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11 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de pós-graduação em Direito Público O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE EM UMA ANÁLISE GARANTISTA DO DIREITO PENAL Simone Matos Rios Pinto Belo Horizonte 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de pós-graduação em Direito Público

O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE EM UMA ANÁLISE GARANTISTA

DO DIREITO PENAL

Simone Matos Rios Pinto

Belo Horizonte

2009

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Simone Matos Rios Pinto

O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE EM UMA ANÁLISE GARANTISTA

DO DIREITO PENAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Público. Orientador: Leonardo Isaac Yarochewsky

Belo Horizonte

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Pinto, Simone Matos Rios P659p O princípio da coculpabilidade em uma análise garantista do direito penal /

Simone Matos Rios Pinto. Belo Horizonte, 2009. 160f. Orientador: Leonardo Isaac Yarochewsky Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Culpa (Direito). 2. Direito penal. 3. Responsabilidade social. 4.

Responsabilidade do Estado. 5. Garantia (Direito penal). 6. Dignidade. 7. Punição. I. Yarochewsky, Leonardo Isaac. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 343.222

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Simone Matos Rios Pinto

O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE EM UMA ANÁLISE GARANTISTA

DO DIREITO PENAL

Dissertação apresentada à banca examinadora como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

____________________________________________________________________________ Leonardo Isaac Yarocheswy (Orientador) – PUC Minas

___________________________________________________________________________

Luís Augusto Sanzo Brodt - Doutor em Ciências Penais Faculdade de Direito - UFMG

___________________________________________________________________________

José Luiz Quadros de Magalhães – Doutor em Direito Faculdade de Direito - UFMG

Guilherme José Ferreira da Silva - Doutor em Ciências Penais (Suplente) Faculdade de Direito - UFMG

Belo Horizonte, 03 de fevereiro de 2009

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Dedico este trabalho a Deus, pelo presente da

vida; e à minha família, que me proporcionou a

possibilidade de viver dignamente, em especial,

ao meu filho, Frederico.

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AGRADECIMENTOS

A Jesus Cristo, pelo exemplo.

Ao meu orientador, Leonardo Isaac, pelos ensinamentos.

Aos professores, componentes da banca examinadora, pela disponibilidade de leitura e

contribuições apresentadas à pesquisa.

Aos amigos, que caminharam ao meu lado e contribuíram para a concretização deste trabalho,

acompanhando e dividindo as etapas desta conquista.

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O erro de cada dia O homem da lei decreta que não haja mais fome, que não haja mais frio, que sejamos irmãos, uns dos outros Datilograficamente. Nada mais angélico do que a sua íntima convicção de que dirige o acontecimento. No outro dia decreta que não haja mais sede que não haja mais crime, que me queiras bem. Que é isto o que quer dizer Amai-vos uns aos outros. Mas o seu decreto é escrito sobre a areia, no papel, na onda na asa da borboleta, no teu coração – enigma que não se comove. E o mundo continua pagando o mesmo erro, o mesmo de manhã imemorial, E há dores ilegais, E há lágrimas ilegíveis, E há principalmente o teu coração enigma que não se comove. (CASSIANO, Ricardo. O erro de cada dia. In. Obras primas da poesia universal, São Paulo: Martins, 1955, p. 353)

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RESUMO

O Princípio da Coculpabilidade é um princípio do Direito Penal empregado

juntamente com a culpabilidade e visa atenuar a pena ou mesmo a não atuação do Direito

Penal em face de determinadas condutas praticadas por pessoas que se encontram em

situações de vulnerabilidade na sociedade. Evidencia-se a parcela de responsabilidade que

deve ser atribuída à sociedade e ao Estado em face do excluído social. O garantismo penal é

um modelo de aplicação do direito que prima para a atuação coercitiva mínima do Estado.

Juntos, se tornam dois postulados do Direito Penal que pretendem enfatizar princípios

constitucionais, sobretudo o da dignidade da pessoa humana. No decorrer do trabalho,

procurou-se enfatizar o Princípio da Coculpabilidade em face do garantismo penal como

necessário, em conseqüência da escassez de recursos na área social e pela desigualdade

reinante, que geram uma desestrutura na sociedade, dando ensejo a crime contra o patrimônio,

crimes de tóxicos, violência doméstica, até homicídios. Enfatizou-se, também, que o Direito

Penal tutela bens jurídicos próprios das camadas média e alta da sociedade e que muitos não

têm vida digna. A classe baixa apresenta-se sem o mínimo existencial para sobrevier e não

possui nenhum bem jurídico a proteger, restando-lhe simplesmente a vida nua e crua e

também o Direito Penal para enxergá-la e fazê-la atriz da cerimônia degradante que é o

Processo Penal. A dissertação abrangeu a pesquisa de campo, com coleta de dados que

proporcionaram a constatação de que estão na penitenciária os desamparados pela sociedade,

os carentes de efetividade de direitos sociais, como trabalho, educação, saúde e informação. O

Direito Penal não pode simplesmente aplicar a lei seca e fria, desconsiderando a realidade

social do infrator, sob pena de se transformar num poder absoluto de eliminação dos fracos.

Há um compromisso histórico do resgate da dignidade de todo ser humano e o Direito Penal

tem seu papel social a desempenhar, principalmente, acompanhar as mudanças da realidade social.

Palavras-chave: Culpabilidade, responsabilidade, sociedade, Estado, direitos sociais,

dignidade, punição.

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ABSTRACT

Under the principle of co-liability in criminal law is that along with the vulnerable

member of society is responsible for the criminal offenses he/she commits, liability which

he/she shares with the State. The penal guarantee is an application model of criminal law that

excels for the least coercive of the State. Together they made two postulates of criminal law

which intend to emphasize constitutional principles, especially the dignity of an individual. In

the course of the work, we tried to emphasize the principle of liability in view of the penal

guarantee, as necessary, as a consequence of the resource shortage in the area and for the

ruling inequality which produces an unstructured society, giving emphasis to crimes of

patrimony against crimes of poison, domestic violence and even murder. We also emphasize

criminal law protects the possessions and lives of the middle and upper class members of

society, and for these members of society that emanate from the working classes there is little

to protection at all. The dissertation also includes fieldwork that indicates most prisoners are

from working classes which lack education, employment, health and general social rights.

Criminal law should not be used in such a callous way, being prejudice against working class

offenders. We have an historical commitment of redemption for the dignity of the whole

human race and criminal law has its social role to fulfill mainly accompanying changes of

social reality in which we live.

Key words: criminal law, liability, responsibility, society, state, social rights.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11 2 CULPABILIDADE .............................................................................................. 14 2.1 Origem histórica................................................................................................... 14 2.2 Teoria Psicológica da Culpabilidade.................................................................... 21 2.3 Teoria Psicológica - Normativa da Culpabilidade................................................ 22 2.4 Teoria Normativa Pura da Culpabilidade............................................................. 23 2.5. Teoria Social da Ação.......................................................................................... 25 2.6 Atuais Tendências................................................................................................. 26 2.7 Teorias Funcionalistas.......................................................................................... 27 2.7 Algumas posições sobre as funções da culpabilidade na teoria do delito............. 33

3 ORIGEM DA COCULPABILIDADE.................................................................... 40 4 TERMINOLOGIA: PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE............................... 44 4.1 O Direito por “Princípios”................................................................................... 44 5 O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE............................................................ 49 5.1 Liberdade e Sociedade.......................................................................................... 49 5.2 Igualdade e Estado Social..................................................................................... 51 5.3 Fraternidade e Responsabilidade.......................................................................... 53 6 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE NO BRASIL.......... 56 6.1 Princípio Constitucional...................................................................................... 56 6.2 Atenuante Genérica............................................................................................. 58 6.3 Inexigibilidade de Conduta Diversa.................................................................... 62 6.4 O Princípio da Coculpabilidade no Processo Penal............................................ 67 6.5 Proposta de inserção da Coculpabilidade............................................................ 68 7 O PRINCIPIO DA COCULPABILIDADE NO DIREITO COMPARADO........... 76 7.1 Na Argentina......................................................................................................... 79 7.2 No México............................................................................................................ 80 7.3 No Peru.................................................................................................................. 81 7.4 Na Bolívia............................................................................................................. 82 7.5 Na Colômbia......................................................................................................... 83 7.6-No Equador........................................................................................................... 84 7.7 No Paraguai........................................................................................................... 84 7.8 O Princípio da Coculpabilidade em outras fronteiras........................................... 85 7.9 Reconhecimento global......................................................................................... 86 8 GARANTISMO PENAL......................................................................................... 88 8.1 Abolicionismo....................................................................................................... 88 8.2 Direito Penal Máximo (lei e ordem)...................................................................... 90 8.3 Direito Penal Mínimo: Garantismo Penal............................................................. 91 8.4 Princípios Garantistas............................................................................................ 93 8.4.1 Nulla poena sine crimine.................................................................................... 93

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8.4.2 Nullum crimen sine lege..................................................................................... 96 8.4.3 Nulla lex ( poenalis) sine necessitate................................................................. 98 8.4.4 Nulla necessitas sine injuria............................................................................... 101 8.4.5 Nulla injuria sine actione.................................................................................... 103 8.4.6 Nulla actione sine culpa...................................................................................... 103 8.4.7 Nulla culpa sine judicio....................................................................................... 104 8.4.8 Nullum judicium sine accusatione....................................................................... 105 8.4.9 Nulla accusatio sine probatione.......................................................................... 105 8.4.10 Nulla probatio sine defensione.......................................................................... 106 8.5 A constituição Federal é garantista? ..................................................................... 107

9 SELETIVIDADE DO SISTEMA............................................................................... 112 9.1 Elaboração da lei penal........................................................................................... 113 9.2 Controle pela policia............................................................................................... 117 9.3 Execução da pena.................................................................................................... 118 9.4 A mídia: fala do crime............................................................................................. 120 9.5 O discurso Ideológico.............................................................................................. 122

10 COCULPABILIDADE E POBREZA..................................................................... 124 10.1 Violência e in (segurança)...................................................................................... 125 10.2 Vítimas silenciosas.................................................................................................. 127 11 SISTEMA PENAL A SERVIÇO DA IDEOLOGIA DO PODER DOMINANTE... 131 12 QUEM ESTÁ NA PRISÃO: VERIFICAÇÃO IN LOCO........................................ 136 12.1 Acervo criminal em trâmite no Judiciário................................................................ 136 12.2 Quem está na prisão.................................................................................................. 138 12.3 Ensino fundamental.................................................................................................. 140 12.4 Direito à Saúde.......................................................................................................... 142 12.5 Assistências aos desamparados................................................................................. 143 12.6 Acesso à justiça......................................................................................................... 144 13 CONCLUSÃO............................................................................................................ 146 REFERÊNCIAS................................................................................................................ 149 APÊNDICE........................................................................................................................ 159 ANEXOS............................................................................................................................ 160

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1 INTRODUÇÃO

Este estudo começou a partir de observações acerca da rotina forense de algumas varas

criminais do Estado de Minas Gerais e de dados colhidos em visitas e entrevistas a

presidiários. Apresenta uma amostragem do diagnóstico do Sistema Penal Brasileiro e a

influência de fatores socioeconômicos em condutas criminosas.

Os dados coletados permitiram a comprovação de que a maior parte das pessoas que

estão presas é carente de prestações sociais, sobretudo de educação e trabalho.

É preciso que a filosofia de limitação do poder punitivo, dentro de uma democracia,

encontre uma dimensão prática de proteção de direitos fundamentais inerentes a toda pessoa

humana, inclusive ao considerado infrator de normas.

A pessoa humana deve ser considerada um indivíduo em sua singularidade, com

direito ao mínimo existencial. Mínimo extraído da doutrina de Barcellos (2002), que

compreende ser: o direito à saúde básica, à educação fundamental, à assistência aos

desamparados e ao acesso à Justiça. As formulações em torno do mínimo existencial

expressam que este apresenta uma vertente garantista na satisfação da vida com dignidade.

Começa-se a identificar que, no plano de aplicação do Direito Penal, este mínimo dos

mínimos deve ser observado, no momento de atribuir pena a um infrator.

O Direito não pode se distanciar da realidade, sobretudo por ser ciência social aplicada

que possui um papel de construção de uma sociedade mais justa. Principalmente o Direito

Penal, que interfere diretamente na liberdade do cidadão, não deve pretender aplicação da

justiça desconsiderando a injustiça social.

O Princípio da Coculpabilidade se fundamenta em considerações constitucionais e

sociais aplicadas ao Direito Penal. Deduzido do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

tem como fundamento de que qualquer privação sofrida por um indivíduo seja material

(saúde, trabalho, moradia) ou espiritual (educação, cultura, informação) é contrária à

dignidade da pessoa humana.

Torna-se um importante instrumento na identificação da inadimplência do Estado no

cumprimento de sua função social, além de reconhecer, no plano concreto de aplicação do

Direito, os direitos fundamentais de todo cidadão.

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O Direito Penal, mesmo com todos os desacertos contados pela história, ainda tende a

ser um ramo do direito empregado, principalmente, em face da camada fraca da sociedade. É

o que se propõe a dissertação: buscar a reflexão do Direito Penal sobre sua atuação na sociedade.

O segundo capítulo traz o esboço histórico sobre o conceito de culpabilidade.

Apresenta as principais teorias e suas incongruências e reafirma o Princípio da Culpabilidade

como indispensável no papel de limitador das penas.

O terceiro capítulo apresenta a origem da Coculpabilidade, sua análise histórica e as

idéias defendidas por Marat (2000), de que faz parte do pacto social reduzir as desigualdades

para depois se exigir o respeito à legislação imposta.

O quarto capítulo apresenta a Coculpabilidade como Princípio deduzido da dignidade

da pessoa humana. Com base nas lições de Dworkin (2002; 2003; 2005) acentua-se a

importância dos princípios na aplicação do Direito, dentro de uma comunidade democrática,

onde as pessoas são corresponsáveis fraternalmente, devendo-se evitar a exclusão.

O quinto capítulo aborda o Princípio da Coculpabilidade nos parâmetros da liberdade,

igualdade e fraternidade, discorrendo que são comandos não acessíveis a todos, tornado

imprescindível que o Direito Penal considere todos os fundamentos do princípio quando

verificar a reprovabilidade da conduta.

O sexto capítulo tem por finalidade a abordagem da aplicação prática do princípio no

Direito Brasileiro e as conseqüências de sua aplicação nas sentenças judiciais, alterando o

texto das fundamentações judiciais e o curso do destino de milhões de brasileiros, com o

reconhecimento do homem-infrator e sua realidade social. Expõe o anteprojeto de lei que visa

incluir expressamente o Princípio da Coculpabilidade na parte geral do Código Penal,

organizado pela comissão de estudos penais convocada pelo Ministério da Justiça.

O sétimo capítulo traz o estudo do princípio em outras fronteiras, identificando-o em

alguns Códigos estrangeiros, principalmente nos países da América Latina, que têm o

princípio expresso em seus códigos penais, servindo de exemplo à legislação brasileira.

O capítulo oitavo apresenta o garantismo penal desenvolvido por Ferrajoli (2006).

Questiona a culpabilidade usada nos dias atuais com o uso excessivo de prisões cautelares,

como sanção dirigida a suspeitos, podendo ser comparada a resquícios do Direito pré-

moderno em que se exibiam ao público condenações exemplares, como forma de intimidação

e satisfação do sentimento público de vingança. Apesar de ser um modelo desenvolvido na

Itália, todos os princípios garantistas podem ser encontrados na Constituição Brasileira,

constituindo o modelo ideal de aplicação do Direito Penal no Brasil, superando o

engessamento positivista do século passado.

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O nono capítulo analisa a culpabilidade auferida na atuação seletiva do Direito Penal

em face de indivíduos que estão em situações de vulnerabilidade na sociedade. A partir da

matriz teórica proposta por Zaffaroni (1992; 1996; 1997) e Nilo Batista (1990; 2001)

apresenta uma reflexão sobre a seletividade do sistema, com as incongruências e contradições

entre o discurso teórico e a aplicação prática do Direito Penal, bem como a ideologia de

perpetuação do crime na sociedade.

O décimo capítulo destina-se a reconhecer a erosão da cidadania pela pobreza e más

condições de vida. O Princípio da Coculpabilidade, aplicado dentro do modelo garantista,

tende a proteção dos mais fracos na busca de um equilíbrio ao arbítrio penal, não

necessariamente somente os fracos por condições materiais. Várias são as situações que

podem deixar o indivíduo em situação de exclusão, como aconteceu na segunda guerra com a

perseguição a judeus, negros e homossexuais.

Com toda a influência de Foucault (1977; 1979), o capítulo onze tece considerações

sobre a anatomia do poder e sua influência no Sistema Penal, produzindo estereótipos de

delinqüentes e atribuindo a eles a culpa pela violência, omitindo a responsabilidade do Estado

e da sociedade nos graves problemas sociais.

E, finalmente, o capítulo doze traz as comprovações empíricas colhidas no decorrer

desta pesquisa, com resultados com comprovam que o Sistema Penal atua principalmente em

face daqueles que não contam com o mínimo existencial, necessário para viver dignamente.

Das indagações filosóficas de Habermas (2001) abre-se o questionamento sobre a

compreensão de mundo e para qual direção a visão dos fatos irá; onde se traçará a fronteira

entre liberdade e obrigação, culpa e consciência. Como avaliar as pessoas responsáveis e

quanto exigir de todos os cidadãos como atores políticos.

E mais ainda, como ver divididas culpa e inocência e quais as normas que apresentam

disposição para essas pessoas se respeitarem reciprocamente como cidadãos da República.

Não se pretende esgotar a matéria e todas as indagações que envolvem o tema

Coculpabilidade, mas sim, iniciar um debate aberto a críticas.

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2 CULPABILIDADE

A justiça penal é um mal necessário, mas se supera os limites da necessidade, resta só o mal. (Roxin, 2002, p.63).

Quando se propõe a analisar um determinado tema, é importante saber sua história,

sua evolução e sua tendência futura. Quando se trata da culpabilidade, não há consenso

quanto à sua interpretação. Para alguns doutrinadores, a culpabilidade é um requisito do

crime, para outros, sua função é somente limitar o “quantum” da pena e como princípio do

Direito Penal, é interpretado de diferentes maneiras.

A história demonstra que a culpabilidade foi inserida, paulatinamente, no Direito

Penal, juntamente com a conscientização de haver necessidade de limitar o poder de punir, em

face dos excessos, sempre próprios de quem detém o poder.

2.1 Origem histórica

Por ocasião do chamado período arcaico e jusprivatista do Direito Penal, época que

remonta ao tempo em que o homem ainda vivia reunido em tribos, não se podia falar em um

sistema orgânico de princípios penais. As regras de comportamentos eram desconexas e não

escritas, e sim baseadas em crenças, magias e temores. Nos grupos sociais dessa era, em

ambiente mágico e religioso, todos os fenômenos maléficos eram tidos como resultantes das

forças divinas ou determinadas pelo cosmos. Entre as tribos, predominava o domínio do mais forte.

A responsabilidade pelos atos entre os homens era objetiva, solidária, impessoal,

corporativa e desigual, bastando o nexo causal entre a conduta e o resultado para ensejar uma

forma de vingança privada, denominada vingança de sangue, sem qualquer limitação ao poder

de punir, sempre resultando em excessos.

Com o tempo, surge a idéia jusnaturalista de que a punição devia igualar-se ao delito,

desenvolvendo-se o princípio do talião1, limitando a ofensa a um mal idêntico ao praticado.

No famoso jargão “olho por olho, dente por dente”, iniciava-se certa proporcionalidade entre

a agressão e a pena.

1 Proveniente do latim: talis, que significa tal, ou seja, a resposta devia ser igual.

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Entretanto, surge também a concepção indireta ou simbólica de punição onde se

amputava certa parte do corpo, como resposta ao crime cometido. Retirava-se a língua para a

blasfêmia, a mão para o falsificador, o pé para o furto e a vida para o homicida.

Durante a Idade Média, o Direito Penal sofre profunda influência religiosa, sendo o

crime tratado também como pecado. A legitimidade da punição era exercida em “nome de

Deus”. Monarquia e Igreja Católica detinham o poder e impunham penas cruéis. Castigavam

os homens que praticassem crimes, ou aqueles suspeitos de heresia, bruxaria e demais

afrontas ao poder da época. Observava-se grande aumento de punições, já que não mais se

restringiam aos fatos praticados entre os homens, mas, também se estendiam a ofensas ou

ameaças ao soberano ou ao poder da igreja. Punia-se simplesmente pelo que a pessoa era, ou

pelo que ela representava ser. O direito associava-se à moral, propiciando modelos

desenfreados de inquisição e de punição.

A pena aplicada publicamente, em exibições espetaculares, tinha o intuito de

intimidação e apresentação da punição como forma de imposição da retribuição do mal

causado, num cenário de horror, onde as execuções eram verdadeiros espetáculos de

sofrimento e dor. Somando às torturas físicas, a punição muitas vezes estendia-se além da

pessoa, contendo nas sentenças declarações de que até os descendentes eram infames,

podendo incluir o confisco de bens do condenado.

No Brasil, o Direito Penal exteriorizou-se, neste período, por meio das Ordenações do

Reino, denominadas “Afonsinas”2, “Manuelinas”3 e “Filipinas”4. Esta foi a mais desumana,

cruel e arbitrária, vigorando até 1830, quando da promulgação do Código Criminal Imperial5.

O exemplo mais célebre, desta época, foi a condenação e execução da pena de Joaquim José

da Silva Xavier, o Tiradentes, em 1792:

2 As ordenações Afonsinas vigeram até 1521. A noção de crime-pecado ganhou relevo nestas ordenações por influência do direito canônico. O processo criminal era considerado entre as matérias que envolvem pecado; já que se vê, pois, que em falta de texto, recorria-se neste assunto ao direito canônico. (ALMEIDA, 1959, p. 112). 3 As ordenações Manuelinas vigeram até 1603. No que se referem aos castigos corporais, tais ordenações previam a possibilidade de aplicação de tortura em até três sessões se o acusado simplesmente negasse sua culpa. As penas não afligiam a todos, prossegue nas Ordenações a manutenção do privilégio aos fidalgos e nobres que eram privados das tormentas. (ALMEIDA, 1959, p. 162). 4 As ordenações Filipinas ampliaram o rol das penas incluindo o degredo (fixar residência num determinado local) época em que muitos foram degredados para o Brasil e colônias africanas. 5 Inspirado pela Constituição de 1824, que já revelava orientações iluministas em seu corpo normativo. Uma das maiores incoerências do Código Criminal do Império diz respeito à manutenção da escravidão, apesar de movimentos pretendendo seu fim. (VIANNA, 1972, p.186).

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Acusado de crime de lesa-majestade, foi enforcado, esquartejado, sendo os seus membros fincados em postes colocados à beira das estradas, nas cercanias de Vila Rica, com slogans destinados a advertir o povo sobre a gravidade dos atos de conspiração contra o monarca (na época, D. Maria, a Louca). As inscrições diziam que ninguém podia trair a rainha, porque as próprias aves do céu se encarregariam de lhe transmitir o pensamento do traidor. Ainda quanto a Tiradentes, impôs-se pena de infâmia à sua quarta geração. (PIERANGELI, 2001, p.59).

Essa cerimônia degradante foi perdendo os caracteres aflitivos e intimidatórios,

juntamente com o crescimento da mentalidade, no seio do povo, de que não havia

legitimidade para esse arsenal de demonstração de poder. Os condenados passavam a não

mais aceitar pacificamente a tortura e a pena, constituindo num momento em que se soltavam

clamores de revolta ao sistema, inclusive ao monarca não mais visto como um soberano.

Foucault (1977) expressa bem como eram as execuções públicas:

Supressão do espetáculo, anulação da dor. [...] Um movimento arrastou, cada qual com seu ritmo próprio, as legislações européias: para todos uma mesma morte, sem que ela tenha que ostentar a marca específica do crime ou o estatuto social do criminoso; morte que dura apenas um instante, e nenhum furor há de multiplicá-la antecipadamente ou prolongá-la sobre o cadáver, uma execução que atinja a vida mais do que o corpo. Não mais aqueles longos processos em que a morte é ao mesmo tempo retardada por interrupções calculadas e multiplicada por uma série de ataques sucessivos. Não mais aquelas combinações que eram levadas a espetáculo para matar os regicidas, ou como aquela que arrebentava um condenado sobra a roda, depois de açoitá-lo até a perda dos sentidos, em seguida suspendê-lo com correntes, antes de deixá-lo morrer lentamente de fome. Não mais aqueles suplícios em que o condenado era arrastado sobre uma grade, seu ventre aberto, as entranhas arrancadas à pressas, para que ele tivesse tempo de as ver com seus próprios olhos ser lançadas no fogo; em que era decapitado enfim e seu corpo dividido em postas. A redução dessas “mil mortes” à estrita execução capital define uma moral bem nova própria do ato de punir. (FOUCAULT, 1977, p. 15).

Com a evolução social e o aparecimento do período moderno do Direito Penal, sob a

influência do Iluminismo, sobretudo de Beccaria (2006), pretendeu-se a libertação do

indivíduo da onipotência do absolutismo e do arbítrio das inquisições, defendendo mudanças

no sistema punitivo. Primava-se pela separação do delito da concepção de pecado e pela

eliminação de penas injustas. As execuções passam a ser feitas por técnicas menos dolorosas,

como a guilhotina6 muitas vezes realizadas à noite ou pela manhã, sem a presença do povo.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão7, em 1789, impõe uma nova

direção às punições, no sentido de humanizá-las e torná-las proporcionais aos delitos

6 A guilhotina começou a ser utilizada em 1792, na França. (FOUCAULT, 1977, p.16). 7 Art. 5º da Declaração do Homem e do Cidadão: “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.”

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praticados. A lei deveria delimitar o que seria crime e também proteger o criminoso contra os

excessos da punição, com base nos códigos penais criados8 sob a influência do Iluminismo.

Adota-se a pena de prisão9 como forma de humanização da penas, mas, na verdade,

permanece o sofrimento físico e psíquico, como observa Foucault (1977):

Desaparece, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição física. [...] Podemos considerar o desaparecimento dos suplícios como um objetivo mais ou menos alcançado, no período compreendido entre 1830 a 1848. Houve atrasos, numa visão global. [...] O poder sobre o corpo, por outro lado, tampouco deixou de existir totalmente até meados do séc. XIX. Sem dúvida, a pena não mais se centraliza no suplício como técnica de sofrimento; tomou como objeto a perda de um bem ou de um direito. Porém, castigos como trabalhos forçados ou prisão - privação pura e simples da liberdade - nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra. Conseqüências não tencionadas, mas inevitáveis da própria prisão? Na realidade, a prisão, nos seus dispositivos mais explícitos, sempre aplicou certas medidas de sofrimento físico. (FOUCAULT, 1977, p.16-18).

A idéia da culpabilidade, entendida como responsabilidade pela culpa, não se fez no decorrer dos séculos. A responsabilidade objetiva perdurou por muito tempo. Somente no século XIX, realizou-se um estudo sobre este princípio, embora suas raízes possam ser encontradas na ciência penal italiana da baixa idade média e na doutrina do direito comum dos séculos XVI a XVIII.

Os estudos levam a Puffendorf citado por Prado (2002) no século XVII, a considerar a

ação delituosa não como qualquer movimento proveniente do homem, e sim, os movimentos

dirigidos pelas capacidades específicas humanas, isto é, inteligência e vontade, sobre a qual

determinaria a responsabilidade.

Baseado nesses estudos, Feuerbach (1813)10, autor do Código Penal denominado

“Código Penal da Baviera”, pôde estender um conceito analítico de delito como sendo “uma

ação antijurídica cominada em uma lei penal,” (TAVARES, 1980, p. 13) reconhecendo o

fundamento subjetivo da punibilidade.

A influência humanista alcançou o Código Criminal Brasileiro, de 1830, bem como os

ordenamentos que surgiram na esteira do amadurecimento filosófico, no começo do século XIX.

8 Com a abolição das antigas ordenanças, projetam-se novos códigos modernos: Rússia, 1769; Prússia, 1780; Pensilvânia e Toscana, 1786; Áustria, 1788 e França, em 1791. (FOUCAULT, 1977, p.11). 9 Finalmente, colocar o condenado no interior das prisões onde estava oculto o cadafalso e onde a execução se passava em segredo. (FOUCAULT, 1977, p.17). 10 Von Feuerbach foi considerado “o pai do direito penal alemão” e sua obra influenciou o pensamento em todo o continente europeu, principalmente com a máxima "nullum delictum, nulla poena sine lege poenali prévia." (GOMES, 2003, p.23).

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O primeiro código brasileiro estabeleceu, além do princípio da legalidade e da

irretroatividade, que as penas deveriam ser impostas na medida da culpabilidade11, entendida

por sensibilidade do autor. Previa seu artigo 19, que “influirá também na agravação ou na

atenuação do crime a sensibilidade do ofendido.” (TINÔCO, 2003, p.23).

Em flagrante oposição a tal dispositivo, o código realçou a desigualdade social, ao

prever a aplicação de castigos corporais para escravos infratores, sendo permitido que estes

ficassem sujeitos a açoites, em quantidade e duração da conveniência de seu senhor. Várias

são as características paradoxais como a mantença da pena de morte, da escravidão e a

previsão de punição por crimes contra a igreja católica12, o que se conclui que o liberalismo

brasileiro se fez “fraco”, em relação à perspectiva moderna.

Observou-se, principalmente na Europa, a produção de várias obras ligadas ao Direito

Penal, cujos autores reunidos formaram a Escola Clássica. Tendo como maior expoente

Francesco Carrara (1986), a escola clássica preconizava a liberdade de vontade do indivíduo

como base do Direito Penal, entendendo o delito como um ente jurídico, não natural, visto

como violação ao Direito e também ao pacto social, seguindo a filosofia política do liberalismo

clássico.

Não considerava o delinqüente como um ser diferente dos demais, não se considerava

a personalidade nem a história biológica, tampouco sua vida social. O método para aferir a

pena era lógico-abstrato, sendo o crime mera infração da lei, permitindo a formação de um

Sistema Penal baseado na objetividade da responsabilidade, em favor da certeza do direito. Só

interessava o fato exterior danoso. Se, por exemplo, alguém cometesse um crime sob a

influência e comando de um hipnotizador, deveria responder pelo crime.

Desconsiderava-se a existência de alguma ligação, além da simples causalidade física

entre o fato causado e o agente. O Direito, na escola clássica, não é enfocado com base na

realidade dos fatos e do homem, é estudado idealmente, como também o delito não é visto

como fenômeno concreto da sociedade.

Não há, nesta escola, um estudo específico acerca da culpabilidade. O que se observa é

a defesa do livre arbítrio do homem em respeitar ou não a lei penal, fruto do pensamento

11 A pena deveria adequar-se à sensibilidade do ofendido, inspirado nas idéias de Jeremias Bentham, para quem a sexta regra da pena estava assim estabelecida: a mesma pena não deve ser infligida para o mesmo delito a todos os delinqüentes, sem exceção. (VIANNA, 1972, p. 217). 12 Artigo 276 – “Celebrar em casa, ou edifício, que tenha alguma forma exterior de templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião que não seja a do Estado. Penas: de serem dispersos pelo Juiz de Paz os que tiverem reunidos para o culto; da demolição da forma exterior; e de multa de dois a doze mil réis, que pagará cada um.” (TINÔCO, 2003, p. 499).

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penal-burguês. O grande mérito da escola clássica se deve ao aparecimento da ciência penal e

à defesa das garantias individuais contra o arbítrio do Estado, que também deveria submeter-se às leis.

Em fase posterior, começou-se a perceber a diferença existente entre causar inevitavelmente um dano e causar um dano evitável. Ilustrando com o exemplo de Toledo (2004): “da observação, talvez dos fenômenos físicos da natureza, percebeu-se que existe algo que distingue, por exemplo, a morte causada por um raio da morte resultante de um assassinato”. (TOLEDO, 2004, p. 219).

Em novo contexto, surge outra escola denominada de “positiva”, ou “positivismo criminológico”, compreendendo um momento científico da ciência penal, época em que toda a ciência estava influenciada pela “Teoria da evolução da espécie,” de Darwin (1809-1882). Três dos seus postulados foram assumidos pela Escola Positivista: a) a concepção do delinqüente como espécie não evoluída; b) máxima significação concedida à carga ou legado que o indivíduo recebe por meio da herança; c) o entendimento de que o homem não possui livre arbítrio.

Toda ênfase foi dada ao homem delinqüente, sobretudo, buscando a causa da prática de delitos, estudando-as concretamente. Os representantes mais famosos foram: Lombroso (2007), com visão antropológica do homem delinqüente13, Garófalo (1983) incorporando os fatores psicológicos14 e Ferri (2003), com a visão sociológica.

A visão sociológica desenvolvida por Ferri (2003) introduz a filosofia de que mais importante que a pena são os substitutos penais, compreendidos como um conjunto de medidas de ordem econômica, social, política, educativa, cultural, religiosa, familiar, etc, que incidem na realidade social de maneira preventiva, comprometendo influências criminológicas das mais diversas índoles, negando assim, o livre arbítrio.

A base de Ferri (2003) é a defesa da sociedade e dos direitos do Estado, em face dos delinqüentes, vistos como aqueles que não respeitam as regras impostas. A criminalidade é explicada pelo desenvolvimento das classes baixas em um desejo de progresso e bem estar, não mais assegurados pelo dogma religioso da aceitação.

O entendimento de Ferri (2003) é que “esta necessidade de defesa social - afirmada, desde os inícios da Escola Clássica, em nome dos direitos do Estado perante os direitos do homem - se tem sempre cada vez mais imposta, sobretudo devido à bancarrota dos sistemas penais clássicos.” (FERRI, 2003, p.238).

Na Escola Positivista, em geral, o delito é visto como um ente jurídico que deve ser

qualificado pelo direito como um fato humano. O delito passa a ser um fenômeno do homem,

reconhecido como portador de causas interiores, no seu psiquismo, que determinam o querer

13 Segundo Lombroso (2007), o homem delinqüente possuía as seguintes características corporais: protuberância occipital, órbitas grandes, testa fugidia, arcos superciliares excessivos, zigomas salientes, prognatismo inferior, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, braços excessivamente longos, mãos grandes, anomalias dos órgãos sexuais, orelhas grandes e separadas, polidactia. As características anímicas, segundo o autor, são: insensibilidade à dor, tendência à tatuagem, cinismo, vaidade, crueldade, falta de senso moral, preguiça excessiva, caráter impulsivo. (LOMBROSO, 2007, p 35). 14 Garófalo buscou um conceito de crime que pairasse acima das legislações, procurou criar o delito natural, entendido como ofensa feita à parte do senso moral formada pelos sentimentos altruístas de piedade e probidade. Considera o patrimônio moral indispensável a todos os indivíduos em sociedade. Da concepção de anomalia moral, chega a conclusão de que o critério da medida penal deve ser a periculosidade. Define-a como a perversidade permanente e ativa do criminoso e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte dele. (GARÓFALO, 1983, p.57).

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ou o não querer dos acontecimentos na sociedade. A partir destas concepções introduz-se,

com precisão, a categoria da culpabilidade no sistema jurídico-penal.

A culpabilidade foi inserida primeiramente por Ihering (2001)15, postulando o seu

conceito dentro do ato ilícito, no direito civil. A dogmática posterior pôde distinguir, no

delito, uma parte puramente objetiva (injusto) e outra subjetiva (a culpabilidade). A

culpabilidade, primeiramente, foi denominada como “imputabilidade”, concebida como

pressuposto do injusto.

Finalmente, Binding, citado por Hungria (1958)16, utilizou o conceito de culpabilidade

englobando imputabilidade, dolo e culpa. Esta, entendida como imprudência, dentro de

Sistema Penal. A doutrina começa a aceitar, em todo crime, a culpabilidade do sujeito que atua.

Em desenvolvimento deste conceito Liszt (1926) defende que imputabilidade é

diferente de culpabilidade, entendendo a primeira como “capacidade jurídica penal da ação”,

constituída de capacidades elementares do sujeito e a segunda como os “pressupostos

subjetivos”, sendo dolo e culpa suas duas espécies. (LISZT, 1926, p. 64-66).

Nos meados do século XIX, já era estudado o conceito analítico de crime como

conduta típica, antijurídica, e culpável. O crime era dividido em duas partes: objetiva e

subjetiva. A parte objetiva era composta de tipicidade e antijuridicidade e a culpabilidade

pertencia à segunda parte, composta de imputabilidade, dolo e culpa.

Desenvolve-se, então, a primeira teoria sobre a culpabilidade no final do século XIX e

começo do século XX, denominada: Teoria Psicológica da Culpabilidade.

2.2 Teoria Psicológica da Culpabilidade

Com o desaparecimento da responsabilidade objetiva, passou-se a ter maior

preocupação em aplicar sanções somente ao homem causador do resultado lesivo, cujo evento

danoso poderia ter evitado. A culpabilidade era entendida como o liame psicológico entre o

sujeito e a ação praticada. Haveria culpabilidade quando o comportamento psíquico do autor

do delito fundamentava sua responsabilidade penal. Para que fosse imputada determinada

15 A premissa de Ihering foi de que o Estado não pune as pessoas da forma correta, ou mesmo de forma coerente, já que quando alguém lhe rouba algo, o ladrão tem que devolver o objeto roubado ou mesmo furtado e, além disso, ele é preso. Já em outras ocasiões, a devolução do objeto do litígio já está de bom grado, isso é, em caso de o litígio versar sobre vendedor e comprador e outros do mesmo gênero, na área cível. (IHERING, 2001, p.123-129). 16

Para Binding, uma ação contrária ao direito deve ser dolosa ou culposa; só existe ilícito culpável e não sem culpabilidade. O que se designa por ilícito objetivo é puro caso fortuito. (HUNGRIA, 1958, p. 135).

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responsabilidade, haveria de se fazer uma análise verificando a ausência ou presença da

vontade ou da previsibilidade, por parte do autor, na prática do delito.

Dois conceitos foram construídos a partir desta concepção: o dolo, caracterizado pela

intenção do agente em produzir o resultado, e a culpa (stricto sensu), caracterizada pela

inexistência de intenção, mas pela imprevisibilidade. A culpabilidade era, portanto,

constituída por dolo e culpa, acrescentando como pressuposto da pena a imputabilidade,

entendida como a capacidade de ser culpável.

A teoria meramente psicológica não respondia a situações de omissão, culpa

inconsciente e outras, como a coação moral irresistível, sendo por isso criticada em várias

doutrinas.17

Segundo observa Yarochewsky (2000):

As deficiências dessa concepção se evidenciaram na chamada “culpa inconsciente”. Nesta, não existe qualquer vínculo psicológico entre o agente e o fato gerador. Considere-se o exemplo: um motorista avança o semáforo, sem ver, atropela um pedestre que atravessa a rua. Neste caso, age com culpa inconsciente, já que não houve previsão do resultado. Portanto, não há nenhum vínculo psicológico entre o agente, que sequer previu o resultado, e o fato. (YAROCHEWSKY, 2000, p. 22).

A doutrina percebeu então, que a somente a vinculação psíquica do agente ao fato

é insuficiente para auferir a culpabilidade, acrescentando à teoria da culpabilidade, um

elemento normativo, desenvolvendo a denominada Teoria psicológico-normativa da

culpabilidade.

2.3 Teoria Pisicológico-Normativa da Culpabilidade

Frank, citado por Gomes (2003), em 1907, foi o principal responsável pelas inovações

no campo da culpabilidade, acrescentando um requisito fundamental: a inexigibilidade de

17 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 386. TAVARES, Juarez. Teorias do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 31.

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conduta diversa18, desenvolvida da observação de que há situações em que há dolo e não há

reprovabilidade.

A ocorrência de circunstâncias anormais deve excluir a culpabilidade, não podendo

exigir do agente se comportar conforme o direito. Cabe ao Juiz valorar situações de

exigibilidade da sanção penal. Por exemplo, quem falsifica uma assinatura, coagido com a

arma na cabeça, atua dolosamente em relação ao falso, mas não podia agir de modo diferente.

Há vínculo psicológico entre o agente e a conduta, porém, não há exigibilidade de

conduta diversa, portanto, não há culpabilidade.

Crime constitui fato típico, antijurídico e culpável, mas, enfocado na perspectiva da

teoria dos valores19, sobretudo, desenvolvida por Mezger (1955)20, em que a culpabilidade era

vista como “reprovação”. Segundo o autor: “não atua culpavelmente a pessoa a quem não

pode ser exigida uma conduta distinta da realizada.” (MEZGER, 1955, p.181).

Como discorre Greco (2008):

A ação deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada em certo sentido normativo. [...] A reprovabilidade como juízo de desaprovação jurídica do ato que recai sobre o autor, se converte na base do sistema, permitindo a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) bem como da omissão. (GRECO, 2008, p. 388).

O conceito mezgeriano é também produto de uma aliança de componentes

psicológicos e desse modo, a culpabilidade passou a ser psicológica (dolo e culpa) e normativa

(exigibilidade). São seus elementos: imputabilidade (possibilidade de responsabilizar o acusado

pela prática de determinado crime), dolo, culpa e exigibilidade de conduta diversa. As críticas a

essa teoria se deram, por ainda, analisar dolo e culpa dentro da culpabilidade.

