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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Liliana Espinosa Hurtado EXPRESSÕES DA DIVERSIDADE CULTURAL NA PRÁTICA PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS: O caso do CRAS de Parelheiros (SP) MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Liliana Espinosa Hurtado

EXPRESSÕES DA DIVERSIDADE CULTURAL NA PRÁTICA

PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS:

O caso do CRAS de Parelheiros (SP)

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(PUC–SP)

Liliana Espinosa Hurtado

EXPRESSÕES DA DIVERSIDADE CULTURAL NA PRÁTICA

PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS:

O caso do CRAS de Parelheiros (SP)

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, como exigência parcial para a obtenção

do título de MESTRE em Serviço Social, sob a

orientação da Professora Doutora Maria Lúcia

Martinelli.

SÃO PAULO

2011

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ERRATA

RESUMO

Onde se lê: Palavras-Chave: Cultura, Diversidade Cultural, Política Nacional de

Assistência Social, Cras, Interculturalidade.

Leia-se: Serviço Social, Cultura, Diversidade Cultural, Política Nacional de

Assistência Social, Cras, Interculturalidade.

CAPÍTULO I

Página 27, último parágrafo.

Onde se lê: Desde a descoberta do Brasil, em 1550, pelos portugueses.

Leia-se: Desde a descoberta do Brasil, em 1500, pelos portugueses.

CAPÍTULO I

Página 39, terceiro parágrafo.

Onde se lê: Nas palavras de Iamamoto (2003).

Leia-se: Nas palavras de Iamamoto (2006).

CAPÍTULO II

Página 46, citação segundo parágrafo, referência bibliográfica.

Onde se lê: (COUTO, 2010: 33)

Leia-se: (COUTO, et al., 2010: 33)

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BANCA EXAMINADORA:

__________________________________

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__________________________________

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(…)se va armando la historia como un sueño portátil,

la rutina es después de todo una crisálida

una comarca de posibilidades e imposibles,

de la costumbre puede estallar lo insólito,

del hábito el deshabito,

por eso este viernes de opaca textura

es casi un campamento de recuerdos

un filtro de presagios

uno de los confines del futuro

tallo ritual de lo ordinario

y también bulbo de lo extraordinario.

(Mario Benedetti. Cotidiana 3. Cotidianas 1978-1979)

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,

a que se deu o nome de ano,

foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar

no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano

se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,

com outro número e outra vontade

de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente…

(Carlos Drummond de Andrade)

Revelar a riqueza escondida sob a aparente pobreza do cotidiano, descobrir a

profundeza sob a trivialidade, atingir o extraordinário do ordinário, esse é o

desafio.

(Lefébvre,1991)

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Dedico este trabajo a mi mamá, por su amor, por ser mi

ejemplo de mujer luchadora, capaz, que nunca se rinde.

Por enseñarme que la vida está llena de oportunidades y

que sólo necesitamos creer en nosotros mismos. Por

motivarme a querer saber más, por darme la mejor de las

herencias, el amor por el conocimiento.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, porque da sua mão tudo é possível.

À minha mãe, minha força eterna, pessoa que me ama incondicionalmente e

que sempre acreditou em mim e de diversas formas me ajudou para poder

realizar este sonho.

À minha família, em especial à minha avó, minha tia, aos meus primos/irmãos

Jorge e Alejandro e à minha afilhada Ana Maria, eles, na distância, sempre

estiveram comigo de mente e coração.

À minha querida orientadora, professora Maria Lúcia Martinelli, mulher

admirável, profissional incansável, ela que sempre me deu espaços

acolhedores para ser eu, me ofereceu sua escuta atenta, me deu luzes, me

guiou e levou até o final.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que

possibilitou os elementos materiais para a consecução deste projeto.

Ao Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da PUC-SP, em

especial a Vânia, por sua paciência, ajuda, e amabilidade.

À professora Carmelita e à professora Malu, pelo carinho, abraços e

amabilidade, pelas ótimas sugestões e o conhecimento transmitido e

compartilhado.

A Kelly, minha amiga da alma, minha irmã da vida, que, com seu sorriso e

palavras sinceras, me deu força nos momentos mais difíceis.

A Eucaris, pelas conversas maravilhosas, pelos mágicos momentos, por

sempre ter um sorriso, por seu apoio e compreensão.

Ao Miguel, por ter compartilhado a construção e materialização deste sonho e

sempre ter me dado uma mão amiga, por ser absolutamente incondicional.

A Wesley, por ter entrado na minha vida da forma mais simples, carinhosa e

desinteressada e ter ficado para me mostrar novos significados da amizade.

Aos queridos amigos da faculdade, pelo carinho e parceria, em especial a

Tiago, Sandra, Aldemar, Alexandre, Douglas, Kleber, Roberta, Milene,

Lucilene, Fabiane, Rodrigo.

Ao Hígor, que, neste final, foi um companheiro de risos e debates, que sempre

teve a palavra certa para me dar força e pôr essa gota indispensável de

esperança.

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Aos profissionais, sujeitos desta pesquisa, por sua disponibilidade e valiosas

contribuições.

À família Amorim Carvalho, por se converter na minha família, aqui no Brasil,

por ter sempre abertas as portas do seu lar, os braços dispostos para me

abraçar e criar laços fortes de amor e amizade.

Agradeço a todas as pessoas que de alguma forma me ajudaram a transitar

neste caminho de desafios.

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RESUMO

O Serviço Social, como profissão sócio-histórica que se transforma na mesma

medida das transformações da sociedade, reflete sobre sua prática

profissional, tanto nas suas permanências quanto nas suas mudanças. Esta

dissertação apresenta um estudo de caso em que se realizou uma análise

baseada na percepção dos assistentes sociais sobre as expressões da

diversidade cultural na sua prática profissional, como um campo cheio de

possibilidades, rupturas e desafios, que são mediados pela diversidade nas

suas múltiplas manifestações e que dão novas facetas à questão social,

matéria-prima da profissão. O trabalho de campo foi desenvolvido no Centro de

Referência de Assistência Social (Cras) de Parelheiros, por meio de entrevistas

realizadas com os assistentes sociais que trabalham nesse local. Nessa

medida e demonstrando a relevância da temática para a profissão, se vêem as

repercussões que, sobre a prática profissional, têm os contextos e sujeitos,

assim como as lutas e o trabalho intenso dos profissionais para dar conta dos

mesmos.Uma das propostas da dissertação é situar a interculturalidade, de tal

forma que possa ser contemplada como uma possibilidade de intervenção

válida que contribua para a prática profissional em contextos diversos.

Palavras-Chave: Cultura, Diversidade cultural, Política Nacional de Assistência

Social, Cras, Interculturalidade

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SUMMARY

The Social Work as a profession, historical-social turns in the same measure of

the changes in society, reflect on their profissional practice, both in its

permanence and its changes. This dissertation presents a case study where

analysis was performed based on the perception of social workers on the

expressions of cultural diversity in their professional practice as a field full of

possibilities, challenges and breakthroughs, which are mediated by the diversity

in its many manifestations that given new facets to the social question, the raw

material of the profession. The fieldwork was carried out at Cras Parelheiros

through interviews conducted with social workers who work at this location. In

this rating and demonstrating the relevance of the topic for the profession, are

seen the impact that has on professional practice contexts and subjects, as well

as the struggles and work are intensified on the part of professionals to handle

them. One proposal of this dissertation is to situate the interculturality as a form

that it can be regarded as a valid possibility of intervention that contributes to

professional practice in different contexts.

KEYWORDS: Culture, Cultural Diversity, National Social Policy, Cras,

Interculturalism

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

Contando um pouco do trabalho de campo .................................................. 19

Capítulo I ......................................................................................................... 25

SERVIÇO SOCIAL: UMA PROFISSÃO SOCIALMENTE DETERMINADA NA

HISTÓRIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA ..................................................... 25

1.1 A história como o momento presente: aproximação à formação sócio-

histórica do Brasil .......................................................................................... 27

1.2 O serviço social no contexto da sociedade brasileira .............................. 30

1.3 O serviço social nos anos 2000: mudanças e permanências ................. 34

1.4 O pluralismo como constitutivo da categoria profissional e da sociedade

...................................................................................................................... 38

1.5 Construções sociais fundamentais: a cultura e a diversidade cultural

como determinantes das sociedades. ........................................................... 41

Capítulo II ........................................................................................................ 45

O CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS) COMO

OBJETIVAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ...... 45

2.1 Os centros de referência de assistência social: objetivações da política 53

2.2 O Cras de Parelheiros: efetivação da política em um contexto

culturalmente diverso .................................................................................... 58

Capítulo III ....................................................................................................... 74

A INTERCULTURALIDADE COMO UMA PROPOSTA DE TRABALHO COM

GRUPOS DIVERSOS ...................................................................................... 74

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 85

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INTRODUÇÃO

Numa sociedade em que as diferenças estão inseridas em seu próprio

seio, se faz necessário reformular constantemente a prática profissional.

Devemos assinalar que essa prática profissional está se referindo à

“concretização de um processo de trabalho que tem como objetivo o

enfrentamento de inúmeras expressões da questão social” (MARTINELLI,

2009: 150). Nessa mesma perspectiva, Iamamoto (2007) amplia o debate

sobre a prática profissional, entendendo-a como “trabalho e o exercício

profissional inscrito em um processo de trabalho” (p. 57). Captar a prática

profissional de tal forma que se supere a visão limitada que dela se possa ter;

em que a prática seja apreendida como “um conjunto de determinantes que

interferem na configuração social desse trabalho (dessa prática) e lhe atribuem

características particulares” (p. 70); em que fatores como a sua matéria-prima,

os meios ou instrumentos de trabalho e a atividade propriamente dita,

configurem um plano específico do exercício profissional.

Seguindo essa perspectiva, pensamos a prática profissional desde sua

complexidade como trabalho, sendo um processo carregado de múltiplas

determinações e contradições, mas que não se refere apenas à atividade do

assistente social, mas, sim, aos elementos que a compõem e influenciam, que

dão sua direcionalidade.

É assim que as respostas contextualizadas para as demandas

interpelam o profissional, procurando dele novo posicionamento, nova forma de

escutar, de apreender a realidade do outro, suas vivências, suas necessidades.

A compreensão dos processos sociais e, portanto, dos sujeitos nele implicados,

deve partir do conhecimento dessa realidade, da forma de abordá-la, o que se

apresenta como um desafio, como uma reflexão que dia a dia deve ser nutrida,

e assim poder redimensionar o posicionamento, assim como o modo de

interagir com esse outro que nos constitui.

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Desta forma, se são os sujeitos que passam a ser o centro dos debates

e do interesse da profissão, é a cultura, toda a trama simbólica que eles têm e

trazem consigo nas suas relações sociais, que pode ser o ponto de partida

para o relacionamento, para o acompanhamento, para o trabalho, com o

objetivo de promover processos diversos e qualificados, argumentados nos

valores que guiam o projeto ético-político da profissão, como são a liberdade,

justiça social e equidade, que promovem a autonomia e emancipação.

O Serviço Social brasileiro, como especialização do trabalho coletivo,

tem avançado para uma compreensão crítica da realidade, para uma análise

da profissão com reconfigurações que através do tempo se fizeram

necessárias, como resultado de lutas, debates, erros e acertos. É uma

profissão que se transforma, seguindo as mudanças do contexto sócio-histórico

no qual se gesta e desenvolve, respondendo às dinâmicas societárias que são

sempre cambiantes.

A partir dos anos 70, e com maior ênfase nos anos 80, o Serviço Social,

na construção e modificação de si mesmo, na reformulação do seu trajeto

histórico, e como resultado da luta e debates gerados por movimentos sociais

e pelos profissionais que se questionam e fazem profundas análises de

conjuntura, se reconhece e afiança como uma “especialização do trabalho da

sociedade, inserida da divisão social e técnica do trabalho social” (IAMAMOTO

e CARVALHO, 1982) (IAMAMOTO, 1992), em que “o exercício profissional

participa de um mesmo movimento que tanto permite a continuidade da

sociedade de classes quanto cria as possibilidades de sua transformação”

(IAMAMOTO, 2006: 171): “A profissão é tanto um dado histórico, indissociável

das particularidades assumidas pela formação e desenvolvimento da

sociedade brasileira quanto resultante dos sujeitos sociais que constroem sua

trajetória e redirecionam seus rumos” (Ibid.: 172).

Nessas circunstâncias históricas, na movimentação do coletivo

profissional organizado, da sociedade, dos fortes processos de reconstrução e

reconfiguração, o reconhecimento da constate transformação da profissão na

mesma medida em que as condições sócio-históricas se transformam, fazem

imperativo o “aprofundamento do debate teórico-metodológico e ético-político

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com vistas a estabelecer a direção social da profissão e da formação

profissional. Isto se dá em meio a um processo de luta política, de conquista de

hegemonia, no âmbito da sociedade em que a profissão se insere”

(MARTINELLI, 2009: 154).

A presente dissertação procura avançar nas análises sobre a prática

profissional, sobre as implicações e determinantes que a configuram num

campo específico da ação profissional, interessando-se pela percepção que os

assistentes sociais têm dessa realidade.

Dessa forma, esta dissertação está inserida e tem sido trabalhada na

perspectiva marxista, e apropria a matriz fundante da mesma, a teoria social-

crítica e sua dimensão histórica. Consideramos possível, sem romper com esse

paradigma, construir as mediações interculturais pertinentes que possam

contribuir para o enriquecimento da prática profissional, dos seus processos de

conhecimento, como diria Tonet (1995) “daí porque o debate, o confronto

teórico (a convivência democrática das idéias) seja absolutamente e sempre

imprescindível, não, porém, por uma exigência do sujeito, mas por uma

imposição do processo efetivo, real do conhecimento” (p.50).

Partimos do princípio de que a profissão, a partir de seus espaços de

explicitação e participação na sociedade, contém em si mesma a

interculturalidade, já que os fenômenos interculturais se expressam nas

relações sociais fortemente marcadas pelas determinações culturais, que

fazem de cada sujeito um mundo diferenciado, com experiências de vida

próprias por meio das quais se inter-relaciona com os outros e se localiza no

espaço-tempo de forma particular. Assim, os eixos para pensar e analisar a

sociedade correspondentes ao mundo do trabalho, à formação sócio-histórica e

ao ser social com os quais nos defrontamos, também têm a perspectiva da

diversidade cultural e da interculturalidade, na medida em que os sujeitos que

criam e recriam os processos, assim como os cenários econômico, político,

social e cultural, são diversos, e plurais, contraditórios e cheios de significados.

Dessa forma, ao ver o ser social enquanto totalidade histórica, e

assumindo que “a configuração da sociedade burguesa (...) é tratada em suas

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especificidades quanto à divisão social do trabalho, à propriedade privada, à

divisão de classe e do saber, em suas relações de exploração e dominação,

em suas formas de alienação e resistência” (ABESS/CEDEPSS, 1997:64),

podemos evidenciar inter-relações, nexos a serem aprofundados, pesquisados,

que merecem nossa atenção e nossa compreensão, com vistas a obter

aproximações mais contextualizadas; numa tentativa de desvendar o cotidiano,

lugar onde as mesmas acontecem e se reproduzem.

Perceber a sociedade como conjunto é entender esse cotidiano como

processos sociais em movimento que são vivenciados pelos sujeitos; é no

cotidiano que se constroem valores, modos de ser e pensar, que se produzem

e reproduzem práticas alienantes, mas também se criam possibilidades de

resposta, de transformação “O homem da cotidianidade é atuante e fruidor,

ativo e receptivo (...) não há vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo,

economicismo, andologia, precedentes, juízo provisório, ultrageneralização,

mimese e entonação. Mas as formas necessárias da estrutura e do

pensamento da vida cotidiana não devem se cristalizar em absolutos, mas têm

de deixar ao individuo uma margem de movimento e possibilidades de

explicitação” (Heller, 2008: 31, 56) ou seja, na vida cotidiana se condensam

tanto os processos de repetição como de inovação e re-significação da vida e

as práticas sociais. É um espaço de alienação mas também de resistência.

É nesse cotidiano que a diversidade cultural se faz explícita e os

fenômenos interculturais acontecem e ganham sentido e espaço para os

sujeitos, é na relação com eles que a profissão é interpelada; nessas relações,

a interculturalidade aparece como uma mediação possível, como uma

reconstrução desse cotidiano, como uma forma diferente de aproximação, uma

outra forma de movimentar-nos nas tramas da vida, da história, de conhecer, e

compreender a realidade como campo profundo de indagações. “É no cotidiano

que as determinações conjunturais se expressam e se coloca o desafio de

garantir o sentido e a direcionalidade da ação profissional” (MARTINELLI,

2009: 152).

Neste ponto, é preciso assinalar a urgência de continuar nos

perguntando, questionando sobre a nossa prática profissional. Qual é o norte

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que guia nossas ações? A que lógicas estamos respondendo? De que forma

reagimos aos novos contextos? Nossa relação é cada vez mais próxima com

os sujeitos? Como se sentem os sujeitos no nosso cotidiano profissional? Que

consideram eles das nossas práticas? São perguntas de múltiplas respostas e

múltiplas interpretações, com as quais se procura continuar a reflexão de que

é de suma importância impulsionar pesquisas e projetos que

favoreçam o conhecimento do modo de vida e de trabalho – e

correspondentes expressões culturais - dos segmentos populacionais

atendidos, criando um acervo de dados sobre as expressões da

questão social nos diferentes espaços ocupacionais do assistente

social. O conhecimento criterioso dos processos sociais e de sua

vivência pelos indivíduos sociais poderá alimentar ações inovadoras,

capazes de propiciar o atendimento às efetivas necessidades sociais

dos segmentos subalternizados. (IAMAMOTO, 2006: 188).

No momento de decidir qual tipo de metodologia será utilizada no

projeto, a pesquisa mesma remete aos seus objetivos, e procura dar conta

deles. É por isso que

A metodologia pode ser definida como o estudo e a avaliação dos

diversos métodos, com o propósito de identificar possibilidades e

limitações no âmbito de sua aplicação no processo de pesquisa

científica. A metodologia permite, portanto, a escolha da melhor

maneira de abordar determinado problema, integrando os

conhecimentos a respeito dos métodos em vigor nas diferentes

disciplinas científicas. (DIEHL e CARVALHO, 2004: 47-48).

