pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc - sp garcia de lima.pdf · pontifÍcia...
TRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Eduardo Garcia de Lima
A aplicação quântica do direito sob a ótica do Capitalismo
Humanista: a não neutralidade entre o capitalismo e os
direitos humanos e fundamentais
Mestrado em Direito
São Paulo
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Eduardo Garcia de Lima
A aplicação quântica do direito sob a ótica do Capitalismo
Humanista: a não neutralidade entre o capitalismo e os
direitos humanos e fundamentais
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito
Econômico), sob a orientação do Professor Livre-Docente
Doutor Ricardo Hasson Sayeg.
Mestrado em Direito
São Paulo
2016
Banca examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
À memória do meu pai, Clóvis Garcia de Lima,
a quem devo quase tudo do que sou, com todo o meu amor.
AGRADECIMENTOS
A gratidão é uma das faces pela qual se manifesta o amor. E como este trabalho é o
resultado de uma jornada que eu não terminaria sem todo o apoio que tive, é hora de
expressar a minha gratidão.
Agradeço a Deus, o Criador Incriado, e a Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida.
À minha esposa, Cristiane Caon de Souza Lima, pelo seu amor e pela sua compreensão
com os tantos compromissos que insisto em assumir.
Às minhas filhas Bruna Souza de Lima e Maria Carolina Souza de Lima, que enchem de
alegria os meus dias e me fazem acreditar num mundo melhor.
À minha querida mãe, Vanda Oliveira Lima, que, com meu pai, Clóvis Garcia de Lima,
nos deu uma família maravilhosa, repleta de amor.
Aos meus irmãos, Evandro Garcia de Lima e Leandro Garcia de Lima, meus amigos e
companheiros de todas as horas, por partilharmos todas as alegrias e tristezas da vida.
Ao meu orientador, o Professor Livre-Docente Doutor Ricardo Hasson Sayeg, mestre,
amigo e irmão, a quem não tenho palavras para expressar toda a minha gratidão por sua
imensa generosidade. A sua amizade é um presente que recebi da vida. A sua teoria, a
sua orientação e sua convivência exemplificam o exercício de amor ao próximo. Sem o
seu incentivo e a sua confiança esta jornada não se tornaria realidade.
Aos meus Professores no Programa de Mestrado em Direito da PUC-SP: Nelson Nazar,
Cláudio José Langroiva, Marcelo Souza Aguiar (in memoria), Cláudio Finkelstein e
Márcia Cristina de Souza Alvim, pelas valiosas lições.
Aos Professores Antônio Carlos Matteis de Arruda Junior e Camila Castanhato, pelos
comentários e sugestões na qualificação, imprescindíveis para o aprimoramento dessa
pesquisa.
À Professora Doutora Edna Maria Barian Perrotti, por ter feito uma cuidadosa revisão,
indicando as falhas expositivas e os equívocos que cometi no desenvolvimento da
dissertação. A sua contribuição e a sua sensibilidade, sobretudo num momento difícil da
minha vida, foram decisivas para o resultado final deste trabalho.
À Fernanda Cristina Covolan, irmã escolhida, elo da corrente infinita de quem faz o
bem sem nada esperar em troca, que caminha comigo desde os tempos da nossa
graduação, e que sempre me motivou a prosseguir na carreira acadêmica e no
magistério.
Ao Diogo Cressoni Jovetta, pela amizade, pela parceria desde os tempos da
especialização, e por ter me ajudado a cumprir uma das exigências indispensáveis para
chegar até aqui.
À Raquel Ribeiro Pavão Köberle, pelo seu inestimável apoio no escritório e nos meus
estudos, e por partilharmos quase todos os dias o ideal da dignidade humana.
À Josimary Rocha de Vilhena, por sua amizade e disponibilidade, e por partilharmos o
sonho de uma sociedade fraterna desde o início de nossa caminhada no mestrado.
Aos irmãos Robson Santos Chicca, Luiz Bernardo de Almeida e Sônia Levin de
Almeida, pela colaboração na redação dos textos em língua estrangeira, e, mais do que
tudo, pela amizade fraterna.
Aos meus ex-alunos e à direção da Faculdade de Direito UNASP - Centro Universitário
Adventista, do campus Engenheiro Coelho, pela compreensão, pelo incentivo e pelo
apoio quando os deixei para iniciar esta jornada.
A todos os amigos da Casa da Criança e do Adolescente de Valinhos, instituição em que
atuamos unidos em torno do exemplo e da liderança do irmão Anélio Zanuchi,
procurando pôr em prática o exercício do amor ao próximo.
Aos demais amigos – impossível mencionar todos –, porque trago em mim um pouco de
cada um.
A todos, minha profunda gratidão!
(...) O amor pelo próximo é o princípio subliminar da ordem. É o
sentimento primeiríssimo, o primeiríssimo elã da alma, dos que são
levados a conviver numa comunidade. Mesmo quando obumbrado,
não percebido ou expresso, ele é o sentimento subjacente da união dos
seres na sociedade. É o elo tácito da comunhão humana.
Em verdade, o amor constitui, no imo da consciência de legisladores e
intérpretes, a matriz silenciosa, o submerso manancial, a inspiração
geradora da Disciplina da Convivência. É a origem mais pura, mais
profunda da legislação: a causa das causas.
É a fonte natural do Direito.
Goffredo Telles Júnior
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................
x
ABSTRACT.............................................................................................................
xi
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
12
1 O SISTEMA JURÍDICO E OS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS .................................................................................................
25
1.1 A CATEGORIA JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS E O TRAÇO CARACTERÍSTICO DE EXPLICITAÇÃO DA
DIGNIDADE HUMANA.........................................................................................
25
1.2 ORDEM JURÍDICA, SISTEMA E DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS ..................................................................................................
28
1.3 FINALIDADES DO ORDENAMENTO JURÍDICO, DIGNIDADE
HUMANA E DIREITO COMO MÍNIMO ÉTICO...................................................
31
1.4 OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS
JURÍDICOS...............................................................................................................
36
2 O DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS...................................................................................................
39
2.1 OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS AO LONGO DO
TEMPO......................................................................................................................
39
2.2 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS...........
47
2.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS...................................................................................................
52
2.4 EFEITOS HORIZONTAIS DOS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS....................................................................................................
53
3 UM NOVO OLHAR: O RECONHECIMENTO DA
COMPLEXIDADE..................................................................................................
56
3.1 OS DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO E A NECESSIDADE DE UM
NOVO OLHAR.........................................................................................................
56
3.2 A INADEQUAÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO DOS SABERES.......................
58
3.3 A PERCEPÇÃO DA COMPLEXIDADE........................................................... 59
3.4 CONHECIMENTO PERTINENTE E VISÃO HOLÍSTICA.............................
63
3.5 A INTER-MULTI-TRANS-DISCIPLINARIDADE...........................................
66
4 FÍSICA QUÂNTICA E DIREITO......................................................................
70
4.1 O DETERMINISMO CIENTÍFICO DO MODELO FÍSICO
MECANICISTA........................................................................................................
70
4.2 AS REVELAÇÕES DA FÍSICA QUÂNTICA...................................................
73
4.3 A COMPLEMENTARIDADE E A INCERTEZA..............................................
76
4.4 FÍSICA QUÂNTICA COMO NOVO PARADIGMA E DIREITO
QUÂNTICO...............................................................................................................
81
5 O CAPITALISMO HUMANISTA......................................................................
87
5.1 OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS E A ORDEM
ECONÔMICA...........................................................................................................
87
5.2 ECONOMIA E ORDEM ECONÔMICA............................................................
87
5.3 O CAPITALISMO HUMANISTA......................................................................
93
6 A APLICAÇÃO QUÂNTICA E A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS.............................................................................................................
100
6.1 A APLICAÇÃO QUÂNTICA DO DIREITO....................................................
100
6.2 A CONSUBSTANCIALIDADE.........................................................................
107
6.3 O JUS-HUMANISMO NORMATIVO...............................................................
111
CONCLUSÃO..........................................................................................................
118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................
123
RESUMO
O presente estudo se propõe investigar a aplicação quântica do direito sob a ótica do
Capitalismo Humanista. Parte do pressuposto de que, na quadra civilizatória atual, não
se concebe a compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos
humanos, e, em consequência, dos direitos fundamentais, e que a realidade apresenta
um dado instigante: não basta ao ordenamento jurídico, e em especial ao Estado, o
reconhecimento desses direitos, pois o que se almeja é mais do que isso: almeja-se a
eficácia desses direitos. Para abordar a teoria do Capitalismo Humanista, foram
investigados não só os conceitos de economia e de ordem econômica, apresentando o
delineamento da referida teoria, que sustenta a concretização dos direitos humanos em
todas as suas dimensões – liberdade, igualdade e fraternidade –, como também a
aplicação quântica do direito como via de efetivação dos direitos humanos e
fundamentais, que traz para a ciência jurídica o conceito de consubstancialidade, pelo
qual se compatibilizam fenômenos aparentemente antagônicos, que sustenta o jus-
humanismo normativo. O estudo realizado mostrou que, na aplicação quântica do
direito, não se cogita de qualquer interpretação jurídica que não seja compatível com
todas as dimensões dos direitos humanos e, em consequência, com a dignidade humana.
Por isso, pode-se afirmar que o Capitalismo Humanista, valendo-se da aplicação
quântica do direito, sustenta a efetivação dos direitos humanos – a ordem jurídica
encontra-se comprometida com a dignidade humana.
Palavras-chave: capitalismo humanista – direito econômico - direitos humanos – direito
quântico – aplicação quântica do direito.
ABSTRACT
This study aims at investigating the Quantum Law Application, from the Human
Capitalism point of view. From the prior conjecture of the current stage of civilization,
it‘s not conceivable to understand the juridical order without the human rights
acknowledgment and, consequently, of the fundamental rights, and that reality presents
provocative data: to the arrangement of legal orders, particularly to the State, it‘s not
sufficient to acknowledge such rights, since the goal goes far beyond that: it is the
efficacy of such rights that matters. In order to approach the human capitalism theory,
the concepts of economy and economic order were explored portraying the formulation
of said theory which supports the substantiation of human rights in all of its dimensions
– freedom, equality and fraternity – as well as the quantum law application as a way to
guarantee the underlying human rights, providing legal science the concept of
consubstantiality, by which makes seemingly antagonistic phenomena support
normative legal humanism. The study performed showed that in the quantum law
application there is no questioning of any legal interpretation that is not compatible with
all dimensions of human rights, and consequently with human dignity. Therefore it is
possible to state that human capitalism, making use of quantum law application,
supports the effectuation of human rights – the legal system is committed to human
dignity.
Keywords: human capitalism - economics rights - human rights - quantum law -
quantum law application.
12
INTRODUÇÃO
... no capitalismo, os homines economici lutam diuturnamente
uns contra os outros e contra o planeta, em estado de natureza,
com manifesta selvageria, tendo a incessante busca patrimonial
ou consumista como propósito final.
Sayeg e Balera
É incontroverso que os direitos humanos tiveram grande impulso após os
horrores da Segunda Guerra Mundial. As graves violações desses direitos, que
resultaram no extermínio de milhões de pessoas, além de tantas outras atrocidades,
assombraram a humanidade.
No campo da ciência jurídica, em consequência da Segunda Guerra
Mundial, foram desenvolvidas severas críticas ao formalismo do positivismo jurídico,
frio e inodoro1, estruturado numa lógica racional cientificista clássica
2, que permitiu a
criação de normas jurídicas que autorizaram até mesmo a prática do holocausto.
Terminada a Guerra, o reconhecimento dos direitos humanos,
provenientes de uma ordem jurídica internacional, resultou numa positivação cada vez
maior desses direitos, que foram inseridos no âmbito do ordenamento jurídico de cada
país, identificados como direitos fundamentais, tal como ocorreu no ordenamento
jurídico pátrio.
1 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O capitalismo humanista – Filosofia humanista do direito
econômico. Petrópolis: Editora KBR, 2011, p. 29/33 2 CASTANHATO, Camila. Liberdade. Tese de doutorado defendida na PUC - SP, 2013, p. 19.
Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16475>. Acesso em
09/01/16.
13
A par disso, na atual quadra civilizatória não se pode mais conceber a
compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos, e, em
consequência, dos direitos fundamentais.
Comparato3 adverte que hoje a supremacia jurídica da Constituição
tornou-se um dogma, proibindo-se qualquer contestação doutrinária, sob pena de heresia
maior. Mas esse mesmo autor frisa que essa preeminência normativa tem limites
lógicos, pois a Constituição faz parte do direito positivo estatal, de modo que não se
sobrepõe nem aos direitos humanos nem ao direito internacional. Ainda assim, Flávia
Piovesan sustenta que ―a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos
constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em
que o Brasil seja parte‖4, de modo que a fonte dos direitos humanos não se esgota na
Constituição Federal.
Sucede que, ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais estão
entalhados no ordenamento jurídico, com a finalidade de realização da dignidade
humana, convive-se com uma crescente desigualdade entre os homens, como evidente
resultado do sistema capitalista. Se, de um lado, ―o capitalismo se firmou como o
sistema econômico mais eficiente e recomendável na geração de riquezas‖5 ao longo do
tempo, de outro lado não há como deixar de reconhecer que esse modelo vigente,
neoliberal, espalha cada vez mais a miséria e a degradação do meio ambiente no globo
terrestre.
Nesse contexto, a realidade exibe um dado instigante e de relevo à
ciência jurídica: não basta ao ordenamento jurídico, e em especial ao Estado, o
reconhecimento dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, pois o que se almeja
é mais do que isso: almeja-se a efetivação desses direitos.
3 COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 266.
4 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12 ed., São Paulo:
Saraiva, p. 113. 5 CASTANHATO, op.cit., p. 64.
14
Daí a pertinência de se questionar se a efetivação dos direitos humanos e
fundamentais é compatível com o sistema econômico capitalista.
A resposta a essa questão é dada pela teoria do Capitalismo Humanista,
de Ricardo Sayeg e Wagner Balera, afirmando os autores que todas as estruturas
humanistas – de liberdade, de igualdade e de fraternidade – devem ser impostas ao
capitalismo, para que haja sua conformação modelar em prol da humanidade.6
É a partir dessa ótica, ou seja, a partir dessa teoria, que se propõe
investigar no presente estudo se a teoria do Capitalismo Humanista compreende a
concretização dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no sistema capitalista,
Portanto, o que se investiga é se a ordem econômica capitalista é compatível com a
efetivação dos direitos humanos e fundamentais, à luz do Capitalismo Humanista.
Em princípio, basta ver que a Constituição de República proclama, em
seu artigo 170, que ―a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social‖. Ora, a simples menção ao referido dispositivo permite afirmar que a
ordem constitucional, incluindo-se nela a ordem econômica, encontra-se
compromissada com a realização da dignidade da pessoa humana e, consequentemente,
com os direitos humanos.
Visando sistematizar a investigação, o presente estudo parte da premissa
de que não se pode conhecer o ordenamento jurídico sem o reconhecimento dos direitos
humanos e fundamentais, cujo feixe de direitos explicita a dignidade humana. Sustenta-
se que os direitos humanos e fundamentais compõem categorias jurídicas, e que o
ordenamento jurídico tem finalidades predeterminadas, dentre as quais avulta como
valor supremo a dignidade da pessoa humana. Apresenta-se o desenvolvimento dos
direitos humanos ao longo do tempo, em suas distintas dimensões, elencando-se as
características dos direitos humanos e dos direitos fundamentais; demonstra-se, ainda,
aplicação horizontal desses direitos.
6 CASTANHATO, op.cit., p. 64, p. 33.
15
Em sequência, a partir dos desafios da globalização, sustenta-se a
necessidade de um novo olhar, holístico, que permita a percepção da complexidade,
conforme propõe Edgar Morin, reconhecendo a inadequação da fragmentação dos
saberes e a necessidade de um conhecimento inter-multi-trans-disciplinar.
Demonstra-se a influência do modelo mecanicista newtoniano no
desenvolvimento das ciências na modernidade, apresentando-se a física quântica como
um novo paradigma científico, que introduziu a incerteza e a complementaridade na
compreensão da natureza, cujas descobertas foram compatibilizadas na ciência jurídica
com o direito quântico, teoria desenvolvida por Goffredo Telles Júnior, que vai se
adequar ao olhar holístico e transdisciplinar proposto por Edgar Morin.
Para abordar a teoria do Capitalismo Humanista, foram investigados os
conceitos de economia e de ordem econômica, apresentando-se, em seguida, o
delineamento da referida teoria, que sustenta a concretização dos direitos humanos em
todas as suas dimensões.
Em seguida, a aplicação quântica do direito foi investigada como via de
efetivação dos direitos humanos e fundamentais, que traz para a ciência jurídica o
conceito de consubstancialidade, pelo qual se compatibilizam fenômenos aparentemente
antagônicos, que sustenta o jus-humanismo normativo. Uma posição teórica que, sem
abandonar a norma, tem uma postura diferente em relação ao positivismo, trazendo para
dentro da norma o conteúdo significante dos direitos humanos, que se encontra na
dignidade humana. Uma abordagem que está em consonância com o marco civilizatório
atual e que sustenta a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, em todo e
qualquer aspecto na aplicação da norma, seja de que natureza for, no que alcança
também o direito econômico.
Em suma, investigar-se-á a não neutralidade entre a ordem econômica e
os direitos humanos e fundamentais e, via de consequência, a pertinência da PEC –
16
Projeto de Emenda Constitucional, n. 383, de 20147, que visa inserir como princípio da
ordem econômica a observância dos direitos humanos, acrescentando o inciso X ao art.
170 da Constituição Federal.
O sistema como método
Maria Helena Diniz8 esclarece que ―é o critério adotado pelo jurista que
determina o seu objeto. Essa operação pela qual se constitui o objeto deve ser,
obviamente, governada pelo método, que fixará as bases de sistematização da ciência
jurídica.‖
Assinala a autora que ―a ciência do direito é uma inquietude ante o
problemático. Assim sendo, esse problema só pode ser por ela solucionado se se eleger
um caminho que possibilite ao sujeito pensador ideias firmes sobre o objeto de sua
análise.‖
O método científico de que se serviu essa pesquisa foi o método
sistêmico, ressaltando-se que, por método científico, se deseja indicar a forma de
organização do raciocínio aqui empregada. Veja-se que a indicação de tal método não se
confunde com o pensamento sistêmico, que pode ser considerado como referencial
teórico, já que este trabalho se dedica propriamente à análise do Capitalismo Humanista
como marco teórico. Assim, por meio do método sistêmico, realizou-se a análise do
referencial teórico, entendido igualmente como pertencente à interpretação sistêmica9
do fenômeno jurídico.
7 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 383/2014, de 20 de janeiro de 2014. Câmara dos
Deputados, Brasília, DF, 20 fev. 2014. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>
Acesso em 02/03/16. 8 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 18. ed., São Paulo: Saraiva,
2006, p. 30/31. 9 CASTANHATO, op.cit., p. 26.
17
Tal método de pensamento se afirma no século 20 em contraposição às
interpretações analíticas, em que se estabelecem relações de causa e efeito, muito
frequentes no pensamento iluminista e no moderno. A concepção metodológica
sistêmica parte da ideia de que a compreensão de um dado fenômeno demanda a
compreensão dele dentro de um contexto mais amplo, como componente de um sistema
maior, que será chamado pelos sistêmicos de ―ambiente‖.
Em sua Teoria Geral dos Sistemas, Günter Wilhelm Ulhmann explica
que tal método ―alia a análise (decomposição) do atomismo e a visão da recomposição
(síntese)‖, bem como procura compreender o todo como sendo maior que a soma das
suas partes ―a partir das propriedades emergentes‖.10
Segue o autor explicando que o
pressuposto ontológico de tal método seria que ―o TODO justifica as PARTES e as
PARTES são fundamentais para o TODO‖, na mesma medida em que ―O TODO dá
sentido para as PARTES que o compõem – a assim chamada organização.‖11
O primeiro expoente da Teoria Geral do Sistema foi Karl Ludwig von
Bertalanffy, nos anos 1930, que elaborou uma visão de sistema como sendo ―um
conjunto de elementos inter-relacionados, mas cuja interação é ordenada e não caótica‖,
formando um sistema dinâmico, já que seus elementos não estão ―estagnados no tempo
e no espaço‖.12
Bertalanffy demonstrava, assim, seu inconformismo com as visões
mecanicistas, baseadas na física newtoniana, e partia em busca de uma explicação que
considerasse o todo, as relações das partes e as relações com o ambiente circundantes.
Ulhmann procura sintetizar o pensamento de Bertalanffy no que se refere
à Teoria Geral dos Sistemas da seguinte forma:
10
UHLMANN, Günter Wilhelm, Teoria Geral dos Sistemas - Do Atomismo ao Sistemismo: uma
abordagem sintética das principais vertentes contemporâneas desta Proto-Teoria. São Paulo, 2002.
Disponível em: <www.institutosiegen.com.br/documentos/Teoria_Geral_dos_Sistemas.pdf>, p. 10.
Acesso em 04.01.16. 11
Ibid., p. 15 12
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no
Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 79.
18
Há uma tendência geral à integração das varias ciências
naturais e sociais;
Esta integração parece girar em torno de uma teoria geral dos
sistemas;
Esta teoria poderá ter um recurso importante ao buscar uma
teoria exata em campos não físicos da ciência;
Ao elaborar princípios unificadores que correm verticalmente
pelo universo das ciências, esta teoria nos remeterá à meta da
unificação da ciência;
Isto poderá conduzir a uma integração, de cuja ausência a
investigação científica em muito se ressente.13
Nos anos 1970, Charles West Churchman concebeu sua abordagem
sistêmica com enfoque nas ciências sociais, em particular na administração.
Nesta dissertação, importa a percepção sistêmica baseada no continuum
de percepção-ilusão, que, para o autor, pode ser resumida em quatro aspectos:
a) a abordagem sistêmica começa quando, pela primeira vez, vê-se o
mundo por meio dos olhos de outrem;
b) a abordagem sistêmica apercebe-se continuamente de que toda
visão de mundo é terrivelmente restrita. Em outras palavras, cada
visão de mundo enxerga apenas uma parte de um sistema maior;
c) não existe ninguém que seja perito na abordagem sistêmica, isto é,
o problema da abordagem sistêmica é captar o que todos sabem, algo
fora do alcance da visão de qualquer especialista;
d) a abordagem sistêmica não é, de todo, uma má ideia.14
Ainda na biologia (caso de Bertalanffy), a teoria biológica dos chilenos
Humberto Maturana e Francisco Varela também consideraria a auto-organização dos
processos celulares, processos estes que denominariam de ―autopoiésis: os sistemas se
definem (criam identidade) a partir de suas próprias operações‖, sendo estas
―dependentes do sistema no qual são produzidas, o que, por sua vez, produz o próprio
sistema‖. Assim, a autopoiesis permite ―um processo circular de autoprodução de
componentes, capaz de dar sentido às informações do entorno e, por isso, distinguir-se
do mesmo.‖15
13
ULHMANN, op. cit., p. 19 14
Ibid., p. 48 15
BAETA NEVES, Clarissa Eckert e NEVES, Fabrício Monteiro. O que há de complexo no mundo
complexo? Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais. In Dossiê, Sociologias. Porto Alegre, ano 8,
nº 15, jan/jun 2006, p. 182-207. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/soc/n15/a07v8n15.pdf. p. 188>.
Acesso em 13/01/16.
19
Essa nova percepção de sistemas serviu de espaço para que Niklas
Luhmann desenvolvesse uma teoria dos sistemas sociais levando o pensamento antes
desenvolvido nas ciências biológicas e na administração para as demais ciências sociais.
O autor ―busca na ideia de complexidade a superação da relação causa-efeito‖, e passa a
compreender a complexidade ―como um conceito de observação e descrição, ou seja,
contando com a necessidade da presença de um observador que observa a
complexidade: o observador de segunda ordem.‖16
Essa complexidade extrema do mundo, nesta forma, não é
compreensível pela consciência humana. A capacidade humana não dá
conta de apreensão da complexidade, considerando todos os possíveis
acontecimentos e todas as circunstâncias no mundo. Ela é,
constantemente, exigida demais. Assim, entre a extrema complexidade
do mundo e a consciência humana existe uma lacuna. E é neste ponto
que os sistemas sociais assumem a sua função. Eles assumem a tarefa
de redução de complexidade. Sistemas sociais, para Luhmann (1990),
intervêm entre a extrema complexidade do mundo e a limitada
capacidade do homem em trabalhar a complexidade.17
A partir dessas percepções de inter-relação, de coexistência de diversos
sistemas no mundo complexo, que exercem influências mútuas, é que o Direito pode se
servir de propostas advindas de outras ciências – e com elas precisa se comunicar, bem
como com outros saberes –, pelo que se justifica o método em questão.
A propósito, Guerra Filho afirma que ―o sistema jurídico como um todo,
para a teoria dos sistemas autopoiéticos, é uma criação dos membros da sociedade em
interação comunicativa‖.18
E esclarece que o sistema se mantém autônomo, mas adota
componentes de outros sistemas:
O Direito, em uma sociedade com alta diferenciação funcional de seus
sistemas internos, se mantém autônomo frente aos demais sistemas,
como aqueles da moral, da economia, da política, da ciência, na
medida em que continua operando com seu próprio código, e não por
16
Ibid., p. 189 17
Ibid., p. 190 18
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Autopoiese do Direito na Sociedade pós-moderna: introdução a
uma teoria social sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 68.
20
critérios fornecidos por algum daqueles outros sistemas. Ao mesmo
tempo, sem que seus componentes percam seu conteúdo
especificamente jurídico, para adotar outros, de natureza moral,
política, econômica, etc., o sistema jurídico há de realizar o seu
acoplamento estrutural com outros sistemas sociais, para o que
desenvolve cada vez mais procedimentos de reprodução jurídica,
procedimentos legislativos, administrativos, judiciais, contratuais.
Tais procedimentos são instituídos para (auto)regulação e
(auto)controle na fundamentação de algum dos possíveis conteúdos
das normas jurídicas, que seja adequado a exigências sociais de
racionalidade, participação democrática, pluralismo de valores,
eficiência econômica etc. Os procedimentos jurídicos é que haverão
de ser estruturados atendendo já a essas exigências, pois não é mais
possível, nas sociedades hipercomplexas de hoje em dia, que o Direito
se limite a consagrá-las formalmente, nem se pode pretender que ele
as realize plenamente.19
O fato de adotar outros componentes, provenientes de outros sistemas
acoplados, ou seja, integrados ao sistema jurídico, não retira sua autonomia.
Com isso se tem uma breve menção da Teoria dos Sistemas, sem que se
pretenda, como já se disse, a apresentação de tal teoria como referencial teórico, mas
sim como método de análise para abordagem da problemática desse trabalho.
Em síntese, nesta pesquisa se deseja refletir sobre a efetivação dos
direitos humanos e fundamentais à luz do ordenamento jurídico, servindo-se de uma
visão sistêmica como método.
O marco teórico da pesquisa
O conhecimento do objeto do presente estudo tem como referencial
teórico a filosofia humanista de direito econômico, proposta por Ricardo Sayeg e
Wagner Balera, denominada Capitalismo Humanista.
19
Ibid., p. 69.
21
Uma teoria inovadora, que busca compatibilizar a ordem econômica
capitalista com os direitos humanos e, consequentemente, com a realização da
dignidade humana:
O Direito Econômico, portanto, não se restringe ao texto positivado
pela Constituição ou pela legislação, pois considera a intralinguagem,
relevada na categoria jurídica estruturante da dignidade da pessoa
humana, no nível quântico da própria norma jurídica, que é
metaconstitucional e percorre todo o planeta. Significa dizer,
conforme o pensamento de Telles Jr., que ―a ordenação jurídica é a
própria ordenação universal. É a ordenação universal no setor
humano‖, segundo o que o autor chama de ―sistemas de referência
efetivamente vigorantes‖. No nível quântico – daí o intratexto –
verifica-se que no capitalismo o sistema referencial do Direito
Econômico é composto pelos direitos humanos em suas múltiplas
dimensões – harmonicamente incidentes, com o status de equilíbrio
reflexivo –, tendo por propósito a consecução objetiva universal da
dignidade da pessoa humana.20
Em sua atividade interpretativa da norma jurídica, o Capitalismo
Humanista parte do texto normativo, mas avança além do texto, encontrando no
metatexto a dimensão dos valores culturais e, no intratexto, o conteúdo humanístico da
norma. E, diante de diferentes opções hermenêuticas, esta teoria assume que tem
compromisso com aquela de conteúdo marcadamente humanístico:
De acordo com a realidade concreta, os direitos humanos permeiam,
em caráter indissolúvel e acessível, o direito positivo na aplicação
plena da norma jurídica, de modo que as múltiplas opções
hermenêuticas hão de ceder àquela resposta atraída pelo intratexto
humanista balanceada pelo metatexto, agregando-se ao positivismo
jurídico as respectivas dimensões discursiva, cultural e humanista para
o fim da dignificação da pessoa humana.
