmente dá aula de Matemática para o 5º ano. Está há

sete anos no colégio.

A professora Carmem tem 44 anos e leciona para o 2º ano. Atua como

professora há 25 anos, lecionando nos anos finais da Educação Infantil (1º ano)

e 2º ano do Ensino Fundamental. Sua formação é o ensino superior completo

(Pedagogia) e tem Especialização em Educação Ambiental. Atualmente ministra

aulas para o 2º ano e está na escola há dezessete anos.

A professora Fernanda tem 48 anos e leciona há 30 anos. Sua formação

é em Pedagogia e tem Especialização em Neurociência e Transtornos de

Aprendizagem. Leciona há 30 anos sendo que durante 10 atuou na coordenação

pedagógica (em outro colégio). Trabalha na escola há 9 anos, todos com o 2º

ano.

A professora Maria Clara tem 41 anos e leciona para o 3º ano. Sua

formação é em Arte (licenciatura plena em Música e Artes Plásticas); Pós-

graduação Lato Sensu em Lazer e Animação Sócio- Cultural; Pós-graduação

Lato Sensu em Neuroeducação. No Ensino Fundamental 1 sua experiência

maior é com 2º e 3º ano. Trabalha no colégio há 6 anos.

Pudemos observar que a maioria das professoras que responderam ao

questionário possuem graduação em Pedagogia, apenas uma em Psicologia.

Também possuem uma especialização em nível de pós-graduação latu sensu,

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sendo que três são em Psicopedagogia. Somente uma das professoras possui

mais de uma especialização e esta é em Educação Matemática.

Para além disso, gostaríamos ainda de ressaltar que, cada uma, a seu

modo, teceu um comentário sobre o tema, valorizando a iniciativa da pesquisa

em nosso ambiente de trabalho o que reforça a ideia de que este é um assunto

que, ainda nos dias de hoje, principalmente por parte das professoras

polivalentes dos anos iniciais, tem uma demanda de estudo de muitas

discussões.

Encerrada a apresentação da metodologia deste trabalho, passaremos,

no próximo capítulo, à interpretação e análises dos dados obtidos, sustentadas

pelas opções metodológicas e pelos aportes teóricos que elegemos como

referencial.

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CAPÍTULO QUATRO

Nesse percurso, coloco-me no próprio

centro do risco que é a tensão entre o

já-dito e o a-se-dizer. Assim, aceito

passar pelos mesmos lugares,

procurando o que me leva a conhecer

alguma coisa a mais a respeito dos

objetos provisoriamente tomados para

a reflexão.

Eni Orlandi

DESCRIÇÃO E ANÁLISES DOS DADOS

O objetivo deste capítulo é descrever e analisar os dados coletados a

partir dos instrumentos aplicados: o questionário e posteriormente as

observações de aula dos sujeitos participantes deste estudo.

Considerando que tivemos dois agrupamentos de dados – um obtido

pelos questionários e outro pelas aulas observadas, procuramos organizar as

categorias de análise desta pesquisa da seguinte forma:

1. Resolução de Problemas: concepções, crenças e atitudes anunciadas

por um grupo de professoras – Reunimos aqui dados e análises sobre o

discurso de seis professoras a respeito da Resolução de Problemas nas aulas

de Matemática, levantados a partir do questionário. Endossamos que além de

proporcionar melhor compreensão do fenômeno investigado, este instrumento

também corrobora no sentido de pautar e orientar as análises do segundo

instrumento, que é a observação da prática dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

2. Resolução de Problemas: Um confronto entre o discurso e a prática –

trataremos aqui os dados referentes à prática dos sujeitos investigados (as aulas

observadas), confrontando-os perante as próprias concepções reveladas e

analisando-os em conformidade com nosso quadro teórico, fundamentado em

Brousseau e a Teoria das Situações Didáticas, buscando indícios que revelem a

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influência do contrato didático nas relações estabelecidas entre essas

professoras e os alunos, que possam justificar e explicar as hipóteses que

originaram este estudo.

4.1 O questionário e a categoria “Resolução de Problemas: concepções,

crenças e atitudes anunciadas por um grupo de professoras”

4.1.1 A primeira pergunta: “Você trabalha com Resolução de Problemas

nas aulas de Matemática? Em que momentos? ”

Um dos objetivos do questionário era levantar, como já mencionamos, se

para estes sujeitos a resolução de problemas em matemática é vista como um

eixo metodológico ou como um conteúdo a mais a ser trabalhado nas aulas de

matemática.

A primeira questão, trouxe-nos duas respostas bastante objetivas,

referindo-se a essa aula como um conteúdo a ser trabalhado:

Joyce: Trabalho resolução de problemas três vezes por semana, em atividades

do livro, caderno e fichinhas (folhas).

Marília: Sim, em nosso planejamento temos prevista 1 aula para resolução de

problemas a cada 15 dias.

Essas respostas podem ser um indicativo de que, para essas

professoras há uma aula específica, em matemática, na qual se trabalha com a

atividade “problemas”, descartando a hipótese desses problemas estarem

presentes em diversas situações funcionando como ferramentas didáticas para

desencadear discussões ou mesmo para introduzir novos conceitos. Não

tivemos constância suficiente em nossas observações para fazer essa

afirmação, porém as observações de aula, ou seja, da prática dos sujeitos,

podem reforçar essa suposição. Para Vila e Callejo (2007), a criação de um

ambiente de resolução de problemas em aula é mais um desafio que uma

proposta. Segundo os autores:

Quando nos referimos a isso, nós o fazemos na linha de Abrantes (1996), que ele chama de “Resolução de Problemas

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como ambiente e como natureza das atividades de aprendizagem”. Nesse modelo, a resolução de problemas não deveria ser uma categoria de atividades diferenciadas na aula, nem um recurso de motivação externa, nem uma ferramenta de aplicação de conhecimentos, mas um contexto – e a aula de matemática deveria ser um lugar em que todas as propostas de trabalho construíssem situações-problema que cabem explorar e fazer despertar diversas formas de raciocínio e processos, como experimentar, conjecturar, justificar etc. Evidentemente Abrantes fala da resolução de problemas como uma organizadora da aula, ou seja, ao mesmo tempo como objetivo, metodologia e conteúdo. (p.168).

Outras quatro professoras, também responderam que havia aulas

específicas para isso. Porém, duas delas ressaltaram o papel do professor na

problematização de diversas situações que ocorrem nas aulas:

Ana: Sim, sempre. Especificamente trabalho uma vez na semana com

situações-problema, mas procuro problematizar todas as atividades propostas

que exigem do aluno a escolha do melhor caminho para resolvê-las.

Carmem: Sim. A resolução de problemas faz parte do dia-a-dia no

desenvolvimento do trabalho em Matemática. Faz parte da postura do professor

questionar, propor desafios, elaborar perguntas para que possamos descobrir

como nossos alunos pensam e como pensam e assim, melhor ajudá-los em

seu desenvolvimento. Apesar disto, uma vez por semana, em nossa grade de

planejamento, há uma atividade pensada especificamente para o

desenvolvimento desta competência.

As outras duas professoras referiram-se a outros conteúdos matemáticos,

ou eixos desenvolvidos na matemática, em que trabalham com resolução de

problemas “fora dos dias designados”.

Fernanda: Sim. Organizamos o planejamento por eixos e temos 1 dia

específico para resolução de problemas. No entanto, a resolução de problemas

envolve os demais eixos e situações do dia a dia, sendo uma prática diária

envolver-se com resolução de problemas.

Maria Clara: Sim. De acordo com o planejamento da série é previsto trabalhar

especificamente com Resolução de Problemas a cada quinze dias, porém

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diversos conteúdos são desenvolvidos por meio de situações-problemas, como

hora, sistema monetário, problematização de jogos, tabuada etc.

Pudemos observar que, para todas, a resolução de problemas tem uma

aula, distinta no planejamento, para ser trabalhada com os alunos. Para duas

delas, esse tema pode extrapolar as aulas quando no desenvolvimento de outros

conteúdos (portanto, em outras aulas) e para outras duas professoras, trabalhar

a resolução de problemas significa também problematizar e propor desafios nas

demais atividades desenvolvidas, indicando uma postura metodológica do

professor. Nenhuma delas destacou efetivamente de que maneira ocorrem estas

problematizações em outros momentos: se na introdução de novos conteúdos,

se para trabalhar alguma dificuldade específica da classe, ou para desencadear

processos de discussão e argumentação dos alunos.

Cabe destacar, na resposta da professora Maria Clara, a expressão “- (...)

Diversos conteúdos são resolvidos por meio de situações-problemas(...)”; porém,

o trabalho com resolução de problemas, fora dessas aulas exclusivas, ficou um

tanto vago nas descrições, revelando que a prática voltada para o ensino por

meio da resolução de problemas tem mesmo uma “hora marcada” para

acontecer. De acordo com o texto de English e Sriraman (2013), encontramos

ainda hoje a concepção de que a resolução de problemas é vista como

independente e isolada do desenvolvimento das ideias matemáticas centrais,

das compreensões e dos processos, sendo tratada como um tema isolado.

Constatamos também que a maioria das professoras evidenciou em suas

respostas, mesmo que de maneira intuitiva, a importância de problematizar e

propor desafios nas aulas. As falas se aproximam das ideias de Brousseau

(2008) sobre a importância da organização do meio em que ocorrem as

interações dos sujeitos nas aulas, ou o milieu, como apresentamos no capítulo

dois deste estudo. Esse meio deve ser o sistema antagonista e exterior ao

sujeito, que permite reflexões a respeito de suas ações e aprendizagem. Porém,

de acordo com Almouloud (2010), é tarefa do professor organizar esse milieu no

qual poderão ser desenvolvidas as situações suscetíveis de provocar as

aprendizagens, e que, para ser eficiente, deve ser munido de intenções didáticas

por parte do mesmo. O que percebemos é que isso ainda não ocorre de maneira

efetiva e constante nas aulas.

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Assim, consideramos que essa abordagem ainda é bastante limitada para

a grande maioria dos professores e, quando é incorporada à prática escolar, se

mostra como um item isolado, desenvolvido paralelamente à aprendizagem.

Para Brousseau (1996), o professor deve simular, na sala de aula, uma

microsociedade científica, se quer que os conhecimentos sejam meios

econômicos para colocar boas questões e resolver debates, se quer que as

linguagens sejam meios para dominar situações de formulação e que as

demonstrações sejam provas. Presumimos que, para que este trabalho ocorra

de forma mais efetiva, há a necessidade de que os docentes conheçam melhor e

compreendam esta teoria, o que, neste caso, poderia estar vinculado à formação

continuada (grupo de estudos) e discussão sobre a prática, por meio de

observações de aulas aos pares e reflexões com o grupo de professores.

4.1.2 A segunda pergunta: “De que forma desenvolve este trabalho?

(Quais recursos, posturas... ou situações cria em sala de aula para

isso)”

A segunda questão buscava identificar o que os professores reconhecem

como procedimentos metodológicos desenvolvidos nas aulas de resolução de

problemas, bem como os recursos que julgam eficientes no desenrolar desse

trabalho com os alunos.

Os seis sujeitos dessa pesquisa que responderam ao questionário

mencionaram nessa resposta o Painel de Soluções, o que nos leva a conferir a

essa estratégia o status de uma postura instituída pelas professoras dessa

escola como metodologia para o trabalho com resolução de problemas.

Cabe aqui ressaltar, que este trabalho foi introduzido pela assessoria

externa e orientado, tanto nos planejamentos por série como nos grupos de

estudo.

Assim, o título Painel de Soluções, descreve uma espécie de plenária

onde os alunos apresentam seus resultados ou procedimentos realizados na

solução de um problema, visando desencadear uma discussão, comparação e

análise dos mesmos pela classe, proporcionar uma reflexão sobre a atividade e

conteúdo explorado e uma autorreflexão sobre o próprio desempenho e

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progresso na atividade proposta. Apesar de não terem estudado a TSD, pelo que

nos indicam as respostas aos questionários e pelas aulas que observamos e que

no próximo item descreveremos, intuitivamente, as professoras se aproximam,

nesse momento, da dialética de institucionalização, entendendo que é

especialmente nesse âmbito que ocorrerão aprendizagens e formalizações.

É necessário também destacar que esta estratégia foi adquirida pelas

professoras como um procedimento, quase como uma receita, sem um estudo

mais aprofundado, como o que descrevemos no trabalho de Fabiani (1998),

destacado anteriormente neste relatório. Assim percebemos nas descrições das

respostas algumas divergências para com a proposta, como a utilização de

problemas convencionais ou de lógica, que apresentam pouca ou quase

nenhuma diversidade de procedimentos na resolução, o que provavelmente

empobrece tanto a dinâmica quanto as discussões, invalidando possivelmente

também o momento da institucionalização. Neste caso, de acordo com a TSD,

deixa de ocorrer a devolução de um problema e o que acontece é mesmo a

apresentação de exercícios matemáticos. Sobre esse aspecto encontramos nas

respostas dadas ao nosso instrumento (o questionário):

Marília: Em algumas resoluções os alunos sentam em dupla. Os alunos

recebem uns 5 problemas (convencional) e iniciam a resolução. Chamo alguns

alunos para colocarem suas resoluções na lousa, discutimos cada uma delas.

Também trabalhei com problemas de lógica.

Joyce: Quando se trata de um problema convencional, corrijo individualmente

ou faço na lousa, para autocorreção e possíveis considerações. Quando a

resolução é em grupo, espero que resolvam, passo observando, fazendo

possíveis interferências. Escolho diferentes resoluções para serem

apresentadas na lousa, pelos próprios alunos (painel de soluções).

Quando discorre sobre as situações adidáticas, Brousseau (2008) enfatiza

a necessidade de que os alunos trabalhem independentemente do controle do

professor; aquele momento em que o aluno se apropria das situações como se

fosse um pesquisador buscando a solução, seguindo seus próprios passos.

Nesse sentido, as características descritas abaixo divergem da estratégia

descrita pelos sujeitos.

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O problema matemático é escolhido de modo que possa fazer o aluno agir, falar, refletir e evoluir por iniciativa própria; • O problema é escolhido para que o aluno adquira novos conhecimentos que sejam inteiramente justificados pela lógica interna da situação e que possam ser construídos sem apelo às razões didáticas; • O professor, assumindo o papel de mediador, cria condições para o aluno ser o principal ator da construção de seus conhecimentos a partir da (s) atividade (s) proposta (s). (BROUSSEAU, 2006, p.33).

Em contrapartida, é possível encontrar em algumas respostas indícios de

que reconhecem e valorizam a escolha dos problemas ou situações para

trabalhar com os alunos.

Carmem: As atividades são planejadas de acordo com o que está sendo

trabalhado em sala. Por exemplo; se estamos trabalhando com sistema

monetário, alguns problemas serão elaborados em torno disso; ou se estamos

trabalhando com adição, o foco será maior nesse conteúdo. Apesar disto, são

propostos desafios dos quais a criança terá que desenvolver suas

próprias estratégias para a resolução. A meu ver, estes problemas são os

mais enriquecedores pois podemos analisar e discutir com o grupo, as

várias estratégias utilizadas por cada um quando compartilhamos as

descobertas e montamos o “Painel de soluções”.5

Fernanda: No dia a dia também existem situações que vão sendo resolvidas

no momento em que acontecem, com sugestões das crianças (Ex. Tenho 20

folhas e 4 grupos de trabalho. Quantas folhas peço à Camila para entregar a

cada grupo. Quero que os grupos fiquem com a mesma quantidade de folhas

para este trabalho..., etc.)

Assim, pudemos reconhecer, nesta questão, que, dos seis sujeitos, dois

não destacam a relevância do tipo de problema a ser trabalhado, dois destacam

esse aspecto e dois não mencionam esta particularidade em suas respostas. Isto

nos leva a refletir sobre como um aspecto essencial para promover a habilidade

de resolver problemas nos alunos, a intencionalidade do professor nos

5 Grifo nosso.

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problemas selecionados, ainda não é um ponto comum explicitado pelos

mesmos.

Para Brousseau (1986), a concepção moderna de ensino requer que o

professor provoque nos alunos as adaptações desejadas, por uma escolha

“judiciosa” dos problemas que propõe; problemas estes que devem ser “aceitos”

pelos alunos como seus. Freitas (2010) alerta que, nos momentos de

contextualização e devolução, o papel de protagonista cabe ao professor, com a

missão de seduzir os alunos para que entrem no jogo. Acreditamos que esse

encantamento não ocorra casualmente, ou seja, sem um planejamento

intencional do professor.

Outro ponto nas respostas a essa questão despertou nosso interesse. No

estudo de Fabiani (1998) cuja proposta desenvolvida muito se aproxima da

estratégia em análise (painel de soluções), a autora destaca a importância das

interações na atividade de resolver problemas, lembrando que, no mundo real

muitas vezes aprender é um processo compartilhado e que o progresso em

direção a um objetivo ocorre por meio de esforços combinados de muitas

pessoas. Salienta que é necessário que os estudantes experimentem este

processo cooperativo e que se lhes dê a oportunidade de aprender uns com os

outros. Para ela, muito da aprendizagem que ocorre em sala de aula acontece

no contexto de pequenos grupos.

Brousseau (1996) reforça a ideia da formação de uma microsociedade

científica na classe. Da mesma forma, sublinha a importância da organização do

milieu, ou o meio no qual ocorrem as interações do sujeito e circula o

conhecimento matemático. Nesse contexto, depreendemos que essas ações não

podem acontecer individualmente. Não é possível que ocorra uma dialética de

validação se não houve um percurso investigativo compartilhado, nas dialéticas

de ação e formulação. De acordo com Almouloud (2010):

Nesta fase (formulação) de uma situação didática, o aluno troca informações com uma ou várias pessoas, que serão os emissores e receptores, trocando mensagens escritas ou orais. Estas mensagens podem estar redigidas em língua natural ou matemática, segundo cada emissor. Como resultado, essa dialética permite criar um modelo explícito que pode ser formulado com sinais e regras comuns, já conhecidas ou novas. É o momento em que o aluno ou grupo de alunos explicita, põe

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escrito ou oralmente, as ferramentas que utilizou na solução encontrada. O objetivo da dialética de formulação é a troca de informações (ALMOULOUD, 2010, p.38).

Ocorre que, na maioria das respostas a como este trabalho é

desenvolvido, há indícios de que o aluno está sozinho no processo de resolução.

O momento para decidir estratégias e buscar conhecimentos prévios é solitário e

a troca ocorre apenas no final; o painel de soluções fica caracterizado para as

professoras como o momento em que ocorrem as mediações, interações e

investigações sem que tenha acontecido um trabalho colaborativo na busca de

soluções. Na observação da prática, pudemos inferir um pouco mais sobre este

tema. Destacamos que nas respostas obtidas, o trabalho em grupo ou em

duplas, quando aparece, não recebe nenhuma menção ou valoração no

processo.

Joyce: Quando a resolução é individual, primeiramente dou um tempo para a

leitura do problema e a resolução. Em seguida, peço para que os alunos falem

o que entenderam (faço questionamentos relacionados ao problema),

socializando a compreensão e tirando as possíveis dúvidas que possam

surgir... Quando a resolução é em grupo, espero que resolvam, passo

observando, fazendo possíveis interferências. Escolho diferentes resoluções

para serem apresentadas na lousa, pelos próprios alunos (painel de soluções).

No caso da dinâmica individual, notamos que o trabalho de resolução é

bastante direcionado: não há uma situação adidática, onde os alunos possam

discutir estratégias, pensar e argumentar; o millieu não é um sistema

antagonista, muito menos proporcionará desequilíbrios; os questionamentos

partem apenas do professor, que pouco após a apresentação do problema, tira

as possíveis dúvidas... Os alunos que entenderam falam o que entenderam, os

outros escutam e... o problema deixa de ser problema. De acordo com Saiz

(1995) apud Quarantana e Wolman (2006), este procedimento pode ser

considerado uma das deformações desses espaços de discussão, ou seja,

confundir os momentos de discussão com resolução conjunta de um problema.

Outros dois sujeitos responderam quanto a este aspecto:

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Marília: Em algumas6 resoluções os alunos sentam em dupla.

Carmem: Este “painel” é desenvolvido da seguinte forma: num primeiro

momento cada um resolve sozinho o problema proposto. Depois todas as

resoluções são afixadas na lousa. Cada aluno expõe o modo como resolveu

o desafio. Depois as resoluções são agrupadas por semelhança (quem pensou

da mesma forma) e finalizamos com as conclusões do grupo.

Fernanda: Geralmente os problemas são apresentados por escrito. As

crianças leem o problema na íntegra e pensam sobre ele. Discutimos cada

ideia que está sendo apresentada no enunciado e o que temos de dados para a

resolução deste problema. Cada aluno usa os seus recursos para resolver

(desenho, algoritmos, material dourado, contagem de materiais, etc.). Em

seguida algumas crianças apresentam a sua resolução e fazemos um painel

de soluções.

