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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Thiago Buschinelli Sorrentino Controle, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da atribuição de responsabilidade tributária aos sócios e administradores de pessoas jurídicas MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Thiago Buschinelli Sorrentino

Controle, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da atribuição de responsabilidade tributária aos sócios e administradores de pessoas jurídicas

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Thiago Buschinelli Sorrentino

Controle, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da atribuição de responsabilidade tributária aos sócios e administradores de pessoas jurídicas

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Estado, subárea de concentração em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho.

SÃO PAULO 2008

Banca Examinadora

_____________________________

_____________________________

_____________________________

Aos meus avôs, Áurea e Júlio (in memoriam), Nair (in memorian) e Savério (in memorian). Aos meus pais, Mariaurea e Luiz Carlos. Ao meu irmão, Filipe. À minha esposa, Luciana.

AGRADECIMENTOS

Há muitos anos, ao adentrar uma igreja, o candidato deu pela ausência das

imagens de santos que figuravam ao longo de toda a nave até o holy of the holies.

Ali se encontrava apenas a estátua de São José, segurando o Menino-Jesus nos

braços.

Do topo de sua pouca idade, o candidato perguntara ao sacerdote

responsável pela igreja, um venerável senhor de origem italiana, onde estavam as

estátuas dos demais santos.

A pergunta foi respondida com outra pergunta, com um carregado sotaque

peninsular: “Quando entramos na casa de alguém, com quem primeiro falamos? A

quem pedimos permissão para entrar e rendemos nossas homenagens? Não é com

o Dono da casa e seu pai?”

Agradeço ao Deus de meu coração e de minha compreensão pela

oportunidade de vencer minhas limitações e meus desafios.

Aos meus pais, Luiz Carlos e Mariaurea, pela liberdade de pensamento e

pelo amor à retidão, à verdade, à compaixão e à Família. Todos os passos que dei,

se é que realmente os dei à frente, devo a vocês.

Ao Professor Doutor Paulo de Barros Carvalho, pai desta caminhada

acadêmica e orientador dos passos que, titubeantes e incertos, mas sinceros, dei

rumo ao amor à Ciência.

Ao Professor Doutor Eurico Marcos Diniz de Santi, quem primeiro mostrou

ao candidato um caminho mais seguro, preciso e coerente na senda da pragmática

jurídica, ainda nos bancos da Faculdade de Direito.

À Professora Doutora Fabiana del Padre Tomé, pelo apoio e incentivo

durante o curso de Especialização em Direito da COGEAE/PUC-SP, e à Professora

Íris Rosa, pelo incentivo à investigação científica ainda nos bancos da Faculdade de

Direito.

Ao amigo Aldo de Paula Jr., pela tolerância, pela amizade sincera e pelas

conversas instigantes ao longo destes anos. Mas é errado?!?!?!?

Ao amigo Mario Hermes Trigo Loureiro, pela gentil acolhida no Planalto

Central e pelo empréstimo de livros que estou quase usucapindo.

Ao Professor Daniel Peixoto, pelas referências essenciais ao desenrolar do

projeto.

A Sua Excelência o Ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, pelo gentil

empréstimo do vasto conhecimento acadêmico, pela cuidadosa e conscienciosa

postura no exercício da função jurisdicional, que procurei replicar neste esforço, pela

tolerância e, principalmente, pela mais valiosa lição recebida.

Ao Professor Doutor George Rodrigo Bandeira Galindo – pai espiritual deste

esforço – Geo, sem você, estas páginas não teriam visto a Luz. Obrigado!

Aos irmãos-em-armas: Flávia Beatriz, pelo empréstimo de ouvidos; Gabriel

de Mello Galvão, pela serena e séria ponderação nas discussões sobre o controle

de constitucionalidade; Carla Stocco, Domina do controle difuso de

constitucionalidade (sim, interpretação conforme à Constituição é a solução de todos

os males, da gripe à catapora!); e Rodrigo Golívio Pereira, também pelo empréstimo

de ouvidos.

A Rochelle Quito, custódia da Flor do Lácio, pela grande competência e pelo

empenho em ajudar o candidato a melhor compreender as vicissitudes da língua

portuguesa – e o mais importante, fazer-se ser entendido.

E, antes de tudo,

A Luciana Yuki Fugishita,

Amo-a não porque preciso de você.

Mas preciso de você porque a amo.

Sem você, não haveria dissertação de mestrado. Não haveria Thiago.

RESUMO

Esta dissertação de mestrado examina o controle da atribuição de responsabilidade tributária, tomando por parâmetro os instrumentos disponíveis ao Supremo Tribunal Federal. Estuda, inicialmente, o papel da linguagem, da lógica e da Teoria dos Sistemas na formação do quadro. Reconstrói, então, as estruturas sintáticas e dinâmicas das normas de responsabilidade tributária. Procura pelos parâmetros de controle, constitucionais e infraconstitucionais (Código Tributário Nacional). Em especial, dá ênfase à proporcionalidade e a razoabilidade e ao papel das normas gerais em matéria tributária. Escrutiniza alguns dos instrumentos disponíveis ao Supremo Tribunal Federal para o controle da responsabilidade tributária (a ação direta de inconstitucionalidade, o recurso extraordinário e a reclamação constitucional). Por fim, elege cenários para testar alguns pontos das conclusões.

Palavras-chave: Tributário. Responsabilidade tributária. Sócio. Administrador. Norma jurídica. Controle de Constitucionalidade. Supremo Tribunal Federal.

ABSTRACT

This paper examines the judicial review of how tax liability is ascribed to non-taxpayers, upon the Brazil Supreme Court point of view (Supremo Tribunal Federal). Studies, at first, the role of language, logic and Systems Theory as tools which will be used throughout the investigation. Then, rebuilds the syntactic and dynamic structures of the norms that ascribe tax liability. Searches for the constitutional and non-constitutional (National Tax Code) parameters of control. Emphasizes proportionality, reasonableness and the role of general taxation norms within the system. Scrutinizes some of the instruments available to the Brazil Supreme Court (the ação direta de inconstitucionalidade, the recurso extraordinário and the reclamação constitucional). At last, reckons scenarios in order to test some of the conclusions.

Key words: Taxation. Tax liability. Partner. Administrator. Legal norm. Judicial review (constitutional). Supremo Tribunal Federal (Brazilian Supreme Court).

In each individual the spirit has become flesh, in each man the creation suffers, within each one a redeemer is nailed to the cross.

Herman Hesse

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS ................................................................... 1.1. NORMA JURÍDICA E NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA ........................... 1.1.1. “Direito” como texto e fenômeno de linguagem .............................. 1.1.2. O percurso da formação de sentido. O trânsito pelos

subsistemas e pelos níveis de linguagem ........................................ 1.1.3. Semiose e Direito ................................................................................ 1.1.4. Norma jurídica. Estrutura estática ..................................................... 1.1.4.1. Norma Jurídica e Estrutura Lógica ........................................................ 1.1.5. A atuação dinâmica da regra-matriz de incidência

tributária ............................................................................................... 1.1.6. Aplicação do direito positivo. O papel da linguagem na

construção do direito positivo ........................................................... 1.1.7. Normas jurídicas primárias e secundárias. Normas primárias

sancionadoras e normas primárias dispositiva ............................... 1.1.8. Normas de estrutura e normas de comportamento ......................... 1.1.9. Fontes do direito ................................................................................. 1.1.10. Regras de reconhecimento. Existência, pertinência e validade

das normas .......................................................................................... 1.1.11. Princípios, regras e direitos fundamentais ....................................... 1.2. SISTEMAS E TEORIA DOS SISTEMAS ................................................ 2. ATRIBUIÇÃO DE SUJEIÇÃO PASSIVA E DE RESPONSABILIDADE

TRIBUTÁRIA ................................................................................................. 2.1. TENSÃO ENTRE CONTRIBUINTE E RESPONSÁVEL. PROBLEMAS

RECORRENTES NA DEFINIÇÃO DA LIMITES À ATRIBUIÇÃO DE SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA ...........................................................

2.2. A CATEGORIA “CONTRIBUINTE” ............................................................. 2.2.1. Introdução ............................................................................................ 2.2.2. Caracterização da categoria “contribuinte” ..................................... 2.2.3. Modelo sugerido .................................................................................. 2.3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA ......................................................... 2.3.1. Acepções da expressão “responsabilidade tributária” .................. 2.3.2. Estrutura geral das normas de sujeição passiva

indireta ................................................................................................. 2.3.2.1. Introdução ............................................................................................. 2.3.2.2. Modelo de Atribuição de Sujeição Passiva por Substituição e por

Transferência ........................................................................................ 2.3.2.2.1. As lições pioneiras de Rubens Gomes de Souza e de Alfredo

Augusto Becker .................................................................................. 2.3.2.2.2. A versão de Sacha Calmon Navarro Coelho ...................................... 2.3.2.2.3. Ênfase na estrutura normativa e na respectiva justificativa: a tese de

Marçal Justen Filho ............................................................................. 2.3.2.3. Modelo de Atribuição de Sujeição Passiva Constitucional e Legal. O

Enfoque Processualista de Renato Lopes Becho ................................. 2.3.2.4. Modelo de Atribuição de Responsabilidade Tributária por

Substituição, por Solidariedade, por Sucessão, de Terceiros e por

15 20 20 20 21 22 24 26 34 37 39 40 41 42 45 48 57 57 63 63 65 72 78 78 80 80 84 84 89 91 100

Infrações. O Exame da Estrutura Lógica das Normas de Responsabilidade por Maria Rita Ferragut ............................................

2.3.2.5. Característica Sancionatória da Norma de Responsabilidade Tributária. As Ponderações de Paulo de Barros Carvalho ....................

2.3.3. Modelo sugerido .................................................................................. 2.3.3.1. Introdução ............................................................................................. 2.3.3.2. A Racionalidade Aplicável à Atribuição de Sujeição Passiva por

Responsabilidade .................................................................................. 2.3.3.2.1. Introdução ........................................................................................... 2.3.3.2.2. A racionalidade preponderante da responsabilidade civil .................. 2.3.3.2.3. Racionalidade subjacente à responsabilidade penal ou criminal ....... 2.3.3.2.4. Responsabilidade dos sócios e administradores perante os demais

sócios e a pessoa jurídica .................................................................. 2.3.3.2.5. Teoria dos atos ultra vires e suas limitações ..................................... 2.3.3.2.6. A racionalidade preponderante da atribuição de responsabilidade

tributária .............................................................................................. 2.3.3.3. Elementos para a Formação do Sentido de “Responsabilidade” em

Normas de Direito Civil .......................................................................... 2.3.3.3.1. Elementos comuns ............................................................................. 2.3.3.3.2. Responsabilidade subjetiva ou por culpa ........................................... 2.3.3.3.3. Responsabildiade objetiva, por resultado ou sem culpa .................... 2.3.3.4. Modelo Sugerido. Estrutura Normativa ................................................. 2.3.3.4.1. O pressuposto universal: o ciclo válido de incidência da

regra-matriz ........................................................................................ 2.3.3.4.2. Arquétipos dos conseqüentes normativos das normas de

responsabildiade tributária ................................................................. 2.3.3.4.2.1. A estrutura básica ......................................................................... 2.3.3.4.2.2. Manutenção da relação jurídica tributária:

solidariedade ................................................................................. 2.3.3.4.2.3. Manutenção da relação jurídica tributária: subsidiariedade

(ordenação) ................................................................................... 2.3.3.4.2.4. Substituição ou pessoalidade (disjunção excludente) .................. 2.3.3.4.3. A estrutura completa do arquétipo das normas de

responsabilidade ................................................................................ 2.3.3.5. Modelo Sugerido. Estrutura Sistemática ............................................... 2.3.3.5.1. “Direito” como uma rede de transição aumentada (RTA – RTN) ....... 2.3.3.5.2. Fases de construção de sentido e fluxo de positivação do direito

(nexos de causalidade jurídica) .......................................................... 2.3.3.5.2.1. Introdução ..................................................................................... 2.3.3.5.2.2. Competência tributária (Constituição) ........................................... 2.3.3.5.2.3. Normas gerais em matéria tributária (Lei

Complementar) .............................................................................. 2.3.3.5.2.4. Instituição da regra-matriz em legislação ordinária ou

complementar ................................................................................ 2.3.3.5.2.5. Regulamentação e outras determinações infra-

ordinárias ....................................................................................... 2.3.3.5.2.6. Constituição do crédito tributário e da relação jurídica de

responsabilidade ........................................................................... 2.3.3.5.2.7. Inscrição em dívida ativa ............................................................... 2.3.3.5.2.8. Cobrança judicial do crédito tributário ou do crédito pertinente à

102 108 111 111 112 112 115 118 122 124 128 131 131 132 134 136 136 141 141 141 142 143 144 144 144 156 156 157 164 173 175 177 182

responsabilidade tributária ............................................................ 2.3.3.5.2.9. Nota sobre o anteprojeto da lei que institui a execução fiscal

administrativa ................................................................................ 2.3.3.5.2.10. Confirmação ou infirmação do crédito tributário ou do crédito

referente à responsabildiade em processo administrativo ou judicial ...........................................................................................

2.3.3.5.3. Controle e sentido das palavras ......................................................... 2.3.3.5.4. Uso de elementos do Sistema Econômico e de outros sistemas na

formação das normas de responsabilidade tributária ......................... 2.3.3.5.5. Comprovação probatória e confirmação do quadro fático. Teoria das

Provas ................................................................................................. 2.3.3.5.6. Presunções ......................................................................................... 2.3.3.5.7. Semelhanças e diferenças entre responsabilidade tributária e

desconsideração da personalidade jurídica. Diferenciação quanto à desconsideração de negócios jurídicos (norma antielisiva) ...............

2.3.3.5.8. Tipo da operação realizada pelas normas de responsabilidade tributária ..............................................................................................

2.3.3.5.9. Esboços das Redes de Transição Aumentadas relativas à atribuição de responsabilidade tributária ...........................................................

3. PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS DE CONTROLE DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA ..........................................................

3.1. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA ELEIÇÃO DE RESPONSÁVEIS TRIBUTÁRIOS ..............................................................

3.2. LEGALIDADE ............................................................................................. 3.3. ANTERIORIDADE ...................................................................................... 3.4. IRRETROATIVIDADE ................................................................................. 3.5. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ................................................................ 3.6. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE ........................................... 3.6.1. Introdução ............................................................................................ 3.6.2. Regra de proporcionalidade ............................................................... 3.6.3. Proporcionalidade e responsabilidade tributária ............................. 3.6.4. Regra de razoabilidade ....................................................................... 3.6.5. Impossibilidade ontológica e obrigações não-razoáveis ................ 3.7. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR (ART. 146 DA CONSTITUIÇÃO) –

DIFERENCIAÇÃO ENTRE LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS E DE RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR PARA INSTITUIÇÃO DO TRIBUTO OU ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABLIDADE ................................................................................

3.7.1. Lei complementar e hierarquia .......................................................... 3.8. SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA PELA ESCOLHA DE OUTRO FATO

JURÍDICO E CALIBRADA PELA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO PREFERENCIAL DO VALOR ARRECADADO (ART. 150, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO) .......................................................................................

4. PARÂMETROS PARA A ELEIÇÃO DE RESPONSÁVEIS TRIBUTÁRIOS NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL ......................................................

4.1. O TEXTO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL COMO REPOSITÓRIO DE NORMAS GERAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ........

4.2. CTN: LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS OU LEI COMPLEMENTAR DE INSTITUIÇÃO DE HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE? .............................................................................

183 186 187 191 201 204 207 208 214 215 218 218 218 220 220 223 229 229 229 239 244 247 249 253 259 266 266 268

4.3. APARENTE CLASSIFICAÇÃO POSTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL .................................................................................................

4.3.1. A relação entre contribuinte e responsável ...................................... 4.3.2. Responsabilidade dos sucessores ................................................... 4.3.3. Responsabilidade de terceiros .......................................................... 4.3.4. Responsabilidade por infrações ........................................................ 4.4. MODELO SUGERIDO ................................................................................ 4.4.1. Introdução ............................................................................................ 4.4.2. Competência para estabelecimento em lei ordinária de novas

hipóteses de responsabilidade tributária, não previstas no Código Tributário Nacional ................................................................

4.4.2.1. Introdução ............................................................................................. 4.4.2.2. O Caráter Simbólico ou Persuasivo do Art. 128 do Código Tributário

Nacional ................................................................................................ 4.4.2.3. Solidariedade e o art. 124 do Código Tributário Nacional ..................... 4.4.3. Breve mapeamento das normas de atribuição de

responsabilidade tributária no Código Tributário Nacional ...............................................................................................

4.4.4. Responsabilidade dos sócios e administradores da pessoa jurídica ..................................................................................................

4.4.4.1. Sujeitos Passivos e Pessoalidade ......................................................... 4.4.4.2. Modelos de Conduta ............................................................................. 4.4.4.3. Infração da Lei, do Contrato Social ou dos Estatutos ........................... 4.4.4.3.1. Mero não-pagamento de valor de tributo ........................................... 4.4.4.3.2. Circunstâncias nas quais o não-pagamento caracteriza infração da

lei, do contrato social ou dos estatutos. Ilícitos atípicos e proporcionalidade ...............................................................................

4.4.4.3.3. Dissolução irregular da sociedade ..................................................... 4.4.4.3.4. Falência .............................................................................................. 4.4.4.3.5. Distribuição de lucros ......................................................................... 4.4.5. Os arts. 136 e 137 do Código Tributário Nacional se aplicam à

responsabilidade tributária de valores relativos à salvaguarda do crédito tributário? ...............................................................................

4.4.6. As estruturas estáticas das normas de atribuição de responsabilidade tributária ao sócio, administrador, gerente ou representante pela conduta que infringe a lei, o contrato social ou o estatuto ........................................................................................

4.5. REGRAS DE PROVA. ÔNUS DA PROVA, REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL E OUTRAS QUESTÕES ..........................................

4.6. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA ................................................................ 4.7. RETENÇÃO DE VALORES PELA FONTE. DEVER INSTRUMENTAL OU

HIPÓTESE DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA POR ANTECIPAÇÃO? EFEITOS DO AJUSTE CONTRATUAL (GROSS UP) ...............................

4.8. PROIBIÇÃO DE IGNORAR CONCEITOS CONSTITUCIONAIS: O ART. 110 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL ..............................................

4.9. CONTRARIEDADE À LEI COMPLEMENTAR 95/1998 ............................. 5. CONTROLE DE ATRIBUIÇÃO DA SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA

POR RESPONSABILIDADE NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ......................................................................................................

5.1. FUNÇÃO JURISDICIONAL E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL

268 268 270 271 272 275 275 277 277 277 280 282 284 286 297 304 306 309 314 317 319 320 321 322 333 335 338 339 341

FEDERAL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ................................... 5.2. PRIMÓRDIOS DO CONTROLE JUDICIAL DE ATOS DO LEGISLATIVO

OU DA ADMINISTRAÇÃO: A SUPREMA CORTE NORTE-AMERICANA E O CASO MARBURY V. MADISON .........................................................

5.3. QUEM É O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO? KELSEN, SCHMITT, JUDICIAL SUPREMACY E COORDINATE REVIEW OR CONSTRUCTION OF THE CONSTITUTION ……………………………….

5.4. O MODELO BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE .........................................................................

5.4.1. Introdução ....................................................................................... 5.4.2. Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade

material ................................................................................................. 5.4.3. Incompatibilidade da norma com texto constitucional

superveniente (diacronia) ................................................................... 5.5. TÉCNICAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE .................... 5.5.1. Declaração de inconstitucionalidade tout court e a tese da

nulidade do texto que foi objeto de controle .................................... 5.5.2. Interpretação conforme a Constituição ............................................ 5.5.3. Declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto .......... 5.5.4. A declaração da norma ainda constitucional (constitucionalidade

“se”, “enquanto”) ................................................................................ 5.5.5. Relações complementares e suplementares entre textos.

Declaração de inconstitucionalidade por arrastamento ................. 5.5.6. Modulação temporal dos efeitos da declaração de

inconstitucionalidade ......................................................................... 5.5.7. Segurança jurídica, stare decisis e mudança de entendimento

jurisprudencial ..................................................................................... 5.6. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ...................................... 5.6.1. Legitimados ......................................................................................... 5.6.2. Parâmetro de controle ........................................................................ 5.6.3. Controle de validade das normas pré-constitucionais .................... 5.7. RECURSO EXTRAORDINÁRIO ................................................................ 5.7.1. Objeto do recurso extraordinário: causas decididas em última ou

em única instância .............................................................................. 5.7.2. Exaustão de instância e pré-questionamento .................................. 5.7.3. Hipóteses de cabimento ..................................................................... 5.7.3.1. Contrariedade do Acórdão quanto a Dispositivo da Constituição ......... 5.7.3.2. Declaração de Inconstitucionalidade de Tratado ou de Lei Federal ..... 5.7.3.3. Julgamento de Validade de Lei ou de Ato Local Contestado em face

da Constituição ...................................................................................... 5.7.3.4. Julgamento de Validade de Lei Local Contestada em face de Lei

Federal .................................................................................................. 5.7.4. Utilidade do provimento jurisdicional e Súmula 283/STF: moot

judgements .......................................................................................... 5.7.5. Norma veiculada por lei ordinária que contraria norma geral em

matéria tributária. Violação da reserva de lei complementar em matéria tributária (art. 146, III, b, da Constituição) ou violação da norma geral? Quem deve conhecer do argumento: o Supremo Tribunal Federal (RE) ou o Superior Tribunal de Justiça (REsp)? .................................................................................................

341 342 344 358 358 360 360 362 362 365 368 369 373 374 387 389 389 391 392 393 393 394 395 395 397 398 399 399 400

5.7.6. Cabimento da interposição de recurso extraordinário de acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso especial ..................................................................................

5.7.7. Apreciação do quadro fático e as Súmulas 279/STF e 07/ STJ ........................................................................................................

5.7.8. Exame de validade da norma jurídica tributária como pressuposto da responsabilidade tributária ....................................

5.7.9. Repercussão geral .............................................................................. 5.7.10. Súmulas vinculantes ........................................................................... 5.7.11. Atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou ao

recurso especial .................................................................................. 5.8. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL .......................................................... 5.8.1. Hipóteses de cabimento ..................................................................... 5.8.1.1. Usurpação de Competência .................................................................. 5.8.1.2. Violação da Autoridade de Decisão do STF.......................................... 5.8.1.3. Violação de Súmula Vinculante ............................................................. 5.8.2. Legitimação ......................................................................................... 5.8.3. Rito ....................................................................................................... 5.8.4. O provimento jurisdicional ................................................................. 6. ENSAIOS ...................................................................................................... 6.1. ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA OBJETIVA E

ILIMITADA AOS SÓCIOS DE SOCIEDADE LIMITADA PELO PAGAMENTO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DA SEGURIDADE SOCIAL .......................................................................................................

6.1.1. Quadro fático-jurídico ......................................................................... 6.1.2. Questões de fundo .............................................................................. 6.1.3. Solução possível ................................................................................. 6.2. ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO

ADMINISTRADOR INSURGENTE, COM BASE NO INTERESSE DO CONTRIBUINTE DE VER-SE EXIMIDO DA OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA ..............................................................................................

6.2.1. Quadro fático-jurídico ......................................................................... 6.2.2. Questões de fundo .............................................................................. 6.2.3. Solução possível ................................................................................. CONCLUSÕES ................................................................................................... REFERÊNCIAS ..................................................................................................

409 410 413 414 416 419 421 421 423 423 424 424 424 425 426 426 426 428 428 432 432 433 433 435 454

15

INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado versa sobre o controle, no âmbito do Supremo

Tribunal Federal, da atribuição de responsabilidade tributária ao sócio e ao

administrador de pessoas jurídicas.

As questões de fundo que deverão ser versadas nesta dissertação

consistem em precisar como operam hipoteticamente as normas de atribuição

passiva reunidas na classe de “responsabilidade tributária”, quais os pertinentes

limites de validade e como tais normas influenciam a resolução de cenários mais

próximos da concreção e individualidade.

O interesse pelo tema surgiu ainda nos bancos da Faculdade de Direito de

São Bernardo do Campo, com aula dada pelo Professor Doutor Eurico Marcos Diniz

de Santi sobre responsabilidade tributária. Após criticar a classificação posta no

Código Tributário Nacional, o Professor introduziu as noções de “responsabilidade

sincrônica” e “responsabilidade diacrônica” à incidência da regra-matriz tributária. A

impressão causada no candidato pela estruturação sintática das normas foi

indelével.

A questão de fundo subjacente a ambos os fenômenos consiste na precisão

das normas que permitem a modulação da sujeição passiva conjuntamente aos

demais critérios normativos, nos planos sintático, semântico e pragmático, bem

como dos eventuais limites de validade pertinentes.

O emprego do vocábulo “responsabilidade” para conotação da

fenomenologia de atribuição de sujeição passiva tem grande valor erístico para

ofuscamento do controle de validade das pertinentes enunciações e enunciados

normativos. Ainda intuitivamente, observa-se maior tolerância à construção dos

sentidos possíveis para as normas de responsabilização do que aquelas pertinentes

à própria regra-matriz de incidência tributária. Não obstante, o resultado em termos

de eficácia social é muito próximo.

Inicialmente, os objetivos da investigação eram:

i) construção de sentido, nos planos sintático, semântico e pragmático, das

normas de atribuição de sujeição passiva sob o rótulo de “responsabilidade”.

Chamamos essa reconstrução de “mapeamento”;

16

ii) ensaio sobre os parâmetros de validade de cada norma de

“responsabilização”, ou conjunto normativo, em relação aos fundamentos imediatos;

iii) ensaio com a inversão do procedimento cognitivo até então aplicado,

reconstruindo-se alguns cenários concretos relevantes, para identificação do fluxo

de positivação ali empregado e dos respectivos influxos das normas de

“responsabilização”.

Até então não estávamos a trabalhar com a idéia de “controle”.

Com o avanço na leitura do material disponível, restringimos nosso corte à

atribuição de responsabilidade dos sócios e administradores de pessoas jurídicas.

Adicionamos à abordagem o mapeamento do fluxo de positivação ou de causalidade

jurídica da atribuição de responsabilidade tributária. Em especial, o registro de

Douglas Hofstaerder sobre recursividade e redes de transição recursivas e

aumentadas nos pareceu método útil à demonstração de como o direito atribui

responsabilidade tributária (dinâmica). Então, passamos a ter em mente não apenas

o exame estático das normas de atribuição de responsabilidade e da respectiva

validação, mas também como essa atribuição ocorria ao longo das cadeias de

comunicação jurídica.

A construção de modelos para os estágios de comunicação jurídica

tendentes a percorrer desde a Constituição até a eficácia social do crédito tributário

sugeriu nova dimensão ao problema, que não poderia ser ignorada. Tão importante

quanto saber o que pode ser dito é saber como deve ser dito. Como qualquer

outro sistema, o Direito apenas processa a comunicação que ele reconhece como

jurídica. Assim, não basta afirmar e justificar que o processo legislativo pertinente à

lei ordinária não pode trazer enunciados tendentes a formar proposições

contraditórias à norma geral expressa com o processo legislativo pertinente à lei

complementar. É preciso definir quem pode desconstituir a norma inválida, quando

a linguagem jurídica deve ser inovada para tanto e como se deve dar tal

enunciação.

Optamos, pois, por trazer o enfoque do estudo à forma como o Supremo

Tribunal Federal processa as comunicações jurídicas que trazem expectativas

contrafáticas quanto à observância das normas de responsabilidade tributária. A

opção pelo Supremo Tribunal Federal se deveu ao início da formação de

precedentes sobre a competência para examinar alegações de violação de lei

complementar no caso da Cofins cobrada das Sociedades Civis de Profissão

17

Regulamentada. Muito mais que a matéria de fundo sobre as relações entre lei

complementar e lei ordinária, a Corte admitiu que a resolução da matéria pertencia

ao âmbito do recurso extraordinário, e não do recurso especial. Tendo em vista o

importante papel dado às normas gerais em matéria tributária pelo Sistema Jurídico

Brasileiro, em especial no que se refere à responsabilidade tributária, e a extensa

produção de precedentes pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do

julgamento de recursos especiais, a orientação que se está firmando no Supremo

Tribunal Federal pode representar modelo completamente novo (ou não) para o

controle jurisdicional da atribuição de responsabilidade tributária.

Optamos também por restringir o corte a três mecanismos de controle, que

são a ação direta de inconstitucionalidade, o recurso extraordinário e a reclamação

constitucional. O exame dos demais instrumentos tem grande importância

pragmática, mas não afetaria as conclusões de base relativas ao controle.

O interesse pelo papel do Supremo Tribunal Federal também tem origem em

algumas constatações sobre os parâmetros de controle da responsabilidade

tributária. Rejeitamos a capacidade contributiva como fundamento de validade da

responsabilidade tributária, substituindo-a pela regra de proporcionalidade e pela

regra de razoabilidade. Ambas induzem a juízos de ponderação constitucional, cujo

último árbitro é o STF. Tais regras também se articulam com técnicas de decisão no

controle de constitucionalidade, como a interpretação conforme a Constituição e a

declaração da norma ainda constitucional. Daí a intersecção entre a busca por

parâmetros de controle e a forma como tais parâmetros são inseridos em

comunicação jurídica tendente ao controle da atribuição da responsabilidade

tributária.

O Capítulo 1 se destina a coletar e examinar conceitos fundamentais ao

estudo da atribuição da responsabilidade tributária e ao respectivo controle no

âmbito do Supremo Tribunal Federal. Estudaremos a relação entre Direito e

linguagem, as ferramentas que a semiótica oferece para melhor compreensão do

fenômeno de construção de sentido normativo e a estrutura das normas jurídicas.

Visitaremos também alguns elementos de Teoria dos Sistemas, tal como concebidos

por Niklas Luhmann.

No Capítulo 2, examinaremos os principais modelos normativos propostos

para as normas que atribuem responsabilidade tributária. Como a doutrina diferença

o contribuinte do responsável tributário? Veremos que parte da doutrina concebe

18

que tais normas têm ou podem ter índole punitiva e, portanto, excluem o contribuinte

do campo de sujeição passiva. Consideraremos também a linha que concebe a

responsabilidade tributária como fenômeno processual. Estudaremos o que se

entende por infração da lei ou prática de atos com excesso de poderes (infração do

contrato social ou estatutos).

Para propormos modelo próprio, iremos examinar racionalidade subjacente à

atribuição de responsabilidade nas esferas penal, cível, cível-societária e tributária.

Sugeriremos arquétipos normativos para servirem de blocos construtores das

normas jurídicas pertinentes ao sistema jurídico brasileiro. Estabeleceremos a

compostura possível para antecedentes e conseqüentes das normas de

responsabilidade tributária. Indicaremos um esboço de fluxo decisório para as

questões que envolvam responsabilidade tributária, baseado em Rede de Transição

Aumentada e no raciocínio judiciário.

As linhas do Capítulo 3 se voltam aos parâmetros de controle constitucional

para o controle da responsabilidade tributária. Indagaremos sobre a competência

para estabelecer normas sobre a matéria e examinaremos alguns princípios

constitucionais comumente invocados no discurso jurídico. Nosso maior interesse é

saber se a regra da capacidade contributiva se aplica ao controle, e, se a resposta

for negativa, se a regra de proporcionalidade e a regra da razoabilidade são

instrumentos de controle adequados. Contemplaremos ainda o papel das normas

gerais em matéria tributária no sistema jurídico, sempre tendo em mente a utilização

do conceito no fluxo de controle da atribuição de responsabilidade tributária.

O Capítulo 4 conterá escorço sobre a doutrina aplicável aos parâmetros de

controle da atribuição da responsabilidade tributária no Código Tributário Nacional. A

Lei 5.712/1966 é o repositório por excelência das proposições legais invocadas na

pragmática do controle da atribuição de responsabilidade tributária. Examinaremos

como os arts. 124 e 128 se imbricam na formação da competência para estabelecer

novas hipóteses de responsabilidade tributária. Ainda correndo a vasta doutrina

sobre o assunto, perguntaremos sobre os limites semânticos impostos pelas normas

gerais em matéria tributária, além de desnudarmos sua estrutura sintática. As

normas gerais em matéria tributária com densidade normativa suficiente para

implicar o nascimento da relação jurídica de responsabilidade também passarão

pelo crivo desta observação.

19

A forma como o Supremo Tribunal Federal processa a expectativa de

invalidação ou de manutenção das normas que atribuem responsabilidade tributária

vem à tona no Capítulo 5. Passaremos em revista aos fundamentos do controle de

constitucionalidade e examinaremos as normas de direito positivo que trazem a

enunciação e os enunciados do Supremo Tribunal Federal ao sistema jurídico.

Perguntaremos acerca da posição e da função da Corte no sistema. Veremos três

dos instrumentos que ela tem à disposição para realizar o controle de

constitucionalidade: a ação direta de inconstitucionalidade, o recurso extraordinário e

a reclamação constitucional. A utilização de tais instrumentos traz algumas

vicissitudes aplicáveis ao controle da atribuição de responsabilidade tributária, como

a proibição do julgamento de recurso sem utilidade e a modulação temporal dos

efeitos da declaração de inconstitucionalidade tanto no controle abstrato como no

controle concreto, Ponto fulcral da investigação será o exame das técnicas de

decisão de inconstitucionalidade que, quando combinadas com a regra de

proporcionalidade ou a regra de razoabilidade, permitem soluções intermediárias no

que se refere à responsabilidade tributária.

Por fim, o Capítulo 6 traz dois ensaios sobre a aplicabilidade do modelo

sugerido. Examinaremos a atribuição de responsabilidade objetiva e ilimitada aos

sócios e sociedade limitada, em relação ao pagamento de créditos relativos às

Contribuições para custeio da Seguridade Social. Também trabalharemos com um

cenário fictício para testar os conceitos relativos ao controle difuso de

constitucionalidade.

20

1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1.1 NORMA JURÍDICA E NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA

1.1.1 “Direito” como texto e fenômeno de linguagem

A linguagem verbal ocupa posição imanente à razão e ao conhecimento

humanos. É a partir das palavras e das relações ordenadas dos conjuntos de

palavras que o ser humano consegue reconstruir a realidade em termos que ele

pode compreender e em que pode ser compreendido. Que o diga o pobre Nuñes,

personagem de H. G. Wells1, senhor de seus sentidos, mas incapaz de fazer com

que os habitantes do vale perdido, cegos há gerações, reproduzissem na linguagem

por eles dominada os conceitos de cor, luz e sombras.

Como consignou Gregório Robles, “direito é texto”2, isto é, linguagem

verbal escrita. Segundo Ludwig Wittgenstein3, “compreender uma frase significa

compreender uma língua. Compreender uma língua significa dominar uma técnica”.

Intuímos, portanto, que compreender o direito pressupõe, em sua base, o

manejo dos instrumentos que permitem a utilização da linguagem da forma mais

precisa e clara possível. Se o texto é vicário de algo, a questão que se coloca é

como ele pode ser utilizado para representar ou criar com fidedignidade ou certeza o

objeto que pretende representar.

Isso não quer dizer que a abordagem do texto deve pautar-se por qualquer

parâmetro ontológico. Aprendemos com Paulo de Barros Carvalho4 que o discurso

é auto-referente, isto é, cria suas próprias realidades5. Palavras não substituem

objetos do mundo real, mas ficam no lugar de outras palavras. Camada sobre

camada de linguagem, até que o observador se dê por satisfeito no percurso do

conhecimento.

1 The Country of the Blind, disponível em http://www.gutenberg.org/etext/11870. Último acesso em

1º/01/2008. 2 O direito como texto: Quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Prefácio de Paulo de

Barros Carvalho. São Paulo: Manole, 2005, p. 19. 3 Investigações filosóficas, 4. ed. São Paulo: Vozes, 2005, § 199, p. 113.

4 Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 05.

5 Segundo José Luiz Fiorin (Teoria dos Signos. In: Introdução à Lingüística: I. Objetos teóricos.

São Paulo: Contexto, 2005, p. 57): “[...] a língua não é uma nomenclatura aplicada a uma realidade cuja categorização preexiste à significação”.

21

A discussão acerca do papel da linguagem como constitutivo da realidade

contra o uso da linguagem como ferramenta6, ou, ainda, como cálculo, ou como

meio universal7, escapa ao âmbito desta investigação. Importa reconhecer que a

linguagem do sistema jurídico é prescritiva e o sistema jurídico é autopoiético. A

comunicação jurídica somente é processada nos termos em que definidos pelo

próprio sistema. O sistema jurídico não se relaciona com os demais sistemas por

relações de ingresso – egresso (input e output). Ele recriará em racionalidade

própria elementos que lhe são externos e que, com isso, passarão a ser internos.

Portanto, trataremos o direito como linguagem e utilizaremos as ferramentas

disponíveis da semiótica e da lingüística para melhor compreendê-lo.

1.1.2 O percurso da formação de sentido. O trânsito pelos subsistemas e

pelos níveis de linguagem

Paulo de Barros Carvalho8 ensina que a formação do sentido “jurídico”

percorre quatro estações: o conjunto de enunciados, tomados no plano da

expressão; o conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; o

domínio articulado de significações normativas; e, finalmente, a forma superior do

sistema normativo.

É importante ressaltar que os quatro estágios elencados foram isolados

apenas para fins de observação, pois compõem unidade incindível de percurso na

formação do sentido. Quer dizer, a formação de sentido depende de todas as etapas

narradas, mas não se confunde apenas com sua somatória.

A lição de Paulo de Barros Carvalho é útil para afastar o argumento

falacioso, mas altamente sedutor, da chamada “interpretação literal”. Quem diz

interpretar literalmente quer arrogar para si a autoridade do texto e, portanto, não

extrapola aquilo que as palavras podem ou querem significar (“dizer”). A formação

do sentido das normas jurídicas, contudo, não se limita ao estrato frásico, seja no

plano da expressão, seja no plano dos conteúdos de significação dos enunciados

normativos. É necessário articular as significações normativas que, por seu turno,

6 Cf. LAFONT, Cristina. The Linguistic Turn in Hermeneutic Philosophy. Traduzido por José

Medina. Cambridge: The MIT Press, 1999, p. 13-54. 7 Cf. KUSH, Martin. Linguagem como cálculo versus linguagem como meio universal. São

Leopoldo: Unisinos, 2003. 8 Direito Tributário, p. 67-84.

22

serão novamente coordenadas em relação a outras proposições de sentido deôntico

completo. Nessa toada, o sentido final das proposições jurídicas é influenciado pelo

influxo de diversas outras proposições, que podem definir critérios de uso para as

palavras de forma diversa daquela que, a primeira vista, elas teriam.

1.1.3 Semiose e Direito

É essencial ao discurso jurídico a proposição “o que querem dizer as

palavras”. O Direito se reveste em linguagem verbal e é marcado pela sucessão de

diversos fluxos de comunicação destinados a coordenar as expectativas da

sociedade e de cada membro dela. É necessário saber o que “dizem” a Constituição,

a lei, o decreto, a medida provisória etc., para que cada um dos jurisdicionados

saiba o que esperar da conduta alheia e da própria conduta.

Há diversos métodos e teorias acerca da interpretação. Os Originalistas

preferem recuperar nas diversas marcas textuais a intenção dos legisladores ao

elaborar as normas. Eles têm um argumento poderoso a seu favor. Afirmam, em

síntese, que a norma jurídica foi criada para persistir e resistir à desconfirmação de

eficácia, pois é instrumento para condicionar a conduta humana. A mutação do

quadro existente no momento da criação da norma tem impacto limitado na

interpretação, na medida em que o intuito da norma poderia muito bem ser evitar a

mudança do quadro.

Julio Cabrera, por seu turno, sugere que os métodos hermenêuticos são

incompatíveis com as Filosofias Analíticas9. Entende que

uma filosofia incorpora elementos “hermeneuticos” quando utiliza categorias [...] “experienciais” [...] e na estrita medida em que esses elementos fazem parte constitutiva das significações e atitudes [...].

10

As Filosofias Analíticas da Linguagem, em sentido oposto, não processam a

experiência vivida, porquanto ela se releva um fluxo indecomponível e “também pela

9 Margens das Filosofias da Linguagem: Conflitos e aproximações entre analíticas, fenomenologias

e metacríticas da linguagem. Brasília: UnB, 2003, p. 30. 10

Ob. cit., p. 28.

23

idéia de serem estritamente „irrelevantes‟ para o entendimento da significação de

expressões e ações”11.

Independentemente do modelo metodológico adotado, entendemos que o

percurso de formação de sentido jurídico se beneficia do estudo do conceito de

signo e do papel que ele tem na linguagem. Há diversas teorias a respeito da

linguagem que examinam alguma noção de signo, como aquelas desenvolvidas por

Umberto Eco12, Ferdinand de Saussure13 e Roland Barthes14. Para nós, duas

características são essenciais à continuidade do estudo.

A primeira é o caráter vicário do signo. Sobre o assunto assim se manifestou

Lúcia Santaella15:

Em relação ao objeto, o signo tem um caráter vicário, ele age como uma espécie de procurador do objeto, de modo que a operação do signo é realmente a operação do objeto através e por meio do signo. Assim sendo, pode-se dizer que o signo tem uma função ontologicamente mediadora como vicário do objeto para a mente. Isso significa, conseqüentemente, que o signo, na sua relação com o objeto, é sempre apenas um signo, no sentido de que ele nunca é completamente adequado ao objeto, não se confunde com ele nem pode prescindir dele.

O observação sobre o predicado procuratório (proxy) do signo é muito útil no

estudo das provas e da confirmação de proposições sobre fatos no curso da

comunicação jurídica.

Umberto Eco, por seu turno, utiliza a relação de implicação para dizer que o

signo também tem o papel de procurador. É o que se dá quando um conseqüente é

tomado por seu antecedente16. Segundo o autor, o signo é composto pela relação

entre o plano da expressão e o plano dos conteúdos17.

O segundo ponto é saber quais são os limites das relações entre o plano da

expressão e o plano dos conteúdos. Sabe-se que a formação do signo é arbitrária,

mas isso não quer dizer que um dado texto t1 possa significar qualquer coisa. O que

11 Ob. cit., p. 30.

12 Tratado geral de Semiótica. 4. ed. Tradução de Antônio de Paula Danesi e Gilson Cezar Cardoso

de Souza. São Paulo: Perspectiva, 2003. 13

Curso de Lingüística Geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. 14

Elementos de Semiologia. Tradução de Izidoro Blikstein. 15. ed. São Paulo: Cultrix, 2003. 15

Teoria Geral dos Signos: Como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2004, p. 23. Cf., ainda, da mesma autora, A percepção: Uma teoria semiótica. 2. ed. São Paulo: Experimento, 1998, p. 39. 16

Tratado geral de Semiótica, p. 39. 17

Idem, ibidem, p. 39.

24

a lingüística pode nos ensinar a respeito do significado da palavra “faturamento”,

considerado o conceito a base de cálculo permitida do tributo fundado no art. 195, I,

a, da Constituição? Estudos diacrônicos provavelmente indicariam a mudança nos

critérios de uso da palavra com base em dados histórico-sociais. Investigação

sincrônica traria elementos que apontassem o significado de base e outros

significados admissíveis em dado contexto. No campo do discurso jurídico,

elementos trazidos por outras normas jurídicas, como a regra da capacidade

contributiva e normas relativas às relações comerciais e empresariais, fariam parte

do cálculo.

Neste estudo, a identificação dos parâmetros de controle da atribuição de

responsabilidade tributária esbarrará na perquirição sobre o alcance de expressões

como “infração de lei”, “atos com excesso de poderes”, “ilícito”, “pessoalmente” etc.

A atenção à semiótica poderá ajudar-nos a respeitar o que Umberto Eco chama de

“direitos do texto à interpretação” e a evitar que adentremos a sociedade dos

intérpretes não-reconhecidos, sugerida por Sanford Levinson.

1.1.4 Norma jurídica. Estrutura estática

Antes de iniciar o exame da questão, é importante ter em mente a distinção

entre enunciado e proposição. Ricardo Guibourg, María Urquijo e Delia Echave18

assim colocaram o ponto:

Una proposición es, pues, el significado de un enunciado declarativo o descriptivo. No es el enunciado mismo, que está compuesto por palabras de algún idioma determinado, ordenadas según ciertas reglas gramaticales: es el contenido del enunciado, que es común a las diversas maneras de decir lo mismo.

Pouco tempo atrás, Paulo de Barros Carvalho já alertava que:

poucos são os autores que se têm definido de maneira rigorosa a respeito do verdadeiro conceito de norma jurídica. Talvez por se tratar de entidade fundamental e excessivamente freqüente no discurso jurídico, a verdade é que lavra profunda imprecisão no seio da Teoria Geral bem como da própria Filosofia do Direito

19

18 Lógica, proposición y norma. 6. reimp. Buenos Aires: Astrea, 2002, p. 36.

19 Teoria da Norma Tributária, São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 33.

25

Qualquer ato de conhecimento pressupõe a exaustão de complexa

seqüência pertinente à fenomenologia da percepção20. Abordando-se a questão de

forma abreviada, sustenta-se que o processo de conhecimento comporta (a) a

existência de dado material, i.e., suporte físico, apto à excitação dos mecanismos de

percepção do ser cognoscente; (b) objeto material, consistente na projeção, sobre a

consciência humana, das arestas apreendidas a partir da observação sobre o dado

material; e, finalmente, a formação do (c) objeto formal, ou a reconstrução de sentido

a partir de diversos objetos materiais, por índices de afinidade entre os vários

elementos21.

O direito positivo tem repositório físico no que usualmente se apõe a alcunha

de “textos legais”22. Os “textos legais” são o arranjo ordenado de símbolos, os sulcos

arbitrariamente pronunciados na gestalt da realidade, credenciados à veiculação de

carga semântica pertinente à experiência a partir do direito positivo.

Nos processos endógenos ao direito positivo brasileiro, os “textos legais”

subsumem-se à classificação determinada pela fonte engendrada com o viés de

inovação do ordenamento jurídico, recebendo denominações como “Lei Ordinária”,

“Lei Complementar”, “Emenda à Constituição Federal”, “Sentença”, “Acórdão”, etc23.

Ocorre que a significação, i.e., o conteúdo racional24, não se confunde com o

suporte físico em si, mas é, de fato, obra do intelecto, representada pela

reconstrução de sentido na consciência humana.

20 Cf. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3ª ed. São Paulo:

Noeses, 2005, p. 39. 21

Embora o emprego da expressão “dado material” possa levar à suposição da existência de realidade extra-linguísitica, independente do observador, é importante notar que, uma vez que o ser cognoscente somente tem acesso àquilo que existe por intermédio da linguagem, a concreção por correspondência (alethea) somente pode ser intuída, nunca vivenciada (linguagem é vicária de linguagem, que reconstrói a realidade). 22

“Toda interpretação do direito legislado principia com um texto, isto é, uma fórmula lingüística escrita. Se as linhas e pontos pretos que constituem o aspecto físico do texto da lei são capazes de influenciar o juiz, assim é porque possuem um significado que nada tem a ver com a substância física do real. Esse significado é conferido ao impresso pela pessoa que por meio da faculdade da visão experimenta esses caracteres. A função destes é a de certos símbolos, ou seja, eles designam (querem dizer) ou apontam para algo que é distinto deles mesmos”. ROSS, Alf. Direito e Justiça, São Paulo: Edipro, 2003, p. 139. 23

No sistema jurídico brasileiro hodierno, parte do fundamento de validade para a execução das fontes do direito positivo está veiculada pelo art. 59 da Constituição Federal de 1988. 24

Define-se racional, entre as colunas do presente esforço, como a propriedade daquilo que tem sentido.

26

O suporte físico se limita ao invólucro frásico de dado sentido. Este precisa

ser recuperado, reconstruído pelo observador, pela aplicação dos expedientes

inerentes ao conhecimento humano.

Como observado argutamente por Lourival Vilanova,

[o] revestimento verbal das normas jurídicas positivas não obedece a uma forma padrão. Vertem-se nas peculiaridades de cada idioma e em estruturas gramaticais variadas.

25

A partir dos textos de direito positivo, o observador extrai fragmentos

dotados de um mínimo de significação, para aglutiná-los em seqüência cadenciada e

submetida a vetores relacionais. A ordenação dos categoremas e dos

sincategoremas possibilida que o observador atribua sentido próprio à unidade

formada pelo conjunto, que, a despeito de ser passível de cisão em elementos

dotados de racionalidade própria, permitem a constituição de nova gestalt, em

relação ao sentido reconstruído.

Nesse contexto, “norma jurídica” exsurge como a carga de significação

haurida com base em suportes físicos qualificados26.

A manifestação do direito positivo pressupõe, dessa forma, a estratificação

da linguagem em três planos: o arranjo dos enunciados, tomados no plano da

expressão (suporte físico); o conjunto de conteúdos dos enunciados prescritivos,

dotados de carga significativa mínima; e o domínio articulado das significações

normativas27.

Somente a presença concatenada e íntegra de todos os três planos permite

que o observador molde o direito positivo em linguagem de próprio domínio.

1.1.4.1 Norma Jurídica e Estrutura Lógica

A definição oferecida encontra-se, contudo, fraturada em sua integridade

conceptual. Conforme exposto alhures, o grau de racionalidade atribuível a excerto

de linguagem é variável, oscilando entre grau mínimo para ser reconhecido

25 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 91.

26 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 8.

27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, p. 67-70

27

(“significação de base”) e níveis mais complexos, dotados de carga significativa de

largo espectro.

Impende aqui, ainda no átrio desta exposição, a identificação de

característica própria, além da origem em suporte físico qualificado, pertinente à

norma jurídica. A simples formação de sentido não é privativa da fenomenologia da

norma jurídica, mas vicissitude de qualquer experiência de linguagem.

Os parâmetros que enclausuram a formação de sentido para a construção

das normas jurídicas podem ser encontrados no relacionamento existente entre os

vários elementos coligidos a partir da leitura dos textos de direito positivo. Noutro

dizer, é com assento na regência sintática dos elementos formadores do direito

positivo que será possível analisar a natureza das próprias unidades fundamentais

que compõem o direito positivo.

Para explicitar a estrutura sintática das normas jurídicas, recorre-se à

universalização, por meio da formalização28.

O engenho da formalização atua pela sublimação semântica dos

categoremas e sincategoremas insertos no elemento observado, com a remoção de

toda e qualquer referência ao repositório de significações possíveis. As cores e os

matizes que impregnam o elemento da linguagem são gradualmente extirpados, em

processo que somente findará à remanência de invólucro lingüístico vácuo, provido

de rugosidade semântica mínima ao reconhecimento da condição de categorema

ou de sincategorema.

Formalizar, é, portanto,

[...] destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica que está, como dado, revestida na linguagem natural, como linguagem de um sujeito emissor para um sujeito destinatário, com o fim de informar notícias sobre objetos.

29

O relacionamento sintático entre os diversos fragmentos que compõem dada

unidade em sentido não é inerente ao próprio estado-de-coisas, ou, em melhores

termos, ao estrato de linguagem pertinente à concreção, mas instala-se em

28 “É preciso reduzir as múltiplas modalidades verbais à estrutura formalizada da linguagem lógica

para obter a fórmula “se se dá um dato F qualquer, então o sujeito S´, deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito S´´”. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 91. 29

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 45.

28

linguagem de sobrenível, que paira simetricamente sobre substrato de linguagem

que toma por objeto.

Para cumprir com a função semântica e pragmática do direito positivo, i.e.,

modificar a realidade por intermédio do condicionamento de condutas, a norma

jurídica não se submete à Lógica Apofântica ou Alética, cujos valores veritativos se

lastreiam no conceito de verdade por correspondência (alethea), pois a simples

reconstrução da realidade (função da linguagem descritiva de situações

pretensamente objetivas) não importa em nenhum movimento enviesado ao colapso

da inércia ou da entropia de dado estado-de-coisas (ser). A norma jurídica porta

ilação entre determinada conduta humana e a projeção de conseqüência (dever-

ser).

Logo, a arquitetura da norma jurídica é essencialmente bimembral,

composta por um arranjo de categoremas que cumpre a função de antecedente,

ligado a outro arranjo de categoremas, incumbido da formação de significação

parcial relativa à conseqüência.

O antecedente conecta-se ao conseqüente via sincategorema específico,

que visa operar a projeção da prescrição rumo à concreção. Trata-se, assim, de um

operador deôntico, representado pelo dever-ser.

Embora o antecedente apresente traços tendentes a influenciar o

observador a subsumi-lo à função descritiva da linguagem (pois remonta no estrato

de linguagem pertinente ao direito positivo modelo de um fato de possível

verificação), a presença do operador interproposicional convoca egrégora que apõe

ao conjunto sentido próprio, levando a disposição em tandem dos módulos

categoriais e sincategoriais à criação de entidade completamente nova, em

integridade conceptual.

A proposição jurídica cumpre, então, papel eminentemente prescritivo.

Em representação formal, adotando-se a notação clássica, seria esta a

expressão para representar a norma jurídica:

A C

Em linguagem desformalizada, a expressão pode ser lida como “dado o fato

de ocorrer „a‟, então deve ser a conseqüência „c‟”.

O esforço acima empreendido não enverga, contudo, toda a extensão tópica

da norma jurídica. Uma vez que houve a adesão à premissa que considera função

29

do direito positivo o condicionamento da conduta humana, a norma jurídica deve,

necessariamente, abordar o aspecto subjetivo da interação humana.

A carga prescritiva deflagrada pela norma jurídica, inerente à fenomenologia

de incidência normativa e ao processo de positivação, não opera per se alterações

no tecido da concreção, como um mítico dispositivo deus ex machina. A

conformação da conduta às balizas irradiadas a partir da norma jurídica pressupõe a

intervenção humana, ao contrário do que ocorre com as proposições prescritivas

pertinentes às leis da Física, por exemplo.

Portanto, falece à mera menção à “conseqüência „c‟” qualquer traço distintivo

das normas jurídicas.

Observando-se o conjunto de categoremas destinados à infusão de

significado relativo ao conseqüente normativo, é verossímil asseverar a afinidade e a

predisposição da partícula normativa à recepção de referências a relações entre

sujeitos de direito.

Extrapolando-se a noção de atribuição de sentido próprio à unidade

composta por vários fragmentos dotados de significação mínima, é verossímil haurir,

a partir de texto universal de direito positivo, que, em redução30, a incidência

normativa acarreta a atribuição de sentido próprio a dado sujeito de direito em face

de outrem. Por sua vez, o sujeito de direito remanescente também receberá status

diferenciado, em vetor converso ao estabelecido para seu par.

Tal atribuição de valor decorre da verificação de vetores comportamentais

prescritos pela norma. A orientação do comportamento que deverá ser exaurido pelo

sujeito de direito é determinada pela modalização em “obrigatório” (Op), “permitido”

(Pp) ou “proibido” (Php).

Observe-se que, ao passo que o operador deôntico interproposicional é

neutro, pois não apresenta nenhum resquício modalizador, o sincategorema inserto

no conseqüente normativo é, necessariamente, submetido à orientação de

permissão, proibição ou obrigação.

Novamente recorrendo-se à formalização, apresenta-se a seguinte

compostura da norma jurídica:

30 Nem todas as normas destinam-se ao estabelecimento de relações intersubjetivas dotadas de

juridicidade. Algumas normas operam como fundamento de validade de outras normas.

30

Antecedente Operador Conseqüente

A (S1 R S2)

Onde “R” é a variável functoral condicionada pelo modo deôntico, indicando

que “‟S1‟ está obrigado, proibido ou permitido à prática de conduta determinada

perante „S2‟, e que „S2‟ está habilitado a aguardar a exaustão do dever de „S1‟”.

Graças ao aparelhamento fornecido pela Lógica e pela Semiótica, é possível

secionar a estrutura sintática da norma jurídica, reconstituindo-a novamente em

linguagem natural como uma proposição cuja compostura tolda um antecedente,

ligado a um conseqüente, por um vínculo de imputação deôntica. Do ponto de vista

semântico, os categoremas pertinentes ao antecedente e ao conseqüente normativo

encontram-se enviesados à saturação por referências colhidas de acervo

qualificado, conhecido como textos de direito positivo.

Uma das vantagens do processo de formalização é a extração de fórmula

universal, aplicável a todos os juízos e proposições tendentes à composição de

Sistema Normativo. A estrutura normativa “Se A, então deve ser C” é válida para

todos os ordenamentos jurídicos, pois o relacionamento entre as unidades

lingüísticas (categoremas e sincategoremas) independe da linguagem natural ou dos

resíduos semânticos que porventura poderiam ou poderão impregnar tais unidades.

O grau de suposta familiaridade ao conceito de “norma jurídica” é rivalizado

pela proximidade que se pretende ter da acepção jurídica de “tributo”.

Embora a linguagem da concreção seja o veículo de manifestação por

excelência do Estado, tanto o Estado Clássico quanto o Estado Moderno lastreiam-

se em fundamento de validade vertido em estrato próprio. Tal qual um Golem, é a

palavra que insufla o sopro divino no simulacro artificial – as fórmulas herméticas de

outrora são substituídas por instrumentos não menos arcanos, reconhecidos pelos

iniciados pela letra de “constituições”.

A imanência da tributação ao conceito de Estado Moderno pode ofuscar uma

assertiva de suma importância para o estudo do direito positivo: tal como a

existência do Estado de Direito é jurídica, i.e., vertida em linguagem competente, a

tributação também tem como morada planar nativa o estrato de linguagem do direito

positivo. A despeito de todas as marcas e sulcos que o movimento de remoção de

recursos financeiros deixa sobre a realidade sensível, para o Direito, a entidade

“tributo” é essencialmente um dado de linguagem qualificado.

31

Logo, a compleição de “tributo”, dentro do cânon da Ciência do Direito, é

informada pelo próprio Sistema Normativo específico que se está a observar, com

todas as características e vicissitudes endógenas a tal realidade de linguagem.

A univocidade, tão apreciada no discurso científico, não é requisito ao

exercício da linguagem natural, e o revestimento verbal das normas relativas ao

Direito Tributário brasileiro leva à captura de pelo menos seis acepções para o termo

“tributo”31, ainda que possam ser, por processo hiponímico, reduzidas a três32.

Escapa ao corte metodológico proposto para o presente ensaio exploração

profunda quanto às vicissitudes de cada acepção possível para o vocábulo “tributo”,

dentro do direito positivo pátrio, mas a estruturação das premissas presume, como

requisito de coesão e coerência, a identificação de “tributo” como realidade

normativa.

Noutro dizer, somente é conceptível, com foros de verossimilhança, a

existência de “tributo” como norma jurídica. A adesão à premissa que constitui o

direito positivo como sistema de linguagem credenciado, artificial e arbitrário, requer,

para manutenção de sua integridade conceptual, que todos os elementos

secionados de outros estratos de linguagem para integrar o novel sistema sejam

burilados e convertidos em normas jurídicas.

Dessa forma, define-se “tributo” como a norma jurídica cujo conseqüente

traz em si modelo de relação jurídica consistente na obrigação de entregar moeda

aos cofres públicos ou de terceiro e cujo antecedente não represente o modelo de

um fato ao qual o próprio sistema atribui carga de ilicitude33.

A norma jurídica que institui o “tributo” comunga a estrutura sintática com as

demais normas jurídicas. Logo, a estrutura lógica da norma jurídica não é critério

apto à identificação da norma que tem por função instituir o “tributo”.

A exploração das rugosidades e dos acidentes tópicos que levam à

montagem do conceito de norma jurídica que institui “tributo” remonta aos patriarcas

da Dogmática e da Ciência do Direito Positivo34.

31 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 19.

32 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Compensação e restituição de tributos. IOB, Repertório de

Jurisprudência, São Paulo, jan./96. 33

A ilicitude, à semelhança de outros valores normativos, é construída e aposta artificialmente aos predicados. 34

FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994; ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1999; BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário.3ª ed. São Paulo: Lejus, 1999.

32

Grande avanço na esquematização da norma jurídica tributária pode ser

creditado aos esforços científicos patrocinados por Paulo de Barros Carvalho. A

têmpera obtida nas fundições do venerável mestre, impregnada por alto rigor

metodológico e indiscutível precisão, explicita os traços ínsitos à norma jurídica que

institui o tributo, revelando que a

norma tributária em sentido estrito

35 [...] é a que define a incidência fiscal.

[...]. Dentro desse arcabouço [a estrutura apta a comportar a significação deôntica mínima], a hipótese trará a previsão de um fato [...] enquanto a conseqüência prescreverá a relação jurídica (obrigação tributária) que vai se instaurar, onde e quando acontecer o fato cogitado no suposto [...].

36

Examinada a norma jurídica que institui o “tributo”, continua Paulo de

Barros Carvalho sua lição. Ouçamo-lo:

A única postura que nos parece válida diante do problema é precisamente aquela que respeita a integridade do ente que se analisa, examinando cuidadosamente a realidade jurídica normativa para, de seus elementos estruturais – hipótese e conseqüência –, extrair os critérios que cada qual possa, efetivamente, hospedar.

37

Sob os auspícios desbastados pelo vetor axiológico de significação

geralmente conhecido como princípio da capacidade contributiva objetiva, a

reconstrução dos vínculos de pertinência de dada regra-matriz de incidência

tributária, até o respectivo fundamento de validade, pressupõe aquiescência à

verificação, no antecedente normativo, de um modelo de fato jurídico dotado de paiol

plutônico.

Por seu turno, o modelo de fato portador de expressão econômica, deitado

no antecedente normativo, é informado por balizas ou critérios38. Os critérios

utilizados para decompor em processo gnosiológico o modelo de fato trazido no

35 Em observância à precisão na definição de premissas, Paulo de Barros Carvalho distingue o

conteúdo mínimo que deve ser articulado para o reconhecimento da norma jurídica. Uma vez que o traço característico das normas jurídicas é a estrutura marcada pelo functor deôntico, somente se subsumiriam ao conceito de norma jurídica àquelas estruturas dotadas de sentido deôntico mínimo, i.e., “dado o fato F qualquer, então deve ser a conseqüência C”. Direito Tributário, p. 20. 36

Curso de Direito Tributário, p. 242. 37

Teoria da Norma Tributária, p. 112. 38

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, p. 93-98.

33

antecedente normativo são o critério material, o critério temporal, e o critério

espacial39.

No âmbito do presente discurso, satisfaz o corte metodológico escolhido

breve anotação sobre os critérios hauridos no antecedente normativo da regra-

matriz de incidência tributária. O critério material é composto, morfologicamente40,

por um verbo e o respectivo complemento, indicando o núcleo que define a

modificação em dado estado-de-coisas apto à incitação e validação do movimento

do mecanismo de aplicação da norma tributária. Tanto o critério espacial como o

critério temporal cumprem com um requisito de cognição humana primordial,

consubstanciado na inserção da percepção em coordenadas de espaço-tempo.

Ainda que com valores ideais, o conhecimento somente é factível perante a noção

de tempo e espaço.

Prosseguindo, passa-se à análise do conseqüente normativo próprio da

regra matriz de incidência tributária.

A natureza pecuniária da tributação ostenta força persuasiva diáfana, capaz

de alçar a noção metajurídica de regra-matriz de incidência tributária, como

mecanismo de extração de riqueza dos súditos, à classe dos dados notórios e

incontroversos.

Se assim for, então a carga prescritiva da regra-matriz de incidência

tributária deve comportar, sob o aegis do respectivo campo de irradiação semântica,

referências à obrigação, atribuída a dado sujeito de direito S´, de entregar, ao

Estado, ou ao sujeito de direito imbuído de função estatal, quantia em dinheiro,

calculada à razão de fórmula algébrica.

Como qualquer obrigação sempre principia com um relacionamento

intersubjetivo, o conseqüente da regra-matriz de incidência tributária porta modelo

de relação jurídica, que deverá enlaçar dois ou mais sujeitos de direito, atribuindo a

uns a obrigação de entregar dinheiro aos cofres públicos, concomitantemente à

outorga, aos demais, do vetor converso, i.e., o direito de ver satisfeita a entrega dos

valores então devidos.

39 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, p. 93-98.

40 Conforme esforço científico desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho.

34

Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho, “[...] na conseqüência

(prescritor), toparemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um

critério quantitativo (base de cálculo e alíquota)”41.

Não obstante a identificação de esferas a partir das quais emanam os

fragmentos dotados de afinidade recíproca para a transmutação em uma unidade de

sentido próprio, a norma jurídica goza de integridade conceptual, i.e., a cisão opera-

se no plano gnosiológico apenas, para fins didáticos ou de conhecimento.

Oferecido o conjunto de significações derramados nas linhas supra, a regra-

matriz de incidência tributária pode ser expressa no seguinte formato:

Abstr

ação

desfo

rma

liza

da

Se ocorrer dado fato ´A´

então deve ser a obrigação do sujeito passivo entregar, ao sujeito ativo, quantia calculada à razão da resolução aritmética entre a base de cálculo positivada e a alíquota prescrita.

Estr

utu

ra

sin

tática

com

maio

r gra

u

de

form

aliz

ação

explic

itan

do-s

e

os c

rité

rios.

Se A(cm+ct+ce)

então deve ser

S1 O(cq) S2

Estr

utu

ra

sin

tática

form

aliz

ad

a.

A

(S1 Rt S2)

1.1.5 A atuação dinâmica da regra-matriz de incidência tributária

Até este ponto buscou-se demonstrar a estrutura da norma jurídica e as

vicissitudes inerentes à norma jurídica que institui o modelo de relação jurídica

tributária, a regra-matriz de incidência tributária.

Firmou-se, em um primeiro momento, a premissa que sustenta serem as

normas jurídicas entidades distintas do suporte físico que permite a manifestação

das unidades normativas de sentido, acentuando-se o processo de composição de

41 Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, p. 94.

35

significação racional a partir de vetores de sentido reduzido, mas portadores de

inegável afinidade composta.

Tocando o encadeamento discursivo, passou-se ao escrutínio da planta

sintática e de contingência semântica da norma jurídica, demorando-se nas arestas

que laureiam a regra-matriz de incidência tributária em peculiaridades. As

revelações augurais trouxeram imagens detalhadas dos critérios que indicam o

espectro de cognação para a saturação do esqueleto sintático da regra-matriz com

referências semânticas (chaves de categoremas), sem prejuízo do contraste já

firmado para observação do relacionamento entre os diversos elementos que

compõem a norma jurídica.

Abriu-se, então, breve hiato para a investigação do categorema destinado à

infusão de conteúdo pertinente à sujeição passiva. Com o auxílio do instrumental da

Lógica e da Semiótica, conduziu-se à oblação de modelo de norma jurídica para a

atribuição de sujeição passiva, com fundamento de validade na norma trazida pelo

art. 121 do Código Tributário Nacional.

Todas as considerações até agora tecidas falham em perturbar o

mecanismo operativo intrínseco da norma jurídica e, conseqüentemente, da regra-

matriz de incidência tributária. A norma jurídica foi extraída da malha da linguagem

do direito positivo em estado inerte, encerrada em entropia.

A norma jurídica, de maneira geral, apresenta a potencialidade para

serventia como fundamento de validade de outras normas, que, mais próximas da

concreção, por positivação, veiculam as relações jurídicas que enlaçam sujeitos de

direito. Entre o potencial (norma com maior teor de generalidade e abstração) e a

realização (norma mais individual e mais concreta), há um reagente, um dado que

permite a inferência acerca do movimento do mecanismo de imputação normativa.

A espoleta que valida o momento da norma jurídica é a operação lógico-

psíquica da “subsunção”. A subsunção equivale ao cotejo de simetria entre o modelo

de fato inserto em dada norma, e a versão de dado evento em código cognoscível

pela linguagem do direito positivo.

O antecedente normativo irradia matiz conceptual, portando componentes

conotativos, de maior ou de menor espectro semântico. Verificado, em substrato da

linguagem do direito positivo, um fato cujas arestas denotativas se coadunam ao

espectro emitido pelo antecedente normativo com maior grau de abstração, há a

“incidência”.

36

Nos dizeres de Pontes de Miranda42, acompanhado por A. A. Becker43 e

Geraldo Ataliba44, “para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas

– isto é, normas abstratas, incidam sobre eles, desçam e encontrem os fatos,

colorindo-os, fazendo-os „jurídicos‟”.

Operada a incidência, o functor deôntico interproposicional é deflagrado,

transmitindo ao conseqüente o ímpeto para também se projetar rumo à concreção,

aproximando-se mais e mais (ainda que em vã tentativa) da realidade tangível.

Representada em grafismos, a incidência apresenta a seguinte arquitetura:

Antecedente Operador Conseqüente

Norma

abstrata,

desformali-

zada

Dado o fato ´F´ então deve ser a obrigação, proibição,

ou permissão, atribuída

a S1, perante S2.

Substrato de

abstração (L1)

F(C´. C´´) S1 R(O w P w V) S2

Substrato de

concreção-

linguagem (L2)

f(c´ . c´´) (s1 R s2)

Identificam-se dois planos: o substrato da linguagem do direito positivo

pertinente à abstração e o substrato lingüístico pertinente à concreção. Se, em L1,

há a conotação “se alguém matar”, em L2 a simetria é verificada por “o sujeito

específico matou no dia um do mês um do ano mil novecentos e um, às 01h01”.

Em sentido estrito, a relação jurídica não está contida na norma abstrata,

pois, ainda que o observador se sinta compelido à adequação de sua conduta aos

vetores deitados, sem a operação de subsunção e incidência não haverá norma

individual apta a vinculá-lo a outrem por intermédio do dever modalizado.

Chega-se, assim, ao conceito de norma individual e concreta. Será

individual, pois não tem como destinatários todos os elementos de uma classe

definida ou definível. Será concreta, pois se referirá a fatos já exauridos em

coordenadas de espaço-tempo específicas.

42 Tratado de Direito Privado. São Paulo: Bookseller, 1999, v. 1, p. 52.

43 Teoria geral do Direito Tributário, p. 279.

44 Hipótese de incidência tributária, p. 42.

37

1.1.6 Aplicação do direito positivo. O papel da linguagem na construção do

direito positivo

O veículo excipiente psíquico no qual se processa a operação de subsunção

torna verossímil argumentação no sentido de considerar a incidência da norma

“sincrônica” à mudança em dado estado-de-coisas verificada nos rincões da

concreção sensível.

A “infalibilidade” da incidência tem sido por muito tempo sufragada como

fenômeno externo tanto à norma abstrata quanto ao fato jurídico, de maneira a uni-

los em eficácia, conforme atesta Pontes de Miranda, nas seguintes laudas:

A incidência da lei, pois que se passa no mundo dos pensamentos e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros “pontos” do mundo, em que tenha que ocorrer, segundo as regras jurídicas.

45

Cerram fileiras juntamente a Pontes de Miranda os veneráveis A. A.

Becker46 e Geraldo Ataliba47.

Em vez de tomar a questão por encerrada, aderindo-se placidamente à

premissa, retrocedam-se poucos passos na profunda teoria construída por Pontes

de Miranda.

Pontes de Miranda cinzela, com precisão irretocável, a intuição acerda da

segregação entre o plano jurídico e o plano factual, relativo à concreção, ao enunciar

que

as relações jurídicas, os direitos subjetivos, os deveres, as qualidades jurídicas das pessoas e das coisas não se passam no mundo das percepções visuais e auditivas, gustativas e tácteis; passam-se, são, no mundo do pensamento, que é parte do mundo total [...].

48

45 Tratado de Direito Privado, p. 62.

46 Teoria geral do Direito Tributário, p. 280.

47 “Costuma-se designar por incidência o fenômeno [...] e automática comunicação ao fato das

virtudes jurídicas previstas na norma”. Hipótese de incidência tributária, p. 42. 48

Tratado de Direito Privado, p. 53.

38

O plano jurídico comporta um simulacro parcial do mundo natural49,

construído artificialmente e não necessariamente simétrico à experiência sensível.

Embora a “realidade”, definida como conjunto de dados independentes do

observador, possa ser intuída, o ser cognoscente a ela nunca tem acesso,

permanecendo no hermetismo da própria percepção. A percepção, por seu turno, é

composta por processos que são complexos, mas comungam um traço em comum:

são todos experiências de linguagem. Os estímulos sensoriais, que

comprovadamente divergem de pessoa para pessoa, transmitem informações –

linguagem – à mente humana, a qual os decodifica em nova linguagem, verbal ou

não-verbal.

Como bem ponderou Merleau-Ponty50, a realidade não é dada, mas

construída pelo próprio ser cognoscente – o “eu” não é um objeto que possa ser

percebido, mas a matriz de toda a percepção. Nesse canteiro, antigos ditos de

pensadores esquecidos ecoam, entoando ser “o Homem a medida de todas as

coisas”.

Se assim for, então é verossímil a adesão a duas conclusões: (a) toda

experiência jurídica é, primordialmente, calcada em linguagem, verbal e artificial,

moldada ao talante de emissores qualificados, e (b) dizer que dado fato é fato

jurídico importa admissão da versão de fragmento de linguagem profana em

linguagem qualificada, i.e., o domínio das normas jurídicas – o nível de linguagem

qualificado que traduz o direito positivo – não tange o nível de linguagem pertinente

à concreção.

Os orbes de linguagem nunca se entrelaçam, mas, para comungar a

sensação de coexistência, secionam e replicam em si dados alienígenas,

conformando-os de acordo com as respectivas peculiaridades latentes51.

Nesse sentido, a assertiva “a incidência é automática e infalível” somente

mantém foros de coesão se contextualizada ínsita ao ato e ao produto da

linguagem. O observador, em momento hodierno, reporta-se ao passado, às

mudanças em dados estados-de-coisas insertas no nível da linguagem da

49 MIRANDA, Pontes de. Tratado..., p. 55.

50 Phenomenology..., p. 383.

51 Conforme anotado por Paulo de Barros Carvalho, o dever-ser jurídico não transita livremente

para as terras do ser, sendo necessária intervenção humana. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, p. 245.

39

concreção, para resgatar insumos à composição de um fato. Aquilo que se exauriu

no tempo, em enunciação, é, então, fossilizado, preservado em enunciado.

De qualquer forma, é possível segregar o ato de reconstituição do dado e o

dado reconstituído. Este é atual, ao passo que aquele pode livremente vasculhar o

passado ou predicar o futuro.

Quando o sujeito competente para a emissão de linguagem qualificada

executa seu mister, a coordenada temporal do ato de fala é sincrônica à exaustão

dos processos de comunicação, enquanto a coordenada temporal do fato

reconstituído será sincrônica à exaustão do respectivo evento.

Aplicando tais conceitos à Teoria Geral do Direito e à Ciência do Direito,

Paulo de Barros Carvalho conclui que a linguagem do direito positivo incide sobre

a linguagem da realidade social, para a produção de uma unidade na linguagem da

facticidade jurídica52.

1.1.7 Normas jurídicas primárias e secundárias. Normas primárias

sancionadoras e normas jurídicas primárias dispositivas

Lourival Vilanova53 resume a estrutura dúplice da norma jurídica completa

indicando a existência de duas normas jurídicas complementares. Uma delas,

primária, estabelece a relação de causalidade entre a verificação de um fato jurídico

e uma conseqüência, que condiciona dada conduta em termos de obrigação,

permissão e proibição. A outra, secundária, toma a negação do antecedente da

norma primária para implicar a ação coativa do Estado em determinado sentido. A

norma secundária assegura a expectativa de observância do quanto disposto na

norma primária com a previsão de intervenção de força coativa estatal.

Diz Paulo de Barros Carvalho54:

As duas entidades que, juntas, formam a norma completa, expressam a mensagem deôntico-jurídica na sua integridade constitutiva, significando a orientação da conduta, juntamente com a providência coercitiva que o ordenamento prevê seu descumprimento.

52 Curso de Direito Tributário, p. 363.

53 Causalidade e relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 188.

54 Direito Tributário, p. 35.

40

Eurico Marcos Diniz de Santi, aludindo à Teoria Pura do Direito de Hans

Kelsen e aos estudos de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, expõe

um corte na classificação das normas. Registra que as normas primárias também

podem ser classificadas em normas dispositivas ou sancionadoras55. As normas

primárias sancionadoras também têm por antecedente a negação do antecedente

das normas primárias dispositivas, mas falta-lhes a nota da coerção. A nota da

coerção se manifesta na pretensão de dado sujeito de direito ver o aparato estatal

intervir na realidade para assegurar que a expectativa que tem na observância da

norma dispositiva não permaneça frustrada.

A distinção entre normas primárias dispositivas e sancionadoras, ou, ainda,

entre a “endonorma” e a “perinorma” do modelo sugerido por Carlos Cossio56, pode

ser útil na investigação dos conceitos de “ilícito” e “sanção”. Para alguns modelos

teóricos, a atribuição de responsabilidade tributária se conforma à espécie de

normas primárias sancionatórias. A estrutura normativa sugerida nesses modelos

indica com precisão que as normas que atribuem responsabilidade tributária podem

ser reconstruídas como normas primárias sancionatórias, pois os respectivos

antecedentes pressupõem a negação de algum dever ou obrigação atribuído ao

responsável tributário.

Para nós, contudo, a classificação da norma de responsabilidade como

primária sancionatória é abstraída pela racionalidade imanente à função que elas

têm no sistema jurídico, que é a de máxima salvaguarda da eficácia do crédito

tributário.

1.1.8 Normas de estrutura e normas de comportamento

Parte da dogmática faz outra distinção classificatória ao examinar as normas

jurídicas. Tem-se por “norma de estrutura” a proposição normativa que estabelece a

aptidão para a criação de outras normas, como ocorre com a competência

tributária57. Precisam, para seguir no fluxo de causalidade jurídica, de novas etapas

do fluxo de comunicação. As “normas de conduta”, em sentido diverso, não

55 Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 43.

56 I.e., a Teoria Egológica do Direito. Cf. La Teoria Egologica del derecho y el concepto jurídico de

liberdad. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1964. 57

Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, p. 41-43.

41

precisam de outros estágios de positivação gerais e abstratos, pois têm densidade

normativa suficiente para coordenar expectativas de conduta em termos de

proibição, permissão ou obrigação.

Paulo de Barros Carvalho demonstra que a classificação sugerida encontra

limites nos austeros campos da Ciência, dado que mesmo as normas de estrutura

também possuem conseqüentes expressos em termos de modalização de

conduta58. Vale dizer, as normas de estrutura também permitem, obrigam ou

proíbem o sujeito de criar normas com dado conteúdo ou pela maneira prevista.

Sugerimos que as normas devem ser observadas no fluxo da causalidade

jurídica, perguntando-nos quais normas fundamentam sua validade, antecedendo-

a, e quais normas devem dar seqüência à etapa de comunicação jurídica.

1.1.9 Fontes do direito

A expressão “fontes do direito” é utilizada de forma vaga e ambígua no

discurso jurídico. Usualmente tomada na acepção de “origem”, a palavra “fonte” é

utilizada para indicar tanto o fundamento de validade de uma norma (“a fonte do IPI

é a competência tributária”) como o processo de enunciação que criou a norma (“a

fonte da obrigação de indenizar foi a promulgação do Código Civil” ou “a sentença

do juiz”). Também pode se referir ao documento que traz o texto de direito positivo:

“a fonte da condenação foi a sentença”59.

Saber o que se deve entender por “fontes do Direito” é relevante para a

investigação sobre o controle de validade das normas de responsabilidade tributária.

Tão importante quanto saber o que pode ou não pode “dizer” uma norma é saber

como essa norma passa a integrar, de forma válida, o sistema. Também é

importante saber como os órgãos jurisdicionais introduzirão normas no sistema para

confirmar, afirmar ou infirmar as normas que atribuem responsabilidade tributária.

Aprendemos com Tércio Sampaio Ferraz Júnior60 que a Teoria das Fontes

tem papel de grande importância no reconhecimento daquilo que se tem por jurídico,

58 Ibidem, p. 43.

59 Sobre a ambigüidade da expressão e critérios de uso, cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito,

p. 258-259; MOUSALLEM, Tárek. Fontes do Direito Tributário, p. 126; CARVALHO, Paulo. Curso de Direito Tributário, p. 47-53; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, p. 223-228. 60

Introdução ao estudo do Direito, p. 227.

42

na medida em que seu estudo desvenda as estruturas do sistema jurídico. Com os

passos dados por Paulo de Barros Carvalho, observamos que o controle da

validade da atribuição de responsabilidade tributária está imbricado nos focos

ejetores de normas61 e no procedimento adequado para enunciação.

Tárek Moussalem62 produziu relevante estudo para a compreensão dos

processos de criação do direito. Examinou a questão a partir da tomada do Direito

como fluxos de comunicação qualificada, divisando os conceitos de “documento

normativo”63, “veículo introdutor”64 e “enunciação” (“fato-enunciação”)65. Ressalta

que somente temos acesso à enunciação com o exame das marcas por ela

deixadas na linguagem (“enunciação-enunciada”).

A cisão analítica realizada por Tárek Moussalem ser-nos-á útil em ao

menos dois momentos. Um deles ocorrerá durante o exame da validade da

proposição que afirma existir hierarquia entre veículos introdutores e da proposição

que afirma que deve haver simetria procedimental entre os fatos-enunciação para

que normas sejam modificadas. O outro se refere ao estudo do papel dos órgãos

jurisdicionais na produção do direito.

1.1.10 Regras de reconhecimento. Existência, pertinência e validade das

normas

Diante de infindáveis fluxos de comunicação que se estruturam como

normas, tanto o órgão jurisdicional como o jurisdicionado precisam de referencial

para identificar quais dessas regras podem ser consideradas regras jurídicas, isto é,

regras que se reputam cogentes e com amparo estatal.

61 Curso de Direito Tributário, p. 47.

62 Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.

63 Documento normativo é o suporte físico que contém as marcas percebidas como signos. O

conjunto de signos leva aos enunciados, que por sua vez darão lugar às proposições. A articulação das proposições produz sentido que não se confunde com a respectiva soma – as normas jurídicas. 64

“[...] a norma veículo introdutor resulta da aplicação da norma sobre a produção jurídica e é da espécie concreta e geral, construída a patir da leitura da epígrafe e do preâmbulo do documento normativo, responsável por introduzir enunciados prescritivos no sistema” (MOUSALLEM, Tárek. Fontes do Direito Tributário, p. 142). 65

“[...] o que entendemos por fonte do direito não é a enunciação enunciada, mas, sim a atividade exercida por órgão credenciado pelo sistema do direito positivo, que tem por efeito a produção de normas, atividade essa inacessível ao conhecimento humano, por carecer de linguagem” (MOUSALLEM, Tárek. Fontes do Direito Tributário, p. 138).

43

H. L. A. Hart utiliza o conceito de “regra de reconhecimento” como

mecanismo de controle do ingresso de proposições normativas na órbita jurídica.

Disse ele, textualmente:

If this use of an accepted rule of recognition in making internal statements is understood and carefully distinguished from an external statement of fact that the rule is accepted, many obscurities concerning the notion of legal “validity” disappear. For the word "valid” is most frequently, though not always, used in just such internal statements, applying to a particular rule of a legal system, an unstated but accepted rule of recognition. To say that a given rule is valid is to recognize it as passing all the tests provided by the rule of recognition and as a rule of the system. We can indeed simply say that the statement that a particular rule is valid means that is satisfies all the criteria provided by the rule of recognition. This is incorrect only to the extent that it might obscure the internal character of such statements; for, like the cricketers “Out‟” these statements of validity normally apply to a particular case a rule of recognition accepted by the speaker and others, rather than expressly state that the rule is satisfied.

66

Bulygin67 sugere que a regra de reconhecimento é muito mais próxima do

conceito de regra conceitual do que de normativa68. Oferecem interessante exemplo

para desenvolver o modelo de regra de reconhecimento. Contam a história de um

fictício monarca Rex, que governa há muito tempo. A desobediência às suas normas

é punida com extremo rigor, então seus súditos têm grande interesse em saber

quais são as normas expedidas. Ocorre que Rex enuncia as normas quando está

sentado em seu trono. Quando não está, delega a incumbência a ministros.

Paulo de Barros Carvalho69 ensina que validade não é predicado da

norma. Trata-se de relação de conformidade mantida entre a norma e o resto do

sistema jurídico70. Riccardo Guastini71 observa que as proposições sobre a

validade devem ser metalingüísticas, isto é, lavradas em nível de linguagem que

tome o nível de linguagem das normas jurídicas como objeto.

66 HART, H. L. A. The Concept of Law, p. 103.

67 BULYGIN, Eugenio. Sobre la regla de reconocimiento. In: BULYGIN, Eugenio; ALCHOURRON,

Carlos. Analisis Logico y Derecho. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 383-391. 68

Bulygin não exaure os conceitos de “regras normativas” (ou de conduta) e “regras conceituais”. Diz apenas que um dos traços necessários às regras normativas é o caráter prescritivo: elas articulam-se com o apoio dos modais deônticos. 69

Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, p. 59. 70

Posto que o modelo de validade sugerido seja mais complexo do que estamos deixando entrever, Tércio Sampaio Ferraz Junior também afasta a concepção de “validade” como mero predicado da norma jurídica, como algo que “a norma teria”. Cf. Teoria da Norma Jurídica. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 102-105. 71

Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 98.

44

Para Marcelo Neves, os conceitos de existência e validade são confundidos

na teorização de H. L. A. Hart. A norma existe, é pertinente ao sistema, porque é

válida tal como reconhecida pelo órgão jurisdicional ou por outra entidade de

aplicação. Não é necessário que a entidade de aplicação afirme textualmente a

regra de reconhecimento a cada ato de aplicação, mas essa afirmação está

pressuposta (se o órgão aplica a norma n1 é porque a considerou válida e existente).

Concordamos com o modelo proposto por Marcelo Neves, em que há a

diferenciação e dissociação dos conceitos de “existência” e “validade”. Segundo

concebe, a presunção de constitucionalidade72 garante o funcionamento do sistema,

ao impedir que a imperatividade das normas jurídicas seja desafiada a todo instante,

por qualquer pessoa e por qualquer meio73. Diz:

Contudo, o ordenamento jurídico, por constituir espécie de sistema normativo dinâmico, tolera a incorporação irregular de normas jurídicas, que permanecerão no sistema enquanto não houver produção de ato jurídico ou norma jurídica destinada a expulsá-las, isto é, até que se manifeste o órgão competente desconstituindo-as. Portanto, ao passo que nos sistemas normativos estatísticos, onde as normas são explicitadas mediante processo de derivação lógico-dedutiva desenvolvidos a partir da norma básica, a pertinência da norma implica a sua validade interna e vice-versa, os sistemas jurídicos, construídos e desenvolvidos através dos processos políticos e técnicos de produção-aplicação normativa, caracterizam-se por uma nítida distinção entre pertinência e validade das normas.

[...] A explicação semiótica desta situação – pertinência ao

ordenamento de normas inválidas – encontra-se nas características semânticas e pragmáticas do discurso jurídico. A plurivocidade significativa da linguagem jurídica (problema semântico), utilizada pelos diversos órgãos que exercem o poder e também pelos destinatários do poder (problema pragmático), implica a exigência prática de que a norma permaneça no sistema enquanto não seja desconstituída por órgão competente, caracterizando-se a presunção júris tantum de validade das normas emanadas de órgãos do sistema (pertinentes ao ordenamento), pois a hipótese contrária (presunção de invalidade) conduziria ao não funcionamento do sistema, por haver interpretações as mais divergentes entre os utentes das normas [...].

74

Para nós, há certo grau de descolamento entre existência e validade. Uma

norma pode existir, mas ser inválida. Ela persistirá no sistema até ser desconfirmada

por linguagem competente. Nossas regras de reconhecimento não dizem respeito

72 Entendemos que a constatação pode ser estendida à validade, não apenas à constitucionalidade.

73 “O princípio da presunção de constitucionalidade exerce uma função pragmática indispensável à

manutenção do sistema de Direito Positivo” (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 196. 74

NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 41/46.

45

à relação de conformidade. Apontam apenas notas mínimas que permitem identificar

um enunciado como pertencente ao direito positivo. Usualmente esses critérios

dizem respeito ao órgão emissor do enunciado e do procedimento adotado, como no

caso do Rex sugerido por Alchourron e Bulygin (pronunciamentos vindos de Rex,

enquanto ele está sentando no trono, devem ser obedecidos). Tais critérios não

são, contudo, muito rigorosos. É possível que o procedimento do enunciado seja

imperfeito em algum detalhe. Mas, se as marcas da enunciação-enunciada

apontarem órgão que possui hipotética competência para expedir normas e

hipotético procedimento, as normas gozarão de presunção de validade. Portanto, até

desconfirmação, haverão de ser tidas por jurídicas.

1.1.11 Princípios, regras e direitos fundamentais

A definição sobre o que são “princípios” e “direitos fundamentais” é

imprescindível ao corte que nos propomos a fazer, dado que, como veremos, a

regra de proporcionalidade é um dos parâmetros mais importantes para o controle

de atribuição de responsabilidade tributária.

Os textos jurídicos – dogmáticos, jurisdicionais, forenses etc. – registram o

uso plurívoco da palavra “princípio”.

Há, por exemplo, o uso erístico de “princípio”, para estabelecer relação de

superioridade, governança, prevalência, preferência ou prioridade. Quando se fala

que “o tributo fere de morte o princípio da legalidade”, quer-se dizer, nas entrelinhas,

que o princípio da legalidade tem prioridade de aplicação, e, portanto, a norma não

deve ser aplicada em deferência.

Em termos mais rigorosos, Virgilio Afonso da Silva75 expõe três formas de

abordar a questão dos princípios. Alguns, como Ronald Dworkin e Robert Alexy,

entendem que há diferença de estrutura sintática entre regras e princípios. Outros

consideram que há apenas distinção de grau entre uns e outros; princípios são

regras mais gerais, mais abstratas ou mais fundamentais. Terceiros consideram

ainda impossível ou inútil a distinção.

75 Princípio e regras: Mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista latino-americana de

estudos constitucionais. Belo Horizonte: Del-Rey, 2003, p. 609.

46

Paulo de Barros Carvalho76 divisa quatro âmbitos de uso da palavra

“princípio” no discurso jurídico: “norma jurídica de posição privilegiada e portadora

de valor expressivo”, “norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites

objetivos”, “valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas

considerados independentemente das estruturas normativas” e “limite objetivo

estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a

estrutura da norma”.

Vamos tomar “princípio” em acepção próxima àquela de Robert Alexy, tal

como refletida na obra de Virgilio Afonso da Silva77.

Para Alexy, princípios são “comandos de otimização”. São “normas que

determinam que algo seja realizado no mais alto grau que seja efetiva e

juridicamente possível”78. Podem ser confirmadas no todo, em parte ou em nenhuma

medida. Seu grau de efetividade depende tanto do quadro fático quanto do quadro

jurídico. Normas-regra contraditórias não podem ser aplicadas simultaneamente, e

uma delas terá de ser tida por inválida ou não-aplicável. Conflitos entre princípios,

por outro lado, se resolvem por juízos de ponderação ou calibração, em que

prioridades ou precedências são estabelecidas. Entram aqui as sub-regras da

adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Em especial,

a proporcionalidade em sentido estrito pode ser enunciada nos termos da lei da

ponderação: “Quanto mais intensa interferência em um princípio, mais importante é

a realização do outro princípio.”79

Concebemos que a colisão entre princípios pode afetar o sentido das

normas jurídicas. Vale dizer, o princípio da proporcionalidade imbrica-se às técnicas

de decisão constitucional80 para definir um ou mais dentre os sentidos possíveis

para um mesmo texto de direito positivo. Se um dos sentidos possíveis para a norma

N1 não atender à regra de proporcionalidade, em razão da colisão de princípios,

esse sentido será inconstitucional. Por outro lado, o resultado do jogo de calibração

76 Curso de Direito Tributário, p. 145.

77 Entre outros, A constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre

particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. 78

ALEXY, Robert. Sobre a estrutura dos princípios jurídicos. Revista de direito tributário internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, v. 3, p. 156. 79

ALEXY, Robert. Sobre a estrutura dos princípios jurídicos..., p. 160. 80

Interpretação conforme a Constituição, declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, declaração da norma ainda constitucional e a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (efeitos prospectivos).

47

ou ponderação poderá indicar um sentido possível para N1 que a torne compatível

com o sistema.

Nem todos os princípios são direitos fundamentais, e há direitos

fundamentais que não são princípios. Não é nosso objetivo esgotar a temática sobre

direitos fundamentais, mas precisaremos ao menos de uma noção sobre eles na

medida em que operarão como parâmetro do jogo de ponderação do controle da

responsabilidade tributária. Como veremos, a principal guarida à

responsabilidade tributária é dada pelo dever fundamental de pagar tributos.

Este funciona como direito fundamental da coletividade em ao menos dois níveis: o

da garantia de que a propriedade será preservada durante a busca do Estado por

recursos para prover seus fins (tensão propriedade/outros direitos fundamentais) e o

da livre concorrência e desempenho de atividade econômica lícita (para não tornar a

sonegação obstinada instrumento de vantagem competitiva).

Durante o controle da atribuição de responsabilidade tributária, o dever

fundamental de pagar tributos entra em choque com diversos outros direitos

fundamentais, inclusive com aqueles que ele também deveria proteger, como a

propriedade.

Vamos adotar conceito de direitos fundamentais próximo ao sugerido por

Jorge Miranda81:

[...] os direitos fundamentais podem ser entendidos prima fascie como direitos inerentes à própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa, como os direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nível actual de dignidade, como as bases principais da situação jurídica de cada pessoa, eles dependem das filosofias políticas, sociais e económicas e das circunstâncias de cada época e lugar.

Vamos adotar conceito próximo do exposto em razão de seu caráter

relacional. Com efeito, a definição do que sejam os direitos imanentes da pessoa

depende tanto da normatização constitucional quanto das circunstâncias sociais,

políticas e econômicas que informam os critérios de uso para os enunciados que

compõem o direito positivo.

81 Manual de Direito Constitucional. Tomo IV: Direitos Fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra,

2000, p. 10.

48

1.2 SISTEMAS E TEORIA DOS SISTEMAS

Ao longo do discurso, iremos nos referir diversas vezes a “sistema jurídico”.

Cumpre precisar o sentido que daremos à expressão.

A noção de base para “sistema” toma como referência a idéia de “ordem”.

“Sistema”aparece na linguagem natural como “conjunto de elementos organizados

em razão de conceitos ou critérios comuns”. Paulo de Barros Carvalho82 fala no

princípio unitário que rege os elementos do conjunto. Tércio Sampaio Ferraz

Júnior83 aponta dois pontos da estrutura dos sistemas: os elementos que o

compõem (“repertório”) e as relações mantidas reciprocamente entre tais elementos,

que lhes dão coesão. Walter Buckley84 examina a questão a partir de “graus

sistêmicos ou graus de sistematização” (“systemness”).

Para Claus Wilhelm-Canaris85, a noção de ordem jurídica fundamenta-se

na segurança jurídica, entendida como “valor supremo”, verbatim:

Também ela [a segurança jurídica] pressiona, em todas as suas manifestações – seja como determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e continuidade da legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicação do Direito – para a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser muito melhor prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado em sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares desconexas e em demasiado fácil contradição umas com as outras.

O texto constitucional possui diversas referências à necessidade de certeza

e previsibilidade nas relações entre os sujeitos de direito.

Assim se dá quando a Constituição determina a estabilização das normas

alcançada pelo ato jurídico perfeito, pelo direito adquirido e pela coisa julgada (art.

5º, XXXVI), bem como a observância obrigatória da orientação constante do

entendimento do Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, § 1º, incluído pela EC

45/2004), a razoável duração do processo judicial ou administrativo (art. 5º, LXXVIII,

incluído pela EC 45/2004) e a irretroatividade das leis.

82 Curso de Direito Tributário, p. 132.

83 Teoria da Norma Jurídica, p. 140.

84 BUCLKEY, Walter. Sociology and Modern Systems Theory. Nova Jérsei: Prentice Hall, 1967, p.

42. 85

Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 22.

49

Com as devidas cautelas que o sincretismo metodológico inspira, vamos

utilizar alguns conceitos de Teoria dos Sistemas desenvolvidos por Niklas

Luhmann.

A utilização do modelo de sistemas de Luhmann pode, a primeira vista, “[...]

passar a impressão de serem desnecessariamente complicadas e de exclusivo

interesse epistemológico”86. O objetivo, contudo, não é envolver as questões

tratadas em densa linguagem para dificultar-lhes ainda mais a compreensão, mas

apenas buscar maior precisão no discurso. Pretende-se aqui o aprimoramento da

argumentação, e não a sofisticação das palavras.

Os dois conceitos-chave iniciais à compreensão do modelo de Luhmann

são os conceitos de “complexidade” e de “contingência”.

A incerteza, no campo social87, deriva da existência de incontáveis soluções

possíveis para orientação da conduta humana (complexidade88) e pela possibilidade

da ocorrência de qualquer uma daquelas soluções, a despeito da expectativa que se

tem (contingência).

A complexidade e a contingência tornam difícil aos jurisdicionados processar

suas expectativas quanto à conduta recíproca.

Uma das formas possíveis de adaptação ao problema é a criação de

“estruturas seletivas de expectativas”89, que reduzem a complexidade e a

contingência ao processarem as informações com operações predefinidas.

Primeiramente, o sistema do direito adota as normas, programas

condicionais, que determinam de antemão quais são as conseqüências que deverão

86 LUHMANN, Niklas. Operational closure and structural coupling: the differentiation of the legal

system. In: Cardozo Law Review. v. 13:1419, p. 1421, 1991-1992. Tradução livre do candidato. 87

LUHMANN (Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 45.) sustenta que a complexidade e a contingência são desproporcionais à aptidão do ser humano de percepção e assimilação de informações, bem como para atuação. No contexto, “incerteza” é utilizada para denotar a dificuldade de compreensão e processamento daquelas possibilidades. 88

“Cada experiência concreta apresenta um conteúdo evidente que remete a outras possibilidades que são ao mesmo tempo complexas e contingentes. Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar. Com contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências podem ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir a algo inexistente, inatingível ou algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta [...] não mais está lá”. (LUHMANN, Niklas. Op. cit., p. 45.) 89

LUHMANN, Niklas. Op. cit., p. 66.

50

advir da verificação de fatos tidos por relevantes. É o papel operativo da função

legislativa, ou seja, a “tomada de decisões coletivamente vinculantes”90.

A criação antecipada de normas, contudo, não é suficiente, pois é possível

que a aplicação daquelas normas se desvie da expectativa dos jurisdicionados. Para

resolução deste segundo problema, surge a noção de “estabilidade” de sentido das

normas jurídicas, independentemente da fase do fluxo de positivação. Noutro dizer,

sem prejuízo da profundidade e da complexidade do problema enfrentado perante

outro sujeito de direito, cada jurisdicionado espera pelo término definitivo do

processo91.

Diz Tércio Sampaio Ferraz Júnior que

para Luhmann, sendo a função de uma decisão absorver e reduzir insegurança, basta que se contorne a incerteza de qual decisão ocorrerá pela certeza de que uma decisão ocorrerá, para legitimá-la.

92

Naquele contexto, segurança jurídica corresponde à expectativa de

estabilidade que as relações jurídicas assumirão por conta da impossibilidade de

alteração indefinida do alcance e forma de aplicação de dada norma. A permanência

do sentido das normas jurídicas é alcançada por programas específicos de cada

sistema jurídico.

Assim, o sistema jurídico consegue alcançar segurança jurídica a partir da

insegurança, não porque se prevê com precisão qual conduta será adotada por este

ou por aquele sujeito de direito, mas porque se pode determinar artificialmente, sem

possibilidade de modificação, que uma dada relação jurídica tem certa extensão.

Entra no discurso a idéia de expectativa contrafática. Luhmann utiliza a

expressão “contrafática” para qualificar as expectativas que, a despeito da

frustração, podem ser mantidas em novos processos de comunicação. Disse:

De uma maneira que qualquer outro sistema não pode fazer, o direito processa expectativas normativas capazes de manterem-se em situações de conflito. O direito não garante, claro, que estas expectativas não serão

90 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max

Limonad, 2002, p. 71. 91

Como sugere Gustavo Valverde, com apoio na teoria de Luhmann. Notas taquigráficas coligidas durante aula no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), no Distrito Federal, em junho de 2005. 92

FERRAZ, Tércio Sampaio. In: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB, 1980, p. 5.

51

frustradas. Mas ele pode garantir que elas possam ser mantidas, como expectativas, mesmo no caso de frustração, e que ninguém pode prever e comunicar isto antecipadamente. Do ponto de vista sociológico, a normatividade nada mais é do que estabilidade contrafática. Noutras palavras: no que protege as expectativas, o direito nos libera da obrigatoriedade de aprender com as frustrações e de ajustar-nos a elas.

93

Assim, o sistema jurídico resiste às desconfirmações pragmáticas (falta de

eficácia social)

O segundo ponto relevante são os elementos que compõem o sistema e o

conceito de “fechamento operacional”. O direito positivo manifesta-se por meio de

linguagem verbal94 e articula-se em operações de comunicação. Como diz Niklas

Luhmann, a comunicação, no sistema jurídico,

surge cindindo a realidade através de uma distinção altamente artificial entre enunciação e informação, ambas tomadas como eventos possíveis dentro de um processo contínuo que recursivamente utiliza os resultados dos estágios antecedentes e antecipa os futuros.

95

Em algumas concepções do sistema jurídico como ordenamento, costuma

preponderar a nota de hierarquização unidirecional entre as normas jurídicas.

No modelo de sistema adotado, a comunicação jurídica é redundante e

circular, e a respectiva linguagem é marcada pela diferenciação96.

93 LUHMANN, Niklas. Law as a Social System. In: Northwest University Law Review, v. 83, p. 140,

1988-1989. 94

Cf. LUHMANN, Niklas. Operational closure and structural coupling: the differentiation of the legal system. In: Cardozo Law Review, v. 13:1419. Nova Iorque: Benjamin N. Cardozo Law School, 1991-1992; CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. São Paulo: Saraiva, 1999; ROBLES, Gregório. O direito como texto: Quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri: Manole, 2005. 95

Operational closure and structural coupling: the differentiation of the legal system. In: ______, p. 1424. Tradução livre do autor a partir do seguinte original: “communication comes about by splitting reality through a highly artificial distinction between utterance and information, both taken as contingent events within an ongoing process that recursively uses the results of previous steps and anticipates further ones”. 96

Afirma Gunther Teubner (The autonomy of the law: an introduction to legal autopoiesis. In: SCHIFF, David; NOBLES, Richard. Jurisprudence. Londres: Buttleworth, 2003.) que “[…] what occurs within modern society is the growth of specialist languages. This is a system of differentiation. But the differentiation is not at the level of role or function (law is a dispute resolution system, politics is a decision making system, etc), but in language. Different systems of communication encode the world in different ways. The legal system encodes the world into what is legal and illegal. Medicine encodes the world into what is healthy and unhealthy. Science encodes the world into what is true or false. Accountancy constructs the world into debits and credits. The Economy perceives the world in terms of profits and losses”.

52

As etapas que compõem o encadeamento da comunicação não se

relacionam apenas no viés unidirecional, no sentido único do estágio tido por

hierarquicamente superior ao estágio hierarquicamente inferior.

O sistema jurídico ainda reduz a complexidade97 inerente à experiência

humana, e o faz com base na diferenciação binária entre o que pertence e o que

não pertence ao sistema98. Identificada a pertinência, passa-se à distinção à razão

da legalidade.

Afirma Gunther Teubner99 que

[…] o que ocorre com a sociedade moderna é o crescimento de linguagens especializadas. Este é um sistema de diferenciação. Mas a diferenciação não ocorre no estrato da diferenciação funcional (direito é um sistema de resolução de disputas, política é um sistema de tomada de decisões), etc, mas na linguagem. Diferentes sistemas de comunicação codificam o mundo em formas diferentes. O sistema legal codifica o mundo no que é legal e ilegal. A medicina codifica o mundo no que é saudável e insalubre. A Ciência codifica o mundo no que verdadeiro ou falso. A Contabilidade constrói o mundo em débitos e créditos. A Economia percebe o mundo em termos de lucros e perdas.

Para alcançar tal grau de especialização, o sistema jurídico é

operacionalmente fechado, por produzir

[...] suas próprias operações, suas próprias estruturas, e seus próprios limites por suas próprias operações; não pela aceitação de qualquer determinação externa ou, certamente, por qualquer outro tipo de delimitação. [...] Como parte do sistema social, o sistema jurídico é sistema auto-organizado, autodeterminado. Não há nada mais, nenhum outro sistema externo, que poderia cumprir tal papel.

100

97 O sentido em que se usa “complexidade” será mais bem abordado no tópico sobre segurança

jurídica, 3.1.2. 98

O sistema jurídico reproduz a sociedade em um aspecto específico por meio de comunicação. O aspecto retrata a manutenção de expectativas contrafáticas. 99

The autonomy of the law: an introduction to legal autopoiesis. In: SCHIFF, David; NOBLES, Richard. Jurisprudence. Londres: Buttleworth, 2003. Tradução livre do candidato a partir do seguinte trecho original: “[…] what occurs within modern society is the growth of specialist languages. This is a system of differentiation. But the differentiation is not at the level of role or function (law is a dispute resolution system, politics is a decision making system, etc), but in language. Different systems of communication encode the world in different ways. The legal system encodes the world into what is legal and illegal. Medicine encodes the world into what is healthy and unhealthy. Science encodes the world into what is true or false. Accountancy constructs the world into debits and credits. The Economy perceives the world in terms of profits and losses”. 100

LUHMANN, Niklas. Operational Closure..., op. cit., p. 1425. Tradução livre do candidato a partir do seguinte trecho original: “Nevertheless, the legal system is a closed system, producing its own operations, its own structures, and its own boundaries by its own operations; not by accepting any external determination nor, of course, any external delimitation whatsoever. To put it even more pointedly, just because the legal system operates as part of the social network of societal operations,

53

Eis a autopoiese.

O fechamento operacional do sistema jurídico pressupõe a adoção da idéia

de circularidade, em que a produção de normas jurídicas (“programas”) somente se

dá com base nos próprios “elementos” do sistema, isto é, de comunicações

anteriores. É o próprio sistema, no constante impulso, que distingue uma dada

norma como “legal”.

Luhmann apontada que sua Teoria de Sistemas tomava como ponto de

partida a idéia de diferenciação. “O sistema não é apenas uma unidade, mas é

também uma diferença"101.

Como afirma Luhmann, dizer que um sistema é operativamente fechado

não implica o reconhecimento de isolação102. A saturação de sentido para as normas

jurídicas sofre o influxo de acoplamentos estruturais103, que operam como

mecanismos altamente seletivos para a colheita e versão104 de irritações contidas

no ambiente, dentro do qual se inserem outros sistemas.

No plano sintático, observa-se que as relações entre as normas jurídicas são

eminentemente prescritivas. A imputação deôntica permite o abandono do modelo

de verdade por correspondência, para imputar aos antecedentes normativos

conseqüências arbitrárias.

Os conceitos, como operadores internos pertinentes às diferenças internas

do sistema jurídico105, somente se tornam jurídicos com explícita referência nos

textos de direito positivo.

there is no sense in looking for external sources of determination and delimitation. As part of the societal system, the legal system is a self-organizing, self-determining system. There is nothing else, no external system that could do the job”. 101

LUHMANN, Niklas. Introducción a la Teoria de Sistemas. Santa Fé (México): Javier Torres Nafarrate, 1996, p. 77. Tradução livre do candidato a partir do seguinte trecho original: “El sistema no es simplesmente uma unidad, sino una diferencia”. 102

Ibid., p. 1431. 103

A expressão “acoplamentos estruturais” refere-se aqui a quaisquer elementos do sistema jurídico, sejam estruturas, sejam normas, que determinem como o conjunto deve reagir aos demais sistemas presentes no ambiente, inclusive quanto ao plano semântico (o que implica a necessidade de conceituação especial para a idéia de “abertura cognitiva”). Compare-se com a acepção empregada por Luhmann (op. cit.), especialmente em Introducción a la Teoria de Sistemas. Alamos: Javier Torres Nafarrate, 1996. 104

É importante salientar que para a Teoria dos Sistemas, como concebida por Luhmann, não há trocas diretas entre sistema e ambiente, no sentido de transferência recíproca de “elementos” ou “informações”. O sistema jurídico, de acordo com seu código e programas, irá recodificar os “elementos” externos na própria linguagem, como determinado pelas próprias operações. 105

LUHMANN, Niklas. Op. cit., p. 1431.

54

Prosseguindo ainda mais na idéia, o significado e a significação das palavras

usadas nos textos de direito positivo podem ser previamente definidos pela função

política (geralmente pela indicação de critérios de uso), ou construídos

dinamicamente durante a aplicação do direito pelos órgãos jurisdicionais,

administrativos ou políticos106.

Durante a aplicação do direito, os influxos provenientes das vicissitudes às

quais está sujeito o aplicador devem ser reconstruídos, i.e., vertidos e re-significados

para o “mundo legal”107.

Sobreleva-se da observação do direito positivo à luz da idéia de autopoiese

que o sistema jurídico se distingue por intermináveis fluxos de positivação, em que

se reproduz sentido jurídico por meio de comunicação.

Nesse contexto, uma norma jurídica inválida não deixa de pertencer ao

sistema pela simples observação externa108. A pertinência está ligada

primordialmente à existência da comunicação jurídica anterior à qual a comunicação

atual se refere, isto é, à recursividade. Uma multa “ilegal”, por exemplo, não deixa de

ser “jurídica”, isto é, de pertencer ao sistema jurídico, pelo juízo que o suposto

infrator faz dela 109.

O fenômeno da autopoiese ajuda ao esclarecimento do aparente paradoxo

da existência de normas jurídicas inválidas, destacando quando o direito positivo é

observado exclusivamente a partir da perspectiva de ordenamento, i.e., em função

de hierarquia unidirecional.

Com efeito, a autopoiese não se exaure, já que “[...] todas as operações

ganham a própria unidade pela produção de operações subseqüentes”110. É

tautológica a proposição que afirma ser possível111 a criação de norma

106 O modelo corresponde à noção de “strange loop”.

107 Cf. TEUBNER, Gunther. The autonomy of the law: an introduction to legal autopoiesis. In: SCHIFF,

David; NOBLES, Richard. Jurisprudence. Londres: Buttleworth, 2003. 108

Senão pela inexistência de acoplamentos estruturais, que tomem a metalinguagem como relevante ao direito positivo. Um exemplo é o direito à resistência. 109

O exemplo é de Teubner (op. cit.). O autor ainda utiliza a produção de células cancerosas ou “doentes” como metáfora biológica para explicar o juízo de existência de normas jurídicas inválidas. As células cancerosas continuam a ser células, compostas pelos mesmos elementos das células “sadias”, mesmo que cada arranjo seja dissonante dos programas empregados pelo sistema celular. Complementando a idéia, a “cura” da célula deviante, tal como da própria norma jurídica inválida, dá-se dentro e pelas operações do próprio sistema. 110

LUHMANN, Niklas. Op. cit., p. 1419. 111

Note-se: possível, e não válida.

55

(comunicação) que contrarie o sentido tido por estável de norma anterior. Isso não

quer dizer que a criação de norma desconforme ao sistema seja permitida.

Para controle do desvio112, o sistema jurídico desenvolve novas

comunicações sobre si mesmo. O fluxo de positivação pode, então, ser alterado,

para afirmar, confirmar ou infirmar as comunicações anteriores, sem perda do

caráter dinâmico. A autopoiese que gera “anomalias” é a mesma autopoiese que as

“corrige”.

Como sustenta Paulo Pimenta, “é válida a norma à medida que o editor

consegue ficar imunizado contra reações de desconfirmação da mensagem

normativa, o que se dá por outra norma”113.

Assim, a validade de uma norma poderia ser controlada indefinidamente,

perante as normas que lhe servem de fundamento sintático e semântico. Contudo, o

sistema deve conter programas específicos enviesados à vedação do controle,

independentemente de eventual discrepância entre a norma e os parâmetros de

validação invocados.

Todo jurisdicionado deve ter a expectativa de que, em algum momento, o

processo acabará e o que se espera da própria conduta ou da conduta alheia será

decidido de forma terminativa e irretratável.

Portanto, a ânsia por estabilidade de sentido é inerente ao sistema

jurídico114.

Com efeito, a estabilidade de sentido depende de estruturas específicas no

sistema jurídico em observação, sem que lhes possam ser adjudicados sentidos

universais. A questão é saber em quais partes do fluxo de positivação do crédito

112 LUHMANN (Sociologia do direito II. São Paulo: Edições Tempo Brasileiro, 1985. p. 84/88.) define

controle como “[...] o exame crítico de processos decisórios objetivando uma intervenção transformadora no caso de o processo decisório, em seu desenrolar, seu resultado ou suas conseqüências, não corresponder às considerações do controle”. Prosseguindo, diz que “a mais concreta e mais objetiva dessas formas de controle, o controle hermenêutico da interpretação do sentido de normas jurídicas e da persuasão de argumentos, deriva sua necessidade da circunstância de que o processo da decisão jurídico está tipicamente orientado não em função do seu resultado, mas sim em função de que seus diversos procedimentos e argumentos possam ser controlados. [...] Um controle adequado do direito tem que acompanhar o processo decisório ou repeti-lo”. 113

PIMENTA, Paulo. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 20. 114

Como sugere Cristiano Carvalho (op. cit., p. 210), “a estabilidade de sentido se dá quando não há controvérsia em relação ao significado das palavras”. Como as sociedades complexas tendem à instabilidade, porquanto o constante fluxo de comunicações modifica os conceitos em curtos espaços de tempo (e.g., as comunicações jurídico-dogmáticas e as comunicações jurídico-jurisdicionais), o sistema jurídico apresenta mecanismos artificiais de estabilização (a proibição de novas comunicações enviesadas à modificação de normas específicas).

56

tributário ou do crédito por responsabilidade há norma que proíba a modificação

do sentido de relação jurídica já construída.

Entendemos que a Teoria dos Sistemas traz alguns benefícios ao nosso

discurso. Com ela e com a noção de “rede de transição aumentada”,

desconstituímos a idéia de que as definições legais devem ser reconstruídas em via

única, da Constituição à decisão judicial. O papel dos órgãos jurisdicionais, e em

especial do Supremo Tribunal Federal durante o controle da atribuição de

responsabilidade tributária, extrapola a função meramente dedutiva. Reconhecemos,

também, que o conceito de segurança jurídica é relacional e depende das

vicissitudes de cada sistema jurídico. Por fim, a idéia de sistema como conjunto de

comunicação permite estruturar com mais precisão quais são os programas que

impõe um sentido no fluxo de geração de informações.

57

2. ATRIBUIÇÃO DE SUJEIÇÃO PASSIVA E DE RESPONSABILIDADE

TRIBUTÁRIA

2.1 TENSÃO ENTRE CONTRIBUINTE E RESPONSÁVEL. PROBLEMAS

RECORRENTES NA DEFINIÇÃO DE LIMITES À ATRIBUIÇÃO DE SUJEIÇÃO

PASSIVA TRIBUTÁRIA

A Constituição federal de 1988 estrutura de forma extensiva a aptidão para a

instituição de tributos e demais normas enviesadas à cobrança e à fiscalização de tal

tipo de exação. Com efeito, o texto constitucional já ampara elementos para a

formação do arquétipo das normas de instituição do tributo e de salvaguardas

específicas. Por exemplo, a Constituição delineia o quadro de materialidades

passíveis de tributação mediante a incidência de impostos, indicando para cada tipo

de exação o ente competente para a instituição e a cobrança. De forma semelhante,

a reserva de lei complementar para dispor sobre normas gerais em matéria de

ICMS (art. 155, XII, da Constituição) e a reserva de convênio interestadual para a

concessão de benefícios fiscais quanto ao mesmo tipo de tributo (art. 155, XII,

g, da Constituição) operam como salvaguardas do modelo de pacto federativo

brasileiro.

O percurso de determinação do sujeito passivo tributário é profundamente

afetado pela amplitude do tratamento dado pelo constituinte ao sistema tributário,

como argutamente anotaram Geraldo Ataliba e Aires Barreto115:

Em princípio, só pode ser posta, como sujeito passivo das relações obrigacionais tributárias, a pessoa que – explícita ou implicitamente – é referida pelo Texto Constitucional como “destinatário da carga tributária” [...].

A intensa regulação das regras de competência e de repartição de receitas

pela Constituição é um dos fundamentos para a caracterização da rigidez e da

exaustividade do Sistema Tributário Nacional, conforme registrou Humberto

Ávila116.

115

ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires F. Substituição e Responsabilidade Tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 49, p. 73, 1989. 116

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, p. 109. Nesse sentido, prossegue o autor ao afirmar que “a referida rigidez decorre também de da repartição de competências para a instituição de cada tributo. O Sistema Tributário Nacional determina, no art. 153 e seguintes, quais tributos podem ser instituídos pela União, pelos Estados e pelos Municípios. O importante é que não apenas

58

Contudo, a abordagem pormenorizada da abrangência do sistema

constitucional tributário e a preocupação do constituinte em estabelecer com

precisão os moldes do exercício da atividade tributária do Estado não excepcionam

o texto constitucional de problemas comuns à construção de sentido a partir de

qualquer texto.

Uma das dificuldades encontradas no processo de atribuição de sujeição

passiva caracteriza-se pela ausência do emprego direto de termos ou definições

para a construção da classe de sujeitos passivos possíveis dos tributos. A

construção de tal classe colhe seu sentido de inferências e ilações retiradas de

outros elementos do sistema. Como bem observou Paulo de Barros Carvalho117,

textualmente:

A Constituição não aponta quem deva ser o sujeito passivo das exações. Invariavelmente, o constituinte se reporta a um evento (operações relativas a circulação de mercadorias; transmissão de bens imóveis; importação; exportação; serviços de qualquer natureza etc.) ou a bens (produtos industrializados; propriedade territorial rural; propriedade predial e territorial urbana etc), deixando a cargo do legislador ordinário não só estabelecer o desenho estrutural da hipótese normativa, que deverá girar em torno daquela referência constitucional, mas, além disso, escolher o sujeito que arcará com o peso da incidência fiscal, fazendo as vezes de devedor da prestação tributária.

Outros vetores constitucionais também são essenciais na formação das

notas que prescreverão quem poderá ser chamado a responder pela obrigação

tributária. Entre tais vetores estão a capacidade contributiva118 e o direito de

propriedade, por exemplo.

define as hipóteses de incidência, mas também determina o conteúdo material para o exercício da competência. Essas prescrições são instituídas pela Constituição toda [...].” Ibidem, p. 110. Roque Antônio Carrazza, por seu turno, escreve que “a Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu [ainda que, por vezes, de modo implícito e com certa margem de liberdade para o legislador] a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, de várias espécies e subespécies de tributos.” (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 478.) 117

Curso de Direito Tributário, p. 322. 118

Após apontar a necessidade de o legislador escolher fatos que demonstrem sinais de riqueza ao desenhar as normas que instituem tributos, Hector Villegas observou que “temos, então, uma pessoa que é o titular da capacidade contributiva. Quando o legislador constrói a hipótese de incidência, deseja que essa pessoa suporte, sofra, no seu patrimônio, a diminuição, o detrimento – em seu patrimônio – que significa o tributo”. Destinatário Legal Tributário, Revista de Direito Público, n. 30, p. 274. A capacidade contributiva opera, assim, como parâmetro para identificação do destinatário legal tributário.

59

A vagueza e a ambigüidade inerentes à linguagem escrita também se

manifestam no processo de atribuição de sujeição passiva, ao projetarem um quadro

de soluções admissíveis à identificação dos sujeitos passivos.

Parte da doutrina registra a correlação entre a materialidade estipulada pelo

texto constitucional e o agente apto ao desenvolvimento de tal atividade como

critério de identificação de uma das espécies de sujeito passivo da relação jurídica

tributária, o contribuinte. Afinal, o critério material da hipótese de incidência

tributária sempre alude a um comportamento humano, revelado, no plano da sintaxe

gramatical, pela conjunção entre um verbo e o respectivo complemento, como

lembra Paulo de Barros Carvalho119. A usual facilidade de identificação do vínculo

de implicação que une a ação ao agente sugere que a identificação do contribuinte

é conspícua, prescindindo de aprofundado labor interpretativo.

O juízo pode assim ser sintetizado: ao prescrever ser possível ao ente

federado tributar uma dada espécie de fato ou materialidade, infere-se que a

Constituição elegeu a pessoa que executou ou deu causa à execução de tal fato

como contribuinte. Por exemplo, ao instituir imposto sobre a renda e proventos

de qualquer natureza, infere-se que a Constituição elegeu a pessoa que

experimentou o aumento patrimonial pela percepção de renda ou de proventos

como sujeito passivo possível do tributo.

Após afirmar que a hipótese de incidência120 simplesmente denota a

capacidade contributiva, e que o sujeito passivo tributário com responsabilidade

tributária é chamado de contribuinte, Amilcar de Araújo Falcão121, lembrado por

Luciano Amaro, explicita o método de identificação de quem deve ocupar o pólo

passivo da relação jurídica tributária:

A identificação do contribuinte, portanto, incumbe ao intérprete: independe de menção na lei.

Basta que o legislador fale em venda, compra, rendimento, propriedade imóvel, para se deduzir que os contribuintes dos impostos que sobre estas operações (na acepção dada pelo direito tributário) recaem são o vendedor, o comprador, o que aufira rendimentos, ou quem detenha a propriedade econômica do prédio.

119

CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária, p. 124. Cf., ainda, Idem, Curso de Direito Tributário, p. 258. 120

“Fato imponível”, no original. Optamos por aproximar o conceito original do autor aos termos utilizados nesta dissertação. 121

FÁLCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário: Parte geral. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1959, p. 114.

60

Luciano Amaro, contudo, observou que:

Essa inferência, porém, se muitas vezes é possível, nem sempre se afigura cristalina, diante da mera descrição do fato gerador. Existem situações de direito privado (que a lei tributária elege como fato gerador de tributo) que envolvem mais de uma pessoa, podendo qualquer delas ser eleita como contribuinte. Por exemplo, se o fato gerador do tributo é a transmissão de imóveis, podemos ter como contribuinte qualquer das partes na operação. (Grifos do autor.)

122-123

Conquanto repute ser a estruturação constitucional do Sistema Tributário

Nacional minuciosa e pormenorizada, e sem deixar de reconhecer a primazia do

texto constitucional no labor exegético, Roque Antônio Carrazza124 reconhece a

existência de um campo de opções posto ao legislador para exercitar a competência

tributária.

Concordamos com a conclusão a que chegou Luciano Amaro quanto à

possibilidade de indeterminação apriorística, com base apenas no texto

constitucional, de um único sujeito passivo possível.

Ponderamos que a força da Constituição não é prejudicada pela

circunstância de o respectivo estágio no fluxo de comunicação projetar quadros de

soluções possíveis, em detrimento da busca pela única resposta correta125. Tais

quadros, marcados pela ambigüidade e vagueza dos textos que lhes dão suporte,

122

AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 300. O autor arremata o raciocínio colacionando como exemplo a eleição dos sujeitos passivos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Registra Luciano Amaro que o legislador ordinário evocou aspectos relevantes à fixação do critério temporal da regra-matriz de incidência tributária para demarcar a sujeição passiva ao tributo. 123

Em sentido semelhante é a seguinte passagem da obra de Zelmo Denari: “Quando a situação-base [do fato gerador] ostenta natureza de fato econômico, como sucede na generalidade dos casos previstos na Constituição (v.g., importação e exportação de mercadorias, industrialização e fornecimento de bens ou serviços, disponibilidade de bens ou rendas etc.), o legislador ordinário não tem alternativas, pois só pode qualificar como contribuinte o operador econômico que realiza o pressuposto tributário. Agora, quando a situação-base ostenta a natureza de ato jurídico – vale dizer, quando relevante para o Direito Tributário não é a intentio facti, mas a intentio juris, como se dá com os impostos que gravam as transmissões imobiliárias e as transações mobiliárias (v.g., ITIV e IOF) –, o legislador ordinário poderá qualificar como contribuinte qualquer das partes envolvidas na relação jurídica, pois ambas são partícipes do ato jurídico bilateral. Os arts. 42 e 66 do CTN nos dão sugestivos exemplos da opção que pode ser feita pelo legislador ordinário para identificação do contribuinte nesta detida hipótese”. Sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 177. 124

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 478. 125

Cf. AARNIO, Aulis. La tesis de la única respuesta correcta y el principio regulativo del razonamiento jurídico. Doxa, n. 8, p. 23-38, 1990. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2001. Capturado de http://descargas.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/doxa/ 01471734433736095354480/cuaderno8/Doxa8_01.pdf. Último acesso em 1º/02/2007.

61

caracterizam o modelo de discurso jurídico adotado e, segundo Jerzy Wróblewsky,

parecem inevitáveis126. Cumpre ao percurso de formação de sentido ao longo de

toda uma cadeia de comunicação jurídica eliminar a indeterminação e a

generalidade. O controle do percurso não pode ser realizado de forma trivial127, mas

apenas a medida do exame da justificação das razões empregadas na etapa

controlada128.

A circunstância de a Constituição não prever, com precisão, quem serão os

sujeitos passivos dos tributos manifesta certa tensão no modelo de atribuição de

sujeição passiva. O Sistema Jurídico requer a justificação do processo de

especificação dos sujeitos passivos a partir do quadro de possibilidades,

especialmente dentro da racionalidade da proteção à propriedade. O nexo de

inferência emanado a partir da materialidade gizada na Constituição para definição

da competência tributária e a observância da capacidade contributiva são colunas

essenciais ao processo de atribuição de sujeição passiva ao destinatário legal

tributário, isto é, ao contribuinte.

Tais expedientes, contudo, não se adequam à racionalidade própria da

atribuição de sujeição passiva por responsabilidade, ou seja, não se prestam ao

controle dos diversos estágios da comunicação jurídica destinada à identificação do

responsável tributário. Como se verá, a figura do responsável tributário não guarda

relação direta com o critério material da hipótese de incidência, sendo convocado a

participar da compostura da relação jurídica tributária mesmo se posicionando fora

da compostura do arquétipo tributário. Tampouco a capacidade contributiva opera

como parâmetro de controle da atribuição de responsabilidade tributária, posto se

submeter à diferente paradigma de racionalidade.

126

“Legal language, like ordinary language, has an „open texture‟ and, hence, the lack of precision seems unavoidable”. Meaning and truth in judicial decision, p. 88. Em tradução livre do autor: “A linguagem legal, tal como a linguagem comum, tem uma „textura aberta‟ e, portanto, a falta de precisão aparenta ser inevitável”. 127

Com a palavra “trivial” adjetivamos os processos de produção de sentido previsíveis, isto é, produzem resultados invariáveis baseados nos estímulos com os quais são alimentados (inputs “idênticos” implicam resultados iguais em qualquer número de tentativas). Um exemplo de máquina trivial é a hipotética “Sala Chinesa” de John Searle, utilizada no estudo Minds, brains and programs (In: Behavioral and brain sciences 3 (3): 417-457. Cambridge: Harvard University Press, 1980), acerca dos limites da inteligência artificial. O Sistema Jurídico trabalha com dispositivos não-triviais, dada a recursividade de seus procedimentos. 128

Relembramos que o controle baseado na justificação da decisão é uma das características da decisão judicial, como compreendida por Jerzy Wròblesky. Meaning and truth in judicial decision. Helsinki: Jurídica, 1979, p. 59.

62

Em suma, a base de fundamentação para a escolha do responsável

tributário pode se dissociar completamente dos parâmetros de controle da

determinação do contribuinte.

Posto que a forma minudente como a Constituição regra a atribuição de

sujeição passiva ao destinatário legal da carga tributária lhe assegure maior grau de

precisão e segurança, o texto constitucional oferece poucos subsídios expressos ao

detalhamento do regime do responsável tributário. Há um nítido contraste entre o

tratamento expresso no texto constitucional aos mencionados regimes.

Por outro lado, é certo que a atribuição de responsabilidade tributária deve

atender aos limites colocados pelo Sistema Jurídico, adequando-se especialmente

ao modelo de justificação próprio. À guisa de responsabilidade tributária, não pode o

ente competente para instituição do tributo trazer indiscriminadamente qualquer

pessoa para o pólo passivo da relação jurídica tributária. A circunstância de a

responsabilidade tributária representar um instrumento importante de salvaguarda

da eficácia social do crédito tributário não a coloca sob o exclusivo domínio do

código próprio do sistema político ou do interesse administrativo secundário, isto é, a

conveniência da situação ou a maximização da arrecadação.

Geraldo Ataliba e Aires Barreto129 assim se manifestaram sobre o risco de

abuso do mecanismo de atribuição de sujeição passiva a quem não é destinatário

legal da carga tributária:

Jamais pode, portanto, a substituição acabar funcionando como um mecanismo de troca de destinatário que a Constituição estabeleceu, pressupôs ou fixou. Jamais poderia funcionar como mecanismo de subversão de valores constitucionais.