Texto é linguagem. E esta é viva, dinâmica, uma expressão da cultura
humana na representação mental da existência do universo. A
linguagem textual é apenas a estrutura física da norma jurídica; em
razão disso, a norma jurídica segue a natureza não só do texto, mas
também da linguagem. Não é um objeto inanimado, e sim, por
especificidade, a representação viva do dever ser do homem e de todos
os homens, em permanente transformação. 21
20
SAYEG e BALERA, op.cit., p. 40. 21
Ibid., p34/35.
22
Trata-se de uma teoria que, ―ao contrário das visões radicalmente
positivistas e cientificistas, não rechaça os valores humanos, pelo contrário, incorpora-
os no intratexto de qualquer discurso vertido em linguagem, sobretudo no discurso
jurídico‖22
, identificando em qualquer norma jurídica o conteúdo significante da
dignidade humana. Contrapondo-se ao positivismo e reconhecendo as mazelas
produzidas pelo sistema econômico capitalista, o Capitalismo Humanista propõe o
resgate do direito natural ou, como dizem os autores, um ―direito natural revisitado‖,
que ―corresponde, na verdade, à concepção pós-moderna de direitos humanos‖23
, e que
almeja a implantação de um Planeta Humanista de Direito:
Nessa esteira, incumbe ao direito natural revisitado a tarefa hercúlea
de conformar a desenfreada liberdade da economia, selvagem e aética,
à universalização da dignidade da pessoa humana e planetária. Disto
decorre a implantação de um Planeta Humanista de Direito que não se
confunde com o intervencionismo descabido na economia, esfera que
deve permanecer, preferencialmente, nas mãos do setor privado e sob
o domínio do mercado. Não obstante, para além de assegurar o
mercado ao setor privado, deve ter o Planeta Humanista de Direito
uma ordem jurídica imanente, monista, planetária, capaz de, a um só
tempo, reconhecer em caráter inafastável e indissolúvel a economia de
mercado e manter uma relação de interdependência com a
concretização multidimensional dos direitos humanos, em prol do
homem e de todos os homens, como também do planeta.24
Assim, resta evidenciada a teoria que serve como marco teórico da
presente investigação, a qual será melhor delineada adiante, no Capítulo V.
Pressuposto: análise jurídica a partir da ordem econômica constitucional
Todo e qualquer trabalho com alguma pretensão científica se sujeita às
mais diversas críticas, sem as quais, em qualquer circunstância, não avança a ciência.
Isso posto – não obstante as críticas que se esperam, com todo acatamento – é de rigor
ressaltar que o presente estudo parte da ordem econômica estabelecida na Constituição
22
CASTANHATO, p. 22. 23
SAYEG e BALERA , op.cit., p. 31. 24
Ibid., p. 30.
23
da República, que se encontra fundada sobre a propriedade privada, a livre iniciativa e a
livre concorrência, dentre outros princípios, visando [a ordem econômica], segundo o
texto constitucional do artigo 170, a existência digna de todos e a justiça social. Trata-
se, sem dúvida, de uma ordem econômica capitalista.
Nesse mesmo sentido é a percepção de Thiago Lopes Matsushita25
:
Não deixa margens a dúvidas o caput do artigo 170 da CF sobre a
opção capitalista, cujo perfil é desenhado constitucionalmente. A
expressão ―garantir a todos existência digna‖ somente pode ser a
referência e subserviência da ordem econômica ao princípio da
dignidade da pessoa humana. Mas, como a ordem econômica é um
direito aplicado preferencialmente no coletivo, evidente que a
referência não foi à pessoa, mas sim a todos, o que significa à
população. A economia não está a serviço de um, mas sim a serviço
da população, dando-lhe a plataforma concreta de edificação dos
demais direitos humanos, compreendidos no conceito de dignidade da
pessoa humana e cidadania. Daí a opção capitalista humanista da
Constituição Federal ser induvidosa e seus valores integrarem os
feixes dos direitos fundamentais, como os de terceira geração, por
serem inerentes ao gênero humano da população.
Ora, como a Constituição da República estabelece uma ordem econômica
capitalista, este é um pressuposto de que parte a investigação proposta. A par disso,
críticas que tenham por fundamento o anseio de modificação do sistema econômico
constitucional, como daqueles que defendem a alteração do regime capitalista para o
regime socialista, ficam adstritas ao campo da política, não adentrando ao campo da
ciência jurídica.
Isso porque se trata de uma investigação jurídica, que tem por objeto o
estudo da ordem jurídica, mais especificamente da ordem econômica, que, no caso
brasileiro, tem um perfil de regime econômico capitalista, vez que consagra, a um só
tempo, a liberdade de iniciativa e a liberdade privada no ―caput‖ e no inciso II do art.
170 da Constituição Federal.
25
MATSUSHITA, Thiago Lopes. Análise Reflexiva da Norma Matriz da Ordem Econômica.
Disponível em: <http://www.pucsp.br/capitalismohumanista/downloads/analise_reflexiva_da_
norma_matriz_da_ordem_economica.pdf>. Acesso em 31.10.15, p. 137.
24
Apresentadas as notas introdutórias do presente estudo, com a
demarcação da teoria dos sistemas como método e do marco teórico, passa-se a abordar
a temática dos direitos humanos, com o objetivo de demonstrar que, na quadra
civilizatória atual, eles estão entranhados no ordenamento jurídico.
25
CAPÍTULO 1
O SISTEMA JURÍDICO E OS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS
1.1.A CATEGORIA JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS E
O TRAÇO CARACTERÍSTICO DE EXPLICITAÇÃO DA DIGNIDADE
HUMANA
A presente investigação pressupõe que não se concebe a compreensão da
ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos e, em consequência, dos
direitos fundamentais.
Isso posto, é preciso salientar que os direitos humanos precedem os
direitos fundamentais. Melhor dizendo: os direitos fundamentais originam-se dos
direitos humanos, pois são o reconhecimento posto dos direitos humanos, voltados à
dignidade da pessoa humana, que enseja o nascimento dos direitos fundamentais.
A vinculação estreita entre os direitos humanos e os direitos
fundamentais fica bem evidente no esclarecimento de Comparato:
Quanto aos direitos humanos, a doutrina germânica da primeira
metade do século XX, confrontada com o horror nazista, foi obrigada
a retomar a distinção clássica entre o direito natural e o direito
positivo, passando a distinguir direitos humanos não positivados
daqueles expressamente declarados no texto constitucional, estes
últimos denominados direitos fundamentais (Grundrechte). A
distinção acabou consagrada na Lei Fundamental alemã de 1949. A
Constituição Federal brasileira de 1988 aceitou esse discrime, ao
dispor, no art. 5º, parágrafo 2º, que ―os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte‖. Ou seja, na nova estrutura
constitucional, os princípios, ainda que não declarados explicitamente,
sobrepõem-se às regras, sendo que as normas de direitos humanos têm
natureza de princípios. 26
26
COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 266.
26
Ingo Wolfgang Sarlet explica que a dignidade da pessoa humana abre o
sistema jurídico ao reconhecimento de direitos e garantias fundamentais positivados em
tratados internacionais em matéria de direitos humanos:
Um dos setores onde se manifesta a transcendental importância da
dignidade da pessoa humana na ordem constitucional, designadamente
na sua conexão com os direitos fundamentais, diz com sua função
como critério para a construção de um conceito materialmente aberto
de direitos fundamentais. Com efeito, não é demais relembrar que a
Constituição de 1988, na esteira da revolução constitucional pátria
desde a proclamação da República e amparada no espírito da IX
emenda da Constituição norte-americana, consagrou a ideia de
abertura material do catálogo constitucional dos direitos e garantias
fundamentais. Em outras palavras, isto quer dizer que, além daqueles
direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo
Constituinte, existem direitos fundamentais assegurados em outras
partes do texto constitucional (fora do Título II), assim como integram
o sistema constitucional os direitos positivados nos tratados
internacionais em matéria de direitos humanos.27
A par disso, pode-se afirmar que os direitos humanos, tendo natureza de
princípios, tal qual o direito natural, não dependem de positivação, enquanto os direitos
fundamentais são os direitos humanos já positivados, posto que expressos no texto
constitucional.
Visto que os direitos humanos e os direitos fundamentais estão
imbricados, pois os segundos decorrem da afirmação histórica dos primeiros, cabe
registrar, como afirmam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior28, que os
direitos fundamentais constituem uma categoria jurídica própria. E apontam os autores o
papel a ser desempenhado pelo Estado na sociedade:
27
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal: uma análise na perspectiva da doutrina e judicatura do Ministro Carlos Ayres
Britto. In BERTOLDI, Márcia Rodrigues; OLIVEIRA, Kátia Cristine Santos de (Coords.). Direitos
fundamentais em construção: estudos em homenagem ao Ministro Carlos Ayres Britto. Belo Horizonte:
Fórum, 2010, p. 248. 28
ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional.
17. ed., São Paulo: Editora Verbatim, 2013, p. 153.
27
Os Direitos Fundamentais constituem uma categoria jurídica,
constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade
humana em todas as dimensões. Dessarte, possuem natureza
poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano na sua liberdade
(direitos e garantias individuais), nas suas necessidades (direitos
econômicos, sociais e culturais) e na sua preservação (direitos à
fraternidade e à solidariedade).
Note-se, nesse aspecto, que os Direitos Fundamentais passam a
assumir também uma dimensão institucional, na medida em que
pontuam a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece.
Com efeito, o traço característico dos direitos fundamentais é a
explicitação da dignidade humana, embora tal afirmação encontre críticas na doutrina,
como lembram Gilmar Ferreira Mendes et al.:
Se fosse necessária prova para demonstrar a polêmica que o assunto
envolve, bastaria citar a crítica que Canotilho faz a essa tentativa de
entrelaçar o princípio da dignidade humana na natureza dos direitos
fundamentais. Essa concepção, segundo o professor de Coimbra,
―expulsa do catálogo material dos direitos todos aqueles que não
tenham um radical subjetivo, isto é, não pressuponham a ideia-
princípio da dignidade da pessoa humana. O resultado a que se chega
é um exemplo típico de uma teoria de direitos fundamentais não
constitucionalmente adequada‖. A inadequação estaria em que a
constituição portuguesa – como a brasileira – também consagra
direitos fundamentais de pessoas coletivas, a denotar que a
proximidade com a ideia de dignidade humana não seria sempre um
vetor suficiente para definir os direitos fundamentais.
Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de
discernir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja
direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que
não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade
humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais,
atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade
física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em
dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da
dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder
prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em
que ‗os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser
considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade
humana‘.29
Certo, portanto, é que a compreensão dos direitos fundamentais não pode
ser dissociada da compreensão dos direitos humanos. Afinal, como aponta Ingo
Wolfgang Sarlet, a íntima e indissociável vinculação entre a dignidade da pessoa
29
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 236/237.
28
humana, os direitos fundamentais e a própria democracia, eixos estruturantes do Estado
Constitucional, constitui um dos esteios nos quais se assenta tanto o Direito
Constitucional quanto o Direito Internacional dos direitos humanos30
.
1.2. ORDEM JURÍDICA, SISTEMA E DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais não existem isoladamente nas normas jurídicas.
Norberto Bobbio lembra que ―as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas
sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si. E esse contexto
de normas costuma ser chamado de ‗ordenamento‘‖.31
E são tantas as normas existentes
no ordenamento jurídico que Bobbio as compara com as estrelas do céu, que ninguém
consegue contar32
.
Ora, todas as normas jurídicas constituem uma ordem. E se o conjunto de
normas jurídicas caracteriza uma ordem, cumpre investigar o conceito de ordem.
Ordem, no dizer de Goffredo Telles Júnior, nada mais é do que ―a
disposição conveniente de seres para a consecução de um fim comum‖:33
Toda ordem, evidentemente, é uma disposição. Mas não é uma
disposição qualquer. É uma certa disposição, uma disposição
conveniente de coisas, sendo que a disposição só pode ser considerada
conveniente quando alcança o fim em razão do qual ela é dada às
coisas.
Os livros de uma biblioteca estão em ordem quando se acham
dispostos de maneira a possibilitar o encontro de qualquer deles, no
momento em que for procurado. Esta possibilidade é o fim para cuja
consecução os livros são dispostos desta ou daquela maneira. Se tal
fim é atingido, a disposição dos livros é conveniente, e os livros estão
em ordem. O mesmo acontece com quaisquer coisas colocadas em
ordem, ou seja, em disposição conveniente.
30
SARLET, op. cit., p. 231/260. 31
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis/Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1989, p. 19. 32
Ibid., p. 37. 33
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 3
(grifos do autor).
29
Nota-se que ordem não resulta de qualquer disposição, mas de uma
disposição que atenda a um determinado fim. E este fim é identificado pelo olhar do
observador. Por exemplo: para uma pessoa que trabalhe como entregadora de livros e
que simplesmente os entrega a uma biblioteca, importa apenas o ato de entregar os
livros, não tendo, para o entregador, qualquer importância a disposição em que os livros
foram entregues. Diferentemente, para uma bibliotecária que tenha recebido esses
mesmos livros, que podem estar empilhados ou espalhados, será necessária outra
disposição, que permita a qualquer pessoa encontrar qualquer um dos livros na
biblioteca.
Daí a razão pela qual a aferição de ordem exige uma certa disposição, ou
seja, uma disposição conveniente, como esclarece Goffredo Telles Júnior:
A disposição conveniente, que é a disposição de seres múltiplos em
razão de um fim prefixado, relaciona seres distintos, conjuga-se de
maneira que cada um, de acordo com sua natureza ou destinação,
ocupe, dentro do conjunto, seu lugar próprio, passando a ser parte de
um todo, elemento de uma unidade.
Os livros dispostos convenientemente, para a consecução do fim
pretendido, ocupam lugares certos nas estantes e, em conjunto,
passam a constituir um todo. Essa ordem é que confere unidade à
multiplicidade dos livros, dando ao todo a qualidade de biblioteca. Em
tal ordem é que reside a diferença entre uma biblioteca e um
amontoado de livros.
A ordem, em verdade, é sempre uma unidade do múltiplo. 34
Quando se cogita de ordem, tem-se em vista um determinado fim. Um
fim que consubstancia uma unidade a partir da organização de elementos distintos. E
este fim precede à organização dos elementos.
A consecução de um objeto – de um fim determinado – é a razão-de-
ser da ordem. É evidente que a determinação desse fim há de ser
anterior à disposição efetiva dos seres múltiplos.
Ora, determinar um fim supõe o conhecimento desse fim. Logo, antes
da implantação de uma ordem, antes de qualquer disposição de seres,
existe, forçosamente, a ideia ou conhecimento do fim – do objeto –
cuja realização é o propósito da disposição dos seres e da ordem.35
34
TELLES JÚNIOR, op. cit., p. 4 (grifos do autor). 35
Ibid., p. 5 (grifos do autor).
30
Sem conhecimento prévio do fim, ou seja, sem conhecimento da
finalidade almejada, ou ainda, sem conhecimento do propósito objetivado, não há
ordem: “o conhecimento do fim precede a ordem, porque a disposição dos seres é feita
em razão dele. Em razão desse conhecimento é que a disposição dos meios é efetuada
como convém‖.36
Afirmada essa premissa – de que não se pode falar em ordem sem que se
identifique o fim pretendido –, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico, como
ordem que é, tem por objetivo atender determinadas finalidades. Aliás, o ordenamento
jurídico, enquanto objeto da ciência do direito, é tratado como sistema, o que, no dizer
de Norberto Bobbio37
, significa que se trata de uma ―totalidade ordenada‖, entendido
esse objeto da ciência jurídica como um conjunto harmônico de normas nas quais existe
―uma certa ordem‖, voltado esse conjunto para um fim comum.
Paulo de Barros Carvalho38
apresenta o significado de sistema,
apontando a importância de um princípio unitário que vincula as normas que o
compõem, nos seguintes termos:
Surpreendido no seu significado de base, o sistema aparece como o
objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio
unitário ou com a composição de partes orientadas por um vetor
comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si
e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção
fundamental de sistema.
É certo que ―as normas jurídicas formam um sistema, na medida em que
se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador.‖39
Assim, estruturado como sistema, o ordenamento jurídico encontra-se
organizado finalisticamente, de modo que os fins almejados não só preexistem à própria
36
Ibid., p. 5 (grifos do autor). 37
BOBBIO, op. cit., p. 71. 38
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 132. 39
Ibid., p. 136.
31
ordenação como também se irradiam e se projetam por todo o ordenamento, cuja
existência se legitima para o cumprimento dessas finalidades.
E como são inúmeras e distintas as normas que compõem a ordem
jurídica, tomada como sistema, cabe agora perquirir sobre quais são os fins almejados
pelo ordenamento jurídico.
1.3. FINALIDADES DO ORDENAMENTO JURÍDICO, DIGNIDADE HUMANA E
DIREITO COMO MÍNIMO ÉTICO
Investigando o direito positivo pátrio, observa-se que o artigo 1º da
Constituição revela que a República Federativa do Brasil é formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, que se constitui em Estado
Democrático de Direito, e que tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; V – o pluralismo político.
A par desses fundamentos, verifica-se que o artigo 3º da Constituição
Federal estabelece como objetivos fundamentais do Estado Brasileiro: I – construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III –
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV
– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
José Afonso da Silva40
, anota, a esse respeito, que
é a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente,
objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado,
mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das
prestações positivas que venham a concretizar a democracia
40
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed., São Paulo: Malheiros,
2005, p. 105.
32
econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade
da pessoa humana.
Eis, portanto, a notável expressão dos fundamentos claros e objetivos do
ordenamento jurídico. Se não estão expressos textualmente todos, é certo que esses
fundamentos e objetivos aclarados denotam, por assim dizer, os compromissos
norteadores e inquebrantáveis, que vinculam a um só tempo o Estado e a sociedade, e
que indicam a direção a ser seguida, almejando-se a efetivação da dignidade da pessoa
humana. E a dignidade da pessoa humana, como diz José Afonso da Silva41
, é o valor
supremo, unificador de todos os direitos fundamentais:
Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo
de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.
―Concebido como referência constitucional unificadora de todos os
direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o
conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação
valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não
podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos
direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos
sociais, ou invocá-la para construir ‗teoria do núcleo da personalidade‘
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da
existência humana‖.
E esse valor supremo, que é a dignidade da pessoa humana, irradia-se por
todo o ordenamento, incluindo a ordem econômica:
Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a
todos existência digna (art. 170); a ordem social visará a realização da
justiça social (art. 193); a educação, o desenvolvimento da pessoa e
seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como
meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo
normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.42
Visando dirigir a conduta e ordenar a convivência das pessoas, com
normas destinadas a dar a cada um o que é seu, e almejando a dignidade da pessoa
41
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 105. 42
Id.
33
humana, o direito caracteriza-se como uma ciência normativa do agir, como esclarece
André Franco Montoro43
:
A finalidade do direito não é o simples conhecimento ―teórico‖ da
realidade jurídica, embora esse conhecimento seja importante. Não é
também a formulação de quaisquer regras ―técnicas‖, eficazes e úteis,
apesar da grande importância da técnica jurídica. A finalidade do
direito é dirigir a conduta humana na vida social. É ordenar a
convivência de pessoas humanas. É dar normas ao ―agir‖, para que
cada pessoa tenha o que lhe é devido. É, em suma, dirigir a liberdade,
no sentido da justiça. Insere-se, portanto, na categoria das ciências
normativas do agir, também denominadas ciências éticas ou morais,
em sentido amplo.
Nesse contexto, de ciência normativa do agir, é que estão inseridos os
direitos humanos e fundamentais. A propósito, rememora-se que os direitos humanos,
secundados pelos direitos fundamentais, explicitam a dignidade da pessoa humana. E na
dignidade da pessoa humana encontra-se o mínimo ético do direito, ao qual se refere
André Franco Montoro44
, como o estritamente necessário para a convivência social:
Para evitar confusões, é preciso lembrar que o vocábulo ―moral‖ pode
ser empregado de duas acepções diferentes. Uma, estrita e hoje mais
corrente, que identifica moral com a disciplina dos atos humanos,
fundada na consciência. E outra, mais ampla, abrangendo todas as
ciências normativas do agir humano: pedagogia, política, direito moral
em sentido estrito, etc. Muitos preferem reservar a palavra ―ética‖ para
essa acepção ampla. (...) Nesse sentido, podemos dizer, com Vicente
Rao, que ―Moral e Direito têm um fundamento ético comum‖. Ou,
com Jellinek, que o direito é o ―mínimo ético‖, isto é, o estritamente
necessário para a convivência social.
Bem por isso, Miguel Reale45
adverte que ―toda regra jurídica, além de
eficácia e validade, deve ter um fundamento‖:
O Direito, consoante outra lição de Stammler, deve ser, sempre, ‗uma
tentativa de Direito justo‘, por visar à realização de valores ou fins
essenciais ao homem e à coletividade. O fundamento é o valor ou fim
objetivado pela regra de direito. É a razão de ser da norma, ou ratio
juris. Impossível é conceber-se uma regra jurídica desvinculada da
finalidade que legitima sua vigência e eficácia. Podemos dizer que a
43
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 30. ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2013, p. 125/126. 44
Ibid., p. 125/126. 45
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 115.
34
regra jurídica deve, normalmente, reunir os três seguintes requisitos de
validade: a) fundamento de ordem axiológica; b) eficácia social, em
virtude de sua correspondência ao querer coletivo; e c) validade
formal ou vigência, por ser emanada do poder competente, com
obediência aos trâmites legais.
Ora, a realização de valores ou fins essenciais ao homem e à
coletividade, como diz Miguel Reale, é, sobretudo, a realização dos valores que
explicitam a dignidade humana. Logo, esses valores, dos quais são portadores os
direitos humanos, que uma vez positivados tornam-se direitos fundamentais, é que
consubstanciam os fundamentos precípuos da ordem jurídica.
Uma vez evidenciados esses fundamentos e as finalidades do sistema
jurídico, é possível afirmar que o ordenamento jurídico almeja o bem-estar, a felicidade
das pessoas, como sustenta Goffredo Telles Júnior46
, ao tratar da disciplina da
convivência humana, lembrando que os seres humanos são destinados a viver em
sociedade, e que a sociabilidade humana difere da sociabilidade de outros animais:
Para os seres humanos, VIVER É CONVIVER.
De fato, a convivência é uma imposição específica da natureza. O ser
humano é social por natureza. É um animal político, já ensinava
Aristóteles. É um animal destinado a viver na ―polis‖ – na cidade, ou
seja, na sociedade. (...)
Cumpre observar que a sociabilidade humana é diferente da
sociabilidade dos outros animais gregários. Diferente, em verdade, do
que acontece, por exemplo, com a abelha, a formiga, a térmita. Por
quê? Porque o ser humano é levado a viver em sociedade não só por
inclinação genética, mas, também, por opção da inteligência e
disposição da vontade. Tal é o motivo pelo qual pode dizer-se que a
sociedade humana é natureza e é contrato.
E como decorre a vida em sociedade não só do instinto humano, mas,
sobretudo, da opção do ser humano, advém a necessidade de regulação da conduta
humana no contexto da ordem social, visando o bem-estar, a felicidade das pessoas:
Dentro da sociedade, cada pessoa se subordina, sim, à ordem social,
como parte ao todo. Mas a ordem social, note-se, existe para o bem
das pessoas: a este bem a sociedade se destina, e a ele a sociedade se
subordina, como o meio ao fim.
46
TELLES JÚNIOR, Goffredo. A criação do direito. 2. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p.
473/474 (grifos do autor).
35
Nisto é que reside a diferença de objetivo (de ―causa final‖) das
sociedades humanas. Na colmeia, no formigueiro, por exemplo, o que
mais interessa, o que sobreleva por cima de tudo, é a salvaguarda e
permanência do todo, ou seja, da totalidade da colmeia, da totalidade
do formigueiro – sendo despiciendo o sacrifício das individualidades
que os compõem. Nas sociedades de homens e mulheres, porém, o
principal é cada indivíduo, é cada ser humano, cada pessoa,
singularmente considerada.
Por que dizemos que o principal é cada ser humano? Porque o que
sobretudo interessa é o bem-estar, a felicidade das pessoas. A
sociedade existe como condição de existência normal dos seres de que
ela se compõe.47
Quando se afirma que o ordenamento jurídico visa o bem-estar das
pessoas, na mesma linha que Telles Júnior sustenta, e que a ordem jurídica almeja a
dignidade da pessoa humana, ―os pessimistas‖, como adverte Roque Antônio
Carrazza48
, ―certamente dirão que tudo isso não passa de utopia‖. Mas o próprio
Carrazza responde a esta crítica, fazendo referência a Eduardo Galeano, e nisso há que
se concordar com ele:
Mas, venia concessa, a utopia existe e, como observa Eduardo
Galeano, se confunde com o horizonte. Com efeito, damos um passo e
o horizonte recua um passo; damos dois passos e o horizonte se afasta
os mesmos dois passos; damos dez passos e o horizonte corre dez
passos além. Por mais que caminhemos, nunca alcançaremos o
horizonte.
Então, para que serve a utopia? Exatamente para isso: para caminhar...
Caminha-se, pois, em busca dessa utopia, na crença de que o
ordenamento jurídico visa à felicidade das pessoas, que, para o Direito, significa a
efetivação dos direitos humanos e fundamentais.
O que se quer se destacar, neste ponto, é que a unidade e a validade do
ordenamento jurídico decorrem de determinados fins preestabelecidos, os quais se
encontram delineados no próprio direito positivo, sob a condicionante de efetivação dos
direitos humanos e fundamentais, e cujos fins apontam, em síntese, para a realização da
dignidade da pessoa humana.
47
Ibid., 474/475 (grifos do autor). 48
CARRAZZA, Roque Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p.
380 (grifos do autor).
36
1.4. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS
JURÍDICOS
Cabe salientar que a dignidade humana, em si, compreende um feixe
aberto de valores, os quais, ainda que não declarados explicitamente, configuram
princípios jurídicos. Por isso, as normas de direitos humanos e fundamentais têm
natureza de princípios.49
Os princípios jurídicos não dependem necessariamente de positivação em
texto expresso e literal. Confira-se, a esse respeito, trecho esclarecedor tirado de
acórdão do Supremo Tribunal Federal50
, que ilustra a importância dos princípios na
ordem jurídica e a desnecessidade de explicitação em normas:
Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a
moralidade como princípio de administração pública (art. 37 da
Constituição Federal). Isso não é verdade. Os princípios podem estar
ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de
texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-
se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas
reguladoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não
figurar no texto constitucional não significa que nunca teve relevância
de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não
figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador
poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus
Gonzáles Perez, ‗el hecho de su consagración en una normal legal no
supone que con anterioridad no existiera ni que por tal consagración
legislativa haya perdido tal carácter‘ (El principio de buena fe en El
derecho administrativo, Madrid, 1983, p.15). Os princípios gerais de
direito existem por força própria, independentemente de figurarem em
texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto
constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio.
Aliás, é de ser adotada a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello,
para quem
49
COMPARATO, op. cit., p. 266. 50
Segunda Turma do STF, RExtr. N. 160.381-SP, Relator Ministro Marco Aurélio, v.u., RTJ 153/1030.
37
princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento
nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção
das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome
sistema jurídico positivo.51
Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza afirma que ―as normas
constitucionais não possuem todas a mesma relevância, já que algumas veiculam
simples regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios‖, salientando que ―os
princípios são as diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico‖. 52
Daí, adverte Carrazza, ―nenhuma interpretação poderá ser havida por boa
(e, portanto, por jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio
jurídico constitucional‖53
, enquanto Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que
―violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comando.‖54
Não remanesce dúvida, portanto, sobre a importância dos princípios,
como anota Paulo de Barros Carvalho55
:
Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que
iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes
caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num
dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo
em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e
manifestam a força de sua presença. Algumas vezes constam de
preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los
com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à
dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo
para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e
os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo
51
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 912/913. 52
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 29. 53
Ibid., p. 32/33. 54
BANDEIRA DE MELLO, op.cit., p. 912/913. 55
CARVALHO, op.cit., p. 148.
38
conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete,
momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e
sobre princípios.
Isso posto, sendo inconteste a importância dos princípios na compreensão do
ordenamento jurídico, o que se quer demonstrar, nos estreitos limites do presente
estudo, é que os direitos humanos, como também os direitos fundamentais, têm
natureza de princípios e atingem todo o sistema jurídico, e especialmente para as
presentes reflexões, o campo do direito econômico .
Muitos são princípios consagrados, enquanto outros se encontram em
construção, pois os direitos humanos e fundamentais são conquistados e afirmados ao
longo do tempo, em permanente processo dinâmico.
Bem por isso, como sustentam Gilmar Ferreira Mendes et al., os direitos e
garantias fundamentais, em sentido material, são pretensões que, em cada momento
histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana56
, ou que
vão sendo revelados, como sustentam Ricardo Sayeg e Wagner Balera57
:
Os direitos humanos vão sendo declarados à medida que se revelam.
Por sua vez, fica claro o papel da positivação em tema de direitos
humanos: explicitar, para maior garantia de concretização, os
respectivos conteúdos, convolando-os preferencialmente em direitos
fundamentais, de índole constitucional.