Nestas duas respostas o relato também descreve uma situação em que o

aluno “pensa sozinho”. Novamente não é possível caracterizarmos uma situação

adidática na qual duplas ou alunos em grupos possam conjecturar, arriscar

procedimentos; cada ideia do problema é discutida no grupo para depois

resolverem o problema que, novamente, não será mais um problema.

Compreendemos que o aluno possa ter também um momento individual

no percurso da resolução para a qual elaborará estratégias de acordo com seus

saberes; porém, acreditamos que os momentos de discussão sejam férteis

também nessa ocasião e não somente no final, quando quase todos chegaram a

uma resposta, o que pode ocasionar um quadro de deformação na organização

das discussões, como sinaliza Paiz (1995, apud Quarantana e Wolman, 2006),

ou seja, utilizar esses momentos centrando-se na correção dos procedimentos e

resultados obtidos.

Ainda nessa perspectiva, Vila e Callejo (2006) afirmam que o fato de que

muitos alunos compreendam a atividade de resolução de problemas como

solitária e individual advém da situação dos professores proporem muito mais

exercícios que problemas. De acordo com os autores, o propósito que o

professor persegue ao propor exercícios é o de que cada aluno demonstre

6 Grifos nossos.

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individualmente que já sabe aplicar conhecimentos previamente aprendidos. Já

os objetivos relacionados ao propor um problema são que: busquem, indaguem,

relacionem... até encontrarem uma estratégia. Para eles, o processo de busca

pode ser feito sozinho ou com outros, os achados, as perguntas e os bloqueios

podem ser compartilhados, assim como as diferentes maneiras de chegar à

solução.

A verbalização e a comunicação do pensamento desempenham, em nossa opinião, um papel importante para melhorar os processos de resolução de problemas, porque o esforço de explicitar as ideias ajuda a torna-las claras, pois aproxima de outras formas de pensamento e, às vezes, facilita o desbloqueio. O trabalho em grupo, feito de modo que permita a intervenção de todos os seus membros e ofereça possibilidade de se refletir individualmente, melhora os processos de resolução de problemas (PINILLA, 1997 apud VILA E CALLEJO, 2006, pp.70, 71).

Duas das seis professoras não especificaram sobre a utilização de

dinâmicas em grupo ou individuais em suas respostas, mas todas, lembramos,

indicam e localizam o painel de soluções como um espaço para exercitar os

momentos acima descritos pelos autores.

4.1.3 A terceira pergunta: “Com que frequência trabalha Resolução de

Problemas nas aulas de Matemática? ”

A resposta à terceira questão do questionário sustenta nossa percepção

de que a resolução de problemas ainda acontece com dia e hora marcados nas

aulas de matemática, como um conteúdo específico a ser desenvolvido.

Ana: Toda semana se pensarmos no texto escrito de uma situação-problema,

mas diariamente se pensarmos na forma como lidamos com as atividades que

nos são propostas (na escola e na vida);

Joyce: Três vezes por semana ou mais;

Marília: Uma vez a cada 15 dias;

Carmem: Especificamente para este desenvolvimento e aprimoramento, uma

vez por semana;

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Fernanda: Explicação na resposta 1;

Maria Clara: Vide resposta número 1.

4.1.4 A quarta pergunta: Sente alguma dificuldade nesta abordagem?

Qual (quais)?

Esta questão teve como propósito identificar as dificuldades que os

professores sentem (e se as sentem) em trabalhar a resolução de problemas em

suas aulas e o que compreendem como dificuldade ou a que aspectos a

atribuem; se metodológicos, didáticos, externos... Intencionalmente utilizamos o

termo abordagem para que os sujeitos fizessem uma retrospecção

especialmente voltada às suas percepções e às suas posturas metodológicas.

Dessa maneira esperávamos que, consequentemente, suas concepções a

respeito de como trabalhar a resolução de problemas com os alunos também

pudessem ser desveladas em suas respostas.

Colocamos, no quadro 7, o que os sujeitos dessa pesquisa, as

professoras, revelam e caracterizam como dificuldade para trabalhar sob esta

abordagem.

Quadro 7 – Dificuldades na abordagem Resolução de Problemas

Professoras que revelam

sentir dificuldade na

abordagem

Joyce

Algumas vezes é difícil fazer com que certos alunos (com algum diagnóstico) compreendam o que está sendo pedido no problema, mesmo utilizando diferentes estratégias.

Carmem

A maior dificuldade que sinto é em como encaixar atividades nesta área que propiciem um desenvolvimento crescente. Que seja um movimento espiral de desenvolvimento. Muitas vezes sinto que o desafio já não é mais um desafio, ou que estas competências sejam cada vez melhor desenvolvidas. Assim como em Língua Portuguesa vamos percebendo a evolução textual e vamos introduzindo pontuação, gêneros diferentes, etc ou mesmo em Matemática quando desenvolvemos atividades em quadro numérico ou com operações vamos vendo um crescente no aluno. Em relação à Resolução de Problemas no entanto, parece que só muda a “cara” do problema, o formato, mas a essência é a mesma. Acredito faltar ainda uma organização e estudo maior

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no segmento por séries para discutirmos o que pertence a qual série.

Fernanda

Sim. Acredito que nem sempre é possível dar o tempo necessário para que todos realmente completem o seu raciocínio e planejamento para resolução, em algumas situações algumas crianças se ancoram em outras.

Professoras que

localizam a dificuldade na

leitura dos problemas

pelos alunos

Ana

Não na forma como eu proponho as atividades. Mas, há alunos que estranham quando eu digo e repito que eles precisam expor o que pensam no papel, através de esquemas, cálculos ou desenhos. E, o mais importante, é necessário que eles leiam as atividades e consigam entender o que é pedido em cada uma delas. Assim, quando um aluno diz logo que não entendeu, eu digo a ele para ler novamente até que perceba o que realmente não entendeu e o que entendeu.

Maria

Clara

Atualmente não sinto dificuldade nessa abordagem devido ao acompanhamento da assessoria externa, desenvolvida no colégio onde trabalho. Antes desse contato, apresentava as situações-problema aos alunos de maneira equivocada. Fazia a leitura para eles e, consequentemente interpretava os problemas. Também não abordava as diversas possibilidades de resolução ou estratégias para resolvê-los, explorando o painel de soluções. Percebo que ainda é necessário abordar melhor a questão da leitura, ensinar a ler e interpretar os problemas. Nas reuniões de assessoria externa, estamos aprendendo mais sobre esse aspecto.

Professora que não sente

dificuldade

Marília

Acho que não tenho dificuldade em trabalhar este assunto.

Fonte: dados da pesquisa

Pudemos detectar, pelas respostas obtidas, que três de nossos sujeitos

revelam sentir alguma dificuldade no desenvolvimento desta abordagem,

remetendo-se às suas ações didáticas. A resposta da professora Carmem revela

que a mesma sente alguma falha na proposição das atividades aos alunos, no

sentido de apresentar exercícios e não verdadeiros problemas que provoquem

alguma evolução. Em sua resposta, consegue expor as preocupações que tem

especificamente relacionadas ao tema resolução de problemas, localizando-as

no planejamento e revelando a consciência da necessidade de maior

fundamentação para a organização deste trabalho. Interessante destacar como a

professora compara a evolução dos alunos na resolução de problemas com sua

evolução em Língua Portuguesa ou em outros conteúdos matemáticos e, apesar

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de ainda não saber detectar ao certo onde está o erro, detecta que algo falta na

“essência” do trabalho; indo direto ao ponto crucial de nossas indagações.

A professora Fernanda, por sua vez, ao nos entregar o questionário

respondido, disse que na questão quatro, colocou um problema para a

pesquisadora, que a aflige e intriga bastante. Queixa-se do tempo didático,

caracterizando-o como insuficiente na maioria das vezes para que todos os

alunos realizem com autonomia os desafios propostos. Sente que as situações

propostas não atingem com qualidade a todos alunos da classe. Responsabiliza

o tempo mas não identifica que possa ser algo na condução ou elaboração da

proposta. Ocorre-nos lembrar que há uma diferença entre o tempo didático e o

tempo do aluno (tempo de aprendizagem, segundo Brousseau, 2008); pelas

ideias que expõe, é possível que esteja fazendo apenas a apresentação de

problemas e não a devolução. Não aparecem em sua fala as intervenções que

poderiam ser feitas para os alunos que se ancoram em outros, como, por

exemplo, encorajar a simulação de um ambiente de pesquisa que permita aos

alunos vivenciarem momentos de investigação, simulação e elaboração de

hipóteses.

De acordo com Almouloud (2010), o objetivo principal da devolução cabe

ao professor, e deve ser o de promover uma interação bastante rica e que crie

oportunidades ao aluno de desenvolver sua autonomia, estimulando-o a tentar

superar, por seu próprio esforço, certas passagens que conduzem ao raciocínio.

O papel do professor, neste momento, deve ser o de um orientador do processo,

fomentando a busca por respostas com “as boas perguntas”. Segundo

Brousseau (2008), é do professor a responsabilidade de manter o sentido nas

mudanças de perguntas. É bastante provável que as crianças que não avançam

precisem, neste momento, do papel de mediador do professor como intervenção

em seu processo de resolução

A professora Joyce queixa-se da dificuldade de compreensão de alguns

alunos a respeito do que está sendo pedido no problema; porém, enfatiza que

são alguns alunos que apresentam diagnóstico, ou seja, que fazem algum tipo

de acompanhamento com algum especialista: fonoaudiólogo, psicólogo,

psicopedagogo, ou tomam algum tipo de medicação.

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Cabe aqui uma explicação a respeito dessa caracterização. Na escola em

que se desenvolveu a pesquisa, a qual já descrevemos anteriormente, em todas

as classes, há alguns alunos que necessitam destes ou de outros tipos de

assistência para que acompanhem adequadamente os conteúdos desenvolvidos

em cada ano. Algumas vezes, são questões psicológicas ou comportamentais,

outras questões físicas como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade) ou PAC (Processamento Auditivo Central). A escola solicita aos

pais que procurem um profissional para definir ou não algum diagnóstico ao

detectar que o problema extrapola a esfera escolar e propõe-se a receber os

profissionais que atendem a essas crianças para receber orientações, trocar

informações e, enfim, estabelecer um trabalho efetivo e em parceria.

Apesar de ser uma porcentagem pequena do total de alunos da classe,

esse empecilho parece incomodá-la. Em sua resposta, ela não menciona as

diferentes estratégias utilizadas, nem se são diferenciadas especialmente

para estes alunos. Também não se reporta a alguma dificuldade nessa

abordagem com a maioria dos alunos.

Dois sujeitos remetem-se à leitura e compreensão dos problemas pelos

alunos como definição da dificuldade na abordagem solicitada pela pergunta;

professoras Ana e Maria Clara. A primeira pede para o aluno ler novamente até

que perceba o que realmente não entendeu e o que entendeu. Novamente não

vemos aí nenhuma intervenção no sentido de provocar mudanças de

pensamento, ou de evocar conhecimentos que possam ajudá-lo; também não há

com quem o aluno possa discutir ou elaborar conjecturas. Para Smole e Diniz

(2001), quando os alunos trabalham em grupo, confrontam-se com ideias que

divergem umas das outras, o que os leva a encontrar argumentos e estabelecer

negociações para produzirem uma solução conjunta do problema.

Concordamos com as autoras que a interação entre os alunos

desempenha papel fundamental na inserção social e na aceitação das diversas

estratégias de resolução que, como válidas e importantes, permitem a

aprendizagem pela reflexão e auxiliam o aluno a ter autonomia e confiança em

sua capacidade de pensar matematicamente. Nesse momento, não há com

quem o aluno discutir sobre o que não entendeu, nem refletir sobre o que

compreendeu e não compreendeu. Da mesma forma, aqui, a dialética de

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formulação, mencionada por Brousseau (2008), não surge como possibilidade, o

que impede, por consequência, estratégias atinentes à dialética de validação.

A professora Maria Clara também faz uma menção à leitura, porém,

trazendo para o professor a dificuldade na abordagem e não responsabilizando o

aluno. Uma das professoras, Marília, respondeu não sentir nenhuma dificuldade

nessa abordagem.

De um modo geral, a maior dificuldade relatada pelas professoras quanto

às dificuldades encontradas nessa abordagem está relacionada aos problemas

de compreensão das situações por parte dos alunos; o que algumas identificam

como causa a leitura e interpretação dessas situações. Por outro lado,

percebemos pelas respostas que, os alunos realizam esse processo de leitura e

interpretação sozinhos. Os momentos de interação e trocas são delegados

apenas ao momento de validação, conduzido pelo professor, na dinâmica

chamada painel de soluções. Durante o processo, não vemos pelos relatos dos

professores de que maneira definem seu papel. Relembramos as passagens em

que descrevemos nas ideias de Brousseau (2008) o destaque para o papel do

professor nessa instância e de sua responsabilidade na condução do processo e

na elaboração das boas perguntas.

É possível distinguir, pelas respostas, que realmente é delicado para os

professores perceber e regular sua participação como mediador nas dialéticas

de ação e formulação. Este talvez seja um ponto-chave na compreensão da

problemática que investigamos. Nos momentos em que fica em dúvida em como

e em que momento intervir, pede para que os alunos leiam novamente. De

acordo com o quadro adaptado de Silva (2010) que utilizamos na seção sobre os

efeitos do contrato didático, esse pode ser o efeito de um deles, na postura dos

professores: tomar como objeto de estudo uma técnica que se presume útil para

a resolução de um problema (no caso a leitura da situação), perdendo de vista o

verdadeiro saber matemático envolvido na situação de aprendizagem.

Para além disto, retomamos que os professores ainda têm uma visão

negativa dos erros e fracassos dos alunos e este é um ponto difícil de lidar: de

acordo com Brousseau (2008), o professor deve administrar a incerteza dos

alunos e o que de fato deve ser enfatizado é saber se essa gestão da incerteza

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produz conhecimentos de forma eficiente ou conduz os alunos a isso; a tinta não

deve ser carregada na solução do problema, mas nas condições em que isto

acontece. Percebemos que elas relatam como dificuldade a compreensão dos

problemas pelos alunos e isso pode estar relacionado com a distinção entre

problemas e exercícios, sobre a qual discorremos no início deste trabalho: um

problema é “tudo aquilo que não se sabe fazer7, mas que se está interessado

em resolver” (ONUCHIC, 1999, p.215). Uma probabilidade para destravar os

alunos desta situação, encarada como erro ou fracasso, é indicada por meio das

boas perguntas, como sugere Brousseau (2008).

De acordo com Ponte, Brocardo e Oliveira (2003), é comum a ideia de

que, para que o aluno possa, efetivamente, realizar o que se aproxima de uma

investigação nas aulas de matemática, é preciso deixá-lo trabalhar de forma

totalmente autônoma e, como tal, o professor deve ter somente o papel de

regulador da atividade. Porém, também para estes autores, o professor continua

a ser um elemento-chave mesmo nesses momentos, cabendo-lhe ajudar o aluno

a entender o que significa investigar e aprender a fazê-lo exercitando, na prática

das aulas.

4.1.5 A quinta pergunta: “Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que

é um problema?”

Com esta pergunta, buscávamos identificar concepções dos professores a

respeito do que para eles é um problema e se, de alguma maneira, o distinguiam

da aplicação de exercícios em suas aulas de matemática ou não.

As respostas revelaram três professoras que relacionam problemas a

desafios, duas professoras que relacionam problema a um conteúdo ou método

e uma professora que relaciona problema à habilidade ou não de quem

problematiza uma situação. Organizamos as respostas no quadro 8.

7 Grifo nosso.

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Quadro 8 – Na sua opinião, o que é um problema?

Problemas são desafios

Joyce

Problema é toda situação que apresenta algum desafio para ser solucionado.

Carmem

Para mim, tudo é um problema quando se tem uma boa pergunta. Tudo o que é feito muito rapidamente ou facilmente em Matemática não é mais um problema. Por exemplo: quando iniciamos o trabalho com sequências numéricas, no início os alunos ficavam pensando e discutindo em pares, para descobrirem qual seria o próximo número a completar a sequência. Após um tempo a sequência já não era mais um problema tornando-se apenas uma atividade. O professor tem que estar atento a este “timing” do grupo, para então elaborar novos desafios.

Maria Clara Problema “de verdade” é quando não se tem uma definição imediata.

Aplicabilidade de conteúdos ou

métodos

Maríia

São formas de pensar que cada um utiliza para responder alguma questão. A criança está aplicando seu conhecimento matemático para resolvê-lo.

Fernanda

São questões que exigem uma resposta, após planejamento e execução, para resolver diferentes situações.

Depende da problematização

Ana

Tudo pode ser um problema em Matemática, depende da forma como é colocado para o resolvedor. Alguns exercícios são desafiadores e mobilizam o aluno, outros são importantes para a sistematização (treino que agiliza o pensamento e auxilia a “liberar” espaço no cérebro para a assimilação de novos conteúdos).

Fonte: dados da pesquisa

A resposta de três das professoras a esta pergunta (Joyce, Carmem e

Maria Clara) vai ao encontro das ideias de muitos autores como Charnay, “só há

um problema se o aluno perceber uma dificuldade: uma determinada situação,

que “provoca problema” [...] há então, uma ideia de obstáculo a ser superado”

(CHARNAY, 1996, p. 46). Da mesma forma indica Lester (1993 apud

ECHEVERRÍA E POZZO, 1988, p.15): “uma situação que um indivíduo ou um

grupo quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um caminho rápido e

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direto que o leve à solução”. No mesmo sentido, Onuchic (1999) destaca, como

já mencionamos, o desconhecimento inicial quanto ao método de resolução, se

realmente nos deparamos com o que é um problema.

Entretanto, é necessário observarmos se, na prática, também se utilizam

de um modelo desafiador na condução das atividades. De acordo com

Echeverría e Pozo (1998), as discussões dos procedimentos utilizados por

diferentes alunos nas resoluções têm o mesmo sentido. Muitos alunos acreditam

que existe somente uma forma de resolver as tarefas e desafios matemáticos,

considerando a Matemática uma ciência “acabada e fechada em si mesma”, não

permitindo qualquer tipo de criação ou mesmo inovação.

O papel do professor ao examinar de forma conjunta diferentes

procedimentos trazidos por diferentes alunos e incorporá-los à discussão pode

contribuir para quebrar essa imagem e incentivar a autonomia nessas situações,

fugindo do estigma da obrigatoriedade de aplicação de conteúdos já estudados

na resolução.

Por outro lado, as respostas de Marília e Fernanda, trazem implícita esta

abordagem, na qual os conceitos aprendidos são os que devem ser colocados

em prática na hora da resolução de um problema e que deve haver um método

para isso. Identificamos aqui, a concepção influenciada pelos trabalhos de Polya

(1977), como descrevemos anteriormente neste estudo, que vê a resolução de

problemas como um processo em que se aplicam conhecimentos previamente

adquiridos a situações novas. Há uma valorização mais do processo de

resolução do que da resposta. As implicações, em termos de ensino, passam a

ser um olhar mais centralizado em procedimentos ou passos utilizados para se

chegar à solução, contudo, esse olhar não incide para o desenvolvimento de

conceitos por meio da resolução de problemas nas aulas de matemática, como

na modelagem matemática, de acordo com as ideias de English e Sriraman

(2010).

A resposta da professora Ana traz à tona a problematização feita pelo

professor porém, não é esclarecedora no sentido de distinguir problemas de

exercícios. Se “tudo pode ser um problema”, exercícios que não são

desafiadores e não mobilizam o aluno não poderiam estar inclusos aí, embora

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ela diferencie-os como sistematização e chame-os de treino. Para a professora,

liberar espaço no cérebro para aprender novos conteúdos, de acordo como

explicou ao ser questionada pela pesquisadora, significa adquirir “ferramentas”

como o desenvolvimento de operações, cálculos, tabuada... necessárias quando

no desenvolvimento de novos conteúdos, ou seja, recai na aplicabilidade dos

conceitos anteriormente aprendidos na resolução de problemas.

4.1.6 A sexta pergunta: “Em que momentos você se sente mais à

vontade para trabalhar com Resolução de Problemas na sala de

aula?”

De certa forma, esta pergunta complementa a primeira, no que se refere

aos momentos das aulas identificados pelas professoras como propícios para o

trabalho com a resolução de problemas. Na primeira, referiram-se mais ao

aspecto quantitativo, especificando a frequência com que costumam fazer este

trabalho. Esta questão buscava um refinamento da resposta, uma vez que

poderiam particularizar esses momentos, o que poderia fazer emergir

determinados procedimentos metodológicos.

Pudemos dividir as respostas das professoras em duas categorias: as que

localizam um momento especial para isso nas aulas e as que, em seu discurso,

anunciam que a resolução de problemas permeia todas as aulas de matemática.

