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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rosália Monteiro Mota Conexões, conflitos e sociabilidades na territorialidade da escola e no ciberespaço Doutorado em Ciências Sociais São Paulo 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Rosália Monteiro Mota

Conexões, conflitos e sociabilidades na territorialidade da escola e

no ciberespaço

Doutorado em Ciências Sociais

São Paulo 2017

ROSÁLIA MONTEIRO MOTA

Conexões, conflitos e sociabilidades na territorialidade da escola e

no ciberespaço

Doutorado em Ciências Sociais Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Helena Villas Bôas Concone.

São Paulo

2017

Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

À Direção Geral do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais pelo apoio logístico necessário à realização desta pesquisa.

À Profa. Dra. Maria Helena Villas Bôas Concone, minha orientadora por compartilhar saberes.

Aos Professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela atenção e ensinamentos.

Aos Professores que compuseram a Banca de Qualificação pelas valiosas contribuições. Aos professores e alunos que compartilharam suas histórias e vivências, sendo fundamentais na construção desta pesquisa cujo resultado foi surpreendente no sentido da esperança. Suas narrativas indicam ser possível a constituição de uma escola pública de qualidade onde professores e alunos constroem conexões diversas marcadas pelo respeito e acolhimento.

Ao querido Almir parceiro de muitas conquistas e alegrias, pelo carinho e também pelo aporte técnico fundamental para elaboração desta pesquisa.

Ao meu filho Vítor e à minha filha Diana, meus amores, cujas interações são marcadas por muito carinho e reconstituídas diariamente.

À minha mãe, que percebeu a escola como um lugar de possibilidades de transformação, e mesmo não tendo tido oportunidade de inserção no mundo das letras, lutou para que todos os filhos tivessem acesso à educação formal. Esta pesquisa, é também fruto de atitudes corajosas dessa mulher rebelde que ousou sonhar diante de um mundo tantas impossibilidades.

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar o relacionamento entre professores e alunos, no contexto atual em que as novas tecnologias de informação e comunicação afetam o mundo do trabalho, e também instrumentalizam o trabalho docente e as relações sociais. Este estudo de caso ancorado em pesquisa qualitativa, suscitou indagações no intuito de verificarmos o que seria prevalente ou marcante nas interações entre professores e alunos numa escola pública de Ensino Fundamental e Médio de Belo Horizonte. Nesta investigação, as conexões presenciais e também virtuais, mediadas pelo uso das redes sociais, indicaram ser predominante o respeito entre esses sujeitos, ressaltando-se haver um cenário propício ao diálogo entre todos que fazem parte da Instituição. A gestão escolar prioriza ações no sentido de manter uma boa infraestrutura de trabalho, com equipamentos eletrônicos disponíveis em sala de aula, o diálogo constante com os professores, alunos e seus familiares, e funcionários administrativos, carga horária destinada à capacitação, estudos individuais, projetos interdisciplinares, correção e lançamento de notas nos diários eletrônicos. Desse modo, pudemos concluir que nessa Instituição, as interações gestadas nas salas de aula e expandidas para as redes sociais estão interligadas e influenciadas por fatores diversos, como a estrutura de trabalho, o clima organizacional e a gestão escolar, componentes importantes no sentido da convergência, do respeito, e das negociações. A Instituição foi descrita por alunos e professores como diferenciada, pois desenvolve práticas alinhadas às expectativas dos professores no sentido do cuidado e do respeito alterando positivamente suas expectativas quanto ao exercício do magistério, apresentando resultados satisfatórios no aspecto da aprendizagem e dos relacionamentos, sentimento convergente com os relatos dos alunos. Contudo eles, pontuaram também problemas que a escola de modo persistente e criativo tenta solucionar. Seis professores, e cinquenta e oito alunos participaram desta pesquisa. Os professores de Ensino Fundamental e Médio participaram por meio de entrevistas semiestruturadas, e os alunos do segundo ano do Ensino Médio por meio de questionário. Além das entrevistas e questionários observamos a rotina da Instituição e algumas atividades docentes. Conversamos com gestores e examinamos registros de ocorrências. Essas incursões foram fundamentais para compreendermos o sentimento de professores e alunos acerca das interações e do trabalho desenvolvido nessa escola onde ser professor tem um sentido diferenciado.

Palavras-chave: Trabalho docente - Conexões e conflitos - Condições de trabalho-

Tecnologia

ABSTRACT

This research aimed to analyze the relationship between teachers and students, in the current context in which the new information and communication technologies affect the world of work, and also instrumentalize the teaching work and social relations. This case study anchored in qualitative research, raised questions in order to verify what would be prevalent or outstanding in the interactions between teachers and students in a public school of Elementary and Middle School in Belo Horizonte. In this study, the face-to-face and virtual connections, mediated by the use of social networks, indicated that the respect between these subjects was predominant, emphasizing that there is a scenario conducive to dialogue among all those who are part of the Institution. The school management prioritizes actions to maintain a good infrastructure of work, with electronic equipment available in the classroom, constant dialogue with teachers, students and their families, and administrative staff, workload for training, individual studies, interdisciplinar projects, correction and release of notes in electronic journals. Therefore, we could conclude that in this Institution interactions generated in classrooms and expanded to social networks are interconnected and influenced by different factors, such as the work structure, organizational climate and school management, important components in the direction of convergence, respect, and negotiations. The Institution was described by students and teachers as differentiated, because it develops practices aligned with the expectations of the teachers in the sense of care and respect, positively altering their expectations regarding the exercise of teaching, presenting satisfactory results in the aspect of learning and relationships, feelings that were convergent with the students' reports. However, they also pointed out problems that the school persistently and creatively tries to solve. Six teachers and fifty-eight students took part in this research. The Elementary and Middle School teachers participated through semi-structured interviews, and the students of the second year of High School through a questionnaire. In addition to the interviews and questionnaires we observed the routine of the Institution and some teaching activities. We talked to managers and examined records of occurrences. These incursions were fundamental to understand the feelings of teachers and students about the interactions and work developed in this school where being a teacher has a different meaning.

Keywords: Teaching work - Connections and conflicts - Working conditions –

Technology

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 8

1. A GÊNESE DA PESQUISA E A ESCOLHA DO OBJETO ............................................................................ 8

1.1 Reflexões pertinentes à escolha do objeto no campo investigativo das Ciências Humanas e Sociais

............................................................................................................................................................. 17

1.2 O campo da pesquisa e a metodologia de trabalho ....................................................................... 29

1.3 Estrutura e apresentação da pesquisa ........................................................................................... 33

CAPÍTULO I ........................................................................................................................................... 35

1. ASPECTOS DO TRABALHO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE .................................................... 35

CAPÍTULO II .......................................................................................................................................... 53

2. UMA ESCOLA “DIFERENCIADA”: QUE TERRITÓRIO É ESSE? .............................................................. 53

2.1 Construindo práticas escolares significativas ................................................................................ 87

CAPÍTULO III ......................................................................................................................................... 95

3. CONEXÕES, CONFLITOS E SOCIABILIDADES NA ESCOLA SOB A PERSPECTIVA DOS ALUNOS ............ 95

CAPÍTULO IV ....................................................................................................................................... 110

4. SOCIABILIDADES, ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E TRABALHO DOCENTE: PONTOS DE REFLEXÃO ........ 110

4.1 Limites entre interações nas redes sociais e intensificação do trabalho docente ........................ 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................................... 127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 130

8

INTRODUÇÃO

1. A GÊNESE DA PESQUISA E A ESCOLHA DO OBJETO

O relacionamento entre professores e alunos é um tema instigante e presente

na minha trajetória profissional desde 1984 quando iniciei a carreira no magistério.

Não há como ser professor e não ser afetado por essa preocupação porque

interações, emoções e afeto permeiam o trabalho docente o tempo todo.

Segundo Tardif e Lessard (2009) a docência implica em desenvolver um

trabalho com e sobre seres humanos, sendo que o objeto do trabalho docente é a

coletividade. Mas esse coletivo com quem o professor interage e sobre quem atua,

não se constitui numa equipe de colaboradores, ao contrário impõe muitas vezes

resistências às propostas apresentadas em sala de aula. Por outro lado, há a interação

entre os alunos que pode resultar em projetos comuns, mas “também provocar

tensões ou boicotar os projetos do professor para eles” (TARDIF e LESSARD, 2009,

p. 69). Ainda na perspectiva desses autores, se pensarmos no agir do professor

perante a coletividade de alunos, veremos o quanto ele fica suscetível ao olhar e à

crítica deles pois, “Trabalhando em solidão e de maneira perfeitamente visível diante

de um público de alunos, o professor nunca pode furtar-se ao olhar dos alunos, o que

pode ocasionar certa vulnerabilidade” (TARDIF e LESSARD,2009, p. 69).

Esse campo de trabalho interativo marcado por vulnerabilidades, tensões,

conflitos, assimetrias, dissonâncias e possibilidades de conexões constitui um campo

profícuo à investigação nas Ciências Sociais com muitas vertentes a serem

exploradas. Desse modo, o relacionamento entre alunos e professores no contexto

das tecnologias de informação e comunicação foi escolhido como objeto de estudo

desta pesquisa.

O interesse pelo tema foi se delineando no período de elaboração da minha

Dissertação de Mestrado quando investiguei as condições de trabalho e saúde

9

docente no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais1. A pesquisa

intitulada Trabalho docente e saúde: estudo de caso de caso realizado no Centro

Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais2 suscitou indagações importantes

sobre as interações em sala de aula com desdobramentos nas redes sociais.

Naquele contexto, pude perceber a preocupação constante dos professores

quanto ao relacionamento com os alunos, e grande parte dessa preocupação orbitava

em torno da (in) disciplina e dos impactos no dia a dia escolar. Alguns docentes

recordavam os tempos de outrora em que a Instituição dispunha da figura do

disciplinário3, cuja importância estava ligada ao apoio dado a eles quanto ao

cumprimento das regras de entrada e saída dos alunos nas salas de aula, o uso do

uniforme, a manutenção do silêncio no ambiente próximo aos locais de aprendizagem,

e ao respeito à autoridade dos professores.

Os registros de ocorrências nessa Instituição de 2007 a 2009 revelaram um

histórico de tensão nas salas de aula atingindo níveis extremos em determinados

momentos. Segundo Mota (2010), no ano de 2007 (de junho a dezembro), foram trinta

e quatro ocorrências registradas na Coordenação de Turno que resultaram em

advertências individuais ou coletivas. No ano de 2008 houve situações extremas de

desrespeito e indisciplina como promover desordem em sala de aula (17 alunos),

comportar-se de forma inadequada em sala de aula (06 alunos), indisciplina em sala

de aula (a turma toda), impossibilitar acesso e permanência do professor em sala de

aula (turma toda). Pelo menos duas turmas foram punidas por indisciplina e por

1 A autora desta pesquisa é Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Graduada em História e em Direito. Professora de História do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais/CEFET-MG, lotada no Departamento de Geografia e História. Começou a carreira no magistério em 1984 no Instituto Federal do Pará onde permaneceu até 1989 quando ingressou por concurso público, na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará tendo permanecido nessa Instituição até 2002. Em 2002 solicitou redistribuição para o Instituto Federal de Pernambuco a fim de acompanhar o cônjuge. Em 2007, foi redistribuída a pedido para o CEFET-MG, pela mesma razão anterior, onde desenvolve suas atividades profissionais até o momento. 2 Dissertação (Mestrado) defendida em 2010. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. 3 Esse cargo foi extinto e atualmente nessa instituição, no campus I onde a pesquisa foi realizada, existe a Coordenação de Turno na sala da Diretoria de Unidade. Mas a distância física entre essa Coordenação e as salas de aula é muito grande, então o apoio aos professores em caso de qualquer intercorrência fica bastante comprometido. Não há pessoal de apoio nos demais andares e é difícil o professor se deslocar do segundo andar ou terceiro andar para o primeiro a fim de obter apoio sob quaisquer circunstâncias.

10

impedir o acesso e a permanência de professor em sala de aula. Em 2009, essas

ocorrências envolvendo a turma toda voltaram a se repetir:

Promover algazarra generalizada (turma toda), desordem e tumulto durante aplicação de prova (turma toda), conduta indisciplinada relatada por vários professores da mesma turma em situação de reincidência (turma toda advertida), desrespeitar professor impedindo seu acesso para ministrar aula (33 alunos suspensos), promover algazarra generalizada e comportar-se de forma indisciplinada (40 alunos suspensos por um dia (MOTA, 2010, p. 75).

Esses episódios indicaram a existência de apoio aos docentes em momentos

de extrema tensão, mas também a ausência da Instituição quanto à alguma ação mais

assertiva onde pudessem ser identificados e analisados os motivos desses conflitos,

e diante dos antagonismos fossem traçadas linhas de ação cuja meta buscasse

ultrapassar a tradicional via da punição aos alunos recorrendo à suspensão ou à

advertência.

Investigando esses conflitos, verifiquei um transbordamento para além das

salas de aula. Descobri na internet4 a existência de comunidades virtuais cuja função

explícita era a de promover uma espécie de “julgamento5” ridicularizando os

professores abertamente. Em algumas, as manifestações eram de flagrante incentivo

de violência aos docentes. Nesse contexto de agressão virtual e na sala de aula, a

figura do professor parecia invisível à Instituição, cabendo a ele mesmo lidar com a

situação ou ignorá-la.

A ideia corrente dentro de muitas instituições é aquela que atribui ao professor

a responsabilidade pelo modo como ele é tratado pelos alunos. No cotidiano do

trabalho os professores enfrentam todo tipo de adversidade sem que a escola

estabeleça ações no sentido de prevenir ou lidar com as situações de risco à

integridade deles. Sobre esse cenário, Paschoalino (2009) afirma que

4 A Internet é um conglomerado de redes em escala mundial de milhões de computadores interligados pelo TCP/IP que permite o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados. Ela carrega uma ampla variedade de recursos e serviços, incluindo os documentos interligados por meio de hiperligações da World Wide Web (Rede de Alcance Mundial), e a infraestrutura para suportar correio eletrônico e serviços como comunicação instantânea e compartilhamento de arquivos. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet>. Acesso em: 10 jul. 2011. 5 Grifo nosso.

11

No Brasil, a violência nas escolas tem atingido patamares assustadores. A depredação de patrimônios públicos, espancamentos de colegas e de professores são notícias que passam a ser rotineiras. Há escolas onde se percebe até mesmo nas suas paredes o medo de funcionar pelas pichações deixadas, pois o outro, o aluno, pode ser uma ameaça para sua segurança (PASCHOALINO, 2009, p. 59).

Prosseguindo com a pesquisa nas redes sociais coletei alguns dados no Orkut6,

onde alunos de uma escola de classe média alta de Belo Horizonte criaram uma

comunidade virtual com 4.037 membros em que sugeriam “premiações” aos

professores com o título sugestivo de “troféu mala”. Os membros da comunidade

indicavam os nomes dos professores e o “merecimento” do troféu. Palavras como

“grotesca”, “horroroso”, “intragável”, “deplorável”, “bruxa”, “voz de quebrar vidro” e

“sapatão da matemática”, foram utilizadas justificando a premiação. Os alunos

identificavam os professores e se identificavam também, ou seja, não havia sutileza

nenhuma nessas representações quanto ao perfil dos docentes.

Outra comunidade virtual da mesma rede social mostrava os alunos de uma

Instituição da rede federal de Belo Horizonte avaliando os docentes. Eles criaram

perfis com os nomes e fotos dos professores. Uma dessas comunidades com 334

membros elaborou um jogo onde uma professora era “assassinada virtualmente”. Os

xingamentos prévios justificavam o assassinato virtual da docente. Havia na página

da rede social alguns ex-alunos defendendo a professora explicando que ela era

apenas exigente e responsável. Contudo esses poucos defensores acabavam sendo

hostilizados também. Esse fato, embora de conhecimento público, não quebrou o

silêncio institucional e nem gerou empatia dos demais docentes em repúdio às

agressões virtuais. O que se ouvia de alguns professores era um tipo de alerta

recomendando: — Cuidado! Você já viu o perfil da fulana no Orkut? O fato não

pareceu gerar indignação e solidariedade com relação à colega agredida, mas, havia

o temor de estar no lugar dela. Outros comentários indicavam também que o rigor

acadêmico da professora, e a sua possível “inabilidade7” no trato com os alunos

poderiam explicar a violência virtual.

Em 2013 identifiquei algumas mudanças no perfil dessas comunidades. As

enquetes e fóruns sobre os docentes não tinham o caráter agressivo dos anos

6 Rede social criada em 2004 e desativada em 30 de setembro de 2014. 7 Grifo nosso.

12

anteriores. Alguns depoimentos haviam sido excluídos na íntegra ou parcialmente.

Havia ainda a justificativa para a exclusão das falas com a observação de terem sido

consideradas ofensivas. Observei nesse momento que essas comunidades estavam

mais focadas em divulgar eventos e promover entretenimento, do que em prosseguir

com as ofensas aos docentes.

Os argumentos utilizados pelos membros dessas comunidades para descrever

seus professores estavam explícitos nos diversos diálogos que eram de domínio

público. Tais registros ficaram abertos ao público até o fim do Orkut no dia 30 de

setembro de 2014.

As relações sociais na escola ou fora dela, estão em permanente

transformação e são influenciadas por um conjunto de fatores, sendo assim a

qualidade dessas interações bem como os conflitos, não se explicam unilateralmente.

Acerca do relacionamento entre professores e alunos podemos indagar, quais

as possibilidades dessas relações se constituírem sem que a violência presencial ou

virtual, o medo e a desconfiança sejam a tônica no contexto das salas de aula? Como

dialogar com comunidades intituladas8 “Não quero aturar os professores”, “Se o tédio

matasse os meus professores eram (sic) presos por homicídio coletivo”(comunidade

com 324 membros); “Matem os professores de matemática”(24 membros); “Pessoas

que odeiam seus professores de matemática”(54 membros) e “10.000 personas que

odien a los professores”?

Pesquisando outras comunidades no Facebook9, encontrei 32 grupos, mas

diferente do Orkut esses grupos eram fechados, impossibilitando o acesso aos

conteúdos, no entanto, à exceção de um, “Sou daqueles que respeitam os professores

e as regras da sala de aula! ”, todos faziam referência depreciativa aos professores e

alguns eram colocados na categoria de entretenimento. Os grupos eram

denominados assim: “Mentir aos professores e lindo”, “Adoro avacalhar os

professores”, “Matem os professores de matemática”, “ Odeio as aulas e os

8 Disponível em <http://www.facebook.com>. Acesso em: 14 set. 2011. 9 Ibidem acima. Acesso em: 21 set. 2011.

13

professores”, “Falar sobre os professores(mera liberdade de expressão)”, “Eu odeio

os professores de matemática”, “Atirem os professores para outra galáxia”, “ Os

professores só servem para chatiar (sic)”, “ Os meus professores dizem asneiras nas

aulas”, “ Os meus professores odeiam-me”, “eu já “discuti” com meus professores”, e

“Eu culpo os professores por ter más notas nos testes quando não estudo”.

Desses grupos existentes em 2011, alguns foram desativados e outros

mudaram suas características, porém mantiveram a mesma denominação conforme

demonstrado a seguir:

Figura 1. Grupo atualmente não encontrado no Facebook.

Figura 2. Grupos ainda ativos com número reduzido de participantes.

14

Figura 3. Atualmente não encontrados no Facebook.

Figura 4. Atualmente não encontrado no Facebook.

Figura 5. Atualmente não encontrado no Facebook.

Havia ainda algumas comunidades no Facebook como: Odeio professores E

escolas karalho10(sic), grupo fechado com 73 membros e, Odeio professores chatos,

comunidade sem informação do número de membros criada em 2013; Outra

denominada Quem são os professores mais chatos? Esse grupo fechado tinha 30

membros identificados na página. Somos contra os professores de merda, grupo

público com 154 membros e última postagem em junho de 2014. Apesar do título

agressivo aos professores, de modo geral os membros dessa comunidade postavam

assuntos diversos, com exceção do grupo Odeio professores chatos que publicava

10 Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/514877295207567/?fref=ts>. Acesso em: 01 jul. 2015. Grupo desativado atualmente.

15

crítica aos professores e piadas. Esse grupo chegou a 2.026 “curtidas” na página,

contudo havia poucos comentários11.

Figura 6. Nenhum comentário, mas teve 70 compartilhamentos.

A ausência de comentários agressivos por parte dos usuários do Facebook

pode estar relacionada às campanhas pela regulação do uso da internet. Quando os

usuários da rede mundial de computadores passaram a ser responsabilizados pelas

suas ações respondendo judicialmente por calúnia, injúria, difamação e danos morais

os grupos que antes agiam livremente passaram a ter atitudes mais cuidadosas

formando grupos fechados12. Acompanhando as atividades na rede, há sinais visíveis

de mudança no comportamento dos criadores de comunidades virtuais, mas a

mudança veio no sentido de preservar o direito desses usuários de fazerem suas

críticas sem serem punidos, daí a preferência atual pelos grupos fechados.

O Marco Civil da Internet (MCI) regulamentado pela Lei n° 12. 965/14, de 23 de

abril de 2014 foi aprovado “ depois de um longo embate acerca de uma legislação

específica sobre princípios básicos, direitos civis, e responsabilidades na rede

(SOLAGNA, 2015, p. 17). O autor destaca a aprovação do Marco Civil da Internet

como um fato de suma importância por definir os limites de uso da rede, não apenas

11 Comunidade desativada atualmente. 12O Marco Civil da Internet foi regulamentado pela Lei n° 12. 965/14, de 23 de abril de 2014. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 20 jun. 2014.

16

pelo seu conteúdo jurídico, mas pela participação pública online onde “ os próprios

usuários da rede construíram argumentos, justificativas, e parágrafos para cada

sessão da lei” (Ibidem).

Para Solagna (2015) essa consulta pública foi considerada inovadora e teve

repercussão positiva também internacionalmente, porque “foi umas das primeiras

experiências brasileiras de construção de uma legislação de forma aberta e

participativa na internet, abrindo caminho para uma série de outras experiências do

que veio a se chamar de governo aberto13” (SOLAGNA, 2015, p. 17, grifo do autor).

Essa importante regulamentação do uso da rede a nosso ver foi significativa

para que os usuários da internet ficassem mais atentos às suas responsabilidades,

rompendo a ideia de que o ciberespaço é um território sem lei14 onde tudo pode ser

dito sem consequências.

Atualmente os alunos e demais usuários das redes sociais utilizam o aplicativo

WatsApp Messenger15 onde as conversas individuais ou em grupo são realizadas sem

que o público tenha acesso.

Enquanto o WhatsApp Messenger ganhou espaço nas interações virtuais, os

grupos do Facebook referentes aos professores no sentido de reforçar uma imagem

negativa passaram a ter cada vez menos curtidas e compartilhamentos16, como ilustra

o grupo Odeio Professores Chatos com a última postagem registrada em 31 de janeiro

de 201517.

13 Segundo Solagna (2015), o termo designa projetos e ações que tenham como propósito a transparência marcada pelo incremento da participação social e desenvolvimento de tecnologias que visem tornar os governos mais abertos e eficientes. 14 Grifo nosso. 15 Disponível em <https://www.whatsapp.com/?l=pt_br>. Acesso em: 01 jul. 2015. 16 Grifo nosso. 17 Em 2016 esse grupo virtual foi desativado.

17

Figura 7. Seis pessoas curtiram essa postagem e houve penas um compartilhamento.

As representações sobre os professores descritas pelos alunos nas

comunidades virtuais com expressões de desprezo e ódio, suscitaram o desejo de

estudar com maior profundidade esse fenômeno. As minhas vivências no magistério,

onde o relacionamento com os alunos se constituiu numa preocupação constante com

situações inusitadas e desgastantes, também foram significativas para a elaboração

e a realização deste estudo de caso sob o aporte da pesquisa qualitativa, cujo

propósito é discutir o relacionamento entre alunos e professores tendo como pano de

fundo as condições de trabalho onde o uso das Tecnologias da Informação e

Comunicação(TICs) desafiam os docentes nos campos do conhecimento e das

interações sociais.

1.1 Reflexões pertinentes à escolha do objeto no campo investigativo das

Ciências Humanas e Sociais

Reforçando o que já foi explicitado anteriormente, esta pesquisa tem como

objetivo analisar o relacionamento entre professores e alunos numa escola pública de

Belo Horizonte- MG, no contexto atual em que as novas tecnologias de informação e

comunicação instrumentalizam o trabalho docente e as relações sociais.

Considerando a escola com o seu protagonismo social onde os sujeitos

extrapolam a submissão formal e burocrática circunscrita aos seus estatutos, é que

18

este estudo foi realizado. Professores e alunos são os personagens centrais desta

investigação com interações marcadas por possibilidades de (des) conexões,

expectativas, tensões e (des) afetos. Assim sendo, acolhemos a perspectiva de Tardif

e Lessard (2009) sobre a escola, caracterizando-a como um espaço de relações

sociais, e não apenas um local físico onde o trabalho docente se organiza e se realiza.

Esse espaço social comporta relações marcadas por tensões, negociações,

colaborações, conflitos, mas também abriga reajustamentos circunstanciais ou

profundos. E essas relações devem ser vistas sobretudo na perspectiva de relações

de trabalho. Assim,

Se as interações cotidianas entre os professores e os alunos constituem bem o fundamento das relações sociais na escola, essas relações são, antes de tudo, relações de trabalho, quer dizer, relações entre trabalhadores e seu ‘objeto de trabalho’. (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 23)

A pesquisa suscitou indagações no intuito de verificar o que seria prevalente

ou marcante nessas interações. Desse modo, os relacionamentos em tela, foram

analisados na perspectiva de verificarmos as conexões diversas não apenas entre os

docentes e seus alunos, mas também com outros sujeitos atuantes nesse ambiente,

pois nossa convicção é a de que essas interações gestadas nas salas de aula e

expandidas para as redes sociais estão interligadas e influenciadas por fatores

diversos, como a estrutura de trabalho, o clima organizacional e a gestão escolar,

componentes importantes no sentido da convergência ou da dispersão nos espaços

escolares.

Algumas questões são relevantes a fim de que se possa compreender o que

pode estar no cerne de conflitos que são vistos em determinados ambientes

escolares. Preliminarmente pode-se indagar, como a escola está mobilizando

mecanismos de promoção do diálogo entre alunos e professores cuja vivência diária,

em princípio, caracterizar-se-ia pela interlocução permanente, com vistas a um

objetivo comum que é o ensino e a aprendizagem? Como desempenhar o trabalho

diariamente diante de manifestações de desprezo dos alunos em sala de aula e no

ciberespaço, fato este que muitas vezes ultrapassa as agressões virtuais e se

materializa em agressões físicas? Quais as possibilidades de conexão e interlocução

entre alunos e professores com vistas a um relacionamento colaborativo, marcado

19

pela capacidade de negociação e mediado também pelo uso das tecnologias de

informação e comunicação?

A comunicação digital tem sido utilizada como ferramenta no processo

educativo por professores e alunos, permitindo a exploração de diversas formas do

saber e do fazer pedagógico. No entanto, essas tecnologias inovadoras também

permitem subverter as regras de convivência entre os diversos sujeitos na escola

criando impasses, e potencializando conflitos por vezes já existentes:

Embora o uso de tecnologias da informação seja indispensável no processo educacional das crianças, adolescentes e jovens – os quais podem se beneficiar com conhecimento disponibilizado no meio virtual e, ainda, acabar desenvolvendo diversas técnicas de manejo de computadores exigidas na sociedade contemporânea –, a utilização da rede deve ser pensada de modo a evitar as diversas agressões e violências que rondam esse meio (ABRAMOVAY, 2009, p. 414).

Na esfera do trabalho docente, quem não foi alvo da violência virtual cita de

modo recorrente algum colega de trabalho como exemplo, ou menciona ter tomado

conhecimento de algum fato dessa natureza repercutido pelos meios de comunicação.

Assim, observamos atitudes cautelosas por parte dos professores no trato com os

alunos, onde o temor de sofrer críticas públicas aparece explicitado em algumas falas

nesta pesquisa. Mesmo aqueles, cujo relacionamento com os alunos é avaliado como

satisfatório, demonstram algum receio ante a prática da ciberviolência18.

A violência virtual é vista e sentida no plano real pelos professores, não é uma

ficção, ou algo distante da realidade escolar, pois eles temem ser atacados no

ciberespaço, assim como temem ser vítimas de agressão no espaço físico da sala de

aula. A posição cautelosa dos professores participantes desta pesquisa, corrobora a

fala de Esteve (1999), pois segundo ele a violência no plano real pode até ocorrer de

forma esporádica ou isolada, mas seu efeito psicológico multiplica-se em grandes

proporções, trazendo sofrimento no plano psicológico.

Recorrendo à pesquisa de Paschoalino (2009) encontramos uma situação

extrema de violência física em Belo Horizonte onde a professora foi agredida por um

aluno com uma cadeira tendo ficado com joelho esquerdo lesionado. Esse fato “deixou

18 A violência veiculada pela internet recebeu a denominação de ciberviolência.

20

cicatrizes não apenas na professora agredida, mas em todo o corpo docente”

(PASCHOALINO, 2009, p. 104). A professora ajuizou ação contra o agressor, contudo

nenhuma atitude foi tomada pela instituição, como se fosse um acontecimento trivial

o aluno arremessar uma cadeira contra um professor, e como se após sofrer uma

agressão dessas a docente pudesse continuar o trabalho com naturalidade. Conforme

Paschoalino (2009), “ O mal-estar está nítido e o medo pressiona e impede uma

relação de respeito dentro do espaço de trabalho da escola” (Ibidem, p. 105).

Os professores lidam com situações inusitadas a cada dia, em cada turma, em

cada escola, a cada aula. Interagem na diversidade e na adversidade num campo de

trabalho onde a aridez de recursos é grande e muitas vezes prevalente. Nesse

contexto, ainda há a preocupação com a imagem perante a escola e a sociedade.

Conforme Mota (2010) na medida em que trabalha o professor vai tecendo perante os

outros uma imagem associada ao êxito ou ao fracasso:

É num dado lugar, sob o olhar atento dos outros, que o professor vai desenvolvendo seu trabalho, e como ser social, ele precisa da aprovação desse outro para sedimentar uma imagem positiva de si mesmo: alunos, escola, família e a sociedade como um todo avaliam constantemente o trabalho docente; tudo indica que há algum tempo, tal avaliação não é feita de modo a permitir a construção de uma imagem cercada de respeito, ao contrário, tem sido comum associar a figura do professor ao mau desempenho discente ou à violência, seja na condição de vítima, ou seja, na condição de quem promove a violência contra seus alunos ( MOTA, 2010, p.08).

Outrora, a escola era considerada o lugar onde os alunos obtinham as

informações sob a regência dos seus mestres. Os professores eram vistos como

detentores do saber e o livro era o recurso predominantemente utilizado. Contudo, as

inovações tecnológicas promoveram uma espécie de desterritorialização do

conhecimento, colocando a escola e o professor em xeque. Ampliando as

possibilidades de comunicação, estudo, pesquisa e entretenimento, as novas

tecnologias trouxeram novos caminhos a serem trilhados por alunos e professores

muitas vezes marcados pela valorização, predominante, dos pontos divergentes no

seu relacionamento, havendo um transbordamento desses conflitos para além do

espaço escolar.

21

Esses novos percursos interativos são um campo investigativo profícuo à

pesquisa no campo das Ciências Humanas e Sociais, pois as tecnologias de

informação e comunicação são potencialmente férteis em possibilidades de interações

e também na perspectiva de convergência ao diálogo e ao conhecimento científico.

Contudo, essas tecnologias podem também ser utilizadas de modo que o direito e a

privacidade das pessoas sejam violados. Dessa forma o ciberespaço que na prática

se constitui num espaço de relacionamento social tem motivado discussões e

estabelecimento de regras de convivência onde os direitos individuais e coletivos

possam ser preservados, incluindo-se aí os sujeitos que interagem na escola:

[...]um passo fundamental é tratar a internet como espaço social real onde é possível aprender, ensinar, descobrir, mas onde também é possível violar direitos e privacidade alheios, onde é possível ocorrer ameaças, xingamentos, perseguições, ofensas e humilhações que comprometem profundamente a socialização e o bem-estar de seus usuários. (ABRAMOVAY,2009, p. 414)

Definido o objeto de estudo, optei pelo estudo de caso sob o aporte da pesquisa

qualitativa por tratar-se de interações sociais, em específico, as relações entre alunos

e professores. Conforme Chizzotti (2013) a pesquisa qualitativa recobre um campo

transdisciplinar permitindo ao investigador recorrer a multiparadigmas e a métodos

diversos para interpretar fenômenos nas suas especificidades levando em

consideração as percepções, os valores e as vontades humanas. Ainda de acordo

com Chizzotti (2013), as pesquisas qualitativas não são lineares, presas a um padrão

único pois,

Admitem que a realidade é fluente e contraditória e os processos de investigação dependem também do pesquisador, sua concepção, seus valores, seus objetivos. Para este, a epistemologia significa os fundamentos do conhecimento que dão sustentação à investigação de um problema (CHIZZOTTI, 2013, p. 26).

