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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Vanessa da Silva Alfred Tennyson e o ideal orgânico de civilização MESTRADO EM HISTÓRIA SÃO PAULO 2010

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017. 2. 22. · o intuito de conservar”. (Edmund Burke, in: Reflexões sobre a revolução em França) Alfred Tennyson

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Vanessa da Silva

Alfred Tennyson e o ideal orgânico de civilização

MESTRADO EM HISTÓRIA

SÃO PAULO

2010

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017. 2. 22. · o intuito de conservar”. (Edmund Burke, in: Reflexões sobre a revolução em França) Alfred Tennyson

Vanessa da Silva

Alfred Tennyson e o ideal orgânico de civilização

MESTRADO EM HISTÓRIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em História sob a orientação do Profa. Doutora Maria Odila Leite da Silva Dias.

SÃO PAULO

2010

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Banca Examinadora

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À memória de meu pai,

que me ensinou a amar as

histórias de muitas pessoas...

À Andrea Rossini, que me faz

perceber que as pessoas podem

ser sempre melhores...

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SILVA, Vanessa. Alfred Tennyson e o ideal orgânico de civilização. Dissertação de mestrado, PUCSP, 2010.

Resumo

A presente pesquisa evidencia como o poeta Alfred Tennyson cultivou

valores de civilidade, envoltos por uma moral conservadora, na formação da

chamada cultura nacional da Inglaterra vitoriana. Para tanto, tornou-se

necessário entendermos a maneira como Tennyson abordou a organicidade

social, em oposição à denominada “Era da mecanização”.

O poeta, que foi laureado pela realeza inglesa, é parte de um movimento,

da Inglaterra do século XIX, que retoma a Idade Média para tentar forjar uma

tradição nacional. Esse movimento, conhecido como “renascimento medieval”,

contribuiu para a construção de valores, que resultaram na formação da

sociedade atual. Somado a isso, Alfred Tennyson, que ficou conhecido como a

voz da Inglaterra vitoriana, possui raríssimos estudos históricos sobre seus

poemas, o que o torna um autor que ainda tem muito a ser estudado.

Neste trabalho, analisamos os poemas The Coming of Arthur, Merlin and

Vivien e Merlin and The Gleam, como principais documentos históricos.

Abordamos principalmente o personagem Merlin. Algumas vezes focamos na

análise do corpo do personagem, outras vezes na identificação que o poeta

estabeleceu com o mago. Por meio dos posicionamentos e da “voz” de Merlin,

observamos a sociedade orgânica defendida pelo poeta.

Essa maneira (orgânica) de perceber a sociedade estava relacionada com

a construção de uma cultura nacional. Cultura que, segundo Tennyson, deveria

ser construída e consolidada por meio da educação da população. A maneira

de educar, para o autor, dava-se por meio de seus poemas, que carregavam

ideais de civilidade e moralidade.

Palavras-chave: orgânico, corpo, mecânico, cultura nacional, civilidade.

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SILVA, Vanessa. Alfred Tennyson and the civilization organic ideal. Master's Degree

Thesis, PUCSP, 2010.

Abstract

The present research evidences how the poet Alfred Tennyson, developed

the values of the courtesy, surrounded by a conservationist moral, in the

constitution of the culture named national culture form the Victorian England. To

achieve that, it became necessary for us to understand how Tennyson

approached the social organic stage, opposite to the denominated Mechanical

Age.

The poet, who was laureate by the English royalty, is part of a

movement, from England of the XIX century, which goes back to the Middle

Ages to try to manipulate a national tradition. This movement, known as

medieval revival, contributed to the values building, which resulted in the

present society development. Added to this, Alfred Tennyson, was known as

the voice of the Victorian England, who has really few historical studies of his

poems, what makes him an author who still have a lot of things to be studied.

In this essay, we have analyzed the poems The Coming of Arthur, Merlin

and Vivien and Merlin and The Gleam, as the main historical documents. We

have approached mainly the Merlin character. We have focused sometimes on

the analyzing of the character body, and sometimes on the identification which

the poet established with the wizard. Through Merlin´s positioning and “voice”,

we have observed the organic society defended by the poet.

This (organically) way of observing the society was related to the building

of a national culture. This culture, according to Tennyson, should be built and

consolidated by people education. The way of educating, to the author,

happened through his poems, which carried morality and courtesy ideals.

Key words: organic, body, mechanic, national culture, courtesy.

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Sumário

Agradecimentos........................................................................ II

Introdução................................................................................. 02

Capítulo 1. Constituindo idílios.................................................. 10

Capítulo 2. Merlin e os ideais de civilização de Tennyson ....... 47

Capítulo 3. Percepções sobre Tennyson.................................. 77

Considerações Finais............................................................... 101

Bibliografia................................................................................ 104

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Agradecimentos

A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo me abrigou desde a

graduação. Foi nas salas do chamado “prédio velho” que me encantei com as

primeiras aulas do curso de História e de lá não tive mais vontade de sair. Por

essa vivência, desde a graduação até o curso de mestrado, agradeço à PUC-

SP. Neste momento, seria injusta se não agradecesse também a CAPES pelo

incentivo financeiro, sem o qual seria impossível cursar e concluir o mestrado.

À Profa. Dra. Estefânia Knotz Canguçú Fraga, sou grata pelas primeiras

leituras, que ajudaram no desenvolvimento do primeiro capítulo. Aos Profs. Drs.

Amilcar Torrão Filho e Elias Thomé Saliba, agradeço pela cuidadosa e delicada

leitura do texto de qualificação. Ao Prof. Dr. Antonio Pedro Tota devo um

agradecimento especial. Como aluna, pelas aulas que tanto contribuíram para

minha formação. Como pessoa, pelos momentos em que estendeu suas mãos

nos instantes em que o mundo acadêmico parecia tão inviável e distante.

Nesse processo, também estive acompanhada por pessoas que se

revelaram de extrema importância. Alguns se fizeram presentes indicando

leituras, discutindo textos, outros evidenciaram o companheirismo e a amizade

em momentos difíceis. Dentre essas pessoas, não poderia deixar de citar

alguns nomes como o de Gisele Santana, Marta de Jesus, Eugênio Alvim,

Cesar Luis Ruta, Cássio Marafante, Sylas Rizzo, Maria Auxiliadora Dias Guzzo,

Adriano Marangoni, Breno Ferreira, Fernando Camargo, Ithamar Padilha e

Samantha Peres. A todos, muito obrigada pelos momentos que juntos

vivenciamos.

Sou grata, especialmente, à minha querida Gabriela Idesti, que

acompanhou o processo de produção deste trabalho e que se faz presente em

minha vida, partilhando seu carinho, sorriso e amor. À Bianca Zucchi, amiga,

que realizou a primeira leitura da primeira versão do capítulo 1. Lembro-me das

pertinentes sugestões e do cuidado na forma de falar, cuidado que ultrapassa

as fronteiras do mundo acadêmico. Da mesma maneira agradeço ao amigo

Henrique José da Silva, pelas excelentes contribuições e pelas palavras em

momentos em que o cansaço era maior do que a vontade de seguir.

À Profa. Dra. Maria Odila Leite da Silva Dias sou grata pela orientação

deste trabalho, sem a qual a sua realização seria inevitável. Mas,

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principalmente, sou muito grata pela oportunidade de conhecer, me tornar

amiga e viver momentos inesquecíveis ao lado de uma das pessoas mais

sensíveis e humanas com quem já convivi.

Não posso deixar de falar em pessoas sem as quais minha vida hoje teria

bem menos sentido. Agradeço à vida, que me proporcionou a convivência e a

proximidade que tenho com meus irmãos Wellington da Silva e Cláudia J.

Marques Silva bem como com meus sobrinhos João Batista G. M. Silva e

Sarah G. M. Silva. Sem falar em quem dá sentido à minha vida, meu filho,

Guilherme Gravino, a quem amo de maneira única e quem espero ter sempre

perto.

Para finalizar, destaco quem foi essencial para minha formação, não

apenas como historiadora, mas como ser humano. A quem devo mais do que

agradecimentos. Devo amor, companheirismo e lealdade. À Fernanda Moraes

dos Santos, irmã de tantos anos, que esteve e está ao meu lado. Com quem

compartilho o sentimento de indignação diante da injustiça e da dor dos outros,

com quem compartilho bom humor e amizade fortalecedora. À Minha mãe

Fortunata Gravino e minha avó Maria Dentello Gravino, que são parte de mim.

Foram elas que me ensinaram que mulheres são mais fortalezas do que

fragilidade e são elas o meu norte em diferentes âmbitos e momentos de minha

vida.

À amiga e Profa. (Dra.) Yone deCarvalho, que me proporcionou uma visão

de mundo livre de estereótipos, que tornou-se a minha segunda mãe, que

consegue sempre me fazer enxergar além. E à minha irmã Andrea Rossini,

com quem divido alegrias, tristezas, vida, desânimo, sorrisos, sorrisos e mais

sorrisos. É ela quem me faz ver que posso ser melhor e que posso confiar em

mim. É com ela que tenho construído, a cada dia, vínculos a mais...

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“A sociedade afastou um homem do outro”.

(William Wordsworth)

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Introdução

“Sem dúvida, não rejeito as mudanças;

mas gostaria que as mudanças fossem feitas com

o intuito de conservar”.

(Edmund Burke, in: Reflexões sobre a revolução em França)

Alfred Tennyson (1809-1892) foi poeta Laureado da rainha Vitória. Pode

ser situado em um grupo de intelectuais que participaram do chamado

medievalismo vitoriano – termo utilizado para designar artistas da Inglaterra do

século XIX que retomaram temas da Idade Média e representaram, na maioria

das vezes, o período medieval como uma idade áurea, uma referência

civilizacional.

Tennyson também expressou o vitorianismo, principalmente, por sua

aceitação dos costumes e convenções de seu tempo. Como poeta laureado,

além da produção de poemas de cunho político, dedicou a versão de 1862 da

obra Idylls of the King à memória do príncipe Albert, cujo falecimento data de

1861. Motivo pelo qual, para Swinburne, a obra deveria ser chamada “Morte

D’Albert”. Nas biografias de Tennyson, observamos que foi sua figura pública e

nacionalista que o fez um dos poetas mais populares – senão o mais popular –

da era vitoriana. Nenhum escritor foi de forma tão completa um poeta nacional.

Henry James, em 1875, disse que os versos de Tennyson tornaram-se parte da

sociedade de seu tempo.

Autor de uma vasta produção literária, preocupava-se com os rumos que

a Inglaterra tomava. Um dos motivos para as inquietações de Tennyson era o

aumento do número de eleitores após as reformas parlamentares inglesas.

Assim, situou-se entre os autores mais conservadores da Inglaterra.

Concordava com Edmund Burke, ao defender as mudanças graduais e

seguras, sem participações populares (como ocorreu na Revolução Francesa).

Ao mesmo tempo, concordava com Thomas Carlyle, em relação à

existência de heróis que deveriam ser tomados como exemplo para a

sociedade. Heróis como rei Arthur ou seu amigo Arthur Hallam, considerados

pelo poeta representações ideais de condutas morais, não poderiam ser

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comparados com os homens do cotidiano, com os homens “reais”, fator este

que impossibilitava a formação de sociedades consideradas “perfeitas”.

Carlyle estudou vários tipos do que denominou como heróis, relacionou

esses heróis à história do mundo. Para o autor, o homem “bom”, com

“inteligência superior” aos demais, estava, muitas vezes, predestinado a se

tornar herói: “... a história universal, a história daquilo que o homem tem

realizado neste mundo, é no fundo a história dos grandes homens que aqui tem

laborado. Eles foram os condutores de homens, estes grandes homens, os

modeladores, padrões e, em sentido amplo, criadores de tudo o que a massa

geral dos homens imaginou fazer ou atingir (...) a alma de toda a história

universal, pode justamente considerar-se, seria a história destes”.

Esta visão dos “grandes homens”, como responsáveis pela história do

mundo, que exclui a participação da maior parte da população do processo

histórico, colocando-a como “massa”, reduz os homens a seres atados, alijando

sua condição de indivíduos.

Mas os “heróis”, que podem ser também imaginários, tinham uma função

definida: vinham para o mundo “concreto”, davam seus exemplos e partiam.

Ainda que deixassem abertas as portas para um possível regresso, o mundo

não era o lugar desses homens idealizados. Seus exemplos mostravam

também os limites humanos. Nenhum homem, em nenhuma sociedade,

alcançaria os ideais de conduta iguais aos de um “herói”.

Esse olhar para a história não se reduzia ao pessimismo. Tennyson

percebia sua época como alguém que vivia entre humanos, inseridos num

mundo concreto e, justamente por isso, não era possível construir uma

civilização idealizada. Entretanto, era possível a constituição de um ideal de

civilização, conquistado por meio da educação, do cultivo, da disseminação de

um tipo de cultura que levasse aos homens e mulheres de seu tempo uma

moral que não valorizasse apenas as atitudes individualistas, e sim, as ações

de cada indivíduo, que contribuiriam ativamente para o bem do mundo em que

viviam.

Dentre os seus objetivos, estava a construção de uma Inglaterra onde as

relações humanas não fossem mecanizadas e um pequeno grupo conduzisse o

país para o progresso. Para Tennyson, o progresso não estava vinculado às

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instituições industriais liberais e à democracia, mas a uma nova e nostálgica

moral que estaria por vir.

Assim, evidenciar o orgânico na obra de Tennyson é relevante, já que, em

alguns de seus poemas, ele apontava para a sociedade orgânica, em

detrimento da sociedade mecanizada e pensava na importância de forjar

corpos saudáveis e educados para se submeter à sociedade, servir a pátria e

construir uma cultura nacional. Esse “orgânico” estava vinculado à realização

das vontades dos indivíduos, vontades estas que impulsionariam a história.

Segundo o poeta, essas vontades passavam – ou deveriam passar – por

um processo de regeneração moral e, por isso, ele preocupava-se tanto em dar

exemplos de conduta para seus leitores. Sua tentativa de associar poesia e

vida devia-se ao fato de perceber na poesia uma possibilidade de educar a

população.

Na sociedade inglesa do século XIX existiu uma preocupação em relação

à conduta dos indivíduos. O resultado foi a criação de mecanismos

disciplinares, utilizando, por exemplo, exercícios físicos. O objetivo era uma

espécie de adequação das posturas e gestos que os corpos apresentariam

socialmente. Nesse sentido, o corpo ganhou destaque nas relações humanas,

o que antes deveria ser escondido e submetido à alma, agora estaria

submetido à tentativa da obtenção máxima de energia para o trabalho. O

funcionamento do corpo foi associado ao funcionamento das máquinas.

Portanto, era necessário guardar energia para a produção.

Além disso, adequar corpos para o trabalho tornou-se fundamental para

os industrialistas, os quais entendiam que era preciso potencializar e

rentabilizar as capacidades de cada indivíduo para o desenvolvimento de seu

trabalho, “medir os gestos para melhor economizá-los”. Medir os gestos

significava, também, controlá-los. Os estabelecimentos industriais impunham

uma vigilância constante sobre os movimentos dos operários, havia uma

repetição de movimentos especializados e precisos para a obtenção dos

índices elevados de produtividade. Os exercícios físicos contribuíam para a

eficácia desses movimentos e da disciplina.

Longe de serem exercícios apenas para o prazer ou para a melhoria da

saúde, estavam vinculados a objetivos morais, sociais e ideológicos. Por isso,

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havia a necessidade de fornecer aos operários do período vitoriano os

chamados “divertimentos racionais”. Um “divertimento” que contribuía com a

difusão da disciplina e com o aumento de produção nas fábricas.

Havia também a ideia do combate a um suposto sedentarismo, ideia que

pode ser relacionada à difusão do darwinismo social, que disseminou certo

‘medo’ da deterioração física da espécie humana. “Ter um corpo sadio e bem

treinado parecia, pois, cada vez mais importante. Herbert Spencer lançou então

o seu célebre aforismo: ‘Ser uma nação de bons animais é a primeira condição

da prosperidade nacional”.

O liberalismo, o industrialismo e o imperialismo inglês relacionavam-se

com a tentativa de formar gerações obedientes. Em outras palavras, era

preciso instaurar uma ordem como a dos mais fortes, pois os organismos mais

fracos, segundo o darwinismo (social), estavam fadados ao fim. O corpo

passou a ser lugar de trabalho, seu funcionamento relacionava-se também ao

mecânico.

Uma questão tornou-se relevante para o período: como igualar a

produtividade do corpo a das máquinas? O corpo apresentava um limite: a

fadiga. Assim, alguns cientistas do século XIX preocuparam-se em estudar e,

se possível fosse, abolir a fadiga, para que o corpo aumentasse sua

capacidade produtiva. Em outras palavras, havia uma valorização do mecânico

em detrimento do orgânico.

Além disso, os esportes passaram a contribuir com o princípio da

competição. Assim, autores como Thomas Carlyle e John Ruskin os viram

como parte dos mecanismos liberais. Embora parecessem fontes de

satisfação, os novos esportes foram considerados – pelos opositores do

liberalismo – como portadores dos germes da desintegração social. Tennyson,

que foi adepto do pensamento de Carlyle, também se posicionou

contrariamente à mecanização desenfreada que o liberalismo industrial inglês

provocava. Foi nesse contexto que resgatou corpos e posturas que não

valorizavam os princípios cultivados pelo liberalismo industrial.

Carlyle percebeu que o processo de mecanização expandiu-se até as

últimas conseqüências, de forma a atingir o corpo dos homens. Para o autor,

até mesmo o raciocínio estava submetido a uma experiência mecânica do

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cérebro. “o intelecto, o poder humano de conhecimento e de crença, havia-se

tornado quase sinônimo de lógica, ou seja, o mero poder de organizar e de

comunicar; seu instrumento não sendo mais a meditação, porém o argumento”

.

Assim, Tennyson representou, através de seus personagens, modelos de

comportamentos que considerou como favoráveis ou desfavoráveis à

sociedade. Era uma tentativa de combater os avanços dos ideais industriais e

liberais que se consolidavam na Inglaterra do século XIX. Isso não significa que

Tennyson defendia a participação popular e operária. Ao contrário, entendia

que era necessário o resgate de ideais aristocráticos para difundir e consolidar

o que considerava como civilização. Para o poeta, era o Estado que deveria

prover o melhor para a população. Tennyson não defendeu pensamentos

democráticos, as mudanças que propunha eram similares ao pensamento de

Edmund Burke: mudanças com intuito de conservar e, por que não dizer, de

constituir uma sociedade com base em tradições inventadas.

Em Gareth and Lynette, por exemplo, Gareth é a representação do

homem espiritual como homem humilde. Já Lynette representava as

aparências, as máscaras sociais, era a própria alegoria da tolice, cujos olhos

não enxergavam nada além do mundo exterior. Descreveu o poeta em relação

à personagem: “... And lightly was her slender nose / Tip-tilted like petal of a

flower”.

Mas, é Gareth o personagem que mais se destacou no poema por ser

“espiritualizado”. O idílio representou o homem espiritual que, livrando-se de

seus temores, alcançou a salvação. Nesse sentido, Lyonnors – irmã de

Lynette, a quem Gareth salvou – é a representação da alma, que estava

aprisionada e precisava ser liberta.

Dessa maneira, Tennyson utilizava seus personagens para representar e

valorizar determinadas condutas, em detrimento das aparências, como os

gestos e corpos “fabricados” pelos exercícios e pelos novos esportes, que

podem remeter à Lynette, (personagem que valorizava as aparências). Os

corpos valorosos relacionavam-se, em especial, a condutas cheias do que

Tennyson considerava virtudes, como a humildade de Gareth e a ideia de

vencer os próprios medos alcançando, dessa maneira, a maior vitória.

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Lembremos que a Matéria Arturiana, tema dos poemas que serão

analisados neste trabalho, é retomada por Tennyson, pois Camelot

representava uma sociedade virtuosa e não mecanizada. A vida na corte de

Arthur parecia impor o controle das paixões do corpo, as condutas das

personagens eram pautadas também no código de cavalaria, vinculado ao

período medieval. Em sua obra, Idylls of the King, Tennyson se baseou em

uma versão do século XV, escrita por Thomas Malory, o que significa que os

poemas de Tennyson comportam personagens e episódios que perpassam

outros períodos históricos e que também foram representados no século XIX.

Essa trama temporal está presente em The Coming of Arthur (1869),

Merlin and Vivien (1857) e Merlin and The Gleam (1889). Os corpos presentes

ou ausentes, suas marcas, gestos e palavras marcam as múltiplas

temporalidades presentes nos poemas. Os corpos eram valorizados por

Tennyson enquanto organismos em oposição a mecanismos. Nesse sentido,

Tennyson buscou o período medieval. Era como se buscasse na Idade Média a

retórica moral que parecia se perder no século XIX, um século em que a

ciência parecia não se vincular com uma “ética moralizante”, mas com a

mecanização das relações, do corpo, do trabalho, do social.

Surgiu – ao mesmo tempo – o medo que a “carne”, o desejo, pudesse

tocar a multidão. Tennyson construiu uma Idade Média que portasse os

exemplos de conduta que pudessem ser seguidos, os “heróis” descritos pelo

poeta eram parte da tentativa de evitar tanto a mecanização das relações

humanas quanto as paixões desenfreadas que, eventualmente, pudessem

tomar a tão temida “multidão”.

Enfim, as representações dos corpos nas obras literárias, e dentre elas,

as de Tennyson, ligam o particular com o geral. Para remontarmos o processo

histórico, é necessário desvendarmos essa teia de significações, onde tanto

homens quanto signos são parte dos elementos que, relacionados, nos

remetem ao que entendemos por realidade. Realidade que se constroi a partir

do trabalho humano, onde homens são produtores e consumidores de signos.

É, de fato, um trabalho cultural e só é possível entendê-lo se inserido em seu

contexto, trazendo à luz, além das múltiplas temporalidades, a percepção do

autor em relação à sua própria sociedade.

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Para tanto, num primeiro capitulo, abordamos o contexto inglês do século

XIX, a questão da cultura nacional, o corpo e o orgânico. Algumas vezes

partimos das obras de Tennyson, outras, apenas situamos o poeta em meio

aos autores de sua contemporaneidade. Mais do que isso, apresentamos

trechos da obra Idylls of the King, com o objetivo de familiarizarmos o leitor com

os “Idílios” de Arthur e com o trabalho que Tennyson realizou no decorrer de

aproximadamente 20 anos.

No capítulo 2, analisamos o personagem Merlin, utilizando os poemas The

Coming of Arthur e Merlin and Vivien, da obra Idylls of The King, evidenciando

de que modo a tradição e os ideais de civilização de Tennyson estão

relacionados ao corpo, ao orgânico e ao medievalismo vitoriano no século XIX.

Dessa maneira, relacionamos as representações dos corpos de Merlin, feitas

pelo poeta, com o processo cultural do medievalismo vitoriano e com os ideais

de civilização que formam o que Tennyson entendia por nação inglesa,

formando teias e conexões entre indivíduos, sociedades e temporalidades.

Para tanto, entendemos que é necessário pensarmos em algumas

questões, tais como quando a personagem Merlin fala. Sobre o que fala? Sua

voz pode ser relacionada com a voz narrativa do próprio poeta? Em que

sentido a voz do profeta remete aos posicionamentos do próprio Tennyson?

Em que medida Merlin pode ser a própria representação da função do poeta na

sociedade inglesa do século XIX?

No terceiro capitulo, tratamos das percepções sobre Alfred Tennyson, os

valores que atribuía à nação inglesa. Para tanto, utilizamos principalmente

Merlin and The Gleam – considerado uma biografia literária do poeta. Olhamos

para Tennyson, por meio das percepções que evidenciou na personagem

Merlin. Além de pensarmos o por quê do poeta ter assinado Merlin nos poemas

The Third Of February e Hands All Round produzidos para o periódico The

Examiner.

Entendemos que as percepções que o poeta tinha de seu próprio tempo,

de si mesmo e de sua sociedade estão presentes em suas palavras, nas

formas que representou suas personagens, em especial de Merlin, que foi a

personagem escolhida para a realização de sua biografia literária. Por que essa

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identificação? O que de Tennyson está presente no personagem Merlin? São

questões que procuramos responder.

O mago apareceu associado às histórias do rei Arthur pela primeira vez

nas versões de Geoffrey de Monmouth, provavelmente datadas do século XII.

No século XIII, a obra Merlin, de Robert de Boron, o colocou como personagem

que possibilitou a criação da sociedade arturiana. Merlin foi representado como

aquele que estava na origem de tudo o que se passava. Nessa versão o corpo

de Merlin sofre metamorfoses que remetem a diversos tipos sociais medievais,

como o lenhador, o ancião e o homem de boa aparência. O autor mesclou

características célticas e cristãs, portanto, Merlin remete ao druida, como

conselheiro do rei e sacerdote. Suas palavras e conselhos são profecias.

A posição de Merlin como conselheiro real, associada à conduta cristã e

às profecias que dizia, o tornou ideal para representar a voz do próprio

Tennyson em alguns poemas. Essa identificação não se construiu por acaso,

mas porque, na Inglaterra do século XIX, o poeta era visto como alguém que

possuía uma visão profunda e privilegiada de sua sociedade e das pessoas

que ali viviam. Quem melhor do que o próprio Merlin para representar os

posicionamentos de Tennyson? Ao utilizar a figura do mago, o poeta associou

a voz profética do mago à sua própria voz.

Entendemos, também, que é necessário olharmos com respeito para

outra sociedade e para outro período histórico. Cada sociedade, ou

comunidade, tem sua forma especifica de cultivar suas relações humanas,

sociais e econômicas. Viver de acordo com nossos próprios ideais é essencial,

mas compreender e respeitar os ideais alheios, que muitas vezes nos são

estranhos, também o é. Se não é possível apontarmos, ao longo da história

humana, duas pessoas exatamente iguais, como apontar uma cultura

homogênea? Os processos de cultura são seleções, destacam determinados

aspectos. Essa heterogeneidade é que torna a pesquisa histórica algo

realmente único, algo humano.

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Capítulo 1 – Constituindo idílios

“Far, far away...”

“Our wills are ours, to make them Thine.”