Em síntese, a tensão entre as categorias “contribuinte” e “responsável”, ou

melhor, a tensão que permeia a diferenciação entre as categorias por ocasião do

processo de atribuição de sujeição passiva se manifesta em dois principais pontos.

Em primeiro lugar, a circunstância de o texto constitucional permitir certa

margem de liberdade à construção da classe dos sujeitos passivos possíveis dos

129

Substituição e responsabilidade tributária, p. 77.

63

tributos imprime ao intérprete a necessidade de uma busca mais profunda por limites

e distinções130.

Em segundo lugar, a racionalidade que rege a atribuição de sujeição passiva

ao contribuinte difere em essência da racionalidade que permite a justificação da

atribuição de sujeição passiva por responsabilidade. Como se irá observar, a

responsabilidade tributária não encontra fundamentação na capacidade contributiva

ou na inferência projetada a partir das materialidades descritas no texto

constitucional para a formação da competência tributária. Contudo, o giro nas linhas

de fundamentação entre um e outro fenômeno de sujeição passiva não é aparente,

em razão da rigidez e exaustividade da estrutura da competência tributária posta

pela Constituição. Certamente, seria um sem-sentido admitir que o sistema jurídico

possuísse mecanismos para negar ou sobrescrever a forma detalhada eleita pelo

constituinte para definir a aptidão, e consequentemente os limites, para a instituição,

cobrança e fiscalização de tributos. Para evitar o esvaziamento do sentido emanado

pela Constituição, isto é, não fugir à rigidez e à exaustividade lhe são características,

não é incomum que o viés de interpretação busque demonstrar a posição do

responsável de acordo com os mesmos parâmetros que operam na eleição do

contribuinte. Aqui, a tensão se manifesta ante à necessidade de justificativa

sistemática da atribuição de sujeição passiva por responsabilidade, nos termos de

parâmetros próprios e que portanto não se confundem com os elementos que

condicionam a escolha do contribuinte, sem que se prejudique os traços que

caracterizam o âmbito material e pessoa da competência tributária.

2.2 A CATEGORIA “CONTRIBUINTE”

2.2.1 Introdução

Por “sujeição passiva tributária” entendemos131 a circunstância de um

determinado sujeito de direito estar obrigado ao pagamento de prestação pecuniária

130

A circunstância de o texto constitucional, assim como qualquer texto legal, admitir uma série de construções de sentido não é um vício, mas uma característica inerente a todo processo de comunicação humana. 131

A definição aqui empregada não prejudica a validade de outras acepções para a expressão, quando tomada de acordo com linhas de argumentação que seguem diferentes premissas.

64

“caracterizada como de natureza fiscal”132. Na compostura lógico-jurídica, a sujeição

passiva tributária se manifesta com o exame do critério pessoal do conseqüente da

regra-matriz de incidência tributária, no campo abstrato e geral, e da relação jurídica

tributária, no estrato individual e concreto.

No sistema jurídico brasileiro, a sujeição passiva tributária comporta

diferenciação. Uma das categorias que marcam tal diferenciação é a atribuição de

sujeição passiva ao contribuinte133.

A palavra “contribuinte” é utilizada extensivamente pelos textos de direito

positivo brasileiros em diferentes acepções. Por exemplo, ao prescrever que

compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação

tributária, especialmente sobre a definição de contribuintes para os impostos (art.

146, III, a), a Constituição está empregando a palavra “contribuinte” na acepção de

“classe”, para reservar o âmbito de emprego da fonte material que culmina na edição

de lei complementar. Não há o emprego de qualquer dado conotativo ou denotativo

para estipulação do alcance do vocábulo. Por outro lado, o art. 4º da Lei

Complementar 87/1996134 utiliza o vocábulo “contribuinte” para, em mais uma etapa

do fluxo de positivação do direito, definir ou estipular em caráter geral para todos os

entes federados quem são os sujeitos passivos possíveis do ICMS.

O art. 121 do Código Tributário Nacional prescreve que o sujeito passivo

será denominado contribuinte “quando [tiver] relação pessoal e direta com a situação

que constitua o respectivo fato gerador”. Mas, em que consiste tal “relação pessoal e

direta”? Como anotou Arnaldo Borges, o Código Tributário Nacional “não diz o que

seja esta relação, nem, tampouco, oferece critérios suficientes ao esclarecimento do

problema”135.

132

CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 165. 133

No seio da linguagem natural, a palavra “contribuinte” costuma ser empregada para designar indistintamente o critério material da regra-matriz de incidência tributária e o sujeito passivo da relação jurídica tributária. Registra o Dicionário Houaiss da língua portuguesa que “contribuinte” corresponde à rubrica de direito tributário: “diz-se de ou indivíduo sujeito a tributação; diz-se de ou aquele sobre quem recai a obrigação de pagar tributos” (capturado de http://houaiss.uol.com.br/ busca.jhtm?verbete=contribuinte&stype=k. Último acesso em 09/02/2007. 134

“Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade: [...]” 135

BORGES, Arnaldo. O sujeito passivo..., p. 59.

65

A expressão em exame pode ser saturada de sentido de acordo com ao

menos duas linhas de justificação diferentes, fundadas respectivamente no nexo de

causalidade entre a conduta do sujeito e a ocorrência do fato jurídico tributário

(implicação física), ou no nexo de inferência entre a dimensão econômica da

hipótese de incidência e o interesse do sujeito.

Nos quadrantes do sistema jurídico, a dogmática pátria utiliza, em conjunção

ou de forma separada, três critérios para a caracterização da categoria contribuinte.

Tais critérios são:

a) a identidade entre o sujeito passivo da relação jurídica tributária e o

sujeito apto à execução da materialidade prevista na norma-padrão

constitucional ou na hipótese de incidência tributária;

b) a circunstância de o sujeito passivo extrair diretamente vantagem

econômica da situação descrita no antecedente da regra-matriz de

incidência (capacidade contributiva);

c) e, por fim, a eleição legal de um sujeito de direito para participar da

compostura da regra-matriz de incidência tributária (“contribuinte como

conceito jurídico-formal”, nas palavras de Luciano Amaro136).

Veremos como a dogmática trabalha com tais critérios.

2.2.2 Caracterização da categoria “contribuinte”

Por ocasião da aula magna proferida no IV Curso de Especialização em

Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo,

em 08/12/1978, Hector Villegas137, após tecer considerações acerca do fenômeno de

incidência da norma jurídica138 e da capacidade contributiva, introduz o conceito de

destinatário legal tributário.

136

Direito Tributário Brasileiro, p. 301. 137

Notas taquigráficas publicadas sob o título “Destinatário legal tributário: Contribuinte e sujeitos passivos na obrigação tributária”, na Revista de Direito Público, São Paulo, n. 30, p. 271-294, 1979. 138

Isto é, da passagem do “direito objetivo” ao “direito subjetivo”. Dentro das balizas teóricas adotadas neste trabalho, as expressões “objetivo” e “subjetivo” são utilizadas em acepções diversas daquelas empregadas pelo Prof. Villegas. Por “direito objetivo” cremos que Villegas esteja se referindo às normas gerais e abstratas, ao passo em que por “direito subjetivo” alude o Professor às normas individuais e concretas. O seguinte trecho da obra do Prof. Villegas é elucidativo a este respeito: “Quando o direito objetivo – que foi previamente instituído para obter prestações coativas – se aplica a um membro singular da coletividade, converte-se em um direito subjetivo do Estado. O Estado passa a ser, então, o titular de uma pretensão de conteúdo patrimonial que não pode deixar de ser exercida. É um direito-dever”. (Destinatário legal..., p. 273.)

66

Segundo Villegas, a escolha do campo material que deverá ser utilizado

para construção das normas de instituição de tributos deve atender à racionalidade

da capacidade contributiva, isto é, as hipóteses de incidência das normas de

instituição dos tributos devem demonstrar sinais de riqueza, refletindo a aptidão do

sujeito passivo para suportar a carga tributária que lhe é atribuída. Enquanto a

reserva de lei para instituição do tributo (“princípio da legalidade”) é tomada como

“limite formal” à atividade do Estado em matéria tributária, a capacidade contributiva

é considerada como “limite material ao conteúdo da norma tributária”139.

Partindo de tais premissas, Hector Villegas afirma que o destinatário legal

tributário

[...] é o personagem envolvido e incluído, partícipe no acontecimento do fato imponível e a quem uma norma jurídica obriga a sofrer a carga do tributo, ligada, com conseqüência, à hipótese de incidência condicionante.

140

Na compostura da regra-matriz de incidência o destinatário legal tributário

recebe a denominação de contribuinte. Dito de outro modo, ao ser eleito como

sujeito passivo, o destinatário legal tributário ingressa na moldura da relação jurídica

tributária com o rótulo de contribuinte141.

Como se vê, a construção de Hector Villegas se apóia preponderantemente

na relação da causalidade natural (ou “física”) entre a hipótese de incidência e os

sujeitos aptos à prática da conduta humana que caracteriza tal hipótese.

O exame da relação de causalidade física para identificação do contribuinte

já fora objeto de considerações de Amílcar de Araújo Falcão. A noção, já abordada

no clássico “Introdução”142, foi repetida na obra Fato Gerador, verbatim:

Em verdade, ele [“fato gerador”] afeiçoa, modela ou determina a relação sob outros aspectos.

Assim é que a definição do sujeito passivo principal tributário, que debe resultar de lei, nela pode estar implícita sob a simples menção do fato gerador e, pois, somente através deste ser identificável.

Em tal hipótese, a sujeição passiva direta ou principal se determinará pela natural e necessária atribuição do fato gerador, ou da relação econômica subjacente nele, a certo sujeito ou a certos sujeitos.

143

139

VILLEGAS, Hector. Destinatário legal..., p. 274. 140

Destinatário legal..., p. 274, 141

Destinatário legal..., p. 277. 142

Vide 2.1., supra. 143

Fato gerador da obrigação tributária, p. 76.

67

A circunstância de o âmbito material da hipótese de incidência condicionar

estritamente a escolha dos contribuintes do respectivo tributo é aceita por Marçal

Justen Filho144, para quem também é necessário divisar a categoria dos

“destinatários constitucionais tributários”. Entende aquele autor que, em razão da

forma rígida e exaustiva como a Constituição145 estabeleceu os contornos para

exercício da competência tributária, a própria Carta Magna também pré-definiu o

aspecto pessoal possível das normas de instituição dos tributos146.

Em sentido semelhante opinou Renato Lopes Becho. Após definir o papel

do contribuinte em razão da materialidade descrita na regra-matriz de incidência147,

propõe aquele autor classificar os contribuintes em duas categorias: sujeitos

passivos constitucionais e sujeitos passivos legais. A força promanada da rigidez

constitucional foi o ponto de partida para que a identificação do sujeito passivo fosse

considerada como uma inferência extraída a partir das normas de competência

tributária148, especialmente as normas que demarcam a materialidade dos

arquétipos tributários. Fala-se, então, na figura do sujeito passivo constitucional.

Segundo aquele autor, verbatim:

A identificação do sujeito passivo constitucional é simples, não lhe cabendo nem mesmo grandes indagações ou explicações conceituais. Exige verificação, em cada tributo, da eleição dos sujeitos passivos pelo legislador em confronto com a materialidade conferida pela Constituição Federal.

149

Com base na compreensão da existência do “destinatário constitucional

tributário” desenvolvida por Hector Villegas e aplicada por Geraldo Ataliba, Ângela

Maria da Motta Pacheco exemplificou a identificação do contribuinte com base na

materialidade exposta pela Constituição da seguinte forma:

144

Sujeição passiva..., p. 261. 145

Embora a obra Sujeição passiva date de 1986 e, portanto, tenha tomado por objeto o texto constitucional de 1967/1969, acreditamos que as observações do autor se aplicam ao quadro traçado pela Constituição de 1988. 146

Escreveu Marçal Justen Filho, textualmente (Sujeição passiva..., p. 263): “Ora, já vimos que a definição da materialidade da hipótese de incidência tributária significa uma opção acerca do destinatário da condição de sujeito passivo. Por decorrência, a Constituição brasileira está não apenas a definir previamente o aspecto material das hipóteses de incidência tributária, como também os aspectos pessoais”. 147

BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária..., p. 85. 148

Sujeição passiva..., p. 89. 149

BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva..., p. 90.

68

Será contribuinte do imposto sobre a renda, aquele que auferir renda; do imposto sobre operação de circulação de mercadorias, aquele que realizar a operação, negócio jurídico que implicará na transferência de titularidade desse bem, já com a característica de mercadoria, circulando-a; será contribuinte do imposto sobre serviços, aquele que os prestar; será contribuinte do imposto sobre propriedade predial urbana, aquele que é proprietário de bem imóvel urbano.

150

O sistema jurídico, contudo, possui mecanismos que permitem ao legislador

infraconstitucional introduzir uma leve alternância nos critérios material ou pessoal

da regra-matriz, quando confrontados com os dados hauridos da Constituição.

Seguindo a nomenclatura adotada por Renato Lopes Becho, o fenômeno pode ser

referido pela expressão sujeição passiva legal151. Posto que válida a variação, o

âmbito de cabimento da medida é restrito.

Sugere-se que somente será cabível a indicação de um sujeito passivo legal

quando não houver um sujeito passivo constitucional. Dito de outro modo, a

possibilidade de se extrair um sujeito apto à prática do núcleo material que compõe

a hipótese de incidência proíbe que outro sujeito de direito seja chamado a solver a

obrigação tributária152.

O segundo requisito para a validade da atribuição de sujeição passiva legal,

segundo Renato Lopes Becho, é o emprego da aproximação legal. A

aproximação legal redunda na tomada de categorias jurídicas que, conquanto

distintas, possuem significação muito semelhante. O exemplo dado por aquele autor

aproxima o casamento do concubinato, separados preponderantemente por notas

formais153. Houvesse competência constitucional para tributação do casamento,

pondera o autor que seria válida a eleição do concubinato como critério material de

tributação154.

A eleição legal de um sujeito de direito para participar da compostura da

regra-matriz de incidência tributária transparece na passagem do destinatário legal

tributário para a categoria contribuinte. É na etapa do fluxo de positivação do direito

150

PACHECO, Ângela Maria da Motta. O destinatário legal tributário da obrigação tributária substancial. TORRES, Heleno Taveira (Org.). Teoria geral da obrigação tributária: Estudos em homenagem ao Prof. José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 348. 151

Renato Lopes Becho utiliza a expressão “sujeitos passivos legais” para se referir aos sujeitos de direito colocados na contingência de serem compelidos à solução da relação jurídica tributária, na hipótese de o critério pessoal posto na regra-matriz variar quanto ao critério pessoal construído. 152

Nas palavras daquele autor (Sujeição passiva..., p. 93): “O que estamos querendo dizer é que o legislador não poderá, na existência de quem cumpra o mandamento previsto na regra-matriz constitucional tributária, eleger outra pessoa, mesmo que juridicamente aproximada”. 153

BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva..., p. 92. 154

Idem, ibidem.

69

que corresponde à instituição do tributo (desenho da regra-matriz de incidência

tributária) que a classe dos potenciais destinatários da carga tributária se torna

vinculada, por relação de imputação deôntica, à obrigação tributária.

O emprego da capacidade contributiva como critério para definição da classe

de contribuintes é indireto155 na concepção de Hector Villegas, pois a aptidão da

hipótese de incidência para servir como signo presuntivo de riqueza é fundamento

da escolha do próprio critério material do antecedente da norma de incidência

tributária. Ao condicionar a escolha do “fato gerador”, a capacidade contributiva

também induz à compostura da classe dos destinatários legais tributários e dos

contribuintes, dado que é a relação de identidade ou semelhança entre os sujeitos

aptos à prática da conduta descrita na hipótese de incidência e os sujeitos colocados

na contingência de cumprir a obrigação tributária que define a classe dos

contribuintes156.

Geraldo Ataliba maneja tanto a identidade entre o sujeito que dá ensejo à

ocorrência do fato jurídico tributário e o sujeito posto na contingência de cumprir a

obrigação tributária e a capacidade contributiva como ferramentas para identificação

do contribuinte. Como se lê em Hipótese de Incidência Tributária, verbatim:

É sujeito passivo, em regra, uma pessoa que está em conexão íntima (relação de fato) com o núcleo (aspecto material) da hipótese de incidência. Ao exegeta incumbe desvendar esta conexão, nos casos em que a lei não explicita tal circunstância. Muitas vezes a lei contém indicação pormenorizada, explícita e precisa – embora conceitual – do sujeito passivo, simplificando a exegese.

O legislador – inspirado pela ciência das finanças – orienta-se por princípios financeiros na configuração da hipótese de incidência, quanto ao aspecto subjetivo-passivo. Em todos os casos, no Brasil, só pode ser onerado o destinatário constitucional tributário, porque esse juízo político-financeiro foi exaurido pelo constituinte.

157

Sacha Calmon Navarro Coelho também emprega a identidade entre

aquele sujeito que pratica a conduta prevista na hipótese de incidência e a pessoa

155

Bernardo Ribeiro de Moraes, ao examinar o art. 121, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional, assim se pronunciou: “[O contribuinte] é o sujeito passivo direto. Como o fato [“gerador”] revela uma capacidade contributiva, o contribuinte tem, por natureza, tal capacidade”. Responsabilidade tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Cadernos de pesquisas tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1980. v. 5, p. 331. 156

O argumento pode ser decomposto em uma sorite, na qual a proposição que afirma que a capacidade contributiva condiciona a escolha da hipótese de incidência é intermediada à conclusão de que a capacidade contributiva também condiciona a escolha do contribuinte pela proposição que afirma que é a aptidão para a prática da materialidade da hipótese de incidência que determina quem poderá ser destinatário legal tributário ou contribuinte. 157

Hipótese de incidência tributária, p. 77.

70

jungida à obrigação tributária como critério para demarcação da classe dos

contribuintes. O professor da Universidade Federal de Minas Gerais parte da

constatação de que a hipótese de incidência tributária também pode ser decomposta

em um aspecto pessoal “autônomo”158, que não se confunde com o aspecto pessoal

colhido do exame do conseqüente da norma tributária. Assim, nos termos

empregados pelo Código Tributário Nacional (art. 121, parágrafo único, I), o “sujeito

passivo é denominado [...] de contribuinte quando realiza, ele próprio, o fato gerador

da obrigação [...]”159-160.

A capacidade contributiva aparece como critério determinante da classe dos

contribuintes no pensamento de Alfredo Augusto Becker. Como observou o jurista,

“o sujeito passivo da relação jurídica tributária, normalmente, deveria ser aquela

determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-

signo presuntivo”161, porquanto a escolha de fatos que sejam signos-presuntivos de

renda ou capital faz parte do “primeiro alcance da eficácia jurídica do princípio da

capacidade contributiva”162.

Octávio Bulcão Nascimento assim sintetizou a influência da capacidade

contributiva na conformação do campo material da competência tributária, que, ao

seu turno, condiciona diretamente a identificação da classe dos contribuintes163:

Como já vimos, o constituinte elegeu eventos ou bens que servem de referência para que o legislador ordinário institua o tributo de sua competência. Essas referências constitucionais servem de baliza para o desenho da competência legislativa, uma vez que são eventos ou bens que a Constituição elencou como índices de capacidade contributiva. Assim, o legislador não pode fugir dessas referências para criar sua regra-matriz de incidência, devendo colocar necessariamente no pólo passivo da obrigação tributária em sentido estrito uma pessoa que integre aquele fato, o chamado

158

Teoria geral do tributo..., p. 95, e Curso..., p. 684. 159

Curso..., p. 683. 160

Sacha Calmon defendeu as mesmas idéias no artigo “Estudo sobre a sujeição passiva direta e indireta no direito brasileiro – escólios para uma futura modificação do CTN – em homenagem a Geraldo Ataliba”, publicado na Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 3, p. 89-103, 1996. 161

Teoria geral..., p. 553. 162

BECKER, Alfredo Augusto. Teorial geral..., p. 498. 163

Em sentido semelhante se manifestou José Artur Lima Gonçalves, para quem, uma vez admitida como premissa a circunstância de o antecedente da regra-matriz dos tributos não-vinculados sempre se referir a um elemento que denote capacidade econômico, “temos que ligá-la, inexoravelmente, a um (ou mais de um) ente titular dessa capacidade econômica. Essa capacidade pertence a alguém, e esse alguém deve ser o eleito para sujeito passivo da obrigação tributária pelo legislador infraconstitucional. Essa é a tarefa desse Poder Legiferante, descobrir o titular da capacidade econômica indicada pela Constituição”. Critério pessoal da regra matriz de incidência tributária, p. 261.

71

contribuinte. Em suma, o vínculo ao fato é importante para saber da capacidade contributiva do sujeito passivo.

164

Diz Ricardo Lobo Torres que:

A hipótese normal da incidência tributária é aquela em que coincidem as figuras do titular da capacidade contributiva e do obrigado ao pagamento do tributo, ou seja, em que o contribuinte de direito ou “solvens” é também o contribuinte de fato.

165

A capacidade contributiva também ocupa papel proeminente no modelo

sugerido por Luís Cesar Souza de Queiroz. Concebe aquele autor que somente

poderá ser sujeito passivo da relação jurídica tributária o sujeito de direito cuja

riqueza é confirmada pela materialidade descrita no antecedente da regra-matriz de

incidência tributária.166 Com efeito, a própria definição de contribuinte utilizada pelo

art. 121, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional, confunde-se com a

definição de sujeito passivo da relação jurídica tributária, senão pela circunstância

de a Lei 5.172/1966 prescrever que o pagamento de penalidade pecuniária poderá

ser objeto da obrigação cometida ao contribuinte167.

A importância que a dogmática pátria confere à capacidade contributiva e à

causalidade natural extraída do campo material projetado pela competência

tributária ou pela hipótese de incidência não eclipsa o critério fundado na inserção

da figura do contribuinte na norma geral e abstrata ou individual e concreta, de

acordo com a respectiva etapa do fluxo de positivação da relação jurídica tributária.

Para lidar com a ambigüidade e a vagueza que conferem ao legislador um quadro

de escolha de sujeitos passivos, Luciano Amaro se reporta ao “contribuinte” também

como “conceito jurídico-formal”. A identificação do contribuinte requer o exame da

norma geral e abstrata para que se possa identificar quem, naquela etapa do fluxo

164

NASCIMENTO, Octávio Bulcão. Sujeição passiva tributária. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Org.). Curso de especialização em Direito Tributário: Estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 817. 165

TORRES, Ricardo Lobo. Sujeição passiva e responsáveis tributários. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, n. 3, p. 230, 1995. 166

Sujeição passiva tributária, p. 179. 167

“Em outras palavras: o contribuinte é o único sujeito de direito (sujeito passivo) que pode figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária e cuja identificação é informada pelo critério pessoal passivo do conseqüente da norma impositiva de imposto.” QUEIROZ, Luís Cezar de. Sujeição passiva tributária..., p. 180.

72

de positivação, foi eleito como sujeito passivo, sem prejuízo do exame da validade

da escolha168.

Enquanto Luciano Amaro se refere à norma geral e abstrata para

posicionar a caracterização da classe dos contribuintes de acordo com o fluxo de

positivação do direito, Maria Rita Ferragut anota argutamente que a prática do fato

jurídico tributário é insuficiente, per se, para o reconhecimento da situação de

contribuinte, posto que condição necessária169. Para a estudiosa, somente será

contribuinte a pessoa que, além de realizar o fato jurídico tributário, também faça

parte da relação obrigacional170. Como os termos empregados dizem respeito à

etapa do fluxo de positivação do direito referente à individualização e à concreção171,

intuímos que a concepção de Maria Rita Ferragut difere da concepção de Luciano

Amaro, mas não são necessariamente excludentes. Para tanto, é necessário evitar o

uso ambíguo da palavra “contribuinte”, para que ela não designe ora os sujeitos

passivos possíveis, previstos na norma geral e abstrata, e ora o sujeito passivo já

definido com as notas de individualização e concreção, colocadas na norma

individual e concreta.

Em ambas as linhas de argumentação, contudo, sobressai a importância das

etapas de comunicação jurídicas destinadas à instituição do tributo e à constituição

da relação jurídica tributária para a compreensão do fenômeno de atribuição de

sujeição passiva. Não basta, portanto, a potencialidade extraída dos textos que

servem de suporte às normas que operam com fundamento de validade do tributo.

2.2.3 Modelo sugerido

Todos os três critérios expostos são relevantes à formação da categoria

contribuinte.

O emprego da positivação de um dos sujeitos passivos possíveis como

critério mantém em perspectiva o papel da linguagem e da comunicação no

fenômeno jurídico. Para o modelo adotado, a especificação da categoria

168

Direito Tributário Brasileiro, p. 302. Nas palavras daquele autor: “É contribuinte quem a lei identificar como tal, observados os parâmetros que decorrem da Constituição e do próprio Código Tributário Nacional.” 169

FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005. p. 29. 170

Idem, ibidem. 171

I.e., “fato jurídico tributário” em vez de “hipótese de incidência” e “relação obrigacional”.

73

“contribuinte”, em contornos gerais e abstratos ou individuais e concretos, ocorre,

respectivamente, na etapa do fluxo de positivação do direito correspondente ao

exercício da competência tributária (“instituição do tributo”) e na etapa de

constituição do crédito tributário (aplicação da regra-matriz).

Em princípio, não compete às normas constitucionais172 ou às normas gerais

em matéria tributária desenhar a regra-matriz de incidência. Tais etapas da

comunicação jurídica se destinam à composição da aptidão para a instituição dos

tributos, estabelecendo os agentes e o procedimento competente para o implemento

da competência, bem como eventuais limites semânticos. Relembramos a célebre

lição de Geraldo Ataliba: “A Constituição não cria impostos, mas a competência

para instituí-los”173.

Assim, o exame das normas constitucionais que dispõem sobre competência

tributária ou sobre ela influem revela notas ou elementos que permitem caracterizar

a classe dos sujeitos passivos possíveis do tributo. A figura do contribuinte

somente se revela com traços nítidos quando empregada no estágio de

comunicação jurídica tendente à instituição do tributo ou à positivação da relação

jurídica tributária. Nesse passo deixa-se de falar em “contribuintes possíveis”, para

se falar em “contribuintes” (classe geral e abstrata) ou em “o contribuinte”

(elemento da classe, devidamente individualizado na relação jurídica tributária).

Como se vê, ainda quando contextualizada de acordo com a concepção de

Direito como sistema composto por comunicação jurídica, a palavra “contribuinte”

comporta duas acepções próximas. O uso da expressão “contribuinte possível”

revela proposição de validade e pertinência, indicando adequadamente que o exame

do texto constitucional ou de normas gerais em matéria tributária é necessário mas

insuficiente à demarcação da categoria “contribuinte”. Por outro lado, a expressão

“contribuinte” é utilizada indistintamente na comunicação jurídica para se referir tanto

à classe determinada pelo critério pessoal da regra-matriz de incidência quanto ao

elemento fixado na relação jurídica tributária, isto é, o sujeito de direito perfeitamente

individualizado.

172

Embora o texto constitucional não seja o veículo adequado para trazer a regra-matriz de incidência tributária, é válido que a Constituição “institua” tributos. 173

Sistema constitucional tributário brasileiro..., p. 118. Embora tenha aquele autor utilizado a palavra “impostos”, acreditamos que o conceito possa ser aplicado indistintamente para todos os “tributos”.

74

Vale dizer, “contribuinte” conota a classe de sujeitos passivos de um

determinado tributo (e.g., proprietários de veículos automotores), desde a

perspectiva geral e abstrata da regra-matriz, além de denotar os indivíduos que

devem atender às condições de satisfação marcadas pela expressão (e.g., Hans

Giebenrath, proprietário do veículo automotor chassis tal etc.).

A possibilidade de variação do uso da expressão “contribuinte”, tal como

anotada, tem pouco impacto na comunicação jurídica pragmática ou retórica. Com

efeito, o estado intencional do autor do ato de fala geralmente é preservado por

outros elementos daquele ponto da comunicação. Para a comunicação jurídica

científica, contudo, a distinção é relevante.

O quadro dos contribuintes possíveis de um dado tributo é projetado a partir

da materialidade utilizada pelas normas constitucionais para moldar a competência

tributária. A circunstância de tal materialidade sempre aludir a um comportamento

humano174 projeta uma relação de causalidade natural, em que se indaga quem

pode executar a conduta prevista, ou, em acepção menos rigorosa, quem é o

responsável pela conduta prevista.

É nesse contexto de causação natural que a expressão “relação pessoal e

direta”, presente no art. 121, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional, é

interpretada. Ao se referir ao contribuinte como sujeito passivo da obrigação

principal, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o

respectivo fato gerador, o Código Tributário Nacional confirma a estrutura

constitucional175 de atribuição de sujeição passiva baseada no núcleo da

competência tributária. Sempre que houver identidade entre o sujeito passivo e o

sujeito apto à execução da conduta tomada no cerne material da hipótese de

incidência, estar-se-á diante da figura do contribuinte.

O critério de identidade, fundado no exame da causalidade natural, admite

certa elasticidade. Toda relação jurídica é composta por vetores conversos. Tais

vetores se complementam para formar a integridade conceptual da relação jurídica.

É possível que apenas um dos vetores seja refletido pelo critério material da regra-

matriz, tal como confirmada a partir do texto constitucional, mas também é possível

que ambos os vetores restem refletidos.

174

Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária..., p. 125. 175

Como lembra Geraldo Ataliba, “colocar que o conceito de tributo é constitucionalmente pressuposto”.

75

Por exemplo, a Constituição admite a criação de imposto incidente sobre

operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações

e as prestações se iniciem no exterior (art. 155, II). A relação jurídica subjacente à

operação de circulação de mercadoria pressupõe ao menos dois sujeitos de direito:

aquele que aliena a mercadoria e aquele que a adquire176. A obrigação de transladar

a propriedade da mercadoria tem como dever converso a obrigação do outro sujeito

de pagar o valor pela transação, assim como o direito de receber o preço implica o

direito de receber a mercadoria177.

Nesse caso, tanto o alienante como o adquirente se ligam “direta e

pessoalmente” ao critério material da hipótese de incidência, sem que seja possível

afirmar, tão-somente com base nas relações subjacentes, quem deva ser o sujeito

passivo do tributo; antes, é possível afirmar que ambos são contribuintes

possíveis do ICMS.

Em sentido semelhante, tanto o prestador de serviço de qualquer

natureza como o tomador do serviço de qualquer natureza são personagens

necessários à realização da hipótese “prestar serviços de qualquer natureza” (art.

156, III, da Constituição), especialmente, pois descabe cogitar a execução não-

onerosa e específica de qualquer prestação como hipótese de incidência possível do

ISSQN.

Já a competência para tributação do comércio exterior foi cindida de forma

peculiar, abrangendo isoladamente a operação de exportação e a operação de

importação (art. 153, I e II, da Constituição). Aqui o espaço de manobra do legislador

infraconstitucional é reduzido, pois a relação conversa à materialidade eleita pela

176

A dogmática e a atividade jurisdicional pátria registram discussões acerca do sentido da palavra “circulação“ para erigir a regra-matriz do ICMS. José Eduardo Soares de Melo, com base em Paulo de Barros Carvalho (ICMS: Teoria e prática, 8. ed. Dialética: São Paulo, 2005, p. 14) afirma que “‟circulação‟ é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, equivale a declarar, à sombra de um ato ou de um contrato, nominado ou inominado. Movimentação, com mudança de patrimônio” (cf., ainda, ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da Definição Constitucional do ICM. Revista de Direito Tributário, v. 25/26). 177

Tomemos como exemplo o contrato de compra e venda, cujo implemento fundamenta a operação de circulação de mercadoria. Dispõe o art. 481 do Código Civil de 2002 que “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. A característica bilateral do contrato de compra e venda é ainda ressaltada por Silvio Venosa (Direito Civil: Contratos em espécie. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 29).

76

Constituição como parte da competência tributária já foi tomada como arquétipo de

outra subespécie de tributo178.

A análise do alcance semântico de algumas materialidades empregadas

pela Constituição no molde da competência tributária também pode afetar a

identificação do sujeito ligado à hipótese de incidência pelo vínculo de causalidade

natural. Tome-se como exemplo o Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana

(IPTU). Uma breve visita aos registros do Supremo Tribunal Federal179 e do Superior

Tribunal de Justiça180 revela a existência de controvérsia acerca da validade da

eleição dos possuidores a qualquer título como contribuintes do tributo. A questão

de fundo, em tais casos, consiste em decidir se a Constituição, ao empregar a

palavra “propriedade” para definir o âmbito de competência semântica para

instituição do tributo, e o art. 34 do Código Tributário Nacional, ao prescrever que

“contribuinte do imposto é [...] seu [do imóvel] possuidor a qualquer título”, validam

normas que elegem a posse sem perspectiva de aquisição da propriedade (ad-

usucapionem) como hipótese de incidência e, consequentemente, jungem o

possuidor à obrigação de pagar o valor cobrado a título de IPTU (seja como

contribuinte, seja como responsável).

Maria Rita Ferragut181, ao examinar a inexistência de previsão

constitucional do sujeito passivo tributário, oferece outro exemplo importante:

Tome-se como exemplo o ITBI: o artigo 156, II, da Constituição, não estabelece quem deva ser contemplado pela lei como contribuinte, vale dizer, se o alienante do bem imóvel ou o adquirente. A Carta Magna prevê apenas a materialidade passível de tributação, e a competência dos Municípios para tributá-la.

O critério remanescente, fundado na capacidade contributiva, surge como

mecanismo para restringir o quadro de sujeitos passivos possíveis extraído do

campo material projetado pela competência tributária.

178

A circunstância de um sujeito de direito não ser residente no país não afeta sua capacidade para ser sujeito passivo de tributo. 179

Cf., v.g., o RE 253.472, rel. min. Marco Aurélio, Pleno, em que se discute (julgamento ainda não concluído) a sujeição passiva da Companhia Docas de São Paulo (Codesp) ao IPTU, e o RE 451.152, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 22/08/2006, em que se discutiu a sujeição passiva de cessionário, empresa privada, do direito de uso de imóveis da Infraero ao IPTU. 180

Cf., por todos, o REsp 692.682, rel. min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21/11/2006, DJ de 29/11/2006. 181

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 30.

77

Como o critério material da regra-matriz tributária deve sempre se referir a

um signo presuntivo de riqueza, intuiu-se ser possível contextualizar a ligação

pessoal e direta com a situação que constitua a hipótese de incidência de acordo

com o interesse ou benefício econômico aferente do fato jurídico tributário.

Tal critério, contudo, sofre severas limitações. É contingente a circunstância

de ambos os sujeitos relacionados à materialidade da hipótese de incidência

possuírem interesse econômico equivalente. No exemplo utilizado por Maria Rita

Ferragut, a transmissão do bem imóvel afeta o patrimônio tanto do alienante quanto

do adquirente. Posto que o alienante experimente o ingresso de moeda em seu

patrimônio, ele perde em contrapartida um direito real. De forma semelhante,

conquanto o adquirente esteja obrigado a desfalcar suas reservas em dinheiro, seu

patrimônio é recomposto pelo ingresso do direito real de propriedade. Ambos os

fatos econômicos são relevantes, e a necessária observância da capacidade

contributiva não oferece critérios para que seja possível graduar e comparar a

respectiva magnitude econômica, como forma de condicionamento de qual sujeito

deve ser escolhido como contribuinte.

O mesmo se dá em relação ao ICMS. A operação de circulação de

mercadoria ou de serviço beneficia tanto o comerciante ou o prestador do serviço

quanto o adquirente ou tomador. Ambas as partes relacionadas possuem, portanto,

interesse econômico na realização do fato jurídico tributário.

A capacidade contributiva também ostenta uma dimensão que não se

confunde com a extração de limites à identificação dos contribuintes possíveis de

dado tributo. Tal vetor constitucional é empregado na calibração da carga tributária

em função de objetivos extrafiscais, que não se pautam pelo quadro projetado a

partir dos sujeitos passivos.

No campo da tributação pelo ICMS e pelo IPI, por exemplo, a capacidade

contributiva e a seletividade podem tomar por parâmetros de referência as

circunstâncias aplicáveis aos sujeitos de direito que suportam, efetivamente, a carga

tributária. Nos quadrantes do sistema econômico, o tributo se apresenta como um

custo ordinário e previsível da operação, que é levado em consideração na formação

do preço do produto ou do serviço oferecido. Nesses casos, não é apenas a

situação peculiar do sujeito passivo que justifica a modulação da carga tributária,

mas o relevo pode estar na condição daqueles que suportarão o custo da tributação,

que repercute na formação do preço.

78

Luciano Amaro assim se manifestou acerca da relação entre a capacidade

contributiva e a definição da categoria contribuinte:

Por mais que ao jurista repugne a noção de impostos indiretos, não temos como evitá-los, por uma razão muito simples: eles existem. E quem demonstra capacidade contributiva não é necessariamente a pessoa que a lei escolhe para figurar como contribuinte. Se alguém adquire um bem de consumo, e a lei define essa operação como fato gerador de tributo, elegendo o comerciante como contribuinte, a lei não pode deixar de considerar (por expresso mandamento constitucional, que impõe o respeito à capacidade contributiva) a capacidade econômica do comprador. Se uma empresa vende produtos de primeira necessidade, a tributação não leva em conta a capacidade econômica da empresa, mas a do consumidor, ao definir a eventual tributação desses bens. Ou seja, embora, de direito, o vendedor possa ser definido como contribuinte (o chamado ´contribuinte de direito´), a capacidade econômica do consumidor é que precisa ser ponderada para efeito da definição do eventual ônus fiscal (pois ele será o “contribuinte de fato”).

182 (Grifos do autor.)

Assim, todos os três critérios apontados são imprescindíveis para

identificação da categoria contribuinte. A identificação do contribuinte pressupõe os

estágios de comunicação jurídica referentes à instituição do tributo (geral e abstrato,

sujeito passivo como classe) e à constituição do crédito tributário (individual e

concreto), pois até então é possível conceber tão-somente a existência de critérios

para validação da escolha dos sujeitos passivos, isto é, os sujeitos passivos

possíveis.

Ademais, não há como extrair infalivelmente do texto constitucional um único

sujeito passivo possível, para todo e qualquer tributo, a partir dos critérios de

identidade causal e de capacidade contributiva. Tais dados são essenciais na

formação do fundamento de validade da escolha do sujeito passivo, pelo legislador

ordinário, mas são insuficientes para a respectiva identificação.

Do exposto, entendemos por “contribuinte” o sujeito passivo tanto da relação

jurídica tributária refletida na constituição do crédito tributário, individual e concreto,

como aquele geral e abstrato indicado pelo critério pessoal da regra-matriz de

incidência, se houver identidade em relação ao sujeito apto à prática da

materialidade descrita no antecedente normativo e for confirmada a capacidade

contributiva de tal sujeito eleito.

2.3 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

182

AMARO, Luciano. Curso..., p. 301.

79

2.3.1 Acepções da expressão “responsabilidade tributária”

A expressão “responsabilidade” comporta diversas acepções, determinadas

em função do objeto ao qual se referem. Silvio Venosa183, abordando a questão da

responsabilidade civil extracontratual, coloca em relevo duas delas: a primeira é

calcada no vínculo obrigacional e na fração do antecedente normativo que

corresponde “às conseqüências de um evento ou de uma ação”184; já a segunda

corresponde à aptidão do sujeito para ser sujeito passivo da relação obrigacional.

Maria Rita Ferragut185, por seu turno, e já tomando como objeto de estudo a

responsabilidade tributária, identifica três dimensões para o enunciado,

indissociáveis em sua integridade conceptual. Segundo entende a autora,

“responsabilidade tributária” corresponde à proposição prescritiva, à relação e ao

fato.

Para explicar a dimensão da responsabilidade tributária como proposição

prescritiva, Maria Rita Ferragut186 toma por perspectiva as relações

internormativas. “Responsabilidade tributária” ali surge como norma jurídica

deonticamente incompleta, que pode acoplar-se tanto à norma geral e abstrata

quanto individual e concreta para lhe modificar o alcance do critério pessoal.

Como relação, prossegue aquela autora, a responsabilidade tributária

manifesta-se como o “vínculo que se estabelece entre o sujeito obrigado a adimplir

com o objeto da obrigação tributária e o Fisco”187.

183

Direito Civil: Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4, p. 12. Textualmente: “O termo „responsabilidade‟, embora com sentidos próximos e semelhantes, é utilizado para designar várias situações no campo jurídico. A responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação. [...]. Também a responsabilidade reporta-se ao sentido de capacidade: o amental, por exemplo, a princípio não responde por seus atos, porque não possui capacidade, embora o novo Código tenha lhe atribuído uma responsabilidade pessoal mitigada.” 184

Idem, ibidem. 185

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 32-5. 186

Diz Maria Rita Ferragut (Responsabilidade Tributária e..., p. 32) que “como proposição prescritiva, responsabilidade tributária é norma jurídica deonticamente incompleta, (norma lato sensu), de conduta, que, a partir de um fato não-tributário, implica a inclusão do sujeito passivo que o realizou no critério pessoal passivo de uma relação jurídica tributária. [...]. A responsabilidade é proposição que tem o condão de alterar a norma individual e concreta que constituiu o crédito tributário, sempre que esta norma (a de constituição) tiver inicialmente previsto um outro indivíduo como sujeito passivo da relação (responsabilidade por sucessão). Por outro lado, é proposição que não altera a norma individual e concreta de constituição do crédito, se, desde o início, o responsável tributário for o sujeito passivo da relação (responsabilidade por substituição, por solidariedade, responsabilidade de terceiros e por infrações.” 187

FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e..., p. 34.

80

Por fim, responsabilidade tributária manifesta-se como fato com a

determinação do “novo” sujeito passivo da relação jurídica tributária, a partir do

conseqüente da norma jurídica incompleta na acepção deôntico-normativa188.

Acrescentamos que responsabilidade tributária surge como um conjunto

normativo de instruções destinadas à alteração do fluxo de positivação do crédito

tributário, se tomada como referência a acepção de “Direito” como sistema formado

por operações de comunicação dispostas em redes de transição recursivas.

Tal conjunto normativo de instruções pode redirecionar o fluxo de

positivação do crédito tributário se chamados os procedimentos que visam

responder à pergunta “Quem deve ser o sujeito passivo do tributo?”. O

redirecionamento, que se apresenta como nós que remetem a outras redes na

própria rede de transição, afasta a determinação do sujeito passivo das linhas

tradicionais de justificação, baseadas na capacidade contributiva e na identidade

entre o agente apto a causar o fato jurídico tributário e o sujeito passivo.

Como também será examinado em momento oportuno, o conjunto das

normas de responsabilidade tributária contém tanto prescrições que aderem às

normas que dispõem sobre a instituição do tributo, modificando-lhes o sentido para

que seja possível extrair nova norma, como prescrições que modificam as normas

individuais e concretas que redundam na constituição do crédito tributário.

Portanto, as normas que versam sobre responsabilidade tributária podem

coordenar a identificação do sujeito passivo tanto no momento em que a própria

regra-matriz deveria incidir (e não incide, pois as condições postas no antecedente

da norma alternativa são preenchidas), quanto em momento posterior, quando a

incidência da regra-matriz já foi reconhecida189.

2.3.2 Estrutura geral das normas de sujeição passiva indireta

2.3.2.1 Introdução

188

Idem, ibidem. 189

Em trabalho monográfico apresentado como condição parcial para obtenção dos créditos referentes à Disciplina “Direito Tributário I”, em dezembro de 2001, utilizamos as expressões “incidência sincrônica à regra-matriz” e “incidência diacrônica à regra-matriz” para descrever e classificar o fenômeno.

81

Ao examinar o conjunto das normas de atribuição de sujeição passiva, o

observador verificará que nem sempre o sujeito colocado na contingência de pagar

um valor a título de tributo corresponde à pessoa que executa a materialidade da

hipótese de incidência ou possui capacidade econômica para suportar o

recolhimento.

Haverá sujeitos passivos cuja cadeia de validação e construção de sentido

toma parâmetros que não se confundem com aqueles empregados na construção e

na análise dos destinatários constitucionais e legais tributários.

Tal distinção dá azo à categorização dos sujeitos passivos da relação

jurídica tributária, mas não há “uniformidade na terminologia”190 utilizada pela

dogmática para descrever o fenômeno.

Empregaremos a expressão “sujeição passiva direta” para designar a

circunstância de a pessoa obrigada ao recolhimento de valores a título de tributo

estar em relação de identidade com o destinatário constitucional tributário. Já

“sujeição passiva indireta” reporta-se à circunstância de uma pessoa que não possui

“relação direta” (confirmada com o exame de capacidade contributiva ou de nexo

causal) com o fato jurídico tributário ser obrigada à solução de obrigação

tributária191.

Registramos que a dogmática pátria não é unânime em acolher o uso das

expressões.

Entende Paulo de Barros Carvalho que a distinção entre sujeitos

passivos diretos e sujeitos passivos indiretos toma por referencial dados

pertinentes às categorias não-jurídicas, especialmente aquelas de índole econômica.

Segundo entende aquele autor, o exame das vantagens econômicas extraídas pelos

sujeitos passivos a partir da ocorrência do fato jurídico tributário, ou do respectivo

190

A expressão é de Giuliani Fonrounge, empregada para retratar o quadro posto pela doutrina da época. FONROUNGE, C. M. Giuliani. Conceitos de Direito Tributário, tradução da 2. ed. argentina do livro Derecho Financiero (Buenos Aires: Depalma, 1970) por Geraldo Ataliba e Marco Aurélio Greco. São Paulo: Lael, 1973, p. 107.) 191

Rubens Gomes de Souza (Compêndio..., op. cit., p. 92) assim definiu as expressões: “Afastados os dois primeiros [referia-se aos critérios territorial e político] pelas razões já explicadas, resta o critério econômico, que é de fato o melhor: o tributo deve ser cobrado da pessoa que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem à tributação; por outras palavras, o tributo deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado. Quando o tributo seja cobrado nessas condições, dá-se a sujeição passiva direta, que é a hipótese mais comum na prática. Entretanto, pode acontecer que em certos casos o Estado tenha interesse ou necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente: dá-se então a sujeição passiva indireta.” Confiram-se, ainda, MACHADO, Hugo de Britto. Curso..., op. cit., p. 161; e CAMPOS, Dejalma de. A responsabilidade no Direito Tributário brasileiro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Caderno de pesquisas tributárias, op. cit., v. 5, p. 98.

82

grau do relacionamento econômico, está fora do âmbito de observação do Direito. A

partir do corte da Ciência do Direito, não há distinção entre classes de sujeitos

passivos diretos e indiretos, porquanto “interessa, do ângulo jurídico, apenas quem

integra o vínculo obrigacional”192

Em sentido semelhante se pronunciaram Maria Rita Ferragut193, ao

examinar a teoria construída por Rubens Gomes de Souza e Alfredo Augusto

Becker, e, segundo compreendemos, Luis Cezar de Souza Queiroz194.

Sustentamos que os critérios que informam o uso das expressões “sujeição

passiva direta” e “indireta” são jurídicos, desde que adotada certa ponderação e

devidamente apresentado o alcance do uso para os conceitos.

Concordamos com as conclusões de Eurico de Santi no sentido de que os

critérios de classificação, se fundados nos textos de direito positivo, submetem-se ao

exame de validade (pertinência em relação ao sistema jurídico), enquanto as

diversas classificações propostas pela Ciência do Direito devem “manter coerência e

192

Este é o teor das observações de Paulo de Barros Carvalho (Curso..., op. cit., p. 305): “Daí [referia-se à constatação de que, no início do desenvolvimento do Direito Tributário no Brasil, a respectiva Ciência sofria influência de categorias pertinentes a outros sistemas, em especial o econômico] a procedência de uma observação crítica e decisiva e fulminante: não há, em termos propriamente jurídicos, a divisão dos sujeitos passivos diretos e indiretos, que repousa em considerações de ordem eminentemente factuais, ligadas à pesquisa das discutíveis vantagens que os participantes do evento retiram de sua realização. Interessa, do ângulo jurídico-tributário, apenas quem integra o vínculo obrigacional. O grau de relacionamento econômico da pessoa escolhida pelo legislador, com a ocorrência que faz brotar o liame fiscal, é alguma coisa que escapa da cogitação do Direito, alojando-se no campo de indagação da Economia ou da Ciência das Finanças”. 193

Disse a autora, textualmente (Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 54): “A classificação de Rubens Gomes de Souza, de sujeitos passivos direitos e indiretos, é criticada por utilizar critérios econômicos e pré-jurídicos. Compartilhamos dessa crítica, já que, para nós, o melhor e único critério para se classificar os sujeitos passivos é a norma jurídica instituidora do tributo, acrescida da norma de responsabilidade se ambas já não constarem do mesmo veículo introdutor. A razão desse posicionamento é singela: se estamos analisando o direito positivo – que segundo nossas premissas é definido como o conjunto de enunciados prescritivos existentes no ordenamento jurídico – o dado relevante é apenas o sujeito previsto em lei como obrigado ao pagamento do tributo (ou seja, aquele integrante do vínculo obrigacional). O fato que deu origem à sua condição legal de sujeito passivo interessa apenas ao controle da legalidade do ato de eleição desse sujeito, mas não à classificação propriamente dita”. 194

Assim entendemos, posto que o autor empregara a mesma linha de argumentação na oportunidade em que se debruçou acerca do conceito jurídico de “substituição” elaborado por Rubens Gomes de Souza. Como o fenômeno da “substituição” era tido como manifestação da sujeição passiva indireta na concepção de Rubens Gomes de Souza, e, portanto, ambos atendiam ao critério “econômico” para classificação, entendemos que as críticas aplicáveis ao conceito de “substituição” também são aplicáveis ao modelo de sujeição passiva indireta. Estas são as palavras do autor, verbatim (Sujeição passiva tributária, op. cit., p. 194): “Percebe-se no ensinamento de RUBENS GOMES DE SOUZA que o conceito jurídico de substituição encontra-se amalgamado com conceitos econômicos, não do Direito, o que prejudica o raciocínio jurídico e dificulta a compreensão desta figura”.

83

fidelidade aos critérios previstos no direito positivo: sendo correta, é verdadeira; caso

contrário, é falsa”195.

O campo semântico material posto na Constituição para definir a

competência tributária implica o conjunto de nexos de causalidade factuais que

podem enlaçar os sujeitos passivos. Estabelece, também, índices de presunção ou

não de riqueza para tais sujeitos passivos. Ambos operam como parâmetro de

controle de validade da atribuição de uma modalidade de sujeição passiva. Ocorre

que tais critérios são insuficientes para controlar e descrever outra modalidade de

atribuição de sujeição passiva, que não segue a racionalidade informada pela

capacidade contributiva ou pela identidade entre a pessoa apta a executar a

materialidade prevista na Constituição e o sujeito eleito para solver a obrigação

tributária.

Por exemplo, a tentativa de controlar a sujeição passiva do locatário ou do

cessionário ao Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU), com base no

destinatário constitucional tributário (por sua vez definido em função da

capacidade contributiva e das linhas que formam o critério material possível da

exação) tende a resultar em uma interpretação muito peculiar dos arts. 32, caput, e

34 do Código Tributário Nacional. Como tais sujeitos não são proprietários do imóvel

e o direito positivo não lhes confere a expectativa de aquisição da propriedade,

afirma-se que eles não podem ser considerados “possuidores a qualquer título” e,

portanto, não são contribuintes do imposto.

Como se verá oportunamente, a atribuição de sujeição passiva ao locador

ou ao cessionário de uso de bem imóvel não é controlada pelos critérios de nexo

causal factual ou de capacidade contributiva, pois o Sistema Jurídico oferece modelo

baseado em outra racionalidade. A existência de critérios de controle que se

contrapõe à capacidade contributiva, a qual, por seu turno, não deixa de ser critério

que deve ser empregado em âmbito mais restrito, confirma a circunstância de que o

exame da vantagem econômica pelo sujeito passivo é juridicamente relevante.

Também é importante lembrar que a comunicação jurídica não ignora dados

que aparentemente provêm de outros sistemas, como o econômico e o político.

195

Análise crítica das definições e classificações jurídicas como instrumento para compreensão do Direito. In: SUNFELD, Carlos Ari; VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 298. Cf., ainda, um outro estudo do autor, que aplica a mesma teoria: As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Justiça tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 125-147.

84

Conquanto operacionalmente fechado, o Sistema Jurídico é cognitivamente

aberto. Sempre utilizando o código nativo “lícito/ilícito”, a comunicação jurídica irá

referir-se seletivamente a outros influxos. É o que se vê na norma que prescreve

“ser lícito tributar fatos que indiquem aptidão para gerar riqueza”, ou, então, “ser

ilícito sujeitar pessoas à tributação, se o fato eleito não é índice presuntivo de

riqueza (ter) diretamente referível a tais pessoas”196.

A informação de base aparentemente econômica que é empregada na

construção do conceito de sujeito passivo indireto é devidamente replicada pela

comunicação jurídica a partir de programas e redes de transição recursivas

específicas, tal como se dá quanto à “capacidade contributiva”197.

Com tais ponderações, sustentamos que a distinção entre “sujeitos passivos

diretos” e “indiretos” toma como referencial critérios jurídicos, e não meramente

econômicos. A distinção será relevante à medida que formos construindo o modelo

de controle jurisdicional da atribuição de sujeição passiva.

Examinaremos agora como a Dogmática propõe os modelos de atribuição

de sujeição passiva indireta.

2.3.2.2 Modelo de Atribuição de Sujeição Passiva por Substituição e por

Transferência

2.3.2.2.1 As lições pioneiras de Rubens Gomes de Souza e de Alfredo Augusto

Becker

Rubens Gomes de Souza, autor do anteprojeto da Lei 5.172/1966 (Código

Tributário Nacional), parte da premissa de que deve haver uma ligação de índole

econômica entre o sujeito passivo tributário e o a hipótese de incidência, ou,

“noutras palavras, o tributo deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem

econômica do ato, fato ou negócio tributado”198.

Dá-se, então, o fenômeno da sujeição passiva direta.

196

Esta norma existiria no direito positivo brasileiro contemporâneo ao estudo, se a “capacidade contributiva” fosse aplicável ao controle de atribuição de sujeição passiva indireta. 197

O Sistema Constitucional Tributário, ao se referir à “capacidade contributiva”, pressupõe e depende da existência de um Sistema Econômico, para saturar o sentido da expressão. 198

SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Edição póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 92.

85

À sujeição passiva indireta, por seu turno, Rubens Gomes de Souza

emprega duas modalidades de classificação: transferência e substituição. O

fenômeno da substituição pode ainda ser classificado em mais três modalidades:

solidariedade, sucessão e responsabilidade.

A estrutura sugerida por Rubens Gomes de Souza toma como ponto de

partida a existência da obrigação jurídica tributária (e, portanto, a ocorrência ou não

do fato jurídico tributário), para estabelecer no fluxo de positivação o papel da

atribuição de sujeição passiva indireta.

Haverá transferência se a atribuição de sujeição passiva indireta se der

após a verificação do fato jurídico tributário, isto é:

[...] quando a obrigação tributária, depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direito), entretanto, em virtude de um fato posterior, transfere-se para outra pessoa diferente (que será o sujeito passivo indireto).

199

A atribuição de sujeição passiva por substituição, por outro lado, prescinde

da formação da relação jurídica tributária que tome por sujeito o contribuinte, pois

permite que a obrigação tributária surja “desde logo contra uma pessoa diferente

daquela que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio tributado”200.

Vale dizer, segundo concebemos o entendimento de Rubens Gomes de

Souza, que as normas que dispõem sobre a substituição ocupam o estágio do fluxo

de positivação e aplicação do direito que seria ocupado pela regra-matriz, não fosse

a existência das primeiras normas.

Em linguagem formalizada, os modelos de sujeição passiva tributária por

substituição e por transferência assim se expressam:

Op . Hr Sa(Opequiv)Sptransf } Transferência

Hr Sa(Op)Spsubst } Substituição

Onde:

199

SOUZA. Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Edição póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 92. 200

Compêndio de legislação tributária. Edição póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 93.

86

Op indica a obrigação tributária;

“.” é o operador lógico da adição (“e”);

Fr ocupa o lugar da hipótese própria à sujeição indireta.

Sa é o sujeito ativo;

Opequiv é a obrigação que ocupa o centro da relação referente ao novo sujeito passivo;

Sptransf é o sujeito passivo por transferência;

Spsubst é o sujeito ativo por substituição.

Um diagrama pouco rigoroso assim demonstra a tomada da obrigação

tributária pressuposta como ponto de referência:

As três modalidades da transferência da sujeição passiva tributária se

caracterizam ora em função do conseqüente normativo, ora em razão das

peculiaridades das respectivas hipóteses de incidência.

A solidariedade é modalidade que se assenta em dado específico ao

conseqüente normativo. Atribui-se a sujeição passiva a duas ou mais pessoas, de

forma simultânea. Na sucessão, a hipótese da norma de transferência se reporta ao

“desaparecimento”201 do sujeito passivo original (e.g., a morte ou a venda do imóvel

ou do estabelecimento. Por fim, a sujeição por responsabilidade toma por

pressuposto o inadimplemento da obrigação tributária.

Comentando posterior modificação do entendimento de Rubens Gomes de

Souza, Maria Rita Ferragut registrou:

201

SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio..., p. 93.

Incidência apenas da regra-

matriz.

Incidência apenas da norma de

substituição.

Obrigação tributária

Sujeição direta

ou

Sujeição indireta

ou (w)

Obrigação tributária

Sujeição indireta

Incidência da norma

de transferência

87

Essa classificação foi parcialmente alterada quando o autor passou a considerar a responsabilidade como gênero de sujeição passiva, nas situações em que o sujeito cumpre com responsabilidade alheia (em oposição ao contribuinte, que paga “obrigação própria”), sendo as demais hipóteses acima elencadas espécies desse gênero.202

Alfredo Augusto Becker, por seu turno, fala em “substituto legal tributário”

e em “responsável legal tributário”.

Começa examinando a racionalidade que orienta a atribuição de sujeição

passiva. Segundo entende, a eleição do sujeito passivo costumeiramente recai

sobre aquela pessoa para a qual o fato jurídico tributário é índice presuntivo de

riqueza. Contudo, a crescente complexidade das relações sociais torna dificultoso o

exercício da opção inicial do legislador203. Daí a busca por outros sujeitos passivos,

que possam dar efetividade às normas que instituem tributos.

Por substituição tributária entende Alfredo Augusto Becker a escolha de

uma pessoa qualquer, cujas expressões de riqueza não confirmem ou afirmem a

expressão própria do fato jurídico tributário, para ser sujeito passivo no lugar do

contribuinte originário204.

A escolha do novel sujeito passivo é uma opção política, isto é, ocorre

durante o desenho das normas tributárias.

O fenômeno da substituição não pressupõe a modificação da hipótese de

incidência, circunstância que redunda na criação de novo tributo. Caracteriza-se a

estrutura normativa, sim, pela substituição do sujeito passivo.

O emprego da sistemática de substituição tributária não prejudica nem

afasta, necessariamente, a sujeição passiva pertinente ao contribuinte. Segundo

Alfredo Augusto Becker, é possível que uma segunda norma prescreva ao

contribuinte o dever de relatar (“oferece à tributação”) o fato jurídico tributário (“a

mesma riqueza”) às autoridades fiscais para uma nova apuração, como se dá com a

retenção na fonte e a declaração de renda dos profissionais liberais205. Durante a

apuração, os valores já recolhidos deverão ser descontados.

202

FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 54. 203

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário..., p. 550. 204

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário..., p. 552. 205

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário..., p. 555.

88

Ademais, a observância obrigatória de direito do substituto ao ressarcimento

(“reembolso ou retenção”) depende da existência do princípio da capacidade

contributiva no sistema jurídico em exame. De qualquer maneira, tal direito não é

imanente à estrutura da sistemática de substituição tributária, pois, como observa

Alfredo Augusto Becker, verbatim:

No sistema jurídico onde houver tal regra jurídica constitucional [refere-se à capacidade contributiva], a inexistência de repercussão jurídica [isto é, a transferência da carga econômica gerada pela substituição ao contribuinte] não desfigurará a substituição tributária, mas, sim, a tornará juridicamente inválida (inconstitucional).

206 (Grifo do autor.)

Alfredo Augusto Becker sugere que a estrutura normativa da substituição

tributária é composta por três regras. A primeira é o que convencionamos chamar de

regra-matriz de incidência tributária, isto é, a norma que tem por conseqüente o

enlace do contribuinte ao sujeito ativo. A segunda norma, por sua vez, toma como

sujeito passivo o substituto. A terceira norma tem por antecedente a observância

(eficácia social) de qualquer uma das normas antecedentes. Já o conseqüente

prescreve a extinção da “relação jurídica remanescente”207.

Em termos formais, cremos que a estrutura sugerida por Alfredo Augusto

Becker assim se manifesta:

1ª Norma:

Hit Sa(Op)Sp

2ª Norma:

HiS Sa(Op)Spsubst

3ª Norma:

(Sa(Op)Sp) (Sa(Op)Spsubst) w (Sa(Op)Spsubst) Sa(Op)Sp

Onde:

Op indica a obrigação tributária;

“ ” é o operador lógico da implicação (“se...então”);

Hit é a hipótese de incidência tributária;

HiS é a hipótese de substituição;

Sa é o sujeito ativo;

Op é a obrigação tributária;

206

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário..., p. 555. 207

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário..., p. 559.

89

Spsubst é o sujeito ativo por substituição.

é o operador da negação (“não”);

w é o operador da disjunção excludente (“ou”);

indica que há “ao menos um”, e aqui é utilizado para denotar a eficácia social ou

efetividade (observância do “comando normativo”).

Já a responsabilidade tributária pressupõe o não-pagamento dos valores

devidos a título de tributo, isto é, a insolvência da relação jurídica tributária. Trata-se

de norma de característica fiduciária, e não tributária.

A estruturação normativa da responsabilidade tributária é semelhante ao

arcabouço da substituição tributária, pois também há a disposição de duas regras. A

primeira é a regra-matriz de incidência tributária, ou seja, a norma cujo conseqüente

prevê o modelo da relação jurídica que tem por objeto a obrigação tributária. A

segunda norma toma por antecedente a omissão creditada ao sujeito passivo quanto

à observância da obrigação tributária, isto é, do recolhimento do valor a título de

tributo.

2.3.2.2.2 A versão de Sacha Calmon Navarro Coelho

Sacha Coelho mantém a linha inicialmente desenvolvida por Rubens

Gomes de Souza e, partindo do exame do Código Tributário Nacional, reconhece a

distinção entre sujeição passiva direta e sujeição passiva indireta (art. 128 do

CTN)208.

Para tanto, aquele autor também isola o critério pessoal no antecedente da

regra-matriz de incidência tributária, comparando-o com o critério pessoal extraído

do conseqüente da mesma regra.

Segundo entende, o critério pessoal posto no antecedente normativo é

caudatário da relação de confirmação econômica que o enlaça ao critério material.

Forma-se, portanto, a expectativa do sujeito que deveria ser obrigado à solução da

relação jurídica tributária. Não obstante, o sistema jurídico confere ao legislador

mecanismos para enlaçar outra pessoa, que não àquela prevista no critério pessoal

da hipótese de incidência tributária e que, nesse sentido, não está em relação

econômica direta quanto ao fato jurídico tributário.

208

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso..., op. cit., p. 691 et seq.

90

Conquanto o Código Tributário Nacional utilize as expressões “contribuinte”

e “responsável” para se referir aos sujeitos passivos tributários (art. 121), a doutrina

distingue os fenômenos da substituição e da transferência. Na linguagem

empregada nas linhas do CTN, responsabilidade tributária se refere

indistintamente à substituição e à transferência.

Segundo concebe, a substituição tributária está calcada no exame da

perspectiva econômica da tributação, que permite identificar o sujeito cuja riqueza é

expressa pelo critério material da hipótese de incidência tributária. O fenômeno da

substituição não envolve a substituição de sujeitos passivos, “mas a substituição

de pessoas que deveriam ser, isto sim, diretamente sujeitos passivos, pelas simples

razão de, „economicamente‟, estarem no cerne das situações eleitas como

jurígenas”209.

Tal “substituição” ocorre, portanto, no momento em que o legislador desenha

a política tributária e dá vazão ao processo de enunciação da regra-matriz de

incidência tributária e das demais normas pertinentes à tributação. O destinatário

constitucionalmente imanente da tributação sequer chega a ser eleito sujeito passivo

pela norma geral e abstrata própria do nível de instituição de tributos, embora o

observador ainda possa divisar que tal sujeito deveria ter sido o recipiente da

obrigação tributária210.

Entende aquele autor que o substituto tributário é sujeito passivo direto211,

de acordo com a linha traçada por Zelmo Denari. Posto que a obrigação imposta ao

substituto tenha índole tributária e a dívida encontre amparo em “fato gerador

alheio”, trata-se de obrigação própria.

Em sentido diverso, a transferência pressupõe a ocorrência de fato posterior

ao fato jurídico tributário, que deflagrará a sujeição passiva de outra pessoa.

Explicitando as modificações que ocorrem na estrutura normativa, diz aquele autor

que: “Dá-se uma alteração na conseqüência da norma jurídica no plano do sujeito

passivo. O responsável sub-roga-se na obrigação.”212 (Grifo do autor.)

209

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Estudo sobre a sujeição passiva direta e indireta no Direito brasileiro. Escólios para uma futura modificação do CTN – Em homenagem a Geraldo Ataliba. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 3, n. 3, p. 93, 1996. 210

Diz Sacha Coelho (Curso..., op. cit., p. 697): “O que a doutrina chama de substituto é, na realidade, o único contribuinte do tributo (o fenômeno da „substituição‟ começa em momento pré-jurídico, o da escolha pelo legislador do obrigado legal, em substituição ao que demonstra capacidade contributiva, por razõeses de eficácia e comodidade).” 211

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso..., op. cit., p. 697. 212

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso..., op. cit., p. 693.

91

Na transferência, a obrigação inicialmente imposta ao sujeito passivo original

pode ser total ou parcialmente desconstituída.

Em termos formalizados, entendemos que as estruturas arquetípicas

sugeridas por Sacha Coelho se expressam como se segue:

Substituição:

Proposição do acoplamento do sistema jurídico-econômico:

Sp(A)

Norma jurídica

Hit(Spa) Sa(Op)Spb

Transferência:

1ª Norma:

Hit(Spa) Sa(Op)Spa

2ª Norma:

HiS [Sa(Op)Sptransf] . [ (Sa(Op)Spa) w (Sa(Opalt)Spa) w (Sa(Op)Spa)]

Onde:

Op indica a obrigação tributária;

Opalt indica a obrigação tributária alternativa (complementar ou suplementar à obrigação do responsável).

“ ” é o operador lógico da implicação (“se...então”);

Hit é a hipótese de incidência tributária;

HiS é a hipótese de substituição;

Sa é o sujeito ativo;

Sptransf é o sujeito ativo por transferência;

Sp(A) é o sujeito passivo afirmado ou confirmado pela relação direta com o fato jurídico

tributário.

Spb é o sujeito ativo

é o operador da negação (“não”);

w é o operador da disjunção excludente (“ou”);

indica que há “ao menos um”, e aqui é utilizado para denotar a eficácia social ou

efetividade (observância do “comando normativo”).

2.3.2.2.3 Ênfase na estrutura normativa e na respectiva justificativa: a tese de

Marçal Justen Filho

92

Marçal Justen Filho também se propôs a examinar o fenômeno de

atribuição de sujeição passiva empregando as categorias “substituição” e

“transferência”. Após esclarecer que entende por “sujeição passiva tributária a

situação jurídica correspondente à titularidade do pólo passivo de uma relação

jurídica sujeitada ao regime de direito tributário [...]”213, aquele autor examinou a

extensão do princípio da capacidade contributiva214, para reconhecer a validade e a

pertinência das figuras do destinatário constitucional tributário e do destinatário

legal tributário.

Segundo entende, e concordando com a linha exposta por Hector Villegas,

há relação de implicação entre o critério material da regra-matriz e o critério pessoal

passivo. Dito de outra forma, a materialidade da hipótese de incidência condiciona

automática e inexoravelmente a determinação do campo de sujeitos aptos a

sofrerem a sujeição passiva215. A inferência se justifica ainda em razão da

capacidade contributiva, pois é o titular da riqueza que se está a tributar, revelada na

hipótese de incidência, que deve ser compelido a solver a obrigação.

A questão que se coloca, portanto, é quais circunstâncias permitem que

sujeitos que não se refiram diretamente à riqueza evidenciada pela hipótese de

incidência sejam eleitos como sujeitos passivos tributários. A resposta à indagação

passa pelo exame da estrutura normativa que disciplina a atribuição de sujeição

passiva, e, em especial, a relação internormativa entre as perinormas e as

endonormas que compõem tal complexo.

Marçal Justen Filho inicia o exame da categoria “substituição”

estabelecendo duas premissas importantes.

De acordo com a primeira delas, a construção do modelo de “substituição”

não pode estar impregnada da acepção semântica comum da palavra.

Aparentemente216, a conclusão resulta da aplicação do princípio de semiótica que

213

Sujeição passiva tributária, op. cit., p. 230. 214

Op. cit, p. 231-260. 215

Nesse sentido, Marçal Justen Filho afirma que (op. cit., p. 262): “De fato, a eleição de uma certa situação para compor a materialidade da hipótese de incidência importa automática seleção de sujeitos. Se foi eleita, como evidenciadora de riqueza que autoriza a tributação, uma certa situação, é inegável que a regra imperiosa será a de que o sujeito obrigado ao dever tributário seja exatamente aquele que é titular dessa riqueza ou está com ela referido. Porque, a não ser assim, o resultado seria o de que haveria uma desnaturação da norma, acarretando a incidência do dever sobre uma pessoa diversa e a tributação sobre riqueza distinta. Por isso, a construção da materialidade da hipótese de incidência condiciona a escolha de sujeito passivo, impondo uma identidade de conteúdo entre o titular do aspecto pessoal da hipótese e o titular da determinação subjetiva do mandamento.” 216

Isto é, segundo entendemos.

93

designa a arbitrariedade do signo, desenvolvida por Saussure217. Isto é, não há

relação necessária entre a imagem acústica da palavra “substituição” e o fenômeno

ao qual se deseja reportar ou evocar. Logo, não é adequado que o estudo parta do

exame do que significa “substituir” ou “substituição”, pois tais sentidos não irão

condicionar a construção das normas jurídicas.

A segunda premissa toma por base a ambigüidade da palavra “substituição”

ao ser empregada pelos textos de direito positivo. Com efeito, é possível que

instâncias diferentes da palavra “substituição” designem fenômenos completamente

distintos e que atendem racionalidades que também não se confundem.

Feitas tais admoestações, aquele autor divisa que o fenômeno da

substituição tributária está estruturado com base em duas normas distintas. Uma

delas é a regra-matriz de incidência tributária, ou seja, a norma que institui o

tributo218 e que estabelece todos os critérios essenciais (inclusive o “destinatário

legal tributário”). A outra norma se vincula à regra-matriz para especificar algumas

circunstâncias que, se implementadas, implicarão a sujeição passiva de outro sujeito

que não o destinatário legal tributário.

A norma que estabelece a substituição é acessória e excepcional, como

concebe Marçal Justen Filho, textualmente:

Há, porém, outra norma, que diríamos acessória, que estabelece a substituição. Ou seja, que se conjuga com a norma principal para estabelecer um esquema excepcional, cujo resultado consiste em que a prestação tributária deverá ser saldada não pelo destinatário legal tributário, mas pelo sujeito passivo excepcional (o chamado substituto).

219

A hipótese de incidência da norma que estabelece a substituição pressupõe

tanto a incidência da regra-matriz220 como a ocorrência de outro fato, que é

217

Cf. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2004, p. 81-84. 218

Marçal Justen Filho se refere à prescrição como a “norma tributária normal” ou “principal”. Op. cit., p. 268. 219

JUSTEN FILHO, Marçal. Substituição..., op. cit., p. 269. 220

Relembramos que Marçal Justen Filho utiliza a expressão “norma autônoma” ou “principal” para designar a norma que institui o tributo, e que a expressão “regra-matriz” é o termo adotado nestas páginas para conotar o mesmo objeto. É importante também ressaltar que aquele autor equipara a incidência da regra-matriz à ocorrência do fato imponível, como se lê na seguinte passagem (op. cit, p. 270): “O primeiro é o evento da incidência da norma autônoma (ou seja, a ocorrência do fato imponível correspondente à hipótese de incidência da norma autônoma).” Entendemos que a versão do evento em fato jurídico (linguagem competente) é etapa essencial à incidência da norma jurídica, entendida como a operação de subsunção que o agente competente deverá levar a cabo. São, contudo, conceitos diferentes (a ocorrência do fato jurídico não equivale à incidência da norma).

94

justamente o elemento que detalha ou especifica as circunstâncias ligadas à

hipótese de incidência tributária.

O conseqüente da norma que estabelece a substituição modifica o

conseqüente da regra-matriz de incidência tributária, obrigando outro sujeito passivo

ao recolhimento dos valores devidos a título de tributo.

A estrutura normativa proposta por Marçal Justen Filho segue,

textualmente, as seguintes fórmulas:

Se ocorrer o fato X, deverá o sujeito Z pagar a importância H. (Norma N) [...] Se, além do fato X previsto na norma N, ocorrer o fato Y, quem

deverá pagar o valor H será o sujeito W. (Norma N1)221

Entendemos que a estrutura proposta pode assim ser expressa em termos

formais:

Hit.r (Sa(Op)Spi) . (Sa(Op)Sp)

Onde:

Hit indica o antecedente da regra-matriz de incidência tributária (“hipótese de incidência

tributária”);

. é o operador de adição (“e”);

r significa o “fato” que caracteriza a norma de substituição;

Sa é o sujeito ativo;

Op ocupa o lugar do modal deôntico de “obrigatório”. Conjugado com o objeto “p”, ele indica a

obrigatoriedade do recolhimento do valor;

Spi equivale ao “sujeito passivo indireto”;

é o operador negativo (“não”);

Sp ocupa o lugar do “sujeito passivo direto” ou “constitucional”.

A negativa à relação jurídica tributária fundada na regra-matriz de incidência

procura representar a circunstância de a obrigação tributária nascer para outro

sujeito passivo, em lugar do sujeito passivo previsto na norma que institui o

tributo222.

221

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 271. 222

Como diz Marçal Justen Filho (Sujeição..., p. 270), “ou seja, estabelece-se, ao invés de nascer o dever tributário para um determinado sujeito, nascerá para sujeito diverso”.

95

Retomando a linha desenvolvida por Marçal Justen Filho, a norma que

estabelece a substituição não exclui (ab-roga) a regra-matriz de incidência tributária,

mas, antes, a pressupõe.

Por também pressupor a hipótese de incidência tributária, a norma de

substituição tem o seu sentido deôntico vinculado à existência e às condições de

incidência da regra-matriz tributária. Se a regra-matriz for removida do sistema, ou

não houver subsunção entre fato e a hipótese de incidência, a norma de substituição

não será aplicável.

A regra-matriz de incidência tributária, por seu turno, é autônoma. Assim, a

validade, a vigência, a eficácia e a efetividade de tal norma independe dos mesmos

atributos da norma de substituição ou dos fatos a ela relacionados.

O objeto da obrigação (“mandamento”) da norma de substituição reporta-se

diretamente ao objeto da obrigação tributária. Não há, assim, a instituição de dois

“tributos” distintos e simultâneos. Nas palavras daquele autor, “a norma não

autônoma ou acessória não se sustenta por si só”223

Ao descrever a relação entre a regra-matriz e a norma de substituição,

Marçal Justen Filho aproxima a operação à fenomenologia da isenção. Segundo

entende, a isenção consiste na clivagem de certos aspectos da hipótese de

incidência ou no conseqüente da regra-matriz de incidência tributária, levada a cabo

por outra norma jurídica. Esta “norma secundária” recorta ou mutila224 a norma que

institui o tributo.

De maneira análoga, a norma de substituição se imbrica na estrutura da

regra-matriz de incidência tributária, não para lhe tolher o alcance, mas para

adicionar elementos à hipótese de incidência ao conseqüente (“mandamento”).

Logo, enquanto o fenômeno da isenção é marcado pela diminuição do

espectro de incidência da norma, na substituição há “a adição de elementos à

hipótese e a previsão de sujeição passiva diversa”225

Rejeita-se, portanto, a esquematização do fenômeno da substituição com o

auxílio da teoria dualista da obrigação. Não há, na estrutura sugerida, a

segmentação em dever e responsabilidade, atribuíveis a sujeitos diversos.

223

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva..., p. 271. 224

Expressão utilizada por Paulo de Barros Carvalho. Cf. Curso de Direito Tributário, p. 490. A isenção reduz o espectro de incidência da regra-matriz. 225

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 273.

96

Movido pelo desejo de responder acerca dos limites impostos ao legislador

no desenho das normas de substituição, Marçal Justen Filho isola a referibilidade

entre a regra-matriz e a norma de substituição. Tal referibilidade é um componente

da racionalidade que fundamenta a competência tributária.

Sustenta-se que deve haver uma relação de poder entre os sujeitos

passivos. A relação de poder consiste no condicionamento da eficácia ou da

efetividade da manifestação presumível da riqueza tributada à vontade de outro

sujeito. Vale dizer, o sujeito passivo por substituição é peça essencial da fruição do

fato signo presuntivo de riqueza.

A submissão do destinatário legal tributário não tem origem em norma de

jaez tributário. A relação de poder se projeta de outras normas não-tributárias, e o

legislador não pode, arbitrariamente, criar tal relação. Dito de outro modo, a relação

de poder não pode se resumir à isolada imposição do dever de recolhimento.

Diz Marçal Justen Filho:

O poder que é inerente à situação extra-tributária permissiva da substituição produz a possibilidade de que o substituto recomponha seu patrimônio (quando já tenha, anteriormente, desembolsado os recursos para pagamento da prestação tributária) ou se proveja de fundos preventivamente, para enfrentar a exigência creditícia futura.

226

Assim, é necessário que o substituto tributário tenha acesso ao fluxo

econômico que configura o fato jurídico tributário, para que a norma de substituição

seja válida.

Nas palavras daquele autor, há três condições para a validade do

estabelecimento da substituição tributária:

a) existência de uma situação de poder, por decorrência da qual o destinatário legal tributário esteja subordinado à vontade de outra pessoa; b) referir-se essa situação de poder ao gozo, pelo destinatário legal tributário, da situação presuntiva de riqueza estatuída na materialidade da hipótese de incidência da norma autônoma; e c) ser essa situação de poder decorrente de circunstâncias alheias a uma norma tributária.

227

Por outro lado, o exercício do direito do substituto à neutralidade econômica

não pode ser obrigatório. O substituto pode renunciar aos mecanismos de

226

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 284. 227

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 275.

97

reembolso e de retenção, pois “ele pode dispor de seu patrimônio como bem

entender”228. Como se verá adiante, contudo, a opção do substituto tem

conseqüências importantes.

Por fim, um registro importante. Posto que alguns tributos sejam mais

adequados ao regime de substituição, Marçal Justen Filho não vê razão para

excluir a priori a possibilidade de certas exações se submeterem à modificação da

sujeição passiva. Anunciada a reserva, sustenta-se que os tributos cujas hipóteses

de incidência não são vinculadas à atuação estatal (e.g., os impostos) se adaptam

mais facilmente ao regime, pois a caracterização do antecedente depende da

disponibilidade econômica. Com tal condição, é mais provável o surgimento da

relação de subordinação entre o destinatário legal tributário e o terceiro. De forma

diferente, contudo, nos tributos vinculados (e.g., taxas), a relação de dependência

tende a se estabelecer entre o destinatário legal tributário e o ente estatal a que se

refere o critério material da hipótese de incidência.

Uma vez caracterizada a substituição tributária, aquele autor passa a

examinar o fenômeno da responsabilidade tributária. Inicialmente, Marçal Justen

Filho rejeita a caracterização da norma de responsabilidade como objeto alheio aos

domínios metodológicos do direito tributário, porquanto se caracteriza como sanção,

como concebeu Paulo de Barros Carvalho.

Para tanto, assenta as respectivas ponderações em três pontos.

O primeiro é o de que não há relação entre a conduta do responsável229 e o

dever nascido da norma de responsabilidade. Como diz aquele autor, textualmente:

Vale dizer, o dever de responsabilidade não é vinculado à conduta que possa ter praticado ou deixado de praticar o “responsável”, mas se proporciona a situações a ele absolutamente estranhas. São situações alheias a ele, porquanto correspondem à prestação tributária, proveniente da ocorrência de um fato imponível e determinada segundo o mandamento da norma tributária.

230

O segundo ponto a ser considerado é a circunstância de que a

responsabilidade tributária não permuta o “contribuinte” pelo “responsável”, nem,

tampouco, suprime “a sujeição tributária já existente”231.

228

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 284. 229

Aplicável também ao substituto. 230

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 288. 231

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 288.

98

Por fim, partindo da premissa que enlaça o objeto da obrigação imposta ao

responsável à obrigação tributária, aponta-se que a norma de responsabilidade não

pode obrigar ao recolhimento de valores já pagos pelo contribuinte, ou em valor

maior do que efetivamente são devidos por este (isto é, “duplicando” a obrigação).

Fosse a responsabilidade tributária uma norma que estabelecesse sanção,

duas características haveriam de estar presentes: a vinculação do dever de

responsabilidade à conduta do responsável e o desate da relação jurídica tributária

inicial, que seria elidida com o surgimento do responsável tributário.

Tal como se dá com a substituição, a racionalidade que instrui a

responsabilidade tributária assume que há uma relação de poder entre o contribuinte

e o responsável. A relação de poder ínsita à responsabilidade, contudo, é marcada

pela possibilidade de o responsável impor ao contribuinte que este conforme sua

conduta para solver o crédito tributário, dando-lhe efetividade232.

A relação de poder que justifica a responsabilidade tributária se origina de

outras normas ou situações do sistema jurídico, e não pode ser prescrita sem

qualquer base pela própria norma que define a nova modalidade de sujeição passiva

(ad lib233).

Utilizando as expressões de Carlos Cossio, Marçal Justen Filho propõe

que o conjunto que estabelece a responsabilidade tributária é composto por uma

endonorma e por uma perinorma.

O antecedente da endonorma faz referência à relação de poder entre o

contribuinte e o responsável, entendida como a aptidão que o segundo tem para

compelir o primeiro a adimplir uma obrigação tributária.

Já o conseqüente não se refere ao recolhimento de qualquer valor, pois a

norma não se confunde com a instituição de um novo tributo. O “mandamento”

232

Diz Marçal Justen Filho (op. cit., p. 295): “Portanto, o destinatário da responsabilidade se encontra em situação de poder sobre o sujeito passivo tributário, de molde a ser-lhe dado exigir ou verificar o cumprimento da prestação devida. Não se trata, evidentemente, de descrever a conduta de um funcionário do fisco (embora até seja possível). Trata-se, isto sim, de alguém que está em uma situação jurídica especial que lhe assegura, se o desejar, compelir o sujeito passivo a adimplir o dever tributário”. 233

“O que é incompatível com um regime democrático e com os princípios jurídicos consagrados na Constituição é que o Estado pretenda impor o dever independentemente da existência de uma situação de poder (decorrência da estruturação de outras normas ou do fato da convivência). Não é viável impor, ad exemplum, que todos os homens com mais de 1,90 m de altura teriam o dever de investigar se os contribuintes com altura inferior cumpriram devidamente seus deveres tributários. Ou seja, o legislador tributário não pode impor, arbitrariamente, o dever cujo descumprimento acarretará o nascimento da responsabilidade tributária. O máximo que lhe é dado é, encarando as situações de poder decorrentes da existência de outras normas, transformá-las em situações de dever.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 295).

99

prescreve ao responsável o dever de sindicância sobre a conduta do contribuinte no

cumprimento da obrigação tributária. Dito de outro modo, deve o responsável velar

pelo recolhimento dos valores devidos a título de tributo, “no sentido de que não

pratique qualquer ato que possa favorecer o sujeito passivo tributário sem

comprovação do adimplemento da prestação tributária”234.

A inobservância do dever de sindicância acarreta a sujeição passiva do

responsável. Tal inobservância se caracteriza como um ilícito, que compõe o

antecedente da perinorma.

Momentos atrás, relatamos que Marçal Justen Filho afastara a natureza

sancionatória da norma que estabelece a responsabilidade tributária235.

O seguinte trecho ajuda a examinar a aparente contradição:

Porém, há casos em que se torna fluída a distinção [entre a sanção e o tributo, que normalmente são tingidos de forte contraste], exatamente porque a situação (tributária, inequivocamente) relaciona-se a uma conduta ilícita (ou seja, prevista hipoteticamente em uma perinorma tributária).

Isso se passa no vaso da responsabilidade tributária, a nosso ver. Ou seja, há efetivamente um ato ilícito tributário. Mas a sanção não pode ser distinguida de um tributo. E não o pode porque se confunde com uma prestação tributária já existente. A “sanção” consiste em alguém tornar-se obrigado juntamente com os devedores de uma relação tributária já existente.

Quanto ao conseqüente da perinorma, a sujeição passiva por

responsabilidade pode ser solidária, subsidiária ou “principal e única, excludente da

responsabilidade dos sujeitos passivos até então existentes”236. Embora a relação

jurídica resultante tome por empréstimo os elementos já estabelecidos para a

relação jurídica tributária, não é possível confundir ambos os enlaces.

Entendemos que a estrutura sugerida por Marçal Justen Filho pode assim

ser formalizada237:

R Sr(Os)Sp -> Endonorma

Os Sa(Op)Sr - > Perinorma

234

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 296. 235

“O que nos parece problemático, porém, é acatar a afirmativa de que a situação jurídica em que se encontra o ´responsável´ tenha natureza sancionatória”. Idem, op. cit., p. 288. 236

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., p. 296. 237

Deixamos de formalizar as relações possíveis entre o responsável e o contribuinte (solidariedade, subsidiariedade e prevalência).

100

Onde:

R´ representa a relação de poder;

é o operador deôntico de implicação (se... então...); Sr indica o sujeito responsável; Sp é o sujeito passivo tributário;

simboliza o operador lógico da negação (não); Sa é o sujeito ativo tributário;

Op representa a obrigação do recolhimento do valor a título de tributo.

Em síntese, o modelo sugerido por Marçal Justen Filho esquematiza a

atribuição de sujeição passiva tributária em três modalidades: destinatário

constitucional e legal tributário, sujeição por substituição tributária e sujeição por

responsabilidade tributária.

A definição dos destinatários constitucional e legal tributários é baseada no

exame da relação projetada a partir da “hipótese de incidência” e reflete a presunção

de riqueza (capacidade contributiva) do fato que se está a tributar.

A atribuição de sujeição passiva por substituição e a atribuição por

responsabilidade seguem racionalidades e estruturas diferenciadas e que não se

apóiam na relação que marca os destinatários constitucional e legal tributários.

A racionalidade da substituição assume que há uma relação de poder entre

o destinatário legal e o substituto. Tal relação de poder manifesta-se pela

proximidade do substituto ao fluxo de geração de riqueza que desemboca no

benefício ao destinatário legal. O substituto possui os instrumentos para compelir o

cumprimento da obrigação tributária (e.g., a fonte pagadora, i.e., a pessoa que está

incumbida de distribuir valores como contraprestação ao trabalho, serviço ou

operação, em relação ao Imposto sobre a Renda, ao ISS, ao ICMS etc).

Já a responsabilidade tributária, posto que também apoiada em relação de

poder, se justifica pela possibilidade de o responsável compelir a solvência da

obrigação tributária, sob pena de não praticar ato que beneficie o destinatário legal.

2.3.2.3 Modelo de Atribuição de Sujeição Passiva Constitucional e Legal. O

Enfoque Processualista de Renato Lopes Becho.

Ao examinar o fenômeno da atribuição de sujeição passiva e

responsabilidade tributária, Renato Lopes Becho propôs modelo baseado nos

mecanismos de identificação do contribuinte com parâmetro na constituição e na

101

racionalidade aferente da distinção entre débito/crédito e

garantia/responsabilidade.

No modelo proposto por aquele autor, o exame das normas constitucionais

que versam sobre competência tributária permite a identificação dos sujeitos aptos à

realização da hipótese prescrita no critério material. A relação entre o sujeito passivo

e a materialidade tributável também se torna racional, isto é, assume sentido, nos

termos da capacidade contributiva238.

Diz Renato Lopes Becho que, verbatim:

O que estamos procurando demonstrar é que nossa Carta Constitucional já aponta para o contribuinte a título próprio, que preferimos denominar de sujeito passivo constitucional. Esse sujeito passivo participou diretamente da ação que deu causa jurídica ao tributo.

239 (Grifos do autor.)

A circunstância de a Constituição estabelecer os sujeitos passivos tributários

não infirma o papel das demais etapas do fluxo de positivação do sistema jurídico,

contudo. A identificação do sujeito passivo constitucional cabe ao estágio seguinte,

que aquele autor chama de “lei ordinária”240.

Não obstante, não há propriamente um campo de “escolha” ao legislador

ordinário para a identificação do sujeito passivo constitucional, pois o parâmetro de

controle deverá ser “interpretado literalmente”241. A inexistência de “conceito legal

prévio” ou de conceito doutrinário sobre algum dos elementos que compõem a

norma que estrutura a competência tributária torna a identificação mais difícil242. De

forma diferente, a conceituação de outras materialidades não requer “formulação

legislativa”. É o que se dá, segundo Renato Lopes Becho, com “propriedade”,

“veículos automotores”243, “imóveis”, “doações”, “transmissão causa mortis” e

“mercadorias”, e.g.244.

238

Sujeição passiva e responsabilidade tributária, op. cit., p. 85. 239

Sujeição passiva e responsabilidade tributária, op. cit., p. 86. 240

Sujeição passiva e responsabilidade tributária, op. cit., p. 87. 241

O modelo proposto por Renato Lopes Becho não se limita à “interpretação literal”, que o próprio autor assume ser incompleto. A insuficiência da “interpretação literal”, contudo, não afasta a validade e a utilidade do método, que também opera como salvaguarda da segurança jurídica ao conferir mais precisão à busca pelo sujeito passivo, além de diminuir o espectro de possibilidades do legislador. Cf. op. cit., p. 88. 242

O exemplo utilizado por Renato Lopes Becho para relatar o possível quadro de imprecisão se refere ao Imposto sobre Grandes Fortunas. Op. cit., p. 86. 243

Como exemplo da inadequação da construção de sentido pelo chamado método literal, confira-se, e.g., a discussão acerca do conceito de “veículos automotores”, para tributação com o IPVA, travada por ocasião do julgamento do RE 379.572 (rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, julgado em 11/04/2007,

102

Para Renato Lopes Becho, a sujeição passiva tributária abrange os sujeitos

passivos constitucionais, os sujeitos passivos legais e os substitutos tributários. Os

primeiros são identificados a partir da leitura do texto constitucional, cuja precisão

encontra-se em uma “zona de certeza positiva”245. Por seu turno, a segunda classe

corresponde aos sujeitos passivos eleitos pelo legislador infraconstitucional:

por aproximação jurídica aos sujeitos passivos constitucionais, utilizando-se da interpretação sistemática e de ficções e presunções típicas do universo jurídico, nos limites impostos pela Constituição para normas que regulam as relações tributárias.

246

A substituição tributária corresponde à modificação do sujeito passivo

inicialmente especificado por outro sujeito. Somente os modelos de substituição “por

fato futuro” e de diferimento correspondem ao fenômeno da substituição tributária.

Em sentido diverso, a retenção na fonte e a “responsabilidade por substituição” (arts.

129 a 133) não podem ser consideradas fenômenos de substituição tributária. Em

ambos os casos, as modificações no campo da sujeição passiva se dão tão-somente

para fins de cobrança do valor do tributo.

Segundo entende o autor, o fenômeno da atribuição de responsabilidade

tributária não implica modificação ou interferência na relação jurídica tributária, e a

racionalidade subjacente à norma atende à garantia da efetividade do crédito

tributário. Para melhor compreender tal mecanismo, Renato Lopes Becho examina

a Teoria Dualista da Obrigação e conclui que a relação que enlaça o responsável

corresponde apenas à garantia (Halftung) da obrigação tributária (Schuld). Trata-se

de relação de nítida índole processual.

2.3.2.4 Modelo de Atribuição de Responsabilidade Tributária por Substituição,

Solidariedade, por Sucessão, de Terceiros e por Infrações. O Exame da

Estrutura Lógica das Normas de Responsabilidade por Maria Rita Ferragut.

DJ de 31.01.2008). BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 379.572. Relator: Ministro Gilmar Mendes. EMENTA: “Recurso Extraordinário. Tributário. 2. Não incide Imposto de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre embarcações (Art. 155, III, CF/88 e Art. 23, III e § 13, CF/67 conforme EC 01/69 e EC 27/85). Precedentes. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido”. Votação não-unânime. 244

Idem, ibidem. 245

BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária, p. 90. 246

Idem, ibidem.

103

Em trabalho baseado na tese de doutorado defendida na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo247, Maria Rita Ferragut sugere que as normas

de atribuição de responsabilidade tributária se classificam em cinco grupos. Tais

grupos reúnem as normas de responsabilidade segundo as seguintes

características: substituição, solidariedade, sucessão, infrações e de terceiros248.

A argumentação desenvolvida por aquela autora parte do exame da

estrutura das normas jurídicas que instituem os tributos (as regras-matrizes de

incidência tributária), e em especial das mutações sofridas pelo respectivo

conseqüente normativo249. Segundo concebe250, a norma que prevê a

responsabilidade tributária modifica o critério pessoal passivo de dada relação

jurídica tributária. O antecedente da norma de responsabilidade, por seu turno, não

se reporta a nenhuma hipótese ou fato jurídico tributário.

Trata-se, portanto, de norma de conduta, mas de sentido deôntico

incompleto251.

A norma que estabelece a responsabilidade tributária pode tanto modificar

norma individual e concreta que representa a constituição do crédito tributário, como

modificar (ou estabelecer) o critério de norma geral e abstrata, circunstância que

leva ao estabelecimento da responsabilidade “desde o início”252

Assim, é importante notar que o modelo reconstruído por aquela autora não

exige a constituição do crédito tributário, em relação ao contribuinte, como requisito

de validade do estabelecimento da relação jurídica de responsabilidade. Vale dizer,

a norma individual e concreta que positiva o responsável prescinde da existência de

norma individual e concreta que eleja o contribuinte253.

247

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005. 248

Idem, ibidem, p. 56. 249

Ibidem, p. 25. 250

Antes de examinar “responsabilidade tributária” na acepção de proposição prescritiva, Maria Rita Ferragut aponta a ambigüidade da expressão e esclarece a existência de duas outras acepções possíveis, que são “fato” e “relação jurídica”. Ibidem, p. 33. 251

Idem, ibidem, p. 33, 252

Diz Maria Rita Ferragut, verbatim (Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 34): “Por outro lado, [responsabilidade tributária] é proposição que não altera a norma individual e concreta de constituição do crédito, se, desde o início, o responsável for o sujeito passivo da relação (responsabilidade por substituição, por solidariedade, responsabilidade de terceiros e por infrações).” 253

Cf. FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 36.

104

Ao examinar as características da responsabilidade tributária254, Maria Rita

Ferragut chega às concepções de pessoalidade, subsidiaridade e solidariedade.

Diz a autora, textualmente255:

Será pessoal [a responsabilidade] se competir exclusivamente ao terceiro adimplir a obrigação, desde o início (responsabilidade de terceiros, por infrações e substituição).

Será subsidiária se o terceiro for responsável pelo pagamento da dívida somente se constatada a impossibilidade de pagamento do tributo pelo dever originário. E, finalmente, será solidária se mais de uma pessoa integrar o pólo passivo da relação, permanecendo todos eles responsáveis pelo pagamento da dívida.

Entende256, ainda, que a norma que estabelece a responsabilidade se

caracteriza como norma tributária, em razão de quatro circunstâncias.

Em primeiro lugar, as normas de responsabilidade tributária se submetem ao

regime jurídico tributário257. A segunda circunstância é a referência do antecedente à

hipótese diversa daquela própria de regra-matriz258. Assim como se dá com a

relação jurídica tributária, o objeto da relação jurídica de responsabilidade é a

obrigação de pagamento de valor a título de tributo. Por fim, a quarta característica é

a extinção da obrigação tributária implicada pelo pagamento feito em observância à

obrigação por responsabilidade.

Ao examinar o alinhamento das normas de responsabilidade de acordo com

o viés dispositivo ou sancionador, Maria Rita Ferragut observa que o sistema

jurídico brasileiro contém tais normas em ambos os sentidos. Assim, as normas de

responsabilidade tributária não podem ser classificadas tão-somente como normas

254

Dados que serão trabalhados como modelos possíveis de conseqüentes das normas de responsabilidade tributária. 255

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 35. 256

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 51. 257

Não concordamos com o critério eleito por Maria Rita Ferragut. Entendemos que a submissão de dada norma a regime jurídico específico é conseqüência de determinado antecedente. Assim, a circunstância de dada norma emanar as características que permitem a respectiva classificação como norma tributária é que a submetem ao regime das normas tributárias. Logo, a pergunta pertinente a ser feita é se às normas que estabelecem a responsabilidade tributária são atribuíveis as características que implicam a respectiva inclusão no conjunto das normas submetidas ao regime tributário (acepção ampla). 258

A segunda circunstância, tal como enunciada, é reconstrução nossa a partir de generalização. Maria Rita Ferragut separa os arquétipos das normas de responsabilidade tributária segundo se tratar de norma primária dispositiva ou de norma primária sancionadora. Diz aquela autora que a norma será primária dispositiva se (Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 51) “(ii) possuir um antecedente lícito”. Já a norma de responsabilidade tributária primária sancionadora é marcada por um (Idem, ibidem) “antecedente que não se confunde com um fato gerador ilícito”. Entendemos que a característica comum a ambos os arquétipos é o emprego de antecedente normativo que não se reduz a qualquer hipótese de incidência tributária.

105

primárias dispositivas ou, ao revés, como exclusivamente normas primárias

sancionadoras.

A contingência do enquadramento de norma de responsabilidade tributária

na classe das normas primárias sancionadoras é revelada pela presença de

modelos de fatos ilícitos nos antecedentes de algumas normas, como aquelas

recuperadas a partir dos enunciados dos arts. 134, 135 e 137 do Código Tributário

Nacional.

Por outro lado, a norma de responsabilidade tributária classificar-se-á como

norma primária dispositiva se o antecedente corresponder à descrição hipotética de

fato lícito.

As normas de responsabilidade tributária seguem duas linhas de

racionalidade, apontadas pela autora como “causas de existência da

responsabilidade tributária”.

A primeira “causa”, tida por mais difundida, é chamada de “arrecadatória”259.

A atribuição de sujeição passiva ao responsável atende à conveniência e à

necessidade do Estado para tornar o aparato de arrecadação mais eficiente e

menos custoso. A eficiência é obtida, por exemplo, com a concentração da

tributação de uma ampla cadeia econômica em um único sujeito, circunstância que

reduz o ônus da fiscalização. Já a conveniência é resultado de uma “provável

diminuição da inadimplência”260, implicada, por exemplo, pela adoção da técnica de

retenção na fonte. É importante lembrar que somente poderá ser validamente tido

como responsável o sujeito que se encontrar indiretamente vinculado ao fato jurídico

tributário, ou, então, que estiver vinculado direta ou indiretamente àquele que o pôs

em prática.

A segunda causa é a sancionatória. Acerca do tema, diz Maria Rita

Ferragut261, textualmente, que:

A lei determina que o terceiro seja responsável pessoal pelo pagamento do tributo, como forma de sanção pelo ato praticado com dolo, e que prejudicou os interesses do Fisco e, eventualmente, de terceiros. É a hipótese do artigo 135 do CTN, que responsabiliza aqueles que praticaram atos contrários à lei, ao estatudo ou ao contrato social, bem como agiram com excesso de poderes.

259

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 52, 260

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 52. 261

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 53.

106

As normas que estabelecem a responsabilidade tributária dos

administradores subsumem-se à espécie das normas que atribuem responsabilidade

a terceiros. Partindo da distinção entre o patrimônio societário e o patrimônio de

sócios e administradores, a autora reconhece que a responsabilização dos últimos

caracteriza-se em dois quadros distintos. No primeiro, o antecedente normativo da

norma de responsabilidade tributária alude à prática de ato culposo ou doloso. O

segundo quadro refere-se à responsabilização, pessoal e ilimitada, decorrente do

simples “estado de sócio ou administrador”, se expressamente prevista em lei para o

tipo específico de sociedade262.

O primeiro quadro refere-se às normas reconstruídas preponderantemente a

partir dos arts. 134, VII, e 135 do Código Tributário Nacional. Para exame de ambos

os quadros, a autora reputa ser necessário o estudo dos conceitos de ilícito, sanção,

infração, culpa e dolo.

A norma de responsabilidade baseada no art. 134 do Código Tributário

Nacional tem por antecedente a relação existente entre o contribuinte e o

responsável263, a impossibilidade de cobrança do valor do tributo diretamente do

contribuinte e a conduta culposa, que concorre para o descumprimento da obrigação

tributária.

Na mesma linha seguida por José Eduardo Soares de Melo, a autora

entende que a responsabilidade prevista no art. 134 do Código Tributário Nacional é

subsidiária, e não solidária. Segundo concebe, a impossibilidade de dar efetividade à

obrigação tributária (i.e., cobrá-la), que serve de antecedente da norma de

responsabilidade, implica a própria inviabilidade de manter a obrigação264.

Ademais, a norma do art. 134 somente se aplica às sociedades de pessoas,

ou seja, às sociedades em nome coletivo, à sociedade em comandita simples e às

cooperativas. Não há aplicação aos sócios de sociedade limitada e aos sócios de

sociedade anônima. Em sentido semelhante, a norma não alcança os

administradores, ante a expressa ausência de disposição legal e a existência de

norma específica, reconstruída a partir do art. 137 do Código Tributário Nacional.

262

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 101. 263

Trata-se de relação não-tributária. Por exemplo, na hipótese de responsabilização de sócios ou administradores, o vínculo se traduz na relação societária. 264

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 112.

107

Já a norma reconstruída a partir do art. 135 do Código Tributário Nacional

tem por antecedente dada conduta dolosa praticada por sócio ou administrador,

caracterizada pelo excesso de poderes ou por infração à lei, ao estatuto ou ao

contrato social. O dolo é imprescindível para incidência da norma, não bastando a

formação de culpa.

A conduta do responsável deve ser necessária à realização do fato jurídico

tributário, isto é, a obrigação tributária deve resultar indiretamente do ato ilícito.

A incidência da norma de responsabilidade prevista no art. 135 do Código

Tributário Nacional implica a desconstituição (ou a negação) da relação jurídica

tributária. Trata-se, portanto, de responsabilidade pessoal, e não subsidiária ou

solidária.

A propósito da caracterização pessoal da responsabilidade, Maria Rita

Ferragut reconhece que parte da dogmática não compartilha do mesmo

entendimento, sob o fundamento de que o afastamento da responsabilidade do

contribuinte permitiria o deslocamento fraudulento da sujeição passiva para pessoas

que sabidamente não possuem capacidade para saldar o crédito tributário.

Acautelada contra a possibilidade de utilização abusiva da linha de

argumentação, a autora265 assim justifica a manutenção de seu entendimento:

Ora, em que pese a razoabilidade dessa preocupação, o fato é que, se provada a simulação da responsabilidade pessoal do responsável, o Fisco terá o dever-poder de incluir ou de solicitar a inclusão da sociedade no pólo passivo da relação. Considerar a responsabilidade como sendo pessoal não implica, de forma alguma, defender uma interpretação que esteja em desacordo com o interesse público, com a igualdade, com a legalidade e que, finalmente, incentive o ilícito.

É relevante registrar as estruturas formais com as quais a autora representa

a forma lógica das normas de responsabilidade tributária reconstruídas com base

nos arts. 134266 e 135267 do Código Tributário Nacional:

“Art. 134 do CTN

D{[(S´R1S´´) . – (S R S´)].F -> (S R S´´)}

Onde:

D = functor deôntico não modalizado (dever-ser);

265

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 119. 266

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 113. 267

FERRAGUT. Maria Rita. Responsabilidade..., p. 120.

108

(S´R1S´´) = antecedente da norma de responsabilidade de terceiro, que veicula relação não-

tributária estabelecida entre os sujeitos;

S´ = contribuinte (sociedade);

S´´ = responsável (sócio);

R1 = objeto da relação jurídica não-tributária, existente entre os dois sujeitos (vínculo

societário);

“.” = operador conjuntivo aditivo;

“-“ – negação;

-(S R S´) = negação da relação jurídica existente entre o Fisco e o contribuinte, fundada na

impossibilidade de cobrança do crédito;

S = sujeito ativo (credor);

R = relação jurídica tributária que tem por objeto o pagamento de tributo;

F = fato correspondente à conduta culposa (ação ou omissão) praticada por S´´;

-> operador implicacional;

(S R S´´) = relação jurídica tributária estabelecida entre o Fisco e o responsável.

Art. 135 do CTN

D{F -> [S R S´´) . –(S R S´)]}

Onde:

D = functor deôntico não modalizado (dever-ser);

F = antecedente da norma de responsabilidade, que corresponde a uma conduta dolosa

praticada por S´´, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, e

que resultou no fato que gerou a obrigação tributária;

(S R S´´) = relação jurídica de responsabilidade tributária, mantida entre o Fisco e o

administrador;

S = credor (sujeito ativo da relação jurídica tributária);

S´= contribuinte;

S´´ = responsável;

R = objeto da relação jurídica tributária;

-> = operador implicacional;

“.” = conectivo lógico aditivo;

- (S R S´) = negação da relação entre o Fisco e o contribuinte, de forma que este sujeito não

integrará o pólo passivo da relação jurídica tributária.”

2.3.2.5 Característica Sancionatória da Norma de Responsabilidade Tributária. As

Ponderações de Paulo de Barros Carvalho

109

Em artigo publicado em 1996268, Paulo de Barros Carvalho sugere que as

relações jurídicas estabelecidas entre sujeitos alheios ao fato jurídico tributário e o

sujeito ativo, pertinentes à responsabilidade tributária, apresentam-se como sanções

administrativas.

Vamos recuperar o modelo proposto por aquele autor para demonstrar a

estrutura das normas de atribuição de responsabilidade tributária e a argumentação

que lhe é subjacente.

Após examinar a linguagem como constitutiva da realidade e o intervalo

existente entre a realidade social e a realidade jurídica, Paulo de Barros Carvalho

relembra o conceito de regra-matriz de incidência tributária, indispensável para a

compreensão do fenômeno de responsabilização tributária. Apontada como a

“norma tributária em sentido estrito”, ela é produto da Ciência do Direito,

reconstruída a partir dos textos de Direito Positivo. Tem estrutura hipotético-

condicional de índole prescritiva, permeada pelos critérios material, espacial e

temporal (no antecedente, ou hipótese) e pelos critérios pessoal e quantitativo (no

conseqüente, ou prescritor).

Posto que o ordenamento jurídico positivo brasileiro utilize a expressão

“capacidade tributária” de forma ambígua, é importante distinguir a aptidão para a

prática dos fatos jurídicos tributários da possibilidade de determinada pessoa ser

sujeito passivo ou ativo de uma relação jurídica tributária. A ausência de

personalidade ou de capacidade jurídica não é óbice para que se reconheça a

aptidão para a realização do fato jurídico tributário, como prescreve o art. 126 do

Código Tributário Nacional. Por outro lado, a sujeição passiva pressupõe que a

pessoa se revista de personalidade jurídica.

Firmadas tais premissas, o primeiro modelo de atribuição de sujeição

passiva estudado é a “solidariedade”. Segundo concebe, a relação jurídica marcada

pela solidariedade se caracteriza pela imposição a mais de um devedor da

obrigação de pagamento do valor integral de dada dívida. Somente se cogita

solidariedade se os devedores pertencerem ao mesmo pólo269 na consecução do

268

Sujeição passiva e responsáveis tributários. Repertório IOB de Jurisprudência 1, n. 11/96. São Paulo, IOB, p. 255-265, 1996. 269

E.g., os co-proprietários de um imóvel.

110

fato jurídico tributário, e nunca se eles estiverem em posições conversas270 ou

antagônicas.

A expressão “interesse comum”, utilizada no texto do art. 124, I, do Código

Tributário Nacional, é insuficiente para identificação dos parâmetros para a

atribuição de solidariedade, em razão da vagueza que lhe acomete. Em muitas

instâncias, é possível identificar interesse comum entre partes conversas ou

antagônicas nas relações jurídicas que permeiam ou subjazem ao fato jurídico

tributário, como se dá, por exemplo, na transmissão de propriedade imóvel

(adquirente e vendedor não ocupam o mesmo pólo da relação jurídica que

caracteriza a venda do imóvel, mas é inequívoco que ambos têm interesse comum

na realização do negócio)271.

Já o art. 124, II, do Código Tributário Nacional, que permite que as pessoas

expressamente designadas por lei sejam tidas como obrigadas solidárias, deve ser

interpretado conforme os lindes estabelecidos pela competência tributária para o

desenho da hipótese de incidência tributária, bem como da própria regra-matriz de

incidência. A atribuição de solidariedade somente será válida se o sujeito tiver

participado da realização do fato jurídico tributário. Isso se dá porque “ninguém pode

ser compelido a pagar tributo sem que tenha realizado ou participado da realização

de um fato definido como tributário pela lei competente”272.

Haverá sujeição passiva tributária, ainda, se o sujeito passivo for retirado da

compostura do antecedente da regra-matriz de incidência tributária, mesmo que a

relação mantida com o arquétipo do fato jurídico tributário seja indireta. Nesse caso

não há que falar em contribuinte ou em responsável, mas a relação jurídica tem

índole tributária.

Por seu turno, a responsabilidade tributária se caracteriza pela imposição

do vínculo obrigacional para pagamento de valores a terceira pessoa. Isto é, o

responsável é eleito de fora da compostura do fato jurídico tributário e da relação

jurídica que lhe é adjacente.

270

E.g., o vendedor e o adquirente, na operação de circulação de mercadoria. 271

Em sentido idêntico, confira-se CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 318. 272

CARVALHO, Paulo de Barros. Sujeição passiva e responsáveis tributários. Repertório IOB de Jurisprudência 1, São Paulo, n. 11/96, p. 259, 1996.

111

A relação jurídica de responsabilização não tem índole tributária, porquanto

extrapola os limites constitucionais aplicáveis à eleição de sujeitos passivos. Diz

Paulo de Barros Carvalho273, textualmente, que:

Não é demasia repetir que a obrigação tributária só se instaura com sujeito passivo que integre a ocorrência típica, seja direta ou indiretamente unido ao núcleo objetivo da situação tributada. A ênfase está fundamentada num argumento singelo, mas poderoso: o legislador tributário não pode refugir dos limites constitucionais da sua competência, que é oferecida de maneira discreta, mediante a indicação de meros eventos ou bens.

A atribuição de responsabilidade tributária apresenta-se como sanção

administrativa, na medida em que pressupõe um fato ilícito, consistente na

inobservância de um dever que lhe fora imposto por outra norma. Imbricada na

textura normativa da relação jurídica que estabelece a responsabilidade, está

inequívoca intenção de punir o agente por certa ação ou omissão.

Vale dizer, o antecedente da norma de atribuição de responsabilidade

tributária alude à infração de um dever, cujo teor e alcance também podem ser

reconstruídos a partir do complexo de normas que estabelece a responsabilidade

tributária.

O autor pondera, ainda, que a circunstância da extinção da obrigação

tributária concomitantemente à solução da obrigação imposta ao responsável pelo

pagamento não é óbice ao reconhecimento da índole sancionatória e não-tributária

da peculiar relação jurídica. Para tanto, argumenta que o legislador pode prescrever

a extinção da obrigação tributária no mesmo momento em que houver a extinção da

obrigação por responsabilidade274.

2.3.3 Modelo sugerido

2.3.3.1 Introdução

Examinados alguns elementos essenciais e modelos utilizados para

demonstrar como se atribui validamente sujeição passiva e responsabilidade

273

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 257. 274

Logo, entendemos que, segundo o modelo proposto por Paulo de Barros Carvalho, a extinção da obrigação por responsabilidade tributária não implica, necessariamente e tão-somente por si, a extinção da relação jurídica tributária.

112

tributária, chega o momento de sugerirmos um modelo próprio. Para tanto,

percorreremos três fases: exame da racionalidade aplicável à atribuição de sujeição

passiva por responsabilidade; reconstrução dos arquétipos das normas de atribuição

de responsabilidade tributária, vistas a partir das respectivas estruturas; e estudo do

sistema de aplicação de tais normas.

2.3.3.2 A Racionalidade Aplicável à Atribuição de Sujeição Passiva por

Responsabilidade

2.3.3.2.1 Introdução

Segundo Klaus Günther275, há ao menos duas características comuns à

aplicação dos diversos significados de “responsabilidade”: a estrutura formal e a

função social.

A responsabilidade está calcada na capacidade do indivíduo de prestar

contas perante a sociedade e as demais pessoas, em razão de uma conduta ou

conseqüência que lhe é imputável. Esta é sua estrutura.

Quanto à função social, registra aquele autor que a responsabilidade é

sempre “imputada em comunicações sociais”276. A estrutura formal da

responsabilidade permite que a imputação se dê em relação às pessoas

(indivíduos), sem recursividade infinita a outros elementos que lhes são externos

(“processos supra-individuais: à sociedade, à natureza ou ao destino”277).

Pablo Larrañaga construiu um modelo muito interessante para o exame do

conceito de responsabilidade278. Após examinar os conceitos de responsabilidade

em Hans Kelsen, Alf Ross e H. L. A. Hart, Larrañaga opta por tomar como

referência inicial o conceito central de “responsabilidade – responsabilidade como

aquele que é sancionável”279.

Três são os enunciados normativos principais para reconstrução dos

diferentes sentidos da expressão “responsabilidade”: as normas de conduta, as

regras de responsabilidade e os juízos de responsabilidade.

275

GÜNTHER, Klaus. Responsabilização na sociedade civil. Tradução de Flavia P. Püschel. Novos estudos CEBRAP, São Paulo, n. 63, p. 107, 2002. 276

Idem, op. cit., p. 108. 277

Idem, op. cit., p. 109. 278

El concepto de responsabilidad. México: Distribuiciones Fontamara, 2000. 279

Sancionabilidad, no original em espanhol.

113

As normas de conduta se relacionam diretamente com a noção de

responsabilidade por estabelecerem obrigações ou deveres. Como exemplifica

Pablo Larrañaga280, “„ser responsable‟ puede ser sustituido por „obligatorio‟ o

„debido‟”. Há, ainda, relação indireta, em que a responsabilidade se refere ao papel

desempenhado por alguma figura ou instituição. Nesse caso, não há enumeração

precisa das condutas, que são definidas com o exame dos objetivos institucionais de

um cargo, por exemplo (“esfera de atribuições”).

Seguem-se às normas de conduta as regras de responsabilidade, cuja

função é estabelecer os parâmetros em que se torna válida a imputação de uma

sanção em virtude da acolhida de uma conduta ilícita. Tais regras se estruturam a

partir de três critérios, que são a capacidade dos sujeitos de direito, a relação causal

entre o sujeito e a conduta prevista na norma de conduta e a relação “entre el

agente del ilícito y la persona a quien se dirige la sancion”281.

A capacidade do sujeito de direito é mensurada no plano psicológico e se

refere à possibilidade de o agente controlar sua conduta, atendendo ao disposto na

norma de conduta. Por seu turno, a relação causal se refere à possibilidade física de

o agente observar a conduta ou o resultado prescrito pela norma de conduta. Por

fim, a relação entre o sujeito a quem se imputa a conduta e o sujeito destinatário da

sanção indica se a responsabilidade é direta (identidade) ou indireta (não-

identidade).

Os juízos de responsabilidade correspondem à operação de subsunção de

um fato a dada norma de conduta e se submetem aos valores de “correção” ou

“justificação”. O valor será positivo se a subsunção às regras de responsabilidade

aplicáveis for confirmada. Pablo Larrañaga identifica três universos possíveis em

que o juízo de responsabilidade pode ser negado. Em primeiro lugar, é possível

negar a existência do fato previsto pela regra de responsabilidade, provando que tal

não ocorreu ou que, independentemente de ter ocorrido, não se relaciona com o

agente da maneira prevista pelas regras de imputação. É possível, também,

sustentar que a regra de conduta não se aplica ao caso, por haver uma exceção (o

ato não é ilícito, por exemplo). Finalmente, há as escusas, que afetam os

280

El concepto de responsabilidad. México: Distribuiciones Fontamara, 2000, p. 197. 281

LARRAÑGA, Pablo. El concepto de responsabilidad. México: Distribuiciones Fontamara, 2000. p. 198.

114

pressupostos da função de ordenação282 da conduta da norma, apontando a

incapacidade de compreensão do alcance da norma ou a impossibilidade física

(empírica) de observância do que disposto na norma de conduta.

Pablo Larrañaga também alude às regras de prova, ao descrever o sistema

proposto por H. L. A. Hart. Trata-se de normas que estabelecem critérios para que

seja possível provar283 os fatos pertinentes à conduta tida por proibida.

Não obstante, as palavras “responsabilidade” e “responsável” são

polissêmicas, assim como são todas as demais palavras de maior ou de menor

extensão. Michel Villey284 sugere que a polissemia do termo “responsável”

é o resultado de sua evolução; e que, em distinguindo as várias camadas sucessivas de sentidos acumulados sobre o mesmo vocábulo, revelando as estruturas semânticas diversas ou os diversos sistemas de pensamento, conseguiremos clareá-lo.

Ainda segundo Michel Villey285, o termo “responsabilidade” é o ponto de

referência ao redor do qual são construídas as metalinguagens sobre

“responsabilidade penal” e “responsabilidade civil”.

Assim como as expressões “responsabilidade penal” e “responsabilidade

civil” possuem sentidos próprios que não se confundem, a racionalidade que anima

a construção de tais sentidos também não se deve confundir. O mesmo se dá com

“responsabilidade tributária”. Posto que existentes pontos comuns e de contato entre

os respectivos sistemas de referência, é relevante o reconhecimento dos pontos de

divergência. Com isso será possível evitar que os textos que servem de base às

normas de atribuição de responsabilidade tributária sejam interpretados com o

mesmo viés aplicável às normas de responsabilidade civil ou penal.

A admoestação será especialmente útil durante o exame das normas que

atribuem responsabilidade tributária aos sócios ou administradores de empresas,

para que elas não sejam reconstruídas como mecanismos de proteção da pessoa

282

Función directiva, no original em espanhol. 283

Ou, em nossas palavras, comunicar validamente informação acerca da ocorrência ou não do fato, inserindo normas individuais e concretas no sistema. 284

VILLEY, Michel. Esboço histórico sobre o termo responsável. Tradução de André Rodrigues Corrêa. Revista DireitoGV, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 135, 2005. 285

Ibidem. Textualmente: “[...] constato que o assunto em torno do qual gira nosso debate, sobre o qual se edificam as doutrinas da ´responsabilidade penal´, da ´responsabilidade civil´, tem duplo sentido”.

115

jurídica, em prejuízo de sua utilização como instrumento de garantia da efetividade

da regra-matriz e da efetividade do crédito tributário.

Vamos, portanto, examinar as racionalidades preponderantes da

responsabilidade civil, penal e tributária.

2.3.3.2.2 A racionalidade preponderante da responsabilidade civil

A dogmática pátria e estrangeira registra inúmeros estudos que buscam

reconstruir modelos de responsabilidade civil. Conquanto tais modelos variem de

acordo com as diferentes instâncias de direito positivo que lhes servem como

linguagem-objeto, bem como de acordo com os instrumentos de exame disponíveis

ao cientista que se dispôs a observar, há um sentido mínimo comum que orienta a

feitura de tais modelos. Como observou José de Aguiar Dias286, “o interesse em

restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano é a causa geradora

da responsabilidade civil”.

A responsabilidade civil pressupõe sempre um dano, circunstância que

implica a necessidade de reparação ou o retorno da situação ao estado

imediatamente anterior pela reparação287. É a partir do arquétipo inicial “se houver

dano, então deverá haver a reparação do que foi modificado pelo dano (“d r”)” que

é possível agregar outros elementos e reconstruir as normas de responsabilidade

civil de cada sistema de direito positivo.

É possível recuperar a estrutura básica “causar dano implica dever de

reparação” a partir do art. 927 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002):

286

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed., revista de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentada por Rui Belford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 55. 287

Diz Miguel Maria de Serpa Lopes (Curso de Direito Civil. 5. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1999, vol. V, p. 160) que “responsabilidade significa a obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva”. Fernando de Sandy Lopes Jorge (Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 1999, p. 36) define responsabilidade civil “como a situação em que se encontra alguém que, tendo praticado um ato ilícito, é obrigado a indemnizar o lesado dos prejuízos que lhe causou”, evitando reconhecer como “responsabilidade” a atribuição da obrigação de reparar de forma totalmente desvinculada da conduta do responsável (responsabilidade objetiva). Aponta Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 7, p. 7) que “a responsabilidade civil cinge-se, portanto, à reparação do dano causado a outrem, desfazendo tanto quanto possível seus efeitos, restituindo o prejudicado ao status quo ante. [...] Visa, portanto, garantir o direito do lesado à segurança, mediante o pleno ressarcimento dos danos que sofreu [...]”.

116

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por sua vez, o art. 186 do Código Civil define como ato ilícito a ação ou

omissão voluntária, a negligência ou a imprudência que viole direito ou cause dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral. Já o art. 187 prescreve que o exercício de

um direito, com excesso dos limites impostos por seu fim econômico ou social, pela

boa-fé ou pelos bons costumes também deverá ser considerado ato ilícito.

A circunstância de os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil aludirem a

elementos pertinentes à caracterização da conduta do sujeito288, para formação do

antecedente normativo da norma de responsabilidade, é indispensável para o exame

do sistema jurídico brasileiro. Contudo, tal circunstância não firma nenhum tipo de

ligação ontológica da idéia de culpa à responsabilidade civil.

O núcleo das diversas normas que compõem o complexo da

responsabilidade civil continua a ser o dano, isto é, a desordem causada pela

conduta do sujeito. Trata-se de dado objetivo, que teoricamente poderia justificar,

tão-somente por si, o pressuposto da obrigação de eliminar a perturbação da ordem.

Vale dizer, a noção de qualquer elemento circunstancial à conduta do agente não é

ontológica à caracterização da responsabilidade civil.

Opina Caio Mário da Silva Pereira289 que:

A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil. (Grifos originais.)

Jorge Bustamante Alsina290 destaca a transcendência do dano para o

estudo da responsabilidade civil nos seguintes termos:

288

I.e., ato ilícito, negligência, imprudência, ação ou omissão voluntária (dolo). 289

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 11.

117

Modernamente nosotros adherimos a la tesis de la unicidad del fenómeno resarcitorio que conduce a través del elemento del daño la concepción unitária de la responsabilidad civil. Es así que la doctrina moderna expone el sistema de responsabilidad com um critério unitário que, más allá de los ámbitos contractual o extracontractual em los cuales se origine, destacan la transcendência del daño como elemento común y tipificante del fenómeno resarcitorio.

A racionalidade preponderante das normas de responsabilidade civil orienta-

se, portanto, à reparação do dano. A responsabilização deve operar como

mecanismo de correção da ruptura causada pela conduta do agente na esfera

patrimonial do ofendido.

Por tal razão, a interpretação dada aos textos de direito positivo deve buscar

garantir a eficácia técnica e jurídica, bem como a efetividade social, dos

instrumentos que levam ao restabelecimento do equilíbrio afetado pelo dano. Negar

ou arrefecer em excesso o potencial que a norma tem para recompor as lesões é

negar, em última análise, a própria racionalidade da responsabilidade civil.

Isto não significa que um sistema jurídico não possa, validamente, possuir

normas de calibração que vinculem a responsabilidade civil a circunstâncias

específicas e limitem sua aplicação (causas excludentes de responsabilidade, por

exemplo). O que se coloca é a necessidade de emprestar a maior eficácia

pragmática possível às normas de responsabilidade civil, dentro dos limites postos

pela própria linguagem do direito positivo.

A concepção atual de responsabilidade civil também se afasta da idéia de

vingança privada ou de retribuição que pudesse operar como Objetivo de

Justificação Geral291 para algumas linhas de argumentação para a sanção penal ou

criminal. A função da responsabilidade civil não é retorquir uma ofensa com lesão

equivalente ou similar. A interferência no patrimônio do responsável deve ser

proporcional ao dano, pois seu objetivo é restaurar o acervo de disponibilidade do

ofendido.

290

ALSINA, Jorge Bustamante. Responsabilidad civil y otros estudios. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1984. v. IV, p. 258. 291

A expressão, traduzida de General Justifying Aim, foi tomada por empréstimo de H. L. A. Hart (Punishment and responsibility: Essays in the philosophy of law. Oxford: Claredon Press, 1968, p. 8).

118

Embora a função primária da responsabilidade civil seja reparadora,

Fernando de Sandy Lopes Jorge292 lembra que as respectivas normas também

podem ter, secundariamente, a função de condicionar a conduta dos possíveis

agentes:

Mas o simples facto de a obrigação de indemnizar se basear, em regra, na culpa do agente, não pode deixar de levar ao reconhecimento de que a responsabilidade meramente civil exerce, ainda que em plano secundário, ou indirecto, uma função punitiva e preventiva.

Em sentido semelhante, Maria Helena Diniz293 identifica duas funções para

a responsabilidade civil: garantia do direito do lesado à segurança, e utilidade como

sanção civil, “punindo o lesante e desestimulando a prática de atos lesivos”.

2.3.3.2.3 Racionalidade subjacente à responsabilidade penal ou criminal

As normas que veiculam sanções penais ou criminais não diferem em

estrutura sintática das demais espécies de normas jurídicas. Tal como se dá com as

normas cíveis ou tributárias, a norma que estabelece responsabilidade criminal é

composta por um antecedente ligado a um conseqüente por um operador deôntico

de imputação.

É certo que, no sistema jurídico brasileiro, os conseqüentes das normas

penais-criminais apresentam algumas especificidades tópicas, como, por exemplo, a

circunstância de o objeto da relação jurídica geralmente se traduzir como a

obrigação de internação em estabelecimento penal (perda do direito de liberdade),

restrição de direitos ou pagamento de valores (multa). A constatação é insuficiente,

dado que a restrição de direitos e o pagamento de valores a título de multa não se

limitam ao arquétipo das normas penais-criminais.

A espécie de deveres violados, como pressuposto explícito ou implícito de

aplicação da punição, também não é um guia seguro, se considerado tão-somente

por si, para identificação das normas penais-criminais. Isso se dá porque cada

sistema jurídico é livre para estabelecer quais condutas devem ser tuteladas pelos

mecanismos de combate à criminalidade, sem que se possa estabelecer, a priori,

292

JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 1999. p. 52. 293

Curso de Direito Civil brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 7, p. 9.

119

conjunto bem definido de condutas que devem ou deveriam ser tuteladas por todo e

qualquer sistema.

Entendemos que a classificação de dada norma como penal-criminal é

definida pelo próprio sistema jurídico que se está a examinar. Tal definição pode ser

estabelecida de forma direta e nominal, isto é, o sistema jurídico pode enumerar

nominalmente os elementos do conjunto de normas primárias sancionatórias da

classe penal-criminal.

A dogmática costuma oferecer três elementos para compreensão da

racionalidade subjacente às normas que prescrevem sanções penais ou criminais.

Esses elementos são o condicionamento da conduta do agente, como forma de

deter ou prevenir a ação ou a omissão tida por criminosa; a retribuição ou a

vingança, consistente na provocação de um dano equivalente na esfera jurídica do

agente; e, por fim, a recuperação do agente da situação e das condições que o

mantêm anátema.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli294 iniciam severa

análise crítica apontando duas vertentes da racionalidade subjacente à

responsabilidade penal, tal como trabalhadas pela doutrina:

Os tradicionais discursos jurídico, criminológico, policial, penitenciário, judicial e político proclamam o fim e a função preventiva do sistema penal. Isso pode ser entendido em dois sentidos: o sistema penal teria uma função preventiva tanto “especial” como “geral”, isto é, por um lado buscaria a “ressocialização” do apenado e, por outro, advertiria aos demais sobre a inconveniência de imitar o delinqüente.

A obra de Claus Roxin295 contém extenso registro e exame dos fins e da

justificação da pena na Teoria do Direito Penal.

O autor alemão identifica três interpretações históricas que são

fundamentais para estudo dos fins da pena e continuam como elementos nucleares

da discussão atual sobre o assunto, em diversas combinações.

A primeira linha de interpretação segue a Teoria da Retribuição. A pena não

possui nenhuma finalidade socialmente útil, senão responder a um mal. A punição

exonera a culpabilidade e restaura o equilíbrio afetado pelo mal a que se responde.