É assim que a presente pesquisa é do tipo qualitativo, já que “ela

trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores

e atitudes o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos

processos e dos fenômenos” (MINAYO, 2002: 22). Assim mesmo, os estudos

que tem uma abordagem das problemáticas desde uma perspectiva qualitativa

podem

descrever a complexidade de determinado problema e a interação de

certas variáveis, compreender e classificar os processos dinâmicos

vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de

dado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o

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entendimento das particularidades do comportamento os indivíduos.

(DIEHL e CARVALHO, 2004: 52)

A escolha da pesquisa qualitativa fundamenta-se no fato de que permite

saber como é a vivência das pessoas, suas experiências e os significados que

elas mesmas se dão. Permite, assim, trabalhar com o real em movimento, em

busca dos significados, das interpretações, dos sujeitos e suas histórias. Essas

particularidades fazem com que, na pesquisa qualitativa, se tenha um contato

direto com o sujeito da pesquisa, sustentado na oralidade com a qual se

privilegiam os fatos mais próximos dos sujeitos (MARTINELLI, 1999).

Ao valer-se da oralidade nessa relação mais próxima com o sujeito, o

reconhecimento dele, da sua singularidade, do seu modo de vida e, portanto,

da sua experiência social, neste tipo de pesquisa, não se trabalha com

suposições mas, sim, se procura desvendar os significados atribuídos por ele à

realidade. “Esse é fundamentalmente o motivo pelo qual se privilegia a

narrativa oral.” (MARTINELLI, 1999: 23) Essa escolha é uma posição política

em relação à realidade pesquisada e, aos sujeitos da pesquisa. Faz-se com a

consciência de estar trabalhando com sujeitos políticos, de aprofundar-se em

questões que vão além da aparência “não há nenhuma pesquisa qualitativa

que se faça a distância de uma opção política. Nesse sentido, ela é plena de

intencionalidades, busca objetivos explicitamente definidos” (Ibid.: p.26).

Não se quer negar que, durante o processo da pesquisa, não se possa

fazer uso do enfoque quantitativo, mas “o conjunto de dados quantitativos e

qualitativos, porém, não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a

realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer

dicotomia” (MINAYO, 2002: 22).

Na configuração da pesquisa, ocorreram mudanças importantes, que

respondiam ao contexto e às circunstâncias em que foi feita. Terminamos,

assim, evidenciando que a presente pesquisa é um estudo de caso que

procurou coletar e registrar de forma concisa informações e dados de uma

questão em particular que nos permitiu elaborar “um relatório ordenado e crítico

de uma experiência, ou avaliá-la analiticamente, objetivando tomar decisões a

seu respeito ou propor uma ação transformadora” (CHIZZOTTI, 1991: 102). O

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caso, como unidade significativa do todo “é considerado também como marco

de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma

situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de

aspectos globais, presentes em uma dada situação” (Ibid.: p.102)

Com respeito ao processo, cabe assinalar que, em um primeiro

momento, realizou-se uma aproximação bibliográfica dos textos fundamentais

da temática, para localizar conceitualmente o debate e verificar a produção

sobre a mesma, sendo isso uma dinâmica constante que acrescentou

conteúdos até o final da elaboração da dissertação. Posteriormente, realizou-se

o trabalho de campo, referente à coleta de informações, o qual se

complementou com as análises e com o que se permitiu avançar na

consecução dos objetivos propostos primeiramente, visto que

toda monografia científica deve ser necessariamente interpretativa,

argumentativa, dissertativa e apreciativa (…) o objetivo de uma

pesquisa é fundamentalmente a análise e interpretação do material

coletado. É na consecução desse objetivo que se podem aferir os

resultados a pesquisa e avaliar o avanço que ela representou para o

crescimento científico da área. (SEVERINO, 2000: 152)

No trabalho de campo, partimos de uma delimitação espaço-temporal

que nos permitiu apreender uma realidade mais pontual. É assim que se

percebe “o campo de pesquisa como o recorte que o pesquisador faz em

termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser estudada a

partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto da investigação”

(MINAYO, 2002: 53).

Não se pode perder de vista que esse trabalho de campo tem, nas

palavras de Portelli (1997) uma “natureza historicamente condicionada”, o que

permite ao pesquisador, além de refletir e analisar a situação que é do seu

interesse, ver a relação da mesma com a sociedade, com as condições sócio-

históricas, com as estruturas de poder implicadas no processo.

Foram fundamentais, além do espaço e o tempo escolhidos para a

realização da pesquisa, os sujeitos políticos que interagem neles, que

reproduzem e criam relações com significados específicos, que vivenciam os

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processos sociais de forma particular. Isto foi analisado pelo pesquisador,

partindo da fala dos sujeitos, da sua forma de relacionar-se com a realidade, e

o conhecimento e as informações foram sustento da pesquisa.

Tendo definidos o espaço, tempo e os sujeitos da pesquisa, o

pesquisador partiu do fato de que aquilo que se apresenta a ele não é a

totalidade da realidade, que o cotidiano deixa de forma latente interpretações e

sentidos dados às relações, e que sua função como cientista social é

desvendar essas aparências dadas como certas e únicas, e com esses

mesmos sujeitos construir novas formas de ver e interpretar o mundo.

Para desenvolver o trabalho de campo da presente dissertação se

escolheu, em primeiro lugar, um Centro de Referência da Assistência Social

(Cras), por ser um dos espaços de materialização da Assistência Social com

maior inserção laboral dos assistentes sociais no Brasil. A escolha do Cras

para a pesquisa esteve mediada pela intencionalidade de encontrar elementos

que nos permitissem realizar posteriores análises das falas dos sujeitos; por

isso, devia ser um Cras que expressasse em si mesmo a diversidade cultural,

que lidasse explicitamente com ela.

Foram quatro assistentes sociais escolhidos, dependendo do tempo de

experiência de trabalho no Cras, para assim ter diferentes percepções desses

movimentos sócio-históricos específicos. Eles são Alexandre Gomes,

coordenador do Cras, Sonia Regina Batista de Andrade Patente, Gerlani Bento

da Silva Falcão e Irene Pereira de Magalhães, três técnicas do Cras. As

entrevistas foram realizadas de forma individual e no local de trabalho, e na

transcrição e uso das falas, se realizaram pequenas mudanças de estilo, sem

alterar a autenticidade delas.

Partindo, assim, dos objetivos da dissertação, das questões nela

geradas, e tendo uma concordância entre método e técnicas, o roteiro de

pesquisa se propôs a dar conta dessas questões, procurando aprofundar as

mais relevantes.

Levando em consideração que, para a presente pesquisa, é fundamental

a percepção e a forma como os assistentes sociais se relacionam com a

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diversidade cultural encontrada nos seus espaços de prática profissional, as

entrevistas foram reflexivas. Assim, os depoimentos dos quatro profissionais do

Cras entrevistados, todos eles assistentes sociais, seguiram essa linha de

análises.

Também se realizou uma observação sistemática, durante a qual foram

anotadas as dinâmicas desenvolvidas no Cras pelas assistentes sociais, nos

diferentes espaços de atendimento. Isso permitiu evidenciar algumas das

possibilidades e limitações que o Cras tem, neste momento, mais por questões

de estrutura (como é o caso da sobrecarga de trabalho e poucos profissionais

para atender a essa demanda).

Contando um pouco do trabalho de campo

São Paulo é uma cidade de muitos contrastes. Pode-se encontrar quase

tudo nesta cidade que não dorme; nesta metrópole de asfalto.

Este é o caso de Parelheiros, um bairro que é como uma cidade do

interior. Localizado a duas horas da zona oeste de São Paulo, com acesso por

diferentes meios de transporte, no transcurso da viagem, a paisagem começa a

ter um diferencial e se percebe que o local possui características próprias, que

serão analisadas a seguir, com outros parâmetros. O ar muda, a vista também,

e o visitante vai se sentindo em um lugar que não corresponde às dinâmicas

próprias da cidade.

O Cras Parelheiros fica num local (casa) organizado, com diferentes

espaços e é um lugar agradável. Apresenta grande movimentação em horas

específicas do dia, quando as técnicas do lugar (as assistentes sociais) vão

dando atendimento, tanto na parte de plantão, com dúvidas e orientações em

geral sendo resolvidas, quanto na inserção das pessoas nos programas do

Cras, com o preenchimento de vários formulários, método que reduz um pouco

a agilidade do processo, já que é feito manualmente.

As pessoas em geral foram amáveis no trato e na disposição para

colaborar com a pesquisa. Dos 4 entrevistados, um é o coordenador e os

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outros três são técnicas, realizando trabalhos diferenciados, no entanto, cada

um deve passar pelo plantão de forma rotativa.

O coordenador do Cras, Alexandre Gomes, foi quem primeiro trabalhou

como técnico durante dois anos, e vem ocupando o atual cargo há um ano e

dois meses. Possui experiência no trabalho com a proteção especial, e por

gostar das características do lugar, das particularidades, decidiu escolher o

Cras Parelheiros como o lugar para trabalhar.

Tem realizado forte trabalho com as aldeias indígenas localizadas em

Marsilac, aproximando o Cras dessa população, indo até o território,

evidenciando interesse por desenvolver um trabalho que até o momento não

tinha sido explorado. Ele conhece o território e a população, gosta do trabalho

que realiza, e se preocupa por aprimorar a sua prática.

Por sugestão dele, ao solicitar três técnicas para realizar as entrevistas,

foram escolhidas segundo o tempo de experiência de trabalho no Cras. Dessa

forma, se buscou uma pessoa com ampla experiência, que é Sonia Batista;

uma que tivesse um tempo intermediário, que é Gerlani Bento; e uma que

estivesse no Cras há pouco tempo, que é Irene Pereira. Cada uma poderia dar

uma percepção diferente e contribuir de forma específica à pesquisa.

Sonia Regina Batista de Andrade Patente é a pessoa com mais

experiência no Cras. Está trabalhando na região, na área da assistência social,

há quase 17 anos; já passou por chefia de setor, supervisora na implantação

do Cras, e atualmente atua como técnica.

Além de realizar as atividades próprias do Cras, faz um trabalho em

Marsilac, deslocando-se com uma estagiária com a qual ficam, a jornada toda

nesse território, atendendo as demandas da população. Isto tem sido

fundamental para o Cras, porque facilita a aproximação com a população

vulnerável da região de Marsilac. Assim se deu uma relação recíproca de

conhecimentos, elas promovendo e tornando conhecidas as atividades que se

realizam no Cras, e a população abrindo o cenário para maior apropriação do

espaço por parte do Cras.

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Gerlani Bento da Silva Falcão está trabalhando no Cras há

aproximadamente 3 anos e, neste momento, se encontra realizando atividades

de coordenação de projetos e supervisão de equipamentos, assumindo

também o plantão um dia da semana.

Como Alexandre, prestou concurso e, por escolha, depois de passar

pela Secretaria Municipal da Assistência e Desenvolvimento Social (Smads),

chegou ao Cras Parelheiros, gostando da região, da forma de ser dos

moradores, da diversidade cultural apresentada no local.

Irene Pereira de Magalhães é a assistente social com menos tempo no

Cras, pois está no cargo de técnica aproximadamente há um ano, e já

trabalhou na área da saúde, em ambulatório ligado à saúde da mulher.

Ela expressa claramente a sua precaução e preocupação com a questão

da diversidade cultural dos usuários, na medida em que reconhece precisar de

mais tempo para se apropriar das dinâmicas da região, mas reflete muito sobre

sua intervenção, sobre o seu trato, a forma de se inter-relacionar com as

pessoas no atendimento, o que considera um bom começo para aprofundar as

questões que tem neste momento com respeito à forma de lidar com a

diversidade.

Tanto Alexandre quanto as técnicas foram muito amáveis no

recebimento, no trato, na disponibilidade para realizar as entrevistas, as quais

foram realizadas diretamente nas instalações do Cras, nos intervalos em que

os assistentes sociais ficavam livres das atividades que estavam realizando.

Permitiram à pesquisadora fazer observação sistemática da dinâmica do Cras

na parte da inclusão nos programas e no atendimento individual.

Tem um sistema organizado para o agendamento e posterior

atendimento da população, mas por causa da grande demanda e ser uma

população com altos índices de vulnerabilidade, esse atendimento pode estar

demorando em torno de 2 a 3 meses. De igual forma, o trabalho do Cras se vê

limitado, ao não chegar a verba de cada mês na data certa, assim as pessoas

que precisam tanto desse benefício se vêem obrigadas a esperar por vários

dias para recebê-lo. As assistentes sociais ficam sem meio de atuação em

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relação a esse fato, porque não depende delas a liberação do dinheiro, mas,

pelo menos, tentam explicar à população a situação e dão algumas facilidades

para informá-las sobre a chegada do benefício (como ligar para, assim, não se

deslocarem até o Cras, sobretudo as pessoas que vivem em lugares

afastados).

A equipe de trabalho, no entanto, tenta se organizar para o atendimento

dos diferentes serviços, mas reconhece que precisaria de mais profissionais,

com os quais poderiam aprofundar e melhorar o trabalho que se realiza tanto

no território quanto no próprio Cras.

Com base nas entrevistas e nos eixos que as guiavam, no momento da

análise da informação, se evidenciaram uns núcleos temáticos que englobaram

as respostas dos sujeitos da pesquisa, entre eles, estão: um grupo de questões

que fazem referência a conceitos, mas que tem a ver com a prática profissional

e a percepção dos assistentes sociais sobre a variável da diversidade cultural;

outro dos núcleos temáticos esteve encaminhado para a análise do território e

as implicações do mesmo na atuação do Cras, como se contempla a

diversidade cultural, as características do espaço que se refletem nas

atividades, redes sociais; e o terceiro núcleo, em que se evidenciaram algumas

das expressões da questão social e o condicionamento que isso dá à prática

profissional

Constituíram-se as bases para trabalhar e desenvolver a pesquisa tendo

por objeto as expressões da diversidade cultural no cotidiano da prática

profissional dos assistentes sociais no Cras de Parelheiros.

Para dar conta desse objeto de estudo, pensou-se num objetivo geral,

que reunisse a finalidade maior que se esperava alcançar com a pesquisa, ou

seja, analisar a percepção dos assistentes sociais no Cras de Parelheiros, em

relação à diversidade cultural presente na sua prática profissional.

Mas, para dar concretude a esse objetivo, foram estabelecidos alguns

objetivos específicos, norteadores da pesquisa:

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Analisar como os/as assistentes sociais percebem a

diversidade cultural presente na sua prática profissional a partir das suas

vivências.

Analisar as influências que os contextos têm na prática

profissional.

Evidenciar a importância da questão cultural para a

profissão

Situar a interculturalidade como uma possibilidade de

realização de uma prática que contemple a diversidade cultural.

Seguindo esses objetivos, a presente dissertação se encontra dividida

por capítulos, nos que as análises e reflexões vão se articulando.

No Capítulo I, encontram-se as aproximações a referentes conceituais

que evidenciam o caminho percorrido pela pesquisadora para aproximar-se da

temática do seu interesse. Assim, explicita-se de forma geral o percurso da

profissão nas suas relações com as transformações societárias, as implicações

disso na prática profissional e as novas demandas para o Serviço Social;

passa-se a analisar o pluralismo como uns dos eixos contidos no projeto ético-

político profissional e no Código de Ética, evidenciando-se a mudança de

posicionamento em relação à realidade e à mesma categoria profissional. É o

pluralismo a porta de entrada para a diversidade cultural, composto por

construções sócio-históricas que mediam de forma particular o exercício

profissional.

Procurando ter um quadro geral da construção e particularidades dos

Cras, abre-se o Capítulo II com uma aproximação à Política Nacional de

Assistência Social, sua origem, progressos e mudanças, para assim chegar ao

Cras como espaço de concretude da política. Fechamos o capítulo com as

análises correspondentes ao Cras de Parelheiros e as reflexões principais das

entrevistas com os assistentes sociais em torno da questão da diversidade

cultural presente no local e nas suas dinâmicas.

Ao ser uma temática que precisa ser lida e reconfigurada pela profissão,

além de tentar demonstrar que a cultura é um campo em que o Serviço Social

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necessita aprofundar suas análises, uns dos diferenciais da presente

dissertação é seu caráter propositivo, o qual está expressado no Capítulo III,

quando se especifica uma série de propostas a partir da interculturalidade

como uma possibilidade de aproximação a contextos culturalmente diversos.

Esta pesquisa procura assim criar um marco para o debate, para a

reflexão, incursionando numa temática que precisa ser mais trabalhada. O

trajeto e as análises realizadas são mostras dos significativos avanços

alcançados. Não é, assim, uma finalização, mas uma abertura para posteriores

pesquisas e análises.

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Capítulo I

SERVIÇO SOCIAL: UMA PROFISSÃO SOCIALMENTE DETERMINADA NA

HISTÓRIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA

A nobreza de nosso ato profissional está em acolher aquela

pessoa por inteiro, em conhecer a sua história, em saber como

chegou a esta situação e como é possível construir com ela formas

de superação deste quadro. Se reduzirmos a nossa prática a uma

resposta urgente a uma questão premente, retirarmos dela toda a sua

grandeza, pois deixamos de considerar, neste sujeito, a sua

dignidade humana.

(MARTINELLI, 2006: 12)

No momento de refletir sobre a prática profissional e, mais

particularmente, sobre a percepção que os assistentes sociais têm dela,

partindo da diversidade cultural para guiar as análises, devemos pensá-la

dentro dos macroprocessos da sociedade que, de forma direta, a constituem. É

assim que a realidade, que se nos apresenta como um todo, pode ser pensada

nos processos sociais, históricos, econômicos, políticos e culturais, ou seja, na

relação contradição/totalidade/historicidade, com o qual afinaremos nossa

forma de aproximar-nos dela, e promoveremos melhor compreensão e diálogo

com a história, por meio da recuperação da processualidade da mesma.

Cada espaço-tempo vai ser resultado das dinâmicas que tiveram lugar

anteriormente, reformuladas, redimensionadas, e que, nas palavras de Ianni

(1992), “revelem-se aspectos básicos das diversidades regionais,

desigualdades raciais, urbanização, industrialização, questão agrária,

imperialismo e outros dilemas de grupos e classes sociais, além da sociedade

como um todo. Assim se traçam as linhas principais da história da

sociedade nacional, enraizando dilemas e perspectivas do presente”1 (p.

52).