(Alfred Tennyson)

As palavras “Far, far away...” parecem se desencontrar da ideia

evidenciada em “Our wills are ours, make them Thine”. Uma, vinculava-se com

um tipo de fuga da realidade, outra, apresentava-se engajada a um suposto

real. As duas sentenças foram expressas por Alfred Tennyson. A primeira,

além de título de um poema, remetia a um estado de transe em que o poeta

entrava repetindo a frase por algumas vezes. A segunda relacionava-se com a

preocupação do poeta ao observar e criticar o mundo cada vez mais centrado

em desejos individuais. Essa preocupação fez com que Tennyson, na chamada

“era mecânica”, voltasse seu olhar para o orgânico.

Na tentativa de construir valores culturais organicamente fundidos numa

cultura nacional, em oposição à sociedade inglesa “mecanizada” do século XIX,

o autor retomou temas do período medieval. Era como se buscasse em outro

tempo histórico o exemplo de uma sociedade ideal, orgânica e civilizada. O

poeta dava continuidade ao trabalho que intelectuais da geração de Southey

começaram já na primeira metade do mesmo século: “(...) criar valores novos

para o mundo novo que surgia”1.

A cultura nacional, para Tennyson, vinculava-se com a constituição de

uma Inglaterra em que valores – conservadores – pudessem ser consolidados

e, até mesmo, forjados. Posicionando-se contra a ideia de que homens e

mulheres fossem entendidos como máquinas, apresentou em seus poemas

uma visão orgânica da sociedade, onde não negava a individualidade de cada

pessoa, mas entendia que essas “individualidades” deveriam trabalhar em

função de um corpo maior: o corpo da nação.

Nesse sentido, seus poemas evidenciam diferentes tipos de atitudes e

comportamentos individuais que se relacionam com a prosperidade ou com

1 DIAS, Maria Odila da Silva O fardo do homem branco – Southey, historiador do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. pp. 24.

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ruína social. Os corpos dos personagens exemplificam as maneiras de agir que

podem ou não ser consideradas ideais pelo autor, esses comportamentos,

posicionamentos e posturas ligam-se diretamente com o funcionamento do

corpo social que normalmente representa a própria nação inglesa.

É possível, portanto, relacionarmos os corpos dos personagens de

Tennyson com a chamada “cultura nacional”, pois as maneiras que o poeta

representou os corpos apontam para a percepção que teve do contexto em que

viveu e, para o que entendia como cultura nacional inglesa do século XIX.

Esses “novos valores” da literatura e da poesia constituíam, em fins do século

XIX, a cultura nacional da Inglaterra. Para o poeta, o ato de “pensar” a nação

passava pelas formas de apreender um mundo orgânico e equilibrado. Assim,

as evidências dos corpos nos poemas de Tennyson relacionavam-se com as

funções que os diferentes tipos sociais, exerciam na sociedade vitoriana. O

poeta descrevia os corpos de seus personagens, atribuía-lhes gestos e

palavras correspondentes ao seus ideais de civilidade.

Para o poeta, esta civilidade estava intrinsecamente ligada à sociabilidade

e aos valores morais que deveriam manter a ordem social em seu conjunto e

não somente a virtudes privadas – que remetiam ao respeito ao próximo. Era

necessário, segundo Tennyson, pensar e cultivar o progresso da nação, sendo

que esse cultivo estava relacionado à difusão de uma cultura nacional

vinculada aos modos de ser e de perceber a sociedade – os aspectos morais,

que deveriam combinar leis, costumes e maneiras de agir.

A tentativa era a de cultivar, como disse Elias Thomé Saliba, “(...) a nação-

povo, esta armação articulada e orgânica, una e indivisível, resultado do

esforço ancestral coletivo do povo, de geração a geração. O desenlace da

história, a consumação do tempo, seria marcado, assim, pelo advento dos

povos, a ‘primavera dos povos’, símbolo do amanhecer de uma era de

regeneração humana, de realização completa e quase definitiva da própria

justiça social”2. Essa nação coletiva foi buscada pela construção de uma

cultura nacional, baseada em tradições muitas vezes inventadas.

As poesias de Tennyson evidenciam, também, o que o poeta entendia

como pertencimento dos personagens à cultura nacional, diretamente

2 SALIBA, E. Thomé. As Utopias Românticas. São Paulo: Brasiliense, 1991. pp. 59.

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relacionados ao Estado, que passou a ser visto por Tennyson como instituição

essencial para o funcionamento da ordem e do progresso. Era necessário, sob

o controle do Estado, formar, determinar e valorizar certos hábitos morais, civis

e sociais. A nação passou a ser relacionada com um organismo, onde as

atividades humanas estavam intrinsecamente ligadas. “O homem individual

passa a existir em função do grupo, em função da sociedade – realidade

coletiva, isto é, menos uma criação voluntária ou pacto político que uma

realidade anterior e independente de cada indivíduo concreto, com sua própria

lei de desenvolvimento e seus próprios fins”3.

Nesse espaço complexo, de percepções múltiplas, foram tecidos ideais de

cultura e civilização, ideais que geraram e forjaram os idílios da sociedade

inglesa do século XIX e que estavam relacionados ao conceito de organismo.

O corpo humano foi posto em destaque seja através de seus atributos

biológicos, para os que pensavam em termos de uma eugenia, seja como um

organismo regulado como mecanismos de engenharia.

Era necessário disciplinar, educar, constituir corpos que trabalhassem

para o funcionamento de uma ordem determinada, ainda que existissem

discordâncias em relação a qual deveria ser a ordem estabelecida, uma coisa

estava clara: era preciso disciplinar os corpos de cada indivíduo, para o

funcionamento do coletivo.

Assim, as produções artísticas, científicas e filosóficas projetavam ideais

de civilização no sentido que “... o surgimento de novas unidades de integração

(e de governo) sempre é expressão de mudanças estruturais na sociedade, ou

seja, nas relações humanas. (...) O processo ‘civilizador’ visto a partir dos

padrões de conduta e de controle de pulsões. A mesma tendência que, se

considerada do ponto de vista das relações humanas, aparece como um

processo de integração em andamento, um aumento na diferenciação de

funções sociais e na sua interdependência e da eventual formação de unidades

ainda maiores de integração, de cuja evolução e fortuna o indivíduo depende,

saiba disso ou não.”4

3 Idem, ibidem. pp. 56 4 ELIAS, Norbert. O processo civilizador – formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, 2 vol. pp. 83.

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Os corpos dos cidadãos deveriam ser forjados por e submetidos a

vontade da nação. As expressões vitorianismo e vitoriano5, carregavam ideais

civilizatórios, que definiam concepções burguesas de corpos. Lembremos que

esse foi o momento em que as Revoluções Industrial e Francesa já estavam

consolidadas e começaram a ser questionadas por pensadores do período6.

O catolicismo do movimento de Oxford, os evangélicos, os utilitaristas,

assim como o socialismo, o darwinismo e o agnosticismo científico foram todos

aspectos da diversidade do período vitoriano. Tanto quanto os escritos de

Thomas Carlyle e John Ruskin, o criticismo de Matthew Arnold, o realismo de

George Elliott. Mais do que qualquer outro fator, o que fez de todos eles

vitorianos foi o senso de responsabilidade social.

A construção de uma literatura moderna está vinculada com todas essas

mudanças e questionamentos da sociedade vitoriana, local onde o orgânico

tornou-se objeto central de muitos autores, como foi o caso de Coleridge. A

utilização do termo orgânico passou a ser relacionado com o corpo, entendido

como organismo passível de modificações e de controle.

O funcionamento do corpo foi, muitas vezes, associado ao da máquina7.

Segundo Carlyle, vivia-se numa “Era Mecânica” e parecia não existir limites

para essa mecanização. Para Maria Stella Bresciani, Carlyle entendia que o

mecânico tornara-se a verdadeira divindade daquela sociedade. Deixando claro

que o autor não se posicionava contra as máquinas, que representavam para

ele o triunfo dos homens sobre a natureza, o problema estava em como elas

eram utilizadas. Com base nesta ideia, Carlyle chegou a um “prognóstico

sombrio”8: “Se os homens perderam sua fé em Deus, seu único recurso contra

5 Embora o termo vitorianismo, utilizado para designar o século XIX inglês, tenha surgido dois anos após a ascensão da rainha Vitória (1837-1901), tornou-se expressão de toda uma época 6 Os questionamentos em relação a Revolução Industrial serão abordados no decorrer do trabalho. Sobre a Revolução Francesa, enquanto franceses – como Jules Michelet – se decepcionaram, pois os ideais de igualdade e de participação da população não se concretizaram pós-revolução, na Inglaterra, muitos (já no século XVIII), como Edmund Burke, olham para a França revolucionária como anti-exemplo. A ideia era evitar uma grande participação da população na política inglesa. 7 Bresciani discorre sobre a condição dos Homens reduzidos a autômatos, especialmente na Inglaterra do século XIX, momento em que foram totalmente atados à concepção mecânica do mundo. Segundo a autora, autômatos eram os personagens literários e os trabalhadores da Inglaterra, que foram esvaziados de sua identidade, adquirindo a posição de massa e de classe. In: BRESCIANI. 1984-1985 Op. Cit. pp. 54. 8 BRESCIANI, Maria Stella. A compaixão pelos pobres no século XIX: um sentimento político. SILVA, Márcio Seligmann (org). Palavra e imagem: memória e escritura. Chapecó: Argos, 2006. pp. 110.

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o Não-Deus cego da Necessidade e do Mecanismo, que os atinge como uma

máquina a vapor universal assustadora [...] é, com ou sem esperança, a

revolta”9.

Esta ideia evidencia o quanto a atividades mecânicas foram relacionadas

com o funcionamento do corpo. A crença de que se vivia numa Era da máquina

tornou possível a construção de alegorias da sociedade e do corpo como

máquina ou maquinário, ainda segundo Carlyle, as “...maneiras de pensar e de

sentir se tornaram mecânicas [...] O coração e o cérebro dos homens tornaram-

se tão mecânicos como suas mãos”10. Em contraposição a essa mecanização,

Tennyson procurou resgatar valores que estivessem vinculados à civilidade, à

uma sociedade em que o orgânico pudesse ser valorizado em detrimento de

ações e corpos mecanizados.

A poesia teve papel fundamental nessa tentativa de “educação” do corpo,

do orgânico, na sociedade vitoriana. Em meados do século XIX a grande

circularidade dos poemas favoreceu a divulgação de ideais dos escritores. Os

poemas eram publicados em periódicos, como material público para recitação,

comumente eram copiados de livros, memorizados e ensaiados para

declamações particulares (em família) ou sociais (em escolas, por exemplo).

Alfred Tennyson foi poeta relevante nesse contexto. Ficou conhecido

como a voz da Inglaterra, com seus poemas difundiu ideais de autentica cultura

nacional inglesa, contribuindo para consolidar a imagem do poeta como uma

espécie de bardo, visionário – imagem já difundidas por alguns românticos,

como John Ruskin.

Por relacionar a função do poeta com a do bardo Tennyson identificou-se

com o personagem Merlin. O mago estava presente na literatura inglesa desde

o período medieval como aquele que via o passado e previa o futuro, suas

palavras, sua voz, eram proféticas. Assim também, para Tennyson, era o poeta

na sociedade vitoriana: aquele que tinha a visão mais sensível sobre o mundo

em que vivia, quem era capaz de enxergar o que os outros homens e mulheres

não percebiam, o que possuía o caráter profético e, portanto, deveria ser

respeitado por sua sabedoria.

9 CARLYLE, Thomas. in: Idem, ibidem. Pp. 110 – 111. 10 Idem, ibidem. pp. 112.

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Apropriando-se dessa imagem de bardo, Tennyson abordou, na maioria

das vezes, temas sociais e políticos, especialmente após tornar-se poeta

laureado. As transformações pelas quais a Inglaterra passava, as inquietações

e inseguranças percebidas pelo poeta eram comumente temas de seus

escritos. Como exemplo, podemos citar as reformas parlamentares que

inquietaram Tennyson. O autor se posicionava contra a ampliação da

participação política, por não enxergar na população inglesa elementos

civilizatórios que assegurassem a ordem social.

Lembremos que as reformas parlamentares ocorridas na Inglaterra, que

ampliariam a participação política da população, foram alvo de muita polêmica.

Os conservadores, como reação diante dessas reformas, procuraram

reinterpretar e reinventar a tradição inglesa, que deveria ser reconstituída e

forjada naquele momento. Nessa construção de uma tradição, cada um dos

indivíduos era responsável pelo funcionamento da sociedade.

Alfred Tennyson através de seus poemas de ampla circulação resgatou

comportamentos que pareciam se localizar num passado longínquo, mas que,

na verdade, foram constituídos pelo próprio poeta.

“Far other was the song that once I heard

By this huge oak, sung nearly where we sit:

For here we met, some tem or twelve of us,

To chase a creature that was current then

In these wild woods, the hart with golden horns.

It was the time when first the question rose

About the founding of a Table Round,

That was to be, for love of God and men

And noble deeds, the flower of all the world.

And each incited each to noble deeds”11.

A tentativa relacionava-se “Não mais a recuperação mecanicista do

passado como um mero ‘conjunto de probabilidades’, (...), mas uma

11 TENNYSON, A. “Idylls of the King”. In: DORÉ, Gustave. Doré’s illustrations for “Idylls of the King” . New York: Dover Publications, INC., 1995. pp. 26.

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recuperação compreensiva, humana, com profunda empatia, do passado – que

projetasse, como um facho de luz, o sentimento interior dos indivíduos e dos

povos, em busca de sua própria identidade”12. Tratava-se de restituir a “cor

local” e o devir do processo histórico.

Essa preocupação em “garantir” a estabilidade e o progresso futuro

tornava-se mais forte diante de problemas sociais vivenciados pela Inglaterra

daquele período. A época de Tennyson foi um momento em que um dos

maiores problemas de Londres foram as epidemias de cólera. Numa cidade

onde não havia rede de esgoto, onde os bairros operários não eram assistidos

por políticas de higiene e saúde pública, surgiu como alegoria da cidade uma

imagem orgânica: o “monstro”. Segundo Bresciani, a cidade industrial parecia

negar a natureza, era vista como a maior representação do maquinismo. “A

representação do processo de produção materializado na fábrica – o moinho

satânico devorador de homens – desdobra-se até atingir a dimensão imaginária

da cidade”13.

Ao descrever os bairros onde se localizava a classe operária, Engels

relatou que as casas eram construídas sem planejamento, em ruas estreitas e

sujas, com cheiros nauseantes. No interior das casas, os porões eram usados

como moradia e era comum o acúmulo de detritos e água suja, essas casas

abrigavam crianças e mulheres doentes e desnutridas. No centro de Londres,

coexistiam, lado a lado, ruas largas com mansões e parques públicos e

ruazinhas com casas miseráveis e uma população de pessoas pobres vistas

como uma ameaça para a ordem social.

“Essas extensas, miseráveis e incontroláveis massas de pessoas

submersas no East End, esse meio milhão de pessoas convertidas por uma

legislação adversa e pela caridade, ao pauperismo, assustavam os

contemporâneos por terem um vínculo irregular com o trabalho, por

conseguirem sobreviver às expensas do roubo e do jogo, por escaparem às

possibilidades classificatórias do pobre trabalhador respeitável. Assustavam

ainda mais por não serem nítidos, na prática, os limites entre o trabalhador e o

resíduo; mesmo entre as pessoas que ganhavam sua vida trabalhando (e a

12 SALIBA, E. Tomé. As Utopias Românticas. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 53-54. 13 BRESCIANI. 1984-1985. Op. cit. pp. 55

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definição inglesa para homem pobre dizia ser aquele que precisa trabalhar com

suas mãos para se manter a si e a sua família), algumas tinham uma situação

indefinida dada a má fama de suas reputações, embora elas fossem vitais para

a vida cotidiana da cidade: os construtores de ferrovias (land navigators ou

simplesmente navies), os vendedores ambulantes e os limpadores de chaminé

estavam entre esses indesejáveis do mundo civilizado”14.

Existia uma imagem contraditória em relação às cidades industriais15. A

coexistência de arquiteturas góticas e modernas, as concentrações de pessoas

que formavam a famigerada multidão, remetia ao orgânico, apresentando

possibilidades de ações submetidas às paixões e aos sentimentos impulsivos,

e ao mesmo tempo, essa mesma multidão parecia não possuir mais traços de

humanidade, como se estivesse moldada pelo ambiente em que vivia. Essa

imagem contraditória se misturava a ponto de ser difícil a distinção entre o que

era orgânico e o que era mecânico nas cidades, como bem afirmou Bresciani:

“É difícil delinear uma nítida divisão entre representações mecânicas e

orgânicas de maneira a estabelecer duas linhagens de sensibilidade. Até onde

se pode afirmar, por exemplo, a independência da concepção mecânica da

dupla circulação sanguínea, do corpo orgânico que a contém?”16

Esse era o mundo da sociedade industrial, que acelerou seu

desenvolvimento após 1850, quando delineou na Europa a separação entre os

países do carvão-vapor e os do cavalo de tração. Nesse período, a Inglaterra

dominou o mercado. Tudo parecia levar ao triunfo da mecânica. Ao realizar as

tarefas mais meticulosas, a máquina-ferramenta passou a desempenhar uma

série de serviços, seja com madeira, metal ou outros materiais. Ao longo dos

anos foi aumentando sua precisão. O cientificismo distanciava-se da metafísica

transcendental para se atrelar a um suposto real. Foi o momento em que o

corpo tornou-se centro tanto das ciências – da biologia, da medicina e de

políticas sanitárias – quanto das formas de poder. Os corpos dos indivíduos

14 (CHESNEY, Kellow. In: BRESCIANI, Maria Stella M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1994. pp. 40. 15 As cidades pareciam provocar sensações que se aproximavam do que Burke chamou de “sublime”, um forte impacto emocional que parecia inibir a razão. Sobre o “Sublime” ver: BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo. Campinas, SP: Papirus; Editora da Universidade de Campinas, 1993. 16 BRESCIANI. 1984-1985. Op. cit. pp. 56

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deveriam ser disciplinados a fim de manter e colaborar com o funcionamento

da nação.

A disciplinarização dos corpos e a polêmica sobre o orgânico e o

mecânico também foram evidenciados no campo da medicina experimental.

Muitos médicos, com o objetivo de compreender as doenças, acabaram

valorizando mais o laboratório, o que resultou numa medicina baseada nas

experiências, onde os corpos apareciam como máquinas vivas e um dos

principais objetivos era compreender seus mecanismos.

Na Inglaterra, as pesquisas eram realizadas em institutos como o Instituto

de Medicina Pneumática de Bristol. Na segunda metade do século XIX,

surgiram teorias, como a de Claude Bernard, que defendiam a ideia de que o

corpo não era uma máquina viva, mas sim um complexo orgânico, cujos

elementos (órgãos) estavam associados e precisavam de água, calor e

oxigênio para a sobrevivência.

O debate sobre a natureza humana e sobre as possíveis estruturas do

corpo inseriam-se em questões que estavam além de práticas medicinais;

estavam associados a um conflito existente entre materialistas e espiritualistas,

mecanicistas e vitalistas. No caso do vitalismo, ocorreu um abandono do ideal

da alma como geradora da vida, mas foi inserida a ideia de força vital, que não

era definida nem localizada. Essa força tornou-se, segundo o vitalismo, o motor

da vida e a fonte de doença e de saúde. Os homens foram entendidos e

inseridos como parte de um corpo maior, o corpo social.

Política e filosofia estavam associadas a outras instâncias da sociedade,

como a medicina. Os conflitos ideológicos se apresentavam também na

maneira de lidar com as práticas medicinais, pois os corpos não eram vistos

como se fossem movidos apenas por sensações.

“Para Cabanis, como para muitos médicos de sua época, a medicina deve

ser o pivô dessa ciência do homem em nome da metáfora organicista que

pretende que o corpo social funcione como o corpo humano. A medicina (...) é,

antes de tudo, antropológica. Querendo conhecer o homem em sua inteireza,

ela é levada a refletir as relações entre o físico e o moral”.17

17 FAURE, Oliver. O olhar dos médicos. In: CORBIN, A.; COURTINE, J.; VIGARELLO, G., 2008. Op. cit. pp. 45.

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É nesse sentido, de uma relação entre o físico e a moral, que cuidados

com a saúde foram utilizados como forma de controle moral e social. O corpo

tornou-se lugar de desregramento social e, por isso, havia a necessidade de

compreendê-lo e controlá-lo em várias instâncias da sociedade. Práticas como

o higienismo social, deveriam a todo custo evitar a “degradação” da sociedade.

Somado ao desenvolvimento mecânico, a ciência também foi

considerada cada vez mais precisa, pois era vista como único elemento que

permitia ao homem resolver seus problemas e questionamentos que há muito o

rondavam. Ao mesmo tempo, as transformações foram “(...) também

acentuadamente irregulares: os avanços nas ciências naturais não geravam

automaticamente aperfeiçoamentos nos tratamentos médicos; o levantamento

de informações sobre as condições de vida dos operários não se refletia

rapidamente em reformas sociais. E tradicionais arranjos sociais, tais como a

vida familiar, foram conturbados pelo choque entre as novas necessidades e os

antigos hábitos. As mudanças no século XIX foram, pois, mais freqüentemente

perturbadoras do que estimulantes.”18

A Inglaterra não vivenciou apenas momentos de progresso tecnológico,

científico e artístico. Apesar da tentativa de manter certa “paz” (interna e

externa), foram estes os anos de apogeu da política imperialista, os ingleses

acabaram se envolvendo na Guerra da Criméia (1853-1856)19. Tennyson

escreveu The Charge of the Light Brigade, um poema sobre a batalha de

Balaclava, da Guerra da Criméia. Neste poema, explorou a força militar do

coletivo, quando os soldados deixavam de ser indivíduos para comporem um

só corpo, a brigada em luta, celebrando neste caso o massacre coletivo dessa

brigada heróica. Os corpos também eram instrumentos de guerras e, para isso,

era preciso obediência e disciplina.

Nesse contexto, os poemas também constituíam, em si mesmo, um tipo

de corpo, aquele que carregava as vozes de grupos sociais e políticos.

Tennyson utilizou seu poema para criticar e apontar o que entendia como erros

18 GAY, Peter. A educação dos Sentidos – a experiência burguesa da rainha Vitória a Freud. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. pp. 43. 19 Na Guerra da Criméia, o Reino Unido se aliou com a França, com o reino de Piemonte-Sardenha e com o Império Turco-Otomano. O objetivo era impedir o aumento da influência russa na região dos Bálcãs. Em tempos de imperialismo, os ingleses temiam que os russos lhes tirassem o controle de regiões como os estreitos de Bósforo e Dardanelos, cortando-lhes a comunicação com a Índia.

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dos dirigentes ingleses. Naquele momento, o poeta questionava os rumos que

a nação inglesa tomava. Escolheu como tema uma batalha em que a Inglaterra

foi derrotada e questionou: quando teria cessado a glória da Inglaterra?

“Storm’d at with shot and shell,

While horse and hero fell,

They that had fought so well

Came thro’ the jaws of Death,

Back from the mouth of Hell,

All that was left of them,

Left of six hundred.

When can their glory fade?

O the wild charge they made!

All the world wonder’d.

Honor the charge they made!

Honor the Light Brigade,

Noble six hundred!

No excerto percebemos que, para o poeta, os corpos dos que lutaram

pela Inglaterra, ocupavam o lugar do corpo do herói, espaço da nobreza de

tempos passados, de quem cumpriu sua função para com a nação. Mas, ainda

assim, foram massacrados e poucos sobreviveram. Então, o poeta questiona:

“When can their glory fade?”. A voz de Tennyson buscava uma resposta

através de um questionamento. A culpa da “queda” não era da brigada, eles

cumpriram com seu papel. De quem era então? Estava posta a voz política do

poeta por meio de sua poesia.

Após essa guerra, a rainha Vitória enfrentou um período político de

grande turbulência. Ocorreu o primeiro motim indiano, em 1857, além da

ameaça de uma guerra europeia, devido às lutas pela Unificação Italiana. Nos

anos que se seguiram, os problemas da rainha, como a morte de sua mãe e de

Albert, ambas em 1861, contribuíram para aumentar o clima de tensão

existente em seu reinado. Nesses anos, Alfred Tennyson trabalhou a favor da

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realeza, divulgou seus ideais e cultivou corpos que enalteceriam a imagem

real.

No século XIX, muitos artistas20 utilizaram a Idade Média como referência

de um período áureo que parecia perdido. Ao retomá-la, evidenciavam

problemas que enxergavam em sua contemporaneidade. Para tanto, as raízes

do presente foram amplamente buscadas no passado, tornando possível à

memória e à imaginação recriarem famílias, sociedades, a literatura e a própria

história de outros tempos e outros meios. Tennyson utilizou temas medievais,

como a própria Matéria arturiana, para evidenciar problemas do século XIX

inglês, mas também para cultivar novos ideais de civilização.

Na Inglaterra, o movimento liberal construiu um ideal que relacionava o

futuro ao progresso. Mas esse ideal chocava-se com uma sociedade em que

grande parte da população estava submetida a péssimas condições de

trabalho na indústria, o corpo do operário, não era apenas o disciplinado, mas

também era o corpo como lugar da exploração. O operariado estava “de fora”

do organismo social.

Além disso, as promessas de progresso trazidas pelas novas técnicas

contrapunham-se ao medo do desconhecido. A mercadoria industrializada, que

era símbolo da abundância trazida pela Revolução Industrial, parecia substituir

valores que tinham por base as relações humanas. A industrialização

carregava elementos bastante contraditórios, o que fez autores como Edmund

Burke e William Cobbett, em fins do XVIII e início do XIX, posicionarem-se

contra os novos rumos que a nação tomava. Defendiam uma Inglaterra “mais

antiga”, que remetia aos tempos passados. E contribuíram grandemente para a

formação de tradições que questionavam a democratização do sistema eleitoral

e o industrialismo liberal no século XIX.

Sobre a Reform Bill, Tennyson posicionou-se a favor do pensamento de

Carlyle, que enxergava nas reformas o falecimento da sociedade conservadora

e de seus valores políticos. Para Tennyson, a liberdade seria obra do próprio

Estado e nunca da iniciativa de reformas eleitorais. Parece que para o poeta os

eleitores individualmente ou a ampliação do direito de voto ameaçava a

20 Podemos citar artistas como William Wordsworth, William Morris, Dante Gabriel Rossetti, William Blake Richmond, William Davis.

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concepção de organismo social, aqui muito associada a idéia do próprio Estado

mais do que a sociedade civil inglesa.

“The state within herself concludes

The Power to change, as in the seed,

The model of her future form,

And liberty indeed”21.