Daí, portanto, não haver dúvida de que se trata o sistema jurídico de um
sistema aberto, exatamente por conta da existência dos princípios, que são portadores
dos valores integrados à ordem jurídica, dentre os quais sobreleva o valor supremo da
dignidade humana, que deve ser aplicado ao capitalismo.
56
MENDES et al., op. cit., p. 237. 57
SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O capitalismo humanista – Filosofia humanista do direito
econômico. Petrópolis: Editora KBR, 2011, p. 194/196.
39
CAPÍTULO 2
O DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS
HUMANOS E FUNDAMENTAIS
2.1. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS AO LONGO DO TEMPO
A edificação dos direitos humanos e fundamentais constituiu um processo
expansivo de acumulação de níveis de proteção de esferas da dignidade da pessoa
humana.58
A rigor, compreender o desenvolvimento dos direitos fundamentais ao longo
do tempo implica conhecer a afirmação histórica dos direitos humanos.
Segundo José Fábio Rodrigues Maciel59
, a compreensão da dignidade
humana, matriz dos direitos humanos, tem origem nas ideias de grandes pensadores, que
já haviam considerado a igualdade entre os seres humanos, a par das diferenças de sexo,
raça, religião e costumes, citando Buda na Índia, Zaratustra na Pérsia, Confúcio na
China, Pitágoras na Grécia e Dêutero-Isaías em Israel, acrescentando que na igualdade
encontra-se o núcleo do conceito universal dos direitos humanos:
Antes mesmo do advento do cristianismo, já existia no judaísmo a
noção de misericórdia e justiça, com a percepção de que todos são
iguais perante Deus.
Com o cristianismo, conquistaram espaço dois princípios importantes
para a sedimentação dos direitos humanos no decorrer da história, que
são a caridade e o amor ao próximo, pois se levou às últimas
consequências o ensinamento ecumênico de Isaías, que era a exigência
de amor universal, a partir da percepção de que ―somos feitos à
imagem e semelhança de Deus‖. Por mais que essa igualdade
universal só estivesse no plano divino, vagarosamente ela ganhou
espaço no mundo terreno.
58
ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 157. 59
MACIEL, José Fábio Rodrigues. Direitos humanos. In Formação humanística em direito. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 321.
40
Nota-se que, nessa percepção religiosa de que todos os homens são feitos
à imagem e semelhança de Deus, filhos de um único Pai, reside um impulso fortíssimo
da ideia de igualdade entre os homens.
Para S. Tomás de Aquino (1225-1274), grande filósofo cristão, o
homem seria um composto de substância espiritual e corporal. Seus
ensinamentos fizeram ganhar força a ideia do princípio da igualdade
essencial entre todos os seres humanos, sendo exatamente essa a
igualdade de essência da pessoa humana que forma o núcleo do
conceito universal dos direitos humanos.
Esses direitos resultam da própria natureza humana, não sendo meras
criações políticas.60
Jesus Cristo ensinou que ―mais do que iguais, somos irmãos‖.61
A esse
respeito, e a título de ilustração, destaca-se no Evangelho de Mateus uma passagem
representativa dos valores que propiciaram o desenvolvimento da dignidade da pessoa
humana, exigindo o cristianismo, como outras religiões também o fazem, que os
homens se auxiliem mutuamente, como irmãos, o que também é próprio do valor da
solidariedade:
Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado de todos
os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da
terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, como o
pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua
direita, e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que
estiverem à sua direita: ‗Venham vocês, que são abençoados por meu
Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai preparou desde a
criação do mundo. Pois eu estava com fome, e vocês me deram de
comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e
me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu
estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram
me visitar.‖
Então os justos lhe perguntarão: ‗Senhor, quando foi que te vimos
com fome e te demos de comer; com sede e te demos de beber?
Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e
sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e
fomos te visitar?‘ Então, o Rei lhes responderá: ‗Eu garanto a vocês:
todas as vezes que vocês fizeram a dos menores de meus irmãos, foi a
mim que o fizeram‘.
Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‗Afastem-se de
mim malditos. Vão para o fogo eterno preparado para o diabo e seus
anjos. Porque eu estava com fome, e vocês não me deram de comer;
60
Ibid., p. 321. 61
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 86.
41
eu estava com sede, e não me deram de beber; eu era estrangeiro, e
vocês não me receberam em casa; eu estava sem roupa, e não me
vestiram; eu estava doente e na prisão, e vocês não foram me visitar.‘
Também estes responderão: ‗Senhor, quando foi que te vimos com
fome, ou com sede, como estrangeiro, ou sem roupa, doente ou preso,
e não te servimos?‘ Então o Rei responderá a estes: ‘Eu garanto a
vocês: todas as vezes que vocês não fizeram isso a um desses
pequeninos, foi a mim que não o fizeram.‘ Portanto, estes irão para o
castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna.62
Como se vê, o cristianismo fomentou uma mentalidade de solidariedade
entre todos os homens, inclusive condicionando que só teria salvação aquele que
auxiliou os mais pequeninos, ou seja, os mais humildes dos homens; só alcançaria o
Reino aquele que deu de beber a quem tinha sede; que deu de comer a quem tinha fome;
que vestiu a quem estava sem roupa; que recebeu o estrangeiro em sua casa; que visitou
os doentes e os prisioneiros.
Nessa mentalidade são encontrados primitivos traços da dignidade
humana, na medida em que passa a existir um efetivo dever de solidariedade de todo
homem para com todos os homens, com a definição da conduta objetiva (norma
primária-prescrição) e respectiva consequência (norma secundária-sanção), que migrou
do campo ético-religioso para o campo jurídico e acabou sendo secularizado para o
Direito, vindo a ser positivadamente reconhecido pela Constituição Federal de 1988.
Bem por isso a solidariedade é reconhecida como categoria jurídica, conforme se vê em
acórdão do Supremo Tribunal Federal, proferido na ADI 2649 (Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2649, originária do Distrito Federal).
Para Comparato, porém, a afirmação histórica dos direitos humanos
mediante a compreensão da dignidade da pessoa humana encontra impulso, sobretudo,
no sofrimento experimentado pela humanidade:
(...) a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus
direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da
dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os
homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre
claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, pelas
62
BÍBLIA, Evangelho Mateus, 25, 31-46. Bíblia Sagrada. Edição pastoral, São Paulo: Sociedade Bíblica
Católica Internacional e Paulus, 1990, 15ª impressão, p. 1274.
42
mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações
aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência
de novas regras de uma vida mais digna para todos.63
Certo é que, seja pelas religiões, seja pelo sofrimento da humanidade, foi
se construindo uma mentalidade ao longo de muitos séculos que se passaram antes de
surgirem documentos políticos em resposta à reclamação de se garantir direitos
inerentes à pessoa humana. Somente no século XVIII, com as revoluções americana e
francesa, esses direitos passaram a ser tutelados e entendidos como universais, ou seja,
reconhecidos como válidos para todo e qualquer ser humano.64
O primeiro documento histórico que se pode citar na afirmação histórica
dos direitos humanos é a Magna Carta, de 1215, assinada pelo Rei João da Inglaterra,
conhecido como João Sem Terra, perante o alto clero, os barões do reino e os nascentes
burgueses de Londres, cujo documento limitava o poder do rei em favor do clero e dos
súditos. Esse documento é considerado como o primeiro capítulo do
constitucionalismo.65
Outros dois documentos ingleses também merecem registro: a)
Lei de Habeas Corpus, de 1679 (Rei Carlos II); b) Bill of Rights, de 1689, que garantia
direitos ao parlamento (povo), tirando-os da realeza.66
Já no século XVIII iniciou-se o ciclo das constituições
revolucionárias, em um contexto de luta pela limitação do poder e respeito aos direitos
do homem diante do Estado, então marcadamente absolutista.
Com efeito, todos os documentos históricos produzidos nessa época
das constituições revolucionárias influenciaram-se reciprocamente.
O primeiro documento histórico desse ciclo foi a Declaração de
Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 1776, uma das treze colônias inglesas na América
do Norte. Essa Declaração proclamava o direito à vida, à liberdade e à propriedade,
63
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 50. 64
MACIEL, op.cit., p. 322. 65
Ibid., p. 322/323. 66
Ibid., p. 323.
43
prevendo o princípio da legalidade, o devido processo legal, o tribunal de júri, o
princípio do juiz natural e imparcial, a liberdade religiosa e de imprensa. O artigo 1º da
Declaração, que ―o bom povo da Virgínia‖ tornou pública em 16 de junho de 1776,
constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na história quando declarou:
Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram
em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou
despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os
meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter
felicidade e segurança.67
O segundo documento histórico desse ciclo é a Declaração de
Independência dos Estados Unidos, de 1787, que declarou a independência das treze
colônias inglesas da América do Norte.
O terceiro documento histórico marcante da época em foco foi a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, promulgada pela
Assembleia Nacional francesa, decorrente da Revolução Francesa, cuja declaração
revolucionária proclamava, dentre outros direitos:
Art. 1º. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.
Art. 4º. O exercício de direitos fundamentais só pode ser limitado por
lei, na medida do necessário para permitir a vida social.
Art. 6º. A lei deve ser a mesma para todos, seja quando protege, seja
quando pune.
Observa-se que todos os documentos consistem em declarações que não
criam direitos, mas apenas declaram os que já existem, razão pela qual são de inspiração
jusnaturalista.
No caso da Declaração da França, os revolucionários buscavam a
proteção dos direitos do homem contra atos do governo, razão pela qual a Declaração
instruía o cidadão, fazendo com que se recordasse dos direitos do homem. Não ditava
67
DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO BOM POVO DE VIRGÍNIA – 1776. Disponível em
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0cria%C3%A7%C3%
A3o -da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-
de-virginia-1776.html>. Acesso em 02/03/16.
44
direitos só dos cidadãos franceses, mas sim direitos do homem, numa visão universal,
tratando esses direitos como atualmente conhecemos com a noção de direitos
humanos.68
Fechado o ciclo das revoluções constitucionais, fundado, sobretudo, na
liberdade do ser humano, José Fábio Rodrigues Maciel discorre sobre o contexto que
abriu ensejo para o reconhecimento de outros direitos humanos, no século XIX,
voltados à igualdade dos seres humanos, que num primeiro momento passaram a ser
considerados como liberdade positiva:
Como a Revolução Francesa garante apenas a igualdade formal
(somos todos iguais porque somos seres humanos), permitiu que
continuasse a exploração perpetrada pelos detentores dos meios de
produção, com a consequente pauperização das massas proletárias.
Surgiu com isso a necessidade de proteger os trabalhadores, e ganhou
força a segunda dimensão dos direitos humanos, com foco na
igualdade, como reconhecimento dos direitos humanos de caráter
econômico, social e cultural, graças, em grande parte, ao movimento
socialista, iniciado na primeira metade do século XIX.
É que a miséria era fruto do sistema capitalista de produção, cuja
lógica consistia em atribuir aos bens de capital um valor superior aos
das pessoas. 69
Os ideais igualitários se espalharam pelo mundo como resposta ao
capitalismo selvagem e a miséria perceptiva, pois não bastava apenas a defesa da
liberdade e de uma igualdade meramente formal, o que impulsionou o advento de outra
fase de conquista de novos direitos humanos, então voltados ao ideal de igualdade
material dos homens.
Os principais marcos históricos de reconhecimento desses novos direitos
são a Constituição Mexicana, de 1917, e a Constituição de Weimar (Alemanha, 1919),
que proclamam direitos sociais, econômicos e culturais. A Carta Política mexicana foi a
primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais.70
E a
Constituição de Weimar, estabelecendo uma democracia social, complementou os
68
MACIEL, op. cit., p. 324. 69
MACIEL, op. cit., p. 324 70
COMPARATO, op. cit., p. 190.
45
direitos civis e políticos – que o sistema comunista negava – com direitos econômicos e
sociais ignorados pelo liberal-capitalismo71
.
Podem ser registrados, também, outros marcos históricos antecedentes: a)
a Convenção de Genebra, de 1864, que visava minorar o sofrimento de soldados
prisioneiros, doentes e feridos, assim como a população civil atingida pela guerra; b) o
Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1890, contra a escravidão, que estabeleceu,
embora sem efetividade, as primeiras regras interestatais de repressão ao tráfico de
escravos africanos; c) a criação da OIT – Organização Internacional do Trabalho, em
1919, destinada à regulação dos direitos dos trabalhadores, de modo que a proteção ao
trabalhador assalariado passou a ser objeto de regulação convencional entre os diversos
Estados.72
Porém, foi a partir do advento da Segunda Guerra Mundial que a
humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da história, o valor
supremo da dignidade humana.73
Os horrores revelados após o seu término edificaram a
consciência universal de que nunca mais seríamos os mesmos. O regime italiano
fascista, o regime alemão nazista, instituído pelo terceiro Reich, e o seu famigerado
holocausto, expuseram ao mundo até onde pode chegar o ser humano num projeto de
terror, de crueldade e de exclusão.74
Diante desse quadro, José Fábio Rodrigues Maciel
descreve os efeitos que produziu a Segunda Guerra Mundial na internacionalização dos
direitos humanos:
Antes do término do Século XX foram celebradas, no âmbito da
ONU, mais de vinte convenções internacionais dedicadas aos direitos
humanos. O enfoque dessas convenções abrangia a proteção dos
direitos individuais de natureza civil e política; dos direitos de
conteúdo econômico e social, e dos direitos dos povos e da
humanidade (terceira dimensão). Exemplo de direito de terceira
dimensão foi a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
(1981), a qual determina que ‗todos os povos devem ser tratados com
igual respeito, tendo o direito à autodeterminação, à livre disposição
71
Ibid., p. 205. 72
MACIEL, op. cit., p. 325. 73
Idem. 74
CASTANHATO, op.cit., p. 58.
46
de sua riqueza e de seus recursos naturais, ao desenvolvimento
econômico, social e cultural, bem como à paz e à segurança‘.
Após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade internacional,
comandada pela Organização das Nações Unidas, passou a editar
normas de direito internacional que possibilitaram transformar os
direitos humanos em responsabilidade internacional.
O pós-1945 trouxe à humanidade a consciência do valor humano e a
necessidade de luta constante contra qualquer ação que busque
desconsiderar tal fato.
A Segunda Guerra Mundial tornou evidente fato que permanece até
nossos dias, ou seja, a constatação de que o grande violador dos
direitos do homem foi e é o Estado. Celso Lafer denomina tal fato de
―ruptura dos direitos humanos‖, já que aquele que tem por essência o
dever de proteger e agir em consonância ao interesse de seu povo
acaba por ser o primeiro a distanciar-se de sua obrigação. Foi o que
aconteceu, em grande escala, na Alemanha nazista.
Como diz Celso Lafer: ―no momento em que os seres humanos se
tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da
destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana,
torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como
paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. Surge a
necessidade de buscar garantias a todas as pessoas, e como sempre
afirmava Hannah Arendt, o maior direito passa a ser o direito a ter
direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direito."
Foi a partir das crueldades perpetradas durante o nazismo que, como
aponta Flávia Piovesan, surgiu a necessidade de ação internacional
mais eficaz para a internacionalização desses direitos.75
Para Comparato, o sofrimento, matriz da compreensão do mundo e dos
homens, segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação
histórica dos direitos humanos76
.
Foi nesse contexto de pós-Guerra, em 10 de dezembro de 1948, que foi
firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, marco civilizatório da contemporaneidade, que, sem abandonar as
fases anteriores, ainda inaugura a terceira fase de reconhecimento dos direitos humanos:
os direitos decorrentes da fraternidade.
75
MACIEL, op. cit., p. 326/327. 76
COMPARATO, op. cit., p. 65.
47
2.2. AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
A afirmação dos direitos humanos ao longo da história e,
consequentemente, dos direitos fundamentais, permite identificar uma evolução
cronológica, apesar de que, como visto, a história registra o movimento pendular de
avanços e também de retrocessos em matéria de reconhecimento desses direitos. Apenas
para ilustrar, veja-se o caso do advento do nazismo, na Alemanha, que representa,
dentre tantos outros, o mais emblemático caso de repugnante retrocesso no
reconhecimento de direitos humanos.
De todo modo, o desenvolvimento dos direitos humanos, e via de
consequência dos direitos fundamentais, ao longo do tempo, recomenda que sejam
classificados esses direitos em gerações, a respeito do que é oportuno o esclarecimento
de José Fábio Rodrigues Maciel sobre as críticas que recebe essa classificação:
A classificação dos direitos humanos em gerações leva em conta a
ordem cronológica de seu surgimento, sua evolução histórica. Essa
divisão recebeu inúmeras críticas, que alegam não haver hierarquia
entre os direitos humanos; portanto, tal separação poderia levar à ideia
de que alguns direitos humanos são mais importantes que outros. Não
coadunamos com esse pensamento, tendo em vista que a divisão
supracitada possui ótimo caráter didático, mas, para evitar críticas
desavisadas, fazemos como outros autores: substituímos o termo em
questão pela ideia de ―dimensões‖, que melhor traduz a realidade dos
direitos fundamentais, principalmente pela reinterpretação de valores
que as últimas ―gerações‖ provocam nas antecedentes. 77
Adotando como referência a ideia de dimensões, para que não haja
qualquer dúvida da absoluta inexistência de hierarquia entre esses direitos, e de que são
todos direitos indissociáveis e interdependentes, e levando-se em conta a trilogia da
Revolução Francesa, pode-se dizer que as três primeiras dimensões dos direitos
humanos e fundamentais são relacionadas do seguinte modo:
77
MACIEL, op. cit., p. 327.
48
QUADRO 1 - AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
Dimensões de Direitos Princípios da Revolução Francesa Direitos constitucionalmente reconhecidos
1ª Dimensão Liberdade Direitos individuais, civis e políticos
2ª Dimensão Igualdade Direitos sociais, econômicos e culturais
3ª Dimensão Fraternidade Direitos difusos e coletivos
Nesse quadro, os direitos humanos e fundamentais de primeira dimensão
são aqueles relacionados à ideia de direitos individuais. São direitos que protegem a
esfera pessoal do cidadão contra os arbítrios do Estado. São as liberdades negativas, que
protegem a liberdade do indivíduo, limitando o poder do Estado, impedindo-o de
interferir na esfera individual, exigindo um comportamento de abstenção do Estado.78
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior esclarecem que
são direitos que representam uma ideologia de afastamento do Estado das relações
individuais e sociais, devendo o Estado ser apenas guardião das liberdades,
permanecendo longe de qualquer interferência no relacionamento social.79
Muito pertinente à presente reflexão é que, entre todos, a propriedade
privada é o mais emblemático direito humano e fundamental de primeira dimensão.
Além do direito de propriedade, também podem ser mencionados os direitos à liberdade
de expressão, ao devido processo legal, à presunção de inocência, à inviolabilidade de
domicílio, ao ir e vir, como direitos humanos e fundamentais de primeira dimensão.
Os direitos humanos e fundamentais de segunda dimensão representam
grande evolução na proteção da dignidade da pessoa humana. Asseguram direitos
ligados à igualdade, mais precisamente os direitos sociais, econômicos e culturais. São
decorrentes da crise do Estado Liberal e do surgimento das teorias igualitárias e das
reinvindicações dos trabalhadores, o que abriu espaço para ascensão do Estado Social,
78
Id. 79
ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 159.
49
intervencionista, que atua na proteção dos hipossuficientes e na construção de uma
igualdade material, e não apenas formal.80
São exemplos desses direitos de segunda dimensão os direitos à
educação, à saúde, ao trabalho e à seguridade social.
Com o homem liberto do jugo do Poder Público, os direitos humanos e
fundamentais passam a reclamar uma nova forma de proteção da dignidade, exigindo
uma atividade prestacional do Estado, no sentido de superação das carências
individuais, em prol da justiça social.81
Depois das preocupações em torno da liberdade
e da igualdade, com ênfase nas necessidades humanas, surge uma nova convergência de
direitos, voltada à essência do ser humano, sua razão de existir e ao destino da
humanidade, pensando-se o ser humano enquanto gênero, e não adstrito ao indivíduo ou
mesmo à coletividade. Trata-se dos direitos de terceira dimensão e sobre os quais José
Fábio Rodrigues Maciel esclarece82
:
A terceira dimensão engloba os denominados direitos de fraternidade,
hoje entendida como solidariedade. Tem como destinatário a
coletividade, que ganhou proteção especialmente após a Segunda
Guerra Mundial, inclusive com a criação da ONU – Organização das
Nações Unidas.
Os chamados direitos de solidariedade nasceram da necessidade de
melhorar a qualidade de vida, como reforço aos direitos sociais. Regra
geral, a titularidade desses direitos é coletiva, sendo sujeito passivo
dos direitos de solidariedade o Estado.
A moderna doutrina os agrupa entre os direitos difusos e coletivos,
cuja concretização depende da cooperação entre os povos.
São exemplos desses direitos de terceira dimensão o direito à paz, ao
desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente, à
autodeterminação dos povos. Documento representativo dessa dimensão, sob o ponto de
vista do capitalismo, é a Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento, proclamada
pela Organização das Nações Unidas em 1986.
80
MACIEL, op. cit., p. 328. 81
ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 160. 82
MACIEL, op. cit., p. 328.
50
José Fábio Rodrigues Maciel ressalva, ainda que, para o professor Paulo
Bonavides, um dos defensores da existência autônoma de uma ―quarta geração‖, fazem
parte desta dimensão os direitos ―à democracia‖, ―à informação‖ e ―ao pluralismo‖,
enquanto que para Norberto Bobbio os direitos de quarta geração são os ligados à
engenharia genética.83
Enfim, o que se quer destacar, neste ponto, é que, como esclarecem
Ricardo Sayeg e Wagner Balera84
, todas as dimensões dos direitos humanos e
fundamentais são indissociáveis e interdependentes, e configuram a dignidade humana:
Pode-se afirmar que são três as dimensões dos direitos humanos: a
liberdade inata; a igualdade inata e o valor consubstancial do homem e
de todos os homens, que implica a fraternidade inata. Esta tríade
conforma os elementos estruturantes de um só núcleo – o feixe
essencial, indissociável e interdependente que constitui a humanidade
imanente ao homem e a todos os homens, e que atribui objetivamente
à pessoa humana valor por si, ou seja, dignidade.
Os mesmos autores ressaltam, também, que outras dimensões desses
direitos podem ser reveladas, mantendo-se indissociáveis e interdependentes:
É possível que o futuro revele outras dimensões, já que o universo é
ilimitado, sendo também ilimitada a expressão do homem e de todos
os homens no meio difuso de todas as coisas. Por isso, violar a
dignidade humana é colocar o homem em situação desumana, ou seja,
naquilo que avilta a sua condição humana existencial biocultural.
Fique claro aqui que as dimensões dos direitos humanos não se
sucedem ou substituem-se umas às outras, ao contrário, se adensam;
como explica Trindade, o que ocorre ―é o fenômeno não de uma
sucessão, mas antes da expansão, cumulação e fortalecimento dos
direitos humanos consagrados, a revelar a natureza complementar de
todos os direitos humanos‖. Assim sendo, a natureza multidimensional
dos direitos humanos, como se percebe, supera a clássica dicotomia
entre o público e o privado, tendo em vista que ―contra a distinção
rígida entre Direito Público e Direito Privado se insurgem as necessidades
de proteção do ser humano, com maior força ante a atual diversificação
das fontes de violações de seus direitos. A rigidez da distinção entre o
público e privado não resiste aos imperativos de proteção dos direitos
humanos‖.85
83
Ibid., p. 329. 84
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 117/119. 85
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 117.
51
Sustentam, ainda, que esses direitos, como direitos subjetivos, são
concretizáveis, não se admitindo concebê-los como categorias jurídicas de conteúdo apenas
programático:
É de rigor admitir-se que os direitos humanos, como direitos
subjetivos naturais, estão revestidos de pretensão garantida pela ordem
jurídica, sendo concretizáveis. Tal pretensão consiste no espontâneo e
objetivo exercício da dignidade da pessoa humana; os direitos
humanos não são, pois, somente ideais ou valores, e muito menos
princípios programáticos destituídos de qualquer normatividade. A
Lei Universal da Fraternidade, que se enquadra na categoria definida
por Telles Jr. – para quem ―a lei não é, somente, a lei efetivamente
formulada pelo homem. Também é lei a lei não formulada, mas
formulável por uma inteligência abstrata‖ – emana impositividade.86
Para os referidos autores, como parte integrante da essência humana, os
direitos humanos e fundamentais constituem um feixe indissociável e interdependente, que
jamais podem ser separados:
Analisados sob o olhar antropológico, os direitos do homem fazem
parte dos bens criados por Deus. E, como leciona o papa Pio XI,
―todos os bens criados por Deus se considerem como instrumentos dos
quais o homem deve usar tanto quanto lhe sirvam a conseguir o último
fim‖. Integrados à essência humana, tais direitos existem como um
feixe indissociável e interdependente dotado de inquebrantável
universalidade jurídica, sendo concretizáveis nesta universalidade e
jamais separadamente. Não se recortam ou segregam os direitos
humanos de sua universalidade jurídica, sendo executáveis em
conjunto sob pena de sua inadmissível ruptura – a exclusão de
qualquer de seus elementos ou dimensões, o que acarretaria a
prevalência de um destes sobre os demais, desarranjaria todo o
conjunto –, prejudicando, na medida em que tal ocorrência coloque o
homem em situação desumana, a consecução do direito objetivo da
dignidade.87
Como se vê, os direitos humanos e fundamentais devem ser reconhecidos como
direitos subjetivos, de modo que sejam garantidos e concretizáveis em todas as suas
dimensões, sob pena de que reste violada a dignidade humana, o valor supremo e
unificador desses direitos, e que se irradia por todo o ordenamento jurídico, permeando
também o direito econômico.
86
Ibid., p. 118. 87
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 118.
52
2.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
Rememore-se, por oportuno, que a compreensão dos direitos
fundamentais só pode ocorrer a partir do reconhecimento dos direitos humanos, eis que
os primeiros decorrem dos segundo. Consequentemente, têm os direitos humanos as
seguintes características:
a. inalienabilidade: são indisponíveis;
b. imprescritibilidade: não deixam de ser exigíveis pelo passar do
tempo;
c. irrenunciabilidade: não podem ser abdicados;
d. historicidade: embora os direitos humanos sejam inatos,
configuram conquistas históricas, resultado das necessidades da
sociedade em determinado momento;
e. universalidade: são titulados por todos os seres humanos,
independentemente de classe ou categoria;
f. consubstancialidade: são consubstanciais entre si, constitutivos de
uma única singularidade jurídica;
g. indissociáveis: não podem ser fragmentados;
h. interdependência: a plena efetivação de cada um dos direitos
pressupõe o reconhecimento dos demais.
Com relação aos direitos fundamentais, Luiz Alberto David Araújo e
Vidal Serrano Nunes Júnior88
esclarecem que apresentam as seguintes características
intrínsecas:
a. historicidade - no sentido de que ao longo do processo histórico
direitos humanos declarados universal e internacionalmente foram
sendo constitucionalizados, passando a integrar os ordenamentos
jurídicos dos países;
b. autogeneratividade dos direitos fundamentais – no sentido de que as
Constituições, de um lado, instituem direitos fundamentais, mas, por
outro lado, elas só existem porque destinadas a incorporar esses
direitos fundamentais, e, ainda, porque a institucionalização dos
direitos fundamentais em uma ordem jurídica determinada não
desqualifica o momento anterior, de sua jusnaturalização;
c. universalidade – no sentido de que são destinados a todos os seres
humanos;
d. limitabilidade dos direitos fundamentais – que leva em conta o
fenômeno da colisão de direitos, no sentido de que os direitos
fundamentais, em comunhão com os demais direitos, não são
88
ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 161/169.
53
absolutos, mas limitáveis. Isso significa que, por vezes, o comando de
sua aplicação concreta não pode resultar na aplicação da norma
jurídica em toda sua extensão e alcance. Esse empecilho não é
preestabelecido, mas verificável em concreto diante do fenômeno da
colisão de direitos.
e. irrenunciabilidade – porque intrínsecos ao ser humano, são
irrenunciáveis;
f. concorrência de direitos fundamentais – no sentido de que são
acumuláveis pelo indivíduo, de modo que uma única conduta pode
encontrar proteção simultânea em duas ou mais normas
constitucionais.
Os mesmos autores89
apontam que os direitos fundamentais ainda
apresentam as seguintes características extrínsecas:
I - rigidez constitucional, visto que suas normas, clausuladas na
Constituição Federal, submetem-se a processo mais gravoso de
modificação, além de inocularem no sistema um dever de
compatibilidade vertical de todas as normas infraconstitucionais;
II - direitos e garantias clausulados como normas pétreas, conforme o
disposto no art. 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal, o que torna
essa espécie de Direitos Fundamentais impermeável mesmo a
eventuais reformas da Constituição;
III - indicação de aplicabilidade imediata de seus preceitos, consoante
o disposto no art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal.
Indispensável, portanto, que sejam conhecidas todas as características
expostas e, em especial, a característica extrínseca de aplicabilidade imediata, pela qual
se busca superar o Estado de Direito Formal, almejando-se a eficácia dos direitos
humanos e fundamentais, para o que contribui a aplicação quântica do direito.