294

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro: Parte geral. 5. ed. rev. e at. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 72. 295

Derecho Penal. Parte General. Fundamentos. La Estructura de La Teoría del Delito. Tradução da 2. edição alemã por Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madri:Civitas, 2006. Tomo I.

120

Sem embargo de fontes mais antigas296, Roxin traça a Teoria da Retribuição à

filosofia do idealismo alemão, encontrando argumentação de suporte nas obras de

Kant e Hegel.

Um dos méritos da Teoria da Retribuição está na impressão psicológica

causada pela relação de correspondência entre o mal e a pena que se predestina a

expiá-lo. Se a finalidade da pena é retribuir uma violação, então a retribuição deve

ser proporcional à lesão sofrida. Por inferência, a Teoria da Retribuição leva à

proibição de penas desmedidas, demasiadamente pesadas para violações (ou

culpabilidade leve).

Segundo Roxin297, a Teoria da Retribuição não encontra base científica

atual, por diversas razões. Entre elas está a circunstância de a retribuição não ser

capaz de reparar os danos sociais causados pelo ilícito. Ademais, eventual

compensação da responsabilidade somente seria concebível se o agente criminoso

aceitasse para si a pena como expiação por sua culpa.

A Teoria da Prevenção Especial se encontra em posição antípoda à Teoria

da Retribuição. Sua finalidade centra-se no agente (com a idéia de indivíduo, daí

“especial”), para demovê-lo da prática da conduta criminal ou para corrigi-lo, de

maneira a evitar e reincidência. Assim, tal teoria adota também a linha da

ressocialização298.

A crítica mais grave dirigida à Teoria da Prevenção Especial tem fulcro na

ausência de uma pauta ou parâmetro para dosimetria da pena, defeito que não se

repete na Teoria da Retribuição. Com efeito, ao se voltar à recuperação do agente e

à sua reinserção na sociedade, a Teoria da Prevenção Especial admite a aplicação

de penas de duração indeterminada. Outro defeito da Teoria da Prevenção Especial

é a inadequação para lidar com agentes em relação aos quais não há necessidade

de ressocialização. Isso ocorre nos casos em que não há risco pragmático de

reincidência299.

296

Sobre a aplicação da Teoria da Retribuição na esfera religiosa, diz Roxin (p. 83) que: “También las Iglesias de ambas confesiones han apoyado hasta la época de postguerra mayoritariamente La teoria de La retribuición al concebir la realización de La justicia como mandamiento de Dios y La imposicion de La pena como ejucución sustitutoria de lãs funciones de juez de Dios.” 297

Derecho Penal, op. cit., p. 81-85. 298

Derecho Penal, op. cit., p. 87. 299

Este é o exemplo dado por Roxin para ilustrar a argumentação (Derecho Penal..., p. 89): “¿Cómo va a justificarse desde um punto de vista de prevención especial, por ejemplo, el castigo de los delincuentes violentos Del nacionalsocialismo que hoy em dia son inofensivos y viven em sociedad discretamente?”.

121

Argumenta ainda Roxin300 que a doutrina alemã e estrangeira ainda não

conseguiu desenvolver um conceito eficaz para socialização do reincidente e que

atenda ao ponto de vista da Teoria da Prevenção Especial.

A terceira teoria penal tradicional é chamada de Teoria da Prevenção

Geral. O objeto da Teoria da Prevenção Geral não é o indivíduo delinqüente, nem,

tampouco, o alinhamento da pena à retribuição. Ela se volta aos efeitos da pena na

sociedade, isto é, como a pena atua genericamente na comunidade (genérico em

oposição a especial ou individual).

Do ponto de vista da Teoria da Prevenção Geral, o mecanismo da pena está

calcado na ameaça. Há um componente psicológico importante, que é o juízo sobre

o pesado custo da obtenção dos intentos com condutas delituosas. Confrontados

com insustentáveis dissabores, os ímpetos para a prática de atividades ilegais

arrefecem.

Uma das principais vantagens da Teoria de Prevenção Geral é se voltar à

prevenção da prática dos delitos ao mesmo tempo em que reforça a segurança, a

confiança e a fé no Direito Penal. Vale dizer, a pena se torna mecanismo de garantia

do próprio Direito Penal.

Nesse sentido, Günther Jakobs faz observação muito interessante acerca

da função da imputação como delito, apoiado na Teoria dos Sistemas de Niklas

Luhmann. Segundo concebe, o papel da imputação penal-criminal é reforçar a

expectativa dos sujeitos em relação à observância das normas violadas, no sentido

de que a pontualidade da conduta tida por ilícita não irá retirar a validade ou a

aplicabilidade das normas violadas. Dito de outro modo, o direito penal assegura que

as normas violadas continuarão estabilizando expectativas e permanecerão válidas

e aplicáveis, independentemente de violações ou inobservâncias específicas. Para

Günther Jakobs, o direito penal não assegura a inexistência de violações ou que

ninguém irá violar as normas de conduta ligadas às normas penais-criminais.

Diz aquele autor301, textualmente, que:

Pois bem, a imputação como delito tem precisamente a finalidade de determinar, ou, de moto mais exato, de definir a causa de um conflito por meio da identificação de quem causou o resultado (comissão) ou de quem não evitou a produção do resultado (omissão), já que ao destinatário da

300

Derecho Penal, op. cit., p. 89. 301

JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução de André Luís Calegari. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 91.

122

imputação, nos casos em que a imputação é plena, não é permitido recorrer à possibilidade – que está sempre presente – de realizar um ulterior regresso à gênese de sua vontade, por exemplo, no desenvolvimento de sua socialização. A imputação enquanto delito serve para estabelecer uma garantia segura a respeito do comportamento de outras pessoas, “segura” no sentido de que, apesar da defraudação, do conflito, não é necessário abandonar a expectativa de que sejam produzidos comportamentos que não defraudem, e isso supõe que a expectativa de comportamento está “estabilizada” contrafaticamente. Essa estabilização tem lugar mediante a imputação, enquanto definição de “causa” relevante do conflito, ao passo que a pena funciona como símbolo da seriedade da definição, e em todo caso opera de maneira indireta como meio de prevenção em sentido habitual.

Logo, o Direito Penal tem como uma de suas funções manter as

expectativas normativas acerca de sua validade e existência, evitando que tais

expectativas se tornem definitivamente contráticas.

Para Roxin, contudo, a Teoria de Prevenção Geral comunga com a Teoria

da Prevenção Especial o defeito consistente na ausência de parâmetros para a

limitação da pena. A idéia de que penas exasperadas geram intimidação maior pode

conduzir à situação de “terror estatal”.

Roxin trabalha, ainda, com a conjugação das teorias tradicionais para a

formulação de novas teorias. Tal exame, contudo, escapa ao âmbito desta

investigação.

2.3.3.2.4 Responsabilidade dos sócios e administradores perante os demais sócios

e a pessoa jurídica

A administração de uma pessoa jurídica passa por uma série de

diferenciações programáticas302, determinadas pelo sistema jurídico e por outros

sistemas com os quais o sistema jurídico mantém acoplamentos estruturais. A

tomada de decisões e a execução de atos em nome da empresa303, em quaisquer

302

Evitamos o uso da palavra “funcionais” para afastar possível dubiedade em relação ao conceito de “diferenciação funcional” proposto por Niklas Luhmann. 303

Pontes de Miranda apontava que os órgãos que compõem a pessoa jurídica com ela não mantêm nenhuma espécie de relação de representação. Dizia (Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 1999. Tomo I, p. 351): “Os órgãos exprimem vontade, ou exprimem conhecimento, ou sentimento; os órgãos que exprimem vontade são os que dirigem, ou resolvem, internamente, ou praticam atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos; os atos-fatos jurídicos podem ser praticados por outros, conforme os estatutos. Quanto à natureza do órgão, é de afastar-se (a) que seja representante, e a teoria que o sustentou invocava o direito romano que nunca disso cogitou, nem tinha a nossa concepção de representação. (b) Órgão é órgão, não é representante voluntário, nem legal: a personalidade do membro do órgão, ou do membro único, não aparece, não se leva em conta, o que não ocorreria se de representação se tratasse; o órgão atua e recebe, como o braço, a

123

dos órgãos que compõem a pessoa ficta, estão sujeitas a eventual violação de

normas de conduta estabelecidas pela lei ou pelos mecanismos que levam à

constituição e à formação da pessoa jurídica. Os administradores possuem deveres

fiduciários, que lhes são depositados pelos sócios ou acionistas.

É possível ainda conceber a existência de conflitos de interesse entre

agentes que atuam na formação da conduta de uma mesma pessoa jurídica. O

administrador, sócio ou não, pode empregar os meios que lhe foram colocados à

disposição para atender objetivo totalmente diverso daquele de que foi incumbido.

Embora de ponto de vista mais distante tais violações sejam imputáveis à

própria pessoa jurídica, é possível identificar quais agentes agiram na formação do

dissenso ou da conduta anômala, se a própria estrutura da empresa for tomada

como referencial.

O sistema jurídico brasileiro possui instrumentos que permitem o controle

dos atos praticados por sócios e administradores, deles protegendo a pessoa

jurídica e seus demais agentes.

São exemplos de tais mecanismos a responsabilidade atribuída ao acionista

controlador (art. 117 da Lei 6.404/1976)304, a responsabilidade atribuída ao

administrador (art. 158 da Lei 6.404/1976)305, a atribuição de responsabilidade aos

administradores de sociedades empresárias (arts. 1.013, § 2º306, 1.016307 e 1.017308

do Código Civil), o direito de o sócio de sociedade empresária examinar os

documentos contábeis da sociedade e o dever de prestação de contas imposto ao

administrador (arts. 1.020 e 1.021 do Código Civil) e o direito de fiscalização

mão, a boca ou os ouvidos humanos; o ato e a receptividade são da pessoa jurídica (F. Ragelsberger, Pandekten, I, 323), porque resulta da sua organização constitucional, do seu ato constitutivo, ou dos estatutos, no que órgão se distingue de empregado (E. Rhomberg, Köperschaftliches Verschulden, 22).” 304

“Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. [...]”. 305

“Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto. [...]” 306

“Art. 1.013. [...] § 2º Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria.” 307

“Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.” 308

“Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação.”

124

atribuído ao Conselho Fiscal de Sociedades por Ações (art. 163, I, da Lei

6.404/1976).

O Decreto-Lei 2.627/1940, que dispunha sobre as Sociedades por Ações, já

veiculava norma de responsabilização dos administradores pelos danos causados

por atos praticados com culpa ou dolo, se pertinentes às atribuições deles, ou se

resultassem em violação da lei ou dos estatutos, em qualquer caso:

Art. 121. Os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão. § 1º Respondem, porém, civilmente, pelos prejuízos que causarem, quando procederem: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou dos estatutos. § 2º Quando os estatutos criarem qualquer órgão com funções técnicas ou destinado a orientar ou aconselhar os diretores, a responsabilidade civil de seus membros apurar-se-á na conformidade das regras deste capítulo.

309

Portanto, a racionalidade subjacente à responsabilização de sócios e

administradores se alinha à proteção dos demais sócios e da própria pessoa

jurídica. Um dos elementos utilizados para caracterizar as condutas que levam à

responsabilização individual do sócio ou administrador é examinado pela doutrina

que se convencionou chamar Teoria dos Atos Ultra Vires.

2.3.3.2.5 Teoria dos atos ultra vires e suas limitações

A atuação das pessoas jurídicas é pautada pelo quanto disposto em seus

atos constitutivos, como o contrato social e os estatutos310. A escolha do campo de

atividade empresarial, chamado de “objeto social”, deve ser expressa311.

O desenvolvimento das atividades tendentes à consecução do objeto social

depende da conduta das pessoas que administram a pessoa jurídica,

representando-a perante a sociedade. Novamente, a atribuição de competência para

gerir a pessoa jurídica, com a demarcação específica de aptidões para cada

309

O art. 121 do Decreto-Lei 2.627/1940 foi revogado pela Lei 6.404/1976. 310

Sem prejuízo de outras normas, localizadas a partir de outros veículos introdutores. 311

Cf. art. 52, III, b, do Decreto 1.800/1996: “Art. 52. Não podem ser arquivados: (III) os atos constitutivos e os de transformação de sociedades mercantis, se deles não constarem os seguintes requisitos, além de outros exigidos em lei: (b) a declaração precisa e detalhada do objeto social”.

125

administrador, é definida nos diversos documentos de constituição e existência da

sociedade.

Diante de tal cenário, concebe-se a possibilidade de a pessoa jurídica

praticar ato ou negócio jurídico alheios ao seu objeto social, em conduta atribuída a

um ou mais administradores. Em outras palavras, o desvio de finalidade da

administração é cenário contingente no cotidiano empresarial.

A dissociação entre a atividade empresarial e os parâmetros postos em seus

atos constitutivos tem o potencial para causar violações de duas ordens. Na

primeira, a atuação rebelde do administrador põe em risco o interesse dos sócios ou

acionistas, na medida em que conduz a atividade empresarial para áreas não

previstas e que podem estar fora do alcance dos meios e recursos da sociedade. A

segunda ordem de violações se caracteriza pelo descolamento entre as

salvaguardas asseguradas pela limitação da responsabilidade dos sócios ou

acionistas e a finalidade de tais mecanismos. Com efeito, a personificação fictícia,

jungida a patrimônio próprio e a conseqüente limitação da responsabilidade dos

sócios ou acionistas têm como objetivo incentivar a atividade econômica. A

personalidade jurídica não se presta a preservar atividade que não coincide com o

escopo eleito para pautar a atuação da pessoa jurídica.

As diversas formulações da Teoria dos Atos Ultra Vires (ultra vires

doctrine) buscam dar resposta ao desvio de finalidade imputável à administração da

pessoa jurídica. Desenvolvida inicialmente pela experiência jurisdicional britânica312

e norte-americana313, a Teoria dos Atos Ultra Vires tem como dogma a nulidade de

qualquer ato praticado pelo administrador, em nome da empresa, que desvirtue o

objeto social ou nele não encontre fundamento de validade.

As variantes mais rigorosas da Teoria dos Atos Ultra Vires trazem alguns

desafios, como aponta Fabio Ulhoa Coelho314. Entre eles está o enrijecimento das

relações da pessoa jurídica, com o condicionamento negativo da expectativa dos

312

Cf. COELHO, Fabio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 67. 313

Lê-se em antigo periódico norte-americano (Ultra Vires. The Central Law Journal. Saint Louis (EUA), p. 3, 1878). “The doctrine [ultra vires] was announced from the bench in America much sooner than in England, and the view of it was at first adopted there. As first announced, it was drawn from the artificial nature of corporations, being based upon the supposed axiom, that, as a corporation is an artificial creature of the law, it has no existence except for the purposes for which it was created. Hence, an act by the directors of the corporation, though done with the consent of all stockholders, if not within the purposes for which it was created, was held not the act of the corporation, and therefore not binding on it”. 314

Idem, ibidem.

126

sujeitos que com ela desejam contratar. Dado o risco de invalidação do negócio, é

compreensível que a contratação somente ocorra se a pertinência entre sua

materialidade e o objeto social for conspícua315. Para contornar pragmaticamente os

obstáculos erigidos pela interpretação inflexível do dogma da nulidade, as pessoas

jurídicas poderiam passar a adotar extensas listas de atividades para compor o

respectivo objeto social, circunstância que nega a própria função do registro de tal

elemento do ato constitutivo.

Ao discorrer sobre a aplicação da Business Judgement Rule na fixação das

responsabilidade dos administradores de Sociedades por Ações, Alexandre Couto

Silva316 expõe a limitação da teoria ultra vires na experiência norte-americana

contemporânea:

A moderna doutrina ultra vires desenvolveu-se do ponto de vista de considerar nula a transação em que a sociedade ou administrador não tinha poderes para entrar na transação, o que causava resultados indesejáveis à atividade empresarial. Em visão mais moderna, esses atos passaram simplesmente a ser anuláveis. A companhia era constituída somente para propósitos delimitados. Entretanto, essa visão não era realista, o que permitia à companhia se beneficiar de contratos e recusar a realizar determinadas obrigações com base em contratos ultra vires. Entretanto, apesar de nulidade de atos em vários casos, a maioria dos tribunais norte-americanos adotou a posição de que os atos são anuláveis, e não nulos. A teoria continua baseada na noção de que a companhia possui objeto social delimitado, bem como poderes, em vez de definir defesas para os atos ultra vires.

No Direito norte-americano, nenhum ato da companhia ou a validade desses atos pode ser questionado com base no fato de a companhia ou administrador não ter poderes para prática desse ato, conforme estabelecido na seção § 3.04(a) do RMBCA de 1984.

Fábio Ulhoa Coelho317 registra as limitações da Teoria dos Atos Ultra Vires

na experiência brasileira com as seguintes palavras:

Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o direito brasileiro não havia adotado a ultra vires doctrine (nem mesmo quando ela gozava de prestígio nos países em que se criou e difundiu). Embora nossa doutrina do início do século XX lecionasse que os administradores de sociedade anônima, contratando atos estranhos às finalidades da companhia, obrigavam-se pessoalmente e não vinculavam a pessoa jurídica, de modo geral, os problemas relacionados à extrapolação dos limites do objeto social sempre fora, e ainda têm sido, examinados à luz da teoria da aparência,

315

O exemplo foi adaptado da narrativa de Fábio Ulhoa Coelho sobre o desenvolvimento da Teoria Ultra Vires no direito inglês (Ibidem). 316

SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S.A. Business Judgment Rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 120. 317

A sociedade limitada no novo Código Civil, p. 69.

127

com vistas à proteção dos interesses dos terceiros de boa-fé que contratam com sociedades. Da teoria inglesa, apenas a responsabilização, em regresso, dos administradores pela prática da extravagância entusiasma, por vezes, a tecnologia jurídica brasileira.

Com a vigência do Código Civil de 2002, porém, o direito nacional passa a contemplar, no capítulo atinente às sociedades simples, norma claramente inspirada na ultra vires doctrine, de acordo com a qual a prática de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade pode ser oposta ao credor como excesso de poderes do administrador (art. 1.015, parágrafo único, III). Desse modo, a exemplo do direito argentino, o brasileiro prestigia uma solução intermediária entre a adoção e a rejeição da doutrina. Em conseqüência, quando a sociedade limitada tem por diploma de regência supletiva o capítulo do Código Civil de 2002 referente às sociedades simples, a vinculação da pessoa jurídica a atos praticados em seu nome não se verifica em operações evidentemente estranhas ao objeto social. (Grifos do autor.)

Os fundamentos estabelecidos pelas várias encarnações da Teoria dos Atos

Ultra Vires se provam inadequados para a construção de modelo de atribuição de

responsabilidade tributária. A proteção dos interesses dos sócios, dos acionistas ou

da própria sociedade e a preservação da expectativa de terceiros que contratem

com a pessoa jurídica ignora a relação mantida entre o sujeito ativo e o sujeito

passivo. Tomado o exercício de ato com excesso de poderes ou infração dos atos

constitutivos da empresa e que implique em negócio jurídico, o Fisco não se

confunde com os sócios nem com o terceiro contratante ou contratado. O interesse

do sujeito ativo também não se reduz à expectativa dos sócios (proteger o

investimento) ou do terceiro contratante ou contratado (ver cumprido o negócio

jurídico).

A atenção do sujeito ativo se volta, na verdade, à eficácia social do crédito

tributário, com o recolhimento da quantia devida. A motivação que leva à

constituição do crédito tributário é a incidência da regra-matriz tributária, que torna

um fato jurídico. A princípio, a juridicização do fato, tornando-o relevante para o

Direito Tributário (fato jurídico tributário), independe da caracterização desse mesmo

fato, ou de circunstâncias que lhe são subjacentes, perante normas jurídicas

dissociadas da tributação.

A prática de ato que desborde do quinhão alocado ao administrador pelo

estatuto ou pelo contrato social não causa, tão-somente por si, lesão alguma ao

sujeito ativo. O Fisco preocupa-se com a conduta do administrador que leve a

pessoa jurídica à insolvência (incapacidade de recolher os valores devidos a título

de tributo) ou à resistência obstinada e injustificável ao recolhimento dos valores

pertinentes ao crédito tributário (inadimplência contumaz). Ambos os cenários são

128

capazes de contrariar o legítimo interesse do sujeito ativo em ver a relação jurídica

tributária respeitada.

Em sentido diverso, a mera inobservância do quanto disposto nos atos

constitutivos da pessoa jurídica pode resultar em violação de dever que submete o

administrador à sociedade (o administrador está obrigado a observar os estatutos

ou o contrato social).

Dito de outro modo, a ocorrência do fato jurídico tributário é circunstância

objetiva, que somente dependerá de outros requisitos, estabelecidos por normas

jurídicas não-tributárias, na medida em que a norma tributária eleger

especificamente tais requisitos.

Em sentido semelhante dispõe o art. 118, I, do Código Tributário Nacional,

verbatim:

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; [...]

Assim, as normas de responsabilidade tributária não devem ser construídas

como mecanismos de proteção da pessoa jurídica, ou de seus sócios ou acionistas,

contra a prática de atos sem amparo no contrato social ou nos estatutos.

2.3.3.2.6 A racionalidade preponderante da atribuição de responsabilidade tributária

As normas que atribuem responsabilidade tributária operam como

mecanismos de salvaguarda do ciclo de incidência da regra-matriz e do crédito

tributário. O objetivo é afastar ou mitigar o risco de inadimplemento do crédito

tributário, que corresponde ao “dano” na estrutura arquetípica das normas de

responsabilidade civil.

O arrefecimento do risco de inadimplemento do crédito tributário é alcançado

com a escolha de outro sujeito de direito para suportar o pagamento de valor

equivalente ao valor do crédito tributário. Essa escolha pode atender a diversos

critérios extrajurídicos, como a maior capacidade econômica do responsável para

suportar o pagamento do valor correspondente ao crédito tributário.

129

Outras circunstâncias atinentes ao responsável, como o grau de organização

contábil e a concentração de determinado estágio de uma cadeia produtiva ou

econômica também são critérios que podem justificar a atribuição de

responsabilidade tributária. O custo da manutenção do aparato de fiscalização para

cadeias produtivas muito capilarizadas é alto, já que as autoridades fiscais são

obrigadas a manter recursos suficientes para lidar com um número muito grande de

contribuintes (e.g., bares e restaurantes, na cadeia produtiva de bebidas). Ademais,

a provável falta de organização dos registros societários e contábeis de tais

empresas pode demandar ainda mais tempo e recursos das autoridades fiscais. Há

perda de eficiência, dado que um número maior de recursos deve ser empregado

para a arrecadação de valores muito pequenos, se individualmente considerados.

Para aumentar a eficiência do aparato de arrecadação, as autoridades

fiscais concentram as atividades de fiscalização e arrecadação em pontos da cadeia

produtiva que concentram algumas operações praticadas por contribuintes que se

encontram pulverizados ao longo do mercado. Tomando o mesmo exemplo anterior,

há inúmeros bares e restaurantes dispostos no mercado de produção e

comercialização de bebidas. O grau de rigor na organização varia muito de

estabelecimento para estabelecimento. Por outro lado, o número de fabricantes e

distribuidores de bebidas é menor, e eles tendem a possuir registros mais

organizados e consistentes de suas operações. Assim, é mais eficiente fiscalizar e

arrecadar os valores relativos à tributação da cadeia de produção de bebidas a partir

dos fabricantes e distribuidores do que atuar individualmente em relação a cada

ponto de venda ao consumidor final.

Em sentido semelhante, a tributação com o Imposto sobre a Renda e

Proventos de Qualquer Natureza devido pela Pessoa Física (IRPF) se torna mais

eficiente se parte do aparato de fiscalização e arrecadação se volta aos elos da

cadeia que concentram o pagamento de valores (as “fontes de rendimentos”).

Novamente, as autoridades fiscais podem evitar a dispersão de recursos para

fiscalização individual, que retorna resultados isolados que podem não justificar o

custo de manutenção do aparato de fiscalização. Mesmo nas hipóteses em que a

fiscalização individualizada continua necessária (e essa é a regra), a atribuição de

responsabilidade tributária pode ser útil à identificação da riqueza transferida ao

contribuinte e posterior apuração do exato montante devido. A retenção de pequena

parcela dos valores transferidos permite que se identifique o valor total da

130

movimentação, como se dava com a Contribuição Provisória sobre Movimentação

Financeira (CPMF).

A atribuição de responsabilidade tributária também pode ser necessária nos

cenários marcados pela impossibilidade de o contribuinte arcar com o impacto

financeiro do valor do tributo, seja por insuficiência do patrimônio, seja em razão da

dificuldade de sua localização (e.g., sociedades dissolvidas irregularmente ou

inativas).

A propósito do tema, diz Maria Rita Ferragut318:

A causa mais difundida para a criação das normas de responsabilidade é a arrecadatória. Alega-se que, por razões de conveniência e necessidade, a lei elege um terceiro para ser o responsável pelo pagamento do tributo, em caráter pessoal, subsidiário ou solidário. Este terceiro necessariamente não é o contribuinte (pois, se fosse, não seria “terceiro”), e deve encontrar-se indiretamente vinculado ao fato jurídico tributário ou direta ou indiretamente à pessoa que o realizou.

Temos, assim, a conveniência, pois é mais eficaz e menos oneroso para o Fisco fiscalizar apenas um sujeito do que milhares de contribuintes.

[...] Temos, ademais, a necessidade, pois, em certas situações, o

sujeito passivo originário desaparece, como nos casos da sociedade incorporado ou da pessoa física que falece.

Aquela autora identifica, ainda, uma segunda “causa” ou viés de

racionalidade para construção do sentido das normas que atribuem responsabilidade

tributária. Entende que as normas de responsabilidade tributária serão

sancionatórias nas hipóteses em que houver prejuízo dos interesses do Fisco ou de

terceiros.

Não obstante, entendemos que a racionalidade preponderante da atribuição

de responsabilidade tributária é o aumento da probabilidade de eficácia social do

crédito tributário contra a possibilidade de inadimplemento, conquanto seja possível

identificar traços punitivos em alguns dos enunciados de direito positivo necessários

à reconstrução das normas que atribuem responsabilidade tributária. Tampouco a

responsabilidade tributária deve operar como instrumento de proteção da pessoa

jurídica ou dos demais sócios, como a assustadora proximidade entre os textos do

art. 135 do Código Tributário Nacional e do art. 121 do Decreto-Lei 2.627/1940

sugerem.

318

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 52.

131

Dito de outro modo, eventual função punitiva da norma de responsabilidade

tributária não pode ser construída de maneira a negar ou diminuir a eficiência do

instrumento voltado ao combate à falta de pagamento do valor do crédito tributário.

Se assim fosse admitido, a própria racionalidade das normas de responsabilidade

tributária restaria violada.

Releva notar que o prejuízo dos interesses do sujeito ativo, no que concerne

à responsabilidade tributária, tange a impossibilidade de pagamento do crédito

tributário. A conduta digna de nota para a construção do conceito de ilícito pertinente

à responsabilidade tributária é aquela que frustra a pretensão do credor de ver a

relação jurídica solvida com o pagamento dos valores devidos. Diversas são as

formas com as quais tais condutas se podem revestir, passando pela fraude,

falsidade ideológica, redução deliberada ou acidental da pessoa jurídica à situação

de insolvência etc. Muitas dessas condutas são punidas no âmbito criminal319.

Concebemos, então, que as racionalidades próprias da responsabilidade dos

sócios e administradores perante a pessoa jurídica (proteção dos demais sócios e

da empresa) e da responsabilidade penal-criminal devem receder à racionalidade da

atribuição de responsabilidade tributária, consistente na garantia de eficácia social

do crédito tributário.

Certamente, a eficiência do aparato de fiscalização e arrecadação não induz

à liberdade irrestrita do legislador para salvaguardar a máxima eficácia do crédito

tributário. O legislador continua adstrito aos limites que lhe são impostos pelo

sistema jurídico. O que se busca apontar é que, posto que existentes parâmetros de

controle, o intérprete não deve permitir que constatações próprias às normas de

responsabilidade civil ou penal-criminal aniquilem a função ou a “causa” primordial

das normas de responsabilidade tributária.

2.3.3.3 Elementos para a Formação do Sentido de “Responsabilidade” em Normas

de Direito Civil

2.3.3.3.1 Elementos comuns

319

Cf., e.g., a Lei 8.137/1990, arts. 1º e 2º.

132

Em exame inicial das normas de responsabilidade civil, a doutrina costuma

identificar alguns elementos comuns pertencentes à compostura de tais normas. Em

primeiro lugar, há a necessidade de identificação de um dano, cuja comprovação

pode demandar produção probatória ou ser presumida. O dano vem secundado pelo

nexo de causalidade, que indica a relação entre o primeiro e a conduta atribuída ao

agente. José de Aguiar Dias320 identifica ainda dois outros princípios aplicáveis a

todas as normas de responsabilidade civil, consistentes na ausência de

responsabilidade nas hipóteses de força maior ou exclusiva culpa, e a circunstância

de as autorizações judiciárias ou administrativas não constituírem hipótese de

exoneração de responsabilidade.

No modelo sugerido por Pablo Larrañaga321, entendemos que tais

elementos se inserem na formação das regras de responsabilidade. O conteúdo

semântico é definido pelo próprio sistema (e.g., qual é a intensidade da relação entre

a conduta do agente e o resultado danoso necessária para reconhecimento do nexo

causal).

2.3.3.3.2 Responsabilidade subjetiva ou por culpa

Nos modelos de atribuição de responsabilidade civil subjetiva, exsurge a

culpa como critério normativo. Ao examinar o art. 159 do Código Civil de 1916 (Lei

3.701/1916), Alvino Lima322 reconhece a teoria da culpa como “princípio genérico

regulador da responsabilidade extracontratual”323. Contudo, o Sistema Jurídico

Brasileiro contemporâneo comporta o modelo da responsabilidade por culpa sem

excluir o modelo de atribuição de responsabilidade por resultado (responsabilidade

objetiva)324.

A bibliografia disponível sobre a evolução dos modelos de responsabilidade

por culpa é vasta, e não calha reproduzi-la no âmbito desta investigação. Não

obstante, é oportuno notar que a inserção do critério “culpa” na formação das

320

Da responsabilidade civil, op. cit., p. 131. 321

Op. cit. 322

LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed., rev. e at. por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 279 323

Cf., em sentido semelhante, DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, op. cit., p. 564. 324

Cf. arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Em especial, esta é a redação do parágrafo único do art. 927: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

133

normas de responsabilidade civil parece ser tentativa de reproduzir no sistema

jurídico circunstâncias anímico-psíquicas pertinentes ao sujeito, como forma de

justificar extrajuridicamente325 a imposição da obrigação.

Segundo José de Aguiar Dias326, a noção de culpa se desdobra nas idéias

de dolo, que é a vontade preordenada a prejudicar, e de “simples negligência

(negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a

culpa em sentido estrito e rigorosamente técnico”.

Diz Arnaldo Rizzardo327:

Sabe-se que a culpa no sentido estrito equivale à ação ou omissão involuntária que causa danos, e que se dá por negligência ou imprudência, no que se expande em sentidos equivalentes, como descuido, imperícia, distração, indolência, desatenção e leviandade. No sentido lato, abrange o dolo, isto é, a ação ou omissão voluntária pretendida, procurada, almejada, que também traz danos.

Para Alvino Lima328, “culpa é um erro de conduta, moralmente imputável ao

agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias

de fato”. Aquele autor também examina a noção de culpa com base no parâmetro

para mensuração. Por culpa in abstrato entende o erro de conduta que é aferido a

partir de padrões hipotéticos, consistentes naquilo que se espera hipoteticamente de

uma pessoa diligente. Por culpa in concreto concebe o exame das circunstâncias da

conduta do agente com base em parâmetros específicos, pertinentes à realidade do

próprio sujeito329. Conquanto adote a noção de culpa in abstrato, Alvino Lima330

reconhece que o modelo não é absoluto:

No sentido de se desprezarem, por completo, certas circunstâncias de tempo, meio, classe social usos e costume, hábitos sociais, visto como o tipo abstrato de comparação não pode ser uma pura abstração, como diz De Page. Elementos concretos são tomados em consideração, colocando-

325

Luiz da Cunha Gonçalves, debruçado sobre o os arts. 2.261 a 2.366 do Código Civil português, converge diversas opiniões à noção de moral, dizendo que (Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil português. Coimbra: Coimbra, 1937, v. XII, p. 358): “Na verdade, afirmam esses jurisconsultos que a culpa é elemento capital, o fundamento exclusivo da responsabilidade civil, isto é, para haver responsabilidade civil é essencial que o facto causador do dano de outrem seja moralmente imputável a determinada pessoa, isto é, tenha origem na sua vontade, na sua actividade consciente. [...] porque a idéia de culpa é inseparável da de responsabilidade moral”. 326

Op. cit., p. 134. 327

Responsabilidade civil: Lei 10.406, de 10/01/2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 28. 328

Culpa e risco, op. cit., p. 69. 329

Culpa e risco, op. cit, p. 57. 330

Culpa e risco, op. cit., p. 60.

134

se o tipo de comparação nas mesmas condições em que se encontra o autor do ato ilícito, ou seja, em face de uma realidade concreta.

2.3.3.3.3 Responsabilidade objetiva, por resultado ou sem culpa

Os modelos de atribuição de responsabilidade objetiva prescindem da culpa

como critério normativo. O móvel principal da reparação é o dano, o desequilíbrio

experimentado pelo sujeito de direito em razão de uma conduta atribuível a outro

sujeito de direito.

Alvino Lima331 justifica a elaboração da doutrina da responsabilidade

objetiva com as seguintes palavras:

Ao lado desses fatores de ordem material e social, fatores morais vieram influenciar no surto do movimento inovador. O crescente número de vítimas sofrendo as conseqüências das atividades do homem, dia a dia mais intensas, no afã de conquistar proventos; o desequilíbrio flagrante entre os “criadores de risco” poderosos e as suas vítimas; os princípios da eqüidade que se revoltavam contra esta fatalidade jurídica de se impor à vítima inocente, não criadora do fato, o peso excessivo do dano muitas vezes decorrente da atividade exclusiva do agente, vieram-se unir aos demais fatores, fazendo explodir intenso, demolidor, o movimento das novas idéias, que fundamentam a responsabilidade extracontratual tão-somente na relação de causalidade entre o dano e o fato gerador.

A responsabilidade deve surgir exclusivamente do fato, considerando-se a culpa um resquício da confusão primitiva entre a responsabilidade civil e a penal. O que se deve ter em vista é a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano e não a idéia de infligir uma pena ao autor do prejuízo causado. Os dados econômicos modernos determinam a responsabilidade fundada sobre a lei econômica da “causalidade entre o proveito e o risco”.

A racionalidade que pauta a responsabilidade objetiva fundamenta-se em

alguns pontos. Entre eles está a necessidade de reparação do dano (indenização

da vítima que não concorreu para o prejuízo). A violação do patrimônio independe

da condição psíquica do ofensor. Há, também, o princípio da correspondência

entre o risco e a vantagem332, que ampara a responsabilidade objetiva no interesse

mantido pelo responsável por aqueles que se beneficiam da atividade que induz à

lesão. Por seu turno, o princípio do risco extraordinário toma por pressupostos a

alta tendência de ocorrência do dano, o grande potencial lesivo ou o

331

Culpa e risco, op. cit., p. 117. 332

Cf. PÜSCHEL, Flávia. Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil e o art. 927, § único do Código Civil. Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 91-107, 2005.

135

“desconhecimento do potencial danoso da situação ou atividade regulada”333.

Indaga-se sobre a pessoa que exerceu a atividade que resultou em dano segundo o

princípio da causa (relação de causalidade física). Diz-se que o princípio da

prevenção orienta a eleição do responsável em função da capacidade do sujeito

para conter as situações que levam ao dano, adotando medidas profiláticas que

reduzem a probabilidade de prejuízos. Por fim, quanto ao princípio da distribuição

dos danos, o critério a ser levado em consideração é a aptidão do sujeito para

distribuir a expressão econômica dos danos e, com isso, desconcentrar ou diluir a

carga aferente334.

Em aparente paradoxo, a racionalidade subjacente à atribuição objetiva de

responsabilidade civil aproxima-se dos parâmetros utilizados para a

responsabilização tributária.

A responsabilidade tributária se justifica pela necessidade de salvaguarda da

eficácia social do crédito tributário contra o inadimplemento ou a insolvência,

voluntária ou acidental, do contribuinte. Não há necessidade de indicar

aprioristicamente qualquer nexo psíquico entre o responsável e o critério objetivo

que é eleito para compor o antecedente da norma de responsabilidade.

Usualmente, é a capacidade do responsável para controlar as situações de risco que

orienta a escolha de quem será chamado para garantir o pagamento do valor do

crédito tributário. A capacidade se manifesta nas hipóteses em que é permitido ao

responsável intervir na conduta do contribuinte, como ocorre nas situações

marcadas pelo pátrio poder ou quando parte da riqueza destinada ao contribuinte

transita ao alcance de retenção do responsável.

Há, portanto, uma série de pontos de contato entre a racionalidade da

atribuição de responsabilidade tributária e os fundamentos da responsabilidade civil

sem culpa.

Por outro lado, nem sempre haverá uma relação densa de causalidade entre

a conduta do responsável e o dano que se quer evitar, que é o não-pagamento do

valor do tributo. No caso em que há a substituição tributária ou a obrigação de

retenção de valores pela fonte pagadora, por exemplo, não se pode assumir de

antemão nenhuma conduta por parte do responsável que implique ou contribua para

333

PÜSCHEL, Flávia. Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil e o art. 927, § único do Código Civil, p. 98. 334

Flávia Püschel registra, ainda, o princípio da eqüidade. Não aludiremos ao ponto, contudo. Op. cit., p. 99.

136

eventual insolvência ou inadimplemento do contribuinte. Do ponto de vista da

racionalidade tributária, a utilidade do responsável, medida em termos de sua

capacidade para auxiliar o Fisco na prevenção contra o não-pagamento do valor do

tributo, tem precedência sobre quaisquer indagações acerca da relação entre a

conduta do responsável e o inadimplemento.

Como veremos, será necessário dar às normas arrimadas na essência da

responsabilidade objetiva interpretação conforme a Constituição para eliminar o

paradoxo. Intuímos que a capacidade contributiva é mecanismo de pouca utilidade

no controle da atribuição da responsabilidade tributária e que a proporcionalidade e

a razoabilidade, juntamente com outros elementos de pauta, são mais adequados ao

propósito.

2.3.3.4 Modelo Sugerido: Estrutura Normativa

2.3.3.4.1 O pressuposto universal: o ciclo válido de incidência da regra-matriz

As normas que atribuem responsabilidade tributária constituem salvaguardas

da máxima efetividade do crédito tributário, pois diminuem o risco de

inadimplemento ou insolvência ao elegerem novos sujeitos para obrigar ao

pagamento de valor equivalente à quantia devida a título de tributo.

Por tal razão, as normas de responsabilidade tributária devem supor ou

pressupor a existência de ao menos uma instância válida do ciclo de incidência da

regra-matriz cuja eficácia visam garantir (ou ciclo de aplicação).

É desnecessário que o ciclo de incidência compreenda a constituição do

crédito tributário, isto é, a ejeção de norma individual e concreta que tenha por

sujeito passivo o contribuinte335. O requisito não se satisfaz necessariamente com

comunicação ou linguagem que objetive constituir o crédito tributário ou fazer com

que a regra-matriz incida. A referência normativa pode limitar-se à emulação,

registrando a existência da norma e sua eficácia técnica e jurídica. Basta a

constatação de existência e validade da regra-matriz, e de sua virtual incidência.

Decorrem duas implicações importantes da proposta. Em primeiro lugar, se

não houver regra-matriz, a norma for inválida ou não houver eficácia jurídica ou

técnica a ela relacionada, não haverá o que assegurar. Logo, faltará à norma de

335

Cf. FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 35-37.

137

responsabilidade um de seus critérios. Em segundo lugar, a circunstância legitima o

responsável a questionar a validade da própria regra-matriz e sua eficácia técnica e

legislativa.

Por exemplo, se a norma que institui o Imposto sobre Propriedade Territorial

e Urbana (IPTU) for inválida por violação dos parâmetros constitucionais que

permitem a adoção da progressividade, eventual norma que eleja o locatário como

responsável não poderá incidir por inexistência de suporte fático que se subsuma a

um de seus critérios.

De forma semelhante, se a regra-matriz do IPTU não puder incidir em razão

do reconhecimento da perda do direito à constituição do crédito tributário

(decadência), a norma de responsabilidade também não poderá incidir.

Algumas decisões judiciais constroem a regra-matriz do Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de forma a excluir as operações de

importação de bens por pessoas físicas, usualmente com base em dois argumentos

(ambos questionáveis): violação da não-cumulatividade e descaracterização do bem

como mercadoria e da operação como comercial ou mercantil. Se o fato jurídico da

importação de bem não é operação de circulação de mercadoria, então também não

há incidência do ICMS, e, portanto, também não deve incidir eventual norma de

responsabilidade.

Em síntese, a inexistência ou a invalidade da regra-matriz de incidência

tributária, ou sua incapacidade para ser aplicada e incidir (pois o fato jurídico

tributário não ocorreu, ou, se ocorreu qualquer fato jurídico, ele não se subsume ao

descritor da regra-matriz), implicam a impossibilidade de a norma de

responsabilidade incidir.

Quanto à estrutura, o antecedente do arquétipo da norma de

responsabilidade emula virtualmente o ciclo de incidência de uma regra-matriz de

incidência tributária, colhendo os dados da respectiva norma que já existe no

sistema jurídico em exame.

Em estudos anteriores336, argumentamos que a norma que atribuía

responsabilidade tributária faria menção ao fato jurídico tributário, copiando sua

compostura do antecedente da regra-matriz de incidência tributária ou do

336

Estudos desenvolvidos durante as aulas de Direito Tributário I, no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e que foram condensados em monografia entregue como condição parcial para obtenção de créditos.

138

antecedente de norma individual e concreta que resultasse da aplicação da regra-

matriz. Contudo, o emprego do fato jurídico tributário na arquitetura do antecedente

da norma de responsabilidade é inadequado para descrever o fenômeno da

atribuição de responsabilidade tributária, pois é possível conceber a interrupção do

ciclo de aplicação da regra-matriz ainda que reconhecida a existência do fato jurídico

tributário.

Ademais, a norma de responsabilidade não toma o fato jurídico tributário

como critério para seu antecedente. A previsão do ciclo de incidência é virtual, pois

não há necessidade de positivação da relação jurídica tributária por nenhum

procedimento que lhe seja exclusivo (lançamento ou outra forma de constituição do

crédito tributário).

Ao ciclo de incidência da regra-matriz serão adicionados outros critérios que

estabelecerão as condições para que se reconheça a imputação de

responsabilidade. Considerado o arquétipo normativo, não há limites ontológicos à

eleição dos critérios, que podem abranger vasta gama de fatos possíveis, como a

inadimplência; a insolvência; a morte (sucessão hereditária); a desconstituição,

incorporação, fusão ou cisão de pessoa jurídica; a prática de atos em desacordo

com a lei, o contrato social ou os estatutos etc.

Em linguagem formalizada, o antecedente da norma de atribuição de

responsabilidade tributária assume a seguinte estrutura básica:

(Ciclrmit . c´ . c´´)

Onde:

Ciclrmit corresponde ao ciclo emulado da regra-matriz de incidência tributária;

c´, c´´ correspondem às diversas condições que são estabelecidas como critérios de

aplicação da norma de responsabilidade tributária;

. é o operador de conjunção aditiva.

O critério “ciclo de aplicação ou incidência da regra-matriz” pode assumir

três feições ou atender a três universos possíveis. Ele pode ser construído como

expectativa ou tendência de aplicação da regra-matriz, antecipando sua incidência.

Vale dizer, pressupõe-se que haverá a incidência da regra-matriz. A segunda feição

diz respeito à suposição de incidência contemporânea da regra-matriz, isto é,

assume-se que a incidência da regra-matriz deveria dar-se no mesmo momento em

que há a incidência da norma de responsabilidade. Por fim, o critério pode referir-se

139

ao ciclo de incidência da regra-matriz que já ocorreu ou que deveria ter ocorrido,

pois o fato jurídico tributário se localiza em coordenadas pretéritas às positivadas no

critério temporal da norma de responsabilidade.

No primeiro cenário, a norma de responsabilidade incide antes da incidência

da norma que institui o tributo ou do momento em que ela deveria incidir. No

segundo cenário, a norma de responsabilidade incide no mesmo momento em que

regra-matriz incide ou poderia incidir. No terceiro cenário, a regra-matriz já incidiu ou

poderia ter incidido (mas não o foi por falta de linguagem competente – ato de

aplicação) no momento em que a norma de responsabilidade incide.

O critério consistente na previsão de incidência da regra-matiz com a

fórmula (D – 1). (D – 0) indicará o critério que estabelece a incidência da norma de

responsabilidade ao mesmo tempo em que incide ou incidiria a regra-matriz. Por fim,

(D + 1) referir-se-á à incidência da norma de responsabilidade após o momento em

que incidiu ou deveria ter incidido a norma que instituiu o tributo.

A norma de atribuição de responsabilidade assume estrutura diferente no

fenômeno da sujeição passiva tributária por antecipação do fato jurídico tributário

(“substituição tributária para frente”), com profunda mudança na forma de construção

do ciclo de incidência da regra-matriz. Essa diferença será mais bem examinada no

tópico 3.8.

É possível conceber que a resposta à pergunta “X é responsável tributário

pelo pagamento de Y” dependa do exame de outras normas além do que estamos

chamando de “norma de atribuição de responsabilidade tributária”. Com efeito, a

norma de atribuição de responsabilidade tributária pode fazer parte de um grupo de

normas em sentido amplo, cujo exame e aplicação são necessários para que se

constitua a obrigação do responsável. Tais normas dirão respeito, por exemplo, à

capacidade do responsável e às circunstâncias especiais que impedem a aplicação

da norma de responsabilidade (e.g., impossibilidade ou o desproporcional custo de

observar certa conduta necessária à configuração da responsabilidade).

Por essa razão, aproximamo-nos do modelo construído por Pablo

Larrañaga337, com base no trabalho de H. L. A. Hart, para descrever a existência de

um conjunto de normas (ou regras) de responsabilidade. Seguindo modelo

337

Vide supra, tópico 2.3.3.2.1.

140

semelhante, mas com imensurável liberdade, reconhecemos que a resposta à

pergunta “X é responsável tributário por Y” depende das seguintes condições:

1. Existe um sistema jurídico perfeitamente identificável em coordenadas

espaço-temporais e de contexto (e.g., o Sistema Jurídico Brasileiro em 1º/01/2008);

2. Há uma norma em tal sistema que institui o tributo “T” (obriga o sujeito

passivo da espécie contribuinte ao recolhimento de um dado valor).

3. Algumas normas do sistema jurídico prevêem que outro sujeito de

direito será obrigado ao pagamento de valor em virtude de existir o tributo “T”. Essas

normas estabelecem os critérios pertinentes a situação que implica a obrigação,

como a insolvência, o inadimplemento, a conduta do sujeito de direito, um elo da

cadeia produtiva em que se insere a tributação por “T” etc. Tais normas podem

versar também sobre as condições psicológicas do sujeito e a relação entre a

conduta do sujeito e o não-pagamento do valor do tributo.

4. As normas que atribuem a responsabilidade tributária não podem estar

descoladas das normas que instituem o tributo. A relação se dá com a referência, na

compostura de uma das normas de responsabilidade, ao ciclo de incidência ou

aplicação da regra-matriz.

5. O sistema contém normas que prescrevem como as normas de

responsabilidade serão aplicadas, isto é, quais os sujeitos competentes e o

procedimento previsto para verter em linguagem jurídica as etapas de comunicação

necessárias à configuração da responsabilidade tributária. Entre tais normas estão

as regras de prova, que estabelecem a forma como os fatos pertinentes às situações

e as condições levam à formação da obrigação por responsabilidade.

6. Há comprovação de que ocorreram os fatos que atendem às condições

postas nas normas de responsabilidade (o exame de algumas condições pode ser

diferido no tempo).

Assim, o enunciado “X é responsável tributário por Y” serve para determinar

se há subsunção de um quadro fático às condições normativas necessárias à

imposição da obrigação por responsabilidade338.

Vamos examinar, agora, os arquétipos dos conseqüentes normativos das

normas de responsabilidade tributária.

338

O exemplo oferecido por Pablo Larrañaga (El concepto de responsabilidad, op. cit., p. 185-187) refere-se ao crime de homicídio, buscando estabelecer as condições que tornam a proposição verdadeira: “X es responsable del asesinato de Y”.

141

2.3.3.4.2 Arquétipos dos conseqüentes normativos das normas de responsabilidade

tributária

2.3.3.4.2.1 A estrutura básica

Em sua representação mais reduzida, o conseqüente de uma norma que

atribui responsabilidade tributária contém o modelo de uma relação jurídica que irá

instalar-se entre o responsável tributário e o sujeito ativo. Essa relação se traduz na

obrigação imposta ao responsável para que recolha determinada quantia em favor

do sujeito ativo. O sujeito ativo, por seu turno, tem a pretensão de exigir a solução

da obrigação atribuída ao responsável.

Representaremos a relação jurídica de responsabilidade com a seguinte

fórmula:

2.3.3.4.2.2 Manutenção da relação jurídica tributária: solidariedade

A incidência da norma de responsabilidade não implica, necessariamente, a

desconstituição da relação jurídica pertinente ao contribuinte. É concebível que o

contribuinte continue obrigado à solução do crédito tributário, ao mesmo tempo em

que o responsável se torne obrigado ao pagamento de valor equivalente.

Sempre que o conseqüente de uma das normas de responsabilidade não

implicar a desconstituição da relação jurídica tributária, ou suspender

temporariamente a exigibilidade do crédito tributário enquanto se aguarda a conduta

do responsável, reconheceremos o fenômeno da solidariedade.

Logo, nos limites desta investigação, solidariedade tributária é o fenômeno

consistente na manutenção da relação jurídica tributária concomitantemente à

relação jurídica relativa à responsabilidade.

É importante notar que a noção de solidariedade tributária adotada diverge

profundamente da noção de solidariedade construída pela doutrina da Teoria Geral

do Direito e do Direito Civil. Há ainda profunda disparidade em relação ao conceito

(Sa R´´ Sresp)

Sendo que a relação jurídica tem o seguinte objeto:

Sresp O(presp) Sa

142

de solidariedade tributária desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho339, José

Otávio de Vianna Vaz340, Yoshiaki Ychihara341, entre outros.

Por outro giro, Maria Rita Ferragut342 concebe a desnecessidade de que os

sujeitos de direito pertençam ao mesmo pólo da relação de direito privado

subjacente ao fato jurídico tributário343, ao examinar o art. 124, I, do Código

Tributário Nacional:

Não é necessário que os sujeitos encontrem-se no mesmo pólo da relação jurídica de direito privado, para que se obriguem mutuamente pelo pagamento da dívida tributária (tal como ocorre com o alienante do imóvel, que deseja vendê-lo, e do adquirente, que pretende comprá-lo).

A solidariedade indica que o sujeito ativo (credor) tem a pretensão de obter a

totalidade do valor devido de qualquer um dos sujeitos passivos solidários

(devedores), mas não pode exigir a totalidade do valor devido de cada um dos

devedores.

Por essa razão, a norma de atribuição de responsabilidade que mantenha a

relação jurídica tributária deve pressupor a existência de outra norma que preveja a

extinção da obrigação remanescente, uma vez adimplida a obrigação tributária ou a

obrigação por responsabilidade.

2.3.3.4.2.3 Manutenção da relação jurídica tributária: subsidiariedade (ordenação)

Neste cenário, o conseqüente da norma de responsabilidade mantém a

relação jurídica tributária. A atribuição de responsabilidade, contudo, é condicionada

a algum critério pertinente à situação de solvência do contribuinte. Uma vez

identificada a inadimplência ou a insolvência total do contribuinte, a norma incide,

para que a obrigação seja imputada ao responsável.

339

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 317 et seq. 340

A responsabilidade tributária dos administradores de sociedade no CTN. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 96 et seq. 341

Cf. Responsabilidade tributária, in: MARTINS, Yves Gandra da Silva (Org.). Cadernos de pesquisas tributárias: Responsabilidade Tributária. São Paulo, n. 5, p. 223, 1980. 342

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, op. cit., p. 69. 343

Em sentido semelhante confira-se: NEDER, Marcos Vinicius. Solidariedade de direito e de fato: Reflexões acerca de seu conceito. In: FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinicius (Coord.). Responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2007. p. 31-33.

143

Esta é a estrutura formal do arquétipo da norma de responsabilidade que

estabelece a relação subsidiária:

(Ciclrmit . Insolv v INadimpl) (Sa R´´ Sresp)

Onde:

Ciclrmit corresponde ao ciclo emulado da regra-matriz de incidência tributária;

Insolv corresponde à insolvência (impossibilidade de o patrimônio cobrir o valor do crédito);

v é o operador de disjunção includente (“ou”);

. é o operador de conjunção aditiva;

INadimpl significa inadimplemento (falta de pagamento);

é o sincategorema de implicação deôntica (“se... então”);

Sa fica no lugar de sujeito ativo;

R´´ corresponde à relação jurídica de responsabilidade;

Sresp corresponde ao sujeito responsável.

Lembramos que a relação jurídica tributária (Sa R´ Sp), construída a partir

da aplicação da norma que institui o tributo, permanece no sistema, pois não é

infirmada pela norma de responsabilidade.

Eventual insolvência ou inadimplência do contribuinte não leva à

desconstituição do crédito tributário, com a superveniência exclusiva da relação

jurídica de responsabilidade. Tampouco há suspensão de exigibilidade do crédito

tributário enquanto se processa a norma de responsabilidade.

2.3.3.4.2.4 Substituição ou pessoalidade (disjunção excludente)

O conseqüente da norma de atribuição de responsabilidade pode determinar

a desconstituição da relação jurídica tributária, ou a suspensão de sua exigibilidade,

enquanto se processa a relação jurídica de responsabilidade.

A estrutura lógica de tal tipo de conseqüente costuma assumir a seguinte

forma:

(Sa R´ Sresp) . (Sa R´ Sp)

As palavras baseadas na noção de “pessoalidade” (radical pesso-),

presentes em várias instâncias dos textos de direito positivo brasileiro, costumam ser

construídas por parte da doutrina de forma a excluir a obrigação tributária. Assim se

daria com os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito

privado, que são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a

144

obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou

infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do Código Tributário

Nacional).

Como se verá adiante, interpretamos “pessoalmente” como “próprio”, isto é,

“com o próprio patrimônio”, sem a inferência sobre a exclusão da sujeição passiva

do contribuinte. Não obstante, é concebível que o sistema jurídico possa prescrever

a exclusão da relação jurídica tributária ou a suspensão de sua exigibilidade,

pendente a solução da relação jurídica de responsabilidade.

2.3.3.4.3 A estrutura completa do arquétipo das normas de responsabilidade

Do exposto, o arquétipo das normas de responsabilidade se articula na

seguinte estrutura formalizada:

(Ciclrmit(d -1) w (d – 0) w (d + 1) . c´) (Sa R´´ Sresp)

(Ciclrmit(d -1) w (d – 0) w (d + 1) . c´) (Sa R´´ Sresp) . (Sa R´ Sp)

Onde:

Ciclrmit corresponde ao ciclo emulado da regra-matriz de incidência tributária;

v é o operador de disjunção includente (“ou”);

. é o operador de conjunção aditiva;

INadimpl significa inadimplemento (falta de pagamento);

é o sincategorema de implicação deôntica (“se... então”);

Sa fica no lugar de sujeito ativo;

R´´ corresponde à relação jurídica de responsabilidade;

Sresp corresponde ao sujeito responsável.

é o operador da negação (“não”).

Vamos examinar, agora, a estrutura sistemática do modelo sugerido.

2.3.3.5 Modelo Sugerido: Estrutura Sistemática

2.3.3.5.1 “Direito” como uma Rede de Transição Aumentada (RTA – RTN)

A aplicação de normas jurídicas se estrutura em fluxos de positivação do

Direito, nos quais uma série de estágios de comunicação são coordenados

sintaticamente da instância mais abstrata e geral à mais individual e concreta.

145

A construção desses fluxos de positivação visa a legitimar a ação dos

jurisdicionados, e a identificação dos critérios normativos que orientam tal conduta

redunda em questões muito específicas. Por exemplo, a aplicação da norma que

prevê que o homicídio deverá ser punido com reclusão de seis a vinte anos envolve

algumas perguntas, sendo a mais emblemática “X é responsável pelo homicídio de

Y”? Outras perguntas se seguem à indagação principal, como “X é capaz?”, “Que é

matar alguém?”, “Houve justificativa para a realização da conduta matar alguém?”,

“Houve alguma circunstância qualificadora?” etc.

O observador do sistema jurídico segue um programa, ditado pelo próprio

sistema, para formar proposições acerca da incidência ou não de normas jurídicas.

Diante de tais características, entendemos que o fluxo de positivação e

aplicação de normas jurídicas pode ser representado por Redes de Transição

Aumentada (RTA) – Augmented Transition Networks (ATN).

Para saber o que é uma RTA, é necessário explorar o conceito de Rede de

Transição Recursiva (RTR) – Recursive Transitive Network.

Douglas Hofstaeder344 assim define o que é uma RTR:

An RTN is a diagram showing various paths which can be followed to accomplish a particular task. Each path consists of a number of nodes, or little boxes with words in them, joined by arcs, or lines with arrows. The overall name for the RTN is written separately at the left, and the first and last nodes have the words begin and end in them. All the other nodes contain either very short explicit directions to perform, or else names of other RTN´s. Each time you hit a node, you are to carry out the directions inside it, or jump to the RTN named in it, and carry it out.

A expressão “recursiva" não se refere à idéia de circularidade, no sentido de

que algo é definido em termos de si mesmo e leva ao regresso infinito. A noção de

“definição recursiva” de Hofstaeder liga-se a versões mais simples daquilo que se

procura definir (o ponto nevrálgico é garantir que ao menos uma parte da definição

nunca seja auto-referente). Nem toda auto-referência é inadequada (“a raiz de todo

o mal”). Por exemplo, a definição de norma tributária como “a norma que dispõe,

direta ou indiretamente, sobre a instituição, a fiscalização e a arrecadação de

tributos” é parcialmente circular, pois utiliza o próprio termo “norma” (ao invés de

proposição de estrutura deôntica completa, cujo significado é colhido dos textos de

344

HOFSTAEDER, Douglas R. Gödel, Escher, Bach: na Eternal Golden Braid. A metaphorical fugue on minds and machines in the spirit of Lewis Carrol. Nova Iorque: Basic Books, 1999. p. 131.

146

direito positivo). Não obstante, a definição continua a ser útil em determinados

contextos.

Uma RTA é uma RTR que possui parâmetros que condicionam a escolha

dos caminhos a serem seguidos para sua exaustão, não permitindo escolhas

puramente aleatórias.

Não advogamos a incorporação irrestrita do conceito de RTA no Direito. É

necessário ter em mente que o modelo foi desenvolvido no âmbito da Teoria da

Linguagem e encontra vasta aplicação na área de programação de computadores.

RTAs são utilizadas para criar ou analisar enunciados sintaticamente corretos ou

bem-formados. Duas características do modelo RTA nos pareceram irresistíveis.

Trata-se do método de análise da linguagem e a opção por representá-lo em

diagrama. Uma RTA pode gerar o enunciado “Hans Giebenrath é sujeito passivo por

responsabilidade” de acordo com a gramática portuguesa, ou então dizer se o

enunciado é coerente em termos de sintaxe definida por um corpo de regras

gramaticais.

Ora, Direito é linguagem. Poderia um modelo recursivo, sob a forma de

diagrama, dizer se “Hans Giebenrath é sujeito passivo por responsabilidade

tributária („HG‟)” está de acordo com a gramática do sistema jurídico? Pois HG é

enunciado-enunciado, produto de ato de aplicação do Direito – comunicação

jurídica.

Por “gramática” ou “sintaxe do sistema jurídico” queremos nos referir às

normas que governam como os enunciados e o sentido das proposições devem ser

formados para ser reconhecidos como válidos.

Por exemplo, HG somente será considerado bem-formado se estiver

conforme a Constituição ou a outra norma que lhe sirva como fundamento de

validade. Se o conceito de “infração da lei” utilizado pela autoridade competente

durante a constituição da relação de responsabilidade não for adequado, HG será

proposição inválida. De forma semelhante, se a autoridade competente tirar o

enunciado sem amparo em etapa de comunicação anterior (pulando a norma geral e

abstrata – lei), a correspondente proposição será malformada para a sintaxe do

sistema jurídico.

Portanto, a referência à RTA ao longo deste trabalho deve ser tomada em

sentido complacente, i.e., designar fluxos decisórios de comunicação jurídica sob a

forma de diagramas.

147

No conceito de RTA aplicável ao Direito, a recursividade se manifesta pela

referência que um nó faz a um de seus elementos, direta ou indiretamente, durante

seu processamento ou o processamento de outro nó. Vamos oferecer um exemplo.

Por ocasião do julgamento do RE 150.755 (rel. para o acórdão min.

Sepúlveda Pertence, DJ de 20/08/1993)345, o Plenário do Supremo Tribunal Federal

examinou a constitucionalidade da Contribuição destinada ao Fundo de Investimento

345

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 150.755. Relator para o acórdão Ministro Sepúlveda Pertence. Ementa: “I. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O PROBLEMA DO FINSOCIAL EXIGÍVEL DAS EMPRESAS DE SERVIÇO. 1. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO É MECANISMO DE CONTROLE INCIDENTE DA CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS, CUJO ÂMBITO MATERIAL, PORTANTO, NÃO PODE ULTRAPASSAR O DA QUESTÃO PREJUDICIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DE SOLUÇÃO NECESSÁRIA PARA ASSENTAR PREMISSA DA DECISÃO DO CASO CONCRETO. 2. CONSEQÜENTE LIMITAÇÃO TEMÁTICA DO RE, NA ESPÉCIE, A QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA L. 7.738/89, ÚNICA, DAS DIVERSAS NORMAS JURÍDICAS ATINENTES AO FINSOCIAL, REFERIDAS NO PRECEDENTE EM QUE FUNDADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, QUE É PREJUDICIAL DA SOLUÇÃO DESTE MANDADO DE SEGURANÇA, MEDIANTE O QUAL A IMPETRANTE – EMPRESA DEDICADA EXCLUSIVAMENTE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS –, PRETENDE SER SUBTRAÍDA À SUA INCIDÊNCIA. II. FINSOCIAL: CONTRIBUIÇÃO DEVIDA PELAS EMPRESAS DEDICADAS EXCLUSIVAMENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO: EVOLUÇÃO NORMATIVA. 3. SOB A CARTA DE 1969, QUANDO INSTITUÍDA (DL. 1940/82, ART. 1º, PAR. 2º), A CONTRIBUIÇÃO PARA O FINSOCIAL DEVIDA PELAS EMPRESAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – AO CONTRÁRIO DAS OUTRAS MODALIDADES DO TRIBUTO AFETADO A MESMA DESTINAÇÃO –, NÃO CONSTITUÍA IMPOSTO NOVO, DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DA UNIÃO, MAS, SIM, ADICIONAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA, DA SUA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DISCRIMINADA (STF, RE 103.778, 18.9.85, GUERRA, RTJ 116/1138). 4. COMO IMPOSTO SOBRE RENDA, QUE SEMPRE FORA, E QUE DITA MODALIDADE DE FINSOCIAL – QUE NÃO INCIDIA SOBRE O FATURAMENTO E, PORTANTO, NÃO FOI OBJETO DO ART. 56 ADCT/88 – FOI RECEBIDA PELA CONSTITUIÇÃO E VIGEU COMO TAL ATÉ QUE A L. 7.689/88 A SUBSTITUÍSSE PELA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO, DESDE ENTÃO INCIDENTE TAMBÉM SOBRE TODAS AS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS DOMICILIADAS NO PAÍS. 5. O ART. 28 DA L. 7.738 VISOU A ABOLIR A SITUAÇÃO ANTI-ISONÔMICA DE PRIVILÉGIO, EM QUE A L. 7.689/88 SITUARA DITAS EMPRESAS DE SERVIÇO, QUANDO, DE UM LADO, UNIVERSALIZOU A INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O LUCRO, QUE ANTES SÓ A ELAS ONERAVA, MAS, DE OUTRO, NÃO AS INCLUIU NO RAIO DE INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O FATURAMENTO, EXIGÍVEL DE TODAS AS DEMAIS CATEGORIAS EMPRESARIAIS. III. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINSOCIAL EXIGÍVEL DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO, SEGUNDO O ART. 28 L. 7.738/89: CONSTITUCIONALIDADE, PORQUE COMPREENSÍVEL NO ART. 195, I, CF, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. 6. O TRIBUTO INSTITUÍDO PELO ART. 28 DA L. 7.738/89 – COMO RESULTA DE SUA EXPLÍCITA SUBORDINAÇÃO AO REGIME DE ANTERIORIDADE MITIGADA DO ART. 195, PAR. 6., CF, QUE DELAS É EXCLUSIVO – É MODALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL E NÃO, IMPOSTO NOVO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DA UNIÃO. 7. CONFORME JÁ ASSENTOU O STF (RREE 146733 E 138284), AS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL PODEM SER INSTITUÍDAS POR LEI ORDINÁRIA, QUANDO COMPREENDIDAS NAS HIPÓTESES DO ART. 195, I, CF, SÓ SE EXIGINDO LEI COMPLEMENTAR, QUANDO SE CUIDA DE CRIAR NOVAS FONTES DE FINANCIAMENTO DO SISTEMA (CF, ART. 195, PAR. 4º). 8. A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL QUESTIONADA SE INSERE ENTRE AS PREVISTAS NO ART. 195, I, CF E SUA INSTITUIÇÃO, PORTANTO, DISPENSA LEI COMPLEMENTAR: NO ART. 28 DA L. 7.738/89, A ALUSÃO A "RECEITA BRUTA", COMO BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO, PARA CONFORMAR-SE AO ART. 195, I, DA CONSTITUIÇÃO, HÁ DE SER ENTENDIDA SEGUNDO A DEFINIÇÃO DO DL. 2.397/87, QUE É EQUIPARÁVEL A NOÇÃO CORRENTE DE "FATURAMENTO" DAS EMPRESAS DE SERVIÇO.” RTJ 149/259.

148

Social (Finsocial). Um dos pontos necessários à resposta para a pergunta “É o

Finsocial constitucional?” consistia em examinar se a base de cálculo do tributo

correspondia a faturamento ou à receita bruta. Se a Corte concluísse que o tributo

deveria ser calculado com base na receita bruta, haveria violação dos art. 195, I

(antiga redação) e § 4º, da Constituição. A violação se caracterizaria na medida em

que o tributo teria de ser considerado nova fonte de custeio da Seguridade Social,

pois não seria calculado com base nas três grandezas já expressamente previstas

na Constituição para tanto (faturamento, folha de salários e lucro), e a instituição de

novas fontes de custeio da Seguridade Social depende de lei complementar.

Em seu voto, o ministro Sepúlveda Pertence relembrou que a legislação

ordinária anterior à lei em exame já havia estabelecido alcance mais restrito para a

base de cálculo do Finsocial (Decreto-Lei 2.397/1987). A legislação ordinária havia

equiparado o conceito de receita bruta ao conceito de faturamento. Portanto, a nova

legislação do Finsocial (em especial o art. 28 da Lei 7.738/1989) deveria ser

interpretada conforme a Constituição, para que o conceito de receita bruta não

extrapolasse o conceito de faturamento já definido pelas antigas normas aplicáveis

ao tributo.

Disse Sua Excelência o ministro-relator, textualmente:

Por tudo isso, não vejo inconstitucionalidade no art. 28. da L. 7.738/89, a cuja validade entendo restringir-se o tema deste recurso extraordinário, desde que nele a “receita bruta”, base de cálculo da contribuição, se entenda referida aos parâmetros de sua definição no Dl. 2.397/1987, de modo a conformá-la à noção de faturamento das empresas prestadoras de serviço.

Para responder à pergunta “O art. 28 da Lei 7.738/1989 é constitucional?”, o

ministro Sepúlveda Pertence partiu da investigação da base de cálculo do tributo,

com base na leitura do texto de direito positivo relativo à mencionada lei ordinária.

Durante a execução do nó, contudo, Sua Excelência interrompeu temporariamente o

fluxo, para recorrer à definição constitucional de “faturamento”, que está em nó

diferente da rede de transição. Ocorre que a investigação do conceito constitucional

de “faturamento” continha instrução para que fosse recuperado o conceito de

“faturamento” existente na legislação infraconstitucional.

149

Tal instrução se traduz na seguinte passagem da linguagem técnica-natural

do voto do ministro Sepúlveda Pertence346:

Parece curial, data vênia, que a partir da explícita vinculação genética da contribuição social de que cuida o art. 28 da L. 7.738/1989 ao Finsocial, é na legislação desta, e não alhures, que se há de buscar a definição específica da respectiva base de cálculo, na qual receita bruta e faturamento se identificam: mais ainda que no tópico anterior, essa é a

346

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário 150.755. Relator para o acórdão Ministro Sepúlveda Pertence. Ementa: “CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O PROBLEMA DO FINSOCIAL EXIGÍVEL DAS EMPRESAS DE SERVIÇO. 1. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO É MECANISMO DE CONTROLE INCIDENTE DA CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS, CUJO ÂMBITO MATERIAL, PORTANTO, NÃO PODE ULTRAPASSAR O DA QUESTÃO PREJUDICIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DE SOLUÇÃO NECESSÁRIA PARA ASSENTAR PREMISSA DA DECISÃO DO CASO CONCRETO. 2. CONSEQÜENTE LIMITAÇÃO TEMÁTICA DO RE, NA ESPÉCIE, À QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA L. 7.738/89, ÚNICA, DAS DIVERSAS NORMAS JURÍDICAS ATINENTES AO FINSOCIAL, REFERIDAS NO PRECEDENTE EM QUE FUNDADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, QUE É PREJUDICIAL DA SOLUÇÃO DESTE MANDADO DE SEGURANÇA, MEDIANTE O QUAL A IMPETRANTE – EMPRESA DEDICADA EXCLUSIVAMENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS –, PRETENDE SER SUBTRAÍDA À SUA INCIDÊNCIA. II. FINSOCIAL: CONTRIBUIÇÃO DEVIDA PELAS EMPRESAS DEDICADAS EXCLUSIVAMENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO: EVOLUÇÃO NORMATIVA. 3. SOB A CARTA DE 1969, QUANDO INSTITUÍDA (DL. 1940/82, ART. 1º, PAR. 2º), A CONTRIBUIÇÃO PARA O FINSOCIAL DEVIDA PELAS EMPRESAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – AO CONTRÁRIO DAS OUTRAS MODALIDADES DO TRIBUTO AFETADO À MESMA DESTINAÇÃO –, NÃO CONSTITUÍA IMPOSTO NOVO, DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DA UNIÃO, MAS, SIM, ADICIONAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA, DA SUA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DISCRIMINADA (STF, RE 103.778, 18.9.85, GUERRA, RTJ 116/1138). 4. COMO IMPOSTO SOBRE RENDA, QUE SEMPRE FORA, E QUE DITA MODALIDADE DE FINSOCIAL – QUE NÃO INCIDIA SOBRE O FATURAMENTO E, PORTANTO, NÃO FOI OBJETO DO ART. 56 ADCT/88 – FOI RECEBIDA PELA CONSTITUIÇÃO E VIGEU COMO TAL ATÉ QUE A L. 7.689/88 A SUBSTITUÍSSE PELA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO, DESDE ENTÃO INCIDENTE TAMBÉM SOBRE TODAS AS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS DOMICILIADAS NO PAÍS. 5. O ART. 28 DA L. 7.738 VISOU A ABOLIR A SITUAÇÃO ANTI-ISONÔMICA DE PRIVILÉGIO, EM QUE A L. 7.689/88 SITUARA DITAS EMPRESAS DE SERVIÇO, QUANDO, DE UM LADO, UNIVERSALIZOU A INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O LUCRO, QUE ANTES SÓ A ELAS ONERAVA, MAS, DE OUTRO, NÃO AS INCLUIU NO RAIO DE INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O FATURAMENTO, EXIGÍVEL DE TODAS AS DEMAIS CATEGORIAS EMPRESARIAIS. III. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINSOCIAL EXIGÍVEL DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO, SEGUNDO O ART. 28 L. 7.738/89: CONSTITUCIONALIDADE, PORQUE COMPREENSÍVEL NO ART. 195, I, CF, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. 6. O TRIBUTO INSTITUÍDO PELO ART. 28 DA L. 7.738/89 – COMO RESULTA DE SUA EXPLÍCITA SUBORDINAÇÃO AO REGIME DE ANTERIORIDADE MITIGADA DO ART. 195, PAR. 6., CF, QUE DELAS É EXCLUSIVO – É MODALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL E NÃO, IMPOSTO NOVO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DA UNIÃO. 7. CONFORME JÁ ASSENTOU O STF (RREE 146733 E 138284), AS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL PODEM SER INSTITUÍDAS POR LEI ORDINÁRIA, QUANDO COMPREENDIDAS NAS HIPÓTESES DO ART. 195, I, CF, SÓ SE EXIGINDO LEI COMPLEMENTAR, QUANDO SE CUIDA DE CRIAR NOVAS FONTES DE FINANCIAMENTO DO SISTEMA (CF, ART. 195, PAR. 4º). 8. A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL QUESTIONADA SE INSERE ENTRE AS PREVISTAS NO ART. 195, I, CF E SUA INSTITUIÇÃO, PORTANTO, DISPENSA LEI COMPLEMENTAR: NO ART. 28 DA L. 7.738/89, A ALUSÃO A "RECEITA BRUTA", COMO BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO, PARA CONFORMAR-SE AO ART. 195, I, DA CONSTITUIÇÃO, HÁ DE SER ENTENDIDA SEGUNDO A DEFINIÇÃO DO DL. 2.397/87, QUE É EQUIPARÁVEL A NOÇÃO CORRENTE DE „FATURAMENTO‟ DAS EMPRESAS DE SERVIÇO”. Votação não-unânime. DJ de 20/08/1993.

150

solução imposta, no ponto, pelo postulado da interpretação conforme a Constituição. (Grifos do autor.)

Uma vez recuperado o sentido de “faturamento” nos textos da legislação

ordinária, o fluxo da RTA retorna ao nó em que havia a investigação do sentido

constitucional para “faturamento”. Já com a informação, o nó determina o retorno do

processo para o primeiro nó, em que se investigava a constitucionalidade do art. 28

da Lei 7.738/1989. O resultado é a resposta positiva à pergunta sobre a

constitucionalidade da norma, enquanto for respeitado o conceito constitucional de

faturamento (que, por seu turno, foi construído com base em legislação

infraconstitucional).

Como se vê, a RTA recorreu indiretamente à própria legislação ordinária

para definir o conceito válido para faturamento.

Argumentação similar foi utilizada no julgamento da constitucionalidade da

base de cálculo da Contribuição para a Finalidade Social (Cofins) – art. 3º, § 1º, da

Lei 9.718/1998.

A Constituição federal de 1988 permitia a instituição de contribuição

calculada com base no faturamento para que servisse de fonte de custeio da

Seguridade Social (antiga redação do art. 195, I). Com espeque em tal parte da

competência tributária, a União instituiu a Cofins com a Lei Complementar 70/1991.

A base de cálculo do tributo, em termos gerais, era “o faturamento mensal, assim

considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e

de serviço de qualquer natureza” (art. 2º).

Uma série de medidas provisórias, e posteriormente a Lei 9.718/1998,

modificaram a base de cálculo do tributo nos seguintes termos:

Lei 9.718/1998 Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei. Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. [...].

151

O Supremo Tribunal Federal apreciou a validade da Lei 9.718/1998 pela

primeira vez, em seu mérito, durante o julgamento do RE 357.950 (rel. min. Marco

Aurélio, Pleno, DJ de 15/08/2006), do RE 358.273 (rel. min. Marco Aurélio, Pleno, DJ

de 15/08/2006), do RE 390.840 (rel. min. Marco Aurélio, Pleno, DJ de 15/08/2006) e

do RE 346.084 (rel. para o acórdão min. Marco Aurélio, Pleno, DJ de 1º/09/2006)347.

Uma das linhas de argumentação sugeria que o conceito de faturamento

pertinente ao extinto Finsocial (produto da venda de mercadorias, da venda de

serviços de qualquer natureza e da conjugação de ambos) fora constitucionalizado

com a promulgação da Carta de 1988. A estrutura utilizada para resolver o problema

da constitucionalidade da modificação da base de cálculo da Cofins é semelhante

àquela empregada no caso do Finsocial: a definição de um conceito constitucional

passa pelo exame de legislação infraconstitucional.

Em seu voto proferido no julgamento do RE 390.840, o ministro Marco

Aurélio invoca o acórdão prolatado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1 (rel.

min. Moreira Alves, Pleno, RTJ 156/721) para reconstruir o conceito de faturamento

como “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de

serviços”348.

347

A questão começou a ser analisada na sessão de 12/12/2002, ao ser apregoado o RE 346.084, sob a relatoria inicial do ministro Ilmar Galvão. As razões do RE 346.084 se limitavam à discussão sobre o aumento da base de cálculo do tributo. Após o voto do ministro-relator, pediu vista dos autos o ministro Gilmar Mendes, que os devolveu e proferiu voto em 1º/04/2004. O julgamento foi novamente interrompido com o pedido de vista formulado pelo ministro Cezar Peluso. Entrementes, em 18/04/2005, o ministro Marco Aurélio, relator dos outros três recursos extraordinários cujo julgamento se tornaria leading case sobre a matéria, pediu dia para julgamento. A inclusão em pauta – que não deve ser confundida com a marcação da data de julgamento pela Presidência da Corte – foi publicada no Diário da Justiça de 22/04/2005. Os novos recursos extraordinários, relatados pelo ministro Marco Aurélio, versavam sobre o aumento da alíquota da Cofins e o aumento da base de cálculo da Contribuição ao PIS. O julgamento dos quatro recursos terminou na sessão de 09/11/2005. Após uma série de decisões monocráticas, posteriormente confirmadas por ocasião do julgamento de agravos regimentais ou embargos de declaração, em que a constitucionalidade do aumento da alíquota da Cofins era reconhecida, alguns ministros da Corte passaram a afetar recursos ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, para exame de um argumento que não teria sido deduzido nas razões dos leading cases. 348

Disse Sua Excelência (RE 390.840): “Tivesse o legislador parado nessa disciplina, aludindo a faturamento sem dar-lhe, no campo da ficção jurídica, conotação discrepante da consagrada por doutrina e jurisprudência, ter-se-ia solução idêntica à concernente à Lei 9.715/98. Tomar-se-ia o faturamento tal como veio a ser explicitado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, ou seja, a envolver o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços. Respeitado estaria o Diploma Maior ao estabelecer, no inciso I do artigo 195, o cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade social devida pelo empregador, considerado o faturamento. Em última análise, ter-se-ia a observância da ordem natural das coisas, do conceito do instituto que é o faturamento, caminhando-se para o atendimento da jurisprudência desta Corte”.

152

Disse o ministro Moreira Alves, em seu voto como relator da ADC 1,

textualmente349:

Note-se que a Lei Complementar n. 70/91, ao considerar o faturamento como “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza” nada mais fez do que lhe dar a conceituação de faturamento para efeitos fiscais, como bem assinalou o eminente Ministro ILMAR GALVÂO, no voto que proferiu no RE 150.764, ao acentuar que o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços “coincide com o de faturamento, que, para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo (art. 1º da Lei 187/36)”

O voto condutor da ADC 1 não afirmou que o conceito constitucional de

“faturamento” se limitava ao conceito fiscal (i.e., de legislação ordinária) de

“faturamento”. Limitou-se a afirmar que o conceito de faturamento previsto na LC

70/1991 não era inconstitucional (circunstância que não implica ser ele o único

conceito possível). Não obstante, algumas linhas de argumentação interpretaram

tanto os acórdãos pertinentes à Cofins – Base como à ADC 1 de forma a reconhecer

que o conceito constitucional de faturamento (art. 195, I, a, da Constituição) deveria

ser o mesmo conceito recuperado da legislação pertinente ao extinto Finsocial.

Em ambos os casos (Finsocial e Cofins – Base), as soluções que

reconstroem o sentido de uma norma com recurso às normas que pertencem à

mesma esfera normativa demonstram como opera a recursividade em Direito.

José Maria Arruda de Andrade350 sustenta não ser possível perscrutar os

métodos utilizados pelo intérprete, mas cabe tão-somente examinar a

fundamentação construída:

Conforme exposto no capítulo anterior, e também neste, a interpretação (em seu sentido amplo) não é distinta da aplicação, nem isolada da realidade (mediada) referente ao caso concreto. A produção de uma norma jurídica tributária (seja ela nova norma geral ou uma decisão individual e concreta) é um processo de concreção normativa.

Nesse processo (do texto à norma e, após, à norma-decisão), não há como isolar os métodos utilizados pelo intérprete autêntico, não há como hierarquiza-los. A formação das razões do entendimento, das razões da decisão, é inatingível.

349

RTJ 156/743. 350

Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2007. p. 261.

153

O relacionamento recursivo pode dar vazão ao fenômeno de strange loops e

tangled hierarchies, assim definidos por Hofstaeder351:

The “Strange Loop” phenomenon occurs whenever, by moving upwards (or downwards) through the levels of some hierarchical system, we unexpectedly find ourselves right back where we started. […] Sometimes I use the term Tangled Hierarchy to describe a system in which a Strange Loop occurs.

Segundo Hofstaeder352, um dos tipos de strange loops ocorre quando há:

an interaction between levels in which the top level reaches back down towards the bottom level and influences it, while at the same time being itself determined by the bottom level.

Analisando o problema do Décimo Segundo Camelo, diz Marcelo Neves353

que:

A decisão [do juiz no caso narrado] não é um simples resultado da aplicação da regra, pois assume a posição de metalinguagem em relação à regra, falando desta (tanto descritiva quanto prescritivamente) enquanto sua linguagem objeto e, dessa maneira, atribuindo-lhe sentido.

Logo, conquanto seja possível conceber o sistema jurídico como uma

tangled hierarchy, a recursividade pode ser útil à eliminação de vagueza e

ambigüidade inerentes ao texto de direito positivo. Essa utilidade se manifesta de

forma geral nas etapas de construção de sentido da norma jurídica, incluindo

aquelas dedicadas ao controle hermenêutico das fases anteriores.

A utilização de conceitos análogos ao de RTA para estudo do fenômeno

jurídico não é nova na dogmática. O Grupo del Análisis de Criterios da Universidade

de Buenos Aires, liderado por Ricardo A. Guibourg354, utilizou esquema

semelhante à Rede de Transição Aumentada para diagramar os critérios de

interpretação do art. 30 da Ley de Contrato de Tabajo (LCT).

351

Gödel, Escher and Bach..., p. 10. 352

Ibidem, p. 709. 353

NEVES, Marcelo. E se faltar o décimo segundo camelo? Do direito expropriador ao direito invadido. In: ARNAUD, André Jean (Org.). Niklas Luhmann: Do sistema social à sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 152. 354

GUIBOURG, Ricardo Alberto. Análisis de critérios de decisión judicial: el articulo 30 de la ley de contrato de trabajo. 1. ed. Buenos Aires: Grupo de Análisis de Criterios, 2004.

154

O art. 30 da Ley de Contrato de Trabajo versa sobre a responsabilidade do

cedente de estabelecimento e do contratante ou do subcontratante de mão-de-obra

ou serviços pertinentes à atividade “normal y específica própria del

estabelecimiento”.

O objetivo da investigação era explicitar os critérios de decisão utilizados nas

proposições sobre a aplicabilidade ou inaplicabilidade da responsabilidade solidária

prevista no dispositivo legal.

A principal vantagem do trabalho, segundo Guibourg, era permitir ao julgador

examinar com mais profundidade os critérios utilizados para decidir, evitando, assim,

arbitrariedades. Outras duas vantagens aferentes da aplicação do método

consistiam na possibilidade de os critérios, uma vez explicitados, serem

confrontados com os critérios utilizados por outros julgadores ou pelos advogados, e

a solidificação da segurança jurídica, por fomentar a previsibilidade.

O Grupo partiu da premissa de que “vivemos submersos em critérios”355 para

resolução de casos; tais critérios são postos pelas “leis”, pela jurisprudência e pela

doutrina.

Contudo, o próprio intérprete domina um número indefinido de critérios que o

conduzem a interpretar a lei, a sintetizar o sentido da jurisprudência e a selecionar a

doutrina, enfim, a decidir as causas de modo particular.

O método de investigação tinha como campo os próprios pesquisadores,

pois o grupo era composto de magistrados e estudiosos com grande familiaridade à

aplicação freqüente da norma analisada.

Cada pesquisador identificou os critérios que emprega, para depois

compará-los com os critérios utilizados por outros colegas. Então, se necessário, os

critérios seriam reformulados, para garantir a coerência interna, a propriedade

técnica para os fins desejados (resolver os casos) e a sustentação, frente às críticas

de terceiros.

Os critérios encontrados foram, então, dispostos em “fluxos de decisão”,

representados por diagramas (RTAs?).

O fluxo de decisão procura responder se o art. 30 da LCT se aplica, isto é,

se o contratante é solidariamente responsável pelas obrigações dos cessionários,

355

GUIBOURG, Ricardo. Análisis de critérios de decision judicial, p. 05.

155

contratados ou subcontratados em relação aos trabalhadores empregados na

prestação de serviços.

O exame de cada um dos critérios é exposto de forma clara e, se

necessário, recorre-se a novos fluxos (níveis diferentes).

Em linguagem formalizada, pensamos que o modelo de investigação pode

ser descrito com a fórmula “(a . b . c) Sd”, onde “a”, “b” e “c” se referem aos

critérios utilizados pelo julgado, “Sd” significa a responsabilidade solidária

(solidariedade), “.” é o operador aditivo-conjuntivo, e “ ” corresponde ao

sincategorema de imputação deôntica.

Se for necessário, é possível estabelecer novos fluxos para definição de

cada critério. Assim, para “a”, estabelecem-se as condições “d”, “e” e “f”, e assim

sucessivamente. Os critérios identificados foram expostos no seguinte diagrama356:

Examinaremos agora as fases do fluxo de positivação do Direito, para

depois estudarmos em que medida ele pode ser reconstruído em RTA.

356

O diagrama foi adaptado da figura constante em GUIBOURG, Ricardo. Análisis..., p. 22.

156

2.3.3.5.2 Fases de construção de sentido e fluxo de positivação do direito (nexos de

causalidade jurídica)

2.3.3.5.2.1 Introdução

Paulo de Barros Carvalho357 define o fluxo de positivação do direito como a

partida:

[...] de concepções abrangentes, mas distantes, para chegar às proximidades da região material das condutas intersubjetivas, ou, em terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar a normas individuais e concretas, e [...] deve ser necessariamente percorrido, para que o sistema alimente suas expectativas de regulação efetiva dos comportamentos sociais.

No campo da tributação, o fluxo de positivação estabelece no sistema

jurídico brasileiro as relações conversas que enlaçam sujeitos ativos e passivos pela

obrigação358 de pagamento de quantia em dinheiro359. Isto não sem antes transitar

pela própria instituição da regra-matriz de incidência tributária e dos respectivos

fundamentos de validade, entre eles eventuais normas gerais em matéria tributária

(art. 146, III, da Constituição federal de 1988), de legislação pertinente ao respectivo

ato legislativo360 e da própria Constituição federal.

Daniel Monteiro Peixoto361 nos lembra que a expressão “processo de

positivação” é ambígua, pois pode ser utilizada para designar três objetos diferentes:

determinado ato de aplicação/produção normativa; (ii) a seqüência de atos de produção que parte da aplicação das normas de competência legislativa, constitucionalmente delineadas, dando resultados às normas abstratas gerais, veiculadas pelas leis que, uma vez aplicadas, dão origem às normas

357 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 217. 358 A relação conversa à obrigação ao pagamento é a permissão para recebimento das quantias. 359 A modalização obrigacional, cujo objeto é a entrega de moeda, não é traço distintivo das obrigações tributárias. Tampouco é o fato de ser o respectivo fundamento de validade veiculado por lei. Geraldo Ataliba (Hipótese de incidência tributária. 5. ed., 8. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 34) sugere a identificação das relações jurídicas tributárias pelo método da exclusão, em que se evidencia a diferença entre multa, obrigação convencional, indenização por dano e “tributo”. 360 Em razão da circularidade, o fundamento de validade de dada norma independe do tipo de veículo introdutor. E.g., uma emenda constitucional extrai fundamento de validade tanto do regimento interno das Casas do Congresso Nacional (que dispõe sobre como deve ser enunciada a emenda) quanto da própria Constituição federal. 361

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 114.

157

concretas e individuais, veiculadas por sentenças, atos administrativos, contratos etc; ou ainda (iii) o encadeamento de várias daquelas seqüências, desde, por exemplo, a que termina com a norma concreta e individual que constitui o crédito tributário, passando pela seqüência de atos de produção que culmina com a produção das normas veiculadas pela inscrição em dívida ativa e assim avante.

Acautelados pela preleção de Daniel Monteiro Peixoto, vamos passar a

examinar, portanto, tais fases do fluxo de positivação do Direito, tomando o cuidado

de explicitar em que sentido a expressão será utilizada.

2.3.3.5.2.2 Competência tributária (Constituição)

No início do fluxo de positivação do Direito, está a competência tributária.

Trata-se do estamento mais geral e abstrato da comunicação jurídica, pois ele não

se refere a qualquer dado específico da concreção (abstrato) e se aplica a um

número previamente indefinido de situações (geral).

As normas relativas à competência tributária versam sobre a criação de

outras normas pertinentes à tributação, estabelecendo o sujeito apto e o

procedimento necessário para que a comunicação ingresse no sistema jurídico. A

competência tributária também irá estabelecer o alcance semântico para o conteúdo

de mérito das normas jurídicas, posto que tais parâmetros apresentem contornos

mais complacentes e sem rigor de precisão.

Apontando a existência de outras proporções semânticas para a expressão,

Paulo de Barros Carvalho362 assim define competência tributária363:

A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.

362

Curso de Direito Tributário, p. 218. 363

Luciano Amaro oferece o seguinte conceito para competência tributária (Direito Tributário brasileiro, p. 93): “Temos assim a competência tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir o seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência, não obstante o legislador esteja submetido a vários balizamentos [...].” Após exaustiva análise do tema, Cristiane Mendonça define competência tributária (Competência tributária, p. 69) como “a norma de estrutura ou produção normativa, que autoriza (permitindo ou impondo) os diferentes órgãos das pessoas políticas de direito público interno a produzir normas juridico-tributárias em sentido estrito (gerais e abstratas e individuais e concretas), dentro de determinados limites formais e materiais”.

158

Segundo Roque Antonio Carrazza364:

Portanto, competência tributária é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos ativos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos.

Por normas jurídicas entendemos as proposições normativas, de estrutura

deôntica completa, que versam sobre a instituição de tributos, a fiscalização e a

arrecadação de quantias pertinentes ao crédito tributário.

As normas que compõem a competência tributária devem ser reconstruídas

a partir dos textos da Constituição, pois é na Carta Magna que se procede à

repartição da competência legislativa365.

Como também acautela Paulo de Barros Carvalho366, não há que confundir

competência tributária e capacidade tributária ativa. Competência tributária versa

sobre a aptidão para a criação de normas jurídicas, ao passo em que capacidade

tributária ativa se refere à possibilidade de um sujeito de direitos ingressar na

364

Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 467. 365

Segundo Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário, p. 217), “competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo”. Sobre a Constituição, diz Tércio Sampaio Ferraz Jr., textualmente (Introdução ao estudo do Direito, p. 232): “Finalmente, temos a Constituição no sentido jurídico (stricto sensu), que já examinamos. Nesse caso, Constituição é lei fundamental, é um conjunto de normas articuladas, que tecnicamente viabilizam os procedimentos para que realmente a atividade organizada da sociedade possa se desenvolver. A concepção jurídica encara a Constituição como normas básicas postas, independentemente de ser ela estabelecida por uma vontade, ou corresponder às aspirações sociais, ou ser fachada para uma imposição política. O jurista primariamente depara-se com conflitos concretos e para eles procura soluções em normas constitucionais vigentes, tentando tecnicamente coordená-las de maneira que elas funcionem, possam atuar, isto é, orientar os procedimentos, resolver os problemas. Por isso, toma a Constituição como um conjunto de normas básicas, de conteúdo eminentemente técnico”. E, sobre competência, arremata (Competência tributária municipal, Revista de Direito Tributário, n. 25, p. 82): “enquanto poder jurídico, competência pode ser entendida especificamente como capacidade juridicamente estabelecida de criar normas jurídicas (ou efeitos jurídicos) por meio e de acordo com certos enunciados”. Joaquim Gomes Canotilho estabelece a idéia de constitucionalismo como alavanca de limitação, ao argumentar que (Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 45/49): “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio de governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. [...] Os temas centrais do constitucionalismo são, pois, a fundação e legitimação do poder político e a constitucionalização das liberdades”. 366

Curso de Direito Tributário, p. 219.

159

relação jurídica tributária com a pretensão de exigir a satisfação do crédito tributário

(credor).

Relembramos, também, que a noção de competência tributária está calcada

na repartição de aptidões legiferantes e não encerra, propriamente, idéia de poder,

entendido como aptidão ilimitada367.

É possível identificar algumas características da competência tributária,

embora a dogmática não seja unânime quanto à extensão do rol de elementos que

comporão o conjunto. Roque Antônio Carrazza368 aponta seis características:

privatividade, indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade

e facultatividade. Paulo de Barros Carvalho369, por seu turno, observa apenas três

características pertinentes à competência tributária: indelegabilidade,

irrenunciabilidade e incaducabilidade. Para Cristiane Mendonça370, tão-somente a

facultatividade e a irrenunciabilidade são características da competência tributária.

A privatividade diz respeito à concentração da aptidão para instituir

determinado tributo em um único sujeito, com a exclusão de todos os demais.

Encontra fundamento na circunstância de a Constituição apontar com precisão quais

tributos podem ser instituídos por cada pessoa política de direito interno e, de forma

mais remota, no pacto federativo (necessidade de assegurar a cada ente federado

aptidão para instituir e arrecadar tributos, como uma base da autonomia recíproca).

A Lógica demonstra que as exceções não confirmam as regras, antes as

infirmando371. Paulo de Barros Carvalho372 critica a eleição da privatividade como

característica da competência tributária com a identificação de uma exceção. Como

367

Nesse sentido, propõe Roque Antônio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 465): “No Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há que falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas tão-somente em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito. De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso país, poder tributário (manifestação do ius imperium), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias”. 368

Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 481. Em sentido semelhante, confira-se: MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 119 et seq., e CARVALHO, Cristiano. Teoria do sistema jurídico: Direito, economia e tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 315-320. 369

Curso de Direito Tributário, p. 222. 370

Competência tributária, p. 293-294. 371

As exceções infirmam a regra, pois modificam os respectivos antecedentes-descritores, removendo de seu campo de incidência as situações ou circunstâncias que não se encontram nos universos possíveis com valor de verdade da regra. 372

Curso de Direito Tributário, p. 223.

160

lembra aquele autor, a Constituição permite que a União institua impostos

extraordinários, compreendidos ou não em sua competência (isto é, também da

esfera de competência de outros entes federados), se houver guerra declarada entre

o Brasil e outro país (art. 154, II, da Constituição).

Entendemos que a noção de privatividade deve ser concebida em

pertinência à proibição imposta a entes federados para que instituam tributos cuja

criação fora atribuída a outro ente pela Constituição, isto é, a usurpação de

competência. A proibição, contudo, não é absoluta, pois cede em determinadas

hipóteses. Logo, não é possível sustentar “privatividade” como conceito rígido,

ironclad, que repele tout court a permissão para que um ente federado legisle e crie

um tributo jungido originariamente a outro ente federado373.

Por indelegabilidade, entendemos a proibição para que o ente federado

competente transfira a aptidão para instituir tributos para outra pessoa, seja de

direito público interno, seja de direito privado. O complemento da indelegabilidade é

a irrenunciabilidade, consistente na proibição para que um ente federado desista

permanentemente e de forma irretratável de sua competência tributária. Ambos

encontram razão na rigidez constitucional, que restaria abalada se fosse possível

aos entes federados, pelos próprios meios, modificá-la.

A incaducabilidade se revela na persistência da competência tributária à

prolongada ausência de seu exercício pelo ente federado. Não há norma

constitucional geral que condicione a implementação da função legislativa pertinente

à instituição de tributos a prazo. É possível, contudo, que a vigência de alguns

tributos seja condicionada a dado lapso temporal. Tal exceção deve ser pontual, sob

o risco de violar o pacto federativo e a autonomia dos entes federados.

Dizer que a competência tributária é inalterável significa assumir que os

entes federados estão proibidos de, por instrumentos ordinários ou infra-ordinários,

373

Em sentido contrário, confira-se a seguinte passagem escrita por Cristiano Carvalho (Teoria do sistema jurídico: Direito, economia, tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005): “Tal potencial de invasão de competência [referia-se à competência residual prevista no art. 154, I, da Constituição e à competência extraordinária, prevista no art. 154, II, da Constituição] levou Paulo de Barros Carvalho a considerar que a privatividade da competência tributária não incluiu a União Federal, valendo apenas para os demais entes federativos. Data máxima vênia, não concordamos com tal tese. Seguindo essas premissas, seríamos obrigados a concluir que a Constituição não prestigiou os direitos e garantias individuais, uma vez que os suspende no estado de sítio. Ademais, a excepcionalidade é tal que confirma a regra. Outrossim, a concepção do citado Professor leva em conta uma análise estática da competência. Dentro de uma perspectiva dinâmica, constatamos que as normas que excetuam a privatividade e os direitos individuais são válvulas homoestáticas colocadas pelo Constituinte de forma a buscar uma auto-regulação eficiente do sistema, no caso dos acontecimentos drásticos ali previstos ocorrem na realidade social”.

161

pretender ampliar a aptidão que lhe foi conferida pela Constituição. Tal proibição não

afeta a possibilidade de o espectro de competência tributária ser modificado pelos

instrumentos previstos pelo próprio sistema, como a emenda constitucional. Assim, a

inalterabilidade se reduz à constatação de que qualquer norma deve se adstringir à

norma que lhe serve de fundamento de validade, e, portanto, não é característica

exclusiva das normas que estabelecem a competência tributária, senão de qualquer

norma jurídica.

A caracterização do exercício da competência tributária como obrigação ou

permissão é o cerne do exame da última característica apontada para a

competência tributária, a facultatividade. Roque Antônio Carrazza374 assim introduz

a questão:

As pessoas políticas, conquanto não possam delegar suas competências tributárias, por força da própria rigidez de nosso sistema constitucional, são livres para dela se utilizarem ou não.

Noutro falar, na medida em que o exercício da competência tributária não está submetido a prazo, a pessoa política pode criar o tributo quando lhe aprouver. Tudo vai depender de uma opção, a ser feita pelos seus Poderes Executivo e Legislativo, sempre, é claro, por meio de lei (no mais das vezes ordinária, mas, no caso dos empréstimos compulsórios e dos impostos residuais, complementar).

Cristinano Carvalho375 reforça a idéia de facultatividade do exercício da

competência tributária lembrando que inexiste sanção implicada pela ausência do

exercício da competência tributária, posto que existente a Lei de Responsabilidade

Fiscal (Lei Complementar 101/2000).

Não obstante, entendemos que o exercício da competência tributária pode

ser obrigatório em algumas situações. Essas situações atendem a duas linhas

condutoras, que são o pacto federativo e a necessidade de equilíbrio fiscal, ambas

impostas pelo modelo de Estado Federativo adotado pela Constituição.

O exercício da competência tributária será obrigatório nas hipóteses em que

a respectiva ausência puder afetar o equilíbrio do pacto federativo, ao conceder

vantagens desproporcionais ou não-razoáveis a um ente federado em detrimento de

outro. Nos quadrantes do Sistema Econômico, o valor do tributo é sempre um custo

(não-ter), que sempre que possível deve ser arrefecido ou anulado. A carga

tributária afeta, portanto, a escolha baseada preponderantemente no código do

374

Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 630. 375

Teoria do sistema jurídico: Direito, economia, tributação, p. 319.

162

Sistema Econômico, que se refere à instalação ou à execução de operações que

visem lucro (operações econômicas – mercantis, financeiras, prestação de serviços

etc.).

É possível conceber que um ente federado reduza drasticamente a carga

tributária aplicável às operações que ocorrem em seu âmbito de competência

(especialmente definido pelo âmbito territorial) como instrumento para fomentar o

desenvolvimento econômico, atraindo empresas e gerando empregos. A concessão

descontrolada de tais benefícios, contudo, afeta o equilíbrio e o relacionamento entre

os entes federados, pois cada um possui conjuntura social-econômica específica.

Cada ente federado possui capacidade diferenciada no que se refere à concessão

de benefícios fiscais, circunstância que agrava ainda mais o relacionamento entre os

entes federados nos cenários em que há política agressiva de incentivos.

A mútua concessão descontrolada e agressiva de benefícios fiscais, como

forma de fomento da atividade econômica, chama-se guerra fiscal376.

A Constituição contém mecanismos dedicados ao controle da guerra fiscal.

Entre eles está a reserva de convênio interestadual para autorização à concessão

de benefícios fiscais em matéria do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS)377-378.

Em sentido semelhante, a instituição do ICMS atende à necessidade de

estruturação de uma linha de tributação que supera os interesses individuais de

cada estado. O fluxo de positivação do ICMS é intrincado e abrange uma série de

operações interestaduais, cujo conteúdo depende muitas vezes da operação anterior

e da operação que lhe será sucedânea. Nesse sentido, a omissão de um ente

federado pode prejudicar os demais ao modificar o esquema de tributação esperado

e talhado no texto constitucional.

376

Daniel Monteiro Peixoto oferece a seguinte contribuição (Guerra fiscal via ICMS: Controle dos incentivos fiscais e os casos “Fundap” e Comunicado Cat nº 26/2004. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 67.): “‟Guerra fiscal‟, na acepção construída pelos tribunais, imprensa e literatura especializada, é expressão que representa metaforicamente o esforço competitivo entre pessoas políticas para que a alocação de investimentos privados seja direcionada aos seus respectivos territórios. A principal „arma‟ é a concessão de benefícios e incentivos fiscais”. 377

Art. 155, XII, g, da Constituição: “Art. 155. [...] XII - cabe à lei complementar: [...] g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.” 378

A Lei Complementar 24/1964 dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, além de “dar outras providências”.

163

Situação semelhante se dá com o Imposto sobre Serviços de Qualquer

Natureza (ISSQN), especialmente em relação a municípios que estão em áreas

próximas, conurbadas ou não. Em um dos cenários possíveis, um dado município

pode prescindir de toda a receita gerada com a arrecadação do ISSQN, ou de parte

dela, pois consegue suprir suas despesas com os repasses que lhe são devidos

com a repartição de receitas tributárias379 ou com a arrecadação de outros tributos.

Para estimular a criação de empregos com a migração de empresas prestadoras de

serviço, tal município pode planejar reduzir o valor do ISSQN ou simplesmente não

cobrá-lo. Esse tipo de concorrência pode frustrar as expectativas dos demais

municípios que se encontrem no raio logístico do ente que deseja conceder os

incentivos fiscais. Para evitar os atritos decorrentes de tal postura, a Constituição

prevê alíquotas mínimas para o tributo e também vincula a concessão de incentivos

a mecanismo de controle central (art. 153, § 3º, I e III, da Constituição).

A obrigatoriedade do exercício pleno da competência tributária também se

justifica ante a necessidade de equilíbrio fiscal. A harmonia e a regularidade do

orçamento público é dado de interesse central, que extrapola a conveniência local

para se tornar problema de âmbito nacional. Sem justificação plausível, não é dado

ao ente competente deixar de instituir os tributos que a constituição entrega ao

respectivo campo legislativo380.

Nesse contexto, não há óbice para que o Sistema Jurídico contenha

programas voltados a fazer com que o ente tributante institua todas as exações que

lhe são permitidas, isto é, esgote sua competência tributária.

Infirmada a “regra geral” com a identificação de ao menos uma instância que

nega a proposição, não aderimos à linha que expõe a facultatividade do exercício

como característica da responsabilidade tributária.

Em síntese, entendemos que apenas a incaducabilidade, a indelegabilidade

e a irrenunciabilidade são características da competência tributária.

Ao reconstruir em termos formais a norma arquetípica da competência

tributária, Cristiane Mendonça381 articula engenhosamente os limites formais e os

limites materiais como critérios no conseqüente da respectiva proposição normativa.

379

Cf. art. 158, I, II, III e IV, da Constituição. 380

Uma das escusas plausíveis é a total ineficiência da instituição do tributo, quando comparados o custo de arrecadação e o retorno potencial da tributação (quer dizer, quando tributar se torna mais caro do que se pode arrecadar). 381

Competência tributária, p. 71.

164

Por limites formais entende aquela autora os parâmetros que identificam o sujeito

competente e o procedimento previsto para que a norma tributária ingresse no

sistema (semelhante ao conceito de norma sobre a produção jurídica exposto por

Tárek Moysés Mousallem382). Já os limites materiais se assemelham a dados de

baliza para controle semântico ou hermenêutico do sentido da norma jurídica, no

sentido de que a norma produzida com amparo na competência tributária deve ter

seu sentido compatível com os sentidos possíveis emanados do texto constitucional.

2.3.3.5.2.3 Normas gerais em matéria tributária (Lei Complementar)

As normas gerais em matéria tributária desempenham papel relevante na

salvaguarda do pacto federativo e operam como fundamento de validade

intermediário de uma série de normas que versem sobre tributação. A estruturação

de tais normas e seu alcance, contudo, costuma ser envolta em densas discussões

científicas de profunda aplicabilidade pragmática.

Paulo de Barros Carvalho383 traça os primórdios da discussão acerca da

estrutura e do alcance das normas gerais em matéria tributária (art. 146 da

Constituição) a partir de duas linhas históricas de interpretação do art. 18, § 1º, da

Constituição de 1967.

Uma das linhas, tida por mais conservadora, construía o artigo da Carta de

1967 de forma a eleger o processo legislativo pertinente à lei complementar como a

fonte de proposições que versassem sobre normas gerais em direito tributário,

dispusesse sobre conflitos de competência entre os entes federados e regulasse as

limitações ao poder de tributar. Tratava-se de interpretação que privilegiava a

literalidade do artigo constitucional. O conjunto de argumentos favoráveis a essa

concepção é usualmente chamado de “teoria tricotômica” (em razão das três

funções que são atribuídas à lei complementar prevista no art. 18, §1º, da

Constituição de 1967 e no art. 146 da Constituição de 1988).

A outra linha interpretava o texto constitucional jungindo a disposição sobre

conflitos de competência e sobre a regulação das limitações ao poder de tributar à

categoria de normas gerais em direito tributário. O espectro das normas gerais,

centralizador e interventivo, recedia por pressão do pacto federativo e da aferente

382

Fontes do Direito Tributário, p. 101. 383

Curso de Direito Tributário, p. 201-206.

165

autonomia dos entes federados. Temia-se que a vagueza do termo “normas gerais”

levasse à validação de normas predispostas à invasão, pela União, do campo de

competência atribuído aos demais entes federados. Havia, ainda, apreensão quanto

ao conteúdo possível de tais normas, circunstância que, se contrastada com a

rigorosa partilha efetuada no campo constitucional, tendia a frustrar a expectativa

cuja estabilidade marca a segurança jurídica384. A literatura jurídica costuma referir-

se a tal tipo de argumentação como “teoria dicotômica” (pois reduz as funções da lei

complementar prevista no art. 18, § 1º, e no art. 146 da Constituição de 1988 a

duas).

Ao examinar o regime federal da Lei Fundamental alemã, Hans-Jochen

Vogel385 (Juan Joaquín Vogel) isolou dois dados sobre a justificação do princípio

federativo, que nos podem ser úteis:

Su sentido y essência [refere-se ao princípio federativo] consisten em la preservación de la diversidad regional – que allí donde exista está historicamente determinada –, en las mayores posibibilidades de despliegue de la pluralidad dentro de un marco humanamente abarcable, en la presencia de una mayor gama de posibilidades de comprometerse com en bien común – em suma, en la descentralizacion –. La implantacion de um Estado federal exige una atribuición diferenciada de responsabilidades, una delimitación de competencias sobre matérias determinadas en favor de decisores autonomos. En la cultura, como em otras esferas, la existência de Estados federados hace posible que sean en mayor medida los hombres, grupos e instituciones quienes configuren su propria vida; supone una fuerza contraria a la homogeneización, y com ello a la nivelación, pero igualmente a la concentración geográfica de la vida cultural de toda la República en um solo núcleo. (Grifo nosso.)

Reforça a justificação do Estado federal a Democracia, na medida em que a

estrutura federativa assegura a liberdade política do cidadão386.

A existência de mecanismo que tem potencial para invadir e reescrever os

limites da competência tributária de outros entes federados, eis sua vagueza, é um

sério risco à preservação da autonomia que lhes é conferida. Nesse contexto, a

teoria dicotômica é vicária de uma válvula de calibração e ponderação, destinada a

evitar a absorção de ordens locais pela ordem nacional. Vale dizer, o

reconhecimento de apenas duas funções para a lei complementar prevista no art.

384

Confira-se CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 203. 385

VOGEL, Juan Joaquín. El régimen federal de la Ley Fundamental. In: BENDA, Ernst et al. Manural de Derecho Constitucional. Madri: Marcial Pons, 1996. p. 621. 386

Ibidem, p. 623.

166

18, § 1º, da Constituição de 1967 visa a preservar a coordenação existente entre os

entes federados, cujo molde é estabelecido pela Constituição.

A mesma tensão foi transportada para a Constituição de 1988. Prescreve o

art. 146 da Carta Magna contemporânea:

Art. 146. Cabe à lei complementar [redação dada pela EC 42, de 19/12/2003]: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239 Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I - será opcional para o contribuinte; II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. [...] Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. [Incluído pela Emenda Constitucional 42, de 19/12/2003.]

Opõem severas restrições à construção do alcance das normas gerais em

matéria tributária Roque Antônio Carrazza387, José Eduardo Soares de Melo388 e

Rogério Leite Lobo389.

387

Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 857-868/876-884 388

Diz (Curso de Direito Tributário, p. 145): “Creio que a norma em pauta [refere-se ao art. 146 da Constituição] não alberga lei nacional aplicável às entidades periféricas, porque não pode impedir, tolher, sequer desvirtuar o exercício de seus direito públicos subjetivos. Sua edição – sempre respaldada nas implícitas diretrizes constitucionais – não se faz imprescindível para a plena atuação dos poderes tributários, só tendo eficácia no âmbito federal, em razão de o mesmo órgão (Congresso Nacional) ser o produtor das normas federais. Conclui-se que a lei complementar objetiva explicitar a

167

Em sentido diverso, opinam Sacha Calmon Navarro Coelho390, Luciano

Amaro391, Humberto Ávila392, Gilberto Ulhoa Coelho, Hamilton Dias de Souza393,

Heleno Taveira Tôrres394, entre outros.

Sugerimos que a resolução do ponto passa, inicialmente, pelo exame do art.

24, I e parágrafos, da Constituição, assim redigidos:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...] § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

norma constitucional de eficácia limitada, caracterizando-se como lei nacional, que fundamenta a legislação federal, estadual e municipal”. 389

Federalismo fiscal brasileiro: Discriminação das rendas tributárias e centralidade normativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 163-171. 390

Confira-se Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 115-126. 391

Confira-se Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 168-170. 392

Humberto Ávila lança três fundamentos para reconhecer a terceira função da lei complementar prevista no art. 146 da Constituição (“normas gerais em matéria tributária”). Em primeiro lugar, o modelo federativo brasileiro é eminentemente centralizado, e a interpretação do alcance das normas gerais deve seguir tal vetor (não há embate direto entre o pacto federativo e as normas gerais em matéria tributária). O segundo argumento consiste na negativa ao esvaziamento do sentido construído a partir do texto do art. 146 da Constituição. O exame de princípios, segundo entende, não pode negar por completo o significado normativo mínimo extraído do texto legal. Finalmente, em terceiro lugar, aquele autor aponta que os órgãos jurisdicionais brasileiros, e em especial o Supremo Tribunal Federal, vêm reconhecendo o papel específico das normas gerais em matéria tributária. Confira-se ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, p. 137-139. 393

“Tem razão o Prof. Geraldo Ataliba ao afirmar que a regra em questão (art. 18, § 1º) deve ser interpretada restritivamente. Porém, não pode a interpretação revogar parcialmente a norma jurídica, restringindo-a ao ponto de eliminar parte integrante da mesma, como quer o mencionado autor, mesmo porque, limitando-se a lei complementar, no caso, a regular limitações e conflitos de competência, a expressão „estabelecerá normas gerais‟ seria totalmente inútil, não podendo inferir que o texto constitucional contenha frases inteiras despidas de significação e eficácia. [...]. Não há, portanto, supressão da autonomia local em face das normas gerais. Há, sim, delimitação das competências locais para assegurar a unidade e a racionalidade do sistema”. SOUZA, Hamilton Dias de. Normas gerais de Direito Tributário. Direito Tributário 2. São Paulo: Bushastky, 1974. p. 31/34. 394

Heleno Taveira Tôrres parte dos fundamentos da “teoria dicotômica” para modificá-la em obediência aos vetores de segurança jurídica e estabilidade que permeiam as funções da “lei complementar em matéria tributária”. Argumentou aquele autor que (Código Tributário Nacional: Teoria da codificação, funções das leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2001. n. 71, p. 97): “Nesse particular, a lei complementar deverá ser adotada pela União como instrumento inafastável para exercer suas respectivas competências na criação de „normas gerais‟. Numa leitura sistemática do art. 146, que é regra típica de Constituição Nacional, „normas gerais‟ somente serão aquelas que venham a ser criadas seguindo tal espírito; quando o legislativo da União, revestindo-se das magnas funções de legislador nacional, as introduzirá no ordenamento para: i) regular limitações constitucionais ao poder de tributar, detidamente àquelas que exigem lei específica para surtir seus efeitos; ii) evitar conflitos de competência entre as pessoas tributantes, ao dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos já identificados na Constituição; iii) definir os tributos e suas espécies; iv) harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de obrigação, lançamento e crédito; e v) uniformizar prazos de decadência e prescrição; vi) fomentar, de modo harmonizado, adequado tratamento tributária ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”.

168

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

O art. 24 da Constituição encerra o núcleo do modelo de pacto federativo

adotado pelo sistema jurídico brasileiro. Trata-se de estrutura fortemente

centralizadora, em que uma das pessoas de direito público interno recebe uma série

de instrumentos para zelar pela unidade do conjunto formado por todos os entes

federados e pela padronização de expectativas.

Por suspenderem a eficácia de normas locais, em caso de contrariedade (§

4º), as normas gerais pertinentes a qualquer matéria formulam homogeneidade e

harmonia dentro do sistema. A configuração das normas gerais no Sistema Jurídico

Brasileiro são indicativos conspícuos de modelo em que a concentração prepondera,

porquanto demarcam negativamente o campo de atuação dos demais entes

federados e por terem amplo alcance (basta ver a extensão do rol de matérias

sujeitas à competência concorrente).

A concentração do papel de pacificador na esfera da União permeia

diversos outros mecanismos, como a intervenção federal (art. 21, V, da

Constituição), a elaboração e manutenção de planos nacionais e regionais de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (art. 21, IX, da

Constituição), a manutenção do correio aéreo e do serviço postal nacional (art. 21,

X, da Constituição), a organização, manutenção e inspeção da organização do

trabalho (art. 21, XXIV, da Constituição), entre outros.

Assim, argumentamos que a função das normas gerais em matéria

tributária395 é unificar no seio da Federação o regramento de certos aspectos da

tributação, como mecanismo de estabilização de expectativas frente aos plúrimos

interesses acalentados por entes tributantes e por sujeitos passivos. O termo “geral”

se refere preponderantemente à aplicabilidade das normas ao grupo formado por

todos os entes federados e os municípios396.

395

No Sistema Jurídico Brasileiro. 396

Rubes Gomes de Souza escreveu em seu relatório sobre o Projeto do Código Tributário Nacional (Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954, p. 88/89): “Quanto à primeira e à segunda condições propostas por CARVALHO PINTO, ou seja, a aplicabilidade simultânea aos três níveis de governo e à generalidade das situações ou institutos jurídicos de uma mesma condição ou espécie, a Comissão as observou como

169

Colhemos a opinião em sentido semelhante de Sacha Calmon Navarro

Coelho397:

A grande vantagem [da força da União como ente legislativo] está na unificação do sistema tributário nacional, epifenômeno da centralização legislativa. De norte a sul, seja o tributo federal, estadual ou municipal, o fato gerador, a obrigação tributária, seus elementos, as técnicas de lançamento, a prescrição, a decadência, a anistia, as isenções etc. obedecem a uma mesma disciplina normativa, em termos conceituais, evitando o caos e a desarmonia. Sobre os prolegômenos doutrinários do federalismo postulatório da autonomia das pessoas políticas prevaleceu a praticidade do Direito, condição indeclinável de sua aplicabilidade à vida. A preeminência da norma geral de Direito Tributário é pressuposto de possibilidade do CTN (veiculado por lei complementar).

398

Em sentido semelhante, ouçamos a preleção de Eurico Marcos Diniz de

Santi399:

Note-se que, com esse sentido [normas gerais “significava o conjunto de preceitos que regiam a atividade positiva dos entes” federados], a expressão cunhada por ALIOMAR BALEEIRO, de que derivou a expressão normas gerais em matéria de legislação tributária, não arranha o pacto federativo, como querem aqueles que levam em consideração apenas os Incisos I e II do Art. 145. Pelo contrário, funciona como expediente demarcador desse pacto, posto que [sic], com sua generalidade, além de uniformizar a legislação, evitando eventuais conflitos interpretativos entre as pessoas políticas, garante o postulado da isonomia entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

regras invariáveis, porém com a ressalva formulada por ALIOMAR BALEEIRO no tocante à eventual peculiaridade do instituto ou situação regulados, respeitados, como é óbvio, os preceitos expressos ou implícitos de uniformidade legislativa [....]. Uma peculiaridade do Código Tributário brasileiro, que o distinguirá de todos os demais da mesma natureza, é justamente o caráter nacional decorrente da sua aplicabilidade simultânea aos três níveis de governo integrantes da Federação. Essa característica é fundamental, porquanto a sua influência não se restringe aos aspectos imediatamente decorrentes da implantação constitucional no que se refere à competência legislativa, mas evidentemente se estende a toda a sistemática do direito tributário substantivo regulado no Código. Por outras palavras, a Comissão teve presente que o Código, embora atribuído à competência federal por uma razão óbvia de hierarquia, não será lei „federal‟ mas „nacional‟; e ainda, que suas disposições constituirão antes regras informativas endereçadas ao legislador tributária, afetando o contribuinte, na maioria dos casos, apenas indiretamente, através de sua aplicação por parte daquele”. 397

Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 122. 398

Rogério Leite Lobo critica a posição de Sacha Calmon com palavras assim vazadas: (Federalismo fiscal brasileiro, p. 167): “Ora, não seria essa a melhor maneira de se encarar questão de tal envergadura. Conquanto se admita certa maleabilidade na caracterização do Estado Federal em função das condicionantes históricas que o tenham moldado, viu-se que um Estado como o reconhecido pelo mestre mineiro [refere-se a Sacha Calmon] nas entrelinhas da Carta de 1988 [...] sem que se reconheça aos governos locais autonomia normativa e financeira – estaria melhor enquadrado na conceituação dada por HANS KELSEN para os Estados Unitários descentralizados administrativamente, muito longe da conformação mínima do Estado Federal que deverá se alcançar”. 399

Decadência e prescrição no Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 86.

170

Ao estabelecer a observância obrigatória de determinados preceitos aos

entes tributantes e aos sujeitos passivos, harmonizando o tratamento que deverá ser

dispensado às respectivas condutas, as normas gerais robustecem a segurança

jurídica. Sem o componente aleatório, pois a contingência foi restringida, o

empreendedor terá cenário menos instável para planejar suas atividades.

Souto Maior Borges400 lembra, a propósito, que a formulação das normas

gerais antecedeu à Constituição de 1946, quando uma série de decretos estipulava

o conceito de local da operação para a tributação com o Imposto sobre Vendas e

Consignações (IVC). Ponderamos que, provavelmente, por necessidade de

uniformização do tratamento tributário dispensado às operações de circulação

econômica interestaduais.

As normas gerais em matéria tributária não violam o pacto federativo ao

obrigarem os entes federados a observar vetores comuns na estipulação de alguns

conceitos ligados à tributação, como hipóteses de incidência e bases de cálculo. Por

exemplo, a comunhão da definição estipulativa para o conceito de local de prestação

do serviço (critério espacial) aumenta o grau de certeza quanto à incidência do

Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, independentemente do município

que pretenda cobrá-lo. A adoção de um conceito comum para “circulação de

mercadorias” (ICMS) segue no mesmo sentido.

Também não se cogita contrariedade à Constituição na observância

obrigatória de modelos normativos sobre a constituição do crédito tributário, o

controle do respectivo processo de positivação e sua cobrança, como prescrição e

decadência401, suspensão da exigibilidade do crédito tributário, procedimento e

espécies de lançamento etc. O aumento da quantidade de normas é proporcional à

quantidade de recursos necessários para que o sujeito passivo se adapte às

obrigações tributárias e aos deveres instrumentais que lhe são impostos. O custo

com tax compliance tornar-se-ia impraticável, por exemplo, se sujeitos passivos que

400

Normas gerais de Direito Tributário: Notas taquigráficas de aula e debates no III Curso de Especialização em Direito Tributário realizado no 2º semestre de 1972, na Universidade Católica de São Paulo (aula do dia 23/09/1972). Revista de Direito Público, São Paulo, n. 31, p. 251-252, 1974. 401

Sobre a caracterização da prescrição e da decadência como matérias sujeitas às normas gerais, transcrevemos a seguinte passagem do voto do ministro Carlos Velloso, relator do RE 138.284 (Pleno, DJ de 28/08/1992): “A questão da prescrição e da decadência, entretanto, parece-me pacificada. É que tais institutos são próprios da lei complementar de normas gerais (art. 146, III, b). Quer dizer, os prazos de decadência e de prescrição inscritos na lei complementar de normas gerais (CTN) são aplicáveis, agora, por expressa definição constitucional, às contribuições parafiscais (C.F., art. 146, III, b; art. 149)”.

171

operam no território pertencente a inúmeros municípios tivessem de manter rigoroso

controle de diferentes normas relativas tão-somente à prescrição e à decadência

(que cada um dos mais de cinco mil municípios brasileiros estabelece). Que dizer,

então, se houvesse diversidade de critérios aplicáveis à formação do crédito

destinado a vedar a cumulatividade na cobrança do Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS), se eles pudessem ser eleitos idiossincraticamente

pelos vinte e seis Estados e pelo Distrito Federal?

Nesse quadro, a lei complementar de normas gerais em matéria tributária

tem nítido caráter nacional e, portanto, não opera, simplesmente, como lei federal

destinada a vincular apenas a União e as entidades que a ela são subordinadas.

A tensão entre o alcance das normas gerais em matéria tributária e o grau

de complacência da esfera de aptidão que foi conferida aos entes federados é

definida por dois aspectos complementares do pacto federativo, que se colocam em

posições antípodas. De um lado, há o modelo centralizador utilizado na Carta de

1988, que concentra na União a incumbência de planificar e homogeneizar diversos

pontos do exercício da competência tributária. A força que emana da aptidão que foi

conferida à União para dispor sobre assuntos que são de interesse dos demais

entes federados aparentemente inibe a autonomia dos estados, o Distrito Federal e

os municípios (nota-se preponderância da União no Estado Federado Brasileiro). De

outro, a rigorosa repartição de competência e a circunstância de a Constituição

possuir mecanismos destinados a garantir certa latitude de autonomia aos entes

federados402, dados que indicam a importância que deve ser atribuída ao resguardo

das pessoas políticas internas.

No cálculo entre os dois vetores (modelo centralizador versus manutenção

da autonomia dos entes federados), as normas gerais em matéria tributária devem

ser construídas de forma a não aniquilarem ou tolherem severamente a competência

atribuída aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

402

Um desses mecanismos está previsto no art. 160 da Constituição: “É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos”. Confiram-se ainda as razões que conduziram à adoção da Súmula 578 da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que tem o seguinte enunciado: “NÃO PODEM OS ESTADOS, A TÍTULO DE RESSARCIMENTO DE DESPESAS, REDUZIR A PARCELA DE 20% DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS, ATRIBUÍDA AOS MUNICÍPIOS PELO ART. 23, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL” (DJ de 03/01/1977).

172

Como visto, a observância obrigatória de normas relativas à

responsabilidade tributária, imposta aos entes federados, não viola o pacto

federativo.

É ainda relevante apontar o potencial caráter híbrido das normas gerais em

matéria tributária. Por sua ampla abrangência, as normas gerais em matéria

tributária costumam ser tomadas como normas de estrutura, isto é, proposições de

sentido dêontico completo ou incompleto que fundamentam a instituição de outras

normas gerais e abstratas403. As normas gerais em matéria tributária funcionam

como fundamentação intermediária de algumas normas jurídicas porquanto

estabelecem o alcance material, ou o procedimento adequado e os sujeitos

competentes para criação, das normas tributárias. As normas tributárias que sofrem

a influência das normas gerais são gerais e abstratas.

Isso se dá, por exemplo, com a definição da base de cálculo do ISSQN, que,

nos termos do art. 7º, § 2º, I, da Lei Complementar 116/2003 de 31/07/2003, não

incluirá o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de execução,

por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil,

hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem,

perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem,

pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e

equipamentos e dos serviços de reparação, conservação e reforma de edifícios,

estradas, pontes, portos e congêneres.

Algumas normas gerais em matéria tributária, no entanto, podem ser

aplicadas diretamente para a criação de normas jurídicas individuais e concretas que

enlacem o sujeito passivo.

São exemplos de normas gerais que fundamentam a extração de normas

individuais e concretas aquelas que estabelecem a decadência e a prescrição e a

suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Ao examinarmos os parâmetros para controle da atribuição de

responsabilidade tributária existentes no Código Tributário Nacional, veremos que o

Sistema Jurídico Brasileiro contém normas que permitem aos entes federados inovar

403

É possível conceber outro modelo de operação para as normas gerais. No modelo alternativo, as normas gerais não operam como fundamento de validade de outras normas. Se houver conflito entre a norma geral e a norma específica, a antinomia é resolvida pela invalidação da norma específica, nos termos do art. 24, § 4º, da Constituição. Para essa linha de raciocínio, a contrariedade não implica violação da norma geral, mas, sim, violação da Constituição, que estabelece o critério para escolha de qual norma deverá incidir (a geral, nunca a específica).

173

o campo das normas gerais e abstratas em matéria de responsabilidade404.

Constataremos também a existência de normas de responsabilidade tributária que

levam à criação de normas individuais e concretas, enlaçando responsáveis ao

sujeito ativo, ambos já identificados em coordenadas de espaço-tempo.

2.3.3.5.2.4 Instituição da regra-matriz em legislação ordinária ou complementar

Neste estágio do fluxo de positivação, o legislador erige a norma que institui

o tributo, descrevendo todos os critérios pertinentes à hipótese de incidência e

prescrevendo a obrigação de recolhimento de valor relativa ao crédito tributário.

Trata-se de resultado do exercício da competência tributária, que ejeta no sistema

norma geral e abstrata.

O exercício da competência tributária é imprescindível para que ciclo de

incidência da regra-matriz se complete e assim valide a pretensão do sujeito passivo

ao recebimento do valor devido a título de tributo. Não basta a aptidão para instituir o

tributo, que é meramente potencial. Sem a linguagem pertinente ao estágio de

criação da regra-matriz, geral e abstrata, não haverá fundamento para a norma

individual e concreta que traduzirá a relação jurídica tributária.

Quadro marcado pela ausência da norma que institui o tributo já foi

examinado pelo Supremo Tribunal Federal, em uma série de oportunidades em que

se discutia a incidência do ICMS sobre operações de fornecimento de alimentação e

bebidas. Posto que a Corte reconhecesse que a atividade desempenhada por bares

e restaurantes redundasse em operação de circulação de mercadorias405, a

tributação somente seria válida se houvesse norma local que previsse tais

operações como critério material do ICMS.