Assim, os trabalhadores, que ganhavam participação na vida política

inglesa, só poderiam representar – para o poeta – uma ameaça. Pelo mesmo

motivo, o aumento da participação popular por meio dos votos, relacionado ao

industrialismo e ao liberalismo, foi alvo de oposições e críticas na Inglaterra.

Resultou numa série de produções artísticas e literárias com características

conservadoras, que retomavam o que se entendia por “tradição”, por exemplo,

a vida bucólica e artesanal dos camponeses, antes de serem sacrificados pela

Revolução industrial.

Tennyson em seus poemas representou as multidões como “bestas”,

“selvagens”, “pagãos”. “And still from time to time the heathen host / Swarmed

overseas, and harried what was left”22. Nesta passagem, o poeta narra que de

“tempos em tempos”, a multidão de pagãos chegava de além mar devastando

o reino do rei Leodegran, pai de Guinevere, evidenciando que a ideia de

“multidão” remetia à desordem e à destruição.

Independente dos debates teóricos, a Inglaterra passou por três Reform

Acts, em 1832, 1867 e 1884. Esses Atos estenderam o direito de voto para os

cidadãos que tinham, até o momento, seus direitos civis cerceados. O primeiro

Ato privilegiou as cidades industriais do Norte, que tiveram um grande

crescimento com a consolidação da indústria, pois se transformou em um novo

distrito, a nova divisão da representação parlamentar, garantindo muitos votos

aos empresários industriais. Além disso, ampliou e estendeu o direito de voto

21 TENNYSON, Alfred, citado in: HARRISON, Antony H. Victorian poets and the politics of culture – discourse and ideology. Charlottesville & London: University Press of Virginia, 1998. pp. 50. 22 TENNYSON, Alfred. “Idylls of the King”. In: CUMBERLEGE, G. Poetical Works – including the plays. London: Oxford University Press, 1954. pp. 288.

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para as classes médias23, fato que fez aumentar o eleitorado de 217.000 para

435.000 eleitores. Significava aproximadamente que de cada cinco homens,

um tinha direito de votar. Muitos conservadores entendiam que essa reforma

permitiu às classes médias compartilhar o poder junto com as classes mais

altas.

Para Tennyson as reformas do eleitorado comprometiam o organismo

social da Inglaterra. Os Reform Acts de 1867 ampliaram novamente o direito de

voto, estendendo esse direito a muitos operários. Duplicaram o eleitorado para

quase dois milhões de pessoas na Inglaterra e Gales. Esse foi o Ato que levou

alguns autores como Matthew Arnold e John Ruskin24 a escreverem,

respectivamente, Culture and Anarchy e Crown of Wild Olive, pois temiam que

a democracia nascente destruísse o que entendiam por cultura.

Ao ampliar ainda mais a participação eleitoral, a Reform Bill de 1884 e o

Redistribution Act, de 1885, triplicaram o eleitorado, pois estenderam o poder

de voto a muitos trabalhadores agrícolas. O voto tornava-se cada vez mais um

direito e não um privilégio de poucos, era parte da constituição do que foi

denominado como corpo social, onde os cidadãos ganhavam maior

participação na vida política da nação inglesa.

Esse aumento da participação popular no sistema político inglês trouxe

para os conservadores o medo de revoluções e de mudanças que

consideravam brutais para a ordem social. Foi justamente por perceber a

população como multidão que, para Tennyson, o aumento da participação

popular ameaçava o bom funcionamento da Inglaterra. Também por esse

motivo, o poeta entendia que essa massa populacional, que incluía os

trabalhadores, deveria ser educada. Não estamos dizendo que o poeta era

favorável às condições de miséria da população, mas que acreditava que o

23 Segundo Arnold Hauser, no século XIX, o que se entende por classe média é uma parte da sociedade com muitas diferenças de fortunas, e um so padrão cultural de. Ou, nas palavras do próprio Hauser: “O século XIX, efetivamente, já é absolutamente dominado pela classe média, dentro da qual existem, sem dúvida, nítidas diferenças em fortuna, mas não em padrões culturais; a única separação profunda é a existente entre os que partilham dos privilégios da cultura e os que deles são excuídos”. In: HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Tomo II. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1972. pp.703. 24 Arnold coloca a ideia de cultura como alternativa para a “anarquia”, já que a entende como estudo e busca. Para fazer isso se opõe ao utilitarismo (relacionado à indústria) e ao crescimento “desordenado” da classe operária. Ruskin, também fez oposição ao industrialismo. E pensou a cultura relacionada à arte. Para ele, a arte é uma atividade de todo o ser e não apenas de uma faculdade “estética”.

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governo e as decisões políticas cabiam ao Estado institucionalizado e não aos

trabalhadores.

Ao mesmo tempo, surgiu um sentimento de injustiça perante as condições

de vida dessa “multidão” que vivia na pobreza. Autores como Carlyle, Stuart

Mill, Tennyson, de maneiras bem diversas, transitaram entre esses sentimentos

de injustiça e medo. Para esses pensadores, a civilização parecia ameaçada e,

nesse sentido, era preciso educar a massa populacional – independente de

como e do que cada um valorizava no ensino e na educação, a ideia de educar

era essencial.

No caso de Tennyson, a poesia era a maneira de lançar sua voz e, se

possível, atingir os leitores e ouvintes. Dentre muitos escritos, o poeta utilizou a

Idade Média para dar exemplos de condutas que considerava corretas ou

destrutivas para a sociedade. Tennyson também estava inserido num amplo

grupo de autores que retomaram temas medievais em suas obras – movimento

que ficou conhecido como renascimento medieval vitoriano.

O renascimento medieval vitoriano, iniciado em fins do século XVIII,

ganhou força no século XIX. Nesse movimento, ocorreu o resgate da história e

de ideais considerados medievais por meio dos discursos de um grupo de

autores que permeavam as práticas comportamentais dos homens e mulheres

da Inglaterra. Para tanto, os meios utilizados foram a arquitetura, a literatura, a

teologia e os entretenimentos populares de forma geral. Era comum o uso de

termos como cavalaria, dignidade, coragem, abnegação, cortesia, nobreza,

honra, dever e fidelidade.

Alfred Tennyson foi um dos poetas que difundiram esses ideais em seus

trabalhos. Sua obra mais famosa, Idylls of the King, apresentava não apenas o

“vocabulário medieval”, mas personagens e temas da Idade Média. As

personagens de Tennyson, nessa obra, formam um sistema de valores e um

código de conduta que prevalecia na literatura da Inglaterra vitoriana, seja para

a crítica social ou para o enobrecimento desses valores.

A crítica social realizada por Tennyson relacionava-se às questões das

aparências e das atitudes em que as ações individuais prevaleciam em

detrimento do coletivo, da sociedade. Assim, alguns personagens foram

exemplos de más condutas. Suas atitudes levam Camelot ao fim. Nesse

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sentido, a traição de Guinevere a Arthur foi entendida como atitude que trouxe

uma “confusão” para a Távola Redonda:

“...this is all woman’s grief,

That she [Guinevere] is a woman, whose disloyal life

Hath wrought congusion in the Table Round

Which good King Arthur founded, years ago,

With signs and miracles and wonders, there

At Camelot, ere the coming of the Queen”25.

Ao mesmo tempo, Tennyson também utilizou personagens que

evidenciam os bons costumes, o que o poeta entendia por civilidade, os valores

que deveriam ser seguidos para que a Inglaterra se aproximasse, cada vez

mais, da glória e do progresso.

Não apenas Tennyson, mas a própria literatura inglesa deste período

contribuiu com a formação de um conceito de cultura relacionada ao cultivo e a

educação do organismo social. A ideia de cultura, que antes designava as artes

em geral, no fim do século passou a relacionar-se com a própria vida,

englobando todos os aspectos da vida: o material, o intelectual e o espiritual.

Essas transformações da ideia de cultura, não eram acidentais, elas foram

engendradas na concretude social do século XIX, “cultura não foi apenas uma

resposta aos novos métodos de produção – à nova Indústria. Ligava-se

também aos novos tipos de relações pessoais e sociais, constituindo, (...), um

reconhecimento de separação prática e uma forma de acentuar alternativas. A

ideia de cultura seria mais simples se fosse resposta ao industrialismo apenas;

foi, porém, resposta a novos desenvolvimentos políticos e sociais; isto é, à

Democracia”26. Para Tennyson, democracia e cultura nacional eram universos

que se chocavam, um ameaçando o outro.

Não podemos esquecer que as transformações na relação entre autor e

público no século XIX também foram resultados da sociedade industrializada –

no sentido em que as produções literárias tornaram-se mercadorias, como 25 TENNYSON, A. In: DORÉ, G. 1995. Op. cit. pp. 62. 26 WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade – 1780-1950. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. pp. 19-20.

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qualquer outro objeto produzido nas indústrias. Esse fator, juntamente com a

ampliação da participação popular na política inglesa, em oposição à

probabilidade das relações humanas tornarem-se cada vez mais mecanizadas,

motivou autores como John Ruskin, Samuel T. Coleridge, Thomas Carlyle a

questionar o industrialismo e a democracia nascentes.

Assim, artistas, como alguns românticos, engajaram-se no estudo e na

crítica da sociedade de seu tempo. Parte deles se via como artesãos em meio

ao fim do modo de produção artesanal. Era comum a arte ser relacionada ao

artesanato, no sentido que o artista concebia e fazia seus produtos com suas

próprias mãos. Essa produção artística que se opunha ao modo de vida

acelerado e mecanizado da Inglaterra industrial contribuiu para elevar artistas e

literatos a uma posição social de destaque.

Um dos principais autores que contribuiu com o desenvolvimento dessa

ideia foi John Ruskin. Baseado numa teoria classicista colocou a arte numa

instância idealizada, como se para Ruskin a visão do artista estivesse muito

além da visão de outros indivíduos. Mas, mesmo com tentativas, como a de

Ruskin, na sociedade industrial a literatura - e as artes em geral – entraram

para a esfera mercadológica. Os livros, que já não eram produtos artesanais

desde a invenção da prensa de Gutenberg, passaram no século XIX, por

mudanças culturais e sociais que remetiam ao consumo e a venda, ou à

mercadoria.

Com a ideia de um público vinculado à aceitação e venda dos livros, a

literatura passou a ser um dos vários tipos especializados de produção, estava

exposta às condições mercadológicas27. Redundando numa necessidade

crescente de valorização da literatura e, ao mesmo tempo, da existência de

escritores de caráter independente e autônomo. Para Raymond Williams,

“Essas mudanças afetaram os escritores de várias maneiras. Para os

afortunados, houve progresso no grau de independência e de status social – o

escritor transformou-se num acabado ‘profissional’. Mas as mudanças

27 É importante lembrarmos que existia outro espaço para as produções dos escritores, as instituições. Em relação a Tennyson, como poeta laureado, o próprio Estado patrocinava sua produção literária.

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27

equivaleram também à instituição do ‘Mercado’, como forma típica de relação

entre escritor e a sociedade.”28.

Estava posto um conflito sobre a função do autor: por vezes, parecia que

o público respeitava as posições dos artistas, com uma espécie de

cordialidade, apenas por viverem os mesmos problemas sociais. Em outros

momentos, era como se os escritores tivessem a obrigação de agradar seus

leitores para que seus livros fossem vendidos. Surgia uma instituição

impessoal: o mercado literário. Mas, concomitantemente, a produção poética

parecia resistir à mercantilização do mundo burguês, por conter elementos

como inspiração criadora, liberdade de expressão e originalidade.

Surgiu, como foi dito anteriormente, uma reação romântica de valorização

do artista. Apesar de suas especificidades, os românticos passaram a valorizar

os artistas como aqueles que traduziam a realidade, utilizando, para tanto, sua

imaginação, numa visão mítica da arte e de seus produtores. Relacionavam as

produções artísticas com objetos autônomos, que possuíam uma espécie de

“leis próprias” vinculadas à escrita e à linguagem de cada um dos gênios das

artes.

Parecia existir uma necessidade de moldar a cultura na sociedade inglesa

daquele período, como se houvesse um medo, não do fim do mundo num

sentido cristão, mas do fim da civilização. “(...) There was no fear that the end

of the world was in sight: at that time the possibility seemed incompatible with

science. However there was a fear of the end of civilization, a sort of millennium

whose destructive forces would no longer be the angels of the Apocalypse, but

either Socialism or the Machine or the Yellow Peril. In the case of particularly

sensitive natures, this fear became sheer anguish; it took the form either of

insolent rebellion against an unstable society, or of an escape into the worlds of

dreams”29.

Dessa maneira, se na era vitoriana, a arte já era a da reprodutibilidade

técnica30 e as obras não eram mais um bem único, mas poderiam ser

28 WILLIAMS, 1969, Op. cit pp. 55. 29 JULLIAN, Philippe. Dreamers of Decadence – symbolist painters of the 1890s. New York/Washington: Praeger Publishers, 1975. pp. 25. Fala das representações do corpo 30 O termo era da reprodutibilidade técnica é utilizado por BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”. In: Textos Escolhidos, XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975.

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reproduzidas, o melhor a fazer era encontrar uma maneira de explorar essa

reprodutibilidade, fosse para questionar ideais civilizacionais, ou para propor

novas formas de civilização. Por esse motivo, o que nos importa não é o critério

de autenticidade, mas sim, a função da arte, que se relacionava com um novo

âmbito, uma nova práxis: a política

Alfred Tennyson estava inserido nesse contexto. Nascido em 6 de agosto

de 1809, em Somersby, Lincolnshire, foi o quarto filho de doze crianças de

George e de Elizabeth Tennyson. O poeta, como outros homens de sua família

desenvolveu a epilepsia, a qual considerava uma doença vergonhosa, além de

problemas psíquicos. O pai de Tennyson tornou-se, ao longo dos anos,

paranóico e violento.

Em 1827, Alfred saiu da atmosfera turbulenta de sua casa, trilhando o

caminho de seus irmãos mais velhos para o Trinity College, Cambridge. Lugar

em que entrou em contato com a filosofia do século XIX. Em 1828, numa

premiação de poemas, Alfred ganhou uma medalha de ouro ao escrever

Timbuctoo. Os irmãos Tennyson tornaram-se conhecidos em Cambridge por

seus poemas.

A poesia de Alfred estava intrinsecamente relacionada com suas

experiências e vivências. Como escreveu Hallam Tennyson (filho de Alfred),

em Alfred Lord Tennyson, A Memoir by his son: “(...) For my own part, I feel

strongly that no biographer could so truly give him as he gives himself in his

own works”31.

Alfred Tennyson começou a escrever poesia ainda novo, no estilo de Lord

Byron. Porém, somente a partir de 1829, quando se filiou a um clube literário

denominado The Apostles é que publicou sua primeira obra, Poems (1830). O

grupo reunia-se para discutir filosofia e outras questões e, além disso, era

composto por nomes como Arthur Henry Hallam, James Spedding, Edward

Lushington – que mais tarde casou-se como Cecília Tennyson – e Richard

Spedding. Muitos se tornaram famosos e entraram para o Dictionary of National

Biography.

31 TENNYSON, Hallam. Alfred Lord Tennyson, a memoir by his son – vol I. New York: The MacMillan Company, 1889. pp. XI.

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Dentre esses autores, o mais importante para Tennyson foi Arthur Hallam.

Eles nutriam uma grande amizade e numa visita a Somersby – depois de

quatro anos de amizade – Hallam conheceu e ficou noivo de Emily Tennyson,

irmã de Alfred. Mas em 1833, Arthur faleceu. Tinha apenas 22 anos e sua

morte abalou profundamente Tennyson.

A fragilidade psíquica do poeta o tornava mais sensível às criticas. Em

1832, quando John Wilson Croker, critico literário, se pronunciou duramente em

relação a alguns poemas de Tennyson, o poeta passou nove anos sem

nenhuma publicação. Em 1842, Poems fez de Tennyson um poeta popular. E

em 1845, passou a receber uma remuneração governamental para a produção

de seus poemas.

O sucesso de poemas como The Princess e In Memoriam levou Tennyson

a ser indicado, em 1850, como poeta Laureado. Fator que finalmente o

estabeleceu como o poeta mais popular da era vitoriana. A admiração do

príncipe Albert pelos poemas de Tennyson ajudou o último a ocupar a posição

de poeta nacional.

In memoriam (1850), como indica o próprio título, foi escrito em memória

de Hallam. Nele Tennyson uniu o Arthur rei com seu amigo Arthur, ambos

idealizados.

“To sleep I give my powers away;

My will is bondsman to the dark;

I sit within a helmless bark,

And with my heart I muse and say:

O heart, how fares it with thee now,

That thou should’st fail from thy desire,

Who scarcely darest to inquire

‘What is it makes me beat so low?”32

Em In Memorian, Tennyson passou a demonstrar que o ato de vontade

própria deve estar relacionado com o mundo. O poeta negou uma concepção

32 Tennyson, Alfred. The poetical works. New York: G. W. Carleton & Co. Publishers, 1883. pp. 410.

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mecanicista do universo e enunciou que, não seria por meio de um plano

determinista, e sim por meio de escolhas, que as relações entre os homens

poderiam ser novamente humanizadas. Essas “escolhas” deveriam visar, para

o poeta, o bem da nação. Nesse sentido, Tennyson entendia a sociedade como

orgânica, as ações humanas não estavam “pré-determinadas” e “mecanizadas”

e, por isso, deveriam ser “civilizadas”.

Para Tennyson, essas escolhas sempre passavam pelo âmbito moral, e,

portanto, interferiam diretamente no mundo, daí a importância de moldar os

indivíduos que formam o corpo social. Nesse sentido, em In Memoriam, o poeta

apresentou uma das principais questões tratadas em Idylls of the King: a de

homens que violavam as liberdades dos outros em nome de suas vontades

individuais.

Após a morte de Albert (1861), como retribuição à ajuda dispensada pelo

príncipe, Tennyson dedicou a edição da obra Idylls oh The King, de 1862, à

memória do príncipe.

“These to His Memory – since He held them dear,

Perchance as finding there unconsciously

Some image of himself – I dedicate,

I dedicate, I consecrate with tears –

These Idylls.

And indeed He seems to me

Scarce other than my King’s ideal Knight33,

‘Who reverenced his conscience as his King;”34

Depois disso, a rainha Vitória convocou o poeta à corte diversas vezes. E

no fim de sua vida, ganhou outros títulos, como o de Lorde. Lord Alfred

Tennyson morreu em 6 de Outubro de 1892, aos 83 anos de idade.

33 Na primeira versão dessa dedicatória o verso “my King’s ideal Knight”, aparecia como “my own ideal Knight”, a modificação ocorreu porque os leitores de Tennyson diziam que o rei Arthur era uma representação do príncipe Albert. 34 TENNYSON. 1954. Op. cit. pp. 287.

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Durante sua longa vida, Tennyson idealizou em seus trabalhos, o que

deveria ser a verdadeira cultura nacional: um modo de vida que, se seguido,

construiria um ideal de civilização. “What this new mass audience was to read

was of concern to politicians, educationists and writers alike. To ‘educate the

poor man before making him our master’ was, as Tennyson Said, ‘one of the

great social questions impending in England’ (Mem., I, 249). The issue was

thoroughly debated in the periodical press of the period; it particularly coloured

the literary reviews where the ‘democratic’ duties of authors where consistently

stressed”35.

Dessa maneira, a literatura pode ser entendida como manifestação da

percepção que os artistas têm de sua contemporaneidade. Em cada poema

dos Idylls, a percepção do mundo inglês do século XIX pode ser evidenciada

por meio de vestígios medievais. Essas tramas textuais teceram a releitura de

um mito conhecido mundialmente, em especial dos ingleses: a lenda arturiana

e a Matéria da Bretanha

Os primeiros poemas que Tennyson produziu sobre o rei Arthur e os

cavaleiros da Távola Redonda foram Enid, Guinevere, Elaine e Vivien, cuja

publicação datou de 1859. Esses poemas compunham a primeira compilação

já intitulada Idylls of The King. A partir daí, o poeta continuou a traçar os

caminhos de Arthur quando, em 1869, publicou mais quatro poemas: The

Coming of Arthur; The Holy Grail, Pelleas and Ettard e The Passing of Arthur -

este era seu original Morte d’Arthur de 1842.

Esses poemas foram marcados pela releitura de autores medievais,

evidenciando a influência da Idade Média na obra de Tennyson. Sobre o

nascimento de Arthur, por exemplo, baseou-se em Geoffrey de Monmouth,

clérigo galês, provavelmente do século XII, que escreveu Historia Regum

Breitannie, Prophetia Merlini e Vita Merlini. Foi também na obra de Monmouth

que o personagem Merlin apareceu pela primeira vez com esse nome e que

Arthur foi inserido na linhagem real inglesa.

Tennyson tornou-se tão popular que Kathleen Tillotson escreveu que

em1870 já não havia mais ninguém que não conhecesse o nome do poeta. Sir

Alfred já conseguira um público relevante. E no início do mesmo ano, o autor

35 PALMER, D. J. Tennyson. London: G. Bells & Sons, 1973. pp. 52-53.

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terminou seu empreendimento literário com mais três poemas: The Last

Tournament, Gareth and Lynette e Balin and Balan.

É importante lembrarmos que Tennyson não se baseou apenas em

versões medievais da legenda arturiana, mas também na versão moderna de

Thomas Malory, século XV, chamada A morte de Arhtur – a primeira em que as

histórias de Arthur e de seus cavaleiros foram reunidas. Assim, Idylls of The

King abordam múltiplas temporalidades. As experiências de vida em sociedade

podem ser apreendidas por meio dos vestígios dessas multiplicidades

temporais.

Por meio das vivências – e da cultura na qual os personagens estão

inseridos – é possível pensar em pluralidades de sujeitos e construções de

subjetividades. Dessa maneira é relevante reconstituir o processo histórico

utilizando os traços culturais que Tennyson deixou em suas obras, segundo

Merleau-Ponty, através da cultura é possível alcançar outras vivências. Pois,

“(...) Pela ação de cultura, instalo-me em vidas que não são a minha, confronto-

as, manifesto-as uma à outra, torno-as compossíveis numa ordem de verdade,

faço-me responsável por todas, suscito uma vida universal – assim como me

instalo de vez no espaço pela presença viva e espessa de meu corpo”36.

Na sociedade burguesa do século XIX, o discurso de Tennyson sobre

indivíduos girava menos em torno do pecado e da salvação, da morte e da

eternidade, do que em torno do que concerne ao orgânico em contraposição ao

mecânico. A imagem formada era a do corpo que se contrapunha à

mecanização, evidenciando o caráter orgânico da sociedade. Nesse sentido,

Tennyson utilizou alguns personagens para retratar modelos vinculados a uma

Idade Média idealizada de forma que pudesse indicar e, até mesmo, tentar

solucionar problemas de sua contemporaneidade.

Entendemos que as imagens orgânicas da sociedade estavam

relacionadas ao corpo dos personagens, pois esses corpos representavam

atitudes e ações utilizadas pelo poeta como maneira de exemplificar

comportamentos ideais de conduta. Dessa maneira, o corpo era parte de um

“...esforço cultural para conciliar, nas diferentes perspectivas que o

caracterizam, um conjunto de tarefas afetivas, cognitivas, intelectuais,

36 MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. pp. 115.

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conscientes e inconscientes, práticas e emocionais, cujo resultado foi o fato de

que o corpo (...) ocupasse uma posição privilegiada para a compreensão e a

produção do humano, do social, do político e do simbólico.37”

A metáfora estava posta: o funcionamento da sociedade desenvolvia-se

de maneira similar ao funcionamento do corpo humano. Assim, se o corpo das

pessoas depende das funções de cada órgão que o compõem, da mesma

maneira o (bom) funcionamento social dependia, para Tennyson, da ação de

cada indivíduo, que representava aqui o organismo que compunha o corpo

social. A ideia de “corpo” relacionava-se diretamente com a questão do

“orgânico”.

Nesse sentido, a percepção de corpo é também lugar da cultura e do

imaginário, de suas tensões, ausências e questionamentos. Sendo o corpo

ponto da ligação entre cultura e sociedade e, por conseqüência, o local da

interação do natural e do social. Fato que faz dele um tema privilegiado.

Evidenciamos ainda que, para melhor entendermos as ideias de cultura e

corpo no século XIX, é preciso atentar para as percepções do poeta. Os corpos

representados pelo poeta são marcados pelas percepções que teve de sua

contemporaneidade e pela busca de outro tipo de civilização. Antes de

abordarmos a personagem Merlin, como dissemos na introdução deste

trabalho, apresentaremos brevemente algumas passagens da obra Idylls of the

King, com o objetivo de situar melhor o leitor e ampliar sua percepção da obra

de Tennyson. Em The Coming of Arthur, o rei foi apresentado como aquele que

destruiu as “bestas” – representadas no poema como animais: cachorro

selvagem, lobo, porco e urso.

Vimos que a palavra “bestas” pode remeter aos trabalhadores do século

XIX inglês. Era comum no período utilizar metáforas de animais e de

populações consideradas selvagens para designá-los. Para um grupo

heterogêneo, mas elitista da Inglaterra do século XIX, no qual Tennyson estava

inserido, os trabalhadores não eram vistos como indivíduos produtores de

cultura, principalmente de um tipo de cultura relacionada à arte. Autores como

John Ruskin, Samuel T. Coleridge, Thomas Carlyle, não percebiam, ou não

consideravam que os operários também eram importantes agentes culturais.

37 GOMÉZ. Op. cit. pp. 82.

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Mas, além disso, no caso específico de Tennyson, o termo pode indicar

também pessoas/personagens que o poeta considerava ter conduta moral

duvidosa, como Vivien, Mark e Mordred.

O poeta discorreu ainda sobre a legitimidade da realeza de Arthur,

colocando Merlin como personagem que sabe a “verdade” sobre essa

legitimidade, mas deixou claro que o que mais importava eram os feitos do rei,

que lutava pela primeira vez em Cameliar, terras do pai de Guinevere.

A questão relevante para Tennyson não foi, portanto, a do mero

nascimento de Arthur, mas sim a da instauração de uma nova sociedade.

Cameliar estava sendo destruída pelas “bestas” e Arthur foi quem as derrotou.

Nesse ato fundou a ordem da Távola Redonda como uma nova ordem

civilizatória.

“And still from time to time the heathen host

Swarm’d overseas, and harried what was left.