Em concordância com esse autor, seguimos no campo investigativo procurando

analisar e compreender os significados que alunos e professores dão aos seus

relacionamentos no espaço escolar e nas redes sociais.

Conhecer a rotina de trabalho dos professores, observar e ouvir os alunos,

conhecer seus pontos de vista sobre a Instituição e sobre a gestão escolar foi

esclarecedor, haja vista, o protagonismo desses sujeitos na construção de

interlocuções onde o diálogo e o afeto são imperativos na construção dos saberes.

22

Nossa convicção é a de que se a escola cuidar das relações circunscritas à

territorialidade da sala de aula, e dotar esse espaço de condições adequadas à

produção do conhecimento, professores e alunos constituirão interações respeitosas

também nas redes sociais. Se há comprometimento da gestão escolar com o bem-

estar de alunos e professores por meio de diversas linhas de ação, decerto haverá

resultados satisfatórios para todos.

As relações humanas são complexas, pois na sua essência comportam uma

multiplicidade de sentimentos intensos e também contraditórios. Contudo tais

interações são imperativas quanto à necessidade de preservação da nossa condição

humana. Veiga (2008) enfatizando a importância das relações sociais aponta dois

elementos imprescindíveis à preservação da espécie humana traduzidos nas ações

de ensinar e aprender. Não se trata de mera comunicação entre as pessoas, mas do

fato dessa comunicação ser fundamental na produção e preservação dos

conhecimentos necessários à vida na perspectiva do presente e do futuro.

Conforme Veiga (2008), somos aprendizes e mestres no percurso da vida e

das nossas sociabilidades. Contudo a autora destaca a atividade profissional do

professor nesse ofício de mediador do processo de aprendizagem, dos alunos na

perspectiva de quem aprende e recebe orientações dos seus mestres, e da escola

enquanto locus desse processo. Ao longo da história é fato que essa produção e

transmissão do conhecimento mediada pelos professores passou por inúmeras

transformações. Nesse sentido há uma diversidade de significados definindo o que é

ser professor e aluno, não havendo um conceito homogêneo e universal dessas

categorias. São significados constituídos historicamente nas suas interações e

experiências escolares, pois “entendemos que não existe uma modalidade universal

de compreensão do ser aluno e ser professor, mas sim, múltiplas experiências que

dão significado às relações entre professores e alunos e às práticas escolares por eles

engendradas”. (VEIGA, 2008, p. 51)

As relações entre professores e alunos assumem significados específicos

conforme o tempo e o espaço físico onde se constituem histórica e socialmente. A

escola, espaço de produção do conhecimento e de aprendizagem onde as interações

entre alunos e professores são tecidas diariamente, também tem suas singularidades

23

onde podemos observar múltiplos componentes influenciando as suas configurações

interna e externamente:

Tal especificidade se faz numa trama de relações que envolvem governos, famílias, professores e alunos. Acresce-se a esse conjunto, as peculiaridades constituintes da conformação da relação entre professores e alunos, quais sejam: a existência da hierarquia/ autoridade geracional e a presença de uma rotina escolar caracterizada pelo encontro diário de um mesmo grupo de pessoas, frente a frente, num mesmo espaço, favorecendo a exposição contínua de atitudes e comportamentos, sujeitos permanentes a julgamentos velados e preconceitos, velados e /ou revelados. (VEIGA, 2008, p. 52)

Professores e alunos, inseridos na escola e no mundo das tecnologias da

informação e comunicação, são desafiados constantemente a atualizar seus

conhecimentos e valores. Perguntamos então, nesse contexto de transformações

intensas e velozes da comunicação eletrônica, como isso lhes afeta e de que modo

estão ressignificando seus valores, reinventando suas práticas, seus saberes e seus

relacionamentos? Nesse contexto, o suporte da escola ao trabalho docente é

fundamental, influenciando as estratégias e as linhas de ação com vistas à uma

aprendizagem eficiente:

[...] na ação do professor na sala de aula e no uso que ele faz dos suportes tecnológicos que se encontram à sua disposição, são novamente definidas as relações entre o conhecimento a ser ensinado, o poder do professor e a forma de exploração das tecnologias disponíveis para garantir melhor aprendizagem pelos alunos. (KENSKI, 2012, p. 19)

Bauman (2015), ao comparar as diferenças deste século com o século

passado, declarou estarmos num estado de interregno, onde as soluções para os

problemas postos atualmente não podem ser usadas como outrora, e as novas formas

de lidar com o novo ainda estão em vias de construção:

Revisando expectativas e esperanças eu diria que estamos num estado de interregno[...]. No interregno não somos nem uma coisa nem outra. No estado de interregno as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ações coletivas, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo, não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando (BAUMAN, 2015, entrevista19).

19 Entrevista concedida ao programa jornalístico Milênio (Globo News). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=7P1MAZXFVG0>. Acesso em: 12 mai. 2016.

24

O autor considera que diante de tantas possibilidades de escolhas, e

impactados pelas múltiplas possibilidades de acesso à comunicação e à informação,

não estamos sabendo como seguir adiante. Nesse contexto onde as nossas formas

consolidadas de sobrevivência já não existem mais, qual o melhor caminho a seguir,

já que é impossível seguirmos todas as vias? Como esse dilema está sendo resolvido

na escola? Seguir em frente e fazer escolhas críticas é uma necessidade, tendo em

vista não podermos flutuar na superficialidade e tampouco testar todas as

possibilidades que pensamos ser viáveis.

Os modelos que conhecíamos há pouco já não atendem às nossas

expectativas, mas que pessoas nos tornamos, diante de escolhas tão diversificadas?

Diante dessas transformações, Bauman (2005) mais uma vez reflete sobre a

necessidade humana de constituir identidade, pela sensação de segurança, pois viver

num mundo sem definição de si mesmo é uma situação angustiante:

O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um desejo ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência não vivenciada, flutuar num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente ‘nem-um-nem-outro’, torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, ‘estar fixo’- ser ‘identificado’ de modo inflexível e sem alternativa - é algo cada vez mais mal visto. (BAUMAN, 2005, p. 35)

Vivemos num cenário de mudanças globais tão marcantes onde os modos de

viver, trabalhar e se relacionar se modificaram, e a escola não passou incólume por

essas transformações. De acordo com Santos (2016), as mudanças decorrentes das

tecnologias de informação e comunicação promovem não apenas inovações

tecnológicas no mundo do trabalho, mas novas práticas culturais “ [...] e mudanças

significativas no real social, nos indivíduos, na sociedade e no planeta” (SANTOS,

2016, p. 20).

A afirmativa de Santos (2016) vai ao encontro dos estudos de Thompson(2011),

pois este, ao analisar o novo regime de transmissão cultural criado com o advento da

comunicação de massa, afirma que não devemos ver o desenvolvimento dos meios

técnicos apenas como algo suplementar às relações sociais pré-existentes, ao

25

contrário, “ devemos ver esse desenvolvimento como servindo para criar novas

relações sociais, maneiras de expressarmo-nos e de respondermos às expressões de

outros” (THOMPSON, 2011, p. 26-27).

No dizer de Elias (1994) as interações humanas são fundamentais para a nossa

vida e é na relação com o outro que vamos nos transformando e influenciando também

os outros da nossa espécie, o indivíduo precisa do outro para se desenvolver:

Ao nascer, cada indivíduo pode ser muito diferente, conforme sua constituição natural. Mas é apenas na sociedade que a criança pequena, com suas funções mentais maleáveis e relativamente indiferenciadas, se transforma num ser mais complexo. Somente na relação com outros seres humanos é que a criatura impulsiva e desamparada que vem ao mundo se transforma na pessoa psicologicamente desenvolvida que tem o caráter de um indivíduo e merece o nome de ser humano adulto (ELIAS, 1994, p. 27).

Para o autor, a forma como os indivíduos vão constituindo, seus valores, suas

práticas, seus modos de ser e de se relacionar não está desconectada da sociedade

na qual ele está inserido. As influências ocorrem em vias de mão dupla nos diversos

processos históricos de mudanças na esfera do trabalho e outras vertentes.

A respeito das mudanças impactantes à nossa vida, onde transitamos no

campo das incertezas, Bauman (2007) afirma

Pelo menos na parte ‘desenvolvida’ do planeta, tem acontecido, ou pelo menos estão ocorrendo atualmente, mudanças de curso seminais e intimamente interconectadas, as quais criam um ambiente novo e de fato sem precedentes para as atividades da vida individual, levantando uma série de desafios inéditos (BAUMAN, 2007, p. 7).

Considerando tais influências, é visível que as escolas estão sofrendo impactos

nesse contexto de mudanças tão substanciais, então é pertinente refletirmos que tipo

de escolas, nós queremos neste século, visto que os modelos de antes já não

respondem às nossas expectativas atuais. Contudo, é crucial termos em mente que o

mundo não mudou desconectado de nós, foram as ações humanas que promoveram

as inovações tecnológicas que nos atingem hoje, modificando nosso modo de viver, e

as formas como nos relacionamos uns com os outros.

Kenski (2012) assegura que “ As tecnologias são tão antigas quanto a espécie

humana, na verdade, foi a engenhosidade humana, em todos os tempos, que deu

26

origem às mais variadas tecnologias” (KENSKI, 2012, p. 15). Portanto, as mudanças

que vivenciamos hoje são resultantes de um processo crescente de inovações. E é

claro que a escola como um espaço de relações sociais também passa por um

processo de transformação redefinindo seus currículos e formas de explorar o

conhecimento com vistas à formação das pessoas que buscam a educação formal:

Em um momento caracterizado por mudanças velozes, as pessoas procuram na educação escolar a garantia de formação que lhes possibilite o domínio de conhecimentos e de melhor qualidade de vida. Essa educação escolar, no entanto, aliada ao poder governamental, detém para si o poder de definir e organizar os conteúdos que considera socialmente válidos para que as pessoas possam exercer determinadas profissões ou alcançar maior aprofundamento em determinada área do saber. (KENSKI, 2012, p. 19)

Conforme Souza e Quandt (2008) redes sociais são “estruturas dinâmicas e

complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em comum, interligadas

de forma horizontal e predominantemente descentralizada” (SOUZA e QUANDT,

2008, p. 34). Esses autores destacam o fato de que psicólogos, sociólogos,

antropólogos, cientistas da informação e pesquisadores da área de administração,

vêm subsidiando suas investigações por meio das redes para buscar explicações

sobre fenômenos caracterizados por troca intensiva de informações e de

conhecimento entre as pessoas.

Segurado (2010) apontou aspectos importantes sobre a regulamentação do

uso da internet no ciberespaço. Segundo a autora, a regulamentação não se propôs

a coibir a liberdade, mas sim garantir a liberdade de expressão e da comunicação,

respeitando os direitos individuais e coletivos. A criação de um Marco Civil regulatório,

proposto pela Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça em

parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do

Rio de Janeiro, segundo alguns estaria ameaçando o direito à liberdade de expressão

e da privacidade. Segurado ( 2010) aponta a relevância da regulação do uso da

internet, por contemplar a necessidade de se coibir delitos praticados na rede, os

chamados cibercrimes, destacando ainda que

ao produzir transformações tão significativas na vida social, verifica-se que o

uso das novas tecnologias entrou na agenda de debates no campo das

ciências humanas e sociais com o propósito de analisar o fenômeno e

compreender as transformações ainda em curso ( SEGURADO, 2010, p. 56).

27

A autora aponta a interatividade como uma característica peculiar da internet

em comparação com outras modalidades de comunicação tradicionalmente

unidirecionais. Nesse sentido, ressalta a positivação das múltiplas possibilidades de

comunicação:

O aspecto multidirecional proporcionado pela rede redimensiona as

tradicionais formas comunicações permitindo fóruns de discussão, cujo uso

crescente proporciona a potencialização de redes sociais. Ferramentas como

blogs, sites, orkut, twitter, são exemplos concretos da dinamização das

formas de comunicação entre indivíduos e entre coletivos (SEGURADO,

2010, p. 59).

As múltiplas possibilidades de interação trazem cada vez mais a necessidade

de compreendermos que o uso da rede implica em estabelecer interações

responsáveis. Assim como viver as relações face to face exigem bom senso, nas

relações virtuais é necessário haver também limites. Contudo,

É uma tarefa difícil descrever com precisão o que é uma Netiqueta (Net+etiqueta). A melhor explicação que se pode dar é: utilize o bom senso. A experiência demonstra que a comunicação por meios eletrônicos tem muitas regras baseadas nas regras que nos permitem viver em sociedade” (BARBOSA, 2008, p. 193).

A pesquisa de Barbosa (2008) sobre cursos a distância revelou que os alunos

consideraram como fatores imprescindíveis à sociabilidade nos ambientes virtuais de

aprendizagem atitudes como “saber ouvir, paciência, companheirismo, respeito às

contribuições dos colegas, flexibilidade, tolerância, diálogo, respeito mútuo, e

socialização” (BARBOSA, 2008, p. 191).

Levy (1999) trabalha com os conceitos de cibercultura e inteligência coletiva e

vê com otimismo o uso da internet porque possibilita a universalização do saber e

rompe as barreiras do espaço físico. Para esse autor a tecnologia não está descolada

do mundo social em que vivemos, ela é produto da criação humana e responde a

muitas necessidades desse ser social, portanto, a tecnologia não pode ser vista como

uma instituição do mal e acima das relações sociais.

Quanto à inteligência coletiva, Levy considera que cada pessoa tem um

conhecimento que outra não tem, pois ninguém é um repositório de todo o

28

conhecimento. O conhecimento está sempre em transformação e não é posse de um

indivíduo particularmente. Os vários saberes se complementam. Nesse sentido Levy

(1999) propõe explorarmos o que há de melhor na internet no plano político,

econômico, cultural e humano. Para ele a cibercultura representa o surgimento de um

novo universal que se diferencia de outros contextos anteriores da comunicação

porque esse novo universal “se constrói sobre a indeterminação de um sentido global

qualquer” (LEVY, 1999, p. 15).

O termo ciberespaço é compreendido por esse autor do seguinte modo:

Ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de comunicação

que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica

não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o

universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres

humanos que navegam e alimentam esse universo (LEVY, 1999, p. 17).

Quanto à cibercultura o autor se refere a esse conceito como o conjunto de

técnicas sejam materiais ou intelectuais, as diversas práticas, atitudes, expressões de

pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do

ciberespaço. (LEVY, 1999, p. 17).

Quanto ao conceito de virtual procuramos em Levy (1996) esclarecimentos

quanto ao seu uso, algumas vezes equivocadas, segundo o autor. Seus estudos nos

remetem ao significado da palavra que vem do latim medieval, virtualis, ligado ao

termo virtus, cujo sentido é de força, potência. Esclarece ainda que na filosofia

escolástica, virtual é o que existe em potência em não em ato. Conclui que “em termos

rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e

atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes” (LEVY, 1996, p. 05).

Sobre o relacionamento entre professores e aluno analisado por meio das

redes sociais, em especial o Orkut, Bergmann (2007) afirma que a mídia não apenas

veicula informações, mas produz discursos e significados. Nesse sentido, a autora

destaca que a prática de construir uma imagem negativa dos professores veiculada

pelas redes sociais, nos traz mais do que a necessidade de apurar se essa imagem é

“verdadeira” ou não. Trata-se de compreendê-las “como o efeito de um conjunto de

29

práticas que, já há algum tempo, tencionam profundamente os domínios tanto da

escola como o das novas tecnologias” (BERGMANN, 2007, p. 02).

Sob essa perspectiva, as novas tecnologias não geraram o conflito entre

professores e alunos. Isso já existia e apenas encontrou na mídia a possibilidade de

ampla divulgação e em termos que denotam desprezo, ódio, indiferença e outros

sentimentos negativos com relação ao relacionamento, ao ambiente escolar e as

responsabilidades inerentes aos cursos oferecidos pelas instituições de ensino.

1.2 O campo da pesquisa e a metodologia de trabalho

A escolha do campo de pesquisa se deu de modo aleatório, no sentido de que

eu desconhecia a história e a natureza da Instituição. Eu tinha visto o prédio pichado

e depredado em 2007, mas não sabia o que havia funcionado lá. E o que me chamou

a atenção foi a beleza arquitetônica sob as ruínas.

Não tinha conhecimento da sua trajetória no ensino de Minas Gerais nem que

estava em andamento um projeto para reformá-lo. Em 2010 vi que o prédio já estava

todo reformado.

Em 2012 fui até o local e perguntei o que funcionava ali e o vigilante informou

tratar-se de uma escola pública. O acesso ao local era bom, e sendo uma escola

pública pensei nessa instituição como um possível campo de pesquisa, mas sem

conhecer a sua história nem o seu percurso atual. Minha intenção era pesquisar numa

instituição pública os problemas que envolviam o relacionamento de alunos e

professores. Com base nas informações das mídias sobre a violência eu tinha a

convicção de que encontraria relacionamentos desgastados, professores

desmotivados, sem apoio, e consequentemente um campo fértil para todo tipo de

violência, inclusive a virtual. Já vi em outros lugares, escolas com a estrutura física

reformada que em pouco tempo voltou ao estado de abandono.

30

Porém, nessa Escola a estrutura da organização de trabalho, o ânimo de

gestores, professores e alunos, e todos os dados encontrados, surpreenderam-me em

todos os aspectos, mas em sentido contrário ao juízo que eu havia traçado a priori.

A escola existe há oitenta e nove anos e se destaca não apenas pela história

ligada ao ensino, mas também pela beleza das linhas arquitetônicas do prédio em

estilo neocolonial. Ela foi desativada em 2007, e passou por um processo de reforma

recuperando suas características originais. Foi reinaugurada em 2010 com 380 alunos

matriculados na 6ª e 7ª série do Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio

com o quadro docente de 30 professores com carga horária de 36 horas semanais,

divididos em dois módulos: regência e estudos/planejamento. Pós a reforma a escola

foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).

No ano de 2012 fiz os primeiros contatos com a Diretoria da escola e o

consentimento para a realização da pesquisa foi dado de pronto. A Diretoria mostrou-

se receptiva à proposta de estudo, contudo, levamos bastante tempo para estabelecer

algum diálogo com os professores e alunos, pois a rotina de trabalho dificultava ou

inviabilizava o contato com eles. Há um tempo pré-estabelecido para todas as

atividades e a hora do descanso entre essas atividades é inoportuna para qualquer

tipo de abordagem.

Entre 2013 e 2014 procurei estreitar o relacionamento com a Diretoria e

Supervisão Pedagógica para viabilizar a pesquisa sem interferir no trabalho docente.

Todavia, a Supervisão Pedagógica entendia que ali não seria um campo de pesquisa

para as questões que eu propunha por compreender que praticamente não havia

problema no relacionamento entre os professores e os alunos, então minha

argumentação seguiu no sentido de perguntar à Coordenação o que havia de diferente

na prática pedagógica da escola que reduzia de modo tão significativo os conflitos na

sala de aula.

Sob essa perspectiva de análise, a Supervisão Pedagógica achou pertinentes

meus questionamentos, e compreendeu a escolha dessa escola como um campo

viável para a pesquisa. Apesar desse consentimento, foi bem lento o trabalho, pois

sendo estranha à instituição houve certa cautela em abrir as portas para alguém

31

coletar informações mesmo havendo a assinatura do termo de consentimento livre e

esclarecido preservando o sigilo e o anonimato das fontes.

A primeira tarefa nesse campo de investigação foi a conquista da confiança dos

gestores, sobretudo a Coordenação Pedagógica que se mostrou reticente em muitos

momentos quanto à minha presença enquanto pesquisadora ao adentrar a intimidade

daquele ambiente escolar.

Construindo maior proximidade me foi possível aplicar questionário a 58 alunos

e fazer entrevistas com seis professores. Observei a rotina da escola nos momentos

de espera pelas oportunidades para interagir com os alunos e o corpo docente.

Participei de algumas atividades nas salas de aula e assisti a algumas atividades

planejadas e executadas por alunos e professores. Fiz anotações com as informações

do livro de ocorrências da escola, o que me possibilitou comparar os dados das

entrevistas com os problemas indicados nos registros escolares, e também dialoguei

com a Diretoria e a Supervisão Pedagógica.

O pré-projeto inicialmente previa a investigação em duas instituições de ensino

da rede pública e privada. Contudo, diante das dificuldades encontradas nessa escola

repensei a estratégia. Verifiquei que os entrevistados têm experiências diversas no

setor público e privado no Estado de Minas Gerais abrangendo os aspectos que

contemplam as questões pertinentes à esta pesquisa. Desse modo concentrei a

pesquisa numa única instituição, tendo o cuidado de pedir aos docentes que

relatassem suas diversas experiências de trabalho. E os relatos foram bastante

esclarecedores quanto às dificuldades de relacionamento com os alunos e os gestores

em experiências profissionais diversas.

A escolha dos entrevistados foi sendo feita nos momentos em que eu ficava na

sala dos professores e aproveitava algumas oportunidades de fazer a abordagem.

Quanto a escolha dos alunos, o critério foi o fato de que eles estavam quase

terminando o Ensino Médio. Então concluí que eles também possuíam uma larga

vivência em espaços escolares e poderiam fornecer dados diversos sobre as suas

experiências.

32

Alunos e professores foram convidados a participar da pesquisa e ficou claro

pelo TCLE que a participação seria voluntária, sem remuneração e o anonimato seria

preservado. Garanti a todos os professores que a direção da escola não tomaria

conhecimento do que quer que fosse revelado nas entrevistas. Esse compromisso foi

firmado com os alunos também ficando bem claro que seus depoimentos não seriam

divulgados à gestão ou ao corpo docente.

Na pesquisa utilizei aplicação de questionários aos alunos, pois seria inviável

entrevistá-los. Os questionários foram preenchidos na sala de aula, onde fiquei para

esclarecer as dúvidas e pedi para fazer isso sem a presença dos professores. E

quanto aos professores recorri à técnica da entrevista semiestruturada com duração

aproximada de 60 minutos.

Os alunos caracterizaram a escola, definiram os professores e a forma como

se relacionam com eles. Procuraram expor suas expectativas quanto ao que eles

definem como um professor ideal, já que os professores também fizeram essa

definição. Nesse relacionamento informaram quais os tipos de conflitos existentes e

como foram resolvidos. Indicaram se usam as redes sociais para criticar ou apoiar os

professores, e também se os professores fazem parte das suas redes sociais e vice-

versa. Quanto ao possível uso das redes sociais entre professores e alunos, foi

perguntado qual a avaliação que eles fazem sobre essa prática.

Em todos os quesitos foi solicitado aos alunos o máximo de clareza nas

respostas, se possível com exemplos do cotidiano escolar.

Os professores caracterizaram a escola, o modo como se relacionam com os

alunos e os gestores, e com seus pares. Descreveram o seu cotidiano de trabalho e

seus desafios, o que os motiva na escola, assim como as experiências de trabalho em

outras instituições da rede pública e privada de Minas Gerais.

Diante dos dados coletados na pesquisa junto aos alunos e professores e

também obtidos pelas minhas observações em campo, entrevistei o Diretor para

compreender como esse cenário de trabalho foi constituído em 2010, e em que

medida essa gestão vem direcionando seu trabalho e obtendo resultados tão

33

satisfatórios. Ante a minha curiosidade, o Diretor esclareceu que essa Instituição está

inserida no projeto de escola em tempo integral proposto pela Secretaria de Estado

de Educação de Minas Gerais. Conforme o Gestor relatou, há outras escolas inseridas

nesse projeto em Minas Gerais, mas essa Escola em particular vem tendo um

desempenho melhor em todos os aspectos, o que justifica a denominação proposta

pelos ideólogos da proposta da Secretaria de Estado de Educação como uma escola

diferenciada.

O Diretor falou dos indicadores de desempenho da Escola. Esses indicadores

servem como diagnóstico junto à Secretaria de Educação, mas também como aporte

para possíveis linhas de ação com vistas a melhorar o desempenho de alunos e

professores, a exemplo do mais recente projeto de matemática posto em execução

em 2016 para os alunos do sexto ano do Ensino Fundamental. Eles tiveram um baixo

desempenho na matemática, e por isso a Escola resolveu agir para que eles possam

seguir nas próximas séries com os fundamentos da matemática consolidados, sem

serem impactados por possível reprovação.

1.3 Estrutura e apresentação da pesquisa

Este estudo foi estruturado de modo que na parte introdutória estão explicitadas

as razões que suscitaram o interesse inicial pelo tema, a escolha do objeto, os

pressupostos que demarcam a importância deste estudo no campo investigativo das

Ciências Humanas e Sociais, a metodologia ancorada em pesquisa qualitativa e

aporte teórico fundamentando essas escolhas.

No capítulo I constam os aspectos importantes do trabalho docente no contexto

atual das tecnologias de informação e comunicação sob a perspectiva de autores

diversos, indicando aspectos da precarização do trabalho bem como possibilidades

de uso das mídias digitais como ferramentas importantes na construção o

conhecimento e das interações sociais.

34

No capítulo II apresentamos a análise das entrevistas feitas com os docentes

traçando o perfil da Instituição e ressaltando os aspectos que a configuram como uma

escola diferenciada.

No Capítulo III apresentamos a análise da coleta de dados feita junto aos

alunos, onde eles caracterizaram o ambiente escolar e o relacionamento com os

professores na sala de aula e nas redes socais.

No Capítulo IV consta a análise acerca das sociabilidades, a organização

escolar e o trabalho docente, assim como a possível relação entre o uso das redes

sociais e a intensificação do trabalho docente.

Em seguida estão expostas as considerações finais, e por fim, as referências

bibliográficas citadas e consultadas.

35

CAPÍTULO I

1. ASPECTOS DO TRABALHO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE

As transformações no mundo do trabalho na contemporaneidade afetam de

modo drástico todas as categorias de trabalhadores. Sobre essas transformações

Fonseca et al (2008) qualificam essas mudanças denominando-as de velozes e

estonteantes20, pois mal os trabalhadores se adaptam modificando suas práticas e os

processos produtivos, alterando inclusive seus perfis profissionais, surge uma nova

avalanche de mudanças. São novos ritmos, novas modas, novos conceitos, “ impondo

uma plasticidade às organizações e às pessoas que muitas vezes extrapola o limite

do insuportável” (FONSECA et al, 2008, p. 504-505).

Nesse contexto, os processos de produção impactam profundamente o

processo de trabalho “ com a introdução maciça de novas tecnologias, especialmente

na área de informática, automação e telecomunicações”. (FONSECA et al, 2008, p.

504-505). Convergindo com essa reestruturação produtiva, os atuais processos de

gestão implantados, flexibilizam direitos precarizando as relações de trabalho,

multiplicam a carga de responsabilidade dos trabalhadores por meio de esquemas de

“controle e cobrança de resultados, avaliação de desempenho, sistema de indicadores

de resultado, remuneração por produtividade, sem proporcionar uma efetiva

ampliação de autonomia”. (FONSECA et al, 2008, p. 504-505). Assim, cria-se uma

lógica competitiva nas relações de trabalho que motiva pela estratégia do

anticoletivo21 e do individualismo o que certamente

[...] despotencializa a criação, pois impede a formação das alianças e o mútuo comprometimento-confiança necessário para permitir o surgimento do que é do plano do intensivo, do que pode ser gerado no ‘entre’, do que só pode ser criado na interação. Na competição não existe o ‘qualquer um’, não existe o ‘entre inclusivo’, na competição existe o ‘um só’— ou seja, a competição não possibilita a constituição de um território adequado para a multidão (FONSECA et al, 2008, p. 515-516).

20 Grifo nosso 21 Grifo dos autores.

36

Indissociada da realidade social, também a escola e o trabalho docente vêm

sendo atingidos por essas mudanças alterando suas práticas, sociabilidades e

estrutura organizacional. Não poderia ser diferente, conforme Fonseca et al (2008, p.

509), “ A civilização cibernética, relança hoje, o próprio viver como produção do

amálgama dos humanos com a tecnologia” (FONSECA et al ,2008, p. 509).

Ante esse cenário de inovações tecnológicas Barbosa (2008) também alerta

para as mudanças trazidas pelas tecnologias ao trabalho docente, pois “Assumir as

tecnologias eletrônicas de comunicação e informação como possibilidade didática,

significa reorientar, em termos metodológicos, a prática docente”. (BARBOSA, 2008,

p. 197).

Queiramos ou não todos as esferas da nossa vida foram reconfiguradas pelas

inovações tecnológicas. Não é uma questão de submeter-se às tecnologias e ser

subjugado por elas, mas de conhecer e selecionar a melhor tecnologia que poderá

atender as nossas necessidades diárias e fazer o uso que for mais apropriado às

nossas demandas. Não há como ignorar ou excluir as novas tecnologias da vida social

e do trabalho, contudo é fundamental haver informações para instrumentalizarmos o

uso dessas ferramentas seja no campo do trabalho ou da vida pessoal. Nessa

perspectiva Castells (2003, p. 7) assevera que

A internet é o tecido das nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede. Uma rede é um conjunto de nós interconectados (CASTELLS ,2003, p. 7).

Castells (2006) é categórico ao relembrar o poder da sociedade no processo

de criação das tecnologias ajustadas às suas necessidades, e isso tem sido assim ao

longo da história da humanidade:

Nós sabemos que a tecnologia não determina a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso, as

37

tecnologias de comunicação e informação são particularmente sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia (CASTELLS, 2006, p. 17).

Conforme Castells (2006, p. 17) as transformações multidimensionais

vivenciadas hoje, foram se configurando há mais de duas décadas, e culminaram num

processo de transformação estrutural com a emergência de um novo paradigma

tecnológico, “baseado nas tecnologias de comunicação e informação”. Esse novo

paradigma tecnológico trouxe configurações e questionamentos jamais vistos e

vividos por toda a humanidade, e por segmentos da vida pública e privada, inclusive

nas escolas, alterando práticas pedagógicas e relacionamento entre alunos e

professores. Diante disso, Castells (2006) lança uma reflexão sobre a necessidade de

identificarmos o traçado dessas novas configurações históricas e suas especificidades

com vistas a explorarmos ao máximo o potencial criativo dessas novas ferramentas,

fazendo escolhas conscientes de acordo com as nossas necessidades. Essa escolha

consciente sobre o uso das tecnologias se aplica também ao trabalho docente:

A questão é reconhecer os contornos do nosso novo terreno histórico, ou seja, o mundo em que vivemos. Só então será possível identificar os meios através dos quais, sociedades específicas em contextos específicos, podem atingir os seus objectivos e realizar os seus valores, fazendo uso das novas oportunidades geradas pela mais extraordinária revolução tecnológica da humanidade, que é capaz de transformar as nossas capacidades de comunicação, que permite a alteração dos nossos códigos de vida, que nos fornece as ferramentas para realmente controlarmos as nossas próprias condições, com todo o seu potencial destrutivo e todas as implicações da sua capacidade criativa ( CASTELLS, 2006, p. 19).

Em se tratando da educação, a tecnologia pode ser ou não um fator de

mudança ou de melhor performance, pois Castells (2006) alerta que “[...] difundir a

Internet ou colocar mais computadores nas escolas, por si só, não constituem

necessariamente grandes mudanças sociais. Isso depende de onde, por quem e para

quê são usadas as tecnologias de comunicação e informação” (CASTELLS, 2006, p.

19).

A escola é o lugar social de onde falam professores e alunos. É nesse ambiente

que eles entrelaçam suas histórias de vida. Suas perspectivas de ingresso,

permanência e interlocução, são marcadas por nuances e trajetórias diversas nem

sempre harmoniosas ou convergentes.

38

Podemos enfatizar também nesse contexto as incertezas marcantes no

cotidiano do trabalho docente. Essas incertezas trazem tensão ao dia a dia de alunos

e professores a cada ano letivo. Ambos criam expectativas sobre como será a

convivência e o aprendizado. Mesmo os professores mais experientes convivem com

essa tensão, pois cada turma tem suas peculiaridades não sendo possível padronizar

e homogeneizar os planos de trabalho e encaixar os relacionamentos numa

linearidade idealizada por idade, curso e série. Assim, é fundamental ressaltarmos

que

A docência também comporta ambiguidades, diversos elementos ‘informais’, indeterminados, incertezas, imprevistos. Em suma, o que se pode chamar de aspectos ‘variáveis’, que permitem uma boa margem de manobra aos professores, tanto para interpretar como para realizar sua tarefa, principalmente quanto às atividades de aprendizagem em classe e à utilização das técnicas pedagógicas. Esta margem de manobra é apenas um efeito perverso, causado pela falta de codificação ou de formalismo, e parece ao contrário, fazer parte do trabalho docente: ensinar, de certa maneira, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regulamentos, pelo programa, pelo planejamento, pela lição etc. Enfim, é agir dentro de um ambiente complexo e, por isso, impossível de controlar inteiramente, pois, simultaneamente, são várias coisas que se produzem em diferentes níveis de realidade: físico, biológico, simbólico, individual, social, etc. Nunca se pode controlar perfeitamente uma classe na medida em que a interação em andamento com os alunos é portadora de acontecimentos e intenções que surgem da atividade ela mesma (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 43).

As incertezas relativas às condições de trabalho estão presentes

cotidianamente, por mais que haja planejamento prévio do trabalho em sala de aula.