A resposta a esta questão, acabou por confirmar ou ampliar a resposta à

questão inicial, como pode ser visto no quadro 9.

Quadro 9 – Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com resolução

de problemas em sala de aula?

Professoras que destacam um momento

propício no qual sentem-se mais à

vontade

Ana

Quando há tempo para propor a atividade e observar o aluno resolvendo-a sozinho, descubro como cada um pensa, quais recursos utiliza para resolver as atividades, como faz para resolver o problema.

Carmem

Eu gosto muito de trabalhar com jogos e material concreto. Fica mais visível para o professor ver como a criança está pensando e então poder fazer

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boas interferências durante o processo. O jogo permite ao aluno construir ou desconstruir, ir e voltar, ele possibilita um maior dinamismo. O professor praticamente atua junto com o aluno e participa de suas descobertas. Quando é em folha, por exemplo, normalmente você já recebe o resultado pronto e aí você só retoma. Por ser impresso, muitas vezes o aluno não quer refazer, acho que ele pensa em menos possibilidades, traça um percurso e executa.

Professoras que não definem momento

específico para o trabalho com resolução

de problemas

Joyce

Em qualquer momento.

Marília

Não existe momento melhor ou não para se trabalhar com resolução de problemas. Existem as aulas para se trabalhar com resolução de problemas. Tento deixar a aula de forma que os alunos proponham soluções, explorem possibilidades e validem suas próprias conclusões.

Fernanda

Sempre. Acredito que as habilidades envolvidas na resolução de problemas e discussão de diferentes soluções são ferramentas fundamentais para atingirmos os objetivos gerais da matemática.

Maria Clara

Sinto-me à vontade para trabalhar com Resolução de Problemas em qualquer momento das aulas de Matemática: nas situações específicas de resolução (previstas no planejamento quinzenalmente), nas atividades do “problema da semana”, nas várias situações que envolvem resolução vinculadas a conteúdos de Matemática da série etc.

Fonte: dados da pesquisa

A professora Ana, em sua argumentação, confirma sua postura de

valorização de todo e qualquer processo de raciocínio desenvolvido pelo aluno

na resolução do problema, ressaltando que a resolução individual do problema

pelo estudante facilita a tarefa do professor em compreender esses processos.

Interessa-se pelo percurso investigativo, porém não fala em interações e em

quais mediações pode realizar neste processo.

Carmem destaca o papel dos jogos e material concreto como um

facilitador para que atue no processo investigativo dos alunos. O fato de entregar

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para os alunos uma atividade impressa, a seu ver, anula a mediação do

professor durante a realização da atividade, e só lhe resta retomar... Ou seja,

discutir o que já foi feito, como ela mesma e outros sujeitos já definiram em

respostas anteriores, numa espécie de plenária ao final da atividade.

A professora Marília confirma sua resposta à primeira pergunta, quando

localiza aulas específicas no planejamento para o trabalho com resolução de

problemas.

As professoras Fernanda e Maria Clara não relatam nenhum momento

específico que facilite sua atuação ou mediação nos processos de resolução dos

alunos e suas respostas vão ao encontro de como responderam a primeira

questão. Já a professora Joyce foi bastante vaga em sua resposta, porém

entendemos que refere-se aos momentos já descritos por ela na resposta da

primeira pergunta: atividades no livro, caderno, fichinhas (folhas).

Encerrada a primeira parte das análises, na qual procuramos trazer à tona

e compreender o que pensam os sujeitos desta pesquisa sobre resolução de

problemas e como definem este eixo metodológico em sua prática, passaremos

à análise das aulas observadas, buscando a congruência e correlação entre as

concepções e a prática relativa (ou não) a elas.

4.2 Análises das aulas observadas – Resolução de problemas: Um

confronto entre o discurso e a prática

Gostaríamos de esclarecer, neste ponto, que não pudemos observar a

aula de um dos sujeitos da investigação, a professora Fernanda, pois esta entrou

em licença saúde no segundo semestre de 2013 e no ano subsequente, 2014,

optou por aposentar-se. Assim, decidimos manter sua participação e

contribuição para com a pesquisa apenas com as respostas ao questionário, as

quais, assim como as das outras professoras, tiveram fundamental papel na

edificação deste estudo.

4.2.1 A prática da professora Ana: uma aula no 4º ano

A professora iniciou a aula comentando sobre a prova que haviam feito

recentemente e na qual alguns alunos haviam tirado notas baixas. Enfatizou,

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com veemência que muitos alunos não perceberam que todos os problemas da

prova, e repetiu “TODOS” tinham um modelo similar no caderno. Acrescentou

também que todos envolviam mais de uma operação. Depois disso, iniciou a

aula.

P: Então hoje, eu vou entregar um problema para vocês fazerem.

Distribuiu o problema individualmente, em uma tira de sulfite, digitado.

Quadro 10 – O problema utilizado na aula

Fonte: dados da pesquisa

Em seguida, começou a andar por entre as fileiras, observando as

resoluções.

A1: Professora, eu lembrei do problema do ônibus!

P: Lembrou?

A2: Eu também lembrei do problema do ônibus.

P: Lembrou do ônibus também? Na verdade mudaram os dados mas é bem

parecido...

Podemos perceber, pelo discurso da professora Ana com os alunos

inicialmente, que ela anuncia a existência de um modelo de resolução de

problemas que pode ser aplicado em outros do mesmo tipo. Ao lerem o

problema, alguns alunos imediatamente estabeleceram esta conexão. A respeito

da problematização inicial da atividade, como um modelo desafiador, parece que

encontramos mais um exercício de aplicação de conteúdo ou estratégias, do que

realmente um problema.

Uma fábrica funciona em turnos e, em cada um deles há uma quantidade de

funcionários. Na quinta-feira da semana passada, amanheceu e já havia 197

pessoas trabalhando. Às 8h entraram 342 pessoas e saíram 183. Às 14h

entraram 255 e saíram 298. Às 20h entraram 184 pessoas e saíram 362. Quantas

pessoas ficaram trabalhando na fábrica após às 20h?

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Destacamos novamente os autores English e Sriraman (2010) que citam

esta como uma das abordagens existentes na suposta resolução de problemas:

conceitos e procedimentos necessários devem ser ensinados em primeiro lugar

para, logo depois, serem aplicados por meio da resolução de problemas que

contam uma “história”, os quais normalmente não envolvem os alunos numa

verdadeira resolução de problemas.

Pelo prisma de Brousseau (2008), não temos a devolução de um

problema com o qual os alunos interajam ou sintam-se intrigados. Dessa forma,

como já resolveram um problema similar, os alunos devem utilizar-se do

repertório de heurísticas e estratégias adquirido anteriormente para este fim.

Neste caso podemos identificar a resolução de problemas como independente

dos conceitos matemáticos ensinados e não como uma via para trazer novos

conhecimentos. Ainda de acordo com Brousseau (2008), esta prática pode incidir

em um dos efeitos do contrato didático, denominado “deslize metacognitivo”, ou

seja, o professor concebe uma técnica útil para resolver um problema e a

considera como o verdadeiro objeto de estudo, perdendo de vista o real

conhecimento a se desenvolver, no caso, a habilidade em resolver problemas,

que fica comprometida nesta atividade para quem lembrar do “modelo do

ônibus”.

No questionário essa professora diz que tudo pode ser um problema em

Matemática, depende da forma como é colocado para o resolvedor. Alguns

exercícios são desafiadores e mobilizam o aluno, outros são importantes para a

sistematização.

Assim, acreditamos que, para ela, como para muitos professores, a

abordagem sobre resolução de problemas ainda não esteja associada à

concepção de utilizá-la como um valoroso meio de desenvolvimento de novos

conceitos matemáticos.

Outro ponto que se destaca nesta aula e que se conjuga com nossa

análise das respostas ao questionário é a falta de um processo investigativo

compartilhado. Os alunos leem e resolvem sozinhos o problema. As discussões

ocorrem depois. Ao unirmos as concepções explicitadas pela professora e sua

prática, podemos ter pistas de que trabalhar com a interação entre os alunos,

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organizar o milieu de forma a promover e mediar discussões durante o processo

de resolução pode ser uma visão a ser desenvolvida com os professores desta

escola. Percebemos que, possivelmente, esta professora sinta-se mais à

vontade para trabalhar com o que chama de resolução de problemas na sala de

aula e realizar intervenções individualmente. Outra resposta sua resposta indica

este percurso: quando há tempo para propor a atividade e observar o aluno

resolvendo-a sozinho, descubro como cada um pensa, quais recursos utiliza

para resolver as atividades, como faz para resolver o problema.

Enquanto os alunos resolviam o problema, a professora foi passando e

fazendo algumas intervenções.

P: Você está fazendo aqui mas tem um monte de coisa pra cá ... olha só... Você

acha que esse caderno vai dar prazer em estudar? Confuso, né, amigo?

[Para outro aluno]

P: Deixa eu ver como você respondeu. Você leu o problema direitinho?

O aluno afirmou com a cabeça que sim.

P: Leia de novo.

[Para outro aluno]

P: Não se põe a resposta logo assim... tem que primeiro calcular

[Observando outro aluno na carteira que havia feito uma operação e depois

parou]

P: Continua fazendo...Sabe qual é o problema? Você fica pensando lá na frente

e aí você perde todo o resto... faz devagar, vai de parte em parte. Daí você vai

ver que chega ao resultado...

[Continuou andando pelas carteiras vendo os procedimentos de resolução.

Parou em um aluno]

P: Deixa eu ver como você fez? Ah você juntou uma conta na outra é isso?...

A3: Não pode?

P Eu é que te pergunto: pode?

A3: Eu fiz assim mas ...não sei..

P: Você acha que pode as contas juntas mas você não sabe se pode... Ah......

[Para outro aluno]

P: Precisa apagar esse R (de resposta) e resposta vem só no final do

problema... senão você se atrapalha...

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É notável que a professora está atenta aos processos de resolução,

porém, as intervenções acontecem na esfera individual. Não identificamos a

abertura para as interações entre os estudantes, oportunizando para estes uma

possibilidade para refletir sobre seu pensamento e sobre seus procedimentos. A

individualidade impede que outros reflitam também a respeito das observações

feitas por elementos do grupo, mobilizando conhecimentos e estabelecendo

relações. Veremos que este momento acontece, porém, após os alunos terem

(ou não) resolvido o problema, o que pode desmotivar, principalmente aqueles

que não conseguem chegar a uma resposta.

Após alguns minutos, a professora anunciou que iria “pedir a gentileza de

alguns alunos colocarem suas resoluções na lousa” (figura 4). Muitos alunos

levantaram a mão e pediram para ir, mas ela começou a colocar alguns nomes

na lousa e dividir os espaços. Voltou à carteira de alguns alunos para confirmar

se era mesmo esses alunos que queria chamar. Uns alunos começaram a

reclamar que era “injustiça” pois alguns já tinham ido à lousa no problema do

ônibus. A professora interviu:

Figura 4 – Painel de Soluções – 4º ano

Fonte: dados da pesquisa

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P: Não é injustiça. O Ricardo sempre participa da aula e você às vezes não me

escuta. Talvez eu repita algumas pessoas.

[Escreveu o nome na lousa de quem iria; Julia, Debora, Lucas Raul, Carol]

P: Eu pedi para alguns alunos que viessem aqui colocar a resolução exatamente

do jeito que estava no caderno, tá...? A gente vai dar uma observada como cada

colega pensou... tem outros... outros poderiam vir...É que eu quis escolher

diferentes resoluções... tá bom? Não quer dizer que os outros estão certos ou

errados...

[Enquanto os alunos escreviam na lousa a professora foi passando entre

carteiras. Falou para um aluno que não terminou]

P: Falei pra você reler mais de três vezes... [E para a pesquisadora: Não releu

nem uma vez]

[Para outro aluno]

P: Vamos Gabriel, você vai esperar e copiar da lousa? Não consigo entender

seus números...

[Para um aluno que estava na lousa]

P: Pode pôr do jeito que você pôs, só a letra A tá?

[Para classe]

P: Não é porque a gente vai pra lousa que tem que modificar alguma coisa não...

Conquanto as falas dos alunos revelassem a incompreensão pelas

escolhas da professora, percebemos que ela contemplou propositadamente as

resoluções sobre as quais gostaria de promover o debate. Ela explica isso aos

alunos e procura demovê-los da ideia de pensar somente no resultado correto

em função de pensar, neste momento, nos processos desenvolvidos. Essa ação

condiz com sua descrição de quais recursos ou posturas se utiliza quando na

resolução de problemas: procuro valorizar qualquer empenho e não coloco o

sinal de X (errado) nos exercícios; peço aos alunos que o revejam e verifiquem

onde está o “erro”.

Nas falas subsequentes, encontramos também marcas de seu discurso na

prática, configurando, novamente a falta da interação nas dialéticas de ação e

formulação e a concepção da professora de que a dificuldade dos alunos na

resolução de problemas é vinculada aos processos de leitura. Dessa forma,

existe um processo de orientação, porém sem resultado, pois não acontece

efetivamente do ponto de vista da mediação: se o aluno não compreende, na

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leitura individual, um texto totalmente compatível com as competências leitoras

da faixa etária, provavelmente ler novamente, ou reler três vezes não trará

melhores resultados. Todavia, esse é um dos mecanismos anunciados pela

professora em seu discurso: e, o mais importante, é necessário que eles leiam

as atividades e consigam entender o que é pedido em cada uma delas. Assim,

quando um aluno diz logo que não entendeu, eu digo a ele para ler novamente

até que perceba o que realmente não entendeu e o que entendeu.

Enquanto os alunos que foram à lousa colocavam suas resoluções, a

professora fazia algumas intervenções na organização, no traçado dos números,

sempre enfatizando os comentários com toda a turma.

Os alunos começaram a comparar seus resultados. Alguns diziam: “- O

meu está igual ao da…”. Um deles disse: “- Achei o meu erro...”. Ocorre um

burburinho, alguns levantaram para ver melhor a lousa ou para ver o de algum

colega que comentou estar igual ao de algum da lousa.

P: Quem já olhou, senta... que a gente vai discutir um pouquinho...A gente vai

conversar agora porque eu tô vendo que cada resolução até agora deu uma

resposta diferente...

A4: Menos o do Raul, da Malu e do Lucas...

P: A gente vai verificar porque o seu e o da Malu estão iguais ao do Lucas e o do

Guga não... deixa só os colegas terminarem e a gente já vai conversar.

A4: É. [Observando seu caderno e a resolução na lousa atentamente]; o meu

está igual ao da Carol [que estava feito na lousa]

P: Quarto ano... vamos dar uma olhada nas resoluções pra gente conversar... Dá

uma olhada no que os amigos fizeram e nos resultados encontrados... A gente já

fala...

À luz deste trecho, podemos perceber o quão pulsante poderia ter sido

uma discussão feita em pequenos grupos durante a resolução do problema.

Alunos que estavam em silêncio durante a aula, aqueles que já tinham terminado

há algum tempo ou aqueles que não tinham conseguido resolver, de repente,

interessaram-se em ver os procedimentos dos colegas, compará-los e discuti-

los. Os expostos na lousa estimularam-nos a olhar novamente as suas respostas

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e as dos colegas. Mais interessante do que resultados corretos ou o emprego do

procedimento utilizado no problema “do ônibus”, seria a discussão, o

desenvolvimento das argumentações, enfim, de acordo com Brousseau (2008),

toda a organização do milieu.

Barth (1996) afirma que a construção do saber é feita pelo indivíduo, no

entanto, decorre também de interações sociais e em contextos exteriores à

própria pessoa, influenciadas por aspectos inerentes aos indivíduos e por

condições políticas, sociais e culturais. Essa premissa nos estimula a valorizar a

comunicação e negociação em sala de aula. A mediação do saber demanda

considerar a aprendizagem nas suas dimensões cognitiva, afetiva e social. É

preciso que estejamos atentos tanto para a quantidade como para a qualidade

das interações aluno-aluno, aluno-professor e professor-professor, cabendo a

este último o papel decisivo na direção e natureza do discurso que se deve

instaurar a fim de promover um ambiente motivador, desafiante e de

questionamento constante em que não existam condicionamentos de espaço ou

de tempo.

A seguir traremos grande parte da discussão desenvolvida durante o

Painel de Soluções, para que se compreenda melhor a lógica, o

desencadeamento e o significado das ações contextualmente. A cada fragmento

expressivo de acordo com nossa temática, incluiremos algumas considerações.

P: Pessoal: Nós temos aí cinco resoluções: Eu “peguei” aqui o Raul comentando

que um está muito igual ao outro mas tá diferente...Uma única diferença... Você

pode falar mais alto?

[Ele repetiu, mas foi baixo ainda. A professora repetiu]

P: Ah, o Lucas fez 6 contas e você fez 3. Mas o resultado foi igual?

[Ele e outros responderam]

C: Foi.

P: Hum...Por que será?

A5: A resolução.

P: Por que será?

A5: Por causa que... por que a resolução foi diferente...o raciocínio...

P: A resolução foi diferente mas porque será que o resultado foi igual? ...

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[Alguém disse “Eu sei!” Outros falavam junto...]

P: Espera aí que eu não estou entendendo o que vocês estão falando... Olhando

na do Lucas... ele fez 3 adições e 3 subtrações...Olhando na sua... tem 2 adições

e uma subtração...

[Um aluno levantou a mão, a professora disse]

P: Espera... segura o que você está pensando um pouquinho...Giovana:

A6: [Giovana]: Ele somou todos os que iam entrar, e também fez adição dos que

saíram e pegou os resultados dos que saíram menos o resultado dos que

entraram...

A7: O caminho foi diferente!

P: Sim os, caminhos foram diferentes...Você disse que o Raul somou todos que

entraram na fábrica, somou todos que saíram pegou os dois resultados e

subtraiu e descobriu o quê?

Alunos (em coro) 235...

P: Que é o que?

C: A resposta

P: A resposta que é o que? Os trabalhadores...que...

C: ...Que ficaram na fábrica depois das 20 horas...

P: Tá. Vocês entenderam o que a Giovana falou? Foi mais ou menos o que o

Raul falou. Ele diminuiu as contas... mas ele fez a mesma coisa que o Lucas.

A8: O caminho foi diferente.

P: O caminho foi diferente? Explica um pouco melhor essa ideia.

A: O Raul pensou de um jeito diferente mas os dois jeitos podem estar certos.

[A professora repetiu a frase do aluno]

P: Será que estão certos? Vamos verificar? Fala Fábio... Espera um pouquinho

[para a classe que falava junto] ...senão eu não escuto o colega. Fala alto.

[O aluno falou em tom muito baixo. Parece apenas ter retomado a fala anterior

porque ela apenas repetiu: “sim uniu duas operações.”]

P: O que que o Lucas fez? Ele fez passo a passo... de cada informação que o

problema apresentou. Então o problema dizia lá... espera que eu não esqueci os

outros não espera aí...Vamos lá...

Nesta parte da discussão, bem como em outras, podemos perceber que a

professora procura administrar as respostas redirecionando-as como novas

perguntas aos alunos; possibilita aos alunos a verbalização sobre concordâncias

ou discordâncias. Os comentários dos alunos, de um modo geral, são

reaproveitados e utilizados para reencaminhar a discussão, e o uso de diferentes

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caminhos ou estratégias é enfatizado em seu discurso. São oferecidos

momentos para que outras sugestões sejam apresentadas, ou hipóteses

levantadas; porém, o tempo dado para isso é curto e insuficiente para

proporcionar uma reflexão: essa atitude denota certa ansiedade em esclarecer

qual é a resposta certa.

A professora releu o problema e foi identificando os dados nas operações

feitas na lousa.

P: Se comparar mais uma com o Raul...pelo que eu observei aqui da Carol, tem

alguma coisa parecida...pelo menos a quantidade de contas é a mesma... Quem

pode comentar um pouquinho: semelhanças e diferenças da resolução?

P: John você falou em caminhos diferentes...São diferentes os caminhos da

Carol e do Lucas?

A7 Mais ou menos.

P: Mais ou menos?

A7: Ah... Pera aí...

P: Pera aí que ele está pensando e calculando... Fala Fábio, o que você queria

falar... É a mesma coisa? Mas agora você me explica: Se é a mesma coisa

porque é que no do Lucas eu tenho 135 e no da Carol deu 235?

A8: Deu 100 a mais.

P: Espera...Deu 100 a mais. Paula:

[A aluna falou baixo, a professora repetiu]

P: A Carol esqueceu de cortar o negocinho e passar o número pro

lado...Matematicamente eu não tô entendendo...

A10: Eu sei!

P: Quem pode ajudar a Paula na ideia que ela tá trazendo... Mariana:

[A aluna falou baixo a professora repetiu]

P: Dar para o outro quando subtrai? Qual a palavra certa para isso? Giovana:

A11 : Destrocar ..

P: Destrocar! Onde? Qual conta?