And so there grew great tracts of wilderness,

Wherein the beast was ever more and more,

But man was less and less, till Arthur came.

(...)

And thro’ the puissance of his Table Round,

Drew all their petty princedoms under him,

Their King and head, and made a realm, and reign’d”38.

Arthur era o exemplo a ser seguido. Mas, havia um grande problema para

os possíveis “seguidores” de Arthur: como atingir o ideal “perfeito” de conduta

representado pelas ações do rei? Tennyson construiu um personagem tão

idealizado que era impossível para alguém que não fosse um herói seguir o

exemplo e as orientações de Arthur. Esse fator já indicava a possibilidade da

decadência de Camelot.

Se para Tennyson seguir o exemplo de um indivíduo idealizado era

impossível, tornava-se necessário educar os corpos “moralmente imperfeitos”.

Assim como ocorreu com Gareth, no idílio Gareth and Lynette. Em um dos

38TENNYSON, 1954. Op. cit. pp. 287-288.

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combates enfrentados por Gareth, ele lutou contra o Cavaleiro da Alegoria, a

representação da morte. Fisicamente, o Cavaleiro da Alegoria é como um

monstro, pode transitar como um fantasma, não cavalga de dia e não tem

piedade alguma, mata homens, mulheres e até bebês. Ao lutar contra ele,

Gareth venceu a morte.

“At once Sir Lancelot’s charger fiercely neigh’d,

And Death’s dark war-horse bounded forward with him.

Then those that did not blink the terror, saw

That Death was cast to ground, and slowly rose.

But with one stroke Sir Gareth split the skull.

Half fell to right and half to left and lay”39.

Essa é a representação de um homem espiritual, que foi desnudado de

todos os seus temores alcançando a salvação (venceu a morte), enquanto

Lyonnors, a quem Gareth aventurou-se para libertar, pode ser pensada como

símbolo da própria alma, que está aprisionada e precisa ser liberta. Tennyson

evidenciava no idílio, que as almas precisavam ser libertas de seus corpos, de

suas carnes. Não era apenas uma pregação religiosa, mas principalmente

moral.

A alma nesse caso refere-se ao que não é mecanizado, ela é parte do

corpo, mas, se o corpo for pensado como lugar do mecânico, como máquina

que pode ser explorada pela anatomia e pela fisiologia, a alma estava distante

de todo esse processo de mecanização corporal, por isso, precisava ser liberta.

A salvação do individuo como ser humano, e não mecânico, poderia levar a

sociedade à ruína e ao fracasso, caso os indivíduos não desenvolvessem

condutas civilizadas, daí a preocupação em educar a multidão. Tennyson, mais

uma vez, evidenciava o “medo” do fim da “civilização”.

A perda dos ideais civilizatórios e as conseqüências trágicas dessa perda

para a sociedade foram temas preferidos pelo poeta. Assim, em The Passing of

Arthur, Tennyson associou a morte de Arthur – rei – com a morte de Hallam,

39 TENNYSON, A., 1954. Op. cit. pp. 317.40 TENNYSON, A. In: DORÉ, G. 1995. Op. cit. pp. 2. Excluído: ¶

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que de certa forma contribuiu para a descrença que o poeta tinha do mundo em

que vivia.

Se pensarmos na relação entre Arthur Hallam – rei Arthur, temos a

confirmação que Tennyson escrevia ao mesmo tempo sobre si, sobre sua dor

diante da ausência de seu grande amigo, daquele que considerava um

exemplo de conduta e, concomitantemente, remetendo-se para a sua

contemporaneidade, escrevia sobre a impossibilidade de se alcançar a

sociedade ideal.

A morte de Hallam representou o fim da perspectiva de um mundo

“melhor” e foi retomada pelo poeta na figura de um rei que levou consigo ideais

civilizacionais. Mas quando pensamos no mito arturiano não podemos nos

esquecer que a volta do rei ainda se apresentava como possibilidade, os ideais

que estavam destruídos naquele momento poderiam ser restabelecidos. Afinal,

Arthur ainda era esperado.

Para Tennyson, tanto a trajetória de Hallam, quanto do rei Arthur,

deixaram marcas na sociedade em que viveram, foram exemplos de conduta e

de vivência. Parecia, portanto, que existiam possibilidades de melhoria social e,

essas possibilidades, relacionavam-se com o comportamento e atitude de cada

indivíduo perante o meio ao qual estava vinculado.

Assim,Tennyson organizou os poemas da versão dos Idylls of the King, de

1889, numa sequência que mostrava os cavaleiros da Távola e mulheres,

como Guinevere e Vivien, como sintomas de uma sociedade “concreta”, muitos

personagem representavam os erros, as aparências, a falsidade, condutas que

levaram a sociedade ideal (Camelot) ao seu fim. Diferente desses

personagens, Arthur representava, para o poeta, o corpo de um rei poderoso,

de porte grande, diferente de todos os que já haviam sido imaginados, o único

capaz de enfrentar, nos primeiros idílios, as ‘bestas’ pagãs que destruiriam seu

reinado.

“He look’d and saw that all was ruinous.

Here stood a shatter’d archway plumed with fern;

And here had fall’n a great part of a tower,

Whole, like a crag that tumbles from the cliff,

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And high above a piece of turret stair,

Worn by the feet that now were silent, wound

Bare to the sun, and monstrous ivy-stems

Claspt the gray walls with hairy-fibres arms,

And suck’d the joining of the stones, and look’d

A knot, beneath, of snakes, aloft, a grove.”40

O excerto parece transportar o público para outro espaço e tempo. Para

um tempo mítico, tempo de um rei que era exemplo de conduta, um tempo

medieval, onde Arthur era o único considerado capaz de resgatar os humanos,

desde que reconhecido e seguido como um modelo. O rei portava a

possibilidade da salvação para os homens e mulheres, da “salvação” social,

pode ser pensado como a representação da nação, do corpo social. Mas, sua

imagem mítica de perfeição acabou trazendo, em si mesma, a impossibilidade

dessa salvação no sentido que humano nenhum conseguiria agir como Arthur.

Além disso, no século XIX, muitos poemas eram comumente recitados,

essa prática pode, por si só, rememorar a oralidade também utilizada para

recitar poemas na Idade Média. Como se, por meio da voz, portanto do corpo,

mais um traço de uma tradição – considerada exemplo de conduta –, pudesse

ser resgatado. O ato de parar para recitar e ouvir poemas parecia se opor a

uma sociedade cujo símbolo era o do trem expresso.

Para Tennyson, o amor de Lancelot e de Guinevere foi um dos presságios

de destruição da Távola. O poeta não condenou Guinevere e a fez responsável

pela destruição daquele mundo glorioso, justamente porque aquele mundo já

estava fadado à decadência. Ainda assim, o fragmento a seguir mostra o

adultério de Guinevere, inexoravelmente presa ao seu corpo, ela não pode

esconder-se de si mesma, de sua consciência, sabe que não atingiu a

expectativa de Arthur.

“Then she (Said), “the end is come

And I am shamed for ever;” and he said

“Mine be the shame; mine was the sin: but rise,

And fly to my strong castle overseas:

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There will I hide thee, till my life shall end,

There hold thee with my life against the world.”

She answer’d “Lancelot, wilt thou hold me so?

Nay friend, for we have taken our farewells.

Would God, that thou couldst hide me from myself!

Mine is the shame, for I was wife, and thou

Unwedded: yet rise now, and let us fly,

For I will draw me into sanctuary,

And bide my doom.” So Lancelot got her horse,

Set her thereon, and mounted on his own,

And then they rode to the divided way,

There kiss’d, and parted weeping.”41

No período medieval, corpo e alma eram inseparáveis um do outro. A

alma era o guia, detentora dos segredos do corpo, modeladora tanto do corpo

quanto do espírito até que a sociedade da corte passou a exigir, no século XIX,

o rompimento com o primado da alma. Seu lugar passou a ser ocupado por

uma vigilância interna que a moral vitoriana chamava de consciência. Se, no

período medieval, o fator da desagregação do Universo Arturiano estava

relacionado à incipiente emergência do indivíduo, no século XIX eram as ações

dos indivíduos, devidamente disciplinados e reprimidos, que determinavam o

curso dos acontecimentos, por isso, era preciso esconder a paixão e, se

possível, se esconder da paixão. Poupar o corpo desse sentimento era poupar

energia para o trabalho.

Nesse sentido, os idílios podem ser considerados uma forma de narrativa

exemplar para educar os que ouvem e os que leem os poemas. Para

Tennyson, os valores materiais da sociedade do século XIX – como o

industrialismo e o liberalismo – eram obstáculos decisivos para a concretização

de um mundo idealizado. O poeta evidenciou através do rei Arthur, que um

modelo de conduta idealizado não pode manter a ordem e alcançar certa

civilidade, ou seja, voltou-se para um passado em que buscava a harmonia

social por meio da luta, para mostrar um mundo em que atitudes individualistas

predominavam, e que não poderia ser redimido.

41 TENNYSON, 1954. Op. cit. pp. 425.

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No momento em que Lancelot propõe a Guinevere fugir com ele a fim de

viverem juntos, escondidos de todos, ela responde: “Would God that thou

couldst hide me from myself! Mine is the shame, for I was wife (...)”42. Essa fala

representa não só a consciência da rainha que a incomodava, mas também se

refere aos seus erros. Ela sabe que sua atitude contribuiu para a destruição da

sociedade arturiana. O mesmo sentido foi retomado pelo poeta no momento

em que Guinevere já havia fugido para um santuário no qual ela se refugiou e

onde se encontrou com uma noviça que desconhecia a fisionomia da rainha.

Disse a noviça:

“Then to her own sad heart mutter’d the Queen,

“Will the child kill me with her inoccent talk?”

But openly she answer’d, “must not I,

If this false traitor have displaced his lord,

Grieve with the common grief of all the realm?”

“Yeah,” said the maid, “this all woman’s grief,

That she is a woman, whose disloyal life

Hath wrought confusion in the Table Round

Which good King Arthur founded, years ago,

With signs and miracles and wonders, there

At Camelot, ere the coming of the Queen”.43

Podemos relacionar esse “peso” da ação individual, com a questão do

corpo e da nação na sociedade do século XIX. Para Tennyson a nação estava

intrinsecamente relacionada aos indivíduos, que determinariam, por meio de

suas atitudes e comportamentos, os rumos da Inglaterra. Assim como a ação

dos personagens dos idílios provocaram a ruína de Camelot. Segundo Fredric

Jameson, o conceito de alegoria nacional remete à ideia “em que o contar da

história individual e a experiência individual não podem deixar de (...) envolver

todo o árduo contar da própria coletividade”44. Nesse sentido, a nação deveria

42 TENNYSON. 1954 Op. cit. pp. 425. 43 TENNYSON. 1954 Op. cit pp. 427 44 BHABBA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. pp. 200.

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– para Tennyson – estar inscrita nos corpos na forma de identidade e de

cultura nacional.

No fragmento onde Guinevere e Lancelot se despedem, observamos que

os personagens desejam ficar juntos, mas a consciência da rainha os

recrimina. Um peso moralista obriga os amantes a se separarem. Eles se

separam em nome de um bem maior: a civilização representada por Arthur. Era

a representação de um modelo ideal de civilização. Num fragmento do poema

Guinevere, a Rainha atira-se aos pés de Arthur, pedindo perdão. Nesse

momento, seu corpo estava literalmente aos pés do rei. O Rei olha para ela

com grande dor, como quem perdoa, mas mesmo amando-a e perdoando-a,

nega-se a ficar com ela, pois Arthur é o modelo de uma moral, de uma atitude

que deveria ser preservada em nome e a favor do corpo social.

“I did not come to curse thee, Guinevere,

I, whose vast pity almost makes me die

To see thee, laying there thy golden head,

My pride in happier summers, at my feet.

(...)

(...) all is past, the sin is sinn’d, and I,

Lo! I forgive thee, as Eternal God

Forgives: do thou for thine own soul the rest.

But how to take last leave of all I loved?

(...)

Let no man dream but that I Love thee still

(...)

And while she grovell’d at his feet,

She felt the King’s breath Wander o’er her neck

And, in the darkness o’er her fallen head,

Perceived the waving of this hands that blest”45.

45 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 431-432.

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Lembremos também as múltiplas temporalidades das fontes que

perpassam os Idylls of the King. Embora, como já dissemos, o poeta tenha se

baseado principalmente numa obra do século XV (Thomas Malory), seus

poemas retomaram o período medieval, como se fosse um tempo mítico, um

tempo áureo. Esse tempo mítico, sob inúmeros aspectos, diz respeito a época

vitoriana, momento em que a obra foi produzida.

Existe um movimento do tempo e entre os tempos, não apenas na

retomada e na representação da Idade Média no século XIX, mas também

dentro da narrativa literária: a obra foi inspirada numa versão do século XV,

que já era uma releitura de versões anteriores. Além disso, nossa bagagem

cultural – a própria contemporaneidade da pesquisadora – também está

inserida na análise de nossa fonte documental.

Idylls of the King não são apenas parte do movimento de busca pelos

vitorianos de um passado ideal, localizado entre os séculos XIII e XV, nem

apenas o diálogo de Tennyson com tradições históricas que lhe eram caras. Os

Idílios foram o produto de uma relação estética criada a partir de múltiplas

dimensões: a das palavras que constroem os poemas, das imagens que tais

palavras formam, da releitura de outro período histórico (Idade Média), da

modernidade da obra de Malory, de um modo de ver a sociedade vitoriana e,

finalmente, também o produto de nossa leitura a partir de nossa

contemporaneidade. Assim, o universo dos idílios precisa ser pensado como

uma totalidade de sentidos que estão intrinsecamente relacionados com uma

consciência temporal, onde é possível pensarmos em cada um dos tempos e

nas relações entre eles.

Para abordar essa multiplicidade temporal nos Idylls of the King, um dos

nossos objetos de estudo será o corpo do personagem Merlin, evidenciando

que o corpo será abordado em relação ao orgânico, e não como objeto

principal e exclusivo deste trabalho. Como, no século XIX, a ideia do orgânico

foi colocada em evidência – de certa maneira em oposição ao mecanicismo –,

o orgânico passou a ser destacado e relacionado com a cultura. Tentaremos

compreender o processo que destacou o orgânico, como resposta a um

mecanicismo industrial. Momento em que o corpo apareceu como resposta a

um industrialismo, mas uma resposta vinculada à cultura, já que os corpos

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deveriam ser educados e utilizados para o bom funcionamento social. No

conceito de organismo social, Corpo, civilização e cultura estavam

relacionados.

As nações foram vinculadas à ideia de organismo social. O discurso

veiculado era de que para o bom funcionamento da sociedade, era necessário

harmonizar todos os membros, o que significava que os indivíduos – como

membros de um corpo maior – deveriam obedecer ao Estado, para manter a

ordem e o progresso de seu país.

Se na sociedade medieval, um dos principais elementos de garantia da

ordem social foi a religiosidade, no século XIX estava em construção um

conceito de cultura que substituía a religião. Ainda que esse conceito estivesse

de certa maneira relacionado com uma moral religiosa, o principal objetivo a

ser alcançado era a manutenção de uma sociedade ordenada, e essa

manutenção estava intrinsecamente ligada com a idéia de organicidade da

nação.

Assim, Tennyson utilizou também personagens míticos. Ao rememorar

Arthur e seus cavaleiros, representou figuras que são parte da Matéria Bretã,

uma Matéria mitificada desde o período medieval. É interessante pensarmos

por que no século XIX, momento em que a ciência se consolidava como

detentora da “verdade”, nosso autor retomou não apenas o período medieval,

mas uma história mítica.

O Mito Arturiano cumpria importantes funções na obra de Tennyson. Era

uma exaltação à realeza inglesa, tanto pela dedicatória feita ao Príncipe Albert

e pela construção de uma imagem ideal de Arthur, quanto pelo fato do autor

contar os idílios em forma de poesia. Os mitos eram também exemplos de

vivências. Cada um daqueles personagens míticos carregavam as marcas de

sua trajetória e as características de suas personalidades.

Tennyson utilizou esses elementos como exemplo de boa ou má conduta.

Abordou personagens conhecidos, marcos da cultura e das tradições

britânicas, como meio de educar seus leitores. Como sabemos, o poeta, na

sociedade daquele período era, muitas vezes, tido como alguém que

enxergava mais do que os outros indivíduos.

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Não podemos reduzir os mitos apenas a exemplos de conduta. Eles

portam uma experiência de vida, eles possibilitam rememorar episódios, nos

transportam para outra temporalidade, a temporalidade das sensações e nesse

momento, o autor atinge seu público, transportando-o para outra dimensão

temporal e espacial, faz com que, por meio de suas percepções, tenham outras

experiências, vivenciem – muitas vezes, de maneira inconsciente – o

inacabamento da obra de arte. Dessa maneira, o mito vivifica o orgânico,

enquanto a ciência o mecaniza46.

Assim, entendemos que o mito da Legenda Arturiana, enquanto evocação

para a permanência de costumes ligados as tradições britânicas, contribuiu

para a oposição a uma cultura mecanizada pela indústria e pelo liberalismo, o

que significa que a Legenda pode ser considerada, por si só, um recurso da

imaginação do poeta para resgatar uma sociedade existente antes da

industrialização. Sociedade que Tennyson representou de maneira idealizada,

justamente porque projetava nela um ideal civilizatório. Mas, de antemão, sabe

que sua existência não é possível e mostra através das ações dos homens e

das mulheres que dela participavam que – Camelot – a nova sociedade

formada por Arthur, estava fadada ao fracasso e a destruição de seus mais

preciosos valores.

Nesse período já havia a percepção de que as ações dos indivíduos

estavam diretamente relacionadas com o curso dos acontecimentos, com o

desenrolar da própria história47. Por isso, a escolha do mito e a maneira de

contá-lo eram relevantes, na medida em que poderia incutir no público para o

qual eram narrados os valores antes veiculados pela religião. Não podemos

nos esquecer de que a ciência ganhava mais espaço, em detrimento da

religiosidade. A ruptura entre corpo e alma, entre o físico e o espiritual já havia

acontecido, mesmo que o discurso sobre o corpo submetido à alma ainda

estivesse presente na religiosidade cristã.

46 É relevante destacar que importantes autores debateram sobre a questão do orgânico e do mecânico na sociedade inglesa do século XIX. Sobre o mecânico Thomas Carlyle, que como já dissemos no presente trabalho, enxergava na Inglaterra de sua contemporaneidade uma era da máquina. Além de Carlyle, podemos citar também Stuart Mill, que colocou a política no patamar de “arte” e de “convenção humana”. Para Mill, as instituições deviam a sua origem somente ao pensamento e reflexões humanas, atribuindo para as instituições um caráter orgânico e não mecânico. 47 É importante lembrarmos que a Revolução Francesa foi um dos movimentos que mais contribuiu com a ideia dos Homens como agentes históricos.

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Embora o corpo não fosse mais considerado apenas o receptáculo da

alma, o bom funcionamento social atrelou-se a uma conduta moral individual.

Foi essa conduta que Tennyson tentou difundir por meio de suas obras. Era

uma tentativa de “educar” a sociedade vitoriana e, ao mesmo tempo, enfatizava

um dos sentidos da criação artística daquele período: a ação de “educar”.

As representações do orgânico, ou seja, de personagens inteiramente

dedicados a servir a realeza de que fazem parte, adquiriram em Idylls of The

King, uma função social. A junção entre o orgânico e o social remetia à ideia de

que o primeiro garantiria o funcionamento e a ordem do segundo. Havia certo

“peso” da ação individual, pois a nação era entendida como um corpo coletivo.

Nesse sentido, o organismo social trazia a possibilidade de ser representado,

educado, fabricado e forjado, podendo constituir um ideal de civilização.

Pensemos, então, na relação entre Tennyson e a personagem Merlin.

Entendemos que existe um vínculo entre um e outro, pois o poeta se

identificava diretamente com a personagem. Duas vezes, Alfred Tennyson, ao

escrever para o periódico The Examiner, assinou Merlin. Mais do que isso, em

sua autobiografia literária, o autor se colocou como se fosse o próprio mago.

Nesse sentido, buscaremos a presença de Tennyson nos feitos da personagem

Merlin.

É necessário lembrarmos que Tennyson produziu idílios durante toda sua

vida. A palavra idílios está no título de uma das principais obras de Tennyson –

Idylls of the King. Foi ele quem a denominou idílios. Mas, por que Tennyson

escolheu idílios como corpo da maioria de seus poemas?

Primeiro, o uso do idílio já era em si mesmo um tipo de revival: o autor

retomou os idílios devido à influência do período Alexandrino da literatura

grega. Assim como a Escola de Alexandria, no século III a.C., preocupava-se

em relacionar poesia e vida, Tennyson tentava colocar a poesia em contato

direto com a vida. Por isso, não remetia apenas à subjetividade (ao tão famoso

“eu” do movimento romântico, que influenciou os primeiros poemas de

Tennyson), mas somou a missão da subjetividade poética ao dever do cidadão

para com os fenômenos públicos do mundo em que viveu.

Tennyson se utilizou de imagens e figuras literárias para descrever em

seus poemas pinturas ou quadros visuais muito nítidos e coloridos para

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comporem a sequência narrativa dos poemas. Ao mesmo tempo, cada um

desses idílios podem ser entendidos, e lidos, fora do contexto da obra inteira.

Um exemplo disso foi a criação em ordem não cronológica dos poemas dos

Idylls of the King.

Os idílios também estão vinculados com a própria vida do poeta. Pois, ao

escrever os poemas da literatura arturiana, Alfred Tennyson realizou seus

idílios. Não só recriando as aventuras de Arthur, de Merlin e dos Cavaleiros,

mas também passando por alguns lugares atribuídos à Legenda Arturiana.

Idylls of the King é composto por poemas que foram produzidos ao longo

da vida do poeta, uma obra que, para ser concluída, levou cerca de 20 anos.

Significa que os propósitos de Tennyson, em relação à cultura, civilização,

moralidade, entre outros, estão presentes nesses poemas. Utilizando a forma

idílica, suas palavras ligavam-se à tradição da própria Inglaterra, por meio das

histórias de Arthur e de seus cavaleiros.

Tennyson misturou o drama, o narrativo e o lírico para produzir um novo

tipo de poesia. Em seus idílios –- o poeta trouxe uma nova percepção do que

se entendia por literatura moderna. Ele associou vida e poesia. Tennyson

reviveu nos Idílios não somente o conceito de cultura nacional e de organismo

social da nação vitoriana como, através da missão heróica dos personagens

lendários da idade Media, transformou a sua poesia em missão civilizadora.

Em The Coming of Arthur, Merlin foi associado com a sabedoria, além de

ser todo tempo vinculado ao rei Arthur. O poeta evidenciou o mago como o

mais sábio homem que já serviu Uther pela sua mágica, aquele que superou

seu mestre – Bleys – e o único que poderia provar para Leodegran (pai de

Guinevere) ser Arthur realmente filho legítimo de Uther, ou seja, que possuía

legitimidade real. Dessa maneira, o poeta vinculou o Merlin e Arthur, a partir

daí, não foi mais possível dissociar um personagem do outro. Era a ligação

entre o corpo da realeza e a visão do poeta da Inglaterra como um organismo

social milenar.

Outro poema da obra Idylls of the King que analisaremos é Merlin and

Vivien. Esse poema é parte da primeira versão dos Idylls, juntamente com

Enid, Lancelot and Elaine e Guinevere. O titulo era The True and the False. Em

Merlin and Vivien, esta seduziu Merlin e acabou aprisionando-o com um

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encanto que aprendeu com o próprio mago. Ainda que o poema destaque a

perversidade, a malícia e a maldade de Vivien, Merlin deixou-se seduzir como

um homem apaixonado. Seria a representação da sabedoria do mundo

aprisionada pelos impulsos e paixões humanas? Quais seriam os significados

do aprisionamento do corpo portador da sabedoria?

O último poema de que trataremos de forma detalhada não faz parte da

obra Idylls of the King, mas é de extrema importância para pensarmos o

relacionamento entre o poeta e o personagem mítico. É a biografia literária

Merlin and The Gleam. Nele, Merlin narrou sua história desde a infância.

Durante toda a sua vida, ele está próximo a aura (“Gleam”) que vem também

de Arthur. Tennyson unificou seu amigo Arhtur Hallam e o personagem rei

Arthur, que pode ser considerado uma representação da realeza britânica. Era

o poeta narrando seu próprio idílio, por meio dos idílios arturianos. Estava

tecida a teia das temporalidades.

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Capítulo 2 – Merlin e os ideais de civilização de Tennyson

“As tradições estruturam o ser social pela prova do corpo”.

(D. Le Breton, citado por Alain Corbin, in: História do Corpo)

O uso da voz profética conferia autoridade aos narradores das diversas

poesias de Alfred Tennyson. A manipulação de uma variedade de discursos

criou mundos e costumes ilusórios e contribuiu para cultivar os valores do

vitorianismo, constituindo e gerando parte importante daquela cultura. Os

poemas remetiam ao que o poeta considerava tradição e esse fator legitimava

as palavras proferidas por Tennyson.

Era importante que os narradores criados por Alfred Tennyson

possuíssem autoridade ao proferir suas palavras. Nesse sentido, a

personagem Merlin ganhou força no decorrer da sua produção. A voz do mago

foi uma das mais utilizadas pelo poeta. O personagem já estava vinculado ao

imaginário da população inglesa como o responsável direto pela transmissão

da Legenda e, consequentemente, como o grande narrador, bardo e profeta.

Além disso, o vínculo de Merlin com o rei Arthur era conhecido, o que favorecia

o posicionamento do poeta como quem exaltava a realeza britânica.

Merlin não foi escolhido aleatoriamente, pois a escolha tinha em si um

propósito. No imaginário popular, o mago estava relacionado com histórias da

tradição britânica. Apesar das diferenças entre as inúmeras versões da

Legenda Arturiana, a imagem do mágico ligava-se principalmente a dois

fatores: a construção de Camelot e o uso de poderosas palavras.

A força da palavra é a maior das características de Merlin, assim como a

dos poetas da era vitoriana. A voz pode ser pensada como a primeira e, talvez

a principal, evidencia da presença de Merlin na obra de Tennyson. Muitos

posicionamentos políticos e sociais do poeta foram ditos por meio das profecias

ou da voz (sábia) de Merlin. Voz que revela a consciência histórica do autor, no

sentido que em seus idílios estão entrelaçadas as questões espirituais, sociais

e políticas. Na primeira aparição de Merlin, em The Coming of Arthur,

Tennyson utilizou a fala de um conselheiro do rei Leodegran e apresentou o

mago como o mais sábio dos homens.