Conforme a pesquisa de Mota (2010), paciência para lidar com imprevistos, assim

como lidar com o tempo perdido tentando resolver problemas de equipamentos

eletrônicos que apresentam defeito na hora das aulas foi considerado um dos grandes

desafios enfrentado pelos professores numa instituição de ensino profissionalizante

em Belo Horizonte.

Essa expectativa sobre o que pode dar errado na sala de aula gera intensa

ansiedade aos docentes, pois espera-se que o professor seja criativo e eficiente em

todas as situações, sobretudo nas situações adversas, e que tenha sempre um plano

B para não deixar os alunos na mão22. Ainda conforme a pesquisa de Mota (2010) na

percepção dos alunos, se houver um imprevisto, a responsabilidade é sempre

22 Grifo nosso.

39

atribuída ao professor pois fica parecendo que ele não planejou a aula. A pesquisa de

Mota (2010) identificou também grande preocupação dos professores quanto à

estrutura de trabalho, mesmo sendo aquela Instituição pesquisada considerada de

excelência na área tecnológica. O medo de falhar perante os alunos aparecia como

um incômodo na rotina diária:

Sobre os fatores de desmotivação, declarou que problemas atinentes ao uso de equipamentos, a relacionamentos e material didático são os mais incômodos. Para resolver tais problemas, usa alternativas para ministrar as aulas, quando os equipamentos de que necessita estão indisponíveis, o que ocorre frequentemente, posto que a demanda por esses é maior que a oferta. Mesmo fazendo a reserva com antecedência, não há garantia de disponibilidade: existem problemas técnicos e muita procura. Na sua Coordenação, por exemplo, há um projetor multimídia disputado por 28 professores. Além do mais, é preciso transportar o equipamento para a sala de aula, pois as salas não são equipadas para o uso de recursos eletrônicos, e quem faz isso é o próprio professor. O suporte técnico, por parte do pessoal de apoio, é insuficiente ou inexistente: dependendo do horário, o funcionário tem vários professores para atender, então não se pode contar com sua ajuda. Para evitar transtornos, exclui determinados recursos das suas aulas ou, então, reserva o equipamento; todavia, prepara um “plano B”, alternativo, para as contingências diárias (MOTA, 2010, p. 87, grifo da autora).

Arroyo (2011) também destaca as várias tensões presentes no magistério. Sob

a sua perspectiva, essas tensões englobam motivos diversos a exemplo da motivação

salarial, a valorização profissional, as condições de trabalho e os diálogos conflituosos

entre alunos e mestres. Buscando captar o significado dessas tensões e olhando de

modo mais cuidadoso o trabalho docente, reafirma haver uma significativa apreensão

no magistério ligada sobretudo ao relacionamento constituído entre alunos e

professores. Para o autor esses conflitos, por vezes, são vistos sob o enfoque de

análises superficiais, sendo relacionados apenas às condutas indisciplinadas e

agressivas de parte dos alunos. Desse modo, tais análises ofuscam as raízes do

problema e não suscitam debates mais consistentes acerca do tema.

Analisar o relacionamento entre professores e alunos é tarefa complexa, pois

há inúmeros componentes envolvendo a interlocução entre eles, como o tipo de

escola, sua localização, o espaço físico, a estrutura das salas de aula, o perfil dos

professores e dos alunos, os recursos disponíveis para dar o devido aporte ao trabalho

docente, e a gestão escolar.

40

Há ainda outros elementos indispensáveis à essa análise do relacionamento,

como o fator intergeracional pois, tomando como referencial a análise de Arroyo

(2009), “A escola é antes de tudo um tempo-espaço de gerações, de pessoas em

tempos diversos de socialização, interação, formação e aprendizagem das artes de

ser humanos [...]”. (ARROYO, 2009, p. 231). Esse interregno geracional, pode ajudar

na constituição de um ambiente colaborativo e na formação de um campo fértil para

debates, possibilitando troca de experiências e de saberes, mas comporta também

sentimentos de distanciamento, indiferença, cisão e conflitos. E assim em muitos

momentos os professores e os alunos seguem suas trajetórias nas instituições de

ensino como se estivessem em campos opostos, entrincheirados nas suas verdades,

saberes e autossuficiência.

A qualidade das relações interpessoais nas escolas depende de múltiplos

fatores e da pluralidade de ações convergentes no sentido do diálogo, da parceria e

da negociação em caráter permanente, pois a escola está em constante movimento

de entrada e saída de pessoas. Alunos e professores vão e vêm o tempo todo, assim

como os demais sujeitos que compõem a estrutura organizacional escolar. Então não

é possível padronizar ações inflexíveis, e há que se analisar, periodicamente a sua

validade. O que serve para o tempo de hoje, decerto terá que ser revisto para outras

gerações de alunos e professores.

Conforme Lima (2008), a pesquisa voltada à escola, enquanto categoria de

análise, envolve a compreensão de que esse objeto de estudo é multifacetado,

portanto não comporta a ideia de homogeneidade, ainda que haja elementos comuns

presentes nas instituições escolares. Esse autor critica os trabalhos acadêmicos cujas

premissas teórico-metodológicas reduzem a escola a um dado empírico passível de

generalizações desprezando as suas especificidades e seus protagonismos

constituídos socialmente ao longo da sua trajetória. De acordo com Lima (2008) a

“escola resulta de um longo processo histórico de construção e institucionalização,

incluindo as especificidades e as diferenças que evidencia de país para país, de

cultura para cultura” (LIMA,2008, p. 324). Ainda conforme Lima (2008), a escola

enquanto objeto de estudo, nos remete ao fato de que ela é uma organização

moderna, formal e complexa, portanto exige um olhar atento e contextualizado:

41

A existência de muitos elementos comuns às escolas actuais resulta, em nosso entender, de um processo de formalização e de racionalização, típico da modernidade organizada, centrado em variados elementos, tais como: a produção de educação escolar e de ensino em larga escala, o ensino em classe, a especialização e fragmentação do currículo, a especialização académica e profissional dos professores, o controlo do tempo e do espaço escolares, a introdução de hierarquias de tipo organizacional e de actividades de suporte administrativo tendo em vista a consecução de um determinado projecto de educação. (LIMA, 2008, p. 324).

Alunos e professores formam suas redes sociais e estratégias de

relacionamento numa dinâmica interna e externa à escola. Não é possível delimitar o

sentido das suas ações ao campo restrito do espaço físico das salas de aula e à (in)

capacidade desses interlocutores de estabelecer diálogos no seu cotidiano. Creditar

aos professores o poder e a capacidade de dialogar, fazer acordos e transpor

barreiras, desconsiderando especificidades da estrutura organizacional, implica em

reduzir o campo de análise e ao mesmo tempo atribuir aos docentes um poder

incoerente com a realidade do dia a dia.

O tempo de sala de aula está cada vez mais exíguo para explicações,

experiências científicas, análise dos conteúdos, e verificação do nível de

aprendizagem dos alunos. E nesse cenário há também pouco espaço para o diálogo

com os alunos em sala de aula. Muitos professores chegam ao final do ano letivo sem

conseguir identificar seus alunos, sem conhecer minimamente suas dificuldades, suas

histórias de vida e suas expectativas de aprendizagem.

Diante da exiguidade do tempo e das crescentes demandas do trabalho,

constatamos a preocupação permanente dos professores com o currículo, e com o

atendimento aos alunos além do horário escolar. Essa atenção “complementar23” tem

sido possível por meio das redes sociais, onde os professores de fato ultrapassam os

limites de tempo e espaço numa hipersolicitação imposta pelo ritmo de trabalho e

pelas demandas dos próprios alunos e das escolas.

Os alunos conduzem o ritmo das suas necessidades dentro e fora das salas de

aula. A cadência do trabalho docente antes marcada pelo tempo do relógio, agora é

23 Grifo nosso

42

também ritmada pelas mensagens via e-mail, mas sobretudo pelas conexões

instantâneas através das redes sociais como o Facebook e WhatsApp.

Nesta pesquisa destacamos o uso das Tecnologias da Informação e

Comunicação como ferramenta importante utilizada pelos alunos e professores, tanto

para estabelecer a comunicação como para o uso na aprendizagem. Contudo, o uso

dessas tecnologias ao mesmo tempo que facilitou a comunicação e o acesso ao

conhecimento de modo nunca visto antes, também modificou as relações sociais

dentro e fora da escola, assim como as relações de trabalho.

Sendo o trabalho docente uma profissão de interações, percebemos que essas

mudanças afetaram também os professores de muitas maneiras. Vários

questionamentos e exigências sobre o modo de ser, interagir e de trabalhar

redesenharam os perfis da docência. A velocidade com que isso ocorreu surpreendeu

os docentes, e eles vêm tentando lidar com os desafios desses novos tempos não

somente quanto ao domínio das novas tecnologias aplicadas ao ensino, mas também

quanto à validade do conhecimento explorado em sala de aula, as estratégias de

comunicação e ao uso das suas imagens nas redes sociais, extrapolando a

territorialidade da escola. E aqui estamos nos reportando ao fato de que os

professores estão suscetíveis ao uso das novas tecnologias com repercussão dentro

e fora da sala de aula alcançando uma visibilidade indesejada. Tal visibilidade vem

sendo promovida pelos próprios alunos ao postarem vídeos, áudios e fotos dos seus

professores nas redes sociais. Dependendo do conteúdo das postagens a imagem

dos professores pode ser exposta de modo positivo ou sofrer graves danos. Desse

modo um outro medo cerca o trabalho docente, a violência virtual.

Nesse contexto de inovações tecnológicas, a sala de aula também sofreu

transformações no modo como as aulas são planejadas e realizadas, assim como nas

interações entre alunos e professores e entre alunos e seus pares.

43

Captar a atenção dos alunos e manter a conexão com eles ao longo das aulas

requer criatividade e estratégias diversas como bem ilustra a gravura a seguir24:

Figura 8 Comunidade Professores Sofredores: Facebook

Esta imagem retrata um fragmento do dia a dia nas salas de aula, dada a

grande dificuldade dos professores de manterem os alunos focados nos temas

obrigatórios dos currículos escolares. O tema da aula “ Prestando atenção no

professor”, postado na comunidade virtual Professores Sofredores, é emblemático

quanto ao embate travado com os alunos cotidianamente para que estejam presentes

de fato na sala de aula estabelecendo contato e diálogos com os professores. A

situação crítica enfrentada nesse cotidiano de trabalho é até paradoxal, pois ao

mesmo tempo em que as novas tecnologias quebram as barreiras de comunicação

possibilitando contatos a distância, e até mesmo o ensino a distância, os professores

nas aulas presenciais, por vezes não conseguem interagir com seus alunos

justamente pelo uso inadequado dessas ferramentas, ou seja, o modo como as

pessoas vêm se apropriando dessas tecnologias em determinados contextos pode ou

não criar situações favoráveis à aprendizagem e à formação de sujeitos críticos e

responsáveis.

Nesse contexto, destacamos os estudos de Ripa (2010, p. 25), onde ela analisa

o papel do professor no novo milênio, num mundo em transformação com novas

24 Comunidade Professores Sofredores: nessa comunidade virtual os professores postam críticas sobre as condições de trabalho, informações sobre eventos voltadas ao ensino, e campanhas de valorização profissional. Disponível em: <http://www.facebook.com.br>. Acesso em: 16 abri. 2014.

44

tecnologias, configurações de espaço e de tempo diversificadas e o alcance

instantâneo e global das informações, sendo a escola pressionada a acompanhar

essas modificações de modo eficiente, formando profissionais criativos e eficientes,

adaptando seus currículos às expectativas econômicas de mercado:

Neste novo cenário, a escola, que acolhe os futuros cidadãos e participa ativamente do processo formativo das novas gerações, tem tido a preocupação de se transformar numa instituição cada vez mais eficaz. A adaptação curricular de acordo com os ditames da economia, a ênfase na prática e na autonomia das escolas e a aprendizagem ao longo da vida, tornam-se discursos constantes para justificar as reformas educacionais e conduzir a educação escolar às mudanças consideradas necessárias (RIPA, 2010, p. 25).

Essas mudanças não partiram de dentro da escola, ao contrário, as escolas

foram arrebatadas por essas transformações trazidas pelas inovações tecnológicas e

exigências mercadológicas, e assim vêm sendo pressionadas a reconfigurar seus

parâmetros e suas práticas. Contudo, as escolas deixaram nas mãos dos professores

a responsabilidade de aprender novas linguagens mediadas pelo uso das novas

tecnologias, compreender e praticar as novas e múltiplas sociabilidades e trazer as

inovações tecnológicas para as salas de aula para uma aprendizagem criativa e

eficiente.

Para Ripa (2010, p. 27) os requisitos exigidos pelas empresas são comuns aos

requisitos escolares formando pessoas com o perfil para atuar no mercado de trabalho

cujas características são medidas pela capacidade de “flexibilidade, trabalho em

equipe, criatividade, competição, rapidez, praticidade, planejamento e

comunicabilidade” (RIPA ,2010, p. 27). Segundo a autora não há dúvida de que “a

escola tem papel mais amplo e complexo diante dos desafios da contemporaneidade”,

cabendo aos professores a tarefa hercúlea de ajustar os conteúdos curriculares às

demandas do mercado ainda que em condições inadequadas para fazer frente às

atuais exigências de formação dos alunos:

Neste contexto, em que a educação escolar é considerada como capaz de impulsionar o desenvolvimento do país, os professores tornam-se os responsáveis pela adequação dos conteúdos curriculares às exigências produtivas do mercado econômico e pela aprendizagem das competências e das habilidades necessárias para a atuação competitiva no mundo do trabalho (RIPA, 2010, p. 29).

45

É flagrante a tensão entre os docentes quanto às suas responsabilidades e

exigências de novos perfis profissionais, pois ao mesmo tempo em que a

escolarização é vista como via de ascensão individual e de progresso econômico do

país, “[...] ‘Novas’ competências e habilidades passam a ser divulgadas como

necessárias ao professor para que as ‘novas’ expectativas educacionais sejam

atingidas, uma vez que ele torna-se o principal responsável pela construção dessa

escola cada vez mais eficaz[...]”( RIPA, 2010, p. 29). Conforme a autora investigou, o

professor ideal na contemporaneidade deve ser capacitado científica e culturalmente,

ter domínio das novas tecnologias, e ser receptivo ao trabalho em equipe. Além de

ser inovador e acolhedor deve ter a capacidade de “conduzir de forma eficaz e

interdisciplinar o processo de ensino-aprendizagem” para que desse modo a escola

possa “melhorar a sociedade e as suas condições de trabalho” (RIPA, 2010, p. 29).

Além das novas competências no campo das mídias digitais, da falta de

infraestrutura para o trabalho, e do julgamento dos alunos, os professores são

avaliados por indicadores de desempenho diversos. Nesse contexto, o desempenho

dos alunos implica no mau ou bom desempenho do professor o que intensifica mais

ainda a sua carga de responsabilidade. De acordo com Jorge (2014),

Esse modelo de regulação das políticas educacionais no Brasil, com descentralização de recursos e centralização das políticas de avaliação, tem influências sobre o trabalho docente. Soma-se a isso a avaliação sistêmica - que passa a ser uma constante nas políticas atuais - como forma de medir o desempenho tanto dos alunos quanto dos professores e das escolas. Um bom exemplo disso é o Ideb, que, com sua implantação, passa a estabelecer metas de desempenho para as escolas, e seus resultados tornam-se configurações de uma espécie de prestação de contas junto à sociedade (JORGE, 2014, p. 63).

A criação de políticas públicas balizadoras da qualidade do ensino por meio de

provas padronizadas, vem subsidiando o Estado e as escolas com vistas ao controle

da educação. Assim,

Como forma de medição da qualidade da educação, foi criado um indicador de qualidade, o Ideb. O Ideb foi criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2007, e representa uma iniciativa pioneira de reunir num só indicador dois conceitos relacionados à qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas

46

avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitam traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar obtidos no Censo Escolar e das médias de desempenho nas avaliações do Inep (JORGE, 2014, p. 63).

Para esse autor, tais índices também instrumentalizam os pais na escolha das

escolas para seus filhos. O ranking de melhores escolas pautado pelos testes

padronizados a que os alunos são submetidos, introduz uma lógica de mercado ao

sistema educativo e a “utilização dos resultados dos testes padronizados como critério

para a alocação diferenciada de recursos, traz em seu bojo um alto grau de

responsabilização dos professores pelos resultados alcançados nos sistemas

escolares[...]” (Ibidem p. 67).

Por sua vez, Moran, Masetto e Behrens (2013), assinalam o papel cada vez

mais significativo das mídias na educação e da necessidade dos professores

selecionarem o que trará maior profundidade ao conhecimento, porque “ É muito fácil

nos distrair, passar pelas telas, pelas imagens, sem que haja tempo para focar o

essencial, para ler com atenção, para compreender em profundidade” (MORAN;

MASETTO; BEHRENS 2013, p. 57). Para eles, o maior perigo é navegarmos muito

via web, saber um pouco de tudo superficialmente e não compreendermos os

fenômenos na sua essência, e esse risco existe para todos os usuários trazendo

danos no aspecto pessoal e também institucional:

Alunos e professores tendem a dispersar-se diante de tantas conexões possíveis, de endereços dentro de outros endereços, de imagens, textos e mensagens, que se sucedem e se intercomunicam ininterruptamente nas múltiplas telas dos diversos recursos móveis que temos à disposição. [...] É mais atraente navegar, descobrir coisas novas do que analisá-las, compará-las, separando o que é essencial do que é acidental, hierarquizando ideias, assinalando coincidências e divergências” (MORAN; MASETTO; BEHRENS 2013, p. 57).

Bévort e Belloni (2009) refletem sobre a importância da apropriação crítica e

criativa das mídias na educação. Nessa direção indicam a necessidade de integração

entre as mídias e os processos educacionais em todos os níveis e modalidades “[...]

sem o que a educação que oferecemos às novas gerações continuará sendo

incompleta e anacrônica em total dissonância com as demandas sociais e culturais”

47

(BÉVORT; BELLONI,2009, p. 182). Conforme essas autoras, a escola precisa formar

cidadãos que saibam utilizar as novas tecnologias como ferramentas de

conhecimento, participação e inovação. Desse modo, para haver apropriação crítica

e criativa das novas tecnologias, a escola deve ser inovadora e os alunos precisam

estar em sintonia com os professores. Se cada aluno estiver conectado ao bate papo

e entretenimento voltado aos seus interesses particulares a interação na sala de aula

não acontece, e esse é mais um dos problemas enfrentados pelos professores no seu

cotidiano. Não que essas interações não acontecessem anteriormente, é que

atualmente as conversas ditas “paralelas” são também virtuais realizadas com o uso

das redes sociais em sala de aula.

As possibilidades de apropriação crítica e criativa das mídias na educação

também implicam em capacitação docente com vistas a reorientar as suas práticas. A

tecnologia por si só não traz o domínio de novas linguagens. Desse modo, “Assumir

as tecnologias eletrônicas de comunicação e informação como possibilidade didática,

significa reorientar, em termos metodológicos, a prática docente” (BARBOSA, 2008,

p. 197).

Quanto às interações fora do contexto da aprendizagem, conversando com

alunos, tomamos conhecimento que por vezes eles ficam no “bate-papo ” silencioso

nos grupos virtuais da sala enquanto o professor expõe os conteúdos. Nos últimos

anos vimos crescer os grupos de bate papo online em sala de aula a partir da

instalação de aplicativos nos smartphones como o WhatsApp criado em 2009. Por

meio de tablets, notebooks, e smartphones os alunos se conectam com dezenas de

pessoas enquanto os professores tentam captar a atenção deles de diversas

maneiras. É como se os alunos trouxessem seus amigos para dentro de sala de aula

interferindo naquele momento que deveria ser destinado às interações e às análises

de conteúdo entre alunos e seus mestres. Pessoas estranhas a essa relação também

estão ali presentes de modo virtual, trazendo impactos reais ao desempenho de

alunos e professores.

Utilizando uma linguagem simbólica podemos dizer que o espaço físico da

escola foi “invadido” pelas novas tecnologias ocupando espaços anteriormente

dominados pelos professores onde havia o predomínio dos textos escritos, interações

48

presenciais e o uso das bibliotecas. Desse modo, fazemos um convite à reflexão sobre

as alterações observadas nas salas de aula introduzidas com o uso de notebooks,

tablets, smartphones, o acesso à internet e às redes sociais, pois não apenas o modo

de planejar e executar as aulas ganharam contornos peculiares, mas também a forma

de se relacionar sofreu transformações.

As interações com os alunos mediadas pelas redes sociais, têm aspectos

importantes a serem observados, pois se de um lado ampliou a comunicação, também

invadiu o tempo de descanso e a privacidade do professor assim como invadiu a sua

vida social e familiar. Sem se dar conta, o professor expõe a sua vida social e a sua

intimidade familiar aos alunos nas redes sociais. Com relação ao trabalho, antes o

tempo do descanso era invadido pelo preparo das aulas e correções de atividades

escolares. Agora, está havendo uma ampliação dessa situação, porque a “atenção”

dispensada aos alunos além do tempo de trabalho na escola se traduz pelas

postagens nas redes sociais com lembretes das atividades extra-classe, correção de

atividades, reuniões online, orientação de atividades de pesquisa e aconselhamentos.

Mesmo que o professor nem se dê conta dessa sobrecarga e tenha a percepção de

que está mais próximo do aluno, de fato essa “proximidade em rede” traduzida pelo

termo “amizade virtual”, representa uma significativa sobrecarga laboral. Então,

podemos concluir que não apenas a sala de aula foi “invadida pelas novas

tecnologias”, mas o descanso, a jornada de trabalho e a privacidade dos professores

também.

Quanto à perspectiva de refletirmos sobre o aluno “prestando atenção no

professor”, é imperativo também indagarmos por que nas salas de aula do século XXI

o conhecimento ainda está configurado para acontecer no espaço limitado à sala de

aula e centrado na fala do professor? Decerto a escola com seus pacotes-padrão de

saberes e regras está prestando pouca atenção aos alunos nesses novos tempos

configurados pelas tecnologias da informação e da comunicação. É comum a análise

de que o aluno tem algum problema por recusar as aulas, a escola e os professores.

As perguntas recaem sobre o porquê do desinteresse dos alunos, contudo é também

pertinente direcionar tais questionamentos ao fazer pedagógico da escola, e em que

medida as práticas escolares suscitam a repulsa ou o desinteresse dos alunos.

49

Neste estudo, as experiências vividas e contadas pelos professores e alunos

revelam modos de ser e de se relacionar na sala de aula e fora dela com interfaces

diversas, podendo ser relacionamentos marcados pelas convergências e conexões,

ou histórias marcadas pelo distanciamento e conflito.

Esses impactos estão explicitados nas narrativas dos professores e também

dos alunos. São vivências profissionais e interações sociais diversas onde percebe-

se a estrutura organizacional influenciando e produzindo resultados diferenciados

marcando intensamente a trajetória desses docentes e dos seus alunos na Rede

Pública de ensino em Minas Gerais.

Aqui é pertinente refletirmos sobre pesquisa recente de Oliveira e Vieira (2012)

sobre o trabalho docente na educação básica de Minas Gerais. As autoras trazem

reflexões importantes para que possamos compreender o contexto atual de

dificuldades enfrentadas pelos professores na escola pública no Estado. Desse modo,

o estudo de Oliveira e Vieira (2012) “analisa o trabalho docente nas suas dimensões

constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza o

trabalho docente nas escolas de educação básica, com a finalidade de subsidiar

políticas públicas para o Brasil” (OLIVEIRA e VIEIRA, 2012, p. 13).

As autoras lembram que “ com as mudanças ocorridas a partir da década de

1990 na sociedade brasileira e na educação, os sistemas educacionais passaram a

sofrer novas formas de regulação que impactaram diretamente o trabalho docente”

(OLIVEIRA e VIEIRA, 2012, p. 13-14).

Sete estados brasileiros participaram da pesquisa: Pará, Rio Grande do Norte,

Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. No estado de Minas

Gerais foram entrevistados 1. 385 professores de setembro a novembro de 2009. Os

municípios participantes foram: Belo Horizonte, Formiga, Bambuí, Paracatu, e Raul

Soares.

A pesquisa revelou que “ ao lado de Santa Catarina (27,8%) e Rio Grande do

Norte (26,2%), Minas Gerais apresenta as maiores proporções de sujeitos docentes

que se declaram insatisfeitos com a remuneração pelo seu trabalho (25,5%)”

50

(OLIVEIRA e VIEIRA, 2012, p.18). Quanto às políticas educacionais implementadas

nas duas últimas décadas, tais políticas pressionam a competição entre as escolas

por melhores índices de qualidade. E também foi apurado, que Minas Gerais “ e o

estado onde os docentes mais percebem o aumento das exigências sobre seu

trabalho em relação ao desempenho dos alunos (70%) (Ibidem, p. 19).

Ainda com o propósito de contextualizar o trabalho docente em Minas Gerais,

a pesquisa de Augusto e Saraiva (2012) reflete sobre o papel da escola e a forma

como ela vem se estruturando para cumprir as exigências da educação formal na

atualidade. Desse modo é crucial atentarmos para o fato de que

A crescente complexidade da vida social traz reflexos sobre os sistemas educacionais, que vivem a crise das instituições da sociedade, das famílias, dos sindicatos, das organizações sociais. A própria escola reflete as contradições múltiplas e articuladas, inerentes ao sistema em que se insere (AUGUSTO e SARAIVA ,2012, p. 21).

As autoras ressaltam que nem sempre as instituições escolares conseguem

responder às demandas dos alunos porque sofrem restrições, haja vista sua

subordinação a órgãos gestores. Ainda assim,

A crença na escola como meio de inserção social qualificada resiste, em meio à crise de desemprego e à vulnerabilidade das economias nacionais, que põem em risco cada vez mais a promessa de futuro para as gerações mais jovens. A escola formal ainda é objeto de luta, acesso e qualidade, dos movimentos organizados, enquanto o direito à educação for algo a ser conquistado para a grande maioria da população. As políticas educacionais mais recentes têm refletido a busca de respostas a esses movimentos, ao mesmo tempo em que trazem uma nova conformação da coisa pública, alterando o sentido do que seja um atendimento adequado (AUGUSTO e SARAIVA, 2012, p. 22).

Conforme Augusto e Saraiva (2012), os dados do Censo Escolar de 2011 do

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC),

Minas Gerais tem 4. 93 milhões de alunos na Educação Básica, sendo 2.90 milhões

no Ensino Fundamental, praticamente 10% do total do país. Das unidades escolares

no Estado, 3.818 são estaduais e 9. 710 são municipais. Há atualmente vaga para

todos os alunos do Ensino Fundamental, 93,4% das crianças de 6 a 14 anos estão na

escola, mas apenas 68% dos jovens com 16 anos o concluem. A situação é mais

preocupante no ensino médio pois, dos adolescentes mineiros de 15 a 17 anos, 85%

51

estão na escola, porém somente 54,4% deles cursam o ensino médio, nível de ensino

adequado à faixa etária (PNAD /IBGE-2009).

Conforme as autoras, apesar desses dados apontarem para uma situação

ainda bastante desafiadora, o governo o Estado considera, de acordo com o Plano

Mineiro de Desenvolvimento Integrado- PMDI 2011 a 2030-Gestão para a cidadania,

considera que o desafio da qualidade da educação vem sendo enfrentado com

sucesso, pois Minas Gerais apresenta

o melhor índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB) do país nos anos iniciais do ensino fundamental e o 3° melhor, nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, considerando apenas a rede estadual de ensino. Segundo dados do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica- SIMAVE/PROEB, o percentual de alunos do 5° ano do ensino fundamental com nível recomendado de proficiência praticamente dobrou entre 2006 e 2010. (AUGUSTO e SARAIVA, 2012, p. 24-25).

As autoras afirmam persistir ainda desigualdades educacionais que governo do

Estado reconhece e tenta solucionar por meio de ações previstas no PMDI- 2011 a

2030, contudo havendo um plano centrado na gestão dita “moderna” que preserva a

centralidade do Estado, implementando diversas ações em busca da qualidade do

ensino. A partir

da lógica administrativa de um ‘Estado para resultados’ os programas adotam uma combinação de diferentes formas e meio de intervenção, adotando lógicas de mercado, de responsabilização das famílias, de concorrência entre docentes e escolas, de formação profissional inicial e continuada, de combate à violência, de atratividade e de aumento do tempo de permanência na escola. (Ibidem, p. 35)

Com relação aos docentes o governo estabeleceu a partir de 2003, uma política

de avaliação por mérito como forma de pressionar pela melhoria da qualidade do

ensino. As autoras afirmam que a intenção do governo foi transformar as relações de

trabalho, definindo a produtividade como o diferencial. Subordinar os docentes à

Avaliação de Desempenho Individual significa limitar a sua autonomia profissional. Os

professores não aceitam com tranquilidade essa determinação, por tratar-se “ de

medida reguladora de controle sobre a atuação docente, de natureza meritocrática

uma vez que é condicionado ao desempenho no SIMAVE/PROEB” (AUGUSTO e

SARAIVA, 2012, p 37).

52

A pesquisa de Augusto e Saraiva (2012) concluiu que os docentes em Minas

Gerais estão insatisfeitos com as suas condições de trabalho pois, lidam com número

excessivo de alunos em sala de aula, havendo desinteresse da maioria desses alunos.

Estão insatisfeitos com os salários, tendo que trabalhar em diversas escolas, e

dispõem de poucas horas para atender aos alunos nas suas necessidades. Eles se

sentem responsáveis pelo sucesso ou insucesso dos alunos nas avaliações de

resultado nas escolas onde trabalham, havendo um grande sentimento de cobrança

sobre si mesmos.

53

CAPÍTULO II

2. UMA ESCOLA “DIFERENCIADA”: QUE TERRITÓRIO É ESSE?

Neste capítulo, faremos a exposição e análise dos dados coletados na nossa

pesquisa de campo enfatizando nosso propósito de investigar o relacionamento entre

alunos e professores numa escola pública de Ensino Fundamental e Médio de Belo

Horizonte, nesse contexto de inovações tecnológicas. Partimos do espaço de relações

presenciais da escola que é a sala de aula onde os professores e alunos interagem

diariamente. E desse campo de interações face to face buscamos analisar de que

modo esses interlocutores dialogam e quais os problemas enfrentados por eles,

colocando em relevo as condições em que o trabalho docente é desenvolvido.

Destacamos aqui, nossa percepção de que nesse campo de trabalho há

componentes importantes interferindo nessas relações tais como o uso das

tecnologias da informação e da comunicação assim como o tipo de gestão escolar e

o clima organizacional, pois a sala de aula está inserida num contexto maior que é a

escola, e esta por sua vez inserida no contexto social onde estão localizados todos os

sujeitos que interagem no espaço escolar.

É necessário refletirmos sobre o que ocorre nesse território, a sala de aula, no

quanto determinados elementos podem impactar o trabalho docente, e modificar as

interações entre alunos e professores. A escola, ao repensar suas práticas, pode se

apropriar das novas ferramentas de informação e comunicação e se recriar. Nesse

sentido, as situações de conflito e as dificuldades do cotidiano escolar, podem ser um

ponto de partida para a escola reconfigurar as práticas pedagógicas, os ambientes de

aprendizagem e os relacionamentos.

Para falarmos da escola selecionada como nosso campo de pesquisa tomamos

inicialmente como referência Perrenoud (2002). Resgatamos as indagações desse

autor ao assinalar o início do século XXI como um marco temporal a fim de repensar

as questões referentes ao ensino, à sala de aula e à formação de professores.

Naquele período ele imaginava como seria a sala de aula algumas décadas após o

início deste século. Perguntava-se se haveria tecnologias mais sofisticadas e se as

54

interações entre professores e alunos continuariam marcadas pelas palavras e nas

trocas entre um professor e vários alunos, mesmo que fossem salas de aula virtuais

com alcance de nacionalidades diversas onde todos poderiam dialogar por meio de

chips de tradução simultânea. Por fim refletia sobre nossa incapacidade de antecipar

o porvir, e admitindo que o futuro traz surpresas inimagináveis afirmava: “ [...] é

possível que os intérpretes desapareçam antes que os professores, ou talvez ocorra

o contrário. Ou talvez nada mude[...]” (PERRENOUD, 2002, p. 12). De fato, não seria

possível anteciparmos o que seria a escola hoje, porque não temos a capacidade de

fazer previsões e a história da humanidade não se caracteriza pela linearidade e

previsibilidade, mas o que Perrenoud disse sobre sermos surpreendidos e desafiados

tem total validade no contexto escolar objeto desta pesquisa.

Esse aspecto surpreendente e desafiador do trabalho docente está inscrito

nesta produção, nas observações por nós realizada, e nos relatos dos alunos,

professores e gestores.

Os professores entrevistados falaram do seu cotidiano de trabalho no campo

de pesquisa escolhido para este estudo, e também de outras experiências marcantes

nos seus percursos pela docência. As experiências em outros locais de trabalho foram

importantes para compararmos as condições de trabalho, aspectos da gestão escolar

e os relacionamentos com os alunos.