Observamos neste trecho que o discurso da professora busca propiciar e

enfatizar a utilização de termos e da linguagem matemática correta, apostando

em sua utilização e na correção dos alunos. Procura estabelecer a relação entre

a linguagem informal do mundo da criança e a terminologia formal da

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matemática. Para Santos (2000, p. 118), “a ação e os discursos praticados pelo

professor, quando ensina Matemática, decorrem do seu conhecimento e o modo

de ver a Matemática, de como enxerga e escuta o aluno”. Para o autor há

aspectos para os quais o professor deve dar atenção, como a manifestação de

diferentes formas de comunicação e os diversos significados de que se revestem

as noções matemáticas na sala de aula, como por exemplo, as dificuldades

observadas entre alunos do fundamental, decorrentes de conflitos entre

linguagem corrente e linguagem matemática, ou do significado que os alunos

podem intuitivamente atribuir a determinado conceito.

A12: Eu..456... mais...

P: Não.. qual? Guilherme? 539 menos 183? Vamos ver se realmente a Carol se

confundiu aqui? 9 menos 3, seis. Três menos oito... não dá .. O que eu preciso

fazer? A Carol, na verdade... ela não cortou...eu não entendi o que ela fez aqui...

Eu não entendi o seu número aqui se é 6. Se é 2 o que que é?.. Você esqueceu

de destrocar mas o que você fez aqui? A gente já descobriu onde tá o erro mas a

gente precisa entender o que que você pensou. Lembra o que eu disse...

A13: Professora!

P: Escuta. Lembra o que eu disse? Que mesmo errando, a gente tem um

pensamento matemático grande? Lembra? Eu preciso saber o que você pensou

pra chegar aqui no 4. Você fez 5 menos 1 mas que números são esses aqui ó?

Que eu não tô entendendo.

[A aluna ficou olhando para sua resolução, alguns alunos querendo falar]

P: Deixa ver se ela lembra.

P: Organizar pra não perder qual cálculo estava fazendo? [repetiu a fala da

aluna]. João você consegue explicar... porque eu me perdi...

[João foi à lousa e explicou]

P: Ah agora entendi... Entendi... Primeira conta, segunda conta...Tá vendo como

é importante.... A professora não entendeu... eu pensei que fazia parte da conta

que você fez... Ah... então não tem erro aqui. Não tem erro aqui neste número

que eu estava olhando e não estava entendendo... Ela descobriu... Ela esqueceu

de destrocar... (errou na subtração) Descobrimos onde está a falha?

C: Sim

P: Concorda Carol? E aí mudou porque ficou uma centena a mais nesta

conta...O resultado ficou com uma centena a mais. Interessante. Descobrimos.

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Então a Carol pensou como o Lucas mas se confundiu na execução das contas.

E a Débora? Como é que a Debora fez?

[Alguns quiseram falar mas a professora pediu]

P: Espera ela falar. Débora o que você somou aqui?

A14: (Debora) Todos que estavam entrando.

[A professora foi conferir, lendo o problema]

P: Olhando no problema eu tinha: 197 na fábrica, 342 que

entraram...Duzen...[deu uma parada; alguns alunos fizeram Aháaaaaa...] Todos

que entraram, você diz?

A14 : Não, que estavam na fábrica [a professora repetiu a fala que foi baixa]: Ah

os que estavam na fábrica...Os que estavam... e aqui os que saíram...Olha só

um pouquinho o problema. Vou ler pra você uma frase: pera aí que eu vou ler

uma frase pra ela: É... nós sabemos que tinha 197... às 8 horas entraram 342

pessoas e saíram 183...Você colocou que essas 183 [era mais, gritou um aluno]

estavam na fábrica, elas estavam?

C: Nãooo

P: Deixa a Debora falar.

[Mas já foi emendando]

P: Olha o que você pensou. Elas estavam mas você não registrou que elas

saíram. Porque para sair da fábrica, onde elas tinham que estar?

C: Na saída... (risos.). Na fábrica! (risos)

P: O pensamento da Debora foi bacana... ela falou o que ela pensou e tá certo...

se a pessoa saiu da fábrica é porque ela estava dentro da fábrica...Olha o

pensamento aí... esse pensamento não está errado. Pra sair ela precisava estar

dentro. Só que... eu não posso contar que ela FICOU NA FÁBRICA; usar o verbo

estavam está certo; mas na verdade a DIFERENÇA para o Raul é que ele somou

quem entrou na fábrica e realmente ficou depois das 8. Só quem entrou

realmente. Os 183 saíram. Tanto que você Debora, colocou o 183 aqui... e eles

realmente saíram só que eles saíram mas eles continuaram lá. Percebeu onde

dá a diferença? Que mais... Oh 298 que saiu também você colocou como entrou

na fábrica. Mas você não pensou FICOU ... Olha onde tá o certo no pensamento

dela... Ela pensou ESTAVAM NA FÁBRICA. E estavam na fábrica?

P: Simmmm, porque para sair da fábrica, precisa estar dentro. Perceberam? O

pensamento aqui ó tá diferente. Ela não tinha que pensar em ESTAVAM tinha

que ter pensado em quem FICOU. Percebeu a falha? Ela pensou certo, mas

usou esse pensamento diferente um pouquinho...

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Na sequência que se desenrolou, gostaríamos de salientar dois aspectos

que se correlacionam com nosso estudo. Um deles, já assegurado pela

professora em suas respostas e bastante presente em sua prática, é a

valorização do pensamento do aluno. Há, em sua aula perguntas que façam o

aluno pensar sobre o motivo do erro, porém, observamos, que há uma

preocupação constante em esclarecer os erros e ressaltar o procedimento certo:

em função disto, como já dissemos, o tempo para o aluno pensar no motivo do

erro, para reelaborar saberes e realizar a resolução de forma correta,

apropriando-se do conhecimento e do objeto de trabalho é, para alguns,

insuficiente. Em muitas passagens da discussão ficou evidente a antecipação da

professora às respostas de vários alunos, não dando voz a estes em certas

ocasiões. A fala organizada da plenária fica na mão da professora o tempo todo,

assim como as conclusões. Os alunos poderiam falar mais.

Ao encontro dessas duas observações, o empenho em valorizar o

pensamento do aluno e a preocupação com a exposição de modelos corretos,

pudemos identificar, com base em nosso estudo teórico, a incidência de um

efeito do contrato didático denominado por Brousseau (2008) de “Efeito Jourdan

ou mal-entendido fundamental”. Este efeito caracteriza-se quando um

comportamento comum do aluno é visto pelo professor como uma manifestação

de saber. Alguns dos erros que surgiram na discussão, como o da interpretação

do texto do problema, por exemplo, em pessoas que ficaram ou estavam na

fábrica foi valorizado como pensamento matemático, quando na verdade isso

não ocorreu. O erro na destroca na subtração também foi minimizado pela

professora: “- Então, não tem erro aqui”.

A forma de colocar a tarefa e de a relacionar com modelos preexistentes,

além de descaracterizar a atividade em relação às definições de problema

adotadas neste estudo, prejudica a possibilidade indicada por Brousseau (2008)

ao mencionar que, no âmbito de uma situação didática, deve o sujeito aprender

por meio de retroações do milieu antagonista. Isto não aconteceu: tratava-se de

um milieu aliado, pois havia referências seguras e estabelecidas nas condições

do problema.

Além disso, reiteramos o fato de percebermos, em alguns dos sujeitos,

uma postura resistente ao erro e fracasso dos alunos, sobre a qual já refletimos

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na análise da questão quatro do questionário, o que muitas vezes, parecer

desregular suas mediações nas discussões.

4.2.2 A prática da professora Carmem: uma aula no 2º ano

Essa professora foi uma das que preferiu preparar uma aula

especialmente para a nossa observação. Assim que chegamos, a aula começou.

A professora pediu a um aluno que distribuísse as folhas com a atividade. Disse

à classe que era uma folha de uma atividade feita à parte, por isso não tinha o

cabeçalho da escola. Os alunos conversavam bastante e a turma estava um

pouco agitada.

P: Vamos lá pessoal eu estou tentando começar e vocês não estão deixando!

Oh... psiuuuuu Depois vocês brincam...senão a gente não termina aqui...Gente!

Eu vou ler o problema pra vocês e cada um vai tentar resolver sozinho...Da

forma como pensaram...Vou pedir, Nicolas, pra vocês não falarem com o amigo

ao lado por enquanto, porque é importante saber como cada um pensou.

Quando a gente conta o nosso pensamento pro amigo, o amigo pode pensar

igual a gente sem querer...tá? Aqui embaixo vocês vão colocar o nome e a data

de hoje. Coloquem o nome e a data. Então vamos lá.

Notamos que antes da apresentação do problema, já foi sinalizado aos

alunos que teriam que pensar sozinhos. Em seu discurso, a professora sugere

que não seria positivo, pelo menos neste momento, compartilhar suas ideias e

hipóteses com algum colega; o motivo seria a anulação do pensamento do outro,

que pensaria a mesma coisa sem querer...

Essa fala nos fez refletir que, mais uma vez, o processo investigativo é

solitário, e as discussões são deixadas para pós resolução. Os pares não

servem, nesse momento, para construir este processo. Essas mensagens

podem, implicitamente, estabelecerem-se como cláusulas de um contrato

didático prescrito pelo professor, e a troca de conjecturas e hipóteses com os

pares pode ficar cada vez mais distante da prática desses alunos, bem como a

construção de um trabalho colaborativo de investigação.

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Relembramos que, ao relatar no questionário sobre a forma pela qual

desenvolve o trabalho com resolução de problemas, essa professora indica essa

posição: são propostos desafios dos quais a criança terá que desenvolver suas

próprias estratégias para a resolução. A meu ver, estes problemas são os mais

enriquecedores pois podemos analisar e discutir com o grupo, as várias

estratégias utilizadas por cada um quando compartilhamos as descobertas e

montamos o “Painel de soluções” ...

Em seguida, leu o problema para eles. Num quintal há 3 coelhos e 4 galinhas. Tem 3 perguntinhas, olha:

Pergunta A: Quantas são as cabeças de animais? Pergunta B: Quantos são os pés de

animais? C) Como você fez para descobrir as respostas? Registre.

P: Então, do ladinho da pergunta vocês vão ter o espaço para colocar o número aqui. E

o C é para vocês desenharem ou registrarem da forma que quiserem como vocês

descobriram as respostas dessas perguntas. Tá bom? Vou ler de novo. - Leu o

problema novamente.

P: Pronto... Vou dar um tempo pra todo mundo fazer depois vamos conversar sobre as

respostas.

[Um aluno perguntou onde era para desenhar. A professora retomou]

P: Desenhar ou registrar. Gente quando eu falo desenhar, vocês sabem que

não é só desenhar... Vocês podem registrar os números, as contas, todos os

jeitos que vocês pensaram para resolver...

A1: Professora o coelho tem quantos pés? É 4?

A2: Não sabe????

P: Lucas, faz o seu não conversa com os amigos...

A3: A galinha tem quantos dedos tia?

[Outra aluna respondeu]

A4: Três.

A3: Ah é.

[A professora ficou circulando. Um aluno a chamou e disse que não entendeu a

questão C. Outro aluno respondeu]

A5: É pra você desenhar ou fazer a conta...

P: Desenhar, ou fazer a conta, ou como você pensou, entendeu? Esse espaço é

seu pra você registrar...

A6: Mas eu ainda não entendi.

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P: Olha [releu]: Como você fez para descobrir as respostas? O que você fez aqui

[na folha dele] para chegar nesse número?

A6: Tenho que juntar...

P: Então você soma esses dois juntos, entendeu?

A6: Como vou me desenhar somando?

P: Você não precisa desenhar você somando... Você pode representar essa

soma...

[Muitos pediam ajuda no C: Registre como pensou]

A7: Professora eu “se perdi”.

[Ela interviu perguntando o que ele já tinha feito na folha. As demais perguntas

que os alunos faziam eram sobre o número de patas. A professora respondia

apenas o que eles perguntavam]

[Um aluno a chamou perguntando se estava certo o que estava fazendo]

P: O que você está desenhando? Conta pra mim.

[Ele explicou pra ela.]

P: Ah, você desenhou dedos... E esse aqui, como você descobriu que deu isso?

[O aluno apontou o desenho. Alguns alunos terminaram e outros não. Alguns

começaram a conversar ou levantar do lugar. A professora interviu]

P: Gente, cada um faz o seu...

[Vários alunos iam mostrar a folha para a professora. Para todos ela perguntava:

Como você descobriu? Como chegou a esse resultado?]

Um aluno disse que descobriu fazendo a conta mas apagou.

P: Não era pra você ter apagado... Faz a conta pra gente ver. Todo mundo já

conseguiu resolver?

A8: Peraí... eu tô desenhando...

Analisando este início de resolução da atividade pelos alunos,

percebemos que, apesar de terem sido mobilizados nesse sentido, muitos não

compreenderam o significado de registrar seu pensamento ou raciocínio, pois

não têm ainda, no segundo ano, uma organização para isso, conforme ilustra a

figura 5. Por outro lado, há pelo professor a expectativa de uma resposta que

revele o pensamento matemático envolvido: raciocínio aditivo e multiplicativo.

Contudo, percebemos que muitos, registraram apenas formas de contagem

(desenhando os animais ou suas mãos: contei nos dedos). Pensamos que as

interações entre os alunos seriam valiosas nesse momento se os alunos

estivessem organizados em duplas ou trios heterogêneos, nos quais alguns já

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registrassem as ideias das operações, e outros não. Dessa forma, poderia haver

essa troca e avanço em alguns estudantes.

Figura 5 – Registros dos estudantes

Fonte: dados da pesquisa

A professora iniciou, então, o painel de soluções, o momento em que,

segundo ela, seria o de compartilhar descobertas e estratégias.

P: Prontoooo! Nós faremos assim. Crianças que estiverem com as respostas

parecidas e o jeito de pensar parecido, nós vamos colando aqui na lousa

pertinho...

A9: E se errou?

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P: Não tem problema vamos conversar sobre isso. O importante é como cada

um pensou. É.... primeira perguntinha pra vocês: Onde se passa essa história,

do problema?

C: Num quintal!!!

P: Isso, num quintal!

P: E o que que o problema quer que a gente descubra?

[Alguns alunos releram as duas primeiras perguntas. “Quantas cabeças e

quantos pés”]

P: Valéria, vamos começar? Quantas cabeças de animais... gente vamos ouvir

pra ver se a resposta de vocês está parecida... [A classe estava com bastante

barulho de conversa]

A10: (Valéria) Sete.

P: Sete cabeças de animais. Quem pensou outro número ou deu outro resultado

na pergunta A?

[Ninguém respondeu]

P: Todo mundo achou 7?

C: Simmmmmmm.

Este trecho nos indica que não houve dificuldade para resolver essa

questão. Todos responderam a mesma coisa. Também parecem ter

compreendido o problema, ou seja, o que tinham que descobrir. Toda a classe

encontrou o sete como resposta à questão A. Mesmo assim, a professora

começou a chamar vários alunos para explicar como chegaram a essa resposta.

As primeiras respostas causaram certo interesse, depois os alunos respondiam à

professora, mas a maioria da classe envolveu-se em conversas paralelas. O

trecho abaixo nos revela que, apesar da valorização da professora dada ao

pensamento do aluno, este momento foi pouco proveitoso e desprovido de

problematizações e motivação para a classe.

P: Como você pensou Valéria?

A10: Três mais dois dá cinco, mais dois é igual à sete.

P: Você foi colocando os animais separados. O.k.; é isso? Quem pensou em

algum outro jeito de chegar no sete? Fala pra mim...Pode falar Lucas.

A11: Se 4 + 4 = 8, então 4 + 3 = 7

P: Vamos colocar na lousa? [Registrou as sentenças na lousa, repetindo as

falas]. Então porque 4 + 3 = 7?

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A11: Porque é um a menos.

P: Ah... porque é um a menos...Você Leo, como você pensou?

A12: Eu pus o três na cabeça e fui contando até chegar no sete.

[A professora foi repetindo e registrando: Então o Leo pôs o três na cabeça

(desenhou um bonequinho e uma cabecinha com o 3) e foi contando mais quatro

até chegar no sete. É isso?]

[As crianças estavam agitadas... algumas se desligaram das resoluções...]

P: Quem pensou de outro jeito pra chegar no sete? Fala Duda... [Repetiu o que

ela disse pois muitos estavam dispersos, havia barulho e não estavam

escutando).

P: Ah você pôs três palitinhos depois mais quatro palitinhos e foi contando todos

palitinhos. Você também fez assim? Você também? Quem mais fez de outro

jeito? Fala Fábio... Você desenhou... Desenhou três cabeças de galinha e quatro

de coelho... ok. A gente já vai ver o dos pés (o aluno queria falar desta pergunta)

... Mais alguém chegou de outro jeito? Fala Fê...

A13: Eu fiz a conta.

P: Qual conta você fez?

A13: Eu só pensei...

P: Como assim você só pensou? Pensou o quê? Me conta o seu pensamento

porque a gente não lê o seu pensamento...Conta o que você pensou pra chegar

no sete?

A13: Eu já sabia. Porque é o número da minha idade...

P: Porque é o número da sua idade? E como você descobriu que o tanto de

cabeça de galinha e coelho era o número da sua idade? Que continha você fez,

ou que jeito você pensou?

[O aluno respondeu mas não foi possível ouvir. A professora repetiu]

P: Ah... então você fez uma conta na sua cabeça...Ele já fez direto... Ele já

sabia que três mais quatro é sete (registrou na lousa) porque 7 é a idade

dele.

Notamos, neste momento, a ocorrência de um dos efeitos do contrato

didático que é o Efeito Jourdain, ou mal entendido-fundamental (Brousseau,

2008) em que o professor tende a interpretar um comportamento banal do aluno

como uma manifestação de um saber culto. Na sequência da discussão, que

tornou-se mais uma exposição de resultados, notamos que, em função da

valorização do pensamento dos alunos, esse efeito ocorre em outras situações

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durante a aula. A questão B teve respostas diversas, mesmo assim os alunos

perderam o interesse durante a plenária.

P: Agora, na B, vamos ver os resultados porque quando eu estava passando

pelas carteiras eu vi que tinha bastante diferença. Vitória...quantos pés de

animais tinha nesse quintal?

A14: Seis

P: Seis. Por que seis?

[Ela falou, como não dava para ouvir, a professora repetiu]

P: Se o coelho tem quatro patas e a galinha duas, 4 + 2 = 6! Mais alguém achou

seis?

[Um aluno começou a falar “Não é seis!”]

P: Calma! Quem mais achou o seis pra eu colar a folha na lousa? Vieram nove

alunos.

[Alguns alunos começaram a dizer outros resultados]

P: Calma, nós vamos conversar...

[Alguns falavam alto: Mas são três coelhos!!...Outros: Deu vinte!]

P: Levantem a mão para falar... Juliana, porque você está dizendo que o seu deu

catorze? Traz o seu aqui pra gente ver.

[A classe falava bastante]

P: Gente, é importante ouvirmos o amigo e o pensamento do amigo pra gente

entender se o jeito que ele pensou está certo, se o jeito que ele pensou ficou

faltando alguma coisa, ou, pra gente ver também se o nosso pensamento,

comparando com o amigo, está certo. Tá bom? Então Ju me explica aqui como

você chegou no catorze.

A15: Eu contei as patinhas da galinha e do coelho, daí... eu desenhei mas eu

desenhei duas patas pra cada bicho...

P: A Juliana desenhou duas patinhas pro cada bicho a aí ela chegou no

catorze... Mas e aí? O que vocês acham?

C: Coelho não tem duas patas...

P: Quantas patas tem o coelho?

C: Quatro!

P: Então vamos lá; quem achou outro resultado?

[Um grupo de alunos gritou] Vinte!!!

P: Quem achou vinte traz aqui.- [Foram sete alunos]

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[A professora “grudou” todas as folhas com essa resolução em outro grupo na

lousa]

P: Pronto? O seu deu vinte também?

A16: Não, o meu deu oito.

P: Ah, você já vai explicar o seu oito. Hããã... A turminha que fez vinte, que

achou que tinham vinte patas nesse quintal...Como que descobriram que tinha

vinte? Felipe, fala o seu. Como que você chegou... é...Esse é o seu né? Você

pôs assim: 4 + 4 + 4. Por quê?

A17: Porque são três coelhos.

P: Ah, porque são três coelhos...então você pôs quatro patas de um coelho,

mais quatro patas de outro, mais quatro patas de outro. E aí você pôs 2 +

2+ 2 + 2... (da galinha – disse ele) da galinha... E aí tudo isso deu 20?8

A17: Afirmou com a cabeça que sim.

P: Nícolas, eu vi que você fez uma outra conta aqui... 8 + 12: Como você

descobriu este oito?

A18: Na verdade eu guardei o dois na cabeça e... fui contando até o oito.