Seguindo essa linha de análises, pensamos então o presente em suas

intersecções com o passado, já que isso proporcionará melhor compreensão,

possibilitando a recuperação da processualidade histórica, uma vez que “a

1 Grifos do autor.

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história não é única, homogênea. Modifica-se com as alterações das forças que

predominam interna e externamente” (Ibid.: 55)

As forças e os processos sócio-históricos têm repercussões em todas as

esferas da vida e suas conseqüências se dão nos planos econômico, social,

político e cultural. De forma particular no sistema capitalista, os benefícios e

privilégios se acentuam de forma determinante, em alguns países, sendo a

riqueza socialmente produzida mas apropriada só por uns poucos, o que

reproduz expressões da questão social. Nas palavras de Iamamoto (2007)

Questão Social apreendida como o conjunto das expressões das

desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz

comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-

se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos

mantém se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (p.

27)

Por isso, para Wanderley (2009),

Constatam-se efeitos perversos (...) tais como: aumento da pobreza e

da exclusão social; aumento das desigualdades sociais (entre as

classes e os setores sociais em geral e entre os países desenvolvidos

e os subdesenvolvidos); desemprego estrutural; desindustrialização;

aumento das desigualdades sociais, etc. (p. 87)

No caso particular da América Latina e sua realidade, evidencia- como

ela não é homogênea:

A realidade latino-americana é una e diversa. Se ela comporta

características comuns, derivadas exatamente dos referidos traços,

ela se compõe simultaneamente de um mosaico diferenciado de

elementos derivados dos modos como os povos construíram e estão

construindo suas trajetórias. (WANDERLEY, 2007: 52)

Por isso, é preciso ver tanto as mudanças como os traços que, através

do tempo, vem se mantendo, assim como as injustiças e desigualdades que

são constantes na estrutura social deste continente, processos que respondem

às

Relações assimétricas de dominação e subordinação na produção,

no poder político, na estrutura de classes e na estratificação social,

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na elaboração do pensamento e da cultura, considerando

principalmente os processos de exploração econômica e dominação

política, ao lado de outros fatores importantes, tais como territoriais,

demográficos, étnicos, de gênero. (Ibid. 54)

A questão social, nesse contexto, se expressa através de manifestações

cada vez mais variadas, e se localiza em “determinados componentes da

organização da sociedade – nação, estado, cidadania, trabalho, gênero – que

historicamente passam a ser considerados como críticos para a continuidade e

mudança da sociedade” (Ibid. 60). É por isso que essa questão social latino-

americana não pode ser analisada a partir dos parâmetros europeus ou norte-

americanos, mas precisa ser contextualizada. Nesse sentido, “a

problematização da questão social requer sua inserção espaço-temporal,

verificar as forças sociais em jogo, datá-la de acordo com o se

desenvolvimento, analisando tendências e contradições postas em cada

momento” (Ibid. 61).

Para o caso da “esfera cultural”, como o apresenta Wanderley (2009), há

duas perspectivas em curso: “homogeneização e diversidade cultural” (p. 90). A

homogeneização será feita sobre os valores, idéias, costumes e realidades

ocidentais, e a diversidade será vista a partir de quem a desqualifica e de quem

a valoriza, por isso “abriram-se oportunidades para o exercício do

cosmopolitismo, do multiculturalismo, da tolerância, do respeito à diversidade e,

contrariamente, irromperam novas facetas de xenofobia, de intolerância, de

perseguição” (Ibid.).

Para o caso particular do Brasil e da conformação da sua sociedade, há

uma série de elementos que de forma histórica marcaram sua construção, e

que deixam heranças que se chocam e se misturam com novas forças em jogo,

sendo imperativo analisá-las para ampliar o entendimento desses fenômenos.

1.1 A história como o momento presente: aproximação à formação sócio-

histórica do Brasil

Desde a descoberta do Brasil, em 1550, pelos portugueses, as

desigualdades estiveram presentes nos imaginários que se foram construindo

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em torno das pessoas (indígenas, negros e brancos); idéias que foram

sustentadas em uma suposta naturalidade de identidades impostas

passa-se, então, a afirmar a natural indisposição do índio

para a lavoura e natural afeição do negro para ela. A

natureza reaparece, ainda uma vez, pela mãos do direito

natural objetivo – pelo qual é legal e legítima a

subordinação do negro inferior ao branco superior – e do

direito natural subjetivo, porem não mais sob a forma de

servidão voluntária e sim pelo direito natural de dispor dos

vencidos de guerra” (Chauí, 2000: 66)

A história do Brasil apresenta uma característica “especial” que marcou

de forma determinante o seu presente: a escravatura. “Foram séculos de

escravatura, determinando a organização do trabalho e vida, a economia,

política e cultura”, foi assim que se “produziram todo um universo de valores,

padrões, idéias, doutrinas, modos de ser, pensar e agir” (IANNI, 1992: 57-58).

Dessa forma, seguindo Ianni (1992), citando a Caio Prado, deu-se uma

divisão na sociedade brasileira “duas polarizações que se complementam,

desconhecem ou antagonizam”, o escravo e o amo, o que se desdobrou na

história brasileira e é assim que “boa parte da cultura, em seus valores,

padrões, idéias, doutrinas, explicações, ideologias, ficou vincada por essa

determinação essencial” (Ibid. 59). Chauí (2000) a apresenta da seguinte

forma:

a sociedade é inteiramente vertical ou hierárquica, a divisão social

fundamental entre senhores e escravos é sobredeterminada pela

horizontalidade intra-estamental e pela verticalidade interestamental,

formando uma rede intrincada de relações na qual os negros

aprenderão a se movimentar, não se reduzindo à condição de

vítimas, antes pondo-se como agentes nas relações sociais (...) os

homens livres pobres, mulatos e mestiços, não conseguirão se mover

porque não tinham lugar, sua utilidade estando em servir de figuração

da vadiagem com que se podia deixar invisível a base da hierarquia

social dando-lhe apenas visibilidade negativa. Disso resulta que as

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relações sociais se realizam sob a forma do mando-obediência e do

favor” (84)

As relações se sustentaram nessa diferenciação, resultando não só em

práticas, como também em modos de pensar, pois como afirma Ianni (1992)

“acontece que há sempre alguma contemporaneidade entre as formas de

pensamento e as de ser, os modos de vida e trabalho e os de pensar, sentir e

agir” (p. 59). Esse processo pode ser visto de forma sintética nas seguintes

palavras:

a sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do

espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente

verticalizada em todos seus aspectos: nela as relações sociais e

intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um

superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e

assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que

reforçam a relação mando-obediência. O outro jamais é reconhecido

como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido

como subjetividade nem como alteridade (...) quando a desigualdade

é muito marcada, a relação social assume a forma nua da opressão

física e/ou psíquica. A divisão social das classes é naturalizada por

um conjunto de práticas que ocultam a determinação histórica ou

material da exploração, da discriminação e da dominação, e que,

imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação uma

e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as

divisões reais que a constituem. (CHAUÍ, 2000: 90)

Chauí (2000) observa que esses acontecimentos do passado marcam o

nosso presente, e que esses processos de organização social, como a

escravatura, ou o afiançamento de um tipo de desenvolvimento desigual e

combinado, nos constitui e configura “a nossa história ainda é, por isso, em

muitos casos, uma atualidade (...) O Brasil moderno parece um caleidoscópio

de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar” ( p. 60-

61), é assim que “toda a sua história está contida no seu presente, como se

fosse um país que não abandona nem esquece o pretérito; memorioso” (p. 63).

É fundamental que a reflexão parta dessa análise; ver a sociedade

brasileira que se nos apresenta complexa e dinâmica, com sujeitos políticos

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que produzem e reproduzem nela modos de ser e pensar, que aliás, são

resultado de processos históricos “O processo histórico de que resulta o

presente, portanto, se torna indispensável para que se possa compreender as

condições e as possibilidades de organização e transformação da

sociedade”2 (Ibid.: p.63).

Tendo como base esses pressupostos, e visualizando a profissão a

partir de sua inserção na sociedade, nos aproximamos dela por seu percurso

histórico, já que o sentido e a direcionalidade do Serviço Social está em

constante movimento e é fonte do tecido social, resultado das circunstâncias

históricas em que ocorrem construções e mudanças no interior da profissão.

1.2 O serviço social no contexto da sociedade brasileira

O Serviço Social historicamente surge em um momento de crise do

capitalismo. Para o caso brasileiro, se situa nos anos 30, quando a intervenção

do Estado procurava regular a vida social e dar conta das novas dinâmicas que

dita conjuntura tinha desencadeado. Pensando então no enfrentamento da

questão social, o Serviço Social se institucionaliza e legitima,

profissionalizando-se como uma das ferramentas que o Estado e o

empresariado, sustentados na Igreja Católica, instauraram com essa finalidade.

As condições estavam dadas: o inconformismo da população com as

injustiças sociais, trabalhadores e setores empobrecidos engajados nas lutas

sociais, ações assistencialistas e filantrópicas que não dão conta das

necessidades da população, entre outras, vem a ser o contexto propício para

que o Serviço Social encontre seu espaço de ação e tome a questão social

como a sua matéria-prima (YAZBEK, MARTINELLI e RAICHELIS, 2008).

Afiançam-se, então, como sustentadores da ação dos assistentes

sociais o Estado, a Igreja Católica e grupos sociais com forte presença

feminina, dando características particulares ao perfil e à organização dos

profissionais. Depois da criação da primeira Escola de Serviço Social, em São

Paulo, em 1936, evidencia-se uma direção particular da visão sobre a questão

social, “a contribuição do Serviço Social, nesse momento, incidirá sobre valores

e comportamentos de seus „clientes‟ na perspectiva de sua integração à 2Grifos do autor.

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sociedade, ou melhor, nas relações sociais vigentes. Trata se de um enfoque

psicologizante e moralizador centrado no indivíduo e na família” (Ibid.: 11).

É assim que o Estado, como ente regulador, após a fundação de outras

escolas e com ampla demanda laboral, se vê instigado a pensar e ampliar uma

série de ações sociais, as quais serviriam, por sua vez, tanto para possibilitar o

processo de acumulação capitalista como de resposta às demandas da

população, dando assim espaço à implementação das políticas sociais.

Abre-se um novo campo estatal de mercado de trabalho para os

assistentes sociais, sustentado numa nova perspectiva de atuação.

Há então uma reorientação da profissão, que para atender às novas

configurações do desenvolvimento capitalista avança na perspectiva

de ampliar seus referenciais técnicos e sistematizar seu espaço

sócio-ocupacional. Esse processo mantém a profissão no caminho do

pensamento conservador pela junção do discurso humanista cristão

com um suporte técnico-científico de base positivista. (Ibid.: 14)

Mas as mudanças seguem seu curso, e, chegando nos anos 1960, o

Serviço Social brasileiro, assim como o latino-americano, abre espaço ao

Movimento de Reconceituação, em que a profissão se questiona sobre si e

sobre a sociedade, dando-se uma “renovação profissional em diferentes níveis:

teórico, metodológico, técnico/operativo e ideopolítico” (Ibid.: 16).

Compromisso, construção, mudança e ruptura são elementos com os quais os

assistentes sociais pensam um novo projeto profissional, uma nova forma de

intervir, de se aproximar da realidade, fundamentados nos postulados da

organização popular, da esquerda católica, da educação de base, entre outros.

É assim que a profissão busca novas linhas de fundamentação teórico-

metodológica e política, que respondessem mais aos contextos, aos novos

debates, e fossem uma ruptura com a tradição conservadora, perspectiva

fundante desde a gênese da profissão. Esse é o caso da teoria social de Marx,

a qual tem uma apropriação por parte da profissão e passa a ser um referencial

hegemônico para a mesma a partir dos anos 1980 e 1990, expressando-se

também nas diretrizes curriculares do Curso de Serviço Social e no Código de

Ética de 1993. Dá-se, então, a partir de 1970, um incremento na produção

acadêmica, assim como se deu a implantação dos cursos de pós-graduação

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(PUC-SP e PUC-RJ), ampliando-se o número de profissionais qualificados para

docência, onde

O Serviço Social desenvolveu-se na pesquisa sobre a natureza de

sua intervenção, de seus procedimentos, de sua formação, de sua

história e, sobretudo, acerca da realidade social, política, econômica

e cultural onde se insere como profissão na divisão social e técnica

do trabalho. (YAZBEK, MARTINELLI e RAICHELIS, 2008:

20)

O projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, como construção

coletiva e em estreita relação com o projeto societário, resultado de um debate

que vinha se desenvolvendo desde a década de 1970 com a luta contra o

conservadorismo profissional, e que teve sua materialização nos anos 90,

responde assim de forma particular ao contexto e dá um enquadramento

específico e marcos de ação determinados, já que

Nesse contexto, tensionado pelas mudanças em curso, enfrentando

novos interlocutores nos espaços públicos, convivendo

cotidianamente com a violência da pobreza e com as incontáveis

faces da exclusão social, o assistente social brasileiro avança na

construção de seu projeto ético-político na direção de uma

sociabilidade justa, igualitária e onde direitos sociais possam ser

assegurados. (Ibid.: 23)

Martinelli (2009) assinala uns requisitos que foram atingidos no processo

de construção e consolidação do projeto ético-político, e que foram

constitutivos do contexto no qual esse processo se gestou e desenvolveu:

- uma concepção clara de profissão;

- uma concepção ideopolítica explícita e assumida como hegemonia

conquistada legitimamente;

- uma legislação profissional substantiva;

- um conjunto de diretrizes para a formação profissional;

- um currículo de curso capaz de viabilizar essas diretrizes;

- um lugar social claro e definido para a profissão em suas relações

com as demais profissões e com a sociedade mais ampla. (p. 155)

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O Código de Ética, como uma das materializações do projeto ético-

político, aprovado em 1993, sustentou-se em valores como a liberdade, em

suas intrínsecas relações com a autonomia e emancipação, visando atuar

sempre na defesa de direitos humanos; assim mesmo, na procura da justiça

social e a equidade, recusando também qualquer tipo de preconceito,

promovendo a ampliação e efetivação da cidadania e uma nova relação com os

usuários, comprometendo-se com a melhoria na prestação dos serviços. Da

mesma forma, deu-se um avanço em relação à busca de fazer efetiva das

competências e atribuições que estavam previstas na Lei de Regulamentação

da profissão.

Assim, o Código de Ética estabelece-se como uma referência para a

ação profissional, alimentando debates acadêmicos para a sua efetivação e

materialização na prática cotidiana, em consonância com as dinâmicas próprias

da profissão e da sociedade.

É um código vigoroso, que fundamenta o projeto ético-político

profissional e o articula a um projeto social mais amplo. É um código

que pressupõe um profissional competente, crítico, qualificado

teoricamente e, sobretudo, com muita coragem para lutar contra os

obstáculos que se interpõem em sua trajetória. (MARTINELLI, 2009:

158)

Para Yazbek (2009),

É assim desafiado pelas mudanças em andamento, convivendo

cotidianamente com a violência da pobreza e com as incontáveis

faces da exclusão social que o assistente social trava o embate a que

se propõe: o de avançar em seu projeto ético-político na direção de

uma sociabilidade mais justa, mais igualitária e em que direitos

sociais sejam observados (p. 119)

Nesse contexto, é evidente o amplo esforço da categoria profissional

para situar e efetivar o Código de Ética respondendo aos desafios que cada

vez reconfiguram a ação profissional. Esse é o caso das políticas públicas

afetadas pelo contexto neoliberal, cuja prioridade é o mercado e a redução da

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atuação do Estado na esfera pública, e, de forma especial, nas políticas

sociais.

O foco na efetivação dessas políticas e na filantropia com seu acionar

reativado são algumas das formas de responder a esse contexto de retrocesso

em termos das políticas agenciadas pelo Estado. O campo social sofre um

déficit no seu investimento, os trabalhadores se desenvolvem em situações de

pauperização das condições de trabalho, das condições de vida. Assim, a

profissão

se vê confrontando com esse conjunto de transformações societárias,

no qual é desafiado a compreender e intervir nas novas

configurações e manifestações da questão social, que aprofundam a

precarização do trabalho e agravam as condições de vida dos

trabalhadores. Enfrenta processos e dinâmicas que trazem para a

profissão novas temáticas, novos (e os de sempre) sujeitos sociais e

questões como o desemprego estrutural, os sem-terra e os sem-teto,

o trabalho infantil, a violência doméstica, a discriminações de gênero

e etnia, as drogas, a Aids, as crianças e adolescentes em situações

de rua, os doentes mentais, os portadores de deficiências, os velhos,

e outras tantas questões e temáticas relativas à exclusão. (YAZBEK,

MARTINELLI e RACHELIS, 2008: 23)

1.3 O serviço social nos anos 2000: mudanças e permanências

Como se pode ver, o Serviço Social no Brasil surge e se desenvolve a

partir da realidade que o constitui, é assim que dá respostas às demandas que

estão postas nessa realidade, pois “o fundamento das profissões é a realidade

social, parte-se do pressuposto de que as profissões são construções

históricas que somente ganham significado e inteligibilidade se analisadas no

interior do movimento das sociedades nas quais se inserem” (YAZBEK,

MARTINELLI, RAIHELIS, 2008: 6). Nas palavras de Netto (2006),

Os projetos profissionais também são estruturas dinâmicas,

respondendo às alterações no sistema de necessidades sociais sobre

o qual a profissão opera, às transformações econômicas, históricas e

culturais, ao desenvolvimento teórico e prático da própria profissão, e

ademais, às mudanças na composição social do corpo profissional.

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Por tudo isso, os projetos profissionais igualmente se renovam, se

modificam (144).

O percurso histórico da profissão, redimensionando sua inserção na

sociedade brasileira, que a constitui e modifica, evidencia processos dos quais

resultam novas aproximações, tanto teóricas quanto práticas. “O serviço social

brasileiro é uma construção histórica e coletiva da categoria profissional” (Ibid.)

é “uma profissão, histórica, instituinte, uma verdadeira construção social, uma

vez que a profissão se transforma ao se transformarem as condições em que

se dá o seu engendramento histórico” (MARTINELLI, 2009: 150).

Na medida em que se procura olhar para a profissão e fazer essa inter-

relação necessária com o momento atual,

É necessário romper com uma visão endógena, focalista, uma visão

“de dentro” do Serviço Social, prisioneira em seus muros internos.

Alargar os horizontes, olhar para mais longe, para o movimento das

classes sociais, e do Estado em suas relações com a sociedade; não

para perder ou diluir as particularidades profissionais, mas ao

contrário, para iluminá-las com maior nitidez (...) para que se possa

captar as novas mediações e requalificar o fazer profissional,

identificando suas particularidades e descobrir alternativas de ação.