2.4. EFEITOS HORIZONTAIS DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
O respeito e a aplicação dos direitos humanos e fundamentais titulados
pelos homens em face do Estado denomina-se eficácia vertical. Por outro lado, como
esclarecem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior90
, existe a eficácia
89
Ibid., p. 169. 90
ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 172.
54
horizontal desses direitos no âmbito das relações privadas, sem a participação do
Estado.
Pode-se afirmar, então, que a tutelas dos direitos humanos e
fundamentais aplicam-se às relações privadas?
A existência dos direitos fundamentais dos trabalhadores, previstos no
artigo 7º da Constituição Federal, já permite responder afirmativamente a questão, eis
que são normas destinadas não só ao Poder Público, mas, sobretudo, aos particulares,
componentes de qualquer relação empregatícia.
Daí a afirmação da eficácia horizontal dos direitos, cabendo registrar que
a doutrina pátria é homogênea nesse sentido. Bem por isso, Ricardo Sayeg e Wagner
Balera esclarecem que,
não obstante apenas a aplicação vertical dos direitos humanos seja
pacífica na doutrina jurídica brasileira, o precedente do RE 201819 do
STF inaugurou a jurisprudência quanto à possibilidade de aplicação
horizontal dos direitos fundamentais; com maior razão, devem ser
aplicados também os direitos humanos horizontalmente. Daí, em
suma, nos alinharmos com Courtis, quando este diz que ―a ideia de
que os direitos humanos não podem ser invocados nas relações entre
particulares me parece exagerada e errônea‖.91
Nesse mesmo sentido sustentam Luiz Alberto David Araújo e Vidal
Serrano Nunes Júnior:
Assumindo a dignidade humana como objeto e razão de ser, os
Direitos Fundamentais não podem ter sua aplicação restrita a relações
entre o Estado e os indivíduos, mas deve pontuar também as relações
entre os particulares. É o que ocorre, por exemplo, quando se protege
ex vi constitutiones a privacidade do empregado nas relações de
trabalho.
Discute-se se a aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações
privadas seria automática ou estaria a depender da mediação de leis,
vale dizer, de ―pontos de infiltração‖ no sistema.
A nosso juízo, o comando de aplicação imediata, contido no § 1º, do
art. 5º da Constituição da República, aponta na direção de que, sempre
91
SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. op. cit., p. 122.
55
que possível, os Direitos Fundamentais devem ser pronta e
imediatamente aplicados.92
A esse respeito, transcreve-se trecho da ementa do Recurso
Extraordinário nº 201819, acima referido, no qual o Supremo Tribunal Federal debateu
esta questão, afirmando que as normas constitucionais definidoras de direitos
fundamentais têm eficácia horizontal nas relações entre os particulares:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA
DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA
AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO
DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não
ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado,
mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas
de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos,
estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos
poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO
LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem
jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação
civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis
e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o
próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de
proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de
autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está
imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o
respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia
privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode
ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias
de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede
constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos
particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de
transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria
Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos
particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de
liberdades fundamentais.93
Daí a afirmação no sentido de que os direitos humanos e fundamentais
não podem ser tidos como normas de conteúdo apenas programático.
92
ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 172. 93
Recurso Extraordinário 201819, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Relator p/ Acórdão: Min.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005.
56
CAPÍTULO 3
UM NOVO OLHAR: O RECONHECIMENTO DA
COMPLEXIDADE
3.1. OS DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO E A NECESSIDADE DE UM NOVO
OLHAR
No mundo não existe um reduto socialista relevante. O planeta é
capitalista e este capitalismo planetário é o motor da globalização.
A época atual, portanto, é caracterizada pelo fenômeno da globalização.
Cláudio Finkelstein94
adverte que globalização é um conceito de difícil definição, mas
que tem um cunho notadamente econômico, e que estabelece uma interdependência
recíproca entre os países:
No início do Século XX, houve um acirramento do movimento de
internacionalização das empresas para expansão de atividades e
conquista de mercados. É a globalização. Este é um conceito de difícil
definição, mas de cunho notadamente econômico. Hoje há uma
interdependência entre os países; depende-se do comércio
internacional para adquirir produtos de que se necessita, onde haja no
exterior oferta e internamente escassez, para colocar produtos dos
quais há sobra. Seria a troca mediante pagamento. Há uma
interdependência recíproca. Depender de outrem não significa
vinculação obrigatória; é uma opção participar ou não da globalização.
Todavia, já se demonstrou que não participar do movimento
globalizador é, em muitos casos, extremamente detrimental ao Estado
em questão, que se vê alijado do mercado internacional, sem acesso a
fundos, tecnologia, bens de capital e diversas outras commodities que
regram a vida moderna.
94
FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. 2 e., São Paulo: Atlas, 2013, p. 136.
57
É certo que a globalização, para o bem ou para o mal, cria, de fato, uma
evidente interdependência entre os países. As crises, os problemas e as soluções passam
a ser muitas vezes planetárias. A crise de econômica de um país pode afetar muitos
outros; desastres ambientais prejudicam não só a vida de um país, mas de todo o
planeta; problemas de saúde pública passam a ter consequência global, pois as pessoas
de todos os lugares podem ser atingidas.
Nesse quadro, não cabe mais uma visão limitada sobre qualquer
problema. Os grandes problemas da humanidade não cabem mais nos limites territoriais
de cada país. E não cabem mais nos limites estanques de cada ciência.
José Eduardo Faria e Celso Campilongo apontam marcantes mudanças da
sociedade na época atual, reconhecendo o desafio da complexidade desses problemas,
sobretudo em face da globalização, com reflexos na política e nos institutos jurídicos e,
por consequência, no Direito:
A sociedade [...] mudou significativamente nas últimas décadas. Ficou
mais complexa, mais funcionalmente diferenciada, tornando-se, assim,
menos vertical e mais horizontal. A globalização pôs em xeque a ideia
de soberania. A transterritorialização dos mercados de bens, serviços e
crédito levou a um processo de convergência, harmonização e
unificação de determinados institutos jurídicos. [...] Essas mudanças
levaram a política tradicional e o Direito Positivo a perder
competência cognitiva diante da velocidade das inovações
tecnológicas, da internacionalização da economia e da proliferação de
centros infra e supranacionais irradiadores de normas, regras e
procedimentos. Se vivemos um momento histórico de grandes
possibilidades de conhecimento, também nos encontramos num
universo de ignorância com relação aos saberes técnicos de que
precisamos para enfrentar e resolver problemas ambientais, questões
energéticas, crises financeiras e manifestações sociais. No campo
específico do ensino do Direito, os modos vigentes de entender a
sociedade e gerir seus litígios não estão à altura da complexidade de
sociedades interconectadas globalmente e marcadas por novos tipos de
conflitos, problemas e dilemas. A excessiva ênfase sobre o papel do
Estado e do Direito Positivo como meio de controle impede os alunos
de prestar atenção aos aspectos cooperativos e cognitivos de
governança; não permite que percebam o esgotamento da
funcionalidade da política legislativa convencional; dificulta a
compreensão do advento de soberanias compartilhadas e de sistemas
autônomos e funcionalmente diferenciados com alcance mundial; e
58
desestimula um raciocínio jurídico dos problemas contemporâneos
voltado para o dialogo interdisciplinar.95
Diante da transterritorialização da economia, do alto desenvolvimento
tecnológico, da veloz e vertiginosa expansão das informações, é necessário um novo
olhar. Um olhar que tenha maior abrangência e que permita situar cada problema em
seu contexto, que passa a ser planetário. Um olhar transdisciplinar que ultrapasse os
limites de cada ciência. Um olhar que reconheça a complexidade dos problemas que
desafiam a humanidade.
3.2. A INADEQUAÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO DOS SABERES
A mais significativa armadilha contra o Capitalismo Humanista é a
fragmentação dos saberes. E nos tempos atuais, entendidos como pós-modernos ou
hipermodernos96
, são questionados muitos pilares sobre os quais se erigiu a
modernidade, dentre os quais, a fragmentação dos saberes.
A rigor, o desenvolvimento científico da era moderna é profundamente
marcado pela influência de Descartes, que tem como pressuposto a divisão de cada
problema encontrado em tantas pequenas partes quanto forem possíveis e necessárias
para melhor resolvê-lo, pressupondo a redução do todo às suas partes como uma postura
metodológica, sendo esta uma das mais caras tradições do pensamento científico atual97
.
Fritjof Capra descreve esse modelo cartesiano e a sua notável influência
no conhecimento científico:
O método de Descartes é analítico. Consiste em decompor
pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las
em sua ordem lógica. Esse método analítico de raciocínio é
95
FARIA, José Eduardo e CAMPILONGO, Celso. Os desafios do ensino jurídico. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, p. A2, 3 de junho de 2014. 96
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 24. 97
BORSATTO, Ricardo Serra et al. Um novo paradigma para a aprendizagem da complexidade das
relações água/solo/planta/atmosfera. Semina: Ciências Agrárias, v. 28, n. 3, p. 399-408, 2007.
59
provavelmente a maior contribuição de Descartes à ciência. Tornou-se
uma característica essencial do moderno pensamento científico e
provou ser extremamente útil no desenvolvimento de teorias
científicas e na concretização de complexos projetos tecnológicos. Foi
o método de Descartes que tornou possível à NASA levar o homem à
Lua. Por outro lado, a excessiva ênfase dada ao método cartesiano
levou à fragmentação característica do nosso pensamento em geral e
das nossas disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de
reducionismo na ciência – a crença em que todos os aspectos dos
fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas
partes constituintes.98
Edgar Morin aponta que, ainda hoje, por conta do modelo cartesiano, o
sistema educativo privilegia a separação dos saberes, em vez de praticar a sua ligação.99
Contudo, esse pressuposto metodológico de separabilidade leva à divisão
das partes constituintes dos conjuntos organizados em sistemas, o que proporciona um
conhecimento insuficiente, mutilado,100
pois torna invisíveis os conjuntos complexos, as
interações e retroações entre partes e todo, as entidades multidimensionais e os
problemas essenciais.101
Daí porque Morin apresenta como um grande desafio o estudo da
complexidade, questionando abertamente a fragmentação dos saberes.
3.3. A PERCEPÇÃO DA COMPLEXIDADE
O Capitalismo Humanista, enquanto categoria jurídica, é uma
singularidade, um complexo edificado pela consubstancialidade quântica entre o
capitalismo e os direitos humanos e fundamentais.
98
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradução: Álvaro Cabra. São Paulo: Cultrix, 1986, p. 45. 99
MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. Disponível em:
<http://www.edgarmorin.org.br/textos/da-necessidade-de-um-pensamento-complexo/?page=3>. Acesso
em 12/11/15. 100
MORIN, Edgar. Complexidade e liberdade. Disponível em:
<http://teoriadacomplexidade.com.br/textos/teoriadacomplexidade/Complexidade-e-Liberdade.pdf>.
Acesso em 12/11/15. 101
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá
Jacobina. 20. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 13.
60
Etimologicamente, a palavra complexo, segundo Antônio Geraldo Cunha,
deriva do latim complexus, particípio com valor ativo, do verbo complecti, que significa
abraçar, abarcar, ou seja, que encerra muitos elementos102
. Para Houaiss, complexo diz
respeito ao conjunto tomado como um todo mais ou menos coerente, cujos componentes
funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação,
muitas vezes de difícil apreensão pelo intelecto, e geralmente apresenta diversos
aspectos.103
Morin explica que ―existe complexidade, de fato, quando os
componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o
psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido
interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as
partes.‖104
Afirma ainda Morin que os desafios da complexidade não podem ser
enfrentados com um olhar reducionista:
Como disseram Aurélio Peccei e Daisaku Ikeda: ―O approach
reducionista, que consiste em recorrer a uma série de fatores para
regular a totalidade dos problemas levantados pela crise multiforme,
que atravessamos atualmente, é menos uma solução que o próprio
problema.‖
Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o
complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas,
unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de
compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um
julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência
para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves
problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas
se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua
multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a
incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os
problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência
incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega,
inconsciente e irresponsável.105
102
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 201. 103
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p.
505. 104
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 14. 105
Id.
61
Pelo olhar reducionista, o que importa é separar o todo em partes, para
que cada parte seja dissecada por um determinado conhecimento especializado. Para
Morin, porém, esse caminho da superespecialização, que não permite perceber a
complexidade, pois não enxerga o contexto, leva à ignorância e à cegueira:
Assim, os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só
trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os
inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do
despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a
elucidação, mas também a ignorância e a cegueira.106
Nas ciências jurídicas, por exemplo, as questões tributárias são tratadas
pelos especialistas em Direito Tributário. E o conhecimento torna-se cada vez mais
especializado, a ponto de que hoje já se apresentam, em matéria tributária, especialistas
em determinados tributos, havendo quem se intitule especialista em IR - Imposto de
Renda; especialista em IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados; especialista em
ICMS – Imposto de Circulação de Mercadorias. E isso ocorre igualmente na medicina,
na economia, na psicologia e em todas as ciências.
Assim, restam evidentes, a partir do pensamento de Morin, os perigos da
fragmentação dos saberes, que enveredam pela hiperespecialização, a qual se fecha em
si mesma sem permitir sua integração em uma problemática global ou em uma
concepção de conjunto do objeto do qual ela considera apenas um aspecto ou uma
parte.107
O desafio da complexidade é, também, o desafio da globalidade, razão
pela qual Morin propõe que se tenha um pensamento que ligue as coisas que parecem
separadas umas das outras:
O problema do conhecimento é um desafio, porque só podemos
conhecer, como dizia Pascal, as partes se conhecermos o todo em que
se situam, e só podemos conhecer o todo se conhecermos as partes
que o compõem. Ora, hoje vivemos uma época de mundialização,
todos os nossos grandes problemas deixaram de ser particulares para
se tomar mundiais: o da energia e, em especial, o da bomba atômica,
106
Ibid., p. 15. 107
Ibid., p. 13.
62
da disseminação nuclear, da ecologia, que é o da nossa biosfera, o dos
vírus, como a Aids, imediatamente se mundializam. Todos os
problemas se situam em um nível global e, por isso, devemos
mobilizar a nossa atitude não só para os contextualizar, mas ainda para
os mundializar, para os globalizar; devemos, em seguida, partir do
global para o particular e do particular para o global, que é o sentido
da frase de Pascal: "Não posso conhecer o todo se não conhecer
particularmente as partes, e não posso conhecer as partes se não
conhecer o todo". Deveríamos, portanto, ser animados por um
princípio de pensamento que nos permitisse ligar as coisas que nos
parecem separadas umas em relação às outras.108
É nesta perspectiva que deve ser analisada a não neutralidade entre o
capitalismo e os direitos humanos e fundamentais, como uma única singularidade, um
sistema e um complexo integral, decorrente de uma nova mentalidade, um outro olhar,
que se batizou Capitalismo Humanista. Por essa nova mentalidade, edificada por uma
visão multidimensional, supera-se o problema da neutralidade entre o capitalismo e os
direitos humanos e fundamentais, embora persista, ainda, o desafio da expansão
descontrolada do saber, que tende a deturpá-lo [o Capitalismo Humanista], propiciando
críticas fundadas na ignorância e na cegueira.
Com efeito, o desenvolvimento tecnológico da época atual, notadamente
nos meios de comunicação, permite a propagação de informações em tempo real e em
escala planetária, cujo fenômeno representa um grande desafio para o conhecimento
humano, como aponta Morin, referindo-se à expansão descontrolada do saber:
Por detrás do desafio do global e do complexo, esconde-se um outro
desafio: o da expansão descontrolada do saber. O crescimento
ininterrupto dos conhecimentos constrói uma gigantesca torre de
Babel, que murmura linguagens discordantes. A torre nos domina
porque não podemos dominar nossos conhecimentos. T. S. Eliot dizia:
―Onde está o conhecimento que perdemos na informação?‖ O
conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado
com as informações e inserido no contexto destas. As informações
constituem parcelas dispersas de saber. Em toda parte, nas ciências
como nas mídias, estamos afogados em informações. O especialista da
disciplina mais restrita não chega sequer a tomar conhecimento das
informações concernentes a sua área. Cada vez mais, a gigantesca
proliferação de conhecimentos escapa ao controle humano. Além
disso, como já dissemos, os conhecimentos fragmentados só servem
para usos técnicos. Não conseguem conjugar-se para alimentar um
108
MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento... , p.3
63
pensamento capaz de considerar a situação humana no âmago da vida,
na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de nossa época.
Não conseguimos integrar nossos conhecimentos para a condução de
nossas vidas. Daí o sentido da segunda parte da frase de Eliot: ―Onde
está a sabedoria que perdemos no conhecimento?‖109
Daí que edificar a mentalidade proposta pelo Capitalismo Humanista é
um desafio, pois sua divulgação ocorre nesse contexto de expansão descontrolada de
informações.
Contudo, informações sem ordem de nada valem. Informações sem
ordem são como penas lançadas ao vento...
Logo, se quaisquer informações não se encontram em ordem, ou seja, se
as informações não se encontram dispostas de modo a permitir conhecimento, o qual,
como se viu, pressupõe o pensamento complexo, tais informações para nada servem.
Por isso, diante dos desafios da globalidade e da expansão descontrolada do saber,
lembra bem Morin, invocando Montaigne: mais vale uma cabeça bem-feita do que uma
cabeça bem-cheia.110
3.4. CONHECIMENTO PERTINENTE E VISÃO HOLÍSTICA
É corrente a percepção de que o capitalismo liberal, assim como o
capitalismo de Estado, provoca sérios inconvenientes e perturbações no meio social e na
preservação do próprio planeta. E as pessoas, simultaneamente banhadas por tantas
informações, têm consciência e admitem esses inconvenientes, as perturbações e a
degradação do planeta, tendo uma percepção de impotência para resolvê-las, embora
afirmem ser, paralelamente, capitalistas e humanistas.
109
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 16/17. 110
Ibid., p. 21.
64
O Professor Ricardo Sayeg, que defende o enfrentamento desses
inconvenientes, das perturbações e da degradação planetária, por meio do Capitalismo
Humanista, conta que o Professor Willis Santiago Guerra Filho, em resposta a essas
pessoas, pergunta: ―E por que não capitalista humanista?‖
Essa indagação do Professor Santiago Guerra bem demonstra a diferença
de uma cabeça bem-cheia, que é aquela que continua afirmando a neutralidade entre o
capitalismo e os direitos humanos e fundamentais, embora se filie a essas duas
dimensões tendo visão parcial do todo; e uma cabeça bem-feita, que é aquela que
reconhece o Capitalismo Humanista, contempla a visão integral, ou seja,
multidimensional, isto é, o complexo, e supera essa neutralidade implicadora, na vida de
todos, desses sérios inconvenientes e perturbações, além da degradação planetária.
O sentido de uma cabeça bem-feita, que se opõe ao sentido de uma
cabeça bem-cheia, e aponta o caminho para um conhecimento pertinente, é assim
referido por Morin:
A PRIMEIRA FINALIDADE do ensino foi formulada por Montaigne:
mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia. O significado de
―uma cabeça bem cheia‖ é óbvio: é uma cabeça onde o saber é
acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e
organização que lhe dê sentido. ―Uma cabeça bem-feita‖ significa que,
em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo
tempo de:
– uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas;
– princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar
sentido.
Não interessa, portanto, simples erudição, em que se acumula
conhecimento sem a ordenação do conhecimento, ou seja, sem os princípios
organizadores que permitem ligar os saberes e lhes dar sentido, de modo que possam
servir para resolução dos problemas atuais.
Daí a pertinência do Capitalismo Humanista, enquanto mentalidade
edificada por um conhecimento ordenado do capitalismo e dos direitos humanos e
fundamentais.
65
O saber empilhado, sem sentido, do capitalismo e dos direitos humanos e
fundamentais, que sustenta a neutralidade entre eles, não é conhecimento, nem é
pertinente. Para Morin, conhecimento pertinente é o que é capaz de situar qualquer
informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita.111
Conhecer o humano, com pertinência, não é separá-lo do capitalismo, mas situá-lo nele,
como faz o Capitalismo Humanista. Todo conhecimento do capitalismo, para ser
pertinente, deve contextualizar seu objeto, que é servir ao homem. ―Quem somos nós?‖
- homo economicus, capitalista - é uma questão inseparável de ―onde estamos, de onde
viemos, para onde vamos?‖112
Assim sendo, se o conhecimento pertinente pressupõe a identificação do
contexto, e se os grandes problemas da humanidade estão inseridos no contexto
capitalista, a observação do contexto reclama uma visão holística, parametrizada pelo
capitalismo globalizado.
Robert Muller, chanceler da Universidade para a Paz, da Organização das
Nações Unidas na Costa Rica, lembra que o adjetivo holístico ainda assusta algumas
pessoas, dizendo, porém, que a expressão não deve causar inquietação, pois se trata da
palavra grega ―kath holikos‖, que se refere à totalidade, ao universal, consagrada na
expressão ―Igreja Católica‖, que quer dizer ―Igreja Universal‖.113
Pierre Weil114
, educador, doutor em psicologia pela Universidade de
Paris e consultor da Organização das Nações Unidas em educação para a paz, em obra
recomendada pela UNESCO como método de educação para a paz, propõe uma visão
holística quando afirma:
A forma mais direta de atingir a paz consiste em fazer com que cada
ser humano constate a identidade existente entre suas estruturas
111
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 15. 112
Ibid., p. 37. 113
MILLER, Robert. Prefácio. In: WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova consciência, por
uma nova educação. Trads.: Helena Roriz Taveira, Hélio Macedo da Silva. São Paulo: Editora Gente,
1993, p. 10. 114
WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova consciência, por uma nova educação. Trads.:
Helena Roriz Taveira, Hélio Macedo da Silva. São Paulo: Editora Gente, 1993, p. 86.
66
psíquica, vital e física, e os sistemas cibernéticos, vitais e materiais do
universo.
Em suma, cabe propiciar a cada homem a possibilidade de ver que os
mundos interior e exterior, o sujeito e o universo nada mais são do que
manifestações distintas da mesma energia.
Torna-se evidente que todo trabalho começa por ‗educar o educador‘.
É preciso convencê-lo profundamente da necessidade de escapar da
‗fantasia da separatividade‘, na qual a maioria da humanidade está
submersa.
Logo, tanto Morin como Pierre Weil evidenciam os riscos da
fragmentação ou separatividade dos saberes, apontando para a necessidade de uma visão
holística que permita a sua integração, e sob este olhar é que se deve refletir sobre a
proposta do Capitalismo Humanista.
3.5. A INTER-MULTI-TRANS-DISCIPLINARIDADE
O novo olhar proposto por Morin, ou seja, um olhar para a complexidade,
com o qual é de se refletir o Capitalismo Humanista, reclama a transdisciplinaridade,
que busca a compreensão da complexidade. A transdisciplinaridade, como o prefixo
―trans‖ indica aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das
diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina, tendo como objetivo a compreensão
do mundo, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.115
Neste ponto, cabe ressalvar que Morin não sugere demolir tudo o que as
disciplinas criaram. Ao contrário, ele discute a significação de todos os termos
relacionados à disciplinaridade:
Voltemos aos termos interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e
transdisciplinaridade, difíceis de definir, porque são polissêmicos e
imprecisos. Por exemplo: a interdisciplinaridade pode significar, pura
e simplesmente, que diferentes disciplinas são colocadas em volta de
uma mesma mesa, como diferentes nações se posicionam na ONU,
sem fazerem nada além de afirmar, cada qual, seus próprios direitos
115
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Disponível em:
<http://www.ruipaz.pro.br/textos/manifesto.pdf>. Acesso em 12/11/15 (grifos do autor).
67
nacionais e suas próprias soberanias em relação às invasões do
vizinho. Mas interdisciplinaridade pode significar também troca e
cooperação, o que faz com que a interdisciplinaridade possa vir a ser
alguma coisa orgânica. A multidisciplinaridade constitui uma
associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um objeto
que lhes sejam comuns; as disciplinas ora são convocadas como
técnicos especializados para resolver tal ou qual problema; ora, ao
contrário, estão em completa interação para conceber esse objeto e
esse projeto, como no exemplo da hominização. No que concerne à
transdisciplinaridade, trata-se frequentemente de esquemas cognitivos
que podem atravessar as disciplinas, às vezes com tal virulência, que
as deixam em transe. De fato, são os complexos de inter-multi-trans-
disciplinaridade que realizaram e desempenharam um fecundo papel
na história das ciências; é preciso conservar as noções chave que estão
implicadas nisso, ou seja, cooperação; melhor, objeto comum; e,
melhor ainda, projeto comum. 116
Morin propõe, então, uma ―ecologização‖ das disciplinas, levando-se em
conta tudo o que lhes é contextual:
Enfim, o importante não é apenas a ideia de inter- e de
transdisciplinaridade. Devemos ―ecologizar‖ as disciplinas, isto é,
levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições
culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam
problemas, ficam esclerosadas e transformam-se. É necessário
também o ―metadisciplinar‖; o termo ―meta‖ significando ultrapassar
e conservar. Não se pode demolir o que as disciplinas criaram; não se
pode romper todo o fechamento: há o problema da disciplina, o
problema da ciência, bem como o problema da vida; é preciso que
uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada.117
Assim, o pensamento complexo do Capitalismo Humanista pressupõe
uma visão holística, que leva em conta a real condição humana, inserida em um
ambiente econômico implicando na formação de uma mentalidade capitalista,
humanística e ética, que só pode ser completa com a consciência do caráter matricial da
Terra para a vida, e da vida para a humanidade118
, identificando a essência cósmica do
homem capitalista:
Em meio à aventura cósmica, no extremo do prodigioso
desenvolvimento de um ramo singular da auto-organização viva,
prosseguimos, à nossa maneira, na aventura da organização. Essa
116
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 115. 117
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita... p. 115. 118
Ibid., p. 39.
68
época cósmica da organização, incessantemente sujeita às forças da
desorganização e da dispersão, é, também, a época da reunião, e só ela
impediu que o cosmo se dispersasse e desaparecesse, tão logo acabara
de nascer. Nós, viventes, e, por conseguinte, humanos, filhos das
águas, da Terra e do Sol, somos um feto da diáspora cósmica, algumas
migalhas da existência solar, uma ínfima brotação da existência
terrestre. Estamos, a um só tempo, dentro e fora da natureza. Somos
seres, simultaneamente, cósmicos, físicos, biológicos, culturais,
cerebrais, espirituais... Somos filhos do cosmo, mas, até em
consequência de nossa humanidade, nossa cultura, nosso espírito,
nossa consciência, tornamo-nos estranhos a esse cosmo do qual
continuamos secretamente íntimos. Nosso pensamento, nossa
consciência, que nos fazem conhecer o mundo físico, dele nos
distanciam ainda mais.
À nossa ascendência cósmica, à nossa constituição física, temos de
acrescentar nossa implantação terrestre. A Terra foi produzida e
organizada na dependência do Sol, constituiu-se em complexo
biofísico, a partir do momento em que sua biosfera se desenvolveu.
Da Terra nasceu, efetivamente, a vida e, na evolução multiforme da
vida multicelular, nasceu a animalidade; depois, o mais recente
desenvolvimento de um ramo do mundo animal tornou-se humano.
Nós domamos a natureza vegetal e animal, pensamos ser senhores e
donos da Terra, os conquistadores, mesmo, do cosmo. Mas – como
começamos a tomar consciência – dependemos de modo vital da
biosfera terrestre e devemos reconhecer nossa muito física e muito
biológica identidade terrena.
De modo que podemos, ao mesmo tempo, integrar e distinguir o
destino humano dentro do Universo; e essa nova cultura científica
permite oferecer um novo e capital conhecimento à cultura geral,
humanística, histórica e filosófica, que, de Montaigne a Camus,
sempre levantou o problema da condição humana.119
Enfim, o que se quer apontar nessas breves linhas, abordando o
pensamento de Edgar Morin, é que a concepção da complexidade evita a ilusão e a
cegueira da fragmentação dos saberes, permitindo a percepção do Capitalismo
Humanista, cujo conhecimento pertinente exige uma visão holística que possa
identificar o contexto planetário de uma humanidade capitalista em qualquer questão
que se pretenda investigar.
Não se trata de abandonar as disciplinas da ciência do capitalismo e dos
direitos humanos e fundamentais. Trata-se de reconhecer a necessidade de um novo
olhar, holístico, que reconheça a complexidade entre o capitalismo e os direitos
humanos e fundamentais; e os situem em uma singularidade, levando em conta o
119
Ibid., p. 37/38.
69
contexto, mercê de uma abordagem inter-multi-trans-disciplinar. É daí que se extrai a
contribuição da física quântica para se abrir um outro olhar possível na ciência jurídica,
que permite ver a singularidade do Capitalismo Humanista, pois o Direito serve para pôr
ordem no caos, cujo caos é imposto pela neutralidade entre o capitalismo e os direitos
humanos e fundamentais.