P: Mas o oito é do que, da galinha ou do coelho?

A18: É...

P: Eram três coelhos e quatro galinhas...Onde você pôs o oito? Nas galinhas? E

o doze foi o quê? Os três coelhos? E aí você colocou que deu vinte por causa

disso...Henrique, explica o seu pra gente? Você desenhou? Explica, como foi...

Ele falou pra professora mas quase ninguém escutava... Ela repetiu:

P: Ah...você desenhou as patas das galinhas e as do coelho, você fez no

dedo...pra completar... E aí você chegou no vinte. Carol... A Carol escreveu

assim no dela, óh..10 + 2 = 12 patinhas... Se 10 + 4 = 14 cabecinhas... é?

Mas e como você juntou o catorze com o doze... não entendi...Onde aparece o

catorze aqui? Carol... vem cá.

[Ela demonstrou não se lembrar...A professora apontou para a folha dela]

P: Você fez um monte de risquinhos... olha...pra fazer as suas contas... explica

aí...como você pensou?

[A classe estava conversando muito]

P: Gente, vamos ouvir o amigo? Ãh? Sete patinhas... não lembra mais? Não?

Então tá bom. Bruno! ! E você? Que fez esses tracinhos... Explica pra gente.

[Alguns alunos discutiam porque um pegou o lápis do outro]

8 Nestes diálogos, colocamos em negrito as falas da professora que representam argumentações sobre as

hipóteses dos alunos.

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P: Você foi fazendo os tracinhos de patinha, um tracinho de cada um, aí

você foi marcando e somou tudo...Marcos, você disse que o seu deu oito...

traz aqui pra gente, vem explicar... Marco não, Lucas, desculpa...Juliana depois

você vê isso... [a aluna estava batendo o apontador na mesa para arrumá-lo –

fazia bastante barulho]

A19: A galinha tem dois...

P: Duas.

A19: Mais dois, quatro. Mais dois, mais dois, ...oito...

P: Oito. Mas aí estão todos os bichos que tinha? Você não disse que tinha

sete animais? Sete cabeças?

A19: Sete cabeças vezes dois...

P: Mas você achou que deu oito por causa disso? Você achou que deu

certo?

A19: Mais ou menos.

P: Mais alguém com resultado diferente? João e Eric vocês não me

entregaram. O que que vocês descobriram?

A20: Pra mim, deu vinte e quatro.

P: Vamos ver por que que você chegou no 24?

A20: É que eu ainda tô fazendo...

P: Depois você termina o desenho, tá? Leo, você chegou em que

número?

A21: 28.

P: Como você descobriu o 24 ? [para o João que acabara de entregar a

folha].- Conta pra gente. Gente!! [elevando a voz] - Todos tiveram

chance de falar... Lucas... agora é a vez do João... pra gente escutar o

pensamento dele. Conta pra gente João.

A21: Se 2 + 2 + 2 dá dez...

P: 2 + 2 + 2 + da dez?

[Ele explicou mas não era possível escutar]

P: E de onde você tirou esse 6? Do coelho? O coelho tem 6 patas?

[Ele continuou explicando mas ela não entendia]

P: E por que seis?

A21: Seis é par...

[A professora riu e chamou o Leo]

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P: Leo o seu...Meninas... Não é hora agora...

[As meninas estavam iniciando um jogo de “STOP”]

P: Gente, o Leo colocou aqui uma conta de 4 + 4 + 4 +4 +4 +4 + 4...Onde

você achou tanto “4”? O que são esses vários quatros que você pôs aí...? A22: Coloquei todas as patas dos bichos...

P: Você pensou que todos tivessem 4 patas? E a galinha tem quantas patas?

[Duas – disse alguém]

P: Quantas patas têm a galinha? Quatro?

A22: Duas...

P: Gente, pessoal... O problema de todos está aí na lousa... - Pediu silêncio mais

uma vez... Gente olha pra lousa agora todo mundo. Nós tivemos seis crianças

que acharam que deu seis... o que que aconteceu neste problema aqui?

A14: A gente esqueceu de contar uma das patas da galinha.

P: Vocês contaram como se fosse uma galinha e um coelho...

A14: Não, uma galinha e o resto de coelho.

P: O que vocês acham? O que que aconteceu neste grupo aqui que deu seis? O

que que eles esqueceram de fazer?

A20: Das outras galinhas.

P: Das outras galinhas e dos outros coelhos. Contaram como se fosse um

coelho e uma galinha. Aí dá seis? Daria seis... Só que quantos coelhos e

quantas galinha tinha?

A20: Três galinhas... quatro coelhos

P: O pessoal que chegou no 14...que achou que tinham catorze patas... o que

que essa turminha fez? Olha...Que que eles fizeram aqui?

A20: Colocaram duas patas pro coelhos...

P: Colocaram duas patas para o coelho...Como se todos os bichos tivessem

duas patas... Aí daria catorze... né? Os que deram vinte: o que aconteceu

aqui?

A20: Eles contaram todos juntos...

P: Eles contaram todos juntos...coelhos com quatro patas, as galinhas com duas

patas... e aí deu certo, deu vinte. E esses outros resultados aqui? E o Leo, olha

ele fez diferente: pensou igual ao do catorze, só que ele pôs quatro patas pra

todos em vez de duas patas para as galinhas...

A plenária descrita nos revela que, em todo o processo da discussão, a

professora se esmera em dar a voz e escutar o aluno. O que não ocorre é a

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interlocução com a classe toda. Continuamos identificando, nas mediações da

professora em relação aos alunos, a ocorrência do efeito Joudain do contrato

didático. O empenho na busca pela resposta correta perde o sentido no decorrer

da atividade. Os procedimentos são bastante diversos, mas não há a exploração

de sua funcionalidade no processo de resolução nem de sua confiabilidade.

De acordo com Brousseau (1998, apud Vila e Calejo, p.72), o trabalho dos

alunos nessa fase de validação seria o de argumentar em favor da validade de

sua solução, tentando convencer seus colegas. E isso nós não observamos. O

papel do professor seria o de mediar as intervenções dos alunos, todavia, o que

observamos é que, quem fez as argumentações sobre as hipóteses dos alunos

foi a professora (destacadas em negrito nas falas); porém, já as classificando

como certas ou erradas. Em alguns momentos, ela se antecipa e explica o

raciocínio por eles.

No instante em que a professora define a resposta vinte como certa,

muitos alunos já nem estão mais interessados, ocupando-se de outros afazeres.

Assim, não houve a institucionalização dessa atividade, conforme indica

Brousseau (2008), na qual o professor deveria homogeneizar os conhecimentos

da turma e identificar os saberes constituídos; os alunos consequentemente não

tiveram a oportunidade de reestruturar seus conhecimentos.

Além disso, a atividade foi encerrada e não houve recuperação do erro

pelos alunos que não acertaram. Alguns alunos estavam ausentes da discussão;

e outros, apesar de ouvirem a exposição dos colegas que erraram, não

receberam a folha de volta para tentarem refazer sua resposta. Dessa forma,

não aconteceu o uso reconstrutivo do erro.

Na finalização da aula, conforme pode ser visto na próxima transcrição, a

professora retoma as prescrições de aplicações de heurísticas e estratégias

(English e Sriraman, 2010) para as resoluções de próximos problemas. Os

alunos responderam com respostas genéricas, inclusive com a operação a ser

feita neste problema (contar todos juntos). Incentivou também a postura de

persistência e empenho na resolução de um problema que ela chamou de difícil

para eles, apesar de a primeira questão não ter trazido nenhum desafio. A

segunda, por sua vez teve quinze resoluções erradas e sete corretas (figura 6),

das quais três não foram pela

contagem e sim pelo algoritmo (o qual já aprenderam).

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P: Então gente, quando a gente faz um problema o que é importante a gente

descobrir no jeito de fazer? Quais são as dicas pra um problema dado pra gente

resolver?

A20: Lembrar de contar todos juntos.

P: Lembrar de contar todos juntos se for de juntar o problema... o que mais?

A16: Prestar atenção nas dicas...

P: Prestar atenção nas dicas que estão escritas no problema...” Que mais

Henrique? Que mais a gente tem que fazer pra resolver um problema de um jeito

beeem acertado? Nenhuma dica mais?

A 21: Ler bem?

P: Ler bem e entender o sentido do problema!!! Que mais? Mais alguma dica

importante? Não? Então tá bom, gente. Olha esse probleminha foi um pouco

mais difícil do que vocês estão acostumados a fazer, justamente pra cada um

pensar numa forma de resolver que não seja aquelas coisas fáceis que vocês já

fazem, como o Felipe falou, de cabeça. Né, que já tem a resposta na cabeça

facilmente. Mas o importante é que todo mundo deu um jeito de resolver o

problema, ninguém falou “Eu não sei” “Eu não consigo”... e isso foi muito legal, tá

bom? Todo mundo ter tentado.

Figura 6 – Painel de Soluções – 2º ano

Fonte: dados da pesquisa

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4.2.3 A prática da professora Maria Clara: uma aula no 3º ano

A escola nos solicitou que fosse feita uma filmagem de uma aula de uma

das professoras que planeja matemática em função do estudo e discussões

sobre a tematização da prática com o corpo docente. Como a professora Maria

Clara era um dos sujeitos desta pesquisa, aproveitamos esta filmagem como

parte do processo de coleta de dados.

A professora do 3º ano nos avisou que faria uma aula já prevista no plano

mensal, na qual trabalharia, em Geometria, a resolução de problemas. A

proposta faz parte de uma sequência didática sobre o estudo de pirâmides. Os

alunos já trabalharam com a identificação deste sólido entre outros,

classificando-o de acordo com suas propriedades, bem como fizeram a

identificação de suas faces, sua planificação, modelagem com massinha, entre

outras atividades. A professora, então, retomaria tais trabalhos nesta aula.

A aula que observamos tinha como objetivo propor que os alunos

montassem, em duplas, a estrutura de uma pirâmide com palitos de churrasco e

massinha, a fim de que identificassem arestas e vértices. O desafio seria, como

relatou a professora durante a aula, que eles descobrissem quantos palitos

seriam necessários, antes de executar a tarefa.

Quando chegamos, os alunos já estavam organizados em duplas. Em

cima da mesa do professor, havia um saco com vários sólidos geométricos

coloridos de papelão. Ela fez nossa apresentação à sala e disse que estávamos

ali para assistir e filmar uma aula em que eles fariam uma lição utilizando

varetas.

P: Bom, então vamos começar. – Pegou um cubo e um paralelepípedo nas

mãos. Nós vamos começar lembrando de uma tarefa que vocês já fizeram, lá no

segundo ano. E alguns alunos lembram até do 1º ano. Lembram desse sólido

aqui?

C: O cubo!!

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P: Sim, o cubo. Vocês começaram a trabalhar com esse sólido aqui no primeiro

ano e viram de novo esse sólido no segundo ano. E esse foi especialmente no

segundo ano.

C: O paralelepípedo!

P: Sim, o paralelepípedo. Lembram que neste ano a gente reviu um pouquinho

isso e vocês até montaram de novo um com o material do nosso livro? Vocês

montaram um cubo e um paralelepípedo, nós até os usamos na maquete,

lembram? Então, no ano passado vocês fizeram uma atividade como se

tivessem tirado as faces do paralelepípedo e sobrou só o esqueleto dele, que a

gente chama de estrutura. O que vocês usaram para fazer essa aula do ano

passado?

C: As varetas.

P: As varetas, que são os palitinhos de churrasco e as massinhas.

A1: Mas não foi só palito de churrasco...

P: Ah, verdade não foi só palito de churrasco...

A1: Tinha palito de fósforo...

P: Não era palito de fósforo também...era aquele rolicinho, lembra? Um

branquinho? Ah, era palito de pirulito... lembram? E porque teve que usar

palitinho de pirulito também?

A2: Pra fazer os menores.

P: Pra fazer com os menores... No cubo também precisou usar?

C: Nãooooooo.....

P: Não né? Pra fazer o cubo foi possível usar só o palito grande.

A3: Porque não tem parte maior nem menor.

P: Isso, não tem parte maior nem menor, todas as varetas iguais, pra fazer o

cubo. Para fazer o paralelepípedo, só de a gente olhar assim, a gente percebe

que tem diferença, não é? –[ Mostrou os dois]. Vocês precisaram também usar o

palito de pirulito. Muito bem. Então vamos lembrar porque a professora Teresa

não sabe como começamos este ano, o estudo das pirâmides.

[Pegou o saco com os sólidos e começou a relembrar o trabalho com as

crianças].

P: Vocês receberam vários sólidos, todos misturados e deles, vocês tiveram que

separar só as pirâmides. E o que vocês observaram quando separaram as

pirâmides?

[Várias crianças responderam juntas, coisas diferentes]

P: O Diego falou diversas coisas e eu ouvi aqui na frente outra coisa.

A4: Tinham bases diferentes.

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P: Bases diferentes. – Alguém disse pontas. É a mesma coisa falar diversas

pontas e diversas bases? Ponta e base é a mesma coisa?

C: Não.

A4: Eu queria dizer base.

P: Você queria dizer base? Tudo bem. – [segurando diversas pirâmides nas

mãos]. Então nós separamos essas pirâmides, com diversas bases... e vocês

mexeram, brincaram, perceberam isso...Nós registramos isso no caderno, certo?

E relembramos também com atividades do livro...Nós falamos de vértices,

arestas, bases... Que pirâmide nós escolhemos pra trabalhar?

C: De base quadrada.

P: A pirâmide de base quadrada. Então entre todas essas que nós observamos

nós conversamos, queríamos trabalhar no terceiro ano especialmente a pirâmide

de base quadrada. Certo? Vocês também fizeram uma atividade no caderno,

colaram uma folhinha pra levar pra casa. Vocês lembram o que era? Era uma

pesquisa...

A5: Uma pesquisa das pirâmides....

P: Uma pesquisa sobre pirâmides. Podia ser só pirâmide de base quadrada?

C: Não.

P: Não sobre qualquer pirâmide. E aí na sala nós falamos de novo, mais um

pouquinho, sobre várias pirâmides, de acordo com o que vocês encontraram em

casa não foi? E aí depois, nós fizemos uma atividade que eu até gravei o

depoimento do Pedro B., que ele entrou aqui debaixo da lousa todo feliz e falou

que essa aula tinha sido muito bacana, divertida, tenho gravado o depoimento do

Pedro.

A6: Só que eu tava com um pouco de vergonha...

P: Ele estava com tanta vergonha que entrou debaixo da lousa..., lembra Pedro?

E ele falou que foi muito legal aquela aula. O que nós fizemos naquela aula?

A6: Nós montamos uma pirâmide de base quadrada.

P: Montamos? Como?

A6: Com desenho...

P: Com desenho como?

A7: Com as formas...

A8: Dobradura...

P: Opa, opa...a Bia lembrou uma coisa... Nós fizemos essa aula com um

quadrado e quatro triângulos. Por quê?

A8: Porque são as faces das pirâmides.

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P: Porque são as faces da pirâmide de base quadrada. Agora sim hein? Então

nós pegamos as faces da pirâmide de base quadrada num papel, um quadrado e

quatro triângulos, que a Bia lembrou; nós pintamos o quadrado de uma cor e as

outras faces com outra cor- [colou na lousa uma pirâmide de base quadrada

planificada e foi apontado para as faces]- e aí nós fomos fazer o teste... Nós

tínhamos que ver como a gente ia conseguir montar a pirâmide... Isso foi pra

gente ver o quê? Para descobrir o quê?

A9: Se dava pra montar?

P: Nós descobrimos se dava pra montar mas na verdade... [alguns alunos

falaram junto]. - Sim, dá pra montar de diversas maneiras...Mas quando eu deixo

ela assim, do jeito que está na lousa, como é que chamam isso, vocês lembram?

A8: Chama planificação...

P: Isso é uma planificação. Então com aquela lição nós descobrimos

diversas...planificações da pirâmide. Nós fizemos isso com o cubo, fizemos com

o paralelepípedo, nos anos passados. No terceiro ano vocês descobriram

diversas planificações da pirâmide. Quanta coisa hein? Isso tudo nós registramos

no caderno, nós contornamos, fizemos colorido, vimos então as cinco faces e

que uma dessas faces nós chamamos de base e os outros nós chamamos de

superfície lateral, cada uma delas, certo? E hoje chegou o grande dia, alguns

alunos já tinham perguntado: quando nós vamos fazer aquele de vareta com a

pirâmide...?

[Recolheu as pirâmides que estavam espalhadas nas primeiras mesas e

guardou-as no saco].

Percebemos que alguns alunos estavam atentos e respondiam a alguns

questionamentos da professora. Outros, apenas assistiam a aula, e não se

mobilizavam para responder. Havia três alunos debruçados sobre o braço na

mesa. Apesar de ser uma aula de Geometria que trabalharia com sólidos, os

alunos não tinham nenhum material que pudessem manipular nas mãos; havia

um saco com muitos deles na mesa da professora e esta os manuseava na

frente da sala.

Não obstante o foco da aula fossem as pirâmides, a professora fez uma

retomada de todo o trabalho realizado com outros sólidos, passando pelo cubo e

paralelepípedo, trabalhados em anos passados. Essa retomada demorou

aproximadamente quinze minutos, o que julgamos bastante tempo para uma

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aula expositiva para crianças nessa faixa etária. Possivelmente, se os alunos

estivessem com os sólidos geométricos nas mãos, mais problematizações

poderiam ser propostas. Neste momento, porém, a aula estava inteiramente na

voz e na ação da professora.

O foco ficou mais na memória desta do que na dos alunos. Não

encontramos, até este trecho, efetivas problematizações. A professora pergunta

e logo conduz às respostas rápidas, depois completa a informação. Parece

haver uma preocupação com o uso do vocabulário correto e com a revisão dos

conhecimentos anteriormente adquiridos. Assim, a aula prosseguiu.

P: Será que dá pra montar a pirâmide de base quadrada com as varetas?

C: Dá...

P: Será que dá? Hã?... – escutando um aluno. Dá um trabalho, né? –[ repetiu]. O

que o André falou há pouco, antes da professora Teresa chegar, quando nós

estávamos falando desse trabalho com varetas? O que você falou do ano

passado mesmo André?

A9: Que o ano passado a gente também fez, mas foi do paralelepípedo.

P: E o que mais?

A9: Que foi difícil.

[Outro aluno: Foi meio fácil e meio difícil...Alguns diziam que acharam fácil...

outros, que foi mais ou menos]

P: Então, eu acho que hoje pode ser um pouquinho mais fácil porque vocês já

sabem... metade do caminho. Só que... Lembram do nosso jogo de mudar de

fases?

A10: Tia... tia... só que agora precisa quatro palitinhos pra base e....

P: Stop, stop... [pedindo que ele parasse de falar]. - Não estou perguntando

quantos palitos ainda não. Calma... calma... calma...

A11: Ou cinco...

P: Calma porque eu vou colocar um desafio aí... Um desafio à vista! Nós não

estamos fazendo aquela brincadeira de mudar de fase no jogo? Então, agora

aqui vem um desafio de mudar de fase... O desafio é o seguinte. Lá no primeiro

ano, no segundo ano, a professora já dava os palitos certos pra vocês

montarem, vocês já recebiam os palitos e a massinha certo? Acontece que eu

não vou dar a quantidade de palitos... A Manuela vai me ajudar aqui a distribuir,

eu vou dar uma pirâmide para cada dupla pra vocês observarem e prestarem

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atenção em quantos palitos ou varetas vocês vão precisar. Tá bom? – A

massinha está um pouquinho dura, precisa dar uma amassadinha nela, tá bom?

A11: Você vai dar a massinha?

P: A massinha é quando vier buscar o palito. Entrega rapidinho Manu e a dupla

que já observou já pode vir buscar o palito. Se estiver um pouco grudada é só

mexer um pouquinho para soltar; é que outra turma já usou.

Conforme podemos observar pelas falas dos alunos, este problema,

apresentou pouco desafio à maioria da classe ao ser proposto. A professora teve

que pedir para o aluno parar de falar para que não desse a resposta antes de

iniciar a atividade. Neste momento, ela entregou as pirâmides de base quadrada

em papelão para cada dupla. Eles contavam as arestas e iam buscar os palitos

ou, já iam à mesa dela com a pirâmide na mão para contarem lá e pegarem as

varetas.

Ao contrário do momento da retomada, se eles estivessem sem a

pirâmide nas mãos, a professora poderia sugerir que decidissem, na dupla,

quantos palitos seriam necessários e a partir daí, problematizar as hipóteses

iniciais das crianças.

[A professora começou a organizar as varetas e os pedaços de massinha em sua

mesa que estava no centro. A maioria dos alunos levantou e foi até a mesa]

P: Cadê a sua dupla? – [disse a uma aluna]. Chame-a, e pode trazer a pirâmide

aqui. –[ Muitos levantaram e trouxeram a pirâmide que receberam. Ficou um

amontoado de alunos na mesa da professora para pegar as varetas. Os alunos

falavam entre si]

P: Será que precisa tudo isso de palito Rafael?