18 Para Frank, a culpabilidade é a reprovação do fato em concreto, com referência a um comportamento que se caracteriza pela imputabilidade do autor, pela relação psíquica deste com o fato – em forma de dolo ou culpa – na normalidade das circunstâncias concorrentes. (GOMES, 2003, p.121). 19 “Os valores subjetivos residem na mente da pessoa que conhece (do intérprete, do juiz, do legislador, do penalista), derivam do entendimento.” A expressão “valoração paralela na esfera do profano” tem origem na teoria dos valores de Mezger, e significa que a consciência da ilicitude do povo é diferente da do jurista. É ilícito o que é valorado na esfera do leigo, entendido como profano. (MEZGER, 1955, p. 145). 20 O Reichsgerich (Tribunal do Império Alemão) foi construindo, a partir de decisões de casos concretos, a doutrina da inexigibilidade de outra conduta, posteriormente elaborada teoria, pelos professores Freudenthal e Edmund Mezger. O caso mais famoso, em relação à culpa, é o do Leinenfager: O proprietário de um cavalo ressabiado e indolente ordenou ao cavalariço que selasse o animal e saísse à rua com a finalidade de realizar certo serviço. O cavalariço, prevendo a possibilidade de um acidente caso o animal se descontrolasse, quis opor-se à ordem, porém seu patrão o ameaçou com a demissão caso não cumprisse a determinação. O cavalariço, então obedeceu. Na rua, o animal rebelou-se, causando lesões a um pedestre. O Tribunal do Reich negou, contudo, a culpabilidade do cavalariço, porque, levando em consideração as circunstâncias do fato, não podia ser-lhe exigida conduta que o levaria à perda de seu emprego e de comida. (MEZGER, 1955, p. 222-223).

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Introduzida na discussão da tese normativista, desenvolve-se outra concepção acerca

da culpabilidade, a denominada Teoria normativa pura da Culpabilidade.

2.4 Teoria Normativa Pura da Culpabilidade No período de 1931 e 1939, os penalistas queriam reduzir a culpabilidade à “infração

do sentimento do povo”. Penalistas do nacional-socialismo desenvolveram a idéia de

culpabilidade no sentido formal e material. A idéia de culpabilidade no sentido material

equivalente ao juízo de reprovação emitido pelo juiz (que levava a voz do Füher) o qual

recaía sobre o autor por contradizer o espírito do povo, enquanto a idéia de culpabilidade no

sentido formal se esgotava nas formas de dolo e culpa. Com semelhante ideologia,

conceberam o quadro dogmático da mais irracional teoria do Direito penal.

Diversos trabalhos foram publicados designando a culpabilidade como puro juízo de

reprovação, ainda com algumas variantes. Welzel (1987) criticando tal concepção verificou

que não havia limites ao legislador. E, todo o sistema finalista desenvolvido por Welzel

(1987) foi construído sobre a base de que o Direito Penal possui certas premissas que devem

ser reconhecidas também pelo legislador.

Desenvolve-se a teoria finalista da ação, partindo de um ponto de vista filosófico

diferente. A culpabilidade é um juízo de reprovação de caráter pessoal formulado ao autor do

fato, quando este, apesar de poder motivar conforme a norma opta por comportar-se de

maneira distinta. Dolo e culpa são condutas humanas e não formas de culpabilidade,

adquirindo a teoria do delito nova estrutura. Segundo Welzel (1987):

Os tipos dos delitos dolosos e culposos compreendem a ação final (dirigida) desde distintos pontos de vista: enquanto os tipos dos delitos dolosos (dolosos no sentido de dolo de tipo) compreendem a ação final na medida em que sua vontade de ação está dirigida a realização de resultados (objetivos) intoleráveis socialmente, os tipos de delito culposos se ocupam da classe de execução da ação final em relação a conseqüências intoleráveis socialmente, que o autor ou bem confia que não se produzirão ou bem sequer pensa em sua produção, e compreendem aquelas execuções de ação (processos de direção) que lesionaram o cuidado requerido (para evitar tais conseqüências) no âmbito de relação. (WELZEL, 1987, p.156).

Com o finalismo de Welzel (1987), a culpabilidade passou a ser puramente normativa,

deslocando-se dolo e culpa para a tipicidade. Para Welzel (1987), toda conduta é dolosa ou

culposa, porque toda conduta é finalista. Culpa (stricto sensu) é modalidade de conduta, está

inserida na tipicidade. Em qualquer de suas modalidades (negligência, imprudência e

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imperícia) deve ser analisada no âmbito da tipicidade penal, juntamente com o dolo. Greco

(2008) discorre que: “o dolo finalista é um dolo natural, livre da necessidade de se aferir a

consciência sobre a ilicitude do fato para a sua configuração.”( GRECO, 2008, p.391).

Ilustrando, com o exemplo dado por Toledo (2004):

Uma tentativa de homicídio, com ferimentos no corpo da vítima. Exteriormente, nada, absolutamente nada, distingue esta tentativa de homicídio de um crime de lesões corporais. O que faz este ferimento deixar de ser uma simples lesão para transformar-se em um fato muito mais grave, é tão somente a intenção de matar. Se retirarmos esta intencionalidade, não restará qualquer distinção entre lesão corporal e tentativa de homicídio. (TOLEDO, 2004, p.226).

Desse modo, com a teoria finalista, a antijuridicidade é entendida como a

contrariedade do fato à norma e a culpabilidade significa, em sua essência, juízo de

reprovação ao agente do fato punível que podia agir de modo diverso, conforme o Direito.

São requisitos da culpabilidade: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e

exigibilidade de conduta diversa.

Welzel (1987) deixou o legado consenso de extrair o dolo e a culpa da culpabilidade e

passá-los ao tipo, atento ao critério final da ação, que estabelece que o tipo não só contém a

descrição da manifestação exterior da ação no mundo da realidade, senão também do processo

interno do autor.

2.5 Teoria Social da Ação

Para esta teoria, a “ação é um comportamento humano socialmente relevante”.

(GRECO, 2008, p.393). Teve seu desenvolvimento histórico no início do século XX,

principalmente por Jeschek (1981), e não foi realçada pela doutrina brasileira. Segundo esta

teoria, a conduta que deve ser penalizada pelo Direito Penal seria apenas aquela voluntária e

de relevância social. O que fosse aceito socialmente pela coletividade não poderia ser

considerado típico, apesar de enquadrado no tipo incriminador.

Tavares (1980) aponta duas incongruências sobre esta teoria:

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A impossibilidade, até agora, de se fornecer um conceito preciso para a aventada relevância social da conduta e na imprestabilidade prática de um conceito de ação que implique um juízo de valor de tal ordem, que já diga respeito, no fundo, ao conteúdo social do fato, isto é, de conformidade ou desconformidade com a estruturação dos mandamentos coletivos que, em seu conteúdo, não são coletivos. (TAVARES, 1980, p.92).

2.6 Atuais Tendências

No final do século XX, a doutrina se baseia no positivismo sociológico em virtude do

qual se devem distinguir os aspectos formais e materiais das diversas categorias,

desenvolvendo conceitos diferentes de culpabilidade formal e material.

O conceito formal de culpabilidade compreende todos aqueles pressupostos que, num

dado ordenamento jurídico, são indispensáveis para formular ao agente a imputação, enquanto

o conceito material busca desentranhar o conteúdo dessa imputação. Quando se analisa a

inimputabilidade pela menoridade é fácil identificar os menores de dezoito anos como

inimputáveis. É formalmente possível e fácil a assimilação. Quando a inimputabilidade se dá

pela doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, a verificação se torna mais

complexa e os caminhos jurídicos não dão uma resposta exata, sendo necessário o auxílio da

medicina. Nestes casos, a culpabilidade ficará exposta à verificação por laudos médicos que,

na maioria das vezes, baseiam as decisões judiciais.

Por outro lado, o juiz, ao analisar a potencial consciência de ilicitude ou a

inexigibilidade de conduta diversa, toma decisões discricionárias ligadas à sua convicção de

vida. Têm-se presentes posições diferentes que interpretam o conteúdo dos fatos buscando a

culpabilidade material, ou seja, fundamentando as decisões com conteúdos que extrapolam a

verificação da imputabilidade formal, condenando ou absolvendo o acusado pelo fato praticado.

Nesse sentido, a culpabilidade é um juízo de reprovação, tornando indispensável

indagar os pressupostos dos quais depende essa reprovabilidade. Em torno disso, a dogmática

contemporânea tem debatido de diversas maneiras.

As discussões se estendem também ao Princípio da Culpabilidade, no Direito Penal,

em face à controvérsia entre deterministas e indeterministas.

Segundo os deterministas, toda ação é efeito necessário e por isso, inevitável se

motivada por fatores condicionantes como causas econômicas, sociais, ambientais, etc. Nestas

circunstâncias, se uma pessoa cometeu um delito, não poderia ter atuado de outra forma.

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Contrariamente, segundo as hipóteses do livre arbítrio, a ação humana é livre e

incondicionada, no sentido de que todos os seres humanos têm a condição de

autodeterminarem-se e são donos de suas ações. Quem cometeu um delito poderia ter atuado

de outra forma.

Toda a polêmica sobre a liberdade de vontade encerra-se com a conclusão de que há

limitações materiais da liberdade. A vida cotidiana é muito mais complexa e sincera que os

teóricos pretendem crer. Dela se abstraem as circunstâncias humanas e sociais que vão desde

a conduta da vítima, até o índice de desemprego, passando por crises familiares, como um

espiral, até desencadear uma ação delituosa, podendo também, não resultar em delitos as

condições adversas em que vivemos.

Como salienta Conde (1983):

Ainda que o homem possua a capacidade de atuar de um modo distinto a como realmente fez, seria impossível demonstrar, no caso concreto, se usou desta capacidade, porque, ainda se repetisse exatamente a mesma situação, sempre têm outros dados, novas circunstâncias, que há tornaria distinta. A capacidade de atuar de modo diferente a como se atuou é, por conseguinte indemonstrável. (CONDE, 1993, p. 391).

Ferrajoli (2006), discorrendo sobre a culpabilidade, tem o entendimento que é:

Uma modalidade conotada por três elementos: relação de causalidade, imputabilidade e intencionalidade. Estes elementos, no entanto, não são outra coisa que os requisitos do fato legalmente requeridos para afirmar, validamente, o juízo de culpabilidade de que alguém “devia”(deonticamente) ter atuado de outra forma, isto é, as condições empíricas em cuja presença a lei penal permite afirmar ( e em cuja ausência não permite afirmar) que “podia” (aleticamente, ou seja, através do livre arbítrio) ter atuado de outra forma. (FERRAJOLI, 2006, p. 458).

Conde (1993) desenvolve um conceito dialético da culpabilidade. Afasta o conceito

tradicional, que vê na culpabilidade um fenômeno individual que afeta o autor de um feito

típico e antijurídico.

A culpabilidade não é um fenômeno individual senão social. O conceito de culpabilidade tem fundamento social, não psicológico, não é uma categoria abstrata ou ahistórica. É a culminação de todo processo de elaboração conceitual, que se destina à explicação do porquê e para quê em um momento histórico determinado se recorre a um meio defensivo da sociedade tão grave como a pena e em que medida deve fazer-se uso deste meio. (CONDE, 1993, p. 394).

Pode-se evidenciar o caráter individual e social da culpabilidade, por responder em um

contexto histórico concreto, em uma organização social determinada e como produto de

condições diversas que incidem no comportamento individual. Por isso, o juízo de

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culpabilidade não pode ser estudado separado dos marcos do Estado Social e Democrático de

Direito e deve corresponder a seus postulados inspiradores, norteados pelo Direito

Constitucional que tem como fundamento maior a dignidade da pessoa humana.

Ferrajoli (2006), alerta que não se deve esquecer que a culpabilidade é uma

qualificação jurídica da ação e não de seu autor. Isso impede a todos de usar a palavra

“culpável” para referir-se a uma pessoa. O correto é referirmos ao réu como “culpável de uma

ação” e não designar o réu culpado. A doutrina garantista procura colibir visões

preconceituosas das pessoas que por certa vez, realizou uma ação culpável e impede

denominações como anarquistas, subversivos, inimigos do povo, perigosos, suspeitos,

marginais, traficantes, etc., expressões que denigrem a imagem da pessoa perante a sociedade.

O espaço aberto e discricionário de comprovação empírica da culpabilidade pode

desencadear impressões e valorações distorcidas. Isso faz com que a culpabilidade passe por

um processo de erosão, em face de novas tendências funcionalistas preocupadas em

restabelecer a legitimação do Direito Penal, com base numa Política Criminal voltada,

sobretudo, ao caráter preventivo da pena. Tal caráter pode levar a um utilitarismo

antigarantista visando somente eliminar, a todo custo, a repetição de futuros delitos em face

da máxima segurança social.

2.7 Teorias Funcionalistas

Destacam-se, na atualidade, as propostas dogmáticas funcionalistas: a moderada,

sustentada por Roxin (2002) e a radical, representada por Jakobs (2003). Baseiam-se no

significado simbólico do delito e da pena como tentativa de dar uma nova fundamentação à

pena e proteger o Sistema Penal, ante a profunda crise de legitimação que o afeta. O ponto

comum entre elas consiste na pretensão de construir sistemas abertos, aptos a uma permanente

orientação às exigências político-criminais. 21

Os ensinamentos de Roxin (1981) consistem em superar as barreiras existentes entre

Direito Penal e Política Criminal, fazendo do sistema um instrumento válido para a solução

21 Política Criminal é definida por Zaffaroni (1997) como: “Uma ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos.” (ZAFFARONI, 1997, p. 132).

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satisfatória (político e criminalmente) dos problemas reais da sociedade. Todas as categorias

de delito devem ser interpretadas de acordo com os princípios da Política Criminal. A função

político-criminal da culpabilidade está em impedir que os abusos sejam praticados na

imposição da pena e a culpabilidade constitui o limite máximo, a barreira que não se pode

ultrapassar na hora de determinar a pena, acrescido da necessidade preventiva da sanção.

A culpabilidade por si só entendida como possibilidade de atuar de modo distinto é insuficiente para justificar a imposição da pena. A ela deve acrescentar a consideração preventiva, tanto geral como especial de que a pena é necessária para reforçar o sentimento jurídico e a fé no direito da comunidade e para atuar sobre o autor do delito, evitando sua recaída ao mesmo. Quando nenhuns destes efeitos preventivos sejam necessários, por mais que o autor haja atuado culpavelmente, não poderá impor-se uma pena. (ROXIN, 1981, p.43).

Portanto, para Roxin (1981), a culpabilidade constitui um limite da pena e não o seu fundamento. Parte da premissa de que para aplicar a pena permite-se verificar se o autor deve ser castigado, é dizer: podia o autor atuar de outro modo? E argumenta que há situações que se atua com culpabilidade, mas, considerando a necessidade preventiva da pena, não se faz responsável quem atuou nesta situação. Por isso, defende que a categoria chamada “culpabilidade” passe a denominar responsabilidade. E, segundo ele:

O conceito de responsabilidade compreende o de culpabilidade, sendo mais amplo ao incluir pressupostos preventivos da necessidade da pena. O crime é um fato típico, antijurídico e responsável. Responsabilidade englobando culpabilidade e a necessidade concreta da pena. O decisivo não é poder atuar de outro modo, senão é fazer responsável o autor e sua atuação. (ROXIN, 1981, p. 63).

A teoria de Roxin (1981) tem gerado críticas, tanto negativas como positivas. Conde

(1993), prefaciando a obra de Roxin (1981), entende que o autor debilita e relativiza o

conceito de culpabilidade e afirma que:

Não é uma nova categoria “responsabilidade” que há de suprir ou tapar as deficiências que o conceito de culpabilidade apresenta. É o mesmo conceito que deve redefinir e assegurar um conteúdo capaz de cumprir, sem contradições, a função de fundamento e limite ao poder punitivo do Estado. Roxin incorre em contradições: primeiro porque entende a culpabilidade como conceito fictício de raízes metafísicas incapaz por si só de servir de fundamento à imposição da pena. Mas, pretende atribuir a esse conceito fictício a função limitadora de intervenção estatal. (ROXIN, 1981 p.26).

O que não fica claro nas formulações de Roxin (1981), é a questão da função penalizadora vista somente no caráter preventivo. Como podemos confiar em algum efeito preventivo da pena sobre a futura conduta do apenado, se o ser humano não tiver a possibilidade de determinar-se a si mesmo e a seu ato?

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Por outro lado, há quem defenda que Roxin (1981) inicia uma nova tendência ao

Direito Penal menos formalista, e, portanto, mais adequado aos anseios de um Direito Penal

moderno, como observa Gomes (2003):

O rompimento do sistema formalista se deve de modo claro e inequívoco, em 1970, com a teoria de Roxin. Procura o autor, evitar o lamentável contra-senso que propiciava o positivismo jurídico, com seus excessos que apresentava uma interpretação dogmaticamente correta, mas do ponto de vista político-criminal não resolvia o problema concreto de forma adequada e satisfatória. (GOMES, 2003, p. 73).

A pretensão de Roxin (1981) em orientar o sistema de Direito Penal às valorações de Política Criminal merecem os mesmos questionamentos e as mesmas indagações sobre que tipo de Política Criminal é adotada.

A Política Criminal no Brasil tem se orientado a proteger bens jurídicos cada vez mais universais como: meio ambiente, mercado de capitais, bens ligados à informática, etc. São novas dimensões culturais na sociedade. Somam-se a eles os outros tantos bens jurídicos já protegidos. Como tornar a Política Criminal eficaz se não se respeita o caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal? Pode-se ir de encontro a uma Política Criminal que reconheça o verdadeiro e pequeno papel do Direito Penal na contenção da violência na sociedade ou pretender uma Política Criminal voltada ao Direito Penal Máximo.

A doutrina de Roxin (1981), apesar de esvaziar o conceito de culpabilidade, até o momento tem se orientado para a busca um Direito Penal Mínimo, juntamente com o Princípio da Coculpabilidade, em dois pontos cruciais. Primeiro, quando interpreta o delito como fato que vai muito além do Direito Penal, reconhecendo que o fato típico tem dimensões sociais, éticas, políticas, etc.

Essas dimensões podem levar os penalistas a se apoiarem em outras ciências para explicarem a culpabilidade e também adotar à Coculpabilidade, em determinados casos, evitando o contra-senso que proporciona ao positivismo jurídico interpretações dogmáticas não condizentes com uma resposta adequada e proporcional ao caso concreto, não desconhecendo todas as dimensões que envolvem a prática do delito.

Segundo, porque Roxin (1981) reconhece que não se pode ignorar graves contradições

nos comandos do Estado Social e Democrático de Direito e que constitui dever do direito e,

sobretudo do Direito Penal, reafirmar que os direitos fundamentais influem na necessidade da

pena e podem excluir o castigo, no âmbito do tolerável, como causa de exclusão da

responsabilidade.

De Roxin (1981) podem ser extraídos princípios minimalistas do Direito Penal, como o da insignificância, da exclusiva proteção de bens jurídicos relevantes e da intervenção mínima. Princípios que remetem à tipicidade o juízo de valor, sobre o qual recai a interpretação se a ofensa ao bem jurídico deve merecer uma reprovação penal.

Sobretudo, esvaziam o conteúdo da culpabilidade reconhecendo, no fato típico, elementos pessoais respondendo às exigências funcionais, não condicionadas à valorização final da atitude que o réu assume, até o resultado de sua conduta.

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Outra vertente é o conceito funcionalista ou sistêmico de delito de Jakobs (2003). Para

esta teoria, o Direito Penal não se limita a proteger bens jurídicos, senão funções, isto é, a

confiança institucional no sistema. A culpabilidade só se fundamenta pela prevenção geral.

Tem como ponto comum a mudança do centro de atenção do sistema social,

subordinando o seu bom funcionamento, qualquer violação ética, política, individual ou

coletiva. Cada parte está, em função da outra, em uma estrutura harmônica gerando

estabilidade e ordem, na qual a mudança constitui uma anomalia, devendo a dissidência ser

combatia para a preservação do sistema. O infrator é visto como inimigo.

Segundo Jakobs (2003):

Quem, por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal, por isso, não pode ser tratado como cidadão, senão deve ser combatido como inimigo. Esta guerra é justificada com o legítimo direito dos cidadãos em ter direito à segurança. (JAKOBS, 2003, p. 55).

Parece que Jakobs (2003) pretende ressuscitar o modelo amigo-inimigo de Schimitt

(1992)22, aparentemente superado. Para essa teoria, a distinção de amigo e inimigo cabia ao

âmbito político. Qualquer contradição quer seja moral, religiosa, econômica ou racial,

transformavam-se em uma contradição política suficiente para agrupar, efetivamente, pessoas

segundo a ótica do amigo ou do inimigo. O código amigo-inimigo proporcionava a unidade

para “determinado caso” transformar-se em guerra, o que exigia dos amigos o sacrifício em

prol da associação – pro pátria mori.

No pensamento de Schimitt (1992), devia ser assegurada a integridade do espaço e

instituída a homogeneidade do “agrupamento” para garantir, no Estado, a unidade política

indicada. Psicologicamente, deve-se acrescentar que tais medidas deviam manter em xeque os

medos perante o rompimento de fronteiras e o colapso do todo. A intenção declarada era

evitar o caos como rompimento na segurança concreta e a ordem na sociedade.

22 A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a discriminação entre amigo e inimigo. (SCHMITT, 1992, p. 176).

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Esse modelo caiu em crise após ter coadunado com os ideais do nazismo, e agora,

parece ressurgir com a ação americana, frente aos atentados de 11 de setembro. Na busca de

justificativa política para atacar o “inimigo”, os Estados Unidos da América declararam

guerra e se apresentaram como “bonzinhos”, como nos filmes americanos, fundamentando os

ataques ao Iraque, somente em questões políticas, em prol da luta contra o terror.

Essa guerra não tem por base o respeito ao homem estrangeiro e utiliza o Direito Penal

do autor intitulando como “terroristas” todos os iraquianos, muito menos obteve uma resposta

institucional adequada, com uso de provas secretas e todo um arsenal condizente com uma

guerra suja, em que faz vítimas pessoas inocentes.

A quem diga que não há nada de novo sob o sol, e o poder leva o homem sempre a

optar pelo caminho mais fácil e mais rápido para obtenção de suas vinganças. O Direito Penal

fez sangrar durante a história e, infelizmente, poderá fazê-lo no futuro.

O modelo alarmante reflete uma realidade praticada em Quantânamo, onde pessoas

são presas e não gozam de garantias. Essa prática, não garantista expande-se, apesar de todo o

discurso de efetivação dos direitos humanos em nível global, desencadeando o grande

paradoxo da atualidade.

Na mesma linha está Jakobs (2003), tratando o delinqüente como inimigo, podendo

perfeitamente transformar-se num Direito Penal do autor, sob a lógica do amigo-inimigo, nos

remetendo a tristes e nefastas experiências passadas.

Ferrajoli (2006) denuncia que o Direito Penal não deve conhecer inimigos, nem

amigos, mas sim, cidadãos. A doutrina de Jakobs (2003) não desvela a dinâmica do poder e

aceita uma dimensão estática, não revelando a sua real dimensão social.

O delito é entendido como: fato típico, antijurídico e culpável, mas é, sobretudo,

infração da norma imperativa. O Direito e, conseqüentemente, a pena existem para reforçar a

norma (assim como a confiança no Direito, assumindo o caráter de prevenção geral positiva).

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A violação de uma norma (delito) é considerada socialmente disfuncional, porém, não porque

lese ou coloque em perigo determinados bens jurídicos, mas, porque questiona a confiança

institucional no sistema.

O conceito de culpabilidade gera o denominado conceito funcional de culpabilidade.

Para comprovar, fundamentar e graduar a culpabilidade, não interessa se o sujeito poderia ou

deveria comportar-se de outra forma: a exigência funcionalista de restabelecer a confiança no

direito, mediante a contraposição simbólica de uma pena será critério decisivo, exacerbando-

se assim, a concepção normativista que prescinde de todo conteúdo psicológico-cogniscitivo,

no juízo de reprovação.

O que se observa, na doutrina de Jakobs (1996), é um máximo de abstração,

convertendo o simples ato de comunicação o processo legítimo da violência estatal. Segundo ele:

Ser pessoa é ter que representar um papel. Tomado de forma isolada todo comportamento por ser interpretado de diversas maneiras. Por isso, é preciso fixar de modo objetivo o que significa um comportamento e se este comportamento significa infração à norma. Por tanto, há de desenvolver-se um padrão que não pode assumir peculiaridades subjetivas. O Direito penal não se desenvolve na consciência individual, senão na comunicação. Seus autores são pessoas (tanto o autor, como a vítima, como um terceiro) e suas condições não são estipuladas por um sentimento individual, senão social. (JAKOBS, 1996, p. 50).

O modelo da sociedade, no qual se baseia Jakobs (1996), é fundado no modelo da

teoria do sistema (funcionalista) de Luhmam (2001)23, na qual a sociedade é vista como

sistema social que tem como base não os sujeitos, mas a comunicação e o ambiente. A pessoa

é vista como um conceito social, alguém não seria pessoa, a sociedade o outorga pessoa e ele

deve desempenhar um papel social.

Não é possível aproximar a doutrina de Jakobs (1996) com os anseios da

Coculpabilidade, sobretudo, porque o autor renuncia às circunstâncias empíricas de

verificação do grau de comprometimento do cidadão em respeitar a norma.

Desta maneira, a pessoa termina instrumentalizada para a estabilização de interesses

sociais de parte da sociedade e se desconhece o princípio universal da dignidade do ser

humano, colocando o arbítrio do legislador e do juiz, como sendo a única pauta válida para

entender a idéia de culpabilidade, com as desastrosas conseqüências ao campo da segurança

jurídica, como já se demonstrou, por exemplo, o Direito Penal Nazista.

23 Para Luhmam, o elemento dos sistemas sociais é a comunicação. A comunicação não é uma relação entre pessoas. Comunicação só se comunica com comunicação gerando mais comunicação. No caso, o que interessa não é o que foi compreendido da comunicação, mas o que foi realizado para dar continuidade à sociedade. (LUHMAM, 2001, p.121).

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Se antes, se media a culpa pelo poder de atuar de outro modo, é dizer verificar as

possibilidades fáticas deste homem em sua situação, muito criticada pelo indemonstrável

“homem médio”, agora, se tem argumentado que se deve analisar o “poder geral de atuar de

outro modo”, levando a culpabilidade a um grau ainda mais indeterminado.

2.8 Algumas posições sobre as funções da culpabilidade na teoria do delito

Para alguns doutrinadores, como Jesus (1999)24, Dotti (2001)25 e Delmanto (1986)26 a culpabilidade está fora do conceito de injusto penal, o crime existe por si mesmo, com os requisitos da tipicidade e antijuridicidade. A culpabilidade funciona como pressuposto da pena e não requisito ou elemento do crime. Sua função é limitar o “quantum” da pena a depender do grau de culpabilidade do agente.

Um dos fundamentos exemplificado na doutrina de Jesus (1999), está na interpretação

do artigo 180, “caput” 27 e 180, parágrafo 4º do Código Penal. Segundo ele:

A receptação pressupõe receber, adquirir ou ocultar coisa produto de crime. Supondo que o agente haja receptado coisa furtada por sujeito inimputável, nos termos do art. 26, caput, do código Penal. Ele responde por receptação (art. 180, parágrafo 4º, do CP).Segundo este entendimento, a coisa não seria produto de crime se a culpabilidade fosse requisito ou elemento do delito. (JESUS, 1999, p. 454).

Outro fundamento está no raciocínio de que o Código Penal quando se refere à

exclusão da culpabilidade, emprega expressões ligadas à aplicação da pena, a exemplo do

artigo 26 “caput” 28 e artigo 28, parágrafo 1º, 29 do Código Penal. Fundamento refutado na

doutrina de Greco (2008):

Entendemos premissa vênia, que não só a culpabilidade, mas também o fato típico e a antijuridicidade são pressupostos para a aplicação da pena. Se, por alguma razão, não houver o fato típico, poderemos aplicar pena? A resposta é negativa, concluíndo-se que o fato típico também é pressuposto da pena. Se, a conduta do agente não for antijurídica, mas sim permitida pelo ordenamento jurídico, poderemos aplicar-lhe a pena? A resposta também é negativa. Enfim, todos os

24 JESUS, Damásio E. Direito penal - parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 94. 25 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal – parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001 p. 335-339. 26 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 1986, p. 18-19. 27 Artigo 180: Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, adquira, receba ou oculte. Parágrafo 4º: A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa .(BRASIL,2007, p.344). 28 Artigo 26: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 2007, p.304). 29 Artigo 28, parágrafo 1º: É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era ao tempo da ação ou da omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 2007, p.304).

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elementos que compõem o conceito analítico do crime são pressupostos para a aplicação da pena e não somente a culpabilidade. (GRECO, 2008, p.145).

Ademais, o próprio Jesus (1999)30 reconhece que o Código Penal, quando estabelece a

isenção da pena nas descriminantes putativas do art. 20, parágrafo 1º 31, em face de erro sobre

a situação do fato, isenta a pena por erro de tipo, excluindo o dolo e a culpa, se inevitável e se

evitável, excluindo somente o dolo. Portanto, empregando a expressão “isento de pena” para

afastar a tipicidade.

Gomes (2003) adota posição diferenciada, denominada de “sistema constitucionalista

do delito”. Crime no sentido de injusto penal compreende o fato típico e antijurídico. O

primeiro requisito é acrescido de outro conceito: a tipicidade material.32 As situações fáticas

dos delitos são analisadas dentro da tipicidade material, podendo ser consideradas atípicas

condutas que não lesem concretamente o bem jurídico.

Os dois requisitos (tipicidade material e ausência de justificantes), depois de valorados

fazem parte da categoria da sancionalidade, ou seja, crime no sentido de fato punível,

englobando um terceiro requisito: o da punibilidade.

Definido como fato punível, o crime exige três requisitos: fato materialmente típico,

antijuridicidade e punibilidade33 (fato ameaçado abstrata e concretamente com pena). A

culpabilidade tem função de unir o delito à pena, ou seja, para atribuir pena a um acusado,

devem estar presentes os três requisitos da culpabilidade (imputabilidade, potencial

consciência da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa).

A Culpabilidade para Reale Júnior (2004) constitui fundamento e limite da pena:

Fundamento da pena como juízo de reprovação, dado o potencial conhecimento da ilicitude e ser a opção reconhecida como negativa apesar da anormalidade da situação. A culpabilidade é também limite da pena, em vista de por ela se graduar a justa pena, conforme o necessário e suficiente para a reprovação e prevenção. (REALE JUNIOR, 2004, p 191).

30 A teoria adotada pelo código penal é a teoria limitada da culpabilidade, e concorda que o erro que recai sobre os elementos descritivos do delito é denominado erro de tipo, excluindo a tipicidade e o erro que recai sobre a ilicitude do fato, sobre a regra de proibição, chama-se erro de proibição, excluindo ou atenuando a culpabilidade. (JESUS, 1999, p. 465). 31 Art. 20: o erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal do crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Parágrafo 1º: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstancias ,supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. (BRASIL, 2007, 303). 32 Para configurar a tipicidade material (GOMES, 2003, p. 105) deve haver: conduta, resultado naturalístico, exigido para crimes materiais, nexo de causalidade, imputação objetiva da conduta (criação de um risco proibido relevante), produção de um resultado jurídico relevante, imputação objetiva do resultado (ao risco proibido criado ou incrementado). 33 Causas impeditivas da punibilidade: falta de condição objetiva da punibilidade, imunidade diplomática, escusa absolutória, etc. ( GOMES, 2003, p.100).

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Nas lições de Ferrajoli (2006):

A culpabilidade não é nem um pensamento, nem um mero aspecto interno da pessoa, senão um elemento do fato, isto é, uma conditio sine qua non do mesmo, fundada mais do que em razoes éticas ou utilitaristas, na estrutura lógica da proibição, que implica a possibilidade material de realização ou omissão da ação, imputáveis, ambas, à intenção de um sujeito. (FERRAJOLI, 2006, p.460).

Toledo (2004), sabiamente discorre sobre o tema:

Culpabilidade é um juízo de censura que se faz ao agente pelo seu fato típico e ilícito. Quando, porém se procura saber em que consiste esse juízo de censura e qual o seu objeto imediato, adentra-se em uma região onde as idéias não mais se apresentam de todo coincidentes. (TOLEDO, 2004, p. 235).

A doutrina majoritária34 adota o conceito analítico de crime como sendo “fato típico,

antijurídico e culpável”, ou seja, entendendo a culpabilidade tanto como requisito do crime

como limite da pena.

Há defensores, entre eles pode-se citar Conde (1993), de um sistema quadripartido do delito, ou seja, ao fato típico, antijurídico e culpável acrescentam a punibilidade como requisito do crime. No Brasil, a justificativa está no conceito de crime exposto no artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.” (BRASIL, 2007, p.257).

E, ainda há uma última corrente que classifica o crime com cinco requisitos, incluindo a conduta como base de todo o delito, adotando assim uma visão quintupartida ou pentapartida do delito, conforme a doutrina de Carnelutti.35. Estas duas últimas correntes são minoritárias no Brasil e conservam a culpabilidade como requisito do crime.

Não há consenso, também na doutrina, acerca do Princípio da Culpabilidade. Para a maioria dos doutrinadores, o princípio assegura a não incidência da responsabilidade objetiva, no Direito Penal, como afirma Batista (2001):

A culpabilidade enquanto princípio deve ser entendida como o repúdio a qualquer espécie de responsabilidade objetiva. Deve igualmente ser entendida como a exigência de que a pena não seja infligida, senão, em face da conduta do sujeito. (BATISTA, 2001, p.103).

Realçado também por Ferrajoli (2006):

34 Compreendida dentre outros por: Welzel, Winfried Hassemer, Rogério Greco, Luis Regis Prado, Cezar Bitencourt, Francisco de Assis Toledo, Edgard Magalhães Noronha, Heleno Fragoso, Frederico Marques, Aníbal Bruno, Nélson Hungria, Fernando Galvão, Juarez Tavares, Leonardo Yarochewsky. 35 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Delito. Belo Horizonte: Editora Mandamentos. 1999, p. 48.

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O princípio assegura a afirmação da culpabilidade perante doutrinas e ordenamentos autoritários que tendem a debilitá-la, a integrá-la ou a substituí-la pela “periculosidade” do réu e por outros meios de qualificação global de sua personalidade, como são a capacidade de delinqüir ou a culpa de autor. [...] Num sistema garantista, não tem lugar qualquer tipologia subjetiva ou de autor elaboradas pela criminologia antropolítica ou ética, tais como a capacidade criminal, a reincidência, a tendência a delinqüir, a imoralidade ou a falta de lealdade. (FERRAJOLI, 2006, p.448- 458).

Posição diferente defende Gomes (2003) que entende que a não incidência da

responsabilidade objetiva, no Direito Penal, se deve ao princípio da responsabilidade subjetiva.

A doutrina (assim como a jurisprudência) ainda faz muita confusão entre o princípio da responsabilidade subjetiva e o princípio da culpabilidade. Entendida a culpabilidade no sentido puramente normativa, não mais como se conceber dolo e culpa dentro dela. Logo, se dolo e culpa foram descolados para a tipicidade, o princípio que rege essa exigência (de dolo ou culpa) é o da responsabilidade subjetiva, não mais o da culpabilidade. (GOMES, 2003, p. 114).

O autor adota o Princípio da Culpabilidade como o princípio que assegura a

inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, a vedação de punição àquele que não podia agir

de modo diverso. E exemplifica que “aquele que adquire um veículo zero quilômetro e na

primeira viagem quebra a barra de direção, causando morte, não pode ser responsabilizado

penalmente”. Segundo ele “a simples participação material no fato não significa

automaticamente responsabilidade penal”. (GOMES, 2003, p.112).

Compartilhando com a posição de que a culpabilidade deve contar com tríplice

significado, não se pode deixar de contextualizar todo o desenvolvimento da doutrina penal

perante o Código Penal, de 1940, alterado em 1984, sobretudo, após a Constituição de 1988.

A culpabilidade garante freios ao poder de punir do Estado e deve ser realçada sempre,

principalmente, em prol daqueles demonstravelmente fracos dentro do Sistema Penal.

A culpabilidade constitui elemento integrante do conceito analítico de delito,

compreendida como a capacidade de querer e de entender (a imputabilidade), a consciência da

ilicitude (real ou potencial), assim como a normalidade das circunstâncias (exigibilidade de

conduta diversa). Neste sentido, depois de verificado o fato típico e ausência de causas

justificantes, deve-se ainda, verificar a culpabilidade, para se chegar à conclusão de que o fato

constitui crime ou contravenção penal.

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As causas excludentes da culpabilidade denominam-se exculpantes, dirimentes ou

eximentes36. A análise do caso concreto de um fato não constituir crime por falta de um dos

seus requisitos, sobretudo da culpabilidade, faz da sentença uma aplicação do direito com

base na realidade social que envolveu o fato. Ao passo que, não verificar a culpabilidade

como requisito do crime, somente como fundamento da pena, torna o mesmo fato, um crime,

podendo ser ou não penalizado.

Esta não penalidade soa como um ato discricionário de misericórdia ou de perdão, não

mais condizente num Estado Constitucional, Social e Democrático de Direito e será

legitimamente fundamentada depois de analisar todos os requisitos do crime em face do caso

concreto, verificando, sobretudo, a pessoa destinatária da decisão.

A culpabilidade exerce, também, função de limitar a pena, dentro da razoabilidade, em

conformidade com os artigos 29 e 30 do Código Penal37, impedindo que a pena seja imposta

além da medida prevista pela culpabilidade. Não é razoável, por exemplo, a pena de furto

qualificado por concurso de pessoas38 ser duplicada, ou seja, compreendida entre dois a oito

anos de reclusão e multa, comparada com a pena de roubo, mediante grave ameaça ou

violência, em que, no caso de concurso de pessoas39, é aumentada de um terço até metade.

Vale ressaltar, que a culpabilidade funciona, também, como fator de graduação da

pena, nos moldes do artigo 59 do Código Penal.40 Neste sentido, o juiz, no momento da

aplicação da pena, deve levar em conta a posição do agente frente ao bem jurídico violado, já

tendo em vista a valoração de todos os requisitos da infração penal.

A culpabilidade, como princípio fundamental do Direito Penal, está expressa no axioma garantista Nulla actio sine culpa e nas teses que dele derivam: nulla poena, nullum crimen, nulla lex poenalis, nulla iniuria sine culpa.

36 Causas de exclusão da imputabilidade penal: menoridade penal, (artigo 27 do CP) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (artigo 26, “caput” do CP); embriaguez fortuita completa (CP, art. 28, parágrafo 1º). Causas de exclusão da potencial consciência da ilicitude: erro de proibição (artigo 21 do CP) e para alguns doutrinadores, o parágrafo 1º do art. 20, quando trata das descriminantes putativas por erro inevitável, também exclui a culpabilidade. (GOMES, 1999, p.106; GRECO, 2008. p. 311). Causas de exclusão da exigibilidade de conduta diversa: legais: coação moral irresistível e estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico. (art. 22 do CP). Causa supralegal de exclusão da culpabilidade, é possível em face de situações concretas de inexigibilidade de conduta diversa. (GOMES, 2003, p.117-119). 37 Artigo 29: Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (BRASIL, 2007, p. 304) Art. 30: Não se comunicam as condições e circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (BRASIL, 2007, p.305). 38 Art. 155, parágrafo 4º, inciso IV do Código Penal. (BRASIL, 2007) 39 Art. 157, parágrafo2º, inciso II do Código Penal. (BRASIL, 2007) 40 Artigo 59, caput: O juiz, atendendo á culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstancias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e repressão do crime [...].(BRASIL, 2007, p. 311).

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Significa, segundo Ferrajoli (2006), que:

Nenhum fato ou comportamento humano é valorado como ação se não é fruto de uma decisão; conseqüentemente, não pode ser castigado, nem sequer proibido, se não é intencional, isto é, realizado com consciência e vontade por uma pessoa capaz de compreender e de querer. (FERRAJOLI, 2006, 447).

A Constituição da República assegura, através do princípio da culpabilidade, a

presunção de inocência, quando determina em seu artigo 5º, LVII que “ninguém será

considerado culpado de uma ação, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

(BRASIL, 2008, p.28). O Código Penal Brasileiro, no seu artigo 19, corrobora com o

princípio, não admitindo a responsabilidade objetiva, conforme o comando de que “só

responde o agente que houver causado o resultado ao menos culposamente.” (BRASIL, 2007, p.302).

A culpabilidade, como princípio garantista do Direito Penal, visa também, não

permitir que o julgamento verse sobre a pessoa do réu, ou sobre sua moralidade. O infrator

não pode se tornar prisioneiro de sua carga hereditária ou na sua forma de ser. O crime não

pode se considerado “pecado” na sociedade.

Como ressalta Yarochewsky (2005):

Somente o princípio da culpabilidade pode evitar que o Estado, no interesse de uma proteção preventiva de bens jurídicos, chegue a castigar inclusive aqueles fatos que o autor não pode evitar e aos quais não pode dirigir nenhuma reprovação pessoal. Somente este princípio dotado de significado jurídico-penal autônomo tem condições para erguer uma barreira garantista contra a aplicação de penas sem culpabilidade que, em tais casos, embora funcional, apresenta-se carente de legitimação em um Estado Democrático de Direito. (YAROCHEWSKY, 2005. p. 118 - 119).

Por fim, é através da culpabilidade que se verifica se o infrator encontrava-se em

condições de realizar a conduta, de acordo com a norma jurídica, analisando condições de

ordem pessoal e social imperantes no ambiente dos fatos, e se possuía o conhecimento

concreto do significado de sua ação, como negação desta ordem. A responsabilidade penal,

excluída pela não culpabilidade, não obsta a pretensão da reparação do dano, no âmbito civil.

E, uma vez configurado o fato como típico, antijurídico e culpável, ainda há que se limitar a

pena às circunstâncias individuais de cada infrator, devendo, o agente responder perante um

tribunal legalmente constituído, segundo um rito processual legítimo.

Em face de distorções do Princípio da Culpabilidade como limitador do poder de

punir, numa época que se presencia uma crescente legislação de emergência, que se orienta

por um movimento que tende a endurecer mais o Sistema Penal, a culpabilidade há de ser

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acompanhada pelo Princípio da Coculpabilidade, em busca de reforço à visão humanística de

todo o homem, sobretudo ao homem considerado delinqüente.

Através do Princípio da Culpabilidade, juntamente com o da Coculpabilidade,

devemos reconhecer o estado de vulnerabilidade do infrator frente ao poder seletivo estrutural

do Sistema Penal, considerando a análise concreta dos parâmetros para delimitar o âmbito de

autodeterminação da liberdade da pessoa, no momento em que comete um delito.