Neste estudo de caso foi predominante a descrição da Instituição de modo

positivo pelos entrevistados, pois desenvolve práticas alinhadas às expectativas dos

professores no sentido do cuidado e do respeito alterando positivamente suas

expectativas quanto ao exercício do magistério, apresentando resultados satisfatórios

no aspecto da aprendizagem e dos relacionamentos, sentimento convergente com os

relatos dos alunos. Contudo, pontuaram também problemas que a escola de modo

persistente e criativo tenta solucionar.

Os seis professores participantes deste estudo são certificados nas

respectivas áreas em que atuam, sendo três graduados, um especialista e dois

mestrandos. Quanto ao ingresso na instituição, todos passaram por seleção pública

55

de provas e títulos. Apenas dois assumiram a função em caráter efetivo, os demais

têm contrato temporário.

A fim de preservarmos o anonimato dos participantes todos receberam nomes

fictícios: Pedro, Marcos, André, Laura, Marina e Rafaela.

Preliminarmente queremos destacar a importância dessa escola, nosso campo

de pesquisa no sentido de que as suas peculiaridades nos surpreenderam. Por ser

uma Instituição pública nossa expectativa inicial era a de que o cenário de trabalho e

de relacionamentos seria aquele tradicionalmente retratado pelas mídias, e diversas

produções acadêmicas onde há o registro de uma realidade adversa, marcada pela

desmotivação, adoecimento e abandono da profissão. Contudo, essa história nos

surpreendeu em sentido oposto, conforme relataram os entrevistados e consoante

com as nossas observações e registros da Instituição.

Os entrevistados Pedro, Marcos, André, Laura, Marina e Rafaela, atuando no

Ensino Fundamental e Médio, descreveram a escola como diferenciada, ideal, um

projeto de escola ideal, e ao longo das suas narrativas foram explicando o porquê,

utilizando exemplos do que ocorre na Instituição no seu cotidiano de trabalho.

Ao mesmo tempo em que narraram suas experiências positivas nessa escola,

e fizeram suas críticas, alguns entrevistados contaram as experiências negativas em

outras escolas que lhes trouxeram intensa preocupação, desgaste e até adoecimento.

Nesta exposição inicial das entrevistas, queremos destacar aspectos que

tornam esse ambiente de trabalho um território diferenciado sob a perspectiva dos

professores participantes desta pesquisa.

O professor Pedro, primeiro entrevistado, tem 14 anos de magistério e trabalha

há quase um ano nessa escola, tendo sido contratado em 201325. Seu relato foi

marcado pela intensidade de sentimentos onde ficou clara sua satisfação e surpresa

25 Dentre os entrevistados, Pedro é o professor com maior tempo de magistério.

56

ao chegar nessa escola, onde há um clima de respeito e de valorização dos alunos e

dos professores.

O entrevistado pontuou aspectos positivos da escola atual, nosso campo de

pesquisa, mas ao longo da sua narrativa comparou o trabalho dessa escola com as

suas experiências anteriores que o levaram ao adoecimento e a repensar a escolha

da profissão.

Ele descreveu a Instituição como uma escola diferenciada26, destacando na

sua narrativa algumas características peculiares confirmadas pelos demais

professores. É uma escola mais tranquila para se trabalhar pois cada sala tem o

máximo de 35 alunos: “As turmas aqui só chegam a 35. Faz parte do projeto não

encher a sala” (PEDRO, 2013).

A imagem a seguir mostra a professora respondendo a uma pergunta do aluno

utilizando o celular como recurso de comunicação. Um modo criativo usado pela

comunidade virtual Professores Sofredores para denunciar a precariedade nas salas

de aula brasileiras com excesso de alunos sem que os professores disponham de

infraestrutura adequada para o trabalho.27

Figura 9- Facebook - Comunidade Professores Sofredores

26 Grifo nosso. 27 Disponível em <https://www.facebook.com/pages/Professores-Sofredores/310167222377505?fref=ts.> Acesso

em: 04 mar. 2015.

57

Comparando com instituições da rede privada e outras escolas públicas onde

lecionou, o professor Pedro concluiu: “Ainda não é a escola ideal, mas é o projeto da

escola pública ideal”.

Conforme o professor Pedro, o termo diferenciado se aplica a essa escola pelo

número de alunos matriculados por turma, o que lhes proporciona melhor condição de

lidar com os problemas e cumprir seus planos de trabalho, mas também porque há

salas de aula equipadas com TV, DVD e notebook e há acesso à internet para o uso

diário, o que facilita a compreensão dos alunos e torna as aulas mais interessantes.

Há professores que trazem notebook para o trabalho por precaução, pois os

equipamentos da Escola já têm algum tempo de uso e apresentam desgaste podendo

não funcionar em certos momentos.

Ele avalia que o relacionamento com os alunos ocorre de modo mais tranquilo

e com o mínimo de tensão. Os alunos conversam entre si, o que ele considera normal

para a idade, mas atendem ao pedido do professor para dar maior atenção às aulas.

Não é nada excessivo que interfira nas aulas, nem é algo que seja desrespeitoso. É

possível lidar com a inquietação dos alunos. De modo geral os alunos desta Instituição

são receptivos aos professores:

Conversa entre eles, que não é uma conversa alta, não são conversas

desrespeitosas, mas eles querem ficar batendo papo. É o bate-papo do

adolescente. E normalmente quando a gente chama a atenção,

principalmente se for um caso repetido, normalmente eu não tenho mais

problemas. Então dentro de sala de aula tem a conversa sim. Aqui nessa

escola, pelo perfil dos alunos que tem na escola, normalmente pede-se e é

atendido. Eu nunca tive que, por exemplo, fazer ocorrência por conversa.

(PEDRO,2013)

Na avaliação do professor Pedro, os alunos dessa escola não são diferentes

de nenhum outro da sua idade. Há conversas entre eles, há o uso de celular em sala

de aula, há tentativas de descumprir as normas escolares, mas em menor grau do que

nas outras escolas onde ele trabalhou. Não é nada que leve o professor ao desgaste

intenso porque ele não está sozinho, e tem suporte administrativo e pedagógico. Além

do mais, por ter uma quantidade menor de alunos, a interação é melhor. Para ele, a

intensidade de fatores impactantes é que leva o docente à exaustão. Por isso

58

considera o apoio da gestão fundamental para lidar com os conflitos e problemas do

dia a dia.

Sobre o dia a dia, Pedro citou como exemplo do trabalho da gestão, a regra

sobre o uso do celular na sala de aula. Esse foi um problema citado por todos os

docentes, o uso do celular que atualmente faz parte de todo o convívio social, e que

mudou o comportamento das pessoas seja no trabalho, na escola e no convívio

familiar. Sobre essa questão, Silva (2008) afirma que “Na cultura contemporânea, o

consumo de tecnologias de comunicação e informação torna-se cada vez mais

onipresente na vida dos indivíduos: afinal, quem sou eu sem meu celular e e-mail? ”

(SILVA, 2008, p. 311). Segundo a autora, é como se o celular fosse uma extensão do

corpo humano, e complementa: “ [...] o telefone celular se tornou o artefato- símbolo

da contemporaneidade[...]” (ibidem p. 312). O convívio social tem sido afetado em

todos os aspectos por causa do uso do celular, e não apenas os adolescentes foram

afetados pela introdução do telefone móvel na vida social, os adultos também foram

arrebatados por essa tecnologia. Seus estudos sobre identidade, sociabilidades e

corpo nas culturas urbanas, indicam haver uma relação entre o uso de celulares e a

corporalidade dos indivíduos. O celular não é mais apenas um objeto de consumo, é

como se a pessoa desenvolvesse uma relação de afeto com o aparelho, como se o

celular fosse uma extensão do corpo da pessoa, não podendo se separar dele. Assim

sendo: “Tanto a relação afetiva, quanto a dependência tecnológica, em suas variadas

gradações, encontram um ponto de convergência no argumento de que o celular se

confunde com a própria vida” (SILVA, 2018, p.321).

Essas considerações sobre o uso do celular foram feitas porque a escola não

está desconectada da vida social, e sofre influências do modo de vida das pessoas.

Além do mais, o uso do celular em sala de aula é um tema recorrente nas conversas

sobre a escola, e nessa Instituição não foi diferente, sendo importante assinalar que

uso do celular não é permitido na sala de aula, para entretenimento ou comunicação

particular, apenas para uso pedagógico, se combinado previamente. Essa é uma

regra da Instituição, não é algo que cada professor permita por ser mais simpático ou

proíba por ser mais rígido. Os alunos e os pais têm conhecimento dessa norma.

Segundo o professor Pedro, é difícil lidar com a ansiedade dos alunos quanto

ao uso dos celulares, pois estão sempre conectados às redes sociais, ainda que os

59

aparelhos estejam ligados no modo silencioso. É como se eles precisassem olhar a

todo instante o que os amigos estão conversando no Facebook, WhatsApp e outros

ambientes virtuais. Então diariamente há as tentativas de conexão com os amigos por

meio da Internet e também há as conversas presenciais.

Como os alunos conhecem as regras da Instituição, basta alguns alertas para

que retomem a interação com os mesmos, apesar das muitas “olhadinhas” nos

aparelhos para verificar os alertas de mensagem. Então o professor considera positiva

a atitude dos alunos de saberem que há esse limite na escola, e que o professor não

está ali para atrapalhar a vida deles e sim para agregar algo positivo em cada

disciplina. Com o número de alunos reduzidos por turma, essas intercorrências são

mais fáceis de administrar, com menor tensão entre alunos e professores.

Eles colocam o celular no silencioso. A maioria deles tem celular que conecta com a internet. Então eles ficam conectados ao Facebook. Então quando chega mensagem no Facebook o celular vibra e eles dão um jeito de olhar. Então tem gente que coloca embaixo da manga, tem gente que coloca embaixo da blusa, em cima do colo, e eles só querem estar ali com o celular. Eu já percebi isso, todo professor percebe isso. Eles só querem estar ali com o celular achando que o professor não percebe, e às vezes não percebe mesmo porque está debaixo da blusa. Mas aí de vez em quando você olha para um e vê o dedinho assim passando, está mexendo no Facebook. O celular é touchscreen. Então está passando o dedinho ali, aí ele olha, e o professor chama atenção da turma, às vezes não especificamente dele. Aí quando isso se repete a gente tem que interferir (PEDRO, 2013).

A Instituição estabelece o limite de atuação dos professores e dos alunos, e

age diariamente nessa direção. Conforme o professor Pedro os alunos não entram na

sala dos professores, só se forem convidados. Em outras escolas é comum alguns

alunos ou muitos alunos entrarem na sala.

De fato, nas nossas observações diárias, vimos que os professores deixam

notebooks e outros pertences na sala dos professores e ninguém mexe, e não há

alunos na sala dos professores nem nas salas de estudo deles. Existe o cuidado da

administração para que esses espaços de descanso e de trabalho sejam respeitados,

o que deixa os professores com a sensação de que são valorizados.

60

O professor Pedro se sente respeitado e seguro na escola, pois os espaços

estão delimitados. Há limite para o uso dos espaços na escola, e respeito pelo

professor no cumprimento do horário de atividades ou intervalo para o lanche. No ano

de 2013 o professor destacou não ter tido problema de indisciplina com os alunos,

mas ele reconhece o esforço e as atitudes de toda a escola interferindo no bem-estar

de quem trabalha e estuda ali, portanto não é algo casual.

Nessa escola, os alunos sabem que têm que pedir licença para interromper o

momento em que o professor está no horário de preparação de atividades ou no

intervalo de descanso entre as aulas. Essas interrupções têm que ser justificadas, e

admitidas apenas em situações excepcionais pois o professor tem direito ao descanso

e tem direito à carga horária de preparação das aulas, correção de atividades e

lançamento de notas sem ser interrompido. Esse tempo de trabalho extraclasse está

incluído na carga horária de trabalho e deve ser cumprida na escola.

Pedro viveu momentos de intenso desgaste em outras escolas tendo chegado

ao adoecimento no sétimo ano de trabalho tendo que tomar medicação e rescindir

contrato trabalhista, o que impactou seu bem-estar, sua profissão e a vida pessoal.

No contexto do adoecimento, repensou a carreira e resolveu fazer o Mestrado para

ter a oportunidade de lecionar em cursos de nível superior. E recentemente tomou a

decisão de se desligar das escolas particulares: “Esse ano, pela primeira vez, eu

escolhi não trabalhar na rede particular. Eu me neguei. Eu tinha uma escola particular,

na verdade duas, e eu me demiti das duas”.

Segundo o professor Pedro, ele ganha menos na rede estadual, mas tem mais

turmas para trabalhar, o que é positivo por não ter que se deslocar para várias

instituições com carga horária pequena de trabalho: “Eu não encontro dezoito aulas,

é muito difícil encontrar dezoito aulas porque, 90% das escolas particulares são

escolas muito pequenas apenas com uma turma de cada série do ensino médio”. E

há outras razões apontadas pelo professor para que ele prefira a rede pública. Ele cita

a obrigação e o desgaste de ensinar modos básicos de comportamento aos alunos,

para que eles tenham postura adequada à sala de aula. Nas escolas onde ele

lecionava anteriormente havia um desgaste intenso nesse aspecto comportamental

61

dos alunos. E isso era visto como responsabilidade do professor e da sua capacidade

de lidar com os alunos:

E outra coisa, a nossa vida de professor ela é muito sacrificada no sentido de ter que lidar com uma turma, um grupo de adolescentes que não consegue ter da família a educação que deveria ter. E a gente já incorporou que a gente tem que completar isso aí. Então no final das contas o que eu quero dizer é isso traz muito desgaste emocional. O professor não é mais só o professor, ele tem que ensinar os bons modos, ensinar a respeitar e ele sofre com isso, a gente sofre com isso, porque isso magoa, isso mexe com a nossa capacidade de o tempo todo ser paciente e não dá para ser paciente o tempo todo porque a gente não consegue (PEDRO,2013).

Além do comportamento do aluno o professor Pedro considera prejudicial ter

vários vínculos empregatícios, pois isso impede o descanso entre uma Instituição e

outra. Essa falta de pausa intensifica o cansaço e o nível de irritabilidade tende a

crescer, sobretudo se o professor carregar todas as responsabilidades do trabalho e

da escola sozinho:

Aí tudo bem, se fosse numa escola só a gente poderia ser paciente para descansar. Mas a gente sai daqui vai para outra e aí as coisas vão acumulando. Só que fatalmente um dia ou outro você vai ser sem educação com um aluno seu que “mereceu”. Você não deveria, mas o sistema te levou a isso, não é porque você é mau, o sistema te levou a isso. Então às vezes você repete a informação, repete, repete, repete aí o sujeito está lá mexendo no celular. Aí quando está tudo bem, quando todo mundo entendeu ele vai lá e pergunta a mesma coisa. Esse é o tipo de coisa que tem um momento que a gente perde a paciência. Então, o que acontece? O que eu quero dizer é que na rede particular isso é extremamente intensificado. Na rede particular isso é terrível. (PEDRO,2013).

Pedro entende haver ainda o sentimento de que o aluno da escola privada vê

o professor como um empregado, sobre quem o aluno exerce poder pelo fato de pagar

para ter aquela prestação de serviço:

Porque o aluno, muito provavelmente pelo fato de ele estar pagando, ele não se importa com o ser humano professor. É aquela famosa estória, ele sente que ele tem direito sobre a pessoa, sobre aquele ser humano. Então esse direito permite a ele se comportar de qualquer forma e eu ser obrigado a atender todas as necessidades dele no tempo que ele quiser, da maneira que ele quiser, quantas vezes ele quiser. Se não for assim ele vai e reclama e isso traz um desgaste muito grande. Na rede pública esse desgaste é menor e eu procuro qualidade de vida (PEDRO,2013).

Pelas experiências acumuladas ao longo desses anos de magistério, o

professor concluiu que atualmente está tendo condições melhores de trabalho do que

62

quando tinha vários vínculos empregatícios, e também pelo tipo de trabalho que é

desenvolvido na escola atual com apoio ao corpo docente. Essa escola estabelece

uma carga horária na escola para o professor estudar, reunir com outros professores,

planejar oficinas, semanas temáticas, correção e lançamento de notas e capacitação

contínua. O professor Pedro acha errado fazer esse trabalho e não ser remunerado

como acontece nas demais escolas públicas e privadas:

O desgaste emocional é bem menor. Só isso. Em vez de ter oito turmas eu tenho quatro. Eu tenho tempo para preparar a aula se eu precisar. Eu tenho tempo para fazer lista de exercício. Eu tenho tempo para corrigir as provas e lançar as notas tudo na escola, eu não preciso levar esse trabalho para casa. Mas da outra escola eu sou obrigado a levar. Então na outra escola e também na escola particular eu sou obrigado a levar. Quer dizer, isso está errado. Eu não tinha que levar meu trabalho para casa. Eu tinha que ter tempo de fazer na escola. E ganhar por isso porque é trabalho de professor. No entanto, a escola particular ela não contrata educador, ela contrata “dadores” de aulas. Ela quer um bom “dador” de aula. Quer que o professor chegue e dê uma aula maravilhosa todos os dias, é isso que a escola quer. Aqui na escola pública, especialmente nesta escola, eu me sinto, como os pedagogos gostam de falar, educador. Eu me sinto participante da vida do meu aluno de uma forma geral. Nas outras escolas, em todas as outras escolas pelas quais eu passei, eu me senti dador de aula. Aqui eu me sinto educador. (PEDRO,2013).

Outro entrevistado, o professor Marcos, trabalha na escola há um ano e meio

e tem três anos de profissão. Ele ministra oficinas no contra turno e se sente bem

nessa Instituição pelo respeito com que é tratado por todos. Ao ingressar na escola

ficou bastante surpreso com o respeito dos alunos e a atenção da Diretoria. Destaca

haver situações excepcionais de desgaste na sala de aula, mas nada que seja

incontornável, e o apoio da Direção é constante na mediação dos conflitos.

Enquanto profissional, vê nas atitudes da escola a valorização dos alunos e dos

professores, sentimento que ele não teve com relação à sua escola pública anterior,

tendo rescindido o contrato de trabalho pela falta de apoio da Diretoria, falta de

estrutura para o trabalho, pelo mau relacionamento com os alunos o que resultou em

intenso desgaste e medo de retornar para a sala de aula:

Aqui é bem diferente. O respeito é muito maior, a recepção deles foi muito calorosa. Eu vim aqui com medo. Voltar para dar aula, na mesma faixa etária, escola pública, tudo igual, mas aqui a escola pensa de uma forma diferente. Eu encontrei uma recepção completamente diferente. A escola pensa de uma forma diferente. É como se os alunos merecessem estar aqui. Estão aqui por mérito. Tem alguns que não querem nada, dão trabalho com indisciplina, mas nada parecido com o que aconteceu antes. Tenho parte de uma turma que

63

vou tentar me adaptar a eles, temos também que ver o lado deles. Tem alguns que dão trabalho. Os alunos confundem aula prática com ficar à toa, pensam que é só diversão (MARCOS, 2013).

Embora indicando algumas dificuldades ao longo de 2013, reconhece o esforço

da sua escola atual, no sentido de tornar o ambiente mais adequado ao trabalho

docente:

A escola tem essa preocupação com a disciplina específica. A Direção é completamente diferente, nos apoia, nos ouve, são professores como a gente. Os alunos são completamente diferentes, aqui existe um respeito muito maior, é lógico que existe um ou outro, mas a maioria é diferente. Meus colegas falam, eu vejo nos jornais, aqui não tem igual. Não é à toa que a escola sai em matéria no lado positivo, ganha prêmios. Sempre você está sabendo de algo positivo. As notas do Enem são sempre melhores que a média estadual (MARCOS, 2013).

Conforme o professor Marcos, o trabalho com as oficinas permite abordagem

sobre os problemas vividos pelos alunos e professores no dia a dia, como o bullying.

Em 2013 os professores realizaram um projeto interdisciplinar com atividades relativas

a esse tema, dentre as quais discussão sobre os fatos ocorridos na própria escola a

partir de mostras de vídeo. Com curtas-metragens de aproximadamente doze minutos

os alunos foram motivados a falar sobre fatos vividos no cotidiano, o que foi

considerado bastante positivo, pois a discussão problematizou o bullying na escola:

“A gente projetou os filmes direto do YouTube. Existe o bullying, mas não é tão forte.

É velado, mas enquanto tiver a gente vai combater. Os alunos participaram, falaram

do que ocorre aqui”.

A escola propôs reuniões semanais para o planejamento de oficinas e outras

atividades, o que permitiu a inclusão de várias disciplinas nos projetos. O uso da

internet, TV, DVD e projetor foi essencial para a realização dessas atividades, assim

como o planejamento coletivo.

Em 2012 a sala onde o professor Marcos ministrava as oficinas eram equipadas

com os eletrônicos, o que ajudava a motivar os alunos e o tempo era otimizado. Por

meio de imagens e vídeos era possível apresentar várias abordagens. Em 2013 houve

uma mudança na divisão das salas, e as oficinas passaram a ser realizadas em outro

andar sem ter os equipamentos eletrônicos fixos, e sendo a sala compartilhada com

64

outra disciplina. Isso demandava tempo para transportar o projetor e conectá-lo na

sala de aula, o que gerava insatisfação de ambos os professores. Esse período usado

para organizar a sala e equipá-la para o trabalho, e depois guardar os eletrônicos e

organizar novamente a sala para outro professor gerou reclamações à Diretoria que

reconheceu a legitimidade da demanda: “Falamos com o Diretor, o pessoal da

Educação Patrimonial reclamou também e vão instalar um projetor que a escola

ganhou por uma premiação”

Mesmo reconhecendo o esforço da Direção para fazer as adequações

necessárias à estrutura de trabalho, o professor Marcos tem a expectativa de trabalhar

em breve num espaço específico mais apropriado para as suas aulas:

Eu sinto falta de ter um espaço só da minha disciplina. Eu divido a sala com o professor de inglês. A gente perde um tempo para arrumar a sala, tirar as carteiras e no final recolocar. Tenho trezentos alunos ao todo. Por dia dou aula para sessenta alunos do 6° ao 9° ano do Ensino Fundamental. São quatro aulas por dia. As salas são menores, não cabe muito aluno. Eles vão trocando de sala (MARCOS,2013).

O professor justifica a importância de ter o ambiente adequado ao trabalho em

todas as disciplinas da escola. Desse modo os professores e os alunos poderão

explorar as possibilidades do conhecimento de modo multidisciplinar, sem priorizar

uma disciplina ou outra, já que a proposta da escola é que haja o máximo de

oportunidade de aprendizagem:

Aqui tem Wi-Fi, tem roteador na sala dos professores, tem computador, TV, tudo da escola. Não deu problema na oficina. Não gosto de ficar imprimindo, haja papel. No ano passado pegava o texto em PDF, conectava no computador da escola, colocava direto da TV, lia com os alunos, passava filmes, vídeos, práticas diferenciadas, utilizava bastante. Não era toda semana, toda aula. Mas uma vez por mês eu utilizava com certeza e era muito proveitoso. Esse ano não trabalhei assim, não tem TV nas salas onde trabalho lá embaixo. Eu fico de mãos mais atadas. Queria trabalhar uma aula mais dinâmica, não tem como ficar carregando o projetor sempre. No próximo bimestre quero trabalhar com teoria, mas nada muito profundo, senão fica chato. Com a televisão fica mais dinâmico (MARCOS,2013).

Relembrando experiência negativa de trabalho, numa escola pública anterior,

o professor relatou dificuldades de relacionamento com os alunos, ausência ou

dificuldade de acesso aos meios para o trabalho, e total descaso da Diretoria. Para

ele a escola “era mais um presídio do que uma escola. A TV era presa numa gaiola,

65

tinha que pedir para Diretora, dependia da boa vontade dela”. E quanto aos alunos a

receptividade desde o início foi de desprezo e agressividade:

Eu cheguei eles já estavam fechados, fechados para as aulas. Não todos, mas a maioria. Eu tive casos lá deles jogando bolinha de papel nas minhas costas enquanto eu escrevia, de dificultar ao máximo possível as minhas aulas, de me deixar louco. Então eu saí porque eu estava esgotado mentalmente. Eu não conseguia olhar para eles. Eu já via meus alunos como meus inimigos. Eu achava que eles me odiavam. Eu achava que ia além das minhas aulas, era pessoal. Eu decidi sair porque eu estava mal mesmo (MARCOS,2013).

Achamos oportuno acentuar os estudos de Paschoalino (2009) sobre o trabalho

docente. A autora alerta para as consequências do mau relacionamento entre alunos

e professores nos espaços escolares:

As relações estabelecidas entre professores e alunos acontecem e desencadeiam reações positivas ou negativas. Numa teia de interações, é através das palavras de ações que professores podem desencadear, em si e nos outros, mudanças estruturais que chegariam a afetar sua fisiologia, podendo levar ao adoecimento e até a morte (PASCHOALINO ,2009, p. 41).

O professor Marcos não suportou o desrespeito dos alunos e o descaso da

Direção daquela escola. Diante de inúmeras tentativas fracassadas de estabelecer

um relacionamento satisfatório com os alunos, o professor pediu ajuda à Diretora, mas

recebeu a seguinte resposta: “Professor, pede para sair”. Vários fatores afetam o

ânimo e o bem-estar dos professores, mas a relação com os alunos é crucial no

trabalho docente. Então o intenso sentimento de frustração presente na experiência

desse professor e sua desistência do trabalho naquela Instituição é compreensível por

vários aspectos, sobretudo pelo relacionamento com os alunos:

A preocupação dos professores não está centrada apenas em suas condições de empregados frente a seus patrões, mas também na relação com os alunos. A interação do trabalho docente não permite desvincular-se do outro, pois as identidades são formadas ou deformadas na relação (PASCHOALINO ,2009, p. 57).

O professor Marcos pediu demissão daquela escola, estudou mais, iniciou o

Mestrado, teve outras experiências ligadas à educação, e cinco anos depois retornou

à sala de aula, mesmo havendo o temor de que a história anterior pudesse se repetir.

Contudo ele foi surpreendido com a recepção calorosa dos alunos e o cuidado

da Diretoria, atenta as dificuldades dos professores. Na sua disciplina, ele busca

66

mostrar as possibilidades de transformação social e política. Há alguns alunos que

pensam as aulas e as oficinas como mero entretenimento, e esse é um desafio que

escola compreende não ser apenas do professor, mas da Instituição. Por isso, o

trabalho é intenso nas séries iniciais, quando os alunos ingressam na escola.

Essa atenção dada aos alunos cuidando para que sejam acolhidos e acolham

os professores é uma premissa fundamental na constituição de um ambiente favorável

ao trabalho docente:

Assim, o contexto escolar constitui, concretamente, um verdadeiro ambiente, cuja contingência pesa enormemente sobre as condições de trabalho dos professores. Por exemplo, veremos que a falta de recursos e de tempo e a escassez de instrumentos pedagógicos são fatores ‘materiais’ frequentemente mencionados pelos professores como estando entre as maiores dificuldades dessa profissão (TARDIF; LESSARD,2009, p. 55-56).

Seguindo com as entrevistas conversamos com o professor André que trabalha

há quase três anos na Instituição e tem cinco anos de profissão. Sua avaliação seguiu

destacando aspectos peculiares da escola, pois ela destoa dos padrões das demais

escolas públicas em que ele trabalhou.

André relatou estar bem desanimado na docência antes da sua inserção nessa

escola, seu campo de trabalho atual: “Vou te falar que até o começo do ano passado

eu estava muito desanimado. Aí aqui mudou um pouco minha visão. Mudou um pouco

não, mudou bastante” (ANDRÉ, 2013).

O fator do seu desânimo nas outras escolas, segundo o professor André, está

relacionado à tensão na sala de aula pelo comportamento dos alunos e o fato de

Diretores de outras instituições atribuírem todas as responsabilidades de êxito ou

insucesso aos docentes.

A exemplo dos demais professores, ele afirmou gostar desse ambiente e do

cuidado com que os professores são tratados, e o cuidado de todos para com a escola.

Isso torna o ambiente melhor para todos. Atualmente trabalhando apenas na rede

pública indaga-se sobre diferenças tão marcantes entre essa Instituição Estadual e a

outra da mesma rede de ensino em que trabalha:

67

Eu gosto daqui. Já não posso dizer o mesmo da outra escola. Eu digo lá que eu não vejo porque não ser igual aqui. Não é escola de periferia. O público teria que ser mais ou menos o mesmo. O tamanho da escola é o mesmo. Mas de certo modo, você fica naquela esperança de que vai melhorar (ANDRÉ,2013).

O professor André compara seus ambientes de trabalho atuais e não entende

o porquê de diferenças tão marcantes sendo que trabalha em instituições da mesma

rede pública. Ele enfatiza a importância de trabalhar num ambiente bem cuidado, onde

possa desenvolver suas aulas, seus projetos e estimular o interesse dos alunos e ser

compreendido por eles. Ao ser admitido nessa escola, André foi surpreendido com o

modo como a Diretoria em parceria com a Supervisão Pedagógica conduz a

organização escolar proporcionando um ambiente onde os professores conseguem

trabalhar tendo apoio na parte disciplinar e quanto ao uso da internet em sala de aula,

embora com algumas limitações. Esse compromisso da Instituição trouxe motivação

ao professor.

André credita esse novo ânimo ao fato de haver ações na escola com vistas a

disciplinar o comportamento dos alunos de modo que os professores tenham mais

tranquilidade para desenvolver o trabalho em sala de aula e nas atividades

extraclasse. Para ele, a Instituição foge dos padrões das demais escolas estaduais

onde trabalha, pois há uma proximidade maior do professor com o aluno e o

envolvimento da Diretoria. Ele atribuiu esse relacionamento mais amistoso com os

alunos, à disciplina e à organização administrativa existentes na Instituição. Embora

ela seja uma escola pública, as ações da Diretoria e do Setor Pedagógico seguem na

linha do diálogo e da atenção aos professores e alunos interferindo para resolver os

problemas que surgem no dia a dia:

A gente tem que começar do seguinte ponto: aqui é uma Escola Estadual que foge um pouco dos padrões de todas as outras escolas estaduais que eu já trabalhei, principalmente em relação à disciplina. Não é uma escola que você precise chamar muito a atenção do aluno. Por conta disso acaba que a relação com o aluno fica melhor. A gente acaba sendo mais amigo do aluno do que em outras escolas. Então se você observar no pátio a gente tem um contato com o aluno quando ele está fora de sala. A gente cumprimenta e não tem uma resistência do aluno. Aqui acaba que a gente não precisa se preocupar com aquela coisa de se distanciar do aluno. A relação aqui na escola acaba sendo uma relação diferenciada. A gente é um pouco mais amigo do aluno do que o normal e em escola pública (ANDRÉ, 2013).

68

A proximidade com o aluno se dá no sentido do respeito, havendo a consciência

de que de nem tudo é permitido nesse contato, pois há os limites que não podem ser

ultrapassados:

Eu trabalhei pouco tempo em escola particular. Todas as outras escolas públicas que eu trabalhei acaba que você tem que ter um distanciamento do aluno para manter a ordem. O aluno acaba ficando folgado e tendo uma impressão de que você está na mesma condição dele. Não que isso seja um problema, estar na mesma condição, você tem que estar próximo do aluno. Nas outras escolas parece que isso é um sinal para o aluno fazer o que ele quer na escola. Aqui não. Aqui a relação com o aluno é melhor. Você é próximo dele e não se sente prejudicado por isso. A relação aqui é muito melhor do que em outras escolas. Essa é a sensação que eu tenho. Acaba que de certo modo o modo de agir aqui é diferente. Você é mais próximo do aluno mesmo do que em outras escolas (ANDRÉ, 2013).

A escola não tem sinal entre uma aula e outra e os alunos seguem a marcação

do tempo sem o professor “correr atrás28”, pois o aluno sabe que o lugar dele é

naquela sala com determinado professor. Há outra regra, seguida por alunos e

professores para que os alunos não fiquem dispersos fora da sala de aula. Se o aluno

tem necessidade de ir até a Diretoria ou Supervisão Pedagógica recebe um crachá do

professor. E só pode sair um aluno por vez, porque cada professor recebe apenas um

crachá. A permanência no pátio da escola só é permitida na hora do recreio ou para

algum evento coletivo:

Aí é engraçado porque é uma escola que não tem sinal, então as vezes, é até uma coisa para se pensar, será que o sinal é uma referência para o aluno sair de sala? Todas as outras escolas que eu trabalhei na hora do sinal o aluno não quer nem saber se o professor está em sala e vai para porta. Aqui não tem sinal e o professor tem que controlar seu horário. O professor fica de olho na aula que acabou e já tem outro na porta para entrar e não dá tempo para o aluno passear no pátio. E esse “passeio” quando ocorre, todas as vezes, é com crachá, porque só pode sair um aluno por vez de sala e é feito um controle disso. Só sai um por vez e a gente é cobrado por isso também. Se vai na Supervisão também tem que ir com crachá. A gente que entrega o crachá. Cada um tem o seu e cada um só tem um (ANDRÉ, 2013).

Desde que a escola recebeu os primeiros alunos começou o plano de ação

para preservação de todos os espaços, desde a fachada externa até os banheiros.