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“Then spake the hoary chamberlain and said,

"Sir King, there be but two old men that know:

And each is twice as old as I; and one

Is Merlin, the wise man that ever served

King Uther through his magic art; and one

Is Merlin's master (so they call him) Bleys,

Who taught him magic; but the scholar ran

Before the master, and so far, that Bleys

Laid magic by, and sat him down, and wrote

All things and whatsoever Merlin did

In one great annal-book, where after-years

Will learn the secret of our Arthur's birth."48

O rei Leodegran buscava a verdade sobre a legitimidade de Arthur.

Tennyson aproveitou-se para evidenciar que Merlin era o homem mais sábio

que já serviu o rei Uther com sua mágica – “Is Merlin, the wise man that ever

served / King Uther through his magic art”. Essa apresentação nos faz pensar

que o poeta precisava ratificar para seu público, quem efetivamente era Merlin.

A ideia do serviço, tão comum na Idade Média, estava além da sabedoria,

revelava caráter, estava vinculada com a fidelidade de Merlin à realeza, ao

mesmo tempo, que Tennyson deixava clara sua posição de fidelidade em

relação à realeza britânica.

Não podemos nos esquecer que nesse período os termos medievais

estavam em pleno vigor, devido ao medievalismo vitoriano, o poeta, então,

utilizou a expressão servir49 posicionando-se politicamente: o “mais sábio”,

aquele que superou seu próprio mestre, serviu ao rei! E não a qualquer rei,

mas o do reino inglês.

48 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 290. 49 A expressão servir vem de servos, que pode significar: conservado, aquele que guarda, escravos. O conceito moderno de servidão remete às relações sociais e à relação com a terra, onde o que definia o estatuto do trabalhador rural era a submissão â um senhor ou dominus. Essa relação era de sujeição e, ao mesmo tempo, de dependência e reciprocidade, ainda que fosse uma reciprocidade desigual ou vertical. Além disso, o serviço poderia remeter também a uma relação entre senhores, no sentido em que um serve ao outro, o trabalho de um permite e dá condições para o trabalho do outro.

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Merlin serviu ao rei utilizando sua mágica. Tennyson revelou que o mago

não era um conselheiro comum, mas aquele que superou seu próprio mestre

em encantamentos. É uma remissão aos druidas celtas: personificações de

mágicos, poetas, místicos, profetas e, também, juízes supremos – na esfera

pública e privada – da sociedade a qual estavam inseridos.

Por isso, também, Merlin é o personagem mais próximo das versões

medievais e um dos personagens mais alegóricos de Tennyson. Caracteriza

uma espécie de druida cristianizado, assim como em alguns autores da Idade

Média, dentre eles, podemos citar Geoffrey of Monmouth e Robert de Boron.

Essas características do personagem, entendidas, pelo poeta, como medievais

foram uma das maneiras que Tennyson encontrou para garantir a legitimidade

de suas próprias posições sociais e políticas, as falas de Merlin, não são falas,

são profecias, assim como as do poeta.

Se, na sociedade vitoriana, a voz do poeta era a do profeta (e os poderes

culturais dos trabalhos literários dependiam das argumentações contidas em

suas práticas discursivas), Tennyson encontrou embasamento naquilo que

considerava essencial: a tradição inglesa. A escolha é, em si, reveladora, pois

Merlin não é apenas parte de um conjunto de histórias mitológicas, mas ele

próprio constitui um mito, sua origem está em outra temporalidade e ele

carrega as marcas desses tempos múltiplos pelos quais passou.

Esses tempos existentes em Merlin estão além do medieval e do próprio

século XIX, pois Tennyson vinculou o personagem à magia. Merlin transita

entre o sobrenatural e o temporal, em suas falas, traz colocações complexas e

que não se apresentam de modo objetivo, por isso pode ser considerado uma

das principais alegorias usadas pelo poeta.

Em versões medievais, como a de Robert de Boron, Merlin sofre

metamorfoses, nestas, ele representa tipos sociais com funções especificas na

sociedade. Nesse sentido, a alegoria se apresenta de forma direta, sabemos

de quem o autor está tratando, suas criticas e questionamentos são expostos

para o leitor. O Merlin de Tennyson sempre deixa algum tipo de mistério a ser

decifrado. Por exemplo, o mistério do nascimento de Arthur. O autor lembra,

que foi Bleys, em seus anais, quem contou e registrou tudo que Merlin havia

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feito. Nesse livro, estava dito que após muitos anos, seria revelado para o leitor

o segredo do nascimento rei – que não foi revelado por Merlin de forma direta.

“...And wrote / All things and whatsoever Merlin did / In one great annal-

book, where after-years / Will learn the secret of our Arthur's birth", estava

posto o mistério: a dúvida sobre o nascimento de Arthur. O poeta anunciou que

nem ele e nem o mago revelariam a “verdade” sobre a legitimidade do rei no

decorrer dos idílios. É como se o que importasse para Tennyson, não fossem

os fatos em si, mas seus processos.

O poeta parecia mais preocupado com a trajetória das viagens

vivenciadas em cada idílio50. A disposição em que o autor colocou seus

poemas na última versão da obra Idylls of the King (1889), fez com que os

idílios parecessem tecidos uns nos outros, de maneira entrelaçada,

constituindo homens e mulheres, condutas e culturas, evidenciando o período

áureo e a decadência da sociedade Arturiana. Assim como todas as

sociedades, Camelot teve seu auge, mas seu fim foi constituído pelo poeta

durante o decorrer dos idílios, por meio das ações de todas as personagens.

Nessa trama, Merlin é – além do próprio Arthur – figura central que, desde o

início, sabe que aquela sociedade entraria em decadência.

Assim, o primeiro corpo de Merlin, é o corpo portador da sabedoria51. No

século XIX as ciências tinham ocupado seu lugar na sociedade inglesa. O

corpo tornava-se objeto da ciência. Para autores como Tennyson52, elas

representavam a mecanização, vinculada à indústria que ganhava mais força a

cada dia. Os corpos Eram manuseados através da anatomia, da Biologia e da

fisiologia como algo mecânico, não como lugar do prazer, da dor, do amor, das

paixões, enfim, não como lugar de sensações e percepções.

Quando Tennyson apresentou Merlin como personagem que porta a

sabedoria, referia-se ao orgânico. A ideia de sabedoria estava relacionada com

a antiguidade greco-romana e com o período medieval, não com o cientificismo

50 Idílio é um gênero literário alexandrino e remete a um tipo de poetização que apresenta um desejo de fuga do mundo urbano para uma sociedade idealizada, normalmente com características bucólicas, que se encontra no passado. 51 É importante lembrarmos que nos poemas de Tennyson, o uso de metáforas e alegorias é freqüente, nesse sentido, Merlin representa a alegoria da sabedoria. Sabedoria também expressa nos poemas por meio dos vestígios do corpo do mago: voz, ausência etc. 52 Cabe a observação de que Tennyson não se posicionava contra os avanços científicos, mas contra as utilizações meramente “mecanizadas” desse “progresso das técnicas” e das ciências.

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do século XIX. O sábio, não é o cientista que olha para o corpo como se ele

fosse apenas um complexo mecânico que precisasse ter seus mecanismos

decifrados, para que, como as indústrias, alcançassem o progresso.

Para o poeta, o corpo portador da sabedoria “enxergava” mais do que

qualquer outro, pois sabia que a existência passava não apenas pelos

mecanismos de funcionamento dos órgãos, mas por sensações, não por algo

mecânico, mas humano. O ser humano estava envolvido numa complexa teia

onde indivíduo e mundo (externo) constituíam-se, confundiam-se e

completavam-se.

As ações humanas estavam diretamente relacionadas com os caminhos

que suas sociedades tomavam. Por isso, para o poeta, era tão importante

conduzir, de alguma maneira, as ações das pessoas na sociedade vitoriana.

Tennyson entendia que as ações desses homens e mulheres poderiam levar a

Inglaterra ao progresso, ou, à decadência.

“(...) Nessa nova perspectiva culturalista, o corpo aparece como resultado

de uma construção, de um equilíbrio estabelecido entre o dentro e o fora, entre

a carne e o mundo. Um conjunto de regras, uma trabalho cotidiano das

aparências, de complexos rituais de interação, a liberdade de que cada um

dispõe para lidar com o estilo comum, com as posturas, as atitudes

determinadas, os modos usuais de olhar, de portar-se, de mover-se compõem

a fábrica social do corpo. (...) Até a própria transgressão manifesta a força do

contexto social e ideológico”53.

Resulta que, para Tennyson, era preciso construir uma cultura permeada

por valores ligados à moral. Seus poemas foram a maneira encontrada para

divulgar e, quem sabe, cultivar valores que pareciam se perder em meio à

sociedade liberal e industrial. Esses valores ligavam-se a uma história que o

poeta considerava tradicional e que passava por outros períodos temporais,

não importando se ela era mítica ou não, o objetivo era o cultivo de ideais

civilizatórios na sociedade em que vivia, era o sentido do medievalismo

vitoriano.

Assim, foi a personagem de Merlin que costurou a teia dos

acontecimentos para a formação de Camelot, a civilização idealizada. O mago

53 CORBIN, A.; COURTINE, J. J.; VIGARELLO, G., 2008. Op. cit. pp. 8 – 9.

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separou Arthur de uma sociedade corrompida em seus costumes e o entregou

para ser criado por Sir. Anton, velho cavaleiro e amigo do rei Uther.

“... all before his time

Was Arthur born, and all as soon as Born

Deliver’d at a secret postern-gate

To Merlin, to be holden far apart,

Until his hour should come; because the lords

Of that fierce Day were as the lords of this,

Wild beasts, and surely would have torn the child

Piecemeal among them, had they known; for each

But sought to rule for his own self and hand (...)”54.

A ideia de que Arthur não poderia crescer entre os lordes, pode ser

entendida como uma critica a elite inglesa da contemporaneidade do autor. As

expressões Wild beasts e torn the child tem um sentido alegórico. Ao utilizá-las

o poeta realizava uma crítica política e social. Para Tennyson, a elite que

dominava a Inglaterra era um corpo corrompido, selvagem, que governava

segundo suas próprias vontades55. Colocar o futuro rei nesse meio significava

corrompê-lo, despedaçar os valores e bons costumes dos quais Arthur era

portador.

É importante lembrarmos que Tennyson posicionava-se contra as

medidas liberais que predominavam na sociedade inglesa daquele período;

Além disso, entendia algumas medidas, como as reformas parlamentares

inglesas, como possibilidade de atraso, afinal, para o poeta, a nação deveria

assumir o controle social e não ampliar a participação política da população.

Tennyson não concordava com essas mudanças, ele era favorável a

melhoria de vida da população, mas sempre de forma gradual e sem alterações

bruscas da ordem política, por isso, também apoiava a realeza. A ideia de uma

54 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 290 – 291. 55 Essa ideia de uma elite corrupta remete, ao mesmo tempo, aos lordes do reino de Uther e à Inglaterra do século XIX. Além disso, a expressão Wild beasts, não está relacionada aqui com a multidão (como evidenciamos no primeiro capítulo), o que nos faz entender que a ideia de “bestas”, para Tennyson, associa-se muito mais a uma postura não-civilizada, não importando se essa postura aparece entre trabalhadores, multidões, lordes ou liberais.

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realeza forte, em teoria, implicava a diminuição da participação da população.

Aos olhos do poeta, o corpo social civilizado poderia contribuir com a nação,

mas não ocupar o lugar da soberania, que cabia ao Estado.

Portanto, para Tennyson, as mudanças políticas, de características

democráticas, ocorridas na Inglaterra eram evidências de instabilidade.

Provavelmente, as percepções do poeta, sobre seu próprio tempo, contribuíram

para uma busca de tradições que estavam vinculadas com o passado, ainda

que forjado. Se partirmos da afirmação de Hobsbawm: de que as tradições

“são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a

situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição

quase que obrigatória”56, podemos situar Tennyson num movimento que, por

meio de suas obras, contribuía para a formação da tradição inglesa. Não foi

coincidência, que na década seguinte, os cerimoniais da realeza passaram a

ser encenados com uma nova aura. Era parte da invenção das tradições57.

Nesse contexto, foi Merlin que teceu tempos e sentidos no poema. O

mago, que havia servido ao rei Uther, sabia da legitimidade de Arthur, separou

a criança para que fosse educada por um cavaleiro fiel – Sir. Anton –, e foi

quem apresentou Arthur para ser coroado rei. Ao realizar tais façanhas

transitou entre os tempos: o personagem que esteve, em outros tempos,

servindo a Uther, também serviu a Arthur, mas principalmente, serviu a um

ideal de civilização representado por Camelot.

A construção dessa sociedade só foi possível pela ação do personagem

que ligou os tempos de Uther ao de Arthur: Merlin, que, nesse momento, pode

ser pensado como representação do próprio poeta – no sentido que Tennyson

resgatou e difundiu o que entendia por tradição britânica, para tanto, transitou

entre a Idade Média e o século XIX.

Merlin cumpriu no poema função similar a dos poetas na sociedade

vitoriana. Além de transitar entre os tempos, desvendou o encoberto, zelou

pela existência de uma sociedade ideal. Se, por um lado, Tennyson buscou o

passado medieval para forjar uma tradição a altura das grandezas dos valores

britânicos; por outro lado, utilizou Merlin como aquele que contribuiu para a 56 HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. pp. 10. 57 Termo utilizado por Eric Hobsbawm in: HOBSBAWM, 2008. Op. cit.

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constituição dessa sociedade idealizada. Para isso, o mago interferiu no

passado através de Uther.

“... Wherefore Merlin took the child,

And gave him to Sir Anton, an old Knight

And ancient friend to Uther; and his wife

Nursed the Young prince, and reared him with her own;

And no man knew. And ever since the lords

Have foughten like wild beasts among themselves,

So that the realm has gone to wreck (...)”58.

As palavras old Knight e ancient friend, remetem à outra temporalidade,

ao passado, tempo em que as “bestas” disputaram o poder até levar aquela

civilização à destruição. Já, o tempo de Arthur, em The Coming of Arthur,

referia-se ao presente, diz Tennyson no mesmo poema: “(...) but now, / This

year, when Merlin (for his hour had come) / Brought Arthur forth, and set him in

the hall, / Proclaiming, ‘Here is Uther’s heir, your king”59. Foi assim que o poeta

mostrou Merlin como o sábio que transitou e interferiu no passado e no

presente e revelou, mais uma vez, sua concepção de história.

As sociedades tem seu início, alcançam seu apogeu e se perdem, até

atingirem a destruição. Assim foi com a sociedade governada por Uther, assim

seria com Camelot e quiçá com a própria Inglaterra de Tennyson, caso sua

população não fosse educada através de modelos de comportamento

civilizatórios. Merlin, concomitantemente, contribuiu para a fundação de

Camelot e para levar condutas que Tennyson considerava ideais, ainda assim,

a decadência das sociedades, seja a de Uther ou a de Arthur, ocorreu devido à

conduta humana.

As ações dos indivíduos determinavam, juntamente com a história, o

curso dos acontecimentos. Para o poeta, a história era cíclica e as sociedades

estavam fadadas à decadência, mas essa decadência ocorria por meio das

ações de homens e mulheres. No caso da sociedade que Uther governou,

58 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 291. 59 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 291.

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Tennyson foi claro: os lordes lutaram entre si como bestas selvagens, o que

levou o reino à destruição. A disputa pelo poder, a vontade de cada lorde de

realizar os próprios desejos, o pensar apenas em si, provocou o fim daquela

sociedade. Era a forma como o poeta criticava as ações individualistas da

Inglaterra do século XIX, era a evidência do medo de que as ações

consideradas, pelo poeta, bárbaras, não civilizadas, pudessem levar ao

fracasso a nação inglesa.

Por isso, Tennyson valorizou uma conduta “civilizatória”, o ato de servir.

Merlin, corpo portador da sabedoria, entregou Arthur para que fosse criado por

Sir Anton e por sua esposa. Anton foi colocado por Merlin na posição de

vassalo leal, foi aquele que serviu Uther como cavaleiro e como amigo. Ao

descrever essas características de Anton, o poeta destacou parte do que

entendia como modelos civilizados de comportamento: amizade e lealdade.

Aqui, entendemos também, um dos motivos pelos quais Tennyson buscou a

representação do ideal de civilização na Idade Média. Foi nesse período da

história que a ideia de fidelidade e do servir se fez presente. O medievalismo

vitoriano serviu de base para que o poeta cultivasse, por meio das

personagens lendárias, os comportamentos ideais.

O corpo era entendido como receptáculo das ameaças que poderiam

pesar sobre a sociedade, lugar de todo desregramento e, portanto, da eventual

decadência. Era preciso controlá-lo. Para isso, foram utilizadas várias formas:

as vozes educadoras dos poetas e o seu foco em modelos ideais de

comportamento, as descobertas do funcionamento dos órgãos do corpo e, até

mesmo, as teorias que foram incorporadas às ciências sociais naquele período,

como o darwinismo.

A representação do corpo no século XIX vinculava-se,

concomitantemente, ao corpo como um organismo animado pelas leis da física

e da química e com o corpo entendido como organismo social. Ainda que o

corpo estivesse inserido em uma genealogia familiar, ele não estava isolado, o

que significava que suas vivências poderiam modificar seu comportamento, sua

moral. Suas ações estavam sujeitas às influências da sociedade, fator

evidenciado por Tennyson ao narrar como o rei Arthur foi retirado do meio em

que seus pais viviam. Talvez, possamos até dizer que, para o poeta, o Homem

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não nascia bom, precisava ser educado, mas, a sociedade poderia corrompê-lo

ainda mais.

Para Tennyson, as ações individuais deveriam ser pensadas como parte

do social, com o objetivo de colaborar com o bom e harmônico funcionamento

de um corpo maior – o corpo social60. Por esse motivo, cada um dos indivíduos

deveria ser educado para que não fosse corrompido pelos maus costumes que

pareciam prevalecer, na visão do poeta, na Inglaterra do século XIX. Para isso,

os sentidos deveriam ser disciplinados.

Dentre esses sentidos, o olhar apresentava um grande perigo. Era preciso

ajuda para discipliná-lo, os gestos de vivacidade, por exemplo, eram

controlados. Era necessária a moderação, principalmente para as mulheres. A

forma como se sentava, ficava em pé ou caminhava, precisava ser controlada.

Os gestos eram objeto de permanente vigilância. Considerando o perigo do

olhar, era necessário lutar contra a vontade de ver e de ser vista. Eram formas

de comportamento que estavam carregadas de moralidade.

O corpo expressivo precisava ser velado. Ainda que existissem as

tentativas de decifrá-lo mecanicamente, seja por meio da fisiologia, medicina,

biologia ou anatomia, suas características orgânicas e, portanto, vivas, eram

uma ameaça para a instauração e permanência de costumes ligados à moral

vitoriana. Ao representar o corpo e as funções que o mesmo deveria

desempenhar socialmente, Tennyson tinha em suas mãos um leque de

possibilidades.

As representações não alcançam as experiências vividas, experiências

que estão relacionadas diretamente com os sentidos humanos e com as

percepções de cada um dos indivíduos sobre suas vivências e sobre sua

contemporaneidade. Mas, por meio delas, o poeta pode destacar os valores

que considerava essenciais para o bom funcionamento social. Nesse sentido,

tentou aproximar poesia e vida. Seria mais fácil atingir seus leitores na medida

em que seus poemas estivessem relacionados com as experiências dos

indivíduos. De maneira que o ato de cultivar, de tentar constituir uma cultura

60 Para Tennyson, o corpo (ou os corpos) era entendido como parte da sociedade, de forma que suas ações, não-ações e posturas deveriam buscar o bem da coletividade, a ordem e o progresso da nação.

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relacionada à civilização, fosse incutido nos hábitos de seus leitores. Esse seria

o resultado da junção entre poesia e cultura oficial.

No período vitoriano, a maior parte dos escritores literários e de seu

público acreditava que as personagens deveriam ser as mais realistas

possíveis. A ficção tinha como função evidenciar e explicar a realidade, por

mais fictícia que fosse a obra. Os personagens deviam comportar-se como os

homens e mulheres do período e o tema principal dos escritores eram aspectos

singulares da vida social.

A conduta de Merlin, como a de Tennyson, estava relacionada à de quem

serviu ao rei como vassalo leal. O personagem, não hesitou em utilizar sua

magia a favor de Arthur e se preocupou em posicionar-se como aquele que

esteve ao lado do rei, seja Uther ou Arthur, ele serviu ao reino inglês. Nesse

sentido, por mais incomuns que fossem os personagens, como Merlin, eles

estavam enraizados culturalmente naquela sociedade e revelavam costumes e

maneiras de agir.

“Yet Merlin thro’ his craft,

And while the people clamoured for a king,

Had Arthur crowned (...)”61.

Ou ainda:

“And there I saw mage Merlin, whose vast wit

And hundred winters are but as the hands

Of loyal vassals toiling for their liege”62.

Quando Merlin coroou Arthur, estava a serviço do rei inglês, mas,

principalmente, estava a serviço da nação inglesa. Ainda que Arthur fosse o rei

que personificou as condutas consideradas ideais por Tennyson, o mago já

havia servido Uther, como vassalo e amigo, essas características indicam que

Merlin não servia aos reis por eles mesmos, mas porque eram representantes

61 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 291. 62 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 292.

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da nação, Merlin servia a realeza britânica. Enquanto indivíduo preocupava-se

com o funcionamento de sua sociedade. Através de Merlin, Tennyson

evidenciou que o corpo social poderia contribuir para que a Inglaterra

caminhasse para o progresso, desde que cada um pensasse não em suas

próprias vontades, mas no desenvolvimento social.

Na obra de Tennyson, um dos indivíduos mais indicados para trabalhar a

favor da nação inglesa era Merlin, que foi representado com uma vasta

inteligência, cem invernos e com mãos de vassalos leais. É possível

compreendermos que as mãos de Merlin fossem representadas, como mãos

de vassalos reais. Durante todo o idílio, como dissemos, ele serviu a realeza,

esse é um dos grandes valores civilizatórios que cercam a figura do mago em

The Coming of Arthur. Também entendemos a ênfase do o autor na grandiosa

inteligência e destreza do personagem. Lembremos que desde o início do

poema Merlin foi relacionado com a sabedoria. Mas, por que teria Tennyson

representado o corpo do mago como o corpo que experimentara cem invernos?

Podemos indicar alguns motivos prováveis: a ideia de cem invernos

poderia ser relacionada ao tempo. Merlin além de transitar entre tempos,

também é aquele que carrega os aprendizados, as bagagens de idílios

vivenciados em outros períodos, nesse sentido, a expressão hundred winters,

estaria relacionada com as marcas temporais postas no poema por Tennyson.

Entretanto, não podemos descartar outra possibilidade, a ideia das

estações do ano. O poeta dividiu a obra Idylls of the King de acordo com as

estações, quando Camelot vivenciou tempos áureos era primavera, sua queda

relacionou-se ao inverno. Por que estaria Merlin vinculado com o inverno?

Nossa hipótese é de que o inverno pode representar a decadência, mas

também anunciar a restauração. Não podemos nos esquecer de que as

alegorias através das quais Tennyson representou o corpo de Merlin se

modificavam de acordo com as situações expressas pelo autor, nesse sentido,

o corpo de Merlin poderia ser portador de cem invernos porque vivenciou

outros períodos, presenciou a decadência de outras sociedades (como a de

Uther) e, ao mesmo tempo, porque trouxe novamente a esperança da

restauração social.

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As ideias de decadência e de restauração social estavam vinculadas ao

medievalismo vitoriano. Para autores daquele período, como Thomas Arnold e

o próprio Tennyson, a tradição vitoriana estava na Idade Média. Porém,

movimentos como Renascimento, Reformas Religiosas, filosofia racionalista do

século XVIII, revolução Francesa e Industrial e as reformas parlamentares – no

caso da Inglaterra – provocaram um rompimento com a antiga ordem europeia.

Assim, autores como Carlyle, Ruskin e Thomas Arnold, relacionavam a

decadência com o modo de vida do mundo feudal. Era a decadência ligada à

perda do que entendiam por tradição inglesa.

Na Inglaterra, no final do século XIX, a sociedade agrícola e feudal, tinha

sido substituída pela democrática e industrial. As mudanças sociais estavam

intrinsecamente ligadas à economia. Banqueiros e industriais, destacaram-se

econômica e politicamente e realizaram as reformas parlamentares; essas, por

sua vez, ampliaram a participação popular, mas, principalmente, ampliaram a

participação política da classe média. O antigo sistema aristocrático foi

substituído pelo laissez-faire. Não foi por coincidência que por volta de 1830,

Southey e Macaulay, relacionaram o mundo dos negócios e da competição

ilimitada a uma batalha entre o conservadorismo e o liberalismo.

Em 1869, quando Tennyson escreveu The Coming of Arthur, a batalha já

parecia vencida, o liberalismo predominava em terras inglesas.

Concomitantemente, valores, considerados pelo poeta, antigas certezas e

seguranças, não pareciam tão distantes, havia uma possibilidade de

reconstrução das tradições e, esta, era uma necessidade primordial. Nesse

sentido, a mesma sociedade que sofreu a decadência, portava a restauração.

Assim, a imagem do corpo de Merlin, representado por cem invernos, é

mais uma alegoria. Merlin portava a decadência, pelo fato de remeter ao

inverno, ao mesmo tempo, portava a restauração, pois o inverno sempre

antecede a primavera. Foi em personagens medievais, que Tennyson buscou

os valores, as tradições, que constituíam, para ele, um ideal de civilização e,

portanto, de restauração.

No Memoir escrito por Arthur Hallam (filho do poeta), Tennyson disse: “I

am old and I may be wrong, for this generation has assuredly some spirit of

chivalry. We see it in acts of heroism by land and sea, in fights against the slave

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trade, in our Arctic voyages, in philanthropy, etc. The truth is that the wave

advances and recedes. I tried in my ‘Idylls’ to teach men these things, and the

need of the ideal”63.

Assim, o poeta expressou claramente que ainda via naquela geração, na

sua própria contemporaneidade, algum espírito de cavalaria – mais um termo

relacionado ao medievalismo vitoriano. Esse espírito representava a

possibilidade de construir e resgatar os valores que Tennyson considerava

essenciais, ou como ele mesmo disse, era preciso ensinar, era preciso fazer

proliferar um ideal. E o poeta tentou evidenciar esse ideal por meio de seus

Idylls.