3 ORIGEM DA COCULPABILIDADE

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A França deu aos povos a noção de que a história pode ser mudada por sua ação. (HOBSBAWN, 1996, p. 125).

Pode-se atribuir às idéias iluministas do século XVIII as raízes da coculpabilidade, como de vários outros princípios garantistas norteadores do Direito Penal. Partindo da idéias de Rousseau de “Pactum Societatis”, onde os homens nascem livres e iguais e para conviverem em sociedade, abrem-se mão de parcela de sua liberdade em prol do Leviatã: homem artificial/Estado. A lei seria a vontade soberana do povo, sob o entendimento de que ninguém faz mal a si mesmo, consequentemente as leis seriam justas.

Entretanto, Beccaria (2006), alerta que:

Ninguém faz graciosamente o sacrifício de uma parte de sua liberdade apenas visando o bem público. Cada homem, somente por interesses pessoais, está ligado às diversas combinações políticas deste globo e cada um desejaria se possível, não estar preso pelas convenções que obrigam os demais homens. (BECCARIA, 2006, p.18).

Ao Estado é dado o direito de punir provindo de partes das liberdades de cada um,

sacrificadas em prol da vida em sociedade. Conduto esclarece Beccaria (2006) que: “a

liberdade deixa de existir sempre que as leis permitam que em determinadas circunstâncias

um cidadão deixe de ser um homem para vir a ser uma coisa que se possa pôr a prêmio.”

(BECCARIA, 2006, p. 97).

A obra “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria, publicada em 1764, é o marco de uma

nova visão no Direito Penal. Contrapõe o velho Direito Penal com concepções que obtiveram

grande repercussão na Europa, e posteriormente, em todo o mundo. Aspira penas moderadas,

certas e rápidas, questionando os excessos da legitimidade do direito de punir e ausência de

garantias protetoras em face do Direito Penal vigente. Rejeita todas as idéias de expiação e

vingança divina, defende a possibilidade de prevenção de crimes e aponta o aperfeiçoamento

da educação como meio mais seguro para atingir tal objetivo.

Começa, a partir destes ideais, a luta pela racionalização e proporcionalidade das

penas e a busca de instrumentos que restrinjam a arbitrariedade do poder.

Segundo Beccaria (2006):

Não era suficiente, contudo, a formação desse depósito; era necessário protegê-lo contra as usurpações de cada particular, pois, a tendência do homem é tão forte para o despotismo que ele procura, incessantemente não só retirar da massa comum a sua parte da liberdade, como também usurpar a dos outros. (BECCARIA, 2006, p.24).

No desencadear da Revolução Francesa, poucos pensadores contribuíram diretamente

para a formação da cultura penal iluminista, além de Beccaria (1764). Dentre eles, pode-se

destacar o exemplo de Marat (2000) que conseguiu unir idéias revolucionárias a uma nova

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filosofia do Direito Penal, através da obra “Plano de legislação criminal”, publicada em 1780.

Esta obra foi publicada com a finalidade de ser apresentada num concurso internacional,

fazendo menção à justiça distributiva como a única resposta à desigualdade reinante nas sociedades:

A natureza tem estabelecido grandes diferenças entre os homens e a fortuna estabelece diferenças maiores; quem não vê que justiça deve ter sempre em consideração as circunstâncias em que o culpado se encontra, circunstâncias que podem agravar ou atenuar o crime. (MARAT, 2000. p. 81).

Apesar do plano de legislação criminal ter sido rejeitado, na época, justamente por seu caráter revolucionário, teve grande mérito pela clareza que afirmava as injustiças sociais e a defesa dos direitos humanos. Apesar de contratualista, Marat (2000) acrescenta às idéias de Rousseau que o Estado deveria garantir a subsistência dos cidadãos. Somente depois, haveria o dever de obediência às leis.

Se a sociedade abandona o homem à própria sorte, este é obrigado a retornar ao estado de natureza, agindo pela própria força. Assim, o homem, voltando ao seu estado natural, não era obrigado a respeitar as leis. Reconhecendo, neste caso, o homem como livre para resistir ou ceder aos comandos legais, caso contrário, estaria em situação de dominação, se tornando fraco por estar dependente.

A crítica de Marat (2000), provinha do apelo à dignidade social do homem, fagulha da

Revolução Francesa, que pleiteava a necessidade de “socorros públicos” reputados como

“uma dívida sagrada”, cabendo à sociedade dar amparo aos cidadãos desafortunados. Marat

(2000) antecipa a necessidade de efetivação do Estado Social de Direito, antes mesmo de

eclodir a Revolução Francesa, época em que os ideais consistiam em “liberdade” e as

reivindicações eram no sentido do afastamento do Estado absolutista.

Propõe, para reverter o quadro de injustiça social, na qual uns poucos possuem muito e

a maioria nada, a educação dos pobres e a distribuição de terras eclesiásticas. Reconhece um

tratamento diferenciado àqueles que não têm as mesmas condições econômicas com

graduações de culpa diferentes e exemplifica que: “Se dois homens praticam o mesmo roubo,

o que apenas tem o necessário é menos culpável do que o que vive no supérfluo.” (MARAT,

2000, p. 82).

Estes argumentos foram desenvolvidos dentro de seu plano de legislação criminal, como

crítica ao direito de punir apresentado por Kant (2003), na obra Metafísica dos costumes:

Mas, que tipo e quantidade de punição correspondem ao princípio e medida da justiça pública? Nada, além do princípio da igualdade (na posição de ponteiro da balança) inclina-se não mais para um lado do que para outro. Em conformidade com isso, seja qual for o mal imerecido que inflige a uma pessoa no seio do povo, o inflige a ti mesmo; se o feres, feres a ti mesmo; se o matar, mata a ti mesmo. Mas somente a lei talião (ius talionis) entendida, é claro como aplicada por um tribunal (não por seu julgamento particular) é capaz de especificar definitivamente a qualidade e quantidade da punição. Todos os demais princípios são flutuantes e inadequados a uma sentença de pura e estrita justiça, pois neles estão combinadas considerações estranhas. (KANT, 2003, p.175).

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Em contrapartida, Marat (2000) defendeu que a igualdade de punição só seria possível

se a sociedade fosse justa e as pessoas fossem materialmente iguais. Essas críticas

representam a semente que foi plantada no pensamento sobre a responsabilidade da sociedade

e do Estado para com todos os membros de uma nação, e a noção de que o Estado quebra o

contrato social quando deixa de propiciar aos seus cidadãos o mínimo de condições de

sobrevivência. O direito de punir do Estado deve ser graduado levando em conta que as

condições de miserabilidade podem levar à criminalidade.

Essas idéias germinaram e foram seguidas no fim do século XIX, início do século XX, por um juiz francês, intitulado: “O bom juiz Magnaud.” Magnaud, juiz do tribunal francês de Cháteau Thierry, citado por Leyret (1990) ficou conhecido julgando o caso de Luisa Ménard:

Tratava-se de uma mulher, que estava trinta e seis horas sem comer juntamente com seu filho. Desesperada, furtou pães, na casa do padeiro. Procurada pelo comerciante, já tendo comido os pães, tentou trocar por trabalhos artesanais o que foi recusado pelo mesmo, sendo presa e processada. (LEYRET, 1990, p.99).

O juiz Magnaud, citado por Miaille (1989) pronunciou a sentença absolutória, em

1898. Fundamentando que, “lamentavelmente, numa sociedade bem organizada, um de seus

membros, sobretudo mãe de família, não poderia encontrar outro modo, senão, cometer o

delito.” (MIAILLE, 1989, p.216).

Dotado de um pragmatismo inovador para o Direito Penal, Magnaud fez com que o Princípio da Coculpabilidade, até então no campo das idéias, passasse para o caso concreto e fosse realmente efetivado em suas sentenças. Essas deram volta ao mundo e são citadas até hoje, nas doutrinas de Direito Penal.

Há quem defenda que o Princípio da Coculpabilidade surgiu na legislação juntamente com os movimentos sociais que clamavam a implantação do Estado Social de Direito, sobretudo, sem desconsiderar que suas raízes encontram-se no Iluminismo.

Como aponta Cumiz (2008):

Antes da exposição destes temas, em particular, considero imprescindível uma sucinta explicação da co-culpabilidade social e sua inclusão em nossa legislação, destacando assim esta teoria que considero criação nos ordenamentos jurídicos socialistas, ainda que se pode encontrar uma raiz anterior, no século XVIII, ou nos princípios do século XX, com as sentenças do juiz Magnaud, como antecedente fundamental da culpabilidade pela vulnerabilidade. (CUMIZ, 2008, p.07).

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A evolução do Direito Penal como um todo, ou de alguma parte, como o Princípio da

Coculpabilidade, deve sempre ser analisada contextualizando o momento histórico, porque

o Direito Penal pertence à relatividade da história e aos conflitos sociais, refletindo os

acertos e desacertos da vida em sociedade.

De modo geral, as correntes iluministas proporcionaram ao Direito Penal, uma nova

fase, propondo novas perspectivas de organização política e social. Mais do que

continuidades, a história das punições é marcada por rupturas, contradições,

descontinuidades, retrocessos ocasionadas por pressões e omissões de todos os gêneros,

traduzindo em injustiças que não se pode perpetuar.

O grau de reprovação do Sistema Penal, seguindo as lições de Magnaud (1848-1926),

deve levar em conta carências sociais determinadas por grande desigualdade econômica e

poucas possibilidades de desenvolvimento do homem inserido numa sociedade.

É isto que pretende o Princípio da Coculpabilidade, que se faz presente em vários

ordenamentos penais, e está sendo apontado por vários doutrinadores, principalmente, entre

aqueles comprometidos com um Direito Penal guiado por princípios constitucionais, em

prol da incansável luta iniciada por Beccaria (2006), contra os abusos do poder punitivo.

4 TERMINOLOGIA: PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE

Os membros mais frágeis da comunidade política têm o direito à mesma consideração e ao mesmo respeito que o governo concede a seus membros mais poderosos, de modo que, se algumas pessoas têm liberdade de decisão, qualquer que seja o efeito sobre o bem-estar, todas as pessoas devem ter a mesma liberdade. (DWORKIN, 2002, p.305).

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O prefixo “Co”41 significa estar junto. Daí a denominação, no Direito Penal, de

coautor para aquele que participa do fato juntamente com o autor.

O Princípio da Coculpabilidade incide sobre a culpabilidade, buscando corrigir as

incoerências da culpabilidade vista somente como regra. Propicia um julgamento mais

comprometido e humanitário, procurando restaurar desequilíbrios sociais, visando verificar as

condições de vulnerabilidade das pessoas no meio social e dividir com o Estado e com a

sociedade a culpabilidade destas, uma vez que a Constituição Federal de 1988 enuncia em seu

preâmbulo a busca pelo exercício de direitos sociais, em prol de uma sociedade fraterna,

fundada na harmonia social:

O exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, e comprometida nas ordens interna e internacional, com a solução pacífica dos conflitos. (BRASIL, 2008, p. 19)

Antes da verificação da culpabilidade e imposição da pena, o juiz deve se orientar pelo

Princípio da Coculpabilidade, buscando a aplicação do direito com integridade, equidade e

justiça, principalmente interpretado à luz de princípios constitucionais.

4.1 O Direito por “Princípios” Na constituição estão insertos os princípios fundamentais, ou princípios de direitos

fundamentais, que foram se desenvolvendo juntamente com a história das Constituições e

conquistando o reconhecimento como força normativa.

Bonavides (2004) ensina que os princípios, uma vez constitucionalizados são “a chave

de todo o sistema normativo”, significando o critério primeiro de inspiração das leis, eis que

fundamentam o sistema jurídico. Ensina Bonavides (2004) que a teoria dos princípios é na

atualidade o “coração das Constituições”, tendo eles várias funções importantes. São elas:

fundamentadora, porque apresenta critérios de apuração do conteúdo constitucional;

interpretativa; supletiva e integrativa (em caso de insuficiência das leis e costumes); e diretiva.42

41 Prefixo originado da redução do latim com que significa estar junto, como em coadjuvar e coabitar. Seguido de hífen quando possui o sentido especial de “a par” e o elemento imediato tem vida autônoma: co-autor, co-herdeiro, co-opositor, co-proprietário, co-réu, co-signatário. Co-culpabilidade, etc. (FLORENZANO, 1992, p.39). 42 BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 255-286.

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Sobre o histórico da conquista da normatividade dos princípios, Bonavides (2004)

correlaciona três concepções distintas do direito, com três momentos de sua evolução:

1º - Jusnaturalismo: a mais antiga e tradicional teoria, segundo a qual os princípios são

inteiramente abstratos, sendo que sua normatividade é basicamente nula ou duvidosa. O ideal

da justiça reflete na essência dos princípios gerais do direito, fazendo deles um conjunto de

verdades decorrentes da lei divida ou da lei humana. Neste caso, os princípios são normas

estabelecidas pela “reta razão”, com caráter meramente informador, já que despidos de força

normativa.43

2º- Positivismo jurídico: segunda fase da teorização, em que os princípios começam a

fazer parte dos códigos, como simples “válvulas de segurança”, sem qualquer preeminência

em relação às leis, porque derivados das próprias leis (princípios gerais do direito). Depois,

entram na ordem constitucional como “meras pautas programáticas supralegais”, carentes de

normatividade.44

3º- Pós-positivismo: correspondente ao período que vai das últimas décadas do século

XX, até o momento presente. É a fase em que as Constituições dão especial atenção à

hegemonia axiológica dos princípios, conferindo-lhes o caráter de início/base do edifício

normativo. Os princípios são tratados como direito, passando a ter força normativa plena, tal

como as regras. As normas são princípios e as regras, sendo que os princípios diferenciam-se

das regras porque comportam uma “série indefinida de aplicações”. Os princípios têm

dimensão concretizadora e aplicação direta e imediata.45

O autor sintetiza a atual fase da teoria dos princípios com os seguintes ensinamentos:

A teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição da ordem jusprivativa (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios.( BONAVIDES, 2004, p.294).

43 BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 259-262. 44 BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 262-264. 45 BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 264-266.

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Dworkin (2003), pós-positivista, constrói em suas obras a “teoria da direito como

integridade”, em que reafirma a diferenciação entre regras e princípios conferindo especial

importância aos princípios e à sua função no desenvolvimento da democracia e na justificação

do poder coercitivo estatal. Na seara do Direito Penal, este poder é levado a extremos e

dotado de manipulação política, exigindo do intérprete observar acima de tudo os princípios

constitucionais, principalmente, quando está em questão a perda ou a manutenção da

liberdade de um homem.

Mas, por que se preocupar com as decisões judiciais, nestes casos? Porque o direito é

uma prática social que pode ser estudada a partir de interpretações construtivas. Interpretações

e decisões que devem buscar o direito, de forma coerente.

A coerência do princípio exige que “os diversos padrões que regem o uso estatal da

coerção contra os cidadãos sejam coerentes, no sentido de expressarem uma visão única e

abrangente de justiça.” (DWORKIN, 2003, p.163). Assim, para uma decisão coerente, o juiz

deve buscar o direito como um todo. O entendimento do autor é de que existe uma única

decisão correta, a melhor possível para um caso judicial específico, construída e obtida,

argumentativamente, a partir dos princípios jurídicos de uma comunidade democrática.

Segundo Dworkin (2002), tanto os juristas quanto os leigos sabem que os juízes detêm

um grande poder político. Dado que o direito é uma construção interpretativa, como conferir

racionalidade na sua construção, tanto pelo Poder Legislativo quanto pelo Poder Judiciário,

sem esquecer-se da democracia, ou seja, sem esquecer-se de que o poder está nas mãos do

povo? Reafirmando a necessidade de o Estado cumprir a sua parte, na efetivação do Estado

Social, democrático de que tanto se discute.

Ao juiz, cabe uma parcela da conclusão deste comando, com a arma que tem na mão:

decisões comprometidas com a verdadeira justiça. Não é demais observar que o compromisso

do Estado para com o cidadão funda-se em princípios que tem matriz constitucional.

Os princípios, assim como as regras, têm natureza jurídica, porque são reclamados

para a solução de casos, principalmente, quando se está diante de casos difíceis, “hard cases” 46 a fim de justificar a coerção do individuo pelo Estado. São, pois, argumentos jurídicos.

Argumentos que devem sempre embasar as sentenças penais, porque cada uma delas constitui

um caso difícil. O Direito Penal lida com verdades, muitas vezes difíceis de demonstrar, além

de que cada decisão muda a história de um ser humano.

46 O resultado da análise dos casos é a conclusão de que quando os juízes divergem sobre as questões jurídicas estão divergindo sobre a teoria/fundamentos do direito: a divergência é teórica, relativa aos fundamentos do direito, isso porque o direito é uma atividade interpretativa de questões de princípio. (DWORKIN, 2003, p. 143-144)

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Afirmada a importância dos princípios para o direito, tem-se que a terminologia

correta do tema do presente trabalho é: Princípio da Coculpabilidade. Na aplicação do Direito

Penal, deve ser considerada a interpretação de uma lei pontual (regra), depois de verificar se

esta lei não conflita com princípios constitucionais e penais, como o Princípio da

Coculpabilidade, principalmente, porque o mesmo proporciona às decisões a resposta às

exigências de justiça, equidade e devido processo legal.

Segundo Carvalho Netto (1999), tendo como base os ensinamentos de Dworkin

(2003), a aplicação do direito em casos concretos, exige do juiz “um esforço hercúleo no

sentido de encontrar no ordenamento, considerado em sua inteireza, a única decisão correta,

para cada caso em particular, irrepetível por definição.” (CARVALHO NETTO, 1999, p.

475). Agindo desta forma, o juiz busca o respeito à democracia e evita decisões fundadas

unicamente em regras e baseadas em convicções discricionárias que busquem

descontextualizar os homens infratores.

Alguns princípios constitucionais, apesar de não estarem expressos na Constituição,

podem ser deduzidos indiretamente de outras normas. Por serem resultantes da interpretação

de vários dispositivos, representam a manifestação da constituição, funcionando como

denominador comum. A identificação de um princípio implícito é possível em virtude da

unidade do ordenamento jurídico e da ligação lógico-sistemática de seus preceitos, que

permitem ao intérprete, descobri-los no ordenamento, onde se encontram em estado de

latência. Os princípios implícitos não são criados pela doutrina ou pela jurisprudência, mas

tão-somente descobertos e declarados por elas.

No Direito Penal, é importante esta visão, uma vez que temos em vigor um conjunto

de regras de meados do século passado, que devem ser interpretadas juntamente com a

Constituição de 1988 e com outros princípios garantistas de um Direito Penal. Como observa

Freitas (2001, p.32): “todo juiz, no sistema brasileiro, é, de certo modo, juiz constitucional.”

E, acrescenta Baracho (2002) que “o juiz constitucional não é apenas o instrumento que faz

aplicar a Constituição, mas também participa das funções de uma democracia contínua”.

(BARACHO, 2002, p. 32)

A constituição reconhece a existência e autoriza a aplicação de direitos e garantias não

expressamente previstos, desde que compatíveis com os princípios e com o regime por ela

adotados (BRASIL, art. 5º, parágrafo 2º). Em seu texto, não é rara a identificação de

princípios implícitos que apesar de não estarem formulados lingüisticamente, isto é, de não

possuírem um dispositivo, devem ser considerados como norma jurídica.

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Assim, o Princípio da Coculpabilidade pode ser definido como um “princípio

constitucional implícito”, como defende também Moura (2006), deduzido do fundamento

constitucional da dignidade da pessoa humana e de outros princípios que visem tratar o

acusado como verdadeiro ser humano.

5 O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE

Sempre há um número demasiado deles. “Eles” são os sujeitos dos quais devia haver menos, ou melhor, ainda, nenhum. E nunca há um número suficiente de nós. “Nos” são as pessoas das quais devia haver mais. (BAUMAN, 2005, p. 47).

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“Liberdade, igualdade e fraternidade”. Perdeu-se a conta quantas vezes estes

comandos são citados nas doutrinas do mundo inteiro. Fruto da consolidação dos direitos

humanos, pela Revolução Francesa,

Apesar das repetitivas citações, cada vez mais distante está a concretização de uma sociedade livre, igual, solidária, e que acolhe todos os seus membros dignamente.

5.1 Liberdade e Sociedade

Há liberdade para todos?

Podem-se identificar pessoas livres e iguais numa sociedade dividida entre poucos

detentores e muitos despossuídos de conhecimento e riqueza? Até quando viveremos em

apartheids que atravessam os destinos e o tempo na geração de pobres mais pobres e ricos

mais ricos?

Rawls (1993) demonstra que:

A assimetria fragiliza a estabilidade de compromissos constitucionais e impede a formação do consenso sobreposto, falando então da necessidade da atribuição de bens primários para o desenvolvimento das capacidades morais dos indivíduos. Parte do pressuposto que abaixo de certo nível de bem-estar material e social, de educação, as pessoas simplesmente não podem participar da sociedade como cidadãos, e muito menos como cidadãos iguais. (RAWLS, 1993, p 213).

Nem todos os membros de uma sociedade podem usufruir da liberdade de escolher

entre uma ação lícita e outra ilícita. “E nem sempre os códigos escritos compreendem que a

vida é muito mais multifacetada que os artigos, as alíneas, os parágrafos.” (TRANJAN, 1994,

p. 259). É conhecendo a vida nas favelas, nos morros, nos bairros pobres que se detecta que a

tão proclamada liberdade, resultante da luta dos ideais da Revolução Francesa, não se

concretiza em face de carências sociais não consolidadas pelo Estado Social. É o caso do

Brasil, que tem grande parte de sua população vivendo numa sociedade ilegal, que

“sobrevive” do crime como resultado de um processo que começa na infância e se prolonga

até a fase adulta. Sair desse mundo clandestino e sobreviver honestamente é um passo que

poucos conseguem dar durante a vida. O Direito Penal pune facilmente esta parcela da

sociedade. Aliás, essa parcela tem no Sistema Penal seu maior inimigo, travando uma guerra

constante entre mocinhos e bandidos, sendo difícil, na maioria das vezes, identificar quem são

os últimos.

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Essa classe desprestigiada sente que não tem nada a perder, já que a sociedade não os

insere, não têm patrimônio algum, podendo ser classificados como filhos do acaso. Sentem-se

injustiçados e ameaçados, porque sabem que se forem pegos serão vítimas deste sistema e

chegam a preferir morrer a serem alcançados.

Há muito que se avançar. A confiança no Sistema Penal como garantidor de princípios

constitucionais, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, confronta com a realidade do

dia-a-dia. Para que serve todo o discurso dogmático de que todos têm direito à vida digna, se

este não consegue se inserir nas práticas diárias do Sistema Penal? O Direito Penal deve ser

ao mesmo tempo sancionador e protetor, e isso deve ser revelado.

“Não é o discurso que ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso” (FREIRE,

1996, p.148). É preciso efetivar o discurso. Não basta, por exemplo, conceituar o princípio da

insignificância em face de furtos famélicos. Um homem com fome não tem escolha, portanto,

não é livre. E, nesse sentido, o Princípio da Coculpabilidade proporciona ao juiz a

possibilidade de declarar, na sentença, que o Sistema Penal reconhece a liberdade limitada

desta parcela da sociedade, que a responsabilidade deve ser dividida entre os demais membros

da sociedade em face das carências sociais.

Desta forma, há a possibilidade de revelar a consciência de que o acusado, em

determinados casos, não era livre para escolher entre o bem e o mal. E, há situações em que é

quase humanamente impossível viver na legalidade constituída. Zaffaroni; Pierangeli (1997)

esclarecem que:

Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 1997, p. 525).

O primeiro dos fundamentos do Princípio da Coculpabilidade está em reconhecer que

o indivíduo não está totalmente livre para escolher seus caminhos. A liberdade de escolha, em

muito, encontra-se comprometida com possibilidade de gozar esta liberdade. Como diz

Leonardo Boff: “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.” (BOFF, 2004, p. 09).

5.2 Igualdade e Estado Social

Há desigualdades.

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A igualdade de todos perante a lei é uma falácia. O discurso da igualdade visa

demonstrar que punir é algo justo e racional e não um exercício de poder. A única conclusão

que se pode chegar diante da operacionalidade fática do Sistema Penal é a de que ele é sim,

um instrumento de poder.

As desigualdades sociais propiciam as desigualdades perante a lei. Recursos no trâmite

de processos, “amicus curiae”, prescrição, remédios constitucionais, etc., acabam sendo

instrumentalizados a favor de quem detém condições financeiras para contratar bons

advogados, hábeis em manusear o sistema processual, a detectar nulidades em prol de penas

mais brandas ou até mesmo de absolvições. Segundo Bobbio (2000):

Em outras palavras, o princípio da igualdade das oportunidades quando elevado a princípio geral tem como objetivo colocar todos os membros daquela determinada sociedade na condição de participar da competição da vida, ou pela conquista do que é vitalmente mais significativo, a partir de posições iguais. É supérfluo aduzir que varia de sociedade para sociedade a definição de quais devem ser as posições de partida a serem consideradas como iguais, de quais devam ser as condições sociais e materiais que permitam considerar os concorrentes iguais. Basta formular perguntas do seguinte tipo: é suficiente o livre acesso às escolas iguais? Mas a que escolas, de que nível, até que ano de idade? Já que se chega à escola a partir da vida familiar, não será preciso equalizar também as condições de família nas quais cada um vive desde o nascimento? Onde paramos? Mas não é suficiente, ao contrário,chamar a atenção para o fato de que, precisamente a fim de colocar os indivíduos desiguais por nascimento nas mesmas condições de partida, pode ser necessário favorecer os mais pobres e desfavorecer os mais ricos, isto é, introduzir artificialmente, ou imperativamente, discriminações que de outro modo não existiriam, como ocorre, de resto em certas competições esportivas nas quais se assegura aos concorrentes menos experientes uma certa vantagem em relação aos mais experientes. Desse modo, uma desigualdade torna-se um instrumento de igualdade pelo simples motivo de que corrigem uma desigualdade anterior: a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades. (BOBBIO, 2000, p. 31-32).

Outro fundamento do Princípio da Coculpabilidade é reconhecer a desigualdade entre

os homens. Essa desigualdade deve ser levada em conta, na hora da reprovação. O Estado

deve não só punir o cidadão que comete um delito, mas também ser responsável pelas

condições desumanas de vida que podem levar o cidadão ao delito. Então, deve-se entender

que o Estado pode descontar aquilo que não realizou enquanto devedor em face de não

propiciar condições de vida digna a todos. Neste sentido, a Coculpabilidade representa uma

co-responsabilidade do Estado, no cometimento de delitos.

Santos (1985) reafirma a regra Aristotélica, de que: “A igualdade consiste em

aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.” (ARISTÓTELES,

2001, p. 111) e conclui que:

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Reduzir a criminalização de sujeitos penalizados permanentemente pelas condições de vida, é realizar de fato uma justiça mais justa, porque considera desigualmente sujeitos concretamente desiguais: que o direito realmente iguale os que considerem desigualmente indivíduos concretamente desiguais. (SANTOS, 1985, p. 214).

É o momento de refletir a situação social em que nos encontramos. Vários crimes são

praticados em conseqüências das desigualdades sócio-econômicas. Essas desigualdades geram

uma desestrutura na sociedade, desencadeando conflitos internos na instituição familiar,

dando ensejo à violência doméstica, maus tratos a menores, crimes contra o patrimônio,

delitos de tóxicos e até homicídios.

Essa realidade obriga a sociedade, em geral, a refletir e admitir que tal situação é o

resultado de uma grave falta de atenção de ordem política, econômica, social e cultural. As

sociedades não oferecem o mesmo espaço social. Todos são responsáveis pelo destino da

humanidade, porque estão inseridos nesta realidade. Entende-se que há também uma

Coculpabilidade da sociedade.

Reduzir as desigualdades é um comando que coaduna com o Estado Democrático e

Social de Direito, pleiteando a aplicação do Direito Penal de mãos dadas com os direitos

humanos. A quantidade da pena deve ser balizada, no caso concreto, levando em conta a

culpabilidade e o Princípio da Coculpabilidade.

Assim, neste novo milênio, se se pretende repensar o Direito Penal e sua atuação,

deve-se partir da premissa básica de que a sociedade tem responsabilidades, com esta geração

e também com as futuras, para um desenvolvimento humano sustentável. Se a pena é

necessária, então que seja aplicada de maneira justa, evitando que se propaguem movimentos

oportunistas de poder, que utilizam o Direito Penal como instrumento que oprime os homens fracos.

É inegável que o Sistema Penal seja seletivo, atuando em face dos cidadãos menos

favorecidos, obrigando a doutrina penal a aceitar mudanças efetivas no curso que o Direito

Penal vem tomando como instrumento de dominação, baseado em regras de decisão de casos,

coadunando com a tendência autoritária de retirar do homem sua condição humana.

A grande mudança de paradigma em relação ao homem ser visto não como meio, mas

sim, como um fim em si mesmo, sobretudo a partir de Kant (2003), é uma conquista para a

humanidade. O homem não pode ser tratado como objeto. O valor da pessoa humana deve ser

realçado, sobretudo, dentro do Sistema Penal que compreende uma parte do Estado.

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Alerta Zaffaroni (1982) que: “O destino de um saber cujos dados da realidade são

desvirtuados empiricamente não é nada promissor. Negar dados da realidade e aceitar o

Direito Penal a serviço de um poder que só é útil ao prestígio do próprio poder é inaceitável.”

(ZAFFARONI, 1982, p.70).

5.3 Fraternidade e Responsabilidade

Não se pode desconsiderar que cabe aos juristas uma parcela importante de

transformação social. A partir dos direitos de terceira geração (ou dimensão), compreendendo

fraternidade e solidariedade, Bonavides (2004) considera que o processo histórico de

universalização concreta dos direitos fundamentais compreende os direitos de quarta dimensão.

Indaga-se: onde o Direito Penal concretiza tais fundamentos? Será que os direitos

constitucionais de primeira (individuais), segunda (sociais), terceira (coletivos) e quarta

(difusos) dimensões são inerentes somente a uma classe privilegiada de pessoas? Existe

fraternidade e solidariedade entre todos? Existem muitos que não conhecem a solidariedade,

difundida como princípio fundamental da atualidade. A organização da sociedade atual se

mostra violenta e produtora de violência, cultivando o individualismo e o espírito de sempre

“ter” mais.

Batista (1990) leva a sociedade a pensar que o dano econômico e social produzido por

um só dos grandes crimes de colarinho branco (falências fraudulentas, sonegações fiscais, etc)

supera de mil vezes o somatório de todos os roubos e furtos. Há fraudes e desvios que

poderiam ser destinados à saúde pública, lesando milhares de pessoas carentes que aguardam,

nas filas, o tratamento adequado. Continua o autor a indagar se num país cuja administração

pública tem uma historia que é um hino à esperteza, uma sucessão de negociatas, comissões,

ganhos ilícitos, tudo tradicionalmente impune, o Direito Penal deve atuar somente em face

dos pequenos delinqüentes?

Como discorrer sobre a culpabilidade dos pertencentes às camadas de menor poder

aquisitivo equiparada à culpabilidade daqueles infratores da legislação do rol dos “colarinhos

brancos”? Qual dos desviados oferece maior prejuízo social? E qual a resposta de um direito

justo? Como explicar a um condenado comum, por crimes contra o patrimônio, que deve

responder ao processo até o final, mesmo ressarcindo a vítima, e que um sonegador de

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milhões em tributos ou contribuições sociais, pode ter sua punibilidade extinta em qualquer

fase do processo, se pagar o débito?47

Em face da coerência interna ou da integridade do direito, numa reconstrução

paradigmática entre teoria e prática, essas indagações merecem ser discutidas em nível penal,

com base nos ensinamentos de Dworkin (2003) sobre a hegemonia dos princípios do direito,

nesse início de século XXI.

Portanto, no momento da verificação da culpabilidade é necessário que se reconheça a

pessoa concreta à qual a pena se destina. E neste momento, é imprescindível que se

considerem todos os fundamentos do Princípio Coculpabilidade, como ressalta Batista (1990):

Trata-se de considerar, no juízo de reprovabilidade que é a essência da culpabilidade, a concreta experiência social dos réus, as oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi ministrada, correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade geral do Estado que vai impor-lhe a pena; em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu. (BATISTA, 1990 p. 105).

O Princípio da Coculpabilidade é o princípio constitucional implícito empregado no

momento da verificação do delito e da necessidade de se atribuir pena a um infrator. Esse

princípio reconhece a responsabilidade parcial do Estado e da sociedade na conduta delitiva.

Visa equilibrar a sanção penal, atribuindo pena atenuada ou mesmo a não aplicação da

sanção penal a sujeitos que vivem em condições desfavoráveis e que se tornam vulneráveis

dentro da sociedade.

O princípio reconhece que a sociedade não atribui a todos, as mesmas possibilidades

de ação dentro da legalidade, já que a legalidade imposta pode não ser alcançada devido às

condições desumanas vividas por parte da sociedade.Aceitar tais circunstâncias é dever do

47 Nos denominados “crimes comuns” contra o patrimônio, ou seja, praticados por pessoas simples, tendo como objetos: roupas, sapatos, bicicletas, som de carro, não há a possibilidade de extinção da punibilidade pelo ressarcimento do prejuízo causado à vítima, ou mesmo pelo seu perdão, depois do recebimento da denúncia, a exceção dos elencados no artigo 167 do Código Penal. Já para os crimes praticados por “privilegiados”, que em sua maioria têm valores expressivos sonegados, a extinção da punibilidade é possível pelo pagamento débito, em qualquer fase processual, antes da sentença, entendimento do STF. “A Turma, acolhendo proposta formulada pelo Min. Cezar Peluso - no sentido de que a quitação do débito conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, antes da sentença que condenara o paciente pela prática do crime de sonegação fiscal concedeu habeas corpus de ofício para declarar extinta a punibilidade, nos termos do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, já que tal Lei possui retroatividade, por ser mais benéfica que a existente ao tempo da impetração (Lei 9.249/95). Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”. HC 81929/RJ, Rel.orig. Min. Sepúlveda Pertence, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, 16.12.2003.

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direito como um todo, especialmente do Direito Penal que, na maioria das vezes, lida

diretamente com pessoas carentes de efetivas ações do Estado Social.

6 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE NO BRASIL

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Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim, pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos. (NELSON MANDELA)

O Princípio da Coculpabilidade, no Brasil, ganhou ênfase na obra conjunta Zaffaroni;

Pierangeli no Manual de Direito Penal Brasileiro, publicado em 1997, em sua parte geral, com

a seguinte indagação:

Há sujeitos que têm menor âmbito de autodeterminação, condicionado por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade. Costuma-se dizer que há aqui, uma Co-Culpabilidade, com a qual a sociedade deve arcar. (ZAFFARONI, 1997, p.525).

Com uma breve menção, o manual abriu o debate em torno desse princípio, mitigado

pela tendência brasileira de um Direito Penal Máximo, não garantista. O Princípio da

Coculpabilidade pode ser encontrado na doutrina brasileira e na jurisprudência segundo três

entendimentos: 1) como princípio constitucional implícito; 2) empregado em face de

atenuante genérica; 3) como causa de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de

conduta diversa.

6.1 Princípio Constitucional

De acordo com a Constituição, centro superior do sistema jurídico, todos devem ter

condições dignas de existência, incluindo a liberdade de desenvolver-se como indivíduo, bem

como condições materiais que possam livrar da indignidade.

Dos fundamentos da República Federativa do Brasil, “a dignidade da pessoa humana”

é considerado sob vários pontos de vista, o pressuposto filosófico de qualquer regime jurídico

civilizado e das sociedades democráticas em geral. Toda ação deve ser fundada nesse

princípio e nenhuma decisão pode dele se distanciar.

Como lembra Sarmento (2000):

O Estado tem não apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade da pessoa humana, como também o de promover esta dignidade através

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de condutas ativas, garantido o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de alguma das suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia, etc. (SARMENTO, 2000. p. 71).

Sarlet (2003) acrescenta que esta obrigação se estende em caráter universal:

Para além desta vinculação do Estado, também a ordem comunitária e, portanto, todas as entidades privadas e os particulares encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. [...] Que tal dimensão assume particular relevância em tempos de globalização econômica. (SARLET, 2003, p. 139-140).

Estas considerações reafirmam o posicionamento do Princípio da Coculpabilidade,

como princípio constitucional implícito, que o Direito deve reconhecer em face dos

mandamentos da Constituição, sobretudo da dignidade da pessoa humana.

Sendo princípio, não haveria mais que se pensar numa positivação em nível

infraconstitucional. Entretanto, é fácil perceber que, muitas vezes, o próprio Estado

Democrático de Direito, que supõe submissão a princípios constitucionais, descumpre tal

obediência.

Neste contexto, assume relevo a concepção, de que os direitos fundamentais

constituem função limitadora do poder e também exigem a efetivação do Estado Social,

reconhecendo direitos fundamentais sociais, de conteúdo não só meramente formal, mas sim,

guiado pelo valor da justiça material.

Contudo, alcançar a tão almejada eficácia dos direitos fundamentais pode parecer uma

utopia. No entanto, não se pode apegar ao pessimismo generalizado de que a Constituição não

tem efetividade, sendo somente um texto e desconsiderar a possibilidade de garantir as

diretrizes traçadas em busca da promoção de ações de cunho social.

A Constituição constitui direitos fundamentais/sociais inerentes a uma sociedade, não

só fala de exclusão, senão se pronuncia contra ela, exigindo justiça social com interpretações

e decisões que resgatem a dignidade da pessoa humana. O simples fato de se observar uma

pessoa que não tem o que comer ou o que vestir, nem onde morar já é uma constatação de

dignidade desrespeitada.

Barcellos (2002) defende que:

A maioria das normas constitucionais que tratam dos aspectos materiais da dignidade da pessoa humana, especialmente aquelas que de alguma forma

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envolvem prestações positivas, assumem a estrutura de normas-princípios. Ou seja, seus fins são relativamente indeterminados e os meios para atingi-los são igualmente variados. (BARCELLOS, 2002, p. 201).

O Direito Penal trabalha com casos concretos, onde se poderá constatar a efetividade

de cada um possuir o mínimo existencial para a sobrevivência com dignidade. Não basta

reconhecer a relevância de um princípio, é preciso que haja um meio próprio e eficaz de

reivindicá-lo em juízo. O que constitui o mínimo existencial que deve ser assegurado a uma

pessoa? Barcellos (2002) aponta para o que seria o núcleo essencial para vida digna:

A meta central das constituições, e da Carta de 1988, em particular, pode ser resumida na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em condicionar condições mínimas de existência: saúde básica, assistência aos desamparados, acesso à educação fundamental, e acesso à justiça, todos exigíveis judicialmente de forma direta. (BARCELLOS, 2002, p. 247).

Poder-se-ia acrescentar a este rol o trabalho digno, levando em conta que os valores

sociais do trabalho também integram o fundamento da República Federativa do Brasil. A falta

destes requisitos traz inúmeras possibilidades do homem ingressar na criminalidade,

praticando crimes como contrabando, descaminho, receptação, tráfico de drogas e vários

outros ligados à “ilegalidade penal”.

O acesso à justiça deveria buscar garantir a cada um este mínimo existencial. No dia-

a-dia forense, percebe-se uma freqüência dessa camada da classe social nas varas criminais

como infratores. Percebe-se que grande parte da criminalidade coincide com a carência de

algum requisito do mínimo existencial.

A Coculpabilidade, como princípio constitucional, possibilita ao juiz atenuar este

contra-senso, não desconsiderando as condições de vida do infrator, na aplicação da pena, ou

mesmo deixando de aplicar a pena, dependendo do caso concreto.

6.2 Atenuante Genérica

O Código Penal, antes da reforma de 1984, não previa a possibilidade de aplicação de

circunstâncias inominadas, como atenuantes. Esta omissão é explicada pelo fato de que, o

legislador de 1940, baseou-se no modelo italiano de 1930, em que não contemplava a

atenuante genérica.

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Só em 1944, a lei italiana nº. 288 de 14/09/44, inseriu no Código Penal Italiano tais

circunstâncias indefinidas. Com a reforma da parte geral, do Código Penal Brasileiro, em

1984, o legislador brasileiro acolheu tais circunstâncias, inserido-as no art. 66 do Código

Penal: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou

posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.” (BRASIL, 2007, p. 3l3).

Apesar de não prever as circunstâncias, “durante o crime”, a exposição dos motivos

afirmou que podem ser levadas em conta circunstâncias, anteriores, durante e após o crime, na

fixação da pena.

O acolhimento de tais circunstâncias se deve ao fato de o legislador não poder antever

todas as circunstâncias que levam ao cometimento de uma infração penal (infração penal vista

aqui como gênero na qual o crime e as contravenções são espécies). O direito deve

acompanhar as mudanças e evoluções que ocorrem dentro da sociedade e cabe ao intérprete

do ordenamento jurídico, aplicar as mudanças aos casos concretos da vida real. Como bem

afirma Costa Júnior (1997):

Andou bem o legislador de agora acolher as circunstâncias indefinidas. Em cada conduta humana faz-se sentir o imponderável, enquanto a miopia do legislador o impede de prever todas s hipóteses que irão surgir. Nenhuma lei será, pois, capaz de prever, de catalogar, definir, e sistematizar os fatos que irão desencadear-se na realidade fenomênica futura. (COSTA JUNIOR, 1997, p.229)

A aplicação do Princípio da Coculpabilidade, no Direito Penal Brasileiro, tem sido

defendida, predominantemente, nas doutrinas, com base nas atenuantes genéricas deste artigo.

Posição defendida por Zaffaroni (1997):

Cremos que a co-culpabilidade é herdeira do pensamento de Marat, e, hoje, faz parte da ordem jurídica de todo Estado Social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem cabimento no Código Penal, mediante a disposição genérica do art. 66.(ZAFFARONI,1997, p.613).