(IAMAMOTO, 2007: 20)

Sonia Batista, assistente social do Cras de Parelheiros, tentando fazer

esse processo, no seu exercício profissional, de olhar para mais longe, de

entender os movimentos dos sujeitos com os quais trabalha assinala:

Eu acho que eu tenho tentado trabalhar de uma forma diferenciada na

medida em que a gente está lá no território, estando lá você já tem uma

outra visão (...) é um tempo curto mas que me trouxe tanta coisa boa, tanta

informação, tanta que quem sabe, vai abrindo sua mente, vai trazendo

outras opções, vai traçando outros trabalhos (...) trabalhar no território é

você conhecer aquele território, ficar lá o período todo, saber o que está

acontecendo, articular com os outros setores que você tem ali na região, é

fazer esse trabalho. (depoimento colhido em junho de 2011)

O desafio está em ver esses novos contextos, essas novas realidades e

entendê-las de tal forma que se possa “decifrar a realidade e construir

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propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a

partir de demandas emergentes no cotidiano” (IAMAMOTO, 2007: 20).

Os assistentes sociais, ao aproveitar essas demandas e fazê-las

propostas de atuação, como pontos de início para o trabalho com as pessoas e

comunidades, podem ultrapassar os requerimentos imediatos e burocráticos

que o mesmo mercado de trabalho demanda do profissional, assim, quanto à

resposta pontual para uma problemática particular, sem sequer aprofundar-se

na mesma.

É estabelecer saídas em conjunto com os sujeitos políticos, criando

processos e dando continuidade aos mesmos para “ir além das rotinas

institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar

tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas

pelo profissional” (Ibid.), porque nessa mesma realidade é que o profissional

pode aprender a mobilizar-se, partindo dela é que poderá saber os alcances e

limites da sua ação “as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são

automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos

profissionais apropriarem se dessas possibilidades e, como sujeitos,

desenvolvê-las transformando as em projetos e frente de trabalho” (Ibid.).

Sonia Batista, uma das técnicas do Cras, o vê da seguinte forma:

Você precisa conhecer para poder propor, para poder dar algumas

coordenadas para essas pessoas, então eu acho que o primeiro

passo para um trabalho nosso é extremamente esse, você ir, mas

desprovida dos seus preconceitos, das suas visões, das suas coisas,

porque é lá que você vai criar vínculos e tentar fazer alguma coisa.

(depoimento colhido em junho de 2011)

O aprimoramento da nossa prática profissional, que tem passado por

diferentes momentos, mas sempre nesse caminho de procurar um melhor

atendimento, de efetivar direitos, de contextualizar os sujeitos e as

problemáticas nas quais estão imersos, de construir referências interpretativas

da realidade, são tarefas do dia a dia do assistente social, sobre as quais

reflete e tenta superar esquemas de assistencialismo e de imediatismo que

afetam a prática profissional.

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A nobreza de nosso ato profissional está em acolher aquela pessoa

por inteiro, em conhecer a sua história, em saber como chegou a esta

situação e como é possível construir com ela formas de superação

deste quadro. Se reduzirmos a nossa prática a uma resposta urgente

a uma questão premente, retirarmos dela toda a sua grandeza, pois

deixamos de considerar, neste sujeito, a sua dignidade humana.

(MARTINELLI, 2006: 12)

A prática profissional é um espaço com múltiplas possibilidades, onde os

sujeitos políticos produzem e reproduzem as suas vidas, e nós, assistentes

sociais, estamos chamados a responder às demandas que se reconfiguram

nos cenários, resultado dos posicionamentos desses sujeitos, dos seus

questionamentos, tendo como ponto de partida a sua interpretação das

situações “assim como precisamos saber ler conjunturas, precisamos saber ler

também o cotidiano, pois é aí que a história se faz, aí é que nossa prática se

realiza” (MARTINELLI, 2006: 15).

É nesse cotidiano que nós aprofundamos as análises, evidenciamos

não só as problemáticas existentes se não também as formas de resistência

que esses sujeitos no seu dia a dia vão construindo. “Apreender a dinâmica da

vida social, os processos de produção e reprodução da vida social como

determinantes da cultura, das lutas, dos enfrentamentos dos sujeitos com os

quais trabalhamos é crucial para que não retiremos o seu protagonismo, ou os

transformemos em vítimas” (Martinelli, 2011). Somo desafiados e interpelados

constantemente a

Redescobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional

no cenário atual; traçar horizontes para a formulação de propostas

que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo

de vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como

sujeitos que lutam pela preservação e conquista da sua vida, da sua

humanidade. Essa discussão é parte dos rumos perseguidos pelo

trabalho profissional contemporâneo. (IAMAMOTO, 2007: 75)

A realidade vai, assim, condicionando a prática profissional. É um

terreno onde se criam e recriam profundas questões, assim como possíveis

caminhos a serem percorridos. A questão social afiança-se e manifesta-se em

novas e diferentes problemáticas, situações cada vez mais complexas, sendo

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difícil o desvendamento das tramas que limitam o acionar profissional “a

preocupação é afirmar a profissão e as particularidades de sua intervenção em

face dos novos contornos da questão social e dos novos padrões de regulação

com que se defrontam as políticas sociais na contemporaneidade” (YAZBEK,

MARTINELLI e RAICHELIS, 2008: 26).

As políticas desenhadas e formuladas para sujeitos específicos da

sociedade (idoso, criança e adolescente, família, morador de rua), são a

expressão da diversidade, e já que é uma questão transversal no campo de

ação dos assistentes sociais, é preciso que seja um elemento de análise e

questionamento tanto na academia quanto no cotidiano profissional. Para ver

umas das formas nas quais tem sido contemplada essa diversidade cultural,

tomamos o pluralismo como categoria constitutiva do projeto ético-político

profissional e que nos servirá de porta de entrada para as reflexões e análises

sobre a diversidade cultural.

1.4 O pluralismo como constitutivo da categoria profissional e da

sociedade

Temos visto como a história se constitui e nos permite ver possibilidades

de atuação, dependendo da perspectiva que tenhamos para essa realidade e o

entendimento que ganhemos dela.

Para analisar a profissão como parte das transformações históricas

da sociedade presente, é necessário transpor o universo estritamente

profissional, isto é, romper com uma visão endógena da profissão,

prisioneira em seus muros internos. E buscar entender como essas

transformações atingem o conteúdo e direcionamento da própria

atividade profissional; as condições e relações de trabalho nas quais

se realiza; como afetam as atribuições, competências e requisitos da

formação do assistente social (...) extrapolar o universo do Serviço

Social para melhor apreendê-lo na história da sociedade da qual ele é

parte e expressão. (IAMAMOTO, 2006: 167)

Nesse processo de extrapolar nosso olhar e análises, evidencia-se como

na realidade da sociedade brasileira, assim como em muitos outros países,

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muitas temáticas adquirem importância segundo as conjunturas em que se

apresentam. Esse é o caso da pluralidade, categoria que passa a ser um

importante componente do projeto ético-político profissional e que faz parte

dessas mudanças e novas ordenações da profissão. Essa aproximação ao

pluralismo, por parte do Serviço Social, fundamenta-se na idéia de que

A elaboração e a afirmação (ou, se se quiser, a construção e a

consolidação) de um projeto profissional deve dar-se com a nítida

consciência de que o pluralismo é um elemento factual da vida social

e da própria profissão, que deve ser respeitado. Mas este respeito,

que não deve ser confundido com uma tolerância liberal para com o

ecletismo, não pode inibir a luta de idéias. Pelo contrário, o

verdadeiro debate de idéias só pode ter como terreno adequado o

pluralismo que, por sua vez, supõe também o respeito às hegemonias

legitimamente conquistadas. (NETTO, 2006: 146)

Nas palavras de Iamamoto (2003), “nosso pluralismo não é o pluralismo

liberal, mas o pluralismo com hegemonia, que se fundamenta no respeito à

democracia, à liberdade, aos direitos humanos, recusando todas as formas de

preconceito e orientado para a emancipação dos indivíduos sociais” (p. 109)

Observe-se que o pluralismo, por ser parte integrante da vida social, se

nos apresenta como um conceito amplo, de variadas e diversas definições

assim como expressões

(...) o grau de heterogeneidade, ou falta de uma unidade teórica sobre

o tema, expressa as ciladas de suas elucidações.

Sem redundâncias, é possível afirmar que o Pluralismo possui uma

abordagem conceitual plural, isto é, não possui expressão nem

conceito unívocos, mas uma diversidade de modelos que não devem

restringir entre si. Adquirindo formas e dimensões variadas, este

termo é freqüentemente utilizado por intelectuais dos mais diversos

campos do conhecimento científico, os quais também lhe atribuem

semânticas diversas. (ADRIANO, 2004: 11)

Coutinho (1991) caracteriza o pluralismo a partir de duas perspectivas; a

primeira corresponde a um pluralismo como fenômeno social e político, o qual

é expressão do mundo moderno, onde se tem uma nova visão no homem,

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valorizando de forma particular o indivíduo, é assim que “a diferença é vista

como um fator positivo na ordem social e no progresso social” (p. 6), isso tudo

segundo o pensamento liberal e sustentado no que o autor chama de “valores

pluralistas” como são: a perspectiva da positividade do conflito, a ideia de

tolerância, a ideia de divisão dos poderes, e a ideia do direito das minorias.

Assim mesmo, por ser uma categoria cambiante, foi adquirindo novas formas

de se expressar. O autor chama a atenção para a nova dimensão na

composição desse pluralismo “formado não apenas por indivíduos, mas

também por sujeitos coletivos, por diferentes partidos, diferentes associações”

(Ibid.: 9).

Outra forma de ver o pluralismo é a partir da teoria do conhecimento,

onde, seguindo Coutinho (1991), pluralismo não implica ecletismo, mas uma

“troca de ideias, da discussão com o diferente” porque assim é que “podemos

afinar nossas verdades, fazer com que a teoria se aproxime o mais possível do

real” (Ibid.: 13). Portanto, o pluralismo remete à “abertura para o diferente, de

respeito pela posição alheia, considerando que essa posição, ao nos advertir

para os nossos erros e limites, e ao fornecer sugestões, é necessária ao

próprio desenvolvimento da nossa posição e, de modo geral, da ciência” (Ibid.).

O Serviço Social apropriou-se do pluralismo, a partir de diferentes

“espaços”, como se pode ver no pluralismo profissional, no reconhecimento dos

“membros do corpo profissional” como indivíduos diferentes, o que “configura

um espaço plural do qual podem surgir projetos profissionais diferentes”, assim

como no pluralismo no “plano da produção de conhecimentos”, permitindo que

os assistentes sociais fizessem inter-relações com teorias e metodologias

críticas em relação às condições econômicas e sociais que o conservadorismo

vinha impondo (NETTO, 2006).

A profissão, no seu conjunto, reconhece e trabalha para dar conta

desses novos contextos, dos sujeitos complexos que neles interagem, onde se

afiançam valores como liberdade e igualdade, sem perder de vista que essa

igualdade não impede o reconhecimento da diversidade.

Este projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como

valor centrar – a liberdade concebida historicamente como

possibilidade de escolha entre alternativas concretas; daí um

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compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão

dos indivíduos sociais. Consequentemente, este projeto profissional

se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma

nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e

gênero. A partir destas opções que o fundamentam, tal projeto afirma

a defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio e

dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo, tanto na

sociedade como no exercício profissional. (NETTO, 2006: 155)

Em síntese, destaca-se o fato de que o pluralismo institui-se como uma

categoria importante nos próprios eixos do projeto ético-político (nas diretrizes

curriculares e no Código de Ética), o que enriqueceu a perspectiva da formação

e da prática profissional, e fortaleceu a profissão no seu esforço de conseguir

uma ruptura com a tradição conservadora, como também no fato de

fundamentar-se teórica e metodologicamente.

Para considerar especificamente o componente do pluralismo que se

refere à diversidade implícita nas sociedades, torna-se necessário fazer uma

aproximação à concepção de cultura e de diversidade cultural, variáveis com

as quais a questão social adquire e mantém sentidos próprios, se transforma e

reformula, o que temos que considerar, como assistentes sociais, para uma

compreensão real dos campos de trabalho, assim como dos sujeitos que

produzem e reproduzem as suas vidas.

1.5 Construções sociais fundamentais: a cultura e a diversidade cultural

como determinantes das sociedades.

O termo cultura tem sido trabalhado a partir de diferentes perspectivas e

tem tido variações na sua concepção segundo os contextos nos quais é usado.

Assim, o associamos com algumas das suas variantes, por exemplo, no

caso de culto/a, no sentido de ter muitos conhecimentos sobre uma ou várias

áreas, ou ter a capacidade, pela sua cultura, de exercer determinadas funções;

nesse aspecto, vemos a associação num sentido positivo.

A cultura também tem sido usada para designar uma coletividade, as

suas características, as propriedades específicas que possuem e que os fazem

ser parte dessa coletividade, como é a cultura inglesa, ou a brasileira. “A

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cultura surge como algo que existe em si e por si mesma e que pode ser

comparada (cultura superior, cultura inferior)” (CHAUÍ, 2003: 244).

Foi também ligada ao termo civilização (sendo em sentido oposto em

muitos casos), que o grau de cultura de algumas sociedades foi medido para

indicar o nível de desenvolvimento. O termo então tem sido entendido por

muitos sob uma série de comparações e contradições, para igualar ou para

diferenciar, para dar atribuições ou para tirá-las.

Numa “visão múltipla”, Chauí (2006) entende a cultura como uma

“prática social que instituiu um campo de símbolos e signos, de valores e

comportamentos, acrescentando, porém, que há campos culturais

diferenciados no interior da sociedade em decorrência da divisão social das

classes e da pluralidade de grupos e movimentos sociais”, assim mesmo é “um

campo específico de criação: criação da imaginação, da sensibilidade e da

inteligência que se exprime em obras de arte e obras de pensamentos, quando

buscam ultrapassar criticamente o estabelecido” (p. 135).

Por isso, ao ver a cultura como uma construção social que pode ser

modificada, a consideramos como processos sociais, mutáveis, em que se

evidencia a experiência social que a circunscreve, procurando compreender

sua singularidade e sua relação com a dinâmica social mais ampla (KHOURY,

2000), cultura entendida, portanto, como “modos como os processos sociais

criam significações e como essas interferem na própria história (...) como todo

um modo de vida” (KHOURY, 2000: 117).

Dessa mesma forma, a passagem do estado natural, assinalado por

Chauí (2006), para o da cultura como modo de vida, implica a atribuição de

sentido que se dá às coisas com as quais os sujeitos se relacionam. Desde a

sua socialização, onde aprendem a forma de ser no mundo, seu lugar no

mesmo, até quando vão se inserindo nas diferentes instituições sociais (escola,

igreja, trabalho), nas quais vão formando uma série de valores, de

posicionamentos por comparação, na diferença e na igualdade, que insere o

sujeito na sociedade.

Mas os jogos de forças implícitos nesses processos nas sociedades de

classes fazem com que um tipo de diferença, de divisão se instale nessas

relações “seja qual for o termo empregado, o que se evidencia é um corte no

interior da cultura entre aquilo que se convencionou chamar de cultura formal,

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ou seja, a cultura letrada, e a cultura popular, que corre espontaneamente nos

veios da sociedade” (CHAUÍ, 2006: 132). Essa diferenciação adquiriu matizes

próprias onde a cultura formal passou a se posicionar como a legítima, assim

como suas ações o eram “sabemos que o lugar da cultura dominante é

bastante claro: é o lugar a partir do qual se legitima o exercício da exploração

econômica, da dominação política e da exclusão social” (Ibid. 133).

Têm sido, então, hierarquizadas através dos tempos, formas de pensar e

ver, que procuram sustentar a ordem estabelecida, impondo estilos de vida e

transgredindo as tradições,

As culturas nacionais, com sua pluralidade de expressões, mas já

debilitadas historicamente, convertem-se em espécies ameaçadas de

extinção. Nota-se uma submissão sistemática, direta ou indireta, de

todas as atividades culturais a uma valorização da eficiência

semelhante à da produtividade industrial, bem como um imperativo,

tácito ou explícito, para se decidir, numa suposta ruptura inevitável,

entre o “novo” e o “velho”, entre a “modernidade” e a “tradição”, se se

quer sair do subdesenvolvimento material e mental. (URIBE e LEVI

DE LOPEZ, 1993: 176)

Essas dinâmicas de conflito, que se dão nas sociedades entre a cultura

dominante e a(s) cultura(s) popular(es), estabelecem lutas e resistências por

posicionar modos de ser e aparecer, onde se dá “a dialética da luta na cultura

e pela cultura, em que há sempre posições estratégicas que se conquistam e

se perdem” (KHOURY, 2000: 120).

Essa cultura popular, como “manifestação diferenciada que se realiza no

interior de uma sociedade que é a mesma para todos, mas dotada de sentidos

e finalidades diferentes para cada uma das classes sociais” e como

Um conjunto disperso de práticas representações e formas de

consciência que possuem lógica própria (o jogo interno do

conformismo, do inconformismo e da resistência) distinguindo-se da

cultura dominante exatamente por essa lógica de práticas,

representações e formas de consciência. (CHAUI, 1986: 24-25)

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Dessa maneira constitui-se no seio das sociedades e desenvolve

similitudes e diferenças. Os sujeitos que vivenciam, criam e recriam essa

cultura popular vão dando diferentes sentidos às formas de pensar, de agir, de

se posicionar em relação aos outros, e assim a diversidade cultural adquire

materialidade, e no dia a dia se expressa.

A diversidade cultural implica uma série de questões que se instituem

nas trajetórias de vida dos sujeitos, as diferentes formas da sua vivência, as

formas em que se apropriam dos espaços e dão sentido às práticas intrínsecas

nos mesmos. As construções culturais, como o terreno das significações, como

processos em constante formação e reconstrução, são os espaços onde os

sujeitos se mobilizam em fronteiras, transitam por elas e as resignificam, sendo

tanto físicas como imaginárias. Essas construções estão impregnadas de

negociações e interesses por parte dos diferentes sujeitos políticos, que geram

pertencimento e separação (KHOURY, 2000), que assumem a vida do outro

para constituir a própria, quer seja na igualdade, quer seja na diferença, mas é

nessas trocas que a cultura, rica em matizes, se faz explícita e transita nas

relações sociais.