Dessa maneira, Merlin cumpriu na obra Idylls of the King função similar ao

do poeta na sociedade vitoriana. Foi conselheiro, ensinou até mesmo a

realeza. Merlin presenciou o momento em que Excalibur foi dada para Arthur.

E, além disso, foi o feiticeiro que orientou o rei sobre como agir.

“There likewise I beheld Excalibur

Before him at his crowning borne, the sword

That rose from out the bosom of the lake,

And Arthur row’d across and took it – rich

With jewels, elfin Urim, on the hilt,

Bewildering heart and eye – the blade so bright

That men are blinded by it – on one side,

Graven in the oldest tongue of all this world,

“Take me,” but turn the blade and ye shall see,

And written in the speech ye speak yourself,

“Cast me away!” And sad was Arthur’s face

Taking it, but old Merlin counsell’d him,

“Take thou and strike! The time to cast away

Is yet far-off”. So this great brand the king

Took, and by this Will beat his foemen down”64.

63 TENNYSON, Hallam. Alfred Lord Tennyson, a memoir by his son – vol II. New York: The MacMillan Company, 1889. pp. 337. 64 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 292.

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A presença e, principalmente, os conselhos de Merlin no momento em

que Arthur recebeu Excalibur são de extrema relevância. A espada pode ser

considerada alegoria da ordem, da lei e da justiça. E foi Merlin, representado

pela velhice (old Merlin), que orientou Arthur: “Take thou and strike”. Aqui, mais

uma vez, a voz juntamente com a imagem do velho, expressou o corpo. Esta

ideia pode representar tanto a sabedoria do mago, por sua idade avançada, um

valor que também estava relacionado à sociedade medieval, como também

pode estar relacionada àquele que sempre estava junto da realeza desde os

velhos tempos.

Então, Merlin, cujo corpo estava marcado pelo que era antigo, fosse em

idade, fosse pelos costumes e valores considerados medievais – como o

serviço –, orientou que Arthur não apenas tomasse a espada, mas que

golpeasse. A voz, como atributo principal do corpo que porta a sabedoria,

orientou que o rei lutasse. É exatamente isso que fez Arthur. Tomou o símbolo

da realeza, símbolo que representou nesse momento do idílio a soberania real,

e jurou derrotar seus inimigos, por sua própria vontade – “...and this will beat

his foemen down”.

Se, através dos seus idílios, Tennyson tentava ensinar valores para a

sociedade em que viveu, nesse fragmento expressou seu ideal político. Arthur

não ampliou a participação da população de seu reino por meio de votos, mas

decidiu por sua própria vontade derrotar seus inimigos. Foi, ocupando o lugar

de rei, portanto, de soberano, e talvez possamos até dizer, ocupando o lugar

da nação, que decidiu sobre o que fazer com o reino. O poeta expressou o

governo que considerava ideal: conservador, sem amplas participações

populares em decisões políticas, mas que buscava o progresso de seu reino,

ainda que para isso, precisasse aniquilar seus inimigos. Era o corpo

governamental como força e liderança do corpo social.

Paralelamente, a fala de Merlin anunciava o fim de Camelot. Quando o

mago disse para Arthur que o tempo de arremessar a espada ainda estava

distante, ele não disse que esse tempo não chegaria, a decadência da

sociedade arturiana era tão certa quanto seu nascimento. O poeta evidenciou

na origem daquela sociedade, no momento em que Arthur tornou-se um rei –

que Camelot teria também seu fim, mas antes, marcou o início dessa

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sociedade com a alegoria da espada “Before him at his crowning borne, the

sword”. A soberania marcava, desde o início, o reinado de Arthur.

Era mais um indício de que Merlin representava a figura do sábio. Que

sua função aproximava-se da função dos poetas na sociedade inglesa do

século XIX; o mago era quem enxergava além do óbvio, ele conhecia e poderia

até transitar por toda sociedade sem ser visto. Quando Bellicent, irmã de

Arthur, expôs para o rei Leodegran a legitimidade de seu irmão, disse em

relação à primeira vez que Arthur foi ajudá-la, que não sabia se Arthur havia

sido levado por Merlin, quem, “dizem”, pode caminhar sem ser visto.

“Or brought by Merlin, Who, they say, can walk

Unseen at pleasure (...)”65.

O excerto do poema remete a duas evidências. A primeira estava ligada a

dúvida de Bellicent em relação à ação de Arthur. Ela não sabia se ele tinha ido

consolá-la sozinho, ou se foi levado por Merlin, pois naquela sociedade as

pessoas sabiam que o conhecedor de tudo o que se passava era Merlin. A

segunda vinculava-se com a possível invisibilidade do mago. As palavras “they

say”, mostram a dúvida. Não era possível afirmar que Merlin realmente

pudesse andar à vontade sem ser visto, mas sua sabedoria e a forma clara

como enxergava os acontecimentos sociais, indicavam essa possibilidade.

A representação de Merlin nesse momento da narração, também, estava

ligada à função que Tennyson dava aos poetas da Inglaterra de seu tempo.

Teria Merlin, um corpo que pudesse caminhar sem ser visto e, por esse motivo,

sabia de tudo o que se passava? A resposta não importa. O que nos interessa

aqui é a possibilidade do mago exercer controle sobre a invisibilidade do seu

corpo.

As maneiras como os poetas enxergavam a sociedade, na Inglaterra do

século XIX, já dissemos antes, eram consideradas mais amplas e complexas

do que as das outras pessoas. Entendemos que o corpo de Merlin carregava a

possibilidade da invisibilidade, justamente, porque estava relacionado ao corpo

do poeta – corpo que trazia marcas de invisibilidade. Essas marcas estavam na

65 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 292.

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voz narrativa do poeta e em suas visões sobre o mundo. E, por isso, o traço

mais forte do poeta era a voz. Se os poemas poderiam ser recitados, ouvir a

voz, não necessariamente seria ver o corpo do poeta, e sim se deparar com

uma presença marcada pela invisibilidade – o corpo do poeta apresentava-se

pela letra e pela voz, não pelo físico.

Dessa maneira a voz de Merlin marcou o idílio, assim como as vozes dos

poetas tentavam marcar a sociedade vitoriana. Como sábio, o mago detinha os

conhecimentos sobre a origem de Arthur, mas não respondeu claramente qual

seria essa “verdadeira” origem. Quando Bellicent indagou ao mago se a história

que Bleys havia contado sobre a origem do rei era a “verdade”, Merlin,

respondeu com charadas:

"But let me tell thee now another tale:

For Bleys, our Merlin's master, as they say,

Died but of late, and sent his cry to me,

To hear him speak before he left his life.

Shrunk like a fairy changeling lay the mage;

And when I entere’d told me that himself

And Merlin ever served about the King,

Uther, before he died; and on the night

When Uther in Tintagil past away

Moaning and wailing for an heir, the two

Left the still King, and passing forth to breathe,

Then from the castle gateway by the chasm

Descending thro’ the dismal night--a night

In which the bounds of heaven and earth were lost—

Beheld, so high upon the dreary deeps

It seeme’d in heaven, a ship, the shape thereof

A dragon wing’d, and all from stem to stern

Bright with a shining people on the decks,

And gone as soon as seen. And then the two

Dropt to the cove, and watch’d the great sea fall,

Wave after wave, each mightier than the last,

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Till last, a ninth one, gathering half the deep

And full of voices, slowly rose and plunged

Roaring, and all the wave was in a flame:

And down the wave and in the flame was borne

A naked babe, and rode to Merlin's feet,

Who stoopt and caught the babe, and cried, 'The King!

Here is an heir for Uther!' And the fringe

Of that great breaker, sweeping up the strand,

Lash’d at the wizard as he spake the word,

And all at once all round him rose in fire,

So that the child and he were clothed in fire.

And presently thereafter follow’d calm,

Free sky and stars: 'And this same child,' he said,

'Is he who reigns; nor could I part in peace

Till this were told.' And saying this the seer

Went thro’ the strait and dreadful pass of death,

Not ever to be question’d any more

Save on the further side; but when I met

Merlin, and asked him if these things were truth—

The shining dragon and the naked child

Descending in the glory of the seas—

He laugh’d as is his wont, and answer’d me

In riddling triplets of old time, and said:

"'Rain, rain, and sun! a rainbow in the sky!

A young man will be wiser by and by;

An old man's wit may wander ere he die.

Rain, rain, and sun! a rainbow on the lea!

And truth is this to me, and that to thee;

And truth or clothed or naked let it be.

Rain, sun, and rain! and the free blossom blows:

Sun, rain, and sun! and where is he who knows?

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From the great deep to the great deep he goes”66.

A narração indica uma origem mitológica do rei Arthur. Assim, como as

“civilizações” grandiosas – como Roma, por exemplo, Camelot e seu rei, tinham

uma origem mitológica. Ao relatar essa origem, Tennyson tentou obliterar a

concepção de Arthur relacionada a algumas fontes medievais, como a de

Robert de Boron. Nesta, Arthur teria sido concebido numa noite em que o

marido de Ygerne estava no campo de batalhas. Merlin utilizou filtros mágicos,

fazendo com que Uther ganhasse a aparência do duque e, assim, o rei

concebeu Arthur com Ygerne.

Tennyson não utilizou em sua narração sobre a concepção de Arthur

filtros mágicos, nem explicou exatamente como Arthur era filho de Uther e de

Ygerne. O poeta refutou essa concepção baseada numa relação adúltera e,

mais do que isso, trouxe a dúvida para seus leitores. Arthur poderia ter uma

origem mítica, que não estava relacionada com o adultério. Fator que pode

apresentar mais uma marca de alguém que estava constituindo o que entendia

por tradição, nesse sentido, a Inglaterra não poderia ter um rei cuja origem

estivesse ligada a uma relação desvinculada da moral.

Até na origem mítica, Merlin presenciou a chegada de Arthur. Foi o

feiticeiro que pegou o bebê e o aclamou rei e herdeiro de Uther. Dessa

maneira, o corpo de Merlin, parece se misturar ao corpo do poeta – como

aquele que constituiu e narrou a história. Independente da origem de Arthur foi

sempre Merlin quem o colocou como rei, contribuindo para a ascensão de

Camelot. No poema, o mago montou a trama da narração, assim como, as

mãos do poeta, ao escrever, deram vida às personagens e teceram um fio

narrativo.

Como personagem que constrói a narrativa, Merlin não esclareceu sobre

a verdadeira origem do rei. Mas utilizou enigmas para responder Bellicent. O

verso que se repete nesses enigmas é: “Rain, rain and Sun! A rainbow in

the...!” Essa ideia pode estar relacionada ao fato do arco-íris ser considerado a

aliança entre Deus e os homens. Assim, por meio da voz de Merlin, o poeta

lembra-nos que tal aliança ainda se faz presente.

66 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 293.

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66

Além disso, Merlin também questionou: “and where is he who knows?”

Onde estaria aquele que sabe a “verdade”? Em relação à legitimidade do rei,

apenas respondeu: “From the great deep to the great deep he goes.” O que

significava que a origem e o fim de Arthur continuariam envoltos por dúvidas,

encantamentos e enigmas. Entretanto, dois versos nos chamam muito a

atenção na fala de Merlin: “And truth is this to me, and that to thee / And truth or

clothed or naked let it be”. Utilizando a fala do personagem, Tennyson

questionou o que seria a “verdade”. E a verdade, segundo o poeta, é relativa.

Não é a mesma para todos, ainda assim, verdade ela é. Qual seria então a

verdade para Tennyson?

Para o poeta, a “verdade” parecia se relacionar ao fato de que o mundo

não poderia ser redimido por um homem nem por um “deus”. Ao mesmo

tempo, existia um corpo social, que estava sujeito à mudanças biológicas e,

parte dessas mudanças, constituía o desenvolvimento moral. Não havia um

caminho para as almas, mas havia um caminho para os corpos em sociedade,

essa era a “lei da evolução” humana.

As ideias de evolução e progresso foram utilizadas pelo poeta para

defender mudanças graduais e seguras, um ideal burkeano. O poeta temia

violentas revoluções, mas não temia graduais “evoluções”. Para Tennyson, as

mudanças liberais não apenas minaram as velhas lealdades e fidelidades,

como também transformaram as relações humanas em relações meramente

econômicas, onde os elementos mais importantes passaram a ser dinheiro e

riquezas.

O poeta defendia as doutrinas de seu tempo sobre a história relacionada

aos processos orgânicos. Nessa maneira de olhar para a história, as

sociedades, como todos os outros organismos, estariam sujeitas à decadência.

Foi o que Tennyson, através da voz de Merlin, anunciou em The Coming of

Arthur. Camelot, enquanto alegoria do ideal de civilização em Tennyson estava

condenada ao fim.

O próprio Merlin também teve seu “fim”. No excerto a seguir, retirado do

poema Merlin and Vivien, o mago que era o mais famoso homem daqueles

tempos, justamente por sua sabedoria – conhecia as “artes” e era também

“Bardo” – foi aprisionado por Vivien, devido a um feitiço que ele mesmo

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ensinou para ela. Como um homem tão sábio se deixou prender pelas

artimanhas da ardilosa Vivien?

“Him, the most famous man of all those times,

Merlin, who knew the range of all their arts ,

Had built the King his havens, ships, and halls,

Was also Bard, and knew the starry heavens;

The people called him Wizard (...);”67

O objetivo de Vivien era tornar-se mais poderosa do que Merlin, então ela

dissimulou sentir um grande amor por Merlin, seguindo-o pela floresta de

Broceliande quando lá, ele se refugia em um momento de melancolia.

“With such a fixt devotion, that the old man,

Though doubtful, felt the flattery, and at times

Would flatter his own wish in age for love,

And half believe her true: for thus at times

He wavered;”68

Merlin é, mais uma vez, representado pela imagem de um “velho”, que

remete a ideia de sábio. Na tradição medieval, o velho era aquele que deveria

ser escutado, a velhice remetia a experiência dos mais variados tipos de

vivência. Ainda assim, o “velho homem”, mesmo em dúvida, deixou-se levar

pela “bajulação” de Vivien e por seu próprio desejo.

Entendemos que as expressões flattery e own wish, relacionam-se a duas

ideias relevantes: a primeira trata-se da questão das aparências, Tennyson

aponta em seu poema, que alguns indivíduos carregam máscaras sociais,

fingindo posturas e comportamentos que não possuem realmente; a outra

vincula-se à escolha em agir de acordo com os próprios desejos. Ambas são

colocadas pelo poeta, como valores destrutivos. Até Merlin, em seu momento

67 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 356. 68 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 356.

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de dúvida sobre o aparente amor de Vivien e sobre agir de acordo com sua

própria vontade “vacilou” (wavered).

O feiticeiro não seguiu o modelo ideal de civilidade, um modelo onde seu

corpo deveria estar submetido ao controle dos impulsos carregados de

emoção. Render o corpo às paixões significava, para o poeta, entregar-se para

a destruição e, pior ainda, significava atrapalhar o funcionamento social. A

conduta individualista de Merlin resultou em seu aprisionamento, servindo de

exemplo para comportamentos que deveriam ser afastados em nome do bem

do próprio individuo e em nome de um bem maior: a nação.

O poeta evidenciava, mais uma vez, que as atitudes que considerava

individualistas iam de encontro com a decadência, seja pessoal ou social.

Assim, no âmbito social, a democracia apresentava um perigo para Tennyson,

ela parecia favorecer a liberdade individual, parecia ir de encontro ao que disse

Tocqueville: “(...) Estai convencidos de que, quando cada homem crê poder

decidir sozinho da forma de uma vestimenta ou das conveniências de sua

linguagem, não hesitará tampouco em julgar tudo por si mesmo; e quando

pequenas e insignificantes convenções sociais são tão mal observadas, contai

que uma importante revolução se operou nas grandes (...); é bom, doravante,

pensar em soldar os elos sociais que de toda parte ameaçam romper-se; se

não se pode mais coagir todos os homens a fazerem as mesmas coisas, é

preciso encontrar um meio de fazê-los desejá-las por si mesmos”69.

Tennyson parecia tentar resgatar os costumes que se perdiam na

Inglaterra do século XIX. O poeta tentou, com sua poesia, restabelecer e

consolidar os “elos sociais” que, para ele, se rompidos ameaçariam a ordem e

o progresso da sociedade, esses “elos” supunham o controle do próprio corpo.

Era como se existisse uma necessidade de constituir uma cultura nacional com

base em modos de ser que provêm dos sentimentos, que são orgânicos, e que

se submetem a regras comportamentais como se fossem leis, essas regras

comportamentais estavam relacionadas com as “tradições inventadas”70.

69 TOCQUEVILLE, A. In: HAROCHE Claudine. Da palavra ao gesto. Campinas, SP: Papirus, 1998. pp. 20. 70 “O termo ‘tradição inventada’ é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as ‘tradições’ realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez”. In: HOBSBAWM. 1997. Op. cit. pp. 9.

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Para Claudine Haroche, “A grande inquietação do século XIX reside (...),

no enigma que a identidade e os sentimentos alheios constituem. Impossível

não fazer referência aqui à narrativa nostálgica que faz Rousseau dessa

natureza original para sempre perdida, ‘antes que a arte tenha moldado nossas

maneiras’; nenhuma inquietação, então, nenhuma incerteza diante da

personalidade do outro: ‘A diferença dos procedimentos antecedia a dos

caracteres. A natureza humana, no fundo, não era melhor; mas os homens

encontravam segurança na facilidade com que se penetravam

reciprocamente”71.

Entendemos que o “enigma” relacionado com a “identidade e os

sentimentos alheios” pode até não ser a “grande inquietação do século XIX”, já

que existiram inúmeras “grandes inquietações” nesse período histórico, como a

contraposição entre orgânico e mecânico, ricos e pobres, campo e cidade, belo

e sublime podem ser pensados como inquietações que estão presentes no

século XIX, mas é preciso destacar que tanto a ideia de identidade, quanto os

sentimentos, estavam vinculados ao corpo – se este for pensado como local de

sensações e de percepções –, fator que evidenciava o quanto, para cientistas e

escritores do período, era preciso conhecer, analisar e, se possível, adestrar os

comportamentos.

Não foi por acaso que o corpo tornou-se objeto de estudo das ciências. O

corpo foi associado com o poder-labor72, pois era entendido como lugar onde

energia poderia ser convertida em produção. A metáfora do corpo humano

como motor, ou máquina, contribuiu para a ciência pensar em uma sociedade

que pudesse conservar, desdobrar e expandir as energias do corpo do

trabalhador – harmonizar os movimentos do corpo com os da máquina

industrial.

Se o corpo foi entendido como motor, então, tornava-se necessário

diminuir, ou até mesmo, erradicar a diferença entre o corpo (orgânico) e o

mecânico: a máquina nunca para de produzir, já o orgânico está submetido à

fadiga. Colocar fim ao cansaço parecia ser o último obstáculo para o progresso.

71 ROUSSEAU, J.J. citado por: HAROCHE. 1998. Op. cit. pp. 25. 72 O conceito de poder-labor enfatiza a amplitude e o desenvolvimento de energia como sendo oposta à vontade humana, ao propósito moral e até mesmo à vontade técnica. Por isso, coube ao corpo como metáfora da máquina. Sobre o tema ver: RABINBACH. 1992. Op. cit.

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Dessa maneira, o corpo conservaria e converteria energia em trabalho, seria o

motor humano, contribuindo com o desenvolvimento do industrialismo liberal.

Dessa forma, o corpo era visto como força produtiva e instrumento

político. O ócio passou a ser entendido como se fosse um “pecado”, foi

relacionado aos pobres e à degradação. O trabalho ganhou um valor moral. E o

Estado tornou-se a expressão visível do “elo” que agrupava a sociedade em

geral. Tennyson se opunha ao modelo de Estado liberal-democrático. Nesse

modelo de Estado o corpo apareceu como metáfora da máquina. O corpo era o

lugar do poder-labor, já para o poeta o corpo era orgânico, continha um

turbilhão de emoções, que se não fossem controladas, poderiam levar a

sociedade à decadência.

O escritor não valorizava o Estado liberal como melhor “elo” entre os

homens em sociedade, pois na Inglaterra, o conceito de nação associou-se ao

de contrato social. Se na formação do Estado moderno, a soberania se

concentrava nas mãos do “príncipe”, aos poucos, com a ascensão política da

burguesia, consolidou-se uma ideia de nação, que desvinculou o conceito de

nação da figura do rei para os vários corpos dos indivíduos. Estes passaram a

ser vistos também como corpos políticos, que passariam a atuar em decisões

sobre o futuro da Inglaterra.

Para melhor compreendermos essa subjetividade relacionada à nação

liberal, lembremos de Locke quando diz que “embora os homens quando

entram em sociedade abandonem a igualdade, a liberdade e o poder executivo

que tinham no estado de natureza, nas mãos da sociedade, para que disponha

deles por meio do poder legislativo conforme o exigir o bem dela mesma,

entretanto, fazendo-o cada um apenas com a intenção de melhor se preservar

a si próprio, à sua liberdade e propriedade..., o poder da sociedade ou o

legislativo por ela constituído não se pode nunca supor se estenda mais além

do que o bem comum, mas fica na obrigação de assegurar a propriedade de

cada um, provendo contra os três inconvenientes acima assinalados, que

tornam o estado de natureza tão inseguro e arriscado. E assim sendo, quem

tiver o poder legislativo ou o poder supremo de qualquer comunidade obriga-se

à governá-la mediante leis estabelecidas, promulgadas e conhecidas do povo,

e não por meio de decretos extemporâneos; por juízes indiferentes e corretos,

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que terão de resolver as controvérsias conforme essas leis; e a empregar a

força da comunidade no seu território somente na execução de tais leis, e fora

dele para prevenir ou remediar malefícios estrangeiros e garantir a sociedade

contra incursões ou invasões. E tudo isso tendo em vista nenhum outro objetivo

senão a paz, a segurança e o bem público para o povo”.

Assim, o Estado liberal (em teoria) estava relacionado com dois

importantes elementos: um, assegurar a paz e o bem público para a população,

outro, garantir, prevenir e remediar a sociedade de malefícios estrangeiros.

Nesse sentido, uma comunidade com cultura e histórias próprias não constituía

de imediato uma nação, pois, para tanto, era essencial uma “vontade coletiva”,

uma nacionalidade que estivesse relacionada com decisões de caráter político

e, justamente por isso, a ideia liberal de nação deriva do conceito de cidadania.

Quando os Estados Modernos se formaram a nação estava

intrinsecamente vinculada com as monarquias, a burguesia ainda precisava do

apoio e da proteção dos reis absolutistas e do Estado (vinculados totalmente a

esses reis). Contudo, quando o Estado nacional tornou-se necessidade política

e econômica para o desenvolvimento do liberalismo, o corpo do rei deixou de

ser essencial na relação com a nação. Agora, era necessário investir no

controle e na mecanização do corpo social, pois o aumento gradual da

participação dos indivíduos na vida política inglesa deveria, para os liberais,

evitar revoluções.

A ampliação da participação política representava para Tennyson um

perigo para a civilização, pois para o autor, o corpo era orgânico, estando

assim, suscetível às paixões e às emoções que escapam ao estado racional.

Assim, o poeta relacionava à nação a ideia de uma cultura ligada a uma

“comunidade” que se apoiava num passado comum – no caso de Tennyson, a

Idade Média. Diante disso, entendemos que, para Tennyson, a formação de

uma cultura nacional relacionava-se com a invenção de tradições, que se

contrapunham ao Estado liberal burguês, pois sob essa forma de Estado

predominam as relações econômicas e há uma contradição entre individual e o

coletivo73.

73 A contradição do Estado liberal burguês é a ideia de que, ao mesmo tempo que existe uma supervalorização do individualismo, existe a formação de uma cultura de massa que homogeneíza todas

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Essa contradição entre o individual e o coletivo reside no fato de que “(...)

o entendimento burguês de nação em sua própria essência é ambíguo, possui

em potencial as características universalista e particularista, e esta última

acaba prevalecendo sempre que o Estado atua como comitê dos negócios

comuns da burguesia; a capacidade de agregação das energias populares não

deixa de se dar quando estes negócios parecem representar a única solução

possível e ganham a adesão da vontade política ou emocional das massas”74.

Nesse contexto, parecia que Tennyson via na educação dos

comportamentos e dos sentidos a possibilidade de constituir ou de se

aproximar da sociedade ideal. Com seus poemas, tentou contribuir para a

formação de uma civilização que tivesse ideais permeados por uma moral

cavaleiresca. A moral, mantenedora dos costumes, ensinaria a maneira de

governar a si mesmo, utilizando a razão e a submissão à nação, lembrando

que essa nação estava vinculada com a valorização da monarquia.

Assim, a fragilidade de Merlin foi evidenciada no momento em que o poeta

narrou a saída do mago da corte de Arthur, devido a uma grande melancolia

que abateu o feiticeiro.

“Then fell on Merlin a great melancholy ;

He walked with dreams and darkness, and he found

A doom that ever poised itself to fall,

An ever-moaning battle in the mist,

World-war of dying flesh against the life,

Death in all life and lying in all Love (...)75.

Segundo o poeta, foi o próprio Merlin que buscou sua condenação. Ao

acreditar que Vivien o seguia por amor, caiu nas ardilosas tramas de Vivien,

que pedia ao mago – como prova de confiança: “As proof of trust. O Merlin,

teach it me.The charm so taught will charm us both to rest”76. – que ensinasse a

as particularidades dos indivíduos. Parece difícil compreender o limite entre liberdade individual e coletividade no Estado liberal. 74 VIGEVANI. 1992. Op. cit. pp. 109. 75 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 356. 76 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 358.

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ela um encantamento que deixaria quem recebesse o encanto aprisionado,

mas que aos olhos dos homens e das mulheres na sociedade aquele que fosse

encantado pareceria morto. O principal objetivo de Vivien era aprisionar Merlin,

pois acreditava que desse modo se tornaria gloriosa, devido à grandeza

daquele que ela extinguiria.

“And Vivien ever sought to work the charm

Upon the great Enchanter of the Time,

As fancying that her glory would be great

According to his greatness whom she quenched”77.

