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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Rosália Monteiro Mota
Conexões, conflitos e sociabilidades na territorialidade da escola e
no ciberespaço
Doutorado em Ciências Sociais
São Paulo 2017
ROSÁLIA MONTEIRO MOTA
Conexões, conflitos e sociabilidades na territorialidade da escola e
no ciberespaço
Doutorado em Ciências Sociais Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Helena Villas Bôas Concone.
São Paulo
2017
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
À Direção Geral do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais pelo apoio logístico necessário à realização desta pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Helena Villas Bôas Concone, minha orientadora por compartilhar saberes.
Aos Professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela atenção e ensinamentos.
Aos Professores que compuseram a Banca de Qualificação pelas valiosas contribuições. Aos professores e alunos que compartilharam suas histórias e vivências, sendo fundamentais na construção desta pesquisa cujo resultado foi surpreendente no sentido da esperança. Suas narrativas indicam ser possível a constituição de uma escola pública de qualidade onde professores e alunos constroem conexões diversas marcadas pelo respeito e acolhimento.
Ao querido Almir parceiro de muitas conquistas e alegrias, pelo carinho e também pelo aporte técnico fundamental para elaboração desta pesquisa.
Ao meu filho Vítor e à minha filha Diana, meus amores, cujas interações são marcadas por muito carinho e reconstituídas diariamente.
À minha mãe, que percebeu a escola como um lugar de possibilidades de transformação, e mesmo não tendo tido oportunidade de inserção no mundo das letras, lutou para que todos os filhos tivessem acesso à educação formal. Esta pesquisa, é também fruto de atitudes corajosas dessa mulher rebelde que ousou sonhar diante de um mundo tantas impossibilidades.
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar o relacionamento entre professores e alunos, no contexto atual em que as novas tecnologias de informação e comunicação afetam o mundo do trabalho, e também instrumentalizam o trabalho docente e as relações sociais. Este estudo de caso ancorado em pesquisa qualitativa, suscitou indagações no intuito de verificarmos o que seria prevalente ou marcante nas interações entre professores e alunos numa escola pública de Ensino Fundamental e Médio de Belo Horizonte. Nesta investigação, as conexões presenciais e também virtuais, mediadas pelo uso das redes sociais, indicaram ser predominante o respeito entre esses sujeitos, ressaltando-se haver um cenário propício ao diálogo entre todos que fazem parte da Instituição. A gestão escolar prioriza ações no sentido de manter uma boa infraestrutura de trabalho, com equipamentos eletrônicos disponíveis em sala de aula, o diálogo constante com os professores, alunos e seus familiares, e funcionários administrativos, carga horária destinada à capacitação, estudos individuais, projetos interdisciplinares, correção e lançamento de notas nos diários eletrônicos. Desse modo, pudemos concluir que nessa Instituição, as interações gestadas nas salas de aula e expandidas para as redes sociais estão interligadas e influenciadas por fatores diversos, como a estrutura de trabalho, o clima organizacional e a gestão escolar, componentes importantes no sentido da convergência, do respeito, e das negociações. A Instituição foi descrita por alunos e professores como diferenciada, pois desenvolve práticas alinhadas às expectativas dos professores no sentido do cuidado e do respeito alterando positivamente suas expectativas quanto ao exercício do magistério, apresentando resultados satisfatórios no aspecto da aprendizagem e dos relacionamentos, sentimento convergente com os relatos dos alunos. Contudo eles, pontuaram também problemas que a escola de modo persistente e criativo tenta solucionar. Seis professores, e cinquenta e oito alunos participaram desta pesquisa. Os professores de Ensino Fundamental e Médio participaram por meio de entrevistas semiestruturadas, e os alunos do segundo ano do Ensino Médio por meio de questionário. Além das entrevistas e questionários observamos a rotina da Instituição e algumas atividades docentes. Conversamos com gestores e examinamos registros de ocorrências. Essas incursões foram fundamentais para compreendermos o sentimento de professores e alunos acerca das interações e do trabalho desenvolvido nessa escola onde ser professor tem um sentido diferenciado.
Palavras-chave: Trabalho docente - Conexões e conflitos - Condições de trabalho-
Tecnologia
ABSTRACT
This research aimed to analyze the relationship between teachers and students, in the current context in which the new information and communication technologies affect the world of work, and also instrumentalize the teaching work and social relations. This case study anchored in qualitative research, raised questions in order to verify what would be prevalent or outstanding in the interactions between teachers and students in a public school of Elementary and Middle School in Belo Horizonte. In this study, the face-to-face and virtual connections, mediated by the use of social networks, indicated that the respect between these subjects was predominant, emphasizing that there is a scenario conducive to dialogue among all those who are part of the Institution. The school management prioritizes actions to maintain a good infrastructure of work, with electronic equipment available in the classroom, constant dialogue with teachers, students and their families, and administrative staff, workload for training, individual studies, interdisciplinar projects, correction and release of notes in electronic journals. Therefore, we could conclude that in this Institution interactions generated in classrooms and expanded to social networks are interconnected and influenced by different factors, such as the work structure, organizational climate and school management, important components in the direction of convergence, respect, and negotiations. The Institution was described by students and teachers as differentiated, because it develops practices aligned with the expectations of the teachers in the sense of care and respect, positively altering their expectations regarding the exercise of teaching, presenting satisfactory results in the aspect of learning and relationships, feelings that were convergent with the students' reports. However, they also pointed out problems that the school persistently and creatively tries to solve. Six teachers and fifty-eight students took part in this research. The Elementary and Middle School teachers participated through semi-structured interviews, and the students of the second year of High School through a questionnaire. In addition to the interviews and questionnaires we observed the routine of the Institution and some teaching activities. We talked to managers and examined records of occurrences. These incursions were fundamental to understand the feelings of teachers and students about the interactions and work developed in this school where being a teacher has a different meaning.
Keywords: Teaching work - Connections and conflicts - Working conditions –
Technology
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 8
1. A GÊNESE DA PESQUISA E A ESCOLHA DO OBJETO ............................................................................ 8
1.1 Reflexões pertinentes à escolha do objeto no campo investigativo das Ciências Humanas e Sociais
............................................................................................................................................................. 17
1.2 O campo da pesquisa e a metodologia de trabalho ....................................................................... 29
1.3 Estrutura e apresentação da pesquisa ........................................................................................... 33
CAPÍTULO I ........................................................................................................................................... 35
1. ASPECTOS DO TRABALHO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE .................................................... 35
CAPÍTULO II .......................................................................................................................................... 53
2. UMA ESCOLA “DIFERENCIADA”: QUE TERRITÓRIO É ESSE? .............................................................. 53
2.1 Construindo práticas escolares significativas ................................................................................ 87
CAPÍTULO III ......................................................................................................................................... 95
3. CONEXÕES, CONFLITOS E SOCIABILIDADES NA ESCOLA SOB A PERSPECTIVA DOS ALUNOS ............ 95
CAPÍTULO IV ....................................................................................................................................... 110
4. SOCIABILIDADES, ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E TRABALHO DOCENTE: PONTOS DE REFLEXÃO ........ 110
4.1 Limites entre interações nas redes sociais e intensificação do trabalho docente ........................ 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................................... 127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 130
8
INTRODUÇÃO
1. A GÊNESE DA PESQUISA E A ESCOLHA DO OBJETO
O relacionamento entre professores e alunos é um tema instigante e presente
na minha trajetória profissional desde 1984 quando iniciei a carreira no magistério.
Não há como ser professor e não ser afetado por essa preocupação porque
interações, emoções e afeto permeiam o trabalho docente o tempo todo.
Segundo Tardif e Lessard (2009) a docência implica em desenvolver um
trabalho com e sobre seres humanos, sendo que o objeto do trabalho docente é a
coletividade. Mas esse coletivo com quem o professor interage e sobre quem atua,
não se constitui numa equipe de colaboradores, ao contrário impõe muitas vezes
resistências às propostas apresentadas em sala de aula. Por outro lado, há a interação
entre os alunos que pode resultar em projetos comuns, mas “também provocar
tensões ou boicotar os projetos do professor para eles” (TARDIF e LESSARD, 2009,
p. 69). Ainda na perspectiva desses autores, se pensarmos no agir do professor
perante a coletividade de alunos, veremos o quanto ele fica suscetível ao olhar e à
crítica deles pois, “Trabalhando em solidão e de maneira perfeitamente visível diante
de um público de alunos, o professor nunca pode furtar-se ao olhar dos alunos, o que
pode ocasionar certa vulnerabilidade” (TARDIF e LESSARD,2009, p. 69).
Esse campo de trabalho interativo marcado por vulnerabilidades, tensões,
conflitos, assimetrias, dissonâncias e possibilidades de conexões constitui um campo
profícuo à investigação nas Ciências Sociais com muitas vertentes a serem
exploradas. Desse modo, o relacionamento entre alunos e professores no contexto
das tecnologias de informação e comunicação foi escolhido como objeto de estudo
desta pesquisa.
O interesse pelo tema foi se delineando no período de elaboração da minha
Dissertação de Mestrado quando investiguei as condições de trabalho e saúde
9
docente no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais1. A pesquisa
intitulada Trabalho docente e saúde: estudo de caso de caso realizado no Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais2 suscitou indagações importantes
sobre as interações em sala de aula com desdobramentos nas redes sociais.
Naquele contexto, pude perceber a preocupação constante dos professores
quanto ao relacionamento com os alunos, e grande parte dessa preocupação orbitava
em torno da (in) disciplina e dos impactos no dia a dia escolar. Alguns docentes
recordavam os tempos de outrora em que a Instituição dispunha da figura do
disciplinário3, cuja importância estava ligada ao apoio dado a eles quanto ao
cumprimento das regras de entrada e saída dos alunos nas salas de aula, o uso do
uniforme, a manutenção do silêncio no ambiente próximo aos locais de aprendizagem,
e ao respeito à autoridade dos professores.
Os registros de ocorrências nessa Instituição de 2007 a 2009 revelaram um
histórico de tensão nas salas de aula atingindo níveis extremos em determinados
momentos. Segundo Mota (2010), no ano de 2007 (de junho a dezembro), foram trinta
e quatro ocorrências registradas na Coordenação de Turno que resultaram em
advertências individuais ou coletivas. No ano de 2008 houve situações extremas de
desrespeito e indisciplina como promover desordem em sala de aula (17 alunos),
comportar-se de forma inadequada em sala de aula (06 alunos), indisciplina em sala
de aula (a turma toda), impossibilitar acesso e permanência do professor em sala de
aula (turma toda). Pelo menos duas turmas foram punidas por indisciplina e por
1 A autora desta pesquisa é Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Graduada em História e em Direito. Professora de História do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais/CEFET-MG, lotada no Departamento de Geografia e História. Começou a carreira no magistério em 1984 no Instituto Federal do Pará onde permaneceu até 1989 quando ingressou por concurso público, na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará tendo permanecido nessa Instituição até 2002. Em 2002 solicitou redistribuição para o Instituto Federal de Pernambuco a fim de acompanhar o cônjuge. Em 2007, foi redistribuída a pedido para o CEFET-MG, pela mesma razão anterior, onde desenvolve suas atividades profissionais até o momento. 2 Dissertação (Mestrado) defendida em 2010. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. 3 Esse cargo foi extinto e atualmente nessa instituição, no campus I onde a pesquisa foi realizada, existe a Coordenação de Turno na sala da Diretoria de Unidade. Mas a distância física entre essa Coordenação e as salas de aula é muito grande, então o apoio aos professores em caso de qualquer intercorrência fica bastante comprometido. Não há pessoal de apoio nos demais andares e é difícil o professor se deslocar do segundo andar ou terceiro andar para o primeiro a fim de obter apoio sob quaisquer circunstâncias.
10
impedir o acesso e a permanência de professor em sala de aula. Em 2009, essas
ocorrências envolvendo a turma toda voltaram a se repetir:
Promover algazarra generalizada (turma toda), desordem e tumulto durante aplicação de prova (turma toda), conduta indisciplinada relatada por vários professores da mesma turma em situação de reincidência (turma toda advertida), desrespeitar professor impedindo seu acesso para ministrar aula (33 alunos suspensos), promover algazarra generalizada e comportar-se de forma indisciplinada (40 alunos suspensos por um dia (MOTA, 2010, p. 75).
Esses episódios indicaram a existência de apoio aos docentes em momentos
de extrema tensão, mas também a ausência da Instituição quanto à alguma ação mais
assertiva onde pudessem ser identificados e analisados os motivos desses conflitos,
e diante dos antagonismos fossem traçadas linhas de ação cuja meta buscasse
ultrapassar a tradicional via da punição aos alunos recorrendo à suspensão ou à
advertência.
Investigando esses conflitos, verifiquei um transbordamento para além das
salas de aula. Descobri na internet4 a existência de comunidades virtuais cuja função
explícita era a de promover uma espécie de “julgamento5” ridicularizando os
professores abertamente. Em algumas, as manifestações eram de flagrante incentivo
de violência aos docentes. Nesse contexto de agressão virtual e na sala de aula, a
figura do professor parecia invisível à Instituição, cabendo a ele mesmo lidar com a
situação ou ignorá-la.
A ideia corrente dentro de muitas instituições é aquela que atribui ao professor
a responsabilidade pelo modo como ele é tratado pelos alunos. No cotidiano do
trabalho os professores enfrentam todo tipo de adversidade sem que a escola
estabeleça ações no sentido de prevenir ou lidar com as situações de risco à
integridade deles. Sobre esse cenário, Paschoalino (2009) afirma que
4 A Internet é um conglomerado de redes em escala mundial de milhões de computadores interligados pelo TCP/IP que permite o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados. Ela carrega uma ampla variedade de recursos e serviços, incluindo os documentos interligados por meio de hiperligações da World Wide Web (Rede de Alcance Mundial), e a infraestrutura para suportar correio eletrônico e serviços como comunicação instantânea e compartilhamento de arquivos. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet>. Acesso em: 10 jul. 2011. 5 Grifo nosso.
11
No Brasil, a violência nas escolas tem atingido patamares assustadores. A depredação de patrimônios públicos, espancamentos de colegas e de professores são notícias que passam a ser rotineiras. Há escolas onde se percebe até mesmo nas suas paredes o medo de funcionar pelas pichações deixadas, pois o outro, o aluno, pode ser uma ameaça para sua segurança (PASCHOALINO, 2009, p. 59).
Prosseguindo com a pesquisa nas redes sociais coletei alguns dados no Orkut6,
onde alunos de uma escola de classe média alta de Belo Horizonte criaram uma
comunidade virtual com 4.037 membros em que sugeriam “premiações” aos
professores com o título sugestivo de “troféu mala”. Os membros da comunidade
indicavam os nomes dos professores e o “merecimento” do troféu. Palavras como
“grotesca”, “horroroso”, “intragável”, “deplorável”, “bruxa”, “voz de quebrar vidro” e
“sapatão da matemática”, foram utilizadas justificando a premiação. Os alunos
identificavam os professores e se identificavam também, ou seja, não havia sutileza
nenhuma nessas representações quanto ao perfil dos docentes.
Outra comunidade virtual da mesma rede social mostrava os alunos de uma
Instituição da rede federal de Belo Horizonte avaliando os docentes. Eles criaram
perfis com os nomes e fotos dos professores. Uma dessas comunidades com 334
membros elaborou um jogo onde uma professora era “assassinada virtualmente”. Os
xingamentos prévios justificavam o assassinato virtual da docente. Havia na página
da rede social alguns ex-alunos defendendo a professora explicando que ela era
apenas exigente e responsável. Contudo esses poucos defensores acabavam sendo
hostilizados também. Esse fato, embora de conhecimento público, não quebrou o
silêncio institucional e nem gerou empatia dos demais docentes em repúdio às
agressões virtuais. O que se ouvia de alguns professores era um tipo de alerta
recomendando: — Cuidado! Você já viu o perfil da fulana no Orkut? O fato não
pareceu gerar indignação e solidariedade com relação à colega agredida, mas, havia
o temor de estar no lugar dela. Outros comentários indicavam também que o rigor
acadêmico da professora, e a sua possível “inabilidade7” no trato com os alunos
poderiam explicar a violência virtual.
Em 2013 identifiquei algumas mudanças no perfil dessas comunidades. As
enquetes e fóruns sobre os docentes não tinham o caráter agressivo dos anos
6 Rede social criada em 2004 e desativada em 30 de setembro de 2014. 7 Grifo nosso.
12
anteriores. Alguns depoimentos haviam sido excluídos na íntegra ou parcialmente.
Havia ainda a justificativa para a exclusão das falas com a observação de terem sido
consideradas ofensivas. Observei nesse momento que essas comunidades estavam
mais focadas em divulgar eventos e promover entretenimento, do que em prosseguir
com as ofensas aos docentes.
Os argumentos utilizados pelos membros dessas comunidades para descrever
seus professores estavam explícitos nos diversos diálogos que eram de domínio
público. Tais registros ficaram abertos ao público até o fim do Orkut no dia 30 de
setembro de 2014.
As relações sociais na escola ou fora dela, estão em permanente
transformação e são influenciadas por um conjunto de fatores, sendo assim a
qualidade dessas interações bem como os conflitos, não se explicam unilateralmente.
Acerca do relacionamento entre professores e alunos podemos indagar, quais
as possibilidades dessas relações se constituírem sem que a violência presencial ou
virtual, o medo e a desconfiança sejam a tônica no contexto das salas de aula? Como
dialogar com comunidades intituladas8 “Não quero aturar os professores”, “Se o tédio
matasse os meus professores eram (sic) presos por homicídio coletivo”(comunidade
com 324 membros); “Matem os professores de matemática”(24 membros); “Pessoas
que odeiam seus professores de matemática”(54 membros) e “10.000 personas que
odien a los professores”?
Pesquisando outras comunidades no Facebook9, encontrei 32 grupos, mas
diferente do Orkut esses grupos eram fechados, impossibilitando o acesso aos
conteúdos, no entanto, à exceção de um, “Sou daqueles que respeitam os professores
e as regras da sala de aula! ”, todos faziam referência depreciativa aos professores e
alguns eram colocados na categoria de entretenimento. Os grupos eram
denominados assim: “Mentir aos professores e lindo”, “Adoro avacalhar os
professores”, “Matem os professores de matemática”, “ Odeio as aulas e os
8 Disponível em <http://www.facebook.com>. Acesso em: 14 set. 2011. 9 Ibidem acima. Acesso em: 21 set. 2011.
13
professores”, “Falar sobre os professores(mera liberdade de expressão)”, “Eu odeio
os professores de matemática”, “Atirem os professores para outra galáxia”, “ Os
professores só servem para chatiar (sic)”, “ Os meus professores dizem asneiras nas
aulas”, “ Os meus professores odeiam-me”, “eu já “discuti” com meus professores”, e
“Eu culpo os professores por ter más notas nos testes quando não estudo”.
Desses grupos existentes em 2011, alguns foram desativados e outros
mudaram suas características, porém mantiveram a mesma denominação conforme
demonstrado a seguir:
Figura 1. Grupo atualmente não encontrado no Facebook.
Figura 2. Grupos ainda ativos com número reduzido de participantes.
14
Figura 3. Atualmente não encontrados no Facebook.
Figura 4. Atualmente não encontrado no Facebook.
Figura 5. Atualmente não encontrado no Facebook.
Havia ainda algumas comunidades no Facebook como: Odeio professores E
escolas karalho10(sic), grupo fechado com 73 membros e, Odeio professores chatos,
comunidade sem informação do número de membros criada em 2013; Outra
denominada Quem são os professores mais chatos? Esse grupo fechado tinha 30
membros identificados na página. Somos contra os professores de merda, grupo
público com 154 membros e última postagem em junho de 2014. Apesar do título
agressivo aos professores, de modo geral os membros dessa comunidade postavam
assuntos diversos, com exceção do grupo Odeio professores chatos que publicava
10 Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/514877295207567/?fref=ts>. Acesso em: 01 jul. 2015. Grupo desativado atualmente.
15
crítica aos professores e piadas. Esse grupo chegou a 2.026 “curtidas” na página,
contudo havia poucos comentários11.
Figura 6. Nenhum comentário, mas teve 70 compartilhamentos.
A ausência de comentários agressivos por parte dos usuários do Facebook
pode estar relacionada às campanhas pela regulação do uso da internet. Quando os
usuários da rede mundial de computadores passaram a ser responsabilizados pelas
suas ações respondendo judicialmente por calúnia, injúria, difamação e danos morais
os grupos que antes agiam livremente passaram a ter atitudes mais cuidadosas
formando grupos fechados12. Acompanhando as atividades na rede, há sinais visíveis
de mudança no comportamento dos criadores de comunidades virtuais, mas a
mudança veio no sentido de preservar o direito desses usuários de fazerem suas
críticas sem serem punidos, daí a preferência atual pelos grupos fechados.
O Marco Civil da Internet (MCI) regulamentado pela Lei n° 12. 965/14, de 23 de
abril de 2014 foi aprovado “ depois de um longo embate acerca de uma legislação
específica sobre princípios básicos, direitos civis, e responsabilidades na rede
(SOLAGNA, 2015, p. 17). O autor destaca a aprovação do Marco Civil da Internet
como um fato de suma importância por definir os limites de uso da rede, não apenas
11 Comunidade desativada atualmente. 12O Marco Civil da Internet foi regulamentado pela Lei n° 12. 965/14, de 23 de abril de 2014. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 20 jun. 2014.
16
pelo seu conteúdo jurídico, mas pela participação pública online onde “ os próprios
usuários da rede construíram argumentos, justificativas, e parágrafos para cada
sessão da lei” (Ibidem).
Para Solagna (2015) essa consulta pública foi considerada inovadora e teve
repercussão positiva também internacionalmente, porque “foi umas das primeiras
experiências brasileiras de construção de uma legislação de forma aberta e
participativa na internet, abrindo caminho para uma série de outras experiências do
que veio a se chamar de governo aberto13” (SOLAGNA, 2015, p. 17, grifo do autor).
Essa importante regulamentação do uso da rede a nosso ver foi significativa
para que os usuários da internet ficassem mais atentos às suas responsabilidades,
rompendo a ideia de que o ciberespaço é um território sem lei14 onde tudo pode ser
dito sem consequências.
Atualmente os alunos e demais usuários das redes sociais utilizam o aplicativo
WatsApp Messenger15 onde as conversas individuais ou em grupo são realizadas sem
que o público tenha acesso.
Enquanto o WhatsApp Messenger ganhou espaço nas interações virtuais, os
grupos do Facebook referentes aos professores no sentido de reforçar uma imagem
negativa passaram a ter cada vez menos curtidas e compartilhamentos16, como ilustra
o grupo Odeio Professores Chatos com a última postagem registrada em 31 de janeiro
de 201517.
13 Segundo Solagna (2015), o termo designa projetos e ações que tenham como propósito a transparência marcada pelo incremento da participação social e desenvolvimento de tecnologias que visem tornar os governos mais abertos e eficientes. 14 Grifo nosso. 15 Disponível em <https://www.whatsapp.com/?l=pt_br>. Acesso em: 01 jul. 2015. 16 Grifo nosso. 17 Em 2016 esse grupo virtual foi desativado.
17
Figura 7. Seis pessoas curtiram essa postagem e houve penas um compartilhamento.
As representações sobre os professores descritas pelos alunos nas
comunidades virtuais com expressões de desprezo e ódio, suscitaram o desejo de
estudar com maior profundidade esse fenômeno. As minhas vivências no magistério,
onde o relacionamento com os alunos se constituiu numa preocupação constante com
situações inusitadas e desgastantes, também foram significativas para a elaboração
e a realização deste estudo de caso sob o aporte da pesquisa qualitativa, cujo
propósito é discutir o relacionamento entre alunos e professores tendo como pano de
fundo as condições de trabalho onde o uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação(TICs) desafiam os docentes nos campos do conhecimento e das
interações sociais.
1.1 Reflexões pertinentes à escolha do objeto no campo investigativo das
Ciências Humanas e Sociais
Reforçando o que já foi explicitado anteriormente, esta pesquisa tem como
objetivo analisar o relacionamento entre professores e alunos numa escola pública de
Belo Horizonte- MG, no contexto atual em que as novas tecnologias de informação e
comunicação instrumentalizam o trabalho docente e as relações sociais.
Considerando a escola com o seu protagonismo social onde os sujeitos
extrapolam a submissão formal e burocrática circunscrita aos seus estatutos, é que
18
este estudo foi realizado. Professores e alunos são os personagens centrais desta
investigação com interações marcadas por possibilidades de (des) conexões,
expectativas, tensões e (des) afetos. Assim sendo, acolhemos a perspectiva de Tardif
e Lessard (2009) sobre a escola, caracterizando-a como um espaço de relações
sociais, e não apenas um local físico onde o trabalho docente se organiza e se realiza.
Esse espaço social comporta relações marcadas por tensões, negociações,
colaborações, conflitos, mas também abriga reajustamentos circunstanciais ou
profundos. E essas relações devem ser vistas sobretudo na perspectiva de relações
de trabalho. Assim,
Se as interações cotidianas entre os professores e os alunos constituem bem o fundamento das relações sociais na escola, essas relações são, antes de tudo, relações de trabalho, quer dizer, relações entre trabalhadores e seu ‘objeto de trabalho’. (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 23)
A pesquisa suscitou indagações no intuito de verificar o que seria prevalente
ou marcante nessas interações. Desse modo, os relacionamentos em tela, foram
analisados na perspectiva de verificarmos as conexões diversas não apenas entre os
docentes e seus alunos, mas também com outros sujeitos atuantes nesse ambiente,
pois nossa convicção é a de que essas interações gestadas nas salas de aula e
expandidas para as redes sociais estão interligadas e influenciadas por fatores
diversos, como a estrutura de trabalho, o clima organizacional e a gestão escolar,
componentes importantes no sentido da convergência ou da dispersão nos espaços
escolares.
Algumas questões são relevantes a fim de que se possa compreender o que
pode estar no cerne de conflitos que são vistos em determinados ambientes
escolares. Preliminarmente pode-se indagar, como a escola está mobilizando
mecanismos de promoção do diálogo entre alunos e professores cuja vivência diária,
em princípio, caracterizar-se-ia pela interlocução permanente, com vistas a um
objetivo comum que é o ensino e a aprendizagem? Como desempenhar o trabalho
diariamente diante de manifestações de desprezo dos alunos em sala de aula e no
ciberespaço, fato este que muitas vezes ultrapassa as agressões virtuais e se
materializa em agressões físicas? Quais as possibilidades de conexão e interlocução
entre alunos e professores com vistas a um relacionamento colaborativo, marcado
19
pela capacidade de negociação e mediado também pelo uso das tecnologias de
informação e comunicação?
A comunicação digital tem sido utilizada como ferramenta no processo
educativo por professores e alunos, permitindo a exploração de diversas formas do
saber e do fazer pedagógico. No entanto, essas tecnologias inovadoras também
permitem subverter as regras de convivência entre os diversos sujeitos na escola
criando impasses, e potencializando conflitos por vezes já existentes:
Embora o uso de tecnologias da informação seja indispensável no processo educacional das crianças, adolescentes e jovens – os quais podem se beneficiar com conhecimento disponibilizado no meio virtual e, ainda, acabar desenvolvendo diversas técnicas de manejo de computadores exigidas na sociedade contemporânea –, a utilização da rede deve ser pensada de modo a evitar as diversas agressões e violências que rondam esse meio (ABRAMOVAY, 2009, p. 414).
Na esfera do trabalho docente, quem não foi alvo da violência virtual cita de
modo recorrente algum colega de trabalho como exemplo, ou menciona ter tomado
conhecimento de algum fato dessa natureza repercutido pelos meios de comunicação.
Assim, observamos atitudes cautelosas por parte dos professores no trato com os
alunos, onde o temor de sofrer críticas públicas aparece explicitado em algumas falas
nesta pesquisa. Mesmo aqueles, cujo relacionamento com os alunos é avaliado como
satisfatório, demonstram algum receio ante a prática da ciberviolência18.
A violência virtual é vista e sentida no plano real pelos professores, não é uma
ficção, ou algo distante da realidade escolar, pois eles temem ser atacados no
ciberespaço, assim como temem ser vítimas de agressão no espaço físico da sala de
aula. A posição cautelosa dos professores participantes desta pesquisa, corrobora a
fala de Esteve (1999), pois segundo ele a violência no plano real pode até ocorrer de
forma esporádica ou isolada, mas seu efeito psicológico multiplica-se em grandes
proporções, trazendo sofrimento no plano psicológico.
Recorrendo à pesquisa de Paschoalino (2009) encontramos uma situação
extrema de violência física em Belo Horizonte onde a professora foi agredida por um
aluno com uma cadeira tendo ficado com joelho esquerdo lesionado. Esse fato “deixou
18 A violência veiculada pela internet recebeu a denominação de ciberviolência.
20
cicatrizes não apenas na professora agredida, mas em todo o corpo docente”
(PASCHOALINO, 2009, p. 104). A professora ajuizou ação contra o agressor, contudo
nenhuma atitude foi tomada pela instituição, como se fosse um acontecimento trivial
o aluno arremessar uma cadeira contra um professor, e como se após sofrer uma
agressão dessas a docente pudesse continuar o trabalho com naturalidade. Conforme
Paschoalino (2009), “ O mal-estar está nítido e o medo pressiona e impede uma
relação de respeito dentro do espaço de trabalho da escola” (Ibidem, p. 105).
Os professores lidam com situações inusitadas a cada dia, em cada turma, em
cada escola, a cada aula. Interagem na diversidade e na adversidade num campo de
trabalho onde a aridez de recursos é grande e muitas vezes prevalente. Nesse
contexto, ainda há a preocupação com a imagem perante a escola e a sociedade.
Conforme Mota (2010) na medida em que trabalha o professor vai tecendo perante os
outros uma imagem associada ao êxito ou ao fracasso:
É num dado lugar, sob o olhar atento dos outros, que o professor vai desenvolvendo seu trabalho, e como ser social, ele precisa da aprovação desse outro para sedimentar uma imagem positiva de si mesmo: alunos, escola, família e a sociedade como um todo avaliam constantemente o trabalho docente; tudo indica que há algum tempo, tal avaliação não é feita de modo a permitir a construção de uma imagem cercada de respeito, ao contrário, tem sido comum associar a figura do professor ao mau desempenho discente ou à violência, seja na condição de vítima, ou seja, na condição de quem promove a violência contra seus alunos ( MOTA, 2010, p.08).
Outrora, a escola era considerada o lugar onde os alunos obtinham as
informações sob a regência dos seus mestres. Os professores eram vistos como
detentores do saber e o livro era o recurso predominantemente utilizado. Contudo, as
inovações tecnológicas promoveram uma espécie de desterritorialização do
conhecimento, colocando a escola e o professor em xeque. Ampliando as
possibilidades de comunicação, estudo, pesquisa e entretenimento, as novas
tecnologias trouxeram novos caminhos a serem trilhados por alunos e professores
muitas vezes marcados pela valorização, predominante, dos pontos divergentes no
seu relacionamento, havendo um transbordamento desses conflitos para além do
espaço escolar.
21
Esses novos percursos interativos são um campo investigativo profícuo à
pesquisa no campo das Ciências Humanas e Sociais, pois as tecnologias de
informação e comunicação são potencialmente férteis em possibilidades de interações
e também na perspectiva de convergência ao diálogo e ao conhecimento científico.
Contudo, essas tecnologias podem também ser utilizadas de modo que o direito e a
privacidade das pessoas sejam violados. Dessa forma o ciberespaço que na prática
se constitui num espaço de relacionamento social tem motivado discussões e
estabelecimento de regras de convivência onde os direitos individuais e coletivos
possam ser preservados, incluindo-se aí os sujeitos que interagem na escola:
[...]um passo fundamental é tratar a internet como espaço social real onde é possível aprender, ensinar, descobrir, mas onde também é possível violar direitos e privacidade alheios, onde é possível ocorrer ameaças, xingamentos, perseguições, ofensas e humilhações que comprometem profundamente a socialização e o bem-estar de seus usuários. (ABRAMOVAY,2009, p. 414)
Definido o objeto de estudo, optei pelo estudo de caso sob o aporte da pesquisa
qualitativa por tratar-se de interações sociais, em específico, as relações entre alunos
e professores. Conforme Chizzotti (2013) a pesquisa qualitativa recobre um campo
transdisciplinar permitindo ao investigador recorrer a multiparadigmas e a métodos
diversos para interpretar fenômenos nas suas especificidades levando em
consideração as percepções, os valores e as vontades humanas. Ainda de acordo
com Chizzotti (2013), as pesquisas qualitativas não são lineares, presas a um padrão
único pois,
Admitem que a realidade é fluente e contraditória e os processos de investigação dependem também do pesquisador, sua concepção, seus valores, seus objetivos. Para este, a epistemologia significa os fundamentos do conhecimento que dão sustentação à investigação de um problema (CHIZZOTTI, 2013, p. 26).
Em concordância com esse autor, seguimos no campo investigativo procurando
analisar e compreender os significados que alunos e professores dão aos seus
relacionamentos no espaço escolar e nas redes sociais.