A cultura, ao estar imbricada em processos históricos, e ser reconstruída

por eles mesmos, dá conta de vivências particulares, de formas de ser e

pensar consolidadas ou desmitificadas, segundo o momento social a partir do

qual se esteja falando. Essa diversidade presente em cada um, que faz parte

da totalidade, mas que é experimentada de tal forma que o micro e o macro se

entrelaçam, se vê manifestada nas “necessidades, valores, comportamentos,

modos de viver e trabalhar, perspectivas passadas e futuras bastante

diferenciados” (KHOURY, 2000: 128); é assim que explorar o significado

desses elementos possibilita compreender as transformações e interpretações

próprias dessa diversidade, e a “apropriação e sentido dado aos processos,

pensar as experiências a partir da cultura, implica evidenciar e aprofundar as

relações que as impregnam” (KHOURY, 2000: 134), não é só o evidente que

nós dará fundamentos para analisar e refletir sobre as diversidades presentes

nas sociedades, é o profundo nelas, as tramas nas quais se sustentam, as

suas possibilidades e limites nas esferas da vida.

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Capítulo II

O CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS) COMO

OBJETIVAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Eu acho essa coisa da política nacional, essa visão que a gente tem

de que a população tenha o que é real da assistência social, isso

acho que com a implantação do Cras se fortaleceu muito, de um

sistema único de assistência... então falar sobre isso hoje você pode

falar isso com uma propriedade, está lá é lei; dá para que o

profissional que é realmente envolvido com todas estas questões

tenha uma segurança, dá uma propriedade e você consegue fazer

esse trabalho com a população, trabalhar com eles os direitos, a

questão da seguridade, isso é muito importante para a gente, e faz

também com que a gente tenha conhecimento das questões para

você poder trabalhar, e por isso eu falo, o trabalho do Cras no

território é muito rico, porque é nesses momentos que você vai

trabalhar essas questões, e aí isso vai envolvendo tudo, todas as

questões da diversidade, de gênero, de etnia, todo que a gente está

vendo no nosso trabalho, reflete nesses campos maiores. Acho que a

Política Nacional de Assistência Social, o Suas, é maravilhoso, quem

está na área se apaixona, é tudo o que a gente quis, eu fico até

emocionada, é uma coisa muito legal.

(Sonia Batista, depoimento em junho de 2011)

O contexto no qual se desenvolvem as políticas sociais no País tem

características particulares, e tem condicionado a credibilidade e objetivação

das mesmas. Assim, o desenho, formulação e a efetivação, sobretudo esta

última, têm sido dificultadas pelas lógicas que se desenvolvem nos governos,

os interesses que mediam as possibilidades do Estado de garantir direitos, de

melhorar a vida dos cidadãos, de cumprir com o seu papel.

As políticas sociais historicamente permaneceram num segundo plano

entre as prioridades dos governos, já que estes, mais interessados no mercado

e em políticas econômicas, têm deixado as políticas sociais subjugadas a

outros condicionantes, como apêndices do sistema em geral, sem ocupar um

lugar de destaque, sem estar no mesmo nível de outras políticas e no mesmo

espaço de relevância.

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Para o caso da Assistência Social, sua origem e o seu desenvolvimento

histórico fizeram com que a sua materialização como política social fosse ainda

mais difícil e demorada já que

Apoiada por décadas na matriz do favor, do clientelismo, do

apadrinhamento e do mando, que configurou um padrão arcaico de

relações, enraizado na cultura política brasileira, esta área de

intervenção do Estado caracterizou-se historicamente como não

política, renegada como secundária e marginal no conjunto das

políticas públicas. (COUTO, 2010: 33).

Um ponto de partida para a mudança na concepção da Assistência

Social foi a sua incorporação, a partir da Constituição Federal (CF) de 1988 ao

Sistema de Seguridade Social brasileiro, sendo reconhecida como política

pública de proteção social não contributiva. No entanto, o artigo constitucional

que institui a Assistência Social como política de seguridade social foi

regulamentado somente em 1993, com a aprovação da Lei Orgânica da

Assistência Social (Loas), que estabelece os objetivos, princípios, diretrizes

para sua formulação e efetivação, isto agora contemplado destes dois espaços,

o da Seguridade Social e o da Proteção Social Púbica, o que implicou uma

maior cobertura para o usuário, na saúde, previdência e assistência social,

assim como na materialização de benefícios e serviços para a população e a

luta pela efetivação de direitos. A Assistência Social passa, assim, da visão

“assistencialista” para ser reconhecida como política social.

A institucionalização da Assistência Social nesse contexto promoveu

uma mudança evidente no papel da sociedade na gestão, formulação e

execução das políticas assistenciais, assim como se deu uma forte participação

na negociação e no debate sobre a cidadania e a democracia (COUTO, 2010).

Todo esse processo de regulamentação da Assistência Social, de trazê-

la aos debates da arena política, se foi desenvolvendo num contexto adverso e

contraditório onde

Pois, se por um lado, os avanços constitucionais apontam para o

reconhecimento de direitos e permitem trazer para a esfera pública a

questão da pobreza e da desigualdade social, transformando

constitucionalmente essa política social em campo de exercício de

participação política, por outro, a inserção do Estado brasileiro na

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contraditória dinâmica e impacto das políticas econômicas neoliberais

coloca em andamento processos desarticulares, de desmontagem e

retração de direitos e investimentos no campo social (Ibid.: 34).

Esse mesmo contexto é reflexo do cenário internacional, onde o campo

social se vê afetado profundamente, com consequências como desemprego e

pobreza, problemáticas que crescem progressivamente ao longo do tempo.

Subjugada, assim, a essa lógica neoliberal, a primeira Política Nacional de

Assistência Social (PNAS), aprovada em 1998, teve limitações fortes na

medida em que foi enquadrada em tais parâmetros, onde a focalização dos

serviços em resposta à pobreza foi a constante.

Movimentos de resposta a esse contexto de desmonte das políticas

sociais, de altos níveis de desemprego, de pobreza, entre outras

problemáticas, fizeram com que se procurasse mudar essa materialização da

PNAS, assim se foi “revelando capilaridade e expressão política do controle

social no encaminhamento de uma agenda que assegure direção social que se

contraponha à hegemonia neoliberal” (Ibid. 37).

A PNAS, aprovada pela Resolução 145, de 15 de outubro de 2004, do

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), esclarece as diretrizes para

a efetivação da Assistência Social como dever do Estado e direito do cidadão.

Essa política institui o Sistema Único de Assistência Social (Suas) o qual é

definido pela Norma Operacional Básica (NOB/Suas) aprovada em 2005 como

sendo “(...) um sistema público não-contributivo, descentralizado e participativo

que tem por função a gestão do conteúdo específico da Assistência Social no

campo da proteção social brasileira”. (NOB/SUAS, 2005: 86). Assim, o Suas

Está voltado à articulação em todo o território nacional das

responsabilidades, vínculos e hierarquia, do sistema de serviços,

benefícios e ações de assistência social, de caráter permanente ou

eventual, executados e promovidos por pessoas jurídicas de direito

público sob critério de universalidade e de ação em rede

hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil.

(Ibid.: p. 86)

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Entre os objetivos da PNAS (2004), estão os seguintes:

- Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção

social básica e ou especial para famílias, indivíduos e grupos que

dele necessitem;

- Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos

específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços

socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural;

- Assegurar que as ações no âmbito da Assistência Social tenham

centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e

comunitária (p. 34)

Nessa perspectiva, a PNAS procura promover uma série de fatores,

características próprias que a façam mais efetiva na realidade da sociedade

brasileira. Para isso, a política se amplia em dimensões, as quais enfatizam

mudanças, sendo uma delas a intersetorialidade, já que considera que este é

“certamente o caminho necessário para enfrentar situações geradas por

condições multicausais” (Couto, 2010: 39), as quais interpelam o Estado e

exigem dele uma intervenção mais abrangente. A PNAS está sustentada na

importância da articulação entre as políticas públicas “por meio do

desenvolvimento de ações conjuntas destinadas à proteção social básica ou

especial e ao enfrentamento das desigualdades nas distintas áreas” (Ibid.).

Essa intersetorialidade procura assim olhar para o “usuário” como sujeito

de direitos, o qual desenvolve sua vida em diferentes esferas, nas que pode se

ver enfrentado com problemáticas que o afetem de forma específica, mas com

consequências na integralidade da sua experiência e vivência. A política,

então, se propõe a lutar contra a fragmentação, desenhar, formular e efetivar

serviços integrados, onde as redes sociais atinjam as demandas da população.

As autoras Couto et al. (2010), assinalam também entre esses

elementos que configuram uma importante mudança na concepção da

Assistência Social, a forma como serão vistos os sujeitos, os “usuários” da

política, de forma mais integral e ampliando-se o entendimento dos mesmos.

Nessa medida, os usuários dessa política serão aqueles “cidadãos e

grupos” que possam estar em situação de risco de vulnerabilidade, o que gera

uma perspectiva abrangente e não focalizada da situação desses usuários.

“Trata-se de uma concepção multidimensional de pobreza, que não se reduz às

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privações materiais, alcançando diferentes planos e dimensões da vida do

cidadão” (Ibid.: p. 40).

Sendo, os usuários, vistos numa dimensão mais integral, o território por

eles ocupado e as vivências ali desenvolvidas são agora levadas em

consideração, desta forma, o território é entendido “como “espaço usado”

(SANTOS, 2007), fruto de interações entre os homens, síntese de relações

sociais. Como possibilidade de superação da fragmentação das ações e

serviços, organizados na lógica da territorialidade, onde se evidenciam as

carências e necessidades sociais, mas também se forjam dialeticamente as

resistências e as lutas coletivas” (COUTO, 2010: 41).

Por outra parte, a Assistência Social está também em consonância com

a complexidade dos processos de pobreza e desigualdade social. Conforme o

Art. 6 da Loas:

Art. 6o -A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de

proteção: (Incluído pela Lei n. 12.435, de 2011)

I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e

benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de

vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de

potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos

familiares e comunitários;

II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e

projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de

vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o

fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de

famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação

de direitos.

Nessa Proteção Social de Assistência Social, com a qual se busca

promover processos que respondam às situações de risco tanto na prevenção

quanto no enfrentamento, devem ser afiançadas as seguintes seguranças:

segurança de acolhida; segurança social de renda; segurança de convívio;

segurança de desenvolvimento da autonomia; e a segurança de benefícios

materiais ou em pecúnia. Essas seguranças, passando desde a acolhida, à

concessão de benefícios e serviços e promoção de desenvolvimento das

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capacidades dos sujeitos, englobam as múltipas ações a serem levadas à

prática pela política.

Voltando à mudança em relação à percepção do território, é preciso

assinalar a importância que o espaço territorial adquire para a PNAS, e as

implicações que o mesmo dá para a política, já que “O território é também o

terreno das políticas públicas, onde se concretizam as manifestações da

questão social e se criam os tensionamentos e as possibilidades para o seu

enfrentamento” (COUTO, 2010: 50).

Essa perspectiva permite o aprofundamento em questões que estavam

sendo deixadas de lado ao pensar os “usuários” e suas situações de formas

focalizada e isolada, porque o fato de reconhecer a influência do território na

política, na formulação e materialização da mesma, permitirá evidenciar outros

elementos de análises situando os sujeitos nessa constante relação com a

sociedade, com as problemáticas da mesma, vivenciando e lidando com essa

questão social.

A compreensão que incorpora a dimensão territorial das políticas

públicas reconhece os condicionamentos de múltiplos fatores sociais,

econômicos, políticos, culturais, nos diversos territórios, que levam

segmentos sociais e famílias a situações de vulnerabilidade e risco

social (Ibid.:p. 50).

Este avanço parte da ideia de uma interação maior com os sujeitos e

famílias, de uma forma mais contextualizada, onde as reflexões superam a

concepção de território geograficamente falando, para trazê-lo ao debate como

um espaço de intercâmbio de sentidos e possibilidades: “a perspectiva adotada

pelo Suas para a organização de serviços e programas tem como base ao

princípio da territorialização, a partir da lógica da proximidade do cidadão, e

baseia-se na necessidade de sua oferta capilar nos “territórios vulneráveis” a

serem priorizados” (Ibid.:p.50). Expande-se, assim, a política até o mais

próximo da vida das pessoas, procurando responder àquilo que surge ali e que

afeta suas vidas, mas que também possibilita ações desde o contexto mais

próximo, desde a vivência própria, desde o entendimento comum da realidade.

Por outra parte, no entanto estejamos cientes das limitações com

respeito à materialização real e efetiva da política e dos seus postulados, no

momento de pensar e analisar a perspectiva que os assistentes sociais têm

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nesse campo de trabalho sobre a sua prática profissional. Foi interessante

perceber como as possibilidades tem sido aproveitadas por esses profissionais

que implementam e estão em constante contato com as vicissitudes que o

cenário apresenta para eles, sendo campo de lutas e disputa na efetivação dos

direitos da população, assim como o posicionamento da mesma política e da

profissão.

Sobre este último ponto, em uma das suas falas, Sonia Batista,

assistente social do Cras de Parelheiros assinala como, a partir de sua

experiência no campo da Assistência Social, antes de ser reconhecida como

política, o fato de situar a mesma profissão e sua intervenção gerava

problemas adicionais no momento da implantação da política:

A gente já foi uma secretaria autônoma, mas quando criou-se a

subprefeitura de Parelheiros, a Capela do Socorro se subdividiu em

duas, então, os funcionários que eram da Secretaria da Assistência

de Capela do Socorro, parte deles passou a ser de Parelheiros, e foi

neste período de implantação da Subprefeitura que os serviços de

assistência social passaram a compor a subprefeitura na

coordenadoria da assistência, na época se chamava assim Cads, daí

a gente trabalhava lá, e tinha uma situação bastante difícil com

relação ao que era assistência porque as pessoas, dentro da

subprefeitura não entendiam muito o que era a assistência social e

era aquela relação com o assistencialismo então a gente tinha

assim muitos problemas, problemas com nossa profissão, com nossa

ação, isso foi um desgaste muito grande, mas aí, em 2008, se criaram

então os Cras, devidamente como diz o MDS e demais, e aí por conta

disso, a secretaria teve uma reformulação, daí ela criou a Cogeas que

é a Coordenadoria-Geral da Assistência Social e logo em seguida

foram criadas as CAS, as Coordenadorias de Assistência Social, e é

uma forma de aproximar os Cras. (Sonia Batista, depoimento colhido

em junho de 2011)

Couto et al. (2010) também assinalam outra questão na qual teve

incidência o histórico ideário da assistência social ligada ao assistencialismo

A questão dos recursos humanos é um desafio para toda a

administração pública, mas assume características específicas na

assistência social, pela sua tradição de não política, sustentada em

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estruturas institucionais improvisadas e reduzido investimento na

formação de equipes profissionais permanentes e qualificadas para

efetivar ações que rompam com a subalternidade que historicamente

marcou o trabalho dessa área (p. 57).

E além do próprio investimento que deveria dar-se nos profissionais da

área, a contratação é reduzida; assim, poucos profissionais devem dar conta

de muitas funções e atividades.

O contexto para a construção e implantação da PNAS e do Suas, vem

acompanhado de uma série de mudanças e permanências, onde as lutas entre

as forças sociais e políticas dão um marco de entendimento sobre os avanços

e limitações dessa objetivação.

A Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) estabelece assim que a

política seja gestionada e efetivada por “um sistema descentralizado e

participativo”, que veio se definir como Suas, o “Sistema Único de Assistência

Social – assumido pelo poder público e referendado pela sociedade, por meio

das Conferências de Assistência Social e demais instâncias de pactuação e

articulação existentes” (CRESS-SP, 2009: 16).

O Suas procura superar as formas tradicionais de gestão da Assistência

Social, e, desta forma, a PNAS dá as funções para a implantação do mesmo,

sendo regulado pela NOB/Suas 2005. A sua finalidade é a gestão do conteúdo

específico da Assistência Social, por meio da promoção de processos

democratizantes onde sejam ampliados e consolidados os direitos dos

cidadãos, e, assim, este sistema articula serviços, programas, projetos e

benefícios socioassistenciais (SILVEIRA, 2007). Nessa medida, a PNAS, por

meio do Suas, tanto na Proteção Social Básica quanto na Proteção Social

Especial, busca regular e organizar os serviços socioassistenciais.

Pois bem, concordando com o posicionamento do Cress-SP (2009)

quando assinala que

Um dos desafios nessa construção é conhecer a atuação dos

profissionais, a inserção na administração pública, condições de

trabalho, habilidades e conhecimentos, uma vez que é do trabalho

desse profissional (e de outras categorias) que se constitui,

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fundamentalmente, a gestão e operação da política de assistência

social e a qualidade de seus resultados. (p. 17)

E sendo o Cras um importante equipamento do Suas, será o nosso

espaço de análise da prática profissional, e sobre o qual se realizarão as

reflexões seguintes.

2.1 Os centros de referência de assistência social: objetivações da

política

Antes de situar as particularidades do Cras de Parelheiros, é necessário

fazer uma aproximação aos Cras em geral, trazendo alguns elementos sobre o

funcionamento deles.

A PNAS se expressa, entre outras, na Proteção Social Básica, e esta,

por sua vez, é executada nos Cras

O Cras é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada

em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social,

destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu

território de abrangência e à prestação de serviços, programas e

projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias.

(BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Incluído pela Lei

12.435, 2011)

Nas palavras de Yazbek et al. (2010) “o Cras é a unidade público-

estatal de referência do Suas que, pela oferta de serviços, benefícios e

atividades socioassistenciais, materializa direitos a proteção social de

assistência social, como dever de Estado” (p.151)

Estando localizados em territórios de maior vulnerabilidade social, os

Cras constituem a porta de entrada para os serviços de Proteção Social Básica

“sua importância na construção do Suas reside na sua centralidade em cada

território, na medida em que processa e efetiva direitos de Assistência Social”

(CRESS-SP, 2009: 18). No trabalho realizado com famílias, procura “assegurar

direitos e aquisições relacionadas à autonomia e ao fortalecimento da

cidadania dos usuários, pelo desenvolvimento de suas capacidades e de

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condições objetivas de fazer frente às necessidades sociais de existência”

(YAZBEK, 2010: 151), desta forma, se evidencia a mudança da concepção dos

usuários da política, eles não são apenas receptores dos benefícios e serviços,

muito pelo contrário, são agentes de mudança, capazes de adquirir os

elementos necessários para alterar as condições que os afetam.