Nesse sentido, foi adotada a seguinte redação para o verbete da Súmula

574 da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (DJ de 03/01/1977):

SEM LEI ESTADUAL QUE A ESTABELEÇA, É ILEGÍTIMA A COBRANÇA DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS SOBRE O FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO E BEBIDAS EM RESTAURANTE OU ESTABELECIMENTO SIMILAR.

404

I.e., descrevendo novas hipóteses que implicam a obrigação de recolhimento de valor análogo ao do crédito tributário. 405

Confiram-se, por todos, o RE 128.877, rel. min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 27/11/1992, e o RE 144.795, rel. min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ de 12/11/1993.

174

A existência de norma geral e abstrata que impute ao responsável a

obrigação de pagar valor análogo ao valor do crédito tributário também é da

essência do fluxo de positivação da responsabilidade tributária. Não basta haver

competência para a eleição de responsáveis tributários – essa competência precisa

ser exercida.

Os tributos devem ser instituídos em lei, isto é, a comunicação tendente a

sua criação necessita acompanhar o procedimento previsto para o instrumento “lei”

(art. 150, I, da Constituição). Se a Constituição não especificar a espécie de lei

necessária, assume-se que o procedimento adequado é aquele pertinente à lei

ordinária406. O processo de formação de lei complementar (art. 69 da Constituição)

somente é necessário se expressamente previsto (e.g., para a criação de novas

fontes de custeio da Seguridade Social, ex vi do art. 195, § 4º, da Constituição).

As normas pertinentes à responsabilidade tributária devem ser instituídas em

lei ordinária pelos entes federados. A União, quando estabelece normas gerais em

matéria de responsabilidade, deve utilizar o processo legislativo próprio da lei

complementar. Da divisão de competência entre a União e os demais entes

federados e os municípios, surge a questão acerca da possibilidade de a primeira

disciplinar a atribuição de responsabilidade de certa maneira em termos gerais

(abrangência nacional), posto que estabeleça normas diferenciadas para tratar da

matéria no que se refere ao interesse exclusivamente federal (responsabilidade em

relação aos créditos tributários da União). Vamos abordar a indagação quando

estudarmos os parâmetros constitucionais para atribuição de responsabilidade

tributária.

Alguns autores, como José Afonso da Silva407, examinam as acepções de

“lei” em sentido formal e em sentido material. Nosso interesse se volta à

406

Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.028-MC. Relator Ministro Moreira Alves. Ementa parcial: – De há muito se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que só é exigível lei complementar quando a Constituição expressamente a ela faz alusão com referência a determinada matéria, o que implica dizer que quando a Carta Magna alude genericamente a "lei" para estabelecer princípio de reserva legal, essa expressão compreende tanto a legislação ordinária, nas suas diferentes modalidades, quanto a legislação complementar”. RTJ 174/58. 407

Pondera José Afonso da Silva (Processo constitucional da formação das leis. 2. ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 26): “No sentido material, a lei consiste num ato normativo de caráter geral, abstrato e obrigatório, tendo como finalidade o ordenamento da vida coletiva, no sentido de trazer certeza, precisão e garantia às relações jurídicas. [...] Não importa quem o produza. [...] Considerando-se, pois, a lei tão-só quanto à forma em que é editada, é o ato jurídico votado pelo Congresso, pelo Parlamento, abstração feita de seu conteúdo”.

175

identificação dos critérios que levam ao reconhecimento de determinada instância de

comunicação como jurídica ou não. Para nós, a caracterização de “lei” segue o

exame do procedimento de enunciação e da pessoa que enunciou, tal como previsto

pela Constituição e por normas legais espalhadas por outros instrumentos. “Lei”,

portanto, é o produto de procedimento legislativo qualificado pelo Sistema Jurídico

como tal.

A doutrina e os tribunais brasileiros já registram discussões acerca da

possibilidade de os tributos serem instituídos pelo procedimento que desemboca na

criação de medidas provisórias. Atualmente a questão se encontra superada, em

razão da superveniência da Emenda Constitucional 32/2001, que incluiu o § 2º ao

art. 62 da Constituição (“medida provisória que implique instituição ou majoração de

impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos

no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia

daquele em que foi editada”). Mesmo antes da publicação da EC 32/2001, o

Supremo Tribunal Federal já havia firmado orientação no sentido do cabimento de

medida provisória para modificar a regra-matriz dos tributos cuja instituição não

reclamava lei complementar408.

2.3.3.5.2.5 Regulamentação e outras determinações infra-ordinárias

A regulamentação consiste na criação de normas destinadas a aparelhar a

aplicabilidade de normas veiculadas por instrumentos legislativos ordinários ou

supra-ordinários409. O ponto de partida para exame da matéria é o art. 84, IV, da

Constituição, que dispõe competir “privativamente ao Presidente da República

408

Confira-se, por todos, o RE 132.284, rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de 38/09/1992. 409

Segundo Celso Ribeiro Bastos, há três espécies de regulamento: autônomo, delegado e de execução. Sobre o último, diz (Curso de Direito Constitucional, p. 369): “Diante de tão inequívocos parâmetros, é perfeitamente lícito afirmar-se o caráter de execução dos nossos regulamentos, emanados em desenvolvimento da lei. Podem, entretanto, agregar elementos à norma legal, para tornar suas obrigações de mais fácil aplicação. São insuscetíveis, entretanto, de criar obrigações novas, sendo apenas aptos a desenvolver as existentes na lei. Eis por que serão sempre secundum legem sob pena de extravasamento ilegal de sua esfera de competência”. Ao examinar a finalidade e natureza da competência regulamentar, disse Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, p. 319): “Ditas normas [regulamentares] são requeridas para que se disponha sobre o modo de agir dos órgãos administrativos, tanto no que concerne aos aspectos procedimentais de seu comportamento quanto no que respeita aos critérios que devem obedecer em questões de fundo, como condição para cumprir os objetivos da lei”. Celso Antônio Bandeira de Mello apenas concebe o exercício de faculdade regulamentar na seara administrativa, isto é, se a aplicação da norma depender de ação estatal calcada na função administrativa.

176

sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e

regulamentos para sua fiel execução”.

Segundo José Afonso da Silva410:

A distinção fundamental [entre lei e regulamento], hoje aceita pela generalidade dos autores, está em que a lei inova a ordem jurídico-formal, seja modificando normas preexistentes, seja regulando matéria ainda não normatizada, ao passo que o regulamento não contém, originariamente, novidade modificativa da ordem jurídico-formal; limita-se a precisar, pormenorizar, o conteúdo da lei. É, pois, norma jurídica subordinada.

Com apoio na orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo

Superior Tribunal de Justiça, Leandro Paulsen411 lembra que:

Se, de um lado, não podem [refere-se a atos normativos infralegais] inovar em matéria sob reserva legal, como a definição dos aspectos das normas tributárias impositivas, de outro, podem validamente dispor sobre o vencimento dos tributos, definir o indexador que servirá à correção já determinada por lei, especificar obrigações acessórias como a inscrição no CNPJ, regulamentar procedimentos de fiscalização tributária. Quando não ofendem reserva legal nem contrariam dispositivos legais têm tanta eficácia normativa quanto as normas superiores, vinculando a administração e os contribuintes.

Em todas as definições e em todos os estudos pesquisados sobre o papel

da regulamentação no Sistema Jurídico Brasileiro, sobressai, em maior ou em menor

extensão, a noção de tangled hierarchy. As definições estipulativas redundam em

escolhas que estabelecem parâmetros à intenção ou à extensão das expressões. Ao

pormenorizar ou esclarecer, é possível que a comunicação trazida pelo ato infra-

ordinário acabe definindo o alcance do termo que deveria ser, por seu turno, o

limitador do ato infra-ordinário. É o que se dá nas hipóteses em que o ato infra-

ordinário prescreve quais são os dados necessários à inscrição em cadastro de

contribuintes, dado que a norma interpretada do texto de lei se refere abstratamente

a “cadastro”.

A norma extraída da interpretação da “lei” serve de fundamento de validade

quanto ao fundo do ato infra-ordinário. O descolamento entre ambos leva à

invalidade do ato infra-ordinário. Eventual dificuldade no controle semântico pode

surgir devido ao grau de dissociação entre as acepções possíveis do termo trazido

410

Processo constitucional de formação das leis, p. 34. 411

Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 122.

177

em texto de lei e a definição colocada pelo ato infra-ordinário (por exemplo, não há

dúvida entre a compatibilidade de norma que estabeleça a Secretaria da Receita

Federal do Brasil como entidade competente para a fiscalização de tributos federais,

e ato infra-ordinário que estabeleça que a fiscalização de sujeitos passivos que

tenham receita bruta superior a determinado valor seja realizada pelo órgão “X” da

entidade).

É importante apontar, também, que o Sistema Jurídico Brasileiro

contemporâneo não admite a figura do decreto autônomo. Por “decreto autônomo”

entende-se o ato normativo expedido pelo Chefe do Poder Executivo, pelo

procedimento de enunciação pertinente aos “decretos”, com o viés de inovar o

sistema jurídico sem amparo de normas trazidas em lei específica.

2.3.3.5.2.6 Constituição do crédito tributário e da relação jurídica de

responsabilidade

O percurso do fluxo de positivação do Direito não se esgota com a criação

de normas gerais e abstratas. Para atender a sua função, que é estabilizar as

expectativas, o Direito necessita alcançar as regiões mais próximas à concreção.

Isso ocorre durante os atos de aplicação do Direito que levam à extração de normas

jurídicas individuais e concretas, isto é, que se referem a dados colhidos com

coordenadas de espaço-tempo que se referem diretamente à concreção412.

No campo da tributação, esta etapa do fluxo de positivação do Direito

corresponde à constituição do crédito tributário, em relação ao tributo, e à

constituição da obrigação por responsabilidade, quanto à responsabilidade tributária.

Assim como se dá para todos os estágios do fluxo de positivação do Direito,

a constituição do crédito tributário pressupõe linguagem – ou melhor, ato de

comunicação, vertido em linguagem, destinado a enunciar a norma individual e

concreta. Para ser reconhecido pelo sistema jurídico, esse ato de comunicação deve

atender aos requisitos estatuídos pelo próprio sistema jurídico.

412

Pontua Eurico Marcos Diniz de Santi, ao discorrer sobre a motivação do lançamento (Lançamento tributário. 2. ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 167): “Enquanto nas normas gerais e abstratas a preocupação volta-se à imputabilidade da conseqüência jurídica a partir da descrição de fatos hipotéticos e futuros; na norma individual e concreta a situação se inverte: dada aquela relação jurídica individual e concreta prescrita pela autoridade, importa saber qual é o fato jurídico concreto (ocorrido), i.é., o antecedente normativo concreto, indicador do motivo do ato, que justifica aquela prescrição.”

178

Daniel Monteiro Peixoto oferece interessante modelo para exame do

percurso de instituição do crédito tributário. A estrutura da competência para a

instituição e cobrança do crédito tributário apóia-se em três tipos de norma.

O primeiro tipo de norma, chamada “norma de competência administrativa-

desempenho”, tem por antecedente o “motivo legal”, “definido como previsão

abstrata de uma situação empírica que, ocorrida, autoriza ou exige a prática do ato

administrativo”413. O conseqüente da norma permite ou obriga a adoção de

determinada conduta. No cenário em exame, a conduta é a constituição do crédito

tributário, caracterizada pelo modal “obrigatório”.

O segundo tipo de norma refere-se à competência formal. Seu antecedente

estabelecerá os critérios para que o processo de enunciação seja reconhecido pelo

sistema jurídico e nele ingresse. Os critérios prescrevem o agente competente, o

procedimento e as coordenadas espaço-temporais aos quais o ato de enunciação

deve adequar-se414. Já o conseqüente armazena modelo de relação jurídica que

junge a coletividade à observância do que prescrito no resultado do processo de

aplicação do direito.

O terceiro tipo de norma diz respeito à competência material. As normas de

competência material estabelecem os parâmetros do conteúdo (mérito ou fundo) que

deverá ser elaborado com o ato de aplicação tendente a constituir ou a cobrar o

crédito tributário.

O Sistema Jurídico Brasileiro atribui a competência para constituição do

crédito tributário tanto às autoridades fiscais, isto é, órgãos ou entidades incrustados

na estrutura do Estado, como aos particulares, contribuintes ou responsáveis. O

elemento diacrítico é, portanto, o agente competente415. Tal critério também é

associado às variações em relação ao procedimento (vale dizer, o procedimento

pertinente à constituição do crédito levada a cabo pela autoridade fiscal não é

necessariamente o mesmo pertinente ao particular – sujeito passivo).

Paulo de Barros Carvalho416 também distingue entre a norma jurídica do

ato de lançamento e a norma que figura como conteúdo de tal ato. A norma do

lançamento é concreta e geral, pois refere-se à conduta do agente competente para

413

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 137. 414

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 139. 415

Cf. PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 159. 416

Curso de Direito Tributário, p. 404.

179

a constituição do crédito tributário417, e tem por conseqüente a inserção no sistema

da norma individual e concreta que terá como um de seus elementos o crédito

tributário. A norma jurídica do ato de lançamento é geral porquanto vincula a

observância de toda a coletividade, isto é, não é dirigida para um indivíduo ou um

número específico de indivíduos418.

Vamos reservar a expressão “lançamento tributário” para designar o veículo

introdutor da norma individual e concreta de constituição do crédito tributário cujo

agente competente é a autoridade fiscal419. A doutrina costuma utilizar a expressão

“autolançamento” para denotar o veículo introdutor de normas produzido pelo

particular420. Não iremos adotar a expressão, conquanto consagrada no discurso

jurídico. Referir-nos-emos ao fenômeno como “constituição do crédito tributário pelo

particular”.

Em ambos os casos, vale ressaltar que a função do lançamento tributário e

da constituição do crédito tributário pelo particular passa pela inserção “no

ordenamento jurídico [d]a norma concreta e individual que atesta a incidência da

regra-matriz de incidência tributária”421.

O Código Tributário Nacional aparentemente estrutura a constituição do

crédito tributário em “modalidades de lançamento”. O critério utilizado é o grau de

participação do sujeito passivo no processo que leva à constituição do crédito

tributário. No “lançamento com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro”

(art. 147 do CTN), a participação do contribuinte limita-se ao oferecimento de

informações a partir das quais a autoridade fiscal apurará a ocorrência do fato

jurídico tributário e calculará o valor devido a título de tributo. Se competir ao sujeito

passivo constatar o irrompimento do fato jurídico tributário, calcular o valor devido a

417

Dado colhido da concreção, do mundo fenomênico vertido na linguagem do sistema jurídico. 418

A aplicação do modelo não se limita à experiência com normas tributárias. No campo do Direito Privado, por exemplo, também é possível distinguir entre a norma que permite a celebração de uma avença, e a norma que resulta da celebração da avença. Embora as normas pertinentes às obrigações contratuais sejam individuais (vinculam somente as partes), o reconhecimento da existência das obrigações (i.e., sua pertinência ao sistema jurídico) é oponível a toda a coletividade. 419

A ambigüidade da palavra “lançamento” permite ao menos duas interpretações: “lançamento” como ato de enunciação, marcado pelo sujeito competente e o procedimento adequado (fato jurídico), que implica a criação de norma individual e concreta de “lançamento”, constituindo o crédito tributário (norma individual e concreta). Como visto, descartamos artificialmente a primeira acepção, para aumentar o grau de precisão e rigor do discurso. Cf. SANTI, Eurico. Lançamento tributário, p. 147; PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência administrativa tributária, p. 165. 420

Cf. PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário; HORVARTH, Estevão. Lançamento tributário e “autolançamento”. São Paulo: Dialética, 1997. 421

PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 159.

180

título de tributo, formalizar o crédito e realizar o pagamento, estar-se-á diante do

“lançamento por homologação” (art. 150, caput, do CTN). Nesta hipótese, compete à

autoridade fiscal tão-somente sindicar a conduta do contribuinte, para confirmá-la ou

infirmá-la (“homologar” ou “lançar de ofício”). Por fim, no “lançamento de ofício” (art.

149 do CTN), cumpre à autoridade fiscal realizar todos os atos pertinentes à

constituição do crédito tributário, confirmando a ocorrência do fato jurídico tributário

e apurando o montante devido.

Assim, o sujeito passivo ou terceiro passam de meros coadjuvantes

(“lançamento de ofício”), a agentes principais (“lançamento por homologação”) no

percurso de constituição do crédito tributário, transitando por posição intermediária

em que sua intervenção é limitada (“lançamento com base em declaração”).

A doutrina registra severas críticas à classificação adotada no Código

Tributário Nacional.

Há chapada incompatibilidade entre a alocação privativa da competência

para constituir o crédito tributário pelo lançamento (art. 142, caput, do CTN) e as

modalidades de “lançamento” que prescindem da atividade de agente público. É

possível conceber que o crédito tributário reste constituído e extinto sem nenhuma

intervenção de autoridade fiscal na modalidade “lançamento por homologação”, se a

“homologação” for tácita (art. 150, § 4º, do CTN).

Outra inconsistência está na circunstância de o “lançamento com base em

declaração” pertencer, por rigor, à classe do “lançamento de ofício”, na medida em

que a constituição do crédito tributário é realizada pela autoridade fiscal.

Portanto, preferimos, com Daniel Monteiro Peixoto422, reconhecer que o

critério determinante para agrupamento das normas pertinentes à constituição do

crédito tributário é a escolha do agente competente, que se espraia nos elementos

autoridade fiscal ou particular–sujeito passivo ou terceiro.

O modelo sugerido por Daniel Monteiro Peixoto para articular a

competência administrativa na constituição e na cobrança do crédito tributário aplica-

se, com as devidas adaptações, à constituição e à cobrança do crédito pertinente à

relação jurídica de responsabilidade tributária.

Haverá um conjunto de normas dedicado a obrigar a autoridade fiscal, ou o

particular, a constituir (formalizar, verter em linguagem) o crédito relativo à relação

422

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 161.

181

de responsabilidade tributária. O antecedente de tal norma consiste no fato jurídico

da responsabilidade, isto é, o conjunto de eventos vertidos em linguagem que se

subsumem ao descritor da norma que estabelece a responsabilidade tributária.

O conjunto das normas de competência formal estabelecerá o procedimento

adequado e o sujeito competente para constituir a relação jurídica de

responsabilidade. Os critérios do antecedente normativo respondem às perguntas

quem, como ou de qual maneira, quando e onde poderá o crédito ser formalizado.

A identificação de tais critérios é essencial para que se defina, por exemplo,

se a autoridade fiscal pode identificar responsáveis tributários após o ajuizamento

da ação de execução fiscal, ou depois de escoado o prazo para constituição do

crédito pertinente à responsabilidade (decadência).

O terceiro conjunto de normas refere-se às regras de prova. Tais

proposições jurídicas estabelecerão as condições para que a proposição “o fato

jurídico pertinente à norma de responsabilidade ocorreu”423 seja considerada

verdadeira. Vale dizer, o quadro fático não se sustenta no sistema jurídico com a

mera enunciação da autoridade fiscal ou do particular, embora tais proposições

possam contar com a presunção de validade-veracidade (isto é, ingressam no

sistema com o valor positivo, passível de revisão).

Por fim, o quarto conjunto de normas diz respeito ao alcance de fundo da

constituição da norma individual e concreta de responsabilidade. Trará critérios para

identificação dos responsáveis, cálculo dos valores devidos, manutenção ou não da

relação jurídica tributária, definição das hipóteses que levam ao enlace da

responsabilidade etc. Em suma, trata-se da própria norma que estabelece a

responsabilidade tributária.

A constituição do crédito relativo à responsabilidade tributária deve ocorrer

dentro do lapso previsto para tanto, sem prejuízo da observância do prazo de

decadência para o crédito tributário (se o crédito tributário não puder ser

hipoteticamente constituído, por qualquer razão, falece fundamento à

responsabilidade tributária). Este estágio do fluxo de positivação do Direito é

encadeado à norma geral e abstrata que estabelece os parâmetros para

reconhecimento da responsabilidade tributária. Não obstante, a etapa de

constituição do crédito relativo à responsabilidade tributária pode repetir-se ou ser

423

Antecedente da “norma de desempenho”.

182

inaugurada ao longo de outras etapas do fluxo de positivação, como a tentativa de

dar eficácia social ao crédito tributário (com o ajuizamento da ação de execução

fiscal).

2.3.3.5.2.7 Inscrição em dívida ativa

Dispõem o art. 201 do Código Tributário Nacional e o art. 2º, caput e § 3º, da

Lei 6.830/1980:

Código Tributário Nacional Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito. Lei 6.830/1980 Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. [...] § 3º A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

A inscrição em dívida ativa pressupõe o decurso do prazo assinalado para

pagamento de valor relativo ao crédito tributário, marcado pela omissão do sujeito

passivo. Ambas as circunstâncias firmam, a princípio, a exigibilidade do crédito

tributário. Se a exigibilidade do crédito tributário estiver suspensa por outra razão

(art. 151 do Código Tributário Nacional), a norma que prescreve o dever de inscrição

de crédito em dívida ativa não poderá incidir.

Da leitura do art 2º, § 3º, da Lei 6.830/1980, extraem-se duas funções para

inscrição em dívida ativa: o controle de legalidade e a apuração da liquidez e certeza

do crédito. Às duas funções expostas, Daniel Monteiro Peixoto424 agrega mais três:

“formalização dos encargos decorrentes da mora do contribuinte”, “formação do

424

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 234.

183

título executivo extrajudicial da Fazenda Pública apto a instrumentalizar o acesso ao

processo executivo fiscal” e “registro do ativo na contabilidade pública”.

No que se refere à responsabilidade tributária, a questão que se coloca é se

o órgão competente para a inscrição em dívida ativa pode apontar o responsável

tributário sem amparo em estágio do fluxo de positivação permeado pela garantia ao

contraditório, à ampla defesa e aos mecanismos legais dali aferentes425. Outro ponto

de interesse consiste em saber se a inclusão do nome dos responsáveis na Certidão

de Dívida Ativa é necessária para validar a continuidade do fluxo de positivação e,

em especial, o ajuizamento de ação de execução fiscal.

Vamos examinar ambas as provocações durante o exame dos parâmetros

para atribuição de responsabilidade tributária postos nas normas gerais em matéria

tributária.

2.3.3.5.2.8 Cobrança judicial do crédito tributário ou do crédito pertinente à

responsabilidade tributária

O destino final da Rede de Transição Aumentada construída para diagramar

o percurso de constituição do crédito tributário ou do crédito por responsabilidade

tributária refere-se à eficácia social ou efetividade. Com efeito, o término normal da

seqüência das diversas rotinas que compõem a RTA é o recolhimento do montante

devido, com a extinção do crédito (satisfação da pretensão do sujeito ativo ao

recebimento do objeto da relação jurídica tributária: dinheiro ou equivalente).

Uma vez percorrida a etapa do fluxo de positivação relativa à constituição do

crédito tributário ou do crédito por responsabilidade tributária, abrem-se algumas

possibilidades, ditadas pelo art. 156 do Código Tributário Nacional426-427.

425

Isto é, fazer a inscrição em dívida ativa de forma direta, sem anterior processo administrativo para apurar a presença dos requisitos de responsabilização. 426

Alguns caminhos previstos pelo art. 156 do CTN para o fluxo de positivação prescindem do transcurso da etapa de constituição do crédito tributário. 427

Posto que o caput do art. 156 do CTN faça uso da palavra “extinguem”, muitas das hipóteses elencadas podem não se referir propriamente à extinção do crédito tributário. Por exemplo, entre as diversas normas de prescrição e decadência que podem ser reconstruídas (Eurico de Santi), ao menos uma delas se refere à extinção do crédito tributário. Ocorre que as normas de decadência podem incidir antes da constituição do crédito tributário, vedando-a (a prescrição e a decadência são refletidas no critério temporal do complexo de normas de lançamento criado por Daniel Monteiro Peixoto). Nesse cenário, a aplicação da norma de decadência não terá por conseqüência a extinção do crédito tributário, mas apenas a proibição de que a autoridade fiscal realize o lançamento.

184

Se não houver a extinção do crédito tributário por qualquer uma das

hipóteses previstas, o fluxo de positivação é conduzido para estágio destinado a dar

eficácia social à relação jurídica tributária pela coerção ativa.

No Sistema Jurídico Brasileiro contemporâneo, a etapa do fluxo de

positivação destinada a fundamentar a coerção ativa para o pagamento do valor do

tributo corresponde ao processamento da Ação de Execução Fiscal (art. 1º da Lei

6.830/1980).

Não há norma que permita que o sujeito ativo interfira diretamente no

patrimônio do sujeito passivo ou do responsável, produzindo em caráter exclusivo

normas (linguagem) sem o recurso à função jurisdicional, exercida por órgão do

Judiciário428. A permissão para que a autoridade fiscal requisite apoio das forças

policiais restringe-se à prática de atos de fiscalização, como observou Daniel

Monteiro Peixoto429 ao estudar o art. 200 do Código Tributário Nacional.

O título que embasa a Ação de Execução Fiscal é a Certidão de Dívida

Ativa, extraída a partir da inscrição do crédito tributário que não foi pago

oportunamente. Trata-se de título extrajudicial, cuja formação independe diretamente

da participação do sujeito passivo ou do responsável. Contudo, a validade do título

pressupõe a etapa do fluxo de causalidade destinada a constituir o crédito tributário.

Tal etapa é permeada pela participação potencial ou efetiva do sujeito passivo ou do

responsável (circunstância que afasta violação do devido processo legal e do

contraditório).

A Certidão de Dívida Ativa goza de presunção de validade (art. 204 do CTN

e art. 3º, parágrafo único, da Lei 9.830/1998), dado que orienta todas as rotinas do

procedimento aplicável à Ação de Execução Fiscal. Com efeito, o campo material de

conhecimento atribuído ao órgão jurisdicional é limitado ao exame da existência e da

regularidade formal do título e dos pressupostos do exercício da jurisdição e da

ação. Rigorosamente, o juiz não chama o executado ao processo para oferecer

resposta, isto é, opor-se à pretensão do exeqüente. O sujeito passivo ou o

responsável são convocados para pagar o valor devido, ou garantir a execução (art.

8º da Lei 6.830/1980). A ausência de pagamento ou de indicação de bens

suficientes e adequados para garantia da execução permite ao órgão jurisdicional

428

É útil registrar, contudo, que há anteprojeto de lei destinado a alterar a sistemática de cobrança do crédito tributário. Vamos nos referir a ele em momento oportuno. 429

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 280.

185

realizar penhora e arresto dos bens, à revelia do executado (art. 10 da Lei

6.830/1980).

Orientação jurisprudencial firmada em uma série de precedentes admite que

o executado apresente uma espécie de resposta à pretensão do exeqüente de ter a

eficácia social coercitiva do quanto prescrito no título executivo)430. A carga

cognitiva, isto é, o espectro de questões que podem ser apresentadas ao crivo

jurisdicional, contudo, é reduzida. Somente são admissíveis objeções que infirmem a

presunção de liquidez e certeza do título executivo, apontem ausência das

condições da ação ou falha em qualquer um de seus pressupostos sem a

necessidade de instrução probatória. Essa espécie de defesa recebeu o nome de

exceção de pré-executividade.

A etapa do nexo de causalidade jurídica (fluxo de positivação do direito)

pertinente à execução forçada do crédito tributário contém um programa (nó) voltado

ao controle abrangente da validade das normas que embasam a pretensão do

exeqüente. O executado pode oferecer resistência à Ação de Execução Fiscal com o

ajuizamento de outra ação, chamada de Embargos à Execução Fiscal (art. 16 da Lei

6.830/1980), oportunidade em que deverá submeter ao órgão jurisdicional todas as

razões que reputar úteis (art. 16, § 2º, da Lei 6.830/1980).

A RTA relativa à fase de execução fiscal tem mais dois nós importantes e

que apontam se o pedido da ação pode ser conhecido ou não. Um deles se refere

ao tempo: a ação não pode ser ajuizada após o transcurso do lapso prescricional. O

outro diz respeito à existência de programas no sistema destinados a inibir a

cobrança de créditos em situações específicas. São exemplos desses programas a

proibição de cobrança de créditos cujos valores não atinjam ao menos determinada

quantia e a permissão para que não haja a constituição ou o ajuizamento de ação de

execução fiscal relativa a créditos oriundos de normas específicas, muitas vezes

declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

430

Confiram-se, a título exemplificativo, REsp 701.827-ED-AgR, rel. min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 06/12/2007, DJ 14/12/2007; (REsp 816.100/SE, rel. min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 07/08/2007, DJ 16/08/2007, p. 312; (REsp 660.506/MG, rel. min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 26/06/2007, DJ 02/08/2007 p. 338; (REsp 642.644/RS, rel. min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 21/06/2007, DJ 02/08/2007 p. 335; EREsp 596.883/SP, rel. min. Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 14/06/2006, DJ 1º/08/2006, p. 357.

186

Daniel Monteiro Peixoto, argutamente, retranscreve os dois tipos de

programa no desenho estático da regra de exigibilidade-execução típica do modelo

por ele proposto431.

2.3.3.5.2.9 Nota sobre o anteprojeto da lei que institui a execução fiscal

administrativa

Com o Ofício 624/PGFN – PG, em 14 de março de 2007 foi apresentado ao

ministro da Fazenda anteprojeto que institui a Execução (Fiscal) Administrativa. Da

forma como redigido, o anteprojeto desloca parte ponderável da aptidão para a

prática dos atos relativos à execução para a esfera de competência do sujeito ativo.

O sujeito ativo passa a ter permissão para ejetar normas no sistema, sem apoio

jurisdicional, pertinentes à penhora e à alienação de bens (“atos de execução”

praticados “diretamente pela Administração”). Permitir-se-á às autoridades fiscais

realizar da penhora de valores custodiados por instituições bancárias sem a

necessidade de autorização ou intervenção judicial. Há ainda o aumento da

prioridade dos meios eletrônicos como canais de comunicação dos atos de

execução.

Em contrapartida, o anteprojeto contém normas que sugerem melhora nas

garantias ofertadas ao executado, como retirada da garantia da execução como

condição para o oferecimento de embargos, o aumento do prazo para oferecimento

dos embargos à execução e previsão expressa da espécie de resposta “exceção de

pré-executividade”. Alguns dos pontos apresentados como positivos são

redundantes, como a “possibilidade de o executado requerer e obter do juízo federal

liminar para suspender o curso da execução”432.

No que concerne à RTA pertinente ao nexo de causalidade tendente à

cobrança do crédito tributário e do crédito relativo à responsabilidade tributária, o

modelo normativo previsto no anteprojeto pretende modificar uma série de fluxos, de

forma a submetê-los à competência do sujeito ativo. O deslocamento da aptidão

para realizar a penhora à esfera de competência das autoridades fiscais, sem

431

Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 287. 432

Exposição de motivos aos anteprojetos que instituem a execução administrativa e a transação tributária. In: SIQUEIRA, Édison de Freitas. Comentários sobre os anteprojetos que instituem as leis de execução administrativa e transação tributária. Porto Alegre: Instituto de Estudos dos Direitos do Contribuinte, 2007. p.32.

187

intervenção necessária de órgão jurisdicional, inquestionavelmente aumentará a

eficiência do aparato de arrecadação. Em especial, a permissão para que a

autoridade fiscal requisite informações sobre as disponibilidades financeiras e

investimentos do sujeito passivo (art. 16, § 1º e § 2º do anteprojeto), com vistas à

penhora em conta, é instrumento que terá a utilidade robustecida quando utilizado

em conjunção com a atribuição de responsabilidade tributária.

Por um lado, há aparente relaxamento das restrições postas ao exercício do

direito de petição, já que o oferecimento de embargos prescinde da prestação de

garantia. Por outro, não há inovação substancial quanto à suspensão da execução,

já que esta continua condicionada à garantia integral do valor do crédito ou à

decisão judicial (art. 28 do anteprojeto). Assim, persistem as mesmas dúvidas acerca

da efetividade da prestação jurisdicional se, ao cabo do processo, for reconhecida a

invalidade do crédito tributário ou das normas individuais pertinentes à execução

fiscal.

Análise mais aprofundada da matéria escapa ao âmbito desta investigação,

razão por que prosseguiremos no curso previamente traçado.

2.3.3.5.2.10 Confirmação ou infirmação do crédito tributário ou do crédito referente

à responsabilidade em processo administrativo ou judicial

Em princípio, qualquer das etapas do nexo de causalidade jurídica comporta

a previsão de programas ou nós destinados ao controle de validade das normas

(instruções) que ali repousam.

A função do controle é confirmar, infirmar ou repetir um dado estágio (ou

instância) de comunicação jurídica. Para tanto, a instância de controle toma como

parâmetro outras normas do sistema jurídico que reconhece como pertinentes à

espécie. Entre essas normas, haverá aquelas que controlam a produção do ato de

enunciação (definem o agente competente e o procedimento previsto) e o conteúdo

do ato (limites semânticos). As normas que prescrevem qual o procedimento

necessário para a criação de norma jurídica também podem referir-se a dados como

pautas de formação do quadro fático (regras de prova), hipóteses que estabelecem

proibições específicas (como não praticar o ato após o transcurso de certo lapso,

marcado pela inércia) etc.

188

Niklas Luhmann433 define controle como:

o exame crítico de processos decisórios objetivando uma intervenção transformadora no caso de o processo decisório, em seu desenrolar, seu resultado ou suas conseqüências, não corresponder às considerações do controle.

Prosseguindo, diz que434:

a mais concreta e mais objetiva dessas formas de controle, o controle hermenêutico da interpretação do sentido de normas jurídicas e da persuasão de argumentos, deriva sua necessidade da circunstância de que o processo da decisão jurídica está tipicamente orientado não em função do seu resultado, mas sim em função de que seus diversos procedimentos e argumentos possam ser controlados. [...] Um controle adequado do direito tem que acompanhar o processo decisório ou repeti-lo.

Como obtempera Paulo Pimenta,

é válida a norma à medida que o editor consegue ficar imunizado contra reações de desconfirmação da mensagem normativa, o que se dá por outra norma.

435

É possível que as rotinas de controle se voltem para diferentes estágios do

fluxo de positivação do direito, posto que chamadas nos estágios finais do percurso

do nexo de causalidade jurídica. Assim, o controle realizado durante a ação de

execução fiscal pode referir-se à validade da norma jurídica que instituiu o tributo ou

estabeleceu a norma geral e abstrata sobre responsabilidade tributária. O controle

não precisa necessariamente remeter ao estágio imediatamente anterior de

comunicação jurídica, em razão da recursividade. Também não haverá violação se o

controle tomar como objeto mais de um estágio do fluxo.

Tanto os órgãos jurisdicionais como os órgãos administrativos podem ser

incumbidos de realizar o controle normativo.

A função jurisdicional diferencia-se dos demais tipos de comunicação

jurídica em razão das notas que demarcam a posição das respectivas etapas de

comunicação no fluxo de positivação, com a definição de quando, como e quem está

433

Sociologia do Direito II. São Paulo: Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 84. 434

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II. São Paulo: Edições Tempo Brasileiro, 1985. p. 88. 435 PIMENTA, Paulo. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 20.

189

habilitado para prosseguir com a etapa436. Frederick Schauer437 apresenta quatro

métodos para distinguir a atividade jurisdicional de outros processos decisórios: (i)

diferenciações do procedimento decisório, (ii) do processo informacional, (iii)

metodológica e (iv) normativa. Segundo argumenta, a diferenciação normativa, que

estabelece o “Direito” como um domínio extensional limitado, é o que torna o

“Direito” autônomo. Oferece, ainda, oportunidade ímpar para abordar a questão

central de qual deve ser a atribuição desse sistema “em uma sociedade complexa

em que diferentes tipos de decisão são atribuídas para diferentes tipos de

instituições”438.

A atividade jurisdicional ocupa posição de centro nas operações do sistema

jurídico439. Essa posição deriva do papel das decisões judiciais na estabilização de

sentido das normas jurídicas e é um mecanismo de controle da recursividade

indiscriminada (a comunicação jurídica tende a estabilizar expectativas com o maior

grau de segurança disponível, utilizando o código direito/não-direito e lícito/ilícito).

A função executiva ou administrativa também detém competência para

realizar o controle de validade de algumas normas, especialmente aquelas criadas

durante o exercício da própria função executiva. A aptidão para o controle decorre

da assimilação idiossincrática do coordinate review pelo Sistema Jurídico Brasileiro.

436

Isto é, pelo conjunto de variações de acoplamento com outras etapas de comunicação admissíveis pelas normas jurídicas de estrutura, que definem quais atos de enunciação serão reconhecidos pelo Sistema Jurídico como “comunicações jurisdicionais”. 437

Schauer apresenta os quatro métodos de operação das instituições legais (especialmente os tribunais) ao examinar o positivismo legal e a contingente autonomia da lei (Legal Positivism and the Contingent Autonomy of Law. In: CAMPBELL, Tom; GOLDSWORTHY, Jeffrey (Ed). Judicial Power, democracy and legal politivism. Hants (Inglaterra): Darthmouth Publishing Company Limited, 2000, p. 215-226). Conquanto alinhe-se a McCormick ao reconhecer que a concepção de Dworkin sobre a falsidade do positivismo legal está errada, e que a concepção do mesmo autor sobre a versão do positivismo legal defendida por Hart provavelmente esteja errada, Schauer considera que a concepção de positivismo defendida por Dworkin é a que melhor aborda as questões atuais. Pondera Schauer (ibidem, p. 220): “If Dworkin is right, then law exists merely as one component of an undifferentiated normative domain, with legal officials such as judges free to make their decisions from the full universe of norms within this array. And if Dworkin is right, then such notions as ´existing law´ becomes essentially meaningless. But is Dworkin is wrong, then pedigreed legal norms – an array of norms that is not extentionally equivalent to the full universe of a society´s social norms – has a certain dominance or salience in legal decision making”. 438

Tradução livre do candidato. No original (Legal Positivism and the Contingent Autonomy of Law…, p. 222): “[…] of what this system should be assigned to do in a complex society in which different kinds of decision are assigned to different kinds of institutions”. 439

Diz Niklas Luhmann (A posição dos tribunais no sistema jurídico. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, Porto Alegre, n. 49, p. 164, 1990) que “nessa ordem não podemos mais compreender a legislação como uma instância hierarquicamente superior à administração da Justiça, como uma instância que dá instruções a serem seguidas pelos Tribunais. [...] Só o próprio centro, só a jurisdição (Gerichtsbarkeit) pode ser constituída hierarquicamente”.

190

Os âmbitos de controle jurisdicional e administrativo não se confundem,

contudo.

O controle administrativo é realizado de forma incidental em todas as fases

da causalidade jurídica em que há ejeção de normas pela autoridade fiscal. Ao dar

seqüência ao processo que leva à constituição da norma individual e concreta que

traz o crédito tributário, o Fisco interpreta o alcance das normas jurídicas aplicáveis

ao quadro, como a regra-matriz de incidência tributária e as normas gerais e os

dispositivos constitucionais que lhe dão amparo. Situação similar ocorre durante a

etapa de fiscalização, em que o agente fiscal é obrigado a extrair a significação das

normas que estendem o leque de permissões e obrigações que conduzem à

apuração da conduta do sujeito passivo.

Compete também ao sujeito passivo invocar instâncias específicas de

controle, que deixa de ser incidental e passa a ser o objeto da atividade do órgão ou

agente estatal. No percurso do processo fiscal administrativo federal, por exemplo, o

sujeito passivo pode impugnar o lançamento e, de eventual decisão que lhe for

desfavorável, interpor recurso. Ambos os atos devolvem ao Estado-Administração a

oportunidade de corrigir anomalias e rever vícios perpetrados nos estágios

anteriores do fluxo de causalidade.

O espectro do controle judicial é mais amplo, como comprova observação

empírica do Sistema Jurídico Brasileiro. As RTA que estruturam a atividade

jurisdicional podem interromper o fluxo de causalidade jurídica em qualquer

estágio440, para aferir a validade das normas que foram ou estão sendo construídas.

O controle objetivo ou abstrato de constitucionalidade, por exemplo,

toma como objeto principal a norma, de forma desvinculada de qualquer lide

subjetiva. Pode alcançar qualquer norma geral e abstrata, ou, no dizer do Supremo

Tribunal Federal, proposição que possua “densidade normativa suficiente”. No

Sistema Jurídico Brasileiro a legitimidade para iniciar o processo de controle objetivo

é limitada, não cabendo às partes de um processo judicial provocá-lo. Isso não

significa que o mecanismo não esteja disponível para controle de norma que atribua

a responsabilidade tributária.

440

Há limites à intervenção jurisdicional, como os mecanismos de estabilização da coisa julgada, da preclusão, da prescrição e da decadência, do judicial self restrain etc. Contudo, não é possível estabelecer a limitação aprioristicamente; é necessário dar impulso ao processo de controle para que, eventualmente, o próprio órgão jurisdicional ou o seu revisor constate a inadequação da instância de controle.

191

Já a provocação do controle incidental de constitucionalidade está

disponível aos jurisdicionados em geral para o controle das normas de atribuição de

responsabilidade tributária. Realiza-se o controle incidental como pressuposto ou

etapa do processo destinado a afirmar (i) se há ou não relação jurídica de

responsabilidade ainda não constituída, (ii) a validade de relação tributária já

constituída e (iii) a validade de relação de responsabilidade reconhecida em

sentença judicial transitada em julgado.

2.3.3.5.3 Controle e o sentido das palavras

Direito é linguagem. Todas as normas jurídicas e as etapas de comunicação

que as veiculam se revestem em linguagem verbal, independentemente do suporte

(escrito ou falado) ou da espécie de signo (simbólica, iconográfica, indicativa).

Assim, todos aqueles que tomam o Direito Positivo como objeto de

observação se encontram na contingência de atribuir sentido às palavras. A

construção de sentido, inserida no sistema mediante outras normas jurídicas (ou no

sistema formado pela metalinguagem científica) é passível de controle.

Lançando mão da terminologia e das conclusões a que chegou Ferdinand

de Saussure441, assumimos que a relação entre o significado (conceito) e o

significante (suporte; imagem acústica) é arbitrária, no sentido de que não há

nenhuma ligação interna necessária entre aqueles elementos do signo. Isso não

quer dizer que aquele que fala é absolutamente livre para compor as relações

semióticas, pois estas são definidas dentro de um grupo lingüístico442.

Ocorre que, como apontou Alf Ross443, a maioria das palavras é ambígua.

Ademais, todas são vagas444.

441

Cf. Curso de Lingüística Geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. p. 81 et seq. 442

Cf. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral, p. 83. 443

“A maioria das palavras não têm um campo de referência único, mas sim dois ou mais, cada um deles construído sob a forma de uma zona central à qual se acrescenta um círculo de incerteza” (ROSS, Alf. Direito e Justiça. 1. ed, 1. reimpressão. São Paulo: Edipro, 2003, p. 143). É relevante não esquecer que Ross também registra que o sentido de um texto legal não se limita à soma das significações parciais de seus elementos (nítida idéia de gestalt – Direito e Justiça, p. 164): “É, por conseguinte, errôneo crer que a interpretação semântica começa por estabelecer o significado das palavras individuais e atinge o da expressão pela soma dos significados parciais. O ponto de partida é a expressão como um todo com o seu contexto, e o problema do significado das palavras individuais está sempre unido a esse conceito”. 444

Cf. Direito e Justiça, p. 143/164.

192

Ainda que se saiba o que deva significar certa palavra, é possível que

surjam dúvidas quanto à aplicabilidade do signo para denotar algum objeto

específico. A circunstância de uma palavra denotar mais de um objeto recebe o

nome de ambigüidade.

Em outras instâncias, a própria precisão do sentido do signo, a conotação,

encontra embaraços. Haverá uma zona de indefinição em que o uso da palavra para

significar um dado objeto será duvidosa, impassível de decisão com base no próprio

domínio. Essa dificuldade recebe o nome de vagueza.

Como dizem Alchourrón e Buligyn445,

sería, sin duda, ingenuo creer que a cada palabra le corresponde uma entidad única que es su sentido y que nosotros podemos – por medio de algún tipo de intuición intelectual – aprenhender esa entidad.

A falta de univocidade origina-se na ambigüidade e na vagueza das

palavras, ou, ainda, na deficiência de definições necessariamente estipulativas446.

Ainda recorrendo às lições de Alchourrón e Buligyn, deve-se pressupor

que o legislador normalmente emprega as palavras em suas acepções correntes,

isto é, que sejam de uso comum por todos os integrantes da sociedade. Dizem os

autores, verbatim:

[...] el legislador normalmente formula las normas en el lenguaje corriente, que supone es entendido por todos los integrantes de la sociedad y no aclara el sentido de los términos que usa, dando por sentado que los destinatarios los entienden en el mismo sentido en que él los há usado. Solo excepcionalmente el legislador se ve compelido a aclarar el sentido de alguna expresión, cuando le da a ésta un sentido especial, distinto del que tiene en el uso común.

447

Mesmo quando se espera que o legislador utilize as palavras em seu sentido

comum, como é usual e determinado pela LC 95/1998448, não se elimina a

possibilidade de o texto permanecer vago ou ambíguo. A própria característica

445

ALCHOURRÓN, Carlos; BULYGIN, Eugenio. Definiciones y normas. In: Analisis Logico y Derecho. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 442. 446

Sobre “definições estipulativas”, cf. COPI, Irving. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1974. 447

ALCHOURRÓN, Carlos; BULYGIN, Eugenio. Definiciones y normas..., p. 447. 448

LC 95/1998: Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;

193

prescritiva da linguagem do direito positivo reforça a possibilidade do desvio

pragmático.

Para ilustrar o ponto, tomaremos emprestada uma assertiva de Aires F.

Barreto449 sobre a preponderância do conceito jurídico, em oposição a quaisquer

outros conceitos:

Deveras, a ninguém ocorre consultar aos léxicos, dicionários de linguagem comum, para desvendar o conteúdo, o sentido e o alcance do conceito de industrial – quando referido numa norma de IPI ou de ICMS, nem, menos ainda, pretender que o conceito do termo acaso neles definido possa prevalecer sobre o conceito jurídico, tal como definido ou construído a partir das normas jurídicas.

Com o objetivo de reduzir ambigüidade e vagueza, a função legislativa

escolhe critérios de uso para as palavras e cria definições legais. Para Eugenio

Bulygin e Carlos Auchourron,

el legislador no pretende informar acerca de los usos de tal o cual expresión lingüística; no formula afirmaciones verdaderas o falsas acerca del sentido que la expresión definida tiene em el uso común, sino que estipula el significado de la expresión em cuestión.

450

Segundo aqueles autores, as definições jurídicas têm as seguintes

finalidades:

i) dar mayor precisión a um término, restringiendo su alcance [...]; ii) ampliar el alcance de um término para incluir en él situaciones que no están claramente cubiertas por su sentido [...]; iii) introducir um término nuevo, que no tiene uso em el lenguaje común.

451

O exercício de função jurisdicional também opera como redutor de

ambigüidade e vagueza. Como diz Eugenio Bulygin,

la contribución de los jueces a la creación del derecho no se limita a la creación de normas; tan importante como ésta, y quizá más, es la definición (delimitación) de los conceptos jurídicos.

452

449

Importador de bens industrializados: Equiparação à industrial. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 69, p. 346. 450

Definiciones y normas. In: Analisis lógico y derecho, p. 447. 451

Ibidem, p. 448. 452

Sentencia judicial y creación de derecho. In: _______, p. 368.

194

Na construção do sentido de um dado texto, provavelmente haverá algumas

interpretações que seriam prontamente afastadas por parcela representativa do

auditório que usualmente trabalha com tal suporte físico453.

Com efeito, Umberto Eco454 fala em “direitos do texto” à interpretação,

indicando a prevalência da etapa de comunicação que se pretende reproduzir sobre

os modos de construção de sentido que correm com ênfase à “intenção do autor” ou

à “intenção do leitor”. Diz o semiólogo que, verbatim:

Em suma, dizer que um texto é potencialmente sem fim não significa que todo ato de interpretação possa ter um final feliz. Até mesmo o descontrucionista mais radical aceita a idéia de que existem interpretações clamorosamente inaceitáveis. Isso significa que o texto interpretado impõe restrições a seus intérpretes. Os limites da interpretação coincidem com os direitos do texto (o que não quer dizer que coincidam com os direitos de seu autor).

Frederick Schauer455 examina a autonomia semântica da linguagem com

as seguintes palavras:

El contraste entre los modelos conversacional y atrincherado centra nuestra atención en la autonomía semántica del lenguaje, esto es, en la aptitud que poseen los símbolos – palabras, frases, oraciones, párrafos – para portar significados independientes de los propósitos comunicativos que persigan sus usuarios em ocasiones particulares. El fundamento de la autonomía semántica podría explicarse en términos de reglas lingüísticas, de convenciones, de una referencia socialmente determinada o incluso de otras diversas maneras. Pero ni el nombre ni la fuente del fenómeno son relevantes aquí. Pues cualquiera que sea la fuente de la autonomía semántica, y cualquiera que sea el nombre que le demos, hay al menos algo – no importa cómo se lo llame – que comparten todos os hablantes de un lenguaje y que les permite ser comprendidos por otros hablantes de ese mismo lenguaje, incluso en aquellos casos en los que el hablante y el interlocutor no tienen nada en común, salvo su lenguaje. […] En consecuencia, la distinción que quiero trazar es la que media entre el contexto entendido por *y en parte constitutivo de la comunidad lingüística en um momento dado y el contexto que constituye la ocasión especifica de uso.

453

O risco “A Terra dos Cegos”. Como observa Sanford Levinson (Accounting to Change. In: Responding to imperfection: The Theory and Practice of Constitutional Amendment. Princeton: Princenton University Press, 1995, p. 18), “as participants in a practice of legal discourse, we are necessarily concerned with what most persons at any specific time within a given interpretative community will, on the other hand, accept as ´legitimately assertible´ or, on the other, reject as ´off the wall´ and indicative of an inability to understand the working conventions of our constitutional system”. 454

Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. XXII. 455

Las reglas en juego: Un examen filosófico de la toma de decisiones baseada en las reglas en el derecho y en la vida cotidiana. Trad. Claudina Orunesu e Jorge L. Rodríguez. Madri: Marcial Pons, 2004. p. 119/121.

195

Ainda assim, a existência teórica de limites à construção de sentido a partir

de um texto não assegura necessariamente a univocidade.

Carlos Alchourrón e Eugenio Bulygin456 denominaram “lacunas de

reconhecimento”:

a los casos individuales em los cuales, por falta de determinación semântica de lis conceptos que caracterizan a um caso genérico, no se sabe si el caso individual pertence o no al caso genérico em cuestión.

A questão acerca da definição do sentido das palavras assume contornos

específicos quando se toma como ponto de observação o nexo de causalidade

jurídica em seus diversos estágios. Se o intérprete assumir que há relação de

hierarquia necessária entre etapas do fluxo de positivação do Direito, então é

plausível que ele também admita haver prevalência ou predominância do sentido

estabelecido no nível hierarquicamente superior de comunicação jurídica.

Exemplificaremos o raciocínio com a seguinte sorite. Pensa o intérprete:

assumo que a Constituição é superior à lei ordinária, porque da primeira a última

extrai seu fundamento de validade. A Constituição é baseada em texto, e é

necessário atribuir sentido às palavras ali veiculadas. A lei ordinária também é texto,

que deve ser interpretado. Logo, o sentido das palavras contidas no texto de lei

ordinária deve ser limitado pelo sentido estabelecido com base no texto

constitucional.

A experiência judicial está repleta de exemplos nesse sentido. Uma instância

da questão ocorreu durante a discussão sobre a validade da incidência do Imposto

sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre operações de importação

de bens por não-contribuintes. O Supremo Tribunal Federal, em uma série de

precedentes que justificaram a adoção do verbete 660 da Súmula457, examinou dois

argumentos. Ponderou, em primeiro lugar458, que a sujeição de não-contribuinte do

ICMS-Circulação ao ICMS-Importação violava a vedação constitucional à

456

Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y sociales. 4. reimpresión. Buenos Aires: Astrea, 2002. p. 63. 457

Súmula 660/STF: “NÃO INCIDE ICMS NA IMPORTAÇÃO DE BENS POR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA QUE NÃO SEJA CONTRIBUINTE DO IMPOSTO”. 458

Confira-se o seguinte trecho do voto do ministro Maurício Corrêa, relator para o acórdão no RE 203.075 (Pleno, DJ de 29/10/1999, RTJ 171/691): “Observo, ainda, a impossibilidade de se exigir o do ICMS na importação de bem por pessoa física, dado que, não havendo circulação de mercadoria, não há como se lhe aplicar o princípio constitucional da não-cumulatividade do imposto, pois somente ao comerciante é assegurada a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores por outro Estado ou pelo Distrito Federal”.

196

cumulatividade, dado que não haveria forma de utilização do instrumento da

compensação, previsto em lei complementar e em leis ordinárias459. Em segundo

lugar – eis o argumento que nos interessa no momento –, a Corte considerou que a

palavra “mercadoria” não denotava “bem”, pois “mercadoria” corresponde ao bem

colocado em comércio, enquanto “bem” corresponde a qualquer objeto físico

passível de apreciação econômica. Vale dizer, “bem” indicava categoria ao qual

pertencia “mercadoria”, e, portanto, “mercadoria” não poderia abranger “bem”460.

Em sentido semelhante, por ocasião do julgamento dos leading cases461

sobre a inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/1998, a Corte partiu da

construção do conceito constitucional de “faturamento” (art. 195, I, da Constituição –

antiga redação) para concluir que ele não comportava o conceito de “receita bruta”,

entendida como as quantias que ingressassem no campo de disponibilidade da

pessoa jurídica a qualquer título.

Tathiane dos Santos Piscitelli argumenta corretamente que alguns votos

proferidos durante o julgamento dos leading cases buscaram identificar o uso

aceitável do vocábulo “faturamento” na comunidade jurídica. Investigando os

parâmetros e métodos decisórios utilizados pelo Supremo Tribunal Federal, sustenta

que a definição estipulativa eleita pelo legislador ordinário extrapolava os critérios de

uso habituais da palavra “faturamento”.

Ouçamo-la:

As decisões referidas e tomadas no caso analisado refletem a impossibilidade de atribuição arbitrária de sentido, mesmo pelo legislador infraconstitucional, e, assim, o dever que possui o Poder Judiciário, em sua atividade de construção de sentido, de afastar significado que seja dissonante da acepção comum do vocábulo, inclusive para que prevaleça a prescrição contida no artigo 110 do Código Tributário Nacional, já debatida. [...] É evidente que não se trata de significação imutável, mas, no atual momento histórico, esse

459

O argumento comporta refutação: se a operação realizada pelo importador é única, pois ele não mais colocará o bem em comércio (não haverá operação subseqüente), e as operações anteriores são irrelevantes, eis que não tributadas pelo ICMS (pois são realizadas em diferente sistema jurídico), como caracterizar a cumulatividade? 460

Confira-se o seguinte trecho do voto do ministro Maurício Corrêa, relator para o acórdão no RE 203.075 (Pleno, DJ de 29/10/1999, RTJ 171/691): “Fixadas essas premissas, há que se concluir que o imposto não é devido pela pessoa física que importou o bem, visto que não exerce atos de comércio de forma constante nem possui „estabelecimento destinatário da mercadoria‟, hipótese em que, a teor do disposto no artigo 155, IX, alínea „a‟ da Constituição Federal, o tributo seria devido ao Estado da sua localização (RE 144.660-RJ, Pleno, relator para o acórdão min. Ilmar Galvão, DJU 21.11.97)”. 461

Cf. Informativo STF 408/2005.

197

(e não qualquer outro) é o sentido aceitável da expressão. [...] É necessário o uso reiterado, em jogos de linguagem, por toda a comunidade lingüística, sob pena de fixação de sentido arbitrário, que não se coadune com os usos firmados no seio da sociedade.462

A autora ainda examina criticamente, com notável precisão, ponto das

razões adotadas pelo ministro Gilmar Mendes no sentido da inexistência de conceito

constitucional para “faturamento”.

Sem prejuízo da rigorosa base metodológica empregada pela autora e do

valor de sua investigação, chegamos a conclusões diferentes. Inicialmente, há um

problema relacionado às regras de prova. Não é possível recuperar de nenhum dos

votos proferidos que a Corte tivesse acesso a investigações semióticas ou de outro

caráter lingüístico que buscassem precisar, com exatidão, as acepções correntes

para a expressão “faturamento”. Nesse sentido, é interessante rever a discussão

havida entre os ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso sobre a possibilidade de o

conceito de “faturamento” estender-se ao produto oriundo das atividades

empresariais típicas, não se limitando à concepção cerrada de “produto das

vendas...”, como, por exemplo, o valor recebido pelas instituições financeiras quando

atuam no campo de seu objeto social.

Obtemperou o ministro Cezar Peluso, verbatim:

Sr. Presidente, gostaria de enfatizar meu ponto de vista, para que não fique nenhuma dúvida a propósito. Quando me referi ao conceito construído sobretudo no RE 150.755, sob a expressão “receita bruta de venda de mercadorias e prestação de serviço”, quis significar que tal conceito esta ligado à idéia de produto do exercício de atividades empresariais típicas, ou seja, que nessa expressão se inclui todo incremento patrimonial resultante do exercício de atividades empresariais típicas.

Se determinadas instituições prestam tipo de serviço cuja remuneração entra na classe das receitas chamadas financeiras, isso não desnatura a remuneração de atividade própria do campo empresarial, de modo que tal produto entra no conceito de “receita bruta igual a faturamento”.

O único denominador comum entre as opiniões expressadas era a

circunstância de “faturamento” não corresponder à totalidade das receitas. Em

outras palavras, embora o “produto das vendas, da prestação de serviços e da

combinação de ambos” fosse aceitável como extensão da palavra “faturamento”, no

462

PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Os limites à interpretação das normas tributárias. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 142/143.

198

campo jurídico ele não era necessariamente o único. Não poderia restringir,

portanto, as opções do legislador. Tampouco há indicativo de que as comunicações

jurídicas (“comunidade jurídica”) e a linguagem natural tenham sido extensamente

vasculhadas. Logo, a Corte poderia ter optado por dar ao objeto do controle

incidental de inconstitucionalidade – o texto do art. 3º da Lei 9.718/1998 –

interpretação conforme a Constituição. O desate da questão, contudo, foi deslocado

para outra oportunidade463.

Em sentido semelhante, não há elementos lastreados em pesquisas de

metodologia rigorosa que refutassem a construção do termo “faturamento” em

acepção mais ampla do que a “receita oriunda da venda de mercadorias, da

prestação de serviços ou da combinação de ambos”.

Também é interessante perquirir sobre os critérios que levam à definição

rigorosa e precisa de quais comunicações firmam os limites da comunidade jurídica.

Entendemos que são comunicações jurídicas todos os fluxos de informação colhidos

pelo sistema jurídico de acordo com os respectivos programas, e, também, por

comungarem o código licitude/ilicitude e direito/não-direito. As funções executiva,

legislativa e jurisdicional fazem parte da comunidade jurídica, com alcances

diferentes. A doutrina e a dogmática também fazem parte da comunicação jurídica,

pois buscam como metalinguagem reconstruir informações que digam sobre a

contingência em termos de licitude/ilicitude e variantes (validade/invalidade,

permitido/obrigatório/proibido etc). A produção doutrinária, científica ou não, também

passa a fazer parte do sistema jurídico à medida que outras instâncias da

comunicação jurídica passam a se referir a elas, como repositório de sentido.

Tirantes situações excepcionais, em que um dado conjunto de

argumentação é rejeitado de forma conspícua pela maioria da comunidade jurídica,

não há zona de certeza a priori sobre a validade de uma proposição que se pretende

jurídica. Qual é o critério utilizado para determinar a aceitação de uma proposição

pela comunidade jurídica (Tribunais, órgãos legislativos, jurisdicionados, cientistas

do Direito, doutrinadores etc.)? A estabilidade é atingida pelo processamento da

informação nos mecanismos de controle, que confirmarão ou rejeitarão a

463

Ao esclarecimento do ministro Cezar Peluso respondeu o ministro Marco Aurélio: “Mas, ministro, seria interessante, em primeiro lugar, esperar a checada de um conflito de interesses, envolvendo uma dúvida quarto ao conceito que, por ora, não passa pela nossa cabeça”. É possível que a discussão comece por ocasião do julgamento do RE 400.479-ED-AgR (rel. min. Cezar Peluso), afetado ao Pleno e em que se discute a base de cálculo da Cofins para as Sociedades Seguradoras.

199

proposição. Certamente, a conclusão dos Tribunais é passível de investigação e

crítica metalingüística. Ela também precisa ser fundamentada (característica das

decisões judiciais), isto é, o órgão jurisdicional está obrigado à exposição de suas

razões (art. 93, IX, da Constituição), dado ainda o risco de colapso do acoplamento

estrutural que garante a integridade do Sistema Jurídico (submissão ao Sistema

Jurídico).

Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inaceitabilidade do

conceito de “faturamento” como “receita bruta” se legitima em razão de o sistema

jurídico conferir à Corte o papel para exercer o controle de constitucionalidade pela

via extraordinária464.

Outro ponto saliente é a circunstância de a definição que serviu de pauta à

parte da argumentação desenvolvida durante o julgamento ser justamente

estipulativa: a definição legal utilizada na legislação do extinto Finsocial e da Lei

Complementar 70/1991, esta última examinada, com extensão bem menor do que a

sugerida em algumas manifestações dogmáticas, por ocasião do julgamento da ADC

1.

Nesse contexto, a advertência feita pelo ministro Gilmar Mendes à Corte,

quanto ao risco de interpretação da Constituição conforme a legislação

infraconstitucional, foi de chapada pertinência.

Diz Joaquim Gomes Canotilho465, a propósito:

A interpretação da constituição conforme as leis têm merecido sérias reticências à doutrina. Começa por partir da idéia de uma constituição entendida não só como espaço normativo aberto mas também como campo neutro, onde o legislador iria introduzindo subtilmente alterações. Em segundo lugar, não é a mesma coisa considerar como parâmetro as normas hierarquicamente superiores da constituição ou as leis infraconstitucionais. Em terceiro lugar, não deve afastar-se o perigo de a interpretação da constituição de acordo com as leis ser uma interpretação inconstitucional, quer porque o sentido das leis passadas ganhou um significado complemente diferente na constituição, porque as leis novas podem elas próprias ter introduzido alterações de sentido inconstitucionais. Teríamos, assim, a legalidade da constituição a sobrepor-se à constitucionalidade da lei.

A discussão sobre o conceito constitucional de faturamento, por seu turno,

se desdobra em outros pontos específicos. Por exemplo, sustenta-se que o conceito

464

Em programa que tende à estabilidade (não somente pelo trânsito em julgado, mas pelo papel que a Corte tem no centro do sistema jurídico). 465

Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 1106.

200

constitucional de “faturamento” deve corresponder ao produto das vendas, da

prestação de serviço e da combinação de ambos. Como parte das atividades das

instituições financeiras não se caracterizaria como “venda de bens” ou “prestação de

serviços”, os respectivos valores não poderiam compor a base de cálculo possível

do tributo, que é o faturamento. Por outro lado, argumenta-se que o conceito

constitucional de faturamento comporta a acepção de produto das atividades

relativas ao objeto social da empresa ou de suas atividades usuais (para

alguns, “receita operacional”). Nessa segunda vertente, compõe a base de cálculo

do tributo as receitas provenientes das operações de arrendamento mercantil

(leasing), aluguéis de bens móveis, remuneração de capital ou mútuo (juros) etc.

Em termos rigorosos, contudo, não é possível afirmar que as expressões

contidas na Constituição consignem tão-somente um sentido possível. As palavras

utilizadas para construir as normas constitucionais, assim como as palavras

utilizadas em quaisquer outras normas, geralmente emanam um campo de

acepções possíveis, e nunca somente uma acepção. Em sentido metafórico, a

Constituição é incompleta, pois não é possível afirmar a validade de todas as

proposições que dela extraem fundamento recorrendo-se apenas ao texto

constitucional.

Logo, concordamos com a premissa cinzelada por Tathiane Piscitelli, no

sentido de que o Supremo Tribunal Federal examina o conteúdo semântico

normativo para contrapô-lo a dada pauta, identificada a partir do uso aceitável que o

termo tem em determinada comunidade jurídica. Intuímos, contudo, que a

investigação não foi exaustiva, no sentido de identificar com precisão mencionada

pauta (“quem é a comunidade jurídica?”) e o significado de “faturamento” (vide a

disputa acerca do produto da atividade das instituições financeiras), e foi permeada

por certa circularidade (conceito constitucional de “faturamento” ligado ao conceito

legal de “faturamento”).

O sistema jurídico lida com a ambigüidade e a vagueza de diversas formas.

Como já dito, tanto a função legislativa como a função jurisdicional operam nesse

sentido; compete à função jurisdicional, contudo, estabilizar sentidos e expectativas

contrafáticas com ânimo de definitividade. A relação entre o controle de validade e o

objeto controlado, bem como entre o controle e as pautas utilizadas, é de

circularidade limitada. Assim como o parâmetro define o exercício do controle, o

201

controle fornecerá elementos para formar o sentido do parâmetro (pois o controle

também toma o parâmetro como objeto de observação).

Segundo concebemos, dizer que não há como hierarquizar os métodos de

interpretação466 não implica ser impossível extrair as regras de prioridade que fazem

com que o intérprete opte por uma construção em precedência a outra,

potencialmente admissível para o caso em exame. A fundamentação das decisões

judiciais é traço de alguns modelos de cultura jurisdicional467 e é programa positivo,

previsto no art. 93, IX, da Constituição. De forma semelhante, o exercício da função

administrativa está vinculado à motivação, e a atividade legislativa também está

vinculada à demonstração de sua pertinência ao sistema jurídico, embora de modo

todo peculiar. O controle toma por base, então, as razões apresentadas por cada

instância das etapas de comunicação jurídica.

Em resumo, propomos duas conclusões fundamentais. A primeira é a de que

não há relação hierárquica unidirecional entre quaisquer das etapas de comunicação

jurídica. A construção de sentido dependerá de uma série de instrumentos que não

se limitam rigorosamente ao repositório custodiado pelo nível normativo que se

pretende superior. A segunda é a de que a fundamentação assim como a motivação

são essenciais ao controle, competindo ao órgão incumbido da sindicância haurir

quais as regras de precedência e as demais relações de causalidade jurídica que

embasam cada etapa do fluxo de comunicação jurídica.

2.3.3.5.4 Uso de elementos do Sistema Econômico e de outros sistemas na

formação das normas de responsabilidade tributária

466

Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária, citado supra. 467

Frederick Schauer registra a existência de modos legais nos quais o oferecimento explícito de razões é ausente (Giving Reasons. Stanford Law Review, Stanford (EUA), v. 47, p. 633, 1994-1995). Usa como exemplo a atividade legislativa. Os redatores dos textos de lei muitas vezes não vêem necessidade de fundamentação, por um motivo singelo e comungado com pais e sargentos militares: “giving reasons is the anthitesis of authority. When the voice of authority fails, the voice of reason emerges. Or vice-versa” (op. cit., p. 637). Compare-se com a opinião de Eduardo Domingos Bottallo (Lições de Direito Público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 126): “A fundamentação das decisões é projeção da garantia fundamental do contraditório e ampla defesa que a Constituição assegura a todas as pessoas (art. 5º, LV). Antes mesmo de ser alçado ao plano constitucional, tal dever já constava do Código de Processo Civil (art. 457, II). Trata-se, pois, de requisito dos mais preciosos, já que sua inobservância, a par de tumultuar o andamento dos processos, concorre fortemente para alimentar o descrédito do Judiciário e frustrar a expectativa das pessoas quanto à qualidade dos serviços jurisdicionais.

202

A doutrina costuma opor severa resistência ao que chama de interpretação

econômica do Direito (IED). A interpretação econômica do Direito consiste, em seu

nível mais elementar, no recurso a conceitos definidos no âmbito de outros sistemas

para a construção de sentido das normas jurídicas. O recurso aos conceitos

exógenos far-se-ia sem observância da precedência ou prioridade que o próprio

sistema jurídico teria na composição de seu conteúdo.

Na experiência norte-americana, Robert Cooter468 atribui a resistência dos

advogados469 à IED à ausência de esforço para compreendê-la, afirmando, por

exemplo, que se trata de apenas mais uma tese utilitária.

Quanto à experiência pátria, Cristiano Carvalho aponta problemas

semelhantes, oriundos “de um marxismo arraigado no senso comum da nossa

cultura” 470.

Para nós, a resistência à utilização de instituições próprias da economia, ou,

de fato, originadas em qualquer outro sistema que não o jurídico, pode atender a

três perfis distintos.

O primeiro exala da experiência histórica brasileira. Concebemos que a

prática do Direito em geral, assim como do Direito Tributário em especial, operou

como instrumento de resistência à tendência totalitária e antidemocrática que

permeou o País entre 1964 e 1988471. A autonomia do sistema jurídico condicionava

a atividade estatal e preservava as pretensões dos jurisdicionados, e não poderia

ser negada abertamente pelos governantes472. Por isso redundava em barreira que

poderia ser legitimamente oposta ao Estado. Qualquer tentativa de corrupção do

sistema, com o uso de critérios por ele não previstos, por exemplo, deveria ser

rechaçada com rigor.

Em segundo lugar, há fundada preocupação científica e metodológica. A

autopoiese do sistema jurídico deve ser preservada pelo intérprete. Sob o risco de

468

Law and the Imperialism of Economics: An introduction to the Economic Analysis of Law and a Review of the Major Books. UCLA Law Review. Los Angeles, v. 29, p. 1261. 469

A expressão utilizada foi “lawyers”. Dado que a generalização do termo (para operadores do Direito, por exemplo) poderia redundar em ambigüidade ausente do texto original (não se fala em professores, juízes e alunos), empregamos a palavra em português: “advogados”. 470

Teoria do sistema jurídico, p. 249. 471

O argumento se baseia em uma ponderação de Eurico de Santi, proferida durante um dos intervalos das aulas de Teoria Analítica do Direito ministradas na GVLAW em 2004. Se nossas notas taquigráficas estiverem corretas, a ponderação de Eurico de Santi tem origem em uma assertiva de Eduardo Domingos Bottallo. 472

Embora fosse possível desconstituir o sistema para que outro fosse criado, como efetivamente foi feito à época, nenhum Estado pode simplesmente negá-lo, seja por questões de legitimação, seja por força de relação lógica: o sistema jurídico é pressuposto da competência estatal.

203

colapso e confusão com outro sistema, o Direito não pode passar a operar com os

códigos e programas de outros sistemas, como os critérios situação/oposição e

ter/não ter.

Como bem apontaram Robert Cooter e Cristiano Carvalho, a resistência

pode basear-se em mera falta de esclarecimento sobre o que efetivamente é

interpretar o Direito com auxílio da economia. Vale dizer, o desconhecimento sobre

os acoplamentos mantidos entre os sistemas pode ser causa recalcitrante da

negativa ao reconhecimento de que conceitos formados em outros sistemas podem

ser processados pelo sistema jurídico (mantida a integridade do código).

O Sistema Jurídico refere-se aos elementos do Sistema Econômico da

mesma maneira que toma por objeto todo o remanescente da contingência: através

de seu código e nos termos de seus programas. Identificam-se as condutas ligadas

à maximização e ao equilíbrio que são permitidas, obrigatórias ou proibidas

(lícitas/ilícitas). Conceitos como o de moeda, lucro, juros, custo, risco, preço etc.

podem ser estipulados pelas normas jurídicas, repetindo e adaptando as noções já

desenvolvidas em outros sistemas.

É a norma jurídica que definirá se atos de maximização de lucros tendentes

à concentração de mercado serão lícitos (permitidos) ou ilícitos (proibidos),

independentemente da forma como o Sistema Econômico lida com tais dados

(favoráveis/desfavoráveis ao equilíbrio).

De forma semelhante, o Sistema Econômico referir-se-á às normas jurídicas

com base no código ter/não ter. Faz sentido para a Economia discutir se uma

decisão judicial é prejudicial ao equilíbrio econômico, quando, por exemplo, examina

a concessão de medida liminar que desobrigue contribuinte à solução de crédito

tributário. A relevância desse dado para o Direito (proibição do fomento de situações

anticoncorrenciais versus livre acesso ao Judiciário, por exemplo) é definida pelos

mecanismos que garantem a autopoiese473.

473

Ao examinar a legislação alemã, disse Misabel de Abreu Machado Derzi (Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 264): “A interpretação de uma lei deve se nortear por critérios jurídicos. O termo „econômico‟ que qualifica a interpretação da lei, na Alemanha, foi vitória de Enno Becker que, calcado nos ensinamentos de Ihering, se opôs a uma ciência de conceitos, desvinculada da finalidade e da „significação econômica‟ da norma. [...]. Como lembra Isensee, econômicos são os dados da realidade que só adquirem importância na medida em que a lei a eles se refira. Assim, interpretação econômica é um método jurídico, que não guarda nenhuma particularidade”.

204

A cautela deve ser direcionada à manutenção da integridade de cada um

dos sistemas, com a preservação dos códigos e programas idiossincráticos. Cabe

transcrever, no ponto, a admoestação de Paulo de Barros Carvalho474:

Não há como aceitar uma interpretação econômica do direito ou uma interpretação histórica do direito, mecanismos espúrios que ainda contaminam nossa cultura jurídica. Mais a mais, um sistema não age sobre outro sistema, modificando-o. O que pode acontecer é o sistema S´ tomar conhecimento de informações do sistema S´´ e processar esses dados segundo seu código de diferença, vale dizer, submetendo-o ao seu peculiar critério operacional. Em linguagem jurídica, é o direito recebendo fatos econômicos, por exemplo, em suas hipóteses normativas e, a partir delas, produzindo novas relações jurídicas por meio de operadores deônticos (V, P e O). Já se vê que a identidade auto-referencial do sistema jurídico impede qualquer esforço externo no sentido de seu conhecimento operacional, que somente será possível na medida em que se considere o conjunto na complexidade de sua organização interior.

Concebemos, portanto, que a utilização de mecanismos temperados no

âmbito do Sistema Econômico para a construção de sentido das normas jurídicas é

admissível, desde que observados os limites postos pelo próprio Sistema Jurídico

(autopoiese).

2.3.3.5.5 Comprovação probatória e confirmação do quadro fático. Teoria das

Provas

O Sistema Jurídico contém normas enviesadas à versão, em linguagem, de

dados pertinentes à concreção. As circunstâncias que formam o quadro fático são

definidas a partir de critérios eleitos nas regras de prova.

A prova, tomada em sua acepção como produto475, é dado vicário476 da

passagem de eventos que se esvaíram no espaço-tempo e não pode ser recuperada

senão pelas marcas deixadas nos diversos planos de linguagem. Não há fato

jurídico sem linguagem, e é o Direito que irá indicar como deverá ser enunciada a

instância de comunicação que trará a linguagem à realidade jurídica.

474

Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 119. 475

Cf. TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 68, sobre a ambigüidade da palavra. 476

Idem, ibidem, p. 73-77.

205

A comprovação probatória está imbricada no processo de concreção do

Direito, prescrevendo sobre como o quadro fático deverá ser construído para que se

considere uma proposição sobre fatos válida ou inválida477.

Uma sólida Teoria das Provas tem aplicabilidade em dois pontos específicos

de nossa investigação sobre o controle da atribuição da responsabilidade tributária

no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro consiste em indagar se a violação às regras de prova, direta ou

indireta, encontra-se no âmbito de cognição daquela Corte. A partir da resposta

positiva, passa-se a reconstruir os critérios utilizados em tais regras de prova e que

especificam como as proposições são confirmadas ou infirmadas, quem está

obrigado à prova (ônus) e qual é o momento adequado à formação do quadro

fático.

O segundo ponto refere-se ao exame da extensão da competência do

Supremo Tribunal Federal na confirmação ou na infirmação do quadro fático. Em

especial, aquela augusta Corte firmou uma série de precedentes que afirma, em

síntese, que o recurso extraordinário não se presta à simples revisão de provas ou

de cláusulas contratuais478. Em matéria de responsabilidade tributária, diversas

disputas se dão em torno da caracterização da conduta de sócio ou administrador

como contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social. Outras vezes se discute a

própria caracterização do pretenso responsável como sócio ou administrador com

poderes suficientes à prática do ato que lhe é imputado. A dúvida colocada é como

os órgãos julgadores processarão as proposições que afirmem ou neguem as

circunstâncias indicativas da prática dos atos que caracterizam as hipóteses de

responsabilização.

O cuidado com a máxima eficiência dos esforços probatórios tem especial

significação para o responsável devido à presunção de liquidez e certeza do

477

“Se os fatos são entidades lingüísticas, com pretensão veritativa, entendida esta cláusula como a utilização de uma linguagem competente para provocar o consenso (Habermas), os fatos jurídicos serão aqueles enunciados que poderem sustentar-se em face das provas em direito admitidas. [...] De ver está que o discurso prescritivo do direito posto indica, fato por fato, os instrumentos credenciados para constituí-los, de tal sorte que os acontecimentos do mundo social que não puderem ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por mais evidentes que sejam. O sistema do direito positivo estabelece regras estruturais para organizar como fatos as objetivações que julga relevantes” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, p. 112. 478

Cf. o teor da Súmula 7 da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “A PRETENSÃO DE SIMPLES REEXAME DE PROVA NÃO ENSEJA RECURSO ESPECIAL” e da Súmula 279 da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “PARA SIMPLES REEXAME DE PROVA NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO”.

206

crédito, uma vez inscrito em dívida ativa (art. 206 do CTN), e da presunção de

validade dos atos administrativos. Há o risco de tais proposições serem

interpretadas de forma a deslocar o ônus da prova para o responsável, de forma a

permitir às autoridades fiscais formular a singela afirmação de que houve a

conduta que enseja a responsabilidade.

Os problemas acerca da caracterização do quadro fático levam às lacunas

de conhecimento, expressão utilizada por Alchourrón e Bulygin479 para designar

a los casos individuales en cuales, por falta de conocimiento de las propiedades del hecho, no se sabe si pertenecen a no a una clase determinada de de casos (casos genéricos).

O ponto pode ser exemplificado com o seguinte cenário. Após uma série de

julgamentos, o Supremo Tribunal Federal concluiu que o aumento das alíquotas da

Contribuição ao Finsocial era inconstitucional para as empresas comerciais ou de

atividade mista, posto que constitucionais para as empresas exclusivamente

prestadoras de serviços480.

A caracterização do contribuinte como exclusivo prestador de serviços ou

empresa destinada à exploração de outro tipo de atividade econômica é questão

normativa, que se espraia tanto no que se refere ao quadro fático como no que diz

respeito ao quadro jurídico.

Os órgãos jurisdicionais de primeira e segunda instância costumavam

classificar algumas instituições como empresas exclusivamente prestadoras de

serviço. Entre elas, estavam instituições financeiras, distribuidoras de energia

elétrica e, em ao menos um caso, montadoras de veículos. Devolvida a lide ao crivo

do Supremo Tribunal Federal, deveria a Corte decidir se poderia rever ou não a

classificação dada ao contribuinte pelo Tribunal de origem.

Examinaremos tais questões quando forem abordadas as vicissitudes do

controle de atribuição da responsabilidade tributária no âmbito do recurso

extraordinário.

479

Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y sociales, p. 63. 480

Confiram-se, por todos, o teor da Súmula 658 da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“SÃO CONSTITUCIONAIS OS ARTS. 7º DA LEI 7.787/1989 E 1º DA LEI 7.894/1989 E DA LEI 8.147/1990, QUE MAJORARAM A ALÍQUOTA DO FINSOCIAL, QUANDO DEVIDA A CONTRIBUIÇÃO POR EMPRESAS DEDICADAS EXCLUSIVAMENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”) e o RE 187.436-ED (rel. min. Moreira Alves, Pleno, DJ de 23/03/2001). Quanto ao precedente, confira-se especialmente o voto-vogal do ministro Sepúlveda Pertence proferido no julgamento de mérito.

207

2.3.3.5.6 Presunções

Após isolar três acepções possíveis para a palavra “presunção” nos

quadrantes do direito positivo (devido à ambigüidade), Maria Rita Ferragut481

propõe que, como proposição normativa482, verbatim:

presunção é norma jurídica deonticamente incompleta (norma lato sensu), de natureza probatória que, a partir da comprovação do fato diretamente provado (fato indiciário, fato diretamente conhecido, fato implicante), implica juridicamente o fato indiretamente provado (fato indiciado, fato indiretamente conhecido, fato implicado).

As presunções operam como redutores das dificuldades inerentes à versão

em linguagem competente de proposições ligadas à concreção. São, portanto,

instrumentos de calibração das lacunas de conhecimento. Segundo Misabel

Derzi483, relacionam-se com a praticabilidade da lei. A adoção da presunção

arrefece a necessidade de emprego intensivo da máquina estatal na exploração de

um único caso destacado, reduzindo os “custos na aplicação da lei”484. Permitem,

ainda, “dispensar a colheita de provas difíceis ou impossíveis em cada caso

concreto ou aquelas que representem ingerência indevida na esfera privada do

cidadão”485.

É importante distinguir responsabilidade objetiva do uso das presunções

para firmar a responsabilidade tributária. O modelo de responsabilidade objetiva

simplesmente ignora a relação psíquica subjacente à conduta que leva ao dano. Em

sentido diverso, as presunções podem ser utilizadas para provar os elementos de

justificação da culpa em sentido amplo, que são o dolo e a culpa em sentido estrito.

Por exemplo, é possível conceber que a obstinada e desarrazoada486

resistência à apresentação de documentos (e.g., registros contábeis e fiscais) indica

481

Presunções no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 113. 482

As outras duas acepções são “relação” e “fato”. 483

Direito Tributário, Direito Penal e tipo, p. 104. 484

Idem, Ibidem, p. 105. 485

Idem, ibidem, p. 105. Sobre o modo de pensamento tipificante, aplicado à praticabilidade e ao exercício da função administrativa, doutrina Misabel Derzi (op. cit., p. 106): “O objetivo desse modo de pensar é sempre o mesmo: evitar a averiguação de cada caso concreto, a avaliação individual e o levantamento de provas difíceis que exigiriam a manutenção de aparatos administrativos de elevado custo, tornando anti-econômica a arrecadação”. 486

Atendemos à orientação de Frederick Schauer no sentido de que “razões ruins” ou inconsistentes são equiparáveis à ausência de razões (cf. Giving Reasons, op. cit., passim).

208

que o sócio ou o administrador agiram com excesso de poderes ou em

desatenção à lei. A falta de entrega dos documentos é interpretada como tentativa

de escamotear os fatos e embaraçar a cognição das autoridades fiscais.

Em sentido semelhante, a atribuição de imensuráveis faculdades a dado

administrador ou representante de pessoa jurídica pode fazer presumir que tal

pessoa é, de fato, sócio da empresa.

A questão que se coloca é se a presunção de liquidez e certeza do crédito

tributário devidamente inscrito em dívida ativa, ou as alegações da Fazenda durante

o processo judicial tendente a confirmar ou infirmar o crédito tributário, são em si

suficientes, de forma a deslocar o ônus probatório (ou tolhê-lo de vez) ao alegado

responsável.

Novamente, examinaremos tais questões quando forem abordadas as

vicissitudes do controle de atribuição da responsabilidade tributária no âmbito do

recurso extraordinário.

2.3.3.5.7 Semelhanças e diferenças entre responsabilidade tributária e

desconsideração da personalidade jurídica. Diferenciação quanto à

desconsideração de negócios jurídicos (norma antielisiva)

O Sistema Jurídico Brasileiro contém uma série de mecanismos destinados

a desconsiderar a personalidade jurídica e, assim, permitir a atribuição de

obrigações diretamente aos sócios ou administradores das empresas. Sem a

desconsideração, tais obrigações seriam normalmente oponíveis à própria pessoa

jurídica. Tais mecanismos costumam ser agrupados no que se chama de Teoria da

Desconsideração da Pessoa Jurídica, disregard doctrine ou lifting the corporate veil.

A limitação da responsabilidade dos sócios pode ser extraída dos arts. 1.045

e 1.052 do Código Civil (comanditas simples e sociedades limitadas) e do art. 1º da

Lei 6.404/1976 (sociedades por ações). São exemplos dos mecanismos destinados

a suspender a limitação da responsabilidade os arts. 50 (baseado em vertente

desviante da teoria do abuso de direito), 1.003, 1.009, 1.016, 1.017, 1.023, 1.080 do

Código Civil, 81, § 1º, e 82, § 2º, da Lei 11.101/2005 (Falência), 195, § 1º, da Lei

209

9.279/1996 (Concorrência desleal), 4º da Lei 9.605/1998 (Dano ambiental) e 28, §

5º, da Lei 8.078/1990 (relações de consumo)487.

Fábio Ulhoa Coelho esquadrinha a desconsideração da personalidade

jurídica em duas teorias, que adjetiva como "maior” e como “menor”. A teoria maior

tem por hipótese principal de trabalho o abuso de forma, compreendido, na linha

desenvolvida por Rolf Serick, como as iniciativas tendentes a impedir a aplicação

das normas legais ou contratuais, ou a lesar o interesse de terceiros mediante o

emprego de fraude488. Por seu turno, a teoria menor prende-se à frustração da

obrigação imposta à pessoa jurídica, independentemente de características

circunstanciais ao inadimplemento. Fábio Ulhoa Coelho aponta duas bases da

teoria menor. A primeira é a resistência à utilização fraudulenta da autonomia

patrimonial em relações trabalhistas, de consumo ou em relação ao Estado.

Aludindo aos estudos de Richard Posner, a segunda base é exposta com auxílio da

Análise Econômica do Direito. Para credores não-negociais, isto é, titulares de

pretensões que não foram pactuadas com ampla liberdade, a limitação da

responsabilidade dos sócios é matéria que lhes escapou à consideração. Em

princípio, as obrigações não-negociais (ex lege – como a obrigação tributária) não

podem ser calibradas à razão do risco de insolvência do devedor489, e tal

circunstância justifica o levantamento da restrição posta pela separação patrimonial

entre os sócios e a pessoa jurídica.

Walfrido Jorge Warde Junior sugere que a teoria da desconsideração da

personalidade jurídica é uma resposta à crise da limitação da responsabilidade dos

sócios490. Segundo observou na experiência norte-americana do início do século XX,

a desconsideração da personalidade jurídica era empregada como método de

correção de desvios da atuação da pessoa jurídica, sempre que esta não

correspondesse ao propósito negocial legítimo491. Tratava-se de instrumento

destinado a coibir o abuso de poder ou de forma.

487

Confira-se, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das relações do trabalho, e.g., AIRR - 526/2004-053-15-40, rel. juíza convocada Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Sexta Turma, DJ de 11/10/2007. 488

As teorias da desconsideração. TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 262. 489

Op. cit., p. 271. 490

WARDE JUNIOR, Walfrido Jorge. Responsabilidade dos sócios: A crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 187. 491

Op. cit., p. 197.

210

Naquele contexto, a limitação da responsabilidade dos sócios era

conseqüência direta da afetação do patrimônio à pessoa jurídica. Fábio Ulhoa

Coelho também elege a autonomia patrimonial como razão de resistência à

responsabilização direta do sócio492.

A utilização dos métodos da Análise Econômica do Direito (Law and

Economics), contudo, demonstrou que a limitação da responsabilidade dos sócios

atendia a racionalidade diferente. A preservação do patrimônio dos sócios e a

distinção em relação ao patrimônio da sociedade reduzem os custos de capital e das

transações493-494, bem como oferecem “via menos ruinosa de saída dos

mercados”495. Assim, em vez de responder à crise da limitação da responsabilidade

dos sócios com teorias que versassem sobre a desconsideração da personalidade

jurídica, Walfrido Júnior argumenta que a própria teoria da responsabilidade pode

oferecer tratamento adequado à questão. Dois dos fundamentos do método de

responsabilização são a ineficiência da limitação da responsabilidade496 e a

apropriação dos meios de produção497.

Examinam a responsabilidade tributária a partir da perspectiva da

desconsideração da personalidade jurídica Marcelino Cristelli de Oliveira498,

492

As teorias da desconsideração. TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 268. 493

Cf. op. cit., p. 183. 494

Reporta-se Fábio Ulhoa Coelho (As teorias da desconsideração. TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 265): “Um outro aspecto da questão diz respeito ao custo da atividade econômica, elemento que compõe o preço a ser pago pelos consumidores ao adquirirem produtos e serviços no mercado. Se o direito não dispuser de instrumentos de garantia para os empreendedores, no sentido de preservá-los da possibilidade de perda total, eles tenderão a buscar maior remuneração para os investimentos nas empresas. Em outros termos, apenas aplicariam seus capitais em negócios que pudessem da lucro suficiente para construírem um patrimônio pessoal de tal grandeza que não poderia perder-se inteiramente na hipótese de futura e eventual responsabilização. Ora, para gerar lucro assim, a sociedade deve reduzir custos e praticar preço elevado”. 495

WARDE JUNIOR, Walfrido. Responsabilidade dos sócios, p. 184. 496

Op. cit., p. 286. 497

Op. cit., p. 298. 498

OLIVEIRA, Marcelino Cristelli. A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Responsabilidade Tributária. Revista Jurídica da Procuradoria Geral da Fazenda Estadual, n. 43, p. 9-

50, jul./set. de 2001.

211

Onofre Alves Batista Júnior499, Ana Eunice Carneiro Alves, Roberta Ferreira de

Andrade e Sandra Mariado Couto e Silva500.

Em sentido diverso se manifestaram Maria Antonieta Lynch e Saulo de

Tarso Muniz dos Santos501. Disse Isabel Marques da Silva502:

Há quem, na doutrina portuguesa, veja na responsabilidade tributária um fenómeno de desconsideração da personalidade societária. A esta tese pode, porém, contrapor-se que a desconsideração da personalidade societária permite executar o património dos sócios e não o dos titulares dos órgãos de administração ou gestão enquanto tais e independentemente de serem ou não também sócios ou accionistas. Assim, não parece que na responsabilidade tributária dos gestores enquanto tais haja uma desconsideração da personalidade tributária, ao menos em sentido próprio.

Ambos os fundamentos do método de responsabilização sugeridos por

Walfrido Júnior503 são adequados à racionalidade da responsabilidade tributária. A

responsabilidade tributária opera como salvaguarda da máxima eficácia social do

crédito tributário, objetivo que é iludido pela limitação da responsabilidade (do sócio,

do sucessor, da empresa cindida etc.). O entrechoque entre tais vetores é resolvido

pela investigação acerca da eficiência da limitação da responsabilidade, no campo

que lhe é peculiar (jurídico-econômico; fomento da atividade empresarial) contra o

custo que o inadimplemento impõe ao sistema tributário (jurídico-econômico, por

forçar o sujeito ativo a distribuir o efeito da insolvência a todos os sujeitos passivos

solventes). Por outro giro, a apropriação dos meios de produção desvirtua a

limitação da responsabilidade, deslocando sua função da necessária preservação

das condições para desenvolvimento econômico para a mera proteção do patrimônio

dos sócios ou administradores.

Como se lê nas entrelinhas, entendemos que matéria pertinente à

responsabilidade tributária não é adequadamente explicada pela Teoria da

499

BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Responsabilidade tributária do sócio não gerente : o "laranja", a fraude à lei e a desconsideração da pessoa jurídica. Revista jurídica da Procuradoria Geral da Fazenda Estadual, n. 35, p.56-64, jul./set. de 1999. 500

ALVES, Ana Eunice Carneiro; ANDRADE, Roberta Ferreira de; COUTO E SILVA, Sandra Mariado. A execução fiscal: solidariedade e responsabilidade tributária: teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Revista da procuradoria geral do estado do Amazonas, v. 11, n. 17, p. 269-297, 1994. 501

LYNCH, Maria Antonieta e SANTOS, Saulo de Tarso Muniz dos. Responsabilidade tributária dos sócios e o lançamento. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, ano 15, n. 72, p. 98-113, 2007. 502

A Responsabilidade Tributária de Administradores de Pessoas Colectivas no Direito Português. Revista Forum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 115, 2005. 503

I.e., a ineficiência da limitação da responsabilidade e a apropriação dos meios de produção.

212

Desconsideração da Personalidade Jurídica, porquanto o fenômeno se torna mais

nítido quando contraposto às razões para a preservação da limitação da

responsabilidade (responsabilidade tributária é questão que se resolve com o exame

das razões para a limitação da responsabilidade dos sócios, e não de pretensa

distinção patrimonial entre a pessoa do sócio e a pessoa jurídica).

Notamos, ainda, que a limitação de responsabilidade ou a separação da

personalidade jurídica não se aplicam, de forma linear, a todas as hipóteses de

responsabilidade tributária. Nenhum daqueles fundamentos é sequer pertinente à

sucessão patrimonial integral, com a desconstituição da personalidade jurídica do

sujeito passivo originário. Observe-se que, aqui, não há personalidade jurídica a ser

preservada, e a limitação de responsabilidade não se justifica dada a absorção do

patrimônio pela pessoa que será invocada como responsável.

Esse jogo de ponderações não pode ser reduzido aprioristicamente à

proibição ou permissão geral e ampla à responsabilização do sócio ou

administrador. A circunstância de o sujeito ativo ser credor não-negocial não valida

toda e qualquer tentativa de incursão no patrimônio de terceiro não-contribuinte, pois

a garantia dada pela limitação à atividade econômica pode ser considerada

prioritária ao interesse fiscal (que é interesse estatal). Ademais, como registrou

Fabio Ulhoa Coelho504, a Fazenda, ainda que credor não-negocial, pode contar

com métodos de distribuição dos custos da inadimplência aos demais sujeitos

passivos adimplentes (recurso que deve ser utilizado com parcimônia).

A escolha compete aos órgãos imbuídos da competência para exercício da

função legislativa. É o Legislativo o órgão legítimo para traduzir esses dados,

ansiedades e pretensões em linguagem jurídica. Posto que reconhecida a

competência ao Legislativo, a atividade jurisdicional continua preservando a aptidão

para controlar a escolha, com base nos critérios que o Sistema Jurídico lhe outorga

(em especial, lançando mão dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade).

Apressamo-nos em dizer, contudo, a incompatibilidade de regras

excessivamente abertas ou que abusem dos conceitos indeterminados para o

estabelecimento das normas de responsabilidade tributária. O Legislativo deve

reduzir o quanto possível a ambigüidade e a vagueza inerentes às palavras ao

estabelecer normas de responsabilidade tributária. Para utilizar expressão cunhada

504

As teorias da desconsideração, p. 272.

213

na experiência do Supremo Tribunal Federal ao examinar quais normas são

passíveis de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato, a norma que

define a responsabilidade tributária deve ter “densidade normativa autônoma”.

Também consideramos que o art. 50 do Código Civil não se aplica à

atribuição de responsabilidade tributária. Para Hamilton Dias de Souza e Hugo

Funaro, a inaplicabilidade surge em dois pontos: inobservância à reserva de lei

complementar (art. 146, III, b, da Constituição) e violação da legalidade (art. 150, I,

da Constituição), porquanto ausente a previsibilidade dos tipos fechados se houver a

integração jurisdicional do sentido atribuível aos critérios que definem a hipótese de

responsabilidade tributária. Dizem os autores:

Muito embora o art. 50 do Código Civil estabeleça os casos em que pode haver a desconsideração da personalidade jurídica, a aplicação do instituto não depende unicamente da subsunção do fato à norma, mas, sobretudo, do exame individualizado do caso pela autoridade judicial. Haverá sempre uma solução particular a ser dada pelo juiz. Posto um caso idêntico diante de dois magistrados, poderão ser proferidas decisões diferentes, em função do livre convencimento de cada um. Vale dizer, o resultado é imprevisível.

Concordamos apenas com a primeira constatação de Hamilton Dias de

Souza e Hugo Funaro (violação da reserva de lei complementar para dispor sobre

normas gerais em matéria tributária, que não contém cláusula geral e aberta). A

decisão judicial, assim como outros atos de aplicação e concreção do Direito, pode

validamente influenciar o sentido haurível das etapas de comunicação jurídica que a

antecedem. É inequívoco que os juízes não usualmente criam normas, no sentido

geral e abstrato505, comumente vinculado à função legislativa. Mas a função

jurisdicional tem papel relevante na estabilização de sentido, na remoção de

ambigüidade e vagueza. Afinal, concebemos o nexo de causalidade como uma

Rede de Transição Aumentada. Para nós, a circunstância de o órgão jurisdicional

estabelecer sentido ao falar sobre a norma geral e abstrata não é violação da

separação de funções estatais, ou desacato ao judicial self restrain.

O risco da prolação de decisões dissonantes sobre quadros fático-jurídicos

similares também é inerente à forma como o fluxo de comunicação jurídica foi

estruturado (o livre convencimento e a multiplicidade de órgãos jurisdicionais com a

505

Mas veja-se que criam normas gerais e concretas, quando exercem o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade. Com a adoção das Súmulas Vinculantes, é possível revisar o entendimento, apontando se trata de normas gerais e abstratas.

214

mesma competência, fixada artificialmente segundo critérios dados pelo próprio

sistema, como a distribuição por sorteio). O Sistema Jurídico Brasileiro lida com esse

risco oferecendo mecanismos que induzem à unificação do entendimento, como o

recurso especial fundado na alínea c do art. 105, III, da Constituição, os embargos

de divergência (art. 496, III, do Código de Processo Civil) e o incidente de

uniformização da jurisprudência (art. 476 do Código de Processo Civil).

Por fim, é importante distinguir entre a norma geral contra a elisão506 fiscal e

a responsabilidade tributária. Dispõe o art. 116, parágrafo único, do Código

Tributário Nacional (redação dada pela Lei Complementar 104/2001):

Art. 116. [...] [...] Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

A norma geral contra a evasão fiscal busca fixar a responsabilidade do

próprio contribuinte. Desconsidera-se não a pessoa jurídica, mas a forma e o sentido

superficial do negócio jurídico que se pressupõe escamotear o fato jurídico tributário.

2.3.3.5.8 Tipo de operação realizada pelas normas de responsabilidade tributária

Entrevemos três tipos de operação que podem ser realizadas pelas normas

de responsabilidade tributária, no que se refere ao direcionamento do nexo de

causalidade jurídica.

O primeiro tipo consiste na permissão ao legislador para estabelecimento de

novos sujeitos passivos, com critérios gerais e abstratos. Consiste na própria

competência tributária.

506

Há severa dúvida sobre o alcance da norma pretendido pelas autoridades fiscais: se voltada apenas à desconstituição de negócios jurídicos destinados a encobrir o fato jurídico tributário (evasão), ou se predisposta a reconfigurar o fato jurídico para se adequar à hipótese de incidência mais onerosa, neutralizando os efeitos de eventual planejamento tributário (elisão). Sobre o assunto, confira-se AMARAL, Gustavo da Silva. Elisão fiscal e norma geral e antielisiva. São Paulo: IOB Thompson, 2004; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004; XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo, Dialética, 2001.

215

As normas de atribuição de responsabilidade tributária que possuem

densidade normativa suficiente, isto é, estão estruturadas com sentido deôntico

mínimo, posto que contenham critérios gerais e abstratos, operam como fundamento

de validade da atividade do agente público destinado a constituir a relação que tem

por objeto a obrigação por responsabilidade. Quer dizer, as normas de

responsabilidade condicionam o fluxo de comunicação jurídica para estabelecer

normas individuais e concretas. Esse é o segundo tipo de operação realizada.

O terceiro tipo de operação realizada pelas normas de responsabilidade

tributária desdobra-se do segundo e pode ser enunciado como a permissão para o

sujeito ativo propor a ação de execução fiscal.

2.3.3.5.9 Esboços das Redes de Transição Aumentadas relativas à atribuição de

responsabilidade tributária

Com os dados coletados até o momento, vamos propor os primeiros

esboços do nexo de causalidade jurídica (fluxo de positivação do direito) que se

reportam à atribuição de responsabilidade tributária.

Os fluxos serão estruturados como Redes de Transição Aumentada. A

diferenciação entre uma Rede de Transição Recursiva e uma Rede de Transição

Aumentada é a existência de parâmetros enviesados a ordenar os procedimentos a

serem seguidos para a resolução das tarefas, evitando, assim, o percurso randômico

(ou seja, uma RTA tem “sintaxe” sensível à formação de sentido ou ao contexto507).

O fluxo de positivação é um desses parâmetros, e indica o caminho a ser seguido

pela RTA.

O primeiro esboço retrata o percurso mais amplo do nexo de causalidade:

507

Uma RTN pertinente à formação de orações poderia levar, por exemplo, a enunciados gramaticalmente corretos, mas sem nenhum sentido. A RTA confere sentido à produção por estabelecer condições de validade ligadas à formação do sentido (tentando tornar o sistema uma espécie de máquina Turing).

216

Norma que institui o

tributo

Lei Ordinária

COMPETÊNCIA

Constituição

Norma que atribui a

responsabilidade

tributária (geral e

abstrata)

Lei ordinária

Normas Gerais

Lei Complementar

Norma individual e

concreta de

responsabilidade

Lançamento

Auto de infração

Documento lavrado pelo contribuinte

Sentença

Efetividade da relação Extinção da relação

sem efetividade

Ciclo de incidência

emulado

Procedimentos de

eficácia

Controle

Figura 3 – Esboço expandido da Rede de Transição Aumentada que estrutura as decisões acerca da existência ou não de responsabilidade tributária.

Figura 2 – Esboço simplificado do nexo de causalidade jurídica, da competência tributária à resolução da relação

jurídica de responsabilidade.

O próximo esboço expande os nós:

217

Escrevemos em cada um dos nós o nome do produto resultante da

comunicação jurídica, bem como o instrumento introdutor que costuma amparar tais

produtos. Cada nó também representa o procedimento necessário para ser resolvido

e gerar o produto indicado.

Cada um dos nós da estrutura sugerida expande-se em outras RTAs. Vamos

expandir o nó relativo ao controle da atribuição de responsabilidade tributária,

oferecendo o terceiro esboço:

As linhas conectoras sólidas indicam a resposta positiva (“sim”) às

perguntas. As linhas conectoras não-contínuas indicam a resposta negativa (“não”)

às perguntas. Cada nó chama, por sua vez, outra RTA, destinada a responder a

pergunta mediante critérios previamente estabelecidos. Os nós representados por

pentágonos indicam a mudança de página (pop, na linguagem de programação), isto

é, o retorno ao ponto da RTA que estava sendo executada quando a RTA de

controle foi chamada (push, na linguagem de programação).

Vá para extinção sem eficácia

Prossiga no sentido de extinção com eficácia

INÍC

IO

A norma de

responsabilidade é

válida?

A norma de

responsabilidade

incidiu?

A RIT é válida?

Houve o ciclo de

incidência emulado

da RIT?

Figura 4 – Esboço da Rede de Transição Aumentada relativa ao nó de controle da validade de atribuição de responsabilidade tributária.

218

3. PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS DE CONTROLE DA

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

3.1. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA ELEIÇÃO DE RESPONSÁVEIS

TRIBUTÁRIOS

A competência tributária compreende a permissão para que os entes

tributantes criem normas gerais e abstratas que prescrevam a atribuição de

responsabilidade tributária.

Tal aptidão se encontra nas entrelinhas do art. 24, I e parágrafos, da

Constituição. A competência para dispor sobre direito tributário deve compreender

as faculdades inerentes ao resguardo da eficácia social do crédito tributário, a fim de

assegurar a observância da relação jurídica que tem como objeto o pagamento de

valor a título de tributo.

O art. 24 deve ser alinhado com cada dispositivo constitucional que ingresse

na compostura da competência tributária. Cada ente tributante pode estabelecer

normas sobre responsabilidade tributária apenas em relação aos tributos que pode

instituir.

Exceção se concede à União quando ela age em nome da Nação (arts. 24, §

1º a § 4º, e 146 da Constituição), para estabelecer normas gerais em matéria

tributária que vincularão todos os entes federados e os municípios.

3.2. LEGALIDADE

A legalidade507, ou princípio da legalidade, prescreve que normas gerais e

abstratas que veiculem obrigações devem ser inseridas no sistema pelo processo

legislativo pertinente à “lei”.

Enunciado em âmbito geral no art. 5º, II, da Constituição508, o princípio da

legalidade determina, como requisito de validade às normas que atribuem

responsabilidade tributária, em termos gerais e abstratos, a observância do

507

“Legalidade” pode ser lida às vezes como regra, e às vezes como princípio. 508

“Art. 5º [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

219

procedimento legislativo que redunda na criação de lei em sentido amplo

(complementares ou ordinárias).

A regra de legalidade também pode ser construída de forma que vincule o

legislador a exercer devidamente o processo legal e a ejetar no sistema normas com

“densidade normativa mínima” para viabilizar a atribuição de responsabilidade

tributária. Por “densidade normativa mínima” entendemos as normas jurídicas de

sentido deôntico completo e que sejam dotadas de critérios gerais e abstratos.

Como sustenta Paulo de Barros Carvalho509, ao examinar o princípio da

estrita legalidade aplicável à instituição de tributos, posto que de todo cabível à

disciplina da responsabilidade tributária, verbatim:

Esse plus [necessidade de portar todos os critérios do descritor e do prescritor] caracteriza a tipicidade tributária, que alguns tomam como outro postulado imprescindível ao subsistema de que nos ocupamos, mas que pode, perfeitamente, ser tido como uma decorrência imediata do princípio da estrita legalidade.

Se a Constituição não qualificar o processo legislativo, apenas se referindo à

necessidade de “lei”, compreende-se que se trata do processo legislativo próprio da

lei ordinária.

A regra de legalidade não é violada tão-somente pela instituição de normas

de responsabilidade por medida provisória. As medidas provisórias podem regular

qualquer matéria subsumível ao procedimento pertinente à lei ordinária (art. 62,

caput, da Constituição), exceto aquelas expressamente vedadas pela Constituição

(cf. art. 62, § 1º, da Constituição). Assim, norma veiculada pela União em lei

ordinária tendente a estabelecer normas gerais em matéria tributária contraria a

reserva de lei complementar (arts. 24, § 4º; 62, III; e 146, III, b, da Constituição). Por

outro lado, norma ejetada no sistema pelo processo legislativo da lei ordinária que,

ao dispor sobre hipótese de responsabilidade tributária pertinente a tributo da União,

viole o sentido estabelecido em norma geral pode contrariar a reserva de lei

complementar em matéria tributária (Constituição) ou a própria norma geral.

Não há, também, restrição do uso da lei delegada para instituir hipóteses de

responsabilidade tributária, desde que tais normas não tenham a pretensão de

509

Curso de Direito Tributário, p. 159.

220

regular a matéria para todos os entes tributantes (isto é, de produzir normas gerais

em matéria tributária)510.

3.3. ANTERIORIDADE

Desdobramento da segurança jurídica e da proibição à surpresa, as regras

de anterioridade vedam a cobrança de alguns tributos antes da exaustão de certo

prazo. Dizemos regras de anterioridade porque a Constituição prevê diferentes

prazos para diferentes tributos, sem apresentar tratamento uniforme.

É importante distinguir “anterioridade” de “anualidade”. O último conceito

corresponde à norma existente na Constituição de 1967, tal como emendada em

1969, e consistia na vinculação da instituição ou do aumento de tributo à previsão

orçamentária. A Constituição de 1988 descolou em parte o subsistema tributário do

subsistema de finanças públicas.

A anterioridade não se aplica à responsabilidade tributária porquanto as

respectivas normas não instituem tributos.

3.4. IRRETROATIVIDADE

Também desdobrada da segurança jurídica, a irretroatividade proíbe que

normas jurídicas modifiquem relações já exauridas no tempo.

Humberto Ávila caracteriza a irretroatividade como princípio, com o que

também concordamos, se “princípio” for entendido na perspectiva de Robert Alexy

(mandamento de otimização). Estas são as palavras do autor:

[...] a irretroatividade possui sentido normativo de princípio, na medida em que estabelece o dever de buscar um ideal de previsibilidade, de estabilidade, de cognoscibilidade, de confiabilidade e de lealdade, no exercício das competências normativas pelo Poder Público.

511

A expressão “irretroatividade” é, pois, ambígua no direito positivo brasileiro,

já que se refere tanto à regra de irretroatividade (subsunção tudo ou nada) quanto

ao vetor interpretativo.

510

Cf. o art. 68 da Constituição. 511

Sistema constitucional tributário, p. 143.

221

Dispõe o art. 5º, XXXVI, da Constituição:

Art. 5º. [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

A coisa julgada é mecanismo de estabilização de sentido (e de expectativas)

próprio à função jurisdicional. Interessa-nos, agora, o prejuízo ao direito adquirido e

ao ato jurídico perfeito.

Cada modificação dos textos legais pode induzir à mudança do sentido das

normas que devem ser construídas tendo-os por parâmetro. No modelo sugerido por

Eugenio Bulygin, apontado durante o estudo do problema da validade jurídica no

tempo512, toda inclusão e toda remoção de um artigo do texto legal modifica-lhe a

própria identidade.

Essa diferenciação entre momentos de referência, o “tempo no fato”513 e o

“tempo do fato”514, pode ser útil à compreensão da irretroatividade.

Eugenio Bulygin convencionou chamar o intervalo entre os dois momentos

temporais nos quais uma norma é introduzida no sistema ou dele eliminada de

tempo externo da norma515.

Como a aplicação das normas também se refere a acontecimentos

temporais, a seqüência de todos os momentos nos quais a norma é aplicável a

algum caso é chamada tempo interno da norma516.

512

“Si por „constitución‟ si entiende un conjunto de normas (por ejemplo, el conjunto de los artículos que la integran, desde el primero al hasta el último), entonces es claro que toda supresión y todo agregado de un artículo da lugar al cambio de la constitución: la constitución resultante es distinta de la originaria.” (Tiempo y validez. In: _________. p. 207.) 513

“Algo diverso, porém, é o tempo no fato, isto é, a ocasião a que alude o enunciado factual, dando conta da ocorrência concreta de um evento”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 123.) 514

“O tempo do fato é aquele instante no qual o enunciado denotativo, perfeitamente integrado como expressão dotada de sentido, ingressa no ordenamento do direito posto, não importando se veiculado por sentença, por acórdão, por ato administrativo ou por qualquer outro instrumento introdutório de normas individuais e concretas”. (Idem, ibidem, p. 122.) 515

Fala Bulygin (op. cit., p. 198) que “el intervalo entre los dos momentos temporales em los cuales um norma es introducida y/o eliminada será llamado el tiempo externo de um sistema jurídico”. 516

Assim se pronunciou Bulygin (op. cit, p. 199): “Pero las normas se refieren también a acontecimientos temporales. El tiempo en que los diferentes acontecimientos relevantes para un caso tienen lugar es determinante de la aplicabilidad de las normas a ese caso. La secuencia de todos los momentos temporales em los que la norma es aplicable a algún caso se llamará tiempo interno de la norma. El tiempo de la norma es una función de su pertenencia a un sistema, el tiempo interno es una función de su aplicabilidad. [...] Una norma puede existir en un sistema o en varios sistemas sucesivos sin ser aplicable y viceversa, puede ser aplicable en un tiempo t1, sin pertenecer al sistema que corresponde a t1”.

222

O tempo interno da norma não é linear e não coincide necessariamente com

o tempo externo. É possível que uma norma já não pertencente ao sistema jurídico

contemporâneo ao ato de aplicação do direito seja aplicável ao caso. Ainda, é

possível que uma norma que não houvera sido introduzida no sistema quando

verificado o caso lhe seja aplicável (se houver retroatividade).

A comparação entre sistemas normativos diferentes mas subsumidos ao

mesmo âmbito de jurisdição coloca ao aplicador a necessidade de identificação de

critérios de aplicabilidade. Por exemplo, disposições que determinam que normas

de aplicação temporal previamente restrita devem ser aplicadas com preferência

às demais ou que a punição menos gravosa deve ser aplicada em preferência às

demais, ainda que inexistente no “tempo do fato” mas existente no momento da

aplicação, são critérios de aplicação.

A modulação dos efeitos normativos na linha referencial do tempo é válida e

possível em sistemas de comunicação orientados por relações deônticas e

prescritivas, cujos sentidos e valores de verdade não se prendem à necessária

correspondência à concreção.

Pondera Paulo de Barros Carvalho que “viger é ter força para disciplinar,

para reger, cumprindo a norma seus objetivos finais. A vigência é a propriedade das

regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam, no

mundo fático, os eventos que as descrevem”517.

Usualmente, aplica-se a norma existente e vigente no “tempo no fato”

relevante à comunicação jurídica (uma decorrência da legalidade e da segurança

jurídica). O “tempo do fato” somente será relevante, como critério de aplicabilidade,

se houver programa específico no sistema que determine sua precedência.

Humberto Ávila518 reproduz interessante teoria desenvolvida por Klaus

Vogel e Christian Waldhoff. O modelo isola analiticamente componentes da

causalidade jurídica, indicando-os na linha do tempo. Esses elementos são o fato

jurídico, a conseqüência jurídica, parte do fato jurídico e pressupostos do fato

jurídico (“ação ou omissão causadora”). As coordenadas temporais são, por seu

turno, divididas entre antes e depois da publicação da lei. Dali surgem cinco

universos possíveis, chamados de “modificação retroativa das conseqüências” (fato

517

Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 84. 518

Sistema constitucional tributário, p. 146-149. Em especial, há um diagrama elucidativo que merece ser visto às p. 146-147.

223

jurídico e conseqüência jurídica anteriores à publicação da lei), “ligação retroativa da

hipótese de incidência I” (fato jurídico anterior à publicação da lei; conseqüência

jurídica posterior à publicação da lei), “ligação retroativa da hipótese de incidência II”

(parte do fato jurídico anterior à publicação da lei; parte do fato jurídico e

conseqüência jurídica após a publicação da lei), “fatos pré-causados I” (ação ou

omissão causadora anterior à publicação da lei; fato jurídico e conseqüência jurídica

posteriores à publicação da lei) e “fatos pré-causados II” (ação ou omissão

causadora anterior à publicação da lei; ação ou omissão causadora, fato jurídico e

conseqüência jurídica posteriores à publicação da lei).

O modelo é útil ao exame da responsabilidade tributária, embora possua

aplicabilidade pragmática reduzida em função do atual quadro de relativa

estabilidade da legislação. Considere-se a hipótese de atribuição de

responsabilidade ao tomador de serviços pelo pagamento de crédito tributário

pertinente ao ISS, incidente sobre a prestação realizada por empresa sediada em

outro município (caso de coordinate review). Se a prestação foi concluída antes da

publicação da norma de responsabilidade, mas o pagamento foi realizado

posteriormente, proíbe-se a aplicação?

Entendemos, devido à lição de Paulo de Barros Carvalho519, que os fatos

somente ingressam no sistema jurídico nos termos em que juridicizados. A

circunstância de um fato poder ser decomposto em unidades menores diante do

aparato metodológico de que dispõe o observador é irrelevante se o direito positivo

não fizer referência às cisões. De forma semelhante, os pressupostos ou as

implicações do fato somente serão colhidos pelo sistema do direito à medida que

forem tomados como critérios de antecedentes normativos.

Logo, violará o art. 5º, XXXVI, da Constituição qualquer norma que atribua

responsabilidade tributária a fato jurídico (completo) anterior ao respectivo tempo

externo.

3.5. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Nos termos do art. 145, § 1º, da Constituição, “sempre que possível, os

impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica

519

Cf. Curso de Direito Tributário, passim, e Teoria da norma tributária, p. 128-130.

224

do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir

efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos

termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do

contribuinte”.

O enunciado traz a base ostensiva da capacidade contributiva ou do

princípio da capacidade contributiva. Posto que o texto aluda a “impostos”, o

princípio da capacidade contributiva está imbricado na tessitura da tributação, seja

como justificativa520, seja como elemento essencial à asserção do nexo que há entre

a base de cálculo e a hipótese de incidência tributária521.

A capacidade tributária pode ser construída em duas dimensões, tomadas

como acepções por Paulo de Barros Carvalho522 com base na obra de Fernando

Vicente-Arche Domingo. A capacidade tributária absoluta refere-se à circunstância

de a base de cálculo do tributo confirmar a grandeza econômica do fato jurídico.

Indica que o legislador optou por tributar um dado da realidade que efetivamente

possui expressão de valor monetário. Hipóteses como “manter a barba”523, “ser

solteiro”524 e “jogar uma partida de avelórios” podem ter o valor avaliado de acordo

com diversos parâmetros (morais, éticos, idiossincráticos, etc), mas não emanam

nenhuma relevância econômica. Em sentido diverso, “auferir renda”, “prestar

serviços remunerados” e “realizar operações de circulação de mercadorias”

520

Cf. MITA, Enrico de. O Princípio da Capacidade Contributiva. Tradução de Roberto Ferraz. FERRAZ, Roberto (Coord). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 231-233. 521

Sobre a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva aos tributos da espécie “contribuição”, especialmente em relação ao princípio da solidariedade, cf. LIBERTUCI, Elizabeth Lewandowski. O princípio fundamental da capacidade contributiva como fundamento de validade das espécies tributárias. VELLOSO, Carlos Mário da Silva; ROSAS, Roberto; AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues (Coord). Princípios constitucionais fundamentais: Estudos em homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex, 2005. p. 361-373. 522

“Sempre é oportuno recordar a lição magnífica de FERNANDO VICENTE-ARCHE DOMINGO („Notas de Derecho Financiero‟ – Madri – 1967 pág. 190), quando enfatiza a necessidade de distinguir-se aquilo que denomina de capacidade contributiva absoluta, daquela outra situação que se refere como sendo a mera capacidade contributiva relativa. A primeira, isto é, a capacidade contributiva absoluta, seria a qualidade de ser um fato presuntivo de expressão econômica, ou em outras palavras, observar o princípio da capacidade contributiva absoluta não significaria mais que escolher o legislador, que vai instituir o tributo, fatos que exibam conteúdo econômico, que possam ser convertidos em valores economicamente apreciáveis. [...] Corre magistério, de orientação tradicional e ortodoxa, segundo o qual o legislador estaria jungido a conferir, em cada instante, a situação econômica do sujeito passivo, em ordem a quadrar a exigência, no âmbito de sua possibilidade de contribuir” (CARVALHO, Paulo de Barros. Dificuldades jurídicas emergentes dos chamados tributos fixos. Reprodução eletrofotoestática do original. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 22/23). 523

Tributo atribuído ao Czar Pedro I da Rússia. 524

Tributo atribuído ao Estado Norte-Americano do Missouri (1820).

225

apresentam densidade nos quadrantes da economia, pois são indícios da geração e

da transferência de riqueza.

O princípio da capacidade contributiva, em sua dimensão absoluta, proíbe os

entes tributantes de eleger critérios inaptos à avaliação econômica para escolha dos

fatos que ensejarão a incidência tributária. Concordamos com Marçal Justen

Filho525 quando aponta que as normas que prescrevem o pagamento de valores em

função da ocorrência de fatos destituídos de qualquer interesse econômico têm

índole sancionatória. Em todos os casos haverá outra norma que proibirá a conduta

oposta (“é proibido manter a barba”, “é proibido ser solteiro”, “não é permitido jogar

uma partida de avelórios”).

Em sua dimensão relativa, a capacidade contributiva passa a se referir às

condições peculiares ao sujeito passivo e à sua capacidade para suportar,

individualmente, a carga tributária.

O princípio da capacidade contributiva vincula o legislador a manter relação

de proporcionalidade entre o critério quantitativo e a grandeza econômica que se

está a tributar. O confisco é chapado limite neste jogo de calibração. A tributação

não pode neutralizar o interesse econômico que o sujeito passivo demonstra ao

praticar o fato jurídico tributário. De início, vale lembrar que a tributação é uma forma

de proteção do jurisdicionado contra o arbítrio estatal. É a essência histórica do

princípio da legalidade, acolhida pelo ordenamento positivo brasileiro: não há

tributação sem legitimidade popular, exercida por meio da legislação526. Permitir que

o valor recolhido seja igual ou superior à riqueza gerada pelo fato implica remover a

proibição imposta ao legislador para que respeite a propriedade nos limites legais

(isto é, passar de proibição – Ph – a permissão – P). Haveria, ademais, violação do

art. 5º, caput, da Constituição. Além, a própria vedação ao confisco é expressamente

prevista na Constituição (art. 150, IV).

A circunstância de o critério quantitativo de dada regra-matriz de incidência

tributária conter a referência à totalidade do valor da base de cálculo, ou superá-la

(cem por cento ou mais), é insuficiente, contudo, para caracterização do confisco. É

possível que a tributação exarcebada diminua a eficiência da atividade econômica

ao aumentar um dos seus custos. Ainda assim, é possível que o interesse do sujeito

525

Sujeição passiva tributária, p. 237. 526

Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Contribuição à investigação das origens do princípio da legalidade em matéria tributária. Princípios constitucionais fundamentais: Estudos em homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex, 2005, p. 711-718.

226

ativo persista, pois o produto da atividade compensa a exasperação do valor do

tributo. Ademais, alguns tributos estão submetidos à seletividade e à

essencialidade, em que o caráter ocioso527 do bem ou serviço (e.g., alto luxo)

justifica a cobrança de valores vultosos, na mesma medida em que a utilidade de

tais produtos serve como razão para que a carga tributária sofra mitigação.

Humberto Ávila528 leciona que as presunções podem ser utilizadas para indicação

da capacidade contributiva tomando como exemplo a tributação de bens supérfluos.

Segundo o mesmo autor529:

A capacidade contributiva é, na verdade, um critério de aplicação da igualdade. A determinação da medida, que a eficácia econômica desigual de uma regra não poderá ultrapassar, deve ser obtida pela análise das decisões valorativas da Constituição em favor, por exemplo, da proteção da família e do casamento e da solidariedade social.

A primeira forma de concreção da proporcionalidade ditada pelo princípio da

capacidade contributiva é obtida com o próprio cálculo executado na compostura do

critério quantitativo. Se a base de cálculo estiver ajustada à mensuração da

grandeza econômica do fato jurídico tributário, a conduta do sujeito passivo

determinará a intensidade da base de cálculo. A aplicação da alíquota, por seu

turno, modulará a intensidade do fato jurídico tributário por dele extrair uma fração.

Assim, atividades que geram maior produto levarão aos cofres públicos valores

maiores também530.

As linhas há pouco deitadas nos levam a intuir a existência de outros

instrumentos destinados a cumprir o postulado da capacidade contributiva.

Seletividade, essencialidade, progressividade e solidariedade social levam ao ajuste

527

Por “caráter ocioso” entendemos a circunstância de o bem ou o serviço serem ineficientes, isto é, a relação entre o custo e o retorno (benefício) é precária em termos utilitários. Bens e serviços ociosos atendem ao consumo conspícuo apontado por Thorstein Veblen em Theory of the leisure class. 528

Sistema constitucional tributário, p. 371. 529

Sistema constitucional tributário, p. 365. 530

“Por todo o exposto, deve-se considerar que o conceito de capacidade contributiva, haurido da ciência financeira, projeta-se no campo do Direito para significar a idoneidade revelada pelo contribuinte, enquanto titular da relação jurídico-tributária, de suportar a carga tributária e fazer face aos dispêndios públicos. Trata-se, como se depreende, de simples dimensão jurídica da capacidade econômica, é dizer, de um patamar estabelecido pelo legislador para submeter o contribuinte ao regime impositivo, à luz de critérios estabelecidos na Carta Constitucional. No entanto, se o índice de capacidade contributiva depende da grandeza e importância de cada um dos signos presuntivos de riquezas, reclama, ainda, a observância de critérios outros derivados da natureza do pressuposto tributário” (DENARI, Zelmo. Breves considerações à margem da capacidade contributiva. Revista dialética de Direito Tributário, n. 124, p. 79, 2006).

227

da quantificação da carga tributária para preservação dos programas (ou valores)

vertidos ostensivamente ou nas entrelinhas da Constituição.

Ao discorrer sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva ao

Imposto sobre a Renda, Roque Antônio Carrazza531 inclui entre os mecanismos de

ajuste a preservação das fontes produtoras da riqueza, verbatim:

O Imposto de Renda não pode ser transformado num mero imposto sobre receitas brutas, o que ocorre quando a lei não permite abatimento de despesas necessárias do contribuinte. Ao contrário, a lei deve – em atenção ao princípio da capacidade contributiva – garantir que a renda tributável seja obtida subtraindo-se, da renda global, os gastos necessários do contribuinte, máxime os representados por seus gastos familiares.

Sacha Calmon Navarro Coelho532 adere a ambas as extensões para

“capacidade contributiva”:

A capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). É subjetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio em área valorizada etc). Aí temos signos presuntivos de capacidade contributiva. Ao nosso sentir o constituinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte.

Segundo Regina Helena Costa533:

No plano jurídico-positivo a capacidade contributiva significa que um sujeito é titular de direitos e obrigações com fundamento na legislação tributária vigente, que é quem vai definir aquela capacidade e seu âmbito. No plano ético-econômico, por sua vez, relaciona-se com a justiça econômica material. Aqui se designa por “capacidade contributiva” a aptidão econômica do sujeito para suportar ou ser destinatário de impostos, que depende de dois elementos: o volume de recursos que o sujeito possui para satisfazer o gravame e a necessidade que tem de tais recursos.

[...] Na lição de Cortês Dominguez e Martín Delgado, capacidade

contributiva absoluta é a “aptidão para concorrer aos gastos públicos”, enquanto a capacidade contributiva relativa, que pressupõe a primeira, “se dirige a delimitar o grau de capacidade”, consistindo na aptidão específica de dado contribuinte diante de um fato jurídico tributário.

531

Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 119. 532

Comentários à Constituição de 1988. 9. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 51. 533

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 26.

228

Todas as particularidades citadas da capacidade contributiva o tornam

inadequado para o controle de normas que atribuam responsabilidade tributária,

posto que a importância capital do princípio não possa ser desprezada. No grau

mais elementar, a tributação inibe a intervenção estatal no patrimônio da

população534. Sem o suporte de leis legitimadas pela representação popular, o

acesso ao patrimônio particular poderia ser desmesurado. A transferência de

recursos do particular ao Estado é calibrada pela capacidade contributiva, que zela

pela proporcionalidade entre o fato presuntivo de riqueza e o quanto é absorvido

pelo Tesouro.

Em sentido diverso, a responsabilidade tributária visa assegurar a

efetividade do crédito tributário frente ao risco de insolvência do devedor ou do mero

inadimplemento. Não se compromete com o signo presuntivo de riqueza, que lhe é

irrelevante. O responsável é custódio do interesse estatal535 de garantir que o crédito

tributário será pago independentemente de demonstrar capacidade contributiva para

ser sujeito passivo de tributo. A obrigação do responsável é vicária da obrigação

tributária e toma emprestada desta, como pressuposto, que a proporcionalidade

ditada pela capacidade contributiva foi mantida.

Com efeito, se houver a necessidade de controle com base na capacidade

contributiva, o órgão administrativo ou jurisdicional irá tomar como um de seus

objetos a norma que institui o tributo, e não a norma que atribui responsabilidade.

A circunstância de a capacidade contributiva entrar na pauta de controle instanciado

na responsabilidade tributária não a credencia como parâmetro de controle direto

desta última. É necessário lembrar que o ciclo de incidência emulado da norma que

institui o tributo é condição para aplicação da norma de responsabilidade. Por essa

razão, a autoridade credenciada para aplicar a norma de responsabilidade deverá

verificar se a norma que institui o tributo é válida. Entre os parâmetros de controle

estará a capacidade contributiva.

534

Durante os primeiros estágios de formação do Estado Norte-Americano, um dos argumentos utilizados por quem fosse contrário à Federação era no sentido de que o órgão que respondesse pela Administração Central poderia ser custeado mediante transferências dos Estados Confederados. Confira-se, a propósito, a contra-argumentação de Alexander Hamilton em The Federalist Papers, especialmente a série Concerning the General Power of Taxation, disponível em http://thomas.loc.gov/home/histdox/fedpapers.html (último acesso em 15/10/2007). 535

E de seu próprio interesse: a diminuição da inadimplência e da sonegação interessa a todos os sujeitos passivos, tanto por razões de concorrência quanto pela aferente diminuição da carga tributária individual (distribuição mais eficiente).

229

A inaplicabilidade do princípio da capacidade contributiva às normas de

responsabilidade tributária não implica a exclusão do juízo de proporcionalidade e

de razoabilidade do controle de tais normas, contudo.

3.6. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

3.6.1 Introdução

O estudo e a aplicação da proporcionalidade e da razoabilidade têm

ganhado destaque na dogmática e nos Tribunais brasileiros536, mas ainda não

encontraram sistematização estável em nenhum daqueles foros. Sem a pretensão

de oferecer sistematização definitiva para tais ferramentas de interpretação, vamos

investigar a aplicação das normas pertinentes à proporcionalidade e à razoabilidade

ao controle de validade da norma que atribui responsabilidade tributária.

3.6.2 Regra de proporcionalidade

Disputa-se a origem histórica do método de interpretação calcado na

responsabilidade. Alguns autores, como Helenilson Cunha Pontes537, traçam a

gênese da regra de proporcionalidade de veneráveis legislações e decisões

judiciais, como a Magna Carta inglesa de 1215. Outros, na linha de Virgilio Afonso

da Silva, assentam a regra de proporcionalidade na evolução da jurisprudência do

Tribunal Constitucional alemão538.