A12: Não sei.

P: Não sabe, então leva ...

Algumas duplas seguravam a pirâmide na mão e contavam as arestas. A

professora auxiliava a separar as massinhas. Um aluno chegou na mesa

contando...

P: Quantas têm?

A13: Oito.

P: Então pega e leva.

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Podemos notar que a professora incentivava que trouxessem a pirâmide

para contar as arestas. Nesta aula parece ter havido uma mudança de foco: este

saiu da problematização para a própria montagem, sem que a professora

notasse. Mesmo nas intervenções individuais, como com o aluno Rafael (A12): “-

Precisa de tudo isso? Não sabe? Então leva...”.

Destacamos que esse pode ser mais um efeito do contrato didático,

encontrado nas posturas metodológicas dos professores, o deslize

metacognitivo, no qual o professor pode tomar como objeto de estudo uma

técnica que presume útil para a resolução de um problema ou realizar uma

aprendizagem, tornando-o o verdadeiro objeto de estudo. Neste caso, perdeu-se

de vista a resolução de problemas ou as problematizações em função da

execução da atividade em si, que foi escolhida como pretexto para problematizar

hipóteses dos alunos.

Voltamos a dizer que os professores, muitas vezes, trazem consigo

modelos implícitos em suas práticas, dos quais nem se apercebem. Notamos

isto no discurso dessa professora em algumas de suas respostas.

Ao responder à quarta questão, que indagava sobre as dificuldades ao

trabalhar com esta abordagem, a professora Maria Clara reconhece, em sua

fala, que, antes de participar da formação continuada, apresentava aos alunos

as situações-problema de maneira equivocada. Percebe que, ao fazer a leitura

para os alunos, acabava por interpretá-los. Identifica também, em sua resposta,

que o estímulo para diversificar as estratégias de resolução era restrito em suas

ações.

Essa consciência não pareceu materializar-se na prática; a aula permitiu

pouca variedade de resoluções e a explicação tornou-se uma narração

minuciosa que revisou todos os conceitos necessários para que a atividade

fosse concluída. Assim também percebemos que, apesar de demonstrar clareza

ao definir um problema quando responde à quinta pergunta, caracterizando-o

como algo sobre o qual não temos uma definição imediata, inconscientemente,

sua atuação na aula foi marcada pela frequente elucidação e explicação de

conteúdos.

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Não podemos deixar de destacar também, a ideia que tem aparecido

praticamente como um padrão nas aulas e respostas dos sujeitos, que é

localizar o momento de problematizar e fazer as mediações com os alunos

somente no painel de soluções, perdendo parte do processo investigativo no

qual professor poderia ter espaço para muitos questionamentos que instigassem

os alunos a evoluir e construir conhecimentos. Refletimos que este poderia ser

um tema de discussão com os professores a partir dessa aula, ou seja, a sua

importância como elemento-chave na construção de um processo investigativo

(Ponte, Brocardo e Oliveira, 2003).

Observamos, ainda, que apesar de estarem em duplas, nem sempre

houve interação entre os pares. Observamos que iniciaram o trabalho de

montagem da estrutura, começando pela base. Em algumas duplas os dois

trabalhavam colaborativamente na montagem, em outras, enquanto um só

montava, o outro apenas fornecia o material.

A professora pediu, então, que colocassem as estruturas em sua mesa.

Alguns quiseram montar outras, porque acharam muito fácil, o que não combina

com a expectativa relatada como objetivo da atividade. Finalizou a aula com uma

institucionalização vazia de sentido, pois além dos alunos já dominarem os

conhecimentos envolvidos, não houve verdadeiramente um problema a se

resolver.

P: Quem for terminando vai trazendo aqui que a gente vai montar uma grandeee

escultura; pode ser por cima, por baixo, dentro... Não deu tempo nem de tirar foto

hoje.. e registrar esse momento... Puxa vida, foi muito rápido!

A10: Ai tia foi fácil! Pode montar mais?

P: Pode.

[Algumas crianças quiseram fazer novas pirâmides, outras foram empilhando as

prontas. A professora foi ajudando a organizá-las. Depois de alguns minutos foi

querendo encerrar a atividade mas alguns alunos ainda montavam e vários

estavam muito entretidos tentando empilhar as pirâmides].

P: Pronto, vamos voltando pros lugares...

[A professora teve dificuldade em fazer com que os alunos voltassem à calma,

muitos ainda mexiam nas varetas]

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P: Vamos parar um pouco e prestar atenção um pouquinho. Quero relembrar

uma coisinha com vocês. Do jeito que está aqui, [segurava uma estrutura de

pirâmide montada pelas crianças nas mãos] que nós brincamos e

chamamos de esqueleto, na verdade, eu falei um outro nome também pra

isto daqui..[.Alguns alunos disseram: -“Estrutura!”]

P: Estrutura da pirâmide. Então, é como se eu tivesse tirado [pegou um sólido de

papelão nas mãos] o que daqui?

A11: A carne dela...

P: A carne dela... só que eu não vou falar a carne da pirâmide... Como eu vou

falar? [ Alguns alunos respoderam:”A face”]

P: As faces da pirâmide. Então se eu tirar a carne que não é carne, são as faces

da pirâmide, sobra o que aqui?

A11: As vértices e as arestas.

P: Os vértices e as arestas. A estrutura como eu chamo? – [Passava os dedos

nos palitos que eram as arestas]

A13: Arestas.

P: E os vértices?

A12: As pontinhas.

P: Onde nós colocamos? Colocamos o quê?

C: As massinhas.

P: Então isso já entrou na cachola? Não sai mais?

C: Nãoooo...

Para finalizar a análise desta aula, destacamos que, em função do

excesso de informações na fase que deveria ser a devolução de um problema,

de acordo com a TSD, houve um prejuízo no desenvolvimento das dialéticas que

dizem respeito às condutas dos alunos: a experimentação ou a criação de

modelos na fase da ação foi praticamente desnecessária; na formulação não

houve a imprescindibilidade de trocar informações ou discutir pontos de vista, o

que, obviamente, tornou dispensável a validação do modelo de resolução ao que

chegaram os alunos.

Notamos assim que, muitas vezes, passam desapercebidas pelo

professor algumas ações que interferem no produto de seu trabalho, advindas de

concepções latentes e que, involuntariamente, interrompem o caminho que o

aluno deve percorrer para evoluir.

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4.2.4 A prática da professora Marília: uma aula no quinto ano

Esta professora optou por usar uma aula prevista no planejamento mensal

do quinto ano, pelo qual é responsável. Sugerida pela assessoria externa nas

reuniões por série e no grupo de estudos que acontece com o corpo docente da

escola, a proposta era que ela trouxesse para os alunos um problema de

travessia 9 , a fim de variar o repertório de problemas não convencionais

trabalhados com os alunos.

Quando chegamos, os alunos do quinto ano já estavam organizados em

duplas. A professora comunicou à sala que assistiríamos a aula de Matemática.

A professora distribuiu as folhas com a atividade. Apesar de estarem

organizados em dupla, cada aluno recebeu a sua folha individual.

A atividade era do tamanho de uma folha sulfite (A4), e tinha cabeçalho

para preenchimento individual. Tinha algumas linhas para escreverem a

resposta.

A seguir, destacamos na figura 7, apenas o desfio proposto e a imagem

apresentada aos alunos.

9 Esse tipo de problema é assim denominado pelo grupo que faz assessoria externa aos professores. De

forma geral, são problemas envolvendo espaços de estados, com operadores, estados iniciais e finais e operações que levam (ou não) aos estados finais, por meio de heurísticas.

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Figura 7 – Um “problema de travessia” (espaço de estados)

Fonte: dados da pesquisa

P: Coloquem o nome e a série. Bom hoje a gente vai fazer um problema... Qual é

o nome que está escrito no alto da folha?

C: Desafio!

P: Na verdade é um desafio porque vocês vão ver que é um problema...Todos os

problemas a gente resolve com conta, com o algoritmo? Sim ou Não?

[Alguns alunos disseram sim, outros não]

P: Alguma vez vocês já resolveram algum problema que não tenha algoritmo, ou

conta pra gente fazer?

[Alguns alunos disseram que sim]

P: Então, acontece às vezes, né? [Alguns responderam sim e outros falaram

não]

DESAFIO Era uma vez um pai e dois filhos. O pai tinha 80kg, o menino, 40kg e a menina, 35kg. Eles tinham de atravessar um rio. Por sorte, os três sabiam remar e encontraram um bote na margem. Só que, junto ao bote, havia um aviso assustador.

Faça deduções, elabore hipóteses e descubra: nessas condições, de que maneira os três poderão atravessar o rio utilizando o bote? Escreva e explique sua resposta. R: ___________________________________________________________________

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P: Vamos ver.... Então a gente tem um problema aqui, que vocês vão discutir

com a sua dupla. É um problema de... na verdade de lógica, pra gente pensar

como é que a gente vai fazer esta situação-problema. Porque muitas vezes, o

que que acontece: vocês sempre estão buscando que conta é pra fazer... Então,

é pra gente pensar um pouquinho que nem sempre a gente precisa, pra resolver

algum problema, fazer uma conta, que é o que vai acontecer aqui. Então na

dupla, vocês vão ler o problema. Eu vou passar pra ver a discussão de vocês na

dupla, que é importante; e, depois, a gente vê se vem pra lousa pra gente

colocar soluções diferentes que apareceram aí. Tudo bem?

Consideramos que a professora, em seu discurso, enfatizou a importância

das interações entre os alunos nas duplas, valorizando o processo investigativo.

Procurou desmistificar para os alunos uma crença relativa ao contrato didático,

de acordo com as ideias de Chevallard (1988), descrito por Silva (2010), na qual

os alunos entendem que, em Matemática, resolve-se um problema efetuando-se

operações e que a tarefa deles é encontrar a boa operação e efetuá-la

corretamente. Porém, antecipou para os alunos que este era um problema que

não seria resolvido pelo algoritmo, prevendo algumas ações e estratégias que

deveriam ser mobilizadas por eles. Em sua mediação, enquanto se esperava a

ocorrência da dialética de Formulação, de acordo com Brousseau (1988), ela

deveria evitar intervir sobre o conteúdo.

Ainda nesse sentido, compreendemos que ela nomeou este problema

como sendo de lógica, para reforçar a ideia de que não precisariam usar

algoritmos para a resolução. No final da aula, disse à pesquisadora estar em

dúvida se este era mesmo um problema de lógica, pois não apresentava

nenhum tipo de tabela, como são os problemas de lógica que ela já trabalhou. A

este respeito, podemos recordar a resposta dada por ela à segunda questão do

questionário, sobre a forma pela qual desenvolve este trabalho: em algumas

resoluções os alunos sentam em dupla. Os alunos recebem uns 5 problemas

(convencional) e iniciam a resolução. Chamo alguns alunos para colocarem suas

resoluções na lousa, discutimos cada uma delas. Também trabalhei com

problemas de lógica.

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No confronto entre seu discurso e sua prática, percebemos que

compreende o tipo de problema mencionado (lógica), como não-convencional,

pelo fato de permitir estratégias diferenciadas de resolução ao invés de

operações matemáticas.

Stancanelli (2001), de fato, classifica problemas de lógica de maneira

análoga a esta ideia. De outro modo, porém, podemos observar que o problema

apresentado pressupõe algum raciocínio numérico e emprega operações de

adição, o que indica que tais problemas não precisam representar opostos

diametrais em relação aos chamados problemas numéricos:

Problemas de Lógica – são problemas que fornecem uma proposta de resolução cuja base não é numérica, que exigem raciocínio dedutivo e propiciam uma experiência rica para o desenvolvimento de operações de pensamento como previsão e checagem, levantamento de hipóteses, busca de suposições, análise e classificação (STANCANELLI, 2001, p. 114).

Podemos observar, na sequência de trechos extraídos da aula, que a

professora, ao ouvir as argumentações dos alunos, contesta suas respostas e

resoluções, cobrando-lhes a operação ou cálculo como validação da resposta,

passando-lhe despercebido a dicotomia com seu discurso inicial.

[Os alunos se evolveram com a leitura e resolução do problema. A classe estava

barulhenta, mas todos estavam envolvidos na discussão. A professora começou

a passar pelas duplas, perguntando como estavam resolvendo]

P: Já... Como vocês pensaram?

A1: Primeiro, vão eles dois. Aí depois volta a menina. Aí depois a menina fica

aqui e o pai vai. Aí depois volta o menino e pega a menina e os dois vão juntos.

P: Hã ... e aí? Faz a conta pra gente ver se é isso mesmo...Será que deu?

Porque eles têm.... Têm, olha lá, o quilo olha... Vê se dá...Faz a conta... Deu

setenta e cinco quilos?

A2: Eles têm setenta e cinco quilos.

P: Como você pode comprovar isso, com conta ou escrevendo...Pensem aí na

resposta.

[Os alunos somam quarenta quilos mais trinta e cinco quilos...Depois observou

outra dupla que discutia e a chamou]

A3: Professora vem aqui.

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A3: Professora, vai o filho e depois o pai?

A4: Mas o bote vai estar do outro lado...

A3: É...Só se o pai for remando primeiro...

A4: Ah, porque esse pai não faz um regime...? [riem]

P: Oh, vamos lá; calma, fala de novo, quem vai primeiro?

A3: O pai.

P: Tá. E a minha pergunta foi: e como que o barco vai voltar?

[A dupla não soube responder]

P: Pensem de novo...

A3: Acho que já sei...Vai os dois meninos... Aí vai... volta um..

A4: Aí um menino fica aqui - [aponta pro outro lado do rio] - aí vai o pai, aí volta

a criança e volta... eeeeee [comemoraram]

[A professora foi em outra dupla]

P: Vamos lá, como é que é?

A5: Vão os dois meninos, aí volta um...

P: Volta um qualquer? Pode ser um ou o outro?

A5: É. Não... Não sei...É volta um qualquer.

P: Por que que pode ser um ou outro? ´

A5: Por que cabe no bote, dá pra segurar...

P: Ah, tá por causa do peso...

A5: Ai volta o menino por exemplo, aí vai o pai, ai volta a menina, aí pega o

menino e vai...

P: Tá bom...Legal! Agora tem que registrar. Vamos ver como vocês conseguem

escrever isso... E o quilo, deu? Vocês olharam isso? Fizeram a conta dos quilos?

A: Primeiro vamos somar... [e começaram a fazer os cálculos]

[A professora foi em outra dupla, muitos já tinham resolvido mas estavam, a

pedido dela, registrando a resposta no espaço]

P: Vocês terminaram? Explica pra mim como vocês pensaram?

A6: Vamos explicar pra ela, vai. Vai as duas crianças, aí volta a menina, aí vai o

pai depois, aí volta o menino e pega o outro menino.

P: E não passou o peso em nenhum momento?

A: Não.

P: Como vocês podem mostrar pra mim que não passou?

A6: Porque 40 + 35 = 75, então aí volta 35 que é da menina, aí vai o pai que é

80, sozinho, que cabe... depois volta o menininho que é 40 e depois pega a

menininha que é 35 e vai, que dá 75.

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[As duplas chegavam todas à solução e, como viram alguns explicando, queriam

também explicar. A professora perguntou em uma dupla]

P: Vocês chegaram à conclusão juntos?

A7: Mais ou menos.

P: Mais ou menos? Como que foi essa discussão.

A:8: É foi junto.

P: Tá bom vocês falaram pra mim, como é que é? Fica a menina... e volta o

menino?

A8: Não, fica o menino e volta a menina.

P: E pode ser o contrário ou não? Em vez de ficar o menino, fica a menina e vai

o outro? Dá certo isso? Sim ou não?

A8: Sim.

P: Por que que daria?

A8: Porque ficaria assim, parecido.

P: Então vamos lá. Vocês olharam o peso dele?

A7: Sim o pai oitenta, ela trinta e cinco e ele quarenta.

P: Então faz diferença voltar um ou outro, um primeiro ou o outro ou tanto faz?

A7: Ah, tanto faz.

P: Por que tanto faz? Que conta você tem que fazer pra saber se é tanto faz?

A7: Quarenta mais trinta... e cinco...

P: Mais? Pensa..., quem que vai junto na volta? Quanto é o peso do pai?

A8: Oitenta.

P: Então você tem que contar o peso do pai mais...

A8: Mas aí não daria porque passaria...porque o pai tem oitenta, aí passaria,

caberia só mais cinco...

P: Exatamente! Por isso que ele tem que ir...?

Os dois alunos responderam juntos:: “Sozinho!”

P: Muito bem.

Questionou outras duplas que deram a resposta.

P: Mas não passa o peso?

A9 Não porque o pai é oitenta e o pai já está lá, e eles dois juntos dá setenta e

cinco quilos, daí eles voltam...

[Mais uma dupla anunciou a resposta correta. Ela fez o mesmo questionamento,

perguntando se fazia diferença voltar um ou outro. A professora ouviu ainda mais

duplas que queriam contar como resolveram. A classe estava barulhenta pois os

que já tinham resolvido, contado e registrado conversavam. Em todas as duplas

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que ouviu fez a mesma pergunta (se fazia diferença uma ou outra das crianças

voltarem) ].

A análise das mediações da professora com as duplas nos leva a pensar

que ela dá espaço para os alunos interagirem com seus pares e argumentarem,

mas acaba por induzi-los ao que considera como validação da resposta, atitude

que entra em desacordo com as concepções anunciadas em sua fala na

resposta à questão seis de nosso instrumento, a qual questiona os sujeitos sobre

o momento em que se sentem mais à vontade para trabalhar com resolução de

problemas na sala de aula: Não existe momento melhor ou não para se trabalhar

com resolução de problemas. Existem as aulas para se trabalhar com resolução

de problemas. Tento deixar a aula de forma que os alunos proponham soluções,

explorem possibilidades e validem suas próprias conclusões.

Constatamos também em nossa análise, que a professora tinha pouco

repertório de questionamentos para este problema: praticamente um único foi

feito aos alunos, que era perguntar sobre a ordem dos garotos na volta da

travessia. A uma dupla, perguntou sobre como o barco voltaria, fazendo-os

refletir sobre a resposta que tinham produzido. Além destes, somente a

verificação pelo cálculo foi sugerida. Isso nos leva a refletir sobre as palavras de

Brousseau (2008) quando se refere à seleção sensata dos problemas propostos

que devem fazer, pela própria dinâmica, que o aluno evolua. O professor deve

ter consciência da escolha feita e avaliar o grau existente ou não de dificuldade

ou de desafio na proposta. Neste caso, o desafio era insuficiente para sustentar

questionamentos que fomentassem maiores reflexões.

Além disso, ao intervir desta forma, a professora põe em questão todo o

trabalho envidado pelos alunos na dialética de validação. Ao antecipar etapas da

institucionalização, a professora cria prejuízos para a proposta de construção do

conhecimento. Esta tentativa de obter justificativas formais indica a resistência

que a docente apresenta a um contrato didático distinto daquele que prevê

respostas em certo formato para as questões propostas.

Retomamos nossa observação na problematização relatada no início

desse estudo, sobre a dificuldade para alguns professores, na organização e no

planejamento de aulas em que se priorizem momentos de discussão de

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conceitos, argumentação e confrontação sem necessariamente conduzir os

alunos ao acerto.

Como todas as duplas já tinham respondido, não havia mais o que

contestar. A professora procurou-nos e disse:

P: Acho que já deu... Esse problema deu pista que foi fácil, dá pra procurar

outros mais difíceis... Eu ia fazer o Painel de Solução mas não tem mais

sentido.- [Optou por fazer um fechamento da aula focando na forma em como

registraram as conclusões]

P: Pessoal, atenção – [disse para a classe chamando a atenção de todos que

iam parando de conversar].- Eu fui passando pra ver as resoluções e percebi que

todos vocês chegaram à solução do problema. Só que cada um registrou, ou

escreveu, lógico, da sua maneira. Aí eu queria que vocês fossem me falando

como cada um registrou para eu ir escrevendo na lousa. Aí vocês vão perguntar:

é pra apagar o que eu fiz, pra copiar o que você fez na lousa? Não. Esse que eu

vou por na lousa, vou escrever num papel pra gente ter depois a resposta de

todos vocês; a gente vai tentar montar uma resposta comum, da classe.

Então não apaguem nada do que vocês escreveram: [Imitou a fala dos alunos]:

Ah, o meu ficou diferente, ficou só com duas linhas, o da professora ficou com

dez linhas... Não tem importância nenhuma. Não apaguem o que vocês fizeram,

senão perde o sentido; cada um pensou, a dupla escreveu; então é o que

pensou que escreveu. E aí a gente vai tentar ver uma forma, às vezes até mais

completa de vocês perceberem: Ah, acho que o meu ficou meio incompleto, acho

que não tá dando pra entender direitinho...né? Desse jeito tá melhor, tá mais

bem explicado. Mas não apaguem mesmo assim. Tá bom? A ideia é essa. Você

quer começar Danilo?