Todos são responsáveis pela sua conservação, não apenas o pessoal da limpeza e

manutenção, por isso os alunos do Ensino Fundamental participam das oficinas da

Educação Patrimonial:

28 Grifo nosso.

69

Os alunos que entraram pegaram uma escola nova e foi passada a responsabilidade para eles de que essa escola tinha que se manter do jeito que ela era por conta deles também, não só por conta do professores, direção e pessoal da manutenção. Tanto é que a escola não tem pichação. Também é passada essa responsabilidade para professor. Eu que entrei no ano passado não tive essa aula de segurança patrimonial, eu tive essa aula informalmente. A Diretoria passa para gente isso então a gente tem um controle, nesse ponto a gente é bem rigoroso com o aluno. Sai um aluno só por vez, não pode mascar chiclete, o uniforme tem que estar sempre em uso. Na verdade, eu acho que a ideia é essa, foi passada a responsabilidade para aluno, das coisas que acontecem na escola. Além do professor e das outras pessoas que normalmente se responsabilizam pelas coisas, o aluno também tem uma responsabilidade e isso foi um diferencial (ANDRÉ, 2013).

Além desses aspectos o professor André lembrou a importância de a escola ter

equipado as salas com as tecnologias para o trabalho docente:

Todas têm o equipamento de TV com todos os cabos que podem conectar ao computador. Todas as salas têm a conexão com a internet por cabo. Na sala dos professores tem Wi-Fi. Nós temos liberdade suficiente para usar esses recursos a hora que nós quisermos. Eu ainda passo muita coisa no quadro, mas tem professor que dá a aula exclusivamente na tela da TV. Eu ainda prefiro o giz para algumas coisas (ANDRÉ, 2013).

O professor deixa claro que apenas a tecnologia não resolve tudo, pois os

alunos trazem desafios a cada ano, e é preciso ações em diversos aspectos para que

a escola alcance um bom resultado, sobretudo com as turmas de alunos novos até

que compreendam qual o perfil da escola, as normas e a proposta pedagógica:

Esse ano eu estou tendo um pouco mais de trabalho que o ano passado até porque eu trabalho com o sexto ano e este ano é a porta de entrada na escola. Alguns alunos, parece que chegam com vícios difíceis de tirar dos anos anteriores. Acabam não se adequando ao perfil e temos que chamar a atenção mais vezes. No meu caso, eu não tenho tanto problema com comportamento dentro de sala de aula. Até porque é o tom de voz, é a presença, então eu acho que inibe o aluno. É dispersão mesmo. Esquece livro, não faz para casa, conversa na sala a ponto de eu ter que parar, esperar e falar que está atrapalhando. Para casos extremos a gente manda ocorrência para o aluno. Suspensão e esse tipo de coisa não existe mais, mas existe a ocorrência. Tudo que o aluno faz fica registrado e a gente também é cobrado por isso (ANDRÉ, 2013).

O professor André destacou outro diferencial dessa escola, pois ela dispõe de

um sistema eletrônico onde os professores fazem o registro de notas, conteúdos e

ocorrências diárias. Os pais podem verificar essas anotações pela internet ampliando

o canal de comunicação com a escola. Eles acessam o boletim eletrônico e as

ocorrências e procuram a escola. Além desse canal de comunicação a escola tem o

70

calendário de reunião de pais e professores. E diariamente há pais na escola

conversando com o Diretor ou a Supervisão Pedagógica.

As conversas com os professores são mediadas pela escola, eles nunca estão

sozinhos nessas reuniões, e isso quer dizer que não apenas a Supervisão Pedagógica

está presente, mas também os demais professores da turma. O professor André vê

essa interação entre a escola e os pais como um apoio importante aos professores,

inclusive a interação mediada pelo uso da tecnologia. Isso não existe na outra escola

pública em que ele trabalha, o que há é uma página que os alunos criaram para criticar

a escola, mas diálogo mesmo não existe: “Eu não tinha visto isso antes de ter

trabalhado aqui. Eu trabalho na outra escola e lá não tem nem blog da escola. Aliás,

os alunos fizeram a página no Facebook da outra escola para “queimar a escola”

(ANDRÉ, 2013).

Diante dos problemas expostos por esse professor cabe destacarmos algumas

reflexões sobre o trabalho docente. Conforme Ripa (2010) ainda é corrente a ideia de

o professor ser eficiente, a despeito dos meios e recursos indisponíveis para realizar

seu trabalho, e também é fato crescente o desestímulo e a desistência dos docentes

diante da massificação do ensino e da falta de apoio na escola:

Ainda é comum observarmos no ideário social a imagem do professor associada a pessoas dóceis, exigentes quando o objetivo é conseguir que o aluno atinja os objetivos da aula e comprometidas com a construção da cidadania. Porém, diante da massificação do ensino, das novas diretrizes para a formação dos professores e das orientações da atual política educacional, cada vez mais os professores apresentam-se desanimados, desiludidos e acomodados. Alguns estudos evidenciam que os baixos salários, as precárias situações das escolas e o desprestígio profissional estão entre os fatores que mais contribuem para que os professores abandonem a profissão docente (RIPA, 2010, p. 46).

Moran (2004) indaga o que deve ter numa sala de aula para ser desenvolvida

uma educação de qualidade, indicando alguns elementos fundamentais, mas

preliminarmente ressalta a importância de haver “professores bem preparados,

motivados e bem remunerados, e com formação pedagógica atualizada” (MORAN,

2004, p. 03). Além da capacitação e da remuneração o autor complementa haver

necessidade de salas de aula bem equipadas, coerente com o êxito exigido pelas

instituições de ensino:

71

Salas confortáveis, com boa acústica, e tecnologias, das simples até as sofisticadas. Uma sala de aula hoje precisa ter acesso fácil ao vídeo, DVD e, no mínimo, um ponto de Internet, para acesso a sites em tempo real pelo professor ou pelos alunos, quando necessário (MORAN, 2004, p. 03).

Outra entrevistada, a professora Laura também relatou seu cotidiano de

trabalho atual e suas experiências anteriores. Sendo graduada, e com apenas quatro

anos de trabalho, a docente falou da sua experiência no magistério destacando as

dificuldades que a fizeram repensar a permanência na profissão bem como os

aspectos que a desafiam, mas trazem motivação no sentido da permanência,

sobretudo a partir da vivência na atual escola pública onde vem lecionando nos últimos

quatro anos.

Tendo trabalhado na rede particular e pública de Belo Horizonte descreve seu

dia a dia falando das histórias vividas na sala de aula com os alunos, da sua relação

com eles, enfatizando o uso das redes sociais para interagir e complementar

informações da sua disciplina.

Na atual escola a professora elogia a acolhida e o bom relacionamento com os

alunos, colegas e gestores. E ainda há o tempo para preparação e correção de

atividades, incluindo as reuniões com professores de outras disciplinas o que

possibilita projetos interdisciplinares. Esses aspectos ela considera como um

diferencial, porque destoa das demais escolas onde o professor tem que levar o

trabalho para fazer em casa, não sendo remunerado por esse tempo fora da sala de

aula. Conforme a professora Laura,

Aqui a gente tem realmente os horários de estudo e tem as reuniões que a gente faz com toda a comunidade acadêmica. Nós fazemos muitos trabalhos interligados, semestre passado eu trabalhei com o professor de educação física, por exemplo. Tem vários professores que trabalham. Em relação às reuniões, quando nós chamamos os pais, todos os professores estão na escola. Não é somente o professor que chamou. Chama todos os professores do aluno para, junta com a supervisão, conversar com os pais e com o aluno. Aqui a realidade é bem diferente. Eu fui estagiaria também eu outras escolas do Estado, inclusive perto da minha casa, e é muito diferente daqui.

A professora aprova os recursos tecnológicos disponíveis nas salas de aula,

mas nas aponta uma dificuldade que é não ter um espaço adequado para

experimentos de laboratório, onde os alunos possam colocar em prática os elementos

72

teóricos aprendidos nas aulas expositivas. Para ela, a sala de aula comum é bem

equipada, mas a parte de laboratório precisa ser melhor planejada de acordo com as

especificidades da sua disciplina.

A professora lembrou a importância dos equipamentos corretos num

laboratório. As carteiras utilizadas como bancadas não são adequadas para os

laboratórios pois não sendo fixas podem cair sobre os alunos. Nessa hipótese alunos

e professores podem correr grande risco pelo contato acidental com as substâncias

químicas ou fragmentos de recipientes quebrados: “Aqui são carteiras, não é uma

bancada fixa. E aqui ainda tem essa deficiência porque você não consegue colocar

todo o material em cima de uma mesa fixa porque se esbarrar na mesa quebra a

vidraria toda” (LAURA, 2013).

Outro aspecto de infraestrutura apontado pela professora é o tamanho do

laboratório onde trabalha atualmente. De fato, não é um laboratório, é uma sala

adaptada, situação já discutida pelos professores em conjunto com a Diretoria da

escola. Apesar da atenção dada aos problemas elencados, a Diretoria ainda não

conseguiu resolver esse problema pois há a burocracia do Estado tanto na

contratação de pessoal como na aquisição de equipamentos e adaptação de espaços

para laboratórios:

Aqui são receptivos às reclamações. O que esbarra, por exemplo, é que mesmo querendo uma contratação, não é simples assim. O Estado é muito burocrático. Tinha há uns dois anos uma pessoa que era responsável somente pelo laboratório do Ensino Médio e o Estado tirou esse cargo do laboratório. É complicado. Mas era só do Ensino Médio também, não tinha para o Ensino Fundamental (LAURA,2013).

O número de alunos por turma, indicado como satisfatório nas disciplinas da

formação geral foi apontado pela docente como um aspecto negativo para práticas de

laboratório, pois nas aulas práticas o espaço da sala reduzido, usado como

laboratório, e o número de 32 alunos dificulta a realização das técnicas desenvolvidas

nele. Desse modo fica comprometida também a atenção dispensada aos alunos. Além

do mais, a professora não conta com nenhum outro suporte de monitoria ou estagiário

para lidar com tantos alunos.

73

Na escola particular anterior, a princípio o número de alunos era dividido e os

professores se revezavam na atenção aos alunos. Posteriormente a Direção da escola

determinou que as práticas no laboratório fossem realizadas com todos os alunos,

apesar das argumentações dos professores em sentido contrário a essa deliberação,

o que foi muito prejudicial ao trabalho docente e à aprendizagem dos alunos.

Eu descia com 15 e a professora ficava com o resto na sala. De repente o Diretor disse: "Não quero isso, quero que desça todo mundo". Mesmo você falando! Com certeza no laboratório você tem que trabalhar com 15 alunos. Aqui não divide a turma, vai todo mundo. Isso é complicado. Você não consegue atender todo mundo ao mesmo tempo. É um grupo grande e tem a questão da conversa. Muitas vezes eu procuro fazer as atividades na sala de aula mesmo (LAURA, 2013).

A professora considera importante também o número mínimo de duas aulas

geminadas e o auxílio de monitores para desenvolver o trabalho com o máximo de

aproveitamento e atenção aos alunos.

As demandas discutidas pelos professores dessa Instituição são acolhidas

pelo corpo gestor, contudo algumas seguem um trâmite burocrático legal o que implica

numa espera demasiado longa em certas situações, como no caso das aulas práticas

geminadas também no laboratório. Segundo a docente uma aula de cinquenta

minutos é incompatível com a necessidade das turmas sobretudo com trinta e dois

alunos, pois ela gasta boa parte do tempo organizando os alunos desde o

deslocamento deles da sala até o laboratório, e isso reduz bastante a oportunidade

de desenvolver os experimentos planejados com tempo pré-determinado para

resultados específicos, compreende-se desse modo sua opção por ficar na sala de

aula em certas situações, dispensando a ida ao laboratório, para reduzir ao máximo a

perda de tempo e ampliar a possibilidade de aprendizagem dos alunos:

Com certeza no laboratório você tem que trabalhar com 15 alunos. Aqui não divide, vai todo mundo. Isso é complicado. Você não consegue atender todo mundo ao mesmo tempo. É um grupo grande e tem a questão da conversa. Muitas vezes eu procuro fazer as atividades na sala de aula mesmo. Hoje, por exemplo, eu vou dar uma atividade de dissecação para os meninos do 7º ano. Como eu não vou precisar água, de vidraria, eu vou tentar fazer no pátio, se não estiver chovendo, ou então vou fazer em sala de aula, porque o laboratório é um pouco menor que as salas, então fica muito engessado (LAURA, 2013).

74

A despeito dessas críticas, a professora Laura enfatizou aspectos importantes

do uso da tecnologia disponíveis nas salas para as aulas teóricas: “Aqui na escola

todas as salas têm uma televisão onde você pode dar uma aula com Power Point ou

ligar na internet e baixar um vídeo”.

Quando os alunos fazem perguntas e a própria docente desconhece aquele

conteúdo pedido, ela recorre à internet imediatamente, pois é uma maneira de não

deixar o aluno sem resposta. Ela mostra aos alunos que além do próprio conhecimento

obtido na Graduação, é importante a complementação, reconhecendo os limites do

professor acerca dos conhecimentos, algo inimaginável antes do advento da internet.

Num passado recente seria indispensável uma ida à biblioteca para haver essa

complementação. Atualmente um celular com acesso à internet ou um tablet tornam

o acesso ao conhecimento instantâneo, preservando-se o cuidado na escolha das

fontes, pois há muitas não confiáveis.

A professora Laura valoriza a troca de saberes no processo de aprendizagem,

e não apenas o saber centrado no professor. Credita à tecnologia disponível em sala

de aula mais um fator de possíveis descobertas e inovações no modo de buscar o

conhecimento. Ela relatou ter presenciado uma aula na escola que a deixou

encantada: “Um dia eu estava aqui a presenciei uma aula fantástica. O professor

colocou grupos para apresentarem e interagirem com a própria turma”. Na sua

avaliação, esse tipo de aula motiva, coloca o aluno como protagonista e lhe

proporciona maior oportunidade de aprendizagem pois, “tira o foco do professor, e o

aluno percebe que é capaz de ensinar, trazer conhecimento”. Além de ser ativo nesse

processo de produção do conhecimento, o aluno sai da sua zona de conforto. E é um

momento de se deslocar do seu papel de expectador e sentir as dificuldades de ser

ouvido pelo grupo. Para Laura, esse exercício de se colocar no lugar do outro é

importante para o aluno compreender o quanto é difícil para o professor ser ouvido, e

interagir com a turma.

Como os demais professores, ela ressaltou haver o sistema na escola onde os

alunos consultam as notas e arquivos de trabalho. Os pais também podem acessar o

sistema e verificar notas e ocorrências registradas pelos professores. Esse aspecto

75

do acesso à informação, ela considera muito positivo para a relação entre a família e

a escola.

Para Laura, algumas intercorrências quanto ao uso das novas tecnologias não

diminuem em nada a sua importância como ferramenta de trabalho, pois ampliam as

possibilidades de explorar os conteúdos de muitas maneiras:

Você vai naquela sala e sempre está tudo funcionando e de repente, no dia

que você vai usar, dá um problema no fio. De repente você programa uma

aula toda no Power Point e quando chega aqui não dá certo. A gente tem

essas “surpresas”, mas mesmo assim eu acho fantástico (LAURA, 2013).

Laura considera essas ferramentas importantes também para a comunicação

e o relacionamento com os alunos extrapolando o ambiente escolar por meio das

redes sociais.

Além desses aspectos, a professora Laura aponta o apoio da escola como

imprescindível à valorização docente agindo tanto na prevenção como na mediação

dos conflitos com os alunos. Na escola privada ela não tinha esse suporte, e por sentir-

se desamparada nem relatava determinados problemas. Contudo na escola pública

atual a realidade é outra. O professor é ouvido e o aluno também:

Eu sinto um apoio enorme da instituição em relação a isso. Aqui não é uma instituição que a gente fique desamparado em relação a isso. Porque a gente tem instituições assim, por exemplo, na escola particular que eu já trabalhei não tinha esse respaldo. Não tinha. Então você muitas vezes fazia uma vista grossa porque não adiantava levar para o superior aquilo porque não ia resolver, mas aqui não. Aqui a gente tem respaldo muito grande em relação a isso (LAURA,2013).

Quando a escola chama um aluno para resolver algum problema, os demais

professores daquela turma estão juntos:

Em relação às reuniões, quando nós chamamos os pais, todos os professores estão na escola. Não é somente o professor que chamou. Chama todos os professores do aluno para, junto com a supervisão, conversar com os pais e com o aluno. Aqui a realidade é bem diferente. Eu fui estagiária também em outras escolas do Estado, inclusive perto da minha casa, e é muito diferente daqui. Aqui parece um ensino particular (LAURA,2013).

76

A Professora classifica essa escola pública como diferenciada em vários

aspectos, destacando também o sentimento de motivação e parceria entre os

professores. Há discordâncias, conflitos por vezes, mas há união também. Essa união

se expressa na parceria para desenvolver projetos de trabalho, o que aumenta as

possibilidades de êxito para a escola como um todo:

Aqui o professor tem um valor diferente. Diferente da escola que eu trabalhei. Aqui é muito diferente mesmo. Você vê pelos professores, que gostam de estar e trabalhar aqui. Claro que toda escola tem seus problemas. Temos alunos com vários problemas. Mas mesmo com todas dificuldades aqui é uma escola muito boa de se trabalhar. O pessoal é unido, claro que todos têm divergências, se até na família tem divergências imagina fora. Mas aqui a gente sabe trabalhar com essas divergências. Mesmo tendo divergências não significa que eu não trabalhe junto ou que não consiga separar as coisas. Aqui eu vejo essa separação. Eu não preciso ser sua amiga de infância, mas eu preciso trabalhar melhor que nossos alunos. O interesse coletivo aqui é predominante (LAURA,2013)

Segundo Laura, o sentimento de pertencimento, e de se sentir importante na

construção da escola é algo compensador e contagiante: “A gente tem amor à escola.

A gente ama cada parede. A gente tem professores que entraram este ano, e eles

percebem esse amor pela escola. Graças a Deus eles estão vindo com amor também”.

O convívio nessa instituição renovou as expectativas de Laura quanto ao

magistério: “Eu estava desencantada em outro lugar, e era escola particular. Eu já

estava pensando: Não quero mais dar aula".

Foi a experiência específica nessa escola pública que impulsionou sua vontade

de permanecer no magistério, mas vislumbrando um lugar de trabalho onde os

professores sejam apoiados nas suas necessidades e dificuldades. A motivação da

professora veio da acolhida e do modo como a Instituição assume a responsabilidade

em todas as atividades escolares cuidando de todos os aspectos importantes para

que os professores possam trabalhar.

Os professores não precisam se preocupar com quem entra na escola, se o

aluno está uniformizado, e se vai chegar no horário. A Instituição tem um esquema de

controle na portaria. As intercorrências são resolvidas pela Diretoria e Supervisão

Pedagógica. Caso haja reincidências de atrasos e faltas os pais são chamados. Então,

os professores não comprometem o seu tempo de trabalho com essas questões que

77

são da esfera administrativa. Em sala de aula os professores podem destinar o seu

tempo aos estudos com os alunos. Há o trabalho administrativo constante para que

os alunos estejam com os professores nos ambientes de aprendizagem.

Outra entrevistada, a professora Mariana, tem dez anos de profissão e trabalha

há quatro anos nessa Instituição. Ela falou da forma como a sua disciplina é vista na

escola, ou seja, no mesmo nível de importância das demais disciplinas e também

como os professores foram desafiados desde a reabertura da escola a criar outras

possibilidades de aprendizagem, pela limitação de espaço físico: “Na nossa área de

atuação, eu vejo um grande motivador. Acho que porque como a gente não tem

espaço a gente precisa criar, a gente precisa oferecer diversidade para a escola”.

Nessa disciplina os professores utilizam os recursos tecnológicos e

equipamentos da própria escola, mas também criam recursos junto com os alunos.

Os alunos produzem vídeos a partir das pesquisas na parte teórica, e também criam

materiais para as atividades em sala de aula com o uso de recicláveis:

A gente tem TV nas salas. A gente dá aula teórica também. Na parte da teoria a gente dá em sala de aula. Aí utiliza televisão na sala. Aqui na escola a gente tem esse recurso que ajuda demais. Eu uso esse recurso nas aulas teóricas. Quando eu peço para apresentar trabalho eles sempre trazem vídeo ou que eles pesquisam ou montagem deles mesmos (MARIANA, 2013).

A Direção da escola compreende a importância desse trabalho e apoia os

professores nas suas demandas independente da área de atuação:

Se a gente não tiver um apoio, nada disso funciona. Se precisa de um tempo em outro horário, a direção cede. Se precisa negociar horário com outros professores, a direção não interfere. Preciso de material a direção ajuda, na medida do possível. Diferente de outras escolas, o apoio daqui é grande. Nós somos tratados de igual para igual junto com todas as áreas. No momento da reunião de pais tem o momento com o professor de Matemática, de Português, de Educação Física. Então a gente é tratada de uma maneira igual. O que não acontece em muitas escolas. Em muitas escolas a gente é o quebra galho. Nada pode para gente, mas a gente pode fazer de tudo. Eu vejo aqui essa questão de igualdade, a valorização, igualdade de valores. A minha matéria é tão importante quanto a matemática, quanto o português. Eu acho essa questão muito boa da escola (MARIANA, 2013).

A professora ressalta a importância da inclusão de todas as disciplinas no

currículo: “[...] essa área, em alguns lugares é tratada com muito desleixo e aqui não,

a gente tem essa igualdade no nosso serviço”. Para ela, o diálogo com as demais

78

disciplinas possibilita a visibilidade de todas as áreas do conhecimento valorizando-

se as especificidades de cada uma.

Outro ponto importante para a professora Mariana é a disciplina na escola e a

maneira como é feita a intervenção: “A gente tem essa questão disciplinar muito

bacana. Se o professor estiver errado, ele não é chamado a atenção na frente do

aluno. Primeiro há a conversa, chama o aluno e tenta resolver”. Então, o professor

não tem medo de falar e levar os problemas para a Supervisão Pedagógica:

Se precisar vir o pai, pontua com o pai o que o aluno fez. Essa questão a gente tenta manter muito próxima da gente porque é assim que está funcionando na escola. A gente não perdeu a rédea, por causa disso. Os nossos problemas aqui, pelo menos na minha disciplina, o problema que eu tenho de comportamento é uma picuinha de aluno com aluno (MARIANA, 2013).

Ainda no aspecto do relacionamento e segurança, a professora Mariana

destacou não haver o medo interferindo no trabalho, o que para ela é também um

diferencial. Ela citou o caso de um professor novato que chegou na escola para tomar

posse e estava inseguro quanto ao comportamento dos alunos, tendo perguntado se

teria que se esconder atrás da mesa na sala de aula para o caso de alguma cadeira

ser arremessada nele. Então ela o tranquilizou dizendo: “ Relaxa, são as mesmas

cadeiras desde 2010. Aqui não vai voar nenhuma cadeira em você. Você pode passar

meses aqui na escola e não vê nenhuma briga de contato como a gente vê em muitas

escolas”.

Os temas selecionados para estudos vão sendo explorados pelos professores

de várias maneiras. As situações que surgem são transformadas em oportunidades

de aprendizagem e mudança de atitudes e hábitos, como ocorreu com a proibição da

venda de refrigerantes, doces e salgados. A alimentação foi discutida como fonte de

saúde com aulas teóricas e lanche coletivo. O que gerou estranhamento no início

acabou por trazer mudança na aceitação do cardápio mais saudável:

Em 2010 o governo restringiu algumas coisas na alimentação das crianças na escola. Não podia mais vender fritura, trazer salgados industrializados, por causa do nível de obesidade. Eu trabalhei com eles também questões alimentares. Eu fiz com eles "saladona de frutas", mandei cada um deles trazer uma fruta. Fizemos uma salada e todo mundo partilhou. Pedi para eles fazerem o cardápio do que eles comiam e depois consertar o que estava

79

errado. Expliquei para eles porque na escola não se vendia mais fritura, o problema da gordura. Tivemos também essa temática que foi muito bacana de trabalhar com eles. E teve até um retorno. Eles pararam de comer de reclamar de não ter refrigerante, de não ter a tal da coxinha. Eles começaram a compreender a ideia (MARIANA, 2013).

As pesquisas em áreas diversas, produção de vídeos, elaboração de cardápios,

participação da elaboração do lanche, tudo isso foi essencial para um novo olhar dos

alunos sobre sua alimentação, saúde e a consciência de cuidar do próprio corpo:

Esse tipo de trabalho a gente foi vendo retorno no decorrer do tempo. São mudanças de hábito simples que fazem a diferença. Eu tinha aluno que comia depois do almoço um pacote de biscoito recheado, aí depois dessa brincadeira que a gente fez ele descobriu que manga é gostoso e falou: Professora, eu achava que manga era ruim. Isso porque o aluno nem provava a fruta. Eu achei engraçado esse aluno chegar para mim e falar que descobriu a tal da manga. Então depois do almoço ele tem que comer uma manga agora, ele largou o pacote de Passatempo para comer manga. Achei muito bacana. É uma troca muito ”bacana” (MARIANA, 2013).

A escola também estabelece parceria com algumas instituições públicas e

privadas o que fortalece a ampliação de estudos, e a inserção dos alunos em projetos.

Os alunos são motivados a pensar como sujeitos do conhecimento e a repensar suas

atitudes com relação ao meio ambiente, cidadania e mobilidade urbana:

A gente teve trabalhos de sustentabilidade, porque a escola estava participando de um projeto de uma mineradora. Pegamos esse gancho de sustentabilidade e de conservação ambiental. Pedi para eles fazerem trabalhos considerando maneiras de mobilidade diferentes, sem ser de carro, de transporte alternativo. Aí eles me trouxeram a caminhada, o patinete, a bicicleta, skate e patins. Eles colocaram em exposição nas salas deles sobre as atividades. Cada turma ficou responsável por um tema, porque eu vi eles perceberem que também podem se locomover sem precisar usar só um meio de transporte (MARIANA, 2013).

Com espaço físico reduzido a escola tem buscado diversificar as atividades

obtendo bons resultados. O tema sobre sustentabilidade foi usado como mais uma

oportunidade de aproveitamento de materiais recicláveis para diversificar as

atividades na escola:

A garrafa pet todo mundo consegue. Então eu pedi para eles fazerem os estepes, essa corda de jornal e o halterzinho. Aí a gente fez uma aula de ginástica usando esse material. Fez a escada de agilidade com jornal mesmo. É uma escadinha que a gente coloca e são duas faixas de corda e um monte de fita. Aí coloca no chão e corre nela, por fazer várias atividades. É uma coisa legal de trabalhar com os meninos, até essa questão de

80

sustentabilidade. O mundo está acabando. Eles gostaram muito e eu também penso muito na economia dos pais (MARIANA, 2013).

Além do uso de materiais confeccionados pelos alunos a escola dispõe de

alguns aparelhos também usados pelos professores. Conforme a professora Mariana

destacou: “Nós temos algumas camas elásticas pequenas, um trampolim, temos uma

cama elástica que não é tão grande, e tem os aparelhos de ginástica rítmica”.

Para a professora Mariana, essas possibilidades de práticas diversificadas

também são um diferencial na escola motivando os professores e alunos a buscar

sempre novas alternativas de aprendizagem.

A última entrevistada, a professora Rafaela, trabalha há quatro anos na

Instituição e a definiu como o “modelo ideal que o Estado deveria investir e ampliar

para todo o Estado de Minas Gerais”.

Rafaela explica o sentido de ser professora nessa escola, mesmo tendo

destacado o salário, que é igual ao salário das demais escolas da rede estadual. Para

a professora, em geral, há disciplinas consideradas mais importantes pelos

professores e pelos alunos, mas nessa Instituição ela não sente esse tipo de

discriminação.

Essa valorização veio do trabalho da equipe de professores juntamente com a

Direção da escola. A princípio houve estranhamento de professores das outras áreas,

alunos e pais. Contudo, o planejamento integrado ajudou na percepção de que o

conhecimento conectado amplia as oportunidades de aprendizagem. Hoje essa

valorização está consolidada na escola:

Apesar do salário me motiva a valorização, a exigência do rendimento. A escola tem metas, objetivos, e todos os professores têm. A Direção repassa o rendimento global e bimestral da escola. O professor não é um ser isolado, é efetivamente incluído, isso é muito raro nas outras escolas. Os outros professores entendem que damos aulas. Ninguém pega a nossa aula para reunião ou aplicar prova. Aqui temos uma identidade. Nós estamos incluídos em tudo. Temos que apresentar planejamento igual a todos os professores (RAFAELA, 2013).

Rafaela também reconhece o uso das tecnologias na escola como um ótimo

recurso de trabalho:

81

Tem a televisão que é um recurso fantástico. A gente tem um probleminha ou outro, mas a gente consegue utilizar. Mesmo que o professor queira comprar. Esse recurso tecnológico ajuda muito. A gente consegue mostrar a imagem para o aluno através da mídia. Eu uso muito vídeo (RAFAELA,2013).

Rafaela afirma que os alunos têm oportunidades de aprendizagem por meio de

várias atividades, e o mais importante é que eles também produzem esse

conhecimento tendo contato com as informações trazidas pelos professores

dialogando com várias disciplinas, como por exemplo nas semanas temáticas, eles

produzem os próprios vídeos. Desse modo, eles trazem suas experiências e histórias

de vida e as compartilham com os alunos e professores.

A escola desconstruiu a ideia de que se não há um espaço para a prática

esportiva não há opções para os alunos exercitarem o corpo. Há uma sala específica

para atividade de alongamento, relaxamento e expressão corporal. Então, de várias

maneiras a escola contempla as necessidades elementares para o desenvolvimento

dos alunos por cada faixa etária. Mas essas possibilidades de trabalho são discutidas

coletivamente, e quando há questionamentos ou discordância por parte dos alunos e

da família, todos os envolvidos no planejamento são chamados ao diálogo para

esclarecer as propostas pedagógicas com o devido parâmetro legal, ou seja, a escola

assume a responsabilidade juntamente com os professores.

A professora Rafaela concluiu sua entrevista dizendo achar injusta a ideia de

que os professores dessa Instituição são privilegiados pelo bom desempenho dos

alunos, pela escola ser bem cuidada e por ser premiada em alguns projetos. Segundo

ela, não é um privilégio, e não é sorte. O resultado positivo vem do trabalho duro e

diário de todos. O sentimento dessa docente está alinhado à análise de Kruppa (2016,)

sobre experiências escolares bem-sucedidas onde ela enfatiza toda transformação

social não como algo mágico: “Ao contrário, somos obrigados a perceber o processo

miúdo, cumulativo, diferenciado desta transformação, o que nos torna mais atentos à

observação deste processo” (KRUPPA, 2016, p. 109).

Os relatos dos professores caracterizando a escola nos deram elementos

importantes para que pudéssemos compreender o perfil dessa Instituição considerada

diferenciada, não apenas pela proposta de oferecer algo diferente do ponto de vista

82

oficial, mas por transformar em práticas diversas e inovadoras o que foi idealizado

para o funcionamento da Instituição, onde percebe-se o protagonismo de alunos e

professores.

Pela narrativa desses docentes, destacamos ações cruciais da Instituição

interferindo na motivação deles e no resultado do trabalho. Foram recorrentes as falas

com ênfase às condições de trabalho, os recursos usados na realização das aulas

incluindo o acesso à internet e os equipamentos eletrônicos nas salas de aula ou

disponíveis na escola, o espaço físico bem cuidado, o relacionamento entre alunos e

professores, as experiências de trabalho interdisciplinar, os horários destinados aos

estudos, planejamento e capacitação, a segurança e a gestão escolar.

É comum creditar aos professores os insucessos dos alunos, embora haja

inúmeros componentes interferindo nas ações do professor em sala de aula. A sala

de aula vista sob a perspectiva apenas da ação docente, desconectada da estrutura

organizacional e de outros elementos importantes à efetivação do trabalho, apenas

reforça representações descontextualizadas e distorcidas acerca do professor e seu

trabalho. Desse modo, enfatizamos os estudos de Oliveira (2003) ao problematizar a

relação entre trabalho docente e gestão escolar no contexto das reformas

educacionais mais recentes no Brasil. Essa autora afirma: “ O tema gestão escolar e

trabalho docente não se tem constituído em um campo específico de pesquisa, apesar

de tratar-se, ao nosso ver, de uma relação indissociável” (OLIVEIRA, 2003, p. 13-14).

Também na interpretação de Tardif e Lessard (2009) o pesquisador deve levar

em consideração o trabalho docente na sua totalidade, caso contrário, produzirá um

resultado estéril e artificial, ignorando que

Como todos os trabalhos na sociedade atual, a docência se desenvolve num espaço já organizado, que é preciso avaliar; ela também visa objetivos particulares e põe em ação conhecimentos e tecnologias de trabalho próprias; ela se encaminha a um objeto de trabalho cuja própria natureza, é [...], cheia de consequências para os trabalhadores. [...] Organização, objetivos, conhecimentos e tecnologias, objetos, processos e resultados constituem, consequentemente, os componentes da docência entendida como trabalho (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 39, grifo dos autores).