70
CAPÍTULO 4
FÍSICA QUÂNTICA E DIREITO
4.1. O DETERMINISMO CIENTÍFICO DO MODELO FÍSICO MECANICISTA
O Capitalismo Humanista não é uma ideologia, e muito menos uma
percepção metafísica do Direito. Por conta do seu viés holístico, é o resultado da
aplicação científica da integração, por consubstancialidade, do capitalismo e dos direitos
humanos e fundamentais. Está sedimentado em suas estruturas pela física quântica, que
parte da física mecânica, desvendando a singularidade entre matéria e energia, ao
reconhecer a consubstancialidade pela equivalência de elementos distintos, a partir da
superação da física clássica, sem descartá-la. Daí a importância de se abordar a física e
o Direito.
Mercê da física clássica, nacionalizadora do universo a partir do século
XVI, o modelo mecanicista é o pilar estrutural, a linguagem matemática, forjada a partir
do conhecimento cartesiano moderno. Fritjof Capra assim o descreve:
Na mecânica newtoniana, todos os fenômenos físicos estão reduzidos
ao movimento de partículas materiais, causado por atração mútua, ou
seja, pela força da gravidade. O efeito dessa força sobre uma partícula
ou qualquer outro objeto material é descrito matematicamente pelas
equações do movimento enunciadas por Newton, as quais formam as
bases da mecânica clássica. Foram estabelecidas leis fixas de acordo
com as quais os objetos materiais se moviam, e acreditava-se que eles
explicassem todas as mudanças observadas no mundo físico. Na
concepção newtoniana, Deus criou, no princípio, as partículas
materiais, as forças entre elas e as leis fundamentais do movimento.
Todo o universo foi posto em movimento desse modo e continuou
funcionando, desde então, como uma máquina, governado por leis
imutáveis. A concepção mecanicista da natureza está, pois,
intimamente relacionada com um rigoroso determinismo, em que a
gigantesca máquina cósmica é completamente causal e determinada.
Tudo o que aconteceu teria tido uma causa definida e dado origem a
um efeito definido, e o futuro de qualquer parte do sistema podia – em
71
princípio – ser previsto com absoluta certeza, desde que seu estado,
em qualquer momento dado, fosse conhecido em todos os detalhes‖.120
A física mecânica comprovou matematicamente o racionalismo cartesiano e foi
determinante a influência do modelo newtoniano na visão de mundo da modernidade,
que ainda se observa em tempos atuais, como aponta Danah Zohar:
Atualmente, nossa percepção da realidade social e política, ou seja,
toda nossa percepção da ―modernidade‖, é mecanicista. Plasmou-se
com a reação direta à revolução filosófica e científica do século XVII,
que deu origem à ciência moderna e se reforça diariamente com a
nossa exposição constante à tecnologia que nos rodeia. O próprio
Isaac Newton, a grande figura dessa nova ciência mecânica, acreditava
que os fundamentos de sua obra podiam aplicar-se aos problemas da
filosofia moral. (...)
Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade
física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam
descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal
maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual se
comparava o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e
retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes.
Ambas as metáforas subsistem hoje em dia em expressões como ―a
máquina administrativa‖ e ―o aparelho do Estado‖ e nas implicações
filosóficas da inteligência artificial: nós somos ―máquinas de pensar‖,
podemos estar ―ligados‖ ou ―desligados‖; quando finalmente
entendemos alguma coisa, foi porque a ―ficha caiu‖; nós fomos
―programados‖ para o sucesso ou fracasso.
As pedras angulares do mundo físico de Newton eram átomos tão
numerosos e impenetráveis que se atropelavam, girando no espaço, e
colidiam entre si quais minúsculas bolas de bilhar. Os únicos atores do
drama espaço-tempo eram essas partículas e as forças de atração ou
repulsão que entre elas operavam121
‖
Juarez Rogério Felix também anota a influência dessas ideias, inclusive
sobre as ciências humanas:
As ciências humanas não se mostraram infensas a essa nova ordem de ideias,
que vê na matemática a melhor linguagem para explicar o mundo. O
Positivismo Filosófico de Augusto Comte é uma primeira manifestação
filosófica que postula a necessidade de que também as ciências humanas
sejam pensadas pela tríade componente da ciência moderna: razão,
matemática, experiência.
As ciências humanas caminham, nessa linha de evolução das ideias, para
aquilo que veio a ser conhecido como cientismo ou cientificismo. Funda-se
120
CAPRA, op. cit., p. 51/52. 121
ZOHAR, Danah, Sociedade quântica: a promessa revolucionária de uma liberdade verdadeira. Trad.
Luiz A. de Araújo. 3. ed., Rio de Janeiro: 2008, Best Seller, p. 22/24.
72
então a era da certeza, que só viria a ser contestada a partir dos novos
pressupostos da física quântica, desafiadora do modelo determinista da
causalidade usado na mecânica clássica de Newton.122
Ora, não se cogita o abandono do inegável avanço científico decorrente
do determinismo newtoniano, que continua aplicável à física e às ciências das demais
áreas do saber, fragmentadas pelo racionalismo cartesiano, por permitirem, segundo
esses modelos, a compreensão de qualquer fenômeno autônoma e integralmente, em
termos de certeza científica.123
O que se cogita é o reconhecimento de que, para a compreensão da física
e das ciências das demais áreas do saber, não basta mais o racionalismo cartesiano e o
consequente determinismo newtoniano, sendo necessário um novo olhar, um olhar
holístico, por conta da consubstancialidade e da constituição decorrente das
singularidades, implicadas pela inter-multi-trans-disciplinaridade. Há que se ir além do
determinismo newtoniano, o que não significa descartá-lo. E a física já avançou por
meio da física quântica, que desvendou o princípio da complementaridade, que é o
equivalente matemático ao fenômeno da inter-multi-trans-disciplinaridade para as ciências
sociais.
Fica evidente, portanto, que o rigoroso raciocínio cartesiano
fragmentalista e o determinismo newtoniano, decorrente do modelo mecanicista, que
sustentaram a autonomia e neutralidade matemática e utilitarista ente a economia e os
direitos humanos e fundamentais deve ceder, sem descartá-los, à ideia de
consubstancialidade, através da complementariedade edificadora da singularidade
quântica do Capitalismo Humanista.
122
FELIX, Juarez Rogério. Direito quântico: jusnaturalismo indeterminista. Disponível em:
<http://www.academus.pro.br/professor/juarezfelix/material_pdf/003.pdf>. Acesso em 12/11/15. 123
GOLDMAN, Flávio. Direito Quântico: revisitação e hipóteses de aplicação ao direito
contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Direito) – PUC – SP, 2010. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp136213.pdf. Acesso em 12/11/15.
73
4.2. AS REVELAÇÕES DA FÍSICA QUÂNTICA
Os tempos pós-modernos ou hipermodernos124
colocaram em xeque os
fundamentos da modernidade, notadamente a partir dos conhecimentos da física
quântica.
Flávio Goldman aponta que, a partir das descobertas da física moderna,
sobretudo expressas pelas teorias quântica e da relatividade, desvenda-se um novo
campo de possibilidades no tocante ao comportamento dos seres, suscitando a
emergência de um modelo renovado de abordagem científica:
O avanço da física destinada a estudar a natureza e o comportamento das
partículas elementares da matéria, a que se veio a denominar Física Quântica
ou Teoria Quântica, findou por proporcionar os primeiros questionamentos
neste sentido, pois desvelava a intrínseca e inevitável interferência do sujeito
observador no objeto observado, bem como pela constatação de que o
comportamento das referidas partículas teria natureza essencialmente
instável, portanto imprevisível.
Em suma, as descobertas na nova microfísica implicavam a relativização do
modelo de leis deterministas em prol da concepção de um conhecimento
probabilístico ou estatístico. Mais ainda, por tratar de partículas elementares
da matéria, a nova abordagem deveria, portanto, provocar, como
efetivamente vem provocando, uma mudança de postura perante todas as
ciências naturais e sociais.125
Note-se que, segundo esse novo paradigma, esmorece um princípio
basilar da ciência, que sustentava que o sujeito observador não interfere no objeto
observado. Para a física quântica, entretanto, sempre haverá interferência entre o sujeito
observador e o objeto observado. E isso leva ao reconhecimento de que o próprio sujeito
observador passa a fazer parte do contexto do objeto, causando interferência no objeto.
Aliás, isso é facilmente evidenciado no Direito, no que tange à interferência do
aplicador do ornamento jurídico no caso concreto.
124
GUERRA FILHO, op.cit., p. 24. 125
GOLDMAN, Flávio, op. cit., p. 21/22.
74
O físico Ramayana Gazzinelli126
explica que, para a física quântica, a
resposta a qualquer questão sempre levará em conta a interferência do sujeito
observador no objeto observado:
Na física clássica o fenômeno é imaginado como alguma coisa
objetiva, independente dos meios de observação. Uma determinada
experiência pode captar um ou outro aspecto do fenômeno, mas
acreditamos que nele haja uma realidade objetiva subjacente. Einstein
exprimia essa ideia quando dizia: ―a Lua está lá, mesmo que ninguém
a esteja observando.‖ No entanto, na física quântica, o fenômeno
inclui, além do objeto estudado, as circunstâncias de observação, isto
é, a descrição dos aparelhos e procedimentos experimentais utilizados
– não há, como na física clássica, um corte bem-definido entre o
aparelho e o ente observado. Em consequência, a ideia de fenômeno
da física clássica como realidade objetiva não é aceitável na física
quântica.
Portanto, as leis deterministas do modelo mecanicista cedem lugar às leis
probabilísticas no novo modelo quântico, o que lhe compatibiliza ainda mais com o
Direito.
Antes, a física clássica se contentava na crença de que a matéria era
composta apenas de partículas, enquanto a energia, contínua e indivisível, jamais tinha a
forma da matéria.127
Ambas inconfundíveis. Essa crença mecanicista, porém, foi revista
por força da descoberta do quantum por Planck, como é esclarecido por Goffredo Telles
Júnior128:
Planck [...] mostrou que a luz não é contínua. Não é um jorro
interrompido, um jacto simples, um todo indecomponível. A luz,
também, é feita de partículas. Ela, também, é ―discreta‖. Ela é um
fluxo de fótons, e os fótons são porções particulares, estritamente
medidas, de radiação eletromagnética. Por serem parcelas delimitadas,
rigorosamente quantificadas, os fótons são ―quanta‖ de energia luminosa.
Cada fóton é um ―quantum‖, e a onda eletromagnética, uma energia
feita de um número inteiro de quanta, ou seja, de fótons.
Assim como um corpo é feito de micropartículas, um fluxo de energia
luminosa era feito de quanta.
126
GAZINELLI, Ramayana. Quem tem medo da física quântica? A visão quântica do mundo físico.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 104. 127
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 39. 128
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 40.
75
Esta descoberta, feita na escala subatômica, abriu caminhos explorados
por Albert Einsten, que desvendou a lei da singularidade pela consubstancialidade de
elementos distintos, embora equivalentes:
Fundado nas descobertas de Planck, Einstein chegou à conclusão de que as
porções quantificadas da energia luminosa deveriam se comportar como
―fragmentos comuns de matéria‖. Os fótons, colidindo com corpúsculos –
com elétrons, por exemplo – se conduziriam como se fossem bolas de bilhar:
conservariam a impulsão, como fariam as micropartículas materiais.
A hipótese de Einstein era a de que a luz tinha massa.
Ora, massa, como foi dito, é propriedade dos corpos. A energia seria corpo?
Aos olhos perplexos da humanidade, Einstein revelou a íntima correlação
entre energia e massa. Em três artigos, publicados em 1905, ele mostrou que
a energia pertencente a uma unidade de matéria (por exemplo, a uma grama
de ouro) é igual à massa da unidade dessa matéria, multiplicada pelo
quadrado da velocidade da luz, ou seja, E=mc2, equação célebre, na qual E é
a energia de uma unidade de matéria; m é a massa dessa matéria e c é a
velocidade da luz. [...]
A equação einsteiniana punha em evidencia a natureza corpórea da energia,
e a natureza energética dos corpos. E alterou, para sempre, nossa visão do
mundo.129
Ao revolucionar a física, seguindo os estudos de Planck e demonstrando
que a energia tinha natureza corpórea e os corpos tinham natureza energética, Einstein
estava propondo a equivalência entre massa e energia, que marcou profundamente a
nova física e que restou definitivamente comprovada:
Guiados por Einstein, os cientistas de todo o mundo viram comprovar-se,
numa observação do céu, que ficou famosa, a hipótese da equivalência entre
massa e energia. De fato, os astrônomos verificaram que a luz de uma certa
estrela sofreu, efetivamente, desvio em sua trajetória, porque foi atraída pela
força de gravidade de outra estrela.
Como poderia uma estrela atrair a luz de outra estrela, se a luz não fosse
feita de matéria e não tivesse massa? A matéria só atrai a matéria; e a atrai
na razão direta das massas, e na razão inversa do quadrado das distancia que
as separam.
Com tal observação, ficou evidenciado que os fótons, quanta de energia,
tinham massa, que é propriedade dos corpos.
Experiências de laboratório demonstram que os fótons são capazes de
exercer pressão sobre o corpo e até de expulsar elétrons de um pedaço de
metal, confirmando a existência de massa nos quanta de energia.
Espantosa revelação, esta!
Mas eis que revelação análoga se fez relativamente a outras micropartículas.
Os elétrons, por exemplo, logo demonstraram ser energia, além de ser
129
Ibid., p. 40/41.
76
corpúsculos. [...] Então, o que se patenteia é que o elétron não é apenas um
corpúsculo. Ele é, em verdade, corpo e onda, concomitantemente.
É corpo, corpúsculo, sem dúvida, pois o laboratório demonstra que a
micropartícula possui a propriedade essencial dos corpos: possui massa.
Mas é onda, também, pois o laboratório demonstra que a micropartícula
possui uma propriedade específica das ondas: a de sofrer difração. [...] Corpo
e onda – este é, em verdade, o surpreendente dualismo que a Física Moderna
descobriu em todas as micropartículas.130
Esse novo quadro abalou profundamente as certezas da física clássica, até
então aceitas cegamente pela ciência moderna, cujo paradigma emergente exige uma
revisão dos conhecimentos e da metodologia científicos. Em decorrência, a
decomposição destas certezas demonstrou com clareza que a fragmentação fundada no
raciocínio cartesiano é uma resposta científica parcial, impondo-se a visão holística, por
seu caráter integral. Aplicando-se isso à fragmentação entre economia capitalista e
direitos humanos e fundamentais, conquanto se possa entendê-los como entes
autônomos, separados e distintos, após esta compreensão holística há de se integrá-los
por consubstancialidade, cujo resultado é a singularidade do Capitalismo Humanista.
4.3. A COMPLEMENTARIDADE E A INCERTEZA
As propriedades ondulatória e corpuscular de um objeto quântico já
tinham sido verificadas pelos físicos quânticos.
Danah Zohar131
explica a revolucionária descoberta da física quântica,
conhecida como princípio da complementaridade, que se deve a Niels Bohr:
A mais revolucionária e, para nossos fins, a mais importante
afirmação que a física quântica faz acerca da natureza da matéria, e
talvez do próprio ser, provém de sua descrição da dualidade onda-
partícula – a afirmativa de que todo ser, no nível subatômico, pode ser
igualmente bem descrito como partículas sólidas, como um certo
número de minúsculas bolas de bilhar, ou como ondas, como as
ondulações na superfície do oceano. Mais que isto, a física quântica
130
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 42. 131
ZOHAR, op. cit., p. 13.
77
prossegue dizendo que nenhuma das duas descrições tem real precisão
quando isolada e que tanto o aspecto onda como o aspecto partícula
do ser devem ser levados em conta quando se procura compreender a
natureza das coisas. É a própria dualidade o aspecto mais básico. A
"substância" quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e o
aspecto partícula simultaneamente. Esta natureza tipo Jano do ser
quântico está condensada numa das colocações mais fundamentais da
teoria quântica, o princípio da complementaridade, que declara que
cada modo de descrever o ser, como onda ou como partícula,
complementa o outro e que o quadro completo surge somente do
"pacote".
Sobre essa noção da complementaridade, Fritjof Capra132
esclarece:
Para um melhor entendimento dessa relação entre pares de conceitos
clássicos, Niels Bohr introduziu a noção de complementaridade.
Segundo ele, a imagem da partícula e a imagem da onda são duas
descrições complementares da mesma realidade, cada uma delas só
parcialmente correta e com uma gama limitada de aplicação. Ambas
as imagens são necessárias para uma descrição total da realidade
atômica e ambas são aplicadas dentro das limitações fixadas pelo
princípio de incerteza. A noção de complementaridade tornou-se parte
essencial do modo como os físicos pensam a natureza, e Bohr sugeriu
várias vezes que também pode ser um conceito útil fora do campo da
física.
Zohar133
esclareça que a complementaridade é o corolário do princípio da
incerteza, que confronta o determinismo newtoniano e, para a presente investigação, a
neutralidade entre ordem econômica e direitos humanos e fundamentais:
Tal dualidade e o conceito um tanto etéreo de matéria que isso
representa não poderiam estar mais distantes da noção
corriqueiramente sustentada pela física newtoniana ou clássica. Na
física de Newton, como em nossa percepção comum de questões
maiores, presumia-se que o ser, em seu nível mais básico e indivisível,
consistia em partículas pequeninas e distintas entre si, os átomos que
colidem, se atraem e se repelem uns aos outros. Eram sólidos e
separados, cada qual ocupando um lugar próprio e definido no espaço
e no tempo. Em contrapartida, os movimentos de onda (como ondas
de luz) eram considerados vibrações que ocorriam numa espécie de
"gelatina" subjacente (o éter), não sendo coisas fundamentais por si
mesmas. Assim, tanto ondas como partículas tinham seu papel dentro
da física newtoniana, mas as partículas eram consideradas mais
básicas, e delas é que a matéria se formava.
132
CAPRA, op.cit. p. 63. 133
ZOHAR, Danah. O ser quântico. Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência
baseada na nova física. Trad. Maria Antônia Van Acker. Rio de Janeiro: Best Seller, 1990, p. 13/14.
78
Para a física quântica, porém, tanto ondas como partículas são
igualmente fundamentais. Uma e outra são modos pelos quais a
matéria se manifesta, e as duas juntas são o que a matéria é. E, ainda
que nenhum dos "estados" seja completo em si mesmo e ambos sejam
necessários para nos dar um quadro completo da realidade, na verdade
só conseguimos focalizar um de cada vez. Esta é a essência do
princípio da incerteza de Heisenberg, que, como o da
complementaridade, é um dos princípios mais fundamentais do ser na
teoria quântica.
Segundo o princípio da incerteza, as descrições do ser como onda e
como partícula se excluem mutuamente. Embora ambas sejam
necessárias à compreensão integral do que o ser é, somente uma está
disponível num determinado momento do tempo. Consegue-se medir
ou a exata posição de algo (como um elétron) quando ele se manifesta
como partícula, ou seu momentum (sua velocidade) quando ele se
expressa como onda, mas nunca se consegue uma medida exata de
ambos a um só tempo.
Capitalismo Humanista não é apenas ordem econômica, nem apenas
direitos humanos e fundamentais, mas sim ainda singularidade edificada pela
consubstancialidade entre esses elementos, como explica Gazzinelli134
, na perspectiva
da física quântica:
Partícula e onda são dois conceitos definidos na física clássica que se
excluem mutuamente, mas os objetos quânticos não são nem
partículas nem ondas. Um físico, ao explicar um fenômeno pela física
clássica, usará intuitivamente o conceito de partícula ou o de onda. Na
mecânica quântica, conforme as circunstâncias, deverá optar por um
ou outro, mas a utilização de um restringirá a do outro; ele não negará
que os dois aspectos – onda e partícula – são mutuamente exclusivos,
mas aceitará que ambos são necessários para compreender a totalidade
das propriedades do objeto examinado. Na interpretação de Bohr,
esses dois aspectos são complementares – partícula e onda podem se
referir ao mesmo fenômeno em circunstâncias diferentes. Em outras
palavras, o comportamento de um objeto como partícula ou onda
depende da escolha do arranjo experimental utilizado na observação.
Para descrever a observação de um fenômeno quântico, são
necessários diversos modelos, cada um correspondendo a um diferente
arranjo experimental, e tendo entre si uma relação de
complementaridade, isto é, a realização de um modelo exclui a
realização de outros; não é possível descrever o sistema por meio de
um modelo único abstraindo o aparelho utilizado na investigação.
Somos obrigados a aceitar que os dois conceitos, de partícula e onda,
são descrições incompletas e complementares de um objeto quântico.
A questão ―um elétron é uma partícula ou uma onda?‖ tem sentido na
física clássica, em que a relação entre o objeto de estudo e o aparelho
de medida não precisa ser especificada; na física quântica essa
134
GAZINELLI, op. cit., p. 102.
79
distinção entre partícula e onda não faz sentido, e o que se pode
perguntar é: ―qual dos dois aspectos o elétron apresenta em determina
experiência?‖.
Como se vê, enquanto na física mecanicista o ser consistia em partículas
pequeninas e distintas entre si – os átomos que colidem, se atraem ou se repelem, e que
não se confundem com os movimentos de ondas, que eram consideradas vibrações135
, –
na visão quântica ―as partículas subatômicas não têm significado enquanto entidades
isoladas, mas podem ser entendidas somente como interconexões, ou correlações, entre
vários processos de observação e medida‖.136
Por isso, segundo Bohr, não tem sentido perguntar o que é realmente um
elétron. As propriedades ondulatórias e corpusculares de um objeto quântico constituem
aspectos complementares de seu comportamento. A depender do modelo experimental
do observador, o elétron ora se apresentará como onda, ora se apresentará como corpo.
É assim que deve ser entendido o Capitalismo Humanista.
O Capitalismo Humanista é o resultado do direito quântico aplicado
conforme o princípio da complementaridade entre as instituições jurídicas fundantes do
capitalismo – propriedade privada e liberdade de iniciativa – e os direitos humanos e
fundamentais, com fim de garantir a todos existência digna, na forma do artigo 170 da
Constituição Federal. Por isso, é imprescindível a compreensão da complementaridade
para a apropriação do direito quântico e o entendimento do Capitalismo Humanista.
E isso acrescido do princípio da incerteza, que deriva da visão parcial
decorrente da física mecânica, que se aplica, sem sombra de dúvidas, à neutralidade
entre ordem econômica e os direitos humanos e fundamentais, enquanto olhar
fragmentado pelo racionalismo cartesiano.
Um conceito central na filosofia de Bohr é a afirmação de que a incerteza
é intrínseca ao mundo quântico e não meramente o resultado de nossa percepção
incompleta, o que acontece na analise sob o aspecto parcial e autônomo da ordem
135
ZOHAR, Danah. O ser quântico..., p. 13. 136
CAPRA, op. cit., p. 64.
80
econômica de um lado e dos direitos e fundamentais de outro, que impõe a mentalidade
da neutralidade.
Comprovando a incerteza na natureza, a física quântica apresenta um
novo paradigma, que supera o mecanicismo e que passa a conviver com a incerteza,
razão pela qual deve ser superada a neutralidade entre ordem econômica e direitos
humanos e fundamentais, via de consequência a incerteza que decorre da sua não
consubstancialidade.
Portanto, o Capitalismo Humanista é real e concreto sob a perspectiva da
física quântica.
A física quântica comprova: (a) que um mesmo sistema pode ser visto de
maneiras diferentes; (b) que só o contexto revela a propriedade do ser, ora como
partícula ora como onda; e (c) que a fragmentação do ser, ignorando-se o contexto, não
permite conhecer o objeto, e gera juízo de incerteza.
Daí a pertinência da afirmação de Edgar Morin137
, no sentido de que
Heráclito é fabulosamente atual, pois nos ajuda a pensar as contradições que
encontramos na ciência, como na física quântica, que nos coloca diante da contradição
de que um fenômeno microfísico como a partícula possa ser descrito como uma onda e
como corpúsculo, duas descrições que são complementares e, ao mesmo tempo,
contraditórias, tal como é complementar e ao mesmo tempo aparentemente contraditório
se falar em Capitalismo Humanista.
Assim sendo, o modo de pensar da ciência moderna, fundado em
rigoroso determinismo, acreditando que cada acontecimento tem sempre uma causa, foi
seriamente colocado em dúvida, convivendo-se agora, no campo da própria física, com
a realidade da imprevisibilidade e da incerteza, e de modelos parciais, via de
consequência, a necessidade da edificação de singularidades, como é o Capitalismo
Humanista.
137
MORIN, Edgar. Meus filósofos. Tradução de Edgar de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto
Alegre: Sulina, 1013, p. 23.
81
4.4. FÍSICA QUÂNTICA COMO NOVO PARADIGMA E DIREITO QUÂNTICO
O direito quântico, termo cunhado originalmente por Goffredo Telles
Júnior, trata do fundamento da ordem jurídica inserida na ordem universal e
compatibilizada com as novas descobertas da física quântica, e esta é a base de
edificação do Capitalismo Humanista.
Demonstra Telles Jr. que a física moderna pôde formular as leis de
probabilidade, pois os elétrons se recusam a agir segundo as leis da física tradicional, de
modo que seus comportamentos se desenrolam em conformidade com as leis de
probabilidade.138
Tendo se ocupado em suas reflexões com a liberdade, sustenta Telles Jr.
que, ―nas profundezas da substância, uma misteriosa forma de liberdade parece
patentear-se no indeterminismo operacional dos corpúsculos quânticos‖139
, cuja
liberdade se manifesta em todos os campos:
No reino da matéria bruta, onde o comportamento dos elementos é fixado
inelutavelmente pelas imposições químicas, ou seja, pelas afinidades e
aversões das micropartículas, dos átomos e das moléculas, a presença da
liberdade parece querer revelar-se no indeterminismo operacional dos
corpúsculos quânticos.
No reino das células, onde as imposições químicas são causa das relações do
metabolismo, a presença da liberdade parece querer revelar-se na autonomia
teleonômica das enzimas reguladoras.
No reino humano, a presença da liberdade se revela no ato de escolha, ou
seja, na efetiva adesão do ser humano a uma das vias cerebrais, abertas ante
seu sistema de comando.140
Nota-se que, para o referido autor, a liberdade se manifesta em todos os
campos. Mas ele próprio esclarece que, na física quântica, os campos têm uma
138
TELLES JUNIOR, Direito quântico..., p. 72. 139
TELLES JUNIOR, Direito quântico..., p. 72. 140
Ibid., p. 287.
82
significação própria. São os ―espaços variáveis que separam os átomos dentro da
molécula‖.141
Note-se bem: são espaços existentes entre cada átomo, ainda que os
átomos componham uma molécula. E ―nesses campos é que se verifica a interação dos
átomos.‖142
Nos campos é que ―as partículas e os conjuntos de partículas agem uns
sobre os outros‖.143
E esta complexa interação entre os átomos também ocorre entre os seres
humanos:
Ao viver em sociedade, cada ser humano cria, em torno de si, um campo.
Aqui, a palavra campo tem o sentido que a Física lhe confere [...]. Na
sociedade, campo é a área dentro da qual se manifesta a energia das pessoas.
Toda pessoa tem seu campo, criado por suas várias atividades, nos diversos
ambientes frequentados.
Uma pessoa não é um simples ser, delimitado por seu corpo. É esse ser, mais
seu campo de influência. A pessoa e seu campo constituem uma só
realidade, uma realidade incindível.
Como se manifesta o campo de uma pessoa? Manifesta-se pela alteração que
ela causa no comportamento de qualquer outra pessoa, que dentro
desse campo se venha situar.
Os campos, na vida social, são tão verdadeiros e universais quanto o corpo
humano. Os espaços entre as pessoas não são espaços separando pessoas,
porque não são espaços vazios. Os vazios, na sociedade, não são vazios:
são campos.
Só seres humanos e seus respectivos campos enchem todo o espaço social.
Enquanto vivem em sociedade, as pessoas se acham sempre sob influências
de outras pessoas, e estarão sempre exercendo influências sobre as outras.
Por conseguinte, acham-se sempre situadas dentro de um ou outro campo, ou
dentro de vários campos ao mesmo tempo.144
Reconhecendo que corpo e onda é, em verdade, um surpreendente
dualismo e ao mesmo tempo uma singularidade, que a física moderna descobriu em
todas as micropartículas, Goffredo Telles Jr. pontual que ―devemos dizer que não nos
parece absurdo considerar o ser humano como corpo e onda.‖ 145
141
TELLES JUNIOR. Goffredo. A folha dobrada: lembranças de um estudante. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999, p. 841. 142
Id. 143
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 74. 144
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 75. 145
Ibid, p. 48.
83
Deve-se, portanto, integrar a ciência jurídica à física quântica, enfrentar e
admitir a incerteza das bilateralidades e plurilateralidades jurídicas, e buscar sua
superação pela percepção da complexidade. Nesse sentido, Goffredo Telles Júnior
afirma que as leis humanas são leis de probabilidades, tais quais as leis a que obedecem
os elétrons, que se recusam a agir segundo as Leis da Física tradicional:
A Ciência do Direito não anunciará jamais que um homem, ou um
determinado grupo de homens procederá desta ou daquela maneira, como a
Física não pode prever o percurso que um elétron ou um grupo de elétrons
irá fazer. A Ciência do Direito dirá, isto sim, que não sabe como um homem,
ou um determinado grupo de homens, irá proceder, mas que esse homem, ou
esse grupo de homens, tem mais probabilidade de proceder da maneira X do
que da maneira Y. A maneira X de proceder é a que é mais conforme ao
sistema ético de referência da coletividade a que pertence esse homem ou
esse grupo de homens. É a maneira de proceder que o Direito Objetivo deve
preconizar. As leis humanas são, portanto, leis de probabilidade, como as
demais leis da Sociedade (...).146
Trazendo para a ciência jurídica a compreensão de que as leis humanas
são leis de probabilidade, afasta-se a ilusão de certeza, admitindo-se a incerteza, em
consonância com os postulados da física quântica em relação ao movimento dos
elétrons.