Conhecer a rotina de trabalho dos professores, observar e ouvir os alunos,
conhecer seus pontos de vista sobre a Instituição e sobre a gestão escolar foi
esclarecedor, haja vista, o protagonismo desses sujeitos na construção de
interlocuções onde o diálogo e o afeto são imperativos na construção dos saberes.
22
Nossa convicção é a de que se a escola cuidar das relações circunscritas à
territorialidade da sala de aula, e dotar esse espaço de condições adequadas à
produção do conhecimento, professores e alunos constituirão interações respeitosas
também nas redes sociais. Se há comprometimento da gestão escolar com o bem-
estar de alunos e professores por meio de diversas linhas de ação, decerto haverá
resultados satisfatórios para todos.
As relações humanas são complexas, pois na sua essência comportam uma
multiplicidade de sentimentos intensos e também contraditórios. Contudo tais
interações são imperativas quanto à necessidade de preservação da nossa condição
humana. Veiga (2008) enfatizando a importância das relações sociais aponta dois
elementos imprescindíveis à preservação da espécie humana traduzidos nas ações
de ensinar e aprender. Não se trata de mera comunicação entre as pessoas, mas do
fato dessa comunicação ser fundamental na produção e preservação dos
conhecimentos necessários à vida na perspectiva do presente e do futuro.
Conforme Veiga (2008), somos aprendizes e mestres no percurso da vida e
das nossas sociabilidades. Contudo a autora destaca a atividade profissional do
professor nesse ofício de mediador do processo de aprendizagem, dos alunos na
perspectiva de quem aprende e recebe orientações dos seus mestres, e da escola
enquanto locus desse processo. Ao longo da história é fato que essa produção e
transmissão do conhecimento mediada pelos professores passou por inúmeras
transformações. Nesse sentido há uma diversidade de significados definindo o que é
ser professor e aluno, não havendo um conceito homogêneo e universal dessas
categorias. São significados constituídos historicamente nas suas interações e
experiências escolares, pois “entendemos que não existe uma modalidade universal
de compreensão do ser aluno e ser professor, mas sim, múltiplas experiências que
dão significado às relações entre professores e alunos e às práticas escolares por eles
engendradas”. (VEIGA, 2008, p. 51)
As relações entre professores e alunos assumem significados específicos
conforme o tempo e o espaço físico onde se constituem histórica e socialmente. A
escola, espaço de produção do conhecimento e de aprendizagem onde as interações
entre alunos e professores são tecidas diariamente, também tem suas singularidades
23
onde podemos observar múltiplos componentes influenciando as suas configurações
interna e externamente:
Tal especificidade se faz numa trama de relações que envolvem governos, famílias, professores e alunos. Acresce-se a esse conjunto, as peculiaridades constituintes da conformação da relação entre professores e alunos, quais sejam: a existência da hierarquia/ autoridade geracional e a presença de uma rotina escolar caracterizada pelo encontro diário de um mesmo grupo de pessoas, frente a frente, num mesmo espaço, favorecendo a exposição contínua de atitudes e comportamentos, sujeitos permanentes a julgamentos velados e preconceitos, velados e /ou revelados. (VEIGA, 2008, p. 52)
Professores e alunos, inseridos na escola e no mundo das tecnologias da
informação e comunicação, são desafiados constantemente a atualizar seus
conhecimentos e valores. Perguntamos então, nesse contexto de transformações
intensas e velozes da comunicação eletrônica, como isso lhes afeta e de que modo
estão ressignificando seus valores, reinventando suas práticas, seus saberes e seus
relacionamentos? Nesse contexto, o suporte da escola ao trabalho docente é
fundamental, influenciando as estratégias e as linhas de ação com vistas à uma
aprendizagem eficiente:
[...] na ação do professor na sala de aula e no uso que ele faz dos suportes tecnológicos que se encontram à sua disposição, são novamente definidas as relações entre o conhecimento a ser ensinado, o poder do professor e a forma de exploração das tecnologias disponíveis para garantir melhor aprendizagem pelos alunos. (KENSKI, 2012, p. 19)
Bauman (2015), ao comparar as diferenças deste século com o século
passado, declarou estarmos num estado de interregno, onde as soluções para os
problemas postos atualmente não podem ser usadas como outrora, e as novas formas
de lidar com o novo ainda estão em vias de construção:
Revisando expectativas e esperanças eu diria que estamos num estado de interregno[...]. No interregno não somos nem uma coisa nem outra. No estado de interregno as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ações coletivas, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo, não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando (BAUMAN, 2015, entrevista19).
19 Entrevista concedida ao programa jornalístico Milênio (Globo News). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=7P1MAZXFVG0>. Acesso em: 12 mai. 2016.
24
O autor considera que diante de tantas possibilidades de escolhas, e
impactados pelas múltiplas possibilidades de acesso à comunicação e à informação,
não estamos sabendo como seguir adiante. Nesse contexto onde as nossas formas
consolidadas de sobrevivência já não existem mais, qual o melhor caminho a seguir,
já que é impossível seguirmos todas as vias? Como esse dilema está sendo resolvido
na escola? Seguir em frente e fazer escolhas críticas é uma necessidade, tendo em
vista não podermos flutuar na superficialidade e tampouco testar todas as
possibilidades que pensamos ser viáveis.
Os modelos que conhecíamos há pouco já não atendem às nossas
expectativas, mas que pessoas nos tornamos, diante de escolhas tão diversificadas?
Diante dessas transformações, Bauman (2005) mais uma vez reflete sobre a
necessidade humana de constituir identidade, pela sensação de segurança, pois viver
num mundo sem definição de si mesmo é uma situação angustiante:
O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um desejo ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência não vivenciada, flutuar num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente ‘nem-um-nem-outro’, torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, ‘estar fixo’- ser ‘identificado’ de modo inflexível e sem alternativa - é algo cada vez mais mal visto. (BAUMAN, 2005, p. 35)
Vivemos num cenário de mudanças globais tão marcantes onde os modos de
viver, trabalhar e se relacionar se modificaram, e a escola não passou incólume por
essas transformações. De acordo com Santos (2016), as mudanças decorrentes das
tecnologias de informação e comunicação promovem não apenas inovações
tecnológicas no mundo do trabalho, mas novas práticas culturais “ [...] e mudanças
significativas no real social, nos indivíduos, na sociedade e no planeta” (SANTOS,
2016, p. 20).
A afirmativa de Santos (2016) vai ao encontro dos estudos de Thompson(2011),
pois este, ao analisar o novo regime de transmissão cultural criado com o advento da
comunicação de massa, afirma que não devemos ver o desenvolvimento dos meios
técnicos apenas como algo suplementar às relações sociais pré-existentes, ao
25
contrário, “ devemos ver esse desenvolvimento como servindo para criar novas
relações sociais, maneiras de expressarmo-nos e de respondermos às expressões de
outros” (THOMPSON, 2011, p. 26-27).
No dizer de Elias (1994) as interações humanas são fundamentais para a nossa
vida e é na relação com o outro que vamos nos transformando e influenciando também
os outros da nossa espécie, o indivíduo precisa do outro para se desenvolver:
Ao nascer, cada indivíduo pode ser muito diferente, conforme sua constituição natural. Mas é apenas na sociedade que a criança pequena, com suas funções mentais maleáveis e relativamente indiferenciadas, se transforma num ser mais complexo. Somente na relação com outros seres humanos é que a criatura impulsiva e desamparada que vem ao mundo se transforma na pessoa psicologicamente desenvolvida que tem o caráter de um indivíduo e merece o nome de ser humano adulto (ELIAS, 1994, p. 27).
Para o autor, a forma como os indivíduos vão constituindo, seus valores, suas
práticas, seus modos de ser e de se relacionar não está desconectada da sociedade
na qual ele está inserido. As influências ocorrem em vias de mão dupla nos diversos
processos históricos de mudanças na esfera do trabalho e outras vertentes.
A respeito das mudanças impactantes à nossa vida, onde transitamos no
campo das incertezas, Bauman (2007) afirma
Pelo menos na parte ‘desenvolvida’ do planeta, tem acontecido, ou pelo menos estão ocorrendo atualmente, mudanças de curso seminais e intimamente interconectadas, as quais criam um ambiente novo e de fato sem precedentes para as atividades da vida individual, levantando uma série de desafios inéditos (BAUMAN, 2007, p. 7).
Considerando tais influências, é visível que as escolas estão sofrendo impactos
nesse contexto de mudanças tão substanciais, então é pertinente refletirmos que tipo
de escolas, nós queremos neste século, visto que os modelos de antes já não
respondem às nossas expectativas atuais. Contudo, é crucial termos em mente que o
mundo não mudou desconectado de nós, foram as ações humanas que promoveram
as inovações tecnológicas que nos atingem hoje, modificando nosso modo de viver, e
as formas como nos relacionamos uns com os outros.
Kenski (2012) assegura que “ As tecnologias são tão antigas quanto a espécie
humana, na verdade, foi a engenhosidade humana, em todos os tempos, que deu
26
origem às mais variadas tecnologias” (KENSKI, 2012, p. 15). Portanto, as mudanças
que vivenciamos hoje são resultantes de um processo crescente de inovações. E é
claro que a escola como um espaço de relações sociais também passa por um
processo de transformação redefinindo seus currículos e formas de explorar o
conhecimento com vistas à formação das pessoas que buscam a educação formal:
Em um momento caracterizado por mudanças velozes, as pessoas procuram na educação escolar a garantia de formação que lhes possibilite o domínio de conhecimentos e de melhor qualidade de vida. Essa educação escolar, no entanto, aliada ao poder governamental, detém para si o poder de definir e organizar os conteúdos que considera socialmente válidos para que as pessoas possam exercer determinadas profissões ou alcançar maior aprofundamento em determinada área do saber. (KENSKI, 2012, p. 19)
Conforme Souza e Quandt (2008) redes sociais são “estruturas dinâmicas e
complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em comum, interligadas
de forma horizontal e predominantemente descentralizada” (SOUZA e QUANDT,
2008, p. 34). Esses autores destacam o fato de que psicólogos, sociólogos,
antropólogos, cientistas da informação e pesquisadores da área de administração,
vêm subsidiando suas investigações por meio das redes para buscar explicações
sobre fenômenos caracterizados por troca intensiva de informações e de
conhecimento entre as pessoas.
Segurado (2010) apontou aspectos importantes sobre a regulamentação do
uso da internet no ciberespaço. Segundo a autora, a regulamentação não se propôs
a coibir a liberdade, mas sim garantir a liberdade de expressão e da comunicação,
respeitando os direitos individuais e coletivos. A criação de um Marco Civil regulatório,
proposto pela Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça em
parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do
Rio de Janeiro, segundo alguns estaria ameaçando o direito à liberdade de expressão
e da privacidade. Segurado ( 2010) aponta a relevância da regulação do uso da
internet, por contemplar a necessidade de se coibir delitos praticados na rede, os
chamados cibercrimes, destacando ainda que
ao produzir transformações tão significativas na vida social, verifica-se que o
uso das novas tecnologias entrou na agenda de debates no campo das
ciências humanas e sociais com o propósito de analisar o fenômeno e
compreender as transformações ainda em curso ( SEGURADO, 2010, p. 56).
27
A autora aponta a interatividade como uma característica peculiar da internet
em comparação com outras modalidades de comunicação tradicionalmente
unidirecionais. Nesse sentido, ressalta a positivação das múltiplas possibilidades de
comunicação:
O aspecto multidirecional proporcionado pela rede redimensiona as
tradicionais formas comunicações permitindo fóruns de discussão, cujo uso
crescente proporciona a potencialização de redes sociais. Ferramentas como
blogs, sites, orkut, twitter, são exemplos concretos da dinamização das
formas de comunicação entre indivíduos e entre coletivos (SEGURADO,
2010, p. 59).
As múltiplas possibilidades de interação trazem cada vez mais a necessidade
de compreendermos que o uso da rede implica em estabelecer interações
responsáveis. Assim como viver as relações face to face exigem bom senso, nas
relações virtuais é necessário haver também limites. Contudo,
É uma tarefa difícil descrever com precisão o que é uma Netiqueta (Net+etiqueta). A melhor explicação que se pode dar é: utilize o bom senso. A experiência demonstra que a comunicação por meios eletrônicos tem muitas regras baseadas nas regras que nos permitem viver em sociedade” (BARBOSA, 2008, p. 193).
A pesquisa de Barbosa (2008) sobre cursos a distância revelou que os alunos
consideraram como fatores imprescindíveis à sociabilidade nos ambientes virtuais de
aprendizagem atitudes como “saber ouvir, paciência, companheirismo, respeito às
contribuições dos colegas, flexibilidade, tolerância, diálogo, respeito mútuo, e
socialização” (BARBOSA, 2008, p. 191).
Levy (1999) trabalha com os conceitos de cibercultura e inteligência coletiva e
vê com otimismo o uso da internet porque possibilita a universalização do saber e
rompe as barreiras do espaço físico. Para esse autor a tecnologia não está descolada
do mundo social em que vivemos, ela é produto da criação humana e responde a
muitas necessidades desse ser social, portanto, a tecnologia não pode ser vista como
uma instituição do mal e acima das relações sociais.
Quanto à inteligência coletiva, Levy considera que cada pessoa tem um
conhecimento que outra não tem, pois ninguém é um repositório de todo o
28
conhecimento. O conhecimento está sempre em transformação e não é posse de um
indivíduo particularmente. Os vários saberes se complementam. Nesse sentido Levy
(1999) propõe explorarmos o que há de melhor na internet no plano político,
econômico, cultural e humano. Para ele a cibercultura representa o surgimento de um
novo universal que se diferencia de outros contextos anteriores da comunicação
porque esse novo universal “se constrói sobre a indeterminação de um sentido global
qualquer” (LEVY, 1999, p. 15).
O termo ciberespaço é compreendido por esse autor do seguinte modo:
Ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de comunicação
que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica
não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o
universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres
humanos que navegam e alimentam esse universo (LEVY, 1999, p. 17).
Quanto à cibercultura o autor se refere a esse conceito como o conjunto de
técnicas sejam materiais ou intelectuais, as diversas práticas, atitudes, expressões de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço. (LEVY, 1999, p. 17).
Quanto ao conceito de virtual procuramos em Levy (1996) esclarecimentos
quanto ao seu uso, algumas vezes equivocadas, segundo o autor. Seus estudos nos
remetem ao significado da palavra que vem do latim medieval, virtualis, ligado ao
termo virtus, cujo sentido é de força, potência. Esclarece ainda que na filosofia
escolástica, virtual é o que existe em potência em não em ato. Conclui que “em termos
rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e
atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes” (LEVY, 1996, p. 05).
Sobre o relacionamento entre professores e aluno analisado por meio das
redes sociais, em especial o Orkut, Bergmann (2007) afirma que a mídia não apenas
veicula informações, mas produz discursos e significados. Nesse sentido, a autora
destaca que a prática de construir uma imagem negativa dos professores veiculada
pelas redes sociais, nos traz mais do que a necessidade de apurar se essa imagem é
“verdadeira” ou não. Trata-se de compreendê-las “como o efeito de um conjunto de
29
práticas que, já há algum tempo, tencionam profundamente os domínios tanto da
escola como o das novas tecnologias” (BERGMANN, 2007, p. 02).
Sob essa perspectiva, as novas tecnologias não geraram o conflito entre
professores e alunos. Isso já existia e apenas encontrou na mídia a possibilidade de
ampla divulgação e em termos que denotam desprezo, ódio, indiferença e outros
sentimentos negativos com relação ao relacionamento, ao ambiente escolar e as
responsabilidades inerentes aos cursos oferecidos pelas instituições de ensino.
1.2 O campo da pesquisa e a metodologia de trabalho
A escolha do campo de pesquisa se deu de modo aleatório, no sentido de que
eu desconhecia a história e a natureza da Instituição. Eu tinha visto o prédio pichado
e depredado em 2007, mas não sabia o que havia funcionado lá. E o que me chamou
a atenção foi a beleza arquitetônica sob as ruínas.
Não tinha conhecimento da sua trajetória no ensino de Minas Gerais nem que
estava em andamento um projeto para reformá-lo. Em 2010 vi que o prédio já estava
todo reformado.
Em 2012 fui até o local e perguntei o que funcionava ali e o vigilante informou
tratar-se de uma escola pública. O acesso ao local era bom, e sendo uma escola
pública pensei nessa instituição como um possível campo de pesquisa, mas sem
conhecer a sua história nem o seu percurso atual. Minha intenção era pesquisar numa
instituição pública os problemas que envolviam o relacionamento de alunos e
professores. Com base nas informações das mídias sobre a violência eu tinha a
convicção de que encontraria relacionamentos desgastados, professores
desmotivados, sem apoio, e consequentemente um campo fértil para todo tipo de
violência, inclusive a virtual. Já vi em outros lugares, escolas com a estrutura física
reformada que em pouco tempo voltou ao estado de abandono.
30
Porém, nessa Escola a estrutura da organização de trabalho, o ânimo de
gestores, professores e alunos, e todos os dados encontrados, surpreenderam-me em
todos os aspectos, mas em sentido contrário ao juízo que eu havia traçado a priori.
A escola existe há oitenta e nove anos e se destaca não apenas pela história
ligada ao ensino, mas também pela beleza das linhas arquitetônicas do prédio em
estilo neocolonial. Ela foi desativada em 2007, e passou por um processo de reforma
recuperando suas características originais. Foi reinaugurada em 2010 com 380 alunos
matriculados na 6ª e 7ª série do Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio
com o quadro docente de 30 professores com carga horária de 36 horas semanais,
divididos em dois módulos: regência e estudos/planejamento. Pós a reforma a escola
foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).
No ano de 2012 fiz os primeiros contatos com a Diretoria da escola e o
consentimento para a realização da pesquisa foi dado de pronto. A Diretoria mostrou-
se receptiva à proposta de estudo, contudo, levamos bastante tempo para estabelecer
algum diálogo com os professores e alunos, pois a rotina de trabalho dificultava ou
inviabilizava o contato com eles. Há um tempo pré-estabelecido para todas as
atividades e a hora do descanso entre essas atividades é inoportuna para qualquer
tipo de abordagem.
Entre 2013 e 2014 procurei estreitar o relacionamento com a Diretoria e
Supervisão Pedagógica para viabilizar a pesquisa sem interferir no trabalho docente.
Todavia, a Supervisão Pedagógica entendia que ali não seria um campo de pesquisa
para as questões que eu propunha por compreender que praticamente não havia
problema no relacionamento entre os professores e os alunos, então minha
argumentação seguiu no sentido de perguntar à Coordenação o que havia de diferente
na prática pedagógica da escola que reduzia de modo tão significativo os conflitos na
sala de aula.
Sob essa perspectiva de análise, a Supervisão Pedagógica achou pertinentes
meus questionamentos, e compreendeu a escolha dessa escola como um campo
viável para a pesquisa. Apesar desse consentimento, foi bem lento o trabalho, pois
sendo estranha à instituição houve certa cautela em abrir as portas para alguém
31
coletar informações mesmo havendo a assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido preservando o sigilo e o anonimato das fontes.
A primeira tarefa nesse campo de investigação foi a conquista da confiança dos
gestores, sobretudo a Coordenação Pedagógica que se mostrou reticente em muitos
momentos quanto à minha presença enquanto pesquisadora ao adentrar a intimidade
daquele ambiente escolar.
Construindo maior proximidade me foi possível aplicar questionário a 58 alunos
e fazer entrevistas com seis professores. Observei a rotina da escola nos momentos
de espera pelas oportunidades para interagir com os alunos e o corpo docente.
Participei de algumas atividades nas salas de aula e assisti a algumas atividades
planejadas e executadas por alunos e professores. Fiz anotações com as informações
do livro de ocorrências da escola, o que me possibilitou comparar os dados das
entrevistas com os problemas indicados nos registros escolares, e também dialoguei
com a Diretoria e a Supervisão Pedagógica.
O pré-projeto inicialmente previa a investigação em duas instituições de ensino
da rede pública e privada. Contudo, diante das dificuldades encontradas nessa escola
repensei a estratégia. Verifiquei que os entrevistados têm experiências diversas no
setor público e privado no Estado de Minas Gerais abrangendo os aspectos que
contemplam as questões pertinentes à esta pesquisa. Desse modo concentrei a
pesquisa numa única instituição, tendo o cuidado de pedir aos docentes que
relatassem suas diversas experiências de trabalho. E os relatos foram bastante
esclarecedores quanto às dificuldades de relacionamento com os alunos e os gestores
em experiências profissionais diversas.
A escolha dos entrevistados foi sendo feita nos momentos em que eu ficava na
sala dos professores e aproveitava algumas oportunidades de fazer a abordagem.
Quanto a escolha dos alunos, o critério foi o fato de que eles estavam quase
terminando o Ensino Médio. Então concluí que eles também possuíam uma larga
vivência em espaços escolares e poderiam fornecer dados diversos sobre as suas
experiências.
32
Alunos e professores foram convidados a participar da pesquisa e ficou claro
pelo TCLE que a participação seria voluntária, sem remuneração e o anonimato seria
preservado. Garanti a todos os professores que a direção da escola não tomaria
conhecimento do que quer que fosse revelado nas entrevistas. Esse compromisso foi
firmado com os alunos também ficando bem claro que seus depoimentos não seriam
divulgados à gestão ou ao corpo docente.
Na pesquisa utilizei aplicação de questionários aos alunos, pois seria inviável
entrevistá-los. Os questionários foram preenchidos na sala de aula, onde fiquei para
esclarecer as dúvidas e pedi para fazer isso sem a presença dos professores. E
quanto aos professores recorri à técnica da entrevista semiestruturada com duração
aproximada de 60 minutos.
Os alunos caracterizaram a escola, definiram os professores e a forma como
se relacionam com eles. Procuraram expor suas expectativas quanto ao que eles
definem como um professor ideal, já que os professores também fizeram essa
definição. Nesse relacionamento informaram quais os tipos de conflitos existentes e
como foram resolvidos. Indicaram se usam as redes sociais para criticar ou apoiar os
professores, e também se os professores fazem parte das suas redes sociais e vice-
versa. Quanto ao possível uso das redes sociais entre professores e alunos, foi
perguntado qual a avaliação que eles fazem sobre essa prática.
Em todos os quesitos foi solicitado aos alunos o máximo de clareza nas
respostas, se possível com exemplos do cotidiano escolar.
Os professores caracterizaram a escola, o modo como se relacionam com os
alunos e os gestores, e com seus pares. Descreveram o seu cotidiano de trabalho e
seus desafios, o que os motiva na escola, assim como as experiências de trabalho em
outras instituições da rede pública e privada de Minas Gerais.
Diante dos dados coletados na pesquisa junto aos alunos e professores e
também obtidos pelas minhas observações em campo, entrevistei o Diretor para
compreender como esse cenário de trabalho foi constituído em 2010, e em que
medida essa gestão vem direcionando seu trabalho e obtendo resultados tão
33
satisfatórios. Ante a minha curiosidade, o Diretor esclareceu que essa Instituição está
inserida no projeto de escola em tempo integral proposto pela Secretaria de Estado
de Educação de Minas Gerais. Conforme o Gestor relatou, há outras escolas inseridas
nesse projeto em Minas Gerais, mas essa Escola em particular vem tendo um
desempenho melhor em todos os aspectos, o que justifica a denominação proposta
pelos ideólogos da proposta da Secretaria de Estado de Educação como uma escola
diferenciada.
O Diretor falou dos indicadores de desempenho da Escola. Esses indicadores
servem como diagnóstico junto à Secretaria de Educação, mas também como aporte
para possíveis linhas de ação com vistas a melhorar o desempenho de alunos e
professores, a exemplo do mais recente projeto de matemática posto em execução
em 2016 para os alunos do sexto ano do Ensino Fundamental. Eles tiveram um baixo
desempenho na matemática, e por isso a Escola resolveu agir para que eles possam
seguir nas próximas séries com os fundamentos da matemática consolidados, sem
serem impactados por possível reprovação.
1.3 Estrutura e apresentação da pesquisa
Este estudo foi estruturado de modo que na parte introdutória estão explicitadas
as razões que suscitaram o interesse inicial pelo tema, a escolha do objeto, os
pressupostos que demarcam a importância deste estudo no campo investigativo das
Ciências Humanas e Sociais, a metodologia ancorada em pesquisa qualitativa e
aporte teórico fundamentando essas escolhas.
No capítulo I constam os aspectos importantes do trabalho docente no contexto
atual das tecnologias de informação e comunicação sob a perspectiva de autores
diversos, indicando aspectos da precarização do trabalho bem como possibilidades
de uso das mídias digitais como ferramentas importantes na construção o
conhecimento e das interações sociais.
34
No capítulo II apresentamos a análise das entrevistas feitas com os docentes
traçando o perfil da Instituição e ressaltando os aspectos que a configuram como uma
escola diferenciada.
No Capítulo III apresentamos a análise da coleta de dados feita junto aos
alunos, onde eles caracterizaram o ambiente escolar e o relacionamento com os
professores na sala de aula e nas redes socais.
No Capítulo IV consta a análise acerca das sociabilidades, a organização
escolar e o trabalho docente, assim como a possível relação entre o uso das redes
sociais e a intensificação do trabalho docente.
Em seguida estão expostas as considerações finais, e por fim, as referências
bibliográficas citadas e consultadas.
35
CAPÍTULO I
1. ASPECTOS DO TRABALHO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE
As transformações no mundo do trabalho na contemporaneidade afetam de
modo drástico todas as categorias de trabalhadores. Sobre essas transformações
Fonseca et al (2008) qualificam essas mudanças denominando-as de velozes e
estonteantes20, pois mal os trabalhadores se adaptam modificando suas práticas e os
processos produtivos, alterando inclusive seus perfis profissionais, surge uma nova
avalanche de mudanças. São novos ritmos, novas modas, novos conceitos, “ impondo
uma plasticidade às organizações e às pessoas que muitas vezes extrapola o limite
do insuportável” (FONSECA et al, 2008, p. 504-505).
Nesse contexto, os processos de produção impactam profundamente o
processo de trabalho “ com a introdução maciça de novas tecnologias, especialmente
na área de informática, automação e telecomunicações”. (FONSECA et al, 2008, p.
504-505). Convergindo com essa reestruturação produtiva, os atuais processos de
gestão implantados, flexibilizam direitos precarizando as relações de trabalho,
multiplicam a carga de responsabilidade dos trabalhadores por meio de esquemas de
“controle e cobrança de resultados, avaliação de desempenho, sistema de indicadores
de resultado, remuneração por produtividade, sem proporcionar uma efetiva
ampliação de autonomia”. (FONSECA et al, 2008, p. 504-505). Assim, cria-se uma
lógica competitiva nas relações de trabalho que motiva pela estratégia do
anticoletivo21 e do individualismo o que certamente
[...] despotencializa a criação, pois impede a formação das alianças e o mútuo comprometimento-confiança necessário para permitir o surgimento do que é do plano do intensivo, do que pode ser gerado no ‘entre’, do que só pode ser criado na interação. Na competição não existe o ‘qualquer um’, não existe o ‘entre inclusivo’, na competição existe o ‘um só’— ou seja, a competição não possibilita a constituição de um território adequado para a multidão (FONSECA et al, 2008, p. 515-516).
20 Grifo nosso 21 Grifo dos autores.
36
Indissociada da realidade social, também a escola e o trabalho docente vêm
sendo atingidos por essas mudanças alterando suas práticas, sociabilidades e
estrutura organizacional. Não poderia ser diferente, conforme Fonseca et al (2008, p.
509), “ A civilização cibernética, relança hoje, o próprio viver como produção do
amálgama dos humanos com a tecnologia” (FONSECA et al ,2008, p. 509).
Ante esse cenário de inovações tecnológicas Barbosa (2008) também alerta
para as mudanças trazidas pelas tecnologias ao trabalho docente, pois “Assumir as
tecnologias eletrônicas de comunicação e informação como possibilidade didática,
significa reorientar, em termos metodológicos, a prática docente”. (BARBOSA, 2008,
p. 197).
Queiramos ou não todos as esferas da nossa vida foram reconfiguradas pelas
inovações tecnológicas. Não é uma questão de submeter-se às tecnologias e ser
subjugado por elas, mas de conhecer e selecionar a melhor tecnologia que poderá
atender as nossas necessidades diárias e fazer o uso que for mais apropriado às
nossas demandas. Não há como ignorar ou excluir as novas tecnologias da vida social
e do trabalho, contudo é fundamental haver informações para instrumentalizarmos o
uso dessas ferramentas seja no campo do trabalho ou da vida pessoal. Nessa
perspectiva Castells (2003, p. 7) assevera que
A internet é o tecido das nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede. Uma rede é um conjunto de nós interconectados (CASTELLS ,2003, p. 7).
Castells (2006) é categórico ao relembrar o poder da sociedade no processo
de criação das tecnologias ajustadas às suas necessidades, e isso tem sido assim ao
longo da história da humanidade:
Nós sabemos que a tecnologia não determina a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso, as
37
tecnologias de comunicação e informação são particularmente sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia (CASTELLS, 2006, p. 17).
Conforme Castells (2006, p. 17) as transformações multidimensionais
vivenciadas hoje, foram se configurando há mais de duas décadas, e culminaram num
processo de transformação estrutural com a emergência de um novo paradigma
tecnológico, “baseado nas tecnologias de comunicação e informação”. Esse novo
paradigma tecnológico trouxe configurações e questionamentos jamais vistos e
vividos por toda a humanidade, e por segmentos da vida pública e privada, inclusive
nas escolas, alterando práticas pedagógicas e relacionamento entre alunos e
professores. Diante disso, Castells (2006) lança uma reflexão sobre a necessidade de
identificarmos o traçado dessas novas configurações históricas e suas especificidades
com vistas a explorarmos ao máximo o potencial criativo dessas novas ferramentas,
fazendo escolhas conscientes de acordo com as nossas necessidades. Essa escolha
consciente sobre o uso das tecnologias se aplica também ao trabalho docente:
A questão é reconhecer os contornos do nosso novo terreno histórico, ou seja, o mundo em que vivemos. Só então será possível identificar os meios através dos quais, sociedades específicas em contextos específicos, podem atingir os seus objectivos e realizar os seus valores, fazendo uso das novas oportunidades geradas pela mais extraordinária revolução tecnológica da humanidade, que é capaz de transformar as nossas capacidades de comunicação, que permite a alteração dos nossos códigos de vida, que nos fornece as ferramentas para realmente controlarmos as nossas próprias condições, com todo o seu potencial destrutivo e todas as implicações da sua capacidade criativa ( CASTELLS, 2006, p. 19).
Em se tratando da educação, a tecnologia pode ser ou não um fator de
mudança ou de melhor performance, pois Castells (2006) alerta que “[...] difundir a
Internet ou colocar mais computadores nas escolas, por si só, não constituem
necessariamente grandes mudanças sociais. Isso depende de onde, por quem e para
quê são usadas as tecnologias de comunicação e informação” (CASTELLS, 2006, p.
19).
A escola é o lugar social de onde falam professores e alunos. É nesse ambiente
que eles entrelaçam suas histórias de vida. Suas perspectivas de ingresso,
permanência e interlocução, são marcadas por nuances e trajetórias diversas nem
sempre harmoniosas ou convergentes.
38
Podemos enfatizar também nesse contexto as incertezas marcantes no
cotidiano do trabalho docente. Essas incertezas trazem tensão ao dia a dia de alunos
e professores a cada ano letivo. Ambos criam expectativas sobre como será a
convivência e o aprendizado. Mesmo os professores mais experientes convivem com
essa tensão, pois cada turma tem suas peculiaridades não sendo possível padronizar
e homogeneizar os planos de trabalho e encaixar os relacionamentos numa
linearidade idealizada por idade, curso e série. Assim, é fundamental ressaltarmos
que
A docência também comporta ambiguidades, diversos elementos ‘informais’, indeterminados, incertezas, imprevistos. Em suma, o que se pode chamar de aspectos ‘variáveis’, que permitem uma boa margem de manobra aos professores, tanto para interpretar como para realizar sua tarefa, principalmente quanto às atividades de aprendizagem em classe e à utilização das técnicas pedagógicas. Esta margem de manobra é apenas um efeito perverso, causado pela falta de codificação ou de formalismo, e parece ao contrário, fazer parte do trabalho docente: ensinar, de certa maneira, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regulamentos, pelo programa, pelo planejamento, pela lição etc. Enfim, é agir dentro de um ambiente complexo e, por isso, impossível de controlar inteiramente, pois, simultaneamente, são várias coisas que se produzem em diferentes níveis de realidade: físico, biológico, simbólico, individual, social, etc. Nunca se pode controlar perfeitamente uma classe na medida em que a interação em andamento com os alunos é portadora de acontecimentos e intenções que surgem da atividade ela mesma (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 43).
As incertezas relativas às condições de trabalho estão presentes
cotidianamente, por mais que haja planejamento prévio do trabalho em sala de aula.
Conforme a pesquisa de Mota (2010), paciência para lidar com imprevistos, assim
como lidar com o tempo perdido tentando resolver problemas de equipamentos
eletrônicos que apresentam defeito na hora das aulas foi considerado um dos grandes
desafios enfrentado pelos professores numa instituição de ensino profissionalizante
em Belo Horizonte.