Neste contexto, poderá o juiz considerar dados não previstos expressamente em lei,

reduzindo a sanção de modo a adequá-la à culpabilidade do agente, incorporando dados reais

vida cotidiana.

Apesar de facultativas, tais circunstâncias, se fundamentadas, coadunam com

princípios garantistas de um Direito Penal Mínimo, propiciando a aplicação mais equilibrada

das sanções penais.

Neste entendimento, a jurisprudência gaúcha tem adotado o princípio como atenuante:

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Ementa. ROUBO. CORRUPÇÃO DE MENORES. CO-CULPABILIDADE. “O princípio da co-culpabilidade faz a sociedade também responder pelas possibilidades sonegadas ao cidadão – réu – Recurso improvido, com louvor à juíza sentenciante.” [...] “Entretanto, pela espécie de delito praticado (roubo de tênis, camiseta, relógio, boné), verifica-se evidente influência do sistema de desigualdades sociais vigente em nosso país, que, ao mesmo tempo em que marginaliza parcela da população, estimula o consumismo desenfreado para todos, mesmo para aqueles alijados das relações de consumo pelo pouco poder aquisitivo. Isso estimula a disputa por bens da moda e acirra o confronto de classes sociais. Note-se que esse apelo consumista atinge notadamente os adolescentes (que é o caso dos autos, pois mesmo o réu, embora penalmente imputável, tinha apenas 19 anos quando do fato, sendo ainda adolescente), portanto não se pode usar de maniqueísmo e imputar totalmente aos agentes a responsabilidade por essa conduta punível, para a qual toda a sociedade contribui (e justamente por isso – toda a sociedade é responsável, e não indivíduo em particular - é que não é justo as vítimas sofrerem as conseqüências, merecendo, sem dúvida, proteção penal). Circunstâncias normais, tratando-se de típico crime de roubo praticado por adolescentes. De conseqüências, fica registrado que não houve nenhum prejuízo pelas vítimas, pois recuperaram integralmente seus pertences. Não houve contribuição das vítimas. Sopesadas tais circunstâncias, tenho que fica no mínimo o grau de reprovabilidade da conduta. (RIO GRANDE DO SUL, Apelação -crime 70002250371, 2001) ( grifos nossos).

Importante ressaltar, que o Direito Penal atual, tem como princípio garantista o da

materialização do fato (Nullum crimen sine actio), garantindo que ninguém será punido pelo

que pensa ou pelo que é, e o Princípio da Coculpabilidade não se afasta desta premissa. A

culpabilidade é do ato, tomando em conta a personalidade do agente, no sentido de analisar as

circunstâncias que levaram a praticar o delito. Não é mais tolerado no Direito Penal que o

juízo de reprovação estenda além dos fatos praticados, como observa Carvalho; Carvalho (2002):

Note-se que as circunstâncias além de serem constatáveis empiricamente no processo, objetivando a avaliação e diminuindo o arbítrio, não direcionam a culpabilidade para um juízo de avaliação sobre o “ser” do autor. Representa em realidade, um dado fático (objetivo) na relação conduta-delito. Trata-se de uma otimização do Direito Penal do fato, eis que a análise é centrada na real capacidade do autor socialmente referido, trata-se de conhecer compreender e motivar sua conduta conforme o direito. (CARVALHO; CARVALHO, 2002, p. 229).

E, acrescentam que:

A atenuante não fica restrita somente à imputação econômica do imputado, tendo em vista que esta é somente uma das variáveis que compõe o dever de prestação estatal no Estado Social de Direito. Devem ser avaliadas também as condições econômicas de formação intelectual do réu, visto que esta relação é fundamental para a averiguação do grau de autodeterminação do sujeito. (CARVALHO; CARVALHO, 2002, p.75).

Neste sentido, nota-se a evolução do princípio, como atenuante, com previsão na Lei

9.605/98, que disciplina as sanções penais e administrativas lesivas ao meio ambiente, em seu

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artigo 14, inciso I, reconhecendo como circunstâncias que atenuam a pena: “o baixo grau de

instrução ou escolaridade do agente.” (BRASIL, 2007, p. 845).

A previsão legal de atenuar a pena por falta de educação fundamental do infrator, nos

crimes contra o meio ambiente, abre a possibilidade de se estender outras modalidades de crimes.

Como também leciona Carvalho; Carvalho (2002):

Face a sistemática do ordenamento jurídico é admissível a aplicação analógica do art. 14, I da Lei 9605/98, para outras condutas, desde que não seja em prejuízo do réu. Ressalte-se que a doutrina e jurisprudência são pacíficos no sentido da aplicação da analogia in bonam partem. (CARVALHO; CARVALHO, 2002, p. 67).

Numa primeira impressão, pode-se pensar que o Princípio da Coculpabilidade,

empregado através das atenuantes inominadas, poderia colocar em risco a certeza do direito.

Ou mesmo, uma agressão ao princípio da reserva legal, principalmente por parte de

intérpretes engessados a um positivismo cego. O certo é que a interpretação, simplesmente

legalista, corre sempre o risco de reproduzir aberrações do legislador, quando não se preocupa

com o senso ético ou eqüitativo.

O Direito Penal garantista não se prende à simples legalidade. A legalidade é base

importante do Estado de Direito, principalmente para contenção de pretensões arbitrárias de

punições excessivas, como a prisão perpétua ou a pena de morte. Na prática, o judiciário, em

muitos casos, por encontrar-se prisioneiro da interpretação restrita da lei, acaba

transformando-se em fonte da discriminação social e da intolerância.

O garantismo penal vê o delinqüente como pessoa humana que deve ser protegida de

penas excessivas frente a toda a inflação legislativa. A interpretação deve integrar, em cada

caso concreto, princípios constitucionais no Direito Penal, não desconhecendo as

conseqüências sociais das decisões judiciais.

Ferrajoli (2006) apresenta distinção entre princípio da mera legalidade e o princípio da

legalidade estrita:

O princípio da mera legalidade prescreve apenas sujeição do juiz à lei, são condições de existência ou de vigência de qualquer norma jurídica, é um princípio geral do direito público. O princípio da estrita legalidade é metanorma que condiciona a validade das leis vigentes à taxatividade de seus conteúdos e à decidibilidade da verdade jurídica de suas aplicações, é uma garantia que se refere só ao direito penal .(FERRAJOLI, 2006, p. 348).

O reconhecimento das circunstâncias inominadas condiz com a interpretação

garantista de Ferrajoli (2006), em face do princípio da estrita legalidade:

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Efetivamente, somente a lei penal na medida em que incide na liberdade pessoal dos cidadãos, está obrigada a vincular a si mesma não somente as formas, senão também por meio da verdade jurídica exigida às motivações judiciais, a substância ou conteúdo dos atos que a elas se aplicam. Esta é a garantia estrutural que diferencia o direito penal no Estado “de Direito” do direito penal dos Estados simplesmente “legais”, dos quais o legislador é onipotente, e, portanto, são válidas todas as leis vigentes, sem nenhum limite substancial à primazia da lei. (FERRAJOLI, 2006, p. 349).

6.3 Inexigibilidade de Conduta Diversa

Outro entendimento interpretativo leva a reconhecer a Coculpabilidade como causa de

exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

Yarochewsky (2000) explica que:

Sendo a exigibilidade de comportamento conforme o Direito um dos elementos da culpabilidade, a sua ausência manifestada pela inexigibilidade exclui, portanto, tanto a culpabilidade, do mesmo modo que a inimputabilidade e a falta de consciência da ilicitude também a excluem. Assim, o agente pode praticar uma ação típica, ilícita, sem contudo ser culpável por estar amparado por uma das causas que excluem a culpabilidade, dentre elas a inexigibilidade de outra conduta. (YAROCHEWSKY, 2000, p.46).

Sendo o Direito Penal o direito dos fatos, há determinadas situações que não se pode

exigir de pessoas comportamentos de acordo com o direito. O Direito Penal não pode prever

todos os fatos sociais que envolvem uma determinada sociedade. Assim, a Coculpabilidade

permite ao intérprete reconhecer que determinados casos acontecem no seio da sociedade, por

falta de inserção social de certos indivíduos incapazes de se autodeterminarem diante de

algumas normas.

A doutrina de Santos (1985) lembra que a exigibilidade é condicionada a várias

situações que a história nos apresenta, situações estas variáveis no tempo:

A exigibilidade das normas jurídicas, em geral, e das normas penais, em especial, não é (ou não pode ser) uma exigibilidade cega: uma exigibilidade condicionada ao conjunto de determinações históricas (econômicas, políticas, sociais e ideológicas, em geral) que regem a vida social, independentes da vontade individual. Na área do Direito Penal, os condicionamentos históricos que limitam a exigibilidade se concretizam nas situações de inegixibilidade de conduta diversa. (SANTOS, 1985, p. 215, 216).

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Reconhecer a Coculpabilidade em determinadas situações em face de inexigibilidade

de conduta diversa, é reconhecer uma causa de exclusão da culpabilidade, e

conseqüentemente, a não aplicação da pena, apesar de ilícita a ação.

Não há sentido a aplicação de uma dupla penalidade, ou seja, em determinadas

situações o infrator já é vitimado pela falta de condições de viver na legalidade constituída,

levando-o a praticar condutas ilícitas como única maneira de sobre(viver). Aplicar a pena,

abstratamente, desconsiderando determinadas condutas inseridas no contexto social do autor,

simplesmente pelo cumprimento do princípio da legalidade, pensado aos moldes da escola

clássica, é coadunar com um Direito Penal Máximo, que não se conjuga com a dignidade de

toda pessoa humana.

Esta dupla penalidade levaria todos à triste realidade de que o único futuro certo para

alguns é viver nas penitenciárias. A democracia só se constitui se forem observados todos os

direitos e aceitar a todos como destinatários destes direitos. Atitudes moldadas dentro do

direito penal que desconhece ou não aceita as diferenças não é compatível com os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil48.

Nas lições de Santos (1985):

É através do juízo de inexigibilidade (de conduta diversa), ampliado na direção das condições reais de vida do povo (fome, doença, desemprego, mortalidade infantil e prematura, envelhecimento precoce, desabrigo, desespero, analfabetismo, angústias e fúrias contidas que explodem ante frustrações insignificantes, como gota d’agua das frustrações, tensões, ansiedades acumuladas no curso da existência), que se pode democratizar, relativamente, o Direito Penal, reduzindo a criminalização de sujeitos penalizados, permanentemente, pelas condições de vida, a realizar de fato uma justiça mais justa, porque considera desigualmente sujeitos concretamente desiguais. (SANTOS, 1985, p. 219).

O direito é instrumento de pacificação social, é meio para se alcançar a justiça e não

um fim em si mesmo ou instrumento de vingança. A hermenêutica exige respostas

condizentes com a realidade dos fatos e se depara com situações diferentes que podem levar a

interpretações diversas com base nas circunstâncias fáticas. Yarochewsky (2000) sustenta este

argumento:

A grande questão para o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, no caso concreto, é saber se o agente podia ou não podia agir de outro modo, se lhe era ou não exigido um comportamento conforme o Direito. O Direito Penal moderno não pode e não deve se prender ao formalismo demasiado, a uma rigidez de conceitos que, muitas vezes, afasta o homem da realidade. (YAROCHEWSKY, 2000, p.39).

48 Art. 3º da Constituição Federal: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I-construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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O Princípio da Coculpabilidade, mediante o juízo de censura que se produz no plano

concreto, deverá servir de norte ao julgador, para auxiliá-lo a encontrar o fundamento ou não

da pena, considerando a relação das leis positivas com condições históricas e geográficas das

sociedades concretas.

Não existe justiça perfeita, não há conduta delituosa que não tenha sido permitida em

outros tempos. O conceito do “homem médio”, de onde o interprete concluía se aquele

indivíduo podia ter agido de outro modo, há muito mostrou que cada indivíduo fabrica o seu

próprio “homem médio.” Ainda que o ordenamento alcance um alto grau de perfeição

normativa, o juízo de aplicação, é por sua vez, um juízo de valor tão suscetível de opiniões

diversas como inverificável.

Todo Sistema Penal traz consigo uma herança de irracionalidade e injustiça, cabendo

ao Direito Penal garantista conjugar sempre a aplicação do direito com princípio da

humanidade e da dignidade da pessoa humana. Nas lições de Yarochewsky (2000):

Quando nos referimos à inexigibilidade de conduta diversa ou ao poder de agir de outro modo, estamos nos referindo à possibilidade concreta, real, do agente diante de determinada situação. Não estamos nos referindo a uma situação abstrata, imaginária, fictícia do homem médio. É óbvio que a exigência de se comportar de acordo com a norma feita a uma determinada pessoa não pode ser a mesma feita a outra em condições completamente opostas. (YAROCHEWSKY, 2000, p. 49).

Não se podem definir quais e em que circunstâncias se poderiam adotar o Princípio da

Coculpabilidade como causa de exclusão da culpabilidade. Uma coisa é certa: não se pode

regredir aos tempos que o Direito Penal era o instrumento de perseguição aos “inimigos”

eleitos pelos detentores do poder. Perseguiam-se bruxas, hereges, revolucionários, judeus,

homossexuais. Tratavam os negros como coisas, e agora se vêem nos favelados, nos pobres,

nos negros, nos jovens desempregados, os causadores da violência na sociedade.

Toledo (2004) afirma que:

Não age culpavelmente nem deve ser, portanto, penalmente responsabilizado pelo fato aquele que, no momento da ação ou da omissão, não poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo. A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui um verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislativos, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada como causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito. (TOLEDO, 2004 p.316).

O acórdão, citado abaixo, demonstra que a jurisprudência tem acatado o mesmo

entendimento, excluindo a culpabilidade por inegixibilidade de conduta diversa diante de uma

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quase absoluta falta de oportunidades de empregos ou meios de subsistência com dignidade a

cidadãos brasileiros.

RELATÓRIO: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face da sentença que, com fulcro no art. 43, I e II do Código de Processo Penal, que rejeitou a denúncia oferecida em face de Renato Moreira Andrade pela prática do crime de uso de documento falso previsto no art. 304 do Código Penal, por tentar ingressar nos Estados Unidos da América, em 16/06/01, utilizando passaporte em nome de uma terceira pessoa, sendo, entretanto,deportado em decorrência da constatação do falsum. O MM. Juiz a quo entendeu que está configurada, na questão em apreço uma causa excludente de culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que o denunciado, diante de uma quase absoluta falta de oportunidades de empregos ou meios de subsistência com dignidade, pretendeu emigrar para os Estados Unidos da América em busca de melhores condições de vida. Em suas razões de recurso o MPF, aduz em síntese, que restam comprovados todos os elementos do crime de uso de documento falso, assim como existem indícios de autoria do denunciado. Acrescenta que as causas excludentes de culpabilidade não devem ser interpretadas em sentido amplo, considerando a triste realidade social brasileira justificada para o cometimento de crimes. Por último, ressalta que o crime cometido no caso em tela é parte de uma cadeia de outros crimes, como por exemplo, falsificação, corrupção e lavagem de dinheiro, não podendo o agente ativo do crime em questão, assim ficar impune. Mantida a decisão, seus próprios fundamentos vieram os autos do processo a este Tribunal, ocasião em que o douto órgão do Ministério Público Federal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso,sob o argumento de que o juízo de admissibilidade da denúncia ultrapassou os limites a ele impostos pela lei e teceu considerações sobre o próprio mérito da demanda. Acrescenta que a denúncia expõe com clareza o sujeito ativo do crime,os meios por ele empregados, o mal produzido, o lugar do crime, os motivos, a maneira pelo qual foi praticado e o tempo do fato. Por fim, sustenta que a decisão nega vigência aos artigos 41 e 43 do Código de Processo Penal e contraria o artigo 5º, LV e 129, I da Constituição Federal. É o relatório. Sem revisão. Alexandre Libonati. Juiz Federal convocado. Voto: Conforme relatado, trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face da r. sentença que rejeitou a denúncia oferecida em face de Renato Moreira Andrade pela prática de conduta capitulada no artigo 304 do Código Penal. A r. sentença merece ser mantida. O denunciado foi deportado dos Estados Unidos da América, uma vez que portava passaporte falsificado, em nome de terceira pessoa. Está comprovada a falsidade do documento apresentado pelo réu, conforme se depreende do Laudo de Exame documentoscópico, no qual os peritos concluem que há presença da dupla plastificação no passaporte, o que sugere a substituição da fotografia original pela fotografia do denunciado. Em que pese ao posicionamento do órgão ministerial, entendo que a situação do denunciado, nos presentes autos, não difere da de inúmeros outros brasileiros, também excluídos socialmente, e que buscam no exterior melhores condições de vida. Adoto, em particular, como razões de decidir, os fundamentos já tantas outras vezes acolhido: Esse tipo de processo se refere a exilados econômicos, que à semelhança dos exilados políticos tentam encontrar condições de vida mais satisfatórias em outro país. Ao longo de muitas instruções realizadas, pude constatar que todas esses cidadãos brasileiros tentam desesperadamente livrar-se da marginalidade social e econômica a que estão condenados, sem vislumbrar em que momento do tempo os princípios programáticos constitucionais, a existência digna, a Justiça Social a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego contidas, no artigo 170 da Constituição Federal, transformar-se-ão em realidade. Muitos deles, são oriundos dos acertadamente chamados, “grotões” de Minas Gerais, desconhecendo as elementares exigências e proibições do ordenamento jurídico.Por esta razão, acolhi em outras oportunidades a manifestação do ilustre representante do MPF, Drª. Silvana B. C. Góes, como uma decisão corajosa, ditada pela constatação de que a questão não é de política

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criminal, mas de indigência econômica, configurando-se de forma inequívoca o dogmático conceito de inexigibilidade de conduta diversa.De resto, a postura do MPF é reconhecida na doutrina como descriminalização de fato. “Existe descriminalización de facto, según dicha autora, cuando el sistema penal deja accionar sin que formalmente haya perdido competencia para ello, es decir: desde el punto de solamente la aplicación efectiva de la pena”. Ou como entende o Comitê Europeu:” la descriminalización de facto es el fenômeno de reducción(gradual) de las actividades del sistema de justicia penal frente a ciertas formas de comportamiento o ciertas situaciones, aunque no haya habido câmbios em la competencia formal del sistema.” (Los procesos de descriminalización – Raul Cervini, p.63-64).É o seguinte o teor da manifestação do MPF: Trata-se de mais um dentre os inúmeros inquéritos que versam sobre o uso de passaporte falso ( art 304 do Código Penal) por nacional que pretendia iludir o experimentado e internacionalmente famoso:Departamento de Imigração dos E.E.U.U., permissão de entrada naquele país como turista.A repetição incessante destas patéticas jornadas rumo ao sonho dourado do “american way life” faz-nos meditar qual seria a verdadeira causa deste problema,e qual solução que se poderia encontrar para o mesmo.Lançando nossa vista para a causa, desde logo, cumpre afastar aquilo que de óbvio já se demonstra: o uso de documento falso não é, no caso, delito propiciador de lucro. Portanto, não se há de afirmar que é propósito de lucro fácil que anima os indiciados nestes procedimentos investigatórios. Por outro lado, notamos também que, dado o perfil normal destes cidadãos, normalmente também não visam com sua partida rumo às agruras do estrangeiro, furtar-se à responsabilização criminal em solo pátrio. Já ficou comprovado que não se exigem as peripécias do falsum para isto obter. Que o diga a nata da corrupção política, mestra em desaparecer numa cortina de fumaça ante os olhos perplexos de nossa nação sedenta de justiça. Isto colocado, nada mais resta senão concordar que a causa para tantos pequenos delitos se devem às notórias dificuldades econômicas que se impõe ao nosso povo trabalhador. Deveras, não há outro motivo tão determinante quanto este para que isto aconteça. Nosso país, já desprovido de valores morais na condução de seus nortes políticos, vê sua juventude e força de trabalho viajar rumo à incerteza. É momento oportuno para que seja trazida ao texto uma segunda interrogação: qual a solução para esta perplexidade? Seria ela a multiplicação de procedimentos processuais penais à mesma razão de casos como este, de imigrantes frustrados? Anima a consciência deste órgão do MPF a certeza negativa ao questionamento acima esboçado. Não faz sentido ocupar o tempo e os meios materiais de nosso Judiciário com estas ações penais quando tantos outros crimes de lesividade infinitamente maior demandam a presteza de um pronunciamento deste Poder do Estado. Temos certeza de que com a conduta tipificada nos inquéritos como este em questão, o grande prejuízo sobre o Brasil, com perda desta preciosa mão de obra que emigra premida por uma crise interminável. Não é este, contudo, o único aspecto a ser abordado na análise destas potenciais ações penais. Fora o aspecto de pequena lesividade, há de se pensar na utilidade de uma possível ação penal. Já não se deseja, há muito, um Poder Judiciário seduzido pelo desejo de tornar-se o órgão de vingança do Estado, o demonstrativo de sua força brutal e desmedida de opressão. De fato, é justamente o contrário que se busca. É balizado com os princípios que protegem o homem, e com os pés firmemente calcados na realidade social que se espera um equilibrado pronunciamento judicial. Mais ainda: tem-se notado nos inúmeros inquéritos similares a este que semanalmente nos chegam, a sistemática inércia da polícia no sentido de perseguir os verdadeiros falsários, estes sim, hábeis meliantes que se locupletam com a venda dos passaportes falsos. Não raro os infelizes deportados declinam seus nomes e locais de atuação, sem que se tenha notícia de uma atitude enérgica da polícia com o objetivo de coibir tal comércio clandestino. Tecidas estas considerações, alimenta-se com novos dados o presente requerimento. É notório que a deportação de alguém que se encontra clandestinamente nos E.U.A não se faz sem uma devida dose de constrangimento e humilhação pelas ciosas autoridades daquele país, e uma também constrangedora recepção em solo brasileiro pelos agentes da Polícia Federal. Com efeito, não se corre o risco de deixar uma conduta criminosa livre de punição. A própria trajetória da investigação

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destes delitos já fornece este ingrediente. Em vista do exposto, pugna o MPF pelo arquivamento do Inquérito Policial. O entendimento ora acolhido, por outro lado, encontra guarida neste Tribunal, conforme o precedente adiante transcrito: “Uso de documento falso. Não caracterização, A ineficácia incontornável do meio de que se serviu o agente não permitiu que se aperfeiçoasse o tipo. (TJSP- Ap.C.113.6863/8 – Rel. Renato Nalini)”. Passaporte falso. Absolvição. Inexigibilidade de conduta diversa. Insuficiência de provas. 1. Não é punível a conduta de brasileiro que utiliza passaporte falso apenas para tentar livrar-se da marginalidade social e econômica a que está fadado no Brasil buscando melhores condições de vida em outro país, caracterizada, nesta hipótese, a inexigibilidade de comportamento diverso; 2. Inexistindo quaisquer outras provas, a simples confissão do co-réu não é suficiente para fundamentar uma condenação; 3. Apelação a que se nega provimento, mantendo-se a absolvição dos acusados. (TRF 2ª Reg. Ap.C. 98.02.07729-1- Rel. Rogério V. de Carvalho). Diante do exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento. É como voto. Alexandre Libonati. Juiz Federal convocado. EMENTA – Penal e Processo penal. - Recurso em sentido estrito – Uso de documento falso – Passaporte falsificado para ingressar nos Estados Unidos da América – Art. 304 do Código Penal. Não reconhecimento da denúncia em razão da inexigibilidade de conduta diversa - A situação do réu, nos presentes autos, não difere da de inúmeros outros brasileiros, também excluídos socialmente, e que buscam no exterior melhores condições de vida. Todos esses cidadãos brasileiros tentam desesperadamente livrar-se da marginalidade social e econômica a que estão condenados. P.R.I.C. (RIO DE JANEIRO, processo 2001.51.01529656-0, 2005) (grifos nossos).

6.4 O Princípio da Coculpabilidade no Processo Penal

Há um avanço no sentido de reconhecer e poder fundamentar, no processo penal, o

Princípio da Coculpabilidade com a redação dada pela Lei 10.792/2003 ao art. 187, parágrafo

1º e 188, do Código de Processo Penal, que disciplina o interrogatório.

Art. 187 - O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos: Parágrafo 1º. Na primeira parte o interrogando será perguntado sobres a residência, meio de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. Art. 188- Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes, se restou algum fato a ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante (BRASIL, 2007, p.434-435) (grifos nossos).

Deste rol de indagações, o legislador avança quando permitem verificações acerca de

meio de vida ou profissão, oportunidades sociais, vida pregressa e outros dados familiares e

sociais do infrator. Estes dados que passavam antes despercebidos, no processo, dão aos

intérpretes a possibilidade de clamarem para uma efetivação do Princípio da Coculpabilidade,

como princípio constitucional juntamente com outros princípios garantistas penais e

processuais penais.

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O interrogatório deixa de ser simplesmente uma peça acusatória, uma mera indagação

superficial sobre o infrator, para transformar-se num momento real de contato entre as partes.

Desta maneira, ficarão constatadas nos autos, as indagações sobre as condições de vida

do infrator, e se o mesmo possui o mínimo existencial garantido pela Constituição,

possibilitando discussões em nível de recurso extraordinário.

Espera-se que tal mudança não venha apenas a atender expectativas burocráticas do

ato, tão comum em alguns momentos do Foro.

Como ressaltam Carvalho; Carvalho (2005):

O que se ambiciona, pela disposição codificada, é que a defesa, no ato do interrogatório, faça-se plena e não meramente formal. É de se repetir: o interrogatório é momento vital defensivo, então deve estar cercado de todas a garantias possíveis. (CARVALHO; CARVALHO, 2005, p. 73).

6.5 Proposta de Inserção da Coculpabilidade

A inserção da Coculpabilidade, expressamente no Código Penal, é proposta no

anteprojeto de Lei de 11/08/00, que visa alterar a Parte Geral do Código Penal, organizado

pela comissão de estudos penais, convocada pelo Ministério da Justiça, presidida por Miguel

Reale Júnior, em um trabalho de reconstrução das teorias do delito e da pena, dentre outros.

O anteprojeto tem na exposição dos motivos um balanço do Direito Penal Brasileiro

nas últimas décadas, com bastante precisão:

O Direito Penal legislado, na década de 90, foi um dos momentos mais dramáticos para o Direito brasileiro, pois era imprevisível que se produzissem em matéria repressiva tantas soluções normativas ao sabor dos fatos, sob o encanto de premissas falsas e longe de qualquer técnica legislativa. Ao lado dessas reformas, e mesmo em contradição a vários de seus postulados, novos institutos importados sem muito critério do direito americano e italiano promoveram uma completa desorganização do que sobrara do sistema legal, promovendo uma exagerada liberalização de situações, muitas vezes, socialmente graves. Some-se a isso a crise penitenciária vivida pelo Estado brasileiro e as frustrantes tentativas legais de corrigi-la pela via de remédios marcados por um forte sentimento de impunidade e tem-se o retrato da legislação penal atual. Uma completa desarticulação discursiva entre institutos, ausência de correspondência destes a uma política criminal efetiva e paradoxos que se avolumavam em quantidade e qualidade impediam que se pudesse chamar de sistema penal o que brotava dessas reformas. Não é o caso de fazer referência a cada uma das leis responsáveis pelo caos punitivo gerado. Cada uma de per si e todas em seu conjunto promoveram o mais sinistro desmantelamento de um sistema penal equilibradamente construído poucos anos antes. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2000, p.01).

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O fundamento das mudanças, prima para a inserção da Coculpabilidade, no momento

da individualização da pena. Baseia-se no critério de análise das circunstâncias pessoais do

acusado bem como as oportunidades oferecidas, vindo garantir uma obediência maior ao

princípio constitucional de dignidade da pessoa humana, tornando relevantes, situações de

vida e carências materiais do agente do fato, interferindo na sua culpabilidade.

De acordo com o projeto:

São importantes as inovações trazidas ao Código vigente pelo Projeto que procura assegurar a individualização da pena sob critérios ainda mais abrangentes do que os previstos na Reforma de 1984. Aprimoram-se as reais possibilidades de individualização judicial da pena por meio de novos critérios considerados no art. 59, cujas diretrizes foram alargadas. Continuam a ser três as ordens gerais de fatores sobre as quais repousa a individualização da pena; as relativas: ao agente, ao fato e à vítima. As duas últimas não sofreram alterações, mas, quanto ao agente, ao lado da culpabilidade, já em seu sentido mais abrangente trazido pela Reforma de 1984, e dos antecedentes, determina o Projeto que se refira o juiz à reincidência e condições pessoais do acusado, bem como as oportunidades sociais a ele oferecidas. Tais acréscimos merecem destaque. Antes de mais nada, a reincidência deixa de figurar como circunstância agravante obrigatória e passa a ser considerada no curso da individualização da pena. Na seara dos critérios relativos ao autor, cede lugar a personalidade, de improvável e discriminatória aferição e a conduta social, pelas condições pessoais e oportunidades sociais a ele oferecidas, expressões mais atuais e que revelam a plúrima dimensão do homem como centro de valorização do Direito Penal. No mais, permanece sem alteração o dispositivo. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2000, p.07).

A redação do art. 59, de acordo com o projeto, passaria a ser:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, antecedentes, reincidência e condições pessoais do acusado, bem como as oportunidades sociais a ele oferecidas, aos motivos, circunstâncias e conseqüências do crime e ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente à individualização da pena: I – a espécie e a quantidade de pena aplicável; II – o regime fechado ou semi-aberto como etapa inicial de cumprimento da pena; III– a restrição de direito cabível. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2000, p. 09) (grifos nossos).

Analisando a alteração proposta, verifica-se que “a conduta social” e “personalidade

do agente” são substituídas por condições pessoais e oportunidades sociais a ele oferecidas,

ficando a Coculpabilidade inserida obrigatoriamente, na aplicação da pena.

As mudanças propostas em muito contribuiriam para uma aplicação do Direito Penal

mais condizente com a realidade social. As decisões judiciais, lembrando Tarde (1976), na

sua obra “Leis da Imitação”, muitas vezes são cópias de outros casos, num processo imitativo

generalizado, limitando-se a repetir palavras da lei. Se se analisar nos tribunais decisões como

o exemplo de furto simples, observa-se quase que um padrão unânime e mecânico como o

exposto abaixo:

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Furto simples: Relatório: João da Silva, brasileiro, amasiado, [...] de acordo com a

denúncia, subtraiu coisa alheia móvel para si, (um par de tênis, uma calculadora, duas calças

jeans em aparelho de DVD, portátil, etc) infringindo as sanções do art. 155 do Código Penal.

Fundamentação: presente os pressupostos processuais e as condições da ação,

“nenhuma nulidade se apresenta”, passando a analisar o mérito. A prova é concludente e

suficiente para caracterizar a autoria e a materialidade. Perfeitamente configurado o tipo

penal. A absolvição é impossível, portanto, a denúncia é procedente e os critérios para a

fixação da pena serão devidamente observados:

Culpabilidade – A conduta praticada pelo acusado mostra-se censurável,

considerando que, nesta fase, já há um convencimento e justificativa para a aplicação da pena.

Antecedentes – São verificados na Certidão de Antecedentes do réu. Quando

inexistentes quaisquer informações de antecedentes, nos autos, são considerados imaculados.

Caso contrário, se houver certificados antecedentes, são realçados. Inclusive, há o juízo de

reprovação sobre aqueles processos em andamento e os já baixados que figuram como uma

mancha negra da qual o agente nunca se liberta. Neste sentido, contrariando decisão do

Supremo Tribunal Federal que já se pronunciou sobre o assunto, assumindo o entendimento

de que não podem ser levados em conta pelo juiz.

A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, bem como sentença pendente de recurso, além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes - também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, HC 84687/MG 2004).

Conduta social – Pouco explorada nos processos. Busca analisar como o réu se

comporta na sociedade. Por tamanha abstração que envolve o conceito de conduta social, o

projeto prima pela eliminação deste requisito. Observa-se que o critério utilizado é um critério

elitista, onde se leva em conta, emprego, residência fixa, ou seja, dados que não favorecem os

miseráveis.

Personalidade – De difícil comprovação para o juiz que não tem o conhecimento

psicológico necessário para auferir tipos de personalidades. Na maioria das vezes, o juiz

interpreta como antecedentes, através da certidão de antecedentes criminais, e se desfavorável

provoca um bis in idem circunstancial, com uma valoração negativa na fixação da pena base.

Motivos – Não se relavam os verdadeiros motivos da conduta delituosa. O que se

observa é que os juízes, de maneira geral, não se preocupam com o todo. O juiz julga

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desconhecendo os contornos dos fatos. E, com este posicionamento, os motivos serão

prejudiciais, e, portanto, desfavoráveis ao réu.

Circunstâncias – Determinadas por critérios objetivos do caso concreto.

Conseqüências – Quase sempre desfavoráveis, já que o crime causa temor à sociedade.

Comportamento da vítima – Em que pese um movimento que pretenda que a vítima

faça parte do debate acerca do crime, à vítima não é dada a oportunidades de tecer relevantes

considerações.

Conclusão: Após as considerações de agravantes e atenuantes, e causas especiais de

aumento e diminuição da pena, o juiz chega a uma fixação da pena definitiva. Observa-se que

o julgador se atém às circunstâncias do artigo 59, formalmente, sem nenhum quesito

diferencial entre os casos. As decisões são quase que coincidentes. Se se observarem as

sentenças, as circunstâncias não são exploradas e fundamentadas com o intuito de uma

verdadeira verificação das particularidades do caso concreto, a fim de aplicar uma pena justa,

sendo na maioria dos casos, realçadas em prejuízo da pessoa do infrator.

Para aquelas que poderiam equilibrar as condições desfavoráveis, não há nenhum

relevo substancial. O que a mudança pretende é considerar, no caso concreto, o réu e sua

condição de inserido na sociedade a que pertence. O juiz não mais analisará a personalidade,

por seu caráter improvável e discriminatório e a conduta social cede lugar às “condições e as

oportunidades sociais oferecidas” e não contrárias a ele ou neutras, por não existirem no processo.

Pela proposta do anteprojeto, com a adoção do Princípio da Coculpabilidade, a

individualização da pena deverá buscar, para o mesmo caso acima exposto, alterações que, na

prática, mudariam o conteúdo substancial de muitas sentenças publicadas diariamente e com

elas o destino de muitos brasileiros.

Culpabilidade – A culpabilidade como fator de graduação da pena, deve considerar a

posição do agente frente ao bem jurídico violado. O juiz deve verificar se houve dolo direto

(menosprezo ao bem jurídico), dolo eventual (indiferença) e descuido (crimes culposos), com

as correções da Coculpabilidade.

Antecedentes – Não há alteração no anteprojeto. Mas, deve-se aplicar o entendimento

do Supremo Tribunal Federal, de não considerar processos sem decisão final transitada em

julgado e nem baixados.

Reincidência – Genérica ou específica.

Condições pessoais – Dados relevantes, colhidos no interrogatório devem ser

realçados, sobretudo, dados familiares que permitem situar a pessoa dentro do contexto social

em que vive.

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Oportunidades sociais oferecidas – Todos os direitos que compreendem o mínimo

existencial, inclusive a possibilidade de trabalho legal, são obrigações sociais que devem ser

atribuídas a todos. Na dosimetria da pena, estes dados devem ser destacados e pesados na

individualização da pena.

Motivos, circunstâncias, conseqüências e comportamento da vítima permanecem iguais.

No mesmo caso, se comprovada a carência de algum requisito necessário para viver

em dignidade, a sentença deverá ser fundamentada, no sentido de adotar a Coculpabilidade na

fixação da pena, podendo levar à conclusão penal interpretada à luz da Constituição, ou seja, a

análise da posição do acusado frente ao bem jurídico lesado em face da vulnerabilidade

existente na sociedade.

São decisões que exigem do juiz maior grau de comprometimento com a realidade

social. Nesta linha de pensamento está Carvalho (2006): “Sentenciar com a possibilidade

transformadora na diretiva da utópica vida como dignidade para todos. É, propor o ainda não,

mas que pode vir a ser. Decidir é fazer parte ativa na construção de novo modelo social.”

(CARVALHO, 2006, p.33). Ferrajoli (2006), também se faz presente nesta crítica:

Posto que em nenhum sistema, o juiz é uma máquina automática. Concebida como tal, significa uma máquina cega, presa à estupidez ou pior, aos interesses e condicionamentos do poder, mais ou menos ocultos, em todo caso, favorecer sua irresponsabilidade política e moral. (FERRAJOLI, 2006, p. 175).

Outro exemplo, que se observa nos tribunais com uma interpretação muito próxima

dos crimes contra o patrimônio é o de tráfico de drogas. Não se repetirá na íntegra, o

fundamento das sentenças, mas apenas verificar a individualização da pena:

Culpabilidade – A conduta praticada é mostrada como censurável, com o

entendimento de que a deteriorização causada pela droga não se limita àquele que a ingere,

mas põe em risco a própria integridade social.

Antecedentes – Desfavoráveis ou não pela certidão de antecedentes criminais.

Conduta social – Fornecida pelas testemunhas.

Personalidade, motivos, circunstâncias – Critérios objetivos retirados dos autos,

dotados de uma superficialidade generalizada.

Conseqüências - Também lhe são extremamente desfavoráveis, já que o crime de

tráfico de entorpecentes causa especial apreensão e temor nas famílias, causando a sua

desagregação, com danos psicológicos irreparáveis.

Comportamento da vítima - Não deve ser considerado, já que a mesma é a coletividade.

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O comércio de drogas tem se tornado um mercado paralelo, cujos grandes

consumidores estão inseridos nas famílias de renda considerável. A sociedade não pode ser

tão hipócrita em desconhecer que vivem em condições vulneráveis aqueles que intermedeiam

o comércio de drogas, para os consumidores inseridos na sociedade.

Pais, professores, mídia, autoridades dentre tantos outros, devem assumir a

responsabilidade e conscientização. A pior postura que uma sociedade pode adotar, no caso

das drogas, é confiar ao Direito Penal a solução deste do problema. Adotando as alterações, o

Código Penal poderá levar ao caso de tráfico, as verdadeiras circunstâncias que levam uma

pessoa a comercializar drogas e identificar que o problema das drogas é questão social, que

cabe tratamento adequado aos dependentes e não prisão.

Com as modificações, nas sentenças de tóxicos, seriam expostas as circunstâncias

numa real exploração dos fatos:

Nas Condições pessoais – Quem é o acusado?Quais são as condições familiares?

Muitas vezes, o comércio ilegal de drogas supre carências materiais emergenciais de familiares.

Nas oportunidades sociais oferecidas – Qual a possibilidade de trabalhar honestamente?

Vale ressaltar que a pesquisa demonstra que a grande maioria dos processos criminais,

em andamento, é de crimes contra o patrimônio e crimes de tóxicos. As alterações mudam o

contexto de aplicação do direito. Tal avanço, em muito contribuiria a dimensão do homem

dentro do Direito Penal, não se esquecendo em nenhum momento que o Direito Penal serve

como conjunto de garantias para todos os envolvidos no conflito penal.

Todavia, a nova lei de tóxicos (Lei nº. 11.343/06) em seu artigo 4249, apresenta um

retrocesso em face das circunstâncias previstas no art. 59 do CP, enaltecendo exatamente as

circunstâncias que o projeto prima por eliminar. Estabelece preponderância entre as

circunstâncias que versem sobre a personalidade e a conduta social do agente.

Tamanha é a irracionalidade do legislador em supervalorizar as circunstâncias mais

abstratas da individualização da pena, que não dão aos aplicadores do direito a resposta

adequada e constituem em interpretações vagas e imprecisas que podem levar coadunar com o

que pretendemos denunciar: a desvalorização da pessoa humana pelo seu status social.

Outra alteração proposta, no mesmo anteprojeto, que pode ser analisada juntamente

com a Coculpabilidade é a inserção de um artigo que possibilita ao juiz aplicar a pena abaixo

49 Art. 42: O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

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do mínimo legal. Há entendimentos, principalmente nos tribunais do Rio Grande do Sul50, de

que não existe óbice à redução da pena aquém do mínimo legal, não aplicando a súmula 231

do STJ51, com base no entendimento de que a determinação constitucional é somente no

sentido de individualização das penas. Assunto que começa a ser debatido pelo Supremo

Tribunal Federal52, prevalecendo o entendimento do ministro Celso de Mello, no HC

70883/94 de que tal tese poderia levar descrédito à justiça.

O projeto propõe um artigo com previsão de aplicação da pena abaixo do mínimo legal.

Art. 68-A. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, o juiz, observado o critério do art. 59, e havendo desproporcionalidade entre a pena mínima cominada e o fato concreto, poderá, fundamentadamente, reduzir a pena de um sexto até metade. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2000, p.11).

O fundamento das mudanças vai ao encontro do ideal de justiça material, sendo o

crime praticado, sem violência ou ameaça à pessoa, havendo desproporcionalidade entre a

pena mínima e o fato concreto, como exposto no anteprojeto:

No cálculo da pena, não foram introduzidas modificações em relação ao sistema atual, salvo quanto ao disposto no art. 68-A, que sem modificar radicalmente a estrutura do nosso sistema clássico das margens penais, cria a possibilidade de se alcançar na maioria dos casos, o ideal de justiça material, com a previsão de uma causa de diminuição de pena, fazendo com que esta possa ser aplicada, pois, abaixo do mínimo legal cominado nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, quando se permite ao juiz, observadas as circunstâncias do art. 59 e a desproporcionalidade entre a pena mínima cominada e o fato concreto, fundamentadamente, reduzir a pena de um sexto até metade. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2000, p.07).