No decorrer do poema Merlin viveu o dilema entre ensinar à Vivien ou não

o encantamento, justamente porque, segundo o mago, ele deveria ser grato,

pois foi Vivien que o tirou do estado de melancolia que se encontrava. Merlin

travou, portanto, uma batalha com seu corpo, num sentido orgânico, é uma

batalha entre seus desejos, cegos pela emoção e envoltos pelo aparente

cuidado que Vivien nutria por ele, e a vida, ameaçada pela possibilidade de

acreditar nas aparências e em confiar nas emoções – “...World-war of dying

flesh against the life”.

Tennyson entendia que o autocontrole era garantia de benefícios não

apenas para si, mas também para a sociedade. Controlar o corpo, a carne,

lugar de desejos e de paixões, era um componente essencial para alcançar o

poder sobre a própria vida e era a melhor maneira de evitar a desordem

generalizada na vida nacional, era, para o poeta, uma possibilidade de atingir o

progresso.

A era da mecanização mudou a visão sobre o corpo, tornando-o não

apenas lugar do mecânico, lugar que transforma energia em trabalho, mas

também o tornou lugar do profano, no sentido que as ciências contribuíram

com a degradação da ideia que unia corpo e alma. O corpo deixou de ser

entendido como receptáculo da alma, o corpo foi profanado.

Se por um lado, essa dessacralização do corpo abriu caminho para o

estudo sobre os “mecanismos” de seu funcionamento e sobre como ampliar o

77 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 356.

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ganho de energia para o trabalho, por outro lado, abriu a possibilidade de agir

de acordo com as vontades individuais, o que para autores como Tennyson,

poderia levar à degradação individual e moral. Exemplo dado pelo próprio

Merlin quando se deixou induzir por seus próprios desejos.

Era preciso aperfeiçoar o corpo. Se antes, era necessário aperfeiçoar o

corpo para atingir a salvação da alma. Entendemos que, para Tennyson, era

preciso aperfeiçoar o corpo para o bem da civilização. Se em sociedades,

como a europeia do ocidente medieval, a alma ultrapassava o espaço do corpo

no sentido que ultrapassaria o tempo vivido pelo corpo, podemos dizer que

para o poeta, na sociedade inglesa do século XIX, o que ultrapassaria os

limites espaciais e temporais do corpo era a nação, por esse motivo, a conduta

e as maneiras de agir deveriam visar o progresso social. Tennyson defendia as

atitudes coletivas pensando principalmente em como garantir o progresso da

civilização inglesa.

A atitude de Merlin serviu de exemplo, pois até os mais sábios, quando se

deixavam guiar por suas emoções, contribuíam para a decadência de si

mesmo e da sociedade em que viviam. A ação de Merlin, ao contar para Vivien

os segredos do encantamento, representou o desencanto por Camelot que já

estava em processo de decadência, mas, ao mesmo tempo, contribuiu para

essa degradação, e a vitória de Vivien sobre o mago é a prova disso.

“Then, in one moment, she put forth the charm

Of woven paces and of waving hands,

And in the hollow oak he lay as dead,

And lost to life and use and name and fame”78.

Na guerra entre carne e vida, a última foi derrotada, havia morte em toda

vida e mentira em todo amor – “...Death in all life and lying in all Love...”. A

sociedade estava corrompida pelas aparências e pela degradação humana, era

preciso educar os indivíduos para tentar formar uma civilização que alcançasse

o progresso. Nessa educação, o poeta enxergava a necessidade do controle

78 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 368.

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sobre o próprio corpo e sobre os sentimentos. “O governo de si, quer se trate

do corpo quer dos sentimentos, exige contenção: o bem-estar do próximo, o

respeito por ele exigem o exercício constante de um controle vigilante de si

mesmo. Deixar falar o corpo e exprimir muito abertamente os sentimentos em

sociedade são, portanto, atitudes a proscrever. É preciso lutar contra o excesso

de interesse por si mesmo e manifestar pelo outro atenção, deferência,

respeito, consideração”79.

Dessa forma, Tennyson criticava a mecanização, pois esse corpo

mecanizado, também portava o individualismo, o que para o poeta ameaçava o

maior bem a ser atingido, o progresso da civilização inglesa. Entretanto, o

corpo defendido por Tennyson, justamente porque era visto como orgânico,

precisava de disciplina, de ser guiado por modelos ideais de conduta, por uma

moral conservadora, que buscava suas origens nas tradições medievais.

Se, como escreveu Tullo Vigevani, “A elaboração dos sentimentos

populares é o que permite a recuperação de uma mesma concepção de mundo

com características, justamente, ao mesmo tempo nacionais e populares”,

então, podemos dizer que Tennyson fez parte de um movimento que buscou a

formação de uma cultura nacional, com base na educação dos corpos, onde as

maneiras de agir estavam, ou deveriam estar, permeadas por valores

aristocráticos e vinculadas à ideia de realeza. As ações não poderiam estar

vinculadas às aparências, que levariam à destruição.

Dessa maneira, quando Merlin acreditou em Vivien foi aprisionado e

denominado como “tolo” pelo poeta. O feiticeiro foi tolo porque acreditou em um

amor que não passava de aparência, porque se deixou levar por seu próprio

ego ao acreditar que era amado por Vivien, enfim, foi tolo por não usar sua

sabedoria para sair das artimanhas de seus próprios desejos e sentimentos.

Assim conclui a voz narrativa do poeta:

“Then crying "I [Vivien] have made his glory mine,"

And shrieking out "O fool!" the harlot leapt

Adown the forest, and the thicket closed

79 HAROCHE. 1998. Op. cit. pp. 38.

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Behind her, and the forest echoed "fool"80.

80 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 368.

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Capítulo 3 – Percepções sobre Tennyson

“Os poetas são os legisladores não-reconhecidos deste mundo”.

(Percy Bysshe Shelley)

Na Inglaterra vitoriana, em meio ao medieval revival, a narrativa dos

poetas se fundia a voz profética exaltando as possibilidades de implantar ideais

civilizadores entre as diferentes camadas sociais. A crença de que o poeta era

um artista diferenciado dos demais, vinha sendo construída entre os ingleses,

desde fins do século XVIII. Edmund Burke dizia que “...a poesia, com toda sua

obscuridade, exerce um domínio tanto mais geral quanto mais intenso sobre as

paixões do que a outra arte [pintura]”81.

A ideia de que a poesia poderia exercer um “domínio sobre as paixões”,

começou a ser difundida no século XVIII, mas ganhou força no XIX, quando foi

– muitas vezes – associada ao caráter educador e civilizatório. Na sociedade

inglesa do século XIX, o poeta era visto, muitas vezes, como artista

diferenciado, que poderia educar por meio de seus poemas e de sua visão de

futuro. Na primeira metade do XIX, Percy Bysshe Shelley escreveu que os

poetas eram chamados de legisladores e de profetas, pois neles se resumiam

esses poderes. Para Shelley, o poeta é capaz de não apenas ver “...com

intensidade o presente como é, descobrindo as leis através das quais as coisas

presentes devem ser ordenadas, mas também vê o futuro no presente, e seus

pensamentos são as sementes da flor e do fruto do tempo futuro”82.

Shelley não dizia que os poetas eram profetas no sentido daquele que

“prevê” o futuro, mas sim, que os poetas poderiam prenunciar acontecimentos

com a segurança de quem conhece muito bem o presente em que vive. Nesse

sentido, a profecia aparece como atributo da poesia, “...a poesia vence a

maldição que nos obriga a ser escravos do acaso das impressões

circundantes.”83.

81 BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas, SP: Papirus; Editora da Universidade de Camplinas, 1993. pp. 69. 82 SHELLEY, P. B. In: CHIAMPI, Irlemar. Fundadores da modernidade. São Paulo: Editora Ática, 1991. pp. 66. 83 SHELLEY, P. B. In: CHIAMPI, I. 1991. Op. cit. pp. 68.

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Na segunda metade do XIX, Matthew Arnold escreveu ensaios sobre a

natureza da poesia e da crítica literária. Para o autor a poesia revelava a

interpretação mais “perfeita” da sociedade na qual foi produzida. Escreveu

Arnold: “Espero que não seja considerado exagero de minha parte, se eu

acrescentar que, em geral, é na poesia de uma época que devemos procurar

interpretação mais perfeita e mais conveniente desta, para a realização de um

trabalho que requer de todas as forças do espírito uma atividade muito intensa

e harmoniosa”84.

Tennyson atribuía à função de poeta um caráter civilizador e, portanto,

político. Como esses autores, Tennyson acreditava que o poeta tinha uma

missão dentro da sociedade inglesa, ser poeta era enxergar mais sobre sua

própria sociedade do que o restante da população. Por isso, os poetas

deveriam utilizar suas sabedorias para educar a “multidão”.

Dessa maneira, os exemplos a serem seguidos, ou repudiados, estavam

constantemente presentes em suas obras através das ações de suas

personagens. O corpo, como vimos, deveria ser educado, civilizado, em nome

do progresso e da nação. Como poeta oficial da corte, entendia exercer uma

função social de relevância, tinha consciência dos problemas e das

transformações pelas quais o país passava em sua contemporaneidade. Como

“assalariado da cultura”, colocava-se na posição dignificante daquele que

ensina. Como Coleridge, Southey e Wordsworth “exaltava o papel social da

‘intelligentsia”85.

O corpo era entendido, pelo poeta, como orgânico – era passível de ser

educado e, ao mesmo tempo, precisava controlar suas paixões e seus

impulsos. A cultura nacional foi evidenciada nas maneiras, nas atitudes, nos

costumes e nas palavras dos personagens presentes nos seus poemas. Com

base nessa ideia, Tennyson utilizou a personagem Merlin para expressar a voz

profética do poeta, voz de quem se preocupa com a formação de uma cultura

nacional.

As percepções do poeta são expressas pelas marcas dos corpos do mago

representados em seus poemas. Entendemos, também, que a presença do

84 ARNOLD, M. In: CHIAMPI, I. 1991. Op. cit. pp. 86. 85 DIAS, Maria Odila da Silva. 1974. Op. cit. pp. 33.

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corpo nos poemas de Tennyson são menos evidenciadas do que a ideia do

orgânico. Ao pensar o corpo, Tennyson, preocupou-se, muito mais com o corpo

social e político do que com os corpos de cada indivíduo.

O corpo representado nos poemas de Tennyson é menos o corpo como

gestos e posturas, do que o lugar onde as várias percepções sobre o mundo

foram apreendidas, justamente porque o corpo é o mediador da relação

homem-mundo. É por meio dele que estamos em permanente contato com o

que é externo, é através do corpo que percebemos e nos relacionamos com os

outros, que marcamos nossa existência, e que o mundo marca sua presença

em cada um de nós. Nesse sentido, o corpo também é cultura, pois constitui e

é constituído pela sociedade à qual pertence.

Assim, o ato de escrever também passa pelas sensações dos indivíduos

que o exercem, remete às percepções que um escritor teve de sua própria vida

e do mundo em que viveu. É parte do ato de exprimir, e “Exprimir não é então

nada mais do que substituir uma percepção ou uma ideia por um sinal

convencionado que a anuncia, evoca ou abrevia”86. O conceito de orgânico em

Tennyson pode ser rastreado por meio das escolhas de palavras que o poeta

utilizou em seus poemas, pois essas palavras passaram por suas sensações

mais exaltadas que estavam relacionadas a seus ideais e posicionamentos

políticos.

Dessa maneira, por meio do que exprimem e de como exprimem, artistas

e escritores evidenciam em suas obras parte das percepções, das visões de

mundo que cada um deles possui, ou possuíram, no período em que vivem, ou

viveram. Segundo Merleau-Ponty, pintura e escrita são manifestações da

percepção que os artistas têm de sua contemporaneidade. No caso de

Tennyson, seu filho Arthur Hallam escreveu: “...I see him [Tennyson] in every

Word which He has written”87.

Para nos aproximarmos de algumas percepções que Tennyson teve de

sua contemporaneidade, analisaremos Merlin and The Gleam. O poema é uma

autobiografia literária em que o poeta se denomina Merlin. Logo de início, o

poeta dialoga com um “Young Mariner”, a expressão pode remeter ao “diálogo”

86 MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. pp. 23. 87 TENNYSON, Hallam. 1889. Op. cit. pp. XI.

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com os jovens da sociedade em que viveu – aqueles que, aos olhos de

Tennyson, precisavam de um ideal de civilização e para quem ele apresentou

um pouco de sua própria história por meio desse poema.

“O young Mariner,

You from the haven

Under the sea-cliff,

You that are watching

The gray Magician

With eyes of Wonder,

I am Merlin

(...) Who follow The Gleam”88.

Merlin é descrito como “The gray Magician”, a marca do corpo remete aqui

ao envelhecimento, “gray”, pode remeter a cor dos cabelos tingidos pelo tempo.

Merlin não é um menino, mas alguém que já viveu o suficiente para ter seus

cabelos e, quiçá sua barba, embranquecida. Mas, a grande novidade, não está

no fato da relação entre Merlin e a velhice (sabedoria), mas sim, na última linha

do excerto: “I am Merlin”. Lembrando que o poema é uma autobiografia

literária, Tennyson se apresentou como o próprio Merlin. Estava estabelecido o

vínculo entre o poeta e o “bardo”, “profeta”. A voz narrativa do poeta na

sociedade inglesa do século XIX, em especial, do poeta laureado, relacionava-

se, mais uma vez, com a do profeta.

Se pensarmos que esse status vinculava-se não a Tennyson como

indivíduo, mas à sua função de poeta, o autor se via como um corpo separado

do corpo social, no sentido que se pensava através de um ideal de cultura, por

acreditar que enxergava uma realidade moral e espiritual, também se achava

na posição daquele que pode resgatar ou construir (se preciso fosse) valores

sociais. “This sense of a public, prophet’s duty, became, for good or ill, a major

88 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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element in Tennyson’s poetic life. After He became Laureate He rarely wrote

private poetry”89.

Além de se denominar Merlin, o poeta era aquele capaz de perceber

vislumbres de criatividade. A expressão “The Gleam” parece carregar múltiplos

sentidos, pode referir-se à ideia da sabedoria, do conhecimento. Como Merlin,

Tennyson seguira o “brilho”, o “vislumbre” da sabedoria e do conhecimento.

Nesse contexto, Tennyson parecia seguir uma tradição dos poetas que

trabalharam oficialmente para a realeza inglesa. “Para Wordsworth ‘apesar de

coisas silenciosamente apagadas do pensamento dos homens, e de outras

violentamente destruídas, cabia ao poeta manter unido e coeso, através da

paixão e do conhecimento, o vasto império da sociedade, tal como se espraia

por toda a terra e através dos tempos”90.

Segundo Maria Odila L. Silva Dias, autores como Wordsworth e Coleridge

pretendiam “regenerar as almas, os sentimentos, e redimir valores morais, sem

os quais toda revolução política estaria fadada ao malogro,”91. Entretanto,

embora Tennyson também se preocupasse com a educação do corpo e com a

transmissão de valores morais, diferentemente dos românticos que valorizavam

a experiência interior – o chamado “self” / “eu” romântico – Alfred Tennyson

situava homens e mulheres, primeiramente, como seres políticos, colocando-os

todo tempo como responsáveis pelo bom funcionamento do Estado,

valorizando atitudes tomadas para o bem da coletividade.

Embora o poeta tenha sido influenciado pelos românticos no início de sua

vida como escritor, não foi por acaso, que após receber o título de laureado,

Tennyson raramente tenha publicado poemas relacionados à sua vida

enquanto indivíduo, ao contrário, quase todos os poemas publicados voltavam-

se para a preocupação com os rumos da Inglaterra vitoriana. O poeta parecia

não ter espaço, ou ter um espaço bastante reduzido, para o “self”, a

subjetividade de Tennyson não se voltava para seus sentimentos em relação

ao eu, mas sim, às preocupações em relação ao corpo nacional.

Entendemos que Merlin and The Gleam, que situamos como a

autobiografia literária do poeta, possui uma trajetória de identificação entre, a 89 PITT, Valerie. Tennyson Laureate. London: Barrie and Rockliff, 1962. pp. 149. 90 DIAS, Maria Odila da Silva. 1974. Op. cit. pp. 33-34. 91 DIAS, Maria Odila da Silva. 1974. Op. cit. pp. 40.

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função do poeta na sociedade inglesa do século XIX e a preocupação com os

rumos da Inglaterra. Na primeira estrofe do poema Tennyson retratou seu

estado melancólico, estado daquele que agoniza: “I am Merlin, And I am dying”.

Lembrando que o poeta publicou o poema em 1889, o corpo do poeta já era

mesmo o da velhice. Tennyson morreu em 1892, aos 83 anos de idade,

portanto, o Merlin, de Merlin and The Gleam, evidencia traços do poeta, que

era, fisicamente, o “Mágico cinza”.

Mais uma vez Tennyson utilizou metáforas, alegorias e ambiguidades em

sua poesia. Se pensarmos que o corpo da personagem Merlin, foi o que em

Idylls of The King transitou temporalmente por duas sociedades diferentes (o

reino de Uther e o de Arthur), o corpo do poeta, depois de tantas vivências,

pareceu aos olhos de Tennyson, semelhante ao do mago.

Alfred Tennyson viveu as transformações da Inglaterra vitoriana. Como

vimos, período em que a vida e a cultura inglesa modificaram-se amplamente e

que autores, filósofos, poetas etc. não apenas vivenciaram a rapidez das

transformações, como também, colocaram essas transformações como um dos

principais temas de seus escritos. A nova legislação ampliou a participação

política da maioria da população, a Inglaterra consolidou-se como império

industrial e liberal, foram realizadas reformas no exército e nas universidades,

assim como foi implementada de uma reforma do sistema nacional de

educação que atendesse à nova “consciência política” por meio da

alfabetização dos recém-eleitores.

Tennyson vivenciou essas transformações como indivíduo, mas também,

como poeta. Segundo Valerie Pitt, o que fez de Tennyson um dos maiores

representantes do vitorianismo, foi a tentativa de resposta ao período em sua

totalidade. “...his temperament and genius were near to the quick of the era

with all its aspirations and its absurdities. For in all the Victorian variety one

thing was Constant – change”92.

Assim, Merlin and The Gleam pode ser considerado, juntamente com

outros poemas de Tennyson, uma resposta a instabilidade do mundo ao seu

redor. Se pensarmos que a sua poesia foi fruto das às mudanças da era

92 PITT, V. 1962. Op. cit. pp. 152.

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vitoriana então, Merlin and The Gleam pode ser entendido, também, como uma

maneira de retratar a virtude de seu temperamento político enquanto poeta.

Voltemos ao fato de que Tennyson abre o poema utilizando uma ideia

melancólica de morte: “I am dying”. Já vimos que o corpo físico do autor pode

ser considerado “próximo da morte” por sua idade avançada, mas se a voz

narrativa do poeta foi entendida como principal elemento do corpo do poeta,

então, essa voz, no caso de Tennyson, tem uma característica bastante

importante: a ambiguidade. Sendo assim, a morte não pode ser apenas física.

Então, a qual tipo de morte o poeta se referiu? A resposta para a questão está

relacionada à trajetória de Merlin no poema.

Tennyson remeteu não apenas à sua infância, mas também às fases de

sua poesia: o ato de iniciar o poema com um profundo estado de melancolia

pode associar-se ao sentimento nostálgico de rememorar o passado. Esse

estado melancólico, que tornou presente a ideia de morte, foi uma maneira de

exprimir a verdadeira natureza da poesia. A “melancolia” enquanto percepção

de um estado de espírito foi importante na formação de Tennyson enquanto

poeta. Segundo Valerie Pitt, provocou, na poesia madura de Tennyson, a

percepção de que a mente humana possuía lugares obscuros, fator que

contribuiu para torná-lo sensível às realidades sociais, impulsionando o poeta a

preocupar-se com a instabilidade cultural e social da Inglaterra.

“When I see society vicious and the poor starving in

great cities,’ he Said, ‘I feel that it is a mighty wave of evil

passing over the world, but that there. Will be yet some

new and strange development which I shall not live to

see... You must not be surprised at anything that comes to

pass in the next fifty years. All ages are ages of transition,

but this is an awful moment of transition... The truth is that

the wave advances and recedes. ...I feel sometimes as if

my life had been a very useless life”93.

93 TENNYSON, A. In: TENNYSON, Charles. Alfred Tennyson. London: Macmilllan & Co. Ltd., 1950. pp. 491.

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Essa preocupação em relação a utilidade de sua vida se fez presente em

seus poemas. Daí a caracterização dos personagens como exemplo de boas

ou más condutas, e a tentativa de formação de uma cultura nacional que

valorizasse a moral. Em Merlin and The Gleam o poeta apegou-se à

construção da crença em um vislumbre de luz que pudesse ser seguido, por

ele e pelos jovens.

Sua autobiografia literária evidencia as percepções de Tennyson sobre a

sociedade em que viveu, a estrutura do poema, que tem início com um estado

melancólico para abordar a infância do poeta, pode remeter ao ideal burkeano

de beleza. Para Burke, o belo está relacionado a “uma qualidade social, porque

toda vez que a contemplação das mulheres e dos homens, e não somente

deles, quando a visão de outros animais nos proporcionam uma sensação de

alegria e de prazer (e há muitos que causam esse efeito), somos tomados de

sentimentos de ternura e de afeição por suas pessoas, gostamos de tê-las ao

nosso lado e iniciamos de bom grado uma espécie de intimidade com elas

(...)”94.

De “bom grado” Tennyson nos apresentou o momento de sua infância,

quando se voltou para a percepção do belo. Narrou o poeta:

“Mighty the Wizard

Who found me at sunrise

Sleeping, and woke me

And learn'd me Magic!

Great the Master ,

And sweet the Magic,

When over the valley,

In early summers,

Over the mountain,

On human faces,

And all around me,

Moving to melody,

94 BURKE, E. 1993. Op. cit. pp. 51.

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Floated The Gleam”95.

Em harmonia com a natureza, Tennyson vislumbrou o poder mágico da

poesia, aprendeu a ser Merlin, ganhou a voz profética e iniciou algo que o

acompanharia para toda vida: ser poeta e traduzir a voz de sua nação. No

excerto do poema, Tennyson cantou o vale, a montanha, a natureza que via

todos os dias em Lincolnshire. O poeta não parece querer resgatar seu

passado no sentido de fazê-lo renascer, ele apenas apontou a importância de

sua experiência: o contato com a beleza foi importante para se tornar um

poeta, cujo principal objetivo relacionava-se à construção de um ideal nacional.

Assim, Tennyson evidenciou, que, por um lado, foram suas experiências

enquanto menino, experiências ligadas à natureza e, portanto, ao belo, que o

tornaram um poeta; por outro, que suas primeiras poesias, sua meninice

enquanto poeta, que carregava forte influência do romantismo de Byron, foram

essenciais para a maturidade de sua poesia. O poeta não negou suas

“infâncias”, colocou cada uma delas, como parte de um processo de

amadurecimento e de conscientização de que o lugar do poeta, mais do que

um lugar de individualidade, apontava para uma missão social e civilizadora:

“Floated The Gleam”.

Vislumbrava em meio às mudanças da sociedade vitoriana a constante

ameaça de perda da civilização inglesa. Juntamente com o desenvolvimento de

Tennyson como poeta, ocorreram as percepções de que o mundo não se

resumia ao belo. As transições eram sentidas como “terríveis” (“...this is an

awful moment of transition...”), Tennyson se deparou com o que Burke chamou

de sublime.

“Once at the croak of a Raven who crost it,

A barbarous people,

Blind to the magic,

And deaf to the melody,

Snarl'd at and cursed me.

95 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em:http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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A demon vext me,

The light retreated,

The landskip darken'd,

The melody deaden'd,

The Master whisper'd

"Follow The Gleam"96.

Na estrofe acima, percebemos que acontecimentos ruins, como o

“ensurdecer da melodia”, “a escuridão”, a “terra adormecida” estão vinculados

com o aparecimento de “pessoas bárbaras”. Podemos relacionar esse fator ao

contexto vivido pelo poeta, lembremos que muitas vezes a “multidão” das

cidades eram retratadas nos poemas por meio de metáforas. Uma das mais

utilizadas pelos poetas do período era a expressão “bárbaros”, vinculando essa

representação ao que não era civilizado. Assim, a população, considerada,

“massa”, “multidão” acabava ligada a um sentimento de temor e desconforto.

Ao mesmo tempo, Tennyson utilizou a expressão “terra adormecida”, uma

terra que não possui a melodia do bucólico, do belo, mas que está adormecida

na escuridão, referindo-se às imagens das cidades, locais da multidão e do

sublime por excelência. Para Burke, “Tudo que seja de algum modo capaz de

incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma maneira

terrível ou relacionado a objetos terríveis ou que atua de um modo análogo ao

terror constitui uma fonte do sublime, isto é, produz a mais forte emoção de que

o espírito é capaz”97.

As percepções de Tennyson sobre a multidão – “não civilizada” –

traduziam a iminência de um processo de destruição. As cidades

industrializadas portavam, nessa visão, a possibilidade do progresso e do

poder imperial inglês e, concomitantemente, uma viva ameaça de destruição da

Inglaterra, pela constante incivilidade. Por esse motivo, o poeta entendia como

relevante a educação dos corpos na sociedade.

Destaquemos, ainda, que as sensações de prazer e de dor, que Burke

relacionou com os ideais de belo e de sublime (respectivamente), se 96 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008. 97 BURKE, E. 1993. Op. cit. pp. 48.

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manifestavam primeiramente no corpo. Segundo o próprio Burke, prazeres e

tormentos se manifestam no corpo, as dores acabam sendo muito mais

marcantes. Se a dor for relacionada com a morte, ela é infinitamente terrível,

mas se ela puder ser atenuada, pode tornar-se “deliciosa”, como é o caso das

paixões.

Para Burke, um amante que sofre de paixão, pode viver das lembranças.

Mesmo a beira da loucura, o homem apaixonado raramente renuncia a esse

sentimento. “Quando se permite que a imaginação se fixe em alguma ideia,

durante muito tempo, esta monopoliza tão completamente aquela, que exclui

sucessivamente qualquer outra e derruba qualquer obstáculo do espírito que a

limitaria”98.

Esse impulso da paixão foi evidenciado por Tennyson no poema Merlin

and Vivian, onde o mago foi aprisionado por acreditar na paixão. Lembremos

que foi a crença no aparente amor de Vivien que levou Merlin ao cárcere. Se

essa possibilidade ocorria com um único indivíduo, na visão do poeta, poderia

causar ainda maior estrago tratando-se de uma multidão.