Essa expectativa sobre o que pode dar errado na sala de aula gera intensa
ansiedade aos docentes, pois espera-se que o professor seja criativo e eficiente em
todas as situações, sobretudo nas situações adversas, e que tenha sempre um plano
B para não deixar os alunos na mão22. Ainda conforme a pesquisa de Mota (2010) na
percepção dos alunos, se houver um imprevisto, a responsabilidade é sempre
22 Grifo nosso.
39
atribuída ao professor pois fica parecendo que ele não planejou a aula. A pesquisa de
Mota (2010) identificou também grande preocupação dos professores quanto à
estrutura de trabalho, mesmo sendo aquela Instituição pesquisada considerada de
excelência na área tecnológica. O medo de falhar perante os alunos aparecia como
um incômodo na rotina diária:
Sobre os fatores de desmotivação, declarou que problemas atinentes ao uso de equipamentos, a relacionamentos e material didático são os mais incômodos. Para resolver tais problemas, usa alternativas para ministrar as aulas, quando os equipamentos de que necessita estão indisponíveis, o que ocorre frequentemente, posto que a demanda por esses é maior que a oferta. Mesmo fazendo a reserva com antecedência, não há garantia de disponibilidade: existem problemas técnicos e muita procura. Na sua Coordenação, por exemplo, há um projetor multimídia disputado por 28 professores. Além do mais, é preciso transportar o equipamento para a sala de aula, pois as salas não são equipadas para o uso de recursos eletrônicos, e quem faz isso é o próprio professor. O suporte técnico, por parte do pessoal de apoio, é insuficiente ou inexistente: dependendo do horário, o funcionário tem vários professores para atender, então não se pode contar com sua ajuda. Para evitar transtornos, exclui determinados recursos das suas aulas ou, então, reserva o equipamento; todavia, prepara um “plano B”, alternativo, para as contingências diárias (MOTA, 2010, p. 87, grifo da autora).
Arroyo (2011) também destaca as várias tensões presentes no magistério. Sob
a sua perspectiva, essas tensões englobam motivos diversos a exemplo da motivação
salarial, a valorização profissional, as condições de trabalho e os diálogos conflituosos
entre alunos e mestres. Buscando captar o significado dessas tensões e olhando de
modo mais cuidadoso o trabalho docente, reafirma haver uma significativa apreensão
no magistério ligada sobretudo ao relacionamento constituído entre alunos e
professores. Para o autor esses conflitos, por vezes, são vistos sob o enfoque de
análises superficiais, sendo relacionados apenas às condutas indisciplinadas e
agressivas de parte dos alunos. Desse modo, tais análises ofuscam as raízes do
problema e não suscitam debates mais consistentes acerca do tema.
Analisar o relacionamento entre professores e alunos é tarefa complexa, pois
há inúmeros componentes envolvendo a interlocução entre eles, como o tipo de
escola, sua localização, o espaço físico, a estrutura das salas de aula, o perfil dos
professores e dos alunos, os recursos disponíveis para dar o devido aporte ao trabalho
docente, e a gestão escolar.
40
Há ainda outros elementos indispensáveis à essa análise do relacionamento,
como o fator intergeracional pois, tomando como referencial a análise de Arroyo
(2009), “A escola é antes de tudo um tempo-espaço de gerações, de pessoas em
tempos diversos de socialização, interação, formação e aprendizagem das artes de
ser humanos [...]”. (ARROYO, 2009, p. 231). Esse interregno geracional, pode ajudar
na constituição de um ambiente colaborativo e na formação de um campo fértil para
debates, possibilitando troca de experiências e de saberes, mas comporta também
sentimentos de distanciamento, indiferença, cisão e conflitos. E assim em muitos
momentos os professores e os alunos seguem suas trajetórias nas instituições de
ensino como se estivessem em campos opostos, entrincheirados nas suas verdades,
saberes e autossuficiência.
A qualidade das relações interpessoais nas escolas depende de múltiplos
fatores e da pluralidade de ações convergentes no sentido do diálogo, da parceria e
da negociação em caráter permanente, pois a escola está em constante movimento
de entrada e saída de pessoas. Alunos e professores vão e vêm o tempo todo, assim
como os demais sujeitos que compõem a estrutura organizacional escolar. Então não
é possível padronizar ações inflexíveis, e há que se analisar, periodicamente a sua
validade. O que serve para o tempo de hoje, decerto terá que ser revisto para outras
gerações de alunos e professores.
Conforme Lima (2008), a pesquisa voltada à escola, enquanto categoria de
análise, envolve a compreensão de que esse objeto de estudo é multifacetado,
portanto não comporta a ideia de homogeneidade, ainda que haja elementos comuns
presentes nas instituições escolares. Esse autor critica os trabalhos acadêmicos cujas
premissas teórico-metodológicas reduzem a escola a um dado empírico passível de
generalizações desprezando as suas especificidades e seus protagonismos
constituídos socialmente ao longo da sua trajetória. De acordo com Lima (2008) a
“escola resulta de um longo processo histórico de construção e institucionalização,
incluindo as especificidades e as diferenças que evidencia de país para país, de
cultura para cultura” (LIMA,2008, p. 324). Ainda conforme Lima (2008), a escola
enquanto objeto de estudo, nos remete ao fato de que ela é uma organização
moderna, formal e complexa, portanto exige um olhar atento e contextualizado:
41
A existência de muitos elementos comuns às escolas actuais resulta, em nosso entender, de um processo de formalização e de racionalização, típico da modernidade organizada, centrado em variados elementos, tais como: a produção de educação escolar e de ensino em larga escala, o ensino em classe, a especialização e fragmentação do currículo, a especialização académica e profissional dos professores, o controlo do tempo e do espaço escolares, a introdução de hierarquias de tipo organizacional e de actividades de suporte administrativo tendo em vista a consecução de um determinado projecto de educação. (LIMA, 2008, p. 324).
Alunos e professores formam suas redes sociais e estratégias de
relacionamento numa dinâmica interna e externa à escola. Não é possível delimitar o
sentido das suas ações ao campo restrito do espaço físico das salas de aula e à (in)
capacidade desses interlocutores de estabelecer diálogos no seu cotidiano. Creditar
aos professores o poder e a capacidade de dialogar, fazer acordos e transpor
barreiras, desconsiderando especificidades da estrutura organizacional, implica em
reduzir o campo de análise e ao mesmo tempo atribuir aos docentes um poder
incoerente com a realidade do dia a dia.
O tempo de sala de aula está cada vez mais exíguo para explicações,
experiências científicas, análise dos conteúdos, e verificação do nível de
aprendizagem dos alunos. E nesse cenário há também pouco espaço para o diálogo
com os alunos em sala de aula. Muitos professores chegam ao final do ano letivo sem
conseguir identificar seus alunos, sem conhecer minimamente suas dificuldades, suas
histórias de vida e suas expectativas de aprendizagem.
Diante da exiguidade do tempo e das crescentes demandas do trabalho,
constatamos a preocupação permanente dos professores com o currículo, e com o
atendimento aos alunos além do horário escolar. Essa atenção “complementar23” tem
sido possível por meio das redes sociais, onde os professores de fato ultrapassam os
limites de tempo e espaço numa hipersolicitação imposta pelo ritmo de trabalho e
pelas demandas dos próprios alunos e das escolas.
Os alunos conduzem o ritmo das suas necessidades dentro e fora das salas de
aula. A cadência do trabalho docente antes marcada pelo tempo do relógio, agora é
23 Grifo nosso
42
também ritmada pelas mensagens via e-mail, mas sobretudo pelas conexões
instantâneas através das redes sociais como o Facebook e WhatsApp.
Nesta pesquisa destacamos o uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação como ferramenta importante utilizada pelos alunos e professores, tanto
para estabelecer a comunicação como para o uso na aprendizagem. Contudo, o uso
dessas tecnologias ao mesmo tempo que facilitou a comunicação e o acesso ao
conhecimento de modo nunca visto antes, também modificou as relações sociais
dentro e fora da escola, assim como as relações de trabalho.
Sendo o trabalho docente uma profissão de interações, percebemos que essas
mudanças afetaram também os professores de muitas maneiras. Vários
questionamentos e exigências sobre o modo de ser, interagir e de trabalhar
redesenharam os perfis da docência. A velocidade com que isso ocorreu surpreendeu
os docentes, e eles vêm tentando lidar com os desafios desses novos tempos não
somente quanto ao domínio das novas tecnologias aplicadas ao ensino, mas também
quanto à validade do conhecimento explorado em sala de aula, as estratégias de
comunicação e ao uso das suas imagens nas redes sociais, extrapolando a
territorialidade da escola. E aqui estamos nos reportando ao fato de que os
professores estão suscetíveis ao uso das novas tecnologias com repercussão dentro
e fora da sala de aula alcançando uma visibilidade indesejada. Tal visibilidade vem
sendo promovida pelos próprios alunos ao postarem vídeos, áudios e fotos dos seus
professores nas redes sociais. Dependendo do conteúdo das postagens a imagem
dos professores pode ser exposta de modo positivo ou sofrer graves danos. Desse
modo um outro medo cerca o trabalho docente, a violência virtual.
Nesse contexto de inovações tecnológicas, a sala de aula também sofreu
transformações no modo como as aulas são planejadas e realizadas, assim como nas
interações entre alunos e professores e entre alunos e seus pares.
43
Captar a atenção dos alunos e manter a conexão com eles ao longo das aulas
requer criatividade e estratégias diversas como bem ilustra a gravura a seguir24:
Figura 8 Comunidade Professores Sofredores: Facebook
Esta imagem retrata um fragmento do dia a dia nas salas de aula, dada a
grande dificuldade dos professores de manterem os alunos focados nos temas
obrigatórios dos currículos escolares. O tema da aula “ Prestando atenção no
professor”, postado na comunidade virtual Professores Sofredores, é emblemático
quanto ao embate travado com os alunos cotidianamente para que estejam presentes
de fato na sala de aula estabelecendo contato e diálogos com os professores. A
situação crítica enfrentada nesse cotidiano de trabalho é até paradoxal, pois ao
mesmo tempo em que as novas tecnologias quebram as barreiras de comunicação
possibilitando contatos a distância, e até mesmo o ensino a distância, os professores
nas aulas presenciais, por vezes não conseguem interagir com seus alunos
justamente pelo uso inadequado dessas ferramentas, ou seja, o modo como as
pessoas vêm se apropriando dessas tecnologias em determinados contextos pode ou
não criar situações favoráveis à aprendizagem e à formação de sujeitos críticos e
responsáveis.
Nesse contexto, destacamos os estudos de Ripa (2010, p. 25), onde ela analisa
o papel do professor no novo milênio, num mundo em transformação com novas
24 Comunidade Professores Sofredores: nessa comunidade virtual os professores postam críticas sobre as condições de trabalho, informações sobre eventos voltadas ao ensino, e campanhas de valorização profissional. Disponível em: <http://www.facebook.com.br>. Acesso em: 16 abri. 2014.
44
tecnologias, configurações de espaço e de tempo diversificadas e o alcance
instantâneo e global das informações, sendo a escola pressionada a acompanhar
essas modificações de modo eficiente, formando profissionais criativos e eficientes,
adaptando seus currículos às expectativas econômicas de mercado:
Neste novo cenário, a escola, que acolhe os futuros cidadãos e participa ativamente do processo formativo das novas gerações, tem tido a preocupação de se transformar numa instituição cada vez mais eficaz. A adaptação curricular de acordo com os ditames da economia, a ênfase na prática e na autonomia das escolas e a aprendizagem ao longo da vida, tornam-se discursos constantes para justificar as reformas educacionais e conduzir a educação escolar às mudanças consideradas necessárias (RIPA, 2010, p. 25).
Essas mudanças não partiram de dentro da escola, ao contrário, as escolas
foram arrebatadas por essas transformações trazidas pelas inovações tecnológicas e
exigências mercadológicas, e assim vêm sendo pressionadas a reconfigurar seus
parâmetros e suas práticas. Contudo, as escolas deixaram nas mãos dos professores
a responsabilidade de aprender novas linguagens mediadas pelo uso das novas
tecnologias, compreender e praticar as novas e múltiplas sociabilidades e trazer as
inovações tecnológicas para as salas de aula para uma aprendizagem criativa e
eficiente.
Para Ripa (2010, p. 27) os requisitos exigidos pelas empresas são comuns aos
requisitos escolares formando pessoas com o perfil para atuar no mercado de trabalho
cujas características são medidas pela capacidade de “flexibilidade, trabalho em
equipe, criatividade, competição, rapidez, praticidade, planejamento e
comunicabilidade” (RIPA ,2010, p. 27). Segundo a autora não há dúvida de que “a
escola tem papel mais amplo e complexo diante dos desafios da contemporaneidade”,
cabendo aos professores a tarefa hercúlea de ajustar os conteúdos curriculares às
demandas do mercado ainda que em condições inadequadas para fazer frente às
atuais exigências de formação dos alunos:
Neste contexto, em que a educação escolar é considerada como capaz de impulsionar o desenvolvimento do país, os professores tornam-se os responsáveis pela adequação dos conteúdos curriculares às exigências produtivas do mercado econômico e pela aprendizagem das competências e das habilidades necessárias para a atuação competitiva no mundo do trabalho (RIPA, 2010, p. 29).
45
É flagrante a tensão entre os docentes quanto às suas responsabilidades e
exigências de novos perfis profissionais, pois ao mesmo tempo em que a
escolarização é vista como via de ascensão individual e de progresso econômico do
país, “[...] ‘Novas’ competências e habilidades passam a ser divulgadas como
necessárias ao professor para que as ‘novas’ expectativas educacionais sejam
atingidas, uma vez que ele torna-se o principal responsável pela construção dessa
escola cada vez mais eficaz[...]”( RIPA, 2010, p. 29). Conforme a autora investigou, o
professor ideal na contemporaneidade deve ser capacitado científica e culturalmente,
ter domínio das novas tecnologias, e ser receptivo ao trabalho em equipe. Além de
ser inovador e acolhedor deve ter a capacidade de “conduzir de forma eficaz e
interdisciplinar o processo de ensino-aprendizagem” para que desse modo a escola
possa “melhorar a sociedade e as suas condições de trabalho” (RIPA, 2010, p. 29).
Além das novas competências no campo das mídias digitais, da falta de
infraestrutura para o trabalho, e do julgamento dos alunos, os professores são
avaliados por indicadores de desempenho diversos. Nesse contexto, o desempenho
dos alunos implica no mau ou bom desempenho do professor o que intensifica mais
ainda a sua carga de responsabilidade. De acordo com Jorge (2014),
Esse modelo de regulação das políticas educacionais no Brasil, com descentralização de recursos e centralização das políticas de avaliação, tem influências sobre o trabalho docente. Soma-se a isso a avaliação sistêmica - que passa a ser uma constante nas políticas atuais - como forma de medir o desempenho tanto dos alunos quanto dos professores e das escolas. Um bom exemplo disso é o Ideb, que, com sua implantação, passa a estabelecer metas de desempenho para as escolas, e seus resultados tornam-se configurações de uma espécie de prestação de contas junto à sociedade (JORGE, 2014, p. 63).
A criação de políticas públicas balizadoras da qualidade do ensino por meio de
provas padronizadas, vem subsidiando o Estado e as escolas com vistas ao controle
da educação. Assim,
Como forma de medição da qualidade da educação, foi criado um indicador de qualidade, o Ideb. O Ideb foi criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2007, e representa uma iniciativa pioneira de reunir num só indicador dois conceitos relacionados à qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas
46
avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitam traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar obtidos no Censo Escolar e das médias de desempenho nas avaliações do Inep (JORGE, 2014, p. 63).
Para esse autor, tais índices também instrumentalizam os pais na escolha das
escolas para seus filhos. O ranking de melhores escolas pautado pelos testes
padronizados a que os alunos são submetidos, introduz uma lógica de mercado ao
sistema educativo e a “utilização dos resultados dos testes padronizados como critério
para a alocação diferenciada de recursos, traz em seu bojo um alto grau de
responsabilização dos professores pelos resultados alcançados nos sistemas
escolares[...]” (Ibidem p. 67).
Por sua vez, Moran, Masetto e Behrens (2013), assinalam o papel cada vez
mais significativo das mídias na educação e da necessidade dos professores
selecionarem o que trará maior profundidade ao conhecimento, porque “ É muito fácil
nos distrair, passar pelas telas, pelas imagens, sem que haja tempo para focar o
essencial, para ler com atenção, para compreender em profundidade” (MORAN;
MASETTO; BEHRENS 2013, p. 57). Para eles, o maior perigo é navegarmos muito
via web, saber um pouco de tudo superficialmente e não compreendermos os
fenômenos na sua essência, e esse risco existe para todos os usuários trazendo
danos no aspecto pessoal e também institucional:
Alunos e professores tendem a dispersar-se diante de tantas conexões possíveis, de endereços dentro de outros endereços, de imagens, textos e mensagens, que se sucedem e se intercomunicam ininterruptamente nas múltiplas telas dos diversos recursos móveis que temos à disposição. [...] É mais atraente navegar, descobrir coisas novas do que analisá-las, compará-las, separando o que é essencial do que é acidental, hierarquizando ideias, assinalando coincidências e divergências” (MORAN; MASETTO; BEHRENS 2013, p. 57).
Bévort e Belloni (2009) refletem sobre a importância da apropriação crítica e
criativa das mídias na educação. Nessa direção indicam a necessidade de integração
entre as mídias e os processos educacionais em todos os níveis e modalidades “[...]
sem o que a educação que oferecemos às novas gerações continuará sendo
incompleta e anacrônica em total dissonância com as demandas sociais e culturais”
47
(BÉVORT; BELLONI,2009, p. 182). Conforme essas autoras, a escola precisa formar
cidadãos que saibam utilizar as novas tecnologias como ferramentas de
conhecimento, participação e inovação. Desse modo, para haver apropriação crítica
e criativa das novas tecnologias, a escola deve ser inovadora e os alunos precisam
estar em sintonia com os professores. Se cada aluno estiver conectado ao bate papo
e entretenimento voltado aos seus interesses particulares a interação na sala de aula
não acontece, e esse é mais um dos problemas enfrentados pelos professores no seu
cotidiano. Não que essas interações não acontecessem anteriormente, é que
atualmente as conversas ditas “paralelas” são também virtuais realizadas com o uso
das redes sociais em sala de aula.
As possibilidades de apropriação crítica e criativa das mídias na educação
também implicam em capacitação docente com vistas a reorientar as suas práticas. A
tecnologia por si só não traz o domínio de novas linguagens. Desse modo, “Assumir
as tecnologias eletrônicas de comunicação e informação como possibilidade didática,
significa reorientar, em termos metodológicos, a prática docente” (BARBOSA, 2008,
p. 197).
Quanto às interações fora do contexto da aprendizagem, conversando com
alunos, tomamos conhecimento que por vezes eles ficam no “bate-papo ” silencioso
nos grupos virtuais da sala enquanto o professor expõe os conteúdos. Nos últimos
anos vimos crescer os grupos de bate papo online em sala de aula a partir da
instalação de aplicativos nos smartphones como o WhatsApp criado em 2009. Por
meio de tablets, notebooks, e smartphones os alunos se conectam com dezenas de
pessoas enquanto os professores tentam captar a atenção deles de diversas
maneiras. É como se os alunos trouxessem seus amigos para dentro de sala de aula
interferindo naquele momento que deveria ser destinado às interações e às análises
de conteúdo entre alunos e seus mestres. Pessoas estranhas a essa relação também
estão ali presentes de modo virtual, trazendo impactos reais ao desempenho de
alunos e professores.
Utilizando uma linguagem simbólica podemos dizer que o espaço físico da
escola foi “invadido” pelas novas tecnologias ocupando espaços anteriormente
dominados pelos professores onde havia o predomínio dos textos escritos, interações
48
presenciais e o uso das bibliotecas. Desse modo, fazemos um convite à reflexão sobre
as alterações observadas nas salas de aula introduzidas com o uso de notebooks,
tablets, smartphones, o acesso à internet e às redes sociais, pois não apenas o modo
de planejar e executar as aulas ganharam contornos peculiares, mas também a forma
de se relacionar sofreu transformações.
As interações com os alunos mediadas pelas redes sociais, têm aspectos
importantes a serem observados, pois se de um lado ampliou a comunicação, também
invadiu o tempo de descanso e a privacidade do professor assim como invadiu a sua
vida social e familiar. Sem se dar conta, o professor expõe a sua vida social e a sua
intimidade familiar aos alunos nas redes sociais. Com relação ao trabalho, antes o
tempo do descanso era invadido pelo preparo das aulas e correções de atividades
escolares. Agora, está havendo uma ampliação dessa situação, porque a “atenção”
dispensada aos alunos além do tempo de trabalho na escola se traduz pelas
postagens nas redes sociais com lembretes das atividades extra-classe, correção de
atividades, reuniões online, orientação de atividades de pesquisa e aconselhamentos.
Mesmo que o professor nem se dê conta dessa sobrecarga e tenha a percepção de
que está mais próximo do aluno, de fato essa “proximidade em rede” traduzida pelo
termo “amizade virtual”, representa uma significativa sobrecarga laboral. Então,
podemos concluir que não apenas a sala de aula foi “invadida pelas novas
tecnologias”, mas o descanso, a jornada de trabalho e a privacidade dos professores
também.
Quanto à perspectiva de refletirmos sobre o aluno “prestando atenção no
professor”, é imperativo também indagarmos por que nas salas de aula do século XXI
o conhecimento ainda está configurado para acontecer no espaço limitado à sala de
aula e centrado na fala do professor? Decerto a escola com seus pacotes-padrão de
saberes e regras está prestando pouca atenção aos alunos nesses novos tempos
configurados pelas tecnologias da informação e da comunicação. É comum a análise
de que o aluno tem algum problema por recusar as aulas, a escola e os professores.
As perguntas recaem sobre o porquê do desinteresse dos alunos, contudo é também
pertinente direcionar tais questionamentos ao fazer pedagógico da escola, e em que
medida as práticas escolares suscitam a repulsa ou o desinteresse dos alunos.
49
Neste estudo, as experiências vividas e contadas pelos professores e alunos
revelam modos de ser e de se relacionar na sala de aula e fora dela com interfaces
diversas, podendo ser relacionamentos marcados pelas convergências e conexões,
ou histórias marcadas pelo distanciamento e conflito.
Esses impactos estão explicitados nas narrativas dos professores e também
dos alunos. São vivências profissionais e interações sociais diversas onde percebe-
se a estrutura organizacional influenciando e produzindo resultados diferenciados
marcando intensamente a trajetória desses docentes e dos seus alunos na Rede
Pública de ensino em Minas Gerais.
Aqui é pertinente refletirmos sobre pesquisa recente de Oliveira e Vieira (2012)
sobre o trabalho docente na educação básica de Minas Gerais. As autoras trazem
reflexões importantes para que possamos compreender o contexto atual de
dificuldades enfrentadas pelos professores na escola pública no Estado. Desse modo,
o estudo de Oliveira e Vieira (2012) “analisa o trabalho docente nas suas dimensões
constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza o
trabalho docente nas escolas de educação básica, com a finalidade de subsidiar
políticas públicas para o Brasil” (OLIVEIRA e VIEIRA, 2012, p. 13).
As autoras lembram que “ com as mudanças ocorridas a partir da década de
1990 na sociedade brasileira e na educação, os sistemas educacionais passaram a
sofrer novas formas de regulação que impactaram diretamente o trabalho docente”
(OLIVEIRA e VIEIRA, 2012, p. 13-14).
Sete estados brasileiros participaram da pesquisa: Pará, Rio Grande do Norte,
Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. No estado de Minas
Gerais foram entrevistados 1. 385 professores de setembro a novembro de 2009. Os
municípios participantes foram: Belo Horizonte, Formiga, Bambuí, Paracatu, e Raul
Soares.
A pesquisa revelou que “ ao lado de Santa Catarina (27,8%) e Rio Grande do
Norte (26,2%), Minas Gerais apresenta as maiores proporções de sujeitos docentes
que se declaram insatisfeitos com a remuneração pelo seu trabalho (25,5%)”
50
(OLIVEIRA e VIEIRA, 2012, p.18). Quanto às políticas educacionais implementadas
nas duas últimas décadas, tais políticas pressionam a competição entre as escolas
por melhores índices de qualidade. E também foi apurado, que Minas Gerais “ e o
estado onde os docentes mais percebem o aumento das exigências sobre seu
trabalho em relação ao desempenho dos alunos (70%) (Ibidem, p. 19).
Ainda com o propósito de contextualizar o trabalho docente em Minas Gerais,
a pesquisa de Augusto e Saraiva (2012) reflete sobre o papel da escola e a forma
como ela vem se estruturando para cumprir as exigências da educação formal na
atualidade. Desse modo é crucial atentarmos para o fato de que
A crescente complexidade da vida social traz reflexos sobre os sistemas educacionais, que vivem a crise das instituições da sociedade, das famílias, dos sindicatos, das organizações sociais. A própria escola reflete as contradições múltiplas e articuladas, inerentes ao sistema em que se insere (AUGUSTO e SARAIVA ,2012, p. 21).
As autoras ressaltam que nem sempre as instituições escolares conseguem
responder às demandas dos alunos porque sofrem restrições, haja vista sua
subordinação a órgãos gestores. Ainda assim,
A crença na escola como meio de inserção social qualificada resiste, em meio à crise de desemprego e à vulnerabilidade das economias nacionais, que põem em risco cada vez mais a promessa de futuro para as gerações mais jovens. A escola formal ainda é objeto de luta, acesso e qualidade, dos movimentos organizados, enquanto o direito à educação for algo a ser conquistado para a grande maioria da população. As políticas educacionais mais recentes têm refletido a busca de respostas a esses movimentos, ao mesmo tempo em que trazem uma nova conformação da coisa pública, alterando o sentido do que seja um atendimento adequado (AUGUSTO e SARAIVA, 2012, p. 22).
Conforme Augusto e Saraiva (2012), os dados do Censo Escolar de 2011 do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC),
Minas Gerais tem 4. 93 milhões de alunos na Educação Básica, sendo 2.90 milhões
no Ensino Fundamental, praticamente 10% do total do país. Das unidades escolares
no Estado, 3.818 são estaduais e 9. 710 são municipais. Há atualmente vaga para
todos os alunos do Ensino Fundamental, 93,4% das crianças de 6 a 14 anos estão na
escola, mas apenas 68% dos jovens com 16 anos o concluem. A situação é mais
preocupante no ensino médio pois, dos adolescentes mineiros de 15 a 17 anos, 85%
51
estão na escola, porém somente 54,4% deles cursam o ensino médio, nível de ensino
adequado à faixa etária (PNAD /IBGE-2009).
Conforme as autoras, apesar desses dados apontarem para uma situação
ainda bastante desafiadora, o governo o Estado considera, de acordo com o Plano
Mineiro de Desenvolvimento Integrado- PMDI 2011 a 2030-Gestão para a cidadania,
considera que o desafio da qualidade da educação vem sendo enfrentado com
sucesso, pois Minas Gerais apresenta
o melhor índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB) do país nos anos iniciais do ensino fundamental e o 3° melhor, nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, considerando apenas a rede estadual de ensino. Segundo dados do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica- SIMAVE/PROEB, o percentual de alunos do 5° ano do ensino fundamental com nível recomendado de proficiência praticamente dobrou entre 2006 e 2010. (AUGUSTO e SARAIVA, 2012, p. 24-25).
As autoras afirmam persistir ainda desigualdades educacionais que governo do
Estado reconhece e tenta solucionar por meio de ações previstas no PMDI- 2011 a
2030, contudo havendo um plano centrado na gestão dita “moderna” que preserva a
centralidade do Estado, implementando diversas ações em busca da qualidade do
ensino. A partir
da lógica administrativa de um ‘Estado para resultados’ os programas adotam uma combinação de diferentes formas e meio de intervenção, adotando lógicas de mercado, de responsabilização das famílias, de concorrência entre docentes e escolas, de formação profissional inicial e continuada, de combate à violência, de atratividade e de aumento do tempo de permanência na escola. (Ibidem, p. 35)
Com relação aos docentes o governo estabeleceu a partir de 2003, uma política
de avaliação por mérito como forma de pressionar pela melhoria da qualidade do
ensino. As autoras afirmam que a intenção do governo foi transformar as relações de
trabalho, definindo a produtividade como o diferencial. Subordinar os docentes à
Avaliação de Desempenho Individual significa limitar a sua autonomia profissional. Os
professores não aceitam com tranquilidade essa determinação, por tratar-se “ de
medida reguladora de controle sobre a atuação docente, de natureza meritocrática
uma vez que é condicionado ao desempenho no SIMAVE/PROEB” (AUGUSTO e
SARAIVA, 2012, p 37).
52
A pesquisa de Augusto e Saraiva (2012) concluiu que os docentes em Minas
Gerais estão insatisfeitos com as suas condições de trabalho pois, lidam com número
excessivo de alunos em sala de aula, havendo desinteresse da maioria desses alunos.
Estão insatisfeitos com os salários, tendo que trabalhar em diversas escolas, e
dispõem de poucas horas para atender aos alunos nas suas necessidades. Eles se
sentem responsáveis pelo sucesso ou insucesso dos alunos nas avaliações de
resultado nas escolas onde trabalham, havendo um grande sentimento de cobrança
sobre si mesmos.
53
CAPÍTULO II
2. UMA ESCOLA “DIFERENCIADA”: QUE TERRITÓRIO É ESSE?
Neste capítulo, faremos a exposição e análise dos dados coletados na nossa
pesquisa de campo enfatizando nosso propósito de investigar o relacionamento entre
alunos e professores numa escola pública de Ensino Fundamental e Médio de Belo
Horizonte, nesse contexto de inovações tecnológicas. Partimos do espaço de relações
presenciais da escola que é a sala de aula onde os professores e alunos interagem
diariamente. E desse campo de interações face to face buscamos analisar de que
modo esses interlocutores dialogam e quais os problemas enfrentados por eles,
colocando em relevo as condições em que o trabalho docente é desenvolvido.
Destacamos aqui, nossa percepção de que nesse campo de trabalho há
componentes importantes interferindo nessas relações tais como o uso das
tecnologias da informação e da comunicação assim como o tipo de gestão escolar e
o clima organizacional, pois a sala de aula está inserida num contexto maior que é a
escola, e esta por sua vez inserida no contexto social onde estão localizados todos os
sujeitos que interagem no espaço escolar.
É necessário refletirmos sobre o que ocorre nesse território, a sala de aula, no
quanto determinados elementos podem impactar o trabalho docente, e modificar as
interações entre alunos e professores. A escola, ao repensar suas práticas, pode se
apropriar das novas ferramentas de informação e comunicação e se recriar. Nesse
sentido, as situações de conflito e as dificuldades do cotidiano escolar, podem ser um
ponto de partida para a escola reconfigurar as práticas pedagógicas, os ambientes de
aprendizagem e os relacionamentos.
Para falarmos da escola selecionada como nosso campo de pesquisa tomamos
inicialmente como referência Perrenoud (2002). Resgatamos as indagações desse
autor ao assinalar o início do século XXI como um marco temporal a fim de repensar
as questões referentes ao ensino, à sala de aula e à formação de professores.
Naquele período ele imaginava como seria a sala de aula algumas décadas após o
início deste século. Perguntava-se se haveria tecnologias mais sofisticadas e se as
54
interações entre professores e alunos continuariam marcadas pelas palavras e nas
trocas entre um professor e vários alunos, mesmo que fossem salas de aula virtuais
com alcance de nacionalidades diversas onde todos poderiam dialogar por meio de
chips de tradução simultânea. Por fim refletia sobre nossa incapacidade de antecipar
o porvir, e admitindo que o futuro traz surpresas inimagináveis afirmava: “ [...] é
possível que os intérpretes desapareçam antes que os professores, ou talvez ocorra
o contrário. Ou talvez nada mude[...]” (PERRENOUD, 2002, p. 12). De fato, não seria
possível anteciparmos o que seria a escola hoje, porque não temos a capacidade de
fazer previsões e a história da humanidade não se caracteriza pela linearidade e
previsibilidade, mas o que Perrenoud disse sobre sermos surpreendidos e desafiados
tem total validade no contexto escolar objeto desta pesquisa.
Esse aspecto surpreendente e desafiador do trabalho docente está inscrito
nesta produção, nas observações por nós realizada, e nos relatos dos alunos,
professores e gestores.
Os professores entrevistados falaram do seu cotidiano de trabalho no campo
de pesquisa escolhido para este estudo, e também de outras experiências marcantes
nos seus percursos pela docência. As experiências em outros locais de trabalho foram
importantes para compararmos as condições de trabalho, aspectos da gestão escolar
e os relacionamentos com os alunos.
Neste estudo de caso foi predominante a descrição da Instituição de modo
positivo pelos entrevistados, pois desenvolve práticas alinhadas às expectativas dos
professores no sentido do cuidado e do respeito alterando positivamente suas
expectativas quanto ao exercício do magistério, apresentando resultados satisfatórios
no aspecto da aprendizagem e dos relacionamentos, sentimento convergente com os
relatos dos alunos. Contudo, pontuaram também problemas que a escola de modo
persistente e criativo tenta solucionar.