Na visão de Tardif e Lessard e Lessard (2009), a atividade docente “não tem

nada de simples e natural, mas é uma construção social que comporta múltiplas

83

facetas e cuja descrição metódica implica necessariamente em escolhas

epistemológicas” (TARDIF; LESSARD, 2009.p. 41).

Um aspecto comum destacado na fala dos professores entrevistados é a

capacidade aceitável para o atendimento satisfatório aos alunos em sala de aula. Eles

consideram como elemento essencial ao trabalho docente com vistas à

aprendizagem, um número de alunos com quem possam interagir. Por mais

confortável que seja o espaço físico escolar, se a sala de aula estiver superlotada a

interação não acontece, e o professor não terá como estabelecer parâmetros de

aprendizagem exercendo nessa circunstância o papel de mero expositor de conteúdo.

Em muitas escolas, o alcance sonoro da fala do professor muitas vezes depende de

recursos de ampliação artificial da voz por meio de microfone, e quem paga pelo custo

desse equipamento é o professor.

A figura em tela a seguir, remete à precariedade do professor de se fazer ouvir,

e do aluno de se fazer escutar, diante do quadro de superlotação das salas de aula:

Figura 10 Comunidade virtual Professores Sofredores: Facebook

A imagem em análise é uma representação dessa dificuldade presente no

cotidiano de grande parte das salas de aula da rede pública e privada no Brasil.

Seguindo a tendência atual de uso das redes sociais para comunicação e críticas, os

professores também expressam suas insatisfações e expectativas relativas às

84

condições de trabalho, denunciando situações degradantes nas comunidades

virtuais29. Esse tipo de situação na escola impede a mediação pedagógica e

desestimula alunos e professores. A universalização do ensino exige planejamento

para que haja acesso e permanência na escola. A superlotação nas salas de aula

impede a formação do aluno na sua integralidade, e descaracteriza a escola enquanto

espaço de socialização e de interações.

Sobre o trabalho docente Oliveira (2003), analisa as reformas educacionais na

América Latina na década de 1990 que priorizaram a expansão da educação básica,

com o intuito de atender a educação formal e escolarização, mas sob a perspectiva

de uma educação mínima, onde a meta primordial seria a formação de perfis

adequados às demandas dos processos produtivos vigentes, e também a redução

das desigualdades sociais:

Em consonância com as exigências dos novos modelos de organização e gestão do trabalho que apontam para a formação mais sólida e geral dos trabalhadores, a partir do desenvolvimento de competências e habilidades compatíveis com a dinâmica atual dos processos produtivos. Nos países da América Latina, outro fator alia-se a essas exigências, o problema brutal da desigualdade social que aqui tem um lugar. O que explicaria a concentração de esforços na busca da expansão da escolaridade naquele contexto faz parte de um raciocínio que considera que as sociedades com alto índice de desigualdade econômica apresentam maiores entraves ao desenvolvimento. Na realidade, o que se espera nesses casos é que a educação contribua na redução das desigualdades sociais por meio do desenvolvimento de condições para que os indivíduos possam mobilizar-se socialmente ou obter certo grau de autonomia a fim de buscar soluções para sua sobrevivência e dessa maneira, sair da condição de vulnerabilidade social” (OLIVEIRA, 2003, p. 22-23).

Nesse contexto, observa-se na gestão das reformas educacionais, a

dissonância entre a infraestrutura existente e a ampliação do número de vagas nas

escolas, resultando em condições adversas e impactantes aos professores e alunos,

condições estas que se seguem até os dias atuais, com algumas exceções, a exemplo

do campo de pesquisa desta investigação denominado como “diferenciado” pelos

professores da Instituição.

29 Disponível em <https://www.facebook.com/pages/Professores-Sofredores/310167222377505?fref=ts.> Acesso

em: 04 mar. 2015.

85

Investigando as condições de trabalho de professores numa instituição de

ensino superior privado em Minas Gerais, Oliveira (2001) ressalta a intensificação das

condições degradantes de trabalho relacionando-as às reformas de cunho liberal no

mundo do trabalho a partir da metade da década de 1980 e consolidadas nas décadas

de 1990. Desse modo,

A sociedade brasileira passa por um momento grave de enfrentamento das

reformas de cunho neoliberal implementadas e aceleradas nos anos noventa.

Essas reformas alteram substancialmente os conceitos de Estado e de direito

reduzindo-lhes as funções. Além disso, é adotado o pragmatismo de mercado

como sendo única via de organização social, cultural e econômica. A partir

da metade da década de 80, o mundo sofreu um abalo profundo nas formas

de organização produtiva, acelerou a criação de novos produtos e,

consequentemente, alterou a organização social. Há um aumento do

desemprego, do subemprego e surgem novas exigências profissionais, tendo

por base as novas tecnologias apoiadas na microeletrônica e biotecnologia.

Houve, por isso mesmo, uma reorganização dos papéis sociais e na relação

entre os homens. (OLIVEIRA,2001, p. 56).

Ripa (2010), analisa o papel do professor no novo milênio, num mundo em

transformação com novas tecnologias, configurações de espaço e de tempo

diversificadas e o alcance instantâneo e global das informações, sendo a escola

pressionada a acompanhar essas modificações de modo eficiente, formando

profissionais criativos e eficientes, adaptando seus currículos às expectativas

econômicas de mercado:

Neste novo cenário, a escola, que acolhe os futuros cidadãos e participa ativamente do processo formativo das novas gerações, tem tido a preocupação de se transformar numa instituição cada vez mais eficaz. A adaptação curricular de acordo com os ditames da economia, a ênfase na prática e na autonomia das escolas e a aprendizagem ao longo da vida, tornam-se discursos constantes para justificar as reformas educacionais e conduzir a educação escolar às mudanças consideradas necessárias (RIPA, 2010, p. 25).

Essas mudanças não partiram de dentro da escola, ao contrário, as escolas

foram arrebatadas por essas transformações trazidas pelas inovações tecnológicas e

exigências mercadológicas, e assim vêm sendo pressionadas a reconfigurar seus

parâmetros e suas práticas. Contudo, as escolas deixaram nas mãos dos professores

a responsabilidade de aprender novas linguagens mediadas pelo uso das novas

tecnologias, compreender e praticar as novas e múltiplas sociabilidades e trazer as

86

inovações tecnológicas para as salas de aula para uma aprendizagem criativa e

eficiente.

Segundo Ripa (2010) os requisitos exigidos pelas empresas são comuns aos

requisitos escolares formando pessoas com o perfil para atuar no mercado de trabalho

cujas características são medidas pela capacidade de “flexibilidade, trabalho em

equipe, criatividade, competição, rapidez, praticidade, planejamento e

comunicabilidade” (RIPA ,2010, p. 27). Segundo a autora não há dúvida de que “a

escola tem papel mais amplo e complexo diante dos desafios da contemporaneidade”,

cabendo aos professores a tarefa hercúlea de ajustar os conteúdos curriculares às

demandas do mercado ainda que em condições inadequadas para fazer frente às

atuais exigências de formação dos alunos:

Neste contexto, em que a educação escolar é considerada como capaz de impulsionar o desenvolvimento do país, os professores tornam-se os responsáveis pela adequação dos conteúdos curriculares às exigências produtivas do mercado econômico e pela aprendizagem das competências e das habilidades necessárias para a atuação competitiva no mundo do trabalho (RIPA, 2010, p. 29).

É flagrante a tensão entre os docentes quanto às suas responsabilidades e

exigências de novos perfis profissionais, pois ao mesmo tempo em que a

escolarização é vista como via de ascensão individual e de progresso econômico do

país, “[...] ‘Novas’ competências e habilidades passam a ser divulgadas como

necessárias ao professor para que as ‘novas’ expectativas educacionais sejam

atingidas, uma vez que ele torna-se o principal responsável pela construção dessa

escola cada vez mais eficaz[...]”( RIPA, 2010, p. 29). Conforme a autora investigou, o

professor ideal na contemporaneidade deve ser capacitado científica e culturalmente,

ter domínio das novas tecnologias, e ser receptivo ao trabalho em equipe. Além de

ser inovador e acolhedor deve ter a capacidade de “conduzir de forma eficaz e

interdisciplinar o processo de ensino-aprendizagem” para que desse modo a escola

possa “melhorar a sociedade e as suas condições de trabalho” (RIPA, 2010, p. 29).

Diante do enfrentamento de jornadas de trabalho num contexto adverso, onde

os investimentos e apoio institucionais mostram-se incompatíveis com as exigências

escolares, os professores sentem-se desmotivados e desvalorizados. No entanto,

diante de um cenário dotado de condições adequadas ao trabalho, a motivação para

o trabalho é outra como demostrado pelos docentes entrevistados.

87

2.1 Construindo práticas escolares significativas

Buscando compreender melhor o significado do termo diferenciado nas práticas

pedagógicas docentes, observamos a rotina dessa Escola e acompanhamos algumas

atividades dos alunos e professores, em específico, atividades organizadas pela

professora Mariana onde os alunos foram desafiados a criar alternativas de atividades

corporais relacionadas à saúde.

A professora indicou previamente os parâmetros do que poderia ser explorado,

e os alunos criaram os movimentos explicando os benefícios para a saúde do corpo.

Foram explorados gêneros diversos de música e movimentos corporais de forma

bastante interativa, onde os próprios alunos atuaram também como pesquisadores.

Os trabalhos apresentados pelos alunos despertaram o interesse de todos, assim

como a consciência de que o autocuidado está ao alcance deles por diversas práticas,

e tais práticas podem ser incluídas no seu dia a dia a custo zero.

À vista disso, podemos refletir sobre o que pode ser motivador na

aprendizagem, pois conforme Moran, Masetto e Behrens (2013) “Aprendemos mais,

quando conseguimos juntar todos os fatores: temas de interesse, motivação clara.

Desenvolvemos hábitos que facilitam o processo de aprendizagem; e sentimos prazer

no que estudamos e na forma de fazê-lo” (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2013, p.

29).

Quanto ao protagonismo do aluno na escola, podemos também citar Freire

(2014), pois ele afirma “Não há como não repetir que ensinar não é pura transferência

mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno passivo e dócil”(FREIRE,

2014, p. 97). O autor também enfatiza a importância de valorizar o saber do aluno,

mas na perspectiva de deslocamento, de ponto de partida, da criticidade, não como

permanência ou cristalização do saber: “Partir do ‘saber de experiência feito’ para

superá-lo não é ficar nele” (FREIRE, 2014, p. 98).

Prosseguindo com a nossa incursão no campo da pesquisa, acompanhamos

outra turma da professora Mariana numa visita ao Parque Municipal. A professora

explorou a importância da caminhada e de atividades ao ar livre, em ambiente

88

diferente da sala de aula, assim como a responsabilidade dos alunos ao se

deslocarem para outro ambiente na companhia dela, longe da proteção da escola,

sendo estimulados a tomar atitudes no sentido do respeito ao patrimônio público e ao

espaço coletivo. Pudemos perceber o entusiasmo dos alunos pela oportunidade de

ampliar conhecimentos em contato com a natureza. Para os alunos foi mais uma

oportunidade de compreender que as oportunidades de conhecimento estão além das

fronteiras das salas de aula, havendo muitas formas de aprendizagem e de interação.

Em outros momentos, assistimos à algumas apresentações de dança

coreografadas pelos alunos no pátio da escola acompanhados pelos seus

professores, onde pudemos observar a criatividade deles e o entusiasmo por

surpreender os professores e a plateia com o “produto final30” do seu trabalho coletivo.

Essas atividades nos deram uma mostra do sentimento descrito pelos professores

quando falaram do perfil da escola destacando a importância de o aluno ser ativo no

processo de produção do conhecimento.

À guisa de reflexão sobre as possibilidades de experiências de aprendizagens

significativas destacaremos alguns aspectos discutidos no documentário Quando

sinto que já sei31, lançado no Brasil em 2014, que apresenta experiências inovadoras

de aprendizagem. Nesse filme são apresentados projetos educativos cujas propostas

rompem com o modelo de escola tradicional. Nesse sentido, os autores têm como

propósito ampliar o debate sobre as possibilidades de transformações na educação32.

Fica bem claro nesse documentário a possibilidade de construção do

conhecimento por vias diversas, quebrando o paradigma do estudo tradicional entre

quatro paredes com o saber centrado no professor, e com atestado de aprendizagem

validado por provas escritas. O nome do documentário é uma referência ao

compartilhamento de saberes que pode ser um ato também dos alunos. Quem tem o

domínio do conhecimento tem a responsabilidade de levar a outros que não sabem,

30 Grifo nosso. 31 Disponível em <http://portal.aprendiz.uol.com.br/2014/07/31/quando-sinto-que-ja-sei-relata-experiencias-alternativas-de-educacao-no-brasil/>. Acesso em: 28 mai. 2016.

32 O filme está disponível na íntegra no YouTube.

89

como é o exemplo do Projeto Âncora em Cotia (SP) criado em 199533 e o Centro

Popular de Cultura e Desenvolvimento-CPCD, em Curvelo (MG) criado em 198434.

O documentário traz algumas “provocações” feitas por educadores, acerca do

sistema educacional predominante no Brasil onde o aluno é obrigado a ir à escola,

mesmo que ela não seja um lugar que faça sentido para ele, haja vista a taxa de

evasão em dissonância com a taxa de acesso escolar. Lança um questionamento

também sobre a configuração territorial da sala de aula do século XXI, ainda com

traços marcantes do século XIX, ressaltando que a sala de aula é praticamente a

mesma, mas o aluno do século XXI tem outras perspectivas que não estão restritas

ao conhecimento localizado geograficamente na escola pois, “A sala de aula do século

XXI não é mais aquele quadrado, é praticamente um planeta. Porque com as novas

tecnologias, o planeta é o espaço de aprendizagem das pessoas”. Assim

Será que é possível criarmos uma escola alegre e prazerosa, ou a escola tem que ser serviço militar obrigatório aos seis anos? O sistema educacional no mundo “vende um produto que o cliente não quer receber e não pergunta a opinião do cliente, e o cliente é a criança. Como se constata que a educação é um fracasso, não só no Brasil, mas em alguns lugares do mundo? Pela taxa de evasão. A taxa de acesso é muito boa no Brasil, é quase universal, mas a evasão é um terço da entrada, ou seja, em algum momento a escola deixa de fazer sentido. O médico do século XX, entra na sala de cirurgia do século XXI, ele consegue operar? Não, ele não consegue, ele mal consegue entender o que é que tem ali, onde é que está o paciente. Se o professor do século XX, ou XIX entra na sala de aula do século XXI, ele vai achar muito diferente? Não vai. Ele vai ver ali a lousa, o giz, as carteiras enfileiradas, a lista de chamada, tudo conforme era no século XIX. A única coisa com a qual ele não contava, era com a cabeça dos alunos do século XXI. E aí que mora o conflito. A sala de aula do século XXI não é mais aquele quadrado, é praticamente um planeta. Porque com as novas tecnologias, o planeta é o espaço de aprendizagem das pessoas. (Quando sinto que já sei- Documentário, 2014).

As experiências relatadas nesse documentário vêm ao encontro de aspectos

apresentados neste estudo onde os professores buscam integrar conhecimento e

tecnologia conectados à realidade do aluno, diversificando as possibilidades de

aprendizagem.

33 Disponível em http://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2012/08/13/projeto-ancora-se-inspira-na-escola-da-ponte/. Acesso em: 28 mai. 2016. 34 Informações do CPCD disponíveis no site <http://www.cpcd.org.br/>.

90

Todos os professores expuseram suas expectativas quanto aos alunos, no

sentido de que a participação deles é um termômetro da motivação do professor, não

apenas o ato de ouvi-lo, mas tirar o professor da zona de conforto buscando saber

mais, questionando e sendo ativo nas experiências relativas ao conhecimento:

Aquele aluno que pergunta. Aquele que participa. De repente você está dando uma aula e ele começa a te perguntar coisas que te fazem relembrar a vida acadêmica, te faz pesquisar algo que você não estava preparado naquele momento, então isso é motivador. É sinal que você está contribuindo. Isso é motivador. Quando eu começo uma aula e ninguém participa aqui é o fim. Eu digo: __Nossa gente, que aula foi essa? Se de repente eu estou dando uma aula e alguém levanta a mão e questiona algo, isso é fantástico. Porque quando você está dando uma aula na qual só você fala, muito expositiva, aquilo é um desgaste muito grande. Você só consegue saber o que o aluno precisa, porque não é só aluno que aprende, se ele falar também. Se ele expuser também. Se ele não fizer isso não tem interação. Então que troca é essa? Todo mundo fala de trocas, mas se o aluno não expõe no momento da aula não tem troca, é só você falando e a aula fica chata (LAURA, 2013).

Os docentes expuseram sua preocupação e o esforço diário em manter o aluno

motivado, sobretudo porque o aluno hoje traz para a sala de aula outras conexões

dissonantes da fala dos professores. A professora Laura enfatizou o problema da

dispersão dos alunos na sala de aula, sendo bastante desafiador manter o aluno

focado no que o professor está dizendo e fazer com que ele deixe de lado o uso do

celular. Há sempre uma mensagem chegando e a tentação de olhar é grande. Às

vezes os próprios pais ligam para os filhos durante as aulas. São muitas as situações

que o professor tem que administrar sem entrar em conflito com os alunos, e nem

sempre consegue satisfazer a todos:

Por mais que você tenha todos os mecanismos, aquela mensagem que ele tava (sic) querendo vai chegar. De repente o celular vibra e ele vai querer olhar. Então a gente esbarra mesmo nisso porque é proibido o uso do celular em sala de aula, mas os alunos trazem o celular. Muitas vezes os pais ligam para os filhos em sala de aula. É uma questão que a gente traz a família pra conversar porque a gente esbarra até nisso (LAURA,2013).

O professor Pedro, assim como Laura, percebe a dificuldade do aluno de deixar

de lado o celular. Tem aluno que fala: “ Nó!35 Eu sem meu celular no bolso, parece

que eu tô (sic) pelado”. Sendo de outra geração em que não dispunha de celular, o

professor Pedro revela não ter essa dificuldade:

35 Expressão típica de Minas Gerais que denota a intensidade da situação.

91

Mas eu não passei por isso, então hoje eu ando com meu celular, mas se um dia eu esqueço meu celular em casa isso não me faz falta não, a não ser que eu precise ligar para alguém. Se eu chego em casa e tenho dez ligações, mensagens, azar. Mas o aluno não, ele tem que responder, tem que estar conectado, essa é minha percepção, porque senão eles se sentem mal (PEDRO,2013).

Mesmo com esses desafios, e olhando pelo aspecto da aprendizagem, a

possibilidade do uso do celular pelos professores em sala de aula também é uma

novidade bem-vinda. É um recurso positivo, mas tem que ficar claro que não é um uso

para entretenimento e sim uma ferramenta de trabalho. O professor também precisa

estar atento ao próprio comportamento e usar essa ferramenta apenas para o trabalho

em sala de aula:

Meu celular é como se fosse um tablet, eu tenho tudo nele. Isso é tão legal porque antigamente quando você perguntava alguma coisa para professor que ele não sabia ele falava que ia procurar saber e trago a resposta. Quando eu não sei a resposta eu falo:— Espera aí que eu vou olhar. E eu olho na hora e já falo na hora. Depende das circunstâncias também e da sala porque tem alguns alunos que não entendem muito bem isso (LAURA,2013).

Moran, Masetto e Behrens (2013), afirmam que as tecnologias digitais móveis

trazem grandes desafios ao modelo de ensino tradicional nas instituições escolares,

onde o professor é o centro de toda a aprendizagem. É necessário sair do ensino para

um ensino mais participativo onde o aluno é protagonista, orientado pelo professor, e

sem o professor por perto necessariamente, supervisionando o tempo todo. Para esse

autor,

A chegada das tecnologias móveis à sala de aula traz tensões, novas possibilidades, e grandes desafios. As palavras ‘tecnologias móveis’ mostram a contradição de utilizá-las em um espaço fixo como a sala de aula: elas são feitas para movimentar-se, para que sejam levadas a qualquer lugar, utilizadas a qualquer hora e de muitas formas (MORAN; MASETTO; BEHRENS 2013, p. 30).

Outro desafio é a falta de domínio das tecnologias para determinado grupo de

professores que ainda não está familiarizado com essas inovações. O professor Pedro

ressaltou que os professores mais jovens têm mais facilidade de explorar as

tecnologias no trabalho, na sala de aula, e também para o uso do diário eletrônico:

“Na escola que eu trabalhava eles compraram um quadro digital. Mas o quadro não

foi utilizado. Primeiro porque os professores não foram capacitados para isso.

Segundo porque para utilizar esse recurso era necessária certa habilidade”.

92

O professor Pedro chamou a atenção para o perfil jovem dos professores da

atual Instituição, o que para ele interfere na aceitação do uso das tecnologias no

trabalho docente, porque já as utilizam há mais tempo:

Você observou que a maioria dos professores dessa escola são jovens? Tem dois ou três mais velhos. Já estão próximos aos 60, mas a maioria está abaixo dos 30. Se você for na escola que eu dou aula de noite verá que é exatamente o contrário. A maioria dos professores está acima dos 50. E aí eu percebo a diferença entre o problema do diário eletrônico aqui e lá. Lá é grande o problema do diário eletrônico. Os mais velhos normalmente vão ter mais resistência que os mais novos. Medo ou porque já acostumaram de um jeito. Teve uma professora de inglês lá que chorou porque não queria o diário eletrônico (PEDRO, 2013).

Além desses obstáculos, há ainda os desafios no relacionamento, na sala de

aula e no ciberespaço. Ciente de que a conduta do professor é motivo de observação

e crítica por parte dos alunos, os professores ficam atentos às próprias atitudes na

escola e nas redes sociais. Desse modo, a professora Laura procura ser coerente com

as normas escolares utilizando o smartphone como apoio à aprendizagem, evitando

ligações e mensagens particulares enquanto está na sala de aula.

Eu sempre falo que a questão de usar celular em sala de aula, e não prestar atenção acontece tanto com eles quanto comigo. Se eu ficar com meu celular no bolso e eu sentir vibrando eu vou querer olhar o celular, independente se eu estou dando aula ou não. Eu sempre levo o exemplo. Na medida do possível eu tento não competir com o celular demonstrando pra eles:— Olha gente, meu celular está na mesa no silencioso, e não no meu bolso pra dar curiosidade de olhar (LAURA,2013)

Esses cuidados com o uso das tecnologias são pertinentes, pois segundo

Moran, Masetto e Behrens (2013), “ As tecnologias móveis, bem utilizadas facilitam a

interaprendizagem, a pesquisa em grupo, a troca de resultados, ao mesmo tempo em

que facilitam as trocas banais, o narcisismo, o querer aparecer, o consumismo fútil”

(MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2013, p. 58). Ante essas perspectivas é importante

que a escola estabeleça limites claros para todos.

Consoante com a fala da professora Laura e outros docentes, o professor

Pedro disse também sentir-se motivado pelo clima organizacional, e pelo

relacionamento com os alunos, sobretudo por aqueles alunos que extrapolam as

informações básicas, indo além do que o professor lhes apresenta. E ele tem o

93

sentimento de maior proximidade com os alunos quando sente que está contribuindo

para a formação deles não apenas explorando conteúdo da sua disciplina específica,

e concluiu sentir-se um educador nessa escola:

Aqui na escola pública, especialmente nesta escola, eu me sinto, como os pedagogos gostam de falar, educador”. Eu me sinto participante da vida do meu aluno de uma forma geral. Nas outras escolas, em todas as outras escolas pelas quais eu passei, eu me senti dador de aula. Aqui eu me sinto educador. Tem alguns alunos que fora do momento da sala de aula e mesmo sendo aluno de primeiro ano e te faz pensar: "Caramba”, esse menino já fala dessas coisas?". Então eu tenho aluno que lê Nietzsche. Tem aluno que lê Dostoiévski. Eu já li muito Nietzsche. Hoje, por exemplo, estou lendo Dostoiévski. Mas eu tenho alunos de 15 anos que já leram esses autores (PEDRO, 2013).

Os relacionamentos, a motivação dos professores e alunos, o cumprimento das

metas de aprendizagem, a preservação dos espaços da escola, a segurança, nada

passa despercebido ao olhar atento da Instituição. Os professores são bem atuantes

nessa parceria dialogando com os gestores, fazendo críticas e sugestões.

Um aspecto importante a ser ressaltado, é que o acesso dos alunos à essa

Escola é feito por inscrição e posterior sorteio, ou seja, diferente de outras instituições

que selecionam os melhores alunos por meio de avaliações, essa Instituição não os

escolhe. O que corrobora a ideia de que os bons resultados são colhidos pelo trabalho

que é feito a partir do ingresso dos alunos. Outro dado importante citado pelo Diretor,

é quanto à evasão. Em 2013, houve dois casos de alunos que pediram transferência

por motivos particulares, ou seja, a Escola mobiliza mecanismos diversos de

permanência do aluno, e está tendo resultados positivos quanto a isso.

Esse olhar cuidadoso reduz também, consideravelmente, os focos de tensão

reforçando também a necessidade da divisão de responsabilidade com a família.

Observamos em reunião de pais a fala da Diretoria ajustada às expectativas dos

professores seja no aspecto disciplinar ou na complementação de estudos, e vimos

que no dia a dia esse trabalho não para.

Conforme Libâneo (2013) há a convicção de que a presença ou ausência de

determinadas características organizacionais são determinantes na eficácia e no nível

de aproveitamento dos alunos. Tais características são “ o estilo de direção, o grau de

responsabilidade dos profissionais, a liderança organizacional compartilhada, a

94

participação coletiva, o currículo, a estabilidade profissional, o nível de preparo

profissional dos professores etc.” (LIBÂNEO, 2013, p. 33). Consoante com esse

postulado, nessa Instituição há várias linhas de atuação desenvolvidas

cotidianamente por vários sujeitos, não apenas os professores. E nessa multiplicidade

de ações a escola vai desenhando e redesenhando estratégias e linhas de ação

convergentes com os resultados satisfatórios para toda a escola.

95

CAPÍTULO III

3. CONEXÕES, CONFLITOS E SOCIABILIDADES NA ESCOLA SOB A

PERSPECTIVA DOS ALUNOS

Tendo demonstrado o sentido do trabalho nessa “escola diferenciada” sob a

perspectiva dos professores, nesta parte da pesquisa temos como propósito mostrar

o ponto de vista dos alunos naquilo que eles consideram como fundamental para a

sua formação e o seu bem-estar, considerando o ambiente físico, o clima

organizacional, as interações na escola e os ambientes virtuais.

Assim como a escola é um objeto de estudo multifacetado, compreendemos

ser importante analisarmos o aluno enquanto categoria de pesquisa também na sua

diversidade. Torna-se primordial fazermos uma autocrítica, nos indagarmos de que

modo olhamos àqueles a quem dedicamos nossas horas de trabalho, para quem

planejamos cada atividade, como os acolhemos e também analisarmos de que modo

somos acolhidos por eles.

Via de regra planejamos o trabalho docente na perspectiva de que aluno é uma

categoria homogênea, previsível, receptiva aos nossos ensinamentos e intervenções,

e nessa direção estabelecemos previamente a história do nosso presente e futuro com

eles ao longo do ano ou semestre letivo.

Levamos para a sala de aula a convicção de que nossos objetivos traçados

nos unirão aos alunos num único ideal de ensinar e aprender, e em consequência

chegaremos ao máximo do cumprimento das metas de aprovação e todos ficarão

satisfeitos: “só que não36”, às vezes dá tudo errado por várias razões. Os alunos vão

para esta ou aquela escola por obrigação, e em muitos casos pela escolha da família,

36 Expressão usada nas redes sociais para ironizar situações e comportamentos considerados previsíveis, mas que nos surpreendem no sentido oposto.

96

há ainda o distanciamento intergeracional, e as condições de trabalho adversas.

Motivá-los é uma tarefa hercúlea e desafiadora aos professores pois,

Os alunos são clientes forçados, obrigados que são a ir para a escola. A centralidade da disciplina e da ordem no trabalho docente, bem como a necessidade quase constante de ‘motivar’ os alunos, mostram que os professores se confrontam com o problema da participação do seu objeto de trabalho, os alunos, no trabalho de ensino e aprendizagem. Eles precisam convencer os alunos que ‘a escola é boa para eles’, ou imprimir às suas atividades uma ordem tal que os recalcitrantes não atrapalhem o desenvolvimento normal das rotinas de trabalho. (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 35,).

Diante de tantos desafios vem o sentimento de frustração, não apenas da parte

dos professores, pois os alunos também chegam na escola cheios de expectativas a

realizar. A trajetória de trabalho nesse contexto é sempre surpreendente, jamais linear

e previsível, pois mesmo qualificados do ponto de vista acadêmico, desconhecemos

a priori nosso objeto de trabalho, ou seja, nossos alunos, e é nesse percurso que

vamos identificando as suas características, conhecendo as suas histórias e

interferindo nelas, e vamos também nos surpreendendo de modo recíproco.

Cada aluno e turma são únicos nas experiências docentes. Mesmo que

professor tenha acumulado uma trajetória de dez, vinte, ou trinta anos no magistério,

ainda assim, ao conhecer uma nova turma será a sua primeira vez ali. Então, na

condição de professores, estaremos sempre diante da oportunidade de nos

surpreendermos mutuamente no sentido das interações, das descobertas, das

aprendizagens e das possibilidades de transformação pois, conforme Boleiz Júnior

(2012) “ o modo de ensinar de cada educador, de se relacionar com os alunos, de se

comportar, falar, valorizar este ou aquele procedimento, de dar atenção ao que é

trazido pelos estudantes, etc., é conteúdo no processo educativo dos alunos” (BOLEIZ

JÚNIOR, 2012. p. 32).

Esse autor destaca a capacidade humana de apropriação de saberes para

apreender, fazer e refazer o que for necessário para transformar a própria existência,

interagir com os outros, influenciar e ser influenciado e sobretudo, ser protagonista

nesse processo:

97

A apropriação dos saberes, conhecimentos, técnicas, valores, enfim do mundo da cultura, se dá por meio de um processo que também é estritamente humano e envolve as capacidades biológicas individuais de cada homem, bem como o modo como se dão suas relações com o meio em que vive e convive —que é formado por pessoas, peculiaridades geográficas, políticas e sociais — que lhe proporcionam desenvolver-se, aprender e apreender todo o mundo que está à sua volta. Esse processo chama-se Educação (BOLEIZ JÚNIOR, 2012. p. 34).

Nessa perspectiva de transformação, descobertas, de incompletude, tendo em

mente o protagonismo de alunos e professores, a trajetória de educar seguirá por

múltiplas vias a serem construídas coletiva e diariamente, jamais em vias de mão

única.

Buscando captar os sentimentos dos alunos nessa diversidade de interações

na escola, os convidamos a responder um questionário cujo roteiro pedia que

definissem o que a escola representava para eles, traçando ainda o perfil dos

professores com quem interagiam e como retratavam o convívio diário com eles.

Indagava ainda o que seria desafiador nesse convívio e em caso de impasses e

situações de conflitos como costumava ser feita a mediação na escola. E por fim, foi

perguntado sobre o uso das redes sociais se havia comunicação, “amizade37”, críticas

ou apoios professores. Em todos os quesitos os alunos foram orientados a indicar

exemplos para que as respostas fossem compreendidas claramente.

O propósito do questionário foi estimular os alunos a falar sobre seus

sentimentos com relação a escola e seus professores, relatando experiências vividas

que pudessem fornecer elementos para nossa análise. Procuramos dialogar com os

alunos do Ensino Médio por terem acumulado experiências ao longo de todo o Ensino

Fundamental em diferentes escolas. A nosso ver esses alunos poderiam traçar um

perfil da escola atual com mais propriedade, de modo que pudéssemos fazer uma

conexão com os relatos dos professores identificando pontos em comum e díspares

nas falas desses sujeitos, considerando o aspecto qualitativo da nossa pesquisa.

Os alunos, num total de cinquenta e oito, responderam ao questionário cientes

de que estariam protegidos pelo anonimato perante o público e a Instituição conforme

37 O termo foi destacado por fazer referência à inclusão da pessoa na rede social como amigo virtual. Não se aplica à concepção tradicionalmente usada como amigo.

98

indicava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido firmado entre nós. Dentre os

participantes, 87% caracterizaram a escola utilizando as expressões boa, excelente e

diferenciada, este último termo coincidindo com a expressão usada pelos professores

também. Os demais alunos, falaram da escola de modo positivo utilizando outros

termos como segura, eficiente, rigorosa e outros.

Figura 11. Caracterização da escola pelos alunos

Explicitando as expressões utilizadas, os alunos falaram da importância da

disciplina e da preservação do espaço físico, considerando ser a escola bastante

efetiva nesses quesitos, havendo desse modo um sentimento de satisfação pela

permanência na Instituição traduzido pelo termo confiança38. Eles se sentem seguros

no espaço escolar porque sabem que há o cuidado da Diretoria em preservar a

integridade física de todos e de cuidar da manutenção da escola, sendo que os alunos

também são agentes importantes no cuidado com a escola. Há o trabalho diário da

escola em com a preservação física escolar de modo que todos se sintam

responsáveis por ela, inexistindo atos de vandalismo na Instituição. Esse cuidado

diário com a escola é motivado por meio de atividades desenvolvidas na Educação

Patrimonial ofertada aos alunos do Ensino Fundamental no contra turno.