A síntese do direito quântico, na visão de Telles Jr., é mais bem exposta
pelo próprio autor em obra de suas memórias, na qual revela a evolução de seu
pensamento:
No meu espírito, uma certeza resultou de tudo quanto eu vinha observando e
aprendendo.
Certifiquei-me de que a Moral e a Biologia se entrelaçam indissoluvelmente.
Mais do que isto: essas duas ciências são reciprocamente complementares
porque os bens soberanos do espírito humano desabrocham sobre
patrimônios genéticos condicionantes.
Em verdade, o primeiro fundamento – o fundamento básico, anterior a
qualquer outro – o alicerce das tábuas morais, dos usos e costumes, das
ordenações jurídicas legítimas se encontra nos elementos quânticos de que se
compõem as moléculas do ácido nucléico, no núcleo das células humanas.
Nesses programas genéticos encontra-se fixada uma parte considerável
daquilo que, tradicionalmente, se chama Ética. [...]
146
TELLES JUNIOR, Goffredo. O Direito quântico. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, p. 68/69. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66689/69299>. Acesso em 12/11/15.
84
Hoje sei que o comportamento do ser humano é o requinte a que chegou o
movimento que anima, desde sempre, todas as coisas do universo. O Mundo
Ético – segundo a minha filosofia – não é um mundo de natureza especial,
mas um estágio adiantado da natureza única. Nas propriedades ondulatórias
das partículas elementares (quânticas) da matéria, encontram-se as raízes do
movimento universal, as primeiras manifestações de extraordinárias
potências, cuja plena atualização se observa no comportamento dos seres
muito evoluídos, entre os quais avulta o ser humano. A unidade da
Substância Universal, princípio filosófico de civilizações antiquíssimas, hoje
se patenteia do mais evoluído dos seres conhecidos. Em meu livro O Direito
Quântico – ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, publicado em
1971, sustentei que o Direito se insere na harmonia do Universo e, ao mesmo
tempo, dela emerge como sublimada elaboração do mais evoluído dos seres
conhecidos. Em meu livro Ética – do mundo da célula ao mundo da cultura,
publicado em 1988, demonstrei que grande parte das imposições da chamada
moralidade a Biologia Moderna explica pelo programa que se acha inscrito
no núcleo das células, ou seja, no material genético hereditário. Das
interações desse patrimônio genético com os fatores do meio ambiente
dependem os seres vivos para a sua adaptação ou desadaptação às
circunstancias da vida. Em consequência, há uma discriminação primitiva,
por assim dizer basilar, entre bons e maus comportamentos. Nessa
primordial discriminação reside uma fonte importantíssima dos códigos
éticos. Chego a crer que as estrelas, as micropartículas e o homem são
participantes da mesma sociedade cósmica.147
Telles Jr., portanto, se dispôs a enfrentar o desafio de repensar a ciência
jurídica à luz das descobertas da nova física. Seu ensaio apresenta a ciência jurídica em
compasso com o conhecimento científico atual, enfrentando a existência da
imprevisibilidade e da incerteza, reveladas pelos estudos sobre a natureza e o
comportamento das partículas elementares da matéria.
O direito quântico, sobre o qual se estrutura a aplicação quântica do
direito, apresenta um novo olhar, que coloca a ciência jurídica no compasso da física
moderna, em consonância com uma abordagem holística, de inter-multi-trans-
disciplinaridade, e que permite compreender a ordem jurídica inserida na natureza única e
na sociedade humana.
Esse novo olhar, holístico e inter-multi-trans-disciplinar, também
compatibilizado e estruturado de acordo com a física quântica, é igualmente encontrado
147
TELLES JUNIOR. Goffredo. A folha dobrada..., p. 867/869.
85
na teoria do Capitalismo Humanista, de Ricardo Sayeg e Wagner Balera, que será
abordada a seguir.
Na esteira da revelação quântica, ou seja, da dualidade corpo e onda, que
compõe uma singularidade, Goffredo Telles Jr. contempla os mistérios que ainda
assombram a humanidade, sustentando não haver divisão entre o mundo físico e o
mundo ético, propondo que este seja apenas um estágio evolutivo daquele, ambos
pertencentes a uma natureza única, componentes da sociedade cósmica:
A união da matéria e inteligência no ser humano ainda é um mistério tão
profundo quanto a união do corpo e onda na micropartícula.
Corpo, onda, matéria, inteligência, talvez nada mais sejam do que palavras.
Palavras e mais palavras, designando uma só e única realidade. A Realidade
– de que só conhecemos um ou outro aspecto.
Nas propriedades ondulatórias soterradas, das partículas elementares da
matéria, encontram-se as raízes do movimento universal, as primeiras
manifestações de extraordinárias potências, cuja plena atualização se observa
no comportamento dos seres muito evoluídos, dos seres extremamente
complexos, entre os quais avulta o ser humano.
A revelação científica de como se comportam as partículas no âmago da
matéria invalida conceitos clássicos, que pareciam definitivos, sobre a
divisão do Universo em Mundo Físico e Mundo Ético.
O Mundo Ético não é um mundo de natureza especial, mas um estágio da
natureza única.
A unidade da Substância Universal se manifesta em todas as coisas. Todas as
coisas pertencem a um só todo, a Um Todo harmônico e ordenado.
As estrelas, as micropartículas e o homem são participantes da mesma
Sociedade Cósmica.148
Para ele, as revelações da física quântica esmorecem os conceitos
clássicos, que separam o mundo físico do mundo ético. Assim como a dualidade corpo e
onda se apresenta na partícula subatômica e estão presentes num único elemento, o
mundo ético e o mundo físico são pertencentes a uma só singularidade, harmônica e
ordenada, de natureza única - a sociedade humana.
Aliás, não há nada mais tangível, nada mais perceptível no mundo físico
do que o dinheiro, expressão máxima do capitalismo e da economia de mercado; de
outro lado, não há nada mais tangível e perceptível no mundo ético do que os direitos
humanos e fundamentais. Por isso, à luz do direito quântico, de Goffredo Telles Jr.,
148
TELLES JUNIOR, Direito quântico..., p. 187/189.
86
vislumbra-se uma natureza única, como é, via de consequência, o entendimento do
Capitalismo Humanista.
87
CAPÍTULO 5
O CAPITALISMO HUMANISTA
5.1. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS E A ORDEM ECONÔMICA
Dado o novo paradigma da física quântica, e como a presente
investigação tem pretensão científica, cabe retomar o problema que se propõe resolver à
luz desse contexto, que é o da efetivação dos direitos humanos e fundamentais em face
da ordem econômica capitalista, estabelecida no direito positivo, notadamente a partir
do artigo 170 da Constituição Federal, que estabelece que a ordem econômica deve ser
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
A par disso, cabe delinear a compreensão da ordem econômica à luz da
teoria do Capitalismo Humanista, perquirindo se ela propõe ou não a efetivação dos
direitos humanos e dos direitos fundamentais no sistema capitalista, e, assim, a
pertinência da PEC – Projeto de Emenda Constitucional nº 384/14149
.
5.2 ECONOMIA E ORDEM ECONÔMICA
Carlos Galves afirma que o homem realiza inúmeras atividades, dentre as
quais a atividade econômica, que é diferenciada pelo seu objetivo, isto é, seu objeto, que
é a obtenção e o emprego das coisas e dos serviços úteis de que o homem precisa para
149
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 383/2014, de 20 de janeiro de 2014. Câmara dos
Deputados, Brasília, DF, 20 fev. 2014.
Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>
Acesso em 02/03/16.
88
satisfazer as suas necessidades, materiais e imateriais150
. Conceitua a ciência que se
debruça sobre esta atividade nos seguintes termos:
A Economia Política, ou Economia, é a ciência que tem por objeto o
estudo da atividade econômica do homem. As coisas e os serviços de
que precisa, o homem não os encontra feitos, ao nível da natureza.
Devem ser produzidos. Os que os produzem, recebem pagamentos
pelo que produzem, e, com o que ganham, adquirem o que outros
produzem. O produto deve circular pelo país, a fim de poder ser
adquirido e empregado pelos que desejam as coisas e os serviços. E
como os homens vivem em sociedade, toda essa atividade ocorre
dentro da sociedade humana. E todos esperam que tudo decorra com
ordem e em progresso.
A definição de Economia Política apanha toda essa realidade
complexa: é a ciência da produção, distribuição, circulação e consumo
das coisas e serviços úteis, na sociedade humana, com equilíbrio e
progresso.
Apontando que as necessidades humanas tendem ao infinito, enquanto os
recursos naturais da humanidade são limitados e finitos, Nelson Nazar151
, por sua vez,
situa e conceitua a economia in verbis:
Não é possível estabelecer um limite para as necessidades humanas.
Elas tendem a se multiplicar para o infinito. Já os recursos com que
conta a humanidade para satisfazer as suas necessidades são limitados
e finitos.
Daí decorre a lei da escassez, pela qual devem ser administrados os
recursos limitados à disposição dos habitantes do planeta. Surge a
Economia (oikos = casa, e nomos = norma), a qual consiste na
combinação dos fatores de produção com o intuito de criar bens e
serviços que satisfaçam as necessidades dos homens. A Economia é a
ciência social que estuda a escassez em nível social, bem como a
atividade desenvolvida para a administração dos recursos escassos.
Nazar também observa que a ordem jurídica é a esfera ideal do dever-ser,
enquanto a ordem econômica é a esfera dos acontecimentos reais152
, esclarecendo,
ainda, que a expressão ―ordem econômica‖ tem três sentidos: a) modo de ser empírico
em uma determinada economia concreta; b) conjunto de todas as normas (morais,
150
GALVES, Carlos. Manual de Economia política atual. 10. ed., Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1986, p. 6/7. 151
NAZAR, Nelson. Direito econômico. 2. ed. Bauru: São Paulo, 2009, p. 23. 152
Ibid., p. 47.
89
jurídicas e religiosas) sobre o comportamento dos sujeitos econômicos; e c) conjunto de
normas jurídicas da economia153
.
Interessante notar que a Economia, tal qual o Direito, também é vista
como uma ordem, de modo que, por isso, é destinada ao cumprimento de determinadas
finalidades.
A esse respeito, diz Galves que ―a atividade econômica não pode ter
outra estrutura e outra finalidade que não seja a de possibilitar a todos e a cada um dos
homens uma existência em que possam exercitar as suas características de ente livre,
responsável e individual‖, sustentando que ―o exercício da economia e o seu fim hão de
ser feitos sob a hegemonia dos valores humanos.‖
Para Galves154
, sendo a atividade econômica uma das formas que assume
a conduta humana dentro da sociedade, ―a lei jurídica não pode deixar de disciplinar e
orientar o seu exercício, como disciplina, em maior ou menor grau também as outras
atividades e condutas humanas, para evitar abusos e realizar o bem comum, de forma
cada vez melhor‖.
Daí a afirmação de Nazar, no sentido de que ―a ordem econômica deve
ser vista como parcela da ordem jurídica‖, sendo, pois, a ―ordem econômica
constitucional‖155
.
Ricardo Sayeg define a atividade econômica destacando que ela
independe de caráter definitivo de onerosidade e de empresarialidade:
A atividade econômica é o exercício, ativo ou passivo, de disposição,
total ou parcial, do patrimônio, entendida não só como a transferência
da propriedade, mas também como outras esferas de poderes inerentes
ao domínio, a de usar e a de gozar.
153
Ibid., p. 49. 154
GALVES, op. cit., p. 32. 155
NAZAR, p. cit., p. 49.
90
Vê-se, então, que a atividade econômica está, no plano dos fatos,
estruturada por dois elementos. Um, o exercício da disposição; outro,
o patrimônio. O primeiro refere-se à conduta; e o segundo, às coisas.
O primeiro elemento, consistindo na conduta, corresponde a uma ação
específica de dispor das coisas, ou seja, fazê-las circular, o que é
ordinariamente conhecido, na economia, como a troca de mãos. Nessa
troca de mãos, há quem entrega e quem recebe; via de consequência,
nela se estabelecem dois sujeitos, juridicamente considerados, na
respectiva relação: o sujeito ativo, que é quem entrega; e o passivo,
que é quem recebe. E. g., o fornecedor é o sujeito ativo; e o
consumidor, o sujeito passivo da atividade econômica de
fornecimento de produtos ou serviços. Detalhe: numa relação
patrimonial, há geralmente bilateralidade ou até mesmo
multilateridade de obrigações entre os centros de interesses que a
compõem.
Ela – a conduta econômica - independe de caráter definitivo, bastando
que haja a dita circulação das coisas, isto é, a troca de mãos. Também
independe de onerosidade, muito menos, de empresarialidade, posto
que todo ato oneroso ou empresarial de disposição da coisa é um ato
econômico, porém, não o inverso. E. g., assim como a venda de
produtos por uma empresa ao consumidor, também é ato econômico a
oferta financeira dos fiéis no culto da missa etc.156
Como a atividade econômica é uma conduta humana, obviamente que ela
não se encontra fora dos domínios da ordem jurídica. Segundo Sayeg, a disposição do
patrimônio encontra-se fundada precipuamente nos direitos de propriedade e de livre
iniciativa:
Essa conduta econômica classifica-se em: conduta econômica por
natureza; e conduta econômica por conexão ou dependência. A
primeira corresponde ao ato de circulação, ou seja, de troca de mãos
propriamente dita; enquanto a segunda, aos atos que são promovidos
por conta da prática da primeira conduta, mas que com ela não se
confundem, como, e.g., em face do consumidor, a industrialização, a
publicidade etc.
Sendo uma conduta, por óbvio que a ação de fazer circular
patrimônio, frise-se, a mencionada troca de mãos tem como
pressuposto a possibilidade por parte do seu respectivo titular de
promovê-la, no que se compreende o direito à iniciativa de troca, que
em nossa ordem jurídica nacional é livre, consagrado como a livre
iniciativa, fundamento da ordem econômica, conforme o art. 170,
caput, da Constituição Federal, que é pormenorizada, ainda, como
direito de liberdade econômica, no respectivo parágrafo único.
O outro e segundo elemento estruturante da atividade econômica, o
patrimônio, é considerado como o complexo das relações patrimoniais
156
SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco
Antonio Marques (coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin,
2009, p. 1356/1357.
91
sobre as coisas, positivas e negativas, de seu titular. Daí que, não
somente os direitos patrimoniais positivos, conhecidos, na linguagem
econômica como ativos, mas, também, as obrigações patrimoniais
negativas, conhecidas como passivos, compõem o patrimônio.
Somente para ilustrar e facilitar o entendimento, lembre-se que em um
balanço patrimonial de uma empresa se externa tanto o ativo quanto o
passivo sendo sempre considerada no seu todo a expressão do
respectivo patrimônio, ainda que o patrimônio líquido seja negativo.
O patrimônio e seus itens – ativos e passivos - são sempre expressos
em valores de moeda, pois representam a respectiva relação
econômica de troca com o mundo, ou seja, a suscetibilidade
econômica.
Tendo o patrimônio a natureza jurídica de coisa; e, sobre ela, sempre
havendo o respectivo titular, de seu turno, seu pressuposto é a
propriedade; sendo certo que em nossa ordem jurídica nacional
consagra-se a figura da propriedade privada como princípio da ordem
econômica, conforme o art. 170, II, da Constituição Federal.157
Para ele, a atividade econômica está estruturada na ordem jurídica e se
insere no catálogo dos direitos humanos:
Em decorrência disso, a atividade econômica está estruturada no
permissivo jurídico, em corolário, entre o direito de iniciativa e a
propriedade.
Por sua vez, a economia é a universalidade da atividade econômica, na
sua integralidade, nos seus âmbitos – material, espacial e temporal;
logo, igualmente estruturada no referido permissivo jurídico do
corolário entre o direito de iniciativa, direito de dispor livremente, e a
propriedade.
Assim sendo, a economia, sendo fruto do conjunto das condutas de
disposição do patrimônio, a princípio, conduta das gentes sobre os
respectivos interesses patrimoniais, indubitavelmente, que, por
origem, há de ser privada, pois está assim na esfera de direitos
individuais das pessoas, não sendo por acaso que a Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa; e, a
Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, de
1948, reconhecem a liberdade e o direito de propriedade como direitos
humanos individuais das pessoas em face do Estado, constando entre
as chamadas liberdades negativas.158
Importante destacar o esclarecimento de Paula Andrea Forgioni159
, no
sentido de que a técnica de que se vale a economia não é neutra, salientando, ainda, que
a escolha do mercado como protagonista na determinação da forma de alocação dos
157
Ibid., p. 1357. 158
Ibid., p. 1357. 159
FORGIONI, Paula Andrea. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 204 (grifos da autora).
92
recursos em sociedade é uma escolha eminentemente política, que se encontra
positivada no ordenamento jurídico:
É próprio da técnica liberal procurar apartar política da economia.
Nessa linha, a Escola de Chicago busca separá-las em dois planos
absolutamente diversos, substituindo opções jurídicas (i.e., de política
jurídica) por escolhas econômicas. Faz-se coincidir razões do
mercado com razões de interesse público, a eficiência com a justiça.
Para tanto, sustenta-se que a técnica de que se vale a economia é
neutra, desprovida de valores além da busca da maior eficiência
alocativa.
Entretanto, não apenas a técnica não é neutra, como o mercado não é
uma ordem espontânea e as escolhas dos resultados derivam de
decisões políticas. Devem restar claras as ‗artérias ideológicas que
canalizam o novo sangue do organismo jurídico‘, reconhecendo-se
abertamente o ‗sub-reptício ideológico da teoria jurídica‘: a indicação
do mercado como único (ou melhor) protagonista na determinação
da forma de alocação dos recursos em sociedade é eminentemente
política. (...)
O mercado não existe sem o direito; seu desenvolvimento dar-se-á
nos espaços deixados pelas regras jurídicas. (...) Interessa-nos, aqui,
que a imagem do mercado esboça-se a partir do reflexo dos princípios
constitucionais que o delineiam. Em uma frase: os princípios
constitucionais são a forma que primeiramente moldará o mercado.
Como se vê, a atividade econômica é praticada nos espaços permitidos e
assegurados pela ordem jurídica, de modo que o mercado é moldado pelo ordenamento
jurídico, o que significa dizer que a sua estrutura é erigida a partir da Constituição
Federal, que o delineia, e pela legislação infraconstitucional.
Não se cogita, portanto, de uma economia que esteja imune ao
ordenamento jurídico vigente, embora existam autores, fundados no pensamento liberal,
que sustentam a neutralidade entre direito e economia, limitando o Direito tão-somente
ao revestimento jurídico do fenômeno econômico. É o que sustenta Lafayete Josué
Petter160
, ao dizer que ―os domínios do econômico e do jurídico não se confundem, mas
é intima a correlação entre as duas ciências, impondo-se a afirmação de que o fenômeno
econômico, no mais das vezes, tem reclamado um revestimento jurídico.‖
160
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance
do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 23.
93
Porém, ao contrário desse pensamento liberal, o presente estudo, a partir
de um novo olhar, com percepção da complexidade e apoiado numa visão holística,
fundada no direito quântico, sustenta a não neutralidade entre a economia – capitalista –
e os direitos humanos e fundamentais.
5.3. O CAPITALISMO HUMANISTA
É de ser superada a visão de neutralidade entre a economia capitalista e
os direitos humanos e fundamentais e, assim, admitida a teoria do Capitalismo
Humanista.
A economia, geradora de desigualdade, e, em consequência, de tanta
miséria, não fica infensa à incidência dos direitos humanos, pois, como visto, se sujeita
ao ordenamento jurídico vigente. Camila Castanhato161
salienta que, embora tenha se
firmado como sistema mais eficiente na geração de riquezas, há reflexos negativos do
capitalismo que não podem ser ignorados:
O sistema capitalista hoje globalizado é o neoliberal, não obstante a
atual crise financeira que se arrasta desde o final de 2008. Trata-se de
um capitalismo que remonta às ideias dos clássicos Adam Smith e
David Ricardo. Historicamente, sem dúvida, o capitalismo se firmou
como o sistema econômico mais eficiente e recomendável na geração
de riquezas. Mas ele implica duas situações negativas que não podem
ser ignoradas: a exclusão social de parte significativa da humanidade e
a destruição do Planeta.
Dentre as maiores obras culturais da civilização após a Segunda Guerra
Mundial, se não a maior, está a afirmação dos direitos humanos e fundamentais. E daí a
importância de se investigar o Capitalismo Humanista, que propõe, justamente, a
incidência desses direitos na ordem econômica.
161
CASTANHATO, Camila. Liberdade. Tese de doutorado defendida na PUC/SP, 2013, p. 64.
Disponível em <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16475>. Acesso em
09/01/16.
94
Idealizadores da filosofia do direito econômico – Capitalismo Humanista,
Ricardo Sayeg e Wagner Balera162
defendem que a economia deve servir ao homem,
sustentando que,
para o humanismo antropofilíaco, a ordem econômica deve ser
evolucionista, inclusiva e emancipadora em face de todos e de tudo –
em resumo, fraterna e, em especial, misericordiosa, ao se confrontar
com a miséria: aquela que não avilta, mas edifica os direitos humanos
em todas as suas dimensões.
Trata-se de uma proposta de caminho jurídico que, por meio da Lei
Universal da Fraternidade, dentro do ambiente capitalista, se propõe a conduzir a
humanidade, com liberdade e igualdade, em direção à democracia e à paz.
Almeja o Capitalismo Humanista a concretização dos direitos humanos,
em todas as suas dimensões, no ambiente capitalista, como esclarecem os seus
idealizadores:
Pretendemos, assim, por meio da concretização universal dos direitos
humanos em suas três dimensões subjetivas – liberdade, igualdade e
fraternidade –, lançar um novo olhar jurídico sobre a economia,
elevando o mercado de sua conhecida e mítica condição de ambiente
selvagem e desumano a uma economia humanista de mercado para
satisfação universal do direito objetivo inato, correspondente à
dignidade da pessoa humana em suas dimensões de democracia e paz.
Como afirma Marques da Silva, ―a dignidade decorre da própria
natureza humana‖.
Isso tudo será efetivado sob a perspectiva do espírito objetivo da
humanidade, síntese do tomismo antropofilíaco culturalista, em uma
reviravolta em prol do homem, de todos os homens e do planeta, tendo
como base um humanismo que insufla o jus-humanismo normativo,
consagrador de um Planeta Humanista de Direito.163
O que se tem, portanto, é um novo olhar sobre a economia, do ponto de
vista jurídico, sob uma perspectiva antropofilíaca, que, como quer a Constituição
Federal, notadamente em seu artigo 170, estabelece que a ordem econômica deve ser
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
162
SAYEG e BALERA, op.cit., p. 137. 163
Ibid., p. 18.
95
Camila Castanhato164
explica que o Capitalismo Humanista propõe um
novo Iluminismo, com uma visão antropofilíaca, que vê o homem não apenas no centro
do universo, mas no meio difuso de todas as coisas:
A visão de que o mundo podia ser explorado e desvendado pelo
homem teve também grande força por conta da visão antropocêntrica
que se foi desenvolvendo desde o renascimento cultural, e que se
tornou uma máxima com o iluminismo do século XVIII. Na visão
antropocêntrica, o homem está no centro de tudo, e todo o resto
somente existe em prol desse homem. Essa visão de que o homem é
superior às demais coisas do mundo é que o levou a essa tamanha falta
de respeito para com todo o resto, com os demais seres do Planeta e
com o próprio Planeta. Neste ponto, frisamos mais uma vez que, nesta
tese, temos como pressuposto o novo Iluminismo proposto com o
Humanismo integral da doutrina do Capitalismo Humanista. O
Humanismo integral pregado por Balera e Sayeg tem como máxima
uma visão antropofilíaca do homem que, diferentemente da visão
antropocêntrica iluminista, considera que o homem se encontra sim no
centro de tudo, mas não está só no centro. No centro também está, por
exemplo, o Planeta. Nessa nova visão do homem ele ocupa o centro
difuso das coisas. E o Planeta, por sua vez, é considerado ele mesmo
sujeito de direitos.
Tem por fim o Capitalismo Humanista ―conformar o capitalismo às
exigências da atualidade em favor do homem, de todos os homens e do planeta‖165
,
formulando uma teoria fundada no humanismo integral, contrariando frontalmente o
―inaceitável posicionamento de quem precifica a dignidade da pessoa humana,
sustentando tratar-se de um direito-custo166
‖.
Esse humanismo concretizador da dignidade da pessoa humana traz a
ideia de fraternidade como centro de gravidade, elemento
gravitacional de adensamento entre ela própria, a liberdade e a
igualdade. Conforme registra o dicionário Houaiss, fraternidade é ―o
laço de parentesco entre irmãos, irmandade‖, a ―união, afeto de irmão
para irmão‖ ou ―o amor ao próximo‖; em razão desse significado
corrente, é o valor central do cristianismo, que situa a todos como
irmãos unidos pelo amor.
Jesus Cristo ensinou que, mais do que iguais, somos irmãos. Inspirado
nele, Bento XVI afirma que ―a união com Cristo é, ao mesmo tempo,
união com todos os outros‖. Assim, há um ―nexo indivisível entre o
amor a Deus e o amor ao próximo‖, porque tal amor ―vem de Deus e
164
CASTANHATO, op. cit., p. 78. 165
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 17. 166
Ibid., p. 116.
96
nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos
em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só‖.
Segundo Kant, as ações humanas, ―como todo outro acontecimento
natural, são determinadas por leis naturais universais‖. Estamos todos,
portanto, em estado fraternal, destinatários e simultaneamente
promotores da Lei Universal da Fraternidade consagrada pelo
humanismo integral e culturalmente aplicável a todos e a tudo.167
Ricardo Castilho168
esclarece que o Capitalismo Humanista tem
fundamento na Constituição Federal de 1988, que consagra os fundamentos do
capitalismo sem olvidar as conquistas sociais, e que visa a realização efetiva da
cidadania, ainda distante para a maioria da população:
É tempo, contudo, de assegurar a efetividade dos valores, princípios e
regras constitucionais atinentes aos direitos humanos. É essa a
proposta do capitalismo humanista: conferir ao direito econômico uma
leitura calcada na figura do ser humano, em toda a sua complexidade,
a fim de que lhe sejam asseguradas condições mínimas para a
transcendência de suas limitações físicas, intelectuais, econômicas e
sociais, respeitado sempre o meio ambiente.
Está claro, assim, que os direitos humanos desempenham um papel
central nessa teoria, cuja matriz deita raízes em concepções
jusnaturalistas, indo além do protagonismo dos direitos humanos de
primeira geração, ou liberdades negativas, como querem os detentores
do capital, para conjugar todas as gerações ou dimensões numa visão
em que o sistema econômico sirva à pessoa humana, e não o contrário.
A propriedade e a livre-iniciativa, bases do capitalismo, passam a ser
concebidas não mais de forma estanque e meramente egoística, como
atributos ensejadores da realização individual humana, mas, antes,
como formas imprescindíveis à construção de riquezas sociais, que
necessariamente devem ser partilhadas entre todos os membros da
comunidade, motivo pelo qual ganha novo alento a função social que
desempenham e que, em verdade, já agora é tida como constituinte da
natureza daqueles institutos. Em síntese, o propósito do sistema
econômico, em sintonia com a previsão constitucional constante do
art. 170, caput, passa a ser o de garantir a todos uma existência digna.
Antônio Carlos de Arruda Matteis Júnior dá os contornos da teoria do
Capitalismo Humanista, evidenciando sua harmonia entre os direitos humanos de
primeira dimensão, incluindo a propriedade, e todos os demais direitos humanos, sem
que isso signifique admitir um ―capitalismo fundamentalista liberal‖:
167
Ibid., p. 86. 168
CASTILHO, Ricardo. Refundação do direito econômico sob a égide dos direitos humanos: o
capitalismo humanista. In: CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio; SANTIAGO, Mariana Ribeiro (coord).
Capitalismo Humanista e Direitos Humanos: estudos em homenagem aos Professores Ricardo Sayeg e
Wagner Balera. Florianópolis: Conceito Editorial, 2013, ps. 74/75.
97
Assim, as liberdades negativas, internas e externas do homem,
representadas pelos direitos humanos de primeira dimensão, são
recepcionadas na ordem econômica constitucional, e, portanto, tais
direitos respeitados e aplicados pelo capitalismo humanista.