Os seis professores participantes deste estudo são certificados nas
respectivas áreas em que atuam, sendo três graduados, um especialista e dois
mestrandos. Quanto ao ingresso na instituição, todos passaram por seleção pública
55
de provas e títulos. Apenas dois assumiram a função em caráter efetivo, os demais
têm contrato temporário.
A fim de preservarmos o anonimato dos participantes todos receberam nomes
fictícios: Pedro, Marcos, André, Laura, Marina e Rafaela.
Preliminarmente queremos destacar a importância dessa escola, nosso campo
de pesquisa no sentido de que as suas peculiaridades nos surpreenderam. Por ser
uma Instituição pública nossa expectativa inicial era a de que o cenário de trabalho e
de relacionamentos seria aquele tradicionalmente retratado pelas mídias, e diversas
produções acadêmicas onde há o registro de uma realidade adversa, marcada pela
desmotivação, adoecimento e abandono da profissão. Contudo, essa história nos
surpreendeu em sentido oposto, conforme relataram os entrevistados e consoante
com as nossas observações e registros da Instituição.
Os entrevistados Pedro, Marcos, André, Laura, Marina e Rafaela, atuando no
Ensino Fundamental e Médio, descreveram a escola como diferenciada, ideal, um
projeto de escola ideal, e ao longo das suas narrativas foram explicando o porquê,
utilizando exemplos do que ocorre na Instituição no seu cotidiano de trabalho.
Ao mesmo tempo em que narraram suas experiências positivas nessa escola,
e fizeram suas críticas, alguns entrevistados contaram as experiências negativas em
outras escolas que lhes trouxeram intensa preocupação, desgaste e até adoecimento.
Nesta exposição inicial das entrevistas, queremos destacar aspectos que
tornam esse ambiente de trabalho um território diferenciado sob a perspectiva dos
professores participantes desta pesquisa.
O professor Pedro, primeiro entrevistado, tem 14 anos de magistério e trabalha
há quase um ano nessa escola, tendo sido contratado em 201325. Seu relato foi
marcado pela intensidade de sentimentos onde ficou clara sua satisfação e surpresa
25 Dentre os entrevistados, Pedro é o professor com maior tempo de magistério.
56
ao chegar nessa escola, onde há um clima de respeito e de valorização dos alunos e
dos professores.
O entrevistado pontuou aspectos positivos da escola atual, nosso campo de
pesquisa, mas ao longo da sua narrativa comparou o trabalho dessa escola com as
suas experiências anteriores que o levaram ao adoecimento e a repensar a escolha
da profissão.
Ele descreveu a Instituição como uma escola diferenciada26, destacando na
sua narrativa algumas características peculiares confirmadas pelos demais
professores. É uma escola mais tranquila para se trabalhar pois cada sala tem o
máximo de 35 alunos: “As turmas aqui só chegam a 35. Faz parte do projeto não
encher a sala” (PEDRO, 2013).
A imagem a seguir mostra a professora respondendo a uma pergunta do aluno
utilizando o celular como recurso de comunicação. Um modo criativo usado pela
comunidade virtual Professores Sofredores para denunciar a precariedade nas salas
de aula brasileiras com excesso de alunos sem que os professores disponham de
infraestrutura adequada para o trabalho.27
Figura 9- Facebook - Comunidade Professores Sofredores
26 Grifo nosso. 27 Disponível em <https://www.facebook.com/pages/Professores-Sofredores/310167222377505?fref=ts.> Acesso
em: 04 mar. 2015.
57
Comparando com instituições da rede privada e outras escolas públicas onde
lecionou, o professor Pedro concluiu: “Ainda não é a escola ideal, mas é o projeto da
escola pública ideal”.
Conforme o professor Pedro, o termo diferenciado se aplica a essa escola pelo
número de alunos matriculados por turma, o que lhes proporciona melhor condição de
lidar com os problemas e cumprir seus planos de trabalho, mas também porque há
salas de aula equipadas com TV, DVD e notebook e há acesso à internet para o uso
diário, o que facilita a compreensão dos alunos e torna as aulas mais interessantes.
Há professores que trazem notebook para o trabalho por precaução, pois os
equipamentos da Escola já têm algum tempo de uso e apresentam desgaste podendo
não funcionar em certos momentos.
Ele avalia que o relacionamento com os alunos ocorre de modo mais tranquilo
e com o mínimo de tensão. Os alunos conversam entre si, o que ele considera normal
para a idade, mas atendem ao pedido do professor para dar maior atenção às aulas.
Não é nada excessivo que interfira nas aulas, nem é algo que seja desrespeitoso. É
possível lidar com a inquietação dos alunos. De modo geral os alunos desta Instituição
são receptivos aos professores:
Conversa entre eles, que não é uma conversa alta, não são conversas
desrespeitosas, mas eles querem ficar batendo papo. É o bate-papo do
adolescente. E normalmente quando a gente chama a atenção,
principalmente se for um caso repetido, normalmente eu não tenho mais
problemas. Então dentro de sala de aula tem a conversa sim. Aqui nessa
escola, pelo perfil dos alunos que tem na escola, normalmente pede-se e é
atendido. Eu nunca tive que, por exemplo, fazer ocorrência por conversa.
(PEDRO,2013)
Na avaliação do professor Pedro, os alunos dessa escola não são diferentes
de nenhum outro da sua idade. Há conversas entre eles, há o uso de celular em sala
de aula, há tentativas de descumprir as normas escolares, mas em menor grau do que
nas outras escolas onde ele trabalhou. Não é nada que leve o professor ao desgaste
intenso porque ele não está sozinho, e tem suporte administrativo e pedagógico. Além
do mais, por ter uma quantidade menor de alunos, a interação é melhor. Para ele, a
intensidade de fatores impactantes é que leva o docente à exaustão. Por isso
58
considera o apoio da gestão fundamental para lidar com os conflitos e problemas do
dia a dia.
Sobre o dia a dia, Pedro citou como exemplo do trabalho da gestão, a regra
sobre o uso do celular na sala de aula. Esse foi um problema citado por todos os
docentes, o uso do celular que atualmente faz parte de todo o convívio social, e que
mudou o comportamento das pessoas seja no trabalho, na escola e no convívio
familiar. Sobre essa questão, Silva (2008) afirma que “Na cultura contemporânea, o
consumo de tecnologias de comunicação e informação torna-se cada vez mais
onipresente na vida dos indivíduos: afinal, quem sou eu sem meu celular e e-mail? ”
(SILVA, 2008, p. 311). Segundo a autora, é como se o celular fosse uma extensão do
corpo humano, e complementa: “ [...] o telefone celular se tornou o artefato- símbolo
da contemporaneidade[...]” (ibidem p. 312). O convívio social tem sido afetado em
todos os aspectos por causa do uso do celular, e não apenas os adolescentes foram
afetados pela introdução do telefone móvel na vida social, os adultos também foram
arrebatados por essa tecnologia. Seus estudos sobre identidade, sociabilidades e
corpo nas culturas urbanas, indicam haver uma relação entre o uso de celulares e a
corporalidade dos indivíduos. O celular não é mais apenas um objeto de consumo, é
como se a pessoa desenvolvesse uma relação de afeto com o aparelho, como se o
celular fosse uma extensão do corpo da pessoa, não podendo se separar dele. Assim
sendo: “Tanto a relação afetiva, quanto a dependência tecnológica, em suas variadas
gradações, encontram um ponto de convergência no argumento de que o celular se
confunde com a própria vida” (SILVA, 2018, p.321).
Essas considerações sobre o uso do celular foram feitas porque a escola não
está desconectada da vida social, e sofre influências do modo de vida das pessoas.
Além do mais, o uso do celular em sala de aula é um tema recorrente nas conversas
sobre a escola, e nessa Instituição não foi diferente, sendo importante assinalar que
uso do celular não é permitido na sala de aula, para entretenimento ou comunicação
particular, apenas para uso pedagógico, se combinado previamente. Essa é uma
regra da Instituição, não é algo que cada professor permita por ser mais simpático ou
proíba por ser mais rígido. Os alunos e os pais têm conhecimento dessa norma.
Segundo o professor Pedro, é difícil lidar com a ansiedade dos alunos quanto
ao uso dos celulares, pois estão sempre conectados às redes sociais, ainda que os
59
aparelhos estejam ligados no modo silencioso. É como se eles precisassem olhar a
todo instante o que os amigos estão conversando no Facebook, WhatsApp e outros
ambientes virtuais. Então diariamente há as tentativas de conexão com os amigos por
meio da Internet e também há as conversas presenciais.
Como os alunos conhecem as regras da Instituição, basta alguns alertas para
que retomem a interação com os mesmos, apesar das muitas “olhadinhas” nos
aparelhos para verificar os alertas de mensagem. Então o professor considera positiva
a atitude dos alunos de saberem que há esse limite na escola, e que o professor não
está ali para atrapalhar a vida deles e sim para agregar algo positivo em cada
disciplina. Com o número de alunos reduzidos por turma, essas intercorrências são
mais fáceis de administrar, com menor tensão entre alunos e professores.
Eles colocam o celular no silencioso. A maioria deles tem celular que conecta com a internet. Então eles ficam conectados ao Facebook. Então quando chega mensagem no Facebook o celular vibra e eles dão um jeito de olhar. Então tem gente que coloca embaixo da manga, tem gente que coloca embaixo da blusa, em cima do colo, e eles só querem estar ali com o celular. Eu já percebi isso, todo professor percebe isso. Eles só querem estar ali com o celular achando que o professor não percebe, e às vezes não percebe mesmo porque está debaixo da blusa. Mas aí de vez em quando você olha para um e vê o dedinho assim passando, está mexendo no Facebook. O celular é touchscreen. Então está passando o dedinho ali, aí ele olha, e o professor chama atenção da turma, às vezes não especificamente dele. Aí quando isso se repete a gente tem que interferir (PEDRO, 2013).
A Instituição estabelece o limite de atuação dos professores e dos alunos, e
age diariamente nessa direção. Conforme o professor Pedro os alunos não entram na
sala dos professores, só se forem convidados. Em outras escolas é comum alguns
alunos ou muitos alunos entrarem na sala.
De fato, nas nossas observações diárias, vimos que os professores deixam
notebooks e outros pertences na sala dos professores e ninguém mexe, e não há
alunos na sala dos professores nem nas salas de estudo deles. Existe o cuidado da
administração para que esses espaços de descanso e de trabalho sejam respeitados,
o que deixa os professores com a sensação de que são valorizados.
60
O professor Pedro se sente respeitado e seguro na escola, pois os espaços
estão delimitados. Há limite para o uso dos espaços na escola, e respeito pelo
professor no cumprimento do horário de atividades ou intervalo para o lanche. No ano
de 2013 o professor destacou não ter tido problema de indisciplina com os alunos,
mas ele reconhece o esforço e as atitudes de toda a escola interferindo no bem-estar
de quem trabalha e estuda ali, portanto não é algo casual.
Nessa escola, os alunos sabem que têm que pedir licença para interromper o
momento em que o professor está no horário de preparação de atividades ou no
intervalo de descanso entre as aulas. Essas interrupções têm que ser justificadas, e
admitidas apenas em situações excepcionais pois o professor tem direito ao descanso
e tem direito à carga horária de preparação das aulas, correção de atividades e
lançamento de notas sem ser interrompido. Esse tempo de trabalho extraclasse está
incluído na carga horária de trabalho e deve ser cumprida na escola.
Pedro viveu momentos de intenso desgaste em outras escolas tendo chegado
ao adoecimento no sétimo ano de trabalho tendo que tomar medicação e rescindir
contrato trabalhista, o que impactou seu bem-estar, sua profissão e a vida pessoal.
No contexto do adoecimento, repensou a carreira e resolveu fazer o Mestrado para
ter a oportunidade de lecionar em cursos de nível superior. E recentemente tomou a
decisão de se desligar das escolas particulares: “Esse ano, pela primeira vez, eu
escolhi não trabalhar na rede particular. Eu me neguei. Eu tinha uma escola particular,
na verdade duas, e eu me demiti das duas”.
Segundo o professor Pedro, ele ganha menos na rede estadual, mas tem mais
turmas para trabalhar, o que é positivo por não ter que se deslocar para várias
instituições com carga horária pequena de trabalho: “Eu não encontro dezoito aulas,
é muito difícil encontrar dezoito aulas porque, 90% das escolas particulares são
escolas muito pequenas apenas com uma turma de cada série do ensino médio”. E
há outras razões apontadas pelo professor para que ele prefira a rede pública. Ele cita
a obrigação e o desgaste de ensinar modos básicos de comportamento aos alunos,
para que eles tenham postura adequada à sala de aula. Nas escolas onde ele
lecionava anteriormente havia um desgaste intenso nesse aspecto comportamental
61
dos alunos. E isso era visto como responsabilidade do professor e da sua capacidade
de lidar com os alunos:
E outra coisa, a nossa vida de professor ela é muito sacrificada no sentido de ter que lidar com uma turma, um grupo de adolescentes que não consegue ter da família a educação que deveria ter. E a gente já incorporou que a gente tem que completar isso aí. Então no final das contas o que eu quero dizer é isso traz muito desgaste emocional. O professor não é mais só o professor, ele tem que ensinar os bons modos, ensinar a respeitar e ele sofre com isso, a gente sofre com isso, porque isso magoa, isso mexe com a nossa capacidade de o tempo todo ser paciente e não dá para ser paciente o tempo todo porque a gente não consegue (PEDRO,2013).
Além do comportamento do aluno o professor Pedro considera prejudicial ter
vários vínculos empregatícios, pois isso impede o descanso entre uma Instituição e
outra. Essa falta de pausa intensifica o cansaço e o nível de irritabilidade tende a
crescer, sobretudo se o professor carregar todas as responsabilidades do trabalho e
da escola sozinho:
Aí tudo bem, se fosse numa escola só a gente poderia ser paciente para descansar. Mas a gente sai daqui vai para outra e aí as coisas vão acumulando. Só que fatalmente um dia ou outro você vai ser sem educação com um aluno seu que “mereceu”. Você não deveria, mas o sistema te levou a isso, não é porque você é mau, o sistema te levou a isso. Então às vezes você repete a informação, repete, repete, repete aí o sujeito está lá mexendo no celular. Aí quando está tudo bem, quando todo mundo entendeu ele vai lá e pergunta a mesma coisa. Esse é o tipo de coisa que tem um momento que a gente perde a paciência. Então, o que acontece? O que eu quero dizer é que na rede particular isso é extremamente intensificado. Na rede particular isso é terrível. (PEDRO,2013).
Pedro entende haver ainda o sentimento de que o aluno da escola privada vê
o professor como um empregado, sobre quem o aluno exerce poder pelo fato de pagar
para ter aquela prestação de serviço:
Porque o aluno, muito provavelmente pelo fato de ele estar pagando, ele não se importa com o ser humano professor. É aquela famosa estória, ele sente que ele tem direito sobre a pessoa, sobre aquele ser humano. Então esse direito permite a ele se comportar de qualquer forma e eu ser obrigado a atender todas as necessidades dele no tempo que ele quiser, da maneira que ele quiser, quantas vezes ele quiser. Se não for assim ele vai e reclama e isso traz um desgaste muito grande. Na rede pública esse desgaste é menor e eu procuro qualidade de vida (PEDRO,2013).
Pelas experiências acumuladas ao longo desses anos de magistério, o
professor concluiu que atualmente está tendo condições melhores de trabalho do que
62
quando tinha vários vínculos empregatícios, e também pelo tipo de trabalho que é
desenvolvido na escola atual com apoio ao corpo docente. Essa escola estabelece
uma carga horária na escola para o professor estudar, reunir com outros professores,
planejar oficinas, semanas temáticas, correção e lançamento de notas e capacitação
contínua. O professor Pedro acha errado fazer esse trabalho e não ser remunerado
como acontece nas demais escolas públicas e privadas:
O desgaste emocional é bem menor. Só isso. Em vez de ter oito turmas eu tenho quatro. Eu tenho tempo para preparar a aula se eu precisar. Eu tenho tempo para fazer lista de exercício. Eu tenho tempo para corrigir as provas e lançar as notas tudo na escola, eu não preciso levar esse trabalho para casa. Mas da outra escola eu sou obrigado a levar. Então na outra escola e também na escola particular eu sou obrigado a levar. Quer dizer, isso está errado. Eu não tinha que levar meu trabalho para casa. Eu tinha que ter tempo de fazer na escola. E ganhar por isso porque é trabalho de professor. No entanto, a escola particular ela não contrata educador, ela contrata “dadores” de aulas. Ela quer um bom “dador” de aula. Quer que o professor chegue e dê uma aula maravilhosa todos os dias, é isso que a escola quer. Aqui na escola pública, especialmente nesta escola, eu me sinto, como os pedagogos gostam de falar, educador. Eu me sinto participante da vida do meu aluno de uma forma geral. Nas outras escolas, em todas as outras escolas pelas quais eu passei, eu me senti dador de aula. Aqui eu me sinto educador. (PEDRO,2013).
Outro entrevistado, o professor Marcos, trabalha na escola há um ano e meio
e tem três anos de profissão. Ele ministra oficinas no contra turno e se sente bem
nessa Instituição pelo respeito com que é tratado por todos. Ao ingressar na escola
ficou bastante surpreso com o respeito dos alunos e a atenção da Diretoria. Destaca
haver situações excepcionais de desgaste na sala de aula, mas nada que seja
incontornável, e o apoio da Direção é constante na mediação dos conflitos.
Enquanto profissional, vê nas atitudes da escola a valorização dos alunos e dos
professores, sentimento que ele não teve com relação à sua escola pública anterior,
tendo rescindido o contrato de trabalho pela falta de apoio da Diretoria, falta de
estrutura para o trabalho, pelo mau relacionamento com os alunos o que resultou em
intenso desgaste e medo de retornar para a sala de aula:
Aqui é bem diferente. O respeito é muito maior, a recepção deles foi muito calorosa. Eu vim aqui com medo. Voltar para dar aula, na mesma faixa etária, escola pública, tudo igual, mas aqui a escola pensa de uma forma diferente. Eu encontrei uma recepção completamente diferente. A escola pensa de uma forma diferente. É como se os alunos merecessem estar aqui. Estão aqui por mérito. Tem alguns que não querem nada, dão trabalho com indisciplina, mas nada parecido com o que aconteceu antes. Tenho parte de uma turma que
63
vou tentar me adaptar a eles, temos também que ver o lado deles. Tem alguns que dão trabalho. Os alunos confundem aula prática com ficar à toa, pensam que é só diversão (MARCOS, 2013).
Embora indicando algumas dificuldades ao longo de 2013, reconhece o esforço
da sua escola atual, no sentido de tornar o ambiente mais adequado ao trabalho
docente:
A escola tem essa preocupação com a disciplina específica. A Direção é completamente diferente, nos apoia, nos ouve, são professores como a gente. Os alunos são completamente diferentes, aqui existe um respeito muito maior, é lógico que existe um ou outro, mas a maioria é diferente. Meus colegas falam, eu vejo nos jornais, aqui não tem igual. Não é à toa que a escola sai em matéria no lado positivo, ganha prêmios. Sempre você está sabendo de algo positivo. As notas do Enem são sempre melhores que a média estadual (MARCOS, 2013).
Conforme o professor Marcos, o trabalho com as oficinas permite abordagem
sobre os problemas vividos pelos alunos e professores no dia a dia, como o bullying.
Em 2013 os professores realizaram um projeto interdisciplinar com atividades relativas
a esse tema, dentre as quais discussão sobre os fatos ocorridos na própria escola a
partir de mostras de vídeo. Com curtas-metragens de aproximadamente doze minutos
os alunos foram motivados a falar sobre fatos vividos no cotidiano, o que foi
considerado bastante positivo, pois a discussão problematizou o bullying na escola:
“A gente projetou os filmes direto do YouTube. Existe o bullying, mas não é tão forte.
É velado, mas enquanto tiver a gente vai combater. Os alunos participaram, falaram
do que ocorre aqui”.
A escola propôs reuniões semanais para o planejamento de oficinas e outras
atividades, o que permitiu a inclusão de várias disciplinas nos projetos. O uso da
internet, TV, DVD e projetor foi essencial para a realização dessas atividades, assim
como o planejamento coletivo.
Em 2012 a sala onde o professor Marcos ministrava as oficinas eram equipadas
com os eletrônicos, o que ajudava a motivar os alunos e o tempo era otimizado. Por
meio de imagens e vídeos era possível apresentar várias abordagens. Em 2013 houve
uma mudança na divisão das salas, e as oficinas passaram a ser realizadas em outro
andar sem ter os equipamentos eletrônicos fixos, e sendo a sala compartilhada com
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outra disciplina. Isso demandava tempo para transportar o projetor e conectá-lo na
sala de aula, o que gerava insatisfação de ambos os professores. Esse período usado
para organizar a sala e equipá-la para o trabalho, e depois guardar os eletrônicos e
organizar novamente a sala para outro professor gerou reclamações à Diretoria que
reconheceu a legitimidade da demanda: “Falamos com o Diretor, o pessoal da
Educação Patrimonial reclamou também e vão instalar um projetor que a escola
ganhou por uma premiação”
Mesmo reconhecendo o esforço da Direção para fazer as adequações
necessárias à estrutura de trabalho, o professor Marcos tem a expectativa de trabalhar
em breve num espaço específico mais apropriado para as suas aulas:
Eu sinto falta de ter um espaço só da minha disciplina. Eu divido a sala com o professor de inglês. A gente perde um tempo para arrumar a sala, tirar as carteiras e no final recolocar. Tenho trezentos alunos ao todo. Por dia dou aula para sessenta alunos do 6° ao 9° ano do Ensino Fundamental. São quatro aulas por dia. As salas são menores, não cabe muito aluno. Eles vão trocando de sala (MARCOS,2013).
O professor justifica a importância de ter o ambiente adequado ao trabalho em
todas as disciplinas da escola. Desse modo os professores e os alunos poderão
explorar as possibilidades do conhecimento de modo multidisciplinar, sem priorizar
uma disciplina ou outra, já que a proposta da escola é que haja o máximo de
oportunidade de aprendizagem:
Aqui tem Wi-Fi, tem roteador na sala dos professores, tem computador, TV, tudo da escola. Não deu problema na oficina. Não gosto de ficar imprimindo, haja papel. No ano passado pegava o texto em PDF, conectava no computador da escola, colocava direto da TV, lia com os alunos, passava filmes, vídeos, práticas diferenciadas, utilizava bastante. Não era toda semana, toda aula. Mas uma vez por mês eu utilizava com certeza e era muito proveitoso. Esse ano não trabalhei assim, não tem TV nas salas onde trabalho lá embaixo. Eu fico de mãos mais atadas. Queria trabalhar uma aula mais dinâmica, não tem como ficar carregando o projetor sempre. No próximo bimestre quero trabalhar com teoria, mas nada muito profundo, senão fica chato. Com a televisão fica mais dinâmico (MARCOS,2013).
Relembrando experiência negativa de trabalho, numa escola pública anterior,
o professor relatou dificuldades de relacionamento com os alunos, ausência ou
dificuldade de acesso aos meios para o trabalho, e total descaso da Diretoria. Para
ele a escola “era mais um presídio do que uma escola. A TV era presa numa gaiola,
65
tinha que pedir para Diretora, dependia da boa vontade dela”. E quanto aos alunos a
receptividade desde o início foi de desprezo e agressividade:
Eu cheguei eles já estavam fechados, fechados para as aulas. Não todos, mas a maioria. Eu tive casos lá deles jogando bolinha de papel nas minhas costas enquanto eu escrevia, de dificultar ao máximo possível as minhas aulas, de me deixar louco. Então eu saí porque eu estava esgotado mentalmente. Eu não conseguia olhar para eles. Eu já via meus alunos como meus inimigos. Eu achava que eles me odiavam. Eu achava que ia além das minhas aulas, era pessoal. Eu decidi sair porque eu estava mal mesmo (MARCOS,2013).
Achamos oportuno acentuar os estudos de Paschoalino (2009) sobre o trabalho
docente. A autora alerta para as consequências do mau relacionamento entre alunos
e professores nos espaços escolares:
As relações estabelecidas entre professores e alunos acontecem e desencadeiam reações positivas ou negativas. Numa teia de interações, é através das palavras de ações que professores podem desencadear, em si e nos outros, mudanças estruturais que chegariam a afetar sua fisiologia, podendo levar ao adoecimento e até a morte (PASCHOALINO ,2009, p. 41).
O professor Marcos não suportou o desrespeito dos alunos e o descaso da
Direção daquela escola. Diante de inúmeras tentativas fracassadas de estabelecer
um relacionamento satisfatório com os alunos, o professor pediu ajuda à Diretora, mas
recebeu a seguinte resposta: “Professor, pede para sair”. Vários fatores afetam o
ânimo e o bem-estar dos professores, mas a relação com os alunos é crucial no
trabalho docente. Então o intenso sentimento de frustração presente na experiência
desse professor e sua desistência do trabalho naquela Instituição é compreensível por
vários aspectos, sobretudo pelo relacionamento com os alunos:
A preocupação dos professores não está centrada apenas em suas condições de empregados frente a seus patrões, mas também na relação com os alunos. A interação do trabalho docente não permite desvincular-se do outro, pois as identidades são formadas ou deformadas na relação (PASCHOALINO ,2009, p. 57).
O professor Marcos pediu demissão daquela escola, estudou mais, iniciou o
Mestrado, teve outras experiências ligadas à educação, e cinco anos depois retornou
à sala de aula, mesmo havendo o temor de que a história anterior pudesse se repetir.
Contudo ele foi surpreendido com a recepção calorosa dos alunos e o cuidado
da Diretoria, atenta as dificuldades dos professores. Na sua disciplina, ele busca
66
mostrar as possibilidades de transformação social e política. Há alguns alunos que
pensam as aulas e as oficinas como mero entretenimento, e esse é um desafio que
escola compreende não ser apenas do professor, mas da Instituição. Por isso, o
trabalho é intenso nas séries iniciais, quando os alunos ingressam na escola.
Essa atenção dada aos alunos cuidando para que sejam acolhidos e acolham
os professores é uma premissa fundamental na constituição de um ambiente favorável
ao trabalho docente:
Assim, o contexto escolar constitui, concretamente, um verdadeiro ambiente, cuja contingência pesa enormemente sobre as condições de trabalho dos professores. Por exemplo, veremos que a falta de recursos e de tempo e a escassez de instrumentos pedagógicos são fatores ‘materiais’ frequentemente mencionados pelos professores como estando entre as maiores dificuldades dessa profissão (TARDIF; LESSARD,2009, p. 55-56).
Seguindo com as entrevistas conversamos com o professor André que trabalha
há quase três anos na Instituição e tem cinco anos de profissão. Sua avaliação seguiu
destacando aspectos peculiares da escola, pois ela destoa dos padrões das demais
escolas públicas em que ele trabalhou.
André relatou estar bem desanimado na docência antes da sua inserção nessa
escola, seu campo de trabalho atual: “Vou te falar que até o começo do ano passado
eu estava muito desanimado. Aí aqui mudou um pouco minha visão. Mudou um pouco
não, mudou bastante” (ANDRÉ, 2013).
O fator do seu desânimo nas outras escolas, segundo o professor André, está
relacionado à tensão na sala de aula pelo comportamento dos alunos e o fato de
Diretores de outras instituições atribuírem todas as responsabilidades de êxito ou
insucesso aos docentes.
A exemplo dos demais professores, ele afirmou gostar desse ambiente e do
cuidado com que os professores são tratados, e o cuidado de todos para com a escola.
Isso torna o ambiente melhor para todos. Atualmente trabalhando apenas na rede
pública indaga-se sobre diferenças tão marcantes entre essa Instituição Estadual e a
outra da mesma rede de ensino em que trabalha:
67
Eu gosto daqui. Já não posso dizer o mesmo da outra escola. Eu digo lá que eu não vejo porque não ser igual aqui. Não é escola de periferia. O público teria que ser mais ou menos o mesmo. O tamanho da escola é o mesmo. Mas de certo modo, você fica naquela esperança de que vai melhorar (ANDRÉ,2013).
O professor André compara seus ambientes de trabalho atuais e não entende
o porquê de diferenças tão marcantes sendo que trabalha em instituições da mesma
rede pública. Ele enfatiza a importância de trabalhar num ambiente bem cuidado, onde
possa desenvolver suas aulas, seus projetos e estimular o interesse dos alunos e ser
compreendido por eles. Ao ser admitido nessa escola, André foi surpreendido com o
modo como a Diretoria em parceria com a Supervisão Pedagógica conduz a
organização escolar proporcionando um ambiente onde os professores conseguem
trabalhar tendo apoio na parte disciplinar e quanto ao uso da internet em sala de aula,
embora com algumas limitações. Esse compromisso da Instituição trouxe motivação
ao professor.
André credita esse novo ânimo ao fato de haver ações na escola com vistas a
disciplinar o comportamento dos alunos de modo que os professores tenham mais
tranquilidade para desenvolver o trabalho em sala de aula e nas atividades
extraclasse. Para ele, a Instituição foge dos padrões das demais escolas estaduais
onde trabalha, pois há uma proximidade maior do professor com o aluno e o
envolvimento da Diretoria. Ele atribuiu esse relacionamento mais amistoso com os
alunos, à disciplina e à organização administrativa existentes na Instituição. Embora
ela seja uma escola pública, as ações da Diretoria e do Setor Pedagógico seguem na
linha do diálogo e da atenção aos professores e alunos interferindo para resolver os
problemas que surgem no dia a dia:
A gente tem que começar do seguinte ponto: aqui é uma Escola Estadual que foge um pouco dos padrões de todas as outras escolas estaduais que eu já trabalhei, principalmente em relação à disciplina. Não é uma escola que você precise chamar muito a atenção do aluno. Por conta disso acaba que a relação com o aluno fica melhor. A gente acaba sendo mais amigo do aluno do que em outras escolas. Então se você observar no pátio a gente tem um contato com o aluno quando ele está fora de sala. A gente cumprimenta e não tem uma resistência do aluno. Aqui acaba que a gente não precisa se preocupar com aquela coisa de se distanciar do aluno. A relação aqui na escola acaba sendo uma relação diferenciada. A gente é um pouco mais amigo do aluno do que o normal e em escola pública (ANDRÉ, 2013).
68
A proximidade com o aluno se dá no sentido do respeito, havendo a consciência
de que de nem tudo é permitido nesse contato, pois há os limites que não podem ser
ultrapassados:
Eu trabalhei pouco tempo em escola particular. Todas as outras escolas públicas que eu trabalhei acaba que você tem que ter um distanciamento do aluno para manter a ordem. O aluno acaba ficando folgado e tendo uma impressão de que você está na mesma condição dele. Não que isso seja um problema, estar na mesma condição, você tem que estar próximo do aluno. Nas outras escolas parece que isso é um sinal para o aluno fazer o que ele quer na escola. Aqui não. Aqui a relação com o aluno é melhor. Você é próximo dele e não se sente prejudicado por isso. A relação aqui é muito melhor do que em outras escolas. Essa é a sensação que eu tenho. Acaba que de certo modo o modo de agir aqui é diferente. Você é mais próximo do aluno mesmo do que em outras escolas (ANDRÉ, 2013).
A escola não tem sinal entre uma aula e outra e os alunos seguem a marcação
do tempo sem o professor “correr atrás28”, pois o aluno sabe que o lugar dele é
naquela sala com determinado professor. Há outra regra, seguida por alunos e
professores para que os alunos não fiquem dispersos fora da sala de aula. Se o aluno
tem necessidade de ir até a Diretoria ou Supervisão Pedagógica recebe um crachá do
professor. E só pode sair um aluno por vez, porque cada professor recebe apenas um
crachá. A permanência no pátio da escola só é permitida na hora do recreio ou para
algum evento coletivo:
Aí é engraçado porque é uma escola que não tem sinal, então as vezes, é até uma coisa para se pensar, será que o sinal é uma referência para o aluno sair de sala? Todas as outras escolas que eu trabalhei na hora do sinal o aluno não quer nem saber se o professor está em sala e vai para porta. Aqui não tem sinal e o professor tem que controlar seu horário. O professor fica de olho na aula que acabou e já tem outro na porta para entrar e não dá tempo para o aluno passear no pátio. E esse “passeio” quando ocorre, todas as vezes, é com crachá, porque só pode sair um aluno por vez de sala e é feito um controle disso. Só sai um por vez e a gente é cobrado por isso também. Se vai na Supervisão também tem que ir com crachá. A gente que entrega o crachá. Cada um tem o seu e cada um só tem um (ANDRÉ, 2013).
Desde que a escola recebeu os primeiros alunos começou o plano de ação
para preservação de todos os espaços, desde a fachada externa até os banheiros.