Explicitando ainda as expressões dadas à escola como “boa” e “excelente”, os

alunos da turma A39 apontaram o quadro de professores como diferenciado pela sua

qualificação e relacionamento com eles, destacando ainda a atuação positiva da

38 Grifo nosso. 39 Para preservar o anonimato dos alunos nomeamos as turmas pelas letras A e B.

87%

23%

Opinião dos alunos sobre a escola

Consideram a escola excelente,boa ou diferenciada

Consideram a escola comoeficiente, rigorosa e segura

99

administração escolar, o respeito e a união entre as pessoas, a comunicação e o

espaço físico bem cuidado:

1-É uma ótima escola devido a dedicação dos professores e funcionários da escola, e por ser uma escola disciplinada. 2-Ótima, porque os professores nos passam o conhecimento de forma interativa e a Direção e Coordenação são bem dedicadas. 3-Boa, um espaço ótimo e segurança. 4-É uma escola excelente no aspecto do ensino. Meu futuro está praticamente ganho, só basta a minha atitude de aproveitar todas as oportunidades que ela nos proporciona. 5-Muito boa. Sei que estou tendo aulas de alta qualidade e acabo também tendo as mesmas condições de ensino de uma escola privada. A organização, os equipamentos, e o esforço dos professores são excelentes. 6-A escola tem um diferencial entre as escolas estaduais. O ensino é verdadeiramente de qualidade, exige muito dos alunos, e é bastante rigorosa, mas não descartando a comunicação entre os alunos, professores e diretores. 7-Muito boa, pois tem ensino de qualidade, e os alunos, professores e o pessoal da Diretoria trabalham com união. 8-É diferenciada. Nos oferece alternativas diferentes de aprendizagem. Os professores são produtivos e dinâmicos, o respeito é muito grande e recíproco entre alunos e professores.

Os alunos da turma B também falaram da escola e observamos que as suas

avalições convergiram com o perfil traçado pela turma A:

1-A escola é ótima, tem professores qualificados, ambiente agradável, segurança, e não há vandalismo. 2-Ótima na qualidade do ensino, na socialização, dentre outros aspectos. 3-Muito boa, pois o ensino e a postura aplicados aqui são muito diferentes das outras escolas públicas. 4-Escola de nível de ensino bom, e as pessoas que a compõem são boas, e a estrutura e o modelo das aulas mais dinâmicas são interessantes. 5-Muito boa, ela tem regras, ensino de qualidade e proporciona oportunidades. 6-É uma escola muito boa, pois o ensino e a infraestrutura são de qualidade e temos conteúdos alternativos. 7-É uma escola rígida, com ensino muito bom. 8-A escola é muito boa, pois o ensino e a estrutura são de qualidade, e temos conteúdos alternativos.

100

Registramos apenas cinco discrepâncias na turma B referente à caracterização

da escola: um aluno considerou a escola como conservadora e retrógrada, pois avalia

o saber do aluno pela pontuação; um aluno considera a escola conservadora e outro

aluno a caracterizou como alienadora. Dois alunos reconhecem a escola como uma

instituição diferenciada, mas burocrática e com excesso de regras. Os demais alunos,

num total de cinquenta e três, veem a estrutura disciplinar como algo positivo, e julgam

ser esse um aspecto importante que a diferencia das outras escolas públicas que já

frequentaram anteriormente. Para esses alunos, há rigidez40 nos requisitos de entrada

e saída da escola, uso do uniforme, de respeito no trato com os professores, colegas

e funcionários, de horário para o lanche, e uso de eletrônicos na escola. Contudo, eles

creditam os bons resultados ao empenho da Instituição em cuidar para que haja esses

limites mínimos de convivência.

Observando a rotina da escola em diversos momentos, percebemos conexões

entre o que foi dito pelos alunos e a efetiva atuação da Diretoria quanto ao aspecto

disciplinar e ao bem-estar na escola. Nesse contexto, as normas da Instituição

estabelecem limites quanto ao direito do aluno de transitar na escola em horário de

atividades coletivas, e essas regras são cumpridas com o apoio da Supervisão

Pedagógica e da Diretoria, atentas ao direito do aluno de estar em sala de aula no

momento devido. Não cabe ao professor verificar se o aluno está atrasado e se é

pertinente o seu ingresso na sala de aula fora do horário, ou se está uniformizado. E

se houver uma intercorrência em sala de aula que não seja possível resolver, o aluno

é encaminhado à Coordenação Pedagógica, mas apenas um por vez.

O espaço físico reduzido da escola impõe uma atenção constante de todos pelo

uso dos ambientes coletivos. As apresentações de atividades ao ar livre de teatro,

dança e música são realizadas em horários que não perturbem os momentos onde o

silêncio é necessário aos demais alunos e professores. Por isso é fundamental o

planejamento coletivo dos projetos pedagógicos para que uma atividade não seja

impactante à outra.

40 Grifo nosso.

101

O relacionamento com os professores foi avaliado de forma positiva por ambas

as turmas. Os alunos usaram predominantemente os termos “ ótimo”, “bom”,

“respeitoso”, “respeito mútuo”, “amistoso”, “educado”, “atencioso”, indicando as

exceções. Alguns ressaltaram haver maior proximidade com os professores da área

de Ciências Sociais e Humanas:

Os da área de Exatas são mais fechados, de Humanas são mais abertos ao diálogo dispostos a ajudar. São profissionais, bem formados, e educados, com algumas exceções. Alguns são bons, no entanto, outros não se importam muito em debater assuntos, impondo o seu pensamento. Alguns são mais amigáveis, outros são relação profissional de professor- aluno.

Os alunos indicaram situações em que tiveram algum tipo de conflito em sala

de aula por discordância de nota atribuída pelo professor, ler livro em horário de aula,

usar espelho e celular, grosseria e implicância do professor por não saber separar o

relacionamento, descumprir regras e conversas paralelas. De um total de trinta alunos,

apenas nove indicaram as situações elencadas. Apesar dessas intercorrências, esses

nove alunos consideram bom o relacionamento com os professores, fazendo as

ressalvas por essas situações excepcionais já resolvidas. Apenas um aluno afirmou

não ter solucionado o conflito com o professor que o tratou com grosseria, mas não

esclareceu o porquê. Os demais conversaram com o professor e resolveram o

problema.

102

Figura 12. Sobre conflitos com os professores

Desses nove alunos envolvidos em conflitos com algum professor, alguns

expressaram sua insatisfação da seguinte forma:

Boa parte deles são educados, mas há algumas exceções, como aqueles que te dão má resposta quando você está com dúvida. O relacionamento é bom. Mas tem alguns professores que são grossos e arrogantes. É até difícil de se entrosar. Há o respeito na sala, na maioria das vezes, do professor com o aluno. Gosto da maioria deles, e me relaciono bem com todos. Eu os respeito como autoridades, mas alguns não merecem tal respeito. Nos tratam com grosseria, gritam e não têm paciência de explicar às vezes.

Na turma B, de um total de vinte e oito alunos, dez alunos relataram conflito

com algum professor. Três alunos apontaram a sua participação no Grêmio como

motivo de conflito, mas não esclareceram como isso afetou a relação com o professor.

Os demais indicaram discordância por causa de nota, intolerância com o professor e

vice-versa, esquecer o material de aula, não aceitar a troca de lugar na sala, e por fim,

tratamento diferenciado dado pelo professor a determinados alunos. Desses conflitos,

apenas os alunos do Grêmio e o aluno que relatou intolerância mútua, disseram não

ter solucionado o problema. Esses alunos consideram satisfatória a relação com os

professores, identificando as situações excepcionais.

30%

70%

Turma A - 2º ano do Ensino Médio - Amostra 30 alunosTiveram conflitos com os professores?

Eventualmente

Nunca tiveram

103

Analisando os dados obtidos na pesquisa junto aos alunos, encontramos

compatibilidade com a avaliação feita pelos docentes, seguindo na perspectiva do

diálogo predominante entre essas duas categorias dentro do ambiente escolar, sendo

que o apoio institucional foi ressaltado como elemento importante ao seu bem-estar

diário, e inclusive na mediação de conflitos. Considerando a diversidade desses

sujeitos interagindo num campo de trabalho, por vezes árido, quanto aos pactos de

boa convivência, foi bem surpreendente nos depararmos com essa situação de

conexões marcadas pelo diálogo e negociação cotidianamente. Há o reconhecimento

do trabalho feito pelos professores, e os professores veem a receptividade dos alunos

como algo que lhes traz segurança e motivação para o trabalho.

Sobre o uso das redes sociais com o propósito de falar mal dos professores, foi

algo visto pela maioria dos alunos como desnecessário e alguns usaram o termo

antiético para designar essa prática. Dos cinquenta e oito alunos, apenas 1,74%

admitiram fazer críticas aos seus professores por meio das redes sociais e não

consideram isso algo inapropriado, pois entendem ser apenas a expressão da sua

opinião41. Esses alunos acreditam não ter responsabilidade pelo que dizem das

pessoas nas redes sociais, amenizando suas atitudes como necessidade de expor

seus sentimentos, ainda que esses desabafos possam afetar profundamente a

imagem e a autoestima dos professores.

41 Grifo nosso.

36%

64%

Turma B - 2º ano do Ensino Médio - Amostra 28 alunosTiveram conflitos com os professores?

Eventualmente

Nunca tiveram

104

Alguns preferem não usar as redes sociais para maior proximidade com os

professores, mantendo apenas o relacionamento em sala de aula. Os demais alunos

usam as redes sociais para a comunicação sobre atividades escolares, interagir com

os professores da sua preferência, e se for necessário, defende-los de possíveis

críticas virtuais:

Eu apoio muito os professores, não só nas redes sociais, mas também grito, e me manifesto contra aqueles que os criticam. Uso para interagir com os mesmos, pois é uma forma rápida e prática de se comunicar. Uso as redes sociais para apoiar os professores. Criticar seus professores pelas redes sociais não leva a nada. Se for criticar falo pessoalmente, ou com a supervisora. Não acho que relacionamento de professor e aluno deva chegar nas redes sociais. Criticar não, mas possuo intimidade com alguns a ponto de conversar pela internet, fazer brincadeiras, etc. Não me relaciono com professores nas redes sociais e não os critico por esse meio. Através das redes sociais conversamos a respeito de trabalhos e até mesmo para tirar algumas dúvidas. Não acho bacana usar as redes sociais para criticar[...], mas sim para reconhecê-los como profissionais.

A amizade com os professores nas redes sociais foi vista de modo positivo

pelos alunos da turma A, ressalvando-se as devidas proporções entre o ser professor

e a amizade pessoal para não haver prejuízo com relação aos limites em sala de aula.

Foi recorrente o exemplo dado por eles acerca de uma situação recente criada por um

professor que “tomou muita liberdade com a turma”. Ressaltaram também a utilidade

da relação nas redes sociais para fins pedagógicos. Desse modo, os alunos criaram

o grupo da sala, no Facebook, para postagem de trabalhos, informações e

esclarecimentos. Nesse grupo adicionaram também os professores da turma. Eles

acham útil42 ter essa proximidade com o professor para complementar as informações

além do espaço de estudo da escola. A palavra “limite” foi usada de modo recorrente

como requisito no uso das redes sociais entre professores e alunos.

42 Grifo nosso

105

Acho ótimo, mas também é importante saber definir o relacionamento “professor e amigo”. Acho muito bom, pois assim podemos perguntar as coisas que não sabemos, mas essa relação aluno-professor não pode se tornar pessoal demais. Adicionar um professor no seu Facebook é até bacana, mas o respeito tem que ser o mesmo. Você pode ser amigo de um professor sabendo que isso não vai mudar nada na hora de uma prova, de um trabalho. Naquela hora ele é seu professor e você um aluno. Acho interessante, pois se tivermos uma dúvida perguntamos, apesar dos professores parecerem não gostar de tirar dúvidas e responder. E tem professores piores que aluno em grupos de redes sociais. O uso das redes sociais é desnecessário, porém útil para tirar dúvidas sobre o conteúdo.

Na turma B, os alunos também fizeram considerações coesas com a posição

da turma A, alertando para a falta de limites e de possíveis privilégios concedidos aos

alunos mais próximos de determinado professor, porque “algumas vezes, a relação

professor-aluno é ultrapassada e atinge um patamar que às vezes acaba prejudicando

outros alunos, pelo privilégio que o professor concede ao aluno que lhe é mais

próximo”. Foi comum o sentimento de que há uma linha tênue demarcando a amizade,

responsabilidade, o profissionalismo e a falta de limite. Por isso, ao extrapolar a

relação da sala de aula para o campo pessoal é fundamental haver bom senso e

autocrítica de ambas as partes. Conforme os alunos, não se pode sair por aí

“estendendo a sala de aula para as redes sociais”, pois isso pode ser um fator de

deterioração do relacionamento na escola. Essa preocupação exposta por alunos e

professores segue ao encontro da análise de Freire (1996) destacando o valor da

afetividade e da ética no exercício da docência:

Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e ‘cinzento’ me ponha nas minhas relações com os alunos [...] A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele (FREIRE, 1996, p.159-160).

Apesar da preocupação em estabelecer limites nas redes sociais e na vida

pessoal, em ambas as turmas foi registrado o sentimento de que as relações de

professores e alunos nas redes sociais podem ser um fator de fortalecimento dos laços

106

de afeto nascidos em sala de aula, e ainda servir ao propósito de complementação de

estudos.

Os alunos traçaram o perfil dos professores com as características

consideradas por eles fundamentais para um bom relacionamento e para uma boa

aprendizagem. Quando os professores avaliaram o perfil da Instituição, explicitaram

haver uma boa relação com os alunos e identificaram o respeito como elemento base

nesse relacionamento, característica ausente em outras escolas onde exerceram ou

exercem a docência. Eles apontaram o interesse dos alunos, traduzido pela

curiosidade científica, como fator de motivação profissional. O aluno que motiva, é o

que pergunta, critica, discorda, lança desafios, mas reage aos desafios também de

modo criativo, indo além do que lhe foi ensinado. Da mesma forma, os alunos também

expressaram os seus anseios quanto ao professor, cujas características devem estar

alinhadas à motivação deles em termos de bom relacionamento e efetiva

aprendizagem, como pode ser depreendido nos relatos deste estudo.

Ao registrar sua opinião um aluno fez a seguinte observação: “Não há um

profissional perfeito, nenhum ser humano é. Exigir isso do professor não tem sentido”.

Destacamos esse depoimento, pelo fato do aluno reconhecer a incompletude e a

imperfeição do professor, por ser humano, mas sem eximi-lo de responsabilidade, pois

em seguida destacou a necessidade do professor de ter completo domínio sobre o

conteúdo a ser ensinado: “Para ser bom profissional deveria ter completo

entendimento do que será dado”. Assim como esse aluno ressaltou, o conhecimento

sobre a matéria ensinada foi um ponto comum aos demais alunos, acerca da

expectativa do que vem a ser um bom professor. Tão importante quanto esse

requisito, os alunos consideram fundamental que o professor seja: amigo,

companheiro, divertido, dinâmico, paciente, educado, respeitoso, solícito, diligente,

criativo, e atento às regras da escola. Além disso, esperam que o professor saiba

estabelecer limites sem ser autoritário, ou seja, aquele que bota moral43 na sala de

aula. Para os alunos, o trabalho feito com prazer é um fator que contagia o aluno em

sala de aula, assim como a desmotivação do professor. Essas expectativas dos

alunos da turma A foram descritas da seguinte forma:

43 Grifo nosso. Expressão coloquial usada pelos alunos no sentido de o professor ter autoridade.

107

Aquele que nos respeita, engraçado, simpático, amigável, extrovertido. Deve ser balanceado entre ser bem-humorado e rígido. Gostar do que faz, ter prazer de ensinar e nos fazer ter interesse, empolgado com a matéria e aberto às críticas. Tem que dar limites à turma, mostrando que tudo tem o seu momento. E tem que ser paciente diante da dificuldade de cada aluno. Acima de tudo um professor amigo que sabe a hora de cobrar, mas acima de tudo aquele que escuta, e não só fala. Divertido, dinâmico, brincalhão na hora certa. Que domine o conteúdo. Sinceridade, respeito e confiança também. Que conviva bem com os alunos, extrovertido, responsável, amigo, informado, interativo, com bom humor. Que sabe separar a hora de estudo e brincadeira, conversar e ser companheiro. Paciente, calmo, saber ouvir as perguntas dos alunos, cumprir as regras da escola e ter uma boa convivência com todos. Divertido, rígido e que “bota moral”, sem perder a educação e o respeito em relação a nós. Que se preocupe e se esforce, mesmo quando não merecemos. Que goste do que faz e tente fazer bem feito. Para mim, o professor ideal é inteligente, tão inteligente que é capaz de transmitir o próprio conhecimento. Ele precisa ser centrado, ser profissional e saber lidar com uma turma de trinta e cinco alunos sem precisar fazer uso de ameaças e gritos.

Encontramos na turma B conformidade com os relatos apresentadas pela turma

A. Todavia, nessa turma, nove alunos se abstiveram de caracterizar o perfil do que

eles consideram satisfatório para ser um bom professor.

A competência profissional e a capacidade de explicar com clareza os

conteúdos é um aspecto apontado de modo recorrente em ambas as turmas: “O

professor ideal é aquele que tem um conhecimento aprofundado no assunto, que

promove leituras e pesquisa em casa e debate em sala, que se preocupa em atender

o conhecimento aos alunos de maneira que cada um a seu tempo aprenda”. Além da

capacidade de ensinar, o professor deve ter a sensibilidade para perceber as

dificuldades do aluno, ajudá-lo e demonstrar interesse pelos seus problemas. Precisa

ser bem-humorado, criativo a ponto de saber quebrar o paradigma tradicional baseado

108

na exposição de conteúdo, exercício e prova. Ser também dinâmico, dialógico e

assertivo sem ser onisciente:

Utiliza dinâmicas e não se limita somente à sala de aula. É descontraído nas horas que precisa, se integra com os alunos, indica cursos palestras e eventos. Ele tem que saber explicar, ser engraçado para saber entreter e despertar o interesse do aluno na matéria e saiba dar aula. Não se portar com onisciência, abrir debates, interagir com os alunos, quebrar o paradigma matéria-exercício-prova.

Faz com que a aula seja produtiva, ensina a matéria com excelência e que imponha sobre a turma fazendo todos ouvi-lo com atenção. Ter respeito pelo aluno, alegre, paciente e dedicado ao trabalho. Dinâmico, expositivo, interessante, engraçado, que sabe apresentar o assunto de várias formas e crie amizade com os alunos.

Expositivo que se comunique com os alunos e que dê aulas dentro e fora da sala e da escola. Meu ideal de professor é quando ele respeita o próximo, dá o direito para o aluno dar sua opinião na aula, as aulas não serem tão chatas e mais dinâmicas.

Percebe-se em ambas as turmas, alunos com a expectativa de que o “bom

professor44” deve estar atento a todas as necessidades do aluno dentro e fora da sala

de aula. Isso está expresso claramente nesta fala onde o aluno almeja que o professor

seja “expositivo que se comunique com os alunos e que dê aulas dentro e fora da sala

e da escola”, ou seja, o professor em tempo integral. Um outro aluno afirmou: “É

aquele que independentemente de quaisquer dúvidas que eu tiver, esse professor vai

sanar todas sem reclamar. É aquele que percebe que estou em tempos ruins, no

mínimo pergunte como estou”. Um outro aluno destacou a necessidade de o professor

“ser um psicólogo para lidar com tanta diversidade”. Além dessas características,

ainda há a ideia, de que o professor tem a função de entreter o aluno: “Ele tem que

saber explicar, ser engraçado para saber entreter e despertar o interesse do aluno na

matéria e saiba dar aula”. A nosso ver, esse ideal sobre o professor, o reduz a um

animador de auditório que promove entretenimento, descaracterizando a sua

profissionalidade.

44 Grifo nosso.

109

Diante dessas expectativas expostas pelos alunos pudemos depreender que

os professores têm importância fundamental para a aprendizagem deles, pois a

despeito das tecnologias disponíveis, todos esperam contar com os professores para

consolidar seus conhecimentos, e prezam pelo bom relacionamento com eles, assim

como reconhecem a sua autoridade. Nessa Instituição eles são reconhecidos pelos

alunos como profissionais qualificados e importantes na sua formação. Contudo,

percebemos em algumas falas, uma percepção distorcida sobre o professor e sua

atuação profissional, porquanto há alunos esperando entretenimento e disponibilidade

integral do professor para todas as situações.

110

CAPÍTULO IV

4. SOCIABILIDADES, ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E TRABALHO DOCENTE:

PONTOS DE REFLEXÃO

Para melhor compreensão sobre o relacionamento entre professores e alunos,

é imprescindível situarmos esses sujeitos e suas conexões na escola, instituição onde

se desenvolve o trabalho docente, pondo em relevo algumas de suas características

peculiares, pois

Ela não é apenas um espaço físico, mas também um espaço social que define como o trabalho dos professores é repartido e realizado, como é planejado e supervisionado, remunerado e visto por outros. Esse lugar também é produto das convenções sociais e históricas que se traduzem em rotinas organizacionais relativamente estáveis através do tempo. É um espaço sociorganizacional no qual atuam diversos indivíduos ligados entre si por vários tipos de relações mais ou menos formalizadas, abrigando tensões, negociações, colaborações, conflitos, e reajustamentos circunstanciais ou profundos de suas relações (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 55).

As interações constituídas nessa Instituição, são permeadas

predominantemente pelas negociações, e pactos. Mas sendo um espaço social o

conflito existe. O que nos parece peculiar nessa escola, é a forma como os conflitos

são tratados. Sobre o conflito, Ferrigno (2010) faz as seguintes considerações:

Atritos, contradições e antagonismos fazem parte do nosso cotidiano, da cultura, da natureza humana. Sua inevitável presença pode ser a mola propulsora e indispensável para gerar mudanças. Por isso, o conflito não pode ser negado. É preciso que seja compreendido, enfrentado e superado (FERRIGNO, 2010, p. 55).

O regimento dessa escola e o livro de registro de atas, são um bom termômetro

das práticas adotadas nessa Instituição com vistas à constituição de relacionamentos

pautados pela tolerância, diálogo e reajustamentos.

Examinando o regimento da escola pudemos identificar vários pontos que

contemplam o relato dos professores no sentido de que a Diretoria busca implementar

ações legitimadas pela participação coletiva para que o trabalho docente seja

realizado de modo satisfatório. Desse modo, cabe ao Diretor:

111

Promover situações de gerenciamento coletivo em prol de uma educação de qualidade; Oferecer oportunidades para elaboração de um planejamento coletivo, ativo, vivo e significativo para as atividades educacionais; Participar das tomadas de decisões da comunidade, através das ações colegiadas; Utilizar mecanismos de participação democrática nas reuniões, evitando a tomada de decisão autoritária e centralizadora; Submeter à apreciação do Colegiado, questões que devem ser decididas participativamente, fazendo cumprir as decisões do Colegiado; Delegar competências quando se fizer necessário, de acordo com os dispositivos legais (REGIMENTO ESCOLAR).

Nesse contexto, compreendemos os resultados obtidos pela escola como algo

construído no cotidiano. Sendo um trabalho contínuo e não um resultado casual. Na

medida em que os problemas vão surgindo vão sendo discutidos, assim com outras

ações são planejadas na perspectiva da educação e da mudança de comportamento.

Conforme Paschoalino e Altoé (2015), “ A docência é uma profissão que se

desenvolve na interatividade entre sujeitos, na qual as relações de trabalho ainda que

contingenciadas pelas políticas institucionais, são intersubjetivas, característica que

implica tensões e mesmo correlações de força” (PASCHOALINO e ALTOÉ, 2015, p.

110). Dito isto, os autores enfatizam a importância de haver uma gestão democrática

onde seja prioridade o trabalho marcado pela solidariedade e coletividade, pois é no

trabalho em equipe que o professor se fortalece:

Para que os professores possam exercer o seu ofício com a competência que lhes é requerida e com a satisfação merecida, sem desgastes físicos e emocionais desnecessários. Nesse sentido, o professor que trabalha em equipe possui melhor suporte para dirimir as dificuldades nas diversas interações da profissão (PASCHOALINO e ALTOÉ, 2015, p. 110).

Observamos outras ações rotineiras, como as oficinas ofertadas para os alunos

do Ensino Fundamental no contra turno, com vistas à preservação da escola. A

Educação Patrimonial, permanente tem resultados satisfatórios haja vista o bom

estado de conservação da Instituição como um todo. Essa responsabilidade é

extensiva a todos os funcionários da escola. Além da Educação Patrimonial no contra

turno há as oficinas de teatro e música, assim como as atividades de língua

estrangeira. Uma vez por semana os alunos ficam na escola o dia todo para essas

atividades complementares. Há ainda aprofundamento de estudos para os alunos com

rendimento insatisfatório.

Uma parte da carga horária dos professores é destinada ao planejamento das

atividades escolares, inclusive a correção das avaliações e lançamento de notas. Esse

112

horário é obrigatoriamente cumprido na escola, e conta como hora trabalhada. Nesse

momento de estudos e atividades extraclasse, os alunos não podem procurar os

professores, exceto se autorizados por eles. E há um espaço específico para essas

atividades docentes. Encontramos nos registros da Instituição a reclamação de um

professor sobre a obrigatoriedade de cumprir esse horário na escola, o que ele

considerava abusivo. Contudo os demais professores declararam achar positivo esse

tempo, pois não levam trabalho para casa, e pelo fato de haver a possibilidade de

interação com outros professores para projetos coletivos. Via de regra, a própria

estrutura das escolas dificulta o diálogo entre os professores de turmas em comum.

Nessa Instituição esse isolamento é quebrado estabelecendo-se um espaço para os

projetos interdisciplinares.

Na sala dos professores o tempo de permanência é sempre corrido pois se

encaixa no horário de intervalo dos alunos para o lanche. Então é o momento de os

professores também lancharem e viverem uns poucos minutos de descontração com

seus pares. Nas nossas observações feitas na sala dos professores, percebemos o

respeito dos alunos pela privacidade deles. Diante da nossa curiosidade sobre a

ausência de alunos nesse ambiente, um professor explicou estar claro para os alunos

que o acesso àquela sala é exclusivo aos docentes, sendo que essa consciência vem

do trabalho diário feito pela Diretoria onde o espaço de convivência dos alunos e

professores é bem delimitado. Esse respeito pelo horário de descanso dos

professores foi relatado também nas entrevistas, e visto como uma prova de respeito

por parte dos alunos e da Instituição.

A escola dispõe de um livro de atas onde ficam registrados fatos considerados

importantes. Esses fatos abarcam, conflitos diversos, indisciplina, conduta

inapropriada de professores e funcionários administrativos; problemas do cotidiano

tais como reincidências de atrasos e faltas alunos e professores; aspectos

impactantes ao funcionamento das aulas e oficinas; reuniões com pais e alunos para

tratar sobre baixo rendimento e condutas inadequadas, uso dos espaços da escola, e

reuniões administrativas para orientação, planejamento e aprovação do calendário e

eventos anuais.

Em geral observamos haver uma conversa preliminar sobre os fatos

acontecidos envolvendo indisciplina, conflitos entre alunos e professores e entre os

113

próprios alunos, dificuldades de aprendizagem e outras intercorrências. Também

pudemos presenciar outros acontecimentos como acolhimento de alunos por

problemas de saúde, atendimento a alunos passando mal por terem saído de casa

sem a devida alimentação, aconselhamentos e pedidos diversos como saída da

escola fora do horário por alguma necessidade particular a pedido dos pais.

Nossas observações evidenciaram ser a escola um lugar onde há conflitos,

tensões, insatisfações e questionamentos diversos, mas diversas ações no sentido de

resolver os impasses. No livro de atas há os relatos acerca dos vários problemas, as

ações com vistas às resoluções devidas, e essas resoluções seguem na via do

compromisso assumido entre as partes para que o desfecho seja o melhor possível

para todos. Os registros mostraram de forma clara que qualquer sujeito pode ser

confrontado, inclusive o Diretor. Indicaram também momentos de tensão e

insatisfações na sala de aula. Alunos e professores registraram suas críticas sobre o

que lhes incomoda na sala de aula, incluindo problemas na gestão escolar que de

algum modo tenham desdobramentos negativos para eles. Se há algo que lhes traz

insatisfação há o registro com pedido de resolução.

Essa liberdade para tecer críticas, mas ao mesmo tempo haver compromissos

registrados entre as partes, foi algo peculiar diante de outras experiências relatadas

pelos entrevistados nas outras escolas onde atuaram em que a solução para os

problemas teria sido a demissão dos professores, ou simplesmente a omissão dos

gestores. Contudo, verificamos também algumas situações em que apenas o registro

foi feito no livro de atas, e não conseguimos verificar posteriores desdobramentos.

Noutros momentos houve propostas de resoluções, como por exemplo no final

do ano letivo de 2013, houve alguns acordos no sentido de avaliar o desempenho de

determinados alunos ao final do primeiro bimestre de 2014 a fim de que fosse

constatada a mudança de atitude comportamental e de melhoria no rendimento

escolar. Houve também familiares se comprometendo a acompanhar melhor seus

filhos, professores sendo orientados, pedidos de desculpas entre alunos e entre

alunos e professores.

114

Em algumas reuniões administrativas e pedagógicas, após as análises e

críticas foram propostas mudanças nas linhas de ação para melhor resultado no

ensino e na aprendizagem, bem como no relacionamento com os alunos.

Os fatos registrados no livro de atas não foram transcritos nesta pesquisa com

objetivo de preservarmos o anonimato da escola e de seus membros, mas eles são

ricos em significados. De fato, o trabalho na escola tem sido árduo e frequente, mas

ainda assim aqui e ali há certos momentos de transbordamento onde aparecem os

aborrecimentos, as tensões e o cansaço. Todavia, esses momentos de tensão não

parecem ser predominantes, haja vista os relatos sobre o que vem tendo sucesso e a

quantidade de páginas preenchidas com as ocorrências onde os dias são

intercalados. A fim de ilustrarmos melhor nossa linha de raciocínio, identificamos o

número de reuniões de maio a dezembro de 2013: em maio de 2013 houve duas

reuniões registradas em ata num intervalo de 14 dias; em junho não houve registro e

após isso houve dois registros em julho com intervalo de 4 dias.

Em agosto houve três reuniões, uma delas para fazer análise de resultado do

primeiro semestre de 2013 com encaminhamentos de intervenções sobre atendimento

aos alunos para melhoria de desempenho discente, incluindo aumento da carga

horária, acompanhamento mais sistemático da convocação e frequência dos alunos,

e melhor distribuição de salas para esse fim. Nos dois semestres observamos também

continuidade de reuniões sobre um mesmo assunto, até o esclarecimento dos fatos

por parte de todos os envolvidos.

Em setembro verificamos apenas uma reunião. Já no mês de novembro foram

seis reuniões: Uma sobre emissão de documento, duas por indisciplina, uma por

conflito entre dois alunos, uma conversa com um docente que excedeu o número de

faltas, e uma para avaliação de desempenho global dos alunos e aprovação do

calendário de 2014. Nessa reunião foi reforçada a necessidade das intervenções

pedagógicas para os alunos com rendimento insuficiente, planejamento de estudos

de recuperação e horário de estudos dos professores. Foi reforçada também a

necessidade de cada professor manter o devido cuidado nas condutas em sala de

aula, assim como manter ações condizentes com a preservação do patrimônio. Outro

ponto da reunião foi a avaliação do projeto político pedagógico da escola. Pelo tempo

115

exíguo da reunião para tantos assuntos, foi pedido aos professores que fizessem suas

críticas e sugestões via e-mail para posterior discussão.

De janeiro a maio de 2014 houve 18 registros no livro de atas. Nessas atas de

janeiro houve três reuniões: duas para aconselhamento de alunos por comportamento

inadequado e uma para sorteio de vagas para 2015. Em fevereiro houve três reuniões:

uma para tratar da carga horária docente, uma para orientar professor com vistas a

“melhorar atitudes e metodologia45” na sala de aula, e a outra para tratar de pactos de

permanência de aluno na escola por reiterado descumprimento das normas

disciplinares.

Nesses registros despertou nossa atenção a reclamação dos alunos que

consideraram excessivo o uso de vídeo em sala de aula por determinado professor

recém-chegado. Os alunos não compreenderam o significado dos vídeos expostos e

concluíram que não houve aula, e isso ocorreu por diversas vezes. Aqui é importante

destacar o vídeo como uma excelente ferramenta pedagógica, se for usado da forma

correta com análise e debate do que está sendo apresentado. Essa mídia, por si só

não substitui a mediação do professor e a interação com os alunos. A situação exposta

por eles, nos traz mais um ponto de reflexão sobre o papel do professor sendo

desafiado a aprender a explorar as diversas possibilidades de uso das mídias em sala

de aula, usando a linguagem audiovisual sem a exclusão da linguagem escrita, pois

elas são complementares no processo de aprender e ensinar.