50 Vide Apelação crime 70000284455 da quinta câmara criminal do TAPES. Relator: Amilton Bueno de Carvalho. A câmara tem por pacificado que a atenuante pode fazer chegar a base aquém do mínimo legal. Acordam os Desembargadores da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento aos apelos para fixar a pena de A. em 08 meses de reclusão e de C. em nove meses de reclusão, substituídas por serviços à comunidade e pecuniária mínima, por infração ao artigo 155, parágrafo 4º, I e IV do Código Penal. (RIO GRANDE DO SUL, TJ, 2000). 51 Súmula 231: a incidência da circunstancia atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, publicada em 15/10/99. (BRASIL, 2007, p.955). 52 A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu, nesta terça-feira (15/04/08) Habeas Corpus (HC 93966) em favor de S.S.B, que queria ver confirmada sentença de primeiro grau que o condenou à pena de reclusão de 1 ano e 9 meses, abaixo da pena mínima legal prevista para o crime de tentativa de roubo e extorsão (artigo 157, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal). A sentença havia sido confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a aplicação da pena mínima prevista em lei. A Defensoria Pública da União, que atuou na defesa de S.S.B., alegou que, na semana passada, o ministro Carlos Ayres Britto, ao relatar o HC 91654, defendeu o que denominou como “lealdade judicial” para com o réu que colabora com a polícia, que poderia manifestar-se na fixação de uma pena mais branda. Este seria o caso de S.S.B., segundo a defensoria. Entretanto, o ministro Eros Grau, relator do processo, lembrou que há, no STF, entendimento pacificado no sentido de que a pena não pode ficar abaixo do mínimo legal, apesar de eventuais atenuantes. Nesse sentido, ele recordou o julgamento do HC 70883, relatado em 1994, pelo ministro Celso de Mello, presidente da Segunda Turma. Segundo Eros Grau, a vingar a tese da Defensoria Pública da União, poderiam surgir situações esdrúxulas, como a condenação de acusados do cometimento de crimes graves a penas irrisórias, e isso levaria descrédito à Justiça. (MINISTERIO PUBLICO DO PARANÁ, Informativo Semanal nº. 328, Seleção de Jurisprudências, 2008).

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Lamentavelmente, o anteprojeto não foi analisado até os dias de hoje, outros

anteprojetos, menos comprometidos com a justiça social, proliferaram e têm sido colocados

em pauta com maior aceitação.

Enquanto as reformas não vêm, o Princípio da Coculpabilidade pode perfeitamente ser

empregado, no momento da aplicação da pena, ou seja, nas circunstâncias do art. 59,

incidindo também na primeira fase da aplicação da pena. Interpretação que coaduna com a

doutrina de Carvalho (2002), ao defender que:

Ao lado do homem culpado por seu fato, existe uma co-culpabilidade da sociedade, ou seja, a uma parte da culpabilidade – da reprovação pelo fato - com a qual a sociedade deve arcar em razão das possibilidades sonegadas. [...] Se a sociedade não oferece a todos as mesmas possibilidades, que assuma uma parcela de responsabilidade que lhe incumbe pelas possibilidades que negou ao infrator em comparação com as que proporcionaram aos outros. (CARVALHO, 2002, p.65).

Ferrajoli (2006), também defende a interpretação constitucional das circunstâncias

judiciais, ressaltando que:

São considerações úteis para orientar o juiz sobre os elementos a levar em consideração. Estes critérios, embora numerosos e detalhados, não são, no entanto, exaustivos: por sua natureza, a conotação escapa a uma completa predeterminação legal.E, sobretudo, por causa de seu inevitável caráter genérico e valorativo, carecem de condições para vincular o juiz, a quem, no entanto, são remetidos sempre os juízos de valor sugeridos por aqueles critérios.São estes juízos que formam a discricionariedade fisiológica da interpretação judicial que deve estar abertamente inspirada nos valores constitucionais na interpretação. (FERRAJOLI, 2006, p. 372/273).

Outro enfoque criticado na doutrina de Ferrajoli (2006) diz respeito à sentença

exemplar, na qual o juiz pretende fazer da condenação um exemplo para os demais,

desconsiderando as circunstâncias individuais na aplicação da pena. Segundo o autor:

Devem ser excluídas considerações ou juízos em matéria de defesa social, posto que dentro do sistema garantista a função judicial não pode ter outros fins que não a justiça do caso concreto, o juiz não pode propor finalidades de prevenção geral que fariam de cada uma de suas condenações uma sentença exemplar (FERRAJOLI, 2006, p. 373).

Vários problemas enfrentados no Brasil não são exclusividade de suas fronteiras,

sobretudo, no que tange à Coculpabilidade, os países vizinhos estão à nossa frente, já

consagrando o princípio, nos Códigos Penais, o que se verá no próximo capítulo.

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7 O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE NO DIREITO COMPARADO

O direito comparado é, desde o princípio, uma ciência interessante. Viaja-se pelo mundo. Quem dele se ocupa, deixa-se guiar, em geral, por prerrogativas sublimes e nobres objetivos. (FRANKENBERG, 2007, p. 337).

Assim como o indivíduo pouco pode afirmar ser sábio somente por si mesmo, o

sistema jurídico não pode julgar-se tão avançado que não possa tirar proveito do pensamento

das escolas estrangeiras. A partir desta premissa, o estudo e aplicação do Princípio da

Coculpabilidade devem estender-se a outras fronteiras, sobretudo aos países que vivem como

o Brasil, num enorme déficit social.

A convenção Americana sobre direitos humanos “Pacto de São José da Costa Rica”,

de 22 de novembro de 1969, em seu preâmbulo reafirma:

Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos. (BRASIL, 2007, p. 755).

A universalização dos direitos humanos impõe um marco comum a todas as

legislações, é, sobretudo, limite ao poder punitivo do Estado. Estes limites, no Brasil,

encontram-se reafirmados com a previsão pela Constituição da República, no parágrafo 2º, do

art. 5º de que “os direitos e garantias expressos não excluem outros decorrentes do regime e

dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa

do Brasil seja parte.” (BRASIL, 2008, p. 29).

A globalização econômica tende a livrar-se desses limites em um programa que tem

por objetivo submeter todo o mundo à sua empreitada de integração econômica

(neocolonização), em um jogo liberal onde não há juizes. Como discorre Magalhães (2001):

“Os avanços da tecnologia nos mais diversos campos tendo como pano de fundo a

globalização neoliberal, levam o mundo a um modelo de exclusão social jamais visto.”

(MAGALHÃES, 2001, p. 12).

Os países pobres sofrem com mais baixos níveis salariais e um alto índice de

desemprego. Cresce um novo sistema de Estado Neoliberal, que tende a reduzir o Estado a

uma função arrecadadora, regido como uma empresa, responsável também em retirar de cena

aqueles excluídos, para que não perturbem a ordem social do capitalismo. Novamente,

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propugna-se pelo afastamento do Estado em prol da liberdade de enriquecer, mas, que

permaneça o Estado nas suas funções de controle policial em face daqueles que não

conseguem inserir no sistema capitalista.

Como ressalta Sampaio (2004), que os direitos de primeira geração, ou de base liberal,

não pretendiam uma total abstenção do Estado na sociedade. “O Estado desempenha um papel

de polícia administrativa por meio do Poder Executivo e de controle, prevenção e repressão

pelo Judiciário de ameaça ou lesão.” (SAMPAIO, 2004, p.260).

O novo estado neoliberal prima pelo vigilantismo eletrônico, desde que as

tornozeleiras não estejam nas suas próprias pernas e as câmeras não estejam voltadas à elite.

O encarceramento cresce como bem define Wacquant (2001):

É como se tratasse de um sinistro programa habitacional para os pobres. O sistema penal do empreendimento neoliberal é o cenário sombrio do qual o Estado, pateticamente, despossuído dos generosos instrumentos assistenciais que outrora teve em mãos, impõe à magras silhuetas dos desajustados e inúteis da nova economia,a única intervenção na qual repousa agora sua autoridade: a pena. (WACQUANT, 2001, p. 488).

Vive-se em uma época complexa, marcada pela multiplicação de objetos materiais,

que se tornam cada vez mais fruto do desejo de consumo. O meio ambiente é menos natural e

seu esgotamento é uma realidade crescente. A humanidade pode identificar-se como um todo,

reconhecendo e vendo cenas históricas em todo o globo. A penalidade neoliberal pretende

remediar a violência com mais “Estado policial e penitenciário” e menos “Estado Social”, que

é a própria causa da escalada generalizada da insegurança de todos os países do mundo.

Na visão de Santos (2005):

O mundo se torna fluido, graças à informação, mas também ao dinheiro. Todos os contextos se intrometem e superpõem corporificando um contexto global, no qual as fronteiras se tornam porosas para o dinheiro e para a informação. [...] Os condutores da globalização necessitam de um Estado flexível a seus interesses. As privatizações são a mostra de que o capital se tornou devorante, guloso ao extremo, exigindo sempre mais. A instalação desses capitais globalizados supõe que o território se adapte às suas necessidades de fluidez, investindo pesadamente para alterar a geografia das regiões escolhidas. De tal forma, o Estado acaba por ter menos recursos para tudo que é social, sobretudo no caso das privatizações caricatas, como no modelo brasileiro,que financia as empresas estrangeiras candidatas à compra do capital social nacional. (SANTOS, 2005, p.66).

Um grande desencadeador da violência, em todo o mundo, é o modelo político do neoliberalismo. Como ressalta o professor Wanderley Júnior (2006):

Este modelo, cuja existência, embora negada por muitos, já se faz sentir nos diversos sistemas, impulsionado pelo colapso do Estado Socialista e pela crise do Estado Social.Modelo este, marcado pela globalização econômica, cujos efeitos já não deixam dúvida sobre sua real implementação.(WANDERLEY JUNIOR, 2006, p.121).

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Neste contexto, há um número muito maior de crimes relacionados com a escassez de

recursos na área social. O crime se globaliza juntamente com a economia, sob os comandos

do capitalismo. O Direito Penal tende a ser usado como um instrumento em que retira da

sociedade aqueles que não interessam ao sistema capitalista, aos quais Bauman (2005) em

“Vidas desperdiçadas” denominou de “refugo humano”. Basta olhar nas penitenciárias para

constatarmos quem está sendo refugado: são os pobres, os negros, os desempregados, os

inadaptados ao sistema capitalista. Para o “refugo” do capitalismo selvagem contemporâneo, a

punição é um fato cotidiano.

Como observa Bauman (2005):

Construir novas prisões, aumentar o número de delitos puníveis com a perda da liberdade, a política de “tolerância zero” e o estabelecimento de sentenças mais duras e mais longas podem ser medidas bem mais compreendidas como esforços para re(construir) a deficiente e vacilante industria de remoção de lixo, sobre uma nova base, mais antenada com as novas condições do mundo globalizado. O refugo humano é produzido e germinado em quantidades sempre crescentes – agora, porém, na ausência de depósitos naturais adequados para sua armazenagem. A miséria prolongada leva milhões de pessoas ao desespero, e na era da terra de fronteira global e do crime globalizado, dificilmente se poderia imaginar que houvesse uma carência de empresas ávidas por ganhar algum dinheiro, ou alguns milhões, se aproveitando desse desespero. (BAUMAN, 2005, p. 107-108).

Com base nesta realidade, alguns países da América Latina, estão à frente do Brasil,

assumindo o Princípio da Coculpabilidade em seus Códigos Penais, reconhecendo a “mea

culpa” do Estado e da sociedade na questão da criminalidade.

Como ressalta Zaffaroni (1981):

O Princípio da Co-Culpabilidade vem desempenhar um papel protagônico na política criminal, particularmente, porque assume uma dimensão internacional. Dito em outros termos: o direito penal corre sempre o risco de converter-se num instrumento de dominação e repressão interna, consolidando situações injustas a nível individual e social. O momento em que o direito penal passa a ser um instrumento de dominação, sempre será difícil de estabelecer, no entanto, a Co-Culpabilidade é um princípio bastante efetivo contra este risco. [...] Seu desconhecimento poderá levar o direito penal a perder seu caráter jurídico e ficar reduzido a um mero exercício de poder. (ZAFFARONI, 1981, p. 171-172).

Pesquisando outros Códigos Penais, constatou-se que o Princípio da Coculpabilidade está presente em vários ordenamentos latino-americanos como circunstâncias atenuantes da pena, ou até mesmo, como causa de exclusão da responsabilidade penal, a exemplo do Código Penal Colombiano, que expressamente prevê a possibilidade do juiz não aplicar a pena em face de situações de marginalidade e pobreza extremas.

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7.1 Na Argentina

A Argentina, desde 1921, tem presente o Princípio da Coculpabilidade em seu Código

Penal. Foi o primeiro Código Penal a adotar expressamente o princípio, fazendo menção,

inclusive às sentença do Juiz Magnaud, na sua exposição de motivos.

Conta, também, com um dos maiores doutrinadores, em Direito Penal, da América

Latina: Zaffaroni (1981), chamando sempre a atenção para o estado de vulnerabilidade

crescente dos povos da América Latina, bem como grande divulgador do Princípio da

Coculpabilidade, inclusive no Brasil.

Atualmente, no Código Penal da Argentina de 1984, há uma clara aplicação do

Princípio da Coculpabilidade, quando dispõe nos artigos 4053 e 4154, a exigência de que para

graduar a pena, o juiz deve ter em conta a análise dentre outras circunstâncias: “a educação,

os costumes, a conduta precedente e os motivos que levam a pessoa a delinqüir,

especialmente a miséria ou a dificuldade de ganhar-se o sustento necessário próprio e de sua

família”. Na sentença, o juiz ou Tribunal devem aplicar o Princípio da Coculpabilidade,

procurando minimizar as desigualdades perante a lei, como se observa nos mencionados artigos:

Artigo 40 – Nas penas divididas pela razão de tempo ou de quantidade, os tribunais fixarão a condenação de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes particulares a cada caso e de conformidade com as regras do artigo seguinte: Artigo 41 - Aos efeitos do artigo anterior, se terá em conta: a natureza da ação e os meios empregados para executar ou a extensão do dano ou do perigo causados: a idade, a educação, os costumes e a conduta precedente do sujeito, a qualidade dos motivos que o determinaram a delinqüir, especialmente, a miséria ou a dificuldade de ganhar-se o sustento próprio necessário e seus parentes, a participação que haja tomado o fato, a reincidência em que houvera incorrido e os demais antecedentes e condições pessoais, assim como os vínculos pessoais, a qualidade das pessoas e as circunstâncias de tempo, lugar, modo e ocasião que demonstrem sua maior ou menor periculosidade. O juiz deverá tomar conhecimento direto da vida do sujeito, da vítima e das circunstâncias do fato na medida requerida para cada caso. (ARGENTINA, 1984, tradução nossa).

53 Artículo 40 – En las penas divisibles por razón de tiempo o de cantidad, los tribunales fijarán la condenación de acuerdo con las circunstancias atenuantes o agravantes particulares a cada caso y de conformidad a las reglas del artículo siguiente. 54 Artículo 41 – a los efectos del artículo anterior, se tendrá en cuenta: la naturaleza de la acción y de los medios empleados para ejecutaria u la extensión del daño u del peligro causados. La edad, la educación, las costumbres y la conducta precedente del sujeto, la calidad de los motivos que lo determinaron a delinquir, especialmente la miseria o la dificultad de ganarse el sustento propio necesario y el de los suyos, la participación que haya tomado en le hecho, las reincidencias en que hubiera incurrido y los demás antecedentes y condiciones personales, así como los vínculos personales, la calidad de las personas y las circunstancias de tiempo, lugar, modo y ocasión que demuestren su mayor o menor peligrosidad. El juez deberá tomar conocimiento directo y de visu del sujeto, de la victima y de las circunstancias del hecho el la medida requerida para cada caso.(Código Penal Argentino de 21/12/84. Libro Primeiro, Disposiones generales. (Grifos nossos)

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Interessante destacar que na Argentina, a competência para legislar sobre matéria de

Direito Penal é federal e a competência para legislar sobre matéria processual é distrital. Cada

província tem suas regras processuais e cada uma pode estender garantias e nunca restringir, o

que possibilita melhor adaptação do procedimento, diante do contexto que diverge em cada

parte do país.

7.2 No México

O Direito mexicano determina que o juiz deva analisar, ao fixar a pena, as

circunstâncias que compreendem: “a educação, as condições sociais e econômicas do sujeito,

assim como os motivos que o impulsionaram a delinqüir.” Expressamente, ressalta o respeito

aos costumes indígenas, que porventura colidirem com o ordenamento penal, como se observa

no artigo 52, 55 do Código Penal Mexicano:

Art. 52. O juiz fixará as penas e medidas de segurança que estime mais justas e procedentes dentro dos limites assinalados para cada delito, com base na gravidade do ilícito e no grau de culpabilidade do agente, tendo em conta: V- a idade, a educação, a ilustração, os costumes, as condições sociais e econômicas do sujeito, assim como os motivos que o impulsionaram ou determinaram a delinqüir. Quando o processado pertencer a um grupo étnico indígena, se tomarão em conta seus usos e costumes. (MÉXICO, 1994, tradução nossa).

Doutrinadores mexicanos têm alertado para o fato de que, apesar de estar previsto o

Princípio da Coculpabilidade, em seu ordenamento penal, há uma tendência de converter-se

num instrumento de marginalização social a serviço da globalização e do neoliberalismo, se

não forem garantidos os comandos da justiça penal, conquistados ao longo da história, que

buscam graduar a culpabilidade em face de condições sociais do delinqüente.

Como é observado na doutrina de Regino (2008):

55 Artículo 52. El juez fijará las penas e medidas de seguridad que estime justas y procedentes dentro de los límites señalados para cada delito, con base en la gravedad del ilícito y el grado de culpabilidad del agente, teniendo en cuenta: V- la edad, la educación, la ilustración, las costumbres, las condiciones sociales e económicas del sujeto, así como los motivos que lo impulsaron o determinaron a delinquir. Cuando el procesado perteneciere e un grupo étnico indígena, se tomarán en cuenta, además, sus usos y costumbres.” Art 52. libro Primeiro, Título tercero, Código Penal Federal do México, 14/08/31.Alterado por lei de 10 de janeiro de 1994.(Grifos nossos)

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Se for assim, o direito penal no México se dirigirá a converter-se em um instrumento de marginalização social. O novo projeto do Executivo Federal para regulamentar a reforma constitucional do corpo do delito, é um claro retrocesso à conquista anteriormente obtida. Nosso sistema se orienta a um endurecimento e à possibilidade de converter-se em um aliado da tentação autoritária. Deus permita que a compreensão dos fenômenos sociais políticos e econômicos nos levem a refletir desde outro ponto de vista a nossa justiça penal. (REGINO, 2008, p. 03).

7.3 No Peru

No Peru, verifica-se que o Princípio da Coculpabilidade não só é empregado como

circunstância que deve graduar a pena, como tem também, a função de fundamentar e

determinar a pena adequada, de acordo com o artigo 45 do Código Penal Peruano. Além das

carências sociais, da cultura e dos costumes, são realçados os interesses da vítima e daqueles

que dela dependem, embasando a necessidade da pena.

A vítima e seus dependentes, no Direito Penal Peruano, têm papel destacado na

fundamentação e determinação da pena, indo ao encontro de um Direito Penal voltado à

participação efetiva de todos os envolvidos no conflito, coadunando com a filosofia

habermasiana fundamentada na teoria da ação comunicativa.

Segundo Moreira (2004): “O agir comunicativo vem a ser a disponibilidade que existe

entre falantes e ouvintes a estabelecer um entendimento que surge de um consenso sobre algo

no mundo.” (MOREIRA, 2004, p. 111).

As ações situam-se no mundo da vida, são fatos (faticidade), sobretudo as ações

consideradas por uma comunidade como ilícitas, podem levar a desintegração social, gerando

dissenso. Habermas (2002) entende que para a validade das leis que vão incidir sobre a ação,

é necessária a integração entre os participantes do discurso, ou seja, acusado e vítima (ou seus

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representantes), como garantia de resgatar o melhor argumento e conseqüentemente a

aplicação racional do direito.

O crime constitui uma ação ou omissão que rompe uma forma de relação social e não

apenas ofende um bem jurídico. A participação da vítima ou de seus representantes possibilita

ao réu reconhecer o sofrimento que causou como forma de crescimento da dimensão de

entender o outro. O consenso pode ter espaço também em âmbito penal, dentro do processo penal.

O Código Penal Peruano permite a aplicação do Direito Penal fundamentado na teoria

discursiva do Direito, fincada a partir da uma racionalidade procedimental, como se observa

no seu artigo 45 56:

Pressupostos para fundamentar e determinar a pena: O juiz, no momento de fundamentar e determina a pena, deverá ter em conta: 1. As carências sociais que houver sofrido o agente; 2. Sua cultura e seus costumes e os interesses da vítima, de sua família ou das pessoas que dela dependam. (PERU, 1991, tradução nossa (2008)).

A interpretação deste artigo, na doutrina de Pozo (2008), enfatiza que o juiz peruano

está obrigado a expor as circunstâncias que compreendem as carências sociais que houver o

agente, carências estas decisivas no processo de determinação da pena. Para o autor:

A disposição reafirma a exigência constitucional segundo a qual se devem cimentar adequadamente as resoluções judiciais, de tal maneira que o condenado não se surpreenda com avaliações de leis, enquanto consagra como modelo de convivência comunitária próprio de um Estado social e democrático de direito, fundado na dignidade da pessoa humana, pois, por disposições de ordem constitucional e legal, o juiz peruano está obrigado a expor as circunstâncias que são decisivas no processo de determinação da pena, seja entendida em sentido estrito ou amplo. (POZO, 2008, p.05).

7.4 Na Bolívia

56 Artículo 45: Presupuestos para fundamentar y determinar la pena:El Juez, al momento de fundamentar y determinar la penal, deberá tener encuenta:Las carencias sociales que hubiere sufrido el agente;Su cultura y sus costumbres; y los intereses de la víctima, de su familia o de las personas que de ella dependen (Código Penal Peruano, 03/04/91)

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O Código Penal Boliviano, nos artigos 38 e 4057 prescrevem circunstâncias que devem

ser analisadas para determinar a personalidade do autor. Dentre elas: “a idade, a educação, os

costumes, a conduta precedente e posterior do sujeito, os motivos que o impulsionaram a

delinqüir e sua situação econômica e social.”

Dispõe esta legislação que, da mesma maneira que a idade compromete a formação da

personalidade do autor, a situação econômica e social também pode comprometer a

personalidade. É verificar a personalidade não por caráter abstrato, mas, sim pelos dados reais

vividos pelo infrator.

Além das circunstâncias que interferirão na graduação da pena, contém também como

atenuante genérica, o fato do autor ter cometido o delito impulsionado pela miséria, como se

observa na tradução literal dos artigos:

Art. 38 – Circunstâncias: 1- Para apreciar a personalidade do autor, se tomará principalmente em conta: a) a idade, a educação, os costumes e a conduta procedente e posterior do sujeito, os motivos que o impulsionaram a delinqüir e sua situação econômica e social. b) as condições especiais nas quais se encontrava no momento da execução do delito e os demais antecedentes e condições pessoais, assim como relacionamentos de amizade ou nascido de outras relações, o caráter das pessoas ofendidas e outras circunstâncias de índole subjetiva. c) Art. 40 - Atenuantes Gerais: Poderá também atenuar-se a pena: 1-Quando o autor tenha praticado por motivo justo ou impulsionado pela miséria. Ou sob influencia de sentimentos morais ocultos e injustos ou sob a impressão de uma ameaça de pessoa que deve obediência ou de que dependa. (BOLÍVIA, 1973, tradução nossa).

7.5 Na Colômbia

O Código Penal Colombiano é o que diretamente emprega o Princípio da

Coculpabilidade, constituindo o ordenamento penal mais avançado da América Latina no

57 Artículo 38 – Circunstancias: para apreciar la personalidad del autor, se tomará principalmente en cuenta: a)La edad, la educación, las costumbres y la conducta precedente y posterior del sujeto, los motivos s que lo impulsaron a delinquir y su situación económica e social.b) b) Las condiciones especiales en que se encontraba en el momento de la ejecución del delito y los demás antecedentes y condiciones personales, así como sus vínculos de parentesco, de amistad o nacidos de otras relaciones, la calidad de las personas ofendidas y otras circunstancias de índole subjetiva. b) Las condiciones especiales en modal se encontraba en el momento de la ejecución del delito y los demás Antecedentes y condiciones Personales, así como sus Tour Virtual de parentesco, de amistad o nacidos de Relaciones otras, la calidad de las personas y otras circunstancias de ofendidas índole subjetiva. Artículo 40 – atenuantes generales: Podrá también atenuarse la pena: Cuando el autor ha obrado por motivo honorable, o impulsado por la miseria. , o bajo la influencia de padecimientos Morales sepulturas e injustos, o bajo la impresión de una amenaza túmulo, ó por el ascendiente de una persona a la modal Deba obediencia o de la cual dependa.( Código Penal Boliviano,02/04/73)

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reconhecimento do princípio, no qual se verifica profundamente situações de marginalidade

social e pobreza extrema, e suas influências na conduta punível. Expressamente, possibilita ao

juiz, no artigo 56, excluir a responsabilidade penal, se verificada a impossibilidade do

indivíduo determinar-se, conforme a lei, por encontrar-se em situação de pobreza, ignorância

e estar à margem da sociedade.

Para os casos em que não houver exclusão da responsabilidade, os limites da pena

ficam claramente determinados, sendo que a pena aplicada não poderá ultrapassar mais que a

metade da pena máxima, conforme se verifica no artigo 5658 do Código Penal:

Ao que realize a conduta punível sob influência de profundas situações de marginalidade, ignorância ou pobreza extrema, enquanto hajam influído diretamente na execução da conduta punível e não tenham a entidade suficiente para excluir a responsabilidade, incorrerá na pena não maior da metade do máximo, nem menor da sexta parte do mínimo da respectiva disposição. (COLÔMBIA, 2000, tradução nossa).

7.6 No Equador

A legislação do Equador traz como circunstâncias atenuantes: “a indigência, a família

numerosa ou a falta de trabalho, se as mesmas colocam o delinqüente em situação

excepcional”. Nota-se que tais circunstâncias são acolhidas somente nos crimes contra o

patrimônio, como ressalta o art. 2959, do Código Penal:

São circunstâncias atenuantes todas as causas que impulsionam a infração referentes ao estado e capacidade física e intelectual do delinqüente, a sua conduta com respeito ao ato e suas conseqüências, diminuindo a gravidade da infração, bem como o alarme ocasionado na sociedade, que dão a conhecer pouca ou nenhuma periculosidade ao autor como nos casos seguintes:[...] XI- Nos delitos contra a propriedade, quando a indigência , a família numerosa ou a falta de trabalho tenha colocado o delinqüente em situação excepcional ou quando

58 Artículo. 56: El que realice la conducta punible bajo la influencia de profundas situaciones de marginalidad, ignorancia o pobreza extremas, en cuanto hayan influido directamente en la ejecución de la conducta punible y no tengan la entidad suficiente para excluir la responsabilidad, incurrirá en pena no mayor de la mitad del máximo, ni menor de la sexta parte del mínimo de la señalada en la respectiva disposición.(código Penal da Colômbia, 24/07/2000). 59 Artículo 29 :Son circunstancias atenuantes todas las que, refiriéndose alas causas impulsivas de la infracción, al estado y capacidad física e intelectual del delincuente, a su conducta con respecto al acto y sus consecuencias, disminuyen la gravedad de la infracción, o la alarma ocasionada en la sociedad, o dan a conocer la poca o ninguna peligrosidad del autor como en los casos siguientes:[ …]XI- En los delitos contra la propiedad, cuando la indigencia, la numerosa familia, o la falta de trabajo han colocado al delincuente enana situación excepcional; o cuando una calamidad publica le hizo muy difícil conseguir honradamente los medios de subsistencia, en la época en que cometió la infracción y XII - En los delitos contra la propiedad, el pequeño valor del daño causado, relativamente a las posibilidades del ofendido.” (Código Penal do Equador, 22/01/71,Grifos nossos).

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uma calamidade pública torna muito difícil conseguir honradamente os meios de subsistência, na época em que cometeu a infração. XII- Nos delitos contra a propriedade, quando pequeno o valor do dano causado, relativamente às possibilidades do ofendido. (EQUADOR, 1971, tradução nossa).

7.7 No Paraguai

O Código Penal do Paraguai emprega como circunstâncias gerais que devem ser

verificadas pelo juiz, no momento de embasar a pena, dentre outras: “as conseqüências

reprováveis do fato, as condições de vida do autor, incluindo suas condições econômicas.”

Essas condições podem pesar a favor ou contra o autor, conforme artigo 65, parágrafo

1º, alínea “e”60, do Código Penal.

1º Ao determinar a pena, o tribunal sopesará todas as circunstâncias gerais a favor e contra o autor e particularmente: [...] e) a forma da realização, os meios empregados, a importância do dano e do perigo e as conseqüências reprováveis do fato, a vida anterior do autor e suas condições pessoais e econômicas. (PARAGUAI, 1997, tradução nossa).

7.8 O Princípio da Coculpabilidade em outras fronteiras

Numa análise de países que pertencem ao denominado “primeiro mundo”,

encontramos diversas tendências penais, ora assumindo a postura de “tolerância zero”, em

face dos despossuídos, como é o caso americano, ora direcionando-se para a manutenção do

Estado Social, que diretamente minimiza os conflitos em sociedade, como o caso europeu.

Os Estados Unidos da América optam pela criminalização da miséria como

complemento da generalização da insegurança salarial e social, mascarada pelo movimento da

“Lei e Ordem” que nega as missões do Estado em matéria social.

60 1º. La medición de la pena se basará en la reprobabilidad del autor y será limitada por ella; se atenderán también los efectos de la pena en su vida futura en sociedad.2º. Al determinar la pena, el tribunal sopesará todas las circunstancias generales a favor y en contra del autor y particularmente:[…]e) la forma de la realización, los medios empleados, la importancia del daño y del peligro, y las consecuencias reprochables del hecho, la vida anterior del autor y sus condiciones personales y econômicas. (Código Penal do Paraguai, 26/11/97, Grifos nossos)

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Em Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos, Wacquant (2001),

discorre que:

O encarceramento nos EUA tornou-se uma verdadeira indústria – e uma indústria lucrativa. Pois, a política do “tudo penal” estimulou o componente exponencial do setor das prisões privadas, para o qual os administradores públicos, perpetuamente carentes de fundos, se voltam para melhor rentalibilizar os orçamentos consagrados à gestão das populações encarceradas. [...] Outro fator importante a ressaltar é a evolução do emprego penitenciário resultante da era do “Big Government” carcerário. Entre 1980 e 1993, o efetivo do setor penitenciário mais que duplicaram. Várias municipalidades se vêem diante do mesmo dilema: pagar para construção e manutenção das prisões ou atender às necessidades sociais. [...] Uma estratégia americana de redução do custo do confinamento, consiste em fazer que os detentos e seus familiares assumam uma parte – mesma que mínima- das despesas da penitenciária. (WACQUANT, 2001, p. 28-62; 140).

As observações de Wacquant (2004) sobre os demais países europeus, conclui que na

Europa há uma encruzilhada:

A Europa conforta com uma alternativa histórica entre, de um lado o encarceramento dos pobres e o controle policial e penal das populações desestabilizadas pela revolução do trabalho assalariado e o enfraquecimento da proteção social que ela requer e, de outro, a criação de novos direitos do cidadão - tais como o salário de subsistência, independente da realização ou não de um trabalho, a educação e a formação para a vida, o acesso efetivo à moradia para todos e a cobertura médica universal – acompanhada de uma reconstrução efetiva das capacidades sociais do Estado, de modo a conduzir rapidamente à criação de um Estão Social europeu digno do nome. Dessa escolha, depende o tipo de civilização que ela pretende oferecer a seus cidadãos. (WACQUANT, 2004, p. 99).

O princípio da Coculpabilidade se faz presente no Direito Penal Português, que prevê,

em seu artigo 7161, alínea “d”, como circunstâncias que podem tanto favorecer como

desfavorecer o agente, entre outras “as condições pessoais do agente e sua situação

econômica.” Determina o código português que as condições pessoais gerais e a situação

econômica do infrator devem ser levantadas, na sentença expressamente, no momento de

fundamentar a medida da pena.

61 Determinação da medida da pena: 1- A determinação da medida de pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2- Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas conseqüências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligencia; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e sua situação econômica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as conseqüências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 3- Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. (Código Penal de Portugal, 23/09/1982, Grifo nosso).

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7.9 Reconhecimento global

Com a globalização, torna-se possível conhecer e perceber tudo que acontece no

mundo e seus contrastes como nunca visto antes. Principalmente em países latino-americanos

e africanos a desigualdade é gritante.

Percebe-se que na Europa as desigualdades são menos visíveis, mas, a destruição da

personalidade está presente em todo o mundo, com um aumento do poder de vigilância, a

exemplo da Inglaterra, com a lei antiterrorista, com a expulsão dos estrangeiros, com a

inteligência da polícia secreta que tem o poder de manter pessoas privadas da liberdade, sem

nenhuma garantia.

O preconceito se estende e propaga que todo islâmico é perigoso ou qualquer um que

sai com a toalha na cabeça é suspeito. O estereótipo produz muitos suspeitos.

A onda repressiva provinda dos Estados Unidos vem dominando o mundo e põe em

risco o Estado de Direito. A prisão é vista como uma indústria e, sobretudo como fábrica de

empregos. Alternativa proposta é o controle eletrônico da conduta, por apresentar-se mais

econômico, porém, com imenso poder de vigilância, fazendo com que o homem se torne

monitorado por chips, semelhante a um animal qualquer.

As considerações levam a propugnar que o Princípio da Coculpabilidade seja mantido

e expandido, até aos países que se dizem “desenvolvidos”, mas que em matéria de direitos

humanos e Direito Penal, pouco evoluíram.

Deve ser empregado juntamente com a visão garantista de direitos fundamentais e de

proteção do homem frente a mão pesada do poder punitivo. Poder este que se observa

arbitrário e injusto a nível global e que teima em ocultar a falta de presença do Estado em

atender as demandas da população por serviços públicos essenciais.

Os direitos humanos são princípios indicadores da existência de um direito

preponderante, em qualquer sociedade no mundo e devem se evocados como corretivos aos

efeitos perversos da globalização econômica.

É preciso levar a sério a humanidade da humanidade, conectando o cidadão à vida

social, e não se pode mais coadunar com o discurso que pretende tornar invisível o descaso

por grande parte da humanidade na terra, e ainda, o discurso de um Direito Penal forte que

prima em fortalecer os direitos econômicos do neoliberalismo.

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8 GARANTISMO PENAL

O jurista não deve ser somente um frio e destacado comentador de leis vigentes, deve ainda denunciar as deformações do sistema positivo e desnudar situações onde permanecem poderes extrajurídicos, e que perpetuam desigualdades, que tem recebido o nome sugestivo de “poderes selvagens”. (BOBBIO, citado por FERRAJOLI, 2007, p. 12)

No momento atual há três movimentos acerca do papel do Direito Penal na contenção

da criminalidade: 1) O Abolicionismo que deslegitima o Direito Penal, acreditando que o

Direito Penal possui mais efeitos negativos que positivos; 2) O Direito Penal Máximo,

também denominado de movimento de "Lei e ordem", que pretende endurecer mais o

Sistema Penal e o fazer mais interventor; 3) O Direito Penal Mínimo primando pela

manutenção do Direito Penal, com uma atuação fundamentada e adequada ao meio social,

respeitando princípios constitucionais e penais e pleiteando sua atuação baseada na

intervenção mínima.

8.1 Abolicionismo

O questionamento que a doutrina abolicionista faz sobre a ilegitimidade do Direito

Penal, tem relevantes pontos que devem ser levantados como: o pensamento correto de que o

Direito Penal não tem o papel de substituir o Estado Social, nem tampouco é único

responsável na contenção da violência. Ademais, é ele um grande causador de violência, haja

vista, o nível das penitenciárias em todo país.

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Partem os abolicionistas da premissa de que o processo penal é uma “mancha negra”

na vida daquele supostamente infrator e de toda sua família. A platéia que se reúne todos os

dias, nas varas criminais, revela a dor e sofrimento de mães, pais, filhos. É um espetáculo da dor.

A dor que não tem nome se estende e não tem justificativa. Diferente da dor dos

familiares que foram vítimas dos infratores. Esta parece justificada. Mas, nada justifica a

dupla violência. E neste posicionamento, os abolicionistas chegam à conclusão de que o

Direito Penal está falido por total falta de racionalidade. Esta linha abolicionista denominada

de "mais radicais”, na doutrina de Ferrajoli 62 deslegitima qualquer tipo de coerção.

Hulsman (1993), um dos seus defensores sintetiza os questionamentos acerca do

Sistema Penal:

Não se coaduna perder tempo com manifestações de simpatia pela sorte do homem que vai para a prisão, porque se acredita que ele fez por merecer. Este homem cometeu um crime - pensamos; ou, em termos mais jurídicos, foi julgado culpável por um fato punível com pena de prisão e, portanto, se fez justiça ao encarcerá-lo. Bem, mas o que é um crime? O que é um fato punível? Como diferenciar um fato punível de um fato não-punível? (HULSMAN; CELIS, l993, p. 63).

São extremamente críticos à legitimidade da coerção do Estado através do Direito

Penal. Como recuperar as condenações feitas por condutas que hoje não configuram mais

crimes, como a heresia, blasfêmia, adultério, dentre outros? E, como resgatar os dissabores

que um inocente experimenta ao ter que se submeter a um processo penal?

A indenização, no âmbito civil, em face do Estado injusto é uma resposta encontrada,

apesar de não retirar as manchas deixadas, porém, qual a classe social tem o conhecimento e

condições de pedir indenizações contra o Estado?

Pregam os abolicionistas uma substituição do Direito Penal aos outros ramos do

direito como o administrativo, o tributário e o civil, que não têm o poder de enclausurar, mas

não respondem como poderia ser feito no caso de homicídio, latrocínio, ou seja, casos mais graves.

Como não há respostas, existe uma linha entre os abolicionistas que admite a

continuidade do encarceramento para estes crimes. Esta doutrina é considerada, por Ferrajoli

(2006), de doutrina "substitutiva”63, para os que defendem a substituição da forma penal de

punição, permanecendo institucionalizada e coercitiva. Pode-se identificar nessa linha de

pensamento a doutrina de Mathiesen (1997):

Temos que admitir talvez que a possibilidade de se encarcerar alguns indivíduos permaneça. A forma de se tratar deles deveria ser completamente diferente do que

62 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassn Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flavio Gomes. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 232. 63 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassn Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flavio Gomes. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 231.

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acontece em nossas prisões. Uma forma disto ser assegurado, contra o aumento de seu número devido a uma mudança de critérios, seria estabelecer um limite absoluto para o número de celas fechadas para tais pessoas a ser aceito em nossa sociedade. (MATHIESEN, 1997, p. 277).

O grande mérito da doutrina abolicionista em criticar radicalmente o Direito Penal

está no fato de que deslegitimando o direito penal, remete sua atuação a uma justificação.

Como ressalta Ferrajoli (2006):

Justificações adequadas daquele produto humano e artificial que é o direito devem conseguir reproduzir, convincentemente, o desafio abolicionista, fazendo ver não apenas que os custos que aquele comporta são inferiores às suas vantagens bem como às suas penas individualmente consideradas. [...] As justificações devem ser moralmente satisfatórias e logicamente pertinentes. (FERRAJOLI, 2006, p.235).

Foucault (1977) foi grande crítico do Direito Penal, principalmente da maneira como

sempre foi imposta a punição, podendo ser visto também como abolicionista, na linha

"substitutiva", tendo em vista que nas suas obras a grande crítica foi a maneira como o Poder

se manifesta, através do sistema punitivo.

A prisão é prevista como um rapto, é incapaz de responder à especificidade dos crimes. É inútil à sociedade, até nociva: é cara. Mantém os condenados na ociosidade, multiplicam-lhes os vícios. Porque é difícil controlar o cumprimento de uma pena e corre o risco de expor os detentos à arbitrariedade de seus guardiões. Porque o trabalho de privar um homem de sua liberdade e vigiá-lo na prisão é um exercício de tirania. [...] O sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tomar indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê culpado, acusa a própria justiça. A prisão torna possível, ou melhor, favorece a organização de um meio de delinqüentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras. [...] As prisões não deixaram de marcar abusos do poder. E muitos a rejeitam por incompatível com a boa justiça. Quer em nome dos princípios jurídicos clássicos: as prisões, na intenção da lei, sendo destinadas não a punir, mas, a garantir a presença das pessoas. [...] O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. Seria necessário não só vigiá-lo à sua saída da prisão, mas, prestar-lhe apoio e socorro e dar assistência aos prisioneiros durante e depois da pena com a finalidade de facilitar sua rec1assificação. (FOUCAULT, 1977, p. 103-247-253).

8.2 O Direito Penal Máximo (lei e ordem)

Extremo do movimento anterior acredita que endurecer o Sistema Penal é maneira

correta para conter a violência na sociedade em nome da defesa social. Está se expandido em

todo mundo, através das ideologias favoráveis à sua ampliação e a um Estado cada vez mais

interventor e menos social, como aqueles que defendem a diminuição da maioridade penal para 16 anos.

Tende cada vez mais tornar-se avassalador de garantias conquistadas ao longo da

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história, sem verificação das causas e efeitos de sua atuação. Caracterizado pela "excessiva

severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das condenações e das penas e que,

consequentemente, configura-se como um sistema de poder não controlável racionalmente."

(FERRAJOLI, 2006, p.102).

É também de Ferrajoli (2006) a crítica da certeza almejada por esta doutrina, que não

reconhece os direitos humanos, e mostra-se intolerante à sociedade plural. "O Direito Penal

Máximo busca a certeza de que nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que

algum inocente possa ser punido, apresentando-se ilimitado e imprevisível”. (FERRAJOLI,

2006, p.103).

Observa-se que, no Brasil, os poderes da República trabalham em conjunto em prol

de um Direito Penal Máximo. Há um legislativo inflacionando o corpo legal, com edição de

novas leis, sem deixar de retirar a validade de muitas outras em desuso; um Judiciário

aplicando todo o corpo legislativo e cada vez sendo necessários mais juízes e a ampliação de

todo o aparato judicial para a sua eficiência; e um executivo construindo mais presídios,

aumentado o número de policiais e arcando com os custos do Ministério Público cada vez

mais exigente.