536

Cf., v.g., a ADI 855-MC (rel. min. Octavio Gallotti, DJ de 1º/10/2003), a ADC 9 (rel. para o acórdão min. Ellen Gracie, DJ e 23/04/.2004), o HC 71.408 (rel. min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 29/10/1999), o RE 199.066-ED (rel. min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 1º/08/1997) e a ADI 489-MC (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22/11/1991). 537

“Historicamente, pode-se perceber a raiz da idéia de proporcionalidade, como limite ao arbítrio e à onipotência do poder estatal, já na Carta Magna Inglesa por João Sem Terra em 1215, que previa que „a multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito; e pela prática de um crime será proporcionada ao horror deste, sem prejuízo do necessário à subsistência e posição do infrator‟” (O princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000. p. 43). Valeschka e Silva Braga vai além ao examinar noções da antiga filosofia grega (aristotélica) e asserção de venerável jurisconsulto romano (cf. Princípios da proporcionalidade & razoabilidade. Curitiba: Juruá, 2004, p. 69-71). 538

Cf. O proporcional e o razoável. TORRENS, Haradja Leite Alcoforado; GUEDES, Mario Sawatani (Orgs.). A expansão do Direito: Estudos de Direito Constitucional e Filosofia do Direito em homenagem a Willis Santiago Guerra Filho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 90-93. Em especial, aponta Virgílio Afonso da Silva que a regra desenvolvida pela experiência inglesa se refere à irrazoabilidade (caso Wednesbury), julgado em 1948. O teste de irrazoabilidade não tem o mesmo alcance do teste de razoabilidade.

230

Usualmente, a dogmática e a produção jurisdicional costumam referir-se à

regra de proporcionalidade como “princípio”. Virgilio Afonso da Silva argumenta

que a caracterização do juízo de proporcionalidade como princípio é equivocada,

segundo o modelo elaborado por Robert Alexy539. Lembra, ainda, que a expressão

pode ser utilizada para designar “precedência” ou “prioridade”540. Para escapar da

finalidade eminentemente herística541, vamos comungar com o autor da expressão

“regra de proporcionalidade”.

É comum encontrar referências à regra de proporcionalidade como

decorrência do devido processo legal substantivo – due process of law –, que estaria

ostensivamente positivado nos termos do art. 5º, LV, da Constituição. Por ocasião do

julgamento da ADI 1.407-MC (DJ de 24/11/2000), o ministro Celso de Mello, relator,

tomou o devido processo legal como um dos fundamentos de validade do princípio

da proporcionalidade, como se lê no respectivo voto e na ementa do acórdão542.

Fábio de Oliveira543 também constrói o conceito de proporcionalidade com recurso

à idéia do devido processo legal.

Joaquim Gomes Canotilho544 lê a regra de proporcionalidade (ampla)

como “princípio da proibição de excesso”. Liga-o à regra de razoabilidade

539

Cf. O proporcional e o razoável, p. 85-87. Lembramos que Robert Alexy distingue os princípios das regras em função do respectivo procedimento de aplicação. Enquanto as regras são aplicáveis mediante o juízo de subsunção, em jogo de “tudo ou nada” (incide ou, exclusivamente, não incide), os princípios são mandamentos de otimização. 540

Ibidem, p. 87. 541

Cf. SILVA, Virgilio Afonso da. O proporcional e o razoável, p. 93: “A invocação da proporcionalidade é, não raramente, um mero recurso a um topos, com caráter meramente retórico, e não sistemático.” 542

A parte final da ementa está assim redigida: “VEDAÇÃO DE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS APENAS NAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS – PROIBIÇÃO LEGAL QUE NÃO SE REVELA ARBITRÁRIA OU IRRAZOÁVEL – RESPEITO À CLÁUSULA DO SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW. – O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador”. 543

Por uma teoria dos princípios: O princípio constitucional da razoabilidade. 2. ed., rev., at. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 81-91. 544

Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 259-265.

231

encontrada em países aderentes ao Common Law. Registra que autores encontram

o fundamento do princípio no estado de direito, enquanto outros adotam como

parâmetro de investigação os direitos fundamentais. Tomada a experiência européia

recente como objeto de observação, diz que:

[...] o princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso é, hoje, assumido como um princípio de controlo exercido pelos tribunais quanto adequação dos meios administrativos (sobretudo coativos) à prossecução do escopo e ao balanceamento concreto dos direito ou interesses em conflito.

545

Ensina Rui Medeiros546:

Sem dúvida que o fundamento para a restrição do alcance dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não se prende necessariamente com a proteção dos particulares, podendo qualquer interesse público de excepcional relevo fundamentar tal decisão.

É indiscutível, por outro lado, que o âmbito clássico de aplicação do princípio da proporcionalidade foi a actuação autoritária do Estado nas áreas da liberdade e da propriedade. De certo modo, constitui reflexo dessa origem a circunstância de, na actual Constituição, algumas das suas formulações mais explícitas se ligarem à protecção dos direitos, liberdades e garantias (nº 2 do artigo 18º e nº 4 do artigo 19º) e à polícia administrativa (nº 2 do artigo 272). A própria terminologia frequentemente utilizada pela doutrina testemunha essa referência histórica do princípio da proporcionalidade.

Todavia, ainda que sem entrar na complexa questão da determinação do exacto fundamento constitucional do princípio em causa e mesmo sem questionar a idéia de que ainda hoje “o princípio da proporcionalidade tem a sua função principal no domínio dos direitos fundamentais”, sempre se dirá que a excessiva ligação do princípio da proporcionalidade ao conteúdo dos direitos fundamentais “arrisca-se a torná-lo refém de uma fundamentação reducionista, na medida em que dificulta a sua aplicação em áreas onde não é possível discernir conflitos ou restrições de direitos fundamentais”. Ora, a tendência actual vai antes no sentido do reconhecimento de que o princípio da proporcionalidade constitui um princípio constitucional geral.

Segundo Gilmar Mendes547, a primeira referência do Supremo Tribunal

Federal à noção de proporcionalidade pode ser recuperada do RE 18.331 (rel. min.

Orozimbo Nonato, Segunda Turma, DJ de 08/11/1951), em que a Corte considerou

constitucional o aumento do imposto sobre licenças de cabines de banho em

545

Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 260. 546

A decisão de inconstitucionalidade, p. 699. 547

Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 51.

232

aproximadamente 1.044%548. O autor e Ives Gandra da Silva Martins549 são

unânimes ao afirmar a plena aceitação da regra de proporcionalidade pela doutrina e

pelo Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, costuma aludir ao devido

processo legal como base positiva para a regra de proporcionalidade550.

Gilmar Mendes registra duas origens possíveis para a regra de

proporcionalidade: os direitos fundamentais ou a própria reserva legal e a imanência

ao Estado de Direito551. Diz, ainda, que:

Não estava claro, até muito recentemente, se o Tribunal entendia configurar o princípio da proporcionalidade postulado imanente aos direitos fundamentais, se os extraía do próprio princípio da reserva legal ou do princípio do Estado de Direito. Na decisão de 11 de maio de 1994, enfatizou, porém, o Ministro Moreira Alves que o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade tinha assento constitucional na cláusula do devido processo legal, entendida enquanto garantia material.

552

É importante relembrar que os direitos fundamentais não são

hierarquizáveis553. Daí advém a necessidade de calibrá-los e ponderá-los, em uma

548

O voto do ministro-relator invocava a proibição ao confisco, tal como estabelecida pelo precedente McCulloch v. Maryland (“o poder de tributar não pode implicar o poder de destruir”), argumento que indica haver algum juízo de equilíbrio entre a vantagem auferida pelo contribuinte e a carga tributária. A Corte rechaçou o recurso extraordinário, contudo, por uma questão do quadro fático: o valor do tributo era agravado por circunstância particular, consistente no alto valor dos alugueis pagos. 549

Sigilo bancário, direito de autodeterminação sobre informações e princípio da proporcionalidade. Repertório IOB de Jurisprudência Tributário e Constitucional, São Paulo, n. 13, p. 436-438, 1992. A expressão utilizada pelos autores é “entre nós” (p. 438), mas, como argutamente observou Virgilio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável, p. 96), “entre nós” pode ser lido como “especialmente pelo STF”, em razão do escopo do estudo. Enquanto Virgilio Afonso da Silva entende que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não sistematizou a aplicação da regra de proporcionalidade, muitas vezes confundindo proporcionalidade com razoabilidade e em outras invocando o princípio, mas não justificando sua aplicação, Humberto Ávila propõe exatamente o contrário (cf. Teoria dos princípios, p. 77). 550

Cf. o seguinte trecho do voto-vogal do ministro Moreira Alves, proferido na ADI 958 (rel. min. Marco Aurélio, DJ de 25/08/1995): “Sr. Presidente, a meu ver, o problema capital que se apresenta, em face desta lei, é que ela fere, com relação aos dispositivos que estão sendo impugnados, o princípio constitucional do devido processo legal, que, evidentemente, não é apenas o processo previsto em lei, mas abarca as hipóteses em que falta razoabilidade à lei”. 551

Jurisdição constitucional, p. 233. 552

Jurisdição constitucional, p. 233. 553

Cf. RE 105.012, rel. min. Néri da Silveira, DJ de 1º/06/1988. Em especial, transcrevemos a seguinte passagem do voto-vogal do ministro Moreira Alves: “Observo, finalmente, que esta Corte não tem admitido que o princípio constitucional do justo preço em desapropriação se sobreponha ao princípio constitucional do respeito à coisa julgada. Não há hierarquia entre normas constitucionais. Se houvesse, seria possível, a qualquer tempo, reabrir-se a questão de ter sido, ou não, justo o valor da indenização por desapropriação, pois contra ela não se admitiria a exceção da coisa julgada. O que se tem admitido, além da tímida referência à teoria da imprevisão acima referida – e que, no caso, não é sustentável em face de suas circunstâncias – é a utilização da ação ordinária de indenização por demora do pagamento da indenização”.

233

espécie de cálculo, sempre que ambos forem aplicáveis à mesma situação, mas

anteverem resultados inconciliáveis.

Aderimos à orientação de Virgilio Afonso da Silva, no sentido de que não

há base textual ostensiva para a construção da regra de proporcionalidade,

entendida como “a busca por uma fundamentação jurídico-positiva”554. A regra de

proporcionalidade está imbricada nas entrelinhas de todos os textos de direito

positivo, pois decorre do necessário cálculo que deve ser elaborado em sistemas

que prevejam direitos fundamentais555. Não há direitos fundamentais absolutos, no

sentido de possuírem precedência inconteste à aplicação de qualquer outra norma

ou princípio. A proporcionalidade redunda em mecanismo de controle da

complacência de direitos frente à pressão exercida por outros direitos, isto é, é “um

limitador de outro limitador” por condicionar a atividade normativa da função

legislativa e da função administrativa do Estado.

Willis Santiago Guerra Filho identifica o papel da regra de

proporcionalidade no cálculo do entrechoque entre direitos fundamentais556:

Assim é que se torna admissível, e mesmo, necessária, a atribuição de competência ao Estado para, tutelando primordialmente o interesse público, fazer o devido balizamento da esfera até aonde vão interesses particulares e comunitários, par ao que, inevitavelmente, restringirá direitos fundamentais a fim de assegurar a maior eficácia deles próprios, visto não poderem, todos, concretamente, ser atendidos absoluta e plenamente.

Por uma questão pragmática, contudo, é útil aludir aos textos dos arts. 5º,

LV e § 2º, da Constituição durante a construção de proposições que serão

examinadas pelo Judiciário, como se verá oportunamente.

A dogmática oferece três critérios (sub-regras ou subprincípios, dependendo

do modelo adotado) para o cálculo de incidência da regra de proporcionalidade.

O primeiro critério é a adequação. O juízo de adequação envolve o

escrutínio da relação de causalidade existente entre o objetivo almejado com a

554

O proporcional e o razoável, p. 110. 555

Compare-se com o que disse textualmente Virgilio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável, p. 110): “A despeito da opinião de inúmeros juristas da mais alta capacidade, entendo que a busca por uma fundamentação jurídico-positiva da regra da proporcionalidade é uma busca fadada a ser infrutífera. A exigibilidade da regra da proporcionalidade para a solução de colisões entre direitos fundamentais não decorre deste ou daquele dispositivo constitucional, mas da própria estrutura dos direitos fundamentais”. 556

Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: RCS, 2005, p. 89.

234

norma sob controle e a eficácia das medidas nela contidas. Requer-se que as

condutas prescritas, modalizadas em obrigatórias (O), permitidas (P) ou proibidas

(Ph), estimulem ou favoreçam a finalidade que subjaz à racionalidade da norma.

Basta que as medidas façam progredir em mínima medida o propósito desenhado

pelo legislador, criando as condições necessárias ao fomento, por exemplo. Dizer

que a conduta prescrita é adequada ao fim pretendido não implica assumir que

somente as medidas que levem diretamente à concreção ou ao alcance da

finalidade passam pelo teste557.

As medidas (meios) podem ser expressas em três dimensões, chamadas

por Humberto Ávila de aspectos: quantidade, qualidade e probabilidade558. Ao

serem alinhados em equação, permitem extrair a eficiência da medida para criar as

condições necessárias à confirmação da finalidade.

O segundo critério é a necessidade. O juízo de necessidade examina o

acervo de medidas disponíveis para obtenção da finalidade pretendida e subordina o

interprete à escolha da solução menos invasiva a uma esfera de direitos

fundamentais. Fica mais nítida a função da proporcionalidade como limitação da

limitação: se for dado ao Estado tolher em alguma medida a aptidão conferida

inicialmente pelo sistema aos jurisdicionados, e se o sistema possui tais direitos

como essenciais, então a restrição não pode ser ampla.

A comparação somente é possível entre meios de eficiência semelhante. O

órgão jurisdicional deve, ainda, atender aos postulados do Judicial Self Restrain no

que se refere à separação de funções do Estado. Não deve o Judiciário censurar

políticas públicas se não houver dissociação irreconciliável entre a eficácia dos

meios examinados, pois é contingente a existência de meios mais eficientes do que

aqueles originalmente eleitos pelo Estado559.

O terceiro e último critério é chamado de “proporcionalidade em sentido

estrito”. Pondera-se o ganho ou o avanço em relação ao direito fundamental que se

deseja fomentar com as perdas incorridas na esfera de outro direito fundamental.

557

O aumento do rigor do teste de adequação é produto da tradução equivocada da expressão alemã “fördern”. Narra Virgilio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável, p. 100) que o transcrito verbo foi utilizado pelo Tribunal Constitucional tedesco em uma de suas decisões sobre a matéria (BVerfGE 30, 292 [316]). Posto que significasse, aproximadamente, o que deve significar a palavra “fomentar” ou “promover” para o português, “fördern” foi vertida como “alcançar” por Gilmar Mendes. É adequado reconhecer que a significação de base para “alcançar” abarca a idéia de “obtenção”, enquanto “fomentar” não demanda ligação alguma ao “sucesso” da conduta. 558

Teoria dos princípios, p. 165. 559

Teoria dos princípios, p. 171.

235

Não se cogita, segundo lição de Virgilio Afonso da Silva560, privação ou completa

recessão do plexo que forma o direito fundamental. Tampouco se exige que o

núcleo essencial do direito fundamental fique exposto. Preleciona o autor que:

Para que ela [norma] seja considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É possível, por exemplo, que esta restrição seja pequena, bem distante de implicar a não-realização de algum direito ou de atingir o seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direito fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela desproporcional.

561

O teste de proporcionalidade é seqüencial (como um algoritmo). Os critérios,

sub-regras ou sub-princípios devem ser aplicados em ordem. Se qualquer um deles

levar à resposta negativa, a checagem terá concluído pela desproporcionalidade da

norma.

Instigante exemplo de utilização das dimensões explicitadas para mensurar

a adequação pode ser retirado do conjunto de decisões judiciais que versam sobre o

direito fundamental à saúde, que deveria ser ponderado com base no equilíbrio entre

o direito individual e a expectativa coletiva.

Os recursos financeiros aos quais o Estado tem acesso são limitados. Por

essa razão, o Estado é forçado a optar pelos meios adequados para atender ao

direito fundamental à saúde, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de

vista coletivo. Essas escolhas se refletem na política estatal de saúde, e não há

dúvida de que pertença à função legislativa e à função administrativa realizar tais

escolhas (de qualquer forma, em razão da legitimidade popular e em razão do

próprio sistema, que oferece ao Legislativo e ao Executivo os procedimentos para

tanto).

Por outro lado, diversas pessoas têm buscado tutela jurisdicional para obter

medicamentos de alto custo, não oferecidos pelo Estado. Da pletora de instâncias

que ocupam a casuística forense é possível extrair fundamento comum, no sentido

de que há direito fundamental à saúde garantido pela Constituição e de que o

fornecimento do medicamento ou do tratamento de vultoso valor se encontra ao

albergue de tal direito. Outro argumento extremamente persuasivo utilizado é o

560

O proporcional e o razoável, p. 107. 561

Idem, ibidem.

236

recurso ao direito fundamental à vida. Não raro os debates se reduzem à exploração

maniqueísta do Estado como senhor perdulário de recursos, obstinadamente

resistindo à legítima pretensão do jurisdicionado ao tratamento que lhe garantirá o

direito à vida (vida com qualidade, também).

Há aqui um inequívoco quadro de tensão, marcado pela escassez de

recursos e pela expectativa de atendimento de toda e qualquer necessidade

terapêutica. Sob a perversidade do Estado e a ordália do particular, está a barreira

ontológica que a ambos iguala. Trata-se de jogo de soma-zero: o gasto exacerbado

com o tratamento de um paciente retira recursos que poderiam atender à

expectativa de outro grupo de pacientes.

Além dos recursos extraordinários e de agravos de instrumento, a questão

tem chegado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pela via da reclamação

constitucional (art. 102, I, l, da Constituição). Por ocasião do julgamento da ADI

1.662562, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a não-inclusão de verbas públicas

em previsão orçamentária, o não-pagamento ou o pagamento insuficiente de valor

de precatório não se equiparavam à preterição do direito de preferência do credor ou

à quebra de ordem cronológica de pagamento. Por essa razão, nenhum dos três

fatos validava o seqüestro de verbas públicas previsto no art. 100, § 2º, da

Constituição. Muitos entes federados e as entidades a eles vinculadas costumam

construir a orientação da Corte, erroneamente, como proibição de que haja

seqüestro de verbas públicas senão nas hipóteses de preterição ou quebra da

ordem cronológica.

O entendimento articulado pelos entes federados tornou-se recurso

poderoso ao combate às ordens de seqüestro de verbas públicas baseados na

condição de saúde do interessado.

Tais casos poderiam beneficiar-se do exame de proporcionalidade, com

alguma adaptação.

Durante o julgamento da Rcl 3.982, na sessão de 19/11/2007, o Plenário do

Supremo Tribunal Federal começou a formar o quadro como um problema de

colisão de princípios fundamentais (direito individual à vida versus todas as demais

expectativas que são garantidas pela higidez orçamentária). Segundo narrativa do

ministro Joaquim Barbosa, relator, o Departamento de Estradas e Rodagem do

562

Relator o ministro Maurício Corrêa. Há outros parâmetros de controle que costumam ser invocados, como a ADI 1.098 (rel. min. Marco Aurélio).

237

Espírito Santo argumentou que a autoridade da ADI 1.662 fora violada por decisão

de Juízo de primeira instância que determinara o seqüestro de verbas públicas para

pagamento de precatório. Em suas informações, a autoridade reclamada confirmou

que a ordem de seqüestro não tinha por fundamento quebra da ordem cronológica; a

constrição apoiava-se na recalcitrante negativa ao pagamento e na condição de

saúde do interessado, portador de “neoplasia maligna na laringe”.

Após desenhar o cenário que foi objeto de exame na ADI 1.662, disse Sua

Excelência o ministro-relator:

O orçamento público é urna peça essencialmente programática, pois estrutura expectativas de gastos de receitas públicas de acordo com os objetivos constitucionais e legais que são impostos ao Estado. É imprescindível lembrar, contudo, que o acervo de recursos obtidos com as receitas públicas é limitado. O manejo das despesas e das receitas deve seguir a racionalidade do cálculo de “soma-zero”, isto é, o aumento de uma despesa deve ser compensado proporcionalmente pelo aumento de uma receita ou uma diminuição de outra despesa.

No campo atuarial da seguridade social, por exemplo, a Constituição vinculou expressamente a criação, a majoração ou a extensão de benefícios à existência de fonte de custeio a ampará-los.

Entendo que, em um modelo ideal, a sistemática de pagamento por precatório de créditos oriundos de sentenças transitadas em julgado opera como salvaguarda da higidez das finanças públicas, por aumentar o grau de previsibilidade do dispêndio. Também concebo que a sistemática favorece a isonomia, por estabelecer critérios objetivos para o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública.

Contudo, a reclamação foi julgada improcedente, pois a Corte concluiu que a

ADI 1.662 não havia versado sobre norma que elegesse a condição de saúde do

interessado como critério para pagamento de precatório. Portanto, o aresto não era

parâmetro de controle para o caso em exame (sua autoridade não poderia ser

violada porque nada dispôs sobre a tomada da condição de saúde como critério

para ordenar o pagamento de precatório)563.

563

A ementa do julgado tem o seguinte teor: “PRECATÓRIO. SEQÜESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. CONSTRIÇÃO FUNDADA NO QUADRO DE SAÚDE DO INTERESSADO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE PRETERIÇÃO OU QUEBRA DE ORDEM CRONOLÓGICA. VIOLAÇÃO DA AUTORIDADE DA ADI 1.662. 1. Não cabe reclamação contra ato futuro indeterminado. A reclamação pressupõe a prática de ato específico para que possa ser conhecida. 2. Por ocasião do julgamento da ADI 1.662 (rel. min. Maurício Corrêa), a Corte decidiu que a ausência de previsão orçamentária ou o pagamento irregular de crédito que devesse ser solvido por precatório não se equiparam à quebra de ordem cronológica ou à preterição do direito do credor (art. 100, § 2º, da Constituição). 3. Naquela assentada, a Corte não ponderou acerca da influência do direito fundamental à saúde e à vida na formação das normas que regem a sistemática de pagamentos de precatório. Portanto, ordem de bloqueio de verbas públicas, para pagamento de precatório, fundada no quadro de saúde do interessado, não viola a autoridade do acórdão prolatado durante o julgamento da ADI 1.662. 4. Ressalva do ministro-relator, quanto à possibilidade do exame da ponderação, cálculo ou

238

O exame de proporcionalidade pode ser aplicado à norma infraconstitucional

que define quais são os tratamentos e medicamentos oferecidos a toda a população.

O direito fundamental à saúde individual e à vida é conformado pelo direito

fundamental à saúde coletiva, que não pode prescindir de escolhas típicas de

política pública (imensurável quantidade de doenças a serem tratadas, enorme

quantidade de pessoas que demandam tratamento e quantidade limitada de

recursos). A pergunta que se coloca é se a restrição a este ou àquele medicamento

é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

O teste de proporcionalidade é aplicável às decisões judiciais? A pergunta é

pertinente. Nos termos do modelo adotado, reconhecemos que as decisões judiciais

se revelam normas jurídicas individuais e concretas, gerais e concretas ou,

extraordinariamente, gerais e abstratas564. Impende saber se tais normas são ou não

são subordinadas à regra de proporcionalidade.

Gilmar Mendes entende que as decisões judiciais são passíveis de sofrer o

exame de proporcionalidade. Obtempera o autor:

A Corte Constitucional alemã entende que as decisões tomadas pela Administração ou pela Justiça com base na lei aprovada pelo Parlamento submete-se ao controle de proporcionalidade. Significa dizer que qualquer medida concreta que afete os direitos fundamentais há de se mostrar compatível com o princípio da proporcionalidade.

565

Para robustecer o argumento, Gilmar Mendes566 relembra o julgamento do

HC 76.060 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 15/05/1998), em

que se discutia se decisão judicial que determinasse a realização compulsória de

exame de DNA, em ação de investigação de paternidade, violava o direito à

liberdade pela constrição à dignidade humana567.

hierarquização entre o direito fundamental à saúde e a sistemática que rege os precatórios em outra oportunidade. 5. Reclamação conhecida parcialmente e, na parte conhecida, julgada improcedente.” 564

Tome-se o notório caso da proibição de comercialização do jogo de computador “Counter Strike”, amplamente divulgada pela imprensa, tomada em sede de ação civil pública. Ao proibir todos os comerciantes de vender o logiciário, o órgão jurisdicional dispôs de forma geral (alcance contraposto a individual) e abstrata (a conduta proibida é hipotética). 565

Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 70. 566

Idem, ibidem. 567

É a seguinte a ementa do acórdão: “DNA: submissão compulsória ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questão no direito comparado: precedente do STF que libera do constrangimento o réu em ação de investigação de paternidade (HC 71.373) e o dissenso dos votos vencidos: deferimento, não obstante, do HC na espécie, em que se cuida de situação atípica na qual se pretende – de resto, apenas para obter prova de reforço – submeter ao exame o pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai biológico da

239

Após preleção de Virgilio Afonso da Silva568, contudo, entendemos que a

resposta é negativa, por uma questão muito sutil. O controle recursal coloca sob o

crivo de outro órgão jurisdicional a decisão judicial, juntamente com as marcas que a

caracterizam (procedimento). Para confirmar ou infirmar a decisão judicial, o órgão

de revisão terá também de interpretar os parâmetros adotados pela instância

precedente, extraindo um ou mais sentidos para as normas que servem de

fundamento de validade à decisão. É com base na interpretação dada aos

fundamentos de validade da decisão que o órgão jurisdicional dirá se a decisão se

mantém ou se deve ser revertida. A possibilidade de dar-se aos textos legais

interpretações diferentes é imanente às vicissitudes da linguagem. A rejeição das

razões dadas pelo órgão jurisdicional é insuficiente para reverter a decisão judicial –

o órgão de revisão deve substituir a interpretação dada por outra e, para tanto, fará

referência às normas que serviram de fundamento para a decisão revertida.

Logo, a falha do teste de proporcionalidade não estará, propriamente, na

norma vertida na decisão judicial, mas em uma das interpretações possíveis

hauridas das normas mais gerais e mais abstratas que foram objeto de controle

incidental.

3.6.3 Proporcionalidade e responsabilidade tributária

O teste de proporcionalidade é aplicável ao controle da atribuição de

responsabilidade tributária. Direitos fundamentais são colocados em posições

antípodas pelo legislador ao regrar a responsabilidade tributária. De um lado, há o

direito fundamental à propriedade e à tributação baseada na expressão econômica

da atividade desempenhada (capacidade contributiva). De outro, a eficiência do

sistema de arrecadação, dado que garante não somente o suprimento de recursos

essenciais à observância das obrigações e deveres estatais, mas também fomenta a

isonomia e é de interesse imediato de todos os demais contribuintes (o não-

criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria.” 568

Notas taquigráficas coligidas durante colóquio perante a Associação de Assessores e Ex-Assessores de Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, no ano de 2007. As conclusões que se seguem são nossas, com base em alguns elementos propostos pelo professor. Todos os erros e deficiências da argumentação somente podem ser atribuídos a nós.

240

pagamento sistemático e injustificado de valores a título de tributo é poderosa

ferramenta anticoncorrencial).

José Casalta Nabais569 assim se refere ao dever fundamental de pagar

impostos:

Pelo que, o dever de pagar impostos constitui um dever fundamental como qualquer outro, com todas as consequencias que uma tal classificação implica. Um dever fundamental, porém, que tem por destinatários, não todos os cidadãos de um estado, mas apenas os que fiscalmente capazes, incluindo-se neles, de um lado, as pessoas (ou organizações colectivas, e, de outro, mesmo os estrangeiros e apátridas. Isto é, não há lugar a um qualquer (pretenso) direito fundamental de não pagar impostos, como o radicalismo das reinvindicações de algumas organizações de contribuintes ou a postura teórica de alguns jusfiscalistas mais inebriados pelo liberalismo económico e mais empenhados na luta contra a “opressão fiscal”, que vem atingindo a carga fiscal nos países mais desenvolvidos, parecem dar a entender.

Há, isso sim, o dever de todos contribuírem, na medida de sua capacidade contributiva, para as despesas a realizar com as tarefas do estado.

O sistema jurídico pode conter mecanismos destinados a assegurar a

proporcionalidade nas hipóteses em que a inibição de direitos fundamentais seja

inevitável. Tais mecanismos trabalham arrefecendo os efeitos que a restrição causa.

Por exemplo, a Constituição prevê o direito à propriedade (art. 5º, caput), mas

admite restrições, como a transferência compulsória da propriedade imóvel ao

Estado por necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, por interesse social

(desapropriação – art. 5º, IVXX). Compreende, ainda, outras restrições, como a

servidão administrativa570, a limitação administrativa571 e a requisição. Exceto na

limitação administrativa572, o Estado é obrigado a recompor o patrimônio do

proprietário, indenizando-o pelo desfalque sofrido573. A indenização funciona como

mecanismo de resguardo da proporcionalidade.

569

O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra (Portugal): Almedina, 2004, p. 186. 570

“Servidão administrativa é o direito real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso ou gozo”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 779. 571

Sobre a diferença entre servidão e limitação administrativa, cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 801. 572

Até certa extensão. 573

Mesmo em alguns tipos de perda da propriedade ligadas à inobservância de outras normas jurídicas (ilícito), a Constituição prevê expressamente a obrigação de indenizar, ainda que em termos menos rigorosos. Confira-se, a propósito, a desapropriação em razão da subutilização do solo (art. 182, § 4º, III, da Constituição).

241

Em sentido semelhante, o regramento da responsabilidade costuma vir

acompanhado de instrumentos destinados à recomposição ou proteção do

patrimônio do terceiro que não demonstra capacidade contributiva em relação ao

fato jurídico que deflagra a eficácia jurídica da norma de responsabilidade tributária.

Dois são dignos de nota: a aptidão técnica e jurídica para reter os valores devidos e

a faculdade de conformar a conduta do contribuinte.

Parte da dogmática costuma construir a retenção como dever instrumental574

consistente no dever de transferir ao Fisco parte do dinheiro que transita ao alcance

do responsável, mas é destinado ao contribuinte. Outros, como Aldo de Paula

Júnior575 e nós, arquitetam a norma de retenção em estrutura de substituição

tributária. Em qualquer caso, a permissão para que o responsável irrompa no fluxo

de trânsito da riqueza e dela suste parte opera como defesa do patrimônio do

terceiro que não pode ser avaliado de acordo com a capacidade contributiva.

Maria Rita Ferragut576, seguindo as lições de Alfredo Augusto Becker,

caracteriza a retenção na fonte como modalidade de repercussão jurídica do valor

do tributo, ao lado do reembolso. Por reembolso, compreende a permissão para

que o responsável exija do contribuinte o pagamento de quantia equivalente à

desembolsada. Infere-se que o reembolso pode assumir duas visagens diferentes.

Quando a autora fala em “substituição para frente”, entendemos que ela quer referir

a permissão para que o responsável insira o valor no preço pago como

contraprestação pelo contribuinte, devido à relação de cunho cível mantida entre

ambos. Ao falar sobre IPTU, ITBI e ISS, a autora quer expressar a permissão para

que o responsável demande dos demais devedores o pagamento, sem poder,

contudo, intervir diretamente no patrimônio dessas pessoas (utilização dos meios

ordinários de cobrança).

A permissão para conformar a conduta do contribuinte também é relevante

nesse contexto. Se o responsável pode obrigar o contribuinte ao pagamento e é

dotado dos instrumentos para conferir, por si, eficácia social à obrigação tributária,

então ele tem à disposição mecanismos para salvaguardar o próprio patrimônio. É o

574

Termo preferível a “obrigação acessória”. 575

Notas taquigráficas de discussões havidas durante as aulas de Direito Tributário I, no Curso de Mestrado em Direito do Estado da PUC/SP (2003). Cf. trecho do trabalho monográfico Sujeição passiva por responsabilidade na modalidade de substituição tributária – aspectos lógicos, teóricos e práticos reproduzido, apud FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 58. 576

Cf. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 42-47.

242

caso do pátrio poder, em nome do qual os pais podem legitimamente substituir a

vontade dos filhos no que se refere ao recolhimento ou não do valor devido a título

de tributo. Situação semelhante se dará nos casos em que uma pessoa jurídica

controla outra577.

É certo que os mecanismos de proteção do patrimônio do responsável

baseados na repercussão jurídica da carga tributária podem não ser suficientes.

Eles compõem o juízo de proporcionalidade, mas não o elidem per se.

Nem todas as normas de atribuição de responsabilidade vêm

acompanhadas de mecanismos de calibração por repercussão jurídica (constatação

empírica). Uma justificativa admissível, para fins de discussão, consiste na

construção da norma de responsabilidade como primária sancionatória. Nesse

cenário, a causa da norma de responsabilidade é um ato ilícito, e a submissão do

sujeito assume as roupagens de verdadeira pena. Não haveria, aqui, que preservar

o patrimônio do responsável.

Intriga-nos a aplicabilidade da regra de proporcionalidade às normas de

responsabilidade tributária que forem classificadas como primárias sancionadoras.

Nossa primeira objeção pouco tem a ver com a proporcionalidade, pois

consideramos a associação do viés punitivo à responsabilidade tributária

descolamento conspícuo da racionalidade que deveria reger-lhes a atribuição de

sentido. Como sustentado em linhas já deitadas, a responsabilidade tributária não é

mecanismo de proteção da pessoa jurídica ou dos demais sócios contra a atuação

insurgente do sócio ou do administrador (ultra vires). Tampouco a responsabilidade

tributária se dispõe à retribuição, à prevenção geral, à prevenção individual ou a

qualquer combinação dos elementos constitutivos de tal teoria. Volta-se a

responsabilidade tributária à salvaguarda da efetividade do crédito tributário.

Confrontadas as racionalidades, preserva-se a tributária na construção das normas

de responsabilidade.

Observe-se que a racionalidade da responsabilidade civil, reparação do

dano, sobrepuja qualquer indagação acerca da ligação psíquica entre o agente e a

conduta em circunstâncias excepcionais (responsabilidade objetiva). Ou seja,

independentemente de a conduta ser reprovável, o agente pode ser chamado a

recompor o patrimônio da vítima (seja pela teoria do risco, seja por qualquer outra

577

Sem prejuízo do exame da possibilidade ontológica do pagamento.

243

construção). O mesmo tipo de ponderação se aplica à norma de responsabilidade

(razão por que não há que cogitar, em princípio, da exclusão da sujeição passiva do

contribuinte nos casos em que se prescreve a responsabilidade pessoal).

Vamos suspender, momentaneamente, a primeira objeção, para investigar a

aplicabilidade da regra de proporcionalidade às normas de responsabilidade

consideradas primárias sancionatórias. As normas primárias sancionatórias se

notabilizam por atender à função retributiva, à prevenção geral ou à prevenção

especial. Em todos os casos, justifica-se a aplicação do teste de proporcionalidade,

pois o primordial direito fundamental tolhido pela pretensão punitiva do estado é a

liberdade. Se a punição for a transferência compulsória de valor, o direito

fundamental violado será a propriedade. Assumindo-se que a responsabilidade tem

índole punitiva e, portanto, invade o patrimônio do sujeito de direito, não há como

livrá-la do teste de proporcionalidade em um sistema jurídico que tem como bases

direitos fundamentais.

O desequilíbrio passível de correção pelo teste de proporcionalidade fica

mais visível quando se considera a possibilidade de a intensidade da conduta do

agente não corresponder diretamente à gravidade da carga tributária. Tome-se por

exemplo a norma baseada na antiga redação da Lei 8.212/1991, que elegia o

tomador de serviço como responsável tributário do prestador em caso de

inadimplemento (atualmente a norma passou à forma de retenção na fonte). A

aplicação de correção monetária, juros e multa pelo não-pagamento pode exasperar

o crédito de tal forma que as ferramentas até então disponíveis ao tomador para a

fiscalização perderiam qualquer sentido. Além de não possuir instrumentos jurídicos

para forçar o recolhimento ou realizar a retenção, o tomador certamente não poderia

invadir a esfera de autodeterminação do prestador para auditar-lhe as contas. Todas

as ferramentas disponíveis ao tomador escapavam ao âmbito jurídico para

centrarem-se no sistema econômico – pressão.

Concluímos, portanto, que as normas de responsabilidade tributária, ainda

se consideradas primárias sancionatórias, são passíveis de controle de

constitucionalidade com base no teste de proporcionalidade.

Quanto aos instrumentos de arrefecimento, consideramos que tanto o

responsável como o contribuinte podem recorrer ao Judiciário para fixação ou elisão

de eventual responsabilidade civil para distribuição dos prejuízos.

244

O teste de proporcionalidade é compatível com diversas decisões do

controle de constitucionalidade, não se limitando à aplicação nos casos da

declaração incondicional de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade (tout

court).

Intuímos que o teste de proporcionalidade possa levar à identificação de

interpretações possíveis que tornassem as normas jurídicas inconstitucionais.

Nesse caso, aplicar-se-ão as técnicas da interpretação conforme a Constituição ou

da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto para limitar a atividade

dos demais órgãos jurisdicionais e dos jurisdicionados, sejam particulares, sejam

membros da Administração578.

Trilhando caminho semelhante, a proporcionalidade pode ser empregada

como justificativa à declaração da norma ainda constitucional (declaração se,

enquanto). Em circunstâncias excepcionais, a necessidade e a proporcionalidade

em sentido estrito formam quadro que sustenta a manutenção de norma que, de

outra maneira, seria considerada inconstitucional.

3.6.4 Regra de razoabilidade

Alguns autores sugerem a superposição entre as regras de

proporcionalidade e de razoabilidade. Nesse sentido Gilmar Ferreira Mendes,

Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco lecionam que:

Utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos – muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios – o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso, prudência, moderação justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins [...]

579

Luis Roberto Barroso580, por seu turno, diz ser “digna de menção a

ascendente trajetória do princípio da razoabilidade, que os autores sob influência

germânica preferem denominar princípio da proporcionalidade, na jurisprudência

578

Os membros do Poder Legislativo somente serão vinculados em processos em que houver controle incidental e dos quais tiverem feito parte (quer dizer, o controle abstrato e o controle concentrado de constitucionalidade não vinculam a atividade futura do Legislativo). 579

Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 113. 580

Dez anos da Constituição de 1998 (Foi bom para você também?). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 214, p. 18, 1998.

245

constitucional brasileira”. Entende o professor da Universidade Estadual do Rio de

Janeiro que os conceitos são próximos o suficiente para intercâmbio (fungibilidade),

não obstante reconhecer a dissonância posta por doutrinadores como Virgilio

Afonso da Silva e Humberto Ávila.581

Embora aborde tanto a razoabilidade como a proporcionalidade, anota

Carlos Roberto Siqueira Castro que ambos “decorrem do imperativo de que os

atos intersubjetivos, no campo público ou privado, se coadunem com a noção de um

direito justo ou da justa medida no regramento das relações intersubjetivas ou no

arbitramento das situações de conflito”582.

Celso Antônio Bandeira de Mello583 vincula a razoabilidade à coerência e

à racionalidade, ao afirmar que:

Enuncia-se com este princípio [razoabilidade] que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.

Virgilio Afonso da Silva584, Humberto Ávila585, Marcel Moraes Rota586 e

Valeschka e Silva Braga587 afirmam a diferença entre a razoabilidade e a

proporcionalidade.

Vamos adicionar uma outra dimensão ao teste de razoabilidade, tomando

como assente a noção desenvolvida por Celso Antônio Bandeira de Melo

(completa dissociação entre meios e fins, segundo interpretamos). A razoabilidade

pressupõe cálculo interno de eficiência entre a medida adotada e a finalidade

pretendida. O exame ocorre em uma única dimensão de intensidade, sem

comparação com outros meios disponíveis e sem o sopeso entre o direito

581

Cf. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 372. 582

O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 214. 583

Curso de Direito Administrativo, p. 99. 584

O proporcional e o razoável, op. cit. Em especial, Virgilio Afonso da Silva aponta que a razoabilidade é utilizada pelo Supremo Tribunal Federal como noção que se assume geralmente aceita para justificar suas decisões (um lugar comum). 585

Teoria dos princípios, op. cit. 586

O princípio da proporcionalidade e suas sub-regras. A expansão do Direito: Estudos de Direito Constitucional e Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 287-300. 587

Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, op. cit.

246

fundamental restringido e o direito fundamental fomentado. Estamos falando, em

outras palavras, da proibição de excesso.

Enquanto o teste de proporcionalidade é mais rigoroso, o balizamento desta

nova dimensão da razoabilidade é vago. Situações limítrofes costumam escapar à

precisão do teste de razoabilidade, porquanto apenas cenários de conspícuo abuso

são detectados.

Exemplo interessante para o exame do teste de proporcionalidade é o caso

Lockyer v. Andrade, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos (538 US 63 –

2003)588. Como outros estados federados, a Califórnia possui um conjunto de

normas destinado a exasperar a pena de infratores reincidentes, conhecido como

three strikes law589. Leandro Andrade foi denunciado pela prática de dois pequenos

furtos cometidos em ocasiões diferentes, agravados pela circunstância de já ter sido

condenado por outro furto. O valor total dos bens furtados em ambas as ocasiões –

fitas de vídeo infantis – era de aproximadamente cento e cinqüenta dólares.

Segundo a lei californiana, qualquer crime pode ser considerado antecedente para a

exasperação da pena de reclusão, que pode ser de vinte e cinco anos à prisão

perpétua.

O Júri californiano considerou que os três crimes poderiam ser considerados

antecedentes aos quais a three strikes law era aplicável, levando o Juízo a condenar

Andrade a duas penas consecutivas de vinte e cinco anos à prisão perpétua.

É possível abordar a questão tanto com a regra de proporcionalidade como

com a regra de razoabilidade. No exame de proporcionalidade, haverá entrechoque

entre o direito à liberdade (e à não-aplicação de punições cruéis ou incomuns da

Constituição norte-americana) e a função de prevenção geral da pena. No que se

refere à razoabilidade, a questão que se coloca é se o encarceramento entre

cinqüenta anos e o prazo de vida natural do ofensor exacerbam a intensidade

necessária para punir danos de não mais de cento e cinqüenta dólares590.

588

ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Lockyer v. Andrade (538 US 63 – 2003). Relatora (opinion delivered by) Justice Sandra Day O´Connor. Sem ementa. Disponível em http://www.oyez.org/cases/2000-2009/2002/2002_01_1127/. Último acesso em 1º/01/2008. 589

“Three strikes law” deriva da expressão “three strikes and you are out”, utilizada nos jogos de baseball para indicar que um rebatedor deve sair do jogo por ter perdido as três chances de acertar a bola. 590

A dinâmica jurisprudencial norte-americana é muito mais rica em nuances do que aqui exposto. Para melhor compreensão do caso, cf. http://www.oyez.org/cases/2000-2009/2002/2002_01_1127/, último acesso em 1º/01/2008.

247

É importante salientar, portanto, que os testes de proporcionalidade e de

razoabilidade não se excluem. São exames constitucionais suplementares.

No campo da atribuição de responsabilidade tributária, o teste de

razoabilidade deverá medir a intensidade da conduta imposta ao responsável e o

resultado econômico gerado com a eficiência do crédito tributário. A necessidade de

manutenção de estruturas muito dispendiosas para a observância às obrigações

pode ser um índice da ausência de razoabilidade. Por outro lado, o baixo retorno

obtido com o cumprimento da obrigação de responsabilidade pode levar à mesma

conclusão. Além da leitura como proibição de excesso, razoabilidade também pode

ser tomada na acepção de vinculação à racionalidade, isto é, a pertinência ao

objetivo perseguido.

3.6.5 Impossibilidade ontológica e obrigações não-razoáveis

Distinguimos obrigações não-razoáveis591 e obrigações fadadas à

impossibilidade ontológica.

As obrigações não-razoáveis são marcadas pelo desequilíbrio entre o custo

e o benefício. Elas são, em outras palavras, extremamente ineficientes592. Não

obstante o custo proibitivo, elas são obrigações factíveis, isto é, são contingentes.

Em sentido oposto, há obrigações que escapariam ao campo do

deonticamente possível, se fossem logicamente admissíveis. A capacidade ou a

habilidade para fazer algo está imbricada na estrutura lógica das proposições

normativas e independe da configuração do conteúdo de um dado sistema jurídico,

escolhido em termos de espaço-tempo.

Georg Henrik Von Wright593 utiliza a interdefinibilidade dos modais

deônticos para esclarecer que a possibilidade de qualquer conduta é pressuposto

das tentativas de condicioná-la:

591

A razoabilidade é antagonizada em duas frentes: ausência de racionalidade (sentido – pertinência) e baixa eficiência, segundo concebemos. Aqui, “não-razoáveis” está sendo utilizada apenas na acepção de ineficiência, e não da ausência de racionalidade. Obrigações não-racionais não podem ser mantidas no sistema, ao passo que obrigações ineficientes serão admissíveis em certos quadros. 592

Aqui “ineficientes” quer indicar a enorme distância entre os recursos necessários para cumprir a obrigação (energia) e o resultado obtido (trabalho). 593

Norma y acción: Una investigación lógica. Tradução de Pedro Garcia Ferrero. Madri: Editorial Tecnos, 1970, p. 71.

248

Compelir un agente a hacer algo es lo mismo que impedirle abstenerse de dicha cosa. Y evitar que un agente haga algo es lo mismo que forzale a abstenerse.

Evitar que un agente hago algo es actuar de tal manera que llegue a ser imposible para ese agente hacer esa cosa. Evitar o impedir es “hacer impossible”. El resultado del acto de evitar que un agente haga una determinada cosa en una determinada ocasión es cambiar el mundo de tal forma que el agente no pueda hacer esa cosa en esa ocasión. Pero este resultado, téngase presente, sólo puede conseguirse a condición de que el agente pueda hacer esta cosa. Uno no puede impedir a alguien hacer aquello que, en todo caso, no podría hacer, El acto de impedir conduce de este modo al hecho de que un agente, en algún sentido, no puede hacer aquello que, en algún sentido, puede hacer.

A propósito, diz Paulo de Barros Carvalho594 ao examinar a estrutura lógica

das normas jurídicas:

O antecedente da norma jurídica assenta no modo ontológico da possibilidade, quer dizer, os eventos da realidade tangível nele recolhidos terão de pertencer ao campo do possível. Se a hipótese fizer a previsão de fato impossível, a conseqüência, que prescreve uma relação deôntica entre dois ou mais sujeitos, nunca se instalará, não podendo a regra ter eficácia social. Estaria comprometida no lado semântico, tornando-se inoperante para a regulação das condutas intersubjetivas. Tratar-se-ia de um sem-sentido deôntico, ainda que pudesse satisfazer critérios de organização sintática.

Na ficção, o sem-sentido deôntico foi elegantemente retratado por Lewis

Carroll595. No campo científico, o sem-sentido deôntico pode ser exemplificado por

pretensas normas que obriguem o sujeito ordinário a encontrar um animal mítico

(e.g., um unicórnio), ir à lua, capturar uma estrela etc.

Vejamos um exemplo. A Coordenação-Geral de Fiscalização da então

Secretaria da Receita Federal editou o Ato Declaratório Executivo 07/2004 (DOU de

25/05/2004), que dispõe sobre os procedimentos relativos à instalação, verificação

de conformidade e homologação do Sistema de Medição de Vazão (SMV) na

indústria da cerveja. Segundo a própria Coordenação, “tais procedimentos visam à

verificação das condições de funcionamento, das características técnicas e de

594

Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 26. 595

Lê-se em Through the looking glass: “Then the words don't FIT you,' said the King, looking round the court with a smile. There was a dead silence. `It's a pun!' the King added in an offended tone, and everybody laughed, „Let the jury consider their verdict‟, the King said, for about the twentieth time that day. „No, no!', said the Queen. „Sentence first-verdict afterwards.' `Stuff and nonsense!' said Alice loudly. „The idea of having the sentence first!'. „Hold your tongue!' said the Queen, turning purple. „I won't!' said Alice. „Off with her head!' the Queen shouted at the top of her voice. Nobody moved. „Who cares for you?' said Alice, (she had grown to her full size by this time.) „You're nothing but a pack of cards!'”

249

segurança estabelecidas anteriormente pelo ADE Cofis nº 20, de 1º de outubro de

2003”.

Vamos supor que a instalação dos medidores de vazão na indústria de

cerveja tivesse elevado custo e, assim, encarecesse o produto. Em especial, vamos

assumir também que a Secretaria da Receita Federal indicasse quais são os

modelos de medidores aceitos, e que todos fossem produzidos por empresas

localizadas no exterior. Talvez houvesse outros dispositivos de medição da

produção de cerveja menos onerosos do que aqueles homologados pelo Fisco. É

possível especular, ainda, sobre a viabilidade de formas menos onerosas para levar

a cabo a fiscalização (disponibilidade de medidores elaborados por indústrias

nacionais, mais baratos). De qualquer maneira, a instalação de medidores de vazão

estrangeiros não é ontologicamente impossível, pois eles estão disponíveis no

mercado para aquisição das empresas que produzem cerveja (ao contrário da

viagem à lua, que não está disponível para o particular ordinário).

A distinção é relevante. As normas que tocam a impossibilidade ontológica

são inválidas tout court (sem-sentido deôntico), ao passo que as normas que

estabelecem obrigações não-razoáveis596 podem ter a validade reconhecida em

situações excepcionais.

3.7 RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR (ART. 146 DA CONSTITUIÇÃO) –

DIFERENCIAÇÃO ENTRE LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS E DE

RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR PARA INSTITUIÇÃO DO TRIBUTO OU

ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABLIDADE

De acordo com a Constituição, “lei complementar” é o produto de processo

legislativo qualificado pela necessidade de aprovação pela maioria absoluta do

Congresso Nacional (arts. 59, II, e 69 da Constituição).

A discussão sobre o alcance das leis complementares no sistema brasileiro

precede a Constituição de 1988, em que são expressamente previstas. Victor

Nunes Leal registra, a propósito, que as Constituições de 1937 e 1946 não

dispunham expressamente sobre as leis complementares, mas isso não significava

que não houvesse a necessidade de “complementar princípios básicos enunciados

596

I.e., excessivas ou ineficientes.

250

na Constituição [referia-se à Constituição de 1946]”597. “Em princípio”, dizia, “todas

as leis são complementares [da Constituição]”598.

José Afonso da Silva599 também define as leis complementares em função

do conteúdo:

São leis integrativas de normas constitucionais de eficácia limitada, contendo princípio institutivo ou de criação de órgãos, e sujeitas à aprovação pela maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional.

Trata-se da concepção material ou ontológica de lei complementar, segundo

a qual as leis complementares são definidas em função de o conteúdo versar sobre

a integração da Constituição, independentemente da forma ou de divisão expressa

de matérias no corpo da Carta Magna.

Ao lado da concepção material há a formal, que enuncia serem leis

complementares o produto do processo legislativo qualificado pela aprovação por

maioria absoluta no Senado Federal e na Câmara dos Deputados (sem prejuízo das

demais características que marcam a fonte material – a enunciação).

Souto Maior Borges600 oferece interessante modelo para compreensão das

leis complementares em matéria tributária. Sugere o professor da Faculdade de

Direito de Recife que as leis complementares se dividem em duas classes. A

primeira compreende leis complementares que servem de fundamento de

validade para outras normas. A segunda tem como elementos normas que

possuem densidade normativa suficiente, mas não se prestam a fundamentar a

validade de outras normas.

Para Souto Maior Borges, “fundamento de validade” é a norma que regula

a criação de outra norma601.

No subsistema tributário brasileiro, a lei complementar pode ter dois papéis

distintos. No primeiro, o procedimento que leva à lei complementar insere no sistema

normas que servirão como fundamento de validade de outras normas, como as

normas gerais em matéria tributária (art. 146 da Constituição). As normas gerais

597

LEAL, Victor Nunes. Leis complementares da Constituição. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, v. VII, p. 381, 1947. 598

Idem, ibidem. 599

Processo constitucional de formação das leis, p. 314. 600

Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 84-90. 601

Idem, ibidem, p. 82.

251

em matéria tributária servem de fundamento de validade para outras normas em

razão da função que exercem no modelo de pacto federativo pátrio (harmonização e

aferente segurança jurídica). No segundo, o procedimento de elaboração da lei

complementar é necessário para dar validade à norma que institui o tributo (como,

por exemplo, as novas fontes de custeio da seguridade social, nos termos do art.

195, § 4º, da Constituição).

Essa nuança foi capturada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do

julgamento do RE 396.266 (Pleno, DJ de 27/02/2004), ao examinar a

constitucionalidade da Contribuição ao Sebrae. Um dos argumentos apresentados

ao crivo da Corte consistia em saber se a instituição de contribuição de intervenção

no domínio econômico ou de contribuição de interesse de categoria profissional602

estava sob a reserva de lei complementar. Se a resposta fosse positiva, então a

instituição do tributo em lei complementar contrariaria os arts. 146, III, e 149 da

Constituição.

O relator, ministro Carlos Velloso, fez distinção entre a lei complementar

necessária à instituição do tributo e a lei complementar de normas gerais em matéria

tributária. Posto que submetida às normas gerais em matéria tributária (fundamento

de validade ou limite geral), a contribuição de intervenção no domínio econômico

não estava sujeita à instituição em lei complementar.

Disse Sua Excelência, textualmente:

Realmente, posto estarem as contribuições do art. 149 da Constituição – contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses de categorias profissionais ou econômicas – sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isso não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. A contribuição social, que denominamos contribuição nova, relativamente a esta, para sua instituição é que será observada a técnica da competência residual da União: CF, art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A sua instituição, portanto, dependerá de lei complementar. Todavia, as contribuições do art. 149 da CF, de regra, podem ser instituídas por lei ordinária. O que acontece é que, submetidas à lei complementar do art. 146, III, CF, são definidas como tributo. Por não serem impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (CF, art. 146, III, a). No mais, estão sujeitas às regras das alíneas b e c do inciso III do art. 146, CF. Assim decidimos, por mais de

602

É interessante registrar que houve divergência entre os ministros Carlos Velloso e Carlos Britto sobre a classificação da Contribuição ao Sebrae como Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Velloso) ou como Contribuição de Interesse de Categorias Profissionais (Britto). A distinção, contudo, era irrelevante para deslinde do argumento, dado que em ambos os casos haveria redução à discussão sobre contrariedade do art. 149 da Constituição.

252

uma vez, como, v.g., RE 138.284/CE por mim relatado (RTJ 143/313, e RE 146.733/SP, Relator o Ministro Moreira Alves (RTJ 143/684).

603

A responsabilidade tributária é matéria sujeita às normas gerais veiculadas

por lei complementar da União, porquanto o art. 146, III, b, da Constituição insere

em tal campo a regulação sobre obrigação e crédito tributário. Infere-se da

permissão para dispor sobre obrigação e crédito a permissão para dispor sobre os

mecanismos de salvaguarda de tais objetos, além da permissão para regular o

processo tendente a constituí-los. Entendemos, ainda, que a atenção ao regramento

centralizado sobre responsabilidade tributária arrefece o risco de violação do pacto

federativo (ao evitar o coordinate review). Traz em tandem mais segurança jurídica,

ao estabilizar as expectativas dos contribuintes e potenciais responsáveis em

relação ao de outra forma irredutível espectro de possibilidades emanado pela

competência tributária atribuída a cada um dos entes federados e mais de cinco mil

municípios604.

Isso não quer dizer que as normas relativas à atribuição de responsabilidade

tributária devam necessariamente ser instituídas em lei complementar. Cada ente

federado e os municípios podem dispor sobre a matéria em lei ordinária, sem

prejuízo da utilização da lei complementar, autorizada pelo paralelismo

constitucional e se prevista no ordenamento local.

Ocorre que, uma vez exercida a competência para estabelecer normas

gerais sobre responsabilidade tributária, todos os entes tributantes estarão jungidos

aos limites ali estabelecidos, sob pena de violação dos arts. 24, § 4º, e 146, III, b, da

Constituição. Sequer a União escapa da força centrípeta exercida pela estabilização

impingida pelas normas gerais. Por ser norma de caráter nacional, a União não

poderá contrariar, com a utilização de lei ordinária de caráter federal, o sentido

estabelecido em lei complementar de normas gerais.

Situação peculiar ocorre quando as normas gerais possuem densidade

normativa suficiente não apenas para vincular os entes federados em relação às

estruturas normativas e conceitos estipulados que poderão ser adotados. Algumas

603

RTJ 188/1103. 604

Seabra Fagundes faz observação interessante sobre o federalismo brasileiro (Novas perspectivas do federalismo brasileiro. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 10, p. 14, 1969: “As nossas aspirações federalistas nascem antes da vastidão do território nacional, do que do empenho de conduzir situações e problemas em conformidade com peculiaridades locais. Tanto que os Estados não souberam o que fazer com a plena autonomia outorgada na Carta de 1891. Aliás, tudo isso é positivo, porquanto a um só tempo revela a unidade espiritual da Nação e a fortalece”.

253

normas elaboradas com espeque na competência para criar normas gerais possuem

sentido deôntico completo, isto é, são normas em sentido estrito que prescindem de

subseqüente fase de criação de norma geral e abstrata. Noutro dizer, tais normas

podem fundamentar em seqüência direta normas individuais e concretas relativas à

responsabilidade tributária.

Algumas normas inseridas no âmbito do Código Tributário Nacional

possuem esta característica híbrida: ao mesmo tempo em que são normas gerais,

por vincularem todos os entes tributantes, elas permitem que a União, os Estados e

os Municípios delas extraiam fundamento para normas individuais e concretas que

formalizem a obrigação por responsabilidade.

Mesmo as normas gerais com característica híbrida que versem sobre

responsabilidade tributária não podem ser ignoradas pela União. Vale dizer, será

inválida norma veiculada por lei ordinária que dê à responsabilidade tributária

pertinente aos tributos de competência da União tratamento diferente daquele

estabelecido em norma geral veiculada por lei complementar.

3.7.1 Lei complementar e hierarquia

A discussão sobre pretensa hierarquia da lei complementar sobre a lei

ordinária é recorrente na experiência brasileira. Em linhas gerais, a superioridade da

lei complementar é sustentada com quatro linhas de argumentação.

Um dos argumentos mais simples consiste em sugerir que a ordem das

espécies legislativas arroladas no art. 59 da Constituição é relevante, porquanto

expressa o desejo do legislador constituinte de estabelecer certa hierarquia. A

circunstância de as leis complementares (inciso II) serem colacionadas antes das

leis ordinárias (inciso III) deveria ser tomado como inequívoco indício da precedência

das primeiras em relação às segundas.

Diz-se também, em raciocínio muito mais consistente, que a solenidade e o

rigor impostos ao processo legislativo da lei complementar são índices da gravidade

com que deve a respectiva matéria ser tratada. Por uma questão de simetria de

formas, somente outra lei complementar poderia modificar ou revogar o que

prescrito em lei complementar. Vale dizer, a lei complementar recebe sua identidade

254

com o exame da fonte material, isto é, do procedimento de enunciação qualificado

(independentemente do conteúdo)605.

Esse segundo argumento foi desdobrado em versão deveras interessante

por ocasião do início do julgamento da constitucionalidade do art. 56 da Lei

9.430/1996, que pretendeu revogar o art. 6º, II, da Lei Complementar 70/1991 (RE

381.964 e RE 377.457). Sustentou-se perante o Plenário do Supremo Tribunal

Federal que ao legislador seria dado optar pela forma mais rigorosa sempre que se

quisesse conferir à norma maior grau de certeza e confiança (segurança jurídica).

Haveria, aqui, espécie de “congelamento hierárquico” desejado pelo legislador

contemporâneo e que vincularia o legislador futuro.

A terceira linha de argumentação toma como premissa o suposto papel que

a lei complementar exerce ao integrar a Constituição. A integração da Constituição

conferiria à lei complementar parte da mesma primazia concedida à primeira, pois

violar o sentido da lei complementar implicaria contrariar o sentido da própria

Constituição.

A quarta linha de argumentação reconhece que as normas gerais

suspendem a eficácia das normas locais, veiculadas ou não em lei ordinária (art. 24,

§ 4º, da Constituição). Como as normas gerais são veiculadas por lei complementar

se versarem sobre matéria tributária (art. 146 da Constituição), haveria inequívoca

primazia frente às leis ordinárias.

Para nós, a questão se resolve com o exame da autopoiese do sistema

jurídico. O Direito possui programas que estabelecem o procedimento necessário

para que a comunicação nele ingresse. Outros programas estabelecem a sintaxe do

sistema jurídico ao coordenarem a forma como cada etapa de comunicação deve

relacionar-se às demais. Como ponderou Lourival Vilanova, não há nenhuma regra

lógica que estabeleça a priori a predominância entre uma espécie legislativa e outra.

Disse606:

São as proposições que estatuem sobre a forma e o conteúdo que as proposições normativas devem apresentar, e indicam que o órgão está habilitado competencialmente para criar normas [...]. É a Constituição que estatui as fontes ou métodos de produção de normas, como estabelece a

605

Cf. MAIOR BORGES, José Souto. Eficácia e hierarquia da lei complementar. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 25, p. 97, 1973. 606

Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005, p. 268/288. Na redação original, a palavra “sim” está grafada no lugar de “são”.

255

ordem de validade das fontes e, conseqüentemente, a hierarquia das normas provenientes destas fontes.

Rejeitamos o reconhecimento da superioridade da lei complementar à lei

ordinária, baseada na posição que aquela ocupa nos enunciados do art. 59 da

Constituição, porquanto ali não há nenhum indicativo de ordenação hierárquica.

Cada espécie legislativa encontra âmbitos materiais diferenciados de aplicação.

A observância da mesma forma utilizada para a criação também não é

condição lógica ou ontológica para modificar ou extinguir dada norma jurídica. A

simetria entre as formas depende de previsão no sistema jurídico, circunstância

inexistente no ordenamento positivo brasileiro para a atividade legislativa. Basta que

o processo de enunciação seja aquele previsto pelo sistema para alterar a norma

jurídica de acordo com o campo material tratado.

Também não concordamos com o argumento relativo à permissão dada ao

legislador de ontem para vincular o legislador de hoje quanto à forma, pelo mesmo

motivo. O processo legislativo rege-se pela norma existente no momento em que

este ocorre (tempo externo e tempo interno da norma). Se o sistema jurídico

existente no momento em que a enunciação se dá não prevê a forma mais rigorosa,

o processo legislativo terá eficácia jurídica e será capaz de modificar a norma que foi

anteriormente inserida pelo rito mais solene. Somente se houvesse norma que

obrigasse o processo de modificação à observância do mesmo procedimento

utilizado para criação é que se poderia admitir o requisito da simetria entre formas.

Ademais, a imposição da simetria entre formas aos legisladores de amanhã,

em relação às formas adotadas pelos legisladores de hoje, implicaria violação do

mandato eletivo e dos demais instrumentos de representação política democrática.

Isso porque se concederia à legislatura contemporânea a faculdade de condicionar a

legislatura de amanhã sem que houvesse permissão constitucional para tanto e tão-

somente em razão do desejo da primeira.

A terceira linha de argumentação – empréstimo da altivez constitucional à lei

complementar dado o papel de intermediação – esfacela-se diante da constatação

de que a utilização do processo legislativo qualificado para veicular normas gerais é

coordenada em função da matéria a ser disciplinada. Dito de outro modo, somente

serão normas gerais aquelas que, independentemente de complementar ou não as

256

normas constitucionais, versem sobre o campo previamente estabelecido na própria

Constituição.

Quanto à quarta linha de argumentação, notamos que a limitação imposta à

norma local não é decorrência da lei complementar da União, mas à circunstância

de o sistema prever a utilização de normas gerais como característica do pacto

federativo.

Entendemos, com Souto Maior Borges, que a identidade da lei

complementar é definida pela conjunção entre o campo material previsto na

Constituição e o processo de enunciação qualificado. Disse o autor, textualmente:

Se a lei complementar (a) invadir o âmbito material de validade da legislação ordinária da União, valerá tanto quanto uma lei ordinária federal. Sobre esse ponto não há discrepância doutrinária. A lei complementar fora do seu campo específico, cujos limites estão fixados na Constituição, é simples lei ordinária. Sem a congregação dos dois requisitos estabelecidos pelo art. 50 da Constituição, o quorum especial e qualificado (requisito de forma) e a matéria constitucionalmente prevista como objeto de lei complementar (requisito de fundo) não há lei complementar. Contudo, se não ultrapassar a esfera de atribuições da União, o ato legislativo será existente, válido e eficaz. Só que não estará submetido ao regime jurídico da lei complementar – inclusive quanto à relativa rigidez – mas ao da lei ordinária, podendo conseqüentemente ser revogada por esta

[...] Entretanto, sem o quorum do art. 50, a lei complementar material

fere a Constituição, incorrendo numa inconstitucionalidade externa ou extrínseca ao conteúdo do ato legislativo. A inconstitucionalidade será, na hipótese, puramente formal, porque o ato legislativo estará inserido na esfera da lei complementar, mas o seu processo de elaboração terá desatendido ao modelo constitucional.

Diversamente ocorrerá, consoante exposto (supra, Cap. III, § 3), se a lei for votada em sentido contrário, isto é, com observância da área de competência reservada constitucionalmente à lei complementar. Aí, as conseqüências jurídicas serão distintas se (a) estivermos em presença do campo da lei ordinária da União, que é apenas uma parcela do campo total da competência legislativa e (b) se estivermos no campo da lei ordinária estadual e municipal. Na hipótese (a), será a lei impropriamente designada “complementar”, porque valerá tanto e não mais do que uma lei ordinária da União. Não é o rótulo, o nomen juris inapropriado que transubstanciará o ato legislativo.

607

Mesmo antes da Constituição de 1988, quando a discussão sobre a

necessidade e o alcance das “leis complementares” não encontrava vetor positivo na

Carta Magna e era, portanto, voltada eminentemente ao papel e ao campo material

da figura legislativa, Victor Nunes Leal608 já apontava a inexistência de hierarquia:

607

Lei complementar tributária, p. 26/74. 608

Leis complementares da Constituição. Revista de Direito Administrativo, n. 7, p. 382. Prossegue o ministro do Supremo Tribunal Federal de ontem: “Tem cabimento recordar, a este respeito,

257

A designação de leis complementares não envolve, porém, como é intuitivo, nenhuma hierarquia do ponto de vista da eficácia em relação às outras leis declaradas não complementares. Todas as leis, complementares ou não, têm a mesma eficácia jurídica, e umas e outras se interpretam segundo as mesmas regras destinadas a resolver os conflitos de leis no tempo.

Geraldo Ataliba609 assumiu a seguinte posição, ao sugerir que:

Já a recíproca não é verdadeira [que a lei complementar não possa “invadir” o campo de outras espécies normativas]. Nada obsta que a lei complementar discipline matéria própria de outras normas, salvo a resolução e o decreto-legislativo [tomava como parâmetro a Constituição de 1967, tal como ementada em 1969]. Desde que se trate de matéria de competência do Congresso, nada impede que a lei complementar a reja. Mesmo porque, quem pode o mais pode o menos.

[...] Porque, se nada impede que a lei complementar discipline matéria

própria das demais espécies legais, no campo que lhe não é exclusivo e próprio, não goza de qualquer superioridade. Vale dizer: fora do seu setor constitucionalmente delineado, a lei complementar é ordinária e pode ser revogada por esta

610.

Inversamente, quando discipline assunto que lhe é próprio e específico, goza de superioridade própria da espécie.

Para Leandro Paulsen611:

A idéia de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, pois, não se sustenta. A lei ordinária simplesmente não pode afrontar lei complementar nas matérias a esta reservada, pois não constituirá, nesse caso, veículo legislativo apto a invocar na ordem jurídica quanto aqueles pontos. A posição pela existência da hierarquia formal, outrora acolhida pelo STJ, jamais encontrou eco no STF.

Antes do início da sessão em que o respectivo Plenário passou a examinar a

possibilidade de revogação da isenção ao pagamento da Cofins conferido às

sociedades civis de profissão regulamentada, o Supremo Tribunal Federal já havia

examinado em diversas oportunidades a questão da hierarquia entre lei

segundo informam Barthélemy e Duez, que das cinco leis fundamentais elaboradas pela Assembléia de Bordéus, em 1875, somente três eram leis constitucionais propriamente ditas: a lei de organização do Senado, a de organização dos poderes públicos e a lei sobre as relações dos poderes públicos. As outras duas, sobre a eleição respectivamente dos senadores e dos deputados, eram chamadas „orgânicas‟, mas esse título não lhes conferia nenhuma força particular: eram leis ordinárias, que podiam ser modificadas pelo processo legislativo habitual”. 609

Lei complementar na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 35/58. 610

Disse Sacha Calmon Navarro Coêlho (Curso de Direito Tributário, p. 105), “se regular matéria da competência da União reservada à lei ordinária, ao invés de inconstitucionalidade, incorre [a lei complementar] em queda de status, pois terá valência de simples lei ordinária federal”. 611

Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 118.

258

complementar e lei ordinária. Em alguns casos, o exame foi exteriorizado como mera

declaração lateral – obiter dicta. São dignos de lembrança, nesse sentido, o RE

138.284 (rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de 28/08/1992)612, o RE 146.733 (rel.

min. Moreira Alves, Pleno, DJ de 16/11/1992), a ADI 2.010 (rel. min. Celso de Mello,

DJ de 12/04/2002), a ADI 2.028 (rel. min. Moreira Alves, DJ de 16/06/2000), a AR

1.264 (rel. min. Néri da Silveira, DJ de 31/05/2002) e, mais recentemente, o RE

357.950 (rel. min. Marco Aurélio, Pleno, DJ de 15/08/2006)613.

Outra declaração lateral relevante foi proferida pelo ministro Moreira Alves

no curso do julgamento da ADC 1, verbatim:

Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da Carta Magna, não podendo pretender, portanto, que a Lei Complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social.

Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída – que são o objeto desta ação –, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar.

614

612

Oportunidade em que a Corte afastou a reserva geral de lei complementar para instituição de qualquer espécie de contribuição social (art. 149 da Constituição). 613

Discutia-se a constitucionalidade do art. 3º e do art. 8º da Lei 9.718/1998, que modificaram a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins e a alíquota desta última (o caso-líder inicial, relatado pelo ministro Ilmar Galvão, versava apenas sobre a modificação da base de cálculo da Cofins – RE 346.084). Nos termos do voto do ministro-relator, Marco Aurélio, o aumento da alíquota da Cofins por lei ordinária não violava a hierarquia entre as leis, pois a Corte já havia decidido, em diversas oportunidades, que a lei complementar era desnecessária para instituir o tributo. Vale reiterar que a Corte decidiu julgar novamente a matéria por ter reputado relevante linha de argumentação aparentemente não-apreciada durante o julgamento dos casos-líder. Sustenta-se, em síntese, não ser possível compor a regra-matriz do tributo com recurso simultâneo à Lei Complementar 70/1991 (base de cálculo – critério quantitativo) e à Lei 9.718/1998 (alíquota – critério quantitativo), porquanto o aumento de alíquota previsto na lei ordinária também deveria ser considerado nova fonte de custeio da seguridade social (integridade conceptual da regra-matriz). Como nova fonte de custeio, o aumento de alíquota também deveria submeter-se à reserva de lei complementar (art. 195, § 4º, da Constituição). O elegante argumento merece melhor reflexão acadêmica, ainda que para sua rejeição. Cf. SILVA, Lívia Balbino Fonseca; TEDESCO, Paulo Camargo; SEOANE, Diego Sales. A inaplicabilidade da alíquota estabelecida pela Lei nº 9.718/98 para a COFINS disciplinada pela Lei Complementar nº 70/91. Sinopse tributária 2007. São Paulo: MP, 2007, p. 39-51. Quanto à continuidade do exame da questão pelo Supremo Tribunal Federal, é necessário acompanhar qual ou quais recursos serão pautados para julgamento no Pleno. A tendência de revisão da matéria foi estabelecida no RE 529.146 (rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 06/12/2007) e no RE 527.602-AgR (rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ de 09/11/2007). 614

RTJ 156/745.

259

Sempre que a Constituição não indicar expressamente o tipo de “lei”

necessário para dispor sobre dado assunto, deve-se entender cabível a lei ordinária.

Descartadas a caracterização da hierarquia entre lei complementar e lei

ordinária e a regra de simetria das formas, a pergunta que se coloca é qual o tipo de

violação que se forma na hipótese de a lei de instituição da responsabilidade

tributária ser incompatível com norma geral sobre a mesma matéria. Há, a princípio,

duas linhas de interpretação. Segundo a primeira, a norma específica que contraria

norma geral incorre em contrariedade à reserva de lei complementar, e, portanto,

ofende os arts. 24, § 4º, e 146, III, b, da Constituição. Outra linha de raciocínio

compreende que a contrariedade implica violação da própria norma geral, extraída

do texto de direito positivo correspondente à lei complementar (e.g., art. 135 do

Código Tributário Nacional). A distinção é de cardeal relevância, pois pode significar

o conhecimento ou o não-conhecimento da disputa pelo Supremo Tribunal Federal

ou pelo Superior Tribunal de Justiça.

Examinaremos a questão no momento oportuno.

3.8 SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA PELA ESCOLHA DE OUTRO FATO

JURÍDICO E CALIBRADA PELA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO

PREFERENCIAL DO VALOR ARRECADADO (ART. 150, § 7º, DA

CONSTITUIÇÃO)

Dispõe o art. 150, § 7º, da Constituição, com a redação dada pela Emenda

Constitucional 3/1993:

Art. 150. [...]. [...] § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

A leitura do artigo incita perplexidade no espírito de quem a observa com

olhar crítico. Em especial, a aparente permissão para que se tributem ficções ou

presunções colide com a exaustividade e a rigidez da divisão da competência para

instituição de tributos, aliadas aos princípios da legalidade e da capacidade

contributiva.

260

Entendemos, contudo, que o art. 150, § 7º, da Constituição encerra

poderoso mecanismo de atribuição de responsabilidade tributária. Contudo, antes de

submetermos nossas considerações ao crivo da banca examinadora, iremos passar

em rápida revista algumas construções doutrinárias sobre o assunto.

Roque Antônio Carrazza fala em “substituição tributária para frente”,

caracterizando-a como a cobrança antecipada do valor do tributo com o auxílio das

presunções e das ficções. Expõe o autor, textualmente:

Na substituição tributária “para frente” parte-se do pressuposto de que o fato imponível ocorrerá no futuro e que, portanto, é válida a cobrança antecipada do tributo (ainda mais quando há fundados receios de que o realizador deste fato futuro praticará evasão fiscal).

Para acautelar interesses fazendários tributa-se, na substituição tributária “para frente”, fato que ainda não aconteceu (e que, portanto, ainda não existe e, em tese, poderá nunca vir a existir).

615

Ainda segundo Roque Carrazza, a tributação com base em indícios viola a

tipicidade tributária (se não houver fato jurídico tributário, não há incidência), a

vedação ao confisco e a vedação à acumulação do valor do tributo616.

Paulo Roberto Coimbra Silva também fala em “fato gerador presumido”617,

enquanto Hugo de Brito Machado entende tratar-se de antecipação do tributo.618

Por ocasião do julgamento da ADI 1.851, o Supremo Tribunal Federal

construiu o fenômeno sob a forma de antecipação. Na voz do ministro Ilmar Galvão,

relator, a substituição tributária se caracteriza pela antecipação do fato jurídico

tributário. O fato gerador antecipado se justifica pela elevada probabilidade de vir a

ocorrer o fato gerador. Cabe ao legislador eleger base de cálculo estimada para

mensurar o fato gerador antecipado, e tal escolha deve guardar proporção com a

“dimensão final que resultará da ocorrência do fato tributável”. O fato jurídico

antecipado e a respectiva base de cálculo não são provisórios, mas, sim, definitivos.

Somente podem ser infirmados pela não-ocorrência do fato jurídico tributário. A

permissão para que o legislador não devolva a eventual diferença entre a base de

615

ICMS. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 294. 616

Idem, ibidem, p. 306-310. 617

A substituição tributária progressiva nos impostos plurifásicos e não-cumulativos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.71. 618

Curso de Direito Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 389.

261

cálculo presumida e a base de cálculo efetiva se justifica em razão do risco à

eficiência do mecanismo619.

Propomos modelo diferente. Não aderimos à constatação de que o art. 150,

§ 7º, da Constituição permita a tributação de fatos jurídicos por presunção.

Presunção é mecanismo que se insere na Teoria das Provas e nas regras de prova

ou comprovação que se destinam a verter fatos em linguagem jurídica competente.

Refere-se, portanto, à aceitação, como verdadeiros, de fatos620 baseados em

eventos que já se exauriram em coordenadas espaço-temporais. Poder-se-ia falar

em fatos pressupostos, isto é, supostos por antecipação. Ocorre que a estrutura da

norma de responsabilidade baseada no art. 150, § 7º, da Constituição remete, em

seu antecedente, a fato atual, contemporâneo, ainda que indiciário de eventual fato

jurídico tributário. Pela mesma razão concluímos que não se estará a tributar fato

que ainda não ocorreu.

Reconstruímos o sentido baseado no texto do art. 150, § 7º, da Constituição

a partir do isolamento de duas normas diretamente interconectadas e

complementares (plexo da responsabilidade). A primeira norma permite ao ente

tributante que eleja modelo de fato jurídico diverso daqueles já previstos na

Constituição como antecedente de norma que prescreve obrigação correspondente

à tributária. O modelo de fato a ser eleito deve ser relacionado ao fato que

normalmente seria escolhido nos termos da competência tributária, firmando a

tendência da eventual ocorrência do fato jurídico tributário. Por exemplo, a

confirmação de um elo de dada cadeia produtiva indica a probabilidade de o elo

619

“Nessa espécie, em vez do diferimento, o que ocorre é a antecipação do fato gerador, e, conseqüentemente, do tributo, que é calculado sobre uma base de cálculo estimada [...]. A escolha da fase preliminar resulta, assim, de opção legislativa, mas não é arbitrária, porque só tem cabimento se o evento assim considerado atender ao requisito da necessidade em relação ao evento final (inexistindo este inexistirá o fato gerador); e o referido evento já apresenta elementos que permitam prever com certo grau de certeza o evento final (fato gerador); e se a dimensão pecuniária imposta no momento da antecipação é proporcional à dimensão final que resultará da ocorrência do fato tributável. [...] O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há que se falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer da parte do Fisco, quer de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade. [...] Não seria, realmente, de admitir que, diante desses efeitos práticos [a eficiência fiscal obtida com o mecanismo], decisivos para a adoção da substituição tributária, viesse o legislador a cirar mecanismo capaz de inviabilizar a utilização do valioso instituto, como a compensação de eventuais excessos ou faltas, em face do valor real da última operação, determinando o retorno da apuração mensal do tributo, prática que justamente teve por escopo obviar”. 620

Rectius, enunciados sobre fatos.

262

seguinte se confirmar. Portanto, fatos relacionados ao elo antecedente podem ser

tomados para tributação em lugar do fato pertinente ao elo subseqüente.

Observe-se que o fato jurídico substituto é informado por critérios

completamente alheios aos critérios do fato jurídico substituído, e, por essa razão,

não se configura a hipótese de presunção ou ficção. Não se está a presumir a

ocorrência pretérita do fato jurídico tributário ou a ele equiparar fato totalmente

dissociado (afirmar desigualdade). Há verdadeira substituição de todos os

critérios da regra-matriz. Elege-se fato jurídico substituto ao fato jurídico tributário.

Há a antecipação da tributação mas não propriamente a antecipação do fato

jurídico tributário.

A segunda norma opera como instrumento de ponderação ou calibração e

visa a preservar tanto o direito fundamental à propriedade como a rigorosa

repartição da competência tributária cinzelada na Constituição. O ente tributante

está obrigado a devolver os valores cobrados sempre que o fato jurídico tributário

substituído não ocorrer.

As normas que aparentam antecipar a tributação por meio da substituição do

fato jurídico tributário por fato jurídico não-tributário estabelecem típica relação de

responsabilidade. Em primeiro lugar, a obrigação do substituto tributário não

corresponde à parcela que este deve entregar aos cofres públicos para manter o

Estado. Pela mesma razão, a expressão econômica do fato substituto não pode ser

medida em termos de capacidade contributiva. A relação de surrogacy atende à

necessidade de garantia da máxima efetividade do crédito tributário, dever

fundamental de todo jurisdicionado (racionalidade própria da responsabilidade

tributária).

A base de cálculo estimada (substituta) também deve ser proporcional à

base de cálculo que se reputará efetiva. Especial cuidado deverá ter o ente

tributante ao elaborar a pauta dos valores geralmente praticados nas operações

substituídas.

A aplicação da norma de responsabilidade por substituição antecipada tem

precedência sobre a aplicação da regra-matriz de incidência tributária.

Em linguagem formalizada, seriam as seguintes as estruturas para o plexo

normativo isolado a partir do texto do art. 150, § 7º, da Constituição:

263

Ef . Pl P(isubst)

(isubst) R

(isubst) A(rit)

fjt O(d)

Onde:

Ef significa o ente federado competente;

Pl significa o procedimento legislativo previsto;

(isubst) significa a permissão para instituição da norma de responsabilidade por substituição

antecipada;

R é a união dos conjuntos dos fatos jurídicos não-tributários relacionados aos fatos jurídicos

tributários (relação indiciária de probabilidade) com o conjunto das bases de cálculo

estimadas proporcionais às bases de cálculo que se reputarão efetivas;

A(rit) fica no lugar da aplicação da regra que institui o tributo;

fjt indica o fato jurídico tributário;

d significa o dever de restituição ou devolução do valor arrecadado com base na norma

criada pela (isubst).

Quanto à norma de calibração, há duas interpretações possíveis para a

hipótese caso não se realize o fato gerador presumido.

A primeira interpretação constrói a não-realização do fato jurídico tributário

em jogo de aplicação tudo ou nada. A ocorrência do fato jurídico tributário é

indiferente à variação entre a base de cálculo estimada (substituta) e a base de

cálculo efetiva (substituída). Se os critérios temporal, espacial e material do

antecedente da norma de instituição do tributo encontrarem ressonância na

linguagem pertinente aos fatos jurídicos, em qualquer grau ou medida, haverá a

incidência e, portanto, fato jurídico tributário. Neste cenário a norma de ponderação

não incide.

A segunda linha de argumentação, atenta às lições de Paulo de Barros

Carvalho, assume que a flutuação entre as bases de cálculo estimada e efetiva

conforma positiva ou negativamente a expressão econômica do fato jurídico

tributário. Afinal, uma das funções da base de cálculo é medir a grandeza do fato

jurídico tributário, levando o intérprete a concluir pela subsistência (confirmação) ou

insubsistência (infirmação) do critério material ostensivamente prescrito da regra-

matriz621. A abreviação do alcance econômico do critério material da hipótese de

621

Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 330-337.

264

incidência leva à deformação da capacidade contributiva e é passível de correção

pela aplicação da norma de calibração.

Eurico de Santi entende que ambas as interpretações estão latentes no

texto constitucional, cabendo ao ente federado optar por uma ou por outra:

Trata-se de questão conceptual. A tendência da doutrina parece tentar firmar sentido onde sentido não há: o texto constitucional da EC 3/93 contém, em sua inerente vaguidade e ambigüidade, ambas possibilidades conotativas (acepções X e Y)

[...] Assim, ambas as acepções X ou Y estão dentro do fundamento

constitucional da substituição (EC 3/93), ficando sua eleição sob a discricionariedade legislativa do Estado titular do exercício da competência para instituir a substituição.

622

No campo jurisdicional, a questão está sendo discutida no julgamento da

ADI 2.765 (rel. min. Carlos Velloso) e na ADI 2.777 (rel. min. Cezar Peluso). O

julgamento de ambas foi interrompido na sessão de 07/02/2007, para posterior

colheita do voto de desempate do ministro Carlos Britto.

Concordamos com a observação de Eurico de Santi quanto à vagueza e

ambigüidade do texto do art. 150, § 7º, da Constituição. No que se refere ao ICMS,

contudo, cedemos à índole altamente centralizadora da estrutura conferida pela

Constituição para o regramento do tributo. A Constituição prevê uma série de

mecanismos destinados a planificar o tratamento dado ao tributo pelos diversos

entes federados que cobrem o vasto território nacional623, fomentando a segurança

jurídica e evitando a guerra fiscal624. Segundo o ministro Sepúlveda Pertence, no

ICMS a regra é a unificação do tratamento e a exceção é o campo de escolhas

posto à disposição dos Estados e do Distrito Federal625. Entendemos que atende

melhor ao pacto federativo a opção por uma das interpretações possíveis, aplicável

de forma cogente a todos os Estados da Federação e ao Distrito Federal,

especialmente como salvaguarda contra a guerra fiscal.

622

ICMS – Emenda 3/93, substituição para frente, “pagamento antecipado”, princípio da legalidade e limites da competência tributária. In: PEREIRA FILHO, Luiz Alberto (Coord.). ICMS: questões polêmicas. Curitiba: Juruá, 2004. p. 167. 623

Art. 155, § 2º, XII, da Constituição (reserva de lei complementar de normas gerais sobre o ICMS). 624

Art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição e LC 24/1975 (condição de validade para a concessão de benefícios fiscais). 625

Notas taquigráficas tomadas pelo candidato durante a sessão do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

265

Entre as opções disponíveis, optamos pelo reconhecimento da obrigação de

restituição sempre que houver diferença entre a base de cálculo estimada e a base

de cálculo efetiva. A solução prestigia não somente regra da capacidade

contributiva, mas também afasta a conspícua falha do sentido oposto no teste de

proporcionalidade626.

626

Diz Misabel Abreu Machado Derzi (Praticidade. ICMS. Substituição tributária progressiva, “para frente”. In: Construindo o Direito Tributário na Constituição: Uma análise da obra do ministro Carlos Mário Velloso. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 186): “Ora, na substituição progressiva „para frente‟, a base de cálculo também é inventada e estimada (como expressão dimensional do fato gerador que ainda nem se deu). Se recolhido o imposto antecipadamente sobre preços superiores àqueles realmente acontecidos, verifica-se que, além do aumento do tributo, o direito de repassar o custo do imposto ao adquirente-consumidor ficou atingido, prejudicado, passando o tributo a onerar o contribuinte comerciante, exatamente o que não quer a Constituição”.

266

4. PARÂMETROS PARA A ELEIÇÃO DE RESPONSÁVEIS TRIBUTÁRIOS NO

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

4.1. O TEXTO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL COMO REPOSITÓRIO DE

NORMAS GERAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Quando a Lei 5.172 foi publicada no Diário Oficial da União que circulou

em 27/10/1966, as normas constitucionais aplicáveis (tempo interno da norma) eram

aquelas veiculadas na Constituição federal promulgada em 18/09/1946 e na Emenda

Constitucional 18/1965.

Nos termos do art. 5º, XV, b, da Constituição de 1946, competia à União

estabelecer normas gerais de Direito Financeiro, campo dentro do qual se

consideravam insertas as normas que versassem sobre tributação. Como se resgata

do material disponível sobre a tramitação do anteprojeto e do projeto de lei que

resultou no Código Tributário Nacional, o objetivo dos legisladores era estabelecer

normas que se aplicassem a todos os entes federados626.

Não obstante, não havia reserva de lei complementar para tanto; o Código

Tributário Nacional poderia, como o foi, ser veiculado por lei ordinária da União.

Com a promulgação da Constituição de 1988, as normas preexistentes

(inseridas em tempo da norma anterior ao tempo da Constituição) que com ela

fossem compatíveis seriam recepcionadas. Eventual discrepância do processo

legislativo utilizado para enunciação do texto legal e o processo previsto na

Constituição contemporânea é abstraída e não leva à rejeição da norma.

É possível conceber, em tese, que a incompatibilidade entre a Constituição

atual e as normas criadas com fundamento de validade em constituição pretérita se

resolvesse em juízo de constitucionalidade, e não de não-recepção. Há sutil

diferenciação quanto às conseqüências: enquanto a não-recepção não pode ser

examinada em controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, eventual

inconstitucionalidade é passível de ser submetida ao crivo do órgão competente

para processar a fiscalização abstrata.

626

Cf. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1954, e BRASIL. Congresso Nacional. Autos do Projeto de Lei 13/1966.

267

Embora José de Castro Nunes627 entendesse coerente a sindicância de

constitucionalidade das normas anteriores à constituição contemporânea, já dizia o

ministro do Supremo Tribunal Federal de ontem que:

Tem-se dito, e é essa a opinião generalizada, quer na exposição do nosso direito constitucional, quer na jurisprudência – que as leis preexistentes e havidas como incompatíveis com a Constituição são leis revogadas que escapam ao tratamento da declaração de inconstitucionalidade. Tenho divergido desse entendimento assentado de longa data pelo Supremo Tribunal.

Victor Nunes Leal628 pondera que o juízo que toma por parâmetro as

normas constitucionais contemporâneas e as normas ordinárias preexistentes se

resolve com o exame de vigência, e não de hierarquia. Jorge Miranda fala em

“novação” do Direito ordinário anterior, no sentido de que as normas recebem novo

fundamento de validade629.

No campo jurisdicional, o Supremo Tribunal Federal assentou o

entendimento de que norma preexistente à Constituição atual e com ela

incompatível é revogada, não cabendo o controle de constitucionalidade

concentrado e abstrato (ADI 2, rel. min. Paulo Brossard, DJ de 21/11/1997630).

As normas veiculadas pelo Código Tributário Nacional que fossem

compatíveis com a Constituição e se enquadrassem no conceito de normas gerais

em matéria tributária (art. 146 da Constituição) somente podem ser modificadas por

lei complementar. Não se trata, propriamente, de ascensão de status ou de

recepção como lei complementar – a enunciação que levou a lei ordinária à

corporificação verbal já foi exaurida no passado e colhida pelo sistema jurídico então

vigente e não se transmuta (tempo externo e tempo interno da norma). O que ocorre

é que, nos termos da Constituição atual, a modificação de tais normas deverá seguir

o processo legislativo próprio da lei complementar.

627

Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 600. 628

Revista de Direito Administrativo, v. 8. 629

“Já no tocante ao Direito ordinário interno a Constituição não assume, nem tem de assumir a regulamentação; a Constituição tem apenas de o penetrar, de o envolver dos seus valores, de o modular e, se necessário, de o transformar; e é nessa medida que ele pode dizer-se recriado ou novado” (Teoria do Estado e da Constituição. Coimbra (Portugal): Coimbra, 2002, p. 669. 630

É interessante rever o levantamento realizado pelo ministro Paulo Brossard sobre o então estado da arte quanto à discussão na doutrina e na jurisprudência da Corte. Vale ainda contrapor os votos dos ministros Sepúlveda Pertence e Moreira Alves, em especial quando o último aponta a possibilidade de a norma anterior à Constituição ser declarada inconstitucional com base na Constituição pretérita e vigente no momento de sua criação.

268

Trilham, em sentido converso, algumas normas do Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal, que tinham força de lei quando criadas (RTJ 167/51)631.

O Código Tributário Nacional é o repositório de normas gerais em matéria

tributária herdado da Constituição de 1946 pelas Constituições de 1967 e 1988, sem

prejuízo de diversos outros textos legais pertinentes. O CTN continua concentrando

o núcleo das normas gerais em matéria tributária, e, portanto, dele extrairemos os

próximos parâmetros para controle da atribuição de responsabilidade tributária.

4.2. CTN: LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS OU LEI COMPLEMENTAR

DE INSTITUIÇÃO DE HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE?

Diversas normas construídas com base no Código Tributário Nacional são

ambivalentes, porquanto normas gerais em matéria tributária ao mesmo tempo em

que se apresentam como hipóteses de responsabilidade tributária.

As normas serão gerais sempre que versarem sobre a matéria circunscrita

pelo texto do art. 146, III, b, da Constituição, e serão aplicáveis a todos os entes

federados.

Se as normas forem densas o suficiente a ponto de tornar desnecessária a

criação de outra norma abstrata e geral pelo ente tributante (mera repetição –

eficácia plena), tratar-se-á de hipóteses de responsabilidade já instituídas. Tanto o

ente tributante como o responsável podem dar seqüência ao nexo de causalidade

jurídica, extraindo a norma individual e concreta, diretamente a partir da norma

veiculada pelo Código Tributário Nacional.

4.3 APARENTE CLASSIFICAÇÃO POSTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

4.3.1 A relação entre contribuinte e responsável

O art. 121 do Código Tributário Nacional tem a seguinte redação:

631

Notou Daniel Monteiro Peixoto que a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980) também possui normas que se caracterizam como gerais em matéria tributária e, portanto, deveriam ser recebidas como tal pela Constituição de 1988 (a LEF precede a Constituição). Não obstante, parte da doutrina e diversos arestos do Superior Tribunal de Justiça insistem em considerar que a disposições da LEF sobre prescrição violam o Código Tributário Nacional. Competência administrativa na aplicação do Direito Tributário, p. 295 et seq.

269

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Nos termos do artigo acima transcrito, tanto o contribuinte como o

responsável são subconjuntos da classe de sujeitos passivos da obrigação

principal. O modelo de atribuição de responsabilidade tributária que adotamos,

contudo, nega a identidade entre a relação jurídica tributária e a relação jurídica de

responsabilidade. O critério quantitativo da norma de responsabilidade pode

reproduzir a mesma extensão de seu análogo na regra-matriz de incidência

tributária, mas a circunstância não está presente em todos os casos. Há outras

diferenças relevantes. A relação jurídica tributária insere-se na racionalidade da

tributação e atende aos postulados da capacidade contributiva, sucedendo a fato

que é signo presuntivo de riqueza devidamente amparado pela Constituição. Em

outro estamento está a relação jurídica de responsabilidade, que atende à

racionalidade assecuratória, pressupõe o ciclo de incidência da norma que institui o

tributo, mas a ele agrega outro dado, e deve atender à regra de proporcionalidade

posto que insubsumível à capacidade contributiva.

O art. 121 do Código Tributário Nacional acaba por definir “responsável” por

oposição a “contribuinte”. Um sujeito de direito pode não ser nem responsável nem

contribuinte, mas, se for contribuinte, não é responsável, e vice-versa (situação de

contrariedade).

A parte final do inciso II parece ter dois propósitos ao enunciar “sua

obrigação decorra de disposição expressa de lei”. O primeiro é reafirmar que a

investidura na condição de responsável atende à regra da legalidade estrita.

Somente lei em sentido rigoroso, “lei ordinária”, pode veicular normas gerais e

abstratas que atribuam responsabilidade tributária. O segundo é reafirmar a

observância à legalidade em sentido amplo. Vale dizer, a responsabilidade tributária

não se presume e não pode ser aplicada arbitrariamente pela autoridade fiscal.

Ambos os propósitos têm nítidos contornos erísticos, na medida em que são

apenas redundantes e não adicionam parâmetros novos ou mais substanciais ao

regramento da matéria. Afastada a função persuasiva (instilar no responsável

270

sensação de segurança), a redundância é necessária em sistemas de comunicação

que utilizam canais de capacidade limitada (i.e., sujeitos a ruído), como é o Sistema

Jurídico.

Posto que também deficiente em alguma medida, os elementos escolhidos

para definir a extensão de “contribuinte” são um pouco mais precisos. Por “relação

pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” entendemos

a participação preponderante do sujeito de direito na realização do fato jurídico

tributário. Segundo o CTN, essa participação pode dar-se em qualquer das relações

conversas que emanem do fato jurídico. Assim, se a hipótese de incidência for

“realizar operação de circulação de mercadoria”, um dos negócios jurídicos

subjacentes possíveis é a compra-e-venda. Tanto o vendedor como o comprador

têm relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário e poderiam, em tese, ser

tomados como contribuintes.

4.3.2 Responsabilidade dos sucessores

Os arts. 129 a 133 do Código Tributário Nacional foram agrupados sob a

seção intitulada “responsabilidade dos sucessores”. O traço comum às normas ali

previstas é a transferência de patrimônio. Em algumas hipóteses, há extinção da

personalidade do antigo proprietário (art. 131, II e III); em outras, não (art. 131, I, e

133, II).

O breve relato feito acerca do texto do Código Tributário Nacional pertinente

à responsabilidade tributária traz alguma inquietude quanto aos aparentes critérios

de classificação utilizados para agrupar as respectivas normas.

Uma das dificuldades surgiu durante a leitura dos arts. 137 a 138, que

dispõem sobre a “responsabilidade por infrações”. Quais infrações? Aquelas que

implicam direta ou indiretamente a ocorrência do fato jurídico tributário, como se dá

com a prática de atos dissociados do contrato social ou dos estatutos? Ou apenas

as infrações das quais resultem obrigações de índole punitiva?

Entre as normas pertinentes à “responsabilidade de terceiros”, há aquelas

que também tomam por antecedente ato ilícito. Não estão, contudo, arregimentadas

topograficamente na área da “responsabilidade por infrações”.

Mesmo a “responsabilidade dos sucessores“ envolve um terceiro alheio às

relações subjacentes ao fato jurídico tributário.

271

Daniel Monteiro Peixoto632 bem capturou essas nuanças, ao reconhecer

que a falta de precisão na classificação tem origem na multiplicidade de critérios

oferecidos pelo texto legal para tanto. Diz o pesquisador, verbatim:

Esta falta de precisão na classificação, que transparece no fato de que os elementos classificados possuem características adicionais que permitiram, perfeitamente, o agrupamento sob conjunto diverso, decorre de circunstância de que os critérios (i) ilicitude; (ii) culpabilidade; (iii) fato de terceiro e (iv) resultado caminham sempre juntos, positiva ou negativamente, na composição combinatória que irá moldar as várias formas de responsabilidade no direito positivo.

A ausência de precisão do esforço classificatório empreendido no Código

Tributário Nacional não lhe retira a validade (Eurico de Santi) ou a utilidade

(Carraza). Optou o legislador pelas características que considerara primordiais à

racionalidade da atribuição de responsabilidade tributária, e as notas eleitas

efetivamente se destacam à primeira leitura do texto legal. A classificação adotada

pelo CTN, contudo, não interfere na formação das respectivas normas jurídicas,

razão por que vamos propor modelo baseado em critérios diversos.

4.3.3 Responsabilidade de terceiros

Os arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional foram agrupados sob o

título “responsabilidade de terceiros”. O art. 134 tem por hipótese comum a conduta

do responsável relacionada ao fato jurídico tributário ou ao pagamento do crédito

tributário adicionada à circunstância de o crédito tributário não ter sido pago

(inadimplência). A responsabilidade é subsidiária, no sentido de ser necessária a

apuração da inadimplência para que o responsável possa ser chamado a arcar com

o equivalente à carga tributária. Ao utilizar a expressão “respondem solidariamente”,

o texto legal remete à manutenção da exigibilidade da obrigação tributária

concomitantemente com a exigibilidade da obrigação do responsável (as obrigações

não são sobrepostas, contudo – a solução de uma implica a solução da outra).

É possível extrair ao menos sete normas a partir do art. 134 do CTN,

combinando os critérios previstos no caput com os critérios estabelecidos nos

632

Responsabilidade dos sócios e administradores em matéria tributária, p. 101.

272

respectivos incisos (que definem quem será responsável pelo pagamento dos

valores copiados de quais tributos).

O art. 135, por seu turno, não alude à inadimplência como elemento do

respectivo critério material. Fala somente em “obrigações tributárias resultantes de

atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou

estatutos”. O texto também utiliza a expressão “pessoalmente responsáveis”, que é

construída por alguns observadores como hipótese de exclusão ou suspensão da

exigibilidade da obrigação tributária.

É possível reconstruir ao menos nove normas com base nos critérios

trazidos pelos três incisos do art. 135 do CTN (novamente, tais critérios definem

quem será responsável pelo pagamento dos valores-simulacros de quais tributos).

4.3.4. Responsabilidade por infrações

Dispõem os artigos arregimentados na Seção IV do Capítulo V do Código

Tributário Nacional, denominada “Responsabilidade por Infrações”:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas. Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

273

Luiz Alberto Gurgel de Faria633 sintetiza a essência da seção com as

seguintes palavras:

Nesta seção, passa-se a regular a responsabilidade por infrações, disciplinando aqueles que deverão responder pelas violações contra a legislação tributária, sofrendo as sanções contidas na lei.

O primeiro aspecto destacado é que tal responsabilidade é de ordem objetiva, pois independe da vontade do agente ou responsável. É inversamente ao que ocorre no Direito Penal, onde a imputabilidade está sempre a depender da subjetividade.

Diz Sacha Calmon Navarro Coelho634, ao iniciar o exame do art. 136 do

CTN:

Importa, preambularmente, fixar conceitos e pronunciar distinções.

a) A responsabilidade aqui tratada é por infrações. Responsabilizam-se pessoas pelo pagamento de multas (sanções fiscais). A responsabilidade pelo pagamento de tributo já ficou para trás.

b) O art. 136 enuncia, em caráter parcial e precário, a „objetividade‟ do ilícito estritamente fiscal. O art. 137, à frente, dirá quando a responsabilidade é pessoal ao agente, livrando as pessoas jurídicas. O art. 138, em seguida, trata da elisão da responsabilidade pela prática de ilícitos fiscais substanciais e formais (por descumprimento da obrigação de dar, fazer ou não fazer).

Portanto, segundo Sacha Calmon, as disposições do art. 136 não se

aplicam à formação das normas de atribuição de responsabilidade cujos

conseqüentes se espelhem no crédito tributário. Com isso resolve-se a ambigüidade

da expressão “responsabilidade por infrações”, que antes poderia ser lida como

“responsabilidade em razão de conduta ilícita e que leva ao pagamento de valor

para garantir a eficácia do crédito tributário” ou como “responsabilidade pelo

pagamento de multas”.

No mesmo sentido é a opinião de Gilberto Etchaluz Villela635:

É justamente pelo descumprimento de uma dessas disposições que se há de instalar a responsabilidade do agente. Surge, então, a norma sancionatória, continente daquilo que o art. 136 chama de responsabilidade

633

Comentários ao art. 136 do Código Tributário Nacional. FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Código Tributário Nacional comentado: Doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS (LC 87/1996 e LC 114/2002) e ISS (LC 116/2003). 2. ed., rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 602. 634

Comentários ao art. 136 do Código Tributário Nacional. NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord). Comentários ao Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25/10/1966). 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 324 635

A responsabilidade tributária. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 127.

274

por infrações. Mas, entenda-se bem: o dispositivo em comento trata da responsabilidade pelas sanções derivadas do ato ilícito cometido; não do próprio tributo eventualmente impago ou da norma de obrigação acessória descumprida. As regras para a responsabilização pelo recebimento do tributo inadimplido ou para a execução de obrigação acessória descurada vamos encontrar nos artigos que antecederam.

Posição semelhante assume Daniel Monteiro Peixoto636.

Maria Rita Ferragut concluiu em sentido contrário em razão da pesquisa

realizada por ocasião da feitura de sua dissertação de Doutorado, tronco que mais

tarde se especificou no livro Responsabilidade tributária e o Código Civil de

2002. Segundo concebeu, verbatim:

Ademais, entendemos que os artigos que compõem a responsabilidade por infrações aplicam-se tanto ao crédito tributário quanto às multas decorrentes do descumprimento das obrigações e deveres fiscais, conclusão que nos leva a afastar o entendimento de que o artigo 135 do CTN trata de tributos, enquanto os artigos 136 e 137, das sanções tributárias.

637

Como se lê, a autora manteve a ambigüidade da expressão (conclusão

coerente com as premissas então adotadas).

José Eduardo Soares de Melo638 ressalta que a norma assimilou o modelo

de atribuição de responsabilidade sem culpa à responsabilização tributária:

Procurou-se consagrar a teoria da responsabilidade objetiva no sentido de ser totalmente irrelevante apurar a vontade dos participantes e interessados na situação infracional, para poder se conferir a respectiva e específica responsabilidade. Como regra, afasta-se a necessidade de se positivar a conduta dolosa, consubstanciada no desejo de obter um determinado resultado, ou aceitar eventual risco de sua ocorrência, bastando apenas a manifestação do comportamento, mediante a prática de ato violador da regra tributária.

O art. 138 prescreve a proibição da exigência de multa se houver o

pagamento do valor do tributo devidamente atualizado antes do início do processo

fiscal de cobrança. Não basta apenas que o devedor, que pode ser o próprio

636

“[...] em „responsabilidade por infrações‟ se encontram situações que, assim como na seção anterior [responsabilidade de terceiros], a responsabilidade decorre de fato ilícito. Mas aqui, o diferencial está no tipo de conseqüência jurídica do ilícito: não mais se trata de ressarcir a fazenda Pública pelo crédito tributário não recolhido por outrem, mas de se submeter determinada sanção administrativa ou penal em decorrência de um fato próprio. Trata-se de uma responsabilidade com caráter de punição, diferente da prevista acima, que tem caráter de ressarcimento” (Responsabilidade dos sócios e administradores em matéria tributária, p. 103). 637

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 145. 638

Curso de Direito Tributário, p. 224.

275

contribuinte, confesse à autoridade fiscal a ocorrência do fato jurídico tributário e

admita a existência da aferente relação jurídica. É necessário que o reconhecimento

do fato seja acompanhado do pagamento.

As vicissitudes da “denúncia espontânea” encontram ressonância riquíssima

tanto na doutrina pátria como na atividade jurisdicional; para exemplificar, basta

aludir à discussão sobre a incidência ou não da norma quando a obrigação tributária

foi previamente constituída pelo sujeito passivo639 e ao alcance em relação às

obrigações que deverão ser desconstituídas ou nem sequer constituídas640.

4.4 MODELO SUGERIDO

4.4.1 Introdução

No Capítulo 2, identificamos os arquétipos das normas de atribuição de

responsabilidade com base em seis critérios distribuídos em duas classes,

pertinentes ao antecedente e ao conseqüente da respectiva norma.

Dissemos que o antecedente da norma de responsabilidade pode pressupor

a ocorrência futura do fato jurídico tributário, antecipando-se à incidência. É possível

que o antecedente suponha o ciclo de incidência da norma que institui o tributo,

levando a norma de responsabilidade a incidir no mesmo instante em que há

639

Cf., e.g.: “TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CONFIGURAÇÃO. MULTA MORATÓRIA. EXCLUSÃO. PRECEDENTE RESP. 907.710/SP. 1. A jurisprudência assentada no STJ considera inexistir denúncia espontânea quando o pagamento se referir a tributo constante de prévia Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei. Considera-se que, nessas hipóteses, a declaração formaliza a existência (= constitui) do crédito tributário, e, constituído o crédito tributário, o seu recolhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, não enseja o benefício do art. 138 do CTN (Precedentes da 1ª Seção: AGERESP 638069/SC, min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13.06.2005; AgRg nos EREsp 332.322/SC, 1ª Seção, min. Teori Zavascki, DJ de 21/11/2005). 2. Entretanto, não tendo havido prévia declaração pelo contribuinte, configura denúncia espontânea, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a confissão da dívida acompanhada de seu pagamento integral, anteriormente a qualquer ação fiscalizatória ou processo administrativo (Precedente: AgRg no Ag 600.847/PR, 1ª Turma, min. Luiz Fux, DJ de 05/09/2005). 3. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 883.250/MG, rel. min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11.12.2007, DJ 19.12.2007 p. 1149)”. A orientação do Superior Tribunal de Justiça, sintetizada na ementa transcrita, traz um interessante entrechoque. Se o contribuinte foi diligente e honesto, ao cumprir o respectivo dever instrumental, não terá direito ao benefício. Por outro lado, se o contribuinte tivera conduta ladina ou ao menos desidiosa, ao inicialmente ocultar ou falhar em informar ao Fisco a ocorrência do fato jurídico tributário, ele terá direito ao benefício. 640

Cf., e.g., “TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. MULTA MORATÓRIA. EXCLUSÃO. 1. Com a denúncia espontânea, fica afastada a multa moratória, até porque inexiste distinção entre esta e a multa punitiva. 2. Recurso especial não provido. (REsp 952.830/SP, rel. min. CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18.09.2007, DJ 01.10.2007 p. 265)”.

276

Fato Jurídico

Tributário

Fato Jurídico da

Responsabilidade

Fato Jurídico da

Responsabilidade

Fato Jurídico da

Responsabilidade

tempo-espaço

Figura 5 - Fato da Responsabilidade v. Fato Jurídico Tributário

subsunção do fato jurídico tributária à regra-matriz (tempo interno da norma – tempo

no fato). Por fim, o antecedente da norma que atribui responsabilidade pode tomar

como referência o ciclo de incidência da regra-matriz que já se exauriu em

coordenadas de tempo-espaço.

Diremos que a responsabilidade tributária é sincrônica à incidência da norma

que institui o tributo se ambos os tempos intrínsecos (tempos no fato) forem

idênticos. Responsabilidade assíncrona corresponderá à atribuição de

responsabilidade em momento anterior ou posterior ao tempo no fato jurídico

tributário.

O conseqüente normativo assume três formatos possíveis: mantém a

obrigação tributária concomitantemente à obrigação por responsabilidade (sem

superposição); suspende ou elimina a obrigação tributária; estabelece a obrigação

por responsabilidade como subsidiária à obrigação tributária. Chamaremos os

fenômenos de “solidariedade”, de “pessoalidade” e de “subsidiariedade”,

respectivamente.

Aos seis critérios identificados agregam-se aqueles identificados por Daniel

Monteiro Peixoto, retirados da tessitura do Código Tributário Nacional (para o

antecedente).

Examinaremos as respectivas normas, sem esquecer que a própria

Constituição já prevê a responsabilidade por antecipação.

277

4.4.2 Competência para estabelecimento em lei ordinária de novas hipóteses

de responsabilidade tributária, não previstas no Código Tributário

Nacional

4.4.2.1 Introdução

A competência para instituição de normas que atribuam, em caráter abstrato,

responsabilidade tributária decorre da competência concorrente emanada da

Constituição (art. 24, I e §1º a § 3º).

A observância às normas gerais é cogente para todos os entes tributantes

em razão do modelo de pacto federativo adotado na Constituição (art. 24, § 4º, e art.

146, III, b, da Constituição).

Dado o mencionado modelo de pacto federativo, dois artigos do Código

Tributário Nacional que versam sobre a competência para instituir normas abstratas

sobre responsabilidade tributária merecem atenção especial.

4.4.2.2 O Caráter Simbólico ou Persuasivo do Art. 128 do Código Tributário

Nacional

Dispõe o art. 128 do Código Tributário Nacional:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

A norma reconstruída a partir do texto legal transcrito sugere que os entes

tributantes têm permissão para criar normas de responsabilidade diversas daquelas

previstas no próprio Código Tributário Nacional, se, e somente se, os responsáveis

forem de alguma forma ligados ao fato jurídico tributário641.

641

Disse Zelmo Denari (Responsabilidade tributária, p. 125): “Prosseguindo na análise do dispositivo [art. 128 do CTN], a lei ordinária pode, ao atribuir responsabilidade tributária, acrescentar à relação jurídica preexistente um tertitus que experimenta a eficácia reflexa da obrigação tributária, em caráter solidário, ou dar um passo adiante, excluindo a responsabilidade do contribuinte. Nesta hipótese, o responsável tributário insinua-se na relação primária que deriva do pressuposto, sendo, por isso, designado substituto tributário”.

278

A seção intermediária do texto, “vinculada ao fato gerador da respectiva

obrigação”, aparenta resguardar os candidatos a responsáveis do arbítrio fiscal ao

jungir o legislador a uma espécie de encarnação do princípio da capacidade

contributiva. Com efeito, dizer que o responsável deve estar ligado ao fato jurídico

tributário pode portar nas entrelinhas inferência de que a capacidade contributiva

emanada do signo presuntivo de riqueza (fato jurídico tributário) também atende ao

responsável.

Assim, a ligação do responsável ao fato jurídico tributário justificaria a

violação do patrimônio daquele que não é, por excelência, o contribuinte.

A justificativa é erística na medida em que a capacidade contributiva não se

aplica ao controle da atribuição da responsabilidade tributária. Nem o fato jurídico

tributário nem os critérios específicos que dão identidade à norma de

responsabilidade tributária são signos presuntivos de riqueza. Pouco importa à

salvaguarda da máxima efetividade do crédito tributário que o responsável tenha

interesse na realização do fato jurídico tributário, dele extraia alguma vantagem

teórica ou esteja ligado às circunstâncias que levaram à concreção de tal fato.

O próprio Código Tributário Nacional contém normas de responsabilidade

que infirmam qualquer juízo de que a capacidade contributiva lhe seria aplicável. Por

exemplo, a ligação dos pais com o patrimônio dos filhos menores é tênue em

matéria de presunção de riqueza, pois a tendência de incorporá-los e o eventual

valor de tal incorporação são incertos (sucessão hereditária – deficit entre o ativo e o

passivo patrimonial). Não obstante, o art. 134, I, do Código Tributário Nacional não

hesita em considerar os pais responsáveis pelas obrigações tributárias dos filhos

menores. A real justificativa é revelada pelo exame de proporcionalidade: a aptidão

que os pais têm para orientar a conduta dos filhos menores é mecanismo de

resguardo do patrimônio ancestral, e justifica a intervenção neste último se o

primeiro não for exercido ou se não for exercido de forma eficiente.

Em sentido semelhante, a aquisição de estabelecimento ou fundo de

comércio também pode ser deficitária (passivo superior ao ativo), não se prestando

a medir positivamente nenhuma grandeza econômica. Posto que a operação possa

ser economicamente desvantajosa, o art. 133 do Código Tributário Nacional é de

279

chapada clareza ao submeter o adquirente ao pagamento dos valores devidos pelo

adquirido em certas circunstâncias642.

Há conspícua antinomia endógena643 entre o que deixa entrever o art. 128

do Código Tributário Nacional e os critérios que justificam a atribuição de

responsabilidade tributária. A observância da capacidade contributiva é

sistematicamente repelida pelas normas que estabelecem a responsabilidade

tributária.

O art. 128 do Código Tributário Nacional também deve ser interpretado de

forma a excluir qualquer significação que implique a permissão à União ou aos

demais entes tributantes de estabelecer normas de responsabilidade que destoem

daquelas já traçadas em leis complementares de normas gerais.

Como já discutido, as normas gerais em matéria tributária têm precedência e

prioridade de aplicação, condicionando a validade das demais normas jurídicas de

âmbito federal ou local (seja como fundamento de validade, seja como proposição

que revoga as disposições em contrário). A inobservância das normas gerais leva à

violação do pacto federativo (art. 24, § 4º, da Constituição) e, se veiculadas por

qualquer outro instrumento que não a lei complementar, à violação da reserva de lei

complementar para dispor sobre a matéria (art. 146, III, b, da Constituição).

A construção do art. 128 como válvula de escape à conformação prevista

nas normas construídas com base no mesmo corpo de texto levaria, se admissível,

ao esvaziamento da eficácia do Código Tributário Nacional. Não há sentido

pragmático em manter repositório de normas gerais, destinadas a assegurar a

harmonia do tratamento tributário em toda a vastidão do território nacional, se cada

ente federado pudesse optar por observá-las ou não. Nem sequer há sentido

deôntico: a permissão para não observar a norma em qualquer circunstância

equivale a negar a conduta modalizada no conseqüente normativo. Isto é, se a

norma prescreve textualmente a obrigação de fazer algo, mas é possível optar pela

642

Daniel Monteiro Peixoto chegou à mesma conclusão. Registramos seu pensamento (Responsabilidade dos sócios e administradores em matéria tributária, p. 95): “Todavia, o preceito geral ali descrito trata de responsabilidade tributária em um sentido impróprio, sendo que as autênticas situações de responsabilidade são trazidas nos enunciados seguintes, todos eles excepcionando a idéia de fundamentação em capacidade contributiva. Isto se dá, por exemplo, na chamada „responsabilidade de terceiros‟, nitidamente justificada na prática de ato ilícito pelo sujeito a ser responsabilizado, ou mesmo na „responsabilidade dos sucessores‟, em que não há qualquer vínculo com o fato gerador ocorrido anteriormente ao fato jurídico sucessão”. 643

Expressão que tomamos de empréstimo do ministro Carlos Britto (cf. RE 401.953, rel. min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJ de 21/09/2007).

280

criação de proposição normativa local que prescreva não se estar obrigado a fazer

algo, então a primeira norma deve ser construída como permissão.

Ressaltamos que a União, sempre que legislar em nome próprio e não da

nação, também estará vinculada à observância das normas gerais.

Em síntese, identificamos, no art. 128 do Código Tributário Nacional, caráter

persuasivo, destinado a aquietar os espíritos dos latentes responsáveis tributários

quanto à existência de limites à imposição das obrigações destinadas ao amparo da

eficácia social do crédito tributário (e à salvaguarda do patrimônio). O mecanismo de

resguardo, contudo, é falso, pois não se reflete nas normas que trazem as hipóteses

de responsabilidade tributária (e nem poderia ser verdadeiro, dada a racionalidade

do sistema). Observamos, também, que ele opera como fundamento de validade

intermediário para o desenho de hipóteses de incidência não previstas no Código

Tributário Nacional, empenho que demanda grande cuidado devido à proposta

sugerida de interpretação conforme a Constituição.

4.4.2.3 Solidariedade e o Art. 124 do Código Tributário Nacional

O art. 124 do Código Tributário Nacional tem a seguinte redação:

Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

A princípio há dois resultados preponderantes da interpretação do texto

enunciado no inciso I do artigo transcrito. No primeiro, a disposição é construída de

forma a refletir a solidariedade oriunda da própria situação fática e da relação

jurídica a ela subjacente e que liga os diversos sujeitos de direito. Têm interesse

comum na situação que constitua o fato jurídico tributário as pessoas que dividem o

mesmo pólo da relação jurídica que lhe serve de base. Assim, os co-proprietários de

um imóvel têm interesse na manutenção da propriedade e, portanto, são sujeitos

passivos por solidariedade do Imposto sobre Propriedade Imóvel Territorial e Urbana

(IPTU). A unicidade do vínculo que os une à relação jurídica de cunho civil

(propriedade compartilhada) é transposta para o subdomínio das normas tributárias.

281

No segundo, a extensão da expressão “interesse comum” é menos rigorosa,

encampando qualquer proveito de ordem econômica. Por exemplo, os tomadores

têm interesse, entendido como vantagem econômica, ao contratar a prestação de

serviços de limpeza ou construção civil. Logo, devem ser considerados responsáveis

solidários em relação ao pagamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer

Natureza (ISSQN) e da Contribuição Social destinada ao Custeio da Seguridade

Social (calculada com base na remuneração).

Em ambos os casos, a norma veiculada no art. 124, I, do Código Tributário

Nacional é concatenada diretamente à norma individual e concreta que constitui a

obrigação por responsabilidade, sem transitar pelo estágio intermediário de outra

norma geral e abstrata, criada pelo ente tributante em legislação própria.

Rejeitamos a segunda linha de argumentação. Interpretar “interesse comum”

com o viés meramente econômico leva à indevida ampliação do acervo de

responsáveis tributários. A norma construída nesses moldes não passa no teste de

proporcionalidade. É certo que a responsabilização automática de qualquer pessoa

que tenha interesse econômico na realização do fato jurídico tributário fomenta o

aumento da efetividade do respectivo crédito tributário. Mas não se caracteriza a

necessidade: o sistema jurídico contém outras disposições menos invasivas e mais

eficientes destinadas a garantir a integridade do crédito tributário. Basta aludir às

demais hipóteses de responsabilização, que calibram a obrigação de acordo com a

conduta do agente e a prática ou não de ato ilícito. A norma também não passa no

teste de proporcionalidade em sentido estrito. A responsabilização baseada em

critério tão amplo arrefece o direito à propriedade e desestimula sobremaneira o

desenvolvimento de atividades econômicas lícitas. Ademais, o dever fundamental de

pagar tributos não justifica a ampliação da tributação sem amparo na capacidade

contributiva. Entre os benefícios oferecidos pela responsabilização desmedida –

aumento da efetividade do crédito tributário – e pela limitação da responsabilidade

daqueles que realizam negócios jurídicos com o contribuinte – fomento da atividade

econômica –, entendemos que o segundo deve prevalecer.

A falha da norma, tal como interpretada de acordo com o segundo viés, em

passar pelo teste de proporcionalidade assenta-se na intensidade da violação dos

direitos fundamentais à propriedade, à liberdade econômica (art. 170, da

Constituição), ao dever fundamental de pagar tributos (capacidade contributiva), à

legalidade e à segurança jurídica. A grave intensidade da intrusão se revela pela

282

copiosa envergadura que a norma coloca à disposição da autoridade fiscal para

escolher responsáveis tributários.

Por seu turno, o texto do art. 124, II, do Código Tributário Nacional permite

ao menos uma interpretação violadora do pacto federativo e da reserva de lei

complementar para instituição de normas gerais em matéria tributária (art. 146, III, b,

da Constituição), além de não passar pelo teste de proporcionalidade. A

circunstância permite a utilização da técnica de controle consistente na declaração

de inconstitucionalidade da norma sem redução de texto.

Os vícios são análogos aqueles já apresentados para o art. 128 do Código

Tributário Nacional. Se o artigo for interpretado de forma a permitir que cada ente

tributante ignore as disposições contidas no Código Tributário Nacional em relação à

atribuição de responsabilidade, haverá violação dos arts. 24, § 4º, e 146, III, b, da

Constituição, além de contrariedade ao pacto federativo (racionalidade das normas

gerais) e ao próprio Código Tributário Nacional (anulação da eficiência do CTN).

O teste de proporcionalidade também resultará negativo para a norma assim

construída. Novamente, não há dúvidas quanto à capacidade da medida para

fomentar a eficácia do crédito tributário. Há severas dúvidas, contudo, em relação à

necessidade, já que o sistema conta com normas cujos critérios oferecem maior

calibração à intervenção no patrimônio do responsável (e.g., com a justificação pela

prática de ilícito, a possibilidade de ressarcimento pela retenção de valores ou a

inserção do valor em operação etc.).

Não há, também, juízo positivo para a proporcionalidade em sentido estrito.

Os prejuízos impostos aos direitos fundamentais à propriedade e à livre iniciativa

são tolhidos de forma exacerbada para garantir vantagem teórica, altamente

insubstancial e de difícil mensuração ao dever fundamental de pagar tributos e ao

direito à livre concorrência para compor-lhe as bases.

Em suma, o art. 124, II, do Código Tributário Nacional não serve de

fundamento de validade aos entes tributantes para estabelecer normas de atribuição

de responsabilidade que contrariem o campo temático (sentido) já definido em

normas gerais em matéria tributária.

4.4.3 Breve mapeamento das normas de atribuição de responsabilidade

tributária no Código Tributário Nacional

283

Os arts. 130 e 131 do Código Tributário Nacional levam à criação de normas

que firmam a responsabilidade fundada na aquisição de bens. Este é o critério de

especificação. A incidência da norma de responsabilidade é posterior à incidência da

norma de instituição dos tributos, e por isso se trata de normas assíncronas à regra-

matriz. A responsabilidade não se aplica se constar do título de aquisição

informação sobre a quitação dos tributos devidos. A informação falsa acerca da

quitação não elide a incidência da norma de responsabilidade, ainda que o terceiro

tenha agido de boa-fé, pois por prova se supõe a prova válida. São pessoalmente

responsáveis o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos

ou remidos; o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos

pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade

ao montante do quinhão do legado ou da meação; e o espólio, pelos tributos devidos

pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.

Em termos formalizados, a estrutura essencial das normas pode assim ser

expressa:

Cicl(d + 1) . Aq Spresp(ac w suche w esp) Opresp Sa

Spresp(suche) O(plimit´)

Spresp(esp) O(plimit´´)

Onde:

Cicl(d + 1) significa “ciclo de incidência emulado que antecipa a incidência da regra-matriz”;

Aq indica a aquisição de bens;

Spresp(ac w suche w esp) é o sujeito passivo por responsabilidade, seja o adquirente, o sucessor

mortis causa a qualquer título ou o espólio;

Opresp é a obrigação por responsabilidade (entregar a quantia determinada);

Sa é o sujeito ativo;

O(plimit´) indica que o critério quantitativo está limitado ao valor adquirido.

Para a norma relativa ao art. 132 do CTN, o fato de especificação consiste

na fusão, transformação ou incorporação de outra pessoa jurídica:

Cicl(d + 1) . Esoc(trans w fus w inc) (Spresp Op Sa) . (Spcont Optrib Sa)

Onde:

Esoc(trans w fus w inc) é o evento societário “transformação”, “fusão” ou “incorporação”;

Sresp é o sujeito passivo por responsabilidade;

Optrib é a obrigação tributária.

284

Dado que dois dos três eventos societários que deflagram a

responsabilidade tributária extinguem o sujeito passivo originário, a obrigação

tributária desaparece.

O art. 133 do Código Tributário Nacional prescreve, no caput, que

a pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato.

A responsabilidade será integral, se o alienante cessar a exploração do

comércio, indústria ou atividade. Haverá subsidiariedade, se o alienante prosseguir

na exploração ou iniciar dentro de seis meses, a contar da data da alienação, nova

atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Temos, portanto:

Cicl(d + 1) . Ac(fund v estb) . Mativ (Spresp O(p) Sa)

Exp (Spcont O(ptrib) Sa)

[Exp (Spcont Optrib Sa)] . [ Optribconcr (Spresp Op Sa)]

Onde:

Ac(fund v estb) é a aquisição do fundo de comércio ou do estabelecimento (ou ambas);

Mativ indica a manutenção da atividade;

Exp significa a exploração da atividade pelo contribuinte;

Optrib é a obrigação tributária;

Optribconcr é a observância da obrigação tributária (“obrigação tributária concreta” ou

Optrib).

Essa estrutura básica sofre modificações de acordo com o disposto no § 1º e

no § 2º do art. 133, que estabelecem hipóteses de não-aplicação e de aplicação da

responsabilidade no caso de falência.

Por fim, os arts. 136 e 137 do CTN se referem à responsabilidade pelo

pagamento de multas e outros créditos de índole punitiva e, portanto, não serão

mapeados.

4.4.4 Responsabilidade dos sócios e administradores da pessoa jurídica

O art. 134 do Código Tributário Nacional está assim redigido:

285

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

O art. 134 utiliza a inadimplência, aliada à conduta do responsável, como

critérios para atribuição de responsabilidade tributária. Somente haverá

responsabilidade se o inadimplemento ou o fato jurídico tributário forem

conseqüências da ação ou da omissão dos candidatos a responsáveis.

Tais normas pressupõem a aptidão dos responsáveis para condicionar ou

conformar a conduta dos contribuintes, seja durante a formação do evento tributário,

seja durante o ciclo de eficácia social do crédito tributário. Assim se dá em relação

aos pais e aos filhos menores, ao inventariante em relação ao espólio, aos tabeliães

em relação àqueles que buscam os serviços notariais etc.

Inadimplência não quer dizer impossibilidade de cumprimento da obrigação

tributária (em razão de insolvência, por exemplo). Para que a norma incida, no que

se refere exclusivamente ao critério, basta a constatação de que o crédito tributário

não foi solvido no tempo oportuno.

O art. 135 do Código Tributário Nacional tem a seguinte redação:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

O texto transcrito traz quatro critérios para que se possa afirmar quem e

como dada pessoa pode ser tida como responsável tributária: (i) pessoalidade, (ii)

286

conduta do responsável; (iii) qualificador da conduta do responsável e (iv)

características das pessoas que podem ser alçadas à condição de responsáveis.

Vamos examinar cada um desses critérios, pois todos são parâmetros de

controle da atribuição de responsabilidade tributária.

4.4.4.1 Sujeitos Passivos e Pessoalidade

Os diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de direito

privado são alçados à responsabilidade tributária nos termos do inciso III do art. 135

do Código Tributário Nacional. Os sócios inserem-se no rol pela remissão feita às

pessoas previstas no art. 134 pelo inciso I do art. 135.

Para as sociedades por ações, a diretoria constitui órgão de administração

nos termos dos arts. 138 e 143 da Lei 6.404/1976. A Lei das Sociedades por Ações

define parte do papel dos diretores com base na teoria da representação (art. 144 da

Lei 6.404/1976). São deveres dos diretores: a observância à diligência em relação

às atribuições, a lealdade e a prestação de informações.

Não há a figura do diretor na estrutura legal padrão das sociedades

limitadas. Os arts. 1.010 a 1.021 dispõem sobre a administração das sociedades,

que pode ser exercida pelos sócios ou por estranho ao quadro societário. Tal como

os diretores das sociedades por ações, os administradores da sociedade limitada

estão jungidos aos deveres de diligência, de lealdade e de prestação de

informações.

A figura do gerente aparece no regramento das sociedades comanditas por

ações (arts. 280 a 284 da Lei 6.404/1976). No Código Civil, “considera-se gerente o

preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial

ou agência” (art. 1.172). Se não houver a exigência de poderes especiais, o art.