Os desafios para os professores são complexos pois a cada dia uma

multiplicidade de opções tecnológicas são colocadas à disposição dos usuários. Para

escolher a que melhor se aplica aos propósitos pedagógicos é preciso conhecer a

forma de usar, e avaliar limites e possibilidades. Esse preparo para o uso das

tecnologias demanda tempo, conhecimento e acesso às ferramentas disponíveis no

mundo digital, algo contemplado parcialmente nessa escola em dois aspectos: o

tempo dedicado ao preparo das aulas e acesso à internet. Mas se o professor precisar

de um suporte especializado não tem. Essa busca é individual, nos sites de pesquisa,

ou nos grupos de trabalho interdisciplinares, e muitas vezes os alunos vão

45 Grifo nosso

116

desbravando os caminhos tecnológicos, experimentando as novas ferramentas e

trazendo as novidades para a sala de aula. Nesse aspecto, a parceria com os alunos

pode ser profícua e enriquecedora.

Moran, Masetto e Behrens (2013) reafirmam o que os professores comprovam

nas salas de aula, o poder de sedução das tecnologias digitais é enorme, é

arrebatador, e pode sim dispersar alunos e também os professores. Nesse contexto,

a conduta do professor torna-se imprescindível tendo a possibilidade de “ Integrar

tecnologias, metodologias, atividades. Integrar texto escrito, comunicação oral, escrita

hipertextual, multimidiática, digital” (MORAN; MASETTO; BEHRENS 2013, p. 61).

Desse modo torna-se possível aos alunos e professores experimentarem diversas

mídias.

O professor pode incentivar a produção de vídeo com temas variados tais como

visitas à museus, eventos científicos, entrevistas e depoimentos. Além da produção

de material feito pelos alunos, Moran, Masetto e Behrens (2013) recomendam: “ O

professor deverá discutir, comentar e aprofundar os múltiplos significados e valores

que cada material audiovisual traz para o cotidiano da escola, para cada assunto do

programa de uma disciplina, para avaliação de projetos, para discussão de como a

TV se comunica” (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2013, p. 49).

Prosseguindo com a pesquisa nos registros da Instituição, vimos que em março

de 2014 houve apenas um registro sobre conduta inadequada de um funcionário ao

repreender um aluno. Já em abril houve sete registros sendo uma para orientar um

docente sobre sua conduta em sala de aula, e as demais trataram sobre indisciplina,

desacato, briga entre alunos, falta de aluno às aulas sem justificativa e duas tentativas

de saída da escola no horário das aulas sem autorização do responsável. Nos casos

de conflito e desacato houve retratação e pedido de desculpas. Nos casos de tentativa

de alunos de saírem da escola no horário das aulas simulando pedido de liberação

dos responsáveis, a atitude da escola foi comunicar aos responsáveis o ocorrido e

aconselhar os alunos refletindo sobre a gravidade da situação. Por fim foi ressaltado

que não haveria punição por parte da escola nesse caso, pois caberia à família dar o

devido castigo aos alunos.

117

No mês de maio houve quatro reuniões onde foi questionada a interpretação

de direito de uso da biblioteca por alunos no contra turno, duas reuniões por conflitos

entre alunos com pedidos de desculpas e compromisso de mudança de

comportamento, e por fim um caso de conduta inadequada de aluno. Nesse último

registro a escola conversou com os pais e sugeriu o acompanhamento psicológico

com vistas à melhor compreensão da mudança de comportamento do aluno e de seu

crescimento pessoal. A despeito da gravidade da situação não houve punição ao

aluno, pois a escola compreendeu ser mais importante o aluno ter o suporte familiar e

psicológico para ter consciência e responsabilidade sobre os desdobramentos das

suas atitudes.

A escola passou por ajustes no seu calendário mês de junho de 2014 devido a

copa do mundo, desse modo só foi possível o acesso aos registros até o mês de maio

de 2014.

Esses registros da Instituição, os relatos dos alunos e professores, assim como

as nossas observações nesse campo de pesquisa, nos forneceram elementos

fundamentais para formarmos a convicção de que nessa escola, as ações de todos

os seus componentes convergem no sentido do cuidado e do respeito.

A relação professor-aluno é considerada satisfatória por ambas as partes,

sendo postas em relevo as exceções. Além do mais, as relações entre professores e

alunos extrapolam a territorialidade da sala de aula para o ciberespaço, relações

essas constituídas com significados diversos. No atual contexto das novas tecnologias

da informação e da comunicação, professores e alunos estão explorando bastante

essas ferramentas para aprendizagem na escola. Além da comunicação, produção de

conhecimentos, e complementação de estudos, há também o uso das redes sociais

para fins de amizade entre alunos e professores.

Professores e alunos consideram a escola como um lugar onde a sensação de

bem-estar e segurança é predominante, havendo bons resultados quanto à

aprendizagem com experiências diversificadas e interdisciplinares, com respeito

mútuo permeando as relações entre eles. Há conflitos pontuais, mas há também

diálogo, negociação e retratação. A presença da gestão escolar é constante seja

118

atuando na mediação das situações de conflito e indisciplina, seja na manutenção da

escola e na realização de projetos pedagógicos a fim de que o trabalho docente e

seus resultados sejam satisfatórios. Esses projetos interdisciplinares, com vistas ao

combate ao preconceito, ao bullying, ciberbullying, à preservação do meio ambiente e

à consciência do exercício da cidadania mobilizam os alunos com ações educativas

diversas na escola, onde eles são os protagonistas.

4.1 Limites entre interações nas redes sociais e intensificação do trabalho

docente

Apesar desse cenário de trabalho positivo, há alguns aspectos importantes

relacionados ao uso das tecnologias da informação e comunicação, que podem ser

impactantes ao trabalho docente.

Todos os professores indicaram como diferencial o uso dessas tecnologias na

escola, pois facilita o acesso à várias fontes de informação diversificando também o

modo de trabalhar os conteúdos tornando as aulas mais interativas e dinâmicas, haja

vista a pesada carga horária obrigatória para o cumprimento do currículo obrigatório.

E nesse contexto os alunos são também protagonistas produzindo e compartilhando

conhecimentos diversos.

Tomando como referencial as falas desses professores e alunos, há de fato

envolvimento e compromisso de todos no fazer pedagógico diário com vistas ao

cumprimento das metas de aprendizagem e da formação do aluno no aspecto da sua

cidadania. Desse modo, o acesso à informação e comunicação é algo substancial no

seu trabalho. Contudo, há também situações de continuidade do trabalho após as

horas despendidas na Instituição.

Antes do advento da internet, o professor levava o para casa46 carregando

provas e cadernos para fazer a correção, leituras, pesquisas, montagem de textos,

elaboração de provas e outras atividades avaliativas. Esse trabalho extraclasse não

acabou. Agora o professor cumpre essas tarefas conectado à internet, e o aluno

46 Grifo nosso.

119

espera que o perfil do professor esteja sempre on line, sempre “dando uma olhadinha”

para ver se os alunos estão precisando de algo, ou se algum arquivo de trabalho foi

enviado. Vida profissional e privada se fundem cada vez mais. O professor é solicitado

a fazer lembretes, revisar conteúdos, complementar informações, tirar dúvidas e

interagir com os alunos. E isso tem sido feito por meio das redes sociais onde

professores abrem o espaço da sua vida privada para os alunos através do Facebook

e do WhatsApp.

Tomando como exemplo da linha tênue demarcando o limite entre trabalho e

vida pessoal, retomamos aqui o relato da professora Laura, enfatizando o gosto dessa

professora pela conexão constante com os alunos nas redes sociais.

Independente da jornada de trabalho na escola, ela está sempre conectada

com os alunos, mas também preocupada em estabelecer limites, temendo que nessa

relação expandida para além da sala de aula, haja equívoco entre o papel da amiga e

o da professora. Essa também é uma preocupação presente nos relatos dos alunos e

dos demais professores. Outra preocupação constante de Laura e dos demais

professores, é a de que os alunos em algum momento publiquem algo que seja

desabonador à imagem dos professores. Isso explica em parte a proibição das aulas

serem gravadas no dia a dia.

Laura vê o uso das tecnologias da informação de modo muito positivo, pois

ampliou bastante a possibilidade de as pessoas terem maior contato com as

informações mesmo a distância. No passado seria necessário o deslocamento dos

alunos a uma biblioteca para obter informações, hoje o acervo encontra-se disponível

on-line, então desde que haja conexão com a internet as barreiras do espaço

geográfico não impedem o acesso aos livros e também às pessoas que estão noutro

estado, país ou continente:

Eu vejo tudo positivo em relação à tecnologia. Eu acho que tudo melhorou. Eu acho que a busca pela informação é muito superior a antigamente em que as pessoas ficavam restritas a uma ida à biblioteca. A gente sabe que livros eram muito difíceis de serem encontrados. Essa facilidade de você não ter que sair de casa para buscar o conhecimento é fantástico. Você de repente vê um vídeo- aula de um professor excelente que mora no sul do país e você não poderia assistir antes, isso pra mim já ajuda bastante mesmo. (LAURA, 2013).

120

Conforme relatado, além da tecnologia nas salas de aula essa escola

disponibiliza um sistema onde os alunos podem consultar as notas, ocorrências

diárias e os textos postados pelos professores, assim também como os pais podem

acompanhar o desempenho dos filhos. Contudo, quando não está na escola, é pelo

Facebook que o contato com a professora Laura, é mais frequente, pois os alunos

estão sempre conectados nessa rede social e não no sistema acadêmico da escola:

Então o Facebook está ajudando muito em relação a isso porque de repente os meninos não acessam o sistema da escola, mas todos os dias acessam a rede social. Então eu posso colocar um recado lá: —Amanhã todo mundo traga uma tesoura. E no outro dia está todo mundo com a tesoura. (LAURA, 2013)

A professora Laura observou que os alunos interagiam bastante com ela no

Facebook o que acabou gerando dúvidas na docente quanto à eficácia desse

relacionamento virtual na aprendizagem. Eram muitas horas dispensadas por ela aos

alunos após as aulas presenciais e havia uma sensação de que o trabalho da sala de

aula continuava ali. Acabava a aula e já tinha aluno perguntando qual a tarefa pedida

para a aula seguinte. Então, ela cancelou sua conta na rede social por dois meses,

pois parecia que os alunos estavam substituindo a atenção às aulas presenciais pela

interação na rede. Contudo, ela não conseguiu ficar desconectada dos alunos na rede

social e reativou sua conta no Facebook:

Eu estava ficando muito tempo conectada. E os meninos... Eu acabo de explicar uma coisa e chega de noite e tem mensagem pra mim dos meus alunos: — Professora, o “para-casa” está em quais páginas? Então eu tentei cortar isso porque os alunos poderiam pensar que poderiam não prestar atenção na aula e tirar as dúvidas comigo on-line. Então eu cancelei meu Facebook por 2 meses, mas eu percebi que eu não ia conseguir ficar sem. Não pela questão de falta, mas pela questão da proximidade com o aluno. Eu tenho uma relação com meus alunos muito boa mesmo. Eu percebo que através da rede social, que é uma hora a mais que eu faço ali, eles se apoiam muito nisso. Eles acabam de ter uma aula comigo em sala e na hora que chegam em casa já mexem comigo pra conversar alguma coisa ou perguntar e na medida do possível eu respondo. Se é coisa de matéria de aula que eu acabei de explicar aí eu respondo, mas se é coisa antiga eu não respondo. Eu gosto muito dessa facilidade de você receber um e-mail ou de repente entrar em contato. Isso pra mim facilitou demais. (LAURA,2013).

Apesar do lado positivo do relacionamento com os alunos, a docente falou da

outra perspectiva em que a rede social é usada por eles. Para ela é um relacionamento

que exige cuidado o tempo todo, para não haver equívocos de ambos os lados, pois

o respeito pela imagem do professor precisa ser preservado, assim como o respeito

121

deste com os alunos. Ela afirma: “Eu sou aberta a tudo. Então eles vêm conversar

comigo de qualquer assunto, mas ao mesmo tempo eu demonstro para eles que eu

sou a professora. Eles têm aquele respeito. Eles ficam mais tímidos e não ultrapassam

o limite”. Contudo na rede social, ela observa maior flexibilidade por parte dos alunos

quanto ao que pode ser dito. Então essa é mais uma preocupação para a escola: o

combate ao bullying e ao ciberbullying: “Na rede social, eu percebo que eles têm um

pensamento: — Ah, é na rede social mesmo, né? Só que aqui na escola a gente

trabalha muito com isso. A gente trabalha muito pela questão do bullying e

ciberbullying”. Existe a preocupação da escola em combater a violência seja na escola

ou pelos meios virtuais. Desse modo a professora Laura sempre recomenda cautela

aos alunos inclusive no trato dispensado aos demais professores: “Eu sempre falo: —

Gente, vocês não podem confundir as coisas. Porque eles têm que entender que o

professor é um ser humano como outro qualquer e os pais também têm que entender

isso”. Quando ela percebe comentários na rede social sobre outros professores ou

alunos interfere imediatamente recomendando uma conversa pessoalmente:

Já teve momento de chegar e eu chamar a atenção, por exemplo, por não gostarem de alguma aula de outro professor e colocar na rede. Aí eu falo que não é legal. Porque não é todo dia que o professor está cem por cento. Por mais que você tente, em algum momento você vai sair de uma aula e dizer: — Eu podia ter dado essa aula melhor. Eu tenho colegas de trabalho que não adicionam alunos no Facebook, não adicionam mesmo. Eu até hoje, como não tive nenhum incidente, adiciono todos que pedem e que são meus alunos mesmo, porque já aconteceu de alunos da escola me adicionarem e aí eu não adiciono porque não me conhecem. (LAURA,2013).

A professora Laura parte das relações pessoais para o campo virtual, jamais

ao contrário, por isso não aceita no seu Facebook alunos de turmas que não sejam

as suas.

Observamos alguns aspectos importantes nesse relacionamento da professora

Laura com os seus alunos. É uma interação que começa na sala de aula e se estende

praticamente em tempo integral através do Facebook. Ainda que a professora se

cerque de todo o cuidado para estabelecer o limite no seu campo de atuação entre

ser amiga e professora, ela nem se dá conta de que não está estabelecendo o

principal limite que é o de respeitar o tempo para si mesma. Ela vê a inclusão de

alunos nas redes sociais como um fator de proximidade, porém, essa condição de

estar on line, e disponível sempre que algum aluno precisar, altera a sua jornada de

122

trabalho, pois mobiliza boa parte do seu tempo de descanso e dos seus

conhecimentos. Podemos traduzir essa atenção em tempo integral por uma

hipersolicitação47 que ela faz de si mesma para estar em sintonia constante com os

alunos. Aonde a professora Laura vai, ela leva os alunos e a sala de aula com ela

através do seu smartphone sempre disponível.

Nesse contexto de trabalho permanente, cabe um alerta: o desencanto com o

trabalho esgota o profissional, mas o envolvimento excessivo48 também acaba por

esgotá-lo. É fundamental haver pausas para o descanso, e os professores expressam

essa necessidade, elogiando a Instituição por estabelecer a carga horária para

preparo de atividades na própria escola.

Outro aspecto desse relacionamento entre professores e alunos nas redes

sociais, é a tensão gerada pela possível exposição da imagem dos professores. Ainda

que o relacionamento com os alunos seja bom, a professora Laura revela cuidados

para preservar o uso da sua imagem nas redes sociais. Não permite que os alunos

gravem as aulas pois não sabe de que modo isso será utilizado, e não descarta a

possibilidade do mau uso desse material. Esse cuidado em parte é devido às

experiências vividas por outros colegas de profissão e aos noticiários de que algum

professor já foi vítima de ciberviolência. O risco de um aluno filmar a aula escondido

sempre há, mas ela deixa clara sua objeção alertando sempre os alunos sobre as

consequências das suas escolhas. E reconhece que no trabalho docente esse é só

mais um risco, pois os fatos inusitados cercam o cotidiano escolar o tempo todo. Lidar

com pessoas é sempre surpreendente, e ela tem consciência de que não há como

decifrar e prever o comportamento que o aluno vai ter:

Apesar de eu ter uma boa relação, eu nunca falaria que não são capazes de fazer isso. Porque o ser humano é algo que a gente não consegue decifrar. A gente não sabe se ele colocaria isso para denegrir ou não. Ou de repente ele colocaria não para denegrir, mas tomaria proporções diferenciadas que muitos deles não sabem a real consequência daquilo. Por isso a gente sempre trabalha a questão da consequência. Temor eu tenho. Acho que todo mundo tem. Cortar um pedaço e "olha, a professora falou isso...". Eu tenho um trabalho até quando vou colocar algum slide, pra não xerocar, colocar em PDF pra não mudarem palavras. Então a gente tem até certos cuidados. Claro que de repente você está à mercê. E isso pode acontecer, gravar e

47 Grifo nosso. 48 Grifo nosso.

123

você não estar vendo e cortar e fazer uma gravação. Acho que ninguém está livre disso. Mas se acontecer a gente vê o que faz depois. É um risco. (LAURA, 2013)

O cuidado é constante pois os alunos são adolescentes, não medem as

consequências das suas atitudes nas redes socais, e segundo ela há a linguagem

científica e a linguagem do universo do aluno. Nesse contexto há que se ter cautela e

habilidade para não cair na armadilha de ser mal interpretado:

Porque a gente tem que entender a gente está trabalhando com adolescente e de repente pra você chegar a ele você tem que ter duas linguagens: a científica e a dele. Por se você só falar a científica não chega na dele e ele não sabe relacionar as duas coisas. Sempre trabalhei dessa forma e nunca tive nenhum problema, mas isso não quer dizer que eu não possa vir a ter. O professor é exposto a todo momento. (LAURA,2013).

A professora lembra que a todo instante cobra-se do professor uma conduta

impecável, sem que o contexto seja considerado, e às vezes ele não está preparado

para agir diante das situações e acaba sendo punido perante os alunos, a escola e a

opinião pública. Conforme a professora Laura a família cobra uma reparação pelas

atitudes do professor, mas ninguém cobra do aluno e da família: “Eu deixo exposto

para os meus alunos da seguinte forma: eu não deixo pra trás também. Se acontecer

o inverso eu tenho o direito de querer uma reparação” (LAURA, 2013).

O risco de o aluno expor o professor é real, e o professor Pedro compartilha a

mesma preocupação da professora Laura. Ele citou um incidente que aconteceu com

ele noutra escola há algum tempo. Por isso hoje ele limita o tempo de conexão com

os alunos. Ele os aceita no seu Facebook, usa e-mail para os trabalhos escolares,

mas mantém a devida distância, regula o tempo de conexão com eles, e não permite

a gravação das aulas. Numa outra escola o aluno gravou a aula sem a sua

autorização, recortou um trecho de um momento de descontração em que o professor

dançava, e publicou no YouTube.

O aluno gravou a aula em que eu fiz uma graça, eu fiz uma dancinha na frente, eu dancei para explicar uma coisa, enfim, foi um momento de descontração com uma turma que eu tinha essa liberdade, mas um aluno gravou e colocou aquilo no YouTube de forma pejorativa, tipo assim: __ O professor não dá aula, ele só dança na sala de aula (PEDRO, 2013).

124

O professor Pedro fez algumas considerações sobre o seu relacionamento com

os alunos no Facebook, que para ele é um relacionamento cordial, geralmente com

quem tem mais afinidade, mas acima de tudo com muita cautela e limites, sem usar

esse espaço de interação para resolver questões da sala de aula:

Eu tenho um milhão de alunos no meu Facebook. Eles perguntam se eu tenho e todo mundo que pede, eu adiciono. Normalmente eu só me lembro dos mais recentes. Aqui na escola, normalmente o que acontece, quem quer te adicionar são aqueles que são mais afins a você. Aqueles que gostam de você e querem um relacionamento fora de aula. Eu, contudo, não me relaciono fora da sala de aula. Já teve aluno que me perguntou sobre dever de casa no Facebook e eu respondi, mas é uma resposta simples. Eu alguns momentos já respondi alguma coisa de pessoal no Facebook para alguns alunos que são mais chegados, mas esse relacionamento nunca é estreitado. Eu acho bom ter o relacionamento fora de sala de aula, que não necessariamente é um relacionamento de professor e aluno, mas tem que ter limite.

O professor também fez considerações sobre a conduta dos alunos frente às

suas responsabilidades. Para ele os alunos não medem os impactos que suas ações

têm, por isso nas redes sociais saem postando coisas da vida pessoal e da escola,

sem considerar possíveis danos, sem pensar no futuro.

Eles não medem, eles não conseguem pensar um minuto a frente, nem um passo à frente. Então eles agem no momento, no impulso, isso é uma situação que para essa geração de adolescente eles não pensam. Então eles levam a vida desse jeito. Eles não pensam nas consequências. Eles não conseguem visualizar nada no futuro, mesmo que seja uma coisa muito óbvia. Eles não conseguem visualizar o que vem depois. Eles não conseguem perceber datas, obrigações, por mais que você diga: “Isso aqui é para dia tal”, e você vai repetir e eles não conseguem. Então isso passa para o professor que ele só vive o momento, que o amanhã, amanhã vai chegar. Eles pensam mais ou menos assim: Eu não tenho obrigações para com o amanhã, eu vivo hoje, amanhã a gente resolve (PEDRO, 2013).

Os outros professores também usam as redes sociais para o contato com os

alunos, e todos se cercam de cuidados para não virem a sofrer algum tipo de

exposição indevida. Alguns limitam bastante o tempo de interação com eles.

Já a professora Rafaela, assim como Laura fica conectada no Facebook

bastante tempo com seus alunos, e afirma ter uma relação muito boa com eles. Ela

criou uma conta nessa rede social especialmente para ter mais contato com eles, para

conhecer seus hábitos, seus interesses, sua forma de ver o mundo e a escola. Desse

modo atualiza informações variadas sobre os alunos. A professora Rafaela falou da

125

necessidade de conhecer os alunos e também aprender a lidar com as inovações

tecnológicas, tirando proveito para o trabalho:

Comecei a me sentir muito desatualizada. Não eram informações de cunho científico, não eram acadêmicas, eram informações sociais, então eu comecei a considerar aquilo como importante de alguma forma, que valores eles estavam passando. Eu precisava saber o que eles discutiam lá na rede social, para poder colocar o meu trabalho dentro do que é esse aluno hoje. Então, foi por isso que eu abri a minha primeira conta de Facebook eu tinha essa visão, que ela foi aberta para os alunos, para esse universo escolar. Eles sempre tiveram ciência disso. Uma vez ali dentro, você acaba se inserindo mesmo nesse processo. Depois vieram amigos de fora (RAFAELA,2013).

Essa conectividade com os alunos passou a ser importante também por ser

uma oportunidade de conhecer a linguagem deles. Suas interações nortearam

algumas intervenções pedagógicas em sala de aula. Assim como a professora Laura,

a professora Rafaela é bem ativa nas redes sociais com os alunos. Ela observa atenta

a necessidade que eles têm de se expor, então ela intervém nesse aspecto mostrando

o quanto eles podem se prejudicar:

Eu tenho um pouco dessa dificuldade, os meus alunos são do Ensino Médio, eles têm em média de 14 a 18 anos. A linguagem deles é completamente diferente, a forma deles se expressarem é diferente, então eu comecei a me sentir um pouco velha, apesar da idade. Eles usavam termos que eu desconhecia totalmente: — Gente, eu não estou mais conseguindo entender o que os meninos falam. E isso estava sendo muito preocupante, então eu resolvi ceder a essa questão das redes sociais, o que para mim foi muito bom. Eu comecei a enxergar mais aquele aluno. Aquilo que eles colocavam lá eu comecei a fazer as intervenções na minha disciplina. Principalmente no quesito, como eles expõem a imagem corporal deles na rede social, essa necessidade de se mostrar o tempo inteiro: está no banheiro, no quarto, na garagem da casa. Isso começou a chamar minha atenção: —Para que isso? Então eu comecei a buscar informações sobre isso. Então eu comecei a levar o aluno para o lado de ser mais protagonista das ações, para ver se diminuía mais essa necessidade de se mostrar. Vi que existia um vazio nesse sentido, no sentido dessa compreensão deles serem sujeitos (RAFAELA,2013).

Apesar desse aspecto de conhecer melhor o universo dos alunos, é importante

colocarmos em relevo que esse bom relacionamento também subtrai bastante tempo

do descanso e lazer da professora Rafaela, mesmo que ela considere positivo pelo

resultado em sala de aula, e pelo desempenho dos alunos que é bastante satisfatório.

Contudo, é preciso estabelecer um equilíbrio entre o trabalho e as necessidades da

própria pessoa.

126

Conforme ARROYO (2009), o professor tem dificuldade de se desconectar do

trabalho, de demarcar o magistério ao campo da atuação profissional, transformando

a vida numa condição permanente de ser professor. Então é preciso,

Problematizar-nos a nós mesmos pode ser um bom começo, sobretudo se nos leva a desertar das imagens de professor que tanto amamos e odiamos. Que nos enclausuram mais do que nos libertam. Porque somos professores. Somos professoras. Somos, não apenas exercemos a função docente. Poucos trabalhos e posições sociais podem usar o verbo ser de maneira tão apropriada. Poucos trabalhos se identificam tanto com a totalidade da vida pessoal. Os tempos de escola invadem todos os outros tempos. Levamos para casa as provas e os cadernos, o material didático e a preparação das aulas. Carregamos angústias e sonhos da escola para casa e de casa para a escola. Não damos conta de separar esses grupos porque ser professoras e professores faz parte de nossa vida pessoal. É o outro em nós. Por vezes nos incomoda esse entrecruzamento de tempos e de vivências. De papéis sociais. Tentamos despir-nos dessa condição que se incorporou em nós. Tentamos afirmar-nos, profissionalizar nossos tempos, não misturá-los com visões antiquadas de vocação ou de amor. Gostaríamos de libertar-nos desses entrecruzamentos e reduzir o magistério a um tempo profissionalmente delimitado. E, tendo cumprido esse tempo, esquecer de que somos professores (ARROYO, 2009, p. 27).

As reflexões do autor são um alerta para a sobrecarga de trabalho acumulada

ao longo da profissão. O trabalho contínuo tem um custo para o bem-estar dos

profissionais, sendo necessário delimitar o tempo de trabalho e da vida pessoal. Ser

professor como qualquer profissão exige pausas, e nesse aspecto o uso das

tecnologias de informação e comunicação trazem inúmeras possibilidades de

diversificar o trabalho, mas dependendo do uso feito, essas ferramentas podem

funcionar como elemento impactante ao trabalho docente, e às vezes o professor nem

se dá conta que não está apenas sendo amigo virtual do aluno, mas está acima de

tudo sendo professor na escola e também a distância por meio das redes sociais.

127

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os seis relatos caracterizando a escola foram feitos por professores que atuam

no Ensino Fundamental e Médio em disciplinas diversas tais como Física, Artes,

Biologia, Geografia e Educação Física. Dentro dessa diversidade de disciplinas com

campos de trabalho peculiares pudemos identificar pontos comuns de motivação nas

suas narrativas, assim como nas narrativas feitas pelos alunos.

Em cada disciplina foram citados exemplos de valorização do corpo docente e

dos alunos, de projetos multidisciplinares, da atuação dos gestores da escola na

valorização do ensino e da aprendizagem, no cuidado com a infraestrutura da escola

e na mediação dos conflitos. Seus depoimentos convergiram com os relatos dos

alunos no sentido do respeito mútuo.

Diante do quadro traçado pelos participantes da pesquisa, identificamos esse

território, que é a escola, como um espaço onde as interações entre alunos e

professores são construídas a partir de um conjunto de ações onde cada um é visto

como parte importante dessa construção, e ao mesmo tempo identificamos um

sentimento de pertencimento desses sujeitos com relação a esse lugar. Nada está

pronto em definitivo. Há sempre algo a ser repensado ou construído nessa escola.

O fato da Instituição dispor de um quadro permanente de professores reduzido,

demanda um esforço contínuo para manter as metas atualizadas. Os recém-chegados

vão sendo incluídos nos projetos institucionais e na medida em que compreendem a

sua importância vão fazendo parte dessa construção coletiva deixando a sua marca.

A escola ideal49, termo usado pelos participantes desta pesquisa, não é um

lugar mágico situado fora do tempo e do espaço, onde tudo é perfeito, sem conflito ou

problemas, pois o conflito faz parte do convívio humano assim como os desafios. Pelo

relato de experiência de docentes e alunos, a escola ideal é aquela em que ambos se

sentem acolhidos, seguros e valorizados. É o local onde o sentido do trabalho coletivo

pode ser materializado pelo esforço diário de todos os sujeitos que compõem a

Instituição e criam um ambiente organizacional saudável para o trabalho e para as

relações sociais.

49 Grifo nosso.

128

A escola pesquisada tem práticas diferenciadas que a nosso ver são práticas

possíveis em qualquer ambiente escolar como o diálogo com todos na escola,

inclusive com a família. Esse diálogo se dá pelo modo tradicional, face to face, e pelos

meios eletrônicos. Há a valorização dos alunos como protagonistas na construção dos

saberes multidisciplinares, nesse campo de construção de conhecimento, as mídias

são utilizadas como ferramentas importantes.

Há o uso de tecnologias de informação e comunicação com o cuidado de que

haja o aproveitamento dessas ferramentas da melhor forma possível. O risco de uso

das novas tecnologias apenas como entretenimento existe, tanto que os professores

entrevistados relataram haver a necessidade de disciplinar esse uso em sala de aula

por parte de todos, e essa é uma prática da Instituição. Há também a preocupação

com o uso que os alunos fazem da imagem dos professores nas redes sociais. Para

prevenir essa possível exposição, a própria Instituição em parceria com pais e

professores age na construção de um relacionamento presencial respeitoso. Desse

modo, não identificamos nenhum caso de ciberviolência no período pesquisado. A

escola dispõe de uma página no Facebook onde as atividades escolares são

publicadas.

Enfatizando a necessidade de disciplinar o uso das tecnologias e internet na

escola, os professores mostraram-se favoráveis ao uso dessas novas ferramentas,

para pesquisa, comunicação e estudos, desde que combinado entre as partes, e com

acesso para todos. Por isso, a existência de equipamentos eletrônicos e acesso à

internet foram fatores indicados por eles como algo que diferencia essa escola pública

das demais em que trabalham ou já trabalharam, assim como o compromisso da

Instituição em apoiar os professores disciplinando o uso de equipamentos eletrônicos

em sala de aula. A escola reforça junto aos pais a mútua responsabilidade quanto ao

uso dos eletrônicos na escola.

Quanto aos equipamentos eletrônicos da escola, já em desgaste pelo uso

constante, a Diretoria, acolhendo a demanda dos professores já encaminhou o

processo de substituição dos equipamentos, embora esse processo tenha que

obedecer aos trâmites burocráticos inerentes ao setor público, por vezes demorado.

Desse modo, os professores destacaram ser uma prática comum na escola o uso dos

equipamentos eletrônicos, adquiridos com recursos próprios, e não somente utilizar

os equipamentos que são disponibilizados para o uso comum.

129

Os recursos tecnológicos são utilizados, mas outras práticas permanecem,

como as atividades escritas. Há o uso de livros impressos e exercícios avaliativos, e

há a biblioteca e o setor de reprografia para apoio aos professores no uso de material

impresso.

Todos os professores afirmaram considerar a escola segura com ambiente

organizacional interferindo positivamente na motivação para o trabalho.

Quanto à infraestrutura de trabalho, as dificuldades identificadas foram pontuais

tendo os professores relatado o empenho da gestão, em resolvê-las.

De modo geral, houve convergência dos relatos de todos os participantes da

pesquisa no sentido de que essa Instituição desenvolve um trabalho peculiar de

valorização dos professores com ações mediadas pelo diálogo constante em todas as

instâncias, o que fortalece os vínculos entre os sujeitos que compõem esse ambiente

escolar. Além do diálogo, a Instituição apresenta uma infraestrutura que propicia ao

desenvolvimento do trabalho docente conforme demonstrado neste estudo.

Nossa convicção é a de que o relacionamento no espaço físico da escola vem

influenciando o comportamento dos alunos nas redes sociais, cuja ética é marcada

pelo respeito. Havendo limites nas interações sociais presenciais, esses limites

influenciam a natureza das relações na rede.

Essa escola vem recriando suas práticas, agregando conhecimento por meio

das mídias digitais, obtendo bons resultados conforme os índices de avaliação oficiais,

sem, contudo, prescindir do cuidado e do bem-estar dos aluno e professores.

Esta pesquisa nos trouxe dados importantes quanto às perspectivas de uso da

tecnologia de informação e comunicação como aliada à produção do conhecimento e

às interações na sala de aula, e quanto ao papel democrático da gestão escolar

influenciando esse contexto. Ante o estudo feito, podemos reafirmar também a nossa

convicção de que é possível a constituição de uma escola pública onde o trabalho

docente seja desenvolvido com os meios necessários à aprendizagem e onde haja

interações respeitosas entre alunos e professores.

Encerramos este estudo na perspectiva de que há ainda muito a ser discutido

sobre o trabalho docente em suas múltiplas vertentes, assim como há muito que se

fazer no sentido de que o professor exerça com dignidade o seu ofício em todas as

suas dimensões.

130

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