Quanto custa para o Estado todo este arsenal de guerra contra o crime? E, a tudo isso

se soma o mau tratamento que os presos recebem nas prisões, sob o comando de agentes

penitenciários, que não deixam de onerar o orçamento público. Se não houver racionalidade

neste ciclo, num futuro próximo, grande parcela da população brasileira estará em presídios.

8.3 Direito Penal Mínimo: Garantismo Penal

O garantismo nasceu como resposta à legislação de emergência oriunda do Direito

Penal Máximo. Diante dos grandes crimes era necessário reduzir as garantias. Viu-se

verdadeira dissolução do Direito Penal e a guerra assumindo, abdicando à razão do direito. E

a resposta da razão pretende reafirmar o sistema de garantias que a Política Criminal deve projetar.

A construção da democracia é confiada a uma política que deve levar a série pactos

de convivência. Direitos sociais são pactos de ajuda mútua, condição ideal do senso de

poder e respeito à igualdade de direitos que resulta em respeitar não só as promessas das

normas, como também torná-las real.

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O modelo garantista desenvolvido por Ferrajoli (2006), na obra Direito e razão, está

baseado na preocupação com realização concreta das questões sociais. Direitos sociais, cujo

cumprimento não implica simples respeito, mas sua aplicação. O Estado atual está se

preocupando mais em construir penitenciárias do que atender às demandas dos direitos

fundamentais.

Não é suficiente ter vontade de trabalhar; é parte do pacto social o direito à

sobrevivência, à saúde, à educação, direitos cujas garantias podem ser elaboradas no modelo

do garantismo penal. Há na constituição promessas que devem ser reguladas. A falta de

efetividade é fator de descrédito da democracia e dos nossos valores.

A Constituição desenha uma esfera daquilo que não pode ser decidido pela maioria,

como o direito à vida digna.

As reflexões instigadas por Ferrajoli (2006), em sua filosofia sobre a razão do direito

remetem a indagar sobre a verdade almejada no processo. A verdade jurídica é

questionável. Sentença como revelação da verdade é um mito, o crime é fruto da

imaginação, de fato passado, o real é o presente.

René Descartes (1596-1650) incorreu no erro: não existe um ser razão, todos somos

razão e emoção, inclusive o juiz. Será que não é o momento de pensar a verdade e a

sentença como um ato de crença do juiz? Paga-se um preço caro por esta verdade, mas pode

ser mais alto o desestímulo de não considerar o processo como busca de efetivação da

verdade. Como o melhor sistema de garantias não garante o erro, a concepção Aristotélica

de verdade perfeita não existe.

A partir desta premissa, a atuação do juiz, no sistema garantista, deve ser de

minimização do poder de punir. O Juiz não é um simples aplicador da lei, ele tem sua

discricionariedade na interpretação dos fatos e esta discricionariedade deve conduzir a

interpretações garantistas em consonância com os princípios constitucionais, sobretudo em

textos vagos e indeterminados.

A responsabilidade política das decisões judiciais deve coadunar com “o respeito à

pessoa humana, o favor devido aos sujeitos socialmente fracos, a relevância associada à

efetividade de suas condições humanas e sociais.” (FERRAJOLI, 2006, p. 164).

As indagações se estendem sobre a justificação do Direito Penal. Por que proibir

algumas condutas e outras não?

A justificação é externa ligada ao poder discricionário do legislador. Todavia o ordenamento constitucional pode incorporar limites internos, tais como os requisitos estruturais da ofensividade do evento, a materialidade da ação, da responsabilidade pessoal, ou ainda, as condições gerais representadas pelos

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princípios da igualdade e da liberdade – que vinculam negativamente o poder proibitivo e que corresponde a outras tantas garantias, vale dizer, a condições de validade ou de legitimidade interna das proibições legais. (FERRAJOLI, 2006, p.218).

Apesar da justificação da atuação do Direito Penal ser a priori do legislador,

cabe ao aplicador fazer sempre realçar que o Estado é de Direito e este deve conter o

Estado de Polícia. O Direito é feito pela vida e trava uma luta constante entre

“normatividade” e “efetividade.” Como tornar efetivos comandos constitucionais? A Constituição proclama

direitos e no campo de assegurá-los não há competência definida. A verdadeira razão do

Direito é, primeiramente, tornar efetivos os comandos constitucionais, e posteriormente

aplicar a legislação infraconstitucional. Para tanto, devem ingressar, no juízo penal, o

contexto ambiental dos fatos e as circunstâncias que os ocasionaram, que não podem ser

deduzidas em abstrato. As leis, muitas vezes deficientes de clareza conceitual,

compostas de linguagem milenar, produzem equívocos e aporias ensejando mais crise

da razão jurídica. Daí a importância do Estado-Juiz interpretar o Direito à luz do modelo

Garantista sintetizado abaixo.

8.4 Princípios Garantistas

O Garantismo penal se estrutura por máximas ou princípios garantistas, pelos quais

um Sistema Penal deve se embasar. “Mínima intervenção e máximas garantias”, nesta

premissa pode ser sintetizado o modelo garantista. Os princípios delineados abaixo podem ser

definidos como passos que devem ser percorridos para justificar uma penalização. A certeza

perseguida pelo Direito Penal Mínimo é de que “nenhum inocente seja punido à custa de que

algum culpado fique impune.” (FERRAJOLI, 2006, p.103).

A atuação do Direito Penal deve ser muito bem fundamentada, sobretudo, porque é um

poder que pode se aproximar da antiga e infelizmente atual tirania, a depender do grau de

garantismo que emprega. E como todo julgamento humano é falível, o garantismo assegura a

aplicação do Direito mais próximo dos anseios do Estado Democrático e Constitucional de Direito.

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8.4.1 Nulla poena sine crimine

Deste axioma, extrai-se o Princípio da retribuição penal, através da aplicação de uma

pena. Para ser configurada uma ação como infração penal, o aplicador do direito deve

respeitar todos os requisitos do crime, bem como os princípios que asseguram a limitação do

poder de punir do Estado.

Afirmando Ferrajoli (2006) que:

O ilícito de acordo com a estrutura lógica das garantias é uma condição normativa somente necessária, mas não suficiente para a aplicação da pena, que pode exigir condições ulteriores de punibilidade e de procedibilidade e todo o resto das garantias penais e processuais que condicionam a validade da definição legal e a comprovação judicial do delito. (FERRAJOLI, 2006, p. 339).

Não há uma simples relação de causalidade entre uma ação proibida e a pena. Vários

são os fatores que interferem na conduta humana. Daí extrai-se que nem toda ação delituosa

deve ser retribuída com a penalização, contrariando a lógica de Kelsen, citado por (Ferrajoli,

2006)64, considerada inconsistente pela sua generalidade. A idéia de uma correspondência exata

entre pena e delito não mais se aplica antes de considerar outros princípios garantistas que justificam

a aplicação da pena.

O modelo garantista se propõe como busca de um Direito Penal racional aplicado na

medida em que alcançaria a legitimação para a correta função da pena, sobretudo, a função

preventiva que os atuais doutrinadores discutem. A pena deve ter a medida certa, este

entendimento é pacífico. Mas qual a medida certa?

Ferrajoli (2006) aponta que se deve considerar a gravidade da infração, mas não

deverá nenhuma pena restritiva de liberdade ultrapassar dez anos. Tempo necessário para que

o infrator retorne à sociedade e tenha oportunidade de recomeçar a vida no meio social. “A

certeza da punição, ainda que moderada, terá sempre maior impacto do que o temor de outra

mais terrível, associada à esperança da impunidade.” (BECCARIA, 2006, p. 59).

Quanto à pena pecuniária, são eivadas de inconstitucionalidades pela

desproporcionalidade e impessoalidade. A Constituição Federal assegura que “nenhuma pena

64 Hans Kelsen simbolizou o nexo seqüencial entre ilícito e sanção com a fórmula: “se A, então (deve ser) B, onde “A” representa o delito e “B” a sanção”. (FERRAJOLI, 2006, p.339).

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poderá passar da pessoa do condenado”, conforme artigo 5º, XLV. Se considerarmos as

condições econômicas dos condenados em nosso país, veremos que os mesmos não têm

sequer condições de comprar o pão nosso de cada dia, e quando pagam a condenação

pecuniária, pedem socorro a um ente familiar indo a condenação além da pessoa do imputado.

E, o que dizer de condenações pecuniárias em face destas pessoas comparadas a um criminoso

do “colarinho branco”?

Ferrajoli (2006) aponta a pena pecuniária como aberrante pela falsa igualdade,

gerando aflições desproporcionais a depender da situação econômica do condenado, causando

intoleráveis discriminações. Uma opção possível seria considerar tal pena suficiente e

transformá-la numa sanção administrativa descrimalizando o delito.

O legislador brasileiro não se atém a esta inconstitucionalidade. Com a nova Lei de

Tóxicos (Lei 11.343/2006)65, quem for condenado à pena mínima prevista no art. 33, caput, e

a essa pena for aplicado o redutor máximo previsto no parágrafo 4º, do mesmo artigo, terá de

efetuar o pagamento mínimo de cento e sessenta e seis dias-multa. Tal valor, traduzido em

reais, equivale a aproximadamente R$ 2.1000,00, ou seja, mais de cinco salários-mínimos em

vigor. Levando em conta dados estatísticos do IBGE,66 59,8% das famílias brasileiras, em

2006, auferiam renda mensal de até cinco salários-mínimos. O que faz concluir que somente

uma pequena parcela da população seria capaz de pagar tal multa, em caso de condenação.

Em outras palavras, o legislador não considerou o fato de que a maior parte da

população não tem como rendimento total, sequer o valor da multa mínima cominada, caso

preencha as condições do parágrafo 4º, do art. 33, da Lei de Tóxicos (mínimo dos mínimos).

Diante dessa realidade, não há como deixar de concluir que a Lei 11.343/06, no que se

refere à multa é inconstitucional. Ainda que tenha obedecido aos procedimentos formais para

a sua edição, no que tange à pena de multa cominada em abstrato, a lei ofende princípios

constitucionais basilares do Direito Penal.

Ferrajoli (2006) adverte que:

O custo social das penas e, de um modo geral, dos meios de prevenção dos delitos,

65 Art. 33: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, [...] não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 66 Fonte: IBGE- Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2006.

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pode ser superior ao próprio custo das violências que estas têm como finalidade prevenir. A segurança e a liberdade de cada um são, com efeito, ameaçadas não apenas com os delitos, mas também, e frequentemente, em medida ainda maior, pelas penas despóticas e excessivas, pelas prisões e pelos processos sumários, pelos controles arbitrários e invasivos de polícia, vale dizer, por aquele conjunto de intervenções que se denomina justiça penal, e que talvez, na história da humanidade, tenha custado mais dores e injustiças do que todos os delitos cometidos. (FERRAJOLI, 2006, p. 319).

Ademais, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal veda a vinculação ao salário

mínimo para qualquer fim, e o artigo 49, parágrafo 1º, do Código Penal, define o valor do dia-

multa fixado no salário mínimo, portanto, não houve recepção material da regra penal que

vincula multa a salário mínimo, estando a pena de multa inconstitucionalmente valorada.

8.4.2 Nullum crimen sine lege

O princípio da Legalidade é o primeiro princípio a ser observado pelo aplicador do

direito. No sistema garantista há uma bifurcação do princípio, em Princípio da Legalidade e

da Estrita Legalidade.

O Princípio da Legalidade compreende a lei como condição necessária para

estabelecer o que configura delito e a pena a ele aplicada. Segundo Ferrajoli (2006), é a base

estrutural do próprio estado de direito, e também a pedra angular de todo Direito Penal que

aspire a segurança jurídica, compreendida não apenas na acepção de previsibilidade da

intervenção do poder punitivo do estado, mas também, na perspectiva subjetiva do sentimento

de segurança jurídica.

Além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o

princípio garante que o cidadão não será submetido à coerção penal distinta ou maior daquela

predisposta na lei. Este princípio está explícito na constituição Federal, em seu artigo 5°, II:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Este

comando pode ser desmembrado em quatro dimensões:

a) Princípio da anterioridade - "não há crime sem lei anterior que o defina."67

b) Princípio da legalidade penal - "não há pena sem prévia cominação legal." 68

c) Princípio da legalidade jurisdicional ou processual- "não há processo sem lei e

ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal." 69

67

Constituição Federal, artigo 5°, XXXIX, e Código Penal, art. 1º. 68 Constituição Federal, artigo 5º, XXXIX e Código Penal, art. 1º. 69 Constituição Federal, artigo 5º, LIV.

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d) Principio da legalidade execucional - "A jurisdição penal dos juízes ou tribunais de

justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de

execução, na conformidade com Lei 7210/84 e com o Código de Processo Penal.” 70

Referindo-se à importância do princípio, Ferrajoli ( 2006) discorre que:

A lei penal é voltada a minimizar da dupla violência, prevenindo, através da sua parte proibitiva, o exercício das próprias razoes que o delito expressa, e, mediante a sua parte punitiva, o exercício das próprias razoes que a vingança e outras possíveis reações informais expressam. O objetivo do direito penal é a proteção do fraco contra o mais forte: do fraco ofendido ou ameaçado com o delito, como do fraco, ofendido ou ameaçado pela vingança. Contra o mais forte, que no delito é o réu e na vingança é o ofendido. (FERRAJOLI, 2006, p.311).

Em desenvolvimento deste princípio, lei nova incriminadora não retroage, salvo para

beneficiar o réu. A irretroatividade da lei penal é um postulado decorrente da legalidade dos

delitos e das penas, constituindo um complemento lógico da Reserva Legal.

Assegura a vedação de analogia incriminadora. Somente a analogia in bonam partem

é admissível no Sistema Penal. A título de exemplo, pode-se citar o caso do médico que está

autorizado a fazer o aborto, quando a gravidez resultar de estupro (CP, artigo 128, II), é

possível fazer analogia para admitir o aborto, no caso de gravidez proveniente de atentado

violento ao pudor.

Decorre, também, deste princípio, o que foi denominado por Zaffaroni (2001) de

“Tipicidade Conglobante” (ZAFFARONI, 2001, p.461). A tipicidade não pode ser avaliada

pelo tipo penal isolado. Por força da tipicidade conglobante, o que está autorizado ou

fomentado por uma norma não pode estar proibido por outra. É o caso do oficial de justiça

que seqüestra uma coisa móvel por ordem do juízo, ele comete um furto, porém, justificado, ou o

médico que cumpre o dever de denunciar uma doença infecciosa violando o sigilo profissional.

O Princípio da legalidade estrita ou estrita legalidade é um princípio que segundo

Ferrajoli (2006) determina que não basta a lei ser escrita, toma-se necessário a lei ser clara,

inteligível e compreensível. A segurança jurídica (do cidadão) exige precisão no texto legal. São contrárias à garantia da legalidade estrita, as leis que descrevem delitos de forma

vaga e imprecisa, deixando nas mãos dos juízes a definição do delito.

70 Lei de Execução Penal, n. 7210/84, artigo 2º.

Ferrajoli (2006) sustenta a necessidade de estender o princípio ao legislador,

argumentando que é:

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Norma dirigida ao legislador a quem prescreve a taxatividade e a precisão empírica das formulações legais proposto como uma técnica legislativa específica, dirigida a excluir normas penais arbitrárias e discriminatórias, que tendem a referir não a fatos, mas, diretamente a pessoas, como as normas que em ordenamentos passados perseguiam as bruxas, os hereges, os judeus e os inimigos do povo, como as que existem em nosso ordenamento que perseguem os desocupados, os vagabundos, os dedicados a tráfico ilícitos, os socialmente perigosos, os propensos a delinqüir e outros semelhantes. (FERRAJOLI, 2006, p39).

Outro enfoque realçado pela doutrina garantista é a polêmica entre vigência e

validade. Validade e vigência coincidem nos Estados totalitários, não nos Estados de Direito

que vinculam a validade das leis ao respeito, sobretudo aos direitos fundamentais. Nem toda

lei vigente é válida.

Este entendimento já foi afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, de que a validade

de uma lei se dá em compatibilidade com a Constituição, e com os tratados e convenções de

direitos humanos que o Brasil seja parte, no voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes, no

RE 466.34371, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, no qual interpreta “a prisão do depositário

infiel, apesar de estar vigente em lei ordinária e na Constituição, não tem validade em face da

Convenção América dos Direitos Humanos.” Decisão que coaduna com o modelo garantista,

rompendo com o velho esquema do positivismo clássico, passando a distinguir vigência e validade.

8.4.3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate

Toda afirmação no Direito é duvidosa, porque o direito está em constante mutação.

Mas, não há dúvida quando afirmamos que o Direito Penal jamais pode atuar sem

necessidade. Deve ter incidência quando absolutamente necessário.

O princípio da intervenção mínima decorre da fragmentariedade e subsidiariedade.

Lembrando a doutrina de Nelson Hungria (2000) no exemplo do artigo 330 do CP, que

tipifica o crime de desobediência, entendendo o autor que, se concorrer a desobediência com

uma sanção administrativa ou civil, não cabe a atuação do Direito Penal.

Ferrajoli (2006) adverte que “proibir uma multiplicidade de ações indiferentes não é

evitar os delitos que não podem surgir, mas criar outros novos.” (FERRAJOLI, 2006, p. 427).

71 Voto-vista no RE 349703. O ministro constatou que existe eventual conflito entre o tratado de São José da

Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil em 1992, e o ordenamento constitucional brasileiro. Gilmar Mendes afirmou que “as legislações mais avançadas em direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de prisão

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Somam-se aos novos, os velhos delitos, que no ordenamento jurídico brasileiro podem-se

citar as contravenções penais previstas no decreto 3688/41.

Estas infrações inflacionam o Direito Penal, bem como o processo penal, com milhões

de processos a cada ano, com um custo para os réus oriundo de todo o efeito estigmatizante

do processo, produtores de “status jurídico-sociais” de criminoso, ou no aguardo de sentença,

por condutas que não se justificam mais necessárias à atuação do Direito Penal, podendo ser

remetidas a outros ramos do direito.

Pode-se pensar em outros exemplos como o da toxicodependência e do aborto, cujas

proibições não inibem as condutas. Até que ponto o Direito Penal, como monopólio,

congregará suas normas a quem não as respeita? Normas existem sem necessidade histórica,

são produzidas como acordos de líderes. A justiça penal está falsamente encarregada de

resolver os conflitos que a política não consegue.

O aborto clandestino provoca na mulher um alto índice de complicações e não as

impedem que o realizem. A decisão de realizar ou não o aborto é uma decisão pessoal da

mulher, com base na sua crença e costumes e cabe a ela decidir. Se ela pertencer a uma

religião que não aceita o aborto, ela não o fará, em qualquer circunstância, mesmo

proveniente do estupro. Nenhum poder externo pode interferir na sua decisão. A finalidade de

tutelar o bem vida, no aborto, pode ser “relativizado,” se a gravidez for proveniente de

estupro. Mesmo neste caso, não é negar direito à pessoa? O que leva a crer que o Direito

Penal tutela valores morais quando se refere ao aborto e não bem jurídico “vida”.

8.4.4 Nulla necessitas sine injuria

Traduzido como Princípio da lesividade ou ofensividade. A conduta criminalizada

somente será reprovada se lesionar direitos de outras pessoas. Não se pune autocondutas,

como a tentativa de suicídio ou autolesão, ou seja, condutas externas, que embora vulnerando

formalmente um bem jurídico não ultrapassem o âmbito do próprio autor. Também não se

pune o crime impossível72.

Decorre deste princípio, a proibição de condutas que não afete qualquer bem jurídico.

civil, decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do alimentante inadimplente.” (STF, 11/11/2006).

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Bem jurídico é um interesse da vida que o legislador toma de uma realidade social. Pode ser

uma pessoa, uma conduta, uma coisa, uma relação jurídica, um valor um sentimento. Isso

enseja diversas classificações de bens jurídicos (físicos morais individuais, coletivos). Não

há um catálogo de bens jurídicos, é resultado da criação política de crime.

Decorrem também deste princípio, considerações acerca dos crimes de perigo

abstrato. Podendo ser definidos como crimes que geram a punição pelo mero

descumprimento da lei formal. Se não houver prova concreta do perigo, não se justifica a

punição. Este tipo de crime, na visão garantista, não foi recepcionado pela Constituição

Federal. Como por exemplo, o artigo 288 do Código Penal, que tipifica a conduta de

“associar-se mais de três pessoas em quadrilha ou bando a fim de cometer crimes”.

Os crimes de perigo abstrato presumem de forma absoluta, a criação do perigo pelo

autor da conduta, prevista no tipo respectivo. Isto quer dizer que o agente é punido pela

mera desobediência da letra da lei, sem que se comprove a existência de qualquer lesão ou

ameaça de lesão ao bem tutelado, ou seja, de qualquer resultado jurídico/normativo. Esta

conduta é prevista de maneira incompleta, porquanto não se exige um resultado normativo,

presumindo-se o restante da conduta, e se vale de expressões inexatas, permitindo

arbitrariedades por parte dos aplicadores da lei, em prejuízo ao réu.

Em relação à culpabilidade, sua existência é desconsiderada nos crimes de perigo

presumido, já que é o bastante que se cometa a conduta prevista no tipo, presumindo o

legislador, a intenção do agente, fundamentada por regras lógicas. Não se deve falar em

sanção penal sem que haja uma ação ou omissão que ocasione lesão ou ameaça de lesão

(perigo) a um bem jurídico, caso contrário, se estará adotando a responsabilidade objetiva no

Direito Penal.

Apesar de todas estas evidências, ainda é preponderante, na jurisprudência, o

entendimento de que os crimes de perigo abstrato devem ser punidos através da presunção de

perigo. Mas, já existem posicionamentos contrários a esta equivocada tradição entre os

magistrados. Como é o caso do acórdão relatado pelo Ministro do STJ, Vicente Cernicchiaro73:

A infração penal não é só conduta. Impõe-se, ainda, o resultado no sentido normativo do termo, ou seja, dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado. A doutrina vem, reiterada, insistentemente renegando os crimes de perigo abstrato. Com efeito, não faz sentido punir pela simples conduta, se ela não trouxer, pelo menos, probabilidade (não possibilidade) de risco ao objeto jurídico. [...] A relevância criminal nasce quando a conduta gerar perigo de dano. Até então, a

72 Art. 17 do Código Penal: Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. 73 REsp 34.322-0, 6ª RE. Caso de contravenção penal- art. 32- falta de habilitação para dirigir veículo em vias públicas, publicado em 02/08/1993.

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conduta será atípica. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 1993).

Outra consideração que deve ser ressaltada é quanto aos delitos tipificados por

"normas em branco" que são identificados posteriormente, por portarias (no caso

substâncias psicotrópicas) ou por valorações de fatos pelo juiz, como o desacato, previsto

no artigo, 33174 do Código Penal e o ato obsceno, com base no artigo 23375 do Código Penal.

Ferrajoli (2006) ao comentar estes delitos, nos alerta sobre a incerteza na

determinação do desvio punível, confiada às valorações pos factum. Segundo o autor:

A identificação, devido à indeterminação de suas definições legais, remete inevitavelmente, muito mais do que as provas, a discricionárias valorações do juiz, que de fato esvaziam tanto o princípio formalista da legalidade quanto o empírico da fatualidade do desvio punível. É necessário que não só a lei, senão também o juízo penal, careçam de caráter constitutivo e tenham caráter recognitivo (de direito) da normas e cognitivo dos fatos por ela regulados. (FERRAJOLI, 2006, p. 41).

8.4.5 Nulla injuria sine actione

Princípio da exteriorização ou exterioridade da ação. Decorre deste princípio, a não

incriminação de conduta puramente interna, as idéias, os desejos, os sentimentos não podem

constituir fundamento de um tipo penal. Nem se proíbe a incriminação de simples estados ou

condições existenciais, como o exemplo da contravenção de vadiagem, previsto no artigo 59

do Decreto Lei 3688/41, que se constitui em tipo penal do autor.

O Direito Penal atua no mundo dos fatos, através da busca pela decisão justa, ou seja,

"alcançada pelo respeito e regras precisas e relativas somente a fatos e circunstâncias

penalmente relevantes." (FERRAJOLI, 2006, p.48).

A infração não é somente uma idéia, mas um fato no mundo real. Os preceitos ou

juízos morais não se baseiam no direito, mas, tão somente na autonomia da consciência

individual. Daí extrai-se o princípio da secularização na seara penal brasileira, sob o enfoque

de que o homem que infringe a lei não é um pecador, mas sim, um homem que pode não

acatar as leis por razões nem sempre acessíveis à nossa mente permeada de pré-juízos.

8.4.6 Nulla actione sine culpa

74 Art. 331 do Código Penal: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Pena-detenção de 06 meses a dois anos ou multa. 75 Art. 233 do Código Penal: Praticar ato obsceno em local público, ou aberto ou exposto ao público. Pena - detenção de 03 meses a um ano ou multa.

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O Princípio da Culpabilidade, entendido como repúdio à responsabilidade objetiva,

impõe a subjetividade da responsabilidade penal, e deriva de duas conseqüências:

intransigência (a pena não pode ultrapassar o autor do crime) e a individualização da pena.

A reflexão da doutrina garantista se estende ao uso da incriminação como um

instrumento de culpabilidade preventiva. As prisões cautelares como sanção dirigida a

suspeitos estão se transformando em satisfação do sentimento público de vingança. A

difamação pública, antes da verificação da culpabilidade, denigre a imagem da pessoa e

contribui para a irracionalidade do Sistema Penal. A possibilidade de fazer uso do processo

como escopo de punição antecipada ou de intimidação policialesca ou persecuções políticas,

tornou-se próximo do Direito Penal pré-moderno, onde a pena era exibida ao público de

maneira vexatória.

Atualmente, observa-se nas páginas dos jornais, ou na TV, a incriminação de acusados

diminuindo suas condições e perspectivas de liberdade e de trabalho.

A culpabilidade deve ser auferida depois de verificado todos os requisitos para a

configuração do crime e a proporcionalidade da punição. Sobre este princípio, dedicou-se o

segundo capítulo da dissertação.

Os princípios citados a seguir, referem-se, precisamente a princípios do Processo

Penal, mas, como completam o modelo garantista, torna-se necessário discorrer um pouco

sobre cada um deles.

8.4.7 Nulla culpa sine judicio

Princípio da Jurisdicionalidade, pelo qual se proíbe a criação de tribunal ou juízo de

exceção, de acordo com o art. 5º, XXXVII da Constituição Federal. Assegura o princípio do

juiz natural como o competente para julgar a causa, definido previamente ao cometimento do

delito. Os indícios produzidos na fase policial, se desprovidos de contraditório, não devem

prevalecer em prejuízo do réu. A regra da livre convicção motivada do juiz não é fundamento

para uma condenação, sob pena de se regredir à antiguidade onde o rei julgava com sua

experiência ou ainda, com o juízo de Deus.

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Os leigos crêem que o juiz é uma espécie de Deus na sociedade e tem o poder de atuar

incondicionalmente. A jurisdição limita a atuação do juiz e isto não é muito difundido. O

Estado, representado pelo juiz, tem a exclusividade do poder jurisdicional, mas o juiz não age

sem ser provocado. E uma vez provocado, no âmbito penal, sua função é atuar como

garantidor dos direitos do acusado, no processo penal.

A efetividade da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional,

principal responsável por dar tutela aos direitos fundamentais. Como conseqüência, o

fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no

reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou

resultantes da Constituição.

A jurisdição é necessária para se obter a prova de que um sujeito cometeu um crime. A

inocência deve ser garantida e a culpa é que deve ser demonstrada, através de provas

submetidas à jurisdição, com contraditório e ampla defesa.

Sobre a função judicial, Ferrajoli (2006) adverte que:

Toda vez que um imputado inocente tem razão em temer um juiz, quer dizer que isto está fora da lógica do Estado de direito: o medo e mesmo só a desconfiança ou a não segurança do inocente assinalam a falência da função mesma da jurisdição penal e a ruptura dos valores políticos que a legitimam. (FERRAJOLI, 2006, p. 373).

8.4.8 Nullum judicium sine accusatione

Princípio Acusatório. Extrai-se deste principio, separação das atividades de julgar e

acusar. Configura o Ministério Público como agente exclusivo da acusação, garantindo

imparcialidade ao juiz e submetendo sua atuação a prévia provocação. O Ministério Público,

no Brasil, tem adquirido um status jurídico privilegiado, ligado ao magistrado por vínculos

institucionais e de coleguismo, de familiaridade e de solidariedade corporativa bem superior

àqueles vínculos existentes entre juízes e defensores.

Isto é claramente observado nos fóruns dos sertões das gerais, onde temos duas

figuras importantes que se dizem erroneamente “pertencentes ao judiciário”: juiz e

promotor. Ambos ocupam um papel de destaque na sociedade e eleva a acusação a um

patamar privilegiado em face do defensor. Os poderes do Ministério Público, no desenvolver

do procedimento, são imensos na administração da justiça penal, podendo induzir a realizar

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acordos, exigir delação de coautores, etc., contradizendo a sua natureza “de parte” em

posição de paridade com o imputado, que é o traço mais característico do modelo acusatório.

8.4.9 Nulla accusatio sine probatione

Princípios do ônus da prova, do contraditório, da presunção de inocência derivam

deste princípio. O contraditório, previsto no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal,

prima pela igualdade das partes em paridade de armas. Contraditório não é mera

bilateralidade, é a oportunidade constante de influenciar na decisão judicial na qual será

destinatário o réu. Como efetivar o contraditório? A proposta vem de Habermas (2002).

A contribuição ao Estudo de Direito pelo sociólogo alemão é de que nas democracias

atuais, o destinatário da decisão judicial precisa se sentir autor da norma e da decisão judicial.

A questão central da democracia, no ciclo de legitimação, é exatamente o que Habermas

(2002) propõe: há uma norma da qual alguém é destinatário. O sistema democrático exige a

participação de todos os envolvidos.

As normas infraconstitucionais não podem nem suprimir, nem mitigar direitos

constitucionais para um prestação jurisdicional de alta qualidade. A constitucionalidade

democrática pretendida é proporcionar ao destinatário da decisão as mesmas armas que as

da acusação. A disparidade de armas permite ao juiz, de forma sentimental e de maneira

autocrática a decisão, não coadunando com a constituição democrática.

Há grande confusão entre constitucionalidade democrática x infraconstitucionalidade

autocrática, entendida esta como conjunto de leis que não se encontram em conformidade

com a Constituição. Grande conquista do Estado Constitucional de Direito é

possibilidade de declaração de normas inconstitucionais por contradizerem a

Constituição, mesmo contrariando maiorias.

O juiz que não aceita críticas, como detentor do saber absoluto, está sendo autocrático.

Todo poder emana do povo e não de uma aprovação em concurso público. Democracia não é

analfabeto com título de eleitor na mão. No judiciário, não há representante eleito, mas, o

advogado é defensor necessário no processo e age como representante do acusado, conforme

preceitua o artigo 133 da Constituição Federal.76.

76 Art. 133 O advogado é indispensável á administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

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A democracia deve ser exercida no processo penal, considerando que a República

Federativa do Brasil é Estado Democrático de Direito, também dentro do Direito Penal. Todos

estão diante de uma constitucionalidade democrática, que é a opção política feita pelo

legislador constituinte, no sentido de se articular uma sociedade, na qual os destinatários das

normas jurídicas e decisões judiciais sintam-se concomitantemente autores das normas.

8.4.10 Nulla probatio sine defensione

“A defesa é um direito inviolável em qualquer grau e estado do procedimento. Está

assegurada aos hipossuficientes, perante qualquer jurisdição.” (FERRAJOLI, 2006, p. 677).

Porém, não deve constituir-se em simulacro, feita de maneira discrepante, em disparidade

com a acusação, sob pena de ferir o direito ao contraditório.

O método de confrontação da prova e verificação da verdade funda-se não mais sobre

um juízo potestativo, mas sobre o procedimento entre partes contrapostas: a acusação, em

busca da defesa social e a defesa, no interesse do acusado em ficar livre de acusações

infundadas e imunes a sansões arbitrárias e desproporcionadas.

Constata-se que o garantismo penal busca uma dupla função preventiva para a pena:

“tanto uma como outra negativa, quais sejam: a prevenção geral dos delitos e a prevenção

geral das penas arbitrárias e desmedidas.” (FERRAJOLI, 2006, p.310). É fundamental para o

princípio da motivação de todas as decisões judiciais, que as partes tenham as mesmas

possibilidades de influenciar na decisão, ou seja, que a defesa seja feita de maneira

consistente, pois só assim o juiz pode avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre

o poder.

Segundo Ferrajoli, (2006) o grande número de propostas de abreviações dos processos,

através da transação penal, ou seja, negociação entre acusação e defesa é exatamente o oposto

do contraditório. A transação pode transformar-se numa injustiça onde o cidadão inocente e

descrente na justiça, embora contra sua vontade, aceita a transação por medo do Sistema

Penal, resultando na devastação completa do sistema de garantias.

O juízo não pode se transformar em juízo de luxo reservado àqueles dispostos a afrontar as despesas e os riscos que um processo produz, nem reduzir a um jogo de azar no qual o imputado, embora inocente, é colocado diante de uma escolha entre a

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condenação e uma pena reduzida, e o risco de um juízo ordinário que pode concluir-se pela absolvição, mas, também, com uma pena mais alta. (GONÇALVES, 2008).

A ansiedade dos juízes em se verem livres da quantidade de processos, não é

justificativa para influenciar que os acusados aceitem propostas de transação penal, porque

cada processado tem direito de expressar sua verdade.

E mais uma vez chega-se à conclusão de que: se são infrações regidas pela Lei

9099/98 não merecem uma atuação processual com trâmite normal, sobretudo com o

exercício de um real contraditório, a retribuição penal não é necessária, podendo remeter às

outras esferas do direito o conflito entre as partes.

8.5 A Constituição Federal é garantista?

A Constituição Federal é garantista? Na teoria é, na prática não. Volta-se ao grande

paradoxo: normatividade e efetividade, ou seja, o que o Direito é e o que de deve ser. Já foi

superado o tradicional conflito entre Direito Natural e Direito Positivo, tendo em vista a

constitucionalização dos direitos naturais pela maioria das constituições modernas. A

constituição deve ser praticada, divulgada, respeitada. O garantismo é uma proposta de aplicar

os princípios constitucionais, sobretudo, ao Direito Penal, que lida as piores mazelas de uma

sociedade e que encontra pessoas com grande déficit social.

A dissertação une as duas propostas de interpretação e aplicação do Direito Penal: o

Princípio da Coculpabilidade em face do garantismo penal. Ambos pretendem resguardar a

filosofia da universalidade de direitos a todos os homens. Principalmente direitos

fundamentais, sobretudo o da dignidade da pessoa humana em face do arbítrio do Sistema

Penal. Há necessidades humanas a serem resguardadas. A lesão a um bem jurídico é o ponto

de partida, mas a atuação do Direito Penal deve se orientar por princípios que garantam a

aplicação do direito sem desconsiderar a realidade dos supostamente infratores penais.

A aplicação do Princípio da Coculpabilidade busca dar justificativa constitucional à

aplicação da pena, e pode ser inserido no modelo garantista que Ferrajoli propõe. Como

discorre Ferrajoli (2006):

No plano axiológico, o modelo garantista das punições não é em absoluto incompatível com a presença de momentos valorativos, quando estes, em vez de se dirigirem a punir o réu, servem para excluir sua responsabilidade ou para atenuar as penas, segundo as específicas e particulares circunstâncias nas quais os fatos

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comprovados se tenham verificado. (FERRAJOLI, 2006, p.43).

É o momento da tomada de consciência em frente a problemas e aflições de carências

básicas. O garantismo nasce no âmbito do Direito Penal, mas se estende por todo o direito em

face das promessas constitucionais que devem ser efetivadas. Até que ponto o direito dá

conta da tarefa de transformação social? Somente com estrutura de contenção de poder

fundado em garantias. O garantismo não se limita apenas à seara penal, sendo um modelo que deve ser

aplicado em qualquer área do direito. O direito administrativo, civil, do trabalho e o tributário

avançam, e deve-se ter o cuidado de estender o mesmo sistema de garantias, sob o risco de

passar a irracionalidade para os outros ramos do direito.

Destaca-se a seguir, uma decisão cível, proferida em ação de reintegração de posse

proposta pelo Departamento Nacional de Estrada de Rodagem (DNER) - autarquia federal -

em face de um grupo de pessoas do movimento dos Sem-Terra, que ocuparam as margens de

uma rodovia:

VISTOS, etc.

“Não tinham pressa de chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados. Não tinham sexo, nem idade, nem condição humana. Eram os retirantes. Nada mais.” Jose Américo de Almeida, em “A Bagaceira". Várias famílias ( aproximadamente 300 –fls.10) invadiram uma faixa do domínio ao lado da Rodovia BR 116, na altura do km 405,3, lá construindo barracos de plástico preto, alguns de adobe, e agora o DNER quer expulsá-los do local. Os réus são indigentes, reconhece a autarquia, que pede reintegração liminar na posse do imóvel. E aqui estou eu, com o destino de centenas de miseráveis nas mãos. São os excluídos, de que nos fala a Campanha da Fraternidade deste ano. Repito isto não é ficção. É um processo. Não estou lendo Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego ou José do Patrocínio. Os personagens existem de fato. E incomodam muita gente, embora deles nem se saiba direito o nome. É Valdico, José Maria, Gilmar, João Leite (João Leite???). Só isso para identificá-los. Mais nada. Profissão, estado civil (CPC, artigo 282, II) para quê, se indigentes já é qualificação bastante? Ora, é muita inocência do DNER se pensa que eu vou desalojar este pessoal, com a ajuda da polícia, de seus moquiços, em nome de uma mal arrevesada segurança nas vias públicas. O autor esclarece que quer proteger a vida dos próprios invasores, sujeitos a atropelamento. Grande opção! Livra-os da morte sob as rodas de uma carreta e arroja-os para a morte sob o relento e as forças da natureza Não seria pelo menos mais digno - e menos falaz - deixar que eles mesmos escolhessem a maneira de morrer, já que não lhes foi dado optar pela forma de vida? O Município foge à responsabilidade “por falta de recursos e meios de acomodações" (fls. 16v). Daí, esta brilhante solução: aplicar a lei. Só que, quando a lei regula as ações possessórias,mandando defenestrar os invasores (artigos 920 e seguintes do CPC), ela- como toda lei - tem em mira o homem comum, o cidadão médio que, no caso, tendo outras opções de vida e de moradia diante de si, prefere assenhorar-se de que não é dele, por esperteza, conveniência, ou qualquer outro motivo que mereça a censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os seres

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da mesma espécie possuem. Mas este não é o caso no presente processo. Não estamos diante de pessoas comuns, que tivessem recebido do Poder Público razoáveis oportunidades de trabalho e de sobrevivência digna (v. fotografias). Não. Os "invasores" (propositadamente entre aspas) definitivamente não são pessoas comuns, como não são milhares de outras que "habitam" as pontes viadutos e até redes de esgoto de nossas cidades. São párias da sociedade ( hoje chamados excluídos, ontem de descamisados), resultado do perverso modelo econômico adotado pelo país. Contra este exército de excluídos, o Estado (aqui, através do DNER) não pode exigir a rigorosa aplicação da lei (no caso, reintegração de posse), enquanto ele próprio - O Estado - não se desincumbir, pelo menos razoavelmente, da tarefa que lhe reservou a Lei Maior. Ou seja, enquanto não construir - ou pelo menos esboçar - "uma sociedade livre, justa e solidária" (CF, artigo 3°, I) erradicando “a pobreza e marginalização" (n.III), promovendo “à dignidade da pessoa humana" ( artigo 1º,III), assegurando “a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social” ( artigo 170), emprestando à propriedade sua "função social"( art. 5°, XXIII, e 170,III), dando à família, base da sociedade, "especial proteção” (art. 226), e colocando a criança e o adolescente “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão" (art.227), enquanto não fizer isso, elevando os marginalizados à condição de cidadãos comuns pessoas normais, aptas a exercerem sua cidadania, o Estado não tem autoridade para deles exigir - diretamente ou pelo braço da Justiça - o reto cumprimento da lei. Num dos braços a Justiça empunha a espada, é verdade, o que serviu de estímulo a que o Estado viesse hoje a pedir reintegração. Só que, no outro, ela sustenta a balança, em que pesa o direito. E as duas -lembrou Rudolf Von Ihering há mais de 200 anos - há de trabalhar em harmonia: " a espada sem a balança é força brutal; a balança sem a espada é a imponência do direito. Uma não pode avançar sem a outra,nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com a justiça aplica a espada seja igual á habilidade com que maneja a balança" . Não é demais observar que o compromisso do Estado para com o cidadão funda-se em princípios, que têm matriz constitucional. Verdadeiros dogmas, de cuja fiel observância dependem a eficácia e a exigibilidade das leis menores. Se assim é - vou repetir o raciocínio - enquanto o Estado não cumprir a sua parte ( e não é por falta de tributos que deixará de fazê-lo), dando ao cidadão condições de cumprir a lei, feita para o homem comum, não pode de forma alguma exigir que ela seja observada, muito menos pelo homem "incomum". Mais do que deslealdade, trata-se de pretensão moral e juridicamente impossível, a conduzir - quando feita perante o Judiciário - ao indeferimento da inicial e extinção do processo, o que ora decreto nos moldes dos artigos 267, I e VI; 295,I e parágrafo único, do Código de Processo Civil, atento à recomendação do artigo 5° da LICCB e olhos postos no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que proclama: " Todo ser humano tem direito a um nível de vida adequado, que lhe assegure, assim como à sua família, a saúde e o bem estar e, em especial, a alimentação, o vestuário e a moradia".Quanto ao risco de acidentes na área, parece-me oportuno que o DNER sinalize convenientemente a rodovia, nas imediações. Devendo ainda exercer um policiamento preventivo a fim de evitar novas "invasões”. P.R.I. Belo Horizonte, 03 de março de 1995. Antonio Francisco Pereira (Juiz Federal da 8ª Vara). MINAS GERAIS, Justiça Federal da Iª Instância. Ação de reintegração de posse - pretensão moral e juridicamente impossível - Estado que não fez a sua parte, dando ao cidadão condições de cumprir a lei, não pode exigir deste a sua observância. Processo n.95.00031540-0. Juiz Federal da 8ª Vara Federal. (PEREIRA, 1996, p. 245).