Todos são responsáveis pela sua conservação, não apenas o pessoal da limpeza e
manutenção, por isso os alunos do Ensino Fundamental participam das oficinas da
Educação Patrimonial:
28 Grifo nosso.
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Os alunos que entraram pegaram uma escola nova e foi passada a responsabilidade para eles de que essa escola tinha que se manter do jeito que ela era por conta deles também, não só por conta do professores, direção e pessoal da manutenção. Tanto é que a escola não tem pichação. Também é passada essa responsabilidade para professor. Eu que entrei no ano passado não tive essa aula de segurança patrimonial, eu tive essa aula informalmente. A Diretoria passa para gente isso então a gente tem um controle, nesse ponto a gente é bem rigoroso com o aluno. Sai um aluno só por vez, não pode mascar chiclete, o uniforme tem que estar sempre em uso. Na verdade, eu acho que a ideia é essa, foi passada a responsabilidade para aluno, das coisas que acontecem na escola. Além do professor e das outras pessoas que normalmente se responsabilizam pelas coisas, o aluno também tem uma responsabilidade e isso foi um diferencial (ANDRÉ, 2013).
Além desses aspectos o professor André lembrou a importância de a escola ter
equipado as salas com as tecnologias para o trabalho docente:
Todas têm o equipamento de TV com todos os cabos que podem conectar ao computador. Todas as salas têm a conexão com a internet por cabo. Na sala dos professores tem Wi-Fi. Nós temos liberdade suficiente para usar esses recursos a hora que nós quisermos. Eu ainda passo muita coisa no quadro, mas tem professor que dá a aula exclusivamente na tela da TV. Eu ainda prefiro o giz para algumas coisas (ANDRÉ, 2013).
O professor deixa claro que apenas a tecnologia não resolve tudo, pois os
alunos trazem desafios a cada ano, e é preciso ações em diversos aspectos para que
a escola alcance um bom resultado, sobretudo com as turmas de alunos novos até
que compreendam qual o perfil da escola, as normas e a proposta pedagógica:
Esse ano eu estou tendo um pouco mais de trabalho que o ano passado até porque eu trabalho com o sexto ano e este ano é a porta de entrada na escola. Alguns alunos, parece que chegam com vícios difíceis de tirar dos anos anteriores. Acabam não se adequando ao perfil e temos que chamar a atenção mais vezes. No meu caso, eu não tenho tanto problema com comportamento dentro de sala de aula. Até porque é o tom de voz, é a presença, então eu acho que inibe o aluno. É dispersão mesmo. Esquece livro, não faz para casa, conversa na sala a ponto de eu ter que parar, esperar e falar que está atrapalhando. Para casos extremos a gente manda ocorrência para o aluno. Suspensão e esse tipo de coisa não existe mais, mas existe a ocorrência. Tudo que o aluno faz fica registrado e a gente também é cobrado por isso (ANDRÉ, 2013).
O professor André destacou outro diferencial dessa escola, pois ela dispõe de
um sistema eletrônico onde os professores fazem o registro de notas, conteúdos e
ocorrências diárias. Os pais podem verificar essas anotações pela internet ampliando
o canal de comunicação com a escola. Eles acessam o boletim eletrônico e as
ocorrências e procuram a escola. Além desse canal de comunicação a escola tem o
70
calendário de reunião de pais e professores. E diariamente há pais na escola
conversando com o Diretor ou a Supervisão Pedagógica.
As conversas com os professores são mediadas pela escola, eles nunca estão
sozinhos nessas reuniões, e isso quer dizer que não apenas a Supervisão Pedagógica
está presente, mas também os demais professores da turma. O professor André vê
essa interação entre a escola e os pais como um apoio importante aos professores,
inclusive a interação mediada pelo uso da tecnologia. Isso não existe na outra escola
pública em que ele trabalha, o que há é uma página que os alunos criaram para criticar
a escola, mas diálogo mesmo não existe: “Eu não tinha visto isso antes de ter
trabalhado aqui. Eu trabalho na outra escola e lá não tem nem blog da escola. Aliás,
os alunos fizeram a página no Facebook da outra escola para “queimar a escola”
(ANDRÉ, 2013).
Diante dos problemas expostos por esse professor cabe destacarmos algumas
reflexões sobre o trabalho docente. Conforme Ripa (2010) ainda é corrente a ideia de
o professor ser eficiente, a despeito dos meios e recursos indisponíveis para realizar
seu trabalho, e também é fato crescente o desestímulo e a desistência dos docentes
diante da massificação do ensino e da falta de apoio na escola:
Ainda é comum observarmos no ideário social a imagem do professor associada a pessoas dóceis, exigentes quando o objetivo é conseguir que o aluno atinja os objetivos da aula e comprometidas com a construção da cidadania. Porém, diante da massificação do ensino, das novas diretrizes para a formação dos professores e das orientações da atual política educacional, cada vez mais os professores apresentam-se desanimados, desiludidos e acomodados. Alguns estudos evidenciam que os baixos salários, as precárias situações das escolas e o desprestígio profissional estão entre os fatores que mais contribuem para que os professores abandonem a profissão docente (RIPA, 2010, p. 46).
Moran (2004) indaga o que deve ter numa sala de aula para ser desenvolvida
uma educação de qualidade, indicando alguns elementos fundamentais, mas
preliminarmente ressalta a importância de haver “professores bem preparados,
motivados e bem remunerados, e com formação pedagógica atualizada” (MORAN,
2004, p. 03). Além da capacitação e da remuneração o autor complementa haver
necessidade de salas de aula bem equipadas, coerente com o êxito exigido pelas
instituições de ensino:
71
Salas confortáveis, com boa acústica, e tecnologias, das simples até as sofisticadas. Uma sala de aula hoje precisa ter acesso fácil ao vídeo, DVD e, no mínimo, um ponto de Internet, para acesso a sites em tempo real pelo professor ou pelos alunos, quando necessário (MORAN, 2004, p. 03).
Outra entrevistada, a professora Laura também relatou seu cotidiano de
trabalho atual e suas experiências anteriores. Sendo graduada, e com apenas quatro
anos de trabalho, a docente falou da sua experiência no magistério destacando as
dificuldades que a fizeram repensar a permanência na profissão bem como os
aspectos que a desafiam, mas trazem motivação no sentido da permanência,
sobretudo a partir da vivência na atual escola pública onde vem lecionando nos últimos
quatro anos.
Tendo trabalhado na rede particular e pública de Belo Horizonte descreve seu
dia a dia falando das histórias vividas na sala de aula com os alunos, da sua relação
com eles, enfatizando o uso das redes sociais para interagir e complementar
informações da sua disciplina.
Na atual escola a professora elogia a acolhida e o bom relacionamento com os
alunos, colegas e gestores. E ainda há o tempo para preparação e correção de
atividades, incluindo as reuniões com professores de outras disciplinas o que
possibilita projetos interdisciplinares. Esses aspectos ela considera como um
diferencial, porque destoa das demais escolas onde o professor tem que levar o
trabalho para fazer em casa, não sendo remunerado por esse tempo fora da sala de
aula. Conforme a professora Laura,
Aqui a gente tem realmente os horários de estudo e tem as reuniões que a gente faz com toda a comunidade acadêmica. Nós fazemos muitos trabalhos interligados, semestre passado eu trabalhei com o professor de educação física, por exemplo. Tem vários professores que trabalham. Em relação às reuniões, quando nós chamamos os pais, todos os professores estão na escola. Não é somente o professor que chamou. Chama todos os professores do aluno para, junta com a supervisão, conversar com os pais e com o aluno. Aqui a realidade é bem diferente. Eu fui estagiaria também eu outras escolas do Estado, inclusive perto da minha casa, e é muito diferente daqui.
A professora aprova os recursos tecnológicos disponíveis nas salas de aula,
mas nas aponta uma dificuldade que é não ter um espaço adequado para
experimentos de laboratório, onde os alunos possam colocar em prática os elementos
72
teóricos aprendidos nas aulas expositivas. Para ela, a sala de aula comum é bem
equipada, mas a parte de laboratório precisa ser melhor planejada de acordo com as
especificidades da sua disciplina.
A professora lembrou a importância dos equipamentos corretos num
laboratório. As carteiras utilizadas como bancadas não são adequadas para os
laboratórios pois não sendo fixas podem cair sobre os alunos. Nessa hipótese alunos
e professores podem correr grande risco pelo contato acidental com as substâncias
químicas ou fragmentos de recipientes quebrados: “Aqui são carteiras, não é uma
bancada fixa. E aqui ainda tem essa deficiência porque você não consegue colocar
todo o material em cima de uma mesa fixa porque se esbarrar na mesa quebra a
vidraria toda” (LAURA, 2013).
Outro aspecto de infraestrutura apontado pela professora é o tamanho do
laboratório onde trabalha atualmente. De fato, não é um laboratório, é uma sala
adaptada, situação já discutida pelos professores em conjunto com a Diretoria da
escola. Apesar da atenção dada aos problemas elencados, a Diretoria ainda não
conseguiu resolver esse problema pois há a burocracia do Estado tanto na
contratação de pessoal como na aquisição de equipamentos e adaptação de espaços
para laboratórios:
Aqui são receptivos às reclamações. O que esbarra, por exemplo, é que mesmo querendo uma contratação, não é simples assim. O Estado é muito burocrático. Tinha há uns dois anos uma pessoa que era responsável somente pelo laboratório do Ensino Médio e o Estado tirou esse cargo do laboratório. É complicado. Mas era só do Ensino Médio também, não tinha para o Ensino Fundamental (LAURA,2013).
O número de alunos por turma, indicado como satisfatório nas disciplinas da
formação geral foi apontado pela docente como um aspecto negativo para práticas de
laboratório, pois nas aulas práticas o espaço da sala reduzido, usado como
laboratório, e o número de 32 alunos dificulta a realização das técnicas desenvolvidas
nele. Desse modo fica comprometida também a atenção dispensada aos alunos. Além
do mais, a professora não conta com nenhum outro suporte de monitoria ou estagiário
para lidar com tantos alunos.
73
Na escola particular anterior, a princípio o número de alunos era dividido e os
professores se revezavam na atenção aos alunos. Posteriormente a Direção da escola
determinou que as práticas no laboratório fossem realizadas com todos os alunos,
apesar das argumentações dos professores em sentido contrário a essa deliberação,
o que foi muito prejudicial ao trabalho docente e à aprendizagem dos alunos.
Eu descia com 15 e a professora ficava com o resto na sala. De repente o Diretor disse: "Não quero isso, quero que desça todo mundo". Mesmo você falando! Com certeza no laboratório você tem que trabalhar com 15 alunos. Aqui não divide a turma, vai todo mundo. Isso é complicado. Você não consegue atender todo mundo ao mesmo tempo. É um grupo grande e tem a questão da conversa. Muitas vezes eu procuro fazer as atividades na sala de aula mesmo (LAURA, 2013).
A professora considera importante também o número mínimo de duas aulas
geminadas e o auxílio de monitores para desenvolver o trabalho com o máximo de
aproveitamento e atenção aos alunos.
As demandas discutidas pelos professores dessa Instituição são acolhidas
pelo corpo gestor, contudo algumas seguem um trâmite burocrático legal o que implica
numa espera demasiado longa em certas situações, como no caso das aulas práticas
geminadas também no laboratório. Segundo a docente uma aula de cinquenta
minutos é incompatível com a necessidade das turmas sobretudo com trinta e dois
alunos, pois ela gasta boa parte do tempo organizando os alunos desde o
deslocamento deles da sala até o laboratório, e isso reduz bastante a oportunidade
de desenvolver os experimentos planejados com tempo pré-determinado para
resultados específicos, compreende-se desse modo sua opção por ficar na sala de
aula em certas situações, dispensando a ida ao laboratório, para reduzir ao máximo a
perda de tempo e ampliar a possibilidade de aprendizagem dos alunos:
Com certeza no laboratório você tem que trabalhar com 15 alunos. Aqui não divide, vai todo mundo. Isso é complicado. Você não consegue atender todo mundo ao mesmo tempo. É um grupo grande e tem a questão da conversa. Muitas vezes eu procuro fazer as atividades na sala de aula mesmo. Hoje, por exemplo, eu vou dar uma atividade de dissecação para os meninos do 7º ano. Como eu não vou precisar água, de vidraria, eu vou tentar fazer no pátio, se não estiver chovendo, ou então vou fazer em sala de aula, porque o laboratório é um pouco menor que as salas, então fica muito engessado (LAURA, 2013).
74
A despeito dessas críticas, a professora Laura enfatizou aspectos importantes
do uso da tecnologia disponíveis nas salas para as aulas teóricas: “Aqui na escola
todas as salas têm uma televisão onde você pode dar uma aula com Power Point ou
ligar na internet e baixar um vídeo”.
Quando os alunos fazem perguntas e a própria docente desconhece aquele
conteúdo pedido, ela recorre à internet imediatamente, pois é uma maneira de não
deixar o aluno sem resposta. Ela mostra aos alunos que além do próprio conhecimento
obtido na Graduação, é importante a complementação, reconhecendo os limites do
professor acerca dos conhecimentos, algo inimaginável antes do advento da internet.
Num passado recente seria indispensável uma ida à biblioteca para haver essa
complementação. Atualmente um celular com acesso à internet ou um tablet tornam
o acesso ao conhecimento instantâneo, preservando-se o cuidado na escolha das
fontes, pois há muitas não confiáveis.
A professora Laura valoriza a troca de saberes no processo de aprendizagem,
e não apenas o saber centrado no professor. Credita à tecnologia disponível em sala
de aula mais um fator de possíveis descobertas e inovações no modo de buscar o
conhecimento. Ela relatou ter presenciado uma aula na escola que a deixou
encantada: “Um dia eu estava aqui a presenciei uma aula fantástica. O professor
colocou grupos para apresentarem e interagirem com a própria turma”. Na sua
avaliação, esse tipo de aula motiva, coloca o aluno como protagonista e lhe
proporciona maior oportunidade de aprendizagem pois, “tira o foco do professor, e o
aluno percebe que é capaz de ensinar, trazer conhecimento”. Além de ser ativo nesse
processo de produção do conhecimento, o aluno sai da sua zona de conforto. E é um
momento de se deslocar do seu papel de expectador e sentir as dificuldades de ser
ouvido pelo grupo. Para Laura, esse exercício de se colocar no lugar do outro é
importante para o aluno compreender o quanto é difícil para o professor ser ouvido, e
interagir com a turma.
Como os demais professores, ela ressaltou haver o sistema na escola onde os
alunos consultam as notas e arquivos de trabalho. Os pais também podem acessar o
sistema e verificar notas e ocorrências registradas pelos professores. Esse aspecto
75
do acesso à informação, ela considera muito positivo para a relação entre a família e
a escola.
Para Laura, algumas intercorrências quanto ao uso das novas tecnologias não
diminuem em nada a sua importância como ferramenta de trabalho, pois ampliam as
possibilidades de explorar os conteúdos de muitas maneiras:
Você vai naquela sala e sempre está tudo funcionando e de repente, no dia
que você vai usar, dá um problema no fio. De repente você programa uma
aula toda no Power Point e quando chega aqui não dá certo. A gente tem
essas “surpresas”, mas mesmo assim eu acho fantástico (LAURA, 2013).
Laura considera essas ferramentas importantes também para a comunicação
e o relacionamento com os alunos extrapolando o ambiente escolar por meio das
redes sociais.
Além desses aspectos, a professora Laura aponta o apoio da escola como
imprescindível à valorização docente agindo tanto na prevenção como na mediação
dos conflitos com os alunos. Na escola privada ela não tinha esse suporte, e por sentir-
se desamparada nem relatava determinados problemas. Contudo na escola pública
atual a realidade é outra. O professor é ouvido e o aluno também:
Eu sinto um apoio enorme da instituição em relação a isso. Aqui não é uma instituição que a gente fique desamparado em relação a isso. Porque a gente tem instituições assim, por exemplo, na escola particular que eu já trabalhei não tinha esse respaldo. Não tinha. Então você muitas vezes fazia uma vista grossa porque não adiantava levar para o superior aquilo porque não ia resolver, mas aqui não. Aqui a gente tem respaldo muito grande em relação a isso (LAURA,2013).
Quando a escola chama um aluno para resolver algum problema, os demais
professores daquela turma estão juntos:
Em relação às reuniões, quando nós chamamos os pais, todos os professores estão na escola. Não é somente o professor que chamou. Chama todos os professores do aluno para, junto com a supervisão, conversar com os pais e com o aluno. Aqui a realidade é bem diferente. Eu fui estagiária também em outras escolas do Estado, inclusive perto da minha casa, e é muito diferente daqui. Aqui parece um ensino particular (LAURA,2013).
76
A Professora classifica essa escola pública como diferenciada em vários
aspectos, destacando também o sentimento de motivação e parceria entre os
professores. Há discordâncias, conflitos por vezes, mas há união também. Essa união
se expressa na parceria para desenvolver projetos de trabalho, o que aumenta as
possibilidades de êxito para a escola como um todo:
Aqui o professor tem um valor diferente. Diferente da escola que eu trabalhei. Aqui é muito diferente mesmo. Você vê pelos professores, que gostam de estar e trabalhar aqui. Claro que toda escola tem seus problemas. Temos alunos com vários problemas. Mas mesmo com todas dificuldades aqui é uma escola muito boa de se trabalhar. O pessoal é unido, claro que todos têm divergências, se até na família tem divergências imagina fora. Mas aqui a gente sabe trabalhar com essas divergências. Mesmo tendo divergências não significa que eu não trabalhe junto ou que não consiga separar as coisas. Aqui eu vejo essa separação. Eu não preciso ser sua amiga de infância, mas eu preciso trabalhar melhor que nossos alunos. O interesse coletivo aqui é predominante (LAURA,2013)
Segundo Laura, o sentimento de pertencimento, e de se sentir importante na
construção da escola é algo compensador e contagiante: “A gente tem amor à escola.
A gente ama cada parede. A gente tem professores que entraram este ano, e eles
percebem esse amor pela escola. Graças a Deus eles estão vindo com amor também”.
O convívio nessa instituição renovou as expectativas de Laura quanto ao
magistério: “Eu estava desencantada em outro lugar, e era escola particular. Eu já
estava pensando: Não quero mais dar aula".
Foi a experiência específica nessa escola pública que impulsionou sua vontade
de permanecer no magistério, mas vislumbrando um lugar de trabalho onde os
professores sejam apoiados nas suas necessidades e dificuldades. A motivação da
professora veio da acolhida e do modo como a Instituição assume a responsabilidade
em todas as atividades escolares cuidando de todos os aspectos importantes para
que os professores possam trabalhar.
Os professores não precisam se preocupar com quem entra na escola, se o
aluno está uniformizado, e se vai chegar no horário. A Instituição tem um esquema de
controle na portaria. As intercorrências são resolvidas pela Diretoria e Supervisão
Pedagógica. Caso haja reincidências de atrasos e faltas os pais são chamados. Então,
os professores não comprometem o seu tempo de trabalho com essas questões que
77
são da esfera administrativa. Em sala de aula os professores podem destinar o seu
tempo aos estudos com os alunos. Há o trabalho administrativo constante para que
os alunos estejam com os professores nos ambientes de aprendizagem.
Outra entrevistada, a professora Mariana, tem dez anos de profissão e trabalha
há quatro anos nessa Instituição. Ela falou da forma como a sua disciplina é vista na
escola, ou seja, no mesmo nível de importância das demais disciplinas e também
como os professores foram desafiados desde a reabertura da escola a criar outras
possibilidades de aprendizagem, pela limitação de espaço físico: “Na nossa área de
atuação, eu vejo um grande motivador. Acho que porque como a gente não tem
espaço a gente precisa criar, a gente precisa oferecer diversidade para a escola”.
Nessa disciplina os professores utilizam os recursos tecnológicos e
equipamentos da própria escola, mas também criam recursos junto com os alunos.
Os alunos produzem vídeos a partir das pesquisas na parte teórica, e também criam
materiais para as atividades em sala de aula com o uso de recicláveis:
A gente tem TV nas salas. A gente dá aula teórica também. Na parte da teoria a gente dá em sala de aula. Aí utiliza televisão na sala. Aqui na escola a gente tem esse recurso que ajuda demais. Eu uso esse recurso nas aulas teóricas. Quando eu peço para apresentar trabalho eles sempre trazem vídeo ou que eles pesquisam ou montagem deles mesmos (MARIANA, 2013).
A Direção da escola compreende a importância desse trabalho e apoia os
professores nas suas demandas independente da área de atuação:
Se a gente não tiver um apoio, nada disso funciona. Se precisa de um tempo em outro horário, a direção cede. Se precisa negociar horário com outros professores, a direção não interfere. Preciso de material a direção ajuda, na medida do possível. Diferente de outras escolas, o apoio daqui é grande. Nós somos tratados de igual para igual junto com todas as áreas. No momento da reunião de pais tem o momento com o professor de Matemática, de Português, de Educação Física. Então a gente é tratada de uma maneira igual. O que não acontece em muitas escolas. Em muitas escolas a gente é o quebra galho. Nada pode para gente, mas a gente pode fazer de tudo. Eu vejo aqui essa questão de igualdade, a valorização, igualdade de valores. A minha matéria é tão importante quanto a matemática, quanto o português. Eu acho essa questão muito boa da escola (MARIANA, 2013).
A professora ressalta a importância da inclusão de todas as disciplinas no
currículo: “[...] essa área, em alguns lugares é tratada com muito desleixo e aqui não,
a gente tem essa igualdade no nosso serviço”. Para ela, o diálogo com as demais
78
disciplinas possibilita a visibilidade de todas as áreas do conhecimento valorizando-
se as especificidades de cada uma.
Outro ponto importante para a professora Mariana é a disciplina na escola e a
maneira como é feita a intervenção: “A gente tem essa questão disciplinar muito
bacana. Se o professor estiver errado, ele não é chamado a atenção na frente do
aluno. Primeiro há a conversa, chama o aluno e tenta resolver”. Então, o professor
não tem medo de falar e levar os problemas para a Supervisão Pedagógica:
Se precisar vir o pai, pontua com o pai o que o aluno fez. Essa questão a gente tenta manter muito próxima da gente porque é assim que está funcionando na escola. A gente não perdeu a rédea, por causa disso. Os nossos problemas aqui, pelo menos na minha disciplina, o problema que eu tenho de comportamento é uma picuinha de aluno com aluno (MARIANA, 2013).
Ainda no aspecto do relacionamento e segurança, a professora Mariana
destacou não haver o medo interferindo no trabalho, o que para ela é também um
diferencial. Ela citou o caso de um professor novato que chegou na escola para tomar
posse e estava inseguro quanto ao comportamento dos alunos, tendo perguntado se
teria que se esconder atrás da mesa na sala de aula para o caso de alguma cadeira
ser arremessada nele. Então ela o tranquilizou dizendo: “ Relaxa, são as mesmas
cadeiras desde 2010. Aqui não vai voar nenhuma cadeira em você. Você pode passar
meses aqui na escola e não vê nenhuma briga de contato como a gente vê em muitas
escolas”.
Os temas selecionados para estudos vão sendo explorados pelos professores
de várias maneiras. As situações que surgem são transformadas em oportunidades
de aprendizagem e mudança de atitudes e hábitos, como ocorreu com a proibição da
venda de refrigerantes, doces e salgados. A alimentação foi discutida como fonte de
saúde com aulas teóricas e lanche coletivo. O que gerou estranhamento no início
acabou por trazer mudança na aceitação do cardápio mais saudável:
Em 2010 o governo restringiu algumas coisas na alimentação das crianças na escola. Não podia mais vender fritura, trazer salgados industrializados, por causa do nível de obesidade. Eu trabalhei com eles também questões alimentares. Eu fiz com eles "saladona de frutas", mandei cada um deles trazer uma fruta. Fizemos uma salada e todo mundo partilhou. Pedi para eles fazerem o cardápio do que eles comiam e depois consertar o que estava
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errado. Expliquei para eles porque na escola não se vendia mais fritura, o problema da gordura. Tivemos também essa temática que foi muito bacana de trabalhar com eles. E teve até um retorno. Eles pararam de comer de reclamar de não ter refrigerante, de não ter a tal da coxinha. Eles começaram a compreender a ideia (MARIANA, 2013).
As pesquisas em áreas diversas, produção de vídeos, elaboração de cardápios,
participação da elaboração do lanche, tudo isso foi essencial para um novo olhar dos
alunos sobre sua alimentação, saúde e a consciência de cuidar do próprio corpo:
Esse tipo de trabalho a gente foi vendo retorno no decorrer do tempo. São mudanças de hábito simples que fazem a diferença. Eu tinha aluno que comia depois do almoço um pacote de biscoito recheado, aí depois dessa brincadeira que a gente fez ele descobriu que manga é gostoso e falou: Professora, eu achava que manga era ruim. Isso porque o aluno nem provava a fruta. Eu achei engraçado esse aluno chegar para mim e falar que descobriu a tal da manga. Então depois do almoço ele tem que comer uma manga agora, ele largou o pacote de Passatempo para comer manga. Achei muito bacana. É uma troca muito ”bacana” (MARIANA, 2013).
A escola também estabelece parceria com algumas instituições públicas e
privadas o que fortalece a ampliação de estudos, e a inserção dos alunos em projetos.
Os alunos são motivados a pensar como sujeitos do conhecimento e a repensar suas
atitudes com relação ao meio ambiente, cidadania e mobilidade urbana:
A gente teve trabalhos de sustentabilidade, porque a escola estava participando de um projeto de uma mineradora. Pegamos esse gancho de sustentabilidade e de conservação ambiental. Pedi para eles fazerem trabalhos considerando maneiras de mobilidade diferentes, sem ser de carro, de transporte alternativo. Aí eles me trouxeram a caminhada, o patinete, a bicicleta, skate e patins. Eles colocaram em exposição nas salas deles sobre as atividades. Cada turma ficou responsável por um tema, porque eu vi eles perceberem que também podem se locomover sem precisar usar só um meio de transporte (MARIANA, 2013).
Com espaço físico reduzido a escola tem buscado diversificar as atividades
obtendo bons resultados. O tema sobre sustentabilidade foi usado como mais uma
oportunidade de aproveitamento de materiais recicláveis para diversificar as
atividades na escola:
A garrafa pet todo mundo consegue. Então eu pedi para eles fazerem os estepes, essa corda de jornal e o halterzinho. Aí a gente fez uma aula de ginástica usando esse material. Fez a escada de agilidade com jornal mesmo. É uma escadinha que a gente coloca e são duas faixas de corda e um monte de fita. Aí coloca no chão e corre nela, por fazer várias atividades. É uma coisa legal de trabalhar com os meninos, até essa questão de
80
sustentabilidade. O mundo está acabando. Eles gostaram muito e eu também penso muito na economia dos pais (MARIANA, 2013).
Além do uso de materiais confeccionados pelos alunos a escola dispõe de
alguns aparelhos também usados pelos professores. Conforme a professora Mariana
destacou: “Nós temos algumas camas elásticas pequenas, um trampolim, temos uma
cama elástica que não é tão grande, e tem os aparelhos de ginástica rítmica”.
Para a professora Mariana, essas possibilidades de práticas diversificadas
também são um diferencial na escola motivando os professores e alunos a buscar
sempre novas alternativas de aprendizagem.
A última entrevistada, a professora Rafaela, trabalha há quatro anos na
Instituição e a definiu como o “modelo ideal que o Estado deveria investir e ampliar
para todo o Estado de Minas Gerais”.
Rafaela explica o sentido de ser professora nessa escola, mesmo tendo
destacado o salário, que é igual ao salário das demais escolas da rede estadual. Para
a professora, em geral, há disciplinas consideradas mais importantes pelos
professores e pelos alunos, mas nessa Instituição ela não sente esse tipo de
discriminação.
Essa valorização veio do trabalho da equipe de professores juntamente com a
Direção da escola. A princípio houve estranhamento de professores das outras áreas,
alunos e pais. Contudo, o planejamento integrado ajudou na percepção de que o
conhecimento conectado amplia as oportunidades de aprendizagem. Hoje essa
valorização está consolidada na escola:
Apesar do salário me motiva a valorização, a exigência do rendimento. A escola tem metas, objetivos, e todos os professores têm. A Direção repassa o rendimento global e bimestral da escola. O professor não é um ser isolado, é efetivamente incluído, isso é muito raro nas outras escolas. Os outros professores entendem que damos aulas. Ninguém pega a nossa aula para reunião ou aplicar prova. Aqui temos uma identidade. Nós estamos incluídos em tudo. Temos que apresentar planejamento igual a todos os professores (RAFAELA, 2013).
Rafaela também reconhece o uso das tecnologias na escola como um ótimo
recurso de trabalho:
81
Tem a televisão que é um recurso fantástico. A gente tem um probleminha ou outro, mas a gente consegue utilizar. Mesmo que o professor queira comprar. Esse recurso tecnológico ajuda muito. A gente consegue mostrar a imagem para o aluno através da mídia. Eu uso muito vídeo (RAFAELA,2013).
Rafaela afirma que os alunos têm oportunidades de aprendizagem por meio de
várias atividades, e o mais importante é que eles também produzem esse
conhecimento tendo contato com as informações trazidas pelos professores
dialogando com várias disciplinas, como por exemplo nas semanas temáticas, eles
produzem os próprios vídeos. Desse modo, eles trazem suas experiências e histórias
de vida e as compartilham com os alunos e professores.
A escola desconstruiu a ideia de que se não há um espaço para a prática
esportiva não há opções para os alunos exercitarem o corpo. Há uma sala específica
para atividade de alongamento, relaxamento e expressão corporal. Então, de várias
maneiras a escola contempla as necessidades elementares para o desenvolvimento
dos alunos por cada faixa etária. Mas essas possibilidades de trabalho são discutidas
coletivamente, e quando há questionamentos ou discordância por parte dos alunos e
da família, todos os envolvidos no planejamento são chamados ao diálogo para
esclarecer as propostas pedagógicas com o devido parâmetro legal, ou seja, a escola
assume a responsabilidade juntamente com os professores.
A professora Rafaela concluiu sua entrevista dizendo achar injusta a ideia de
que os professores dessa Instituição são privilegiados pelo bom desempenho dos
alunos, pela escola ser bem cuidada e por ser premiada em alguns projetos. Segundo
ela, não é um privilégio, e não é sorte. O resultado positivo vem do trabalho duro e
diário de todos. O sentimento dessa docente está alinhado à análise de Kruppa (2016,)
sobre experiências escolares bem-sucedidas onde ela enfatiza toda transformação
social não como algo mágico: “Ao contrário, somos obrigados a perceber o processo
miúdo, cumulativo, diferenciado desta transformação, o que nos torna mais atentos à
observação deste processo” (KRUPPA, 2016, p. 109).
Os relatos dos professores caracterizando a escola nos deram elementos
importantes para que pudéssemos compreender o perfil dessa Instituição considerada
diferenciada, não apenas pela proposta de oferecer algo diferente do ponto de vista
82
oficial, mas por transformar em práticas diversas e inovadoras o que foi idealizado
para o funcionamento da Instituição, onde percebe-se o protagonismo de alunos e
professores.
Pela narrativa desses docentes, destacamos ações cruciais da Instituição
interferindo na motivação deles e no resultado do trabalho. Foram recorrentes as falas
com ênfase às condições de trabalho, os recursos usados na realização das aulas
incluindo o acesso à internet e os equipamentos eletrônicos nas salas de aula ou
disponíveis na escola, o espaço físico bem cuidado, o relacionamento entre alunos e
professores, as experiências de trabalho interdisciplinar, os horários destinados aos
estudos, planejamento e capacitação, a segurança e a gestão escolar.
É comum creditar aos professores os insucessos dos alunos, embora haja
inúmeros componentes interferindo nas ações do professor em sala de aula. A sala
de aula vista sob a perspectiva apenas da ação docente, desconectada da estrutura
organizacional e de outros elementos importantes à efetivação do trabalho, apenas
reforça representações descontextualizadas e distorcidas acerca do professor e seu
trabalho. Desse modo, enfatizamos os estudos de Oliveira (2003) ao problematizar a
relação entre trabalho docente e gestão escolar no contexto das reformas
educacionais mais recentes no Brasil. Essa autora afirma: “ O tema gestão escolar e
trabalho docente não se tem constituído em um campo específico de pesquisa, apesar
de tratar-se, ao nosso ver, de uma relação indissociável” (OLIVEIRA, 2003, p. 13-14).
Também na interpretação de Tardif e Lessard (2009) o pesquisador deve levar
em consideração o trabalho docente na sua totalidade, caso contrário, produzirá um
resultado estéril e artificial, ignorando que
Como todos os trabalhos na sociedade atual, a docência se desenvolve num espaço já organizado, que é preciso avaliar; ela também visa objetivos particulares e põe em ação conhecimentos e tecnologias de trabalho próprias; ela se encaminha a um objeto de trabalho cuja própria natureza, é [...], cheia de consequências para os trabalhadores. [...] Organização, objetivos, conhecimentos e tecnologias, objetos, processos e resultados constituem, consequentemente, os componentes da docência entendida como trabalho (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 39, grifo dos autores).
Na visão de Tardif e Lessard e Lessard (2009), a atividade docente “não tem
nada de simples e natural, mas é uma construção social que comporta múltiplas
83
facetas e cuja descrição metódica implica necessariamente em escolhas
epistemológicas” (TARDIF; LESSARD, 2009.p. 41).