Ah, e se vocês quiserem ir arrumando o que o amigo for falando, eu vou

apagando. Então vamos lá.

Os alunos foram falando os passos da resolução e ela foi escrevendo na

lousa. Alguns solicitaram algumas pequenas mudanças, apenas troca de

palavras. Nesse registro não houve nenhuma menção numérica, apenas a

sequência de ações realizadas pelas personagens. Todavia, oralmente, na

elaboração do texto coletivo, retomou a pergunta sobre a ordem das crianças na

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volta do bote e os cálculos com os pesos. A classe repetia em coro, já muito

dispersos.

Observamos que a professora teve a percepção de que o Painel de

Soluções era desnecessário e refletiu sobre o grau de dificuldade desta e de

uma próxima atividade. Quando ia encerrar, um aluno levantou a mão dizendo

que este problema foi fácil porque já haviam feito um bem mais difícil na aula de

computação. A professora novamente deu voz aos alunos:

P: Então, o Paulo falou que na aula de computação vocês fizeram um problema

de travessia. Quem disse que foi mais difícil que esse?

A10: Era mais difícil porque tinha um tempo pra fazer.

P: Ah, tinha um tempo... E tinha essa questão dos quilos?

C: Não.

P: Qual era o problema dessa travessia?

[Muitos alunos falavam. Todos queriam contar sobre personagens e sobre o

tempo para fazer]

P: Agora eu sei porque vocês acharam este tão fácil, porque já fizeram um mais

difícil...

Neste encerramento, notamos mais uma vez a valorização, por esta

professora, dos processos de raciocínio e pensamento dos alunos. A docente

oferece também uma discussão coletiva sobre o texto final, lançando a ideia de

que não devem apagar o seu, mas compará-lo. Também investiu na comparação

quando os alunos mencionaram os problemas da aula de computação,

incentivando a comunicação nas aulas de matemática, aspecto sobre o qual já

refletimos sobre a importância no decorrer deste trabalho. No final, então, a

dialética de institucionalização conseguiu recuperar alguns elementos

importantes do trabalho investigativo.

Não podemos deixar de mencionar uma dificuldade na gestão do trabalho

didático por esta professora: Brousseau (2008) indica que a estruturação de

situações ricas, do ponto de vista da atividade cognitiva dos alunos, depende,

em grande parte, da seleção de bons problemas. Tal seleção foi prejudicada

aqui, uma vez que aspectos característicos do problema enquanto estruturador

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de um milieu antagonista não existiram: os alunos já haviam trabalhado com

problemas semelhantes, em condições ainda mais adversas.

Dessa forma, pudemos inferir nesta situação que, para este sujeito, faltou

clareza quanto ao que ensinar, o que acaba prejudicando a intencionalidade

didática essencial ao milieu, tornando-o insuficiente para avivar no aluno os

conhecimentos que se pretende que ocorram. Atentamos para o fato de que a

professora, apesar de incentivar nos alunos, em seu discurso, movimentos de

busca pelo conhecimento, acaba caracterizando sua atuação estabelecendo um

contrato didático prescritivo: para todos, indica a operação numérica como chave

para a resolução do problema.

4.2.5 A prática da professora Joyce: mais uma aula no 4º ano

Quando chegamos para a observação desta aula, os alunos já estavam

organizados em duplas. Perguntamos à professora como havia sido feita esta

organização: se ela escolheu ou pré-selecionou as duplas, se eles escolheram

ou se foi aleatório. Ela me relatou que chegou alguns minutos antes (pois foi a 1ª

aula do período), organizou as carteiras em duplas e os alunos, quando

chegaram foram sentando onde quiseram. Essa professora optou por preparar

uma atividade para esta aula que não estava no plano mensal (figura 8).

[A aula teve início com a professora dizendo]

P: Hoje vocês estão em duplas para trabalhar juntos na resolução de problemas.

Vou passar o primeiro para vocês.

[E assim distribuiu um para cada aluno. Os problemas estavam digitados e

colados num cartão colorido retangular. Alguns começaram a perguntar se era

para copiar e outros começaram a copiá-lo no caderno]

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Figura 8 – O problema apresentado ao 4º ano

Fonte: dados da pesquisa

P: Olhem pra cá por favor... [precisou chamar mais de uma vez...] Olhem pra

mim por favor... Não precisa copiar... é como já fizemos da outra vez... esse

probleminha eu vou emprestar para as minhas colegas de outra sala para

aplicarem nos alunos também... É pra vocês lerem, raciocinarem, pensarem em

cima dele. E eu quero o que na folha sulfite? A resolução dos problemas, tá?

Vocês estão em dupla... [chama atenção de alunos em conversas paralelas]

Justamente pra trocar ideias... Cada um tem sua folha, cada um vai fazer seu

registro mas pensando junto, com o colega. Eu vou deixar registrado na lousa

também pra facilitar quando vocês virem para a lousa, entenderam? Podem

começar a resolução do problema.

P: Ah! Atenção! Se tiver dúvida, levanta a mão, eu não vou dar a resposta pra

nada... [chamou a atenção de outro aluno que conversava] - Então eu posso tirar

uma dúvida ou outra, tá? Mas o que eu quero ver hoje, é a resolução de vocês

[salientou pausadamente]. Combinado? Como nós fizemos da outra vez. Eu

chamo na lousa, aí na lousa é que a gente vai tirando as dúvidas, a gente vai

vendo a resolução. Pode começar....Pode começar...vamos lá... caprichando...

A professora virou-se e começou a passar o mesmo problema na lousa,

enquanto os alunos o resolviam. Observamos que mesmo estando em duplas,

houve pouca interação entre os pares: muitos leram e começaram a resolvê-lo

individualmente. Em algumas duplas, liam juntos e conversavam um pouco, mas

cada um escrevia na sua folha, sem conferir muito se o outro fazia o mesmo.

O problema apresentado aos alunos parecia não oferecer desafio. Apenas

duas duplas não chegaram ao resultado, pois cometeram algum equívoco. Não

careciam da discussão ou argumentação com o par para resolvê-lo. De acordo

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com o quadro de Vila e Callejo (2007) apresentado anteriormente neste estudo,

enquadra-se muito mais como exercício do que problema:

Ao ler um exercício, vê-se imediatamente em que consiste a questão e

qual é o meio de resolvê-la (foi o que observamos nas interações);

O objetivo que o professor persegue é que o aluno aplique de forma

mecânica conhecimentos e algoritmos já adquiridos e fáceis de identificar;

Em geral, os exercícios são questões fechadas;

Os exercícios são abundantes nos livros didáticos (o problema

apresentado é bastante comum nos livros didáticos).

[A professora, ao acabar de transcrever o problema na lousa disse]

P: Quem acabou fica no lugar...eu vou passar olhando... pra gente ver. Só um

minutinho.

[Algumas duplas que já tinham terminado ficaram conversando. Outros mexiam em

seus materiais... Ela começou a olhar o que as duplas que já tinham feito, chamando

a atenção de alguns alunos que, por terem terminado, começaram a brincar ou falar

um pouco mais alto. Uma aluna reclamou que o colega estava a incomodando

porque estava cantando, e novamente ela precisou chamar atenção de alguém

individualmente]

P: Pronto? Agora eu vou passar olhando...vou pegar uma caneta... espera um

pouquinho... É pra fazer junto... – [disse a uma dupla em que cada um resolvia em

sua folha, sem nenhuma interação. Começou a passar pelas duplas dizendo ok, ou

abanando a cabeça para quem acertou. Ao passar por uma dupla interferiu]

P: Você tem certeza? = [Perguntou ao colega da dupla se ele o estava ajudando.

Ele respondeu que o outro não queria ajuda, e sim apenas copiar o dele. Ela

interviu]

P: Não adianta você só copiar, tem que perguntar... Como ele pensou.- [E dirigindo-

se ao outro] - Ajude ele a pensar, tá? Não deixa ele só copiar, não...Olha lá ele está

explicando...[ E começou a perguntar ao que tinha feito]: -

P: O que é este número? Por que você multiplicou por três? Este número

corresponde aos três juntos?

Voltando-se ao que havia feito incorretamente:

P: Você sabe porque ele multiplicou por três?

A: Porque é o triplo (como ouviu da explicação do colega) e a professora confirmou

enfaticamente:

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P: Isso!

[Continuou observando as duplas e perguntando quanto havia dado. Dirigiu-se então

para uma das duplas que estava com o resultado diferente e leu com eles o

problema novamente].

Observamos por este trecho que os alunos têm dificuldade em

estabelecer uma discussão que leve a um processo investigativo. Ou cada um

resolve o seu, apesar de estarem sentados juntos, ou o que não sabe quer

apenas copiar do outro e este não sabe como intervir. A professora fez uma

tentativa, nesta dupla, de incentivar o diálogo e o questionamento, mas

confirmou imediatamente a resposta correta, o que pode indicar que o objetivo

principal que deseja atingir é o acerto da questão, por meio da aplicação dos

conteúdos anteriormente adquiridos.

Notamos também, que só houve intervenção da professora nas duplas

que estavam encontrando o resultado errado: as duplas que acertavam recebiam

apenas uma confirmação de cabeça; nenhum questionamento foi apresentado

que pudesse desestabilizá-los ou provocá-los sobre as questões matemáticas

envolvidas.

Assim, depois de aproximadamente dez minutos, a professora chamou a classe

(isso demorou um pouco pois muitas duplas já haviam resolvido há algum tempo

e estavam conversando bastante):

P: Atenção! Olha que coisa interessante... [e ia chamando o nome de alguns que

estavam muito envolvidos na conversa em dupla; precisou repetir algumas

vezes] - Circulando pela sala, eu achei três respostas diferentes. Então eu quero

que vocês... – [Os alunos ainda falavam, alguns disseram que havia então

respostas erradas]

P: Nós só vamos saber se está certo ou errado depois que a gente confrontar

todas elas aqui na lousa...presta atenção...- [E colocou os resultados diferentes

na lousa].

P: Óh, nós temos... 818 como resposta.... [o resultado era incorreto]. - Quem

acha que dá 818 aqui como resposta?

A1: Eu. [Somente um aluno].

P: Mais alguém? – [Ninguém levantou a mão] – Será que tem coisa errada e

vocês não estão percebendo?

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[Os alunos começaram a falar, alguns querendo dizer onde estava o erro, mas a

professora continuou]

P: Nós achamos também 1343 [resultado correto] como resposta…E nós

achamos também... 643 como resposta. [Alguns alunos nesse momento, já

apontavam o erro]

A2: É porque ele não...- [Mas a professora não o deixou continuar]

P: Eu quero agora...

[Chamou uma das duplas para colocar na lousa a resolução de acordo com a

resposta que obtiveram (era a resolução correta). Muitas crianças falavam e

pediam para ir à lousa também. A professora pediu que o aluno de uma das

duplas que errou o resultado (643) viesse à lousa. Os alunos pediram muito para

irem no lugar dele, dizendo “eu sei, eu sei o que está errado”... A professora

pediu silêncio, porque o aluno já chegou à lousa dizendo que sabia que errou e

onde errou]

P: Podem sentar. Eu quero ouvir o Ricardo agora, porque ele está falando que o

dele está errado. Por que está errado?

A3: Porque eu fiz uma conta a menos.

P: Ele fez uma conta a menos, percebeu agora. Então veja se você termina e me

chama pra eu ver sua resposta. [E chamou as duas duplas que faltavam para

colocarem na lousa sua resolução, o que demorou mais uns cinco minutos. A

classe conversava bastante]

P: Atenção, olha o que aconteceu aqui... Vamos lá, vamos começar senão não

vai dar tempo. Analisando...Oh, olha o que aconteceu aqui: 818; vamos ver o

problema pra ver como que eles pensaram? Você quer falar como vocês

pensaram? Ah ele vai falar, oh...

[Pediu atenção de todos mas havia alunos ainda conversando bastante. Pode

explicar. O aluno começou a explicar, apontando para a soma 175 + 175 + 175;

mas não se ouvia nada. A professora interferiu, tomando a fala: ]

P: Vamos lá. Eduardo tem 175 figurinhas. Esse aqui é o Eduardo? [referindo-se

à operação que ele ia explicar]

A4: É. [Explicou como fez a soma dizendo que deu 525, e que o resultado era o

triplo]

P: Ah é o triplo. – Olha como eles fizeram o triplo, olha aqui…Porque que eles

somaram 175 três vezes?

A5: Porque era o triplo.

P: Tem outro jeito de achar o triplo?

C: Tem. Multiplicando.

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P: Ah e o que aconteceu? Deu 525? – [O aluno continuou explicando o

procedimento do algoritmo. [A professora interferiu e novamente e tomou a

palavra para si.] - Olha que interessante [chamou novamente o nome de um

aluno que conversava bastante]. - Embora eles tenham feito a adição, o que eles

pensaram na hora de somar 7 + 7+ 7? Eles pensaram 3 x 7 = 21. Vocês viram

como eles usaram a multiplicação do mesmo jeito? E agora esta conta, me

explica?

[O aluno começou a explicar a soma de 175 + 525 + 118]

P: Esse resultado (175) mais esse…O que é esse resultado? É do Guilherme?

A6: É.

P: Ou é do Eduardo?

A6: É do Eduardo. Esse é do Guilherme.

P: Por quê?

A6: Porque é o triplo.

P: Ah porque é o triplo. E esse 118, da onde saiu? Vamos ler aqui o problema.

Vamos lá gente...

A6: É do João.

P: Mas vamos ver aqui o problema. Olha... [Um aluno na classe dizia; é a

mais...]

[O aluno leu o problema novamente e parou em João tem 118 figurinhas a mais

do que Guilherme]

P: Quanto ele tem? Você parou no 118 na sua leitura! Olha a importância da

leitura do problema [enfatizando para a sala]. Até onde eles leram?

Perceberam conforme eles leram? Eduardo ... até João tem 118. E o que que

aconteceu? Esqueceram de ler o 118 figurinhas a mais que. Por isso que a

gente fala que é tão importante a leitura. Agora eles perceberam... Não é? –

[Como os dois não se manifestaram, continuaram olhando o problema, ela

complementou]: – Não perceberam. Espera um pouco... [E dirigindo-se a um dos

alunos]: - Você percebeu, não é? Você falou pra mim.

[O aluno não confirmou. Voltou à leitura do problema com os dois alunos].

P: O que aconteceu aqui? 118 a mais [circulou a palavra] – do que Guilherme.

Entendeu? Tá vendo? Que bom que agora perceberam...Por isso que a gente

fala pra vocês [psiu], que tem que ler mais de uma vez, que tem que prestar

atenção... E aí ele achou o que, fala pra mim? Que o João tinha apenas...

C: - 118.

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Figura 9 – Intervenções da professora Joyce

Fonte: dados da pesquisa

Percebemos no discurso e nas ações da professora, fortemente uma das

crenças relativas ao contrato didático, de acordo com o quadro de Silva (2010),

fundamentado nas ideias de Chevallard (1998), na qual para resolver um

problema é preciso encontrar os dados no seu enunciado (figura 9). Nele, devem

constar todos os dados necessários e não deve haver nada de supérfluo.

Além desta, esbarramos em outra crença nas falas e na prática desta

professora; assim como nas prescrições listadas por English e Sriraman (2010) e

mencionadas neste trabalho, a ideia de que a tarefa na resolução de um

problema é encontrar a boa operação e efetuá-la corretamente, bem como a de

que certas palavras-chave contidas no enunciado permitem que se adivinhe qual

é ela fica bastante em evidência na correção coletiva da atividade. É muito mais

enfatizada a ideia da leitura com atenção, do que nas hipóteses que poderiam

ser consideradas. A palavra-chave é circulada no texto do problema na lousa.

Para mais, notamos também que a professora conclui pelos alunos e,

como autoridade do saber, explica o que pensaram quando erraram e quando

acertaram...O que nos remete mais uma vez à ideia do paradoxo que vive o

professor sabendo que está em suas mãos oportunizar a aprendizagem do aluno

por meio da atividade escolhida, tendendo a conduzir ao acerto, ensinar os

procedimentos corretos e interrompendo o processo pelo qual os alunos, mesmo

com erros, percorreriam para chegar à resposta correta que ele almeja. De outro

modo, a insistência na condução ao resultado esperado é uma clara ocorrência

do efeito do contrato didático, chamado por Brousseau (2008) de efeito Jourdain.

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P: Podem sentar. Mas valeu muito. Sabe por que que valeu? [Continuando a

chamar atenção de alunos falantes] – Por causa da participação e porque...

nossa valeu muito, principalmente... Nossa, foi muito bom..., mostrou pra todos

vocês que é importante ler até o final. Tem gente que pegar só os números e

não sabe o que é pra fazer com eles. Então a gente tem que ler com atenção...

[E partiu para a explicação da última resolução na lousa (a correta)].

Uma vez que a gestão do trabalho didático ficou prejudicada pela escolha

precária do problema, a constituição antagonista do milieu não ocorreu. Sem as

contradições e dificuldades passíveis de provocar desequilíbrios e esforços

investigativos que teriam as retroações do milieu como contrapartida, as

dialéticas de formulação e validação praticamente não ocorreram. Surgiram

processos pessoais de elaboração, nitidamente ligados a saberes particulares,

em relação aos quais se pode apenas supor que sejam fruto de aprendizado

anterior ou de recorrência a algoritmos já consolidados. De todo modo, por

consequência, também não houve institucionalização, do ponto de vista de

sessão coletiva para a consolidação do estatuto formal do saber matemático,

mas um discurso prescritivo final, sem debates ou recursos ao processo em si.

Terminadas as análises dos dois instrumentos eleitos para a coleta de

dados deste estudo, o questionário e a observação de aulas, os quais

pretendiam buscar a intersecção entre o discurso e a prática dos sujeitos,

passamos às considerações finais desta investigação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao dizer as palavras que nunca

tinha dito antes, aprendi o que

antes não sabia.

José Saramago

A análise das respostas às seis questões propostas aos sujeitos, além da

observação às cinco aulas permitem apresentar uma síntese, com destaque

para os principais aspectos que foram alvo de nossa investigação.

As respostas dos sujeitos ao questionário contribuíram bastante com

nossas análises das aulas observadas, respaldando a interpretação da prática

desses professores, por meio de seu discurso.

No geral, as ideias que emergiram da fala dos sujeitos, destacam que os

professores reconhecem a importância da resolução de problemas como método

de ensino, ou seja, do ensino da matemática por meio da resolução de

problemas. Consideram-na importante no processo educativo, como maneira a

incentivar os alunos na busca e construção de novos conhecimentos além de

propiciar o desenvolvimento de ferramentas para um trabalho com autonomia,

permitindo um avanço nas competências que favorecem processos de

investigação, como argumentar, elaborar e confrontar hipóteses.

Constatamos que a maioria dos sujeitos destacou, em alguma de suas

respostas, a importância de problematizar e propor desafios nas aulas de

matemática. Contudo, em seu discurso, todas as professoras localizam em suas

aulas momentos específicos para a realização deste trabalho, previstas no

planejamento.

Nessas aulas, pudemos perceber que preocupam-se em ensinar os

alunos a resolver problemas, tendo como foco o uso de heurísticas, estratégias e

outras ferramentas. Desta forma, percebemos que, de maneira geral, entendem

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como dificuldade a não aplicabilidade imediata dos conteúdos aprendidos nas

resoluções, o que nos leva a pensar que acreditam na utilização da resolução de

problemas depois da formalização dos conceitos, como abordagem instituída

implicitamente em sua prática, e não para introdução dos mesmos.

Portanto, neste aspecto há um descompasso entre seu discurso e a

prática na sala de aula. Andrade e Onuchic (1998) enfatizam que, de modo

geral, o professor ao atuar no ensino de matemática, não tem clareza da

distinção entre resolução de problemas tratada como metodologia de ensino ou

como aplicação de algoritmos e procedimentos.

Outro ponto em comum que identificamos, tanto na fala como na prática

dessas professoras, é que atribuem as dificuldades apresentadas pelos

estudantes às questões de leitura e entendimento, e não como parte do

processo investigativo que necessita da mediação do professor, muitas vezes,

para estimular ou desbloquear possíveis entraves.

Com isso, notamos, ainda, nas observações de aula, um repertório restrito

de perguntas no momento em que o professor coloca o aluno em uma situação

adidática e este se depara com algum bloqueio no desenvolvimento de seu

raciocínio. Tanto em seu discurso, como na prática, a atitude em que investem

limita-se à solicitação de releitura.