1.173 do Código Civil prescreve que o gerente tem permissão para praticar qualquer

ato necessário ao exercício da incumbência que lhe foi atribuída. A oposição de

limitações estabelecidas no momento da outorga do mandato depende da respectiva

averbação no Registro Público das Empresas Mercantis (presunção de

conhecimento) ou de prova de que eram de ciência de quem contratou com o

gerente (art. 1.174).

287

Assim se pronunciou José Augusto Delgado644 sobre a figura do gerente:

Ao gerente cabe exercer funções administrativas que não são privativas do administrador, segundo concebemos como tratado pelo Código Civil de 2002.

A relação jurídica do gerente com a sociedade está regulamentada pelos artigos 975, §§ 1º e 2º, 1.172 a 1.175 do mencionado Código.

[...] Pelo que acabamos de examinar, a função do gerente é limitada.

Não se confunde com a do administrador. Este assume, em regra, plenos poderes para gerir a sociedade comercial, enquanto aquele submete-se às restrições impostas pelos artigos acima referidos.

O Código Civil prevê a figura do representante de empresa estrangeira

(arts. 1.314 a 1.141). Representante também pode significar o mandatário, isto é,

aquele que recebeu permissão do mandante para executar tarefas em nome do

último (significação de base). Em significação mais estrita, há o representante

comercial. A representação comercial é o contrato pelo qual uma pessoa física ou

jurídica (representante) exerce a mediação de negócios para o representado, de

forma autônoma e não eventual, pois exerce profissão registrada e regulamentada.

O representante comercial não age em nome próprio, pois apenas agencia as

propostas e as transmite ao representado em troca de comissão estabelecida

contratualmente e devida quando da efetivação do negócio645.

Como esclarece Fábio Ulhoa Coelho646, verbatim:

A subordinação deste àquele tem caráter exclusivamente empresarial, ou seja, cinge-se à organização da atividade econômica. O representante comercial autônomo é uma pessoa física ou jurídica. Com tal, ele estrutura e dirige um negócio próprio, ainda que exíguo e simples.

Nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, somente podem ser

considerados responsáveis as pessoas que têm aptidão para administrar a empresa,

seja de forma ostensiva, seja de forma ofuscada. A mera circunstância de a pessoa

ser sócia ou empregada de alto nível da pessoa jurídica é insuficiente para

caracterizar a responsabilidade.

644

Aspectos relativos às responsabilidades do Administrador no Novo Código Civil. GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coord.). Direito Tributário e o Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 313. 645

Lei 4.886/1965. 646

Manual de Direito Comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 438.

288

Alberto Xavier647 distingue administradores e empregados de alto nível com

as seguintes palavras:

Todavia, [os empregados de alto nível] distinguem-se dos administradores pela diversa natureza jurídica dos vínculos que os prendem à sociedade: os administradores são órgãos da sociedade que exercem, a par de uma tarefa de gestão, a representação (orgânica) da sociedade para com terceiros; ao invés, os empregados de alto nível encontram-se em relação à sociedade ligados por um vínculo de subordinação, característica do contrato de trabalho, em que tem tarefas de gestão, mas não de representação. Os administradores têm poderes externos, vinculando a sociedade para com terceiros; os empregados de alto nível têm simples poderes internos, vinculando apenas os seus diretos subordinados. Os primeiros têm a gestão e a representação; os segundos apenas a gestão – embora de alto nível.

Invocando subsidiariamente a conclusão a que chegou o extinto Tribunal

Federal de Recursos durante o julgamento da Apelação Cível 74.908 (rel. min.

Torreão Braz), Ives Gandra da Silva Martins648 entendeu, ao responder consulta

específica, que:

O certo, todavia, é que, para tais efeitos, o sócio minoritário, sem poder de deliberação, sem atos de gestão e sem qualquer interferência na condução dos negócios, não pode responder pelas lesões causadas por aqueles que determinam o destino da empresa e praticam os atos de condução empresarial.

Quem só teve prejuízo na participação societária e que está impedido pela lei de conduzir a empresa, por ser minoritário, sabidamente, tem a Justiça excluído de qualquer responsabilidade tributária, em decorrência de sua nenhuma força dentro da sociedade.

Em suma, não basta ser administrador, gerente ou representante da pessoa

jurídica para caracterização da possibilidade de alçada à condição de responsável.

Faz-se necessário que a pessoa efetivamente atue ou possa atuar no sentido de

alguma das condutas que levam à ocorrência do fato jurídico tributário ou do não-

pagamento do crédito tributário649.

647

Administradores de sociedades: Regime jurídico da remuneração II – Prestação e aprovação de contas. São Paulo: RT, 1979, p. 26. 648

Inexistência de responsabilidade tributária de sócio minoritário de empresa de auditoria, sem qualquer participação em decisões da sociedade e sem qualquer atuação na mesma. Cadernos de Direito Tributário e finanças públicas, São Paulo, ano 2, n. 6, p. 53, 1994. Cf., ainda, do mesmo autor, Responsabilidade tributária – Conselho de administração que não praticou atos de gestão – Inaplicabilidade do artigo 135 do CTN à Hipótese – Outras questões – Parecer. Cadernos de Direito Tributário e finanças públicas, São Paulo, ano 5, n. 20, p. 136-149, 1997. 649

“De fato, o CTN determina que os administradores somente são responsáveis pessoalmente por créditos tributários oriundos de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, do contrato social ou dos estatutos. Assim, apenas quem tem poderes e efetivamente praticou ato ilegal

289

Em sentido converso (e complementar), a circunstância de dada pessoa não

ser a administradora ostensiva da pessoa jurídica, posto que exercente de fato da

administração, não afasta a caracterização da responsabilidade. Portanto, a simples

menção à circunstância de o pretenso responsável não ser sócio ou administrador,

nos termos do contrato social ou estatutos e no período relativo à realização da

conduta caracterizadora da responsabilidade, é insuficiente para afastar de plano a

atribuição de responsabilidade. Contudo, de acordo com as regras de prova,

compete às autoridades fiscais trazerem elementos que confirmem a indicação do

administrador oculto (vale dizer, o Fisco deve construir outros enunciados, pelo

procedimento previsto, que corroborem o enunciado pertinente à caracterização do

sujeito como sócio-administrador ou administrador).

Parte da doutrina reconstrói a expressão “pessoalmente” de forma a excluir

a obrigação tributária pertinente ao contribuinte, deixando todo o equivalente à carga

tributária recair sobre o responsável.

Tal modelo está baseado na racionalidade própria da responsabilidade como

mecanismo de proteção dos sócios e da própria pessoa jurídica contra a prática de

atos ultra vires de seus órgãos de administração. Segundo concebem os respectivos

defensores, a conduta que viole a lei, o contrato social e os estatutos é tão lesiva

para os sócios e a sociedade quanto o é para o sujeito ativo. A pessoa jurídica é

vítima do administrador insurgente (rogue administrator) e, portanto, deve ser

resguardada dos efeitos nefastos aferentes da conduta de seu representante.

Ademais, a conduta rebelde não pode ser imputada à pessoa jurídica, como se da

vontade dela – expressa em seus documentos constitutivos – fosse oriunda.

Pela clareza da exposição, transcreveremos trecho do pensamento de Maria

Rita Ferragut 650 sobre a matéria:

Não temos dúvidas em afirmar que ela [a responsabilidade] é pessoal. O terceiro responsável assume individualmente as conseqüências do ato ilícito por ele praticado, ou em relação ao qual seja partícipe ou mandante, eximindo a pessoa jurídica, realizadora do fato tributário, de qualquer obrigação. O sujeito que realizou o evento nem sequer chega a participar da relação jurídica tributária.

ou abusivo responde perante o Fisco por eventual crédito tributário” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Medida cautelar fiscal – Responsabilidade do sócio-gerente (CTN, art. 135). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 86, v. 739, p. 117, 1997. Cf., ainda, CHAVES, Arthur Pinheiro. Responsabilidade tributária do sócio gerente e do sócio cotista. Redirecionamento da execução fiscal. Revista da Procuradoria Federal Especializada/INSS. Brasília, v. 9, n. 1, p. 62-66, 2002. 650

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 119.

290

Assim, a responsabilidade é pessoal, e não é subsidiária ou solidária.

Esse entendimento não é o normalmente adotado pelo Fisco, que considera a responsabilidade do administrador como sendo subsidiária e, em regra, constitui o crédito em face da pessoa jurídica, postergando para a ação executiva a inclusão dos responsáveis na relação. A alteração do pólo passivo, com a inclusão de terceiros, dá-se em grande parte das vezes mediante requerimento do procurador do sujeito ativo, procedimento ilegal [...].

Para Maria Rita Ferragut651, parte da resistência ao reconhecimento da

pessoalidade como a eleição do responsável como exclusivo sujeito passivo se

justifica pela constatação do risco que tal entendimento oferece por fomentar

planejamentos fraudulentos. O objetivo das operações assim estruturadas é

dissimular o interesse da pessoa jurídica na realização do fato jurídico tributário e

transferir a responsabilidade para pessoa física que não terá patrimônio suficiente

para arcar com o débito. Segundo contra-argumenta, as autoridades fiscais têm o

dever-poder de desconstituir as operações que levam à simulação que elide a

responsabilidade da pessoa jurídica, e, portanto, o risco de fraude tem de ser

combatido como hipótese que não se confunde com o cenário habitual para a

transferência da responsabilidade aos administradores maculados pela prática de

atos ultra vires.

Trilhando caminho semelhante, exclamou Luciano Amaro que “a

responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já se adivinhava no art. 131) de

que ela não é compartilhada com o devedor „original‟ ou „natural‟”652. Alexandre

Macedo Tavares653 cerra fileiras com os defensores da exclusão do contribuinte do

pólo passivo da relação jurídica tributária. Sacha Calmon Navarro Coelho654 disse

que a responsabilidade é transpassada integralmente ao terceiro e com força

liberatória se este agir:

com manifesta malícia (mala fide) contra aqueles que representa, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatuto.

651

Idem, ibidem, p. 140-142. 652

Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 326. 653

Dívida fiscal societária e a natureza jurídica específica da responsabilidade dos sócios-gerentes e diretores: Solidariedade inconteste ou substitutividade excepcional. Revista dialética de Direito Tributário 75, São Paulo, p. 24, 2001. 654

Comentários ao art. 135 do Código Tributário Nacional, p. 319.

291

Aliomar Baleeiro655 fala com a autoridade de quem ocupou cargos de

relevo nos dois Poderes da República, e de suas palavras infere-se a caracterização

da responsabilidade fundada no art. 135 como mecanismo de salvaguarda do

contribuinte. Misabel Derzi656 entende que o simples inadimplemento é insuficiente

para liberar o contribuinte da obrigação tributária, proposição compatível com a

assunção de que, satisfeitas as condições, é possível substituir o contribuinte pelo

responsável:

A aplicação do art. 135 supõe assim: 1. a prática de ato ilícito, dolosamente, pelas pessoas mencionadas pelo dispositivo; 2. ato ilícito, com infração de lei, contrato social ou estatuto, normas que regem as relações entre contribuinte e terceiro responsável, externamente à norma tributária básica ou matriz, da qual se origina o tributo; 3. a atuação tanto da norma básica (que disciplina a obrigação tributária em sentido estrito) quanto da norma secundária (consoante do art. 135 que determina a responsabilidade do terceiro, pela prática do ilícito).

Outros se seguiram657.

Não obstante, sugerimos modelo diferente. Assumimos que a racionalidade

inerente à responsabilidade dos sócios e administradores como salvaguarda da

pessoa jurídica e dos demais sócios não se aplica à responsabilidade tributária. Esta

é instrumento de resguardo da máxima efetividade do crédito tributário, não se

prestando a calibrar ou arrefecer a prática e a conseqüência de atos dissonantes da

lei, do contrato social ou dos estatutos.

A norma extraída da interpretação que torna a responsabilidade do

administrador excludente da obrigação tributária confere intensidade aos direitos

fundamentais à propriedade e à liberdade profissional e de desempenho de

atividade econômica (art. 170 da Constituição) incompatível com o dever

fundamental de pagar tributos, ao menos no que se refere à proporcionalidade

estrita.

De um lado da relação está a proteção conferida pela separação

patrimonial658 ao incentivo à atividade econômica, dado amparado pelos direitos

655

“O caso, diferentemente do anterior [referia-se ao art. 134 do CTN], não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser os responsáveis ao invés do contribuinte” (Direito Tributário brasileiro, p. 755). 656

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro, p. 757. 657

Cf., e.g., MARQUES, Leonardo Nunes. A responsabilidade dos membros da sociedade limitada pelas obrigações tributárias e o novo Código Civil. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 111, p. 60-78, 2004.

292

fundamentais à propriedade e à liberdade profissional e de desempenho de

atividade econômica. De outro, aguarda o dever fundamental de pagar tributos, que

também opera como proteção ao patrimônio, assegura meios para concreção de

outros direitos fundamentais e deve ser aplicado da forma mais eficaz possível a

todos os contribuintes, para evitar que a sonegação se torne vantagem competitiva.

Se houver a exclusão da relação jurídica tributária, sobrará apenas o responsável

(relação de responsabilidade), pessoa física cujo patrimônio tende agressivamente a

não ser tão capaz como o da pessoa jurídica para fazer frente à tributação. A

intensidade conferida à proteção da empresa invade o dever fundamental de pagar

tributos em tal extensão que nega a racionalidade da responsabilidade tributária,

entendida como mecanismo de resguardo da eficácia social do crédito tributário. A

exclusão da relação jurídica tributária pode frustrar a arrecadação (baseada em

dever fundamental).

Ao sopesar os direitos fundamentais postos em posições antípodas,

optamos por reconhecer a prevalência do direito fundamental de pagar tributos, ao

qual subjaz a racionalidade da atribuição de responsabilidade tributária. A função da

responsabilidade tributária não é insular o patrimônio da pessoa jurídica. Placitar

carta de indenidade no campo tributário constitui benefício de eficácia exacerbada e

desnecessária para atingir a finalidade da razoável proteção à atividade empresarial

(fomentada pela limitação de responsabilidade). Ademais, a pessoa jurídica tem o

dever de manter supervisão e mecanismos de fail-safe em relação à conduta de

seus administradores e empregados. Garantir que o valor equivalente ao do tributo

devido será recolhido pela pessoa jurídica, sem prejuízo das ações regressivas que

a empresa terá contra o administrador insurgente, não é interpretação

desproporcional à luz do entrechoque entre os direitos fundamentais já

mencionados.

Vamos propor, como exemplo, cenário marcado pela atuação de

administrador que decide empregar recursos da pessoa jurídica em gastos frívolos

que não são dedutíveis no cálculo do valor devido a título de Imposto sobre a Renda

das Pessoas Jurídicas. Assim, o administrador determina a aquisição de caríssimo

veículo para ser utilizado por sua família, contrata os serviços de profissional do

milieu das estrelas e celebridades para afeitar-lhe a aparência, compra acessórios

658

Ou melhor: a limitação da responsabilidade dos sócios e administradores.

293

ociosos e de preços proibitivos para presentear terceiros, clientes ou não (brindes)

etc.

É provável que a pessoa jurídica, caso se desfaça dos serviços do

administrador, entenda que os gastos realizados excederam os estatutos e violaram

os deveres de diligência e de lealdade. Além, a conduta do administrador foi

necessária à conformação dos eventos que aumentaram a carga tributária, pois

tornaram as despesas não-dedutíveis.

Ocorre que os fatos jurídicos tributários decorrem de situações objetivas,

devidamente estabelecidas em modelos hipotéticos-condicionais. O juízo de

reprovação da pessoa jurídica em relação à conduta do administrador não

descaracteriza o fato jurídico tributário.

Tem legitimidade a pessoa jurídica para pretender eximir-se da obrigação

tributária, imputando ao administrador a exclusiva responsabilidade pelo pagamento

dos valores? Entendemos que não. O dissenso entre particulares acerca das

relações mantidas reciprocamente não pode interferir na arrecadação. A pessoa

jurídica não deixa de ser contribuinte em razão da conduta de seu administrador.

É valioso relembrar também que a própria teoria dos atos ultra vires não tem

o alcance pretendido nem sequer no campo da responsabilidade civil. Como visto, é

equivocado construí-la com base na distinção patrimonial ou de personalidade para

com os sócios e administradores (no sentido de que a manifestação dissonante não

pode ser tomada como da pessoa jurídica, mas, sim, dos administradores

individualmente considerados). A distinção patrimonial se justifica em termos de

limitação de responsabilidade dos sócios e administradores, medida que fomenta e

garante condições para o desenvolvimento das relações econômicas. A teoria dos

atos ultra vires é uma limitação desta limitação, ou seja, um mecanismo de

calibração e ponderação que arrefece o resguardo dos bens dos sócios para garantir

a eficácia de outro direito, fundamental ou não.

Por exemplo, é possível que a responsabilização tão-somente do sócio

frustre a reparação de dano ao consumidor ou ao meio ambiente. Neste caso e

dependendo da intensidade do dano, os direitos fundamentais que asseguram o

conjunto de elementos violados têm precedência sobre o direito fundamental à

liberdade econômica. A pessoa jurídica continuará responsável.

294

Daniel Monteiro Peixoto659 chegou a conclusão semelhante por ocasião do

III Congresso do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), realizado na

cidade de São Paulo em 2006. Vamos ouvi-lo:

Interpretação nesse sentido [exclusão da relação jurídica tributária] briga com a própria finalidade da regra de responsabilização que é estabelecer meios de assegurar o adimplemento do crédito tributário. Lembre-se que nem mesmo no plano privado as regras de responsabilização, análogas à do CTN aqui comentada, servem como artifício para livrar a pessoa jurídica das conseqüências dos atos que pratica por intermédio de seus administradores.

[...] Pretender afastar a pessoa jurídica da responsabilidade pelo

crédito tributário que, além de ser efetivamente a contribuinte ante a prática do fato gerador que deu origem ao tributo devido, é quem possui maiores condições patrimoniais para saldar o débito, para, em seu lugar, colocar o administrador (que muitas vezes, nem é sócio da empresa, como acontece em grande parte das empresas de gestão profissionalizada) acaba indo, a nosso ver, contra a finalidade do instituto da responsabilidade no Código Tributário Nacional.

Luiz Alberto Gurgel de Faria660 ressalta a circunstância de os contribuintes

manterem relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário para justificar a

manutenção da relação jurídica tributária:

Há quem defenda que o fato de a responsabilidade ser „pessoal‟ afastaria qualquer obrigação dos contribuintes, que ficariam, pois, exonerados. Não penso assim. A responsabilidade exclusiva do agente pode se restringir às infrações, nos casos devidamente previstos no art. 137, a ser estudado infra. Mas quanto ao tributo em si, não vejo como excluir os contribuintes da solidariedade, afinal de contas são eles que detêm relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador, ou seja, são eles que realizam o fato previsto na lei como tributável, ainda que por seus representantes.

Concordamos com Maria Rita Ferragut quando diz que é dever-poder do

Fisco investigar eventuais esquemas fraudulentos destinados a isolar o patrimônio

da pessoa jurídica do alcance da tributação. O argumento do risco à tributação deve

ser levado em consideração, mas não é suficiente para concluir pela erronia do juízo

que impõe a obrigação de pagar valores exclusivamente ao responsável. A opção

pela trilha de caminho diverso decorre não do temor, senão do sopeso entre a

intensidade conferida pela primeira interpretação à separação patrimonial e o núcleo

659

Responsabilidade dos sócios e administradores em matéria tributária, p. 111/115. 660

Op. cit., p. 597.

295

essencial da razão de ser da responsabilidade tributária. O resultado do cálculo,

segundo concebemos, deve preservar o segundo.

Posto que desnecessária à caracterização da responsabilidade subsidiária

ou solidária, a cisão gnosiológica da conduta do agente quanto ao benefício e à

pertinência ao âmbito empresarial pode ser útil para firmar conceitos fundamentais.

A conduta do agente pode ser agrupada, para fins de observação, a partir de

dois critérios: condutas que beneficiam ou não a pessoa jurídica e condutas que, a

despeito de desautorizadas pelos atos constitutivos, podem ser consideradas atos

de empresa regulares se contrapostos apenas às demais normas jurídicas.

Ao realizar o fato jurídico tributário, a pessoa jurídica demonstra capacidade

contributiva objetiva (razão suficiente para manter a relação jurídica tributária). Se o

ato beneficiar a pessoa jurídica, confirma-se ainda a capacidade contributiva relativa

que, a despeito de não fazer parte do instrumental adotado nesta investigação, é

argumento de considerável peso erístico para a justificação da manutenção da

relação jurídica tributária (topoi).

A circunstância de o ato não beneficiar a pessoa jurídica é irrelevante. A

tributação se justifica em termos de capacidade contributiva objetiva, que é relevada

pelo viés econômico emanado do critério material do fato jurídico tributário,

confirmado ou afirmado pela base de cálculo cerzida no conseqüente da norma. E a

pessoa jurídica demonstra capacidade contributiva ao executar os procedimentos

que formam o quadro fático (linguagem) sobre o qual incide a norma que institui o

tributo661.

A limitação da responsabilidade da pessoa jurídica também perde

consistência se o ato praticado pelo gestor é próprio da pragmática empresarial. Não

661

Em sentido contrário se manifestou Maria Rita Ferragut (Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 137-140). Entende a autora que o eventual benefício à pessoa jurídica é irrelevante, pois as relações entre particulares não são oponíveis ao sujeito ativo. A conclusão permanece mesmo nos casos em que a pessoa jurídica opta voluntariamente por suportar a carga tributária que de outra maneira seria do responsável. Lemos a premissa adotada no argumento de forma oposta. As relações entre particulares não são oponíveis ao Fisco. Não modificam a circunstância de que o fato jurídico tributário foi realizado pela pessoa jurídica. Nem sequer afasta a capacidade contributiva do contribuinte. Antes, confirma-a. Deve, portanto, deixar a racionalidade da atribuição de responsabilidade tributária ilesa. Dano ao sujeito ativo haveria se a obrigação da pessoa jurídica fosse desconstituída ou não fosse sequer constituída, na medida em que a tendência é a de que o patrimônio do particular seja insuficiente para arcar com o valor do crédito tributário. Em sentido favorável, lemos em Leandro Paulsen (Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 1044: “Certo é que, se a pessoa jurídica se beneficiou do ato, ainda que praticado com infração à lei [sic] ou com excesso de poderes, sua responsabilidade decorrerá, ao menos, da incidência do art. 124 do CTN, que diz da solidariedade por interesse comum”.

296

parece razoável exigir das pessoas que lidam com a pessoa jurídica o domínio de

meios eficazes para aferir, em cada negócio ordinário, se os administradores e

representantes estão autorizados para vincular a empresa quanto ao objeto

desejado. Se pessoas jurídicas estruturadas de forma sólida devem ter a

observância da diligência exacerbada ao estabelecerem relações de valor vultoso, o

mesmo não se dá com a maioria do mercado nas relações numerárias. Desde que o

ato do gestor seja ato normal de empresa, não há por que levar a teoria dos atos

ultra vires ao rigor de considerar o negócio nulo ou anulável. Nesta hipótese,

prevalece a boa-fé dos contratantes e a proteção às partes que não detêm o

instrumental de sindicância necessário para avaliar a regularidade da representação

(próximo do que parte da dogmática chama de “teoria da aparência”).

É certo também que as normas civis indicam as hipóteses em que se

presume o conhecimento do alcance das faculdades do administrador ou do

representante. Tais hipóteses cedem se contrapostas à proteção às relações de

consumo, por exemplo, se ficar demonstrado que o consumidor não tinha meios –

ou, se tinha, seu emprego era de custo proibitivo e não-razoável –, para examinar o

alcance dos poderes concedidos ao administrador.

Ademais, é certo que o sujeito ativo não pode impedir a conduta insurgente

do administrador rebelde. O Fisco não tem sequer legitimidade para tanto ou os

meios necessários para controlar cada uma das instâncias de negócios jurídicos que

são realizadas a cada dia. Portanto, não é adequado impor conseqüências ao sujeito

passivo de atos sobre os quais ele não tem nenhuma oportunidade de ingerência. A

elisão da responsabilidade não pode ser tomada como alívio tributário de eventual

dano que a pessoa jurídica experimente na seara civil. O dano que é reparado pela

responsabilidade tributária é acarretado pelo inadimplemento sofrido pelo sujeito

ativo.

Lembramos que o anteprojeto que serviu de base à Comissão Especial que

elaborou o projeto de lei do Código Tributário Nacional previa expressamente a

manutenção da relação jurídica tributária (art. 247). Justificou Rubens Gomes de

Souza662:

O art. 171, oriundo do art. 247 do Anteprojeto, consagra o princípio pacífico em matéria de responsabilidade tributária pelos atos praticados no exercício

662

Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, p. 243.

297

regular de mandato, cargo ou emprego. Todavia, no § 1º, abre-se exceção à regra, para determinar que as pessoas jurídicas respondem pela conseqüência tributárias dos atos praticados por seus diretores, gerentes ou administradores com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Visou-se com isso derrogar expressamente, para efeitos fiscais, a regra do art. 121 da Lei das Sociedades por Ações (decreto-lei nº 2.627 de 1940), que consagra, em tais casos, a responsabilidade pessoal dos diretores para com terceiros prejudicados: além de não se poder considerar o fisco como um terceiro no tocante aos efeitos tributários dos atos de direito privado, a exceção é necessária para impedir que, na prática, a pessoa jurídica se pudesse exonerar de responsabilidade por manobras de evasão ou de fraude concertadas, em benefício daquela, pelos seus próprios administradores.

Em suma, lemos a expressão “pessoalmente” de forma a permitir a

responsabilização dos administradores e representantes da pessoa jurídica, sem,

contudo, que o fenômeno implique responsabilização exclusiva de tais pessoas e

elisão da obrigação tributária.

4.4.4.2 Modelos de Conduta

O exame dos modelos de conduta que servem de critério à

responsabilização tributária enverga dois pontos essenciais: (i) os tipos de conduta

que servem como antecedentes das normas de responsabilidade e (ii) relevância ou

não da ligação psíquica do agente com tais condutas.

O texto do caput do art. 135 do Código Tributário Nacional fala em

responsabilidade pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias

resultantes de atos praticados pelas pessoas elencadas nos subseqüentes incisos.

Intuímos dois tipos de conduta que satisfazem à proposição normativa.

O primeiro tipo consiste na conduta que é necessária e preponderante à

realização do fato jurídico tributário. Noutras palavras, o quadro de circunstâncias

que implica diretamente o fato jurídico tributário deve ser formado pela ação ou pela

omissão do agente.

Damos como exemplo a realização do negócio jurídico de compra-e-venda,

subjacente à operação de circulação de mercadoria. A compra-e-venda implica a

transferência da propriedade, que é o cerne da circulação jurídica da mercadoria –

critério material da regra-matriz do ICMS. Se a participação do administrador for

inerente ao negócio jurídico, estará satisfeita a condição posta no art. 135 do CTN.

Logo, a obrigação de pagar quantia equivalente à obrigação tributária resultante

298

poderá ser-lhe atribuída (confirmada a obediência aos demais parâmetros de

controle).

A conduta do administrador também pode assumir a forma omissiva. Isso se

dá nos casos em que o administrador tem o dever de fiscalizar os atos da pessoa

jurídica que impliquem fatos jurídicos tributários, bem como a capacidade de impedi-

los ou de tomar medidas destinadas a mitigar seus efeitos.

Para a hipótese de responsabilização construída com base nos arts. 134 e

135 do Código Tributário Nacional, não basta a simples constatação de a pessoa ser

sócia ou administradora da pessoa jurídica. Deve haver nexo entre a conduta e o

fato jurídico tributário.

O segundo tipo de conduta consiste na ação ou na omissão relativa ao

pagamento do valor do crédito tributário. Há, em síntese, a troca do objeto da

conduta. Nesse cenário, a conduta do agente é essencial e diretamente

concatenada ao não-pagamento do valor do crédito tributário, ou à tomada de

atitude que poderia evitar a inadimplência. Não estamos nos referindo ao conjunto

de atos ou omissões que levam a pessoa jurídica à insolvência663 e à ruína

econômica. A conduta que leva ao não-pagamento pode ser pontual, específica e

imediatamente antecedente ao dano.

Constitui ato dessa espécie a decisão consciente e injustificada pelo não-

pagamento do tributo. Também é exemplo de ato de tal estirpe a falha no registro

societário do passivo tributário no documento adequado. Veremos mais sobre o

assunto em breve664.

Eduardo Fortunato Bim665 justifica a circunstância de o sócio ou o

administrador que não se revestiam de tal condição na época em que realizados os

fatos jurídicos tributários poderem ser tidos como responsáveis na desvinculação do

fato gerador com a responsabilidade tributária.

Questão mais delicada consiste em decidir se a orientação psíquica do

agente em relação à conduta é ou não relevante. Falamos dos modelos de

atribuição de responsabilidade com culpa ou sem culpa (objetiva).

663

“Insolvência” entendida como a incapacidade de o patrimônio cobrir as dívidas da pessoa jurídica. 664

Cf. infra, subitem 4.4.4.4.2. 665

Desvinculação da responsabilidade tributária dos administradores de empresas com o fato gerador do tributo. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 72, p. 41-49, 2001.

299

Ao comentar o art. 135 do Código Tributário Nacional, Sacha Calmon

Navarro Coelho666 é categórico em afirmar que o dolo é pressuposto da

responsabilização. O rigor da aparente responsabilização objetiva é mitigado pelo

cotejo com a norma do art. 112 do Código Tributário Nacional, que prescreve

hipóteses nas quais a lei tributária que define infrações ou lhe comina penalidades

deve ser interpretada da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida. As

palavras proferidas por Maria Rita Ferragut não deixam entrever nenhuma

inconstância em seu espírito quanto à imprescindibilidade do dolo para configuração

da responsabilidade tributária. Disse a professora:

Nada mais equivocado [a conclusão de que a ausência de uso explícito da palavra “dolo” permite a configuração da responsabilidade se houver mera culpa]. A separação das personalidades e a necessidade de gerir sociedades economicamente estáveis e instáveis, somadas ao direito constitucional à propriedade e ao princípio da não-utilização do tributo com efeitos confiscatórios, vedam que um administrador seja responsável por ato não doloso. A intenção de fraudar, de agir de má-fé e de prejudicar terceiros é fundamental.

É a partir desse prisma que a responsabilidade prevista no artigo 135 deve ser interpretada. Caso contrário, a intervenção no patrimônio particular e na liberdade do administrador será injurídica e totalmente incompatível com as garantias que a Constituição defere a todos, a título de direitos fundamentais.

667

Maria Rita Ferragut intuitivamente inicia cálculo de proporcionalidade ao

assumir direitos fundamentais como passíveis de violação ou restrição, segundo

concebemos.

Embora se refiram ao art. 136 do Código Tributário Nacional668, são úteis as

ponderações de Eduardo Fortunato Bim669 sobre o direito fundamental à dignidade

666

Comentários ao Código Tributário Nacional, p. 321. 667

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 121. 668

Ao interpretar o art. 136 do Código Tributário Nacional, Celso Antonio Bandeira de Mello também reconhece que a responsabilidade por infrações pode independer de dolo, mas não de culpa. Cf. Procedimento tributário – Declaração falsa – Responsabilidade – Deveres acessórios – Multa – Suspeita e prova – Boa-fé e relação jurídica. Revista de Direito Tributário, São Paulo, ano III, n. 7-8, p. 60-70, 1979. 669

“O importante é deixar consignado que há princípios que, apesar de desenvolvidos e comumente aplicados em determinado ramo do Direito, e aqui falamos, principalmente, do Penal, são típicos do Direito Punitivo, inclusive do Direito Tributário, isso porque eles fazem parte de uym direito mais geral, que engloba todos essas ramos quando tratam de matéria punitiva. São os princípios do Direito Sancionador. [...] Ao se proibir, pelo conteúdo do princípio em tela [dignidade da pessoa humana], que o homem seja tratado como objeto, urge que não se descartem sua razão e consciência, sua subjetividade. As pessoas não devem ser instrumentalizadas ou coisificadas nunca! [...] Vemos que responsabilidade subjetiva [entendemos que ao autor se refere, de fato, à responsabilidade objetiva] no ramo drasticamente sancionador (penas privativas de liberdade), como o penal, é abolida pela dignidade da pessoa. Pensamos que assim se passa na seara admninistrativa, já quem como visto,

300

da pessoa como fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade da

aplicação do modelo de responsabilidade objetiva ao Direito Administrativo

Sancionador.670

Em sentido semelhante, podemos transpor as conclusões de Luciano

Amaro671 sobre a presença da culpa, posto que ausente a intenção do agente, na

conformação da tessitura das normas que versam sobre infrações tributárias para o

campo da responsabilidade tributária em razão da violação de lei, contrato social ou

estatutos672. Alexandre de Macedo Tavares673 também identifica a relação psíquica

– culpa em sentido lato – como critério de responsabilização no art. 135 do CTN.

Essa aparentemente não era a intenção daqueles que desenharam o

Anteprojeto do Código Tributário Nacional. Rubens Gomes de Souza registrou que

não foram atendidas as sugestões 193, 194, 998, 1.000 e 1.001 feitas ao art. 246 do

Anteprojeto do Código Tributário Nacional (as duas primeiras sugestões foram

acolhidas em parte),

não há diferença ontológica entre ambas as searas punitivas” (A inconstitucionalidade da responsabilidade objetiva no Direito Tributário Sancionador. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 224, p. 219/225/226, 2001). 670

Salientamos que o pensamento de Eduardo Fortunato Bim se refere às normas sancionadoras, pois o autor elege como ponto de observação o que chama de Direito Administrativo Sancionador. Para nós, eventual característica primário-sancionatória da norma de atribuição de responsabilidade tributária cede à racionalidade marcada pela salvaguarda do crédito tributário. As ilações do autor são úteis e aplicáveis, contudo, porquanto trazem um novo direito fundamental à baila e todas as normas são subsumíveis ao teste de proporcionalidade. 671

“Em primeiro lugar, o dispositivo [refere-se ao art. 136 do CTN] não diz que a responsabilidade por infrações independa de culpa. Ele diz que independe da „intenção‟. Ora, intenção, aqui, significa vontade: eu quero lesar o Fisco. Eu quero ludibriar a arrecadação do tributo. Isto é vontade. Isto é intenção. [...] Isso não significa, porém – e o Código mesmo vai trazer várias disposições dizendo o contrário – que todo mundo tem de ser punido, independentemente de provar ou não provar que não teve culpa. O que o Fisco não precisa provar é o dolo, a vontade” (Infrações tributárias. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 67, p. 33, 1995). 672

Edmar Oliveira Andrade Filho chega a propor a inconstitucionalidade do art. 136 do Código Tributário Nacional, com as seguintes palavras (Limites constitucionais da responsabilidade objetiva por infrações tributárias. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 77, p. 19, 2002): “De fato, ele [art. 136] permite a edição de leis sem critérios individualizadores da pena quando o texto constitucional veda. Ele não foi recebido pelo texto constitucional de 1988, ou seja, foi revogado quando do advento daquele diploma normativo. Ao deixar ao arbítrio do legislador a conveniência de fazer o não o que a Constituição Federal impõe, o art. 136 do CTN ostenta uma hipótese de permissão inválida”. Entendemos que a proposição parcial retirada do art. 136 não se aplica à construção das normas pertinentes ao art. 135 do Código Tributário Nacional, mas, novamente, as razões são úteis e podem ser adaptadas ao nosso propósito. 673

Dívida fiscal societária e a natureza jurídica específica da responsabilidade dos sócios-gerentes e diretores: Solidariedade inconteste ou substitutividade excepcional. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 75, p. 25, 2001.

301

porque a responsabilidade decorre da natureza do cargo ou função e independe de culpa; tais sugestões ficaram, porém, satisfeitas pelo § único, que excepciona quanto à responsabilidade penal, regulada nos arts. 172 a 174.

674

Em especial, as sugestões 193 e 194 foram elaboradas por Gilberto de

Ulhoa Canto. A primeira sugeria o acréscimo da expressão “quando figurem como

assistentes ou representantes, no ato ou na situação de que derive a obrigação”,

justificada em razão de não parecer adequado “estabelecer uma responsabilidade

inteiramente sem culpa”675. A segunda sugeria a supressão do inciso IV do art. 246,

pois, “a prevalecer o dispositivo, tornaria ilimitada a a responsabilidade das pessoas

nele referidas, e as inibiria a tal ponto, que ninguém aceitaria os encargos

previstos”676.

O art. 246 do Anteprojeto do Código Tributário Nacional era inequívoco ao

tornar os sócios e administradores responsáveis solidários pela solução do crédito

tributário, independentemente de qualquer relação psíquica que mantivessem com a

respectiva conduta. A própria conduta era irrelevante, na medida em que bastava a

condição de sócio ou administrador para caracterização da responsabilidade

tributária.

Em nosso cálculo, o entrechoque entre o dever fundamental de pagar

tributos e os direitos fundamentais à propriedade, à tributação baseada na

capacidade contributiva (signo presuntivo de riqueza próprio), à vedação ao confisco

e à liberdade econômica resulta no reconhecimento de que a responsabilidade do

administrador deve ser baseada em culpa. Não estenderemos o cálculo, contudo,

ao reconhecimento da necessidade de configuração de dolo específico.

Entende-se por dolo específico a intenção preordenada à obtenção de

resultado específico, tal como definido em norma tipificante677.

O administrador está jungido ao dever de diligência (art. 153 da Lei

6.404/1976678 e art. 1.011 do Código Civil679), que tem por conteúdo, segundo

674

Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, p. 242. 675

Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, p. 433. 676

Idem, ibidem. 677

“Assim, se quisermos aperfeiçoar um pouco mais a definição do dolo, que formulamos há pouco, e que se extrai da lei, é conveniente conceituá-lo como a vontade realizadora do tipo objetivo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto. Dito de uma forma mais breve, o dolo é uma vontade determinada que, como qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinado” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro: Parte geral, p. 458).

302

Renato Ventura Ribeiro680, os seguintes deveres: de informação e qualificação, de

participação, de vigília, de busca por informações, de investigação, de intervenção e

de abstenção da prática de erros graves.

Espera-se que o administrador se cerque de todos os instrumentos

necessários a evitar a infração da lei ou dos atos constitutivos da pessoa jurídica.

Não apenas deve ele agir de forma razoável e dentro dos parâmetros da atividade

empresarial; ele está permanentemente obrigado a desenvolver conhecimento que

permita mitigar os riscos de sua atividade, além de ter a possibilidade de contar com

assessoria técnica especializada (jurídica, por exemplo). A vigilância também deve

ser contínua e o escrutínio minucioso, considerados limites usuais de conduta.

Senão em situações extremas, a violação de lei ou do contrato social ou estatutos é

evento previsível e deve ser evitada pelo administrador.

É possível conceber que o administrador possa praticar atos contrários à lei,

ao contrato social ou aos estatutos inadvertidamente. Essa conduta pode violar, em

tese, o dever de diligência. Não se exige dolo específico para tanto. Considere-se a

hipótese de o administrador deixar de zelar pela inscrição de obrigação tributária nos

devidos registros contábeis societários. A ausência de registro pode ser creditada à

ignorância (falta de percepção do quadro fático e da incidência da regra-matriz sobre

tal quadro), à equivocada certeza acerca da inexigibilidade da obrigação por força de

juízo inconsistente de invalidade da norma etc. Exceto se caracterizado quadro

remoto ou outras circunstâncias específicas, é adequado afirmar que o

administrador tinha o dever de efetuar o registro da obrigação tributária, pois os

meios para apurar a ocorrência do fato jurídico tributário e a aferente relação jurídica

estavam disponíveis.

Afastamos, também, a caracterização do dolo como elemento essencial da

norma de responsabilidade tributária prevista no art. 135 do Código Tributário

Nacional, devida ao transplante da racionalidade própria da responsabilidade civil ou

penal à responsabilidade tributária. A atribuição de responsabilidade tributária não

tem por objetivo preponderante punir o administrador por dano causado à pessoa

678

“Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. 679

“Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”. 680

Dever de diligência dos administradores de sociedades. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 221-231.

303

jurídica. Também não visa a reparar dano patrimonial sofrido pela empresa em

razão de conduta esclarecida do administrador. Para o sujeito ativo, a intenção

específica do agente é irrelevante frente ao potencial prejuízo causado à expectativa

de percepção do crédito tributário causada pela conduta do administrador.

A admoestação feita por Gilberto de Ulhoa Canto durante a elaboração do

Anteprojeto do Código Tributário Nacional bem explica a gravidade da intervenção

que o modelo de responsabilidade objetiva causa no direito fundamental à liberdade

econômica e de empresa. Independesse de qualquer elemento psíquico e da

conduta objetiva, a responsabilização irrestrita do administrador pelos créditos

tributários tornaria o custo da gestão profissionalizada proibitivo. Com efeito, poucas

pessoas sentir-se-iam confortáveis ao assumir a gestão de empresa da qual fossem

responsáveis por todas as obrigações tributárias. Eventuais medidas de

arrefecimento do risco que rondasse o administrador, como a securitização,

elevariam em grande medida o custo da atividade empresarial. Idéia semelhante se

aplica aos sócios – a razão de ser da limitação da responsabilidade, vista por alguns

como separação patrimonial decorrente da dissociação da personalidade dos sócios

daquela da pessoa jurídica, é tornar mais dinâmica e menos embaraçada a atividade

de empresa. A responsabilidade objetiva irrestrita nega essa racionalidade.

José Casalta Nabais teria sugerido, nas palavras de Isabel Marques da

Silva681, que a gestão das pessoas jurídicas é atividade de alto risco:

[...] actividades perigosas para quem as exerce, sendo que regimes como o português são suceptíveis de gerar o perverso efeito de ou afugentar os administradores ou gestores sérios ou fomentar os mais variados e imaginativos expedientes lícitos para obviar à aplicação de tão severos efeitos.

Do exposto, damos interpretação conforme a Constituição ao art. 135 do

Código Tributário Nacional, para definir que a conduta que implica violação à lei, ao

contrato social ou aos estatutos deve ser qualificada pela culpa em sentido lato.

Sentido diverso levaria à violação do direito fundamental à liberdade econômica e do

exercício de empresa (art. 170 da Constituição). A constatação é resultado do jogo

681

MARQUES DA SILVA, Isabel. A responsabilidade tributária de administradores de pessoas colectivas no direito português. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 113, 2005.

304

de calibração entre o dever fundamental de pagar tributos e o direito fundamental à

liberdade econômica e do exercício de empresa.

4.4.4.3 Infração da Lei, do Contrato Social ou dos Estatutos

Parte da doutrina limita as condutas que se caracterizam como infração de

lei para caracterização da responsabilidade tributária.

Após reconhecer que, em acepção ampla, “violação de lei” pode abranger

“qualquer conduta contrária à norma, já que as leis existem para ser cumpridas”682,

Maria Rita Ferragut reduz o uso da expressão às condutas pertinentes aos deveres

da administração e que induzem ao fato jurídico tributário. De outra maneira, haveria

responsabilidade ilimitada do administrador, independentemente da pertinência

temática da respectiva conduta ao fato jurídico tributário683.

A autora cita, ainda, entendimento de Helena Marques Junqueira684, no

sentido de que a característica da norma violada é irrelevante, desde que a conduta

tida por violadora mantenha pertinência com o fato jurídico tributário.

Hugo de Brito Machado Segundo685 circunscreve a conduta do

administrador àquela “que se dá com infração de normas que limitam essa

competência, que são exatamente a lei societária, o contrato social ou os estatutos”.

Segundo compreendemos e enunciáramos, a conduta do responsável deve

estar relacionada com a ocorrência do fato jurídico tributário ou, inclusive, com o

não-pagamento do valor do tributo. O tipo de norma violada pela conduta que

antecede necessariamente qualquer dos dois fatos é irrelevante. Nada impede que

as circunstâncias da conduta sejam utilizadas em exame de ponderação, contudo,

para controle da atribuição de responsabilidade tributária. Por exemplo, a ausência

de clareza na definição das faculdades dos administradores ou a existência de

opiniões legais não-frívolas dadas por profissionais habilitados são índices que

podem salvar a conduta do sócio ou do administrador.

682

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 129. 683

Em sentido semelhante cf., BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária, p. 181. 684

JUNQUEIRA, Helena Marques. A responsabilidade tributária dos sócios e administradores da pessoa jurídica. Dissertação de Mestrado.São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, p. 126, apud FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 129. 685

A execução fiscal e a responsabilidade de sócios e dirigentes de pessoas jurídicas. Revista de estudos tributários, Porto Alegre, n. 23, p. 132, 2002.

305

Questão interessante se coloca na hipótese de determinada operação ser

desclassificada pela autoridade fiscal, nos termos do parágrafo único do art. 116 do

Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar 104/2001 e

abaixo transcrito:

Art. 116. [...]. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

A adoção de forma legal tida como estratagema para dissimular a ocorrência

do fato jurídico ou a efetiva conformação dos elementos que são constitutivos da

obrigação tributária pode ser construída como infração de lei?686.

Sobre as infrações e sanções no Direito Penal Tributário brasileiro, disse

Hector Villegas687:

Observamos entonces: en la economía de opción el futuro contribuyente se limita a elegir a alguna de las diversas formas jurídicas igualmente legitimas que el Derecho Privado pone a su alcance, pero lo fundamental es que el hecho de inclinarse por una de las Forman alternativas no altera la sinceridad del acto. El negocio o acto jurídico a ejecutarse tiene una determinada finalidad fática y el „ropaje jurídico‟ aun siendo alternativo, no es por ello ficticio, mentiroso, ni constituye una máscara destinada a ocultar una finalidad diferente. Este proceder no es antijurídico.

Por el contrario, en la elusión por abuso en las formas, se encuentra una determinada voluntad exteriorizada y otra diferente oculta. El hecho de utilizar el „ropaje jurídico elegido‟ es ficticio, no obedece a la finalidad empírica del acto y tiene como único fin ocasionar un engaño que sea a su vez productor de daño para las arcas fiscales […].

Se a operação for descaracterizada, haverá infração da lei. Restarão

violados o deveres de diligência e de lealdade, além do próprio art. 116, parágrafo

686

O objetivo do exame não é esgotar a matéria relativa à validade das normas anti-elisivas (elusivas) ou anti-evasivas. Para tanto, remetemos às seguintes obras, entre outras: AMARAL, Gustavo da Silva. Elisão fiscal e norma geral e antielisiva. São Paulo: IOB Thompson, 2004; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004 (em especial, confira-se o abrangente escorço sobre a racionalidade subjacente às diversas fases da evolução do conceito de planejamento tributário); XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo, Dialética, 2001. 687

Infracciones y sanciones em el Derecho Penal Tributario brasileño. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 31, p. 214, 1974.

306

único, do Código Tributário Nacional. Trata-se, evidentemente, de ilícito. Isso, claro,

se não estiverem presentes circunstâncias excepcionais688.

Ainda assim, é importante lembrar que a atribuição de responsabilidade por

infração de lei não exonera da obrigação tributária o contribuinte.

Sobre a infração dos atos constitutivos da pessoa jurídica, diz Maria Rita

Ferragut689:

A infração do contrato social ou do estatuto constitui-se no desrespeito a uma disposição expressa constante desses instrumentos societários, e que tem por conseqüência o nascimento da relação jurídica tributária.

[...]. O autor do ilícito, nessas situações, conhece o seu dever, mas

deixa de cumpri-lo em que pese ser evitável essa situação.

À observação da Professora da PUC/SP, adicionamos a conseqüência do

não-pagamento do valor devido a título de tributo no campo da contingente conduta

do administrador. Isso se dá quando, por exemplo, o administrador deixa de registrar

a obrigação tributária objeto de discussão judicial nos documentos societários, como

forma de melhorar o resultado econômico do empreendimento e, possivelmente, a

respectiva participação em tais resultados.

4.4.4.3.1 Mero não-pagamento de valor de tributo

Na perspectiva da Teoria Pura do Direito erigida por Hans Kelsen, a

inadimplência da obrigação tributária deve ser considerada como ato ilícito, pois (i) a

conduta contraria a obrigação positivada e (ii) há programa específico destinado a

orientar a coerção estatal à conformação da conduta do agente faltoso.

Não obstante, a dogmática brasileira contemporânea rejeita quase que em

coro perfeito o não-pagamento do valor do tributo como infração de lei, ao menos no

que se refere à caracterização da responsabilidade tributária.

José Morschbacher propõe que a eleição da simples inadimplência como

hipótese de responsabilização reconduziria a atribuição de responsabilidade

tributária ao modelo de responsabilidade ilimitada pretendido pelo Anteprojeto do

688

Circunstâncias de justificação. Por exemplo, se o administrador tiver razões plausíveis para classificar dada mercadoria (apoio técnico, jurídico etc.), eventual reclassificação do bem que o torne tributável ou majore a tributação levada a cabo pela incidência do Imposto de Importação ou o Imposto sobre Produtos Industrializados não levará à qualificação da conduta do agente como ilícita. 689

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 134.

307

Código Tributário Nacional690. O entendimento que toma o mero não-pagamento por

hipótese de responsabilidade é por demais drástico, pensa a doutrinadora Eliana

Calmon691. Eduardo Domingos Bottallo692 ensina:

O que pode constituir infração, o que pode levar o direito, gerente ou administrador, a tornarem-se responsáveis, é a causa do não pagamento, mas jamais este próprio efeito, tomado isoladamente. Então é preciso que se investigue as causas dessa inadimplência para verificar se, entre elas, estariam fatos capazes de serem enquadrados como „excesso de poderes, infração à lei [sic], ao contrato social ou ao estatuto‟. [...] Em outras palavras, somente quando demonstrada, pelo Fisco, que a obrigação tributária a cargo da sociedade decorreu de alguma das causas apontadas na lei civil (art. 50) [refere-se ao Código Civil] é que o art. 135, III, do Código Tributário Nacional poderá ser validamente acionado.

Maria Rita Ferragut693 concatena duas linhas de argumentação para

sustentar que o não-pagamento do valor do tributo é descrição ausente do tipo

infração da lei, recuperado do art. 135 do Código Tributário Nacional. Em primeiro

lugar, o texto legal em nenhum momento alude à inadimplência. Devido ao princípio

da estrita legalidade, não deve o intérprete assumir elementos que não ressoam na

tessitura verbal jurídica. Em segundo lugar, o art. 135 se refere às condutas que são

praticadas antes do fato da inadimplência, pois a obrigação tributária deve ser

resultante da ação ou da omissão do administrador.

690

Vejamos a interessante recuperação da intenção dos pais do anteprojeto do CTN feita pelo autor: “Para a boa interpretação das normas legais pertinentes à responsabilidade tributária, mormente para afastar de vez a idéia da pretensa responsabilidade objetiva, é da maior pertinência a lembrança de fato histórico relacionado com a votação pelo Congresso Nacional, em 1980, da Lei de Execução Fiscal, a Lei nº 6830, de 22 de setembro de 1980. É que, no anteprojeto da referida lei, especificamente através do § 2º do artigo 4º, o Poder Executivo pretendia criar a responsabilidade tributária objetiva dos sócios, diretores, gerentes, administradores e representantes das pessoas jurídicas, que passariam a responder pelos créditos da Fazenda Pública, na dicção do referido dispositivo, „independentemente de dolo ou culpa‟. Tal tentativa, felizmente, restou frustrada, tendo sido aprovada a Emenda nº 14 ao referido dispositivo, do então Senador Tancredo Neves, determinando que na cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública se aplicassem as normas relativas à responsabilidade prevista nas legislações tributária, civil e comercial [...]” (MORSCHBACHER, José. Responsabilidade tributária objetiva – Criação judicial. Revista de estudos tributários, Porto Alegre, n. 1, p. 29, 1998.) 691

Responsabilidade tributária e penal dos administradores. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, n. 12, p. 63, 2002. 692

BOTTALLO, Eduardo Domingos. Alguns reflexos do Código Civil no Direito Tributário. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Org.). Direito Tributário e o Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 192-193. 693

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 130-132.

308

Seguiram-se outros694. A orientação jurisprudencial oscilou695, mas,

desprezado o art. 13 da Lei 8.260/1993, aparenta reputar ausente infração de lei

dado o mero não-pagamento de valor de tributo696.

Alijamos o mero não-pagamento de valor de tributo como hipótese de

infração de lei, para fins de atribuição de responsabilidade tributária, com base em

dois argumentos. O primeiro consiste em reconhecer que o ilícito que marca a

inadimplência é imputável, prima facie, à pessoa jurídica. Quem não recolhe o valor

do tributo é o contribuinte, ainda que por decisão ou falha de alguns de seus órgãos

diretivos ou colaboradores. Com efeito, a inadimplência pode ser creditada à falha

do mais raso dos agentes da empresa (um contínuo, por exemplo), fissura que o

administrador deverá reparar com as forças da pessoa jurídica. O segundo consiste

na seguinte asserção. É possível que a conduta do administrador enviesada à

decisão pelo não-pagamento seja justificável em termos plausíveis e assimiláveis

pela comunicação jurídica, como a tensão de proporcionalidade entre a manutenção

das atividades da empresa (direito fundamental à liberdade econômica e à vida, se

considerados os salários dos empregados) e o dever fundamental de pagar

tributos697.

Isso não quer dizer que o inadimplemento não pode ser, tout court,

considerado infração de lei.

694

V.g., COSTA, Allison Garcia. Responsabilidade tributária dos sócios. Inteligência do inc. VII do art. 134 e do inc. III do art. 135, ambos do CTN. Revista tributária e de finanças públicas, São Paulo, ano 13, n. 63, p. 82-91, 2005; SABBAG, Maristela Miglioli. A Responsabilidade tributária dos sócios por dívidas da empresa. Cadernos de Direito Tributário e finanças públicas, São Paulo, ano 7, n. 28, p. 92-98, 1999. 695

Contrários à responsabilização: AI 53.173 (Tribunal Federal de Recursos, rel. min. Eduardo Ribeiro, Sexta Turma, DJ de 12-05-1988); REsp 100.739/SP, rel. min. Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em 19-11-1998, DJ 1º-02-1999; AgRg no REsp 247.862/SP, rel. min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 18-05-2000, DJ 19-06-2000. Favoráveis à responsabilização: REsp 211.842/MG, rel. min. Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em 03-08-1999, DJ 06-09-1999; REsp 203.878/RJ, rel. min. Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em 06-05-1999, DJ 21-06-1999; e REsp 62.752/SP, rel. min. Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 02-09-1996, DJ 07-10-1996). 696

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. INADIMPLEMENTO. 1. A ausência de recolhimento do tributo não gera, necessariamente, a responsabilidade solidária do sócio-gerente, sem que se tenha prova de que agiu com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa. 2. Embargos de divergência rejeitados.” (EREsp 374.139/RS, rel. min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 10-11-2004, DJ 28-02-2005). 697

Outra justificativa tem assento nos limites da racionalidade deôntica: se o pagamento for impossível, não há que se conferir sentido à norma que obriga a respectiva conduta.

309

4.4.4.3.2 Circunstâncias nas quais o não-pagamento caracteriza infração da lei, do

contrato social ou dos estatutos. Ilícitos atípicos e proporcionalidade

Devemos a Manuel Atienza e a Juan Luiz Manero o desenvolvimento de

conceito essencial ao desenvolvimento desta investigação. Falamos dos ilícitos

atípicos. O desenvolvimento dos valiosos conceitos que será narrado é inteiramente

atribuível àqueles autores; todos os erros de interpretação somente podem ser

creditados a nós.

Na obra de mesmo nome698, iniciam os autores pelo exame do conceito de

ilícito na Teoria Geral do Direito (em especial, passam pelo conceito pertinente à

Teoria Pura de Kelsen e da respectiva insuficiência) e do papel dos princípios e das

normas. Separam as normas em regras de ação, que conteriam parâmetros mais

precisos (cerrados) no antecedente, ligado ao conseqüente que enverga a conduta

modalizada (acción), e regras de fim (fin). Conquanto possivelmente

indeterminados alguns dos parâmetros (oscilação dentro de classe), é sempre

possível identificar os elementos, pois a respectiva classe oferece os limites à

atividade do intérprete. Por exemplo, a pena pelo homicídio pode variar de seis a

vinte anos – oscilação indeterminada – mas sabe-se que será de reclusão, e o

tempo de cumprimento estará dentro dos parâmetros já estabelecidos. As regras de

fim não prescrevem uma conduta específica, mas um estado que deve ser

alcançado (e.g., a obrigação de conduzir um paciente à cura, que pode ser obtida

por diversos meios).

Princípios em sentido estrito, por outro lado, servem de justificação às

regras699. Também funcionam como diretivos destinados ao aplicador da norma nas

hipóteses de indeterminação ou mesmo de conflito entre a justificação e as

respectivas normas.

Importa lembrar que:

[...] los principios – a diferencia de las reglas – no pretenden excluir la deliberación del destinatario como base de la determinación de la conducta a seguir sino que, bien al contrario, exigen tal deliberación.

700

698

ATIENZA, Manuel e MANERO, Juan Luiz. Ilícitos atípicos. Madri: Editorial Trotta, 2000. 699

Ilícitos atípicos, p. 18. 700

ATIENZA, Manuel; MANERO, Luiz. Ilícitos atípicos, p. 19.

310

Aparentemente, Atienza e Manero também separam regras e princípios de

acordo com o critério de aplicação tudo ou nada (não submetido à gradação) ou de

ponderação (graduável).

Três são as características primordiais do ilícito. Em primeiro lugar, o lícito

se caracteriza ou por uma conduta que pode ser qualificada com os modais

deônticos de obrigatoridade, permissão ou proibição, ou por ser conseqüência

qualificada deonticamente de ações ou omissões. Em segundo lugar, o antecedente

da norma que estabelece o ilícito deve fazer referência à conduta oposta ao que

prescreve outra norma701. Em terceiro lugar, tanto a violação de regras como de

princípios pode ser caracterizada como ilícito, já que os princípios também são

normas de mandato.

Ilícitos típicos contrariam regras. Ilícitos atípicos contrariam princípios.

Dizem702:

Otros – los que aquí nos interesan – son ilícitos atípicos que, por asi decirlo, invierten en sentido de una regla: prima facie existe una regla que permite la conducta en cuestión; sin embargo – y en razón de su oposición a algún principio o principios –, esa conducta se convierte, una vez considerados todos los factores, en ilícita; esto, en nuestra opinión, es lo que ocurre con el abuso del derecho, el fraude de ley y la desviación de poder.

Os autores prosseguem no exame das características de abuso de direito,

fraude à lei e desvio de poder. Vamos examinar o que dizem sobre o abuso de

direito.

Seis são as proposições que devem ser executadas em ordem para

identificação do abuso de direito:

1) Existe una regla regulativa que permite a s realizar A em las circunstancias X. Esta regla es um elemento del haz de posiciones normativas em que se encuentra S como titular de um cierto derecho subjetivo. 2) Como consecuencia de A, otro u otros sujetos sufren um daño, D, y no existe una regla regulativa que prohíba causar D. 3) D, sin embargo, aparece como un daño injustificado porque se da alguna de las siguientes circunstancias: 3.1.) Que, al realizar A, S no perseguía otra finalidad discernible más que causar D o que S realizó A sin ningún fin serio y legitimo discernible. 3.2.) Que D es un daño excesivo o anormal.

701

“Norma regulativa de mandato”, no original. Op. cit., p. 24. “Normas de mandato” são aquelas que obrigam ou permitem. Por “norma constitutiva” entendem os autores as normas não-reguladoras. 702

Idem, ibidem, p. 27.

311

4) El carácter injustificado del daño determina que la acción A quede fuere del alcance de los principios que justifican la regla permisiva a que alude en 1) y que surja una nueve regla que establece que en las X´ [X más alguna circunstancia que suponga una forma de realización de 3.1.) o 3.2.)] la acción A está prohibida.

703

A constatação de abuso de direito se aplica mesmo na hipótese de a

permissão exercida ser tida por concreção de direito fundamental704. Vamos parar

de descrever a Teoria por aqui.

Em princípio, a Teoria dos Ilícitos Atípicos não se aplicaria ao

inadimplemento tributário, pois o não-pagamento do valor do tributo é ilícito típico

(viola uma regra). Ocorre que a interpretação corrente retira indistintamente a falta

de solução do crédito tributário do conceito possível de infração de lei, para fins de

atribuição de responsabilidade tributária. Uma das razões para tanto está nos

princípios da liberdade econômica e da legalidade estrita, como visto. A pergunta

que se faz é se a norma retirada de tal interpretação mantém-se na maioria dos

cenários marcados pelas circunstâncias do inadimplemento, ou, por outro lado, se é

possível entrever a diminuição do espectro de outros princípios.

Imagine-se que o administrador de dada sociedade tinha consciência da

exigibilidade do crédito tributário (ou deveria ter), mas decida não recolher o valor

devido. Em especial, vamos considerar também que ele não possua justificativa

plausível para se opor à tributação – algo que o Internal Revenue Service dos

Estados Unidos chama de frivolous tax claims705.

Vamos além. O administrador não apenas decidira pelo não-recolhimento,

mas também entendeu adequado não registrar a obrigação tributária nos termos da

NBC 19.7 (Resolução CFC 1.066/2005)706 e da Interpretação Técnica Ibracon

703

Idem, ibidem, p. 57. 704

Idem, ibidem, p. 62-66. 705

A experiência norte-americana é riquíssima de exemplos de tentativas de justificação de conspícua incoerência. Sustenta-se desde a inexistência de competência para tributar a renda gerada a partir de fontes internas até a suposta vedação constitucional à prestação de informações fiscais, dada a proibição à “auto-incriminação”. 706

A Norma Técnica 19.7 trouxe regras rigorosas para o registro de obrigações tributárias cuja validade está submetida ao crivo jurisdicional, como observou o ministro Joaquim Barbosa por ocasião do julgamento da Segunda Questão de Ordem no RE 370.682 (rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ de 19-12-2007). Em especial, ela é inequívoca no sentido de que somente o trânsito em julgado permite que se tome por definitivos os registros das mutações patrimoniais pertinentes, independentemente da opinião fornecida por consultor legal. Vejamos o que dizia o anexo II à Resolução 1.066: “4. Tributos. a) A administração da entidade entende que determinada lei federal, que alterou a alíquota de um tributo ou introduziu novo tributo, é inconstitucional. Por conta desse entendimento, ela, por intermédio de seus advogados, ajuizou ação alegando a inconstitucionalidade da lei. Nesse caso, existe obrigação legal a pagar à União. Assim, a obrigação legal deve estar

312

02/2006, aplicáveis à época. Segundo o primeiro documento normativo, a discussão

sobre a constitucionalidade do tributo não torna a respectiva obrigação legal

contingência passiva ou elemento de provisão.

É inequívoco que há direito fundamental ao controle administrativo e ao

controle judicial da validade das normas. É possível entrever, ainda, certo direito à

resistência à observância de normas inconstitucionais, embora entendamos que tal

direito somente pode ser exercido nos termos dos mecanismos de controle que o

sistema jurídico coloca à disposição do jurisdicionado, sejam administrativos, sejam

jurisdicionais707.

registrada, inclusive juros e outros encargos, se aplicável, pois estes últimos têm a característica de provisão derivada de apropriações por competência. Trata-se de uma obrigação legal e não de provisão ou de contingência passiva, considerando os conceitos da norma. Em etapa posterior, o advogado comunica que a ação foi julgada procedente em determinada instância. Mesmo que haja tendência de ganho, e ainda que o advogado julgue como provável o ganho de causa em definitivo, pelo fato de que ainda cabe recurso por parte do credor (a União), a situação não é ainda considerada praticamente certa, e, portanto, o ganho não deve ser registrado. É de se ressaltar que a situação avaliada é de contingência ativa, e não de contingência passiva a ser revertida, pois o passivo, como dito no item anterior, é obrigação legal e, não, provisão ou contingência passiva. b) Nas circunstâncias de processos ainda não-julgados definitivamente, em que a entidade discute a recuperação de tributos, supostamente pagos a maior, mas nos estritos termos da lei em discussão, e obtém liminar permitindo compensar aqueles valores com outros tributos, a entidade não deve registrar o ganho contingente, amparada nessa liminar. Isso porque a liminar é um instrumento provisório, e, portanto, a realização do ganho não é definitiva. Nesses casos, a Entidade irá proceder à compensação do ponto de vista financeiro; todavia, o tributo compensado deve ainda figurar como obrigação legal até o desfecho final da causa. Como sua liquidação também é provisória, se o desfecho for desfavorável à entidade, esta deve recolher o tributo anteriormente compensado com os acréscimos legais, conforme aplicável. c) Ao obter decisão final favorável sobre um ganho contingente, a entidade deve observar o momento adequado para o seu reconhecimento contábil. Não havendo mais possibilidades de recursos da parte contrária, o risco da não-realização do ganho contingente é considerado remoto, e, portanto, a entidade deve reconhecer, contabilmente, o ganho quando a decisão judicial final produzir seus efeitos, o que ocorre, normalmente, após a publicação no Diário Oficial. Isso significa dizer que, a partir desse momento, o ganho deixa de ser contingente e se torna direito da entidade. Antes do registro do ganho contingente, porém, e periodicamente após seu registro, a administração da entidade deve avaliar a capacidade de recuperação do ativo, uma vez que a parte contrária pode tornar-se incapaz de honrar esse compromisso, ou pode ser que sua utilização futura seja incerta. d) Existem situações em que uma entidade ainda não obteve a decisão final favorável à recuperação de um tributo ou à extinção da obrigação tributária registrada, mas há jurisprudência favorável para outras entidades em casos idênticos, bem como avaliação dos advogados de que as chances de desfecho favorável são prováveis. Mesmo nas situações em que há jurisprudência favorável, isso não é suficiente para dar base ao reconhecimento do ganho contingente, uma vez que não está assegurada uma decisão final favorável à entidade, pois muitos outros fatores podem influenciar essa decisão, por exemplo, o ramo de atividade, a formalização do processo, etc. A entidade, por outro lado, deve fazer divulgação em nota explicativa acerca do assunto”. 707

Há normas que punem a litigância de má-fé (arts. 17 e 18 do Código de Processo Civil), dado que poderia levar ao afastamento da Teoria dos Ilícitos Atípicos no que concerne ao abuso do direito à tutela jurisdicional ou administrativa (ilícito típico). Não obstante, a violação descrita é contrária a direito fundamental (nega a racionalidade do direito à tutela), e, portanto, vamos aproveitar a constatação.

313

A utilização do direito de defesa ou do direito de resistência pode,

eventualmente, causar dano ao sujeito ativo (postergar o recolhimento de valor

devido).

Haverá abuso de direito no exercício do direito ao controle jurisdicional ou ao

controle administrativo de validade do crédito tributário se o contribuinte se negar a

apresentar razões ou se as razões apresentadas forem de chapada frivolidade.

Entrevê-se, então, que o exercício do mecanismo que assegura o direito

fundamental não tem nenhum fim específico, ou, se tem, é meramente protelatório.

Nesta hipótese, o contribuinte deseja apenas postergar algo que sabe ser devido,

para ganhar alguma vantagem econômica no interregno.

Nesse caso, o não-pagamento viola também os deveres do administrador,

especialmente os de diligência e fidelidade. Deixar de responsabilizá-lo juntamente

com a manutenção da relação jurídica tributária violaria também os princípios que

resguardam o administrador diligente.

As regras de prova pertinentes aplicáveis à constatação do abuso do direito

fundamental à jurisdição ou à tutela administrativa são rigorosas. Senão em quadros

inequívocos, marcados pela certeza irretorquível, a autoridade estatal deve sempre

privilegiar o direito à defesa. Ademais, a conceituação do que sejam “argumentos

frívolos” é vaga ou, no melhor dos cenários, complacente. A rejeição de teses pelo

Judiciário não implica reconhecimento da absoluta impertinência do arrazoado.

Exemplo de abuso do direito à tutela jurisdicional ou administrativa da

validade dos créditos tributários pode ser encontrado na contraposição de

argumento muito comum na prática jurídica e certo resultado de dilação probatória.

O argumento pela impossibilidade de pagamento, em razão de dificuldade financeira

(argumento teoricamente consistente), cede diante da comprovação de que a

empresa não deixou de distribuir lucros ou de fazer investimentos de duvidosa

pertinência à atividade econômica desenvolvida nos termos do respectivo contrato

social ou estatuto.

Entendemos, portanto, que a ausência de argumentos plausíveis à

obstinada resistência ao pagamento de valores a título de tributo ao longo de

considerável lapso de tempo, quando conhecidas as obrigações tributárias (ou

conhecidas devessem ser), torna o não-pagamento infração que induz à

responsabilização solidária do administrador faltoso. A existência de prova

314

inequívoca do simples interesse protelatório do administrador, conquanto de difícil

produção, também leva à mesma conclusão.

4.4.4.3.3 Dissolução irregular da sociedade

Os arts. 1.033 a 1.038 do Código Civil regulam a dissolução das sociedades

por ele previstas, enquanto os arts. 206 a 219 prevêem a dissolução e a extinção de

sociedade por ações.

A dissolução irregular da sociedade redunda em infração da lei ou dos atos

constitutivos da empresa para fins de caracterização da responsabilidade

tributária708. Há fundado receio de que a dissolução da pessoa jurídica, sem a

observância das cautelas legais, possa violar o dever fundamental de pagar tributos.

Para as sociedades regidas pelo Código Civil, é importante relembrar que a

dissolução é tão-somente um dos primeiros estágios possíveis do processo

destinado à extinção da pessoa jurídica. A liquidação intermedeia a dissolução e a

extinção; vale dizer, à dissolução segue-se a liquidação e a esta se segue a

extinção.

Vamos examinar algumas hipóteses que podem ou não caracterizar a

dissolução irregular.

A primeira questão que se coloca é se a inatividade ou o encerramento de

facto da pessoa jurídica consistem em hipóteses de dissolução irregular. Por ocasião

do julgamento do REsp 833.245 (rel. min. Castro Meira, DJ de 28/06/2006), a

Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que o encerramento das

atividades da pessoa jurídica equivalia à dissolução irregular, e, portanto, seria

possível em tais condições responsabilizar o sócio. Era necessário, para tanto, prova

robusta do encerramento, não bastando meros indícios709.

708

Diz Betina Treiger Grupenmacher (Responsabilidade tributária pessoal do sócio por dívidas da pessoa jurídica, p. 427): “Com a introdução de norma prevendo a responsabilização do administrador no Novo Código Civil e inexistindo contradição com o disposto no art. 135 do Código Tributário Nacional, fica sedimentada a posição dos tribunais pátrios, no sentido que, em sendo irregular a dissolução da sociedade, é aplicável a responsabilização pessoal do sócio administrador”. 709

“TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III, DO CTN. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. 1. Não se conhece de recurso especial quando não prequestionados na origem os dispositivos de lei supostamente violados. 2. O Tribunal de origem considerou a circunstância alegada pela recorrente, na qual aduz a dissolução irregular da empresa executada, entendendo, todavia, que carecia de demonstração por parte da exeqüente a atuação do sócio-gerente com

315

A inatividade prolongada, sem perspectiva de as atividades sociais serem

retomadas em prazo razoável, infirma a própria razão de ser da pessoa jurídica.

Afinal, a existência da pessoa jurídica se justifica pelo exercício de seu objeto social,

tal como intencionado pela convergência de interesses dos sócios no momento da

constituição da empresa. Por exemplo, nos termos da Instrução Normativa 72/1998,

do Departamento Nacional de Registro do Comércio, considera-se inativa a pessoa

jurídica dedicada à atividade mercantil que não requerer o registro de atos sociais a

cada dez anos710.

Em sentido diverso, a inatividade pontual não é causa para reconhecimento

da dissolução irregular da sociedade.

A segunda questão diz respeito à responsabilidade do sócio na hipótese de

insolvência e do encerramento pragmático das atividades empresariais. Para

Leandro Paulsen711, o Código Tributário Nacional não atribui responsabilidade

tributária ao sócio de pessoa jurídica insolvente tout court. A solução ideal seria o

requerimento de autofalência, nem sempre observada. Segundo entende, a

responsabilidade do sócio pela insolvência de pessoa jurídica em processo de

dissolução somente se aplica nos termos da Lei Complementar 123/2006 às

microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo regime de tributação

simplificada (SIMPLES NACIONAL). Para as demais hipóteses, diz:

Razoável seria que respondessem apenas no caso de dissipação dos bens em detrimento dos credores e na medida de tal locupletamento. Para tanto, contudo, seria necessária a demonstração de qual o patrimônio declarado da sociedade e do desvio de bens, enfim, de situação que efetivamente demonstrasse dissolução irregular em detrimento do Fisco enquanto credor.

712

excesso de mandato, dolosa ou culposamente. Não há, pois, falar-se em omissão no aresto. 3. O simples indício de ter havido a dissolução irregular da empresa executada, por si só, não autoriza a pretensão de reconduzir o executivo fiscal contra os sócios da empresa. Mas se o indício se torna robusto, amparado por documentos que atestem o provável encerramento das atividades da empresa, torna-se possível autorizar o redirecionamento do executivo fiscal. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte.” 710

“IN 72/1998 do DNRC: Art. 1º A empresa mercantil que não proceder a qualquer arquivamento no período de dez anos, contados da data do último arquivamento, deverá comunicar à Junta Comercial que deseja manter-se em funcionamento, sob pena de ser considerada inativa, ter seu registro cancelado e perder, automaticamente, a proteção do seu nome empresarial. § 1º Quando não tiver ocorrido modificação do ato constitutivo no período, a comunicação será efetuada através do modelo "Comunicação de Funcionamento", em anexo, assinada, conforme o caso, pelo titular, sócios ou representante legal. § 2º Na hipótese de ter ocorrido modificação nos dados da empresa constantes de atos arquivados, para efeitos da comunicação de que trata este artigo, deverá ser arquivada a competente alteração.” 711

Curso de Direito Tributário, p. 154. 712

Idem, ibidem, p. 155.

316

Para o autor, aplicar-se-ia a desconsideração da personalidade jurídica

prevista no art. 50 do Código Civil.

Sabe-se, contudo, que as Juntas Comerciais exigem prova da quitação de

todos os tributos para registro da extinção regular da pessoa jurídica dedicada ao

comércio713.

Há, também, fundada dúvida sobre ser o art. 134, VII, aplicável às

sociedades limitadas ou não ou não, pois certamente não o é para as sociedades

por ações. Discute-se se as sociedades limitadas são sociedades de pessoas.

Segundo a doutrina tradicional brasileira, a preponderância dos laços entre

os sócios ou entre as participações no capital social é o critério para classificação de

sociedade como de pessoas ou de capital. Há, na primeira, o que se chama de

affectio societatis – a escolha do sócio é baseada em todas as suas características

individuais, e não apenas no calibre monetário que poderá agregar à pessoa

jurídica.

A distinção não parece passar sob teste de rigor conceitual extraído do

direito positivo. Com efeito, é possível que dada pessoa não seja considerada apta a

ser sócia de sociedade de capital em razão de algum outro dado emanado de sua

personalidade ou conduta. Durante o julgamento do REsp 388.423 (rel. min. Sálvio

de Figueiredo Teixeira, DJ de 04/08/2003), a Quarta Turma do Superior Tribunal de

Justiça considerou anulável acordo de acionistas em razão da quebra de affectio

societatis714.

O próprio Código Civil veda o ingresso, no quadro societário de sociedade

limitada, de pessoa que não contribuiria para a formação do patrimônio social com

713

Cf. o teor do art. 1º da IN 105/2007 do Departamento Nacional de Registro do Comércio: “Art. 1º Os pedidos de arquivamento de atos de extinção ou redução de capital de empresário ou de sociedade empresária, bem como os de cisão total ou parcial, incorporação, fusão e transformação de sociedade empresária serão instruídos com os seguintes comprovantes de quitação de tributos e contribuições sociais federais: I - Certidão Conjunta Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, emitida pela Secretaria da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; II - Certidão Negativa de Débito – CND, fornecida pela Secretaria da Receita Previdenciária; III - Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, fornecido pela Caixa Econômica Federal; § 1º A certidão de que trata o inciso II será também exigida quando houver transferência do controle de quotas no caso de sociedade limitada. § 2º Sujeitam-se também ao disposto neste artigo os pedidos de arquivamento de atos de extinção, desmembramento, incorporação e fusão de cooperativa.” 714

Cf., também, o REsp 164.125/RJ, rel. min. Costa Leite, Terceira Turma, julgado em 26/05/1998, DJ 03/08/1998.

317

dinheiro, mas somente com serviços (art. 1.055, § 2º)715. Também não há vedação

para que pessoa jurídica seja sócia de sociedade limitada, e, embora algumas

características personalíssimas possam ser extraídas da pessoa jurídica, não é

adequado falar em affectio societatis. Como a manifestação da pessoa jurídica

depende dos sócios e administradores, a consistente possibilidade de mudança do

quadro societário impede a formação de expectativa quanto aos laços baseados em

características eminentemente pessoais.

Para nós, “sociedades de pessoas” são apenas as pessoas jurídicas

formadas por pessoas naturais que, por força de lei, são solidária e ilimitadamente

responsáveis pelas obrigações da sociedade (como as sociedades em nome

coletivo – art. 1.039 do Código Civil).

Entendemos que a insolvência, isoladamente considerada, é insuficiente

para caracterizar infração de lei e, assim, justificar a atribuição de responsabilidade

ao sócio-administrador. Seguindo as regras de prova, as autoridades fiscais devem

demonstrar que a discrepância negativa entre o ativo e o passivo da pessoa jurídica

deve-se a atos preordenados dos administradores, enviesados especificamente à

frustração das expectativas dos credores tributários. A infração, portanto,

caracteriza-se quando posto em risco o dever fundamental de pagar tributos e a

função social da empresa, em privilégio exclusivo do patrimônio do sócio ou do

administrador faltoso.

4.4.4.3.4 Falência

No sistema jurídico brasileiro, e segundo Fábio Ulhoa Coelho716,

falência é [...] o processo judicial de execução concursal do patrimônio do devedor empresário, que, normalmente, é uma pessoa jurídica revestida da forma de sociedade por quotas de responsabilidade ou anônima.

A definição auxilia na remoção da ambigüidade inerente à palavra, utilizada

muitas vezes para denotar a situação de insolvência ou a prática de atos que levam

à instauração do aludido processo judicial.

715

“CC. Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. [...] § 2

o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.”

716 Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101 de 92-2-

2005). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 194.

318

A falência tem dois objetivos principais. O primeiro é ordenar a expectativa

de todos os credores da pessoa jurídica que não possui ativos suficientes para

saldar todo o passivo e que restaria frustrada se fossem admissíveis tantas

propostas de execução quanto créditos existentes717. O estabelecimento de ordem

de preferência é um dos instrumentos destinados a graduar o valor das expectativas

e para conferir-lhes maior segurança. O segundo objetivo é permitir que o

empresário insolvente possa resolver o antigo empreendimento, inviável, para

continuar sua vida econômica.

Nem a falência nem a recuperação judicial constituem infração da lei. As

condutas tidas por passíveis de punição criminal estão previstas do art. 168 ao art.

178 da Lei 11.101/2005. Também não são ilícitos não-criminais, pois o sistema

jurídico não obriga a pessoa jurídica ao sucesso econômico.

Confira-se, nesse sentido, o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça

(REsp 824.914, rel. min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 10/12/2007 – Grifo

nosso):

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. ALEGAÇÃO DE QUE OS NOMES DOS CO-RESPONSÁVEIS CONSTAM DA CDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUPOSTA OFENSA AO ART. 13 DA LEI 8.620/93. ENFOQUE CONSTITUCIONAL DA MATÉRIA. ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA. SUSPENSÃO DO FEITO EXECUTIVO. INVIABILIDADE.

1. A matéria suscitada nas razões de recurso especial e não abordada no acórdão recorrido, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmula 211/STJ).

2. Fundando-se o acórdão recorrido na incompatibilidade parcial entre o art. 13 da Lei 8.620/93 e o art. 146, III, b, da CF/88, é inviável a análise de suposta ofensa ao preceito legal referido em sede de recurso especial.

3. É firme a orientação desta Corte no sentido de que é inviável o redirecionamento da execução fiscal na hipótese de simples falta de pagamento do tributo associada à inexistência de bens penhoráveis no patrimônio da devedora, porquanto tal circunstância, nem em tese, acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios.

4. A falência não caracteriza modo irregular de dissolução da pessoa jurídica, razão pela qual não enseja, por si só, o redirecionamento do processo executivo fiscal (REsp 601.851/RS, 2ª Turma, rel. min. Eliana Calmon, DJ de 15.8.2005; AgRg no Ag 767.383/RS, 2ª Turma, rel. min. Castro Meira, DJ de 25.8.2006).

5. Nesse contexto, verifica-se que não foi caracterizada nenhuma situação apta a ensejar, na hipótese, o redirecionamento da execução fiscal. Por outro lado, o art. 40 da Lei 6.830/80 não abrange a hipótese de

717

É importante lembrar que, no sistema jurídico brasileiro, a insolvência não é causa única para deflagração da falência. Há, ainda, os atos de falência (art. 94, III, da Lei 11.101/2005).

319

suspensão da execução para a realização de diligências consubstanciadas na busca e localização de co-responsáveis, para eventual redirecionamento do feito executivo. Assim, havendo o trânsito em julgado da sentença que encerrou o procedimento falimentar sem a ocorrência de nenhum motivo ensejador de redirecionamento da execução fiscal, não tem cabimento a aplicação do disposto no artigo referido no sentido de se decretar a suspensão do feito.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

4.4.4.3.5 Distribuição de lucros

A distribuição de lucros sem amparo legal é infração da lei apta a

desencadear a atribuição de responsabilidade tributária, pois redunda em ato que

diminui as forças econômicas da pessoa jurídica. A redução patrimonial injustificada

afeta a expectativa do sujeito ativo em ver atendida a relação jurídica tributária.

Há hipótese de responsabilização semelhante na seara civil, como se lê no

texto do art. 1.009 do Código Civil:

Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.

Por ocasião do julgamento do REsp 623.906-AgR (rel. para o acórdão min.

Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 25/09/2006), disse o ministro Luiz Fux:

Aliás, não só por força da novel legislação [refere-se à responsabilidade objetiva ilimitada para as contribuições sociais], mas também tenho exteriorizado, através de ressalva quanto à responsabilidade dos sócios pelo inadimplemento dos tributos, que a ciência por parte do sócio-gerente do inadimplemento dos tributos e contribuições, mercê do recolhimento de lucros e pro labore, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto há conhecimento da lesão ao erário público.

A realização de pagamento excessivo a título de remuneração do sócio (pró-

labore), se considerados os valores médios pagos pelo mercado, também pode ser

considerado indício de fraude e, em qualquer caso, infração da lei (novamente por

diminuir a capacidade de a pessoa jurídica fazer frente à obrigação tributária).

320

4.4.5 Os arts. 136 e 137 do Código Tributário Nacional se aplicam à

responsabilidade tributária de valores relativos à salvaguarda do crédito

tributário?

Como visto, há certo dissenso na doutrina quanto à aplicabilidade das

proposições insertas nos arts. 136 e 137 do Código Tributário Nacional à

responsabilidade tributária dos sócios, administradores, gerentes e representantes

da pessoa jurídica. Vamos desenvolver o argumento que sustenta nossa conclusão

quanto à inaplicabilidade dos dispositivos à matéria em exame.

Observamos que a expressão responsabilidade por infrações é ambígua,

pois pode tanto se referir ao dever de pagar valor diretamente a título de punição

(multa) como ao dever de pagar valor análogo ao do crédito tributário718. Ao

recuperarmos algumas das marcas deixadas pelos responsáveis pela elaboração do

Anteprojeto e do Projeto do Código Tributário Nacional, contudo, chegamos à

conclusão de que a intenção originária dos pais fundadores do repositório de

normas gerais em matéria tributária era segregar as normas que dispusessem sobre

a obrigação tributária e a obrigação penal.

Rubens Gomes de Souza719, ao comentar os arts. 172 a 174 do projeto

original do CTN, disse:

Falta, entretanto, uma análise sistemática da natureza das próprias infrações tributárias, cuja característica conceitual parece residir na circunstância de não configurarem um ilícito jurídico por si mesmas, senão apenas em conexão com uma obrigação de outra natureza, a obrigação tributária principal ou acessória.

Infração tributária é empregada, ali, na acepção de descumprimento da

obrigação tributária ou de dever instrumental.

Entendemos, também, que a aplicação do art. 136 do Código Tributário

Nacional às normas que prevêem a atribuição de responsabilidade aos sócios e

administradores720 violaria o direito fundamental à liberdade econômica, pois

aniquilaria a razão por que há limitação da responsabilidade no que se refere ao

patrimônio dos sócios e administradores. Interpretamos o art. 135, III, do Código

718

Em razão de punição, se adotada a linha que considera que algumas normas de responsabilidade são primárias sancionatórias. 719

Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, p. 244. 720

Para o pagamento de valor análogo ao da relação jurídica tributária.

321

Tributário Nacional, sem redução de texto, de forma a excluir qualquer construção

que leve à adoção do modelo de responsabilização sem culpa (objetiva)721.

Por seu turno, o art. 137, III, c, do CTN tem termos enviesados à

caracterização da responsabilidade pela prática de atos que violem a legislação

tributária, expressão que pode indicar as obrigações tributárias e os deveres

instrumentais. Em sentido diverso, “infração de lei” é expressão mais ampla, que, na

compostura das normas de atribuição de responsabilidade, limita-se ao antecedente

e relaciona-se diretamente com o simulacro do crédito tributário.

Por tais razões, consideramos que os enunciados dos arts. 136 e 137 do

Código Tributário Nacional não se aplicam à construção das normas de

responsabilidade tributária relativas à obrigação fiduciária do crédito tributário.

4.4.6 As estruturas estáticas das normas de atribuição de responsabilidade

tributária ao sócio, administrador, gerente ou representante pela

conduta que infringe a lei, o contrato social ou o estatuto

Propomos a seguinte estrutura formalizada para as normas previstas no art.

134, VII, e no art. 135, III, do Código Tributário Nacional:

Art. 134, V, do CTN:

Cicl(d + 1). Imp . Liss Spresp(soc) O(presp) Sa

Onde:

Cicl(d + 1) indica a exaustão ou a possibilidade de exaustão do ciclo de incidência da norma

que institui o tributo;

Imp fica no lugar da impossibilidade de exigência da obrigação tributária;

Liss indica a liquidação da sociedade;

Spresp(soc) é o sujeito passivo por responsabilidade, o sócio;

O(presp) representa a obrigação de pagamento de valor em razão da relação de

responsabilidade;

Sa é o sujeito ativo.

Art. 135, III, do CTN:

Cicl(d + 1). V(lei v cont v estat) Spresp(soc v adm v ger v rep) O(presp) Sa

Onde:

721

Ruy Barbosa Nogueira conceitua infrações fiscais como os “desatendimentos das obrigações tributárias principais ou acessórias” (Curso de Direito Tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 193.)

322

Cicl(d + 1) indica a exaustão ou a possibilidade de exaustão do ciclo de incidência da norma

que institui o tributo;

V(lei v cont v estat) é a violação de lei, contrato social ou estatuto.

Spresp(soc) é o sujeito passivo por responsabilidade, o sócio, o gerente, o administrador ou o

representante;

O(presp) representa a obrigação de pagamento de valor em razão da relação de

responsabilidade;

Sa é o sujeito ativo.

4.5 REGRAS DE PROVA. ÔNUS DA PROVA, REDIRECIONAMENTO DA

EXECUÇÃO FISCAL E OUTRAS QUESTÕES

Ricardo Bánffy722, que não é jurista, comentou a propositura de certa ação

direta de inconstitucionalidade com as seguintes palavras:

Há algum tempo atrás, descontente com uma lei do Estado do Rio Grande do Sul que favorecia a escolha de software livre nas compras dos órgãos do governo, o PFL interpôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Funciona assim: a Constituição do país é o conjunto de leis mais importante e nenhuma lei abaixo dela pode contrariá-la. Se a Constituição disser que você tem o direito de tentar assobiar enquanto chupa um limão ou dizer „farofa‟ enquanto come paçoca, nenhuma lei, estadual ou municipal, pode proibi-lo disso. Se uma lei for julgada inconstitucional, ela perde o efeito e passa, mais ou menos, a „nunca ter existido‟. Se Direito fosse mágica, esse seria um encantamento dos mais poderosos.

A comparação é apropriada. Assim como se dá nos encantos e feitiços, a

enunciação deve seguir parâmetros específicos para que possa ser considerada

Direito e operar as mudanças pretendidas naquele reino (função performativa)723.

A realidade entra no Direito como linguagem verbal e é representada por

enunciados e proposições. É necessário saber quem pode criar tais enunciados e

proposições e em quais oportunidades e como eles podem ser criados. Vamos

chamar de “regras de prova” as normas que definem tais parâmetros.

722

BÁNFFY, Ricardo. Malacus Curiae. Disponível em http://webinsider.uol.com.br/index.php/2006/ 02/17/malacus-curiae/. Último acesso em 10-10-2007. 723

J. L. Austin observou que algumas enunciações não tinham a intenção de descrever qualquer estado de coisas, e tampouco se submetiam a valores aléticos de verdade ou falsidade. Em algumas instâncias, a enunciação faz parte de um querer fazer. Disse: “When I say, before the

registrar or altar, c, ´I do´, I am not reporting on a marriage: I am indingem in it. What are we to call a sentence or an utterance of this type? I propose to call it a performative sentence or a performative utterancie, or, for short, a „performative‟.” (How to do things with words: The William James Lectures delivered at Harvard University in 1955, 2. ed., editado por J. O. Urmson and Marina Sbisà. Oxford: Oxford University Press, 1976, p. 6).

323

No campo da competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal e do

Superior Tribunal de Justiça, a prévia atenção às regras de prova é de extrema

importância. Ambas as Cortes não costumam rever o quadro fático construído pelos

Tribunais de origem nas etapas precedentes de comunicação724, tomando os

enunciados pertinentes à concreção como válidos. Vamos ilustrar o risco da

inobservância às regras de prova com a discussão pertinente à contribuição ao

Finsocial. Os primeiros contribuintes que buscaram tutela jurisdicional costumavam

argumentar a inconstitucionalidade tout court do tributo, sem tomar por relevante a

atividade econômica exercida. O Supremo Tribunal Federal, contudo, reputou

relevante a distinção e decidiu que o aumento das alíquotas do tributo seria

inconstitucional apenas para as empresas que não fossem exclusivamente

prestadoras de serviços725. Ocorre que alguns contribuintes que não eram

exclusivos prestadores de serviços se caracterizaram como se o fossem em suas

peças iniciais. Outros foram vagos. Em alguns desses casos, os Tribunais de origem

afirmaram que a parte-contribuinte era prestadora de serviço. Ao chegarem ao

Supremo Tribunal Federal, os recursos extraordinários que versavam sobre a

matéria foram sistematicamente julgados de acordo com o quadro construído nos

acórdão recorridos. Assim, instituições financeiras e empresas notoriamente

dedicadas à indústria foram consideradas pessoas jurídicas dedicadas

exclusivamente à prestação de serviços e, portanto, não conseguiram inicialmente

impedir a tributação. Alguns desses contribuintes conseguiram reverter a situação ao

proporem ações rescisórias726, de tramitação e instrução difíceis. Outros obtiveram o

provimento em embargos de declaração727, mas o resultado não foi uniforme para

todos728. Apenas os cenários marcados pela conspícua dissociação entre a

classificação dada ao contribuinte e as enunciações constantes nos autos levava ao

acolhimento dos embargos de declaração com efeitos modificativos.

Fabiana Del Padre Tomé729 aponta a ambigüidade da expressão “prova”,

com apoio em Paulo de Barros Carvalho. Nada menos que cinqüenta e oito

724

Cf. Súmulas 07/STJ e 279/STF. 725

Cf., por todos, a Súmula 658/STF e o RE 187.436-ED (rel. para o acórdão ministro Moreira Alves, Pleno, DJ de 23-03-2001). 726

Cf., e.g., a AR 1.713 (rel. min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 19-12-2003). 727

Cf. RE 253.538 (rel. min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, DJ de 23-09-2005). 728

Cf. RE 232.422-EDcl (rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 30-04-1999). 729

A prova no Direito Tributário, p. 65.

324

acepções possíveis foram isoladas. O corte realizado pela autora permite apontar os

seis significados mais relevantes:

E, mais que isso, a palavra “prova” é plurissignificante, suceptível de ser empregada para aludir (i) ao fato que se pretende reconstruir; (ii) à atividade probatória; (iii) ao meio de prova; (iv) ao procedimento organizacional; (v) ao resultado do procedimento; ou (vi) ao efeito do procedimento probatório na convicção do destinatário.

730

Vamos tomar “prova” em seu sentido vicário, isto é, como signo. A prova

busca constituir na linguagem do Direito dados da concreção, isto é, ela fica “no

lugar” que é ocupado pelo fato. Por seu turno, o fato é a versão em linguagem do

evento e, portanto, ocupa o lugar pertinente à realidade. Do fato se inferem os

eventos e das provas se inferem ou se confirmam os fatos. A correspondência entre

a prova e o fato não é integral, como bem observou Fabiana Tomé731 com arrimo

nas conclusões de Clarice Von Oertzen e Roland Barthes.

Haverá momentos em que o próprio sujeito de direitos irá constituir-se como

responsável tributário, sendo desnecessária a fase de instrução probatória. É o que

ocorre com o tomador de serviços quando ele apenas constitui a relação jurídica de

responsabilidade. Nela estará implícita ou explícita a prestação de um serviço732,

mas não será necessário adicionar outros elementos para corroborar a assertiva.

É comum a comunicação jurídica referir-se ao ônus da prova. Vamos

recorrer a Gian Antonio Micheli para recuperar noção tradicional sobre “ônus”733:

La noción sobre la cual se ha hecho girar la teoría de la carga de la prueba, es precisamente la de carga entendida como entidad jurídica distinta de la obligación, en sentido de que en determinados casos la norma jurídica fija la conducta que es necesario observar, cuando un sujeto quiera conseguir un resultado juridicamente relevante.

Roger Dworkin734 sugere duas acepções para a expressão “burden of

proof”:

730

TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no Direito Tributário, p. 67. 731

Idem, ibidem, p. 74-75. 732

“Houve a prestação de um serviço, então devo recolher dado valor a título de tributação”. 733

MICHELI, Gian Antonio. La Carga de la Prueba. Bogotá: Temis, 1989, p. 54. 734

Easy Cases, Bad Law and Burdens of Proof. Vanderbuilt Law Review. Nashville, v. 25, p. 1153, 1972.

325

Simply stated, the burden of proof is the obligation of a party to demonstrate de existence of fact that have a desired legal consequence. Everyone now recognizes that the term “burden of proof” is ambiguous, because it embraces at least two different obligations.

A primeira acepção é chamada de “ônus da produção de provas” (burden of

producing evidence). Na segunda acepção, burden of proof “is the obligation to

persuade the trier of fact to find for the obligated party on the issue in question”735, e

recebe o nome de “ônus da persuasão” (burden of persuasion).

A distinção entre obrigação e ônus foi utilizada por Eros Roberto Grau em

parecer apresentado nos autos do RE 105.164736 para justificar a constitucionalidade

da antiga taxa cobrada pelo Conselho Regional de Farmácia. Enquanto Geraldo

Ataliba sustentava que a exação era tributo, Eros Roberto Grau propunha que a

cobrança se revestia da natureza de ônus, pois era contraprestação para obtenção

de uma vantagem (permissão para funcionar) de viés não obrigatório. Por não ser

tributo, a exação não se submetia ao regime tributário.

No campo do controle da atribuição de responsabilidade tributária, contudo,

interessam as situações em que há resistência à caracterização da pessoa como

responsável tributário. Basta que a autoridade fiscal afirme a condição de

responsável e constitua o fato que induz à responsabilidade apenas com simples

assertivas? Ou está o Fisco obrigado a produzir novos enunciados que justifiquem a

responsabilidade? Em sentido completamente diverso, é do pretenso responsável o

poder-dever de demonstrar que não houve a incidência da norma de

responsabilidade?

Arranjadas no fluxo de causalidade jurídica, estas indagações se aglutinam

em dois tópicos:

1. Está a autoridade fiscal obrigada a constituir a norma individual e concreta

da responsabilidade no curso de processo administrativo de lançamento? A

ausência de esforço da autoridade fiscal para constituir a responsabilidade,

provando os fatos que lhe dão azo, não viola a racionalidade do fluxo de causalidade

e os arts. 149, 201 e 202 do Código Tributário Nacional e o art. 5º, LV, da

Constituição? Pode a autoridade fiscal incluir o nome do responsável na Certidão de

Dívida Ativa a qualquer momento, sem amparo em processo de lançamento?

735

Idem, ibidem. 736

Até o momento de revisão desta dissertação, o RE 105.164 ainda não havia sido julgado.

326

2. Pode a autoridade fiscal ajuizar a ação de execução fiscal sem que o

nome do responsável figure na Certidão de Dívida Ativa?

O exame das indagações se tornará mais nítido se partirmos da orientação

firmada pelo Superior Tribunal de Justiça para a matéria.

Em uma série de precedentes737, o Superior Tribunal de Justiça firmou

orientação quanto à desnecessidade de o responsável ser chamado a compor o

processo de constituição do crédito tributário. Decidiu, ainda, que cabe ao pretenso

responsável o ônus de provar não estarem presentes os requisitos que ensejam

seu enlace ao sujeito ativo pela relação obrigacional. A fundamentação é

simples. Partiu o Superior Tribunal de Justiça da constatação de que a dívida

regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de

prova pré-constituída, e de que tal presunção deve ser ilidida por prova inequívoca,

a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite (art. 204 e parágrafo único,

do Código Tributário Nacional).

Se o nome do responsável constar da CDA, o pedido de citação para que

ele passe a integrar a relação processual da execução não constituirá hipótese de

redirecionamento da ação.

Se o nome do responsável não constar da CDA, mesmo assim o sujeito

ativo poderá propor a ação contra ele. Contudo, por não contar com título executivo

extrajudicial, deverá o Fisco indicar com precisão as razões que levam a pessoa a

ser considerada responsável tributária. Assim, neste caso, o ônus da prova é da

autoridade fiscal.

Distingue o Superior Tribunal de Justiça entre a relação de direito

processual, pressuposto para o ajuizamento da ação de execução, e a relação de

direito material, pressuposto para a configuração da responsabilidade tributária. A

circunstância de o nome do pretenso responsável constar na CDA é suficiente para

caracterizar a primeira, mas a segunda pode ser refutada durante o curso do

processo judicial.

737

Cf., e.g., REsp 704.014 (rel. min. Eliana Calmon. Segunda Turma, DJ de 03/10/2005); REsp 909.948 (rel. min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 04/10/2007); AI 677.740-AgR (rel. min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 28/02/2007); REsp 875.072 (rel. min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 26/02/2007); REsp 961.846-AgR (rel. min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 16/10/2007); REsp 973.900 (rel. min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 30/10/2007); EREsp 635.858 (rel. min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJ de 02/04/2007); REsp 964.155 (rel. min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 02/04/2007); REsp 977.238 (rel. min. José Delgado, Primeira Turma, DJ de 29/11/2007).

327

Vejamos, a propósito, a ementa do EREsp 702.232 (rel. min. Castro Meira,

Primeira Seção, DJ de 26/09/2005):

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 135 DO CTN. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. EXECUÇÃO FUNDADA EM CDA QUE INDICA O NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. DISTINÇÃO.

1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº 6.830/80.

3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento.

Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.

4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

5. Embargos de divergência providos.

Revisitaremos os arts. 201 e 203 do Código Tributário Nacional:

Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito. [...] Art. 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior, ou o erro a eles relativo, são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.

Como observou o Superior Tribunal de Justiça, presume-se válido o crédito

inscrito em dívida ativa. Concordamos com a premissa. Contudo, se a autoridade

fiscal meramente apõe o nome do sócio ou do administrador na certidão de dívida

ativa, sem a coleta de outros elementos circunstanciais acerca da conduta de tais

328

personagens, é adequado concluir que a responsabilidade decorre da simples

condição de sócio. Dito de outro modo, o antecedente da regra de prova individual e

concreta sacada pela autoridade fiscal, da qual se infere que o sócio ou o

administrador são responsáveis, apenas registra que o sujeito R pertencia ao quadro

societário ou era administrador à época em que se deu o fato jurídico tributário ou o

inadimplemento.

O limitado procedimento investigatório do Fisco é adequado se tomado por

válido o art. 13 da Lei 8.620/1993. Para caracterização da responsabilidade, naquele

cenário, basta a condição de sócio, que pode ser confirmada com a apresentação de

documento societário. Para satisfazer a regra de prova, basta apresentar o

documento e demonstrar que ele preenche os requisitos mínimos de enunciação,

cuja validade deve ser desconstituída pelo interessado. Neste caso, ser sócio não é

apenas um indício da prática de atos de gestão com infração da lei, contrato social

ou estatutos. Ser sócio é ser responsável.

Sentido diverso se dará se a responsabilidade for regulada pelos arts. 134

ou 135, III, do Código Tributário Nacional. Aqui, sem o amparo de processo

administrativo de constituição do crédito tributário, a condição de sócio ou

administrador é tomada como indício de prática de atos com infração de lei,

contrato social ou estatutos. E a presunção é inválida; não há nada na singela

condição de sócio ou administrador que leve à inferência da prática de atos

discordantes do ordenamento jurídico.

Como disse Maria Rita Ferragut738 sobre as condições de validade das

presunções, verbatim:

Tratando-se de responsabilidade de terceiros, a regra que contém uma presunção legal relativa será constitucional e legal se (i) o ilícito for tipificado segundo os termos do artigo 135 do CTN; (ii) inexistirem provas em sentido contrário e (iii) todas as condições para admissibilidade das presunções tiverem sido cumpridas (observância dos princípios da segurança jurídica, legalidade, tipicidade, igualdade, razoabilidade, e ampla defesa, bem como a subsidiariedade na aplicação da regra e que os indícios da prática do ilícito sejam graves, precisos e concordantes).

Embora a Professora da PUC/SP se refira às normas gerais e abstratas,

estenderemos as conclusões também às normas individuais e concretas de prova.

738

Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 137.

329

A proposição isolada do Fisco – “R é responsável porque é sócio” – perde

todo o sustentáculo. Viola a racionalidade do fluxo de causalidade jurídica, ignora as

regras de prova e faz pouco dos arts. 201 e 203 do Código Tributário Nacional. É

enunciação que deveria perder-se no espaço-tempo, pois não pode ter efeito

performativo em razão da não-observância das regras de prova739-740.

Os fatos que dão origem à responsabilidade devem fazer parte da

motivação do ato administrativo de constituição da relação jurídica de

responsabilidade.

Durante a construção do quadro fático, que se dá em embargos à execução,

o responsável deve ter em mente ser necessário argumentar a inexistência de

suporte à incidência das normas do art. 134 e 135, III, do Código Tributário Nacional.

Tal é o momento oportuno para requerer ao Juízo que determine que o sujeito ativo

trouxesse aos autos cópia integral do processo administrativo de constituição do

crédito e da respectiva inscrição em dívida ativa. Se inexistentes, deve-se requerer

ao Juízo (e ao Tribunal, em apelação ou remessa necessária) reconhecer

expressamente as circunstâncias.

Quanto ao quadro jurídico, é necessário afastar a aplicabilidade do art. 13 da

Lei 8.620/1993. Veremos mais sobre o assunto adiante.

Caracterizado o quadro fático-jurídico, é possível sustentar que a ausência

de indicação precisa dos fatos que redundam em infração de lei, do contrato social e

dos estatutos, cabível às autoridades fiscais em processo administrativo ou judicial,

viola os arts. 135, III; 149, II; 201 e 203 do Código Tributário Nacional. A ausência de

prova dos atos de infração viola os arts. 149, II, 201 e 203 do CTN, porquanto

compete à autoridade fiscal fiscalizar a conduta do contribuinte e a conduta do

responsável (art. 149, II), constituindo a relação jurídica de responsabilidade, para

somente depois realizar a inscrição do crédito em dívida ativa (arts. 201 e 203). Sem

o esforço do sujeito ativo para demonstrar quais são os fatos que implicaram os

fatos jurídicos tributários ou a inadimplência, a inscrição em dívida ativa é irregular e,

portanto, inválida. A presunção de validade da inscrição somente se sustenta se

739

Falta-lhe a mística dos encantamentos e feitiços – a falta do processo administrativo para constituição da relação de responsabilidade equivale à ausência da letra hebraica aleph na testa do Golem – o que transforma a palavra “verdade” em “morte” e retira do simulacro a própria coesão. 740

Examinando o direito português, Armindo Saraiva Matias entende que o dever de produção de provas é das autoridades fiscais, no que se refere à conduta dolosa do técnico oficial de contas. Cf. Responsabilidade dos administradores e outros membros dos órgãos sociais por dívidas tributárias. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XXXVII, v. 115, p. 51, 1999. Nova série.

330

houver o prévio processo administrativo de constituição da relação jurídica de

responsabilidade ou outros enunciados que suportem a conclusão, como a confissão

do responsável. A contrariedade ao art. 135, III, do Código Tributário Nacional

também se caracterizará pela ausência de elementos que se subsumam ao conceito

de atos que violem a lei, o contrato social ou os estatutos.

Não obstante, o pretenso responsável também deve coligir elementos que

indiquem que a atividade de gestão desempenhada no período apontado pelas

autoridades fiscais foi regular. Nesse grupo, encontra-se a demonstração de que o

administrador não era competente para evitar o ato lesivo, de que não poderia ter

praticado nenhuma conduta lesiva, de que se cercara de todas as salvaguardas

razoavelmente admissíveis para a situação (e.g., apoio em opiniões técnicas), de

que envidara todos os esforços para evitar a lesão etc.

É inequívoco que o sujeito ativo possa pretender demonstrar os fatos que

levam à responsabilização do sócio ou do administrador no curso do processo

judicial de controle da validade da respectiva relação jurídica741. A orientação do

Superior Tribunal de Justiça onera as autoridades fiscais se a execução for proposta

contra quem não figure na CDA. O que não parece adequado é assumir a

persistência da presunção de legalidade da inscrição em dívida ativa mesmo se

demonstrado que as autoridades fiscais não exerceram o dever de fiscalização e

falharam na coleta de dados confirmatórios da conduta com infração de lei ou dos

atos constitutivos da pessoa jurídica. Essa concepção redunda em considerar válida

a inscrição em dívida ativa de crédito independentemente de regular processo de

constituição do crédito tributário (considerado também o processo levado a cabo

pelo próprio sujeito passivo – “confissão”). A interpretação redunda na permissão

para que o sócio ou o administrador se tornem responsáveis objetivos, a despeito do

que prescrevem os arts. 134 e 135, III, do Código Tributário Nacional.

741

Em sentido contrário diz João Luiz Coelho da Rocha (Os débitos tributários das empresas: Responsabilidade de diretores, sócios-gerentes e controladores. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XXXV, n. 101, p. 52, 1996. Nova série.): “O que temos notado em decisões como essa, do STF [refere-se à decisão publicada na RTJ 106/878], é que se admite a citação, o chamamento a juízo, dos diretores, gerentes e representantes, mesmo sem terem sido eles previamente figurados no procedimento administrativo e nem sequer constado da certidão de dívida ativa, abrindo-se-lhes ensejo para provarem a ausência de atos ilícitos somente no corpo dos embargos, o que de toda forma envolve inversão clara e insustentável do ônus da prova, por isso que não existe responsabilidade, nem culpa, presumida, nessas hipóteses acima, devendo o credor estatal, ele, sim, fundamentar a prática de ato ilícito pelos responsabilizados”.

331

Concordamos com Leandro Paulsen742 quando ele afirma que competiria

às autoridades fiscais examinar a conduta de potenciais responsáveis já por ocasião

da fiscalização realizada em relação ao sujeito passivo. Disse o Juiz Federal

convocado a participar do Gabinete de Assuntos Especiais da Presidência do

Surpremo Tribunal Federal no ano de 2007, verbatim:

Assim, embora não seja a praxe da administração tributária, deveria, nos autos do processo administrativo instaurado contra a empresa, verificada a responsabilidade dos diretores, ser lavrado Termo de Verificação Fiscal e de Responsabilidade Tributária, apontando que foi constatada a prática de ilícitos que têm por conseqüência a responsabilização pessoal dos diretores pelos tributos devidos pela empresa, dando-se ciência da constituição do crédito tributário originário das infrações descritas no termo não somente à pessoa jurídica, mas a cada um dos responsáveis.

É importante lembrar que a substituição da CDA somente pode ser

processada até a decisão de primeira instância (art. 203 do Código Tributário

Nacional).

Por ocasião do julgamento do REsp 426.157 (rel. min. João Otávio de

Noronha, DJ de 18/08/2006), a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça

deixou entrever a possibilidade de oposição da ausência de demonstração dos fatos

que implicam a responsabilidade tributária em exceção de pré-executividade.

Colhemos as seguintes passagens do voto do ministro-relator, João Otávio Noronha:

Inicialmente, é mister aduzir que, embora a sistemática processual estabeleça que a oposição de embargos é via própria para o oferecimento de defesa nas ações de execução, a orientação jurisprudencial desta Corte vem admitindo a argüição da exceção de pré-executividade no que concerne a matérias de ordem pública na ação executiva, tais como condições da ação e pressupostos processuais, desde que não seja necessário, para tal mister, dilação probatória.

[...] Assim, considerando que esta Corte posicionou-se no sentido de

que a imputação da responsabilidade prevista no art. 135, inciso III, do CTN não está vinculada apenas ao inadimplemento da obrigação tributária, mas também à comprovação das demais condutas nele descritas – prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos –, bem como de que cabe à parte exeqüente demonstrar tais condutas acima descritas, pois não há por que falar em responsabilidade objetiva, deve-se excluir o sócio do pólo passivo da presente demanda em face de sua ilegitimidade passiva ad causam.

742

Curso de Direito Tributário, p. 155.

332

Vislumbramos, contudo, que a tendência do controle de atribuição de

responsabilidade tributária é demandar alguma forma de instrução probatória mais

elaborada, que não dependa apenas de provas pré-constituídas. Mesmo quando se

invoca a ausência de processo administrativo de constituição do crédito como

pressuposto da irregularidade da inscrição em dívida ativa, o órgão jurisdicional

deverá examinar as cópias dos respectivos autos, trazidas pelo Fisco ou pelo

responsável. Será necessário abrir vista dos autos à parte contrária para exame dos

documentos. Logo, a exceção de pré-executividade tem eficácia limitada no que se

refere ao controle da atribuição de responsabilidade tributária.

A expressão “ônus”, tal como concebida tradicionalmente (faculdade para

obtenção de vantagem), não se aplica à atividade fiscal. A autoridade fiscal tem o

dever-poder de constituir a relação jurídica de responsabilidade, e não apenas uma

faculdade (permissão fraca). Não há propriamente que falar em opção para fruição

de um benefício, porquanto, se a autoridade fiscal não demonstrar e comprovar os

fatos quem têm eficácia jurídica para evocar a incidência da norma de

responsabilidade, haverá violação de dever funcional743. A atividade fiscal é

plenamente vinculada.

Em síntese, adotamos a orientação do Superior Tribunal de Justiça quanto à

conceituação do fenômeno do redirecionamento: este só ocorre se o nome do

responsável não estiver na CDA que embasa a ação de execução fiscal. Não

obstante, a inclusão do nome do responsável na CDA sem amparo em processo

administrativo de constituição da relação de responsabilidade infirma a presunção

de validade da inscrição em dívida ativa. Portanto, o sujeito ativo deve, nos

termos das regras de prova, trazer proposições que confirmem o fato que implica a

responsabilidade, não bastando a nua asserção. O pretenso responsável deve, por

seu turno, deixar o quadro fático bem marcado no sentido da inexistência de

elementos que confirmem o fato jurídico da responsabilidade, apontando tanto a

falha da autoridade fiscal em observar os arts. 149, II, 201 e 203 do Código

Tributário Nacional bem como outros elementos que infirmem a proposição que

afirma a ocorrência do fato jurídico da responsabilidade.

743

Isto é, a autoridade tem o poder-dever de demonstrar e comprovar as causas que firmam a responsabilidade tributária. Falha na observância de tal poder-dever é violação funcional.

333

4.6 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

A prescrição e a decadência são manifestações da segurança jurídica,

juntamente com a preclusão, o trânsito em julgado de decisão judicial e as Súmulas

Vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Tais instrumentos se voltam contra

perpetuação da recursividade dos fluxos de comunicação do sistema do direito e

que o torna uma série de Redes de Transição Aumentadas, e não apenas

Recursivas.

Como sugere Eurico de Santi, os enunciados pertinentes à prescrição e

decadência em matéria tributária não se limitam à composição de

uma norma de decadência e uma norma de prescrição, mas [permitem a formação de] tantas quantas ensejar o direito positivo e que nossa percepção e capacidade sistematizadora dele puder apreender.

744

A assertiva, fortemente influenciada pela Teoria Analítica, fundamenta-se na

observação dos textos de direito positivo com atenção aos aspectos sintáticos e

semânticos que compõem uma das formas básicas de ordenação do discurso

jurídico: a norma jurídica.

Algumas das referências mais importantes para a construção das normas de

decadência e prescrição da obrigatoriedade de restituição do indébito tributário

(“crédito do sujeito passivo”) estão nos enunciados dos arts. 149, parágrafo único,

173 e 174 do Código Tributário Nacional, assim redigidos:

Art. 149. [...]. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

744

Decadência e prescrição no Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 149.

334

I - pela citação pessoal feita ao devedor; I - pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lei Complementar 118/2005) II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

Partindo-se dos enunciados referidos, observa-se que as normas de

decadência têm por conseqüência a extinção do direito do sujeito passivo à

constituição do crédito tributário ou a extinção do crédito tributário745. Já as normas

de prescrição estabelecem o lapso no qual o direito de cobrar judicialmente o crédito

tributário pode ser exercido.

Eurico de Santi extrai seis normas decadência, baseadas em seis critérios,

que são a circunstância de a norma extinguir o crédito tributário:

(i) a atribuição legal ou não ao sujeito passivo do dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade, (ii) ocorrência ou não do pagamento antecipado, (iii) existência ou não de dolo, fraude ou simulação, (iv) ocorrência ou não da notificação preparatória, (v) efetivação ou não da anulação do lançamento anteriormente efetuado.

746

Cinco são as regras de prescrição isoladas por Eurico de Santi. Os critérios

que as informam são:

(i) ocorrência ou não-ocorrência da constituição do crédito pelo contribuinte sem pagamento antecipado; (ii) ocorrência ou não-ocorrência da constituição do crédito pelo lançamento; (iii) ocorrência ou não-ocorrência das hipóteses de suspensão da exigibilidade antes do vencimento do prazo para pagamento do crédito tributário, (iv) ocorrência ou não-ocorrência das hipóteses de reinício do prazo de prescrição (despacho do juiz ordenando a citação, protesto judicial, ato judicial que constitua em mora o devedor, ou reconhecimento do débito pelo devedor).

747

Propomos que a decadência do direito de o sujeito ativo constituir

administrativamente o crédito por responsabilidade e a prescrição do direito de o

sujeito ativo cobrar tal crédito devem ser regulados pelas mesmas normas

pertinentes ao crédito tributário. A paridade de regimes é mais nítida quando se

toma por referência a responsabilidade que implica a antecipação da tributação (art.

150, § 7º, da Constituição), em que aparentemente há substituição do sujeito

745

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no Direito Tributário, p. 162. 746

Idem, ibidem, p. 163. 747

Idem, ibidem, p. 221.

335

passivo e do próprio fato jurídico tributário. O mesmo se dá com o modelo de

responsabilização cujo antecedente normativo é simultâneo ao fato jurídico tributário

(D - 0).

O outro modelo, baseado na circunstância de o fato jurídico tributário ser

anterior ao fato jurídico da responsabilização (D + 1), traz dificuldade adicional. Se o

fato jurídico da responsabilização é posterior ao fato jurídico tributário, não haveria

inconsistência em aplicar as normas de prescrição e decadência nativas ao

regramento do crédito tributário, em razão da discrepância temporal? Entendemos

que não. Lembramos que o ciclo de incidência da norma que institui o tributo ou seu

potencial é pressuposto da responsabilidade tributária. Se houver a decadência do

direito de constituir o crédito ou a prescrição do direito de cobrá-lo, a norma de

responsabilidade não incide. O que o Superior Tribunal de Justiça chama de

redirecionamento da ação de execução fiscal deve ocorrer antes de extinto o direito

para o respectivo exercício. O cálculo se dá em relação a cada devedor, pois a

propositura em relação a um ou alguns devedores não representa o exercício do

direito em relação aos demais. Por outro lado, se a incidência das normas de

prescrição e de decadência levarem à extinção do crédito tributário, a entidade

análoga e que lhe serve para garantir a existência também perde a razão de ser. Em

sentido semelhante, nas hipóteses em que o nome do responsável constar na CDA,

mas a execução não for originariamente proposta contra ele, o sujeito ativo somente

pode pretender pedir a citação dele se não esgotado o prazo prescricional (que não

se interrompe em razão da propositura da ação contra os demais devedores).

É importante salientar que a relação jurídica de responsabilidade pode ser

constituída ao longo do processo de execução fiscal e dos respectivos embargos.

Embora o mais adequado fosse a identificação do responsável em processo

administrativo, o Superior Tribunal de Justiça admite a atribuição de

responsabilidade no curso do processo judicial. Tal direito não é afetado pela

eventual perda do direito à constituição da relação jurídica de responsabilidade em

processo administrativo.

4.7 RETENÇÃO DE VALORES PELA FONTE. DEVER INSTRUMENTAL OU

HIPÓTESE DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA POR ANTECIPAÇÃO?

EFEITOS DO AJUSTE CONTRATUAL (GROSS UP).

336

Assim está redigido o art. 7º, § 3º, do Código Tributário Nacional:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. [...] § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.

Parte da doutrina reconstrói as normas de “retenção de tributos na fonte”

como deveres instrumentais. Segundo concebem, tais normas são despidas de

índole patrimonial, dado que os respectivos conseqüentes se traduzem

invariavelmente em dever de fazer algo – suster parte do fluxo de riqueza destinado

ao contribuinte e que, em razão de relações privadas mantidas com o agente de

retenção – está ao alcance dos respectivos meios e instrumentos.

Angela Maria da Motta Pacheco748 assim constrói a estrutura das normas

de retenção na fonte aplicáveis ao Imposto sobre a Renda:

Entendemos, pois, que a relação jurídica entre o Estado, como poder tributante – União –, e a fonte pagadora do tributo é uma relação jurídica de direito administrativo, pela qual o Estado incumbe à fonte pagadora reter e recolher o imposto sobre o „rendimento‟ (não renda) daquele que irá adquirir (e ainda não adquiriu), nos termos do art. 43 do CTN, a disponibilidade de renda.

Em linguagem formalizada, ter-se-ia:

Fret Sret O(pret) Spcont

Fret Sret O(prec) Sa

Onde:

Fret é o critério material da retenção;

Sret é o sujeito que irá efetuar a retenção;

O(pret) indica a obrigação de Sret reter o valor;

Spcont é o sujeito passivo – contribuinte;

O(prec) indica a obrigação de Sret entregar o valor retido (ou recolher) ao Sa

Sa é o sujeito ativo.

748

Sujeição passiva e responsáveis tributários. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 3, p. 22, 1995.

337

Em sentido diverso, Ricardo Mariz de Oliveira749 constata que o método de

tributação na fonte não a reduz a mero agente de arrecadação. Para tanto, observa

que a obrigação tributária é imposta à própria fonte, pois é irrelevante para a

autoridade fiscal se houve ou não a retenção dos valores que poderiam ser

descontados no fluxo de transferência de riqueza. A retenção se reduz à permissão,

e não à obrigação, e, ainda que a fonte decida por não exercer o direito, estará

obrigada ao pagamento do valor a título de tributo (solução da obrigação).

Entendemos que o “método da tributação na fonte” pode ter amparo no art.

150, § 7º, da Constituição e atende à estrutura normativa já indicada àquele

parâmetro de controle constitucional. É o que se dá na hipótese de tributação pelo

imposto de renda que é apurado no ano subseqüente àquele em que ocorre todo o

conjunto de fatos relevantes à mutação patrimonial. A retenção na fonte, aplicável a

cada fato relevante à mutação patrimonial, opera na expectativa da apuração final

no período adequado (permissão para eleger novos fatos jurídicos tributários, desde

que relacionados aos modelos matriciais hipotéticos previstos na Constituição). Os

valores recolhidos deverão ser incluídos no cálculo final (apuração ou ajuste). É a

aplicação da regra de calibração.

O mesmo não se dá se não houver a expectativa de tributação final futura,

porquanto a apuração é definitiva no momento da retenção. É o que ocorre com a

tributação definitiva “na fonte” do ganho de capital a título de Imposto sobre a Renda

e Proventos de Qualquer Natureza. Situação semelhante acomete o Imposto sobre

Serviços, se a apuração no momento da retenção for “definitiva”750.

Se o responsável optar por não reter valores ou, de qualquer outra forma,

não fazer com que o ônus tributário repercuta na esfera do contribuinte, haverá

a mutação da própria base de cálculo do tributo. A conseqüência é simples, mas

749

Quatro são as conseqüências apontadas por Ricardo Mariz de Oliveira dada a assunção da fonte como sujeito passivo tributário (Sujeição passiva da fonte pagadora de rendimento, quanto ao imposto de renda devido na fonte. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 49, p. 91, 1999): “– a fonte é a única pessoal sobre a qual pode recair qualquer procedimento de cobrança do „imposto devido na fonte‟ [....] – a responsabilidade exclusiva da fonte subsiste quer ela tenha descontado ou não o imposto, ao efetuar o pagamento ou o crédito ao contribuinte; – quando a fonte tenha efetuado a retenção e fornecido o comprovante ao beneficiário da renda ou do provento, e caso o imposto de fonte seja considerado antecipação do imposto devido pelo beneficiário em seu período-base fiscal, este tem o direito de compensar o imposto retido, ainda que a fonte não o tenha recolhido. [...]. – se a fonte não efetuar o desconto do imposto ao pagar ou creditar a renda ou o provento, conserva sua responsabilidade agora agravada pelo reajuste do rendimento bruto [...]”. 750

Cf. BARRETO, Aires Fernandino. ISS e responsabilidade tributária. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 122, p. 7-23, 2005.

338

poderosa: o aumento da base de cálculo efetiva implicará a obrigação de o

contribuinte ajustar a tributação e recolher a diferença devida.

Tome-se cenário marcado pela incidência do Imposto sobre a Renda.

Tomador e prestador do serviço assalariado acordam que o valor a ser pago como

remuneração pelo trabalho deverá ser feito livre de impostos, ou seja, ajustado

para que a carga tributária não repercuta no patrimônio do empregado. Tal prática é

conhecida na comunicação do sistema econômico e do sistema de administração

empresarial como gross up. O valor do tributo era custo de produção da renda

cabível exclusivamente ao contribuinte. Se ele deixa de ser custo, passa a ser parte

da renda. Se o valor da remuneração era $1.000,00 e a alíquota da retenção 15%,

somente $850 deveriam ser repassados ao empregado. Se o tomador repassar

$1.000,00, é porque o repasse deveria ser de $1.150,00 – valor que confirma a

grandeza econômica do fato jurídico tributário. O empregado deverá,

posteriormente, ajustar sua conduta durante a apuração final do Imposto de Renda,

oferecendo os $150,00 à tributação.

O mesmo ocorre na apuração do Imposto sobre Serviços (ISS), se o

responsável pelo pagamento antecipado ou retenção não exercer seu direito. Não se

trata propriamente, assim, de permissão – a retenção é obrigatória para preservar a

dimensão econômica calculada do fato jurídico tributário.

Entendemos que a ausência de retenção não pode ser construída como

hipótese de infração da lei para fins tributários e, portanto, não caracteriza a

responsabilidade do administrador faltoso. Haverá violação nas hipóteses em que o

responsável deixar de recolher os valores devidos, que é o núcleo da obrigação

(considerado apenas o responsável, a retenção é modalizada como permitida). A

circunstância de a conduta trazer implicações desagradáveis ao contribuinte é

insuficiente para caracterizar infração de lei.

4.8 PROIBIÇÃO DE IGNORAR CONCEITOS CONSTITUCIONAIS: O ART. 110 DO

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

O art. 110 do Código Tributário Nacional sugere que o intérprete está

obrigado, no percurso de formação de sentido das normas tributárias, a observar as

definições estipuladas em normas relativas ao “Direito Privado”. Não é incomum

observar arrazoados recursais que invocam contrariedade à proposição normativa,

339

para viabilizar a devolução de acórdão ao crivo do Superior Tribunal de Justiça (art.

105, III, da Constituição). A norma, contudo, é redundante e insuficiente para

justificar o Recurso Especial.

Note-se que preceitua o art. 110 da Constituição, textualmente:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Em síntese, a norma obriga o intérprete a observar a própria Constituição,

regra hermenêutica cerzida na consciência imemorial da pragmática jurídica. A

prescrição nem sequer é útil para estabelecer prioridade na ordenação de normas

jurídicas que aparentemente competissem para incidir sobre dado fato, pois

normalmente não ocorreria ao intérprete reconhecer que a Constituição não tem

precedência sobre normas infraconstitucionais.

Se há violação de conceito constitucional de direito privado, a violação se dá

à Constituição, e apenas indiretamente ao art. 110 do Código Tributário Nacional.

Não obstante, reconhecemos que a norma tem valor de reforço didático. A

redundância, entendida como a repetição da mesma informação no curso do fluxo

de comunicação, é útil em sistemas marcados pelo ruído causado pela interferência

do sistema político.

4.9 CONTRARIEDADE À LEI COMPLEMENTAR 95/1998

Embora a Lei Complementar 95/1998 não faça parte do corpo do Código

Tributário Nacional, a examinaremos como parâmetro de controle.

A Lei Complementar 95/1998 veicula normas de estruturas destinadas ao

regramento da forma como os enunciados normativos deverão ser vertidos em

linguagem.

Especificamente, o respectivo art. 7º, I, determina que “excetuadas as

codificações, cada lei tratará de um único objeto”.

Não obstante, a Lei Complementar 95/1998 não serve como fundamento de

validade para decisões que concluam pela inaplicabilidade de normas, nos termos

do que dispõe o respectivo art. 18: “Eventual inexatidão formal de norma elaborada

340

mediante processo legislativo regular não constitui escusa válida para o seu

descumprimento”.

341

5. CONTROLE DA ATRIBUIÇÃO DA SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA POR

RESPONSABILIDADE NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

5.1 FUNÇÃO JURISDICIONAL E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Concebemos que a função da jurisdição é processar de maneira

centralizada as comunicações do sistema jurídico, dando-lhes estabilidade de

sentido.

Niklas Luhmann observa a posição dos tribunais a partir do modelo centro–

periferia, afirmando que

quem se vê coagido à decisão e, adicionalmente, à fundamentação de decisões, deve reivindicar para tal fim uma liberdade imprescindível de construção do direito. [...] E somente por isso o sistema jurídico pode reivindicar a competência universal para todos os problemas formulados no esquema ―Direito ou não-Direito‖.

751

A jurisdição, por ocupar o centro do sistema de comunicações jurídicas, é

coercitiva.

O Supremo Tribunal Federal ocupa posição nuclear no centro do sistema

jurídico. Compete-lhe processar de forma concentrada as comunicações que tendem

a realizar o controle abstrato da constitucionalidade das normas jurídicas. Também

lhe compete reexaminar proposições de inconstitucionalidade enunciadas ou

entrevistas pelos demais órgãos jurisdicionais que julgam em última ou em única

instância.

Lourival Vilanova752, em conferência proferida na Universidade de Brasília

em 12 de setembro de 1978, ressaltou a dimensão política da Corte dentro do

sistema jurídico, isto é, absorvida pela racionalidade que mantém o sistema jurídico

íntegro e diferenciado:

Atua politicamente o Supremo Tribunal Federal mediante o controle da constitucionalidade das leis e dos atos dos demais Poderes. O caráter

751

LUHMANN, Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), Porto Alegre, n. 49, p. 163, 1990. 752

As dimensões políticas das funções do Supremo Tribunal Federal. In: Sesquicentenário do Supremo Tribunal Federal: Conferências e estudos. Universidade de Brasília, 11 a 14 de setembro de 1979. Brasília: UnB, 1982, p. 39.

342

irrecusavelmente político está em que mediante esse controle obtém ele não a simples aplicação ou inaplicação das normas jurídicas aos casos concretos, porém, mantém os Poderes em suas órbitas de atribuições, definidas pelo Constituinte originário. Contém tais poderes em suas órbitas, cortanto-se-lhes exorbitâncias, no declarar seus atos incompossíveis face à Constituição Federal, desaplicando os atos legislativos e regulamentares aos casos ocorrentes.