O direito não pode coadunar com injustiças sociais. O direito, na lição de Ferrajoli

(2006), é a negação da guerra, da violência, justifica-se apenas se puder minimizar a violência

e o arbítrio, guiado pela razão pautada em princípios constitucionais garantistas. Direito é um

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processo em construção, aberto e assim deve ser a interpretação jurídica. Não se devem

perpetuar normas.

A autonomia da cultura jurídica em face de outras ciências tem gerado, nas

democracias, uma visão não interdisciplinar do direito e da política, fazendo com que não haja

nexo entre a ciência jurídica e política.

Os juristas lêem apenas livros de direito, os sociólogos são analfabetos jurídicos,

ocasionando uma ignorância recíproca, sobretudo de noções de direito público em face de

questões sociais. Este divórcio foi desejado pela ciência jurídica do século XIX, com base na

ideologia de que a ciência jurídica devia livrar-se da fundamentação sociológica das decisões.

Após a segunda guerra, se produz uma crise desta separação e busca-se o nexo para

suprir lacunas. O estudo do Direito deve ser interdisciplinar e estar interligado à economia, à

criminologia, à política e, sobretudo, à sociologia. Como o direito fundamental à saúde, por

exemplo, a Teoria do Direito não diz quais seriam, no plano sociológico, as garantias para

este direito fundamental.

Seria uma rede de atendimento gratuito e ineficiente como o SUS? Novamente o

conflito entre o “dever ser” e “ser” através da efetivação de garantias. O direito será ilegítimo

se faltar instituições que garantam as efetivas promessas normativas. Os recursos destinados

à saúde que provêem dos impostos devem ser justificados, haja vista que foram introduzidos

por uma lei e sua implementação em nível prático deve ser satisfatório.

Corre-se o risco de perder a memória e cometer novamente crimes graves contra a

humanidade. A única resposta racional é o direito garantista ancorar decisões políticas que

garantem instituições eficientes, em face de promessas que devem ser cumpridas com

responsabilidade e não apenas se resumirem a promessas eleitoreiras.

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9 SETELETIVIDADE DO SISTEMA

O processo de construção da história é o processo de construção de ser humano. Este se cria ao criá-la. [...] Entretanto, hoje mais do que nunca, talvez a estrutura sócio-econômica e os sistemas de vida se apresentem como objetividade morta que pressiona o homem e aliena e ser. (CALDERA, 1985, p.43).

Selecionar é ter capacidade de escolher situações, pessoas ou coisas. A seleção opera

para escolher aqueles que devem ocupar certos lugares na sociedade. Pode ser clara ou oculta,

por trás de ideologias de poder.

Os escolhidos pelo Sistema Penal são seres humanos destinatários das mesmas leis e

garantias, no entanto, desprezados em seus direitos sociais. Não recebem olhar algum, quer do

Estado, quer da sociedade.

Invisíveis, ou até mesmo inexistentes para a outra parte da sociedade que se encontra

inserida em outro contexto social. Existe um grande número de pessoas para quem não há

lugar nenhum, são considerados desnecessários à sociedade atual.

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Entretanto, essas pessoas, excluídas de um lugar, de um olhar, quando chegam a

receberem alguma visibilidade, esta se dá de forma perversa, porque não raro ocorre o

ingresso deste segmento social, no Sistema Penal. Assim, quando o Estado ou a sociedade os

vê, lança sobre eles um olhar estigmatizante, estereotipante. A seleção é imposta sob o

discurso da defesa da sociedade que aprova este processo.

Podem-se identificar a vulnerabilidade de alguns frente à atuação de agentes

responsáveis em traduzir a seletividade, analisando alguns pontos:

1-elaboração das leis;

2- controle pela polícia;

3- execução da pena;

4- mídia;

5- discurso ideológico.

9.1 A elaboração da lei penal

A onda crescente de violência vivida no Brasil faz com que a população cobre atuação

das autoridades. Os legisladores, de forma irracional e irresponsável, elaboram mais leis, que

são aprovadas pelo executivo e publicadas, na mentalidade distorcida de que lei, ou seja, o

texto muda o contexto, resultando numa verdadeira inflação legislativa.

Atualmente, não se podem precisar quantas leis estão em vigor. Legislam-se sem

compromisso de mudar a realidade. As leis são criadas desprovidas de funcionalidade e

repletas de ornamentalidade, onerando o Direito Penal que se torna cada vez mais ilegítimo e

ineficiente.

O excesso de leis penais provoca a sensação de impunidade, no meio social, podendo

levar a um desapego massivo às normas vigentes. Este desapego é observado e denominado

de “anomia” na teoria estrutural-funcionalista do sociólogo Merton (1970), significando um

descaso e desrespeito às normas postas, gerado dentro outros motivos, pela inflação

legislativa.

Nas palavras de Dotti (2001):

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A primeira das propostas fundamentais para reverter esse quadro de anomia que envolve o sistema criminal consiste na necessidade de se levar a frente um amplo movimento de descriminalização e despenalização. Somente por esse caminho será possível resgatar o prestígio do magistério penal que ficou profundamente abalado nas ultimas décadas diante da massificação dos processos de incriminação e da conseqüente ineficácia das reações penais contra o delito. (DOTTI, 2001, p.37-38).

A proteção penal de bens jurídicos deve ser subsidiária (devendo ser usada em último

caso, se outros ramos do direito resolvem o conflito, não há ser usado) e fragmentária

(somente os bens jurídicos mais relevantes devem ser protegidos). Estas são as verdadeiras

funções do Direito Penal. A seleção começa quando da escolha destes bens a proteger, como

observa karam (1993):

A seleção e definição de bens jurídicos e comportamentos com relevância penal se faz de maneira classista, se faz fundamentalmente em defesa dos interesses daqueles que detêm riquezas e o poder, pois são exatamente estes detentores da riqueza e do poder - as chamadas classes dominantes – que vão, em última análise, definir o que deve ou não ser punido, o que deve ou não ser criminalizado e em que intensidade. (KARAM, 1993, p.75).

Percebe-se, na atualidade, que o Direito Penal vem assumindo funções ilegítimas,

como ser usado para promover, na sociedade, o convencimento de sua relevância para a tutela

de todos os bens jurídicos.

É uma anomalia denominada na doutrina de Gomes (2003) de “função

promocional”77, como se deu no nosso país, por exemplo, com a lei ambiental, que prevê mais

de sessenta tipos penais, sendo a média mundial de seis tipos penais.

Outra função ilegítima é o uso do Direito Penal para acalmar a ira da população em

movimentos de alta demanda por contenção da violência, a exemplo da Lei dos crimes

hediondos, função esta denominada de “simbólica”.

Gomes (2003) a compara a um diagnóstico equivocado:

Num primeiro momento, ele reduz a ira popular, porém, depois de certo período, vê-se que o remédio não serviu para curar a doença. E assim, o Direito penal simbólico se retro alimenta: como o remédio anterior não foi dado na dose suficiente, necessita-se de mais remédio. Ocorre que o remédio (mais penas, mais cadeias) está errado. Logo, não adianta intensificar suas doses. (GOMES, 2003, p. 23).

Este primeiro momento da seletividade é denominado na doutrina de Greco (2008)

como “criminalização primária”78, onde há leis formalmente editadas, oriundas deste processo

inflacionário. Neste sentido, todos são criminosos.

77 GOMES, Luis Flávio. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.22. 78 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 143.

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Atualmente, como exemplo, “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que

resultem ou possam resultar danos à saúde humana” (art.54 da Lei 9605/98), é um tipo tão

genérico, que abrange a todos nós poluidores.

Outro tipo penal exemplificativo é o art. 234 do Código Penal que prevê como crime o

fato de “fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de

distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto

obsceno.” Em qualquer banca de revista, residência ou locadora de vídeos observa-se este tipo

de crime exposto.

Em outro exemplo há que: “praticar ato obsceno em lugar aberto ao público” é crime,

de acordo com o artigo 233 do Código Penal. Quem pratica ato obsceno em lugar aberto?

Mas, o que é ato obsceno? Fazer xixi na rua pode ser tipificado, como ter relações sexuais nas

praças, também. Quem pratica estas condutas? Mendigos, drogados, alcoolizados, jovens

desempregados, moradores de ruas, prostitutas.

Nestes exemplos, pode-se verificar que o Direito Penal irá alcançar aqueles mais

vulneráveis, ou seja, os que estão expostos e que de certa maneira incomodam a sociedade. O

estado de vulnerabilidade é o lugar que cada um ocupa no meio social, equivale a seu status

econômico, educativo, etário, religioso, político, cultural.

Daí extrai a “criminalização secundária”79, onde estas pessoas são selecionadas em

função do seu status social e sobre elas o Estado vai exercer sua mão pesada. Estas

ponderações são corroboradas por Batista (2001):

O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas. [...] O sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana, [...] quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de sua clientela. (BATISTA, 2001, p.25-26).

Hulsman (1993) observa que “centenas de pessoas são sumariamente julgadas todos os

dias no país e que são sempre as mesmas que vão para a prisão: as camadas mais frágeis da

população.” (HULSMAN, 1993, p.121).

Há muito se conhece a tendência da seleção criminalizante exercida, principalmente,

por esteriótipos. Os suspeitos são pessoas de classes subalternas, que andam pelas ruas e

chegam a ser denominados de “elementos” suspeitos. Isto mostra que os criminalizados não

79 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 146.

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são tanto em razão do delito, senão, pelo alcance do Direito Penal. Há uma tendência cada vez

maior na criminalização dos problemas socialmente produzidos.

Bauman (2005) denuncia a ideologia que está por trás do Direito. Segundo ele: “a

busca da pureza pós-moderna se expressa diariamente com a ação punitiva contra a ação dos

moradores de ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos e indolentes.”

(BAUMAN, 2005, p.25).

Foucault (1977) observa que um dos grandes problemas da seleção, pelo Sistema

Penal, desses não-consumidores, donos de lugar nenhum, donos de nada é justamente o fato

de que podemos repetir a história:

Quando se toma a criminalidade, como se fosse a manifestação dos portadores de uma essência maligna que devem ser eliminados corre-se o risco de repetir a história. A punição ganha um poder justificável, não mais simplesmente sobre as infrações, mas sobre os indivíduos, não mais sobre o que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles são, serão ou possam fazer. (FOUCAUT, 1977, p.22).

Coutinho (1999) denomina “homo famelicus” o excluído como não-consumidor,

realçando que “no mundo globalizado neoliberal os excluídos são produtos do sistema, mas

carregam a culpa de não terem sabido alcançar sua inclusão.” (COUTINHO, 1999, p.75).

Ao excluído, por sua vez, resta a sobrevivência através de “bicos” ou de condutas não

lícitas, como a vendas de importados sem notas fiscais, dentre outros, carregando a culpa pela

própria pobreza, adquirindo um status social desvalorizado. A exclusão, além da total

ausência de bens materiais, cria no indivíduo uma sensação de fracasso pessoal, por não ter

conseguido ascender socialmente. Andrade (1993) expressa:

Se olharmos as favelas, os alagados, as paliçadas, as periferias, os morros, o submundo, os desgraçados em geral, veremos os filhos dos escravos, dos índios, dos imigrantes mal sucedidos, veremos os migrantes, os bóias-frias, os sem-terras, os sem-teto, veremos os produzidos nessas circunstâncias. São a nação miserável, os nascidos e crescidos na parte miserável da pátria. Os que os perceberam sempre lhes lançaram acometimentos auto-exculpatórios, atribuindo-lhes desemprego por vagabundagem, ignorância por vadiação, prole exagerada por descuido, doença por falta de higiene. Enfim, aos excluídos é imputada a condição de responsáveis pelas circunstâncias históricas que lhes aniquila quaisquer meios e todas as chances, como se eles fossem voluntários da própria miséria. (ANDRADE, 1993, p.107).

Os tipos penais descrevem condutas, mas sabemos que os tipos de ato abrem, na

prática, espaços de arbitrariedade para selecionar pessoas. O discurso é penal do ato, mas o

exercício do poder punitivo é do autor.

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A inflação de leis penais é na realidade operada pelo Sistema Penal de forma a

aumentar a prática de um poder seletivo que apresenta diferentes graus para os habitantes

segundo seu status social e suas características pessoais, como se observa claramente dentro

das prisões.

Vale ressaltar que houve momentos em que a seleção criminalizante se alterou por

outras razões que podem determinar a seleção, como a seleção política, dos regimes

totalitários que fizeram o Direito Penal recair sobre classes étnicas raciais, minorias sexuais,

etc., que de alguma forma incomodaram o Poder.

Portanto, a seleção não está ligada somente à questão econômica, pode estender-se a

todas as riquezas espirituais, a valores não reconhecidos, a religiões e culturas não aceitas, a

cores de pele e opções sexuais.

Young (2002) conclui muito bem que:

A insatisfação face à situação social, à frustração de aspirações e ao desejo podem dar lugar a uma variedade de respostas políticas, religiosas e culturais capazes de abrir possibilidades para os imediatamente concernidos, mas também podem, freqüentemente de propósito, fechar e restringir as possibilidades de outros. Também podem criar respostas criminais, e estas encerram muito frequentemente a característica de restringir terceiros. (YONG, 2002, p.30).

9.2 Controle pela polícia

A polícia, que deveria coibir a violência, está de fato contribuindo para a erosão dos

direitos dos cidadãos, com atitudes não condizentes com os anseios atuais do Estado

Constitucional e Democrático de Direito. Um dos aspectos mais perturbadores do crescimento

da violência não é que o crime violento esteja aumentando, mas o fato de que as instituições

da ordem, como a polícia, parecem contribuir para esse crescimento em vez de controlá-lo.

Reforçam a violência, a ilegalidade e a tendência em ignorar direitos fundamentais na

resolução dos conflitos. Métodos extralegais e violentos de lidar com o criminoso resultam

em confrontos com criminosos que se assemelham a uma guerra, tornando a polícia parte do

problema da violência.

A repressão do crime tem como alvo as classes mais pobres, haja vista, que polícia não

entra em condomínios fechados para “dar batida”. A delinqüência juvenil entre adolescentes

de classe média e alta quase nunca levam a registros da ocorrência, e caso cheguem a virar

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atos infracionais, não irão muito longe. Ao contrário de alguns, que ficam quase marcados, e

ao completarem a maioridade, serão alvos deste processo de busca e incluídos nos Sistema

Penal definitivamente.

A polícia é responsável, em grande parte, pela seleção da criminalização secundária,

atuando sobre os vulneráveis que habitam bairros pobres e favelas, realizando flagrantes,

Boletins de Ocorrência, que deságuam no Judiciário, o qual passa a se ocupar destes casos.

Consequentemente, a população pobre e especialmente os setores “alvo” têm sofrido

várias formas de violência policial e injustiça legal, e aprenderam não apenas a confiar do

sistema judiciário, como também a ter medo da polícia.

Observa-se que polícia é para pobre: furtos em joalherias, cometidos por pessoas ricas

e influentes é resolvido com a devida indenização, e se justificam por serem cleptomaníacos.

Os dependentes químicos de classe privilegiada freqüentam lugares fechados, privados e têm

como ser encaminhados à devida internação, com um acompanhamento adequado. Um

observador pode conferir que com raríssimas exceções de alguns pequeno-burgueses a

delinqüência é atributo de uma só classe.

Paradoxalmente, mesmo as camadas trabalhadoras de baixa renda, que são as

principais vítimas dessa violência, apóiam algumas de suas formas. O comportamento da

polícia parece estar de acordo com a maioria que entende que seu comportamento deve ser

duro e violento.

A classe média invoca a força policial para diversos casos. A polícia representa para

esta sociedade defensores que a livrarão dos “maus”. Estes coincidirão, consequentemente,

com os mais carentes economicamente; carentes de afeto; carentes de pai; às vezes de pai e

mãe; carentes de um olhar meritório da sociedade, do bom “olhar do outro”.

O apoio aos abusos da polícia sugere a existência não de uma simples disfunção

institucional, mas de um padrão cultural muito difundido e incontestado que identifica a

autoridade ao uso da violência, o que nos foi mostrado no filme: Tropa de elite. Ficção ou

realidade? Na verdade, toda a história da polícia brasileira indica claramente que a violência

é norma institucional. A polícia tem usado a violência como padrão regular e cotidiano, não

como uma exceção.

Mesmo depois da adoção do Estado de Direito, a ação da polícia continua inserida nos

padrões de dominação militar. Essa violência, apesar de ilegal, na maior parte das vezes, tem

sido praticada com impunidade.

A nobre população, com medo do crime, utiliza a contratação e o uso de seguranças

particulares e cada vez mais transforma suas residências em enclaves fortificados.

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Neste contexto, há dois Brasis. Uma classe vive cercada dos muros (CALDEIRA,

2003), cercada de seguranças particulares e outra classe desprotegida nas favelas, nos bairros

pobres, sob o controle da polícia.

As práticas de violência e arbitrariedade, o tratamento desigual para pessoas de grupos

sociais diferentes, o desrespeito aos direitos e a impunidade daqueles responsáveis por essas

práticas são constitutivos da polícia brasileira, em graus variados, desde sua criação, até os

dias atuais.

Interessante notar que os componentes da polícia brasileira, na maioria, provêm de

classes mais pobres. E, observa-se que a atuação seletiva é uma maneira de exercer o poder,

ou melhor, o poder que a farda, dá ao homem.

9.3 Execução da pena

O Estado possui o interesse em repreender de maneira exemplar aqueles que

contrariam suas normas de conduta, privando tais indivíduos de seu bem jurídico mais

importante: a liberdade. Entretanto, na seara penal, liberdade não é o único bem do qual os

infratores ficam privados. Tais indivíduos perdem a dignidade, a integridade física, psíquica e

moral, em alguns casos perdem a vida.

Ferrajoli (2006) adverte que o Estado que tem como Política Criminal a finalidade da

repreensão exemplar, prima por um modelo autoritário não condizente com um modelo de

Estado Constitucional de Direito. A correção do réu de maneira disciplinar e autoritária,

rebaixa a condição humana e faz do detendo uma coisa manipulável, à mercê dos órgãos

encarregados da execução.

Observa-se que em fase de execução, o juiz não julga fatos, mas as pessoas. Para a

concessão de benefícios há análise de pressupostos identificados por Ferrajoli (2006) de

“caixa vazia”, que são juízos de homem sobre outro homem (boa e regular conduta,

reeducação, etc.).

Aqui se encontra no lugar do tipo do autor, o tipo de infrator onde o julgamento versa

sobre quem é. O tratamento é baseado no rol social dos detentos, seus contatos externos, seus

advogados, sua condição financeira. Nas celas se compra tudo, inclusive sua liberdade sexual.

Há separação por classe social ampliando a desigualdade penal e a possibilidade de obter

benefícios de trabalho externo e de reinserção social. Observa-se aplicação contrária do

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Princípio da Coculpabilidade, onde o condenado que tem residência fixa, e proposta de

trabalho, obtém os benefícios com mais facilidade. Já os detentos socialmente débeis, os

desocupados, os indigentes, ou seja, os miseráveis, os sem endereço fixo, permaneceram mais

tempo cumprimento pena em regime fechado.

O próprio Estado, através de seus órgãos viola garantias. É um paradoxo que denuncia

a inoperatividade e ineficiência do Sistema Penal. O preso é um cidadão, embora com os

direitos restringidos, por uma sentença condenatória. Ele foi condenado a perder sua

liberdade, e alguns direitos políticos, como o de voto, mas só isso, e de acordo com os limites

da sentença. Ele não foi condenado às humilhações e outros tipos de violência que ocorrem

dentro da prisão.

Ferrajoli (2006) adverte que:

A discricionariedade das autoridades carcerárias varia profundamente segundo os tipos de presos e, sobretudo de estabelecimentos carcerários e conferem à pena privativa de liberdade, em contraste com a proclamada certeza e igualdade, um caráter substancialmente arbitrário e desigual. [...] A prisão é, portanto, uma instituição ao mesmo tempo desigual, atípica, extralegal e extrajudicial, ao menos em parte lesiva a dignidade das pessoas, penosa e inutilmente aflitiva. (FERRAJOLI, 2006, p.376).

Oponentes à visão garantista articulam uma série de preconceitos, crenças

compartilhadas por grande parcela da população, de que os direitos humanos existem para

proteger outras pessoas que não são bandidas.

O discurso nega a humanidade dos criminosos e comparam as políticas de

humanização como privilégios para bandidos. Este discurso antidireitos humanos tem levado

as reivindicações de punições severas para criminosos, até a tortura.

Em uma realidade paralela, parcela da população tem acesso a bons profissionais que

cuidam que não fiquem privados de seu direito à liberdade de forma inadequada. Recebem

todos os benefícios, além do provimento de remédios constitucionais perpetrados. Possui

ainda, direito previsto em lei de serem recolhidos em cela especial, quando sujeitos a prisão

antes de condenação definitiva. O rol do art. 29580 do Código de Processo Penal estabelece

80 Os ministros do Estado; os governantes ou interventores de Estados ou territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;os membros do parlamento Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados; os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;os oficiais das Forças Armadas e os Militares do Estado, dos Distrito Federal e dos Territórios; os magistrados;os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;os ministros de confissão religiosa; os ministros do Tribunal de Contas; os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

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quem são estas pessoas privilegiadas que tem tratamento diferente daqueles cidadãos de

menos apreço.

Para amenizar tamanha discrepância, a Lei 10.258/01 veio a incluir o parágrafo 3º a

este artigo, estabelecendo que a “cela poderá ser coletiva atendendo os requisitos de

salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e

condicionamento térmico adequados à existência humana” (BRASIL, 2007, p.448). Ambiente

insalubre a existência humana é inaceitável para todo ser humano e não apenas para alguns.

9.4 A mídia: a fala do crime

A vida cotidiana das cidades tem mudado. E, uma das causas é do medo espalhado

pela mídia. Isto se reproduz nas conversas diárias, em que o crime tornou-se o tema central.

Na verdade, medo e violência, coisas difíceis de resolver, fazem o discurso proliferar e

circular. A fala do crime é contagiante. Apesar das repetições, as pessoas nunca se cansam.

Ao contrário, continuam compelidas a continuar falando sobre o crime, como se as

análises dos casos pudessem ajudá-las a encontrar um meio de lidar com suas experiências

desconcertantes ou com natureza arbitrária da violência.

O medo e a fala do crime não apenas produzem certos tipos de interpretações e

explicações, habitualmente simplicistas e estereotipadas, como também criam preconceitos e

reforçam as desigualdades.

As deduções feitas durante as narrações chegam a distorcer os fatos. O medo do crime

se mistura com ansiedades sobre a posição social, sobre a falta de estabilidade nas relações

familiares, e no trabalho, gerando um clima de desconforto em toda a sociedade.

A fala dramatiza o crime como o único problema da sociedade, realçando a idéia

estereotipada de que quem pratica crime é nordestino, favelado, menor, pobre, etc. Está em

desacordo com valores de tolerância e respeito pelos direitos alheios. Programas

sensacionalistas, que mostram casos violentos, elevam os índices da audiência e produzem, na

população, a idéia equivocada de solução através do Sistema Penal.

A mídia exerce uma poderosa influência em nosso meio, se encarrega de fazer o trabalho de convencimento da sociedade, mostrando casos terríveis e como resposta a eles, pugna por um Direito Penal mais severo, mas radical em suas punições. (GRECO, 2005, p. 13).

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A mídia distorce o real fundamento do Direito Penal, fazendo que a sociedade acredite

que somente este ramo do direito seja responsável para minimizar a violência em sociedade.

A violência silenciosa que cada um dos vulneráveis sofre, no dia a dia, pela falta de efetivação

de direitos sociais, não é divulgada.

O que a sociedade precisa é ter a clareza de que: quando um crime acontece, vários são

seus antecedentes, nos quais não são mostrados nem analisados. Um superficial

acompanhamento dos noticiários permite a conclusão de que crimes cometidos contra pessoas

de classe média ou alta geram uma repercussão muito maior, com acompanhamento especial

por parte da mídia. Os crimes cometidos contra moradores de favelas e bairros pobres

recebem cobertura ínfima. A mídia potencializa o processo de reação social. Essa atuação

dada de maneira sensacionalista, apelando para o medo e os sentimentos de insegurança

causados pelo crime, eleva índices de audiência. Quanto mais alarmante for a cobertura do

crime, maior será sua divulgação, portanto, mais lucrativa a cobertura.

Casos reais como menores que sustentam a família vendendo balas em semáforos,

crianças cuidando de outras crianças para os pais trabalharem, infâncias perdidas pela

necessidade de sobrevivência, nunca são divulgados, porque não dá “ibope”. A população se

sente mais atraída pelos crimes praticados por menores do que pelos crimes praticados em

face dos menores.

A pressão social fomentada pela mídia leva o Sistema Penal a romper com os limites

garantistas do seu exercício e recorrer a abusivas prisões cautelares, exposição do infrator de

forma vexatória, julgamentos antecipados e o desrespeito ao princípio da presunção de

inocência, dentre outros.

9.5 O discurso ideológico

Muitas pessoas acreditam que há um legislador racional produzindo um sistema

jurídico neutro e igualitário para defesa de todos nós. Acreditam que o Direito Penal existe

com o fim de promover a justiça, a defesa e a segurança de forma indistinta, a todos os

cidadãos. Esta crença pode ser explicada, em parte, por uma herança da aceitação religiosa,

principalmente, difundida pela Igreja Católica, de respeito e submissão sem questionamento

ao poder punitivo.

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Se se verificar, as vestes usadas pelos sacerdotes em muito se assemelham às becas, ao

altar, à tribuna. A oratória, a autoridade, o respeito, e a linguagem lembram rituais religiosos.

Talvez seja mais fácil aceitar que mudar. Mas, torna-se de fundamental importância dentro

dos estudos jurídicos desconstruir o discurso do Sistema Penal oficial como garantidor da

defesa da sociedade e recuperador dos delinqüentes, pois este sistema, na práxis, apresenta-se

cheio de contradições, principalmente, originando a (re)inclusão perversa, a estereotipagem e

a estigmatização do sujeito excluído como criminoso.

A seleção mascara os concretos conflitos sociais, que têm na criminalidade um de seus

sintomas. A promessa de recuperação e reinserção daqueles que são apanhados pelo Sistema

Penal é uma falácia. Reinserir onde, se já estavam excluídos?

Batista (1990) observa que o rico é hipersocializado e não teria porque ser readaptado

na sociedade à qual comanda e o pobre dela sempre foi excluído, nunca se integrou

verdadeiramente, então o cárcere o reintegraria a algo que sempre esteve alheio?

Contudo, das diversas funções e promessas justificadoras da existência do Sistema

Penal, quais sejam: a prevenção (geral e especial), a punição, a reinserção e a ressocialização,

a única concretizada é a punição, a qual vem resultando em uma série de danos aos que por

ele (Sistema Penal) são apanhados.

A efetivação da punição só tem conseguido criar estigmas nos que a sofrem. A

estigmação é feita e injetada com sucesso, pois, não raro, quando o sujeito sai do cárcere e

ingressa no seio social, acaba, agora sim, recebendo da sociedade um olhar estereotipante e

negativo. O olhar negativo que lhe é lançado acaba por tornar-se uma profecia que se

autocumpre.

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10 COCULPABILIDADE E POBREZA

O pobre [...] pobre do pobre - já nasce por vezes, encarcerado em barraco compacto, onde qualquer tentativa de mobilidade é impossível. Socialmente está preso por parte da existência (ou por toda esta) a um trabalho que quantas vezes o reduz à condição análoga de escravo. (BONFIM, 1997, p.73).

A profunda desigualdade que permeia a sociedade brasileira certamente serve de pano

de fundo à violência e ao crime. Associação de pobreza e crime é sempre a primeira que vem

à mente das pessoas quando se fala de violência. Além disso, todos os dados indicam que a

maioria dos crimes está principalmente distribuída entre os pobres. No entanto, desigualdade

e pobreza sempre caracterizaram a sociedade brasileira e não se pode argumentar

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simplesmente que são os únicos fatores que explicam o recente aumento da criminalidade

violenta. Merton (1970) discorre que:

A pobreza não é uma variável isolada que opere precisamente da mesma forma, onde quer que seja encontrada; é apenas uma dentro de um complexo de variáveis sociais e culturais, identificáveis e interdependentes. A pobreza em si e a conseqüente limitação de oportunidades não bastam para produzir uma proporção alta e conspícua de comportamento criminoso. (MERTON, 1970, p.220).

Ademais, a afirmação de que a pobreza é fator desencadeador de crimes, torna-se

muito perigosa, podendo levar a uma generalização e identificação de todo pobre como

criminoso, no desenvolvimento da ideologia de que determinados grupos sociais configuram

uma ameaça aos demais.

Há milhões de brasileiros pobres que batalham diariamente, acordando de madrugada,

transitando em ônibus superlotados para o trabalho, comendo de marmitas e voltando para

casa, à noite, para uma outra jornada. Sobretudo, aqui, devem-se enaltecer as mulheres,

diaristas, manicuras, cabeleireiras, domésticas, mães solteiras e tantas outras, grande parte

delas com dupla jornada.

Mas, não pode ser desprezada a erosão da cidadania pela pobreza, e também não

podemos fechar os olhos a milhões de brasileiros que não conseguem trabalho. É, por isso,

que o Princípio da Coculpabilidade preza por uma atenuação da pena ou mesmo absolvição,

levando em consideração que os sujeitos que estão em desvantagens sociais, devem ter em seu

favor algo que equilibre a força coercitiva do Sistema Penal.

Zaffaroni (1982) alerta que:

A idéia de a pobreza ser causa dos delitos, estaria habilitando mais poder punitivo às classes hegemônicas e menos para às subalternas. E, defende que seja rico ou pobre, o selecionado, sempre o será com bastante arbitrariedade que se faz a seletividade estrutural do poder punitivo. (ZAFFARONI, 1982, p.64).

O sistema garantista responde às preocupações de Zaffaroni (1982), porque se baseia

numa proposta de proteção dos mais fracos, independentemente da classe econômica, em

busca de um equilíbrio ao arbítrio penal.

É a partir desta premissa que se busca adequar a sanção penal ao caso concreto,

interpretando o Direito Penal juntamente com princípios constitucionais, sobretudo, o da

dignidade da pessoa humana. Com base nesta interpretação, aquele que está sendo

processado, deve ter sua conduta balizada pelas questões reais de sua vida, que podem levar a

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pessoa humana a se debilitar pela fome, pela doença, pelo desemprego e por outras situações

que levam ao desespero.

Yarochewsky (2000) discorre sobre as indagações:

Se não podemos, por um lado, atribuir a criminalidade exclusivamente às condições de vida social da maioria da população, por outro, não podemos negar que essas condições (fome, miséria, analfabetismo, etc.) muito contribuem para o desenvolvimento da criminalidade. É evidente que não podemos exigir de um homem indigente, faminto, desempregado, doente, etc., que se comporte do mesmo modo que um homem bem alimentado, com bom emprego e saudável. (YAROCHEWSKY, 2000, p. 49).

10.1 Violência e in(segurança)

O sociólogo Durkheim (1999) “afirma que o crime é normal e tem uma função útil na

sociedade, que é o fortalecimento da consciência coletiva.” (DURKHEIM, 1999, p.69,71).

Assim como o crime é presente na sociedade, a violência também é. Hassemer (1999)

defende que o que muda é a maneira como encaramos a violência e expõe que:

A violência é um firme componente de nossa experiência cotidiana. Quem vive com outros, experimenta e não está seguro frete a ela. Não é, portanto, a onipresença da violência na vida social que está em questão, o que se modifica são as formas da violência e a densidade da atividade violenta. O que se modifica são as disposições a aceitar a violência, as probabilidades de converter-se em vítima ou em ator, o que se modifica é a atitude que tomamos frente a ela. A chance de perceber a violência e seu exercício nunca foi melhor que hoje. Uma sociedade que dispõe de meios de comunicação eficientes e um consumo comunicativo está vivamente interessada nos fenômenos da violência. As chances de dramatizar a violência e fazer política mediante elas são boas. A ameaça de violência, seja real ou suposta, é um dado que pode ser fomentado pela Política Criminal, aquilo que vale como bem jurídico que requer proteção penal se decide mediante um acordo normativo social. O desenvolvimento da atitude frente a violência, remete a uma época pré-moderna que tem o delinqüente como um quebrador de normas, um estranho que havia de ser extirpado. A modernidade, pelo contrário, vincula a filosofia política fundamentada ao desenvolvimento do homem e do cidadão como pilares do direito penal e admite o delinqüente como um sócio no contrato social. (HASSEMER, 1999, p.39).

Ser brasileiro, nesse início do século XXI é ter o medo e a insegurança como

companheiros constantes da vida. Este medo e insegurança estão sendo fomentados pelo

discurso diário exibido pelos meios de comunicação e se estende às conversas que sempre têm

em pauta algum caso de violência. Violência está na moda. É ensinada às crianças pelos

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vários brinquedos adquiridos pelos próprios pais. Adolescentes preferem os vídeos e jogos

violentos a outros educativos.

Uma das características do Estado é o fato de ele ser, em ampla medida, detentor do

monopólio do uso legítimo e legal da força. O Estado muitas das vezes ultrapassa os marcos

da legalidade e da legitimidade quando a usa. Isso enfraquece o Estado brasileiro e gera um

descrédito na população difundido o medo e a insegurança.

Se a força estatal, portanto, quando posta em prática, nem sempre atua dentro dos

limites legais, na questão da legitimidade estamos pior ainda: os brasileiros simplesmente não

respeitam e não confiam nos homens públicos e nos administradores.

A questão da in (segurança pública) e da violência tem sido uma das maiores tragédias

da sociedade brasileira. Tal questão deve-se principalmente ao descaso e à incompetência de

sucessivos governos em relação ao tema, e à sociedade que se deixa influenciar pelo discurso

ideológico da contenção da violência.

Essa situação é levada ao paradoxismo: o mesmo poder público que é estupidamente

arbitrário em relação às pessoas comuns, pobres, desarticuladas, criminosas que deixam

presos cumprindo penas extras nos infernos penitenciários, sem o mínimo de amparo

legal,deixa de cumprir vários mandados de prisão.

Ferrajoli (2006) identifica que o mau funcionamento do Sistema Penal leva a um custo

alto da justiça em razão da imperfeição e falibilidade do Sistema Penal. Identifica dois

grandes problemas que denomina de cifras.

Cifra da ineficiência, formada por um número de culpados que submetidos ou não a julgamentos, permanecem ignorados e/ou impunes, somada a uma cifra, não menos obscura, mas ainda mais inquietante e intolerável formada pelo número de inocentes processados, e às vezes punidos ao qual denominou cifra da injustiça. (FERRAJOLI, 2006, p.196).

Os custos das injustiças são injustificáveis, sobretudo porque não se repara o que uma

prisão indevida causa. Em um país como o Brasil em que a pobreza e a exclusão social fazem

parte inarredável da sociedade, é óbvio que a questão da (in) segurança pública e da violência

se emaranha a tais problemas. Atacar o problema pode contrariar interesses. O risco e o

desgaste de uma ação efetiva nessa área são muitos. Melhor dizer: esperem que quando se

fizer justiça social a violência diminuirá e a justiça social por sua vez, deve esperar o ajuste

econômico, pelo equilíbrio financeiro, pela retomada dos investimentos, pelo aumento da

confiança internacional, etc. E assim os brasileiros vão (sobre)vivendo, de discursos,

argumentos e promessas, enquanto necessitam de coragem e ação.

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Neste contexto, urge o garantismo penal, como equilíbrio para atenuar a força estatal

em face daqueles fracos da sociedade que sofrem a mão pesada do Estado, que se tornaram

vulneráveis pelas carências de direitos sociais, evidenciados pelo Princípio da

Coculpabilidade.

Nenhuma teoria penal pode pretender que o conteúdo antijurídico de um ilícito indique

a pena ou quantidade da pena sem levar em conta as condições de vida do infrator, sob o risco

de passar a desvalorizar toda a existência do sujeito e a sua condição de pessoa humana.

10.2 Vítimas silenciosas

É relevante a afirmação de o Estado ser grande cúmplice de tantas infrações, ou seja,

multireincidente, em delitos de omissão, com descaso pela implementação de políticas

públicas eficientes e diretamente direcionadas ao objetivo de destinar a arrecadação dos

impostos ao verdadeiro destino, sem desvios interesseiros e eleitoreiros, em prol de uma

nação acolhedora e não excludente.

Arendt (2004) em A condição Humana, identifica que a glorificação da violência é

causada por uma série de frustrações do agir no mundo moderno e alerta para o risco de o

homem, na sociedade moderna e consumista, perder sua condição humana não sentindo o

mundo como sua casa e estando prestes a tornar-se um ser descartável.

Frustrações que são responsáveis pelo número exagerado de embriaguez, procurada

como fuga da realidade, num primeiro momento, que se perpetua e transforma-se num vício

causador de tantas outras violências.

Batista (1990) parafraseando Machado de Assis: “As leis são belas e a realidade é feia.

Como estas belas leis podem ajudar a transformar a realidade feia? [...] Ainda que belas, nada

resolvem sem vontade política empenhada em sua execução” (BATISTA, 1990, p.108 -110).

Acerca da realidade feia, enfatiza-se a ideologia de “crimes contra os costumes”.

A qualificação do Código Penal de crime contra os costumes define o que são os

costumes de uma sociedade privilegiada, principalmente no que tange aos crimes contra a

“liberdade sexual”, de um lado, e por outro, crianças crescem sendo violentadas sexualmente,

sejam, como vítimas, sejam como expectadoras dos próprios pais. Vivem aglomeradas sem

sequer ter a privacidade de um quarto, sendo objeto nas mãos dos mais velhos. Esse início

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sexual aproxima o homem a outro animal qualquer, deixando seqüelas que podem levar a

atitude que contrariam os costumes daqueles que possui um nível melhor de privacidade em

suas casas.

Então, observa-se:

O art. 213 do Código Penal tipifica como crime “Constranger mulher a conjunção

carnal mediante violência ou grave ameaça.” (BRASIL, 2007, p. 350).

Determinadas crianças crescem vendo o pai, na maioria das vezes, saindo do bar,

embriagado, voltando para a casa e constrangendo a mulher, ou até mesmo a enteada, a

manter conjunção carnal com ele.

Este é o costume de muitos brasileiros. O menino, porque aqui, o agente só pode ser

do sexo masculino, cresce com este nível de educação sexual, que desenvolverá na puberdade

e na fase adulta, diversos traumas, podendo desembocar em uma satisfação sexual mediante

violência e rejeição, ficando distante do relacionamento convencional. Se cada criança,

adolescente e adulto tivesse um nível de educação, informação, privacidade e segurança, em

muito este tipo de crime seria reduzido.

Nos casos de traumas, urge a necessidade de tratamento psiquiátrico e

acompanhamento, de preferência, em todo o percurso do desenvolvimento sexual do

adolescente. Qual é o beneficio da cadeia nestes casos? Nenhum. É sabido que dentro das

penitenciárias, há uma rejeição aos companheiros de cela que praticam este tipo de delito.

Mesmo porque, quem está na cela, não tem um conhecimento de que pode se tratar de um

distúrbio oriundo de causas anteriores e que seria caso para tratamento psiquiátrico. A

realidade, é que estas pessoas são violentadas na cadeia, como uma forma de vingança dos

companheiros de celas, e até mesmo mortas.

Aqui, negligência do Estado com esta parcela fraca da sociedade é evidente. E,

evidente, também, será a necessidade de conhecer os fatores que desenvolveram o problema

sexual e utilizar a medida certa da sanção penal, se necessária.. “Tarados” como são

chamados, merecem tratamento adequado. Cumprindo a pena, se saírem vivos, possivelmente

cometerão outros crimes da mesma espécie, e a sociedade ficará novamente sujeita a eles,

porque são doentes e necessitam de um tratamento e não de prisão.

No atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), a vítima poderá ser homem,

e na maioria das vezes, a vítima é menino. Observa-se outra seqüela, que é deixada em

crianças do sexo masculino, violentados na infância ou mesmo na puberdade, podendo

desenvolver um “distúrbio sexual” gerando seqüelas de vários níveis.

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Na obra “O Diário do Farol”, de João Ubaldo Ribeiro, onde autor se intitulou honesto

corajoso e escrupulosamente verdadeiro, há uma real descrição dos aspectos sexuais. A

história versa sobre um psicopata, com dinheiro, que ingressa num seminário, se ordena padre

e exerce força política em uma cidade do nordeste brasileiro e com esta força política,

manipula sexualmente as pessoas, passando sempre impunes seus atos, devido a sua posição social.

Descobri especial prazer em entreter-me sexualmente com as noivas. Claro que lhes mantinha a virgindade vaginal, mas de resto, fazia tudo com elas e me dava extraordinário prazer vê-las na rua, de mãos dadas com os noivos, trocando caricias discretas com eles. A história de um psicopata toma relevância quando se insere a patologia num ambiente em que pode prosperar. O personagem não teria como conseguir seus objetivos sem que houvesse uma sociedade e um sistema político que lhe abrisse o caminho. (RIBEIRO, 2002, p.191).

O distúrbio sexual é caso de saúde pública, como as drogas, e acaba virando casos de

Direito Penal, para aqueles que não têm condições de tratamento em clínicas especializadas.

Acabam estas pessoas na prisão, e nela, tornam-se vítimas de mais uma violência sexual.

Os artigos 215 e 216 do Código Penal tipificam como crime a posse sexual ou o

atentado violento ao pudor, mediante fraude: “ter conjunção carnal com mulher, mediante

fraude; induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso

diverso da conjunção carnal.” (BRASIL, 2007, p.350).