Uma perspectiva que emergiu nas respostas, e que depois pudemos

evidenciar também nas aulas, é que a interação predominante é a que ocorre

entre o professor e o aluno; o processo investigativo é solitário e o professor

pouco fala sobre sua atuação em mediar nessa instância; todos citaram o painel

de soluções, ou plenária, como espaço para que os alunos argumentem,

formulem hipóteses e exponham raciocínios, identificando-o, obviamente sem

nomeá-lo nestes termos, como a dialética da institucionalização (Brousseau,

2008). Observamos, tanto no discurso como na prática, que há uma

preocupação em garantir as aprendizagens nessa instância, e a reestruturação

do conhecimento fica exclusivamente na mão do professor.

Outra consideração que gostaríamos de tecer é a de que, conquanto as

respostas a uma das questões fundamentais de nosso questionário (Para você,

o que é um problema?) trouxesse uma gama bastante diversificada de

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definições, a maioria delas trazendo o significado de desafio, de algo que,

inicialmente se desconhece a resposta, na prática, o que os professores trazem

para os alunos, na maioria das vezes, são exercícios de aplicação.

As observações das aulas, de um modo geral, trouxeram um panorama

sobre a prática da resolução de problemas nos anos iniciais desta instituição e

emergiram alguns aspectos que condizem com nossos focos de observação na

problemática investigada, os quais gostaríamos de salientar, por agregarem

sentido às questões geradoras desse estudo. Deste modo, destacamos nas

aulas dos sujeitos desta pesquisa:

A ocorrência de apresentação de problemas aos alunos e não a

devolução dos mesmos;

A escolha dos problemas pelo professor ainda converge, muitas

vezes, na prática de exercícios e não de problemas;

A maioria dos problemas propostos foram resolvidos por

operações ou algoritmos (exceto o da estrutura da pirâmide, no

terceiro ano);

Ocorre, na maior parte das vezes, um processo de resolução

solitário, diferente da proposta de Brousseu (2008), que indica a

importância das interações investigativas. Apesar de algumas

turmas estarem organizadas em duplas, muitos alunos resolveram

o problema sem trocar informações com os parceiros; em outras

turmas, o processo de realização foi individual e silencioso;

Painel de soluções no final;

Postura do professor sempre pronta a valorizar o pensamento do

aluno, mesmo quando tal pensamento contém erros;

Ausência do papel mediador do professor durante o processo

investigativo; seu protagonismo nessa situação ocorre na plenária

final;

Ocorre uma correção coletiva e exposição de resultados em

alguns momentos no painel de soluções; há um direcionamento na

discussão, por parte do professor, no sentido de encontrar e

corrigir os erros. A expectativa pelas respostas certas é notória e

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o foco em tratar o erro fica mais em evidência na proposta do que

a priorização de discussões e confrontações pela turma;

Elementos reveladores da prevalência de um contrato didático de

caráter prescritivo, de acordo com Brousseau (2008), e a

ocorrência de alguns de seus efeitos;

No fechamento da aula, intuitivamente, como já nos referimos nas

análises dos questionários, as posturas metodológicas das

professoras aproximam-se do modelo da dialética de

institucionalização, porém, nem sempre ocorre a construção de

novos significados.

Os instrumentos desta investigação não nos permitiram apreciar a

constância e frequência com que ocorrem os aspectos observados. O que

procuramos, foi traçar um perfil dos sujeitos que atuam no cenário em que se

desenrola este estudo, bem como compreender a ótica pela qual vislumbram sua

prática e a maneira como atuam, buscando um padrão de referência para que

possamos obter conclusões e tornar visíveis caminhos para a reflexão e

aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem nas aulas de

matemática dos anos iniciais.

Lembramos que as questões que originaram a presente pesquisa

originaram-se em nossa prática profissional. A formulação e delimitação do

problema fundamentaram-se, como esclarecemos na introdução, a partir de uma

pesquisa anterior, que estudou o comportamento dos alunos de quinto ano do

ensino Fundamental na resolução de problemas.

As indagações e parâmetros para novas discussões que muitas pesquisas

deixam como herança, em nosso caso, trouxeram um novo olhar, que precisaria

de novas lentes e, assim sendo, gerou a atual investigação. As respostas que

encontramos para questões sobre o comportamento inseguro dos alunos,

apontaram, inicialmente, para a vigência implícita de um contrato didático

prescritivo e para as posturas metodológicas assumidas pelos professores que

atuavam neste segmento.

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Tendo clareza sobre a natureza do problema a ser investigado,

buscamos, em princípio, fazer uma revisão bibliográfica sobre o assunto,

delimitada a condições semelhantes ao nosso objeto de pesquisa: resolução de

problemas nos anos iniciais.

A partir desta proposta de estudo e com base na revisão bibliográfica,

investimos na busca por uma fundamentação teórica com o objetivo de

circunscrever o problema de pesquisa dentro de um quadro teórico que reunisse

elementos para explicá-lo.

Como a experiência com a pesquisa anterior trouxe consigo indícios

reveladores do contrato didático nas relações entre alunos e professores, e

buscávamos a compreensão de situações vivenciadas por ambos nas aulas,

encontramos na Teoria das Situações Didáticas e suas dialéticas, formalizadas

por Guy Brousseau, nosso referencial teórico de apoio para o estudo. Segundo

Luna (1996), quando o problema investigado tem origem em um quadro teórico,

este lhe dá, supostamente, coerência, consistência e validade. Essa teoria,

portanto, pode especificar condições determinantes do fenômeno e variáveis

com alta probabilidade de afetá-lo.

Assim, de fato, pudemos comprovar no desenrolar desta investigação, o

quanto os constructos teóricos estudados foram essenciais tanto no

direcionamento do foco das observações de aula como em nossas análises de

ambos os instrumentos designados na metodologia.

Outro aspecto que emergiu durante a execução deste trabalho, foi a

constatação de que a produção acadêmica em Educação Matemática no Brasil,

e mesmo em outros países, sobre resolução de problemas nos anos iniciais,

apresenta poucos trabalhos. Quando, nesta investigação, procuramos

apresentar o estado-da-arte sobre o tema resolução de problemas, destacamos

as ideias de English e Sriraman (2010) que inventariaram as principais

pesquisas nas últimas décadas. Os autores concluem, em seu trabalho, que

houve um declínio notável na quantidade de pesquisas sobre este tema, além da

escassez de literatura recente cujo foco seja a resolução de problemas ou o

desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas.

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Os autores apontam, entre outros fatores que contribuíram para este

declínio, a cíclica tendência desencorajadora das políticas educacionais e de

suas práticas, pesquisas limitadas sobre o desenvolvimento de conceitos e

resolução de problemas, o conhecimento deficiente da capacidade dos

estudantes em resolver problemas para além da sala de aula, a natureza

mutável dos tipos de resolução e do pensamento matemático necessário para

além dos contextos escolares e a escassez de pesquisas sobre resolução de

problemas. Constatamos na trajetória de nosso trabalho que, quando o tema

restringe-se aos anos inicias, essa carência se acentua. Assim, esperamos que

o presente estudo possa contribuir ampliando os dados disponíveis e

desencadeando futuras questões.

Dessa forma, nossa pesquisa buscou investigar as concepções e crenças

dos professores dos anos iniciais no cenário onde se desenvolveu o trabalho e

como estas influenciam sua prática.

As investigações foram orientadas por três questões de pesquisa que se

correlacionam com a problemática levantada e suas variáveis:

• Que concepções, crenças e práticas professoras polivalentes dos anos

iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo têm sobre o tema

“resolução de problemas” em aulas de Matemática?

• Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática desses professores

do ponto de vista do trabalho didático com resolução de problemas nas

aulas de Matemática?

• De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de problemas

matemáticos por professoras polivalentes dos anos iniciais de uma escola

da rede particular de São Paulo podem ser posicionadas do ponto de vista

da teoria das situações didáticas?

O trabalho também destacou algumas finalidades, que acabaram por

constituir-se no decurso da investigação pela coexistência de aspectos

relacionados com a temática e por serem inerentes às situações observadas:

Observar e analisar as eventuais situações didáticas construídas pelos

sujeitos (os professores polivalentes dos anos iniciais) nas quais são

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identificadas as interações estabelecidas entre o professor, aluno e o

saber matemático na perspectiva da resolução de problemas;

Verificar se os professores conseguem distinguir, em sua prática a

distinção entre problemas e exercícios e como ocorrem as interações

com os alunos em cada caso.

Por meio dos instrumentos estabelecidos nos procedimentos

metodológicos, o questionário e as observações de aula explicitados no decorrer

desse estudo, levantamos os dados anteriormente analisados, os quais

necessitamos selecionar e direcionar ao que nos propusemos a responder.

Como esclarecemos nesta pesquisa, quando nos referimos às

concepções e crenças dos professores em relação à resolução de problemas, há

uma amplitude de ideias e variáveis, que constituíram-se historicamente, às

quais não poderíamos nos furtar para chegar a este ponto da pesquisa. No

quadro que circunscreve os sujeitos deste estudo, pudemos observar que os

professores compreendem problema de diversas maneiras, porém todos o

relacionam à situações de desafio. Em seu discurso, mencionam um trabalho

nas aulas de matemática permeado pela resolução de problemas, mas, na

prática, a maioria entende que há uma aula, dentro do currículo, específica para

realizar este trabalho, o que revela, ainda, dubiedade quanto a considerá-lo

metodologia ou conteúdo a ser trabalhado.

Pautando nossas observações a partir da teoria das situações didáticas,

pudemos concluir também, que os professores, apesar de entenderem

problemas como desafios, encontram dificuldades na escolha dos mesmos,

selecionando, na maioria das vezes, exercícios de aplicação de conteúdos e

conceitos, o que não caracteriza, segundo Brousseau (2008), a devolução de um

problema.

Notamos que os professores desta investigação ainda não percebem

nitidamente seu papel mediador no processo investigativo; por consequência,

interações e parcerias quase não se constituem, o que leva os alunos, na

maioria das vezes, a trabalharem sozinhos; as intervenções vêm somente no

momento da validação, no entanto, com certa pressa em institucionalizar os

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conhecimentos: as discussões são privilegiadas no momento do Painel de

Soluções e o erro é mais corrigido, do que explorado.

Os sujeitos desta pesquisa tendem a valorizar o pensamento dos

estudantes, porém é notável a dimensão paradoxal, vivenciada por eles, com

relação ao contrato didático (Ricardo, Slongo, Pietrocola, 2003). Este paradoxo

permeia suas mediações como gerenciadores do contrato. Assim, o foco das

mediações, que permanece na correção dos enganos, desimpedimento dos

entraves, esclarecimento dos erros e fala organizada, frequentemente se encerra

na figura do professor. Nessa instância, muitas vezes pudemos evidenciar que o

professor, sem perceber, se apropria da fala do aluno, explicitando seus

raciocínios, entendimentos e até mesmo, suas dúvidas.

Isto posto, encontramos também, nas interações observadas nas aulas,

indícios que apontam para ocorrência dos efeitos do contrato didático. Foram

descritos episódios do efeito Topaze, Joudain ou mal entendido fundamental e

do deslize metacognitivo, além das crenças relativas ao contrato didático,

descritas por Silva (2010) em várias situações da prática, devidamente

sinalizadas nas análises deste estudo.

Enfim, podemos concluir que os professores polivalentes, sujeitos dessa

pesquisa, entendem a relevância de seu papel problematizador nas aulas de

matemática, contudo, ainda é difícil para eles organizar um milieu antagonista,

que provoque desequilíbrios e adaptações nos estudantes. Os a lunos, por sua

vez, acabaram se acostumando a deixar o processo investigativo ser conduzido

pelo professor no final, desistindo de insistir diante dos entraves que aparecem

no caminho o que, por sua vez, finalmente, responde também às questões que

originaram nossa primeira pesquisa, sobre o comportamento inseguro dos

alunos frente à resolução de problemas, no mesmo cenário em que ocorreu esta.

Mediante a natureza de todas essas reflexões e a partir da literatura

consultada sobre a prática da resolução de problemas, concepções dos

professores a esse respeito e demais assuntos abordados neste trabalho,

compreendemos a importância da utilização do espaço da sala de aula como

ambiente voltado à investigação dos problemas relacionados ao ensino e

aprendizagem na matemática. Segundo Weisz (2000), a análise de situações de

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sala de aula é, talvez, a estratégia que mais dados fornece para a reflexão. De

acordo com a autora, este procedimento cria questões que dão sentido ao

estudo da bibliografia, nos fazendo enxergar outras perspectivas, ajundando a

refletir e criar propostas de intervenção.

Assim sendo, pudemos considerar a estrutura metodológica deste

trabalho de mestrado profissional eficiente para estudar e levantar reflexões

passíveis de emergir do ambiente pulsante que é a sala de aula, apresentando-a

como um produto, com adaptações obviamente necessárias para as diversas

realidades educacionais deste país, como um modelo útil para investigar

posturas metodológicas dos docentes dos anos iniciais. Nos anexos A e B,

especificamos esse produto na forma de dois roteiros: um para elaboração de

um questionário e um para observação das aulas dos professores,

descortinando sua prática. Cabe ressaltar que o âmbito de cada pesquisa é um

universo particular e a problemática inicial pode ter muitas variáveis.

Destacamos que os sujeitos de nossa pesquisa participam de uma formação

continuada em Matemática há aproximadamente quatro anos, o que trouxe

especificidades no desenrolar da investigação.

Para mais, o assunto que exploramos está longe de seu esgotamento,

nesta ou em tantas outras realidades. Esperamos que este trabalho contribua

para o avanço deste tema no campo da Educação Matemática e que sirva à

comunidade científica que investiga a resolução de problemas como parâmetro

para novas discussões.

Esta dissertação contribuiu fortemente para nossa formação acadêmica

como pesquisadora em Educação Matemática, bem como no âmbito profissional,

no sentido de compreender de forma mais crítica e consciente os fenômenos

que permeiam o ensino e aprendizagem da matemática nos anos iniciais.

Ampliou, de maneira enriquecedora, o conhecimento dos aspectos relativos à

docência e nos impulsionaram a prosseguir na pesquisa. Cremos que, de

alguma forma, o trabalho que se finda poderá apontar caminhos para

intervenções mais assertivas, possibilitando um investimento em ações de

formação continuada que respaldem efetivamente os professores em seus

anseios.

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ANEXO A

QUESTIONÁRIO

Este questionário é parte de uma pesquisa em andamento do Mestrado

Profissional em Educação Matemática da PUC-SP, cujo tema é a Resolução de

Problemas em Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental I.

Evidentemente, será mantido sigilo quanto à qualquer identificação de

pessoas ou lugares, sendo usados nomes fictícios.

Mestranda/ pesquisadora: Maria Teresa Merino Ruz Mastroianni /

[email protected]

Nome: ______________________________________ Idade: _____

Para que série do Ensino Fundamental você dá aula?

Há quantos anos atua como professor (a)? Sempre lecionou nos anos

iniciais do Ensino Fundamental?

Qual sua formação?

1. Você trabalha com Resolução de Problemas nas aulas de Matemática?

Em que momentos?

2..De que forma desenvolve este trabalho? (Quais recursos, posturas... ou situações cria em sala de aula para isso).

3. Com que frequência trabalha Resolução de Problemas nas aulas de Matemática?

4. Sente alguma dificuldade nessa abordagem? Qual (quais)?

5. Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema?

6. Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com

Resolução de Problemas na sala de aula?

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ANEXO B

Especificação do Produto desta Dissertação de Mestrado Profissional

Parte 1: Roteiro do Questionário

O questionário que formulamos para esta investigação foi elaborado com

seis questões abertas, as quais, de acordo com Fiorentini e Lorenzato (2009),

não apresentam alternativas para as respostas e por isso, favorecem a captura,

pelo pesquisador, até de algumas informações não previstas por ele ou pela

literatura.

De acordo com os autores, como as perguntas são, de certa maneira, a

tradução de suas hipóteses de pesquisa, a opção por esta forma de coleta de

informações requer do pesquisador um conhecimento prévio sobre o tema além

de um respaldo teórico que dê suporte para alcançar os objetivos pretendidos.

Além disso, como sugerem esses mesmos autores, testamos junto a dois

sujeitos que não participariam da pesquisa, como pilotos, a fim de averiguar sua

clareza, pertinência, precisão, ordenação, contaminação e abrangência das

questões formuladas.

Conjuntamente, nos preocupamos em formular questões claras,

destituídas de linguajar técnico ou termos abstratos e que realmente fizessem

parte do universo dos sujeitos.

Nosso questionário apresentava uma parte inicial, como sugerem esses

mesmos autores, com uma breve apresentação, solicitando a colaboração do

sujeito com a pesquisa, explicando os objetivos, tema e esclarecendo o sigilo

das informações, explicitando que seriam usados nomes fictícios para pessoas e

lugares. Nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos,

registrando também e-mail do pesquisador para contato.

Em virtude de nosso conhecimento sobre tempo atribulado dos sujeitos

que selecionamos para este trabalho, demos a opção a eles de enviar por e-mail

os questionários para que respondessem assim que fosse possível, o que foi

muito bem aceito por todos. Assim, tivemos uma pequena conversa com os

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sujeitos com o questionário impresso para eventuais esclarecimentos antes de

enviá-los.

A primeira parte do questionário objetivava levantar o perfil profissional

dos sujeitos por meio dos seguintes itens: idade, tempo de profissão, qual a

série em que lecionam atualmente, tempo de experiência como docentes e sua

formação (graduação e especializações).

Na segunda parte, procuramos elaborar questões que explicitassem as

concepções dos sujeitos acerca do tema resolução de problemas, procurando

formular questões que, de maneira indireta, pudessem trazer subjacente suas

ideias e crenças a respeito do tema, perguntando por suas dificuldades nesta

abordagem, em que momento trabalham à vontade ou não com problemas nas

aulas de matemática, a frequência etc.; enfim questões que fossem

compreendidas e respondidas com facilidade.

O anexo 1 contém o questionário na forma como foi apresentado aos

sujeitos.

Parte 2: Roteiro de Observação de Aulas

De acordo com Ninin (2010), o valor da observação aumenta se o

observador sabe o que procura. Pode-se considerar, por exemplo, que no caso

da observação de aula como coleta de dados para uma pesquisa sobre

resolução de problemas nas aulas de matemática, a possibilidade de o

pesquisador observar como o professor, por exemplo, ensina um determinado

conteúdo e como é que se relaciona com seus alunos durante sua aula.

Ainda assim, é preciso direcionar mais o foco. A autora supramencionada

sugere dois enfoques: um deles relativo ao conhecimento conceitual e ao

processo de ensino-aprendizagem e outro, relativo à relação professor-aluno.

Porém, esclarece que, para dar conta dessa discussão, seria necessário

circunscrevê-los dentro de um arcabouço teórico.

Como já relatamos neste relatório de pesquisa, os constructos teóricos

estudados foram essenciais tanto no direcionamento do foco das observações

de aula como em nossas análises de ambos os instrumentos.

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Dessa forma, o roteiro elaborado para observação de aulas deste

trabalho, se reporta às ideias de Guy Brousseu e a Teoria das Situações

Didáticas (TSD) e às particularidades sugeridas pela problemática que originou

esta investigação. Segue, como sugestão, obviamente sujeita à adaptações de

acordo com as singularidades específicas de cada proposta.

Apresentamos alguns itens por nós observados, que podem servir como

sugestão para observações com tema correlato.

Organização da sala de aula: início, estrutura, condução;

A seleção ou escolha dos problemas por parte do professor e sua

intencionalidade didática;

Proposição da atividade selecionada como problema: apresentação ou

devolução?

A atuação do professor em cada uma das dialéticas em que desempenha

protagonismo: condução da situação didática, estímulo ao processo

investigativo dos alunos e desempenho na formulação das boas

perguntas e institucionalização;

Conduta dos alunos nas dialéticas de ação, formulação e validação bem

como as intervenções do professor em cada uma delas;

A atividade foi realmente um problema para os alunos, ou apenas um

exercício matemático?

Tempo da realização da tarefa: o período no qual os alunos estarão

efetivamente comprometidos e envolvidos;

Atitudes do professor que favoreçam o estabelecimento de diálogos e

discussões; em quais momentos dá voz e em quais escuta o aluno;

Intervenções do professor e seu papel mediador das dialéticas e

discussões;

Padrões de interação entre o professor-aluno, aluno-aluno e o saber

matemático.

As observações ocorreram depois que os professores responderam ao

questionário. Os objetivos foram explicados nessa ocasião e as sessões de

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observação foram combinadas com os sujeitos: dia, horário e forma de registro:

áudio ou vídeo.

Não obstante houvesse o registro gravado (áudio ou vídeo), as anotações

que fizemos durante as sessões de observação foram de grande valia para as

transcrições dessas aulas, que foram feitas o mais próximo possível de sua

realização.

Nessas anotações constaram a descrição dos locais, dos sujeitos e fatos

relevantes que surgiram. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2009), esse tipo

de observação é chamada estruturada.