Ao centralizar o processamento do controle de constitucionalidade abstrato,

bem como ponderar, em última análise, sobre as proposições de constitucionalidade

advindas de outros influxos de comunicação jurisdicional, o Supremo Tribunal

Federal assegura, em termos do sistema jurídico, a diferenciação funcional do direito

positivo e a coordenação entre os diversos atores da República.

5.2 PRIMÓRDIOS DO CONTROLE JUDICIAL DE ATOS DO LEGISLATIVO OU DA

ADMINISTRAÇÃO: A SUPREMA CORTE NORTE-AMERICANA E O CASO

MARBURY V. MADISON

Parte da literatura nacional e estrangeira costuma invocar o precedente

Marbury v. Madison (5 U.S. Cranch 138 1801-1803) como um dos primeiros e

principais julgados pertinentes ao controle de constitucionalidade de atos de outros

Poderes de uma federação. O precedente também costuma ser construído como

paradigma da independência do Poder Judiciário e da nítida separação das funções

estatais.

Examinaremos, com brevidade, o alcance da decisão e sua importância para

a Teoria do Controle de Constitucionalidade.

A Constituição dos Estados Unidos da América não prevê expressamente,

assim como não previa em fevereiro de 1803, a competência da função jurisdicional

para declarar a inconstitucionalidade de atos emanados no exercício de outras

funções de Estado.

As eleições de 1800 conduziram à troca do partido político então

responsável pela administração do país, o partido dos Federalistas, representados

por John Adams e Alexander Hamilton, pelo partido dos Republicanos, com Thomas

Jefferson à frente da presidência. Como havia um lapso de quase meio ano entre as

eleições e a posse dos congressistas, o partido Federalista passou a indicar o maior

número possível de magistrados federais (chamados pejorativamente de ―juízes da

343

meia-noite‖ – ―midnight judges‖). Uma das bases permissivas das indicações era o

Judiciary Act of 1801.

William Marbury fora indicado para ocupar o cargo de Juiz de Paz no Distrito

de Columbia. Uma vez instalado no cargo, o Presidente Thomas Jefferson orientou o

Secretário de Estado, James Madison, a negar a instalação de Marbury no cargo de

Juiz de Paz.

Marbury apresentou o caso à Suprema Corte, que definiu três questões de

fundo ao desate da demanda:

1. A parte tinha direito à nomeação pleiteada?

2. Se ele tivesse tal direito, e tal direito fosse violado, as leis do país lhe

ofereceriam algum tipo de remédio?

3. Se as leis de fato lhe oferecem um remédio, será ele o mandamus

expedido pela Suprema Corte?753

Quanto ao primeiro quesito, a Suprema Corte concluiu que a indicação de

Marbury era um direito garantido por ato jurídico perfeito (vested legal right), por não

se tratar de ato revogável e independente do ato executivo de instalação754.

A resposta ao segundo quesito encerra a célebre proposição quanto à

possibilidade de o Judiciário examinar a validade de atos oriundos de outros

Poderes.

It is emphatically the province and duty of the judicial department to say what the law is. Those who apply the rule to particular cases, must of necessity expound and interpret that rule. If two laws conflict with each other, the courts must decide on the operation of each.

So if a law be in opposition to the constitution; if both law and the constitution apply to a particular case, so that the court must either decide that case conformably to the law, disregarding the constitution; or conformably to the constitution, disregarding rhe law; the court must determine which of these conflicting rules governs the case. This is of the very essence of judicial duty.

755

Contudo, em relação à terceira questão, a Suprema Corte concluiu que não

havia remédio constitucional disponível para forçar o Secretário de Estado à

nomeação de Marbury.

753

5 U.S. (Cranch) 137-180 1801-1803, p. 154. 754

―It is therefore dedidedly by the opinion of the court, that when a comission has been signed by the President, the appointment is made; anda that the comission is complemente, when the seal of the United States has been affixed to it by the secretary of the state)‖. Ibidem, p. 162. 755

Ibidem, p. 177.

344

Sanford Levinson e Jack M. Balkin756 oferecem visão diferente do caso.

Argumentam que o exame intensivo do precedente não é muito útil ao aprendizado

do Direito, pois há matérias mais importantes a serem estudadas. Entendem que o

julgamento representa a independência do Judiciário de forma pouco agradável, na

medida em que a Suprema Corte confirmou a existência de violação constitucional,

mas negou-se a lhe oferecer alívio. Em especial, sugerem que o ambiente político foi

preponderante ao resultado, pois havia real ameaça política aos membros da

Suprema Corte. Lembram, a propósito, que os Republicanos conseguiram o

impeachment do Justice federalista Chase, posteriormente anulado. Naquela época

os juízes da Suprema Corte também judicavam em tribunais inferiores. O Judiciary

Act of 1802 simplesmente eliminou o ano judiciário de 1802 para a Suprema Corte.

Segundo deixam entrever Levinson e Balkin, a medida poderia servir para dar

tempo à identificação e remoção dos juízes federalistas, que tomariam decisões

contrárias aos interesses do Congresso Republicano757.

Uma teoria de aptidões implícitas da função jurisdicional tem aplicabilidade

ao sistema jurídico brasileiro, mas não é necessário recorrer à noção de ―poder

implícito de controle dos atos de outros poderes‖ para firmar firmá-lo. O sistema

jurídico brasileiro contém normas específicas e texto ostensivo quanto à

possibilidade do controle de constitucionalidade (cf., e.g., os arts. 97 e 102, caput, da

Constituição).

5.3 QUEM É O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO? KELSEN, SCHMITT, JUDICIAL

SUPREMACY E COORDINATE REVIEW OR CONSTRUCTION OF THE

CONSTITUCION

756

What are the facts of Marbury v. Madison? Constitutional Commentary. Minnesota: University of Minnesota, 2003, v. 20, p. 255-281. 757

Disseram (op. cit., p. 259): ―The Jeffersonians recognized that the Federalist-controlled Supreme Court might strike back at their purge by declaring the repeal of the Judiciary ACt unconstitutional. So the Judiciary Act of 1802 made a preemptive strike by eliminating the Supreme Court‘s 1802 Term and taving off the next session of the Court until February of 1803. That is why Marbury v. Madison was decided in 1803 rather than 1802. The clear import of this shot across the bow was that if the Federalist Justives made decisions that the Republican Congress did not like, the Justices might be removes as well, perhaps trhough impeachment. Indeed, the Republicans did impeach the Federalist Justice Samuel Chase. Chase was later acquitted, but not before the Marbury case was heard and decided in 1803. At the point that Marshall and his colleagues heard the case, the threat against them was real and palpable‖.

345

Peter Häberle758 sugere que a interpretação da Constituição não deve ficar

confinada a instituições específicas. O autor fala na ―sociedade aberta dos

intérpretes da Constituição‖, elegendo, entre outras razões, a legitimação

democrática do cidadão para interpretar a Constituição759.

Entendemos que toda comunicação que reduza a contingência nos termos

do código do sistema jurídico tem a pretensão de nele ser reproduzida. Isso ocorre

mesmo quando consideradas as metalinguagens que procuram reconstruir o

sistema jurídico no campo da dogmática ou da Ciência do Direito, em curioso caso

de autoreferência. Vamos exemplificar. Quando Paulo de Barros Carvalho examina

os textos legais com os instrumentos da Ciência do Direito e conclui que a base de

cálculo dos tributos também tem por função confirmar, afirmar ou infirmar a grandeza

econômica do fato jurídico tributário, há a criação de nível metalingüístico que

reconstrói o sistema do direito brasileiro, identificado em coordenadas espaço-

temporais, no estrato da Ciência do Direito. Posteriormente, um órgão jurisdicional

se refere às conclusões do Professor da PUC/SP para concluir que a diferença entre

a base de cálculo estimada e a base de cálculo efetiva do ICMS induz à devolução

do diferencial. A instância lingüística da Ciência do Direito é recodificada no sistema

758

Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para a interpretação pluralista e ―procedimental‖ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002. Diz Häberle (op. cit., p. 42): ―O processo de interpretação constitucional deve ser ampliado para além do processo constitucional concreto. O raio de interpretação normativa amplia-se graças aos ‗intérpretes da Constituição da sociedade aberta‘. Eles são os participantes fundamentais no processo de ‗trial and error‘, de descoberta e de obtenção do direito. A sociedade torna-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação para a interpretação constitucional‖. 759

Disse Rui Medeiros (A decisão de inconstitucionalidade, p. 179): ―Basta antes sublinhar que,

na interpretação constitucional, entendida em sentido amplo, intervêm, potencialmente, todos os

órgãos do Estado, todos os poderes públicos, todos os cidadãos e grupos. Não há qualquer numerus

clausus em matéria de intérpretes da Constituição. A rejeição de um ´monopólio´ do Tribunal

Constitucional em matéria de interpretação da Constituição não significa a aceitação global da visão

constitucional härbeliana. A afirmação da tese da ‗democratização da interpretação da Constituição‘

resulta, tão-somente, do reconhecimento da abertura (limitada) da Constituição e da verificação de

que, mais do que a ordem jurídica fundamental do Estado de que falava WERNER KAGI, a

Constituição constitui ‗a ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade‘. Uma Constituição

aberta que, enquanto plano de conformação social e ‗ordem jurídica fundamental da comunidade‘,

‗tem de ser não só ordenação do Estado, mas também ordenação da sociedade‘, não pode tratar as

forças privadas e da sociedade como mero objecto. Deve, pelo contrário, incluí-los activamente como

sujeitos: num contexto em que os particulares já não são terceiros ou estranhos no processo de

actuação da Constituição, torna-se forçosa a abertura da Lei Fundamental ao ‗público de novos

consumidores, intérpretes e aplicadores‘ dos preceitos constitucionais, pois ‗todos aqueles que, de

um modo ou de outro, são destinatários (...) das normas constitucionais são chamados a participar na

realização e concretização da Constituição‘.‖

346

jurídico para fazer parte de norma jurídica geral e concreta ou individual e concreta.

A descrição do direito passa a ser direito. Assim como se observa o abismo, o

abismo passa a observar.

A pergunta que se coloca é: Como o sistema jurídico brasileiro processa as

comunicações pertinentes ao controle de constitucionalidade? Em especial, é

importante indagar como a aptidão ao controle de constitucionalidade e à

interpretação das normas é atribuída aos órgãos que executam a função jurisdicional

e a função legislativa.

A pergunta feita por Hans Kelsen – ―Quem é o guardião da Constituição?‖ –

continua atual. É nesse contexto que entram os conceitos de controle judicial

(judicial review), supremacia judicial (judicial supremacy) e coordinate review.

Com efeito, registra Rui Medeiros760:

O reconhecimento de um poder administrativo de recusa de aplicação dos regulamentos ilegais mostra-se, em contrapartida, mais problemático nos casos em que o juízo de ilegalidade não é formulado pelo próprio autor da norma (ou por quem tenha competência revogatória). Concretamente, e deixando agora de lado a problemática da fiscalização realizada pelos subalternos, é bastante controvertida a questão da determinação do comportamento que os órgãos situados no topo da hierarquia administrativa devem assumir perante um regulamento ilegal por eles não aprovado (pense-se, por exemplo, numa situação em que a Câmara Municipal de Cascais considera um regulamento do Governo incompatível com a Lei das Finanças Locais).

Vejamos.

O Estado de São Paulo considera que diversos entes federados, entre os

quais o Estado do Espírito Santo, concedem benefícios fiscais sem amparo em

convênio interestadual, requisito de validade dos incentivos (art. 155, § 2º, XII, g, da

Constituição e Lei Complementar 24/1975). As normas dos demais estados

concessivas de benefícios gozam de presunção de constitucionalidade, e o Estado

de São Paulo não se sobrepõe aos demais no modelo de pacto federativo adotado

pela Constituição. Não obstante, as autoridades fiscais bandeirantes negam

sistematicamente validade às normas de outros Estados da Federação que reputam

inválidas, anulando ou estornando os créditos tidos por inconsistentes com o

figurino constitucional. A atuação do Estado não invoca a prestação jurisdicional,

fundando-se no poder normativo conferido aos entes federados.

760

A decisão de inconstitucionalidade, p. 195.

347

O Município de São Paulo entende que a tributação favorecida com a

incidência do ISS viola a Lei Complementar 116, levando diversos contribuintes a

instalar-se no território de municípios vicinais, para usufruir do benefício. A

instalação pode ser real ou fraudulenta. De qualquer modo, continuam os

contribuintes prestando serviços no território do Município de São Paulo, ou a

tomadores localizados naquela unidade política. Para combater na ―guerra fiscal‖, o

Município de São Paulo se arma com a atribuição de responsabilidade tributária ao

tomador do serviço, sempre que a prestação for a cargo de pessoa que não esteja

domiciliada ou inscrita no cadastro de contribuintes local761.

Em ambos os casos, as pessoas políticas de direito público interno

utilizaram a competência legislativa que lhes é outorgada pela Constituição para

obter efeitos próximos à declaração de inconstitucionalidade das normas que

reputam conceder benefícios fiscais inválidos. No caso do Estado de São Paulo, a

relação é direta, enquanto a atribuição de responsabilidade tributária leva à perda de

eficácia do benefício de forma velada.

Os entes federados podem exercer o controle de constitucionalidade e a

interpretação de norma emitida por outra pessoa política, sem acesso ao Judiciário?

É possível indagar também se há campo reservado ao exclusivo escrutínio

dos integrantes das funções legislativas e administrativas do Estado, e se esse

campo pode ser utilizado para negar eficácia às decisões judiciais.

Em 1931, Carl Schmitt apresenta versão estendida das ponderações

publicadas dois anos antes, sobre o papel do órgão incumbido da guarda da

Constituição. Aparentemente, por ―guarda‖ da Constituição Schmitt entendia a

―decisão de dúvidas e divergências de opinião sobre o conteúdo de uma

determinação constitucional‖762. Segundo concebia, a guarda da Constituição

competia ao Chefe de Estado, que, em seu contexto, era o Presidente do Reich

Alemão, e não os Tribunais jurisdicionais.

A tese de Schmitt parece ter por núcleo a preocupação pelo risco ao

equilíbrio federativo causado pela atribuição do controle de constitucionalidade

apenas a um dos Poderes federais. Os dissensos constitucionais são resolvidos ou

por um terceiro superior, dotado de poder político mais forte, ou por um terceiro que

761

Ambos os exemplos são aproximações grosseiras dos cenários reais. A ausência de fidedignidade não arrefece a utilidade deles para o argumento. 762

O guardião da Constituição, p. 5. Cf., também, p. 77 et seq.

348

se coloca em posição de coordenação com os demais Poderes763. No primeiro caso,

não se pode falar em ―guardião da Constituição‖, senão em um soberano que arroga

para si o domínio do Estado. Na segunda hipótese, deve esse terceiro constituir um

órgão verdadeiramente neutro. A função do Poder neutro é moderar, regular e

pacificar os vetores emanados pelos diversos interessados na aplicação das normas

constitucionais.

Gilmar Ferreira Mendes sugere que a oposição de Schmitt à atribuição do

controle de constitucionalidade a órgão do Judiciário também tinha por fundamento a

ausência de legitimidade representativa:

Segundo Schmitt, a criação ou o reconhecimento de um Tribunal Constitucional, por outro lado, transfere poderes de legislação para o Judiciário, politizando-o e desajustando o equilíbrio do sistema constitucional do Estado de Direito.

764

Hans Kelsen se opôs à concepção de Schmitt em artigo intitulado ―Quem

deve ser o Guardião da Constituição?‖. Nele, Kelsen argumenta, com grande

clareza, que o Chefe de Estado também está sujeito às pressões e ambições

políticas. Para considerá-lo um poder neutro, ―terceira instância objetiva‖, é

necessário abstrair a função que ele exerce. Disse Kelsen765:

Portanto, para tornar possível a noção de que justamente o governo – e apenas ele – seria o natural guardião da Constituição, é preciso encobrir o caráter de sua função. Para tanto, serve a conhecida doutrina: o monarca é – exclusivamente ou não – uma terceira instância, objetiva, situada acima do antagonismo (instaurado conscientemente pela Constituição) dos dois pólos de poder [se refere ao Parlamento e ao governo – administração], e detentor de um poder neutro.

[...] Trata-se de uma ficção de notável audácia, se pensarmos que no

arsenal do constitucionalismo desfila também outra doutrina segunda a qual o monarca seria de fato o único, porque supremo, órgão do exercício do poder estatal, sendo também, particularmente, detentor do poder legislativo: do monarca, não do parlamento, proviria a ordem para a lei, a representação popular apenas participaria da definição do conteúdo da lei.

Donde Kelsen766 indaga:

763

Idem, ibidem, p. 193. 764

MENDES, Gilmar Ferreira. Apresentação em O guardião da Constituição, p. xi. 765

Jurisdição constitucional, p. 241. 766

Idem, ibidem, p. 242.

349

Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade?

Hans Kelsen também refuta o argumento de Schmitt quanto ao risco de

transferência da função legislativa ao Judiciário, caso se outorgue aos Tribunais a

possibilidade de realizar controle de constitucionalidade. Aponta contradição na

argumentação. Para Kelsen, não há diferenciação sensível entre a prolação de uma

sentença e a criação de uma lei, na medida em que ambos são criação de direito.

Conquanto Schmitt parta do pressuposto de que a atividade jurisdicional não possa

tornar-se política (dissociação), e assuma que a solução de qualquer litígio já se

encontra limitada no âmbito de norma geral, o autor de O Guardião da

Constituição admite, em determinado momento, que há elemento na decisão que

não pode ser deduzido da lei767.

O modelo de controle de constitucionalidade proposto por Kelsen é

concentrado. Quer dizer, apõe a um único Tribunal central a competência para

custodiar o exame da validade das normas com parâmetro na Constituição. Ao

examinar o sistema norte-americano, o autor anotou que o controle de

constitucionalidade era tomado de forma incidental à discussão acerca de um litígio

subjetivo, como pressuposto da solução de crise entre interesses particulares768.

Portanto, para ser processado, o controle depende da colocação em movimento de

processo judicial por particular, que poderá suscitar a inconstitucionalidade da lei

como pressuposto de seu pleito. Sugere o autor, contudo, que o interesse na

manutenção da higidez das normas constitucionais nem sempre coincide com o

interesse particular, asserção que tomamos como defesa do modelo de controle de

constitucionalidade concentrado.

Por seu turno, a experiência norte-americana traz casos interessantes sobre

a legitimidade para interpretar a Constituição e controlar a validade das normas. A

ambigüidade do resultado de Marbury v. Madison é um dos exemplos mais antigos

da tensão entre o Judiciário e o Executivo na definição de quem é o órgão apto e

legitimado para dar a melhor interpretação constitucional. Embora a Corte afirmasse

que competia ao Judiciário interpretar a Constituição, ela também reconheceu a

767

Idem, ibidem, p. 258. 768

Idem, ibidem, p. 311.

350

existência de um campo decisório privativo da função administrativa do Estado. O

registro Cranch contém a seguinte passagem sobre o julgamento:

Segue-se então que a questão consistente na possibilidade ou não de exame da legalidade de um ato do chefe de uma repartição estatal em uma corte de justiça deve sempre depender da natureza do ato. Se alguns atos são examináveis, e outros não, deve haver alguma norma jurídica para guiar a corte no exercício de sua jurisdição. Em algumas situações, pode haver dificuldade na aplicação da norma para casos particulares; mas não deve haver, acredita-se, muita dificuldade em se apontar a regra. Pela Constituição dos Estados Unidos, o Presidente está investido em certos e importantes poderes políticos, cujo exercício está submetido ao próprio discernimento, e nisto ele é responsável somente perante seu país em sua personalidade política e à sua própria consciência. [...] Em tais casos, os atos deles são seus atos; e independentemente da opinião que se possa ter sobre a discricionariedade executiva [...] não pode haver qualquer poder para controlar aquela discricionariedade. Os assuntos são políticos. Eles dizem respeito à nação, não aos direitos individuais, e, sendo atribuídos ao executivo, a decisão do executivo é conclusiva.

769

Em outro julgamento relevante, Cooper v. Aaron770, a Suprema Corte

estabeleceu que todos os agentes públicos, pertencentes ou não aos quadros do

Judiciário, estavam vinculados à interpretação que a Corte desse para a

Constituição.

O Governador e o Legistativo do Estado do Arkansas se negara a obedecer

a orientação firmada pela Suprema Corte em outro julgamento, Brown v. Board of

Education771. Esse precedente estabelecera a obrigatoriedade do exercício de

política de inclusão escolar (contrária à segregação racial), mas a administração

local entendeu por bem atrasar o cronograma para acabar com as escolas

segregadas em função da raça. A questão de fundo era conspícua, e versava sobre

a vinculação dos agentes públicos estaduais às decisões judiciais emanadas de

Tribunais federais.

Larry Alexander e Frederick Schauer772 argumentam, contudo, que a

comunidade jurídica norte-americana começou a formar consenso desde a formação

do precedente no sentido de que aquele não poderia ser interpretado de forma

literal. Segundo as bases de tal consenso, os agentes públicos não estariam

769

5 U.S. Cranch p. 165-166. Tradução do candidato. 770

358 U.S. 1 (1958). 771

Comumente referido como Brown I, pois houve julgamento posterior com as mesmas partes, mas objeto ligeiramente diverso. 772

On Extrajudicial Constitucional Interpretation. Harvard Law Review, Cambridge (EUA), v. 110, n. 7, p. 1359-1387, 1997.

351

obrigados a tomar as decisões da Suprema Corte como vinculantes em toda a sua

extensão.

As linhas de pensamento que reconhecem a independência dos órgãos

imbuídos da função administrativa e da função legislativa no que tange à

interpretação constitucional costumam propor que a fixação do alcance da norma

constitucional deve ser realizada no âmbito de atuação de cada Poder, de forma,

coordenada. No respectivo campo de competência, dizem, o Presidente ou os

membros do Poder Legislativo têm mais aptidão e legitimidade para assentar o que

diz a Constituição. Assim, o Presidente e os demais agentes públicos são livres para

interpretar não somente a Constituição, mas também as próprias decisões judiciais.

Esse tipo de doutrina costuma ser aglutinado no que se chama ―coordinate review‖,

―coordinate construction of the Constitution‖ ou ―departamentalism‖.

Os exemplos mais recentes da defesa do coordinate review podem ser

encontrados nas administrações norte-americanas de Richard Nixon e de George

Walker Bush, embora Alexander e Schauer retrocedam na história ao apontar a

resistência da administração Lincoln à observância erga omnes dos postulados do

caso Dredd Scott773.

Cass Sustein retraça os argumentos de James Thayer no sentido de que a

interpretação de texto constitucional ambíguo melhor se resolve no seio de

processos decisórios de política e os órgãos que possuem legitimação democrática

estão mais bem preparados para resolver tais casos774. Aponta que a dogmática

rejeita os argumentos de Thayer sob o argumento de que o Judiciário tem

vantagens no campo da interpretação quando comparado com os demais Poderes.

Ademais, não pareceria adequado colocar no campo de determinação dos

controlados a definição dos limites do controle775.

Menciona o precedente Chevron v. Natural Resources Defense Council, no

qual a Suprema Corte teria criado um teste de dois estágios para examinar a

interpretação dada à lei pelas agências governamentais. Narra que a primeira

pergunta se refere à circunstância de o Legislativo (Congresso) ter definido com

precisão a matéria controvertida. Se a resposta for negativa, então passa-se a

773

On Extrajudicial Constitucional Interpretation..., p. 1360. 774

Beyond Marbury: The Executive‘s Power to Say What the Law Is. The Yale Law Journal, New Haven (EUA), v. 115, p. 2584, 2006. 775

Sunstein alude ao adágio ―colocar a raposa para cuidar do galinheiro‖.

352

indagar se a interpretação dada pelo agente é razoável. Sustein776 entende que os

dois argumentos oferecidos pela Suprema Corte têm índole pragmática. O primeiro é

o de que os juízes não têm conhecimento técnico sobre a matéria. No segundo,

aponta-se que os juízes não podem ser politicamente responsabilizados por suas

decisões777.

Em síntese, Cass Sustein argumenta que resolução de ambigüidades nos

textos de legislação infraconstitucional778 encontra guarida em juízos de princípios e

de política pública, que são o domínio próprio das agências reguladoras. Desvios

severos devem ser corrigidos, mas os Tribunais devem preservar o espaço de

interpretação razoável dado à Administração.

Outros argumentos a favor do aumento do campo de interpretação da

Administração foram elaborados por Christopher S. Yoo e Steven Calabresi779.

Frederick Schauer e Larry Alexander se opuseram à investida contra a

noção de Judicial Supremacy. Principiaram por sustentar a função de arbitramento

da lei (the settlement function of law), no sentido de que a prévia escolha por

soluções em vasto campo da contingência, ainda que ruim, é preferível à ausência

de qualquer escolha ou à deferência da opção para cada uma das partes,

isoladamente780. Passam, então, a examinar as virtudes da consistência no curso do

tempo (stare decisis e a vinculação aos precedentes) e as virtudes da consistência

nas relações institucionais. Registram os autores:

Coordination and settlement of disagreements – and the individually and socially beneficial goods these goals produce – provide content-independent reasons fot the existence of the state, of law, and of the obligation of obedience to the law.

781

776

Beyond Marbury: The Executive‘s Power to Say What the Law Is…, p. 2586. 777

Entendemos que Cass Sunstein se refere à obrigatoriedade de prestação de contas aos cidadãos em um regime democrático. Trata-se de julgamento de legitimidade e representação popular. Não devemos confundir ―responsabilização política‖ com a figura dos ―crimes de responsabilidade‖ do direito brasileiro. 778

Statutes, no original. Beyond Marbury: The Executive‘s Power to Say What the Law Is…, p. 2610. 779

The Unitary Executive in the Modern Era, 1945-2001, disponível em http://ssrn.com/abstract= 558306. Último acesso em 11/2007. Dizem (p. 9): ―This approach [coordinate construction] holds that all three branches of the federal government have the power and duty to interpret the Constitution and that the meaning of the Constitution is determined through the dynamic interaction of all three branches‖. 780

On Extrajudicial Constitutional Interpretation..., p. 1371. 781

Idem, ibidem, p. 1374.

353

A observância das decisões judiciais, em especial as decisões da Suprema

Corte, leva à definição de sentido pelo próprio valor que a definição de sentido tem.

O sistema contém normas que definem quem será o árbitro final da disputa, pois um

resultado único deverá ser atingido. No sistema norte-americano, a Suprema Corte

ocupa aquele papel782.

A dogmática brasileira aborda uma das ramificações oriundas da definição

do campo de atividade interpretativa das funções de Estado ao examinar a validade

de normas interpretativas e a validade de normas destinadas à correção legislativa

de precedentes judiciais.

Para Carlos Velloso783, a própria existência de normas interpretativas está

descartada:

No sistema constitucional como o nosso, em que a regra da irretroatividade situa-se em nível constitucional e não apenas de lei ordinária, impossível falar-se em lei interpretativa. Admiti-la seria permitir ao legislador ordinário, a pretexto de estabelecer regra de interpretação de lei, fazê-la retroagir.

Registre-se, ainda, a opinião de Ricardo Lobo Torres784:

Para que a lei possa ser considerada interpretativa é necessário que disponha no mesmo sentido das decisões judiciais; se vier resolver conflito jurisprudencial ou estabelecer orientação contrária à da jurisprudência vitoriosa, não será interpretativa, mas lei de natureza constitutiva ou ius novum.

Por ocasião do julgamento da ADI 605-MC (DJ de 05/03/1993), o Supremo

Tribunal Federal considerou constitucionalmente admissível a existência de leis

interpretativas. Lê-se, no voto do relator, ministro Celso de Mello785:

As leis interpretativas – não obstante o caráter extraordinário que ostentam – constituem, naquilo que concerne à fixação do sentido das normas editadas pelo Poder Legislativo, o instrumento juridicamente idôneo à concretização da interpretação autêntica.

Não se desconhece a posição doutrinária daqueles que, embora não vislumbrando obstáculo constitucional à sua realização, censuram, por

782

As opiniões de Schauer e Alexander sofreram diversas criticas. Os autores ofereceram resposta ao escreverem o artigo Defending Judicial Supremacy: a Reply. Constitutional Commentary, Minnesota, v. 17, p. 455-482, 2000. 783

Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 319. 784

Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 70. 785

RTJ 145/466.

354

imprópria, desnecessária e cientificamente inconveniente, a atividade legislativa destinada a formalizar a exegese de leis anteriormente promulgadas, visto que tal comportamento estatal traduziria, mais do que simples interpretação autênctica de textos normativos, verdadeira inovação da ordem jurídica.

[…] Mesmo que se negue à interpretação autêntica o caráter de

verdadeira interpretação normativa, não se pode desconhecer que essa atuação do Poder legislativo não constitui mera possibilidade doutrinária. Insere-se, na realidade, ainda que em situação de absoluta excepcionalidade, na competência institucional dos órgãos investidos de função legislativa.

[…] No plano da divisão funcional do poder – e do sistema de checks

and balances consagrado pelo ordenamento constitucional brasileiro – incumbe ao Poder Judiciário a típica e preponderante função de, ao resolver as controvérsias, aplicar as leis, interpretando-as.

Isso não significa, porém, que a interpretação das leis constitua atribuição dos juízes e tribunais, que não detêm, no âmbito da comunidade estatal, o monopólio da definição do sentido e da extensão das normas legais, muito embora só a seus atos decisórios se reconheça – como atributo essencial da jurisdição que é – o caráter de definitividade, qualificador, na concreta resolução do litígio, do ―final enforcing power‖ que assumem as manifestações do Poder Judiciário.

Sempre que a ―interpretação‖ redundar na diminuição ou no aumento do

campo de soluções possíveis anteriormente projetadas, ou modificar o sentido

possível dos enunciados anteriores, a inserção da nova norma modificará o próprio

sistema jurídico.

A juridicização dos fatos assíncronos aos novos enunciados está, de forma

geral, resguardada das modificações. Preserva-se, no interregno, a ambigüidade e a

vagueza dos antigos enunciados (S1).

Por outro lado, como o que se preserva é o quadro de soluções possíveis, o

jurisdicionado não tem direito adquirido à aplicação da interpretação normativa

firmada em precedentes que não possuem eficácia geral. Tampouco os fatos

jurídicos pertinentes podem ser considerados atos jurídicos perfeitos que

demandem a aplicação de específica orientação jurisdicional, desprovida de eficácia

geral e vinculante. Em última análise, há a preservação da expectativa de aplicação

dos antigos enunciados, para que a eles fosse atribuída uma das soluções

possíveis.

Sobre correção legislativa, ensina Ricardo Lobo Torres786, verbatim:

786

Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 321.

355

A correção legislativa dá-se através de emenda constitucional, lei complementar ou lei ordinária. Implica: a) o radical repúdio à interpretação judicial, pela edição de norma intencionalmente contrastante com a jurisprudência; b) a retificação da norma anterior que, por ambigüidade ou falta de clareza, tenha levado o Judiciário a adotar interpretação com os pressupostos doutrinários da matéria.

A inserção de norma ―interpretativa‖, pelo Poder Legislativo, não ofenderia,

então, a independência entre as funções de Estado e mesmo a própria mecânica de

construção de sentido normativo?

A resposta parece ser negativa.

O sistema jurídico brasileiro não desconhece casos de produção legislativa

destinada à alteração da aplicabilidade de orientação judicial. A respeito, lembra

Misabel Derzi787 que as limitações constantes no art. 155, § 2º, II, a e b, da

Constituição de 1988 contrariam expressamente orientação anteriormente firmada

pelo Supremo Tribunal Federal.

Segundo Ricardo Lobo Torres, a vedação do direito ao crédito de ICM

pertinentes às operações isentas ou não-tributadas, determinada pela EC 23/1983

(―Passos Porto‖),

veio a corrigir o equívoco jurisprudencial [...]. Superou-se, assim, a contradição entre a jurisprudência e os princípios estruturais do ICMS, especialmente o da natureza real do crédito fiscal e do efeito de recuperação de que são dotados os impostos não-cumulativos; autores abalizados, todavia, criticam a disciplina constitucional

788

De forma semelhante, a revisão do Código Judiciário norte-americano789, em

1948, continha uma emenda ao Código de Receitas Domésticas790 daquele país. A

modificação destinava-se à ―correção‖ de decisão da Corte Suprema relativa à

extensão dos poderes de revisão judicial (cognição) das decisões proferidas pelos

Tribunais Administrativos Tributários791 que envolvessem a distinção entre questões

de fato e questões de direito792. A orientação ―corrigida‖, chamada de ―Dobson

787

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 421. 788

A não-cumulatividade no PIS/COFINS. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FISCHER, Octávio Campos (Orgs). PIS-COFINS: Questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 67. 789

Judiciary Code, no original. 790

Internal Revenue Code, no original. 791

Tax Courts, no original. 792

Cf. SOFIS, Alice Helen. Legislative correction of the ―Dobson‖ Rule. University of Pittsburg Law Review, v. 83, 1948-1949.

356

rule‖, diminuiu em grande monta a possibilidade de revisão judicial das decisões

administrativas em matéria tributária.

Embora os órgãos jurisdicionais executem operações centrais no sistema

jurídico, e somente essas operações tendam à estabilidade pelo trânsito em

julgado793, isso não quer dizer que somente o Poder Judiciário produza

comunicação jurídica capaz de remover ambigüidade e vagueza .

Aliás, no sistema jurídico brasileiro, a existência de comunicação jurídico-

legislativa é pressuposto para a comunicação jurídico-jurisdicional, ainda que o

alcance de sentido da comunicação anterior somente possa ser definido com maior

exatidão após a operação subseqüente.

A correção legislativa de precedentes judiciais é admissível se voltada

apenas para o futuro, isto é, para estabilizar condutas que ocorrerão durante a

existência dos novos enunciados no sistema (tempo externo). Trata-se de atividade

legítima, como se deu com a Lei Complementar 118/2005, no que se refere à

contagem do prazo de prescrição para repetição do indébito tributário.

Em sentido diverso, se a correção legislativa pretender modificar a relação

jurídica firmada pela decisão judicial, haverá violação do ato jurídico perfeito, da

separação de Poderes e, potencialmente, da coisa julgada. É o que ocorreu com o

Decreto-Lei 1.564/1939, que cassou decisões do Supremo Tribunal Federal em

matéria tributária794.

O exame da repartição da competência para interpretação constitucional

entre as esferas exercentes de função estatal assume relevância no controle da

atribuição de responsabilidade tributária. Como visto, a modificação da sujeição

passiva pode servir de instrumento de retaliação ou de extrema salvaguarda dos

793

Há outras formas de estabilização de sentido e expectativas no sistema jurídico, como a prescrição, a decadência e as novas Súmulas Vinculantes. 794

―Confirma os textos de lei, decretados pela União, que sujeitaram ao imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, e para os efeitos do artigo 96 [...]. Considerando que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda, decretado pela União no uso de sua competência privativa, sobre os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais; Considerando que essa decisão judiciária não consulta o interesse nacional e o princípio da divisão eqüitativa do ônus do imposto, decreta: Artigo único. São confirmados os textos de lei, decretados pela União, que sujeitaram ao imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais; ficando sem efeito as decisões do Supremo Tribunal Federal e de quaisquer outros tribunais e juízes que tenham declarado a inconstitucionalidade desses mesmos textos. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1939, 118º da Independência e 51º da República.‖

357

interesses de um ente tributante contra o que ele reputa ser a conduta

constitucionalmente reprovável de seus pares.

Vamos assumir que um dado ente tributante eleja o tomador de serviços

responsável tributário em relação ao crédito pertinente ao valor do ISS devido por

prestador sediado em outra unidade política. Além, o ente tributante também obriga

o sócio ou o administrador a arcar com o valor devido, solidariamente à pessoa

jurídica tomadora do serviço.

A instituição das fictícias normas de responsabilidade tributária tem por

objetivo neutralizar as normas de municípios lindeiros que tomam como critério

espacial do ISS o local onde está sediado o estabelecimento principal do prestador

do serviço. Segundo concebe o município vindicante, o critério espacial possível do

ISS deve ser estabelecido de acordo com a localização do estabelecimento onde

ocorre a prestação de serviços. Se o prestador desloca meios ao território do

município vindicante para cumprir seu encargo, então o estabelecimento, ainda que

temporário, configura-se no território daquele, e não no do município onde está

sediado o prestador.

Sustentamos que um ente federado não tem competência para declarar

inconstitucional norma criada por outro ente legiferante e dessa declaração extrair

efeitos jurídicos. O sistema jurídico coloca à disposição dos entes federados uma

série de mecanismos destinados à preservação do pacto federativo. A aptidão para

interpretar o texto constitucional não implica o exercício unilateral de pretenso direito

à resistência às normas que se reputam inválidas, se a interpretação levada a cabo

levar à invalidação ostensiva ou velada de norma erigida por outro ente que com ele

se encontre em posição de coordenação795.

É certo que o processamento do controle de constitucionalidade concentrado

e abstrato encontra parâmetros rígidos na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal. Daniel Monteiro Peixoto lê a orientação que reconhece a perda de objeto

da ação direta de inconstitucionalidade, sempre que houver a revogação ou

mudança substancial da norma objeto de controle, como evento que frustra a

expectativa dos jurisdicionados e leva à perda da efetividade da atuação da Corte

Suprema. Concordaríamos com a constatação se o controle concentrado e abstrato

795

Em sentido diverso se manifestou Aldo de Paula Jr., por ocasião de defesa pública de artigo monográfico no XIX de Direito Tributário do Instiuto Geraldo Ataliba, realizado na cidade de São Paulo em outubro de 2005.

358

via ação direta de inconstitucionalidade fosse a única ferramenta posta à disposição

dos entes tributantes. Ocorre que há outros meios disponíveis para o jurisdicionado

resolver conflitos federativos, como a ação cível originária (art. 102, I, f, da

Constituição) e, em tese, a argüição de descumprimento de preceito fundamental

(art. 102, § 1º, da Constituição).

Exemplo da persistência da ação cível originária à revogação da norma

objeto de controle pode ser recuperado do julgamento da ACO 541-AgR (rel. min.

Gilmar Mendes, Pleno, DJ de 03/02/2006), em que se decidiu que a exaustão dos

efeitos de convênio local que concedida benefícios fiscais inconstitucionais e ilegais

não levada à perda de objeto de ação em que se realizava controle incidental da

validade de tal norma.

Também entrevemos que, se necessário, não haverá óbice para que o

Supremo Tribunal Federal arrefeça as restrições postas pela orientação

mencionada. A orientação da Corte tem por fundamento a circunstância de que o

controle de constitucionalidade concentrado e abstrato realizado no processamento

de ação direta de inconstitucionalidade deve ser atual e contemporâneo ao objeto do

escrutínio. Se a norma deixa o sistema, integralmente ou por ter-se transfigurado em

algo diferente, não há mais interesse na manutenção do processo de controle.

5.4 O MODELO BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

5.4.1 Introdução

Lúcio Bittencourt aponta que a tomada da Constituição como parâmetro de

controle de todas as demais normas de um sistema jurídico é inerente à concepção

de Constituição rígida796. Apoiando-se em Dicey e Freund, registra que o conceito

de inconstitucionalidade ―não tem conteúdo, no sistema inglês [Constituição não-

escrita]; traduz uma censura, no sistema francês [sistema em que o exame de

inconstitucionalidade não pertence aos domínios do Judiciário]; significa nulidade,

para o americano [sistema em que há controle jurisdicional dos atos de outros

Poderes]‖797.

796

BITTENCOURT, Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Atualizado por José de Aguiar Dias. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 9. 797

Idem, ibidem, p. 12.

359

Em Hans Kelsen, o controle de constitucionalidade aparece em decorrência

do próprio Estado de Direito e da idéia de ―máxima legalidade da função estatal‖798.

Concebemos que o controle de constitucionalidade é ferramenta das mais

importantes para a garantia da força normativa da Constituição, tal como concebida

por Konrad Hesse799, e uma das expectativas normativas pertinentes à sua

aplicação. Clèmerson Merlin Clève800 identifica três pressupostos para o controle

de constitucionalidade: a existência de Constituição formal, a tomada daquela

Constituição como lei fundamental e a existência de um órgão competente para

realizar o controle de constitucionalidade.

Jorge Miranda801 constrói o conceito de inconstitucionalidade como relação

– relação entre a Constituição e um objeto, que pode lhe ser conforme ou

desconforme. Entendemos que, ao contrário do que sustentaram Hans Kelsen802 e

H. L. A. Hart803, a validade de uma norma não se confunde com sua pertinência ou

existência no sistema. Não se trata de elemento imanente à norma. Concordamos

com Marcelo Neves804 quando separa os predicados da pertinência e da validade,

indicando que o sistema jurídico tolera normas jurídicas desconformes ao

fundamento de validade até que se realize o processo de controle.

No sistema jurídico brasileiro, a permissão para realizar o controle de

constitucionalidade, no âmbito do Poder Judiciário, é ostensiva (arts. 97, 102, caput,

I,a, III, a, b, c e d e § 1º).

Quanto aos órgãos autorizados para a realização do controle, diz-se que o

controle pode ser concentrado ou difuso. No controle concentrado, apenas um ou

poucos órgãos jurisdicionais são incumbidos de examinar a invalidade das normas

frente ao texto constitucional. No controle difuso, todos os órgãos jurisdicionais na

capilarizada malha da estrutura do Judiciário envergam a competência para

reconhecer a inconstitucionalidade de normas.

798

Jurisdição constitucional, p. 239. 799

Cf. A força normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991. 800

A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 28-34. 801

Teoria do Estado e da Constituição, p. 685-686. 802

―A norma jurídica individual permanece válida na medida em que seja parte de uma ordem válida‖ (Teoria geral do Direito e do Estado, p. 178). 803

The Concept of Law, p. 103. 804

Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 41/46/96/101/146.

360

Em relação ao objeto do controle, diz-se que ele pode ser abstrato ou

concreto. A fiscalização abstrata prescinde de qualquer litígio subjetivo, pois toma a

norma-em-si como foco de observação. Faz-se o controle de constitucionalidade

pelo valor do próprio controle, ou seja, tão-somente para preservar a higidez e a

harmonia do sistema jurídico.

Como sugere Robson Maia Lins805, verbatim:

Nesse enquadramento, o controle concentrado

806 de constitucionalidade

exerce função essencial na harmonização (porque a desarmonia é possível) das normas, ainda mais em matéria tributária, dado o timbre analítico da Constituição de 1988.

Concordamos em certa medida com Hans Kelsen807 quando este

ponderava que o interesse na salvaguarda da constitucionalidade é público, não

sendo adequado condicioná-lo tão-somente ao interesse individual de partes

litigantes. Tal circunstância, contudo, é insuficiente para afastar o valor que o

controle concreto também tem no sistema.

5.4.2 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material

Por ―inconstitucionalidade formal‖ entendem-se os vícios que acometem o

processo de enunciação, desconforme à Constituição no que se refere à pessoa

apta a criar a norma e ao procedimento adequado para tanto (quem, como). O

exame é feito a partir da enunciação-enunciada, própria do veículo introdutor.

―Inconstitucionalidade material‖, por seu turno, significa a dissociação

sintático-semântica em relação ao sentido empregado na construção da norma

jurídica.

5.4.3 Incompatibilidade da norma com texto constitucional superveniente

(diacronia)

805

Controle de constitucionalidade da norma tributária: Decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.134. 806

Entendemos que a palavra ―concentrado‖ pode ser lida como ―abstrato‖. 807

Jurisdição constitucional, p. 311 et seq.

361

Já vimos que o Supremo Tribunal Federal entende que a incompatibilidade

de normas criadas sob a regência de Constituição pretérita com a Constituição

existente no momento do controle se resolve em juízo de revogação, e não de

inconstitucionalidade.

Resta examinar a situação em que a norma é criada sob a égide da

Constituição atual, mas o controle se dá no momento em que o parâmetro de

controle foi modificado pelo poder constituinte derivado.

Parte considerável da dogmática entende que o controle deve dar-se de

acordo com os parâmetros existentes no momento de criação da norma (tempo

externo), pois são aqueles os dispositivos que governam a inserção da norma no

sistema jurídico. A superveniência de modificação constitucional, por obra da função

legislativa constituinte derivada, não altera os parâmetros de controle e tampouco

convalida norma tida por inconstitucional808.

Partiremos da concepção de Bulygin, no sentido de que cada modificação

no texto legal implica a criação de uma nova constituição. Não há identidade entre

a Constituição de 1988, com o texto anterior à Emenda Constitucional ―tal‖ de 2004,

e a Constituição de 1988, tal como emendada em 2004. Trata-se de sistemas

diferentes – S´ e S´´.É certo que a ruptura entre os sistemas causada pelo exercício

do poder constituinte derivado não é tão agressiva quanto o descolamento que há

por ocasião do nascimento originário de uma nova ordem constitucional. Não

obstante, há mudança parcial de identidade.

Nada impede, contudo, que o órgão jurisdicional evoque S´ para realizar o

controle de constitucionalidade de norma criada naquela coordenada de espaço-

tempo, ainda que o controle se dê em S´´. A regência do controle deve tomar por

parâmetro não apenas o tempo externo da norma constitucional, mas também seu

tempo interno.

A questão se torna mais complexa no controle concreto de

constitucionalidade, porquanto ele não tem por objetivo retirar a norma do sistema,

senão reconhecer incidentalmente sua incompatibilidade com a Constituição para

dizer-lhe inaplicável ao caso em exame. Não vemos, aqui, óbice para solução

808

Cf., por todos, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Leis ordinariamente inconstitucionais compatíveis com emenda constitucional superveniente. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 215, p. 85-98, 1999; ÁVILA, Humberto Bergmann. Inconstitucionalidade da modificação da base de cálculo e violação ao princípio da igualdade. Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, n. 14, p. 442-435, 2ª quinzena de julho/1999; CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 296-297.

362

híbrida: a norma não pode reger os fatos jurídicos em S´, pois não tinha fundamento

de validade. Contudo, se ela passar a ter fundamento de validade em S´´, poderá

governar os fatos que ocorrerem em tais coordenadas espaço-temporais (tempo

interno da norma).

Tal solução, contudo, não é a subscrita pelo Supremo Tribunal Federal. Para

a Corte Suprema, inconstitucionalidade é vício que não se convalida, e a

superveniência de emenda constitucional não causa ruptura na ordem constitucional

a ponto de reconhecer a recepção de normas tidas por inconstitucionais809.

5.5 TÉCNICAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

5.5.1 Declaração de inconstitucionalidade tout court e a tese da nulidade do

texto que foi objeto de controle

Discute-se se a incompatibilidade de dado texto ou norma jurídica com a

Constituição acarreta a inexistência, a nulidade, a anulabilidade ou mero juízo de

reprovação.

A inexistência é predicado810 das normas que nem sequer geraram

efeitos811, sempre que o sistema permita a qualquer jurisdicionado negar-lhes

vigência sem recorrer a procedimento centralizado. A norma nula também não gera

efeitos desde sua criação, mas o reconhecimento do vício depende de intervenção

qualificada de órgão reconhecido pelo sistema jurídico. Por seu turno, a norma

anulável apenas perde a validade e deixa de viger após a declaração de

inconstitucionalidade. O tempo externo da norma (Bulygin) anterior ao momento em

que há o controle de constitucionalidade, ato que secciona S1 em S2, é preservado.

809

Cf. RE 390.840, rel. min. Marco Aurélio, Pleno, DJ de 15.08.2006. 810

Dizer que inexistência é predicado de norma é contraditório, se a validade for tomada como sinônimo de pertinência da norma ao sistema e, portanto, de existência (a existência ou a não-existência são imanentes à norma). Como entendemos que validade é propriedade relacional mantida com o fundamento de validade (conformidade), aderimos à proposta de Marcelo Neves de considerar que o sistema jurídico tolera a persistência de normas potencialmente desconformes, por uma questão pragmática. Quem diz que uma norma é inexistente quer apagar todas as marcas vicárias que reconstroem eventos em fatos, isto é, lançar todos os registros destinados a manter o passado na percepção presente ao ostracismo ou à excomunhão. 811

Isto é, os fatos que lhe seriam subsumíveis não têm eficácia jurídica.

363

Por fim, o mero juízo de reprovação não acarreta nenhum tipo de sanção à norma

inconstitucional812.

No modelo entrevisto por Hans Kelsen, a incompatibilidade da norma com a

Constituição acarreta-lhe a anulação, sem que seja possível conceber nulidade ab

initio. Concebe o autor que a eventual discrepância entre o fundamento de validade

e dada norma não pode abalar a coerência interna do sistema jurídico. A declaração

de inconstitucionalidade tem efeito constitutivo da invalidade, não se limitando a

declarar o vício. A destruição da norma viciada é fenômeno similar à criação de

qualquer outra norma, pois ingressa no sistema também por intermédio de norma

jurídica813-814.

A dogmática brasileira parece pender à atribuição de nulidade à norma

inconstitucional, com algumas vozes dissonantes. Pontes de Miranda já defendia a

posição em 1932815. Gilmar Ferreira Mendes cerra fileiras à mesma falange816, não

812

Cf. PALU, Luiz Oswaldo. Controle de constitucionalidade: Conceitos, sistemas e efeitos, p. 85-86, e MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, p. 94-95. 813

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 307. Em especial: ―Porém, a lei foi válida até a sua anulação. Ela não era nula desde o início. Não é, portanto, correto o que se afirma quando a decisão anulatória da lei é designada como ´declaração de nulidade´, quando o órgão que anula a lei declara na sua decisão essa lei como ´nula desde o início´ (ex tunc). A sua decisão não tem caráter meramente declaratório, mas constitutivo. O sentido do ato pelo qual uma norma é destruída, quer dizer, pelo qual a sua validade é anulada, é, tal como o sentido de um ato pelo qual uma norma é criada, uma norma‖. 814

Disse Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição constitucional, p. 322): ―Segundo essa concepção, a lei inconstitucional não poderia ser considerada nula porque, tendo sido editada regularmente, gozaria de presunção de constitucionalidade, e sua aplicação continuada produziria conseqüências que não poderiam ser olvidadas. A lei inconstitucional não seria, portanto, nula ipso jure, mas apenas anulável. A declaração de inconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo. Da mesma forma que o legislador poderia dispor sobre os efeitos da lei inconstitucional, seria facultado ao Tribunal reconhecer que a lei aplicada por longo período haveria de ser considerada como fato eficaz, apto a produzir conseqüências pelo menos nas relações jurídicas entre pessoas privadas e o Poder Público. Esse seria também o caso se, com a cassação de um ato administrativo, se configurasse uma quebra da segurança jurídica e do princípio da boa-fé‖. 815

MIRANDA, Pontes de. Os fundamentos actuaes do Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Empresa de Publicações Technicas (Distribuidores: Freitas Bastos & C), 1932, p. 404: ―A lei inconstitucional não tem effeitos; o acórdão opera ex tunc; applicar-se-á o direito como se ella não existisse, uma de cujas conseqüências é ser aplicada a lei que a lei nula pretendera revogar.‖ 816

―Tanto o poder do juiz de negar a aplicação à lei inconstitucional quanto a faculdade assegurada ao indivíduo de negar observância à lei inconstitucional demonstram que o constituinte pressupôs a nulidade da lei inconstitucional‖ (Jurisdição constitucional, p. 326). Mas também disse (ibidem, p. 318): ―A recepção na doutrina americana não contribuiu significativamente para o desenvolvimento de uma teoria da nulidade da lei inconstitucional no direito brasileiro. Também a fundamentação dogmática na chamada nulidade de pleno direito ou ipso jure jamais se afigurou precisa entre nós. Assim, constatou Lúcio Bittencourt que os constitucionalistas brasileiros não lograram fundamentar nem a eficácia erga omnes nem a chamada retroatividade ex tunc da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal‖.

364

obstante, em obra coletiva, aponte que a nulidade da norma inconstitucional não

seja consenso817. Octavio Campos Fischer818 segue a mesma trilha.

Oswaldo Luiz Palu819 entende que a possibilidade de modulação temporal

dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade infirma a conclusão pela nulidade

da lei.

A tentativa de absorção de uma única solução para o arquétipo do

conseqüente da norma que tem por antecedente a inconstitucionalidade por uma

Teoria Geral parece desnecessária. Entendemos que cada sistema jurídico confere

ao vício de constitucionalidade conseqüência própria. Isto é, não é possível afirmar

que a inconstitucionalidade acarreta a inexistência ou a nulidade da norma sem

observar um sistema de direito positivo específico, identificado em coordenadas

de espaço-tempo. Por exemplo, no sistema jurídico suíço, a decretação de

inconstitucionalidade é limitada pelo apelo popular; se a população considerar a

norma necessária, a Corte Constitucional não pode adjudicar-lhe sanção alguma820.

Essas nuanças não passaram despercebidas por Lúcio Bittencourt821 e por

Jorge Miranda822, ao anotarem a descrição feita por Dicey do tratamento dado à

inconstitucionalidade em diferentes sistemas referenciais.

No sistema jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a

inconstitucionalidade implica nulidade da norma posta ao crivo ao Judiciário823. Não

se trata de argumento de autoridade, magister dixit. As comunicações emanadas da

Corte Suprema têm o maior potencial de estabilização de expectativas de todo o

817

Curso de Direito Constitucional, p. 953: ―Não se afirma, hoje, o dogma da nulidade com a mesma convicção de outrora. A disciplina emprestada aos efeitos da delcaração de incosntitucionalidade pelo constituinte austríaco (1920-1929) e os desenvolvimentos posteriores do tema no direito constitucional de diversos países parecem recomendar a relativização dessa concepção unitária de inconstitucionalidade‖. 818

―Sem concessões, uma norma contrária ao ordenamento jurídico pátrio é uma norma que não se compadece com este e, portanto, é desde sempre inválida. A norma pode até ter existido, pode até ter vigorado, pode até ter produzido efeitos, mas, se não era compatível com a Constituição, é nula (desde a origem)‖ (Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro, p. 245). 819

Controle de constitucionalidade: Conceitos, sistemas e efeitos, p. 87. 820

Notas taquigráficas tomadas por terceiros o durante a palestra A Práxis do Controle de Constitucionalidade na Atualidade, proferida pelo Juiz Arthur Aeschlimann, Presidente do Tribunal Federal da Suíça. Brasília, 22 de fevereiro de 2008. 821

―Essa classificação [de Freund] se inspirou, provavelmente, naqeula observação de Dicey sobre o tríplice sentido do vocábulo ´inconstitucionalidade´: não tem conteúdo, no sistema inglês; traduz uma censura, no regime francês; signfica nulidade, para o americano‖ (O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, p. 12). 822

Manual de Direito Constitucional, tomo VI, p. 94-95. Jorge Miranda fala em inexistência, nulidade, anulabilidade e irregularidade. 823

ADI 2 (rel. min. Paulo Brossard).

365

sistema jurídico. É o próprio sistema jurídico que confere ao Supremo Tribunal

Federal a última palavra em matéria de controle de constitucionalidade, por uma

série de instrumentos (eficácia geral e vinculante do controle abstrato e concentrado,

devolução de matéria constitucional via recurso extraordinário, súmulas vinculantes,

definição sobre a presença ou não de repercussão geral da matéria constitucional

etc.). Em síntese, e parafraseando Henry Truman824, ―the Buck stops there‖.

Lúcio Bittencourt, por seu turno, esquadrinhou as composturas possíveis

da inconstitucionalidade, apontando quatro situações:

1ª) desrespeito à forma prescrita; 2ª) inobservância de condição estabelecida; 3ª) falta de competência do órgão legiferante; 4ª) violação de direitos e garantias fundamentais.

825

As conformações 1ª e 3ª dizem respeito ao que se convencionou chamar, no

léxico do Supremo Tribunal Federal, de ―vícios formais‖, isto é, a desconformidade

entre o processo de enunciação e as normas destinadas a replicar tal processo em

comunicação reconhecida pelo sistema jurídico. Os tipos de vícios apontados nas

posições 2ª e 4ª se referem ao teste feito com o conteúdo da enunciação, e são

comumente chamados de ―vícios materiais‖.

É bom lembrar que, segundo outra regra de bom aviso deitada pela pena de

Lúcio Bittencourt826, a declaração incondicional de inconstitucionalidade somente

tem passagem se a violação for ―clara, completa e inequívoca‖.

5.5.2 Interpretação conforme a Constituição

A decisão que utiliza a técnica da interpretação conforme a Constituição

parte do quadro de soluções possíveis emanado de texto polissêmico para isolar

uma única interpretação possível. O resultado do viés interpretativo é o único que

torna a norma compatível com a Constituição. Todas as outras interpretações

possíveis redundam em inconstitucionalidade.

Rui Medeiros identifica três motivos para justificar a técnica da interpretação

conforme a Constituição. As duas primeiras são insuficientes em seu entender.

824

Cf. <http://www.trumanlibrary.org/buckstop.htm>. Último acesso em 1º/01/2008. 825

O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, p. 71. 826

O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, p. 92.

366

Trata-se da presunção de constitucionalidade das normas e da preservação da

vigência da norma (princípio da conservação dos atos jurídicos)827. Para o autor

lusófono, a interpretação conforme a Constituição justifica-se por um princípio de

hermenêutica, consistente na impossibilidade de cindir a interpretação: o sistema

jurídico não permite que se ignorem os parâmetros constitucionais durante a

construção de normas jurídicas828.

Como dito por Eros Roberto Grau829, ―o direito não se interpreta em tiras‖.

Lúcio Bittencourt também traça a interpretação conforme a Constituição à

seguinte regra de bom aviso, baseada na Teoria do Originalismo: é adequado

assumir que o legislador utilizou as palavras no sentido que não tornaria a norma

inválida, pois ele quer zelar pela respectiva constitucionalidade e força. Disse o

autor, invocando Thomas Cooley e a Suprema Corte Norte-Americana:

Destarte, se uma lei pode ser interpretada em dois sentidos, um que a torna incompatível com a Lei Suprema, outro que permite a sua eficácia, a última interpretação é a que deve prevalecer.

830

Jorge Miranda831 reconhece que não apenas os órgãos jurisdicionais mas

todos aqueles ligados à interpretação do Direito buscam extrair do texto a

interpretação que torne a norma compatível com a Constituição. Trata-se de

princípio de economia jurídica.

Gilmar Ferreira Mendes832 fala que:

Os tribunais devem, portanto, partir do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional.

Há muito vale-se o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição. Essa variante de decisão não prepara maiores embaraços no âmbito do controle incidental de normas, já que aqui o Tribunal profere uma decisão sobre um caso concreto que vincula apenas as partes envolvidas.

827

A decisão de inconstitucionalidade, p. 291-295. 828

―Em nossa opinião, o princípio da interpretação conforme à Constituição, que obriga o intérprete a tomar inclusivamente em consideração os princípios constitucionais na tarefa de interpretação de ―toda e qualquer norma infraconstitucional, material ou procedimental‖, não constitui um corpo estranho na metodologia jurídica, apresentando-se como simples concretização da interpretação sistemático-teleológica. O seu fundamento último confunde-se, portanto, com o próprio fundamento deste elemento da interpretação‖ (A decisão de inconstitucionalidade, p. 295). 829

Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 131-132. 830

BITTENCOURT, Lucio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, p. 94. 831

Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, p. 78. 832

Jurisdição constitucional, p. 347.

367

A interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no âmbito do controle abstrato de normas. Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição. O resultado da interpretação, normalmente, é incorporado, de forma resumida, na parte dispositiva da decisão.

Octavio Campos Fischer833 fala sobre os limites da interpretação conforme

a Constituição:

Por isso, fala-se que os limites da interpretação conforme são (i) a literalidade do texto, (ii) a vontade do legislador e (iii) a teleologia da lei. Dentre estes três, o que nos afigura como o mais razoável é, sem dúvida, o limite da teleologia (sistema), já que se a literalidade e a vontade do legislador estivessem claros, das duas uma: ou a norma seria constitucional ou não seria constitucional e não seria necessário qualquer recurso hermenêutico extra.

Sobre o limite literal, diz Fernando Osorio de Almeida Junior834:

A aplicação de uma interpretação que seja ―conforme a Constituição" pressupõe a admissão expressa da existência de variantes de interpretação, e entre elas, a que demonstra fortemente a inconstitucionalidade da lei, ao contrário da mera pronúncia de constitucionalidade sem a aplicação do critério, posto que [sic], nesta última, inexiste a compreensão pelo tribunal de que se pode admitir mais de uma interpretação, seja, ao menos, uma de acordo e outra em desacordo com a Constituição.

Gilmar Ferreira Mendes835, por seu turno, fixa escoras no Originalismo e na

forma frástica para impor limites à técnica:

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme a Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme a Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.

833

FISCHER, Octavio Campos. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro, p. 128. 834

ALMEIDA JUNIOR, Fernando Osório de. Interpretação conforme a Constituição e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 42. 835

Jurisdição constitucional, p. 349.

368

Opina Clèmerson Merlin Clève836 que a interpretação conforme a

Constituição não se reduz a instrumento de rescaldo da lei, mas é verdadeiramente

técnica decisória.

A técnica da interpretação conforme a Constituição é aplicável ao controle

de validade das normas de atribuição de responsabilidade tributária sempre que

houver um universo possível em que a norma – sentido construído a partir do texto

de direito positivo – for compatível com os parâmetros da Carta Magna. A aplicação

da técnica não pode violar a racionalidade da atribuição de responsabilidade

tributária, contudo. Assim, a interpretação que exclui a relação jurídica tributária e

exonera o contribuinte, por reputar que a norma de responsabilidade tem viés

primário sancionatório para punir o responsável, não encontra porto seguro na

interpretação conforme a Constituição. Tampouco a norma será, por manter o

contribuinte jungido ao sujeito ativo pela obrigação, inconstitucional por violação da

regra de razoabilidade ou da regra de proporcionalidade.

5.5.3 Declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto

A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto extirpa do

acervo (stack) de universos possíveis de interpretação os resultados normativos que

sejam incompatíveis com a Constituição. Ao passo em que a interpretação conforme

isola uma única resposta possível, a declaração de inconstitucionalidade sem

redução de texto indica quais interpretações levam à relação de não-

conformidade.

Gilmar Ferreira Mendes837 exemplifica a utilização da técnica nas hipóteses

em que a Corte considera constitucional um tributo, posto que repute inválida a

cobrança dos respectivos valores antes de decorrido o prazo da anterioridade.

Nesse caso, a Corte declara inconstitucional qualquer interpretação que induza à

836

―A interpretação conforme a Constituição, conhecida pelas Cortes Constitucionais européias, mais do que uma técnica de salvamento da lei ou do ato normativo (doutrina americana), consiste já numa técnica de decisão. Assim, em homenagem aos princípios da presunção de legitimidade das leis e a da supremacia da Constituição, interpreta-se o ato impugnado conforme a Constituição. Oportunidade para a interpretação conforme a Constituição existe sempre que determinada disposição legal ofereça diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a Constituição‖ (CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 263). 837

Jurisdição constitucional, p. 344.

369

cobrança do valor do tributo antes de exaurido o prazo de anterioridade, mas

mantém a constitucionalidade da exação.

A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto não esgota,

necessariamente, todo o quadro de interpretações possíveis nas quais a norma seria

inconstitucional. Entendemos que a presunção de exaustão da causa de pedir,

comum no controle abstrato e concentrado, deve ser afastada neste caso. Nada

impede que a Corte, após isolar as interpretações viciadas I1 e I2, conclua que as

interpretações I5 e I6 também conduzem à invalidade da norma.

A técnica em estudo tem ampla aplicação no controle da atribuição da

responsabilidade tributária, em especial se combinada com a regra de razoabilidade

ou a regra de proporcionalidade. Muitas vezes o teste de razoabilidade ou o teste de

proporcionalidade indicarão as circunstâncias que tornam a tensão entre direitos

fundamentais insustentável. Especulamos que profundas intrusões no núcleo

essencial do direito fundamental de acesso à Jurisdição ou do direito fundamental à

propriedade podem levar à falha no teste de proporcionalidade, tornando a norma

inválida. Não obstante, essas intrusões podem depender do quadro fático ou da

conjunção do quadro fático com os parâmetros legais.

É o que se passa com a interpretação do art. 135, III, do Código Tributário

Nacional, se o sujeito ativo ou o órgão jurisdicional considerarem que a presunção

de validade da Certidão de Dívida Ativa, sem o amparo de regular processo

administrativo de constituição do crédito tributário ou sem escora em acervo

probatório apresentado pelo Fisco em juízo, é suficiente para atender à regra de

prova associada com a atribuição de responsabilidade tributária. Depositar o ―ônus

da prova‖ na exclusiva esfera do responsável implica desconsiderar o âmago do

dever de fiscalização do sujeito ativo e a razão por que se considera a CDA válida

até prova em contrário – o regular processo de constituição do crédito tributário.

5.5.4 A declaração da norma ainda constitucional (constitucionalidade “se”,

“enquanto”)

Na sessão de 23/03/1994, o Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou e

concluiu o julgamento do Habeas Corpus 70.514. Segundo registro feito pelo

ministro-relator, Sydney Sanches, o habeas corpus fora impetrado pela defensoria

pública contra ato constritor de liberdade consistente na declaração de

370

intempestividade de apelação interposta em favor de dois pacientes. Segundo a

impetração, a defensoria pública gozava de prazo em dobro para interposição de

recurso de apelação, da mesma forma que possuía prazo dilatado para interposição

de recurso ordinário em matéria criminal (art. 1º da Lei 1.060/1950, acrescentado

pela Lei 7.871/1989).

Nos termos do voto do ministro-relator, o prazo especial concedido à

defensoria pública se justificava ante o interesse público, consubstanciado na

―notória deficiência ou insuficiência de sua organização nos Estados‖. Disse Sua

Excelência, textualmente:

Sendo assim, a inconstitucionalidade do § 5º do art. 1º da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei nº 7.871, de 08 de novembro de 2989, não é de ser reconhecida, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas. Ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível da organização do respectivo Ministério Público. (Grifo nosso.)

O ministro Moreira Alves ponderou inexistir fundamento à manutenção do

benefício à Defensoria, se considerado o menor prazo concedido ao Ministério

Público. Concebeu que o esforço do Ministério Público era muito maior do que o da

Defensoria no curso da ação penal. A única razão para mantença do benefício era

temporária: a circunstância de as Defensorias ainda não estarem plenamente

sedimentadas e aparelhadas para atender o objetivo que lhes foi cometido pela

Constituição.

A declaração de constitucionalidade foi, portanto, condicionada ao quadro

fático que dava suporte à constatação da hiposuficiência transitória das Defensorias

Públicas.

Disse Sua Excelência:

Adianto, pois, meu voto no sentido de acompanhar o eminente relator, com a ressalva de que considero a lei em causa constitucional enquanto não estiverem devidamente estruturadas as Defensorias Públicas, tornando-se ela incosntitucional quando essa circunstância de fato deixar de existir, porque, quando isso ocorrer, não há justificativa alguma para a disparidade de tratamento, quanto a prazo, entre a Defensoria Pública e o Ministério Público, quebrando-se, assim, o tratamento isoômico ínsito ao princípio constitucional do contraditório.

371

Assim, o quadro fático é componente relevante do controle de

constitucionalidade. A Corte admite o reconhecimento da constitucionalidade de

norma condicionada, no tempo, às circunstâncias que justificam a preservação de

direito ou expectativa com maior peso valorativo do que o direito afetado pela

inconstitucionalidade da norma838. Trata-se de juízo de proporcionalidade, em que

se colocaram em posições de confronto o direito fundamental à isonomia e o direito

fundamental ao contraditório, à ampla defesa e de acesso ao Judiciário. O mediador

do cálculo foi a situação factual vivida pelas Defensorias Públicas, marcada pelo

regime de escassez momentânea.

Julgado semelhante foi prolatado durante o exame do Recurso

Extraordinário 147.776 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de

19/06/1998). O ministro-relator, Sepúlveda Pertence, remete à manifestação nos

autos do RE 135.328 para dizer, textualmente:

O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-nos presos ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitiva da lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc; ou ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre o reconhecimento da recepção incondicional e a da perda de vigência desde a data da Constituição.

Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que geram – fazem abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade da realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada –, subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

A ponderação do ministro Sepúlveda Pertence deixa entrever o trânsito

gradual da situação de constitucionalidade à situação de inconstitucionalidade,

conduzido por circunstâncias de fato. A declaração de inconstitucionalidade ou de

constitucionalidade tout court é inadequada para resolver a questão posta ao crivo

da Corte, pois redunda num dilema839. No caso em exame, o provimento do recurso

extraordinário violaria o direito ao acesso ao Judiciário, mas garantiria íntegras as

atribuições imanentes ao Ministério Público. O mero desprovimento do recurso

838

Argumentou Teori Albino Zavascki (Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 114): ―Bem se vê portanto, que, em controle abstrato, o juízo de compatibilidade entre as normas leva em conta, se for o caso, os pressupostos da realidade social apresentada no momento da sentença, cuja força vinculativa se manterá rebus sic stantibus‖. 839

Em lógica, ―dilema‖ é o quadro de soluções possíveis a dada proposição caracterizado pelo juízo negativo que se faz de todas as soluções possíveis. Cf. COPI, Irving. Introdução à lógica, p. 218-222.

372

extraordinário, por outro lado, conspurcaria os limites das atividades do Ministério

Público, mas asseguraria a prestação de serviço essencial à Jurisdição para

pessoas que não dispusessem de meios para reter um advogado840.

É importante relembrar, contudo, as palavras de Konrad Hesse841 sobre a

tensão entre a mudança do quadro fático e a finalidade (Telos) da norma

constitucional. Segundo o autor, mudanças no quadro fático autorizam o observador

a adaptar a interpretação das normas constitucionais. Não obstante, a finalidade da

norma constitucional não pode ser desprezada em nome da mutação das relações

fáticas subjacentes ao quadro jurídico. Em termos de Teoria dos Sistemas, a

atribuição de sentido ao texto constitucional deve ser sensível ao contexto trazido

por acoplamentos estruturais e pelos programas que recodificam os dados

existentes em outros sistemas na comunicação jurídica. Se a comunicação jurídica

pretender simplesmente ignorar o quadro fático, não conseguirá coordenar as

expectativas normativas e contrafáticas no código de licitude ou ilicitude. Contudo,

como o sistema jurídico tende a garantir as expectativas normativas

independentemente do risco de desconfirmação, não é qualquer mudança nas

relações fáticas que implica a imediata e inexorável mudança no sentido da norma.

Se assim fosse, as expectativas processadas pelo sistema jurídico seriam sempre

contrafáticas e nunca normativas.

Sobre o alcance do reconhecimento de situações ainda constitucionais, diz

Gilmar Ferreira Mendes que a rejeição da inconstitucionalidade não obsta a

renovação do controle de constitucionalidade, uma vez percorrido o fluxo que leva

da situação ainda constitucional ao quadro de inconstitucionalidade842.

Concebemos a possibilidade de aplicação da técnica decisória baseada nas

circunstâncias de fato em matéria de controle da validade da atribuição de

responsabilidade tributária. A aplicação somente será admissível nas hipóteses em

que o risco ao direito fundamental que deve ser preservado é extremo e conspícuo.

840

Octavio Campos Fischer oferece o seguinte caveat (Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 139): ―Em nosso modo de analisar esta questão, porém, entendemos que estas duas decisões talvez não retratem fielmente uma modalidade de Apelo ao Legislador em Face da Lei ainda Constitucional. Com efeito, a rigor, em ambos os casos, as leis analisadas deveriam ter sido declaradas inconstitucionais, mas o STF preferiu mantê-las até que as autoridades competentes tomassem as devidas providências. Não há que se falar, entretanto, em trânsito para a inconstitucionalidade, pois que já se encontram elas nesta situação, apenas que o STF preferiu não expulsá-las do ordenamento; por enquanto‖. 841

A força normativa da Constituição, p. 23. 842

Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 40.

373

No acervo de direitos fundamentais possivelmente violados, estão o dever

fundamental de pagar tributos e o direito à livre concorrência e ao exercício de

atividade econômica ou profissional lícita. Nesse campo especulativo, imaginamos

dada norma de responsabilidade tributária que, a despeito de ostentar algum vício

de constitucionalidade, é necessária para manter o equilíbrio de quadro temporária e

gravemente afetado por práticas anti-concorrenciais.

5.5.5 Relações complementares e suplementares entre textos. Declaração de

inconstitucionalidade por arrastamento

Qual é o objeto da declaração de inconstitucionalidade: o texto, considerado

o suporte físico; a proposição jurídica de sentido deôntico incompleto; ou a norma

jurídica, construção de sentido deôntico completo feita a partir dos textos de direito

positivo?

Paulo Lyrio Pimenta843 esboça o grau de profundidade da declaração de

inconstitucionalidade sob o prisma da semiótica e em função da técnica de controle

adotada. Se se tratar de violação de normas que estabelecem o procedimento de

enunciação legislativa, o objeto da declaração de inconstitucionalidade será o

documento normativo (―Lei‖, ―Decreto‖, ―Instrução Normativa‖ etc). No exame

material, a declaração de inconstitucionalidade sem restrições também leva à

invalidação do próprio texto, que é alijado do sistema. As técnicas de interpretação

conforme a Constituição, de declaração de inconstitucionalidade sem redução do

texto e de pronúncia de nulidade parcial afetam tão-somente a norma jurídica, pois

não extirpam o texto da comunicação jurídica.

Em sentido semelhante disse Oswaldo Luiz Palu844:

Com as novas técnicas de decisão expressamente previstas na Lei 9.868/99 e já utilizadas, anteriormente, pelo Supremo Tribunal Federa, sempre a evitar a inconstitucionalidade material, preservando-se a norma legal (declarando inconstitucional uma dada interpretação, mas não outra, explicitada) há que se afirmar que o objeto da ação de inconstitucionalidade antige a norma e não apenas o texto formal da lei.

843

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São Paulo: Dialética, p. 40-41. 844

Controle de constitucionalidade: Conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed., rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 263.

374

É possível que a declaração de inconstitucionalidade de parte do texto legal

torne sem sentido outras disposições de sentido deôntico inconfundível com aquela

que foi objeto de controle. Essas normas complementares ou suplementares não

apresentam, por si, nenhum tipo de vício. Por exemplo, o reconhecimento da

inconstitucionalidade de tributo por violação da regra de legalidade torna

pragmaticamente inútil disposição sobre o prazo de vigência da exação.

Nesse contexto, inconstitucionalidade por arrastamento nada mais é do que

a invalidação de normas que, a despeito de não ostentarem vícios de validade

próprios, perdem totalmente o sentido em função da declaração de

inconstitucionalidade de outras normas845. Aqui o objeto do controle também será o

texto, entendido como documento normativo846.

5.5.6 Modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade

A orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a

inconstitucionalidade leva à nulidade da norma jurídica. Isso quer dizer que nenhum

efeito poderia ter sido extraído da subsunção de fatos à norma que sofrera juízo

negativo de validade. Não obstante, como anotou Marcelo Neves847, a pertinência

de normas inválidas no sistema jurídico é possível e se deve à própria característica

845

―Assim, a inconstitucionalidade por arrastamento ocorre quando a declaração de inconstitucionalidade de um dispositivo expressamente impugnado produz efeitos sobre um dispositivo não expressamente impugnado, ligados que estão pelo vínculo de dependência ou interdependência‖ (BORGES MENDONÇA, Andrey. Inconstitucionalidade por arrastamento ou conseqüência. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras complementares de Constitucional: Controle de constitucionalidade. Salvador: Podivm, 2007, p. 162). 846

Aparentemente, a nova argumentação que está sendo proposta ao Supremo Tribunal Federal em torno da constitucionalidade do aumento da alíquota da Cofins (art. 8º da Lei 9.718/1998) envolve conceito próximo ao de arrastamento. Segundo concebem seus articuladores, a alíquota da Cofins não pode ser abstraída da base de cálculo, pois ambos são elementos do critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária (aqui está a premissa do juízo de arrastamento – não posso interpretar ―alíquota‖ em disjunção a ―base de cálculo‖, porquanto ambos são aspectos de um mesmo conceito). Assim, o aumento de alíquota também deve ser considerado como nova fonte de custeio da Seguridade Social, como se deu com a base de cálculo ―receita bruta‖. Haveria, portanto, violação da reserva de lei complementar (art. 195, § 4º, da Constituição). 847

―A explicação semiótica desta situação – pertinência ao ordenamento de normas inválidas – encontra-se nas características semânticas e pragmáticas do discurso jurídico. A plurivocidade significativa da linguagem jurídica (problema semântico), utilizada pelos diversos órgãos que exercem o poder e também pelos destinatários do poder (problema pragmático), implica a exigência prática de que a norma permaneça no sistema enquanto não seja desconstituída por órgão competente, caracterizando-se a presunção júris tantum de validade das normas emanadas de órgãos do sistema (pertinentes ao ordenamento), pois a hipótese contrária (presunção de invalidade) conduziria ao não funcionamento do sistema, por haver interpretações as mais divergentes entre os utentes das normas (v. Cap. VIII, item 2)‖ (Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 46).

375

do sistema, cujas normas não são deduzidas por processo lógico de norma

fundamental848.

Há tensão latente entre a declaração de inconstitucionalidade e as

expectativas que foram legitimamente formadas durante o império da norma posta

ao escrutínio do Judiciário. Essa tensão se adensa ao longo do tempo em que a

norma incidiu. Torna-se ainda mais premente de acordo com a intensidade da

abrangência da norma e dos interesses que ela tutelava.

Para lidar com os efeitos que a potencial frustração da expectativa pode

causar, os sistemas jurídicos desenvolvem teorias e mecanismos de modulação

temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. As decisões

conscienciosas ao contexto das expectativas também são chamadas de decisões

prospectivas.

Nos Estados Unidos, Pamela Stephens849 traça a concessão de decisões

meramente prospectivas à Corte Warren850, embora a limitação da retroatividade

fosse matéria debatida há mais tempo. Segundo a autora, a Teoria da

Retroatividade começa a firmar-se em uma série de precedentes sobre matéria

criminal, e a Suprema Corte Norte-Americana desenvolve um teste de três estágios

para determinar a aplicabilidade da limitação temporal. Com base nos julgados

Linkletter v. Walker851 e Mapp v. Ohio852, decide a Suprema Corte que a

retroatividade se assenta:

(a) the purpose to be served by the new standards, (b) the extent of reliance by law enforcement authorities on the old standards, and (c) the effect on the aministration of justice of a retroactive application of new standards.

853

848

―Contudo, o ordenamento jurídico, por constituir espécie de sistema normativo dinâmico, tolera a incorporação irregular de normas jurídicas, que permanecerão no sistema enquanto não houver produção de ato jurídico ou norma jurídica destinada a expulsá-las, isto é, até que se manifeste o órgão competente desconstituindo-as. Portanto, ao passo que nos sistemas normativos estatísticos, onde as normas são explicitadas mediante processo de derivação lógico-dedutiva desenvolvidos a partir da norma básica, a pertinência da norma implica a sua validade interna e vice-versa, os sistemas jurídicos, construídos e desenvolvidos através dos processos políticos e técnicos de produção-aplicação normativa, caracterizam-se por uma nítida distinção entre pertinência e validade das normas‖ (Idem, ibidem, p. 41). 849

The New Retroactivity Doctrine: Equality, Reliance and Stare Decisis. Syracuse Law Review, Syracuse, v. 48, p. 1515-1575, 1998. 850

Na literatura jurídica norte-americana, é comum identificar o período de atividade da Suprema Corte com a alusão ao nome do Chief Justice, equivalente ao Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Diferentemente do que ocorre no Brasil, contudo, a Presidência da Corte é vitalícia. 851

381 U.S. 618 (1965). 852

367 U.S. 643 (1961). 853

The New Retroactivity Doctrine: Equality, Reliance and Stare Decisis…, p. 1520.

376

A Teoria também se aplicava a casos de índole civil, e o exemplo dado por

Pamela Stephens refere-se à aplicação não-retroativa de precedente sobre a

prescrição do direito de ação de indenização por danos pessoais854.

Nos anos noventa, a Suprema Corte voltou a enfrentar a matéria em uma

série de julgamentos, que curiosamente versavam sobre matéria tributária855. Em

American Trucking Associations v. Smith, discutia-se a validade de tributo calculado

de forma fixa (flat rate) por violação da Commerce Clause (prescrição próxima, mas

diversa, da proibição de tratamento diferenciado em razão da origem ou destino de

bens). Entrementes, a Suprema Corte considerou o tributo inconstitucional em outro

julgamento (American Trucking Associations v. Schneider). Com o resultado, um

juiz856 determina que os valores devidos deveriam ser depositados em garantia até

novo julgamento da demanda pelo Tribunal a quo. O Tribunal de origem havia

inicialmente considerado a norma constitucional. Posteriormente, diante do resultado

de Schneider, o Tribunal reformula o entendimento, mas se nega a assegurar o

direito à restituição da parte do indébito que não fora depositada em garantia. A

razão da negativa, segundo o Tribunal de origem, era a impossibilidade de aplicar o

precedente em que firmada a inconstitucionalidade do tributo à causa (American

Trucking Associations v. Schneider).

Ainda de acordo com Pamela Stephens, a Suprema Corte ponderou que o

reconhecimento da inconstitucionalidade do tributo obriga o ente tributante à

restituição do valor do indébito. Contudo, indagou-se em que medida o ente

tributante se pautou em precedentes da própria Suprema Corte, anteriores ao

julgamento que firmou a inconstitucionalidade do tributo (Schneider), para elaborar

política de tributação até então tida por válida. Indubitavelmente, a obrigação de

restituição poderia inviabilizar a atividade estatal, ao esvaziar os cofres públicos857.

A Suprema Corte, por maioria, conclui que o precedente Schneider criou

novos padrões decisórios e, portanto, não poderia ser aplicado retroativamente.

Posto que a orientação devesse ser aplicada apenas com efeitos prospectivos, a

Suprema Corte também concluiu que o ente tributante deveria devolver as quantias

854

The New Retroactivity Doctrine: Equality, Reliance and Stare Decisis…, p. 1522. 855

Segundo Stephens, apenas um dos casos mais importantes sobre a retroatividade que a autora levanta, nos anos noventa, não se refere a matéria tributária: Reynoldsville Casket Co. v. Hyde. The New Retroactivity Doctrine: Equality, Reliance and Stare Decisis, p. 1556. 856

De fato, o juiz Blackmun. 857

The New Retroactivity Doctrine: Equality, Reliance and Stare Decisis…, p. 1533.

377

recolhidas a partir de 1ª de julho de 1987, independentemente de os valores estarem

ou não depositados em garantia.

Observando a composição da Corte em 1998, Pamela Stephens argumenta

que a orientação sobre a Teoria da Retroatividade esposada pela Suprema Corte se

tornou mais restritiva e dependente do conceito de stare decisis858. A regra é a

retroatividade.

Para a autora, o exame de retroatividade deve seguir alguns parâmetros,

todos baseados na confiança gerada pela observância da norma ou dos

precedentes que antecederam a virada jurisprudencial.

Diz a professora da Vermont Law School, textualmente:

Therefore, I would suggest an analysis which straightforwardly addresses those reliance interests, taking into consideration how well established the prior rule of law was, how clear it was, perhaps whether there was a reason (in the form of evolving/eroding caselaw) to predict a change, all with the aim of deciding how justifiable a party‘s reliance on the prior rule was.

859

Olhando o sistema jurídico português, Jorge Miranda860 sustenta que a

limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade no tempo devem atender à

eqüidade e à segurança jurídica. Gilmar Ferreira Mendes constrói a modulação dos

efeitos da declaração de inconstitucionalidade no tempo a partir do teste de

proporcionalidade861. Coloca, de um lado, o princípio da nulidade da lei, garantia da

higidez constitucional. Do outro, antepõe a segurança jurídica ou outro direito

fundamental, cuja imolação não tem peso suficiente para justificar a solução

extremada da declaração de inconstitucionalidade. Sobre as relações civis, Mauro

Cappelletti fala na proteção de efeitos consolidados, cuja perturbação levaria a

―graves repercussões sobre a paz social‖862. Para Regina Maria Macedo Nery

Ferrari, a circunstância de leis ordinárias863 versarem sobre a limitação dos efeitos

858

A Teoria do Stare Decisis pontifica que, uma vez que a Corte tenha decidido um assunto, deverá aplicar a mesma solução para todos os casos semelhantes. 859

The New Retroactivity Doctrine: Equality, Reliance and Stare Decisis…, p. 1573. 860

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2005. Tomo VI, p. 286. 861

Jurisdição constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 395. 862

O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed., reimp. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1999, p. 123-124. 863

Refere-se às Leis 9.868/1999 e 9.882/1999.

378

da declaração de inconstitucionalidade, no controle abstrato, apenas vieram a

conferir certeza à prerrogativa latente864.

Segundo Paulo Pimenta, a possibilidade de modulação dos efeitos da

declaração de inconstitucionalidade é imanente ao texto constitucional e não pode

ser regulada por lei ordinária865.

O Supremo Tribunal Federal também admite a modulação temporal dos

efeitos da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. O precedente

mais lembrado a respeito é o RE 197.917 (rel. min. Maurício Corrêa, DJ de

07/05/2004), conhecido como o ―Caso Mira Estrela‖. Conquanto reputasse

inconstitucional norma local que estabelecia o número de vereadores em desacordo

com o art. 29, IV, da Constituição, o Plenário do Supremo Tribunal Federal

postergou os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para evitar grave ameaça

a todo o sistema legislativo vigente.

A Corte também utilizou razões semelhantes no julgamento do HC 82.959

(rel. min. Marco Aurélio, Pleno, DJ de 1º/09/2006). Posto que reconhecida a

inconstitucionalidade da proibição tout court à concessão de progressão do regime

de cumprimento de pena aos condenados pela prática de crimes hediondos, a Corte

explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em

questão não geraria conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas na

data de julgamento.

Como se lê nas notas taquigráficas que passaram a integrar o acórdão, a

apreensão da Corte se voltava ao risco de responsabilização civil do Estado:

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Eu parti da premissa, foi todo o desenvolvimento de meu voto, no sentido de que declaramos essa lei inicialmente constitucional – não há dúvida em relação a isso –, e muitas penas se extinguiram segundo esse regime. A Constituição cogita de responsabilidade civil do Estado, ou por erro judicial, ou por prisão excessiva, até mesmo. É uma das hipóteses claras de responsabilidade civil do Estado, por conta desse aspecto. Daí eu ter ressaltado que o efeito ex nunc deve ser entendido como aplicável às condenações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão.

O Supremo Tribunal Federal ainda não chegou a um consenso sobre os

critérios que devem ser aplicados na modulação, ao menos nos moldes dos testes

864

Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 300. 865

Efeitos da decisão de inconstitucionalidade no direito brasileiro, p. 99.

379

utilizados pela Suprema Corte Norte-Americana. Três julgados, contudo, são

esclarecedores.

Por ocasião do julgamento do RE 401.963 (rel. min. Joaquim Barbosa,

Pleno, DJ de 21/09/2007), a Corte declarou inconstitucional norma do Estado do Rio

de Janeiro que nulificava, por completo, a participação do Município do Rio de

Janeiro no produto de arrecadação do ICMS (art. 158, IV, parágrafo único, II, da

Constituição). Posto que a norma local previra critérios objetivos para cálculo da

partilha, levando em conta dados sócio-geográficos, tais critérios não foram

aplicados à situação do Município. Segundo sustentou o Estado, o completo

alijamento do Município do plano de partilha se justificava em razão de tal ente

contar com diversas outras fontes de receita e dada a percepção de que o quinhão a

ser-lhe alocado melhor cumpriria a diretriz de resolução das desigualdades regionais

se dividido entre os demais municípios.

A Corte concluiu que dados sócio-geográficos podem ser validamente

utilizados no plano de partilha, mas não podem servir de pretexto para esvaziar

integralmente o direito de um ente à percepção da parcela que lhe é cometida pela

Constituição.

Como a declaração de inconstitucionalidade levaria ao recálculo dos valores

devidos a cada município em longo período de tempo, a Corte vinculou a atividade

legislativa do Estado do Rio de Janeiro à devolução parcimoniosa dos valores.

Lê-se na parte final da ementa do julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALCANCE DA DECISÃO. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido, para que o Estado

do Rio de Janeiro recalcule os coeficientes de participação dos municípios no produto da arrecadação do ICMS (parcela de ¼ de 25%, art. 158, IV, par. ún., II, da Constituição), atribuindo ao Município do Rio de Janeiro a cota que lhe é devida nos termos dos critérios já definidos pela Lei 2.664/1996 e desde o início da vigência de referida lei.

5. Uma vez que o recálculo do quadro de partilha poderá implicar diminuição da cota de participação dos demais municípios do Estado do Rio de Janeiro, com eventual compensação dos valores recebidos com os valores relativos aos exercícios futuros, a execução do julgado não poderá comprometer o sustentáculo financeiro razoável e proporcional dos municípios.

6. Logo, a lei que irá normatizar o recálculo e a transferência ao recorrente dos créditos pertinentes aos períodos passados deverá prever, ainda, compensação e parcelamento em condições tais que não impliquem aniquilamento das parcelas futuras devidas aos demais municípios.

380

A decisão tem quase o alcance do provimento próprio ao mandado de

injunção. Não se trata de mero apelo ao legislador, já que a norma foi efetivamente

declarada inconstitucional. Por outro lado, os termos utilizados são inequívocos no

sentido de que o Estado do Rio de Janeiro não pode pôr em risco a subsistência

econômica dos municípios que ocupam seu território e, portanto, deve

estabelecer cuidadoso plano de devolução das quantias indevidamente creditadas.

O acórdão não dá conta da existência de cálculos específicos que

demonstrassem o impacto da declaração de inconstitucionalidade no patrimônio

público dos municípios do Rio de Janeiro. Contudo, fica patente na leitura dos votos

e do registro taquigráfico dos debates que o risco extremo era presumido em razão

do grande lapso de tempo em que a norma foi aplicada e da extrapolação dos

cálculos iniciais realizados pelo recorrente no momento da propositura da ação.

Ainda é cedo para afirmar que a Corte irá adotar o apelo extremo ao

legislador como técnica decisória no controle de constitucionalidade. De qualquer

forma, é possível conceber sua aplicação no campo da responsabilidade tributária,

especialmente nos casos em que o reparo da situação lesionada pela

inconstitucionalidade acarrete prejuízo a terceiros, entes tributantes ou não.

O segundo precedente também é da lavra do ministro Joaquim Barbosa.

Referimo-nos ao AI 557.237-AgR (Segunda Turma, DJ de 26/10/2007). Pretendia o

Município do Rio de Janeiro ver modulada a declaração de inconstitucionalidade das

normas que permitiam o cálculo do IPTU de forma progressiva. Segundo sustentava,

o dever de restituição causaria grande impacto às finanças públicas, reduzindo sua

capacidade de atender aos deveres que a Constituição e a legislação lhe impõem.

Ponderou Sua Excelência o ministro-relator:

Com efeito, a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pressupõe a inequívoca excepcionalidade do quadro em que se insere a prestação jurisdicional. Tal excepcionalidade se caracteriza pelo risco extremo à segurança jurídica ou ao interesse social.

Pondero que, em matéria tributária, a aplicação de efeitos prospectivos à declaração incidental de inconstitucionalidade demanda um grau ainda mais elevado de parcimônia, porquanto é um truísmo afirmar que os valores arrecadados com a tributação se destinam ao emprego em finalidades públicas.

Portanto, não basta ao sujeito ativo apontar a destinação de índole pública do produto arrecadado para justificar a modulação temporal dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade, sob o risco de se inviabilizar qualquer pretensão de restituição de indébito tributário, em evidente prejuízo da guarda da constitucionalidade e da legalidade das normas que instituem as exações.

381

Evidentemente, a possibilidade que o sistema jurídico confere ao Supremo Tribunal Federal para modular no tempo os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e a destinação do produto da arrecadação ao exercício de atividades estatais não podem redundar na imunização do Estado ao dever de zelar pela validade das normas jurídicas que cria, favorecendo assim a especulação legal.

Do exposto, fica nítido que a aplicação de efeitos meramente prospectivos à

declaração de inconstitucionalidade envolve entrechoque entre dois direitos

fundamentais. Mitiga-se a própria guarda da Constituição e a característica imanente

de salvaguarda das expectativas normativas em nome da segurança jurídica ou da

ordem social.

A aplicação de efeitos prospectivos redunda – e isso é decisivo – na

pragmática negativa à jurisdição e à supremacia constitucional e do judicial review.

Trata-se de risco que pode levar ao colapso dos acoplamentos estruturais que

mantém o sistema jurídico íntegro.

O uso erístico do argumento que toma como premissa o comprometimento

dos objetivos estatais, induzido pela obrigação de restituir o valor de tributos

inválidos ou cobrado de forma inadequada, encontra campo fértil no âmbito da

modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Não basta, contudo, a mera alegação do risco à ordem social ou econômica.

Se o risco não for notório, compete ao postulante indicar com exatidão os indícios

que levam à presunção do resultado catastrófico levado a cabo pelo controle de

constitucionalidade. É um lugar-comum ou, nas palavras do ministro Joaquim

Barbosa, um truísmo insuficiente para confirmar o quadro que dá azo ao

desprestígio da eficácia do controle de constitucionalidade.

O terceiro precedente relevante refere-se ao reconhecimento da

constitucionalidade da negativa à formação de créditos tributários nas operações de

aquisição de insumos tributadas à razão de alíquota-zero ou não-tributadas pela

incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Por ocasião do julgamento do RE 212.484 (rel. para o acórdão min. Nelson

Jobim, DJ de 27/11/1998, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou orientação

no sentido de não ocorrer ofensa à Constituição ―quando o contribuinte do IPI

credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de

isenção‖.

382

Naquela oportunidade, a Corte seguiu a mesma racionalidade empregada

anos atrás quando questão semelhante, mas referente ao antigo Imposto sobre a

Circulação de Mercadorias (ICM), fora posta ao exame do Tribunal866.

Entrevendo que o mesmo tipo de violação acometia a negativa aos créditos

oriundos de operações tributadas à razão de alíquota-zero ou não-tributadas, alguns

contribuintes passaram a argumentar que a União deveria reconhecer tal direito. A

argumentação é simples. A ausência da formação de carga tributária nas operações

anteriores não é apanhada pela interpretação mais direta da norma de vedação à

cumulatividade, que toma o valor do tributo calculado como critério quantitativo do

benefício (se não há valor calculado, o critério quantitativo é nulo). Assim como se

dava na isenção, a tributação à razão de alíquota-zero e a não-tributação não

apresentam valores positivos para cálculo do benefício. Se comparadas cadeias

produtivas que sofressem a tributação em todas as etapas às cadeias beneficiadas

em somente alguns dos elos, observava-se que os estágios que sucediam aos elos

beneficiados não recebiam a mesma carga tributária.

866

Cf. RE 94.177 (rel. min. Firmino Paz, Primeira Turma, DJ 28/08/1981), AI 82.674-AgR (rel. min. Soares Muñoz, Primeira Turma, julgado em 20/10/1981), AI 84.810-AgR (rel. min. Décio Miranda, Segunda Turma, julgado em 09/02/1982); RE 94.177-EDv (rel. min. Djaci Falcão, Pleno, RTJ 106/636); RE 100.968 (rel. min. Francisco Rezek, Segunda Turma, DJ 03/03/1984). Cf., ainda, a severa crítica feita por Ricardo Lobo Torres à orientação então firmada pela Corte: (A não-cumulatividade no PIS/COFINS. In: PIS/Cofins: Questões atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 66): "Assim sendo, não há crédito fiscal na aquisição de mercadoria isenta. A isenção do ICMS, para produzir todos os seus efeitos econômicos, deve ser integrada, isto é, deve se estender a todo o ciclo de comercialização; se estiver circunscrita a algumas etapas, causará a distorção e obrigará alguém a arcar com todo o ônus do tributo correspondente às etapas isentas, eis que o Estado o cobrará por força do efeito de recuperação, ínsito na não-cumulatividade. Berliri afirma que as isenções levam o imposto sobre o valor acrescido a se comportar como um imposto cumulativo, pois o tributo incidirá na fase final do consumo sobre todos os impostos pagos no ciclo de produção e distribuição da mercadoria; e adverte que o empresário, antes de solicitar ao legislador uma isenção a favor desta ou daquela mercadoria, deve refletir atentamente para não correr o risco de sofrer um dado ao revés de obter um benefício. O direito ao crédito correspondente à mercadoria isenta seria ficção jurídica e, por isso mesmo, só existirá quando autorizado por lei como incentivo fiscal sob a forma de crédito presumido. Essas idéias sempre foram aceitas entre nós. O STF é que, em 1981, passou a reconhecer o direito à utilização do crédito mesmo em face da isenção na operação anterior; o leading case teve como relator o ministro Firmino Paz, de curtíssima passagem pela Corte Suprema, que, em voto de meia página, recorreu a precedentes que não se ajustavam à hipótese. A Emenda Constitucional 23/83 (Passos Porto), entretanto, veio corrigir o equívoco jurisprudencial, com dizer que ‗a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes‘ [...]. Superou-se, assim, a contradição entre a jurisprudência e os princípios estruturais do ICMS, especialmente o da natureza real do crédito fiscal e do efeito de recuperação de que são dotados os impostos não-cumulativos; autores abalizados, todavia, criticam a disciplina constitucional. Mas o que se disse sobre o ICMS não se aplica ao IPI. O STF entendeu, a contrario sensu, por ausência de vedação explícita na Constituição, que no IPI inexiste efeito de recuperação. De modo que hoje é ambígua a natureza do crédito fiscal nos impostos sobre o valor agregado brasileiros: quando se trata de ICMS, respeita-se o efeito de recuperação e segue-se o modelo adotado nos países europeus; no IPI, entretanto, por interpretação jurisprudencial, inexiste aquele efeito e o crédito é destituído de natureza de crédito real, o que o afasta do paradigma do IVA universalmente aceito".

383

As distorções econômicas dos modelos de tributação plurifásica cujas

etapas produtivas não recebem benefícios uniformes foram registradas por diversos

autores, entre os quais Giuseppe Sessa867 e Alcides Jorge Costa868. Segundo os

contribuintes, essa distorção econômica – chamada de ―efeito de recuperação‖ –

implicava violação da Constituição.

Ademais, apontava-se que a técnica de tributação pela alíquota-zero nada

mais era do que um artifício para circunscrever óbice posto na Constituição de 1967

e que vinculava a desoneração de tributos estaduais à desoneração de exações

federais (espécie de ―isenção heterônoma‖ – o benefício concedido à operação

quanto às exações federais deveria ser estendido ipso jure aos tributos estaduais).

O Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da manutenção de

créditos gerados nas operações de aquisição tributadas à razão de alíquota-zero na

sessão de 18/12/2002, durante o julgamento de quatro recursos extraordinários869. O

primeiro acórdão foi publicado em 06/06/2003 (RE 350.446).

A orientação, contudo, foi revertida em uma série de precedentes (RE

370.682, DJ de 19/12/2007, e RE 353.657, cujo acórdão ainda não foi publicado).

Encerrado o julgamento de mérito, os contribuintes postularam à Corte a

aplicação de efeitos prospectivos à decisão pela constitucionalidade da anulação

dos créditos870. Argumentaram, em síntese, que a orientação firmada no final de

2002 criou quadro de confiança quanto ao direito pleiteado, induzindo a pletora de

contribuintes à escrituração de vultosas quantias a título de créditos pela vedação à

cumulatividade da cobrança do IPI. A orientação que lhes era favorável condicionou

a formação de preços para as operações subseqüentes, já realizadas (as cadeias

produtivas já se exauriram). Portanto, os contribuintes não poderiam fazer a carga

tributária repercutir economicamente na esfera patrimonial de seus clientes.

Ademais, a postura dos contribuintes era pautada por inequívoca boa-fé, eis que

escorada em pronunciamento do órgão Pleno do órgão de cúpula do Judiciário. Em

867

L’Imposta sul Valore Aggiunto. Roma: Bulzoni, 1971, v. I, p. 37 et seq. 868

ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978. 869

RE 350.446, RE 353.668, RE 357.277 e RE 358.493, os dois primeiros de relatoria do ministro Nelson Jobim e os dois últimos de relatoria do ministro Ilmar Galvão. 870

A aplicação tão-somente de efeitos prospectivos às decisões em que se dá o controle de constitucionalidade segue, originariamente, a premissa que afirma a presunção de constitucionalidade das leis. Tal presunção gera inúmeras expectativas que podem quedar frustradas pela declaração tardia de inconstitucionalidade. No caso do IPI, a postulação era pelo reconhecimento da frustração que a declaração de constitucionalidade gerava (por ter, alegadamente, sido desconstituída em precedente do ano de 2002).

384

qualquer caso, o estorno de tais créditos seria catastrófico, pois poderia levar

diversos contribuintes à insolvência ou à situação de penúria.

Aplicando teste semelhante àquele proposto por Pamela Stephens,

colocava-se à Corte as seguintes indagações:

a) A seqüencia de precedentes implica modificação de entendimento

jurisprudencial – em especial, mutação do sentido de norma jurídica baseada em

texto que não sofreu alteração?

b) Havia boas razões para que os contribuintes assumissem o quadro

anterior como estável e, assim, dele extraíssem a base de confiança para pautar a

própria conduta sem recorrer ao Judiciário? Qual era a intensidade da confiança

depositada?

c) No conflito entre o direito fundamental à segurança jurídica e o direito

fundamental à Jurisdição, qual deve prevalecer?

De forma resumida, os contribuintes poderiam assumir três posturas diante

do precedente de 2002:

1) Efetuar o registro dos créditos sem amparo em decisão judicial ou

administrativa definitiva, e sem sequer invocar a tutela jurisdicional.

2) Efetuar o registro dos créditos sem amparo em decisão judicial definitiva,

mas durante a pendência da discussão judicial.

3) Aguardar o trânsito em julgado da sentença que reconhecesse o direito ao

crédito e, quem sabe, o lapso da ação rescisória.

No sistema econômico, as duas primeiras posturas são as mais eficientes.

Nele, os créditos são redutores de custo ou fomentadores de lucro, mecanismos

concorrenciais muito úteis. O registro imediato dos créditos, sem aguardo por

decisão judicial definitiva, concede ao contribuinte vantagem sobre aqueles que

optarem pelo caminho mais seguro. Se a tomada dos créditos for tida por

commodity871, ela deixa de ser uma vantagem facultativa para ser obrigatória à

manutenção da empresa.

A Corte ponderou, por maioria, que o quadro jurídico governado pelo

precedente de 2002 ainda não era estável. Apontou-se, inicialmente, que as

871

A replicação de demandas já julgadas pelos Tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, muitas vezes não requer especialização ou relevante diferenciação de serviços. Isso ocorre porquanto os argumentos relevantes e o quadro necessário à nova demanda já foram testados e definidos pela comunicação jurídica. Ademais, há que considerar a tradição das Cortes na manutenção de seus precedentes – o stare decisis. O acesso ao benefício se torna menos embaraçado.

385

autoridades fiscais sempre se opuseram à validade dos créditos, e que tal oposição

era de amplo conhecimento. Havia certeza quanto à glosa dos créditos, se

houvesse fiscalização872. Por outro lado, o desafio ao precedente de 2002 foi

lançado cerca de três meses após a sessão de julgamento do caso-líder (RE

363.777, DJ de 14/05/2003).

O ministro Sepúlveda Pertence se posicionou pela ausência de

sedimentação do precedente (falha do segundo nó do teste), como se lê no voto

vogal proferido por ocasião do julgamento do RE 370.682 (DJ de 19/12/2007):

Como a orientação já estava firmada em relação aos créditos dos insumos adquiridos com a isenção e também dos adquiridos com a alíquota zero, a advocacia do contribuinte tentou estendê-lo, na Primeira Turma, aos chamados ―NT‖, aquisição de produtos não-tributados. Houve uma longa discussão, presentes hoje as duas ilustres personagens, e acabou, enfim, tosquiado quem foi buscar lã: o ministro limar Galvão, fora o único voto vencido nas decisões plenárias sobre alíquota zero e sobre isenção, propôs então que o caso era de reexaminar todo o problema e, aí, se reabriu a discussão. Desde então já não se pode falar em jurisprudência sedimentada. A Fazenda não deixou nunca que o tema morresse, e o destino do que eu não diria virada de jurisprudência, mas de reversão de um precedente, é o que se veio a dar, em função da mudança da composição do Tribunal e da rediscussão longa do assunto, nesses casos em que hoje se suscita a questão de ordem.

Como anotou o ministro Joaquim Barbosa na mesma assentada:

De qualquer maneira, entre a publicação do caso-líder apontado como fundamento da projeção de segurança jurídica, o RE 350.446 (j. 18.12.2002; DJ de 06.06.2003) e a publicação da ata da sessão em que a tendência de reversão do entendimento da Corte se confirmou (15.12.2004; DJ de 02.02.2005) transcorreu um ano e oito meses.

Prosseguindo, disse Sua Excelência873:

O quadro exposto é definido, em resumo, pela possibilidade de a reversão da jurisprudência ter se fixado e de ter sido confirmada em pouco tempo (respectivamente, cerca de três meses após a sessão de julgamento e cerca de um ano e oito meses após a publicação do acórdão). Ademais, o quadro também era marcado pela falta de estabilização do precedente

872

Disse o ministro Joaquim Barbosa em voto vogal proferido no RE 370.682-QO (DJ de 19/12/2007): ―Entrementes, as autoridades fiscais sempre se opuseram ao reconhecimento do pretenso direito ao aproveitamento de créditos em operações de aquisição tributadas por alíquota-zero. O entendimento fiscal era notório, porquanto amplamente divulgado nos meios técnicos (cf., v.g., o Parecer PGFN 405/2003) e pela imprensa especializada. Ademais, registra-se que a Fazenda interpôs recursos de todas as decisões proferidas pela Corte com base no caso-líder (RE 350.446)‖. 873

RE 370.682-QO (DJ de 19/12/2007), voto vogal.

386

(trânsito em julgado, resolução do Senado, súmula vinculante), bem como pela inequívoca resistência do Fisco à pretensão do contribuinte.

[...] Assim, e respeitados os limites do sistema, as autoridades fiscais

tinham plena legitimidade para buscar a mudança de orientação da Corte. A Constituição federal traz alguns mecanismos de estabilização de expectativas, que são o trânsito em julgado, para o caso específico; a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade em controle concentrado; a adoção de resolução pelo Senado Federal; a súmula de entendimento, com eficácia geral e vinculante; e a prescrição e a decadência. Mas somente com o implemento de um desses mecanismos é que a expectativa contrafática do Fisco não poderia mais ser renovada com vigor.

Observo que nenhuma dessas formas de estabilização atingiu a questão em exame.

Diante desse quadro, os contribuintes que tivessem optado pelo registro dos créditos sem o amparo de decisão transitada em julgado teriam como expectativa razoável a tendência de aplicação da orientação posta no precedente. Tal tendência poderia não se confirmar por diversas razões, dentre elas a mudança da orientação durante o transcurso das fases administrativa e judicial de cobrança do débito tributário.

Situação semelhante se dá nos casos em que sequer houve o ajuizamento da devida ação, ainda que para fixação de outros pontos controversos (v.g., correção monetária, lapso decadencial ou prescricional, juros etc).

A manifestação do ministro Marco Aurélio, por seu turno, prende-se ao

último nó do teste de retroatividade. Argumenta Sua Excelência que o direito

fundamental à Jurisdição e a eficácia do controle de constitucionalidade devem

prevalecer. Vejamos se as seguintes palavras colacionadas do voto do ministro

Marco Aurélio amparam nossas conclusões:

Em última análise, a modulação sugerida pelo ministro Ricardo Lewandowski, autor de voto desprovendo o recurso, tornará o julgamento verificado, a voz da maioria, um nada jurídico, corno se houvesse prevalecido não a óptica no sentido da procedência do inconformismo da União, mas a da improcedência. Repito, mais urna vez, que em jogo se fez, em mandado de segurança, pedido voltado ao reconhecimento do crédito no período de janeiro de 1996 a agosto de 1998.

Sugerimos que, em matéria de controle de constitucionalidade da atribuição

de responsabilidade tributária, teste semelhante seja aplicado ao pleito de

modulação temporal dos efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade.

Em primeiro lugar, afasta-se o truísmo de que a arrecadação tributária

atende ao interesse público e, portanto, a devolução do indébito prejudica os meios

que o Estado tem para cumprir as obrigações e os deveres que lhe são impostos

pela Constituição. Preservamos, assim, o direito fundamental à Jurisdição e o papel

que o controle de constitucionalidade tem na manutenção da integridade do sistema

387

jurídico. Compete ao sujeito ativo comprovar a gravidade inexorável, irrecuperável e

capital que o provimento jurisdicional causará nas finanças públicas.

Indaga-se, então, se faz sentido perguntar se a declaração de

inconstitucionalidade reverte posição anterior da Corte Suprema. Positiva a

resposta, passa-se a perguntar se o novo precedente efetivamente reverte

entendimento anterior.

O segundo nó do teste é relativo à constatação de estabilidade do quadro,

isto é, se há razões para crer que a confiança dos jurisdicionados pudesse restar

abalada pela remoção da norma até então tida por válida. A intensidade da

confiança também é critério válido para mensuração do risco que a retroação do

precedente causa.

O terceiro e último nó diz respeito ao teste induzido pela regra de

proporcionalidade.

Como veremos, não há razão para limitar o efeito de hipotética declaração

de inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/1993.

5.5.7 Segurança jurídica, stare decisis e mudança de entendimento

jurisprudencial

Como visto, a modulação temporal dos efeitos da declaração de

inconstitucionalidade é mecanismo eficaz para assegurar a expectativa dos

contribuintes e dos responsáveis tributários, desde que atendido o teste de

retroatividade.

Questão adjacente consiste em decidir se o Supremo Tribunal Federal pode

modificar entendimento jurisprudencial consolidado, sem violar o quadro de

confiança que embala os jurisdicionados.

Octavio Campos Fischer874 entende possível a mudança de orientação

jurisprudencial, se houver grave razão para tanto:

O mesmo não ocorre em se tratando de uma decisão declaratória de constitucionalidade. Neste caso, é perfeitamente admissível que o Supremo Tribunal Federal (e somente ele) altere o seu entendimento para decidir pela inconstitucionalidade da mesma norma, desde que presentes novos e fortes pressupostos fáticos ou normativos para tanto. É o que ocorre quando

874

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro, p. 182.

388

da inconstitucionalidade superveniente, seja em razão de uma mutação formal, quanto de uma mutação informal da Constituição.

Por ocasião do julgamento do caso American Trucking Associations v.

Smith, Justice Antonin Scalia875 ponderou que a única razão para a aplicação de

um precedente equivocado seria a teoria do Stare Decisis. Contudo, disse o

integrante da Suprema Corte Norte-Americana:

Though I do not believe I have the option of suspending the principle of retroactive judicial decisionmaking, the doctrine of stare decisis is a flexible command. I do not think that a sensible understanding of it requires me to vote contrary to my view of the law where such a vote would not only impose upon a litigant liability I think to be wrong, but would also upset that litigant's settled expectations because the earlier decision for which stare decisis effect is claimed (Scheiner) overruled prior law. That would turn the doctrine of stare decisis against the very purpose for which it exists. I think it appropriate, in other words – indeed, I think it necessary – for a judge whose view of the law causes him to dissent from an overruling to persist in that position (at least where his vote is necessary to the disposition of the case) with respect to action taken before the overruling occurred.

876

O que transparece da opinião de Scalia é que tanto a atribuição de efeitos

meramente prospectivos quanto a doutrina do Stare Decisis são complacentes o

suficiente para permitir que o juiz mantenha seu livre convencimento877.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por ocasião do

julgamento da Rcl 3.316-AgR (rel. min. Joaquim Barbosa, DJ de 26/08/2005), que a

modificação da orientação jurisprudencial não constitui negativa de autoridade de

decisões até então prolatadas.

Lê-se, no voto do relator:

Obviamente a Corte não usurpa a própria competência.

Também é improvável que negue autoridade às próprias decisões, pois isso seria, quando muito, mudança de sua jurisprudência.

Por outro lado, se a Corte entende que a reclamação contra decisões de outros tribunais não pode ser sucedâneo de recurso para efeito de uniformização de jurisprudência (Rcl 724-AgR, rel. min. Octavio Gallotti, Pleno, j. 26.03.1998), com muito mais razão não poderia admitir a reclamação contra seus próprios atos.

875

Cf. a opinião escrita do julgamento disponível em http://supreme.justia.com/us/496/167/case.html. Último acesso em 01/2008. 876

Ibidem. 877

A questão de fundo era se a orientação firmada no caso Schneider, que considerou tributo inconstitucional, se aplicaria para o toda a extensão temporal do caso Smith. Em Smith, parte da incidência do tributo se deu antes da declaração de inconstitucionalidade enunciada em Schneider, e parte após. Scalia afirma que considera que o tributo pré-Schneider era constitucional, e somente recebeu a pecha contrária com o julgamento do precedente.

389

Para Gilmar Ferreira Mendes878:

Daí parecer-nos plenamente possível [se houver modificação do quadro] que se argua, perante o Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de norma anteriormente declarada constitucional em ação direta de constitucionalidade.

Entendemos que é inequívoca a possibilidade de o Supremo Tribunal

Federal modificar sua interpretação. A Corte tem a tradição de manter seus

precedentes, mas essa tradição não é absoluta no sentido de vedar a mudança de

orientação. A mudança pode justificar-se pela mutação do quadro fático, com suas

circunstâncias físicas, sociais, políticas, semânticas etc.879.

Deve o órgão jurisdicional, contudo, justificar a mudança. A justificativa, para

ser válida, demanda que se aluda a sérias constatações de ordem fática, de

mutação constitucional, ou a conspícua incorreção do precedente que será

superado.

5.6 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

5.6.1 Legitimados

São legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade o

Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos

Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito

Federal, o governador de Estado ou do Distrito Federal, o procurador-geral da

República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político

878

Jurisdição Constitucional, p. 364. 879

Scalia, assim como os demais adeptos do originalismo, não concordam com a asserção. Cf. SCALIA, Antonin. A Matter of Interpretation: Federal Courts and the Law. Nova Jérsei: Princeton University Press, 1997, p. 41-47, e BORK, Robert. Neutral Principles and some First Amendment Problems. In: GARVEY, Jonh; ALEINIKOFF, T. Alexander; FARBER, Daniel. Modern Constitucional Theory: a Reader. 5. ed. Saint Paul (Minessota – EUA): Thomson, 1994. p. 92-100. Segundo Bork, quando o próprio texto legal não realiza escolhas, o juiz deve indagar sobre a escolha que teria sido feita pela representação política popular responsável pela criação da lei. Entre nós, aparentemente Humberto Ávila defende vertente do Originalismo (notas taquigráficas coligidas pelo candidato durante o III Congresso Internacional de Direito Tributário realizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), na cidade de São Paulo, em 2006).

390

com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional (art. 103, I a IX, da Constituição).

É necessário haver pertinência temática entre o objeto de controle de

constitucionalidade e a entidade legitimada para propor a ação direta de

inconstitucionalidade. Alguns legitimados, como o Presidente da República e o

procurador-geral da República, não encontram restrições à escolha dos objetos para

dar ímpeto ao processo de controle de constitucionalidade. É que compete aos dois

ofícios a guarda da integridade de todo o sistema jurídico. Os demais legitimados

devem demonstrar que as normas que reputam eivadas do vício de

inconstitucionalidade afetam as próprias relações jurídicas ou as relações mantidas

por seus membros ou associados880.

Assim, se o requerente de ação direta de inconstitucionalidade relativa a

norma de atribuição de responsabilidade tributária for uma associação, ela deverá

demonstrar que seus filiados ou ela própria são sujeitos passivos das obrigações

dali aferentes.

Se houver admissão parcial da legitimidade do requerente da ação direta de

inconstitucionalidade, eventual vício formal não se limitará ao bloco normativo em

relação ao qual se reconheceu a pertinência temática. Vale dizer, é possível

conhecer da ação direta em relação a todo o texto legal881.

A partir do julgamento da ADI 3.153-AgR (rel. para o acórdão min.

Sepúlveda Pertence, DJ de 09/09/2005), a Corte passou a reputar as entidades

representativas de segundo grau – as associações de associações882 – também

legitimadas para requerer a declaração de inconstitucionalidade de norma que

tangenciasse as relações de interesse próprio ou de suas associadas.

880

Cf. ADI 2.747 (rel. min. Marco Aurélio, DJ de 17/08/2007) assim ementado: ―LEGITIMIDADE – GOVERNADOR DE ESTADO – LEI DO ESTADO – ATO NORMATIVO ABRANGENTE – INTERESSE DAS DEMAIS UNIDADES DA FEDERAÇÃO – PERTINÊNCIA TEMÁTICA. Em se tratando de impugnação a diploma normativo a envolver outras unidades da Federação, o Governador há de demonstrar a pertinência temática, ou seja, a repercussão do ato considerados os interesses do Estado‖. 881

Cf. ADI 3.710 (rel. min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJ de 27/04/2007), assim ementado parcialmente: ―[...] I.2. - O ato normativo atacado prevê a isenção de pagamento por serviço de estacionamento não apenas em estabelecimentos de ensino, mas também em outros estabelecimentos não representados pela entidade autora. Tratando-se de alegação de inconstitucionalidade formal da norma atacada, torna-se inviável a cisão da ação para dela conhecer apenas em relação aos dispositivos que guardem pertinência temática com os estabelecimentos de ensino. [...]‖. 882

Trata-se de curioso caso de recursividade, já que o conjunto também é um objeto, ou seja, o nome da classe também faz parte da extensão da palavra. Uma associação (classe) de associações (elementos-extensão) também atende aos requisitos (intenção) para ser um elemento de si mesma.

391

O âmbito nacional das associações é mensurado a partir da

representatividade no território nacional. Devem elas ter membros em ao menos

nove Estados da Federação883. Ademais, a composição da entidade deve ser

homogênea, no sentido de que a classe representada apresente elementos

definidos por um único fio condutor, isto é, preponderantemente por apenas um

critério (e.g., associação exclusivamente de advogados, associação tão-somente de

indústrias etc.).

Quanto aos partidos políticos, a Corte também passou a entender que a

eventual perda de representatividade no órgão legislativo, durante o curso da ação,

não é suficiente para reconhecimento da perda de legitimidade. Quer dizer, a

legitimidade se afere no momento da propositura da ação884.

Uma vez proposta a ação direta de inconstitucionalidade, descabe pedido de

desistência formulado pelo requerente885. O interesse público subjacente à

sindicância da validade de quaisquer normas gerais e abstratas extrapola o

interesse subjetivo de qualquer jurisdicionado.

5.6.2 Parâmetro de controle

Diz-se que o parâmetro de controle abstrato é aberto, ou seja, a Corte

examina a validade da norma em relação a todo o texto constitucional. A

circunstância tem por conseqüência a exaustão ficta de todo o quadro de universos

possíveis de impugnação. Quer dizer, mesmo que a Corte não tenha examinado

ostensivamente determinada alegação de contrariedade à Constituição, o

julgamento da ação implicará a consideração de tal argumento como examinado e

exaurido.

A circunstância de a causa de pedir ser aberta não implica o relaxamento do

ônus imposto ao requerente para que demonstre, analiticamente, quais e como os

dispositivos constitucionais são violados pela norma que é objeto de controle. Por

força da inércia, a Corte não pode substituir o requerente, mas, uma vez conhecida

a ação direta por qualquer argumento, o Pleno pode examinar a norma em relação a

qualquer parâmetro constitucional, ainda que não alegado pelo requerente.

883

Cf. ADI 108-QO (rel. min. Celso de Mello, DJ de 05/06/1992). 884

Cf. ADI 2.618-AgR-AgR (rel. para o acórdão min. Gilmar Mendes, DJ de 31/03/2006). 885

Cf. ADI 1.368-MC (rel. min. Néri da Silveira, DJ de 19/12/1996).

392

Por considerar que a violação da Constituição deve ser atual e

contemporânea ao Controle, a Corte costumava reconhecer que havia perda de

interesse no processamento de ação direta de inconstitucionalidade se o parâmetro

de controle fosse modificado. Em recente julgado, contudo, a Corte ponderou que a

modificação deve ser substancial para que a perda de interesse seja reconhecida886.

5.6.3 Controle de validade das normas pré-constitucionais

A Corte não realiza o controle de constitucionalidade de normas pré-

constitucionais no curso de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2). Segundo

concebe, a relação entre o direito ordinário pré-constitucional e a nova ordem

constitucional é de recepção. A incompatibilidade se resolve por juízo de revogação.

Levado às últimas conseqüências, o argumento poderia inviabilizar o

controle de constitucionalidade de algumas normas. Sabe-se que a Corte espera

que o requerente impugne todas as normas precedentes à norma contemporânea ao

controle de constitucionalidade e inquinadas de semelhante vício de

constitucionalidade. De outra forma, a declaração de inconstitucionalidade levaria à

restauração de norma inconstitucional, resultado irracional sob o prisma do controle

de constitucionalidade. Mas, e se a linha causal levasse à norma pré-constitucional?

Quer dizer, como proceder se, em determinado ponto da sucessão de normas

inquinadas pelo vício de constitucionalidade, o observador se deparasse com norma

criada sob os auspícios da Constituição precedente?

Há duas principais soluções possíveis. Chega-se à primeira pela aplicação

direta da restrição posta pela Corte, no sentido de que não é possível realizar o

controle da norma pela via da ação direta de inconstitucionalidade. A segunda

reputa ser não-razoável negar eficiência ao controle de constitucionalidade tão-

somente em razão de um dos elos de causalidade jurídica pertencer ao domínio de

Constituição pretérita. A Corte faz, então, um corte arbitrário, assumindo que o dever

de impugnação do requerente é satisfeito se todas as normas tidas por viciadas em

um nexo sucessório de causalidade, desde que governadas pela Constituição atual,

forem impugnadas.

886

Cf. Informativo STF 494/2008, sobre a ADI 307 (rel. min. Eros Grau, j. 13/02/2008, acórdão ainda não publicado).

393

Por outro lado, é possível controlar a validade de normas recepcionadas via

argüição de descumprimento de preceito fundamental, em termos abstratos e

concentrados.

5.7 RECURSO EXTRAORDINÁRIO

5.7.1 Objeto do recurso extraordinário: causas decididas em última ou em

única instância

Nos termos do art. 103, III, da Constituição, cabe ao Supremo Tribunal

Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou

em última instância.

O recurso pode ser interposto de qualquer decisão judicial que esgote a

jurisdição cognitiva. Ao contrário do que se dá com o recurso especial, a decisão

recorrida não precisa ser prolatada por Tribunal. Assim, cabe recurso extraordinário

tanto de decisões proferidas pelos Juizados Especiais como pelo Juízo monocrático

que decide embargos infringentes no curso de embargos à execução fiscal.

Por ―causa‖ entende-se a questão decidida em âmbito jurisdicional. O

recurso não pode ser interposto de decisão de cunho administrativo, ainda que

proferida por órgão jurisdicional (cf. a Súmula 733/STF887).

A competência recursal extraordinária do Supremo Tribunal Federal não

equivale à instância, e, portanto, não cabe a interposição de recurso extraordinário

de acórdão prolatado durante o julgamento de outro recurso extraordinário (de

qualquer forma, a recursividade seria absurda).

Para ser considerada causa decidida em última ou em única instância, a

jurisdição ordinária deve ter sido esgotada. Se a parte deixou de interpor recurso

cabível, o acesso à jurisdição extraordinária não será permitido (Súmula 281/STF).

De forma semelhante, não cabe interposição de recurso extraordinário de

decisão que não é terminativa, como aquelas proferidas no exame de medidas

liminares (cf. a Súmula 735/STF)888.

887

Súmula 733/STF: ―NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA DECISÃO PROFERIDA NO PROCESSAMENTO DE PRECATÓRIOS”. 888

Súmula 735/STF: ―NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO QUE DEFERE MEDIDA LIMINAR‖.

394

Por outro lado, se a parte interpõe recurso manifestamente inadmissível,

não há suspensão do prazo para interposição do recurso extraordinário. É o que

ocorre com a interposição de embargos infringentes de acórdão não-unânime que

examina sentença em mandado de segurança (Súmula 591/STF), ou de embargos

infringentes de acórdão não-unânime que manteve sentença.

A circunstância de o recurso não ser provido não implica sua

inadmissibilidade. A questão que se coloca era se a irresignação era cabível em

tese, isto é, se o recurso atendia aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de

admissibilidade.

Ao julgar o recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal julgará a

causa em questão. Não apenas decidirá a questão constitucional incidental e

ordenará a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga com o

julgamento. A decisão da Corte substitui o acórdão recorrido, se der provimento ao

recurso extraordinário quanto à questão de fundo889. Haverá devolução às instâncias

ordinárias somente de matéria que não puder ser examinada em recurso

extraordinário e, mesmo assim, por novas vias processuais.

5.7.2 Exaustão de instância e prequestionamento

É requisito intrínseco ao recurso extraordinário que a matéria constitucional

que se deseja ver apreciada pela Corte fosse expressamente debatida pelo Tribunal

de origem.

Assim, não pode o recorrente inovar a causa de pedir alegando violação do

art. 146, III, b, da Constituição se o Tribunal de origem não se pronunciou

expressamente sobre a questão.

O acórdão recorrido não precisa, necessariamente, citar textualmente o texto

constitucional para tomar decisão que pressuponha juízo de constitucionalidade.

Mas, de qualquer maneira, da fundamentação do acórdão é necessário extrair que a

norma constitucional foi preponderante para desate da demanda.

Se o recorrente tiver levado a questão constitucional ao conhecimento do

Tribunal de origem em suas razões de recurso, mas aquela Corte se negar a

examiná-las, cabe a interposição de recurso de embargos de declaração.

889

Cf. o art. 324 do RISTF e a Súmula 456/STF.

395

Mas e se o Tribunal de origem rejeitar os embargos, insistindo não ser

necessário examinar a matéria? Há, aqui, tratamento diferenciado por parte do

Supremo Tribunal Federal (RE) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp). Se a parte

devolveu ao Tribunal de origem a argumentação constitucional e, diante da omissão,

interpôs embargos de declaração, a questão é tida por prequestionada

independentemente do resultado do julgamento do recurso (Súmula 356/STF)890.

Para o Superior Tribunal de Justiça, contudo, apenas a manifestação expressa do

Tribunal de origem supre a deficiência.

5.7.3 Hipóteses de cabimento

5.7.3.1 Contrariedade do Acórdão quanto a Dispositivo da Constituição

Disse Rodolfo Mancuso891:

Pensamos que ―contrariar‖ um texto é mais do que negar-lhe vigência. Em primeiro lugar, a extensão daquele termo é maior, chegando mesmo a abarcar, em certa medida, o outro; segundo, a compreensão dessas locuções é diversa: ―contrariar‖ tem uma conotação mais difusa, menos contundente; já ―negar vigência‖ sugere algo mais estrito, mais rígido. Contrariamos a lei quando nos distanciamos da mens legistoris ou da finalidade que lhe inspirou o advento; e bem assim quando a interpretamos mal e lhe desviamos o conteúdo. Negamos-lhe vigência, porém, quando declinamos de aplicá-la, ou aplicamos outra, aberrante da fattispecie; quando a exegese implica em admitir, em suma... que é branco onde está escrito preto; ou quando, finalmente, o aplicador da norma atua em modo delirante, distanciando-se de todo do texto de regência. É claro que, na prática, nem sempre é fácil distinguir as duas hipóteses, mas agora, com o advento do recurso especial, a distinção redobra em importância.

Disse ainda aquele autor892:

890

Cf. o seguinte excerto da ementa do RE 210.638 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 19.06.1998): “I. RE: PREQUESTIONAMENTO: SÚMULA 356. O QUE, A TEOR DA SÚMULA 356, SE REPUTA CARENTE DE PREQUESTIONAMENTO É O PONTO QUE, INDEVIDAMENTE OMITIDO PELO ACÓRDÃO, NÃO FOI OBJETO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO; MAS, OPOSTOS ESSES, SE, NÃO OBSTANTE, SE RECUSA O TRIBUNAL A SUPRIR A OMISSÃO, POR ENTENDÊ-LA INEXISTENTE, NADA MAIS SE PODE EXIGIR DA PARTE, PERMITINDO-SE-LHE, DE LOGO, INTERPOR RECURSO EXTRAORDINÁRIO SOBRE A MATÉRIA DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E NÃO SOBRE A RECUSA, NO JULGAMENTO DELES, DE MANIFESTAÇÃO SOBRE ELA‖. 891

Recurso extraordinário e recurso especial, p. 222. 892

Idem, ibidem, p. 229.