Um aspecto comum destacado na fala dos professores entrevistados é a
capacidade aceitável para o atendimento satisfatório aos alunos em sala de aula. Eles
consideram como elemento essencial ao trabalho docente com vistas à
aprendizagem, um número de alunos com quem possam interagir. Por mais
confortável que seja o espaço físico escolar, se a sala de aula estiver superlotada a
interação não acontece, e o professor não terá como estabelecer parâmetros de
aprendizagem exercendo nessa circunstância o papel de mero expositor de conteúdo.
Em muitas escolas, o alcance sonoro da fala do professor muitas vezes depende de
recursos de ampliação artificial da voz por meio de microfone, e quem paga pelo custo
desse equipamento é o professor.
A figura em tela a seguir, remete à precariedade do professor de se fazer ouvir,
e do aluno de se fazer escutar, diante do quadro de superlotação das salas de aula:
Figura 10 Comunidade virtual Professores Sofredores: Facebook
A imagem em análise é uma representação dessa dificuldade presente no
cotidiano de grande parte das salas de aula da rede pública e privada no Brasil.
Seguindo a tendência atual de uso das redes sociais para comunicação e críticas, os
professores também expressam suas insatisfações e expectativas relativas às
84
condições de trabalho, denunciando situações degradantes nas comunidades
virtuais29. Esse tipo de situação na escola impede a mediação pedagógica e
desestimula alunos e professores. A universalização do ensino exige planejamento
para que haja acesso e permanência na escola. A superlotação nas salas de aula
impede a formação do aluno na sua integralidade, e descaracteriza a escola enquanto
espaço de socialização e de interações.
Sobre o trabalho docente Oliveira (2003), analisa as reformas educacionais na
América Latina na década de 1990 que priorizaram a expansão da educação básica,
com o intuito de atender a educação formal e escolarização, mas sob a perspectiva
de uma educação mínima, onde a meta primordial seria a formação de perfis
adequados às demandas dos processos produtivos vigentes, e também a redução
das desigualdades sociais:
Em consonância com as exigências dos novos modelos de organização e gestão do trabalho que apontam para a formação mais sólida e geral dos trabalhadores, a partir do desenvolvimento de competências e habilidades compatíveis com a dinâmica atual dos processos produtivos. Nos países da América Latina, outro fator alia-se a essas exigências, o problema brutal da desigualdade social que aqui tem um lugar. O que explicaria a concentração de esforços na busca da expansão da escolaridade naquele contexto faz parte de um raciocínio que considera que as sociedades com alto índice de desigualdade econômica apresentam maiores entraves ao desenvolvimento. Na realidade, o que se espera nesses casos é que a educação contribua na redução das desigualdades sociais por meio do desenvolvimento de condições para que os indivíduos possam mobilizar-se socialmente ou obter certo grau de autonomia a fim de buscar soluções para sua sobrevivência e dessa maneira, sair da condição de vulnerabilidade social” (OLIVEIRA, 2003, p. 22-23).
Nesse contexto, observa-se na gestão das reformas educacionais, a
dissonância entre a infraestrutura existente e a ampliação do número de vagas nas
escolas, resultando em condições adversas e impactantes aos professores e alunos,
condições estas que se seguem até os dias atuais, com algumas exceções, a exemplo
do campo de pesquisa desta investigação denominado como “diferenciado” pelos
professores da Instituição.
29 Disponível em <https://www.facebook.com/pages/Professores-Sofredores/310167222377505?fref=ts.> Acesso
em: 04 mar. 2015.
85
Investigando as condições de trabalho de professores numa instituição de
ensino superior privado em Minas Gerais, Oliveira (2001) ressalta a intensificação das
condições degradantes de trabalho relacionando-as às reformas de cunho liberal no
mundo do trabalho a partir da metade da década de 1980 e consolidadas nas décadas
de 1990. Desse modo,
A sociedade brasileira passa por um momento grave de enfrentamento das
reformas de cunho neoliberal implementadas e aceleradas nos anos noventa.
Essas reformas alteram substancialmente os conceitos de Estado e de direito
reduzindo-lhes as funções. Além disso, é adotado o pragmatismo de mercado
como sendo única via de organização social, cultural e econômica. A partir
da metade da década de 80, o mundo sofreu um abalo profundo nas formas
de organização produtiva, acelerou a criação de novos produtos e,
consequentemente, alterou a organização social. Há um aumento do
desemprego, do subemprego e surgem novas exigências profissionais, tendo
por base as novas tecnologias apoiadas na microeletrônica e biotecnologia.
Houve, por isso mesmo, uma reorganização dos papéis sociais e na relação
entre os homens. (OLIVEIRA,2001, p. 56).
Ripa (2010), analisa o papel do professor no novo milênio, num mundo em
transformação com novas tecnologias, configurações de espaço e de tempo
diversificadas e o alcance instantâneo e global das informações, sendo a escola
pressionada a acompanhar essas modificações de modo eficiente, formando
profissionais criativos e eficientes, adaptando seus currículos às expectativas
econômicas de mercado:
Neste novo cenário, a escola, que acolhe os futuros cidadãos e participa ativamente do processo formativo das novas gerações, tem tido a preocupação de se transformar numa instituição cada vez mais eficaz. A adaptação curricular de acordo com os ditames da economia, a ênfase na prática e na autonomia das escolas e a aprendizagem ao longo da vida, tornam-se discursos constantes para justificar as reformas educacionais e conduzir a educação escolar às mudanças consideradas necessárias (RIPA, 2010, p. 25).
Essas mudanças não partiram de dentro da escola, ao contrário, as escolas
foram arrebatadas por essas transformações trazidas pelas inovações tecnológicas e
exigências mercadológicas, e assim vêm sendo pressionadas a reconfigurar seus
parâmetros e suas práticas. Contudo, as escolas deixaram nas mãos dos professores
a responsabilidade de aprender novas linguagens mediadas pelo uso das novas
tecnologias, compreender e praticar as novas e múltiplas sociabilidades e trazer as
86
inovações tecnológicas para as salas de aula para uma aprendizagem criativa e
eficiente.
Segundo Ripa (2010) os requisitos exigidos pelas empresas são comuns aos
requisitos escolares formando pessoas com o perfil para atuar no mercado de trabalho
cujas características são medidas pela capacidade de “flexibilidade, trabalho em
equipe, criatividade, competição, rapidez, praticidade, planejamento e
comunicabilidade” (RIPA ,2010, p. 27). Segundo a autora não há dúvida de que “a
escola tem papel mais amplo e complexo diante dos desafios da contemporaneidade”,
cabendo aos professores a tarefa hercúlea de ajustar os conteúdos curriculares às
demandas do mercado ainda que em condições inadequadas para fazer frente às
atuais exigências de formação dos alunos:
Neste contexto, em que a educação escolar é considerada como capaz de impulsionar o desenvolvimento do país, os professores tornam-se os responsáveis pela adequação dos conteúdos curriculares às exigências produtivas do mercado econômico e pela aprendizagem das competências e das habilidades necessárias para a atuação competitiva no mundo do trabalho (RIPA, 2010, p. 29).
É flagrante a tensão entre os docentes quanto às suas responsabilidades e
exigências de novos perfis profissionais, pois ao mesmo tempo em que a
escolarização é vista como via de ascensão individual e de progresso econômico do
país, “[...] ‘Novas’ competências e habilidades passam a ser divulgadas como
necessárias ao professor para que as ‘novas’ expectativas educacionais sejam
atingidas, uma vez que ele torna-se o principal responsável pela construção dessa
escola cada vez mais eficaz[...]”( RIPA, 2010, p. 29). Conforme a autora investigou, o
professor ideal na contemporaneidade deve ser capacitado científica e culturalmente,
ter domínio das novas tecnologias, e ser receptivo ao trabalho em equipe. Além de
ser inovador e acolhedor deve ter a capacidade de “conduzir de forma eficaz e
interdisciplinar o processo de ensino-aprendizagem” para que desse modo a escola
possa “melhorar a sociedade e as suas condições de trabalho” (RIPA, 2010, p. 29).
Diante do enfrentamento de jornadas de trabalho num contexto adverso, onde
os investimentos e apoio institucionais mostram-se incompatíveis com as exigências
escolares, os professores sentem-se desmotivados e desvalorizados. No entanto,
diante de um cenário dotado de condições adequadas ao trabalho, a motivação para
o trabalho é outra como demostrado pelos docentes entrevistados.
87
2.1 Construindo práticas escolares significativas
Buscando compreender melhor o significado do termo diferenciado nas práticas
pedagógicas docentes, observamos a rotina dessa Escola e acompanhamos algumas
atividades dos alunos e professores, em específico, atividades organizadas pela
professora Mariana onde os alunos foram desafiados a criar alternativas de atividades
corporais relacionadas à saúde.
A professora indicou previamente os parâmetros do que poderia ser explorado,
e os alunos criaram os movimentos explicando os benefícios para a saúde do corpo.
Foram explorados gêneros diversos de música e movimentos corporais de forma
bastante interativa, onde os próprios alunos atuaram também como pesquisadores.
Os trabalhos apresentados pelos alunos despertaram o interesse de todos, assim
como a consciência de que o autocuidado está ao alcance deles por diversas práticas,
e tais práticas podem ser incluídas no seu dia a dia a custo zero.
À vista disso, podemos refletir sobre o que pode ser motivador na
aprendizagem, pois conforme Moran, Masetto e Behrens (2013) “Aprendemos mais,
quando conseguimos juntar todos os fatores: temas de interesse, motivação clara.
Desenvolvemos hábitos que facilitam o processo de aprendizagem; e sentimos prazer
no que estudamos e na forma de fazê-lo” (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2013, p.
29).
Quanto ao protagonismo do aluno na escola, podemos também citar Freire
(2014), pois ele afirma “Não há como não repetir que ensinar não é pura transferência
mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno passivo e dócil”(FREIRE,
2014, p. 97). O autor também enfatiza a importância de valorizar o saber do aluno,
mas na perspectiva de deslocamento, de ponto de partida, da criticidade, não como
permanência ou cristalização do saber: “Partir do ‘saber de experiência feito’ para
superá-lo não é ficar nele” (FREIRE, 2014, p. 98).
Prosseguindo com a nossa incursão no campo da pesquisa, acompanhamos
outra turma da professora Mariana numa visita ao Parque Municipal. A professora
explorou a importância da caminhada e de atividades ao ar livre, em ambiente
88
diferente da sala de aula, assim como a responsabilidade dos alunos ao se
deslocarem para outro ambiente na companhia dela, longe da proteção da escola,
sendo estimulados a tomar atitudes no sentido do respeito ao patrimônio público e ao
espaço coletivo. Pudemos perceber o entusiasmo dos alunos pela oportunidade de
ampliar conhecimentos em contato com a natureza. Para os alunos foi mais uma
oportunidade de compreender que as oportunidades de conhecimento estão além das
fronteiras das salas de aula, havendo muitas formas de aprendizagem e de interação.
Em outros momentos, assistimos à algumas apresentações de dança
coreografadas pelos alunos no pátio da escola acompanhados pelos seus
professores, onde pudemos observar a criatividade deles e o entusiasmo por
surpreender os professores e a plateia com o “produto final30” do seu trabalho coletivo.
Essas atividades nos deram uma mostra do sentimento descrito pelos professores
quando falaram do perfil da escola destacando a importância de o aluno ser ativo no
processo de produção do conhecimento.
À guisa de reflexão sobre as possibilidades de experiências de aprendizagens
significativas destacaremos alguns aspectos discutidos no documentário Quando
sinto que já sei31, lançado no Brasil em 2014, que apresenta experiências inovadoras
de aprendizagem. Nesse filme são apresentados projetos educativos cujas propostas
rompem com o modelo de escola tradicional. Nesse sentido, os autores têm como
propósito ampliar o debate sobre as possibilidades de transformações na educação32.
Fica bem claro nesse documentário a possibilidade de construção do
conhecimento por vias diversas, quebrando o paradigma do estudo tradicional entre
quatro paredes com o saber centrado no professor, e com atestado de aprendizagem
validado por provas escritas. O nome do documentário é uma referência ao
compartilhamento de saberes que pode ser um ato também dos alunos. Quem tem o
domínio do conhecimento tem a responsabilidade de levar a outros que não sabem,
30 Grifo nosso. 31 Disponível em <http://portal.aprendiz.uol.com.br/2014/07/31/quando-sinto-que-ja-sei-relata-experiencias-alternativas-de-educacao-no-brasil/>. Acesso em: 28 mai. 2016.
32 O filme está disponível na íntegra no YouTube.
89
como é o exemplo do Projeto Âncora em Cotia (SP) criado em 199533 e o Centro
Popular de Cultura e Desenvolvimento-CPCD, em Curvelo (MG) criado em 198434.
O documentário traz algumas “provocações” feitas por educadores, acerca do
sistema educacional predominante no Brasil onde o aluno é obrigado a ir à escola,
mesmo que ela não seja um lugar que faça sentido para ele, haja vista a taxa de
evasão em dissonância com a taxa de acesso escolar. Lança um questionamento
também sobre a configuração territorial da sala de aula do século XXI, ainda com
traços marcantes do século XIX, ressaltando que a sala de aula é praticamente a
mesma, mas o aluno do século XXI tem outras perspectivas que não estão restritas
ao conhecimento localizado geograficamente na escola pois, “A sala de aula do século
XXI não é mais aquele quadrado, é praticamente um planeta. Porque com as novas
tecnologias, o planeta é o espaço de aprendizagem das pessoas”. Assim
Será que é possível criarmos uma escola alegre e prazerosa, ou a escola tem que ser serviço militar obrigatório aos seis anos? O sistema educacional no mundo “vende um produto que o cliente não quer receber e não pergunta a opinião do cliente, e o cliente é a criança. Como se constata que a educação é um fracasso, não só no Brasil, mas em alguns lugares do mundo? Pela taxa de evasão. A taxa de acesso é muito boa no Brasil, é quase universal, mas a evasão é um terço da entrada, ou seja, em algum momento a escola deixa de fazer sentido. O médico do século XX, entra na sala de cirurgia do século XXI, ele consegue operar? Não, ele não consegue, ele mal consegue entender o que é que tem ali, onde é que está o paciente. Se o professor do século XX, ou XIX entra na sala de aula do século XXI, ele vai achar muito diferente? Não vai. Ele vai ver ali a lousa, o giz, as carteiras enfileiradas, a lista de chamada, tudo conforme era no século XIX. A única coisa com a qual ele não contava, era com a cabeça dos alunos do século XXI. E aí que mora o conflito. A sala de aula do século XXI não é mais aquele quadrado, é praticamente um planeta. Porque com as novas tecnologias, o planeta é o espaço de aprendizagem das pessoas. (Quando sinto que já sei- Documentário, 2014).
As experiências relatadas nesse documentário vêm ao encontro de aspectos
apresentados neste estudo onde os professores buscam integrar conhecimento e
tecnologia conectados à realidade do aluno, diversificando as possibilidades de
aprendizagem.
33 Disponível em http://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2012/08/13/projeto-ancora-se-inspira-na-escola-da-ponte/. Acesso em: 28 mai. 2016. 34 Informações do CPCD disponíveis no site <http://www.cpcd.org.br/>.
90
Todos os professores expuseram suas expectativas quanto aos alunos, no
sentido de que a participação deles é um termômetro da motivação do professor, não
apenas o ato de ouvi-lo, mas tirar o professor da zona de conforto buscando saber
mais, questionando e sendo ativo nas experiências relativas ao conhecimento:
Aquele aluno que pergunta. Aquele que participa. De repente você está dando uma aula e ele começa a te perguntar coisas que te fazem relembrar a vida acadêmica, te faz pesquisar algo que você não estava preparado naquele momento, então isso é motivador. É sinal que você está contribuindo. Isso é motivador. Quando eu começo uma aula e ninguém participa aqui é o fim. Eu digo: __Nossa gente, que aula foi essa? Se de repente eu estou dando uma aula e alguém levanta a mão e questiona algo, isso é fantástico. Porque quando você está dando uma aula na qual só você fala, muito expositiva, aquilo é um desgaste muito grande. Você só consegue saber o que o aluno precisa, porque não é só aluno que aprende, se ele falar também. Se ele expuser também. Se ele não fizer isso não tem interação. Então que troca é essa? Todo mundo fala de trocas, mas se o aluno não expõe no momento da aula não tem troca, é só você falando e a aula fica chata (LAURA, 2013).
Os docentes expuseram sua preocupação e o esforço diário em manter o aluno
motivado, sobretudo porque o aluno hoje traz para a sala de aula outras conexões
dissonantes da fala dos professores. A professora Laura enfatizou o problema da
dispersão dos alunos na sala de aula, sendo bastante desafiador manter o aluno
focado no que o professor está dizendo e fazer com que ele deixe de lado o uso do
celular. Há sempre uma mensagem chegando e a tentação de olhar é grande. Às
vezes os próprios pais ligam para os filhos durante as aulas. São muitas as situações
que o professor tem que administrar sem entrar em conflito com os alunos, e nem
sempre consegue satisfazer a todos:
Por mais que você tenha todos os mecanismos, aquela mensagem que ele tava (sic) querendo vai chegar. De repente o celular vibra e ele vai querer olhar. Então a gente esbarra mesmo nisso porque é proibido o uso do celular em sala de aula, mas os alunos trazem o celular. Muitas vezes os pais ligam para os filhos em sala de aula. É uma questão que a gente traz a família pra conversar porque a gente esbarra até nisso (LAURA,2013).
O professor Pedro, assim como Laura, percebe a dificuldade do aluno de deixar
de lado o celular. Tem aluno que fala: “ Nó!35 Eu sem meu celular no bolso, parece
que eu tô (sic) pelado”. Sendo de outra geração em que não dispunha de celular, o
professor Pedro revela não ter essa dificuldade:
35 Expressão típica de Minas Gerais que denota a intensidade da situação.
91
Mas eu não passei por isso, então hoje eu ando com meu celular, mas se um dia eu esqueço meu celular em casa isso não me faz falta não, a não ser que eu precise ligar para alguém. Se eu chego em casa e tenho dez ligações, mensagens, azar. Mas o aluno não, ele tem que responder, tem que estar conectado, essa é minha percepção, porque senão eles se sentem mal (PEDRO,2013).
Mesmo com esses desafios, e olhando pelo aspecto da aprendizagem, a
possibilidade do uso do celular pelos professores em sala de aula também é uma
novidade bem-vinda. É um recurso positivo, mas tem que ficar claro que não é um uso
para entretenimento e sim uma ferramenta de trabalho. O professor também precisa
estar atento ao próprio comportamento e usar essa ferramenta apenas para o trabalho
em sala de aula:
Meu celular é como se fosse um tablet, eu tenho tudo nele. Isso é tão legal porque antigamente quando você perguntava alguma coisa para professor que ele não sabia ele falava que ia procurar saber e trago a resposta. Quando eu não sei a resposta eu falo:— Espera aí que eu vou olhar. E eu olho na hora e já falo na hora. Depende das circunstâncias também e da sala porque tem alguns alunos que não entendem muito bem isso (LAURA,2013).
Moran, Masetto e Behrens (2013), afirmam que as tecnologias digitais móveis
trazem grandes desafios ao modelo de ensino tradicional nas instituições escolares,
onde o professor é o centro de toda a aprendizagem. É necessário sair do ensino para
um ensino mais participativo onde o aluno é protagonista, orientado pelo professor, e
sem o professor por perto necessariamente, supervisionando o tempo todo. Para esse
autor,
A chegada das tecnologias móveis à sala de aula traz tensões, novas possibilidades, e grandes desafios. As palavras ‘tecnologias móveis’ mostram a contradição de utilizá-las em um espaço fixo como a sala de aula: elas são feitas para movimentar-se, para que sejam levadas a qualquer lugar, utilizadas a qualquer hora e de muitas formas (MORAN; MASETTO; BEHRENS 2013, p. 30).
Outro desafio é a falta de domínio das tecnologias para determinado grupo de
professores que ainda não está familiarizado com essas inovações. O professor Pedro
ressaltou que os professores mais jovens têm mais facilidade de explorar as
tecnologias no trabalho, na sala de aula, e também para o uso do diário eletrônico:
“Na escola que eu trabalhava eles compraram um quadro digital. Mas o quadro não
foi utilizado. Primeiro porque os professores não foram capacitados para isso.
Segundo porque para utilizar esse recurso era necessária certa habilidade”.
92
O professor Pedro chamou a atenção para o perfil jovem dos professores da
atual Instituição, o que para ele interfere na aceitação do uso das tecnologias no
trabalho docente, porque já as utilizam há mais tempo:
Você observou que a maioria dos professores dessa escola são jovens? Tem dois ou três mais velhos. Já estão próximos aos 60, mas a maioria está abaixo dos 30. Se você for na escola que eu dou aula de noite verá que é exatamente o contrário. A maioria dos professores está acima dos 50. E aí eu percebo a diferença entre o problema do diário eletrônico aqui e lá. Lá é grande o problema do diário eletrônico. Os mais velhos normalmente vão ter mais resistência que os mais novos. Medo ou porque já acostumaram de um jeito. Teve uma professora de inglês lá que chorou porque não queria o diário eletrônico (PEDRO, 2013).
Além desses obstáculos, há ainda os desafios no relacionamento, na sala de
aula e no ciberespaço. Ciente de que a conduta do professor é motivo de observação
e crítica por parte dos alunos, os professores ficam atentos às próprias atitudes na
escola e nas redes sociais. Desse modo, a professora Laura procura ser coerente com
as normas escolares utilizando o smartphone como apoio à aprendizagem, evitando
ligações e mensagens particulares enquanto está na sala de aula.
Eu sempre falo que a questão de usar celular em sala de aula, e não prestar atenção acontece tanto com eles quanto comigo. Se eu ficar com meu celular no bolso e eu sentir vibrando eu vou querer olhar o celular, independente se eu estou dando aula ou não. Eu sempre levo o exemplo. Na medida do possível eu tento não competir com o celular demonstrando pra eles:— Olha gente, meu celular está na mesa no silencioso, e não no meu bolso pra dar curiosidade de olhar (LAURA,2013)
Esses cuidados com o uso das tecnologias são pertinentes, pois segundo
Moran, Masetto e Behrens (2013), “ As tecnologias móveis, bem utilizadas facilitam a
interaprendizagem, a pesquisa em grupo, a troca de resultados, ao mesmo tempo em
que facilitam as trocas banais, o narcisismo, o querer aparecer, o consumismo fútil”
(MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2013, p. 58). Ante essas perspectivas é importante
que a escola estabeleça limites claros para todos.
Consoante com a fala da professora Laura e outros docentes, o professor
Pedro disse também sentir-se motivado pelo clima organizacional, e pelo
relacionamento com os alunos, sobretudo por aqueles alunos que extrapolam as
informações básicas, indo além do que o professor lhes apresenta. E ele tem o
93
sentimento de maior proximidade com os alunos quando sente que está contribuindo
para a formação deles não apenas explorando conteúdo da sua disciplina específica,
e concluiu sentir-se um educador nessa escola:
Aqui na escola pública, especialmente nesta escola, eu me sinto, como os pedagogos gostam de falar, educador”. Eu me sinto participante da vida do meu aluno de uma forma geral. Nas outras escolas, em todas as outras escolas pelas quais eu passei, eu me senti dador de aula. Aqui eu me sinto educador. Tem alguns alunos que fora do momento da sala de aula e mesmo sendo aluno de primeiro ano e te faz pensar: "Caramba”, esse menino já fala dessas coisas?". Então eu tenho aluno que lê Nietzsche. Tem aluno que lê Dostoiévski. Eu já li muito Nietzsche. Hoje, por exemplo, estou lendo Dostoiévski. Mas eu tenho alunos de 15 anos que já leram esses autores (PEDRO, 2013).
Os relacionamentos, a motivação dos professores e alunos, o cumprimento das
metas de aprendizagem, a preservação dos espaços da escola, a segurança, nada
passa despercebido ao olhar atento da Instituição. Os professores são bem atuantes
nessa parceria dialogando com os gestores, fazendo críticas e sugestões.
Um aspecto importante a ser ressaltado, é que o acesso dos alunos à essa
Escola é feito por inscrição e posterior sorteio, ou seja, diferente de outras instituições
que selecionam os melhores alunos por meio de avaliações, essa Instituição não os
escolhe. O que corrobora a ideia de que os bons resultados são colhidos pelo trabalho
que é feito a partir do ingresso dos alunos. Outro dado importante citado pelo Diretor,
é quanto à evasão. Em 2013, houve dois casos de alunos que pediram transferência
por motivos particulares, ou seja, a Escola mobiliza mecanismos diversos de
permanência do aluno, e está tendo resultados positivos quanto a isso.
Esse olhar cuidadoso reduz também, consideravelmente, os focos de tensão
reforçando também a necessidade da divisão de responsabilidade com a família.
Observamos em reunião de pais a fala da Diretoria ajustada às expectativas dos
professores seja no aspecto disciplinar ou na complementação de estudos, e vimos
que no dia a dia esse trabalho não para.
Conforme Libâneo (2013) há a convicção de que a presença ou ausência de
determinadas características organizacionais são determinantes na eficácia e no nível
de aproveitamento dos alunos. Tais características são “ o estilo de direção, o grau de
responsabilidade dos profissionais, a liderança organizacional compartilhada, a
94
participação coletiva, o currículo, a estabilidade profissional, o nível de preparo
profissional dos professores etc.” (LIBÂNEO, 2013, p. 33). Consoante com esse
postulado, nessa Instituição há várias linhas de atuação desenvolvidas
cotidianamente por vários sujeitos, não apenas os professores. E nessa multiplicidade
de ações a escola vai desenhando e redesenhando estratégias e linhas de ação
convergentes com os resultados satisfatórios para toda a escola.
95
CAPÍTULO III
3. CONEXÕES, CONFLITOS E SOCIABILIDADES NA ESCOLA SOB A
PERSPECTIVA DOS ALUNOS
Tendo demonstrado o sentido do trabalho nessa “escola diferenciada” sob a
perspectiva dos professores, nesta parte da pesquisa temos como propósito mostrar
o ponto de vista dos alunos naquilo que eles consideram como fundamental para a
sua formação e o seu bem-estar, considerando o ambiente físico, o clima
organizacional, as interações na escola e os ambientes virtuais.
Assim como a escola é um objeto de estudo multifacetado, compreendemos
ser importante analisarmos o aluno enquanto categoria de pesquisa também na sua
diversidade. Torna-se primordial fazermos uma autocrítica, nos indagarmos de que
modo olhamos àqueles a quem dedicamos nossas horas de trabalho, para quem
planejamos cada atividade, como os acolhemos e também analisarmos de que modo
somos acolhidos por eles.
Via de regra planejamos o trabalho docente na perspectiva de que aluno é uma
categoria homogênea, previsível, receptiva aos nossos ensinamentos e intervenções,
e nessa direção estabelecemos previamente a história do nosso presente e futuro com
eles ao longo do ano ou semestre letivo.
Levamos para a sala de aula a convicção de que nossos objetivos traçados
nos unirão aos alunos num único ideal de ensinar e aprender, e em consequência
chegaremos ao máximo do cumprimento das metas de aprovação e todos ficarão
satisfeitos: “só que não36”, às vezes dá tudo errado por várias razões. Os alunos vão
para esta ou aquela escola por obrigação, e em muitos casos pela escolha da família,
36 Expressão usada nas redes sociais para ironizar situações e comportamentos considerados previsíveis, mas que nos surpreendem no sentido oposto.
96
há ainda o distanciamento intergeracional, e as condições de trabalho adversas.
Motivá-los é uma tarefa hercúlea e desafiadora aos professores pois,
Os alunos são clientes forçados, obrigados que são a ir para a escola. A centralidade da disciplina e da ordem no trabalho docente, bem como a necessidade quase constante de ‘motivar’ os alunos, mostram que os professores se confrontam com o problema da participação do seu objeto de trabalho, os alunos, no trabalho de ensino e aprendizagem. Eles precisam convencer os alunos que ‘a escola é boa para eles’, ou imprimir às suas atividades uma ordem tal que os recalcitrantes não atrapalhem o desenvolvimento normal das rotinas de trabalho. (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 35,).
Diante de tantos desafios vem o sentimento de frustração, não apenas da parte
dos professores, pois os alunos também chegam na escola cheios de expectativas a
realizar. A trajetória de trabalho nesse contexto é sempre surpreendente, jamais linear
e previsível, pois mesmo qualificados do ponto de vista acadêmico, desconhecemos
a priori nosso objeto de trabalho, ou seja, nossos alunos, e é nesse percurso que
vamos identificando as suas características, conhecendo as suas histórias e
interferindo nelas, e vamos também nos surpreendendo de modo recíproco.
Cada aluno e turma são únicos nas experiências docentes. Mesmo que
professor tenha acumulado uma trajetória de dez, vinte, ou trinta anos no magistério,
ainda assim, ao conhecer uma nova turma será a sua primeira vez ali. Então, na
condição de professores, estaremos sempre diante da oportunidade de nos
surpreendermos mutuamente no sentido das interações, das descobertas, das
aprendizagens e das possibilidades de transformação pois, conforme Boleiz Júnior
(2012) “ o modo de ensinar de cada educador, de se relacionar com os alunos, de se
comportar, falar, valorizar este ou aquele procedimento, de dar atenção ao que é
trazido pelos estudantes, etc., é conteúdo no processo educativo dos alunos” (BOLEIZ
JÚNIOR, 2012. p. 32).
Esse autor destaca a capacidade humana de apropriação de saberes para
apreender, fazer e refazer o que for necessário para transformar a própria existência,
interagir com os outros, influenciar e ser influenciado e sobretudo, ser protagonista
nesse processo:
97
A apropriação dos saberes, conhecimentos, técnicas, valores, enfim do mundo da cultura, se dá por meio de um processo que também é estritamente humano e envolve as capacidades biológicas individuais de cada homem, bem como o modo como se dão suas relações com o meio em que vive e convive —que é formado por pessoas, peculiaridades geográficas, políticas e sociais — que lhe proporcionam desenvolver-se, aprender e apreender todo o mundo que está à sua volta. Esse processo chama-se Educação (BOLEIZ JÚNIOR, 2012. p. 34).
Nessa perspectiva de transformação, descobertas, de incompletude, tendo em
mente o protagonismo de alunos e professores, a trajetória de educar seguirá por
múltiplas vias a serem construídas coletiva e diariamente, jamais em vias de mão
única.
Buscando captar os sentimentos dos alunos nessa diversidade de interações
na escola, os convidamos a responder um questionário cujo roteiro pedia que
definissem o que a escola representava para eles, traçando ainda o perfil dos
professores com quem interagiam e como retratavam o convívio diário com eles.
Indagava ainda o que seria desafiador nesse convívio e em caso de impasses e
situações de conflitos como costumava ser feita a mediação na escola. E por fim, foi
perguntado sobre o uso das redes sociais se havia comunicação, “amizade37”, críticas
ou apoios professores. Em todos os quesitos os alunos foram orientados a indicar
exemplos para que as respostas fossem compreendidas claramente.
O propósito do questionário foi estimular os alunos a falar sobre seus
sentimentos com relação a escola e seus professores, relatando experiências vividas
que pudessem fornecer elementos para nossa análise. Procuramos dialogar com os
alunos do Ensino Médio por terem acumulado experiências ao longo de todo o Ensino
Fundamental em diferentes escolas. A nosso ver esses alunos poderiam traçar um
perfil da escola atual com mais propriedade, de modo que pudéssemos fazer uma
conexão com os relatos dos professores identificando pontos em comum e díspares
nas falas desses sujeitos, considerando o aspecto qualitativo da nossa pesquisa.
Os alunos, num total de cinquenta e oito, responderam ao questionário cientes
de que estariam protegidos pelo anonimato perante o público e a Instituição conforme
37 O termo foi destacado por fazer referência à inclusão da pessoa na rede social como amigo virtual. Não se aplica à concepção tradicionalmente usada como amigo.
98
indicava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido firmado entre nós. Dentre os
participantes, 87% caracterizaram a escola utilizando as expressões boa, excelente e
diferenciada, este último termo coincidindo com a expressão usada pelos professores
também. Os demais alunos, falaram da escola de modo positivo utilizando outros
termos como segura, eficiente, rigorosa e outros.
Figura 11. Caracterização da escola pelos alunos
Explicitando as expressões utilizadas, os alunos falaram da importância da
disciplina e da preservação do espaço físico, considerando ser a escola bastante
efetiva nesses quesitos, havendo desse modo um sentimento de satisfação pela
permanência na Instituição traduzido pelo termo confiança38. Eles se sentem seguros
no espaço escolar porque sabem que há o cuidado da Diretoria em preservar a
integridade física de todos e de cuidar da manutenção da escola, sendo que os alunos
também são agentes importantes no cuidado com a escola. Há o trabalho diário da
escola em com a preservação física escolar de modo que todos se sintam
responsáveis por ela, inexistindo atos de vandalismo na Instituição. Esse cuidado
diário com a escola é motivado por meio de atividades desenvolvidas na Educação
Patrimonial ofertada aos alunos do Ensino Fundamental no contra turno.