O fato de o Cras se encontrar localizado nos territórios, lhe permite uma

proximidade real com as problemáticas dos usuários, e a promoção das ações

encaminhadas à defesa, proteção e prevenção, partindo da realidade e das

informações recolhidas no momento de realizar o planejamento das atividades

e elaboração do plano e dos projetos. Faz parte, assim, da rede

socioassistencial e trabalha a partir dela e com ela, realizando a referência e

contra-referência do usuário, dependendo da demanda, de forma que possa se

ter uma rede que ofereça acesso e a atenção precisa e que assim “os serviços

estejam conectados e seus operadores construam entre si protocolos de ação

e pactos de compromissos pelos resultados a alcançar” (Ibid.: p. 153).

Realiza-se um trabalho em conjunto com os usuários e com a rede

socioassistencial, num processo de respostas abrangentes às problemáticas

visando restabelecer os direitos violados e evitar que as situações de risco e

vulnerabilidade social aprofundem as suas consequências.

Embora se enfatizem as particularidades dos espaços e dos sujeitos,

devem se fazer leituras que relacionem as situações com as dinâmicas mais

amplas

A territorialização e a proteção social pró-ativa são princípios

norteadores da proteção social básica de assistência social, o

que requer profissionais capacitados para produzir leituras

particulares de cada localidade, não desvinculadas da

realidade mais ampla e das condições que originam os

processos de exclusão social. Supõe conhecer os dados

oficiais e as condições de vida das famílias, os recursos com os

quais contam e as interações entre os sujeitos, que possuem

capacidades e forças e vivem coletivamente em um dado

território como expressão dinâmica de um espaço social.

(CRESS-SP, 2009: 19)

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A atuação dos assistentes sociais nos Cras se realiza a partir de uma

série de competências específicas ligadas a dimensões que o Conselho

Federal de Serviço Social (2009), assinala como as seguintes:

- Uma dimensão onde se faça o atendimento às necessidades

básicas e se promova o acesso a direitos, assim como bens e

equipamentos públicos, numa abordagem individual, familiar e grupal.

- Uma dimensão de intervenção coletiva junto a movimentos sociais,

fortalecendo a classe trabalhadora.

- Uma dimensão de intervenção profissional, com uma forte

participação em espaços democráticos e de controle social,

promovendo a defesa dos direitos dos usuários.

- Uma dimensão que viabilize a gestão, o planejamento e a execução

de bens e serviços em favor dos cidadãos.

- Uma dimensão expressada na produção de estudos e pesquisas

que evidenciem a realidade dos usuários e ajude na formulação,

implementação e seguimento da política de Assistência Social.

- Uma dimensão pedagógico-interpretativa que socialize informações

no campo dos direitos, legislação, entre outros, para os sujeitos e

atores políticos.

Essas dimensões ganham concretude em ações e procedimentos

específicos que fazem dela uma realidade. Entre as principais, especificamente

para os Cras, estão as seguintes:

Planejar, organizar e administrar o acompanhamento dos recursos

orçamentários nos benefícios e serviços socioassistenciais nos

Centros de Referência em Assistência Social (Cras) e Centro de

Referência Especializado de Assistência Social (Creas);

Realizar estudos sistemáticos com as equipes dos Cras e Creas, na

perspectiva de análise conjunta da realidade e planejamento coletivo

das ações, o que supõe assegurar espaços de reunião e reflexão no

âmbito das equipes multiprofissionais;

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Organizar os procedimentos e realizar atendimentos individuais e/ou

coletivo nos Cras;

Exercer funções de direção e/ou coordenação nos Cras, Creas e

Secretarias de Assistência Social. (CFESS, 2009: 19)

Está presente, nessas atribuições e competências, a preocupação no

fato de superar as tendências que nos Cras se apresentam, as quais tem a ver

com um padrão imediatista e burocrático, limitando os alcances da ação

nesses centros.

Restringir a atuação aos atendimentos emergenciais a indivíduos,

grupos ou famílias, o que pode caracterizar os Cras e a atuação

profissional como um “grande plantão de emergências”, ou um

serviço cartorial de registro e controle das famílias para acessos a

benefícios de transferência de renda (...) estabelecer uma relação

entre o público e o privado, onde o poder público transforma-se em

mero repassador de recursos a organizações que assumem a

execução direta dos serviços socioassistenciais. Esse tipo de relação

incorre no risco de transformar o(a) profissional em um(a) mera

fiscalizador(a) das ações realizadas pelas ONGs e esvazia sua

potencialidade de formulador(a) e gestor(a) público(a) da política de

Assistência Social” (Ibid.:p. 22)

O trabalho desenvolvido nos Cras, de fundamental importância para a

política, é um reflexo dos avanços desta, da sua direcionalidade, das

possibilidades da prática profissional, do esforço no campo das políticas por

fazer frente aos condicionamentos dos contextos, de mudar a percepção

histórica da assistência social e de promover processos sociais continuados

que melhorem a qualidade de vida dos usuários

Prover a assistência social de uma unidade estatal estrategicamente

instalada no ambiente de moradia, de luta cotidiana e vivência das

populações em situações de vulnerabilidade social, significa ir além

da construção de uma referência territorial, embora esta seja uma

questão de fundamental importância. Trata-se de marcar uma

mudança paradigmática da política de assistência social,

considerando que o Cras, para além de uma sigla emblemática,

carrega sentidos e revela intencionalidades do novo desenho

institucional da assistência social. (YAZBEK, 2010: 156)

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Ressalta se, ainda, que

O protagonismo dos assistentes sociais brasileiros neste vasto campo

das políticas públicas vem sendo fundamental. No caso da política de

Assistência Social, são majoritariamente os assistentes sociais que

estão implementando o Suas em todas as regiões do País, nas zonas

urbana e rural, nas metrópoles e nos pequenos municípios, junto à

diversidade de grupos populacionais e comunidades tradicionais

(como os quilombolas, indígenas ou ribeirinhas), enfrentando

inúmeros desafios decorrentes do trabalho precário nos Centros de

Referência de Assistência Social (Cras), muitos dos quais

implantados sem as condições adequadas para um trabalho

qualificado com os usuários. (YAZBEK, MARTINELLI e RAICHELIS,

2008: 27)

Partindo desses pressupostos, ao analisar um Cras em particular, com

as suas características próprias, as formas de sua implementação são

específicas, assim como o posicionamento dos assistentes sociais. Esse é o

caso do Cras de Parelheiros, onde se evidencia que em

Face à diversidade e complexidade que caracteriza a realidade

dos diferentes municípios do país, o Suas vem buscando

incorporar em suas ações essa heterogeneidade presente na

sociedade brasileira no que diz respeito à efetivação da

assistência social como direito de cidadania e responsabilidade

do Estado. (YAZBEK, 2010: 164).

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2.2 O Cras de Parelheiros: efetivação da política em um contexto

culturalmente diverso

Figura 1: Mapa das regiões e subprefeituras do Município de São Paulo

Fonte: http://maurosp.wordpress.com/2011/02/03/92/

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Figura 2: Mapa da Região de Parelheiros

Fonte: http://www.sutaco.com.br/noticias/06/18_07.html

Figura 3: Placa de identificação do Cras de Parelheiros

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/noticias/?p=21046

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Localizada na zona sul de São Paulo, a subprefeitura de Parelheiros é

composta pelos distritos de Marsilac e Parelheiros e é a maior delas, com uma

área de 350 quilômetros quadrados, abarcando quase 25% dos 1.507

quilômetros quadrados do município, com muitas nascentes de água que

alimentam as represas Billings e Guarapiranga, responsáveis por 30% de todo

o abastecimento da Região Metropolitana (Disponível em:

www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 2011).

Chama a atenção o crescimento demográfico acelerado visto que, no

censo de 1991, Parelheiros tinha 61.586 habitantes e passou a 111.240

habitantes, no censo de 2000. A Fundação Seade estima que 136 mil pessoas

estejam morando na região, tendo assim um aumento de 20% em comparação

com o censo de 2000. Como 60% das pessoas mora na área rural (Ibid.), essa

população está muito dispersa e embora seja a maior subprefeitura de São

Paulo, é local pouco povoado. Do total da área da região, 24% representa o

município, com ocupação urbana de 2,5% e dispersa de 7,7%. Tem a maior

parte da área coberta por reservas ambientais de Mata Atlântica – nela se

localiza a Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos (Ibid.)

A maior parte das estradas não está pavimentada já que, por ser área de

mananciais, o solo não pode ser impermeabilizado. Na ampla zona rural, os

sítios são a forma de moradia comum, sem deixar de lado as construções mais

rudimentares.

Então, casas feitas de pau-a-pique, sabe o que é de pau-a-

pique? que é feita de barro e madeira, então vão com essas

varetas e com barro, então, temos casas assim ainda. Nas

aldeias isso é comum, faz parte da cultura deles, ainda têm

muitas dessas casas, e, em Marsilac, você encontra casas

assim que as pessoas fazem com materiais que eles coletam

no mato mesmo, com varas, barro e assim eles fazem.

(Alexandre Gomes, coordenador do Cras de Parelheiros,

depoimento colhido em 20 de junho de 2011)

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Na região, uma série de circunstâncias gera problemáticas situações de

vulnerabilidade social explícita.

Em Parelheiros, não há agência dos Correios. O único posto

bancário fica na sede da subprefeitura. Há seis Unidades

Básicas de Saúde, nenhuma delas no Marsilac, o distrito mais

ao sul. E o pronto-socorro mais próximo, no Balneário São

José, não tem capacidade para atender a todos os casos.

(Disponível em: www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 2011)

Assim mesmo, há muito loteamento irregular, e uma forte problemática

ambiental a qual está se expressando cada vez com mais força: pela incursão

das pessoas em territórios habitados por diferentes espécies de animais, estes

se vêem na necessidade de se deslocar, perdendo os seus espaços e

estabelecendo-se em outros onde estão começando a entrar em contato com

pessoas que não estão preparadas para tratar dessa situação.

Parelheiros tem essa particularidade de abrigar grande presença rural,

com condições próprias de cidade do interior, no entanto, conta com uma parte

urbana (centro da cidade). Para entender as dinâmicas próprias do lugar, é

preciso saber a história da região, que é fundamentada em colonizações que

deram características especiais tanto ao território quanto à população que

neste momento a habita.

Pela própria colonização, de como ela se deu, no início, com a

chegada dos alemães, isso lá no final de 1800, quando eles chegam

aqui, fugindo lá da Primeira Guerra, entrando na segunda, eles

trazem muito da cultura, daí você tem a colônia alemã, que é colônia

paulista, não é colônia alemã, porque eles chegaram através da

estrada de ferro, quem constrói a estrada de ferro são os ingleses e

os italianos, que eram aliados, então chegam os alemães, e não

permitem que se chame de colônia alemã, então “colônia paulista”,

colônia alemã, não. A partir dessa colônia alemã, trazem toda a

cultura que tinham lá na Alemanha, trazem para a região, e uma das

culturas é corrida de cavalos, então eles saem da colônia e se

deslocam para a avenida, um fluxo mais próximo desta estrada que

vai até Embu-Guaçu, e aí é que eles fazem as corridas de cavalos,

que chamavam de “parelhas” e a partir das “parelhas” das corridas

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de cavalos, surge o nome “Parelheiros”. (Alexandre Gomes,

coordenador do Cras de Parelheiros, depoimento colhido em 20 de

junho de 2011)

Depois da chegada dos alemães, aparece com muita força um fluxo de

nordestinos que ocupam o centro de São Paulo para trabalhar nas grandes

obras e se instalam nas periferias, encontrando espaço para morar e para

realizar outros trabalhos, como caseiros nas chácaras dos alemães.

Com o tempo, essas famílias que trabalham nas chácaras, perdem o

emprego porque os alemães mais antigos acabam falecendo, os

filhos não querem continuar na região, vão para os grandes centros,

essas chácaras são loteadas clandestinamente, o caseiro toma posse

de algumas e vai vendendo, e essa população começa vir. Então

você tem a migração do pessoal do centro mais para a periferia, mas

na situação do norte, nordeste, então começa vir outra cultura para

esta região, e os terrenos aqui são praticamente invadidos no

princípio, então era muito fácil conseguir um terreno, na época.

(Alexandre Gomes, coordenador do Cras de Parelheiros, depoimento

colhido em 20 de junho de 2011)

Duas aldeias, que até o momento se mantém no território,

especificamente em Marsilac, também fazem parte desse processo histórico

que responde às dinâmicas do lugar

A população indígena do litoral faz esse processo de migração do

litoral para o centro da grande cidade para vender o artesanato.

Então, eles sobem pela serra, e no que descem a serra, na região de

Parelheiros, eles têm acampamentos, onde passam a noite, então

viajam o dia todo e à noite já chegaram a Parelheiros, aqui dormem

na chácara de um japonês, e no dia seguinte seguem até Santo

Amaro, onde vendem o artesanato. Ali onde é o terminal de Santo

Amaro, era uma mata, fechada, e você tem o rio Pinheiros, então, o

que eles faziam? Ficavam até quinze, vinte dias na mata, nas casas

construídas por eles, tinha o rio que lhes servia para pesca, para

banho e vendiam os artesanatos na cidade de Santo Amaro, que hoje

é distrito, na época era cidade. Só que Santo Amaro foi cidade antes

de São Paulo. Com o tempo, essa população indígena vem e monta a

sua vila, sua pequena vila nesse espaço cedido por esse senhor

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japonês, que ele oferece para que eles ficassem em sua casa e

começam os aldeamentos, e após a morte desse japonês, ele deixa

isso num documento, que aquela terra é para os guaranis, aí você

tem as aldeias. (Alexandre Gomes, coordenador do Cras de

Parelheiros, depoimento colhido em 20 de junho de 2011).

Pelo relato de Alexandre, percebe-se que na região também chegou

uma colônia japonesa, que veio acrescentar particularidades à população.

Alemães, nordestinos, japoneses e indígenas vêm constituir a população

que, até hoje, já com os descendentes, gera uma visão particular para

Parelheiros.

Pois bem, como é a relação do Cras com essa diversidade cultural

contida no território?

Em primeiro lugar, deve-se saber que a localização do Cras, neste

momento, é no centro da cidade, em consonância com um dos seus objetivos

que é manter essa proximidade com a população, seu espaço, seu cotidiano,

com as suas problemáticas e possibilidades de resolução.

O maior número populacional está aqui, aqui é o centro nervoso de

Parelheiros e Marsilac, então, a população acessa muito. O maior

número de pessoas inseridas no Programa de Transferência de

Renda está aqui também, nesse grande centro. Então, quando você

pensa na localização do Cras, pensa exatamente nisso, nessa

concentração de pessoas, nessa concentração de beneficiários, no

que o Cras, colocado aqui, nesta região, vai favorecer o Distrito como

um todo. (Alexandre Gomes, coordenador Cras Parelheiros,

depoimento colhido em 20 de junho de 2011)

Pela extensão do território e ciente da necessidade que a partir da

prática tem se explicitado, a equipe do Cras de Parelheiros e a Prefeitura de

São Paulo vêm discutindo a importância da criação de outros dois Cras na

região, um no distrito de Marsilac e outro, o Cras indígena, respondendo

também assim a uma demanda da população e ao que está posto pelo MDS na

política.

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Ao situar-se na região e fazer o mapeamento da população e do

território, evidenciou-se essa diversidade própria do espaço, perante a qual o

questionamento tem sido constante e as reflexões girado em torno de como

fazer que o atendimento, que o trabalho do Cras, responda e seja assertivo

quanto às demandas da população

No começo, mesmo antes de vir para cá, eu já percebia essa

preocupação, da equipe que já estava no Cras, e essa equipe agora,

mais ainda, vai amadurecendo cada vez mais, cada vez vamos

discutir mais a política, quando começamos a conhecer o território, é

o respeito pela cultura do outro, vejo isso muito forte com a população

indígena. Então, nós temos uma política de assistência social, mas

não vamos empurrar “boca abaixo” nesta população, impondo o que

nós acreditamos ser o correto. Mas vamos conhecendo um pouco da

cultura deles, dos anseios que eles têm, o que eles desejam

realmente, o que nós podemos oferecer. Então, nas reuniões que nós

temos com as lideranças, por exemplo, a discussão é sempre essa: o

que vocês pretendem, o que vocês querem do Serviço Social, e o que

nós podemos oferecer (Alexandre Gomes, coordenador do Cras de

Parelheiros, depoimento colhido em 20 de junho de 2011)

Nas palavras de Yazbek (1993):

Para uma aproximação ao universo dos usuários dos serviços de

assistência social, é fundamental, por tanto, que se considere a

diversidade interna das classes subalternas, seus limites, fragilidades

e sua força como constitutivos de sua própria condição de classe.

O resgate do significado do que pensam e da experiência cotidiana

que vivenciam os subalternos a questão da moral, da cultura e da

constituição de um universo simbólico marcado pelo signo da

exclusão configurando se como condição para superar análises

idealizadas dessas classes, particularmente quando se apresentam

como usuários da assistência social pública. Conhecer os elementos

críticos e históricos presentes no cotidiano desse caminhar, no plano

real e no plano simbólico, é uma forma de aproximação ao processo

de consolidação/ruptura da própria subalternidade. (p. 70)

Pôr a política a serviço da população e não a população a serviço da

política. É esta última que deve se ajustar, que pode ser analisada e trabalhada

com os grupos.

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A gente tem que discutir as nossas ações, ver o que eles nos trazem,

procurar, na medida do possível, atender à necessidade, mas sempre

com essa discussão, sentando e discutindo mesmo com a

comunidade. (Alexandre Gomes, coordenador do Cras de

Parelheiros, depoimento colhido em 20 de junho de 2011)

Fazer um trabalho contextualizado, indagar à população, reformular

estratégias de enfrentamento da questão social, todo isso implica reflexões

concisas que se explicitem na prática; analisar, assim, nosso campo de

trabalho, implica analisar os sujeitos políticos que o constituem, seus desejos e

anseios, suas formas de interpretar a vida.

Temos aí uma imensa parcela da população com grande diversidade

de características e interesses (...) é importante lembrar que esta

diversidade, que deve ser considerada para fins de analise, não se

coloca como um esboçamento do conceito de classe social, mas

antes deve dar lhe concretude histórica.

Há, por tanto, uma vinculação entre a constituição da individualidade,

da subjetividade e a experiência histórica e cultural dos indivíduos.

Experiência que envolve sentimentos, valores, consciência e que

transita pelo imaginário e pelas representações. (YAZBEK, 1993: 73)

Cada profissional assume, de forma particular, a sua prática, porém

tendo como base o projeto ético-político da profissão. As concepções sobre as

diferentes situações que devem enfrentar, transversais à questão social, são de

vital importância para o momento de pensar nos processos de luta, de desenho

e elaboração de planos e atividades, com os grupos sociais.