O capitalismo humanista simultaneamente recepciona os direitos
humanos de segunda dimensão, uma vez que demonstra que estes
estruturam o exercício dos direitos humanos de primeira dimensão e
com os mesmos devem se compatibilizar, como leciona Ricardo
Sayeg. 169
Lembra o mesmo autor que, para o Capitalismo Humanista,
somente pela efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais o Estado poderá
assegurar a redução das desigualdades, norteado pela Lei Universal da Fraternidade:
Com efeito, o denominado ‗mínimo existencial‘ somente é garantido
pelo Estado, por meio da efetivação dos direitos sociais, econômicos e
culturais, garantindo a todos os homens o acesso a níveis dignos de
subsistência, conforme previsto no art. 79 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
E, na perspectiva da segunda dimensão, pode-se afirmar que os
direitos humanos recepcionados no capitalismo humanista não são
direitos burgueses ou de determinada classe, mas, sim, direitos de
todos os homens que habitam no Planeta, pois a busca da dignidade
deve alcançar todo e qualquer ser humano, independentemente da sua
classe social ou situação econômica.
Os direitos humanos de segunda dimensão são instrumentos para a
justiça social e para a redução das desigualdades num regime
econômico capitalista, onde a lei universal da fraternidade deve
norteá-los.
Em outras palavras: prima-se pela igualdade e fraternidade entre as
classes e não pela segregação de uma das classes sociais (como é a
tônica do socialismo), isto é, o capitalismo humanista não faz
distinção entre as pessoas para a aplicação multidimensional dos
direitos humanos, não segregando, nem elegendo, uma classe social,
muito menos solapando a propriedade privada.
Por fim, também simultaneamente o capitalismo humanista recepciona
os direitos humanos de terceira dimensão, uma vez que a fraternidade
e a solidariedade são imprescindíveis para a sustentabilidade
planetária e para o exercício das demais dimensões de direitos
humanos.170
169
ARRUDA JUNIOR, Antônio Carlos de Matteis de. Capitalismo Humanista & Socialismo: o direito
econômico e o respeito aos direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 66. 170
ARRUDA JUNIOR, op.cit., p. 66/67.
98
Integrando os direitos humanos e fundamentais de todas as dimensões, a
teoria do Capitalismo Humanista aponta para a direção da fraternidade, almejando a
redução das desigualdades sociais e a dignidade do homem, independentemente de
classe social e sem suprimir a propriedade privada, ao contrário do que sustentam as
propostas socialistas.
Trata-se de uma teoria jurídica que se relaciona e se compatibiliza com as
outras áreas de conhecimento, sendo inter-multi-trans-disciplinar, das quais retira seus
fundamentos e, inclusive, a regra da fraternidade universal, pois ―os humanos somos,
mais do que iguais, todos irmãos‖:
Sendo a síntese do conhecimento humano juridicamente manifestada
e, por isso, um objeto cultural, o direito está autorizado a relacionar-se
com outras áreas do saber, em especial a antropologia, a biologia, a
filosofia e a física. Nestes saberes está presente a regra de ouro
formulada por Jesus – regra universal da fraternidade pela qual, mais
do que iguais, somos irmãos e devemos amar o próximo como
amamos a nós mesmos: nisto deve ser considerado o sentido de
concretização do direito.171
Nota-se, com especial relevo, que a teoria em análise reconhece
expressamente que a ciência jurídica não pode permanecer fechada em si mesma: ela
deve se relacionar com outras áreas do saber, em especial a antropologia, a biologia, a
filosofia e a física, como, aliás, propõem, como já se viu, Edgar Morin e Goffredo
Telles Júnior.
É importante ressaltar, ainda, que o Capitalismo Humanista,
reconhecendo as profundas mazelas do capitalismo, visando preservar a dignidade da
pessoa humana, promove um resgate do direito natural na quadra civilizatória atual,
conforme propõem os autores do Capitalismo Humanista:
Nessa esteira, incumbe ao direito natural revisitado a tarefa hercúlea
de conformar a desenfreada liberdade da economia, selvagem e aética,
à universalização da dignidade da pessoa humana e planetária. Disto
decorre a implantação de um Planeta Humanista de Direito que não se
confunde com o intervencionismo descabido na economia, esfera que
171
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 41.
99
deve permanecer, preferencialmente, nas mãos do setor privado e sob
o domínio do mercado. Não obstante, para além de assegurar o
mercado ao setor privado, deve ter o Planeta Humanista de Direito
uma ordem jurídica imanente, monista, planetária, capaz de, a um só
tempo, reconhecer em caráter inafastável e indissolúvel a economia de
mercado e manter uma relação de interdependência com a
concretização multidimensional dos direitos humanos, em prol do
homem e de todos os homens, como também do planeta. Esse direito
natural revisitado corresponde, na verdade, à concepção pós-moderna
de direitos humanos. Como ressalta Becho, ―a construção
neojusnaturalista pagou o preço afirmado por D‘Agostino (2000, p.
70), que consistiu em mudar de rótulo, adotando a terminologia de
direitos humanos‖. 172
Como se vê, o direito natural revisitado corresponde aos direitos
humanos, havendo apenas uma mudança de terminologia para sua identificação. ―A
estruturação teórica que determina o conteúdo significante do moderno direito natural,
consubstancial aos direitos humanos, identifica, de acordo com o realismo jurídico, este
propósito humanista; e o imbrica com o direito positivado para satisfazer
universalmente a dignidade da pessoa humana.‖173
Trata-se, enfim, de uma teoria que consagra a aplicação de todas as
dimensões dos direitos humanos e fundamentais, como resposta ao capitalismo
neoliberal, selvagem e desumano, que espalha a desigualdade e a miséria mundialmente.
A teoria que, ao fim e ao cabo, consagra a superação da neutralidade
entre a ordem econômica e os direitos humanos e fundamentais, constitutiva de uma
singularidade jurídica, que se rotulou Capitalismo Humanista.
172
Ibid., p. 30. 173
Ibid., p. 34.
100
CAPÍTULO 6
A APLICAÇÃO QUÂNTICA E
A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
6.1. A APLICAÇÃO QUÂNTICA DO DIREITO
Dadas as descobertas da física quântica, notadamente a
complementaridade, explicitada por Niels Bohr, a questão que se coloca é: este novo
paradigma pode se refletir nas ciências humanas e, em especial, na ciência jurídica?
Para responder a tal pergunta inicia-se rememorando Morin174
, que
sustenta haver uma inadequação ampla, profunda e grave entre os saberes separados,
fragmentados e compartimentados entre as disciplinas, e que, por outro lado, existem
realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais,
multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. Nesse quadro, a especialização
dos saberes, que separa a parte do todo, não permite perceber o contexto, porque
provém da separação dos saberes em disciplinas artificialmente delimitadas.
Daí que, para Morin, como já se viu, reclama-se um conhecimento
pertinente, que é aquele capaz de situar qualquer informação em seu contexto.175
E o
próprio contexto dos problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no contexto
planetário.176
Para o referido autor, o pensamento que une substituirá a causalidade
linear; corrigirá a rigidez da lógica clássica, trazendo um diálogo capaz de conceber
noções complementares e antagonistas; e completará o conhecimento da integração das
partes em um todo177
.
174
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 13. 175
Ibid,, p. 15. 176
Ibid,, p. 14. 177
Ibid., p. 76.
101
O conhecimento pertinente, portanto, deve pautar-se no ―princípio
dialógico‖178
, que permite assumir racionalmente noções aparentemente contraditórias,
como ocorre na física quântica. Deve-se almejar um conhecimento que leve em conta o
contexto e a complexidade, e que possa ligar e enfrentar a incerteza.
Daí, como já se sustentou, haver a necessidade de uma visão universal,
holística, na qual o observador consiga enxergar o contexto, seja o contexto subatômico
seja o contexto planetário, que estão relacionados e são interdependentes.
E este novo olhar tem lugar na ciência jurídica, como uma resposta à
fragmentação dos saberes. Goffredo Telles Júnior179
, reconhecendo que, na observação
das partículas elementares, as partículas quânticas, encontram-se as raízes do
movimento universal, acusa o anacronismo resultante do distanciamento mantido entre
pesquisadores das ciências humanas e os pesquisadores das ciências naturais:
O tradicional distanciamento que sempre foi mantido pelos
pesquisadores do Mundo do Espírito e da Cultura relativamente ao
Mundo da Matéria e da natureza, assim como o clássico repúdio à
terminologia das Ciências Físicas nas ciências humanas em nome da
‗‘dignidade‘‘ da Ética e do Direito, é anacronismo avesso ao simples
conhecimento das coisas. É manifestação obsoleta, contrária às
estruturas da vida. (...) Hoje sei que o comportamento do ser humano é
o requinte a que chegou o movimento que anima, desde sempre, todas
as coisas do Universo.
O mundo Ético – segundo minha Filosofia – não é um mundo de
natureza especial, mas um estágio adiantado da natureza única. Nas
propriedades ondulatórias das partículas elementares (quânticas) da
matéria, encontram-se as raízes do movimento universal, as primeiras
manifestações de extraordinárias potências, cuja plena atualização se
observa no comportamento dos seres muito evoluídos, entre os quais
avulta o ser humano. A unidade da Substância Universal, princípio
filosófico de civilizações antiquíssimas, hoje se patenteia nos
laboratórios da ciência moderna.
Em meu livro O Direito Quântico – ensaio sobre o fundamento da
ordem jurídica, publicado em 1971, sustentei que o Direito se insere
na harmonia do Universo e, ao mesmo tempo, dela emerge como
sublimada elaboração do mais evoluído dos seres conhecidos.
Em meu livro Ética – do mundo da célula ao mundo da cultura,
publicado em 1988, demonstrei que grande parte das imposições da
chamada moralidade a Biologia Moderna explica pelo programa que
178
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 95. 179
TELLES JÚNIOR, Goffredo. A folha dobrada..., p. 868/869 (grifos do autor).
102
se acha inscrito no núcleo das células, ou seja, no material genético
hereditário. Das interações desse patrimônio genético com os fatores
do meio ambiente dependem os seres vivos para a sua adaptação ou
desadaptação às circunstâncias da vida. Em consequência, há uma
discriminação primitiva, por assim dizer basilar, entre bons e maus
comportamentos. Nessa primordial discriminação reside uma fonte
importantíssima dos códigos éticos.
Chego a crer que as estrelas, as micropartículas e o homem são
participantes da mesma sociedade cósmica.
Sob essa perspectiva, a ciência jurídica passa a ter uma visão holística, de
integração dos saberes, como já sustentava o direito quântico de Goffredo Telles Jr.,
obra publicada em 1971, na qual o referido autor já aproximava o direito da física, da
biologia e da química.
Sustentando que ―a ordenação jurídica é a própria ordenação universal‖,
e que é, portanto, ―a ordenação universal no setor humano‖180
, Telles Júnior conclui:
O termo DIREITO QUÂNTICO é um nome. É o nome criado pelo autor deste livro,
com a intenção deliberada de assinalar que as LEIS – criações da inteligência, para
ordenação do comportamento humano em sociedade – são tempestivas expressões
culturais de subjacentes, silenciosas e perenes disposições genéticas da Mãe-
Natureza.
Esse nome foi inventado para lembrar que a DISCIPLINA JURÍDICA DA
CONVIVÊNCIA é a ordenação do UniVerso no setor humano.181
O direito quântico, portanto, compatibiliza a ciência jurídica com a
incerteza e com os postulados da física quântica. E para Ricardo Sayeg e Wagner
Balera182
, ―sempre em conformidade com o realismo jurídico que lhes é imanente, os
direitos humanos encontram no método quântico a via da respectiva concretização.‖
Assim, essa visão holística, antes sustentada por Telles Jr., é resgatada
por Ricardo Sayeg e Wagner Balera, que ostentam um pensamento marcadamente
humanista e inter-multi-trans-disciplinar, que, com o jus-humanismo normativo,
compatibiliza a ciência jurídica com as ciências naturais, colocando o homem no meio
180
TELLES JUNIOR, Goffredo. O Direito Quântico. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, p. 69. 181
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 8. ed.
Revista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 361. (grifos do autor) 182
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 120.
103
difuso de todas as coisas, e buscando a concretização dos direitos humanos em todas as
suas dimensões, com o que se obtém a superação da neutralidade entre ordem
econômica e direitos humanos e fundamentais, construindo-se a singularidade do
Capitalismo Humanista.
Em sintonia com a moderna física, Ricardo Sayeg e Wagner Balera183
apresentam uma proposta de aplicação quântica, sustentando que a Teoria da
Relatividade, de Albert Einstein, deve ser transposta para a ordem jurídica:
Sempre em conformidade com o realismo jurídico que lhes é
imanente, os direitos humanos encontram no método quântico a via da
respectiva concretização. Para tanto, os operadores do direito,
conforme Tribe, deveriam aprender a respeito da física pós-
newtoniana e, a partir da lógica quântica do universo – que pela ―nova
física‖ colocou todo o materialismo ―em crise com a ciência
contemporânea‖ –, transpor para a ordem jurídica a teoria da
relatividade de Einstein, onde E=Mc2. Einstein ensinou que ―a física
clássica introduziu duas substâncias: matéria e energia. A primeira tinha
peso, mas a segunda não. Na física clássica, tínhamos duas leis da
conservação: uma para a matéria e outra para a energia. Já perguntamos
se a física moderna ainda conserva esse ponto de vista de duas
substâncias e duas leis da conservação. A resposta é não. De acordo com
a teoria da relatividade, não há distinção essencial alguma entre massa e
energia. Energia tem massa e massa representa energia. Em vez de duas
leis da conservação, temos apenas uma, a de massa-energia‖. Esta,
segundo Bohr, é a ―lei fundamental de Einstein sobre a equivalência‖.
Analisada a ordem jurídica sob este prisma quântico, percebe-se que,
sendo matéria e energia, dois aspectos de um único elemento
essencial, que varia conforme a densidade, há que relacionar-se o
direito positivo à matéria, os direitos humanos à energia e o realismo à
densidade. Sob esta perspectiva, Telles Jr. afirmou que o ―direito
natural é sempre o direito positivo‖. Assim, o método quântico
confirma que a composição elementar da norma jurídica positivada é o
direito natural sedimentado, e que os direitos humanos constituem o
direito natural universalmente admitido.
Forma-se, daí, uma peculiar relação de equivalência entre direito
positivo, direitos humanos e realismo jurídico sob os prismas da
matéria (massa) e do espírito (energia), ajustados pela densidade
vibratória (movimento/velocidade), configurando-se em decorrência o
seguinte esquema:
Direito positivo = massa (matéria);
Direitos humanos = energia (espírito);
Realismo = densidade (movimento/velocidade);
Resultado: os direitos humanos são consubstanciais ao direito
positivo, conforme o realismo jurídico.
183
SAYEG e BALERA, op.cit., p. 120/121.
104
Os direitos humanos estão, portanto, inoculados no intratexto do
direito positivo – que, enquanto visível, torna aqueles invisíveis como
declarou Oscar Wilde: ―O verdadeiro mistério do mundo é o visível,
não o invisível‖. Sob tal perspectiva, fazem-se presentes os direitos
humanos, sendo exigíveis onde e quando se aplicar o direito positivo.
Aceitando, com Telles Jr., que ―essência, em verdade, é o que há de
constante em todas as coisas do mesmo gênero e espécie‖, é possível
deduzir, conforme o realismo jurídico, que toda norma jurídica
positiva é quanticamente uma norma de direitos humanos que, ao ser
aplicada, satisfaz a dignidade da pessoa humana, mesmo naquelas
normas tidas como indiferentes, ainda que remotamente.
Como se observa, propõe o Capitalismo Humanista uma análise da
ordem jurídica sob o prisma quântico, que consiste, portanto, na aplicação quântica do
direito. Sustenta esta teoria, apoiada na física quântica, que matéria e energia são dois
aspectos de um único elemento, variável conforme a densidade. A partir disso, propõe
relacionar o direito positivo à matéria, os direitos humanos à energia, e o realismo à
densidade.
É relevante destacar que, para Ricardo Sayeg e Wagner Balera, a
aplicação do direito vai além do texto legal. Sustentam que a energia é o espírito do
ordenamento jurídico, e que esse espírito é o compromisso com a realização da
dignidade humana, no qual estão inseridos os direitos humanos e fundamentais. Assim,
na aplicação quântica do direito, com apoio na semiótica jurídica, dever ser
empreendido um esforço de decomposição do objeto, incluindo-o em seu nível
subatômico, obtendo-se a tão frisada superação da neutralidade entre ordem econômica
e os direitos humanos e fundamentais.
O ponto de partida, na aplicação quântica do direito, deve ser o direito
posto, cujo objeto deve ser decomposto com apoio no construtivismo lógico semântico,
como explicam Ricardo Sayeg e Wagner Balera184
:
Assim, ao tratar da filosofia humanista de Direito Econômico,
reconhecemos que o direito ―se apresenta aos nossos olhos como
objeto cultural por excelência, plasmado numa linguagem que porta,
necessariamente, conteúdos axiológicos‖.
184
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 39/40.
105
Socorrendo-se da semiótica jurídica, a presente reflexão decifra e se
inspira nos significados léxicos da regra-matriz de direito positivo da
ordem econômica – estampada no Artigo 170 da Constituição Federal
do Brasil –, pois, conforme Barros Carvalho, ―a teoria dos signos,
tomando o direito positivo como sistema de objetivações, recorta-o,
metodologicamente – é claro – nos três planos da análise semiótica:
sintático, semântico e pragmático, atravessando o discurso prescritivo
de cima abaixo, num invejável esforço de decomposição‖. Ainda
conforme Barros Carvalho, ―os métodos literal e lógico estão no plano
sintático, ao passo que o histórico e o teleológico influem tanto no
nível semântico quanto no pragmático. O critério sistemático da
interpretação envolve os três planos e é, por isso mesmo, exaustivo da
linguagem do direito. Isoladamente, só o último (sistemático),
exatamente porque antessupõe os anteriores‖.
Mas, esse esforço de decomposição do objeto exige mais. A atividade
interpretativa, na perspectiva da aplicação quântica do direito, não se contenta apenas
com a análise do texto normativo. Deve, sim, ser considerado o texto, mas também
devem ser investigados o metatexto e o intratexto.
Camila Castanhato esclarece que ―a interpretação parte do texto da lei e
analisa os valores momentâneos que circulam a situação posta em juízo (metatexto)‖.185
Mas adverte:
(...) o intérprete deve analisar se sua decisão cumpre devidamente a
importante missão de convergir para os direitos humanos para tudo e
para todos os envolvidos. Caso sua decisão não satisfaça todas as
dimensões, esta decisão não é a ideal dentro do sistema. Outra
composição deverá será encontrada a fim de harmonizar os direitos de
todos os envolvidos com a garantia da dignidade da pessoa humana.186
Ora, é no intratexto, no nível subatômico, que se encontra a energia, ou
seja, o espírito, que se irradia por todo o sistema jurídico, e que denota o novo olhar que
propõe o Capitalismo Humanista e, consequentemente, a aplicação quântica do direito,
como esclarecem Ricardo Sayeg e Wagner Balera187
:
(...) prosseguindo no esforço de decomposição do objeto, o estudo vai
além: investiga o nível normativo subatômico, quântico, para sacar,
185
CASTANHATO, op.cit., p. 62/63. 186
Ibid., p. 63. 187
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 40.
106
conforme o espírito de fraternidade, o intratexto da regra-matriz
positiva da ordem econômica no Brasil, estampada no Artigo 170 da
Constituição Federal. Como caminho para alcançar o valor supremo
da sociedade fraterna, proclamado no preâmbulo da Carta
Constitucional, este olhar identifica no intratexto os direitos humanos.
Para Camila Castanhato, ―o intratexto é algo que extrapola o meio físico
das palavras e das tintas no papel, trata-se de uma teoria hermenêutica quântica, pois vai
além do corpo físico da lei (seu texto), vai direto em seu espírito histórico valorativo
cultural‖188
.
A propósito, cabe mais uma vez registrar as palavras de Ricardo Sayeg e
Wagner Balera:
(...) o sucesso do decretado pela norma jurídica é resultado da
integração ao texto literal da dimensão real-cultural que reside no
metatexto e da simultânea dimensão humanista de seu intratexto, que
assegura permanente repercussão ativa da dignidade da pessoa
humana no direito, conforme a realidade das coisas.189
Portanto, a decomposição do objeto, quando se investiga o intratexto da
norma, alcançando-se a consagração dos direitos humanos e fundamentais, atua tal qual
o modelo proposto pela física quântica, perscrutando o que se encontra no nível
subatômico da norma, sem olvidar que nesse nível se encontra partícula e onda, ou seja,
matéria e energia, que são duas faces de um só elemento.
Aliás, a aplicação quântica do direito atende ao princípio dialógico
proposto por Edgar Morin190
, em consonância com Niels Bohr, pelo qual se unem dois
princípios ou noções que deviam excluir-se reciprocamente, mas são indissociáveis em
uma mesma realidade.
A dialógica permite assumir racionalmente a inseparabilidade de
noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo.
Niels Bohr, por exemplo, reconheceu a necessidade de conceber
partículas físicas como corpúsculos e ondas, ao mesmo tempo. De um
certo ponto de vista, os indivíduos, na medida em que desaparecem,
188
CASTANHATO, op.cit., p. 196. 189
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 36/37 190
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 95/96.
107
são como corpúsculos autônomos; de um outro ponto de vista – dentro
das duas continuidades que são a espécie e a sociedade –, o indivíduo
desaparece quando se consideram a espécie e a sociedade; e a espécie
e a sociedade desaparecem quando se considera o indivíduo. O
pensamento deve assumir dialogicamente os dois termos, que tendem
a excluir um ao outro.191
Pela aplicação quântica do Direito, e tendo em vista que a análise jurídica
não trabalha com o fato, ou seja, a análise jurídica não trabalha com o ―ser‖, mas sim
com o ―dever ser‖ (donde decorre sua característica deontológica), torna-se perceptível
que os direitos humanos permeiam o direito positivo na direção da dignidade humana, o
que ocorre também no direito econômico, que disciplina o capitalismo:
Com efeito, ao ser aplicado ao direito com uma episteme humanista,
esse construtivismo implica que o direito posto, enquanto norma
jurídica, seja integralmente exposto por meio de seu texto, enlaçado
com seu metatexto, permeado pelo influxo regenerador dos direitos
humanos no intratexto, capaz de apontar o caminho adequado de
aplicação de todas as normas compatíveis com a ordo iuris.
De acordo com a realidade concreta, os direitos humanos permeiam,
em caráter indissolúvel e acessível, o direito positivo na aplicação
plena da norma jurídica, de modo que as múltiplas opções
hermenêuticas hão de ceder àquela resposta atraída pelo intratexto
humanista balanceada pelo metatexto, agregando-se ao positivismo
jurídico as respectivas dimensões discursiva, cultural e humanista para
o fim da dignificação da pessoa humana.192
Assim, dado o seu caráter deontológico, a aplicação quântica, conforme o
Capitalismo Humanista, compatibiliza os direitos humanos e fundamentais com as
ciências econômicas, e assegura o reconhecimento e a efetivação dos direitos que
explicitam a dignidade da pessoa humana.
6.2. A CONSUBSTANCIALIDADE193
191
Ibid., p. 96. 192
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 34/35. 193
Todas as ideias desenvolvidas no presente tópico são decorrentes de preleção dada pessoalmente pelo
orientador Ricardo Hasson Sayeg ao autor do presente trabalho, ressalvando-se que eventuais equívocos
poderão ser identificados exclusivamente por conta das limitações do orientando na compreensão das
generosas lições.
108
Ricardo Sayeg e Wagner Balera afirmam que, sob o prisma quântico,
matéria e energia são dois aspectos de um único elemento essencial.194
E com isso fica
evidenciada uma dualidade de aparente contradição, que, na verdade, é uma
singularidade jurídica. Esse problema – da dualidade aparente, que foi enfrentado e
resolvido pela física quântica, quando reconhecida a dualidade corpo e onda, matéria e
energia, e que resultou na afirmação do princípio da complementaridade – também se
apresenta no campo das ciências jurídicas.
Para ilustrar a ocorrência de fenômeno como este, de aparente dualidade
e verdadeira singularidade, tome-se o exemplo dos conceitos de propriedade privada e
da função social da propriedade. A partir de um olhar mecanicista, existe uma clara
tensão entre propriedade privada e função social da propriedade, como conceitos que
se opõem ou que podem ser contrapostos, ora prevalecendo um ora prevalecendo outro.
Mas, a partir de um olhar quântico não existe tensão entre esses dois
conceitos, pois ambos integram um mesmo elemento, tal como na complementaridade
de Niels Bohr. Trata-se, pois, de duas manifestações de um só elemento, que é a
propriedade que, a um só tempo, é privada e deve cumprir a sua função social. Na
aplicação quântica do direito não há bilateralidade, e sim singularidade, pois os dois
conceitos são consubstanciais. Propriedade privada e função social da propriedade,
portanto, compõem um mesmo elemento - propriedade. E isso porque, na quadra
civilizatória atual, à luz do ordenamento jurídico vigente, não há propriedade privada
sem função social e não há função social sem propriedade privada: uma está na outra.
Daí a consubstancialidade, pois a um só tempo os conceitos são distintos,
mas são complementares, e ambos compõem um único elemento.
Em outras palavras: não se garante a função social da propriedade sem
que se garanta a existência da propriedade privada; e não se concebe a existência de
propriedade privada sem o cumprimento de sua função social. É por isso que o caput do
art. 5º da Constituição Federal refere-se à propriedade como único elemento, enquanto
194
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 120/121.
109
os incisos XXII e XXII desse mesmo artigo tratam desse mesmo elemento, porém em
suas distintas formas fenomênicas em que se apresenta: ora como propriedade privada,
ora como função social da propriedade.
A aplicação quântica do direito, portanto, lança um novo olhar sobre a
compreensão de conceitos distintos e aparentemente antagônicos, que podem
simplesmente ser complementares e consubstanciais.
A partir desse novo olhar, como exemplo, devedor e credor, numa
Recuperação Judicial, embora se apresentem em aparente antagonismo, encontram-se
intimamente vinculados, como se fossem duas faces da mesma moeda, pois sem a
recuperação do devedor possivelmente não haverá satisfação do direito do credor. Mais
precisamente: sem devedor não há credor, e sem credor não há devedor, de modo que
um depende do outro.
O mesmo se vê na relação entre fornecedor e consumidor, empregador e
empregado: sem um não há o outro; ou, em outras palavras, um depende da existência
do outro. Não basta, portanto, atender apenas o empregado se não se atender
minimamente o empregador; e não basta apenas atender o consumidor se não se atender
minimamente o fornecedor.
Assim, esse novo olhar, sob o prisma da física quântica, permite ver que
onde se apresentam aparentes antagonismos podem ser encontrados elementos
consubstanciais, complementares, que, na verdade, compõem um único elemento,
indissolúvel e indissociável racionalmente. Aparentes bilateralidades ou
multilateralidades podem, em verdade, compor uma singularidade, ou seja, um único
elemento. Pela aplicação quântica do direito, que não se trata de metafísica, existe a
possibilidade de que sejam reconhecidas relações de consubstancialidade em
manifestações fenomênicas distintas, componentes de um único elemento, com
manifestações complementares e singulares.
110
Um novo olhar que, como já se disse, mesmo quando em face de
manifestações fenomênicas distintas, aparentemente antagônicas, reconhece que podem
ser manifestações complementares, ou seja, manifestações de uma mesmo ser, tal como
na humanidade, na qual os homens, unidos na grande família universal, também se
complementam uns aos outros, sendo todos interdependentes e indissociáveis, pois se
encontram unidos na mesma casa planetária, sendo cada homem e todos os homens
portadores da dignidade humana.
E, em se tratando dos direitos humanos, em suas três dimensões –
liberdade, igualdade e fraternidade –, exige-se esse olhar, necessariamente quântico,
pois se parte do pressuposto de que, embora as dimensões sejam distintas, são
totalmente interdependentes e indissociáveis, e jamais podem ser separadas . E daí o
corolário dos direitos humanos e fundamentais e o capitalismo.
Ora, se o capitalismo é baseado apenas na liberdade – e não na igualdade
e na fraternidade –, por esse novo olhar, pelo prisma da visão quântica, são acrescidas as
dimensões da igualdade e da fraternidade, pois todas elas são interdependentes e
indissociáveis.
Logo, o capitalismo, pelo olhar quântico, deve ser necessariamente
humanista, assegurando, além da liberdade, as dimensões da igualdade e da
fraternidade, com o adensamento de todas as dimensões.
Para o Capitalismo Humanista a singularidade formada por liberdade,
igualdade e fraternidade é igual, ou equivalente, à dignidade humana. Assim sendo, só
há dignidade da pessoa humana se estiverem adensadas todas as dimensões dos direitos
humanos e fundamentais, consistentes na liberdade, na igualdade e na fraternidade, que
são consubstanciais, indissociáveis e interdependentes, e que, portanto, formam um
único elemento quântico.