Explicitando ainda as expressões dadas à escola como “boa” e “excelente”, os
alunos da turma A39 apontaram o quadro de professores como diferenciado pela sua
qualificação e relacionamento com eles, destacando ainda a atuação positiva da
38 Grifo nosso. 39 Para preservar o anonimato dos alunos nomeamos as turmas pelas letras A e B.
87%
23%
Opinião dos alunos sobre a escola
Consideram a escola excelente,boa ou diferenciada
Consideram a escola comoeficiente, rigorosa e segura
99
administração escolar, o respeito e a união entre as pessoas, a comunicação e o
espaço físico bem cuidado:
1-É uma ótima escola devido a dedicação dos professores e funcionários da escola, e por ser uma escola disciplinada. 2-Ótima, porque os professores nos passam o conhecimento de forma interativa e a Direção e Coordenação são bem dedicadas. 3-Boa, um espaço ótimo e segurança. 4-É uma escola excelente no aspecto do ensino. Meu futuro está praticamente ganho, só basta a minha atitude de aproveitar todas as oportunidades que ela nos proporciona. 5-Muito boa. Sei que estou tendo aulas de alta qualidade e acabo também tendo as mesmas condições de ensino de uma escola privada. A organização, os equipamentos, e o esforço dos professores são excelentes. 6-A escola tem um diferencial entre as escolas estaduais. O ensino é verdadeiramente de qualidade, exige muito dos alunos, e é bastante rigorosa, mas não descartando a comunicação entre os alunos, professores e diretores. 7-Muito boa, pois tem ensino de qualidade, e os alunos, professores e o pessoal da Diretoria trabalham com união. 8-É diferenciada. Nos oferece alternativas diferentes de aprendizagem. Os professores são produtivos e dinâmicos, o respeito é muito grande e recíproco entre alunos e professores.
Os alunos da turma B também falaram da escola e observamos que as suas
avalições convergiram com o perfil traçado pela turma A:
1-A escola é ótima, tem professores qualificados, ambiente agradável, segurança, e não há vandalismo. 2-Ótima na qualidade do ensino, na socialização, dentre outros aspectos. 3-Muito boa, pois o ensino e a postura aplicados aqui são muito diferentes das outras escolas públicas. 4-Escola de nível de ensino bom, e as pessoas que a compõem são boas, e a estrutura e o modelo das aulas mais dinâmicas são interessantes. 5-Muito boa, ela tem regras, ensino de qualidade e proporciona oportunidades. 6-É uma escola muito boa, pois o ensino e a infraestrutura são de qualidade e temos conteúdos alternativos. 7-É uma escola rígida, com ensino muito bom. 8-A escola é muito boa, pois o ensino e a estrutura são de qualidade, e temos conteúdos alternativos.
100
Registramos apenas cinco discrepâncias na turma B referente à caracterização
da escola: um aluno considerou a escola como conservadora e retrógrada, pois avalia
o saber do aluno pela pontuação; um aluno considera a escola conservadora e outro
aluno a caracterizou como alienadora. Dois alunos reconhecem a escola como uma
instituição diferenciada, mas burocrática e com excesso de regras. Os demais alunos,
num total de cinquenta e três, veem a estrutura disciplinar como algo positivo, e julgam
ser esse um aspecto importante que a diferencia das outras escolas públicas que já
frequentaram anteriormente. Para esses alunos, há rigidez40 nos requisitos de entrada
e saída da escola, uso do uniforme, de respeito no trato com os professores, colegas
e funcionários, de horário para o lanche, e uso de eletrônicos na escola. Contudo, eles
creditam os bons resultados ao empenho da Instituição em cuidar para que haja esses
limites mínimos de convivência.
Observando a rotina da escola em diversos momentos, percebemos conexões
entre o que foi dito pelos alunos e a efetiva atuação da Diretoria quanto ao aspecto
disciplinar e ao bem-estar na escola. Nesse contexto, as normas da Instituição
estabelecem limites quanto ao direito do aluno de transitar na escola em horário de
atividades coletivas, e essas regras são cumpridas com o apoio da Supervisão
Pedagógica e da Diretoria, atentas ao direito do aluno de estar em sala de aula no
momento devido. Não cabe ao professor verificar se o aluno está atrasado e se é
pertinente o seu ingresso na sala de aula fora do horário, ou se está uniformizado. E
se houver uma intercorrência em sala de aula que não seja possível resolver, o aluno
é encaminhado à Coordenação Pedagógica, mas apenas um por vez.
O espaço físico reduzido da escola impõe uma atenção constante de todos pelo
uso dos ambientes coletivos. As apresentações de atividades ao ar livre de teatro,
dança e música são realizadas em horários que não perturbem os momentos onde o
silêncio é necessário aos demais alunos e professores. Por isso é fundamental o
planejamento coletivo dos projetos pedagógicos para que uma atividade não seja
impactante à outra.
40 Grifo nosso.
101
O relacionamento com os professores foi avaliado de forma positiva por ambas
as turmas. Os alunos usaram predominantemente os termos “ ótimo”, “bom”,
“respeitoso”, “respeito mútuo”, “amistoso”, “educado”, “atencioso”, indicando as
exceções. Alguns ressaltaram haver maior proximidade com os professores da área
de Ciências Sociais e Humanas:
Os da área de Exatas são mais fechados, de Humanas são mais abertos ao diálogo dispostos a ajudar. São profissionais, bem formados, e educados, com algumas exceções. Alguns são bons, no entanto, outros não se importam muito em debater assuntos, impondo o seu pensamento. Alguns são mais amigáveis, outros são relação profissional de professor- aluno.
Os alunos indicaram situações em que tiveram algum tipo de conflito em sala
de aula por discordância de nota atribuída pelo professor, ler livro em horário de aula,
usar espelho e celular, grosseria e implicância do professor por não saber separar o
relacionamento, descumprir regras e conversas paralelas. De um total de trinta alunos,
apenas nove indicaram as situações elencadas. Apesar dessas intercorrências, esses
nove alunos consideram bom o relacionamento com os professores, fazendo as
ressalvas por essas situações excepcionais já resolvidas. Apenas um aluno afirmou
não ter solucionado o conflito com o professor que o tratou com grosseria, mas não
esclareceu o porquê. Os demais conversaram com o professor e resolveram o
problema.
102
Figura 12. Sobre conflitos com os professores
Desses nove alunos envolvidos em conflitos com algum professor, alguns
expressaram sua insatisfação da seguinte forma:
Boa parte deles são educados, mas há algumas exceções, como aqueles que te dão má resposta quando você está com dúvida. O relacionamento é bom. Mas tem alguns professores que são grossos e arrogantes. É até difícil de se entrosar. Há o respeito na sala, na maioria das vezes, do professor com o aluno. Gosto da maioria deles, e me relaciono bem com todos. Eu os respeito como autoridades, mas alguns não merecem tal respeito. Nos tratam com grosseria, gritam e não têm paciência de explicar às vezes.
Na turma B, de um total de vinte e oito alunos, dez alunos relataram conflito
com algum professor. Três alunos apontaram a sua participação no Grêmio como
motivo de conflito, mas não esclareceram como isso afetou a relação com o professor.
Os demais indicaram discordância por causa de nota, intolerância com o professor e
vice-versa, esquecer o material de aula, não aceitar a troca de lugar na sala, e por fim,
tratamento diferenciado dado pelo professor a determinados alunos. Desses conflitos,
apenas os alunos do Grêmio e o aluno que relatou intolerância mútua, disseram não
ter solucionado o problema. Esses alunos consideram satisfatória a relação com os
professores, identificando as situações excepcionais.
30%
70%
Turma A - 2º ano do Ensino Médio - Amostra 30 alunosTiveram conflitos com os professores?
Eventualmente
Nunca tiveram
103
Analisando os dados obtidos na pesquisa junto aos alunos, encontramos
compatibilidade com a avaliação feita pelos docentes, seguindo na perspectiva do
diálogo predominante entre essas duas categorias dentro do ambiente escolar, sendo
que o apoio institucional foi ressaltado como elemento importante ao seu bem-estar
diário, e inclusive na mediação de conflitos. Considerando a diversidade desses
sujeitos interagindo num campo de trabalho, por vezes árido, quanto aos pactos de
boa convivência, foi bem surpreendente nos depararmos com essa situação de
conexões marcadas pelo diálogo e negociação cotidianamente. Há o reconhecimento
do trabalho feito pelos professores, e os professores veem a receptividade dos alunos
como algo que lhes traz segurança e motivação para o trabalho.
Sobre o uso das redes sociais com o propósito de falar mal dos professores, foi
algo visto pela maioria dos alunos como desnecessário e alguns usaram o termo
antiético para designar essa prática. Dos cinquenta e oito alunos, apenas 1,74%
admitiram fazer críticas aos seus professores por meio das redes sociais e não
consideram isso algo inapropriado, pois entendem ser apenas a expressão da sua
opinião41. Esses alunos acreditam não ter responsabilidade pelo que dizem das
pessoas nas redes sociais, amenizando suas atitudes como necessidade de expor
seus sentimentos, ainda que esses desabafos possam afetar profundamente a
imagem e a autoestima dos professores.
41 Grifo nosso.
36%
64%
Turma B - 2º ano do Ensino Médio - Amostra 28 alunosTiveram conflitos com os professores?
Eventualmente
Nunca tiveram
104
Alguns preferem não usar as redes sociais para maior proximidade com os
professores, mantendo apenas o relacionamento em sala de aula. Os demais alunos
usam as redes sociais para a comunicação sobre atividades escolares, interagir com
os professores da sua preferência, e se for necessário, defende-los de possíveis
críticas virtuais:
Eu apoio muito os professores, não só nas redes sociais, mas também grito, e me manifesto contra aqueles que os criticam. Uso para interagir com os mesmos, pois é uma forma rápida e prática de se comunicar. Uso as redes sociais para apoiar os professores. Criticar seus professores pelas redes sociais não leva a nada. Se for criticar falo pessoalmente, ou com a supervisora. Não acho que relacionamento de professor e aluno deva chegar nas redes sociais. Criticar não, mas possuo intimidade com alguns a ponto de conversar pela internet, fazer brincadeiras, etc. Não me relaciono com professores nas redes sociais e não os critico por esse meio. Através das redes sociais conversamos a respeito de trabalhos e até mesmo para tirar algumas dúvidas. Não acho bacana usar as redes sociais para criticar[...], mas sim para reconhecê-los como profissionais.
A amizade com os professores nas redes sociais foi vista de modo positivo
pelos alunos da turma A, ressalvando-se as devidas proporções entre o ser professor
e a amizade pessoal para não haver prejuízo com relação aos limites em sala de aula.
Foi recorrente o exemplo dado por eles acerca de uma situação recente criada por um
professor que “tomou muita liberdade com a turma”. Ressaltaram também a utilidade
da relação nas redes sociais para fins pedagógicos. Desse modo, os alunos criaram
o grupo da sala, no Facebook, para postagem de trabalhos, informações e
esclarecimentos. Nesse grupo adicionaram também os professores da turma. Eles
acham útil42 ter essa proximidade com o professor para complementar as informações
além do espaço de estudo da escola. A palavra “limite” foi usada de modo recorrente
como requisito no uso das redes sociais entre professores e alunos.
42 Grifo nosso
105
Acho ótimo, mas também é importante saber definir o relacionamento “professor e amigo”. Acho muito bom, pois assim podemos perguntar as coisas que não sabemos, mas essa relação aluno-professor não pode se tornar pessoal demais. Adicionar um professor no seu Facebook é até bacana, mas o respeito tem que ser o mesmo. Você pode ser amigo de um professor sabendo que isso não vai mudar nada na hora de uma prova, de um trabalho. Naquela hora ele é seu professor e você um aluno. Acho interessante, pois se tivermos uma dúvida perguntamos, apesar dos professores parecerem não gostar de tirar dúvidas e responder. E tem professores piores que aluno em grupos de redes sociais. O uso das redes sociais é desnecessário, porém útil para tirar dúvidas sobre o conteúdo.
Na turma B, os alunos também fizeram considerações coesas com a posição
da turma A, alertando para a falta de limites e de possíveis privilégios concedidos aos
alunos mais próximos de determinado professor, porque “algumas vezes, a relação
professor-aluno é ultrapassada e atinge um patamar que às vezes acaba prejudicando
outros alunos, pelo privilégio que o professor concede ao aluno que lhe é mais
próximo”. Foi comum o sentimento de que há uma linha tênue demarcando a amizade,
responsabilidade, o profissionalismo e a falta de limite. Por isso, ao extrapolar a
relação da sala de aula para o campo pessoal é fundamental haver bom senso e
autocrítica de ambas as partes. Conforme os alunos, não se pode sair por aí
“estendendo a sala de aula para as redes sociais”, pois isso pode ser um fator de
deterioração do relacionamento na escola. Essa preocupação exposta por alunos e
professores segue ao encontro da análise de Freire (1996) destacando o valor da
afetividade e da ética no exercício da docência:
Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e ‘cinzento’ me ponha nas minhas relações com os alunos [...] A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele (FREIRE, 1996, p.159-160).
Apesar da preocupação em estabelecer limites nas redes sociais e na vida
pessoal, em ambas as turmas foi registrado o sentimento de que as relações de
professores e alunos nas redes sociais podem ser um fator de fortalecimento dos laços
106
de afeto nascidos em sala de aula, e ainda servir ao propósito de complementação de
estudos.
Os alunos traçaram o perfil dos professores com as características
consideradas por eles fundamentais para um bom relacionamento e para uma boa
aprendizagem. Quando os professores avaliaram o perfil da Instituição, explicitaram
haver uma boa relação com os alunos e identificaram o respeito como elemento base
nesse relacionamento, característica ausente em outras escolas onde exerceram ou
exercem a docência. Eles apontaram o interesse dos alunos, traduzido pela
curiosidade científica, como fator de motivação profissional. O aluno que motiva, é o
que pergunta, critica, discorda, lança desafios, mas reage aos desafios também de
modo criativo, indo além do que lhe foi ensinado. Da mesma forma, os alunos também
expressaram os seus anseios quanto ao professor, cujas características devem estar
alinhadas à motivação deles em termos de bom relacionamento e efetiva
aprendizagem, como pode ser depreendido nos relatos deste estudo.
Ao registrar sua opinião um aluno fez a seguinte observação: “Não há um
profissional perfeito, nenhum ser humano é. Exigir isso do professor não tem sentido”.
Destacamos esse depoimento, pelo fato do aluno reconhecer a incompletude e a
imperfeição do professor, por ser humano, mas sem eximi-lo de responsabilidade, pois
em seguida destacou a necessidade do professor de ter completo domínio sobre o
conteúdo a ser ensinado: “Para ser bom profissional deveria ter completo
entendimento do que será dado”. Assim como esse aluno ressaltou, o conhecimento
sobre a matéria ensinada foi um ponto comum aos demais alunos, acerca da
expectativa do que vem a ser um bom professor. Tão importante quanto esse
requisito, os alunos consideram fundamental que o professor seja: amigo,
companheiro, divertido, dinâmico, paciente, educado, respeitoso, solícito, diligente,
criativo, e atento às regras da escola. Além disso, esperam que o professor saiba
estabelecer limites sem ser autoritário, ou seja, aquele que bota moral43 na sala de
aula. Para os alunos, o trabalho feito com prazer é um fator que contagia o aluno em
sala de aula, assim como a desmotivação do professor. Essas expectativas dos
alunos da turma A foram descritas da seguinte forma:
43 Grifo nosso. Expressão coloquial usada pelos alunos no sentido de o professor ter autoridade.
107
Aquele que nos respeita, engraçado, simpático, amigável, extrovertido. Deve ser balanceado entre ser bem-humorado e rígido. Gostar do que faz, ter prazer de ensinar e nos fazer ter interesse, empolgado com a matéria e aberto às críticas. Tem que dar limites à turma, mostrando que tudo tem o seu momento. E tem que ser paciente diante da dificuldade de cada aluno. Acima de tudo um professor amigo que sabe a hora de cobrar, mas acima de tudo aquele que escuta, e não só fala. Divertido, dinâmico, brincalhão na hora certa. Que domine o conteúdo. Sinceridade, respeito e confiança também. Que conviva bem com os alunos, extrovertido, responsável, amigo, informado, interativo, com bom humor. Que sabe separar a hora de estudo e brincadeira, conversar e ser companheiro. Paciente, calmo, saber ouvir as perguntas dos alunos, cumprir as regras da escola e ter uma boa convivência com todos. Divertido, rígido e que “bota moral”, sem perder a educação e o respeito em relação a nós. Que se preocupe e se esforce, mesmo quando não merecemos. Que goste do que faz e tente fazer bem feito. Para mim, o professor ideal é inteligente, tão inteligente que é capaz de transmitir o próprio conhecimento. Ele precisa ser centrado, ser profissional e saber lidar com uma turma de trinta e cinco alunos sem precisar fazer uso de ameaças e gritos.
Encontramos na turma B conformidade com os relatos apresentadas pela turma
A. Todavia, nessa turma, nove alunos se abstiveram de caracterizar o perfil do que
eles consideram satisfatório para ser um bom professor.
A competência profissional e a capacidade de explicar com clareza os
conteúdos é um aspecto apontado de modo recorrente em ambas as turmas: “O
professor ideal é aquele que tem um conhecimento aprofundado no assunto, que
promove leituras e pesquisa em casa e debate em sala, que se preocupa em atender
o conhecimento aos alunos de maneira que cada um a seu tempo aprenda”. Além da
capacidade de ensinar, o professor deve ter a sensibilidade para perceber as
dificuldades do aluno, ajudá-lo e demonstrar interesse pelos seus problemas. Precisa
ser bem-humorado, criativo a ponto de saber quebrar o paradigma tradicional baseado
108
na exposição de conteúdo, exercício e prova. Ser também dinâmico, dialógico e
assertivo sem ser onisciente:
Utiliza dinâmicas e não se limita somente à sala de aula. É descontraído nas horas que precisa, se integra com os alunos, indica cursos palestras e eventos. Ele tem que saber explicar, ser engraçado para saber entreter e despertar o interesse do aluno na matéria e saiba dar aula. Não se portar com onisciência, abrir debates, interagir com os alunos, quebrar o paradigma matéria-exercício-prova.
Faz com que a aula seja produtiva, ensina a matéria com excelência e que imponha sobre a turma fazendo todos ouvi-lo com atenção. Ter respeito pelo aluno, alegre, paciente e dedicado ao trabalho. Dinâmico, expositivo, interessante, engraçado, que sabe apresentar o assunto de várias formas e crie amizade com os alunos.
Expositivo que se comunique com os alunos e que dê aulas dentro e fora da sala e da escola. Meu ideal de professor é quando ele respeita o próximo, dá o direito para o aluno dar sua opinião na aula, as aulas não serem tão chatas e mais dinâmicas.
Percebe-se em ambas as turmas, alunos com a expectativa de que o “bom
professor44” deve estar atento a todas as necessidades do aluno dentro e fora da sala
de aula. Isso está expresso claramente nesta fala onde o aluno almeja que o professor
seja “expositivo que se comunique com os alunos e que dê aulas dentro e fora da sala
e da escola”, ou seja, o professor em tempo integral. Um outro aluno afirmou: “É
aquele que independentemente de quaisquer dúvidas que eu tiver, esse professor vai
sanar todas sem reclamar. É aquele que percebe que estou em tempos ruins, no
mínimo pergunte como estou”. Um outro aluno destacou a necessidade de o professor
“ser um psicólogo para lidar com tanta diversidade”. Além dessas características,
ainda há a ideia, de que o professor tem a função de entreter o aluno: “Ele tem que
saber explicar, ser engraçado para saber entreter e despertar o interesse do aluno na
matéria e saiba dar aula”. A nosso ver, esse ideal sobre o professor, o reduz a um
animador de auditório que promove entretenimento, descaracterizando a sua
profissionalidade.
44 Grifo nosso.
109
Diante dessas expectativas expostas pelos alunos pudemos depreender que
os professores têm importância fundamental para a aprendizagem deles, pois a
despeito das tecnologias disponíveis, todos esperam contar com os professores para
consolidar seus conhecimentos, e prezam pelo bom relacionamento com eles, assim
como reconhecem a sua autoridade. Nessa Instituição eles são reconhecidos pelos
alunos como profissionais qualificados e importantes na sua formação. Contudo,
percebemos em algumas falas, uma percepção distorcida sobre o professor e sua
atuação profissional, porquanto há alunos esperando entretenimento e disponibilidade
integral do professor para todas as situações.
110
CAPÍTULO IV
4. SOCIABILIDADES, ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E TRABALHO DOCENTE:
PONTOS DE REFLEXÃO
Para melhor compreensão sobre o relacionamento entre professores e alunos,
é imprescindível situarmos esses sujeitos e suas conexões na escola, instituição onde
se desenvolve o trabalho docente, pondo em relevo algumas de suas características
peculiares, pois
Ela não é apenas um espaço físico, mas também um espaço social que define como o trabalho dos professores é repartido e realizado, como é planejado e supervisionado, remunerado e visto por outros. Esse lugar também é produto das convenções sociais e históricas que se traduzem em rotinas organizacionais relativamente estáveis através do tempo. É um espaço sociorganizacional no qual atuam diversos indivíduos ligados entre si por vários tipos de relações mais ou menos formalizadas, abrigando tensões, negociações, colaborações, conflitos, e reajustamentos circunstanciais ou profundos de suas relações (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 55).
As interações constituídas nessa Instituição, são permeadas
predominantemente pelas negociações, e pactos. Mas sendo um espaço social o
conflito existe. O que nos parece peculiar nessa escola, é a forma como os conflitos
são tratados. Sobre o conflito, Ferrigno (2010) faz as seguintes considerações:
Atritos, contradições e antagonismos fazem parte do nosso cotidiano, da cultura, da natureza humana. Sua inevitável presença pode ser a mola propulsora e indispensável para gerar mudanças. Por isso, o conflito não pode ser negado. É preciso que seja compreendido, enfrentado e superado (FERRIGNO, 2010, p. 55).
O regimento dessa escola e o livro de registro de atas, são um bom termômetro
das práticas adotadas nessa Instituição com vistas à constituição de relacionamentos
pautados pela tolerância, diálogo e reajustamentos.
Examinando o regimento da escola pudemos identificar vários pontos que
contemplam o relato dos professores no sentido de que a Diretoria busca implementar
ações legitimadas pela participação coletiva para que o trabalho docente seja
realizado de modo satisfatório. Desse modo, cabe ao Diretor:
111
Promover situações de gerenciamento coletivo em prol de uma educação de qualidade; Oferecer oportunidades para elaboração de um planejamento coletivo, ativo, vivo e significativo para as atividades educacionais; Participar das tomadas de decisões da comunidade, através das ações colegiadas; Utilizar mecanismos de participação democrática nas reuniões, evitando a tomada de decisão autoritária e centralizadora; Submeter à apreciação do Colegiado, questões que devem ser decididas participativamente, fazendo cumprir as decisões do Colegiado; Delegar competências quando se fizer necessário, de acordo com os dispositivos legais (REGIMENTO ESCOLAR).
Nesse contexto, compreendemos os resultados obtidos pela escola como algo
construído no cotidiano. Sendo um trabalho contínuo e não um resultado casual. Na
medida em que os problemas vão surgindo vão sendo discutidos, assim com outras
ações são planejadas na perspectiva da educação e da mudança de comportamento.
Conforme Paschoalino e Altoé (2015), “ A docência é uma profissão que se
desenvolve na interatividade entre sujeitos, na qual as relações de trabalho ainda que
contingenciadas pelas políticas institucionais, são intersubjetivas, característica que
implica tensões e mesmo correlações de força” (PASCHOALINO e ALTOÉ, 2015, p.
110). Dito isto, os autores enfatizam a importância de haver uma gestão democrática
onde seja prioridade o trabalho marcado pela solidariedade e coletividade, pois é no
trabalho em equipe que o professor se fortalece:
Para que os professores possam exercer o seu ofício com a competência que lhes é requerida e com a satisfação merecida, sem desgastes físicos e emocionais desnecessários. Nesse sentido, o professor que trabalha em equipe possui melhor suporte para dirimir as dificuldades nas diversas interações da profissão (PASCHOALINO e ALTOÉ, 2015, p. 110).
Observamos outras ações rotineiras, como as oficinas ofertadas para os alunos
do Ensino Fundamental no contra turno, com vistas à preservação da escola. A
Educação Patrimonial, permanente tem resultados satisfatórios haja vista o bom
estado de conservação da Instituição como um todo. Essa responsabilidade é
extensiva a todos os funcionários da escola. Além da Educação Patrimonial no contra
turno há as oficinas de teatro e música, assim como as atividades de língua
estrangeira. Uma vez por semana os alunos ficam na escola o dia todo para essas
atividades complementares. Há ainda aprofundamento de estudos para os alunos com
rendimento insatisfatório.
Uma parte da carga horária dos professores é destinada ao planejamento das
atividades escolares, inclusive a correção das avaliações e lançamento de notas. Esse
112
horário é obrigatoriamente cumprido na escola, e conta como hora trabalhada. Nesse
momento de estudos e atividades extraclasse, os alunos não podem procurar os
professores, exceto se autorizados por eles. E há um espaço específico para essas
atividades docentes. Encontramos nos registros da Instituição a reclamação de um
professor sobre a obrigatoriedade de cumprir esse horário na escola, o que ele
considerava abusivo. Contudo os demais professores declararam achar positivo esse
tempo, pois não levam trabalho para casa, e pelo fato de haver a possibilidade de
interação com outros professores para projetos coletivos. Via de regra, a própria
estrutura das escolas dificulta o diálogo entre os professores de turmas em comum.
Nessa Instituição esse isolamento é quebrado estabelecendo-se um espaço para os
projetos interdisciplinares.
Na sala dos professores o tempo de permanência é sempre corrido pois se
encaixa no horário de intervalo dos alunos para o lanche. Então é o momento de os
professores também lancharem e viverem uns poucos minutos de descontração com
seus pares. Nas nossas observações feitas na sala dos professores, percebemos o
respeito dos alunos pela privacidade deles. Diante da nossa curiosidade sobre a
ausência de alunos nesse ambiente, um professor explicou estar claro para os alunos
que o acesso àquela sala é exclusivo aos docentes, sendo que essa consciência vem
do trabalho diário feito pela Diretoria onde o espaço de convivência dos alunos e
professores é bem delimitado. Esse respeito pelo horário de descanso dos
professores foi relatado também nas entrevistas, e visto como uma prova de respeito
por parte dos alunos e da Instituição.
A escola dispõe de um livro de atas onde ficam registrados fatos considerados
importantes. Esses fatos abarcam, conflitos diversos, indisciplina, conduta
inapropriada de professores e funcionários administrativos; problemas do cotidiano
tais como reincidências de atrasos e faltas alunos e professores; aspectos
impactantes ao funcionamento das aulas e oficinas; reuniões com pais e alunos para
tratar sobre baixo rendimento e condutas inadequadas, uso dos espaços da escola, e
reuniões administrativas para orientação, planejamento e aprovação do calendário e
eventos anuais.
Em geral observamos haver uma conversa preliminar sobre os fatos
acontecidos envolvendo indisciplina, conflitos entre alunos e professores e entre os
113
próprios alunos, dificuldades de aprendizagem e outras intercorrências. Também
pudemos presenciar outros acontecimentos como acolhimento de alunos por
problemas de saúde, atendimento a alunos passando mal por terem saído de casa
sem a devida alimentação, aconselhamentos e pedidos diversos como saída da
escola fora do horário por alguma necessidade particular a pedido dos pais.
Nossas observações evidenciaram ser a escola um lugar onde há conflitos,
tensões, insatisfações e questionamentos diversos, mas diversas ações no sentido de
resolver os impasses. No livro de atas há os relatos acerca dos vários problemas, as
ações com vistas às resoluções devidas, e essas resoluções seguem na via do
compromisso assumido entre as partes para que o desfecho seja o melhor possível
para todos. Os registros mostraram de forma clara que qualquer sujeito pode ser
confrontado, inclusive o Diretor. Indicaram também momentos de tensão e
insatisfações na sala de aula. Alunos e professores registraram suas críticas sobre o
que lhes incomoda na sala de aula, incluindo problemas na gestão escolar que de
algum modo tenham desdobramentos negativos para eles. Se há algo que lhes traz
insatisfação há o registro com pedido de resolução.
Essa liberdade para tecer críticas, mas ao mesmo tempo haver compromissos
registrados entre as partes, foi algo peculiar diante de outras experiências relatadas
pelos entrevistados nas outras escolas onde atuaram em que a solução para os
problemas teria sido a demissão dos professores, ou simplesmente a omissão dos
gestores. Contudo, verificamos também algumas situações em que apenas o registro
foi feito no livro de atas, e não conseguimos verificar posteriores desdobramentos.
Noutros momentos houve propostas de resoluções, como por exemplo no final
do ano letivo de 2013, houve alguns acordos no sentido de avaliar o desempenho de
determinados alunos ao final do primeiro bimestre de 2014 a fim de que fosse
constatada a mudança de atitude comportamental e de melhoria no rendimento
escolar. Houve também familiares se comprometendo a acompanhar melhor seus
filhos, professores sendo orientados, pedidos de desculpas entre alunos e entre
alunos e professores.
114
Em algumas reuniões administrativas e pedagógicas, após as análises e
críticas foram propostas mudanças nas linhas de ação para melhor resultado no
ensino e na aprendizagem, bem como no relacionamento com os alunos.
Os fatos registrados no livro de atas não foram transcritos nesta pesquisa com
objetivo de preservarmos o anonimato da escola e de seus membros, mas eles são
ricos em significados. De fato, o trabalho na escola tem sido árduo e frequente, mas
ainda assim aqui e ali há certos momentos de transbordamento onde aparecem os
aborrecimentos, as tensões e o cansaço. Todavia, esses momentos de tensão não
parecem ser predominantes, haja vista os relatos sobre o que vem tendo sucesso e a
quantidade de páginas preenchidas com as ocorrências onde os dias são
intercalados. A fim de ilustrarmos melhor nossa linha de raciocínio, identificamos o
número de reuniões de maio a dezembro de 2013: em maio de 2013 houve duas
reuniões registradas em ata num intervalo de 14 dias; em junho não houve registro e
após isso houve dois registros em julho com intervalo de 4 dias.
Em agosto houve três reuniões, uma delas para fazer análise de resultado do
primeiro semestre de 2013 com encaminhamentos de intervenções sobre atendimento
aos alunos para melhoria de desempenho discente, incluindo aumento da carga
horária, acompanhamento mais sistemático da convocação e frequência dos alunos,
e melhor distribuição de salas para esse fim. Nos dois semestres observamos também
continuidade de reuniões sobre um mesmo assunto, até o esclarecimento dos fatos
por parte de todos os envolvidos.
Em setembro verificamos apenas uma reunião. Já no mês de novembro foram
seis reuniões: Uma sobre emissão de documento, duas por indisciplina, uma por
conflito entre dois alunos, uma conversa com um docente que excedeu o número de
faltas, e uma para avaliação de desempenho global dos alunos e aprovação do
calendário de 2014. Nessa reunião foi reforçada a necessidade das intervenções
pedagógicas para os alunos com rendimento insuficiente, planejamento de estudos
de recuperação e horário de estudos dos professores. Foi reforçada também a
necessidade de cada professor manter o devido cuidado nas condutas em sala de
aula, assim como manter ações condizentes com a preservação do patrimônio. Outro
ponto da reunião foi a avaliação do projeto político pedagógico da escola. Pelo tempo
115
exíguo da reunião para tantos assuntos, foi pedido aos professores que fizessem suas
críticas e sugestões via e-mail para posterior discussão.
De janeiro a maio de 2014 houve 18 registros no livro de atas. Nessas atas de
janeiro houve três reuniões: duas para aconselhamento de alunos por comportamento
inadequado e uma para sorteio de vagas para 2015. Em fevereiro houve três reuniões:
uma para tratar da carga horária docente, uma para orientar professor com vistas a
“melhorar atitudes e metodologia45” na sala de aula, e a outra para tratar de pactos de
permanência de aluno na escola por reiterado descumprimento das normas
disciplinares.
Nesses registros despertou nossa atenção a reclamação dos alunos que
consideraram excessivo o uso de vídeo em sala de aula por determinado professor
recém-chegado. Os alunos não compreenderam o significado dos vídeos expostos e
concluíram que não houve aula, e isso ocorreu por diversas vezes. Aqui é importante
destacar o vídeo como uma excelente ferramenta pedagógica, se for usado da forma
correta com análise e debate do que está sendo apresentado. Essa mídia, por si só
não substitui a mediação do professor e a interação com os alunos. A situação exposta
por eles, nos traz mais um ponto de reflexão sobre o papel do professor sendo
desafiado a aprender a explorar as diversas possibilidades de uso das mídias em sala
de aula, usando a linguagem audiovisual sem a exclusão da linguagem escrita, pois
elas são complementares no processo de aprender e ensinar.