O que, como assistentes sociais que trabalhamos lado a lado com as

pessoas, entendemos por diversidade cultural? Se é um componente da nossa

sociedade, a constitui assim como o mais íntimo e o mais social de nós, como

nós, profissionais, percebemos isso?

Então é assim, as diversidades culturais, são realmente o que

observo no meu trabalho, então a gente tem as culturas mesmo,

específicas daqui que são as aldeias, a questão rural que é o que eu

trabalho, que tem essa cultura mesma do interior, de cultivar as

conversas, porta aberta, todas as pessoas te conhecem, todo mundo

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sabe quem é quem, onde mora, o que está fazendo, então isso é uma

coisa interessante (...) a forma que as pessoas trazem do seu

território, pessoal de Minas, do nordeste, pessoas que procuram o

Cras, que vem de outras regiões, e que tem sua maneira de ser, seu

jeito de viver.

Então eu acho que a gente, na nossa ação, precisa conhecer essas

coisas, para não fazer julgamento de valores muitas vezes de uma

família, de uma pessoa em relação a isso (...) você não pode ir para

um determinado lugar que tem as suas preservações culturais,

enraizadas, e você vai lá e fala ou faz julgamento de valor, ou você

vai fazer um trabalho e sai de lá falando uma série de coisas que

aquilo é a sua visão sem conhecer como é que eles vivem, por que

eles são assim, de onde vem aquilo, qual que é a sua história

(Sonia Batista, depoimento colhido em junho de 2011)

A forma como os sujeitos produzem e reproduzem práticas, formas de

ser e estar no mundo, de interagir, as variadas formas de entender a realidade,

tudo isso é expressão de diversidade cultural

Diversidade cultural pra mim, são as múltiplas pessoas, as

múltiplas fases que todo mundo tem (...)

Diversidade cultural, se a gente for pensar em pessoas, são as

várias pessoas que a gente tem, se a gente for pensar pelo

lado de diversidade cultural de lugares, vários lugares que você

pode frequentar, então, são várias coisas, são as várias facetas

que tudo tem, e isso pra mim é diversidade cultural (Gerlane

Bento, depoimento colhido em junho de 2011)

A diversidade cultural é portanto esse conjunto de características

próprias dos espaços e dos sujeitos, que dão os marcos de ação, que o sujeito

vai desenvolvendo durante sua vida, como uma construção social, que o faz

diferente e igual, são os gostos e valores que norteiam suas escolhas.

A região de Parelheiros dá umas características próprias à intervenção e

a essa diversidade que se produz e se reproduz no local.

Então, são realidades nossas, que enfrenta, por exemplo,

idosos isolados no meio do mato, a gente chega até lá com

auxílio, já aconteceu de chegar com auxílio da polícia florestal,

para poder chegar; dia de chuva tem partes onde você não

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consegue acessar, por conta da lama e outras coisas, enfim,

são realidades nossas, aqui, em outras regiões, talvez isso não

se encontre, mas em Parelheiros você acaba encontrando

(Alexandre Gomes, coordenador do Cras de Parelheiros,

depoimento colhido em 20 de junho de 2011).

Então a gente utiliza o carro, antes se deslocava muito mais

para ficar lá, para fazer o que tinha que ser feito, fazer um

trabalho de programas, de orientação e documentação, com

uma dificuldade muito grande, de inclusão em programas

sociais, de orientação, de informação, porque muitos deles

migram muito, vão de uma aldeia para outra, e isso bloqueia o

benefício deles (Sonia Batista, depoimento colhido em junho de

2011)

São territórios adversos, que podem dificultar o trabalho que os

assistentes sociais realizam, mas que tem que ser contemplados.

tem muito loteamento irregular, tem muita chácara, sítio, nesse

interior, e isso em parte, atrapalha, vamos dizer assim, dificulta um

pouco a ação do Cras. O grande investimento é na busca ativa e na

divulgação dos trabalhos que o Cras desenvolve; geralmente os

técnicos fazem busca mesmo, recebemos alguma denúncia, o técnico

vai buscar, ver o que está acontecendo, até onde seja, então tem

casos aqui que você sai do Cras com carro, leva uma hora e meia

para chegar, quase duas horas. Temos as duas aldeias que também

ficam distantes, uma mais distante, a aldeia Krukutu, uma que

também é quase urbanizada, a outra está mais isolada (Alexandre

Gomes, coordenador do Cras de Parelheiros, depoimento colhido em

20 de junho de 2011)

Ao trabalhar com os sujeitos que têm toda essa diversidade cultural

implícita em suas vidas, somos interpelados de forma particular, lidar com isso

é uma questão importante na prática profissional.

eu percebo muito isso, esse respeito com a diversidade que você

tem, com a cultura, com o que você acredita, algumas vezes, tem

choques, algumas vezes nos procuram: “eu vi tal coisa”, daí a gente

diz com calma, é assim mesmo (...) nós temos que ter um olhar

diferenciado, acho que em todos os trabalhos que nós fazemos,

mas principalmente numa região como esta que nos provoca o tempo

todo, nós não podemos dar o mesmo peso e a mesma medida para

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todos os que nos procuram, por exemplo, quando vai falar de

equidade, tem que ver isso não posso tratar o indígena como eu trato

o “Juruá” que é o branco, não tem como, a minha conversa tem que

ser diferenciada, meu olhar tem que ser diferenciado, o trabalhar

com idosos, desta região, é diferente de trabalhar com idosos da

região de Santo Amaro, ele tem outra história, outra realidade, então,

acontece. (Alexandre Gomes, coordenador do Cras de Parelheiros,

depoimento colhido em 20 de junho de 2011)

Nas palavras de Sonia Batista,

Uma região com características culturais muito de interior, eles usam

muito fogão a lenha, eles tem um vocabulário, que eu vou

descobrindo um pouquinho o que quer dizer, então, assim, você vai

se apropriando um pouco do vocabulário, e isso é muito

importante quando você está no território (...) você vê há quanto

tempo eu trabalho nesta região e agora que eu estou lá no território é

que eu estou me deslumbrando com tantas coisas, me apropriando

daquele espaço, do vocabulário, do dia a dia deles (...) e eu acho

que isso é uma coisa importante, como profissional, é o respeito a

suas culturas, a sua individualidade, sua forma de viver. Conhecer

porque é que aquilo existe, qual é a cultura que fez aquilo chegar ali,

como vivem aquelas famílias naquele local, que coisas estão fazendo

para que aquilo lá melhore, ou não, ou por que não, ah, porque

gostam, não, tem um porquê, as pessoas não se movimentam para

resolver um determinado problema, não é porque elas estão a fim, ou

porque existe muita coisa por detrás, que nossos olhos não vêem e

que aquelas pessoas sabem muito bem por que. Não dá para a

gente começar um trabalho e chegar lá e dizer “vamos fazer”, não,

nós vamos lá, esquece PTR por enquanto, vamos lá a conhecer,

vamos lá saber, vamos lá ouvir, criar esse vinculo, levar as coisas

que a gente pode, deixar com que eles se sintam a vontade conosco,

e hoje eu vejo que esse é um processo legal, porque você já vê a

relação deles com o Cras, eles vêm aqui, chamam a gente lá (Sonia

Batista, depoimento colhido em junho de 2011)

Olha eu acho que essa diversidade acaba enriquecendo, enriquece

muito, principalmente a prática do assistente social. (Irene,

depoimento colhido em junho de 2011).

Como se evidencia, os profissionais do Cras de Parelheiros têm um forte

interesse em resgatar essa diversidade, em contemplá-la na sua prática

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profissional, no trato com o outro, em realizar uma ação igualmente

diferenciada.

Eu acho que eu tenho tentado trabalhar de uma forma diferenciada

na medida em que a gente está lá no território, então estando lá

você já tem uma outra visão de ficar só aqui dentro do Cras, então

eu acho que isso já faz uma diferença (...) é um tempo curto mas que

me trouxe tanta coisa boa, tanta informação, tanta que quem sabe,

vai abrindo sua mente, vai trazendo outras opções (...) trabalhar

no território é você conhecer aquele território, ficar lá o período todo,

saber o que está acontecendo, articular com os outros setores que

você tem ali na região, é fazer esse trabalho (Sonia Batista,

depoimento colhido em junho de 2011)

Irene se refere da seguinte forma:

Eu tenho mais cuidado de não ferir a cultura, entendeu? Com certeza,

você tem uma atenção maior, eu acho. Eu, no meu caso, não sei os

demais, mas eu me preocupo, e a preocupação leva uma certa

insegurança “será que estou fazendo todo certinho?”, e enfim. Eu me

questiono muito (...) é uma questão maior nossa, essa diversidade,

mas eu acho que a partir do momento em que você se questiona,

essas coisas que você toma cuidado, você procura melhorar, agora

se você não está nem aí, se ele é diferente de mim, eu não estou

nem aí, entendeu? Não, a partir do momento em que você se

preocupa a tendência é melhorar, melhorar e atender melhor essa

população, eu me preocupo com isso. Lidar com as culturas

diferentes, com as suas próprias diferenças, como é que é... (Irene

Pereira, depoimento colhido em junho de 2011)

Na opinião de Gerlani,

Você vai tratar com equidade as pessoas, porque igualdade é uma

coisa e equidade é outra, então eu tento tratar com equidade, tratar

diferente o que é diferente e tratar igual o que é igual, mas se você for

pensar, sempre na mesma ótica (...) isso também eu faço, por quê?,

por conta dessa questão mesmo, por exemplo, tem uma pessoa

nordestina e ela traz as coisas totalmente diferentes do que um

paulista, mesmo morando aqui (Gerlani Bento, depoimento colhido

em junho de 2011)

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Mas uma preocupação presente na fala dos entrevistados é o fato da

preparação para enfrentar essa questão social carregada de novos e diferentes

sentidos, de se posicionar perante a diversidade cultural com a qual trabalham.

Eu acho que a gente precisa aprimorar (...) tem um pouco a ver com

a sua postura, mas não pode ser só, você precisa conhecer mais, se

aprimorar melhor (...) isto acaba sendo uma coisa que

individualmente você acaba procurando conhecer porque a

necessidade te obriga a fazer isso (Sonia Batista, depoimento colhido

em junho de 2011)

Nesse sentido, Irene reflete:

Então, fico muito preocupada com isso, com estar ferindo essa cultura

deles, a gente sabe que, até eu li ali, que a diversidade,

especialmente do índio, há necessidade da gente manter o índio,

dessa condição indígena, porque não sabe o que vai acontecer, mas

o nosso povo não se preocupa muito com isso, o brasileiro, eu estou

falando mais dos índios, a população acha que eles são vagabundos,

eles não valorizam o índio, a gente aqui ouvi bastante, aqui dentro

mesmo, aí é complicado, a gente tem que valorizar, mas existem

muitos comentários... por isso é que deveria ter uma capacitação,

mostrar a importância do índio para nossa cultura, porque aí ficaria

mais claro para essas pessoas que fazem certos comentários, da

importância disso, especialmente para esta região, para o Brasil

(Irene Pereira, depoimento colhido em junho de 2011)

Gerlani aponta,

Então, preparada... quando você vai pra faculdade, aliás, quando

você sai da faculdade, você sai como se fosse um revolucionário, aí é

que eu vou mudar o mundo, e quando a gente chega na realidade, a

gente vê que não tem nada do que a gente pensou que ia acontecer,

não é que a gente não saia preparada, não que a gente não se sinta

preparado (...) aí foi que eu vi que muita coisa parecia com o que eu

tinha lá, na graduação, muita coisa era totalmente diferente, porque o

papel aceita tudo, a realidade é outra, mas hoje eu já me sinto mais

preparada, muito mais do que no começo. Porque é assim, a gente

tem medo, pelo menos eu tenho medo ao começo de tudo, por quê?

Como a gente não conhece, e tudo que a gente não conhece causa

estranheza, então, depois que você começa lidar, você vê as

possibilidade que você tem nisso, que, às vezes, você fica pensando

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como se fosse só um desafio, e não é só um desafio, também tem as

possibilidades disso tudo, você vê que você não está aqui sozinho,

que você tem que aprender muita coisa, muita coisa você já sabe,

mas também tem muita coisa pra aprender, então, eu aprendi aqui

a ser um pouco mais maleável que o que eu era, então hoje, sim, eu

me sinto mais preparada (Gerlani Bento, depoimento colhido em

junho de 2011)

São, assim, três posturas diferentes, entre quem reconhece que os

espaços e os profissionais vão se amoldando às situações e, por isso,

dependendo do interesse de cada um, o trabalho vai se realizando; quem se

preocupa muito com o fato de estar cometendo algum “erro” no momento do

atendimento, pela falta de conhecimento, de tempo no local, de interação com

a população que expressa claramente a sua diversidade cultural, mas esse

mesmo temor potencializa ações, mudanças no posicionamento que, como

profissionais, temos.

Mas todas elas coincidem no fato da importância de se deslocar até as

áreas mais difíceis, ter esse contato, ter essa possibilidade de aprendizado,

poder realizar projetos e atividades partindo desses pressupostos, da

especificidade do contexto.

Enquanto lá, com a subsecretaria, sempre ficávamos trancados lá

dentro, aqui não, a gente sai, aqui, vai nas proximidades, todo mundo

conhece mais a gente, então a gente tem mais proximidade, lógico,

que isso ajuda muito em qualquer elaboração de qualquer projeto. É

mais a questão da ida mesmo para Marsilac, porque foi um ganho,

talvez o maior ganho que a gente teve, e também a questão dos

indígenas. Hoje tem uma visibilidade maior, e melhor, tanto isso como

a proximidade com o território, porque a gente, antes, eu lembro

quando a gente chegou aqui, não se falava disso, quando a gente

chegou lá, éramos estranhos pra eles, e agora não, eles tem uma

proximidade muito boa com a gente, sempre vem aqui, e é uma coisa

mais aberta, uma coisa mais próxima (Gerlani Bento, depoimento

colhido em junho de 2011)

Sonia reconhece que:

Não dá para a gente começar um trabalho e chegar lá e dizer “vamos

fazer”, não, nós vamos lá, esquece PTR por enquanto, vamos lá a

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conhecer, vamos lá saber, vamos lá ouvir, criar esse vínculo, levar as

coisas que a gente pode, deixar com que eles se sintam à vontade

conosco, e hoje eu vejo que esse é um processo legal, porque você

já vê a relação deles com o Cras, eles vêm aqui, chamam a gente lá.

(Sonia, depoimento colhido em junho de 2001)

Por outra parte, o trabalho realizado pelo Cras de efetivar as relações

com outras entidades e instituições, favorece o trabalho, sendo assim, fornece

respostas mais integrais às necessidades e situações de vulnerabilidade e

risco dos sujeitos presentes no território. Principalmente, tem um trabalho

fortalecido com a rede socioassistencial conveniada, assim como, cada vez

mais, participam com a rede da saúde, e reconhecem um pouco de dificuldade

em estabelecer essa relação com o setor da educação, no entanto, estão

fazendo aproximações.

Dessa forma, a Política Nacional de Assistência Social trouxe um marco

de ação forte para a construção dos Cras, inserindo as mudanças necessárias

e promovendo canais amplos de discussão e trabalho em rede e com as

comunidades, com novas perspectivas, que estão permitindo desenhar,

formular e materializar programas e projetos contextualizados, nos quais os

próprios sujeitos são contemplados, assim como sua diversidade e a

diversidade cultural presente nas regiões, como componentes de vital

importância no momento de analisar e pôr em prática a própria política.

Eu acho essa coisa da política nacional, essa visão que a gente tem,

de que a população tenha o que é real da assistência social, isso,

acho que, com a implantação do Cras se fortaleceu muito, de um

sistema único de assistência... então, falar sobre isso, hoje, você

pode falar isso com propriedade, está lá é lei; dá para que o

profissional, que é realmente envolvido com todas estas questões,

tenha uma segurança, dá uma propriedade e você consegue fazer

esse trabalho com a população, trabalhar com eles os direitos, a

questão da seguridade, isso é muito importante para a gente, e faz

também com que a gente tenha conhecimento das questões para

você poder trabalhar, e, por isso, eu falo, o trabalho do Cras no

território é muito rico, porque é nesses momentos que você vai

trabalhar essas questões, e aí isso vai envolvendo tudo, todas as

questões da diversidade, de gênero, de etnia, todo que a gente está

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vendo no nosso trabalho, reflete nessas campos maiores. Acho que a

Política Nacional de Assistência Social, o Suas, é maravilhoso, quem

está na área se apaixona, é tudo o que a gente quis, eu fico até

emocionada, é uma coisa muito legal (Sonia Batista, depoimento

colhido em junho de 2011).

Eu achei muito importante essa mudança, além de importante, muito

proveitosa, não só pra os próprios trabalhadores, mas também para a

população, principalmente porque teve mais acesso, ficou mais

visível, como eu te falei, tanto em questão da própria população

acessar, como dos próprios serviços, porque, antes, a gente nem

sabia o que era o Cras, então, quando falavam era: “ah, eu vou lá no

Serviço Social”, era só o “Serviço Social da prefeitura”, e hoje não,

nós somos o Cras, então isso mudou bastante, essa descentralização

mudou bastante. (Gerlani, depoimento colhido em junho de 2011)

A Assistência Social, como política pública, expressa de forma clara um

avanço na efetivação de direitos. Como processo histórico em constante

mudança, foi resultado da mobilização de setores sociais e dos assistentes

sociais, com o que, uma vez mais, deu-se um reconhecimento da dimensão

política da ação profissional como espaço de luta.

Resgatar as possibilidades existentes no exercício profissional da PNAS

promoverá espaços de discussão e proposição que permitirão seguir

trabalhando em prol das populações, da garantia dos seus direitos, e

fortalecendo os processos e as alternativas para o enfrentamento da questão

social, sendo as políticas sociais um campo fértil para a ação profissional.

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Capítulo III

A INTERCULTURALIDADE COMO UMA PROPOSTA DE TRABALHO COM

GRUPOS DIVERSOS

Es fundamental que el Trabajador Social entienda que la cultura de la

persona que busca su ayuda, no es la misma que la suya, pero que

puede tener elementos convergentes, más o menos aceptables, con

la de él (…) Aludir a la cuestión cultural responde al objetivo de dotar

nuestra praxis de un sentido crítico, de reflexionar sobre el papel de

mediación que ejercemos entre sistemas culturales diferenciados (…)

pensar las prácticas sociales en relación con la diversidad, significa

pensarlas desde su pluralidad y complejidad, y esto significa ordenar

el mundo de distinta manera. Debe ser, en este sentido, el Trabajo

Social, una relación intercultural en sí mismo.