Nesse caso, o “Brilho” que Merlin seguiu, o “Brilho” que estava

relacionado à saída de um estado de melancolia profundo pode ser ligado à

maldade da personagem Vivien, era o exemplo de que as aparências poderiam

enganar até mesmo Merlin. Assim, o poema representou a destruição causada

pela crença nas aparências e evidenciou que as paixões são destrutivas

quando não são controladas e civilizadas.

As paixões, segundo o pensamento conservador do século XIX, por não

estarem vinculadas do racional colocavam homens e mulheres no espaço da

impulsividade e, pois, em perigo. Por esse motivo, Tennyson defendeu a ideia

de que o corpo social deveria ser controlado em suas maneiras e incentivado a

agir em nome da nação, para tanto, bastava o controle e a educação das

paixões. Na visão de Tennyson, o corpo social enquanto sociedade civil

deveria ser submetido ao corpo político representado pelo Estado.

Essa educação é evidenciada pelo próprio poeta em sua autobiografia

literária, apesar da ação dos “bárbaros”, o poeta, foi aquele que escutou o

“sussurro do mestre” e “seguiu o brilho”. O exemplo estava dado. O poeta era

98 BURKE, E. 1993. Op. cit. pp 49.

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por si só, exemplo a ser seguido – Merlin seguiu o brilho, o sussurro do

“mestre”. Apenas ele percebia o que parecia imperceptível.

Tennyson era exemplo a ser seguido, pois também entendia o poeta como

herói. O autor concordava com Carlyle quando este dizia que o poeta tinha um

caráter que não morria, que o poeta era uma figura que pertencia “...a todas as

idades; que todas as idades possuem; que uma vez produzido, (pois tanto a

idade mais nova como a mais velha os podem produzir) continuará a ser

produzido, sempre que a Natureza o queira. (...) Creio que há nele [poeta] o

político, o pensador, o legislador, o filósofo”99.

Em Merlin and The Gleam Tennyson relacionou sua poesia à natureza, de

lá partiu o brilho que o poeta seguiu, brilho que estava vinculado com a

produção poética do autor.

“ Then to the melody,

Over a wilderness

Gliding, and glancing at

Elf of the woodland,

Gnome of the cavern,

Griffin and Giant,

And dancing of Fairies

In desolate hollows,

And wraiths of the mountain,

And rolling of dragons

By warble of water,

Or cataract music

Of falling torrents,

Flitted The Gleam”100.

O “Brilho”, o “Vislumbre”, planou sobre um “lugar selvagem”, uma floresta,

local onde era possível ouvir sua “melodia”. O brilho de um vislumbre poético

está relacionado aos sentidos do corpo do próprio poeta – Escutar a melodia e 99 CARLYLE, T. 1963. Op. cit. pp. 79. 100 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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perceber de onde partiu o brilho parece ser um privilégio de Tennyson, foi ele

que teve contato com o belo, com a melodia.

Para Burke, as melodias possuem uma analogia com a beleza. Por meio

dos sons suaves, uniformes e baixos o corpo é tocado, atingindo a percepção

do belo. “...uma grande variedade e transições bruscas de um ritmo ou de um

tom para outro se opõem à essência do belo musical. Tais transições muitas

vezes incitam o júbilo ou quaisquer outras paixões súbitas e tumultuosas, mas

não aquele abandono, aquele enternecimento, aquele langor que constitui o

efeito característico do belo com relação a todos os sentidos. A paixão gerada

pela beleza está, na verdade, mais próxima de uma espécie de melancolia do

que da jovialidade e da alegria”101.

Tennyson, para o qual as poesias são compostas de sonoridades buscou

nesse estado de melancolia a voz narrativa do poeta, a voz melodiosa. Por

meio de suas sensações iniciais, de seu contato com o bucólico, com o belo, o

poeta foi tocado pelo mestre que o ensinou toda sorte de magia, a magia das

palavras, das metáforas, das alegorias, dos ritmos da poesia. Através dessa

magia, Tennyson tentou atingir as sensações e as percepções dos indivíduos,

para que estes trabalhassem para harmonizar o corpo da nação.

Na estrofe seguinte, o poeta continua narrando o percurso bucólico

realizado pelo “Brilho” o qual ele seguia:

“Down from the mountain

And over the level,

And streaming and shining on

Silent river,

Silvery willow,

Pasture and plowland,

Horses and oxen,

Innocent maidens,

Garrulous children,

Homestead and harvest,

Reaper and gleaner,

101 BURKE, E. 1993. Op. cit. pp 129.

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And rough-ruddy faces

Of lowly labour,

Slided The Gleam”102.

Esse “Brilho”, apesar de ameaçado por hordas de bárbaros, pode ser

entendido como o ideal de Tennyson enquanto poeta. A inspiração do poeta

renovou-se através da harmonia com a natureza. Ao olhar novamente para o

campo, escreveu éclogas, idílios, cantou a melodia da vida no campo, com

suas alegrias e tristezas (“...Innocent maidens, Garrulous children...”).

Depois desse momento de renovação poética, em que observou um

pouco das experiências cotidianas, Tennyson partiu para seu mais alto

propósito literário, onde celebrou a glória do amor humano, em detrimento das

paixões, e onde evidenciou a possibilidade do heroísmo: o planejado épico do

rei Arthur e de seus cavaleiros deveria ser plenamente desenvolvido. “He had

purposed that this was to be the chief work of his manhood”103.

Aqui percebemos que “Brilho”, “Vislumbre”, ganhou novos atributos, não

sendo apenas o “Mestre” que fez de Tennyson um poeta, mas também – o

ideal seguido pelo poeta e, para além disso, o próprio Arthur, seu exemplo

máximo de conduta.

O poeta, que havia se sensibilizado com influências do romantismo em

seus primeiros poemas, se voltou para os dias gloriosos do rei Arthur e de seus

cavaleiros, momento em que Tennyson cantou a beleza de Camelot, a força e

a grandiosidade da realeza. Arthur foi aquele que obteve “tranqüilidade”, após

provar suas forças em muitas batalhas:

“Then, with a melody

Stronger and statelier,

Led me at length

To the city and palace

Of Arthur the king;

Touch'd at the golden 102 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008. 103 TENNYSON, Hallam. 1889. Op. cit. pp. XIV.

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Cross of the churches,

Flash'd on the Tournament,

Flicker'd and bicker'd

From helmet to helmet,

And last on the forehead

Of Arthur the blameless

Rested The Gleam”104.

O poder do rei associado à sua força de guerreiro indicava a presença do

sublime em Camelot. Segundo Burke, sob qualquer ângulo que pensemos o

poder e a força, eles aparecem sempre vinculados com o sublime, pois

suscitavam terror. A presença do amor evidenciada pelo poeta no reinado de

Arthur, não elimina o terror exercido pelo rei – lembremos que Arthur se apossa

de sua espada assim que é aclamado rei.

O corpo do rei estava relacionado com o belo e com o sublime. Gerava

uma sensação suave e delicada (belo) e, ao mesmo tempo, representava a

força, utilizando armas e ameaçando todos os que impedissem a realização de

seu ideal maior (sublime). Essa multiplicidade de sentidos que abordam

diferentes sensações não produzem uma ideia harmônica e homogênea. Mais

uma vez, Tennyson parece concordar com a filosofia de Burke, para quem o

suave e pequeno, não impressionava homens e mulheres.

Camelot e Arthur impressionam por sua grandiosidade, despertam as

paixões, para tanto, estão relacionados com a grandeza e com o terror

provocado pelo sublime e pela a presença do belo. “Se as qualidades do

sublime e do belo por vezes se encontraram unidas, será isso prova de que

são a mesma coisa, de que estão sempre ligadas, até mesmo de que não são

opostas e contrárias? O preto e o branco podem suavizar-se, podem fundir-se,

mas não são, contudo, a mesma coisa. Nem quando são assim suavizados e

fundidos um com o outro, ou com cores diferentes, o poder do preto como

104 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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preto, ou do branco como branco é tão grande como quando cada um

permanece uniforme e distinto”105.

A Inglaterra de Tennyson possuía a mescla do que era considerado belo e

sublime. Se o bucólico pertencia ao belo, as grandes cidades inglesas, como

Londres, traziam a predominância do sublime, ainda que a industrialização

também fosse relacionada ao progresso, as cidades com suas indústrias

assustavam por sua grandiosidade, por sua força, pela grandeza arquitetônica

e por ser o lugar da multidão.

Disraeli afirmou que “(...) o regime industrial, que se torna o de todos os

(...) Estados civilizados, deixa ver todos os seus defeitos... A confusão de

formas e cores não é menos perturbadora, e o efeito se assemelha ao das

quatro imensas páginas onde se apertam os anúncios do Times. Lá, como

aqui, reina a concorrência. Cada um anuncia seu produto ou sua droga... O

gosto se degrada e perde a finura. Tudo torna-se povo, povo operário,

comerciante ávido e duro, inquieto e triste...”106

Somado a esse retrato da Inglaterra industrializada, a morte do amigo

Arthur Hallam, quase fez Tennyson renunciar ao seu principal propósito

literário. Por um tempo, pouco se alegrou com o esplendor da visão do poeta,

nesse momento, o “Vislumbre” diminuiu devido ao lampejo do inverno.

“Clouds and darkness

Closed upon Camelot;

Arthur had vanish'd

I knew not whither,

The king who loved me,

And cannot die;

For out of the darkness

Silent and slowly

The Gleam, that had waned to a wintry glimmer

On icy fallow

And faded forest, 105 BURKE, E. 1993. Op. cit. pp 131. 106 DISRAELI, Benjamin. In: CHARLOT, Monica; MARX, Roland. (orgs). Londres, 1851-1901: a era vitoriana ou o triunfo das desigualdades. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. pp. 28.

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Drew to the valley

Named of the shadow,

And slowly brightening

Out of the glimmer,

And slowly moving again to a melody

Yearningly tender,

Fell on the shadow,

No longer a shadow,

But clothed with The Gleam”107.

Tennyson abordava, ao mesmo tempo, a morte de Arthur Hallam e a do

Arthur rei. A morte de Hallam “cobre de escuridão” o mundo do poeta, a morte

do rei faz o mesmo com Camelot. E, se Arthur rei, continuava vivo para a

sociedade, existia a possibilidade do retorno do rei, que foi exemplo de boa

conduta na obra de Tennyson; o Arthur amigo continuaria vivo para o poeta. A

ligação de amizade, o exemplo de conduta que o poeta relacionava às ações

do amigo, a produção do In Memorian, poema de destaque na carreira de

Tennyson, tudo estava ligado a Hallam. Os vínculos de amizade fizeram com

que algo de Arthur Hallam permanecesse junto ao poeta, e dessa maneira,

estaria sempre vivo.

A estrofe evidenciou que até mesmo o que deveria ser belo, como o

espaço da floresta, acabou “murchando” com a ausência de Arthur. Tudo se

tornou sombrio, as sombras que dominavam a sociedade e tentavam dominar o

próprio Alfred, não apenas enquanto indivíduo, mas principalmente como

poeta, quase esquecido de sua missão relevante perante a sociedade.

Segundo o filho de Tennyson, também chamado Arthur Hallam, quando o

poeta uniu os dois “Arthurs”, o dos Idílios e o amigo que Tennyson transformou

quase em uma divindade, conseguiu sair vitorioso de seu estado de luto, se

fortalecendo com uma fé em si mesmo e uma esperança firme que não mais o

abandonou nos anos seguintes, no correr dos quais Tennyson cumpriria a

função de poeta Laureado (“...No longer a shadow, But clothed with The

107 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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Gleam”), amadurecendo seu estilo cheio de retórica, de poeta enfático,

veemente que quer influir sobre as emoções e as mentes dos homens.

O poeta continuaria a desempenhar sua função social, de maneira que

seu comportamento, suas atitudes, seus posicionamentos, a educação de seus

sentidos ganhou maior força:

“And broader and brighter

The Gleam flying onward,

Wed to the melody,

Sang thro' the world;

And slower and fainter,

Old and weary,

But eager to follow,

I saw, whenever

In passing it glanced upon

Hamlet or city,

That under the Crosses

The dead man's garden,

The mortal hillock,

Would break into blossom;

And so to the land's

Last limit I came--

And can no longer,

But die rejoicing,

For thro' the Magic

Of Him the Mighty,

Who taught me in childhood,

There on the border

Of boundless Ocean,

And all but in Heaven

Hovers The Gleam”108.

108 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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Observamos nos quatro primeiros versos dessa estrofe que o brilho segue

cada vez mais intenso, ligando-se novamente à melodia e cantando através do

mundo. A voz do poeta não foi interrompida, ela continuou sua jornada,

seguindo o vislumbre poético. Mas, o cansaço e a fraqueza às vezes

ameaçavam a voz profética do poeta.

Tennyson se mostrava cansado com a sociedade em que viveu. A

preocupação e o cansaço do poeta foram demonstrados no Memoir ao dizer

que apesar de perceber naquela sociedade um sentimento de unidade mais

forte do que entrevia em sua juventude, esse sentimento de força cada vez

mais cedia ao de fraqueza. A sociedade em que vivia se parecia com uma

“geléia”, quando tocada tremia da base ao cume. Nas palavras do próprio

poeta: “The whole of society at present is too like a jelly; when it is touched, it

shakes from base to summit. As yet the Unity is of weakness rather than of

strength”109.

Para o poeta, a paixão por mudanças de um grupo de ultra-radicais

parecia a Tennyson mais instável e perigosa do que uma promessa de

progresso material. O escritor relacionou as mudanças repentinas de seu

tempo com uma casa construída sobre a areia e disse que se os radicais

tivessem trilhado seus caminhos o fim do século (XIX) estaria mergulhado em

sangue, portanto, eram os homens civilizados, sábios que deveriam, segundo

Tennyson, continuar traçando os caminhos da Inglaterra – “Men of education,

experience, weight, and wisdom, must continue to come forward. They who will

not be ruled by the rudder will in the end be ruled by the rock”110.

No olhar do poeta, era preciso formar um único corpo político para que a

Nação pudesse se desenvolver plenamente. Para tanto, não seria preciso

apagar as individualidades, pois num organismo equilibrado existe a

necessidade dos diferentes funcionamentos de cada parte do corpo. Tennyson

entendia, portanto, que essas individualidades deveriam servir como funções

do corpo da nação. As individualidades poderiam fortalecer a vida social

inglesa.

109 TENNYSON, Hallam. 1889. Op. cit. pp. 339. Vol II. 110 TENNYSON, Hallam. 1889. Op. cit. pp 339. Vol. II.

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“The diference of individualities must always exist, and since we are

members of one body, different gifts are needed to supply the wants of that

body. Our aim therefore ought to be not to merge the individual in the

community, but to strengthen the social life of the community, and foster the

individuality”111. A voz narrativa do poeta, ainda clamava pela unidade nacional

e, embora cansada, seguia o brilho que pairava no céu.

“Not of the sunlight,

Not of the moonlight,

Not of the starlight!

O young Mariner,

Down to the haven,

Call your companions,

Launch your vessel,

And crowd your canvas,

And, ere it vanishes

Over the margin,

After it, follow it,

Follow The Gleam”112.

Alfred Tennyson encerrou o poema esclarecendo que o “Brilho” não era a

luz do sol, nem o luar, nem a luz das estrelas. E sugeriu ao Jovem Marinheiro

que seguisse o brilho com sua embarcação. Quando assim narrou, deixou claro

que nem o cansaço, nem a fraqueza o impediram de continuar seguindo, assim

também deveriam fazê-lo os jovens de sua sociedade, seguir o brilho do ideal

nacional. O brilho que o poeta enxergou sempre presente na a Inglaterra

vitoriana. O brilho do ideal que o poeta considerou relevante para a

continuidade e para a fortificação da civilização nacional.

O poema Merlin and The Gleam ressaltou a forte ligação que Tennyson

tinha com a personagem Merlin, mas também com a Inglaterra vitoriana,

enquanto nação. Em 1852, Alfred Tennyson publicou dois poemas no periódico 111 TENNYSON, Hallam. 1889. Op. cit. pp 339. Vol II. 112 TENNYSON. Merlin and The Gleam. Disponível em: http://www.lib.rochester.edu/camelot/merl&glm.htm Acesso em: 23 de Julho de 2008.

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The Examiner onde assinou Merlin. Nesses poemas, intitulados The Third Of

February e Hands All Round, a voz do poeta exaltou a nação inglesa e a rainha

Vitória. A bravura do povo inglês foi celebrada com o objetivo de marcar a

oposição ao governo imperial de Napoleão III113. Para tanto, Tennyson colocou

a Inglaterra na condição de “voz da Europa”, atribuindo à sua nação a força da

palavra de ordem.

“No little German state are we,

But the one voice in Europe; we must speak”114.

Nesses poemas, ao assinar o nome do mago, o poeta atribuiu a si mesmo

a autoridade e a sabedoria do profeta. Era como se Merlin – e não Tennyson –

chamasse os bretões à luta em nome do corpo nacional. Além disso, a imagem

do Merlin lembrava que os ingleses estavam ligados a uma tradição que

constituiu a nação: uma comunidade política, que precisava da lealdade e do

serviço de cada indivíduo. O poeta chamava a população como se estivesse

lutando apenas contra a tirania do governante francês, para defender uma

suposta liberdade.

“We love not this French God, the child of hell,

Wild War, who breaks the converse of the wise.

(...)

Shall we fear him? our own we never fear'd115”.

Nesses versos, Tennyson declarou que os ingleses “não amavam o Deus

francês”, referindo-se a Napoleão III também como “filho do inferno”. Além

disso, narrou que a guerra que o governante francês fazia era uma guerra

“selvagem”, motivo pelo qual questionou os ingleses se eles deveriam temer a

Napoleão III e, o próprio poeta respondia que os ingleses nunca tiveram medo.

Ao escrever tais palavras celebrava a força e a bravura inglesa.

113 Carlos Luis Napoleão Bonaparte governou a França como imperador de 1852 até 1870. 114 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 672. 115 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 672.

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Aos olhos do poeta, os “filhos da Inglaterra” não deixariam predominar a

força das armas do tirano francês, os ingleses foram apresentados no poema

como população que luta em nome da liberdade e, nesse momento, o poeta,

que se posicionou contra a ampliação da participação política da população

mais pobre, parecia defender a “liberdade” de todos e, para tanto, chamou mais

uma vez a multidão para lutar em nome da Inglaterra.

“What England was, shall her true sons forget?

We are not cotton-spinners all,

But some love England and her honor yet”116.

Tennyson fazia um apelo emocional “O que foi a Inglaterra? Devem seus

verdadeiros filhos esquecê-la?”. Para o poeta todos deveriam se portar como

filhos da nação inglesa, pois não os considerava apenas “fiadores de algodão”,

ele parecia enxergar ainda amor e honra. A voz narrativa do poeta, que se

autodenominava profética, assinando o nome Merlin, trabalhava para a nação

inglesa, ao exaltar a liberdade, não se referia à liberdade individual, mas à

liberdade da nação.

Ao convocar a participação de todos, Tennyson concebia a nação como

um organismo. Esse “corpo” social e político que parece ter vida separada dos

indivíduos que o compõe, depende da ação de cada um desses indivíduos. Por

isso, a cultura nacional que o poeta buscava constituir era, em primeiro lugar, o

cultivo de um comportamento de fidelidade e de uma devoção religiosa em

relação à Inglaterra. Essa “fidelidade” não se aplicava somente ao âmbito

político, ao Estado, mas implicava a presença de outros valores que de alguma

maneira estivessem vinculados a um sentimento de pertencimento.

Esses “valores” estavam relacionados à construção de uma visão

orgânica da nação, pois cada um deveria olhar para si mesmo como parte de

um corpo maior, o que significava que as diferenças individuais deveriam

trabalhar cada uma à sua maneira, para o bem do organismo maior, do qual

faziam parte: a nação. Cada indivíduo era percebido pelo poeta como se fosse

um órgão de um corpo que deveria desempenhar sua função para colaborar

116 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 673.

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com o funcionamento do “todo”. Assim, Tennyson celebrava a Inglaterra e a

liberdade da nação:

“To this great cause of Freedom drink, my friends,

And the great name of England, round and round”117.

Tennyson se mostrava um autor conservador em muitos aspectos. Vimos

que se opôs veementemente à ampliação da participação política para os

operários ingleses. Outro aspecto do seu conservadorismo remetia à defesa e

à exaltação da realeza inglesa. Em muitos momentos, o autor vinculou a

Inglaterra à figura da rainha Vitória, celebrando-as como se fossem a

representação da própria civilização.

“O rise, our strong Atlantic sons,

When war against our freedom springs!

O speak to Europe through yours guns!

They can be understood by Kings.

You must not mix our Queen with those

That wish to Keep their people fools;

Our freedom’s foemen are her foes,

She comprehends the race she rules”118.

No excerto, o poeta chamou para a guerra os “filhos do Atlântico”,

convocando os estadunidenses para lutar a favor da “liberdade”, evidenciando

que a “fala das armas” pode ser entendida pelos reis. Ao dizer isso, Tennyson

fez a seguinte ressalva: “Não misturem nossa Rainha, àquelas que desejam

manter seu povo tolo”, e completa ao dizer que os inimigos da “liberdade” eram

também inimigos da “rainha inglesa”.

A imagem da rainha foi exaltada em muitos poemas do poeta laureado,

que assim vivia convictamente sua missão de fidelidade à Coroa. Era como se

para a realeza convergissem os laços de fidelidade entre a população e o

117 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 675. 118 TENNYSON. 1954, Op. cit. pp. 676.

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Estado. Exaltava os laços profundos com toda a força das tradições inglesas.

Nesse sentido, Tennyson utilizou a voz profética de um importante personagem

da literatura, para tentar consolidar uma ideologia nacional. Exaltou como poeta

a força de costumes e a invenção de tradições e de sentimentos de fidelidade à

nação, que pretendia incutir no íntimo dos indivíduos através de seus poemas.

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Considerações finais

No século XIX ocorreu a consolidação do Estado fundamentado na esfera

da legalidade. Se antes, o Estado pautava-se na legitimidade, relacionada ao

rei, agora estava posta a ideia de liberdade e participação política dos cidadãos

– e não mais dos súditos. A Inglaterra vitoriana vivenciou a ampliação da

participação popular por meio dos votos. Os traços do Estado Moderno foram

aperfeiçoados e consolidados, a imagem do monarca - como figura que

centralizava o poder - foi substituída pela legislação.

Concomitantemente, ocorreu um processo de integração entre Estado e

sociedade civil, onde as ações dos indivíduos foram diretamente relacionadas

com o progresso ou com a decadência da sociedade. Nesse sentido,

posicionamentos considerados rebeldes, eram entendidos como ameaça

social. Assim, na tentativa de ampliar o controle social, os vínculos entre

indivíduo e Estado passaram a ser forjados numa tradição, que poderia ou não

ser inventada. Naquele momento, parecia existir uma necessidade de criar um

sentimento de pertencimento e identidade nacional. Para tanto, o Estado, foi

associado à nação, entendida de maneira subjetiva e “sentimental”.

As ações dos indivíduos passaram a ser vistas como atitudes que

complementariam a consolidariam a ordem estatal. Por esse motivo, era

necessário desenvolver um profundo enraizamento entre indivíduos e nação. A

invenção de tradições e a retomada de valores considerados parte da tradição

medieval inglesa contribuíram para esse possível “enraizamento social”. Nesse

processo, o corpo tornou-se lugar de disciplina e, ao mesmo tempo,

instrumento de trabalho, era necessário educá-lo e torná-lo o mais produtivo

possível.

Assim, alguns cientistas e pensadores relacionavam o funcionamento do

corpo humano com o funcionamento das máquinas, pois acreditavam que a

sociedade inglesa dependia da disciplina e do aumento da produção para

alcançar o progresso, então, estudaram o corpo como um mecanismo. Os

principais objetivos desses estudos relacionavam-se ao controle social e às

formas de evitar a fadiga, para, ao mesmo tempo, manter a “massa

populacional” sob controle e aumentar a produtividade.

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Por outro lado, havia um grupo que se opunha a ideia de sociedade

mecanizada, que se opunha a formação de um individualismo desenfreado

trazido pelo industrialismo e pelo liberalismo – Tennyson fazia parte desse

grupo. O autor tentou resgatar alguns valores medievais e depositou nas

figuras da rainha Vitória e do príncipe Albert as representações da uma

Inglaterra organizada e civilizada. O poeta acreditava que o Estado deveria

garantir o bem estar social, mas não deveria dar o poder de escolha para a

maioria da população.

Entretanto, como viveu num período de ampliação da participação política

da população, preocupou-se em educar essa “multidão” através de seus

poemas. Tennyson, assim como outros escritores, evidenciava certo medo do

potencial revolucionário da população, também por esse motivo, entendia que

era necessário controlar os impulsos e os desejos individuais em nome do bem

social e em nome da nação.

Para Tennyson, era necessário se precaver contra as possíveis e

incontroláveis “paixões” da população. Havia um “medo” da cultura popular e,

justamente por isso, cultura e educação foram relacionadas com a erudição em

detrimento de uma cultura (popular) baseada nas experiências e nas vivências

das classes economicamente mais baixas.

Quando Tennyson tentou aproximar poesia e vida, a principal

preocupação não era abordar experiências cotidianas da maior parte da

população, mas sim vincular as atitudes individuais aos padrões de civilização

considerados relevantes pelo poeta, ainda que para isso, pudesse utilizar

exemplos da vida cotidiana. Nesse sentido, o ato de educar, para Tennyson,

tinha um interesse específico: o progresso da Inglaterra enquanto nação. A

grande relevância estava depositada nos rumos que a Inglaterra tomava e nos

interesses representados pela realeza inglesa.

Contudo, não é possível realizarmos uma conclusão sobre os estudos da

Inglaterra vitoriana. Este trabalho apresenta apenas algumas considerações

sobre um amplo período que contribuiu para a formação da sociedade

contemporânea que hoje vivenciamos. Sociedade de liberais industrialistas, de

conservadores, mas também de autores que evidenciavam a importância de

um tipo de arte que estivesse relacionada com uma ideia de “liberdade”, como

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é o caso de William Morris, que dizia que a arte deveria possibilitar a percepção

dos próprios desejos e dos desejos dos outros, tornando evidente que o

trabalho “escravo” era completamente indesejável...

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Bibliografia

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