Depois de muitas críticas em jurisprudências e nas doutrinas sobre o significado de

“mulher honesta” foi abolido o termo pela lei 11.106/05. Em observações pretéritas nos

Tribunais, percebeu-se que houve uma época em que o Direito Penal foi um verdadeiro direito

casamenteiro, tendo em vista que, para não configurar a fraude, o delinqüente casava-se com a

vítima. Mulher honesta era a mulher oriunda de boas famílias, com boa educação. Filhas de

prostitutas, empregadas domésticas, negras, não tinham o privilégio do Direito Penal apressar

seus casamentos, porque casamento era com moças de boas famílias. Enquanto, isto, algumas

mulheres eram usadas sexualmente, em silêncio.

Apesar de a nomenclatura estar em desuso, convive-se com suas seqüelas. E, verifica-

se a tendência em não considerar a fraude quando se trata de empregadas domésticas, de

meninas negras, de moradoras de favelas e de bairros pobres, mais uma vez criando rótulos e

pré-conceitos que as pobres carregam.

Estas críticas levam a re(pensar) o Direito Penal em prol dos mais desfavorecidos,

sejam eles vítimas ou infratores, devendo o Princípio da Coculpabilidade e o sistema

garantista atuarem de maneira a equilibrar a balança da justiça, em face da parcela mais fraca

da sociedade.

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A satisfação da vítima, na punição do autor do crime, é evidente, em alguns casos,

onde o Sistema Penal exerce uma função de sublimação do sentimento de vingança da vítima

e seus familiares. Casos em que o Direito Penal garantista responde adequadamente,

proporcionando uma decisão equilibrada e baseada somente no que foi praticado, sem se

tornar em instrumento de vingança, procurando a legitimidade da atuação do Sistema Penal

em cada caso, condizendo com uma verdadeira aplicação do direito, com justiça.

11 SISTEMA PENAL A SERVIÇO DA IDEOLOGIA DO PODER DOMINANTE.

Enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais. (CAETANO VELOSO)

Em todas as sociedades, das mais primitivas às mais civilizadas, o exercício do poder

sempre foi extremamente apreciado. Na idade média, o poder estava nas mãos de uma

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minoria, representada pela monarquia e pela igreja. A cruz era um instrumento penal de

dominação quando a Europa dominou a América e a África. Para os cidadãos, em geral, a

submissão era natural, automática, completa.

O poder não era discutido, porque era aceito como privilégio de alguns. A busca do

inimigo começou com o poder punitivo. Hereges, satãs foram eliminados em nome de

Deus/Estado. Posteriormente, a burguesia chega ao poder e a punição se volta às classes

baixas da sociedade.

O fundamento da repartição do Poder, desenvolvido, sobretudo por Montesquieu, é

justamente a idéia de contenção do Poder pelo próprio Poder. A divisão de funções do Estado

(Legislativo, Executivo e Judiciário) tem como finalidade a contenção da arbitrariedade e da

opressão, próprias de uma organização política absolutista. Constata-se que, o Poder muda de

mãos, mas permanece tal como foi denunciado por Montesquieu: arbitrário e dominador.

Com a revolução industrial, o trabalhador que ia diariamente para a fábrica submetia

quase que a totalidade de sua vida ao comando do proprietário, o pouco de liberdade que lhe

restava era controlada pela igreja ou pelo Estado. Para as massas silenciosas, a falta de poder

era a ordem natural das coisas. O feito singular de Marx foi persuadir as massas trabalhadoras

de que esta falta de poder – esta submissão- não era natural ou inevitável. O poder podia, de

fato, ser conquistado.

No começo do século XX, com a primeira guerra mundial a Europa se esgota.

Descola-se para os Estados Unidos o grande poder mundial. O Sistema Penal se multiplica.

Cresce a ideologia desenvolvida pelo fascismo e nazismo, incorporado por discursos médicos

de degeneração da raça, com a propaganda de proteção da população e estoura a segunda

guerra mundial.

Já no final do século XX, o índice de prisionalização sobe. O Sistema Penal torna-se

um grande empreendimento, com a crescente demanda. Ele se transforma numa chave

econômica de gerar empregos. Cria-se o discurso de que a sociedade caótica pode se

organizar com a punição. O Sistema Penal torna-se imprescindível à vida cotidiana.

Observa-se que o poder se desenvolveu de diversas maneiras ao longo da história.

Rituais de obediência cuidadosamente elaborados - jantares, encontros, ordens, medalhas,

comando - celebram a posse do poder. Ainda se vive em uma ressaca da Ditadura. Na

ditadura, as leis são feitas na medida da conveniência da manutenção do poder em mãos do

grupo que o conquistou, ou em nome de partido ou instituição, ou, ainda, pelas forças

armadas, garantidoras da dominação. Há um ponto em comum da ditadura nas democracias

atuais: o governante quer manter o poder em suas mãos.

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Poder é a mais alta aspiração do gênero humano. É a possibilidade de alguém, ou de

um grupo, impor sua própria vontade, sobre o comportamento de outras pessoas. Indivíduos e

grupos buscam o poder para promoverem seus próprios interesses pecuniários ou para

estenderem a outros, os seus valores pessoais, religiosos e sociais, como também, com o

propósito de obter apoio a sua visão econômica ou alguma outra visão social do bem público.

Os propósitos pelos quais o poder está sendo perseguido serão, muitas vezes, ocultos por

falsas e engenhosas colocações.

Atualmente se ensinam aos jovens que numa democracia todo poder emana do povo,

apesar de tornar-se visível que as organizações realmente influenciam o governo, dobram-no e

com ele o povo à sua vontade e aspirações.

Ocultam-se o poder público da organização dos grupos de pressão sobre o legislativo

(lobbies). À violência, impõem o convencimento que é com leis mais severas e um sistema

repressivo maior que vamos controlá-la.

Contratam-se mais policiais, constroem mais presídios, aumentam as varas criminais

nos fóruns, publicam mais leis penais, aumentando também o custo para o Estado de todo

esse aparato penal, criando-se um condicionamento social de que as coisas devem ser assim.

Não se busca a solução para o problema. A discussão sobre esta realidade torna-se indesejável.

O poder é hoje um tema compulsivo, não necessariamente por ser exercido de modo

mais eficaz do que antes, mas porque infinitamente mais pessoas têm acesso à realidade do

poder ou mais importantes, têm a ilusão do seu exercício.

As pessoas são acometidas pela crença de que o Estado e seu aparato pertencem ao

lado do bem, porque prestam justiça e combatem a criminalidade ao passo que os criminosos

pertencem ao lado do mau. Procura-se novamente o inimigo. O espetáculo do Estado está

montado: o Direito Penal dos bons contra os maus.

Há observações que no Sistema Penal atual as pessoas que o executam exercem certo

tipo de poder denominado de “síndrome da pequena autoridade”. Policiais, carcereiros,

oficiais de justiça, todos, exercendo a função autoritariamente como uma difusão

generalizada de poder. Num escalão mais alto, há o poder dos aplicadores da lei, sobretudo de

juízes e promotores.

O poder do juiz de punir e julgar, como muito bem destaca Ferrajoli (2007):

É o mais terrível e odioso dos poderes: aquele que exercita de maneira violenta e direta sobre as pessoas e no qual se manifesta de forma mais conflitante o relacionamento entre o Estado e o cidadão, entre autoridade e liberdade, entre segurança social e direitos individuais. (FERRAJOLI, 2007, p.15).

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O juiz exerce a função numa combinação de conhecimento e poder, sobretudo as

sentenças criminais são condicionadas por seus valores, sentimentos, inclinações que

influenciam na interpretação dos fatos. Os processos com sentenças condenatórias transitadas

em julgado vão ocupar um lugar tranqüilo de “aguardando cumprimento de pena”, nas

prateleiras das secretarias criminais, com certo bem estar do juiz que remete cópias de suas

sentenças à Corregedoria de Justiça, como missão cumprida.

E o condenado fica à mercê de um outro poder, ou seja, dos órgãos encarregados da

execução denominados por Ferrajoli (2006) de “poder secreto que atua na sombra”, dotado de

imenso e incontrolado poder em sede de execução.

Não se pode deixar de destacar o poder da imprensa, do rádio e da televisão que

constituem as mais importantes manifestações modernas de poder. Seu principal instrumento

de imposição, como o da religião é a crença, é o condicionamento social.

Nos grandes jornais, o colunista que defende firmemente sua preferência pessoal pela

pena de morte, por um controle total e eficaz do poder militar, convence. A fonte divulgadora

de ideologias é agora, conferida aos porta-vozes da televisão e da imprensa. Alusões à fonte

da crença são universais e automáticas –”li isso no jornal”, ou “vi isso na televisão.” O

discurso emocional é de fácil reprodução.

Pela arte das propagandas e reiteração, as pessoas são persuadidas a crerem na

jovialidade peculiar a certa marca de cerveja, da mesma maneira que são persuadidas pelas

propagandas enganosas que as levam comprar os mais variados produtos desnecessários, da

mesma forma que os noticiários divulgam crimes, na sociedade, e elegem os principais

culpados. Crime vende pelos noticiários. A propaganda está projetada na vítima, quanto mais

patológica melhor. A população apavorada pede a condenação. Esta é a ideologia de um

Direito Penal Máximo que é repassada diariamente pela onipresente TV.

Este é o problema social que deve ser debatido: violência é um sintoma de que a vida

em sociedade não está bem. O debate dos verdadeiros fatores de desintegração social não

interessa ao Poder. A desigualdade reinante e a pobreza crescente causadas pelo crescimento

desenfreado do capitalismo e pela ineficiência da administração pública são temas que

merecem destaque e por si só já significam violência. Quantos agora passam fome, sofrem

discriminações morais, com um capitalismo instigando a sempre comprar e a “ter”. São

precedentes que não têm tipicidade. São fatos atípicos que desencadeiam condutas típicas por

serem a única saída para os vulneráveis.

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Deve-se repensar as formas atuais de poder. Ele pode estar explícito, implícito ou

incondicionado, ou seja, por trás, com uma ideologia de perpetuação do problema social e

não com o verdadeiro discurso de solução.

Segundo Magalhães (2006):

O processo ideológico distorce a realidade e cria certezas construídas sobre fatos pontuais que procuram explicar uma situação complexa. O elemento de dominação presente procura construir certezas na opinião pública, uma vez que a afirmação vem acompanhada de um fato real que a pessoa pode constatar e a televisão o faz ao trazer a imagem. Portanto, a partir de uma situação que efetivamente ocorre, mas, que nem longe pode ser utilizada para explicar a complexidade do tema. [...]Quem detém a mídia constrói certezas e as certezas são o caminho curto para o preconceito.Quanto mais certezas as pessoas tiverem, quanto mais preconceituosas forem as pessoas, mais facilmente serão manipuladas por quem detém o poder de criar estas verdades,[...]quem detém o poder de construir os significados de palavras como liberdade, igualdade, democracia, quem detém o poder de criar os preconceitos e de representar a realidade a seu modo, tem a possibilidade de dominar e de manter a dominação. (MAGALHAES, 2006, p.282,283).

Wittgenstein, citado por Oliveira (2001), filósofo que se dedicou ao estudo dos jogos

de linguagem nos alertou que “as palavras nem sempre dizem o querem dizer.”.

O discurso engana. É no delinqüente com status social desprivilegiado que passa a se

encontrar o principal protagonista da mais nova transfiguração do inimigo do Estado e

causador da violência.

Freqüentemente associado a uma das várias etapas da cadeia do narcotráfico, como

revendedor ou consumidor, o delinqüente de rua, novíssimo monumento do maniqueísmo

(dois princípios opostos do bem e do mal) penal é fruto das desastrosas políticas econômicas

geradas por elites irresponsáveis, criadores de alarmantes déficits de justiça social, que tem

conduzido a um empobrecimento rápido de grande parte da classe média e a pauperização das

classes mais humildes. Elites que teimam em esconder os seus interesses econômicos e suas

manifestas demonstrações de seu exercício.

Como bem ressalta Magalhães (2006), a sociedade está em um momento de

automação:

Diariamente repetimos palavras, gestos, rituais, trabalhamos, sonhamos, muitas vezes sonhos que não nos pertencem. A repetição interminável de rituais de trabalho, de vida social e privada nos leva a automação. [...] A automação nos impede de pensar. Repetimos e simplesmente repetimos. Não há tempo para pensar. Não há porque pensar. Basta repetir o script previamente posto e repetido pela maioria. Tem poder quem é capaz de construir o senso comum. (MAGALHAES, 2006,282).

Estas críticas sobre o poder levam a sociedade a refletir sobre a culpabilidade, o

Direito Penal e todo o Sistema Penal a serviço do poder. Há quem interessa que se tenha a

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opinião preconceituosa de delinqüentes? Lombroso (2007) caiu no erro de somente catalogar

como criminosos, aqueles que estavam presos, coincidentemente, apresentavam estereótipos

bem próximos dos descendentes dos índios e negros: órbitas grandes, testa larga, lábios

grossos, arcada dentária defeituosa, braços excessivamente longos, mãos grandes. Brancos,

loiros, de olhos azuis, não estavam nas prisões.

O que mudou? Quem continua na prisão? Aqui está o brasileiro acatando

acriticamente e automaticamente discursos sobre a culpabilidade nata de pessoas que são

vítimas da injustiça social nas suas mais variadas formas.

Neste sentido, Saramago (2002) denuncia que “a justiça continua a morrer todos os dias,

apesar de a maioria do mundo se achar vivendo em democracia.” (SARAMAGO, 2002, p. 18).

Assim, a culpa pela violência, vai passando de mãos em mãos, e ninguém quer

segurá-la, acabando em mãos fracas que não conseguem livrar-se dela, tudo conforme o

Poder determina.

12 VERIFICAÇÃO IN LOCO

Moça, aqui a gente só pensa em sair e não em estudar, porque aqui é um inferno. (palavras de um presidiário).

A pretensão de desenvolver um tema, sobretudo, de Direito Penal deve buscar dados

concretos de argumentação e aplicação. Hassemer (1984) alerta de que “os juristas estão

perdendo contato com a sociedade e com a realidade e isso para a dogmática constitui um

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insulto. A dogmática jurídica pretende formular verdades absolutas com análises

simplesmente teóricas.” (HASSEMER, 1984, p. 254).

Partindo destas premissas, buscou-se desenvolver o que se pode denominar de

pragmatização do transcendental, ou seja, procurou-se analisar o cotidiano do Sistema

Penal e desenvolver o estudo do Princípio da Coculpabilidade em face do garantismo

penal, com base nas experiências humanas e dados concretos pertencentes ao mundo da

vida, e que muitas vezes passam despercebidos ou mesmo não registrados nos trabalhos

acadêmicos.

12.1 Acervo criminal em trâmite no Judiciário

O número de feitos criminais aumenta consideravelmente. Tomando como

amostragem uma cidade com população de cem a duzentos e cinqüenta mil habitantes, com

uma comarca compreendida dentre outras, de três varas criminais da justiça comum e uma

vara do juizado especial criminal81, verificam-se:

1) Um acervo dos processos criminais, em andamento, no mês de setembro de 2008, com

8.323 (oito mil, trezentos e vinte e três) processos criminais da justiça comum.

2) Os crimes contra o patrimônio têm o maior índice de distribuição, ou seja, 3.502 (três

mil, quinhentos e dois) processos em andamento, equivalente a 42,49% do acervo total

dos feitos criminais.

3) Deste acervo, 1.401 (um mil, quatrocentos e um) processos são de crimes de tóxicos,

ou seja, o equivalente a 16,83%.

Concluindo que, mais da metade, ou seja, 59,32 % dos processos criminais em

andamento, na justiça comum, referem-se a crimes contra o patrimônio e crimes de tóxicos.

Estes resultados se encontram discriminados no anexo.

Além dos feitos em trâmite, na justiça comum, há 2.544 (dois mil quinhentos e

quarenta e quatro) do Juizado Especial, totalizando 10.867 (dez mil, oitocentos e sessenta e

sete) processos.

81 Dados estatísticos obtidos na comarca de Divinópolis-MG, no mês de Setembro de 2008

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Desde o ano de 2003, o anuário de informações criminais, emitido pela Fundação João Pinheiro, já evidenciava o incremento do aumento de crimes contra o patrimônio em todo o estado de Minas Gerais.

O mesmo relatório demonstra que num período de apenas 08 anos, ou seja, de 1995 a 2003 as taxas de crimes contra o patrimônio aumentaram 581% enquanto que, para o crime de homicídio observou-se um aumento de 96% no Estado. Este aumento vem se prolongando cada ano, como pode ser demonstrado pelo gráfico abaixo, compreendendo a taxa de crimes violentos na cidade de Divinópolis, conforme a seguir:

GRÁFICO 1 - Taxa de crimes violentos por 100.000 habitantes - Divinópolis

Dados Básicos: Armazém de dados de Ocorrências da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP) - Núcleo de Estudos em Segurança Pública (NESP) O número de homicídios cresce significativamente, porém, em números bem menores

comparados ao número de crimes contra o patrimônio e crimes de tóxicos, como demonstra a

tabela abaixo.

TABELA 01

Número de homicídios registrado pela PMMG em Divinópolis

Dados Básicos: Armazém de dados de Ocorrências da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP) - Núcleo de Estudos em Segurança Pública (NESP)

12.2 Quem está na prisão

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Quando se afirma que o Sistema Penal é seletivo, tem-se a comprovação empírica visitando penitenciárias. Os pavilhões de uma prisão apresentam um cenário chocante, em grande contradição com o objetivo da execução penal (art. 1º da Lei 7210/84) de “efetivar as disposições da sentença e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.”

O estabelecimento prisional pesquisado denomina-se: Presídio Floramar, inaugurado

em 1998, com capacidade para 187 detentos. Em 2005 já contava com 312 detentos,

atualmente conta com 435 detentos, aproximadamente. Seres humanos vivem amontoados e

estressados, num espaço onde comportaria seis pessoas, encontra-se com mais do dobro.

Alguns detentos dormem o tempo todo, como se buscassem fugir da realidade, outros

alimentam o espírito de revolta ao sistema e externam a fúria que experimentam por estarem ali.

Observa-se que não há a aceitação da pena imposta, a exceção de alguns que cumprem

penas menores e estão certos de que a passagem pela prisão não é duradoura e nota-se que

estes têm mais disposição para o diálogo e a explanação da causas do delito. Neste clima

hostil, vivido pela maior parte dos detentos, não estudam, não trabalham, e se tornam mais

violentos. A cela torna-se um “pavio de pólvora” a explodir a qualquer momento. Quando

estoura, produzem agressões físicas de todos os graus e por parte de todos, inclusive dos

agentes penitenciários e suspendem-se as visitas neste pavilhão.

De acordo com a Lei 9.455/97, artigo 1º, constitui crime de Tortura:

I- Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental; II- Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. (BRASIL, 2007, p. 834)

A cela de um presídio constitui um exemplo claro de tortura explícita. Tortura que se manifesta até em caráter preventivo, como o caso dos presos provisórios. Até quando haverá legitimidade para a pena ser cumprida nestas condições? Da mesma maneira que hoje visitamos porões de museus, antigas senzalas, como turistas, ou mesmo presídios ilhados desativados como o de Fernando de Noronha, espera-se que a triste realidade das prisões atuais se transforme num futuro bem próximo em locais de visitação turística, ou até demolidos, como o Carandiru, onde se lembrarão das atrocidades das punições, como tratamentos ultrapassados.

Outra abordagem dada, na penitenciária, foi a entrevista com uma amostragem de 100 (cem) presidiários, buscando informações sobres as condições materiais de vida, antes de cometer o delito.

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Partindo da definição de mínimo existencial de Barcellos (2002), formado pelas condições materiais básicas para que o indivíduo possa viver com dignidade, procurou-se averiguar entre os detentos a garantia ou não deste mínimo. Os números apontados abaixo representam a porcentagem positiva, ou seja, quantos deles responderam “sim” aos itens perguntados:

TABELA 02 Resultado de pesquisa realizada com 100 presidiários

Ensino fundamental

Acesso à saúde pública

Assistências aos desamparados

Acesso à justiça Trabalho formal

20% 80% 10% 15% 8% Fonte: Questionário com detentos do Presídio Floramar

12.3 Ensino fundamental

“Abrir uma escola é fechar uma prisão”, escreveu Vítor Hugo (2003), em seu livro, Os miseráveis. Por ensino fundamental, Barcellos (2002, p. 260) entende ser “os primeiros oito anos de escolaridade”. Acrescenta-se mais um ano, tendo em vista a alteração da Lei 9.394/96 (Lei das diretrizes básicas da educação) pela lei 11.274/06 que estipula o ensino fundamental obrigatório compreendido por nove anos a começar aos seis anos de idade.

“O direito à educação fundamental envolve, ainda, prestações que assegurem condições de real aproveitamento para o aluno.” (Barcellos, 2002, p. 261). Há diversidades e graus diferentes de aprendizagem que devem ser respeitados e trabalhados de forma a sempre procurar inclusão na sociedade e, sobretudo, espera-se que a escola ensine a tolerância aos diferentes. A evasão escolar em muito se relaciona com uma não adaptação social que se manifesta já em crianças, por vários fatores, principalmente relacionados com a desestrutura familiar e social.

O ensino fundamental público tornou-se um simples e mal repasse de conhecimentos e as famílias de condições financeiras privilegiadas não mais matriculam seus filhos na rede pública. A má qualidade do ensino faz com que crianças cresçam sem qualquer capacidade de interpretação e, principalmente, sem análise crítica das situações múltiplas do conhecimento. Indivíduos analfabetos ou semi-analfabetos estarão cada vez mais defasados e tendentes à exclusão do mercado de trabalho.

Regras como o respeito ao outro, ou sobre os malefícios das drogas, não são seriamente ensinados. Vários são os déficits gerados pela qualidade do ensino na sociedade, inclusive a violência que é fruto mais da ignorância do que da pobreza.

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A educação não implica, pelo menos mais diretamente, o combate às carências materiais, mesmo que ofereça merenda de qualidade, porque se trata apenas de assistência, por mais meritória que seja. Seu efeito é mais propriamente de ordem política: forjar a capacidade de confronto com a pobreza política, desvelando a ignorância historicamente produzida. (FREIRE, 1996, p.71)

As aulas se limitam a quatro ou cinco horas por dia, ficando as crianças e os jovens, o restante do tempo, nas ruas ou diante da TV, em uma ociosidade que dificulta o desenvolvimento de indivíduos preparados para o futuro e incluídos na vida social e política, com o conhecimento de deveres e direitos do cidadão.

Um exemplo de que a escola automatiza as crianças e repassa pré-conceitos pode ser demonstrado numa visita de uma escola pública ao fórum, num trabalho do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Conhecendo o Judiciário”.

Observou-se que, mesmo ainda crianças, estas já temem o espaço forense e algumas não se sentem muito a vontade dentro do fórum. Na hora do lanche, uma criança arredia foi perguntada pelo Juiz (sem que ela soubesse sua função), porque estava parada em um canto, sozinha. Ela respondeu que tinha medo da polícia e do juiz. E o mesmo indagou quem ela achava que era o juiz e a mesma respondeu que não sabia, mas que ele não era porque estava conversando com ela. Medo por desconhecer ou por temer as instituições que têm o papel de assegurar a segurança e os direitos da pessoa humana. Isso demonstra a grande falta de informação do papel das instituições para a sociedade que deveria estar bem colocada na mente destas crianças de 10 a 11 anos de idade.

Prosseguindo, na encenação do Júri, onde se pretendia demonstrar a participação popular no Judiciário, pediu-se às crianças que representassem papéis de juiz, promotor, jurados, réu, serventuários da justiça, divididos entre os alunos. A proposta de quem seria o réu, partindo dos próprios alunos, foi de ser aquele que tinha o pai preso. O estereótipo do pai preso se estende ao filho dentro da escola.

São observações que demonstram necessário e urgente a eliminação de pré-conceitos em crianças, principalmente, dentro da escola, que só servem para perpetuar ideologias distorcidas sobre democracia. Cabe à escola não só instruir currículos básicos, mas acima de tudo, reconstruir no indivíduo a capacidade de ser uma pessoa aberta a inúmeras oportunidades na vida social.

Nas palavras de Freire (1996):

Percebo o fenômeno da aprendizagem como algo reconstrutivo e político ao mesmo tempo, dotado de qualidade formal e política. De uma parte, busca-se compreender a aprendizagem como processo reconstrutivo permanente, superando a tendência reprodutiva sistêmica e evitando, de todas as formas, o instrucionismo. Por instrucionismo entendemos o mero ensino ou treinamento, de fora para dentro e de cima para baixo, conservando o aluno na condição de objeto. É pelo menos até certo ponto, imbecilizante, pois induz à subalternidade. (FREIRE, 1996, p.35)

A escola deve abrir a cabeça das crianças ao verdadeiro conhecimento, e não conservar atitudes não críticas, servindo-se dos clichês da pedagogia do século passado, por preguiça ou incapacidade de seus professores.

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A educação, dentro da penitenciária, demonstra também dados não satisfatórios. Muitos dos detentos estão cumprindo penas extensas, e mesmo tendo escola dentro do presídio, poucos estão cursando sequer o ensino fundamental.

Dos 435 (quatrocentos e trinta e cinco) detentos, no presídio analisado, somente 75 (setenta e cinco) estão matriculados e mesmo entre eles, não há assiduidade, ou seja, não há interesse ou não há condições psicológicas para estudar, haja vista que 80% dos entrevistados, não concluíram o ensino fundamental.

Foge-se a capacidade discursiva de lidar com a explicação do porquê os detentos não freqüentam a escola, mas o que se pode observar é que tudo que compreende a prisão e a pena não é aceito. O espírito é de sofrimento e revolta e estes sentimentos se transformam numa apatia intensa que desestimula qualquer busca de novos conhecimentos.

12.4 Direito à Saúde

As prestações de saúde que o Poder Público está obrigado a fornecer, por força da Constituição, geram várias polêmicas. O discurso da “reserva do possível”, ou seja, a efetividade se confronta com o comando constitucional “saúde direito de todos”. As discussões se estendem em face das reivindicações emergenciais reivindicadas através do judiciário, que garante o direito de uma pessoa, mas não deixa de excluir outra que aguarda em filas, o mesmo direito.

São precisamente nos bairros mais pobres que propagam doenças infecciosas e outras que contribuem para o aumento da mortalidade, visto com indiferença pelos administradores públicos. Na entrevista realizada, quando se enfatizou a saúde, adotou-se a definição de Barcellos (2002) que entende por saúde básica as ações preventivas previstas na Constituição Federal, ou seja:

a) prestação de serviço de saneamento ( art. 23, IX; 198, II e 200 IV);

b) atendimento materno infantil ( art. 227, I);

c) ações de medicina preventiva ( art. 198,II);

d) prevenção epidemiológica ( art. 200,II).

Seguindo esta interpretação, a pesquisa demonstra que 80% dos detentos entrevistados disseram que este direito é atendido. Ressalvando que, para o atendimento médico realizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), nos postos e hospitais, há grande dificuldade e demora no atendimento.

Outro ponto, dentro da saúde, que diretamente se relaciona com o Direito Penal é ampliação da toxicodependência a um problema de saúde pública. O tema exige uma profunda vontade política de criação de atendimento adequado aos dependentes, mas em termos de reserva do possível, representa para o Estado um investimento menor que a reclusão.

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Em média, um detento custa ao Estado de Minas Gerais um valor de aproximadamente R$ 1.800,00 (Um mil e oitocentos reais) mensais82 e um resultado negativo ao dependente de drogas. Este tema necessita de um verdadeiro compromisso político de tratar de problemas sociais, como o da droga em geral, de forma realista e que veja no dependente uma pessoa humana, adoecendo pelo uso contínuo e inescrupuloso das drogas, e levando o indivíduo a cometer tantos outros crimes em função do uso de drogas.

12.5 Assistências aos desamparados

Segundo Barcellos (2002, p. 289) “representa o último recurso na preservação da dignidade humana, [...] seu conteúdo é dado pelas condições mais elementares que se exigem para a subsistência humana: alimentação, vestuário, abrigo.”

Ter um abrigo, um teto, confere sentimento de segurança e de dignidade. A crise de moradia é patente. O custo de acesso à propriedade ultrapassa os recursos dos mais pobres e não há ofertas suficientes a uma política predial adequada.

Há um buraco existente entre o capitalismo liberal e a realidade da periferia do mundo capitalista. O universalismo impregnado, na maioria das formulações, não permite a discussão clara sobre a coresponsabilidade do Estado e governantes perante o qual não tem condições de fruição de direitos, e a cada ano nos tornamos mais numerosos em quantidade e em má qualidade de vida.

O programa “fome Zero” do governo de Lula83 é uma ação que merece destaque por serem destinadas aos segmentos populacionais em situação de maior risco e vulnerabilidade social, apesar das críticas apontadas no sentido de que reitera práticas assistencialistas.

Observa-se que neoliberalismo consiste em pretender um Estado mínimo em garantir direitos sociais. Critica o Estado como clientelista e as pessoas como parasitas vivendo à custa do Estado e não do seu trabalho. Pretende desmantelar os serviços públicos de base, como os que compreendem o mínimo existencial, mas não garante emprego para todos.

A perda do emprego não só empobrece as famílias, mas pode afetar a estrutura delas, e deste modo, o relacionamento dos jovens com os pais. Esta cadeia de eventos pode ter impacto sobre o desempenho dos jovens na escola, desempenho que talvez seja uma das poucas saídas, ainda que não totalmente segura, deste círculo vicioso de pobreza e desesperança. (CARDIA, 2004, p. 339)

82 Informações do secretário de Estado de Defesa Social do Estado de Minas Gerais: Maurício de Oliveira Campos Júnior. Disponível em: <http://globominas.globo.com/GloboMinas/Noticias/MGTV/0,MUL382439-9072,00.html> Acessado em 24 dez. 2008.

83 O Programa Fome Zero é um conjunto de ações que estão sendo implantadas gradativamente pelo Governo Federal. O objetivo é promover ações para garantir segurança alimentar e nutricional aos brasileiros. As iniciativas envolvem todos os ministérios, as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e a sociedade.

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O desemprego é uma manifestação de violência e representa uma das maiores ameaças à segurança humana. O ser humano sendo privado dos meios de sua subsistência se submete a uma situação de vergonha e baixa estima que pode levar a várias conseqüências, principalmente ao aumento das atividades ligadas ao narcotráfico e crimes contra o patrimônio.

O mercado de trabalho é espaço de socialização, principalmente, entre jovens que adquirem e consolidam valores sobre as formas de trocas entre indivíduos e entre indivíduos e instituições. A falta do trabalho provoca uma desordem social evidente e demonstra a ausência de políticas públicas, principalmente de ações de promoção de cidadania.

12.6 Acesso à justiça

O acesso à justiça é um meio, um instrumento para os demais direitos até aqui elencados. Ademais o inciso XXXV, do art. 5º, da C.F, assegura que nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Apesar desta garantia, observou-se que muitas pessoas vêem o Judiciário como órgão perseguidor e não como um órgão garantidor de direitos, sobretudo de direitos fundamentais.

Torna-se urgentemente necessário a mudança de consciência como escreve Nalini (1997):

O destino do juiz neste milênio é liberar-se dos contornos de um agente estatal escravizado à letra da lei, para imbuir-se da consciência de seu papel social. Um solucionador de conflitos, um harmonizador da sociedade, um pacificador a trabalhar com categorias abertas, mais próximas à equidade do que à legalidade, mais sensível ao sofrimento das partes. [...] Enfim, um agente desperto para o valor da solidariedade, a utilizar-se do processo como instrumento de realização da dignidade da pessoa humana e não como um rito perpetuador de injustiças. (NALINI, 1997, p. 23).

Como servidores do povo, os membros do judiciário devem estar atentos aos comandos do pacto fundamental na construção de uma sociedade melhor, com a redução das desigualdades sociais. O Judiciário não pode perder de vista a realidade concreta em que atua. A justiça brasileira tem ficado fechada, assumindo aspecto de entidade sacralizada, seus operadores tornam-se parte visível desta postura aos olhos dos cidadãos.

É visto e dito que o pobre tem seus problemas “resolvidos” na polícia, nas ruas, nas filas dos postos de saúde, nas filas da defensoria pública, na prostituição, no tráfico, como bem observou Nalini (1997) quando afirma que “é raro seu dia na Corte”. A visão que o povo tem da Justiça poderá chegar a um ponto crítico, a partir do qual não haverá retorno para resguardar a sua credibilidade. As pessoas não podem usufruir da garantia de fazer valer

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seus direitos perante os tribunais, se não conhecem a lei, nem os seus direitos e se temerem os membros do judiciário.

Zaffaroni (1995) lembra que “juízes encastelados em privilégios e distantes, da sociedade serviram com um dos maiores estopins para a eclosão da Revolução Francesa, e que ninguém pode conter a marcha da história.” (ZAFFARONI, 1995, p. 51)

Os dados estatísticos coletados comprovam que o Direito Penal alcança aqueles que têm carência do mínimo existencial. A interpretação jurídica deve tirar as vendas dos olhos e enxergar as mazelas sociais e dar um passo à frente, na busca de uma justiça que não seja somente de papel, mas uma justiça que realmente se destine a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais bem como a liberdade.

A tão proclamada liberdade espera-se que seja real, porque de nada adianta ter o direito de ir e vir se muitos não têm aonde ir e de nada adianta pretender viver em uma sociedade fraterna, se não houver compromisso em reduzir as desigualdades sociais que estão escancaradas aos olhos de qualquer um.

Espera-se que a prestação jurisdicional, também do Direito Penal, pretenda o equilíbrio social, e busque a aplicação do direito inspirado nas lições de Ihering (2001) de que o direito deve equilibrar a espada e a balança, sob pena de se transformar em força bruta.

13 CONCLUSÃO

O presente trabalho tem a proposta de reconhecer, na verificação da culpabilidade do

agente de uma infração penal, a Coculpabilidade do Estado e da Sociedade no cometimento

da infração imputada, como um freio realista e social à punição imposta de maneira

simplesmente legal.

Com base nas pesquisas realizadas encerra-se, por ora, com as conclusões a seguir.

Devido a grande relativização do emprego da culpabilidade, buscando o juízo de

reprovação a estabilidade da norma em detrimento do homem, desenvolve-se o Princípio da

Coculpabilidade a ser observado juntamente com a Culpabilidade.

O Princípio da Coculpabilidade assegura ao homem acusado de uma infração penal

sua condição humana, como sujeito de direitos e deveres. Reafirma que a culpabilidade deve

ser medida sem desconsiderar a realidade social de cada um e o espaço ocupado na sociedade.

A infração penal como fenômeno social, por vezes, é uma resposta às desigualdades

sociais. Muitos homens tidos como criminosos são seres compelidos pela miséria, por

precárias situações econômicas e intelectuais, denotando o fracasso da sociedade e do Estado

para com todos os membros do pacto social.

O Princípio da Coculpabilidade se reafirma necessário, em tempos que se prolifera o

discurso atual auferido em face da defesa social que busca um inimigo culpado pela crescente

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violência, produzindo na sociedade uma valoração estereotipada do infrator, refletindo

diretamente nas políticas ideológicas adotadas pelo Estado.

Políticas que levam o Estado a adotar equivocadamente o Direito Penal Máximo como

forma de contenção da violência, contrariando o caráter subsidiário e fragmentário que o

Direito Penal deve respeitar, e suprimindo garantias penais e processuais conquistadas ao

longo da história.

O Garantismo Penal se apresenta como uma resposta a esse modelo, com a proposta

de assegurar a aplicação do Direito Penal com observância de princípios constitucionais

assegurando aos cidadãos a não imposição de penas desproporcionais e desmedidas, e a

aplicação mínima e racional do Direito Penal.

Desenvolve-se com base em princípios que asseguram a aplicação do Direito Penal

razoável, impedindo tantos erros que gritam pela história e que não podem ser reparados. No

modelo garantista, a justificação da aplicação da pena deve passar por vários passos que o

intérprete deve percorrer para legitimar a atuação do direito penal.

Dentre outros princípios apresentados no modelo garantista está o da culpabilidade,

expresso no axioma “nulla actione sine culpa”. O princípio assegura que nenhuma ação pode

ser considerada criminosa se não houver comprovada a culpabilidade do agente, dentro de um

processo legal com observância de outros princípios que asseguram ao destinatário da decisão

judicial a proteção de seus direitos. Todos os fundamentos do Princípio da Coculpabilidade

podem ser inseridos neste momento da verificação da culpabilidade dentro do modelo garantista.

Apesar da doutrina abolicionista não encontrar legitimidade para a atuação do Direito Penal

na sociedade, entende se que o garantismo sustenta sua manutenção como modelo que assegura a

todo julgamento humano o respeito aos comandos do Estado Social e Democrático de Direito.

Pretende o modelo garantista não coadunar com injustiças sociais como também

pretende o Princípio da Coculpabilidade, guiando a interpretação do direito penal, num

processo aberto em que se busca, sobretudo, assegurar a dignidade da pessoa humana também

à pessoa do imputado, numa noção conjunta de que a dignidade é universal, tanto no texto

constitucional como nas normas infraconstitucionais, devendo as decisões agregar dados da

vida social, na esteira que propõe o Direito Penal Mínimo.

O Princípio da Coculpabilidade está expresso em várias legislações, sobretudo da

América Latina, em países que têm como o Brasil, um Estado Social fraco onde reina a

desigualdade entre os homens, e poucos possuem muito e milhões nada possuem. Apresenta-

se como uma barreira aos anseios econômicos do neoliberalismo que busca lucros sem

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limites, e muitas vezes, utiliza o sistema penal como aliado a suas ideologias dominadoras,

retirando da sociedade aqueles não consumidores.

Observou-se a necessidade da expansão do Princípio Coculpabilidade, também a

países desenvolvidos, que exercem o poder de punir arbitrariamente em busca da exclusão de

pessoas que de alguma maneira incomodam o Poder, como foi possível presenciar, a busca

pelo dito inimigo terrorista, retrocesso histórico, fundamentado por um discurso de vingança,

em profundo contrataste com a luta pelos direitos humanos.

Constatou-se a seletividade do Direito Penal percorrendo os locais onde se julga e

onde se cumpre pena. A seletividade começa com o excesso de leis penais que enfraquecem

todo o sistema, e ocasionam uma evolução anacrônica, só servindo para a formação de mais

delinqüentes. Aumenta o Estado de Polícia e consequentemente o acervo judicial. São

julgadas milhares de pessoas alcançadas pela ocorrência policial. Os presídios se esgotam. A

análise crítica conduz à constatação de que quanto mais cresce o Estado de Polícia menos

efetivo está o Estado Social.

Esse discurso não interessa aos donos do poder, aos membros do legislativo, do

executivo e do judiciário. O discurso ideológico de que o Estado está cumprindo seu papel

vige com toda força, e a criminalidade aumenta e aumentará enquanto não se procurar

combater na base seus problemas.

Não se pretende atribuir a pobreza como causa da criminalidade e da violência, porque

se poderia seguir o mesmo caminho do discurso fascista e nazista em defesa de suas nações

contra classes tidas como criminosas, justamente por incomodar seus plenos poderes.

A classe pobre se torna vítima da não atuação do Estado Social e, portanto fica mais

vulnerável ao Estado Policial. Em uma democracia, o povo compreendido como “todos”, tem

seus direitos e deveres, e para se cobrar deveres e necessário que se tenha garantido os

direitos. O crime, muitas vezes, é conseqüência dessa não garantia de direitos, portanto, é um

problema social e não simplesmente penal.

A verdadeira função da Culpabilidade, analisada juntamente com a Coculpabilidade

no Direito Penal, é a comprovação da responsabilidade subjetiva de cada um, considerando o

ser humano e suas condições como membro de uma sociedade plural, como agente

concretamente contextualizado na realidade em que vive.

A observância do Princípio da Coculpabilidade proporciona ao juiz os fundamentos

para absolver o acusado, pela inexigibilidade de conduta diversa, avaliado em face de

condições reais de vida como fome, desemprego, desespero, analfabetismo, escravidão,

ansiedades, acumuladas no curso da existência.

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Não excluindo a infração, exerce a função de atenuante da pena em face de

circunstâncias relevantes, com base no artigo 66 do Código Penal.

Não se pode justificar toda conduta ilícita pela falta de condições materiais, sob pena

de considerar todo hipossuficiente inimputável. Não é isto que pretende o Princípio da

Coculpabilidade aplicado no modelo garantista. A proposta é que na análise do caso concreto

sejam estas circunstâncias da vida real realçadas.

As sentenças judiciais, como ato político, podem se tornar meras imitações de casos,

repetindo palavras da lei ou em decisões comprometidas com a aplicação do direito

constitucional-penal que se espera dos operadores da lei, neste século XXI.

Se não se pode mudar a triste história das punições passadas, há possibilidades de

reconstrução do presente com o intuito de mudar o curso da história do Direito Penal e sua

forma de atuação.

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APÊNDICE

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PESQUISA DE CAMPO - QUESTIONÁRIO 1) Nome completo: Filiação: Pai- Mãe – 2) Crime cometido: 2) Escolaridade: ( ) 1º grau completo ( ) 1º grau incompleto ( ) 2º grau completo ( ) 2º grau incompleto ( ) 3º grau completo ( ) 3º incompleto 3) Profissão: Antes do delito estava trabalhando? ( ) sim ( ) não 4) Condições de saúde: boa ( ) média ( ) ruim ( ) Acesso à saúde pública: sim ( ) não ( )

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5) Residência própria: sim ( ) não ( ) 6) Família - Quantos integram o núcleo familiar? Filhos menores ( ) Companheiro(a) ( ) Pais e avós ( ) Irmãos ( ) Outros ( ) 7) Acesso à justiça: Já acionou a Justiça alguma vez sem estar na condição de réu? Sim ( ) Não ( ) 8) Assistência aos desamparados (idoso, deficiente) a membro familiar? Sim ( ) Não ( )

ANEXOS

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