(LORENTE, 1999)

O Serviço Social, como profissão histórica, que acompanha os

processos sociais, que faz leituras da sociedade para enfrentar a questão

social e se posiciona de frente para a mesma, de forma cada vez mais integral,

procurando se desligar de posturas conservadoras e focalizantes, reflete e

analisa os contextos, mudando, reformulando e redimensionando sua prática

profissional.

Novas variáveis, que pedem um aprimoramento na ação profissional,

permeiam muitas das expressões da questão social, problemáticas que

atingem grandes grupos populacionais e exigem enfrentamento. Uma dessas

problemáticas é a imigração, que é o reflexo, muitas vezes, das más condições

de vida das pessoas nos seus países de origem, o que as leva a procurarem se

estabelecer em locais onde possam melhorar a sua qualidade de vida.

Também têm se apresentado, com muita força, as migrações internas,

como é o caso do Brasil, onde a busca de emprego e possibilidades de estudo

são fatores determinantes para os deslocamentos de cidades afastadas para

as metrópoles. Isto sem contar o caso particular, do qual já se falou, que é a

colonização brasileira, a qual reuniu diferentes nacionalidades, que

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constituíram e deram as bases para a conformação da população de nossos

dias.

Esses tipos de deslocamentos, de migrações, fazem com que novas

questões se apresentem para quem trabalha na área social. Nos últimos anos,

nas sociedades têm-se reconfigurado práticas xenofóbicas, trazendo consigo

fundamentalismos e atropelamentos contra a dignidade de quem se nos

apresenta como diferente. Forte racismo e discriminações de toda ordem estão

se “renovando” nos últimos tempos (como é o caso de enfrentamentos bélicos

por causa de crenças religiosas). Quando pensamos que mais poderíamos

estar avançando para sociedades que respeitem e tratem seus cidadãos como

sujeitos de direitos, onde todos e todas possam expressar livremente suas

particularidades e gostos, aparecem em cena expressões de barbárie, de

aculturação, de total intolerância, de negação do outro tanto física quanto

simbolicamente3.

Os debates em torno dessas temáticas têm tido forte acolhida no âmbito

das ciências sociais, e os questionamentos e análises partem das mais

diferentes vertentes.

Podemos dizer que uma dessas novas tendências que surge nas

ciências sociais e que está sendo foco de debates e estudos, é a

interculturalidade, categoria que precisa ser esclarecida e diferenciada.

A proposta que se apresenta aqui tem por objetivo abrir o debate sobre o

que entendemos como uma possibilidade de intervenção, a uma forma de

estabelecer intercâmbios, uma forma de inter-relação de uns com os outros.

Essa perspectiva tem sido muito trabalhada, na Europa, e mais

detalhadamente na Espanha, pois a migração é uma questão com a qual os

assistentes sociais têm tido que lidar e dar respostas.

São muitos os termos com os quais se pode confundir o intercultural,

sobretudo quando temáticas, como o multiculturalismo e a diversidade cultural,

estão sendo debatidas e amplamente discutidas. Por isso, nos interessa aqui

3 Chamam a atenção os casos de xenofobia, nas principais cidades do Brasil, os quais estão

sendo expostos e debatidos no espaço público (entre outros).

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começar fazendo uma distinção entre multicultural, multiculturalismo e

interculturalidade, para assim conseguir melhor entendimento e a diferenciação

entre as mesmas.

Se pensarmos no multicultural, de imediato, podemos deduzir que são

as múltiplas culturas presentes nos territórios ou espaços, e alguns autores o

concretizam da seguinte forma “(…) lo multicultural es un hecho social y

cultural” (ZAMBRANO, 2006:107); uma mirada mais integral diria “lo

multicultural entendido como el conjunto de la diversidad y sus dimensiones

sociales, culturales, económicas, políticas y simbólicas” (LORENTE e

ZAMBRANO, 1999:156); outra perspectiva, mas nesse mesmo sentido se

refere ao multicultural como “un contexto, un escenario, que sea culturalmente

diverso” (VELASCO, 2004:6).

Por outra parte, alguns autores se referem ao multiculturalismo da

seguinte forma: “(…) el multiculturalismo es una intención política”

(ZAMBRANO, 2006:107); “Multiculturalismo es la política que actúa sobre lo

multicultural” (LORENTE e ZAMBRANO, 1999:156).

Nesse sentido, deve-se reconhecer que o multiculturalismo é uma

categoria desenvolvida a partir de diferentes perspectivas: “a expressão

multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou

de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades

„modernas‟. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever

as diferenças culturais em um contexto transnacional e global” (SANTOS,

2003: 28). Por isso, é foco de uma série de questionamentos, sendo um

conceito, como assinala Boaventura de Sousa Santos (2003) “controverso e

atravessado por tensões” (p. 28).

É assim que o multiculturalismo pode ser entendido também a partir de

suas “versões emancipatórias”, as quais “baseiam-se no reconhecimento da

diferença e do direito à diferença e da coexistência ou construção de uma vida

em comum, além de diferença de vários tipos” (SANTOS, 2003:33). Por

conseguinte,

a ideia de movimento, de articulação de diferenças, de emergência

de configurações culturais baseadas em contribuições de

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experiências e de histórias distintas tem levado a explorar as

possibilidades emancipatórias do multiculturalismo, alimentando os

debates e iniciativas sobre novas definições de direitos, de

identidades, de justiça e de cidadania. (Ibid.: 34).

As estratégias para utilizar de forma emancipatória conceitos como

“multiculturalismo”, “direitos” ou “cidadania” vão desde os discursos até as

práticas em diferentes espaços

Tanto nas áreas nacionais quanto nas transnacionais como parte de

discursos que articulam as exigências do reconhecimento e da

distribuição, de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma

diferença que não produza, alimente ou reproduza desigualdades (...)

a defesa da diferença cultural, da identidade coletiva, da autonomia

ou da autodeterminação podem, assim, assumir a forma de luta pela

igualdade de acesso a direitos ou a recursos, pelo reconhecimento e

exercício efetivo de direitos de cidadania ou pela exigência de justiça.

(SANTOS, 2003: 43)

Passamos, então, desde o multiculturalismo como política reivindicadora

de direitos e mediante a qual se promove uma nova cidadania, à categoria

interculturalidade, que nos localiza em um espaço de maior proximidade com o

outro, nas nossas cotidianidades, da nossa profissão “la interculturalidad es el

conjunto de relaciones sociales objetivas de los seres humanos que admiten el

reconocimiento recíproco de las diferencias culturales para sustituirlas,

asimilarlas o transformarlas” (ZAMBRANO 2006:107). “Es la cualidad de las

relaciones sociales que ponen en relación a las colectividades e individuos, a

partir del reconocimiento recíproco de las diferencias culturales” (LORENTE e

ZAMBRANO, 1999:157).

Complementando essa perspectiva, Coll (2002) situa a interculturalidade

como

O encontro de culturas que se realiza em cima de bases,

fundamentos, matrizes ou lugares únicos de cada uma das culturas,

em presença ou a partir de um horizonte comum que não pertença

com exclusividade a nenhuma delas. A interculturalidade é o encontro

não só das categorias lógicas (logoi) dos sistemas de signos e das

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representações de cada uma das culturas, como também das

práticas, crenças e matrizes, dos símbolos, rituais e mitos e, em

último lugar, da totalidade da realidade existencial que cada uma

delas, à sua maneira, constitui de forma única (...)

A interculturalidade, em definitivo, representa uma experiência

libertadora para todas e cada uma das culturas que interagem, por

meio da qual podemos reconhecer os limites inerentes a nossas

culturas e nossos mundos; ao mesmo tempo, porém, ela nos permite

perceber o caráter infinito e transcendente de nós mesmos, de

nossas identidades e de nossos respectivos mundos. (p. 50-51)

Para Canclini (2005), “a interculturalidade remete à confrontação e ao

entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações e

trocas”. Desta forma, “ambos os termos implicam modos de produção social:

multiculturalidade supõe aceitação do heterogêneo; interculturalidade implica

que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e

empréstimos recíprocos” (p. 17).

Pois bem, em palavras de Lorente e Zambrano (1999) “se ratifica que lo

multicultural es un hecho, el multiculturalismo una intención política y lo

intercultural una relación social” (p. 157).

Nossas vidas estão inseridas em processos de reconstrução constante e

os espaços onde nos desenvolvemos são multiculturais, assim, pelas

dinâmicas nos contextos atuais, não podemos pensar como grupos afastados,

já que estamos em espaços que dia a dia nos interpelam com essa diversidade

inserida no seio da sociedade, seja ela própria, migrada, por razões de gênero,

de classe, de etnia, de opção sexual, pela economia ou a tecnologia, nas

palavras de Canclini (2005),

As identidades dos sujeitos formam-se agora em processos

interétnicos e internacionais, entre fluxos produzidos pelas

tecnologias e as corporações multinacionais; intercâmbios financeiros

globalizados, repertórios de imagens e informação criados para

serem distribuídos a todo o planeta pelas indústrias culturais. Hoje

imaginamos o que significa ser sujeitos não só a partir da cultura em

que nascemos mas também de uma enorme variedade de repertórios

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simbólicos e modelos de comportamento. Podemos cruzá-los e

combiná-los. Somos estimulados a fazê-lo (...)

(...) Mais mestiçagens étnicas e sincretismos religiosos do que em

qualquer outra época, novas formas de hibridação entre o tradicional

e moderno, o culto e o popular, entre músicas e imagens de culturas

distantes nos tornam a todos sujeitos interculturais. (p. 201-202)

Para concretizar mais a interculturalidade como uma alternativa dos

assistentes sociais na sua prática profissional, faremos uma aproximação com

algumas das suas características, para dar um esboço delas.

O profissional que se pense nessa perspectiva procurará fazer uma

intervenção em que evidencie práticas sociais diversas a partir da pluralidade e

complexidade que as caracteriza, possibilitando as relações interculturais,

respondendo de forma contextualizada às demandas das pessoas.

Um enfoque intercultural de intervenção estabelece dimensões de uma

prática a ser realizada, as quais são:

Descentralização, onde se dá uma tomada de distância da cultura

própria, relativizando as culturas na sociedade dando um valor igual

para elas.

Penetração no sistema do outro, o que implica reconhecer a

diferença, tomar a posição do outro para interpretar sua cultura e

desenvolver habilidades que permitam internar-se na linguagem

verbal e não verbal da cultura diferente.

Negociação/mediação, nos conflitos que se apresentem como

resultado do encontro das culturas, onde a mudança de postura deve

ser recíproca; construir entre as duas partes novas formas de

representação e interpretação. (LORENTE, 1999)

É assim que o posicionamento em uma perspectiva intercultural implica

o que os autores chamam de “desplazamientos conceptuales para entender la

dinámica cultural” o que se traduz numa “comprensión de las condiciones de

existencia social de las culturas y de las identidades culturales” (LORENTE e

ZAMBRANO, 1999); ou seja, a interculturalidade nos faz transcender nossos

imaginários para o encontro com os outros, nos faz refletir sobre nosso acionar,

a interculturalidade é um convite ao questionamento da construção da

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realidade e das identidades, é pluralidade, participação social, contato entre

culturas, o que não implica a assimilação entre as mesmas (GIOVANETTI e

ORTEGA, 2000).

Essa mudança perante o outro possibilitará “nuevos enfoques,

metodologias y práticas que permitan acercarnos a la gente, sus realidades y

sus necesidades” (LORENTE, 1999). Ao procurar fazer a intervenção a partir

de uma perspectiva intercultural, é preciso que o profissional parta do mais

concreto para fazer as análises (sem deixar de refletir sobre as condições

sócio-históricas que condicionam e mediam a situação ou problemática que

estamos analisando); que deixe de lado os rótulos que invisibilizam a

diversidade, que criam homogeneizações e reduzem o sujeito a uma categoria

externa a ele e que não reflete o que ele é na sua íntegra; que possibilite

mudanças culturais não como práticas de aculturação, e, sim, como mudanças

nas quais o respeito e a tolerância primem nas relações; que gere uma tomada

de consciência para questionar os aspectos da vida que parecem como

naturais, e evidenciar que são “construcciones sociales que son por tanto

susceptibles de ser cambiadas” e desta forma “hacer que las personas

privilegiadas se den cuenta de cómo sus acciones, reacciones, imágenes y

estereotipos habituales contribuyen a la opresión” (YOUNG, 2000).

Uma intervenção na perspectiva intercultural proporcionará nova forma

de reconhecer os outros, de mediar entre sua cultura e a nossa, encontrar

pontos em comum e diferenças que possam ser conciliadas. Trabalhar nessas

diferenças promovendo a criação das próprias imagens culturais, anulando as

identidades estereotipadas que geram discriminações sobre supostos, para

remover os preconceitos

Al haber formado una auto-identidad positiva a través de la

organización y la expresión cultural pública, aquellos sujetos

oprimidos por el imperialismo cultural, pueden entonces hacer frente

a la cultura dominante con demandas para que se reconozca su

especificidad. (YOUNG, 2000: 261)

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Nas palavras de Fraser (1997)4, “otorgar un reconocimiento positivo a

una especificidad de grupo devaluada” (p. 36) ou de Vásquez (2002) “las

diferencias culturales tienen que un aspecto positivo, y afecta a la riqueza que

supone el conocer otros modos y maneras de entender la realidad vital” (p.

128).

A mediação, nesse contexto, é fundamental, assim, o assistente social

poderá trabalhar sobre as problemáticas e conflitos gerados pelos choques

entre as culturas de forma positiva, evidenciando as possibilidades de solução

e ação, assim reconhecer o outro e a aproximação das partes, baseados numa

comunicação efetiva e compreensão das situações, permitirá uma regulação

dos conflitos nos espaços culturalmente diferenciados.

4 Nancy Fraser vem discutindo, nas últimas décadas, sobre a justiça social, seus interlocutores

assim quanto seus espaços de materialização. Somos cientes de que o reconhecimento ao qual a autora faz referência é pensado aqui no Brasil sobre o ponto de vista do projeto ético-político profissional na perspectiva de justiça (integral). Ou seja, nesta discussão, a interculturalidade não é concebida só como reconhecimento, não só como uma forma de reparação, e sim como uma perspectiva que a profissão pode usar para que os sujeitos com os quais trabalha possam participar nos diferentes âmbitos que atingem suas vidas sob marcos mais amplos de justiça.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao olhar em retrospectiva, pensar os caminhos andados, as

modificações feitas e desfeitas, as dificuldades, as possibilidades, cada um

deles permitiu que, hoje, esta dissertação seja o que é. Foi um trajeto difícil, de

dúvidas e acertos, mas, ao final, com a certeza de ter direcionado a pesquisa

para o lugar que era preciso.

Querer incursionar em novas temáticas e fazer delas rumos pelos quais

transite a profissão será sempre estimulante e gratificante.

A cultura, como uns dos vetores da vida das pessoas, que transcende

espaços e tempos, é movimento constante re-construível no dia a dia, que dá

lógicas e, ao mesmo tempo, é uma lógica, composta do simbólico e do material

constitutivo do mais próprio dos seres humanos, ela, na sua materialidade, vai

abrir cenários de possibilidades, de interpretações, de significações.

Esta dissertação nos permitiu evidenciar a importância dessa esfera,

para a prática profissional, desde suas ramificações na diversidade cultural,

sendo elas expressadas e mediadas de forma particular nas manifestações da

questão social, espaço privilegiado e matéria-prima dos assistentes sociais,

diversidade presente nessas culturas, nas que se articula a tradição e a

novidade das práticas que se mantém, mudam e emergem nas sociedades.

É fundamental a apreciação e interpretação da realidade e dos sujeitos

políticos para que nosso conhecimento dessa realidade seja parte fundamental

do exercício profissional. Para isso, e ao levar em consideração a diversidade

cultural, teremos mais e melhores elementos de análise que nos permitirão

superar os padrões conservadores que reproduzem práticas onde a

diversidade não é contemplada. Esses elementos possibilitarão uma relação

diferenciada com os sujeitos, e entendê-los na sua integralidade e

complexidade, sem reducionismos simplistas que neguem a riqueza e

potencialidade das pessoas para superar as situações que as afetam, para

seguir resistindo e encontrando saídas, para manter-se na luta do dia a dia.

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Foi primordial a aproximação ao Cras, como um dos espaços da prática

profissional, pois nos deu os elementos de análise, nos permitiu corroborar os

nossos supostos, e contribuiu ao dar luzes para a reflexão. Cada uma das

falas, das sensações e medos expressados, anseios e motivações

manifestados, são o reflexo de uma realidade com a qual muitos e muitas

assistentes sociais estão se defrontando. Contextos diversos que nos

interpelam e sujeitos com culturas diferenciadas que demandam do profissional

uma intervenção que transcenda os quadros burocráticos, o imediato, a

resposta limitada.

A Política Nacional de Assistência Social demanda essas análises por

nossa parte, os assistentes sociais, para continuar no caminho da re-

significação da assistência social. É um espaço de luta em que os assistentes

sociais e a população se mobilizam pela efetivação de direitos e o acesso aos

serviços, pelo cumprimento, por parte do Estado, do seu papel garantidor da

proteção social básica, assim como do melhoramento das condições de vida.

Os Cras, por sua vez, precisam seguir encontrando saídas para as

dinâmicas que tentam inviabilizar e limitar os processos que dêem continuidade

a os avanços já conseguidos.

Foi interessante ver como os assistentes sociais se mobilizam nos seus

espaços de prática, em meio das contradições e limites que esses espaços ou

instituições lhes colocam. Isto só foi possível pela metodologia qualitativa

utilizada, por ter priorizado a oralidade, e ter tido essa aproximação de suas

vidas profissionais.

Esperamos, assim, ao trazer para debate a temática cultural, evidenciar

a diversidade cultural e os fenômenos interculturais no seio das sociedades,

assim como da própria prática, porque eles aparecem como as expressões

resultantes dos encontros, que pelo diário viver, seja nas mudanças ou nas

permanências, nas novas dinâmicas, tanto locais como mundiais, se vivenciam

entre as pessoas e os grupos sociais, e consequentemente, nos processos

dessas relações, que são de poder, jogos de forças que geram

posicionamentos específicos dos sujeitos em relação aos outros e seus

contextos.

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Repensar nossas práticas e nossas reflexões desde uma posição e em

perspectiva intercultural pretende ajudar a responder, assim, a esse chamado

que nos interpela como profissionais. O debate fica aberto.

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