Os desafios para os professores são complexos pois a cada dia uma
multiplicidade de opções tecnológicas são colocadas à disposição dos usuários. Para
escolher a que melhor se aplica aos propósitos pedagógicos é preciso conhecer a
forma de usar, e avaliar limites e possibilidades. Esse preparo para o uso das
tecnologias demanda tempo, conhecimento e acesso às ferramentas disponíveis no
mundo digital, algo contemplado parcialmente nessa escola em dois aspectos: o
tempo dedicado ao preparo das aulas e acesso à internet. Mas se o professor precisar
de um suporte especializado não tem. Essa busca é individual, nos sites de pesquisa,
ou nos grupos de trabalho interdisciplinares, e muitas vezes os alunos vão
45 Grifo nosso
116
desbravando os caminhos tecnológicos, experimentando as novas ferramentas e
trazendo as novidades para a sala de aula. Nesse aspecto, a parceria com os alunos
pode ser profícua e enriquecedora.
Moran, Masetto e Behrens (2013) reafirmam o que os professores comprovam
nas salas de aula, o poder de sedução das tecnologias digitais é enorme, é
arrebatador, e pode sim dispersar alunos e também os professores. Nesse contexto,
a conduta do professor torna-se imprescindível tendo a possibilidade de “ Integrar
tecnologias, metodologias, atividades. Integrar texto escrito, comunicação oral, escrita
hipertextual, multimidiática, digital” (MORAN; MASETTO; BEHRENS 2013, p. 61).
Desse modo torna-se possível aos alunos e professores experimentarem diversas
mídias.
O professor pode incentivar a produção de vídeo com temas variados tais como
visitas à museus, eventos científicos, entrevistas e depoimentos. Além da produção
de material feito pelos alunos, Moran, Masetto e Behrens (2013) recomendam: “ O
professor deverá discutir, comentar e aprofundar os múltiplos significados e valores
que cada material audiovisual traz para o cotidiano da escola, para cada assunto do
programa de uma disciplina, para avaliação de projetos, para discussão de como a
TV se comunica” (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2013, p. 49).
Prosseguindo com a pesquisa nos registros da Instituição, vimos que em março
de 2014 houve apenas um registro sobre conduta inadequada de um funcionário ao
repreender um aluno. Já em abril houve sete registros sendo uma para orientar um
docente sobre sua conduta em sala de aula, e as demais trataram sobre indisciplina,
desacato, briga entre alunos, falta de aluno às aulas sem justificativa e duas tentativas
de saída da escola no horário das aulas sem autorização do responsável. Nos casos
de conflito e desacato houve retratação e pedido de desculpas. Nos casos de tentativa
de alunos de saírem da escola no horário das aulas simulando pedido de liberação
dos responsáveis, a atitude da escola foi comunicar aos responsáveis o ocorrido e
aconselhar os alunos refletindo sobre a gravidade da situação. Por fim foi ressaltado
que não haveria punição por parte da escola nesse caso, pois caberia à família dar o
devido castigo aos alunos.
117
No mês de maio houve quatro reuniões onde foi questionada a interpretação
de direito de uso da biblioteca por alunos no contra turno, duas reuniões por conflitos
entre alunos com pedidos de desculpas e compromisso de mudança de
comportamento, e por fim um caso de conduta inadequada de aluno. Nesse último
registro a escola conversou com os pais e sugeriu o acompanhamento psicológico
com vistas à melhor compreensão da mudança de comportamento do aluno e de seu
crescimento pessoal. A despeito da gravidade da situação não houve punição ao
aluno, pois a escola compreendeu ser mais importante o aluno ter o suporte familiar e
psicológico para ter consciência e responsabilidade sobre os desdobramentos das
suas atitudes.
A escola passou por ajustes no seu calendário mês de junho de 2014 devido a
copa do mundo, desse modo só foi possível o acesso aos registros até o mês de maio
de 2014.
Esses registros da Instituição, os relatos dos alunos e professores, assim como
as nossas observações nesse campo de pesquisa, nos forneceram elementos
fundamentais para formarmos a convicção de que nessa escola, as ações de todos
os seus componentes convergem no sentido do cuidado e do respeito.
A relação professor-aluno é considerada satisfatória por ambas as partes,
sendo postas em relevo as exceções. Além do mais, as relações entre professores e
alunos extrapolam a territorialidade da sala de aula para o ciberespaço, relações
essas constituídas com significados diversos. No atual contexto das novas tecnologias
da informação e da comunicação, professores e alunos estão explorando bastante
essas ferramentas para aprendizagem na escola. Além da comunicação, produção de
conhecimentos, e complementação de estudos, há também o uso das redes sociais
para fins de amizade entre alunos e professores.
Professores e alunos consideram a escola como um lugar onde a sensação de
bem-estar e segurança é predominante, havendo bons resultados quanto à
aprendizagem com experiências diversificadas e interdisciplinares, com respeito
mútuo permeando as relações entre eles. Há conflitos pontuais, mas há também
diálogo, negociação e retratação. A presença da gestão escolar é constante seja
118
atuando na mediação das situações de conflito e indisciplina, seja na manutenção da
escola e na realização de projetos pedagógicos a fim de que o trabalho docente e
seus resultados sejam satisfatórios. Esses projetos interdisciplinares, com vistas ao
combate ao preconceito, ao bullying, ciberbullying, à preservação do meio ambiente e
à consciência do exercício da cidadania mobilizam os alunos com ações educativas
diversas na escola, onde eles são os protagonistas.
4.1 Limites entre interações nas redes sociais e intensificação do trabalho
docente
Apesar desse cenário de trabalho positivo, há alguns aspectos importantes
relacionados ao uso das tecnologias da informação e comunicação, que podem ser
impactantes ao trabalho docente.
Todos os professores indicaram como diferencial o uso dessas tecnologias na
escola, pois facilita o acesso à várias fontes de informação diversificando também o
modo de trabalhar os conteúdos tornando as aulas mais interativas e dinâmicas, haja
vista a pesada carga horária obrigatória para o cumprimento do currículo obrigatório.
E nesse contexto os alunos são também protagonistas produzindo e compartilhando
conhecimentos diversos.
Tomando como referencial as falas desses professores e alunos, há de fato
envolvimento e compromisso de todos no fazer pedagógico diário com vistas ao
cumprimento das metas de aprendizagem e da formação do aluno no aspecto da sua
cidadania. Desse modo, o acesso à informação e comunicação é algo substancial no
seu trabalho. Contudo, há também situações de continuidade do trabalho após as
horas despendidas na Instituição.
Antes do advento da internet, o professor levava o para casa46 carregando
provas e cadernos para fazer a correção, leituras, pesquisas, montagem de textos,
elaboração de provas e outras atividades avaliativas. Esse trabalho extraclasse não
acabou. Agora o professor cumpre essas tarefas conectado à internet, e o aluno
46 Grifo nosso.
119
espera que o perfil do professor esteja sempre on line, sempre “dando uma olhadinha”
para ver se os alunos estão precisando de algo, ou se algum arquivo de trabalho foi
enviado. Vida profissional e privada se fundem cada vez mais. O professor é solicitado
a fazer lembretes, revisar conteúdos, complementar informações, tirar dúvidas e
interagir com os alunos. E isso tem sido feito por meio das redes sociais onde
professores abrem o espaço da sua vida privada para os alunos através do Facebook
e do WhatsApp.
Tomando como exemplo da linha tênue demarcando o limite entre trabalho e
vida pessoal, retomamos aqui o relato da professora Laura, enfatizando o gosto dessa
professora pela conexão constante com os alunos nas redes sociais.
Independente da jornada de trabalho na escola, ela está sempre conectada
com os alunos, mas também preocupada em estabelecer limites, temendo que nessa
relação expandida para além da sala de aula, haja equívoco entre o papel da amiga e
o da professora. Essa também é uma preocupação presente nos relatos dos alunos e
dos demais professores. Outra preocupação constante de Laura e dos demais
professores, é a de que os alunos em algum momento publiquem algo que seja
desabonador à imagem dos professores. Isso explica em parte a proibição das aulas
serem gravadas no dia a dia.
Laura vê o uso das tecnologias da informação de modo muito positivo, pois
ampliou bastante a possibilidade de as pessoas terem maior contato com as
informações mesmo a distância. No passado seria necessário o deslocamento dos
alunos a uma biblioteca para obter informações, hoje o acervo encontra-se disponível
on-line, então desde que haja conexão com a internet as barreiras do espaço
geográfico não impedem o acesso aos livros e também às pessoas que estão noutro
estado, país ou continente:
Eu vejo tudo positivo em relação à tecnologia. Eu acho que tudo melhorou. Eu acho que a busca pela informação é muito superior a antigamente em que as pessoas ficavam restritas a uma ida à biblioteca. A gente sabe que livros eram muito difíceis de serem encontrados. Essa facilidade de você não ter que sair de casa para buscar o conhecimento é fantástico. Você de repente vê um vídeo- aula de um professor excelente que mora no sul do país e você não poderia assistir antes, isso pra mim já ajuda bastante mesmo. (LAURA, 2013).
120
Conforme relatado, além da tecnologia nas salas de aula essa escola
disponibiliza um sistema onde os alunos podem consultar as notas, ocorrências
diárias e os textos postados pelos professores, assim também como os pais podem
acompanhar o desempenho dos filhos. Contudo, quando não está na escola, é pelo
Facebook que o contato com a professora Laura, é mais frequente, pois os alunos
estão sempre conectados nessa rede social e não no sistema acadêmico da escola:
Então o Facebook está ajudando muito em relação a isso porque de repente os meninos não acessam o sistema da escola, mas todos os dias acessam a rede social. Então eu posso colocar um recado lá: —Amanhã todo mundo traga uma tesoura. E no outro dia está todo mundo com a tesoura. (LAURA, 2013)
A professora Laura observou que os alunos interagiam bastante com ela no
Facebook o que acabou gerando dúvidas na docente quanto à eficácia desse
relacionamento virtual na aprendizagem. Eram muitas horas dispensadas por ela aos
alunos após as aulas presenciais e havia uma sensação de que o trabalho da sala de
aula continuava ali. Acabava a aula e já tinha aluno perguntando qual a tarefa pedida
para a aula seguinte. Então, ela cancelou sua conta na rede social por dois meses,
pois parecia que os alunos estavam substituindo a atenção às aulas presenciais pela
interação na rede. Contudo, ela não conseguiu ficar desconectada dos alunos na rede
social e reativou sua conta no Facebook:
Eu estava ficando muito tempo conectada. E os meninos... Eu acabo de explicar uma coisa e chega de noite e tem mensagem pra mim dos meus alunos: — Professora, o “para-casa” está em quais páginas? Então eu tentei cortar isso porque os alunos poderiam pensar que poderiam não prestar atenção na aula e tirar as dúvidas comigo on-line. Então eu cancelei meu Facebook por 2 meses, mas eu percebi que eu não ia conseguir ficar sem. Não pela questão de falta, mas pela questão da proximidade com o aluno. Eu tenho uma relação com meus alunos muito boa mesmo. Eu percebo que através da rede social, que é uma hora a mais que eu faço ali, eles se apoiam muito nisso. Eles acabam de ter uma aula comigo em sala e na hora que chegam em casa já mexem comigo pra conversar alguma coisa ou perguntar e na medida do possível eu respondo. Se é coisa de matéria de aula que eu acabei de explicar aí eu respondo, mas se é coisa antiga eu não respondo. Eu gosto muito dessa facilidade de você receber um e-mail ou de repente entrar em contato. Isso pra mim facilitou demais. (LAURA,2013).
Apesar do lado positivo do relacionamento com os alunos, a docente falou da
outra perspectiva em que a rede social é usada por eles. Para ela é um relacionamento
que exige cuidado o tempo todo, para não haver equívocos de ambos os lados, pois
o respeito pela imagem do professor precisa ser preservado, assim como o respeito
121
deste com os alunos. Ela afirma: “Eu sou aberta a tudo. Então eles vêm conversar
comigo de qualquer assunto, mas ao mesmo tempo eu demonstro para eles que eu
sou a professora. Eles têm aquele respeito. Eles ficam mais tímidos e não ultrapassam
o limite”. Contudo na rede social, ela observa maior flexibilidade por parte dos alunos
quanto ao que pode ser dito. Então essa é mais uma preocupação para a escola: o
combate ao bullying e ao ciberbullying: “Na rede social, eu percebo que eles têm um
pensamento: — Ah, é na rede social mesmo, né? Só que aqui na escola a gente
trabalha muito com isso. A gente trabalha muito pela questão do bullying e
ciberbullying”. Existe a preocupação da escola em combater a violência seja na escola
ou pelos meios virtuais. Desse modo a professora Laura sempre recomenda cautela
aos alunos inclusive no trato dispensado aos demais professores: “Eu sempre falo: —
Gente, vocês não podem confundir as coisas. Porque eles têm que entender que o
professor é um ser humano como outro qualquer e os pais também têm que entender
isso”. Quando ela percebe comentários na rede social sobre outros professores ou
alunos interfere imediatamente recomendando uma conversa pessoalmente:
Já teve momento de chegar e eu chamar a atenção, por exemplo, por não gostarem de alguma aula de outro professor e colocar na rede. Aí eu falo que não é legal. Porque não é todo dia que o professor está cem por cento. Por mais que você tente, em algum momento você vai sair de uma aula e dizer: — Eu podia ter dado essa aula melhor. Eu tenho colegas de trabalho que não adicionam alunos no Facebook, não adicionam mesmo. Eu até hoje, como não tive nenhum incidente, adiciono todos que pedem e que são meus alunos mesmo, porque já aconteceu de alunos da escola me adicionarem e aí eu não adiciono porque não me conhecem. (LAURA,2013).
A professora Laura parte das relações pessoais para o campo virtual, jamais
ao contrário, por isso não aceita no seu Facebook alunos de turmas que não sejam
as suas.
Observamos alguns aspectos importantes nesse relacionamento da professora
Laura com os seus alunos. É uma interação que começa na sala de aula e se estende
praticamente em tempo integral através do Facebook. Ainda que a professora se
cerque de todo o cuidado para estabelecer o limite no seu campo de atuação entre
ser amiga e professora, ela nem se dá conta de que não está estabelecendo o
principal limite que é o de respeitar o tempo para si mesma. Ela vê a inclusão de
alunos nas redes sociais como um fator de proximidade, porém, essa condição de
estar on line, e disponível sempre que algum aluno precisar, altera a sua jornada de
122
trabalho, pois mobiliza boa parte do seu tempo de descanso e dos seus
conhecimentos. Podemos traduzir essa atenção em tempo integral por uma
hipersolicitação47 que ela faz de si mesma para estar em sintonia constante com os
alunos. Aonde a professora Laura vai, ela leva os alunos e a sala de aula com ela
através do seu smartphone sempre disponível.
Nesse contexto de trabalho permanente, cabe um alerta: o desencanto com o
trabalho esgota o profissional, mas o envolvimento excessivo48 também acaba por
esgotá-lo. É fundamental haver pausas para o descanso, e os professores expressam
essa necessidade, elogiando a Instituição por estabelecer a carga horária para
preparo de atividades na própria escola.
Outro aspecto desse relacionamento entre professores e alunos nas redes
sociais, é a tensão gerada pela possível exposição da imagem dos professores. Ainda
que o relacionamento com os alunos seja bom, a professora Laura revela cuidados
para preservar o uso da sua imagem nas redes sociais. Não permite que os alunos
gravem as aulas pois não sabe de que modo isso será utilizado, e não descarta a
possibilidade do mau uso desse material. Esse cuidado em parte é devido às
experiências vividas por outros colegas de profissão e aos noticiários de que algum
professor já foi vítima de ciberviolência. O risco de um aluno filmar a aula escondido
sempre há, mas ela deixa clara sua objeção alertando sempre os alunos sobre as
consequências das suas escolhas. E reconhece que no trabalho docente esse é só
mais um risco, pois os fatos inusitados cercam o cotidiano escolar o tempo todo. Lidar
com pessoas é sempre surpreendente, e ela tem consciência de que não há como
decifrar e prever o comportamento que o aluno vai ter:
Apesar de eu ter uma boa relação, eu nunca falaria que não são capazes de fazer isso. Porque o ser humano é algo que a gente não consegue decifrar. A gente não sabe se ele colocaria isso para denegrir ou não. Ou de repente ele colocaria não para denegrir, mas tomaria proporções diferenciadas que muitos deles não sabem a real consequência daquilo. Por isso a gente sempre trabalha a questão da consequência. Temor eu tenho. Acho que todo mundo tem. Cortar um pedaço e "olha, a professora falou isso...". Eu tenho um trabalho até quando vou colocar algum slide, pra não xerocar, colocar em PDF pra não mudarem palavras. Então a gente tem até certos cuidados. Claro que de repente você está à mercê. E isso pode acontecer, gravar e
47 Grifo nosso. 48 Grifo nosso.
123
você não estar vendo e cortar e fazer uma gravação. Acho que ninguém está livre disso. Mas se acontecer a gente vê o que faz depois. É um risco. (LAURA, 2013)
O cuidado é constante pois os alunos são adolescentes, não medem as
consequências das suas atitudes nas redes socais, e segundo ela há a linguagem
científica e a linguagem do universo do aluno. Nesse contexto há que se ter cautela e
habilidade para não cair na armadilha de ser mal interpretado:
Porque a gente tem que entender a gente está trabalhando com adolescente e de repente pra você chegar a ele você tem que ter duas linguagens: a científica e a dele. Por se você só falar a científica não chega na dele e ele não sabe relacionar as duas coisas. Sempre trabalhei dessa forma e nunca tive nenhum problema, mas isso não quer dizer que eu não possa vir a ter. O professor é exposto a todo momento. (LAURA,2013).
A professora lembra que a todo instante cobra-se do professor uma conduta
impecável, sem que o contexto seja considerado, e às vezes ele não está preparado
para agir diante das situações e acaba sendo punido perante os alunos, a escola e a
opinião pública. Conforme a professora Laura a família cobra uma reparação pelas
atitudes do professor, mas ninguém cobra do aluno e da família: “Eu deixo exposto
para os meus alunos da seguinte forma: eu não deixo pra trás também. Se acontecer
o inverso eu tenho o direito de querer uma reparação” (LAURA, 2013).
O risco de o aluno expor o professor é real, e o professor Pedro compartilha a
mesma preocupação da professora Laura. Ele citou um incidente que aconteceu com
ele noutra escola há algum tempo. Por isso hoje ele limita o tempo de conexão com
os alunos. Ele os aceita no seu Facebook, usa e-mail para os trabalhos escolares,
mas mantém a devida distância, regula o tempo de conexão com eles, e não permite
a gravação das aulas. Numa outra escola o aluno gravou a aula sem a sua
autorização, recortou um trecho de um momento de descontração em que o professor
dançava, e publicou no YouTube.
O aluno gravou a aula em que eu fiz uma graça, eu fiz uma dancinha na frente, eu dancei para explicar uma coisa, enfim, foi um momento de descontração com uma turma que eu tinha essa liberdade, mas um aluno gravou e colocou aquilo no YouTube de forma pejorativa, tipo assim: __ O professor não dá aula, ele só dança na sala de aula (PEDRO, 2013).
124
O professor Pedro fez algumas considerações sobre o seu relacionamento com
os alunos no Facebook, que para ele é um relacionamento cordial, geralmente com
quem tem mais afinidade, mas acima de tudo com muita cautela e limites, sem usar
esse espaço de interação para resolver questões da sala de aula:
Eu tenho um milhão de alunos no meu Facebook. Eles perguntam se eu tenho e todo mundo que pede, eu adiciono. Normalmente eu só me lembro dos mais recentes. Aqui na escola, normalmente o que acontece, quem quer te adicionar são aqueles que são mais afins a você. Aqueles que gostam de você e querem um relacionamento fora de aula. Eu, contudo, não me relaciono fora da sala de aula. Já teve aluno que me perguntou sobre dever de casa no Facebook e eu respondi, mas é uma resposta simples. Eu alguns momentos já respondi alguma coisa de pessoal no Facebook para alguns alunos que são mais chegados, mas esse relacionamento nunca é estreitado. Eu acho bom ter o relacionamento fora de sala de aula, que não necessariamente é um relacionamento de professor e aluno, mas tem que ter limite.
O professor também fez considerações sobre a conduta dos alunos frente às
suas responsabilidades. Para ele os alunos não medem os impactos que suas ações
têm, por isso nas redes sociais saem postando coisas da vida pessoal e da escola,
sem considerar possíveis danos, sem pensar no futuro.
Eles não medem, eles não conseguem pensar um minuto a frente, nem um passo à frente. Então eles agem no momento, no impulso, isso é uma situação que para essa geração de adolescente eles não pensam. Então eles levam a vida desse jeito. Eles não pensam nas consequências. Eles não conseguem visualizar nada no futuro, mesmo que seja uma coisa muito óbvia. Eles não conseguem visualizar o que vem depois. Eles não conseguem perceber datas, obrigações, por mais que você diga: “Isso aqui é para dia tal”, e você vai repetir e eles não conseguem. Então isso passa para o professor que ele só vive o momento, que o amanhã, amanhã vai chegar. Eles pensam mais ou menos assim: Eu não tenho obrigações para com o amanhã, eu vivo hoje, amanhã a gente resolve (PEDRO, 2013).
Os outros professores também usam as redes sociais para o contato com os
alunos, e todos se cercam de cuidados para não virem a sofrer algum tipo de
exposição indevida. Alguns limitam bastante o tempo de interação com eles.
Já a professora Rafaela, assim como Laura fica conectada no Facebook
bastante tempo com seus alunos, e afirma ter uma relação muito boa com eles. Ela
criou uma conta nessa rede social especialmente para ter mais contato com eles, para
conhecer seus hábitos, seus interesses, sua forma de ver o mundo e a escola. Desse
modo atualiza informações variadas sobre os alunos. A professora Rafaela falou da
125
necessidade de conhecer os alunos e também aprender a lidar com as inovações
tecnológicas, tirando proveito para o trabalho:
Comecei a me sentir muito desatualizada. Não eram informações de cunho científico, não eram acadêmicas, eram informações sociais, então eu comecei a considerar aquilo como importante de alguma forma, que valores eles estavam passando. Eu precisava saber o que eles discutiam lá na rede social, para poder colocar o meu trabalho dentro do que é esse aluno hoje. Então, foi por isso que eu abri a minha primeira conta de Facebook eu tinha essa visão, que ela foi aberta para os alunos, para esse universo escolar. Eles sempre tiveram ciência disso. Uma vez ali dentro, você acaba se inserindo mesmo nesse processo. Depois vieram amigos de fora (RAFAELA,2013).
Essa conectividade com os alunos passou a ser importante também por ser
uma oportunidade de conhecer a linguagem deles. Suas interações nortearam
algumas intervenções pedagógicas em sala de aula. Assim como a professora Laura,
a professora Rafaela é bem ativa nas redes sociais com os alunos. Ela observa atenta
a necessidade que eles têm de se expor, então ela intervém nesse aspecto mostrando
o quanto eles podem se prejudicar:
Eu tenho um pouco dessa dificuldade, os meus alunos são do Ensino Médio, eles têm em média de 14 a 18 anos. A linguagem deles é completamente diferente, a forma deles se expressarem é diferente, então eu comecei a me sentir um pouco velha, apesar da idade. Eles usavam termos que eu desconhecia totalmente: — Gente, eu não estou mais conseguindo entender o que os meninos falam. E isso estava sendo muito preocupante, então eu resolvi ceder a essa questão das redes sociais, o que para mim foi muito bom. Eu comecei a enxergar mais aquele aluno. Aquilo que eles colocavam lá eu comecei a fazer as intervenções na minha disciplina. Principalmente no quesito, como eles expõem a imagem corporal deles na rede social, essa necessidade de se mostrar o tempo inteiro: está no banheiro, no quarto, na garagem da casa. Isso começou a chamar minha atenção: —Para que isso? Então eu comecei a buscar informações sobre isso. Então eu comecei a levar o aluno para o lado de ser mais protagonista das ações, para ver se diminuía mais essa necessidade de se mostrar. Vi que existia um vazio nesse sentido, no sentido dessa compreensão deles serem sujeitos (RAFAELA,2013).
Apesar desse aspecto de conhecer melhor o universo dos alunos, é importante
colocarmos em relevo que esse bom relacionamento também subtrai bastante tempo
do descanso e lazer da professora Rafaela, mesmo que ela considere positivo pelo
resultado em sala de aula, e pelo desempenho dos alunos que é bastante satisfatório.
Contudo, é preciso estabelecer um equilíbrio entre o trabalho e as necessidades da
própria pessoa.
126
Conforme ARROYO (2009), o professor tem dificuldade de se desconectar do
trabalho, de demarcar o magistério ao campo da atuação profissional, transformando
a vida numa condição permanente de ser professor. Então é preciso,
Problematizar-nos a nós mesmos pode ser um bom começo, sobretudo se nos leva a desertar das imagens de professor que tanto amamos e odiamos. Que nos enclausuram mais do que nos libertam. Porque somos professores. Somos professoras. Somos, não apenas exercemos a função docente. Poucos trabalhos e posições sociais podem usar o verbo ser de maneira tão apropriada. Poucos trabalhos se identificam tanto com a totalidade da vida pessoal. Os tempos de escola invadem todos os outros tempos. Levamos para casa as provas e os cadernos, o material didático e a preparação das aulas. Carregamos angústias e sonhos da escola para casa e de casa para a escola. Não damos conta de separar esses grupos porque ser professoras e professores faz parte de nossa vida pessoal. É o outro em nós. Por vezes nos incomoda esse entrecruzamento de tempos e de vivências. De papéis sociais. Tentamos despir-nos dessa condição que se incorporou em nós. Tentamos afirmar-nos, profissionalizar nossos tempos, não misturá-los com visões antiquadas de vocação ou de amor. Gostaríamos de libertar-nos desses entrecruzamentos e reduzir o magistério a um tempo profissionalmente delimitado. E, tendo cumprido esse tempo, esquecer de que somos professores (ARROYO, 2009, p. 27).
As reflexões do autor são um alerta para a sobrecarga de trabalho acumulada
ao longo da profissão. O trabalho contínuo tem um custo para o bem-estar dos
profissionais, sendo necessário delimitar o tempo de trabalho e da vida pessoal. Ser
professor como qualquer profissão exige pausas, e nesse aspecto o uso das
tecnologias de informação e comunicação trazem inúmeras possibilidades de
diversificar o trabalho, mas dependendo do uso feito, essas ferramentas podem
funcionar como elemento impactante ao trabalho docente, e às vezes o professor nem
se dá conta que não está apenas sendo amigo virtual do aluno, mas está acima de
tudo sendo professor na escola e também a distância por meio das redes sociais.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os seis relatos caracterizando a escola foram feitos por professores que atuam
no Ensino Fundamental e Médio em disciplinas diversas tais como Física, Artes,
Biologia, Geografia e Educação Física. Dentro dessa diversidade de disciplinas com
campos de trabalho peculiares pudemos identificar pontos comuns de motivação nas
suas narrativas, assim como nas narrativas feitas pelos alunos.
Em cada disciplina foram citados exemplos de valorização do corpo docente e
dos alunos, de projetos multidisciplinares, da atuação dos gestores da escola na
valorização do ensino e da aprendizagem, no cuidado com a infraestrutura da escola
e na mediação dos conflitos. Seus depoimentos convergiram com os relatos dos
alunos no sentido do respeito mútuo.
Diante do quadro traçado pelos participantes da pesquisa, identificamos esse
território, que é a escola, como um espaço onde as interações entre alunos e
professores são construídas a partir de um conjunto de ações onde cada um é visto
como parte importante dessa construção, e ao mesmo tempo identificamos um
sentimento de pertencimento desses sujeitos com relação a esse lugar. Nada está
pronto em definitivo. Há sempre algo a ser repensado ou construído nessa escola.
O fato da Instituição dispor de um quadro permanente de professores reduzido,
demanda um esforço contínuo para manter as metas atualizadas. Os recém-chegados
vão sendo incluídos nos projetos institucionais e na medida em que compreendem a
sua importância vão fazendo parte dessa construção coletiva deixando a sua marca.
A escola ideal49, termo usado pelos participantes desta pesquisa, não é um
lugar mágico situado fora do tempo e do espaço, onde tudo é perfeito, sem conflito ou
problemas, pois o conflito faz parte do convívio humano assim como os desafios. Pelo
relato de experiência de docentes e alunos, a escola ideal é aquela em que ambos se
sentem acolhidos, seguros e valorizados. É o local onde o sentido do trabalho coletivo
pode ser materializado pelo esforço diário de todos os sujeitos que compõem a
Instituição e criam um ambiente organizacional saudável para o trabalho e para as
relações sociais.
49 Grifo nosso.
128
A escola pesquisada tem práticas diferenciadas que a nosso ver são práticas
possíveis em qualquer ambiente escolar como o diálogo com todos na escola,
inclusive com a família. Esse diálogo se dá pelo modo tradicional, face to face, e pelos
meios eletrônicos. Há a valorização dos alunos como protagonistas na construção dos
saberes multidisciplinares, nesse campo de construção de conhecimento, as mídias
são utilizadas como ferramentas importantes.
Há o uso de tecnologias de informação e comunicação com o cuidado de que
haja o aproveitamento dessas ferramentas da melhor forma possível. O risco de uso
das novas tecnologias apenas como entretenimento existe, tanto que os professores
entrevistados relataram haver a necessidade de disciplinar esse uso em sala de aula
por parte de todos, e essa é uma prática da Instituição. Há também a preocupação
com o uso que os alunos fazem da imagem dos professores nas redes sociais. Para
prevenir essa possível exposição, a própria Instituição em parceria com pais e
professores age na construção de um relacionamento presencial respeitoso. Desse
modo, não identificamos nenhum caso de ciberviolência no período pesquisado. A
escola dispõe de uma página no Facebook onde as atividades escolares são
publicadas.
Enfatizando a necessidade de disciplinar o uso das tecnologias e internet na
escola, os professores mostraram-se favoráveis ao uso dessas novas ferramentas,
para pesquisa, comunicação e estudos, desde que combinado entre as partes, e com
acesso para todos. Por isso, a existência de equipamentos eletrônicos e acesso à
internet foram fatores indicados por eles como algo que diferencia essa escola pública
das demais em que trabalham ou já trabalharam, assim como o compromisso da
Instituição em apoiar os professores disciplinando o uso de equipamentos eletrônicos
em sala de aula. A escola reforça junto aos pais a mútua responsabilidade quanto ao
uso dos eletrônicos na escola.
Quanto aos equipamentos eletrônicos da escola, já em desgaste pelo uso
constante, a Diretoria, acolhendo a demanda dos professores já encaminhou o
processo de substituição dos equipamentos, embora esse processo tenha que
obedecer aos trâmites burocráticos inerentes ao setor público, por vezes demorado.
Desse modo, os professores destacaram ser uma prática comum na escola o uso dos
equipamentos eletrônicos, adquiridos com recursos próprios, e não somente utilizar
os equipamentos que são disponibilizados para o uso comum.
129
Os recursos tecnológicos são utilizados, mas outras práticas permanecem,
como as atividades escritas. Há o uso de livros impressos e exercícios avaliativos, e
há a biblioteca e o setor de reprografia para apoio aos professores no uso de material
impresso.
Todos os professores afirmaram considerar a escola segura com ambiente
organizacional interferindo positivamente na motivação para o trabalho.
Quanto à infraestrutura de trabalho, as dificuldades identificadas foram pontuais
tendo os professores relatado o empenho da gestão, em resolvê-las.
De modo geral, houve convergência dos relatos de todos os participantes da
pesquisa no sentido de que essa Instituição desenvolve um trabalho peculiar de
valorização dos professores com ações mediadas pelo diálogo constante em todas as
instâncias, o que fortalece os vínculos entre os sujeitos que compõem esse ambiente
escolar. Além do diálogo, a Instituição apresenta uma infraestrutura que propicia ao
desenvolvimento do trabalho docente conforme demonstrado neste estudo.
Nossa convicção é a de que o relacionamento no espaço físico da escola vem
influenciando o comportamento dos alunos nas redes sociais, cuja ética é marcada
pelo respeito. Havendo limites nas interações sociais presenciais, esses limites
influenciam a natureza das relações na rede.
Essa escola vem recriando suas práticas, agregando conhecimento por meio
das mídias digitais, obtendo bons resultados conforme os índices de avaliação oficiais,
sem, contudo, prescindir do cuidado e do bem-estar dos aluno e professores.
Esta pesquisa nos trouxe dados importantes quanto às perspectivas de uso da
tecnologia de informação e comunicação como aliada à produção do conhecimento e
às interações na sala de aula, e quanto ao papel democrático da gestão escolar
influenciando esse contexto. Ante o estudo feito, podemos reafirmar também a nossa
convicção de que é possível a constituição de uma escola pública onde o trabalho
docente seja desenvolvido com os meios necessários à aprendizagem e onde haja
interações respeitosas entre alunos e professores.
Encerramos este estudo na perspectiva de que há ainda muito a ser discutido
sobre o trabalho docente em suas múltiplas vertentes, assim como há muito que se
fazer no sentido de que o professor exerça com dignidade o seu ofício em todas as
suas dimensões.
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