Bem por isso, é de se salientar que
111
não se recortam ou segregam os direitos humanos de sua
universalidade jurídica, sendo executáveis em conjunto, sob pena de
sua inadmissível ruptura – a exclusão de qualquer de seus elementos
ou dimensões, o que acarretaria a prevalência de um destes sobre os
demais, desarranjaria todo o conjunto –, prejudicando, na medida em
que tal ocorrência coloque o homem em situação desumana, a
consecução do direito objetivo da dignidade. Em verdade, no que se
refere ao núcleo dos direitos humanos, a dignidade da pessoa
entremostra-se presente no adensamento entre liberdade, igualdade e
fraternidade, emergindo objetivamente do respectivo equilíbrio
reflexivo. Explica-se: de que vale a dignidade da pessoa humana sem
liberdade? Sem igualdade? Sem fraternidade? Sem liberdade haverá a
tirania da igualdade. Sem igualdade, a tirania da liberdade. E, sem
fraternidade, liberdade e igualdade são incompatíveis.195
Em arremate, não se cogita, na aplicação quântica do direito econômico,
de qualquer interpretação jurídica que não seja compatível com todas as dimensões dos
direitos humanos e, em consequência, com a dignidade humana.
6.3. O JUS-HUMANISMO NORMATIVO
Como já se afirmou, a aplicação quântica do direito vai além do texto
normativo, embora não se abandone o processo de positivação. A aplicação quântica do
direito é método do jus-humanismo normativo, assim delineado por Ricardo Sayeg e
Wagner Balera196
:
(...) são três as dimensões da linguagem na norma jurídica: (1) a
dimensão discursiva, que reside no texto; (2) a real-cultural, no
metatexto; e (3) a humanista antropofilíaca, no intratexto. É esta
última que conduz sempre o direito adotado à dignidade da pessoa
humana e planetária – frise-se, a tal base humanista imanente em toda
e qualquer norma jurídica, pelo fato de o homem estar no meio difuso
de todas as coisas, coisas estas que em sua universalidade constituem
o planeta.
O jus-humanismo normativo é, assim, positivista, mas avança para
além de neopositivismos, como o de Alexy, que identifica na norma
jurídica, além da discursiva, a dimensão ideal, de sorte que ―um
conceito de direito adequado, somente, então, pode nascer, quando
195
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 118/119. 196
Ibid., p. 37/38.
112
ambos os lados são enlaçados‖, o que ―representa um conceito de
direito positivista‖.
Como se vê, na presente reflexão, a filosofia da linguagem ultrapassa
o positivismo clássico e até mesmo o neopositivismo de Alexy e
outros autores, mas não abandona o processo de positivação. Para
tanto, deve-se considerar o conteúdo significante da norma jurídica
integral como aquele obtido enquanto resultado do processo de síntese
entre texto, metatexto e intratexto – este último, destaque-se, por meio
da imbricação humanista com a positivação.
Ao aliar o positivismo, o realismo jurídico e o humanismo
antropofilíaco, o jus-humanismo normativo, modelo aqui proposto,
busca estabelecer, com apoio no magistério de Santiago Guerra, ―um
diálogo em posições teóricas opostas, para chegar ao acordo possível
entre elas, o que decorre de sua determinação fundamental em
conciliar teoria e prática‖.
Por conseguinte, a episteme acertada dos operadores do direito é
aquela que debela a resistência à concreta aplicação da dignidade
humana e, como corolário, reconhece os direitos humanos; estes
últimos passam a compor o conteúdo significante da essência natural e
elementar do processo de positivação do direito que, a partir daí,
ultrapassa a posição estéril do positivismo clássico diante do
capitalismo: uma neutralidade inaceitável, tendo em vista que, de
outro modo, a dignidade da pessoa humana seria universalmente
inalcançável no capitalismo, posto que enquanto – sob a perspectiva
do texto – o positivismo é físico, o capitalismo é o espírito
ontologicamente individualista e egoísta que deve sofrer o impacto
deontológico da fraternidade que impõe em si, e em especial, a
igualdade e a solidariedade.
Pelo que se vê, o jus-humanismo normativo supera a posição estéril do
positivismo clássico diante do capitalismo, que sustenta uma neutralidade inaceitável,
baseada na falsa premissa de que a economia de mercado deve atuar apenas sob o
controle da ―mão invisível‖, de Adam Smith, cabendo ao Estado atuação mínima. Na
esterilidade desse positivismo não há lugar para a efetivação de direitos humanos e
fundamentais, que são tratados como normas de conteúdo meramente programático.
O jus-humanismo normativo apresenta uma posição claramente
comprometida com a realização da dignidade humana, reconhecendo os direitos
humanos e fundamentais como conteúdo significante das normas que compõem o
ordenamento jurídico.
113
Juliana Duarte197
destaca que o jus-humanismo normativo é sim
positivista, mas salienta que esta proposta hermenêutica vai muito além do positivismo
e até mesmo do neopositivismo, encontrando a dimensão humanista no intratexto da
norma:
O direito como sistema comunicacional manifesta-se pela linguagem.
Texto é linguagem. Entretanto, a forma textual da norma jurídica é
apenas o seu suporte físico – ―manchas de tinta no papel‖ como exalta
o Professor Paulo de Barros Carvalho – e decorre do esforço do
legislador, que, por meio da linguagem, prescreve condutas humanas,
após uma opção axiológica entre os inúmeros fatos sociais possíveis,
com o fim de orientar o comportamento social de acordo com valores
socialmente aceitos em determinado espaço e tempo.
A norma jurídica é composta não só do texto (suporte material), mas
do metatexto, dimensão cultural-real e intratexto, a dimensão
humanista. No momento de sua aplicação deve dirigir-se até por
opção constitucional, à solução que mais se aproxime do intratexto,
com o fim de garantir a dignidade da pessoa humana.
(...)
O homem está presente no momento da codificação e decodificação
da norma jurídica, pois parte dele e a ele é dirigida. Está a seu serviço,
com o objetivo de cumprir o fim em si mesmo, a dignidade da pessoa
humana, o que demonstra sua natureza intra e inter-humana, dinâmica,
construtora da realidade pela linguagem.
Logo, o jus-humanismo normativo considera as três dimensões da
linguagem da norma jurídica: a dimensão discursiva, o texto; a
dimensão real-cultural, o metatexto; e a dimensão humanista
antropofilíaca, os direitos humanos verificados em seu intratexto.
(...)
Portanto, o jus-humanismo normativo é positivista, mas vai além dele
e do neopositivismo, na medida em que propõe a acomodação com o
intratexto, a dimensão humanista da norma, dos direitos humanos,
pois este é o seu objetivo, o reconhecimento indissolúvel e
interdependente dos direitos humanos em todas as suas dimensões,
para consagração do correspondente objetivo da dignidade da pessoa
humana. A decodificação da norma a favor da dignidade da pessoa
humana por um exercício de linguagem.
Ora, para investigar o intratexto da norma é que o jus-humanismo
normativo lança mão da aplicação quântica do direito. Pela abordagem e aplicação
quântica, o jus-humanismo normativo encontra a conectividade entre o homem, a
humanidade e o planeta, donde decorre a Lei Universal da Fraternidade:
197
DUARTE, Juliana. Teoria jus-humanista multidimensional do trabalho sob a perspectiva do
capitalismo humanista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 20/22.
114
Com seu repertório cultural, o homem, para a norma jurídica, é
elemento intercalar entre seu caráter deontológico e sua eficácia no
plano da realidade. Como representação linguística, o direito deve
assegurar a essência humana em sua conectividade com o homem, a
humanidade e o planeta, da qual emerge a impositividade da Lei
Universal da Fraternidade, no influxo do intratexto normativo e
conforme a realidade das coisas, ou seja, o modo pelo qual o universo
é percebido pelos olhos humanos, expressão do repertório cultural do
homem e de todos os homens.198
Diferenciando as possíveis hipóteses de aplicação da norma jurídica,
Juliana Duarte 199
situa graficamente o jus-humanismo normativo, indicando que se
enlaçam três dimensões possíveis: (a) a do direito positivo; (b) a do realismo jurídico; e
(c) a dos direitos humanos:
Não obstante não esteja visível aos nossos olhos, há energia na
matéria e elas coexistem por conta da densidade, o que também ocorre
com o direito, pois o direito positivo é a sedimentação do direito
natural.
FIGURA 1 - HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
Destarte, diante de qualquer situação concreta, existem sete hipóteses
de aplicação da norma juridicamente defensáveis:
198
SAYEG e BALERA, op. cit.,, p. 36. 199
DUARTE, Juliana. Teoria jus-humanista multidimensional do trabalho sob a perspectiva do
capitalismo humanista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 24.
115
1. Aplicação do direito positivo
2. Aplicação do realismo jurídico
3. Aplicação dos direitos humanos
4. Enlaçamento do direito positivo com o realismo jurídico
5. Enlaçamento do direito positivo com os direitos humanos
6. Enlaçamento dos direitos humanos com o realismo jurídico
7. Enlaçamento das três dimensões
A partir da abordagem de Juliana Duarte, percebe-se que o jus-
humanismo normativo situa-se na figura acima na região identificada com número 7, na
qual foram rigorosamente integrados o direito positivo, o realismo jurídico e os direitos
humanos, formando uma singularidade hermenêutica. Verifica-se, portanto, que,
para envolver o capitalismo na respectiva multidimensionalidade
integral ora exposta, urge entendê-lo sob essa perspectiva dimensional
dos direitos humanos, o qual se imbrica com o direito positivo para
solucionar cada caso concreto, de acordo com o realismo jurídico.
Logo, a estruturação teórica que determina o conteúdo significante do
moderno direito natural, consubstancial aos direitos humanos,
identifica, de acordo com o realismo jurídico, este propósito
humanista; e o imbrica com o direito positivado para satisfazer
universalmente a dignidade da pessoa humana.200
Assim sendo, apoia-se o jus-humanismo normativo no novo paradigma
da física quântica, pois,
aplicando de forma complementar o raio de eficácia do direito
positivo (texto) ao raio de eficácia dos direitos humanos (intratexto) e
com a indispensável adequação mediante o raio de eficácia do
realismo jurídico (metatexto), a intersecção das três esferas de
efetividade dará resposta adequada ao caso concreto – sem
paralelismo e sem sobreposição, mas com sincronismo e sinergia.201
Lançando um novo olhar sobre o ordenamento jurídico, o Capitalismo
Humanista vê na ordem econômica o espírito de concretização da dignidade da pessoa
humana, que se irradia em todo o ordenamento, tanto que Ricardo Sayeg e Wagner
Balera afirmam a respeito do direito econômico:
200
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 34. 201
SAYEG e BALERA, op. cit., p. 123.
116
O Direito Econômico, portanto, não se restringe ao texto positivado
pela Constituição ou pela legislação, pois considera a intralinguagem,
relevada na categoria jurídica estruturante da dignidade da pessoa
humana, no nível quântico da própria norma jurídica que é
metaconstitucional e percorre todo o planeta. Significa dizer,
conforme o pensamento de Telles Jr., que ―a ordenação jurídica é a
própria ordenação universal. É a ordenação universal no setor
humano‖, segundo o que o autor chama de ―sistemas de referência
efetivamente vigorantes‖. No nível quântico — daí o intratexto —
verifica-se que no capitalismo o sistema referencial do Direito
Econômico é composto pelos direitos humanos em suas múltiplas
dimensões — harmonicamente incidentes, com o status de equilíbrio
reflexivo —, tendo por propósito a consecução objetiva universal da
dignidade da pessoa humana.
Tendo em conta que, na quadra civilizatória atual, não se concebe a
compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos, está posto
o desafio de concretizar esses direitos, inclusive por meio da ordem econômica, que tem
por fim a dignidade da pessoa humana:
Todos os direitos do homem convergem para o específico direito
objetivo natural da dignidade da pessoa humana e, por
desdobramento, da dignidade planetária, de modo que a concretização
destas é também o melhor atestado da satisfação plena dos direitos
subjetivos naturais. Logo, os direitos humanos estão enquadrados no
realismo jurídico e não se interpretam, mas se concretizam – isto é,
executam-se diante das realidades com o fim específico da consecução
objetiva e tangível do direito da dignidade da pessoa humana. Daí a
precedência atribuída à dignidade da pessoa humana sobre toda ordem
jurídica, tal como é pacífico na jurisprudência do STF ao demonstrar
que tal proeminência não é atributo da positivação, mas do imperativo
de direito objetivo inato do homem e de todos os homens.202
Isso posto, admitindo-se que a ordem econômica constitucional está
fundada no capitalismo, reconhecido como o sistema econômico que prevaleceu na
maior parte do mundo pela sua eficiência e capacidade, cujo regime econômico, porém,
produz profundos resultados negativos decorrentes da desigualdade social, como a
pobreza, a miséria, a fome, o desemprego, a violência e a degradação avassaladora do
Planeta203
, não resta dúvida de que o Capitalismo Humanista, fundado no jus-
humanismo normativo, e por via da aplicação quântica do direito, apresenta-se como
uma proposta de teoria da ciência jurídica que se posiciona contra os horrores
202
SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. Op. Cit., p. 117. 203
DUARTE, op. cit., p. 15.
117
econômicos da pós-modernidade, almejando-se o respeito e a preservação da dignidade
da pessoa humana, metassíntese da economia, do direito e da política, que deve resultar
na singularidade jurídica da sociedade fraterna.204
Não se nega a contribuição do positivismo à ciência jurídica, como
também não se nega a contribuição do determinismo newtoniano à física. O fato, porém,
é que a física quântica revelou que o determinismo newtoniano não serve mais para
responder a todas as questões das ciências da natureza. Do mesmo modo, o holocausto
da Segunda Guerra, praticado sob as vestes da ―lei‖, que permitiu ao nazismo praticar as
mais graves violações dos direitos humanos, demonstrou que o positivismo não serve
mais para responder a todas as questões da ciência jurídica.
É por isso que o jus-humanismo normativo, via da aplicação quântica do
direito, em consonância o marco civilizatório de defesa da dignidade humana,
apresenta-se como resposta adequada para, no plano jurídico, contribuir para efetivação
dos direitos humanos e fundamentais no direito econômico, via de consequência, na
disciplina jurídica do capitalismo.
204
Ibid., p. 16.
118
CONCLUSÃO
A investigação proposta identificou no contexto atual a relevância do
reconhecimento dos direitos humanos e fundamentais, impulsionado após a Segunda
Guerra Mundial, cujo conteúdo significante resulta na dignidade humana, valor supremo
da ordem jurídica, que inclui a ordem econômica. Sustentou-se que não se pode
conceber a compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos,
e, em consequência, dos direitos fundamentais.
Porém, embora os direitos humanos estejam consagrados e os
fundamentais estejam entalhados no ordenamento jurídico, o sistema capitalista
neoliberal, em nome de uma superada neutralidade sustentada pelo positivismo frio e
inodoro, é causa de crescente desigualdade entre os homens. Ainda que tenha sido
reconhecido como o sistema mais eficiente para geração de riquezas, vem, ao longo do
tempo, aumentando a miséria e a degradação do meio ambiente.
A partir desse contexto, tornou-se pertinente questionar se a efetivação
dos direitos humanos e fundamentais é compatível com o sistema econômico capitalista.
E a resposta afirmativa a essa questão é dada pela teoria do Capitalismo Humanista, em
que se apoiou a presente investigação. Essa teoria sustenta que os direitos humanos e
fundamentais, em todas as suas dimensões – de liberdade, igualdade e fraternidade –,
devem ser impostos ao capitalismo, para que este sistema econômico seja conformado,
de modo a se compatibilizar com o valor supremo da dignidade humana.
Nessa ótica, ou seja, a partir dessa teoria, é de se afirmar que tal teoria
propõe a efetivação desses direitos no sistema capitalista; e, assim, supera o arraigado
discurso de neutralidade dos defensores do capitalismo liberal.
Para encontrar a resposta ao problema apresentado, foi demonstrado que
a compreensão dos direitos fundamentais não pode ser dissociada da compreensão dos
direitos humanos, e que tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais
119
compõem categorias jurídicas que têm como traço característico a explicitação da
dignidade humana.
Evidenciou-se que o ordenamento jurídico tem determinadas finalidades
predeterminadas, dentre as quais avulta como valor supremo a dignidade da pessoa
humana. Houve abordagem do desenvolvimento dos direitos humanos e fundamentais
ao longo do tempo em suas distintas dimensões, expondo-se as características desses
direitos, afirmando-se que são direitos indissociáveis e interdependentes, e que, por isso,
não podem ser interpretadas como categorias jurídicas de conteúdo apenas
programático, ou seja, reconhecendo-se a efetividade de umas e não de todas.
Foi demonstrada a influência do modelo mecanicista newtoniano no
desenvolvimento das ciências na modernidade, fundado na certeza de que as leis gerais
da natureza são capazes de determinar o comportamento dos seres em qualquer espaço e
tempo, apontando-se para o fato de que este modelo não é mais suficiente para a
compreensão da física e das ciências naturais a partir das descobertas da física quântica,
a qual representa um novo paradigma científico, que introduziu a incerteza das
parcialidades - bilateralidades e pluralidades - e a complementaridade na compreensão
da natureza constituidora das singularidades para a solução dessas incertezas. Aliás,
segundo esse novo paradigma, esmoreceu um princípio basilar da ciência, que
sustentava que o sujeito observador não interfere no objeto observado. Para a física
quântica sempre haverá interferência entre o sujeito observador e o objeto observado. E
isso leva ao reconhecimento de que o próprio sujeito observador passa a fazer parte do
contexto do objeto, causando interferência no objeto.
Afirmou-se que a física quântica comprova: (a) que um mesmo sistema
pode ser visto de maneiras diferentes; (b) que só o contexto revela a propriedade do ser,
ora como partícula ora como onda; e (c) que a fragmentação do ser, ignorando-se o
contexto, não permite conhecer o objeto. Esse novo paradigma reclama uma nova
abordagem das ciências humanas, incluindo a ciência jurídica.
120
A par disso, foi demonstrado que a teoria do direito quântico
compatibilizou a ciência jurídica com as descobertas da física quântica, cuja teoria
apresenta um olhar holístico.
Evidenciou-se que essa visão holística e inter-multi-trans-disciplinar, na
linha de pensamento de Edgar Morin e Goffredor Telles Júnior, é encontrada na teoria
do Capitalismo Humanista, de Ricardo Sayeg e Wagner Balera.
Para compreender o Capitalismo Humanista, teoria elaborada como
filosofia humanista de direito econômico, foram investigados os conceitos de economia
e de ordem econômica, e, em seguida, foi delineada a própria teoria, que defende a
concretização dos direitos humanos e fundamentais em todas as suas dimensões,
superando a neutralidade entre esses direitos e a economia de mercado.
A partir do Capitalismo Humanista, sustentou-se que é de rigor a
aplicação quântica dos direitos humanos e fundamentais na economia de mercado.
Demonstrou-se que o conceito de consubstancialidade traz para a ciência
jurídica a possibilidade, tal qual na física quântica, de reconhecer que fenômenos
aparentemente antagônicos podem ser consubstanciais, ou seja, podem compor um
único ser, indissolúvel e indissociável racionalmente. A partir desse conceito, restou
demonstrado que, da aplicação quântica do direito, decorre o jus-humanismo normativo,
que, sem abandonar o texto normativo, supera o positivismo puro, trazendo para a
atividade interpretativa de qualquer norma o conteúdo significante de todos os direitos
humanos e fundamentais, que se encontram na dignidade humana.
Uma teoria que se apresenta em consonância com o marco civilizatório
atual, e que sustenta a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, e que permite
afirmar que a aplicação quântica do direito é método do jus-humanismo normativo,
integrando o direito positivo, o realismo jurídico e os direitos humanos e fundamentais,
configurando-se como um novo olhar possível à ciência jurídica.
121
Na atividade interpretativa da norma jurídica, o Capitalismo Humanista
propõe que se tenha como ponto de partida o texto normativo, mas propõe um avanço
além do texto, encontrando-se no metatexto a dimensão dos valores culturais e no
intratexto da norma o seu conteúdo humanístico, reconhecido pelos direitos humanos e
fundamentais. E, diante de possíveis opções hermenêuticas distintas, a teoria assume
que tem compromisso com aquela de conteúdo marcadamente humanístico.
Em se tratando dos direitos humanos e fundamentais, em suas três
dimensões – liberdade, igualdade e fraternidade –, a visão deve ser sempre, segundo o
Capitalismo Humanista, necessariamente quântica, reconhecendo-se uma singularidade,
pois se parte do pressuposto de que são dimensões totalmente interdependentes e
indissociáveis, que jamais podem ser separadas.
Ainda de acordo com o Capitalismo Humanista, se o sistema capitalista é
baseado apenas na liberdade, e não na igualdade e na fraternidade, exige-se uma visão
quântica, pela qual são acrescidas as dimensões da igualdade e da fraternidade, pois
todas elas são interdependentes e indissociáveis, edificando-se esta singularidade
superadora da neutralidade entre direito e economia.
Afirma-se, portanto, que a aplicação do direito deve ser sempre
humanista, pois, além de se assegurar a liberdade, devem ser incorporadas ao
capitalismo as dimensões da igualdade e da fraternidade, sendo certo que só há
dignidade da pessoa humana se estiverem adensadas todas as dimensões dos direitos
humanos.
Dados os desafios que marcam os tempos atuais, notadamente a
globalização, com a transterritorialização da economia, o alto desenvolvimento
tecnológico e a vertiginosa velocidade da expansão das informações, há necessidade
desse novo olhar. Um olhar que tenha maior abrangência; um olhar que permita situar
cada problema em seu contexto, que é planetário; um olhar que seja inter-multi-trans-
disciplinar; um olhar que ultrapasse os limites de cada ciência e que reconheça a
122
complexidade dos problemas que desafiam a humanidade, sempre em favor do homem,
mesmo que dentro do ambiente econômico.
Pode-se afirmar que o Capitalismo Humanista sustenta a efetivação dos
direitos humanos e fundamentais, pela aplicação quântica do direito, pois a ordem
jurídica encontra-se comprometida com a dignidade humana, superando-se a
neutralidade entre os direitos humanos e fundamentais e a economia. A ordem
econômica, que é uma parcela da ordem jurídica, encontra-se compromissada com a
realização da dignidade da pessoa humana, como se vê no artigo 170 da Constituição de
República, ao proclamar que ―a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social‖, de modo que se afigura totalmente pertinente o Projeto de
Emenda Constitucional, n. 383, de 2014205
, que visa inserir como princípio da ordem
econômica a observância dos direitos humanos.
Para o Capitalismo Humanista, nenhuma interpretação que contrarie a
dignidade humana pode ser admitida, ou seja, nenhuma interpretação que se apresente
contrária aos direitos humanos ou aos direitos fundamentais pode ser admitida. Assim
sendo, cabe afirmar que o Capitalismo Humanista apresenta posição clara sobre a
efetivação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, propondo a efetivação
desses direitos no sistema capitalista, superando-se o histórico e ultrapassado discurso
liberal da neutralidade entre os direitos humanos e fundamentais e a economia.
205
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 383/2014, de 20 de janeiro de 2014. Câmara dos
Deputados, Brasília, DF, 20 fev. 2014. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>
Acesso em 02/03/16.
123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA JUNIOR, Antônio Carlos de Matteis de. Capitalismo Humanista &
Socialismo: o direito econômico e o respeito aos direitos humanos. Curitiba: Juruá,
2014.
ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito
constitucional. 17. ed., São Paulo: Editora Verbatim, 2013.
BAETA NEVES, Clarissa Eckert e NEVES, Fabrício Monteiro. O que há de complexo
no mundo complexo? Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais. In Dossiê,
Sociologias. Porto Alegre, ano 8, nº 15, jan/jun 2006, p. 182-207. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/soc/n15/a07v8n15.pdf. p. 188>.
Acesso em 13/01/16.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2006.
Evangelho Mateus, 25, 31-46. Bíblia Sagrada. Edição pastoral, São Paulo: Sociedade
Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1990, 15. impressão, p. 1274.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis/Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1989.
BORSATTO, Ricardo Serra et al. Um novo paradigma para a aprendizagem da
complexidade das relações água/solo/planta/atmosfera. Semina: Ciências Agrárias, v.
28, n. 3, p. 399-408, 2007.
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 383/2014, de 20 de janeiro de 2014.
Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 20 fev. 2014. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>
Acesso em 02/03/16.
124
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradução: Álvaro Cabra. São Paulo: Cultrix,
1986.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005.
CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo:
Noeses, 2010.
___________. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 29
CASTANHATO, Camila. Liberdade. Tese de doutorado defendida na PUC - SP, 2013,
p. 58. Disponível em
<http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16475>. Acesso
em 09/01/16.
CASTILHO, Ricardo. Refundação do direito econômico sob a égide dos direitos
humanos: o Capitalismo Humanista. In: CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio;
SANTIAGO, Mariana Ribeiro (coords). Capitalismo Humanista e Direitos
Humanos: estudos em homenagem aos Professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2013.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São
Paulo: Saraiva, 2013.
________. Rumo à justiça. São Paulo: Saraiva, 2010.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico. Nova Fronteira da língua
portuguesa; assistentes: Cláudio Mello Sobrinho...[et.al.]. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982, p. 201.
125
DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO BOM POVO DE VIRGÍNIA – 1776. Disponível
em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-
1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-1776.html>. Acesso em
02/03/16.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18. ed., São
Paulo: Saraiva, 2006.
DUARTE, Juliana. Teoria jus-humanista multidimensional do trabalho sob a
perspectiva do capitalismo humanista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
FARIA, José Eduardo e CAMPILONGO, Celso. Os desafios do ensino jurídico. O
Estado de S. Paulo, São Paulo, p. A2, 3 de junho de 2014.
FELIX, Juarez Rogério. Direito quântico: jusnaturalismo indeterminista. Disponível
em: <http://www.academus.pro.br/professor/juarezfelix/material_pdf/003.pdf>. Acesso
em: 12/11/15.
FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. 2. ed., São Paulo: Atlas, 2013.
FORGIONI, Paula Andrea. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia
ao mercado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 204.
GALVES, Carlos. Manual de Economia política atual. 10. ed., Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1986.
GAZINELLI, Ramayana. Quem tem medo da física quântica? A visão quântica do
mundo físico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
126
GOLDMAN, Flávio. Direito quântico: revisitação e hipóteses de aplicação ao direito
contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Direito) – PUC/SP, 2010. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp136213.pdf>. Acesso em
12/11/15.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Autopoiese do Direito na Sociedade pós-
moderna: introdução a uma teoria social sistêmica. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997.
_____________. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2009.
MACIEL, José Fábio Rodrigues. Direitos humanos. In: Formação humanística em
direito. São Paulo: Saraiva, 2012.
MATSUSHITA, Thiago Lopes. Análise Reflexiva da Norma Matriz da Ordem
Econômica. Disponível em: <http://www.pucsp.br/capitalismohumanista/downloads/
analis _reflexiva_da_norma_matriz_da_ordem_economica.pdf>. Acesso em 31.10.15,
p. 137.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet; Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MEZZAROBA, Orides e MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da
Pesquisa do Direito. São Paulo: Saraiva, 2009.
MILLER, Robert. Prefácio. In: WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova
consciência, por uma nova educação. Trads.: Helena Roriz Taveira, Hélio Macedo da
Silva. São Paulo: Editora Gente, 1993.
127
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 30. ed., São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2013.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
Tradução Eloá Jacobina. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 13.
__________. Meus filósofos. Tradução de Edgar de Assis Carvalho e Mariza Perassi
Bosco. Porto Alegre: Sulina, 1013.
___________. Da necessidade de um pensamento complexo. Disponível em:
<http://www.edgarmorin.org.br/textos/da-necessidade-de-um-pensamento-
complexo/?page=3>. Acesso em 12/11/15.
___________. Complexidade e liberdade. Disponível em:
<http://teoriadacomplexidade.com.br/textos/teoriadacomplexidade/Complexidade-e-
Liberdade.pdf> Acesso em 12/11/15.
NAZAR, Nelson. Direito Econômico. Bauru: Edipro, 2009.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Disponível em:
<http://www.ruipaz.pro.br/textos/manifesto.pdf>. Acesso em 12/11/15.
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o
significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14.
ed., São Paulo: Saraiva.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
128
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: uma análise na perspectiva da doutrina e
judicatura do Ministro Carlos Ayres Britto. In BERTOLDI, Márcia Rodrigues;
OLIVEIRA, Kátia Cristine Santos de (Coord.). Direitos fundamentais em construção:
estudos em homenagem ao Ministro Carlos Ayres Britto. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O capitalismo humanista – Filosofia
humanista do direito econômico. Petrópolis: Editora KBR, 2011.
SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge.
SILVA, Jorge Antônio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana.
São Paulo: Quartier Latin, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. A folha dobrada: lembranças de um estudante. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva,
2002.
___________. A criação do direito. 2. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.
___________. Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 8. ed.
Revista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006.
___________. O Direito Quântico. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, p. 68/69. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66689/69299>. Acesso em
12/11/15.
129
WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova consciência, por uma nova
educação. Trad.: Helena Roriz Taveira, Hélio Macedo da Silva. São Paulo: Editora
Gente, 1993.
ZOHAR, Danah. Sociedade quântica: a promessa revolucionária de uma liberdade
verdadeira. Tradução Luiz A. de Araújo. 3. ed., Rio de Janeiro: 2008, Best Seller.
_________. O ser quântico. Uma visão revolucionária da natureza humana e da
consciência baseada na nova física. Trad. Maria Antônia Van Acker. Rio de Janeiro:
Best Seller. 1990.