396

Prosseguindo na análise da ―contrariedade‖ à CF ou a lei federal e tendo sempre presente que o outro standard – ―negar vigência‖ tem sido entendido como ―declarar revogada ou deixar de aplicar a norma legal federal‖, veremos que ―contrariar‖ a lei ou a CF implica afrontar de forma relevante o conteúdo desses textos, o que, para o STF, se dá ―não só quando a decisão denega sua vigência, como quando enquadra erroneamente o texto legal à hipótese em julgamento‖ (RTJ 98/324). Antes, convém deixar claro um relevante aspecto: a ―contrariedade‖, quando se dê em face da CF, desafiando recurso extraordinário, fica restrita aos casos em que essa ofensa seja ―direta e frontal‖ (RTJ 107/661), ―direta e não por via reflexa‖ (RTJ 105/704), ou seja, quando é o próprio texto constitucional que resultou ferido, sem ―lei federal‖ de permeio (ainda que acaso também tenha sido violado).

Vale lembrar que a Corte considera que a ausência de aplicação de norma,

fundamentada em qualquer argumento de índole constitucional, equivale à

declaração velada de inconstitucionalidade. Portanto, precisa observar a reserva de

plenário prevista no art. 97 da Constituição.

Antes do julgamento do RE 298.695 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Pleno,

DJ de 06/08/2003), o Supremo Tribunal Federal entendia que o provimento do

recurso extraordinário estava vinculado ao seu conhecimento. Somente seria

possível conhecer do recurso extraordinário interposto nos termos do art. 102, III, a,

da Constituição se a Corte lhe fosse dar provimento. O entendimento considerava

que era necessário demonstrar nas razões de recurso que o acórdão recorrido havia

contrariado a Constituição também como condição para conhecimento do

extraordinário.

De forma semelhante, a Corte estaria adstrita ao quadro fático-jurídico

traçado pelo Tribunal de origem no acórdão recorrido.

O precedente mencionado firmou orientação muito relevante à prática da

Corte. Ampliou-se o campo de cognição da Corte no que se referia à causa de pedir:

não obstante o acórdão recorrido e as razões de recurso aludissem ao fundamento

F1, a Corte poderia manter a decisão recorrida com base no fundamento

constitucional F2.

Assim, se o Tribunal de origem reputar inconsistente a atribuição de

responsabilidade tributária em razão tão-somente da violação da regra de

proporcionalidade, eventual recurso extraordinário interposto nos termos a alínea a

poderá ser conhecido e julgado improcedente pelo risco de violação do art. 146, III,

b, da Constituição, e vice-versa.

397

5.7.3.2 Declaração de Inconstitucionalidade de Tratado ou de Lei Federal

A interposição do recurso extraordinário nos termos da alínea b demanda

alguns cuidados.

Em primeiro lugar, é imprescindível que a decisão recorrida tenha observado

a reserva de Plenário. Se não houve a observância, a violação primária se dá em

relação ao art. 97 da Constituição, que desafia a interposição do recurso pela alínea

a da Constituição. Assim, se o acórdão recorrido declarar a inconstitucionalidade de

lei federal em julgamento conduzido por órgão fracionário893, a parte deverá,

primeiramente, interpor embargos de declaração para levar ao Tribunal de origem a

discussão sobre a violação da reserva de plenário. Rejeitados os embargos, cumpre

a interposição do recurso extraordinário também pela alínea a do art. 102, III, da

Constituição, por contrariedade à reserva de plenário para declaração de

inconstitucionalidade (art. 97).

Contudo, não se exige observância à reserva de plenário se já houver

precedente do órgão pleno do Tribunal de origem ou precedente do Supremo

Tribunal Federal. Neste caso, deve o órgão fracionário fazer juntar aos autos cópia

de tal precedente, pois as razões do recurso extraordinário deverão voltar-se contra

a fundamentação ali exposta (além dos argumentos de reforço no acórdão

recorrido). Vale dizer, o precedente passa a integrar o acórdão recorrido. Se o

Tribunal não determinar a juntada já durante a sessão de julgamento, deve a parte

interpor embargos de declaração para suprir a omissão.

Quanto ao campo de cognição, o recurso extraordinário interposto nos

termos do art. 102, III, b, da Constituição devolve à Corte toda a questão da

inconstitucionalidade de lei, sem limitação pertinente ao parâmetro de controle

adotado pelo acórdão recorrido ou ventilado em razões de recurso extraordinário894.

Isso, claro, pressupõe a admissão do recurso – a parte não pode furtar-se a

893

Rodolfo Mancuso assim justifica o art. 102, III, b, da Constituição (ob. cit., p. 266): ―Ficando na hipótese da alínea b, verifica-se que é de ser descartada desde logo a decisão que, justamente, declarou a constitucionalidade de tratado ou lei federal, porque essa hipótese está fora do tipo normativo ora examinado: a regra, o normal, é que as leis vigem, são impositivas, porque haurem sua imperatividade a partir do texto constitucional, isto é, estão conformes a este; logo, quando uma decisão se funda num tratado ou lei federal é porque, naturalmente, esses textos foram tidos, ainda que implicitamente, como conformes à CF; não se compreenderia que, em tal caso, coubesse o apelo extremo. Daí ser perfeitamente compreensível que o constituinte tenha restringido o tipo à decisão que declinou a incidência de uma dada lei federal, ou tratado, tomando-os por inconstitucionais‖. 894

Cf. RE 298.694 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ de 06/08/2003) e o RE 420.816 (rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de 10/11/2006).

398

demonstrar analiticamente por que entende violada a Constituição. Uma vez

admitido o recurso, contudo, a Corte pode perscrutar todo o texto constitucional em

busca de respostas.

Assim, sempre que o sujeito ativo interpuser recurso extraordinário de

decisão que deixou de aplicar o art. 13 da Lei 8.620/1996 por considerar violado o

art. 135, III, do Código Tributário Nacional (ou outra norma geral em matéria

tributária), deverá prequestionar a violação dos arts. 24, e parágrafos, 97 e 146, III,

b, da Constituição, para interpor o recurso extraordinário nos termos da alínea b da

Constituição.

5.7.3.3 Julgamento de Validade de Lei ou de Ato Local Contestado em face da

Constituição

Leciona Rodolfo Mancuso895:

Não é de ser descartada, porém, a incidência de um elemento complicador desse quadro, qual seja a dificuldade, num caso concreto, de saber se no contraponto – lei/ato local versus lei federal ou CF – o que restou arranhado foi o direito federal stricto sensu ou se antes já o terá sido a própria CF, quando menos em seu sistema ou diretrizes. É o que observou o Min. Moreira Alves, comentando a expressão ―julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal‖: ―Ora, as questões de validade de lei ou de ato normativo de governo local em face da lei federal não são questões de natureza legal, mas, sim, constitucional, pois se resolvem pelo exame da existência, ou não, de invasão de competência da União, ou, se for o caso, do Estado.

[...] Ambos os casos, ao fim e ao cabo, conduzem à preservação da

―inteireza positiva‖ da Constituição, já que tanto a infringe o julgado que erroneamente a afastou para prestigiar a lei ou ato local, como também a decisão que deixou de aplicar a lei federal em igual circunstância: é que normas jurídicas são hierarquizadas a partir da CF, de sorte que o ordenamento local, ao infringir lei federal, está, ao menos por via reflexa ou indireta, afrontando a CF. Certo, há matérias em que mais de um dos entes políticos pode atuar ou legislar (CF, art. 24 e incisos), além, naturalmente, de hipóteses de atribuições reservadas aos Estados (art. 25, § 1º) e aos Municípios (art. 30 e incisos); mas, mesmo nesses casos, haverá uma alegação de que o direito federal restou violado, e ai os seus guardiões – STF e STJ, conforme o caso – dirão se a afirmação procede ou não.

Entendemos que norma local que desafia norma geral em matéria tributária

também convida o controle de constitucionalidade a dois juízos. Em primeiro lugar, é

preciso saber se a norma geral governa ou tem precedência sobre a norma

895

Op. cit., p. 276/278.

399

específica. Dada a resposta positiva, passa-se ao exame dos conteúdos, para saber

se a norma local contraria ou é de qualquer outra forma incompatível com a norma

geral.

O recurso cabível se o objeto do exame for norma local de atribuição de

responsabilidade é, portanto, o extraordinário pela alínea c.

5.7.3.4 Julgamento de Validade de Lei Local Contestada em face de Lei Federal

A inovação trazida pela EC 45/2004 confirma que, se norma local contrariar

norma geral em matéria tributária, o Supremo Tribunal Federal será competente

para conhecer do recurso destinado a resguardar a harmonia do pacto federativo e a

repartição das competências tributárias.

Nesse caso, o juízo incidental de inconstitucionalidade, se necessário, será

realizado pelo Supremo Tribunal Federal.

5.7.4 Utilidade do provimento jurisdicional e Súmula 283/STF: moot

judgements

O provimento jurisdicional perseguido com a interposição do recurso

extraordinário deve ser útil. Por ―utilidade‖ entendemos a aptidão do recurso

extraordinário para reformar o acórdão recorrido e assegurar a pretensão do

recorrente.

Duas são as principais causas da perda de utilidade do recurso

extraordinário.

A primeira é a circunstância de o acórdão recorrido contar com

argumentação de índole infraconstitucional, suficiente para manter a concessão ou a

negativa do provimento jurisdicional. Por exemplo, se o acórdão recorrido define que

o tributo não pode ser cobrado porque há tanto imunidade (fundamento

constitucional) como isenção (fundamento infraconstitucional), o sujeito ativo deve

interpor o recurso extraordinário e o recurso especial para discutir ambos os

fundamentos da decisão. Se não interpuser o recurso especial, o recurso

extraordinário não será conhecido, pois eventual provimento do recurso

extraordinário será insuficiente para reformar a decisão no sentido do

reconhecimento da validade da cobrança do tributo (Súmula 283/STF). Compete ao

400

jurisdicionado interpor conjuntamente ambos os recursos. De forma semelhante, se

o recurso especial não for provido, o recurso extraordinário também perderá a

utilidade.

No segundo cenário, o provimento de recurso especial esvazia o sentido do

recurso extraordinário, tornando-o sem objeto. Com efeito, se o acórdão recorrido foi

reformado por força de outra decisão, o eventual provimento do recurso

extraordinário também seria inócuo.

5.7.5 Norma veiculada por lei ordinária que contraria norma geral em matéria

tributária. Violação da reserva de lei complementar em matéria tributária

(art. 146, III, b, da Constituição) ou violação da norma geral? Quem deve

conhecer do argumento: o Supremo Tribunal Federal (RE) ou o Superior

Tribunal de Justiça (REsp)?

Rápida pesquisa nos julgados do Superior Tribunal de Justiça revela que

diversos jurisdicionados interpõem recursos especiais de acórdão que decidem

questões relativas à responsabilidade tributária. Em geral, alega-se contrariedade

aos dispositivos do Código Tributário Nacional que versam sobre a matéria. Por

exemplo, se o acórdão do Tribunal de origem reconheceu que o não-pagamento de

valor de tributo é infração da lei para fins de responsabilização do administrador,

costuma-se sustentar violação do art. 135, III, do Código Tributário Nacional (art.

105, III, a, da Constituição).

Assume-se, neste caso, que houve contrariedade ou negativa de vigência da

lei federal que dispõe sobre normas gerais em matéria tributária. A norma construída

pelo Tribunal de origem é controlada com parâmetro na lei complementar de normas

gerais.

Ari Pargendler896, contudo, oferece visão diferente. Argumenta que não

compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer de alegações de

incompatibilidade entre lei ordinária, de qualquer ente legiferante, e lei complementar

de normas gerais.

Antes da promulgação da Constituição de 1988, o extinto Tribunal Federal

de Recursos decidira que a violação de normas gerais se resolvia em juízo de

896

O recurso especial e o Código Tributário Nacional. STJ: Dez anos a serviço da Justiça. Brasília: Consulex, 1999, p. 361-370. Edição Comemorativa.

401

usurpação ou não da competência da União para dispor sobre normas gerais. Por

ocasião do julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade na AMS 89.825, de

relatoria do ministro Carlos Velloso897, o Tribunal considerou que a alegada

incompatibilidade entre lei ordinária e normas gerais em matéria tributária se resolvia

pela via do exame da usurpação de competência constitucional reservada à lei

complementar. A decisão do TFR foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal no

julgamento do RE 101.084 (Pleno, DJ de 05/10/1984), relator o ministro Moreira

Alves. Lê-se no respectivo acórdão:

Há, pois, inegável choque, a esse propósito, entre o preceituado no CTN – que se apresenta como Lei Complementar – e o dispositivo em causa que integra lei ordinária. E, quando isso ocorre, tem esta Corte entendido que o preceito da legislação ordinária é inconstitucional por invasão de competência.

898

Ademais, se a Corte concluir que o próprio tributo deve ser instituído em lei

complementar, eventual lei ordinária que dispuser sobre a matéria terá violado o

dispositivo da Constituição responsável pela imposição da observância da reserva

de lei complementar.

Se norma local ou federal, veiculada por lei ordinária, contrariar o sentido de

norma geral em matéria tributária, será cabível o recurso extraordinário, por violação

do art. 146, III, b, da Constituição, ou o recurso especial, por violação do dispositivo

de lei complementar que veicula a norma geral?

A questão passou a se tornar relevante por ocasião do julgamento de uma

série de recursos pertinentes à revogação da isenção concedida às sociedades civis

de profissão regulamentada, pertinente à incidência da Cofins.

Em longa série de precedentes, o Superior Tribunal de Justiça firmara que o

art. 46 da Lei 9.430/1996 lei ordinária não poderia revogar o art. 6º, II, da Lei

Complementar 70/1991. O denominador comum das fundamentações invocava o

princípio da hierarquia entre as leis para considerar que a Lei Complementar

70/1991 era superior à lei ordinária. A orientação estava clivada em pedra

adamante tão resistente que levou à redação da Súmula 276 do Superior Tribunal

de Justiça.

897

RTFR 129/335. 898

RTJ 112/397.

402

Diante do quadro, a União passou a adotar duas estratégias para remeter o

exame da questão ao Supremo Tribunal Federal. Inicialmente, passou a ajuizar

reclamações constitucionais amparadas em dois fundamentos: desrespeito à

autoridade do acórdão prolatado durante o julgamento da ADC 1 (rel. min. Moreira

Alves) e usurpação de competência da Corte para conhecer de recurso

extraordinário. Segundo articulou a União, a Corte teria estabelecido na ADC 1 que

a Lei Complementar 70/1991 era materialmente ordinária e, portanto, poderia ser

revogada ou modificada por outra lei ordinária. O Superior Tribunal de Justiça, ao

reconhecer a prevalência da Lei Complementar 70/1991 sobre a Lei 9.430/1996,

contrariara tal entendimento vinculante. Quanto à usurpação de competência, não

poderia o STJ decidir a matéria com base em suposta hierarquia entre leis, eis que a

matéria tinha índole constitucional e somente poderia ser resolvida pelo Supremo

Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário.

A primeira leva de reclamações não obteve sucesso. A segunda, por outro

lado, ressoou em decisões da lavra dos ministros Marco Aurélio899 e Joaquim

Barbosa900.

A segunda linha estratégica consistia na interposição de recursos

extraordinários dos acórdãos prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça. No início,

argüia-se apenas a violação dos arts. 97 e 102, III, da Constituição, dado que o

Superior Tribunal de Justiça haveria declarado a inconstitucionalidade do art. 46 da

Lei 9.430/1996 sem a observância da reserva de Plenário (full bench).

O ministro Cezar Peluso foi o primeiro a reconhecer que os acórdãos do STJ

estavam, de fato, declarando a inconstitucionalidade de lei ordinária federal. Para

reconhecer a supremacia da lei complementar com base em pretensa hierarquia

entre leis, era necessário recorrer, ainda que implicitamente, aos arts. 59, 69 ou 146

da Constituição, pois é a Constituição que define o papel de cada espécie legislativa

no sistema.

As primeiras decisões do ministro Cezar Peluso foram monocráticas,

baseadas no art. 557 do Código de Processo Civil. Em 13/12/2005, é publicada a

decisão monocrática proferida no AI 509.539. Nela, entendeu o ministro-relator que

o STJ deveria ter apreciado, incidentalmente, o argumento contraposto pela União

em contra-razões ao recurso especial do contribuinte, no sentido de que a Cofins

899

Cf. RDDT 107/179. 900

Cf. RDDT 122/204.

403

não precisava ser modificada por lei complementar, eis que fundada no art. 195, I,

da Constituição (antiga redação). Foi dado provimento ao recurso, para cassar o

acórdão prolatado pelo STJ, a fim de que o julgamento fosse renovado com a

apreciação da questão constitucional. A decisão monocrática foi desafiada por

agravo regimental. A Turma manteve a decisão (DJ de 05/06/2006).

A questão tomou maior ímpeto por ocasião do julgamento do RE 419.629-

AgR (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 30/06/2006) pela Primeira Turma. O

acórdão foi assim ementado:

I. Recurso extraordinário e recurso especial: interposição simultânea: inocorrência, na espécie, de perda de objeto ou do interesse recursal do recurso extraordinário da entidade sindical: apesar de favorável a decisão do Superior Tribunal de Justiça no recurso especial, não transitou em julgado e é objeto de RE da parte contrária. II. Recurso extraordinário contra acórdão do STJ em recurso especial: hipótese de cabimento, por usurpação da competência do Supremo Tribunal para o deslinde da questão. C. Pr. Civil, art. 543, § 2º. Precedente: AI 145.589-AgR, Pertence, RTJ 153/684. 1. No caso, a questão constitucional – definir se a matéria era reservada à lei complementar ou poderia ser versada em lei ordinária – é prejudicial da decisão do recurso especial, e, portanto, deveria o STJ ter observado o disposto no art. 543, § 2º, do C. Pr. Civil. 2. Em conseqüência, dá-se provimento ao RE da União para anular o acórdão do STJ por usurpação da competência do Supremo Tribunal e determinar que outro seja proferido, adstrito às questões infraconstitucionais acaso aventadas, bem como, com base no art. 543, § 2º, do C.Pr.Civil, negar provimento ao RE do SESCON-DF contra o acórdão do TRF/1ª Região, em razão da jurisprudência do Supremo Tribunal sobre a questão constitucional de mérito. III. PIS/COFINS: revogação pela L. 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão pela Lei Complementar 70/91. 1. A norma revogada – embora inserida formalmente em lei complementar – concedia isenção de tributo federal e, portanto, submetia-se à disposição de lei federal ordinária, que outra lei ordinária da União, validamente, poderia revogar, como efetivamente revogou. 2. Não há violação do princípio da hierarquia das leis – rectius, da reserva constitucional de lei complementar – cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado pela Constituição às leis complementares. 3. Nesse sentido, a jurisprudência sedimentada do Tribunal, na trilha da decisão da ADC 1, 01.12.93, Moreira Alves, RTJ 156/721, e também pacificada na doutrina.

Aqui, a Primeira Turma não concluiu pela necessidade de cassar o acórdão

do STJ para que outro fosse prolatado, com a observância do art. 97 da Constituição

e da questão posta pela União quanto à inexistência de violação constitucional pela

revogação de lei complementar por lei ordinária. A Turma julgou dois recursos

simultaneamente, um interposto pelo contribuinte do acórdão do Tribunal de

404

Segunda Instância, e outro interposto pela União do acórdão prolatado pelo STJ901.

Definiu-se que o contribuinte não tinha razão ao afirmar a superioridade

hierárquica da Lei Complementar 70/1991, e, portanto, foi negado provimento ao

recurso extraordinário por ele interposto. Por conseqüência, a Turma deu provimento

ao recurso extraordinário da União, para que o STJ julgasse novamente a questão

sem se ater ao fundamento de violação da suposta hierarquia existente entre a Lei

Complementar 70/1991 e a Lei 9.430/1996.

Assim, a Primeira Turma passou a resolver duas questões ao mesmo

tempo (violação dos arts. 97, 102, III, e 105, III, da Constituição e violação dos arts.

49, 59, 146, III, e 195, I, antiga redação, da Constituição). Não havia mais a

necessidade de julgamento incidental da questão constitucional.

O Plenário passou a examinar a matéria por sugestão da Segunda Turma,

nos REs 381.964 e 377.467. Atualmente o julgamento se encontra interrompido em

razão de pedido de vista feito pelo ministro Marco Aurélio.

Assim como se deu no caso da revogação da isenção da Cofins para as

sociedades prestadoras de serviços regulamentados, a violação de normas gerais

pertinentes à atribuição de responsabilidade tributária traz a mesma dúvida: qual é o

órgão competente para conhecer da matéria: o STF, em RE, ou o STJ, em REsp?

Nossa proposta cinde o âmbito de cognição da matéria. Saber se lei

ordinária pode modificar lei complementar é questão que se resolve com exame

constitucional de violação da reserva de lei complementar (arts. 49, 59 e 146 da

Constituição). Contudo, tal indagação é pressuposto do exame da colisão entre o

que dispõe a lei ordinária e a lei complementar. Trata-se de estágio incidental ao

controle de atribuição de responsabilidade tributária. Uma vez definido que a lei

ordinária não pode contrariar lei complementar de normas gerais (exame com

parâmetro na Constituição), deve o órgão jurisdicional indagar se, do ponto de vista

do sentido (material), há contrariedade total ou parcial entre as normas.

Não obstante, conforme veremos, nada impede que o Superior Tribunal de

Justiça examine incidentalmente questões ligadas à constitucionalidade das

normas que são postas ao crivo daquela Corte. Pelo contrário: se adequadamente

901

―Conforme consta do relatório, são dois os recursos extraordinários em pauta: o primeiro fora interposto, simultaneamente com recurso especial, pelo Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias, Informação e Pesquisas do DF — SESCON-DF contra o acórdão do TRF da 1ª Região; o segundo, interposto pela União contra o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial do SESCON-DF, dando-lhe provimento‖ (aditamento ao voto do ministro-relator no RE 419.629).

405

provocado, deve o Superior Tribunal de Justiça enfrentar o argumento

constitucional.

Feito o juízo de constitucionalidade, o STJ pode adentrar o âmago do

recurso especial, para indagar se a decisão contraria lei federal ou lhe nega

vigência. Esse juízo, de cotejo ―material‖, é a questão de fundo posta àquela Corte e

se encaixa no âmbito do art. 105, III, a ou b, da Constituição.

O recurso especial figura há pouco tempo no sistema jurídico brasileiro. Ele

foi introduzido com o advento da Constituição de 1988, que extinguiu os Tribunais

Federais de Recursos e criou o Superior Tribunal de Justiça. Parte do âmbito de

cognição que era pertencente ao Supremo Tribunal Federal, em recurso

extraordinário, foi transferido ao Superior Tribunal de Justiça. Houve um período de

transição, em que os recursos extraordinários interpostos antes da promulgação da

Constituição de 1988, mas que seriam julgados após a instalação do STJ, foram

baixados à origem para serem cindidos em recurso extraordinário e recurso

especial902.

São hipóteses de cabimento do recurso especial as circunstâncias de o

acórdão recorrido contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência, julgar

válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou der a lei federal

interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (art. 105, III, a, b e c

da Constituição). A última hipótese de cabimento tornou o Superior Tribunal de

Justiça a Corte, por excelência, destinada a uniformizar a interpretação da lei federal

em todo o território nacional.

O primeiro ímpeto é assumir que, se lei ordinária dispõe de forma contrária

do que estabelecido em lei complementar de normas gerais, o acórdão que deixar

de reconhecer a violação deve ser elevado ao crivo do Superior Tribunal de Justiça

com o recurso especial, interposto nos termos do art. 105, III, a, da Constituição.

Vamos examinar o ponto.

Se a questão não envolver alegação de contrariedade entre lei específica e

norma geral em matéria tributária, mas apenas a aplicação direta de lei federal ou de

normas gerais com densidade normativa suficiente, a competência para examinar o

acórdão é do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial (art. 105, III, a ou b –

902

Cf. RE 160.434-QO (rel. min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ de 15/06/2007).

406

este no caso de apenas o lançamento ser tido por inválido, em comparação direta

com a norma geral).

Entram, aqui, as normas expedidas ou confirmadas por autoridades fiscais

ou judiciárias sem amparo em lei específica trazida no estrato ordinário, mas que

retiram validade diretamente das normas gerais que possuem sentido deôntico

completo.

Entrevemos três cenários iniciais para exame da competência do Superior

Tribunal de Justiça para julgar, em recurso especial fundado na alínea a ou b do art.

105, III, da Constituição, a atribuição de responsabilidade tributária que envolva

conflito entre norma específica e norma geral em matéria tributária:

1) O Superior Tribunal de Justiça é competente para conhecer da questão,

dependendo da lei tida por ofensora. O conflito entre lei federal e lei complementar

federal cai no âmbito do art. 105, III, a, da Constituição. Se a lei for local, o exame da

questão caberá ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, d, da Constituição). De

qualquer forma, a questão é de índole infraconstitucional, não cabendo suscitar

argüição ou argumento de violação constitucional.

2) O Superior Tribunal de Justiça é competente para conhecer da questão,

mas deve cindir seu juízo em dois. Em primeiro lugar, deve examinar em argüição de

inconstitucionalidade a invalidade da lei federal ordinária por violação da reserva de

lei complementar em matéria tributária, ou examinar a prevalência ou preferência do

quanto estatuído em norma geral sobre norma específica (art. 24 e parágrafos e art.

146, III, b, da Constituição). Decidida a argüição pela preponderância da norma

geral, o Superior Tribunal de Justiça retoma o julgamento para decidir se o conteúdo

da norma específica é contrário ao da norma geral.

Neste tópico, é importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça possui

competência para realizar o controle de constitucionalidade incidental ainda que no

curso de recurso especial. Essa aptidão é outorgada pelo art. 97 da Constituição a

todos os órgãos jurisdicionais e é confirmada pelo art. 102, III, da Carta Magna.

Todos os órgãos jurisdicionais, no modelo de controle de constitucionalidade difuso

e concreto, podem exercer a fiscalização incidental. A prerrogativa pode ser

enunciada como a proibição para que qualquer órgão jurisdicional aplique norma

que reputar inconstitucional no curso de sua atividade. Dito de outro modo, o

407

Superior Tribunal de Justiça pode recusar a aplicação de norma tida por

inconstitucional em argüição de inconstitucionalidade promovida no próprio âmbito.

Confira-se, nesse sentido, o AI 217.753-AgR (rel. min. Marco Aurélio,

Segunda Turma, DJ de 23/04/1999), que porta a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL – JULGAMENTO DE MÉRITO – CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. O Superior Tribunal de Justiça, uma vez ultrapassada a barreira de conhecimento do recurso especial, julga a lide, cabendo-lhe, como ocorre em relação a todo e qualquer órgão investido do ofício judicante, o controle difuso de constitucionalidade.

DEVIDO PROCESSO LEGAL – PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – COMPLETUDE. Deixando o órgão de examinar questão versada pela parte, isso após conhecido recurso com o qual se defrontou, verifica-se o vício de procedimento e, portanto, a abertura de via à argüição pertinente.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO – CONFIGURAÇÃO – RAZÃO DE SER. O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido empolgada pela parte recorrente. A configuração do instituto pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo sobre o tema. O procedimento tem como escopo o cotejo indispensável a que se diga do enquadramento do recurso extraordinário no permissivo constitucional, e se o Tribunal "a quo" não adotou entendimento explícito a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais, inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo Recorrente.

Confiram-se, na mesma linha, os seguintes precedentes: AC 299/PR, rel.

min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ de 17/09/2004; AI 172.527-AgR/SP, rel. min.

Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 12/04/1996; AI 145.395-AgR/SP, rel. min.

Celso de Mello,Primeira Turma, DJ de 25/11/1994).

3) O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para examinar a

questão. O ponto fulcral do quadro consiste em saber se a norma trazida em lei

complementar é ou não norma geral em matéria tributária, e se há ou não

prevalência da última sobre a norma específica, veiculada em lei ordinária federal ou

local. E a contrariedade à Constituição pertence ao âmbito de cognição do recurso

extraordinário. A segunda parte do juízo, consistente em decidir se o sentido da

norma específica conflita ou não com o sentido estabelecido em norma geral,

repercute na competência para julgar a causa. E o Supremo Tribunal Federal

detém a permissão para julgar a causa posta no recurso extraordinário, ainda

quando envolva elemento que não se esgote no juízo de constitucionalidade. Com

efeito, a Corte Suprema não é mero tribunal de cassação, destinado a anular ou

408

rescindir as decisões de outros tribunais. Em tal modelo, as cortes de cassação

apenas decidem questão incidental e devolvem os autos aos Tribunais de origem

para que a prestação jurisdicional siga seu curso. No sistema jurídico brasileiro, o

Supremo Tribunal Federal pode substituir o acórdão recorrido se der provimento ao

recurso extraordinário.

Esse é o sentido do art. 324 do Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal e da Súmula 456 da Corte, assim redigidos:

Art. 324. No julgamento do recurso extraordinário, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma ou o Plenário não conhecerá do mesmo; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie. Súmula 456/STF: O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CONHECENDO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, JULGARÁ A CAUSA, APLICANDO O DIREITO À ESPÉCIE.

Examinar se o sentido da norma especial é compatível com o sentido da

norma geral encontra-se no âmbito de julgamento da causa à qual o exame da

estatura constitucional da lei complementar é premissa. Ambos os estágios são

prolongamentos de uma mesma seqüência de proposições, destinada a afirmar ou a

infirmar a assertiva ―S‘ é sujeito passivo por responsabilidade em relação à

obrigação Oresp, estabelecida com Sa‖. Conquanto seja possível cindir os juízos, a

prestação jurisdicional deve ser uma. Se a principal questão debatida é a

impossibilidade de norma especial contrariar norma geral, definida nos termos da

Constituição, então o âmbito de cognição da apontada violência cabe ao recurso

extraordinário.

Apenas as duas últimas soluções têm argumentos plausíveis. A matéria

relativa ao alcance de lei complementar de normas gerais tem nítida característica

constitucional, pois se esgota com o exame de parâmetros postos na Carta Magna:

arts. 24, 49, 59 e 146, III, b. Aludir ao princípio da hierarquia entre leis ou da simetria

de formas implica invocar, nas entrelinhas, a inconstitucionalidade da norma

especial que contraria a norma geral.

As duas últimas soluções possuem bons argumentos favoráveis. Assegurar

a matéria no âmbito de cognição do recurso especial não impede que o acórdão

passe, eventualmente, pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, se nele surgir

409

originariamente violação constitucional. A interpretação também firmaria o papel do

Superior Tribunal de Justiça como Corte de controle da legalidade parametrizada em

lei federal ou nacional da União.

Por outro lado, o deslocamento da competência para o Supremo Tribunal

Federal é mais sensível ao contexto da economia processual, pois concentra na

mesma Corte decisão sobre uma única causa que tem no cerne alegação de

contrariedade à Constituição.

Optamos pela terceira opção. A questão constitucional sobre a prioridade da

lei complementar de normas gerais não surge de forma acidental ao julgamento,

mas é um de seus elementos essenciais. Compete ao Supremo Tribunal Federal,

como Guarda da Constituição, conhecer da questão e julgar a causa como entender

de direito.

O recurso adequado para tanto é o extraordinário (art. 102, III, a ou c, da

Constituição).

No estado atual da orientação firmada por ambas as Cortes, contudo, é

pragmaticamente recomendável que o jurisdicionado interponha ambos os

recursos já do acórdão prolatado pelo Tribunal de segunda instância. Deve, ainda,

atentar para o prequestionamento explícito da matéria. Se a parte interpuser apenas

o recurso especial, é possível que tenha eventual decisão favorável reformada por

violação da competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer do argumento

de desrespeito à reserva de lei complementar. Se deixar de interpor o recurso

extraordinário, é possível que o Supremo Tribunal Federal entenda que o argumento

infraconstitucional, necessário para firmar a tese, está ausente e, portanto, o recurso

extraordinário será inócuo.

5.7.6 Cabimento da interposição de recurso extraordinário de acórdão

prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso

especial

Segundo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a negativa de

qualquer Tribunal em aplicar norma, em razão de qualquer elemento extraído da

Constituição, implica declaração velada de inconstitucionalidade903.

903

Cf. RE 411.481-AgR (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 09/02/2007), assim ementado: ―I. Controle incidente de constitucionalidade de normas: reserva de plenário (CF, art. 97):

410

Portanto, é possível que eventual violação da Constituição surja

originariamente por ocasião do julgamento de recurso especial. Nessa hipótese,

será cabível a interposição de recurso extraordinário de tal decisão.

Para tanto, é imprescindível que a violação tenha aparecido pela primeira

vez no acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça. Se o vício já fora

cometido pelo Tribunal de segunda instância e o STJ apenas o repetiu ou decidiu

não apreciá-lo, por ausência de competência (escapa ao âmbito do recurso

especial), o recurso extraordinário não será cabível.

5.7.7 Apreciação do quadro fático e as Súmulas 279/STF e 07/STJ

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não

reexaminam o quadro fático durante o julgamento do recurso extraordinário e do

recurso especial (Súmulas 279/STF904 e 07/STJ905).

O quadro fático é definido pelas instâncias ordinárias, com arrimo na fase

instrutória e no acervo probatório ali coligido.

Ao comentar o julgamento dos Embargos em Apelação Cível 7.307 (STF),

Victor Nunes Leal906 aponta que, no recurso extraordinário, o Supremo Tribunal

Federal não reexamina questões de fato porquanto tais dados já foram postos ao

crivo do Judiciário em estágios anteriores do processo.

A questão que se coloca é o que se deve entender por reexame de provas.

Em primeiro lugar, é essencial distinguir entre classificação legal e

circunstância de fato. Classificar redunda em ato de subsunção, em que se toma

proposição vicária de eventos em comparação com critérios isolados pelo

observador a partir de algum parâmetro. No Direito, a classificação nunca é útil ou

inútil, mas sempre válida ou inválida. Decorre, usualmente, de critérios de uso

viola o dispositivo constitucional o acórdão proferido por órgão fracionário, que declara a inconstitucionalidade de lei, sem que haja declaração anterior proferida por órgão especial ou plenário. II. Controle de constitucionalidade de normas: reserva de plenário (CF, art. 97): reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição‖ (Grifo nosso). Cf., ainda, o AI 558.265-AgR (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 20/10/2006). 904

Súmula 279/STF: ―Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.‖ 905

Súmula 07/STJ: ―A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.‖ 906

RDA 3/88.

411

postos pelo próprio Direito positivo, ou então replicados com o código do sistema

jurídico a partir de outros sistemas.

Por exemplo, afirmar que a empresa Pangloss é exclusivamente prestadora

de serviços envolve dois estágios. No primeiro, o observador recolhe os enunciados

que dizem respeito à atividade da empresa, isto é, o que ela faz. Por exemplo, ela

pode consertar encanamentos, vender produtos de beleza e assim por diante. A

reunião desses enunciados em proposições estruturadas corresponde à

criação do quadro fático. Diante do quadro fático, o observador passa a se

perguntar a qual classe pertencem as atividades desenvolvidas pela empresa. Ora,

não existem prestadoras de serviço, empresas comerciais ou entidades

financeiras na natureza. Tais conceitos são artificiais, criados pela linguagem e

razões humanas. O segundo estágio, de classificação, não envolve

necessariamente dilação probatória ou revisão do quadro fático. Revolver o quadro

fático somente seria necessário se o órgão jurisdicional não pudesse decidir com o

quanto já transformado em linguagem nos autos, ou se fosse necessário dar

interpretação radicalmente diferente àquela já dada pelo Tribunal de origem.

Entendemos, portanto, que tanto o Supremo Tribunal Federal como o

Superior Tribunal de Justiça podem rever a classificação dada aos fatos pelos

Tribunais de origem, sempre que esta for marcada por erro chapado ou

equívoco conspícuo. É o que ocorre quando, por exemplo, hidrelétricas907,

907

Cf. AR 1.607 (rel. para o acórdão min. Eros Grau, DJ de 29/09/2006), assim ementada: ―AÇÃO RESCISÓRIA. INOVAÇÃO NA LIDE. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO MENOS ABRANGENTE DO QUE O DA PETIÇÃO INICIAL. RELAÇÃO DE CONTINÊNCIA E NÃO DE PREJUDICIALIDADE. ENERGIA ELÉTRICA. MERCADORIA. ART. 155, § 2º, "B", DA CB/88; ART. 34, § 9º, DO ADCT. EMPRESA MERCANTIL QUALIFICADA COMO EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO. ERRO DE FATO. ART. 485, IX, §§ 1º E 2º, DO CPC. ATRIBUIÇÃO DE OBJETO SOCIAL INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA SOBRE O FATO. FINSOCIAL. INCIDÊNCIA DA ALÍQUOTA APLICADA ÀS EMPRESAS MERCANTIS. ART. 1º, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 1.940/82. 1. Não há relação de prejudicialidade, mas de continência, quando a parte, em recurso extraordinário, requer a não incidência de majorações nas alíquotas em processo no qual o pedido, mais abrangente, pretendia a não incidência das exações. Precedente [ED-RE n. 169.148, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 14.11.1995]. 2. A energia elétrica é objeto de comércio; é mercadoria, bem apropriável pelo homem, bem no mercado, inclusive para fins tributários [art. 155, § 2º, "b", da CB/88 e art. 34, § 9º, do ADCT]. 3. O erro de fato que autoriza a rescisão do julgado [art. 485, IX, do CPC] deve ser apurável mediante simples exame dos documentos e demais peças acostadas aos autos. Não se admite produção de prova tendente a demonstrar a inexistência do fato admitido pelo juiz ou a ocorrência de fato considerado inexistente. 4. O preceito do § 2º do art. 485 do CPC exige, para a rescisão do julgado, apenas a existência de fato incontroverso sobre o qual a sentença pronunciou-se. 5. O acórdão rescindendo atribuiu à autora objeto social inexistente. O fato – ser ela uma empresa exclusivamente prestadora de serviços – não foi objeto de controvérsia. A simples leitura dos seus estatutos, por sua vez, permite a verificação do erro de fato de que trata o art. 485, IX, do CPC. 6. Ação rescisória julgada procedente para desconstituir o acórdão rescindendo e determinar a incidência da alíquota da contribuição para o FINSOCIAL aplicável às empresas

412

montadoras908 e instituições financeiras909 são taxadas de empresas exclusivamente

prestadoras de serviço.

Registramos interessante trecho de Mantovanni Colares Cavalcanti910 sobre

a revisão probatória em sede de recurso especial. Não obstante voltada à questão

de indenização, seu raciocínio é útil para compreender a aplicação do conceito

também em matéria tributária:

Não se pode pretender, é certo, que o Superior Tribunal de Justiça deva vedar os olhos diante das indenizações manifestamente absurdas, que extrapolem o limite do razoável. Contudo, nessas situações a atitude mais condizente com a finalidade reguladora do direito da instância especial talvez fosse a de anular o acórdão recorrido, por conter fundamentação deficiente, e remeter o processo às instâncias ordinárias para a correta integração entre fato, direito e prova, gerando a possibilidade de os juízes naturais da causa aprumar a quantia indenizatória com os elementos contidos nos autos.

Miguel Nagib911 pondera que, uma vez firmada a admissibilidade do recurso

extraordinário, isto é, a possibilidade de seu conhecimento, compete ao Supremo

Tribunal Federal julgar a causa, ainda que parte essencial do quadro fático não

tenha sido abordada pelo acórdão recorrido.

Assim, o Supremo Tribunal Federal pode modificar a urdidura das

proposições pertinentes ao quadro fático desde que não modifique os enunciados de

base já coligidos na etapa instrutória. Se dos enunciados E1 e E2 o Tribunal de

origem retirou que ―o administrador agiu com excesso de poderes‖, o Supremo

mercantis [art. 1º, § 1º, do Decreto-Lei n. 1.940/82]. Precedente [RE n. 150.764, Relator para o acórdão o Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 02.04.1993]‖. 908

Cf. RE 254.538-ED (rel. min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, DJ de 23/09/2005), assim ementado: ―TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FINSOCIAL. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. EMPRESA COMERCIAL. Por ocasião do julgamento do RE 150.764 (rel. para o acórdão min. Marco Aurélio, RTJ 147/1024), do RE 150.755 (rel. para o acórdão min. Sepúlveda Pertence, RTJ 149/259) e do RE 187.436-ED (rel. para o acórdão min. Moreira Alves, DJ 23.03.2001), o Supremo Tribunal Federal firmou orientação quanto à constitucionalidade da majoração do Finsocial para as empresas exclusivamente prestadoras de serviços. Acórdão embargado que considerou uma das embargantes, montadora e comerciante de veículos, empresa dedicada exclusivamente à prestação de serviços. Notoriedade e ausência de controvérsia quanto à linha de atividade econômica da empresa. Inaplicabilidade da Súmula 279. Embargos de declaração recebidos com efeitos modificativos, para se conhecer do recurso extraordinário interposto pela União e negar-lhe provimento exclusivamente quanto à embargante General Motors do Brasil Ltda., nos termos dos precedentes mencionados‖. 909

Cf. AR 1.713 (rel. min. Ellen Gracie, DJ de 19/12/2003). 910

CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recurso especial e extraordinário, p. 161. 911

NAGIB, Miguel Francisco Urbano. A competência recursal extraordinária do STF e do STJ. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 7, p. 141-173, 2007.

413

Tribunal Federal poderá extrair proposição contraditória se entender que a avaliação

feita é inexoravelmente equivocada.

De qualquer maneira, a parte não poderá inovar, no sentido de produzir

novas provas no curso do recurso extraordinário. Nada impede, contudo, que a

Corte dê outra interpretação ao quadro fático construído exclusivamente a partir dos

autos, tais como recebidos. A discrepância da classificação dada ao quadro fático

deve ser clara, direta e inequívoca, contudo.

5.7.8 Exame de validade da norma jurídica tributária como pressuposto da

responsabilidade tributária

Sustentamos que a validade e o ciclo de incidência pressuposto são

requisitos para a aplicação da norma de responsabilidade tributária. Se não houver

tributo, não há que garantir a eficácia do respectivo crédito (pois não haverá sequer

o crédito).

Assim, o responsável tem legitimidade para sustentar, por todos os

argumentos e meios cabíveis, a invalidade ou a não-incidência da norma jurídica

que institui o tributo. Pode alegar, ainda, se cabível, a extinção da relação jurídica

tributária.

Uma série de casos muito interessantes ajudarão a ilustrar o ponto.

Diversas entidades ligadas à Administração Pública recebem, por afetação,

o direito de usar bens públicos. Uma dessas entidades é a Empresa de

Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).

Em algumas oportunidades, a Infraero cede onerosamente o uso de bens

imóveis a terceiros que não têm nenhum vínculo com a entidade. Trata-se de

particulares que irão desenvolver atividades privadas e com intuito lucrativo em tais

imóveis.

Diante do quadro, indaga-se se tais terceiros podem ser considerados

contribuintes ou responsáveis tributários do Imposto sobre Propriedade Territorial e

Urbana (IPTU).

Por ocasião do julgamento do RE 451.152, a Segunda Turma do Supremo

Tribunal Federal enfrentou questão moldada em quadro semelhante ao relatado.

Como se lê no relatório apresentado pelo relator, ministro Gilmar Mendes, e no

relato feito pelo ministro Joaquim Barbosa em voto-vista, o acórdão recorrido

414

considerou que o terceiro particular não poderia ser tributado por duas razões. Em

primeiro lugar, a propriedade imóvel era protegida pela imunidade recíproca, eis que

de titularidade de empresa pública destinada a prestar serviço público. Em segundo

lugar, apenas a propriedade ou a posse que leva à propriedade são fatos jurídicos

tributários. Assim, o cessionário que apenas usa o bem, mas não tem nenhuma

prerrogativa de proprietário, não pode ser considerado contribuinte do imposto.

O ministro Gilmar Mendes concordou com a fundamentação empregada no

acórdão recorrido e o manteve.

O ministro Joaquim Barbosa, por seu turno, cindiu a questão em dois pontos

essenciais. O primeiro era saber se a propriedade imóvel era imune ou não. Se

imune fosse a propriedade, o terceiro particular não poderia ser considerado

contribuinte ou responsável tributário.

Após desconstruir o argumento pela imunidade, apontou Sua Excelência que

a discussão sobre a configuração da responsabilidade tributária era matéria que

demandava, a princípio, exame de legislação local e de normas gerais em matéria

tributária, de modo que a parte do acórdão apoiada em tais premissas não poderia

ser reformada. Negou provimento ao recurso, portanto.

Assim, compete ao responsável desafiar não somente a validade da norma

que atribui a responsabilidade tributária, mas também a norma que institui o tributo e

sua potencial incidência.

5.7.9 Repercussão geral

A EC 45/2004 trouxe a seguinte inovação ao texto constitucional:

Art. 102. [...]. III – [...]. § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

O requisito da repercussão geral é mecanismo destinado a selecionar

recursos extraordinários cujas matérias tenham grande importância para a definição

de direitos e deveres constitucionais ou se apliquem a grande quantidade de litígios.

Busca-se afastar a caracterização do Supremo Tribunal Federal como ―quarta

415

instância‖, destinada a reexaminar litígios que não extrapolam o mero interesse

subjetivo das partes.

Segundo dados do sistema informatizado do STF912, entre janeiro de 2004 e

janeiro de 2005 foram autuados 392.202 processos. Desses, 56.372 versavam sobre

matéria tributária. Em termos pragmáticos, o requisito de repercussão geral opera

como válvula de calibração da enorme quantidade de processos que são

distribuídos todos os anos à relatoria dos onze integrantes da Corte.

Vale trazer a relevo alguns pontos sobre o assunto.

O requisito de repercussão geral é uma preliminar. Sua ausência formal

acarreta o não-conhecimento do recurso. A Corte decidiu, em sessão plenária, que o

marco inicial de exigência da preliminar seria o dia da publicação da Emenda

Regimental 21/2007, que dispôs sobre o assunto no âmbito do Supremo Tribunal

Federal. Assim, todos os recursos extraordinários interpostos de acórdãos

publicados após 03/05/2007 estão submetidos ao regime de exame de repercussão

geral913.

A repercussão geral é presumida. São necessários os votos de ao menos

oito ministros para rejeitá-la. Se algum ministro não se manifestar durante a sessão

de julgamento sobre o assunto, seu voto contará, tem termos pragmáticos, a favor

da configuração da repercussão geral914.

A sessão de julgamento da preliminar de repercussão geral é, por via de

regra, eletrônica (art. 323 do RISTF), posto que a Corte tenha examinado algumas

questões sobre o assunto em sessão plenária tradicional915.

A sessão eletrônica de julgamento dura vinte dias e inicia-se com a

submissão de voto escrito do ministro-relator aos demais ministros da Corte. Às

23h59min59seg do vigésimo dia a sessão é encerrada e os votos são

contabilizados. Não é obrigatória a apresentação de extensa manifestação vogal. Os

ministros que não são relatores podem apenas anuir ou rejeitar a proposta.

Uma vez admitida ou rejeitada a repercussão geral, todos os demais

recursos extraordinários sobre a matéria, e submetidos ao requisito, serão

912

Dados disponíveis em http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina= pesquisaRamoDireito. 913

Cf. o AI 664.563 (rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ de 06/09/2007). 914

Já que o quorum para rejeição é positivo e requer no mínimo oito votos. Se algum ministro não se manifestar, a probabilidade de atingir os oito votos diminui. Cf., ainda, o teor do parágrafo único do art. 324 do RISTF: ―Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral‖. 915

Cf. o RE 556.664 (rel. min. Gilmar Mendes), sobre os arts. 45 e 46 da Lei 8.212/1991.

416

devolvidos aos Tribunais de origem, que devem aguardar o desfecho do julgamento

de mérito916 e aplicar o art. 543-B, § 3º, do Código de Processo Civil917.

O requisito da repercussão geral é a última preliminar examinada. Portanto,

se o recurso não comportar conhecimento por outra razão (ausência de requisitos

intrínsecos ou extrínsecos), haverá julgamento nos termos do art. 21, § 1º, do

RISTF, sem o exame da repercussão geral.

Indaga-se, nesse sentido, se é possível admitir a repercussão geral de

matéria versada em recurso extraordinário para, durante o julgamento de mérito,

deixar de conhecê-lo em razão de a contrariedade à Constituição apontada ser

meramente reflexa. Entendemos que, se a violação é reflexa, o recurso

extraordinário não deve ser conhecido, sem que se cogite indagar sobre o requisito

da repercussão geral. De outra forma, haveria o processamento de questão de

repercussão geral de matéria infraconstitucional.

O art. 543-A do Código de Processo Civil dispõe que:

para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Entendemos que a relevância da matéria, uma vez confirmada, sempre

ultrapassará os interesses subjetivos da causa. Assim, a grande quantidade de

recursos sobre um dado assunto não é, necessariamente e por si só, índice de

repercussão geral. Por outro lado, sempre haverá repercussão geral se o recurso

contrariar orientação firmada pela Corte (art. 543-A, art. § 3º, do CPC).

Entendemos que a usurpação da reserva de lei complementar para dispor

sobre normas gerais em matéria tributária é assunto que extrapola o interesse

subjetivo de responsáveis e sujeitos ativos, pois tange a definição de conceito que

opera como um dos pilares do sistema tributário brasileiro.

5.7.10 Súmulas vinculantes

Dispõe o art. 103-B da Constituição, tal como introduzido pela EC 45/2004:

916

Cf. Art. 543-B, § 1º, do CPC. 917

Art. 543-B, § 3º: ―Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.‖

417

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

No direito brasileiro, a concepção de Súmulas da Jurisprudência Dominante

do Supremo Tribunal Federal se deve ao ministro Victor Nunes Leal. Sua Excelência

referenciava, em um caderno, os julgamentos da Corte, cruzando-os quanto ao

alcance da decisão e à matéria918. Como se manifestou José Paulo Sepúlveda

Pertence, então procurador-geral da República, durante eulogia919 ao ministro

falecido, uma das funções da Súmula era estabilizar a orientação jurisprudencial

sem, necessariamente, ―petrificá-la‖.

Um dos acórdãos mais importantes para o exame do alcance da Súmula é o

RE 54.190. O tema de fundo era a vinculação das Súmulas aos precedentes de

origem. Discutia-se se o enunciado da Súmula 303920 poderia ser aplicado contrario

sensu. Ou seja, se era devido o imposto após a vigência da EC 05/1961, nos termos

da orientação sumulada.

Segundo o ministro Victor Nunes, não era possível atribuir ao enunciado

significação maior do que aquilo que estivesse ostensivamente afirmado. Segundo

compreendemos, o que o ministro Victor Nunes dizia era que não havia relação

conversa ou complementar necessária: dizer que o tributo não era devido no lapso

T1 nada dizia sobre a validade do tributo em T2. Non sequitur.

918

Um desses cadernos está exposto na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, no Anexo II, Primeiro Andar, do Supremo Tribunal Federal. 919

Cf. DJ de 26/08/1985, p. 13905 et seq. 920

―NÃO É DEVIDO O IMPOSTO FEDERAL DE SELO EM CONTRATO FIRMADO COM AUTARQUIA ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 5, DE 21/11/1961‖

418

O seguinte trecho dos debates havidos é bem elucidativo:

O Sr. Ministro Pedro Chaves: O que é lamentável é que V. Exa.

esteja destruindo a sua grande obra, que é a confecção da Súmula. O Sr. Ministro Victor Nunes: Faço um apelo aos eminentes

colegas, para não interpretarmos a Súmula de forma diferente do que nela se exprime, intencional e claramente. Do contrário, ela falhará, em grande parte, à sua finalidade. Quando a Súmula afirma que não é devido o selo se o contrato for celebrado anteriormente à vigência da Emenda Constitucional 5, sobre esta afirmação, e somente sobre ela, é que já está tranqüila a orientação do tribunal. Quanto a ser devido o selo nos contratos posteriores, o Tribunal Pleno ainda não definiu a sua jurisprudência.

Ficaram vencidos, juntamente com o ministro Victor Nunes Leal, os

senhores ministros Hermes Lima, Lafayette de Andrada e Vilas Boas.

A situação se torna mais sensível com a adoção das Súmulas Vinculantes.

As Súmulas de Jurisprudência Dominante não eram de observância obrigatória

pelos demais órgãos do Judiciário ou entidades administrativas. Tinham papel

persuasivo, análogo ao retratado por Tárek Moussalém921 na seguinte passagem:

Quando, por exemplo, um advogado cita uma determina jurisprudência em sua petição inicial ou contestação, o faz por razões de convencimento do magistrado (violência simbólica).

Este não fica obrigado a decidir o caso de acordo com o julgado. Além do mais, não há qualquer norma no direito brasileiro que obrigue um juiz a seguir as decisões de seus pares ou dos tribunais, exceto no caso do controle abstrato de constitucionalidade.

A partir da EC 45/2004, o enunciado da Súmula Vinculante passa a ter

densidade normativa completa. É possível construir norma jurídica completa, que

obriga aos órgãos jurisdicionais e aos agentes administrativos a conduta nela

prescrita. Comanda, ainda, o eficiente instrumento da reclamação constitucional, que

até então não era cabível para assegurar orientação jurisprudencial922.

Entendemos que a interpretação do enunciado da Súmula deve

incondicional fidelidade aos precedentes que a amparam. Se a Súmula versa sobre

a exigência prevista na lei L‘ do município M‘, descabe fazer transcender seus

fundamentos determinantes para aplicar o mesmo entendimento, automaticamente,

à lei L‘‘ do município M‘‘, posto que análogas, semelhantes ou próximas.

921

Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 158. 922

Cf. Rcl 4.947 (rel. min. Marco Aurélio, Pleno, DJ de 31/01/2008) e Rcl 4.563-AgR (rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, DJ de 07/12/2007).

419

5.7.11 Atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou ao

recurso especial

Os recursos extraordinário e especial contam apenas com o efeito devolutivo

(arts. 497 e 542, § 2º, do Código de Processo Civil). Não obstante, tanto o Supremo

Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça admitem a concessão de

medidas liminares destinadas a assegurar a eficácia de eventual provimento

jurisdicional favorável ao recorrente.

É importante firmar, desde o início, que o Supremo Tribunal Federal não

considera o art. 800 do CPC como fundamento do exercício do poder geral de

cautela. A Corte alude ao próprio regimento interno para fundamentar as medidas

liminares requeridas no curso do recurso extraordinário. Normalmente os pedidos

são apresentados à Corte como ações cautelares, mas nada impede que eles

sejam deduzidos no corpo do próprio recurso extraordinário, por meio de petição

avulsa923. O uso da ação cautelar costuma ser mais eficiente, contudo. Ademais, se

os autos ainda não se encontrarem no Supremo Tribunal Federal, a ação cautelar é

o único meio disponível para busca da tutela temporária.

Os requisitos básicos para admissão da tutela foram declinados pelo

ministro Celso de Mello na Pet 1.858-AgR (Segunda Turma, DJ de 28/04/2000):

Na realidade, e tendo presente a orientação jurisprudencial firmada por esta Corte, cabe assinalar que a concessão de eficácia suspensiva ao apelo extremo, para legitimar-se, supõe a conjugação necessária dos seguintes requisitos; (a) que tenha sido instaurada a jurisdiço cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem), (b) que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual, caracterizada, dentre outras, pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição, (c) que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica e (d) que se demonstre, objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do periculum in mora.

923

No léxico da Corte, ―petição avulsa‖ é toda manifestação da parte apresentada sem estar vinculada a intimação ou a ônus específico.

420

Há algum tempo, a Segunda Turma da Corte tem mitigado a necessidade de

admissão do recurso extraordinário, se a plausibilidade da alegação do recorrente

for vultosa924.

É necessário também cindir antecipação de tutela recursal e simples

atribuição de efeito suspensivo. Se não houver decisão a ser restaurada, porque

tanto a sentença do Juízo quando o acórdão do Tribunal de origem foram

desfavoráveis à parte, estar-se-á diante de antecipação de tutela, e não de

atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário925.

Em matéria tributária, a alegação de prejuízo advindo da aplicação de

sanções pelo não-pagamento de tributo é insuficiente para caracterizar o quadro

autorizado da concessão da medida liminar. Como observou o ministro Sepúlveda

Pertence, a sanção pelo não-pagamento de tributo não é excepcional, pois é

conseqüência ordinária, a todos os faltosos imposta, se confirmadas as

circunstâncias objetivas que lhe dão azo. É necessária a densa probabilidade de

conhecimento e provimento do recurso.

Disse Sua Excelência em decisão monocrática proferida nos autos da AC

1.192 (DJ de 16/05/2006):

Como só recebidos com efeito devolutivo, a pendência do julgamento acarreta percalços à empresa, pela eventual inscrição na dívida ativa, o que caracterizaria o periculum in mora, pressuposto necessário da medida

924

Cf. AC 1.770-QO (rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 19/10/2007), assim ementada: ―QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO ADMITIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO PENDENTE DE JULGAMENTO. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA PARA SUSPENDER OS EFEITOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 2. Em situações excepcionais, em que estão patentes a plausibilidade jurídica do pedido – decorrente do fato de a decisão recorrida contrariar jurisprudência ou súmula do Supremo Tribunal Federal – e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação a ser consubstanciado pela execução do acórdão recorrido, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar ainda que o recurso extraordinário tenha sido objeto de juízo negativo de admissibilidade perante o Tribunal de origem e o agravo de instrumento contra essa decisão ainda esteja pendente de julgamento. 3. Hipótese que não constitui exceção à aplicação das Súmulas 634 e 635 do STF. Precedente: AC n. 1.550/RO. 4. Suspensão dos efeitos do acórdão impugnado pelo recurso extraordinário, até que o agravo de instrumento seja julgado. 5. Liminar referendada em questão de ordem. Unânime‖. 925

Cf. Pet 2.696-QO (rel. min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 31/10/2002), assim ementado: “Medida cautelar inominada. – Não cabendo, por inócua, a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário quando as decisões das instâncias inferiores são desfavoráveis ao recorrente, o que pretende este, no caso, com essa medida cautelar, é a obtenção de tutela antecipada em recurso extraordinário. – Para que o juiz conceda tutela antecipada é preciso que se convença da verossimilhança da alegação. – No caso, não ocorre esse convencimento de verossimilhança , que se traduz em muito forte probabilidade de o recorrente vir a sair vitorioso no julgamento do recurso extraordinário. E isso decorre de já ter sido negado seguimento ao agravo de instrumento contra o despacho que não admitiu o recurso extraordinário. Questão de ordem que se resolve no sentido de indeferir-se a presente petição.‖

421

cautelar que se pleiteia. Entretanto, trata-se de inconveniente comum a todos quantos se encontram sujeitos às conseqüências do efeito dos recursos extraordinários, agravado, certo, se se trata de obrigações tributárias de contribuinte dedicado a atividades empresariais. Mas o risco ordinário da falta de eficácia suspensiva não basta à concessão do efeito pretendido, senão toda interposição de recurso extraordinário por contribuinte reclamaria tal efeito. Mais razoável é, então, ser menos exigente na indagação do periculum in mora, se, só à primeira vista, ao recurso se possa atribuir densa probabilidade de conhecimento e provimento: nessa hipótese, a densidade do fumus boni juris aconselha que se obvie, de logo, os riscos, ainda que ordinários, da execução provisória do acórdão recorrido ou de seus consectários.

O relator pode conceder a medida liminar em decisão monocrática926 ou

submeter o pedido ao órgão colegiado competente para conhecer do recurso

extraordinário927. Entendemos que a concessão monocrática da medida liminar

deveria ser a exceção928. Não obstante, em razão da grande carga de trabalho, a

tendência registrada é de resolução monocrática da questão. Nesse caso, o relator

deve submeter a concessão da medida liminar ao crivo do órgão colegiado, que

poderá referendá-la ou rejeitá-la929.

Nos termos das Súmulas 653 e 654/STF, antes do juízo de admissibilidade

do recurso extraordinário, compete ao Tribunal de origem conhecer de pedidos

sobre a concessão de medida liminar no curso do recurso extraordinário. Após o

juízo de admissibilidade, eventual atuação do Tribunal de origem implicará

usurpação de competência, corrigível por reclamação constitucional.

5.8 RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

5.8.1 Hipóteses de cabimento

Muito se discutiu sobre a configuração da reclamação constitucional como

ação constitucional, recurso, remédio sui generis etc. Qualquer que seja a estrutura

dada, a reclamação é um dos instrumentos mais eficientes e perigosos de tutela

jurisdicional, pois permite remeter questão diretamente ao Supremo Tribunal

926

Art. 21, IV, do RISTF. 927

Art. 21, V, do RISTF. 928

Pois a competência originária para tanto é do órgão colegiado, nos termos do art. 21, IV, do RISTF. 929

Recente caso de rejeição da medida liminar concedida é a AC 1.109-MC (rel. para o acórdão min. Carlos Britto, Plenom DJ de 19/10/2007) sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário que discutia a tributação diferenciada das instituições financeiras com a contribuição destinada ao custeio da Seguridade Social e calculada com base no lucro.

422

Federal, sem necessário contraditório, que decidirá ou não pela cassação do

provimento jurisdicional tido por desconforme ao parâmetro invocado.

Trava-se, atualmente, grande debate sobre o alcance da reclamação,

encabeçado pelo ministro Gilmar Mendes e, até a aposentadoria, pelo ministro

Sepúlveda Pertence. Entende o ministro Gilmar Mendes que a reclamação, como

ação constitucional, permite à Corte inaugurar o controle de constitucionalidade de

normas de teor semelhante ou idêntico àquelas que já foram objeto de controle

abstrato. Por exemplo, se a Corte declarara a inconstitucionalidade das normas que

instituíam a modalidade de cálculo progressiva para o IPTU do fictício município de

Maulbrounn no curso da ADPF X, o jurisdicionado poderia ajuizar reclamação contra

decisão administrativa ou de primeira instância que afirmasse a validade do IPTU

progressivo do fictício município de Tubingen, por violação da autoridade da

decisão prolatada na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Disse o ministro Gilmar Mendes em decisão monocrática na Rcl 4.987 (DJ

de 13/03/2007):

Creio que tal controvérsia reside não na concessão de efeito vinculante aos motivos determinantes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade, mas na possibilidade de se analisar, em sede de reclamação, a constitucionalidade de lei de teor idêntico ou semelhante à lei que já foi objeto da fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Após refletir sobre essa questão, e baseando-me em estudos doutrinários que elaborei sobre o tema, não tenho nenhuma dúvida de que, ainda que não se empreste eficácia transcendente (efeito vinculante dos fundamentos determinantes) à decisão 1, o Tribunal, em sede de reclamação contra aplicação de lei idêntica àquela declarada inconstitucional, poderá declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei ainda não atingida pelo juízo de inconstitucionalidade.

O contraponto era realizado pelo ministro Sepúlveda Pertence. Segundo

concebia, deveria haver perfeita identidade entre o paradigma tido por violado e a

decisão à qual se imputava a violação, para que a reclamação fosse admissível. Por

exemplo, a ADI 1.662 não poderia servir de parâmetro para reclamação sobre

seqüestro de verbas públicas que não fosse baseado na IN 11/1997 do TST, texto

que foi objeto de controle naquele precedente930.

930

Cf. a Rcl 3.376-AgR (rel. min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ de 11/05/2007), assim ementada: ―Reclamação: seqüestro de valores do Município de Cubatão: alegação de desrespeito do julgado do Supremo Tribunal na ADIn 1.662 (Pleno, Maurício Corrêa, DJ 19.9.03): improcedência. A decisão reclamada, do Presidente do Tribunal de Justiça paulista, apesar da semelhança do tema, referente a seqüestro de verbas de ente público, não guarda identidade com o decidido na ação direta paradigma

423

Entendemos que a semelhança entre os objetos pode justificar o uso da

reclamação, se houver perfeita sincronia entre o quadro analisado no paradigma e o

quadro marcado pelo ato reclamado. Não é necessária a identidade. Contudo,

quaisquer elementos relevantes que tornem o quadro reclamado único impedem o

uso da reclamação. Por exemplo, é necessário examinar se a ―progressividade‖ de

Maulbrounn é a mesma ―progressividade‖ de Tubingen. O menor desvio

descaracteriza o cabimento da reclamação como instrumento de controle.

5.8.1.1 Usurpação de Competência

A reclamação cabe para preservar a competência da Corte (art. 102, I, l, da

Constituição). Assim, se órgão jurisdicional se nega expressa ou implicitamente a

remeter recurso extraordinário já admitido ou agravo de instrumento ao Supremo

Tribunal Federal, cabe reclamação para corrigir a situação.

De forma semelhante, se qualquer outro Tribunal inicia o julgamento de

causas cuja competência é originária da Corte, como o conflito federativo, também é

cabível reclamação.

5.8.1.2 Violação da Autoridade de Decisão do STF

A reclamação serve também para preservar a autoridade das decisões do

Supremo Tribunal Federal.

Como visto, tanto decisões proferidas no curso da competência recursal

como decisões prolatadas no curso da competência originária podem ser

asseguradas pela via da reclamação. O reclamante deve indicar analiticamente as

razões do confronto, não bastando a alegação genérica de desrespeito.

Ademais, reclamações não servem de parâmetro para novas reclamações.

Vale dizer, a parte não pode alegar violação do acórdão prolatado em reclamação

na causa de pedir de segunda reclamação.

O reclamante também deve demonstrar como a decisão paradigmática se

aplica diretamente à esfera de suas relações jurídicas. A reclamação não é

sucedâneo ou substitutivo de instrumento de harmonização da jurisprudência, e,

(IN 11/97 do Tribunal Superior do Trabalho), o que inviabiliza o conhecimento pela via estreita da reclamação (v.g., Rcl 2990, Sepúlveda Pertence, DJ 5.4.05)‖.

424

portanto, o reclamante não pode alegar genericamente que a decisão ofendida viola

a autoridade de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal que lhe seria

eventualmente aplicável (art. 557, caput e § 1º-A, do CPC).

5.8.1.3 Violação de Súmula Vinculante

Nos termos do art. 103-B, § 3º, da Constituição, também cabe reclamação

para assegurar a aplicação de orientação sumulada de forma vinculante.

Entendemos que a violação deve ser direta e específica, considerados os

precedentes que deram origem ao enunciado. Aderimos à admoestação do ministro

Victor Nunes Leal no sentido de que não se deve ler as entrelinhas do enunciado

sumular. Apenas aquilo que estiver claramente enunciado e baseado em

precedentes serve como parâmetro de controle. Em especial, deve-se levar em

consideração a legislação que foi objeto de controle nos precedentes, descabendo

ampliar o entendimento para normas jurídicas diversas, a despeito de identidade ou

semelhança.

5.8.2 Legitimação

A decisão cuja autoridade se tem por violada deve ser diretamente aplicável

ao reclamante. Assim, podem ajuizar reclamação os sujeitos que foram partes no

processo que redundou na prolação de acórdão pelo Supremo Tribunal Federal tido

por violado.

A partir do julgamento da Rcl 1.880-AgR (rel. min. Maurício Corrêa, Pleno,

DJ de 19/03/2004), a Corte passou a considerar legitimado à reclamação qualquer

sujeito que sofresse ato contrário à orientação firmada em precedente de eficácia

geral e vinculante (erga omnes).

5.8.3 Rito

A reclamação não requer contraditório, entendido como a necessidade de

citação do interessado. A relação se estabelece entre o Tribunal e a autoridade

reclamada, diante da pretensão do reclamante. Afinal, a própria Corte tem interesse

na manutenção da eficácia de seus precedentes. Não obstante, ela admite a

425

desistência de reclamação quando o reclamante não é o mesmo ator do processo

abstrato de fiscalização constitucional.

Não obstante, pode o interessado ingressar nos autos até o julgamento da

reclamação, para apresentar a defesa que entender cabível.

5.8.4 O provimento jurisdicional

Não há mais a figura da avocação no direito brasileiro. O provimento da

reclamação, se procedente o pedido, será pela cassação do ato tido por violador da

autoridade de decisão da Corte ou tido por usurpador de sua competência.

426

6. ENSAIOS

6.1 ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA OBJETIVA E

ILIMITADA AOS SÓCIOS DE SOCIEDADE LIMITADA PELO PAGAMENTO DE

CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DA SEGURIDADE SOCIAL

6.1.1 Quadro fático-jurídico

Dispõe o art. 13 da Lei Ordinária Federal 8.620/1993:

Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

Por seu turno, estes são os enunciados dos arts. 134, VII, e 135, I e III, do

Código Tributário Nacional:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: […] VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; [...] III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Parece haver consenso quando se afirma que, para as sociedades

empresárias limitadas, antigas sociedades por quota de responsabilidade limitada, a

responsabilidade dos sócios é objetiva, pois independe de culpa ou de qualquer

outro elemento anímico que relacione a conduta ao estado psíquico (Lei 8.620). O

antecedente da norma de responsabilidade também prescinde do exame minudente

da conduta do sócio, bastando sua condição de membro dos quadros societários

para atribuição de responsabilidade tributária.

427

Dito de outro modo, a responsabilidade, nas condições expostas, é ilimitada.

Também vamos tomar sem argumentação a contrariedade entre o disposto

na lei ordinária e o disposto no Código Tributário Nacional. Parece conspícuo que a

norma construída com base nos arts. 134, VII, e 135, I e III, não somente tomam

como relevante a ligação psíquica entre a conduta e o estado anímico do agente,

mas também adicionam elementos específicos de conduta aos antecedentes

normativos. Quer dizer, para o CTN, a simples condição de sócio ou administrador é

insuficiente para caracterizar a responsabilidade tributária, em sentido diverso do

que ocorre nos termos da lei ordinária.

O art. 13 da Lei 8.620/1993 é objeto da ADI 3.672, ajuizada pela

Confederação Nacional da Indústria e distribuída à relatoria do ministro Cezar

Peluso.

A entidade requerente sustenta, em síntese e em suas próprias palavras,

que as expressões ―e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade

limitada‖, contida no artigo 13, cabeça, e ―os acionistas controladores‖ contida logo

no início do parágrafo único são inconstitucionais porque, a um só tempo:

- Violam o comando de unidade das regras gerais de direito tributário,

decorrente da epígrafe do capítulo I do Título VI da Constituição, ―Do Sistema

Tributário Nacional‖;

- Violam a regra de competência estabelecida pelo artigo 146, III e sua letra

b, da Constituição;

- Violam a liberdade de iniciativa econômica, prevista no artigo 170 da

Constituição, pois estabelecem restrição não razoável e desproporcional.

Adotado o rito do art. 12 da Lei XXXX, diz a União que . O eminente

procurador-geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza,

pondera, após citar as lições de Roque Antônio Carrazza e Luciano Amaro sobre

normas gerais:

De outro lado, mister se faz observar que, em relação à responsabilidade passiva tributária, o Código Tributário Nacional é claro ao estabelecer que é responsável aquele que, sem revestir a condição de contribuinte, torna-se obrigado em virtude de disposição expressa de lei (art. 121, parágrafo único, II, CTN).

22. A eleição desse terceiro, conforme magistério de Luciano Amaro ―decorre de razões que vão da conveniência até a necessidade. Há situações em que a única via possível para tornar eficaz a incidência do tri-buto é a eleição do terceiro responsável.‖

428

23. De igual modo, sustenta Sérgio André Rocha Gomes da Silva que ao se estabelecer hipótese de responsabilidade tributária visa-se a ampliar as possibilidades arrecadatórias do Poder Público, e não penalizar o sujeito que poderia ter assegurado o recolhimento do tributo.

24. Vê-se, portanto, que, independentemente do objetivo perse-guido com a eleição de um responsável pelo cumprimento da obrigação tri-butária (sujeito passivo indireto), esta deverá ocorrer, nos termos do Código Tributário Nacional, através da edição de lei ordinária, mesmo instrumento normativo apto a estabelecer a solidariedade entre os obrigados:

―Art. 124. São solidariamente responsáveis: (...) II – as pessoas expressamente designadas por lei.‖ 25. Além da constatação de que a matéria referente à responsa-

bilidade passiva tributária, assim como a disciplina acerca da solidariedade tributária, devem constar em texto de lei ordinária, no caso das contribui-ções sociais, as normas veiculadas no Código Tributário Nacional são me-ramente subsidiárias, haja vista o regramento especial inscrito na Lei 8.620/93, que alterou as Leis 8.212 e 8.213/91.

6.1.2 Questões de fundo

As questões de fundo para o desate da demanda são:

a) ―Responsabilidade tributária‖ é matéria de normas gerais? Se a resposta

for positiva, o conceito comporta alguma flexibilidade que permita à União

estabelecer normas específicas, em sentido diverso, para seus tributos?

b) A União está obrigada a observar normas gerais em matéria tributária,

dado que é o ente legiferante responsável por introduzir no sistema normas gerais

por meio do processo de enunciação próprio das leis complementares?

c) A norma em questão passa ilesa ao teste de proporcionalidade?

6.1.3 Solução possível

A função das normas gerais em matéria tributária é melhorar a estabilidade

das expectativas dos sujeitos passivos e dos entes tributantes e assegurar o modelo

de pacto federativo gizado na Constituição. A União não pode, sob pena de ruptura

de tal racionalidade, rebelar-se contra as normas gerais em matéria tributária,

pretendendo-se imune à observância de preceitos de alcance nacional. A

circunstância de deter competência para legislar sobre normas gerais não lhe placita

bill of indemnity para ignorar as normas postas no sistema para coordenar os

díspares interesses dos entes tributantes. Nesse aspecto, a União é ente federado

tal como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Deve, portanto, observância

às normas gerais que ela mesma criou.

429

Reconhecer a insubordinação da União às normas gerais equivaleria a

outorgar-lhe papel de superioridade hierárquica em relação aos demais entes

federados. Tratar-se-ia de abuso ao papel de coordenação que lhe foi confiado pela

Carta Magna.

Se a União estabelecesse tratamento não-isonômico e injustificado em

relação aos entes federados, haveria, ainda, violação da isonomia.

O parecer oferecido pela Procuradoria-Geral da República não faz a

distinção entre leis complementares de normas gerais e leis complementares

necessárias à instituição de tributos. Não contestamos que a sujeição passiva é, por

via de regra, matéria reservada à lei ordinária. Também aderimos à afirmação de

que as contribuições sociais previstas no art. 195, I, da Constituição (antiga redação)

podem ser instituídas e modificadas por lei ordinária. Certamente, normas que

desçam ao ponto do fluxo de positivação (densidade normativa) da atribuição de

responsabilidade tributária não são necessariamente normas gerais em matéria

tributária. Vale dizer, a classe das normas gerais em matéria tributária não tem por

extensão necessária as normas que estabelecem em termos gerais e abstratos as

hipóteses específicas de responsabilidade tributária, cominando-lhes por

conseqüência a criação de relação jurídica entre o responsável e o sujeito ativo,

vicária e garantidora do crédito tributário.

Mas a questão de fundo não é essa.

A pergunta correta é se a União pode superar as normas destinadas a

garantir a coesão do tratamento de matérias relativas à tributação e de competência

concorrente de todos os entes federados. Se as normas gerais cancelam os efeitos

de normas específicas, pois a precedência deve ser dada à harmonia e à

observância do vetor único estabelecido pelo conjunto (sistema), pode a União

negar tal racionalidade? Pode ela considerar que a norma geral vincula a todos,

menos a ela?

Entendemos que não, pois, se assim fosse, a atribuição de responsabilidade

tributária objetiva aos sócios de sociedades limitadas violaria – como viola – os arts.

24 e 146, III, b, da Constituição.

A norma de solidariedade, baseada no texto do art. 124, II, do Código

Tributário Nacional, não pode ser construída de forma a permitir que os entes

tributantes – dentre eles a União – ignore a forma centrípeta das normas gerais em

matéria tributária. Aqui a União não é primus inter pares, ou, nos termos utilizados

430

por George Orwell, mais igual que os outros. Ela não pode abusar de sua

competência para estabelecer normas gerais para infirmar as proposições

deônticas que asseguram o modelo de pacto federativo eleito em 1988. Se as

normas gerais pudessem ser infirmadas a qualquer momento, então não haveria que

se falar em corpo normativo destinado a estabelecer a harmonia e o tratamento

planificado preconizados pelo pacto federativo.

De qualquer maneira, a norma em exame não passa pelo teste de

proporcionalidade.

O primeiro estágio do teste pode ser completado sem obstáculos. É

inequívoco que a responsabilização solidária do sócio estimula a eficácia do crédito

tributário. Há duas razões para tanto: adiciona acervo patrimonial aos recursos

disponíveis inicialmente para pagamento da dívida (patrimônio da pessoa jurídica) e

coage o sócio a intervir no comando da empresa e pressionar pelo pagamento, se

tal opção estiver disponível.

A norma também passa pelo teste de necessidade – de forma limítrofe.

Concordamos que há meios menos invasivos dos direitos fundamentais à

propriedade, ao acesso à jurisdição e ao livre desempenho de atividade econômica

para garantir a eficácia social do crédito tributário. A execução fiscal, a medida

cautelar fiscal e a penhora de bens do devedor são instrumentos postos à

disposição do sujeito ativo e seguem o devido processo legal. Não obstante, em

situações extremas, é possível conceber que tais aparelhos não sejam suficientes

para garantir a eficácia do crédito tributário. Talvez fosse possível declarar a

inconstitucionalidade da norma sem redução de texto, para considerá-la inválida nas

hipóteses em que as circunstâncias de fato não indiquem prejuízo ou óbices de

difícil transposição à pretensão fiscal de receber o valor do crédito tributário.

Contudo, vamos nos ater ao teste de proporcionalidade em sentido estrito,

pois aqui a norma em exame falha absolutamente.

O direito fundamental aniquilado pela norma é o mesmo que dá

racionalidade à limitação da responsabilidade do sócio no que se refere ao interesse

econômico. O direito fundamental ao livre exercício de atividade econômica,

conjugado com o direito fundamental à propriedade, é eliminado sem nenhum

condicionamento. A norma em exame tem por hipótese material tão-somente a

circunstância de o sujeito ser sócio. Não há menção à conduta do agente ou à sua

intenção. Não há mecanismo de ajuste ou escape para graduar a intensidade da

431

dissolução dos limites à responsabilidade do empreendedor. Examinado em

comparação com o dever fundamental de pagar tributos, entendemos que o direito

fundamental à livre atividade econômica deve prevalecer no caso. A

responsabilização ilimitada tende agressivamente a repelir qualquer interesse ou

desejo de desempenho de atividade econômica empreendedora na forma de

sociedade limitada. Afinal, quem vai arriscar todo o patrimônio em razão do risco –

ordinário – de não-obtenção de sucesso econômico? A empresa pode tornar-se

insolvente por diversas razões, e nem todas elas se devem à torpeza ou à índole

degenerada dos sócios.

A intrusão exacerbada do dever fundamental de pagar tributos na esfera do

direito fundamental ao livre desempenho de atividade econômica lícita e da esfera

do direito à propriedade, mediada pela norma em exame, é resolvida pela

excomunhão dos preceitos anátemas.

Não vemos razão, também, para aplicar efeitos meramente prospectivos à

possível declaração de inconstitucionalidade da norma. Dirão aqueles que entendem

cabível a modulação temporal que a norma sob exame vige há quatorze anos, e que

as relações jurídicas estabelecidas sob sua égide devem ser respeitadas. Mas o

argumento é defeituoso. A expectativa da União não é merecedora de resguardo,

pois em 1993 já era claro, inequívoco e conspícuo que as normas que dispusessem

sobre responsabilidade tributária de forma específica não poderiam violar as normas

gerais sobre a mesma matéria. Embora o papel das normas gerais em matéria

tributária ou financeira não encontra voz unânime na doutrina, há um denominador

comum em várias linhas de construção do modelo do sistema tributário brasileiro.

Trata-se da circunstância de as normas gerais operarem como instrumento da

Federação para harmonização do tratamento dado pelos diversos entes tributantes.

Discute-se, é certo, a extensão da faculdade posta à União, quando esta responde

pela Nação. Mas não se questiona que as normas gerais têm precípuo papel de

resolução de conflitos e aumento do grau de estabilidade que ampara a expectativa

dos jurisdicionados (segurança jurídica). Desde o longícuo ano de 1957, ainda sob o

governo da Constituição de 1946, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a

432

função das normas gerais a partir da concepção de pacto federativo (cf. o RE

33.812, rel. min. Lafayette de Andrada, Segunda Turma, DJ de 18.07.1957)931.

6.2 ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO ADMINISTRADOR

INSURGENTE, COM BASE NO INTERESSE DO CONTRIBUINTE DE VER-SE

EXIMIDO DA OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

6.2.1 Quadro fático-jurídico

Consideremos a seguinte situação fictícia, que se passa em Bruzundanga:

Jack Merridew é membro da alta administração de Pangloss Ltda. Ele decide

utilizar recursos de Pangloss para alugar carros no valor de $ 1.000.000,00. Os

carros são utilizados por ele, por sua família e por outros administradores próximos,

em momentos de lazer. Contrata, ainda, estada em hotel na costa bruzudanguense

para as mesmas pessoas, por mais $ 1.000.000,00.

O contrato social, contudo, determina que os empregados da empresa não

podem desviar a finalidade dos recursos disponíveis. Não obstante, Jack Merridew

lança os valores como despesas dedutíveis do imposto de renda devido pela pessoa

jurídica.

O sistema jurídico de Bruzudanga, existente no momento dos fatos (tempo

externo), é praticamente idêntico ao sistema jurídico brasileiro. Há uma norma que

permite que as despesas essenciais às atividades da pessoa jurídica sejam

deduzidas no cálculo do valor devido a título de imposto sobre a renda. Consideram-

se essenciais as despesas sem as quais a empresa não conseguirá atingir seu

objetivo social.

Uma vez instalada nova administração, Pangloss decide que Jack deverá

ser responsabilizado pela conduta caso os valores indevidamente registrados como

despesas dedutíveis venham a ser cobrados da empresa.

931

Cf., também, os seguintes precedentes, que estabelecem em termos gerais que a violação RTJ 105/909; RTJ 154/810-811 - RTJ 163/543-544 - RTJ 163/942-943 - RTJ 166/917-918 - RTJ 171/753-754 - RTJ 179/114-115.

433

6.2.2 Questões de fundo

1. A responsabilidade tributária deve ser exclusivamente imposta a Jack

Merridew?

2. Deve a autoridade fiscal constituir o crédito tributário ou a obrigação por

responsabilidade em processo administrativo? Será necessário oferecer a Jack

Merridew oportunidade para oferecer defesa no curso do processo administrativo de

constituição do crédito?

3. Pode a empresa ―autolançar‖ a obrigação de responsabilidade contra Jack

Merridew?

4. As autoridades fiscais estão obrigadas a apresentar provas da conduta

lesiva de Jack em relação à pessoa jurídica? E se a conduta beneficiasse o

contribuinte?

5. As autoridades fiscais devem comprovar que o ato de Jack ocorreu com

excesso de poderes ou infração da lei?

6.2.3 Solução possível

A responsabilidade tributária não afasta a relação jurídica tributária,

exonerando o contribuinte. A racionalidade da atribuição de responsabilidade

tributária segue o aparelhamento da máxima eficácia do crédito tributário. Tal

objetivo restaria prejudicado pela exclusão da empresa do pólo passivo da relação

jurídica tributária, pois é ela que tem capacidade patrimonial para fazer frente à

carga tributária.

A cobrança judicial do crédito por responsabilidade não pressupõe o anterior

processo administrativo de constituição se, e somente se, o sujeito ativo oferecer

razões e provas específicas que firmem o quadro que implica a responsabilização

por ocasião do ajuizamento da ação de execução fiscal. Não obstante, a melhor

solução seria a autoridade fiscal ter o cuidado de verificar a caracterização da

responsabilidade já durante o curso do processo administrativo de constituição do

crédito tributário. Se a Certidão de Dívida Ativa ou a inicial da ação de execução

fiscal não trouxerem dados específicos sobre os fatos que ensejam a

responsabilidade, a cobrança será inválida por violação dos arts. 149, 134, VI, ou

135, III, e 202 do Código Tributário Nacional bem como do devido processo legal e

434

da regra de proporcionalidade. Se o quadro de responsabilização for identificado

durante o processo administrativo de constituição do crédito tributário, deve a

autoridade fiscal permitir que Jack Merridew ofereça resposta.

O contribuinte não pode constituir a relação jurídica de responsabilidade em

relação a Jack Merridew, pois não possui aptidão para tanto. O sistema jurídico

apenas permite que o contribuinte constitua a própria obrigação tributária. Não

obstante, a empresa pode auxiliar as autoridades fiscais na caracterização da

responsabilidade de Jack Merridew e, eventualmente, buscar tutela jurisdicional de

âmbito cível para pretenso direito à reparação do dano causado pela conduta do

administrador.

As autoridades fiscais não estão obrigadas a apresentar provas da conduta

lesiva de Jack em relação à pessoa jurídica. O prejuízo ou o benefício da empresa é

irrelevante. Basta que as autoridades fiscais demonstrem a subsunção dos fatos aos

critérios gerais e abstratos previstos nos arts. 134, VI, ou 135, III, do Código

Tributário Nacional. O eventual benefício da pessoa jurídica não incita a incidência

do art. 124, I, do Código Tributário Nacional, pois construímos a norma do art. 135,

III, de forma a não excluir o contribuinte do pólo passivo da relação jurídica tributária

(no pior cenário, o interesse comum seria redundante). De forma semelhante,

eventual prejuízo sofrido pela pessoa jurídica não a exonera da relação jurídica

tributária, porquanto a racionalidade da atribuição de responsabilidade tributária

restaria comprometida.

As autoridades fiscais estão obrigadas a apresentar provas quanto à

conduta de Jack, de forma a subsumir o quadro fático aos critérios tirados da letra

do art. 135, III, do CTN para formação do quadro jurídico. Sem a comprovação, a

regra de prova não se satisfaz e os órgãos administrativos ou judiciais não poderão

confirmar o quadro fático-jurídico da responsabilidade. Isso se dá porquanto a

presunção de validade da inscrição em Dívida Ativa pressupõe processo

administrativo regular, e a inobservância das regras de prova torna o processo

administrativo inválido.

435

CONCLUSÕES

1.1. Direito é linguagem, portanto a utilização de instrumentos próprios à

análise da linguagem é útil na compreensão do fenômeno jurídico.

1.2. A formação de sentido jurídico depende do trânsito por todos os

subsistemas ou níveis de linguagem que compõem o sistema jurídico, que são o

conjunto dos enunciados, tomados no plano da expressão, o conjunto de conteúdos

de significação dos enunciados prescritivos, o domínio articulado de significações

normativas e a forma superior do sistema normativo.

1.3. Signo é entidade vicária que estabelece relações entre o plano da

expressão e o plano dos conteúdos. O estudo do signo pode auxiliar na definição de

limites à aposição de sentido às palavras.

1.4. Norma jurídica não se confunde com texto, pois está em nível de

linguagem que toma o plano dos enunciados como objeto. Norma jurídica é o

sentido construído com base em enunciados identificados em textos qualificados –

os textos jurídicos.

1.5. Não obstante a diversidade frásica que as normas jurídicas podem

assumir, a entidade tem estrutura lógica ou sintática mínima. A estrutura sintática é

composta por um antedecente, que tem papel de descritor, ligada a um

conseqüente, que tem papel de prescritor. A ligação é realizada por um operador de

implicação.

1.6. A norma jurídica tributária que institui o tributo é a regra-matriz de

incidência tributária, expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho. A estrutura

sintática da norma que institui o tributo se especifica ao compreender os critérios

material, temporal e espacial no antecedente, e os critérios pessoal e quantitativo no

conseqüente.

1.7. A atuação dinâmica da norma que institui o tributo se revela no processo

de incidência. A norma, para incidir, pressupõe a subsunção de um fato à descrição

geral e abstrata da hipótese de incidência. Com a subsunção, o conseqüente é

deflagrado para estabeler relação jurídica individual e concreta. Com isso, temos os

conceitos de norma geral e abstrata e de norma individual e concreta.

1.8. Não há norma individual e concreta sem ato de aplicação do direito. A

incidência é automática e infalível, na medida em que vertida em linguagem, pela

pessoa e procedimento habilitados pelo sistema jurídico.

436

1.9. As normas jurídicas podem ser classificadas em normas primárias e

secundárias. As primeiras podem, ainda, ser subdivididas em normas dispositivas ou

sancionadoras. Normas primárias distinguem-se das normas secundárias pela

ausência de coação, isto é, da previsão de atuação ordenada do Estado para forçar

a conduta dos jurisdicionados. Enquanto as normas dispositivas trazem os modelos

de relação jurídica, as normas sancionadoras tomam como antecedente próprio a

negativa do antecedente da proposição dispositiva. Normas sancionadoras evocam

a idéia de punição.

1.10. A distinção entre normas de estrutura e normas de comportamento não

deve ser levada às últimas conseqüências, pois mesmo as normas de estrutura

possuem conseqüentes expressos em termos de modalização de conduta. É

relevante perguntar, de fato, quais normas fundamentam a validade da norma que

se está a observar e quais tipos de norma deveriam preceder ou suceder ao estágio

de comunicação jurídica.

1.11. Fontes do Direito refere-se ao órgão credenciado e ao procedimento

previsto para a criação (enunciação) das normas jurídicas.

1.12. Existência não se confunde com a validade das normas jurídicas. No

modelo sugerido, a norma de reconhecimento nada diz sobre a validade. Apontam

apenas notas mínimas que permitem um enunciado como pertencente ao direito

positivo, que persistirá até desconfirmação por razões pragmáticas.

1.13. Princípios são, como sugerido por Robert Alexy, comandos de

otimização que prescrevem o dever de alcançar dado objetivo ou resultado da

melhor maneira possível. É conceito relacional, pois depende do quadro fático-

jurídico para ser definido. A colisão entre princípios pode afetar o sentido das

normas jurídicas. Vale dizer, o princípio da proporcionalidade imbrica-se às técnicas

de decisão constitucional para definir um ou mais dentre os sentidos possíveis para

um mesmo texto de direito positivo. Se um dos sentidos possíveis para a norma N1

não atender à regra de proporcionalidade, em razão da colisão de princípios, esse

sentido será inconstitucional. Por outro lado, o resultado do jogo de calibração ou

ponderação poderá indicar um sentido possível para N1 que a torne compatível com

o sistema.

1.14. Direitos fundamentais também é feixe de conceitos relacionais. Trata-

se de direitos inerentes ao modelo de sistema jurídico adotado, que, portanto,

dependem do direito positivo para ser definidos.

437

1.15. Na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, o sistema jurídico é

composto por comunicação. Sobrelevam-se as notas de complexidade,

contingência, fechamento operacional, abertura cognitiva, código, acoplamento,

estrutura, estabilização de expectativas e autopoiese. O Direito cria a si mesmo e

processa toda a comunicação de acordo com programas que lhe são inerentes.

2.1. A Constituição não define quem devam ser os sujeitos passivos dos

tributos, mas define campo de soluções possíveis.

2.2. Por “sujeição passiva tributária” entendemos a circunstância de um

determinado sujeito de direito estar obrigado ao pagamento de prestação pecuniária

“caracterizada como de natureza fiscal” (expressão de Paulo de Barros Carvalho).

Na compostura lógico-jurídica, a sujeição passiva tributária se manifesta com o

exame do critério pessoal do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária,

no campo abstrato e geral, e da relação jurídica tributária, no estrato individual e

concreto.

2.3. Três são os critérios utilizados pela dogmática nacional para definir a

categoria “contribuinte”:

a) a identidade entre o sujeito passivo da relação jurídica tributária e o

sujeito apto à execução da materialidade prevista na norma-padrão constitucional ou

na hipótese de incidência tributária;

b) a circunstância de o sujeito passivo extrair diretamente vantagem

econômica da situação descrita no antecedente da regra-matriz de incidência

(capacidade contributiva);

c) e, por fim, a eleição legal de um sujeito de direito para participar da

compostura da regra-matriz de incidência tributária.

2.4. Entendemos por “contribuinte” o sujeito passivo tanto da relação jurídica

tributária refletida na constituição do crédito tributário, individual e concreto, como

aquele geral e abstrato indicado pelo critério pessoal da regra-matriz de incidência,

se houver identidade em relação ao sujeito apto à prática da materialidade descrita

no antecedente normativo e se for confirmada a capacidade contributiva de tal

sujeito eleito.

2.5. Há diversas acepções para a expressão “responsabilidade tributária”,

identificadas a partir da fragmentação didática do plano do Direito: “proposição

prescritiva”, “relação” e “fato” (Maria Rita Ferragut). Identificamos mais uma

acepção, consistente no conjunto de instruções destinadas à alteração do fluxo de

438

positivação do crédito tributário, se tomada como referência a acepção de “Direito”

como sistema formado por operações de comunicação dispostas em redes de

transição recursivas.

2.6. A expressão “sujeição passiva direta” designa a circunstância de a

pessoa obrigada ao recolhimento de valores a título de tributo estar em relação de

identidade com o destinatário constitucional tributário. Já “sujeição passiva indireta”

reporta-se à circunstância de uma pessoa que não possui relação direta

(confirmada com o exame de capacidade contributiva ou de nexo causal) com o fato

jurídico tributário ser obrigada à solução de obrigação tributária.

2.7. Parte da dogmática separa a atribuição de sujeição passiva indireta nos

fenômenos da substituição e da transferência. A substituição prescinde da

formação da relação jurídica tributária que enlace o contribuinte. Por seu turno, a

transferência pressupõe a relação jurídica tributária, porquanto haverá o posterior

deslocamento da obrigação ao responsável.

2.8. No modelo sugerido por Marçal Justen Filho, a substituição surge com

a articulação entre duas normas: a norma que institui o tributo e a norma de

substituição. A norma de substituição modifica a estrutura da regra-matriz de

incidência para adicionar-lhe um novo elemento no antecedente, e para estabelecer

que a relação jurídica enlaçará outro sujeito de direito que não o destinatário legal

tributário (contribuinte). Responsabilidade, a seu tempo, é marcada pela

possibilidade de o responsável impor ao contribuinte que este conforme sua conduta

para solver o crédito tributário, dando-lhe efetividade. Se não houver a observância

do dever de zelar pelo recolhimento do valor do crédito tributário, o agente é alçado

à condição de responsável tributário. Embora se trate de sanção, não é possível

destinguir entre obrigação tributária e obrigação punitiva.

2.9. No modelo de atribuição de sujeição passiva constitucional, legal e por

responsabilidade (Renato Lopes Becho), não há modificação nas normas que

versam sobre a relação jurídica tributária para a última hipótese. Trata-se de norma

de índole processual, destinada a garantir a efetividade do crédito tributário.

2.10. No modelo sugerido por Maria Rita Ferragut, as normas de atribuição

de responsabilidade tributária são classificadas de acordo com a estrutura lógica

particular que cada uma possui. As normas de atribuição de responsabilidade

tributária podem ser classificadas como normas primárias dispositivas ou normas

439

primárias sancionadoras, dependendo da previsão ou não de ato ilícito nos

respectivos antecedentes.

2.11. Paulo de Barros Carvalho ressalta o caráter punitivo das normas de

atribuição de responsabilidade tributária, indicando que a relação jurídica de

responsabilidade não tem índole tributária.

2.12. A racionalidade preponderante da atribuição de responsabilidade

tributária não se confunde com a racionalidade própria à responsabilidade civil, à

responsabilidade penal ou criminal e à responsabilidade do sócio e do administrador

perante a pessoa jurídica.

2.13. Na responsabilidade civil, prepondera a reparação do dano como vetor

interpretativo. Essa reparação pode estar condicionada ou não ao estado psíquico

do agente (responsabilidade por culpa ou sem culpa). A responsabilidade penal, por

seu turno, escora-se no jogo de idéias de retribuição, prevenção geral ou prevenção

especial. Por fim, a responsabilidade do sócio ou do administrador perante a pessoa

jurídica também toma por base a possibilidade de dano causado por tais agentes,

independentemente de agirem em favor dos interesses da pessoa jurídica ou

contrariamente a eles.

2.14. Mesmo no campo cível a Teoria dos Atos Ultra Vires encontra sérias

limitações. No campo tributário, s fundamentos estabelecidos pelas várias

encarnações da Teoria dos Atos Ultra Vires se provam inadequados para a

construção de modelo de atribuição de responsabilidade tributária. A proteção dos

interesses dos sócios, dos acionistas ou da própria sociedade e a preservação da

expectativa de terceiros que contratem com a pessoa jurídica ignoram a relação

mantida entre o sujeito ativo e o sujeito passivo. Tomado o exercício de ato com

excesso de poderes ou infração dos atos constitutivos da empresa que implique

negócio jurídico, o Fisco não se confunde com os sócios nem com o terceiro

contratante ou contratado. O interesse do sujeito ativo também não se reduz à

expectativa dos sócios (proteger o investimento) ou do terceiro contratante ou

contratado (ver cumprido o negócio jurídico). A atenção do sujeito ativo se volta, na

verdade, à eficácia social do crédito tributário, com o recolhimento da quantia

devida. A motivação que leva à constituição do crédito tributário é a incidência da

regra-matriz tributária, que torna um fato jurídico. A princípio, a juridicização do fato,

tornando-o relevante para o Direito Tributário (fato jurídico tributário), independe da

440

caracterização desse mesmo fato, ou de circunstâncias que lhe são subjacentes,

perante normas jurídicas dissociadas da tributação.

2.15. A racionalidade preponderante da atribuição de responsabilidade

tributária é assegurar a máxima efetividade do crédito tributário, com o aumento do

acervo patrimonial posto à disposição do ente tributante. Essa racionalidade não

pode ser violada pela intrusão dos vetores que orientam a atribuição de

responsabilidade civil, penal e dos administradores e sócios em relação à pessoa

jurídica. Dito de outro modo, eventual função punitiva da norma de responsabilidade

tributária não pode ser construída de maneira a negar ou diminuir a eficiência do

instrumento voltado ao combate à falta de pagamento do valor do crédito tributário.

Se assim fosse admitido, a própria racionalidade das normas de responsabilidade

tributária restaria violada. Do ponto de vista da racionalidade tributária, a utilidade do

responsável, medida em termos de sua capacidade para auxiliar o Fisco na

prevenção contra o não-pagamento do valor do tributo, tem precedência sobre

quaisquer indagações acerca da relação entre a conduta do responsável e o

inadimplemento.

2.16. No modelo sugerido, as normas de responsabilidade tributária devem

supor ou pressupor a existência de ao menos uma instância válida do ciclo de

incidência da regra-matriz cuja eficácia visam garantir (ou ciclo de aplicação). Em

primeiro lugar, se não houver regra-matriz, a norma for inválida ou não houver

eficácia jurídica ou técnica a ela relacionada, não haverá o que assegurar. Logo,

faltará à norma de responsabilidade um de seus critérios. Em segundo lugar, a

circunstância legitima o responsável a questionar a validade da própria regra-matriz

e sua eficácia técnica e legislativa.

2.17. Ao ciclo de incidência da regra-matriz serão adicionados outros

critérios que estabelecerão as condições para que se reconheça a imputação de

responsabilidade. Considerado o arquétipo normativo, não há limites ontológicos à

eleição dos critérios, que podem abranger uma vasta gama de fatos possíveis, como

a inadimplência, a insolvência, a morte (sucessão hereditária), a desconstituição,

incorporação, fusão ou cisão de pessoa jurídica, a prática de atos em desacordo

com a lei, contrato social ou estatutos etc.

2.18. O critério “ciclo de aplicação ou incidência da regra-matriz” pode

assumir três feições ou atender a três universos possíveis. Ele pode ser construído

como expectativa ou tendência de aplicação da regra-matriz, antecipando sua

441

incidência. Vale dizer, pressupõe-se que haverá a incidência da regra-matriz. A

segunda feição diz respeito à suposição de incidência contemporânea da regra-

matriz, isto é, assume-se que a incidência da regra-matriz deveria dar-se no mesmo

momento em que há a incidência da norma de responsabilidade. Por fim, o critério

pode referir-se ao ciclo de incidência da regra-matriz que já ocorreu ou que deveria

ter ocorrido, pois o fato jurídico tributário se localiza em coordenadas pretéritas às

positivadas no critério temporal da norma de responsabilidade. No primeiro cenário,

a norma de responsabilidade incide antes da incidência da norma que institui o

tributo ou do momento em que ela deveria incidir. No segundo cenário, a norma de

responsabilidade incide no mesmo momento em que regra-matriz incide ou poderia

incidir. No terceiro cenário, a regra-matriz já incidiu ou poderia ter incidido (mas não

o fez por falta de linguagem competente – ato de aplicação) no momento em que a

norma de responsabilidade incide.

2.19. Os conseqüentes arquetípicos das normas de atribuição de

responsabilidade triutária podem prever a manutenção da relação jurídica tributária

ou sua exclusão. A manutenção da relação jurídica tributária pode ser concomitante

à exigibilidade da relação jurídica de responsabilidade (solidariedade). É também

possível, contudo, que a atribuição de responsabilidade esteja condicionada a algum

fato e a circunstância leve à idéia de ordenação (subsidiariedade). Por fim, o último

universo possível se refere à extinção ou à suspensão da exigibilidade da relação

jurídica tributária. É o que ocorre na substituição ou na pessoalidade.

2.20. Em sua estrutura sistemática, a atribuição de responsabilidade

tributária se comporta, por vezes, como uma Rede de Transição Aumentada.

2.21. As normas de atribuição de responsabilidade tributária podem alcançar

qualquer fase do fluxo de positivação ou de causalidade jurídica. O fluxo começa

com o estabelecimento da competência tributária e transita rumo à densidade da

eficácia social do crédito tributário. Passa pelas normas gerais em matéria tributária,

pela instituição das normas gerais e abstratas que instituem o tributo e a relação de

responsabilidade, atravessa a tirada da norma individual e concreta e transita pelo

aparelhamento da comunicação jurídica tendente a validar a coerção estatal

(execução fiscal).

2.22. O controle de validade sobressai no fluxo de causalidade jurídica.

“Controle” é a comunicação jurídica destinada a confirmar ou a infirmar outras

etapas de comunicação referentes à atribuição de responsabilidade tributária. A

442

função do controle é confirmar, infirmar ou repetir um dado estágio (ou instância) de

comunicação jurídica. Para tanto, a instância de controle toma como parâmetro

outras normas do sistema jurídico que reconhece como pertinentes à espécie. Entre

essas normas, haverá aquelas que controlam a produção do ato de enunciação

(definem o agente competente e o procedimento previsto) e o conteúdo do ato

(limites semânticos). As normas que prescrevem qual o procedimento necessário

para a criação de norma jurídica também podem referir-se a dados como pautas de

formação do quadro fático (regras de prova), hipóteses que estabelecem proibições

específicas (como não praticar o ato após o transcurso de certo lapso, marcado pela

inércia) etc.

2.23. Não há relação unidirecional entre os fluxos de comunicação na busca

por soluções às lacunas de reconhecimento (expressão de Alchourron e Bulygin).

É certo que o controle deve respeitar os direitos do texto à interpretação (ECO), o

que implica escolhas de precedência e prioridade. Não se pode falar, contudo, na

existência inexorável de uma única solução possível ou interpretação correta para

uma expressão utilizada na comunicação jurídica.

2.24. A reprodução do quadro fático na linguagem jurídica, de controle ou

não, é de grande importância. “Provas” são proposiões vicárias que representam ou

implicam, por procuração, outras proposições acerca do quadro fático. O desrespeito

às regras de prova faz com que tais proposições sejam inválidas, isto é,

malformadas de acordo com a gramática do sistema jurídico.

2.25. Há semelhanças e diferenças entre responsabilidade tributária e

desconsideração da personalidade jurídica. A separação do patrimônio da empresa

do patrimônio dos sócios não decorre de nenhuma noção de “personalidade

jurídica”, senão se refere à necessidade de limitação da responsabilidade dos sócios

e administradores para o fomento da atividade econômica. Contudo, não é possível

explicar a responsabilidade tributária em termos de Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica.

2.26. As normas de atribuição de responsabilidade tributária podem realizar

três tipos de operação: permissão ao legislador para estabelecimento de novos

sujeitos passivos, com critérios gerais e abstratos, permissão ao agente público

destinado a constituir a relação que tem por objeto a obrigação por

responsabilidade, e a permissão para o sujeito ativo propor a ação de execução

fiscal.

443

3.1. A permissão para criar normas de responsabilidade tributária está

imbricada na competência tributária. A aptidão para dispor sobre direito tributário

deve compreender as faculdades inerentes ao resguardo da eficácia social do

crédito tributário (art. 24, I e parágrafos, da Constituição). Cada ente tributante

somente pode dispor sobre a salvaguarda dos créditos tributários relativos aos

tributos que pode instituir. Exceção se dá quando a União fala em nome da

Federação, ou seja, em caráter nacional (art. 24, § 1º a 4º).

3.2. Quanto ao princípio da legalidade, não há restrição à utilização de

medidas provisórias para estabelecer hipóteses de responsabilidade tributária. Se a

Constituição se limitar a estabelecer a necessidade de “lei”, sem qualificá-la, reputa-

se necessária a lei ordinária. Normas gerais em matéria tributária, contudo,

continuam submetidas à reserva de lei complementar.

3.3. A anterioridade tributária não se aplica à responsabilidade tributária.

3.4. O exame da retroatividade pode ser realizado com auxílio dos conceitos

de tempo interno e de tempo externo do sistema jurídico, desenvolvidos por

Eugenio Bulygin. Sempre que houver a introdução, a supressão ou a mudança de

norma jurídica, o sistema mudará (de S1 para S2, e assim sucessivamente). O

tempo externo do sistema se refere ao lapso entre a introdução e a remoção de

dada norma no sistema. O tempo interno da norma, por outro lado, se refere aos

momentos em que ela é aplicada. É possível que uma norma não pertença ao

sistema existente no momento de sua aplicação. Viola o art. 5º, XXXVI, da

Constituição qualquer norma que atribua responsabilidade tributária a fato jurídico

anterior ao respectivo tempo externo.

3.5. Todas as particularidades da capacidade contributiva a tornam

inadequada para o controle de normas que atribuam responsabilidade tributária,

posto que a importância capital do princípio não possa ser desprezada. No grau

mais elementar, a tributação inibe a intervenção estatal no patrimônio da população.

Sem o suporte de leis legitimadas pela representação popular, o acesso ao

patrimônio particular poderia ser desmesurado. A transferência de recursos do

particular ao Estado é calibrada pela capacidade contributiva, que zela pela

proporcionalidade entre o fato presuntivo de riqueza e o quanto é absorvido pelo

Tesouro. Em sentido diverso, a responsabilidade tributária visa assegurar a

efetividade do crédito tributário frente ao risco de insolvência do devedor ou do mero

inadimplemento. Não se compromete com o signo presuntivo de riqueza, que lhe é

444

irrelevante. O responsável é custódio do interesse estatal de garantir que o crédito

tributário será pago independentemente de demonstrar capacidade contributiva para

ser sujeito passivo de tributo. Também é custódio de interesse próprio, pois o

pagamento regular e planificado de tributos opera como instrumento de proteção

concorrencial. A obrigação do responsável é vicária da obrigação tributária e toma

emprestada desta, como pressuposto, que a proporcionalidade ditada pela

capacidade contributiva foi mantida.

3.6. A atribuição de responsabilidade tributária pode ser controlada com

base nas regras de razoabilidade e de proporcionalidade. Ambas são compostas a

partir das entrelinhas da Constituição e da possibilidade do entrechoque entre

princípios. Estarão em posições antípodas o dever fundamental de pagar tributos e

outros direitos fundamentais ou princípios, como a propriedade, o livre exercício de

atividade profissional e econômica lícita e o acesso à Jurisdição. A aplicação da

regra de proporcionalidade segue três estágios bem definidos. O primeiro é a

adequação, oportunidade em que se indaga se a norma posta ao crivo fomenta ou

não o objetivo perseguido pelo princípio ou direito fundamental que se quer

privilegiar. O segundo critério é a necessidade. O juízo de necessidade examina o

acervo de medidas disponíveis para obtenção da finalidade pretendida e subordina o

intérprete à escolha da solução menos invasiva a uma esfera de direitos

fundamentais. Fica mais nítida a função da proporcionalidade como limitação da

limitação: se for dado ao Estado tolher em alguma medida a aptidão conferida

inicialmente pelo sistema aos jurisdicionados, e se o sistema possui tais direitos

como essenciais, então a restrição não pode ser ampla. O terceiro e último critério é

chamado de proporcionalidade em sentido estrito. Pondera-se o ganho ou o

avanço em relação ao direito fundamental que se deseja fomentar com as perdas

incorridas na esfera de outro direito fundamental.

3.7. O dever fundamental de pagar tributos é expressão da proteção à

propriedade, tal como definida pela legalidade (no taxation without representarion).

É, também, garantia do direito ao livre exercício profissional, na medida em que

assegura a livre concorrência (o não-pagamento sistemático e obstinado de tributos

representa vantagem competitiva indevida).

3.8. Relevante ou irrelevante o caráter sancionatório da norma de

responsabilidade tributária, a regra de proprocionalidade ser-lhe-á aplicável.

445

3.9. No campo da atribuição de responsabilidade tributária, o teste de

razoabilidade deverá medir a intensidade da conduta imposta ao responsável e o

resultado econômico gerado com a eficiência do crédito tributário. A necessidade de

manutenção de estruturas muito dispendiosas para a observância às obrigações

pode ser um índice da ausência de razoabilidade. Por outro lado, o baixo retorno

obtido com o cumprimento da obrigação de responsabilidade pode levar à mesma

conclusão.

3.10. Impossibilidade ontológica e obrigações não-razoáveis não se

confundem. Aquelas não podem ser realizadas por óbice ligado à causalidade física;

estas não atendem aos postulados da eficiência (custo-benefício) ou utilidade, mas

são possíveis se considerado o quadro fático-jurídico.

3.11. No subsistema tributário brasileiro, a lei complementar pode ter dois

papéis distintos. No primeiro, o procedimento que leva à lei complementar insere no

sistema normas que servirão como fundamento de validade de outras normas, como

as normas gerais em matéria tributária (art. 146 da Constituição). As normas

gerais em matéria tributária servem de fundamento de validade para outras normas

em razão da função que exercem no modelo de pacto federativo pátrio

(harmonização e aferente segurança jurídica). No segundo, o procedimento de

elaboração da lei complementar é necessário para dar validade à norma que institui

o tributo (como, por exemplo, as novas fontes de custeio da seguridade social, nos

termos do art. 195, § 4º, da Constituição).

3.12. Não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. Também não

há obrigatoriedade de observância de simetria entre formas (processos de

enunciação) para modificação do sistema jurídico. As normas que dispõem sobre

normas gerais em matéria tributária quanto à responsabilidade têm primazia,

precedência ou prioridade em razão do papel de harmonização e de unificação que

têm no modelo de pacto federativo assimilado na Constituição de 1988.

3.13. O modelo de atribuição de sujeição passiva previsto no art. 150, § 7º,

da Constituição é composto a partir do isolamento de duas normas diretamente

interconectadas e complementares (plexo da responsabilidade). A primeira norma

permite ao ente tributante que eleja modelo de fato jurídico diverso daqueles já

previstos na Constituição como antecedentes de norma que prescreve obrigação

correspondente à tributária. O modelo de fato a ser eleito deve ser relacionado ao

fato que normalmente seria escolhido nos termos da competência tributária,

446

firmando a tendência da eventual ocorrência do fato jurídico tributário. Por exemplo,

a confirmação de um elo de dada cadeia produtiva indica a probabilidade de o elo

seguinte se confirmar. Portanto, fatos relacionados ao elo antecedente podem ser

tomados para tributação em lugar do fato pertinente ao elo subseqüente. A segunda

norma opera como instrumento de ponderação ou calibração e visa a preservar

tanto o direito fundamental à propriedade como a rigorosa repartição da

competência tributária cinzelada na Constituição. O ente tributante está obrigado a

devolver os valores cobrados sempre que o fato jurídico tributário substituído

não ocorrer.

4.1. Diversas proposições do Código Tributário Nacional foram recebidas

como normas gerais em matéria tributária. Algumas possuem alcance híbrido, pois

operam tanto como normas de observância obrigatória por todos os entes tributantes

quanto como normas que, por terem densidade normativa suficiente, entabulam a

criação de normas individuais e concretas.

4.2. A classificação sugerida pela literalidade do Código Tributário Nacional

não é rigorosa (responsabilidade dos sucessores, de terceiros, por infrações e

solidariedade).

4.3. No modelo sugerido, a classificação das normas de responsabilidade

tributária segue as vicissitudes da composição específica de cada estrutura lógica.

4.5. O art. 128 do CTN parece permitir aos entes tributantes a criação de

novas regras de responsabilidade, desde que preservada alguma noção de

capacidade contributiva. A ligação do responsável ao fato jurídico tributário

justificaria a violação do patrimônio daquele que não é, por excelência, o

contribuinte. A justificativa é erística na medida em que a capacidade contributiva

não se aplica ao controle da atribuição da responsabilidade tributária. Nem o fato

jurídico tributário nem os critérios específicos que dão identidade à norma de

responsabilidade tributária são signos presuntivos de riqueza. Pouco importa à

salvaguarda da máxima efetividade do crédito tributário que o responsável tenha

interesse na realização do fato jurídico tributário, dele extraia alguma vantagem

teórica ou esteja ligado às circunstâncias que levaram à concreção de tal fato.

4.6. O art. 124, II, do Código Tributário Nacional não serve de fundamento

de validade aos entes tributantes para estabelecer normas de atribuição de

responsabilidade que contrariem o campo temático (sentido) já definido em normas

gerais em matéria tributária, por violação da proporcionalidade e da racionalidade

447

das normas gerais em matéria tributária. Em sentido semelhante, o art. 124, I, não

pode ser construído de forma a considerar automaticamente responsáveis quaisquer

pessoas que tenham interesse comum na realização do fato jurídico tributário.

Interpretar interesse comum com o viés meramente econômico leva à indevida

ampliação do acervo de responsáveis tributários. A norma construída nesses moldes

não passa no teste de proporcionalidade. É certo que a responsabilização

automática de qualquer pessoa que tenha interesse econômico na realização do fato

jurídico tributário fomenta o aumento da efetividade do respectivo crédito tributário.

Mas não se caracteriza a necessidade: o sistema jurídico contém outras disposições

menos invasivas e mais eficientes destinadas a garantir a integridade do crédito

tributário. Basta aludir às demais hipóteses de responsabilização, que calibram a

obrigação de acordo com a conduta do agente e a prática ou não de ato ilícito. A

norma também não passa no teste de proporcionalidade em sentido estrito. A

responsabilização baseada em critério tão amplo arrefece o direito à propriedade e

desestimula sobremaneira o desenvolvimento de atividades econômicas lícitas.

Ademais, o dever fundamental de pagar tributos não justifica a ampliação da

tributação sem amparo na capacidade contributiva. Entre os benefícios oferecidos

pela responsabilização desmedida – aumento da efetividade do crédito tributário – e

aqueles oferecidos pela limitação da responsabilidade dos que realizam negócios

jurídicos com o contribuinte – fomento da atividade econômica –, entendemos que

os segundos devem prevalecer.

4.7. Pessoalidade não deve ser interpretada de forma a excluir a relação

jurídica tributária (exclusividade da obrigação por responsabilidade). O argumento

viola a racionalidade própria da atribuição da responsabilidade tributária, pois põe

em risco a efetividade do crédito tributário. Viola, ainda, o princípio da

proporcionalidade, por apor prioridade ao direito fundamental à propriedade em

detrimento do dever fundamental de pagar tributos. Ademais, é certo que o sujeito

ativo não pode impedir a conduta insurgente do administrador rebelde. O Fisco não

tem sequer legitimidade para tanto ou os meios necessários para controlar cada

uma das instâncias de negócios jurídicos que são realizadas a cada dia. Portanto,

não é adequado impor conseqüências ao sujeito passivo de atos sobre os quais ele

não tem nenhuma oportunidade de ingerência. A elisão da responsabilidade não

pode ser tomada como alívio tributário de eventual dano que a pessoa jurídica

448

experimente na seara civil. O dano que é reparado pela responsabilidade tributária é

acarretado pelo inadimplemento sofrido pelo sujeito ativo.

4.8. O dolo não é elemento essencial à caracterização da responsabilidade

tributária prevista no art. 135 do CTN. Basta a formação de culpa em sentido estrito.

4.9. A conduta do responsável deve estar relacionada com a ocorrência do

fato jurídico tributário ou, inclusive, com o não-pagamento do valor do tributo. O tipo

de norma violada pela conduta que antecede necessariamente qualquer dos dois

fatos é irrelevante. Nada impede que as circunstâncias da conduta sejam utilizadas

em exame de ponderação, contudo, para controle da atribuição de responsabilidade

tributária.

4.10. O mero não-pagamento de valor do tributo não se subsume ao

conceito de infração de lei para fins de aplicação do art. 135 do CTN. Em primeiro

lugar, o ilícito que marca a inadimplência é imputável, prima facie, à pessoa jurídica.

Quem não recolhe o valor do tributo é o contribuinte, ainda que por decisão ou falha

de alguns de seus órgãos diretivos ou colaboradores. Com efeito, a inadimplência

pode ser creditada à falha do mais raso dos agentes da empresa (um contínuo, por

exemplo), fissura que o administrador deverá reparar com as forças da pessoa

jurídica. Em segundo lugar, é possível que a conduta do administrador enviesada à

decisão pelo não-pagamento seja justificável em termos plausíveis e assimiláveis

pela comunicação jurídica, como a tensão de proporcionalidade entre a manutenção

das atividades da empresa (direito fundamental à liberdade econômica e à vida, se

considerados os salários dos empregados) e o dever fundamental de pagar tributos.

4.11. Há circunstâncias que tornam o não-pagamento de valor de tributo

infração de lei para fins de responsabilização tributária. Entre eles está o abuso do

direito de defesa.

4.12. Sobre a dissolução irregular, é importante notar que a inatividade

pontual da pessoa jurídica não é infração da lei. A inatividade prolongada, por seu

turno, é infração da lei. A insolvência, isoladamente considerada, é insuficiente para

caracterizar infração de lei e, assim, justificar a atribuição de responsabilidade ao

sócio-administrador. Seguindo as regras de prova, as autoridades fiscais devem

demonstrar que a discrepância negativa entre o ativo e o passivo da pessoa jurídica

se deve a atos preordenados dos administradores, enviesados especificamente à

frustração das expectativas dos credores tributários. A infração, portanto,

caracteriza-se quando posto em risco o dever fundamental de pagar tributos e a

449

função social da empresa, em privilégio exclusivo do patrimônio do sócio ou do

administrador faltoso.

4.13. Nem a falência nem a recuperação judicial constituem infração da lei.

As condutas tidas por passíveis de punição criminal estão previstas do art. 168 ao

art. 178 da Lei 11.101/2005. Também não são ilícitos não-criminais, pois o sistema

jurídico não obriga a pessoa jurídica ao sucesso econômico.

4.14. A distribuição de lucros sem amparo legal é infração da lei apta a

desencadear a atribuição de responsabilidade tributária, pois redunda em ato que

diminui as forças econômicas da pessoa jurídica. A redução patrimonial injustificada

afeta a expectativa do sujeito ativo em ver atendida a relação jurídica tributária.

4.15. Os arts. 136 e 137 do Código Tributário Nacional não se aplicam à

formação das normas relativas à responsabilidade tributária dos sócios e

administradores em relação aos tributos. Os dispositivos se referem à

responsabilidade pelo pagamento de valores a título de punição.

4.16. O sujeito ativo não está obrigado a constituir a relação de

responsabilidade no curso de processo administrativo, embora isso fosse

recomendável. Pode fazê-lo durante o curso da ação de execução fiscal. Contudo, a

proposição “A é responsável tributário” deve estar amparada por outras proposições

referentes à formação do quadro fático-jurídico. O mero enunciado-enunciado é

insuficiente, pois a presunção de validade da inscrição em dívida ativa ou das

expressões públicas pressupõe processo regular que embase a pretensão.

4.17. A constituição ou a cobrança do crédito relativo à responsabilidade

somente é possível enquanto não operada a decadência ou a prescrição dos direitos

do sujeito ativo em relação ao crédito tributário.

4.18. O “método da tributação na fonte” pode ter amparo no art. 150, § 7º, da

Constituição e atende à estrutura normativa já indicada àquele parâmetro de

controle constitucional. É o que se dá na hipótese de tributação pelo imposto de

renda que é apurado no ano subseqüente àquele em que ocorre todo o conjunto de

fatos relevantes à mutação patrimonial. A retenção na fonte, aplicável a cada fato

relevante à mutação patrimonial, opera na expectativa da apuração final no período

adequado (permissão para eleger novos fatos jurídicos tributários, desde que

relacionados aos modelos matriciais hipotéticos previstos na Constituição). Os

valores recolhidos deverão ser incluídos no cálculo final. É o resultado da aplicação

da regra de calibração. O mesmo não se dá se não houver a expectativa de

450

tributação final futura, porquanto a apuração é definitiva no momento da retenção. É

o que ocorre com a tributação definitiva “na fonte” do ganho de capital a título de

Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Situação semelhante

acomete o Imposto sobre Serviços, se a apuração no momento da retenção for

“definitiva”. Se o responsável optar por não reter valores ou, de qualquer outra

forma, não fazer com que o ônus tributário repercuta na esfera do contribuinte,

haverá a mutação da própria base de cálculo do tributo. A conseqüência é

simples, mas poderosa: o aumento da tributação e recolher a diferença devida.

4.19. O art. 110 do CTN apenas repete o truísmo de que norma

infraconstitucional não pode contrariar norma constitucional, portanto tem efeito

meramente didático. Não pode ele ser parâmetro de controle.

4.20. A LC 95/1998 não opera como fundamento de validade de normas que

disponham sobre responsabilidade tributária por disposição constante em seu

próprio corpo.

5.1. A função da jurisdição é processar de maneira centralizada as

comunicações do sistema jurídico, dando-lhes estabilidade de sentido.

5.2. O Supremo Tribunal Federal ocupa posição nuclear no centro do

sistema jurídico. Compete-lhe processar de forma concentrada as comunicações

que tendem a realizar o controle abstrato da constitucionalidade das normas

jurídicas. Também lhe compete reexaminar proposições de inconstitucionalidade

enunciadas ou entrevistas pelos demais órgãos jurisdicionais que julgam em última

ou em única instância.

5.3. Há dimensão política no papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Essa dimensão política não é estranha ao sistema jurídico e não viola códigos ou

acoplamentos estruturais.

5.4. O caso Marbury v. Madison, invocado como um dos casos-líder sobre

controle da validade de atos da Administração, deve ser interpretado com atenção.

No sistema brasileiro, a possibilidade de controle tem amparo no próprio texto da

Constituição.

5.5. O sistema brasileiro não conta com modelo rigoroso de coordinate

review. Um ente federado não pode instituir normas de responsabilidade tributária

para combater a eficácia de normas de outros entes tributantes. Ele precisa recorrer

ao Judiciário.

451

5.6. No sistema jurídico brasileiro, a permissão para realizar o controle de

constitucionalidade, no âmbito do Poder Judiciário, é ostensiva (arts. 97, 102, caput,

I,a, III, a, b, c e d, e § 1º).

5.7. Quanto aos órgãos autorizados para a realização do controle, diz-se

que este pode ser concentrado ou difuso. No controle concentrado, apenas um ou

poucos órgãos jurisdicionais são incumbidos de examinar a invalidade das normas

frente ao texto constitucional. No controle difuso, todos os órgãos jurisdicionais na

capilarizada malha da estrutura do Judiciário envergam a competência para

reconhecer a inconstitucionalidade de normas.

5.8. Em relação ao objeto do controle, diz-se que ele pode ser abstrato ou

concreto. A fiscalização abstrata prescinde de qualquer litígio subjetivo, pois toma a

norma-em-si como foco de observação. Faz-se o controle de constitucionalidade

pelo valor do próprio controle, ou seja, tão-somente para preservar a higidez e a

harmonia do sistema jurídico.

5.9. A declaração de inconstitucionalidade leva à nulidade da norma.

5.10. A decisão que utiliza a técnica da interpretação conforme a

Constituição parte do quadro de soluções possíveis emanado de texto polissêmico

para isolar uma única interpretação possível. O resultado do viés interpretativo é o

único que torna a norma compatível com a Constituição. Todas as outras

interpretações possíveis redundam em inconstitucionalidade.

5.11. A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto extirpa do

acervo (stack) de universos possíveis de interpretação os resultados normativos que

são incompatíveis com a Constituição. Ao passo que a interpretação conforme isola

uma única resposta possível, a declaração de inconstitucionalidade sem redução de

texto indica quais interpretações levam à relação de não-conformidade.

5.12. Na declaração da norma ainda constitucional, a Corte estabelece que a

conformidade da norma quanto à Constituição depende de circunstâncias de fato e

de direito existentes no momento do controle, mas indica a tendência de transição

do quadro para a situação de desconformidade. A aplicação da técnica da

responsabilidade tributária somente será admissível nas hipóteses em que o risco ao

direito fundamental que deve ser preservado é extremo e conspícuo. Incluídos no

acervo de direitos fundamentais possivelmente violados, estão o dever fundamental

de pagar tributos e o direito à livre concorrência e ao exercício de atividade

econômica ou profissional lícita. Nesse campo especulativo, põe-se dada norma de

452

responsabilidade tributária que, a despeito de ostentar algum vício de

inconstitucionalidade, é necessária para manter o equilíbrio de quadro temporária e

gravemente afetado por práticas anticoncorrenciais.

5.13. A modulação temporal dos efeitos de declaração de

inconstitucionalidade é possível tanto no controle abstrato quanto no controle

concreto de constitucionalidade. Sugerimos um teste de três estágios, baseado nas

opiniões de Pamela Stephens, para reconhecimento da necessidade de atribuir

efeitos meramente prospectivos a decisão da Corte:

a) A seqüência de precedentes implica modificação de entendimento

jurisprudencial – em especial, mutação do sentido de norma jurídica baseada em

texto que não sofreu alteração? (aplicado somente no caso de mudança de

orientação jurisdicional).

b) Havia boas razões para que os contribuintes assumissem o quadro

anterior como estável e, assim, dele extraíssem a base de confiança para pautar a

própria conduta sem recorrer ao Judiciário? Qual era a intensidade da confiança

depositada?

c) No conflito entre o direito fundamental à segurança jurídica e o direito

fundamental à Jurisdição, qual deve prevalecer?

5.14. No controle, se a questão não envolver alegação de contrariedade

entre lei específica e norma geral em matéria tributária, mas apenas a aplicação

direta de lei federal ou de normas gerais com densidade normativa suficiente, a

competência para examinar o acórdão é do Superior Tribunal de Justiça, em recurso

especial (art. 105, III, a ou b – este no caso de apenas o lançamento ser tido por

inválido, em comparação direta com a norma geral).

5.15. A atribuição de responsabilidade tributária que envolva conflito entre

norma específica e norma geral em matéria tributária deve ser resolvida no âmbito

do recurso extraordinário. O ponto fulcral do quadro consiste em saber se a norma

trazida em lei complementar é ou não norma geral em matéria tributária, e se há ou

não prevalência da última sobre a norma específica, veiculada em lei ordinária

federal ou local. A contrariedade à Constituição pertence ao âmbito de cognição do

recurso extraordinário. A segunda parte do juízo, consistente em decidir se o sentido

da norma específica conflita ou não com o sentido estabelecido em norma geral,

repercute na competência para julgar a causa. O Supremo Tribunal Federal detém

a permissão para julgar a causa posta no recurso extraordinário, ainda quando ela

453

envolva elemento que não se esgote no juízo de constitucionalidade. Com efeito, a

Corte Suprema não é um mero Tribunal de Cassação, destinado a anular ou a

rescindir as decisões de outros tribunais. Em tal modelo, as Cortes de Cassação

apenas decidem questão incidental e devolvem os autos aos Tribunais de origem

para que a prestação jurisdicional siga seu curso. No Sistema Jurídico Brasileiro, o

Supremo Tribunal Federal pode substituir o acórdão recorrido se der provimento ao

recurso extraordinário.

5.16. O Supremo Tribunal Federal pode reavaliar o quadro fático por ocasião

do julgamento do recurso extraordinário, desde que o procedimento não envolva

nova produção probatória.

6.1. O art. 13 da Lei 8.620/1993 é inconstitucional, pois viola norma geral em

matéria tributária (arts. 24 e 146, III, b, da Constituição). Viola, ainda, a regra de

proporcionalidade, na medida em que invade agressivamente o direito ao livre

exercício de atividade econômica lícita.

6.2. A pessoalidade da responsabilidade tributária prevista no art. 135 do

CTN não permite a exclusão da relação jurídica tributária. O contribuinte não pode

pretender realizar essa exclusão, seja em processo administrativo, seja em processo

judicial. Pode, contudo, apontar a responsabilidade solidária do sócio ou

administrador insurgente. As autoridades fiscais não estão obrigadas a demonstrar

ou a provar o prejuízo do contribuinte ou a conduta lesiva dos responsáveis em

relação ao contribuinte. Estão obrigadas, contudo, a comprovar em que medida a

conduta dos responsáveis implica violação de lei, do contrato social ou dos

estatutos.

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